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GOYTACAZES
Evans-Pritchard diz que a questão principal da crença na bruxaria está no fato dela
fornecer uma explicação para infortúnios e uma maneira de combatê-los, mas diz
também que os Azande não desprezam as causas físicas. O autor narra um fato sobre
nativos que descansam sob um celeiro durante uma tarde quente. O celeiro acaba
desabando sobre eles, levando a suas mortes. Os Azande sabem que o celeiro desabou
porque os cupins roeram a estrutura que sustentava a construção, e que provavelmente
as pessoas estavam lá porque era o período mais quente do dia e o local poderia parecer
bastante confortável para se estar naquele momento. Na visão “ocidental” não haveria
nada de comum entre esses dois fatos, além de uma coincidência, mas para os Azande o
que aconteceu foi bruxaria. Eles pensam no porque essas duas cadeias de
acontecimentos tinham que coincidir logo naquele lugar e naquele determinado
momento e afirmam que aquilo foi bruxaria. O acaso não se pode combater, mas pode-
se combater os bruxos. A bruxaria explica o infortúnio e permite que se repare o
embruxado. Divindades consultadas e que expressam uma verdade incontestável
permitem que a vítima encontre o causador do seu infortúnio, essas divindades são os
oráculos, e o causador dos infortúnios geralmente é um inimigo, um invejoso ou algum
desafeto da vítima. No povo Zande os oráculos e adivinhos são buscados para esclarecer
dúvidas ou orientes em tomadas de decisões importantes, os oráculos, porém, só são
consultados em casos importantes.
Mas não é somente quando se está procurando vingança que existe a consulta ao
oráculo. A consulta pode ocorrer a qualquer momento quando um homem pode
perguntar a um oráculo de sua confiança se existe algum “embruxamento” que pode
prejudicar algo que esteja em seus planos para o futuro. Isto vale para atividades que
vão desde viagens até casamentos. Essas consultas podem gerar resultados capazes de
impor comportamentos que serão seguidos e atividades que serão realizadas, mas
também podem fornecer meios para fugir de alguma coisa que não se queira fazer, para
isso é comum mentir dizendo que o oráculo foi consultado e expressou uma resposta
negativa para determinada atividade. Sendo assim, de certa maneira Evans-Pritchard
contribui para desconstruir ideias então vigentes acerca da “racionalidade” dos nativos,
pois eles são desenvoltos o bastante para usar a autoridade de um mecanismo
socialmente reconhecido para ajuda-los nos seus interesses pessoais.
Essas crenças místicas são o ponto principal que explica quase todos os conflitos
que surgem entre os Azande, ao mesmo tempo que apresenta as ferramentas para a sua
resolução. Com isso, é pertinente comentar que talvez seja possível que a bruxaria tenha
como uma de suas “funções” principais atuar como “força conservadora”, controlando
as tensões e garantindo a manutenção do equilíbrio na estrutura social.
”Estou ciente de que minha análise da magia zande sofre de certa falta de
coordenação. O mesmo se aplica à magia zande. Os ritos mágicos não formam um
sistema coerente e não há nexo entre um rito e outro. Cada um é uma atividade isolada
de modo que eles todos não podem ser descritos de forma ordenada. [...] Com efeito, ao
considerá-los juntos conferi-lhes uma unidade por abstração que não possuem na
realidade. Espero ter persuadido o leitor de uma coisa — da consistência intelectual
das noções azande. Elas só parecem inconsistentes se dispostas como se fossem objetos
inertes de museu. Quando vemos como um indivíduo as emprega, podemos dizer que
são místicas, mas nunca que são acionadas de forma ilógica ou acrítica. ” (p. 225).
Referências Bibliográficas