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(Organizadoras)

Vilma Nunes da Silva Fonseca


Magda Bahia Schlee
Vania Lúcia Rodrigues Dutra

LINGUÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL:
DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA

Araguaína
2023
Dedicamos esta obra a todos
os nossos colegas, professores
e pesquisadores, e a todos os
nossos alunos, de graduação e
de pós-graduação, que, como
nós e ombro a ombro, têm-se
dedicado a investigações na área do
funcionalismo sistêmico-funcional,
visando a uma descrição e a um
ensino mais produtivos da Língua
Portuguesa.
REITORIA Eroilton Alves dos Santos
Airton Sieben Superintendente de Infraestrutura
Reitor pro tempore Clarete de Itoz
Natanael da Vera-Cruz Gonçalves Araújo Superintendente de Tecnologia da Informação
Vice-reitor pro tempore Andressa Ferreira Ramalho Leite
Kênia Ferreira Rodrigues Superintendente de Comunicação
Pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Roberto Antero da Silva
Denise Pinho Pereira Diretor do Centro de Ciências
Pró-reitora de Planejamento, Orçamento Integradas (Cimba) - CCI
e Desenvolvimento Institucional Andressa Francisca
José Manoel Sanches da Cruz Diretora do Centro de Ciências Agrárias - CCA
Pró-reitor de Assuntos Estudantis Fernando Holanda Vasconcelos
Warton da Silva Souza Diretor do Centro de Ciências da Saúde - CSS
Pró-reitor de Finanças e Execução Orçamentária Marco Aurélio Gomes de Oliveira
Andréia de Carvalho Silva Diretor do Centro de Educação,
Pró-reitora de Gestão e Humanidades e Saúde- CEHS
Desenvolvimento de Pessoas Meirilane Leocadio
Braz Batista Vas Diretora do Sistema de Bibliotecas da UFNT
Pró-reitor de Graduação Joana Marcela Sales de Lucena Agradecimentos
Rejane Cleide Medeiros de Almeida Coordenação da Editora Universitária - EDUFNT
Pró-reitora de Extensão, Cultura
e Assuntos Comunitários Agradecemos à Universidade Federal
Conselho Editorial do Norte do Tocantins (UFNT) a
Adriano Lopes de Souza   |  Alesandra Araújo de Souza
César Alessandro Sagrillo Figueiredo  |  Joaquim Guerra de Oliveira Neto oportunidade de divulgar o trabalho
Mara Pereira da Silva  |  Rozana Cristina Arantes  |  Ruy Ferreira Da Silva que vem sendo desenvolvido por
Capa: Editora da Universidade Federal do Norte do Tocantins estudiosos da Linguística Sistêmico-
Projeto gráfico de miolo: Zeta Studio
Funcional em diversas universidades
brasileiras, aqui representadas pelas
UFNT, UFSM, UNIFESP, UNICat e UERJ.

ISBN:
PREFÁCIO

A coletânea de textos que compõe a obra Linguística


Sistêmico-Funcional: descrição e análise linguística
apresenta uma versão reduzida do Dossiê Linguística Sistê-
mico-Funcional: diálogo entre teoria e prática, publicada na
Revista Entreletras v. 13 n. 1 (2022), fruto do trabalho das mes-
mas organizadoras desta obra. Este é o resultado do encontro
feliz entre as organizadoras desta obra, encontro que se deu
por meio dos estudos em Linguística Sistêmico-Funcional
(LSF), que, além de possibilitar avanços na compreensão da
língua como atividade social, contribuindo para o desenvol-
vimento dos estudos linguísticos de uma forma geral, ainda
aproxima pessoas.

Ironicamente, em um momento em que estávamos for-


çosamente reclusos, por imposição da pandemia de Covid-19,
foi quando mais se viajou pelo país e pelo mundo, por meio da
participação em lives e eventos acadêmicos – o que propiciou
gratas surpresas. Uma delas foi a aproximação entre a UFNT e

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PREFÁCIO

a UERJ, que gerou alguns trabalhos conjuntos, entre eles, este impõe, avançando para a análise dos textos. Venha conosco,
livro, que, por força de seus limites estruturais, não pôde trazer então. E boa leitura!
todo o conjunto de artigos que compuseram o referido Dossiê.
As organizadoras
Assim, alguns critérios foram observados para reunir os
textos aqui apresentados. Os artigos escolhidos teriam de compor
um conjunto de exemplos de aspectos diversos da abordagem
funcionalista da linguagem na vertente sistêmico-funcional. Na
coletânea, deveria haver trabalhos que abrangessem a descrição
e o ensino de Língua Portuguesa e trabalhos que trouxessem
resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito dos Programas
de Pós-Graduação da UFNT e da UERJ.

Chegou-se, assim, a este conjunto de textos que, além


de cumprir essas exigências, tem, como autores e coautores,
integrantes do Grupo de pesquisa da base do CNPq Sistêmica,
Ambientes e Linguagem (SAL), que envolve pesquisadores de
diferentes universidades nacionais e se dedica à descrição e ao
ensino da Língua Portuguesa, tendo como parâmetro a Gra-
mática Sistêmico-Funcional (GSF) (HALLIDAY, 1985; 1994;
HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Com uma ampla
produção de dissertações e teses nos cursos de pós-graduação e
muitos artigos e livros publicados, entre os quais este se inclui,
o Grupo SAL vem contribuindo para fomentar e difundir a LSF
por todo o país, o que tem contribuído, também, para a esfera
escolar, em especial para o trabalho com a leitura e a produção
de textos em Língua Portuguesa.

Por fim, este livro, que reúne trabalhos realizados a partir


da abordagem teórico-metodológica da LSF, será, certamente, de
grande valia para quem busca compreender a função e os usos da
língua, para além dos limites estruturais que o estudo da frase

8 9
APRESENTAÇÃO

E m artigo seminal de 1970 sobre a teoria de descrição grama-


tical que veio a desenvolver em parceria com pesquisadores
da Universidade de Sidney e de Macquarie, Michael Alexander
Kirkwood Halliday postula que “a natureza da língua está inti-
mamente relacionada com as necessidades que lhe impomos,
com as funções que deve servir”. A partir desse pressuposto,
Halliday desenvolve uma teoria geral de funcionamento da lin-
guagem humana, concebida a partir de uma abordagem descritiva
baseada no uso linguístico, a Linguística Sistêmico-Funcional
(doravante LSF).

A LSF concebe a linguagem, e a língua, portanto, como


um instrumento de interação social. A língua, para Halliday,
é um sistema sociossemiótico à disposição dos usuários para
a construção de significados a partir das escolhas que nele se
fazem. É, assim, não apenas uma teoria de descrição gramatical,
cujos princípios constituem a Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF), mas também um modelo de análise textual, uma vez que

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA APRESENTAÇÃO

fornece descrições plausíveis sobre os modos e as razões pelas teorias afins como respaldo teórico. A obra que ora se apresenta
quais uma língua varia em função dos falantes que a utilizam e propõe-se a ser mais uma delas.
dos contextos de uso em que é empregada.
O primeiro capítulo desta coletânea, de autoria de Sara
A teoria sistêmico-funcional, por sua ampla possibilidade Regina Scotta Cabral (UFSM), intitulado O QUE É ENCAI-
de aplicação, tem servido de base para pesquisas em diferentes XAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL,
países e tem sido enriquecida sistematicamente por sua apli- objetiva expor como se constitui o encaixamento (HALLIDAY;
cação a línguas diversas. No Brasil particularmente, é notório MATTHIESSEN, 2004; 2014), mecanismo semogênico empre-
o aumento das pesquisas que têm como aporte teórico a LSF. gado para definir, delimitar ou especificar termos de uma oração
Segundo Vian Jr. e Souza (2017), em nosso país, os primeiros ou mesmo funcionar como Núcleo de um grupo.
centros de pesquisa a desenvolverem trabalhos na área foram
O capítulo seguinte, SIGNIFICADOS EXPERIEN-
a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Pontifícia
CIAIS E INTERPESSOAIS EM UMA CARTILHA DE
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Universidade
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE ACOLHIMENTO, de
Federal de Minas Gerais (UFMG), e, a partir dos programas de
autoria de Lorilei de Moraes Gugelmim (UFSM) e Cristiane
pós-graduação dessas universidades, passou-se a formar pes-
Fuzer (UFSM), articula estudos da linguagem na perspectiva
quisadores hoje atuantes nas cinco regiões do país e a ampliar
sistêmico-funcional ao contexto de Português como Língua
os estudos na área. Na sequência, muitas outras instituições
de Acolhimento, com o objetivo de evidenciar, por meio da
passaram a desenvolver pesquisas em LSF e teorias afins. É
análise de realizações léxico-gramaticais de transitividade,
o caso da UFSM, UNIFESP, UFRGS, UFCat, UFT, UFNT,
funções de fala e modalidade, significados que constroem o
PUC-Rio, UERJ.
campo e as relações em um material didático de Português
Ainda segundo os autores, outro marco importante para a como Língua de Acolhimento. 
difusão dos estudos sistêmico-funcionais foi a criação da Asso-
INTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES DE
ciação de Linguística Sistêmico-Funcional da América Latina
INGLÊS, de autoria de Fabíola Sartin (UFCat) e Orlando Vian
(ALSFAL), em 10 de abril de 2004, em Mendoza, na Argentina,
Jr. (UNIFESP), é o terceiro capítulo desta coletânea e intenta
como parte da First Latin American Regional Conference on
discutir a Afiliação estabelecida em comentários publicados
SFL. A ALSFAL congrega, hoje, pesquisadores dos diferentes
em blogs de professores de inglês e sua relação com o sistema
países da América Latina e promove o intercâmbio entre eles
de Avaliatividade.
e pesquisadores de outras partes do mundo. Como corolário
natural do aumento do número de pesquisas na área, cresceu No capítulo quarto, Bruna Maria Vasconcelos Trindade
significativamente o número de publicações que têm a LSF e ou Bispo (UERJ) e Magda Bahia Schlee (UERJ), no capítulo

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA APRESENTAÇÃO

sexto, intitulado SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E colaborar para a análise consistente de diferentes gêneros tex-
EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO NO NINHO DO URUBU tuais. Esperamos que apreciem a leitura e possam tirar dela o
- UMA ANÁLISE SISTÊMICO-FUNCIONAL, apresentam máximo de proveito.
uma reflexão acerca da estrutura gramatical Tema nos gêneros
notícia e editorial de jornal, seguindo a orientação da Linguística As organizadoras
Sistêmico-Funcional, no âmbito da metafunção textual.

No quinto capítulo, PARA ALÉM DA SUBORDINA-


ÇÃO – A REALIZAÇÃO LÉXICO-GRAMATICAL DE
RELAÇÕES CONJUNTIVAS CAUSAIS NA LITERATURA
INFANTIL E JUVENIL, Luiz Eduardo Cardoso Caldas
(UERJ) e Vania Lúcia Rodrigues Dutra (UERJ) investigam
a realização léxico-gramatical de relações conjuntivas causais
na perspectiva sistêmico-funcional em narrativas literárias
infantis e juvenis, do ponto de vista da descrição e do ensino
de Língua Portuguesa. 

Fechando o volume, Adonelson Nascimento Damascena


(UFNT) e Vilma Nunes da Silva Fonseca (UFNT), autores de
ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO
PARA EXPOSIÇÃO DE UM PONTO DE VISTA EM ARTIGOS
DE OPINIÃO, descrevem e analisam como a desconstrução e
a leitura detalhada, duas fases do programa Ler para Aprender
(ROSE; MARTIN, 2012), propiciaram a análise das variáveis do
contexto de situação e colaboraram para a exposição de pontos
de vista em artigos de opinião produzidos por uma turma da 2°
série do Ensino Médio.

A leitura integral da obra permite não só o contato com


os princípios básicos da teoria sistêmico-funcional, mas também
a aplicação desses princípios a diferentes gêneros. É, pois, um
convite à reflexão e ao reconhecimento de como a LSF pode

14 15
SUMÁRIO

O que é mesmo encaixamento em


19
Linguística Sistêmico-Funcional?
Significados experienciais e interpessoais em uma
51
cartilha de português como língua de acolhimento
Interação em blogs de professores de inglês um diálogo
81
entre a teoria da afiliação e o Sistema de Avaliatividade
Significados textuais em notícia e editorial
sobre o incêndio no Ninho do Urubu: 113
uma análise sistêmico-funcional
Para além da subordinação: a realização
léxico-gramatical de relações conjuntivas 145
causais na literatura infantil e juvenil
Análise das variáveis do contexto de situação para
179
exposição de um ponto de vista em artigos de opinião
Sobre as organizadoras 217
Índice remissivo 219

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O QUE É ENCAIXAMENTO
EM LINGUÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL?

SARA REGINA SCOTTA CABRAL1

INTRODUÇÃO

A gramática sistêmico-funcional define o complexo oracional


como o “domínio mais extenso da modelagem gramatical”
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 549). O complexo ora-
cional está organizado em termos de sistemas e estruturas lógicas
e recursivas, ao mesmo tempo que contribui para a organização
de sequências e parágrafos retóricos de um texto. As orações que
compõem um complexo relacionam-se entre si por meio de dois
sistemas: o sistema de taxe (parataxe e hipotaxe) e o sistema de
relações lógico-semânticas (expansão e projeção). A par desses
dois sistemas, um terceiro agrega valor a componentes da oração:
é o encaixamento.1

1 Pós-Doutora em Linguística Aplicada e Estudosda Linguagem. Docente do Curso


de Letras e da Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM, RS).

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

O encaixamento é “um mecanismo semogênico pelo qual Também podemos citar Gouveia (2012), que examinou redações
uma oração ou sintagma passa a funcionar como constituinte de alunos do ensino fundamental em Portugal, concluindo
dentro da estrutura de um grupo, que em si é um constituinte que as orações encaixadas influenciam a densidade lexical
de uma oração” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 491). e a intricacia gramatical dos textos. Taher (2015), com base
Segundo a Linguística Sistêmico-Funcional2 (HALLIDAY, 1994; em Halliday e Matthiessen (2004), desenvolveu um trabalho
HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014), o encaixamento comparativo em traduções de textos técnicos em inglês para
pode ocorrer tanto no interior dos grupos como no interior de o persa, abordando orações hipotáticas e encaixadas e con-
orações. Quando no interior do grupo, é representado por col- cluiu que tanto a hipotaxe quanto o encaixamento são mais
chetes simples – [ ]; quando no interior da oração, é representado significativamente claros para os leitores do que as orações
por colchetes duplos - [[ ]]. que não apresentam esses recursos. Yuliastuti (2017) analisou
complexos oracionais na Constituição de 1945 da República
Podemos citar alguns estudos brasileiros sobre encaixa-
da Indonésia, reiterando que a oração encaixada tem função
mento de orações na perspectiva sistêmico-funcional. Lírio (2009)
de ser substituinte em uma sentença e não, constituinte dela.
abordou as relações lógico-semânticas em um panfleto instru-
Além disso, o uso da oração encaixada é necessário para tor-
cional e fez algumas considerações sobre as orações relativas.
nar o grupo nominal mais claro. Kim, Heffernan e Jing (2016)
Farencena (2016) e Nunes (2018) desenvolveram estudos sobre
buscaram explorar a diferença de posição das orações relativas
as relações lógico-semânticas em artigos de opinião e editoriais
em línguas diferentes, a qual afeta o trabalho de tradução, a
da Folha de São Paulo respectivamente, explorando o papel que
exemplo das diferentes versões feitas d’O Pequeno Príncipe
tais orações exercem na construção dos gêneros. Já Schmidt,
para o inglês, o chinês e o coreano.
Chagas e Cabral (2019) enfocaram especificamente o mecanismo
de encaixamento e seu papel semântico em uma carta ao gover- Tendo em vista que o encaixamento tem sido motivo de
nador do Rio Grande do Sul e constataram a necessidade de os interesse de discentes, docentes e pesquisadores de LSF, o obje-
missivistas clarificarem os termos empregados no documento, tivo deste artigo é expor aos leitores as diversas possibilidades
a fim de evitarem generalizações. de encaixamento, no nível acima da oração (HALLIDAY, 1994;
HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014), em língua portuguesa.
Fora do Brasil, a combinação de orações em comple-
Para tanto, foram reunidos 58 discursos proferidos por deputados
xos oracionais foi examinada por Matthiessen (2001), que
federais durante o mês de março de 2020, logo após a imposição
afirma que algumas orações relacionais podem servir como
do isolamento social decorrente da epidemia do Coronavírus no
“hospedeiras” para algumas orações encaixadas, em que os
Brasil. Os textos foram submetidos à ferramenta computacional
participantes são representados por meio de nominalizações.
Voyant.tools, de modo a buscarmos as mais diferentes realizações
2 Doravante LSF. de orações encaixadas nas falas dos parlamentares.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Para atingirmos nosso objetivo, organizamos este texto A oração [[que vá ao encontro do anseio popular e das
em mais quatro seções, além desta Introdução. Apresentamos, necessidades do nosso País]] pode ser substituída por favorável
inicialmente, uma breve teorização sobre a visão hallidayana ao anseio popular e às necessidades do nosso País. Nesse caso,
de encaixamento oracional. Logo após, expomos a metodolo- o grupo projeto favorável ao anseio popular e às necessidades
gia empregada na pesquisa e discorremos sobre os resultados do nosso País constitui a Meta do processo material fazer. Como
obtidos na investigação, apresentando análises ilustrativas de visto em (1), o encaixamento sofre uma mudança de classificação
complexos oracionais com orações relativas. A seção final traz pela qual a oração marcada com colchetes duplos passa a fun-
as considerações finais de nossa investigação. cionar dentro da estrutura do grupo como um Pós-Modificador
de projeto. Assim, a oração encaixada não pode ser separada
do Núcleo do grupo nominal, porque é usada para expandir a
1 ENCAIXAMENTO DE ORAÇÕES
informação desse Núcleo. A oração “hospedeira” (MATTHIE-
SSEN, 2001) também é chamada de “superordenada” por Bloor
O encaixamento, como mecanismo semogênico, é muito
e Bloor (2004).
utilizado quando empregamos a linguagem escrita. Também
presente na linguagem oral, embora em menor quantidade São três as funções exercidas por uma oração encaixada:
(EGGINS, 2004), não se alinha aos sistemas de taxe ou de rela-
ções lógico-semânticas característicos do complexo oracional, a) Pós-Modificador de grupo nominal (no exemplo 1);
porque não constitui uma oração de per se. Mesmo assim, é b) Núcleo de um grupo nominal (ou seja, como uma nominali-
denominada “oração”, porque apresenta Sujeito, verbo, Com- zação ou como um Epíteto);
plementos e Adjuntos (EGGINS, 2004). Isso é compreensível, c) Pós-Modificador de grupo adverbial.
na medida em que esse tipo de mecanismo faz com que a oração
sofra mudança de nível, ao ser rebaixada para o nível do grupo. Os excertos a seguir constituem os outros dois tipos de
O exemplo 1 demonstra essa mudança. encaixamento.

Ex.1: “... fazer um projeto [[que vá Ex.2: “... aquelas pessoas, se saírem das ruas,
ao encontro do anseio popular e das não vão ter [[o que comer]]”. (Almeida, 2. 31.03)
necessidades do nosso País]]”. (Aro, 26.03)3
Ex.3: “Diferentemente [[do que diz o Presidente
da República]], não é uma gripezinha, não
é uma histeria,...”. (Guimarães, 26.03)
3 A identificação dos deputados autores dos discursos será informada na seção
“Procedimentos metodológicos”.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

No exemplo 2, [[o que comer]] pode ser substituído por Em (4), a oração encaixada [[Quem votou em você, Presi-
comida, alimento, e no exemplo 3, [[do que um salário mínimo dente,]], em posição inicial, exerce a função de Experienciador
= do que é o salário mínimo]] funciona como Pós-Modificador do processo mental achou. Em (5), a oração [[que estão pre-
de recurso maior. São, portanto, orações encaixadas. sentes em plenário, os Vice-Líderes Deputados Juscelino Filho
e Deputado Luís Miranda]] está intercalada e cumpre o papel
Quanto à posição, as orações encaixadas podem ser iniciais,
de Pós-Modificador de os Deputados. Por sua vez, a oração [[o
mediais e finais. Bloor e Bloor (2004) informam que as relativas
que receber]], finalizando (6), é o Ente Possuído do processo
sem posposição são mais frequentes na linguagem escrita formal,
relacional possessivo terá.
e que as relativas pospostas são mais típicas da linguagem falada
informal. Ainda para os mesmos autores (2004), é possível encon- Como o sistema de taxe se realiza por expansão e por
trar mais orações pospostas com função de Sujeito na linguagem projeção, o mecanismo de encaixamento comporta-se do mesmo
formal do que encontrá-las no discurso casual. O comprimento modo, mas com restrições. Entretanto, é importante que nos
das orações Sujeito também é observável: quanto mais longa e lembremos que parataxe e hipotaxe são relações entre orações,
complicada for a oração, é mais provável que ela seja posposta. enquanto o encaixamento é uma relação que ocorre no nível dos
grupos ou sintagmas.
A seguir, constam excertos que mostram os possíveis
lugares do encaixamento nas sentenças. A seguir, expomos casos de encaixamento por expansão.

Ex.4: “[[Quem votou em você, Presidente,]] 1.1  Encaixamento por expansão


achou que você iria melhorar a vida
dos brasileiros”. (Verri, 31.03) Ao expandir orações, o encaixamento tem por finalidade
definir, delimitar ou especificar (HALLIDAY; MATTHIESSEN,
Ex.5:“Quero deixar o restante do nosso
2004; 2014). Desse modo, a expansão encaixada realiza-se como
tempo, pouco mais de 3 minutos, para
os Deputados [[que estão presentes em
uma oração relativa definidora (também denominada restritiva),
plenário, os Vice-Líderes Deputados Juscelino já que “[s]ua função é especificar qual membro ou membros da
Filho e Deputado Luís Miranda]], para que classe designada pelo substantivo principal (...) é ou está sendo
complementem esta fala”. (Efraim Filho, 26.03) referido” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 493).

Ex.6: “Nós já estamos chegando ao dia 5, o dia


A oração relativa definidora por expansão tem por função
do pagamento, e a maioria dessas pessoas elaborar, estender ou intensificar um termo da oração a que se
não terá [[o que receber]]”. (Zarattini, 31.03) refere.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Em (8), || que é esse programa de renda mínima de 3 meses


1.1.1 Elaboração
|| constitui uma oração dependente da anterior e não encaixada.
4

A oração relativa definidora é introduzida por um pronome Apesar de constituir uma elaboração, ela é descritiva, não definidora
relativo (que, o(a)(s) qual(is)) ou qualquer outro marcador relativo. e não restritiva, uma vez que não há a possibilidade de pertencer
Essa oração pode ser finita (em que o relativo está presente) ou ao grupo nominal a (questão) transitória, impedimento esse feito
não finita (em que o relativo está implícito). O efeito obtido por pelo emprego da vírgula. Na oração elaboradora hipotática (=β),
uma oração relativa não finita é a simplificação da compreensão a pontuação é a marca que distingue as hipotáticas elaboradoras
dos textos e a maior brevidade no tempo da leitura (TAHER, das encaixadas elaboradoras (HALLIDAY; MATTHIESSEN,
2015). A seguir apresentamos, no exemplo 7, um caso típico de 2004; 2014; TAHER, 2015)
elaboração por oração encaixada finita.
Orações encaixadas não finitas não apresentam o pronome
relativo, mas mantêm a função de definidoras, delimitadoras
Ex.7: “...mas hoje, devido a este projeto
[[que estou relatando]], está ainda mais
ou especificadoras. As não finitas podem ocorrer com verbos
claro para mim o motivo ...”. (Aro, 26.03) de aspecto perfectivo, imperfectivo ou neutro. Nestes casos, é
importante que façamos a agnação da oração encaixada, para que
Em (7), [[que estou relatando]] é um Pós-Modificador compreendamos seu significado. A seguir, apresentamos alguns
do grupo nominal este projeto que, por sua vez, pertence a um exemplos de Pós-Modificação por meio de orações relativas.
grupo preposicional. A função do encaixamento, em (7), é fazer
Ex.9: “Hoje cedo ele foi o primeiro
a delimitação do documento a que o deputado está se referindo
[[a me ligar]]...” (Aro, 26.03)
no momento de sua fala.

Podemos comparar e observar comportamento diferente da Ex.10: “...que seja esse o valor [[a ser
oração relativa no excerto (8), em que não ocorre encaixamento, efetivamente pago a essas famílias durante
este período de caos]]...”. (Sampaio, 26.03)
mas elaboração hipotática.

Ex.11: “... votar aqui matérias [[voltadas


Ex. 8: “Esta é a questão permanente,
para a saúde]]...” (Juscelino Filho, 26.03)
|| mas existe a transitória, || que é
esse programa de renda mínima de 3
meses ||...”. (Benevides Filho, 26.03)

4 O sinal || indica divisão de orações. A representação linear de (8) é 1 ^ +2 (α ^ =β),


conforme as orientações de Halliday e Matthiessen (2004; 2014).

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

No excerto (9), temos uma oração não finita [[a me ligar]], nome (alguém, uma pessoa com fome, por exemplo). No excerto
cujo agnato perfectivo é [[que me ligou]], em que o Deputado (13), [[que eles possam ser feitos]] também é o Portador do Atri-
Aro faz menção a uma conversa telefônica sua com o Deputado buto fundamental, e em (14) [[que nós temos um Presidente da
Eduardo Barbosa (o primeiro). Já em (10), o imperfectivo se dá República]] é o Identificador do Identificado a questão. Halliday
pela oração encaixada [[a ser efetivamente pago a essas famílias e Matthiessen (2004; 2014) caracterizam esse tipo de construção
durante este período de caos]], cujo agnato é [[que será pago a como temáticas equativas.
essas famílias durante este período de caos]] e que delimita o
No mesmo complexo oracional, encontramos um segundo
valor (de mil reais), anteriormente citado na fala de Sampaio. Em
encaixamento, este funcionando como Pós-Modificador de um
(11), por sua vez, o agnato de [[voltadas para a saúde]] é [[que
Presidente da República. Os encaixamentos sobrepostos, ou seja,
se voltem para a saúde]], de aspecto neutro, que funciona como
um dentro do outro, são comuns quando desejamos especificar
Pós-Modificador de matérias, especificando-as.
vários itens presentes no complexo oracional formulado.
Além da função de Pós-Modificador de grupo nominal, a
A seguir, passamos ao exame do encaixamento por extensão.
oração encaixada pode também exercer o papel de Núcleo nomi-
nal, ao elaborar orações. Isso ocorre normalmente com orações
que iniciam com o que, quem, aquele(a)(s) que, qualquer um 1.1.2 Extensão
que, qualquer coisa que, dentre outros.
O encaixamento por extensão é do tipo definição e ocorre
Ex.12: “[[Quem tem fome]] tem quando empregamos os relativos cujo(a)(s), que indicam posse,
pressa”. (Almeida, 31.03) esta nem sempre apenas de objetos materiais. A posse pode ser
de propriedade concreta ou abstrata. Os excertos (14) e (15)
Ex.13: “É fundamental [[que eles contemplam extensão encaixada.
possam ser feitos]]”. (Gass, 31.03)
Ex.14:“Considera-se incapaz de prover. a
Ex.14: “A questão é [[que nós temos um manutenção da pessoa com deficiência
Presidente da República [[que joga do ou idosa a família [[cuja renda mensal per
outro lado]] ]]...” (Correia, 31.03) capita seja: I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto)
do salário mínimo, até 31 de dezembro de 2020;
Funcionando como Núcleos nominais, as orações encaixadas II - igual ou inferior a 1/2 (meio) salário mínimo,
a partir de 1º de janeiro de 2021.]]...” (Aro, 26.03)
passam a exercer a função de participantes de uma oração assim
como a LSF a vê. Em (12), [[Quem tem fome]] é o Portador de
uma oração relacional atributiva e pode ser substituída por um

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Ex.15: “... em um País [[cujas dificuldades não. Quando finita, o relativo pode ser que, em que, no(a)(s)
todo mundo conhece]]”. (Andrade, 26.03) qual(is), onde, dentre outros.

Por meio dos relativos cuja e cujas, em (14) e (15) o Ente Ex.16: “. V.Exa. também deu um jeito
Possuído funciona como Pós-Modificador de família (renda) e de de levantar recurso [[de onde não
País (dificuldades), a primeira concreta, e a segunda mais abstrata. havia nada]]...”. (Andrade, 26.03)

Na próxima seção, discorremos sobre a intensificação Ex.17: “. Ele parece um quinta-coluna


encaixada. nessa guerra [[em que nós estamos em
relação ao coronavírus]]”. (Correia, 31.03)

1.1.3 Intensificação
Ex.18: “... porque V.Exa. deu um
Na intensificação encaixada, a relação que se estabelece jeito [[de mobilizar a equipe desta
entre o substantivo Núcleo e a oração relativa é uma relação Casa]]...” (Andrade, 26.03)
circunstancial (tempo, lugar, modo, causa ou condição). Dois
tipos de construções são possíveis: Os excertos (16) e (17) trazem, por meio de seus relativos,
o traço circunstancial de lugar em orações finitas. Em (18), a
a) aquelas em que o sentido circunstancial está localizado na oração não finita pode ser interpretada como portadora do traço
oração encaixada; de modo/meio.
b) aquelas em que o sentido circunstancial está localizado no A oração encaixada não finita corresponde à finita, embora
próprio substantivo Núcleo do grupo nominal. apresente alguma variante no grupo preposicional; pode ter
aspecto imperfectivo com gerúndio (exemplo 19), mas, segundo
Em ambos os tipos, a oração encaixada pode ser finita Halliday e Matthiessen (2014), as mais típicas são as orações de
ou não finita. “destino” com para em (20).

Ex.19: “a solução [[sendo experimentada


1.1.3.1  Oração encaixada intensificadora
agora]]” (Halliday; Matthiessen, 2014)5
com significado circunstancial
A oração relativa definidora por intensificação traz, em
Ex.20: “... apoiar projetos de lei [[para
seu interior, um traço circunstancial de tempo, lugar, causa ou ajudar a população]]”. (Almeida, 26.03)
outro tipo qualquer, expresso pelo relativo, preposicionado ou
5 Tradução realizada por não se encontrar exemplo no corpus analisado.

30 31
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Não podemos confundir esse tipo de oração encaixada não no substantivo a que a oração encaixada se refere. Esses subs-
finita com as intensificadoras hipotáticas de causa-razão. Devemos tantivos apresentam traços semânticos de tempo, lugar, modo,
lembrar sempre as condições para que se construa um encaixamento: causa-razão, causa-propósito e causa-resultado, o que os excertos
pós-modificação de Núcleo nominal, Núcleo em um grupo nominal (23 a 27) apresentam respectivamente. Tais orações podem ser
ou pós-modificação de grupo adverbial. Em (19) e (20), [[sendo finitas (23, 24 e 25) ou não finitas (26 e 27).
experimentada agora]] e [[para ajudar a população]] funcionam
como Pós-Modificadores de solução e de projetos de lei. Ex.23: “... este é um dos projetos mais
importantes que estamos votando,
Orações comparativas e resultativas também são consideradas neste momento [[pelo qual o Brasil
como encaixadas. Neste tipo de oração intensificadora, pode haver está passando]]”. (Juscelino, 26.03)
algum elemento Pré-Modificador como seu domínio semântico
estrito, tipicamente Numerativo ou Epíteto num grupo nominal, Ex.24: “Infelizmente, houve a primeira
ou um Pré-Modificador intensificador num grupo adverbial. morte na cidade [[onde eu moro,
Ribeirão Preto]].” (Rossi, 26.03)

Ex.21: “...nunca teve por parte do Estado


um olhar tão específico [[como tem a Ex.25: “... o Parlamento e o Governo Federal
partir dessa proposta]]”. (Barbosa, 26.03) chegaram juntos a uma solução [[que vem
acolher o povo brasileiro, principalmente
os mais necessitados.]]” (Kicis, 26.03)
Ex.22: “... é tão ignorante [[que não fala dos
30% de brasileiros e brasileiras [[que não têm
água tratada]] ]]...”. (Melchionna, 26.03) Ex.26: “... está ainda mais claro para mim o
motivo [[de eu estar aqui...]]” (Aro, 26.03)

No excerto (21), há uma ocorrência de oração encaixada


Ex.27: “Quero parabenizá-lo pela coragem
por comparação, enquanto (22) apresenta uma oração encaixada
e determinação [[em manter o Congresso
resultativa. As orações encaixadas deste tipo referem-se a mais, Nacional aberto]]...” (Gonzalez, 26.03)
como; demais, tal, não... suficiente, então.
Os grupos nominais este momento (23), a cidade (24), a
1.1.3.2  Oração encaixada em que o traço
solução (25), o motivo (26), coragem e determinação indicam,
circunstancial está localizado no próprio
respectivamente, tempo, lugar, causa-resultado, causa-razão e
substantivo Núcleo do grupo nominal
causa-propósito.
Este tipo de oração relativa definidora apresenta o traço
circunstancial não na oração encaixada propriamente dita, mas

32 33
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Na subseção 1.2, apresentamos um tipo de oração denomi- relacional é, diferentemente de [[o que mais se ouve]], em (29),
nada por Halliday e Matthiessen (2004; 2014) Macrofenômeno. que é o Identificado da oração. Em (30), a oração encaixada [[o
que quiser]] é a Meta do processo material gastar, enquanto,
1.2  Atos em (31), a oração relativa [[Quem tem um idoso em casa]] é o
Experienciador do processo mental sabe.
Atos são nomes de ações que se referem a ações, eventos
A seguir, expomos casos de encaixamento por projeção.
ou fenômenos e são denominados por Halliday e Matthiessen
de “Macrofenômenos”. As orações encaixadas também podem
1.3  Encaixamento por projeção
exercer esta função, quando ocupam o lugar de Núcleo de sin-
tagmas nominais. Os autores identificam os atos como expansão
Além de fazer parte de nexos oracionais paratáticos e
do tipo elaboração de outra oração. Macrofenômenos, em forma
hipotáticos, a projeção também pode estar encaixada ao funcionar
de orações encaixadas, podem ocorrer junto a orações do tipo
como Qualificador dentro de um grupo nominal. Essa oração
relacional atributiva, relacional identificadora, material e mental.
encaixada é denominada por Halliday e Matthiessen (2014) de
Metafenômeno, uma vez que se associa a nomes advindos de
Ex.28: “Por isso, é importante
[[retardar o contágio generalizado processos verbais e mentais. Tais ocorrências são, ainda segundo
na sociedade]]”. (Freixo, 26.03) os autores, todas metafóricas gramaticalmente. Tanto locuções
como ideias podem ser encaixadas.
Ex.29: “... [[o que mais se ouve]] é exatamente
Esse tipo de projeção, segundo os autores, pode trazer
a dificuldade dos mais vulneráveis, no
caso, os mais pobres,...” (Miranda, 26.03) algumas contribuições para a construção do discurso: os subs-
tantivos que indicam projeção podem ser usados anaforicamente
Ex.30: “O Presidente Bolsonaro pode para se referir a passagens já estabelecidas no discurso e podem
gastar [[o que quiser]] para garantir a contribuir para a representação de argumentos em reportagens
saúde da população.” (Almeida, 31.03) de jornais e no discurso científico.

Ex.31: “[[Quem tem um idoso em casa]]


sabe [[o quanto isso fará diferença na 1.3.1  Projeção de processo verbal
vida da família]]”. (Leandre, 26.03)
O encaixamento por projeção de locuções ocorre quando
O excerto (28) tem, na oração encaixada [[retardar o a oração relativa definidora acompanha substantivos que se
contágio generalizado na sociedade]], o Portador do processo referem ao campo semântico dos processos verbais: afirmação,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

ameaça, argumento, boato, comando, consulta, declaração,


1.3.2  Projeção de processo mental
demanda, disputa, garantia, inquérito, insistência, instrução,
intimação, notícia, oferta, ordem, pedido, pergunta, promessa, O encaixamento por projeção de ideias ocorre quando a
proposição, proposta, relato, sugestão, súplica, dentre outros. oração relativa definidora acompanha substantivos que se refe-
O encaixamento ocorre como um Pós-Modificador de um grupo rem ao campo semântico dos processos mentais: conhecimento,
nominal, cujo Núcleo é um nome de locução. convicção, crença, decisão, descoberta, desejo, dúvida, espe-
rança, expectativa, ideia, inclinação, intenção, medo, noção,
Muitas vezes o Dizente congruente ou é deixado de fora
opinião, pensamento, previsão, resolução, sentido, sentimento,
no grupo nominal, ou pode ser representado como um Dêitico (a
suposição, suspeita, visão, dentre outros. O encaixamento ocorre
proposta deles de que...) ou como um Qualificador (a proposta
como um Pós-Modificador de um grupo nominal, cujo Núcleo
do governo de que...). Para Halliday e Matthiessen (2014, p. 534),
é um nome de ideia.
“[p]arte do poder retórico do grupo metafórico é o potencial para
deixar o Dizente não especificado”.
Ex.34: “De mãos dadas, Sr. Presidente, tenho
convicção [[de que nós poderemos superar
Ex.32: “... e depois tive a notícia da Assessoria
esta dificuldade do momento]]”. (Silva, 26.03)
da Mesa [[de que vários Parlamentos do mundo
pediram informações sobre o nosso case de
Ex.35: “Nós temos a esperança [[de que
sucesso hoje]]...” (Queiroz, 26.03)
rapidamente essas medidas (...) nós vamos
aprová-las aqui]]...”. (Hugo, 26.03)
Ex.33: “dar a elas uma garantia [[de
que pelo menos vão ter [[o que comer
durante esses dias]] ]].” (Santini, 26.03) Em (34), o substantivo convicção, que é uma metáfora
gramatical de processo mental, projeta a oração encaixada [[de
Em (32) e (33), as orações [[de que vários Parlamentos do que nós poderemos superar esta dificuldade do momento]]”; o
mundo pediram informações sobre o nosso case de sucesso hoje]] mesmo mecanismo semogênico ocorre em (35), em que [[de que
e [[de que pelo menos vão ter [[o que comer durante esses dias]] ]]” rapidamente essas medidas (...) nós vamos aprová-las aqui]]
são encaixamentos projetados pelos Núcleos de grupos nominais pós-modifica o substantivo esperança.
precedentes (notícia e garantia, respectivamente), uma vez que
funcionam como Pós-Modificadoras dos substantivos em questão. 1.4 Fatos
O excerto (33) traz um encaixamento – [[o que comer durante esses
dias]] –- aninhado no encaixamento principal e funcionando como Fatos são tipos de projeção em que a oração projetada
grupo nominal indicador de Ente Possuído (comida). é encaixada a um nome de um processo verbal ou mental em

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

um grupo nominal metafórico. O fato corresponde a uma Ex.38: “Isso é simplesmente uma
projeção que funciona como Qualificador de nomes factivos. demonstração para toda a sociedade
Há quatro subclasses de nomes factivos, segundo Halliday e [[de que o Parlamento está preocupado,
sim, com esta crise]]”. (Miranda, 26.03)
Matthiessen (2014): casos, chances, provas e necessidades.
Os três primeiros fazem parte de proposições encaixadas.
Ex.39: “Eu queria também, Sr. Presidente,
Necessidades pedem propostas encaixadas. Alguns nomes
aproveitando o tempo de Liderança do
considerados factivos são: Governo, reforçar a necessidade [[de nós
aprovarmos as reformas]]...”. (Hugo, 26.03)
- casos: acidente, campo, caso, fato, lição, ponto, princípio, regra;
- chances: certeza, chance, impossibilidade, possibilidade, Uma crítica a esse tipo de oração é feita por Taher (2015,
probabilidade; p. 97), para quem “parece que alguns verbos cognitivos podem
- provas: confirmação, demonstração, evidência, implicação, ao mesmo tempo projetar uma oração como incorporada ou
indicação, prova; hipotática. Assim, as cláusulas que são projetadas dessa maneira
- necessidades: dúvida, expectativa, necessidade, obrigação, são consideradas casos limítrofes de projeção”.
ônus, regra.
A seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos
realizados no exame do corpus.
As passagens a seguir apresentam exemplos de nomes
factivos (respectivamente casos, chances, provas e necessidades)
com orações encaixadas. 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Um dos interesses atuais de pesquisa do LabPort – Labora-


Ex.36: “E é muito importante o fato [[de
todos os partidos políticos, de maneira tório de Língua Portuguesa –, da Universidade Federal de Santa
suprapartidária, estarem encaminhando Maria, é a análise do discurso político (BOCHET et al, 2017)
o voto favorável]]...”. (Lopes, 26.03) em suas características textuais e semântico-discursivas. Como
as orações relativas exercem importante função na construção
Ex.37: “... é óbvio que os pobres, os dos discursos, na medida que são mecanismos de expansão e
trabalhadores e as mulheres são muito projeção de orações ou de termos das orações, houvemos por
precarizados e, lamentavelmente, têm
bem investigar como tal recurso semogênico se comporta no
mais possibilidade [[de se contaminarem
discurso de parlamentares brasileiros.
|| e não fazerem a adequação
necessária]]”. (Melchionna, 26.03)

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Para a constituição do corpus, foram selecionados 58 A próxima seção apresenta os achados e traz análises
discursos proferidos por Deputados federais brasileiros no completas de alguns complexos oracionais considerados signi-
mês de março, período inicial da pandemia do Coronavírus no ficativos para este estudo.
Brasil, tema este que movimentou todos os setores da sociedade
na ocasião e provocou grande polarização de opiniões no país
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
todo e no mundo. Os textos foram retirados do site https://www.
camara.leg.br/ – Câmara dos Deputados, onde localizamos o
A detecção efetuada pelo programa Voyant.tools demonstrou
link “Assuntos” e posteriormente seguimos as abas “Corona-
a presença, no corpus, de 33.150 tipos diferentes de palavras e
vírus” e “Discursos”. Os textos encontrados no mês de março
1.115 sentenças das mais diversas configurações – orações sim-
de 2020 foram proferidos em apenas dois dias – 26 e 31 de
ples ou complexos oracionais, com densidade lexical entre 0,798
março –, ocasião em que houve assembleia on line. O período
e 0,301 por discurso. O total de encaixamentos encontrados foi
é significativo, uma vez que no dia 31 de março de 2020 foi
de 932, assim distribuídos segundo sua natureza: 740 Pós-Mo-
publicada pelo Ministério da Saúde a Portaria Nº 356, de 11
dificadores de grupo nominal (PMGN), 13 Pós-Modificadores
de março de 2020 (BRASIL, 2020), estabelecendo medidas
de grupo adverbial (PMGAdv) e 179 orações como Núcleo de
para o enfrentamento da emergência de saúde pública. Para
grupo nominal (NGN), conforme mostra a Figura 1.
fins de identificação das fontes, cada texto foi rotulado com o
sobrenome do parlamentar, seguido da data do proferimento Figura 1: Orações relativas definidoras no corpus
do discurso na Câmara. Por exemplo: (Aro, 26.03) indica que
o discurso é de autoria de Marcelo Aro, na sessão de 26 de Orações relativas definidoras no corpus
março de 2020.
20%
O corpus foi então submetido à ferramenta Voyant.tools, que
1%
fez a identificação e o cômputo geral das ocorrências de relativos
em orações finitas e não finitas. A seguir, estes foram agrupados
conforme a natureza do encaixamento (Pós-Modificador de grupo
79%
nominal, Pós-Modificador de grupo adverbial e Núcleo de grupo
nominal). O passo seguinte foi computar as ocorrências de expan-
PMGN PMGAdv NGN
são e de projeção, detalhadamente como elaboração, extensão,
intensificação, projeção de nomes oriundos de processos verbais e Fonte: Dados do corpus
de processos mentais. Uma leitura final e detalhada do corpus foi
realizada, a fim de conferir os resultados obtidos.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

Dentre as relativas Pós-Modificadoras de grupo nominal, Figura 2: Quantitativo de expansão e de projeção no corpus
foram consideradas tanto as que funcionam como Qualificado-
res com pronomes relativos (o(a) qual(is), onde, cujo(a)(s), que) Quantitativo de expansão e de projeção
quanto aquelas que constituem grupos preposicionais (de que
or.-fato
(qual, quais), de quem, com que, em que) indicadoras de posse
mental
e ou de algum traço circunstancial. A baixa ocorrência de Pós-
verbal
-Modificadores de grupo adverbial já era esperada, uma vez que
intensificação
são mais raros na fala e na escrita.
extensão
Quanto às orações que funcionam como Núcleo de grupo
el aboração
nominal, foram incluídas todas aquelas que exercem alguma
0 100 200 300 400 500 600 7 00 800 900
função de participante na oração: seja como Ator, Experienciador,
expansão projeção
Portador ou Atributo da oração seguinte, seja como Atributo,
Identificado ou Meta da oração anterior. Fonte: Dados do corpus

No que tange à frequência de ocorrências de expansão e de


projeção, a primeira é muito mais frequente, já que é a forma mais A Figura 2 oferece algumas reflexões. Comparada à Figura
simples pela qual o mecanismo de encaixamento se realiza. Foram 1, os resultados são coerentes, na medida em que a elaboração é
encontradas 869 ocorrências de expansão, assim distribuídas: a forma mais simples e mais comum de se fazer encaixamentos.
804 de elaboração, 4 de extensão e 61 de intensificação. Quanto Ao fazerem uso da elaboração, os parlamentares precisam definir,
à projeção encaixada, apenas 31 ocorrências foram localizadas, delimitar ou especificar os substantivos e expressões empregados,
distribuídas em 7 oriundas de nominalizações verbais e 24 de uma vez que grandes decisões estão em suas mãos e influenciarão
nominalizações mentais. As orações-fato, que são um tipo de a vida de muitos brasileiros. O tema discutido nas duas sessões
projeção, atingiram 32 ocorrências. referia-se ao estabelecimento do valor do auxílio emergencial a
ser fornecido pelo governo federal às pessoas com dificuldades
A Figura 2 permite visualizar os resultados obtidos. financeiras devidas ao impacto violento da pandemia no país.

Por outro lado, a pequena quantidade de projeções encaixadas


tem a ver com a preferência dos parlamentares por empregarem
processos verbais e mentais em lugar das metáforas nominais.
Assim, é preferível empregar falar, dizer, responder, pergun-
tar, afirmar, concordar, entre outros, em detrimento de fala,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

resposta, pergunta, afirmação, concordância, dentre outros. O O excerto (40) é o caso em que uma oração simples (um
mesmo ocorre com os processos mentais projetantes: pensar, simplex) apresenta uma oração relativa – [[que eles queriam
acreditar, saber, ver, decidir, dentre outros, embora haja uma aprovar]], que especifica o substantivo projeto. Por ter a função
pequena diferença a mais em prol destes últimos. de Pós-Modificadora do grupo nominal o projeto, não constitui
uma oração de per se, mas um Qualificador no nível dos grupos.
A expansão por extensão foi pouco empregada, uma
vez que se realiza com os relativos de que(m) e cujo(a)(s), este
Não tenho dúvida [[de que este é um dos projetos mais
último muito raramente empregado no português cotidiano. A 41 importantes [[que estamos votando]] ]]. (Juscelino Filho, 26.03)
expansão por extensão se realiza especificamente nos casos em Oração simples [[ [[ ]] ]]
que a relativa indica posse.
O excerto (41) também é uma oração simples, uma vez que
A expansão por intensificação tem um número um pouco
apresenta dois encaixamentos, um contido no outro. A oração
maior de ocorrências, já que indica tempo, lugar, causa-razão,
relativa [[de que este é um dos projetos mais importantes]] modifica
causa-propósito, causa-resultado, importantes na argumentação
o substantivo dúvida. Entretanto, mais adiante, a oração [[que
dos parlamentares em favor do aumento do auxílio emergencial
estamos votando]], por sua vez, modifica o substantivo projetos.
às famílias.

Na seção 3.1, alguns exemplos de análise de orações e Ninguém aqui está livre de ter um familiar seu vítima dessa
complexos podem auxiliar a compreensão da estrutura e da doença, e não importa a idade ou a classe social. (Molon, 26.03)

função das relativas no discurso. 42 Ninguém aqui está livre [[de ter um e não importa a idade
familiar seu vítima dessa doença]], ou a classe social
1 [[ ]] +26
3.1  Análises ilustrativas

No complexo oracional (42) há duas orações que se ligam


A título de ilustração, seguem análises de algumas orações
por extensão paratática, identificadas com os algarismos 1 e 2. Na
simples e outros complexos oracionais pertencentes ao corpus.
primeira oração, há um encaixamento, em que a oração relativa
Para tal, empregamos caixas chinesas, a exemplo do que Halliday
definidora [[de ter um familiar seu vítima dessa doença]] elabora
e Matthiessen (2014) apresentam.
o Atributo livre. Por ser da classe dos adjetivos, livre pode ser
considerado um grupo nominal. A representação linear de (42)
O projeto [[que eles queriam aprovar]] era o da suspensão dos
contratos sem pagamento de salários. (Solla, 31.03) é 1 [[ ]] ^ +2.
40
Oração simples [[ ]]
6 Os algarismos, letras e sinais empregados na análise de oração são apresentados
em Halliday (1994) e Halliday e Matthiessen (2004; 2014).

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

O excerto (44) apresenta, na primeira oração do complexo,


Com essa transitoriedade dada pelo meu projeto de lei, nós uma oração relativa – [[que mais precisam]] –, a qual especifica
teremos condição de transpor esse impasse, e, a partir do ano
[[que vem]], a lei que aprovamos com o corte de meio salário quem são aqueles que receberão significativas alterações. A
mínimo entrará em vigor. (Barbosa, 26.03) segunda oração traz um aninhamento de duas outras orações,
43 Com essa transitoriedade e, a partir do ano [[que vem]], cuja relação lógico-semântica é de projeção hipotática. A confi-
[[dada pelo meu projeto de a lei [[que aprovamos com o
lei]], nós teremos condição corte de meio salário mínimo]] guração linear de (44) é α [[ ]] ^ xβ (α ^ ”β).
[[de transpor esse impasse]], entrará em vigor.
1[[ ]] [[ ]] +2 [[ ]] [[ ]] O que nós queremos é que todos os projetos aqui aprovados
em prol da sociedade sejam sancionados o mais rápido
possível, para que a população seja atendida da forma como
Em (43), temos um complexo oracional em que as orações se ela espera. (Miranda, 31.03)
ligam por extensão paratática. Na primeira oração, há duas relativas [[O que nós queremos]]
definidoras não finitas: [[dada pelo meu projeto de lei ]] define 45 é [[que todos os projetos
para que a população seja
[[aqui aprovados em prol
transitoriedade e [[de transpor esse impasse]] especifica condição. da sociedade]] sejam
atendida da forma [[como ela
espera]].
Já na segunda oração, [[que vem]] especifica ano e [[que aprovamos sancionados o mais rápido
possível]],
com o corte de meio salário mínimo]] define a lei a que o deputado
se refere. A configuração linear de (43) é 1[[ ]] [[ ]] ^ +2 [[ ]] [[ ]]. α [[ ]] [[ [[ ]] ]] xβ [[ ]]

Ele traz significativas alterações, principalmente para aqueles que Duas orações constituem o complexo oracional (45), as
mais precisam, em especial, Sr. Presidente, quando diz que mais quais se ligam por intensificação hipotática de causa-propósito.
de um idoso da família pode ser beneficiado pelo BPC. (Leandre,
26.03) A primeira apresenta três encaixamentos. O primeiro – [[O
Ele traz significativas que nós queremos]] é o Identificado do processo é. Os dois
alterações, em especial, Sr. Presidente, quando restantes estão aninhados – [[que todos os projetos [[aqui
principalmente para diz || que mais de um idoso da família
aqueles [[que mais pode ser beneficiado pelo BPC. aprovados em prol da sociedade]] sejam sancionados o mais
44 precisam]],
rápido possível]]. A segunda oração, que é intensificadora

hipotática, traz um encaixamento comparativo, Pós-Modifi-
que mais de
em especial, um idoso da
cador do grupo nominal a forma. A sequência linear de (45)
α [[ ]] Sr. Presidente, família pode ser é α [[ ]] [[ [[ ]] ]] ^ xβ [[ ]].
quando diz beneficiado pelo
BPC Após exemplificarmos a análise de algumas orações sim-
Α ”β ples e de alguns complexos, passamos às considerações finais.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA O QUE É ENCAIXAMENTO EM LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL?

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS


BOCHET, Amanda Canterle et al. Concepções de discurso político: caminhos
para uma discussão teórica. Revista Moara. n. 47, jan-jun 2017. Disponível
Este texto teve por objetivo apresentar as possibilidades em: <https://periodicos.ufpa.br/index.php/moara/article/view/4229/4453>
que o mecanismo de encaixamento oferece para a construção de BLOOR, Thomas; BLOOR, Meriel. The functional analysis of English: a
complexos oracionais em língua portuguesa. Foram selecionados Hallidayan approach. 2. ed. London: Arnold, 2004.
58 pronunciamentos de parlamentares, uma vez que se pretendia BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://www.camara.leg.
br/> Acesso em: 30 abr.2022.
examinar como as orações relativas definidoras se comportam no
BRASIL. Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 356, DE 11 DE MARÇO DE 2020.
discurso político brasileiro. Os resultados apontados indicaram Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº
alta frequência de orações pós-modificadoras de grupos nominais, 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para
as quais definem, delimitam ou especificam outras orações. É enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). 2020. Disponível em:
importante frisar que, ao realizarem as funções de expansão e <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20
de projeção, as encaixadas não funcionam como constituintes n%C2%BA%20356-20-MS.htm> Acesso em: 30 abr. 2022.
de uma sentença devido a seu rebaixamento ao nível do grupo EGGINS, Suzanne. An introduction to systemic functional linguistics. 2. ed.
London: Continuum, 2004.
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Sendo assim, não
FARENCENA, Gessélda Somavilla. Artigo de opinião como macrogênero:
entram na contagem das orações no complexo, aumentando a
relações lógico-semânticas na perspectiva sistêmico-funcional. 2016. 305p.
densidade lexical e diminuindo a intricacia gramatical (GOU- Tese (Programa de Pós-Graduação em Letras) – Universidade Federal de
VEIA, 2012). Santa Maria, RS. 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/
handle/1/22406?show=full>
O uso desse mecanismo semogênico tornou-se bastante GOUVEIA, Carlos M. Aspectos do uso de orações encaixadas num corpus de
necessário nas manifestações dos Deputados, uma vez que, em desenvolvimento da escrita no ensino básico. In: COSTA, Maria Armanda;
DUARTE, Inês Duarte. Nada na linguagem lhe é estranho: homenagem a
sessões da Câmara, o nível de discussão, detalhamento e condi- Isabel Hub Faria. Porto: Edições Afrontamento, 2012. p. 197-213.
cionalidade era extremamente delicado e sensível a críticas em HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. An introduction to functional
tempos de polarização política e desorientação quanto à Covid- grammar. 2. ed. London: Edward Arnold, 1994.
19. Ademais, o documento que estava sendo redigido precisaria HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood; MATTHIESSEN, Christian Mathias
Ingemar Martin. An introduction to functional grammar. 3. ed. London:
cumprir a devida tramitação até chegar à Presidência da República.
Hodder Education, 2004.
Neste texto foi explorada a função lógica da metafunção HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood; MATTHIESSEN, Christian Mathias
Ingemar Martin. An introduction to functional grammar. 4. ed. London:
ideacional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; 2014). Tra- Arnold. 2014.
balhos futuros poderão ser realizados no sentido de explorar o HAYMAN, John; THOMPSON, Sandra A. Clause combining in grammar and
potencial interpessoal e textual das orações relativas em língua discourse. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1998.
portuguesa na perspectiva sistêmico-funcional.

48 49
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA

KIM, Mira; HEFFERNAN, Jason; JING, Bosheng. Translation choices of


embedded clauses: a systemic functional linguistics perspective. The
SIGNIFICADOS
Journal of Translation Studies. v. 17, n. 4, 2016. p. 11-49.  EXPERIENCIAIS E
LEITE, Sebastião Carlos. Orações subjetivas: variância e invariância de padrões INTERPESSOAIS
na fala e na escrita. Revista da ABRALIN, v.10, n.1, p. 87-111, jan.-jun. 2011.
LÍRIO, Carlos José. Uma investigação das relações lógico-semânticas em um EM UMA CARTILHA DE
panfleto instrucional anti-racista. Anais do SILEL. v. 1. Uberlândia: EDUFU, PORTUGUÊS COMO LÍNGUA
2009.
DE ACOLHIMENTO
MATTHIESSEN, Christian Mathias Ingemar Martin. Combining clauses into
clause complexes: a multi-faceted view. In: BYBEE, Joan; NOONAN, Michael.
Complex Sentences in Grammar and Discourse: Essays in Honor of Sandra
A. Thompson. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 2001. LORILEI DE MORAES GUGELMIM1
NUNES, Glívia Guimarães. Relações lógico-semânticas na organização CRISTIANE FUZER2
sequencial da argumentação em textos: um estudo sistêmico-funcional.
2018. 209p. Tese (Programa de Pós-Graduação em Letras) - Universidade
Federal de Santa Maria, RS. 2018. Disponível em: <http://www.isfla.org/
Systemics/Print/Theses/GuimaraesNunes.pdf> INTRODUÇÃO
SCHMIDT, Ana Paula Carvalho; CHAGAS, Nédilã Espíndola.; CABRAL, Sara

D e acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados


Regina Scotta. Encaixamento como recurso de significado linguístico em
uma Carta Aberta ao Senhor Governador. Linguagem: Estudos e Pesquisas.
(CONARE), em matéria divulgada no site do Alto Comissa-
Goiânia, v. 22, n. 2, 2019. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/lep/
article/view/57508> Acesso em: 20 abr. 2022. riado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 2020), a
TAHER, Nahid. A comparative study of hypotactic sentence structure and população refugiada no Brasil é bastante diversificada, chegando
embedded structures in English technical texts and their Persian aproximadamente a 50 mil pessoas de 55 países diferentes.
translations: a case study of “Principles of Geotechnical Engineering” and its
three Persian translations. 2015. 177 p. Tese. (School of Foreign Languages
Desses, 90% são venezuelanos. A ONU define refugiados como
Department of English)- Sheikhbahaee University, Ispaã, Irã, 2015. pessoas que estão fora de seu país natal em virtude de fundados
YULIASTUTI, Retno. Clause complex analysis in the 1945 Constitution of temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião,
the State of the Republic of Indonesia. 2017. 154 p. Tese (English Study nacionalidade, opinião pública, ou pertencimento a um deter-
Program Faculty of Humanities) – Universitas Dian Nuswantoro, 2017.
minado grupo social e, também, por motivo de violação grave e
generalizada de direitos humanos (ACNUR, 2018).1 2

1 Mestra em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora do


Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), câmpus São Miguel do Oeste.
2 Pós-doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Mestra e Doutora em Letras pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), com estágio doutoral na Faculdade
de Letras de Lisboa, Portugal. Graduada em Letras. Professora Associada do

50 51
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

Há, também, imigrantes que não se enquadram nas Nesse contexto de deslocamentos forçados, surgiu o
condições previstas pela legislação brasileira para o reconhe- termo Língua de Acolhimento, a princípio em Portugal, por
cimento da situação de refúgio e, por isso, recebem o visto meio do Programa “Portugal acolhe – Português para Todos”,
humanitário, instituído como um meio de proteção comple- em 2007, em decorrência especialmente do fenômeno social das
mentar ao refúgio. Esses grupos representam os três fluxos correntes migratórias da África e Ásia para Portugal, no qual o
migratórios mais numerosos da atualidade no Brasil: do Haiti aprendizado da língua era prioritário para a obtenção do visto
após o terremoto que assolou o país em 2010; da Síria devido de refúgio. No Brasil, o termo PLAc tem sido usado como uma
à guerra civil, e da Venezuela em decorrência da grave crise vertente do Português como Língua Adicional (PLA), termo
humanitária. que começou a ser utilizado na Linguística Aplicada no país
por volta de 2008 e 2009 e se refere a uma língua adicional ao
Em linhas gerais, imigrantes e refugiados provenientes
repertório do aluno que irá usá-la para a sua comunicação em
de deslocamentos forçados precisaram abandonar seu lugar
imersão na comunidade linguística e cultural. Como o termo
de pertencimento, sua cultura, na maioria das vezes deixando
língua adicional não contempla as especificidades inerentes
seus familiares e amigos em seu país de origem. Ademais, ao
ao contexto de deslocamentos forçados, tem-se usado o termo
chegarem ao país que os recebe, precisam enfrentar inúmeras
PLAc para dar destaque a esse contexto específico. Segundo
dificuldades, dentre as quais destacamos a inserção linguística.
Grosso (2010), o conceito de língua de acolhimento não se
De acordo com a pesquisa Migrantes, Apátridas e Refu- refere apenas a aspectos linguísticos e culturais, mas também
giados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a aspectos emocionais e subjetivos inerentes ao contexto de
realizada em 2015, em parceria com o Ministério da Justiça, deslocamentos forçados.
a principal barreira encontrada por esse público é o domínio
Esse contexto é focalizado, no presente trabalho, a partir
da língua. A inserção linguística possibilita ao imigrante e
do arcabouço teórico da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF),
refugiado meios para se comunicar e interagir, o que lhe dá
que tem como base a Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday
autonomia e contribui para o acesso e a permanência no mer-
(1994) e de Halliday e Matthiessen (2004, 2014) que alicerçam as
cado laboral e, consequentemente, proporciona sentimentos
análises neste estudo. Um dos princípios basilares dessa teoria é o
de pertencimento, dignidade e cidadania. A língua é, por
de que contextos precedem textos, e textos possibilitam previsões
conseguinte, o principal instrumento mediador nesse processo
sobre contextos (HALLIDAY; HASAN, 1985).
de integração social.
Nessa perspectiva teórico-metodológica, este estudo
contempla aspectos do contexto social que envolve refugiados,
Departamento de Letras Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Coordenadora do programa de considerando a análise de realizações léxico-gramaticais das
extensão Ateliê de Textos na UFSM desde 2011.

52 53
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

variáveis contextuais campo e relações nos textos presentes em tuições, convenções sociais, práticas entre outros. O contexto
uma cartilha de Português como Língua de Acolhimento em de situação, envolvendo uma situação em particular, é descrito
contexto brasileiro. O objetivo é evidenciar, por meio da aná- a partir de três variáveis: campo, relações e modo (HALLI-
lise de realizações léxico-gramaticais, significados ideacionais DAY, 1989). O campo se refere ao que está acontecendo, à
experienciais interpessoais que constroem o campo e as relações natureza da atividade sociossemiótica e aos objetivos aos quais
em um material didático que se propõe a ensinar os “primeiros a linguagem se propõe em determinado contexto. A variável
passos linguísticos” (FEITOSA et al., 2015) para a integração relações se refere aos participantes na situação, quais os papéis
dos refugiados no Brasil. que desempenham e a relação entre eles. A variável modo se
refere ao papel desempenhado pela linguagem (constitutiva,
facilitadora), ao meio (escrito ou falado) e ao canal (fônico ou
1 PRINCÍPIOS DA LINGUÍSTICA
SISTÊMICO-FUNCIONAL
gráfico) (Halliday; Matthiessen, 2014). Cada variável contex-
tual está intrinsicamente relacionada a uma metafunção da
A Linguística Sistêmico Funcional (doravante LSF), que linguagem: a variável campo está relacionada à metafunção
tem como premissas a teoria sociossemiótica de Halliday (1978, ideacional; a variável relações à metafunção interpessoal, e a
1989), oferece ferramentas para descrição e análise da linguagem variável modo à metafunção textual (HALLIDAY, 1989). Tendo
em uso nos mais diversos contextos sociais. Nessa perspectiva, como base os conceitos de Halliday e Matthiessen (2004),
o texto é concebido como unidade real de comunicação dotada Fuzer e Cabral (2010, p. 21) explicam que “metafunções são
de significado e produzido por um falante/escritor em uma as manifestações, no sistema linguístico, dos propósitos que
situação de interação; é admitido como parte de rotinas sociais estão subjacentes a todos os usos da língua: compreender o
inseridas em um contexto cultural mais amplo (HALLIDAY, meio (ideacional), relacionar-se com os outros (interpessoal)
1989). Nessa perspectiva, texto e contexto são indissociáveis. e organizar a informação (textual)”.
Eggins (2004, p. 7, tradução nossa) destaca que “o contexto Segundo Halliday e Matthiessen (2014), os valores de
está no texto: o texto traz consigo, como parte dele, aspectos campo ressoam os significados ideacionais, realizados no
do contexto em que foi produzido e, presumivelmente, no qual estrato léxico-gramatical pelo sistema de transitividade, e os
poderia ser considerado adequado”. valores de relações os significados interpessoais, que envolvem
Para Halliday (1978), o potencial de significado de qualquer as funções de fala realizadas por modos oracionais e o sistema
texto é definido pelo contexto em dois níveis: de cultura e de de modalidade.
situação. O contexto de cultura está relacionado ao ambiente O sistema de transitividade se refere à maneira como
sociocultural, abrangendo crenças, valores, ideologias, insti- falantes/escritores usam a língua para expressar experiências

54 55
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

do mundo material (ações e eventos desencadeados por atores) Quadro 1 – Tipos de processos e participantes em orações3
e do mundo interior, da consciência (lembranças, reações, TIPOS DE
PARTICIPANTES EXEMPLOS4
reflexões e estados de espírito). Por isso, nesse sistema, a PROCESSO

oração é vista como representação de uma figura semântica, A senhora deve retirar o seu RNE
Ator
que se constitui de processo, participantes e circunstâncias. aqui mesmo [...]

Os processos são realizados tipicamente por grupos verbais Meta


A senhora deve retirar o seu RNE
aqui mesmo [...]
associados a tipos de processos pelos quais as experiências
humanas são representadas, dos quais três são considerados Escopo- Para dar respaldo às vítimas,
processo existe a Lei Maria da Penha.
principais: materiais, mentais e relacionais e três secundários:
Escopo-
verbais, comportamentais e existenciais. Os participantes, Material entidade
Coloque seus dados [...]
por sua vez, realizados tipicamente por grupos nominais, são Pessoas que deixam mochilas nas
Beneficiário
entidades envolvidas no processo, pessoas ou coisas, seres recebedor
costas no corredor atrapalham
quem está tentando passar!
animados e inanimados. Por fim, as circunstâncias, realizadas
por grupos adverbiais ou preposicionais, indicam o modo, o Beneficiário Permita-me que eu leve a
cliente senhora até uma das mesas.
tempo, o lugar, a causa, a duração etc. em que o processo se
Roberto trabalhava de
desdobra. Na configuração processo- participante e circuns- Atributo
cozinheiro no seu país.
tância, o processo é o elemento central, na qual há pelo menos
Caso use cartão para fazer
um participante inerente. Processo e participantes formam o Mental
pagamentos, evite que alguém
perceptivo
centro experiencial da oração, enquanto elementos circuns- veja o número da senha

tanciais são opcionais (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Mental Você sabia o que é Disque
cognitivo Direitos Humanos?
Experienciador
O Quadro 1 apresenta exemplos de processos e respecti- Incomoda a todos quando a
Mental
vos participantes no contexto de excertos extraídos do corpus emotivo
Fenômeno pessoa escuta música sem fones
de ouvido!
deste estudo.
Havia punição com penas
Mental corporais para quem discordasse
desiderativo da religião imposta pelos
colonizadores.

3 Os exemplos presentes foram extraídos de excertos da cartilha Pode entrar: Por-


tuguês do Brasil para Refugiadas e Refugiados, de Feitosa et al. (2015), que constitui
o universo de análise desta pesquisa.
4 Em negrito, são destacados os processos, e em itálico os participantes.

56 57
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

TIPOS DE
papéis de fala, a negociação de atitudes, a interação entre os
PARTICIPANTES EXEMPLOS4
PROCESSO participantes. De acordo com Thompson e Thetela (1995), os
Portador participantes são classificados em participantes na interação
Relacional O crime de discriminação
intensivo Atributo religiosa é inafiançável. e participantes no texto, chamados pelos autores de “escritor-
-no-texto” e “autor-no-texto”. Os participantes na interação
Identificado As chaves em um chaveiro
Relacional são aqueles que evidenciam uma interação entre quem produz
pequeno com a bandeira do Haiti
possessivo Identificador são de Daniel. o texto e a quem se dirige o texto.
Rel. Portador A seção de achados e perdidos é
circunstancial no segundo andar.
A relação entre os participantes se constrói na léxico-
Atributo
-gramática no nível da oração como uma troca de informações
Comportante [...] [você] tenha cuidado para (proposição) ou de bens e serviços (proposta), na qual dar implica
Comportamental
preservar a sua segurança.
Comportamento receber, e solicitar implica dar em resposta (HALLIDAY; MAT-
[Você] Peça para o médico THIESSEN, 2014). A troca de bens e serviços ocorre quando
Dizente escrever todas as instruções de o que se está solicitando é um objeto ou uma ação; nesse caso
tratamento.
a linguagem é auxiliar no processo. A troca de informações
Verbiagem Onde [eu] posso solicitara CTPS?
ocorre quando se diz algo esperando obter uma informação;
Verbal [Você] Peça para o médico
Receptor escrever todas as instruções de
nesse caso a linguagem é o fim e também o meio, pois a resposta
tratamento. esperada é a verbal. Essas duas categorias (papel de troca e
Sim, mas o Cássio não para de me valores trocados) definem as quatro funções primárias de fala:
Alvo
chamar de gorda [...] oferta, comando, declaração e pergunta. As funções de fala
Até 1976, havia uma lei na podem ser realizadas por diferentes modos oracionais que lhes
Bahia que obrigava templos de
Existencial Existente
matriz afro a se cadastrarem na são típicos. O modo interrogativo realiza perguntas e ofertas;
delegacia. o declarativo realiza declarações, e o imperativo os comandos
Fonte: Elaboração com base em Halliday e Matthiessen (2014). (FUZER; CABRAL, 2014).

Alternativamente, um modo oracional típico de uma fun-


Além de representar nossas experiências exteriores e
ção pode ser usado com outra função – como, por exemplo, o
interiores, a língua também é usada para estabelecer, manter
comando ser realizado no modo interrogativo o que configura
e até mesmo romper vínculos comunicativos entre as pessoas.
o que Halliday e Matthiessen (2014) denominam de metáfora
De acordo com Halliday e Matthiessen (2014), a metafunção
gramatical interpessoal. Os autores explicam que há duas formas
interpessoal realiza a variável contextual relações, que diz
de indicar comando, uma direta pelo modo oracional imperativo
respeito ao uso da língua para a adoção e a atribuição de

58 59
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

e outra indireta por comandos modalizados no modo oracional 2 METODOLOGIA DE ANÁLISE


declarativo ou interrogativo.
Este estudo apresenta como universo de análise o mate-
O sistema de modalidade, conforme Halliday e Matthie-
rial didático Pode entrar: Português do Brasil para Refugiadas
ssen (2014), é um recurso interpessoal utilizado para expressar
e Refugiados (FEITOSA et al., 2015) direcionado ao ensino e
opinião em graus intermediários entre os polos sim e não,
aprendizagem de PLAc. O referido material foi produzido pelo
havendo vários níveis de indeterminação situados entre às vezes
Curso Popular Mafalda, o Alto Comissariado das Nações Uni-
ou talvez. A modalidade varia conforme o tipo de troca. Em
das para Refugiados (ACNUR) e a Caritas Arquidiocese de São
proposições, ocorre modalização, que pode ser probabilidade
Paulo. Segundo as autoras, o propósito do material didático é
e usualidade; em propostas, ocorre modulação, que pode ser
auxiliar refugiadas e refugiados “a darem os primeiros passos
obrigação e inclinação.
para a sua integração ao nosso país” (FEITOSA et al., 2015, p.3).
Em português, tanto a probabilidade quanto a usualidade O material está disponível para download gratuito.
podem ser expressas por diversos recursos léxico-gramaticais: por
Para o corpus de análise, foram selecionados os textos
um operador modal finito no grupo verbal (pode, deve); por um
factuais5, cujo propósito sociocomunicativo é informar, de
adjunto modal de probabilidade ou habitualidade (possivelmente,
acordo com estudos descritivos de gêneros de textos da Escola
talvez, certamente, frequentemente, sempre, eventualmente); por
de Sydney (MARTIN; ROSE, 2008; ROSE; MARTIN, 2012). O
grupos adverbiais (sem dúvida, com certeza, às vezes, com fre-
Quadro 2 traz indicadores dos textos que constituem o corpus.
quência), e por expressões como é possível, é provável, é certo
(FUZER; CABRAL, 2014). Quadro 2 – Corpus de análise

Em uma proposta, há dois tipos de modulação, dependendo CAPÍTULO TEXTO SEÇÃO/TÍTULO


da função de fala, se comando ou oferta. Em um comando, 1 1.1 Diálogo
os pontos intermediários representam graus de obrigação:
1 2 Você sabia?
permitido a, necessário a, obrigatório a. Em uma oferta, eles
3 Formulários
representam graus de inclinação: disposto a, ansioso para,
4 4 Você sabia?
determinado a.
5 5 Você sabia?
Com base nesses princípios da teoria sistêmico-funcional
6 6 Você sabia?
hallidayana, foram organizados os procedimentos metodológicos
para análise do funcionamento da linguagem em textos de uma
cartilha usada para o ensino de PLAc no Brasil. 5 Uma análise de textos que instanciam gêneros que compartilham o propósito de
informar é feita por Gugelmim (2021).

60 61
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

CAPÍTULO TEXTO SEÇÃO/TÍTULO


• identificação dos participantes no texto e participantes na
interação;
7 7.4 Dicas importantes na cidade!
• análise das ocorrências das funções primárias de fala (decla-
7 7. 5 Alimentos processados e
8
ultra processados ração, pergunta, oferta e comando) e da forma como são
apresentadas (proposições e propostas);
8 9 Você sabia?
• análise do sistema de modalidade com a identificação das
10 9.5 No ônibus
9 ocorrências de modalização e modulação.
11 Você sabia?
10 12 10.3 Leitura 3 SIGNIFICADOS EXPERIENCIAIS E
11 13 11.5 O direito ao voto no Brasil INTERPESSOAIS NO CORPUS
14 12.3 Direitos Humanos
12 Partindo da premissa de que os 15 textos se caracterizam
15 Você sabia?
por apresentar informações ao público-alvo, haja vista ter sido
Fonte: Elaboração própria. esse o critério de seleção do corpus, foi feito o levantamento das
atividades realizadas por meio da linguagem e categorizadas as
Para a descrição dos significados ideacionais experienciais práticas sociais mais evidentes em cada texto, conforme mostra
que indicam o campo do contexto, foram adotados os seguintes o Quadro 3.
passos:
Quadro 3 – Categorização das práticas sociais representadas nos textos
• identificação das atividades sociais realizadas por meio da PRÁTICAS
ASPECTOS ABORDADOS TEXTO
linguagem e dos objetivos a que cada texto do corpus se pro- SOCIAIS: CAMPO
põe por meio do levantamento de pistas da variável campo; Documentação RNE (Registro Nacional de Estrangeiro) 1
• categorização das atividades em práticas sociais que envolvem para acessar
CPF 2
direitos e
imigrantes e refugiados; serviços RNE e CPF 3
• análise do sistema de transitividade para identificação dos
processos que representam tipos de experiências realizadas
pela linguagem e para identificação da função desempenhada
pelos participantes na oração.

Para a descrição dos significados interpessoais que indicam a


variável relações do contexto, foram adotados os seguintes passos:

62 63
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

PRÁTICAS
O Gráfico 1 mostra a frequência das práticas sociais iden-
ASPECTOS ABORDADOS TEXTO
SOCIAIS: CAMPO tificadas nos textos.
Estatuto da Criança e do Adolescente
4 Gráfico 1 – Frequência das práticas sociais no corpus
(ECA)
Questões relativas ao trabalho no Brasil
Direito à CTPS
6
Proibição do trabalho infantil, trabalho
escravo e da exploração sexual
Direito à liberdade de crença no Brasil
Lei que considera crime a prática de 12
Legislação
discriminação ou preconceito contra as
religiões
Direito ao voto no Brasil
(imigrantes e refugiados somente após 13
naturalização)
Direitos Humanos
Características mais importantes da 14
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Cuidados com a segurança em lugares
7
Segurança públicos
Segurança da mulher 5 Fonte: Elaboração própria.

Categorias de alimentos: in natura,


Alimentação 8 A categorização das atividades realizadas pela linguagem
processados e ultra processados
Saúde pública Atendimento de saúde público e gratuito 9 evidenciou a concentração das práticas sociais em dois campos:
legislação e documentação para acessar direitos e serviços.
Atos que incomodam os passageiros
10
Transporte dentro de um veículo público Esses campos estão inter-relacionados, visto que imigrantes
público
O uso do Bilhete Único 11 e refugiados, quando chegam ao país, precisam providenciar
Direitos
a documentação de acordo com a legislação brasileira e, con-
Disque Direitos Humanos 15
humanos sequentemente, com a documentação podem acessar direitos e
Fonte: Elaboração própria. serviços. Com efeito, informações acerca dessas práticas sociais
são relevantes no contexto de PLAc.

64 65
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

Com menos frequência, aparecem as práticas sociais Gráfico 2 – Tipos de orações mais frequentes no corpus
segurança e transporte público, com duas ocorrências; alimen-
tação, saúde pública e direitos humanos, com uma ocorrência
cada. Além dos resultados que evidenciaram as práticas sociais Relacional e
Material
nos textos, foi possível identificar lacunas em relação a outras 20%

práticas sociais relevantes nesse contexto que não estão presentes Relacional
no corpus, como por exemplo, moradia e educação. Material 53%
27%
Esse resultado vai ao encontro do contexto de produção
da cartilha, para a qual, de acordo com uma das autoras e edi-
tora responsável pelo material, Talita Amaro, foi realizado um
Relacional Material Relacional e Material
levantamento prévio com imigrantes e refugiados a respeito das
principais necessidades deles no processo inicial de interação Fonte: Elaboração própria.
social. Esse levantamento serviu de base para as temáticas abor-
dadas no referido material, destacando-se o seu caráter social As orações relacionais são usadas para descrever e clas-
ao buscar responder a necessidades apontadas pelos próprios sificar as informações repassadas aos imigrantes e refugiados.
imigrantes e refugiados, além disso, partir das necessidades As orações materiais, por sua vez, são usadas para orientar e
mais urgentes desse público-alvo faz parte das peculiaridades instruir o que fazer e não fazer.
do ensino e aprendizagem de PLAc.
Quanto à função que os participantes desempenham na
Quanto aos tipos de experiências realizadas por meio da oração, a análise do sistema de transitividade evidenciou que as
linguagem, a análise do sistema de transitividade evidenciou que funções mais recorrentes no corpus são Ator (19%), Portador e
os tipos de processos mais recorrentes no corpus são os relacionais Atributo (18%), Identificado e Identificador (8%).
(44%), seguidos dos materiais (36%). Com menor frequência, os
verbais e os mentais (ambos com 8%) e os comportamentais e Destaca-se que na função de Ator, explicitamente ou em
os existenciais (ambos com 2%). elipse, aparecem principalmente termos que se referem aos imi-
grantes e refugiados, conforme exemplos no Quadro 4.
Predominam as orações relacionais em oito textos (textos
1, 2, 4, 5, 8, 12, 14 e 15) e as orações materiais em quatro (textos
7, 9, 10 e 11). Em três textos (3, 6 e 13), orações relacionais e
materiais apresentam o mesmo número de ocorrências, como
mostra o Gráfico 2.

66 67
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

Quadro 4 – Imigrantes e refugiados na função de Ator no corpus6 Quadro 5 apresenta exemplos de participantes que desempenham
TEXTO EXEMPLOS as referidas funções.

Pronto! A senhora deve retirar o seu RNE aqui mesmo


1
neste posto em 10 dias úteis. Quadro 5 – Exemplos de orações com Portador,
Onde [eu] posso renovar ou solicitar pela primeira vez Atributo, Identificado e Identificador no corpus
3
o RNE?
TEXTO FUNÇÃO EXEMPLO
Para qualquer [sic] informações sobre questões de
5 violência contra as mulheres e para [você] saber como O CPF é um dos principais documentos para
2
agir, LIGUE [você]180. cidadãos residentes no Brasil.

Os refugiados e solicitantes de refúgio podem trabalhar O Brasil tem uma lei especial para proteger
4
6 formalmente e são titulares dos mesmos direitos Portador e crianças e adolescentes.
inerentes a qualquer outro (a) trabalhador (a) no Brasil. Atributo Este documento é obrigatório para o exercício
Evite fazer [você] transações com dinheiro em bancos de atividades profissionais [...]
7 6
sozinho (a). Os refugiados e solicitantes de refúgio têm
9 Sempre chegue [você] no horário. direito à carteira de trabalho [...]

10 Esta é a Tamires. Ela usa o ônibus todos os dias. A criança e o adolescente têm o direito de ser
4
educados e cuidados [...]
Para usar o transporte público em São Paulo, você pode
8 Identificado Alimentos em natura são produtos naturais.
11 adquirir o Bilhete Único, que é mais prático e pode ser
e
também mais econômico. 10 Esta é a Tamires.
Identificador
Você pode votar assim que obtiver a naturalização A pena prevista é a prisão por um a três anos
13 12
brasileira! e multa.
As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio
Fonte: Elaboração própria.
15 de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal
telefônico fixo ou móvel, bastando [você] discar 100.

Fonte: Elaboração própria. Esses dados evidenciam que o principal agente das ações
recomendadas na cartilha são os imigrantes e refugiados a quem
Em relação às funções dos participantes Portador e Atri- são repassadas as orientações e informações.
buto, Identificado e Identificador, os termos remetem a diferentes Em relação aos significados interpessoais que realizam
participantes no texto, incluindo imigrantes e refugiados, os a variável relações do contexto, o levantamento dos partici-
quais não são a maioria a exercer essas funções na oração, espe- pantes e da função que desempenham nas orações apontou as
cialmente em relação às funções Identificado e Identificador. O autoras da cartilha como participantes na interação (“escritor-
-no-texto”, conforme Thompson e Thetela, 1995) em 14 dos
6 Nos Quadros 4, 5 e 6, os participantes estão destacados em itálico.

68 69
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

15 textos, visto que nenhum desses textos apresenta referência O uso dos pronomes nós e nos indica a inclusão das autoras
a fontes de pesquisa7. No único texto que apresenta fonte, os da cartilha e dos estudantes refugiados, trazendo-os para dentro
participantes são o site da Secretaria dos Direitos Humanos da mesma situação comunicativa e, assim, estabelecendo uma
do Governo Federal de onde o texto foi retirado e o público- relação de proximidade entre os interlocutores. Já nas atividades
-alvo, imigrantes e refugiados. Os participantes a quem as das quais apenas o público-alvo participa, são usados os pro-
informações e instruções são dirigidas remetem aos próprios nomes você, sua, seus e os termos refugiados e solicitantes de
leitores da cartilha. refúgio. Essas marcas linguísticas contribuem para estabelecer
uma relação direta e hierárquica entre os participantes, na qual
Assim, os participantes na interação coincidem com os
as autoras da cartilha desempenham o papel de conhecedoras do
participantes no texto, como mostra o Quadro 6, já que desem-
contexto brasileiro e, por isso, podem compartilhar informações
penham funções na transitividade da oração, seja Ator, Meta,
com os imigrantes recém-chegados ao país.
Experienciador, Atributo, entre outras.
A preocupação da cartilha com a troca de informações
Quadro 6 – Exemplos de participantes na com o público-alvo, de modo a dar a conhecer sobre as práticas
interação e no texto simultaneamente sociais, é confirmada pela predominância de proposições no cor-
PARTICIPANTES NA INTERAÇÃO E NO TEXTO
pus (em 13 dos 15 textos). Quanto às funções de fala, são dadas
TEXTO
SIMULTANEAMENTE mais declarações (99 ocorrências) do que solicitadas perguntas
Você sabe preencher seus dados? Coloque [você] seus dados. 3 (17 ocorrências), como mostra a Tabela 1.

Os refugiados e solicitantes de refúgio têm direito à carteira


6
de trabalho [...] Tabela 1 – Sistematização das ocorrências de funções de fala no corpus
[...] preste atenção [você] e tenha cuidado [você] para PROPOSIÇÕES PROPOSTAS
7
proteger sua segurança. TEXTO
DECLARAÇÃO PERGUNTA OFERTA COMANDO
Esta é Tamires. [...] ela nos diz quais atos mais incomodam
dentro do veículo público e que [nós] devemos estar atentos 10 Não 1 metáfora
1 15 8
para não reproduzir. ocorre gramatical
Para usar o transporte público em São Paulo, você pode Não
11 2 2 Não ocorre Não ocorre
adquirir o Bilhete único. ocorre

Fonte: Elaboração própria. Não 2 comandos


3 6 2
ocorre diretos
Não
4 2 Não ocorre Não ocorre
ocorre
7 O material didático é apresentado como “cartilha”, e não como livro didático, o
que pode explicar a ausência de referências a fontes externas junto aos textos.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

PROPOSIÇÕES PROPOSTAS
pessoais no posto da Polícia Federal, o que justifica a elevada
TEXTO frequência de ocorrências de pergunta em comparação com
DECLARAÇÃO PERGUNTA OFERTA COMANDO
os outros textos.
Não 1 comando
5 7 Não ocorre
ocorre direto
As propostas, embora com menor frequência (28 ocor-
6 11 3
Não 3 metáforas rências) do que as proposições (116 ocorrências), são relevantes,
ocorre gramaticais
pois demandam dos leitores atividades que, no contexto da
Não 10 comandos
7 1 Não ocorre
ocorre diretos
cartilha, funcionam como instruções sobre o que refugiados
podem fazer, como proceder ou o que evitar em determinados
Não
8 3 Não ocorre Não ocorre campos.
ocorre
Não 5 comandos As propostas aparecem por meio de comandos diretos
9 2 Não ocorre
ocorre diretos
(realizados no modo oracional imperativo) em 05 textos, em
1 comando
Não direto e 1 quatro desses textos os comandos diretos prevalecem; e,
10 8 1
ocorre metáfora comandos indiretos (realizados por meio de metáfora grama-
gramatical
tical com recurso de modalidade) em 05 textos. Comandos
Não 3metáforas modalizados suavizam o tom que, por vezes, poderia parecer
11 3 Não ocorre
ocorre gramaticais
autoritário, estabelecendo uma relação mais dialógica com os
Não
12 17 Não ocorre
ocorre
Não ocorre imigrantes e refugiados.

13 6 Não ocorre
Não 1 metáfora A ausência de ocorrências da função de fala oferta no
ocorre gramatical
corpus é coerente com o propósito fundamental desses textos
Não
14 12 Não ocorre
ocorre
Não ocorre na cartilha, em que as autoras se colocam na posição de fornecer
informações e instrui a agir, em vez de executar as atividades
Não
15 4 3 Não ocorre para os interlocutores.
ocorre
Total 99 17 0 28 A análise das ocorrências do sistema de modalidade nos
Fonte: Elaboração própria. textos evidenciou um percentual superior de modulações em
relação às modalizações. Das 36 ocorrências do sistema de
O Texto 1, por exemplo, reproduz uma situação comuni- modalidade encontradas, 26 são do tipo modulação, e 10 são do
cativa em que uma refugiada está solicitando um documento tipo modalização, conforme ilustra o Gráfico 3.
e, para isso, ela responde a um questionário sobre dados

72 73
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIgNIFICADOS EXPERIENCIAIS E INTERPESSOAIS

Gráfico 3 – Frequência de modulação e modalização no corpus Gráfico 4 – Percentual de modulações em relação às práticas sociais

Saúde pública Alimentação


4% 4%
Modalização
28% Transporte
público…
Legislação
42%

Modulação Documentação
72% 31%

Fonte: Elaboração própria.


Fonte: Elaboração própria.
As ocorrências de modulação indicam, portanto, em que
Porém, ao relacionar modulações e modalizações ao campo campos se concentram os deveres e obrigações de imigrantes e
em que se encontram, percebemos que as modulações estão con- refugiados no Brasil. As modalizações, por sua vez, apresentam
centradas em duas práticas sociais – Documentação para acessar um número bem menor de ocorrências – 10 em um total de 36
direitos e serviços (oito modulações) e Legislação (11 modulações) (28%) e estão concentradas em três práticas sociais: Legislação,
o que explica o número expressivo de modulações, pois essas Transporte público e Documentação. Todas essas ocorrências
práticas estão relacionadas a leis, regulamentos e obrigações, estão relacionadas à troca de informações.
que se encontram no eixo das necessidades, das obrigações. Na
sequência, aparecem Transporte público (5 modulações), Saúde
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pública (uma modulação) e Alimentação (uma modulação). O
Gráfico 4 apresenta a frequência de modulações relacionadas
Este estudo apresentou as realizações linguísticas que
às práticas sociais.
evidenciam as variáveis contextuais campo e relações, com foco
no sistema de transitividade, sistema de modalidade e funções
de fala, em textos presentes na cartilha Pode Entrar – Português
do Brasil para Refugiadas e Refugiados, de Feitosa et al. (2015),

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

lançado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), oração, destaca-se que na função de Ator, majoritariamente, de
especificamente para os refugiados no Brasil. forma explicita ou em elipse, estão os imigrantes e refugiados a
quem são repassadas as informações e orientações e que serão
A categorização das práticas sociais identificadas nos
os agentes dessas ações.
textos possibilitou identificar em que campos estão concentra-
das as informações transmitidas aos imigrantes e refugiados. No que se refere aos significados interpessoais que reali-
Destacaram-se os campos Documentação para acessar direitos zam a variável relações, a análise evidenciou o uso de recursos
e serviços e Legislação, práticas sociais relevantes no contexto interpessoais que promovem interação direta com o público-alvo,
de deslocamentos forçados, o que justifica a importância de por meio do pronome você (explícito ou em elipse) e dos termos
informações sobre essas práticas no material didático. Cabe imigrantes e refugiados estabelecendo, buscando o engajamento
destacar a importância do levantamento prévio realizado pelas do leitor no texto. Além disso, a prevalência de proposições (por
autoras da cartilha junto a imigrantes e refugiados, com o obje- meio, principalmente, de declarações e, com menor frequência,
tivo de levantar as principais dificuldades enfrentadas por esse perguntas) em detrimento de propostas (por meio de comandos
público no processo de integração social no Brasil. Dessa forma, diretos e indiretos) evidencia o papel da língua para a troca de
o referido material apresenta uma função social e contempla as informações, para dar a conhecer sobre as práticas sociais, e
especificidades da área de PLAc, na qual o público-alvo busca para a troca de instruções sobre o que fazer ou como proceder
por meio da linguagem participar das práticas sociais para, assim, no campo da legislação brasileira. Por fim, destacamos o uso do
tornar-se integrante da sociedade que o recebe. modo oracional interrogativo para estabelecer interação direta
com os interlocutores, chamando-os para a situação comuni-
Por meio da análise do sistema de transitividade foi possível
cativa, engajando-os. Esses recursos linguísticos utilizados
identificar quais tipos de orações evidenciam as práticas sociais
estabelecem “vínculos” entre os interlocutores, promovem a
categorizadas nos textos. Com maior recorrência no corpus, estão
agentividade de imigrantes e refugiados, fortalecendo o senti-
as orações relacionais, atributivas seguidas das identificativas,
mento de pertencimento ao local que os recebo. Dessa forma,
cujos processos são usados para caracterizar, identificar, defi-
comtempla-se as particularidades do contexto de PLAc, no
nir, classificar e comparar entidades que estão relacionadas às
qual o ensino da língua não se restringe aos conhecimentos
práticas sociais. Na sequência, aparecem as orações materiais
linguísticos, visto que a língua de acolhimento serve como elo
cujos processos do fazer e do acontecer estão relacionados espe-
para a interação na sociedade.
cialmente às ações recomendadas aos imigrantes e refugiados.
Com um número bem menor de ocorrências aparecem orações As realizações linguísticas dos significados experienciais
verbais, mentais, comportamentais e existenciais respectiva- e interpessoais apresentadas neste estudo apontam aspectos
mente. Quanto à função desempenhada pelos participantes na relevantes no contexto de PLAc, como a importância do conheci-

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Significados experienciais e interpessoais

mento prévio sobre os campos em que o público-alvo demonstra FUZER, C.; CABRAL, S. Introdução à gramática sistêmico-funcional em língua
portuguesa. Santa Maria, RS: Universidade Federal de Santa Maria, 2010.
ter mais necessidade, o que pode contribuir para a seleção de
FUZER, C; CABRAL, S. Introdução à gramática sistêmico-funcional em
temáticas dos textos que serão usados nas aulas. Outro aspecto
língua portuguesa. Campinas: Mercado de Letras, 2014.
é o modo como as informações são fornecidas aos leitores do GROSSO, M. J. R. Língua de acolhimento, língua de integração. Horizontes
material didático. As realizações linguísticas dos significados de Linguística Aplicada, Brasília, DF, v. 9, n.2, p. 61-77, 2010.
interpessoais demonstram a tentativa de proximidade das autoras GUGELMIM, L.M. Textos factuais em material didático de Português como
Língua de Acolhimento: um estudo de gêneros de texto na perspectiva
com o público-alvo, evidenciando um tom mais dialógico que
sistêmico-funcional. 2021. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade
busca do engajamento desse público. Assim, é possível evidenciar Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, 2021.
a tentativa de acolhimento por meio das escolhas linguísticas HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. 2. ed. London:
evidenciadas neste estudo, partindo-se das necessidades do Edward Arnold, 1994.
público-alvo, incluindo-os e chamando-os à participação no HALLIDAY, M. A. K. Language as Social Semiotic. London: Edward Arnold,
1978.
processo de ensino e aprendizagem de PLAc.
HALLIDAY, M. A. K. Part A. In: HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Language,
context and text: Aspects of language in a social-semiotic perspective. 2.
ed. Oxford: Oxford University Press, 1989. p. 3-49.
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ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Brasil HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. An introduction to functional
reconhece mais 7,7 mil venezuelanos como refugiados. Agência da ONU grammar. 3. ed. London/New York: Arnold, 2004.
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Brasília, DF: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL);
THOMPSON, G.; THETELA, P. The sound of one hand clapping: The
IPEA, 2015. (Pensando o Direito, 26)
management of interaction in written discourse. Text, [s. l.], v. 15, n. 1, p.
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FEITOSA, J. et al. Pode Entrar: Português do Brasil para Refugiadas e
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org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2015/Pode_Entrar.
pdf> Acesso em: 22 jul. 2020.

78 79
INTERAÇÃO EM BLOGS DE
PROFESSORES DE INGLÊS:
UM DIÁLOGO ENTRE A
TEORIA DA AFILIAÇÃO E o
sistema de AVALIATIVIDADE

FABÍOLA APARECIDA SARTIN DUTRA PARREIRA ALMEIDA1


ORLANDO VIAN JR.2

INTRODUÇÃO

O uso de tecnologia é uma necessidade reconhecida por todo


profissional de ensino, já que os professores participam
de diversos contextos do cotidiano, seja pessoal, profissional,
institucional, religioso e quaisquer outros em que atua. Essa
realidade foi significativamente acentuada com a pandemia de
Covid-19, pois as interações passaram a ocorrer de modo remoto.
Esse cenário de interações online, inevitavelmente, constrói inte-
rações, dependendo das intenções dos interlocutores, do lugar

1 Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestra em Linguística e Língua Portuguesa pela
Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho –UNESP – Campus de Araraquara.
Professora Adjunta do Instituto dos Estudos da Linguagem e do Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Catalão.
2 Mestre e Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP.
Estágios pós-doutorais em Linguística Aplicada na PUC-SP, na Universidade de
Sydney/Austrália e na UNICAMP. Bolsista produtividade em pesquisa do CNPq.
Professor Associado do Departamento de Letras e do Programa de Pós-graduação
em Letras, área de Estudos Linguísticos, da Universidade Federal de São Paulo.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

de que se fala, do contexto de situação e do contexto de cultura, redes sociais] refletem a sociedade de onde saíram” (ARAÚJO;
entre outros aspectos. Nessa perspectiva, Halliday (1998) lembra LEFFA, 2016, p. 10).
que todo texto possui uma configuração contextual que permite
Dessa forma, este texto se constrói teoricamente a partir dos
aos interlocutores reconhecerem as condições em que o texto
princípios da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) conforme
foi produzido (campo), as relações que se estabelecem entre os
proposta por Halliday (1978, 1985, 1989). Mais especificamente,
interlocutores (relações), e os modos (oral, escrita, multimodal)
destacam-se os mecanismos linguísticos da TA (MARTIN, 2004,
como as mensagens serão veiculadas (modo).
2009; KNIGHT, 2010; ZAPPAVIGNA, 2013) e sua relação com
Considerando essas inquietações, este artigo discute a o SA (MARTIN; WHITE, 2005) na construção das interações
interação, a partir do diálogo entre a Teoria de Afiliação (TA, sociais. Vale ressaltar o fato de que grande parte das interações
doravante), conforme apresentada por Knight (2010) e o Sistema passaram a ser mediadas por computadores e, no contexto
de Avaliatividade (SA, daqui por diante), proposto por Martin pandêmico, foram marcadamente acentuadas, tanto pelas redes
e White (2005), já que Afiliação é “uma teoria semiótica social sociais quanto para as demais facetas da vida cotidiana, que
que descreve como nos identificamos discursivamente, enquanto foram, por algum tempo, mediadas por aplicativos para interações
membros de uma comunidade, negociando, variadamente, com grande número de pessoas, tais como congressos, eventos,
valores complexos3” (KNIGHT 2010, p. 203). Trata-se de um reuniões, aulas e demais formas de interação.
modelo semiótico social capaz de explicar as relações sociais
Mediante esses artefatos teóricos, nosso ponto de partida
em interações cotidianas, identificando como os participantes
para a discussão se concentra em três aspectos: (i) oferecer
se identificam e como constroem comunidades.
subsídios teóricos que contribuam para a compreensão dos
Este estudo traz uma contribuição para interação em mecanismos de Afiliação dos interactantes em comunidades e
ambientes digitais, oferecendo uma possibilidade para o campo sua relação com o SA; (ii) descrever como se dá a interação em
de estudos da linguagem em contextos de ensino de inglês, blogs de professores de Língua Inglesa, considerando a Afilia-
corroborando o que afirmam Araújo e Leffa (2016, p. 9) em ção e elementos avaliativos; e, por último, (iii) contribuir para
relação ao fato de que “[o]s cenários digitais que albergam as os estudos no campo da Linguística Aplicada (LA, daqui por
interações humanas na Web são diversificados e trazem para diante) focados no significado interpessoal que trata de interações
os estudos da linguagem muitas perspectivas de pesquisa”. proporcionadas por interlocutores dos blogs estudados, posto que
Esses autores sinalizam, ainda, que uma das possibilidades o significado interpessoal permite que os atores participem em
na área de estudos da linguagem é “mostrar como elas [as eventos comunicativos com outras pessoas, que assumam papéis
e que expressem e entendam sentimentos, atitudes e julgamentos
3 No original: “Affiliation is a social semiotic theory that describes how we discursively (VIAN JR., 2011).
identify as members of communities, variously negotiating complex values.”

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

1 SOBRE INTERAÇÃO NA LINGUAGEM: o escritor/falante e o leitor/ouvinte, pois “podemos localizar a


AFILIAÇÃO E AVALIATIVIDADE avaliação como um sistema interpessoal ao nível da semântica
do discurso4” (MARTIN; WHITE, 2005, p. 33).
A LSF (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014) concebe os
Nessas negociações de valores, a noção de acoplamento
usos da linguagem como inseparáveis das funções sociais, dos
avaliativo (evaluative coupling) é bastante relevante, pois, de
contextos socioculturais, de ações e de relações das quais a língua
acordo com o que propõe Knight (2010, p. 146), está relacionada
faz parte. Essa abordagem teórica sugere que a linguagem seja
ao fato de haver, nos vínculos que embasam as relações sociais,
concebida como um sistema de possíveis significados potenciais
uma prosódia de acoplamentos avaliativos.
que se realizam apropriadamente em função dos propósitos sociais
a serem desempenhados pelos indivíduos nos contextos em que Essa autora afirma, da mesma forma, que nas interações
interagem; e estabelece, como sugere Halliday (1978, 1985, 1989) face a face o riso “indica que há mais por trás da negociação de
e Halliday e Matthiessen (2014), um modelo de linguagem que vínculo do que simplesmente conviver com amigos”5 (KNIGHT,
contemple a organização do contexto associado a significados 2010, p. 146), e, com base em tal afirmação, apontamos que o
ideacionais (metafunção ideacional) - fontes para construção mesmo ocorre nas interações entre professores em blogs tendo
de conteúdo - usados para construir o campo (a ação social); em vista que, por meio de avaliações, negociam valores da comu-
significados interpessoais (metafunção interpessoal) - fontes nidade de professores da qual fazem parte e que nela interagem,
para interação - usados para negociar as relações (o papel da mesmo que estejam em ambientes digitais.
estrutura); e significados textuais (metafunção textual) - fontes
para organização textual usados para desenvolver o modo (a
2 OS PROCESSOS SOCIAIS DE AFILIAÇÃO
organização simbólica).

A partir do arcabouço dessa teoria linguística, priorizamos No âmbito da LSF, a Afiliação (MARTIN, 2004, 2009;
para este estudo a metafunção interpessoal, por assumir como KNIGHT 2010; ZAPPAVIGNA, 2013) é uma teoria semiótica
princípio básico a interação entre os usuários da língua, posto social que descreve como os usuários da linguagem identificam-se
que adotam para si e atribuem a seus interlocutores papéis dis- discursivamente como membros de uma comunidade e como
cursivos. A função interpessoal da linguagem, portanto, desvela negociam seus valores.
os papéis e as relações que os interlocutores constroem no ato
das trocas interativas. Esse princípio contempla, também, a TA
(KNIGHT, 2010) por compreender que os usuários da linguagem 4 No original: [...] we can locate appraisal as an interpersonal system at the level of
discourse semantics.
se identificam discursivamente como membros de uma comuni-
5 […] “indicates that there is more behind the negotiation of bonding than simply
dade ao negociar valores e o SA por estabelecer relações entre communing as friends.”[…]

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

Trata-se de uma afiliação dialógica (ZAPPAVIGNA; Vian Jr. (2009) ressalta que a noção de instanciação é de
MARTIN, 2018) relevante aos estudos da linguagem, uma vez extrema importância para que se compreenda a relação entre Ava-
que membros de uma cultura com diferentes discursos são capa- liatividade (no nível do sistema) e avaliação (no nível do texto), isto
zes de negociar valores distintos em diferentes contextos, pois a é, a instanciação é a manifestação do sistema linguístico no texto,
negociação é um processo dinâmico, desempenhado à medida o que deve, da mesma forma, ser interpretado como um processo
que os textos se desdobram em discursos, materializando a vida dialético, dado ao fato de que a instanciação se manifesta, constrói
cotidiana e institucional, salienta Martin (2004, p. 337). Dito de e reconstrói os potenciais de significado de determinada cultura.
outra forma, Afiliação diz respeito à forma como os usuários
Já o conceito de estratificação, segundo Halliday e Matthie-
de uma língua se identificam por meio da linguagem em dife-
ssen (2014) e Matthiessen (2009) está intimamente relacionado à
rentes comunidades em uma cultura ou de culturas diferentes
noção de realização. Isso porque a realização atua entre os estratos
(KNIGHT, 2010).
nos planos da expressão (estrato grafo-fonológico) e do conteúdo
Cabe ressaltar que os mecanismos de Afiliação não acon- (estratos semântico-discursivo e léxico-gramatical). Dito de outra
tecem apenas pelas semelhanças, mas pelas diferentes maneiras forma, a realização codifica um elemento do estrato mais abstrato
pelas quais os usuários da língua se identificam e expressam seus por meio do estrato mais concreto da língua, sendo assim, por-
valores. Durante a interação, há negociação de coisas, experiên- tanto: o estrato léxico-gramatical, realizado na fonologia/fonética,
cias, ideias e pessoas. Como consequência desses mecanismos, a realiza a semântica. Por sua vez, o estrato semântico-discursivo,
Afiliação acontece na logogênese do texto, no momento em que realizado na gramática (realizada na fonologia/fonética) realiza
os produtores textuais estão constantemente negociando uniões o contexto de situação. Por sua vez, o contexto é realizado no
em relação às suas mais variadas afiliações como membros de estrato semântico, o qual é realizado no estrato da gramática,
uma comunidade. Às vezes, uma união é negociada quando há realizada, por sua vez, na fonologia/fonética.
riso entre os interlocutores. Por meio de uma gargalhada, por
O conceito de individuação, segundo Martin (2009), indica
exemplo, podemos interpretar o processo de Afiliação realizado
como os recursos semióticos são distribuídos entre os usuários
pelos interactantes e, também, podemos perceber valores de
e como esses recursos são implementados para criar relações de
diferentes comunidades (KNIGHT, 2010).
Afiliação entre os participantes do discurso.
Antes de fazermos o recorte para os ambientes digitais,
Os estudiosos sistemicistas exploram duas formas com-
é importante destacar algumas noções-chave relevantes para a
plementares de pensamento em relação à individuação. Uma
compreensão da TA, a saber, as noções de instanciação, realiza-
inspirada no trabalho de Hasan (2005), baseada na variação
ção, estratificação e individuação, que, por sua vez, contemplam
semântica que interpreta individuação como uma hierarquia de
o arcabouço teórico da LSF e do SA.
aplicação onde os recursos semióticos são distribuídos de formas

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

diferentes entre os usuários com opções disponíveis que podem A Figura 1 mostra que as diferentes orientações para os
ser utilizadas em contextos específicos de instanciação. significados implicados pelo processo de individuação na pers-
pectiva das variações semióticas repercutem no processo de
A segunda perspectiva de individuação contempla como as
instanciação, uma vez que eles condicionam ambas as regras de
pessoas mobilizam recursos semióticos para se afiliarem uns com
reconhecimento e realização, como afirma Martin (2009) com
os outros e como elas compartilham atitudes e acoplamentos de
base em Bernstein (2000, p. 107).
ideação. Martin (2009, p. 564) chama a atenção para os termos
de Knight (2010) para formar vínculos e como esses vínculos se As regras de realização permitem aos falantes/escritores
aglomeram como oriundos de ordens diferentes (incluindo locais identificarem a especificidade ou a similaridade dos contextos e,
familiares, de escola, de profissão, de recreação de Afiliação e de assim, indicam o que é esperado ou legitimado naquele contexto.
uma forma mais geral, companheirismo refletindo identidades Essas regras fazem com que os falantes/escritores produzam
maiores incluindo classe social, gênero, etnia), assim como na textos específicos e práticos culturalmente. Martin (2009, p. 565)
realização e instanciação é difícil encontrar um termo neutro relembra as palavras de Bernstein para ressaltar o processo de
que represente ambas as perspectivas ascendente e descendente. realização: “[...] alguém pode ser capaz de reconhecer que está
O autor adota o termo individuação tendo em mente que este em uma aula de sociologia, mas não será capaz de produzir tex-
corresponde a ambos os recursos semióticos que estão distri- tos ou práticas específicas do contexto. Para produzir um texto
buídos entre os usuários (Alocação) e como esses recursos são legítimo é necessário lançar mão das regras de realização”6
posicionados para se agruparem (Afiliação), conforme Figura 1: (BERNSTEIN, 2000, p. 105).

Juntamente com a individuação, destaca-se a noção de


Figura 1: Individuação como hierarquia de afiliação e alocação instanciação para se compreender a relação entre Avaliatividade
(nível do sistema) e avaliação (nível do texto). É na instanciação
que há a manifestação do sistema linguístico, sendo essa a visão
mais ampla da linguagem tanto no sistema de escolhas disponíveis
aos usuários quanto no texto, pois a materialização linguística
desse sistema se dá na relação entre contexto de cultura e contexto
de situação (VIAN JR., 2009).

6 No original: “...one may be able to recognise that one is in a sociology class but
Fonte: Traduzido de Martin (2009, p. 565). not able to produce the texts and context specific practices. In order to produce
the legitimate text it is necessary to acquire the realisation rule” (2000, p. 105).

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

Mediante essas reflexões, trazemos o conceito de Afiliação meio dos significados que são aparentemente experenciais
para o contexto digital. E o fazemos com base no trabalho de por natureza”7.
Zappavigna (2012), que utiliza o termo afiliação de ambiente
O segundo conceito, o vínculo (bonding), por sua vez, pode
(ambient affiliation) para mostrar como uma plataforma pode ser
ser definido como um modelo cultural pelo qual construímos
utilizada pelos seus usuários para gerar afiliações em torno de
discursivamente nossas identidades comuns, por exemplo, por
temas, tópicos e identidades. A autora menciona como diversos
meio das gargalhadas, compartilhando-as ou rejeitando-as, no
estudos, inclusive o seu, mostram que técnicas de agrupamento
discurso, em forma de acoplamentos.
(clustering) dão resultados consistentes apesar da aparente disper-
são dos usuários. A liga social, neste caso, é a própria linguagem. Para a autora, ao se apresentarem e reagirem aos acoplamentos
no discurso, os participantes negociam quem são baseados nas
conexões que realizam. Eles se afiliam, portanto, por conexões e
2.1  O conceito de Afiliação e seus tipos
se identificam como co-membros de uma comunidade de valores
e não a outra comunidade. Para Martin e Stenglin (2006, p. 216),
No arcabouço teórico da Afiliação, Knight (2010) destaca
o vínculo “ocupa-se da construção da disposição atitudinal dos
dois conceitos principais: acoplamento (coupling) e vínculo (bon-
visitantes em relação às exposições; sua função básica é alinhar
ding). O primeiro diz respeito aos acoplamentos que realizam
as pessoas em grupos com disposições compartilhadas8”.
conexões de valores com a experiência no âmbito da linguagem,
pois negociamos discursivamente as nossas identidades com-
partilhadas por meio de conexões que podemos dividir, e essas 2.2  Estratégias de Afiliação
conexões criam conjuntos de valores das nossas comunidades e
culturas, porém, não são estáveis e fixas. A Afiliação pode ocorrer por meio de três estratégias:
Communing Affiliation, Laughing Affiliation e Condemning
Essas conexões são constantemente negociadas no texto
Affiliation (Knight, 2010, p. 217). Os termos serão utilizados
por meio dos acoplamentos. O acoplamento é assim um modelo
em português neste texto como Afiliação por Pertencimento
na logogênese, revelando que o texto realiza uma conexão no
(pertencer a um grupo), Afiliação por Riso e Afiliação por
contexto sociocultural. É a maneira pela qual os significados
Reprovação, respectivamente, uma vez que as interações
se combinam em pares, trios ou qualquer número de escolhas
coordenadas de redes de sistemas (MARTIN, 2008). Segundo 7 No original: [...] “couplings that combine attitudinal meanings with ideation can
Knight (2010, p. 40), os “acoplamentos que combinam signifi- inform us about how participants share and interpret values through meanings
that are seemingly experiential in nature.”
cados atitudinais com ideação podem nos informar sobre como
8 No original: “Bonding is concerned with constructing the attitudinal disposition
os participantes compartilham e interpretam seus valores por of visitors in relation to exhibits; its basic function is to align people into groups
with shared dispositions.”

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analisadas neste estudo acontecem no ambiente virtual, em A Afiliação por Pertencimento é baseada na teoria de vín-
que participantes de blogs interagem entre si e também com culo de Stenglin (2004), e a sua descrição de ‘ícone de ligação’
os blogueiros, diferentemente dos exemplos discutidos por como símbolo de solidariedade que atua como um dispositivo de
Knight (2010) relativos a interações face a face. O Quadro 1 reunião. Esses ícones de ligação (MARTIN, 2008, p.130) evocam
apresenta essas estratégias: a comunidade pela forte cristalização de atitudes interpessoais
para criar significados ideacionais. Isso permite que os membros
Quadro 1: Estratégias de Afiliação da comunidade se identifiquem e se percebam como símbolos da
sociedade em que estão inseridos. Essa estratégia de Afiliação
AFILIAÇÃO
ESTRATÉGIAS
AFILIAÇÃO POR AFILIAÇÃO POR
POR por Pertencimento, se dá, por exemplo, quando ocorre a repe-
PERTENCIMENTO RISO
REPROVAÇÃO tição de significados interpessoais juntamente com ideacionais
Rejeitar durante a negociação e quando, no caso das avaliações, ocorre a
um vínculo repetição de uma ou outra categoria de atitude (afeto, julgamento
potencial
Adiar um vínculo ou apreciação).
Compartilhar uma não
Estratégia potencial não
conexão ou reunião compartilhado
de ação em compartilhado;
relação ao
em torno de um
compartilhar
para A segunda estratégia é Afiliação por Reprovação. Essa
ícone de ligação compartilhar
vínculo
(STENGLIN, 2004)
em torno de um
em torno estratégia, segundo Knight (2010), acontece, frequentemente, no
vínculo suspeito.
de um discurso da fofoca. Um vínculo que é realizado ou apresentado
vínculo
compartilhado por alguém (geralmente no passado) cria uma violação com os
Tipo de vínculos compartilhados no discurso cotidiano dos participantes.
- Rugas Ofensa
tensão Essa tensão, uma vez que se trata de uma violação séria para
Característica Reunião/ as conexões sentimentais, deve ser erradicada pela rejeição
Humor Fofoca
discurso agrupamento em favor dos vínculos da comunidade em que os interactantes
Fonte: Adaptado e traduzido de Knight (2010, p. 49). compartilham. Em termos avaliativos, isso acontece quando há
a discordância de opiniões sobre determinada pessoa ou assunto.
Como demonstrado no Quadro 1, nas estratégias de Afi-
Na estratégia de Afiliação por Riso, os participantes nego-
liação por Reprovação e por Riso, uma tensão é criada quando
ciam o espaço de identidade em duas opções ‘quem eles são’ e
o falante apresenta uma posição discordante. Dependendo da
‘quem eles não são’. Há uma mediação entre esses extremos por
natureza da tensão causada pela introdução do acoplamento,
meio do humor. Nesse caso, o falante apresentará um acoplamento
o vínculo potencial que é construído será adiado ou rejeitado
que realiza um vínculo dentre algumas alternativas. A saber, ele
para que os participantes compartilhem um vínculo alternativo.
oferece vínculos alternativos melhores dos que já estão sendo

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compartilhados no discurso entre os interactantes. Como se cutores, ora em alinhamento, ora em contraposição. E o terceiro
pode depreender, o acoplamento pode ser compartilhado como relaciona-se ao grau de avaliação potencializado pelo produtor
um vínculo em outros textos talvez com outros participantes, textual, conforme ressalta Martin e White (2005, p. 37). O SA,
mas não se realiza como uma identidade comum na conversa. dessa forma, foca na natureza interativa do discurso, utilizado
Portanto, ela cria somente uma tensão entre dois vínculos. para negociar relações sociais ou interpessoais com o objetivo
de dizer ao leitor ou ouvinte como nos sentimos em relação às
pessoas e coisas (cf. MARTIN; ROSE, 2007).
3 O SISTEMA DE AVALIATIVIDADE
Neste estudo, para dialogar com a TA (KNIGHT, 2010),
O SA, segundo Martin e Rose (2007), é definido como um priorizamos os elementos avaliativos de atitude, aqueles que
caminho, uma forma específica de recursos na língua para avaliar, expressam emoções e sentimentos, julgam o caráter ou avaliam
adotar uma postura para construir personas textuais e lidar com coisas, tendo como base o SA (MARTIN; WHITE, 2005), apre-
posicionamentos interpessoais e relacionamentos. Ele explora a sentados na Figura 2:
forma pela qual os falantes e escritores fazem um julgamento
sobre as pessoas e acontecimentos em geral. Figura 2: Distribuição das estratégias de Afiliação,
conforme as categorias de atitude
Nessa perspectiva, Almeida e Vian Jr. (2018) salientam
que Avaliatividade trata dos recursos utilizados para realizar as AFETO
AFILIAÇÃO POR
PERTENCIMENTO
avaliações na linguagem, isto é, dos significados interpessoais
Julgamento
utilizados para expressar as avaliações e opiniões dos falantes/
Estratégias de Afiliação por Riso
escritores presentes nos textos. Trata-se de um sistema discur- Sistema de
Atitude Afiliação
Avaliatividade
sivo no âmbito da metafunção interpessoal, usado para negociar Afiliação por
Apreciação
emoções, julgamentos e avaliações. Reprovação

Fonte: Elaborado pelos autores, adaptado de


Esse sistema, proposto por Martin e White (2005), con- Martin e White (2005) e de Knight (2010).
templa os três subsistemas de Atitude, Engajamento e Gradação,
sendo que o primeiro acontece quando é codificado um valor Como demonstrado na Figura 2, o subsistema de Atitude
positivo ou negativo que pode ser intensificado para mais ou para contempla três categorias – o Afeto, o Julgamento e a Apreciação
menos e que pode ser realizado por meio de várias estruturas – e dialoga com as estratégias de Afiliação. O Afeto diz respeito
gramaticais. Relaciona-se aos recursos semânticos que expressam à emoção, uma avaliação pautada nos sentimentos dos falantes,
reações emocionais; o segundo contempla posicionamentos que ou melhor, indicam como os falantes se comportam emocional-
os produtores de textos atribuem para si e para os seus interlo-

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mente em relação às pessoas, às coisas, aos objetos e aos acon- (de bordo)”, assemelhando-se a uma espécie de diário usado pelos
tecimentos; o Julgamento está relacionado a questões de ética, navegadores que anotavam diariamente suas posições. A partir
uma análise normativa do comportamento humano baseado em desse mesmo ponto de vista, Zappavigna (2014) conceitua, em
regras ou convenções de comportamento; a Apreciação engloba uma de suas pesquisas, o fenômeno do microblogging, definin-
os recursos empregados para atribuir valor às coisas, incluindo do-o como o ato de as pessoas postarem pequenas mensagens de
fenômenos naturais e atividades humanas individuais, mas não caráter restrito; demonstrando que essa prática tem se tornado
o comportamento; está voltado para os valores estéticos. comum para construir identidades.

Temos, portanto, que as estratégias de Afiliação, ao dialo- Trazendo para o contexto de ensino, é possível dizer que
gar com o SA, possibilitam que os usuários da língua negociem o blog é capaz de proporcionar oportunidades para ler e debater
seus valores, julgamentos e emoções. Fato que remete a Martin “temas de sala de aula, complementando-os, pensando sobre o
e White (2005), quando salientam que a avaliação se localiza assunto, e respondendo, o que induz uma maior participação de
no estrato da semântica do discurso, e à Knight (2010), quando todos os estudantes”, esclarece Franco (2005, p. 4). Mais ainda, os
explicita que há conexões de valores com a experiência no âmbito comentários dos blogs fornecem um reservatório de informações
da linguagem e negociamos discursivamente as nossas identi- compartilhadas ou não, favorecendo a compreensão de como as
dades compartilhadas, construindo valores em comunidades e Afiliações podem ser realizadas tanto entre os participantes quanto
em diferentes culturas. entre os participantes e o autor do blog. Por meio das diferentes
estratégias de Afiliação, notamos que é possível interpretar como
a interação é realizada nesse tipo de ambiente digital.
4 MECANISMOS LINGUÍSTICOS E
DISCURSIVOS: INTERAÇÃO EM BLOGS Dessa forma, os elementos linguísticos de interação que
DE PROFESSORES DE INGLÊS aparecem em blogs são percebidos como configurações de rela-
ções realizadas por seus participantes, envolvendo os valores
Os blogs foram criados como um modo de compartilhar discursivos negociados nos posts, considerando, não apenas
informações comuns a um determinado grupo, possuindo, ini- padrões avaliativos de linguagem, mas a relação entre estratégias
cialmente, três características primárias: eram cronologicamente de Afiliação.
organizados; continham links para sites de interesse na Internet;
e ofereciam comentários acerca dos links (MILLER, 2012). E o No caso dos blogs em tela, constamos que, nos comentá-
conceito de weblog (CAIADO, 2007, p. 36) é “um jargão derivado rios, há estratégias de Afiliação materializadas na repetição de
da união de duas palavras inglesas web, que significa rede (de epítetos ou em nominalizações, quando usadas pelos participantes
computadores) e log, que significa registro, diário de navegação ao avaliarem os posts, os blogs ou o trabalho dos blogueiros, ou
mesmo nas respostas de outros participantes. Priorizamos, para

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este estudo, os tipos de estratégias utilizadas pelos participantes desses interlocutores foram categorizadas e analisadas, tendo em
em resposta ao mesmo post e a identificação dos tipos de vínculo vista as estratégias de Afiliação realizadas nesse ambiente digital.
realizados e de que forma.
Para análise, priorizamos o estudo de Knight (2010), que
discute as três estratégias de Afiliação apresentadas sobre as
4.1  As estratégias de Afiliação em blogs estratégias de Afiliação (cf. seção 2.2), a saber: por Pertencimento,
por Riso e por Reprovação, uma vez que realizam vinculações
Nesta seção, apresentamos, com base em instâncias de de valores com a experiência social em contextos discursivos.
recortes dos textos, reflexões sobre as estratégias de Afiliação
No post intitulado “Prefixos e Sufixos em inglês Aumente
utilizadas em blogs voltados a professores de Inglês. Para tanto,
seu vocabulário!” (B1), notamos que o processo de Afiliação se dá,
selecionamos comentários postados em três blogs: (1) English
apenas, por Pertencimento, tornando-se esse fenômeno relevante
in Brazil by Carina Fragoso9, (2) Ana Scatena10 e (3) Mairo
na interação online, já que é capaz de explicitar congratulação
Vergara11, aqui nomeados para fins de referência como B1, B2 e
e valorização de fatos, conforme ocorrências apresentadas no
B3, respectivamente. Em B1 e B3, foram selecionados, apenas,
Quadro 1.
os comentários dos participantes, já em B2, há comentários de
participantes e a resposta da blogueira.
Quadro 1: Comentários, categorias de atitude
Esses blogs foram escolhidos por meio da busca ‘blogs de/ e estratégias de afiliação do B1
para professores de inglês’ no Google em ordem de ocorrência. CATEGORIAS DE
COMENTÁRIOS
Embora sejam voltados a professores, é importante notar que ATITUDE
C1: Muito bom, Carina! Sou
foram identificados comentários de participantes que não eram professora de inglês e te
professores. Porém, para fins de análise, selecionamos apenas acompanhava lá pelo snap... Apreciação Positiva
mas resolvi abandonar o
os que faziam referências a docentes. aplicativo (rsrs) e agora T Valoração
acompanho por aqui. Bjs e
O critério de seleção dos comentários foi a ocorrência de sucesso sempre.
avaliações realizadas pelos participantes em relação aos posts. C2: Oi Carina, td bem? Vc tem
algum vídeo sobre “if-clauses”? Julgamento Positivo
Houve, também, a voz de uma das blogueiras nas respostas aos
dei uma procurada mas não
Estima social Pertencimento
comentários. Em ambas as situações, as posturas atitudinais achei.. Se tiver pode deixar o
link pra mim? Parabéns pelo Capacidade
seu trabalho. Abraço.
9 Disponível em: http://www.englishinbrazil.com.br. Acesso em: 17 nov.21.
10 Disponível em: http://anascatena.blogspot.com.br. Acesso em: 17 nov.21.
11 Disponível em: https://www.mairovergara.com/. Acesso em: 17 nov.21.

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CATEGORIAS DE por meio das expressões avaliativas presentes nos comentários, tais
COMENTÁRIOS
ATITUDE como escolhas de Afeto, de Julgamento e de Apreciação. A categoria
Julgamento Positivo
C3: Carina, parabéns por de Apreciação positiva do tipo valoração foi recorrente, incidindo
todos os seus vídeos! Estima social
Você foi a única que me
nas nominalizações em ‘muito bom’ ‘sucesso’(C1), ‘Parabéns’ (C2)
prendeu e fez acompanhar Capacidade nos atributos ‘super completo’(C3) e em (C9) no processo mental
os conteúdos até hj. Todos
os outros eu assistia e nao Apreciação de afeto ‘like’. Houve, também avaliações de Julgamento positivo
duravam mais que 4 ou 5
Positiva
Valorização de estima social capacidade em relação ao trabalho desenvolvido
videos. E esse vídeo dos do blog
prefixos, é super completo, pela blogueira: expressões como: ‘parabéns’ (C2 e C4), ‘ótimo
Complexidade
nem no curso que frequentei trabalho, ótimo não excelente’, ‘you’re the best (C5, C6), ‘Você foi
aqui no Canada, tive uma Apreciação
esplanaçao tao abrangente. a única que me prendeu e fez acompanhar os conteúdos até hj [...],
Todo sucesso pra vc é Positiva tive uma esplanaçao tao abrangente (C3). Há uma avaliação de
pouco!!!
Valoração afeto intensificado ‘I´m in love with you because you´re the best’
C4: Oii Karina! Otimo blog
Apreciação Positiva
(C6). Nessa perspectiva, Knight (2010) aponta que há um ícone de
adorei o post parabens!! Eu
so nao entendi o prefixo FORE. Valorização ligação como símbolo de solidariedade (MARTIN, 2008, p. 130).
Valoração
Cast é elenco ou lançamento do trabalho
entao forecast deveria ser Afeto Positivo da blogueira Observamos, nestes dados, que todas as avaliações reali-
“antes do elenco” ou “antes do Felicidade
lançamento”?!
zadas pelos participantes sinalizam o vínculo entre elas, a saber,
Afeto Positivo o de satisfação e o de aprovação do blog. A estratégia de com-
C5: I loved your video! it was
amazing ! Otimo trabalho, Felicidade partilhamento é evidenciada por meio das avaliações realizadas
Valorização
otimo não excelente. Afinal, pelos participantes. Dito de outra forma, por meio da repetição
Apreciação Positiva da Blogueira
quem mais ensina, mais
aprende neh!!!! Valoração das avaliações de congratulações realizadas pelos participantes
Afeto Positivo do blog. Todas as categorias do subsistema de Atitude (Afeto,
C6: I´m in love with you
because you´re the best. I
Felicidade (2x) Julgamento e Apreciação) foram utilizadas pelos participantes,
like so much this video. I´m Julgamento Positivo Congratulações mostrando o compartilhamento de opiniões e, assim, um vínculo
learning english yet but by the
way speak I understand very Estima social entre eles. Segundo Knight (2010), nessa estratégia, os participan-
well. Congratulations !
Capacidade
tes estabelecem um vínculo a fim de compartilharem a mesma
comunidade sem criar qualquer tipo de tensão.
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos
posts do B1. Acesso em 17.nov.21. A análise da estratégia de Afiliação por Pertencimento indi-
cou que houve, também, afiliações profissionais, uma vez que, ao
Após detalhar as escolhas linguísticas destacadas em negrito no
enaltecer o trabalho da blogueira, os participantes também pedem
Quadro 1, entendemos que as estratégias de Afiliação são realizadas

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sugestões e relatam angústias no contexto de ensino e aprendizagem O Quadro 2 apresenta um diálogo entre um participante
de inglês. Houve, portanto, um alinhamento de posicionamentos do blog (C7) e a blogueira (BL). O participante deixa uma
nos comentários de todos os participantes nesse post. mensagem sugerindo um site que talvez fosse de interesse da
blogueira, e, também, sugere a correção de uma informação
No Quadro 2, destacamos o processo de Afiliação predo-
no blog. Na resposta da blogueira, percebemos que ela não
minante no post intitulado “Você chama seu professor de inglês
aprovou a sugestão, inclusive avalia o site como ‘poluído’,
de teacher? Então, veja esta regra de gramática social” (B2),
mesmo assim agradece e justifica o erro apontado pelo par-
focando a condenação e a rejeição.
ticipante. Nesse caso, a participante C7 se vale de avaliações
Quadro 2: Comentários, categorias de atitude de apreciação negativa e positiva de valoração no epiteto ‘link
e estratégias de Afiliação do B2 legal’ para justificar seu posicionamento.
CATEGORIAS ESTRATÉGIAS
COMENTÁRIOS A partir da interação entre os dois, notamos que não houve
DE ATITUDE DE AFILIAÇÃO
C7: Oi Ana! Quero te passar um link
compartilhamento e nem vínculo entre eles, portanto, não houve
legal aqui, de um site chamado Apreciação um alinhamento de opiniões. Nesse contexto, a estratégia de
Spoken Word, cuja URL é http:// Positiva
www.spokenword.org/Aproveitando,
Afiliação do tipo Reprovação é evidenciada por meio da rejeição
corrija a palavra “entonação” no Valoração da blogueira pela informação compartilhada pelo participante.
seu post...
Fato que se dá diferentemente do que acontece no B1 (Quadro 1),
BL:Oi,Carlos. Obrigada pela dica do
site. Já conhecia, mas acho muito pois não houve um vínculo entre os participantes. Knight (2010,
poluído. Gosto de sites mais p. 217) ressalta que, quando acontece esse tipo de Afiliação, uma
didáticos no layout (leiaute, em Reprovação
português), que não colocam tanta
Apreciação tensão é criada pelos participantes, apresentando uma posição
Negativa Rejeição
informação na tela. Mesmo assim, é contrária ao grupo.
uma ótima fonte de informações. Composição Discordância
Obrigada por compartilhar! Quanto
à correção que você sugere, em Apreciação
de opiniões No primeiro caso (Quadro 1), houve a repetição de avalia-
português são aceitas as formas Positiva ções realizadas pelos participantes, o que corrobora a estratégia
entonação, entoação e intonação para Valoração
traduzir “intonation”. Veja no Michaelis:
de Pertencimento. No segundo caso, ao contrário, o diálogo se
http://michaelis.uol.com.br/ Afeto Positivo encerra no momento em que a blogueira rejeita a opinião do
moderno/portugues/index.
php?lingua=portugues-
Satisfação participante. Houve até uma tentativa de uma Afiliação profis-
portugues&palavra=intona%E7%E3o sional por parte de C7, ao sugerir um site, no seu comentário e,
Agradeço pela leitura atenta! Volte
sempre. também, de contribuir para o trabalho da blogueira, ao mostrar
um erro no post. Porém, essa tentativa não teve sucesso, mesmo
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos
posts do Blog 2. Acesso em 17.nov.21. que educadamente, BL não aceita a sugestão, e ainda relata as

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suas preferências: “Gosto de sites mais didáticos no layout”. Há, CATEGORIAS ESTRATÉGIAS
COMENTÁRIOS
talvez, uma tentativa por parte de BL de não constranger C7 ao DE ATITUDE DE AFILIAÇÃO
agradecê-lo e ao convidá-lo a continuar visitando o blog. Nesse Afeto
caso, não houve Afiliação profissional. Negativo
Insatisfação
Na exposição das estratégias de Afiliação presentes nos Apreciação
C9: Descordo plenamente.o texto
dois blogs, portanto, dois ambientes digitais voltados a profes- é empolgante e fascinante.. positiva
muito esclarecedor..
sores de inglês, observamos que predominam duas estratégias impacto
de Afiliação: de Pertencimento e de Reprovação. Essas análises Apreciação
contribuem para a compreensão dos posicionamentos adotados positiva
valoração
pelos participantes do discurso nos casos de interação.
C10: O grande problema é a sua Pertencimento
Os exemplos no Quadro 3 são referentes ao B3 de Mairo preguiça de ler. O texto não é
longo para quem quer entender a valorização do
Vergara, também voltado a professores e estudantes de inglês, causa de efeito do método e suas post
justificativas! Julgamento
os comentários são referentes ao post intitulado ‘Como aprender Negativo Pertencimento
inglês sozinho: tutorial completo’12: [...] Tente ser “autorresponsavel” e
Estima Social Valorização do
reconheça sua dificuldade antes
de culpar os outros por suas post
Tenacidade
fraquezas!
Quadro 3: Comentários, categorias de atitude Compare os comentários Julgamento
e estratégias de Afiliação do B3 positivos em relação ao texto
e o seu carregado de inveja, Negativo
CATEGORIAS ESTRATÉGIAS procrastinação e soberba!
COMENTÁRIOS Sanção
DE ATITUDE DE AFILIAÇÃO E antes que você me atire pedras,
entenda que estou apenas Social
Apreciação julgando a sua atitude diante do
Negativa Propriedade
C8: Artigo extremamente prolixo. que você expos aqui e não vc, aliás,
No afã de convencer, o texto Complexidade Reprovação eu nem te conheco!
torna-se cansativo e induz a NÃO Reflita e amadureça...Isso te
leitura completa completa do Apreciação Rejeição do post enriquecerá!
texto. Negativa
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos
Valoração posts do Blog 3. Acesso em 17.nov.21.

No caso do post no Quadro 3, verificamos exemplos de


Afiliações diferentes dos apresentados nos demais blogs (Quadros
12 Disponível em: https://www.mairovergara.com/como-aprender-ingles-sozinho- 1 e 2). Aqui, há concordância e discordância entre os participan-
-tutorial-completo/. Acesso em 17 nov.21.

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tes. O contexto do post são dicas oferecidas pelo blogueiro para de valoração com relação ao comentário de C10: carregado de
aprender inglês sozinho. A maior parte dos comentários são de inveja, procrastinação e soberba. A estratégia de Afiliação por
congratulações ao blogueiro pelo post, considerado enriquece- Pertencimento é evidenciada nas avaliações realizadas por C9 e
dor. Porém, há uma discordância entre os participantes, como C10 ao compartilharem as mesmas impressões e opiniões sobre
veremos a seguir. o que C8 comenta. Por outro lado, há a estratégia de Afiliação de
Reprovação de C8 em relação às demais opiniões sobre o post.
Inicialmente, C8 faz uma crítica negativa ao post. Ele
Não há o compartilhamento ou o vínculo entre C8 em relação a
vale-se de avaliações de Apreciação negativa de complexidade,
C9 e C10. Há, por sua vez, Afiliação por Pertencimento entre C9
incidindo no atributo ‘prolixo’ intensificado pelo adjunto de cir-
e C10, que defendem o texto e julgam C8 pelas suas afirmações
cunstância ‘extremamente’, o atributo ‘cansativo’ e a frase ‘induz
sobre o post.
a NÃO leitura completa do texto’ ao expressar sua opinião sobre
o post ou melhor ao texto do blogueiro. Em contraposição a esse Nesse caso, há um alinhamento de opiniões de C9 e C10
comentário, outros dois participantes se afiliam discursivamente com relação a C8. C8 criou uma tensão ao se colocar contrário
para defender as ideias apresentadas pelo blogueiro. às ideias do blogueiro no post, que, automaticamente, foi res-
pondido e debatido com avaliações intensificadas realizadas
C9 realiza autoavaliações de Afeto negativo de insatisfa-
por C9 e por C10, inclusive por meio de Julgamento negativo
ção, utilizando o processo mental de afeto negativo ‘discordo’,
de estima social.
ainda intensificado pelo adjunto de circunstância ‘plenamente’
mostrando sua indignação com o posicionamento de C8. Para Constatamos que, por meio de avaliações positivas e
sustentar sua opinião, ele se vale de avaliação de Apreciação negativas realizadas pelo escritor, os elementos léxico-grama-
positiva de impacto e valoração para descrever o texto apre- ticais que realizam essas avaliações indicam as estratégias de
sentado pelo blogueiro. Os atributos ‘empolgante’, fascinante’ e Afiliação entre os participantes do discurso. Logo, essa análise
‘esclarecedor’ concentram essas avaliações. contribui para o entendimento sobre os posicionamentos dos
interactantes nas interações sociais em ambientes digitais, no
C10 afilia-se com C9 compartilhando das mesmas opiniões
caso deste estudo, em que não há a comunicação face a face.
com relação a C8. Ele se direciona a C8, julgando-o negativa-
Assim, percebemos que, em todas as interações, os participantes
mente como preguiçoso: “O grande problema é a sua preguiça de
se afiliam de alguma forma, seja por Pertencimento, estabelecendo
ler”. Percebemos aí o Julgamento de estima social de tenacidade.
vínculos comunicacionais, ou por Reprovação, rejeição de ideias
Utiliza, também, o atributo “autorresponsável” e a nominali-
e posicionamentos e também por Riso, embora não apresente-
zação “fraquezas”. Todos esses elementos léxico-gramaticais
mos exemplos desse último tipo, essa estratégia é presente em
carregam as avaliações de Julgamento negativo, intensificadas
diversas interações sociais.
e realizadas por C10. Ele ainda acrescenta Apreciação negativa

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CONSIDERAÇÕES FINAIS e esclarecem para o falante/escritor como as interações em


ambientes digitais como aquelas descritas, a partir dos exemplos
Nosso principal objetivo neste texto foi o de abordar os aqui discutidos são realizadas, trazendo uma grande contribuição
mecanismos de Afiliação presentes em comentários publicados para o entendimento sobre como funciona a comunicação entre
em blogs de professores de inglês e sua relação com o SA. A os membros de uma dada comunidade virtual.
partir dos dados e das realizações linguísticas discutidas, pode-
As discussões sobre Afiliação em comentários de blogs
mos concluir, em primeiro lugar, que, no processo de interação,
aqui apresentadas, portanto, mostram como os usuários de uma
a linguagem é um recurso por meio do qual criamos laços para
língua se posicionam com suas atitudes, atuando como media-
nos afiliarmos socialmente aos mais variados meios pessoais,
dores do conhecimento e incentivando a construção de valores.
escolares, familiares, profissionais, religiosos e todo e qualquer
Nesse caso, os professores de inglês nos blogs analisados não se
ambiente no qual nos inserimos e nele estabelecemos afiliações.
alinham unicamente ao papel de condutor, mas também como
Em segundo lugar, ao analisar estratégias de Afiliação parceiro nas produções, dando sugestões, compartilhando e
presentes em comentários de blogs, constatamos que as categorias rejeitando informações, concordando e discordando de opiniões.
avaliativas indicam as formas de vínculo entre os participantes do
As realizações linguísticas descritas revelam, ainda, o
discurso e sinalizam negociação entre seus interlocutores. Além
essencial papel da linguagem nas interações sociais via dispo-
disso, as escolhas linguísticas utilizadas pelo produtor textual
sitivos tecnológicos, que passaram a ser o principal recurso de
para avaliar pessoas, objetos e situações, estão impregnadas de
interação durante o período pandêmico e que passaram a fazer
valores sociais e refletem a ideologia e a cultura dos produtores
parte de nossas vidas. Compreender como a linguagem é utilizada
textuais.
nesses contextos revela-se como um elemento primordial para os
O estudo aqui apresentado, desse modo, permitiu apresentar estudos sobre a língua, o texto e o discurso e como os usuários
linguisticamente e discursivamente como a inserção de afiliações afiliam-se, criando vínculos e avaliando o mundo.
na linguagem possibilitam a formação da criticidade do escritor,
pois a linguagem interacional é capaz de engajar nas relações
REFERÊNCIAS
interpessoais e mobilizar um conjunto de recursos semânticos ALMEIDA, Fabíola Aparecida Sartin Dutra; VIAN JR., Orlando. Estudos em
que permitem expressar avaliações afetivas, avaliações de com- Avaliatividade no Brasil: panorama 2005-2017. Signótica, Goiânia, v. 30, n. 2,
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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA iNTERAÇÃO EM BLOGS DE PROFESSORES de inglês

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SISTÊMICO-FUNCIONAL

BRUNA MARIA VASCONCELLOS TRINDADE BISPO1


MAGDA BAHIA SCHLEE2

INTRODUÇÃO

A competência textual – uma das ramificações da competência


comunicativa – faz referência à capacidade de o usuário
da língua produzir, compreender, transformar e classificar tex-
tos (orais ou escritos) que se adaptem à interação comunicativa
pretendida, utilizando princípios e regularidades de organização
e construção textuais. Nessa perspectiva, sabe-se que um requi-
sito básico para a construção de um bom texto, que cumpra o
objetivo comunicativo de seu produtor, é que ele apresente, ao

1 Mestre em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro


(UERJ). Atua como professora EBTT de Língua Portuguesa do Instituto Benjamin
Constant (IBC) e como professora de Língua Portuguesa/ Literatura do Colégio
Estadual Brant Horta (CEBH).
2 Doutora em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É profes-
sora associada de Língua Portuguesa do Instituto de Letras da UERJ e professora
do Programa de Pós-Graduação em Letras da instituição, atuando como docente e
orientadora no mestrado e doutorado. Integra o grupo de pesquisa SAL (Sistêmica,
Ambientes e Linguagens) e o Grupo de Trabalho Linguística Sistêmico-Funcional
da Anpoll.

112 113
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

mesmo tempo, unidade temática e informações novas. Do ponto textos pertencentes a diferentes gêneros apresentam modos
de vista funcional, a organização e a hierarquização das unidades de organização também distintos.
semânticas do texto concretizam-se por meio de dois eixos de
A motivação do presente artigo, que se propõe a analisar
informação, denominados Tema (tópico) e Rema (comentário),
dois gêneros textuais da esfera jornalística – notícia e edito-
que são fundamentais para a compreensão de textos em geral.
rial –, emerge do interesse de se evidenciar a importância da
As palavras de Olioni (2010) confirmam essa importância:
organização textual como instrumental para a realização dos
propósitos comunicativos de diferentes gêneros. Pretende-se
A pertinência do estudo do Tema, sob a ótica mapear certos recursos de construção dos textos, no âmbito dos
funcional hallidayana, tem sua relevância gêneros selecionados, que possibilitem ao leitor a identificação
para além dos domínios da oração, ao se
da organização discursiva e de um certo padrão de ocorrências
observar como são mapeadas as escolhas
para o efetivo entendimento da mensagem. Para tanto, fez-se
temáticas realizadas pelo falante/escritor
ao longo das orações e dos complexos necessária a adoção de um aporte teórico que considerasse que
oracionais, na constituição do texto como a principal função de uma língua natural é a comunicação entre
unidade de sentido. (OLIONI, 2010, p.142). os usuários e que oferecesse instrumentos de descrição que per-
mitissem entender como e por que a língua varia em diferentes
A referida competência textual, na perspectiva funcio- contextos. Sendo assim, a Linguística Sistêmico-Funcional
nalista de Michael Halliday (2014), teórico-base do presente (doravante LSF) de Halliday e Matthiessen (2014) mostrou-se
estudo, corresponde à função textual. Essa função relaciona- adequada aos propósitos deste estudo.
-se com o modo de organizar e estruturar as informações
Vale ressaltar que este artigo é um recorte da dissertação
no texto. A função textual, conhecida por sua característica
de metrado “A estrutura temática em editoriais e notícias de
habilitadora, possibilita que os textos sejam construídos de
jornal: uma abordagem sistêmico-funcional” da autora Bruna
maneira apropriada às situações a que se destinam, além de
Trindade Bispo sob a orientação da Profa. Dra. Magda Bahia
capacitar o leitor para o reconhecimento de um texto coeso
Schlee, defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e coerente em detrimento de um conjunto de frases soltas.
(UERJ) em 2021. Na referida pesquisa, foram analisadas as
Tendo em vista essas informações, é possível constatar que a
estruturas temáticas, período por período, em um corpus formado
adequada organização das unidades linguísticas no texto con-
por 10 notícias e 10 editoriais do jornal O Globo, selecionados
tribui não só para concretizar a efetiva intenção comunicativa
no intervalo de janeiro 2019 a agosto de 2020. A pesquisa foi
de seu autor, como também para facilitar sua compreensão
fundamentada na hipótese de que as notícias apresentam mais
pelos leitores. Além disso, essa organização exerce um papel
Temas Simples em contraste com os editoriais de jornal, que se
fundamental na compreensão de diferentes textos, visto que

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

caracterizam por uma maior ocorrência de Temas Múltiplos. Essa senta as escolhas associadas com um dado tipo de constituinte
suposição deve-se ao caráter essencialmente argumentativo dos (HALLIDAY, 1967). Com base nisso, considerar o sistêmico
editoriais e ao desenvolvimento de temas mais abstratos, que implica pensar que as escolhas entre os termos do paradigma
propiciam o emprego de Temas interpessoais e textuais, contíguos produzem significado.
aos ideacionais. Consequentemente, nas notícias, são esperados
De acordo com Neves (1997), as diferentes redes sistêmicas,
mais casos de Temas Simples, dado o caráter narrativo e mais
por sua vez, codificam diferentes espécies de significado e estão
objetivo desse gênero.
ligadas às diferentes funções da linguagem. Ainda segundo a autora,
Na primeira seção deste trabalho, será apresentada, de essas funções são manifestações, no sistema linguístico, dos dois
forma breve, a base teórica do nosso estudo assim como serão propósitos mais gerais que fundamentam os usos da linguagem:
explanadas as três metafunções de Halliday e Matthiessen entender o ambiente (função ideacional) e influir sobre os outros
(2014) e os Tipos de Tema quanto à metafunção e ao número de (função interpessoal). Associada a essas duas funções, há uma
ocorrências. Além disso, trataremos da classificação marcado terceira (função textual), que lhes confere relevância, isto é, que
ou não marcado atribuída ao Tema Simples (Tópico/Ideacional). capacita a ocorrência das anteriores, organizando a informação.

Sendo assim, é imprescindível destacar que, na perspec-


1. A TRÍADE METAFUNCIONAL COM tiva hallidayiana, a oração é a realização simultânea de três
ÊNFASE NA METAFUNÇÃO TEXTUAL significados: representação (significado no sentido de conteúdo),
troca (significado como forma de ação) e mensagem (significado
Na visão funcionalista, a função das formas linguísticas como relevância para o contexto). Desse modo, para Halliday
desempenha um papel de predominância. Segundo Halliday (1976), a e Matthiessen (2014), cada frase representa uma codificação
noção de “função” refere-se ao papel que a linguagem desempenha na simultânea de conteúdos semânticos associados a três metafun-
vida dos indivíduos, servindo a certos tipos universais de demanda, ções: ideacional (formada pelas funções experiencial e lógica),
que são muitos e variados. Na Introdução da obra An Introduction interpessoal e textual.
to Funcional Grammar, Halliday (1994, p. xiii) destaca que “uma
gramática funcional é essencialmente uma gramática ‘natural’, no Uma vez que, neste estudo, o foco será a metafunção
sentido de que tudo nela pode ser explicado, em última instância, textual, cabe ressaltar que a esta metafunção está relacionada a
com referência a como a língua é usada”. organização da mensagem no nível da sentença. Segundo Hal-
liday e Matthiessen (2014), todas as línguas apresentam algum
A gramática funcional de Halliday está ligada a uma sistema de organização que contribui para a constituição do
teoria sistêmica. Na descrição sistêmica, a gramática toma a significado e, consequentemente, para o fluxo de informações em
forma de uma série de estruturas em que cada uma delas repre- um texto. Esse sistema é nomeado por Halliday como estrutura

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

temática. Sendo assim, a oração como mensagem é composta de Tema Tópico) apresentam, em posição inicial, um elemento de
Tema – parte inicial, ponto de partida da mensagem – e Rema – a natureza representacional, ou seja, um participante, um processo
mensagem propriamente dita. O Tema é, normalmente, a parte ou uma circunstância. Já os períodos com Temas Múltiplos são
recuperável ou dada da informação; já o Rema é, geralmente, a aqueles que contêm um Tema Tópico/ Ideacional precedido de
parte nova, que apresenta impossibilidade de recuperação, tanto outros Tipos de Tema: Interpessoal e/ou Textual.
no texto quanto na situação.
Ainda a partir de Halliday e Matthiessen (2014), é preciso
Consoante Halliday e Matthiessen (2014), partiu-se da pre- considerar o status de marcado ou não marcado para a metafunção
missa de que os Temas sempre veiculam significados ideacionais ideacional. Sendo assim, no que diz respeito à marcação, os Temas
(entender o ambiente), podendo transmitir também significados Simples (Tópicos/ Ideacionais) são apontados como marcados
interpessoais (influir sobre os outros) e/ou significados textuais ou não marcados. A sequência não marcada da informação, sem
(contribuir para a coesão e progressão do texto). Esses signifi- dúvida, torna mais rápida e precisa a indicação do referente. Ao
cados, no sistema linguístico, representam as manifestações dos contrário, a sequência marcada da informação possibilita dar
propósitos subjacentes a todos os usos da língua: as metafunções destaque àquilo que o emissor considera mais relevante, seja
ideacional, interpessoal e textual. para recuperar algo já citado, seja para enfatizar algo novo. Tema
não marcado é, pois, aquele que não tem proeminência especial,
Na classificação dos Temas quanto à metafunção, o
representando a posição mais frequente na oração ao manifestar
Tema Ideacional é importante para veicular a informação, o
a convencionalidade de escolhas em relação à estrutura SVO
que justifica sua presença obrigatória na organização temática.
(sujeito – verbo – objeto). Corresponde ao sujeito em uma ora-
O Tema Interpessoal, por sua vez, permite que o autor do texto
ção declarativa. Na imperativa, trata-se do processo (verbo no
se relacione com o público-leitor, assumindo um determinado
imperativo). Corresponde a elementos do tipo Qu- exclamativo
posicionamento diante dos fatos ou exigindo ações do interlocu-
em uma oração exclamativa (subgrupo das declarativas). Por
tor. Por fim, o Tema Textual está a serviço da organização das
fim, em uma oração interrogativa, compreende tanto elementos
informações, garantindo a coesão entre as partes e a progressão
do tipo Sim/Não quanto elementos do tipo Qu- interrogativo.
das ideias no texto.
Por outro lado, Tema marcado é aquele que tem proeminência
Resumidamente, os Temas, segundo Halliday e Matthie- especial, representando uma posição menos frequente, que difere
ssen (2014), podem ser classificados conforme as metafunções da estrutura SVO (sujeito – verbo – objeto). Ocorre quando os
(ideacional, interpessoal e textual) que os caracterizam e con- termos se encontram na ordem indireta nas orações declarati-
forme o número de ocorrências. Em relação à quantidade de vas. Corresponde ao processo, à circunstância ou a um grupo
ocorrências, os Temas são caracterizados como Simples ou nominal na função de complemento em uma oração declarativa.
Múltiplos. Os períodos que se constituem de Tema Simples (ou Na oração imperativa, ocorrerá quando o sujeito ou qualquer

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

outro elemento estiver antes do verbo no imperativo. Na oração Com base nessa perspectiva sistêmico-funcional, este artigo
interrogativa, corresponde à circunstância. tratará, no âmbito da metafunção textual, de maiores ou menores
incidências de Temas Tópicos/Simples ou Temas Múltiplos na
É importante destacar, após a classificação dos Temas
notícia e no editorial de jornal selecionados como marcas dis-
quanto à metafunção, quanto ao número de ocorrências e quanto
cursivas das escolhas intencionais dos redatores desses textos.
ao status marcado ou não marcado, a questão do sujeito elíptico.
No nível da oração, do ponto de vista da metafunção textual,
Na língua portuguesa, é comum que certas orações sejam inicia-
as estruturas analisadas correspondem ao ponto de partida da
das pelo processo (verbo). Segundo Thompson (2014), o Tema
mensagem. Já no nível do texto, os Temas podem, por exemplo,
Ideacional Elíptico ocorre em orações elípticas nas quais parte
integrar uma rede de recuperações, remissões, projeções que estão
da mensagem pode ser recuperada a partir de uma mensagem
incluídas no processo coesivo. O componente textual, portanto,
anterior ou pode ser compreendida a partir do contexto em geral.
é apresentado por Halliday e Matthiessen (2014) como um modo
Vale ressaltar que, neste artigo, adotaremos o posicionamento
de significação relacionado à construção de texto. Em vista disso,
apresentado pelo referido linguista, apesar de outros respeitados
considerar a metafunção textual hallidayiana como o enfoque
estudiosos classificarem o Tema de forma diferente nessa situação
do nosso estudo significa ir além dos limites oracionais, abrindo
específica. Para um melhor entendimento do assunto, seleciona-
espaço para refletirmos sobre a importância desse componente
mos um exemplo extraído do editorial analisado neste estudo:
funcional na leitura e na produção de textos.
Ex.: “(?) / É fato também a ser investigado.” – Período com
Tema Simples sendo o Tema Ideacional do tipo Elíptico. Poderia
2. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
ser representado pela palavra “isso”, de caráter encapsulador,
pois faz referência a todo conteúdo levantado pelas perguntas
A partir de uma abordagem quantitativa e qualitativa, esta
retóricas contidas nos três períodos anteriores.
investigação, embasada pelos pressupostos da LSF, realiza o
Diante dessas classificações, uma vez que o nosso enfoque exame dos significados textuais dos textos, sob o ponto de vista
é a organização temática dos períodos que compõe a notícia e da organização da mensagem. Para a realização da análise a
o editorial, vale ressaltar a fala de Baker (1992, p.126) ao dizer que se refere este artigo, foram selecionados um editorial e uma
que a escolha individual de um Tema em uma dada oração não notícia publicados no jornal O Globo – localizado na cidade do
é muito significativa. No entanto, a escolha dentro de um con- Rio de Janeiro –, capital brasileira onde aconteceu a tragédia no
texto mais amplo e a maneira pela qual os Temas são ordenados Centro de Treinamento do Flamengo, clube carioca de futebol.
desempenham um papel importante na organização de um texto e
Os textos jornalísticos selecionados, que foram veiculados
no fornecimento de um ponto de orientação para a manifestação
por O Globo, são: (a) Incêndio deixa dez mortos no Ninho do
da linguagem.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

Urubu, centro de treinamento do Flamengo, publicado no dia 8 de • considerar a indicação da fonte como Tema Interpessoal;
fevereiro de 2019, mesmo dia do fato, e (b) Tragédia no Fla expõe • considerar a oração subordinada adverbial anteposta à oração
descaso com prevenção, publicado em 9 de fevereiro de 2019, dia principal como Tema Ideacional;
seguinte ao evento, ambos escritos logo após o acontecimento.
Quanto ao primeiro item da lista acima, consideraremos
A opção por dois gêneros de natureza diversa, em função
o sujeito elíptico, quando encabeçando o período, como Tema
de um assunto específico, justifica-se pela crença de que as
Ideacional (participante), pois, como defendem Gouveia e Bár-
especificidades de cada um deles têm impacto direto sobre as
bara (2001) e Bárbara e Gouveia (2001), é possível recuperá-lo
seleções dos elementos que constituirão a estrutura temática dos
facilmente no texto a partir da desinência verbal. Segundo os
períodos que compõem os textos. Para tanto, foram mapeados
autores, o Tema é um elemento coesivo que pode (ou não) ser
todos os Temas, período por período, da notícia e do editorial,
expresso. Esse é um ponto que não é discutido na teoria halli-
a fim de serem verificados quais constituintes os produtores
dayana, visto que An Introduction to a Functional Grammar
dos referidos textos escolheram como ponto de partida para
é uma obra desenvolvida com base na gramática do Inglês. A
a organização da mensagem. A configuração dos Temas nos
língua inglesa não contempla a construção de orações a partir
exemplares selecionados possibilitou identificar quais pontos
do processo, sem a presença do participante. Além do exemplo
foram priorizados pelo autor de cada texto. Além dos Temas
já citado na seção anterior, temos mais um exemplo extraído
Tópicos (Ideacionais), também foram assinalados os Temas
do editorial em foco: “Aliás, / (?) / não contavam sequer com o
Interpessoais e os Temas Textuais. Nos moldes de um estudo
certificado do Corpo de Bombeiros.”. No referido editorial, por
contrastivo, além da contabilização do número de períodos de
meio da desinência verbal do processo “contavam”, é possível
cada texto, os Temas foram enquadrados e quantificados como
notar, pelo contexto, que o sujeito elíptico (simbolizado pelo
Simples ou Múltiplos. O mesmo procedimento foi adotado com
ponto de interrogação entre parênteses) é “as instalações de um
os Temas Tópicos (Ideacionais), que foram classificados como
dos clubes mais ricos do país”.
marcados e não marcados.
Em relação ao segundo item da lista, embasados em Halliday
Apresentadas as informações que serão demonstradas em e Matthiessen (2014), Fuzer e Cabral (2014) e Schlee (2008) consi-
nossa análise, faz-se necessário pontuar algumas escolhas de deramos, em nossa análise, a conjunção integrante como parte do
análise feitas durante o estudo. São elas: Tema interpessoal ao lado da oração principal. O bloco formado
pela oração principal + conjunção integrante “que” apresenta valor
• considerar o sujeito elíptico como Tema Ideacional; modal, portanto veicula significado Interpessoal. Para exemplificar
• considerar a conjunção integrante como parte das orações essa situação, dentre outras ocorrências, temos: “Acredita-se que /
principais, compondo o Tema Interpessoal; as tragédias respeitam o ritmo da burocracia.”. No exemplo dado,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

extraído do editorial, “acredita-se que” representa o bloco composto A seguir, passa-se à análise dos dois textos a partir de
pela oração principal + conjunção integrante “que”. episódio ocorrido na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro (Brasil), na manhã de 8 de janeiro de 2019, quando
Quanto ao terceiro tópico, conforme Schlee (2008), consi-
o incêndio no Ninho do Urubu resultou na morte de dez garo-
deraremos a indicação da fonte por parte do autor do texto como
tos entre 14 e 16 anos. O fato foi amplamente divulgado pela
Tema Interpessoal. Segundo a autora, o rótulo de “modalidade”
imprensa local, nacional e internacional, tamanha a brutalidade
inclui “as indicações de fonte do enunciado” (p. 77). Assim
dos acontecimentos.
sendo, o enunciador “exime-se do conteúdo asseverado na oração
subordinada” (p. 105). Vale ressaltar que os elementos interpes-
soais podem ser destacados por meio do emprego de palavras, 3. ANÁLISE DOS SIGNIFICADOS
expressões ou até orações que denotam a categoria modalidade. TEXTUAIS E DISCUSSÃO
Como exemplo, temos um caso extraído da notícia selecionada:
“A informação é de que / o fogo / já está controlado e o trabalho O mapeamento dos Temas Ideacionais (Tópicos), dos Temas
agora seria de rescaldo.”. O trecho “A informação é de que” tem Interpessoais e dos Temas Textuais de cada período da notícia e
valor modal, pois indica a fonte enunciativa. do editorial, previamente definidos e aproximados pelo assunto
em comum, possibilitou o estabelecimento da configuração de
O quarto tópico versa a respeito de considerar a oração cada texto, a identificação do ponto de partida escolhido pelos
subordinada adverbial anteposta à oração principal como Tema jornalistas para a organização da mensagem e a apuração dos
Ideacional. Halliday e Matthiessen (2014) ampliam a noção de posicionamentos veiculados em O Globo sobre o episódio ocor-
Tema e Rema para o nível do complexo oracional e mesmo do rido no Ninho do Urubu.
texto. Segundo Fuzer e Cabral (2014, p. 140), nesses casos, “a
oração dependente é o Tema do complexo oracional, e a oração A notícia “Incêndio deixa dez mortos no Ninho do Urubu,
dominante é o Rema”. Para exemplificar esse caso particular, centro de treinamento do Flamengo” procura transmitir ao recep-
observemos o seguinte período: “À medida que avançam as inves- tor as informações básicas que compõem o fato narrado. Como
tigações, / o incêndio no CT do Flamengo vai se assemelhando já é esperado em textos de orientação informativa, o intuito
a outras tragédias recentes, como a de Brumadinho, no que diz dessa notícia é relatar o acidente ocorrido no CT do Flamengo,
respeito a falhas, omissões e negligências que contribuem para mostrando também quando e como se deu a tragédia, além dos
um desfecho perverso.”. No exemplo dado, extraído do editorial personagens envolvidos no fato. No texto, foram contabilizados
selecionado, a oração classificada, em língua portuguesa, como 22 períodos contendo Temas Simples (Tópico) constituídos ape-
oração subordinada adverbial temporal corresponde ao Tema nas pelo elemento Ideacional na condição de participante. Esses
Ideacional do período em que está inserida. Temas são considerados não marcados, pois correspondem ao

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

padrão, ao usual, isto é, seguem a ordem canônica dos termos (11) Equipes dos bombeiros / continuam no local. 
na oração. Ei-los: (12) As causas do incêndio / ainda são desconhecidas.
(13) O governo estadual / vai decretar luto oficial de três dias.
(1) Incêndio / deixa dez mortos no Ninho do Urubu, centro de (14) O secretário estadual de Esportes do Rio, Felipe Bornier, /
treinamento do Flamengo afirmou que a pasta vai dar todo o apoio e suporte para as
(2) Três pessoas / ficaram feridas, uma delas em estado grave; famílias, já que muitas não eram do Rio.
área atingida é o alojamento onde dormem os jogadores de (15) Bornier / destacou ainda que a secretaria vai apurar o que
base, com idades entre 14 e 16 anos. aconteceu.
(3) Um incêndio de grandes proporções / matou dez pessoas no (16) Ele / ainda revelou que outros secretários estaduais estão a
Ninho de Urubu — centro de treinamento do Flamengo —, caminho do Centro de Treinamento.
em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, na manhã desta (17) Centro é usado pela equipe de futebol e por categorias de
sexta-feira. base
(4) Três pessoas / ficaram feridas — uma delas em estado grave (18) O Ninho do Urubu — como ficou popularmente conhecido
— e foram levadas para o Hospital Municipal Lourenço o Centro de Treinamento presidente George Helal — / foi
Jorge, na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste. construído em 2014 e é usado pela equipe de futebol profis-
(5) Os três jovens feridos e que estão hospitalizados / foram sional do Flamengo e pelas categorias de base.
identificados como Cauã Emanoel Gomes Nunes, de 14 (19) O local fica numa área localizada em Vargem Grande e tem
anos, que é de Fortaleza e está há três anos no Rio; Francisco um módulo profissional, dois campos, campo de treinamento
Diogo Bento Alves, de 15, e Jonathan Cruz Ventura, também para goleiros e alojamento, entre outras estruturas.
de 15. (20) A estrutura anterior foi deixada para as categorias de base.
(6) O estado de saúde mais grave / é o de Jonathan.  (21) Árvores e galhos caíram perto da área das piscinas, assim
(7) Ele / teve 40% do corpo queimado. como no exterior, em algumas das entradas do clube.
(8) A Secretaria municipal de Saúde / classificou o estado de (22) A força do vento e da chuva fez com que algumas
saúde dele como gravíssimo e informou que o jovem será delas fossem arrancadas desde a raiz, prejudicando até o
transferido para o Centro de Tratamento de Queimados do
acesso via a pé e de carros no interior da sede.
Hospital municipal Pedro II, em Santa Cruz, também na
Zona Oeste.
Há ainda Temas Tópicos representados por circunstâncias,
(9) O alojamento atingido pelo fogo /é na parte antiga do CT,
classificados como Temas marcados, por representarem uma
que foi recentemente reformado.
configuração não usual, isto é, não seguem a ordem prototípica
(10) O espaço / ia ser desativado e demolido pelo clube.
dos termos na oração. Nos casos listados a seguir, vale destacar

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

que as 3 primeiras ocorrências têm valor temporal, a fim de (28) A informação é de que / o fogo / já está controlado e o
situar o leitor a respeito do tempo relativo aos desdobramentos trabalho agora seria de rescaldo.
associados ao fato noticiado. A última ocorrência já indica as
condições em que o alojamento do Flamengo se encontrava, ou Na referida notícia, portanto, observa-se uma tentativa de
seja, o modo como esse local estava no momento da publicação apresentar os fatos, fornecendo informações básicas já espera-
da notícia. das pelo leitor nesse tipo de texto: o que, como, quando e onde
ocorreu o evento noticiado. O jornalista, nesse caso, assume uma
(23) Em 2018, foi inaugurado o novo módulo para o futebol postura descritiva do objeto da notícia, isenta de impressões e
profissional, com novos alojamentos, parque aquático, comentários, como testemunha ocular dos fatos ali veiculados.
academia e mais um campo de futebol (o quinto). Justifica-se, assim, a predominância de Temas Simples, Idea-
(24) Na véspera, sede da Gávea foi atingida pelo temporal cionais, que representam, majoritariamente, os participantes
(25) Na noite de quarta-feira, a sede do Flamengo, na Gávea, envolvidos nos processos que realizam os fatos apresentados na
foi atingida pelo forte temporal e ficou com um rastro de notícia, e também as circunstâncias, que oferecem detalhes mais
destruição. precisos sobre esses fatos.
(26) Sem luz, o local está fechado e as atividades suspensas
O editorial “Tragédia no Fla expõe descaso com pre-
nesta quinta-feira, para uma avaliação nas dependências.
venção” defende a ideia de que o clube do Flamengo falhou
na proteção aos atletas que estavam sob sua responsabilidade.
Em relação aos Temas Múltiplos encontrados na notícia,
Reforça ainda a necessidade de se antecipar às catástrofes, após
foram detectados apenas 2 casos. Em ambos, verificou-se apenas
uma “sequência nefasta de tragédias”, como as que ocorreram
a presença de Tema Interpessoal + Tema Ideacional. No primeiro
no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista e em Brumadinho.
caso, temos uma expressão adverbial e, no segundo caso, uma
No texto, foram contabilizados 10 períodos contendo Temas
oração adverbial. Em ambos os casos, ressaltamos, conforme
Simples (Tópico) formados apenas pelo elemento Ideacional
foi mencionado na seção anterior, que o papel Interpessoal asso-
na condição de participante. Ainda que esse gênero textual não
ciado a essas ocorrências deve-se ao fato de que as informações
priorize a transmissão das informações ao público-leitor, e sim o
provêm de outra fonte.
convencimento, observa-se que houve predominância, quanto à
marcação dos Temas Tópicos, assim como na notícia analisada,
(27) Segundo o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Douglas de um maior número de Temas não marcados. Eis as ocorrências:
Henaut, / o incêndio / foi no alojamento, onde dormem os
jogadores de base, jovens entre 14 e 16 anos. (1) Tragédia no Fla / expõe descaso com prevenção

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

(2) Alojamento que pegou fogo no CT, matando dez adoles- oração subordinada adverbial anteposta à oração principal como
centes, / não tinha certificado dos Bombeiros Tema Ideacional. Isso aponta, como vimos, para a ampliação
(3) A cidade / não se refizera do choque com o temporal da a noção de Tema e Rema para o nível do complexo oracional.
noite de quarta-feira e madrugada de quinta, que deixou
seis mortos, e já acordou ontem abalada por nova tragédia. (11) À medida que avançam as investigações, / o incêndio no
(4) Um incêndio num alojamento do Centro de Treinamento CT do Flamengo vai se assemelhando a outras tragédias
Presidente George Helal, conhecido como Ninho do recentes, como a de Brumadinho, no que diz respeito a
Urubu, / em Vargem Grande, provocou a morte de dez falhas, omissões e negligências que contribuem para um
adolescentes e queimaduras em outros três da divisão de desfecho perverso. 
base do Flamengo — um dos feridos estava ontem em (12) Se fiscalizara, / por que não o interditou?
estado grave. 
(5) A polícia / investiga o que pode ter originado o fogo que No que diz respeito aos Temas Múltiplos encontrados no
destruiu as instalações, formadas por contêineres. referido editorial, foram detectadas mais ocorrências do que as
(6) Parentes dos meninos que escaparam / disseram que as de Temas Simples, o que acaba por confirmar a nossa hipótese
chamas teriam começado no ar-condicionado.  de que, comparativamente, os editoriais apresentam mais Temas
(7) Algumas / já estão vindo à tona. Múltiplos, e as notícias, mais Temas Simples. Foram contabiliza-
(8) A prefeitura / informou ontem que, na licença aprovada, o dos, no texto opinativo, 14 Temas Múltiplos formados por Tema
local que pegou fogo consta como estacionamento, e não Interpessoal + Tema Ideacional ou Tema Textual + Tema Ideacional
como alojamento. e também aqueles formados pelos três tipos de Tema: Textual +
(9) A prefeitura, que agora constata o problema, / não o fis- Interpessoal + Ideacional. Sem dúvida, essa predominância de
calizara antes? Temas Múltiplos no texto em foco aponta para a própria natureza
(10) (?) / É fato também a ser investigado. opinativa do editorial, que está a serviço da empresa jornalística,
a fim de convencer e persuadir o leitor do periódico.
• No editorial, foram observadas apenas 2 ocorrências de Temas
Tópicos que expressam circunstâncias, identificados, pois, (13) Independentemente das causas, / é evidente que / o clube
como Temas marcados. Tais Temas funcionam, no contexto / falhou na proteção aos atletas que estavam sob sua res-
do editorial, como ponto de partida para o jornalista expressar, ponsabilidade /, meninos que sonhavam seguir os passos
em posição remática, os comentários frente à tragédia. Além de astros como Vinicius Junior e Paquetá.
disso, vale ressaltar que, em ambos os períodos destacados, (14) Ou seja, / não / havia autorização para os caixotes-dormi-
conforme foi mencionado na seção anterior, consideramos a tórios.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

(15) Obviamente, / cabem / algumas perguntas. progressão temática. Os Temas Textuais, portanto, representam
(16) E, / se interditou, / por que continuou funcionando? as ligações, as conexões existentes entre os períodos e os pará-
(17) Outro ponto que merece reflexão: / as instalações de um grafos. Sendo assim, é imprescindível declarar que esses Temas
dos clubes mais ricos do país / não tinham sistema antifogo, cooperam para a construção do raciocínio lógico por parte do
como sprinklers (chuveirinhos) ou brigadas de incêndio. articulista a fim de defender seu ponto de vista.
(18) Aliás, / não / (?) / contavam sequer com o certificado do
Considerando o maior número de Temas Múltiplos
Corpo de Bombeiros.
detectados no editorial tanto em relação aos Temas Simples
(19) Consta que / os contêineres / que pegaram fogo seriam
encontrados nele mesmo quanto em comparação aos dados
desativados em poucos dias, e os adolescentes, transfe-
numéricos quantificados na notícia, convém reforçar o papel de
ridos para os antigos dormitórios dos profissionais, que
cada Tema quanto à metafunção. O Tema Ideacional é presença
ficaram vagos após a inauguração das novas e sofisticadas
obrigatória na organização temática já que é imprescindível
instalações do CT, no fim do ano passado.
na veiculação das informações. O Tema Interpessoal, por sua
(20) Só que / o incêndio / aconteceu antes.
vez, contribui de forma efetiva na expressão do posicionamento
(21) Infelizmente, / trata-se / de mais uma demonstração do
do autor dos textos. Por fim, o Tema Textual está a serviço
pouco caso dado aos sistemas de prevenção no país.
da progressão textual, garantindo uma produtiva coesão
(22) Acredita-se que / as tragédias respeitam o ritmo da buro-
sequencial ao tornar explícitas as relações que se estabele-
cracia.
cem entre as partes do texto. Com base nessas informações,
(23) Lembre-se que / o Museu Nacional, na Quinta da Boa
confirma-se que o editorial “Tragédia no Fla expõe descaso
Vista, / estava para implantar um sistema anti-incêndio
com prevenção” assume, pois, uma postura diferenciada em
quando foi devastado pelo fogo. 
relação à notícia supracitada: de forma explícita, sai de uma
(24) É preciso / mudar urgentemente esse comportamento.
condição de imparcialidade para manifestar uma opinião sobre
(25) Há que / se antecipar / às catástrofes, com uma pergunta
o evento mencionado.
simples: e se acontecer?
(26) Caso contrário, / continuaremos / nessa sequência nefasta Na tentativa de tornar mais objetiva e direta a divulgação
de tragédias, em que só há lugar para dor e lamentações. dos levantamentos a respeito da estrutura temática do editorial
e da notícia estudados, passemos à apreciação de 3 tabelas:
É importante mencionar que os Temas Textuais presentes
em alguns dos Temas Múltiplos encontrados no editorial, como
por exemplo “ou seja” no período (14) e “aliás” no período (18)
contribuem para a construção do significado e impulsionam a

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

Tabela 1 – Tipos de Tema na notícia e no editorial quanto à quantidade autor como se pode observar no Tema interpessoal é preciso, em
GÊNERO TEMAS TEMAS 24, em que fica patente a intenção do editorialista de promover
PERÍODOS
TEXTUAL SIMPLES MÚLTIPLOS uma mudança no comportamento do leitor.
Notícia 28 26 2
Editorial 26 12 14 Tabela 2 – Porcentagem de Temas Simples e
Múltiplos na notícia e no editorial
Fonte: Autoria própria.
GÊNERO TEXTUAL TEMAS SIMPLES TEMAS MÚLTIPLOS

Por meio da tabela 1, observa-se, por conseguinte, que, Notícia 93% 7%


na notícia, 26 dos 28 períodos existentes apresentaram Temas Editorial 46% 54%
Simples, isto é, de natureza Ideacional. Esse dado aponta, como
Fonte: Autoria própria.
vimos, para a necessidade de o jornalista divulgar ao leitor, de
forma mais direta e imediata, informações a respeito do incên-
A tabela 2, que apresenta a porcentagem de Temas Sim-
dio ocorrido em um alojamento no Ninho do Urubu. Por outro
ples e de Temas Múltiplos na notícia e no editorial, confirma a
lado, no editorial em foco, no trecho em que o articulista faz um
tese de que os editoriais apresentam mais ocorrências de Temas
resumo do fato para contextualizar o leitor sobre o assunto, há
Múltiplos enquanto as notícias apresentam mais Temas Simples.
nítida predominância de Temas Simples. Os registros de Temas
A incidência de Temas Simples nos editoriais tende a ser maior
Múltiplos só começam a aparecer, de forma robusta, quando se
no início do texto, quando é necessário situar o leitor por meio
inicia a argumentação. Sendo assim, a presença de Temas Inter-
de uma síntese das informações principais do fato abordado.
pessoais e/ou Textuais, acrescidos aos Ideacionais constitui, sem
dúvida, uma marca da estrutura argumentativa do gênero. É válido
Tabela 3 – Tipos de Tema na notícia e no editorial quanto à marcação
acrescentar que, nos 2 casos de Temas Múltiplos encontrados na
notícia, os Temas Interpessoais neles contidos apontavam para a GÊNERO TEXTUAL TEMAS MARCADOS
TEMAS NÃO
MARCADOS
indicação de fonte diferente daquela em que o fato estava sendo
divulgado. Em casos como esses, o enunciador não se respon- Notícia 4 22

sabiliza pelo conteúdo mencionado no Rema. Em contrapartida, Editorial 2 10


os Temas Múltiplos encontrados no editorial contêm Temas Fonte: Autoria própria.
Interpessoais, que contribuíram não apenas para a expressão
das apreciações do editorialista sobre o conteúdo proposicional Conforme dados apresentados na tabela 3, o quantitativo de
das orações pelo emprego de advérbios como infelizmente em 21, Temas marcados e o de Temas não marcados encontrados na notícia
mas também para a manifestação dos interesses e intenções do e no editorial carregam noções importantes para o nosso estudo.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

Ambos os textos apresentam um maior número de ocorrências de é vista como mensagem – chegamos ao sistema de realização
Temas não marcados em relação aos marcados. Esse dado ressalta lexico-gramatical relativo a essa manifestação do sistema lin-
que, tanto na notícia quanto no editorial, por meio dos períodos guístico: a estrutura temática.
que compõem cada um dos textos, os redatores manifestam certa
Ao analisarmos a estrutura temática de cada período pre-
convencionalidade de suas escolhas em relação à estrutura. Essa
sente na notícia e no editorial selecionados, pudemos verficar,
manutenção do dito convencional – a estrutura SVO (sujeito –
pela seleção de Temas, como as especificidades de cada gênero
verbo – objeto) nas orações declarativas – aponta para o seguinte
influenciam a sua organização textual. Desse modo, os resul-
objetivo dos gêneros jornalísticos em questão: manter a clareza do
tados da pesquisa tornaram evidente que a estrutura temática
texto. O editorial, ainda que o gênero não priorize a transmissão
colabora para a construção dos significados pretendidos pelos
das informações ao público-leitor, e sim o convencimento, também
jornalistas. Período por período, foi possível constatar como os
apresentou, na comparação acima, um maior número de Temas não
Temas escolhidos pelos autores dos textos estavam a serviço dos
marcados. Isso nos mostra que, nesse caso, o editorialista, ao optar
propósitos comunicativos de cada gênero.
por Temas Ideacionais Simples, prefere manter o padrão SVO e
topicaliza aquilo que se pretende destacar conforme os interesses O alto percentual de Temas Simples na notícia quando
da empresa jornalística. Apesar do quantitativo reduzido de temas comparados ao quantitativo encontrado no editorial, assim como
marcados em ambos os textos, vale destacar que, diante de 2 ocor- o alto índice de Temas Múltiplos no editorial quando compa-
rências no editorial, a notícia apresenta 4 ocorrências. Isso ocorre rados às ocorrências desses Temas na notícia, confirmaram a
porque, nos 4 casos, conforme foi citado anteriormente, o jornalista hipótese levantada neste trabalho. Como as notícias, de maneira
deu prioridade às informações que expressam circunstâncias de geral, configuram-se como textos informativos por excelência,
tempo e modo – recursos típicos das notícias. a preferência por Temas Simples está em consonância com os
propósitos comunicativos desse gênero textual. Quanto aos Temas
Múltiplos, que assumem feição majoritária no editorial em rela-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ção à notícia, pode-se dizer que, por um lado, funcionam como
verdadeiras estratégias retórico-argumentativas na construção
O estudo realizado neste artigo teve como objetivo a aná-
de textos com teor persuasivo. Por outro lado, contribuem de
lise da Estrutura Temática em dois gêneros textuais do domínio
maneira eficiente para a tessitura do texto, colaborando com a
jornalístico – notícia e editorial – com o intuito de se evidenciar
progressão das informações.
a relevância da organização do texto como instrumental para a
realização de diferentes propósitos comunicativos. Assim, na Este artigo pretende contribuir para um estudo mais pro-
perspectiva sistêmico-funcional de Michael Halliday e Matthie- dutivo das estruturas lexicogramaticais em termos de sua funcio-
ssen (2014), a partir da metafunção textual – na qual a oração nalidade em situações concretas de uso. Queremos impulsionar,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

desse modo, um novo olhar sobre a organização textual e suas ANEXOS


particularidades em diferentes gêneros.  

REFERÊNCIAS
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NOTÍCIA DO JORNAL O GLOBO
1992.
FUZER, C. e CABRAL, S. R. S. Introdução à gramática sistêmico-funcional
em língua portuguesa. Campinas: Mercado de Letras, 2014. Incêndio deixa dez mortos no Ninho do Urubu, centro de
HALLIDAY, M. A. K. Notes on Transitivity and Theme in English. Journal of treinamento do Flamengo
Linguistics, v. 3, 1967, Parte I: p. 37-81; 1968, Parte II: p. 199-244.
HALLIDAY. Estrutura e função da linguagem. In: LYONS, J. (org.) Novos Três pessoas ficaram feridas, uma delas em estado grave;
horizontes em linguística. São Paulo: Cultrix, Ed. da Universidade de São área atingida é o alojamento onde dormem os jogadores de base,
Paulo, 1976. p. 134-160. com idades entre 14 e 16 anos
HALLIDAY. An Introduction to Functional Grammar. 2.ed. London: Edward
Arnold, 1994. Ana Carolina Torres 08/02/2019 - 07:22 /
HALLIDAY; MATHIESSEN, C. M. I. M. Halliday’s Introduction to Functional Atualizado em 08/02/2019 - 12:55
Grammar. 4. ed. London and New York: Routledge, 2014.
NEVES, M. H. M. A Gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Um incêndio de grandes proporções matou dez pessoas
OLIONI, R.C. Tema e N-Rema: a construção do fluxo de informação em
textos narrativos sob uma perspectiva sistêmico-funcional. Porto Alegre:
no Ninho de Urubu — centro de treinamento do Flamengo —,
PUCRS, 2010. 196 fl. Tese (Doutorado em Letras), Programa de Pós- em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, na manhã desta
Graduação em Linguística Aplicada, Pontifícia Universidade Católica do Rio sexta-feira. Três pessoas ficaram feridas — uma delas em estado
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
grave — e foram levadas para o Hospital Municipal Lourenço
SCHLEE, M. B. A modalidade em português: uma abordagem sistêmico-
funcional das orações principais. UERJ – RJ, 2008. Jorge, na Barra da Tijuca, também na Zona Oeste. Segundo o
THOMPSON, G. Introducing functional grammar. 3 ed. London and New tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Douglas Henaut, o
York: Routledge, 2014. incêndio foi no alojamento, onde dormem os jogadores de base,
jovens entre 14 e 16 anos.

Os três jovens feridos e que estão hospitalizados foram


identificados como Cauã Emanoel Gomes Nunes, de 14 anos,
que é de Fortaleza e está há três anos no Rio; Francisco Diogo
Bento Alves, de 15, e Jonathan Cruz Ventura, também de 15.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

O estado de saúde mais grave é o de Jonathan. Ele teve 40% Vargem Grande e tem um módulo profissional, dois campos, campo
do corpo queimado. A Secretaria Municipal de Saúde classificou o   de treinamento para goleiros e alojamento, entre outras estruturas.
estado de saúde dele como gravíssimo e informou que o jovem será
Em 2018, foi inaugurado o novo módulo para o futebol
transferido para o Centro de Tratamento de Queimados do Hospital
profissional, com novos alojamentos, parque aquático, academia
municipal Pedro II, em Santa Cruz, também na Zona Oeste.
e mais um campo de futebol (o quinto). A estrutura anterior foi
O alojamento atingido pelo fogo é na parte antiga do CT, deixada para as categorias de base.
que foi recentemente reformado. O espaço ia ser desativado e
demolido pelo clube.
Na véspera, sede da Gávea foi atingida pelo temporal
Equipes dos bombeiros continuam no local. A informação
é de que o fogo já está controlado e o trabalho agora seria de Na noite de quarta-feira, a sede do Flamengo, na
rescaldo. As causas do incêndio ainda são desconhecidas. Gávea, foi atingida pelo forte temporal e ficou com um
rastro de destruição. Sem luz, o local está fechado e as
atividades suspensas nesta quinta-feira, para uma avaliação
Luto de três dias nas dependências.
Árvores e galhos caíram perto da área das piscinas,
O governo estadual vai decretar luto oficial de três dias. O assim como no exterior, em algumas das entradas do clube.
secretário estadual de Esportes do Rio, Felipe Bornier, afirmou A força do vento e da chuva fez com que algumas delas
fossem arrancadas desde a raiz, prejudicando até o acesso
que a pasta vai dar todo o apoio e suporte para as famílias, já
via a pé e de carros no interior da sede.
que muitas não eram do Rio. Bornier destacou ainda que a secre-
taria vai apurar o que aconteceu. Ele ainda revelou que outros (Fonte: https://oglobo.globo.com/esportes/incendio-deixa-
secretários estaduais estão a caminho do Centro de Treinamento. dez-mortos-no-ninho-do-urubu-centro-de-treinamento-
do-flamengo-23437241. Acesso em 8 dez. 2019.)

Centro é usado pela equipe de futebol


e por categorias de base EDITORIAL DO JORNAL O GLOBO

Tragédia no Fla expõe descaso com prevenção


O Ninho do Urubu — como ficou popularmente conhecido
o Centro de Treinamento presidente George Helal — foi construído
Alojamento que pegou fogo no CT, matando dez
em 2014 e é usado pela equipe de futebol profissional do Flamengo
adolescentes, não tinha certificado dos Bombeiros
e pelas categorias de base. O local fica numa área localizada em
Editorial 09/02/2019 – 00:00

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA SIGNIFICADOS TEXTUAIS EM NOTÍCIA E EDITORIAL SOBRE O INCÊNDIO ...

A cidade não se refizera do choque com o temporal da noite sprinklers (chuveirinhos) ou brigadas de incêndio. Aliás, não
de quarta-feira e madrugada de quinta, que deixou seis mortos,   contavam sequer com o certificado do Corpo de Bombeiros.
e já acordou ontem abalada por nova tragédia. Um incêndio num
Consta que os contêineres que pegaram fogo seriam desa-
alojamento do Centro de Treinamento Presidente George Helal,
tivados em poucos dias, e os adolescentes, transferidos para os
conhecido como Ninho
antigos dormitórios dos profissionais, que ficaram vagos após a
do Urubu, em Vargem Grande, provocou a morte de dez inauguração das novas e sofisticadas instalações do CT, no fim
adolescentes e queimaduras em outros três da divisão de base do ano passado. Só que o incêndio aconteceu antes.
do Flamengo — um dos feridos estava ontem em estado grave.
Infelizmente, trata-se de mais uma demonstração do pouco
A polícia investiga o que pode ter originado o fogo que destruiu
caso dado aos sistemas de prevenção no país. Acredita-se que
as instalações, formadas por contêineres.
as tragédias respeitam o ritmo da burocracia. Erro fatal. Lem-
Parentes dos meninos que escaparam disseram que as cha- bre-se que o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, estava
mas teriam começado no ar-condicionado. Independentemente para implantar um sistema anti-incêndio quando foi devastado
das causas, é evidente que o clube falhou na proteção aos atletas pelo fogo. É preciso mudar urgentemente esse comportamento.
que estavam sob sua responsabilidade, meninos que sonhavam Há que se antecipar às catástrofes, com uma pergunta simples:
seguir os passos de astros como Vinicius Junior e Paquetá. e se acontecer? Caso contrário, continuaremos nessa sequência
nefasta de tragédias, em que só há lugar para dor e lamentações.
À medida que avançam as investigações, o incêndio no CT
do Flamengo vai se assemelhando a outras tragédias recentes, (Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/tragedia-no-fla-expoe-
como a de Brumadinho, no que diz respeito a falhas, omissões e descaso-com-prevencao-23439770. Acesso em 8 dez. 2019.)
negligências que contribuem para um desfecho perverso. Algumas
já estão vindo à tona. A prefeitura informou ontem que, na licença
aprovada, o local que pegou fogo consta como estacionamento,
e não como alojamento. Ou seja, não havia autorização para os
caixotes-dormitórios. Obviamente, cabem algumas perguntas.
A prefeitura, que agora constata o problema, não o fiscalizara
antes? Se fiscalizara, por que não o interditou? E, se interditou,
por que continuou funcionando? É fato também a ser investigado.

Outro ponto que merece reflexão: as instalações de um


dos clubes mais ricos do país não tinham sistema antifogo, como

142 143
PARA ALÉM DA
SUBORDINAÇÃO:
A REALIZAÇÃO LÉXICO-
GRAMATICAL DE
RELAÇÕES CONJUNTIVAS
CAUSAIS NA LITERATURA
INFANTIL E JUVENIL

LUIZ EDUARDO CARDOSO CALDAS1


VANIA LÚCIA RODRIGUES DUTRA2

INTRODUÇÃO

S abe-se que o ensino de Língua Portuguesa como língua


materna pode-se dar a partir de três abordagens diferentes,
caracterizando-se como um ensino produtivo, descritivo ou
prescritivo (HALLIDAY et al., 1974). Embora o ensino pres-
critivo seja socialmente relevante e merecedor dos esforços dos

1 Graduado em Letras (Português/Literaturas) pela Universidade do Estado do Rio


de Janeiro (2009), mestre em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (2013) e doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(2021). Atualmente é professor de Língua Portuguesa da SME/PMRJ e membro
GESD – Grupo de Estudos em Sistêmica e Discurso (UERJ).
2 Graduada em Letras (Português/Inglês) e Mestre em Letras – Língua Portuguesa
pela UFF. Doutora em Letras – Língua Portuguesa pela UERJ. Professora Titular
(aposentada) do Colégio Universitário da UFF – Coluni-UFF. Professora Associada
de Língua Portuguesa e docente permanente do Programa de Pós-graduação em
Estudos de Língua da UERJ. Membro do Grupo de Pesquisa Sistêmica, Ambientes e
Linguagens – SAL (CNPq), coordenadora adjunta do GESD – Grupo de Estudos em
Sistêmica e Discurso (UERJ) e coordenadora do Projeto LabGraDis – Laboratório
de Gramática e Discurso (Edital FAPERJ nº 38/2021).

145
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

pesquisadores e professores, o foco deste Trabalho estará nas otimizá-la, a escrita é, geralmente, aprendida na escola. Se cabe
abordagens produtiva e descritiva. ao primeiro segmento do Ensino Fundamental a alfabetização
dos alunos, a formação leitora é tarefa para toda a vida escolar
O ensino descritivo da língua tem por objetivo demonstrar
deles (e continua, ao longo de sua vida). A língua escrita tem
o funcionamento da língua por meio de habilidades já adquiridas
importância social notória, devendo ser trabalhada junto aos
pelo aluno, sem buscar alterá-las, mas mostrando como podem ser
alunos nos âmbitos de sua produção e compreensão.
utilizadas em toda a sua potencialidade. Essa modalidade de ensino
alicerça o ensino produtivo que, a seu turno, traz novas habilidades Desse modo, a pesquisa aqui proposta trabalhará com textos
para a produção e a compreensão de textos. Enquanto o ensino pres- escritos voltados ao público infantil e juvenil, selecionados na
critivo pretende alterar padrões e hábitos linguísticos que o aluno obra de Sylvia Orthof e Ana Maria Machado.
já tem, o ensino produtivo visa a ampliar esses recursos (op. cit.).
Conciliando formação leitora e análise linguística, este
É ponto pacífico que o aluno deve conhecer como a socie- artigo visa a investigar a realização léxico-gramatical de relações
dade funciona, e boa parte desse conhecimento ele deve adquirir conjuntivas causais na perspectiva sistêmico-funcional (HALLI-
na escola. Se o aluno deve conhecer como a sociedade e seu DAY; HASAN, 1976; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014) nos
ambiente natural funcionam, então faz parte desse conhecimento livros analisados, além das estruturas de coordenação e subordi-
saber como a linguagem funciona (op. cit.). Além disso, segundo nação já tradicionais na gramática escolar. Para isso, este texto
diversos linguistas que se debruçam sobre a questão do ensino de inicia-se com uma fundamentação teórica sobre o fenômeno da
Português, bem como segundo os documentos oficiais que regem coordenação e da subordinação3 e sobre a relação conjuntiva
a educação linguística no país, “é a pluralidade de textos, orais causal. Em seguida, é explicitada a metodologia que orientou a
ou escritos, literários ou não, que fará o aluno perceber como se pesquisa, bem como a seleção do corpus, para então se fazer a
estrutura sua língua” (SANTOS, 2007, p. 175). análise dos dados e a interpretação dos resultados – de modo
mais panorâmico, primeiramente; em seguida, contemplando
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
cada subtipo de relação conjuntiva causal.
o ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica assenta-se
nas seguintes práticas de linguagem: leitura, produção de textos, Como objetivo principal, tem-se a investigação de qual(is)
oralidade e análise linguística/semiótica. Será sobre a leitura de conectivo(s) são utilizados para a realização léxico-gramatical
textos escritos que este trabalho versará. de relações conjuntivas causais em suas três nuances, razão,

Um aspecto relevante para a escola é a língua escrita. 3 Cabe esclarecer que trataremos, aqui, do período composto, de modo geral, do
Diferentemente da língua oral, que o aluno já domina ao chegar ponto de vista da tradição gramatical, uma vez que o público-alvo deste artigo são,
principalmente, os professores da Escola Básica, que não necessariamente estão
à escola (pelo menos sua variedade familiar), devendo apenas familiarizados com a abordagem e a nomenclatura características da Linguística
Sistêmico-Funcional.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

resultado e finalidade, partindo-se da hipótese de que tal reali- A noção de (in)dependência entre as orações parece ser a
zação léxico-gramatical não é feita apenas pelas estruturas de chave para a distinção e conceituação de estruturas coordenadas
coordenação e subordinação que a gramática escolar contempla. e subordinadas, mas a natureza dessa independência merece
Paralelamente, tem-se o objetivo secundário de propor um traba- ser discutida, inclusive porque, sob alguns aspectos, ela sequer
lho linguístico que se debruce sobre o texto escrito e o ensino, existe. Essa definição não é satisfatória por não deixar claro,
quebrando a cisão que usualmente se faz entre formação leitora e como já mencionado aqui, se a (in)dependência de que se fala é
análise linguística, mostrando que ambas se ajudam mutuamente de natureza sintática ou semântica.
e, juntas, alimentam o processo discente de escrita.
A coordenação é um processo mais discursivo que sintático
(AZEREDO, 2002). Duas orações coordenadas entre si, sindética
1. COORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO ou assindeticamente, precisam ter algum vínculo em relação
ao sentido, do contrário não poderiam ocorrer no mesmo texto
Os conceitos de coordenação e subordinação são frequentes (DUARTE, 2007). Existe, pois, uma interdependência semântica
em gramáticas pedagógicas e acadêmicas, mas nem sempre são entre orações coordenadas.
apresentados de maneira clara, e sua descrição nos compêndios
A independência, que tão usualmente é equivocada para
traz subentendidos que mais desservem do que auxiliam o
caracterizar a coordenação, é de âmbito sintático: uma oração
entendimento dessas estruturas. Não raro não se esclarece se a
coordenada não é termo da outra. A ideia de autonomia das
(in)dependência que deve existir entre as orações de um período
orações coordenadas é, assim, falaciosa, haja vista o vínculo
composto é de ordem sintática ou semântica, e mesmo a fronteira
semântico imprescindível. Por isso, Garcia (2003) fala em coor-
entre essas duas ordens nem sempre é clara.
denação gramatical e subordinação psicológica, e Silveira (1996)
Em comum, a coordenação e a subordinação têm a proprie- coloca a coordenação e a subordinação no plano lógico, deixando
dade de serem mecanismos linguísticos de articulação de orações a parataxe e a hipotaxe no plano morfológico, da forma. O autor
e, consequentemente, de produção de textos. Servem-se, todavia, baseia-se na existência de subordinação e dependência semântica
de elementos diferentes, gerando efeitos de sentido diversos. entre duas sentenças enunciadas lado a lado (justapostas) e no
Coordenação é a justaposição de termos (palavras, sintagmas facultativo desenvolvimento de meios gramaticais de expressar
ou orações – estas últimas interessarão mais de perto a este essa relação – indicando a evolução da forma paratática para a
trabalho) gramaticalmente independentes e de mesma função. forma hipotática4.

Por subordinação, entende-se a articulação de orações de


modo que uma oração traz uma outra integrada a si como um de 4 Silveira (1996) faz essas considerações com base em uma análise da obra Os
Lusíadas, pertencente a uma outra sincronia da língua portuguesa. Alguns pontos
seus termos em uma relação de dependência (ROCHA LIMA, 1974). específicos da análise que ele faz não se encaixam na sincronia atual do idioma.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

Na subordinação formal, há sempre uma unidade contida 2. RELAÇÕES CONJUNTIVAS CAUSAIS NA


em outra, hierarquicamente superior. Uma oração não é por si só PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
habilitada a exercer uma função sintática. Para ocupar a posição de
sujeito, complemento ou adjunto, a oração precisa ser convertida O estudo das relações conjuntivas causais descrito neste
em constituinte de outra por meio da subordinação (AZEREDO, artigo será baseado na teoria de Halliday (1976; 2014), fundador
2018). O processo sintático por excelência é, então, a subordinação. da Linguística Sistêmico-Funcional – doravante, LSF. Cabe, agora,
Ela coloca uma unidade X subordinada a uma unidade Y, de modo explicitar seus princípios, enfatizando seu sistema de coesão e
que aquela se torna termo desta em uma relação hierárquica. as relações conjuntivas.

Os conectivos5 também refletem a distinção funcional


entre coordenação e subordinação. Os conectivos subordinativos 2.1  Linguística Sistêmico-Funcional
funcionam como transpositores, ou seja, dão origem ou indicam
nova função; ao passo que os conectivos coordenativos unem Para Halliday (1976 e 2014), homem e sociedade são indis-
estruturas de mesma função, eles não “criam” novas funções. sociáveis. O homem precisa da linguagem para, como ser social
que é, interagir com seus interlocutores, e a linguagem não existe
Há, ainda, a coordenação assindética, que une estruturas
sem o falante que a realize, comunicando-se com o outro. Dessa
independentes no plano da forma, mas interligadas na ordem
forma, a vida em sociedade não é viável sem uma língua que sirva
cognitiva. A diferença básica entre coordenação sindética e
de mecanismo de comunicação, bem como nenhuma língua “sobre-
assindética é que aquela surge quando o enunciador quer expli-
vive” sem uma sociedade que a use, que se sirva dela por meio de
citar a relação de sentido entre as orações (AZEREDO, 2018),
diferentes gêneros textuais nas mais diversas situações sociais.
estreitando a liberdade de interpretação do leitor/ouvinte.
Halliday considera sua gramática sistêmica por tratar a
O conceito de causa, segundo a gramática tradicional, cor-
língua como rede de escolhas que o falante pode fazer ao moldar
responde à relação entre dois fatos, em que o primeiro, em ordem
seu discurso e a considera funcional por sua intrínseca relação
cronológica, é causa direta ou agente motivador da ocorrência
com a atividade social. Descrever e estudar a língua em funcio-
do segundo. Assim, a gramática tradicional rotula como causa
namento é vê-la como sistema de comunicação humana não com
apenas fatos empíricos já ocorridos, reservando nomenclatura
regras gerais e indiscutíveis, mas atreladas ao contexto, o que
diferente para explicações de posicionamentos e justificativas
remete também ao uso que se faz dela e aos gêneros textuais em
para ordens e conselhos, por exemplo.
que os textos se materializam.

A teoria sistêmico-funcional, assim, lida com elementos


5 Neste trabalho, os termos conectivo, conector e elemento conjuntivo serão usados
como sinônimos. gramaticais com o objetivo de entender melhor como a língua

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

serve de instrumento de interação. Ela entende que as línguas se deve concluir que a LSF despreza o sistema. Regras e sistemas
se desenvolveram para satisfazer às necessidades sociais e se são considerados no estudo funcional da linguagem, e o aspecto
organizam de modo a cumprir funções. Linguagem, cultura e formal da língua também é contemplado, mas é influenciado pelo
sentido são associados de modo sistêmico. uso, pela interação entre interlocutores.

A LSF considera cada unidade linguística funcional em O significado é, normalmente, atribuído à palavra, mas
relação ao todo, e todas essas unidades fazem parte de uma rede não só dela ele depende. Também é importante a atuação dos
em que cada item exerce uma função em relação aos demais. Na interlocutores, pois o significado que prevalece não é o da pala-
verdade, o fato de ser funcional quer dizer que a teoria de Halli- vra em si, mas aquele que os falantes lhe dão. Considerando a
day está centrada no significado (apreensível pelo uso), trata-se rede de escolhas do falante, da qual a LSF nunca se desvia, a
de uma teoria de base semântica. O fim, aqui, é a produção de interpretação de cada item é feita com base nas funções que ele
significado. O próprio texto é tido como unidade semântica, não exerce sobre os outros com que divide o texto e os demais ele-
como unidade gramatical. É, porém, por meio das estruturas mentos do contexto. Cada item, assim, é interpretado mediante
gramaticais que se decodificam os significados nos enunciados. outro, depende do outro, e a chave da união dessa cadeia é a
coesão – sobre a qual se falará a seguir.
Em uma análise sistêmica do enunciado, observam-se dois
passos: a escolha de uma forma possível, uma forma prototípica,
entre tantas outras e, a seguir, sua inserção em uma cadeia sin- 2.2.  O sistema de coesão
tagmática. A abordagem sistêmico-funcional, portanto, requer
que se façam escolhas entre os termos do paradigma, isto é, Por ser a LSF semântica, seu sistema de coesão assenta-se
deve-se levar em conta o efeito que uma escolha (consciente também na base semântica. Diz-se que dois elementos estão
ou não, mas sempre influenciada pelo contexto) causa no eixo em coesão no texto quando a interpretação de um demanda a
sintagmático em que figura. As unidades sintagmáticas retratam do outro, de sorte que aquele não pode ser decodificado com
estruturalmente as escolhas feitas pelos falantes, mas é na rede precisão a não ser que se recorra a este. Logo, a simples pre-
de escolhas que a teoria de Halliday realmente se centra. Em sença de estruturas gramaticais, como frases, lado a lado não as
outras palavras, o nível mais abstrato e profundo está no plano define como texto. Antes, é preciso que haja um entrelaçamento
paradigmático, ficando o plano sintagmático para a realização de significados geralmente emergentes das relações de coesão
concreta da léxico-gramática. criadas por mecanismos linguísticos, entre os quais a conjunção.

Assim, a LSF é de caráter não só semântico, mas também A comunicação é viabilizada via orações encadeadas e
paradigmático, e ambas as características se devem à preocupação semanticamente interdependentes. Isso significa que não há como
maior com o significado do enunciado e com seu uso. Disso não duas orações coabitarem um texto sem estarem minimamente

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

relacionadas pelo sentido, ainda que não haja uma marcação e o vocabulário, pois pode ser realizada léxico-gramaticalmente
formal dessa relação. É desse modo que dois elementos estão em por palavras gramaticais ou lexicais. Inclusive, são várias as
relação de coesão, integrados ao texto (HALLIDAY; HASAN, classes gramaticais que podem funcionar como conectores, não
1976; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014), e essa relação pode só a conjunção e a preposição, contrariamente ao que preconiza
ser manifestada de mais de uma maneira. a gramática tradicional (AZEREDO, 2002).

A coesão, antes de ser um mero instrumento de conexão, Para Halliday e Hasan (1976), porém, basta que dois itens
faz parte do sistema da língua e está presente quase que na textuais estejam semanticamente ligados, em situação de inter-
totalidade dos textos produzidos por qualquer cultura. O sistema dependência, para que haja a coesão. Até mesmo orações sem
coesivo congrega o conjunto de mecanismos léxico-gramaticais um conectivo formal entre si podem ser consideradas coesas.
necessários para a conexão entre partes do texto, de dimensões Por exemplo, na frase extraída da obra A mesa de botequim e
e extensões variadas. Halliday e Hasan (1976) e Halliday e Mat- seu amigo, de Sylvia Orthof.
thiessen (2014) elencam quatro subsistemas em que se divide
o sistema de coesão: conjunção, referência, elipse, e coesão
Ex. 1:
lexical6. A elipse, que abarca a substituição, é um esquema “Os peixes eram chatos, não contavam
coesivo exclusivamente textual, que liga elementos dentro do piadas, só queriam saber de água, coisa
texto. A referência lida com elementos textuais, mas também desconhecida de uma verdadeira mesa
com elementos que estão fora do texto, estabelecendo coesão de botequim” (ORTHOF, 19867).
não só entre partes do texto, mas entre o texto e elementos do
contexto. Disso se conclui que a referência se serve não só de A primeira oração que compõe esse período está em relação
mecanismos gramaticais, mas também lexicais. Algumas formas coesiva conjuntiva causal em relação às outras duas. Mesmo não
de coesão são realizadas lexicalmente (coesão lexical) e outras, havendo nenhum conectivo realizado léxico-gramaticalmente,
gramaticalmente, daí o termo realização léxico-gramatical, usado percebe-se que o fato de não contarem piadas e só quererem saber
para se referir a ambos os meios de coesão. Observe-se que a de água é a causa de o narrador ter considerado os peixes chatos.
conjunção, foco deste trabalho, está na fronteira entre a gramática Aqui, a relação conjuntiva está implícita, mas é recuperável.

Nem sempre, porém, a omissão do conectivo marcador da


6 Nas duas últimas edições de sua obra, publicada em parceria com Matthiessen relação entre orações possibilita a recuperação do valor semân-
(2004; 2014), Halliday coloca a substituição no âmbito da elipse, pois a considera
uma variante desta, englobando-as em um único mecanismo de coesão. Em suas
tico que se quis construir. Se um texto é composto por orações
palavras: “(...) there is also a resource operating at the level of wording, either a simples, mas sem conectivos que explicitem as relações causais
clause or some smaller item. This takes two forms, substitution and ellipsis; but
we shall refer to it simply as ellipsis, since substitution can be interpreted as a
sistemic variant.” (2014, p. 606) 7 A edição consultada para este trabalho não apresenta as páginas numeradas.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

(ou de tempo etc.), ele pode ser menos compreensível do que um coesivas indiretamente, pois a tessitura é feita de maneira mais
texto formado por orações complexas, mas com elementos de flexível, designando que o que virá, na linearidade do texto, está
ligação que são manejados facilmente pela maioria dos falantes. conectado ao que foi expresso anteriormente.

Halliday e Hasan (1976) subdividem as relações conjuntivas


2.3  A conjunção segundo a Linguística em quatro tipos distintos: relações aditivas, adversativas, temporais
Sistêmico-Funcional e causais – estas últimas, foco de nossa atenção. Com certeza, as
relações conjuntivas prestam-se a uma gama muito variada de
O termo conjunção é conhecido na tradição gramatical como interpretações. A terminologia proposta pelos autores (op. cit.)
uma classe de palavras invariável e que, talvez por ser invariável, tem o intuito de abarcar, de maneira geral, os diversos tipos de
teve seu estudo relegado a segundo plano nos livros didáticos, relações conjuntivas – havendo, por isso, algumas subclassifi-
sobretudo em uma época em que a terminologia exercia papel cações. Os autores justificam que esse quadro teórico simples,
relevante nos objetivos pedagógicos. Felizmente, nossa prática mas não simplista, visa às prioridades, evitando complicações
docente e a observação dos manuais escolares mais atualizados terminológicas e teóricas que desservem mais do que auxiliam
permitem perceber que essa tendência vem sendo suplantada, e os estudos textuais.
a conjunção tem sido estudada em todo seu potencial linguístico
Como realizadores léxico-gramaticais da conjunção, Halliday
e discursivo.
e Hasan abordam muito mais que as conjunções da gramática
Como dito na seção anterior, na LSF a conjunção não é escolar. As classes gramaticais conjunção e preposição são ele-
uma classe gramatical, mas é considerada um processo, uma mentos importantes para a conjunção sistêmico-funcional, mas
relação coesiva, entre frações do texto, que permite construir não só elas. Entre os advérbios, também há os que se prestam ao
diversas relações semânticas. A conjunção é o único mecanismo processo conjuntivo, estabelecendo diversas relações semânticas.
de coesão que marca as relações lógico-semânticas estabelecidas
Bechara (2004) desfaz o equívoco de se desconsiderar
textualmente. Não estabelece relações anafóricas ou catafóricas,
o advérbio um conectivo, alegando que a tradição gramatical,
não se presta à recuperação de elementos linguísticos no texto.
com base na proximidade semântica, inclui entre as conjunções
Em vez disso, a coesão constrói significados, conectando orações,
coordenativas advérbios que constroem relações entre orações
frases, parágrafos e porções maiores de texto.
– no mesmo período ou não –, mas não desempenham o papel
Existem diversas relações semânticas entre diferentes de conjunção (no sentido tradicional do termo), mantendo com
segmentos de texto. Por meio dessas relações, o sistema permite elas apenas afinidades semânticas. Estão nesse caso vocábulos
que um segmento de texto se una a outros por relações de sen- como portanto, logo e tantos outros que são classificados nos
tido. Sendo relações de base semântica, elas só podem ser ditas manuais escolares como conjunção, embora apresentem traços

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

semânticos e sintáticos de advérbios – a larga possibilidade de (HALLIDAY e HASAN [1976]; HALLIDAY e MATTHIESSEM
mobilidade dentro da oração, por exemplo. [2014]) volta-se mais ao significado dessas relações e ao modo
como funcionam na tessitura do texto.
Geralmente visto como vocábulo modificador de verbos,
adjetivos e de outros advérbios, explicitando circunstâncias, o As relações de razão mostram a causa de algum fato nar-
advérbio também pode marcar relações textuais de caráter coesivo. rado ou a validade de alguma opinião ou tese. São expressas, de
É conectiva, pois, a função do advérbio simples ou em forma forma simples, pelos conectivos do tipo porque, por causa disso.
de locução que relaciona semanticamente as porções textuais. As relações de resultado trazem a consequência de algum fato
Como tal, ele pressupõe uma porção de texto anterior em relação ou a conclusão a que se pode chegar por meio de um raciocínio
à qual a porção de texto seguinte expressa conclusão, oposição, anteriormente desenvolvido. Podem ser expressas por elementos
retificação, confirmação, paráfrase ou adição (AZEREDO, 2007). conjuntivos como consequentemente, portanto, assim. Às rela-
ções de finalidade, a seu turno, cabe expressar o objetivo com
Então, são considerados conectores de relações coesivas
que determinado ato foi cometido ou determinada declaração
conjuntivas conjunções, preposições e advérbios, e suas respec-
foi feita. Os conectivos para e para que são os mais usuais para
tivas locuções.
marcar esse tipo de relação.

Halliday e Hasan (1976) e Halliday e Matthiessen (2014)


2.4  Relações conjuntivas causais
ainda consideram a noção de condição como causal. Optou-se aqui,
porém, por desconsiderar essa relação semântica por se entender
O termo causal, na gramática tradicional, tem um sentido
que à ideia de condição se sobrepõe a de resultado – sentido que
muito restrito e refere-se apenas às orações subordinadas adver-
prevalece na estrutura como um todo (DUTRA, 2007).
biais que expressam a causa do evento mencionado na oração
com a qual estabelece relação no período. Em Halliday e Hasan
(1976) e Halliday e Matthiessen (2014), porém, o conceito de 3 METODOLOGIA
causa é ampliado.
A opção por histórias literárias infantis e juvenis como
Os autores consideram relações causais aquelas que carreiam,
corpus nesta investigação deve-se ao interesse de conjugar a
semanticamente, noções de razão, resultado e finalidade, conhe-
análise linguística à formação leitora dos alunos da Educação
cidas, na gramática tradicional, pelos rótulos de causa, explicação,
Básica. O objetivo é trabalhar com um material passível de ser
conclusão, finalidade, consequência, condição e modo. Não há,
levado às salas de aula não apenas como suporte para se analisar
naturalmente, correlação exata entre elas (DUTRA, 2007). Por
a estrutura da língua, mas também como recurso para as aulas
ser a LSF de base semântica, a descrição proposta pelos autores
de leitura – ambas as atividades se recrudescendo mutuamente.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

O fenômeno literário é, a um só tempo, abstrato e concreto. Com base nisso, este trabalho investigará que outras
Abstrato por ser formador de ideias, sentimentos, emoções, expe- estruturas, além das orações subordinadas, podem realizar léxi-
riências. Concreto porque só apresenta realidade efetiva quando co-gramaticalmente a causalidade na língua portuguesa, mas que
materializado por meio da linguagem verbal (COELHO, 2000). não são abordadas pela tradição escolar. O objetivo é analisar
que mecanismos léxico-gramaticais são utilizados para expressar
É sobretudo essa face concreta do texto literário que cabe
a causalidade – em seus três subtipos, a saber, razão, resultado
à pesquisa linguística investigar – embora as faces concreta e
e finalidade (HALLIDAY; HASAN, 1976) – paralelamente às
abstrata só para fim de estudo possam ser dissociadas.
orações subordinadas já tratadas na gramática escolar.
A estrutura narrativa é composta, segundo Coelho (op.
Conforme já observado, relações conjuntivas causais
cit.), pelos seguintes elementos: narrador, foco narrativo, histó-
podem ser expressas por estruturas justapostas, não sendo
ria, efabulação, gênero narrativo, personagens, espaço, tempo,
imprescindível a presença de elementos conjuntivos entre as
linguagem ou discurso narrativo, leitor ou ouvinte. Dentre esses
porções textuais em coesão. A análise feita aqui, contudo,
elementos, é sobre a efabulação, “o recurso pelo qual os fatos
debruçou-se apenas sobre as relações conjuntivas causais mar-
são encadeados na trama, na sequência narrativa” (COELHO,
cadas léxico-gramaticalmente por um conector, pois estruturas
op. cit., p. 71), que este trabalho irá se debruçar. É por meio
justapostas possibilitam uma maior margem de interpretação
da efabulação que se estrutura a narrativa, dela dependendo o
e permitem, a partir do contexto, o entendimento de tantas
desenvolvimento das ações. Em se tratando de narrativas infan-
relações de sentido quantas forem possíveis. A presença do
tis e juvenis, a estrutura mais comum é a linear, a que segue a
conector, assim, confirma a relação conjuntiva causal como
sequência normal e temporal dos fatos (princípio, meio e fim).
aquela pretendida pelo autor do texto.
A efabulação encadeia os fatos narrados, expondo relações de
causa, consequência, tempo, contraste etc. Esse encadeamento, Para a seleção do corpus, buscaram-se textos passíveis de
ao ser materializado linguisticamente, é atravessado por diversos serem levados à sala de aula dos Ensinos Fundamental e Médio
elementos conjuntivos que realizam léxico-gramaticalmente e que apresentassem relações conjuntivas causais explicitadas
tais relações. por conectores. Desse modo, foram escolhidos 10 livros da obra
infantil e juvenil de Sylvia Orthof e 10 livros da obra infantil e
A gramática escolar aborda a realização léxico-grama-
juvenil de Ana Maria Machado, a saber:
tical da causalidade entre orações apenas a partir de orações
subordinadas causais postas em relação a sua principal em um Livros de Sylvia Orthof:
mesmo período. Ignora a capacidade que outras estruturas têm
de expressar relações conjuntivas causais de razão, de resultado No fundo do fundo-fundo lá vai o tatu Raimundo;
e de finalidade entre orações e entre porções textuais maiores. Malandragens de um urubu;

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

A vaca Mimosa e a mosca Zenilda; outros processos. Sobre esses outros processos recairá nossa
A mesa de botequim e seu amigo Joaquim; maior atenção na análise dos resultados.
A limpeza de Teresa;
Galo, galo, não me calo;
4. ANÁLISE DOS DADOS E INTERPRETAÇÃO
Enferrujado, lá vai o soldado; DOS RESULTADOS
Doce, doce... e quem comeu regalou-se;
Ovos nevados; Esta seção será iniciada com a apresentação dos dados
As casas que fugiram de casa. quantitativos obtidos a partir das ocorrências identificadas de
relações conjuntivas causais introduzidas por conectores, de
Livros de Ana Maria Machado: acordo com o processo formal utilizado para expressá-las, a saber:
coordenação, subordinação ou outros processos – mecanismos
O canto da praça;
estruturais além da coordenação e da subordinação de orações,
Isso ninguém me tira;
que carreiam a ideia de causa, embora não sejam contemplados
Passarinho me contou;
na gramática escolar.
Amigos secretos;
Palavras, palavrinhas e palavrões;
Tabela 1 - Ocorrências de relações conjuntivas causais
Bem do seu tamanho;
realizadas léxico-gramaticalmente por conectores
Do outro mundo;
OUTROS TOTAL DE
Raul da ferrugem azul; COORDENAÇÃO SUBORDINAÇÃO
PROCESSOS OCORRÊNCIAS
Bento que bento é o frade;
Razão 132 (26,8%) 320 (65%) 41 (8,2%) 493
O gato do mato e o cachorro do morro.
Resultado 37 (13,6%) 73 (26,7%) 163 (60%) 273
Além da adequação desses textos à Educação Básica, a Finalidade 0 (0%) 484 (100%) 0 (0%) 484
escolha dessas autoras considerou, também, o fato de serem
Fonte: Elaboração própria.
consagradas e reconhecidas no meio literário brasileiro.

As obras foram lidas e as ocorrências de relações conjun- Esses dados servirão de base à análise qualitativa das
tivas causais foram selecionadas e analisadas de acordo com o ocorrências, sobretudo das que se realizam por meio de outros
recurso formal utilizado para sua realização léxico-gramatical. processos, que são o principal foco deste trabalho. As próximas
Essa realização foi classificada entre os processos de coorde- seções serão organizadas de acordo com a subdivisão das relações
nação, subordinação e do que aqui se convencionou chamar conjuntivas causais.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

4.1  Relações conjuntivas causais de razão Ex. 3:


“Fui para o meu quarto. Dessa vez, passou.
As relações conjuntivas causais de razão apareceram Mas não por muito tempo. Afinal, Bruno me
ligava sempre” (MACHADO, 1997, p. 43).
majoritariamente sob a forma de períodos compostos por subor-
dinação. Há que se destacar, nos textos de Ana Maria Machado,
A personagem-narradora, aqui, considera patente a conclusão
uma tendência a se colocar a oração subordinada em uma estru-
de que a briga com o pai por causa de seu namoro com Bruno
tura separada da principal por ponto, como no exemplo a seguir:
– rapaz de quem sua prima também gostava – não demoraria
Ex. 2: a se repetir, já que é consabido que o garoto telefonava várias
“Quando ficou sabendo o sobrenome dele, vezes ao dia. A obviedade dessa explicação é explicitada por
foi um tremendo adianto. Porque a minha tia meio do elemento conjuntivo afinal. Compare-se com “Dessa
Carmem (...) disse que tinha sido colega de vez, passou. Mas não por muito tempo, porque Bruno me ligava
faculdade da mãe dele” (MACHADO, 1997, p. 11). sempre”. Embora essa nova versão do texto traga o mesmo con-
teúdo ideacional (isto é, referente aos fatos extralinguísticos),
Este, todavia, é um traço estilístico da escrita da autora e ela explicita um tom de explicação que anteriormente não estava
não interfere na interpretação sintática e semântica dos textos. claramente apresentado.
Uma hipótese que justificaria essa escolha é o realce que a ora-
ção subordinada – e seu respectivo teor semântico – obtêm por Ex.: 4:
meio desse recurso. “E o Urubu mostrou uma chave, com um sorriso
de urubu malandro e envergonhado. Aquela
Excetuando-se os casos de coordenação e subordinação, chave era pra soltar a Pomba-Rolinha. Afinal,
as relações conjuntivas causais de razão foram realizadas léxi- toda chave que serve pra trancar, também
co-gramaticalmente por meio dos conectivos afinal e é que (este serve pra abrir e soltar, não é?” (ORTHOF, 20128).
último uma estrutura de clivagem que se convencionou considerar
aqui um conector, como será discutido mais adiante). Aqui, a causa é considerada óbvia, tendo em vista o conhe-
cimento de mundo compartilhado entre os leitores do texto de
que a mesma chave usada para trancar a porta de uma gaiola
Afinal também servirá para abri-la. Se o Urubu mostrou a chave da
O elemento conjuntivo afinal foi selecionado pelas autoras gaiola em que havia trancado Pomba-Rolinha, naturalmente ele
para explicitar razões que lhes pareciam óbvias, haja vista o tinha a intenção de soltá-la.
desenvolvimento que as histórias vinham apresentando.
8 A edição consultada para este trabalho não apresenta as páginas numeradas.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

Com base no fato de é que evidenciar uma razão, conven-


É que
cionou-se considerá-lo aqui um elemento conjuntivo de relação
A expressão é que foi, durante muito tempo, considerada conjuntiva causal de razão. Esse é o efeito da clivagem construída
mero termo expletivo, cuja extração não causaria danos à estru- por meio do elemento é que, fenômeno que tira o foco domas e
tura sintática do enunciado (BECHARA, 2004; RIBEIRO, 2017). o coloca no valor de razão da oração (ABREU, 2018).
Bechara (2004) vai além e afirma que tal expressão não exerce
Outro exemplo em que o termo é que funciona como ele-
função gramatical.
mento conjuntivo causal pode-se verificar a seguir:
A eleição, porém, da LSF como aporte teórico para este tra-
balho não admite que dois enunciados com realizações léxico-gra- Ex. 6:
maticais diferentes possam ter os mesmos significados ideacional, “– Desculpe, eu não falo por mal. É que, como
interpessoal e textual; ao menos um dos três deve apresentar valor eu sou de pano, não sinto fome e não entendo
diferente (HAWAD, 2002). Observe-se o seguinte exemplo: dessas coisas” (MACHADO, 1996, p. 47).

O elemento conjuntivo é que traz luz à razão de a boneca


Ex. 5:
“Mas isso é comentário meu. Desculpe,
Emília ter confundido o personagem Duval da história com o
não devia me meter. Mas é que eu estou personagem de Alexandre Dumas.
me desviando, querendo ver se adio o que
vem por aí” (MACHADO, 2002a, p. 88).
4.2  Relações conjuntivas causais de resultado

O narrador-personagem, nesse trecho, está explicando por


que fez uma digressão: para adiar o episódio trágico que ele teria E
de narrar a seguir. O trecho sem o termo é que seria: “Mas isso
Embora o conectivo e seja considerado pela tradição
é comentário meu. Desculpe, não devia me meter. Mas eu estou
gramatical uma conjunção aditiva que une duas orações (ou
me desviando, querendo ver se adio o que vem por aí”.
sintagmas), coordenando-as de modo que se perceba que ambas
O significado ideacional do trecho continua o mesmo: uma têm o mesmo valor e a mesma função, o corpus analisado ofe-
justificativa para o fato de o narrador-personagem estar digressio- receu exemplos em que esse conectivo é utilizado para realizar
nando para adiar a narrativa de um fato trágico. Perde-se, contudo, o léxico-gramaticalmente relações conjuntivas causais de resultado.
efeito de sentido de explicação, sendo o significado textual alterado. Essa construção é bastante usual do ponto de vista da organiza-
ção do pensamento. Em tais ocorrências, o elemento conjuntivo

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

e intermedeia dois conceitos interdependentes: se um evento assindéticas. Ocorre, porém, que o vocábulo então, nesses casos,
determinante de outro é sua causa, este outro é sua consequência realiza léxico-gramaticalmente relação semântica entre as porções
(ROCHA LIMA, 2010). textuais que une – porções textuais que não raro extrapolam o
nível da oração e vão ao plano transfrástico.
Isso pode ser exemplificado a partir do excerto a seguir, em
que a perda da única rosa da roseira aparece como consequência O corpus analisado apresentou ocorrências em que o ele-
da tamancada que a planta havia levado. Nele, a oração que traz mento conjuntivo então marca formalmente relações conjuntivas
a ideia de causa (a pobre da roseira levou uma tamancada) e causais de resultado, como em:
a que carreia a ideia de consequência (perdeu sua única rosa)
estão conectadas pelo elemento conjuntivo e. A construção seria Ex. 8:
tradicionalmente classificada como aditiva, mas, em uma abor- “Mas a única maneira de pedir ajuda é
contar. E a gente está precisando muito
dagem semântica, percebe-se a relação de causa e consequência
de ajuda. Então, não tem outro jeito...
entre as porções textuais.
Contemos!” (MACHADO, 1996, p. 07).

Ex. 7: O narrador-personagem explica que precisa pedir ajuda


“Numa certa manhã, a pobre da roseira aos leitores para encontrar os amigos secretos que dão título ao
levou uma tamancada e perdeu sua romance. Para isso, precisa contar um segredo dele e dos amigos
única rosa (...)” (ORTHOF, 2009, p. 11).
dele. Como resultado, revela o segredo, por precisar de ajuda.

A realização léxico-gramatical das relações conjuntivas Outro exemplo se observa em Machado (2003a, p.10):
causais de resultado se destacou pelo escasso uso de estruturas
coordenadas e subordinadas; entre elas, entretanto, prevaleceu a Ex. 9:
“Como é que podia haver palavrão cabeludo?
realização por meio dos elementos conjuntivos então, por isso e aí.
E ela ficava imaginando então palavrões
enormes, maiores que uma baleia, mais
compridos que um trem, e bem carecas.”
Então

Apesar de considerado muitas vezes uma conjunção O exemplo em tela, que começa com o uso do discurso
(ABREU, 2018), o vocábulo então faz parte do grupo dos advérbios indireto livre e passa à fala de um narrador onisciente, mostra a
que estabelecem relações textuais (BECHARA, 2004). Assim, reação da protagonista após ouvir a expressão “palavrão cabe-
orações conectadas por então são antes orações coordenadas ludo” e interpretá-la literalmente. Como resultado, ela passa a

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

imaginar palavras grandes – o que ela entende por palavrões –, Na mesma obra, pode-se analisar um exemplo ainda mais
mas carecas. elucidativo (MACHADO, op. cit., p. 96):

Ex. 11:
Por isso “Depois que voltou da Itália, então, Bruno
ficou ainda mais atento a todas essas coisas,
A expressão por isso traz em si dois fenômenos linguísticos.
muito mais informado. E começou a dizer
O pronome demonstrativo isso serve de instrumento à coesão que queria se especializar em engenharia
referencial (KOCH, 2004). Ele retoma um trecho anterior do texto, ambiental, que ia primeiro fazer um curso
atualizando-o na porção textual seguinte. À preposição por cabe de engenharia comum, porque era o que
realizar léxico-gramaticalmente a relação conjuntiva causal de havia em nossa cidade, mas depois ia
resultado. Tal elemento conjuntivo – por – é usual em trechos querer seguir alguma coisa nessa área,
principalmente para a recuperação das águas.
ligados por relações conjuntivas causais de razão, sobretudo
Por isso, a ideia que eu tive da reciclagem
introduzindo estruturas que a gramática escolar chama de orações
no colégio surgiu naturalmente, de nossas
reduzidas. Conjugada ao pronome anafórico isso, no entanto, o conversas, quando ele foi contando que
“conjunto” serve para trazer ao texto a consequência/conclusão em Roma havia separação de lixo, que os
do fato/raciocínio do que foi expresso no trecho que o antecede. lixeiros já recolhiam tudo selecionado (...).”

No excerto a seguir pode-se verificar esse fenômeno:


Nesse caso, a relação conjuntiva causal de resultado se dá
Ex. 10:
no plano das ideias, a serviço da metafunção interpessoal – que
“Toda vez que [Bruno] podia, em qualquer estabelece a interação entre os interlocutores –, configurando-se
momento livre, ia lá para casa. Mas esses como uma relação conjuntiva causal interna (HALLIDAY e
momentos não eram muitos. Por isso ficava HASAN, 1976). A empolgação com que o personagem Bruno
tão chateado quando nessa hora eu não estava voltou da Itália por causa de assuntos ambientais motivou Gabi,
livre também” (MACHADO, 1997, p. 85). sua namorada, a promover uma campanha de reciclagem no
colégio em que estuda.
Vê-se o pronome isso retomando por anáfora o fato de serem
poucos os momentos que Bruno tinha para passar com a namorada.
Como resultado (significado realizado léxico-gramaticalmente por Aí
meio do elemento conjuntivo por isso), o rapaz ficava chateado O vocábulo aí é mais comumente reportado na tradição
quando a menina não estava disponível nessas raras ocasiões. gramatical escolar como advérbio de lugar, para se referir

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

ao que está próximo à 2ª pessoa do discurso. Há, também, Ao pedir uma carona a um senhor e obter como resposta “sim...
o uso de aí como sequenciador temporal em narrativas orais não...”, a menina conclui que encontrou quem procurava. Essa
e escritas menos monitoradas, razão pela qual esse uso nem conclusão é articulada à porção textual anterior por meio do
sempre é contemplado nas aulas de língua materna – embora elemento conjuntivo aí.
seja um instrumento muito utilizado na articulação textual
Mais um exemplo que evidencia o uso de aí como conector
de narrativas.
causal encontra-se em Machado (2003a, p. 29):
O terceiro uso de aí, e que interessa mais de perto a este
trabalho, é o que constrói uma articulação entre uma consequência Ex. 13:
ou conclusão e a ideia que a originou. “E mais uma porção de palavras que
a menina tinha certeza de que nunca
O elemento conjuntivo aí destacou-se sobretudo nas obras ia poder dizer direito sem ficar toda
que apresentam como narrador um de seus personagens, em geral atrapalhada. Aí foi dando uma aflição nela,
um adolescente que traz ao texto um tom mais espontâneo. Não um desespero, uma vontade de chorar.”
se vai discutir neste artigo se o uso de aí como conector causal
afasta o texto da norma padrão, não só por não ser o foco de A personagem, uma criança, havia escutado uma conversa
interesse deste estudo, mas também porque os textos analisa- de seus pais com o otorrinolaringologista que a atendera. Diante
dos deixaram clara a eficiência do vocábulo aí na sequenciação de palavras que considerou de difícil dicção, ela teve certeza
narrativa de textos literários infantis e juvenis. de que não as conseguiria pronunciar sem se embaraçar. Como
consequência, a menina ficou aflita, com vontade de chorar.
Assim, observaram-se ocorrências de aí na realização
léxico-gramatical de relações conjuntivas causais de resultado
como a exemplificada a seguir: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ex. 12: Este capítulo apresenta o resultado de pesquisa desenvolvida


“– O senhor disse sim... não... Aí eu vi acerca da realização léxico-gramatical de relações conjuntivas
que nossa busca tinha chegado ao fim. causais para além daquelas descritas pela gramática escolar.
Encontramos mesmo o homem do sim e
do não (...)” (MACHADO, 2002, p. 55). O corpus eleito foi a obra infantil e juvenil de Sylvia Orthof
e Ana Maria Machado – mais especificamente, um recorte de dez
No ponto da narrativa de que o excerto acima foi extraído, obras de cada autora. Conjugaram-se, assim, análise linguística
a personagem Paloma procurava o “homem do sim e do não”. e formação leitora, dois pilares do tripé que sustenta o ensino

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

de Língua Portuguesa na Educação Básica, aliados à produção sistêmico-funcional do termo. Corrobora, ademais, o fato de que
de textos orais e escritos. a literatura infantil e juvenil é não só um material interessante
para atividades de leitura e análise linguística no ensino de por-
Confirmou-se a hipótese de que as relações conjuntivas
tuguês como língua materna, mas também um valioso material
causais apresentam configurações formais outras além da cons-
para pesquisas linguísticas em diversas áreas.
truída pelo processo de subordinação (por meio da chamada
oração subordinada adverbial causal). Com exceção das relações
conjuntivas causais de finalidade, encontradas exclusivamente REFERÊNCIAS
sob a forma das tradicionais orações subordinadas adverbiais
TEORIA LINGUÍSTICA
finais, as relações conjuntivas causais apresentaram, também,
realizações léxico-gramaticais por meio de outros processos
ABREU, Antônio Suárez. Gramática integral da língua portuguesa: uma
além dos tradicionalmente abordados nos Ensinos Fundamen- visão prática e funcional. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2018.
tal e Médio. Elas foram analisadas e interpretadas a partir do AZEREDO, José Carlos Santos de. Fundamentos de gramática do
elemento conjuntivo que apresentavam. Quantitativamente, português. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

merecem relevo as relações conjuntivas causais de resultado, AZEREDO, José Carlos Santos de. Ensino de português: fundamentos,
percursos, objetos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
cujas ocorrências se deram majoritariamente (60% delas) sob a
AZEREDO, José Carlos Santos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa.
forma de “outros processos”. 4 ed. São Paulo: Publifolha-Instituto Houaiss, 2018.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro:
Merece ser salientado, ainda, o fato de que a maior parte das
Lucerna, 2004.
relações conjuntivas causais encontradas no corpus se localizam COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São
entre porções textuais maiores que a oração. Isso evidencia que Paulo: Moderna, 2000.
o estudo das relações semânticas em sala de aula não deve se DUARTE, Maria Eugenia Lamoglia. Coordenação e subordinação. In: VIEIRA,
circunscrever ao âmbito frástico, mas considerar o transfrástico, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (org.). Ensino de gramática:
descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.
tão caro à Linguística Funcional e à Linguística Textual. As
DUTRA, Vania Lúcia Rodrigues. Relações conjuntivas causais no texto
partes todas do texto concatenam-se, fazendo jus à etimologia argumentativo. 2007. 149 f. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
do termo – tecer – e não são poucos os estudos além deste que Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
mostram que o limite da oração não basta para a compreensão GARCIA, Othon Moacyr. Comunicação em prosa moderna. 23 ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2003.
do texto como unidade de funcionamento da língua.
HALLIDAY, Michael A. K. et al. As ciências linguísticas e o ensino de línguas.
Dessa forma, esta pesquisa contribui, simultaneamente, Petrópolis: Vozes, 1974.
HALLIDAY, Michael A. K.; HASAN, Ruqaiya. Cohesion in english. Essex:
para os estudos funcionalistas da causalidade no português e
Longman Group UK Limited, 1976.
para os estudos de coesão por meio da conjunção – no sentido

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA PARA ALÉM DA SUBORDINAÇÃO

HALLIDAY, Michael A. K.; MATTHIESSEN, C.M.I.M. An introduction to MACHADO, Ana Maria. Raul da ferrugem azul. 23 ed. Rio de Janeiro:
functional grammar. 3 ed. London: Edward Arnold, 2014. Salamandra, 1979.
HAWAD, Helena Feres. Tema, sujeito e agente: a voz passiva portuguesa em ORTHOF, Sylvia. As casas que fugiram de casa. 2 ed.Rio de Janeiro: Record,
perspectiva sistêmico-funcional. 2002. 153 f. Tese (Doutorado em Estudos 2009.
da Linguagem) – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica ORTHOF, Sylvia. Doce, doce… E quem comeu regalou-se! São Paulo:
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Paulinas, 1987a.
KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, ORTHOF, Sylvia. Enferrujado, lá vai o soldado. Rio de Janeiro: Salamandra,
2004. 1984a.
RIBEIRO, Manoel Pinto. Gramática aplicada da língua portuguesa. 23 ed. ORTHOF, Sylvia. Galo, galo, não me calo. 6 ed. Belo Horizonte: Formato
Rio de Janeiro: Metáfora, 2017. Editorial, 2009.
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua ORTHOF, Sylvia. A limpeza de Teresa. 3 ed. São Paulo: Ática, 1987b.
portuguesa. 17 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1974.
ORTHOF, Sylvia. Malandragens de um urubu. 2 ed. Rio de Janeiro: Record,
ROCHA LIMA, Carlos Henrique da. Em torno da conjunção e. In: ROCHA 2012.
LIMA, Valentina da et al (org.). Dispersos. Rio de Janeiro: Botelho, 2010.
ORTHOF, Sylvia. A mesa de botequim e seu amigo Joaquim. São Paulo:
SANTOS, Leonor Werneck dos. O Ensino de Língua Portuguesa e os PCN. In: Editora Salesiana Dom Bosco, 1986.
PAULIUKONIS, Maria Aparecida; GAVAZZI, Sigrid (org.). Da língua ao
ORTHOF, Sylvia. No fundo do Fundo-Fundo lá vai o tatu Raimundo. Rio de
discurso: reflexões para o ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
Janeiro: Nova Fronteira, 1984b.
SILVEIRA, Olmar Guterres da. Orações subordinadas sem conectivo. In:
ORTHOF, Sylvia. Ovos nevados. Belo Horizonte: Formato Editorial, 1997.
FREITAS, Horácio Rolim (org.). A obra de Olmar Guterres da Silveira: sua
contribuição aos estudos das línguas portuguesa e latina. Rio de Janeiro: Ed. ORTHOF, Sylvia. A vaca Mimosa e a mosca Zenilda. São Paulo: Ática, 1982.
H. Rolim de Freitas, 1996.

TEXTOS LITERÁRIOS

MACHADO, Ana Maria. Amigos secretos. São Paulo: Ática, 1996.


MACHADO, Ana Maria. Bem do seu tamanho. 5 ed. Rio de Janeiro:
EditoraBrasil-América, 1983.
MACHADO, Ana Maria. Bento que bento é o frade. 2 ed. São Paulo:
Salamandra, 2003b.
MACHADO, Ana Maria. O canto da praça. São Paulo: Ática, 2002b.
MACHADO, Ana Maria. Do outro mundo. São Paulo: Ática, 2002a.
MACHADO, Ana Maria. Isso ninguém me tira. 4 ed. São Paulo: Ática, 1997.
MACHADO, Ana Maria. Palavras, palavrinhas e palavrões. São Paulo:
Quinteto Editorial, 2003a.
MACHADO, Ana Maria. Passarinho me contou. 3 ed. Curitiba: A Página,
2018.

176 177
ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO
CONTEXTO DE SITUAÇÃO
PARA EXPOSIÇÃO DE
UM PONTO DE VISTA EM
ARTIGO DE OPINIÃO

ADONELSON NASCIMENTO DAMASCENA1


VILMA NUNES DA SILVA FONSECA2

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

N o âmbito escolar, o ensino e aprendizagem de textos se


mostra cada vez mais desafiador. O ensino do artigo de
opinião exige uma série de procedimentos metodológicos, pois
como um estudante vai escrever um texto se ele não conhece
seu propósito social? Como adentrar uma sala de aula e solici-
tar a produção de um objeto linguístico-discursivo, até então
desconhecido pelos estudantes do Ensino Médio (EM)? Quem
produz e quem se engaja na leitura de artigos de opinião? Esses
são alguns questionamentos que norteiam as nossas reflexões

1 Graduado em Letras pela Universidade Federal do Tocantins / Câmpus de Araguaína,


ex-bolsista CAPES pelo Programa de Residência Pedagógica / Núcleo de Língua
Portuguesa, professor de Língua Portuguesa na Educação Básica.
2 Doutora em Letras (UFT), docente da Licenciatura em Letras, do Programa de Mes-
trado Profissional em Letras (PROFLETRAS) e do Programa de Pós-Graduação em
Linguística e Literatura (PPGLLit), na Universidade Federal do Norte do Tocantins
(UFNT) / Centro de Ciências Integradas – Araguaína –Tocantins / Coordenadora do
Núcleo de Língua Portuguesa do Programa de Residência Pedagógica CAPES/UFT.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

a partir de nossa experiência como professor em formação cipalmente, nos princípios teóricos de Halliday, o campo está
inicial e como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento relacionado à função da atividade realizada, a relação representa
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), atuando em uma uni- os papéis desempenhados pelos participantes e o modo diz
dade de ensino. respeito à linguagem empregada e seu modo de representação.
Ou seja, o conhecimento das variáveis contextuais facilita tanto
Ao longo de nossas discussões com as professoras da
a leitura quanto a escrita dos estudantes, pois, por meio delas,
Educação Básica (EB), na fase de fundamentação teórica e de
compreende-se a finalidade do texto, as relações entre locutor e
planejamento das atividades de ensino do Programa de Residência
interlocutor estabelecidas nele e até mesmo a função da lingua-
Pedagógica (PRP), ouvíamos das docentes os relatos acerca da
gem utilizada em sua composição.
dificuldade de mobilizar os estudantes para a produção de textos.
A compreensão dessas variáveis pode se dá por meio da
As constatações das dificuldades de leitura e de escrita
Desconstrução e da Leitura detalhada, duas etapas da terceira
aconteceram nas aulas de Redação de uma turma da 2° série do
fase do Ciclo de aprendizagem baseado em gêneros, estratégia de
EM. O acesso às aulas ocorreu por meio do PRP / Núcleo de Lín-
ensino que contribui diretamente com o desempenho da leitura
gua Portuguesa, da Universidade Federal do Norte do Tocantins
e da escrita. A primeira delas, em conformidade com Muniz da
(UFNT). Como residentes do PRP, conhecendo e vivenciando o
Silva (2015), que desenvolveu seus trabalhos a partir de Rose e
funcionamento da unidade de ensino, como também auxiliando
Martin (2012), consiste em apresentar ao aluno a contextualização
a preceptora (professora da EB) nas atividades pedagógicas,
do texto com base no conteúdo abordado no exemplar trabalhado
percebemos a necessidade de uma metodologia para o ensino
na aula, já a segunda equivale à leitura em si, mas detalhando cada
e a aprendizagem de textos argumentativos-dissertativos, mais
parte da obra. Nesse sentido, além do aprendizado das variáveis do
especificamente do artigo de opinião, principalmente por se
contexto de situação, a junção de ambas possibilita conhecimento
tratar de um gênero textual curricular. Textos como esse se faz
da estrutura, veículo de circulação, público leitor etc.
presente em diversos espaços sociais, tendo como característica
a manifestação de opiniões em relação a temas atuais e o uso A partir das informações constatadas, nos perguntamos
da linguagem argumentativa, solicitada na redação do Exame como as fases de desconstrução e leitura detalhada iriam pos-
Nacional do Ensino Médio (ENEM). sibilitar, de fato, a compreensão das variáveis campo, relação
e modo, de forma a contribuir para com a escrita do artigo de
As variáveis do contexto de situação ou variáveis contex-
opinião? De que forma essas variáveis auxiliariam o processo
tuais (campo, relação e modo) podem propiciar o entendimento
de leitura e de escrita? Sendo assim, o objetivo deste estudo é
de diversos aspectos relacionados ao texto, já que possibilitam
analisar a desconstrução e a leitura detalhada da exposição de um
uma imersão nos elementos que o constituem. De acordo com
ponto de vista em artigos de opinião a partir da compreensão das
Fuzer e Cabral (2014), que tiveram seus estudos pautados, prin-

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

variáveis contextuais (campo, relação e modo) e sua contribuição aprendizagem baseado em gêneros e as etapas de desconstrução,
na escrita de textos produzidos por estudantes do EM. leitura detalhada e escrita individual. Detalhamos também como
o trabalho foi desenvolvido, evidenciando a metodologia, as práti-
Em termos gerais, analisamos materiais derivados das
cas pedagógicas adotadas etc. Na seção de análise, descrevemos e
aulas de Redação, com enfoque no uso da Linguística Sistê-
analisamos as respostas obtidas com os questionários, verificando
mico-Funcional (LSF), teoria que subsidiou a metodologia de
a compreensão dos elementos contextuais campo, relação e modo,
análise adotada. Para a coleta de dados foram aplicados dois
como também os artigos de opinião elaborados, observando como
instrumentais aos alunos. O primeiro consiste numa atividade
a análise das variáveis do contexto de situação colaborou na cons-
interpretativa no formato de questionário acerca do conteúdo
trução dos textos. Por fim, estabelecemos algumas considerações
abordado no exemplar analisado em sala de aula e nos aspectos
finais acerca dos resultados alcançados.
relacionados às características prototípicas do artigo de opinião.
O segundo equivale a um Roteiro de estudos (RE), no qual se
solicitou a produção inicial de um artigo de opinião. 1. AS VARIÁVEIS DO CONTEXTO
DE SITUAÇÃO NA LSF
O corpus total da pesquisa é composto por dezoito ques-
tionários referentes ao texto autoral trabalhado e, também, por A linguagem é responsável por possibilitar a comunicação
dezoito artigos de opinião produzidos pelos estudantes. Porém, entre as pessoas, propiciando interações sociais entre diferentes
para este estudo em particular, analisamos apenas dois exemplares indivíduos. Conforme Silva et al. (2015, p. 147), “a linguagem dá
do corpus. Os procedimentos de análise baseiam-se no arcabouço sentido à nossa experiência nas interações com outras pessoas”.
teórico da LSF, considerando o sistema de estratos linguístico- Tendo por base o sentido que a linguagem dá às nossas interações,
-discursivos encarregado da configuração do contexto de situação podemos destacar, por meio da LSF, como os sujeitos a utilizam
deflagrado nas variáveis contextuais campo, relação e modo. para construir significados a partir do discurso.
Dessa maneira, inicialmente, apresentamos a teoria mobili- A LSF é uma teoria que se preocupa com o funcionamento
zada, evidenciando seu objetivo e, principalmente, abordando como da linguagem nos mais diversos âmbitos de nossas relações
as variáveis do contexto de situação instanciam o registro, ou seja, sociais. Cada detalhe da comunicação e de como realizamos
“a configuração de significados” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 25), as escolhas léxico-gramaticais são importantes, pois tudo faz
que, a partir das regularidades semântico-discursivas aparentes, parte de um processo para que possamos interagir uns com os
nos permite reconhecer e pressupor as escolhas linguísticas previ- outros, evidenciando o objetivo de cada um com essas interações
síveis para o texto a ser produzido na dada interação. Em seguida, e porque cada significado produz o efeito denotado.
justificamos a escolha do gênero exposição a partir do artigo de
opinião como texto focalizado. Logo após, destacamos o Ciclo de

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

As variáveis do contexto de situação têm um papel fun- que organizam o evento linguístico, por
damental na LSF, mas, antes de nos aprofundarmos um pouco forma a atingirem objectivos culturalmente
mais no assunto, cabe ressaltar alguns aspectos consideráveis para apropriados. (GOUVEIA, 2009, p. 27-28)

uma melhor compreensão, como, por exemplo, o que é contexto


e texto. É válido destacar que os contextos antecedem os textos A noção de registro, que está relacionada ao contexto de
e que a situação ocorre antes do discurso que lhe diz respeito situação, apresenta como as construções semântico-discursivas
(HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Dessa forma, o contexto podem ser elaboradas a partir de um conjunto de possibilidades
não deriva do texto, pelo contrário, ele o precede, fazendo com de escolhas linguísticas, dentre elas, a seleção léxico-gramatical,
que o texto seja resultante do contexto. por exemplo, que orienta a produção do texto. É algo relacionado
à construção do texto ainda na mente de quem o constrói, antes
Fuzer e Cabral (2014, p. 26) afirmam que “o contexto em de emiti-lo verbal ou oralmente. Já o gênero está vinculado ao
que o texto se desenvolve está encapsulado no texto através de contexto de cultura, pois cada sociedade possui seus próprios
uma relação sistemática entre o meio social e a organização modos de produções textuais e estabelecem como cada discurso,
funcional da linguagem”. Podemos ressaltar que o contexto dependendo da intenção, deve ser enunciado. Registro e gênero,
representa o meio sociocultural no qual o texto foi produzido, então, se complementam, já que estão diretamente ligados aos
sob alguma circunstância. Ele pode não estar explícito, mas é contextos de situação e de cultura.
essencial para quem escreve e para quem lê, pois influencia o
desenvolvimento dessas atividades. O contexto de cultura está relacionado aos “antecedentes
institucionais e ideológicos que valorizam o texto e condicionam
Podemos observar em Gouveia (2009) que existem duas a sua interpretação” (HALLIDAY; HASAN, 1985, p. 49). Dessa
noções relacionadas ao contexto, sendo elas: registro e gênero. forma, ele se relaciona com a linguagem numa cultura específica.
Ele explica que: Isso pode ser observado no modo como as pessoas se comuni-
cam, interagem entre si. No Brasil, por exemplo, temos diversas
O registo [...] está intimamente ligado a regiões, e cada uma delas apresenta seus próprios costumes. Esses
variáveis do contexto situacional, pode ser costumes influenciam diretamente a comunicação das pessoas
definido como variação de acordo com o uso, que utilizam a língua portuguesa e suas variações dialetais, pois é
ou seja, é uma noção que dá conta do facto de algo enraizado, que faz parte das matrizes culturais que marcam
usarmos tipicamente certas e reconhecíveis
a formação social dos indivíduos e que aparecem refletidas nas
configurações de recursos linguísticos, em
“formas estáveis” de interação social. Isto é, interagimos por
certos contextos. O género inclui, portanto,
a ideia mais geral de que os interlocutores meio de gêneros institucionalizados que circulam socialmente
fazem coisas por meio da linguagem e de e são reconhecidos pela comunidade local.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

Já o contexto de situação, segundo Halliday e Matthiessen As variáveis do contexto de situação, nosso foco, são carac-
(2014), remete à configuração dos recursos de campo, relação e terizadas a partir do papel que desempenham quando analisamos
modo que formam o registro do texto. Ele está relacionado ao o funcionamento da língua, como podemos observar abaixo:
ambiente em que o texto está funcionando, sendo constituído
por três variáveis: campo, relação e modo. Esse conjunto de Figura 1: Variáveis do contexto de situação
variáveis forma o que conhecemos como variáveis do contexto
de situação, que orientam as produções textuais, independente-
mente de suas origens.

Cada um desses contextos está relacionado a um ambiente


específico, assim como assegura Santos (2016), quando afirma que
se compreende por contexto de cultura o espaço social e cultural,
conectado às ideologias e aos acontecimentos históricos e socio- Fonte: Adaptado de FUZER; CABRAL (2014, p. 30).
culturais, e, por contexto de situação, o ambiente momentâneo
no qual o texto atua. Dessa forma, os dois contextos se diferem, Com base na Figura 1, como também nas observações
já que um se relaciona ao ambiente imediato no qual o texto é estabelecidas por Fuzer e Cabral (2014), é possível notar que
realizado e outro, ao sociocultural, mas ambos influenciam as a variável campo está vinculada à finalidade da atividade que
escolhas léxico-gramaticais nas produções textuais escritas e se desenvolve por meio do texto e ao objetivo de sua produção.
orais e os resultados delas. Sabendo o que significa contexto, As relações estão vinculadas aos papéis que os participantes
partimos agora para o texto. desempenham na interação (quem escreve ou lê), e evidenciam
Silva (2016, p. 21) afirma que os textos “são estruturas os níveis de proximidade ou distanciamento entre quem produz
discursivas carregadas de valor ideológico”. Ou seja, todo texto e quem consome o texto. Já o modo refere-se à função exercida
é produzido dentro de um contexto, ele é resultante do conflito pela linguagem na composição da mensagem.
entre esse contexto e os aspectos que o constituem. Ele ainda Valendo-se dos pressupostos teóricos elaborados por
pode ser caracterizado como uma construção metafuncional, Halliday, Fuzer e Cabral (2014) destacam que as variáveis são
isto é, um aglomerado de significados ideacionais, interpessoais realizadas por metafunções da linguagem, sendo elas: meta-
e textuais (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014). Sendo assim, função ideacional (campo), metafunção interpessoal (relação)
os textos não se limitam a ser apenas resultados dos contextos, e metafunção textual (modo). As metafunções podem ser defi-
mas também construções que carregam inúmeros significados, nidas como “categorias propostas para explicar a realização
sejam eles ideacionais, interpessoais ou textuais. das formas gramaticais no contexto de situação” (SILVA et al.,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

2015, p. 148). Nesse aspecto, cada metafunção da linguagem e as variáveis do contexto de situação em que esse texto está
é responsável pela atuação de uma variável contextual, o que sendo produzido.
possibilita, dentre outras coisas, a explicação da compreensão
Além de manifestar o ponto de vista do autor, o artigo
situacional e da organização das informações.
de opinião apresenta um discurso dissertativo-argumentativo,
Tendo em vista que os textos dependem de um contexto que, comentado por Birck (2010), tem como intenção principal
e que toda a nossa comunicação é realizada por meio de gêne- persuadir o interlocutor, valendo-se de argumentos convincentes
ros, que são responsáveis por tornarem os textos semelhantes3 para isso. Ou seja, a argumentação visa justamente apresentar
(GOUVEIA, 2014), podemos destacar que um dos gêneros que a manifestação expositiva ou a ação de linguagem do locutor
se mostram indispensáveis no contexto escolar é a exposição, sobre um assunto abordado.
que, segundo Muniz da Silva (2015), a partir de Rose e Martin
Desse modo, trata-se de um tópico fundamental para o
(2012), faz parte da família dos argumentos. Nesse aspecto,
desenvolvimento linguístico dos estudantes, e seu estudo pode
ela possibilita a apresentação de posicionamentos por meio da
oportunizar diversos aprendizados que estão para além da
utilização de argumentos norteados por evidências, e tem como
capacidade de produzir uma boa redação no ENEM. Tendo em
função discutir uma problemática (MUNIZ DA SILVA, 2014).
vista que o artigo de opinião precisa ser trabalhado nas turmas
A defesa de um ponto de vista, ancorada por argumentos de EM, podemos utilizá-lo para aprimorar o desempenho acadê-
plausíveis, também é encontrada em artigos de opinião. Dessa mico dos alunos na realização de suas produções escritas, tanto
forma, a exposição, que não é popularmente difundida como para o desenvolvimento das habilidades requeridas no âmbito
gênero na escola, pode ser trabalhada a partir do macrogênero da avaliação em larga escala da Educação Básica quanto para a
artigo de opinião. Ele se apresenta como um dos temas que atuação social na qual seja exigida a elaboração de textos dis-
compõem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o sertativo-argumentativos.
Documento Curricular do Tocantins (DCT), sendo um conteúdo
Para que as escolhas léxico-gramaticais sejam realizadas
programático para as turmas de EM.
de forma mais precisa e de acordo com a mensagem que o autor
O gênero exposição, a partir do artigo de opinião, pro- deseja transmitir, é necessário que ele leve em consideração
porciona aos educandos um meio para se expressarem e darem as variáveis do contexto de situação e o contexto de cultura.
a opinião deles sobre fatos atuais e relevantes. Não só isso, Sabendo qual o objetivo do texto, veículo em que circula, lin-
possibilita também que essa opinião seja apresentada de forma guagem geralmente utilizada e outros aspectos relacionados, o
a levar em consideração seu contexto social, suas vivências escritor construirá seu texto com um repertório mais adequado
às suas necessidades e às suas intenções. Consideremos, a
3 Adaptado a partir da tradução realizada por GOUVEIA (2014). seguir, duas etapas do Ciclo de aprendizagem baseado em

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

gêneros utilizadas para promover a compreensão de campo, integrar leitura e escrita com a aprendizagem,
relação e modo. na década de 2000, denominada Ler para
aprender. (OLIVEIRA, 2019, p. 682)

2. DESCONSTRUÇÃO, LEITURA DETALHADA E O R2L apresenta três níveis de planejamento, nos quais des-
CONSTRUÇÃO INDIVIDUAL DO ARTIGO DE OPINIÃO
creve como o ensino e a aprendizagem de gêneros se desenvolve. O
objetivo “é preparar todos os estudantes para lerem e escreverem
Para que a exposição, a partir do artigo de opinião, pudesse
autonomamente todos os textos previstos no currículo escolar,
ser trabalhada de forma a propiciar uma análise da influência do
utilizando o que aprenderem através da leitura nas atividades de
contexto de cultura e, principalmente das variáveis do contexto de
produção escrita” (MUNIZ DA SILVA, 2015, p. 21). Esses três
situação, utilizamos o Ciclo de aprendizagem baseado em gêneros
níveis se unificam num processo de preparação para que os estu-
(Pedagogia de gêneros da Escola de Sydney), um programa de
dantes consigam ler e escrever autonomamente. Ou seja, eles devem
letramento que contribui com o desenvolvimento da leitura e da
aprimorar a escrita e a leitura, aproveitando os conhecimentos
escrita dos estudantes. Ele foi criado em 1980 por “um grupo de
adquiridos enquanto leem para aperfeiçoar seus textos, visando a
pesquisadores educadores e linguistas sistêmico-funcionais da
uma independência ao praticar tais ações de linguagem.
chamada Escola de Sydney” (MUNIZ DA SILVA, 2015, p. 20).
Para alcançar esse objetivo, o projeto apresenta estratégias
O programa “Ler para Aprender”, expressão traduzida
metodológicas que auxiliam os educadores no processo de media-
para a Língua Portuguesa (LP) a partir da denominação original
ção do ensino, possibilitando que os alunos consigam um bom
Reading to Learn, utiliza uma metodologia própria para ensinar
desempenho de aprendizagem. Esse fator é fundamental, pois
gêneros, o que facilita todo o processo de escrita e de compreensão
essas estratégias estão diretamente ligadas à Pedagogia de gêneros,
da função social dos textos. “Reading to Learn” (R2L) é a terceira
e atual fase do projeto, que é resultado de um aprimoramento
das outras duas etapas, como garante Oliveira (2019): uma proposta de letramento que aborda
questões escolares que vão além da
sala de aula; mais especificamente, os
O projeto passou por três grandes fases: a proponentes da PG entendem que o sistema
primeira surgiu nos anos 1980, denominada educacional é responsável por perpetuar
Linguagem e poder social; a segunda, com a a desigualdade entre estudantes com
descrição gos gêneros que os alunos devem relação à sua participação nas atividades
ler e escrever, nos anos 1990, denominada de aprendizagem desenvolvidas coletiva
Escrever corretamente; por fim, ocorreu o e individualmente a partir da leitura.
desenvolvimento de uma metodologia para (ROTTAVA; SANTOS; TROIAN, 2021, p. 11)

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

O foco não recai apenas sobre os estudantes mais ativos, Vale ressaltar que as fases podem ser desenvolvidas separa-
pelo contrário, todos são atendidos de forma igualitária. O acompa- damente, ou seja, dependendo do objetivo, algumas delas podem
nhamento do estudante na aquisição de conhecimentos específicos ser selecionadas e trabalhadas sem a necessidade de explorar
sobre os textos deve propiciar ao grupo o mesmo tratamento, todo o programa. Sendo assim, baseado em Muniz da Silva (2015
considerando fases de aprendizagem e graus de dificuldades, no apud ROSE; MARTIN, 2012), faz-se importante destacar que
desenvolvimento das habilidades requeridas à produção textual. essa junção contribui diretamente não só com o desenvolvimento
linguístico dos estudantes, mas com o trabalho pedagógico dos
Como mencionado, existem três níveis de procedimentos
professores também. Ela possibilita que os docentes de LP possam
do programa R2L e eles funcionam como um suporte aos estu-
mediar a aprendizagem dos gêneros, leitura e escrita da melhor
dantes, na tentativa de ajudá-los a desenvolverem suas habilidades
forma possível, facilitando a aprendizagem dos discentes.
nas produções escritas de textos e nas leituras. Para explicitar
melhor, vejamos abaixo como eles se organizam:
3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Figura 2: Níveis de estratégias que estruturam o programa R2L
Para que uma pesquisa seja desenvolvida de forma a retratar
com precisão os resultados alcançados, faz-se imprescindível o
subsídio de uma metodologia norteadora. Portanto, evidenciamos
nesta seção a série de etapas seguidas para o progresso deste
estudo, assim como detalhamos e ilustramos como se deu cada
movimento de realização dos estágios metodológicos.
Fonte: adaptado de Muniz da Silva (2015, p. 23 apud ROSE; MARTIN, 2012).
3.1  Contextualização da pesquisa
Apesar dos três planos constituintes, utilizamos apenas as
etapas de preparação para a leitura (Desconstrução), Leitura A proposta de utilização da compreensão das variáveis
detalhada e Escrita individual. A Desconstrução consiste no contextuais para subsídio da escrita de artigos de opinião (com
conhecimento prévio sobre o assunto a ser abordado no texto, a foco na exposição de um ponto de vista) surgiu nas aulas de
Leitura detalhada baseia-se numa leitura minuciosa, destacando Redação ministradas a partir do PRP, Núcleo de Língua Por-
partes importantes e analisando o gênero de forma geral, já a tuguesa, da UFNT. A escolha das fases de Desconstrução e
Escrita individual é o momento em que o aluno constrói seu Leitura detalhada para a promoção dessa compreensão derivou
próprio texto após realizar as duas etapas anteriores. do contato com o Ciclo de Aprendizagem baseado em gêneros

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(MUNIZ DA SILVA, 2015), que tem fundamental importância O modelo de pesquisa participativa adotado por nós
no processo de leitura e escrita textual/literária. baseou-se na necessidade de ir além da coleta de dados, pois, com
a pesquisa-ação, tivemos a oportunidade de nos inserir efetiva-
O PRP é um projeto da CAPES, o qual possibilita uma imersão
mente no contexto pesquisado, atuando cooperativamente com a
de graduandos em licenciaturas no contexto educacional brasileiro.
preceptora e seus alunos, contribuindo, assim, para o letramento
Como bolsistas do PRP, adentramos a sala de aula e nos deparamos
desses últimos. Essa metodologia de pesquisa é definida por
com o diagnóstico que havia sido provido pela preceptora sobre as
Thiollent (1996) como um estilo de base empírica que relaciona
dificuldades de leitura e de escrita dos estudantes na aquisição dos
a ação com a busca por uma solução da problemática coletiva, de
textos curriculares. Em sua análise, a professora da turma enfatizou
modo que haja uma participação cooperativa entre os indivíduos
as adversidades enfrentadas pelos alunos em relação à leitura e à
inseridos no ambiente foco da pesquisa.
escrita de modo geral, e isso nos motivou a trabalhar esses dois
aspectos utilizando fases do programa R2L, mecanismo de ensino Além disso, oferece “subsídios para que, por meio da inte-
que conhecemos durante as atividades do PRP. ração entre pesquisadores e atores sociais implicados na situação
investigada, sejam encontradas respostas e soluções capazes
As atividades do PRP aconteceram de forma remota devido
de [...] mobilizar os sujeitos para ações práticas” (TOLEDO;
à pandemia de COVID-19 fato que culminou no desenvolvimento
JACOBI, 2013, p. 158). Ou seja, o investigador busca oferecer
de aulas com momentos síncronos e assíncronos. Os primeiros
mecanismos que favoreçam a atuação de todos os agentes sociais
se dividiram em três aulas via plataforma Google Meet e em
nas dinâmicas desenvolvidas durante a pesquisa-ação. Nesse
períodos integrais para sanar as dúvidas dos estudantes a partir
aspecto, nossa presença, como pesquisadores participantes da
de um grupo criado na rede social WhatsApp. Já os segundos
situação, não se restringiu à coleta de dados, ela aconteceu em
aconteceram por meio de um Roteiro de estudo (RE), elaborado
todas as etapas, desde o estudo da problemática até os resultados
e aplicado pelo residente e pela preceptora. Esse RE continha
alcançados com as intervenções realizadas.
conteúdos e atividades relacionadas ao texto expositivo artigo de
opinião e foi produzido com o propósito de nortear os estudantes Para alcançarmos nosso propósito, contamos com uma
no processo de aprendizagem destes tópicos, tendo em vista o equipe de trabalho formada pelo discente do Curso de Letras,
formato não presencial das aulas. pela professora da turma e pela orientadora deste texto (coautora
do artigo), ou seja, residente, preceptora e coordenadora do PRP,
É válido acrescentar que os alunos recebiam os RE por
respectivamente. Também dispomos da adesão dos estudantes
meio da plataforma Google Classroom. Eles também podiam
da classe focalizada. Vale destacar que o avanço de todas as
buscá-los e deixá-los, depois de trabalhados, na unidade de
fases contou com a participação do residente e da preceptora
ensino, caso não tivessem acesso à internet ou não dispusessem
nas questões relacionadas à elaboração de materiais didáticos
de aparelhos digitais (notebook, tablet, celular) em casa.

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

(RE, questionário sobre o artigo de opinião e slides utilizados mos para a Leitura detalhada, na qual observamos os aspectos
nas aulas síncronas), à ministração das aulas e aos atendimentos do texto, como a autora expôs e defendeu seu ponto de vista,
individuais aos educandos, e da coordenadora no que diz respeito quais argumentos utilizou, o tipo de linguagem empregada, os
às orientações acerca dos procedimentos teórico-metodológicos personagens que apareciam na obra, como o texto se estruturava
que subsidiaram a pesquisa. e quais as percepções dos alunos acerca do artigo de opinião lido.
É válido evidenciar que outras estruturas prototípicas do gênero
também foram exploradas, porém, focalizamos com profundidade
3.2  Seleção do corpus
apenas um texto, dada a quantidade de aulas disponibilizadas
para o conteúdo.
A pesquisa foi desenvolvida numa turma de 2° série do
EM, de uma instituição pública de ensino. Para a coleta de dados, Após a realização da Desconstrução e da Leitura deta-
recorremos a três atividades, sendo elas: a Desconstrução e a lhada, os alunos responderam a um questionário sobre o artigo
Leitura detalhada de um artigo de opinião, a resolução de um de opinião debatido em sala, a fim de verificar suas percepções
questionário e o cumprimento de um RE. O primeiro, um texto acerca do tema enfocado e do texto de forma geral. Em seguida,
opinativo intitulado 15 anos da Lei Maria da Penha, escrito foi solicitada uma escrita inicial, pois consideramos que os
por Maria Cláudia Goulart, é uma composição que retrata fatos alunos se encontravam aptos para desenvolvê-la, já que haviam
relevantes sobre os quinze anos da Lei n° 11.340, mais conhecida realizado uma preparação para a leitura, a leitura em si de um
como Lei Maria da Penha, tendo sido utilizado para a compreensão exemplar (análise aprofundada) e tinham respondido às ques-
das variáveis contextuais. O segundo é um questionário sobre o tões com foco nas características do texto. O objetivo era, além
assunto do texto enfocado, que exigia dos alunos respostas sobre de fazer com que eles expusessem suas opiniões sobre temas
suas percepções em relação ao conteúdo temático, ao contexto atuais, analisar como as variáveis contextuais iriam contribuir
de produção e de recepção e à organização textual. Já o terceiro para o desenvolvimento de suas construções individuais de
solicitou que os estudantes desenvolvessem escritas individuais significados textuais.
de um artigo de opinião. A coleta de dados resultou num conjunto
A turma focalizada é composta por vinte e dois alunos,
de dezoito questionários respondidos e dezoito textos elaborados
mas apenas dezoito conseguiram realizar a devolutiva de todos
pelos discentes.
os materiais solicitados. Tendo em vista os objetos coletados,
Na tentativa de alcançarmos nosso objetivo, realizamos nosso corpus, para este trabalho, é formado por dois questionários
primeiro a Desconstrução de um exemplar textual. Sendo assim, sobre o texto opinativo 15 anos da Lei Maria da Penha e dois
destacamos quem foi/é Maria da Penha, como, quando, onde e artigos de opinião elaborados pelos discentes após os momentos
por que a lei surgiu, qual sua finalidade etc. Em seguida, parti- de Desconstrução e Leitura detalhada de um exemplar.

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3.3  Procedimentos de análise dos dados 4.1  Compreensão das variáveis contextuais

Em relação aos procedimentos da análise de dados, recorremos Após a realização da Desconstrução e da Leitura detalhada
aos aspectos teóricos da LSF e levamos em consideração o sistema de um exemplar textual, na tentativa de observar a compreen-
de estratos linguístico-discursivos encarregado da configuração são das variáveis contextuais, solicitamos a resolução de um
do contexto de situação a partir das variáveis contextuais campo, questionário. As respostas formuladas pelos estudantes tiveram
relação e modo. Primeiramente, com o auxílio de um questionário, como texto-base o artigo de opinião 15 anos da Lei Maria da
observamos como os estudantes, por meio da Desconstrução e da Penha, trabalhado durante as aulas de Redação. Vejamos abaixo
Leitura detalhada, compreenderam as variáveis contextuais. Em algumas questões importantes que evidenciam as percepções e
seguida, analisamos como eles utilizaram essas variáveis (campo, os entendimentos dos alunos em relação ao texto.
relação e modo) para elaborar seus artigos de opinião.
Quadro 1: Percepções e entendimentos acerca das variáveis contextuais

4. ANALISANDO COMO OS ESTUDANTES PERGUNTA RESPOSTA ALUNO A RESPOSTA ALUNO B


COMPREENDERAM AS VARIÁVEIS CONTEXTUAIS
“Dá a opinião sobre
DE SITUAÇÃO E EXPUSERAM SEUS PONTOS (1) Qual o objetivo do
algo que está
“Dar sua opinião
artigo de opinião? sobre o assunto”.
DE VISTA NOS ARTIGOS DE OPINIÃO acontecendo”.

“O que podemos
Uma das dificuldades encontradas por docentes da EB (2) Transcreva uma “Acredite, ainda temos evidenciar neste caso,
parte do texto em que que brigar para que é que vivemos num
é o momento de ensino e aprendizagem de textos, pois esse a autora defende sua uma medida protetiva país que repercute
processo exige uma metodologia que atenda simultanea- opinião. seja concedida”. perplexidade nas
redes sociais”.
mente às necessidades de leitura e de escrita dos educandos.
Levando em consideração os passos e métodos descritos na (3) Quais personagens
“DJ Ivis, Pâmella”.
“Mulheres, Pâmella
aparecem no texto? Holanda, DJ Ivis”.
seção anterior, analisamos duas amostras de cada instrumento
de investigação utilizado na coleta dos dados. Sendo assim, (4) Quem escreveu “Maria Cláudia
o texto? Para quem Goulart psicóloga. “Maria Cláudia,
focalizamos dois questionários e dois artigos de opinião. Os ele é destinado? Em Jornal eletrônico para todos, Jornal
elementos selecionados foram produzidos por dois alunos da qual veículo ele foi ND+, pessoas que se eletrônico ND+”.
publicado? importa”.
turma, servindo como base para este estudo. A identificação
de cada elemento do corpus produzido pelos estudantes será
feita da seguinte forma: produção textual do aluno A e pro-
dução textual do aluno B.

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(advérbio de tempo + verbo ter na primeira pessoa do plural)


PERGUNTA RESPOSTA ALUNO A RESPOSTA ALUNO B
e “podemos evidenciar” (verbo poder na primeira pessoa do
(5) Qual a linguagem plural + verbo transitivo direto). Isso sinaliza que, ao lerem o
utilizada no texto,
verbal escrita texto, eles perceberam que se tratava de um artigo de opinião,
ou não verbal? “Verbal. “Verbal escrita,
Qual o modo de argumentativo”. argumentativo”.
relacionando-o com sua finalidade comunicativa.
organização utilizado,
argumentativo ou Nas questões seguintes, em (3) e (4), buscamos focalizar
expositivo? a variável relação, ou seja, verificar as relações presentes no
“Sobre a violência corpo do texto e observar aspectos importantes, tais como:
(6) O texto possibilita contra a mulher. Que existência de simetria ou assimetria / alinhamento discursivo
o entendimento de “Violência contra ainda precisa lutar
qual assunto? E o que mulher. Que a lei muito contra esse entre os participantes da interação, aproximação ou distan-
você entendeu desse pode está mudando”. assunto que vem ciamento social entre autor e público, e a caracterização dos
assunto? cada estando na
sociedade”. leitores potenciais do veículo de circulação. Além de conhecer
o objetivo de um texto, é necessário analisar os interactantes da
(7) A autora do
texto utiliza alguns “Recentemente, o composição textual, pois eles darão dinamicidade aos enredos
argumentos para caso de Pâmella e estabelecerão relações dentro e fora do texto. Os estudantes
“Que o país
defender sua ideia. No Holanda trouxe à
demonstra uma
segundo parágrafo, tona toda omissão e destacaram os personagens significativos no contexto da história
grande inoperância
ela apresenta um negligencia do país
argumento de
perante as mulheres”.
em relação a esta
(“Dj Ivis, Pâmella” / “Mulheres, Pâmella Holanda, Dj Ivis”),
exemplificação. Que questão”. bem como a identificação da autora do texto (“Maria Cláudia
argumento é esse?
Goulart”), o jornal eletrônico no qual foi publicado (“Jornal
Fonte: Autoria própria eletrônico ND+”) e o público que o consumiria (“pessoas que
se importa” / “todos”). É importante salientar que os artigos de
Em (1), a pergunta tem o intuito de identificar a função opinião são elaborados, em sua maioria, para serem consumidos
social de um artigo de opinião, ou seja, está relacionada à variá- por um público-alvo exigente que, não raro, pode discordar
vel campo. Podemos observar que as respostas obtidas (“Dá a dos posicionamentos assumidos por jornalistas, articulistas e
opinião sobre algo que está acontecendo” / “Dar sua opinião redatores, vindo, algumas vezes, a manifestar suas insatisfações
sobre o assunto”) demonstram entendimento em relação ao na seção de Carta do leitor em jornais e revistas.
objetivo do texto focalizado, que é expressar a opinião do autor
O modelo de organização e a linguagem utilizada estão
sobre um determinado assunto. Tendo em vista este aspecto,
associados à variável modo, sendo essenciais para a obtenção
verificamos em (2) trechos em que a autora apresenta suas
de um texto fluído, coeso e coerente, conforme a norma padrão
ideias, dando destaque para expressões como “ainda temos”

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

da LP. Em (5) é possível observar que os alunos apontaram artigo de opinião, alguns argumentos utilizados, o modo de
o modo de organização argumentativo (“argumentativo”) e o organização e a linguagem presentes no exemplar, dentre
uso da linguagem verbal escrita (“Verbal” / “Verbal escrita”) outros elementos que compõem as variáveis contextuais. É
como registro linguístico esperado na escrita de um artigo de importante acentuar que essa compreensão se deu por meio
opinião. As informações se confirmam, já que, como sustenta das etapas de Desconstrução e Leitura detalhada, uma vez que
Birck (2010), o articulista utiliza argumentos para defender ambas serviram como base para a imersão do aluno no texto.
pontos de vista, e o exemplar fornecido está no formato escrito. Na próxima subseção, verificaremos de que forma elas foram
empregadas nas produções escritas dos estudantes.
Nos dois últimos questionamentos, os estudantes expu-
seram suas percepções em relação ao conteúdo abordado no
texto. Eles destacaram em (6) o tema central (“Violência con- 4.2  Etapa de produção escrita
tra mulher”) e suas opiniões sobre ele (“a lei está mudando”
/ “ainda precisa lutar muito contra esse assunto”). Essa foi Depois dos momentos de Desconstrução, Leitura deta-
uma forma de colocar no papel suas impressões acerca de lhada com a realização da atividade de interpretação proposta
um assunto atual, servindo também como preparação para a (questionário) acerca do texto, os estudantes partiram para a
exposição de um ponto de vista que seria feita posteriormente escrita individual, na condição de escrita inicial. Cada aluno
na escrita individual. Já em (7), tendo em vista a necessidade de escolheu um dos quatro temas propostos no Roteiro de estudos
argumentos plausíveis para a defesa de uma ideia, propôs-se a (“Racismo no Brasil”, “Violência doméstica”, “O impacto das
identificação de um exemplo utilizado pela autora no segundo Fake News na vida das pessoas” e “Mobilidade urbana”) e ela-
parágrafo (“o país demonstra uma grande inoperância perante borou a primeira versão do seu artigo de opinião. Observemos
as mulheres” / “o caso de Pâmella Holanda trouxe à tona toda a seguir o texto produzido pelo Aluno A.
omissão e negligência do país em relação a esta questão”).
Dessa forma, foi possível verificar a compreensão deles em
relação ao uso de argumentos em função da defesa de uma
opinião do autor no texto.

As questões propostas tinham o objetivo de analisar


como as variáveis campo, relação e modo foram compreen-
didas pelos alunos. Nesse sentido, os resultados alcançados
se mostraram positivos, pois, a partir das respostas obtidas,
observamos que eles identificaram a finalidade social do

202 203
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

Quadro 2: Produção textual do Aluno A Quadro 3: Produção textual do Aluno B

“Ás veias abertas do racismo Brasileiro4 “Violência

Popularmente, é instituído que a democracia é o regime no qual a A violência está cada vez mais frequente em nossas vidas
desigualdade se faz ausente, teoricamente temos que a democracia principalmente em relação as mulheres, existe varias formas de
é capaz de aniquilar o racismo. porém vivemos em um país violência, física, mental etc. Claro que existe meios de proteção.
miscigenado, que possui suas veias abertas ao racismo. logo, tal fato
permanece na teoria, ascendendo debates racismo e o acolhimento a Mais nem sempre as mulheres pedem ajuda por medo do agressor,
outros movimentos. medo que ele poderá vim fazer com ela. Algumas nem sabem que
estão vivendo uma violência psicológica por exemplo.
A injusta acusação de furto feita ao jovem negro Matheus Ribeiro,
oriundo de um Casal Branco, é mais um caso de injúria racial presente Mesmo com medo temos que denúnciar para que possamos acabar
no Brasil. É evidente que a discriminação perpetua na sociedade ou combater cada vez mais com isso na nossa sociedade, para que
desde os primórdios da escravidão. todavia, debates acerca desse mais mulheres possa vencer os seus medos e denunciar”.
tema, incentivam a construção de uma sociedade mais justa e
resistente, por meio de rodas de conversa e a cresente força dos Fonte: Dados da pesquisa
movimento.
Contudo, ao estudar a palavra “racismo” sempre o primeiro assunto é As variáveis contextuais campo, relação e modo funcio-
a intolerância ao povo negro. Certamente há uma diferença nos casos
de racismo contra pretos(as), com os casos de preconceito as demais
nam como base para a escrita de todos os textos, já que levam
camadas sociais. Sendo assim não podemos esquecer do acolhimento em consideração elementos caracterizadores do gênero textual.
as “minorias”, por exemplo a comunidade LGBTI+... [sic] entre outras
que sofrem discriminação constantes”.
Sendo assim, verificaremos agora o uso dessas variáveis nas
construções dos artigos de opinião (exposição de pontos de vista)
Fonte: Dados da pesquisa apresentados nos Quadros 2 e 3.

Vejamos agora, no Quadro 3, o texto elaborado pelo Aluno Em relação ao campo (finalidade da prática social), cons-
B. Nosso objetivo não consiste na realização de uma compara- tituído por meio da metafunção ideacional, observamos que as
ção direta entre os artigos de opinião, o foco recai em analisar a escolhas léxico-gramaticais ocorreram em virtude do propósito
utilização das variáveis contextuais nas produções, assim como comunicativo. Os Alunos A e B produziram um texto de opinião,
alguns aspectos estruturais dos dois exemplares. ou seja, expressaram seus pontos de vista; o primeiro sobre o
racismo no Brasil e o segundo acerca da violência doméstica contra
mulheres. O campo no texto de A se refere à exposição do ponto
de vista de um estudante da EB sobre a presença estampada do
racismo na sociedade brasileira, enquanto no texto de B, consiste
na exposição do ponto de vista de um aluno da EB acerca da
violência doméstica sofrida por mulheres na sociedade. Os dois
4 Optamos por manter a escrita original dos textos produzidos pelos estudantes.

204 205
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

assuntos têm grande relevância, pois são atuais e necessitam sição dos textos para a comunidade escolar, por exemplo. Ao
de um posicionamento objetivo da sociedade, como fizeram os produzir os textos, os alunos estavam cientes de que se tratava
estudantes-autores no decorrer das produções. de uma atividade escolar de avaliação, para a qual houve uma
mobilização de esforços da preceptora e do residente, a partir de
Alguns exemplos de linguagem encontrados nos textos que
um conjunto de procedimentos metodológicos realizados como
indicam pistas contextuais da variável campo são: “vivemos em
preparação para a escrita. Em relação à preceptora e ao residente,
um país miscigenado, que possui suas veias abertas ao racismo”,
foi construída uma expectativa positiva quanto à qualidade dos
“A injusta acusação de furto feita ao jovem negro Matheus Ribeiro,
textos que seriam produzidos, mesmo considerando os percalços
oriundo de um Casal Branco, é mais um caso de injúria racial
e as dificuldades de apropriação das regularidades linguísticas
presente no Brasil”, “É evidente que a discriminação perpetua na
observadas no feedback inicial (via WhatsApp). Sobre a distân-
sociedade desde os primórdios da escravidão” (Produção textual
cia social, observamos que ela é considerada máxima, pois os
do Aluno A); “A violência está cada vez mais frequente em nossas
alunos tomaram como parâmetro as exigências do gênero e se
vidas principalmente em relação as mulheres”, “nem sempre as
dirigem à sociedade de modo geral, mesmo com a utilização do
mulheres pedem ajuda por medo do agressor”, “Algumas nem
“nós” como pessoa do discurso, a partir da autodesignação por
sabem que estão vivendo uma violência psicológica por exemplo”
plural majestático, como estratégia de aproximação com o leitor.
(Produção textual do Aluno B).
Podemos observar, nos textos, algumas marcas de linguagem
A identificação da variável contextual campo foi possível
que apontam para a predominância de orações no modo declarativo,
devido aos elementos linguísticos que possibilitaram a compreensão
com sentenças afirmativas e negativas. Na produção textual do
do significado ideacional, que revela a representação dos mundos
aluno A, para marcar a voz autoral do estudante, destacamos o
exterior e interior a partir da nossa relação experiencial, tais como:
uso da 1ª pessoa do plural (“temos”, “vivemos”, “podemos”) e de
participantes (“A injusta acusação de furto”, “a discriminação”, “a
aspectos que conflagram o racismo na cultura do Brasil (“veias
violência”, “as mulheres”), processos (“vivemos”, “possui”, “feita”,
abertas ao racismo”, “injusta acusação de furto feita ao jovem
“perpetua”, “está”, “pedem”, “estão”) e circunstâncias (“oriundo
negro”, “injúria racial”, “a discriminação perpetua na sociedade”,
de um Casal Branco”, “por medo do agressor”), por exemplo.
“intolerância ao povo negro”). Nessas passagens textuais, obser-
No que diz respeito à variável relação, realizada pela vamos os efeitos de sentido provocados pela assunção da posição
metafunção interpessoal, destacamos as relações estabelecidas do aluno no texto a partir do emprego do recurso linguístico de
entre os participantes da interação. Em A e B, os participantes modalização do discurso (“É evidente que a discriminação per-
das situações de interação são os autores dos textos (estudan- petua na sociedade desde os primórdios da escravidão”, “Certa-
tes da EB) e os leitores-alvo, a preceptora e o residente, como mente há uma diferença nos casos de racismo contra pretos(as),
também o público em geral, considerando uma possível expo- com os casos de preconceito as demais camadas sociais”). Outro

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

aspecto que chamou a nossa atenção foi a linguagem avaliativa entanto optamos, para esta análise, por manter a originalidade
que aparece carregada de apreciações e julgamentos representados dos textos dos alunos. No momento dessa escrita, a nossa preo-
por expressões depreciativas e/ou qualificadoras (“jovem negro”, cupação inicial foi promover a apropriação do gênero pelo aluno
“povo negro”, “injúria racial”, “injusta acusação de furto”, “país a partir da compreensão da função social do texto, assim como
miscigenado”, “sociedade mais justa e resistente”). a apreensão dos objetivos do locutor e do interlocutor na dada
interação. Posteriormente, todos os alunos seriam orientados a
Na produção textual do aluno B, a inscrição do aluno no texto
realizar as adequações linguísticas dos textos.
também é projetada por meio do uso da 1ª pessoa do plural (“nossas”,
“temos”, “possamos”, “nossa”) e da violência doméstica contra a Para a elaboração dos artigos de opinião, principalmente,
mulher (“existe várias formas de violência”, “medo do agressor”, na parte referente à exposição de pontos de vista, verificamos
“temos que denunciar”). A utilização da 1ª pessoa do plural (nós) que os discentes da EB recorreram aos elementos metafuncionais
na construção dos textos permite que os autores estabeleçam uma textuais, Tema e Rema, para estabelecer a progressão do texto. O
conexão mais profunda com os leitores, bem como que os convide tema é o assunto a ser tratado na mensagem, já o rema é o que se
para uma reflexão conjunta acerca dos temas abordados. Nesse diz sobre o tema, seu desenvolvimento (GOUVEIA, 2009). Esses
sentido, quando eles optaram por se colocarem de maneira ativa aspectos pertencentes à metafunção textual podem ser notados
nos textos, deduzimos que haviam compreendido a variável relação nas passagens a seguir dos textos A e B, respectivamente: “a
e seu funcionamento, já que essa é uma estratégia para dialogar de democracia (tema não marcado) é capaz de aniquilar o racismo
forma mais próxima com o público leitor. (rema)”, “A violência (tema não marcado) está cada vez mais
presente em nossas vidas (rema)”.
O modo (linguagem utilizada), constituído por meio da
metafunção textual, foi empregado seguindo as particularida- Após a constatação de que os estudantes compreende-
des do texto. Nessa perspectiva, tanto o Aluno A quanto o B ram a noção geral do texto a partir da ideia de identificação
desenvolveram o texto de forma verbal escrita, numa linguagem das variáveis contextuais campo, relação e modo, passamos a
constitutiva e modo de organização argumentativo-expositivo. destacar os aspectos estruturais das produções escritas analisa-
Observemos alguns exemplos de linguagem que indicam a das. O título é um elemento essencial para qualquer texto, haja
variável modo nas duas produções. Em A, temos “vivemos em vista sua conexão imediata com o assunto retratado. O Aluno A
um país”, “suas veias abertas”, “não podemos”; e, em B, “nos- optou por uma expressão criativa, fazendo menção a um racismo
sas vidas”, “temos que denunciar”, “possamos acabar”, “nossa escancarado (“Ás veias abertas do racismo Brasileiro”) presente
sociedade”, “seus medos”. A linguagem, apenas em partes das na sociedade brasileira. Em contrapartida, o Aluno B escolheu
produções escritas, obedeceu ao vocabulário padrão da LP, sendo uma palavra mais genérica, de significado amplo (“Violência”),
necessária a adequação de alguns trechos à norma linguística, no o que não deixa seu tema claro o suficiente para o público, pois

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

existem diferentes modos de violência com tipificação instituída. da escravidão (“a discriminação perpetua na sociedade desde os
O termo “Violência” empregado de forma generalizada não primórdios da escravidão”), são recursos fundamentais para o
remete diretamente à temática do texto, nesse caso, “violência convencimento do leitor e sua adesão ao ponto de vista do autor.
contra a mulher, doméstica”. A argumentação presente em B está vinculada ao fato de as
mulheres não pedirem ajuda por medo do agressor (“nem sempre
Logo após o título, faz-se necessário apresentar a introdução,
as mulheres pedem ajuda por medo do agressor”), ou mesmo por
que tem como função contextualizar o leitor em relação ao tema e
não saberem que estão sofrendo violência, já que muitas vezes ela
apresentar a ideia central do autor. No primeiro texto, o estudante
é psicológica e não física (“Algumas nem sabem que estão vivendo
faz um apanhado sobre o termo “democracia” (“a democracia é o
uma violência psicológica por exemplo”). A questão levantada
regime no qual a desigualdade se faz ausente”), destacando que,
se mostra relevante, tendo em vista a desinformação acerca dos
em tese, ela pode aniquilar o preconceito racial (“a democracia é
tipos de violência doméstica e do pouco amparo recebido pelas
capaz de aniquilar o racismo”), mas, em seguida, evidencia seu
vítimas no momento de denunciar o agressor.
ponto de vista, afirmando que o Brasil é um país miscigenado e
o racismo está estampado (“vivemos em um país miscigenado”). Para finalizar um artigo de opinião, é preciso uma conclu-
No segundo texto, após um feedback pelo residente, houve uma são plausível, ou seja, uma análise final sobre o tópico abordado.
inversão, inicialmente, o aluno aponta sua opinião principal, res- Esse é o momento de realizar um resumo geral das informações
saltando o fato de a violência estar cada vez mais presente na vida apresentadas na introdução e no desenvolvimento do texto. O
das mulheres (“A violência está cada vez mais presente em nossas Aluno A enfatizou que, apesar de todos os tipos de preconceitos,
vidas”), para depois circunstanciar a existência de vários tipos de existe uma grande diferença entre o racismo e as demais dis-
violência (“existe varias formas de violência, física, mental etc.”). criminações sociais, mas que, mesmo assim, devemos acolher
todas as minorias (“há uma diferença nos casos de racismo con-
Outro ponto relevante é o desenvolvimento do texto, pois
tra pretos(as), com os casos de preconceito as demais camadas
nessa parte são apresentados argumentos e afirmações para con-
sociais”). Já o Aluno B destacou que, mesmo tendo medo, as
vencer o leitor de que a exposição do ponto de vista apresentado
mulheres precisam denunciar o agressor, porque essa é a forma
é correta e/ou confiável. O aluno A apontou o caso de Matheus
de combater a violência doméstica (“Mesmo com medo temos
Ribeiro, um jovem negro acusado de furto por um casal branco,
que denunciar”). Ambas as considerações finais se mostram
como um exemplo de racismo sofrido cotidianamente por diversos
válidas, pois retomam a ideia principal e reafirmam as opiniões
brasileiros negros (“A injusta acusação de furto feita ao jovem
dos estudantes frente às temáticas focalizadas.
negro Matheus Ribeiro (...) é mais um caso de injúria racial”).
Essa informação, em companhia com o argumento seguinte de Levando em consideração os contextos situacional e
que a discriminação se perpetua na sociedade desde os tempos cultural em que ocorreram as produções, as primeiras versões

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

dos textos produzidos pelos estudantes foram satisfatórias, pois, pode não ter sido suficiente para uma preparação completa da
mesmo enfrentando condições adversas, os objetivos da proposta turma a ponto de os alunos se sentirem seguros para elaborar
foram, em grande parte, atendidos. Dessa maneira, analisando as o próprio texto. Outro fator nuclear que possibilitou a falta de
exposições dos pontos de vista, percebemos que as concepções estímulo dos alunos foi a ausência do contato presencial com o
de variáveis contextuais contribuíram para o bom desempenho professor na realização da atividade. Consideramos que a comu-
dos alunos na elaboração das versões iniciais dos textos. Desde nicação via Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
a função social da comunicação até as escolhas léxico-gramati- (TDIC) não conseguiu suprir a necessidade dos alunos de dividir
cais efetuadas, todas as sequências textuais elaboradas tiveram o mesmo espaço físico com o docente que, por sua vez, é uma
influência das variáveis campo, relação e modo, reafirmando a figura indispensável no processo de encorajamento do alunado
importância do trabalho realizado na Desconstrução e na Leitura na mediação da aprendizagem.
detalhada do artigo de opinião.

Contudo, é importante mencionar que nem todos os CONSIDERAÇÕES FINAIS


estudantes realizaram as produções escritas requeridas. Muitos
tiveram dificuldades em participar dos momentos síncronos e O estudo realizado evidenciou que as etapas de Descons-
em acompanhar as aulas remotas, principalmente, devido à falta trução e de Leitura detalhada propiciaram a compreensão das
de acesso à internet e à carência de aparelhos digitais (notebook, variáveis contextuais (campo, relação e modo). Tal compreensão
tablet, celular etc.) que possibilitassem suas participações. Já outros serviu de base para a fase de escrita individual, contribuindo dire-
não se propuseram a tentar ou dar continuidade ao que haviam tamente na tomada de decisão dos alunos no momento de realizar
começado a escrever (ou seja, tratava-se de jovens já cansados de escolhas léxico-gramaticais e semântico-discursivas a partir de
fracassar em atividades de produção textual), mesmo tendo todas seus objetivos interacionais, caracterizados num projeto de dizer.
as informações/orientações escritas no RE, bem como períodos
Assim, analisando as produções escritas, identificamos
de disponibilidade do residente para dirimir as dúvidas em rela-
que a finalidade da prática social, de modo geral, foi cumprida.
ção à realização da tarefa de produção textual, por meio da rede
Isto é, as escritas apresentaram e defenderam pontos de vista dos
social WhatsApp. Nessa perspectiva, dos vinte e dois alunos que
alunos-autores, os participantes foram utilizados nos textos para
compuseram a turma, quatro deles não realizaram as atividades
estabelecer relações em prol da dinamicidade e fluidez do texto,
propostas, isso em decorrência dos motivos citados anteriormente.
e a linguagem foi empregada na forma argumentativa tida como
Cabe enfatizar também que, dos dezoito textos recebidos, padrão, seguindo os preceitos tipológicos esperados.
cinco apresentaram conteúdos totais ou parciais retirados da
Observamos ainda que os textos necessitam de outras ver-
internet. Tais fatos demonstraram que a quantidade de aulas
sões para, assim, terem seus conteúdos e formas aperfeiçoados,

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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA ANÁLISE DAS VARIÁVEIS DO CONTEXTO DE SITUAÇÃO PARA EXPOSIÇÃO ...

com base nos feedbacks fornecidos pelo residente. A análise das GOUVEIA, C. Compreensão leitora como base instrumental do ensino da
produções textuais dos estudantes retratou a evidente necessidade produção escrita. In: SILVA, W. R.; SANTOS, J. S.; MELO, M. A. (Org.). Pesquisas
em língua(gem) e demandas do ensino básico. Campinas, SP: Pontes
de inclusão de ações de ensino voltadas à escrita, à reescrita e Editores, 2014.
às práticas de letramento diferenciadas nas salas de aula, assim GOUVEIA, C. Texto e gramática: uma introdução à Linguística Sistémico-
como motivações reais para a realização de tarefas didáticas de Funcional. Matraga - Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da
UERJ. v. 16, n. 24, jun. 2009. 
uso da linguagem. Dito isso, esperamos, com este trabalho, con-
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico:
tribuir com discentes e docentes para o ensino e a aprendizagem
procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório,
de gêneros textuais, proporcionando conhecimentos para além publicações e trabalhos científicos. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1992.
da leitura e da escrita de textos opinativos. LAVILLE, C. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em
ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG,
1999.
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BIRCK, S. L. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense. gêneros. Linguagem: Estudos e Pesquisas. v. 19, n. 2, 2015. Disponível em:
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Educação do Paraná. Paraná: UEOP, v. 1, 2010. Disponível em: <http://www. de 2021.
diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_ MUNIZ DA SILVA, E. C. Leitura e produção de gêneros textuais na escola. In:
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de agosto de 2021. demandas do ensino básico. Campinas, SP: Pontes Editores, 2014.
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LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA

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THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. 2 ed. São Paulo: Cortez
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TOLEDO, R. F.; JACOBI, P. R. Pesquisa-ação e educação: compartilhando
princípios na construção de conhecimentos e no fortalecimento
comunitário para o enfrentamento de problemas. Revista Educação &
Sociedade. Campinas, v. 34, n. 122, p. 155-173, jan/mar. 2013. Disponível
em: <https://www.cedes.unicamp.br/> Acesso em: 04 de abril de 2021.

Vilma Nunes da Silva Fonseca é professora Adjunta III da Uni-


versidade Federal do Norte do Tocantins. Docente da Licencia-
tura em Letras, do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS)
e do Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura
(PPGLLit). É coordenadora do Núcleo de Língua Portuguesa
do Programa de Residência Pedagógica / CAPES. É membro
do “Grupo de Estudos em Sistêmica e Discurso” (GESD/CNPq),
também do Grupo de Pesquisa “Sistêmica, Ambientes e Lingua-
gens (SAL/CNPq) e participa como pesquisadora convidada do
Laboratório de Gramática e Discurso (LabGraDis/UERJ/ FAPERJ).

Magda Bahia Schlee é professora Associada da Universidade


do Estado do Rio de Janeiro e atua na Graduação em Letras e
no Programa de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UERJ.
É coordenadora adjunta do Grupo de Estudos em Sistêmica e
Discurso (GESD/CNPq) e membro dos Grupos de Pesquisa Sistê-
mica, Ambientes e Linguagens (SAL/CNPq) e Semiótica, Leitura
e Produção de Texto (SELEPROT/CNPq). Integra ainda o grupo
de trabalho de Linguística Sistêmico-Funcional da ANPOLL. É

216 217
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA

vice-coordenadora do projeto LabGraDis (Laboratório de Gra- ÍNDICE REMISSIVO


mática e Discurso) contemplado no EDITAL FAPERJ Nº 38/2021.

Vania Lúcia Rodrigues Dutra é professora Associada de Lín-


gua Portuguesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e desenvolve suas atividades docentes nos cursos de gradua-
ção e de pós-graduação lato e stricto sensu do Instituto de
Letras da UERJ. É membro dos Grupos de Pesquisa Sistêmica,
Ambientes e Linguagens (SAL/CNPq) e Semiótica, Leitura e
Produção de Texto (SELEPROT/CNPq). É coordenadora adjunta
do Grupo de Estudos em Sistêmica e Discurso (GESD/CNPq) e
coordenadora do projeto LabGraDis (Laboratório de Gramá-
tica e Discurso) contemplado no EDITAL FAPERJ Nº 38/2021.
A Desconstrução
Acoplamento avaliativo
Acoplamento de ideação E
Afeto Editorial
Afiliação Elementos conjuntivos
Afiliação por Pertencimento Encaixamento
Afiliação por Reprovação Estratificação
Afiliação por Riso Extensão
Alocação
Apreciação F
Figura
C Funções de fala
Ciclo de aprendizagem baseado
em gêneros G
Circunstâncias Gênero
Conjunção Gramática sistêmico-funcional
Construção individual
Contexto de cultura I
Contexto de situação Identidade mestra
Individuação
D Instanciação

218 219
LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL: DESCRIÇÃO E ANÁLISE LINGUÍSTICA Índice remissivo

Interactantes Pedagogia de gêneros da Escola Tema interpessoal V


de Sydney Tema textual Variação semântica
J Persona Tema tópico Variáveis contextuais
Julgamento Processo comportamental Teoria da Afiliação Variável campo
Julgamento de estima social Processo existencial Transitividade Variável modo
Processo material
L Processo metal
Leitura detalhada Processo relacional
Ler para Aprender Processo verbal
Léxico-gramática Projeção
Língua adicional Proposição
Língua de acolhimento Proposta
Linguística sistêmico-funcional
Logogênese R
Realização
M Registro
Metáfora gramatical Relação conjuntiva
Metafunção ideacional Relações conjuntivas causais
Metafunção interpessoal Rema
Metafunção textual
Modalidade S
Modalização Semântica do discurso
Modulação Significado experiencial
Mudança de nível Significado interpessoal
Multimodal Sistema de avaliatividade
Sistema de coesão
N Sistema de modalidade
Nominalização Sistema de transitividade
Notícia Subcultura
Subsistema de Atitude
O Subsistema de Engajamento
Orações encaixadas Subsistema de Gradação

P T
Participantes Tema
Tema ideacional

220 221
Variável relações “A LSF concebe a linguagem, e a língua,
portanto, como um instrumento de interação social. A
língua, para Halliday, é um sistema sociossemiótico à
disposição dos usuários para a construção de significados
a partir das escolhas que nele se fazem. É, assim,
não apenas uma teoria de descrição gramatical, cujos
princípios constituem a Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF), mas também um modelo de análise textual, uma
vez que fornece descrições plausíveis sobre os modos e
as razões pelas quais uma língua varia em função dos
falantes que a utilizam e dos contextos de uso em que
é empregada.”

(As organizadoras)

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