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A Supervisão de Estágio em
Psicologia Hospitalar no Curso
de Graduação: Relato de uma
Experiência

The Hospital Psychology Probation Supervision in


Graduation Course: an Experience Relate

Carla
Ribeiro Guedes
Maria do Rosário
Camacho
Universidade
do Estado do
Universidade
Rio de Janeiro/
Federal do Espírito
Universidade
Santo
do Estácio de Sá
Experiência

PSICOLOGIA CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2006, 26 (3), 516-523


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PSICOLOGIA CIÊNCIA E
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Resumo: O presente artigo tem como objetivo relatar uma experiência de supervisão de estágio
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em Psicologia hospitalar no curso de graduação. Para essa análise, recorreu-se à própria vivência
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como supervisora de estágio em uma universidade,
12345678 na cidade de Resende, no Estado do Rio de
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Janeiro. Este relato enfocou o período de março de 2003 a julho de 2005, e foi baseado nas
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observações das condutas e nas falas dos estagiários
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12345678 durante as supervisões. Ao longo desse
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período, foram observados 26 (vinte e seis estagiários),
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12345678 que tiveram quatro grandes dificuldades
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durante o processo de estágio: inserção no contexto
12345678 hospitalar, contato com o paciente, atuação
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junto aos familiares e relacionamento com a12345678
equipe de saúde. Para cada um desses impasses,
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foram apresentadas estratégias usadas em supervisão
12345678 a fim de que esses obstáculos pudessem ser
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12345678ocupa um papel fundamental na suplantação
superados. Concluímos que a supervisão de estágio
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das dificuldades apresentadas. 12345678
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Palavras-chave: supervisão, estágio, graduação, Psicologia hospitalar.
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Abstract:The present paper has the objective to relate an experience in hospital Psychology
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supervision in the graduation course. For the 12345678
analysis, we made use of our experience as a
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probation supervisor in a university in Resende, in the Rio de Janeiro State, Brazil. This report
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focused the period between March, 2003, and July, 2005, based on the conduct observations and
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the students’ speech analysis at the supervision encounters. Along the period, 26 students were
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observed; they had four main difficulties during the probation process: their insertion in the
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hospital context, the contact with the patients, the
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12345678actuation with the patient’s relatives and the
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relationship with the health staff. For each one of those problems were presented used strategies
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in supervision to surpass those obstacles. We12345678
concluded
12345678 that probation supervision occupies a
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fundamental place to solve the presented difficulties.
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Key words: supervision, probation, graduation, 12345678
hospital Psychology.
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O presente artigo tem como objetivo relatar O estágio em Psicologia hospitalar é opcional;
uma experiência de supervisão de estágio em o aluno tem um leque de possibilidades de
Psicologia hospitalar no curso de graduação. escolhas tanto na área social quanto na área
Para esta análise, recorremos à própria clínica. Na área social, são oferecidos estágios
experiência como supervisora em uma em Psicologia jurídica, Psicologia
universidade na cidade de Resende, no Estado organizacional, Psicologia escolar e Psicologia
do Rio de Janeiro. da saúde coletiva (abarcando a saúde mental
e a Psicologia hospitalar), por sua vez, na área
O estágio em Psicologia hospitalar, na referida clínica, tem-se a opção das seguintes linhas
universidade, tem como proposta capacitar o teóricas: psicanálise, Gestalt, fenomenológico-
aluno para realizar intervenções psicológicas existencial e cognitivo-comportamental.
o
no Hospital Geral. A partir do 8 período, o
Os estágios ocorrem semestralmente, e, ao
aluno possui o que denominamos de
fim do semestre, o aluno tem a opção de
maturidade acadêmica para ingressar nos
continuar mais um semestre na mesma área
estágios em saúde, ou seja, ele cumpriu um
ou não, podendo realizar até três períodos num
número de disciplinas básicas para começar
mesmo estágio. Trata-se de um estágio
as suas atividades como estagiário e cursou
curricular e todos os estagiários devem estar
outras que são referências teóricas
devidamente matriculados nas disciplinas de
fundamentais para a prática, como as
estágio escolhidas. As supervisões são
disciplinas de Psicologia hospitalar e Saúde
realizadas com um grupo de estagiários na
coletiva, entre outras.
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A Supervisão de Estágio em Psicologia Hospitalar no Curso de Graduação:
Relato de uma Experiência

própria universidade, onde os alunos relatam Relato da experiência


os atendimentos clínicos, debatem sobre os
projetos referentes ao estágio, trocam as O primeiro grande nó observado é a inserção
experiências e abordam as suas dificuldades no contexto hospitalar. O aluno se depara com
e questões relacionadas à vivência na a realidade de saúde pública tão desconhecida
instituição. Como parte de seu processo de ao universitário: a pobreza, a miséria, as filas
avaliação, o aluno deve apresentar dois para esperar atendimento são situações que
trabalhos ao longo do semestre, apresentando os chocam profundamente. Somado a isso,
uma articulação entre a teoria em Psicologia têm que se deparar com o sofrimento físico
do doente, o contato com a dor, o sangue, a
hospitalar e a prática no estágio. Além disso,
morte e os maus odores decorrentes da
os alunos também são avaliados através das
doença (Chiattonne, 2000).
participações em supervisão e do
cumprimento da freqüência no estágio, que
Apesar de esses alunos terem cursado
consiste em 8 (oito) horas semanais ao longo
anteriormente a disciplina de Psicologia
do semestre. hospitalar, onde são alertados para essas
características, observamos que só têm uma
O fato de ser um estágio curricular garante a
real dimensão desses fatores quando iniciam
responsabilização da universidade pelo seguro
o estágio. E, por vezes, é tão impactante, gera
do aluno no desenvolvimento de suas funções tanta frustração e temor que começam a faltar
e insira-o numa instituição conveniada. A ao estágio e à supervisão. Entram num
instituição em questão é um hospital público processo em que esperam ter coragem para ir
voltado para o atendimento de emergências, novamente ao estágio para depois voltar a
localizado na cidade de Resende - que possui freqüentar a supervisão.
cerca de 105.000 habitantes. O hospital possui
enfermarias feminina e masculina, pediatria, Esse tipo de reação é freqüentemente notado
centro de terapia intensiva e pronto-socorro, nos alunos que ingressam no estágio, e o não
espaços onde os estagiários realizam as suas ir à supervisão corta a possibilidade de fala e,
atividades. em conseqüência, de uma elaboração desse
conteúdo. A estratégia que utilizamos para
Metodologia lidar com esse fato é entrar em contato com o
aluno através de um telefonema ou mesmo
Ao longo do período de março de 2003 a julho nos corredores da universidade. O que se nota
é que ele se sente mais à vontade para explanar
de 2005, foram observadas as condutas e as
essa situação a sós com o supervisor.
falas recorrentes de 26 (vinte e seis) estagiários
Estabelecemos uma escuta inicial, mas é
durante as supervisões, os quais apresentaram
estimulado que isso seja colocado no grupo,
quatro grandes dificuldades no processo de
até para que ele possa ouvir, de colegas que
estágio: inserção no contexto hospitalar, já estão no estágio há mais tempo, um relato
contato com o paciente, atuação junto aos de suas experiências, que, por vezes, se
familiares e relacionamento com a equipe de assemelharam ao que ele está passando.
saúde.
Entendemos que o grupo formado por
Abordamos como esses impasses podem ser estagiários iniciantes e mais experientes é
trabalhados em supervisão, apresentando extremamente produtivo, e a cada semestre
algumas estratégias usadas. Assim, novos alunos se mesclam aos antigos. Essa é
pretendemos discutir as possibilidades e limites uma forma estratégica para que os recém-
do ensino da Psicologia aplicado ao contexto ingressos possam contar com a acessoria
hospitalar. daqueles que já têm alguma vivência.
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O aluno, quando expõe sua resistência inicial do semestre, desistem, isto é, não dão
de ir ao estágio, sente-se menos fragilizado, continuidade no segundo semestre de estágio.
uma vez que ouve de seus colegas relatos De 26 (vinte e seis) estagiários que tivemos
parecidos e formas diferentes de se lidar com no período mencionado, 14 (quatorze) não
as dificuldades apresentadas. Por vezes, essa optaram por fazer o segundo semestre de
ambiguidade de sentimentos – o querer fazer estágio, ou seja, 54% dos alunos.
estágio na área hospitalar e o não conseguir ir
– é superada. O segundo problema encontrado refere-se ao
contato com o paciente, que é sempre algo
A monitoria de estágio tem-se mostrado diferente daquele do modelo da clínica
essencial para a inserção do iniciante no tradicional. O espaço institucional não permite
contexto hospitalar. Quando começamos a a privacidade preconizada pelo modelo clínico
trabalhar com esse sistema, introduzíamos o e tampouco os seus atendimentos duradouros.
estagiário no Hospital Geral observando os Além disso, a demanda de quem está no
atendimentos aos pacientes feito pelo monitor Hospital Geral não é o sofrimento psíquico,
-estagiário que está no segundo semestre do mas o físico (Angerami-Camon, 2001;
estágio. Depois de alguns semestres, vimos Chiattone, 2000). “Como realizar um
que esse tipo de estrutura estimulava a atendimento
Observamos que a grade curricular nos últimos eficaz?” “Como ser
dependência e a imitação de estilo do um psicólogo num
terapeuta. Percebemos que alguns estagiários anos tem se modificado. Se, há alguns anos, a ambiente onde
cumpriam um semestre letivo sem que formação estava totalmente voltada para a não há nenhum
prática privada de consultórios particulares, o tipo de
conseguissem realizar atendimentos privacidade e
individualmente. mesmo não ocorre hoje. O aluno tem um cujos
leque de disciplinas que enfocam abordagens atendimentos não
Atualmente, o direcionamento assumido pela sociais como a instituição, a saúde, a área têm
continuidade?”
monitoria é de estimular a autonomia dos jurídica, o trabalho, a escola, entre outras. “Como saber se
estagiários. Acredita-se que o processo de Entendemos que há uma adequação às estou fazendo
aprendizagem implica, inclusive, deixar os demandas do mercado de trabalho, cuja uma intervenção
psicológica ou
alunos passarem por situações desconfortáveis, prática exclusivamente clínica se encontra apenas
como o não saber o que falar numa saturada. No entanto, ainda assim, há a conversando com
intervenção, suportar o silêncio do paciente, permanência, no imaginário do aluno, das o paciente?”
sentir-se perdido no hospital e mal fisicamente referências dadas pela clínica particular.
depois de algum atendimento, enfim,
momentos em que a maioria dos psicólogos Esse talvez seja o outro grande impasse da
da área já passou e é importante permitirmos atuação do estagiário no Hospital Geral.
que os alunos os vivenciem também. “Como realizar um atendimento eficaz?”
“Como ser um psicólogo num ambiente onde
Hoje entendemos que o monitor deve ser uma não há nenhum tipo de privacidade e cujos
referência, alguém que está na retaguarda e atendimentos não têm continuidade?” “Como
não lado a lado, que possa discutir um caso, saber se estou fazendo uma intervenção
dar uma orientação quando preciso e, psicológica ou apenas conversando com o
sobretudo, alguém que não os poupe da paciente?” Essas perguntas aparecem de
realidade hospitalar. diferentes maneiras na fala dos estagiários e
em diversos momentos de sua prática.
No entanto, vemos alunos que, apesar de
todas as táticas desenvolvidas para que possam Partimos do princípio que o trabalho possível
adaptar-se ao trabalho nessa instituição, não em Psicologia no Hospital Geral requer um
estabelecem um vínculo no estágio, e, ao fim desvencilhamento do padrão de atendimento
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clínico tradicional; é necessário romper com no hospital marcada por frustrações, o que
essas referências, sobretudo em relação à acreditamos seja uma das razões que os leva
espacialidade e à temporalidade. Essa ruptura a interromper o estágio quando finda o primeiro
requer um constante exercício de reflexão na semestre.
supervisão; ela só passa a fazer sentido quando
o aluno consegue pensar a sua atuação como O acompanhamento aos familiares é o terceiro
contextualizada numa instituição com ponto delicado no estágio de Psicologia
características particulares e com objetivos hospitalar. A família, ao receber a notícia da
próprios. doença e/ ou hospitalização de um de seus
membros, desequilibra-se, podendo até
As pessoas encaminham-se para o hospital por mesmo desenvolver algum tipo de patologia
razões aleatórias à sua vontade, por uma em decorrência do estresse (Romano,1999).
urgência física, e a cura orgânica é a sua meta. Dessa forma, deve ser assistida e
Desse modo, a Psicologia não pode negar esse acompanhada pelo psicólogo. Ela é importante
contexto e deve trabalhar tendo-o como para nos dar informações sobre o paciente e
parâmetro; assim, a nossa intervenção bordeia também como objeto de nossa intervenção.
o processo de hospitalização e de adoecimento Romano (1999), ressalta que, muitas vezes, a
O estagiário que (Romano, 1999; Chiatone, 2001). Acreditamos desestrutura do grupo familiar é tão grande
não consegue que esse referencial possa colaborar na que não conseguem entender os
romper com o
condução dos atendimentos dos estagiários e procedimentos do hospital e tampouco as
modelo clínico
tradicional tem auxiliá-los nos seus instrumentos técnicos e informações dadas sobre o tratamento de seu
dificuldades em metodológicos de atuação. parente. Nesse caso, é importante que o
abordar os
psicólogo esteja atento a essa dinâmica e
familiares;
normalmente, os Pensamos que as discussões em grupo são ricas, indique à equipe médica qual seria a pessoa
seus atendimentos as pontuações do supervisor também são da família mais centrada para receber as
são
válidas, mas ainda não são suficientes para que instruções diagnósticas e terapêuticas.
exclusivamente
centrados no o aluno suplante o modelo clínico tradicional.
paciente. Para isso, devemos utilizar outros instrumentos O estagiário que não consegue romper com o
na supervisão, como a leitura de livros da área, modelo clínico tradicional tem dificuldades em
e, especialmente, a produção de trabalhos abordar os familiares; normalmente, os seus
visando à articulação teoria/ prática e à atendimentos são exclusivamente centrados
no paciente. A estratégia usada na supervisão,
formulação de projetos. O aluno, ao produzir
além das já citadas acima, é incentivá-lo a ir
um texto, pode melhor organizar seu
nos horários de visita, onde poderá deparar-se
pensamento e elaborar as questões relativas à
com diversos grupos de familiares. Para aqueles
atuação no contexto hospitalar.
que se intimidam com essa sugestão, pedimos
apenas que estejam no local e se apresentem
Notamos claramente quando o estagiário já dizendo que são estagiários de Psicologia, que
incorporou os paradigmas da Psicologia estão à disposição se necessitarem falar sobre
hospitalar; falas como: “eu fiz um o momento de hospitalização e a doença de
acompanhamento desse paciente com seu parente. Entendemos que, se o aluno
começo, meio e fim”, “atendi o paciente como conseguir abrir esse canal de comunicação, um
se fosse a primeira e a última vez”, revelam segundo passo pode até mesmo partir da
que houve assimilação de outras abordagens família do doente. O ambiente hospitalar é,
diferentes da clínica privada. Mas, apesar disso, muitas vezes, hostil; as relações humanas são
há casos de alunos que não conseguem deixadas em segundo plano e, geralmente, os
suplantar o modelo clínico de consultório e familiares estão tão desamparados que a
estabelecem uma relação com os atendimentos possibilidade de alguém oferecer sua escuta
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já é o suficiente para que eles queiram praticamente inexpressiva nesse hospital. Não
expressar-se, falar sobre o momento vivido. há uma sala para guardar os pertences, nem
material de trabalho - caixa de brinquedos para
Durante a nossa vivência na supervisão, atendimento de crianças e relatório de
pudemos presenciar algumas iniciativas dos atendimento psicológico.
estagiários que revelam a consciência da
importância desse tipo de trabalho. Alguns Desde a nossa entrada, em 2003, os
alunos vêm desenvolvendo um estagiários tiveram uma tarefa implícita,
acompanhamento aos familiares de pacientes conquistar um “lugar” para a Psicologia na
do CTI, e a abordagem acontece no corredor, instituição. Assim, o estagiário é estimulado
durante o momento em que aguardam para semanalmente a realizar trocas com a equipe
ver o parente hospitalizado ou mesmo quando de saúde: psicóloga, enfermeiros, assistentes
estão esperando o parecer médico. Também sociais, nutricionistas, médicos e também os
foram desenvolvidas intervenções expressivas funcionários de apoio (recepcionistas,
com famílias na pediatria e nas enfermarias cozinheiros e faxineiros). Um atendimento
do hospital. Mas, apesar das táticas em eficaz no hospital geral não pode dar-se sem
supervisão, há aqueles estagiários que essa rede de pessoas que estão envolvidas
focalizam a atenção quase que exclusivamente com o paciente.
nos pacientes, reproduzindo um modelo
clínico tradicional e negando as especificidades O que notamos é que, com a equipe, à
do contexto no qual estão inseridos. exceção dos médicos, conseguiu-se
Geralmente, esse aluno não dá continuidade estabelecer uma comunicação, embora ainda
ao estágio por não conseguir adaptar-se às haja dificuldades. É importante ressaltar que,
demandas institucionais. quando nos referimos a dificuldades, não
significa que se refiram exclusivamente ao
O relacionamento com a equipe de saúde é o relacionamento entre estagiários e equipe,
quarto aspecto gerador de impasses para o mas às próprias características da saúde pública
aluno. Acreditamos que esse tema possa ser no Brasil: funcionários insatisfeitos com salários
mais ou menos polêmico dependendo da e excesso de trabalho. Talvez esse seja um
inserção da Psicologia no Hospital Geral. Há dos motivos que fazem com que nem sempre
relatos de psicólogos que demonstram a os profissionais se mostrem receptivos e
Psicologia efetivamente fazendo parte da dispostos ao diálogo. Mas, de modo geral, o
equipe interdisciplinar, sendo solicitada pelos estagiário consegue estabelecer um bom
médicos para realizarem atendimentos e rapport com eles.
desenvolverem trabalhos com os demais
profissionais - grupos Balint, estudos de casos O grande impasse ainda é o profissional de
(Romano, 1999). Medicina. Como os médicos da instituição
muitas vezes não se mostram abertos para a
Na instituição conveniada, havia apenas uma troca, o aluno se ressente, e é muito comum
psicóloga, que tinha que responsabilizar-se sentir-se acuado, intimidado diante deles.
por toda a demanda hospitalar, e, no início do
ano de 2005, foi contratada mais uma Podemos dizer que a formação médica é
profissional de Psicologia; esta havia sido nossa completamente distinta da do psicólogo;
estagiária em Psicologia hospitalar. Talvez esse ambos se encontram em paradigmas
excesso de atribuições por tanto tempo totalmente distintos, e, portanto, possuem
direcionado a praticamente uma psicóloga objetos de trabalho e visões de mundo
tenha sido um dos fatores que fizeram com diferentes (Moretto, 2001). O médico é
que a Psicologia, em um âmbito geral, fosse formado para exercer uma medicina anátomo-
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clínica, e procura estabelecer uma relação palestra a todos os funcionários sobre


entre órgão lesado e doença (Foucault, 2001). humanização hospitalar. Essa apresentação foi
Isso faz com que sua prática seja empírica e discutida e ensaiada em supervisão e teve a
baseada num conhecimento objetivo participação de todos os estagiários de
estruturado nas ciências biológicas. O seu foco Psicologia. Também implementamos um
é a doença, e não o doente. Dessa forma, trabalho de humanização na pediatria hospitalar,
todos os referenciais que fogem a esse padrão, onde, através de doações, os estagiários
como os aspectos psíquicos e sociais do coordenaram intervenções no espaço físico.
paciente, são considerados desnecessários e Essa iniciativa mobilizou sensivelmente os
meras especulações metafísicas (Camargo Jr, funcionários da instituição. Enquanto as
2003). Por sua vez, a Psicologia, de uma forma transformações na pediatria iam ocorrendo, a
geral, é construída sobre um objeto não equipe de saúde e técnicos iam conversar com
palpável e invisível, a subjetividade. os estagiários, relatavam o quanto o espaço
estava agradável, chegavam a levar lanches e
Essa reflexão faz-se necessária em supervisão, frutas, fazendo do espaço um local de trocas
e estudar sobre aspectos epistemológicos e interpessoais.
históricos da Medicina auxilia a compreender
as relações atuais entre médicos, pacientes e Essas conquistas junto à equipe tem ocorrido
demais profissionais. Além disso, é preciso de forma lenta, e há períodos em que se
incentivar no estagiário a comunicação com o tornam maiores e, em outros, mais difíceis.
médico sem que isso seja feito de forma
submissa. É interessante que ele peça Considerações finais
informações e esclarecimentos sobre
procedimentos médicos e medicamentosos Com este relato, não pretendemos oferecer
acerca do paciente, e que, assim, possa deixar um modelo para as supervisões de Psicologia
uma abertura para que o profissional de hospitalar nas graduações, até porque
Medicina também esclareça questões relativas entendemos que padrões universalizantes são
aos aspectos psicológicos do doente. sempre complicados, uma vez que
desconsideram as singularidades regionais,
O estagiário mostra-se muito reticente em culturais e sociais.
tomar a iniciativa de abordar o médico;
algumas vezes, ouvimos em supervisão: “nós Nosso intuito foi oferecer um relato sobre a
não precisamos perguntar ao médico, supervisão de estagiários em um curso de
graduação que possui convênio com uma
podemos ver essas informações no prontuário
determinada instituição pública. Ao fazer essa
do paciente”. Apesar de frases semelhantes
consideração, estamos levando em conta que
a essas serem freqüentes no estagiário, vemos
o nosso trabalho possui especificidades e que
que há movimentos de aproximação de ambas
estas não podem ser generalizadas. Mas, ainda
as partes que são, por vezes, tímidos, mas
assim, entendemos que podemos colaborar
atualmente há médicos e outros membros da
para a reflexão da prática supervisionada de
equipe que solicitam ao estagiário de
Psicologia hospitalar em universidades. Talvez
Psicologia atendimento ao paciente e as dificuldades dos estagiários expostas nesse
valorizam o trabalho psicológico junto ao texto, assim como algumas estratégias de
doente. enfrentamento, possam ser identificadas em
alguns outros grupos.
Observamos que o estagiário tem colaborado
na assistência da instituição; os alunos já foram Através dessas linhas, pudemos deparar-nos
solicitados pela direção a apresentarem uma com as dificuldades mais recorrentes de alguns
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estagiários no Hospital Geral, assim como com entanto, tivemos a preocupação de demonstrar
as nossas formas de lidar com elas. Não que, em cada dificuldade que pode ser
pensamos em encerrar esse debate, e sim, superada com estratégias específicas, há
incitar novos pensamentos sobre essa prática alunos que não conseguem suplantá-las. No
nos espaços universitários. nosso caso, vimos que, de 26 (vinte e seis)
estagiários que tivemos nesse período, 12
A formação do psicólogo se dá num tripé: (doze) fizeram dois semestres de estágio, e
estudo teórico – análise pessoal – supervisão, 14 (quatorze) optaram por realizar apenas um
e, desse modo, há que se indagar sobre qual semestre, isto é, 46% optaram por dar
o tipo de trabalho que nós, professores e continuidade ao processo de estágio e 54%
supervisores, estamos realizando. decidiram finalizá-lo em apenas um semestre.
A partir disso, não devemos cair no engodo
Podemos considerar que a supervisão de
da onipotência, pensando que tudo pode
Psicologia hospitalar aparece como um
resolver-se através de boas intervenções junto
instrumento essencial para a formação dos
aos estagiários. Temos inúmeras possibilidades
alunos e para superar as dificuldades
que devem ser exaustivamente discutidas, mas
comumente apresentadas no estágio. Através
também temos impossibilidades. São os
da prática supervisionada, é possível reverter
limites da supervisão que devem ser vistos e
impasses e fazer possível um trabalho que,
reconhecidos como tal.
por vezes, se mostrava quase impossível. No

Carla Ribeiro Guedes


Professora da Universidade Estácio de Sá-RJ
Doutoranda e Mestre em Saúde Coletiva – Instituto de Medicina Social – UERJ
Rua Cinco de Julho, 188/ 304 – Copacabana- Rio de Janeiro – cep: 22051-030
E-mail: carla.guedes@globo.com
Tel.: (21) 2255-2513 (21) 8748-3609

Recebido 06/10/05 Reformulado 29/03/06 Aprovado 06/06/06

Referências
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CAMARGO Jr., K. R. (Ir)Racionalidade Médica: os Paradoxos da Clínica. MORETO, M. L. T. O que Pode um Analista no Hospital ? São Paulo:
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ROMANO, B. Princípios para a Prática Clínica em Hospitais. São
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Psicologia da Saúde: um Novo Significado para a Prática Clínica.
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