Você está na página 1de 12

Notas sobre a experiência e o

saber de experiência*

Jorge Larrosa Bondía


Universidade de Barcelona, Espanha

Tradução de João Wanderley Geraldi


Universidade Estadual de Campinas, Departamento de Lingüística
Educação de Campinas, traduzida e publicada, em julho de
2001, por Leituras SME; Textos-subsídios ao trabalho
pedagógico das unidades da Rede Municipal de Educação de
Campinas/FUMEC. A Comissão Editorial agradece Corinta
Grisolia Geraldi, respon sável por Leituras SME, a autorização
para sua publicação na Re vista Brasileira de Educação.
diversas tecnologias pedagógicas produzidas pelos
cientistas, pelos técnicos e pelos especialistas, na se
gunda alternativa estas mesmas pessoas aparecem
como sujeitos críticos que, armados de distintas
estra tégias reflexivas, se comprometem, com maior
No combate entre você e o mundo, prefira o mundo.
ou menor êxito, com práticas educativas concebidas
Franz Kafka na maioria das vezes sob uma perspectiva política.
Tudo isso é suficientemente conhecido, posto que
Costuma-se pensar a educação do ponto de nas últi mas décadas o campo pedagógico tem
vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às estado separa do entre os chamados técnicos e os
vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e chamados críti cos, entre os partidários da educação
prática. Se o par ciência/técnica remete a uma como ciência aplicada e os partidários da educação
perspectiva positiva e retificadora, o par como práxis política, e não vou retomar a discussão.
teoria/prática remete sobretudo a uma perspectiva O que vou lhes propor aqui é que exploremos
política e crítica. De fato, somente nesta última juntos outra possibilidade, digamos que mais existen
perspectiva tem sentido a palavra “refle xão” e cial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser
expressões como “reflexão crítica”, “reflexão sobre esteticista), a saber, pensar a educação a partir do
prática ou não prática”, “reflexão emancipado ra” par experiência/sentido. O que vou fazer em seguida
etc. Se na primeira alternativa as pessoas que tra é sugerir certo significado para estas duas palavras
balham em educação são concebidas como sujeitos em distintos contextos, e depois vocês me dirão
técnicos que aplicam com maior ou menor eficácia como isto lhes soa. O que vou fazer é,
as simplesmente, explorar algumas palavras e tratar de
compartilhá-las.
* Conferência proferida no I Seminário Internacional de E isto a partir da convicção de que as palavras

20 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Notas sobre a experiência e o saber de experiência
Eu creio no poder das palavras, na força das
palavras, creio que fazemos coisas com as palavras
produzem sentido, criam realidades e, às vezes, fun e, também, que as palavras fazem coisas conosco.
cionam como potentes mecanismos de subjetivação. As palavras determinam nosso pensamento porque
não pensamos com pensamentos, mas com palavras, As palavras com que nomeamos o que somos, o que
não pensamos a partir de uma suposta genialidade fazemos, o que pensamos, o que percebemos ou o
ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E que sentimos são mais do que simplesmente
pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou palavras. E, por isso, as lutas pelas palavras, pelo
“argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas significado e pelo contro le das palavras, pela
vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e imposição de certas palavras e pelo silenciamento
ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o ou desativação de outras palavras são lutas em que
sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras. se joga algo mais do que simples mente palavras,
E, portanto, também tem a ver com as pala vras o algo mais que somente palavras.
modo como nos colocamos diante de nós mes mos,
diante dos outros e diante do mundo em que vi 1. Começarei com a palavra experiência. Pode
vemos. E o modo como agimos em relação a tudo ríamos dizer, de início, que a experiência é, em espa
isso. Todo mundo sabe que Aristóteles definiu o nhol, “o que nos passa”. Em português se diria que a
homem como zôon lógon échon. A tradução desta experiência é “o que nos acontece”; em francês a ex
expressão, porém, é muito mais “vivente dotado de periência seria “ce que nous arrive”; em italiano,
palavra” do que “animal dotado de razão” ou “quello che nos succede” ou “quello che nos
“animal racional”. Se há uma tradução que accade”; em inglês, “that what is happening to us”;
realmente trai, no pior sentido da palavra, é em alemão, “was mir passiert”.
justamente essa de traduzir logos por ratio. E a A experiência é o que nos passa, o que nos
transformação de zôon, vivente, em animal. O acon tece, o que nos toca. Não o que se passa, não o
homem é um vivente com palavra. E isto não signi que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam
fica que o homem tenha a palavra ou a linguagem muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada
como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma nos acon tece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está
ferramenta, mas que o homem é palavra, que o organizado para que nada nos aconteça.1 Walter
homem é enquanto pa lavra, que todo humano tem a Benjamin, em um texto célebre, já observava a
ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de pobreza de experiências que caracteriza o nosso
palavras, que o modo de viver próprio desse vivente, mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a
que é o homem, se dá na palavra e como palavra. experiência é cada vez mais rara.
Por isso, atividades como con siderar as palavras, Em primeiro lugar pelo excesso de informação.
criticar as palavras, eleger as pala vras, cuidar das A informação não é experiência. E mais, a
palavras, inventar palavras, jogar com as palavras, informação não deixa lugar para a experiência, ela é
impor palavras, proibir palavras, transfor mar quase o con trário da experiência, quase uma
palavras etc. não são atividades ocas ou vazias, não antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na
são mero palavrório. Quando fazemos coisas com as informação, em estar informados, e toda a retórica
palavras, do que se trata é de como damos sentido destinada a constituir nos como sujeitos informantes
ao que somos e ao que nos acontece, de como e informados; a infor mação não faz outra coisa que
correlacionamos as palavras e as coisas, de como no cancelar nossas possi
meamos o que vemos ou o que sentimos e de como
1
vemos ou sentimos o que nomeamos. Em espanhol, o autor faz um jogo de palavras impossível

Nomear o que fazemos, em educação ou em qual no português: “Se diria que todo lo que pasa está organizado

quer outro lugar, como técnica aplicada, como para que nada nos pase”, exceto se optássemos por uma tradução
como “Dir-se-ia que tudo que se passa está organizado para que
práxis reflexiva ou como experiência dotada de
nada se nos passe” (Nota do tradutor).
sentido, não é somente uma questão terminológica.

Revista Brasileira de Educação 21


Jorge Larrosa Bondía
processamento de informação, o que eu quero apon
tar aqui é que uma sociedade constituída sob o
bilidades de experiência. O sujeito da informação signo
sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando da informação é uma sociedade na qual a
informação, o que mais o preocupa é não ter experiência é impossível.
bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez
Em segundo lugar, a experiência é cada vez
está melhor informado, porém, com essa obsessão mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno
pela informação e pelo sa ber (mas saber não no é um sujeito informado que, além disso, opina. É
sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar alguém que tem uma opinião supostamente pessoal
informado”), o que consegue é que nada lhe e supos tamente própria e, às vezes, supostamente
aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer crítica so bre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo
sobre a experiência é que é necessário separá-la da de que tem informação. Para nós, a opinião, como a
informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber informação, converteu-se em um imperativo. Em
de experiência é que é necessário separá-lo de saber nossa arrogân cia, passamos a vida opinando sobre
coisas, tal como se sabe quando se tem informação qualquer coisa sobre que nos sentimos informados.
sobre as coisas, quando se está informado. É a E se alguém não tem opinião, se não tem uma
língua mesma que nos dá essa possibilidade. Depois posição própria sobre o que se passa, se não tem um
de assis tir a uma aula ou a uma conferência, depois julgamento preparado sobre qualquer coisa que se
de ter lido um livro ou uma informação, depois de lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe
ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma
podemos dizer que sabemos coisas que antes não opinião. Depois da informação, vem a opinião. No
sabíamos, que te mos mais informação sobre entanto, a obsessão pela opinião também anula
alguma coisa; mas, ao mesmo tempo, podemos nossas possibilidades de experiência, também faz
dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos com que nada nos aconteça.
tocou, que com tudo o que aprendemos nada nos
Benjamin dizia que o periodismo é o grande dis
sucedeu ou nos aconteceu.
positivo moderno para a destruição generalizada da
Além disso, seguramente todos já ouvimos que experiência.2 O periodismo destrói a experiência, so
vivemos numa “sociedade de informação”. E já nos bre isso não há dúvida, e o periodismo não é outra
demos conta de que esta estranha expressão coisa que a aliança perversa entre informação e opi
funciona às vezes como sinônima de “sociedade do nião. O periodismo é a fabricação da informação e a
conhecimen to” ou até mesmo de “sociedade de fabricação da opinião. E quando a informação e a
aprendizagem”. Não deixa de ser curiosa a troca, a opi nião se sacralizam, quando ocupam todo o
intercambialidade entre os termos “informação”, espaço do acontecer, então o sujeito individual não é
“conhecimento” e “aprendizagem”. Como se o outra coisa que o suporte informado da opinião
conhecimento se desse sob a forma de informação, individual, e o sujeito coletivo, esse que teria de
e como se aprender não fosse outra coisa que não fazer a história se gundo os velhos marxistas, não é
adquirir e processar informação. E não deixa de ser outra coisa que o suporte informado da opinião
interessante também que as velhas metáforas pública. Quer dizer, um sujeito fabricado e
organicistas do social, que tantos jogos per mitiram manipulado pelos aparatos da in formação e da
aos totalitarismos do século passado, estejam sendo opinião, um sujeito incapaz de expe riência. E o fato
substituídas por metáforas cognitivistas, segu de o periodismo destruir a experiên cia é algo mais
ramente também totalitárias, ainda que revestidas profundo e mais geral do que aquilo que derivaria
agora de um look liberal democrático. do efeito dos meios de comunicação de massas
Independentemente de que seja urgente sobre a conformação de nossas consciências. O par
problematizar esse discurso que se está instalando informação/opinião é muito geral e permeia
sem crítica, a cada dia mais profunda mente, e que
pensa a sociedade como um mecanismo de 2
Benjamin problematiza o periodismo em várias de suas
obras; ver, por exemplo, Benjamim, 1991, p. 111 e ss.

22 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Notas sobre a experiência e o saber de experiência
igual mente nos excita por um momento, mas sem
deixar qualquer vestígio. O sujeito moderno não só
também, por exemplo, nossa idéia de aprendizagem, está in formado e opina, mas também é um
inclusive do que os pedagogos e psicopedagogos consumidor vo raz e insaciável de notícias, de
cha mam de “aprendizagem significativa”. Desde novidades, um curioso
peque nos até a universidade, ao largo de toda nossa impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar per
traves sia pelos aparatos educacionais, estamos manentemente excitado e já se tornou incapaz de si
submetidos a um dispositivo que funciona da lêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual,
seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o
depois, há de opi nar, há que dar uma opinião choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a
obviamente própria, críti ca e pessoal sobre o que velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e
quer que seja. A opinião seria como a dimensão de memória, são também inimigas mortais da
“significativa” da assim chamada “aprendizagem experiência.
significativa”. A informação seria o objetivo, a
Nessa lógica de destruição generalizada da
opinião seria o subjetivo, ela seria nossa reação expe riência, estou cada vez mais convencido de que
subjetiva ao objetivo. Além disso, como rea ção os apa ratos educacionais também funcionam cada
subjetiva, é uma reação que se tornou para nós vez mais no sentido de tornar impossível que
automática, quase reflexa: informados sobre alguma coisa nos aconteça. Não somente, como já
qualquer coisa, nós opinamos. Esse “opinar” se disse, pelo funciona mento perverso e generalizado
reduz, na maio ria das ocasiões, em estar a favor ou do par informação/ opinão, mas também pela
contra. Com isso, nos convertemos em sujeitos velocidade. Cada vez esta mos mais tempo na escola
competentes para res ponder como Deus manda as (e a universidade e os cur sos de formação do
perguntas dos professo res que, cada vez mais, se professorado são parte da escola), mas cada vez
assemelham a comprova ções de informações e a temos menos tempo. Esse sujeito da for mação
pesquisas de opinião. Diga-me o que você sabe, permanente e acelerada, da constante atualiza ção,
diga-me com que informação conta e exponha, em da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o
continuação, a sua opinião: esse o dis positivo tempo como um valor ou como uma mercadoria, um
periodístico do saber e da aprendizagem, o sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre
dispositivo que torna impossível a experiência. de aproveitar o tempo, que não pode protelar
Em terceiro lugar, a experiência é cada vez qualquer coisa, que tem de seguir o passo veloz do
mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa que se passa, que não pode ficar para trás, por isso
passa demasiadamente depressa, cada vez mais mesmo, por essa obsessão por seguir o curso
depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo.
instantâneo, ime diatamente substituído por outro E na escola o currículo se organiza em pacotes cada
estímulo ou por ou tra excitação igualmente fugaz e vez mais numerosos e cada vez mais curtos. Com
efêmera. O aconteci mento nos é dado na forma de isso, também em educação esta mos sempre
choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da acelerados e nada nos acontece.
vivência instantânea, pontual e fragmentada. A
Em quarto lugar, a experiência é cada vez mais
velocidade com que nos são dados os rara por excesso de trabalho. Esse ponto me parece
acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo importante porque às vezes se confunde experiência
novo, que caracteriza o mundo moderno, impe dem com trabalho. Existe um clichê segundo o qual nos
a conexão significativa entre acontecimentos. li vros e nos centros de ensino se aprende a teoria, o
Impedem também a memória, já que cada aconteci sa ber que vem dos livros e das palavras, e no
mento é imediatamente substituído por outro que
trabalho se adquire a experiência, o saber que vem no campo educa cional que, depois de criticar o
do fazer ou da prática, como se diz atualmente. modo como nossa sociedade privilegia as
Quando se redige o currículo, distingue-se formação aprendizagens acadêmicas, pre tende implantar e
acadêmica e expe riência de trabalho. Tenho ouvido homologar formas de contagem de
falar de certa ten dência aparentemente progressista

Revista Brasileira de Educação 23


Jorge Larrosa Bondía
jornalistas, os cientistas, os peda gogos e todos
aqueles que põem no fazer coisas a sua existência.
créditos para a experiência e para o saber de Nós somos sujeitos ultra-informados, trans
experiên cia adquirido no trabalho. Por isso estou bordantes de opiniões e superestimulados, mas tam
muito inte ressado em distinguir entre experiência e bém sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E por
trabalho e, além disso, em criticar qualquer isso, porque sempre estamos querendo o que não é,
contagem de créditos para a experiência, qualquer porque estamos sempre em atividade, porque
conversão da experiência em créditos, em estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E,
mercadoria, em valor de troca. Minha tese não é por não podermos parar, nada nos acontece.
somente porque a experiência não tem nada a ver
A experiência, a possibilidade de que algo nos
com o trabalho, mas, ainda mais fortemente, que o aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrup
trabalho, essa modalidade de relação com as pes ção, um gesto que é quase impossível nos tempos
soas, com as palavras e com as coisas que que correm: requer parar para pensar, parar para
chamamos trabalho, é também inimiga mortal da olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
experiência. mais devagar, e escutar mais devagar; parar para
O sujeito moderno, além de ser um sujeito infor sentir, sen tir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
mado que opina, além de estar permanentemente agi suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a
tado e em movimento, é um ser que trabalha, quer di vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar
zer, que pretende conformar o mundo, tanto o a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos,
mundo “natural” quanto o mundo “social” e falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão,
“humano”, tanto a “natureza externa” quanto a escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
“natureza interna”, se gundo seu saber, seu poder e muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
sua vontade. O trabalho é esta atividade que deriva
desta pretensão. O sujeito moderno é animado por 2. Até aqui, a experiência e a destruição da
portentosa mescla de otimis mo, de progressismo e expe riência. Vamos agora ao sujeito da experiência.
de agressividade: crê que pode fazer tudo o que se Esse sujeito que não é o sujeito da informação, da
propõe (e se hoje não pode, algum dia poderá) e opinião, do trabalho, que não é o sujeito do saber, do
para isso não duvida em destruir tudo o que percebe julgar, do fazer, do poder, do querer. Se escutamos
como um obstáculo à sua onipotência. O sujeito em espanhol, nessa língua em que a experiência é “o
moderno se relaciona com o acontecimento do que nos pas sa”, o sujeito da experiência seria algo
ponto de vista da ação. Tudo é pretexto para sua como um terri tório de passagem, algo como uma
ativi dade. Sempre está a se perguntar sobre o que superfície sensível que aquilo que acontece afeta de
pode fazer. Sempre está desejando fazer algo, algum modo, produz alguns afetos, inscreve
produzir algo, regular algo. Independentemente de algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns
este desejo estar motivado por uma boa vontade ou efeitos. Se escutamos em francês, em que a
uma má vontade, o sujeito moderno está atravessado experiência é “ce que nous arrive”, o sujeito da
por um afã de mu dar as coisas. E nisso coincidem experiência é um ponto de chegada, um lugar a que
os engenheiros, os políticos, os industrialistas, os chegam as coisas, como um lugar que recebe o que
médicos, os arquitetos, os sindicalistas, os chega e que, ao receber, lhe dá lugar. E em
português, em italiano e em inglês, em que a recep tividade, por sua disponibilidade, por sua
experiência soa como “aquilo que nos acontece, nos abertura. Trata-se, porém, de uma passividade
sucede”, ou “happen to us”, o sujeito da experiência anterior à oposi ção entre ativo e passivo, de uma
é sobretudo um espaço onde têm lugar os passividade feita de paixão, de padecimento, de
acontecimentos. paciência, de atenção, como uma receptividade
Em qualquer caso, seja como território de passa primeira, como uma disponi bilidade fundamental,
gem, seja como lugar de chegada ou como espaço como uma abertura essencial.
do acontecer, o sujeito da experiência se define não O sujeito da experiência é um sujeito “ex-pos-
por sua atividade, mas por sua passividade, por sua

24 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Notas sobre a experiência e o saber de experiência
oportu nidade, sua ocasião. A palavra experiência
tem o ex de exterior, de estrangeiro,3 de exílio, de
to”. Do ponto de vista da experiência, o importante estranho4 e também o ex de existência. A experiência
não é nem a posição (nossa maneira de pormos), é a passa gem da existência, a passagem de um ser
nem a “o-posição” (nossa maneira de opormos), que não tem essência ou razão ou fundamento, mas
nem a “im posição” (nossa maneira de impormos), que simples mente “ex-iste” de uma forma sempre
nem a “pro posição” (nossa maneira de propormos), singular, finita, imanente, contingente. Em alemão,
mas a “ex posição”, nossa maneira de “ex-pormos”, experiência é Erfahrung, que contém o fahren de
com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de viajar. E do antigo alto-alemão fara também deriva
risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que Gefahr, perigo, e
se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas
não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a 3
Em espanhol, escreve-se extranjero. (Nota do tradutor)
quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a 4
Em espanhol, extraño. (Nota do tradutor)
quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe gefährden, pôr em perigo. Tanto nas línguas
chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem germâni cas como nas latinas, a palavra experiência
nada ocorre. contém inseparavelmente a dimensão de travessia e
perigo.
3. Vamos agora ao que nos ensina a própria
pala vra experiência. A palavra experiência vem do 4. Em Heidegger (1987) encontramos uma defi
latim experiri, provar (experimentar). A experiência nição de experiência em que soam muito bem essa
é em primeiro lugar um encontro ou uma relação exposição, essa receptividade, essa abertura, assim
com algo que se experimenta, que se prova. O como essas duas dimensões de travessia e perigo
radical é periri, que se encontra também em que acabamos de destacar:
periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a
qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia, e [...] fazer uma experiência com algo significa que
secundariamente a idéia de prova. Em grego há algo nos acontece, nos alcança; que se apodera de nós,
numerosos derivados dessa raiz que marcam a que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em
travessia, o percorrido, a passagem: peirô, “fazer” uma experiência, isso não significa precisamente
atravessar; pera, mais além; peraô, passar atra vés, que nós a fa çamos acontecer, “fazer” significa aqui:
perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas sofrer, padecer, to mar o que nos alcança receptivamente,
línguas há uma bela palavra que tem esse per grego aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer uma
de travessia: a palavra peiratês, pirata. O sujeito da experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em
experiência tem algo desse ser fascinante que se ex nós próprios pelo que nos interpela, entrando e
põe atravessando um espaço indeterminado e perigo submetendo-nos a isso. Pode mos ser assim
so, pondo-se nele à prova e buscando nele sua transformados por tais experiências, de um dia para o
outro ou no transcurso do tempo. (p. 143) sofredor, padecente, receptivo, aceitante,
interpelado, submetido. Seu contrário, o su jeito
O sujeito da experiência, se repassarmos pelos incapaz de experiência, seria um sujeito firme, forte,
verbos que Heidegger usa neste parágrafo, é um su impávido, inatingível, erguido, anestesiado, apá tico,
jeito alcançado, tombado, derrubado. Não um autodeterminado, definido por seu saber, por seu
sujeito que permanece sempre em pé, ereto, erguido poder e por sua vontade.
e seguro de si mesmo; não um sujeito que alcança Nas duas últimas linhas do parágrafo,
aquilo que se propõe ou que se apodera daquilo que “Podemos ser assim transformados por tais
quer; não um sujeito definido por seus sucessos ou experiências, de um dia para o outro ou no
por seus po deres, mas um sujeito que perde seus transcurso do tempo”, pode ler se outro componente
poderes precisa mente porque aquilo de que faz fundamental da experiência: sua capacidade de
experiência dele se apodera. Em contrapartida, o formação ou de transformação. É ex
sujeito da experiência é também um sujeito

Revista Brasileira de Educação 25


Jorge Larrosa Bondía
“Paixão” pode referir-se também a certa hetero
nomia, ou a certa responsabilidade em relação com
periência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca,
o outro que, no entanto, não é incompatível com a
ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e liber dade ou a autonomia. Ainda que se trate,
nos transforma. Somente o sujeito da experiência naturalmen te, de outra liberdade e de outra
está, portanto, aberto à sua própria transformação. autonomia diferente daquela do sujeito que se
determina por si mesmo. A paixão funda sobretudo
5. Se a experiência é o que nos acontece, e se o uma liberdade dependente, determinada, vinculada,
sujeito da experiência é um território de passagem, obrigada, inclusa, fundada não nela mesma mas
então a experiência é uma paixão. Não se pode numa aceitação primeira de algo que está fora de
captar a experiência a partir de uma lógica da ação, mim, de algo que não sou eu e que por isso,
a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo justamente, é capaz de me apaixonar.
enquanto sujeito agente, a partir de uma teoria das
E “paixão” pode referir-se, por fim, a uma expe
condições de possibilidade da ação, mas a partir de riência do amor, o amor-paixão ocidental, cortesão,
uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre cavalheiresco, cristão, pensado como posse e feito
si mesmo en quanto sujeito passional. E a palavra de um desejo que permanece desejo e que quer
paixão pode re ferir-se a várias coisas. permane
Primeiro, a um sofrimento ou um padecimento. cer desejo, pura tensão insatisfeita, pura orientação
No padecer não se é ativo, porém, tampouco se é para um objeto sempre inatingível. Na paixão, o su
sim plesmente passivo. O sujeito passional não é jeito apaixonado não possui o objeto amado, mas é
agente, mas paciente, mas há na paixão um assumir possuído por ele. Por isso, o sujeito apaixonado não
os pade cimentos, como um viver, ou experimentar, está em si próprio, na posse de si mesmo, no autodo
ou supor tar, ou aceitar, ou assumir o padecer que mínio, mas está fora de si, dominado pelo outro, cati
não tem nada que ver com a mera passividade, como vado pelo alheio, alienado, alucinado.
se o sujeito passional fizesse algo ao assumir sua
Na paixão se dá uma tensão entre liberdade e es
paixão. Às ve zes, inclusive, algo público, ou cravidão, no sentido de que o que quer o sujeito é,
político, ou social, como um testemunho público de precisamente, permanecer cativo, viver seu
algo, ou uma prova pública de algo, ou um martírio cativeiro, sua dependência daquele por quem está
público em nome de algo, ainda que esse “público” apaixonado. Ocorre também uma tensão entre
se dê na mais estrita solidão, no mais completo prazer e dor, entre felicidade e sofrimento, no
anonimato. sentido de que o sujeito apai xonado encontra sua
felicidade ou ao menos o cumprimento de seu travessia e do perigo, da abertura e da exposição, da
destino no padecimento que sua paixão lhe receptivi dade e da transformação, e da paixão.
proporciona. O que o sujeito ama é preci samente Vamos agora ao saber da experiência. Definir o
sua própria paixão. Mas ainda: o sujeito apaixonado sujeito da experiência como sujeito passional não
não é outra coisa e não quer ser outra coi sa que não significa pensá-lo como incapaz de conhecimento,
a paixão. Daí, talvez, a tensão que a paixão extrema de compromisso ou ação. A experiência funda
suporta entre vida e morte. A paixão tem uma também uma ordem epistemoló gica e uma ordem
relação intrínseca com a morte, ela se desenvolve no ética. O sujeito passional tem tam bém sua própria
horizonte da morte, mas de uma morte que é querida força, e essa força se expressa produ tivamente em
e desejada como verdadeira vida, como a única forma de saber e em forma de práxis. O que ocorre é
coisa que vale a pena viver, e às vezes como que se trata de um saber distinto do saber científico
condição de possibilidade de todo renascimento. e do saber da informação, e de uma práxis distinta
daquela da técnica e do trabalho.
6. Até aqui vimos algumas explorações sobre o O saber de experiência se dá na relação entre o
que poderia ser a experiência e o sujeito da experiên conhecimento e a vida humana. De fato, a experiên-
cia. Algo que vimos sob o ponto de vista da

26 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19
Notas sobre a experiência e o saber de experiência
que a posse de uma série de cacarecos para uso e
desfrute.
cia é uma espécie de mediação entre ambos. É
Nestas condições, é claro que a mediação entre
impor tante, porém, ter presente que, do ponto de o conhecimento e a vida não é outra coisa que a
vista da experiência, nem “conhecimento” nem apro priação utilitária, a utilidade que se nos
“vida” signi ficam o que significam habitualmente. apresenta como “conhecimento” para as
Atualmente, o conhecimento é essencialmente necessidades que se nos dão como “vida” e que são
a ciência e a tecnologia, algo essencialmente completamente indistintas das necessidades do
infinito, que somente pode crescer; algo universal e Capital e do Estado.
objetivo, de alguma forma impessoal; algo que está
Para entender o que seja a experiência, é
aí, fora de nós, como algo de que podemos nos necessá rio remontar aos tempos anteriores à ciência
apropriar e que podemos utilizar; e algo que tem moderna (com sua específica definição do
que ver fundamen talmente com o útil no seu conhecimento obje tivo) e à sociedade capitalista
sentido mais estreitamente pragmático, num sentido (na qual se constituiu a definição moderna de vida
estritamente instrumental. O conhecimento é como vida burguesa). Du rante séculos, o saber
basicamente mercadoria e, estritamen te, dinheiro; humano havia sido entendido como um páthei
tão neutro e intercambiável, tão sujeito à máthos, como uma aprendizagem no e pelo padecer,
rentabilidade e à circulação acelerada como o dinhei no e por aquilo que nos acontece. Este é o saber da
ro. Recordem-se as teorias do capital humano ou es experiência: o que se adquire no modo como
sas retóricas contemporâneas sobre a sociedade do alguém vai respondendo ao que vai lhe aconte
conhecimento, a sociedade da aprendizagem, ou a cendo ao longo da vida e no modo como vamos
so ciedade da informação. dando
Em contrapartida, a “vida” se reduz à sua sentido ao acontecer do que nos acontece. No saber
dimen são biológica, à satisfação das necessidades da experiência não se trata da verdade do que são as
(geral mente induzidas, sempre incrementadas pela coi sas, mas do sentido ou do sem-sentido do que
lógica do consumo), à sobrevivência dos indivíduos nos acon tece. E esse saber da experiência tem
e da so ciedade. Pense-se no que significa para nós algumas características essenciais que o opõem,
“qualida de de vida” ou “nível de vida”: nada mais ponto por pon to, ao que entendemos como
conhecimento. conhecimento científico, fora de nós, mas somente
Se a experiência é o que nos acontece e se o tem sentido no modo como configura uma
saber da experiência tem a ver com a elaboração do personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em
sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, definitivo, uma forma humana singular de estar no
trata-se de um saber finito, ligado à existência de um mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de
indivíduo ou de uma comunidade humana conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso,
particular; ou, de um modo ainda mais explícito, também o saber da expe riência não pode
trata-se de um saber que revela ao homem concreto beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer,
e singular, entendido individual ou coletivamente, o ninguém pode aprender da experiência de outro, a
sentido ou o sem-sentido de sua própria existência, menos que essa experiência seja de algum modo
de sua própria finitude. Por isso, o saber da revivida e tornada própria.
experiência é um saber particular, subjetivo, A primeira nota sobre o saber da experiência su
relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é blinha, então, sua qualidade existencial, isto é, sua
o que acontece, mas o que nos acontece, duas relação com a existência, com a vida singular e con
pessoas, ainda que enfrentem o mesmo creta de um existente singular e concreto. A
acontecimento, não fa zem a mesma experiência. O experiên cia e o saber que dela deriva são o que nos
acontecimento é comum, mas a experiência é para permite apropriar-nos de nossa própria vida. Ter
cada qual sua, singular e de alguma maneira uma vida pró pria, pessoal, como dizia Rainer Maria
impossível de ser repetida. O saber da experiência é Rilke, em Los Cuadernos de Malthe, é algo cada
um saber que não pode separar-se do in divíduo vez mais raro, qua se tão raro quanto uma morte
concreto em quem encarna. Não está, como o própria. Se chamamos

Revista Brasileira de Educação 27


Jorge Larrosa Bondía
o modo como lhe atribuímos ou não um sentido,
mas o modo como o mundo nos mostra sua cara
existência a esta vida própria, contingente e finita, a legível, a série de regularidades a partir das quais
essa vida que não está determinada por nenhuma es podemos conhecer a verdade do que são as coisas e
sência nem por nenhum destino, a essa vida que não dominá-las. A partir daí o conhecimento já não é um
tem nenhuma razão nem nenhum fundamento fora páthei máthos, uma aprendizagem na prova e pela
dela mesma, a essa vida cujo sentido se vai prova, com toda a incerteza que isso implica, mas
construin do e destruindo no viver mesmo, podemos um mathema, uma acumulação progressiva de
pensar que tudo o que faz impossível a experiência verdades objetivas que, no entanto, permanecerão
faz também impossível a existência. externas ao homem. Uma vez vencido e abandonado
7. A ciência moderna, a que se inicia em Bacon o saber da experiência e uma vez separado o
e alcança sua formulação mais elaborada em conhecimento da existência humana, temos uma
Descartes, desconfia da experiência. E trata de situação paradoxal. Uma enorme inflação de
convertê-la em um elemento do método, isto é, do conhecimentos objetivos, uma enorme abundância
caminho seguro da ciência. A experiência já não é o de artefatos técnicos e uma enorme pobreza dessas
meio desse saber que forma e transforma a vida dos formas de conhecimento que atuavam na vida
homens em sua singu laridade, mas o método da humana, nela inserindo-se e trans formando-a. A
ciência objetiva, da ciência que se dá como tarefa a vida humana se fez pobre e necessita da, e o
apropriação e o domínio do mundo. Aparece assim a conhecimento moderno já não é o saber ativo que
idéia de uma ciência experi mental. Mas aí a alimentava, iluminava e guiava a existência dos
experiência converteu-se em experi mento, isto é, homens, mas algo que flutua no ar, estéril e
em uma etapa no caminho seguro e pre visível da desligado dessa vida em que já não pode
ciência. A experiência já não é o que nos acontece e encarnar-se.
A segunda nota sobre o saber da experiência para o que não se pode anteci par nem “pré-ver”
pre tende evitar a confusão de experiência com nem “pré-dizer”.
experi mento ou, se se quiser, limpar a palavra
experiência de suas contaminações empíricas e JORGE LARROSA BONDÍA é doutor em pedagogia pela
experimentais, de suas conotações metodológicas e Universidade de Barcelona, Espanha, onde atualmente é profes
metodologizantes. Se o experimento é genérico, a sor titular de filosofia da educação. Publicou diversos artigos em
experiência é singular. Se a lógica do experimento periódicos brasileiros e tem dois livros traduzidos para o portu
produz acordo, consenso ou homogeneidade entre guês: Imagens do outro (Vozes, 1998) e Pedagogia profana (Au
os sujeitos, a lógica da expe riência produz têntica, 1999).

diferença, heterogeneidade e plurali dade. Por isso,


no compartir a experiência, trata-se mais de uma
heterologia do que de uma homologia, ou melhor, Referências Bibliográficas
trata-se mais de uma dialogia que funcio na
heterologicamente do que uma dialogia que fun HEIDEGGER, Martin, (1987). La esencia del habla. In: . De
ciona homologicamente. Se o experimento é camino al habla. Barcelona: Edicionaes del Serbal.
repetível, a experiência é irrepetível, sempre há algo
BENJAMIN, Walter, (1991). El narrador. In: . Para uma cri tica
como a primeira vez. Se o experimento é preditível
de la violencia y otros ensaios. Madrid: Taurus, p. 111 e ss.
e previsí vel, a experiência tem sempre uma
(Ou, na edição brasileira: , (1994). Magia e técnica, arte e
dimensão de in certeza que não pode ser reduzida.
política; ensaios sobre literatura e história da cultura. In: .
Além disso, posto que não se pode antecipar o
Obras escolhidas. 7ª ed., São Paulo: Brasiliense, vol. I).
resultado, a experiência não é o caminho até um
objetivo previsto, até uma meta que se conhece de Recebido em novembro de 2001
Aprovado em janeiro de 2002
antemão, mas é uma abertura para o desconhecido,

28 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19

Resumos/Abstracts

sociological community. This article periência e sentido. Quanto à primei


Angela Xavier de Brito de aspirar a esta herança parecem es sociologia da educação, campo
Rei morto, rei posto? As lutas pela tar divididas entre três candidatos: educacional francês.
sucessão de Pierre Bourdieu no Bernard Lahere, Jean-Claude
campo acadêmico francês Kaufmann e Gisèle Sapiro, autores que The King is dead, long live the
A morte de Bourdieu, que todos consi estão em diferentes etapas de suas car King? The struggle to inherit Pierre
deravam o maior sociólogo da língua reiras e os únicos a oferecer uma críti Bourdieu's position in the French
francesa, deixou um grande vazio inte ca respeitosa da teoria de Bourdieu e a academic field
lectual, difícil de ser preenchido. Neste propor sua extensão. Os primeiros dois Bourdieu's death has left a great
artigo, em um primeiro momen to, a autores partem do conceito de habitus intellectual void in the French
autora situa, para fins analíticos, os e a última de campo. Conclui comen intends, first of all, to state the
processos pelos quais a transmis são de tando como o desdobramento do pen struggles in the academic field that
sua herança tem sido feita, na esfera samento de Bourdieu sobre a educação have followed this event. In order to
institucional, e as posições in pode contribuir para o debate acadêmi show the processes by which the
telectuais, de seus principais seguido co brasileiro nessa área. transmission of his inheritance has
res, nela presentes. As oportunidades Palavras-chave: Pierre Bourdieu, been carried out, we must distinguish
the institutional assets, which could be Notas sobre a experiência e o saber Palavras-chave: experiência, saber de
bequeathed by Bourdieu himself to his de experiência experiência, experiência/sentido.
followers, from the intellectual Propõe pensar-se a educação a partir
positions. The chances to aspire to this do par experiência/sentido, contrapon Notes on experience and the
main inheritance seem to be divided do-se ao modo de pensar a educação knowledge of experience
between three candidates – Bernard como relação entre ciência e técnica, The text proposes to think education
Lahire, Jean-Claude ou entre teoria e prática. Para tanto, taking the pair experience/sense as
Kaufmann and Gisèle Sapiro – authors explora o significado das palavras ex its starting point, in opposition to
who are at different stages of their that way of thinking education as a
ra, critica o excesso de informação e a
careers. They seem to be the only ones relation between science and
obrigatoriedade de ter opinião, postu
to make a respectful critique of technology or between theory and
ras que estão na base da “aprendiza
Bourdieu's theory and to propose its practice. To this end, it explores the
gem significativa”. Critica também o
full extension. The first two authors meaning of the words experience and
excesso de trabalho, que não permite a
begin from the concept of habitus, the sense. With respect to the first, it
experiência, e a própria relação traba
last one from that of field. Last but not criticises the excess of information and
lho/experiência. Quanto ao sentido,
least, I intend to make some comments the obligation of having an opinion,
explora-o a partir do sujeito da experi
on how Bourdieu's theory can nourish postures which are at the base of
ência, definido não por sua atividade,
the Brazilian academic debate in this “significant learning”. It also criticises
mas pela abertura para ser transforma
domain. the excess of work which does not allow
do pela experiência – território de pas
Key-words: Pierre Bourdieu, experience and the very relation
sagem, submetido a uma lógica da pai
educational sociology, french work/experience. With relation to sense,
xão. Afirma que o saber da
academic field. this is explored on the basis of the
experiência se dá na relação entre o
conhecimento e a vida humana, singu subject of the experience, defined

Jorge Larrosa Bondía lar e concreta.

168 Jan/Fev/Mar/Abr 2002 Nº 19


Resumos/Abstracts
fatalidade à idéia da formação históri of the monarchic period due to the
ca de um cidadão inexoravelmente fragility of its implantation. Critics of
not by his/her activity but by the passivo, tipo antropológico definitivo, a the tradition of the creation of a strong
readiness to be transformed by marcar os rígidos limites à democra monopoly state in the country are
experience – a human tização da sociedade brasileira. Seria, equally common-place and accord
passageway, submitted to a logic assim, cabal a impossibilidade de a tones of fatality to the idea of the
of passion. It affirms that the escola pública formar cidadãos – to dos historical formation of an inexorably
knowledge of os argumentos em contrário con passive type of definitively
experience is acquired in the sistindo apenas em novas reedições do anthropological citizen, setting rigid
relationship between knowledge and velho mito da demiurgia educacio nal? limits to the democratisation of
human, singular concrete life. Ao tentar reunir os elementos para Brazilian society. The impossibility of
Key-words: experience, knowledge of análise das construções antropo lógicas the public school forming citizens
experience, experience/sense. que estão na base da experiên cia de would thus be proven – all the
cidadania brasileira, esse artigo coloca arguments to the contrary consisting
em perspectiva aquela que sem dúvida only of re-editions of the old myth of
Lílian do Valle é a primeira e a mais central das the educational demiurge? By
Bases antropológicas da cidadania exigências democráticas: a afirmação attempting to unite elements capable
brasileira: sobre escola pública e incondicional e incondicionada da of analysing these anthropological
cidadania na Primeira República igualdade política dos cidadãos. constructions which form the base of
Devido às fragilidades de sua implan Palavras-chave: escola pública, the experience of Brazilian
tação, não são poucos, no Brasil, a tra Primeira República, cidadania. citizenship, this article brings into
tarem o regime republicano como uma perspective what is without a doubt
simples continuação do período mo Anthropological bases of Brazilian the first and most central of
nárquico. Igualmente correntes, as crí citizenship: on the public school and democratic requirements: the
ticas à tradição de constituição, no citizenship in the 1st Republic Many unconditional and unconditionable
país, de um Estado forte e critics treat the republican regi affirmation of the political equality of
monopolizador, concedem cores de me in Brazil as a simple continuation citizens.
Key-words: Public school, 1st PREAL, do BID, do IIPE/UNESCO technical dimensions. This analysis is
Republic, citizenship. e da OREALC/UNESCO, desde based on an examination of
1998 até 2001. publications by the World Bank,
Palavras-chave: reforma educacional, CEPAL, PREAL, BID, IIPE/ UNESCO
Nora Krawczyk América Latina, organismos and OREALC/UNESCO, from 1998 to
A sustentabilidade da reforma internacionais. 2001.
educacional em questão: a posição Key-words: educational reform, Latin
dos organismos internacionais O The sustainability of the educational America, international organisations.
artigo discute temas e questões reform in question: the position of
abordados pelas produções dos orga the international organisations This
nismos internacionais a partir de 1998 article discusses the themes and Victor Vincent Valla
como diferentes dimensões de susten questions dealt with in the productions Pobreza, emoção e saúde: uma
tabilidade das reformas educacionais of international organisations from discussão sobre pentecostalismo e
na América Latina, que oferecem inte 1998 onwards with relation to different saúde no Brasil
ressantes indícios dos aspectos que re dimensions of the No campo de educação e saúde tem
ceberam e continuarão recebendo in sustainability of the educational surgido um debate sobre a origem dos
vestimentos – técnicos e financeiros – reforms in Latin America which offer problemas de saúde, o qual propõe
desses organismos. Pelo menos três di interesting signs of those aspects que a origem desses problemas está
mensões preocupam bastante os orga which have and will continue to basicamente relacionado com as emo
nismos internacionais: a dimensão po receive technical and financial ções mais do que com bactérias ou ví
lítica, a dimensão financeira e a investments from such organisations. rus. A teoria do apoio social sugere
dimensão técnica. Para sua análise, fo At least three dimensions concern the que, se as emoções são relacionadas
ram examinadas as publicações do international organisations: the ao surgimento das doenças, as solu
Banco Mundial, da CEPAL, do political, the financial and the ções também estão relacionadas com

Revista Brasileira de Educação 169

Você também pode gostar