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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Juventudes, desigualdades e a educação


Maria Fernanda Feminella Campos1

A educação da juventude e a sua relação com a escola têm sido alvo de diversos
debates, que muitas vezes, apenas apontam culpados do seu fracasso. Para a escola, o
problema da má qualidade de ensino e até mesmo a permanência da juventude nas escolas
é culpa da própria juventude, no seu desinteresse, irresponsabilidade, falta de perspectiva,
entre outros. Para os jovens, a escola se apresenta distante da sua realidade e interesses.
Contudo, a relação entre a juventude e a escola está para além de si mesma. Para Dayrel
(2007), para se compreender essa relação é imprescindível problematizar a condição
juvenil atual, englobando a sua cultura, demandas e necessidades próprias. Para ele:
Trata-se de compreender suas práticas e símbolos como a manifestação
de um novo modo de ser jovem, expressão das mutações ocorridas nos
processos de socialização, que coloca em questão o sistema educativo,
suas ofertas e as posturas pedagógicas que lhes informam (DAYREL,
2007, p. 1105).

Logo, para compreender sobre a juventude, é necessário apresentar algumas


compreensões. Muitos autores têm prestado contribuições pertinentes em torno do que é
ser jovem. Nas ciências sociais, a juventude é uma categoria complexa de entendimento,
devido aos fatores socioculturais e históricos que assumem percepções diferentes em
determinados momentos e épocas. Segundo Pierre Bourdieu (1983), considerar a
juventude apenas pelo fator da idade é uma questão arbitrária, pois, “somos sempre o
jovem ou o velho de alguém” (1983, p. 2), ou seja, para o autor a noção de jovem e velho
é construída socialmente e oriunda da luta entre os jovens e os velhos. Para ele, existem

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCAR). E-mail: nanda_feminella@hotmail.com.
várias juventudes, incluindo a juventude burguesa e popular, que entre si possuem
diferenças em todos os setores da vida. Ao longo do texto intitulado “A juventude é
apenas uma palavra” (1983), o autor discorre sobre as realidades dos jovens que ao
comparar as condições de vida, mercado de trabalho, administração do tempo daqueles
aqueles que estudam e que trabalham e entre outros fatores, a juventude desses grupos
não será a mesma. Logo, segundo Bourdieu, a juventude não pode ser considerada como
um grupo de jovens que possuem os mesmos interesses e vivem em unidade social ou
idade biológica, pois se assim for, para ele não passará de uma manipulação e abuso de
linguagem e por isso ele declara que a juventude é apenas uma palavra, pois para definir
a juventude é necessário perpassar por processos históricos e socioculturais.
Na perspectiva de Mario Margulis e Marcelo Urresti (1996), a juventude não é
somente uma categoria de idade, mas é uma composição de múltiplas situações da etapa
da vida como: idade, geração, crédito vital e social, além dos marcos sociais e históricos
que por consequência vão condicionar as diferentes formas de ser jovem. Ao longo do
texto intitulado “A juventude é mais que uma palavra”, os autores dizem que a juventude
não pode ser subordinada apenas pelas características biológicas, isto é, pela condição do
corpo, como também não depende apenas dos critérios sociais. Para eles, “(...) la juventud
depende de una moratoria, un espacio de posibilidades abierto a ciertos sectores sociales
y limitado a determinados períodos históricos” (MARGULIS e URRESTI, 1996, p. 4).
Segundo Margulis e Urresti (1996), a partir do século XIX e XX, a juventude passa a ser
vista como uma etapa da vida que possui certos privilégios, isto é, maior permissividade,
configurando assim a moratória social, da qual é desfrutada por jovens melhor
favorecidos socialmente. Por outro lado, os jovens de camada populares teriam sua
moratória social diminuída visto que muitos precisam ingressar prematuramente no
mercado de trabalho e até mesmo assumir obrigações familiares. Para complementar, os
autores apresentam o conceito de moratória vital que diz respeito a um “capital temporal”
ou “capital energético”, isto é, a força, virilidade, segurança, entre outros. Então, a partir
da compreensão de moratória vital e social, o entendimento de juventude não está
condicionado apenas aos fatores sociais ou biológicos, mas sim, pelos dois, conforme já
dito.
A partir do pensamento desses autores, assim como de outros que estudam a
juventude como uma categoria sociológica, é possível compreender que há diversas
considerações sobre a juventude, seja pelo fator biológico, sociológico, histórico, entre
outros. Logo, percebemos como o estudo sobre a juventude é complexo. De fato, há
características que são universais à juventude, como por exemplo, fatores biológicos e/ou
comportamentais. Contudo, considerar que todos os jovens são iguais e vivem a sua
juventude de igual forma é um equívoco, pois a juventude não existe de forma isolada,
logo, é necessário também pensá-la em contraposição à outras gerações, gênero, classe
social e faixas etárias, etc, para que seja possível contextualizá-la e compreendê-la
socialmente. Então, percebemos que o termo mais adequado para se referir é
“juventudes”, pois abrange uma gama de fazer-se jovem nas sociedades, além disso, é
necessário lembrar que há diversas outras circunstâncias que separam o modo de viver a
juventude, como por exemplo, a pobreza e desigualdade.
A contemporaneidade trouxe novas reflexões acerca da juventude, sendo
caracterizada muitas vezes por uma fase da vida de otimismo e descoberta ou até mesmo
um ciclo de irresponsabilidade, rebeldia, dependência e até delinquência.
Assim, deparamo-nos cotidianamente com essas séries de imagens, pré-
conceituações e estereótipos a respeito da juventude e, queiramos ou
não, elas interferem na maneira como a vemos e compreendemos. Uma
das mais tradicionais representações para a faixa etária (o que também
integra o debate) é a sua condição de transitoriedade, de passagem para
a vida adulta, na qual o jovem é um vir a ser, tendo no futuro o sentido
de suas ações no presente. Sob essa perspectiva, há uma tendência de
encarar a juventude em sua negatividade, como algo que ainda não
chegou a ser, negando-se muitas vezes o presente vivido (DAYRELL,
2007, apud, PEREIRA e LOPES, 2016, p. 195).

Além dos jovens vivenciarem diferentes juventudes que, para alguns, possibilitam
melhores condições para um futuro com perspectivas de crescimento, isto é, o “vir a ser”,
seja no sentido profissional, emocional e principalmente educacional, a juventude
também é marcada por um momento de incertezas. Além disso, segundo as autoras, ao
relacionar juventude e escola no Brasil do século XXI, é possível perceber falhas no que
diz respeito à equidade e qualidade da formação. Além disso, os ambientes escolares,
muitas vezes não consideram os sujeitos em sua individualidade e realidade social e, com
isso, não atendem seus interesses e necessidades. Para Lopes e Pereira (2016, p. 197), a
formação humanista é dirigida à elite, já a profissionalizante é destinada à população mais
pobre. Em outras palavras, a elite é destinada ao fazer intelectual e a camada popular é
fadada a ser apenas uma mão de obra. Se considerarmos que função da escola é preparar
o aluno para além da educação formal, isto é, para viver em sociedade, ter um pensamento
crítico e autônomo, valorizar suas competências, entre outros, percebemos que na escola
os alunos e alunas também aprendem a lidar com sentimentos, incertezas, escolhas
profissionais, autonomia, apropriação de si.
Diante do exposto, se considerarmos que há diversas juventudes, pois, ser jovem
não é algo universal, podemos pressupor que a relação entre os jovens e a educação
também será múltipla. Aquele jovem que apenas estuda terá uma determinada
apropriação educacional diferente e possivelmente melhor do que aquele jovem que
estuda e trabalha e, por consequência, o modo de ser jovem será diferente. Assim sendo,
como os jovens de camadas mais pobres poderão aprender a se tornar autônomos e
conscientes da sua (auto)formação se o que é ensinado para eles é somente uma função
tecnicista e utilitarista? Ao considerar a educação para além de um conteúdo formal,
percebo uma convergência de pensamento do filósofo alemão, Jürgen Habermas e Paulo
Freire. Para Habermas, o conhecimento não deve assumir um totalitarismo, isto é, o
conhecimento não deve ser adquirido para que haja domínio sobre o outro, além disso,
para ele, o conhecimento não deve ser tecnicista. Além disso, Habermas diz que a ação
comunicativa é um processo pelo qual os seres humanos buscam o entendimento mútuo,
pelo diálogo racional, em busca de um benefício para todos. Para ele, o diálogo é a forma
na qual nos expressamos e por isso não deve ser reduzido à uma razão instrumental. Logo,
a busca pelo conhecimento não deve ser baseada na busca pelo poder ou domínio, mas na
busca pelo o bem da sociedade.
Assim como Habermas, Freire defende a linguagem como instrumento de
compreensão da realidade, além disso, propõe a relação dialógica como forma de
superação à dominação. Então, considerando as compreensões de Habermas e de Freire,
é possível compreender que os dois autores colocam os sujeitos como atores e autores na
educação e sociedade. Contudo, para que assim aconteça é fundamental conhecer as
realidades expostas. Para Freire, a educação está para além da compreensão de novos
conhecimentos e/ou conteúdo. A educação é uma prática de participação social do sujeito
para o pleno exercício da cidadania, ou seja, para Freire a finalidade da educação é a
liberdade e responsabilidade social e política. Porém, a partir do que já foi tratado sobre
os entendimentos de juventude, visto os diversos fatores que fazem com que haja uma
pluralidade de juventudes, percebemos que há dimensões na vida dos jovens que acabam
por influenciar suas trajetórias de vida e também sua relação com a escola, fazendo com
que muitos jovens não tenham um entendimento de educação para o pleno exercício da
cidadania, autonomia e liberdade.
Percebemos os diversos problemas e dificuldades que os jovens enfrentam, desde
entender e relacionar-se com a sua própria identidade e até mesmo, com sua relação com
a escola, conhecimento, aprendizado, (auto) formação. A forma como a sua juventude é
vivida, de certo, irá impactar no seu relacionamento com o ambiente educacional,
contudo, vale destacar que a escola não irá resolver sozinha as demandas por uma
educação emancipatória dos jovens pobres. Entendo que há uma necessidade de a escola
perceber a pluralidade de juventudes que está lidando, conhecendo suas realidades,
demandas, crises, dúvidas para que seja possível contribuir para uma autonomia da (auto)
formação, autonomia e domínio de seus destinos que, por consequência, possibilita novas
perspectivas de vida e, não somente no contexto escolar, mas na vida em sociedade.

Referências:

BOURDIEU, P. A juventude é apenas uma palavra. In: BOURDIEU, P. Questões de


sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1993. p. 112-12.
DAYRELL, Juarez. A escola" faz" as juventudes? Reflexões em torno da socialização
juvenil. Educação & Sociedade, v. 28, p. 1105-1128, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 51-154.
HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como “Ideologia”. São Paulo: abril S.A, 1975,
p. 303-333.
MARGULIS, M. e URRESTI, M. La juventud és mas que una palabra. In:
MARGULIS, M. La juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud.
Buenos Aires: Editorial Biblos, 1998.
PEREIRA, B. P.; LOPES, R. E. (2016). Por que ir à Escola? Os sentidos atribuídos
pelos jovens do ensino médio. Educação & Realidade, 41(1), 193-216.

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