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Tema 6 – Thomas Hobbes e o Leviatã

A teoria de Thomas Hobbes explica o surgimento do poder político com o propósito de eliminar a
brutalidade e a instabilidade da condição da natureza humana. Em busca da conservação de sua vida, os
seres humanos renunciam a liberdade, estabelecendo um contrato social que concede poder absoluto ao
Estado.

Condição de natureza e insegurança generalizada

Thomas Hobbes desenvolveu sua teoria contratualista no contexto histórico da Inglaterra do século
XVII, em um período marcado pelos conflitos entre os partidários do absolutismo monárquico e os grupos
sociais que reivindicavam a supressão da sociedade dividida em ordens e a transferência do poder político
para o parlamento. Em relação a essas disputas, Hobbes assume posição conservadora, isto é, em defesa
da monarquia absolutista.

Suas teses não se limitam à realidade sociopolítica inglesa de sua época; elas se inscrevem no debate
filosófico sobre os fundamentos e a legitimidade do poder do Estado sobre a sociedade. Sua filosofia é
contratualista, ou seja, dissocia conceitualmente natureza humana e política: sociedades politicamente
organizadas não são naturais, mas artificiais, estabelecidas por um acordo entre os seres humanos.

Para Thomas Hobbes, as pessoas são naturalmente egoístas e agressivas, motivo pelo qual a suposta
condição da natureza humana traz extrema insegurança. Diante dessa precariedade, a humanidade
abandona sua liberdade natural e institui o Estado como poder absoluto, capaz de oferecer segurança e
proteção à vida em sociedade. Assim, o ponto de partida para o exame da filosofia política hobbesiana é a
sua conceituação de natureza humana.

Na obra intitulada Leviatã, Hobbes explica a natureza humana com base em um determinismo
mecanicista ao qual os movimentos de todos os corpos do Universo estariam submetidos. No
mecaniscismo hobbesiano, existir é ser um corpo em movimento, e as razões dos movimentos dos corpos
são sempre estímulos externos, ou seja, na hipótese de ausência dessas influências exteriores, a
imobilidade é perpétua. O movimento, uma vez iniciado, tende a prolongar-se indefinidamente exceto se
contido por algum obstáculo.

Hobbes distingue movimento vital e movimento voluntário. O movimento vital se inicia com geração
de um corpo e persiste initerruptamente por toda a duração da vida; movimento desse tipo, que não
procede de um esforço ou iniciativa prévia, são a respiração, a nutrição, a digestão e a circulação de
sangue. O movimento voluntário requer um esforço preliminar do indivíduo, mobilizado pontualmente em
direção a algo que o atrai, provocando seu desejo, ou para o distanciamento de algo que lhe suscita
repulsa, aversão.
Os movimentos voluntários humanos, portanto, são sempre decorrentes de objetos externos, que
produzem apetite ou repugnância: vamos ao encontro do que estimula nosso desejo ou nos afastamos do
que nos é repulsivo. Nós nos movimentamos invariavelmente pela aspiração ao prazer ou pela expectativa
de evitar a dor. Nessa condição de natureza, o bem identifica-se exclusivamente com o objeto do prazer,
assim como mal consiste unicamente no objeto de aversão.

Na condição de natureza, inexiste um cálculo ou uma ponderação pautada pela consideração


relacionada ao bem-estar dos demais seres da espécie, pois cada ser humano move-se somente pela força
natural de seu desejo, a despeito dos sofrimentos produzidos por suas ações em outros seres humanos, ou
melhor, seu prazer implica a dor de todos os outros seres humanos. E não há, no estado natural, um prazer
ou bem supremo, um ponto final no qual um ser humano experimente a felicidade plenamente realizada,
mas há, sim, o percurso incessante do desejo, permanentemente mobilizado por algo que ainda não foi
conquistado.

Nesse trajeto incessante do desejo, o ser humano natural ambiciona para si o domínio sobre todas as
coisas e sobre todos os demais seres de sua espécie, sendo, portanto, incapaz de reconhecer os mesmos
direitos em todos os outros indivíduos da humanidade. Prevalece, assim, a competição agressiva entre os
seres humanos, que se movem pela esperança de atingir o mesmo fim: o completo poder individual sobre
o mundo.

Delineia-se, então, uma natureza humana estritamente insocial, no interior da qual as relações entre
os seres humanos se resumem a violentas disputas pelos mesmos objetivos, mobilizadas pela incessante
propensão à busca por um poder absoluto e individual, que, por sua própria definição, não é passível de
compartilhamento por todos. Nessa constante e acentuada competição, a glória de um provoca o
sofrimento de todos os outros, vigorando uma desconfiança permanente entre os seres humanos.

No estado de natureza hobbesiano, os seres humanos são essencialmente livres, e a liberdade


consiste na ausência de impedimentos exteriores a seus movimentos. Os movimentos voluntários
humanos, como vimos, realizam-se na esfera exclusiva dos desejos, sobretudo do desejo de poder. Quais
seriam, então, os potenciais impedimentos a esses movimentos? Os principais obstáculos à vigência
contínua da liberdade são os demais seres humanos. Seres humanos naturais encontram em seus
semelhantes obstáculos para a realização de seus desejos, empecilhos que devem ser removidos para a
expansão de seu poder individual, os veem como inimigos que devem ser eliminados ou subjugados. Com
sua liberdade sob constante risco, portanto, os seres humanos inclinam-se a ações antecipatórias que
neutralizem os movimentos de seus inimigos naturais.

De acordo com Hobbes, portanto, o estado de natureza é uma condição de guerra generalizada entre
os seres humanos, em suas intermináveis disputas pelo domínio sobre o mundo. A guerra de todos contra
todos é a expressão da liberdade natural. Nesses potenciais conflitos, enfrentam-se indivíduos livres e
iguais, movidos pela expectativa de dilatar indefinidamente sua liberdade, ao mesmo tempo que
suprimem a liberdade de seus iguais.

Afinal, qual é essa igualdade a que Thomas Hobbes se refere? Segundo esse filósofo, há uma
igualdade de faculdades corporais e espirituais nos seres humanos, ou seja, os indivíduos são iguais ou,
pelo menos, não significativamente desiguais em suas capacidades. Essa igualdade legitima em todos a
esperança de atingir os fins propostos pelos seus desejos. Além disso, ela favorece a perpetuação dos
conflitos no hipotético estado de natureza, pois nenhum ser humano é suficientemente superior aos
demais para estabelecer um domínio definitivo e irreversível sobre um amplo conjunto da humanidade.
Nesse contexto, a conquista de um indivíduo é sempre instável, suscetível a se desfazer repentinamente
sob a intenção destruidora de outro ser humano.

Nesse ponto, Hobbes explicita o fundamento do contrato social. A articulação dos seres humanos em
sociedades politicamente organizadas surge em razão de sua insuportável condição natural, da hostilidade
que compromete a sobrevivência humana e inviabiliza seus empreendimentos sólidos no mundo. De
maneira densa e sucinta: para Hobbes, a vida em sociedade é produto da insegurança generalizada e do
medo. O medo da morte, devido à disposição permanente para a guerra, tende à busca da paz entre os
seres humanos. Assim, a propensão ao contrato social é proporcionada pela racionalidade humana, que
confere aos indivíduos possibilidade de exercer sua condição de natureza mediante a confecção de normas
de convívio social.

Contrato social e poder absoluto do Estado

Por meio da racionalidade, os seres humanos seguem a lei de natureza e não aceitam a vigência
plena do direito de natureza. O que significam essas expressões no vocabulário político hobbesiano? O
direito de natureza consiste precisamente na liberdade que os seres humanos individuais têm de fazer
tudo o que seu julgamento considera adequado para satisfazer seus desejos e preservar sua vida. Já a lei
de natureza é a regra fixada pelo discernimento racional, que proíbe um ser humano de efetuar
procedimentos que ponham em risco sua vida e o privem dos meios necessários à sua conservação.

Direito de natureza e lei de natureza não são expressões totalmente contrárias; são confluentes, pois
ambas remetem à preservação da vida dos seres humanos. Diferenciam-se, porém, pelo fato de o direito
de natureza conter o exercício ilimitado da liberdade, pondo em perigo a sobrevivência, e de a lei de
natureza suprimir a liberdade natural em benefício da segurança. O direito de natureza pertence à
condição natural dos seres humanos, e a lei de natureza aponta para a condição social da humanidade.

Hobbes discrimina duas leis de natureza rigorosamente vinculadas. A primeira determina a busca
pelo pacifismo, ou seja, a insegurança do estado de natureza fundamenta a procura pela paz. A segunda,
desdobramento lógico da anterior, exige a renúncia do direito sobre todas às coisas, à liberdade natural
dos seres humanos, com o propósito de oferecer segurança e estabilidade à existência de todos os
indivíduos.

Renunciando à liberdade natural, as pessoas efetuam um ato voluntário em favor de si mesmas.


Fundamenta-se, com esse movimento, a vida em sociedade: os conflitos entre todos são substituídos por
normas sociais refratárias à livre manifestação da agressividade natural humana. Com o contrato social, os
indivíduos deslocam-se da dimensão natural da liberdade para a esfera social da segurança.

Na sociedade, instaura-se o plano da moralidade, no qual bem e mal deixam de ser sinônimos de
prazer e dor, respectivamente, e os critérios relativos à convivência harmoniosa entre os seres humanos
garantem a proteção de todos. Hobbes, porém, sentencia a insuficiência da renúncia à liberdade para a
consolidação do contrato social, registrando a disparidade entre a natureza humana e as exigências das
normas morais. O filósofo afirma que não é razoável confiar que seres naturalmente egoístas estejam
espontaneamente dispostos a seguir todas as regras delimitadas no palco social, constatando a fragilidade
dos vínculos morais perante a natureza humana.

Dessa maneira, a viabilidade do contrato social exige mais do que renúncia à liberdade. É necessário
que as aspirações humanas ao poder se transfiram para um ente concebido artificialmente, que, de fato,
concentre em si todo o poder. Na expressão metafórica de Thomas Hobbes, esse ser humano artificial,
pleno de poder, é o Leviatã, personagem bíblico descrito como extremamente poderoso – não há monstro
marinho que se equipare a ele em poder, e ninguém se atreve a enfrenta-lo. Recorrendo à metáfora do
Leviatã, o filósofo pretende assinalar veementemente o poder absoluto do Estado.

O Leviatã, isso é, o Estado, é tanto um produto do contrato social quanto a garantia de sua
efetividade, pois somente o poder estatal é capaz de neutralizar as propensões naturalmente insociais dos
indivíduos. O poder coativo do Estado assegura o cumprimento de normas sociais que os indivíduos, por
sua natureza humana, são inclinados a desrespeitar.

Em que medida esse poder do Estado, de acordo com a concepção filosófica hobbesiana, é
legitimamente absoluto? O poder estatal absoluto, segundo Hobbes, justifica-se por sua autoria. Quem são
os autores desse poder? Os próprios seres humanos, que, por intermédio do contrato social, transferem
seu desejo destrutivo de poder para essa instituição competente a fim de conferir ao poder sua forma
social. As aspirações individuais de poder absoluto se convertem, por decisão consensual de todos, em
poder absoluto do Estado. Procedendo dos súditos ou dos cidadãos, o poder estatal não se presta a
contestações, e transgressões dos indivíduos contra o Estado equivalem a rebeliões contra si mesmos.

É preciso fazer uma distinção entre poder absoluto do Estado e Estado absolutista. O conceito de
poder absoluto de Estado refere-se ao ilimitado e incontestável poder do Estado sobre a sociedade e os
indivíduos, desde que esse poder seja empregado em proveito das vidas individuais e da harmonia social.
Já a expressão Estado absolutista se refere a uma forma histórica específica de organização do poder
político, predominante no cenário político europeu entre os séculos XV e XVIII. Nesses Estados absolutista,
o poder político se concentrava na pessoa do monarca, cuja decisões eram, pelo menos em tese,
soberanas e inquestionáveis.

Assim sendo, para Hobbes, o Estado absolutista ou o absolutismo é um dos modelos históricos de
estruturação do poder absoluto do Estado, mas não o único. Poder absoluto do Estado e monarquia
absolutista não são, portanto, conceitos plenamente coincidentes. O poder absoluto do Estado é
compatível com o poder despótico de um rei, mas também com o poder político exercido por uma
assembleia restrita ou ampla de cidadãos.

Thomas Hobbes, diante dos conflitos sociais e políticos ingleses do século XVII, posicionou-se
abertamente em defesa do absolutismo monárquico. Nas páginas do Leviatã, ele declara essa preferência,
mas não reduz o poder absoluto do Estado a essa forma de governo.

Hobbes demonstra que o poder do Estado tanto pode ser representado por uma única pessoa quanto
por um grupo. No entanto, adverte que o governo exercido por uma assembleia de cidadãos é vulnerável
por ser propício a disputas entre seus componentes e divisões internas que afetam negativamente a
unidade do poder estatal. Para ele, a forma monárquica de governo é potencialmente convergente com o
bem comum, à medida que os interesses da família monárquica coincidem com os interesses da sociedade
– a prosperidades dos súditos é, assim, condição necessária para a prosperidade da realeza.

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