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TANGARA'I : UMA JEROKY DE FORTALECIMENTO DO CORPO E ESPÍRITO

MBYÁ
1) DISCURSO MÍTICO, CORPO E ESPIRITUALIDADE
2) ESPECIFICIDADES DA DANÇA DO TANGARÁ SEGUNDO
BIBLIOGRAFIA
5.1 RELATOS SOBRE OS MOVIMENTOS, A ORIGEM DO NOME E SUA
RELAÇÃO COM O PÁSSARO
5.2 ARA PYAU (NO TEMPO NOVO): UMA COMEMORAÇÃO À
RENOVAÇÃO DA VIDA
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS

1) INTRODUÇÃO

Este artigo consiste em um balanço bibliográfico de estudos antropológicos


recentes sobre a dança nos rituais Mbyá (Menezes (2004); Stein (2009; Macedo (2004);
Silveira (2011); Soares (2016); e Santos (2017). Como é resultado também de pesquisa
documental em arquivos audiovisuais1 sobre as danças e cantos rituais Mbyá e seus
respectivos discursos sobre corpo e espiritualidade e que envolvem aspectos míticos de
sua cosmologia. Pretende-se, então, dar voz ao discurso nativo trazendo à discussão
referências de estudos cuja temática é indígena e feita pela grupo autointitulado
“Pesquisadores Indígenas” (Kerexu, 2013; Pesquisadores Indígenas, 2015).

O objetivo específico aqui é investigar a partir da bibliografia o lugar das danças


e dos cânticos na manutenção da cultura e ao mesmo tempo do, por assim dizer, corpo
Guarani Mbyá, analisando primordialmente os aspectos ligados à saúde: corporeidade,
enquanto formas (técnicas) de manejar e manter o corpo; cura, no sentido de terapia; e
adoecimento, experienciado mental e fisicamente. Para uma melhor apreensão do tema,
busca-se refletir sobre dança, ainda, como um espaço de educação física coletiva que
logra ser um ritual de aprendizagem/ensino, logo, transformação concreta no corpo via
saberes vivenciados (EFICÁCIA SIMBÓLICA??; E SÍMBOLOS TURNER; ??). Em
última análise, pretende-se trazer referências que tocam na relação entre o discurso
mítico Mbyá e seus cantos e danças, para compreender de que forma se dá a questão da
manutenção do corpo e da espiritualidade na cosmologia Mbyá.

1
O nome e fonte dos arquivos?
Como escolha metodológica, optou-se pelo aprofundamento em apenas uma
modalidade de jeroky (dança), dentro de entendimento de que é impossível dar conta
dos múltiplos significados das variedades de dança Mbyá. A modalidade a ser
aprofundada aqui neste artigo será a tangara’i ou, a dança do tangará. A dança do
tangará, propriamente dita, é uma “iniciação dos movimentos de agilidade dos corpos”
inspirada nos movimentos do pássaro Tangará (Chiroxiphia Caudata), um dos animais
sagrados mais representativos na cosmologia Guarani (2015: 21). Segundo sua
mitologia, o pássaro Tangará tem o papel de guardião dos xondaro e é ainda aquele
quem ensina a andar na mata (KEREXU, XX). Por sua vez, a dança do xondaro é a
dança ritual de preparação dos guerreiros. O pássaro que ensina a agilidade, a defesa e o
combate.

A dança do tangará é considerada uma iniciação a prática da dança em si


própria. Ela é a primeira forma a qual os Mbya são expostos e tem papel relevante nas
práticas diárias. Seus movimentos ajudam a ter contato com outras danças como as do
xondáro, pois ao simular a dança coletiva e circular dos pássaros machos, o corpo passa
a adquirir agilidade e leveza através dos ensinamentos de habilidades e disposições
corporais para a luta. Apesar de ser inspirada nos movimentos do pássaro Tangará, a
dança pode misturar coreografias inspiradas em outros pássaros (Macedo, 2010: 8).

É importante destacar aqui a significação ritual dos pássaros na fabricação da


pessoa e na mitologia Mbyá, visto que é um tema que aparece constantemente nos
trabalhos referentes à dança e música guarani. Os pássaros constituem, na mitologia
Mbyá, expressão do sagrado no cosmos que se corporificam e dialogam com os
humanos. Para os Mbyá, vários pássaros sagradas na medida em que são entendidos
expressão de um trânsito de mundos entre “externalidade” e “internalidade”. Através do
seu canto enviam o nhe’e, espécie de mensagem que releva a “espíritos-palavra” (Stein,

2009: 132-133).

A DANÇA ENQUANTO UMA PRÁTICA ARTÍSTICA DE EDUCAÇÃO


COLETIVA: FORTALECENDO A CULTURA, O CORPO E ESPÍRITO MBYÁ.

Os relatos de indígenas contidos na bibliografia para fundamentar a ideia da


dança enquanto uma prática artística de educação coletiva, o que pôde apontar a
complexa dimensão do universo cosmo-sensorial e performático Guarani, revelam as
diversas modalidades de dança e modos de dançar. Esta variabilidade de danças Guarani
pode ser consultada no livro chamado Xondaro Mbaraete – A força do Xondaro (2013),
realizado por pesquisadores indígenas envolvidos no projeto “Pesquisadores Guarani no
Processo de Transmissão de Saberes e Preservação do Patrimônio Cultural Guarani” em
parceria com o Centro de Trabalho Indígena (CTI), o IPHAN e a Comissão Guarani
Yvyrupa (CGY). O livro reúne uma série de vozes indígenas para a composição da
pesquisa sobre os significados do Xondáro, com o objetivo de fortalecer, atualizar,
integrar, articular e valorizar essa expressão cultural entre as diversas gerações de
homens e mulheres guarani (Pesquisadores Guarani, p. 6).

A escolha dos significados dos Xondáro, como uma das referências culturais
Guarani e objeto de pesquisa, pelos próprios indígenas, reflete a importância dada à
prática da dança como uma expressão do conhecimento coletivo. Como o próprio livro
sugere esta “prática viva entre os Guarani” é fruto da construção e da manutenção da
cultura Mbyá, o que se torna elemento estimulador de registro e de difusão desse saber2.
A relação de transmissão entre os saberes para os Mbyá é central na compreensão da
relevância da prática educativa para a performance artística, pois reflete a dimensão
participativa em que estão inseridos. Uma crítica ao mundo dos Juruá (não indígenas)
construída no livro destaca como o conhecimento guarani é transmitido:

“No mundo do jurua o conhecimento se transmite nas


escolas, universidades, é um conhecimento que diz ser
universal. No mundo guarani não tem apenas um jeito
certo de adquirir conhecimento, aprendemos do nosso
modo: observando, ouvindo os conselhos dos xeramoĩ
kuery praticando as atividades e, na maioria das vezes,
os conhecimentos são transmitidos pelas divindades
(nhanderu kuery), porque são elas que nos ajudam e ter
força e saber.
Os nossos conhecimentos sobre xondaro variam muito,
variam de acordo com as regiões ocupadas pelos
guaranis e de acordo com cada um dos conhecedores,
porque cada um tem seu próprio saber e pensamento.
Por isso há diferenças na hora de dançar, uns dançam
mais rápido, outros mais lentamente. Na maioria das
vezes os jurua kuery generalizam todo nosso
conhecimento, por isso estamos tentando mostrar
algumas diferenças que há entre os guaranis nos textos
que elaboramos.” (PESQUISADORES INDÍGENAS,
2013: 17).

2
A crítica feita pelos pesquisadores indígenas é totalmente pertinente, haja vista
todo esforço do mundo ocidental em representar em disseminar a imagem do “índio
genérico”. Para compreender melhor tal comportamento, este artigo busca refletir sobre
o conceito de arte ocidental a partir de Clifford Geertz em sua obra O Saber Local
(2002) onde reconhece as singularidades do conceito de arte em cultura não-ocidentais,
tecendo uma crítica a visão tecnicista e formalista dos estudos ocidentais de estética em
que afirma

“(...) ao meu ver, mais importante, é que só no Ocidente


e talvez só na Idade Moderna, surgiram pessoas (...)
capazes de chegar a conclusão de que falar sobre arte
unicamente em termos técnicos, por mais elaborada que
seja esta discussão, é o suficiente para entendê-la; e que
o segredo total do poder estético localiza-se nas
relações formais entre sons, imagens, volumes, temas
ou gestos.” (GEERTZ, 2002: 144-145)
A premissa conceitual sobre “arte” e “estética” de Clifford Geertz (2002), “a arte
nunca é totalmente intra-estética” (Geertz 2002: 146), neste caso, serve para nos alertar
sobre como os significados das expressões artísticas são resultado da negociação entre
os atores sociais em um contexto específico. Sendo assim, para compreender as formas
artísticas é preciso analisar primeiramente o contexto sociocultural onde fazem sentido
ao lado de outras expressões simbólicas, como a religião, organização social, direito etc,
e isso implica assumir a prática artística enquanto uma expressão da experiência do
mundo em que se vive. Dessa forma, as performances evidenciam os efeitos das práticas
artísticas coletivas no autoconhecimento e manutenção da vida em comunidade. O
relato abaixo dos coordenadores musicais Guarani no CD “Yvy Poty, Yva’á” a partir da
tese de Stein (2009) releva como as práticas artísticas potencializam a preservação da
cultura:

“Para nós Mbyá-Guarani, o canto e a palavra são


desdobramentos da essência divina de Nhanderú, Nosso
Primeiro Pai, criador de tudo que existe. Através do canto e da
palavra nos comunicamos com nossas divindades. O canto é
uma inspiração divina, enviada para nós Mbyá-Guarani através
dos sonhos. O canto tem o poder de curar as pessoas e fortalecer
a vida comunitária. Todos os cantos são repassados às gerações
mais jovens através das cerimônias realizadas na opy, casa
cerimonial (“ a fonte da eterna alegria”). Os cantos e danças
também se constituem em um instrumento de manutenção da
nossa língua, atualizando a tradição oral e a memória do nosso
povo, sendo fundamental na constituição do nosso modo de ser
Mbyá-Guarani” (CD “Yvy Poty, Yva’á” (2009).
TANGARÁ RE ÃNHO

JOGUERO GUERO JAJEROJY

XONDARO-I XONDARIA-I

1.Tangará só tu, só tu Deixas mergulhar e dançar Tanto guerreiro quanto guerreira.

2.Tangará apenas tu Danças e cantas conosco Aprendizes de guerreiro e guerreira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GEERTZ, Clifford. Saber Local. Novos Ensaios em antropologia interpretativa. Ed.


Vozes. 2002. Petrópolis.

KEREXU, Maria Cecília Barbosa. A vida do pássaro, o canto e a dança do Tangará.


TCC do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica. Centro
de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de História, Universidade de Santa
Catarina, 2015.

MACEDO, Valéria Mendonca de. Nexos da diferença. Cultura e afecção em uma


aldeia guarani na Serra do Mar. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010.
(a)

________________. Tamõi e xondáro. Vetores diferenciantes na cosmopolítica


guarani. 34º Encontro Anual da Anpocs. ST 28 Redes Ameríndias: Sujeitos, Saberes e
Discursos. 2010. (b)

MONTARDO, Deise Lucy Oliveira. Através do "Mbaraka': música e xamanismo


guarani. 2002. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

PESQUISADORES GUARANI. Xondaro Mbaraete: a força do xondaro. CTI, IPHAN,


CGY , São Paulo, 2013.

SANTOS, Lucas Keese dos. A esquiva do xondaro - movimento e ação política entre os
Guarani Mbyá. Dissertação (Mestre em Antropologia Social). Departamento de
Antropologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2017.

SOARES, Milena Dugacsek. Do Nhamandu Mirim ao Nhe´e Amba: um reestudo


etnomusicológico de um repertório Mbya Guarani. Dissertação (Mestre em
Antropologia). Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas, 2016.

STEIN, Marília Raquel Albornoz. Kyringüé mboraí: os cantos das crianças e a cosmo-
sônica Mbyá-Guarani. Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul. 2009.

Von Held, A. A. Percepção de Saúde na Etnia Guarani Mbyá e a Atenção à Saúde..


Cien Saude Colet [periódico na internet](2008/Dez). [Citado em 29/07/2019]. Está
disponível em:http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/percepcao-de-saude-
na-etnia-guarani-mbya-e-a-atencao-a-saude/3220?id=3220

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