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A MOTIVAÇÃO EGOÍSTA NA ÉTICA SCHOPENHAURIANA A PARTIR DO § 61


DO MVR TOMO I1

Cláudio Henrique Félix Moreira2

INTRODUÇÃO
Existe, em todos os graus da objetivação da vontade, uma luta recorrente entre as
espécies de todos os homens que vivem na terra, decorre daí um grande conflito da própria
vontade humana consigo mesmo, destaca Schopenhauer na abertura do § 61 do tomo I do
Mundo como Vontade e Representação (MVR I). Dentre todas as motivações que englobam
os conflitos oriundos desses indivíduos humanos Schopenhauer propõe a investigação de um
fenômeno que acredita ser o ponto de partida que dá origem a toda essa luta entre os homens,
a saber, o EGOÍSMO.

Convicto da origem dos conflitos a partir da figura do egoísmo, Schopenhauer pondera


que a existência humana em toda sua complexidade comporta a priori a realidade de dois
grandes princípios ao qual o filósofo alemão denomina de Principium individuationis (o
tempo e o espaço) somente tomando como início essa premissa é que podemos investigar a
fonte do egoísmo uma vez que todo conhecimento (natural) só pode existir segundo essas
condições pré-estabelecidas. Por essa razão os seres humanos são dotados de vontade em
todos os aspectos de suas vivências, e a partir dessa questão podemos buscar de forma
coerente o princípio dos conflitos, ou seja, o egoísmo. É importante ressaltar que a vontade
em si não é provida de existência dentro da teoria schopenhauriana.

A vontade está contida nas aparências de toda a multiplicidade dos homens de modo
que é possível “vê-la” reproduzida em seus mínimos resquícios nas ações humanas. Mas a
essência da vontade ao qual é o “uno” das multiplicidades “vistas” nas aparências dos homens
mediante suas ações é instituída no interior de cada um. 3 É a partir disso que o filósofo alemão
conclui: o egoísmo é a “causa primeira”, isto é, enquanto princípio originário do fenômeno,
promotor de toda a vontade do homem para si, em suma, o homem sempre deseja tudo para si

1
Disciplina: História da Filosofia Moderna II 2022/02.
2
Graduando do curso de Licenciatura plena em Filosofia da Universidade Federal do Acre (UFAC) sob número
de matrícula: XXXX.
3
“Todavia, tal pluralidade não concerne à vontade como coisa em si, mas exclusivamente às suas aparências: a
vontade encontra-se por inteiro indivisa em cada aparência, e em torno de si vê a imagem inumeráveis vezes
repetida de sua própria essência.” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 385).
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e por conta dessa vontade avassaladora promove conflitos entre si para a conquista desses
desejos.

Nesse sentido, o presente trabalho pretende lançar luz sobre a temática do egoísmo que
na visão schopenhauriana é responsável pelos conflitos entre os homens levando em
consideração o § 61 do tomo I do MVR do filósofo alemão e destacar as consequências do
egoísmo e ao mesmo tempo mapear minimamente os conceitos schopenhauriano no que
concerne à vontade de vida e a perpetuação do sofrimento no mundo.

TODOS OS SUJEITOS E OBJETOS EXTERNOS AO PRÓPRIO INDIVÍDUO SÃO


REPRESENTAÇÕES

O pensamento schopenhauriano parte do princípio, de modo a referenciar inclusive o


nome da obra, de que todas as coisas externas aos indivíduos aparecem para ele tão somente
como representação: uma espécie de reprodução “infiel” da essência daquilo que reside dentro
de outros indivíduos humanos. Sendo assim, todos os indivíduos cognoscentes se apresentam
com uma Vontade de Vida avassaladora, fazendo de si mesmo o próprio centro do universo à
medida que busca cumprir as exigências da sua vontade como forma de saciar os desejos
oriundos da determinação do egoísmo.

O homem está disposto a sacrificar-se para alcançar tais objetivos (da vontade de vida)
e pra isso, se necessário, destrói o próprio mundo. A natureza do sentimento egoísta leva o
homem a destruição de si próprio na medida em que as consequências de suas ações são
reflexos da prioridade que se dá a sua própria existência em detrimento da manutenção do
próprio universo em seus aspectos de equilíbrio mais diversos 4. A partir da realidade das
ações humanas se dá dentro do contexto do tempo e do espaço é que é possível constatar a
reprodução ilimitada das consequências do egoísmo a partir da vontade e representação.
Ressalta-se aqui, no entanto, que cada indivíduo se ver e enxerga-se como vontade completa
ao passo que os outros indivíduos apenas nos são de conhecimento enquanto à sua
representação respectiva.

Cada indivíduo enxerga seu próprio fim como sendo o fim do mundo – pois é para ele
que tudo acaba – e a morte dos outros é encarada como indiferença, se não houver uma
ligação tênue (relação de parentesco ou amizade) entre a pessoa que morreu e ele mesmo.
Nesse contexto, Schopenhauer esclarece que o egoísmo atingiu o ápice no ser humano,
4
“Eis aí a mentalidade do EGOÍSMO, o qual é essencial a cada coisa da natureza. É exatamente através dele que
o conflito interno da vontade consigo mesma alcança temível manifestação.” (SCHOPENHAUER, 2015, p.
386).
3

gerando sentimentos terríveis que resultam dos conflitos internos a partir dessa manifestação
egoísta5. A capacidade “instintiva” humana que o leva a destruir a própria humanidade
(residente em si mesmo e nos outros) para obter resultados positivos quanto aos seus desejos
egoístas é inerente para estes que desejam tomar para si tudo que é dos outros, a vontade de
vida faz com que o homem seja destrutivo em prol da conquista pela própria felicidade.

Constata-se então que a mais simplória afirmação da vontade de vida é o ato de


afirmar a própria matéria, o seu próprio corpo. Quando objetivamos melhorar e promover
melhores condições para nossos corpos em todos os níveis imaginados (daí na concepção
estética, física, saudável etc.) se trata de elevar a afirmação da vontade de vida ao grau mais
alto quanto possível sob a perspectiva do egoísmo. É por meio da expressão das ações
humanas no tempo que podemos constatar a vontade de preservação do próprio corpo.
Evidencia-se dessa forma o egoísmo como fundamento das ações de autoconservação
corporal, é por intermédio do querer o bem de si mesmo que promovem-se ações voltadas
para essa preservação6.

A VONTADE DE VIDA E A VONTADE DE NADA A PARTIR DA RENÚNCIA


VOLUNTÁRIA

Vimos que o egoísmo é fonte originária das ações que perpetuam o querer oriundos da
vontade de vida dos indivíduos, nesse aspecto essa vontade de vida é mantenedora dos
conflitos que fazem com que os homens destruam uns aos outros. É a partir do querer
insaciável que também surge o impulso sexual – pois é da natureza egoísta humana perpetuar
o sofrimento por meio da reprodução – e na medida em que os impulsos (sexuais ou não) são
recusados de forma voluntária o indivíduo atinge o 3º estágio da contemplação e vontade de
nada: sendo uma autodeterminação voluntária dos nossos desejos que culmina no estágio do
QUIETISMO7.

O quietismo como último estágio da contemplação caracteriza a vontade de nada, que


é a negação de toda a vontade de vida. A renúncia dos impulsos é um estágio de negação do
próprio egoísmo e com isso destrói a afirmação da vontade de vida que é perpetuada pelo ser
humano principalmente por meio do egoísmo como fonte mantenedora dos conflitos
humanos. Nesse sentido, para Schopenhauer (2015):
5
Cf. SCHOPENHAUER, 2015, p. 386.
6
“Essa afirmação mostra-se como conservação do corpo no emprego das próprias forças. A ela liga-se
imediatamente a satisfação do impulso sexual, que pertence sim a ela, visto que os genitais pertencem ao corpo.”
(SCHOPENHAUER, 2015, p. 387)
7
Cf. SCHOPENHAUER, 2015, p. 387.
4

Já foi examinado que a primeira e mais simples afirmação da Vontade de


vida é apenas afirmação do próprio corpo, isto é, exposição da vontade
através de atos no tempo, na medida em que o corpo, em sua forma e
finalidade, já expõe essa mesma vontade espacialmente, e não mais. Essa
afirmação mostra-se como conservação do corpo no emprego das próprias
forças. (SCHOPENHAUER, 2015, p. 387).

O problema que se coloca fundamentalmente diz respeito a como negar a vontade de


vida a partir dessa renúncia voluntária para com isso deixar de perpetuar o sofrimento no
tempo. De um lado podemos pensar que para ser humano é natural que sejamos dotados do
egoísmo já que a nossa natureza primordial (animalesca) não nos permite viver fora do
“escopo” do egoísmo. Por outro lado, poderíamos atingir o quietismo como forma de negação
da vontade de vida e vivermos de forma menos animalesca.

CONCLUSÃO

Evidenciou-se até aqui que o pensamento ético schopenhauriano coloca o egoísmo


humano como fonte dos conflitos de todos os homens, é a partir do querer insaciável, isto é,
da vontade de vida avassaladora que os homens perpetuam o sofrimento no mundo na medida
em que causam danos uns aos outros para alcançar seus objetivos do desejo insaciável.

A vontade de vida é o que mantém a conservação do corpo, é o que faz com que se
afirme a própria existência por meio do saciamento dos desejos animalescos. É daí que o
egoísmo gera os conflitos, porque não é possível atingir os objetivos oriundos desses desejos
da vontade de vida sem que com isso pense em si mesmo de forma exacerbada. No entanto, a
negação do querer de forma voluntária, na qual é desprovida de motivação, pode combater a
afirmação da vontade de vida, se tornando assim um aceta.

Sendo assim, a renúncia voluntária gera um conflito interno consigo mesmo,


provocando dor e sofrimento devido a dificuldade de se atingir esse grau da vontade de nada
denominada quietismo8. Ao mesmo tempo em que a vontade é autoafirmada, ela é negada
para o outro em função do egoísmo. Isso porque ao afirmar a vontade de vida os indivíduos
acabam por destruir o corpo de outros indivíduos, pois, o egoísmo gera a destruição do outro
em virtude da autoafirmação. A motivação egoísta gera o sofrimento nessa mesma proporção
de autoafirmação da vontade de vida ao passo que nega a vontade de vida dos outros.

8
“Ora, exatamente porque essa renúncia é negação ou supressão da Vontade de vida, ela é uma autossuperação
difícil e dolorosa.” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 387).
5

REFERÊNCIAS:

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, 1º tomo. Tradução,


apresentação, notas e índices de Jair Barboza. Ed. 2, São Paulo: Editora Unesp, 2015.

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