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Curso :Ciências sociais

Prof.: Hippolyte Brice Sogbossi


Aluno: Olavo Matheus Costa Dos Passos
EMAIL: olavomatheus42@gmail.com

Referência
Lévi-Strauss, Claude 1967 (1955) - “A eficácia simbólica”. In: Antropologia
estrutural, pp. 237-265.
O autor analisa nesse capitulo o primeiro grande texto mágico-religioso
publicado por Wassen e Holmer, que lança uma nova luz sobre certos aspectos
da cura xamanística. ele busca colocar em evidencia as implicações gerais
desse texto, mas não na perspectiva linguística ou americanista na qual o texto
foi estudado.
O texto do Wassen e Holmer trata de um encantamento, cuja versão indígena
ocupa dezoito páginas divididas em quinhentos e trinta e cinco versos, coleta
do junto a um velho informante de sua tribo pelo índio Cuna Guillermo Haya.
os Cuna vivem no território da república do Panamá, e Erland Nordenskiöld
lhes dedicou especial atenção, chegando até a formar colaboradores entre os
indígenas. depois da morte de Nordenskiöld que Haya enviou a seu sucessor,
o dr. Wassen, um texto redigido na língua original e acompanhado de uma
tradução em espanhol, que Holmer se encarregaria de revisar cuidadosamente.
“O objetivo do canto é ajudar num parto difícil. Sua utilização é relativamente
excepcional, já que as mulheres indígenas da América Central e da América do
Sul parem com mais facilidade do que as das sociedades ocidentais. A
intervenção do xamã é, portanto, rara, e ocorre em caso de fracasso, a pedido
da parteira” (p.237).
“O canto começa por uma descrição da aflição desta última, sua visita ao
xamã, a saída deste em direção à casa da parturiente, sua chegada e seus
preparativos, que consistem em fumigações de feijões e cacau queimados,
invocações e confecção das imagens sagradas, os nuchu.” (p.238).
“As imagens que são esculpidas em determinadas madeiras, que lhes dão sua
eficácia, representam os espíritos protetores que o xamã emprega como
assistentes, e que pega pela cabeça para levá-los até a morada de Muu, força
responsável pela formação do feto. .” (p.238).
O parto difícil é explicado pelo Muu que extrapola suas atribuições e se apossa
do purba ou “alma” da futura mãe. Por causa disso, todo o canto vai consiste
numa busca pelo purba perdido, que será resposto depois de muitas
peripécias ,como diz o autor, em uma demolição de obstáculos, a vitória sobre
animais ferozes em um torneio grande entre o xamã com seus espíritos
protetores e Muu e suas filhas, com a ajuda de chapéus mágicos cujo peso
elas não conseguem suportar.
Muu é vencida e permite que o purba da paciente seja descoberto e libertado, o
parto, assim, e realizado, e o canto enuncia os cuidados tomados para que
Muu não escape atrás de seus visitantes.
Não é um combate contra a Muu, pois ela é essencial a procriação, mas
apenas contra seus abusos que são corrigidos, e as relações se tornam
amigáveis.
“O termo nele por xamã, o que pode parecer impróprio, já que a cura não
parece exigir nenhum êxtase ou passagem para outro estado por parte do
oficiante. Contudo, o objetivo primeiro da fumaça de cacau é “fortalecer suas
roupas” e “fortalecer” a ele próprio, “torná-lo valente para enfrentar Muu e, mais
importante, a classificação cuna, que distingue entre vários tipos de médicos,
mostra claramente que o poder do nele possui fontes sobrenaturais. Os
médicos indígenas se dividem em nele, inatuledi e absogedi.” “(p.238).
essas duas últimas funções vão se referir a um conhecimento dos cantos e
dos remédios que são adquiridos pelo estudo e que é verificado por exames, a
e o talento do “nele” é dito como inato e vai consistir numa vidência que
descobre imediatamente a causa da doença, ou seja, o lugar do rapto das
forças vitais, específicas ou gerais, pelos maus espíritos, pois o nele é capaz
de mobilizá-los para fazer deles seus protetores ou seus assistentes.
Trata-se, consequentemente, de um xamã, ainda que sua intervenção no parto
não apresente todas as características que geralmente acompanham essa
função. E os nuchu, espíritos protetores que, respondendo a um chamado do
xamã, vêm se encarnar nas estatuetas que ele esculpiu, recebem dele, junto
com a invisibilidade e a vidência, niga, “vitalidade, resistência que fazem deles
nelegan (plural de nele), ou seja, “para servir aos homens”, “seres à imagem
dos homens”, mas dotados de poderes excepcionais. “(p.239).
“O caminho de Muu”, e a morada de Muu não são, no pensamento indígena,
um itinerário e uma morada míticos, mas que representam literalmente a
vagina e o útero da mulher grávida, explorados pelo xamã e pelos nuchu, em
cujas profundezas eles travam o combate de que saem vitoriosos.
Isso se apoia de uma análise da noção de purba, que é, um princípio espiritual
diferente do niga, que não pode ser retirado de quem o possui, é dito que
somente humanos e animais podem o possuem. Plantas e pedras têm purba,
mas não têm niga, os cadáveres e o mesmo para, nas crianças, o niga só se
desenvolve com a idade.
A tradução de niga seria “força vital” e purba “duplo” ou “alma, e não implicam
uma diferença entre animado e inanimado (para os Cuna, tudo é animado),
correspondendo, antes, à noção platônica de “ideia” ou de “arquétipo”, de que
cada ser ou objeto é a realização sensível.
“Talvez seja precipitado sugerir que niga, atributo do ser vivo, resulte da
existência, nele, não de um, mas de vários purba funcionalmente unidos. Mas
cada parte do corpo possui seu purba próprio, e o niga parece de fato ser, no
plano espiritual, equivalente à noção de organismo; assim como a vida resulta
da cooperação entre os órgãos, a “força vital” não seria senão a cooperação
harmoniosa de todos os purba, cada qual presidindo ao funcionamento de um
órgão específico”.(p.240).
Muu e suas filhas, as muugan, são como já indicara Nordenskiöld as forças
que presidem ao desenvolvimento do feto e lhe conferem seus kurngin, ou
capacidades.
O texto não faz, porém, nenhuma menção a esses atributos positivos. Muu
aparece aí como um promotor de desordem, uma “alma” específica que
capturou e paralisou as demais “almas” específicas, destruindo assim a
cooperação que garantia a integridade do “corpo principal” e da qual ele tirava
seu niga.
“O xamã mobiliza os donos dos animais ferozes para guardar o caminho, as
pistas são embaralhadas, estendem-se fios de ouro e prata e, durante quatro
dias, os nelegan vigiam e brandem seus bastões. Muu não é, portanto, uma
força fundamentalmente má, é uma força desviada. ”. (p.240).
Parto difícil é um desvio e é operado pela “alma” do útero, de todas as demais
“almas” das diferentes partes do corpo. Assim que estas estiverem liberadas,
ela pode e deve retomar a colaboração. a ideologia indígena acompanha o
conteúdo afetivo do distúrbio fisiológico,
tal como se pode apresentar, não formulada, à consciência da paciente.
“Para chegarem a Muu, o xamã e seus assistentes devem seguir uma rota, o
“caminho de Muu.
O autor coloca o texto como tendo um caráter original, possuindo um lugar
especial entre as curas xamânicas geralmente descritas.
Em todos os casos, o método terapêutico (muitas vezes eficaz, como se sabe)
é difícil de interpretar.
E quando consiste na repetição de um ritual geralmente muito abstrato, não se
consegue compreender qual poderia ser seu efeito sobre a doença.
É cômodo livrar-se dessas dificuldades declarando que se trata de curas
psicológicas, mas esse termo permanecerá sem sentido enquanto não for
definido o modo como determinadas representações psicológicas são
invocadas para combater males fisiológicos, igualmente bem definidos.
O texto que o Levy Strauss analisa traz uma contribuição excepcional à
solução desse problema. Ele diz ser uma medicação puramente psicológica, já
que o xamã não toca o corpo da paciente e não lhe administra nenhum
remédio, mas, ao mesmo tempo, envolve direta e explicitamente o estado
patológico e seu foco. O canto constitui uma manipulação psicológica do órgão
doente, e que é dessa manipulação que se espera que decorra a cura.
Ele começa estabelecendo a realidade e as características dessa manipulação,
para em seguida buscar seus possíveis objetivo e eficácia.
As preliminares são, ao contrário, muito desenvolvidas, e a descrição dos
preparativos, do equipamento dos nuchu, do itinerário e dos locais é tratada
com grande riqueza de detalhes.
São um procedimento estilístico corrente entre os Cuna, e que se justifica pela
necessidade que povos limitados à tradição oral têm de fixar na memória
exatamente o que foi dito. Contudo, aqui ele não só se aplica às palavras,
como também aos gestos:
Levy Strauss argumenta que A cura começa, com um histórico dos eventos
que a precederam, e certos aspectos, que podem parecer secundários
(“entradas” e “saídas”) são tratados com grande riqueza de detalhes, como se
tivessem sido, por assim dizer, filmados “em câmera lenta”. Essa técnica está
presente em todo o texto, mas é mais sistematicamente aplicada apenas no
início, para descrever incidentes de interesse retrospectivo.
O canto parece ter como principal objetivo descrevê-las e nomeá-las para a
paciente, apresentando-as numa forma que possa ser apreendida pelo
pensamento, consciente ou inconsciente.
Baseados numa mitologia psicofisiológica, a outra numa mitologia psicossocial,
indicada pelo recurso aos habitantes da aldeia.
Se a cura tem de ser “fechada” por procedimentos minuciosos, não é apenas
para prevenir intenções de fuga por parte de Muu, mas também porque sua
eficácia ficaria comprometida caso não apresentasse à paciente.
“A cura consistiria, portanto, em tornar pensável uma situação dada
inicialmente em termos afetivos, e aceitáveis, pelo espírito, dores que o corpo
se recusa a tolerar.” (p.249).
“O fato de a mitologia do xamã não corresponder a uma realidade objetiva não
tem importância, pois que a paciente nela crê e é membro de uma sociedade
que nela crê” (p.249).
Existe um sistema coerente com espíritos protetores e espíritos maléficos,
monstros sobrenaturais e animais mágicos que funda a concepção deles O que
ela não irão aceitar são as dores incoerentes e arbitrárias que constituem um
elemento estranho a seu sistema, mas que o xamã, recorrendo ao mito, irá
inserir num sistema em que tudo se encaixará.
O autor faz um paralelo com a medicina moderna e os conceitos de vírus e
micróbios ou conceitos de monstros na mitologia xamã em relação entre
símbolo e coisa simbolizada, ou entre significante e significado.
“Nesse sentido, a cura xamânica se situa a meio caminho entre nossa medicina
orgânica e as terapêuticas psicológicas como a psicanálise. Sua originalidade
está em aplicar a desordens orgânicas um método muito próximo destas
últimas.” (p.249).
O autor faz uma comparação entre a psicanálise e o xamanismo e ele diz que:
“Em ambos os casos, propõe-se trazer à consciência conflitos e resistências
que até então haviam permanecido inconscientes, seja por terem sido
recalcados por outras forças psicológicas, seja é o caso do parto em razão de
sua própria natureza, que não é psíquica e sim orgânica, ou até simplesmente
mecânica.” (p.250).
Uma ab-reação, que na psicanalise é a experiencia dos conflitos e resistências
se dissolvem ,como acontece na intervenção não provocada do analista, que
surge nos conflitos do paciente pelo duplo mecanismo da transferência ,traços
que são encontrados no xamanismo e o xamã tem um duplo papel, como o
psicanalista que é um ouvinte e o xamã um orador estabelecendo uma relação
imediata com a consciência do paciente .
O xamã é mais que falar o encantamento ,ele é o herói que penetra nos órgãos
ameaçados liderando o batalhão sobrenatural dos espíritos que liberta a alma
cativa, assim fazendo como um psicanalista que encarna um objeto da
transferência, tornando o protagonista real do conflito é experimentado no meio
caminho entre o mundo orgânico e o mundo psíquico.
“A cura xamânica parece ser de fato um exato equivalente da cura
psicanalítica, mas com uma inversão de todos os termos Ambas buscam
provocar uma experiência, e ambas conseguem fazê-lo reconstituindo um mito
que o paciente deve viver, ou reviver. Mas, num caso, é um mito individual que
o paciente constrói com elementos tirados de seu passado e, no outro, é um
mito social que o paciente recebe do exterior e que não corresponde a um
estado pessoal antigo.” (p.251).
Desoille observou, em seus trabalhos sobre sonho acordado, que o distúrbio
psicopatológico só é acessível à linguagem dos símbolos. Em consequência
disso, ele fala com seus pacientes por símbolos, mas que são ainda metáforas
verbais, Sechehaye (1947) vai bem mais longe, e os resultados que ela
conseguiu no tratamento de um caso de esquizofrenia considerado incurável
confirmam plenamente as afirmações acima sobre as relações entre
psicanálise e xamanismo.
“Sechehaye percebeu que o discurso, por mais simbólico que fosse, esbarrava
ainda na barreira do consciente, e que ela só podia atingir complexos muito
profundos com atos.” (p.252).
“A carga simbólica de tais atos os torna aptos a constituir uma linguagem. Na
verdade, o médico dialoga com o paciente, não por meio da palavra, mas por
operações concretas, verdadeiros ritos, que atravessam a barreira da
consciência sem encontrar obstáculos, para levar sua mensagem diretamente
ao inconsciente.” (p.252).
Isso denota a noção de manipulação que o autor diz que é essencial para a
compreensão da cura xamânica
“É a eficácia simbólica que garante a harmonia do paralelismo entre mito e
operações. E mito e operações formam um par, no qual sempre se encontra a
dualidade de médico e paciente. Na cura da esquizofrenia, o médico realiza as
operações, e o paciente produz seu mito. Na cura xamânica, o médico fornece
o mito, e o paciente realiza as operações.” (p.253).
“A analogia entre os dois métodos seria ainda mais completa se admitíssemos,
como Freud parece ter sugerido duas vezes,
que a descrição em termos psicológicos da estrutura das psicoses e neuroses
deva um dia desaparecer, dando lugar a uma concepção fisiológica, ou até
bioquímica.” (p.253).
Para o autor, verificando essa hipótese a cura xamânica e a cura
psicanalítica se tornariam rigorosamente semelhantes e, em
ambos os casos, se trataria de induzir uma transformação orgânica, que
consiste essencialmente numa reorganização estrutural, levando o paciente a
viver intensamente um mito, ora recebido, ora produzido, cuja estrutura
seria, no nível do psiquismo inconsciente análoga àquela cuja formação
se quer determinar no nível do corpo.

“A eficácia simbólica consistiria precisamente nessa “propriedade indutora” que


possuiriam, umas em relação às outras, estruturas formalmente homólogas que
podem se edificar com materiais diversos nos vários níveis do ser vivo,
processos orgânicos, psiquismo inconsciente, pensamento consciente.”
(p.253).

Para Lévi-Strauss, a única diferença entre os dois métodos que sobrevive


Ria à descoberta de um substrato fisiológico das neuroses diz respeito à
origem do mito, num caso reencontrado, como um tesouro individual, e,
no outro, recebido da tradição coletiva.

A negação dos psicanalistas em relação a admição que as constelações


psíquicas que reaparecem para a consciência do paciente possam constituir
um mito, entretanto o autor não duvida dos fatos e da autenticidade, mas ele
pergunta se o valor terapêutico da cura decorre do caráter real
das situações rememoradas, ou se o poder traumatizante dessas situações
proviria do fato de que, no momento em que elas se apresentam, o
sujeito as experimenta imediatamente na forma de mito vivido.
Querendo dizer com isso, que o poder traumatizante de qualquer situação não
pode resultar de suas características intrínsecas, mas sim da capacidade
de certos eventos, surgidos num contexto psicológico, histórico e social
apropriado, de induzir uma cristalização afetiva que se realiza no molde
de uma estrutura preexistente. E essas leis de estrutura são
atemporais.
O autor diz que o conjunto dessas estruturas formaria o inconsciente,
desaparecendo a última diferença entre a psicanálise e o xamanismo. Ele
coloca que o inconsciente deixa de ser o inefável refúgio das particularidades
individuais, o repositório de uma história única,
que faz de cada um de nós um ser insubstituível. Reduz a um termo
com o qual designamos uma função, a função simbólica, especificamente
humana sem dúvida, mas que em todos os homens se exerce segundo as
mesmas leis. Que na verdade se reduz ao conjunto dessas leis.

Se isso estiver correto ele propõe uma distinção mais marcada entre
consciente e inconsciente, do que a psicologia contemporânea propusera
anteriormente.

“Pois o subconsciente, repositório das lembranças e imagens colecionadas no


decorrer de cada vida torna-se mero aspecto da memória; ao mesmo
tempo afirmar sua perenidade e implica suas limitações, já que o termo
subconsciente remete ao fato de que as lembranças, embora conservadas,
nem sempre estão disponíveis”. (p.254).

O autor coloca o como o subconsciente é o léxico


individual no qual cada um de nós acumula o vocabulário de sua história
pessoal, mas que tal vocabulário só adquire sentido, tanto para nós mesmos
quanto para os outros, na medida em que o inconsciente o organiza
de acordo com suas leis, transformando em um discurso.

“Essa forma moderna da técnica xamânica que é a psicanálise


retira suas características específicas, portanto, do fato de a civilização
mecânica não haver mais lugar para o tempo mítico, a não ser no
próprio homem.” (p.255).
dessa constatação, A psicanálise pode retirar uma confirmação
de sua validade e, ao mesmo tempo, a esperança de aprofundar
suas bases teóricas e alargar a compreensão dos mecanismos de sua eficácia,
por intermédio de um confronto de seus métodos e objetivos com
os de seus grandes predecessores, os xamãs e os feiticeiros.

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