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Psicologia Escolar e Educacional

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Psicol. esc. educ. vol.7 no.1 Campinas June 2003 this article

SUGESTÕES PRÁTICAS

Sexualidade e escola: um espaço de intervenção

Flávia Nunes de Moraes Beraldo1

Unifenas

As sugestões práticas, aqui apresentadas, foram desenvolvidas a partir da


experiência realizada no estágio de Psicologia Escolar na área de orientação
sexual em duas escolas municipais, do ensino fundamental, em uma cidade do
Sul de Minas no ano de 2000, subsidiada pela Prefeitura da mesma . Pôde-se
idealizar este trabalho e ainda verificar a necessidade de que estudos sejam
feitos, visando explorar o tema e desmistificar tabus, preconceitos e estigmas
que são impostos pela sociedade durante sua evolução.

Desde a antigüidade a sexualidade vem gerando polêmicas, mexendo com a


sensação e fantasia das pessoas, associada a coisas feias, inconvenientes e
impróprias. Apesar da revolução sexual, da globalização e dos meios de
comunicação terem contribuído para uma modificação nas atitudes morais e
nas questões ligadas ao sexo e sexualidade, esse assunto ainda assim
continua sendo um tabu.

O estudo da sexualidade envolve o crescimento global do indivíduo, tanto


intelectual, físico, afetivo-emocional e sexual propriamente dito. A maioria dos
pais acham constrangedor conversar sobre sexo com seus filhos, ora pela
educação recebida de seus pais, ora pela repressão ou por não saberem como
abordar o tema. Assim, os filhos na maioria da vezes, ficam sem respostas
para suas dúvidas, gerando conflitos ou acidentes inesperados por terem
informações errôneas ao consultar variadas fontes impróprias.

A maior parte dos adolescentes passam seu tempo na escola onde começam a
se sociabilizar, aflorando sua sexualidade devido ao desenvolvimento corporal
gerado pelos hormônios. A escola é o ambiente onde a interação com o mundo
ao redor e com as pessoas que o cercam acontece. Depois do ambiente
familiar é a escola que complementa a educação dada pela família onde são
abordados temas mais complexos que no diaa- dia não são ensinados e
aprendidos, tendo esta uma imensa responsabilidade na formação afetiva e
emocional de seus alunos.E quanto ao assunto sexo e sexualidade? Qual o
papel da escola frente a esse tema? A escola não deve nem vai tomar o lugar
da família, mas cabe a ela possibilitar uma aprendizagem correta, já que essa
instituição visa o crescimento do indivíduo como um todo.

A educação sexual acontece no seio familiar. É uma experiência pessoal


contida de valores e condutas transmitidos pelos pais e por pessoas que o
cercam desde bebê. Já a Orientação Sexual é dada pela escola onde são
feitas discussões e reflexões à respeito do tema de uma maneira formal e
sistematizada que constitui em uma proposta objetiva de intervenção por parte
dos educadores.

O que nos cabe é refletir acerca da importância da Orientação Sexual na


Escola para a construção da cidadania, de uma sociedade livre de falso
moralismo e mais feliz. O trabalho de Orientação Sexual tem como objetivo
principal as mudanças nos padrões de comportamento, levando-se em conta
três aspectos fundamentais: a transmissão de informações de maneira
verdadeira; a eliminação do preconceito e a atuação na área afetivo-emocional.
Para se fazer um bom trabalho de Orientação Sexual dentro da escola é
importante dar atenção a alguns passos:

a) apresentar um projeto para a instituição com o objetivo do trabalho;


b) fazer uma reunião com os pais e professores para esclarecer quaisquer
dúvidas que possam surgir ao longo do trabalho e explicar o papel de ambos
junto à escola neste projeto;

c) observar a demanda da escola para que se atinja a expectativa desta;

d) a partir das séries estabelecidas para o trabalho entrar em contato com elas
para explicar como este será administrado;

e) colher, por meio de “bilhetinhos sigilosos,” dúvidas e curiosidades de cada


aluno garantindo-lhes total sigilo;

f) após levantar as dúvidas e curiosidades fazer uma estruturação do programa


a ser cumprido em diferentes séries (conteúdo, horário, encontros, local), para
uma maior eficácia;
g) estabelecer um contrato ( regras sugeridas pelo grupo);
h) garantir a ética do trabalho tanto para os alunos como para os professores;
i) garantir a liberdade de opinião e o respeito do grupo pelas dúvidas de seus
colegas, sem monopólio da verdade de ambas as partes.

O primeiro conteúdo indispensável neste trabalho é a diferenciação de sexo e


sexualidade e também de Educação Sexual e Orientação Sexual, que são
muito confundidos na maioria das vezes. O educador de Orientação Sexual
deve ser uma pessoa aberta, livre de mitos e preconceitos referentes à
sexualidade para melhor ministrar a turma sem causar problemas com a
instituição, pais, alunos e professores, podendo abordar os assuntos através
de aulas expositivas, dinâmica de grupo, folhetos explicativos, filmes e outros
materiais referentes ao tema. O trabalho não envolve nota ou reprovação.

1
Psicóloga , Mestranda no Programa de Estudos Pós-graduados em
Psicologia da Universidade São Francisco e docente da Unifenas.

A Sexualidade na Escola

"Educação Sexual" ou "Educação para os Afectos"?

Abordar a sexualidade na escola não é fácil. Devia sê-lo, mas não é. "Falar de
sexualidade é difícil porque imaginamos sempre coisas associadas a ela que nos
levam a ficar com vergonha. Se calhar é por isso que os professores não estão à
vontade para conversar connosco". Quem o afirma é a Mariana, 17 anos,
estudante do 11º ano, que naquela tarde estava sentada com mais dois amigos, a
Cláudia e o Pedro, na escadaria fronteira à escola. Não foi difícil falar com eles.
Pareceram partilhar as suas opiniões com gosto e dizer o que provavelmente
muitas vezes fica por dizer.
O Pedro, um ano mais velho do que a Mariana, acha que aprendeu mais a falar
com os amigos e os colegas sobre os temas que se relacionam com a sexualidade
do que na escola. "Aqui fala-se principalmente dos perigos das doenças
sexualmente transmissíveis, dos métodos contraceptivos e pouco mais". Oculta-
se, na sua opinião, o que por vezes é mais importante: satisfazer a curiosiosidade,
questionar sobre se determinados comportamentos são considerados "estranhos"
ou se "faz mal à saúde" praticar determinado tipo de sexo. "Acho que é como a
Mariana disse: as pessoas talvez tenham vergonha ou achem mais natural falar
disso com os amigos, não sei...".
"Os rapazes deviam saber qual é a sensação de uma mulher ter um filho... Talvez
assim dessem mais valor à maternidade", opina a Cláudia. Apesar de concordar
que passar pela mesma experiência será um pouco difícil, ela pretende
demonstrar que o facto de "eles" desconhecerem o funcionamento biológico da
mulher leva-os, muitas vezes, a adoptarem certos "comportamentos
irresponsáveis".
Há dois anos trabalharam a sexualidade como tema na área-escola. O resultado
parece ter sido encorajador, mas não houve continuidade. "Foi engraçado porque
pudemos pesquisar sobre determinados assuntos e expô-los abertamente aos
outros. Na altura falamos bastante sobre o assunto, mas depois nunca mais o
abordamos", diz a Cláudia. "Foi a primeira vez que soube como realmente
funcionava o aparelho reprodutor feminino, o ciclo da menstruação e outras
coisas. Mas acho que ficou muito por perguntar...", afirma, por seu lado, o Pedro.
Um pouco mais jovens do que os seus colegas - frequentam o nono ano e têm
todos quinze anos -, a Mariana, a Ana e o Domingos estão à volta de uma mesa
do bar jogando cartas. Talvez por isso seja patente a sua apreensão inicial em
falar sobre o assunto. Como é que a educação sexual devia ser abordada na
escola? "Nunca tinha pensado nisso", diz a Mariana - esta de apelido Raquel -,
desviando o olhar para os colegas e soltando um pequeno riso. "Aqui na escola só
aprendi educação sexual nas aulas de Religião e Moral", responde por seu turno a
Ana, que, apesar disso, não hesita em afirmar que já sabe "quase tudo" o que há
para saber.
O Domingos, pelo contrário, considera que devia haver uma hora semanal para
discutir os assuntos ligados à sexualidade. "Às vezes há perguntas que temos
vergonha de fazer aos nossos pais e às quais os amigos também não sabem
responder. Nessa altura dava jeito. Mas não devia contar para avaliação nem ter
faltas", refere.
Os depoimentos recolhidos junto destes alunos de dois estabelecimentos de
ensino do Porto, permitem demonstrar, pelo menos em parte, que a educação
sexual nas escolas é ainda um tema pouco divulgado. Isto, apesar de a educação
sexual se encontrar regulamentada desde 1984, pela lei nº3/84, bem como pela
Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986. O ano passado, as garantias do
direito à saúde reprodutiva foram reforçadas pela Lei nº120/99 e, segundo o Plano
Interministerial para a Educação Sexual e para o Planeamento Familiar, prevê-se
que até 2003 cerca de 90 por cento dos alunos deverá receber formação nas
áreas da sexualidade humana, fisiologia da reprodução, doenças sexualmente
transmissíveis, relações interpessoais e planeamento familiar.
Uma meta tanto mais importante quando se sabe que Portugal é o país da União
Europeia com maior número de mães menores de idade. Apesar deste número ter
vindo a decrescer nos últimos anos, só em 1997, segundo números fornecidos
pelo Instituto Nacional de Estatística, cerca de 2500 adolescentes - entre os doze
e os dezassete anos - foram parturientes, sendo que a larga maioria não retorna à
escola.

Investir na formação dos professores


Apesar de ter uma importante função preventiva, a educação sexual não devia
cumprir um papel meramente informativo. "E o erro está aí, ao continuar a achar-
se que a informação é o mais importante. Não é, porque os adolescentes têm a
informação e não a usam." , diz Emília Costa, psicóloga e professora da
Faculdade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação do Porto. O
mais importante, sublinha, é o "desenvolvimento do indivíduo no respeito por si
próprio e pelo outro". Daí considerar que deva falar-se mais em "educação para os
afectos" - onde, a par com aspectos de ordem prática, se dê particular ênfase às
relações interpessoais - do que reduzir o conceito a "educação sexual".
Mas mais do que orientar-se preferencialmente por uma ou outra abordagem, o
fundamental, defende, é que a escola, desde a pré-primária à universidade, defina
com coerência os objectivos que pretende atingir. Mas as escolas, afirma, "não
têm objectivos e cada professor tende a actuar de forma isolada". "Assim, como é
possível os alunos sentirem-se inseridos num contexto, quando não há uma
identidade própria ou uma estratégia concertada?", questiona-se.
A formação de professores é uma das áreas mais importantes para o sucesso
dessa estratégia. Uma necessidade premente, demonstrado, nomeadamente, pelo
crescente número de pedidos que a Associação para o Planeamento da Família
(APF) tem vindo a receber para formação ou apoio a projectos de educação
sexual nas escolas, inclusivamente nos estabelecimentos do 1º ciclo do ensino
básico, embora nestes com menos frequência. A formação de formadores tem
sido uma das principais apostas da instituição, tanto como meio de suprir a
carência de formadores disponíveis como forma de aumentar a qualidade da
resposta. Paralelamente a estas acções, também as escolas superiores de
Educação e as universidades têm vindo a ser solicitadas no sentido de incluirem
temas de educação sexual e Formação pessoal e Social nos curriculos dos
diversos cursos, quer no que respeita à formação inicial, quer à formação
contínua. ESE's como a de Setúbal ou do Porto, entre outras, começaram já a
organizar formação nesta área.
Seja por falta de preparação ou por desconhecimento de causa, o facto é que
muitos professores continuam a ter dificuldades na abordagem da sexualidade.
Para ilustrar esta afirmação, Emília Costa recorre a um exemplo extremo, mas
bem ilucidador do que pode suceder quando o professor não se encontra
convenientemente preparado para lidar com determinadas situações na sala de
aula. Uma história que, confessa a própria, a chocou bastante: "A meio de uma
aula uma adolescente foi menstruada e não se apercebeu do facto. Os colegas
começaram a rir-se e a professora, ainda jovem, não reagiu de forma positiva,
perguntando-lhe, ao contrário do que seria de esperar, se a mãe nunca lhe tinha
ensinado a andar protegida".
São exemplos como este que levam a psicóloga a concluir que o tipo de
abordagem utilizada não se encontra relacionada com a idade ou com a formação
pessoal de cada docente, mas está dependente, em grande medida, da motivação
e da sensibilidade em relação aos problemas e à forma de lidá-los. Factores,
reconhece, que uma formação adequada pode ajudar a desenvolver. É por isso
que quando um aluno diz um "disparate" na aula, o professor, em vez de o
convidar a sair, devia aproveitar a circunstância para abordar o assunto de uma
"forma educativa", sugere.
"Os professores esquecem-se muitas vezes que são ao mesmo tempo pais. Se
eles pensassem nos alunos nos mesmos termos que os filhos, como reagiriam?
Por outro lado, se se lembrassem do seu período de adolescência, o que faziam, o
que questionavam, os medos e as angústias que experimentaram, concerteza se
sentiriam mais próximos dos sentimentos dos alunos".

Envolver os pais

Mas não devem ser apenas os professores os alvos destas acções de


sensibilização e formação. Os encarregados de educação, enquanto actores
centrais no processo de aprendizagem e da formação pessoal dos jovens, são
também eles confrontados com situações às quais não sabem, por vezes, como
reagir, questionando-se frequentemente de que forma podem ajudar os filhos.
"Não é preciso tirar nenhum curso", refere Emília Costa. "Basta que falem do que
sabem com naturalidade e abertura".
Neste sentido, a Associação de Pais da Escola Secundária da Maia, desenvolve,
desde final de 1998, diversos programas de sensibilização para as questões da
adolescência, de entre os quais se destaca uma acção de formação destinada
exclusivamente aos encarregados de educação. "Elos de Intimidade", assim se
chama a iniciativa, leva, uma vez por semana, os pais de três turmas do oitavo
ano daquela escola a encontrarem-se para debater os mais variados temas
ligados à sexualidade, recebendo formação, entre outras vertentes, na área da
comunicação com os filhos.
"Pretendemos principalmente que os laços de comunicação sejam facilitadores da
relação entre pais e filhos", refere Luísa Costa, presidente da Associação de Pais
e dinamizadora da iniciativa. A taxa de participação não é muito elevada - cerca de
trinta por cento do total de encarregados de educação assistem às reuniões -, mas
esse não é um aspecto que a preocupe. "Não nos interessa formar grandes
grupos porque não seguimos uma estratégia do tipo explanativa, apostamos mais
na dinâmica de grupo, lançando questões que são posteriormente discutidas entre
todos".
Partindo da sua experiência, Luísa Costa diz que a sexualidade continua a ser um
tabu, seja a nível pessoal, seja na relação entre os casais. "Como não o havia de
ser entre pais e filhos?", pergunta-se. Mas o trabalho parece estar a desenvolver
frutos. Após três encontros, Luísa Costa afirma que a evolução deste grupo foi
extraordinária. "Já há uma ligação mais forte entre os participantes, as pessoas
falam abertamente, gracejam... houve inclusivamente quem me pedisse para levar
as irmãs, as cunhadas ou os amigos. E isto demonstra a vontade dos pais
quererem aprender mais para saber como lidar com os respectivos filhos".
Um exemplo, entre tantos outros que se começam a generalizar, indispensáveis
para mudar as mentalidades dos adultos e daqueles que ensinam as crianças. "A
sociedade portuguesa ainda está muito virada para si própria. Ainda se acredita
que ser pai e mãe é qualquer coisa de instintivo e natural, mas é uma das tarefas
mais difíceis com que o ser humano é confrontado", refere, por seu lado, Emília
Costa. Daí considerar que uma boa parte do trabalho deva ser desenvolvido juntos
dos adultos, pais e sociedade em geral, tentando alterar valores que já não se
adaptam à actual forma de vivência dos adolescentes: "Somos regidos por valores
paradoxais e queremos que os jovens os assumam".

Ricardo Jorge Costa

Alguns títulos sobre o tema

"Amo-te"
Francesco Alberoni, Venda Nova, Bertrand, 1996

"Madrugada de Lágrimas - Depressão na Adolescência"


Dulce Bouça, Porto, Edinter, 1997

"Mais do que Amigos - Tudo o que queres saber sobre


amor e sexualidade"
Sanderijn Van der Doef, Porto, Edinter, 1996

"Os Amantes, os Maus e os Outros"


Shere Hite e Kate Colleran, Venda Nova, Bertrand, 1992

"Menina e Moça - A construção Social da Feminilidade"


Teresa Joaquim, Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, 1994

"As Árvores de Deus e as suas Flores -


Psicologia Social das Relações Amorosas"
António Manuel Marques, Lisboa, ISCTE, 1996

"Vozes e Ruídos - Diálogos com Adolescentes"


Daniel Sampaio, Caminho, 1993

"Sexo para adolescentes"


Marta Suplicy, Porto, Afrontamento, 1994

"Educação Sexual na Escola"


Júlio Machado Vaz, Duarte Vilar, Susana Cardoso
Lisboa, Universidade Aberta, 1998

A Escola e a Sexualidade (GLTTB)


por Roberto Warken

Primeiro e Segundo Graus


Eu afirmo que, com raríssimas exceções, o corpo docente de muitas
escolas não está devidamente preparado para lidar com a temática -
Educação Sexual -, ao menos no que está prescrito em forma
paradigmática, de modelo, nos chamados Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN.

Os PCN descrevem a disciplina de Educação Sexual (que lá é


denominado por Orientação Sexual, com o qual este autor não concorda)
numa perspectiva transversal, o que impele a que todas as demais
disciplinas ditas fixas, como matemática, português, história, etc.
tenham que contê-la, de alguma forma. Assim, teríamos, por exemplo,
textos na disciplina de português, que poderiam ser pesquisados pelos
alunos e alunas, que contivessem temáticas ou algum substrato ligado a
sexualidade para que, em sala de aula, a/o professora/r demonstrasse
como historicamente "as palavras" são constituídas de teor erótico,
sexual; na sua métrica, na poética, descrições, narrações, etc.

Na geografia teríamos, no que se refere a geografia política, por


exemplo, a etno-geografia, que trataria de aspectos regionais e
culturais da sexualidade constituídas na relação que as pessoas têm com
o ethos, com o espaço biodiverso em que elas estão inseridas. A partir
daí, por exemplo, a professora de história poderia juntar estas duas
informações e mostrar como a sexualidade distingue-se no que diz
respeito a questão tempo-espaço-simbologia, códigos sociais e, como
isso se deu no encontro de pessoas pertencentes a diversos grupos.
Como os códigos de conduta sexuais passaram de geração a geração, de
cultura a cultura, apenas para refletir com os/as alunos/as.

Nas ciências, no caso da biologia, por exemplo, a sexualidade ainda


restrita a terminologias que remetem a função reprodutiva dos órgãos
genitais. Aparelho reprodutivo masculino, aparelho reprodutivo feminino,
são expressões ainda muito encontradas em livros didáticos, por
exemplo. E, na verdade, estes são aparelhos sexuais que, além de se
prestarem a reprodução, podem se prestar ao prazer, ao desejo. Mas, o
prazer, assim como o desejo, não são tratados na biologia. Porque?

De que forma se pode tratar sobre sexualidade no universo da ciência


matemática, da física, da química? Um bom experimento matemático em
relação a sexualidade ou ao sexo é, por exemplo, trabalhar com as
formas poligonais do corpo; a física poderia tratar de como o corpo
humano sofre com a gravidade terrestre e a química, com as reações
que se produzem no organismo humano quando um adolescente tem
sua corrente sanguínea inundada por hormônios sexuais.

O corpo docente, sob uma direção eficaz, poderá sempre produzir um


plano político pedagógico para a escola que não somente trate da
sexualidade sob os aspectos primários, como a morfofisiológica humana,
os desejos e as atrações sexuais. Mas, há os aspectos éticos e morais
que devem fazer parte da grade curricular. Assim, por exemplo, não se
pode falar de sexualidade sem que se tenha em mente que este aspecto
está diretamente ligado a outros como o respeito a diversidade sexual, a
diversidade de desejos sexuais, a diversidade de orientações sexuais,
cidadania, a diversidade de expressões do afeto, apenas para citar
alguns pontos. Como, de acordo com o conjunto de valores morais,
incluímos e excluímos as pessoas, as enquadramos,
comportamentalizamos, definimos, esquadrinhamos, etc. Mas, tudo isso
tem a ver com a estrutura social onde está incluída esta escola, que tipo
de currículos e bibliografias construímos e com que propósitos: de
manter o que está hegemonicamente estabelecido ou, numa direção que
permita a reflexão, a pesquisa, o encontro de novas respostas para as
mesmas questões?

Como são as brincadeiras na escola? Até onde estas brincadeiras não


estão carregadas de sexualidade,ou sensualidade? Como é a arquitetura
da escola, dos banheiros da escola, ...Como são dispostas as carteiras
em sala de aula? Qual é o nível de relação de poder que se estabelece
entre as diversas hierarquias: direção, colegiado, administrativos e
serviços gerais? Que relações as secretarias estabelecem com essas
escolas, sejam elas municipais, estaduais ou particulares?

Até onde a escola é o espaço propiciador para a reflexão emancipadora e


libertadora da alienação ou, apenas um aparelho de repetir as mesmas
coisas?

Deve a escola lidar sobre a sexualidade, ou não?


Devem os responsáveis relegar a escola o ensino sobre sexualidade, ou
não?
Se os (as) responsáveis sabem que são limitados (as) quanto ao ensino
sobre sexualidade e não esperam nada da escola, esperam que seus
filhos e filhas aprendam aonde? Na rua?
E, como as escolas vão dar esta formação aos alunos e alunas se
professores e professoras têm sérias dificuldades em abordar estes
temas em sala de aula seja por total desinformação, seja porque ela ou
ele próprio não sabe lidar com sua própria sexualidade; seja porque têm
medo das reações de censura dos (as) responsáveis quanto aos
conteúdos? Como esta escola deverá lidar com alunos (as),professores
(as), pessoal administrativo que seja gays, lésbicas, travestis,
transgêneros ou bissexuais?

Universidades, Faculdades e Congêneres

Em nossa sociedade formamos pessoas com as mais diversas


especializações, ou seja, especialistas em fragmentos do conjunto de
atividades de nossa sociedade. E, há especialistas em fragmentos de
fragmentos dos fragmentos, em quase todas as áreas do conhecimento.
São tantas as subpartições do conhecimento quanto as dúvidas sobre
sexualidade. Isto porque não nos damos conta de que somos em grande
maioria, seres sexuais, seres sexualizados.

As pessoas confundem muito sexo com sexualidade. Principalmente,


confundem o lugar delas. Então eu vou lhes dizer onde elas se
encontram: o sexo fica entre as pernas; a sexualidade, entre as orelhas.
Levamos nossas cabeças e o que temos no meio de nossas pernas às
universidades, e para todas as partes do globo terrestre, quer onde
estejamos, o sexo e a sexualidade estarão lá conosco. Por isso eu lhes
pergunto: porque as universidades insistem em evitar a sexualidade?
Porque o Ministério da Educação pensou que devemos tratar sobre
sexualidade somente na formação pré-acadêmica? Porque não temos
uma Educação Sexual na academia? Porque as especialidades
acadêmicas não incluem as sexualidades já que todo o seu corpo
discente e docente é constituído de pessoas devidamente sexuais?

Se os(as) profissionais que saem das universidades são


dessexualizados(as) e vão trabalhar na formação de crianças e
adolescentes, o sistema hegemônico se retroalimenta e forma novos
imbecis sexuais. Se estes (estas) profissionais vão para instituições ou
empresas, certamente não deixarão de ser imbecis sexuais, e suas vidas
sexuais serão muito difíceis.

Portanto, eis a questão: se grande parte da felicidade das pessoas está


intimamente relacionada com a forma com a qual ela se relaciona com a
sua sexualidade e com a das demais pessoas; se sabemos que grande
parte do sofrimento humano advém de nossa ignorância, dos
impedimentos relacionados ao exercício pleno de nosso desejo afetivo-
erótico-sexual, então porque evitamos isto?

Porque temos tanto receio em aceitar a diversidade sexual humana?


Porque condena-se as crianças em suas incursões sexuais exploratórias?
Porque condena-se gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais
enquadrando-os(as) como "anormais", "de comportamentos anti-
naturais" e depois os (as) colocamos num regime de apartheid, de
segregação, os (as) marcamos socialmente, estigmatizamos e (os) as
crucificamos num ato paradoxal de formação judáico-cristã?

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