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Necessidades Colectivas

O presente texto pretende relevar o interesse que as necessidades colectivas têm no estudo do
Direito Administrativo. Como sabemos, a administração pública pode-se empregar em sentido
orgânico ou subjectivo quando atendemos à organização, estando em causa os complexos
organismos que existem e funcionam para satisfazer as necessidades colectivas. Ou então em
sentido material ou objectivo, quando enfatizamos a sua actividade, visando assim a acção
regular desses mesmos organismos na satisfação dessas mesmas necessidades colectivas.

Existe portanto um denominador comum, as necessidades colectivas, arriscando dizer, que estas
constituem uma necessidade fundamentadora de toda a acção da administração pública.
Importa, primeiramente, fazer um enquadramento das necessidades, definindo e
contextualizando.

O Ser Humano, para perpetuar, necessita de comer, beber, vestir-se, ter habitação,
reconduzindo as suas primeiras acções à supressão destas necessidades, que têm o nome de
necessidades primárias/fisiológicas. Após satisfeitas as primeiras necessidades, a acção de
satisfazê-la e o instrumento de satisfação adquirido criam novas necessidades, estas
secundárias e derivadas das primeiras, podendo ter várias naturezas, económicas, segurança,
sociais ou culturais.
Ora, a perpetuação das relações na nossa sociedade ampliam as necessidades e estas por sua
vez, ampliam as relações sociais que se constituem. É por isto um Universo complexo que
merece atenção por parte de várias áreas do conhecimento, sendo o Direito permeável a elas,
contribuindo para um melhor entendimento e focalização do agir administrativo.

Tendo em conta isto, a administração pública tem presente um conjunto de necessidades, cuja
a sua satisfação é assumida pela colectividade, uma vez que elas carecem da mesma, cabendo
aos serviços organizar e manter os organismos com essas finalidades. Contudo a satisfação
destas necessidades colectivas exigem grandes quantidades de meios materiais e humanos,
desde já a organização de novos serviços públicos mantendo a sua eficiência e eficácia nas
diversas áreas (pessoal, material e financeiro). Assim, onde haja de forma intensiva uma carência
com expressão colectiva, surgirá um serviço público com o objectivo de suprimi-la em nome do
interesse da colectividade. No entanto, nem todos os serviços que visam a satisfação destas
necessidades têm a mesma natureza, uns pertencem ao Estado, como é o caso da polícia e dos
impostos, outros são organismos autónomos que se auto-sustentam financeiramente, no caso
dos correios e linhas férreas.

Mas o que são necessidades colectivas? Como escreveu o Professor Marnoco (no seu Tratado
de Sciência da Finanças) “é muito difícil, porém, dar uma noção de necessidades colectivas”.
Vários autores tentaram, como HERMARN, que dizia que “estas eram as necessidades sentidas
por todos”, ou WAGNER, que escreveu que “estas eram aquelas que um individuo
experimentava como membro da sociedade”. Temos ainda a definição de GHINO VALENTI que
as descreve como “necessidades abstractas, deduzidas com o raciocínio da função especifica
que as diversas entidades morais têm a desempenhar, pelos seus administradores, quer se trate
do Estado, quer se trate das autarquias locais, quer se trate de sociedades particulares...”.

Todas, foram alvo de criticas por parte do autor, apontando à primeira que, “nem todos os
indivíduos da mesma sociedade estão de acordo relativamente aquilo que se considera uma
necessidade colectiva, não havendo tal nível de perfeição, onde todos os indivíduos sintam da
mesma forma o conjunto de necessidades dessa comunidade como necessidades próprias”.
Está subjacente, não um critério de unanimidade mas sim de maioria. A GHINO VALENTI, o
autor aponta, que é “desconhecer a realidade o entender que as necessidades colectivas não
são sentidas pelos indivíduos”, uma vez que estes a sentem, por exemplo, relativamente à
segurança e educação. As necessidades nunca deixam de ser sentidas pelos indivíduos. Não
querendo isto dizer, como SAX , “que as necessidades colectivas correspondem à tendência que
domina o Homem para o colectivismo e que as necessidades individuais correspondem à
tendência do Homem para o individualismo...”. São necessidades colectivas, na opinião do
Professor Marnoco, o estado de insuficiência económica para fazer face aos serviços de
interesse geral que constitui as necessidades colectivas. A realização pessoal e social está
muitas vezes dependentes destes serviços de interesse geral, como é a segurança, educação,
bem- estar económico e social.

Porém, há necessidades que só podem ser satisfeitas pelo Estado como é o caso da segurança.
Surge então uma divisão, primeiramente entre, necessidades individuais e colectivas, onde as
primeiras são satisfeitas pelos particulares singularmente. As colectivas dividem-se ainda em,
privadas ou públicas, estas satisfeitas pelas associações e sociedades e aquelas satisfeitas pelo
Estado.
Esta distinção importa, uma vez que “a satisfação de necessidades individuais e colectivas de
ordem privada constitui objecto dos fenómenos económicos, ao passo, que a satisfação das
necessidades públicas, constitui objecto dos fenómenos financeiros”.

O Estado produz desta forma três categorias de bens, os bens que só satisfazem necessidades
colectivas, os bens que satisfazem tanto necessidades colectivas como necessidades individuais
(gratuitamente ou a um preço inferior ao custo), bens que satisfazem não só necessidades
colectivas mas também necessidades individuais a um custo inferior caso a oferta coubesse às
empresas privadas. Os primeiros tipos de bens e que canalizam para a satisfação de
necessidades colectivas são conhecidos como bens públicos, existem ainda os bens semi-
públicos, sendo estes aqueles que satisfazem as duas ordens de necessidades.

É desta forma, o Estado que decide sobre a existência de necessidades colectivas e a


conveniência da sua satisfação, mais concretamente, os órgãos do Estado que exercem o poder
político (assembleias representativas e governo). Como referido anteriormente, as decisões do
estado não reflectem uma unanimidade nacional relativa aos interesses a prosseguir mas sim
uma opinião maioritária ou minoritária, ressalvado que há sempre uma imposição (legitimada)
das decisões tomadas pelo Estado. Sendo assim, as escolhas das necessidades colectivas tem
um carácter iminentemente político, obedecendo a critérios variáveis consoante correlações de
forças relativas a grupos e classes sociais, podendo por este motivo corresponder à vontade dos
muitos ou só de alguns. Pode-se referir que o Estado é provido de quatro razões para estabelecer
os bens públicos que devem satisfazer as necessidades colectivas:

- Tem uma perspectiva de interesse geral, ou pelo menos, os seus órgãos e os detentores do
poder confrontam-se com a sociedade à luz de critérios de interesse geral.
-Tem uma perspectiva temporal ilimitada e uma capacidade de risco superior à dos outros grupos
ou associações.
-Dispõe de poder de autoridade para impor regras de utilização dos bens e seu financiamento
(coacção, na sua vertente sociológica).
-Tem uma dimensão que lhe permite empreender esforços que não estão ao alcance de
instituições ou pessoas privadas e que a comunidade não consegue resolver com êxito.

Para alcançar estes objectivos e níveis de satisfação a que o Estado se propõe este está
dependente de fenómenos financeiros, mais concretamente, das finanças públicas. Ou seja, o
Estado pretende ver determinadas necessidades saciadas; propõe-se então a produzir esses
bens; essa produção implica despesas; necessitando o Estado de obter receitas para cobrir
essas despesas; portanto precisa de meios de financiamento; sendo estes, preços, empréstimos
e impostos.

Tudo isto depende, obviamente, da organização política, ideologias e modelos económicos que
se pretende elaborar e incutir num Estado. Contribuindo estes elementos, igualmente, para um
maior ou menor alcance da sua acção.

Está assim presente no art 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP) o conceito de


democracia económica, social e cultural, que é a fórmula constitucional para aquilo que
designamos por Estado-Social, traduzindo-se na responsabilidade pública pela promoção do
desenvolvimento económico, social e cultural.

É preciso ter especial atenção ao planeamento do desenvolvimento económico e social, como


também o acesso a todos, em situação de igualdade às prestações sociais (saúde, segurança
social, habitação), educação e cultura. A realização do Estado-Social é um processo de prática
da justiça social e da satisfação das necessidades colectivas, constituindo a melhoria do
panorama social como também aperfeiçoamento do Estado de direito democrático, funcionado
a estabilidade económica e social como elemento adquirido, logo uma necessidade colectiva que
o Estado tem de satisfazer.

O Professor Diogo Freitas do Amaral reconduz as necessidades colectivas a três espécies


fundamentais: a segurança, a cultura e o bem-estar.

Na minha óptica a tripartição é excessiva uma vez que a cultura pode ser integrada no bem-
estar. Esta pode comportar tanto a realidade económica e social, como igualmente, a cultural.
Uma vez que as três áreas referidas obedecem hoje a uma sobreposição e interdependência
mútua.

As necessidades colectivas são assim polarizadas em segurança e bem-estar, integrando


estas a esfera administrativa, dando origem ao conjunto vasto e complexo de actividades e
organismos integrantes do Estado, tendo este o dever de as prosseguir e atingir um grau de
satisfação geral.

Bibliografia:

- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol I, 3ª ed., Almedina.


- Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I.
- J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4ª
ed., Coimbra Editora.
- Marnoco e Sousa, Tratado de Sciência das Finanças, Coimbra, vol. I.
- Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 4ª ed., Coimbra.
-A. L. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., Coimbra.

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