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O papel da cultura na construção da identidade da juventude brasileira

Débora Neves de Melo1 

INTRODUÇÃO

O presente ensaio objetiva escrever sobre o jovem e sua jornada por protagonismo no
mundo. Ao iniciar a minha jornada pela escrita tomei contato com um artigo jornalístico do
portal Terra que intitulava: “Waka Waka” na Maré: o influenciador Raphael Vicente recria hit
de Shakira para copa. O artigo apresenta o esforço do Raphael em juntar a comunidade da
Maré e gravar o vídeo, com a coreografia da música da cantora e fez sucesso instantâneo na
internet. Ele desabafa: Eu nunca chorei tanto como estou chorando, por causa desse vídeo. A
gravação, a repercussão, os comentários. Nessa semana a Maré teve uma das operações
policiais mais violentas e só tinha isso nas mídias. Poder trazer a real imagem daqui com
esse vídeo é muito importante. Antes de continuarmos vamos contextualizar quem é Raphael.
Morador do complexo da Maré, conjunto de favelas do Rio de Janeiro. Raphael Vicente
acumula cerca de 3 milhões de seguidores no Tic Toc, rede social que o tornou famoso ao
compartilhar conteúdo que produziu ao lado de sua família. Com dose de bom humor,
criatividade e uma pitada de sorte, Raphael se destacou no universo da internet.
Raphael é exatamente o repŕesentante do perfil de jovens que (Oliveira, 2006)
considera que devem ser valorizados mais como produtores, que consumidores de bens
culturais, e iremos recortar o enfoque do acesso a cultura como tema deste texto acadêmico.

DESENVOLVIMENTO

Para alguns autores, situar os adolescentes sobre seu enfoque psicobiológico é tão
importante para compreender as transformações e oferecer suporte às angústias e dilemas do
adolescente, quanto para a família. Neste grupo de autores situou a autora Lídia Rosenberg
Aratangy que assegura que a adolescência se inaugura com a descoberta da solidão (2010,
74). Mas o “estar só” significa estar consigo mesmo, com seus desejos, inquietações,
aspirações e memórias; é uma solidão fecunda.

1
Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica (IFMT), na linha de pesquisa em práticas educativas em
educação profissional e tecnológica (EPT). Especialista em Gestão Pública (UFMT). Tecnóloga em Gestão de
Recursos Humanos (UNOPAR) Atualmente é Servidora do IFMT .
Adolescente pode ser definido sob diversos aspectos, desde o técnico científico da
organização mundial da saúde OMS que define adolescente como ser de 15 a 19 anos cujos
processos biológicos, orgânicos e de estruturação da personalidade estão em
desenvolvimento, até o aspecto jurídico e de direitos humanos que consideram adolescente a
pessoa de doze anos (completos) até dezoito anos, do estatuto da criança e do adolescente
ECA. Considerando que o adolescente, no contexto escolar é mais que um ser psicobiológico
em ação, perdido no tempo entre a ingenuidade da infância e sensatez da maturidade, cujo
frenético desenvolvimento orgânico e cognitivo está em curso, decidimos para oportunizar ao
ensaio um enfoque mais amplo do público em foco, e denominá-los de jovens.

Os jovens, em nossa sociedade, propensa a julgar o que vê pela frente, não está imune
às interpretações crivadas de senso comum, como por exemplo que o jovem é apático,
descompromissado ou mesmo alheio a realidade, imersos em “coisas de jovens”, como se,
nesta fase da vida fossem mais criança que adulto, sem situá-los na fase em que se encontram
realmente, de efervescência, e não somente de hormônios. É na juventude que passamos a
enxergar o mundo e buscar a interligação e a significação do mundo do eu no mundo do
outro, para Severino (2001) a presença do jovem no ensino médio clareia as mediações
históricas no qual ele está inserido e as necessidades da formação para o trabalho, para a
participação social e na vida cultural. Para o autor é a educação que media a concretização da
existência. A compreensão do jovem como uma construção histórica, mais que simplesmente
o adolescente, reduzido aos aspectos biológicos típicos desta fase da vida, é uma aparição
recorrente em artigos sobre a juventude em suas dimensões do trabalho, escola e cultura.

Com o intuito de obter dados, a pesquisa “Juventude brasileira e democracia:


participação, esfera e políticas públicas” realizada com cerca de 8 mil jovens, demonstrou que
o acesso aos espaços de lazer, tais como Shopping centers, cinemas, museus, teatros e centros
culturais são predominantemente acessados pelos jovens das classes A/B e C, estão longe de
ser os espaços de lazer dos jovens da classe D/E e as dificuldades de acesso geradas pelo falta
de dinheiro, as grandes distâncias entre as periferias e os centros de localização destes
espaços sinalizam a origem do problema. No entanto, a mesma pesquisa demonstra que
espaços públicos como as praças são mais acessíveis aos jovens desta classe. As políticas
públicas que garantem os espaços públicos para a vivência de cultura se escasseiam a medida
que os territórios de distanciam do centros urbanos, é o que destaca Paulo Carraro, estudioso
de cultura juvenis e territorialidade, para Carraro, todavia, estamos diante de uma negação de
direitos:
Estamos diante de uma situação de direitos não garantidos: o direito à
fruição cultural, ao divertimento, à cidade. Talvez o direito à juventude seja o
principal deles. Se, por um lado, não se pode pensar a pessoa jovem somente como
aquela que consome a produção cultural de seu tempo, por outro, não pode ficar
isolada, excluída dessa produção cultural. É preciso ter acesso a ela, conhecê-la,
reinterpretá-la e reconstruí-la, como forma de, nessa diversidade, construir sua
identidade. (Oliveira, Silva, Rodrigues, 2006)

A construção identitária que se verifica na juventude marca a atuação daqueles jovens


por toda sua vida. A construção da criticidade e a da participação cidadã e consciente
politicamente, se beneficia em muito deste ambiente de construção e participação que se
vivencia na escola. Um ambiente rico de experiência é indício de um coletivo social pujante e
mobilizador de experiências políticas e sociais. Para Silva, Pelissari, Steimbach, 2013, é
urgente que se re-signifique o espaço-tempo das escolas de ensino médio, favorecendo o
sentido da escola como local privilegiado, ainda que não exclusivo, no qual a identidade
juvenil se constrói. Sob o mesmo ponto de vista, a construção identitária do jovem, numa
perspectiva de formação integral, ou seja, formação humana e profissional, perpassa pela
escola oferecer ambiente de formação que contemple essas perspectivas. Severino (2001) não
se pode formar bem o adolescente se não se criar a oportunidade para que possa
desenvolver-se intelectualmente, que possa lidar com o conhecimento de forma a promover-se
como cidadão pessoal e social. Ao se inserir na escola, especificamente no ensino médio, o
jovem entra em posição de produzir sua identidade a partir da interação que vai vivenciar com
a cultura escolar, o tensionamento desta relação é termômetro importante para a criação e
fortalecimento da identidade do jovem. A produção da identidade, já possui contornos
diferentes da geração anterior, (ABRAMO, 2005) guardando destes apenas resquícios, a
linearidade é substituída pelo caráter multifacetado para a significação das dimensões da vida
do jovem. Este jovem, no contexto dos estudos sociológicos, vai perder a universalidade
biopsíquica e adquire contornos do contexto da vida material que está inserido, trazendo à luz
conceitos de territorialidade, cultura e representação para explicar a formação da identidade
juvenil. Para Carraro (2013) juventude é categoria que ganha contornos históricos, sociais e
culturais distintos, sendo impossível definir jovem sem considerar a conceitos importantes
como classe social, raça, cor, valores simbólicos, religiosos, familiares e contextos de
identidade sexual.
Nesta mesma linha, nas instituições de educação profissional e tecnológica, os jovens
buscam formação para o trabalho. Frigotto (2009) sustenta que os sentidos e significados do
trabalho são resultado das interações sociais, em diferentes épocas. Nessa compreensão, o
trabalho, como atividade essencialmente humana, sobretudo o trabalho que transforma a
natureza, não deve ser reduzido à condição de “emprego” mas de atividade transformadora da
própria vida. Mészáros (2005) corrobora que as soluções não podem ser somente formais,
mas essenciais no esforço de construção da educação para pensar além do capital. No esforço
de compreender o trabalho, “os mundos do trabalho” no movimento histórico-social, destaco
teóricos como Ricardo Antunes (2009, 2020), para quem o trabalho, condição necessária para
a concretização da vida material dos trabalhadores, deve possuir as condições de significação
e significância e que reside na classe trabalhadora, em sua relação metabólica com o capital,
as condições para a superação para além desta relação. Concluído o raciocínio, Saviani (2007)
assegura que na relação com o trabalho o homem constitui-se homem e ao constituir-se
homem produz conhecimento e valida este conhecimento, que é passado às novas gerações.
Em retomada, a escola deve ser o espaço adequado para que o jovem acesse bens
culturais. dessa forma as políticas públicas de fomento à produção cultural é ambiente
profícuo de produção de identidades juvenis, mais coloridas, alegres, solidárias, cosmopolitas
e bem menos cinzas. No cumprimento de sua missão institucional de formar para além do
trabalho, o Instituto Federal de Mato Grosso - IFMT, realizou este ano de 2022 a 4ª edição da
MArte, a mostra de arte e cultura, nos dias 25 a 30 de julho. Trata-se de uma das maiores
mostras de arte e cultura da rede federal, que contou com a participação de estudantes dos 19
campi, difundiu produções artísticas como dança, canto, poesia, teatro, dentre outras
expressões artísticas.

O TEMA DE PESQUISA

O jovem é o público da minha pesquisa, no mestrado. O jovem, no contexto da


escola, e na relação comunicativa que mantém com os outros jovens. O título “Práticas
comunicativas em educação profissional: caminhos para uma comunicação não violenta”
busca compreender como as práticas comunicativas podem mitigar as situações de violência e
conflito, no contexto da escola.
A educação situa-se no contexto social de profunda imersão da condição humana, de
profundo entrelaçamento com o desenvolvimento humano, com a dor, com o conflito, com a
emoção e a ação humana, a produção de conhecimento não precisa, e não deve, estar apartada
da produção de inteligência socioemocional. O tema da pesquisa terá como norteador a
comunicação não-violenta, de Marshall B. Rosemberg e suas técnicas para aprimorar
relacionamentos pessoais e interpessoais. O autor enumera que as estruturas das sociedades
ocidentais, nos conduzem para sermos violentos à medida que não nos ensinam a nos
conectarmos com nós mesmos e com os outros com compaixão, basta verificar os
acontecimentos ocorridos nas cidades Mineiras e do estado do Espírito Santo, nesta semana,
para verificar a necessidade de falar sobre comunicação não violenta. Segundo informações
veiculadas na mídia, o bullying ocorrido na escola, seria a motivação para os ataques, ainda o
ódio, sobretudo racial, que aflorou bastante na sociedade brasileira, desde 2019.
Em virtude de o jovem estar atravessando um momento de afirmação de si mesmo no
mundo, pode apresentar sentimentos contraditórios, inseguranças e receios. O processo da
CNV consiste em chamar atenção para o que está vivo em nós. Chamar atenção dos outros
sobre o que eles fazem que enriquece a nossa vida. O autor assegura que nossas necessidades
são a própria vida em ação, e quando nos desconectamos das nossas necessidades, não
estamos vivos, de verdade. No entanto “necessidades” na CNV não tem o significado de
ausência ou carência de algo, de falta, mas de nossa energia vital, em analogia, seria a água
para o corpo humano, cuja constituição do corpo é em grande parte, composto por água,
líquido se constitui como fonte vital. Para a CNV se desenvolver são necessários a apreensão
de valores como a empatia, a autenticidade, e a capacidade de se expressar, de maneira
respeitosa e empática, respeitando o outro, sem deixar de expressar a nossa necessidade. Uma
maneira de se comunicar utilizando a CNV é sempre ter em mente as necessidades universais
dos seres humanos, desta forma, a vida dos estudantes nas escolas brasileiras possam ser
mais preservadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao refletir sobre o tema, fui tragado de volta às minhas memórias juvenis, no interior
do estado de Mato Grosso, da década de 80. Estranhamente similar o contexto da juventude
da periferia das grandes Metrópoles atualmente, e da interiorana cidade mato grossense
guarda grandes diferenças e algumas similaridades. Não havia acesso à cultura. A dança, a
música, o teatro, tudo eram vistos com maus olhos pela sociedade da época. A única
lembrança que tenho é dos desfiles de 7 de setembro. A prática esportiva e os jogos de futebol
eram considerados satânicos. Considero que a ausência da arte, na construção da minha
identidade juvenil, mediada pela cultura, fez-me muita falta. Consigo sentir o buraço cinza e
vazio, em minha alma. Enxergo que o estado brasileiro evoluiu muito em espaço, políticas
públicas e condições de oferecer ao jovem a oportunidade de acesso à educação e a cultura, no
entanto, não foi um avanço uniforme, pois exclui grande parte dos jovens que cujos territórios
de origem são periféricos ou rurais. Aos jovens das grandes periferias, a saída é produzir a sua
cultura, sua dança, sua expressão cultural e a verdade da sua existência, como faz o Raphael,
do complexo da Maré.
Seguramente, produzir inovação na forma de olhar-se no processo de relacionar-se
com outros seres humanos é, mais que nunca, necessário considerando o contexto social do
país, perpassado por excessos e transformações.

REFERÊNCIAS

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ecria-hit-de-shakira-para-copa,c8602ca4759fbb3260a907bf95c94ed3ynft2e8t.html acessado
em 28.11.2022

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