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Considerar as transformações contemporâneas no mundo circundante e
nas formas de identidade altera significativamente a relação com o lugar e sua
natureza, de maneira a afetar a interpretação ora dada às três situações que
iniciam este texto? A resposta é não. O lugar enquanto Circunstancialidade
abre a possibilidade de pensar seu sentido mais essencial, ligado à
mundanidade do mundo cotidiano. Apesar da complexidade de esferas de
mediação e das dificuldades de estabelecimento de casulos de proteção ou
mesmo de um mundo circundante claro e inteligível, o lugar continua a operar
como centro cognitivo, afetivo e lógico do nosso mundo vivido
Se o "aí" do ser-ai não pode ser focalizado como um lugar (como a
casa), na concretude do vivido é assim que nós o operamos: como se fossem
lugares específicos, fenomênicos ou existenciários.
Não é possível enfrentar a fluidez contemporânea negando a força da
concretude existencial ligada a uma dada Circunstancialidade centrada no
lugar. A constituição do lugar e do cu são indissociáveis, pois tem os mesmos
processos constitutivos operando nos dois polos: eu-lugar, Ambos compõem a
centralidade egocêntrica da Circunstancialidade do ser-no-mundo, e por isso as
análises sobre as transformações na experiência contemporânea se referem
também ao lugar. Esse lugar pole ser um conjunto, pode ser uma cidade, pode
ser um quarto. Importante é o sentido evocado pelo circundante do mundo um
conjunto dinâmico que faz sentido a partir de uma central dede, de um ego, que
é o ser no mundo Essa dimensão do ser independente da força que os
processos de mecanização e mediação da experiência ou de ruptura da
segurança ontológica possam ter, continua figurando como o principal
mecanismo de autoidentidade e de, em última análise, constituição do ser Mas
não como algo estático e cristalizado num enraizamento imobilizante, lugar é
algo dinâmico que se constrói a partir da Circunstancialidade do ser-no-mundo.
Na verdade, portanto, ao invés de entender Giddens e outros autores da
modernidade liquida (ou tardia) como defensores da diminuição do papel da
espacialidade e, em especial, da importância do lugar no mundo
contemporâneo, vejo que há uma aproximação muito mais elementar entre o
diagnóstico que fazem da sociedade contemporânea com o posicionamento
ontológico heideggeriano. Afinal, o filósofo alemão está pensando justamente o
estabelecimento da sociedade que temos hoje o império da técnica. Heidegger
está atento e contrapõe-se, na sua reflexão sobre o ser, ao que hoje Giddens
identifica como crise ontológica e da autoidentidade, que nada mais é do que
um profundo ocultamento do ser e o impedimento de uma existência autêntica.
Esta, para Heidegger, não pode ocorrer senão na pre-sença, no ser-aí
ontologicamente mundano. Giddens, por seu lado, identifica alguns dos
obstáculos para tal possibilidade hoje.
Contudo, o obstáculo também é a potência, e o caminho posto é o da
subversão desse ordenamento antilugar que circunscreve a
Circunstancialidade a esferas abstratas que não podem ser manejadas pelo
indivíduo. Para que nos postemos à soleira do ser, precisamos que o lugar seja
o centro, na proximidade, para que possamos operar o cuidado e a proteção. E
para isso, os processos de desencaixe são uma dificuldade, não uma
indeterminação.
Diante dessas possibilidades, o que ressurge é o lugar: forte,
necessário, imprescindível para pensar uma experiência mais autônoma e
menos autômata no mundo contemporâneo. Se Circunstancialidade é de fato
uma abertura para compreender o (sentido de lugar, então é nesta situação
atual, nesta possibilidade, que o lugar deve ser entendido no centra la o circuite
da cotidianidade, enquanto fundamento espacial da existência.