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-- São
Paulo: Annablume; Fapesp, 2007.
DO CATOLICISMO AO PENTECOSTALISMO
“o catolicismo é sempre uma primeira referência quando a matéria é religião, porém uma
referência questionada. Se, por um lado, ser católico remete a uma auto-imagem positiva em
relação a um passado antigo no qual não se sabia sequer que trovões, relâmpagos e árvores
eram fenômenos da natureza e não divindades; por outro, ser católico era basicamente ouvir
falar sobre um Deus, porém um Deus impalpável e desconhecido, crer em um mundo sagrado
feito de imagens desprovidas de vida e de qualquer imanência divina e receber todas essas
informações de um humano, o padre, visto como uma espécie de filtro na relação dos Homens
com Deus. Isso, sem contar a permissividade no que tange às práticas de um católico, que
pode beber, fumar e até fazer festa de Turé sem comprometer-se frente à Igreja. Essa conduta
é vista pelos Palikur, ou melhor, pelo mundo evangélico, como licenciosa demais e não
condizente com a retidão que se espera de um crente” .p.188
“DE acordo com os Palikur, Deus pode comunicar-se por meio: das escrituras; da manifestação
em seres da natureza; dos sonhos; do canto que estimula, o mais radical de todos os modos de
comunicação com Deus, o batismo com o Espírito Santo. P. 188-189.
“? Afora as escrituras, todos os outros meios citados remetem a um referencial de
comunicação como mundo não humano extremamente xamânico” p.189
“A aproximação da comunicação do crente com Deus à relação do xamã com o mundo dos
espíritos permite pensar que a comunicação com Deus foi lida e configurada a partir de um
conhecimento e de práticas preexistentes. Tudo se passa como se qualquer pessoa pudesse ter
acesso a um mundo antes dominado principalmente pelo xamã. P. 189
“As Igrejas Assembléia de Deus são conhecidas por impor a seus fiéis regras rígidas de
conduta. P. 190.
“Cometer uma falta com a Igreja acarreta um sentimento de culpa que é individual e faz parte
da relação do indivíduo com Deus. Ao questionar sobre o modo pelo qual as pessoas
afastavam-se da Igreja, ouvi mais de uma vez de crentes fiéis e crentes afastados a mesma
resposta: não é a Igreja que afasta quem se desvia das normas, é o próprio “desviado” quem
se retira. P.193
“Aos olhos Palikur, a Bíblia Sagrada é a fonte para toda e qualquer explicação: seja sobre a
origem e o fim dos Homens e do Mundo, seja sobre o comportamento cotidiano do fiel. Ela é
uma espécie de guia de diretrizes para a vida dos humanos. A Bíblia é constantemente
escrutinada na busca de respostas e conforto para os infortúnios do dia-a-dia. Seguir seus
mandamentos, não somente os dez apresentados por Moisés, é o ideal do crente”. 197
“Portanto, não por acaso, as escrituras ocupam lugar central na celebração dos cultos, não
como adorno, mas como ferramenta principal, podendo ser manuseada por todos os fiéis. As
partes lidas no culto, de alguma maneira, no momento em que são recitadas, fazem sentido à
vida de quem as está lendo, disso advém o desejo de compartilhá-las com a comunidade dos
irmãos.p.197
“No plano cosmológico, os Palikur afirmam que a criação, a estruturação do universo e de tudo
que faz parte deste é obra de Deus. Costumam desdenhar das crenças de seus antepassados,
afirmando que não passavam de crendices, e citam como exemplo a crença na constituição do
universo em camadas. Hoje, afirmam saber que “o mundo é redondo” e não composto de
camadas como criam os antigos. No entanto, mantêm um vasto repertório de mitosque
revelam boa parte da cosmovisão indígena atualmente renegada. P.211
“Enfim, os xamãs são julgados pelos crentes Palikur como principais protagonistas da
incapacidade que tinham de viver em uma sociedade harmônica, entenda-se, sem guerras,
brigas e mortes. P.221
“O que me parece importante reter é que, apesar de os xamãs serem vistos como
desagregadores da sociedade e que as práticas xamânicas sejam de modo consciente
condenadas, o universo xamânico não desapareceu, permanece muito presente, seja nos
discursos, nas práticas de cura como a manipulação de ervas, o uso de encantações e sopros.
Isso sem mencionar o lado xamânico manifesto na religião pentecostal. Considero então que,
ao apontarem os xamãs como grandes vilões, como aqueles que os impedia de ter uma vida
social mais intensa e próxima, os Palikur estão mostrando uma espécie de “bode expiatório”
para os problemas que consideram afligi-losp.224
“O perdão é apresentado por todos como uma peça chave para o estabelecimento da religião
evangélica, elemento estratégico capaz de oporse ao estado anterior, simbolizado pela
vingança e todo o universo designificados relacionado a ela (xamanismo, festas, caxiri, brigas,
mortes, etc.)”
“É o Espírito Santo que constrói a ponte entre práticas xamânicas e cristãs. Como dito, é Ele
que permite à humanidade “viajar por outros mundos” e, com isso, experimentar brevemente
uma vida que será eternamente vivida após a morte. De modo significativo, esta vida pós-
morte será gozada em um paraíso assaz parecido com um longínquo mundo primordial
Palikur, cujas histórias de destruição e recriação de mundos sucessivos são apresentadas como
um amálgama de mitologia e cosmologia Palikur-cristã. P. 237
“A resposta imediata dos Palikur à pergunta sobre o que os teria motivado a aderirem à
religião evangélica é a da substituição da vingança pelo perdão para uma vida terrena mais
tranqüila. Porém a resposta revelada no modo pelo qual concebem o ser crente é mais ampla,
contempla um universo de conhecimentos ancestrais, os quais parecem ter fornecido
ressonância para o entendimento da religião cristã. O tema tratado de modo fundamental no
processo de evangelização foi certamente a vida após a morte. Uma vida eterna brevemente
experimentada na Terra, vista através de uma pequena fresta, no batismo com o Espírito
Santo. P, 237