Você está na página 1de 6

Page 1 of 6

Universidade Federal do Amapá


Pró-Reitoria de Ensino de Graduação
Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia
Disciplina: Fundamentos da Filosofia
Educador: João Nascimento Borges Filho

O Pensamento Moderno
Transcendência Cristã e Imanência Moderna
Achamos a característica específica do pensamento clássico na solução
dualista do problema metafísico. Existem o mundo e Deus, mas são separados
entre si: Deus não conhece, não cria, não governa o mundo. Tal dualismo não
será negado, mas desenvolvido no pensamento cristão mediante o conceito de
criação, em virtude da qual é ainda afirmada a realidade e a distinção entre o
mundo e Deus, mas Deus é feito criador e regedor do mundo: o mundo não
pode ter explicação a não ser em um Deus que transcende o mundo. O
pensamento moderno, ao contrário, finaliza em uma concepção monista-
imanentista do mundo e da vida: não somente Deus e o mundo são a mesma
coisa, mas Deus é resolvido num mundo natural e humano.
Consequentemente, não se pode mais falar em transcendência de valores
teoréticos e morais, religiosos e políticos, pois "ser" e "dever ser" são a mesma
coisa, o "dever ser" coincide com o "ser".
É evidente que a passagem da concepção dualista (clássica) à
concepção teísta (cristã) é um desenvolvimento lógico, que se manifesta
especulativamente no desenvolvimento tomista de Aristóteles. Pelo contrário, a
passagem da concepção tradicional, teísta, à concepção moderna, imanentista,
representa teoricamente uma ruptura. O pensamento moderno, todavia,
especialmente o pensamento da Renascença, tem seu precedente lógico no
http://www2.unifap.br/borges

panteísmo neoplatônico, que - após ter-se afirmado como extrema expressão


do pensamento clássico - permanece através de todo o pensamento cristão em
tentativas mais ou menos ortodoxas de síntese entre cristianismo e
neoplatonismo (Pseudo Dionísio, Scoto Erígena, Mestre Eckart, etc.). E, por
outra parte, o pensamento tradicional, helênico-escolástico, aristotélico-tomista,
Page 2 of 6

encontrará nos grandes valores da civilização moderna (a ciência natural, a


técnica, a história, a política) sua integração lógica.
Não se julgue demolir a filosofia medieval, a metafísica tomista, opondo à
sua elementar e fantástica ciência da natureza a ciência moderna com suas
grandes aplicações técnicas, pois não é a ciência natural - capaz apenas de
resolver os problemas da vida material, mas incapaz de resolver os problemas
máximos da vida, espirituais, morais, religiosos - que pode decidir do valor de
uma civilização. E a ciência natural da Idade Média não está absolutamente em
conexão com o pensamento filosófico medieval; o próprio Tomás de Aquino
julgava logicamente que a filosofia podia ser uma só, em adequação à
realidade, ao passo que admitia a possibilidade de uma ciência natural diversa
daquela do seu tempo. Além disso, se, de fato, a escolástica pós-tomista,
decadente, alimentou suspeitas e combateu longamente contra a nascente
ciência moderna, a favor da velha ciência natural aristotélica, a nova
escolástica, isto é, o novo tomismo, não teve dificuldade alguma em aceitar
toda a ciência natural moderna, e, como tal, porquanto esta representa uma
valor infra-filosófico, e, como tal, indiferente à filosofia, à metafísica.
O valor da ciência moderna não é teorético, especulativo, metafísico, mas
empírico e técnico. Tal era também o pensamento do grande fundador da
ciência moderna, Galileu Galilei, que afirmava ser o objeto da ciência não as
essências metafísicas das coisas, e sim os fenômenos naturais,
experimentalmente provados e matematicamente conexos. E destes
conhecimentos experimentais e matemáticos de fenômenos naturais derivava
ele as primeiras grandes aplicações técnicas da ciência moderna. Aplicações
técnicas que possuem também um valor espiritual, o do domínio natural do
homem sobre a natureza: contanto que o homem reconheça, naturalmente,
acima de si e de tudo, Deus.
O que dissemos da ciência, podemos dizê-lo analogamente da história. A
historiografia medieval é, sem dúvida, insuficiente, ingênua, descuidada, pois,
http://www2.unifap.br/borges

era escasso na mentalidade medieval o senso da concretidade e da


individualidade, sem o qual não é possível a história verdadeira e própria. Mas
a concepção medieval da história, que é a cristã e já teve a sua expressão
clássica na Cidade de Deus de Agostinho é perfeitamente conciliável com a
indagação histórica moderna, devendo esta última fornecer à primeira a sua
Page 3 of 6

rica contribuição de fatos, o seu profundo senso histórico, o seu interesse pela
concretidade.
Costuma-se inculpar a civilização medieval por ter aniquilado o estado
nacional concreto, orgânico, para construir uma unidade política grandiosa,
mas abstrata, uma utopia universalista, como o Sacro Império Romano. No
entanto, isto não foi senão uma expressão exterior daquela estrutura profunda
que se chama a cristandade: equivalente civil da igreja católica, capaz de
abraçar os mais diversos organismos políticos. Nem se deve esquecer que
precisamente na comuna medieval se encontra a primeira origem do estado
moderno, interiormente organizado e politicamente soberano. E é na Idade
Média que se formam as grandes nações modernas. Noutras palavras, é na
Idade Média que se formou o Estado distinto da Igreja, mas não leigo,
imanentista, ateu, bem como o laicado distinto do clero e organizado civilmente
em graus de corporações, mas cristão, católico, romano.
Poder-se-ia fazer notar que tal efetiva distinção e relativa autonomia do
Estado (e do laicado) com respeito à Igreja (e ao clero) foram alcançadas
através de uma longa luta contra o predomínio e a invasão destes últimos. Mas
cumpre ter presente que, na alta Idade Média, no período bárbaro, nos séculos
de ferro, a igreja romana e o clero católico desempenharam funções também
leigas e profanas, como, por exemplo, a instrução cultural, a assistência
hospitalar, e até a agricultura, a indústria, o comércio, as comunicações, etc.,
pelo fato de que ninguém estava em condições de fazê-lo. E é devido a isso
que a civilização não pereceu, e foi conservada para a idade moderna. Aliás, a
Igreja católica estava apta e disposta - a prescindir-se das intenções dos
homens e de suas fraquezas fatais - a livrar-se desses cuidados estranhos
gravosos e perigosos para o seu ministério transcendente e sobrenatural,
quando os homens e os tempos estivessem maduros. Basta lembrar, a este
respeito, a atitude da Igreja, praticamente liberal, compreensiva e ativa com
respeito ao Estado, desde os comunas medievais até às grandes monarquias
http://www2.unifap.br/borges

europeias do século XVII e ainda além.


Os Precedentes do Pensamento Moderno
Dada a ruptura lógica entre o pensamento tradicional, teísta, e o
pensamento moderno, imanentista, não se podem achar causas racionais
dessa mudança, mas apenas práticas e morais. Em seguida virá a justificação
Page 4 of 6

teórica da nova atitude espiritual, que será constituída por todo o pensamento
moderno em seu desenvolvimento lógico.
O grandioso edifício ideal da Idade Média, em que a religião e civilização,
teologia e filosofia, Igreja e Estado, clero e laicado, estavam harmonizados na
transcendente unidade cristã, foi, de fato, destruído pelo humanismo
imanentista, que constitui o espírito característico do pensamento moderno.
Este pensamento começa com a prevalência dada aos interesses e aos ideais
materiais e terrenos, com o conseqüente esquecimento dos interesses e ideais
espirituais e religiosos; e torna-se completo com a justificação dos primeiros e a
exclusão dos segundos. É precisamente o que acontece com os homens
inteiramente entregues aos cuidados mundanos: primeiro se esquecem das
coisas transcendentes, e, em seguida, querendo ser coerentes, negam-nas.
Entretanto, se não há causas lógicas do pensamento moderno, há,
porém, precedentes especulativos, que, valorizados pela nova atitude
espiritual, se tornarão fontes especulativas do próprio pensamento moderno.
Tais precedentes especulativos podem ser resumidos desta forma: o
panteísmo neoplatônico, o aristotelismo averroísta e o nominalismo ocamista,
os quais foram-se afirmando contemporaneamente a uma gradual decadência
do genuíno pensamento escolástico (racional, teísta, cristão), especialmente
tomista, com que se acham em oposição. E tal decadência cultural é
acompanhada, por sua vez, pela decadência da Igreja e do Papado - o exílio
avinhonês e o cisma do ocidente.
O panteísmo neoplatônico teve a sua primeira grande manifestação, no
âmbito do cristianismo, com Scoto Erígena. Tentará afirmar-se de novo na
própria época de Tomás de Aquino com Mestre Eckart, o iniciador da mística
alemã. E receberá uma nova original elaboração do Humanismo com Nicolau
de Cusa, que não pouco deve aos precedentes; e, sobretudo, com Giordano
Bruno, o maior pensador da Renascença, o qual depende, por sua vez, de
Nicolau de Cusa. O averroísmo latino afirmara na Idade Média a sua famosa
http://www2.unifap.br/borges

doutrina das duas verdades: o que não é verdadeiro em filosofia pode ser
verdadeiro em religião e vice-versa. Em uma idade cristã, como a Idade Média,
a afirmação religiosa podia Ter a prevalência sobre a negação filosófica;
obscurecendo-se a fé, como na Renascença, devia prevalecer uma concepção
anticristã, aristotélica ou não. O occamismo marca a conclusão lógica da
Page 5 of 6

decadente escolástica pós-tomista, apesar de seus partidários se comprazerem


em denominá-la via modernorum. E, ao mesmo tempo, apresenta um elemento
fundamental da filosofia moderna com o seu empirismo e nominalismo. Nicolau
de Cusa, Telésio, Bruno, Campanella serão também herdeiros do nominalismo
empirista de Occam, que se combina, nos sistemas deles, com uma metafísica
aventurosa de cunho particularmente neoplatônico.
Como é sabido, segundo Occam, o conhecimento humano é reduzido ao
conhecimento sensível do singular e, portanto, ao nominalismo. Consequência
lógica e consciente é a destruição da metafísica, que transcende o mundo
empírico, sensível, bem como da ciência, que é entretecida de conceitos,
impossíveis de nominalismo, de sorte que se esvai da teodiceia, porquanto não
se pode provar racionalmente a existência de Deus, nem conhecer a sua
natureza; e a psicologia racional, pelo mesmo motivo. E, consequentemente,
torna-se impossível a ética racional, porque - sendo desconhecida a essência
de Deus e destruída a do homem - a moral fica reduzida a um conjunto de
preceitos arbitrários de Deus, que o homem tem que observar por fé. Occam
procurará salvar-se do ceticismo - conclusão do seu sistema, com todas as
consequências práticas - mediante a fé. Entretanto é uma posição
insustentável, porquanto a fé - não podendo mais ser um racional obséquio -
torna-se uma adesão cega. Em época de religiosidade ainda viva, esse
fideísmo ocamista pôde praticamente ficar de pé. Mas ruirá quando a fé vier a
faltar, deixando o terreno livre ao empirismo, ao naturalismo, ao nominalismo,
ao ceticismo, imanentes ao ocamismo, e que constituirão tão grande parte do
pensamento a Renascença, da Reforma e também do pensamento posterior.
Os Períodos do Pensamento Moderno
Este grande movimento especulativo, que é o pensamento moderno,
naturalmente não se manifesta na sua significação imanentista senão na
plenitude do seu desenvolvimento. Portanto, manifesta-se através de uma série
de períodos, que se podem historicamente (e dialeticamente) indicar assim:
http://www2.unifap.br/borges

1. Antes de tudo a Renascença, em que a concepção imanentista,


humanista ou naturalista, é potentemente afirmada e vivida. Trata-se, porém,
de uma afirmação ainda não plenamente consciente e sistemática, em que o
novo é misturado com o velho. Este, muitas vezes, prevalece, ao menos na
Page 6 of 6

exterioridade da forma lógica e literária. A Renascença é preparada pelo


Humanismo, e tem como seu equivalente religioso a reforma protestante.
2. A este primeiro período do pensamento moderno, que,
substancialmente, abrange os séculos XV e XVI, se seguem o racionalismo e o
empirismo, que abrangem os séculos XVII e XVIII. Após a revolução
renascentista e protestante, sente-se a necessidade de uma séria indagação
crítica, não para demolir aquelas intuições revolucionárias, mas, ao contrário,
para dar-lhes uma sistematização lógica. É o que fará especialmente o
racionalismo em relação ao conhecimento racional.
3. E outro tanto fará e empirismo em relação ao conhecimento sensível.
Empirismo e racionalismo são tendências especulativas, gnosiológicas,
opostas entre si, como a gnosiologia sensista está certamente em oposição à
gnosiologia intelectualista. Entretanto, concordam em um comum
fenomenismo, pois, em ambos, o sujeito é isolado do ser e fechado no mundo
das suas representações. Não se conhecem as coisas e sim o nosso
conhecimento das coisas.
4. Empirismo e racionalismo, após uma lenta, gradual e silenciosa
maturação, encontrarão uma saída prática, social, política, moral, religiosa no
iluminismo e, portanto, na revolução francesa (Segunda metade do século
XVIII); esta representa a concreta realização do pensamento moderno na
civilização moderna. Esse movimento começa na Inglaterra, triunfa na França e
se espalha, em seguida, na Alemanha e na Itália.

Prof. Borges
http://www2.unifap.br/borges

Você também pode gostar