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FIDELIDADE ÍNTIMA.................................................................................................................................. 13
PARTICIPAÇÃO SALVADORA.................................................................................................................. 28
A vocação não leva, por si mesma, à realização da Renúncia; é necessária uma resposta da
alma, conseqüente com a sua vocação.
A vocação de Renúncia surge do mais profundo da consciência do ser e, por isso mesmo,
exige uma resposta do ser todo, como unidade.
Esse significado diferente que a realidade interior e exterior da alma assume, mostra-se
como uma necessidade de responder à vida e ao mundo com uma atitude vital, definitiva.
Por isso, as almas com vocação de Renúncia compreendem sua responsabilidade como uma
atitude de vida e não como uma atitude somente.
A alma não faz renúncias exteriores para demonstrar sua vocação nem para alcançar
objetivos espirituais. A renúncia é o seu único modo de vida, já que é expressão de sua
vocação, de sua consciência espiritual, de seu sentido de ser.
A alma não confunde, assim, responsabilidade vocacional com atitudes exteriores. Ela não
pode deixar de ser o que é nem sentir diferente do que sente. Seu modo de viver, suas
A ASCÉTICA DA RENÚNCIA 3/42
atitudes e seus valores são uma consequência dela mesma e não dependem do lugar que
ocupa na sociedade nem do papel que possa desempenhar no mundo.
A vocação de Renúncia não pode ser comparada nem medida com outras vocações
humanas; não é o que se faz: é o que se é.
A vocação de Renúncia, portanto, permanece sempre; não se atenua nem desaparece. Mas a
alma pode responder de um modo ou de outro, de acordo com a sua disposição de assumir a
responsabilidade que não pode eludir, já que esta é uma condição da própria alma.
Anímica, porque a alma está interiormente comprometida pela consciência que tem de suas
possibilidades interiores.
Responsabilidade social, porque sua consciência vocacional a une interiormente com todos
os homens e a move a oferecer sua vida pelo adiantamento da sociedade humana.
Responsabilidade histórica, porque a alma sabe que suas atitudes, sua conduta e seu
desenvolvimento espiritual não podem separar-se do homem e de seu processo de
desenvolvimento; conhece sua localização real dentro da trajetória que a humanidade
percorre através do tempo e compreende as conseqüências que tem sobre a mesma a sua
vocação realizada.
O silêncio é cada vez mais difícil de ser encontrado na vida do homem atual. Ao não
considerá-lo como um valor real, não se o conhece em todos os seus aspectos, em seu
alcance interior, nem os insuspeitáveis frutos que o hábito de silêncio produz na alma.
Se bem que o silêncio exterior seja desejável, nem sempre é possível. A alma de Renúncia,
que sabe não depender o silêncio interior do meio, faz do mesmo um modo de vida.
O movimento natural da alma é do centro para a periferia. O homem fala não somente para
comunicar-se, mas também por uma necessidade natural e inconsciente de projetar-se para
fora.
O hábito de calar ensina a amar o silêncio, tão pleno de significado e riqueza. Não consiste
somente em não falar em demasia, senão que ensina a não depender dos sentidos exteriores,
já que a alma somente se sublima desde dentro.
Como a alma ainda não adquiriu a consciência de sua identidade espiritual, estabelece sua
noção de ser no movimento interior; porém o movimento necessita elementos para apoiar-
se. Esses apoios são as sensações, as imagens, as palavras. A alma sabe trabalhar com elas,
mas não deve viver nelas.
O hábito de silêncio faz viver em silêncio, sem imagens nem sons desnecessários, que
distraem a atenção e confundem o discernimento.
A alma que faz do silêncio um hábito, faz também um hábito do controle de seus
movimentos interiores, que são a origem e o alento de suas atitudes exteriores, de suas
ânsias e desejos.
O silêncio ensina a não queixar-se jamais. Quem nada espera não tem motivos para
lamentar-se. O hábito de silêncio transforma toda reação em um movimento interior de
aceitação e oferenda. A queixa e o protesto são sempre uma reação ante a vida e os homens,
e impedem conhecer a realidade dessa vida e desses homens. A rejeição do sofrimento
mostra o temor de conhecer o contingente da vida, tal como é no mundo.
O silêncio controla a ira e a excessiva emotividade, aquieta a mente e predispõe a alma para
a vida interior.
O hábito de silêncio não se adquire facilmente; requer uma contínua ascética de controle,
de auto-observação, de aceitação e de mortificação. É o primeiro passo da ascética da
Renúncia.
O hábito de silêncio adquire sentido quando é movido pelo anseio de silêncio interior.
Da intenção que move o esforço depende que uma prática seja apenas um mero costume ou
uma ascética mística. O simples fato de fazer silêncio não transforma o ser; seria
unicamente o hábito de calar as palavras, enquanto as emoções e pensamentos,
enriquecidos pela reserva de energias, tomam novas forças para mover a alma a segui-los.
Em troca, a intenção de buscar o silêncio interior através do silêncio exterior faz com que a
energia que se reserva desperte os centros espirituais da alma ao invés de mover suas
paixões.
Nos primeiros passos do desenvolvimento espiritual, como a alma ainda não se conhece,
precisa de muitas imagens, de razoamentos ilativos, de palavras explicativas, para dizer a si
mesma o que quer, o que é, o que sente. Repete continuamente para si mesma o que pensa
que pensa e o que sente que sente. Dialoga consigo mesma e, enquanto isso, permanece
também como espectadora de seu próprio diálogo. As paixões se desdobram em
pensamentos e sentimentos que se multiplicam sem cessar, alimentados pela força dos
desejos.
Nessa confusão de imagens e forças desordenadas a alma não reconhece sua identidade,
esmiuçada em múltiplas tendências. O esforço para calar aumenta no início o relevo dos
movimentos interiores, agigantando-os. Mas quando o silêncio se torna um hábito e se
estende aos sentidos e desejos, começa a aquietar-se o lago da alma e as águas se tornam
transparentes, revelando sua profundidade.
O hábito de silêncio exterior se faz silêncio interior quando se estende, pois, aos
pensamentos e aos desejos.
Ao dizer que os valores temporais são vãos não se pretende qualificá-los de irreais. Os
valores temporais têm uma realidade limitada no tempo: começam e terminam. A alma que
busca a União Divina persegue um valor que está mais além do tempo relativo. Frente à
eternidade do valor espiritual, os valores temporais são vãos para a alma, ou seja,
despojados de realidade transcendente.
Não se sabe o que realmente se necessita até que se prescinde do que se acreditava
indispensável. A idéia de uma necessidade supõe um movimento da alma para apropriar-se
de algo; um desejo e uma espera; uma ilusão e uma fantasia, um sonho.
O silêncio interior não se alcança através de exercícios mentais, e tampouco pela força da
vontade. Surge através da paulatina simplificação dos desejos, até o ponto em que a alma é
movida por uma única idéia, pela simples força de sua própria vocação.
O desejo só cede quando deixa de alimentar-se com os objetos do desejo, quando se deixa
de satisfazê-lo. Não obstante, quando a mortificação dos desejos não está sustida por uma
intenção realmente espiritual que lhe dê um sentido transcendente, exacerba a vaidade, o
orgulho e a separatividade. Nada separa mais uma alma de outra que uma conquista
pseudo-espiritual.
A mortificação dos desejos é o meio para transitar o caminho da oração interior. As almas
não passam de um certo ponto na aprendizagem da oração porque não podem ir mais além
da barreira criada por suas ambições e desejos. O "não passarás" está determinado, nesta
etapa, pelo que a alma está disposta a dar de si; por sua capaciddade de sacrificar muitos
desejos por um só anseio.
O silêncio interior é uma prática e um resultado. É uma prática como esforço incessante da
alma para tirar de si o supérfluo. É resultado quando é o estado conseqüente da renúncia ao
supérfluo.
A Renúncia fixa alma em seu centro espiritual, mantendo-a imóvel na Idéia Única.
A contemplação deve ser entendida como um estado simples, no qual não cabe a distinção
entre a alma e o objeto de sua contemplação. A contemplação é o olhar espiritual da alma
que, voltada para o seu próprio centro, se reflete como imagem do espírito. Na
contemplação espiritual a consciência divina se espelha sobre si mesma, revelando-se ao
entendimento superior desde si mesma, como presença estática, perfeita.
A alma, por sua imobilidade espiritual, transcende as trocas e o tempo. Sua identidade se
faz Presença divina nela, que se expressa através dela em irradiação expansiva redentora.
O hábito da fixação interior se adquire pelo sacrifício da curiosidade vã, dos interesses
temporários, dos objetivos relativos. A fixação interior se alcança quando a Renúncia se faz
o único sustento da existência.
A imobilidade espiritual faz com que o Divino se expresse na alma e, através da alma, nas
almas e no mundo.
A alma é, desta maneira, testemunho simples do Divino. Sua oração é sua imobilidade e seu
êxtase sua consciência, estática e dinâmica ao mesmo tempo, de ser o que é.
A imobilidade anímica deve ser ensinada como um passo definido da ascética da Renúncia,
já que se desprende naturalmente de um estado de renúncia interior.
A imobilidade interior há de ser bem compreendida, para não confundi-la com passividade,
que conduz à apatia, ao desinteresse e à indiferença.
Os homens não sabem atuar senão movidos pelo entusiasmo nascido da esperança em
recompensas. Quem renuncia não espera nada para si, e seu entusiasmo e alegria são
maiores que os daquele que persegue frutos pessoais; nascem da ação mesma, da pureza da
intenção e da liberdade interior.
Os apetites e desejos movem as almas, impedindo-lhes uma visão clara e uma compreensão
profunda. Mas a renúncia sistemática conduz espontaneamente para a imobilidade interior.
O sentir é como uma emanação simples do coração; o ser já não corre atrás de suas
emoções senão que faz de sua vida interior um sentir e pensar em si que o fixam
animicamente, e já não se afasta nunca de seu centro interior. Sentir e pensar em si é um
pensamento-sentimento simples.
O hábito de renunciar sistematicamente a tudo aquilo que move a alma para fora de si
concede o dom de Presença, como atributo da União Substancial com a Divina Mãe.
Presença, como expressão da União Substancial com a Divina Mãe, é o perfeito equilíbrio
entre a consciência e a vontade.
A consciência, que imóvel em si mesma reflete a Presença divina; a vontade, que concentra
toda a energia na plasmação da Idéia Única em obras múltiplas e objetivos concretos.
A alma vive e atua no mundo como o mais dinâmico dos homens, mas não é movida
interiormente de seu centro pelos desejos e ambições daqueles que estão presos nas redes
do mundo.
Os homens sabem ser fiéis enquanto dura seu interesse, seu amor e seu entusiasmo.
Para o homem os valores são tais enquanto obtém algo dos mesmos; e este benefício
determina a influência desses valores na orientação de sua vida.
A vida, valores e atitudes da alma de renúncia não dependem de desejos nem da esperança
em satisfações.
A alma fiel à sua vocação de Renúncia sempre está segura, porque sua fidelidade lhe ensina
a não reatar os laços cortados. Ela não necessita de estímulos exteriores para cumprir sua
vocação, porque seu sentido de fidelidade a mantém permanentemente na senda eleita.
A fidelidade mantém a alma alerta e desperta, sempre atenta, e lhe dá forças para apoiar-se
somente na simples Renúncia.
A fidelidade é assim fonte de sabedoria. Ao dar à alma a força necessária para suster-se
somente em sua própria vocação, ensina-lhe os graus mais profundos do amor, que se
mostram depois que caem as vestes da personalidade corrente.
A fidelidade sustenta quando falham as forças da carne e do sangue, porque sua força
reside no amor que não pede, mas que sempre está ali, onde repousam os olhos de sua
Amada.
A renúncia sistemática prescinde dos apoios ilusórios, e a alma, que ainda não conhece o
bem do Amor Divino em toda sua plenitude, não tem outro apoio que o de sua fidelidade
interior.
Quando já o mundo não engana com suas luzes de ilusão e a Divina Mãe se oculta detrás de
seus Véus, fica somente a fidelidade como companheira e irmã da alma.
É por isso que a ascética da Renúncia se assenta na fidelidade íntima, aquela fidelidade que
não se estimula com os triunfos nem se deprime na espera; aquela que se alimenta com a
força do amor que não pede nem chora, senão que caminha sempre, incansável, sobre as
pegadas da Amada.
Não seria possível uma ascética de renúncia a não ser pela fidelidade. Se a ascética de
Renúncia despoja a alma de todo apoio, fica-lhe somente a fidelidade como apoio.
Toda ação dá seus frutos e a ascética da Renúncia dá frutos espirituais. Mas a alma, se bem
que não possa evitá-los, afasta-os sistematicamente, porque sua renúncia já é natural. A
alma que não crê nas recompensas imediatas sabe olhar mais além. Não obstante, é difícil
manter-se na simples renúncia: quando a renúncia não é perfeita, acaba-se por viver
esperando. Mas quando se compreende que se espera algo, logo se entende o que falta
deixar.
A mente é uma terrível companheira. Nas horas duras dos pensamentos confusos tece
infinitos razoamentos que destroem tudo quanto tocam, e a alma fica abrumada, sem saber
em que acreditar nem como amar.
A fidelidade, que não depende de provas nem razões, é o seu único apoio.
Mas a força da fidelidade não nasce espontaneamente. A alma se faz forte em suas horas de
bonança se pratica a fidelidade como ascética de Renúncia.
Todos os caminhos merecem ser seguidos e todas as possibilidades humanas dão seus
frutos ao homem que as explora. Mas a alma de renúncia rejeitou os caminhos atraentes
para concentrar suas energias, seus pensamentos e seu amor em um só ponto.
Quando essa única intenção e atitude se fez um hábito na alma, esta já não precisa de
apoios nem de recompensas imediatas.
A força da fidelidade nasce da vocação. Não de desprende dos livros devotos nem das
promessas dos caminhos de realização. A fidelidade se pratica renunciando
sistematicamente, mantendo um sereno discernimento para pôr um limite às ilusões da
fantasia. No momento do entusiasmo e do fervor, quando florescem na alma todas as suas
possibilidades, uma só é a que deve seguir; quando os pensamentos são grandiosos e o
amor é extraordinário, um só pensamento e um só amor é o que leva à meta. A fidelidade
não é um dom gratuito; aumenta com o fervor das horas doces, porém se aperfeiçoa na
prova e na dor.
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Na medida em que avança pelo Caminho da Renúncia e fica mais despojada dos bens
humanos, a alma necessita de mais força espiritual para manter-se erguida e discernir sua
senda.
Essa força lhe chega de sua fidelidade interior, conquistada pelo esforço continuado de não
afastar-se de seu caminho de renunciamento.
Quando o renunciamento se fez um hábito, a alma se sente segura. Ela sabe que na opção o
que prevalece é o hábito.
Sua segurança não se assenta em sua força, porque bem sabe que é um nada humano, mas é
toda poderosa em sua fidelidade íntima, porque ali onde está o amor está a alma.
A alma fiel é tenaz e resistente. Aprendeu que a sensibilidade é enganosa e que o amor se
conquista pela perseverança nas provas.
Ainda nas provas mais duras e nos momentos de maior obscuridade interior, sempre a alma
sabe o que deve fazer; é consciente de sua prova e das consequências de seus possíveis
atos. Cada prova fortalece a fidelidade e tempera a alma, até que seu amor vence a morte e
a ilusão das trocas.
Não é fácil ser fiel à Renúncia; as flores do caminho são tentadoras e oferecem
recompensas imediatas. Somente o tempo e as provas desnudam a vocação de Renúncia das
ilusões agregadas, enquanto a alma se faz forte para apoiar-se unicamente em sua
fidelidade interior.
Pelo estudo a alma adquire os conhecimentos que outros homens lhe transmitem. Porém, o
que ela busca realmente é o conhecimento de si mesma, de sua origem, de seu destino;
aspira a um saber que está mais além do meramente intelectual, que seja alimento para as
suas aspirações interiores, que sacie sua sede de plenitude espiritual: busca a Ensinança.
As almas esperam e anseiam pela Ensinança, mas enquanto a procuram nos textos
esquecem que não há compreensão definitiva fora da vivência da Ensinança em si, feita
vida pela prática da Renúncia.
Deve-se estudar os textos da Ensinança, mas trocando a atitude da mente. O que pode ser
racionalizado, estruturado e razoado não é a Ensinança em si, e sim, seus aspectos
contingentes e circunstanciais.
Somente a alma que está disposta a realizar as verdades divinas através de seu esforço e
experiência própria, a conhecer a verdade e o erro discernindo-os de sua realidade interior e
não do que lhe diz o vizinho, recolhe frutos de Verdade.
E essa verdade tem a força de sua experiência viva; não a aprende através de estudos e
práticas especiais: está na alma.
A ascética da Renúncia ensina a considerar a própria alma como o protótipo em que se dão
todas as provas e se verificam todas as possibilidades humanas.
A ascética da Renúncia ensina o estudo vivo, no livro da alma; estudo que é uma
experiência espiritual interior, que transforma e ilumina.
A alma compreende que quando se limita à investigação teórica da Ensinança fica somente
com a letra morta. E aprende também que a vida da Ensinança depende da própria alma, de
sua disposição para transformar-se no livro aberto da vida, onde possa saciar a sede de sua
alma e de todas as almas.
Quando se quer dar um passo no desenvolvimento espiritual nada serve a não ser o que se
tem dentro, e não há maior apoio do que aquele que a alma conseguiu pela força de seu
sacrifício. O que se gravou na alma no fogo da prova com o sangue da dor é o único que
perdura na senda.
A alma mesma é o espelho de todas as almas, da vida, do Divino. Nela estão escritas as
verdades eternas. E essas verdades se revelam a quem não teme fazer de sua alma o livro
aberto da Ensinança em si.
Em uma época em que o trabalho vai ficando a cargo de máquinas automáticas, o trabalho
manual tende a ser considerado como uma curiosidade histórica. Não obstante, as máquinas
ainda não liberaram o homem; têm-lhe imposto, em troca, seu próprio ritmo e seus
controles impiedosos.
O homem, ao invés de liberar-se, passou a depender de máquinas que trabalham, mas que
até o momento também pensam e decidem por ele.
Enquanto isso perdeu, sem aperceber-se, o dom de usar suas mãos em um trabalho criador.
Acostumado a dividir a atividade em trabalho ou arte, não compreendeu que não há arte
mais perfeita que o trabalho, quando este se faz expressão da energia criadora da alma.
O trabalho torna possível a vida do homem sobre a terra; não obstante, nunca se o
compreendeu senão como um castigo e uma maldição. Ainda hoje se considera um triunfo
humano conseguir viver sem trabalhar duramente. Mas nem por isso o homem sabe o que
fazer com sua vida quando não tem "nada para fazer".
Por mais alto que se remonte a alma pelos céus do espírito, somente se arraiga na vida
através do trabalho de suas mãos.
A ascética da Renúncia ensina que não há tarefas elevadas nem trabalhos humildes. A alma
se redime humanamente pelo trabalho de suas mãos.
O trabalho é o meio imediato que permite participar com todos os homens. Os teóricos do
amor abstrato à humanidade sonham com sociedades perfeitas, mas a alma que dá a vida
pelas almas sacode a preguiça do corpo e trabalha com suas mãos. Há uma distância tão
grande entre aqueles que vivem o amor ideal e a alma que se agacha, dobra o corpo e
trabalha, que não há linguagem que possa transmitir àqueles sua participação e seu amor.
A alma de Renúncia redime o trabalho através do trabalho de suas mãos. Assim como ela
se identifica interiormente com os pobres e os deserdados do mundo, assim também elege o
trabalho que se descarrega sobre eles como maldição e castigo; através do trabalho se
transforma e alcança a liberdade interior. Os frutos das mãos da alma de Renúncia redimem
o trabalho em si; devolvem ao homem a alegria de fazer e criar ainda na rotina do trabalho
comum.
O trabalho dá equilíbrio na vida espiritual. Muitas almas têm confundido os termos, opondo
o desenvolvimento espiritual à vida material e, ao incluir o trabalho dentro desta,
assemelharam-no aos inimigos do espírito.
Ainda hoje não é difícil encontrar um certo menosprezo pelo trabalho das mãos. Esta
atitude revela um desequilíbrio de localização na vida e uma desfiguração dos valores.
A alma de Renúncia não somente faz do trabalho a mais querida de suas ferramentas
ascéticas, como ainda considera que esse trabalho é tal na medida de sua eficiência prática.
Nada equilibra mais no caminho da perfeição do que os juízos emanantes dos frutos das
mãos. Por eles se mede a dedicação, a concentração, a capacidade imaginativa, a
coordenação, a faculdade criadora. E também se mostram as distrações, a apatia e o
desinteresse.
Alguns teóricos da Renúncia não compreenderam o valor do trabalho e por isso não
puderam arraigar suas aspirações nas realidades concretas da vida cotidiana.
A alma de Renúncia, que não visa benefícios nem luta para si mesma, trabalha como o mais
esforçado dos homens e encontra nisso sua felicidade e plenitude. O trabalho, quando não
se torna uma arma que o homem usa contra o homem, é em si mesmo fonte de alegria e
satisfação, porque através de suas mãos o homem vê renovado, continuamente, o milagre
da criação.
A alma de Renúncia não faz distinções entre um trabalho e outro. Ela sabe que as
categorias são fruto da ignorância dos homens. Ela trabalha porque vive e consome, porque
tem capacidade física e energia mental. Ela trabalha porque entende que não usar sua
capacidade produtiva é burlar a boa vontade dos homens.
Ela não trabalha para liberar-se nem para progredir materialmente; faz da eficiência um
compromisso moral e da perda de tempo uma falta contra o mundo.
A eficiência no trabalho mostra a renúncia da alma. A Renúncia faz que todas as suas
potências interiores, toda sua capacidade imaginativa, sua habilidade motora e
coordenadora, se concentrem no que ela está fazendo. Assim, o trabalho, além de ser
eficiente como produção, é um expoente de criação e beleza.
A alma de Renúncia trabalha com alegria, ainda nas condições mais duras. Não há maior
dom que o de poder usar as mãos enquanto são úteis ao mundo.
O trabalho faz da participação ideal uma união real e ensina a amar através do sacrifício e
cansaço da carne.
A ascética da Renúncia ensina que a expansão estática se alcança pela fixação no amor
mesmo, aquele amor que, livre de desejo, deixa de perseguir os frutos do amor e ama
simplesmente.
A alma de Renúncia ama profundamente as almas, sofre por suas dores e necessidades: dá
sua vida por elas. Mas sabe que não há ajuda possível sem a expansão estática: a fixação
espiritual no amor, que se dá como amor simples, sem buscar a recompensa do amor que se
dá pessoalmente.
A alma de Renúncia, que também faz obras exteriores, sabe que estas não são a Obra, e
sim, uma simples ajuda que não chega a curar os males do mundo.
A ascética da Renúncia ensina a gerar a força necessária para que a expansão dinâmica seja
possível.
Por sua renúncia a serem sempre os agentes diretos das obras no mundo, as almas de
Renúncia fazem a obra como um ato puro: concentram toda sua energia e seu amor no amor
mesmo, deixando os frutos do amor nas mãos dos homens.
As almas de Renúncia não confundem ações exteriores com transformação interior, nem
buscam as obras pelo deleite que sempre se encontra no gasto de energia.
O homem cego gasta suas energias correndo atrás de sensações de prazer e de experiências
de liberação, encontrando-se no final vazio, sem forças e com seu trabalho sem cumprir.
A alma sábia multiplica a energia de seu potencial pela renúncia a ver os frutos de sua
renúncia, e assim os expande entre todas as almas, em toda a terra, como bênção
multiplicada, portadora de luz, de alento, de paz.
A ascética da Renúncia ensina a concentrar todas as forças da alma em seu centro espiritual
interior, e a expandir assim, estaticamente, a consciência, até que reflita em si a consciência
divina. Potencializa dessa maneira suas possibilidades e dá força de plasmação a seus
santos desejos.
A alma de Renúncia não busca a recompensa de saber humanamente o que está fazendo,
quais são os frutos de sua oferenda. Ela está ali, interiormente imóvel, alimentando com sua
fixação anímica a expansão dinâmica da Obra entre os homens.
O homem clama por sua liberdade enquanto vai tecendo redes que o aprisionam cada vez
mais.
O ser oscila entre sua tendência à organização, indispensável para o seu desenvolvimento, e
sua reação ante toda obrigação.
A alma de Renúncia permanece alheia a esses jogos vãos da mente. Ela não confunde
liberdade exterior com liberdade, nem obrigações com responsabilidade.
A obediência humana tira sua força do sentido arbitrário de autoridade e assim envilece e
escraviza o homem.
A alma de Renúncia não tem tempo para esperar que os sistemas injustos se façam justos
para usá-los como meios de liberação; deixa de sonhar com estruturas futuras e usa os
elementos que a vida lhe dá no presente, como ascética de liberação interior.
A obediência libera a alma porque sujeita suas forças e as canaliza para o caminho mais
apto para ela, não deixando que as gaste fora dele. Através dessa sujeição ela vai
transmutando uma energia que por si mesma não seria capaz de utilizar efetivamente.
Somente quando a atividade exterior deixa de depender dos estados de ânimo flutuantes, da
vontade errante e do vaivém emocional, libera a alma da carga de suas reações.
Os homens, ao rejeitar a obediência, lutam contra eles mesmos porque, embora sabendo o
que têm de fazer, não querem fazê-lo para não obedecer.
O homem deve aprender que a obediência não humilha, e sim, sua própria incapacidade de
cumprir seus propósitos e assumir suas responsabilidades.
O homem vive em sociedade pela obediência. Ele obedece às leis que estabeleceu para
ordenar as relações entre os homens; obedece aos horários e às normas de suas distintas
atividades; obedece aos métodos mais eficientes de estudo e trabalho. Mas a organização,
ao tornar-se mais perfeita, deixa-lhe cada vez menos campo onde exercer a liberdade
exterior que ainda lhe resta. Ao não conhecer, portanto, outra liberdade que a exterior, o
homem reage às vezes contra a organização e suas leis. Não obstante, seu próprio afã de
progresso faz que aceite sem resistência, continuamente, novas normas que o constrangem
e ajustam seus movimentos.
O homem, sujeito a seus desejos e paixões, sente a obediência como uma jaula que o
aprisiona.
A obediência escraviza quando pesa sobre o homem como um jugo interior, dizendo-lhe o
que tem obrigação de pensar, sentir, crer e fazer.
A obediência é liberadora quando não é arbitrária; quando quem manda faz de seu poder
uma carga de amor.
Quem manda é, em realidade, servo daquele que obedece, porque seu mandato é
determinado pelas possibilidades e necessidades daquele que obedece.
O homem fez do mando uma ferramenta de poder e sujeição. A Renúncia ensina que
mandar é obedecer; que o dom do mando se adquire pela renúnca a mandar e que quem
exerce o poder somente tem responsabilidade sem nenhum privilégio.
A função do poder é um ato de sacrifício e oferenda da alma que dá sua vida e suas
possibilidades para alimento de todas as almas que se apoiam nela.
A ASCÉTICA DA RENÚNCIA 24/42
O dom do mando se conquista pela renúncia à vontade pessoal, ao interesse mesquinho e
egoísta. Porque somente quem se esquece completamente de si mesmo conhece as
necessidades das almas e pode orientá-las em seu caminho.
A obediência é o meio que permite à alma ter a segurança de que sua vontade não está
presa a seus desejos nem persegue objetivos pessoais. A obediência põe sempre em relevo,
apenas aparece, sua personalidade corrente e lhe ensina a conhecê-la e dominá-la.
Porque ao liberá-lo do peso de uma vontade escrava dos desejos, torna-o livre de ser, saber
e fazer.
A obediência por coação é escravidão, mas a obediência perfeita é liberdade interior, amor,
sabedoria.
A força das paixões não controladas impulsa o homem daqui para ali, numa fuga
permanente, sem motivo e sem objetivo.
O homem escapa da rotina porque seus pensamentos não permanecem em suas obras;
enquanto as mãos se movem em um sentido, a imaginação voa em outros, cambiantes,
impermanentes.
A ascética da Renúncia ensina que a rotina libera quando todo o ser está ali, não somente
uma parte dele.
A rotina é fonte de saúde física e mental, torna produtiva as horas e realça o brilho dos
valores permanentes.
A rotina revela o valor dos bens e dos anseios porque nivela as emoções, de modo que
ressalta por si mesmo o que é de sempre e desaparecem os objetivos transitórios das
emoções passageiras.
A ascética da Renúncia ensina que pela rotina se vence o tempo e a ilusão da espera.
A rotina faz da vida do homem ritmo, que se traduz em harmonia exterior e paz interior. A
rotina revela o valor do tempo quando se o libera da ilusão das trocas, fazendo-o
permanência.
A ascética da Renúncia ensina que a rotina é o meio mais fácil e natural de praticar a
mortificação que purifica e fortalece.
A ascética da Renúncia ensina que não há valor permanente nos atos heróicos isolados; que
o único valor reside no ato simples que, repetido, parece um ato ordinário e, não obstante, é
o que sustém toda obra perdurável.
A ascética da Renúncia conduz à Renúncia quando a alma se abre às almas através de sua
participação interior. Sem participação a ascética se reduz a uma sucessão de atos de
aparente desprendimento, que não são de per si a renúncia mesma e que encerram a alma
invés de liberá-la.
É assim que muitas almas têm confundido as renúncias com a Renúncia, ao não
compreender que não há Renúncia sem participação. Quando o esforço ascético não é
movido por um estado progressivo de participação, todo ato de renúncia serve somente para
fortalecer a personalidade humana com novos valores que, por muito estimáveis que sejam,
não a transformam nem aperfeiçoam.
As renúncias, sem participação, não movem a alma do que já é; não lhe acrescentam
virtude nem aumentam seus méritos; simplesmente rejeitam uma personalidade enquanto
vão criando outra.
A participação surge da intenção que move a alma à Renúncia; é essa intenção pura a que
determina a natureza espiritual dos frutos de suas renúncias.
A vida exige ao homem, continuamente, atos de renúncia; não obstante, tais atos não o
liberam interiormente.
A realização espiritual não se alcança com ações determinadas nem através de técnicas
interiores. É a intenção subjacente a que estabelece as conseqüências espirituais dos
trabalhos das almas.
Como atitude humana, põe limites aos desejos e necessidades, assume responsabilidades e
compromete suas possibilidades.
A alma de Renúncia respeita e reverencia todos aqueles que perseguem sua salvação
pessoal, mas não concebe uma felicidade dessa natureza para ela mesma.
A alma de Renúncia entende que a renúncia que escapa do mundo é outro nome do
egoísmo e da indiferença. Também entende que não escapar do mundo não consiste em
submergir-se nele para beber de todas as paixões humanas, e sim, em carregar sobre si os
males do mundo, espiritualmente, e redimi-lo por seu sacrifício interior, por sua oferenda,
por seu amor sem medida.
Quando a alma de Renúncia deixa o mundo, o faz para integrar-se melhor nele, tomando a
distância que lhe permite compreender em si suas dores e problemas.
A Renúncia, que à primeira vista pode parecer uma rejeição da vida e do mundo, é a
expressão de um amor mais profundo à vida e ao mundo. Não se renuncia à vida, e sim, aos
sonhos gerados pela ignorância e a ilusão. Ao renunciar a viver como um eu isolado, oposto
ao conjunto, com objetivos e realizações separadas, a alma se integra ao mundo e à vida.
Vive em si a vida das almas e descobre a felicidade na plenitude de sua participação
espiritual.
Esta participação não é das alegrias ou das tristezas do mundo, separadamente. A alma de
Renúncia não se confunde com as definições emanadas da emotividade cega, que somente
conhece duas atitudes: tomar ou rejeitar. Ela compreende em si a realidade toda, que é o
que é. Sofre em si todas as dores do homem e desse sofrimento nasce sua expansão
participante.
A ascética da Renúncia ensina que, mesmo que todos os bens do mundo estejam ao alcance
de suas mãos, a alma que participa não troca por isso seu modo de viver nem suas
necessidades. Ela não vive de acordo com um orçamento, e sim, de acordo com o que ela é,
por participação. Assim como é uma alma entre as almas, é pobre entre os pobres,
deserdada entre os deserdados.
Por sua participação seu amor se faz todo espiritual e se derrama sobre os homens e o
mundo como bálsamo de paz e salvação.
Se a alma busca a mortificação invés da vida fácil que está a seu alcance, não o faz porque
assim será mais santa e perfeita, mas porque seu amor às almas e sua consciência
permanente dos padecimentos do homem impedem que desfrute de bens e possibilidades
que, embora possam ser muito atraentes, não estão ao alcance de todos. Ela sente que falar
de realização espiritual e de dons transcendentes enquanto se dá as costas aos homens que
não têm os meios para atender às suas necessidades mais elementares, é a mais cruel das
burlas.
A alma de Renúncia não pode sentir-se plenamente feliz se essa felicidade não é
compartida pelos que ama. E o objeto de seu amor não se limita a uns poucos, senão que
inclui todas as almas.
A alma de Renúncia sente que o amor ao Divino não é tal se se assenta na indiferença ante
o homem, sua ignorância e sua dor.
A alma de Renúncia entende que o homem deve desenvolver todas as suas possibilidades,
entre elas suas possibilidades materiais. Não obstante, ela não trabalha, investiga e usa sua
inteligência pela esperança nos frutos que possa obter pessoalmente, e sim, porque toda
realização de possibilidades potenciais é um bem mais excelente pelo desenvolvimento do
próprio homem do que pelos resultados que se obtém desse desenvolvimento.
Quando o homem trabalha, investiga, descobre, cria, percebe que o melhor fruto que
recolhe é o seu próprio crescimento: sua experiência, sua capacidade, a extensão de seu
conhecimento e o domínio de suas possibilidades; compreende que os resultados objetivos
imediatos são um reflexo pobre do que realmente realizou.
A ascética da Renúncia ensina que a Renúncia faz a alma senhora da vida, ao passo que
aquele que mendiga à vida suas migalhas de pequenos prazeres e comodidade, vive escravo
de sua própria debilidade.
A ascética da Renúncia ensina a adaptar-se a qualquer condição que a vida imponha à alma,
por mais dura que seja, e dela tirar proveito e ensinança; que os desafios da existência são
frutíferos para o homem ao exigir deste o máximo de sua capacidade.
De sua capacidade de adaptação surge sua firmeza e segurança, aquela certeza inamovível
de saber que nada poderá mudar sua condição interior e que sua vocação de liberação
através da Renúncia é mais forte que o tremor da carne e o temor do instinto.
A ascética da Renúncia tempera a alma e torna seu passo firme e seguro. Ao não atá-la à
debilidade do desejo lhe dá poder para sobrepor-se à dor e à adversidade. Dessa maneira,
faz das condições mais duras degraus sólidos que levam a alma à realização. E, acima de
tudo, a alma aprende a assentar sua paz e alegria fora da variação imprevisível dos
acontecimentos humanos, tirando de seu interior, da liberdade de sua Renúncia, de seu nada
desejar nem esperar, sua firmeza e sua felicidade.
A alma de Renúncia não cifra sua esperança em uma vida melhor. A vida é o que é, e
quando nela não se distingue nem se separa o desejável do mortificante, se revela em toda
sua plenitude, na infinitude de sua unidade indivisível.
A adaptação de vida ensina que qualquer condição exterior é boa para a transformação
interior. É evidente que o meio externo predispõe e ajuda quando se adapta aos objetivos
que se persegue, mas a Ascética da Renúncia ensina a não depender exclusivamente dele e,
especialmente, a não transformá-lo em um objetivo em si mesmo. Pela tendência a
trabalhar exclusivamente no meio externo, a alma esquece seus objetivos reais e
permanentes, fazendo da vida uma vida exterior e superficial, encadeando suas
possibilidades a experiências e circunstâncias de prazer e dor.
A adaptação de vida ensina que o equlíbrio se obtém quando não se depende de fatores
exteriores.
A alma de Renúncia não rejeita a comodidade e o prazer porque os considera maus, e sim,
porque não pensa neles; não os necessita para cumprir seu trabalho. A Renúncia despertou
nela um sentir mais profundo que encontra a alegria e a felicidade em outros valores,
concordantes com suas aspirações e seu sentido de amor.
O acúmulo de necessidades que hoje extenua o homem com a carga de seu peso inútil,
nasce do sonho de suas fantasias, que o afastam de si mesmo e de suas possibilidades reais.
Até agora o homem soube progredir através dos esforços positivos que lhe dão bens por
adição. Mas a lei da vida não segue a linha reta; esta é uma abstração ideal da mente. Até
que a alma não aprenda a inverter seus movimentos positivos, verificará que seus passos a
levam a conquistas que a deixam vazia e, ao fim, desorientada.
Os esforços positivos dão resultados concretos que, no entanto, não podem ser possuídos
pelo homem. Sua vida não segue a mesma linha de suas obras e, enquanto ele navega às
cegas seu destino, suas obras o vêem passar desde a margem.
As obras do homem permanecem como testemunhos mudos de seu esforço por apresar o
tempo e fazê-lo seu; enquanto isso ele vê o mundo de seus sonhos afastar-se
irremediavelmente com o tempo que se escoa entre seus dedos.
A alma, ave de passagem pelo mundo, encontra seu ninho quando aprende a repousar
somente nos valores interiores negativos, permanentes.
A alma abraça a Renúncia movida por um impulso obscuro para a compreensão racional,
mas em realidade está trabalhando com uma lei precisa, matemática. Se bem que ela não
necessite de argumentos para justificar sua renúncia, em seu caminho místico opera com
forças interiores que obedecem a leis perfeitas.
A alma não deseja nada, não espera nada, não busca nada. E, não obstante, verifica que, ao
não buscá-los se fazem seus os bens que o homem persegue sem alcançá-los nunca.
A alma não trabalha com valores pessoais; ela se esforça por tirar de si os restos de sua
personalidade corrente. Não obstante, adquire uma força interior que se expressa como
poderosa personalidade humana.
A alma ama o conhecimento, mas se apóia na fé pura. Pela simplicidade de sua mente
adquire sabedoria, o dom da Ensinança e de conselho.
Ela desconfia dos argumentos que intentam embaçar com razoamentos as verdades últimas
- o mistério divino - e procura transcender a razão através de um sentir superior. Seu
intelecto responde então como servo fiel, dando precisão a seus razoamentos e vôo criador
à sua imaginação.
Quando a alma renuncia ao amor humano e sacrifica os mais caros afetos de seu coração,
esse coração lhe responde com uma experiência sublime de amor, tão profunda e pura, que
a submerge na imensidade do amor divino.
A alma de Renúncia não busca sua própria perfeição, mas sua Renúncia mostra-a como
modelo e protótipo no qual se apoiam as almas que aspiram à liberação.
A alma de Renúncia não busca sua liberação. Mas a Renúncia lhe concede a graça da
Divina União.
A Reversibilidade ensina que toda conquista permanente se alcança pelo ato contrário, que
o incorpora à alma como posse negativa.
Denomina-se posse negativa a que não se soma à alma como um agregado mais, senão que
se torna dela intrinsecamente.
A Reversibilidade ensina que a posse negativa se adquire pela renúncia à posse e que a
renúncia a um poder determinado sempre dá como conseqüência um poder maior do que
aquele ao qual se renunciou.
A renúncia à vontade pessoal dá à vontade um poder incrível. Mas esse poder, ao não
agregar-se a uma personalidade isolada e parcial, não pode ser compreendido usando os
conceitos comuns que definem o poder humano.
Na medida em que a alma renuncia se identifica com a consciência cósmica e sua vontade
se faz analógica. O poder que está em suas mãos não é, portanto, um poder discricional.
O poder se multiplica na alma que renuncia ao uso do poder. Dessa maneira, a força
lançada na alma se canaliza de acordo com a lei divina, porque a Renúncia faz com que sua
vontade esteja identificada com a Idéia Mãe.
A lei de Reversibilidade mostra que quem deixa de perseguir a riqueza pessoal vê confluir
em suas mãos bens de toda índole, incluso econômicos; que quem renuncia ao pouco se faz
espiritualmente dono do Universo.
A lei de Reversibilidade ensina que a Renúncia à vida pessoal e separada faz nascer um
interesse extraordinário pela vida, pelo conhecimento, pela experiência pura. Ao renunciar
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a viver “sua” vida, a alma desperta em si a capacidade de aprender da criança, que descobre
em cada minuto o Universo.
A alma de Renúncia multiplica por isso sua capacidade e eficiência humanas; a renúncia
aumenta suas forças e sua capacidade de trabalho. O alcance de sua compreensão, ao não
estar continuamente drenado pela descarga de suas emoções, tem todo seu potencial à
disposição. Isto se traduz na multiplicação de sua capacidade e ainda de suas
possibilidades.
A Renúncia, que deixa o que ama e assim transforma o que deixa e aperfeiçoa o seu amor, é
o meio que a alma tem para viver em si a Lei Divina.
A alma se remonta com sua razão até um limite do qual não pode passar, mas transcende
esse limite pela renúncia à compreensão racional e às suas atitudes humanas derivadas.
Dessa maneira conhece pela Renúncia o que sua razão não entende e aperfeiçoa seu
entendimento aprendendo a compreender por analogia, que é o modo de dar vida à
compreensão, ao fazer desta a expressão dinâmica do pensamento puro e simples.
A Renúncia faz de ações correntes um ato puro redentor. Por sua Renúncia, a alma libera
energia espiritual que transforma e redime sua vida, as almas e o mundo.
O mistério da benção é o sacrifício de uma energia divina que desce sobre o homem,
transforma-o e redime potencialmente. O mistério dessa redenção é o sacrifício da alma que
morre em sua natureza humana para ressuscitar espiritualmente.
Todas as almas que realizam a Renúncia fazem de si mesmas o altar onde esse sacrifício
toma vida e dessa maneira participam do mistério do sacerdócio. Ademais, com seu
testemunho mostram como o sacrifício espiritual encarna na vida e a renúncia que exige do
sacerdote.
A Renúncia aperfeiçoa o sacerdócio. Mantém puro seu espírito ao evitar que o sacerdote se
transforme em um intermediário que separa a alma do Divino; faz dele um canal simples no
qual se conjugam o Divino e o humano, como expressão permanente do amor da Divina
Mãe pelo homem e do homem pela Divina Mãe.
A Renúncia ensina ao sacerdote a ser somente uma ponte pela qual caminham as almas
para a realização divina.
A vida do sacerdote é vida nas almas; ele não entende seu sacerdócio como um caminho
para sua realização pessoal. Ele sabe que é a virtude de sua Renúncia que o consagra
interiormente, já que sua função não é missão de privilégio nem de hierarquia.
A Renúncia ensina ao sacerdote que seu único interesse, seu pensamento e sua intenção, se
centram em seus filhos espirituais. Toda sua atividade se determina de acordo com as
necessidades das almas.
Ele somente considera necessário estudar e saber o que elas requerem; qualquer outro
estudo se lhe revela como desvio inútil de sua capacidade e energia, já que não necessita
mais que o que é alimento para as almas.
A Renúncia ensina ao sacerdote que seu lugar não é entre as almas e o Divino, e sim, que
ele é testemunha simples da realização espiritual das almas e agente da força divina que se
derrama sobre elas.
A Renúncia ensina ao sacerdote que não lhe é dado ter vida pessoal nem objetivos
privados. Que sentido teriam para ele? Ele tem ou deixa de ter segundo a necessidade
espiritual de suas almas.
Se ele elegesse levar uma vida pessoal paralela à sua vida sacerdotal, por que motivo o
faria? Isso mostraria que não está disposto a consagrar todo seu tempo, amor e energia às
almas, que são sua vida e seu caminho. Sua vida seria dual, suas possibilidades e seu
interesse estariam compartidos e sua oferenda de vida às almas não seria total e perfeita.
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A Renúncia ensina ao sacerdote que sua única família é a das almas, às quais se deve e se
apóiam somente nele.
A Renúncia ensina ao sacerdote a compreender que deve dar às almas tudo o que esperam
dele: realização pessoal, humana e espiritual; conhecimento intelectual e ensinança viva;
direção segura para a União Divina; apoio nas provas; assistência em suas necessidades e
consolo em suas dores.
O sacerdote não mostra sua erudição, sua realização, nem suas conquistas pessoais, ainda
as espirituais: morreu como homem. Ele mesmo, como alma que também percorre seu
caminho, não interessa às outras almas. Dessa maneira não interpõe seus problemas no
trabalho sacerdotal. Ele separa claramente seu próprio caminho de realização, as
dificuldades e possibilidades que tem como alma, de seu caráter de sacerdote e de sua
função como tal. Por sua Renúncia não mistura: nada dele, como pessoa, sai dele como
sacerdote.
Sabe controlar sua natureza para que suas imperfeições não turvem sua missão e faz de suas
debilidades um meio para manter-se interiormente na virtude básica do sacerdócio: a
humildade, que lhe recorda que nada é e que nada pode, pessoalmente.
Quando transmite a Ensinança, como não procura luzir, também a recebe juntamente com
seus filhos espirituais. E recorda seus erros para evitar que as almas caiam nos mesmos.
Ele ama as almas mais do que a si mesmo e por isso as impulsa mais além de onde ele
chegou; põe-se de lado e deixa-as passar, transformando-se em um caminho vivo para que
as almas o pisem e sigam avançando.
Sabe que sua missão é guiar para um estado mais perfeito que o realizado por ele. Não
retém as almas com um amor egoísta senão que se desprende delas quando deve dar-lhes
asas, para que não se atem a ele e voem livres rumo ao amor divino, que é sua vocação e
seu destino.
Sua missão é permanecer ali, como ponto de descarga da bênção divina sobre os homens e
como escalão que as almas usam para subir e seguir mais acima. Sua comunhão com as
almas é toda espiritual e sua solidão humana aperfeiçoa sua natureza, impulsionando-o
também, como alma, a repousar somente no coração da Divina Mãe.
Por sua Renúncia, o sacerdote não empana sua missão com suas cargas humanas e se torna
um reflexo vivo da corrente divina que bendiz os homens.
A União Divina se estabelece na alma desde sua primeira moção vocacional e vai se
aperfeiçoando com seu esforço e entrega, abarcando paulatinamente seu sentir, seu pensar,
todo seu ser.
A presença viva dessa força divina na alma dá realidade às suas aspirações e força a seus
anseios de liberação.
A presença ativa dessa força divina vai revelando à alma sua verdadeira natureza,
mostrando-lhe os valores reais e permanentes, afastando sua atenção e interesse dos
espelhismos dos valores contingentes.
A presença viva dessa força divina na alma vai transformando paulatinamente sua energia e
ativando seus centros potenciais, dando assim poder de plasmação a seus pensamentos e de
transformação a seus sentimentos.
A presença dessa força divina se faz ativa e permanente pela Renúncia da alma.
A ascética da Renúncia, se bem que, por ser ascética, revela que a União Divina não é
ainda permanente, mantém a alma vivendo através da Idéia Simples, ou seja, apoiada em
um ponto espiritual infinitesimal como sustento e ilimitado como poder. Ao limitar-se
emocional, mental e espiritualmente a este ponto ideal, sua consciência divina potencial se
expande e penetra todo seu ser: espiritual, mental e físico. Essa influência divina
transforma a alma substancialmente, purificando-a em forma rápida e total, fazendo dela
Presença Divina.
A ascética da Renúncia, ao fazer desta um hábito, conduz a alma à Renúncia como estado,
que é o modo como se expressa nela a União Substancial.
O estado de Renúncia plasma a energia espiritual através da alma, que a projeta sobre o
mundo em idéias, obras, possibilidades.
Essa força divina que se descarrega através da alma troca sua vibração física e mental,
purifica sua sensibilidade e transmuta sua energia, até que todo o potencial da União Divina
se atualiza nela, fazendo-a um testemunho sobre a terra das possibilidades infinitas do
homem.
A liberação é a União Substancial com a Divina Mãe, que faz da vida da alma um êxtase
potencial criador e que se experimenta como a felicidade da liberdade interior permanente.
Não obstante, algumas almas não perseguem a felicidade em sua busca da realização
divina; sua participação é um ato de amor puro que, livre de ataduras, vive em si toda a dor
da vida do homem.
Essa dor é ansiada pela alma como uma necessidade de amor. Sua dor é um êxtase de
identificação; ela faz de sua carne e de seu sangue o alimento vivo das almas que sofrem.
Em seu amor sem medida sua Renúncia se faz força liberadora e redentora.
A alma, por sua União Substancial, é fonte de energia divina que, através dela, se faz apta
para o homem. Por seu amor de holocausto brinda essa energia redentora como alimento
vivo: ela se dá a si mesma por amor, e faz de si mesma o pão que as almas procuram e
necessitam.
Ao dar tudo de si gera uma força espiritual que atrai para ela todo o peso da dor humana,
que leva sobre seu coração como uma carga de amor.
O fluxo de energia divina que se faz humana e de aspirações humanas que buscam a luz
divina passa através da alma que, transformada no amor mesmo, se mostra aos homens
como imagem do Redentor.
A alma já não quer saber nem ser. Seu amor à Divina Mãe se revela nela como uma loucura
de amor às almas que desperta dolorosamente sua consciência do sofrimento humano.
Na dor de seu amor ferido já não aspira à felicidade da realização que se mostra ao seu
alcance e lança todo seu ser em um ato permanente de sacrifício e oferenda.
Para ela, sua vida adquire sentido na medida em que se dá, e as almas a tomam para o seu
bem e adiantamento.