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NOÇÃO DE LUGAR
Diante do termo, começamos com uma consulta ao dicionário.
Encontramos que o verbete "lugar é um substantivo masculino oriundo do
antigo latim lôgar, locus e local como adjetive Para nosso espanto, nos
deparamos com nada mais nada menos que dezoito vocábulos para designar
lugar. A definição de lugar se mescla, se confunde com espaço ocupado (aqui
empregaremos esse termo), com sitio. Em outras vezes significa povoação,
localidade, região e até país. Em ocasiões diversas quer dizer posição,
categoria, situação, origem, sendo empregada também como oportunidade,
ensejo e vez. Lugar e tempo se nos apresentam frequentemente intimamente
ligados. Percebemos e sentimos a realidade temporal acoplada ao lugar, ao
espacial.
Ampliemos só pouco mais a compreensão. Lugar não é uma forma nem
uma matéria, aristotelicamente falando. Também não é um intervalo ou um
vazio espacial que pode ser sucessivamente ocupado por diferentes corpos
físicos e por si mesmo. O que Aristóteles não poderia ter concebida foi o
conceito de una moderna teoria da relatividade; um lugar é imóvel, no sentido
figurado. A concepção atual de lugar é de tempo em espaço, ou seja, lugar é
tempo lugarizado, pois entre o espaço e tempo se dá o lugar, o movimento, a
matéria
NOÇÃO DE SENTIDO
De volta ao dicionário, tivemos uma igual surpresa quando nos
depararmos com uma infinidade de vocábulos também para sentido.
Assim, buscando no léxico, o verbete sentido aparece como particípio do
verbo sentir. Ainda, sentido é empregado com adjetivos: sensível, triste,
magoado. Porém, quando usado como sujeito masculino pode significar
fisiológico (forma de receber a sensação dos órgãos dos sentidos), senso,
juízo, prepósito, objetivo, pensamento, aspecto, cuidado; ou sujeito feminino:
atenção, direção, advertência, voz de comando (militar). Par outro lado, ainda
podemos usar o termo com sentido figurado, fazer sentido, segundo sentido,
ter sentido.
Todavia, convém lembrar com Cassirer que talvez não exista problema
mais desnorteante e controverso que o “sentido do sentido”. Na filosofia
clássica, a solução de tentativa partia da presunção de que sem identidade
entre o objeto conhecido e a realidade conhecida o fato do conhecimento seria
inexplicável.
Para pensar qual é o “sentido do sentido” é necessário de Início, o
significado ser explicado em termos de ser; pois o ser ou substância é a
categoria universal, que vincula entre si verdade e realidade. Neste texto,
utilizaremos o termo como acepção, como significado ou significação, o que as
coisas querem dizer.
Outro autor que convém lembrar, por seus aportes para explicar e
ampliar a noção de lugar, é Yi-Fu Tuan, com seu clássico Espaço e Lugar, a
Perspectiva da Experiência.
Para esse geógrafo, a familiaridade com dada porção do espaço, pela
experiência, faz torná-la lugar. Pois espaço e lugar sio designações do nosso
cotidiano, indicando experiências triviais, do dia a dia. Não há necessidade de
fazer um esforço consciente para estruturar nosso espaço, uma vez que esse
espaço em que nos movemos e nos locomovemos, integrante de nossa vida
diária, é de fato o nosso lugar. Conhecemos o fosso lugar; cada um tem seu
lugar. Assim sendo, onde vivemos todos, nossa residência, nosso bairro inteiro,
se tornam um lugar para nós. A própria pátria, vista como nosso lar,
afetivamente, se torna um lugar. "O lugar é segurança e o espaço liberdade, ou
ainda, o espaço movimento e o lugar passa logo, o espaço é mais abstrato e o
lugar mais concreto. A valorização do lugar provém de sua concretude; embora
seja passível de ser engendrado ou conduzido de um lado para o outro, é um
objeto no qual se pode habitar e desenvolver sentimentos e emoções. Tal
realidade concreta é atingida por meio de todos os nossos sentidos, com todas
as nossas experiências, tanto mediante a imaginação quanto simbolicamente.
Conhecer um lugar é desenvolver um sentimento topofilico ou
topofóbico. Não importa se é um local natural ou construído, a pessoa se liga
ao lugar quando este adquire um significado mais profundo ou mais íntimo. Os
lugares íntimos, como nossos lares, são mais aconchegantes no inverno, nos
dias chuvosos, nos momentos de doenças ou de festividade, de descanso, de
atendi- mento às nossas festividades. Contudo, a criança, desde pequena,
encontra o seu lugar intimo e primeiro nos pais, pois a casa está repleta de
objetos habituais vistos com a realidade do lar.
Os lugares, ainda segundo Tuan, podem se fazer visíveis por meio de
inúmeros meios: rivalidade ou conflito com outros lu gares e manifestações de
arte e de arquitetura. Todo lugar adquire identidade mediante as diversas
dimensões espaciais, tais como: localização, direção, orientação, relação,
território, espaciosidade e outras. É relevante, também, relacionar o espaço/
lugar com o tempo, pois em três momentos este se torna aqueles: tempo como
movimento, sendo lugar como pausa; afeição ao lugar como função do tempo;
e lugar como tempo tornado visível ou lugar como lembrança. Em suma, lugar
é um mundo de significados organizados, a um tempo estático e a outro
dinâmico; são caminhos que se tornam lugares significativos.
Não poderíamos esquecer de apresentar, neste ensaio, as reflexões de
Kevin Lynch em What Time is This Place? Suas preocupações dizem respeito à
representação dos lugares: presente, passado e futuro, ligada ao ritmo da vida,
pois são costurados juntos na síntese dos tempos biológico, psicológico e
social. Para os indivíduos, tempo/lugar significa seus lares. suas residências,
seus lugares de trabalho, de lazer, enfim de todas as suas ações.
O autor entende que o mundo ao nosso redor pulsa em ciclos grandes e
pequenos. É como se nadássemos em uma corrente do tempo, da informação.
Alguns ciclos são evidentes aos nossos sentidos, com alternância de: luz e
sombra, quente e frio, barulho e silêncio, fases da lua, marcha aparente do sol,
dia e noite. No entanto, outros que nos afetam não são conscientes: o fluxo da
gravidade, a pressão atmosférica, radiação não visível. Outros ainda implicam
mudanças: dormimos e acordamos, saciamos e sentimos fome, ficamos
alegres e tristes, nascemos, crescemos, vivemos e morremos, interessados e
entediados. Há aqueles ciclos internos, corporais, muito evidentes: temperatura
do corpo, excreção, batimento cardíaco, atividade cerebral, respiração,
digestão, movimento dos olhos, menstruação, produção de hormônios,
crescimento, tônus muscular, sonhos, anseios, afeições.
Lynch, como arquiteto, pesquisador e estudioso das for- mas, das
funções e das estruturas do espaço urbano, nos trouxe uma grande
contribuição à compreensão e à abrangência sobre o lugar. Direta ou
indiretamente, na prática, quem mais tem se aproveitado de suas investigações
e resultados são os geógrafos. Pois o lugar é considerado uma das essências
básicas para a geografia humanista.
O autor discute as transformações das cidades, como lugares em
continuas mudanças. As urbes são modificadas por crises econômicas,
catástrofes ecológicas, uso de materiais diferentes e inovadores, assimilação
de novos estilos de vida, principalmente pela industrialização e adoção de
áreas verdes (parques, jardins, alamedas, praças arborizadas) e, por que não,
pela chegada de epidemias (no passado, as pestes e as pragas: e, no
presente, a dengue ou a gripe suína).
A presença do passado, no perfil das cidades, é a valorização do meio
ambiente natural, quer na reconstrução de conjuntos de antanho, quer na
preservação de edifícios, ruas, praças ou bairros inteiros. O autor continua a
examinar a questão de mudança e de recorrência, como o sentido de estar vivo
e sentir-se vivo. As coisas se vão, a morte chega e o presente é consciente,
pois a imagem que temos do lugar é sempre pessoal. Nossas imagens do
passado e do futuro são imagens do presente continuamente recriados. O
cerne de nosso sentido de espaço-tempo é o sentido de agora" e "aqui. Temos
dois tipos de evidência da passagem do tempo que se reflete no lugar: a
repetição rítmica (as marés, os relógios, ciclos do sol e as fases da lua) e a
mudança progressiva e irreversível (crescimento e decadência) não são
recorrentes, mas a alteração do que amamos de fato não retorna, apesar de
nossas esperanças e desejos de que as coisas mudem. Temos consciência de
que o tempo interior é diferente do exterior. O tempo social que coordena as
ações de muitas pessoas nem sempre estão de acordo com o tempo rítmico do
corpo. Os relógios digitais são bem mais precisos, mas o tempo flui da mesma
maneira. Procuramos alcançar o espaço-tempo para este mundo ou para
preservar, ou para mudar, tornando visível o nosso desejo. A imagem precisa
ser flexível e consoante à realidade externa (o lugar) e à nossa natureza
biológica para promover nosso bem-estar.