Você está na página 1de 5

A LITERATURA EM DIÁLOGO COM A GEOGRAFIA DAS

EMOÇÕES: O ESPAÇO DO (R)EXISTIR

Angela Vitoria Andrade Gonçalves da Silva


Professora do curso de Direito da Rede Doctum – Unidade
Manhuaçu/MG. Mestranda do PPG-GIT/Univale. Pesquisadora
apoiada pela FAPEMIG.
E-mail: angelavitoriaandrade@hotmail.com

Bernardo Gomes Barbosa Nogueira


Professor do curso de Direito e do PPG-GIT/Univale – Governador
Valadares/MG. Doutor em Teoria do Direito pela PUC/MG. Mestre
em Ciências Jurídico Filosóficas pela Faculdade de Direito de
Coimbra.
E-mail: bernardogbn@yahoo.com.br

André Rodrigues Santos


Professor e coordenador do curso de Direito na Univale. Mestre
em Ciências das Religiões.
E-mail: andre.santos@univale.br

Introdução
O mundo é acessado e experimentado através de mediações simbólicas, científicas ou
não, com destaque para as produções literárias e suas narrativas. Criações poéticas. Ficcionais.
Dramáticas. Míticas. Românticas. Folclóricas. Críticas. Pela literatura, o ser humano forma a
si mesmo em direção ao Outro. Pela narrativa se confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e
combate, a partir da multiplicidade humana em sua relação com seu tempo e espaço. Explora-
se as experiências, por meio das emoções do Eu, do Outro e do Nós. O mundo por ser
permeado de pessoas, é simbólico, e estudar suas formas de acesso sem subjetividade é
insuficiente.
Enquanto historicamente permeado por pessoas, territórios e fronteiras, o mundo
globalizado se vê imerso em uma realidade que se volta a produção expansiva e predatória de
capital, evidenciando uma sociedade atomizada e sem fronteiras. Tudo é possível, aberto e
ilimitado. Nesse processo, o tempo, antes em comunidade, passa a ser do Eu e voltado apenas
para o trabalho, momento em que o indivíduo, passa, inconscientemente, distrair-se do
processo de dominação, havendo a necessidade latente de uma alternativa dessa crise do
(r)existir.
Nesse contexto, o presente trabalho pretende, por meio de revisão bibliográfica, refletir
de que maneira a literatura permite uma (re)leitura de conceitos da Geografia Tradicional –
“sem pessoas”, a partir de suas narrativas, como uma alternativa possível de resistência ao
capital, pela (re)definição de lugares e espaços de luta.

1. Fundamentação teórica
A presente pesquisa com objetivo de traçar uma análise crítica acerca das
possibilidades da literatura como resistência no atual cenário que se volta a distração dos
mecanismos de dominação, voltar-se-á, em primeiro lugar, para os escritos de Pierre Dardot,
Cristian Laval e Byung Chul Han, para compreender a atual estruturação da sociedade,
marcada pelo neoliberalismo e a modificação no âmago no mundo do trabalho.
Na sequência, ao identificar que se de um lado são tempos de desempenho, por outro,
verifica-se uma mutação no mundo do trabalho, antes coletivo e organizado. O fenômeno
trabalho passa a assumir uma face narcisista, egoísta, solitária e invisível. O indivíduo passa,
pela união paradoxal da liberdade e coação, à modificação de registro da exploração estranha
para “exploração própria”. Sentimentos e narrativas são vitimados em favor do desempenho.
Sujeitos felizes produzem e produzem incessantemente. A diferença e o Outro, não tem
espaço, por representarem uma potencial negatividade – negatividade ao sistema de
dominação liberal. Por esse motivo, propaga-se a ideia de uma sociedade formada por
indivíduos iguais.
Nesse sentido, em um mundo globalizado de iguais e sem fronteias, buscar-se-á
identificar os estudos da Geografia que clarificam as formas de acessar e compreender o
mundo. A partir de uma análise histórica, breve, da Geografia enquanto ciência, tendo por base
as pesquisas de Márcia Alves Soares da Silva, que, em suas abordagens busca elucidar a
passagem da Geografia Tradicional “sem pessoas” à subárea da Geografia Humana, múltipla,
complexa e heterogênea. Na mesma esteira, após identificar a materialidade humanista
presente em conceitos, antes, sem pessoas, no interior da Geografia Humana, passa-se
enfatizar a perspectiva subjetiva das experiências espaciais, por meio das emoções, afetos,
percepções, evidenciando a chamada Geografia das Emoções. Por essa perspectiva, busca-se
“entender as emoções como parte da subjetividade humana que permite objetivar a vida, sendo
o substrato do espaço vivenciado e que possibilita conformação de espacialidades” (SILVA,
2019, p. 83). No contexto, analisar-se-á a partir da Geografia das Emoções – ciência que estuda
o acesso ao mundo pelo ser humano através de suas subjetividades, o caráter problemático de
viver em uma sociedade que se oculta por uma máscara da positividade a qualquer custo,
impossibilitando a experiência humana sustentada por sentimentos e dotada de narrativas.
Por fim, a partir de uma sociedade atomizada, egoísta e narcisista, falaciosamente
"igual”, e partindo da premissa da Geografia das Emoções que o mundo é experimentado por
mediações simbólicas, explorar a potencialidade – ilimitada – da literatura como instrumento
capaz de conduzir o indivíduo, sem sair do “lugar”, a diferentes espaços e temporalidades,
vivências e subjetividades, criando-se espaços de resistência, com base nos escritos de Jacques
Derrida.

2. Resultados alcançados

Pela pesquisa, identifica-se as narrativas enquanto históricas, contextualizadas,


criativas e abertas ao por vir, e, por esse motivo, possibilitam que a literatura ressignifique,
através das emoções, a percepção do lugar, do espaço e da paisagem descritos, vivenciados
pelo narrador e pelo ouvinte. Através da literatura, transforma-se temporalidades,
espacialidades, significações e histórias de vida, uma possibilidade no interior da Geografia
das Emoções. A todo momento o sujeito se relaciona com a espacialidade em uma dada
temporalidade e a expressa por meio de construções simbólicas, ignorar este fato representa
um retrocesso teórico.
Uma das estratégias marcantes do capital está em distrair o indivíduo, a partir do
sistema de dominação psicopolítico, por meio da coação a liberdade, felicidade e positividade,
uma vez que cuida que cada indivíduo se preocupe com a própria psyché, sucesso e realizações,
em prol de uma vida feliz e bem-sucedida – Não se esqueça: Sujeitos felizes produzem e
produzem incessantemente, deixando de refletir sobre as misérias sociais. Nesse contexto,
quem fracassa, no lugar de questionar o sistema, responsabiliza-se e envergonha de si mesmo.
Nesse contexto, pela literatura, aposta-se, na criação de espaço simbólico de
resistência, como uma possibilidade de desvelar para o narrador/ouvinte, os grilhões
neoliberais que o prendem, isso porque a literatura não se permite aprisionar. Contudo, como
horizonte de Derrida, a literatura pode, ao mesmo tempo ser abertura ou limite, progresso ou
espera, motivo pelo qual não se desconsidera também as chances de ela ser alcançada pelo
neoliberalismo no processo de totalização da vida.
Ao ser uma estranha instituição onde tudo pode ser dito, segundo o autor
A liberdade de dizer tudo é uma arma política muito poderosa, mas pode
imediatamente se deixar neutralizar como ficção. Esse poder revolucionário pode
tornar-se muito conservador. O escritor pode, igualmente, de fato ser considerado
irresponsável. Ele pode, eu diria até que deve, às vezes, reivindicar certa
irresponsabilidade, pelo menos no tocante a poderes ideológicos [...] que tentam
cobrar dele responsabilidades extremamente determinadas perante os órgãos
sociopolíticos e ideológicos. Esse dever de irresponsabilidade, de se recusar a
responder por seu pensamento ou por sua escritura diante dos poderes
constituídos, talvez seja a forma mais elevada de responsabilidade. Diante de
quem ou de quê? Eis toda a questão do porvir ou do acontecimento prometido
por tal ou qual experiência, que há pouco eu chamava de democracia por vir.
Não a democracia de amanhã, não uma democracia futura, que estará presente
amanhã, mas aquela cujo conceito se relaciona ao porvir. (DERRIDA, 2014, p.
53, grifo nosso)
O que permite a literatura ser essa estranha instituição, a possibilidade do dizer tudo
do literário, tem intima relação com a democracia moderna, espaço de liberdade e infinitas
possibilidades. Sobre essa intima relação, Derrida (2014) destaca que não significa dizer que a
literatura dependa de uma democracia instaurada, mas seria inseparável de “uma democracia
por vir, no sentido mais aberto (e, indubitavelmente, ele mesmo por vir) de democracia”
(DERRIDA, 2014, p. 51).
Dessa maneira, como a democracia que se funda em uma promessa se abertura para
além dos limites legais, a literatura também, motivo pelo qual se reconhece o risco e possível
captura da instituição pela estrutura que totaliza a vida, em prol da produção.
Conclusões
Na coação à liberdade e felicidade, o indivíduo deixa o tempo do Outro, o que modifica
sua relação com a espacialidade a temporalidade existente. Assim, na perspectiva da Geografia
das Emoções, as emoções são essenciais a linguagem da vida social humana, que orientam as
relações sociais e essencialmente a relação com o Outro. Nesse campo, as pessoas são resultado
da relação corpo/consciência, com o Outro, consigo mesmas, no espaço-tempo (SILVA, 2016).
Nesse sentido, tem-se que para a geografia emocional, as emoções traduzem narrativas.
Contudo, não são tempos de narrativa, mas sim tempos de trabalho no capitalismo das não
emoções, visto que o indivíduo é levado – manipulado – a “ignorar” aquilo que o torna humano
e verdadeiramente livre, a vida com o Outro, em prol da fórmula do sucesso: o máximo
desempenho. Nesse processo de distração do sistema de dominação, mesmo com os ataques à
linguagem lúdica, e reconhecendo o caráter por vir da literatura, a presente pesquisa, ainda em
andamento, reconhece-se a importância das mediações simbólicas, permitida pela literatura,
para ressignificação do espaço de resistência, sem, contudo, ignorar a chances de ela, em sua
promessa de abertura e infinidade, ser alcançada pelo neoliberalismo no processo de totalização
da vida, haja vista que essa estranha instituição permite a transcendência do sujeito, sem sair
do lugar, em direção ao Outro.

Referências
DA SILVA, Marcia Alves Soares. Por uma geografia das emoções. GEOgraphia, v. 18, n.
38, p. 99-119, 2016.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 402 p, 2013.
DERRIDA, Jacques. Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com
Jacques Derrida. Tradução de Marileide Dias Esqueda, revisão técnica e introdução de Evando
Nascimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
HAN, Byung-Chul. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. RJ, ed. Vozes, 2021.
HAN, Byung-Chul. Sociedade Paliativa: a dor hoje. Petrópolis, 1 ed. Vozes, 2021.

Você também pode gostar