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DIÁLOGOS DESDE O NORTE

DO TOCANTINS:
GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS
EM HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E ARTES

Cássia Ferreira Miranda


Lisiane Costa Claro
(Organizadoras)

Araguaína
2023
REITORIA
Airton Sieben
Eroilton Alves dos Santos
Superintendente de Infraestrutura SUMÁRIO
Reitor pro tempore Clarete de Itoz
Natanael da Vera-Cruz Gonçalves Araújo Superintendente de Tecnologia da Informação
Vice-reitor pro tempore Andressa Ferreira Ramalho Leite
Kênia Ferreira Rodrigues Superintendente de Comunicação
Pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Roberto Antero da Silva
Denise Pinho Pereira Diretor do Centro de Ciências
Pró-reitora de Planejamento, Orçamento Integradas (Cimba) - CCI
e Desenvolvimento Institucional Andressa Francisca
José Manoel Sanches da Cruz Diretora do Centro de Ciências Agrárias - CCA
Pró-reitor de Assuntos Estudantis Fernando Holanda Vasconcelos
Warton da Silva Souza Diretor do Centro de Ciências da Saúde - CSS
Pró-reitor de Finanças e Execução Orçamentária Marco Aurélio Gomes de Oliveira
Andréia de Carvalho Silva Diretor do Centro de Educação,
Pró-reitora de Gestão e Humanidades e Saúde- CEHS
Desenvolvimento de Pessoas Meirilane Leocadio
Braz Batista Vas Diretora do Sistema de Bibliotecas da UFNT
Pró-reitor de Graduação Joana Marcela Sales de Lucena
Rejane Cleide Medeiros de Almeida Coordenação da Editora Universitária - EDUFNT
Pró-reitora de Extensão, Cultura
e Assuntos Comunitários
PREFÁCIO 5
Cleiva Aguiar de Lima
Conselho Editorial
Adriano Lopes de Souza | Alesandra Araújo de Souza
César Alessandro Sagrillo Figueiredo | Joaquim Guerra de Oliveira Neto APRESENTAÇÃO 9
Mara Pereira da Silva | Rozana Cristina Arantes | Ruy Ferreira Da Silva
Cássia Ferreira Miranda, Lisiane Costa Claro
Capa: Editora da Universidade Federal do Norte do Tocantins
Projeto gráfico de miolo: Zeta Studio
ECOS DO RIO TOCANTINS

1 A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA


NO RIO TOCANTINS POR MEIO DA HISTÓRIA ORAL
Rivânia Souza da Silva, Lisiane Costa Claro

2 MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES


DO RIO TOCANTINS 37
Tainã Miranda de Souza, Cássia Ferreira Miranda
ISBN:
DIÁLOGOS

3 REFLEXÕES SOBRE O POTENCIAL DAS CARTAS


PEDAGÓGICAS 65
Gracilene dos Santos, Lisiane Costa Claro,
Cássia Ferreira Miranda

3
4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: PREFÁCIO
UM ESTUDO DE CASO 89
Lucas da Silva Carneiro, Juliane Gomes de Sousa

5 FORMAÇÃO DE LEITORES: UM OLHAR PARA


A LITERATURA INDÍGENA 117
Mara Pereira da Silva

REFLEXÕES EXTENSIONISTAS

6 O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA


PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS
POPULARES NOS ESPAÇOS COM JOVENS E ADULTOS
DO CAMPO 139
Lisiane Costa Claro, Roberta Ávila Pereira, Uma das coisas mais significativas de
Cássia Ferreira Miranda que nos tornamos capazes mulheres
e homens ao longo da longa história
7 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS que feita por nós, a nós nos faz e
E LEITURAS COMPARTILHADAS 163 refaz, é a possibilidade que temos de
Narla Liandra Pastora Vieira, Lisiane Costa Claro, reinventar o mundo e não apenas
Cássia Ferreira Miranda repeti-lo, ou reproduzi-lo.
Paulo Freire –
8 O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS” COMO Pedagogia da Indignação
POSSIBILIDADE DE (RE) PENSAR NO ACESSO
E NA PERMANÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR 175 Os desafios para reinventar o mundo nos dias atuais é imenso!
Lisiane Costa Claro, Lorrany Conceição Dias Desafios que se agigantam quando tratamos da Educação.
Entretanto, existem diversas iniciativas criadas e aprimoradas,
9 TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR em especial nestes tempos estranhos que estamos vivendo. Um
DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO 191
Ana Paula Pereira Novaes de Moraes, vírus, que também se reinventou ao longo de uma Pandemia,
Roberta Avila Pereira, Lisiane Costa Claro deflagrou processos individuais e coletivos novos. A come-
çar pelo necessário isolamento e distanciamento controlado,
imprescindíveis para frear a propagação da Covid-19. Mas até
este processo precisou ser reinventado por meio de interações
virtuais. Estas, fundamentais para a manutenção do trabalho em

4 5
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS PREFÁCIO

diversos âmbitos, contribuíram também para ampliar e fortalecer Livro repleto de autorias. Autorias que se fizeram no estudo
parcerias pessoais, profissionais, acadêmicas e institucionais. individual, mas também no coletivo. Autorias de quem vivenciou
processos de estudo e pesquisa formativos em uma perspectiva
Neste contexto se insere a importância de um grupo
emancipatória e de conscientização com os/as outros/as.
como o Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e
Artes - GEPHEA que virtualmente se manteve firme ao longo Por tudo isso, essa não é uma obra qualquer, pois feita a
da Pandemia. Manteve suas reuniões semanais que, além de várias mãos, foi gestada no pressuposto freireano da esperança
promover leituras e estudos com diferentes autores/as, promoveu de que é possível sonhar com um mundo mais justo e que a edu-
o encontro entre pessoas, entre afetos e aflições, diante de uma cação tem um papel fundamental para isso. Esperança também
realidade nova para nós! Enfim, se constituiu como um espaço de que os leitores e as leitoras, ao conhecer um pouco mais as
formativo, lócus privilegiado para o diálogo problematizador. produções do GEPHEA possam, não apenas se sentirem valori-
zados/as na sua autoria, mas encorajados/as a dizer sua palavra,
Assim o GEPHEA, um primoroso tempo e espaço forma-
a refletir sobre sua prática e investigar temas que lhes causem
tivo, ultrapassou fronteiras, mantendo, por meio de pressupostos
inquietações. Temos diante de nós uma importante e interessante
freireanos, a boniteza dos encontros semanais. A importância de
obra que, certamente contribuirá para ampliar a formação acadê-
um Grupo de Estudos e Pesquisas está para além da formação de
mica, profissional e pessoal, ratificando o papel formativo de um
pesquisadores. A vivência da escuta atenta, da leitura de textos e
grupo de estudos e pesquisas para seus/suas integrantes, sejam
contextos, na horizontalidade das relações, possibilita, por meio
professores/as, acadêmicos/as ou pesquisadores/as.
do diálogo problematizador, também a formação humana. A
partilha das reflexões de cada um/uma com amorosidade, permite Por fim, destaco a alegria gerada em mim por este convite
ampliar o olhar dos/das participantes, melhora o foco no texto e tão carinhoso e desafiador. Desafio que me permitiu mais um
no contexto e possibilita ver o que pode ter passado despercebido exercício de escrita ao considerar as produções textuais de outras
numa primeira leitura. Teu olhar melhora o meu, já diz a letra de pessoas, que se reinventam a cada dia e, mesmo a distância,
uma música1! E isso em um espaço formativo como o GEPHEA contribuem para minha própria reinvenção.
é imprescindível, pois não só nos forma, como nos transforma.
Um forte e carinhoso abraço, com desejo de uma excelente
Desse modo, fruto do trabalho de muitos integrantes deste leitura!
Grupo, esta obra é um modo do GEPHEA se reinventar, reinventar
sua trajetória, fazendo história por meio da escrita de um livro. Rio Grande, dezembro, outono de 2022.

Cleiva Aguiar de Lima


1 Música Seu olhar de Arnaldo Antunes. https://www.youtube.com/watch?v=YO-
FyJ82zrX0

6 7
APRESENTAÇÃO

É com alegria e orgulho que celebramos a trajetória do Grupo de


Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes (GEPHEA),
criado a partir dos trabalhos desenvolvidos na Universidade Federal
do Tocantins (UFT), agora em transição para Universidade Federal
do Norte do Tocantins (UFNT), campus de Tocantinópolis-TO.

Manter um grupo de pesquisa é um esforço coletivo,


que envolve muita dedicação, responsabilidade e, no caso do
GEPHEA, afetividade. O Grupo se institucionalizou no final
do ano de 2019, fruto de diálogos e articulações entre nós, duas
professoras que se conheceram no contexto da docência em uma
instituição de ensino no norte do Tocantins, na região conhecida
como Bico do Papagaio. Embora sejamos de cidades próximas
no sul do Brasil (Pelotas e Rio Grande), nosso encontro se deu
no Norte, onde nossos caminhos se cruzaram. Aproximadas
pela temática da Educação Popular e da Educação do Campo,
aos poucos fomos descobrindo outras afinidades temáticas e
ideológicas e o GEPHEA se tornou sonho e realidade.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS APRESENTAÇÃO

Desde seus primeiros dias, o GEPHEA priorizou o vida no Rio Tocantins: registros da pesca em Tocantinópolis,
espaço do diálogo, da partilha e da construção de redes de coordenado pela professora Lisiane Costa Claro e Sociabilidade
estudos, apoios e afetos. Articula cinco linhas de pesquisa, e sobrevivência às margens do Rio Tocantins, coordenado pela
buscando conexões e diálogos entre as áreas do conhecimento, professora Cássia Ferreira Miranda. A partir dos trabalhos dos
reconhecendo a complexidade do saber e a pluralidade das projetos, contando com a participação de Bolsistas de Iniciação
experiências. As linhas de pesquisa do Grupo são Educação Científica UFT e CNPq, foram concluídas três monografias nos
Popular, Ambiental e do Campo; Ensino e Tecnologias Sociais; cursos de Pedagogia e Licenciatura em Educação do Campo,
Estudos de gênero; História Oral, Memória e Patrimônio e ambos da UFNT, estando duas monografias presentes nesta
Linguagens artísticas. coletânea a partir dos desdobramentos das pesquisas. Além dos
trabalhos concluídos, encontram-se em desenvolvimento mais
Desenvolvendo vários projetos de pesquisa, extensão e
duas monografias no curso de Educação do Campo - UFNT e
orientações de Trabalhos de Conclusão de Curso, o GEPHEA
uma dissertação no Programa de Pós Graduação em Ensino de
vem se constituindo e reconstituindo a partir dos caminhos que
Ciências e Saúde (PPGECS-UFT.).
viemos traçando. Quando as reuniões de estudo, estamos desde
sua origem nos encontrando semanalmente para discussão de No primeiro capítulo intitulado A produção de conheci-
leituras constituindo um espaço formativo de trocas. Inicialmente mento sobre a pesca no rio Tocantins por meio da História Oral,
ocorrendo de modo presencial, diante da pandemia do vírus aborda-se a importância dos espaços de Educação e relações
Sars-Cov 2, foi preciso se reinventar e iniciar os diálogos de estabelecidas por meio da atividade pesqueira e aimportância
forma remota, a partir da plataforma de reuniões Google Meet, da História Oral na produção dos conhecimentos acerca e,
respeitando a necessidade de isolamento social. sobretudo, com as comunidades de pesca. O trabalho realiza
um levantamento das produções científicas elaboradas junto às
Nestes três anos de grupo de estudos, buscamos discutir
experiências da pesca no Rio Tocantins.
temáticas vinculadas às linhas de pesquisa do Grupo desenvol-
vendo um profícuo diálogo entre ensino, pesquisa e extensão. No segundo capítulo encontram-se as reflexões acerca
Algumas das reflexões desenvolvidas pelas pesquisadoras e das Memórias de Pescadoras e Pescadores do Rio Tocantins.
estudantes do GEPHEA estão presentes nesta obra, não esgo- É apresentada a pesquisa desenvolvida utilizando a metodolo-
tando a totalidade dos trabalhos desenvolvidos nesses três anos gia de História Oral, adaptada ao contexto pandêmico, sendo
de existência e resistência. realizada via Google Meet. As autoras trazem reflexões sobre
as condições de vida e trabalho, as práticas desenvolvidas
Na primeira seção, Ecos do Rio Tocantins, trazemos
e os significados atribuídos à pesca na vida das pescadoras
parte dos estudos desenvolvidos vinculados aos dois projetos
e pescadores.
de pesquisa do Grupo com a temática: Trabalho, culturas e

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS APRESENTAÇÃO

A segunda seção deste livro, abarca os Diálogos desenvolvi- sua importância, além de discorrer e analisar as obras de autoras
dos no âmbito da pesquisa, que abordam temáticas do GEPHEA, indígenas brasileiras que escreveram livros infantis.
desenvolvidas pelas pesquisadoras e estudantes do coletivo. São
Na terceira e última seção desta coletânea, Reflexões
oriundas das reflexões desenvolvidas no âmbito da graduação,
Extensionistas, encontram-se relatos de algumas ações
do mestrado e do doutorado.
desenvolvidas pelo GEPHEA no âmbito da extensão. Ambas
O terceiro capítulo denominado Reflexões sobre o potencial marcadas pelos desafios de se fazer extensão em um período
das Cartas Pedagógicas aborda o conceito de Carta Pedagógica e tão atípico de isolamento social. As ações desenvolvidas
as experiências vivenciadas pela então mestranda pelo Programa ocorreram vinculadas ao Curso de Extensão “Formação
de Pós Graduação de Ensino em Ciências e Saúde (PPGECS) de Educadores e Educadoras para os contextos educativos
da UFT em seu processo formativo. Ressalta-se a importância com Jovens e Adultos do Campo”, que teve sua primeira
da Carta Pedagógica enquanto instrumento de registro, diálogo, edição, coordenada pela professora Lisiane Costa Claro em
reflexão e intencionalidade político-pedagógica. 2019 e segunda oferta em 2021, coordenada pela professora
Roberta Avila dos Santos e Lisiane Costa Claro, bem como
O quarto capítulo intitulado Formação de professores em
aos projetos de extensão: “GEPHEA – Conexões de Saberes”
Tocantinópolis: um Estudo de Caso aborda a trajetória de formação
coordenado pelas professoras Lisiane Costa Claro e Cássia
dos professores da rede municipal na cidade de Tocantinópolis,
Ferreira Miranda, com apoio do Programa Institucional de
conhecida regionalmente como importante local de formação
Bolsas de Extensão (PIBEX/UFT) e desenvolvido no ano de
docente. São desenvolvidas pelo autor e a autora reflexões e
2020; e, o projeto “Travessias: preparatório popular de acesso
aplicado um questionário com profissionais docentes de três
à Pós-graduação”, que teve início em 2022, sendo coordenado
escolas do município. Conclui-se que a maioria dos profissionais
pela professora Roberta Avila Pereira e Lisiane Costa Claro e
atuantes tiveram suas formações na Universidade Estadual do
que conta com apoio do Programa Institucional de Bolsas de
Tocantins (UNITINS) e na UFT, o que demonstra a importância
Extensão (PIBEX/UFNT).
das Instituições para a região.
No sexto capítulo O GEPHEA e cursos de extensão univer-
O quinto capítulo, Formação de leitores: um olhar para
sitária para a formação de educadores e educadoras populares
a literatura indígena, trata das reflexões acerca da literatura
nos espaços com jovens e adultos tratam-se das experiências
indígena e sua contribuição para a formação de leitores. A
realizadas por meio de duas edições de um curso de extensão
metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica, a partir da qual
que teve como objetivo a formação de educadores e educadoras
a autora analisa a literatura infantil de autoras indígenas. São
sob a concepção da Educação Popular. Nas duas edições do
apresentados os desafios para a leitura no dia a dia, bem como
curso, houve a ênfase na atuação junto aos jovens e adultos e a

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS APRESENTAÇÃO

segunda experiência aprofunda a formação em diálogo com os Esperamos que seja uma leitura proveitosa, afetuosa e
contextos do Campo. inspiradora, assim como foi para nós coordenar e desenvolver as
atividades do GEPHEA durante esses três anos de sua existência.
No sétimo capítulo denominado Extensão universitária
com mosaicos textuais e leituras compartilhadas, aborda-se um
Cássia Ferreira Miranda
processo de leituras feitas em uma dimensão coletiva, com o Lisiane Costa Claro
compartilhamento que busca intercambiar os diferentes tipos de As organizadoras
saberes, acadêmicos e escolares e os saberes populares. Assim, o
texto relata a importância de produzir materiais que divulguem
as perspectivas das pedagogias libertadoras em uma linguagem
acessível a todas as pessoas.

No oitavo capítulo O “Chá das Mães Universitárias”


como possibilidade de (re) pensar no acesso e na permanência
no ensino superior, registram-se os movimentos de aproximação
entre a necessidade de ações de acesso e permanência na Uni-
versidade e as possibilidades com base na “Roda de Partilhas:
Chás das mães universitárias na região do Bico do Papagaio/TO”:
um espaço que inaugura o compartilhamento de experiências,
desafios e estratégias construídas por estudantes e egressas que
maternam no norte do Tocantins.

O nono e último capítulo finaliza esta obra com o capítulo


intitulado Travessias: preparatório popular de acesso à Pós-
-Graduação, abordando sobre o acompanhamento e auxílio às
pessoas oriundas das camadas populares da região do norte do
Tocantins para os processos seletivos de mestrado e especiali-
zação na área das ciências humanas. Ao dialogar com temáticas
sobre a elaboração do projeto de pesquisa, o currículo lattes, e
demais elementos que fazem parte dos processos seletivos, o
projeto contribui para a continuidade ou retorno da população
ao espaço da Universidade.

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ECOS DO
RIO TOCANTINS
A PRODUÇÃO DE
CONHECIMENTO SOBRE A
PESCA NO RIO TOCANTINS POR
MEIO DA HISTÓRIA ORAL
1
Rivânia Souza da Silva
Lisiane Costa Claro

1 REGISTROS INICIAIS

A atividade da pesca artesanal faz parte da vida de milhares de


povos ribeirinhos e comunidades tradicionais, muitos desses
grupos dependem da pesca para consumo e renda. Abrange uma
série de saberes técnicos, bem como aqueles repletos de subje-
tividade que emergem da sua prática cotidiana, conhecimentos
pautados nas experiências e observações com relação ao meio
ambiente. No entanto, as mudanças que vêm ocorrendo no modo
de vida e trabalho desses pescadores interferem diretamente na
manutenção, bem como na valorização destes saberes.

Diante disso, considerando a dimensão educativa inerente


à atividade da pesca, este estudo aborda a produção de conhe-
cimento científico com base na História Oral sobre a pesca e a
vida ligada ao rio Tocantins. A pesquisa justifica-se diante da
contribuição na valorização dos saberes tradicionais, bem como,
implica no desenvolvimento de um olhar crítico sobre os traba-
lhos que vêm sendo produzidos sobre o tema e a importância

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

deste tipo de produção para a preservação da história e para o percursos traçados os quais são necessários para que se possa
resguardo da memória dos ribeirinhos. Além disso, a pesquisa navegar até o destino que se pretende.
amplia a produção bibliográfica sobre a temática.
Para a realização desta pesquisa, optou-se pela abordagem
A motivação em estudar essa temática surgiu a partir da qualitativa por entender que ela se preocupa em compreender
experiência que a disciplina de Fundamentos e Metodologia do e explicar as dinâmicas das relações sociais, com aspectos da
Ensino de História proporcionou ao trabalhar diretamente com o realidade que não podem ser mensurados. Minayo (2001, p.22)
registro de História Oral, tendo como temática as memórias ligadas afirma que a abordagem “trabalha com o universo de significados,
ao Rio Tocantins. Interesse que se intensificou com a participação motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde
no Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
(GEPHEA/UFT/UFNT/CNPq) e ao projeto “Saberes Populares fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
e sua Geracionalidade na Educação Informal”, como bolsista do variáveis.” Por esta compreensão, identifica-se que a abordagem
Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC). atende a proposta pautada na produção do conhecimento, a qual
carrega elementos subjetivos inerentes ao ato de pesquisar, seus
Com a questão de pesquisa “Quais conhecimentos vêm
objetivos e bases de constituição.
sendo produzidos sobre os aspectos educativos da Pesca no Rio
Tocantins por meio da História Oral?”, este estudo tem como Com base nestes apontamentos abordados, foi realizado
objetivo geral compreender quais são os conhecimentos produ- um levantamento sobre os referenciais do estudo em torno da
zidos sobre a pesca no Rio Tocantins por meio da História Oral, História Oral e Memória. Diante dos aportes teóricos, posterior-
considerando seus aspectos educativos. mente, realizou-se uma revisão de literatura com base no banco
de dados “Google Acadêmico” quanto à produção científica
Com efeito, o texto que segue apresenta a rota metodo-
sobre os conhecimentos que vêm sendo produzidos referentes
lógica percorrida na elaboração do estudo. Logo, trata sobre as
aos aspectos educativos da Pesca no Rio Tocantins por meio da
potencialidades da História Oral na construção do conhecimento
História Oral.
e por fim, aborda sobre as produções que vêm sendo realizadas
no que diz respeito aos aspectos educativos da pesca no Rio Foram adotados alguns critérios para o levantamento das
Tocantins por meio da História Oral. produções a serem analisadas. Dentro dos critérios de inclusão,
foram elencados: a) Artigos científicos; b) documentos no idioma
português; c) textos autorais com pelo menos um dos pesquisa-
2 ROTA METODOLÓGICA
dores e/ou pesquisadoras do campo da Ciências Humanas (visto
Entende-se que a rota é fruto de um planejamento, que que, o estudo em questão é do campo da Educação); d) artigos
não está isento à mudança, aos refazeres, mas é elaborada dos que abordam a pesca do Rio Tocantins nos estados do TO e MA

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

(considerando que o trabalho de conclusão de curso é de um cidades inteiras, dele, milhares de famílias dependem direta ou
Campus localizado neste contexto); e) estudos que demonstrem indiretamente, dentre eles estão os pescadores artesanais.
respostas a pergunta estabelecida. Foram utilizados como critérios
A atividade pesqueira no Brasil é regida pela Lei nº 11.959,
de exclusão: a) artigos não publicados em revistas científicas e/
de 29 de junho de 2009, que classifica a pesca como comercial:
ou periódicos; b) artigos que apesar de citarem a metodologia da
artesanal e industrial; não comercial: científica, amadora e de
História Oral, não apresentam os referenciais da História Oral
subsistência. O termo artesanal está ligado a ideia de artesão, ao
em sua construção teórico-metodológica.
controle do que pescar e como pescar, a arte da pesca; Diegues
Para a busca foram definidos os seguintes termos: Rio (2004) aponta que o domínio desta arte requer um conjunto de
Tocantins; História Oral; Pesca; Educação. Após esta triagem, qualidades físicas e intelectuais que foram adquiridas por meio da
considerando os referenciais teóricos que subsidiam o estudo, experiência, lhe concedendo também a apropriação dos segredos
foi realizada a análise das produções em busca de elementos que da profissão. A pesca artesanal torna-se uma atividade de grande
se demonstraram relevantes para o trabalho, que servem para relevância na geração de emprego e renda para as populações
articular as ideias para novas conclusões que se desenvolvem. litorâneas e ribeirinhas, pois os pescadores artesanais são respon-
sáveis por quase metade da produção mundial pesqueira, seja elas
Ao ser considerada a relevância de compreender o que a
em águas interiores, costeiras ou litorâneas (DIEGUES, 2004).
literatura vem apresentando sobre a pesca no Rio Tocantins, por
meio da História Oral, de modo que se compreenda os aspectos Arruda e Diegues (2001) o conhecimento tradicional pode
educativos deste fenômeno, um quadro para a organização da ser entendido como uma série de saberes e saber-fazer ao que se
pesquisa. Essa sistematização para análise das produções, se refere ao mundo natural, sobrenatural perpassado oralmente de
deu pela ordenação dos textos considerando o título, periódico, geração em geração. Dito isto, os pescadores artesanais fazem
ano de publicação, autores, filiação, objetivos e considerações. parte do grupo que compõe os povos e comunidades tradicionais
(BRASIL, 2007).

3 O RIO TOCANTINS, A PESCA E A Considerando as comunidades pesqueiras como espaços


EDUCAÇÃO FORA DOS ESPAÇOS FORMAIS educativos e portadoras de relações educativas, ressalta-se que
O rio Tocantins nasce no estado do Goiás, com 2.416 km ninguém escapa da educação, o ser humano está sujeito a ela
de extensão é o segundo maior rio genuinamente brasileiro, todos os dias e em diferentes ambientes: seja em casa, na rua,
ficando atrás apenas do Rio São Francisco, atravessa os estados na igreja ou na escola. Gohn (2008) ressalta a problemática da
de Goiás, Tocantins, Maranhão e desemboca na Baía de Marapatá educação não formal e o poder da cultura na sociedade con-
no estado do Pará (PARENTE; SILVA, 2019). O rio abastece temporânea. Um ponto importante que a autora aborda é o que
diferencia a educação não-formal da educação informal, seria a

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

intencionalidade, no caso encontrado na educação não-formal. oficiais e institucionais e que tiveram sua perspectiva negligen-
Já a educação informal, ocorre através do processo espontâneo, ciada. Trata-se de uma metodologia que consiste em realizar
como a educação familiar. entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre
suas vivências, emoções e sentimentos.
Para Gohn (2008) a educação não formal se desenvolve
em diferentes espaços como: no bairro, associação de mora- Ao poder estar na contramão de um embasamento posi-
dores, nos movimentos sociais, sindicatos, na Organização tivistas, a História Oral legitima o trabalho com a História do
não Governamental, em espaços que apresentam aspectos Tempo Presente, pois as fontes orais cada vez mais mostram-se
políticos, como se pode relacionar com o espaço das Colônias importantes na reconstrução de acontecimentos do passado
de Pesca. A autora considera que a educação não-formal é tida recente. O historiador do tempo presente é contemporâneo
como uma área de conhecimento ainda em construção, uma do seu objeto. Para Chartier (2006, p. 216) o historiador do
vez que no Brasil, até os anos de 1980, a educação não-formal tempo presente, “ parece infinitamente menor a distância
não tinha muita importância, tanto entre educadores, quanto entre a compreensão que ele tem de si mesmo e a dos atores
nas políticas públicas, pois todas as atenções estavam voltadas históricos, modestos ou ilustres, cujas maneiras de sentir e de
à educação formal. pensar ele reconstrói [...]”.

Assim, por se considerar a relevância de produções e Embora seja difícil pensar a história e a memória separa-
relações educativas que se fazem para além dos âmbitos formais damente, existe uma complexa relação entre ambas. Nora (1993)
de Educação, é que se evidenciam os trabalhos que enfatizam a aponta que uma é antagônica a outra. “No coração da história
palavra dos sujeitos historicamente oprimidos. Por isso, conside- trabalha um criticismo destrutor de memória espontânea. A
ra-se relevante investigar a produção que enfatiza como caminho memória é sempre suspeita para história, cuja verdadeira missão
metodológico para a compreensão de questões vinculadas à pesca é destruí-la e a repelir. A história é deslegitimação do passado
no Rio Tocantins, compreendendo seus aspectos educativos, a vivido.” (NORA, 1993, p. 9).
História Oral.
Chagastelles e Lacerda (2013) ressaltam que a História
contribui para a elaboração de representações da memória cole-
4 A CONTRIBUIÇÃO DA HISTÓRIA ORAL tiva, ao lançar símbolos e conceitos que viabilizam a reflexão da
PARA O TRABALHO COM AS “MARGENS” sociedade sobre si e como se volta ao próprio passado; sendo este
Como procedimento metodológico, a História Oral carac- fertilizante da memória, promove intencionalmente e cientifica-
teriza-se principalmente por ouvir e registrar as vozes de sujeitos mente recordações. Por outro lado, pode também a História ser
que por muito tempo foram marginalizados dos documentos desarticuladora da memória, de modo em que a tradição histórica
é um processo de regulação da memória.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

Assim se “transforma a paisagem da memória espontânea, publicações. Na terceira etapa desta fase de busca no banco
destruindo-a em história. O peso disciplinar da história volta-se de informações, com base no título e na leitura do resumo, 26
contra a memória social espontânea, enquadrando-a.” (CHAGAS- trabalhos foram excluídos por não apresentarem os critérios de
TELLES; LACERDA, 2013, p.4). De acordo com as autoras, existe inclusão previamente estabelecidos no estudo, totalizando 17
uma complementaridade entre História e Memória. A História pode publicações para serem lidas na íntegra. Após essa leitura crítica
ser compreendida como alimento para a Memória ou o contrário, restaram 8 trabalhos para análise, estes estão organizados por
Pollak (1989, p.10) salienta que “o trabalho de enquadramento da nome, revista, ano, autores/as e filiação.
memória se alimenta do material fornecido pela história”
Em uma análise inicial fica evidente a forte presença da
Diante desta dualidade de pensamento com relação à Universidade Federal do Tocantins, levando em consideração
História, cabe aqui ressaltar a importância da História Oral que dos oito trabalhos selecionados para a análise todos tem pelo
para conservação da memória das camadas populares, dos que menos um autor filiado a esta instituição.
tiveram sua história negada, visto que a memória faz parte de
Evidentemente é uma temática que cada vez mais vem
nossa identidade, faz parte de quem somos e não está presa ao
ganhando espaço dentro e fora do meio acadêmico, pois o que se
nosso passado, mas está presente em nossos idiomas, em nossos
observa é que quatro trabalhos dentre os oito abordaram sobre a
corpos, no que consideramos importante. A memória tem um
questão de gênero, abordando sobre a vida de mulheres que foram
papel significativo no fortalecimento da identidade de grupos e
impactadas pelas Usinas Hidrelétricas, este é outro ponto rele-
comunidades e a história oral ressalta essa importância.
vante, todas as oito publicações estão relacionadas às construções
Portanto, reconhecendo as contribuições elencadas do de Usinas Hidrelétricas e como esses grandes projetos interfere
trabalho metodológico com a História Oral, apresentam-se as diretamente na vida dos pescadores. Alguns desses trabalhos
produções científicas construídas no contexto do Rio Tocantins. revelam a (in)visibilidade das atividades pesqueiras realizadas
pelas mulheres, mesmo elas participando de todo o processo que
constitui essa atividade, o trabalho das mulheres casadas muitas
5 AS PRODUÇÕES SOBRE A PESCA NO RIO
TOCANTINS COM BASE NA HISTÓRIA ORAL
vezes fica subentendido como “ajuda” aos seus companheiros.

Delineiam-se os resultados da pesquisa decorrente da aná- Para reiterar os apontamentos no que diz respeito aos
lise dos artigos selecionados, na pesquisa no Google Acadêmico, trabalhos selecionados, acredita-se ser necessário trazer um
foram encontradas 183 produções bibliográficas. Foi realizada panorama acerca das produções encontradas.
uma segunda etapa, identificando se os títulos abordavam os Gomes et al. (2010) discutem sobre a relação das comu-
conteúdos das palavras elencadas, permanecendo apenas 43 nidades de pescadores com rio, assim como, as modificações

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

ambientais percebidas por esses ribeirinhos, ocorridas à jusante abordou a História Oral por entender que este método é uma forma
da barragem da Usina Hidrelétrica de Luís Eduardo Magalhães ou de reconstruir a experiências e lutas vividas cotidianamente. O texto
Lajeado, localizada entre os municípios de Miracema do Tocantins conclui que ainda existe uma invisibilidade nas atividades feitas por
e Lajeado. Em 2005, início do estudo, os autores fizeram visitas mulheres pescadoras, pois acabam não sendo vistas como capazes
ao escritório estadual da SEAP/PR, em Palmas, participando para desempenhar o exercício da pesca.
também de encontros organizados pelas colônias dos pescadores
O estudo feito por Mendes e Parente (2016) tinha como
dos municípios de Miracema e Lajeado (TO) com o propósito de
objetivo analisar a invisibilidade das atividades pesqueiras
estabelecer laços de confiança entre pesquisador e participante.
realizadas por mulheres associados à colônia de pescadores pro-
O estudo evidencia a importância dos conhecimentos fissionais artesanais Z-16 na cidade de Miracema do Tocantins
tradicionais dos pescadores, destaca que tais conhecimentos e Tocantínia. Foram realizadas 32 entrevistas entre homens e
devem ser levados em consideração pelos Estudos de Impactos mulheres associados à colônia dos pescadores. A análise destes
Ambientais e Relatório de Impactos Sobre o Meio Ambiente (EIA/ relatos feita pelas autoras reforça a existência de desigualdade
RIMA) nas discussões técnicas ligadas aos empreendimentos de gênero no setor pesqueiro, sobretudo das mulheres casadas
hidrelétricos, visto que em sua maioria os saberes tradicionais por entenderem seu trabalho como “ajuda”.
e locais não são levados em consideração.
Zagallo e Ertzogue (2018) abordaram a vulnerabilidade
As entrevistas feitas com 31 pescadores dos municípios de emocional das mulheres ribeirinhas, com destaque para as mulhe-
Lajeado, Tocantínia, Miracema e Pedro Afonso, municípios estes res idosas, remanescentes da Ilha de São José em Babaçulândia
localizados a jusante do barramento, foram imprescindíveis para (TO) atingidas pela Usina Hidrelétrica de Estreito - MA. O estudo
o registro do conhecimento empírico desses pescadores tradi- evidenciou que a desterritorialização, tornou essas mulheres
cionais, no que diz respeito à dinâmica do rio e suas percepções vulneráveis, não só nos aspectos econômicos visto que muitas
sobre as alterações ambientais que interferem diretamente no dependiam do rio para sua subsistência, mas principalmente nos
seu cotidiano, tais como mudança na turbidez da água, erosões, aspectos emocionais e simbólicos, resultante à perda do modo
alterações na diversidade e na mortandade de peixe. de vida tradicional.

Ferreira e Parente (2017) analisaram a atividade profissional As entrevistas foram feitas com mulheres idosas do
da pesca das mulheres que foram impactadas pela construção da acampamento São José que viviam da pesca, da quebrarão de
Usina Hidrelétrica de Estreito. Tinha como foco a questão de gênero coco babaçu, do cultivo das vazantes, do comércio informal
vivenciada por aquela população no que diz respeito à atividade em temporada de praia, a partir dos relatos dessas mulheres
pesqueira. Sendo assim, a pesquisa aborda os impactos sofridos os pesquisadores diagnosticaram uma vulnerabilidade afetiva,
pelas mulheres pescadoras do extremo norte do Tocantins. O estudo resultando em incerteza do futuro, tristeza e depressão.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

Machado e Almeida (2020) realizaram uma pesquisa em ragem e líder do acampamento. O estudo evidenciou o papel da
2018, sobre a percepção dos moradores do Acampamento Cora- liderança feminina frente às demandas do acampamento e como
gem, com relação aos impactos sofridos com a construção da essa representação tem sido vista positivamente pelos seus com-
Usina Hidrelétrica de Estreito (MA). O acampamento Coragem panheiros de luta, destaca ainda, a importância do movimento
é formado por um grupo de ribeirinhos em sua maioria associa- social como fator formativo educacional e político.
dos à colônia dos pescadores da cidade de Estreito – Z35 que ao
Jesus e Ertzogue (2018) centraram sua pesquisa em dois
serem desterritorializados do lugar onde moravam e/ou tiravam
reassentamentos rurais Flor da Serra e Luzimangues, construídos
seu sustento, ocuparam as terras de jurisdição do Consórcio
pela Investco, empresa responsável pela Usina Hidrelétrica de
Estreito Energia localizadas beira do lago.
Lajeado, com o objetivo de registrar as perdas simbólicas e os
Um dos grandes impactos ocasionados pela barragem saberes tradicionais da comunidade ribeirinha do Tocantins, nas
observadas pelos pesquisadores foi o processo de desterritoria- redondezas de Porto Nacional (TO).
lização, outro, foi a dificuldade com a pesca, a queda no número
Para isso, analisaram o processo de deslocamento de algu-
e na variedade de peixes. Esses impactos são resultado do “pro-
mas famílias reassentadas, buscando compreender a dinâmica
gresso”, impulsionado pela promoção da economia nacional.
estabelecida entre a comunidade ribeirinha e o rio e de que forma
Ao fim da pesquisa os autores chegaram ao resultado de que o
essa comunidade qualifica suas perdas simbólica, essas perdas
sistema capitalista tem reproduzido as desigualdades sociais em
foram caracterizadas como afetividade com o lugar construído,
nossa sociedade.
natureza e os saberes tradicionais, assim como o rompimento
Machado e Sieben (2019) analisaram a representação de laços comunitários, principalmente para os mais idosos que
feminina dentro de um território em disputa, o acampamento apresentaram dificuldade para recomeçar em outro lugar.
Coragem, partindo da história de vida de uma mulher, pescadora
Por fim, a pesquisa identifica os impactos silenciosos
e lavradora que é atingida pela Usina Hidrelétrica de Estreito.
e imateriais, nos quais não há nem um tipo de compensação
O acampamento Coragem se destaca por ser formado por 40
ambiental. Há a separação com os vizinhos e parentes, que em
famílias aproximadamente, de ribeirinhos/as e pescadores/as
muitos casos ao serem reassentados foram para locais diferen-
que passaram a as terras do CESTE após serem desterritoriali-
tes e perda da relação com a paisagem natural e cultural, de tal
zados do lugar onde viviam, como forma de luta, resistência e
modo as perdas materiais, deixando a comunidade ribeirinha
reivindicações por seus direitos.
em condições socioeconômicas precárias.
Neste contexto, os autores perceberam a representação
Parente e Silva Junior (2019) buscaram compreender de
feminina na luta pela terra, especialmente a atuação de Dona
que forma as transformações ocorridas no rio Tocantins durante
Jurema, pescadora, militante do Movimento Atingidos por Bar-

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

os séculos XX e XXI modificaram a vida e a percepção das Machado e Almeida (2020) ao questionarem os pescadores
populações que dependem diretamente do rio. Salientam sobre sobre o que a barragem representa na vida deles, respondem com
o surgimento de algumas cidades que ficam às margens do rio palavras como “prejuízos”, “tristeza” e “perdas”. Muitos desses
e como ele já foi uma importantíssima rota fluvial, sendo um ribeirinhos não conseguiram se adaptar a esse novo modo de viver,
importante elo econômico entre o sertão sul-maranhense e principalmente os mais velhos. Maria Aparecida concedeu uma
extremo norte goiano. entrevista em 2015 à Zagallo e Ertzogue (2018), apresentando o
problema enfrentado por vários pescadores destinados a viverem
Com o objetivo de trazer para a discussão o sentido do rio
longe do rio, enfrentando a escassez de água e até mesmo o acesso
para as pessoas que vivenciaram sua perda, os autores realiza-
à água salobra, referem-se às construções de barragens que acar-
ram entrevistas orais com atingidos pela Usina Hidrelétrica de
retam para os ribeirinhos em perda cultural, econômica e social.
Estreito, em sua maioria moradores da Ilha de São José, entre
os anos 2008 e 2018. O período do estudo foi concomitante com Machado e Almeida (2020 p.149) observaram a importância
a construção da barragem até a saída das famílias e seu resta- que os moradores atribuem ao Movimento de Atingidos pelas
belecimento em reassentamentos. A produção apresenta que a Barragens “todos destacaram seu papel na luta pelos direitos,
história do rio está inevitavelmente imbricada na história das tendo alguns deles destacado que se não fosse a ajuda do movi-
relações humanas que se deram no rio Tocantins. mento eles não estariam naquele território”. Reassentados em
outro lugar, distante do rio, há uma interrupção no modo de
Em olhar mais aprofundado, pode-se observar que os
vida dessa população, a pesca enquanto tradição vai se tornando
trabalhos em sua maioria possuem aspectos educativos relacio-
algo cada vez mais distantes da realidade dos reassentados e os
nados à pesca, tanto no âmbito informal como não formal, assim
conhecimentos perpassados de pais para filhos vão se perdendo.
como é possível observar esse processo educativo se perdendo
em decorrência das transformações no ambiente. As transfor- 6 Considerações
mações no ambiente estão diretamente ligadas às construções
As produções levantadas permitem apontar possíveis res-
de hidrelétricas ao longo do rio Tocantins.
postas acerca das relações de produção de saberes populares por
Parente e Silva Junior (2019) apontam que o rio vem se meio da educação informal também não-formal nos espaços de
consolidando em uma imensa “escadaria” de lagos artificiais, pesca artesanal na região do norte do Tocantins, reconhecendo as
isso tem se tornado um pesadelo na vida dos pescadores, sobre- permanências e descontinuidades entre as gerações. As produções
tudo daqueles que viviam às margens do rio e tiveram que ser apresentam as unidades temáticas emergentes das produções sobre
desapropriados das áreas que seriam impactadas, muitos desses a temática evidenciada: o trabalho da pesca como um fenômeno
ribeirinhos foram forçados a sair de suas casas e realocados em de mudanças profundas e acompanhadas dos impactos ambientais
outros lugares, lugares às vezes muito distante do rio. (marcando uma mudança geracional da pesca); a emergência de

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO SOBRE A PESCA NO RIO TOCANTINS...

um olhar a questão de gênero nas relações vinculadas a pesca; BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Decreto nº 6.040, de 7 de
fevereiro de 2007.
a oralidade como resistência frente às mudanças e imposição de
Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
determinados conhecimentos em detrimento dos saberes populares.
Comunidades Tradicionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-
Com base nos trabalhos analisados, constatou-se que os
2010/2007/decreto/d6040.htm>. Acesso em: 1 nov. 2020.
pescadores possuem uma série de conhecimentos acerca da pesca,
CHAGASTELLES, Gianne; LACERDA, Gislene. História oral, memória e história
conhecimento este perpassado de geração a geração, assim tam-
do tempo presente: debate conceitual e de sentidos. X Encontro Regional
bém é possível observar que tais conhecimentos correm o risco Sudeste de História Oral. Campinas: UNICAMP, 2013.
de se perderem devido às mudanças no ambiente e no modo de CHARTIER, Roger. A visão do historiador modernista. In:FERREIRA, Marieta
vida desses ribeirinhos. de Moraes. Usos e Abusos da história oral. Rio de Janeiro. FGV, 2006.
DIEGUES, Antonio. Carlos. Pesca construindo sociedades. São Paulo:
Assim, a História Oral demonstrou nas produções ana- NUPAUB-USP, 2004.
lisadas sobre o rio Tocantins a potência com as memórias das FERREIRA, Magna Marinho. PARENTE, Temis Gomes. Gênero e trabalho das
pescadoras e pescadores, dos povos ribeirinhos, das pessoas mulheres pescadoras dos reassentamentos rurais no extremo norte do
Tocantins. Revista Desafios. v. 03, n. Especial, 2016. pp. 30-33.
anciãs e da juventude que vive ou que teve sua presença arran-
GARCIA, Narjara Mendes. (2007). Educação nas famílias de pescadores
cada do leito do rio; viabilizou um panorama sobre as práticas
artesanais: transmissão geracional e processos de resiliência. Dissertação
educativas gestadas no contexto familiar, e de trabalho familiar de Mestrado em Educação Ambiental. Programa de Pós-Graduação em
junto à pesca, assim como no âmbito comunitário. As relações se Educação Ambiental. Rio Grande, RS, FURG.
mostram solidárias, engajadas contra os retrocessos forjados de GHON. Maria da Glória. Educação não formal e cultura política: impactos
sobre o associativismo no terceiro setor, 4. ed, São Paulo: Cortez, 2008.
“desenvolvimento” e a educação não-formal assume relevância
GOMES, Kelson Dias; MARQUES, Elineide Eugênio; PARENTE, Temis Gomes.
nos movimentos sociais, das colônias e associações na vida dos
Percepções dos pescadores sobre as alterações ambientais e da pesca a
ribeirinhos. Além disso, as produções instigam a continuidade jusante da barragem da usina hidrelétrica do lajeado, Brasil. OLAM - Ciência &
da elaboração científica junto aos saberes das populações que Tecnologia. Rio Claro, SP, Brasil. Ano X, Vol. 10, n. 1, p. 158. Janeiro‐Julho, 2010.
vivem do/no/com o rio, reafirmando o papel social da pesquisa JESUS, Bruno Mendes. de; ERTZOGUE, Marina Haizenreder. Sobre a saudade
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acampamento coragem e a desterritorialização ocasionada pela usina

34 35
2
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS

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Rocha Flaksman. temos contato com uma explosão de acontecimentos. A nossa
Estudos históricos, v. 2, n. 3, Rio de Janeiro, 1989, p. 3-15. memória é a responsável por selecionar aquilo que achamos
ZAGALLO, Ana Daisy Araújo; ERTZOGUE, Marina Hainzenreder. Rev. Inter. relevante e excluir o que não tem impacto direto em nosso coti-
Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.15, n.2, p.91-108 Set.-Dez. 2018.
diano. Sendo assim, as experiências adquiridas nas trajetórias,
individuais e coletivas, construídas em diferentes grupos sociais,
somadas ao trabalho memorial realizado pelo cérebro a partir das
conexões neurais, acabam por definir as memórias que deixam
marcas e aquelas encaminhadas ao esquecimento.

Esse processo é o responsável direto pela compreensão


de vida e de mundo, pela construção de significados e pelo
estabelecimento das identidades dos indivíduos e dos grupos.
Constantemente a sociedade se organiza em grupos diversos que
se relacionam a partir de uma rede de significados que aproximam
ou afastam seus membros. No caso específico das populações
camponesas, os grupos identitários se organizam principalmente

36 37
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

a partir da relação de vida e trabalho que estabelecem com a denominaram o rio de Tocantins em virtude de uma tribo de
terra, com as águas e com as florestas. indígenas que já habitavam as redondezas (FLORES 2009, p.
45 apud FURTADO 2016, p. 369).
Nesse sentido, Costa e Carvalho (2012) relatam que os
camponeses são todos os grupos de pessoas que formam uma É importante salientar que devido às restrições impostas
diversidade de povos que vivem e trabalham na terra, nas águas e pela pandemia do novo Coronavírus – SARS-CoV-2, foram neces-
nas florestas e que tem seus sustentos advindos da disponibilidade sárias algumas adaptações na pesquisa visto que a metodologia
desses recursos propiciados pela natureza. Assim sendo, suas ati- de História Oral geralmente ocorre a partir do contato presencial
vidades de trabalho acontecem em pequenas escalas, normalmente com os depoentes da pesquisa. Nesse sentido, a interlocução
visando a subsistência das famílias. Nessas relações sociais os da pesquisa foi desenvolvida a partir de aplicativos digitais de
indivíduos adquirem conhecimentos a partir da sua vivência e das comunicação. Foram utilizados o aplicativo de mensagens ins-
experiências construídas nos grupos que fazem parte, nos quais tantâneas Whatsapp e a plataforma de reuniões Google Meet.
os conhecimentos são passados geralmente de forma geracional
e não atendem necessariamente a fins capitalistas. Entre alguns
2 CAMINHOS METODOLÓGICOS
grupos de populações camponesas destacamos, por exemplo, as
populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, quebradeiras de A História Oral busca compreender os diferentes processos
coco babaçu, pescadoras artesanais, dentre outras. que não se pretende quantificar, sendo uma metodologia de cunho
qualitativo. A elaboração do roteiro é uma etapa crucial para o
A fim de alcançar o objetivo proposto, a pesquisa tem como
bom andamento do estudo em História Oral. De acordo com
abordagem metodológica a coleta e análise de dados a partir da
Alberti (2004, p.83), o roteiro tem a finalidade de “promover a
História Oral. Foram realizados os levantamentos bibliográfi-
síntese das questões levantadas durante a pesquisa em fontes [...]
cos e as discussões a partir das palavras chaves: História Oral,
e constitui instrumento fundamental para orientar as atividades
Memórias, Rio Tocantins e Identidades visando compreender
subsequentes”. Entendendo isso, realizamos o roteiro onde foi
as trajetórias de vidas de pescadoras e pescadores que têm suas
dividido em três eixos temáticos: questões iniciais, que tinha
vidas marcadas pela relação de trabalho com o Rio Tocantins.
a finalidade de conhecer a pessoa entrevistada com aspectos
O Rio Tocantins, segundo Parente e Silva Junior (2019), relacionados a família, residência, lazer e religiosidade; o oficio
tem sua origem no planalto goiano, do encontro dos rios Almas e de pescadora e pescador, com o aprendizado para o trabalho,
Maranhão, percorre além de Goiás, os estados do Pará, Maranhão sujeitos envolvidos, locais de pesca, utensílios utilizados e o
e Tocantins. O início de seu povoamento pelos colonizadores é cotidiano da profissão; e comunidade, abordando as relações
datado no século XVI a partir das navegações de um grupo de com as demais pessoas associadas à Colônia dos Pescadores
europeus que tinha no comando Charles Des Vaux. Eles que Z-7, período da Piracema, relações de gênero e as visões que a

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

sociedade tem das pescadoras e pescadores. As questões dos 3 sentido, fizemos o primeiro contato via Whatsapp e realizamos
eixos foram pensadas com o objetivo de propiciar um momento de a entrevista com cinco pescadores, gravada pelo Google Meet.
partilha de informações que nos permitisse conhecer as pessoas
Como as entrevistas foram todas de forma remota, o registro
entrevistadas e compreender as memórias relacionadas ao tema
de cessão de direitos foi feito de maneira gravada no início e ao
da pesca em suas vidas. Nesse sentido, não foi uma entrevista
fim da entrevista, informando a duração da entrevista e repetindo
de História Oral de vida, mas uma História Oral temática, com
os dados da pesquisa solicitando novamente a confirmação sobre
um recorte específico que delimitamos no projeto de pesquisa.
a autorização da participante. Além disso, as entrevistadas e os
Logo, não pretendemos abranger a totalidade das trajetórias de
entrevistados deveriam escolher se autorizavam ou não a utili-
vida dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
zação de suas identidades na divulgação dos dados da pesquisa.
Conforme destaca Meihy e Holanda (2015, p.19), quanto Algumas pessoas entrevistadas preferiram não ter seus nomes
ao direcionamento da pesquisa em História Oral: divulgados. Nesse sentido, neste trabalho todas as pessoas serão
identificadas com codinomes escolhidos por elas. A proposta foi
que cada entrevistada e entrevistado escolhesse um nome de um
História oral é um processo de aquisição de
entrevistas inscritas no “tempo presente” e peixe do Rio Tocantins para homenagear e ser mencionado na
deve responder a um sentido de utilidade pesquisa no lugar do seu nome.
prática, social e imediata. Isso não quer
A partir da abordagem qualitativa de História Oral, rea-
dizer que ela se esgote no momento de
sua apreensão, do estabelecimento de um lizamos entrevistas com pescadoras e pescadores vinculados à
texto e da eventual análise das entrevistas. Colônia de Pescadores Z-7, do município de Tocantinópolis. De
acordo com a página da Colônia de Pescadores Z-7, na rede social
A partir da elaboração desse roteiro buscamos identificar Facebook1, sua fundação foi no dia 23 de novembro de 1997.
na comunidade as pescadoras e pescadores que teriam interesse Não foram encontradas durante a pesquisa fontes escritas que
e disponibilidade em participar desta pesquisa. Houve dificul- trouxessem mais elementos sobre a criação e o funcionamento
dade na ida ao campo de estudo pois em virtude do isolamento da Entidade.
social provocado pela pandemia causada pelo novo coronavírus
Buscando trazer as memórias a partir das narrativas dos
SARS-CoV-2 não foi possível o contato presencial com as pes-
entrevistados e entrevistadas, dando ênfase às suas experiências
soas depoentes. Já que não poderíamos falar com as pescado-
de vidas relacionadas a atividade da pesca refletindo as mudanças
ras e pescadores de forma presencial, pensamos em utilizar a
comunicação mediada pelos aplicativos digitais utilizando como
referência os escritos de Santhiago e Magalhães (2020). Nesse 1 Colônia dos Pescadores Tocantinópolis. 2022. Disponível em: <https://www.
facebook.com/coloniadospescadores.tocantinopolis>. Acesso em: 30 mar. 2022.

40 41
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

percebidas no ofício ao longo dos anos, os sentidos e significados cercam os diferentes acontecimentos e vivências. Em vista
que a atividade tem em suas vidas e como construíram suas disso, quando se trabalha com a História Oral, os interlocutores
trajetórias de pescadoras e pescadores. são convidados a revisitar suas memórias sobre as diferentes
experiências constituídas em suas diversas relações sociais.
Essas serão posteriormente utilizadas para compor a narrativa
3 HISTÓRIA ORAL, MEMÓRIA E IDENTIDADE
histórica dos pesquisadores:
De acordo com Matos e Senna (2011), a História surgiu
muito vinculada à oralidade, no entanto, ao longo dos anos foi
Na busca de escrever uma narrativa histórica,
se afastando da tradição oral privilegiando a tradição escrita. a história oral possibilita ao historiador usar
Na segunda metade do século XX, há a reintrodução da His- das entrevistas como fonte para sua escrita,
tória Oral enquanto campo de registro da História, iniciada em buscando reconstruir o passado conforme
parte por um grupo de historiadores, na década de 1950, nos foi vivido. O que temos são fragmentos do
Estados Unidos. O advento do gravador foi fundamental nesse passado, narrados por aquele que viveu.
ressurgimento. Na década de 1960, na Itália, ela começou a ser Isto nos mostra um ponto central: não existe
apenas uma memória ou uma história que dê
utilizada pelos antropólogos De Martino, Bosio e o sociólogo
conta do passado, e sim várias. É impossível
Ferraoti como uma forma de reconstruir a Cultura Popular, con- reconstruir o passado tal qual ele aconteceu.
siderando-a não como um complemento às fontes tradicionais (CHAGASTELLES; LACERDA. p. 5, 2013).
escritas, mas entendendo-a como uma “outra história”. A partir
de então, começaram a se expandir os estudos nessa perspectiva, A História Oral traz as memórias dos indivíduos a partir
tendo como base os relatos de pessoas das classes populares que de suas subjetividades, ou seja, cada pessoa singulariza o mundo
participavam de acontecimentos na sociedade. Essas populações em sua volta de uma forma. Seguindo esse contexto, Janaina
geralmente não tinham suas trajetórias mencionadas nos registros Amado (1995) relata que para trabalhar com as memórias dos
da história oficial, visto que essa era escrita pelas classes domi- indivíduos é preciso ter uma visão abrangente da relação entre
nantes, apenas em torno de seus interesses. Conforme mencionam ele e a sociedade, compreendendo que não há uma história ver-
Matos e Senna (2011, p.96), a fonte oral pode acrescentar uma dadeira ou uma falsa nos relatos, mas a existência de memórias
dimensão viva, trazendo novas perspectivas à historiografia, pois individuais diferentes em um mesmo grupo social.
o historiador, muitas vezes, necessita de documentos variados,
não apenas os escritos. Nessa perspectiva, o pesquisador assume o papel de inter-
pretar as diferentes memórias que são registradas nas entrevistas.
A utilização da metodologia de História Oral possibilita A partir das entrevistas, as memórias trazidas pelas pessoas
entender as trajetórias de vidas e as diferentes memórias que possibilitam um aprofundamento da compreensão da História

42 43
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

e dos diferentes sujeitos que a fazem. Nesse sentido, a História a partir das experiências que cada ser humano adquire em um
Oral é uma metodologia de pesquisa que mostra os diferentes determinado contexto histórico. Com relação a construção das
vieses sobre os acontecimentos do cotidiano e envolve o campo memórias individuais e do quanto umas memórias se relacionam
das subjetividades. Ela possibilita uma nova compreensão dos a outras, Maurice Habwachs (1990. p. 51) destaca, sobre a relação
fatos vividos no presente de determinada comunidade a partir delas com as memórias coletivas: “diríamos voluntariamente que
de diversos olhares, sendo plural. Pois cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória
coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali
eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que
Como cada ser histórico singulariza a
sociedade na qual está inserido e a percebe mantenho com outros meios”.
de uma forma específica. Falar de uma
Sobre essa memória compartilhada, Halbwachs (1990 p.
história verdadeira seria muito ingênuo,
26) chama de memória coletiva, e destaca que, [...] “nossas lem-
mas podemos afirmar que se trata de uma
percepção verdadeira do real, emitida pelo branças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos
depoente, que assim compreende e se outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós
apropria do mundo ao seu redor. Ao tornar estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. ‘E porque,
pública sua percepção, está, de alguma em realidade, nunca estamos sós [...]”. Vale dizer que a memória
forma, contribuindo para a elucidação é algo pessoal, mas que desenvolvemos e nutrimos no coletivo.
parcial de alguma situação”. (MATOS e
Quando nascemos já temos uma sociedade posta com regras,
SENNA, p. 98. 2011).
histórias e culturas que influenciam nossa forma de olhar para
as experiências que vivenciamos, a forma como interpretamos
Ao utilizar a História Oral como metodologia de siste-
e armazenamos informações sobre elas, e a nossa constituição
matização e análise histórica, temos o conceito de Memória
enquanto sujeitos, a nossa identidade.
como centro do debate, pois é através dos relatos ouvidos sobre
as diferentes subjetividades de um grupo, que os pesquisadores Para compreender como as diversas identidades vão sendo
podem contribuir com os interlocutores no registro de novas construídas e reconstruídas ao longo das vivências dos sujeitos
narrativas. Desse modo, os diversos relatos coletados pelos nos diferentes grupos aos quais pertencem ou têm relações, é
pesquisadores são analisados individualmente e em sua relação importante pensar na constituição do conceito de identidade.
com outros, buscando conexões que permitam a apreensão da Conforme destaca Hall (2006) o conceito de identidade pode
individualidade e da coletividade nas memórias ser interpretado historicamente a partir de três concepções.
Elas ajudam a pensar como as identidades dos indivíduos são
Assim sendo, quando falamos em memórias nos depara-
concebidas em diferentes momentos. A primeira concepção
mos com uma pluralidade de subjetividades que se consolidam

44 45
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

é atrelada ao sujeito do Iluminismo. Nessa interpretação, os subjetiva com as “necessidades” objetivas


indivíduos têm suas identidades marcadas a partir dos modos da cultura, estão entrando em colapso,
de vidas aprendidos nas relações familiares do grupo de sua como resultado de mudanças estruturais
e institucionais (HALL, 2006, p. 12).
infância, ou seja, a identidade é vista como característica fixa
de um grupo e é absorvida por aqueles que vão se integrar a
Nesse sentido, de acordo com o Hall (2006), a partir do
ele. Na segunda concepção, mais vinculada ao sujeito socio-
processo de mudanças que a sociedade vive com a chegada da
lógico, o indivíduo tem sua identidade interiorizada a partir
modernidade, é difícil entender as identidades e subjetividades
do grupo em que vive e dos demais grupos existentes, isto é,
de um grupo delimitado e com fronteiras mais estáticas. A
a identidade se constrói na relação social estabelecida com os
todo tempo os processos de vida são modificados e a consti-
outros grupos exteriores. Esse entendimento se vincula dire-
tuição das pessoas vai se alternando, em constante construção
tamente à ideia de pertencer ou não a um determinado grupo.
e reconstrução. Assim sendo, na forma como atualmente
Logo, é constituída a partir de elementos de aproximação e
a sociedade é constituída, é importante repensar a ideia de
de distanciamento, geralmente marcados por fatores culturais
identidade como uma coisa fixa. Uma visão mais abrangente
e/ou geográficos. Por fim, a terceira concepção atrelada ao
e contemporânea considera a possibilidade de compreender
conceito de identidade, é a do sujeito pós-moderno, na qual
as múltiplas identidades, e a possibilidade da predominância
os indivíduos sofrem constantemente interferências de outras
de uma delas se alternar durante as diferentes fases da vida
identidades com as quais compartilham o dia a dia, estando
dos sujeitos, visto que não há identidade única e imutável. “As
cotidianamente em reconstrução. Sendo sua identidade modifi-
sociedades modernas são, portanto, por definição, sociedades
cada constantemente a partir de cada ambiente e contexto social
de mudança constante, rápida e permanente. Esta é a principal
em que as pessoas estão e se relacionam, essas interferências
distinção entre as sociedades ‘tradicionais’ e as ‘modernas’”.
vão modificando os modos de pensar e abrindo espaço para
(HALL, 2006, p. 14).
múltiplas identidades em um mesmo sujeito:
Considerando as reflexões acima, e os diferentes campos
O sujeito, previamente vivido como tendo de estudo destacados, neste trabalho é realizada a construção
uma identidade unificada e estável, está se de registros das memórias de algumas pessoas ribeirinhas
tornando fragmentado; composto não de que atuam com a pesca na região do Bico do Papagaio, siste-
uma única, mas de várias identidades, algu- matizando e analisando seus relatos, buscando compreender
mas vezes contraditórias ou não resolvidas. a importância da pesca no Rio Tocantins em suas trajetórias,
Correspondentemente, as identidades, que
os diferentes significados e representações que essa atividade
compunham as paisagens sociais “lá fora”
permite construir em suas memórias, e, consequentemente,
e que asseguravam nossa conformidade

46 47
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

as diferentes identidades que se constroem em torno e com o Nesse sentido é possível perceber que o Rio Tocantins foi
Rio Tocantins. se modificando e com ele os modos de vida e de trabalho das
comunidades ribeirinhas. Acontece que as pessoas que viviam
O Rio Tocantins segundo Parente e Silva Junior (2019)
às margens do rio e trabalhavam nele desde o período de sua
começam a ser povoado, para além dos povos indígenas que já
ocupação enfrentam hoje uma realidade diferente. As atividades,
viviam na região, no século XVIII, a partir das diversas incursões
as experiências e seus os modos de vida foram se transformando
realizadas em busca de metais preciosos. Quando foi percebida
ao longo dos anos:
a escassez desses metais, pelos colonizadores, se constituíram
as primeiras comunidades ribeirinhas com vistas ao cultivo para
a aquisição do sustento “vendendo produções de roças, carne de Tais mudanças fazem parte de um processo
caça e peixe salgado” em outras localidades (CARVALHO, 2006, longo e lento, mas que foi significativo
para o modo de vida do ribeirinho. As
p. 245 apud PARENTE E SILVA JUNIOR, 2019, p. 162). Essa
transformações concretas alteram traços
realidade se modificou consideravelmente a partir da construção
de uma identidade, mas alguns de seus
da rodovia Belém-Brasília que impulsionou a exploração da elementos constitutivos sempre vão
região do Tocantins e contribuiu para a construção de grandes prevalecer e conviver com outros que
hidrelétricas, que impactam o fluxo das águas do Rio e as popu- surgem, senão a cada mudança teríamos
lações que dele dependem, novas identidades desvinculadas das
anteriores. Nesse processo de construção
é necessário um contexto no qual se possa
O rio Tocantins e suas margens encontram-se pensar a si próprio, a partir de um olhar
hoje bem diferentes da época da ocupação, externo, pois a realidade é construída
devido as inúmeras transformações que pelas representações dos atores, e é a
vêm se processando nas últimas décadas. cada situação específica que as crenças
Com base nas memórias deixadas pelos de um grupo encontram sua coerência,
ribeirinhos, ou sobre eles, por vozes do sendo necessário, portanto, buscar a
passado e do momento atual, é possível identidade nos limites, nas fronteiras, nos
perceber tanto a multiplicidade de senti- contatos. (OLIVEIRA, p. 82, 2007).
dos que o rio adquire como os elementos
compartilhados no seu dia-a-dia, como
Diante disso, as identidades das populações ribeirinhas,
suas representações culturais, além desse
com as mudanças ocorridas ao longo do tempo, vão se trans-
sentimento de pertencimento entre eles e
o estranhamento com relação ao diferente. formando acompanhando as mudanças históricas e geográficas
(OLIVEIRA, 2007, p 80). que acontecem em seu entorno.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

4 A PESCA NO RIO TOCANTINS A PARTIR DOS A partir das narrativas compartilhadas foi possível identi-
RELATOS DAS PESCADORAS E PESCADORES ficar que as pescadoras e pescadores adquirem suas experiências
a partir das vivências e aprendizagens nos grupos familiares
Para Hall (2006) as identidades são constituídas a partir
e comunitários nas diferentes relações vividas com o/no Rio
do contato do indivíduo com o grupo interior que vão sofrendo
Tocantins, e que essas são passadas de geração em geração a
interferências com os grupos exteriores. Considerando esse
partir do grupo social em que vivem. Mediante isso, a atividade
conceito, notamos que as pescadoras e pescadores têm suas
com a pesca começa na infância e perpassa até a fase adulta
identidades construídas levando em consideração todos os pro-
como uma forma de subsistência das famílias. Santos et al. (2012
cessos culturais vivenciados em suas famílias, grupos sociais e
apud Silva et al., 2021) destacam com relação a importância
na relação direta com o Rio e suas transformações.
social da pesca:
Na construção da rede de práticas e sentidos, observamos
que o aprendizado do ofício da pesca foi desenvolvido a partir
A pesca é uma atividade de grande rele-
do contato com familiares, parentes, vizinhos e amigos que já vância econômica por representar uma
tinham esse conhecimento e a experiência no trabalho com o Rio. importante fonte de alimento e renda para
Sobre a forma de aquisição do aprendizado da pescaria, quando uma representativa parcela da população
questionados, a maioria relatou que se deu ainda na infância mundial (FAO, 2016). Sobretudo, a pesca
quando os pais os levavam para pescar, conforme destaca Filhote artesanal tem uma importância social,
local e regional, e por tradição se tornou
(2021): “Desde criança, desde criança, meu pai levava nós tudo
uma fonte de subsistência para populações
para o rio”. Contrariando a maioria, a pescadora Piau Cachoeira
ribeirinhas, que dependem da pesca e das
(2021) nos conta que seus pais não gostavam de peixe e que ela atividades com ela relacionadas.
aprendeu a pescar com o marido e com a sogra:
A pesca artesanal tem um grande significado na vida
Eu aprendi a pescar com minha sogra e das pescadoras e pescadores visto que é uma técnica aprendida
meu marido que meus pais não gosta- desde muito cedo, numa rede de afetos, e que acaba por significar
vam de peixe e nem eu não comia peixe, futuramente uma possibilidade de garantir a sobrevivência de
meus pais não comia e não deixava a suas famílias.
gente comer né aí quando eu casei aí
sim aí acostumei a comer peixe, aprendi De fundamental importância para as pescadoras e pescado-
a comer peixe e aprendi a pescar. (PIAU res entrevistados, a pesca é uma atividade cheia de altos e baixos
CACHOEIRA, 2021). devido aos fluxos das águas e dos peixes e todas as intercorrências

50 51
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

possíveis relacionadas a eles. Sendo assim, a renda gerada por eu mesmo que pedi para que eles não se
esse trabalho é incerta pois nem sempre se sabe a quantidade envolvessem na pesca, porque o que é o
de peixes que vai se pescar em um dia de trabalho podendo ser pescador hoje? Antigamente né, na verdade,
o pescador antigamente que ia pescar era
uma quantidade alta ou uma baixa:
o pescador que não tinha estudo, o pessoal
chamava ele de analfabeto, ai hoje não,
Dessa forma, somente porque os recursos hoje tem estudo o pescador é formado no
pesqueiros não são ilimitados em quanti- monte de coisa, mas mesmo assim eu optei
dade nem uniforme na qualidade, e porque que meu filho procurassem outra atividade,
a crescente demanda do mercado impõe por causa disso, por causa da falta do peixe
as condições comerciais, o trabalho na que a gente já vinha percebendo já, aí eu
pesca tende a propiciar aos pescadores as fui e falei: não meus filhos, vocês estudem
desvantagens no processo de obtenção de e cassem outra atividade.
suas rendas. (RAPOSO,2011, p.12).
Com as transformações climáticas e estruturais no fluxo das
Em vista dessa dificuldade e da insegurança vivenciada águas, principalmente advindas da construção da Hidrelétrica de
pelas pescadoras e pescadores, percebemos nos relatos das pes- Estreito-MA, que afetam a fauna e a flora da região, a atividade
soas entrevistadas que não há interesse em ensinar suas filhas da pesca artesanal está perdendo adeptos. Sobre a construção
e filhos a pesca como profissão, mas apenas enquanto atividade da hidrelétrica a pescadora Pacu Manteiga (2021) relatou que
de lazer. É citada a dificuldade de se viver da pesca, com uma impactou o seu trabalho com a pesca “Modificou, porque o peixe
quantidade de peixe aquém do esperado para que se possa ven- ficou mais difícil, porque a maioria dos peixes fica preso lá pra
der e garantir uma sobrevivência de maneira satisfatória. Nesse cima, não tem mais a fartura de peixe que tinha aqui pra baixo,
sentido, muitos recorrem a outras fontes complementares de diminuiu foi muito depois dessa usina que fizeram lá, a barragem
renda. Vivenciando a dificuldade passada pelas mães e pais e que eles fizeram lá”. O fluxo das águas do Rio Tocantins é no
sendo desestimulados a pesca enquanto profissão, as filhas e os sentido Sul-Norte, sendo assim, quando Pacu Manteiga (2021) diz
filhos das pessoas entrevistadas não demonstram interesse em que os peixes ficam presos “lá pra cima”, ela está se referindo ao
ter como fonte de renda o ofício de suas mães e pais. Sobre essa fato de os peixes não chegarem até a cidade de Tocantinópolis-TO,
questão, Filhote (2021) relata que localizada geograficamente ao Norte da cidade de Estreito-MA,
onde está localizada a Hidrelétrica.
Muito triste, vendo uma situação dessa né As modificações geradas pela Hidrelétrica de Estreito-MA
e eles tinham eu como espelho né, é como além de interferir nos processos naturais dos rios acabaram
pescador né que até hoje eles têm, mas

52 53
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

interferindo nos modos de vida das comunidades que desenvol- para pescar em outras, acarretando um aumento dos gastos. A
vem o trabalho com a pesca, pois a partir dos relatos é possível partir dos relatos trazidos, percebemos as dificuldades encon-
perceber que as pescarias estão ficando cada vez mais difíceis tradas para garantir uma renda satisfatória para o sustento da
em virtude da seca do rio. Esse processo acabou modificando família. Conforme a pescadora Piau Cachoeira (2021) relata
os modos de pescarias das pescadoras e pescadores. Abaixo um “Minha filha é graças a Deus, eu acho assim pouco né, a gente
relato da pescadora Dourada (2021) que exemplifica essa questão: gasta muito com esse negócio de quando a gente vai pro rio a
despesa é grande, mas no tempo da Piracema o dinheiro [Seguro
Defeso] ajuda nós também”.
porque como agora a Barragem ela não
para com a água, a água dela ele sempre Os relatos que tivemos acesso só reforçam narrativas já
solta uma água depois da Barragem, com-
presentes em outros estudos acerca do impacto das hidrelétricas
plicou muito para os pescadores daqui de
nas comunidades de seus entornos. Souza et al. (2016) pontuam
baixo. Porque é aquele negócio deles, o rio
tá seco, o rio tá cheio. Aí às vezes você põe que quando as hidrelétricas são implantadas nos rios não se tem
uma rede agora o rio tá mais ou menos, um olhar sobre os impactos provocados nas vidas das comu-
quando você vai lá tá cheio outras vezes nidades que moram em suas margens e dependem do mesmo
estava cheio você põe a rede quando vai para sobreviver, não são levadas em consideração as relações
lá o trem tá lá embaixo seco, aí complicou de sentimentos e afetos, construídos pelas comunidades nas
bastante a vida dos pescadores, muito
suas relações de vidas e trabalho com as terras e com as águas.
muito mesmo. Às vezes você vai para o rio e
Nessa perspectiva
pega alguma coisa, outras vezes você vai e
não pega nada, é assim. (DOURADA, 2021).
A vida do pescador é composta de terra
Em vista dessas alterações o trabalho com a pesca atual- e água, é produto dessa massa que nem
mente não está sendo fácil devido à escassez de peixes depois sempre é equilibrada ou perfeita, mas que
da construção da Hidrelétrica de Estreito-MA, e da alteração representa o símbolo maior da atividade
criadora e transformadora. Os impactos da
imprevisível no nível das águas. Todas as pessoas entrevistadas
barragem sobre a água e a terra provocaram
ressaltaram as mudanças advindas dessa construção e os impactos
uma ruptura nas imagens primordiais que
negativos causados no Rio Tocantins e nas suas vidas. davam sustentação ao pensamento e à
atividade criadora dos ribeirinhos. Novas
Nas narrativas é possível perceber que para se pescar uma
imagens passaram a ser construídas e, con-
quantidade de peixes razoável é necessário passar uns três dias
sequentemente, manifestas nas histórias e
no rio. Assim, muitos deles precisam sair de suas localidades narrativas do cotidiano. (ALVES, 2007, p.39).

54 55
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

A vista disso podemos perceber que as implementações de ferências a partir de algumas mudanças que afetam a comunidade
hidrelétricas nos rios trazem desequilíbrios ambientais e sociais, pesqueira. “Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma
sendo a comunidade pesqueira um dos grandes grupos afetados. como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não
é automática, mas pode ser ganhada ou perdida (HALL, 2006, p.
Contudo o trabalho com a pesca vai ganhando outros
21). Contudo, conforme relatado por Hall (2006), podemos perceber
traços a partir das modificações sofridas na sociedade, essas
que as identidades são construídas a partir das vivências sociais,
alterações estão muito presentes nas falas dos entrevistados
e as memórias são construídas a partir das representações que as
quando se referem ao trabalho com a pesca ao longo dos anos.
pessoas atribuem aos acontecimentos das suas vidas.
Desse modo, compreendemos que a partir do trabalho com a
pesca que as pescadoras e pescadores vão construindo diversas
relações e aprendizados com o Rio Tocantins. Esses aprendizados 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
constituem uma vivência cultural distinta. Conforme Garcia et
No decorrer da pesquisa podemos perceber a importân-
al (2007, p. 97) salientam,
cia de se trabalhar com a História Oral para se compreender as
memórias de um povo. A pesquisa objetivou conhecer as memó-
As famílias de pescadores artesanais são rias das pescadoras e dos pescadores da comunidade vinculada
grupos que possuem uma cultura especí- a Colônia de Pescadores Z-7 de Tocantinópolis-TO e como as
fica. Em geral, essas populações possuem relações e significados estabelecidos durante o desenvolvimento
conhecimentos sobre a natureza e seus
da pesca se manifestam em seus relatos.
dinamismos que atravessam várias gerações
(PAIOLA e TOMANIK, 2002). As práticas arte- A pesquisa foi realizada a partir da metodologia da
sanais são aprendidas no convívio familiar História Oral e nos possibilitou conhecer a realidade de vida
e no contato direto com a natureza e são
e de trabalho de parte da comunidade pesqueira da região,
utilizadas por pescadores e suas famílias
para a subsistência.
contribuindo assim para o estudo e a valorização das práticas
da comunidade de Tocantinópolis. Para tal, tendo em vista o
Percebemos que o trabalho com a pesca é considerado uma contexto vivenciado pela sociedade no momento da pesquisa, de
atividade básica da vida dos povos ribeirinhos, constituindo assim isolamento social causado pela pandemia do vírus Sars Cov-2,
um fundamento básico na formação de sua identidade. Ela se faz a metodologia utilizada precisou sofrer algumas adaptações por
presente como uma forma de subsistência das famílias que mantêm acontecer normalmente de forma presencial. Essas alterações
relações diretas com o Rio Tocantins desde sua infância, constituindo foram necessárias para garantir a proteção dos e das participantes
assim a sua primeira identidade. Essa identidade então sofre inter- e das pesquisadoras, ocorrendo de forma on-line na plataforma
de reunião Google Meet.

56 57
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS MEMÓRIAS DE PESCADORAS E PESCADORES DO RIO TOCANTINS

A partir das conversas realizadas, as pescadoras e os vência, devido aos impactos causados no fluxo das águas e na
pescadores foram trazendo suas vivências construídas ao longo fauna e flora do Rio Tocantins. Desse modo, os relatos trazidos
do tempo nas relações de vida com o Rio Tocantins. Com esta pelas pescadoras e pescadores evidenciam que o trabalho com
pesquisa, percebemos que a profissão de pescadora e pescador a pesca está ficando cada vez mais difícil devido a diminuição
foi apreendida pela maioria das pessoas entrevistadas ainda na dos peixes no Rio Tocantins. Essas mudanças são causadas
infância, geralmente com os familiares, sendo um aprendizado pelo sobe e desce das águas que causam uma desordem no ciclo
passado de geração em geração. Porém, devido às dificuldades natural dos peixes.
encontradas na profissão, as pescadoras e pescadores ensinam
as filhas e filhos a pescarem apenas como lazer não as e os esti-
REFERÊNCIAS
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ALBERTI, Verena. Manual de História Oral. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
Também ficou evidenciado que o Rio Tocantins é um
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Presente. É o passado que reverbera no presente, impactando
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São Paulo: Contexto, 2015.

60 61
DIÁLOGOS
REFLEXÕES SOBRE
POTENCIAL DAS
CARTAS PEDAGÓGICAS 3
Gracilene dos Santos
Lisiane Costa Claro
Cássia Ferreira Miranda

O objetivo deste artigo é refletir sobre algumas questões em torno


do que é uma Carta Pedagógica. Este trabalho parte da pesquisa
de mestrado intitulada Cartas Pedagógicas: As Experiências e
os processos de escolarização de camponesas egressas do curso
de Educação do Campo na região do Bico do Papagaio-TO. A
pesquisa defendida em 2022 pelo Programa de Pós Graduação
de Ensino em Ciências e Saúde (PPGECS), da Universidade
Federal do Tocantins, foi elaborada por Gracilene dos Santos
e orientada pelas professoras doutoras Lisiane Costa Claro e
Cássia Ferreira Miranda.

O que se propôs na dissertação foi mesclar os aspectos de


uma escrita acadêmica com os elementos da escrita do gênero
Carta Pedagógica. A intenção é proporcionar uma experiência
sensível, poética e de aprendizagem tanto às leitoras e leitores,
destinatárias e destinatários da dissertação em formato de Cartas
Pedagógicas, quanto a autora e remetente da pesquisa. Nesse
sentido, embora adaptada para formato de capítulo de livro, espe-

65
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

cialmente para esta coletânea, o formato da escrita é de cunho Assim, ao escrever cartas são registrados momentos de sua
mais pessoal, trazendo traços do formato escolhido na pesquisa. vivência, a partir dos quais futuramente outras pessoas poderão
Neste capítulo, aborda-se um recorte da pesquisa ao refletir sobre rememorar um passado que não viveram, como diz Maciel (2021,
a importância da Carta Pedagógica e o percurso formativo tra- p. 52), ao se reportar a importância da escrita de uma carta:
çado por uma mestranda com esse tipo de registro. Um registro
que estimula o diálogo, Provoc-ação (Freitas, 2021), reflexão e
A escrita epistolar se qualifica como um
principalmente, tem uma intencionalidade político-pedagógica. processo de arquivamento, visto que, no
momento que os sujeitos passam a organizar
Quem nasceu nas décadas de 1970, 1980 e início dos
suas vidas em papéis há o início de uma
anos 1990 teve uma infância com pouco contato com os meios
construção da sua memória, movimento
tecnológicos. Portanto, quando queríamos nos comunicar com que acaba por induzir a elaboração de sua
alguém que estava distante, utilizávamos cartas. Acredito que a posterioridade. No caso dos intelectuais a
maioria dos leitores deste artigo já escreveu uma carta, seja para construção, nas correspondências, de uma
um familiar ou até mesmo para um namorado, e ficavam ansiosos ordenação dos acontecimentos e sujeitos
pelas respostas. Já tive essa sensação da espera. Retornando às a partir de linearidades, continuidades e
coerências em sua trajetória, realiza uma
minhas recordações lembro que as escritas e trocas de cartas
espécie de traço da sua biografia e estabe-
aconteciam com maior frequência no colegial, atualmente do 1ª
lecimento do seu lugar social, por isso há
ao 3º ano do Ensino Médio. Fase da adolescência, na qual escre- inúmeros silenciamentos. O que refuta a
víamos cartas para dialogar com nossos grupos, conversar com ideia de que as missivas arquivadas refle-
a professora em particular, com amigos ou até mesmo quando tem uma verdade a respeito do intelectual,
queríamos namorar - na época chamávamos de paquerar.   manifestando uma pretensa memória
individual concreta desses sujeitos, visto
As cartas eram um meio de comunicação entre as pessoas que, a imagem que um sujeito fabrica de
quando ainda não existiam computadores e internet. O diálogo si mesmo pode ser transmitida por meio
acontecia através de escrita de cartas principalmente quando da conservação de papéis e livros.
precisávamos conversar com alguém que estava longe, portanto
as “nossas cartas [...] eram as nossas conversas por escrito. Eram A escrita de uma Carta é de fundamental relevância pois
longas confidências pessoais. Eram momentos de dizer a alguém através desse arquivo que ela forma podemos evidenciar acon-
algo sobre nossa filosofia de vida, nossas ideias sobre o presente tecimentos que não vivenciamos. Nesse sentido, Maciel (2021,
e nossos ideais para o futuro”. (PAULO; DICKMANN, 2020, p.53) diz que “as cartas são sinais de um momento e responsáveis
p. 12-13). por fixar uma experiência no tempo e no espaço”.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

Segundo Camini (2012), a carta é uma tradição secular, de grande porte -, e depois ao couro, até o surgimento do papel.
ou seja, é um documento que surge no contexto histórico da Em relação aos materiais para a escrita, em tempos passados se
evolução da escrita e sua função é o de comunicação e pode utilizava penas de aves, sendo comum a utilização de penas de
ser manuscrita ou impressa. Ao longo da história, as cartas ganso. Foram anos de invenção e produção até a invenção da
foram fundamentais no processo de comunicação das pessoas, caneta esferográfica, um material que revolucionou a escrita em
registrando momentos de suma importância para a história da toda parte do mundo.
humanidade. Parte do conhecimento de fatos históricos que
Com o surgimento do papel, um material mais leve, facili-
temos na atualidade é graças a pessoas que registraram esses
tou a entrega das cartas. É importante destacar que ao longo dos
momentos em formato de cartas.
anos esse papel também foi se modificando ganhando formas,
Atualmente, vivemos em uma sociedade movida pela texturas, desenhos e cheiros. Como assim, cheiros? Sim, durante
tecnologia, aspecto que facilita a comunicação entre os seres muitos anos os papéis de carta eram perfumados. Muitas pessoas
humanos, algo bem mais difícil em tempos passados. Todos os têm o hábito de colecionar cartas, tendo algumas guardadas a
dias somos bombardeados com programas e mais programas sete chaves. Seja a carta de uma amiga ou amigo, ou até mesmo
de comunicação que se modificam em curtos prazos. Quem se de um grande amor. Como podemos perceber, as cartas também
lembra do Orkut? Uma plataforma digital criada no ano 2004, se atualizaram.
que revolucionou as formas de se comunicar digitalmente. Os
Estamos no século XXI, nos recuperando de uma pandemia
usuários criavam perfis e adicionavam fotos, participavam de
ocasionada pela Covid-19, no qual a tecnologia tomou conta do
comunidades digitais e dialogavam com pessoas de todos os
mundo, as mensagens chegam “na velocidade da luz”. Porém,
lugares. Com o tempo foram surgindo novas plataformas bem
o ato de escrever cartas ainda permanece, mesmo que com
mais desenvolvidas e o Orkut deixou de existir, sendo substituído
algumas modificações. Agora, ao invés da escrita com caneta
por outras plataformas digitais como o Facebook, o Instagram
esferográfica, a maioria das cartas são digitadas. Porém, a carta
e o Whatsapp. Mas porque estou falando sobre isso? Para dizer
do século XXI teve a introdução de novas concepções e novos
que as cartas, antes desse mundo digital, também passaram por
elementos, o importante é que não percamos o ato de escrever
suas transformações.
cartas sejam elas escritas a punho ou digitais. Que tenhamos o
De acordo com Menezes (2005) a história registra que os hábito de escrever, de dialogar sobre as angústias e aflições, sobre
primeiros translados das cartas aconteciam através de pombos- sonhos e amores, pois as cartas vão além do ato comunicativo,
-correios, cavalos e navios, até o surgimento dos correios e os elas instigam quem as lê à curiosidade como também ao diálogo,
e-mails. Antes do surgimento do papel, as cartas eram escritas em impulsionando as leitoras ou os leitores a querer respondê-las.
pedras, depois passaram ao papiro - um tipo de planta aquática Portanto as escritas, trazem nossas marcas.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

Mas afinal o que difere uma Carta de uma Carta Pedagó- gia”. (CAMINI, 2012, p.43). “Grávida” aqui se coloca no sentido
gica? A escrita em forma de Cartas Pedagógicas, é um legado de de estar encharcada de conteúdo, diálogo, intencionalidade e
Paulo Freire, importante educador brasileiro que escrevia suas amorosidade, e, “pedagógica” no sentido de ser a teoria do ato
vivências e experiências em formas de cartas (Camini, 2012), entre educativo, como componente integrante da atividade humana.
as quais destaco: Cartas a Guiné- Bissau (1978); Registro de uma Camini (2012) ao referir-se à necessidade de a Carta Pedagógica
experiência em processo (1979), Quatro cartas aos animadores estar “grávida de pedagogia”, remete a expressão cunhada por
e às animadoras culturais (1980) Professor sim, tia não: Cartas Freire (1989), ao referir-se ao universo vocabular de jovens e
a quem ousa ensinar (2015); Carta a Cristina: Reflexão sobre adultos enquanto parte das palavras carregadas de sentido àqueles
a minha vida práxis (1994) Pedagogia da Indignação: Carta sujeitos, de tal modo que essas palavras anunciem sua leitura de
pedagógicas e outros escritos (2020). mundo. Portanto, as escritas nesse horizonte, reconhecem que
a pedagogia vai além das práticas escolares: “ou seja, ela não se
  É importante destacar que o termo Cartas Pedagógicas
refere apenas às práticas escolares, mas a um imenso conjunto
somente aparece no livro Pedagogia da Indignação: cartas peda-
de outras práticas” (LIBÂNEO, 2001. p. 06).  
gógicas e outros escritos (SOUZA, 2021). O livro, cuja primeira
edição é de 2000, está dividido em duas partes: na primeira parte É relevante destacar que as Cartas Pedagógicas se tornam
estão as Cartas Pedagógicas e na segunda parte outros escritos. pertinentes no processo de ensino e aprendizagem de quem
Mas foi em 2018 que o termo Cartas Pedagógicas começou a escreve e também de quem as lê. Porque elas possibilitam às
ganhar visibilidade principalmente nos encontros dedicados aos pessoas a prática da leitura e da escrita, pois quem escreve tem
estudos de Paulo Freire, realizados no Estado do Rio Grande a preocupação de selecionar as palavras para quem vai ler.
Sul. É importante destacar que o termo empregado com letras
De acordo com Paulo Freire (1989), é praticando que
iniciais maiúsculas, Cartas Pedagógicas, se refere a um conceito
aprendemos a ler e escrever, o indivíduo não aprende somente
específico, uma categoria de análise, “concebendo-a como um
na escola, a vida é um aprendizado, portanto quando escrevemos
nome próprio do legado freiriano, tem a intenção de chamar
cartas estamos exercitando tanto a leitura, quanto escrita, mas
atenção para o potencial emancipatório que nele se inscreve”.
também revisitando as nossas memórias. Portanto, o exercício da
(FREITAS, 2019).
escrita e da leitura possibilitará formar seres humanos capazes de
E quando uma carta se torna Carta Pedagógica? “Carta ler criticamente, como também escrever, capazes de transformar
só terá cunho pedagógico se seu conteúdo conseguir interagir o mundo, como também a si.
com o ser humano, comunicar o humano de si para o humano
Sendo assim, podemos perceber o quanto a escrita de
do outro, provocando este diálogo pedagógico [...] uma Carta
uma Carta Pedagógica é relevante no processo de aprendiza-
Pedagógica, necessariamente, precisa estar grávida de pedago-
gem do sujeito. Ao mesmo tempo que ela possibilita a leitura e

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

a escrita, impulsiona o indivíduo a rememorar a sua história de Era aquilo, aquela coisa ali. Uma espécie
vida, instigando o escritor a escrever sobre suas concepções. Ao de sombra inferior no mundo. Inferior e
relacionar a potência desta escrita com o contexto educacional, incômoda, incômoda e ofensiva. (FREIRE,
2000, p. 65).
destaco a necessidade de considerar para além do conhecimento
do indivíduo vinculado ao objeto cognoscível, mas também
Nessa Carta Pedagógica, Freire (2000) denuncia a desuma-
devem ser consideradas as suas vivências e experiências que
nização que atitudes como essas demonstram. Em outro momento,
estão vinculadas a outros sujeitos cognoscentes, como dizia Freire
Freire aponta a importância da educação em nossa sociedade,
(1989, p, 40), “Desde muito pequenos aprendemos a entender o
registrando o seguinte: “Se a educação sozinha não transforma
mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler
a sociedade, sem ela, tampouco a sociedade muda.” (FREIRE
e a escrever palavras e frases, já estamos ‘lendo’, bem ou mal,
2000, p.31). Com base nestes apontamentos que evidenciam uma
o mundo que nos cerca”. Diante da fala de Freire, é possível
posição política, crítica e humanizadora, podemos dizer que a
afirmar que as experiências dos indivíduos contribuem para o
Carta Pedagógica, está situada em uma perspectiva de educação
seu conhecimento.
transformadora e perpassa a categoria de ler e escrever, que
É importante destacar que o objetivo de uma Carta Peda- pode ser um instrumento de denúncia e reivindicação. Assim,
gógica não se resume em contar apenas experiências e vivências as Cartas Pedagógicas são registros e socialização de saberes,
do ser humano, ela também desempenha pela função de denun- de lutas e de reivindicações.
ciar algo. Um exemplo é a Carta Pedagógica - Do assassinato
Ao seguir a busca pela resposta à pergunta: O que são
de Galdino Jesus dos Santos o Índio pataxó, inserida no livro
Cartas Pedagógicas? É relevante destacar que:
Pedagogia da Indignação: Carta pedagógicas e outros escritos
(2020). Nessa carta, Freire demonstra sua indignação contra o
ato bárbaro de assassinato cometido contra um indígena da etnia A carta, como um instrumento que exige
Pataxó, no qual os adolescentes acusados do crime disseram pensar sobre o que alguém diz e pede
que estavam “brincando”. Freire escreve sua indignação com resposta, constitui o exercício do diálogo
por meio escrito. Por isso, referir-se às
as seguintes palavras:
cartas pedagógicas implica referir-se ao
diálogo, um diálogo que assume o caráter
Que coisa estranha. Brincando de matar. de rigor, na medida em que registra de
Tocaram fogo no corpo do índio como modo ordenado a reflexão e o pensamento;
quem queima uma inutilidade. Um trapo um diálogo que exercita a amorosidade,
imprestável. Para sua crueldade e seu gosto pois só escrevemos cartas para quem, de
da morte, o índio não era um tu ou um ele. alguma forma, nos afeta, nos toca emoti-

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

vamente, cria vínculos de compromisso. [...] De um lado, as pessoas que escreviam


É nesse sentido, agregando os conceitos e, de outro, as que as recebiam e as liam,
de “carta” e de “pedagogia”, que as car- após o tempo normal de sua espera. Eram
tas pedagógicas tomam uma dimensão cartas portadoras de notícias de pessoas
fortemente marcada pelo compromisso que desejavam comunicar-se com outras
com um diálogo que construa, de forma que viviam longas distâncias geográficas.
sistemática, mas agradavelmente humana, Ao receberem uma carta, vinda de um
a reflexão rigorosa acerca das questões da familiar ou de amigos, se tornou comum
educação. (VIEIRA, 2018, 123-124). reunirem-se em família, para lê-la, por mais
de uma vez, buscando apreender a sua
De acordo com o excerto acima, e por meio da expressão mensagem, muitas vezes mais profunda
que as próprias palavras, porque “pensada”
elucidada na obra Dicionário Paulo Freire, podemos dizer que
desde o outro lado por uma pessoa que
as Cartas Pedagógicas são instrumentos que provocam o diálogo,
desejava se comunicar e ser entendida.
uma vez que escrevemos cartas para quem nos afeta, para quem
gostamos. O gostar exige de nós, remetentes, que selecionemos
De acordo com o excerto acima, podemos dizer que escrever
palavras para nosso destinatário. É por isso que acredito que
Cartas Pedagógicas, vai além do ato de se comunicar, elas têm
escrever cartas não é fácil, é um diálogo que exige amorosidade
a capacidade de despertar os mais diversos sentimentos do ser
nas palavras, principalmente quando o destinatário é alguém
humano, sejam eles de indignação ou de amorosidade.
de quem gostamos. Ao escrever uma Carta Pedagógica temos
a preocupação de saudar a pessoa com estimas de que esteja Podemos perceber os diversos sentidos que a escrita de
bem, podemos ter a preocupação de explicar como está o dia uma Carta Pedagógica possui, até certo tempo atrás, nunca
no momento da escrita e principalmente impulsionar ao diálogo havia imaginado que um papel e uma caneta pudessem ser
que possibilite uma resposta. ferramentas de tanta potencialidade direcionada pelo e ao ser
humano. Esses dois elementos têm a capacidade de contar a
Quem já escreveu cartas para alguém que está longe já
história de nossa humanidade.
sentiu a sensação de uma espera, os momentos e dias de angústias
a espera de uma resposta de acordo com Camini (2012, p.07), Mas afinal, a Carta Pedagógica é um instrumento ou
método? Dickmann (2022) diz que as Cartas Pedagógicas são
os dois processos. É um método porque produz conhecimento
[...] escrever e receber cartas significou (e
e é comprometido e engajado, e principalmente porque há troca
significa) um gesto amoroso e de gratidão
entre as pessoas. Isto é, escrever cartas de saberes através da práxis. Além disso, é instrumento porque
sempre foi uma forma de se comunicar. é uma ferramenta de luta saindo do campo do cientificismo

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

positivista e adentrando o espaço do povo popular, do saber Cartas Pedagógicas, longe de estarem em desuso, são motor de
de experiência. Portanto, as Cartas Pedagógicas vão além do ampliação da consciência crítica. Para a autora:
ato comunicativo pois, Paulo Freire acrescentou nas Cartas
Pedagógicas a intencionalidade e a amorosidade, divulgando
Se Paulo Freire estivesse entre nós, estaria
uma nova forma de dialogar e ensinar. Nesse aspecto, a Carta escrevendo Cartas Pedagógicas sobre meio
Pedagógica difere-se de uma carta normal. Sendo assim, “[...] milhão de óbitos nos Estados Unidos e Brasil,
conhecer, estudar, pesquisar, ler e escrever Cartas Pedagógicas farto de tristeza pela avareza e indiferença
nos permite ampliar nossos encontros com o outro e nos mostra das autoridades, frente à morte e à dor de
que não é apenas através do novo ou do virtual que podemos tantos brasileiros. Hoje nos faz falta suas
mãos ágeis, seu coração pulsando, sua
inovar, criar, e recriar, é importante é preservar a sua intencio-
indignação palpitando e suas sandálias
nalidade pedagógica.” (SOUZA, 2021, p. 02).
para caminhar conosco. A exemplo de
As Cartas Pedagógicas são um instrumento/método de seu legado, cabe a nós vivos escrevermos
cartas. Por elas nos deslocamos para o
escrita que nos levam à reflexão sobre a realidade e a possibili-
lugar onde se encontram os leitores/as.
dade de modificar as estratégias, contribuindo para construção
(CAMINI, 2021, p. 3).
do conhecimento dos indivíduos, tanto de quem escreve, quanto
de quem lê. Através das Cartas, Paulo Freire registra em suas
Portanto, quando se aborda a feitura das Cartas Pedagógi-
obras as suas vivências e suas experiências, para ele “[...] O tempo
cas, há uma intencionalidade ancorada na concepção educativa
de escrever, diga-se ainda, é sempre precedido pelo de falar das
defendida por Paulo Freire, a qual reconhece os sujeitos como
ideias que serão fixadas no papel”. (FREIRE 2020, p. 52). O
produtores de sua existência, uma educação pautada no sentido
ato de escrever não é simples, ele requer reflexão, imaginação e
emancipador, construído com e para uma conscientização crítica
principalmente analisar e selecionar as palavras que pretendemos
que se faz no coletivo.
enviar para alguém.
Mas como escrever uma Carta Pedagógica? Para projetar
Em tarefa recente, na continuidade de uma experiência
possibilidades desta tessitura, Freitas (2021) apresenta que “Fazer
germinal que Camini (2021) realiza ao longo de sua trajetória
a aula com Cartas Pedagógicas” é um caminho metodológico
com os movimentos sociais, ocupando também a produção de
oriundo da reinvenção do legado de Paulo Freire no contexto de
conhecimento, a autora apresenta uma retomada sobre a pre-
experiências docentes no ensino superior. Assim, para encora-
sença das Cartas Pedagógicas em seu caminhar e neste (re)fazer,
jar a escrita de Cartas Pedagógicas, Freitas (2021) sugere cinco
aborda sobre o sentido da experiência da vida como fundamento
elementos necessários para a escrita. É importante destacar que
do registro, como exercício necessário na atualidade. Assim, as
esses cinco apontamentos, de acordo com a autora, não são um

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

passo a passo, mas têm a intenção de instigar a escrita e con- Portanto, a escrita de Cartas Pedagógicas é fundamental no
tribuir para a auto-organização em relação às escolhas sobre o processo de formação e transformação do ser humano, pois ela
conteúdo a ser abordado no registro. impulsiona o sujeito a rememorar as suas vivências, experiências,
e além disso, “guardar” essas memórias por meio desta escrita.
O primeiro apontamento elencado por Freitas (2021) é a
O ato de escrever Cartas Pedagógicas faz você se sentir bem,
Experiência. Segundo a autora, para iniciar uma Carta Peda-
principalmente quando você consegue expressar seus sentimentos,
gógica é possível selecionar uma experiência que se pretende
sejam eles de angústias ou amorosidade. Freire (1989) dizia que a
compartilhar, justificando a relevância e o porquê da escolha
escrita era uma ação política, política no sentido que fundamenta
dessa experiência. O segundo apontamento, refere-se ao Destina-
alguma luta travada. Portanto, a Carta Pedagógica pode ser uma
tário. Portanto, trata da escolha para quem dirigir a sua escrita,
denúncia com indignação.
ou seja, com quem você quer compartilhar a sua experiência. O
terceiro apontamento é em relação ao Título. Atribuir um título Para elucidar o potencial formativo da escrita, e sua
para sua Carta Pedagógica é uma forma de convidar ao diálogo, complexidade de compreensão, Freitas (2021) traz o Tetragrama,
despertando a curiosidade sobre o tema. O quarto apontamento, elencando quatro elementos que o constituem: ação, reflexão,
refere-se à Motivação e Problemática. emoção e registro como mostra a figura a seguir.

É possível formular um questionamento para apresentar


a problemática e orientar o desenvolvimento de uma escrita Figura 1 – Tetragrama da (Trans)formação permanente

argumentativa. Por fim, o quinto apontamento sugere uma


“Provoc-ação” ao diálogo. Nele, a autora sugere que a escrita
seja finalizada sem conclusões definitivas, mas convidando à
continuidade da ação-reflexão sobre o tema proposto, sendo
uma forma de fomentar o diálogo, apresentando novos questio-
namentos, fazendo convites e outras proposições para a escrita.
Esses elementos são considerados de suma relevância no pro-
cesso de escrita de uma Carta Pedagógica, pois sua escrita nos
proporciona a liberdade de reivindicarmos as nossas lutas com Fonte: FREITAS, 2021, p. 08.
base nas concepções que acreditamos.
Freitas (2021), traz o Tetragrama como uma forma de
De certo, “o ato de registrar é também uma forma de
organização da escrita, levando em consideração as relações que
exercitar a capacidade de observar, desafiando nossas certezas
constituem a escrita de uma Carta Pedagógica. Para a autora,
e mobilizando a reflexão”. (FREITAS; FORSTER, 2016, p.60).

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

a complexidade existente é expressada por meio da ação-refle- a tecnologia, que permite enviar e receber mensagens em questão
xão-ação. Já a emoção, é um elemento próprio que está sempre de segundos?” Portanto, foram várias indagações, já que é uma
inserido na escrita, seja de forma consciente ou inconsciente, temática pouco discutida tanto no meio social como no meio
enquanto o registro é um elemento que precisa ser estimulado acadêmico, mesmo que em tempos passados o gênero textual
para que ele colabore com o processo de ação-reflexão-ação. da carta fosse bastante utilizado no processo de comunicação,
como já discorrido nesta Carta Pedagógica.
Com base nas questões apresentadas, quero compartilhar
as minhas experiências com as Cartas Pedagógicas. Cabe desta- Ao adentrar no espaço das Cartas Pedagógicas, fui com-
car que, embora tenham sido evidenciadas as finalidades desses preendendo a relevância que elas possuem. Fui conhecendo os
registros como base para abertura ao diálogo com o outro na grandes precursores desse método e processo em destaque. Espe-
partilha de aprendizagens da experiência e da leitura de mundo, cialmente Paulo Freire, um educador brasileiro que escrevia as
bem como para a reivindicação contra as injustiças sociais - as suas vivências e experiência em forma de Cartas, como já descrito.
lutas e denúncias diante das experiências em uma sociedade Nesse percurso, outros interlocutores e interlocutoras auxiliaram
desigual -, meu encontro com as Cartas Pedagógicas, se deu no na compreensão da Carta Pedagógica, não deixando de lhes citar:
âmbito acadêmico. E essa finalidade, a formativa, vem sendo Isabela Camini (2012), Ivo Dickmann, Ivanio Dickmann (2022),
instigada no Ensino Superior como afirma Freitas (2021, p. 1) Micheli Silveira de Sousa (2021), Balduíno Antonio Andreola,
devido ao convite que as Cartas Pedagógicas realizam de um Ana Lucia Freitas (2018), entre outros.
“redimensionamento de práticas bancárias de produção escrita,
Sobre a professora e pesquisadora Ana Lúcia Freitas, tive
fomentando a fecunda articulação entre ações de ensino, pes-
o prazer de conhecê-la virtualmente na disciplina de Ensino
quisa e extensão”.
Currículo e Educação Brasileira, quando foi convidada para
Minha experiência iniciou em 2021, quando cursei as dis- falar sobre o Processo de Construção de uma Carta Pedagógica.
ciplinas de Currículo, Ensino e Educação Brasileira e Avaliação Esse encontro foi de suma importância para compreensão desse
dos Processos de Aprendizagem, do Programa de Pós Graduação processo formativo, e principalmente para um aprofundamento
de Ensino em Ciências e Saúde- PPGECS - Campus de Palmas- sobre essa temática. Esse momento foi tão significativo que tempos
-TO. Já conhecia o gênero de escrita da carta, mas quando nos foi depois, Ana Lúcia Freitas integrou a banca de avaliação desta
apresentado o termo Cartas Pedagógicas, tive o sentimento de dissertação. Pois é, eu me encantei pelas Cartas Pedagógicas!
estranheza, surgindo várias indagações em torno desse processo
A minha primeira escrita de Carta Pedagógica foi coletiva,
formativo. Questionava: “O que seria uma Carta Pedagógica?”
juntamente com turma da disciplina Ensino, Currículo e Educação
“Por que esse termo pedagógico?” Meu questionamento foi além,
Brasileira e as professoras responsáveis, Lisiane Costa Claro e
pensei: “Por que escrever cartas se convivemos diariamente com
Cleiva Aguiar Lima. Elas sugeriram que construíssemos uma

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

Carta Pedagógica para agradecer a professora Ana Lúcia Freitas 2012): Paulo Freire, cujas ideias, à frente
pela sua contribuição na disciplina. A professora Cleiva Aguiar, de seu tempo, ainda são muito atuais. O
uma das professoras desta disciplina, iniciou a Carta Pedagógica segundo, desvelar, em outras perspectivas
uma escrita tão familiar para alguns, distante
e todas e todos deveriam contribuir. O que mais me chamou
para outros, que busca, não apenas o regis-
atenção nessa Carta Pedagógica foi a importância de descrever
tro, mas principalmente uma possibilidade
como está o momento que a pessoa está escrevendo. Ressalto de diálogo: as Cartas Pedagógicas! (LIMA
que todo o processo de escrita me encantou, porém, essa parte et al., 2021).
introdutória, em que compartilhamos com nosso interlocutor
aspectos do momento da escrita, é muito linda! Ela proporciona Portanto, nessa carta tive o privilégio de contribuir e
a quem lê imaginar como estava o lugar no momento da escrita, compreender o quanto uma Carta Pedagógica é carregada de
se estava sol, ou chovendo, se era um dia de vento ou neblina, significados, sentimentos ou, como dizia Paulo Freire, carregada
essa descrição do “momento” é fascinante na escrita e leitura de de intencionalidade e amorosidade.
uma Carta Pedagógica. Compartilho com vocês um trecho da
Depois desse exercício, tive a oportunidade de escrever a
nossa carta coletiva que descreve o que estou relatando. Segue
minha primeira Carta Pedagógica solo na disciplina de Avaliação
o trecho da Carta:     
dos Processos de Aprendizagem. Nela eu falo do meu Processo
de Escolarização, e utilizo uma escrita metafórica. Agora com-
Querida Professora Ana Lúcia! partilho com vocês um trecho dessa Carta Pedagógica:

Já é terça-feira, dia 27 de abril, um lindo


dia de outono, com sol em Rio Grande-RS. É com muito carinho que escrevo esta carta
É segunda-feira, dia 03 de maio, um dia pois estou tendo a oportunidade de visitar
nublado, feriado em Canoinhas-SC, 14 de alguém que há muito tempo não visito, o
maio em Palmas-TO. Além desses lugares, senhor “Meu passado”. Suas terras estão
também estavam presentes estudantes de localizadas, lá na década de 1989. Ao visitá-lo
outras localidades deste imenso Brasil. Tu, tive a oportunidade de rever aquela meni-
Ana, direto de Porto Alegre–RS trouxeste ninha de 06 anos de idade frequentando
muitos ensinamentos no Ateliê de Cartas uma escola de pau-a-pique. Reencontrei
Pedagógicas. De tudo o que aprendemos, também a professora Francisca conhecida
dois aspectos gostaríamos de destacar como Chiquinha, quando seus alunos não
daquela tarde, penúltima sexta-feira de realizavam as atividades da Cartilha ou quando
abril. Primeiro, a importância de conhecer não “dava a lição” do ABC o castigo era uma
o patrono da Educação Brasileira (desde Palmatória. Nesta visita tive a oportunidade

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

de entrar novamente na sala de aula da Carta Pedagógica que percebi o quanto é importante essa escrita,
escola da professora Chiquinha e sentar ao para deixar registrado algo que você vivenciou, possibilitando
lado daquela menininha e observar o quanto outras pessoas conhecerem aspectos de sua vida, como também
ela tinha dificuldade de escrever, observei
possibilitar a rememoração desses momentos. Freire (2013) dizia
também que os alunos eram avaliados
que os momentos que vivemos ou são instantes de um processo
a partir do momento que conseguissem
realizar a leitura escolhida pela professora, anteriormente iniciado ou inauguram um novo processo, de
caso não conseguissem não passava para qualquer forma sempre referido a algo do passado.
leitura seguinte. O pouco tempo que fiquei
A terceira Carta Pedagógica que escrevi, também foi junto
ao lado da menininha observei que tinha
algumas atividades que ela não conseguia ao Programa de Pós-Graduação PPGECS/UFT, na disciplina de
realizar, portanto, ela chorava. Ao ver aquela Currículo e Ensino e Educação Brasileira. Ao escrever a minha
cena deu-me vontade de abraçá-la, mas tive segunda Carta Pedagógica solo, eu já tinha mais propriedade
que voltar, pois o “Senhor presente” estava acerca do que era uma Carta Pedagógica, já tinha participado do
à minha espera. Ateliê de Cartas Pedagógicas, da Ana Lucia Freitas, e já tinha
participado de vários encontros que discutiam sobre a escrita e
As terras do “Senhor presente” estão loca-
trocas de Cartas pedagógicas. Nessa carta, enquanto aluna de
lizadas no ano 2021, um local totalmente
pós-graduação, escrevo para meus futuros alunos, descrevendo
diferente das terras do senhor “Meu Passado”
as meninas já não precisam mais chorar por o contexto atual e trazendo a relevância que essa escrita teve
não conseguir realizar as atividades. Não para meu processo de aprendizagem.
existem mais castigos, com palmatórias e
Portanto, foi a partir das três Cartas Pedagógicas que
as crianças são avaliadas por suas diver-
sas habilidades, portanto não precisam elaborei que comecei a escrever outras Cartas e neste ano 2022,
decorar o ABC para poder passar de ano. tive a oportunidade de participar virtualmente do XXIII Fórum
(SANTOS, 2021). de Estudo de Leituras de Paulo Freire: Sistema Paulo Freire:
da educação básica à educação superior. Nesse fórum, tive a
Esse foi um trecho da minha primeira escrita de Carta oportunidade de apresentar a minha Carta Pedagógica em parce-
Pedagógica, uma escrita simples, porém com um enorme signifi- ria com Gisele Moura Kowalski Ferreira e Lisiane Costa Claro.
cado, pois tive a oportunidade de reviver todo o meu processo de Trazendo o Grupo de Pesquisa em História, Educação e Artes
escolarização e observar o quanto o sistema educacional mudou. (GEPHEA-UFT/UFNT) como um importante espaço formativo.
Vivenciei um tempo escolar onde as crianças eram punidas por
O GEPHEA é o Grupo de Estudos e Pesquisas em História,
não compreenderem o que era explicado. Portanto, foi nessa
Educação e Artes, criado em 2019, liderado pelas professoras

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS REFLEXÕES SOBRE POTENCIAL DAS CARTAS PEDAGÓGICAS

Cássia Ferreira Miranda e Lisiane Costa Claro, vinculado a Em suma, que possamos resgatar esse processo de comu-
Universidade Federal do Tocantins, em transição para a Uni- nicação que foi de fundamental relevância em tempo passados
versidade Federal do Norte do Tocantins, tendo sua atuação no mas que ainda prevalece na atualidade porém reduzido devido
campus de Tocantinópolis. O Grupo tem por objetivo produzir aos meios tecnológicos.
conhecimentos e ações de pesquisa, ensino e extensão nas áreas
de História, Educação e Artes e em suas fronteiras, desenvolvendo
REFERÊNCIAS
um diálogo de saberes. O grupo direciona o olhar para as camadas
populares, povos tradicionais, populações historicamente opri- CAMINI, Isabela. Cartas pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e
midas e grupos sociais variados. O GEPHEA transita em cinco se comunicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
áreas de estudo que são: História Oral, Memória e Patrimônio; CAMINI, Isabela. Cartas Pedagógicas–aprendizados de uma vida. Cadernos
de Educação, n. 65, 2021.
Educação Popular, Ambiental e do Campo; Estudos de Gênero;
DICKMANN, Ivo, DICKMANN, Ivanio. (orgs.). Praxiologia das cartas
Linguagens artísticas (Teatro, Música, Dança e Artes Visuais)
pedagógicas. Chapecó: Livrologia, 2022.
e Ensino e Tecnologias sociais. Importa destacar que a autora
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Carta sobre Cartas Pedagógicas: homenagem
deste trabalho integra esse Grupo desde sua criação, em 2019. a Paulo Freire no ano do centenário de seu nascimento. Cadernos de
(SANTOS; FERREIRA; CLARO, 2022). Educação, n. 65, 2021.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de; FORSTER, Mari Margarete dos Santos. Paulo
Portanto, as Cartas Pedagógicas nos possibilitam deixar Freire na formação de educadores: contribuições para o desenvolvimento
registradas nossas lutas, vivências em um presente, para que de práticas crítico-reflexivas. Educar em Revista, p. 55-70, 2016.
futuramente sejam conhecidas e utilizadas como experiências, LIMA, Cleiva Aguiar de. et.al.[ Correspondência].Destinatário: Ana Lucia
Freitas.Palmas, 23 abr. 2021.1 cartão pessoal.
podemos dizer que
MACIEL, Raquel Silva. O que quer uma carta? uma sistematização acerca da
epistolografia de intelectuais. Revista Trilhas da História, v. 10, n. 20, p.
Somos herdeiros de iniciativas corajosas e 51-68, 2021.
atenciosas, assumidas com postura ética MENEZES, Overlac. Cartas: simples mensagem, documento ou gênero
pelos antepassados e pelos mais próximos literário? São Paulo: Marco Zero, 2005.
de nós. Pensadores que não hesitaram SANTOS, Gracilene dos; FERREIRA, Gisele Moura Kowalski; COSTA, Lisiane
ao clamor do registro, da sistematização, Claro. [Correspondência]. Destinatário: Mulheres Camponesas.
Tocantinópolis, 10 mar. 2022. 1 cartão pessoal.
de fazer memória no presente para ser
comunicada e refletida pelas gerações SANTOS, Gracilene dos. [Correspondência]. Destinatário: Mulheres
Camponesas. Tocantinópolis, 10 mar. 2021.1 cartão pessoal.
futuras. Recebemos isto de presente e, de
presente, somos desafiados a dar, desde SANTOS, Gracilene dos. Cartas Pedagógicas: As Experiências e os processos
de escolarização de camponesas egressas do curso de Educação do Campo
a sistematização, cuja prática social nos
inspira. (CAMINI, 2012, p. 38).

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4
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS

na região do Bico do Papagaio-TO. Dissertação (Mestrado em Ensino de


Ciências e Saúde).Universidade Federal do Tocantins, 2022.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
SOUZA, Micheli Silveira. CARTAS PEDAGÓGICAS. Simpósio da Pós- EM TOCANTINÓPOLIS:
Graduação do Sul do Brasil, v. 1, n. 1, 2021.
UM ESTUDO DE CASO
VIEIRA, Adriano Hertzog. Cartas Pedagógicas (verbete). In: STRECK, Danilo;
REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime. (orgs.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev.
amp. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.

Lucas da Silva Carneiro


Juliane Gomes de Sousa

1 INTRODUÇÃO

Preocupações com a qualificação na formação de professores e


com suas condições de exercício profissional não são recentes,
questionamentos e debates acontecem contemplando os desafios
que o futuro próximo pode apresentar. Nesse contexto, a discus-
são sobre a formação inicial de professores é contínua, pois, na
medida que a educação passa por mudanças, enquanto prática
situada socialmente, os elementos que a compõem, como a for-
mação docente, são afetadas por alterações. Tendo esse debate
como ponto de reflexão, a referida pesquisa1 teve por intenção
identificar o perfil formativo dos professores da rede municipal
de Tocantinópolis, procurando entender o caminho de formação
profissional percorrido por eles.

1 O presente artigo é parte de uma pesquisa de trabalho monográfico apresentada


no ano de 2020.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

Com o passar dos anos, o referido município foi lapidando uma são feitas análises a partir dos dados empíricos em busca de
identidade educacional por meio da sua tradição conhecida regio- respostas ao objetivo inicialmente delineado; e Considerações
nalmente no campo da formação de professores, que se intensificou, finais, em que são retomados os aspectos principais da pesquisa.
inicialmente, com a criação da Universidade Estadual do Tocantins
- UNITINS, e, posteriormente, com a criação da Universidade
2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Federal do Tocantins – UFT. Como direcionamento investigativo, EM TOCANTINÓPOLIS:
formulou-se a seguinte pergunta: Qual a trajetória formativa dos APONTAMENTOS HISTÓRICOS2
professores atuantes na rede municipal de Tocantinópolis?
O Câmpus universitário de Tocantinópolis ou Centro de
A presente pesquisa contou com o Estudo de Caso, como Educação, Humanidades e Saúde de Tocantinópolis – CEHS,
tipo de pesquisa, e com uma abordagem qualitativa, que tem como como passou a ser denominado a partir de 2022, está situado em
uma de suas características a imersão no contexto em que está Tocantinópolis, cidade localizada no Extremo Norte do Tocantins
inserido o objeto de estudo. A natureza da pesquisa é exploratória, demarcada geograficamente à 517 km de distância da capital do
constituindo-se como o ponto de partida para futuras pesquisas estado. A partir do ano 2000 foi constituído como um dos polos
com mais referenciais teóricos e empíricos. Possui um caráter da Universidade Federal do Tocantins, porém, desde 1970 já era
descritivo, pelo qual são descritos traços temporais da realidade ativo como espaço de formação de professores, período em que o
investigada, bem como, as características do fenômeno estudado. Tocantins não existia como estado da República Federativa do Brasil.
E como técnicas de coletas de dados foi realizado, inicial-
mente, um levantamento bibliográfico na busca por conhecimento O Campus de Tocantinópolis teve origem
teórico consolidado na área investigada, base para todo o estudo; em 1970 como Centro de Formação de
e na pesquisa de campo, um questionário para os professores Professores Primários (CFPP). Em 1990,
efetivos de três escolas da rede municipal da referida localidade. o CFPP interrompeu suas atividades de
habilitação e formação de professores
O capítulo está estruturado com as seguintes seções e suas para a educação básica, transferindo parte
respectivas subseções, para além desta introdução: 2 Formação de sua estrutura física e mobiliária para a
de professores em Tocantinópolis: apontamentos históricos, recém-criada Universidade do Tocantins
(UNITINS) que, de certa forma, continuou
na qual são descritas experiências que compõem o movimento
formando professores, todavia em nível
histórico de constituição da identidade da formação docente do
município de Tocantinópolis, por meio da existência de institui-
ções de ensino superior na localidade; 3 Tornar-se professor 2 A proposta da seção não se direciona para uma abordagem cronológica dos
momentos históricos vivenciados no Câmpus, mas apresenta um panorama geral
no município de Tocantinópolis: olhares e percepções, aqui de suas experiências formativas.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

superior, ofertando o Curso de Pedagogia. de ensino. Com uma estrutura de cursos


(PPP-PEDAGOGIA, 2007, p. 11). concentrados “em dez meses em regime de
tempo integral com atividades divididas em
Havia uma necessidade de profissionais da educação na tempo igual para teoria e prática” sendo que
“essa concepção de formação de natureza
região conhecida como Bico do Papagaio, na época pertencente
prática, de treinamento direto como solução
ao estado de Goiás e atualmente compõe a área territorial do
para a formação de professores adequada
Tocantins. Assim, tendo como objetivo sanar essa necessidade ao mercado de trabalho era uma tendência
foram criados programas de formação de professores, visto que presente na década de 50, a qual se materia-
a educação para essa região se encontrava ao nível caótico. E, lizou nos centros de treinamento em 1960”.
desse modo, o município de Tocantinópolis foi construindo sua No dizer das autoras o projeto proposto pelo
identidade educacional e ganhando uma importância regional. governo de Goiás serviu como uma “fórmula
para atender as 100 mil professoras brasilei-
A educação passava por momentos difíceis uma vez que ras que não tiveram curso Normal e 70 mil
existia um número expressivo de professores com déficit na que não têm nem mesmo o curso primário
formação por todo o estado, e com o diagnóstico desse quadro completo” (PADOVAN, 2005, p. 47).

foram criados os Centros de Formação de Professores Primários


do Estado de Goiás (CFPP), entre 1964 a 1971, e o município de Tocantinópolis foi uma das cidades escolhidas para a
Tocantinópolis foi um dos escolhidos para a implantação. Segundo implantação do Centro de Formação Docente no ano de 1970,
Padovan (2005, p. 47) “A qualificação do professor primário e a instituição que permaneceu durante o período de vinte e um
educação em geral são apresentadas como a demarcação técnica anos e exerceu uma grande contribuição para a consolidação de
de ‘caráter salvacionista’, na gestão do governo Mauro Borges.” práticas educativas, expandindo suas concepções pedagógicas
Ou seja, transmitir uma imagem de salvação da educação a partir do ensinar e aprender para as escolas tanto do município sede
do aperfeiçoamento da formação de professores, era o que se pre- como da região. Pelo contexto histórico de desenvolvimento do
cisava naquele período? Não se sabe, contudo, já era um sinal de Câmpus, é possível perceber a importância do Centro para as
que transformações iriam acontecer na educação desses contextos. escolas, visto que sua visão pedagógica passaria a influenciar
diretamente os agentes da educação.

A criação e implementação do Projeto inseri-


ram-se sob o respaldo das Leis de Diretrizes 2.1 Universidade do Estado do Tocantins (UNITINS)
e Base da Educação 4.024/61 e 5692/71, que
visava o atendimento à qualificação de Com a criação do Estado do Tocantins ficou perceptível que
pessoal docente para atuar na rede pública este não tinha uma rede de ensino que pudesse ofertar educação

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

de nível superior à sociedade, e a falta de um sistema estadual do estado do Tocantins, dentre eles o de Tocantinópolis. Tal
com essa característica agrava a estrutura, considerando o fato iniciativa não chegou a ser materializada na referida realidade
de que é extremamente importante o estado ter uma universidade educacional, em decorrência da organização de um processo de
que ofereça a oportunidade de ingresso à formação superior, luta, que envolveu a comunidade acadêmica em conjunto com
com maiores condições de aprendizado e de trabalho. Surgiu, a sociedade civil. O movimento teve por base o entendimento
portanto, o processo de criação de uma universidade no Tocan- da importância da existência de um Câmpus universitário na
tins por meio de projeto elaborado por equipe de professores da cidade, é o que relatam as autoras a seguir:
Universidade Federal de Goiás.

No ano de 1990 o Centro de Formação foi cedendo espaço [...] alguns câmpus fecharam suas portas
para instalação da Universidade do Tocantins (UNTINS), que durante esse período, tais como: Guaraí,
Paraíso e Colinas. O principal objetivo
se deu por conta do Decreto Estadual nº 252/90, e em 1991 a
dessa atitude consistia em unificar nos
UNITINS foi formalmente implantada. Nessa conjuntura, o
grandes polos (cidades) os cursos, como
Câmpus insere em sua proposta de formação docente o curso de forma de tornar a instituição mais atrativa,
Pedagogia, sendo o principal pilar no processo de instituciona- pois a proposta do governo era privatizar
lização da nova instituição (SOUSA; SANTOS; PINHO, 2016). a UNITINS enquanto instituição de ensino
superior (SOUSA; SANTOS; PINHO, 2016,
O curso de Pedagogia teve sua primeira turma regular no p. 186).
início de 1991, concluindo em 1994, e no ano de 1995 passaram
a ingressar duas turmas por ano, formando profissionais para Tal conjuntura foi motivada por conta desse interesse mer-
lecionar nas primeiras séries do ensino de primeiro grau, com a cadológico do estado, que incluía o desleixamento com os campi
possibilidade de o egresso também atuar nas disciplinas peda- localizados no interior. Em Tocantinópolis a tentativa falhou,
gógicas do segundo grau. Mesmo com dificuldade a formação uma vez que com o conhecimento da intenção de privatização
inicial era sonho de muitos acadêmicos, assim, nem mesmo as da universidade, a comunidade tocantinopolina se mobilizou
dificuldades que o Câmpus apresentava foi motivo de desânimo, para lutar pela permanência da instituição que a cada dia se
os alunos entendiam a importância de aproveitar a oportunidade firmava como referência em ensino superior na região. Todo
de ter formação superior, haja vista que ir para a capital estudar o conjunto de ações foi transformando-se em um terreno de
só era possível para poucos. reivindicações consistente, e a força do movimento contribuiu
No ano de 1999 alguns dos campi vinculados à UNI- de maneira significativa para a permanência de uma instituição
TINS passaram por um momento de dificuldade, pois havia um de ensino superior no interior do Tocantins, e, ainda, motivou
interesse em fechá-los, especialmente os localizados no interior seguir mais longe na luta.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

2.2 Movimento de federalização da Universidade do Como os campi se localizavam geograficamente distantes,


Tocantins os alunos organizaram comissões na busca de unificar o debate
em prol do objetivo proposto, essas comissões foram compostas
O Câmpus de Tocantinópolis que já havia participado de
por representantes de diversas unidades educacionais, dentre
um processo de luta por sua permanência em 1999, no ano de
elas Tocantinópolis, culminando na criação do movimento S.O.S
2000 seguiu com resistência agregando aos primeiros esforços
UNITINS. Nesse cenário, a organização do grupo encontrava
uma nova pauta: a criação de uma instituição federal de ensino
resistência por parte do governo, que era contrário ao que se
superior. Nesse sentido, foi criado no período o movimento
estava reivindicando, negava o diálogo, e deixava explícito o
pela federalização da universidade, com o objetivo de utilizar a
interesse pela privatização da UNITINS.
estrutura já existente da UNITINS e criar no estado a primeira
universidade pública, gratuita e de responsabilidade da união. Dessa forma, após um período árduo de atividades orga-
nizadas, o movimento em prol de uma universidade pública e
Esse grande movimento que buscava no primeiro momento a
gratuita foi concluído com sucesso. Não haveria mais a cobrança
permanência de uma instituição de ensino superior, e, como pauta
de mensalidade e a proposta de privatização foi interrompida, e
agregada a criação de uma universidade federal no Tocantins,
o governo para validar a decisão assinou um acordo afirmando,
foi desenvolvido a partir de alguns fatores que potencializaram
também, a mudança de natureza jurídica da instituição (SOUSA;
o desencadeamento do processo, dentre eles: a cobrança de men-
SANTOS; PINHO, 2016).
salidade por parte da UNITINS, o que prejudicava uma parte
significativa da sociedade que buscava e pretendia uma formação A demanda agora era a federalização e em torno disso
de nível superior; e a intenção do governo em privatizar a Uni- líderes estudantis e governo uniram forças, esse devido às pres-
versidade do Tocantins, retirando a possibilidade de existência sões anteriores buscou pontuar uma melhor saída para a situação
de uma instituição de ensino superior pública no estado. firmando, inclusive, alianças que contribuíssem para ampliar as
negociações, assim como, contribuiu com a doação do prédio,
Diante desse contexto de insatisfação, reivindicação e
os funcionários e alguns recursos para despesas. Em geral é
marcado por manifestações do corpo discente, como uma das
possível compreender que
principais frentes, o movimento foi ganhando força na busca pela
a criação de uma universidade pública e gratuita, objetivo que
desencadeou na configuração de uma bandeira de luta por enti- [...] o movimento que propulsionou a criação
dades estudantis. Com a repercussão social e o reconhecimento da Universidade Federal do Tocantins[...]
[configurou-se] por um enredamento mul-
da legitimidade da luta empreendida, o movimento organizado
ticampus, mas com características e marcas
em esfera estadual cada vez mais ganhou força.
específicas em cada realidade envolvendo

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

diferentes sujeitos. [...] Sendo, também, universitários demonstrando o compromisso da instituição


acentuando por estes os desdobramentos para a comunidade a qual pertence.
e avanços que sucederam, atrelando a este
marco o fortuito crescimento do Câmpus
de Tocantinópolis, que a partir de então 2.3 Movimento de transição da UFT para UFNT
começou a situar-se como instituição
federal, organizando em novas estruturas Durante esse contexto histórico de luta as conquistas nunca
os cursos existentes e adquirindo outros foram interrompidas, e podem ser presenciadas tanto no aspecto
[...] (SOUSA; SANTOS; PINHO, 2016, p. 186). físico, como as reformas na unidade central e a construção de
novas estruturas no intuito de atender às exigências do que se
É evidente que o Câmpus participou desse contexto histó- espera em uma universidade federal, como por meio da expansão
rico de formação de professores da Universidade do Tocantins, no número de cursos, servidores e reformulações dos Projetos
por já possuir bases firmes e uma estrutura decorrente de outras Político-Pedagógicos. A busca por um espaço de formação que
experiências na área. Todas essas ações colocavam o Câmpus contemplasse as condições da realidade local, transformou-se em
de Tocantinópolis como um espaço central no que se refere à uma conquista que garantiu a permanência do Câmpus e gerou
formação para docência por meio, por exemplo, de projetos for- frutos não somente imediatos como futuros.
mativos em parcerias da universidade com outras instâncias, e
O novo movimento cujo objetivo central consistiu na cria-
funcionando como parte de uma política nacional de formação
ção de uma nova universidade federal no Tocantins, culminou
de professores em luta por reconhecimento, legitimação e for-
no surgimento da Universidade Federal do Norte do Tocantins-
talecimento da educação superior.
-UFNT, a partir do o Projeto de Lei (PL) 2.479/2019 aprovado
Após a conquista da permanência do Câmpus aconteceu pelo plenário do Senado Federal, e no dia 08 de julho de 2019
a transição entre UNITINS/UFT no período de 2000/2003, sancionado pelo presidente da República. Compõe a proposta
surgindo a Universidade Federal do Tocantins (UFT). Nesse da nova universidade pública brasileira, a possibilidade de mais
processo aconteceram melhorias em diversos aspectos no autonomia para a gestão de recursos com foco na realidade local
espaço institucional, assim como, os alunos e a comunidade e atrair estudantes do norte do estado e de regiões circunvizinhas.
atribuíram mais confiança no que estava sendo feito para tornar
Após a aprovação houve a assinatura do termo de coope-
a educação daquela região cada vez melhor. A nova conjuntura
ração pelo reitor da Universidade Federal do Tocantins (UFT),
e a afirmação da organização do trabalho na universidade a
Luís Eduardo Bovolato, oficializando o ato de prestar ajuda e
partir do tripé Ensino, Pesquisa e Extensão vem oferecendo
tornando a UFT tutora responsável pela a transição, visto que a
para seus alunos a oportunidade de pensar não somente o
mesma tem acompanhando o processo de criação da nova uni-
conteúdo teórico, mas a própria pesquisa para além dos muros

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

versidade. Para essa ação foi indicado um reitor pro tempore, que 3.1 Escolha da Profissão Professor
de acordo com a Lei nº 13.856 o Reitor e o Vice-Reitor deveriam
Ficou notório dentro do contexto investigado que a mão
ser nomeados em ato do Ministro da Educação até que a UFNT
de obra trabalhista qualificada era escassa, assim como também
seja completamente organizada e se torne autônoma.
a oferta de trabalho. Dessa forma, por meio da implantação da
A UFNT surge a partir do desmembramento de dois campi UNITINS foi sendo produzida a profissão professor na região e
da UFT, Araguaína e Tocantinópolis, e está em processo de tran- as oportunidades foram se expandindo, alguns escolhendo este
sição. O Câmpus de Tocantinópolis que possui em sua estrutura caminho por não ter outro meio, outros por almejarem o exercício
os cursos de Pedagogia (1991), Ciências Sociais (2007), Educação dessa função, vislumbrando o reconhecimento da profissão. A
do Campo (2014), Educação Física (2015) e mais recentemente instituição contribuiu também na formação daqueles professores
Direito (2021) passou a ser denominado de Centro de Educação, atuantes que não tinham uma formação superior, o que demonstra
Humanidades e Saúde de Tocantinópolis – CEHS. a sua importância histórica para a comunidade. A esse respeito
Bezerra (2012, p. 98) afirma que:
3 TORNAR-SE PROFESSOR NO MUNICÍPIO DE
TOCANTINÓPOLIS: OLHARES E PERCEPÇÕES A maioria dos alunos eram professores que
trabalhavam na Educação Básica, com a
Por meio da pesquisa realizada foi possível perceber que formação apenas do segundo grau (Ensino
a maioria dos professores da rede municipal teve sua formação Médio), pois não tinham condições de
inicial no próprio município de Tocantinópolis, por meio das ingressar em uma Universidade, uma vez
instituições apresentadas na seção anterior, ou em cidades pró- que as existentes estavam fora do alcance da
ximas como Imperatriz – MA. Os dados analisados permitem grande maioria da população local. Quem
tinha o poder aquisitivo maior e contava
fazer reflexões sobre a importância de instituições de ensino
com ajuda da família, tinha o privilégio de
superior no município, considerando suas contribuições para a
ir para Goiânia fazer um curso superior,
constituição da trajetória formativa dos professores da referida que era regalia de poucos, que depois
rede municipal. voltavam para trabalhar na sua terra. Vale
destacar que a formação em nível superior
Para tanto, buscou-se desenvolver um estudo com base na
era carente no Estado todo, não somente
tradição no campo da formação de professores que o município é em Tocantinópolis.
conhecido, procurando entender de maneira mais próxima como
os próprios professores enxergam a sua profissão, dificuldades As condições difíceis de trabalho, na região do Tocantins,
e desenvolvimento profissional. atrelada à falta de opções para a escolha, fizeram muitos dos

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

moradores de Tocantinópolis e de municípios vizinhos perceberem Participante 11: Quando criança sempre
na UNITINS, e logo depois na UFT, a oportunidade de um vínculo admirei a profissão e quando adolescente
empregatício, uma profissão, por meio do exercício do Magistério. comecei a ensinar no Mobral para adultos,
Dessa forma, um grupo considerável de pessoas fez da profissão aquelas pessoas que não sabiam ler e con-
professor a principal escolha de formação profissional, como tinuei até chegar aqui onde estou.
Participante 20: O despertar do interesse
relatam os participantes3 a seguir:
intrínseco de compartilhar conhecimento e
contribuir com a formação cidadã.
Participante 04: No momento era o curso
mais acessível que minha condição financeira Participante 21: A grande carência de
permitia. professores cheio de amor pela profissão.
Participante 03: De início foi a falta de
opção, porém com o tempo aprendi a gostar Há professores que no decorrer de sua profissão foram
do oficio de ensinar.
construindo afinidade pelo o contexto educacional, isso é muito
importante uma vez que o docente formado para atuar nas séries
Participante 22: Não foi uma opção eu
iniciais do ensino fundamental, que é o caso dos participantes,
estava desempregado e me ofereceram uma
sala de aula e estou até hoje. trabalha com crianças que estão iniciando o processo de formação
e visualiza no(a) professor(a) uma referência formativa. É o caso
Participante 12: A falta de oportunidade dos participantes a seguir:
para trabalhar em outras áreas.

Participante 17 que diz: “Quando escolhi


Participante 09: Condições econômicas.
foi mais por falta de opção, mas hoje percebo
que sou feliz com que faço”;
Outros descrevem que já tinham como plano de carreira
profissional ser professor(a), e a possibilidade de concretizar a alme- A Participante 06 diz: “Na verdade foi uma
jada profissão motivou o início do processo de formação docente, forma primeiramente de emprego rápido,
como afirma a participante 23: “Sempre desde pequena a minha não gostava muito. Hoje sou satisfeita com o
vocação era pra ser professora. Então porque gosto”. O desejo que faço. Só não concordo com o que ganho
mensalmente”;
em ser professor(a) é expresso também nos seguintes depoimentos:

3 Os nomes dos professores foram substituídos por PARTICIPANTES para manter o


anonimato das suas identidades, conforme acordado no Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

Já o Participante 03 fala: “De início foi a decênio” (BRASIL, 2014). No campo específico de valorização
falta de opção, porém com o tempo aprendi do profissional da educação, a meta 17 apresenta: “Valorizar os
a gostar do oficio de ensinar”; (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação
básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as)
E o Participante 05 conclui: “Na época foi a
demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final
porta que Deus me abriu e continuei, acabei
do sexto ano de vigência deste PNE” (BRASIL, 2014).
gostando e permaneço até hoje apesar das
dificuldades que enfrento na educação gosto Mesmo sendo sancionadas leis e outras referências legais
do que faço. Poderia ter ido além, mas me
como o PNE, o campo da educação passa por uma oscilação
acomodei de certa forma”.
constante e é marcado por momentos turbulentos de lutas. Nesse
momento, a luta é contra o retrocesso explicitado por ações gover-
Com base nos dados produzidos formula-se a hipótese de
namentais que, dentre outras coisas, direcionam o congelamento
que se os universitários, nos dias atuais, forem questionados sobre
dos investimentos no sistema educacional, e contribuem com a
os motivos da escolha profissional, serão encontradas muitas jus-
propagação e defesa de narrativas que desfavorecem o docente e
tificativas para a preferência por uma licenciatura, contemplando
a totalidade da esfera educativa. Há o reconhecimento dos frutos
desde a falta de opção, como a paixão pela profissão. Sendo que
conquistados, mas cabe situar que a educação continua sofrendo
um dos pontos fundamentais a considerar, refere-se ao reconhe-
ataques que tentam diminuir a sua importância e contribuição
cimento da educação e das diferentes funções sociais atreladas
para o desenvolvimento humano.
a ela, essa compreensão pode contribuir para que as futuras
gerações valorizem a profissão professor, e pode ser um aspecto Para Nóvoa (2017) a valorização da profissão docente deve
motivador para a procura pela formação na área e o exercício ultrapassar os discursos, e para tanto é necessário articular a
da profissão como um compromisso com os demais cidadãos. formação inicial, a profissionalidade e a formação continuada por
meio de um projeto de formação amplo, constituído por diferentes
Em 2014 o Congresso Federal sancionou o Plano Nacional
agentes, instituições e direcionado por uma base teórico-prática
de Educação (PNE), lei n° 13.005/2014 composto por 20 metas,
comprometida com a transformação social.
e no referido documento é possível verificar a tentativa de
direcionamento dos investimentos públicos para a melhoria da
educação no país. Nessa direção, a meta 20 estipula: “Ampliar 3.2 Formação continuada e os desafios de ser
o investimento público em educação pública de forma a atingir, professor no contexto atual
no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno
No que concerne ao processo de formação de professores
Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no
atuantes na rede municipal de Tocantinópolis no ano da pesquisa
mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

(2020), dos 25 participantes, 48% possuía formação Lato Sensu, Educacional com ênfase em Supervisão e Orientação; e Coor-
12% estava cursando pós-graduação, 28% possuía somente a denação Pedagógica.
graduação e 12% atuava com formação no magistério. Em relação
Com relação ao apoio da prefeitura do município na formação
à formação Stricto Sensu, nenhum dos participantes chegou a
dos docentes, o participante 21 diz: “A cada semestre temos uma
efetivar curso com essa característica.
capacitação ou formação”. Esse dado é importante, pois revela a
A porcentagem de professores que não possuía uma pós- participação da prefeitura na oferta de cursos que podem contri-
-graduação ou até mesmo uma graduação mostrou ser um número buir na atualização profissional dos professores, todavia, outras
bastante elevado, o total de 40% dos professores pesquisados, investigações poderão aprofundar-se quanto a forma e conteúdo
se levarmos em consideração o tempo de trabalho/atuação que desses cursos e suas implicações na formação e trabalho docente.
se situa na faixa de 10 a 27 anos de contribuição no campo edu-
A Universidade Federal do Tocantins e outras instituições
cacional, ou seja, um tempo significativo para não realizar uma
de ensino superior da região, participam ativamente na formação
especialização na área.
continuada de professores da rede municipal de Tocantinópolis, e
Feita essa descrição é importante verificar quais os motivos demonstram sua relevância pelo interesse dos profissionais nos cursos
que levaram os professores a investirem em uma especialização, disponibilizados. Segundo os dados produzidos, 15 profissionais
e até buscar entender o porquê de tantos outros não possuírem, tiveram acesso ou estavam vinculados a cursos de pós-graduação
mesmo que esse não seja um dos objetivos principais da presente ofertados por uma instituição de ensino superior, dos quais 12
pesquisa. Com esse intuito são listados três pontos importantes: concluíram o processo e 3 estavam em fase de finalização. Foram
motivações do professor; apoio da prefeitura; e a participação citados os seguintes cursos: Especialização em Matemática, pela
de instituição de ensino superior na rede de educação municipal Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Boa Esperança - FAFIBE;
por meio da oferta de cursos. Especialização em Gestão e Organização do Trabalho Escolar, pela
UFT; Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade
Considerando os professores que fizeram especialização,
Estadual do Maranhão - UEMA e Gênero e Sexualidade na escola
os motivos identificados foram: indicação da escola; necessi-
pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.
dade de atualizar-se; ou por uma possibilidade de ascensão na
carreira, cuja compreensão é a de que a graduação é apenas a Exercer a função de professor é um ato grandioso conside-
base para o processo de desenvolvimento profissional. Dentre rando os desafios no exercício do trabalho docente, seja na rede
os cursos de pós-graduação realizados foram citados com municipal, estadual ou federal cada qual com suas particularidades.
maior destaque, pelo grupo de professores, as especializações Com ênfase no trabalho na rede municipal, há diversos momentos
em: Psicopedagogia; Metodologia de Ensino de História e de em que o professor não sabe como caminhar com tantas atribui-
Geografia; Psicopedagogia Institucional e Clínica; Gestão ções e a busca por atualização, por meio da formação continuada,

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

contempla o objetivo de encontrar maneiras de como materializar penho do professor dentro deste contexto social, segundo eles
o processo de ensino e aprendizagem diante de tantas adversidades. os maiores desafios no dia a dia são:

Cabe referenciar que no desenvolvimento do trabalho


docente, os professores participam de programas educacionais É viver com o salário que nos é oferecido
direcionados pelo poder público, via secretarias de educação, tendo em vista que não podemos nem exigir
o que é nosso por direito. Outro desafio são as
que afirmam ter como objetivo principal auxiliá-los no ambiente
mudanças de programas educacionais que
educacional. Contudo, pela forma como esses programas são
nos são empurrados goela abaixo quando
operacionalizados, muitas das vezes sem pensar na realidade estamos nos adaptando a um vem outros.
da escola, sobrecarregam os professores com mais demandas e
dificultam o desempenho do trabalho planejado, à medida que Trabalhar com propostas curriculares esta-
traçam metas e objetivos para serem cumpridos de maneira belecidas pelo Estado.
verticalizada, ou seja, há uma determinação de instâncias supe-
riores, sem por vezes, uma preparação do como fazer. Agrega-se A nossa clientela sempre é um grande desafio,
a esse fato, a frequência com que esses programas chegam ao a nossa remuneração, formações [que não
são] voltadas para nossas dificuldades,
contexto escolar.
materiais didáticos.
Diante dos dados é possível sinalizar, como hipótese, que a
sobrecarga dos professores diante das variadas demandas, dentre A partir dos relatos é perceptível que o que era para ajudar
as quais participar dos programas educacionais direcionados pelo no desempenho do professor, no caso dos programas educacio-
poder público, pode estar contribuindo com a estagnação dos pro- nais, implica em mais desgaste no desempenho do seu trabalho
cessos formativos no âmbito da formação continuada, visto que o por gerar acúmulo de obrigações e, assim, interferir no processo
desgaste físico e intelectual do profissional é explícito e contínuo. produtivo dos docentes.
Na presente discussão, cabe o que apontam Piovezan e Dal Ri (2019,
É interessante observar que se no início a profissão pro-
p. 2) sobre a intensificação e flexibilização do trabalho docente:
fessor, no contexto investigado, era procurada como forma de
“a flexibilização do trabalho é a ampliação das atividades laborais
melhoria nas condições financeiras dos cidadãos, atualmente
desenvolvidas pelos professores; e a intensificação do trabalho é a
com a desvalorização nas suas várias dimensões, com ênfase no
expansão quantitativa do número de aulas, turmas, alunos, turnos
aspecto financeiro, esse reconhecimento vem perdendo força e
de trabalho e escolas em que os docentes lecionam”.
fazendo com que muitas pessoas se questionem sobre o exercício
De acordo com a fala dos Participantes 05, 06 e 13 (Grifo da função. A Participante 06 ressalta essa desvalorização: “Na
nosso), respectivamente, há vários fatores que afetam o desem- verdade foi uma forma primeiramente de emprego rápido, não

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

gostava muito. Hoje sou satisfeita com o que faço. Só não con- O Participante 21 finaliza dizendo que para
cordo com o que ganhamos mensalmente”. Outros profissionais ele os maiores desafios são: “Uma maior
intensificam esse depoimento: remuneração, reconhecimento profissional
por parte dos pais e gestores municipais,
acompanhamento educacional por parte
Participante 24: Falta de incentivo financeiro. dos pais ou responsável aos alunos”.

Participante 08: Falta de materiais peda- Diante disso, ratifica-se que o conhecimento é construído
gógicos, falta de um salário digno. desde a convivência com a família, e por isso o seu papel na
escola é fundamental ao crescimento da criança em suas varia-
Participante 02: Melhorar o salário, a par-
das dimensões, e, ainda, vale destacar que o desenvolvimento
ticipação da família na escola que é pouca,
humano é um processo contínuo e no caso da criança em idade
a dificuldade de se trabalhar com turmas
com um número grande de alunos, falta de escolar a participação ativa dos responsáveis é imprescindível.
apoio pedagógico.
Além da ausência familiar na vida escolar do aluno, os
professores têm que lidar com outros desafios, a saber: super-
Durante a pesquisa outro grande desafio enfatizado
lotação dentro das salas de aulas e a escassez de recursos. O
pelos profissionais é a falta de participação dos pais no
Participante 04 expõe: “Excesso de alunos por turma, baixa
acompanhamento dos processos de ensino e aprendizagem,
remuneração, escassez de recursos pedagógicos, estrutura
como relatam alguns participantes:
física inadequada, pouca articulação entre escola e família,
defasagem e indisciplina dos alunos”. Nas três escolas lócus da
Participante 17 diz: “A falta de valorização pesquisa, os participantes tiveram suas falas semelhantes ao do
profissional, descompromisso de algumas
participante 04 neste quesito.
famílias”;
Situações como essas acabam desanimando o profissional,
Participante 18: “A falta de apoio de muitos que mesmo planejando uma aula diferente ao que está acostumado
pais no processo de ensino do aluno, a falta com seus alunos, lhe faltam materiais para o desenvolvimento
de tempo para planejamento”;
efetivo do que fora idealizado. A esse respeito, os depoimentos
que seguem são ilustrativos:
Participante 19: “A falta de apoio de alguns
pais”;
O participante 07 afirma que: “Como
mencionado anteriormente, o que nos falta

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

é o incentivo, muitos de nós temos vontade uma realidade educacional significativa para a região do extremo
de desenvolver nossa prática, mas nos falta Norte do Tocantins.
a valorização e recursos materiais”;
Dessa forma, por meio da problemática foi possível conhe-
O participante 15 diz: “A desvalorização e cer o processo histórico da formação de professores a partir das
a falta de recursos necessários (materiais)”; instituições de ensino superior com sede na referida localidade,
sendo identificado, por meio do estudo, que os profissionais
Participante 10 declara: “O primeiro é docentes atuantes na rede municipal são formados em sua maioria
trabalhar sem recurso e a falta de respeito pelas instituições UNITINS/UFT.
com o professor por parte dos alunos”.
No desvelar dos desafios no campo profissional, os par-
Foram evidenciados fatores, internos e externos ao contexto ticipantes da pesquisa relataram diversas situações que afetam
escolar, que incidem diretamente na desvalorização do profissional o trabalho docente, dentre as quais: pouca participação dos res-
e do trabalho docente, e o diagnóstico desvela a necessidade de ponsáveis no acompanhamento escolar do aluno; superlotação
um sólido projeto de formação que articule o aperfeiçoamento nas salas de aula; ausência de materiais didáticos; e também a
inicial e continuado, bem como, a efetividade de investimentos falta de valorização salarial, fatores que favorecem a sobrecarga,
que garantam condições concretas para o desenvolvimento do ato intensificação e flexibilização do trabalho e interferem direta-
pedagógico. Resultado que ratifica a importância da realização mente na atuação do professor.
e publicização de investigações que demonstrem as condições
Identificou-se, também, que o município de Tocantinópolis
profissionais dos professores, e que essas possam subsidiar a
oferece aos professores cursos de formação continuada com o
tomada de decisões.
objetivo de atualização, sendo citados os que seguem: Formação
do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC),
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS formação sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
Documento Curricular do Tocantins (DCT) e Formação de Sis-
O desenvolvimento da presente pesquisa permitiu estu-
tema Integrado de Gestão Escolar.
dar a trajetória formativa dos professores da rede municipal de
Tocantinópolis, considerando que a referida cidade é conhecida Todavia, os professores apresentam insatisfação na forma
regionalmente como lócus de formação docente desde 1970. como esses cursos são operacionalizados, pois, conforme os relatos
Fenômeno que foi desencadeado devido a quantidade expres- em alguns casos não é considerada a realidade institucional dos
siva de professores que não possuía qualificação profissional e, profissionais e, ainda, há o aumento significativo de demandas,
assim, gradativamente o município foi constituindo-se como o que é reconhecido como uma das circunstâncias que provoca o

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TOCANTINÓPOLIS: UM ESTUDO DE CASO

desinteresse pela formação. Para além dos cursos ofertados pela sidade de uma discussão ampliada com foco na compreensão
prefeitura, 48% dos professores possui pós-graduação Lato Sensu. de que são indissociáveis; a melhoria na gestão orçamentária,
a fim de valorizar a formação e o trabalho docente; incentivo
É importante destacar que o profissional deve estar sem-
e apoio às práticas de ensino e os estágios dos cursos de gra-
pre atualizado, por isso é importante analisar o conteúdo e as
duação, com o intuito de desenvolver um trabalho sistemático
formas que os cursos de formação, via secretaria municipal, são
de articulação entre a formação acadêmica e as demandas da
ofertados. A investigação demonstrou que é preciso considerar
educação básica.
a realidade que a escola está localizada, seu contexto político e
social e a partir de então ofertar cursos de formação que sejam
voltados para a dinâmica material das instituições no município. REFERÊNCIAS
Para além da formação teórico-prática, outra ação que precisa
BEZERRA, M. S. S. As Políticas de Formação de Professores e os Cursos em
ser efetivada é a disponibilidade de materiais didáticos para o
Regime Especial no Câmpus de Tocantinópolis - TO. In: O curso de Pedagogia
desenvolvimento das aulas, o que permitirá ao professor a con- no Norte do Tocantins: história, memórias e reflexões. LOCATELLI, Arinalda
cretização do planejamento com maior desenvoltura. Silva... [et al.], (organizadores). Goiânia: Ed. PUC Goiás, p. 95 – 106, 2012.
BRASIL. Plano Nacional de Educação: Lei n° 13.005, de 25 de junho de
Decerto os programas de formação continuada podem 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.
somar ao contexto do trabalho docente quando voltados para a Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 19 de nov. 2020.
atualização dos professores, articulados com o investimento em
NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente.
meios didáticos mais próximos das realidades institucionais. Dessa
Cadernos de Pesquisa Fundação Carlos Chagas, v.47, n.166, p.1106-1133.
forma, é possível acreditar que os benefícios possam chegar ao São Paulo, 2017.
processo de ensino dos alunos. Acrescenta-se, ainda, que há o PADOVAN, R. C. Memória e formação docente: indícios e registros da
reconhecimento da existência de outras questões bastantes per- identidade educacional na região do bico do papagaio. Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, n.20, p. 45 - 51, dez. 2005.
tinentes para a efetivação de mudanças, contudo, a qualificação
PIOVEZAN, P. R.; DAL RI, N. M. Flexibilização e Intensificação do Trabalho
profissional pode ser o começo para uma educação com maior
Docente no Brasil e em Portugal. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44,
qualidade na rede municipal. n. 2, e81355, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/2175-623681355.
SOUSA, J. G.; SANTOS, J. S.; PINHO, M. J. História e memória no contexto de
A pesquisa pode além de contribuir para uma análise
federalização Unitins/UFT: a luta por uma instituição pública e gratuita no
histórica do processo formativo até então vivenciado na referida Norte do Tocantins. Revista Outras Fronteiras, Cuiabá-MT, vol. 3, n. 1, jan/
localidade, permitindo entender ou discutir o contexto atual, jun., 2016.
possibilitou a apresentação de alguns dos desafios vigentes UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Político Pedagógico do
Curso de Pedagogia. UFT: Tocantinópolis, 2007.
para a formação e o trabalho docente no município, tais como:
a efetividade da relação teoria/prática, sendo evidente a neces-

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FORMAÇÃO DE LEITORES:
UM OLHAR PARA A
LITERATURA INDÍGENA 5
Mara Pereira da Silva

1 INTRODUÇÃO

A partir da minha experiência como educanda na Disciplina


Mulheres Formadoras de leitores: crítica, autoria e ensino, do
Programa de Pós Graduação em Letras: Língua e Literatura
da Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT) em
Araguaína e, participação nas discussões no Grupo de Estudos
e Pesquisas em História, Educação e Artes (GEPHEA) dessa
mesma instituição, em Tocantinópolis, proponho desenvolver
nesse capítulo algumas reflexões sobre a literatura indígena
para a formação do leitores, enfatizando autoras indígenas que
publicaram obras literária para o público infantil.

A metodologia empregada na elaboração deste trabalho é


bibliográfica, apresentando aspectos teóricos que subsidiam esse
texto. A Pesquisa Bibliográfica segundo Fonseca (2002, p.32) ela
surge “[...] a partir do levantamento de referências teóricas já ana-
lisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros,
artigos científicos, páginas de web sites”. Assim, é necessário que o

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

pesquisador leia os documentos disponibilizados sobre o seu tema A lei 11.645 de 10 de março de 2008 “estabelece as diretrizes
de estudo. Para Fonseca há pesquisas científicas que o pesquisador e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
se utiliza exclusivamente de dados bibliográficos “procurando refe- rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
rências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações Afro-Brasileira e Indígena”. Em seu artigo 26-A afirma que “[...}
ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
procura a resposta’’. (FONSECA, 2002, p. 32). Isso é o que pre- públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
tendemos utilizar no caminhar de desenvolvimento deste capítulo. cultura afro-brasileira e indígena”. Assim, essa obrigatoriedade
envolve tanto o ensino particular como o público. Além disso,
Na primeira parte do capítulo é apresentado os desafios
na alínea § 2 do mesmo artigo é garantido que “Os conteúdos
impostos pela leitura no dia a dia. Apresento a escrita e a leitura
referentes à história e cultura [...] dos povos indígenas brasileiros
como direito e que pode ser democratizado a sociedade por meio
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
da escola. Em seguida discorro sobre autoras femininas indígenas
especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
e brasileiras que escreveram livro infantil.
brasileiras.” Nesse sentido, essa responsabilidade, que não deixa
de ser um desafio, envolve tanto as escolas indígenas como as
2 O DIREITO DE LER E ESCREVER não indígenas.

O mundo da leitura (LAJOLO, 2008) em que consta o ato É preciso que a escola seja uma impulsionadora do olhar
de ler e de escrever, traz consigo os desafios que são postos no poético que a criança traz. No entanto, “O professor de Portu-
cotidiano. Se você procura emprego, ler as manchetes de jornais, guês deve dispor de uma noção ampla de linguagem, que inclua
vai em uma seleção de concurso, precisa casar ou divorciar, e seus aspectos sociais, psicológicos, antropológicos e políticos”
outras situações da vida, a leitura e a escrita são necessárias. (LAJOLO, p.21). Nesse sentido, essa amplitude da linguagem do
professor deve envolver também as literaturas indígenas. Mas
Por muito tempo a leitura esteve sob o controle da igreja
segundo Thiél (2013, p.1177):
por meio “dos textos sagrados” (CASTRILÓN, 2011, p.15). No
entanto, “Ler e escrever é um direito dos cidadãos, direito que
devemos fazer cumprir e que, por sua vez, implica um dever e Professores desconhecem os autores indí-
um compromisso de muitos” (CASTRILÓN, 2011, P. 15). Então genas ou julgam suas obras por critérios
não basta apenas a igreja ter o controle da leitura, a família e canônicos ocidentais de literariedade, o
que faz com que não reconheçam nestas
a escola também podem colaborar com a formação de leitores
textualidades valor estético comparável
fazendo com que sejam capazes de desenvolver um pensamento àquele dos textos recomendados nos cur-
crítico e selecionar suas próprias leituras. rículos e exigidos em exames e concursos.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

Esse desconhecimento ainda é presente entre muitos ciar a galopante violência contra os povos de diferentes etnias,
educadores e grande parte, apesar de lembrarem dos nomes dos a literatura indígena é de paz. Porque a palavra indígena sempre
autores indígenas preferem seguir o que está consagrado como existiu, uma de suas especificidades tem tudo a ver com a resis-
sendo bom pelo cânone literário e pelo mercado bibliográfico. A tência” (GRAÚNA, 2014, p.55). A literatura indígena serve como
autora Lajolo (2008, p,22) afirma que: “o professor de Português instrumento de resistência desses povos frente aos processos de
pode não gostar de Camões nem de Machado de Assis. Mas dizimação da cultura indígena, o que inclui também a literatura
precisa conhecê-los, entendê-los e ser capaz de explicá-los”. indígena infantil.
Nesse sentido, parafraseando Lajolo poderíamos dizer que um
A academia tem se debruçado sobre vários estudos refe-
professor de Português pode não gostar de literatura indígena e
rentes à literatura infantil, autoras como Mariza Lajolo (2001,
nem mesmo considerá-la como literatura. “Mas precisa conhe-
2006), Regina Zilberman (2003, 2005), Cecilia Meireles (2001,
cê-la, entendê-la e ser capaz de explicá-la. Explicar a quem? Por
2016), Cecilía Bajour (2012), e outros. Sendo que na literatura
que não a seus alunos?
indígena infantil ainda é algo muito incipiente, mesmo já existindo
A escola como um espaço de democratização do conheci- várias obras publicadas nessa temática, mas olhando pelo lado
mento pode contribuir para a efetivação do direito de ler e escrever da pesquisa sobre as mesmas ainda é pouco explorada. Durante
em que se inclui as literaturas indígenas. A autora Thiél (2013, a escrita desse trabalho encontramos Dissertação de Mestrado
p.1177) ao se referir sobre o direito de ler, defende as leituras de da autora Maria das Graças Ferreira Graúna intitulada “O
textos da literatura indígena afirmando, imaginário dos povos indígenas na literatura infantil publicada
em 1991 pelo Centro de Artes e Comunicação, Departamento
de Letras, da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife.
Todos têm o direito de descobrir, ler e debater
os textos produzidos pelos diversos povos O Outro trabalho foi o artigo intitulado “Literatura infantil de
indígenas, como forma não só de conhecer autoria indígena: diálogos, mesclas, deslocamentos” da autora
visões estéticas e temáticas diferentes, mas Iara Tatiana Bonin publicado em 2012 na Revista Currículo
também de valorizar o outro, o diferente, sem Fronteiras em que se discute as representações da diferença
que deve ter sua história, sua presença e indígena em obras de literatura infantil contemporânea. Para a
visão de mundo reconhecidas.
autora, “nas últimas décadas, cresce a olhos vistos o número de
livros de literatura – especialmente voltados para um público
A literatura indígena permite transitar do mundo da leitura
infantil – que tematiza a vida indígena” (BONIN, 2012, p. 39).
para a leitura de mundo (LAJOLO, 2008), a partir da visão gerada
Uma outra pesquisa interessante de autoria da Glória Bayma é
do contexto de outra realidade, nesse caso o mundo indígena.
“Os Maraguás e a literatura infanto-juvenil indígena de autoria
Para Graúna (2014) “Embora seja também espaço para denun-
feminina, na perspectiva da tradução de cinco obras de Lia Miná-

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

poty defendida no Curso de mestrado em Ciências da Linguagem que muitos assumem esse compromisso na idade em que para os
na Univercita Ca’ Foscari Venezia. Por meio dessa pesquisa, não indígenas ainda é considerado uma criança. Ao defender a
Bayma(2016) traduz as obras de Minápoty para o italiano com a importância da Literatura no currículo escolar Lajolo (2008, p.106):
finalidade de valorizar a literatura brasileira indígena de autoria
feminina. Ainda segundo a autora, o principal objetivo deste
É à literatura, como linguagem e como
trabalho foi criar “um espaço de curiosidade e acessibilidade, instituição, que se confiam os diferentes
através da tradução, para uma forma de literatura considerada imaginários, as diferentes sensibilidades,
marginal: a literatura infantil, que, no caso em análise, é ainda valores e comportamentos através dos
mais periférica por ser da autoria de uma jovem mulher indígena” quais uma sociedade expressa e discute,
(BAYMA, 2016, p. 3). simbolicamente, seus impasses, seus dese-
jos, suas utopias. Por isso a literatura é
A Revista Catedrá Digital, que é uma publicação oficial da importante no currículo escolar: o cidadão,
Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio, lotada no iiLer – Insti- para exercer, plenamente sua cidadania,
tuto Interdisciplinar de Leitura da PUC-Rio –, com a chancela precisa apossar-se da linguagem literária,
alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário
UNESCO, na sua publicação de nº 5 lançou o dossiê intitulado
competente, mesmo que nunca vá escrever
“Tainá: Literatura Infantil e Juvenil de Etnias Indígenas Brasi-
um livro: mas porque precisa ler muito.
leiras”, segundo os editores esse número foi pensado para abor-
dar o assunto partindo “do lugar de fala de escritores e artistas
Nesse sentido, a linguagem literária serve como uma
indígenas de diferentes povos e regiões do país concebendo a
arma no exercício da cidadania, por isso a sua importância na
literatura como direito, meio para ressignificação de suas imagens
formação do ser humano para que ele venha se aperfeiçoar e ter
construídas historicamente e processo de transformação social”.
acesso à educação literária. Como nos diz Thiél (2012, p.12), “a
É mister informar que o conceito de criança e de juvenil educação para a cidadania, para o respeito à diversidade e para o
sofreram modificações durante o período histórico na socie- desenvolvimento do pensamento crítico é necessária a todos. A
dade. Nesse sentido, Lajolo (2008, p.24) apresenta que “O que leitura e a discussão de obras da literatura indígena contribuem
é literatura infantil, em determinado contexto, pode ser juvenil para a reflexão sobre essas questões” que envolvem o exercício
em outro e vice- versa”. Assim, podemos dizer que os termos da cidadania, o respeito ao outro, e o desenvolvimento do pen-
passaram por alterações no tempo, e, em se tratando do termo na samento crítico. Para Lajolo (2008, p.45):
cultura indígena, as diferenças se acentuam ainda mais, pois as
crianças e adolescentes enfrentam os desafios da vida muito cedo Em outras palavras: leitor e texto preci-
no olhar do não indígena, como exemplo, temos o casamento em sam participar de uma mesma esfera de

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

cultura. O que estou chamando de esfera De toda forma, todo ato de Educação Literária passa a ser
de cultura inclui a língua e privilegia os um processo político. A escrita literária para crianças, a escrita
vários usos daquela língua que, no correr de livros por mulheres e indígenas, segundo Lajolo (2001) já
do tempo, foram constituindo a tradição
existem a muito tempo, no entanto, a identidade dessa produção
literária da comunidade (à qual o leitor
foi inviabilizada. A partir de 1990 houve uma abertura de mer-
pertence) falante daquela língua (na qual
o poema foi escrito). cado para as literaturas indígenas em que os próprios indígenas
começaram a escrever sobre eles mesmos fazendo que o não
Sendo assim, em se tratando dos povos indígenas a pro- índio se aproxime da cultura indígena e desconstrua equívocos
dução de literaturas indígenas em que se valoriza os aspectos sobre esses povos.
culturais daquela sociedade e inclui a língua, promove a parti- O autor indígena de maior projeção no Brasil, hoje, segundo
cipação dos mesmos na esfera de cultura tradicional peculiar da Bonin (2012, p.39) “é Daniel Munduruku, que lançou seu pri-
comunidade. E tudo isso é possível por meio da escola que se meiro livro (Histórias de Índio) pela Companhia das Letrinhas”.
torna um espaço de divulgação e compartilhamento das obras Daniel nasceu em aldeia Munduruku próximo de Belém do Pará,
e exercício de formação política por meio da leitura, formando e viveu boa parte da sua infância na capital do estado, mas ia
alunos críticos e reflexivos. A leitura como processo político, sempre visitar a sua aldeia. O autor também morou em Manaus,
conforme observa Lajolo (1996, p.28): Porto Velho e São Paulo chegando a estudar para ser padre, no
entanto a partir de seus estudos sobre filosofia resolveu fazer o
A leitura é, fundamentalmente, processo caminho contrário, estudar algo que voltasse as suas origens e ele
político. Aqueles que formam leitores – redescobrisse novamente sua identidade, desse modo, a escrita
alfabetizadores, professores, bibliotecários foi um dos caminhos adotados pelo autor.
– desempenham um papel político que
poderá estar ou não comprometido com As escritas trazidas nas obras de autores indígenas podem
a transformação social, conforme estejam serem caracterizadas como literatura indígena por dar voz ao
ou não conscientes da força de reprodução sujeito da própria cultura. A autora Thiél (2013, p. 1178) apresenta
e, ao mesmo tempo, do espaço de con- o rótulo de Literatura indígena como sendo uma produção indígena
tradição presentes nas condições sociais
“realizada pelos próprios índios segundo as modalidades discur-
da leitura, e tenham ou não assumido a
sivas que lhes são peculiares”. Por meio da literatura indígena
luta contra aquela e a ocupação deste
como possibilidade de conscientização e esses povos se reafirmam e se autoexpressam a partir das suas
questionamento da realidade em que o realidades transmitindo por meio da escrita suas identidades.
leitor se insere. Me aproprio do conceito de Literatura indígena apresentado

124 125
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

para apresentar algumas obras de autoras femininas indígenas cunhã, nome de origem Tupi, e que significa mulher jovem,
voltadas para o público infanto juvenil. mulher indígena, que recebeu de seu pai um nome de pássaro e
uma missão que seria proteger com o seu canto e com suas asas
os seus parentes, a tradição, a ciência, a terra de acordo com
3 AUTORAS INDÍGENA FEMININAS DE
LITERATURAS INFANTO JUVENIL
a sabedoria da natureza. Ao crescer e atingir a idade adulta a
garota deixa sua aldeia para viver na cidade grande, porém não
Como citado anteriormente, o autor masculino que já pro- esquece das orientações recebidas por um grande sábio através de
duziu um maior número de obras literárias indígenas voltadas sonhos, não se deixando seduzir pela cidade grande, guardando
para o público infantil foi Daniel Munduruku. No entanto nesse as tradições e suas origens, ao mesmo tempo compartilhando
tópico falarei sobre as autoras femininas indígenas e brasileiras com seus parentes o aprendizado adquirido fora da aldeia.
que escreveram livro infantil, entre elas destaco: Graça Graúna
e Eliane Potiguara. No livro contém glossário de sete palavras citadas no texto
como: Baraúna, Caxiri, cunhã, Encantado(s), Jurema, Ñanderu,
Graça Graúna, é pseudônimo de Maria das Graças Graúna, Sapê. As páginas do livro foram ilustradas por José Carlos Lollo,
nasceu em São José do Campestre no Rio Grande do Norte sendo recheadas de grafismos, desenhos e pinturas coloridas
(RN). Possui formação em Letras pela Universidade Federal de como também em preto e branco, predominando na coloração
Pernambuco (UFPE). Seu mestrado e doutorado foi realizado a cor azul, o preto e o verde das arvores. Lajolo (2006, p.13) já
também na UFPE, relacionados respectivamente a “mitos indí- apresentava a importância das ilustrações nas obras dirigidas ao
genas na literatura infantil” e “literatura indígena contemporânea público infantil. Para a autora a qualidade dos desenhos serve
no Brasil”. A autora possui um blog denominado Art’Palavra que “como elemento a mais para reforçar a história e a atração que
consta as suas publicações, sendo reconhecida nacionalmente o livro pode exercer sobre os pequenos leitores”. Os desenhos
e no exterior. É professora universitária de literatura e direitos e pinturas atrelados à escrita remetem a um texto multimodal.
humanos, poetisa, crítica literária, escritora e pesquisadora. No De acordo com Thiel (2013, 1179) ao se referir às literaturas
Congresso Internacional da Associação Brasileira de Literatura indígenas infantis afirma,
Contemporânea – ABRALIC realizado em julho de 2019 na
Universidade de Brasília- UNB, a mesma coordenou o Simpósio
As obras Indígenas[...] apresentam uma
intitulado “Poéticas Indígenas”.
interação de multimodalidades: a leitura
Dentre as obras escritas de Graça Graúna para a litera- da palavra impressa interage com a leitura
das ilustrações, com a percepção de dese-
tura infantil temos “Criatura de Nânderu”, lançado pela Editora
nhos geométricos, de elementos rítmicos
Manole em 2010. O livro conta a história de uma menina chamada
e performáticos. Os grafismos indígenas

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

constituem narrativas e devem ser valo- tanto da língua nativa Tupi-Guarani como da língua portuguesa
rizados por sua especificidade, podendo da cultura brasileira, formando crianças bilíngues, falantes de
inclusive indicar a autoria do texto indígena, duas línguas.
se coletiva/ancestral ou individual.
Nas escolas não indígenas a obra pode funcionar como
A interação multimodal é bem presente durante todas as um material pedagógico para que os povos indígenas tenham
páginas da obra Criaturas de Ñanderu, em que os textos se misturam a oportunidade de apresentar a sua cultura ao não indígena,
com os desenhos, grafismos e pinturas. No livro encontramos o tornando-a conhecida, de certa forma ampliando o repertório
desenho de duas árvores nativas do Brasil: a Baraúna e a Jurema. cultural de leitura dos alunos. Sobre a formação de repertório
Os potes de caxiri também podem ser encontrados representando Thiél (2013, p. 1180) narrou o seguinte,
uma iguaria indígena retirada da mandioca. Pode-se observar
na obra de Graça Graúna que o canto tem uma importância de A formação de repertório por parte de
grande magnitude na cultura indígena, sendo capaz de proteger crianças e jovens e o desenvolvimento
a terra e todos os que habitam nela. de suas competências leitoras, objetivos
tão almejados pelos educadores, podem,
Na obra, observa-se também, a presença de textos bilíngues portanto, ser promovidos pela leitura de
por meio da utilização de palavras de origem Tupi e Guarani, textos indígenas que provoquem curio-
e em língua portuguesa que pode ser conferido no glossário do sidade, sentido de descoberta, desfaçam
livro. A esse respeito, Thiel (2013, p.1179) apresenta: pré-conceitos e façam pensar.

Podemos dizer que o livro de Graúna pode proporcio-


Textos bilíngues, elaborados em língua
nar o alcance dos objetivos almejados pelos professores for-
nativa e em língua portuguesa, são utili-
zados como material didático em várias mando alunos críticos e reflexivos. A “Criaturas de Ñanderu”
comunidades e escolas indígenas para foi classificada como narrativa infantil e juvenil. Quanto à
promover letramento das crianças nativas classificação das literaturas indígenas Thiel(2013) aponta as
e, como resultado, o aprendizado da língua/ dificuldades enfrentadas por bibliotecários e livreiros para
cosmovisão nativa e da língua portuguesa/ classificarem essas obras pois muitos não compreendem o
cultura brasileira.
aspecto multimodal existente. Para a autora existem “muitos
textos indígenas voltados para o público infanto-juvenil, bem
Olhando pelo viés de Thiél podemos inferir que a obra
como muitos textos distribuídos em prateleiras de literatura
Criaturas de Ñanderu poderá ser utilizada nas escolas indígenas
infanto-juvenil que são escritos para um público maduro (Thiel
como material didático, servindo como fonte para o aprendizado

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

(2013, p.1177). Nesse sentido, a presença intensa de desenhos, em 2012 pela editora Mundo Mirim e Ilustrações de Suryara
rabiscos, grafismos e pinturas misturados com a escrita não Bernardi. As ilustrações são ricas em desenhos bem coloridos e
querem dizer necessariamente que o texto foi escrito para grafismos que remetem a pinturas corporais indígenas. Esses se
crianças, mesmo apresentando essas características podem misturam às escritas e assim como no livro de Graúna, podemos
terem sido produzidos para adultos. constatar a presença de textos multimodais.

Além da obra “Criaturas de Ñanderu”, Graúna tem outras O Coco Que Guardava a Noite, retrata a história de dois
publicações como: “Canto Mestizo” poesia que foi publicada em 1999 irmãos chamados Tajira e Poti que não se conformavam com a
pela editora Blocos; “Tessituras da terra” poesia lançada pela ed. chegada da noite pois tinham que dormir bastante cedo, fato que
M.E em 2000, “Tear da palavra” poesia publicada editora Mulheres os incomodava bastante. E por serem inteligentes e curiosos a
em 2001, “Contrapontos da Literatura Indígena Contemporânea noite trazia a eles diversas interrogações. Para Poti, a noite sempre
no Brasil” lançada pela Mazza Edições em 2013, “Flor da mata”, é um mistério. Então a mãe dos dois irmãos conta a eles a lenda
haicais, lançada pela Peninha Edições em 2014. A autora também dos indígenas Karajá que vivem na Amazônia para ilustrar o
participa de várias antologias poéticas no Brasil e no Exterior. aparecimento da noite.

A outra autora, Eliane Lima dos Santos, conhecida como No livro a autora apresenta alguns esclarecimentos dire-
Eliane Potiguara nasceu na cidade maravilhosa Rio de Janeiro, cionados aos pais e educadores afirmando que a obra é um conto
sendo de origem étnica potiguara de seus avós. É formada em inspirado na “Lenda do dia e da noite” dos indígenas Karajá
Letras e Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro conhecidos como macaco preto. Segundo a autora, a história
(UFRJ), além disso tem formação em extensão em Educação e contada proporciona “uma oportunidade de reflexão sobre temas
Meio Ambiente pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). universais a partir da cultura local” (POTIGUARA, 2012).
Sendo professora desenvolve muitas outras funções, como escritora,
O Coco que guardava a noite foi classificado como um
poetisa, contadora de história, ativista social e empreendedora.
conto de Literatura infantil e infanto-juvenil da série Filosofia
Durante sua história de vida, recebeu muitos prêmios entre os
em contos e que conforme a contracapa do livro, “leva o leitor a
quais se incluem o título de Cavaleiro da Ordem do Mérito Cul-
refletir sobre conceitos como liberdade, responsabilidade, esco-
tural do Brasil pelo Ministério da Cultura em 2014. Além disso,
lhas, ciclos da vida e da natureza”. Desse modo, entendemos que
em 2005 foi indicada para o Projeto Internacional “Mil Mulheres
esses conceitos atingem pessoas de diferentes faixas de idades,
ao Prêmio Nobel da Paz”, fundou o Grupo Mulher- Educação
então a obra também pode ser utilizada por pessoas maduras,
Indígena – GRUMIN e foi embaixadora da Paz em Genebra.
agregando conhecimento de uma cultura local do povo Karajá
Dentre as obras escritas por Eliane Potiguara para o público para reflexões que envolvem temáticas universais.
infantil destacamos “O Coco Que Guardava a Noite” lançado

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

O Coco Que Guardava a Noite não apresenta glossário, tica ainda são incipientes e necessitam de pesquisadores que
como acontece em várias literaturas indígenas já publicadas. O abarquem esse desafio.
diferencial na obra é que a autora vai expressando os significados
Por meio desse olhar observamos que essas narrativas
das palavras na própria escrita, temos como exemplo na página
apresentam elementos culturais especificamente da cultura
16, ao se referir ao chocalho, a autora explica que refere-se ao
indígena, ou seja, as ideias construídas em relação ao indígena
maraca ou maracá e é um instrumento sagrado.
desconstroem o imaginário equivocado do não indígena em
Além da obra “O Coco Que Guardava a noite” Eliane relação a esses povos.
Potiguara lançou em 2014 a obra infantil pela editora jujuba
Nas imagens apresentadas podemos perceber o ideal de
intitulada “O pássaro encantado” que trata da história de relação
beleza representado pela natureza e características ideais desses
com sua avó. A obra foi ilustrada por Aline Abreu. Outra obra de
povos que remetem suas identidades e que se misturam com as
literatura infantil da autora denomina-se “A cura da terra” lançada
escritas formando textos multimodais.
em 2015. A autora também publicou outros trabalhos como: A
Terra é Mãe do Índio (1989); Akajutibiro: Terra do Índio Potiguara Dessa forma podemos concluir que por meio do uso das
(2004); Metade Cara, Metade Máscara (2004). Esse último já está literaturas indígenas na sala de aula é possível trabalhar práticas
em sua terceira edição, lançado em 2018 pela editora Grumin. de leituras que valorizem o Outro, tornando a cultura indígena
conhecida e ao mesmo tempo respeitada no espaço escolar, além
A autora Potiguara possui um site oficial denominado
disso garantindo aos alunos o direito de conhecerem os diferentes
“Eliane Potiguara” em que apresenta várias informações sobre
tipos de leituras e adentrarem no mundo da leitura para a leitura
a mesma e direciona para compra de suas obras. Por meio do
do mundo e vice-versa.
site também é possível contratar a autora. Assim, por meio da
escrita, além de apresentar aspectos característicos de sua cul- Afirmamos ainda que essas histórias como “Criaturas de
tura, a autora mostra seu grito de revolta e de dor que seu povo Ñanderu” e “O Coco Que Guardava a Noite” das autoras apre-
sofreu e ainda sofre com a colonização. Sendo assim suas obras sentadas remetem ao imaginário coletivo dos povos indígenas
não são apenas literárias, mas por meio da escrita tornou-se uma com características que surgem a partir de seus ancestrais, desse
militante política em favor das causas de seu povo. modo chamamos os professores a busca de novas práticas que
envolvam o uso das literaturas indígenas infantis como forma
de valorização das nossas origens e afirmação de direitos, o que
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
se inclui o ato de ler esse tipo de obra.
Ao voltarmos nosso olhar para as literaturas infantis
indígenas percebemos que os estudos voltados para essa temá-

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS FORMAÇÃO DE LEITORES:UM OLHAR PARA A LITERATURA INDÍGENA

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currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e THIÉL, J. C. A Literatura dos Povos Indígenas e a Formação do Leitor
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134 135
REFLEXÕES
EXTENSIONISTAS
O GEPHEA E CURSOS DE
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA PARA
A FORMAÇÃO DE EDUCADORES
E EDUCADORAS POPULARES
NOS ESPAÇOS COM JOVENS
6
E ADULTOS DO CAMPO

Lisiane Costa Claro


Roberta Avila Pereira
Cássia Ferreira Miranda
1 INTRODUÇÃO

O Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes


(GEPHEA), teve seu início oficializado em novembro de 2019.
No entanto, desde o início do 2º semestre letivo daquele ano,
era gestado com base em ações de parcerias e integração entre
pesquisadoras, professoras, estudantes e comunidade no norte
do estado do Tocantins. Os temas que interligam estas relações
frutíferas, giravam em torno das discussões de História Oral e
Memória e da Educação Popular.

Uma das ações que marcou o início do espaço que ocuparia


o GEPHEA na Universidade Federal do Tocantins, que, logo tor-
nou-se Universidade Federal do Norte do Tocantins, no câmpus
de Tocantinópolis, foi a proposta de um Curso de Extensão para
a formação de educadores e educadoras populares no contexto
da Educação de Jovens e Adultos. Com o tempo,quando o grupo
já estava consolidado, foi realizada uma segunda experiência
ancorada na formação que deu início aos trabalhos no âmbito

139
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

da Extensão Universitária proposta pelo grupo. Nesta segunda pedagógica em seu tempo, a exemplo temos as contribuições
edição do curso, foi ampliada a discussão, considerando o con- da Cultura Escolar para a História da Educação -. Porém, a
texto de jovens e adultos do Campo. escrita sobre a ação pedagógica abre espaço para o “aprender
com a própria história”, para a pesquisa da própria prática
Este capítulo, tem como objetivo apresentar as reflexões de
docente e sua contribuição no que diz respeito à Universidade
duas práticas formativas com base na perspectiva da Educação
em diálogo com a sociedade. Escrever sobre as ações realiza-
Popular, assumindo a tarefa praxiológica como um elemento
das no bojo do GEPHEA, pode também ser a reafirmação do
fundante da própria formação junto a um espaço que preconiza
compromisso de permanecer reivindicando o Ensino Superior
a elaboração de ações em torno das Pedagogias Libertadoras
também com espaço permanente de construção humana por
- sejam elas no escopo do ensino, da pesquisa e da Extensão.
meio da Educação.
para tanto, inspiramo-nos no exercício da Sistematização das
Experiências. Holliday (2006), pontua que a sistematização Seguiremos este registro reflexivo apresentando as bases
trata de uma interpretação crítica de uma ou mais experiências conceituais e os paradigmas pedagógicos assumidos na cons-
que, com base na sua organização e reconstrução, faz emergir trução das ações de Extensão Universitária por meio de cursos,
a lógica do processo vivido, além de instigar o reconhecimento o que exige a referência basilar diante da intencionalidade
dos elementos que intervieram neste processo; considera ainda pedagógica presente junto à Educação Popular. Posteriormente,
os modos das relações elaboradas entre si e as motivações pelas apresentaremos a estrutura e o processo vivido das experiências
quais ocorreram da maneira pela qual se deram. sistematizadas. Por fim, lançaremos as emergências do processo
de rememoração e problematização que implica o exercício que
Como tratamos de duas experiências extensionistas realiza-
assumimos nesta escrita.
das na proposta de cursos de formação, destacamos a integração
com a área do Ensino, não apenas pela integração do chamado
tripé “Ensino-Pesquisa-Extensão”, embora muito se aposte e 2 A UNIVERSIDADE E A EXTENSÃO
defenda-o na afirmação da Universidade pública referendada UNIVERSITÁRIA NO BRASIL
socialmente, mas também porque se tratam de propostas que Compreendemos que as relações entre ensino, pesquisa
ocorreram com base na intencionalidade pedagógica em torno e extensão ainda têm resquícios de uma assimetria calcada
da formação de educadores e educadoras sob uma perspectiva em um percurso histórico, no qual a extensão é o pilar que
pedagógica contra-hegemônica (SAVIANI, 2008). recebe atenção e incentivos mais recentemente na trajetória
Consideramos, ainda, a necessidade desse registro para da universidade brasileira. A respeito desta construção, apesar
além de uma dimensão descritiva do que foi feito - ainda que se de haverem registros sobre iniciativas que se aproximam de
reconheça o valor inestimável da salvaguarda de toda prática ações extensionistas, como as que ocorreram com o início da

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

Universidade Livre de São Paulo no ano de 1911 em alguns de conservar e transmitir conhecimento acumuldado, com o
seus cursos (OLIVEIRA, 2006), cabe lembrar que foram fruto pressuposto de neutralidade da ciência e a separação entre o
de um processo que eximia o Estado da responsabilidade para ensino e a pesquisa, uma outra concepção emerge na Alema-
com o Ensino Superior no Brasil, sendo uma proposta ligada à nha no século XIX, quando Humboldt, em Berlim de 1810,
Lei Rivadávia Correia (BRASIL, 1911). evidencia a pesquisa científica como tarefa da Universidade.
Por outro lado, na França, o papel da universidade pautou-se
Rocha (2012) destaca que esta proposta deflagrou o caráter
no preparo profissional de servidores do Estado, predomi-
de livre oferta de ensino, sendo ela, a última manifestação da
nando vários espaços em formato de faculdades profissionais.
perspectiva estruturada no final do Império. Uma concepção que
(MAZZILLI, 2011).
presente na República significava um problema na constituição
do moderno direito à educação, uma vez que o estado deveria Na América Latina, a predominância deste último
assumir e garantir. Neste sentido, a lei ao mesmo tempo em modelo, com o processo de colonização espanhola, plasmou-
que acentua o caráter do liberalismo, era um empecilho para a -se um modelo de ensino superior fragmentado responsável
emergência histórica da educação como direito social - como por perpetuar os interesses da classe dominante. Situação
preconiza o moderno. transformada com o Movimento de Córdoba, deflagrado pelo
movimento estudantil, reivindicando uma reforma universitária
Mazzilli (2011) apresenta que o movimento de implantação
que não se limitava à exigência pela mudança no âmbito da
sistemática da Educação Superior no Brasil abarcou os modelos
Universidade, mas expressou a necessidade das reformas de
que respondem às funções clássicas da universidade: transmissão
base. (MAZZILLI, 2011).
da cultura, preparo ao âmbito profissional, além da ampliação e
revisão do conhecimento. Tratam-se de funções de um padrão Mazzilli (2011) apresenta que uma das pautas presentes no
adotado por países como a Inglaterra, em um primeiro momento, Movimento, foi a necessidade da assunção da extensão universitária
após, pela França e, por fim, pela Alemanha. Um modelo fruto dos enquanto via de materialização da relação entre universidade e
fenômenos ocorridos no século XVIII na Europa tendo em vista população de modo em que ela fosse por excelência a centralidade
a nova atribuição das universidades, que passavam a responder às para o conhecimento dos problemas que assolavam a Argentina.
exigências daquelas sociedades devido às formas que passavam Assim, na América Latina, sob as influências de processos da
a organizar-se, bem como a produzir, vinculadas à estrutura de Bélgica e da França bem como neste entendimento de Extensão,
poder estabelecida com o processo de industrialização e a ascensão despontaram as Universidades Populares, as quais ocorriam nos
do capitalismo - junto à difusão das ideias liberais. espaços das fábricas e sindicatos, tendo os estudantes como
docentes dos trabalhadores.
Enquanto o modelo universitário inglês, expressos
em Oxford e Cambridge, considera que à Universidade cabe Sobre as influências que predominaram no Brasil:

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

O ensino superior brasileiro nasce sob dade baseado no fortalecimento da escola pública, com autonomia
a influência do modelo da universidade universitária e gestão democrática, no horizonte de um padrão de
francesa, criado na ótica da concepção qualidade para a universidade e a associação entre ensino, pesquisa
autoritária de poder de Napoleão Bonaparte,
e extensão considerando o critério orientador desta concepção de
adotado por Portugal e transplantado
qualidade (ANDES, 1982). Neste sentido, apenas com a Constituição
para o Brasil. Para a realização do papel de
formação profissional da elite dirigente a Federal de 1988 é que a Extensão é incorporada no princípio da
pesquisa e a extensão não são essenciais, indissociabilidade junto ao ensino e à pesquisa presente na univer-
e sim a transmissão dos conhecimentos já sidade brasileira (BRASIL, 1988). Não obstante, como Mazzilli
produzidos pela humanidade através do (2011, p. 218) aponta, houve tentativas de suplantar-lá:
ensino. (MAZZILLI, 2011, p.209).

Se o princípio da indissociabilidade entre


Com a ênfase na formação de profissionais, o ensino pas-
ensino, pesquisa e extensão foi mantido na
sou a ser realizado nas escolas superiores, após a vinda da corte
Constituição brasileira graças às intervenções
portuguesa para o país em 1808 para atender às suas demandas. contundentes de setores da sociedade civil
Além disso, neste modelo, estas escolas e faculdades, estavam organizada, como argumentado anterior-
isoladas entre si e voltadas aos campos da Engenharia, Medicina e mente, a partir da aprovação da nova LDB
Direito, destinada apenas para uma pequena parcela da sociedade. vem sendo possibilitada a ruptura desse
princípio na prática, uma vez que a diver-
Apenas em 1930, com bases humboldtianas foram criadas sificação na forma de organização permite
as primeiras experiências que enfatizavam a pesquisa no Ensino que instituições de ensino superior gozem
Superior que, por sua vez, passava a ter uma articulação maior de prerrogativas legais, mas podem operar
em oposição à fragmentação presente no ensino das escolas sem as exigências mínimas estabelecidas
para as universidades, como por exemplo,
superiores. porém, foi apenas em 1960 que um outro modelo
a pesquisa e a extensão o que, na prática,
de Universidade começa a tomar força dentro do debate sobre
permite o não cumprimento do art. 207
os princípios e características das instituições no Brasil, com da Constituição.
a reivindicação dos estudantes universitários através da União
Nacional dos Estudantes (UNE) ao questionarem para quem e A autora refere-se à não exigência do princípio da
para que este espaço era forjado (MAZZILLI, 2011). indissociabilidade do tripé universitário em outras Instituições
de Ensino Superior, como Institutos e Centros Universitários,
A Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
visto que as políticas educacionais na década de 1990, foram
(ANDES), contribuiu para a elaboração de um projeto de universi-
marcadas pela lógica liberal, ampliando os modos de oferta de

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

uma formação superior também no setor privado. Ao propormos um espaço formativo por meio de cursos
extensionistas, portanto aberto à comunidade geral, intencionando
Apenas mais recentemente é que a Extensão assume um
a participação, em especial, de docentes, egressos e educadores
protagonismo no que diz respeito à concepção de abertura e
em diversos contextos de jovens e adultos, além dos espaços
diálogo com a sociedade e espaço de formação, afastando-se de
de Educação do campo, tornou-se fundamental ancoramos em
uma abordagem assistencialista e portanto requer um processo
nossa intencionalidade pedagógica as perspectivas de ensino,
permanente que não estabeleça uma relação de dependência dos
e, sobretudo de Educação, de modo coerente com a proposta
grupos sociais e das comunidades para com a universidade; pois
intencionada. Diante disso, apostamos nos diálogos em torno da
do contrário, vai de encontro com o que a Extensão preconiza no
Educação Popular. Aqui apresentamos a dupla tarefa de pensar
que diz respeito à autonomia dos sujeitos envolvidos no processo
os processos formativos em um espaço acadêmico, portanto, de
(LISBOA FILHO, 2022).
uma educação formal, contudo não fechados em si mesmos, mas
Portanto, consideramos que a Extensão precisa estar anco- sim em diálogo com o âmbito escolar e comunitário; e, de pensar
rada no tripé universitário, haja vista que “as ações de extensão e refazer os processos vinculados ao ensino em uma perspectiva
adquirem maior efetividade se estiverem vinculadas ao processo transformadora que contribua com a formação para além do
de formação de pessoas (Ensino) e de geração de conhecimento espaço formal educativo.
(Pesquisa).” (FORPROEX, 2012, p.28). Diante disso, passamos
Neste paradigma atrelado às concepções mais progres-
a afirmar quais os pressupostos extensionistas, temas e seus
sistas de Educação, destacamos que a “Ensinagem” evidencia
diálogos por meio do espaço que se constitui o GEPHEA.
uma situação de ensino que tem como fenômeno inerente a
aprendizagem; portanto, trata-se da emergência de uma relação
3 EXTENSÃO NO GEPHEA E OS DIÁLOGOS de parceria entre professores e estudantes enquanto aspecto
COM A EDUCAÇÃO POPULAR fundamental para a elaboração do conhecimento (ANASTA-
SIOU, 1998). A Ensinagem, tem a ver com uma prática social
Cumpre destacar que a primeira experiência extensionista
complexa fruto dos vínculos entre os sujeitos em aprendizado,
do GEPHEA, se deu vinculado às disciplinas ofertadas em dois
abarcando o ato de ensinar, bem como a ação de apreender,
cursos de licenciatura: na disciplina de Educação de Jovens e
o que só ocorre em compromisso mútuo, de parceria delibe-
Adultos e a Atividade Integrante de Educação Popular do Curso
rada e consciente no conhecimento dos processos escolares
de Pedagogia e nas disciplinas de Teatro Educação I e II, Estética
ou acadêmicos. Porém, cabe destacar que para Anastasiou
e Poética Camponesa, Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa
(2010, p. 14), a Ensinagem é produto das práticas realizadas
e Extensão II no Curso de Educação do Campo, ambos os cursos
para além da aula pois
em Tocantinópolis.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

na ensinagem, o processo de ensinar e objetivo de conceber um poder popular” (FREIRE, 2002 p. 51).
apreender exige um clima de trabalho tal Assim, o empoderamento dos sujeitos proporciona mudanças
que se possa saborear o conhecimento em significativas no contexto social, visando à transformação radical
questão. O sabor é percebido pelos alunos,
no sentido das desigualdades e injustiças sociais. O ensino com
quando o docente ensina determinada área
foco na Educação Popular, portanto, compreende intencionalidade
que também saboreia, na lida cotidiana
profissional e/ou na pesquisa e socializado emancipatória. Esta emancipação ocorre por meio do diálogo
com seus parceiros na sala de aula. Para isso, provocando os sujeitos envolvidos no processo educativo à visão
o saber inclui um saber quê, um saber como, crítica acerca das relações sociais de produção que perpetuam
um saber porque e um saber para quê. discursos e práticas, as quais tendem a homogeneizar os educandos.

Por meio das práticas educativas populares, os sujeitos


Desse modo, o conceito que se destaca na proposta que
buscam sua autonomia em um sentido coletivo, partilhando
se apresenta, demonstra um aspecto ativo a todas as pessoas
saberes e fazeres, a fim de exercer, para além de sua cidadania,
envolvidas no processo de ensinar e de aprender. Se o sujeito
as possibilidades de se reconhecerem enquanto seres detentores
de maneira consciente se coloca em compromisso com o seu
de especificidades, crenças e produtores de sua trajetória:
aprendizado, intencionalmente, há uma relação mais horizontal
no fenômeno educativo sob este paradigma educativo. Por outro
lado, o professor, também se coloca em um espaço de maior Educação popular é aquela que, ao longo
humildade epistemológica, sem, contudo, abrir mão de sua da História da própria Educação, insiste
intencionalidade pedagógica. em fazer a seu respeito, e também sobre
o sentido social do ato de educar, as per-
Esta postura de Ensinagem, foi compreendida nas ações guntas mais radicais e as mais difíceis, para
junto aos cursos de formação com base na concepção da Educa- se obter, se isso é possível, as respostas
ção Popular como viabilidade de constituição de relações mais mais concretamente utópicas (BRANDÃO,
2006, p.10).
humanizadas, Uma concepção que reconhece o estudante, ou edu-
cando, enquanto um sujeito ativo na construção do conhecimento.
Considerando a utopia como “inédito viável” (FREIRE,
Referimo-nos a uma construção junto às camadas populares, a
1987), reiterado na inferência de Brandão (2006), consideramos
partir de seu contexto com o propósito de transformação política
a formação de educadores e educadoras populares fundamen-
e social, tendo como foco a disputa pelo exercício à cidadania.
tada na compreensão de que os sujeitos envolvidos no processo
Neste sentido, “A Educação Popular, postula, então, o questionador, de problematizações, tornam-se protagonistas do
esforço de mobilizar e organizar as classes populares com o enredo social, instigando mudanças e rupturas por meio de sua

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

curiosidade epistemológica –exercício este que leva à critici- a partir da consciência histórica, encontram, na práxis, pensando
dade. Ao reivindicar a Educação Popular como uma Pedagogia sobre as ações e encontrando novas formas de agir, no horizonte
do Oprimido, cumpre registrar que os elementos fundamentais da transformação, a possibilidade emancipatória. É nesse per-
para a abordagem dessa Pedagogia que é de Libertação, só pode curso que se faz urgente uma Pedagogia do Oprimido, já que é:
ser construída com, e não para, o oprimido. Por esse motivo, a
Ensinagem na perspectiva que se apresenta, precisa contar com
aquela que tem de ser forjada com ele
os “saberes outros” - aqueles que parte da experiência feita e que e não para ele, enquanto homens ou
nem sempre tiveram espaço no âmbito acadêmico. povos, na luta incessante de recuperação
de sua humanidade. Pedagogia que faça
Freire (1987) apresenta a relação entre desumanização e
da opressão e de suas causas objeto da
humanização ao ressaltar a possibilidade da vocação ontológica reflexão dos oprimidos, de que resultará
do ser mais: na medida em que o sistema reproduz processos o seu engajamento necessário na luta por
de opressão e alienação, desumanizando os sujeitos, a negação sua libertação, em que esta pedagogia se
dessa condição, expressa nas lutas em busca de uma outra lógica, fará e refará. (FREIRE, 1987, p.18).
que não a do mercado, demonstra a infinitude do ser. Esse ser,
inacabado, inconformado com sua condição (de ser menos), Se o ser humano está em constante transformação, o
portanto consciente de tal situação no mundo, ao realizar os movimento dialético também está presente na educação, ao
enfrentamentos dessa concretude, protagoniza um duplo processo: menos na educação que se pretende libertadora; negadora da
o de denunciar a realidade e o de anunciar outras possibilidades reprodução das exclusões, dos mecanismos que apequenam os
de fazer-se no mundo e de fazer o mundo. atores sociais e das injustiças perpetuadas historicamente. Se a
luta exige consciência, é nela que essa consciência se constitui,
Neste horizonte, o processo de humanização é possível,
viabilizando o sujeito a sua permanente reconstrução enquanto tal.
sobretudo necessário, na busca pela superação da sociedade de
classes. Mas qual seria o fermento para essa superação? É viável Freire (1987) aponta para a responsabilidade que delega a
uma superação da contradição opressores-oprimidos? É impos- liberdade. Ressalta o “medo da liberdade”, já que, ao conquistar
sível a libertação do oprimido pelo opressor. O opressor também a liberdade, para não cair no risco de apropriar-se da lógica do
desumanizou-se no caminho, qualquer tentativa de libertação do antigo opressor, é necessário romper os grilhões da prescrição:a
oprimido pelo opressor é falsa generosidade (FREIRE, 1987). manutenção dessa liberdade requer uma nova postura; daí a neces-
sidade da autonomia, do protagonismo dos sujeitos para dizerem
Com efeito, a negação da falsa generosidade ocorre na
a “sua palavra”. A ideia do “parto” é uma metáfora utilizada no
busca pela “restauração da humanidade”. Um caminho que só
texto, a qual demonstra a ideia de um processo capaz de chegar
pode ser feito pelos expropriados, esfarrapados do mundo, que,

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

à superação da condição de grupos antagônicos: “A superação da uma Educação atrelada a um projeto de sociedade que humaniza
contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não os sujeitos, aproximando a leitura da palavra à leitura de mundo.
mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se”
Assim, propomos cursos de extensão que reivindiquem
(FREIRE, 1987, p.19).
“outros” modos de elaboração do conhecimento e de ensino, com
Deste modo, a solidariedade junto dos grupos oprimidos, base em uma perspectiva solidária e humanizadora, capaz de
decorre do reconhecimento de tais sujeitos enquanto seres huma- fomentar ensinagens entre os saberes acadêmicos e os populares.
nos de sangue e carne, que tiveram suas falas abafadas, seus
direitos tolhidos e, para além disso, essa solidariedade emerge
3 AS EXPERIÊNCIAS DOS CURSOS
da existência que indica mudanças desses processos opressores. DE FORMAÇÃO NO GEPHEA
Portanto, a libertação, nesta concepção educativa fun- O primeiro curso extensionista de formação de educa-
dante da proposta extensionista com a formação de educadores dores e educadoras populares, ocorreu em setembro de 2019.
e educadoras populares, ancora-se na experiência e construção A divulgação foi feita por meio das redes sociais, dos e-mails
coletiva entre os sujeitos: “Educador e educandos (liderança e institucionais, canal de comunicação (site oficial) da universidade
massas), co intencionados à realidade, encontram-se numa tarefa e contato direto com as secretarias de Educação do município e
em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e,assim, Estado em Tocantinópolis. Na ocasião, estavam sendo ministradas
criticamente conhecê-la, mas também no de re-criar este conhe- disciplinas nos cursos de Pedagogia e Educação do Campo, o
cimento.” (FREIRE, 1987, p.31). que resultou em uma participação de estudantes destes cursos
Neste horizonte, da busca pela recriação da realidade e de licenciaturas. O Curso foi realizado em 3 dias de formação:
do conhecimento, encontramos o significado de engajamento: 23, 24 e 25 de setembro, nos períodos vespertino e noturno,
expressão que ganha rosto em meio a um processo de diálogo totalizando 20 horas.
entre os seres humanos oprimidos e entre aqueles solidários Na primeira etapa, apresentamos a aproximação com a
com tais sujeitos em busca pela retomada do direito de ser mais. temática por meio dos espaços de atuação que tínhamos com
Assim, o processo de humanização é necessário e se cor- jovens e adultos, situamos a EJA como modalidade educativa
porifica na busca pela superação da sociedade de classes, das e para além dela, considerando a educação ao longo da vida.
desigualdades e de seus mecanismos de propagação, anunciando Realizamos a apresentação da proposta e nossa aproximação
a concepção da Educação Popular um caminho de enfrentamento. com o curso de Extensão.
Outro elemento basilar que constitui essa perspectiva é a educação Ainda no primeiro dia de curso, problematizamos a meto-
enquanto ato político. Freire ao longo de sua vida e obra afirma dologia proposta com a inspiração na relação dos círculos de

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

cultura freireanos, compartilhando os processos que faríamos ao indígena Apinajé, a maioria dos participantes eram estudantes
longo dos dias de curso, bem como as bases da formação sob a dos cursos de Pedagogia e Educação do Campo.
concepção de educadoras e educandas - considerando as relações
No segundo dia do curso, foi abordada a história da Educa-
das ensinagens a serem elaboradas. Fizemos alguns registros no
ção Popular e foram abordadas as contribuições de Paulo Reglus
material de trabalho sobre as percepções que o grupo apresentou,
Freire para a Educação em uma concepção transformadora e
entre eles, observações a respeito da aderência dos participantes
progressista. Foram discutidos alguns conceitos fundantes da
em relação ao formato circular, a disposição das cadeiras em
obra freireana, enquanto aproximação com temáticas gera-
roda; por outro lado, as pessoas que chegavam após o início do
doras, tais como: dialogicidade; leitura de mundo; denúncia
encontro que se dirigiam para as cadeiras enfileiradas atrás o
e anúncio; educadores e educandos; palavração; oprimidos e
círculo, de modo em que precisávamos intervir com o convite de
opressores; falsa generosidade; Educação bancária e Peda-
juntar-se à roda. O que pode revelar o estranhamento ou mesmo
gogia libertadora.
cautela em sentar-se de um modo em que há uma exposição maior
de si na medida em que todas as pessoas estão em posição igual Compreendemos que embora a maior parte tenha uma
e com o mesmo campo de visão. relação na formação inicial, a maioria em andamento, com a edu-
cação, poucos participantes conheciam os conceitos abordados.
Como o curso ocorreu no espaço físico da universidade,
No entanto, houve a partilha de experiências dos cursistas sobre
na Unidade Centro, em uma sala de aula que conta com cerca
situações que se relacionavam com os temas em diálogo. Esta
de 30 lugares bem acomodados em quatro fileiras de classe, e
foi uma das observações realizadas ao longo de todo o curso: a
o público foi de 20 pessoas, a disposição circular teve um bom
circularidade da palavra. Houve uma participação efetiva no que
espaço, devido a quantidade de pessoas participantes. Aqui obser-
diz respeito ao compartilhamento de experiências de sala de aula
vamos uma limitação desta primeira proposta, pois atribuímos o
e fora dela; situações e experiências oriundas da EJA enquanto
local como uma influência em baixa participação da comunidade
egressos, críticas em relação às metodologias presentes em uma
geral, que era o foco da proposta de Extensão. Ficamos reflexi-
perspectiva bancária.
vas sobre a necessidade de uma próxima edição ocorrer em um
contexto fora dos muros da universidade. Na ocasião, fizemos a No terceiro e último dia, apresentamos a proposta das
escolha das dependências da Universidade, pensando nos recur- Cartas Pedagógicas como potência de registro para o registro
sos disponíveis e considerando que a divulgação externa seria o da palavração. Situamos as Cartas Pedagógicas tomando como
suficiente para garantir esta presença, especialmente de docentes referencial Isabela Camini que situa Freire como propulsor das
da rede e de professores que atuassem com a Educação de Jovens escritas destes registros. Apresentamos a potência da escrita de
e Adultos. No entanto, apesar de termos a presença de egressas cartas como gênero textual e aprofundamos a relação com sua
da universidade, uma educadora social e uma representante intencionalidade pedagógica, sob a concepção de que todas as

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

pessoas podem ensinar e aprender diante da construção de cons- de reafirmar um espaço permanente diante da própria prática
ciência crítica e tomando a educação enquanto um ato político. especialmente nos âmbitos da extensão e do ensino.
Realizamos a proposta de escritas de cartas para Paulo Freire,
Já a segunda edição do curso, sob o título de “Formação
como ação capaz de mobilizar a experiência compartilhada e
de Educadores Populares em contextos educativos com Jovens
reverberada em seus distintos sentidos para cada participante.
e Adultos do Campo”, ocorreu em 2021. Período em que estáva-
Foi muito interessante como a escrita potencializa a mos passando pela Pandemia de Covid-19 e, apesar de estarmos
mobilização dos participantes na sistematização de apenas 3 isoladas do contato físico, em meio à tanta tristeza com o número
dias, mas vividos intensamente pela partilha da palavra dita e avassalador das mortes, intensificado pelo descaso e negligência
agora, escrita. Ao final da tarde e já no início da noite, cada um do governo do país, buscamos garantir um espaço extensionista
dos participantes fez questão de realizar a leitura em voz alta junto ao GEPHEA. Realizamos neste período um projeto e algumas
de seus registros. Nesta ação, foi marcante a emoção de alguns ações neste sentido. Em que pesem os desafios e limitações de
participantes que se emocionaram ao articular os aprendizados realizar a Extensão de maneira remota - na ocasião, utilizando-se
elaborados com sua própria história. Outros participantes, embora das tecnologias digitais para vídeo conferências como é o Google
com certa timidez, justificando-a pela raridade de momentos de Meet - reafirmamos o movimento de coletividade ao estarmos
leitura compartilhada de um texto de própria autoria, demons- juntas com o compromisso para com a formação de educadores
traram o “medo e a ousadia” como nos ensina Freire rumo à e educadoras populares.
transformação social por meio da tomada de posição enquanto
O curso ocorreu nos dias 3, 6, 9 e 10 de setembro, com
sujeitos de história que somos.
inscrições online e teve a divulgação nas redes sociais da UFNT
A cada leitura, uma nova carta compunha o varal pedagógico e do GEPHEA, além dos canais de comunicação institucionais
que foi sendo construído com os registros. Durante este processo, e nas parcerias firmadas com outras Universidades. Foi feito o
pensamos o quanto a universidade ainda precisa abordar mais convite também de participação aos contextos de EJA e junto
Paulo Freire, refletimos sobre o significado do estranhamento a alguns espaços formativos de professores do Campo. Nesta
e ao mesmo tempo da aderência de processos “outros” no que proposta, houve a parceria interinstitucional com a participação
se refere às metodologias presentes nos espaços de ensino e de professoras da Universidade Federal do Recôncavo Baiano
aprendizagem do Ensino Superior. (UFRB) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Fomos, sobretudo, provocadas a pensarmos no nosso papel De modo geral, o curso teve como proposta contribuir
enquanto mais que, mas também, “ensinantes”, extensionistas com a formação de educadores e educadoras populares para
e pesquisadoras da Educação e da formação de docentes. Esta uma atuação nos contextos constituídos por jovens e adultos.
primeira edição do curso, certamente nos trouxe um compromisso Especificamente, buscamos incentivar espaços formativos no e

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

do campo com as camadas e saberes populares; apresentar con- e fortalecendo as pautas inerentes aos contextos e os sujeitos do
ceitos de Educação Popular e Extensão Universitária e promover Campo junto às pessoas jovens e adultas. Contudo, houve um
a elaboração de Cartas Pedagógicas como formas de registro de engajamento muito interessante que desencadeou a elaboração
postura epistemológica e política. de várias cartas na íntegra, destinadas a diversos destinatários,
encharcadas de conteúdo, afetividade, denúncia de questões
No dia 3, o curso iniciou com a temática sobre as bases
oriundas das desigualdades sociais e presentes nos contextos
da Educação Popular e a Extensão Universitária, situando as
educativos, mas também de anúncios mediante as experièncias
concepções de Extensão por meio do paradigma de uma edu-
já em elaboração por meio dos educadores e educadoras. Pessoas
cação transformadora. Situamos a atividade do GEPHEA e os
que conosco partilham não apenas a leitura de seus registros,
objetivos do curso. Neste dia, as professoras Lisiane Costa Claro
mas, especialmente, suas trajetórias considerando o andarilhar
e Roberta Avila Pereira (UFNT) mediaram os diálogos com o
na dimensão da coletividade.
grupo de 48 participantes inscritos no curso.
Assim, esta segunda edição do curso extensionista,
Já no segundo encontro, no dia 6, a temática se pautou
apesar de ocorrer de modo online, o que pode afastarmo-nos
na relação com as Místicas, práxis e poiésis da Educação do
dos espaços em que há dificuldades com o acesso à conexão
Campo. Na ocasião, as professoras Cássia Ferreira Miranda e
de internet, contou com a presença de educadores de diversos
Juliane Gomes de Sousa (UFNT) realizaram as problematizações
espaços, da EJA, educadoras do campo do sul, do nordeste e do
e proposições de práticas que valorizem os contextos campesi-
norte do país. Tivemos a participação de estudantes de cursos
nos e os sujeitos que os constituem. No dia 8, a professora Júlia
de licenciatura da UFTM e da UFRB (Campus Amargosa), de
Guimarães Neves (UFTM) abordou sobre “Sujeitos do Campo,
egressos dos cursos de Tocantinópolis e de professoras da rede
sujeitos de narrativas de si”, estabelecendo um diálogo com os
básica de ensino.
extensionistas e cursistas sobre a importância da construção de
projetos de si e projetos de sociedade desde o Campo e desde a
base política da Educação Popular. 4 CONSIDERAÇÕES

No encontro do dia 10, como finalização do momento Na busca por retomarmos as experiências neste capítulo
síncrono junto ao grupo, foi realizado o ateliê com as Cartas partilhadas em torno da formação extensionista de educadores
Pedagógicas, tomando como referencial especialmente as autoras e educadoras populares nos contextos de Jovens e Adultos,
como Isabela Camini e Ana Lúcia Freitas. Este encontro tinha aprendemos mais com a própria prática, reconhecendo a potência
como intenção a elaboração da estrutura de uma carta conside- do trabalho coletivo interinstitucional e para além das institui-
rando os elementos que podem auxiliar na elaboração do registro ções de Ensino Superior. Isso porque ao considerarmos que é
de uma experiência com intencionalidade pedagógica, ampliando papel da Universidade e da Extensão Universitária em que se

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O GEPHEA E CURSOS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA...

acredita, o diálogo com a sociedade e a busca por respostas aos Brasileira de Política e Administração da Educação, [S. l.], v. 27, n. 2, 2011.
DOI: 10.21573/vol27n22011.24770. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/
seus problemas.
index.php/rbpae/article/view/24770. Acesso em: 1 dez. 2022.
Por fim, registramos que a escrita destes movimentos pro- ROCHA, Marlos Bessa Mendes da. A lei brasileira de ensino Rivadávia Corrêa
(1911): paradoxo de um certo liberalismo. Educação em Revista [online].
vocados entre os anos de 2010 e 2021, nos provoca a reelaboração
2012, v. 28, n. 3 [Acessado 2 Dezembro 2022], pp. 219-239. Disponível em:
da proposta formativa em uma nova edição de curso - inspiradas <https://doi.org/10.1590/S0102-46982012000300011>. Epub 03 Jan 2013.
pelo que foi feito até aqui. Esperançar que em breve possamos ISSN 1982-6621. https://doi.org/10.1590/S0102-46982012000300011.
realizar outras formações que permanecem com o compromisso SAVIANI, Dermeval. Teorias pedagógicas contra-hegemônicas no Brasil.
Revista do Centro de Educação e Letras da UNIOESTE, v. 10 - nº 2 - p.
assumido ao ocuparmos os espaços da extensão, do ensino e da
11-28, 2008.
pesquisa: o espaço da Universidade.

5. REFERÊNCIAS
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superior e os saberes científicos e pedagógicos. Univille Educação e
Cultura v.7, n. 1, junho 2010.
ASTASIOU, Léa da Graças Camargos. Metodologia do Ensino Superior: da
prática docente a uma possível teoria pedagógica. IBPEX, Curitiba, 1998
ANDES‑SN. Proposta das AD’s e da ANDES para a Universidade Brasileira.
Cadernos da ANDES, Juiz de Fora, n. 2, 1982.
BRANDÃO C. R. Pergunta a várias mãos: a experiência da partilha através
da pesquisa da educação. São Paulo: Cortez, 2006.
FORPROEX. Política Nacional de Extensão Universitária. Manaus: Forproex,
2012. Disponível em: https://proex.ufsc.br/files/2016/04/Pol%C3%ADtica-
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12 set. 2020.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia.Digitalizada por Coletivo Sabotagem,
2002. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/espanhol/pdf/
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FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LISBOA FILHO, Flavi Ferreira. Extensão Universitária: gestão, comunicação e
desenvolvimento regional. Santa Maria, RS. FACOS UFSM, 2022.
MAZZILLI, Sueli. Ensino, pesquisa e extensão: reconfiguração da
universidade brasileira em tempos de redemocratização do Estado. Revista

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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
COM MOSAICOS TEXTUAIS E
LEITURAS COMPARTILHADAS 7
Narla Liandra Pastora Vieira
Lisiane Costa Claro
Cássia Ferreira Miranda

1 INTRODUÇÃO

O presente texto busca apresentar as possibilidades extensionis-


tas vinculadas ao projeto de extensão GEPHEA - Conexão de
Saberes. O projeto vincula-se ao Grupo de Estudo e Pesquisa em
História, Educação e Artes (GEPHEA) que tem como finalidade
democratizar o conhecimento científico e valorizar os saberes e
culturas populares das comunidades diversas e grupos sociais,
focando principalmente em aspectos culturais, promovendo
inter relações nas áreas de História, Educação e Artes, e, assim
desenvolver produções.

Em relação às muitas das propostas do projeto, conside-


ra-se a Pandemia que vem sendo enfrentada e com o avanço da
disseminação do vírus Sars-Cov 2 e a necessidade do isolamento
físico prolongado, além da necessidade de medidas de biossegu-
rança, foi necessário a adaptação da proposta inicial de trabalho.
A importância de sistematizar e socializar os desafios enfrentados
e as alternativas que o GEPHEA- Conexões de Saberes justifica

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS...

este trabalho, uma vez que o projeto de extensão identifica como sas em História, Educação e Arte, abordando leituras sobre as
potencialidade de articular as áreas de Educação, História e Artes 3 áreas temáticas - História, Educação e Artes - que dialogam
com os diversos saberes no horizonte das Pedagogias Libertadoras. com a proposta do Conexões de Saberes; 2) organização de tra-
balho e ações de extensão; onde semanalmente também por 3h
se dedicam às leituras coletivas, e discussões de textos ligados
2 DIÁLOGO DE SABERES
às temáticas da Extensão, Pedagogias Libertadoras, Educação
Esta escrita, trata-se de um trabalho que emerge de um Popular, Teatro do Oprimido e outras formas de leituras com
projeto de ação de extensão que teve começo no período da os membros, utilizando de técnicas teatrais, tentando sempre
Pandemia e com colaboração de bolsa PIBEX, em virtude da trabalhar com a teoria e prática simultaneamente, desde alon-
natureza das atividades propostas (as quais inicialmente seriam gamentos, entonação das leituras e contribuições; 3) Imersão,
diretamente nos espaços das escolas e comunidades). Desse acompanhamento e avaliação com o público, as avaliações das
modo, ancora-se na abordagem proposta por Holliday (2006) atividades são feitas via roda de debate com o grupo participante
acerca da sistematização das experiências. das ações, aplicação de questionário quando realizado com o
público externo.
A Concepção Metodológica Dialética (HOLLIDAY, 2006)
articula os seguintes elementos: prática e teoria, sensibilidade e Dessa forma, como primeira etapa, de caráter mais descri-
imaginação, pragmatismo e utopia, rigor e flexibilidade, sentido tivo, destaca-se que a proposta de extensão tem como principal
comum e ética. Por meio dessa concepção, em uma perspectiva objetivo intercambiar os diferentes tipos de saberes, acadêmicos
qualitativa, foram inspiradas 5 etapas da sistematização das e escolares das áreas mencionadas e os saberes populares. Como
experiências: 1. O ponto de partida: viver a experiência (parti- objetivos específicos da proposta considera-se: realizar oficinas
cipação e registro da experiência); 2. Questionamentos iniciais de teatro junto à comunidade acadêmica e externa; promover
(considerar objetivos, fenômenos e/ou objetos, aspectos centrais, oficinas de jogos teatrais com as escolas municipais e estaduais
fontes e procedimentos para a sistematização); 3. Recuperação da rede básica, priorizando estudantes e professores modalidade
do processo vivido (reconstrução da trajetória); 4. A reflexão de da EJA, do Ensino Fundamental II e Ensino Médio; propor
fundo (analisar e sintetizar); e, 5. Os pontos de chegada (formular Ciclos de debates, rodas de diálogo, nos espaços de formação de
considerações e aprendizagens). professores; promover Rodas de diálogo em espaço virtual com
membros da comunidade Tocantinopolina; instigar a aproximação
O projeto assume 3 dimensões de trabalho: 1) formação
dos diferentes saberes de forma a reconhecer e valorizar as espe-
teórico-metodológica com os extensionistas, onde semanalmente
cificidades culturais; contribuir com a formação de educadores
por meio da plataforma Google Meet, por 3h dedicam-se aos
sociais; contribuir com a formação de futuros e futuras docentes
estudos teóricos e debates junto ao Grupo de Estudos e Pesqui-
críticos e humanizados, que promovam sua função social nos

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS...

espaços de atuação; instigar o trabalho de formação docente e de compartilhadas sobre a temática das Pedagogias Libertadoras
educadores e educadoras com a Arte, por meio da utilização de (podendo-se utilizar alguns recursos inspirados em demais
técnicas teatrais; incentivar a formação docente e de educadores projetos de extensão sobre leituras dramatúrgicas).
e educadoras com a História, por meio da produção de registros
Nesse sentido, foram organizadas formação em oficinas
e fontes junto à comunidade geral; fortalecer a relação entre
com os extensionistas para a realização das leituras comparti-
ensino e pesquisa por meio da extensão.
lhadas sobre Pedagogias Libertadoras via Google Meet. Nesse
A segunda etapa indicada por Holliday (2006), no trabalho de movimento, houve a construção textual coletiva de textos mosai-
sistematização das experiências, ocorre com base no levantamento cos para a leitura, gravação e disponibilização nas plataformas
de questões. A pergunta motora foi: Considerando o contexto digitais. Para tanto, foi feito um mapeamento reflexivo das ações
atual que instiga a reformulação da prática extensionista, como de leituras sobre Pedagogias Libertadoras.
conectar diferentes leituras de mundo, saberes e conhecimentos
Ainda deverão ocorrer inclusão do conteúdo nas platafor-
que dialoguem com uma perspectiva colaborativa no horizonte
mas digitais de vídeo (Youtube). Como, também, a realização
de uma prática educativa libertadora?
das oficinas com a comunidade, evidenciando a participação de
Assim, a centralidade do fenômeno, manteve-se atrelada à professores da rede básica, estudantes e comunidade geral via
preocupação em garantir o que é adequado no sentido de preser- plataforma adequada para encontros síncronos.
var a saúde dos sujeitos envolvidos nas atividades de extensão,
Neste processo, reconhece-se a contradição existente em
contudo, garantindo espaços de partilha e construção de diversos
relação às condições de assimetria de acesso à tecnologia digital,
saberes sobre as pedagogias libertadoras e incorporando seus
ainda muito distantes em relação à maior parte da população.
fundamentos à proposta.
Outrossim, percebeu-se, também, as limitações do possível
Diante disso, com o cenário de isolamento social em con- público interessado no projeto, especialmente docentes da rede
sequência da pandemia, como procedimento foi realizada uma básica que passam pelo processo de adaptação e pelos desafios
revisão do plano inicial do projeto de extensão. Após, buscou-se inerentes ao trabalho remoto. As demandas de formação, nesse
um momento formativo junto aos extensionistas de acordo com as sentido, têm estado mais vinculadas às questões tecnológicas, de
áreas que embasam o projeto, bem como sobre o tema da Extensão manejo e de interação com as interfaces digitais e mesmo com
Universitária. Em seguida, foi necessário fazer uma adaptação as questões de cunho organizacional dos ambientes escolares.
das oficinas pedagógicas e de jogos teatrais (inviabilizadas de Compreendeu-se que espaços para pensar a formação docente em
ocorrerem por meio presencial e limitadas em sua metodologia uma perspectiva libertadora, talvez não estejam nas prioridades
em uma versão online com o uso do computador e plataformas gerais docentes pelas demandas de cunho prático. Por outro lado,
para encontros síncronos) para a proposta de oficinas de leituras este processo instiga o reconhecimento da necessidade destes

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS...

espaços, inclusive como resposta ao panorama que vem sendo O grupo de extensionistas (também pesquisadores) vêm
constituído sobre esta situação. realizando as oficinas internas, como modo de preparo para
ministrarem as oficinas junto à comunidade externa. O grupo que
Como terceiro momento da sistematização da experiência,
realiza o projeto desde o início conta com educadores populares
é enfatizada a trajetória do processo que vem sendo realizado.
externos à Universidade (com atuação em pré-universitários
Ao atentar para a possibilidade de incorporar elementos e
populares e na rede pública de ensino da educação básica).
recursos inspirados em técnicas do teatro, de entonação e
Além disso, o projeto vem sendo realizado com a colaboração de
expressão, bem como de aspectos presentes na construção de
estudantes dos cursos de Pedagogia e Licenciatura em Educação
leituras dramatúrgicas, foi reconstruída a proposta das oficinas
do Campo de Tocantinópolis e estudantes da pós-graduação em
do GEPHEA – Conexões de Saberes. Esta reconstrução, vem
nível de mestrado.
ocorrendo com base na elaboração coletiva de textos mosaicos
oriundos de excertos de obras que tenham como fio condutor Na quarta etapa, sobre a reflexão de fundo do que vem
as Pedagogias Libertadoras (obras de Paulo Freire, Balduíno sendo construído é constituída pelo mapeamento das experiên-
Andreola, Ana Saul, Regina Leite Garcia, Bell Hooks, entre cias que vêm sendo realizadas nesta ação que busca fortalecer
outros), bem como de poesias, letras de músicas, ditados uma extensão com embasamento formativo. Identifica-se que a
populares, e diferentes gêneros que tenham como pauta as proposta como foi reorganizada, está buscando fortalecer uma
questões vinculadas ao tema. abordagem na qual se efetive um diálogo com a comunidade
externa, que de imediato, teve um grande impacto pelo contexto
O resultado são textos mosaicos que expressam o conteúdo
atual, tornando-se o maior desafio para se fazer a extensão. Por
e estudo dos autores da área com uma linguagem mais acessí-
outro lado, o projeto além de reinventar e se preparar para a
vel e articulada a obras de diversos personagens, artistas que
continuidade da proposta de articulação com a comunidade, quer
tenham leituras críticas sobre o mundo, questões do cotidiano e
também manter o compromisso com o âmbito da Universidade
que representem os diferentes saberes populares. Assim, a cada
no que se refere ao seu papel social, passando pela formação
encontro nas oficinas de leitura realizada coletivamente do texto
dos estudantes envolvidos no processo e dos demais sujeitos que
mosaico, são realizados exercícios de aquecimento corporal,
estão construindo uma nova forma de realizar a extensão sem
facial e vocal. Posteriormente, são realizadas as experimentações
perder seu propósito.
de leituras – construindo-se coletivamente as formas de leitura
e organização de como será feita –. Após os ajustes, inclusões A prática de oficinas de leituras apesar de ser uma viabili-
e considerações sobre o texto, pelo Google Meet é gravada a dade pertinente à extensão, exigiu um preparo de leituras prévias
leitura a qual ficará disponível para ampla divulgação e acesso sobre o que é a extensão, o que são e como se dão as Pedagogias
da comunidade externa. Libertadoras (leituras que ainda vem sendo realizadas). Isso

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS...

aciona a necessidade de retomar elementos vistos nos currícu- e histórica dos oprimidos é – libertar-se a si e aos opressores”
los das licenciaturas aos extensionistas licenciandos. Como se (FREIRE, 1987, p. 32). Com efeito, Freire (1987) em sua proposição
articula ao grupo de estudos, tem a possibilidade de potência educativa evidencia a necessária articulação entre a construção
nos projetos de pesquisas. Com as oficinas sendo realizadas de educadores e educadoras num sentido progressista, liberta-
com alguns participantes externos à universidade, também vem dor, rumo à transformação social num sentido mais solidário. O
sendo garantida a articulação com a Sociedade. Mas a próxima autor destaca que a constituição de sujeitos educadores se dá no
etapa do projeto que ampliará este acesso, pois contará com a movimento das lutas pelo direito de “ser mais” –no seu sentido
ministração pelos extensionistas das oficinas junto a comuni- ontológico, da vocação de ser mais humano, humanizando (-se)
dade (enfatizando a presença de educadores sociais e populares com o “outro” no mundo (ibidem).
e docentes da rede pública).
Freire (1999) afirma que a partir dos saberes da vida dos
Por fim, a última etapa da proposta de Holliday (2006), sujeitos, se realizam ações emancipatórias e coletivas, o que
instiga o reconhecimento de que: a) A extensão universitária acarreta na proposição de diferentes olhares sobre questões
do GEPHEA – Conexões de saberes é realizada com base na que estão no âmbito educativo. Além disso, o projeto realizado
busca constante pela fundamentação sobre a extensão uni- com a contribuição de licenciandos e licenciandas que atua-
versitária, os saberes populares, sobre a Educação Popular rão com a comunidade geral identifica a necessária formação
e Pedagogias Libertadoras; b) O espaço de leitura coletiva humana pautada na autonomia como possibilidade de libertação,
potencializa as compreensões sobre o tema das Pedagogias defendida por Freire (2002) como uma possibilidade que “nos
Libertadoras e também amplia a partilha de leituras de mundo apresenta elementos constitutivos da compreensão da prática
dos envolvidos; c) A utilização dos recursos digitais podem docente enquanto dimensão social da formação humana.” (p.
divulgar as ações e contar com a participação de pessoas de 7). O processo formativo docente, amparado na base crítica
diferentes localidades, no entanto, grande parte dos sujeitos presente na Educação Popular, concebe a tarefa educadora
e grupos de interesse, pensados ao início do projeto, têm enquanto possibilidade de transformação dos sujeitos e, por
dificuldades de participação ao projeto dado o contexto atual isso, da sociedade.
da pandemia: sobrecarga em home office; pouco manejo com
A lógica desumanizadora precisa ser reconhecida para
as interfaces digitais e mesmo falta de acesso à internet com
que se busque sua superação diante da realidade opressora e
qualidade de conexão para o uso de plataformas de chamadas
que propaga as situações de opressão - de tal modo em que o
de vídeo (forma síncrona).
sujeito oprimido na maioria das vezes, busca reproduzir a prática
Compreende-se que o sentido ontológico da educação opressora -, como Freire (1987) destaca, nenhuma pedagogia
pauta-se no entendimento de que “a grande tarefa humanista que se afirme enquanto libertadora pode distanciar-se dos opri-

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COM MOSAICOS TEXTUAIS...

midos. Tão pouco lhes fazem de objetos de um “tratamento” pelo exemplo. Esta concepção, reitera a necessidade de articu-
humanitarista, buscando por meio de modelos exemplares entre lar, dizer e agir, tal modo que a palavra assume por excelência
os opressores, protótipos para a sua ‘promoção”. Os sujeitos em compromisso com a postura e modo de “ser mais” e instigar o
situação de opressão devem ser o exemplo para si mesmos, na “ser mais” por meio da educação.
luta por sua libertação.

O GEPHEA - Conexões de Saberes, por meio da constru- 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


ção dos mosaicos textuais pautados nas obras que abordam as
Até o momento do projeto de extensão, ao buscar responder
Pedagogias Libertadoras, resulta de um processo que enfatiza a
a questão aqui evidenciada, retomam-se os apontamentos reali-
relevância da leitura de mundo e da “palavração” abordada por
zados pela metodologia aqui abordada, os quais são resultados
Paulo Freire. Freire (1987) aborda que a educação bancária é
parciais: A extensão universitária do GEPHEA – Conexões de
nutrida pela cultura do silêncio, pela tentativa de silenciamento
saberes, preconiza a formação dos extensionistas, com base nas
das vozes das camadas populares que muitas vezes encontra
leituras sobre extensão e as demais áreas vinculadas ao projeto;
terreno fértil na escola quando esta não é espaço de diálogo e
a ação extensionista articula-se ao grupo de estudos que tam-
de reconhecimento das múltiplas vozes.
bém vem realizando pesquisas com o aporte da História Oral
Diante disso, a palavra, o diálogo, a escuta sensível, são (ainda fase de embasamento teórico); o espaço de leitura coletiva
exercícios necessários à uma prática libertadora, que preconiza potencializa as compreensões sobre o tema das Pedagogias Liber-
uma educação transformadora, de viés progressista. A palavra tadoras e também amplia a partilha de leituras de mundo dos
quando pronunciada, apresenta a potência de criar, de reelabo- envolvidos; a participação de pessoas de diferentes localidades;
rar, de anunciar possibilidades no caminho da humanização a produção coletiva de textos mosaico em formato colaborativo
(FREIRE, 1987). Além disto, o autor a palavra também tem força de fácil acesso a comunidade externa. A produção de materiais
de denúncia das mazelas e desigualdades sociais, das opressões, que possam contribuir para a formação de educadores sociais,
dos autoritarismos, da lógica fatalista. No entanto, a palavra pre- populares e que podem auxiliar na formação docente.
cisa estar vinculada a atuação no mundo: a ação intencionada,
Portanto, considera-se que as oficinas de leituras compar-
problematizada, construída a partir da reflexão da prática, em
tilhadas sobre as Pedagogias Libertadoras podem potencializar
um sentido praxiológico capaz de qualificar a experiência no
a colaboração entre Universidade e Sociedade, instigando a
mundo, com o mundo e seus habitantes.
disseminação de práticas libertadoras e seus próprios funda-
Assim, Freire (2002) apresenta como uma das exigências à mentos à comunidade, bem como instigar formas de construção
prática docente rumo a uma pedagogia da autonomia, ancorada do conhecimento no âmbito acadêmico que reconheçam os
portanto, na concepção libertadora, a corporificação das palavras múltiplos saberes.

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8
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS

REFERÊNCIAS O “CHÁ DAS MÃES


FREIRE, Paulo. (1999). Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de UNIVERSITÁRIAS” COMO
Janeiro: Paz e Terra. POSSIBILIDADE DE (RE) PENSAR
FREIRE, Paulo.(2002). Pedagogia da Autonomia. Digitalizada por Coletivo
Sabotagem. Disponível em: NO ACESSO E NA PERMANÊNCIA
<http://www.apeoesp.org.br/sistema/ck/ NO ENSINO SUPERIOR
files/4%20Freire_P_%20Pedagogia%20da%20autonomia.pdf >. Acesso: 02
Março 20.
FREIRE, Paulo. (1987). Pedagogia do Oprimido. 50ª ed. RJ, Paz e Terra.
HOLLIDAY, Oscar J. Para sistematizar experiências. 2. ed. Brasília: MMA, Lisiane Costa Claro
2006. Lorrany Conceição Dias

1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo, aborda as ações de extensão das Rodas de Partilha


“Chás das mães universitárias da região do Bico do Papagaio/
TO”, as quais objetivam reunir, para a partilha de experiências,
estudantes universitárias que tenham filhos e/ou que desenvolvam
as práticas atreladas aos conceitos de maternidade e materna-
gem; também é espaço de encontro de egressas das Instituições
de Ensino Superior da região do norte do estado do Tocantins,
de mulheres que tenham evadido destes espaços e de mulheres
que queiram ingressar no Ensino Superior no contexto da região
chamada “Bico do Papagaio”.

A proposta está vinculada ao Projeto de Pesquisa “Inventário


das mães estudantes: contribuições às políticas institucionais no
contexto do Ensino Superior em uma perspectiva de Educação
Popular” (PROPESQ/UFNT, Edital n° 011/2022) do Grupo de
Estudos em História, Educação e Artes (GEPHEA/UFT/CNPq)
no Campus de Tocantinópolis da Universidade Federal do Norte

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

do Tocantins. O GEPHEA é parceiro do Núcleo de Estudos de Na revisão da autora Vasconcelos (2010, p. 401), “entre as
Gênero, Educação e Trabalho (NEGET/UFNT) e as atividades décadas de 50 e 70 criaram-se universidades federais em todo
compõem ações paralelas ao “Ciclo de Debates sobre Políticas o Brasil, ao menos uma em cada estado, além de universidades
de Apoio à Parentalidade na Universidade”. estaduais, municipais e particulares”. Assim, a autora destaca
que o ano de 1970 foi considerado de fato o ano em que ocorreu
Neste texto, faremos uma aproximação deste espaço enquanto
essa expansão onde do número de matrículas saltou dos 300 mil,
um caminho que se soma à problematização sobre as políticas
em 1970, para 1.500.000, em 1980. Mediante a esta expansão
afirmativas no âmbito do Ensino Superior, as quais requerem a
das universidades se fez necessário criar formas de assistir esses
ampliação de modo a abranger as pautas da parentalidade em
estudantes que possuem vulnerabilidade socioeconômica.
diálogo com as questões de gênero que incidem nas trajetórias
acadêmica e profissional de estudantes que maternam. De acordo Imperatori (2017) no de 1970, foi criado o
Departamento de Assistência ao Estudante (DAE), o qual estava
vinculado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), que dis-
2 AS AÇÕES AFIRMATIVAS POR MEIO DA
punha de programas de assistência aos estudantes, como Bolsas
ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NA UNIVERSIDADE
de Trabalho, nos quais o bolsista tinha a oportunidade de colocar
Os primeiros resquícios voltados à assistência estudantil, em prática o exercício da profissão, seja em órgãos públicos ou
de acordo com a autora Kowalski (2012), surgiram há cerca de privados. Outro programa era a Bolsas de Estudo, onde era dis-
94 anos atrás no Brasil e tiveram 3 fases. Seus primeiros sinais ponibilizado aos discentes uma verba para a sua manutenção,
ocorreram durante o mandato Washington Luis no ano de 1928, sem a necessidade de realização de atividades como equivalência.
quando foi disponibilizado auxílio no que diz respeito à construção Eram considerados também prioritários programas como o de
da casa do estudante em Paris para estudantes brasileiros. Nesta alimentação, moradia e assistência médico-odontológica. Porém
época, o assistencialismo estava focado para a elite brasileira. A ao fim da década de 80, o DAE acabou sendo extinto, e as ações
autora destaca que durante essa primeira fase houve alguns fatos desenvolvidas pelo mesmo passaram a ficar fragmentadas em
que merecem destaque, como a promulgação de dois decretos que cada instituição de ensino.
influenciaram sobre educação superior, que se refere à criação do
De acordo com Silveira (2012) mediante a aprovação da
Conselho Nacional de Educação e ao Estatuto da Organização
Constituição Federal de 1988, os direitos sociais são normalizados
das Universidades Brasileiras. Por meio desses dois decretos,
de acordo com o artigo 6°, tendo a educação como parte destes,
iniciou-se a regulamentação da assistência estudantil nas univer-
entende e que é um direito de todos e dever do Estado provê-la,
sidades. Kowalski (2012) enfatiza que tivemos a primeira casa
dessa forma na mesma época temos o surgimento Fórum Nacional
do estudante no Brasil concebida também nessa fase no Rio de
de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONA-
Janeiro no ano de 1930.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

PRACE), que dispõe-see a reivindicar, fortalecer e consolidar determinadas ações, dentre as quais a garantia do apoio peda-
políticas de assistências estudantil nas universidades. gógico. Diante disso, é necessário o trabalho de uma equipe
multidisciplinar, que consiste no trabalho de psicólogos, e assis-
A segunda fase aconteceu entre os anos 1987 a 2004 e
tentes sociais que almejam desenvolver ações que tenham como
é tida pelo processo de redemocratização do ensino superior,
principal objetivo o acompanhamento dos discentes que estejam
tendo como objetivo a inserção de estudantes de baixa renda
em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tendo em vista
nas universidades, de forma que se pudesse garantir não só o
a sua permanência na instituição, assim como a melhoria de seu
acesso, mas também condições de permanência dos estudantes.
desempenho acadêmico no curso.
Nesta etapa, o governo desenvolve ações referentes ao acesso
dentro das universidades, como o Programa de Universidade De acordo com o Decreto Nº 7.234, de 19 de Julho de
para Todos (ProUni), e o Fundo de Financiamento ao Estudante 2010 o PNAES tem como finalidade ampliar as condições de
do Ensino Superior (FIES). A terceira e última fase ocorreu do permanência dos jovens na educação superior pública federal.
ano de 2007 em diante com a criação do Programa de Apoio a Os principais objetivos, são: a democratização das condições de
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais permanência dos estudantes na educação superior pública fede-
(Reuni) e o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), ral, reduzir os impactos da desigualdades sociais e regionais na
que visava de fato a garantia dos direitos dos estudantes com a permanência e conclusão da educação superior, reduzir as taxas
consolidação da política de assistência estudantil (KOWALSKI, de retenção e evasão, além de contribuir com a integração social
2012). pela educação (BRASIL, 2010).

De acordo com Macedo e Abranches (2019) o Plano De acordo esse mesmo decreto, as ações de assistência
Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) que está em vigor estudantil do PNAES deverão ser desenvolvidas nas seguintes
desde 2008, tem como principal objetivo oferecer assistência para áreas: “I - moradia estudantil; II - alimentação; III - transporte;
aqueles discentes de baixa renda, de modo que assim os mesmos IV - atenção à saúde; V - inclusão digital; VI - cultura; VII -
se mantenham em seus cursos de formação. Visando diminuir a esporte; VIII - creche; IX - apoio pedagógico; e X - acesso,
desigualdade social e possibilitar acessibilidade e permanência participação e aprendizagem de estudantes com deficiência,
destes estudantes no ensino superior. O programa conta com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e
alguns auxílios, sendo eles: moradia estudantil, alimentação, superdotação” (BRASIL, 2010).
transporte, assistência à saúde, inclusão digital e atividades de
Acerca do perfil dos estudantes ingressantes nessas uni-
cultura, esportes, creche e apoio pedagógico.
versidades, a autora Kowalski (2012), comenta acerca de alguns
Nesse mesmo viés, Silva (2019) apresenta que o PNAES pontos da pesquisa que ocorreu entre os anos de 1997 e 2004, que
tem como recomendação que a assistência estudantil desenvolva se tornaram fatores essenciais para a garantia justa de permanência

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

no ensino superior, sendo eles classificados como: permanência; Ensino Superior - que por muito tempo acolheu a uma pequena
desempenho acadêmico; cultura, lazer e esporte; assuntos de parcela da sociedade brasileira.
juventude. Os resultados constatados foram que cerca de 48,2%
A importância do papel da assistência destacado por Toti
dos entrevistados vivenciavam risco de vulnerabilidade social.
e Polydoro (2020), é identificada diante do principal objetivo da
A autora Silveira (2012) traz dados referentes à pesquisa que assistência estudantil que é oferecer recursos necessários para
tem como título Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes que os discentes superem de fato os obstáculos que impossibili-
de Graduação das IFES Brasileiras que tinham como responsáveis tam seu êxito acadêmico, muitas vezes acarretando reprovação,
membros da FONAPRACE. A pesquisa ocorreu entre os anos de trancamento de várias disciplinas e até mesmo a evasão. Neste
1996 a 1997, abarcou 44 IFES, e aplicou 32.348 questionários. sentido, se faz relevante pensar como se dão os espaços de acesso
A autora remete alguns dados pertinentes a serem discorridos, e de permanência de estudantes que exercem a parentalidade.
como exemplo: de acordo com a pesquisa, o perfil traçado foi
que a maioria desses estudantes era do sexo feminino e possuíam
3 DIÁLOGOS DE QUEM MATERNA
em média 22 anos; o estado civil da maioria é solteiro; 58% não E OS CHÁS COMO ESPAÇO DE
trabalhava, e, 42% exerciciam alguma atividade remunerada. ENCONTRO E FORTALECIMENTO
Outro dado importante é que cerca de 12,17% desses universi-
tários possuíam filhos. Ainda, seguindo os dados obtidos dessa Para a realização dos diálogos de quem materna, inspi-
pesquisa, foi constatado que 2,40% faziam uso das moradias ram-nos no “Marco de Referência da Educação Popular para
estudantis, e os Restaurantes Universitários tinham como público a Construção de Políticas Públicas” (BRASIL, 2014) que vem
assistido cerca de 19,10%. 60,6% fazia uso de transporte coletivo sendo utilizado na construção de um inventário das práticas de
(SILVEIRA, 2012). estudantes que são mães na região do Bico do Papagaio, como
um instrumento de participação. No campo epistemológico, que
No que diz respeito à situação socioeconômica desses a Extensão também assume, considera-se a relevância da ela-
estudantes foi apontado que 44,29% estavam classificados como boração de propostas ancoradas na Educação Popular de modo
categorias C, D e E; 43,11% na categoria B e somente 12,6% desses reinventado. Um dos caminhos para esta reinvenção é potencia-
alunos estavam na categoria A (SILVEIRA, 2012). A partir de lizado com base na contramarcha à invisibilidade das mulheres
todos esses dados e apontamentos que concretizaram a necessidade nas pesquisas na área, pois embora muitas pesquisadoras, edu-
de investir em assistência a esses discentes, e juntamente com cadoras e militantes façam parte deste campo, ainda sim, sobre
isso, estes dados foram cruciais para demonstrar a mudança do as imagens em evidência neste campo científico, predominam
público que passava a ingressar no espaço das universidades, por as figuras masculinas (SOUZA et al, 2021). Por isso, a proposta
meio de políticas de democratização e acesso, popularizando o da pesquisa que se vincula a este projeto de extensão feito por

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

mulheres com mulheres, busca demarcar um espaço de proble- no que se refere à subjetividade da mulher que estuda. Trata-se
matização sobre os processos de construção do conhecimento de uma situação conflitante entre satisfação pessoal e base para
que ainda carregam marcas de uma história que privilegia grupos ascensão socioeconômica. Os autores destacam o dilema que
sociais com base nas questões de classe, gênero e raça, mesmo as mulheres têm quanto às questões subjetivas com base em
em espaços que se busquem ser mais democráticos. construtos históricos e sociais que muitas vezes estão opostos
a necessidade de realização pessoal, o dilema das normativas
Cumpre registrar que a Educação Popular capilariza sua
ou atitudes esperadas socialmente pela mulher e a exigência
experiência na socialização de saberes e conhecimentos plurali-
crescente de formação acadêmica.
zando o campo científico (EGGERT, 2006); assim, articulamos
ciência e saberes diversos, reconhecendo a vida de pessoas das Oliveira (2008), menciona que as jovens mulheres oriun-
camadas populares e grupos historicamente pouco reconhecidos das das camadas populares não demonstram terem sobre si uma
no campo da construção científica como o caso das mulheres. noção simbólica de provedoras, de modo em que predominam
As ações também se baseiam na necessidade de valorizar as as representações tradicionais acerca da distinção de funções no
experiências e as narrativas de sujeitos de experiências. Lar- núcleo familiar, nas quais a mulher fica encarregada dos cuidados
rosa (2002) aponta que os sujeitos de experiência se assumem do lar, da alimentação e da educação das crianças. A respeito
enquanto territórios de passagem, que carregam marcas, que se destas atribuições, Chodorow (1990), apresenta que no decorrer
submetem, que se transformam e que reverberam este impacto do século XX, enquanto os índices de natalidade diminuíram, o
em seu modo de ser e estar no mundo. ingresso escolar das crianças iniciou mais cedo na medida em
que as mulheres entravam no mercado de trabalho, sendo fruto e
Oliveira (2008) abordou os processos de ressignificação
acentuando a ideologia de “mãe moral”: a burguesia atribuiu às
da inter-relação da adolescência, gravidez, maternidade e o
mulheres o exercício de educadoras das crianças, orientando-as
reconhecimento do papel atribuído ao sujeito adulto das cama-
em termos de conduta, instrução, alimentação, gestos e papéis
das populares e especialmente das jovens mães que passam a
a serem desempenhados.
construir sua imagem de adulta ao encontro com a maternagem.
Dentre as principais categorias de seu estudo, o processo da Scavone (2001) infere que a escolha sobre o exercício da
gravidez é destacado pela autora ao registrar que embora haja maternidade, vincula-se com o acesso à informação, à cultura
uma dimensão biológica, seus significados são forjados por meio e ao conhecimento e reconhece a complexidade da categoria e
da experiência em sociedade e diferenciam-se de acordo com a processo da maternidade identificando a existência de distintas
classe social e diversos fatores. bases culturais, sociais e de classe. Destaca a autora, os fenô-
menos recorrentes atuais: como as proles reduzidas; mulheres
Menezes et al (2012) apresentam por meio de um estudo
atuantes em suas carreiras; casais que moram juntos ou não; com
sobre a maternidade e a vida acadêmica, uma realidade violenta

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

distintas orientações sexuais; a institucionalização dos cuidados efeito, uma vez que a maioria das participantes são da UFNT
concebidos como maternos por profissionais especializados; ou egressas desta instituição.
uma série de elementos que vão emergindo das mudanças da
O primeiro encontro das Rodas de Partilha ocorreu em
vida contemporânea, sendo produto e produtora de um modo de
maio de 2022, na Unidade Centro do Campus de Tocantinópolis
operar e de uma estrutura múltipla da família contemporânea.
da UFNT. Na ocasião, estiveram presentes um grupo pequeno
Vilar e Gaspar (1999) destacam que mesmo quando não com 7 estudantes que maternam, além de uma egressa da insti-
há planejamento para a gravidez, a maternidade no contexto das tuição e uma professora também mãe. O encontro iniciou com
camadas mais vulneráveis socioeconomicamente, desponta como a apresentação da proposta vinculada ao projeto de pesquisa e o
uma espécie de afirmação social. Diante dessa questão, sugere-se intuito em ser um espaço para o fortalecimento das ações para
que haja um fator de influência no que se refere à formação para o além da UFNT, mas que também contribua com a elaboração
trabalho e consequentemente no ingresso, retorno ou permanência de processos viáveis para o acesso de mulheres que são mães e
das mães das camadas populares no ensino superior. sua permanência na Universidade Pública. Foram realizadas as
partilhas das experiências de cada uma das participantes. Foi um
O estudo de Menezes et al (2012), identifica o sentimento
encontro emocionante e que teve a presença de algumas crianças
de culpa nas narrativas das participantes da pesquisa, as quais
que acompanhavam suas mães.
relataram haver uma inversão de ordenação social, que induz o
dever das mulheres cumprirem determinadas etapas incluindo os Já o segundo encontro ocorreu no mês de agosto, e se deu de
estudos e a formação para posteriormente formarem sua família maneira online, via google meet, visto que algumas participantes
e tornarem-se mães. Revela que a mulher da sociedade contem- do projeto de pesquisa vinculado a esta ação, haviam registrado
porânea tem atribuída a responsabilidade pela qualidade de vida a possibilidade de participar dos encontros quando fossem feitos
de seus dependentes e o quanto isto reverbera no desempenho de maneira remota. O encontro teve a participação de 28 pes-
da vida acadêmica e social (MENEZES et al, 2012). soas, entre elas, egressas, docentes e estudantes dos dois campi
da UFNT, sendo que pelo menos 6 estudantes compartilharam
Diante do exposto, a proposta dos “Chás das mães uni-
sobre os desafios de conciliar maternidade, maternagem e vida
versitárias” busca contribuir para a relação entre a universidade
acadêmica. Após estas falas, que foram impulsionadas pelas
pública e sociedade ao mapear as dificuldades de acesso e
estudantes e egressas que fazem parte do GEPHEA, outras
permanência de estudantes mães oriundas das camadas sociais
participantes do encontro pediram a palavra e também relataram
populares e fragilidades quanto às políticas nas Instituições de
sobre suas experiências.
Ensino Superior (IES) públicas sob o olhar das mães estudantes,
pois instiga uma relação entre as IES da região norte do estado O terceiro encontro ocorreu em formato online no mês de
do TO - o que até o presente momento ainda não é um alcance setembro com o Ateliê “Cartas de quem materna: registros de

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

mulheres estudantes” quando foram elaboradas Cartas Pedagó- presenças físicas no Campus de Araguaína. Na ocasião, tivemos
gicas enquanto registros de denúncia e anúncio. Foi inclusive os relatos de estudantes de graduação, egressas e estudantes de
proposta a realização de uma carta coletiva que pudesse com- pós-graduação da região norte do estado do Tocantins, além da
pilar as demandas das estudantes no que diz respeito ao apoio à participação de professoras, profissionais da área da saúde e uma
parentalidade no Ensino Superior. Destacamos que a elaboração doula. O encontro contribuiu para a divulgação e conhecimento
de Cartas Pedagógicas são consideradas instrumentos e cami- das atividades que vêm ocorrendo nos campos das políticas e da
nhos de reivindicação política, sendo ela um legado freireano extensão sobre as políticas de apoio à parentalidade.
(FREITAS, 2021).

No quarto encontro do “Chá das mães”, com a temática 4 CONSIDERAÇÕES


“Ser mãe indígena na UFNT”, ocorreu de modo híbrido, sendo
Até o momento, com as Rodas de Partilha, em parceria com
realizada na Unidade Babaçu do Campus de Tocantinópolis, e
outros movimentos que vêm ocorrendo no âmbito da Universi-
também transmitida por Google Meet, onde tivemos participação e
dade, pudemos compreender na discussão do coletivo, composto
protagonismo de estudantes indígenas do Campus de Tocantinópolis
especialmente por estudantes da UFNT, estudantes que maternam,
e uma estudante do Campus de Araguaína. Mulheres estudantes
que as rodas de diálogo potencializam a dimensão educativa,
indígenas que maternam das etnias Xerente, Apinajé e Karajá
bem como as Cartas Pedagógicas são instrumento e método de
narram sobre os desafios da separação das aldeias, quando têm
formação de si, de sistematização das experiências e de convite
a necessidade de mudar para mais próximo do local de estudo,
aos registros das leituras de mundo, como diria Paulo Freire.
além de em alguns casos a necessidade de deixar seus filhos
pequenos com outros parentes sem poderem trazê-los consigo Diante disto, evidenciamos alguns pontos que estão pre-
na nova morada. As estudantes também relataram o quanto as sentes nos relatos das mães em roda no Chá: 1º) a necessidade
diferenças culturais e a ausência de uma estrutura institucional de se pensar e elaborar políticas de apoio à permanência de estu-
que as acolham junto de suas crianças interferem na qualidade dantes que exercem a parentalidade, em especial às mulheres que
da permanência na Universidade. maternam; 2º) o registro de vozes que vêm ecoando na medida
em que a Universidade se abre ao diálogo conosco. É presente
O quinto encontro das Rodas de Partilha, aconteceu de
em cada encontro, falas que apresentam o sentimento de “soli-
modo híbrido, dessa vez, com encontro presencial em Araguaína
dão acadêmica” devido à condição de maternar - o que ganha
com o apoio e realização em parceria com a Diretoria de Acessi-
notoriedade do espaço que tem como um dos sentidos para estas
bilidade, Equidade e Permanência da UFNT, por meio da Coor-
participantes a partilha e fortalecimento ao reconhecerem que
denação de Gênero e Diversidade, e transmitido online com a
seus desafios são comuns a outras mulheres; 3º) a fragilidade de
participação de 25 pessoas conectadas no Google Meet, além das
apoio e investimento aos projetos existentes e carência de progra-

186 187
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS O “CHÁ DAS MÃES UNIVERSITÁRIAS”...

mas institucionais e espaços físicos na Universidade que possam 129. pp. 285-303. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0101-6628.109>.
Acesso em: 08 jun. 2022.
garantir uma presença com segurança dos filhos das estudante; 4º)
KOWALSKI, A. V. Os (Des)Caminhos Da Política De Assistência Estudantil e
a falta de rede de apoio que muitas destas estudantes e egressas
o Desafio na Garantia de Direitos. Tese (Doutorado em Serviço Social)
sofrem especialmente na ausência ou negligência paterna de seus Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio
filhos e/ou a incompreensão diante das demandas acadêmicas Grande do Sul. Porto Alegre, p. 180. 2012.
que acabam sendo prejudicadas pelas demandas domésticas e OLIVEIRA, Régia Cristina. Adolescência, gravidez e maternidade: a
percepção de si e a relação com o trabalho. Rev. Saúde e Sociedade. São
de cuidado; 5º) a dificuldade de realizar a formação dentro do
Paulo, v.17, n.4, p.93-102, 2008
calendário acadêmico do curso e o entrave ao não conseguirem
MACEDO, Juliana et al,. Política educacional no ensino superior: reflexões
manter a carga horária mínima para usufruírem de auxílio como sobre a contribuição da assistência estudantil da UFPE. RBPAE. v. 35, n. 3, p.
o de Apoio Pedagógico; 6º) o reconhecimento de que um auxílio (916 – 940), set./dez. 2019. Disponível: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/
view/94078 Acesso em 06 jun. 2021.
específico às suas demandas poderia contribuir para os cuidados
MENEZES, Rafael de Souza et al. Maternidade, trabalho e formação: lidando
e a educação das crianças enquanto elas precisam estudar, faria
com a necessidade de deixar os filhos. Constr. psicopedag., São Paulo, v. 20,
diferença na sua permanência no âmbito do Ensino Superior. n. 21, p. 23-47, 2012. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542012000200003&lng=pt&nrm=
Assim, embora saibamos das limitações que a Universidade iso>. Acesso em 18 out. 2021.
possui ao fazer parte de uma sociedade com profundas desigual- SCAVONE, Lucila. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências
dades sociais, consideramos a potência que espaços como os do sociais. Cadernos Pagu. 2001, n. 16, pp. 137-150. Disponível em: <https://
doi.org/10.1590/S0104-83332001000100008>. Epub 11 Mar 2009. ISSN
“Chá das mães”, ao pautar-se na escuta sensível e reconhecer o
1809-4449. Acesso em 21 out. 2021.
movimento educativo que há neste processo com as estudantes
SILVA, Edivan. O papel do pedagogo na assistência estudantil. Alagoas,
que maternam, pode construir políticas de assistência estudantil p.1-6, 2019. Disponível: https://doity.com.br/media/doity/submissoes/
que contribuam para as presenças das mulheres que maternam artigo-a5f918a9faee935c44a6c661c758c9229bf993d4-segundo_arquivo.
pdf Acesso em 16 de jun. 2022.
no âmbito do Ensino Superior. Seguiremos com o intuito de
SILVEIRA, Miriam Moreira. A Assistência Estudantil no Ensino Superior:
contribuir para esta construção.
uma análise sobre as políticas de permanência das universidades federais
brasileiras. 2019. Dissertação. 137 f. Programa de Pós-Graduação em Política
Social, Universidade Católica de Pelotas, UCPEL
REFERÊNCIAS
SOUZA, Miceli Silveira de. et al. Educação Popular e feminismos: tensões,
rupturas e afirmações. Revista Pedagógica, v. 23, p. 1-28, ano 2021.
EGGERT, Edla. Qual a contribuição e os desafios da educação popular para a Disponível em: <http://dx.doi.org/10.22196/rp.v22i0.6507 > Acesso em 20
transformação social? In: TORRES, Fernando el. al., Teologia da Libertação e out. 2021.
Educação Popular: a caminho. São Leopoldo: Centro de Estudos Bíblicos, 2006.
VASCONCELOS, Natália. Programa Nacional de Assistência Estudantil: uma
IMPERATORI, Thaís Kristosch. A trajetória da assistência estudantil na análise da assistência estudantil ao longo da história da educação superior
educação superior brasileira. Serviço Social & Sociedade [online]. 2017, n. no Brasil. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 399-411, 2010.

188 189
9
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS

Disponível em: <http://www.catolicaonline.com.br/revistadacatolica/


artigosv2n3/29-Pos-Graduacao.pdf> Acesso em: 12 abr. 2022.
TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO
VILAR, Duarte; GASPAR, Ana Micaela. Traços redondos. In: PAIS, M. (Org.). POPULAR DE ACESSO À
Traços e riscos de vida: Uma Abordagem Qualitativa a Modos de Vida
Juvenis. Lisboa: mbar, 1999. p. 31-91.
PÓS-GRADUAÇÃO

Ana Paula Pereira Novaes de Moraes


Roberta Avila Pereira
Lisiane Costa Claro

1 INTRODUÇÃO

O projeto de extensão intitulado “Travessias”, é uma proposta de


um curso preparatório popular para o acesso à Pós-Graduação,
vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educa-
ção e Artes - GEPHEA. O Travessias, portanto, está inserido no
Centro e Educação, Humanidades e Saúde (CEHS) do campus de
Tocantinópolis – TO, da recente Universidade Federal do Norte
do Tocantins (UFNT).

Através do Projeto, busca-se auxiliar as pessoas pertencentes


às camadas populares da região do Bico do Papagaio – região
norte do estado do Tocantins, que faz divisa com os estados do
Maranhão e Pará –, para os processos seletivos de mestrado e
especialização na área das ciências humanas.

O objetivo principal deste texto é apresentar o as ações do


Projeto Travessias, desenvolvidas ao longo do ano de 2022.Tra-
tam-se de atividades em que se almeja uma formação educativa

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO

que evidencie diferentes leituras de mundo e conhecimentos, que para os estudantes da região interessados em ingressar na pós-
dialoguem com uma perspectiva colaborativa, com horizonte na -graduação. Nesse sentido, o Projeto busca, a partir de bases
construção de um espaço de pós-graduação e universidade mais de análise freirianas, contemplar a relevância da identidade, do
plural e diverso. pertencimento e do reconhecimento popular para a trajetória
acadêmica, e compreender como essas expressões atravessam
As atividades do Travessias acontecem por meio de
os desafios enfrentados antes e durante a pós-graduação.
encontros dialógicos virtuais, em que são tematizados aspectos
concernentes às etapas constituintes dos processos seletivos. O Projeto foi iniciado no primeiro semestre de 2022, no
A modalidade “virtual” possibilitou a participação de pessoas contexto pandêmico da covid-19, o que impôs a condição remota
distantes de Tocantinópolis e também a parceria com professo- à todos os encontros, que ocorrerão até o mês de dezembro. A
res convidados de outras regiões do país e com o Programa de proposta das atividades desenvolvidas é de construir um espaço
Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Saúde (PPGECS) da de conversa, permitindo uma interação recíproca entre partici-
Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas – TO. Estas pantes e ouvintes.
parcerias possibilitaram o fortalecimento do Projeto, nutrindo-se
Essa perspectiva dialógica, testemunhada e preconizada
pela ação coletiva e solidária.
por Paulo Freire em sua Pedagogia da Autonomia (1996), põe
Como forma de organização desta escrita, o presente em contestação os paradigmas que permeiam o âmbito do fazer
capítulo está estruturado da seguinte forma: primeiramente abor- docente, não somente no que tange a esfera da universidade,
da-se as concepções extensionistas e formativas que embasam mas a educação formal de modo geral, pois pretende intro-
o Travessias; em um segundo momento, apresenta-se a organi- duzir uma relação comunicativa entre os sujeitos envolvidos
zação e as ações produzidas até o momento; por fim, tece-se as no processo de aprendizado. A horizontalidade permite uma
considerações finais. compreensão da realidade subjetiva dos sujeitos pertencentes
às comunidades populares e fomenta o debate acerca das
dificuldades e dos obstáculos enfrentados por eles ao longo
2 PROJETO TRAVESSIAS E OS SENTIDOS
DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
de suas trajetórias, vinculando as experiências de vida com
os itinerários acadêmicos.
Considerando o contexto sociocultural da cidade de
Tocantinópolis e a realidade dos estudantes acadêmicos de um O aspecto dialógico também caracteriza o que Freire,
município de pouco menos de 23 mil habitantes localizado no em algumas de suas obras, conceituou como círculo de cultura
extremo norte do Estado do Tocantins, o Travessias atua como (FREIRE, 1987;1994; 2014), definido por ele como um método
uma pertinente alternativa de auxílio, orientação e preparação pedagógico que visa romper com as relações autoritárias entre
educador e educando, estimulando uma interação fundamentada

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO

no diálogo, que possibilita a ampla compreensão da realidade universidade para o aprofundamento de


social múltipla e complexa em que se inserem. seu papel como instituição comprometida
com a transformação social, que aproxima a
O Travessias acontece num cenário de fragilidade no produção e a transmissão de conhecimento
campo da política e, consequentemente, da educação brasileira, de seus efetivos destinatários, cuidando
o que o faz ser bastante relevante e necessário para fomentar de corrigir, nesse processo, as interdições
mobilizações pela luta por uma universidade pública mais demo- e bloqueios, que fazem com que seja assi-
métrica e desigual a apropriação social do
crática, igualitária e popular, entendendo-a como forte potência
conhecimento, das ciências, das tecnologias
de transformação e equalização social. Essa perspectiva reflete
(PAULA, 2013, p. 6).
uma atitude de ressignificar o Ensino Superior a partir de um viés
crítico e reflexivo da realidade concreta. A própria semântica de
A reflexão acerca dos sentidos da Extensão Universitária, e
“Travessias” indica o sentido de atravessamento, de superação.
sobretudo dos fins aos quais ela se propõe, é de urgente importância
Esse movimento acontece pela superação da educação dominante,
para a construção de uma universidade mais democrática, que
pautada por motivações mercadológicas, em razão da valorização
conduza à conscientização sobre a valorização das epistemologias
de uma educação pensada para a diversidade, comprometida com
populares e garanta a permanência de seus estudantes, por meio
a erradicação das desigualdades e injustiças sociais, que deve estar
de políticas e projetos pensados e desenvolvidos por seus próprios
empenhada não somente na articulação de alternativas para o
receptores. Nesse sentido, o Travessias se constitui como uma
acesso de todos à universidade, mas também no desenvolvimento
contribuição crítica sobre a atuação da universidade pública na
de políticas que garantam a permanência nela.
produção de uma Educação Popular, através, principalmente,
Ancorado nos saberes e conhecimentos populares, o Projeto da diretriz extensionista, considerando a concepção freiriana
enfatiza a valorização de uma educação crítica e reflexiva, com de Extensão Universitária.
o desejo de despertar para as possibilidades de uma perspectiva
Em vista da realidade social na qual a UFNT de Tocan-
identitária e humanizadora de produzir ciência. Neste viés, par-
tinópolis se situa, as contribuições deste trabalho revelam a
tindo do princípio emancipatório do Ensino Superior através da
importância da correspondência entre a universidade e a comu-
Extensão, o Travessias busca contribuir na remarcação do espaço
nidade externa, no que tange a indispensável necessidade da
da universidade, articulando-o com o espaço social em que seus
estruturação da Extensão Universitária, para que corresponda
atores estão inseridos. Acerca disso, Antônio de Paula (2013) define:
aos seus princípios comunicativos e possibilitadores de uma
produção científica emancipatória e antiautoritária.
(...) a extensão universitária é o que per-
manente e sistematicamente convoca a

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO

Partindo da premissa de indissociabilidade entre Ensino, contrário, deve ser o aprofundamento


Pesquisa e Extensão, o Travessias se propõe também a construir da tomada de consciência que se opera
suas atividades a partir deste tripé, em virtude da promoção de nos homens enquanto agem, enquanto
trabalham. (FREIRE, 1985, p. 52)
um processo formativo problematizador. Frente aos aprendizados
compartilhados, busca-se estimular a produção epistemológica,
Essa apropriação da consciência crítica, também tratada
ampliando as leituras de mundo (FREIRE, 1987).
por Freire em Pedagogia da Autonomia (1996), não deve acon-
Freire (1996) convida à reflexão sobre o sentido da nossa tecer vinculada aos moldes de educação bancária e dominante,
presença no mundo. No que se refere a um projeto de Extensão pois essa mobilização exprime exatamente uma crítica ao seu
como o Travessias, essa perspectiva freiriana estimula a reflexão caráter excludente e individualista, o que contradiz a proposta
crítica da realidade concreta, que incentiva a produção de conhe- de democratização da ciência por meio da Educação Popular.
cimentos concernentes às especificidades dos seus interlocutores. Nesse perspectiva, Bell Hooks (2017), em Ensinando a Trans-
gredir, revela as contribuições de Paulo Freire para a construção
Entendendo a educação como um instrumento de trans-
do seu pensamento crítico e para formação da sua identidade
formação do mundo, Freire (1985) defende que é se apropriando
pautada na resistência à uma sociedade patriarcal e colonizadora.
da conscientização, através da educação, que homens e mulheres
Ela atribui à insistência de Freire sobre a apropriação da cons-
transformam o mundo. Argumenta ainda que a realidade não é
ciência crítica como prática libertadora, a luta por um processo
dada. Ela se constitui num movimento dinâmico e dialético entre
de descolonizar a sociedade ocidental, não somente por meio
ela mesma e a ação humana.
de transições no campo do pensamento, mas através de uma
mudança de atitude. Isto só é possível através de um processo
Todo esforço no sentido da manipulação transformador de conhecimento crítico da nossa identidade e
do homem para que se adapte a esta
realidade social e política.
realidade, além de ser cientificamente
absurdo, visto que a adaptação sugere Desse modo, entendendo que não é somente a partir de pro-
a existência de uma realidade acabada, cessos de conscientização que os seres humanos se tornam capazes
estática e não criando-se, significa ainda
de transformar a realidade em sua concretude. Cabe aqui ressaltar
subtrair do homem a sua possibilidade e
que a Extensão Universitária é essencialmente comprometida para
o seu direito de transformar o mundo. A
educação que, para ser verdadeiramente atuar num processo de mudança de atitude humana através de seu
humanista, tem que ser libertadora, não caráter comunicativo e dialético, sinalizador da práxis freiriana.
pode, portanto, caminhar neste sentido. Nas atividades desenvolvidas no Travessias há a aposta no ser mais
Uma de suas preocupações básicas, pelo (FREIRE, 1987) dos educandos enquanto sujeitos que buscam

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO

pelas suas lutas cotidianas superar a lógica de um sistema que não Por meio de rodas dialógicas sobre temáticas pertinentes
acredita nas condições de emancipação do sujeito. aos conhecimentos requeridos nestes processos (currículo lattes,
entrevista, projeto de pesquisa...), são desenvolvidas práticas
A educação é um meio de se lutar contra a lógica opressora.
educativas pautadas na Educação Popular, que contribuem ao
Por meio do instrumento educativo, busca-se a transformação
preparo para as etapas de seleção da pós-graduação. Os encontros
social. Pode-se ressaltar, nesta perspectiva, a importância de
são organizados a partir das seguintes temáticas geradoras: a)
projetos como este para uma sociedade mais justa, a qual reco-
Identidade Popular e o acesso à pós-graduação: pertencimento e
nheça as diferenças no horizonte dialógico, crítico e esperançoso.
reconhecimento; b) Documento de identidade na pós-graduação:
o currículo Lattes; c) A vida na pós-graduação: desafios perma-
3 AS TRAVESSIAS PERCORRIDAS nentes de uma ontologia popular; d) Como conectar a trajetória
de vida com o âmbito da pesquisa acadêmica?; e) O Projeto de
O Travessias surge com a proposta de reivindicar o acesso
Pesquisa: significados no contexto das epistemologias populares.
desses sujeitos ao âmbito da pós-graduação. Tem a perspectiva,
portanto, de problematizar e refletir sobre esta modalidade aca- Dessa forma, a partir dessas temáticas geradoras são
dêmica e sobre os modos de fazer e produzir ciência, abordando abordadas as etapas dos processos de seleção (entrevista, projeto
enquanto temáticas geradoras as discussões sobre as cotas na de pesquisa, análise curricular, editais, entre outras), bem como
pós-graduação, as possibilidades de pesquisas a partir das epis- sobre o universo da pós-graduação, discutindo e problematizando
temologias populares, a vida na pós-graduação, e a construção estas questões com base nos ensinamentos e tensionamentos
de uma ciência socialmente comprometida. preconizados pela Educação Popular e pelo campo da Extensão.
O Projeto tem como principal objetivo contribuir com a Ainda, destaca-se a parceria com o Programa de Pós-
preparação de sujeitos populares para os processos seletivos de -Graduação em Ensino de Ciências e Saúde (PPGECS/UFT),
ingresso na pós-graduação, por meio de um processo formativo por meio dos estudantes mestrandos, que auxiliam na organiza-
ancorado na Educação Popular. Dessa forma, busca-se proble- ção e acompanhamento dos processos seletivos de forma mais
matizar este âmbito e sobre os modos de fazer ciência com o próxima. Nesse sentido, após as rodadas de encontros coletivos
horizonte das epistemologias populares, refletir sobre o sentido sobre as diversas temáticas, o Travessias passou a se estruturar
da pós-graduação e as dificuldades enfrentadas pela classe tra- a partir de encontros em pequenos grupos ou individuais. Dessa
balhadora no acesso à pós-graduação e construir um processo maneira, intenciona-se promover atendimentos mais focados nas
formativo crítico-reflexivo sobre as dimensões, estrutura e a necessidades dos participantes, à exemplo do processo de escrita
preparação dos requisitos exigidos num processo seletivo de e elaboração de projetos de pesquisa, atualização da plataforma
Pós-Graduação. lattes e possíveis dúvidas que possam surgir pelo caminho.

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS TRAVESSIAS: PREPARATÓRIO POPULAR DE ACESSO À PÓS-GRADUAÇÃO

Nesse rumo, o Travessias se constitui como um movimento intersetorialidade e os espaços que o povo carrega consigo nas
de luta pela democratização da universidade. Pretende auxiliar relações interinstitucionais na busca de desvelar, por exemplo,
na promoção de ações educativas comprometendo-se com a o papel de epistemologias populares carregadas de denúncias e
construção de um projeto de sociedade mais includente. anúncios. São nos espaços destas confluências que se pode criar
e auxiliar que diferentes sujeitos, distantes do mundo acadêmico
Acredita-se que por meio da inserção das camadas
possam adentrar e permanecer insistentemente até que a univer-
populares nos diversos ambientes acadêmicos se contribui para
sidade consiga transformar e unir o conhecimento acadêmico e
democratização do Ensino Superior e se redefine as bases que o
conhecimento popular.
sustentam. Através da diversidade de sujeitos e da pluralidade
epistemológica junto aos saberes populares, auxilia-se na cons-
trução de um projeto de educação de qualidade, na busca da 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
redução das desigualdades sociais.
O projeto extensionista ao buscar alcançar sujeitos das
Espera-se que o Projeto Travessias inaugure um movimento comunidades populares, que possuem um diploma de graduação
de reinvindicação e reconhecimento do espaço da pós-graduação e sonham com o acesso à pós-graduação, inaugura uma ação
como um direito legítimo e possível de ser alcançado. Também dialógica sobre processos formativos de problematização. Arti-
objetiva-se contribuir para formação de profissionais, oriundos da culando, dessa forma, as dimensões do campo da pesquisa e do
região do Bico do Papagaio, que podem ocupar o âmbito acadêmico ensino junto as viabilidades de cenários de estudo que o âmbito
no exercício docente, reconfigurando o quadro de professores, extensionista proporciona por meio das epistemologias populares.
com identidade e pertencimento às universidades desta região.
Nesse rumo, busca-se a emergência de outros modos de
Ainda, insere-se na busca pelo processo de democratização conceber as relações educativas nesses espaços, mobilizando os
do acesso e permanência do âmbito da pós-graduação, por meio da saberes didático-pedagógicos e de fundamentação da Educação.
pluralidade epistêmica e projetos de pesquisa junto às epistemologias A Extensão proporciona que as relações educativas ultrapassem
populares, enquanto um horizonte de justiça social e do reconhe- o campo institucional ao evidenciar, como contexto de estudo,
cimento do campo extensionista como um espaço de produção de espaços junto aos saberes populares, abrindo uma nova perspectiva
conhecimento. Busca-se que para além do ingresso e permanência de se fazer ciência: uma ciência que não tolhe os modos de ser
das camadas populares nos cursos de pós-graduação, a entrada e conhecer o mundo, mas que encontra viabilidade de inovação
destes sujeitos represente a ampliação da luta pela justiça social. nas esferas materiais e culturais.

Nesse horizonte, almeja-se que o Projeto possa contribuir As contribuições para a instituição e para a sociedade estão
com o anúncio de pedagogias possíveis, relacionando-se com a embasadas na possibilidade de formação crítica dos sujeitos das

200 201
DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS

camadas populares, bem como demonstram a aproximação do BREVE CURRÍCULO


espaço acadêmico a esta população que ainda não ingressou na
pós-graduação. Assim, as contribuições emergem ao evidenciar
DOS AUTORES
a pertinência de uma prática ética e responsável com os grupos
populares e a postura comprometida nestas ações traduz a res-
ponsabilidade social da universidade.

Com a certeza de que novos olhares para o processo de


inclusão dialogam com os preceitos da Educação Popular, acre-
dita-se que a universidade - assim como outros espaços - além de
direito de todos, é uma possibilidade que deve ser oportunizada
a todos como uma forma de resgate e comprometimento social
com os grupos socialmente marginalizados ao longo do tempo. O
Projeto Travessias escolhe trilhar este caminho, pois acredita-se Ana Paula Pereira Novaes de Moraes
em uma universidade inclusiva e comprometida com o social. Estudante do curso de Ciências Sociais-Licenciatura da Universidade
Federal do Norte do Tocantins (UFNT), Campus de Tocantinópolis; Bolsista
voluntária do Projeto Travessias: preparatório de acesso à pós-graduação.
REFERÊNCIAS E-mail: napaulanm@gmail.com.

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1994. Cássia Ferreira Miranda
FREIRE, Paulo. Educação como prática da Liberdade. Paz e Terra: Rio de Licenciada em História e em Pedagogia. Doutora em Teatro. Professora
Janeiro, 2014. na Universidade Federal do Pampa, campus Jaguarão. Foi professora na
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Universidade Federal do Tocantins, campus Tocantinópolis (2015-2021)
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática atuando no curso de Licenciatura em Educação do Campo. Líder do Grupo
educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes - GEPHEA/UFT/CNPq
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17 Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. e vice-líder do Grupo de Pesquisa em Artes Visuais e Educação - GPAVE/
UFNT/CNPq. Editora assistente na Revista Brasileira de Educação do Campo
PAULA, J. A. de. A extensão universitária: história, conceito e propostas.
Interfaces - Revista de Extensão da UFMG, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 5–23, 2013. (RBEC-UFT/UFNT). E-mail: cassiafmiranda@outlook.com.
Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistainterfaces/
article/view/18930. Acesso em: 6 dez. 2022. Cleiva Aguiar de Lima
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da Professora titular aposentada do Campus Rio Grande do Instituto Federal
liberdade. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul - IFRS. Possui
Fontes. 2017. Mestrado e Doutorado em Educação Ambiental pela Universidade Federal

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS BREVE CURRÍCULO DOS AUTORES

do Rio Grande - FURG (2004 - 2011). Graduada em Ciências Licenciatura Membra do Grupo de Estudos e Pesquisas em Teoria Histórico-Cultural e
Plena Habilitação Biologia pela Universidade Federal do Rio Grande (1987), Educação - GEPEHC/UFPA e do Grupo de Estudos e Pesquisas em História,
em Ciências Licenciatura de 1º Grau pela Universidade Federal do Rio Educação e Artes - GEPHEA/UFT/UFNT. E-mail: juliane1@mail.uft.edu.br.
Grande (1985). Atuou como professora na rede privada e na Educação
Básica como professora de Ciências e Biologia na Rede Estadual, depois Lisiane Costa Claro
como Professora de Biologia nos Cursos Integrados do antigo Colégio Professora da Universidade Federal do Norte do Tocantins, no Campus
Técnico Industrial, vinculado à FURG e hoje, Campus Rio Grande do IFRS. de Tocantinópolis/TO. Professora permanente do Programa de Pós-Gra-
Organizou e atuou por 10 anos no Curso de Formação Pedagógica para duação em Ensino em Ciências e Saúde, no Campus de Palmas da Uni-
graduados no Campus Rio Grande, onde atua como convidada em atividades versidade Federal do Tocantins (PPGECS/UFT). Doutora pelo Programa de
específicas. Atualmente é integrante do Grupo de Pesquisa em Educação Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio
Profissional e Tecnológica - GPEPT do Campus Rio Grande. Participante Grande - PPGEA FURG, na linha de Fundamentos da Educação Ambiental.
do Grupo de Estudos em História, Educação e Artes (GEPHEA/UFT) e do Mestrado em Educação (PPGEdu/FURG) na linha de Linguagens, Culturas
Coletivo Leitoras de Paulo Freire na França. E-mail: cleivacti@gmail.com. e Utopias. Formação em Pedagogia e História (Licenciatura e Bacharelado).
Pesquisadora e vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História,
Gracilene dos Santos Educação e Artes (GEPHEA). E-mail: lisiane.claro@mail.uft.edu.br.
Mestra em Ensino em Ciência e Saúde (PPGECS) pela Universidade Federal
do Tocantins, Campus de Palmas. Pós-Graduada em Metodologia do Ensino Lorrany Conceição Dias
de Filosofia e Sociologia pela Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz. Estudante do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Norte do
Pós-Graduada em Gestão do Trabalho Escolar pela Universidade Federal do Tocantins (UFNT), Campus de Tocantinópolis; Bolsista voluntária do Projeto
Tocantins (UFT). Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Inventário das mães estudantes: contribuições às políticas institucionais no
do Tocantins(UFT). Graduada em Educação do Campo com habilitação em contexto do Ensino Superior em uma perspectiva de Educação Popular.
Artes e Música pela UFT. Foi bolsista do Programa Institucional de Monitoria E-mail lorrany.dias@mail.uft.edu.br
Indígena (PIMI) da UFT. Participa do Grupo de Pesquisa em Artes Visuais e
Educação (GPAVE/CNPq) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Lucas da Silva Carneiro
Educação e Artes (GEPHEA/UFT/UFNT). E-mail: nandatoc23@gmail.com. Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Tocantins - UFT
(2020). Atuou como bolsista no Programa Institucional de Bolsa de Inicia-
Juliane Gomes de Sousa ção à Docência- PIBID (UFT/TOC). Participou do Programa Institucional
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Tocantins - UFT de Monitoria-PIM, como monitor da disciplina de Estágio da Educação
(2017). Graduada em Pedagogia - Universidade Federal do Tocantins Infantil (Creche e Pré-Escola). E-mail: llukas.g4@gmail.com.
(2015). Foi professora efetiva nas séries iniciais do ensino fundamental
(2017). Atualmente é professora efetiva da Universidade Federal do Norte Mara Pereira da Silva
do Tocantins UFNT/Câmpus de Tocantinópolis - Curso de Licenciatura Doutora em Letras: Língua e Literatura pela Universidade Federal do
em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música. Atua como Tocantins(UFT), Mestre em Música pela Universidade de Brasília (UNB),
editora assistente na Revista Brasileira de Educação do Campo (RBEC). possui Graduação em Licenciatura Plena em Música pela Universidade

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DIÁLOGOS DESDE O NORTE DO TOCANTINS BREVE CURRÍCULO DOS AUTORES

do Estado do Pará (2009). Especialista em Metodologia no Ensino das (2019) da Universidade Federal do Tocantins. Integra o Grupo de Estudos
Artes pela Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER). Especialista em e Pesquisas em História, Educação e Artes - GEPHEA, UFT/UFNT. E-mail:
Educação Musical pela Universidade Cândido Mendes (UCAMPROMINAS), rivaniauft@mail.uft.edu.br.
Especialista em Educação do Campo, Agroecologia e questões didáticas
pelo Instituto Federal do Pará (IFPA). Atualmente é professora de Música na Tainã Miranda de Souza
Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), lecionando no Curso Graduanda em Educação do Campo: Artes e Música na Universidade
de Licenciatura em Educação do Campo - Artes e Música de Tocantinó- Federal do Tocantins. Foi bolsista PIBIC/UFT no projeto Sociabilidade
polis. É integrante do comitê científico da Revista Brasileira de Educação e Sobrevivência às Margens do Rio Tocantins, foi bolsista PIVIC/UFT no
do Campo. Pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em História, projeto Mapeamento Social dos Acampamentos no Bico do Papagaio
Educação e Artes (GEPHEA/UFT/UFNT). Email: maramusic.uft@uft.edu.br. em situação de Conflitos Agrários: O caso do Acampamento Paulo Freire.
Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes -
Narla Liandra Pastora Vieira GEPHEA/UFT. E-mail: taina.miranda@mail.uft.edu.br.
Graduanda do curso de Licenciatura em Educação do Campo com Habili-
tação em Artes e Música pela Universidade Federal do Norte do Tocantins
(UFNT). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisa em História, Educação e
Artes - GEPHEA/UFT/UFNT. Foi bolsista PIBIC/CNPq/UFNT com o projeto
de pesquisa Fronteiras entre História e a Ficção a partir da Peça À Prova
de Fogo, de Consuelo de Castro. Trabalhou como monitora da disciplina
Filosofia da Educação. É membra do Centro Acadêmico Pe. Josimo - CAEC.
E-mail: liandraacad@hotmail.com.

Roberta Avila Pereira


Doutoranda em Educação Ambiental (PPGEA/FURG); Professora convidada
do curso de Ciências Sociais-Licenciatura da Universidade Federal do
Norte do Tocantins (UFNT) Campus de Tocantinópolis; Coordenadora do
Projeto Travessias: preparatório de acesso à pós- graduação; Pesquisadora
do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação e Artes (GEPHEA/
UFNT). E-mail: robertapereira@mail.uft.edu.br

Rivânia Souza da Silva


Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Tocantins. Foi
bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID)(2016-2017). Participou do grupo de pesquisa: Grupo Interdisciplinar
de Estudos e Pesquisas sobre Estado, Educação e Sociedade (GIEPEES)

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