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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF/CAMPOS DOS

GOYTACAZES

BEATRIZ LUMBRERAS DELLATORRE


GUILHERME GIESTA FIGUEIREDO
JANDERSON CARLOS LOCATEL DE SOUSA
MATHEUS DE OLIVEIRA TINOCO

Resenha de Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande


Uma óptica dos métodos etnográficos de Evans-Pritchard

Bom Jesus do Itabapoana - RJ


2016
Resenha de Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande . Uma óptica dos
métodos etnográficos de Evans-Pritchard

E. E. Evans-Pritchard, Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande, Editora: Jorge


Zahar Editor, 2004

A obra de E. E. Evans-Pritchard, Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande, foi


publicada pela primeira vez em 1937, e foi resultado de uma extensa pesquisa realizada
na África Central durante a década de 1920. Nela Evans-Pritchard demonstra que o
antropólogo estuda aquilo que encontra na determinada sociedade que escolheu estudar,
ele não tinha interesse por bruxaria, mas os Azande sim. Eles acreditam que a feitiçaria
não é algo externo, ela é uma substância física encontrada em seus corpos e que pode
ser identificada após a morte. Para os Azande os bruxos herdam a feitiçaria, mas ela
pode ser latente, ou seja, uma pessoa pode ser bruxa e não saber, dessa maneira não se
pode ter certeza sobre quem é bruxo ou não. A bruxaria não é livre, ela possui regras e
limtes que os cidadãos não podem ultrapassar e possuem consciência da efetividade dela
perante alguns assuntos. Ela só pode ser realizada com pessoas próximas umas das
outras, seja geográfica ou hierarquicamente. Pessoas de condições sociais diferentes e
moradores da comunidade que não sejam vizinhos não representam desconfiança de que
praticam bruxaria, quem pratica só é procurado entre vizinhos e entre pessoas de mesma
condição social. Apesar da bruxaria ser explicada fisicamente, ela age
psicologicamente. Sai do corpo para realizar a sua função e retorna ao corpo de quem a
mandou, numa espécie de alma flutuante, logo, todos, menos as crianças que são
consideradas puras, podem ser bruxos.

Evans-Pritchard diz que a questão principal da crença na bruxaria está no fato dela
fornecer uma explicação para infortúnios e uma maneira de combatê-los, mas diz
também que os Azande não desprezam as causas físicas. O autor narra um fato sobre
nativos que descansam sob um celeiro durante uma tarde quente. O celeiro acaba
desabando sobre eles, levando a suas mortes. Os Azande sabem que o celeiro desabou
porque os cupins roeram a estrutura que sustentava a construção, e que provavelmente
as pessoas estavam lá porque era o período mais quente do dia e o local poderia parecer
bastante confortável para se estar naquele momento. Na visão “ocidental” não haveria
nada de comum entre esses dois fatos, além de uma coincidência, mas para os Azande o
que aconteceu foi bruxaria. Eles pensam no porque essas duas cadeias de
acontecimentos tinham que coincidir logo naquele lugar e naquele determinado
momento e afirmam que aquilo foi bruxaria. O acaso não se pode combater, mas pode-
se combater os bruxos. A bruxaria explica o infortúnio e permite que se repare o
embruxado. Divindades consultadas e que expressam uma verdade incontestável
permitem que a vítima encontre o causador do seu infortúnio, essas divindades são os
oráculos, e o causador dos infortúnios geralmente é um inimigo, um invejoso ou algum
desafeto da vítima. No povo Zande os oráculos e adivinhos são buscados para esclarecer
dúvidas ou orientes em tomadas de decisões importantes, os oráculos, porém, só são
consultados em casos importantes.

Evans categorizou os oráculos em três grupos: oráculos de veneno, oráculos de


térmitas e oráculos de atrito; e os diferenciando pelos seus níveis de confiabilidade e
pelos seus métodos de reposta. Dentre os oráculos o mais importante é o de veneno, ele
é procurado nos casos mais graves (doenças capazes de resultar em morte, por
exemplo). Uma série de nomes de pessoas do círculo de relações do atingido é
apresentada, até que se chegue ao acusado, ou aos acusados. Ministra-se então uma dose
de veneno a uma galinha, após isso é feita uma pergunta que é respondida pela morte ou
pela sobrevivência da galinha. Feito isso não resta defesa ao bruxo, somente uma
reparação a vítima ou a sua família.

Os adivinhos têm como função localizar a ocorrência de bruxaria e alertar as


pessoas para tomar cuidado. Porém, eles não se isentam da possibilidade de serem
bruxos, devido a isso eles são tratados com respeito e cuidado, para que suas ações não
se virem contra as pessoas que os consultam. Todavia, existem pessoas entre os próprios
Azande que os consideravam charlatões que buscavam lucrar às custas de falsas
previsões. Uma forma de teste a veracidade do adivinho era conferir suas respostas com
as de um oráculo. Caso suas previsões estivessem de acordo com as do oráculo, ele
poderia ser elogiado por estar profetizando como um oráculo, porém um adivinho
jamais chega ao nível de um oráculo.

A crença zande é representada por três pontos fundamentais, a bruxaria, os


oráculos, e a magia. A magia permite a cura da vítima, além de também permitir a
vingança, descobrir e matar o bruxo.
“Assim, a morte evoca a noção de bruxaria; os oráculos são consultados para
determinar o curso da vingança; a magia é feita para executar essa vingança; os
oráculos decidem se a magia executou a vingança; depois da tarefa cumprida, as
drogas mágicas são destruídas” (p. 228).

Mas não é somente quando se está procurando vingança que existe a consulta ao
oráculo. A consulta pode ocorrer a qualquer momento quando um homem pode
perguntar a um oráculo de sua confiança se existe algum “embruxamento” que pode
prejudicar algo que esteja em seus planos para o futuro. Isto vale para atividades que
vão desde viagens até casamentos. Essas consultas podem gerar resultados capazes de
impor comportamentos que serão seguidos e atividades que serão realizadas, mas
também podem fornecer meios para fugir de alguma coisa que não se queira fazer, para
isso é comum mentir dizendo que o oráculo foi consultado e expressou uma resposta
negativa para determinada atividade. Sendo assim, de certa maneira Evans-Pritchard
contribui para desconstruir ideias então vigentes acerca da “racionalidade” dos nativos,
pois eles são desenvoltos o bastante para usar a autoridade de um mecanismo
socialmente reconhecido para ajuda-los nos seus interesses pessoais.

Para Evans-Pritchard o conjunto de crenças dos Azande tem a função primordial de


garantir o funcionamento adequado da sociedade.

“A crença na bruxaria é um valioso corretivo contra impulsos não caridosos, porque


uma demonstração de mau humor, mesquinharia ou hostilidade pode acarretar sérias
consequências. Como os Azande não sabem quem é ou não é bruxo, partem do
princípio de que todos os seus vizinhos podem sê-lo, e assim cuidam de não os ofender
à toa” (p. 81)

Essas crenças místicas são o ponto principal que explica quase todos os conflitos
que surgem entre os Azande, ao mesmo tempo que apresenta as ferramentas para a sua
resolução. Com isso, é pertinente comentar que talvez seja possível que a bruxaria tenha
como uma de suas “funções” principais atuar como “força conservadora”, controlando
as tensões e garantindo a manutenção do equilíbrio na estrutura social.

Esta é uma importante obra no debate sobre a “cultura da racionalidade”. No fim de


sua obra, Evans-Pritchard reapresenta um dos propósitos principais do livro, e toma
posição em relação a uma questão central da antropologia, que é a racionalidade das
práticas e crenças dos povos não ocidentais.

”Estou ciente de que minha análise da magia zande sofre de certa falta de
coordenação. O mesmo se aplica à magia zande. Os ritos mágicos não formam um
sistema coerente e não há nexo entre um rito e outro. Cada um é uma atividade isolada
de modo que eles todos não podem ser descritos de forma ordenada. [...] Com efeito, ao
considerá-los juntos conferi-lhes uma unidade por abstração que não possuem na
realidade. Espero ter persuadido o leitor de uma coisa — da consistência intelectual
das noções azande. Elas só parecem inconsistentes se dispostas como se fossem objetos
inertes de museu. Quando vemos como um indivíduo as emprega, podemos dizer que
são místicas, mas nunca que são acionadas de forma ilógica ou acrítica. ” (p. 225).

Analisando a obra de Evans-Pritchard observamos que na realização de sua


análise etnográfica ele limita-se apenas a observação e a descrição, segundo a sua
perspectiva, das práticas e crenças dos Azande, não se envolvendo, assim, plenamente
com o seu objeto de análise. Por ser aluno de Malinowski ele herda dele essa postura
mais distanciada do etnógrafo em relação ao seu objeto de estudo, que procurava uma
objetividade maior na análise, pautada por uma observação metódica e afastada do
sentimentalismo. Além disso, sua análise do povo Zande estava pautada em uma
perspectiva eurocêntrica e funcionalista, buscando entender as funções e os pontos de
racionalidade na prática e crença na magia e bruxaria entre os Azande. Criticando essa
visão da etnografia clássica, Jeanne Favret-Saada, antropóloga contemporânea, afirma
que o etnógrafo não deve ficar somente na observação das crenças, costumes e rituais e
depois relatá-los em seu diário para a partir de aí tirar suas conclusões. Para ela, é
preciso “ser afetado” por seu objeto de estudo, envolver-se de uma maneira que a
divisão etnógrafo-objeto desapareça, tornando-se parte daquilo que você está
analisando. Pois somente assim o etnógrafo conseguirá obter informações e relatar
experiências que de forma alguma ele conseguiria realizar limitando-se apenas à
observação e à análise sistemática no seu estudo. Jeanne afirma “como exemplo” que
em seu estudo sobre feitiçaria no Bocage Francês os nativos só falaram a respeito da
feitiçaria com ela a partir do momento que pensaram que ela havia sido “pega” pela
feitiçaria. Mostrando assim que deixar-se ser afetado é muito útil, para não dizer
essencial no trabalho de campo.
O pensamento cético de Evans-Pritchard em relação a magia e bruxaria entre os
Azande atrapalha o leitor a compreender a crença desse povo, e não propõe a ele a visão
do próprio povo Zande. Ele acaba fazendo com que o leitor questione e julgue as
práticas e crenças dessa cultura, o que certamente não é trabalho de um antropólogo,
uma vez que ele deve buscar a compreensão de seu objeto de análise e não o seu
parecer.

Referências Bibliográficas

EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande.


Jorge Zahar Editor, 2004.

FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser Afetado”. In: Cadernos de campo, n. 13, 2005.

MALINOVSKI, Bronislaw. Os Argonautas do Pacífico Ocidental. In: Ethnologia,


N.S., n. 6-8, pg. 17-37, 1997.

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