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Ribeiro, Laura Cançado. Para compreender a simbólica do corpo humano. (Texto, 12 p.

Análise simbólica do desenho da figura humana: texto 3

Para compreender a simbólica do corpo humano


Cotidianamente, o que são símbolos? No dia a dia, atribuímos significados pessoais a
acontecimentos, pessoas e coisas. Um adorno pode ter valor estimativo para uma pessoa e não o ter
para outra. Esse valor estimativo — decorrente do apego que a pessoa tem ao objeto — está ligado ao
significado simbólico do objeto.
O objeto está ali, na sua indiferença de objeto, mas simboliza para a pessoa um determinado
acontecimento, quase sempre de natureza interpessoal (foi bom receber aquela caixa de presente,
esse foi o primeiro livro que li...). Na direção oposta, determinados objetos podem “deixar de ter
significado” para a pessoa, ou passar a ter significado desagradável. Assim, além de seu valor funcional,
ou de sua indiferença de objeto, todo objeto é um símbolo de uma ocorrência autobiográfica. Carrega
um valor simbólico individual, re-presenta algo vivido, e que pode ser compreendido se o sujeito
comunicar...
Um bebê nasce. Esse fato biológico é modificado por todas as significações que cercam o
evento! Há um “mundo” simbólico, que corresponde a um segundo meio ambiente com o qual vamos
interagir. Interagimos simbolicamente, e compartilhando símbolos.
Esse compartilhar simbólico dá a dimensão especificamente humana ao viver. Pense algo bem
simples: você está numa loja e pede água (Você pensou em ― “Por favor?”). Quando outra pessoa
compreende o pedido, houve uma troca complexa de significados e de experiências similares entre os
dois, que permitiu a compreensão: ambos já sentiram sede, ambos aprenderam que a palavra água
significa aquele líquido que satisfaz a sede, ambos aprenderam os modos de se beber água naquela
cultura específica: com as mãos em concha, ou segurando um copo com a mão.
De modo mais sutil, se você diz a alguém que está precisando de uma “água que vivifique”, e
alguém compreende você, vocês estão compartilhando mais símbolos: o da água que limpa e o da
água ritual das renovações espirituais. Dessa forma, as fontes dos símbolos "estão aí", têm um caráter
de objetividade cultural, transcultural, ou mesmo antropológica.
A face dupla dos símbolos. O símbolo seria, assim, como uma moeda estranha, em que uma
das faces fosse espelhada. Uma face reflete a imagem de seu possuidor, a outra compartilha com o
Outro seu valor de troca. O símbolo é sempre individual, mas há regularidades na atribuição de
significados simbólicos (o “valor de troca”). E os dois aspectos coexistem.
E na prática do desenho? Na prática do desenho da figura humana, pensar nas duas faces do
símbolo equivale a lidar com os dados da cultura, que também informam você, e os do sujeito, para
conseguir compreender a pessoa que está à nossa frente, e que se revela nos desenhos feitos.
Há significados simbólico-culturais regularmente associados a cada parte do corpo humano (a
cabeça faz você se lembrar de algumas “coisas”, a barriga faz lembrar outras). Há significados simbólico-
culturais regularmente associados à apresentação geral da figura desenhada (com roupa de militar, ou
de executivo...), ou à representação dos dois sexos (ela, moderna; ele, primitivo), à estrutura do desenho,
e até ao modo de se comportar no momento de desenhar, em interação com o aplicador. Os dados da
cultura antecedem a prática. É desejável que a pré-compreensão (Coreth) do aplicador seja bem rica.
A face individual do símbolo aparece na conversa que se segue ao desenho das duas figuras
humanas. Quando você pergunta, por exemplo: —“Percebi que você desenhou aqui, na mão da mulher, essa
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pasta; você poderia me dizer o que te fez ter o desejo de desenhá-la?” Quando o desenhista responde, a
compreensão da psicóloga se aprofunda. Sua pré-compreensão se enriquece com as novas porções de
sentido que quem está desenhando coloca. A pessoa-sujeito (PSJ) concedeu abrir sua rede de sentidos
a você. Há encontro das perspectivas — que não significa acordo necessário. Aí se criou a possibilidade
de compreender o sujeito que desenhou.
Vamos imaginar o universo simbólico?
Nele, tudo é significativo e inter-relacionado. Cirlot diz que, no recinto simbólico, “nada é
indiferente; tudo expressa algo, e tudo é significativo”. Cada gesto, cada palavra, cada traço de desenho
carrega uma significação. Esse recinto é também complexo: "nenhuma forma de realidade é
independente”. Por exemplo, o espaço simbólico da folha de papel, o espaço simbólico do ambiente
em que ocorreu a prática de desenhar, o espaço simbólico psíquico dos sujeitos envolvidos na situação,
o espaço simbólico que ocupa a representação do corpo para o sujeito, as memórias inscritas nessa
representação do corpo, as significações aprendidas e vividas sobre o corpo se inter-relacionam de
algum modo.
É um recinto “serial”. Segundo Cirlot, todo símbolo (ou conjunto simbólico) é apenas um caso
particular de uma organização simbólica mais geral, em que há gamas, gradações entre fenômenos
que são interligados, e interligados de determinadas formas (há séries ou ordens de significação).
Por exemplo, o corpo humano é visto como um corpo sólido e limitado em relação ao espaço
que o cerca, mas também é um corpo situado no ponto culminante da hierarquia evolutiva de seres
vivos (por exemplo, degrada-se o ser humano quando foi pedido o desenho de uma pessoa e o
desenhista faz um animal, ou uma pessoa parecida com um animal...)
É construção dialética de um animal simbólico. Isso remete a um terceiro modo de ver o corpo
humano, como corpo de um ser simbólico. O animal simbólico homem, pela consciência, transforma o
universo, a si mesmo, e a seu corpo, em símbolos (Cirlot: p. 302). Pela consciência, reconstrói em si o
universo, torna-se o microcosmo que espelha o macrocosmo. O dinamismo interno entre os elementos
de seu corpo passa a inserir-se num contexto mais amplo de significação. Agora, a experiência da
cultura passa a mediatizar as experiências simples, diretas, imediatas, do corpo próprio.
É uma construção psicogenética de cada um. A construção psicogenética desse recinto serial,
pela criança, nos mostra que é a experiência simples, direta e imediata do corpo que faz a mediação
entre o homem e seu meio. Pela experiência corporal no ambiente constrói-se a ideia do espaço, do
tempo, das coisas, do ambiente e as abstrações derivadas (Piaget). Mas, ao mesmo tempo, a criança
constrói também a ideia de corpo e passa a compreendê-lo simbolicamente (por exemplo, “meu corpo
é bonito”, “sou ágil”, ou “meu corpo é fraco”...). Assim, o corpo, que é a ponte das interações originais,
torna-se o ponto de retorno da compreensão simbólica adquirida, também formada pelo
microambiente em que se viveu.
Todo símbolo é um multissímbolo, que expressa algo da natureza, algo humano e algo
abstrato. Todo símbolo remete a camadas diferentes de realidade e convida à experiência de
dimensões diferentes da experiência humana, coletiva e individual. Lendo-se Cirlot, pode-se deduzir
que todo símbolo envolve a expressão de algo concreto, da natureza, de algo humano, e de algo
abstrato, (ou espiritual, ou metafísico), essas constituindo três camadas diferentes de realidade.
Os multissímbolos transitam em cadeias de associações que constituem uma rede. O símbolo
é polivalente também porque também condensa múltiplos significados, pela rede de significação em
que se insere “horizontalmente”. Cada símbolo se comunica, se cruza, contrasta com outros. Na rede,

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os significados transitam pela ação das cadeias de associação de significados já estabelecidas na


linguagem, ou criadas pelo sujeito particular, na sua (re) construção e relação pessoais com o mundo.
Vamos pensar sobre a dimensão simbólica do corpo humano?
O corpo do ser humano encerra em si um significado de totalidade, com dinamismo interno
entre suas partes componentes. Como totalidade organizada, o corpo humano compõe-se de três
partes: a cabeça, o tronco e os membros. Num livro clássico de Anatomia Topográfica (Testut e Jacob:
IX) apresenta-se essa organização de forma interessante.
"A cabeça é, por sua situação, a parte mais elevada do corpo; além disso, merece
igualmente o primeiro lugar por causa da importância dos órgãos que encerra."
Leia com atenção. Você percebeu que estamos lidando com “símbolos anatômicos”? E que o
corpo humano se inseriu no universo simbólico? A cabeça é a parte mais elevada do corpo. (E, nas
séries simbólicas, o mais elevado é mais "merecedor".) Então, a cabeça “merece igualmente o primeiro
lugar pela importância dos órgãos que encerra”. [Você conseguiu perceber que o microcosmo espelha o
macrocosmo? E você percebeu as séries? ― “elevação”, “merecimento”, “importância”, “lugar na série”?]
No caso do desenho das duas figuras humanas, observa-se na literatura alguma tendência a
deter a interpretação numa só das camadas (lembre-se das camadas “concreto”, “humano”,
“abstrato”). Se o símbolo é compreendido só concretamente, "tomando um só plano da realidade
como totalidade da possível significação do símbolo" (Cirlot; Hutz), ocorre o que Cirlot denomina de
“degradação simbólica”. Essa "degradação simbólica" em geral tem tomado a forma de restringir a
possibilidade de significação das partes da figura humana desenhada a derivações “sexuais”, ou a
noções funcionais restritas, ou a relações diretas entre traços do desenho e características de
personalidade.
Parte das derivações "sexuais" tende a relacionar as formas desenhadas das partes do corpo
humano às suas semelhanças com a genitália masculina ou feminina: por exemplos, os olhos, por
serem um par, e redondos, tornar-se-iam representações dos testículos. (!) Outra forma é a de realçar
somente possibilidades funcionais sexuais do corpo, como olhos sendo relacionados a voyeurismo, ou
mão à manipulação dos órgãos sexuais. Outra forma de colocação reducionista tem sido criar relações
diretas entre traços do desenho e observações "empíricas", como identificamos nas primeiras
“significações”, primitivas, atribuídas a “desenhar a figura do sexo oposto em primeiro lugar" (Veja o
relatório de pesquisa, neste mesmo site). Essas tendências tiveram seu momento histórico, ligado a
conceitos vindos de certo tipo de compreensão “psicanalítica”.
Entretanto, a teoria subjacente à prática do desenho das duas figuras remete a um sentido
mais amplo de elaboração simbólica (Lourenção Van Kolck). Na ideia do eu corporal, entrelaçam-se as
representações das relações e sentimentos vividos corporalmente, com as representações funcionais
construídas pelo próprio uso do corpo. Essas representações do corpo são investidas pelo sujeito de
modo próprio. Por exemplo, os braços, que são (funcionalmente) os prolongamentos anatômicos
adequados para pegar coisas, tocar pessoas ou coisas, sentir pelo tato delicado as texturas, segurar,
lutar, abraçar (camada concreta), passam a ser os depositários, na representação do corpo, dos
sentimentos, anseios e das relações vividas no buscar coisas/pessoas, abraçar, segurar, agredir, etc.
(camada humana). Dessa forma, a imagem corporal é construção pessoal, mas de relações
sociopessoais vividas, que envolvem relações também entre o corpo próprio e o corpo do outro, entre
a imagem do corpo do outro e a imagem do corpo próprio. Tudo isso no contexto da imagem coletiva
de corpo humano sexuado, formada no contato amplo com a cultura (camada antropológica).

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Podemos dizer que todas essas relações, conscientes ou inconscientes para o sujeito,
contribuem para formar uma imagem-de-corpo-da-pessoa-humana. É essa que se solicita ao Sujeito
desenhista que, adaptativamente, projete e expresse no teste.
São pressupostos como esses que direcionam a análise do desenho das duas figuras humanas.
Em síntese, no desenho, cada parte do corpo desenhado, além de representar a imagem corporal
propriamente dita do sujeito, passa a remeter às relações funcionais vinculadas àquela zona corporal
- o desenho do corpo como símbolo do corpo vivido.
Mais ainda, passa a remeter às relações psicológicas sugeridas por essas relações funcionais
(por transposição simbólica do espaço corporal para o espaço psicológico). Como o psiquismo de cada
um de nós é um precipitado de nossas relações humanas (Freud), o corpo desenhado passa a símbolo
do psiquismo humanamente vivido.
Mais abstratamente ainda, a imagem corporal passa a incorporar as simbologias socioculturais
ligadas ao corpo humano, tornando a imagem corporal algo antropológico, que contém elementos da
simbologia universal - o desenho do corpo como símbolo do que é o ser humano. A pesquisa sobre o
DFH (Desenho da Figura Humana) mostrou a influência de todas essas variáveis (Bonilha; Cirlot;
Kuhlman; Lowenhaupt; Pricoli; Raso; Schofield).
O ser humano nasce sexuado e o desenho das duas figuras humanas pede também o desenho
da figura do sexo oposto ao do desenhista. Simbolicamente, as diferenças nos desenhos da figura do
próprio sexo e do sexo oposto remetem à experiência de se ser um sujeito sexuado — os corpos
desenhados como símbolos dos corpos sexuados e dessa sexualidade vivida culturalmente – i. e.,
psicossexualidade e experiência de gênero.
Contudo, no sentido mais essencial e antropológico, as diferenças remetem à experiência do
sujeito com o Outro, aquele diferente de si, que representa o estranho a si (Augras). E, por extensão,
também representa também a parte estranha de si mesmo...

A simbólica das partes do corpo humano

Repetindo: cada símbolo pode ser compreendido pela sua dimensão individual, pelas suas
correlações concretas, da natureza, pela dimensão do que é humano e pela espiritual, todas essas
funcionando com base em relações analógicas de sentido. No nível concreto-natural de concepção
simbólica do corpo humano, associa-se cada parte à sua função no organismo. No nível humano da
simbólica do corpo, associam-se a cada parte suas funções na interação humana e o resíduo que se
constitui, como psiquismo, nesse processo. E no nível antropológico da simbólica do corpo, associam-
se o corpo e suas partes ao macrocosmo, numa correspondência baseada na “densidade” ou na maior
proximidade do céu ou da terra.
Cirlot diz que à cabeça, elevação, corresponde o céu. Ao peito, correspondem alento vital e o
ar; ao coração, a morada da semente divina (o amor); o mar corresponde ao ventre; e à terra,
correspondem as partes “inferiores” do corpo e suas funções corporais – é, pois, coisa antiga
considerar-se o que é sexual “denso”, e ligado à terra.
Obedeci a essas três camadas, ao apresentar a simbólica das partes do corpo humano
desenhado. Entretanto, é da simplicidade lembrar que o desenho, antes de qualquer outra coisa,
representa o corpo concreto, como realidade físico-biológica. E cada parte da figura re-presenta uma
parte do corpo. O sujeito pode estar representando, numa deformação qualquer, uma deformação de

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seu corpo, ou de pessoa a quem seja ligado. Somente por extensão, o corpo passa a representar outras
camadas de realidade humana, como a interação social, ou as dimensões antropológicas.
Cabeça. Do ponto de vista concreto e natural, a cabeça contém o cérebro e o sistema nervoso,
que coordenam os sistemas e a motricidade. Consequentemente, o primeiro simbolismo da cabeça é
ligado ao controle das funções corporais. Segundo, do ponto de vista humano, por conter as funções
cerebrais complexas, a cabeça é tida como o lugar corporal da inteligência, da personalidade, do
próprio "eu", e, do ponto de vista filosófico ou religioso, é o lugar do princípio espiritual (nas penas de
decapitação, somente a cabeça era enterrada – v. Cirlot: p. 130). Em suma, o símbolo cultural “cabeça”
condensa o poder e capacidades intelectuais humanas, o controle dos impulsos corporais e o próprio
eu do sujeito. A cabeça, numa figura desenhada, engloba, na figura de frente, a área da curva fechada
delimitada pelo topo da cabeça, orelha direita, ponta do queixo, orelha esquerda, fechando no topo.
Rosto e expressão facial. O rosto participa do simbolismo da cabeça, mas aponta para a
individualidade, expressão da vida interior possível ao homem. Cabeça, todos têm; o rosto, este
individualiza — e isso remete à troca social, à comunicação. Tem-se dito que a análise da expressão do
rosto é um dado central para a compreensão do sujeito, e relativamente fácil de ser feita. Mas, pela
nossa experiência é, como nas relações interpessoais, dos pontos mais passíveis de deformação pela
projeção do interpretante.
O rosto, num corpo desenhado, é o conjunto formado pelos traços faciais, sua linha de
contorno e sua expressão. A forma especial pela qual se desenham os traços faciais pode torná-lo
estereotipado e pouco individualizado, mas pode também fazê-lo expressar estados de ânimo,
direções de atenção, formas de relação especiais com o meio ambiente. Porém, para análise adequada,
a possibilidade de distorção pela subjetividade do interpretante torna essencial o acordo entre
intérpretes independentes.
O contorno do rosto desenhado é o elemento que limita o rosto ― nesse sentido, expressa as
fronteiras colocadas pelo sujeito à sua expressão pessoal, ao seu contato com o outro. Se o rosto
desenhado tem contorno, simbolizou-se que o contato pessoal foi delimitado, diferenciado do meio
que o cerca. Um rosto sem contorno implica simbolicamente que a expressão pessoal se mistura,
indiferenciadamente, ao ambiente.
Olhos. No nível natural, os olhos são os órgãos da visão, implicados no processo de percepção;
assim, na figura desenhada, aludem à possibilidade de entrar em relação com a realidade externa,
vendo-a, ou de entrar em relação com a realidade interior, fechando-se à realidade externa. Adquirem
também, num sentido funcional ainda natural, o significado de perceber o perigo, ajudar a criar
barreira defensiva; enfim, função de vigilância e controle do ambiente.
Desse nível, desdobram-se, no nível humano, os significados do conhecer e dar-se a conhecer,
símbolos da intimidade do sujeito, fundamentais à função social da comunicação, expressando
também o sentimento do próprio eu e a vulnerabilidade do mesmo. Supõe-se que o modo de desenhar
os olhos possa revelar o sentimento ou estado íntimo da pessoa. Como a expressão do olhar é avaliada
pela impressão causada no analista de desenhos, é situação em que pode existir erro pela
subjetividade do interpretante (o que pede controle por uma segunda avaliação independente). O
simbolismo antropológico do olho é o de foco de luz. Esse sentido do olhar poderá ser compreendido
somente na estória criada, pois aí o sujeito mostra para “onde” seu olhar se dirige, o que ele ilumina.
Nariz. Concretamente, o nariz é a parte saliente entre a testa e a boca, o órgão do olfato e
porção inicial do sistema respiratório. O simbolismo do nariz deriva de sua primeira característica - ser
parte saliente, central, uma ponta projetada para frente; portanto, um ponto ideal para onde seriam
deslocadas, de baixo para cima, representações do pênis e da sexualidade a ele associada.
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Coincidentemente, no sentido antropológico dado pela simbologia universal, toda ponta projetada
participa da família dos símbolos de poder, agressividade e força. [Lembro-me de que, em um templo
oriental, solicitaram a nós, os turistas, que estávamos assentados no chão com as pernas cruzadas,
que não apontássemos nem os dedos das mãos, nem as pontas dos pés para a imagem de Buda, em
sinal de respeito.] Quanto à representação das relações humanas pelo desenho do corpo, o nariz passa
a expressar também a autoafirmação, a assertividade.
Boca e lábios. No nível concreto-natural, a boca é definida como cavidade delimitada pelos
segmentos carnudos denominados lábios e que serve à digestão e à fala. A boca, pela sua função
digestiva e papel na sucção, passa a simbolizar as tendências captativas ligadas à nutrição e às
primeiras relações — logo, relações de dependência de forma mais geral. Pelo beijo e contato sensual
que os lábios permitem, passa a símbolo das relações de troca afetiva e sensual.
O desenho de partes interiores à boca (língua, dentes) é raro. A língua de fora é vista como
símbolo de agressão às normas, de caráter jocoso. Os dentes, como as armas de ataque mais
primitivas, são considerados também instrumentos de defesa, numa perspectiva simbólica geral.
O simbolismo humano-espiritual que se relaciona à boca em parte se superpõe ao que já foi
dito (Cirlot: 121-2). Desde a escrita hieroglífica, a boca é a sede da palavra; num sentido cotidiano, das
trocas verbais e num sentido espiritual, do verbo criador. E passa a ter sentido ambivalente, de criação
e destruição pela palavra. (Na Bíblia, não é o que entra na boca do homem que pode torná-lo impuro, mas o
que dela sai, pois a boca fala daquilo de que o coração está cheio.) No desenho das duas figuras humanas, a
simbologia da boca desenhada é complementada pela análise das relações de dependência, das trocas
verbais descritas, e da expressão do mundo interno, na história construída.
Queixo. O queixo deriva seu simbolismo da sua forma, e não da sua função na mastigação.
Quando o queixo presente no desenho está proeminente, quadrado, pontudo ou marcado, passa a
compartilhar da rede simbólica dos ângulos e pontas — agressividade e força — e, por extensão, passa
a símbolo de determinação social e assertividade.
Testa. A testa é a parte visível do lugar onde está o cérebro. Há a crença popular de que "pessoa
de testa grande é inteligente" ― por transposição desses significados culturais, a proeminência ou o
tamanho da testa têm sido associados ao "lugar grande" reservado ao cérebro.
Cabelos e outros pelos do corpo. Cabelos e outros pelos tinham provavelmente uma função
protetora, perdida com o uso de roupas e aparatos de proteção. Assim, seu simbolismo não deriva de
sua função natural. Pela sua qualidade de renovação visível, os cabelos tornam-se símbolos do que
cresce e está vivo; são manifestação energética notória. Daí seu sentido de força erótica na mulher,
potência viril no homem, com significados ligados à potência, sexualidade, vitalidade. Esse simbolismo
é relativamente universal; veja-se a história de Sansão e Dalila, ou a comparação que Orígenes (citado
por Cirlot) faz entre a queda de cabelos e as folhas que caem no outono, ou a prática do sacrifício dos
cabelos como sinal de ascese, em várias religiões. Contrapõem-se os pelos da cabeça aos outros pelos
do corpo (Cirlot). Os cabelos da cabeça adquirem, de certa forma, o significado da cabeça, enquanto
os outros pelos no corpo remetem à “proliferação do irracional e da vida instintiva” (Cirlot: 455).
Nessa direção simbólica se inscrevem também os outros pelos do rosto da figura masculina
(barba, bigode) e as sobrancelhas e pestanas. Se tiverem aparência mais organizada, tomam o caráter
da vitalidade "superior" da cabeça. Com aparência menos organizada (desordenada), tomam o caráter
da energia (indomável) dos pelos dos animais ou das outras regiões corporais.
Orelhas. Anatomicamente órgãos do ouvido, na interação humana funcionalmente os ouvidos
se prestam à escuta, à recepção. Como nas trocas humanas as orelhas captam o que se escuta, as

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orelhas desenhadas passam a representar as trocas em que o sujeito fica em receptividade passiva,
não tendo como controlá-las. No nível antropológico, no homem universal hindu os ouvidos
representam as direções do espaço, provavelmente pela função de localização do som. As orelhas
lembram assim a circunstância humana, o lugar de sua colocação, mas, especificamente, o lugar de
sua colocação na palavra do outro. São de representação tardia no desenho.
Pescoço. Do ponto de vista concreto-natural, é a região inicial do tronco, afunilada ou
estreitada, que une a cabeça ao resto do corpo. Seu significado simbólico, no nível do humano, deriva
dessa posição ― passa a ser o elo, ligação, passagem, entre os impulsos afetivo-instintivos vindos do
corpo e as funções de integração, controle e coordenação da cabeça. Como a região mais móvel do
tronco, que permite à cabeça virar-se e perceber o que está atrás do sujeito, toma, em algumas
situações mais raras, um significado defensivo.
Tronco em geral. Embora anatomicamente o tronco englobe pescoço, coluna vertebral, tórax,
abdome e pelve, no desenho da figura humana a aparência externa é que é considerada. O desenho
do pescoço é tratado à parte e o tronco é visto como a parte mais grossa do corpo, que engloba
frontalmente peito, cintura, abdome e região pélvica (também chamada de pubiana ou genital, sendo
lateralmente denominada de "região dos quadris"). O tronco, na figura de costas, engloba as costas,
cintura e nádegas.
O significado simbólico do tronco se associa a três redes simbólicas principais: a primeira,
derivada de sua posição no corpo, no eixo céu — terra, fazendo parte essencial do desenho, mas
remetendo à direção do mais espiritual (em cima) ao mais denso e material (o que está em baixo).
A segunda rede simbólica, ligada à significação dos órgãos que estão contidos no tronco, não
se afasta de todo dessa concepção, na medida em que contrapõe o afetivo ao sexual. Tem-se, no peito,
o coração e os seios. O coração, sede do amor, da vida afetivo-emocional; os seios, fontes do primeiro
alimento e símbolo das primeiras relações afetivo-emocionais. No abdome e pélvis, temos os órgãos
da digestão e das funções de reprodução. Os órgãos da digestão são ligados ao maior ou menor
controle da ingestão de alimentos, no desenho das duas figuras humanas remetendo a maior ou menor
acúmulo de gordura no corpo e necessidade de armazenamento. Os órgãos da reprodução são ligados
a duas sub-redes simbólicas: a do ventre-útero, que aparece realçada especialmente onde há
reprodução conflituosa, e a da região genital, com significados associados à sexualidade e ao pulsional.
No conjunto, o tronco passa a ser símbolo da vida afetivo-emocional e sexual.
A terceira dimensão simbólica associada ao tronco é ligada à sua forma, e, por extensão, ao
par simbólico masculino-feminino. A forma mais angulosa do tronco adquire as características
simbólicas das pontas e ângulos: maior agressividade e, por extensão das atribuições de gênero, maior
“masculinidade”. A forma curvilínea, maior “feminilidade” ou “delicadeza”.
Seios. São a parte do tronco onde ficam as mamas, do ponto de vista natural. No nível humano
passam a inscrever-se na rede simbólica das relações com a imago materna, das necessidades mais
globais de dependência, e, num sentido mais antropológico, na rede das relações com a generatividade
em geral.
Costas. Anatomicamente, as costas são a porção posterior da caixa torácica. Seu significado
simbólico no desenho deriva do fato de o desenhista decidir apresentar ao psicólogo a parte do seu
corpo que menos permite sua expressão pessoal. De costas, esconde-se o rosto, o olhar, o indivíduo
se protege do contato direto. Além disso, homens e mulheres são mais parecidos de costas — as
diferenças sexuais estão minimizadas. As costas também não estão à vista, estão "atrás", são o "outro
lado" da pessoa; podem assim inscrever-se nas representações simbólicas da sombra, do lado
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desconhecido do sujeito. "Todo ser traz sobre as costas a obscuridade e nos braços carrega a luz; e o
sopro indistinto constitui a harmonia" (Lao-Tsé).
Cintura. A cintura é linha virtual que divide o tronco em metade superior (que, como você leu,
remete à afetividade) e inferior (que, como você leu, remete à sexualidade e ao visceral), no desenho
e na aparência. Cintura, cintos e cinturões inscrevem-se na rede simbólica das relações de controle e
integração de afetividade e sexualidade, como “linha divisória” entre as zonas "superiores" do
pensamento e da força (cabeça, ombros) e da nutrição afetiva (seios, coração) e a zona "inferior", da
sexualidade. Anatomicamente, a linha divisória tórax— abdome é o diafragma; e a cintura nem divide
metades, nem tem importância específica.
Umbigo. O umbigo é importante na vida intrauterina, como meio de alimentação do feto.
Embora sua representação se refira à cicatriz umbilical, seu significado simbólico se liga às relações de
dependência passiva e persistência da ligação à imago materna. Sua representação enfatizada, ou seus
substitutivos, referem-se ao que não está "cicatrizado" — ou seja, ao que está atuante nessas relações
de dependência inicial. Do ponto de vista antropológico, inscreve-se nas redes simbólicas das ideias de
centro e origem.
Área genital. Onde se situam os genitais, a área carrega significado simbólico ligado à
sexualidade. Usualmente não se desenham figuras desnudas, com genitais à vista. Mas a área ocupada
por eles quase sempre é desenhada e pode ser realçada por sombreados, rabiscada, ou pode ser
omitida. O espaço reservado a ela é simbólico do espaço de importância que a sexualidade tem para
o sujeito.
Genitais (em desenhos de nus). Os genitais referem-se a pênis e testículos na figura masculina
desnuda e área de pelos pubianos, ou sugestão de fenda vertical, na figura desnuda da mulher. O
significado simbólico é literal, sexualidade, mas incluindo seus desdobramentos nas relações humanas:
aceitação /rejeição da sexualidade (o corpo sexuado vivido) e aceitação /rejeição da diferenciação
sexual (sexualidade e psicossexualidade vividas).
Quadris. Anatomicamente homólogos dos ombros, são raízes e pontos de conjunção entre
tronco e membros inferiores (Testut e Jacob:912). Seu simbolismo não decorre, pois, da anatomia.
Há uma diferença de conformação nos quadris: mais retos e estreitos em homens e mais
arredondados e largos nas mulheres. O desenho em conformidade com esse padrão é visto como
símbolo da aceitação de diferenças, sexuais ou mais gerais, nos dois sexos; já o desenho fora do padrão
sexual passa a simbolizar o desejo de negar essas diferenças. Na figura feminina, pelo significado
atribuído a quadris “maiores”, remetem ao desejo de maternidade e sexualidade.
Nádegas. Anatomicamente parte do membro inferior, com papel de endereçar a pélvis sobre
os fêmures para permitir a estação vertical humana (Testut e Jacob:912), são consideradas parte do
tronco, pela aparência. Seu significado simbólico se insere no da representação das costas — fuga do
contato direto. Por ser zona de conotação sexual e pelo acúmulo de registros empíricos, ganhou
simbolismo ligado às relações anais, podendo, inclusive, expressar receios, ou rejeição a elas. Como
representação rara, somente o diálogo com quem desenhou esclarecerá melhor o sentido.
Indicações anatômicas. Referem-se à representação de volumes corporais ou ao desenho de
órgãos internos. São compreendidas como símbolos de preocupações específicas, ou de narcisismo em
relação ao corpo. São comuns, embora não tão frequentes, as indicações anatômicas que podem ser
vistas por observador externo, como músculos, linhas que indicam protuberância do ventre, etc.. O
significado simbólico deriva da rede simbólica associada a cada representação, que solicita um diálogo
sobre ela.
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humana, texto 3. Inserido em 10/2014
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Outro sentido simbólico está ligado à banalidade ou estranheza da representação. São raras,
e indicadoras de dificuldades graves, as representações de órgãos internos, como ossos, estômago ou
intestinos, aparecendo no desenho por transparência. São também raras as indicações simbólicas de
órgãos internos, como estrela no lugar do coração. Uma representação desse tipo pede um diálogo
com quem as desenhou.
Musculatura. Funcionalmente, os músculos permitem sustentação, movimentos dirigidos e
ações de força. Os músculos se inserem assim na rede simbólica da força, em várias camadas. A força
física permite ao sujeito mais — mais domínio das coisas (como no trabalho) ou dos outros (como no
controle). Dada sua valorização social, pode ligar-se também à autoadmiração, de caráter narcísico.
Finalmente, por transposição para o nível abstrato, apresenta-se como símbolo genérico de poder.
Ombros. Inserção dos braços no tronco, seu sentido simbólico deriva de suas ligações com os
estereótipos sociais de força física, e, por extensão, relações de poder e domínio social.
Braços. Anatomicamente, os braços são os membros superiores, que se caracterizam por sua
extrema mobilidade, cuja função engloba movimentos de contato instrumental e/ou expressivo com
coisas e pessoas, além de serem auxiliares para equilibrar o andar. Na escrita hieroglífica egípcia, o
braço representa a ação em geral, e os signos derivados expressam ações especiais, como trabalho,
oferenda, etc. (Cirlot: p.124).
O significado simbólico de sua representação gráfica decorre do seu sentido concreto-natural:
neles se projetam o contato com pessoas e coisas e a possibilidade de produção e domínio do meio (o
fazer, o trabalho). A posição e a forma do desenho dos braços podem também simbolizar a natureza
do contato com pessoas e coisas (natureza confiante, defensiva, espontânea, frágil, etc.).
Mãos. Anatomicamente, as mãos são os segmentos terminais dos membros superiores, que
têm como funções a preensão e o tato. Seus gestos também comunicam, na falta da palavra. Por
extensão, podem expressar aspirações pessoais, relações de produção, contato, defesa, adaptação. Os
significados antropológicos da mão são a ação, doação, trabalho — o princípio manifesto.
Dedos das mãos. Como prolongamentos articulados, extremamente móveis, que terminam a
mão humana, têm por função os movimentos delicados, sejam os instrumentais, os de contato ou os
expressivos. No desenho das figuras humanas, os dedos desenhados passam a remeter ao ajustamento
mais refinado ao ambiente, quer no contato corporal, e até na identificação pessoal (digitais).
Os dedos também participam da rede simbólica das pontas e ângulos, sendo deslocados para
sua representação problemas de defesa (unhas), bem como os ligados a poder e/ou sexualidade, sendo
zona privilegiada para expressão de sentimentos de impotência ou inadequação.
Pernas. Anatomicamente, são os apêndices articulados que servem à locomoção e que
sustentam o peso do corpo andando ou estático, conotando estabilidade e solidez. Como remetem à
diferença da postura humana em relação à do animal, são consideradas equivalentes do pedestal na
antropologia, conotando ideias de firmeza e esplendor (Cirlot: 459). Como símbolos da interação
humana, as pernas se associam à estabilidade e segurança da personalidade no meio ambiente e à
capacidade de se buscar a satisfação de necessidades no meio. Pela proximidade, compartilham, com
a área genital, a esfera das conotações sexuais.
Pés (incluindo pés calçados). Os pés são os segmentos terminais do membro inferior, que têm
contato com o solo, servindo para apoio e sustentação, na posição ereta e na locomoção.
No desenho, funcionam como símbolos da base do equilíbrio para propulsão e condução do
corpo. Por extensão, do sentimento de segurança e da mobilidade psicológica no ambiente.

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Pela forma de ponta, por deslocamento, condensam também associações com pênis/falo,
sexualidade e vontade de potência. Pelo chutar, podem conotar agressividade.

Cabeça: símbolo do eu, da inteligência e do


controle das funções corporais
Olhos: símbolo do perceber a realidade e
de se dar a conhecer Cabelos: símbolos de vitalidade e força erótica

Nariz: símbolo fálico e de autoafirmação Orelhas: s. do lugar do sujeito na fala do outro

Boca: símbolo das relações orais e de dependência Pescoço: símbolo da ligação entre funções
superiores e impulsos afetivo-sexuais
Queixo: símbolo de assertividade e dominância social
Ombros: símbolos de força e dominância social
Rosto e expressão facial: símbolos. da individualidade,
expressão da vida interior, comunicação
Braços: símbolos do contato
Região do peito: símbolo das relações com imago instrumental e expressivo
materna, dependência e generatividade com pessoas e coisas

Cintura: símbolo da ligação entre Tronco: símbolo do eixo


afetividade e sexualidade afetivo-emocional-sexual

Mãos: símbolos da capacidade de ação,


contato e trabalho

Dedos das mãos: símbolos do ajustamento Quadris: símbolo de feminilidade


refinado e sensitivo ao meio ambiente

Vestido símbolo de interiorização


do papel feminino

Pernas: símbolos de estabilidade e Roupagem: símbolo da


segurança da pessoa nas suas fachada social que o sujeito
relações com o ambiente e sua privilegia, modo social de
capacidade de mobilidade no lidar com libido
mesmo

Pés: símbolos da capacidade de


autossustentação e também
símbolo fálico

Figura 1 Simbolismo das partes da figura


A Figura acima apresenta o simbolismo geralmente associado às várias partes da figura. Usou-se um desenho de
figura feminina, que se mostrasse bem completo, para facilitar a exemplificação. Trata-se do desenho da figura do próprio
sexo da universitária C.E.D. [Na época, seu MMPI foi válido e apresentou notas T nas escalas clínicas entre T=42 e T=55, o que
indica equilíbrio psíquico muito bom. O teste de 16PF se caracterizou por grande quantidade de traços de personalidade na
zona de normalidade, com leve susceptibilidade às ameaças do meio, e certa tendência conservadora].
Os testes de inteligência mostraram tratar-se de pessoa bem dotada intelectualmente, com percentil 99 no D48, QI
no CIA de 123 (111 na parte verbal e 142 na não-verbal). O perfil de aptidões na bateria DAT indicou percentil 99 em aptidão
verbal, e 50 em aptidão abstrata (resultado esse que mereceria um estudo adicional, por causa dos outros resultados da
mesma pessoa).
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Articulações. As articulações são as junturas de dois ou mais ossos, que possibilitam os


movimentos. Seu significado simbólico está ligado ao conceito de articular, juntar.
No desenho, a literatura relata desenho de cotovelos, punhos, ombros, joelhos e falanges dos
dedos. Remetem à necessidade de ter certeza da integração corporal, por percepção concreta dessa,
o que conota insegurança, dependência e até o receio da perda da integração. (Se é preciso mostrar
como tudo está junto, é por medo de que esteja se desintegrando.)
Roupa em geral. A roupagem compreende as peças do vestuário básico e complementos. A
função básica das roupas é a de proteger o corpo das variações de temperatura e outros incômodos;
contudo, seu simbolismo liga-se ao social, interpessoal e narcisístico.
A roupagem expressa a fachada social, o aspecto social convencional de que a pessoa quer se
revestir. Aponta, ademais, para a forma como se lida socialmente com a libido.
Do ponto de vista narcísico, o grau de preocupação com a roupagem liga-se ao grau de
preocupação com a aparência e, por extensão, com o nível de superfície da personalidade.
Finalmente, o grau de ajustamento da roupagem ao sexo da figura desenhada expressa a
imagem que o sujeito formou dos padrões de gênero.
Vestido (saia-e-blusa). Como vestimentas quase exclusiva de mulheres, sua representação é
vista como símbolo de interiorização do papel de gênero feminino. O montante do convencionalismo
estará na razão direta do convencionalismo da representação.
Calças. É peça do vestuário de homens ou mulheres. É símbolo associado à sexualidade e a
papel de gênero ativo. Suas características simbólicas específicas decorrem da adaptação do feitio da
calça ao gênero (masculino ou feminino) da figura desenhada. As calças da figura devem ajudar a
tornar a figura sexuada, e não de sexo indiferenciado.
Braguilha das calças. Abertura frontal nas calças masculinas, que permite ao homem urinar de
pé, sem abaixá-las, e que se generalizou para as calças femininas.
O desenho de braguilhas, nas calças das figuras masculinas, nem sempre ocorre. Nos desenhos
feitos por homens, essa ausência entra na rede simbólica da falta, ou na linha do desejo de retorno a
idades ultrapassadas. Nos desenhos feitos por mulheres, a ausência da braguilha da figura masculina
pode remeter à negação da diferença sexual, ou, se passamos para o nível mais abstrato, ao desejo de
ausência de diferenças interindividuais.
Blusas e/ou camisas. Como peças que vestem o tórax de mulheres e/ou homens, dizem mais
pela qualidade feminina ou masculina de sua aparência geral.
Dos detalhes, os botões entram em três linhas simbólicas diferentes, que se interpenetram
(Machover: 83-4). Podem representar o umbigo ou os bicos dos seios, dependendo de sua forma
redonda e localização. Em virtude de sua presença constante e abundante nos desenhos infantis,
remetem também à dependência infantil. Logo, podem ser símbolos associados às relações com a
imago materna. Por sua presença e redundância nos uniformes, remetem a relações hierárquicas; e à
relação de autoridade e submissão.
Bolsos. Como sacos de tecido pregados na roupa, que têm por função carregar coisas, ou
enfeitar, são ligados às ideias de guardar ou esconder. Quando desenhados no peito, podem substituir
a representação dos seios, inserindo-se na linha simbólica desses, mas como outra coisa – i. e.,
símbolos de dependência negada, ou contrabalançada por luta pela autoafirmação.
Peças adicionais de vestuário e acessórios. São complementos ao vestuário básico (chapéu,
aliança, armas, bolsas, objetos portados pela figura desenhada), de funções diferenciadas, que
individualizam o desenho do cliente. Portanto, pedem do psicólogo diálogo com o cliente,
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perguntando-lhe em que pensou ao desenhar cada acessório e porque pensou em colocá-lo na figura
desenhada. A análise leva em conta esses aspectos individuais e o simbolismo cultural do objeto.
Quase sempre, são símbolos de que o cliente tem relativa consciência e que retiram seu
significado de sua função na roupagem, de sua forma ou estilo, ou da função naquela roupa específica
desenhada pelo sujeito, ou mesmo de referências mais gerais da cultura.
Na literatura, Kundera nos dá exemplos de simbolismos pessoais "Quando Agnes ainda estava
no colégio, apaixonou-se por óculos escuros. Ela os usava mais para parecer bonita e enigmática do
que para proteger os olhos do sol." (...) Quanto a Laura, começou a usar óculos escuros no dia seguinte
ao seu aborto. (...) "Daí em diante os óculos escuros significaram o luto para ela."
E agora?
É pegar o Atlas de identificação de traços específicos do desenho, no Texto 4 – o trabalho de
formiguinha ― passo a passo, paciente, cuidadoso e prudente ― vai começar!

Bibliografia
A bibliografia utilizada se encontra no Texto 12 dessa Coletânea de Textos sobre o desenho da
Figura humana.

Palavras de cautela. Esta Coletânea não é adequada


para se tornar teste de personalidade e nem para fazer
psicodiagnóstico de uma pessoa. Mas pretende: (a) despertar
ou ampliar o interesse pela compreensão de si ou de outros
através de desenhos; (b) despertar interesse pela Simbologia
e para o trabalho com símbolos; (c) incentivar a busca de
novas fontes de estudo e diferentes áreas de conhecimento;
(d) gerar pesquisas na área de desenhos.

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