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Distribuidores exclusivos:

LIVRARIAS EDITÔRAS REUNIDAS

LIVRARIA LER
Rio de Janeiro: Rua México, 31-A

São Paulo: Praça da República, 71


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(2." edição)
O Autor do presente livro, professor de Eco-
nomia na Universidade de Stanford, nos Esta-
dos Unidos, encara o problema do cresci-
mento econômico de um ponto de vista socia-
lista, dando-lhe por conseguinte soluções so-
cialistas. Sem diminuir a gigantesca contribui-
ção do sistema capitalista de produção ao
desenvolvimento econômico, recusa-se a con-
siderar êsse sistema como à realização última
das aspirações humanas, afirmando, ao con-
trário, que o mundo da economia neoclássica
se está desintegrando ràpidamente.
Objetivando sempre dar a conhecer livros
que possibilitem soluções e respostas aos pro-
blemas e indagações fundamentais do nosw
tempo, esta editôra publicou, nesta mesma
série, A Teoria do Desenvolvimento Econômi-
co, do grande economista conservador inglês
W: Arthur Lewis, e Etapas do Desenvolvi-
mento Econômico, de W. W. Rostow, o eco-
nomista norte-americano de maior evidência
na atualidade, conselheiro econômico do fale-
cido Presidente Kennedy e atual chefe do pla-
nejamento' político do Departamento de Esta-
do. Através do estudo das diversas correntes
de opinião sôbre o desenvolvimento econômi-
co proporcionado por êsse conjunto de obras
~ o conservador, o socialista e o do prin-
cipal teórico da política econômica da New
Frontier - acredita esta editôra possibilitar
ao leitor brasileiro conclusões próprias a res-
peito do controvertido assunto que é o cres-
cimento econômico.
Destinam-se tais livros, portanto aos que
acreditam não devam servir as idéias como
meio de perpetuação de um estado de coisas,
mas, ao contrário, como meio de luta por
uma sociedade organizada em bases cada vez
mais racionais, corrigindo erros onde êles even-
tualmente existam. Países como o Brasil, que
começam a mobilizar seus recursos humanos
e naturais, ensaiando os primeiros passos no
sentido de vencer o atrazo e a pobreza que
os entorpecem, só têm a lucrar com ê se
debate.
BIBLIOTECA DE CmNCIAS SOCIAIS I
PAUL A. BARAN

,
A ECONOMIA POLITICA
DO DESENVOLVIMENTO

tradução de

S. FERREIRA DA CUNHA
segunda edição

ZAHAR EDITqRES
RIO DE JANEIRO
Título original:

The Political Economy of Growth


Publicado, em 1957, pela
Monthly Review Press, New York

Copyright © 1957 by Montly Review, Inc.

Capa de
tRICO

.
,

1964
Para meu filho Nicky
Direitos para a língua português a adquiridos por
ZAHAR EDITORES
Rua México, 31 - Rio de Janeiro
que se reservam a propriedade desta tradução

Impresso nos Estados Unidos do Brasil


Prlnted In the United State. of Bradl
íNDICE

Prefácio à Primeira Edição Americana . 11

Prefácio à Edição Americana de 1962 15

CAPITULO I - Uma Visão Geral . 51


I. O interêsse pelas questões. do desenvolvimento econômico, desde
Adam Smith; lI. O desenvolvimento econômico depois da Segunda
Guerra Mundial; IIJ. Os esforços de sobrevivência do imperialismo;
IV. Definição e análise do processo de desenvolvimento.

CAPíTULO II - O Conceito de Excedente Econômico . 74


I. Definição de excedente econômico; II. Evolução do conceito;
111. O trabalho improdutivo; as formas sob as. quais se oculta o
excedente econômico no capitalismo; IV. O excedente econômico
potencial e o planejado.

CAPíTULO IIJ - Imobilidade e Movimento do Capitalismo ,'v[0110-


polista (l) Y' .••.•.••••••• », • • • • • 99
I. Ritmo e direção do desenvolvimento; o modus operandi da
economia capitalista; lI. A economia capitalista e as "condições
clássicas" do desenvolvimento; lI!. O nível de salários; IV. Mono-
pólio, oligopólio e distribuição do excedente econômico; V. Ina-
dequação do investimento privado ao volume de excedente eco-
nômico; a concentração dos lucros nas mãos dos capitalistas; a
anarquia do mercado capitalista; VI. Condições de entrada no setor
industrial; VII. Conclusões.

CAPíTULO IV - Imobilidade e Movimento do Capitalismo Mono-


polista (II) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • .. 147
r: O capitalismo monopolista e o desenvolvimento 'automático; os
dispêndios improdutivos; n. Necessidade de impulso do Estado,
agindo como representante da burguesia; IIJ. O pleno emprêgo
e o funcionamento normal do sistema capitalista; IV. O comér-
cio exterior; V. A política do imperialismo em snas correlações
com a economia; VI. Incapacidade que o capitalismo monopolista
tem para resolver seu problema básico de superprodução e subem-

9
prêgo; VII. Participação do Govêrno na manutenção do nível de
emprêgo; VIII. Precariedade da estabilidade do capitalismo mo-
nopolista.

CAPíTULO V - As Raizes do Subdesenvolvimento 200


I. O capitalismo nos países subdesenvolvidos; a evolução do capi-
talismo nos países hoje adiantados; lI. O caso da índia; a pilha-
gem britânica; III. A evolução do Japão; IV. Razões dessa evolução.

PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO AMERICANA


CAPíTULO VI - A Morfologia do Subdesenvolvimento (1) 233
I. Situação atual dos países capitalistas subdesenvolvidos; ausên-
cia das condições clássicas de desenvolvimento; o setor agrícola:
a necessidade da reforma agrária e seus problemas; Il, Posições , Completou-se o manuscrito do presente volume no outono
relativas do setor agrícola e do setor não-agrícola; 111. Dinâmi-
ca da expansão industrial; o investimento; IV. A emprêsa estran- de 1955. Muito do que tem ocorrido no mundo desde então rela-
geira nos países subdesenvolvidos, suas relações com a fôrça de ciona-se diretamente a alguns assuntos aqui tratados. Depois de
trabalho local, sua contribuição para o desenvolvimento; V. A ex- resistir, por motivos óbvios, à jorte tentação de acrescentar algumas
propriação do excedente econômico pelo capital estrangeiro e as considerações às provas tipográficas, resolvi tentar resumi-las neste
reinversões; VI. O efeito indireto das emprêsas estrangeiras sôbre
o desenvolvimento; VII. Seus canais: monopólios locais, grupos
prefácio.
comerciais e proprietários feudais; a coalizão política e social Os acontecimentos que se desenrolaram no Oriente Próximo e
dêsses grupos; VIII. Objetivos da política externa dos países im- que culminaram com a ação militar anglo-francesa contra o Egito
perialistas.
corroboram uma das principais teses dêste livro: a natureza "irre-
formada" do imperialismo contemporâneo e sua inerente animosi-
CAPíTULO VII - A Morjologia do Subdesenvolvimento (II) 278
I. A apropriação econômica pelo Estado; 11. Os países subdesen- dade contra tôdas as verdadeiras iniciativas em prol do desenvolvi-
volvidos e o petróleo: Oriente Médio e Venezuela; 111. Os países mento econômico das nações subdesenvolvidas. O papel desem-
de soberania recente: os movimentos nacionalistas e a unidade na- penhado nesse conflito pelos Estados Unidos constitui uma de-
cional; a índia; IV. O principal obstáculo ao desenvolvimento não
é a escassez de capital, mas do excedente econômico efetivo; V. monstração da permanente rivalidade entre os países imperialistas
"Capacidade empresarial" nos países subdesenvolvidos; VI. O pro- bem como da crescente incapacidade das velhas nações imperiais
blema demográfico. para manter o seu domínio frente à investida americana, em busca
de maior poder e influência. Nas amargas palavras da revista
CAPíTULO VIII - Desenvolvimento Econômico Rápido 335 Economist, de Londres: "Devemos aprender que já não somos iguais
I. Capitalismo, obstáculo ao progresso; seu processo histórico; aos americanos, e nem podemos sê-Ia. Temos o direito de deter-
perda de validade histórica das suas razões; 11. As atividades minar nossos interêsses nacionais mínimos e esperamos que os ame-
imperialistas nos setores sociais, políticos, ideológicos e culturais; o
ricanos os respeitem. Isto feito, porém, devemos procurar a sua
problema da guerra; III. Primeiro passo para a construção da eco-
nomia socialista: mobilização do excedente potencial; IV. Prin- liderança". (17 de novembro de 1956).
cipais aspectos da planificação econômica; V. :Ênfase na indústria Embora a afirmação da supremacia americana no mundo "livre"
de bens de produção ou de consumo?; VI. Utilização intensiva implique rebaixar a Grã-Bretanha e a França (para não falar
do capital ou do trabalho?; VII. O país socialista e suas re-
lações com o mundo; Conclusão.
na Bélgica, na Holanda e em Portugal) à posição de sócios menores
do imperialismo norte-americano, esta mudança pode ter algumas
conseqüências favoráveis para os países subdesenvolvidos. Trans-
feridas do serviço de uma emprêsa empobrecida para o emprêgo em
um empreendimento próspero, as nações dependentes e coloniais
podem esperar que seu nôvo patrão seja menos rapace, mais gene-
roso e mais previdente. Embora seja duvidoso que esta mudança de-

10 11
litares partes substanciais de minúsculos produtos SOCIaiS. Essa so-
termine alguma diferença fundamental nos problemas básicos do ciedade socialista não somente batalharia contra o desperdício, a
desenvolvimento econômico e social das áreas atrasadas, não é im- irracionalidade e a degradação moral e cultural do Ocidente, mas,
IJ também, daria todo o seu auxílio à solução total do problema. da
provável que ocorra alguma melhoria em seu destino.
necessidade, da fome e da doença nas áreas subdesenvolvidas do
Os acontecimentos recentes nos países socialistas da
mundo. Uma vez estabelecido firmemente o socialismo no Oci-
Europa confirmam ainda mais as proposições expostas (e
dente, destruiria êle, para sempre, as bases e a necessidade de qual-
implícitas) neste livro. As revelações de Kruschev sôbre alguns
quer ressurgimento da repressão social e política que marcou os
aspectos da época de Stalin e os acontecimentos que a elas se se-
primeiros estágios do socialismo no Oriente. Agora, mais que
guiram na Polônia e na Hungriapõem a descoberto, com renovada
nunca, é tempo de nós, socialistas do Ocidente, renovarmos nossa
[ôrça, as agruras do período de transformação de um país a/ra-
dedicação à causa da razão, do progresso e da liberdade, de re-
sado em uma sociedade melhor e mais rica. Atribuir todos os
dobrarmos nossos esforços em prol do socialismo.
crimes e erros, cometidos na União Soviética antes da Segunda
O destino de tôda a humanidade - tanto do Ocidente como
Guerra Mundial e, após ela, em todos os países da Europa oriental
do Oriente - depende dos resultados últimos dêsses esforços. E
e sul-oriental, às pessoas de Stalin, Beria e colaboradores, é pra-
só êles serão capazes de devolver às nações mais adiantadas eco-
ticar o "culto da personalidade" ao contrário. As coisas não são
nômicamente a liderança moral, ideológica e política do mundo
tão simples assim. O sentimento geral - plenamente compreensí-
que lhes foi arrebatada. Somente o progresso dos países a~ian~a-
vel - é que "todo o sistema", na verdade, deve ser responsabiliza-
dos pela estrada da democracia socialista será capaz de por fim
do pelo que iê: a liderança. Constitui, porém, tremendo engano
ao inenarrável sofrimento a que a humanidade tem sido condenada
concluir daí que o socialismo é "o sistema" que deve ser repudiado.
até hoje.
Não é o socialismo que pode ser justamente culpado pelos erros
de Stalin e de seus títeres: é o sistema político que se originou da
necessidade de desenvolver a ritmo extremamente acelerado um país Os aspectos essenciais da matéria de que trata êste livro foran:
subdesenvolvido ameaçado por agressão externa e prenhe de resis- apresentados em uma série de conferências que pronunciei na Um-
tências internas... O aparecimento dêsse sistema político sob as versidade de Oxford, no último trimestre de 1953. Ao fazer a
singulares condições predominantes na Rússia após a subida de revisão do material então usado, introduzi inúmeras modificações,
Hitler ao poder, e nos países do Leste europeu durante os horríveis tanto de forma como de conteúdo. Posso dizer que escrever é
anos da guerra fria, não "prova" que o socialismo é, intrinseca- aprender, pois muita coisa se tornou bem mais clara p!}ra m~n: a~
mente, um sistema de terror e repressão. O que isto significa - longo desta tentativa de transformar as minhas anotaçoes ortgtruus
e eis aqui uma lição histórica de transcendental importância - é em uma apresentação que espero seja inteligível. Não tenho a
que o socialismo em nações atrasadas e subdesenvolvidas manifesta pretensão de ter "esgotado o assunto": o campo é vast~ e. ~ com-
forte tendência para tornar-se, êle mesmo, atrasado e subdesenvol- plicações e implicações que encontramos a cada passo sa.o tnumeras
vido. O que ocorreu na União Soviética e na Europa oriental e nos deixam perplexos. Julgo, porém, que posso aspirar ter de-
confirma a proposição básica do marxismo, segundo a qual o grau lineado os contornos gerais dêsse campo e apresentado um primeiro
de maturidade dos recursos produtivos da sociedade determina "o mapa, cuja principal função, no meu modo de sentir, deve ser a
caráter geral da vida social, política e intelectual". Aquêles acon- de encorajar novos trabalhos e incentivar sua exploração mais detida.
tecimentos, por outro lado, não tornam descabidas as reflexões sõbre Tive a felicidade, durante a elaboração dêste livro, de manter
a racionalidade, a desejabilidade e as potencialidades de uma trans- contato com alguns bons amigos que estão trabalhando e pensando
formação socialista do Ocidente. Bem ao contrário: êles tornam em problemas semelhantes. Sou particularmente grato a Charles
mais evidente a sua extrema necessidade. E isto porque uma so- Bettelheim Maurice Dobb, Leo Huberman, Michael Kalecki, Oskar
ciedade socialista nos países adiantados não seria obrigada a em- Lange e J~an Robinson pela atenção e tempo que dedicaram à dis-
preender "marchas forçadas" pela estrada da industrialização, nem cussão de assuntos relacionados ao tema aqui tratado ou à leitura de
compelida a retirar do consumo popular parcelas ponderáveis de partes ou de todo o original. Suas sugestões e críticas foram extre-
rendas miseràvelmente baixas, ou obrigada a destinar para fins mi-
13
12
mamente valiosas. Quero agradecer, também, a John Racklijfe
que despendeu enorme esjôrço na correção do meu inglês, tentando
tornar meu estilo um pouco acessível. Se êle não obteve suces-
so integral, imagine-se o que seria êste livro não [ôra o seu auxílio.
Agradeço ainda a Elizabetb Huberman, pela preparação do índice
analítico, e a Sybil May e Catherine Winston, pelo acompanha-
mento do trabalho de composição, impressão e edição do livro. A
minha maior dívida de gratidão, porém, é para com Paul M. Sweezy, PREFÁCIO A EDIÇÃO AMERICANA DE 1962
cuja amizade generosa desfruto há aproximadamente duas décadas.
A coragem, a lucidez e a sempre presente devoção à razão que tor-
nam sua obra um dos pontos brilhantes da história intelectual dos Es-
tados Unidos do pós-guerra têm sido para mim uma fonte per- RELENDO êste livro, para preparar-lhe um prefácio às traduções
manente de estímulo e encorajamento. Não há pràticamente ne- francesa e alemã, bem como à nova edição americana, experimen- .
nhum problema aqui examinado que não tenhamos discutido. Julgo to forte sensação de ambivalência. Ocorre-me, primeiro, que talvez
mesmo impossível dizer quais dos pensamentos aqui expressos são não seja muito imodesto, de minha parte, entregar novamente ao
originalmente dêle e quais são efetivamente meus. Nem êle nem leitor êste trabalho em sua forma original. Os acontecimentos
os demais, porém, devem ser responsabilizados pelos erros e con- históricos transcorridos desde que foi escrito, as reflexões e os
fusões que subsistem em minha argumentação. Tais erros e con- estudos posteriores, em parte estimulados pelas críticas a êle feitas,
fusões refletem bem as minhas fraquezas e a minha teimosia. não modificaram minha convicção de que, no todo, a interpreta-
ção que êste livro encerra e a argumentação que apresenta ainda
são totalmente válidas. Mas há também outras considerações -
P. A. B.
relativas não ao todo, mas às partes - menos confortadoras. Se
o tivesse de escrever novamente, procuraria eliminar o que me pa-
Los Altos, Califórnia,
recem, hoje, fraquezas, e desenvolver vários de seus temas de
dezembro de 1956. forma mais geral e mais convincente. No entanto, como a pressão
de outro trabalho, correia to, torna tal coisa impossível, devo, com
reiutância, adotar o princípio de "deixar para trás o que passou",
e procurar resolver o conflito entre o todo e as partes através desta
nota, focalizando os aspectos do livro que mais necessitam recon-
sideração e complementação. A ordem em que os assuntos são
apresentados é determinada não tanto pela sua importância geral,
mas pela seqüência em que aparecem nas páginas dêste volume.

Embora me esforçasse para esclarecer a confusão predomi-


nante sôbre um conceito central da teoria econômica, o da soberania
do consumidor, o êxito que obtive não foi nada espetacular. Há
poucas outras áreas onde as limitações do economista convencional
são tão evidentes e prejudiciais ao entendimento. Comprometido,
de forma irrevogável, com a aceitação da ordem econômica e social

14 15
existente, e pensando exclusivamente nas categorias que refletem
preferências reveladas pelos consumidores proporcionam resultados
as relações de produção capitalistas, até mesmo o mais capaz dos
economistas à inexoràveImente envolvido pelo predicamento básico perfeitamente adequados e não exigem nenhum aperfeiçoamento do
sistema. (2)
de todo o pensamento burguês: a coerção de escolher permanente-
mente entre alternativas igualmente prejudiciais. Como o homem (i Outra corrente conservadora vê o problema de ângulo diferente.
Reconhece que as preferências reveladas pelos consumidores nada
condenado à morte, a quem deram "liberdade de escolha" entre ser !
enforcado ou fuzilado, a economia burguesa sofre eternamente do têm em comum com a noção tradicional da soberania do consu-
problema de determinar se a irracionalidade do monopólio é melhor midor, que a fôrça das grandes emprêsas é capaz de condicionar
do que a anarquia da concorrência, se a acumulação dos meios de o gôsto e as preferências dos consumidores em benefício de seu in-
destruição é melhor do que o desemprêgo, se a desigualdade da terêsse, e que tudo isso tem um efeito prejudicial sôbre nossa eco-
renda e da riqueza que leva à poupança e ao investimento da nomia e nossa sociedade. Diz o Professor CarI Kaysen:
parte dos ricos é melhor do que uma divisão justa e uma grande
redução na poupança e investimento. Da mesma forma, o pro- Um aspecto de seu amplo poder... ... é a posição que os, dire-
tores de emprêsas ocupam como modeladores de gôsto e lançadores de modas
blema da soberania dos consumidores é visto como uma alternativa
para a sociedade como um todo. A influência do mundo dos negócios
entre deixar ao consumidor - por mais sujeito que esteja à barra- sôbre os gostos, vão desde os efeitos diretos, pelo desenho dos artigos
gem da publicidade e à pressão dos vendedores - a liberdade de de consumo, até os efeitos indiretos e mais sutis sôbre o modo de falar
gastar sua renda da forma que melhor lhe aprouver ou ser forçado e pensar transmitidos pelos meios de comunicação em mas-sa - a escola
a aceitar determinados produtos que um "comissário" julgar mais de estilo que todos nós freqüentamos todos os dias... Isso corresponde,
de forma mais sucinta, à afirmação conhecida de que somos uma so-
convenientes para êle, Vê-se fàcilmente que, colocado frente a
ciedade mercantilista, e que a grande emprêsa é a instituição "caracte-
êste dilema, o economista enfrenta, na verdade, uma escolha de rística", ou tal vez estatisticamente típica, de nossa sociedade... (3)
Hobson. Ajoelhando-se temeroso perante a verdade absoluta das
"preferências reveladas" do consumidor, êle se coloca na posição Por mais céticos e realistas que sejam os autores que seguem
difícil de ter de se recusar a formular juízos sôbre a resultante com- tal orientação, colocam a ênfase principal no fato de que tais
posição da produção e portanto sôbre todo o desperdício e tôda a absurdos e calamidades são inerentes à ordem de coisas, que iden-
degradação cultural que caracterizam, de modo evidente, a nossa tificam com o sistema econômico e social do capitalismo mono-
sociedade. Por outro lado, rejeitar as preferências reveladas como polista. "Tocar fundamente na grande emprêsa", observa o Pro-
a ultima ratio em favor de uma série de decisões impostas pelo go- fessor Mason, "é tocar muitas outras coisas". (4) E em nossos
vêrno seria igualmente difícil. Significaria o repúdio de todos os dias, essas "muitas outras coisas" não fazem, definitivamente, parte
ensinamentos da Economia do bem-estar e - o que é mais impor- da agenda do economista.
tante - de todos os princípios da liberdade individual que o eco-
nomista justamente luta para impor.
A reação conservadora a êsse dilema tem duas variantes. Uma . seus caprichos." Steuart Henderson Britt, The Spenders (Nova York, To-
ronto, Londres, 1960), p. 36. Os grifos são do original. Também: "Se o
escola trata o problema negando sua existência. Afirma que o
produto não atende a uma procura ou necessidade do consumidor, a pu-
condicionamento dos gostos e preferência dos consumidores pela blicidade acabará fracassando." Rosser Reeves, Reality in Advertising (Nova
publicidade e pelas fortes pressões das grandes emprêsas no sentido York, 1961), p. 141. O grifo é do original.
de promover vendas não passa de um espantalho ôco, pois com o (2) "O chamado desperdício em nossa economia privada é a forma
decorrer do tempo não há persuasão nem engenhosidade capaz de pela qual as pessoas ganham a vida e, com isso, difundem o bem-estar
modificar a "natureza humana" e impor ao consumidor o que êle entre todos. :l;: a forma pela qual conseguimos nossas belas escolas" hospitais,
rodovias e outras instalações públicas." The Wall Street Journal, 7 de ou-
não desejar. (1) Além disso - continua a argumentação - as
tubro de 1960, P. 16.
(3) "The Corporation: How Much Power? What Scope?", em Edward
(1) "O consumidor hoje é rei ... Os homens de negócios são obri- S. Mason ed.), The Corporation in Modern Society (Cambridge, Mas-
gados a descobrir o que êle deseja e atender a seus desejos, até mesmo a sachusetts, 1959, p. 101.
(4) Ibid., p. 2.

16
17
(
I
/

Não é essa a posiçao do chamado liberal. Considerando as ção para as Comissões de Cidadãos Destacados? É de supor que
preferências dos consumidores como a fonte da irracional distri- o trabalho das repartições regulamentadoras já existentes é bas-
buição de recursos de nossa sociedade, de sua aflitiva condição tante eloqüente para mostrar que a grande emprêsa é quem faz
moral e cultural, o liberal condena o impacto pernicioso da pu- a regulamentação, e não o inverso. Serão necessárias maiores
blicidade, a diversificação fraudulenta dos produtos e a sua obso- provas do que as já existentes, sôbre a ineficiência da Reparti-
lescência artificial; critica a qualidade da cultura proporcionada pelo ção de Alimentos e Drogas, da Comissão Federal de Comércio,
sistema educacional, por Hollywood, pelos jornais, rádio e rêdes da Comissão Federal de Comunicações? (6) Não há, também,
de televisão e, levado por essa indignação, chega à conclusão de qualquer necessidade de mostrarmos o impacto profundo que
que "a escolha não é entre a atribuição da soberania aos consu- sôbre a sociedade tiveram as atividades recentes e os relatórios
midores ou a um planificador central, mas se e como o poder da notória Comissão das Metas Nacionais, ligada ao Presidente
que tem o produtor de ignorar alguns consumidores e influir nas da República. (7) Mas os liberais desconhecem tudo isso. Tra-
preferências de outros deve ser controlado, modificado ou parti- tando o Estado como uma entidade que preside a sociedade sem
lhado sob determinados aspectos." (5) Para isso, êle recomen- dela fazer parte, que determina as metas da sociedade e condi-
da uma lista de "remédios e políticas", que vão desde as medi- ciona sua produção e renda, mas não é afetado pelas relações
das regulamentadoras, como as tomadas pela Food and Drug de produção predominantes e é impermeável aos interêsses que im-
Administration, passando pelo apoio do govêrno à ópera e aos peram, são prêsas de um racionalismo ingênuo que, alimentando
teatros, até a formação de Comissões de Cidadãos Destacados, ilusões, apenas contribuiu para a manutenção do status quo. (8)
cuja tarefa seria influir na opinião pública no sentido de esco- Comparada a isso, a tese do "recuo" - "chegamos... à fron-
lhas racionais e melhor gôsto. teira entre a teoria econômica e política; e não a atravessare-
Por mais decepcionante que isso seja para muitos, não pode mos" - com que o Professor Scitovsky concluiu, há uma dé-
haver dúvida de que na fase presente do desenvolvimento capi- cada, sua magnum opus (9), constitui uma posição relativamente
talista o conservador "realista" com freqüência se aproxima mais defensável.
da verdade que o liberal. Tal como não há sentido em lamen- O liberal não chega nem mesmo proximo à essência do pro-
tar as baixas de guerra sem atacar as suas causas, ou seja, a blema. Em primeiro lugar, sendo um bom keynesiano, êle não
guerra, também não há sentido em fazer soar os alarmes contra pode evitar a incoerência quando recomenda a interferência na,
a publicidade e tudo o que a acompanha, sem identificar clara- ou a redução da, publicidade das grandes emprêsas, e de outras
mente o loeus de onde emana tôda a pestilência: a emprêsa mo- atividades de venda. Quanto a isso, o Wall Street Journal e
nopolista e oligopolista, e as práticas comerciais que evitam a os economistas "realistas" que partilham de suas opiniões estão,
competição de preços e que constituem um componente integral sem dúvida, em terreno mais firme. Pois tôdas essas práticas co-
de seu modus operandi. Como êsse loeus jamais é abordado, merciais "indesejáveis" na realidade promovem e aumentam as
vendas, e direta ou indiretamente ajudam a elevar o nível de
sendo tratado até mesmo como rigorosamente fora do âmbito da
Economia por Galbraith, Scitovsky e outros críticos liberais, já que
nada está mais longe de sua intenção (ou pelo menos de seus
(O) Cf., por exemplo, James Cook, Remedies and Rackets (Nova York,
pronunciamentos públicos) do que "tocar profundamente" a em-
1958) passim; e "Behind the FCC Scandal", Monthly Review, abril de 1958.
prêsa gigante, o que poderemos esperar de suas recomendações
(7) Cf. Goals for Americans, Relatório da Comissão Presidencial sôbre
de juntas regulamentadoras e até mesmo de sua possível nomea- Metas Nacionais (Nova York, 1960), passim.
(8) Uma lúcida exposição da teoria marxista do Estado encontra-se
em Stanley W. Moore, The Critique oi Capitalist Democracy : An lntro-
(5) Tibor Scitovsky, "On the Principle of Consurners' Sovereignty", duction 10 The Theory oi lhe State in Marx, Engels and Lenin (Nova
American Economic Review, maio de 1962. Agradeço ao Professor Scítovs- York, 1957).
ky me ter proporcionado a consulta a êsse trabalho antes de sua (O) Weljare and Competition: The Economics of a Fully Employed
publicação. Economy (Chicago, 1951), p. 450.

18 19
I'

das por uma Madison Avenue todo-poderosa (ou "purificadas" e


renda e de emprêgo. (10) O mesmo ocorre com a venda de maior "enobrecidas" por uma Madison Avenue "ao inverso": juntas re-
número de automóveis, mesmo que estrangulem nossas cidades e gulamentadoras, Comissões de Cidadãos Destacados para a Pro-
envenenem nossa atmosfera, e a produção de armas e a abertura moção do Bom Gôsto): essa opinião reflete o espírito de flexi-
de abrigos. Nenhuma dessas atividades pode ser considerada como bilidade ilimitada do homem, tão característico do "homem do
promotora do progresso e felicidade da raça huma~a, embora terno cinzento", que domina os gabinetes dos diretores das em-
tôdas constituam remédios contra a queda de produçao e o de- prêsas e os departamentos governamentais importantes. Mas nem
semprêgo. (11) Não obstante, a dialética do processo histórico .é tôdas as necessidades são oriundas das exigências biológicas do
tal que dentro da estrutura do capitalismo monopolista as als n: homem ou de uma "natureza humana" mítica e eternamente imu-
abomináveis, as mais destrutivas características da ordem capita- tável: tal conceito é um obscurantismo meta físico que cai frente
lista se tornam as bases mesmas de sua existência - tal como ao conhecimento e à experiência histórica. A verdade é que as
a escravidão foi a conditio sine qua non de seu aparecimento. necessidades das pessoas são fenômenos históricos complexos que
O conservador "realista" mostra-se também superior ao libe- refletem a interação dialética de suas necessidades fisiológicas,
ral em sua compreensão geral do problema da soberania do. ~on- de um lado, e a ordem social e econômica predominante, de
sumidor. Ao advertir contra o impacto exagerado da publicida- outro. (13) As necessidades fisiológicas têm de ser abstraídas, por
de, das pressões de vendas e aspectos semelhantes, sôbre a ?r_e- vêzes, para a análise, porque são relativamente constantes. Uma
ferência e a escolha dos consumidores, coloca-se numa postçao vez feita essa abstração, as necessidades humanas podem (e
de fôrça formidável. Suas declarações de que os consumidores só devem) ser consideradas legitimamente como "sintéticas", isto é,
gostam do que querem e só compram aquilo que querem são,
evidentemente, tautologias, mas como tal são igualmente certas. ".. . determinadas pela natureza da ordem econômica e social sob a
qual vivem os homens. O Professor Wallich não percebe que não
Não se segue disso, na verdade, e como querem certos economis- se trata de ter ou não a ordem social e econômica predominan-
tas, que a barragem da publicidade e das técnicas de venda a
que o consumidor está sempre exposto não tenha influência sôbre
.I te um papel destacado no condicionamento dos "valôres", dese-
jos e preferências das pessoas. Sôbre isso - tendo Robinson
a formação de seus desejos. Não é, porém, exato que tais práti- Crusoe deixado os livros de Economia para retomar, como devia,
I
cas constituam o fator decisivo no condicionamento dos desejos ao seu habitat insular - há um consenso quase unânime entre
do consumidor. O Professor Henry C. Wallich aproximou-se do os estudiosos sérios do problema. A questão é o tipo de ordem
âmago da questão em sua arguta observação de que "argumentar social e econômica que faz o condicionamento, os tipos de "va-
que os desejos criados pela publicidade são desejos sintéticos, e lôres", desejos e preferências que despertam nas pessoas sujeitas à
não autênticos, é ocioso - o mesmo se poderia dizer de todos 'sua influência. O que torna a ordem social e econômica do capi-
os aspectos da existência civilizada". (12) Isso, porém, seria um talismo monopolista tão irracional e destrutiva, tão prejudicial ao
exagêro. As necessidades humanas não são tôdas "sintéticas", cria- crescimento e à felicidade das pessoas, não é por influir, mode-
lar, "sintetizar" o indivíduo - como sugere o Professor Wallich,
(10) Pelo que sei, tal ponto foi ressaltado pela primeira vez no ex-
tôda ordem social e econômica assim o faz - mas sim o tipo
celente trabalho de K. W. Rothschild, "A Note on Advertising", Eco- de influência, condicionamento e "síntese" que elabora em suas
nomic Iournal, 1942. vítimas.
(11) "Atualmente, as autoridades se inclinam para uma nova série A compreensão disso permite nôvo avanço. O mal cancero-
de encomendas. militares, de preferência a obras públicas em massa ou
redução de impostos, se decidirem que a economia necessita de outro
so do capitalismo monopolista não está em dissipar grande parte
impulso." Business Week, 9 de dezembro de 1961. Não é apenas "atual- de seus recursos na produção dos meios de destruição, de permi-
mente" que se evidencia essa "inclinação oficial". Pois "alguns conse-
lheiros gostam da idéia dos abrigos, mas guardam-na para o momento
em que a economia necessitar de um estimulante". Ibid., 4 de novembro (13) Para uma discussão mais ampla dêsse ponto, cf. meu Marxism
de 1961. Os abrigos, portanto, não se destinam à proteção do povo contra and Psychoanalysis (Nova York, 1960), encerrando uma conferência sôbre
a radioatividade, mas contra a depressão e o desemprêgo. o tema, comentários dos críticos e uma resposta.
(12) Citado em Steuart Henderson Britt, op, cit., p. 31.

21
20
tlr [ ernprê as que se dediquem à publicidade liminar e sublimi- pitalismo. Sõmente numa sociedade assim pode o indivíduo deter-
nar, em vender produtos adulterados, em inundar a vida humana minar livremente o volume de trabalho feito, a composição da
com uma diversão imbecilizante, uma religião comercializada, e produção consumida e a natureza das atividades de lazer - livre
uma "cultura" degradada. O mal canceroso do sistema, que faz de vendedores disfarçados cujos motivos são a preservação de seus
dêle um obstáculo formidável ao progresso humano, é não ser privilégios e a elevação de seus lucros.
tudo isso uma coleção de atributos fortuitos da ordem capitalis- E aos meus críticos que ceticamente ou "realisticamente"
ta, mas a própria base de sua existência e viabilidade. Sendo as- ironizam e observam, com condescendência, que a imagem dessa
sim, maiores e melhores Repartições de Alimento e Drogas, uma sociedade é apenas uma utopia, posso responder que se estive-
rêde geral de Comissões de Cidadãos Destacados, e medidas se- rem certos, todos nós - eu e meus críticos - somos utópicos.
melhantes, só podem distender um véu sôbre a confusão existen- Bles, porque acreditam que a ordem social e econômica que de-
te, ao invés de solucionar a própria confusão. Repetindo uma sejam preservar pode tornar-se eterna graças a alguns truques de
comparação anterior: a construção de cemitérios suntuosos e manipulação e algumas reformas superficiais que não tocam nem
monumentos caros às vítimas da guerra não lhes reduz o núme- de leve· a crescente e manifesta irracionalidade, destrutividade e
ro. O máximo - e o pior - que tais atitudes aparentemente desumanidade do sistema; e eu, por acreditar que a humanidade,
humanitárias pode fazer é embotar a sensibilidade do povo à que já conseguiu eliminar o capitalismo de um têrço do mundo,
brutalidade e crueldade, e reduzir-lhe o horror à guerra. conseguirá, com o tempo, concluir essa tarefa hercúlea e estabe-
Voltemos ao ponto de partida desta argumentação. Nem eu, lecer uma sociedade genuinamente humana. Tendo de escolher
nem qualquer outro autor marxista cujos trabalhos conheça, de- essas duas utopias, prefiro a segunda, subscrevendo as belas pa-
fendemos jamais a abolição da soberania do consumidor e sua lavras de Simone de Beauvoir: "Europa socialista, há momentos
substituição pelas ordens de um comissário. A atribuição dessa em que me indago se isso não é uma utopia. Mas tôda idéia ainda
atitude aos socialistas é simplesmente um aspecto da ignorância não realizada se assemelha, curiosamente, a uma utopia; jamais
e da falsificação do pensamento marxista, cuidadosamente cul- faríamos nada, se julgássemos que só é possível aquilo que já
tivadas pelos podêres dominantes. O problema real é totalmente existe." (14)
diferente, ou seja, é o problema de saber se deve ser tolerada
uma ordem econômica e social na qual o indivíduo, desde o
berço, é condicionado, moldado e "ajustado", de modo a tornar-
se uma prêsa fácil do empreendimento capitalista motivado pelo II
lucro, e um objeto passível da exploração e degração capitalistas.
O socialista marxista não tem dúvidas quanto à resposta. Afir- Os Capítulos Terceiro e Quarto, que tratam do capitalismo
mando que a humanidade chegou hoje a um nível de produti- monopolista, requerem um esclarecimento sôbre sua argumenta-
vidade e conhecimento que possibilita transcender a êsse sistema ção. As modificações necessárias não são de grande alcance, mas
e substituí-lo por outro melhor, acredita na possibilidade de de- posso melhorar-Ihes, espero, a coerência e a lógica. Minhas opi-
senvolver uma sociedade na qual o indivíduo seria formado, in- niões sôbre êsse enorme assunto cristalizaram-se no curso do am-
fluenciado e educado não por uma economia determinada pelo plo trabalho empreendido juntamente com Paul M. Sweezy. Os
lucro e pelo mercado, não pelos "valôres" instituídos pelos dire- resultados de nossos estudos e discussões serão apresentados num
tores de emprêsas e pelas ejaculações de seus escribas alugados, livro que esperamos concluir num futuro próximo. (*) O que se
mas por um sistema de produção planificado racionalmente para
o uso, por um universo de relações humanas determinadas e
orientadas pela solidariedade, cooperação e liberdade. Em verda-
(14) Les Mandarins (Paris, 1954), p. 193.
de, sõmente numa sociedade assim pode haver soberania do ser
(*) Trata-se de Monopoly Capital, ainda não publicado, e que será
humano - não do "consumidor" ou "produtor", expressões que traduzido para o português por esta editôra, tão logo seja lançado nos
refletem a fragmentação letal da personalidade humana sob o ca- Estados Unidos. (N. dos E.)

22 23
segue, aqui, limita-se, portanto, a apenas dois pontos que o lei- A situação tornou-se mais complicada com a proliferação
tor deve ter presentes quando chegar à. parte em questão, no do monopólio. V ários economistas - a começar por Marshall,
presente volume. e mais tarde inspirados principalmente pela obra de Pigou -
Afirmei, acima, ser necessário penetrar além da superfície apa- que orientaram suas investigações do ponto de vista do capita-
rente, em relação ao problema da soberania do consumidor. Isso
é válido também para o que considero a chave do entendimento
dos princípios práticos gerais do capitalismo: o conceito do "ex-
cedente econômico". Não consegui explicar isso com suficiente
clareza, o que se deduz pelo fato de ter um crítico tão eminente
quanto Nicholas Kaldor deixado de perceber seu sentido e signi-
I lismo competitivo, julgaram impossível tratar os lucros do mo-
nopólio como custos necessários da produção. (16) Foi, sem dú-
vida, um importante passo à frente; constitui, porém, apenas o
início do que é necessário compreender. Isso se deve à sempre
crescente distância entre a produtividade dos trabalhadores ne-
cessàriamenie produtivos e a parcela da renda nacional que lhes
ficação. (15) é atribuída como salário.
A essência do problema é que o Sr. Kaldor, como todos os Uma simples ilustração numérica pode ser útil. Suponhamos
outros economistas fascinados pelas aparências superficiais da eco- que no período I, cem padeiros produzem 200 pães, dos quais
nomia capitalista, insiste em identificar o excedente econômico 100 constituem seus salários (um pão para cada), e os outros
com os lucros observáveis estatisticamente. Se tal identificação 100 são apropriados pelo capitalista como excedente (a fonte de
fôsse legítima, não haveria necessidade de usar a expressão "ex- seu lucro, e o pagamento que recebe pelo arrendamento e juro).
cedente econômico" e - o que seria evidentemente mais impor- A produtividade do padeiro é de dois pães por homem; a par-
tante - não haveria justificativa para falar de excedentes em cela do excedente na renda nacional é de 50%, o mesmo ocor-
crescimento. O essencial, porém, é que os lucros não são a mes- re com a parcela do trabalho. Vejamos agora o período Il, no
ma coisa que o excedente econômico, mas constituem - para qual a produtividade do padeiro aumentou em 525 %, para
usarmos o que se tornou uma metáfora já gasta - apenas a 12,5 pães, e seu salário elevou-se em 400%, para cinco pães
parte visível do iceberg, estando o resto oculto ao ôlho nu. Lem- por homem. Suponhamos, ainda, que somente 80 padeiros são
bremos que numa fase .inicial do desenvolvimento da economia
política (e do capitalismo), as relações relevantes eram vistas
com muito maior clareza do que no momento. Uma intensa luta
r
(
agora empregados, produzindo ao todo 1.000 pães, enquanto os
outros 20 estão sendo usados da seguinte forma: 5 ocupam-se
em modificar continuamente a forma do pão, um tem a tarefa
teórica foi travada, na realidade, para firmar-se o princípio de de acrescentar à massa uma substância química que acelera seu
que a renda da terra (e os juros sôbre o capital) não são ne- processo de deterioração, 4 homens estudam novos envoltórios
cessàriamente custos de produção, mas componentes do exceden- para o pão, 5 se ocupam da publicidade do pão e a difundem
te econômico. Numa fase posterior, porém, quando o proprietá- pelos veículos de comunicação existentes, um homem observa cui-
rio e o usurário feudal foram substituídos pelo empreendedor capi- dadosamente as atividades de outras companhias panificadoras, 2
talista e pelo banqueiro, seus lucros foram "purgados" do "estig- acompanham os processos legais no setor antitruste, e finalmen-
ma" do excedente e promovidos à condição de. preços necessá- te 2 são encarregados das relações públicas da emprêsa. Todos
rios de recursos escassos, ou de recompensas indispensáveis pela
"espera", "abstinência", ou "risco". Na verdade, a noção mesma
de "excedente econômico", proeminente nas obras de John Stuart (16) Coube a Schumpeter (seguido depois por Berle, Galbraith e
MiII, foi declarada non grata pela nova ciência econômica, que outros) a tentativa de salvar a "honra" dos lucros do monopólio, con-
siderando-os como "custos necessários de produção". ~sse four de force
proclamou serem tôdas as despesas "necessárias", desde que re- foi realizado com a afirmação de que as inovações tecnológicas eram lan-
cebessem a aprovação das preferências dos consumidores, revela- çadas à conta dos lucros do monopólio pelos inovadores, que são os lu-
das pelo funcionamento do mercado em regime de concorrência. cros do monopólio que permitem às emprêsas a manutenção de custosos
laboratórios de pesquisas, etc. Com isso, o vício estático foi transforma-
do em virtude dinâmica, e a última tentativa da teoria econômica de
(15) Cf. sua crítica a êste livro, em The American Economia Re- manter um padrão mínimo para a análise racional do funcionamento do
view, março de 1959, pp. 164 e ss. sistema capitalista foi anulada pelo endôsso total do status quo .

24 25
1 S r ccb m também um salário de 5 pães por homem. Nessas A luz disso, é evidente que a afirmação do Sr. Kaldor, e
n vas circunstâncias, a produção total de 80 padeiros é de 1.000 de outros críticos, de que minha admissão da validade da tese
pães, o salário global dos 100 membros da fôrça de trabalho da de que a parcela de salários na renda permanecia mais ou menos
emprêsa é de 500 pães, e o lucro + renda + juros é de 500 constante num certo número de décadas é totalmente incompa-
pães. (17) Pareceria, a princípio, que nada se modificou entre o tível com minha defesa da teoria do excedente crescente - é
período I e o período lI, exceto pelo aumento do volume total evidente que .essa afirmação reflete apenas sua incapacidade de
da produção. A parcela do trabalho na renda nacional permane- compreender o conceito de excedente. Uma parte constante, as-
ceu firme em 50%, e a parcela do excedente não parece ter va- cendente mesmo, do trabalho na renda nacional pode coexistir
riado. Não obstante, essa conclusão, embora evidente pelo exa- com o excedente .crescente simplesmente porque o incremento
me das estatísticas habituais, seria totalmente ilusória, servindo do excedente assume a forma de um incremento do desperdício.
apenas para demonstrar como podem ser errôneas essas deduções E como a "produção" do desperdício exige trabalho, a parcela
estatísticas. O fato estatístico de que as parcelas do capital e do do trabalho pode perfeitamente crescer, se a parcela do des-
trabalho não se modificam do período I para o período II é ir- perdício no produto nacional elevar-se. Tratar o trabalho pro-
relevante, no que se relaciona com nosso problema. O que acon- dutivo e improdutivo indiscriminadamente como trabalho e equa-
teceu, e que se pode ver fàcilmente, é que uma parcela do exce- cionar os lucros com o excedente é obscurecer essa proposição tão
dente econômico, que no período anterior estava totalmente à dis- simples.
posição do capitalista, como lucro e para pagamento da renda Várias objeções poderiam ser feitas à tese acima. Em pri-
e dos juros, no segundo passa a ser usada para manter os custos meiro lugar, seria possível dizer (e está sendo dito) que não há
de um esfôrço de vendas realizado fora do regime de concor- utilidade em distinguir entre o trabalho produtivo e improduti-
rência de preços - em outras palavras, passa a ser desper- vo, ou entre a produção ou o desperdício socialmente desejável,
diçada. (18) já que não há possibilidade de tornar tais distinções "objetivas"
e precisas. A exatidão da última afirmativa pode ser percebida
prontamente. O fato de que a aguardente e a água misturada
(17) Evidentemente, se o salário dos 20 trabalhadores improdutivos
fôr superior a cinco pães por pessoa - o que seria razoável supor -
numa garrafa não possam ser separadas e de que é impossível
então o salário real dos trabalhadores teria de ser inferior, ou os lu~ros determinar com precisão as proporções em que os dois líquidos
teriam de ser reduzidos, ou ambas as coisas. No primeiro caso, o ex- se combinaram, não altera a realidade de que a garrafa contém
cedente é maior; no caso de lucros reduzidos, continua o mesmo; e se aguardente e água, e que os dois líquidos estão presentes na gar-
tanto o salário dos trabalhadores produtivos como cs lucros forem me-
nores, o excedente se eleva na proporção da redução do salário.
rafa em quantidades definidas. E o que é mais, qualquer que
(18) Incidentalmente, podemos perceber outras coisas interessantes com seja o volume. de líquido na garrafa, podemos afirmar com segu-
essa ilustração simples: primeiro, as estatísiticas habituais tendem a suge- rança que na ausência de um ou de outro dos ingredientes da
rir que a produtividade por homem dedicado à panificação aumentou mistura, ela estaria menos cheia. O fato de não podermos no mo-
menos do que na realidade; com 100 empregados na panificação do pe-
mento separar precisamente o joio do trigo, isto é, identificar sem
ríodo I ou lI, e com a elevação da produção de 200 para 1.000 pães,
a produtividade parece ter subido em 400%, e não em 525%, como na equívoco as dimensões da produção socialmente desejável e do
realidade ocorreu. Na verdade, uma cuidadosa "separação" do denomina- excedente econômico em nossa economia, é em si um aspecto
dor da fôrça de trabalho usado para o cálculo, com a finalidade de limi- importante da ordem econômica e social do capitalismo monopo-
tá-Io aos trabalhadores produtivos apenas, poderia remediar essa deficiên- lista. Assim como o problema da soberania do consumidor não
cia, mas a informação estatística normalmente existente torna impossível
tal ajuste. Em segundo lugar, as estatísticas habitualmente computadas mos-
trariam que os salários aumentaram exatamente na mesma proporção da
produtividade (de um para cinco pães), ao passo que na realidade os nômico" negada oficialmente, e com tôda a distinção sem sentido entre
salários dos trabalhadores produtivos ficaram consideràvelmente atrás do trabalhadores de "produção" e "não-produção" colocada no lugar da di-
aumento de sua produtividade. Não é, evidentemente, por acaso que as ferença essencial entre trabalhadores produtivos e improdutivos, as esta-
estatísticas oficiais dão essa impressão errônea - ela é conseqüência dos tísticas existentes servem antes para obscurecer do que para esclarecer um
conceitos que governam sua organização. Com a noção do "excedente eco- importante aspecto da realidade capitalista.

26 27
,
.,
está na existência de um cormssario que filtre as necessidades
dos consumidores e lhes imponha padrões de gôsto, mas sim de sua miopia irremediável. :e, eerto, sem dúvida, que o investimento
co~o atingir uma ordem social e econômica que leve ao apa- em equipamento produtivo e o investimento em submarinos, o
recimento de um indivíduo orientado em sentido diferente com consumo de livros e o "consumo" de publicidade, as rendas dos
desejos e gostos diferentes, assim também constitui uma incorn- médicos e a dos vendedores de drogas, tudo isso faz parte da
preensão total da questão exigir do economista que apresente uma procura efetiva global e ajuda a manter a renda e o emprêgo.
c.ompilação geral do número existente de trabalhadores improdu- É igualmente claro, porém, que a estrutura do resultante pro-
tivos e. d? volume e das formas de desperdício. À parte o fato, duto, consumo e investimento exerce profundo impacto não ape-
nada trivial, de que nas condições predominantes não há (e não nas na qualidade da sociedade e no bem-estar de seus membros,
pode haver) a informação e o conhecimento que permitiria a mas também no seu crescimento e nas suas possibilidades de desen-
elaboração dêsse "catálogo", nenhum economista, por mais en- volvimento. E mais, embora há algumas décadas tivesse sido possível
genhoso, poderia julgar-se uma espécie de czar, com podêres para argumentar que, havendo escassez de emprêgo racional, qualquer
estabelecer os critérios de processos de separação. Sõmente uma emprêgo - por mais irracional, como por exemplo abrir bura-
soci~dade socialista - na qual as pessoas não são governadas pelo cos no chão - é melhor do que nenhum emprêgo, até êsse pre-
motivo de lucro, e na qual o indivíduo não está sujeito aos "va- cário confôrto já não existe hoje, quando a alternativa ao de-
lôres" e costumes do mercado, mas sim da consciência que sur- semprêgo já não é a inocente abertura de buracos, mas o nada
ge de novas relações socialistas de produção - é que dará ori- inocente armazenamento de meios de destruição. (10)
gem a uma nova estrutura de preferências individuais e a um Outra objeção apresentada foi a de que, embora tudo o que
nôvo padrão de distribuição de recursos humanos e materiais. acima foi dito possa estar certo, não devemos esquecer que é pre-
Tud? o que ,? cientista social pode fazer, em relação a isso, é
J
cisamente devido à irracionalidade e ao desperdício que caracteri-
s:rvlr como a coruja de Minerva (de Hegel) que começa seu zam o capitalismo monopolista que se mantêm os altos níveis de
vo~ ao entardecer", e assinalar, orbi et urbi, que a ordem social renda e emprêgo, que se promovem consideráveis níveis de in-
esta fatalmente enfêrma e agonizante. As formas concretas e os vestimento e se obtêm certas taxas de crescimento econômico, em-
princípios práticos daquilo que se está tornando realidade e as bora baixas. Tal argumentação se assemelha à recomendação de
especif!cações exatas ~as t~ansformações que a nova sociedade pro- deitar fogo à casa para assar o leitão. O pior é que não' se pode
movera podem ser visualizados em conjunto, mas não determi- ter certeza de, no processo, "assar o leitão", e que, parafrasean-
nad?~ com precis.ão pelos economistas e estatísticos, por mais do J. K. Galbraith, (20) tais aumentos de riqueza que ocorre-
habilidosos que sejam. Isso deve ficar a cargo da prática social ram sob o capitalismo monopolista nos Estados Unidos serviram
dos que lutarão e estabelecerão a ordem socialista. para tornar a irracionalidade do sistema "sem importância". Cer-
De natureza diversa é outro argumento levantado contra a tamente, não é sem importância o fato de que mesmo depois
t:oria do excedente crescente. Em essência, afirma que a distin- da Segunda Guerra Mundial - durante o que C. Wright Mills
çao entre a produção socialmente desejável e o excedente eco- chamou, com justeza, de anos da "Grande Celebração Americana"
nômico é irrelevante, mesmo que pudesse ser estabelecida com - em pelo menos metade do período (1948-1949, 1953-1954,
tôda a precisão necessária. Como o nível satisfatório de renda e 1957-1958, 1960 até hoje) o desemprêgo oficialmente reconh~ci-
e~pr~go depende de um volume adequado de dispêndio global,
nao Importando qual seja o objeto dêsse dispêndio, a questão (19) Uma exposiçao mais detalhada dêsse aspecto encontra-se em
de provocar êle. um produto útil ou o desperdício, de empregar '; Paul A, Baran, "Reflection on Underconsumption", em Moses Abramovitz
trabalho pr~dutIvo ou improdutivo é posta de lado, como não e outros, The Allocation of Economic Resources (Stanford, Califórnia,
tend~ relaçao com as "condições econômicas", e com as pro- 1959); incluído também em Shigeto Tsuru (ed.), Has Capitalism Changed?
An International Symposium on the Nature oj Contemporary Capitalism
porçoes em que o capitalismo monopolista pode proporcionar
(Tóquio. 1961).
"plenitude" de emprêgo. Bsse raciocínio, por mais convincente v" (20) American Capitalism: the Concept oj Countervailing Power.
que seja, assemelha-se às análises keynesianas a curto prazo, pela [Publicado por esta editôra, na Biblioteca de Ciências Sociais, sob o tí-
tulo Capitalismo],
28
29
do pelo govêrno era de aproximadamente CInCO milhões de pes- rio relaciona-se com minha OpInIaO sôbre as inovações e o pro-
soas, e segundo os sindicatos não inferior (e provàvelmente su- gresso tecnológico sob o capitalismo monopolista, então apresen-
perior) a seis milhões. ada. Embora ainda acredite na veracidade básica da afirmação
Nem podemos ignorar, como "sem importância", o fato de e Steindl, por mim subscrita, de que o progresso tecnológico
que na sociedade que se convencionou chamar de "abastada", a inovação são uma função do investimento, e não o inverso,
aproximadamente um têrço das pessoas vive em condições de dediquei espaço insuficiente à inegável interação dialética ?OS
pobreza abjeta, e que pelo menos um quinto de tôdas as famí- dois processos. Não só a pesquisa institucionalizada e as equipes
lias americanas (e uma proporção duas vêzes maior das famílias que se ocupam do aperfeiçoamento das emprês~s gigantes, o~e-
americanas de côr) habitam cortiços miseráveis, inferiores a qual- ram, em certas proporções pelo menos, com um Impulso propno,
quer padrão. E se deixarmos de lado as frias estatísticas e exa- e produzem inventos e aperfeiçoamentos técnicos como tarefa r~-
minarmos as condições concretas em áreas específicas, a tragédia tineira, (23) como também, e o que é mais importante, a orgam-
humana encontrada desafia descrição. "Numa área de cortiços com- zação militar que se tor~ou um componente perm~ne~te e grande
posta quase que totalmente de negros, numa de nossas maiores do capitalismo monopolista, transformou-se num estímulo exter-
cidades", escreve um antigo Presidente da Universidade de Har- no" em constante função, para o investimento e para o progres-
vard, James Bryant Conant, "constatou-se a situação seguinte: so tecnológico. Como a procura do militar substituiu, em propor-
um total de 59% dos jovens entre 16 e 21 anos estavam sem ções consideráveis, a procura do provável investidor, assim a se-
emprêgo e sem escola. Vagavam pelas ruas ... " (21) qüência dos "sputniks" e "luniks" soviéticos substituiu algumas das
funções da "brisa perene" da concorrência. Isso não significa um
Tudo o que podemos dizer quanto à objeção que analisamos
regresso à posição de Schumpeter, ~ara o ,qual o pr?gress? ,tec-
é que o desenvolvimento do capitalismo em geral e de sua últi-
nológico era um deus cum machina autonomo : 1l1eXp~Icave~.
ma fase - o capitalismo monopolista - em particular, não criou
Nem significa que o progresso tecnológico determina o investi-
nada que se assemelhe a uma boa sociedade, (22) embora tenha
mento, de forma que o progresso do conhecimento se traduza, re-
produzido as potencialidades objetivas para o aparecimento de
gularmente em novas instalações de produção. Sugere, porem,
tal sociedade. A expansão prodigiosa das fôrças de produção ocor-
que a consolidação das atividades de pesquisa e aperfeiçoamento
rida durante o período do imperialismo, embora um subproduto
dentro da estrutura das emprêsas gigantes, combinada com um
da guerra, da exploração, e do desperdício, lançou realmente as
influxo seguro de procura militar, cria certas oportunidades de
bases da sociedade abastada do futuro. Mas tal sociedade não
investimento que sem isso não existiriam. E a importância da na-
pode surgir sob o domínio de uma oligarquia que administra os
tureza militar da procura, bem como da natureza monopolista
vastos recursos da sociedade em benefício de umas poucas em-
e oligopolista da oferta, expressa-se com extrema precisão na
prêsas gigantes, e com o propósito de preservar o status quo. Tal
seleção das potencialidades tecnológicas utilizadas, bem como na
sociedade só se pode tornar realidade quando seus recursos abun-
rejeição das que permanecem nos arquivos dos cien.tista! e eng:-
dantes forem administrados por uma "associação humana na qual
nheiros. Tanto o lento progresso observado na aplicação econo-
o desenvolvimento livre de cada qual é a condição para o desen-
mica da energia atômica como o progresso incerto da automa-
volvimento livre de todos."
ção justificam a proposição de que sõmente é aceito pelas em-
Isso me leva ao segundo comentário que desejo fazer sôbre
prêsas monopolistas e oligopolistas o progresso técnico que tam-
os capítulos dedicados ao capitalismo monopolista. Esse comentá-
bém é exigido pela organização militar, ou que reduz acentua-
damente os custos sem aumentar indevidamente a produção.
(21) Slums and Suburbs: a Commentary on. Schools in Metropolitan
Areas (Nova York, Toronto, Londres, 1961), pp. 33 e s.
(22) Não é êste o local para uma descrição e uma análise mais
detalhada da qualidade da sociedade capitalista monopolista. Tal descri-
ção é feita em meu livro, escrito em colaboração com Paul M. Sweezy, (23) Cf. Paul M. Sweezy, "Has Capitalism Changed?", in Shigeto
sôbre o assunto. Tsuru (ed.), op. cit., pp. 83 e ss.

30 31
1
mie que constitui uma grande parcela da renda nacional,
rei nnnd apena baixas rendas per capita a seus beneficiá-
III

Voltamo-nos, agora, para os países subdesenvolvidos. Gost':. I )


ri s. N prírn ir eu , os cxpropriadores podem ser expropria-
d s c m r lutlva Incilidadc, e eu destino, depois da expropria-
C nstitu! um problema social importante; sendo pouco
I
ria de acrescentar uma ressalva e uma reafirmação aos Capítu:·· J j
ncontram crnprêgo, emigram ou se aposentam, para
los Quinto, Sexto e Sétimo, que tratam de um dos três temas sobrou de suas fortunas. No segundo caso, porém,
dominantes de nossa época (os outros dois são as vicissitudes do os r Ipl nt do excedente, sendo muitos, constituem uma fôrça
capital monopolista durante seu atual período de declínio e que- lul p lítica importante; e, uma vez privados de suas ren-
da, e as perspectivas das sociedades socialistas que nascem na das, apr cntam um sério problema social. Na verdade, mantê-
Europa e Ásia). (24) A ressalva está relacionada com a aplicabi- I alé me mo num nível mínimo por meio de assistência ou de
lida de da teoria geral, apresentada neste livro, a algumas áreas rnpr g criados artificialmente seria anular grande parte das
densamente povoadas, daquilo que Marx chamou de "modo de vantagcn obtidas com a expropriação.
produção asiático" - notadamente na índia e Paquistão. Nessas
Tais problemas são sérios, e embora não os ignorasse ao es-
regiões do mundo subdesenvolvido, disseram vários críticos, bem
crever êste livro, (25) talvez não tenham recebido a atenção e a
poderia ser possível comprovar, com alguma exatidão, a magni-
ênfase suficientes. Não creio, porém, que o reconhecimento de
tude do excedente econômico apropriado pelos latifundiários, usurá-
rios e intermediários comerciais de todos os tipos, mas seria to- sua importância inutilize a abordagem básica das questões en-
talmente impossível canalizar tal segmento do excedente para o frentadas pelos países subdesenvolvidos, e que delineei aqui. Sig-
investimento produtivo, mesmo depois que essas camadas para- nifica que em certos países a passagem para a estrada aberta do
sitárias tiverem sido varridas por uma revolução social. Tal opi- crescimento econômico e social é mais difícil do que em outros,
que os obstáculos a serem superados serão, em certos lugares,
nião baseia-se em dois tipos de considerações. Primeiro, argumen-
ta-se, um govêrno revolucionário que adotasse as medidas de mais formidáveis do que em outros. Bem pode ocorrer, na rea-
lidade, que nos países particularmente assolados pelos desacertos
expropriação necessárias não poderia colocar-se no lugar dos la-
estruturais acima descritos, a estratégia do desenvolvimento tenha
tifundiários, dos usurários e dos ambiciosos comerciantes elimina-
dos pela própria revolução que colocou tal govêrno no poder, de ser diferente da empregada nas sociedades de estrutura mais
Politicamente eliminada a possibilidade dessa transferência na des- favorável. A famosa lei do desenvolvimento desigual de Lênin
tinação do excedente, as medidas de nacionalização e confisco sugere não somente que o processo histórico é diferente nas di-
não levariam a um acúmulo de um excedente investível nas mãos ferentes sociedades, mas também que o estágio atingido em qual-
do govêrno revolucionário, mas sim o levaria ao consumo de- quer momento dado difere de país para país. Não existe, assim,
sesperadamente insuficiente do camponês. O segundo ponto é o nenhuma fórmula geral aplicável a tôdas as situações, a despeito
de que num país subdesenvolvido no qual o excedente econômi- do tempo e do lugar, e nada estêve mais longe de minha inten-
co beneficie a um grupo de exploradores numericamente insignifican- ção do que afirmar a existência de semelhante vara de condão.
te (como ocorreu nos países com um sistema feudal clássico e/ ou Consideremos por exemplo um país no qual exista um certo
aos dominados por um punhado de monopolistas internos ou ex- núcleo de uma economia industrial e onde o campesinato, seja
ternos) a situação é muito diferente da predominante numa so- explorado pelos kulaks, ou mantido em servidão pelos senhores
ciedade em que uma camada constituída de milhões de kulaks, feudais, tem intensa fome de terras, ansiando pela sua posse.
senhores de aldeias que emprestam dinheiro, pequenos comercian- Nesse país talvez seja possível provocar um razoável volume de
tes, intermediários se apropriam, em conjunto, de um excedente excedente econômico via setor industrial da economia. Se, alêm
disso, o país é relativamente pequeno, de modo que o auxílio

(24) Depois de escrito êste livro, a América Latina juntou-se às


regiões do mundo onde o socialismo começa a existir. (25) Cp, pp. 237 e SS., e pp. 349 e ss.

32 33
menos produtivas e adotando-se outras mais compensadoras, então, sociedade capitalista, e se esforcem por introduzir modificações
somente a planificação deliberada, a longo prazo; pode propor- de grande alcance na economia nacional. Nesse caso, a Junta pro-
cionar a consecução dêsses objetivos. Quanto a isso, não há ne- vàvelmente encontrará a resistência tenaz e a sabotagem da parte
nhuma grande discordância entre os que estudaram a sério o as- da classe dominante, pouco poderá fazer e terminará num esta-
sunto. (27) E o que talvez seja mais importante ainda, quanto
a isso não há dúvidas no registro histórico. As estimativas mais
conservadoras da taxa de crescimento nos países socialistas foram
da ordem de 10% ao ano, enquanto no países capitalistas -
desenvolvidos ou não - ela raramente ultrapassou os 3%, ex-
I do de frustração e impotência, tendo como subproduto o des-
crédito da própria idéia da planificação, aos olhos de uma grande
camada da população. A terceira alternativa é a de que a plani-
ficação se transforme no grito de guerra de um amplo movimen-
to popular, seja defendida contra a oposição dos beneficiários
ceto em circunstâncias extraordinárias de surtos decorrentes da do ancien régime e transformada no princípio orgânico básico
guerra e da reconstrução de pós-guerra. da economia por uma revolução social vitoriosa, que derrube a
O segundo ponto de importância crucial é que nenhum pla- antiga classe dominante com a propriedade privada dos meios de
nejamento digno dêsse nome é possível numa sociedade em que produção de que dependia ela.
os meios de produção permanecem sob contrôle dos interêsses É possível levantar-se a objeção de que tudo isso pode ocor-
privados, que os administram visando ao lucro máximo do pro- rer, se a premissa básica fôr, realmente, a necessidade do desen-
prietário (ou a segurança, ou qualquer outra vantagem particular). volvimento econômico rápido. Mas para que pressa? Por que essa
Faz parte da essência mesma do planejamento geral para o de- "obsessão" com o desenvolvimento econômico, para usar uma
senvolvimento econômico - o que o torna, na verdade, indis- expressão de um autor recente sôbre a economia soviética? A
pensável - o fato de que o padrão de distribuição e utilização simples indagação dessas questões reflete a distância intelectual
de recursos que impõe é necessàriamente diferente do padrão pre- dos observadores ocidentais das condições de vida nos países sub-
dominante sob o status quo. Como, porém, o padrão predomi- desenvolvidos e o estado de espírito dos povos que as têm de su-
nante da distribuição e utilização de recursos corresponde, pelo portar. Nossa época já não aceita a miséria, a fome e a doença
menos aproximadamente, aos interêsses da classe dominante, é como destino inelutável, e nosso século levou a construção so-
inevitável que qualquer planificação séria entre em agudo con- cialista da teoria para a prática. Os povos das regiões atrasadas
flito com essa classe dominante, internamente, e com seu aliados, abem, agora, que o progresso econômico e social pode ser or-
externamente. Esse conflito se pode resolver de três formas di- ganizado, se houver vontade, determinação e coragem para de-
ferentes: a Junta de Planificação, se criada por um govêrno ca- clarar guerra ao subdesenvolvimento e se houver uma inquebran-
pitalista, pode ser controlada - como o próprio govêrno - pelos tável resolução de travar a guerra, frente à mais impiedosa re-
interêsses dominantes, e suas atividades transformadas numa farsa, i tência dos exploradores internos e externos.
e sua existência usada para alimentar a ilusão, entre o povo, de
que "algo de construtivo está sendo feito" sôbre o desenvolvi-
mento econômico. A segunda possibilidade é a de que a Junta
de Planificação criada por um govêrno reformista se mantenha IV
mais ou menos impermeável às influências, pressões e subôrno
dos interêsses poderosos, seja constituída de reforma dores hones- D \ xpcri ncia histórica de que dispomos torna-se evidente
tos que acreditem na independência e onipotência do Estado na 'lu a luto P" I ng da, árdua e cruel. A vitória da revolução
clal, mb ra decisiva, é apenas um. êxito "no primeiro round",
tubcl cim nto do modo de produção capitalista e do domí-
(27) Não é êste o local para exame da literatura pertinente; basta nl burguês, onde plenamente firmado, exigiu séculos de desen-
mencionar os trabalhos de H. B. Chenery, E. S. Mason, T. Scitovsky e J.
v Ivlmonto cataclísmico. Não podemos esperar, mesmo nesta épo-
Tinbergen, que se ocupam principalmente de demonstrar a necessidade de
coordenação e sincronização do investimento para o avanço rápido .e efe- ca do ritmo mais intenso, que a maior de tôdas as transforma-
tivo dos países subdesenvolvidos ou, conforme o caso, dos desenvolvidos. çõ es sociais - a abolição da propriedade privada dos meios de

36 37

produção e portanto da exploração do homem pelo homem - A transferência maciça de recursos do investimento, constru-
se dcva concluir dentro de umas poucas décadas. É compreensí- ção residencial e produção de bens de consumo exigida pela ma-
vel que para muitos a subida parece, por vêzes, proibitivamente nutenção da indispensável organização defensiva, reduz as taxas
íngreme, terrivelmente difícil. Como é impossível tentar aqui de desenvolvimento econômico dos países socialistas, impede um
uma análise geral das dificuldades e problemas encontrados no crescimento mais rápido dos padrões de vida de seus povos, e
processo de construção socialista, limito-me a algumas breves
observações sôbre algumas áreas onde as pedras no caminho fo- 1 cria e recria atritos e engarrafamentos em suas economias. Êsse
pesado ônus terá de ser suportado pelos países socialistas en-
ram particularmente grandes, no passado recente. quanto existir a ameaça do imperialismo; seu pêso não declina-
A primeira e mais importante delas é a arena internacional rá enquanto as economias socialistas não se tiverem tornado tão
onde as revoluções sociais, não importa onde nem como, encon- fortes - a despeito dêle - a ponto de reduzir o pêso relativo
tram a hostilidade implacável da classe dominante dos Estados dessas despesas.
Unidos - a mais poderosa cidadela da reação no mundo de hoje. A segunda área na qual as dificuldades dos países socialis-
Nenhum regime é corrupto demais, nenhum govêrno é demasia- tas têm .sido mais acentuadas é a da produção agrícola. Ali, as
do negligente dos interêsses vitais de seu povo, nenhuma dita- fontes de problemas são muitas. O processo de industrialização,
dura demasiado retrógrada e cruel para que lhe seja negado acompanhado necessàriamente por uma transferência da popula-
o apoio econômico, militar e moral da principal potência do ção das áreas rurais para as urbanas, e a manutenção de uma
"mundo livre" - desde que mostre sua fidelidade à Santa Alian- organização militar que come mas não produz, elevaram de modo
ça anti-socialista. Ao mesmo tempo, nenhum govêrno popular, significativo a procura global de alimentos e outros produtos da
por mais apoiado e mais heróico, nenhum govêrno socialista, por agricultura. Esse aumento da procura não foi acompanhado de
mais democràticamente eleito, e por mais dedicado que seja ao uma ampliação suficiente da oferta. Isso se deve primordialmen-
progresso de seu povo, poderá estar sequer certo de uma não-in- te ao fato de que enquanto nos países com considerável subem-
tervenção da parte daqueles que nunca se cansam de profissões prêgo nas aldeias, a produtividade por homem empregado podia
hipócritas de sua dedicação ao progresso social e ao processo ser elevada com relativa rapidez, o aumento da produtividade
democrático. A agressividade indomável das potências imperialis- por hectare revelou-se um processo extremamente lento. Assim,
tas - grandes e pequenas - obstrui, de forma imensurável, o o que poderíamos chamar de revolução mecânica na agricultura,
progresso econômico e social dos países que ingressaram no ca- provocada pela introdução da eletricidade, tratores, implementos,
minho da construção socialista. (28) Focalizando o assunto em etc., realizou seu objetivo libertando milhões de camponeses para
têrmos puramente econômicos, e considerando o ônus das des- atividades não-agrícolas. Não levou a um aumento espetacular da
pesas de defesa impostas aos países socialistas pela sempre pre- produção agrícola por hectare de terra, que era esperado por
sente ameaça de agressão imperialista, é evidente como são gran- muitos teóricos da economia - marxistas e não-marxistas. O
des os custos a que as sociedades socialistas nascentes são for- aumento da produtividade por hectare depende, aparentemente,
çadas pelo seu inimigo de classe. (29) muito mais do que se suponha de uma revolução química na
agricultura: da aplicação dos adubos sintéticos e outros fertilizan-
tes, da seleção de sementes, da adoção de métodos mais perfei-
(28) Os graves prejuízos causados ao magnífico esfôrço revolucio- tos para a criação do gado e assim por diante. Trata-se, inevi-
nário do povo cubano pela estratégia "da fome" imposta pelo imperia- tàvelmente, de um processo lento: 2 a 3 % de aumento da pro-
lismo americano é o exemplo mais contundente e mais lamentável disso.
(29) Os que estão tão influenciados pela propaganda mendace do dução por hectare, por ano, são considerados pelos agrônomos
imperialismo, a ponto de acreditar que a enorme acumulação de armas dos
Estados Unidos é motivada pelo receio da agressão pelos países socialis-
tas, devem ler o trabalho monumental do Professor D. F. Fleming, The York, 1961). [O livro de Morray foi publicado por esta editôra sob o título Ori-
Cold War and Its Origins, 2 vols. (Nova York, 1961), bem como o es- gens da Guerra Fria]. Impossível acreditar que alguém, disposto a ver a ver-
clarecedor livro de J. P. Morray sôbre a evolução recente das negocia- dade, não se impressione pelas provas esmagadoras reunidas nesses estu-
ções de desarmamento, From Yalta do Disarmament : Cold War Debate (Nova dos extraordinários.

38 39
como respeitáveis. A obtenção dessa taxa de crescimento depende Isso, por sua vez, contribui seriamente para o persistente
da disponibilidade dos elementos necessários (adubos, sementes atraso no crescimento da produtividade na agricultura. Não é fá-
escolhidas, animais de reprodução, etc.), mas também da habi- cil compensar a fraqueza relativa da fôrça de trabalho agrícola
lidade, diligência e paciência dos agricultores. (30)
Isso, por sua vez, nos leva a outro problema surgido na
União Soviética, bem como em outros países socialistas em pro-
cesso de industrialização. Provocou-o o fato de que a industria-
lização de um país agrícola, particularmente em suas fases ini-
ciais, exige, naturalmente, a "glamurização" do trabalho indus-
I com o emprêgo de recursos técnicos. O trabalho na indústria
dá origem à disciplina e aos padrões de atuação através de um
impulso específico próprio. A natureza coletiva da atividade in-
dustrial, sua estruturação e movimentação pelas correias trans-
portadoras e dispositivos semelhantes, a interdependência e a in-
dispensabilidade das operações específicas - tudo isso impõe
trial, a necessidade de torná-lo atrativo e prestigioso. Novas e ao trabalhador industrial um certo ritmo de trabalho que deter-
grandes instalações industriais, a criação de centros de fôrça que mina o impulso e todo o processo, e em grande parte é res-
revolucionam a vida de regiões inteiras, realizações tecnológicas ponsável pelos seus resultados. A situação na agricultura é bas-
emocionantes, tornam-se o centro da atenção nacional (e interna- tante diversa, apesar da modernização dos métodos agrícolas já
cional), objeto de intenso e justificado orgulho, e recebem uma conseguida. À parte certas funções coletivas, o trabalhador indi-
preponderante parcela da publicidade, do esfôrço político e orgâ- vidual é, em grande parte, um isolado. Seja arando um campo
nico do govêrno, e do talento administrativo e científico, sempre ou cuidando· de um animal, é a sua iniciativa, consciência e cri-
escasso. Em comparação, a monotonia do trabalho agrícola diá- tério que influem no grau de êxito obtido. E quando um espírito
rio passa ao segundo e apagado plano da existência social. Um acentuadamente conservador, a irresponsabilidade e a aversão ao
jovem ambicioso, de capacidade e energia não se dispõe mais a trabalho árduo caracterizam os que trabalham na agricultura, a
continuar "pregado à lama" das regiões agrícolas, confinado à produção agrícola global provàvelmente será afetada seriamente.
"idiotice da vida rural" e limitado, em seu desenvolvimento, ao que N as condições capitalistas, a tendência que tem a nata da
é possível fazer, até mesmo na mais progressista das comuni- fôrça de trabalho agrícola para migrar para as cidades foi ha-
\ dades agrícolas. A atração da cidade, de suas oportunidades de
:\ bitualmente contida pela lentidão do processo de acumulação de
I progresso social e material, de educação, participação nas ativi-
capital e pela escassez mais ou menos crônica de trabalho ur-
I
dades culturais ou de simples diversão, bem como o desejo de
i bano, disso resultante. Dessa forma, a agricultura permanecia com
! tornar-se membro da classe trabalhadora industrial - a camada
excesso de mãos, com uma competição acendrada, e a produti-
1I
l mais respeitada da sociedade - exercem uma pressão irresistí-
vidade e a renda real por homem aumentavam muito mais len-
vel para a geração mais jovem. O resultado é que a agricultura
passa a ser cada vez mais abandonada pelos seus melhores tra- tamente do que a produtividade por hectare. Na sociedade socia-
balhadores potenciais, ficando entregue aos velhos ou aos que não lista, o problema adquiriu perspectiva diferente. A organização
têm imaginação, iniciativa e desejo de se lançarem ao "mundo da agricultura em larga escala, em trabalho coletivo, eliminando
grande e amplo". (31) as pequenas propriedades inoperáveis, cria as condições indispen-
sáveis para o crescimento a longo prazo da produção agrícola,
(30) A situação é um pouco diferente nas regroes do mundo onde transforma o camponês num trabalhador industrial dedicado à
o subemprêgo da mão-de-obra na agricultura é compensado pela subutili- agricultura. Dessa forma, isola-o do impacto ruinoso do merca-
zação da terra aproveitável - como no caso de Cuba. Nessas circuns- do capitalista, imuniza-o contra as vicissitudes da luta competi-
tâncias, o produto agrícola global pode, pelo menos na" fases iniciais, ser

[
elevado ràpidamente, com a utilização de terras antes inaproveitadas, em- tiva, sem, ao mesmo tempo, colocá-lo na estrutura da integração,
bora mesmo nesse caso ocorram dificuldades mais sérias, provocadas peja coordenação e disciplina, características da emprêsa industrial mo-
falta de implementos agrícolas, fertilizantes e gado. derna em grande escala. E o que é ainda mais paradoxal e eco-
(31) Depois da II Guerra Mundial, a situação na União Soviética,
nômicamente sério: colocando-o na situação de membro traba-
particularmente, agravou-se pelas baixas sofridas pela população masculi-
na agrícola, mais atingida do que o proletariado industrial, freqüentemente
lhador de uma sociedade socialista, concede-lhe o direito auto-
isento do serviço militar. màticamente a uma parcela do produto social global, da renda

40 41
real, aproximadamente igual à parcela dos outros trabalhadores, frente as novas procuras, internas e externas, dos países socia-
mais produtivos. listas individualmente - bem como da intensificação da luta de
Isso representa, com efeito, uma inversão da relação ante- classes na arena internacional - que devemos considerar os pro-
rior: a agricultura passa a ser subvencionada pela indústria. Isso blemas políticos no campo socialista. Há, em primeiro lugar, a
é exatamente o que deveria ocorrer, exceto pelo fato de que os questão extremamente importante da conservação do apoio po-
subsídios não levam a uma expansão adequada da produção agrí- pular pelo govêrno socialista durante o esfôrço mais acentuado
cola. Com o tempo, êsse problema poderá ser resolvido. Quando para iniciar "o desenvolvimento rápido". O que se denominou de
uma fase consideràvelmente superior do desenvolvimento econô- "revolução das esperanças crescentes" e que está varrendo os paí-
mico fôr atingida, as condições de vida e trabalho na cidade e ses subdesenvolvidos do mundo enfrenta não apenas os regimes
no campo serão mais ou menos idênticas e será impossível con- reacionários e corruptos, que procuram contê-Ia por todos os
trolar o movimento de trabalhadores habilitados, educados e so- meios possíveis, mas também governos revolucionários dedicados
cialmente conscientes e responsáveis, não só do campo para a ao desenvolvimento econômico e ao socialismo. Como um plano
cidade, mas também da cidade para o campo; êsses movimentos racional de progresso econômico exige não a política imediata
serão usados como uma forma geral de promover a variedade, do aumento rápido do consumo popular, mas uma estratégia bem
o estímulo e a satisfação proporcionada pelo trabalho produtivo planejada para assegurar as maiores taxas de crescimento possí-
na indústria ou na agricultura. Antes de se atingir a essa situa- veis dentro de um determinado horizonte, ligados de 10 a 20
ção, porém, há muito que fazer. Até lá, os diferentes países so- anos, é extremamente possível que durante a primeira fase dêsse
cialistas aplicam paliativos diversos. Nalguns dêles, a coletiviza- esfôrço o consumo em massa só muito lentamente se eleve, se
ção da agricultura foi paralisada (ou mesmo neutralizada) com elevar-se. Somente depois que as bases de uma economia progres-
um intercâmbio regulamentado entre a cidade e o campo ao in- sista tiverem sido lançadas, superada a fase inicial, pode o sis-
vés de uma socialização imediata da agricultura. Num outro país tema começar a dar frutos na forma de uma expansão da ofer-
socialista, a China, a solução foi buscada numa direção oposta, ta de bens de consumo, de domicílios, e outras coisas se-
através da transformação mais rápida da economia camponesa melhantes.
num sistema de empreendimentos agrícolas operados socialmente, Mas as massas que acabam de passar por uma revolução,
disciplinados e de grande escala. Na União Soviética seguiu-se que lutaram e sofreram em combates amargos contra seus ini-
um curso intermediário: o trabalho agrícola está sendo "regla- migos de classe e seus exploradores, internos e. externos, busca,
murizado", o investimento na agricultura está sendo elevado ao e sente-se no direito a, uma melhoria imediata na vida diária,
máximo possível, e os incentivos às fazendas coletivas intensifi- na cidade e no campo. O nôvo govêrno socialista não pode
cados, com um favorecimento dos preços relativos em benefício fazer brotar essas melhorias do chão. Empenhado ainda na "re-
da agricultura. volução permanente", tem de pedir "sangue, suor e trabalho"
Isso representa, muitas vêzes, um ônus adicional para a eco- sem poder oferecer recompensas correspondentes hic et nunc. Sõ-
nomia industrial, um corte nos salários reais dos trabalhadores mente os grupos da sociedade, dotados de maior percepção e
industriais, uma redução do volume de excedente investível fora consciência de classe, reconhecem e compreendem os importan-
da agricultura, atrasando por isso a taxa geral do desenvolvi- tes problemas em causa. Grandes camadas da população, não
mento econômico. Mesmo assim, as dificuldades agrícolas, que habituadas a pensar em têrmos de necessidades econômicas e
não são insuperáveis, mas prejudicam e retardam o desenvolvi- de perspectivas a longo prazo, fàcilmente se sentirão decepciona-
mento das sociedades socialistas, representam apenas uma fração das, prêsas da propaganda inimiga que procura capitalizar suas
do preço tremendo que as sociedades socialistas têm de pagar superstições e ignorância tradicional, e podem perder a fé na
por terem surgido, inicialmente, em países subdesenvolvidos. revolução. Não compreendem que o sofrimento no regime antigo
É sôbre o pano-de-fundo dessa limitação econômica - a beneficiava apenas seus senhores domésticos, e seus exploradores
incapacidade da produção agrícola em acompanhar os crescentes imperialistas, que a miséria suportada no passado era sem espe-
padrões de vida do povo, e a escassez da produção industrial rança e perspectivas - ao passo que as privações que acompa-

42 43
nharn a revolução são as dores do parto de uma sociedade nova 111111 1111,
111 m Jl1 0(0, n sm uma lgualação da renda
e melhor. Ignorando essa diferença fundamental, tornam-se fre- fl/'I ntrc
l'llfl//(/ de. e pobres do campo socialista é totalmen-
qüentemente apáticas e até mesmo hostis à própria revolução. 11 illll). Iv I. padrão de vida de, digamos, 250 milhões de
Essa inevitabilidade dá origem a um conflito mais ou menos agu- I s us que vivem nos países mais afortunados do mundo socia-
,I do entre o socialismo e a democracia, entre as necessidades a Ilsta, seria dràsticamente reduzido, e mesmo que tal medida ace-
longo prazo e os desejos imediatos. Nessas circunstâncias, a res- lerasse substancialmente o desenvolvimento dos países mais po-
ponsabilidade principal do govêrno socialista para com os inte- bres, habitados por mais de 700 milhões de pessoas, isso seria
rêsses preponderantes da sociedade como um todo, seu dever in- política e socialmente impraticável, seria, na realidade, um sui-
discutível de defender êsses interêsses contra os inimigos internos cídio para o socialismo nos países mais abastados.
e externos, contra oportunistas e traidores no seu próprio círculo, O problema não existiu enquanto a União Soviética e outros
cria a necessidade de repressão política, de redução das liberdades países europeus socialistas se ocupavam da reconstrução da ca-
civis, de limitação da liberdade individual. Essa necessidade só tástrofe econômica provocada pela guerra, e· não podiam propor-
pode diminuir e desaparecer completamente quando as dificulda- cionar uma assistência senão simbólica àqueles que, no campo
des objetivas forem dominadas, quando os mais candentes pro- socialista, se encontravam em situação pior. Tornou-se premente
1 blemas econômicos estiverem solucionados, e quando o govêrno em meados da década de 1950, época em que a União Soviética
li
socialista tiver alcançado certa estabilidade e equilíbrio. (32) realizou progressos mais acentuados na sua reconstrução econô-
A segunda categoria dos problemas surgidos no campo so- mica e iniciou - depois da morte de Stalin - um processo de
cialista é provocada pela mesma causa básica, ou seja, a pobre- liberalização política e econômica de grande alcance. No setor
za: as relações entre os países socialistas. Tais relações não têm econômico isso representou uma passagem da anterior política de
evidentemente sido tão harmoniosas quanto as teriam desejado austeridade e limitação do consumo, com o objetivo de atingir
os socialistas. Embora constituam uma preocupação legítima, elas os mais altos índices de investimento e crescimento, para um
devem ser objeto de uma análise desapaixonada e colocadas sob acentuado aumento na oferta de habitações, bens de consumo
a sua perspectiva histórica adequada. Embora não disponhamos manufaturados e alimentos para o povo soviético, que sofrera gra-
de informações que se possam considerar adequadas, pelo que ves privações durante o período anterior à guerra, período de
nos foi dado conhecer parece-nos que as causas das tensões industrialização, e fôra forçado a sacrifícios ainda maiores du-
existentes se relacionam com várias questões intimamente ligadas rante os anos de conflito mundial. Na área da política represen-
entre si. tou uma modificação drástica na atmosfera geral predominante
Uma delas é a distribuição de recursos econômicos dentro na sociedade soviética, a eliminação das repressões políticas, um
do campo socialista, sendo provocada essencialmente pelas enor- rompimento com o dogmatismo rígido que afetava todos os as-
mes diferenças no grau de desenvolvimento econômico atingido pectos da vida soviética à época de Stalin. No que se relaciona
pelos países socialistas, individualmente. Em têrmos mais simples, com as relações internacionais, a nova atitude representava um
a questão é: qual o auxílio que as membros econômicamente esfôrço de acomodação com os Estados Unidos, com o objetivo
mais avançados do campo socialista - principalmente a União de reduzir o ônus da corrida armamentista, e de obter uma di-
Soviética, mas também a Tcheco-Eslováquia, a República Demo- minuição da tensão internacional, necessária para a consolidação
crática Alemã, a Polônia - devem proporcionar aos outros paí- e progresso das sociedades socialistas na União Soviética e nos
ses socialistas menos (e muito menos) desenvolvidos? Evidente- países que ingressaram na estrada do socialismo depois da 11
mente, tal problema não existiria se tôdas as sociedades socialis- Guerra Mundial. Realmente, o progresso e o crescente bem-estar
tas fôssem igualmente ricas, ou igualmente pobres. Também é dessas sociedades socialistas foram uma das mais importantes
alavancas para a maior expansão do socialismo no mundo. Numa
atitude aparentemente de repúdio, ou pelo menos numa importan-
(32) A experrencra soviética, na última década, é uma ilustração ex- te modificação da teoria convencional do imperialismo, a nova
celente dessa evolução. liderança soviética declarou não ser impossível tal acomodação,

44 45
tendo em vista a transformação radical da balança de fôrças do te no produto nacional bruto da URSS, nos proximos vinte anos,
mundo, pelo crescente poderio do bloco socialista e pela desin- mas também uma redução significativa das horas de trabalho do
tegração progressiva do contrôle imperialista dos países coloniais operariado soviético e uma grande melhoria no padrão geral de
e dependentes. De fato, êsse último processo se acelerou pelo au- vida do povo soviético. A indagação que surge naturalmente é a
xílio econômico e político prestado às novas nações. de se há necessidade de estabelecer metas de bem-estar soviéticas
Vários aspectos dessa nova atitude foram vistos com ceti- tão altas quanto as fixadas pelo nôvo Programa, se a política
cismo na China e em outros países socialistas que ainda lutam adotada em relação às taxas de crescimento da totalidade da eco-
desesperadamente com as dificuldades iniciais, mais prementes, nomia, combinada com objetivos menos ambiciosos em têrmos
na estrada do progresso econômico. O desacôrdo se manifestava de consumo, não proporcionaria recursos para um programa de
quanto à oportunidade e à prudência do programa de liberaliza- assistência em grande escala a outros países socialistas. Em outras
ção na União Soviética, à luz das necessidades de todo o campo palavras, não estará a liderança do Partido na União Soviética
socialista, quanto ao desejo de paz das potências imperialistas, adotando uma interpretação muito estreita, "nacionalista", das ne-
e quanto ao critério do que constitui a melhor estratégia na luta cessidades e exigências da totalidade do campo socialista, e con-
contra o imperialismo e pela paz e o socialismo. (33) centrando-se excessivamente na melhoria rápida da situação eco-
Embora se tivesse acentuado nos últimos anos, foi somente nômica do povo soviético? E um progresso mais rápido da eco-
no 22.0 Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no mia chinesa, norte-coreana, norte-vietnarnita e de outras econo-
outono de 1961, que a controvérsia adquiriu características de mias socialistas subdesenvolvidas não teria um impacto maior no
um conflito público de maiores proporções. Embora conservan- mundo em geral, e nos povos dos países subdesenvolvidos não-
do suas raízes originais, a disputa exacerbou-se devido a alguns socialistas em particular, do que o fato de a União Soviética
fatos. Nos últimos anos, por motivos cuja análise nos afastaria ,I "atingir e ultrapassar os padrões de vida americanos" em vinte
muito de nosso tema, o desenvolvimento econômico da China anos, como pretende o nôvo programa, ao invés de fazê-lo, diga-
sofreu um recuo sério, (34) e com isso aumentou muito sua ne- mos, em trinta anos, se uma parcela maior de seu produto na-
cessidade de assistência econômica em grande escala, pela União cional fôsse destinada ao progresso das outras sociedades so-
Soviética. A política soviética, ao mesmo tempo, continua sendo cialistas?
a de uma maior liberalização. Isso foi proclamado solenemente Tais indagações se traduzem em têrmos políticos. Como já
no programa de construção socialista na União Soviética, adota- dissemos, o abandono, pela União Soviética, da política de aus-
do pelo Congresso, que prevê aumentos espetaculares não sõmen- teridade e redução do consumo, em favor do crescimento rápido,
acompanhou de perto o ritmo acelerado de "desestalinização",
com a redução e abolição progressiva do sistema de repressão
(33) Na ~Ibânia e possivelmente noutros lugares, afirmou-se também política, resultante em grande parte do regime anterior de aper-
q~e a. c?ncessao de empréstimos e créditos aos países subdesenvolvidos tar 03 cintos e poupar ao máximo. Desnecessário dizer que nada
não-socialistas refletia apenas uma ilusão de que os, governos não-socia-
seria melhor recebido por um socialista do que a evolução da
Iist~s . dêsses países pudessem ser conquistados para a causa da paz e do
SOCIalismo. Num momento decisivo, quaisquer que forem os' benefícios que União Soviética para a democracia socialista com os mais altos
possam obt~r da União Soviética e de outros países socialistas, tais go- níveis possíveis de bem-estar e desfrutando um grau ainda maior
vemos tramam seus benfeitores, passando-se ao campo imperialista. Por- de liberdade individual. Nem os chineses, que estiveram isentos
tanto - regue o argumento - todos os recursos distribuídos a êsses ami- dos excessos de Stalin, nem qualquer outros socialistas que co-
gos incertos são desperdiçados e teriam emprêgo mais útil na ajuda aos
países socialistas. Isso é expresso num artigo de F. Konstantinov diretor
nheço têm objeções a essa eliminação e supressão drástica de
do órgão teórico oficial do Comitê Central do Partido Comunista da União tôdas as aberrações e crimes cometidos por Stalin e seus sequa-
Soviética, Kommunist: "A atividade divísiva e antimarxista dos líderes al- zes. O que está em causa, aqui, não é portanto a "desestaliniza-
baneses", Novembro de 1961, p. 48. ção" em si, mas o abandono da política de "marchas forçadas",
(34) A situação na Albânia parece ser pior ainda, embora ali se-
?un?o certas informações, a causa principal seja a administração muito
tão ligado ao nome de Stalin. Nem a China nem vários outros
inefíciente dos altos escalões do partido. países socialistas estão preparados econômicamente para isso; e

46 47
não o estando, não podem permitir a liberalização, o afrouxa- 11•. V r ív I • que não podem ser alterados, e muito menos anu-
mento das pressões sôbre o consumo, e tudo o que acompanha I«lo ,pcl atritos e desacordos que temporàriamente abalam suas
tais medidas. Isso é possível na União Soviética no momento, e IIJI" truturas políticas. A concessão é possível, e será provàvel-
não só é possível como constitui um dos passos principais para m IIt ulngida. E mesmo que os governos socialistas dos países
o progresso econômico, político e cultural da sociedade soviética. 111 111 tlO deixassem de chegar a um modus vivendi mütuamen-
Ao explicar aos seus respectivos povos sua política de industriali- II uc itnv I, a situação resultante não terá necessàriamente de
zação rápida de coletivização da agricultura e limitação do con-
IIIIJI dir O progresso contínuo dos países individuais pela estrada
sumo, os governos socialistas da China e alguns outros países
11 i lismo, nem impedir sua coesão e solidariedade através
socialistas usaram amplamente o exemplo soviético e a autorida-
11 I I mpos.
de de Stalin, universalmente considerado o principal arquiteto dos
êxitos soviéticos. A derrubada dramática da imagem de Stalin ncluindo: a realidade dominante de nossa época é que a
numa época em que as políticas por êle simbolizadas não podem 1\ tltui ão da propriedade privada dos meios de produção - ou-
ainda ser abandonadas constitui sem dúvida um choque político Irora poderoso motor do progresso - está hoje em contradição
sério para os governos socialistas que ainda enfrentam os obstá- Irr e neiliável com o desenvolvimento econômico e social do povo
culos que a União Soviética já superou. , países subdesenvolvidos, e com o crescimento, evolução e
Igualmente, em suas relações internacionais, a China e outros IIb 'rtação do povo nos países adiantados. O aspecto mais impor-
países socialistas da Ásia se encontram numa posição diferente tnnte, decisivo talvez, dêsse conflito é o fato de que a sua exis-
da posição da União Soviética e dos países socialistas da Europa. t nela e natureza não tenham sido ainda reconhecidas em tôda
Partes importantes de seus territórios estão ainda controlados pelo parte, nem compreendidas plenamente pela maioria dos povos.
inimigo, existe contra êles discriminação política, ameaça militar J 80 reflete a fôrça do domínio que sôbre a mente dos homens
e bloqueio econômico pelas potências imperialistas. Por isso, os xcrcem uma série de crenças, superstições e fetiches, oriundos
países socialistas da Ásia inclinam-se muito menos a aceitar uma da própria instituição da propriedade privada dos meios de pro-
détente que tem como base o status quo predominante nos países dução, que hoje é preciso derrubar. O argumento atualmente mais
socialistas da Europa. Ali, a solução do problema da Alemanha destacado no pensamento burguês é de que o "ajustamento" do
é evidentemente a única questão importante no caminho de uma p vo a uma ordem social perniciosa e sua incapacidade e falta
acomodação pelo menos temporária, ao passo que na Ásia as cl vontade de erguer-se contra ela provam que tal ordem atende
questões são muitas e complexas, e sua solução parece muito me- nd quadamente às necessidades humanas. Tal argumento demons-
nos provável do que uma concessão aceitável em relação à Ale- tra apenas que o pensamento burguês se sente culpado de trai-
manha. Essa diferença de situação objetiva contribui para a cris- a tôdas as suas melhores tradições de humanismo e razão.
talização, na União Soviética e na China, de interpretações dife- m podemos indagar qual teria sido a reação dos grandes fi-
rentes da situação internacional. fos do Iluminismo, se ouvissem dizer que a existência de Deus
Mesmo assim, correndo os riscos inerentes a tôda profecia, provada pelo fato de que muitas pessoas acreditam nêle? Ao
'11 car a ignorância e as preferências manifestadas no lugar da
arrisco a opinião de que apesar de todo o calor do atual debate
V rdndc e da razão, exultar com tôdas as manifestações de irra-
e das setas que são lançadas de ambos os lados, o conflito não
representa um dano irreparável à causa do socialismo. Com o onnlidade e atraso, seja em países adiantados ou subdesenvolvi-
tempo, a identidade fundamental das relações de produção dos tlll, mo prova da impossibilidade de uma ordem social mais
I , I nnl, O pensamento burguês de nossos dias negou-se e voltou
países socialistas será um fator muito mais poderoso do que as
I ndições que, em sua juventude combateu: agnosticismo e
divergências temporárias entre suas lideranças quanto a estraté-
oh urantísmo. Troca, assim, as grandes metas da atividade inte-
gia e a tática imediatas. Tal como o modo de produção socia-
1 tual - a procura da verdade e o esclarecimento desta, a orien-
lista sobreviveu a todos os males de Stalin, assim as revoluções
til ' O apoio ao homem na sua luta por uma sociedade me-
socialistas na China e outros países representam fatos históricos 111)1' - pelas funções desprezíveis de racionalizar o irracional,

48 49
inventando argumentos em defesa da insanidade, servindo como
fonte de uma ideologia interessada, e reconhecendo como neces-
sidade humana autêntica os simples interêsses daqueles cuja úni-
ca preocupação é preservar o status quo.

P.A.B.

CAPíTCLO PRIMEIRO
PaIo Alto, Calif6rnia,
março de 1962.
UMA VISÃO GERAL

NOAGAR POR QUE o desenvolvimento econômico e social pas-


s u a figurar, recentemente, na vanguarda da discussão econôrni-
Cli - especialmente nos Estados Unidos - pode parecer uma
que tão obscura e maçante, apenas de leve relacionada com o próprio
tema em debate. Êste não é, porém, o caso. A história do pen-
samcnto revela, também aqui, os desígnios da História. Um exa-
me das circunstâncias que suscitam a presente onda de interêsse
pela análise da transformação econômica e social pode lançar
valiosa luz não apenas sôbre a natureza e o significado do deba-
L' m curso, mas também sôbre a própna substância do problema.
Lembramos que um grande interêsse pelo problema do de-
N nv lvimento econômico não constitui, de forma alguma, novi-
lndc sem precedente no campo da Economia Política. Desenvol-
vim 1'10 econômico foi o tema central da Economia clássica, como
110, indicam o título e o conteúdo da obra pioneira de Adam
• 'milho Numerosas gerações de economistas, a despeito dos títu-
I) que deram a suas obras, preocuparam-se, também, em anali-
li' U fôrças determinantes do progresso econômico. Suas pre-
IWIII ações com as condições necessárias ao desenvolvimento eco-
111 ml o nasceram das acuradas observações e estudos que fizeram
ti 11 ciedade em que viviam, sendo levados por êles à firme con-
vi 'I de que as relações econômicas, políticas e sociais vigen-
fi 1111 época impediam e retardavam, enormemente, o desenvol-
V 1\1 nt dos recursos produtivos. Ao se referirem às falácias da
t '11111\ mercantilista do comércio exterior ou à rigidez do sistema
li xirp rações, ao discutirem as funções do Estado na vida eco-
11 llIi 1\ li O papel desempenhado pela classe dos grandes pro-

50 51
prietários agrícolas, os economistas clássicos não tinham dúvida A im que o capitalismo se estabeleceu completamente e a
em mostrar que o progresso econômico dependia da remoção das 11'11 m conômica e social burguesa se firmou, esta ordem foi,
instituições políticas, sociais e econômicas obsoletas, da criação lt n ciente ou inconscientemente", aceita como a "estação termi-
11 11" da História e cessou tôda a discussão sôbre o fenômeno da
de condições de livre concorrência sob as quais a iniciativa pri-
mudança econômica e social. Como a senhora de Boston que in-
vada teria as mais amplas oportunidades para se desenvolver sem
t rrogada se havia viajado muito, observou que não tinha ne-
obstáculos.
cessidade disso, pois fôra bastante feliz em já ter nascido em
Os economistas clássicos, deve-se notar, não se limitaram a
Boston - os economistas neoclássicos, ao contrário de seus pre-
criticar a sociedade então existente sem fazer uma tentativa de
decessores clássicos, preocuparam-se muito menos com problemas
análise positiva dos princípios motores da nascente ordem capi-
de viagens e muito mais com a questão de como usar melhor e
talista. Bem ao contrário; foi precisamente o esfôrço dêsses eco-
mobiliar melhor a casa em que haviam nascido. É verdade que,
nomistas que nos proporcionou muito do que hoje conhecemos
para alguns dêles, a casa não parecia perfeita. Todos, porém,
sôbre o funcionamento do sistema capitalista. O que importa no
achavam-na suficientemente confortável e suficientemente espaço-
presente contexto, entretanto, é que o principal incentivo ao pro-
sa para permitir algumas melhorias. Tais melhorias entretanto
digioso esfôrço científico e publicista que fizeram foi proporcio-
- desejáveis como lhes pudessem parecer - deveriam ser reali-
nado pela forte necessidade que sentiam de convencer o públi-
zadas lentamente, cuidadosamente e de maneira circunspecta, pois,
co da urgência da libertação das cadeias feudais e semifeudais.
do contrário, poderiam causar dano aos alicerces e às pilastras
Neste sentido, se em nenhum outro, é perfeitamente lícito rela-
do edifício. Ajustamentos meramente marginais pareciam praticá-
cionar a escola clássica da Economia ao surgimento e desenvol-
veis e aconselháveis - nada drástico, nada radical poderia espe-
vimento do capitalismo e ao triunfo da burguesia moderna. No
rar merecer a aprovação da Ciência Econômica. (2) O mote na-
dizer do Prof. Lionel Robbins: "A doutrina do laissez jaire não
t ura non [acit saltum sugere, claramente, que não se pretendia
era apenas uma recomendação isolada contra a intervenção; era
mudança, pois êle não é, com certeza, o mote do desenvolvimen-
um apêlo urgente em prol da remoção de tudo aquilo que se pen-
to econômico.
sava constituir obstáculos ou empecilhos anti-sociais, em favor da
libertação do imenso potencial da livre iniciativa pioneira. Foi
naturalmente com êste espírito que, na prática, seus proponentes ciente ou inconscientemente, os apologístas da classe dominante" (grifos
se empenharam contra as principais formas dêsses empecilhos: IlOSSOS). "Consciente ou inconscientemente" é precisamente o ponto fun-
contra os privilégios das companhias e corporações, contra a lei damentaL Nenhum autor sério que eu conheça afirmou que os economis-
do aprendizado, contra os obstáculos à movimentação, contra as tas clássicos - os mais, importantes, pelo menos - foram conscientemente
escríbas servis da burguesia dominante ou nascente. Se assim fôsse dífí-
restrições à importação. O sentido de cruzada que emergiu do cilmente valeriam o papel em que se imprimiam suas obras, para não
movimento livre-cambista revela bem a atmosfera dentro da qual mencionar o que é constantemente gasto nas reedições de seus trabalhos.
se desenvolveu o movimento em prol da liberação das energias e cerne do problema é que êles foram - insconscienternente, com mais
iniciativas espontâneas, do qual, sem dúvida, os economistas clás- probabilidade - os porta-vozes .da burgueisa nascente, cujos interêsses
obtetivamerue serviram. O próprio Prof. Robbins viu claramente a distin-
sicos constituíam a vanguarda intelectual". (1) O entre a consciência subjetiva de interêsses e seu conteúdo objetivo, em
~ \1 livro The Economic Basis of Class Conflict (Londres" 1939), pág, 4.
Pura R avaliação do papel de um grupo ou de um indivíduo no processo
(1) Lionel Robbins, The Theory oj Economic Policy in English Clas- 111 tõríco, pode ser dito, em geral, que as motivações subjetivas (conscien-
sical Political Economy (Londres, 1952), pág. 19. 1j; estranho, por con- l A u inconscientes) são muito menos, importantes que as atitudes obie-
seguinte, ler à página seguinte do livro do Prof. Robbins: " ... Acho di- lIVl1s. Em caso de dúvida, em tais assuntos, é sempre útil perguntar: cui
fícil compreender como alguém que tenha dedicado atenção aos verda- bano? A resposta pode não ser conclusiva; não é nunca, porém, irrelevante.
deiros trabalhos dêstes homens ... possa duvidar de sua integridade e sua (2) Não é por acaso que a teoria da utilidade marginal - que
evidente devoção ao bem comum... Tornou-se moda tratá-Ios sumària- 11Jl I' senta, como um de seus, traços distintivos mais importantes, o cará-
mente bem, como as suas idéias, não por seus argumentos ou hipóteses, I r stútico - tornou-se o núcleo da Economia neoclássica.
mas por seus interêsses de classe. De acôrdo com êste ponto de vista, os
economistas clássicos eram os porta-vozes do mundo dos negócios e, cons-

52 53
Sim, pois desenvolvimento econômico implica precisamente . conornia, como parte dêle) se transformou, cada vez mais,
o oposto daquilo que Marshall colocou na primeira página de seus em um conjunto de atrativas e variadas premissas ideológicas, ne-
Princípios. Implica o fato simples, mas crucial - ao qual muita ccs ário ao funcionamento e à preservação da ordem social
vez, se não sempre.: não se dá a devida atenção - que, histórica- existente.
mente, o desenvolvimento econômico sempre significou uma pro- A Ciência Econômica, em seus primórdios, constituiu um
funda transformação da estrutura econômica, social e política, da esfôrço intelectual revolucionário, orientado no sentido de pes-
organização dominante da produção, da distribuição e do consu- quisar e estabelecer os princípios motores do sistema econômico
mo. O desenvolvimento econômico sempre foi impulsionado por mais capaz de melhorar a situação da humanidade. Mais re-
classes e grupos interessados em uma nova ordem econômica e centemente, porém, ela se voltou contra o seu passado, transfor-
social, sempre encontrou a oposição e a obstrução dos interessa- mando-se em mera tentativa de explicar e justificar o status quo
dos na preservação do status quo, dos que usufruem benefícios e - condenando e suprimindo, ao mesmo tempo, todo esfôrço de
hábitos de pensamento do complexo social existente, das institui- julgamento da ordem econômica existente pelos padrões da razão,
ções e costumes prevalecentes. O desenvolvimento econômico sem- ou de compreensão das origens das condições vigentes e das po-
pre foi marcado por choques mais ou menos violentos; efetuou- tencialidades desenvolvimentistas que elas encerram. Como notou
se por ondas, sofreu retrocessos e ganhou terreno nôvo - nunca Marx: "Os economistas nos explicam o processo de produção sob
foi um processo suave e harmonioso se desdobrando, plàcidamen- dadas condições: o que êles não explicam, porém, é como se
te, ao longo do tempo e do espaço. produziram estas condições, isto é, os movimentos históricos que
A Economia burguesa, entretanto, muito cedo perdeu de vista lhes dão origem". (3)
esta generalização histórica - provàvelmente uma das melhores A preocupação com a análise da mudança econômica e social
que possuímos. De fato, tendo principiado como a advogada do foi, então, deixada à escola "herética" da Economia e da Ciência
capitalismo, tendo-se tornado uma de suas racionalizações mais so- Social. Marx e Engels aceitaram, no fundamental, as repetidas
fisticadas e talvez mais influentes, a Economia tinha que compar- afirmações dos economistas clássicos sôbre a magna contribuição
tilhar o destino de todos os demais ramos do pensamento burguês. do capitalismo para o desenvolvimento econômico. Perceberam
Enquanto a razão e as lições da História se encontravam franca- êles os limites e os obstáculos que o sistema capitalista impõe ao
mente do lado da burguesia em sua luta contra as ideologias e progresso da sociedade. Disto foram capazes porque não estavam
instituições obscurantistas do feudalismo, tanto a razão como a ligados à classe capitalista dominante e não eram compelidos,
História foram freqüentemente invocadas como os árbitros supre- "consciente ou inconscientemente", a encarar o capitalismo como
mos da momentosa luta. Não existem testemunhas maiores desta a forma "natural" da sociedade e como a satisfação última das
grande aliança da burguesia nascente com a razão e o pensamento aspirações humanas. O método de abordar o problema por êles
histórico que os enciclopedistas franceses do século XVIII, que adotado diferia radicalmente do consagrado pela Economia bur-
os mestres do realismo da nascente literatura burguesa. guesa. Enquanto esta última estava (e está) interessada no de-
Quando, porém, a razão e o estudo da História principiaram cnvolvimento econômico sõmente na medida em que conduz ao
a revelar a irracionalidade, as limitações e a natureza transitória c tabelecimento e à estabilidade da ordem capitalista, Marx e
da ordem capitalista, a ideologia burguesa como um todo - e, ngels consideraram a ordem capitalista capaz de sobreviver apenas
com ela, a Economia burguesa - começo~l.2~to até o momento em que não se tornasse um obstáculo ao posterior
a razão -qü'ãhte a llisMria. ~ ãbandono tomou não apenas a progresso econômico e social. Superando as limitações do pensa-
~It de um raclOnálisíí1u ót1efitaõo para a sua própria autodes- mento burguês, foram êles capazes de ver a era do capitalismo
truição, de uma transformação no agnosticismo do positivismo como criadora dos pré-requisitos para o desenvolvimento da hu-
moderno, mas se revelou, também, abertamente sob a forma de
uma filosofia existencialista que, desdenhosamente, rejeitava tôda
pesquisa e manifestava sua desconfiança em uma compreensão (8) Marx, The Poverty 01 Philosophy (Stuttgart-Berlim, 192\),
racional da História. Em conseqüência, o pensamento burguês (e P6S. 86.

54 55
I

manidade, desenvolvimento êste que se estende bastante além dos tivo de lucro - assumiu, na realidade, a forma de acirradas lutas
confins da ordem capitalista. Repetimos: os esforços críticos de por áreas de investimentos, por mercados e fontes de matérias-
Marx e seus seguidores produziram os mais importantes re- primas. A penetração das áreas atrasadas e coloniais pelas po-
sultados positivos, destruíram o véu de harmonia com que a tências ocidentais - penetração que, esperava-se, deveria levar
Economia burguesa obscurecia a visão que se poderia ter do sis- as bênçãos da civilização ocidental aos quatro cantos do globo
tema capitalista e puseram a nu a natureza irracional e con- - significou, lia realidade, impiedosa opressão e exploração das
flitiva dêsse sistema. Muito, se não tudo, do que conhecemos nações subjugadas.
sôbre o complexo mecanismo responsável pelo desenvolvimento As fortes tendências à estagnação, a conflitos imperialistas e
(e estagnação) das fôrças produtivas e pelo surgimento e deca- a severas crises políticas, vislumbradas por Mau já na metade do
dência das organizações sociais é o resultado do esfôrço analítico século XIX e, mais tarde, observadas e analisadas por Hobson,
empreendido por Marx e por aquêles a quem êle inspirou. Lênin, Hilferding, Rosa Luxemburgo e outros, manifestaram-se
Assim devia ter permanecido a situação, com o desenvolvi- tão cruamente, a ponto de constituir motivo de alarme, a não ser
mento econômico relegado ao "submundo" do pensamento econô- para os mais complacentes. Uma descontrolada corrida arma-
mico e social, não tivesse o processo histórico, em poucas décadas, mentista entre as grandes potências principiou a absorver parcelas
alterado radicalmente todo o nosso panorama social, político e crescentes de suas rendas nacionais e se tornou o fator individual
intelectual. Enquanto os economistas neoclássicos preocupavam- mais importante na determinação do nível de atividade econômi-
se em refinar a análise estática do equilíbrio e em elaborar ar- ca. A Guerra Sino-Japonêsa, a Guerra Hispano-Americana, a
gumentos adicionais destinados a provar a viabilidade e a har- Guerra dos Bôeres, a sangrenta supressão da revolta dos Boxers,
monia intrínseca do sistema capitalista, o capitalismo passava por a Guerra Russo-Japonêsa, a Revolução Russa de 1905, a Revo-
profundas transformações. lução Chinesa de 1911-1912 e, finalmente, a I Guerra Mundial
Ao findar o século XIX, a primeira fase da industrialização anunciaram, em rápida sucessão, a época atual do desenvolvi-
do mundo ocidental aproximava-se de seu término. As conse- mento do capitalismo - a época do imperialismo, das guerras
qüências econômicas da completa exploração da tecnologia então e revoluções nacionais ~e. sociais. (4)
disponível - baseada, fundamentalmente, no carvão e no vapor
O desafio teórico do marxismo tornava-se, assim, eminente-
- determinaram não apenas a enorme expansão da indústria
mente prático. O "verão indiano" de estabilidade, prosperidade
pesada, um grande aumento da produção e a revolução dos meios
e confiança no futuro do capitalismo, que se seguiu à I Guerra
de transporte e comunicação, mas também memorável mudança
Mundial, durou menos de uma década. O sonho de um "capi-
na estrutura das economias capitalistas. A concentração e a cen-
talismo organizado", de uma solução "Ford-versus-Marx" para tô-
tralização do capital fizeram enormes progressos e a grande em-
das as doenças econômicas e sociais e de uma "democracia eco-
prêsa passou a ocupar o centro da cena econômica, deslocando e
nômica" que assegurasse justiça e bem-estar para todos,_ foi a
absorvendo a pequena emprêsa. Destruindo violentamente o me-
canismo competitivo que regulava (para melhor ou para pior) o
funcionamento do sistema econômico, a grande emprêsa tornou-se
(4) "A magnitude das pnncipais guerras européias... é mostrada
a base do monopólio e do oligopólio - os caracteres distintivos
pela seguinte série de índices (que combinam a grandeza das fôrças em
do capitalismo moderno. O mundo da Economia neoclássica de- luta, o número de mortos e feridos, o número de países envolvidos e a
sintegrava-se ràpidamente. Nem lento (mas continuado) cresci- proporção de combatentes para a população total):
mento nem contínuos ajustamentos marginais relativamente indo-
Séculos: XII XIII XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX
lores poderiam ser esperados sob condições de inequívocas indi-
índices: 18 24 60 100 180 500 370 120 3080
visibilidades e descontinuidades, de rendimentos de escala cres-
cente e de menores oportunidades para investimentos. O harmo- Para detalhes, ver Pitirim Sorokin, Social and Cultural Dynamics, voI.
3, 1937, e Quincy Wright, A Study o] War, voI. I, capo 9 e apêndices,
nioso movimento de capitais das nações desenvolvidas para as
1942"; cit. em Harold D. Lasswell, World Politics Faces Economics (Nova
menos desenvolvidas - que se supunha seria orientado pelo mo- York e Londres, 1945), pág. 7.

56 57
utopia de vida mais curta que a História registra. A grande De- t rizou-se apenas por um supremo esfôrço do pensamento econô-
pressão, com suas múltiplas e duradouras repercussões, tornou mico burguês de descobrir um modo de salvar o sistema capita-
difícil manter a continuidade da "conspiração do otimismo" sôbre lista, apesar dos sintomas evidentes de sua desagregação e deca-
o crescimento econômico e o progresso social dentro do sistema dência. A "revolução keynesiana" não se associou, portanto, ao
capitalista. A "científica" e "objetiva" descoberta da Economia, vigoroso movimento pela abolição de uma ordem social obsoleta
segundo a qual o socialismo é impossível, foi dramàticamente re- e destruidora, pelo desenvolvimento econômico e pelo progresso
futada pelo sucesso do esfôrço de industrialização da URSS. social. Semelhantemente à Filosofia de Hegel em sua interpre-
Tardia e relutantemente, a Ciência Econômica principiou a tação "esquerdista", ela supriu de munição intelectual um mo-
tomar conhecimento da nova situação. Embora inspirada pelo vimento reformista que esperava, uma vez mais, resolver as con-
problema imediato do combate à depressão e ao desemprêgo - e, tradições do capitalismo através de mudanças na distribuição de
em conseqüência, dirigindo-se principalmente aos problemas de renda prevalecente e através da criação de um Estado benevo-
curto prazo - a "Nova Economia" de John Maynard Keynes lente que provesse, daí por diante, expansão econômica contínua
tinha implicações que transcendiam de muito o seu objetivo ori- e padrões de vida cada vez mais elevados. A lógica do capitalis-
ginal. A Economia keynesiana, em sua tentativa de esclarecer mo monopolista, porém, provou ser mais forte do que Keynes e
os determinantes das mudanças de curto prazo dos níveis de pro- seus seguidores radicais a imaginavam. Ela usou seus resultados
dução, emprêgo e renda, viu-se face a face com a total irraciona- teóricos para propósitos muito distintos de suas intenções. O
lidade e a espantosa discrepância entre as potencialidades e as Estado do bem-estar social, orientado pelos cânones da Econo-
realizações produtivas que caracterizam a ordem capitalista. Com mia keynesiana e pelos preceitos das "finanças funcionais", per-
o risco de exagerar enormemente a importância intelectual de maneceu, em sua essência, no papel. Foi a Alemanha fascista,
Keynes, pode ser dito que o que Hegel alcançou em relação à que, até hoje, usou mais extensamente a visão penetrante do key-
Filosofia clássica alemã, Keynes obteve com relação à Economia nesianismo, ao construir a máquina econômica que lhe permitiu
neoclássica. Operando com os instrumentos costumeiros da teoria desencadear a, II Guerra Mundial.
convencional, permanecendo bem dentro das fronteiras da "Eco-
nomia pura", abstendo-se fielmente de considerar o processo sócio- A guerra e os anos de prosperidade do pós-guerra elimina-
econômico como um todo - a análise keynesiana avançou até ram tôda preocupação keynesiana com a acumulação excessiva de
os limites das teorias econômicas burguesas e explodiu tôda a capital, com a deficiência da procura efetiva. Tudo se combina-
sua estrutura. Ela equivale, na verdade, ao reconhecimento "ofi- va, então, para criar um enorme mercado para a emprêsa ca-
cial" pela "Santa Sé" da Economia convencional de que a ins- pitalista: os recursos materiais necessários à reconstrução, a sa-
tabilidade econômica, uma forte tendência à estagnação e a subuti- tisfação da procura diferida das emprêsas e dos consumidores, a
lização crônica dos recursos materiais e humanos são inerentes urgência da conversão, para fins produtivos, das inovações tecno-
ao sistema capitalista. Ela, implicitamente, repudiou a "pureza" lógicas desenvolvidas durante a guerra e freqüentem ente em co-
da Economia acadêmica, tão zelosamente guardada, ao revelar a nexão com esta.
enorme importância, para a compreensão do processo econômico,
Economistas que, relutantemente ou só sob a pressão de fatos
da estrutura da sociedade, das relações das classes, da distribuição
irretorquíveis, tinham "engolido" as implicações anticapitalistas da
da renda, do papel do Estado e de outros fatôres "exógenos".
doutrina keynesiana voltaram, com conspícua alacridade, aos cos-
Êste movimento da indagação sôbre "a natureza e as causas
tumeiros panegíricos à harmonia capitalista. Permanecendo "pró-
da riqueza das nações", realizado a contragosto, nada tinha em
ximo dos fatos observáveis", principiaram êles, alegremente, a
comum com o entusiasmo jovem e revolucionário da primitiva
discutir a inflação como a principal ameaça ao equilíbrio con-
cruzada em prol do laissez [aire. Muito embora a teoria keyne-
tinuado das economias capitalistas e declararam, uma vez mais,
siana tenha contribuído grandemente para a compreensão do me- que poupança excessiva, capacidade ociosa e depressão eram re-
canismo da economia capitalista, ela se revelou incapaz de uma
líquias de um passado atrasado e remoto. Exaltando as virtudes
compreensão teórica plena da crise geral do capitalismo e 'carac-
das fôrças do mercado, glorificando o monopólio e os grandes

58 59
empreendimentos, a Economia não fêz mais que anular qualquer tlv de alarme para a classe dominante nos Estados Unidos e em
avanço realizado em decorrência da revolução keynesiana e re- outros países capitalistas que se encontram no ápice da pirâmide
tomou à complacência da "feliz década de 1920". imperialista. O que transformou êsse alarme em estado de quase-
Êste retrocesso terá, muito provàvelmente, curta existência. pânico, entretanto, foi a confluência histórica do desejo de liber-
Ele não chegou mesmo a afetar tôda a Economia. Não apenas tação das nações subdesenvolvidas com o pr~gress? e a expan~~o
nas entrelinhas de alguns trabalhos recentes sôbre crescimento eco- espetaculares no campo socialista. A atuaçao militar da .União
nômico, mas mesmo no bôjo de algumas discussões mais obje- Soviética na guerra e a rápida recuperação de sua economia ofe-
tivas sôbre a atual situação dos negócios e as perspectivas econô- receram a prova finar da fôrça e da viabilidade de u~a econ~~ia
micas a curto prazo, esconde-se mordente incerteza sôbre o fu- socialista. Não pode mais haver dúvida de que um SIstema SOCIO-
turo do capitalismo e dolorosa certeza de que os empecilhos ao econômico baseado no planejamento integral da economia pode
progresso econômico que são inerentes ao sistema capitalista devem funcionar, crescer e suportar as mais duras provas históricas
reaparecer, com fôrça e tenacidade novas, tão logo esta situação sem os benefícios da emprêsa privada e sem a instituição da pro-
extraordinária do pós-guerra deixe de existir. priedade privada dos meios de produção. Há a notar, ainda, que
após a guerra grande número de nações dependentes pas~o~ por
uma revolução e enveredou pela senda do progresso econormco e
II social rápido. A Europa oriental e sul-orienta~ e. - o qu~ é
mais importante - a China desligaram-se da or~Ita. do _capita-
lismo mundial e se tornaram fontes de incentivo e mspiraçao para
Se a instabilidade da economia dos Estados Unidos (e de
os demais países coloniais e dependentes.
outras nações capitalistas altamente desenvolvidas) está dando
Como resultado desta evolução, o debate sôbre o progresso
origem a grandes preocupações e estimulando indagações sôbre
econômico e social não apenas retoma ao centro do palco histó-
os problemas básicos do desenvolvimento e crescimento econô-
rico, mas - como há dois ou três séculos - traduz, em sua
micos, os acontecimentos que se verificam nos quatro cantos do
essência, a extensão e o aguçamento da luta entre duas ordens
mundo não podem deixar de emprestar a estas meditações o
sociais antagônicas. O que mudou não foi tanto o enrêdo do
cunho da mais absoluta necessidade.
drama, mas as suas personagens principais. Se, nos séculos XVII
Isto porque a II Guerra Mundial e os acontecimentos que se e XVIII, a luta pelo progresso significou luta contra as instituições
lhe seguiram constituíram grande terremoto que destruiu a es- obsoletas da era feudal, os esforços hoje despendidos em prol
trutura do mundo capitalista mais violentamente ainda que a I do surgimento de condições indispensáveis ao desenvolvimento
Guerra Mundial e a Revolução Russa. De fato, a I Guerra econômico dos países adiantados e das áreas atrasadas entram,
Mundial conduziu "apenas" à perda da Rússia pelo sistema ca- continuamente, em conflito com a ordem política e econômica
pitalista. À II Guerra Mundial, porém, seguiu-se não apenas a do capitalismo e do imperialismo. Para a opinião dominante nos
Revolução Chinesa, mas também' o despertar quase universal das Estados Unidos (e também em outras partes do mundo capi-
grandes multidões que habitam as áreas dependentes e coloniais talista), as aspirações universais de progresso econômico consti-
do mundo. Despertos pela cambaleante irracionalidade e opressão tuem movimentos profundamente subversivos da ordem social e
de sua ordem econômica e social, cansados da contínua explo- do sistema de domínio internacional. São, por conseguinte, mo-
ração por seus patrões internos e externos, os povos dos países vimentos revolucionários que precisam ser subornados, bloquea-
subdesenvolvidos principiaram a manifestar crescente determina- dos e, se possível, aniquilados, a fim de que o sistema capitalista
ção em derrubar um sistema social e político que vinha perpe- seja preservado.
tuando sua ignorância, miséria e estagnação. Não é necessário dizer que abordar o problema do desen-

r
O memorável movimento em prol da destruição de todo o volvimento econômico dêste ponto, de vist.a s.ignifica: na realida?e>l
edifício do imperialismo, para pôr fim ao atraso e à miséria da repudiá-lo, No que tange aos paises capI~ahstas adIan:ad?s, a m- \
esmagadora maioria da raça humana, constituiria, por si só, mo- compatibilidade entre um contínuo crescimento econormco e o~

60 61
sistema capitalista foi posta em relêvo em algumas obras sôbre
desenvolvimento econômico publica das recentemente. A simples
especificação das condições - apresentadas, sob diversas formas,
J I dominantes dos países capitalistas adiantados. O mundo subde-
senvolvido sempre representou o "interior" indispensável ao Oci-
dente capitalista altamente desenvolvido, pois as nações que fazem
por Domar, Harrod, Colm e outros - que precisariam ser satis- parte dêsse mundo suprem os países industrializados de muitas
/ "feitas a fim de que o produto social crescesse a um ritmo per- I matérias-primas importantes e proporcionam às grandes emprêsas
feitamente possível, face às disponibilidades de recursos humanos enormes lucros e áreas para investimento. Assim sendo, a classe
e materiais, mostra, com a maior clareza, que tal ritmo é impos- dominante dos Estados Unidos (e de outras partes) se opõe fir-
sível de ser atingido sob o capitalismo. De fato, tanto o consu- memente à industrialização dos chamados "países fontes" e ao
mo como o investimento privado são bastante limitados pela ne- florescimento de economias integradas nas áreas coloniais e semi-
cessidade de maximização de lucros sob condições de monopólio coloniais. Esta oposição se manifesta sem levar em conta a na-
e de oligopólio; a natureza e o volume do dispêndio governa- tureza do regime que, no país subdesenvolvido, procura reduzir
\....-..-mental não são determinados menos rigidamente pela base e fun- o domínio estrangeiro da sua economia e propiciar uma parcela
ção sociais do Estado em uma sociedade capitalista. Em conse- do desenvolvimento independente. Se um govêrno democràtica-
qüência, nem o produto social máximo, racionalmente distribuído mente eleito na Venezuela, na Guatemala, ou na Guiana Britâni-
entre consumo e investimento, nem um nível predeterminado de ca, um movimento popular indígena (como no Quênia, nas Fi-
produção que se combine com uma diminuição do esfôrço des- lipinas ou na Indochina), uma administração nacionalista (como
pendido pela fôrça de trabalho devem ser esperados em um sis- no Irã, Egito ou Argentina) decidem opor-se à dominação estran-
tema capitalista. O que parece mais provável é o contínuo res- geira de seu país, tôdas as alavancas da intriga diplomática, da
surgimento das alternativas de surtos de prosperidade induzidos pressão econômica e da subversão política são postas em ação,
por guerras e ondas de desemprêgo induzidas por depressões. a fim de derrubar o govêrno nacional recalcitrante e substituí-lo
Embora hajam demonstrado e mesmo esclarecido muitos as- por políticos ávidos em servir aos interêsses das nações capitalistas.
pectos da natureza ameaçadora dêste impasse, nenhum dos auto- A resistência das potências imperialistas ao desenvolvimento
res que mencionamos enunciou aquilo que constitui a conclusão econômico e social dos territórios dependentes e coloniais torna-
iniludível de suas próprias investigações: o planejamento econô- se ainda mais desesperada quando as aspirações populares de li-
mico socialista apresenta a única solução ao problema. É verdade bertação nacional e social se manifestam através de movimento
que se pode admitir não haver necessidade de afirmações explí- revolucionário que, apoiado e estruturado internacionalmente,
citas sôbre conclusões que, necessàriamente, emergem da lógica ameace derrubar a ordem social e econômica do capitalismo e
de uma argumentação rigorosa. Mesmo as verdades mais evi- do imperialismo. Em tais circunstâncias, a oposição se torna
dentes, entretanto, devem ser expressadas a fim de que sejam re- maior, converte-se em aliança contra-revolucionária de tôdas as
conhecidas por aquêles a quem, não fôra a afirmação feita, po- nações imperialistas (e dos territórios dependentes que inspiram
deriam não as reconhecer. Nada caracteriza melhor a atmosfera confiança) e assume a forma de cruzada sistemática contra as
em que se desenvolve atualmente a discussão sôbre o fenômeno revoluções nacionais e sociais.
do crescimento. econômico - discussão em que abundam truísmos As necessidades desta cruzada moldaram, de forma decisiva,
e trivialidades - que o fato de esta verdade constituir rigoroso a atitude que atualmente existe no mundo ocidental em relação
tabu, mesmo para os autores mais liberais que versaram a matéria. ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Da mesma ma-
O clima é ainda pior quando se trata da discussão do de- neira que os junkers prussianos diziam que a continuação da ser-
senvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos. Um la- vidão em seus domínios era indispensável à defesa do cristianismo
birinto de enganos, de hipocrisia e de fingimento confunde a contra o assalto do ateísmo liberal - os esforços das classes
discussão, tornando necessário que se faça enorme esfôrço a fim dominantes do Ocidente para manter, nos países subdesenvolvidos,
de se atravessar a cortina de fumaça que obscurece o tema prin- O status quo econômico, político e social são considerados como
cipal. O fundamental é que o desenvolvimento econômico das indispensáveis à defesa da democracia e da liberdade. Da mesma
nações subdesenvolvidas é profundamente contrário aos interêsses maneira que se proclamava que o interêsse dos junkers prussia-

62 63
nos em altas tarifas sôbre cereais era ditado, unicamente, pela
preocupação de manter o suprim~ent? de alimentos par~ a AI~-
manha em caso de guerra - a ansia das grandes empresas OCI-
r
I
de tôdas as suas potencialidades criadoras podem tirar a eco-
nomia do ponto morto em que se encontra. Como dissemos
anteriormente, as noções de "desenvolvimento" e de "crescimen-
to" sugerem uma transição para algo nôvo, a partir de algo velho
(
\
dentais de protegerem seus investimentos no exterior, e. de ~sse- que se tornou obsoleto. Esta transição só pode ser efetuada
gurarem a manutenção dos costumei:os fluxos ,de. matenas-pnmas através da luta constante contra as fôrças retrógradas e conser-
do mundo subdesenvolvido é considerada, publicamente, como vadoras, através da mudança na estrutura econômica, política e
)
patriótica preocupação pelo suprimento de materiais estratégicos social de uma sociedade atrasada e estacionária. Lembremo-nos
indispensáveis ao "mundo livre". .' que uma organização social, embora inadequada, não desaparece
O arsenal da "ação unida" contra o desenvolvunento Inde- por si mesma; que uma classe dominante, embora parasita, não \
pendente dos países subdesenvolvidos compreende tôda sorte de entrega nunca o poder, a não ser quando é compelida a fazê-lo
estratagemas políticos e ideológicos. Há, em pri~eiro lugar, as
afirmativas de estadistas ocidentais, largamente dlvulgadas, que
por pressão esmagadora. Decorre daí o fato de que o desenvol-
vimento e o progresso só podem ser obtidos se tôdas as energias \
parecem favorecer o desenvolvimento econômico do mundo sub- e capacidades de um povo, que foi oprimido econômica, política
desenvolvido. Na verdade, muito se tem falado atualmente do e socialmente sob o antigo sistema, são lançadas na batalha contra
auxílio e apoio das nações adiantadas ao progresso econômico das as fortalezas do ancien régime.
áreas atrasadas. Este progresso é concebido como uma me.lho-
ria lenta e gradual do padrão de vida da populaç~o, qu~ c.ont?bua
para diminuir a pressão popular em favor da .Industnahza~ao. e
A cruzada contra as revoluções sociais e nacionais, que as po-
tências ocidentais empreendem atualmente, apóia-se na mobiliza-
ção de camadas sociais totalmente diferentes. Congrega uma
J
enfraquecer o movimento em prol do desenvolvimento economico entente internacional de grupos sociais e interêsses econômicos
social. profundamente contrários ao verdadeiro progresso econômico e
Todavia, êste esquema de "subôrno" dos povos das nações social e subordina as considerações de desenvolvimento econômico
subdesenvolvidas, que objetiva incentivá-Ias a se absterem ~e der- ao fortalecimento desta aliança. Provê ajuda militar e econômica
rubar o sistema vigente e de enveredar pela senda do crescimento a regimes que, nos países subdesenvolvidos, se revelam inequivo-
econômico rápido, defronta com grande número de contradições camente contrários ao desenvolvimento e mantém no poder go-
insuperáveis. A lógica do crescimento econômico é ~al que tor~a vernos que, não fôra êsse apoio, não se manteriam diante do
extremamente difícil, se não impossível, qualquer projeto que vise anseio popular em favor de uma ordem econômica e social mais
uma melhoria lenta e gradual no padrão de vida das nações pouco racional e mais progressista.
desenvolvidas. Os pequenos acréscimos do produto nacional, ,q~e fi. como parte dêste mesmo esfôrço de subôrno dos habitan-
podem ser obtidos com o concurso dos investimentos e poss.Ivels tes dos países subdesenvolvidos que se concedeu, recentemente,
auxílios provenientes das nações desenvolvidas, desaparecem diante independência política a alguma nações dependentes e se permitiu
do rápido crescimento da população, da corrupção d~s governos que políticos nativos passassem a ocupar altas posições. Quase
locais, do esbanjamento de recursos pelas classes dominantes ~os não há necessidade de acentuar que tal independência e autono-
países subdesenvolvidos e da remessa de lucros efetuada pelos In- mia não passam de uma farsa, enquanto êsses países continuarem
vestidores estrangeiros. meros apêndices econômicos das nações capitalistas desenvolvidas
Onde profundas mudanças de estrutura econômica são neces- e que seus governos, para sobreviver, continuem ainda a depender
sárias a fim de que o desenvolvimento econômico tome impulso de seus patrões estrangeiros.
e ultrapasse o crescimento da população; onde indivisibilidades Além disso, a obtenção de independência política, sob con-
tecnológicas fazem com que o crescimento dependa de grand~s dições de imperialismo, propicia resultados muito diferentes dos
inversões e de planejamento a longo prazo; onde formas tradi- esperados por êsses povos. Sua independência política recém-con-
cionalistas de pensamento e trabalho impedem a introdução de quistada apressa, muita vez, a mudança de seus patrões ocidentais,
novos métodos e meios de produção - nesses casos, então, somen- mudança em que o imperialismo mais jovem, mais empreendedor
te uma reorganização geral da sociedade e uma mobilização total
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64
e mais rico em recursos assume o contrôle que escapara das ,)1 ção do progresso econômico. Assim, grandes recursos estão
mãos dos velhos e enfraquecidos países imperialistas. Assim, onde s nelo dedicados a uma ampla campanha de reformulação da His-
não era mais politicamente possível operar através das velhas e t ria do Capitalismo. Seu objetivo é a reabilitação do "barão
comprometidas administrações coloniais e impor contrôles me- ladrão" e sua glorificação como o herói e o principal agente do
diante a infiltração econômica, o imperialismo americano patro- progresso econômico e social; sua tarefa colateral é a minimização
cina (ou tolera) a independência política das nações coloniais, tor- do sofrimento e das privações que estiveram associados ao início
nando-se, a seguir, a potência dominante nas regiões recém-t'li- C à evolução da emprêsa capitalista.
bertadas". Ambos os métodos de expansão da influência ameri- Assim, os economistas com inclinações para a pesquisa his-
cana podem ser estudados na África, no sudeste da Ásia e no tórica procuram provar que, em se apoiando nas fôrças do mer-
Oriente Próximo. cado e da iniciativa privada, obteve-se, no passado, desenvolvi-
mento econômico sem sacrifícios excessivos. A moral que pro-
curam tirar dessa "constatação" é que êste método ainda repre-
III senta o caminho mais recomendável para o progresso econômico.
sses historiadores raramente mencionam - se é que o fazem
Empreende-se, atualmente, uma considerável campanha ideo- alguma vez - o papel que a exploração dos países hoje subde-
lógica para "vender" ao público esta política do imperialismo - senvolvidos desempenhou na evolução do capitalismo ocidental.
política mais moderna, mais sutil e menos evidente. Como obser- Quase não dão atenção, se é que dão alguma, ao fato de que os
vou, recentemente, um perspicaz economista: " 'desenvolvimento' países coloniais e dependentes não podem hoje recorrer a êsse
quando comparado a 'civilização' ... (tornou-se) um quid pro quo expediente de acumulação primitiva de capital, como o fizeram
intelectual em favor da dominação internacional por uma grande s países capitalistas hoje desenvolvidos. Idêntica atitude tomam
potência". (5) E as Ciências Sociais propiciam, como sempre, a 0111 relação ao fato de que o desenvolvimento econômico na época
racionalização necessária ao esfôrço sistemático da classe domi- do capitalismo monopolista e do imperialismo defronta com
nante dos países capitalistas desenvolvidos para prevenir, ou ao bstáculos que, pràticamente, nada têm em comum com os en-
menos retardar, a libertação econômica e política das nações de- contrados duzentos ou trezentos anos atrás. Além disso, esque-
pendentes e coloniais. Estimulados pelo pródigo apoio de vários em-se que o que foi possível em certo momento histórico é ir-
departamentos governamentais e de fundações, economistas, antro- r alizável em outro.
pólogos, psicólogos sociais e outros cientistas sociais vêm dedi- Os economistas com tendência para os estudos teóricos seguem
cando, no Ocidente, atenção sempre crescente ao desenvolvimen- trilha diferente. Centralizando sua atenção em alguns aspectos
to dos países subdesenvolvidos. t cnicos do desenvolvimento econômico, descobrem uma multidão
Muita energia está sendo despendida em pesquisas que pro- de dificuldades insuperáveis que impossibilitam a formulação de
curam demonstrar que os países capitalistas desenvolvidos atin- urna teoria coerente da mudança econômica e social. Alinham,
giram o nível de desenvolvimento em que se encontram graças a m óbvio prazer, tôda e qualquer questão mais ou menos re-
um processo de crescimento lento e espontâneo, dentro dos quadros 111 'I nada ao problema do desenvolvimento econômico e sôbre a
da ordem capitalista e sem maiores comoções ou levantes revo- qual "não sabemos o suficiente"; acentuam a falta de critério ine-
lucionários. Afirma-se que foi, na realidade, a relativa ausência qufv co para a distribuição racional de recursos sob condições di-
de perturbação política e a continuidade e estabilidade das ins- 11 micu ; demoram-se no estudo dos obstáculos à industrialização
tituições sociais que propiciaram o "clima" essencial ao apareci- 1\11 prornanam da falta de treinamento da fôrça de trabalho dos
mento e prosperidade do empreendedor capitalista, o qual, por I1 ubdesenvolvidos, da escassez de capacidade empresarial, de
sua vez, é creditado pelo desempenho do papel decisivo na pro- I 'OV v is desequilíbrios do balanço de pagamentos. Todo esfôrço
111 I r I do rápido desenvolvimento aparece, então, como aven-
turn m terreno desconhecido, como bárbara violação do racio-
(6) H. G. Johnson, Economic JournaI (junho de 1955), pág, 303. 1111111 I: ionômico universalmente aceito.

66 67
Estas tentativas de desacreditar, explícita e implicitamente, a ltamo para compreender os movimentos populares sem pre-
aspiração dos países subdesenvolvidos de se desenvolverem ràpida- d nt que revolucionam e rejuvenescem, nos dias que correm,
mente, e de apresentá-Ia como a manifestação de deplorável im- ma] r parte da raça humana. Ela oferece ajuda e confôrto não
paciência e irracionalidade das massas não-esclarecidas, diaboli- l S P vos coloniais e dependentes que lutam por sua liberdade,
camente manipuladas por políticos inescrupulosos e. sedentos de mtu a seus dominadores que procuram manter o status quo.
"
poder - tais tentativas, repetimos, beneficiam-se sempre do au- ste é o cenário político e ideológico, no qual tem lugar
xílio dos neomalthusianos, que explicam o atraso das nações sub- I di cussão sôbre o problema do desenvolvimento econômico. Ele
desenvolvidas como o resultado inevitável do crescimento "exces- plica a natureza pouco satisfatória dos resultados a que se con-
sivo" da sua população' e que, em conseqüência, denunciam como guiu chegar até hoje. A desafiadora pergunta de Robert Lynd
utópica tôda tentativa de desenvolvimento econômico nessas áreas, - "Conhecimento para quê?" - relaciona-se não apenas com os
enquanto não se controlar o crescimento demográfico. Uma vez frutos de um esfôrço intelectual em têrmos dos fins que pretende
que a redução da taxa de crescimento da população - supondo, ervir, mas também, necessàriamente, com a orientação e o con-
para argumentar, que tal redução seja necessária - só p~de ser .~
( teúdo do esfôrço em si. Assim, motivados pela destruidora preo-
obtida como resultado do desenvolvimento global das SOCIedades
atrasadas, a posição neomalthusiana transforma o desenvolvi:ne~-
i pupação com as necessidades da cruzada contra-revolucionária,
fi ordaçados pelo mêdo de se opor aos interêsses dominantes, em-
to econômico em uma tarefa vã, tornada insolúvel pela propna penhados em obstruir, a todo custo, o progresso econômico e
natureza do animal humano. ocial das nações coloniais e dependentes, a pesquisa e os tra-
Procura-se, com a publicação da maioria dos trabalhos an- balhos sôbre desenvolvimento econômico evitam, tanto quanto
tropológicos e quase-filosóficos que guardam relação com o pro- possí~el, fazer referência ao que constitui o próprio cerne do pro-
blema do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos, blema. Não mencionam as irracionalidades do capitalismo mo-
obter impacto semelhante sôbre a opinião pública. Tornou-se
moda questionar, nesses trabalhos, a "desejabilidade absoluta" do
- -. nopoliêta e do imperialismo que bloqueiam o desenvolvimento
econômico dos países capitalistas adiantados; não dão atenção ao
desenvolvimento econômico, tachar de anticientífica sua identifi- si tema de dominação interna e externa que impede e deforma
cação com o progresso, acusar os' que lutam por êle de "etnocen- crescimento econômico das nações subdesenvolvidas. Dão pouca
trismo" de tentarem axiomatizar a própria cultura e de demons- nfase, ainda, ao estudo da única experiência de desenvolvimento
trarem 'pouco respeito pelos valôres e costumes dos povos ma~s rápido - experiência que nos é oferecida pela URSS e pelos
primitivos. Permanecendo fiel ao re1ativismo geral e ao agností- litros países do campo socialista - como se tal experiência in-
cismo que permeia o pensamento burguês contempor~neo, êste t re sasse apenas ao Serviço Secreto do Exército. E isto quando
ramo das Ciências Sociais nega a possibilidade de um Julgamento n pode haver dúvida que qualquer esfôrço em matéria de de-
racional sôbre a utilidade (para não falar na necessidade) da nvolvimento econômico se poderia beneficiar imensamente de
mudança econômica e social nas áreas dependentes e coloniais uma compreensão plena do processo de crescimento da União
e aconselha o máximo cuidado em qualquer tentativa que venha • • viética e dos demais países socialistas.
a perturbar a continuidade das sociedades atrasadas. Muito em-
bora não endosse, explicitamente, o conceito de dominação im-
perialista que vê na dominação dos povos coloniais apenas a "ta- IV
refa do homem branco", êste método de abordar o problema apro-
xima-se bastante dêsse conceito quando dá ênfase à "heteroge- Ao falarmos em desenvolvimento econômico, limitamo-nos,
neidade cultural" das nações atrasadas, quando acentua a incorn- qui, a alusões mais ou menos genéricas a essa complexa ex-
parabilidade dos sistemas de valôres e quando sugere que os povos :B tempo de ctedicarmos um pouco de energia a um
coloniais e dependentes podem "preferir" a presente situação ao . 11111 mais detido dêsse processo. É de tôda conveniência que
dese"nvolvimento econômico e à libertação nacional e social. Esta JlI 11 ·jpl mos por fixar uma definição de crescimento econômico.
doutrina, como se vê, não nos oferece os elementos de que ne- NIl t bj tivo não é apresentar uma fórmula que exclua qualquer

68
• 69
r
outra, da mesma maneira que não queremos sugerir que outras compõem e quando certos produtos aparecem na produção de
definições não possam ser melhores para outros propósitos. Tudo um período e não aparecem na de outro. A importância dêste
o que nos propomos fazer é organizar nossas categorias de ma- conhecido problema de números-índices - que pode confundir
neira tal que sejamos capazes de abordar o assunto com um mé- o analista quando êste examina um caso de crescimento lento e
todo que nos parece simples e útil, um método que tencionamos gradual - é discutível quando se considera um caso de cresci-
explorar ao longo dos capítulos seguintes. mento econômico mais ou menos rápido, cuja característica
Definamos crescimento (ou desenvolvimento) econômico principal é uma profunda mudança não apenas no volume,
como um aumento, ao longo do tempo, da produção per capita mas também na composição da produção. Comparações inter-
de bens materiais. (6) Podemos permitir-nos, no presente con- I . temporais podem, na verdade, induzir a êrro quando entre
texto, negligenciar a dificuldade com que defrontam os economis- os anos extremos da série ocorrem mudanças na organização eco-
tas quando comparam dados de produção ao longo do tempo. A nômica e social, grandes surtos de urbanização, decréscimos ou
dificuldade surge quando as produções a serem comparadas refe- acréscimos da "parcela da produção que vai ao mercado", etc.
rem-se a mais de um produto, quando, por conseguinte, mudan- O setor de serviço é o que maiores dúvidas suscita. Sua expansão
ças na produção podem afetar diferentemente as partes que a causaria um aumento do Produto Nacional Bruto (definido no
sentido usual) sugerindo, então, que teria havido desenvolvimento
(6) Colin Clark sugere uma definição diferente: "O progresso eco-
econômico. Tal fato seria considerado, em muitos países, um
nômico pode ser definido como uma melhoria do bem-estar econômico.
Bem-estar econômico, segundo Pigou, pode ser definido, em primeira ins- passo atrás e não um passo à frente na direção do progresso eco-
tância, como a abundância de todos aquêles bens e serviços que são co- nômico. (7) Lembramo-nos logo do famoso exemplo de Pigou em
mumente trocados por moeda. Uma vez que o lazer é também um ele- que o casamento de um cavalheiro com sua cozinheira provoca
mento do bem-estar, podemos definir progresso econômico, de modo mais uma redução da renda nacional. Podemos imaginar, fàcilmente,
preciso, como a obtenção de produção crescente de tais bens e serviços
com o mínimo dispêndio de esfôrço e de outros recursos escassos, sejam também, a enorme expansão da renda nacional que seria causada
êles naturais ou artificiais". The Conditions 01 Economic Progress (Lon- pela introdução de pagamentos compulsórios às espôsas pelos ser-
dres, 1940), pág. 1. Esta definição, a nosso ver, é insatisfatória por algu- viços que prestam.
mas razões: (1) a identificação de crescimento econômico com o de bem-
- Suponhamos, porém, que os acréscimos da produção global,
estar não leva em conta ponderável parcela do produto global que não
tem influência sôbre o bem-estar, qualquer que seja a definição que se ao longo do tempo, podem ser medidos de alguma maneira e nos
adote para êste: bens de investimento, armamentos, exportações líquidas, perguntemos como se originaram tais acréscimos. Eles odem ser
etc., são bens que pertencem a êste grupo. (2) ~ insustentável a posi- o resultado de uma aLseguintes:causaL{oll de um~ombinação
ção daqueles que encaram um acréscimo na produção de "todos aquêles
delas): 1) - A utilização global de recursos pode aumentar sem
bens que comumente são trocados por moeda" como significando "uma
melhoria do bem-estar econômico". 1l:ste pode ser grandemente aumenta-
que se verifiquem mudanças na organização e/ ou na tecnologia, isto
do por um acréscimo na oferta de bens e serviços que não são cornu- é, recursos que não eram utilizados (trabalho, terra) podem ser
mente trocados por moeda (escolas, hospitais, estradas ou pontes), enquan- levados a participar do processo produtivo. 2) - A produtividade
to grande número de bens e serviços que são comum ente trocados por por unidade de recurso utilizado pode aumentar graças à adoção
moeda não traz nenhuma contribuição ao bem-estar humano (remédios pa-
tenteados e salões de beleza, narcóãcos e bens de consumo conspícuo, etc.).
3) O bem-estar econômico pode ser melhorado sem qualquer acréscimo
de produção - por uma mudança na estrutura e distribuição desta. (4) (7) Notou-se isso em um trabalho das Nações Unidas - Economic
Embora seja obviamente desejável a obtenção de uma dada produção com Survey 01 Europe Since The War: - "Os serviços que não se relacionam
o mínimo dispêndio de fatôres, o aumento da produção obtido por mé- diretamente à produção e ao transporte de bens não são julgados produ-
todos ineficientes pode também significar crescimento econômico. Parece tivos nos países da Europa oriental. O seu valor é, por isso, excluído da
preferível, portanto, considerar o crescimento econômico como um aumen- r nda nacional. Para um país pobre que está tentando desenvolver sua in-
to da produção de bens, sem procurar indagar se tais bens contribuem ou dÓstl'ia e reduzir o subemprêgo que normalmente existe no setor de ser-
não para o bem-estar humano, para o estoque disponível de bens de pro- vlços, a definição marxista de renda nacional apresenta algumas vantagens
dução ou para as reservas de material bélico. Deixamos, assim, para um lwills sôbre o conceito mais global, admitido para as economias alta-
exame correlato, embora separado, os fatôres determinantes da composi- m nto industrializadas e adotado comumente, hoje em dia, pelas nações
ção desta produção e das finalidades com que é aplicada. 11 I nvolvidas" (pág. 25).

70 71
de medidas organizacionais, isto é, através da transferência de tra- J Por outro lado, o reinvestimento das reservas para depreciação
balhadores de ocupações pouco produtivas ou improdutivas para m nível tecnológico mais elevado - sem que haja qualquer in-
tarefas mais produtivas, do aumento da jornada de trabalho, da vc timento líquido - pode, per se, redundar em significativo au-
melhoria dos padrões alimentares e do incremento dos incentivos mento da produção. Segue-se que onde a intensidade de capital
para os operários, da racionalização dos métodos de produção e da do processo produtivo já é bastante elevada - em outras pala-
utilização mais econômica de lubrificantes, matérias-primas, etc. vras, onde as reservas para depreciação constituem parte importante
3) - O "braço técnico" da sociedade pode tornar-se mais forte, do custo de produção - existe sempre uma fonte de capital apta
isto é, (a) fábricas e equipamentos gastos ou obsoletos podem ser a financiar melhorias tecnológicas sem que haja necessidade de
substituídos por outros mais produtivos, elou (b) unidades pro- qualquer investimento líquido. Embora esta circunstância agrave t-
dutivas novas (aperfeiçoadas ou não, tecnolõgicamente) podem ser a instabilidade das economias capitalistas adiantadas, uma vez que
acrescentadas ao estoque já existente. aumenta o excedente gerado que tem que ser despendido em in-
Os três primeiros caminhos - 1, 2 e 3a - conduzem à vestimentos, ela propicia também, a êsses países, grande vantagem
expansão da produção, mas não são associados" normalmente, a sôbre as nações subdesenvolvidas, onde, necessàriamente, as reser-
investimentos líquidos. Embora seja quase impossível imputar a vas para depreciação são pequenas. (9)
cada um dos quatro processos enumerados a sua participação nos Devemos convir, porém, que, qualquer que seja o caso, só
acréscimos de produção que se verificam, não há dúvida de que as pode haver investimento líquido se a produção global da sociedade
fontes mais importantes do crescimento econômico são a aplicação exceder o que é usado em consumo corrente e na reposição do des-
econômica do conhecimento técnico e o investimento líquido em gaste sofrido pelas unidades produtivas que foram empregadas du-
unidades produtivas adicionais. rante o período que se considere. Em conseqüência, o volume e
Devemos reconhecer que certa dose de investimentó líquido a natureza do investimento líquido realizado pela sociedade, em um
parece ser necessária a todos os quatro processos: recursos que não dado período, dependem da magnitude e do modo de utilização do
eram usados não se tornam utilizáveis sem que se efetue algum excedente econômico gerado.
dispêndio de equipamentos, na melhoria da fertilidade do solo, Ambos, como adiante veremos, são determinados, fundamen-
etc.; mudanças organizacionais podem ser necessárias para a insta- talmente, pelo grau de desenvolvimento dos recursos produtivos da
lação de correias transportadoras e instalações semelhantes; progres- sociedade e pela estrutura social dentro da qual o processo produ-
so tecnológico que propicie melhoria da maquinaria a ser acrescen- tivo se desenvolve.
tada ao estoque existente ou que venha substituir equipamentos A compreensão dos fatôres responsáveis pela magnitude e modo
gastos só pode ser obtido com grandes investimentos líquidos. "Se ... de utilização do excedente econômico constitui um dos objetivos
a técnica depende, em grande parte, da situação da ciência, a ciência mais importantes de uma teoria do desenvolvimento econômico.
depende, ainda mais, do estado e dos requisitos da técnica. Se Através da "Economia pura" não conseguiremos sequer nos apro-
a sociedade sente urna necessidade técnica, isto auxilia a ciência a ximar dessa compreensão. Para obtê-Ia temos que examinar a eco-
progredir mais do que dez universidades. Tôda a hidrostática (Tor- nomia política do desenvolvimento.
ricelli, etc.) nasceu da necessidade de regular os cursos de água
nas montanhas da Itália, nos séculos XVI e XVII. Só conhecemos
alguma coisa razoável sôbre eletricidade desde que se descobriu sua
aplicação. (8)

(8) F. Engels, carta a H. Starkenburg, em Marx e Engels, Selected


Works (Moscou, 1949-1950), vol. II, pág. 457. Sôbre essa interessante re-
lação entre desenvolvimento econômico, de um lado, e progresso científico
e tecnológico, do outro, ver B. Hessen, The Social and Economic Roots
01 Newton's Principia (Sydney, 1946) e J. D. Bernal, Science in History (9) Cf. Marx, Theories 01 Surplus Value (Londres, 1951), págs. 354
(Londres, 1954). I) seguintes, onde se dá relevância a êste ponto.

72 73
/ se materializa em ativos de várias especies, que se adicionam li.
riqueza da sociedade durante o período que se esteja considerando:
(!li equipamentos e unidades produtivas, estoques, divisas e ouro en-
tesourado. Pode parecer apenas uma questão de definição o fato
de se considerar os bens duráveis de consumo (prédios) residenciais,
automóveis, etc.) como representando poupança e não consumo,
uma vez que, sem sombra de dúvida, é arbitrário considerar um
CAPíTULO SEGUNDO prédio como investimento, enquanto, digamos, um piano é incluído
entre os bens de consumo. Se a vida útil fôsse o critério, onde
colocaríamos a linha divisória? É essencial para a compreensão
O CONCEITO
do processo econômico fazer esta distinção não com base nas pro-
DE EXCEDENTE ECONOMICO priedades físicas dos ativos em causa, mas à luz da função econô-
mica que desempenham, isto é, se entram no fluxo de consumo
I como "bens finais" ou se servem como meios de produção e
concorrem para um aumento desta no período subseqüente.

o CONCEITO de excedente econômico é, sem dúvida, algo com-


plexo. Na tarefa de esclarecê-Io e de empregá-Io para a com-
Assim, um automóvel adquirido para uso pessoal é um objeto
de consumo, enquanto um carro idêntico, se adicionado à frota
de táxis da comunidade, constitui um bem de investimento. (2)
preensão do processo de desenvolvimento econômico, definições
simples ou medidas refinadas não podem substituir o esfôrço analí- Tôdas as formações sócio-econômicas de que se tem notícia
tico e o julgamento racional. É, certamente, desejável romper aqui geraram excedente econômico efetivo. Embora sua magnitude e
com a velha tradição da Economia acadêmica de sacrificar a rele- estrutura tenham diferido muito durante as várias fases do desen-
vância do assunto à elegância do método analítico; é preferível volvimento, sua existência caracterizou quase tôda a história que
tratar imperfeitamente o que é importante do que atingir habili- conhecemos. A magnitude do excedente econômico efetivo - pou-
dade extrema no trato de questões irrelevantes. pança ou formação de capital - além de ser ràpidamente visuali-
A fim de facilitar o mais possível a discussão, falaremos, zada do ponto de vista conceptual é hoje correntemente estimada
inicialmente, em têrmos de estática comparativa, isto é, ignorare- pelos serviços de estatística da maioria das nações. As dificulda-
mos os caminhos pelos quais se efetua a transição de uma situação des que se encontram na sua mensuração são de ordem técnica,
econômica para outra e consideraremos estas situações ex posto originadas apenas pela ausência ou inadequação das informações es-
Assim procedendo podemos distinguir três variantes do conceito de tatísticas disponíveis.
excedente econômico.
O excedente econômico potencial é a diferença entre o pro-
Excedente econômico efetivo, isto é, a diferença entre o pro-
duto social que poderia ser obtido em um dado meio natural e
duto social efetivo de uma comunidade e o seu efetivo consu-
mo (1). É idêntico, por conseguinte, à poupança ou acumulação tecnológico, com o auxílio dos recursos produtivos realmente dis-

(1) O excedente economico efetivo compreende, obviamente, parce-


la ~enor do produto social que a abrangida pela. noção marxista de mais- (2) Embora não nos pareça necessário um exame mais detido desta
valia, Lembramos que a mais-valia é representada pela diferença entre questão, é conveniente assinalar Que, do ponto de vista do desenvolvimen-
o produto líquido global e a renda real da fôrça de trabalho. O exce- to econômico, é da maior importância saber se o excedente econômico
dente econômico efetivo abrange apenas a parcela de mais-valia que é efetivo assume a forma de bens de capital que aumentam a produtividade
acumulada; em outras palavras, não inclui o consumo da classe capitalis- ou se se manifesta através do aumento de estoques ou do entesouramento
ta, os dispêndios governamentais com a máquina administrativa, as fôrças de ouro - formas apenas tênuemente relacionadas - se é que o são
armadas, etc.
na verdade - com o "fortalecimento do braço técnico da sociedade".

74 75
poníveis, e o que se pode considerar como consumo indispensá- xcessivo da aristocracia agrana, apontando as repercussões de
vel. (3) A transformação dêsse excedente potencial em efetivo dispêndios sôbre o nível de emprêgo. Os economistas da bur-
pressupõe a reorganização mais ou menos drástica da produção e li ia nascente, por outro lado, não perdiam as oportunidades que
distribuição .do produto social e implica profundas mudanças da S lhes oferecessem de recriminar o ancien régime pelo desperdício
estrutura da sociedade. Aparece êle sob quatro formas distintas, a de sua organização sócio-econômica e de apontar as feições parasí-
primeira das quais é o consumo supérfluo da sociedade (pre- ticas de muitos de seus mais caros funcionários e instituições. (4)
dominantemente por parte dos grupos de mais alta renda, mas, em Tão logo, porém, a crítica da sociedade pré-capitalista se tornou
alguns países, como os Estados Unidos também por parte das 'cha- menos necessária e a agenda da economia foi dominada pela ta-
madas classes médias); a segunda é a produção que deixa de ser refa de racionalizar e justificar a ordem capitalista vitoriosa, dei-
realizada face à existência de trabalhadores improdutivos; a terceira xaram de ser analisadas a produtividade e a essencialidade de qual-
é a produção que se perde em virtude da organização irracional, e quer tipo de atividade exercida no seio da sociedade capitalista.
propensa ao desperdício, do aparelho produtivo existente; a quarta Ao admitir que o pronunciamento do mercado desempenha o papel
é a produção que não se obtém devido à existência de desemprêgo de único critério de racionalidade e eficiência, a Economia nega
originado, fundamentalmente, pela anarquia da produção capitalista qualquer "respeitabilidade" à distinção entre consumo indispensá-
e pela deficiência da procura efetiva. vel e supérfluo, entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo,
A identificação e mensuração dessas quatro formas de exce- entre excedente efetivo e excedente potencial. O consumo supérfluo
dente econômico potencial defrontam alguns obstáculos. Tais é justificado como provedor de indispensáveis incentivos; o tra-
obstáculos promanam, em última análise, da circunstância seguinte. balho improdutivo é glorificado por contribuir indiretamente para
a própria categoria de excedente econômico potencial transcende o a produção; as depressões e o desemprêgo são defendidos como o
horizonte da ordem social vigente, pois tem como pontos de refe- preço que se tem de pagar pelo progresso; o desperdício é per-
rência não apenas a atuação fàcilmente discernível de uma dada doado por constituir um pré-requisito da liberdade. Como dizia
organização sócio-econômica, mas também a imagem, visualizada Marx: "à medida que o domínio do capital se estende e que mesmo
menos ràpidamente, de uma sociedade organizada de forma mais as esferas de produção que se não relacionam diretamente à riqueza
racional. material se tornam mais e mais dependentes dêle, e que as Ciências
positivas (Ciências Naturais) a êle se subordinam como instrumen-
tos da produção material - bajuladores de segunda ordem, no
II
campo da Economia Política, julgam ser seu dever glorificar e jus-
tificar qualquer setor de atividade, demonstrando que êle está li-
Façamos aqui uma pequena digressão. Do ponto de vista do
feudalismo, apenas o indispensável, o produtivo e o racional eram,
na verdade, compatíveis com a continuidade e a estabilidade do (4) "O trabalho de alguns dos mais respeitáveis membros da socie-
sistema feudal e a elas conduziam; o supérfluo, o improdutivo e dade equipara-se aos dos empregad~s.. domésticos - não produz qualquer
o desperdício apenas interferiam ou eram desnecessários à pre- valor. .. O soberano, por exemplo, e todos os oficiais da justiça e da
guerra que se encontram sob suas ordens, todo o exército e a marinha,
servação e ao funcionamento normal da ordem social então exis- são trabalhadores improdutivos. São empregados do povo e são mantidos,
tente. Foi por isto que Malthus defendeu calorosamente o consu- por uma parte do trabalho de outras pessoas... Na mesma classe devem
ser incluídos... padres, advogados, médicos, homens de letras. de qual-
quer espécie, atôres, músicos, cantoras de ópera, dançarinos, etc." Adam
Smith, Weaith oi Nations (edição da Modern Library), pág, 295.
(3) 1l:ste tipo de excedente é, também, uma parcela de produto di-
"Quando o produto anual de um país ultrapassa o seu consumo, diz-se
ferente do que poderia representar a mais-valia, no sentido que lhe dá
que seu capital aumentou; quando o seu consumo anual ultrapassa o seu
Marx. Exclui, de um lado, elementos de mais-valia como o consumo in-
produto anual, diz-se que o capital dêsse país diminuiu. O capital pode,
dispensável dos. capitalistas, os dispêndios indispensáveis da administração
portanto, ser aumentado por um acréscimo do produto social ou por um
governamental, etc.; compreende, de outro lado, o que não é abrangido
decréscimo do consumo improdutivo". Ricardo, Principies ot Political Eco-
pelo conceito de mais-valia - a produção que se perde em virtude do
nomy and Taxation (edição da Everyman's Library) , pág. 150.
subemprêgo ou do mau emprêgo de recursos produtivos.

77
76
gado à produção de riqueza material, e que é um meio de realizá-Ia. 1111111111 ira de encarar o indivíduo é totalmente metafísica e não
Tais senhores homenageiam qualquer um ao transforrná-lo em tra- 1\VII m C nsideração um dos aspectos mais essenciais da História
balhador produtivo, no sentido mais restrito do têrmo, isto é, tra- humnnu, omo notou Marx em uma passagem dedicada a Bentham:
balhador que está a serviço do capital, que é útil, de algum modo, "I' Ira c bcr o que é útil a um cão, devemos estudar' a sua natureza.
a seu acréscimo". (5) ta natureza não pode ser deduzida do princípio da utilidade.
E mais: "o capitalismo cria uma estrutura crítica de pensa- Antes de aplicâ-lo ao homem e supor que êle criticaria todos os
mento que, após destruir a autoridade moral de tantas outras ins- at ,movimentos e relações humanas pelo princípio da utilidade,
tituições, volta-se contra as suas: a burguesia surpreende-se ao des- deve-se estudar, em primeiro lugar, a natureza humana em geral
cobrir que a atitude racionalista não se detém diante das credenciais , depois, as modificações sofridas por essa natureza em cada pe-
de reis e de papas, mas as ultrapassa para atacar a propriedade pri- ríodo histórico. Bentham simplifica extremamente o problema. Com
vada e todo o sistema de valôres burgueses". (6) Do ponto de vista a maior singeleza considera o comerciante moderno, especialmente
de uma sociedade socialista, isto é, de um ponto de vista que trans- o comerciante inglês, como o homem normal. Tudo o que é útil
cende o quadro de referência capitalista, muito do que, ao pensa- a êste estranho homem normal e a seu mundo é absolutamente
mento econômico e social burguês, parece ser indispensável, pro- útil. Este padrão de medida é, então, aplicado por Bentham ao
dutivo e racional se transforma em supérfluo, improdutivo e es- passado, ao presente e ao futuro". (7)
banjador. Pode-se dizer que, em geral, somente um ponto de Não há dúvida que a pessoa humana, com suas características
vista intelectualmente fora da ordem social vigente, não adumbrado físicas e psíquicas, com seus valôres e aspirações, tem mudado ao
por seus "valôres", sua "inteligência prática" e suas "verdades evi- longo da História, acompanhando a sociedade de que é parte. Mu-
dentes", porporciona uma visão crítica das contradições dessa ordem danças na estrutura da sociedade têm modificado o homem; mu-
social e de suas potencialidades ocultas. O exercício da autocrítica danças na natureza dêste têm alterado a sociedade. Como pode-
é tão penoso para uma classe dirigente quanto para um indivíduo. mos, então, empregar a utilidade ou a satisfação usufruída por
É fàcilmente perceptível que a decisão sôbre o que constitui o um indivíduo, em um dado tempo, como o critério segundo o qual
excedente econômico potencial, sôbre a natureza do consumo supér- deve ser julgada a contribuição das instituições e relações econô-
fluo, do desperdício e do trabalho improdutivo, diz respeito às micas para o bem-estar da comunidade? Se nos referirmos ao com-
próprias fundações da Economia burguesa e, em particular, ao ramo portamento observável de um indivíduo, estaremos caminhando em
desta que se tornou conhecido pelo nome de Economia do Bem- círculo. Seu comportamento é determinado pela ordem social em
Estar. O objeto dêste ramo da teoria econômica - talvez o mais que vive, em que cresceu, em que foram moldados e determinados
ideológico e apologético de todos - é organizar os nossos conhe- ua estrutura de caráter, suas categorias de pensamento, suas espe-
cimentos sôbre as condições determinantes do bem-estar das popu- ranças e seus temores. É, na verdade, a capacidade de uma cons-
lações. Não precisamos dizer que o primeiro e mais importante t lação social de produzir mecanismos capazes de moldar persona-
requisito para que êsse esfôrço tenha sentido é a existência de uma lidades, de prover a estrutura material e psíquica para um tipo es-
conceituação clara do que se deve entender por bem-estar e de pecífico de existência humana, que transforma essa constelação em
critérios que nos permitam distinguir vários graus de bem-estar. Os uma ordem social.
economistas do bem-estar resolvem a questão (ou melhor, pen- Não obstante, os economistas tentam avaliar essa ordem
sam que resolvem) referindo-se à utilidade ou satisfação experi- cial, e a sua proclamada eficiência, por critérios que ela mesma
mentada pelos indivíduos. O indivíduo em si, com os seus hábitos, uscitou. (8) Como poderíamos pensar em julgar a contribuição
gostos e preferências, é aceito sem exame. Deveria ser óbvio que ~I" um homicídio faz ao bem-estar, se adotássemos como ponto de

(5) Marx, Theories oi Surplus Value (Londres, 1951), pág. 177. (7) Capital (edição Kerr) , vo1. I, pág, 668.
(6) J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism anâ Democracy (Nova (8) "A função das instituições econômicas é organizar a vida eco-
York, 1950), pág. 143. " 11I1 li de conformidade com os desejos da comunidade ... a eficiência da

78 79
partida os cânones de comportamento seguidos. p~r uma socie~a~e Um admirador da Economia do Bem-Estar nos faria parar aqui
canibal? O que poderíamos fazer de melhor sena Julgar a coerencta I ndagaria que outro critério de bem-estar temos em vista. (9) Se
do comportamento dos canibais com as suas próprias leis e re- l atuação efetiva e observável do indivíduo no mercado. não é
gulamentos canibalísticos. Este tipo de indagação poderia ser \ 'ita como o teste último do que constitui o seu bem-estar, que
útil se estivéssemos procurando divisar os meios necessários à litro teste usaremos?
pre~ervação e ao melhor funcionament~ da ~ocie_dade ca~ibal. O O simples fato de que esta pergunta seja formulada indica
que se poderia deduzir, porém" de tal investigação, e~ term?s. de o quanto já se caminhou pela estrada da irracionalidade e do
bem-estar humano? Defrontanamos com uma situaçao de ótrmo bscurantismo desde os dias da Economia e Filosofia clássicas. A
econômico se supuséssemos que a vida dos canibais se conformava resposta a ela, porém, é mais simples do que se possa pensar -
plenamente com os preceitos de sua sociedade, que se~s chefes mais simples e mais complexa, a um só tempo. Ei-la: a razão
conseguiam realizar tantos escalpelos quantos eram requendos pel.a objetiva é o único critério pelo qual é possível julgar a natureza
sua fortuna, posição social e suas relações, e que todos os demais de uma organização sócio-econômica, sua capacidade em con-
canibais consumissem o número de estrangeiros que correspondesse, tribuir para a manifestação geral das potencialidades humanas e
exatamente, à sua produtividade marginal e que ~ão os obti~essem para o seu crescimento. Foi a razão objetiva que norteou a crí-
a não ser através de aquisições em um mercado livre. Podenamos, tica, empreendida por homens como Maquiavel e Hobbes, da so-
em tal caso, afirmar, que o bem-estar dos canibais melhorou? É cidade então existente; foi a razão objetiva que levou Smith e
óbvio que não poderíamos tirar essa conclusão da situação, ~ue Ricardo a chamarem os senhores feudais, os cortesãos e o clero de
descrevemos. O que fizemos foi apenas estabelecer que a prática parasitas, pois êles não somente não contribuíam para o pro-
da sociedade canibal correspondia, aproximadamente, aos princípios gresso da sociedade, mas tiravam-lhe tôdas as possibilidades de
que essa sociedade des:nvo~veu.. Não ,afirman:os " ~ada, po~ém, crescimento.
sôbre a validade ou a írracionalídade desses pnncipros ou sobre Não se conclua do que foi dito que a substância da razão
sua relação com o bem-estar humano. objetiva seja imutável no tempo e no espaço. Pelo contrário: a
A Economia do Bem-Estar, como se vê, tem por objetivo o razão objetiva é parte integrante do fluxo sempre mutável da
exame da medida em que a organização econômica existente satisfaz História; seus contornos não estão menos sujeitos à dinâmica
as normas ditadas pela organização econômica existente, do grau do processo histórico do que a Natureza e a sociedade em geral.
em que o aparelho produtivo e de uma sociedade capitalista se en- "Ninguém pode cruzar duas vêzes o mesmo riacho": o que é
contra organizado, "eficientemente", para uma produção cujo volu- razão objetiva em uma etapa histórica, é anti-razão e reação em
me e composição são determinados pela estrutura dêsse mesmo apa- outro. Esta dialética da razão objetiva nada tem em comum com
relho produtivo. Investiga, laboriosamente, além disso, o grau em o cinismo relativista do pragmatismo ou com a indeterminação
que a organização sócio-econômico existente orienta os recu~sos oportunista das várias filosofias do élan. vital. Fundamenta-se ela
disponíveis de maneira a corresponder à demanda dos consumido- na compreensão científica, profunda e crescente que o homem
res. Esta, por sua vez, é determinada pela, distribuição da riquez~, adquiriu sôbre a Natureza e a sociedade, na exploração concreta
e da renda, pelos gostos e escalas de valôres das pes~oas, os qua~s e na utilização prática das condições naturais e sociais do
são moldados pela organização sócio-econômica existente. Ta~s progresso.
preocupações nada têm em comum com a investigação das. condi-
ções conducentes ao bem-estar ou com o estudo da medida em
que as instituições e relações econômicas e sociais da socie~ade ca- (9) O Professor Scitovsky, por exemplo - um dos autores mais com-
petentes no assunto - observa: " ... se principiarmos a duvidar da capa-
pitalista promovem ou impedem o bem-estar das populaçoes. cidade do consumidor de decidir o que é bom para êle, enveredaremos
por uma estrada em que é difícil parar e poderemos terminar por nos
descartarmos totalmente do conceito de soberania do consumidor". Op, cit.,
organização econômica será... julgada por seu ajustamento às preferências pâg, 184. O que está em pauta, de fato, não é o "conceito de soberania
da comunidade." T. Scitovsky, Weljare anâ Competition (Chicago, 1951), do consumidor", mas apenas a versão apologética e não-histórica dêsse
pág. 5. conceito, versão que permeia tôda a Economia burguesa.

80 81
A atitude historicamente ambivalente e mutável em relação di 1111 11' I, [uando a vitória constitui o principal interêsse da elas-
ao progresso e à razão objetiva - atitude que tem caracterizado rh uulnnnío, O que em tais circunstâncias constitui a razão obje-
o pensamento burguês desde que a burguesia começou a se sentir IIVII L brepõe aos interêsses particulares e às utilidades subjeti-
continuamente dividida entre a oposição ao feudalismo e o temor VI • ,')n através da adoção do serviço compulsório nas fôrças
ao socialismo nascente - explica o fato de ter a crítica socia- 111 IlIlId IH, de contrôles econômicos ou do sistema de requisição e
lista das instituições econômicas e sociais encontrado, algumas IOllrL de suprimentos essenciais, reconhecem-se as necessidades
vêzes, acolhida relativamente simpática por parte da burguesia, na 11111 t IVUS, admite-se que elas sejam plenamente avaliáveis e se lhes
medida em que essa crítica se dirigiu contra os resíduos da ordem '11IJlI" ta importância muito maior que às preferências individuais
feudal. O esbanjamento de riqueza pelos senhores de terra nos 1I V ludas pelo comportamento do mercado. Tão logo, porém, essa
países atrasados constitui um objetivo de ataque não menos admis- lumção de emergência passa e a circunstância de se admitir a pos-
sível que sua prodigalidade sob o ancien régime nos países mais hllklade de se identificar a razão objetiva ameaça tranforrnar-se
adiantados. A tolerância é sempre muito menor quando a crítica 11\1 f nte de perigosa crítica social, o pensamento burguês retira-se
se dirige às instituições capitalistas sensu stricto, Apontar, por I) I "C sas de qualquer posição avançada que, temporàriamente,
exemplo, a estrutura sócio-política dos países atrasados como o I11) Mü ter mantido e mergulha, uma vez mais, em seu costumeiro
principal obstáculo a seu progresso é, no atual estágio imperialista ( II\! de agnosticismo e de "inteligência prática".
do desenvolvimento capitalista, quase tão suspeito quanto insistir
Poder-se-ia avaliar, sem maiores dificuldades, o que constitui
sôbre o papel que o imperialismo desempenha no retardamento
li nsumo supérfluo" se se dedicasse a êste tema apenas uma fração
do desenvolvimento interno das nações capitalistas adiantadas e
do t mpo e da atenção que se dedica atualmente a problemas tão
na estagnação que se perpetua nas áreas subdesenvolvidas.
111' ntcs e importantes como, por exemplo, o da mensuração da
Economistas apoiados, social e mentalmente, na fase (e es-
ulllidade marginal. A conceituação e mensuração do "consumo
trato) competitiva e pequeno-burguesa da sociedade capitalista de-
ndl pensável", tanto em países subdesenvolvidos, como em eco-
senvolveram certa medida de clarividência com relação à irracio-
n mias desenvolvidas, não apresentam dificuldade maior. Onde os
nalidade, ao desperdício e às conseqüências culturais do capitalis-
I ud es de vida são, em geral, baixos e o conjunto de bens dispo-
mo monopolista. Esquecendo-se de que é o capitalismo competiti-
1\ V ia pouco varia, o consumo indispensável pode ser avaliado em
vo e liberal que, inelutàvelmente, dá origem ao monopólio, reco- j rm de calorias, de outros nutrientes, de quantidades de ves-
nhecem êles alguns dos custos econômicos, sociais e humanos do
1\1 ri de combustível, de espaço para moradia, etc. Mesmo onde
capitalismo em sua fase monopolista; discernem algumas das ma- \I n vel de consumo é relativamente elevado e compreende grande
nifestações mais óbvias de consumo supérfluo, de atividades im-
vurt da le de bens de consumo e de serviços, pode-se ter uma idéia
produtivas, de irracionalidades e de brutalidade do "monarquismo do m ntante e da composição da renda real necessária ao que, so-
econômico". Ao mesmo tempo, os escritores que se libertaram • 111m nte, se considera uma "vida decente". (10)
das cadeias de uma fase pretérita ou que ingressaram diretamen-
te na "nova era" são, algumas vêzes, impressionantemente pers-
picazes ao remover de seu pedestal a ordem competitiva do pas-
10) O Serviço de Estatística do Trabalho, do Departamento do
sado - as sacrossantas virtudes da adolescência competitiva do 1'11\1 nlhc dos Estados Unidos, utiliza um conceito de "consumo indispen-
capitalismo. v I" quando elabora os índices do custo de vida. O Comitê Heller para
Enquanto esta tendência do pensamento burguês fornece al- h 11111 us de Economia Social, da Universidade da Califórnia, emprega con-
I • 11!l ~ melhante, As, necessidades de alimentação, habitação e serviços
guns elementos e informações que permitem uma avaliação, ainda 111 di nR m vários países foram estudadas pelas Nações Unidas, pela FAO
que aproximada, da natureza (e magnitude) do excedente eco- I !I(I(I'IIR entidades, apresentam um dos campos, mais importantes para
nômico potencial, o conflito sempre latente, e algumas vêzes aberto, IIIIVII Investigações. Cf. Food and Agriculture Organization, FAO Nu-
entre os interêsses da classe capitalista como um todo e os de seus 11111111\111 Studies, n.? 5, Caloric Requirements (Washington, 1950); National
li. 1111 h ouncil, Reprint and Circular Series, Recommended Dietary Allow-
membros isoladamente considerados oferece outra oportunidade ,1//" ,I (Washington, 1948); United Nations, Housing and Town and Country
para a compreensão dos temas em pauta. Assim é que, em tempos "/,II//lI/I,q (l 49-1950), bem como o material mencionado por estas fontes.

82 83
orno dissemos antes, é precisamente isto que tem sido feito I' ul dll. r o que é trabalho produtivo ou improdutivo em uma
m todos os países em situações de emergência como as vigentes ' 11 t duel capitalista mediante simples referência às práticas diárias
durante as guerras e os períodos que se lhes seguem. O que 01. dtl IIpiUllimo. A decisão tem que ser feita concretamente, do ponto
apologista agnóstico do status quo e fervoroso partidário daj
ó
th vi III d s requisitos e potencialidades do processo histórico, à luz
"soberania do consumidor" consideram obstáculo insuperável, ou dll IIIZIL objetiva.
condenável manifestação de arbitrariedade, é totalmente acessível tr balho improdutivo representa parcela não insignificante
à indagação científica e ao julgamento racional. I1 I r dução de bens e serviços comerciados, produção que é, por
1Il eguinte, considerada nas estatísticas de renda nacional dos paí-
~. npitalistas. Sejamos claros sôbre êste ponto: o trabalho im-
III 111edutivo é plenamente produtivo ou útil dentro da estrutura
rio retem capitalista e pode ser, na verdade, indispensável à pre-
A identificação de trabalhadores improdutivos, por sua vez, rvu ão desta. É desnecessário assinalar que as pessoas empenha-
é assunto mais complexo e mais difícil de ser abordado quantitati- 11 I nc se tipo de trabalho podem ser, e na maioria das vêzes
vamente. Como já assinalamos, a simples distinção entre trabalha- • I , "cidadãos proeminentes", trabalhadores, homens conscien-
dores produtivos e improdutivos defronta com a firme oposição , cujo trabalho vale o salário que recebem. A sua classifica-
da Economia burguesa. Ela sabe - graças à experiência de sua como, "trabalhadores improdutivos", portanto, não implica
própria juventude - que esta distinção se pode constituir em po- I r brio nem qualquer outro estigma. Ocorre freqüentemente que
deroso instrumento de crítica social, capaz de ser fàcilmente orien- 11 m n de boa vontade - compelidos a viver e trabalhar em um
tado contra a própria ordem capitalista. Tentando dela se des- I. t ma cuja orientação não se encontra sob seu contrôle - não
cartar, a Economia burguesa procura eliminar essa distinção quando LI nas deixam de atingir os objetivos pelos quais se esforçam,
julga a produtividade, a essencialidade e a utilidade de qualquer nU\8 atingem os verdadeiros opostos daqueles que procuravam
atividade pela sua capacidade em obter um preço no mercado. nlcnnçar.
Desaparecem, desta forma, tôdas as diferencas entre os vários Percebe-se fàcilmente que a identificação e a medida desta
tipos de trabalho - tôdas, exceto uma: a magnitude da remune- p ire Ia improdutiva do esfôrço econômico total de um país não
ração a que qualquer atividade tem direito. Qualquer atividade pud m ser feitas pela aplicação de uma simples fórmula. Esta par-
que faz jus a uma recompensa monetária é considerada, então, rnla consiste - para falar em têrmos mais gerais - em todo o
útil e produtiva por definição. (11) trai alho empregado na produção de bens e serviços cuja procura
A discussão precedente, porém, deixou claro que a valorização /1111/1' ser atribuída às condições e relações peculiares ao sistema
do mercado não pode ser considerada como UI,l1 teste racional para ('li/li/alista, procura esta que se não verificaria em uma sociedade
o julgamento da "adequação" e da "eficiência" de uma organização ruclonalmente organizada. Parte apreciável dêsses trabalhadores im-
111\ dutivos encontra-se, portanto, ocupada na produção de arma-
sócio-econômica. A aceitação dêste teste implica, como frisamos
111 111 ,de artigos de luxo de tôda espécie, de objetos de osten-
acima, um raciocínio circular: julgar uma dada estrutura sócio-
econômica por um padrão representativo de um aspecto importan- lu' 1 indicativos de posição social. Outros são funcionários go-
te dessa mesma estrutura sócio-econômica. Assim sendo, não se \ runm ntais, membros das fôrças armadas e do clero, advogados

(11) t; interessante notar que êste esfôrço de glorificar a ordem ca-


11111\) d mercado, em tais circunstâncias, leva os economistas: a) à
pitalista, através da eliminação da distinção entre trabalho produtivo e im-
produtivo, contribui enormemente para a auto-emasculação da Economia
I ti culn posição de terem de criticar a situação presente no ponto de
vi 111 1\ -histórico e irreal de Mises, Hayek, Knight e outros da mesma
moderna. Levando os seus protagonistas a considerar como produtivas
1111\, li b) à necessidade incômoda de "torcer" o "princípio" e proclamar
tôdas as atividades que, em uma sociedade capitalista, têm uma recom-
11 01 lldndo e essencialidade de várias. atividades cujos produtos não são
pensa monetária, o critério da aprovação e da valorização do mercado -
que pode, pelo menos pretender ser consistente em condições de capitalismo 111111 11\ lunud s, mas que dão uma contribuição "indireta" à produção co-
11I I I v I li que desempenham um papel fundamental na preservação e
puro - torna-se fonte de sérios incômodos quando tratamos com uma so-
ciedade permeada de resquícios feudais. A adesão ao princípio da valo- 111m 1IIIIIJlI nto do sistema capitalista como um todo.

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especialistas em fraudes fiscais, técnicos em relações públicas, etc. B. ta distinção é sobremaneira útil quando se consideram não
Outros grupos de trabalhadores improdutivos são constituídos por 1111 n 18 as possibilidades de crescimento econômico, mas também
agentes de publicidade, intermediários, comerciantes, especuladores, ) p 'dodo de transição do capitalismo para o socialismo. Isto
etc. Um exemplo particularmente interessante pode ser encontrado P "que o trabalho improdutivo acima definido tende a desaparecer
em um dos livros de Schumpeter - um dos poucos economistas rudualrnente, à medida que uma sociedade socialista avança na
contemporâneos que não se satisfez em permanecer no nível da Ilrcção do comunismo. De fato, certas classes de trabalhadores
"inteligência prática", mas tentou elevar-se à compreensão do pro- Improdutivos são imediatamente eliminadas com a planificação da
cesso histórico: c nomia, enquanto outras continuam a existir, ainda por algum
"Parte considerável do trabalho realizado pelos advogados é t mpo, mesmo em sistemas de transição do capitalismo para o co-
dedicado à luta das emprêsas contra o Estado e seus órgãos ... munismo, como, por exemplo, o da URSS. Pode-se dizer que o
em uma sociedade socialista não haveria nem necessidade nem índice mais importante do progresso realizado por uma sociedade
lugar para êsse trabalho. A poupança resultante não pode ser me- cialista, que caminha em direção ao comunismo, dado pelo
dida, de modo satisfatório, pela soma das remunerações percebi- rau de eliminação do trabalho improdutivo (segundo nossa de-
das pelos advogados que têm êsse tipo de ocupação. Tal soma é flriição}, pela medida em que instituições como o exército, a Igre-
desprezível. Não se pode, porém, considerar desprezível a perda ja, etc. foram eliminadas e os recursos materiais e humanos libe-
social ocasionada pelo emprêgo improdutivo de muitos dos me- rados tenham sido empregados no aumento do bem-estar humano.
lhores cérebros. Se ponderarmos que cérebros atilados constituem Por outro lado, o desenvolvimento de uma sociedade socia-
um produto terrivelmente escasso, veremos que seu emprêgo em li ta determina enorme expansão do grupo de trabalhadores que é
outro tipo de ocupação pode ser de importância maior do que li tentado pelo excedente econômico e que não é abrangido por
infinitesimal". (12) n ssa definição de trabalho improdutivo. Como predisse Marx: a
O que é crucial lembrar é que o trabalho improdutivo, defi- parte do produto global ". " que é destinada à satisfação de ne-
nido da maneira acima, não se relaciona diretamente ao processo os idades sociais, tais como escolas, serviços de saúde, etc ....
de produção indispensável e é mantido por uma parte do exce- ... , desde o início,... consideràvelmente aumentada em com-
dente econômico da sociedade. Participa também desta caracterís- paração com a sociedade atual e cresce à medida que a nova so-
tica outro grupo de trabalhadores que se não inclui dentro de nos- ei dade se desenvolve ... , (enquanto) os custos gerais da admí-
sa definição de trabalho improdutivo. Cientistas, médicos, artis- ni tração não-relacionada à produção... restringem-se, considerà-
tas, professôres e pessoas com profissões semelhantes às indica das v lmente, desde o início em comparação com a sociedade atual e
vivem do excedente econômico, mas exercem uma atividade cuja diminuem à medida que a nova sociedade se desenvolve". (14)
procura, em uma sociedade racionalmente organizada, longe de A sim sendo, os recursos usados para a manutenção de indivíduos
desaparecer, seria multiplicada e intensificada de maneira sem pre- uc vivem do excedente econômico da sociedade, mas que reali-
cedente. Por conseguinte, embora seja perfeitamente justo, do z m trabalho produtivo como o definimos, não podem ser consi-
ponto de vista da mensuração do excedente total correntemente I rados como pertencentes ao fundo potencialmente disponível para
gerado pela sociedade, incluir tais profissionais entre as pessoas pr p6sitos de desenvolvimento econômico.
sustentadas pelo excedente econômico, parece aconselhável tratá-los
Uma vez mais: a despeito das dificuldades que possam ser
separadamente, quando se cogita de avaliar a magnitude do exce-
dente potencialmente disponível para utilização racional. "O tra- ncontradas na tentativa de mensurar o volume de trabalho impro-
balho pode ser necessário sem ser produtivo". (13) dutivo despendido em uma economia capitalista, a natureza desta
tarefa, em tempos de emergência, não é menos clara que a necessi-
dade de diminuição - e mesmo de eliminação - do consumo não-
(12) J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (Nova
York, 1950), pág. 198.
(13) Marx, Grundrisse der Kritik der Politischen Oekonomie (Ro- (H) Marx, Critique o] lhe Gotha Program, em Marx e Engels, Selected
hentwurf), Berlim, 1953, pág. 432. WQrls (Moscou, 1949-1950), voI. Il, pág, 20 e segs,

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essencial. Trabalhadores improdutivos são recrutados para o exér- IIrthrlco que se encontravam fechadas foram excluídas, não sendo
cito, enquanto trabalhadores produtivos não o são. Serviços de xmaldcradas como capacidade ociosa. A capacidade assim defini-
orientação de trabalhadores tentam remover pessoas de empregos dl\ (conservadoramente) é, por conseguinte, inferior à "capacida-
improdutivos para os produtivos. Os órgãos encarregados do ra- I teórica" geralmente evidenciada pelas estatísticas e baseada em
cionamento emitem cartões diferentes para indivíduos com ocupa- stlmativas técnicas. A "Brookings Institution" concluiu que "em
ções diferentes, dando tratamento preferencial aos trabalhadores ralo ... nos anos que vão de 1925 a 1929, as instalações indus-
produtivos. tr! i disponíveis foram usadas à razão de 80 a 83% de sua ca-
A terceira forma pela qual se oculta o excedente econômico pacidade." (17) O estudo adverte que "provàvelmente nem tôda
potencial em uma sociedade capitalista não é, conceptualmente, mais produtividade adicional indicada como possível pelos dados aci-
complexa que a anterior, embora seja talvez ainda mais difícil de ma poderia ter sido obtida, uma vez que havia grandes diferen-
medir. Desperdícios e irracionalidades na organização produtiva ças na capacidade potencial dos diferentes ramos de indústria. Se
- eis aqui a terceira forma de que falávamos - podem ser obser- t da a indústria funcionasse à plena capacidade, enormes exce-
vados em grande número de ocasiões e determinam a obtenção dentes de alguns bens ocorreriam, iniludivelmente". (18) Os au-
de um produto social bem inferior ao que poderia ser conseguido tores dêsse estudo assinalam que, "se esforços produtivos novos.
com o mesmo dispêndio de recursos humanos e materiais. Há, fôssem orientados para a coordenação dos vários ramos industriais",
em primeiro lugar, a existência (e contínua reprodução) de ca- essa desproporcionalidade poderia ser acentuadamente diminuída
pacidade ociosa, a qual absorve, improdutivamente, parcela signi- se não totalmente eliminada. Não estimam, porém, o volume de
ficativa do investimento corrente. Não nos referimos aqui à parcela produção que poderia ser obtido graças a essa coordenação. Mes-
da fôrça de trabalho, às fábricas e aos equipamentos que são con- mo na ausência dela, entretanto, "uma produção 19 % maior do
denados à ociosidade em tempos de depressão. A isto voltare- que a realizada teria sido possível. Essa produtividade maior, ex-
mos mais tarde. O que temos em mente, neste contexto, é a ca- pressa em têrmos monetários, significaria 15 bilhões de dólares,
pacidade física não utilizada nem mesmo durante os anos de pros- aproximadamente", isto é, quase 20% da renda nacional dos Es-
peridade, tanto pelos setores industrais declinantes como pelos que tados Unidos em 1929.
se encontram em franca expansão. (15) A "Brookings Institution" Não se fêz nenhum estudo semelhante sôbre capacidade ocio-
efetuou uma investigação sôbre capacidade ociosa nos Estados Uni- sa durante o pós-guerra. Pode-se perceber, porém; a partir de
dos durante o período de 1925-29. (16) Para os efeitos dessa pes- lados esparsos que, mesmo durante os' anos de prosperidade sem
quisa, definiu-se "capacidade" de uma indústria como a produção precedente que se seguiram ao fim da 11 Guerra Mundial, a capa-
que seria realizada durante um dia normal de trabalho, mediante
cidade ociosa da indústria americana atingiu proporções fantásticas.
o emprêgo do número de turnos comum ente usado na indústria e
âlculos realizados por um pesquisador sugerem que apenas
graças à apropriada manutenção do equipamento da fábrica (isto
55 % dessa capacidade (conservadoramente estimada) foram utiliza-
é, levando-se em conta as necessárias paradas para reparos, etc. 5.
dos durante o próspero ano de 1952. (19) Tal estimativa não
inclui prodigiosas quantidades de alimentos, cuja produção era
dificultada por vários tipos de contrôle, que se permitiu se de-
(15) Convém notar, a êsse respeito, que, em uma sociedade racional-
teriorassem ou foram destruídas ou usadas como alimentos de
mente planificada, não há motivo para. a existência de capacidade ociosa
durante certo .tempo mesmo em setores industriais dec1inantes, isto é, em nimais.
setores que defrontam com uma diminuição da procura de seus produtos.
Conversões apropriadas de tais capacidades para produção de outros bens
poderiam reduzir a capacidade ociosa a um mínimo.
(17) America's Capacity 10 Produce and America's Capacity to Con-
(16) America's Capacity to Produce and America's Capacity to Con-
SlImo. (Washington, 1934i, pág. 31.
sume (Washington, 1934). Para uma excelente síntese dêsse estudo, ver
J. Steindl, Maturity and Stagnation in American Capttalism (Oxford, 1952), (18) lbid.
págs. 4 e seguintes, de onde foram retiradas algumas sentenças incluídas no (19) Lewis H. Robb, "Industrial Capacity and Its Utilízation", Science
texto acima. '" oclety (outono de 1953), págs. 318-325.

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Tôda estimativa de capacidade (e de capacidade ociosa) é al- 11I P irticular, na agricultura e nos setores de distribuição e de
tamente sujeita a êrro. Além das informações estatísticas existen- rvlç s - resultam em desperdício de recursos materiais e hu-
tes serem inadequadas, elas dependem da definição de capacidade 1111111 ,cuja magnitude dificilmente pode ser avaliada. (20)
que se adota, do grau de utilização que se supõe ser o "normal" A multiplicação de unidades produtivas e o esbanjamento do
e da medida em que considerações sôbre mercado, procura e lucro , \ ur os ocasionado pela irracional pequenez de emprêsas são acom-
são levadas em conta ao se decidir sôbre a magnitude da capacida- punhados pelo desperdício por parte dos grandes monopólios, os
de ociosa. Não se deve permitir, porém, que dificuldades encon- qunis, escudados nas suas posições monopolistas, não sentem ne-
tradas na mensuração de um fenômeno obscureçam o próprio fe- -ssidade de se preocupar com a minimização dos custos ou com
nômeno. Tais dificuldades não importam ao presente contexto, pois l maximização da eficiência. Devemos mencionar aqui, a êsse res-
nosso propósito aqui não é avaliar a magnitude do excedente eco- r ito, os chamados custos fixos das sociedades anônimas, postos
nômico potencial em um dado país, durante determinado tempo, m evidência por suas despesas de representação âssombrosamente
mas apenas indicar as formas que tal excedente assume. crc centes e pelos exorbitantes ordenados pagos aos membros de
O desperdício de recursos determinado pela existência de mo- uas diretorias. &>tes últimos, note-se, não contribuem em nada
nopólios e de competição monopolística é, da mesma maneira, cla- para a produção da emprêsa, mas efetuam retiradas graças à fôrça
ramente discernível. O excedente econômico potencial que daí 10 uas ligações financeiras, de sua influência pessoal ou dos traços
promana nunca foi analisado em sua inteireza, embora se façam do caráter que os tornam particularmente adaptados à política de
freqüentes referências a seus componentes na literatura econômica. tais sociedades.
Em primeiro e talvez mais importante lugar, há a mencionar a Não se deve também subestimar o ativo imponderável -
produção que se perde em virtude da subutilização das economias talvez mais valioso que outros que possamos citar - que vem
de escala, subutilização essa que tem sua origem na irracional di- H ndo sistemàticamente dilapidado pelos monopólios: o material
ferenciação de produtos. Não é do meu conhecimento que alguém humano que cresce no ambiente degradante, corruptor e imbeci-
haja tentado calcular a poupança global que seria realizada se gran- lizante dos vastos impérios do mundo dos negócios; o homem e a
de número de artigos que apresentam diferenças puramente nomi- mulher comuns cuja educação vem sendo destorcida e deformada
nais fôsse padronizado, e se sua produção fôsse concentrada nas pelo contato contínuo com a produção, a propaganda e as cam-
fábricas tecnicamente mais eficientes e econômicas. Se olharmos panhas de vendas das grandes emprêsas. (21)
para os automóveis e outros bens duráveis de consumo (geladeiras, Mais difícil de avaliar, ainda, é o benefício que a sociedade
fogões, aparelhos elétricos, etc.), ou se pensarmos em produtos poderia usufruir da pesquisa científica se sua direção e realização
como sabonetes, pastas de dentes, tecidos, sapatos ou alimentos enla-
tados, concluiremos que não pode haver dúvida que a padronização
e a produção em massa poderiam diminuir, apreciàvelmente, o custo (20) Embora apenas uma parte relativamente pequena dêste tipo de
unitário de produção. Convém notar que casos existem em que xccdente econômico potencial tenha sido mobilizada, mesmo em condições
de emergência, o '1ue se alcançou em tais ocasiões é ·suficiente para indicar
firmas sob condições monopolísticas operam fábricas cujo tamanho s dimensões do problema em foco. O acréscimo de produção que se obteve
pode ser considerado ótimo do ponto de vista técnico, fábricas durante a guerra mediante a concentração da produção em fábricas de
em que, em outras palavras, nenhuma economia de escala adicio- grandes dimensões, mediante a eliminação dos casos mais flagrantes de
nal pode ser realizada pela introdução de processos tecnológicos duplicação e ineficiência, foi enorme tanto nos Estados Unidos quanto na
Grã-Bretanha e na Alemanha.
já conhecidos. Há muita razão, porém, para se acreditar que tais (21) Não quer isto dizer que Babbitt - o mais apto participante
casos são relativamente raros, e que limitações de mercado para dn luta "acirrada" e competitiva pela sobrevivência - que é venerado por
cada marca, e de capital disponível para firmas isoladas, são fa- alguns economistas liberais e por algumas Câmaras de Comércio obsoletas,
tôres que determinam a existência de fábricas de tamanho menor [u um tipo humano mais atraente que o homem "moderno" descrito nos
livros de David Riesman, The Lonely Crowd, de C. Wright Mills, White
\ e, muita vez, consideràvelmente menor) do que seria racional.
'o/lar: The American Middle Classes, de T. K. Quinn, Giant Business, Não
A contínua existência e proliferação de emprêsas pequenas, ine- hn veria muita razão para têrmos confiança no futuro da raça humana se
ficientes e dispensáveis - não apenas na indústria, mas também, tivéssemos que escolher apenas entre êsses dois tipos.

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não e tivessem sob o contrôle de emprêsas que visam a obtenção dI V' a fato de que, no passado, os economistas não tenham ten-
de lucros, ou sob o contrôle de governos que dão enorme ênfase a I III analisar o desperdício e a irracionalidade que permeiam a
programas armamentistas. (22) cr I rn capitalista. A razão é que êles consideravam o desperdício
Esta espécie de apoio e de administração do trabalho científi- a irracionalidade como imperfeições e atritos do sistema, que
co influencia grandemente não apenas sua perspectiva geral, mas p diam ser corrigi das pelas reformas adequadas, ou como resíduos
também a escolha dos assuntos e dos métodos a serem emprega- nnacrônicos de tempos pré-capitalistas que se esperava desapare-
dos. Ao desmoralizar e desorientar cientistas, ao deixar de propi- C ssem durante o desenvolvimento do próprio capitalismo. Ultima-
ciar estímulos verdadeiros para o trabalho criador, tal apoio di- mente, porém, a medida que se tornava cada vez mais óbvio que
ficulta e deforma o desenvolvimento da ciência. Ao determinar o desperdício e a irracionalidade, longe de constituírem imperfei-
modo de utilização das descobertas, limita enormemente os benefí- ções fortuitas, relacionavam-se à própria essência do capitalismo,
cios que poderiam resultar do progresso científico. Existe evidên- tornou-se moda rninimizar a importância do problema e referir-se
cia abundante, tanto no que concerne à energia atômica e aos ser- a êle como a um "assunto de menor importância", com o qual
viços de utilidade pública, como no que respeita à substituição e não deve preocupar nesta época de abundância. (23)
de materiais e processos de fabricação, de que o emprêgo produ- Chegamos, assim, ao quarto e último (mas não menos impor-
tivo de possibilidades técnicas é, séria e freqüentemente, dificul-
tante) título de nosso catálogo das formas sob as quais o exce-
tado pelos interêsses dos patrocinadores da pesquisa tecnológica.
dente econômico potencial se esconde em uma economia capitalis-
Esta miríade de formas sob as quais se esconde o excedente
ta. ~ êle a produção que a sociedade perde pelo desemprêgo de
econômico potencial na complexa teia de aranha da economia ca-
recursos materiais e humanos, desemprêgo motivado, parcialmente,
pitalista - tôdas elas identificáveis mais ou menos ràpidamente
- não constituiu nunca objeto de investigação sistemática e, muito pela inadequação dos meios de coordenação das instalações pro-
menos, de avaliação estatística. Tal circunstância, porém, não se dutivas e, principalmente, pela insuficiência da procura. efetiva. Em-
bora seja difícil, se não impossível, separar essas duas causas de
desemprêgo, identificando a parcela pela qual cada uma delas é
(22) "Sabemos que sob o regime de acôrdos de cartéis internacionais responsável, é extremamente útil, para propósitos analíticos, dis-
as patentes servem, freqüentemente, não como estímulo a investimentos'
tingui-Ias claramente. Em parágrafos anteriores, fizemos referência
mas como um mecanismo para limitar a produção, estabelecer áreas res-
tritas de mercado, limitar o ritmo do progresso técnico, fixar preços, etc. à primeira dessas causas - comumente denominada na literatura
Sabemos que o conúbio de antes da guerra entre a Standard Oil e a I. G. econômica de desemprêgo "friccional", Manifesta-se ela através
Farben retardou enormemente o desenvolvimento da indústria da borracha
da despedida de operários, motivada por mudanças na composição
sintética nos Estados Unidos. Sabemos que as concessões feitas pela Standard
à Farben foram ditadas, em grande parte, pelo desejo de eliminar as pa- da procura ou pela introdução de equipamentos economizadores
tentes de gasolina sintética fora da Alemanha. Sabemos que os acôrdos de mão-de-obra, seguindo a essa despedida o abandono de parte
entre a Du Pont e a I. C. I. resultaram em divisão dos mercados mundiais da maquinaria e das instalações produtivas existentes. Embora tan-
ao invés de determinarem o desenvolvimento dinâmico e competitivo dêles. to a mão-de-obra como a maquinaria em questão pudessem ser
Investigações feitas revelaram... que, quando a Du Pont conseguiu obter
um pigmento que poderia ser utilizado tanto em pinturas como no tingi- convertidas para emprêgo útil e, dessa maneira, reintegradas no
mento de tecidos, o diretor de um de . seus laboratórios de pesquisa es- processo produtivo, quando ocorre esta reintegração, em uma eco-
creveu: "É preciso despender mais trabalho para adicionar elementos aos
corantes "Monastral", a fim de torná-Ias inservíveís para tecidos e úteis
apenas para pintura". Tais investigações descrevem os esforços despen-
(23) Esta maneira de encarar o problema, sugerida originàriamente
di dos em pesquisas por Rohm & Haas, a fim de descobrirem um elemento
por Schumpeter, difundiu-se largamente graças ao livro de J. K. Galbraith,
que tornasse o metilmetacrilato útil como pó comercial de moldagem, mas
American Capitalism (Boston, 1952), onde lemos: "... a ineficiência social
inútil para a feitura de dentaduras. Narram ainda os esforços heróicos da
de uma comunidade rica cresce com o crescimento da riqueza. Tal cres-
organização de pesquisas da General Electric para encurtar a vida de lan-
cimento, porém, atinge sempre um ponto a partir do qual essa ineficiência
ternas, etc." Walter Adams, American Economic Review (maio de 1954),
pág, 191. se torna irrelevante" (pág. 103). (O livro de Galbraith acima referido foi
por nós publicado nesta coleção, sob o título Capitalismo. - N. do E.)

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nomia capitalista, ela se processa, mesmo sob as circunstâncias 1111 f i. (21) Em têrmos de renda nacional avaliada' aos preços de
mais favoráveis, com grande lentidão e desperdício. É verdade que, jI) a perda total atingiu a 133 bilhões de dólares (esta perda
(),

em um sistema planejado racionalmente, tais perdas não seriam d'v er comparada à renda nacional dos Estados Unidos em
totalmente inevitáveis; seriam, contudo, enormemente reduzidas. I() - 81 bilhões de dólares). (25) Este desemprêgo de mão-
Mais importante ainda - pois segue-se, em ordem de impor- d • bra foi acompanhado por capacidade ociosa das unidades pro-
tância, aos dispêndios militares como causa da contínua existên- dutivas, a qual atingiu cêrca de 20% no seu auge em 1929
cia de enorme diferença entre o excedente potencial e o efetivo "mais de um têrço" à época do depoimento, isto é, em 1938. (26)'
- é o desemprêgo determinado pela deficiência da procura efetiva. Devemos lembrar que os cálculos de Lubin basearam-se na
Tal deficiência afeta tanto a mão-de-obra como as unidades pro- hipótese de que a população econômicamente ativa permanecesse
dutivas plenamente utilizáveis e, embora varie de intensidade de constante de 1929 a 1938 e que sua produtividade não se alteras-
período a período, imobiliza ponderável parcela dos recursos ma- s durante todo o período. De fato, como êle mesmo notou, a
teriais e humanos disponíveis. O impacto dêste desemprêgo (sem- pulação per capita teria crescido às taxas usuais se se tivessem
pre presente) de potencialidades produtivas não é adequadamente frutado condições econômicas mais ou menos prósperas. Levan-
medido pela estimativa e agregação das diferenças entre produto ti em consideração o aumento da fôrça de trabalho e admitindo
social em tempos de prosperidade e produto social em tempos de que as taxas de crescimento da produtividade que se verificaram
depressão. Este processo não considera, em primeiro lugar, que, na década de 1920 prevalecessem durante a década de 30, o "Dr.
mesmo na maioria dos chamados períodos de pleno emprêgo, há L. H. Bean, do Departamento de Agricultura, estimou' a perda so-
uma parcela considerável de desemprêgo de mão-de-obra e de ca- - fri Ia pela renda nacional, a partir de 1929, em 293 bilhões de
pacidade produtiva, e que, em segundo lugar, mesmo o produto dólares". (27)
social relativo a um período de máxima prosperidade é menor do Esses cálculos foram efetuados em 1938, uma vez que foi
que poderia ser se as emprêsas não tivessem consciência da exis- no te ano que se realizaram as investigações. As condições de su-
tência de anos maus e anos bons e não se vissem, em decorrên- b mprêgo aí evidenciadas persistiram até o início da II Guerra
cia, na necessidade de ajustar a essa realidade seus planos de pro- Mundial. A mobilização, que se seguiu ao, início das operações,
dução e de investimento. Cálculos baseados apenas em compara- d monstrou, de forma mais convincente que todos os cálculos es-
ções entre produtos sociais referentes a fases distintas do ciclo lltÍ ticos, quão grande era o potencial produtivo que jazia ador-
econômico subestimam, portanto, o volume de produção perdida mecido no seio da economia americana. Como é bem sabido, os
em virtude de flutuações no nível de emprêgo. I•. tados Unidos, durante os anos de guerra, foram não somente
Ainda assim tais cálculos, embora conservadores, oferecem apazes de manter 12 milhões de pessoas ligadas diretamente à
uma visão suficientemente ilustrativa do volume do excedente eco- ucrra, de produzir fantástica quantidade de armamentos, de su-
nômico potencial que pode ser atribuído ao desemprêgo em massa. prir seus aliados com enormes quantidades de gêneros alimentí-
Isador Lubin, por exemplo, quando Diretor do Serviço de Estatísti- I e outros bens, mas ainda de aumentar o consumo da popula-
civil. Em outras palavras: todo o esfôrço bélico americano
ca do Trabalho dos Estados Unidos, afirmou em seu depoimento
- durante a maior e mais custosa guerra que sua História regis-
aõ "Temporary National Economic Committee" (1.0 de dezembro
11'1\ - foi financiado pelos Estados Unidos mediante a mobilização
de 1938): "Se supusermos uma população econômicamente ativa
ti parte do seu excedente econômico potencial.
da mesma grandeza da de 1929 e se adicionarmos o emprêgo per-
dido em 1930, 1931, 1932 até 1938, chegaremos' à conclusão de
que o número de homens-ano perdido durante êsse período de (24) TNEC lnvestigation 01 Concentration 01 Economic Power, Hear-
tempo foi de 43.435.000. Em outras palavras, se todos os que IIIH.I, Parte I (Washington, 1939), pág. 12.
trabalharam em 1929 continuassem em seus empregos durante os (2~) lbid., pág, 16.
últimos 9 anos, todos nós poderíamos tomar férias por um ano e (20) Ibid, pág. 77.
dois meses e a diminuição da renda nacional não seria menor do (27) Ibid., depoimento de Leon Henderson, pág. 159.

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Não é necessano acentuar que o desperdício resultante do . definido), em uma política científica de conservação de recursos
desemprêgo não é um fenômeno exclusivamente americano e nem materiais e humanos, etc.
tem apenas interêsse histórico. Ele se verifica nos dias que cor- Essa noção de "ótimo" não pressupõe, tampouco, a maximi-
rem e tem sido uma característica de tôda a história do capitalis- zação do produto social que podia ser atingida em um país, em
mo, em qualquer parte do globo. Embora sua magnitude difira de um dado período de tempo. Pode ela muito bem ser associada a
país a país e de período a período, tal desperdício sempre man- um produto inferior ao máximo em virtude de diminuição do
teve o produto social em nível apreciàvelmente inferior ao que al- dia de trabalho, de aumento do tempo dedicado à educação ou do
cançaria em uma sociedade racionalmente organizada. O impacto abandono consciente de certos tipos de trabalho julgados perigosos
do desemprêgo não pode ser adequadamente expresso através da (mineração de carvão, por exemplo). O fundamental é que o vo-
medida do produto que se perdeu. Não se podem estimar os be- lume do produto social não seria determinado pelo resultado for-
nefícios que a sociedade teria usufruído se a energia, a capacida- tuito de um sem-número de decisões desordenadas tomadas por
de de trabalho, a mentalidade criadora de milhões de desempre- empreendedores e emprêsas isoladamente. Seria determinado, isto
gados fôssem aplicadas em finalidades produtivas. sim, por um plano racional que expressasse o que a sociedade de-
sejava produzir, consumir, poupar e investir durante um período
de tempo determinado. (28)
Além disso, a constelação de recursos que pode ser conside-
IV rada "ótima" em uma economia socialista não exige, de maneira
alguma, uma redução do consumo ao meramente essencial. Ela
Se o excedente econômico potencial é uma categoria de con- pode e será sempre associada a um nível de consumo apreciàvel-
siderável interêsse científico para a compreensão da irracionalidade mente mais elevado que o surgido pelo critério de essencialidade.
da ordem capitalista e de grande sentido prático para uma socie- O importante é que o nível de consumo e, por conseguinte, o vo-
lume do excedente efetivamente gerado não sejam determinados
dade capitalista que esteja sob condições de emergência ou defron-
pelo processo de maximização de lucros, mas por um plano ra-
tando com a necessidade de se desenvolver econômicamente - o
cional que reflita as preferências das sociedade com relação ao con-
excedente econômico planejado é relevante tão somente para o pla-
nejamento econômico global de uma sociedade socialista. Tal ex-
cedente é a diferença entre o produto social "ótimo" que a socie-
dade pode realizar em ambiente natural e tecnológico historicamen- . (28) O fato de que uma economia planificada pode, fàcilmente, li-
quidar com a mais flagrante irracionalidade do sistema capitalista - o
te dado, segundo uma planejada utilização "ótima" dos recursos desemprêgo originado pela insuficiência da procura - é sucintamente de-
produtivos disponíveis, e um volume "ótimo", previamente esco- montrado por M. Kaleckí: "É útil ponderar qual seria o efeito de uma
lhido, de consumo. O significado e conteúdo dos "ótimos" a que redução no investimento em um sistema socialista. Os trabalhadores dis-
nos referimos diferem, fundamentalmente, do sentido que se em- pensados da produção de bens de capital seriam empregados pelas. indústrias
de bens de consumo. O aumento da oferta dêstes bens seria absorvido
presta a essa noção na Economia burguesa. Não refletem êles por uma diminuição de seus preços. Uma vez que os lucros das indústrias
uma hipótese de produção e consumo determinada pelo desejo socialistas seriam iguais ao investimento, os preços teriam que ser reduzidos
de obtenção de lucros das emprêsas existentes, pela distribuição até o ponto em que o declínio nos lucros igualasse a queda no valor do
da renda, pelos gostos e pressões sociais que se manifestam em investimento. Em outras palavras, o pleno emprêgo seria mantido através
da redução dos preços em relação aos custos. No sistema capitalista, en-
uma sociedade capitalista. Representam o julgamento ponderado de tretanto, a relação preço-custo... é mantida e os lucros declinam me-
uma comunidade socialista orientada pela razão e pela ciência. diante. redução da produção e do emprêgo, em montante igual ao investi-
Assim sendo, no que tange à utilização de recursos, implica uma mento mais o consumo dos capitalistas. É na verdade paradoxal que,
profunda racionalização do aparelho produtivo da sociedade (li- embora os apologistas do capitalismo considerem comumente o "mecanismo
dos preços" como a grande vantagem do sistema capitalista, a flexibilidade
quidação de unidades de produção ineficientes, economias de es- de preços se afirma como caracterfstica distintiva de uma economia 50-
calas máximas, etc.), na eliminação de dispensável diferenciação cia.lista". Theory o] Economic Dvnamics (Londres, 1954), pág, 62 e se-
de produtos, na abolição do trabalho improdutivo (anteriormente guíntes.

96 97
sumo presente e ao consumo futuro. O excedente econômico em
uma economia socialista, em conseqüência, pode ser menor ou
maior que o excedente econômico efetivo de uma sociedade ca-
pitalista; pode mesmo ser igual a zero se a sociedade decidir que
não mais investirá. Tudo depende do estágio que se atingiu no
processo histórico, do grau de desenvolvimento dos recursos pro-
dutivos, da estrutura e crescimento das necessidades humanas.
Nada mais precisamos dizer sôbre os nossos instrumentos de CAPíTULO TERCEIRO
análise. Tentemos agora aplicá-los a algum material histórico.

IMOBILIDADE E MOVIMENTO
DO CAPITALISMO MONOPOLISTA (I)

RITMO E A DIREÇÃO do desenvolvimento econômico de um


I als, em um dado momento, dependem, como dissemos anterior-
mente, tanto da magnitude como do modo de utilização do exce-
unte econômico. Êstes, por sua vez, são determinados por (e,
u mesmo tempo, determinam): o grau de desenvolvimento das
f rças produtivas, a estrutura das relações sócio-econômicas cor-
respondente e o sistema de apropriação do excedente econômico
que estas relações envolvem. De fato, como Marx assinalou:
" . .. a forma econômica específica, segundo a qual o tra-
balho excedente não-remunerado é extraído dos - produtores dire-
to , determina a relação entre dominantes e dominados, da mes-
. -~
ma maneira que ela se origina, diretamente, da produção e, por
ua vez, reage sôbre esta como elemento determinante. .. É sem-
pre a relação direta dos proprietários dos meios de produção com
os produtores diretos que revela o mais íntimo segrêdo e o fun-
damento oculto de tôda estrutura social ... , A forma desta rela-
ção entre dominantes e dominados corresponde sempre a um es-
tágio definido de desenvolvimento da fôrça de trabalho e de sua
produtividade social. Isto não impede que a mesma base econô-
mica mostre infinitas variações e gradações em sua aparência, em-
bora suas condições fundamentais sejam sempre as mesmas". (1)
Seria uma tarefa fascinante acompanhar a evolução da mag-
nitude e a aplicação do excedente econômico ao longo do desen-

(1) Capital (Edição Kerr), vol. lU, pág, 919.

98 99
v lvirncnto pré-capitalista, o material necessano poderia ser reu- 1111, I global encontrasse normalmente procura adequada, enquan-
nid recorrendo-se à literatura antropológica e histórica disponível 111 IIS "dcsproporcionalidades friccionais", que poderiam resultar
e seu levantamento sistemático muito auxiliaria no provimento do 11\ mudanças tecnológicas ou de variações de gôsto, constituiriam
princípio organizacional de que se está necessitando urgentemente til '1'0 "doenças de crescimento", perfeitamente negligenciáveis e
para empreender uma análise significativa da história econômica !lHO muito perigosas em suas repercussões. Tais crises, na reali-
e social. É óbvio que tal empreendimento não poderia ser tentado 1111 I , pelo fato de ajustarem o aparelho produtivo às mutáveis
dentro dos limites do presente trabalho. Para nossos propósitos é 11 cessidades da comunidade e de depurá-Io, de quando em quan-
suficiente acentuar que a transição do feudalismo para o capitalis- d , de unidades atrasadas e ineficientes - teriam efeitos real-
mo representou uma mudança radical no método de extração, no mente benéficos: promoveriam o progresso geral e facilitariam a
modo de utilização e, conseqüentemente, na grandeza do exceden- s brevivência dos mais aptos.
te econômico. (2) Os economistas clássicos tinham plena cons- Do produto máximo assim obtido, uma parcela maxima cons-
ciência dessa implicação, de importância crucial, da ordem capi- tituiria o excedente econômico. A concorrência entre os operários
talista nascente. Viam êles corno principal raison d' être dessa Impediria que os salários' ultrapassassem o nível de subsistência e
ordem sua capacidade de proporcionar progresso econômico rápido, diminuíssem os lucros - a forma característica sob a qual o ex-
não simplesmente através da maximização do excedente econômi- edente econômico apareceria na sociedade capitalista. (3) Não
co com base em determinado nível de produtividade e produ- haveria, também, qualquer perigo da procura de trabalho - acumu-
ção - afinal de contas, êste problema estava sendo resolvido lação de capital - exceder sua oferta. Poder-se-ia esperar que o
também pelo feudalismo - mas principalmente mediante sua uti- umento da população mantivesse o mercado de trabalho sob pres-
lização racional e produtiva. ão e impedisse qualquer expansão da parcela do produto social
A ordem econômica emergente da decadência do feudalismo ab orvida pelo "fundo de salários".
- já visível aos grandes autores clássicos em seus contornos mais Não deveria haver lugar, na ordem capitalista competitiva,
essenciais - apresentava enormes possibilidades de investimento para trabalhadores "improdutivos" que não contribuíssem para a
em grande escala. Os empreendedores individuais - operando acumulação de capital. Não mais seria permitido que os grandes
agora em ambiente sócio-econômico diferente, libertos das anti- séquitos, o extravagante modo de vida das côrtes feudais, o luxo
gas restrições e capazes de dar plena manifestação a seu inso- o confôrto gozados pelos patriarcas das cidades medievais absor-
pitável desejo de auferir lucros - lutavam para "progredir", para vessem o excedente econômico. (4) O culto divino seria tornado
acumular e para expandir suas emprêsas, e constituíam necessà-
riamente poderoso fator de aumento do produto social. Diante (8) "O preço natural do trabalho é o preço que é necessário pagar
disso, a concorrência entre os empreendedores os forçaria, con- fi fim de que os trabalhadores subsistam e perpetuem sua raça, sem au-
tinuamente, a melhorar seus métodos de produção, a promover montar ou diminuir", Ricardo, Principies o] Political Economy and Tax-
III/Oll (Edição de Everyrnan's Líbrary), pág. 53, "Se os salários continuas-
o progresso tecnológico e a utilizar plenamente seus resultados,
R m os mesmos, os lucros. dos industriais não se alterariam, mas se."
assim como a aumentar e diversificar sua produção. O desperdí- OR salários aumentassem... então os lucros necessàriamente diminuiriam".
cio e a irracionalidade seriam eliminados do processo produtivo, Ibtd., pág, 64.
uma vez que os recursos produtivos disponíveis tenderiam a ser (4) "Os dispêndios de um grande senhor feudal mantêm, geralmente,
m i8, pessoas ociosas do que ativas. Embora o capital de um rico comer-
utilmente empregados e a redução dos custos constituiria o inte-
'I uue mantenha apenas pessoas ativas, os seus gastos, isto é, os dispên-
rêsse dominante de capitalistas preocupados com a maximização dI R da renda que aufere, mantêm comumente a mesma espécie de peSS035
dos lucros. O funcionamento da Lei de Say faria com que a pro- 1[11 os do senhor feudal". Adam Smith, Wealth ot Nations (edição da
M dern Library), 'pág. 317. :É interessante observar que, para Adam
Smlth, o "rico comerciante" ainda é uma figura do passado feudal e
11 O herói da ordem capitalista nascente. ~ste papel é desempenhado pelo
(2) A transição da escravidão para a servidão - base da ordem
\Illp"ccndedor industrial e agrícola, para quem a acumulação de capital
feudal - que se verificou no fim da antiguidade constituiu igualmente um
li ft u ernprêgo lucrativo, e não a vida pródiga, representam o conteúdo e o
importante marco no desenvolvimento econômico e social.
t\ntldo da existência.

100
101
menos dispendioso: ritos simples e modestos realizados por cléri- . I 11 Ir balhadores improdutivos mantidos por recursos que, de ou-
gos humildes, frugalmente mantidos por suas congregações, subs- h' modo, seriam parte do excedente econômico efetivo. (7) In-
tituiriam a pompa e o aparato organizados pela rica e refinada hie- umbia ao Estado salvaguardar a lei e a ordem, além de poder
rarquia da Igreja Católica Romana ou da Igreja Nacional. r, eventualmente, solicitado a proteger mercados externos, fon-
Custos de venda elevados, grandes despesas de propaganda, t s de suprimento e áreas de investimento no estrangeiro. Não se
capacidade ociosa, departamentos jurídicos ou de relações públi- perava, porém, que essas atividades governamentais assumissem
cas não eram incluídos, também, no modêlo de uma economia que . maiores proporções ou demandassem maiores despesas.
se supunha composta de firmas relativamente pequenas, elabo- Tornava-se necessário, entretanto, que outra condição fôsse
rando produtos mais ou menos homogêneos e substituíveis uns atisfeita para que o máximo excedente econômico obtenível pro-
pelos outros. É certo que alguns trabalhadores improdutivos teriam porcíonasse as maiores taxas de crescimento possíveis. Esta con-
necessàriamente de existir - banqueiros, corretores, comerciantes. dição é a frugalidade e a vontade de investir do nôvo detentor
Uma vez, porém, que se integrassem no sistema capitalista, desem- do excedente econômico: o empreendedor capitalista.
penhariam um papel inteiramente diferente do que exerciam na Havia boas razões para esperar que esta condição fôsse sa-
sociedade feudal. Não somente contribuiriam para a formação do tisfeita. Em primeiro lugar, o mecanismo competitivo compeliria
excedente econômico, como a parcela dêste que lhes caberia a os empreendedores a acumular, uma vez que somente reinvestindo
título de remuneração por serviços prestados seria, em sua maior. continuamente seus lucros em inovações redutoras de custos pode-
parte, acumulada e não consumida. De fato, diminuindo a rendar . riam ter esperança de se manter na luta competitiva. Podia-se
real das massas trabalhadoras, às quais transfeririam parte do custo admitir que não haveria escassez dessas e de outras descobertas
de suas operações, fariam êles uma contribuição independente para tecnológicas: não só as perspectivas de progresso científico eram
a formação de capital ao invés de diminuí-Ia. (5) ,00r-." quase infinitas, como era de esperar que o interêsse das emprê-
sas em custos mais baixos, em novos produtos e em possibilida-
Ainda mais importante era a prenunciada' diminuição, se não ,,>,;-~, des de utilização de novos materiais suscitaria habilidades cientí-
o desaparecimento, do que se considerava como um dos mais iq-')~ r . ficas e capacidade de invenção tecnológica.
saciáveis pretendentes ao excedente econômico: a administração Em segundo lugar, o enriquecimento dos homens de negócios
governamental esbanjadora, corrupta e ineficiente que datava do de origem humilde - e sua ascensão ao poder eram explica-
período feudal. Provàvelmente sôbre nenhum outro ponto os eco- dos pela propensão a trabalhar àrduamente e a poupar. Consi-
nomistas clássicos foram tão francos e insistentes: "É alta im- derava-se provável - com base sociológica e caraterológica _
pertinência e presunção... da parte dos reis e ministros, preten- que mantivessem o modo de vida que lhes havia proporcionado
der cuidar da economia dos seus súditos e restringir sua despesa ... sucessos espetaculares e assegurado uma posição social que nunca
Eles mesmos são, sem nenhuma exceção, os mais pródigos gas- haviam desfrutado.
tadores da sociedade. Que cuidem de sua própria despesa e~ dei-
Em terceiro lugar, o advento do que Weber e Sombart de-
xem que os indivíduos cuidem da que lhes diz respeito". (6) ~m
nominaram "espírito capitalista" - ao qual, na realidade, atribuí-
uma sociedade dedicada à maximização e à utilização racional (io~,
excedente econômico, tudo o que o Estado tinha a fazer era abster-
se de interferir na formação de capital, não cobrando impostos (7) "A tendência clara e direta das leis sôbre os pobres,.. não é,
excessivos, não se imiscuindo em problemas sociais, não conce- como pretendia a legislação benevolente, amenizar a condição dos pobres,
dendo ajudá aos pobres e reduzindo acentuadamente o número mas deteriorar tanto a condição do pobre como a do rico. Ao invés de
tornar o pobre rico, são elaboradas de tal maneira que transformam o rico
em pobre, Enquanto tais leis estiverem em vigor, nada mais natural que
O fundo de manutenção dos pobres cresça progressivamente até o ponto de
(5) Operando em um meio capitalista e não feudal, os banqueiros absorver tôda a renda líquida dêste país". Ricardo, op. cit., pág. 88. A
facilitariam a formação' de capital, centralizando pequenas economias e ex- repugnância clássica pelo militarismo e pelos gastos militares foi acentuada
traindo excedente econômico adicional da população através de inflação. por Schumpeter, em seu livro, Capitaltsm, Socialism, and Democracy , (Nova
(6) Adam Smitb, op. cit., pág. 329. ork, 1950), pág, 122.

102 103
ram a gênese do capitalismo moderno (8) - e o domínio da na agricultura. Se isto se verificasse, o custo dos alimentos se
ótica puritana estabeleceram um sistema de valôres sociais em que elevaria, o que determinaria acréscimo do custo dos bens que cons-
o espírito de poupança e a tendência a acumular eram elevados à tituíam o mínimo de subsistência do operário. Em conseqüência,
posição de mérito supremo e virtude última. (9) Foi Marx e verificar-se-ia um aumento da renda dos proprietários de terra e,
não Weber, como geralmente se pensa, quem primeiro indicou a correspondentemente, uma contínua pressão sôbre os lucros - prin-
existência de íntima relação entre o aparecimento do protestantismo cipal fonte de acumulação de capital. "O interêsse do proprietário
e do puritanismo, de um lado, e a gênese e o desenvolvimento de terra é sempre oposto ao do consumidor e ao do industrial",
do capitalismo, de outro - relação que se expressa não somente advertia' Ricardo. (11) O maior interêsse da classe capitalista,
em profundas mudanças na ideologia dominante, mas também na da qual Ricardo era um dos mais proeminentes porta-vozes, resi-
drástica redução da parcela do excedente econômico absorvida pela dia na luta contra o senhor feudal que, embora proprietário da
Igreja. "O culto do dinheiro implica seu próprio ascetismo, sua terra, em nada contribuía para o processo produtivo, mas se apode-
própria autonegação, seu próprio auto-sacrifício - parcimônia e rava de crescente parcela do excedente econômico para a dissipar
frugalidade, menosprêzo pelas satisfações mundanas, temporais e improdutivamente.
transitórias: a isto conduz a luta pelo tesouro eterno. Daí a rela- Não foi senão uma geração depois da publicação dos Prin-
ção não apenas do puritanismo inglês, mas também do protestan- cípios de Ricardo que o progresso tecnológico na agricultura e a
tismo, com a ganância". (10) descoberta de imensos recursos agrícolas no ultramar vieram ate-
A única nuvem escura que pairava sôbre a clara perspectiva nuar essa preocupação com o lento e inadequado crescimento da
do progresso econômico era o temor de "rendimentos decrescentes" produtividade agrícola. O antigo proprietário de terra, a essas al-
turas, já havia sido afastado de sua propriedade, graças a sua
(8) Diga-se de passagem que o desenvolvimento do cálculo e da con- inaptidão em balancear suas contas e pagar suas dívidas, ou se
tabilidade racionais, a que Weber e Sombart deram tanta ênfase, foi in- transformara em empreendedor capitalista, operando sua emprêsa
cluído por Marx, já em 1847, entre os fatôres mais importantes do cres- agrícola do mesmo modo que os capitalistas urbanos conduziam
cimento da cultura burguesa: "A burguesia é muito esclarecida, calcula
seus empreendimentos industriais. (12) Foi nesse período que o
muito bem, para compartilhar os preconceitos do senhor feudal que os-
tenta o brilho de seu séquito. As condições de existência da burguesia fervor antifeudal da burguesia nascente passou a inspirar apenas
obrigam-na a calcular". "Wage Labor and Capital", em Marx e Engels, seus componentes lunáticos - reforma dores sociais e partidários
Selected Works (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 91. (Os grifas são 110SS0S). do impôsto único - enquanto o corpo principal da classe domi-
(9) "É apenas coincidência ou conseqüência o fato de que a pro-
fissão de espiritualidade feita pelos quacres desapareceu ao mesmo tempo
nante formava, com os grupos capitalistas com interêsse no cam-
que a sagacidade e o tato na gestão dos assuntos mundanos? Uma devoção po, ampla frente comum contra a crescente ameaça socialista.
real é sempre favorável ao sucesso de um comerciante, pois lhe propor- Depois que a Com una de Paris foi afogada em sangue, pela "ação
ciona integridade e hábitos benéficos de prudência e premeditação, itens unida" de tôdas as classes proprietárias da Europa e que o movi-
importantes para obter a posição e o crédito que, no mundo comercial,
são necessários à aquisição de riqueza". G. A. Rowntree, Qnakerism, Past
mento operário internacional sofreu um de seus mais dolorosos
and Present (Londres, 1859), pág. 85. "Em resumo, o caminho para a reveses, nada mais se parecia antepor ao firme e rápido progres-
riqueza, se a desejas, é tão claro quanto o caminho para o mercado. De- so econômico dentro da estrutura da ordem capitalista. O único
pende principalmente de duas palavras, atividade e frugalidade; isto (0., não problema com que defrontava a sociedade era a criação e a pre-
desperdices nem tempo nem dinheiro, mas faze o melhor uso de .ambos.
Sem atividade e frugalidade nada conseguirás; com elas, tudo. Aquêle que
ganha honestamente tudo o que pode e poupa tudo o que ganha (excluídas
as despesas necessárias), certamente se tornará rico, se aquêle Ser que go- (11) Principies oj Political Economy and Taxatton, pág, 225.
vema o mundo, do qual todos devem procurar uma bênção para seus es- (12) "Os Comuns na Inglaterra, o Terceiro Estado na França, a
forços honestos, não determinar em contrário, segundo sua sábia providên- burguesia no continente, em geral... eram uma classe poupadora, en-
cia". Benjamin Franklin, Works (Edição Jared Sparks, Boston, 1840), voJ. quanto a descendência da aristocracia feudal era uma classe dissipadora,
TI, págs. 87 e seguintes. . .. Por conseguinte, a primeira gradualmente substituiu a segunda como
(10) Marx, Grundisse der Kritik der Politischen Oekonomie (Ro- proprietária de grande parte da terra". John Stuart Mill, Principies ot
hentwurf, Berlim, 1953), pág. 143. (O grifo é do original). Political Economy (Nova York, 1888), pág. 38

104 105
ervação das instituições políticas e SOCIaISque perrmtissem ao me-
Acredito que muita coisa será esclarecida se nos perguntarmos
canismo capitalista funcionar tranqüilamente, sem interferência e
em que medida nossas "condições clássicas" para o crescimento
distúrbio externos. A mão invisível de Deus guiaria então a so-
econômico são satisfeitas na fase atual, monopolista, do capitalis-
c~e~a~e pela s~n~a ~a_produção e do bem-estar crescentes e pro-
mo. As mudanças verificadas são suficientemente importantes para
picrana uma distribuição dos bens terrenos cada vez mais eqüitativa.
tornar o modêlo competitivo obsoleto, para conduzir a um desenvol-
vimento econômico social e político, na fase avançada do capita-
lismo, que, seja, em muitos aspectos, diferente do obtido durante
II a juventude competitiva dêsse sistema? Existem algumas regulari-
dades sôbre o funcionamento econômico, social e político do ca-
Não nos parece necessário dizer que esta descri cão do modus pitalismo monopolista que poderiam ser melhor visualizadas com
operan~i de um~ economia capitalista - tão rapidamente esboça- a ajuda de um sistema de referência diferente?
~a - e, em muitos aspectos importantes, um retrato apologético e Comecemos do princípio: lembramos que a primeira e talvez
inexato da fase inicial, competitiva, do desenvolvimento capitalis- mais importante das quatro condições anteriormente formuladas
ta. Vale a pena, porém, reter essa descrição; ela indica, pelo menos - a que tudo mais está intimamente relacionado - é a plena utili-
de ~orma aproximad~, os princípios essenciais do mecanismo que zação de todos os recursos produtivos disponíveis. Sob o domínio
~fetJvamente p:oporcIOnou enorme volume de investimento produ- supremo da concorrência, os custos reais e o desperdício deveriam
tIVO,. desenvolvimento sem precedente das fôrças produtivas, avan- ser conservados em nível mínimo e os fatôres distribuídos de ma-
ço gigantesco da tecnologia e considerável aumento da produção e neira que se obtivesse o produto social máximo. Conquanto não
do consumo. Mais ainda, sugere, embora indiretamente, a nature- tenha nunca havido razão suficiente para esperar tal maximização ,
za do J?ro~esso ~ue propiciou o crescimento da grande emprêsa do produto, mesmo durante a fase competitiva do capitalismo,
o principal veiculo da produtividade em expansão - e a evo- provàvelmente nem os mais ardorosos apologistas dêsse sistema que-
lução do monopólio e do oligopólio - formas dominantes da or- rerão sustentar que esta condição esteja sendo satisfeita na econo-
ganização econômica do capitalismo de nossos dias. (13) Pode ela mia capitalista de nossos dias. O que dissemos antes - ao dis-
servir, portanto, como ponto de partida para a compreensão dos cutir o excedente econômico potencial - sôbre o desemprêgo, a
aspectos mais destacados da fase avançada, monopolista, do de- capacidade ociosa, as restrições ao aumento da produção agrícola,
senvolvimento capitalista - assunto do presente capítulo e do etc., é suficiente para demonstrar que, com a possível exceção dos
seguinte. anos de guerra, o sistema capitalista vem gerando um produto
social menor, e freqüentem ente bem menor, do que seria possível
com o equipamento, os recursos naturais e a mão-de-obra dispo-
(13) Não queremos dizer com isso que não existiam monopólios du- níveis (levando-se em conta, ainda, a divisão do tempo das pes-
r~n~e a "idade do ouro" da livre concorrência. Bem ao contrário: mono- soas entre o trabalho e o lazer). A busca do proveito individual,
pólios podem ,ser encontrados mesmo no início da ordem capitalista. Con- a concorrência entre os homens de negócios, o funcionamento do
tudo, e um erro do "modernismo" - e êrro freqüentemente encontrado mecanismo do mercado e outros fatôres que os economistas bur-
na literatura histórica (tanto econômica como social) - igualar indís-
c:~ad~ente, ins~ituições primitivas com as que hoje existem em' condi-
gueses contavam fornecessem os princípios motores do progresso
çoe~ inteiramente diversas das anteriores. A base e a natureza do mono- econômico determinaram, na verdade, considerável desenvolvimen-
pólio nos séculos XVII e XVIII tornaram-no um fenômeno perfeitamente to, mas não asseguraram taxas de crescimento que correspondes-
?ist~t? _do que. ~le é hoje. Naquela época, êle era uma decorrência das sem ao progresso da tecnologia, ao crescimento e às potencialida-
m~tJtUlçoes. restrítivas ~a~ corpo rações feudais; era gerado pelas repetidas
des criadoras da população.
cnses loca~s e temporárias de escassez, pela imobilidade de recursos, pelo
fato ~os sistemas de comunicação e transporte serem pobres. Além disso, As informações disponíveis não permitem calcular a magnitu-
assumia a forma de açambarcamento de mercados limitados, ao invés da de da diferença entre o produto social efetivo e o potencial ao
forma moderna de grandes emprêsas controladoras de parcelas decisivas de longo da história do capitalismo em diferentes países. É, pois,
imensas produções.
impossível obter uma medida precisa da extensão em que êsse hiato

106
107
aumentou no capitalismo monopolista, em comparação com o ca- ( 0111 bserva Kuznets, a própria alteração da taxa de aumento
pitalismo competitivo. Tudo o que podemos estudar - e com p pulação pode ser resultado da mudança da taxa de cresci-
1111

grandes dificuldades - é o desempenho efetivo, isto é, as taxas mento econômico.


de crescimento atingidas em alguns países. Não precisamos de Um fator ao qual deve ser atribuída certa responsabilidade
muitas informações para avaliar o que poderia ter sido realizado pela redução do crescimento do produto social é a considerável
em condições' de pleno ernprêgo e distribuição eficiente dos re- diminuição do número de horas semanais de trabalho, ocorrida
cursos disponíveis. durante o período em questão. Essa diminuição contrabalançou
Assim, embora possa parecer que as taxas de crescimento do parte do aumento da produtividade por homem-hora e fêz com
produto per capita nos Estados Unidos eram mais baixas antes da que uma parcela do aumento potencial do produto assumisse efe-
Guerra Civil que após o seu término, (14) devemos lembrar que tivamente a forma de lazer adicional. (1')
as potencialidades demográficas, econômicas e tecnológicas de cres-
Não obstante o que dissemos, as principais razões da queda
cimento também eram, naquela época, menores que nas décadas
do ritmo de crescimento' que se observou nos Estados Unidos e da
subseqüentes. Com parcela muito maior do produto total gerada expansão muito lenta que tem caracterizado numerosos outros paí-
pelos setores não-capitalistas da economia (agricultura, artesanato,
es adiantados no século atual devem ser procuradas em outro
etc.), a diferença entre o produto social efetivo e o potencial era, lugar. Tais razões foram, principalmente, as violentas flutuações
muito provàvelmente, menor do que mais tarde, quando os setores
da atividade econômica e do nível de emprêgo, que caracterizam
não-capitalistas da economia principiaram a se contrair ràpidamen-
particularmente a última parte do período, e' a taxa de formação
te. Se isto é verdade para os Estados Unidos, mais o é para os
de capital bem menor, que não é apenas causa mas também efeito
países da Europa ocidental, pois aí os setores não-capitalistas eram
dessas flutuações. (18)
inicialmente maiores e o processo de sua contração foi conderàvel-
mente mais lento. Uma vez mais: embora não tenhamos base satisfatória para
Aparentemente não há dúvida entre os técnicos de que o ritmo comparar a grandeza da diferença entre o produto social efetivo
de crescimento da economia americana tem diminuído bastante c o potencial nos séculos XIX e XX, parece-nos que êsse hiato
desde a Guerra Civil, isto é, durante o período! comumente associa- aumentou consideràvelmente. Altos e baixos na atividade econômi-
do como capitalismo adiantado ou monopolista. O crescimento ca foram mais freqüentes durante o período competitivo, seu apa-
da renda nacional dos Estados Unidos caiu de 27 por cento por recimento e desaparecimento provàvelmente mais dramáticos. Há
qüinqüênio, na primeira parte do período, para cêrca de 9 por evidência suficiente, entretanto, para corroborar a hipótese de que
cento na última. (15) Parte desta queda na taxa de crescimento a perda total de produto, considerada em relação ao produto total
está ligada, sem dúvida, à redução do aumento da população. A que poderia ser obtido - .perda originada por desemprêgo, ca-
taxa de crescimento da população americana passou de cêrca de pacidade ociosa, diminuição propositada de produção, etc. - tem
12 por cento para, aproximadamente, 6,5 por cento por qüinqüê- ido bem maior neste século que no anterior. (19) Se cálculos
nio, entre a parte inicial e a final do período que se segue à
Guerra Civil. Além disso, a taxa de crescimento da renda per capita
caiu de 13,5 por qüinqüênio para menos de 3 por cento. (16) (17) Departamento de Comércio dos Estados Unidos, Serviço de Re-
censeamento, Historical Statistics of lhe United States, 1789-1945 (Washing-
tun, 1949), Seção D.
(18) Cf. S. Kuznets, op, cit., pág. 58 e págs. 61 e seguintes. .
(14) Cf. S. Kuznets, National Iricome, A Summary of Findings (Nova (19) Ainda que generalizações dêste tipo sejam sempre arriscadas,
York, 1946), pág. 33, onde R. F. Martin, National Income in the United pode-se dizer que, se no século XIX as flutuações econômicas assumiram
States, 1799-1938, é citado como fonte dessa afirmação.
primordialmente a forma de movimento de preço, no século xx: sua prin-
(15) S. Kuznets, op. cit., pág. 34. Colin Clark apresenta estimativas cipal expressão foi a variação do nível de produção. Esta característica
para certo número de outros países adiantados, tôdas elas apontando para promaua do aumento da participação relativa' da produção industrial no
a mesma direção. Cf. seu Conditions o] Economia Progress (2.a ed., Lon- produto social, uma vez que a reação da produção industrial a mudanças
dres, 1951), Capítulo III.
na procura é bem diferente das reações, típicas da produção agrícola.
(16) S. Kuznets, op, cit., pág. 54.

108 109
semelhantes aos feitos pelo Dr. Louis Bean para a década de considera "mínimo de subsistência" em determinado tempo -
1930 nos Estados Unidos fôssem elaborados para todo o período pelo menos nos países capitalistas adiantados - é uma quantidade
de existência do capitalismo monopolista, a estimativa da diferença crescente de bens e serviços. Em tais circunstâncias, a hipótese
entre o que poderia ter sido produzido e a produção efetivamente de que os salários no capitalismo oscilam em tôrno do mínimo de
realizada atingiria magnitudes astronômicas. Assim, nossa primei- subsistência não nos leva muito longe. Poderia ser sustentada dian-
ra condição dificilmente se conforma com o curso do desenvolvi- te de qualquer nível de salário e consumo - isto é, mesmo se o
mento capitalista. Não foi satisfeita durante a fase competitiva padrão de vida se elevasse apreciàvelmente e o excedente econô-
e bem mais longe está de sê-lo na fase avançada e monopolista. mico declinasse. Em outras palavras, a validade desta hipótese
não pode ser nem provada nem negada por simples referência ao
testemunho histórico.
Pode-se sustentar que os níveis de salário e consumo, quais-
III
quer que tenham sido em qualquer período, coincidem sempre
com o "mínimo de subsistência" para o período - por de-
A situação é algo diferente, e mais complexa, quando analisa- finição. (20)
mos a nossa segunda condição. Ela exigia, como recordamos, um O fato de que a abordagem pelo mínimo de subsistência não
nível de salário tal (e, relacionado a êste, um nível de consumo) nos fornece uma definição adequadá do excedente econômico má-
que permitisse que a maior parcela possível da renda global de ximo possível ou do nível de salário (e consumo) mais baixo
pleno emprêgo fôsse constituir o excedente econômico e se tornas- possível não quer dizer, porém, que não haja solução para o nosso
se disponível para a acumulação de capital. Ao tentar estabelecer, problema. Na realidade, não nos precisamos preocupar com os
pelo menos aproximadamente, em que medida esta condição foi fatôtes determinantes da magnitude absoluta do excedente econô-
satisfeita ao longo das diferentes fases do desenvolvimento capi- mico ou do volume absoluto de salários (e de consumo). (21). O
talista, devemos ter bem presente o que foi dito há pouco sôbre que é essencial para nossos objetivos é saber se existem fatôres
a realização da primeira condição. Com efeito, uma vez que o que agem para determinar as parcelas relativas da renda que vão
produto social máximo só foi obtido esporàdicamente durante o constituir o excedente econÔmico e o consumo. Sem dúvida, tais
desenvolvimento capitalista, e que a subprodução é mais pronun- fatôres existem. Embora haja divergências consideráveis na expli-
ciada no capitalismo avançado do que no competitivo, podemos cação do fenômeno, há amplo acôrdo entre os economistas sôbre
concluir que o excedente econômico foi bem inferior ao que po-
deria ter sido se se desfrutassem condições de pleno emprêgo. Pre-
cisamos ser claros sôbre o significado específico das expressões (20) É por êsse motivo que a teoria do mínimo de subsistência não
excedente econômico "maior possível" e inversamente, nível de sa- pode ser comprovada pelas comparações entre os salários efetivamente re-
lário (e consumo) "menor possível", que conduz à geração do cebidos. e os vários "mínimos de subsistência" ou "orçamentos mínimos"
excedente máximo a partir do produto máximo. No esquema geral tais como os computados pelo Comitê Heller para Pesquisas de Economia
Social, da Universidade da Califórnia, e outras organizações. Embora tais
da Economia clássica, êsses problemas dificilmente surgiam: su-
comparações sejam relevantes e bastante esc1arecedoras, se o que se deseja
punha-se que se obtinha sempre o produto social correspondente é obter uma descrição do padrão de vida vigente e do nível de bem-estar
ao nível de pleno emprêgo e que os salários (e o consumo) ten- econômico desfrutado pela população, elas não podem ser usadas como
diam para o "mínimo de subsistência". O mínimo de subsistência argumentos em favor da tese de que os salários estão no nível de subsis-
representava, então, 'um patamar firme, abaixo do qual os salá- tência, abaixo ou acima dêle. Um rápido exame do orçamento do Comitê
Heller, por exemplo, mostrará claramente que êle se baseia em algo que
rios não poderiam cair nem mesmo um só instante, e constituía não é certamente o mínimo de subsistência que, digamos, Ricardo tinha
um limite efetivo à magnitude do excedente econômico. em mente, ou o "desfrutado" pelos trabalhadores inglêses ou americanos
Ensina-nos a História, porém, que o mínimo de subsistência há cem anos, ou mesmo cinqüenta anos atrás.
(21) ~tes dependem de grande número de circunstâncias históricas,
é tudo, menos um patamar firme. É, antes, uma escada rolante geográficas e demo gráficas que influenciam o desenvolvimento econômico
em contínuo movimento. Não pode haver dúvida que o que se e o nível de produtividade de um país, em uma determinada época.

110 111

..
a existência de limites à parcela do produto disponível para. paga- IIlItl1 d), u. A., (23) outros acham que tal melhoria não se
mento de salários (e consumo), assim como à parcela que cons- V I I 'ou, mesmo que essa participação apresentou tendência
titui o excedente econômico. A existência de tais limites é tudo d 'I ni , Segundo as estimativas de Kuznets, a participação
o que é necessário para dotar de significado concreto, histórico, tI,1'l s o ordenados era, em 1949, inferior em um quinto à
as noções de excedente econômico "maior possível" e de montan- 'I V ulu em 1939. (24) O Relatório Econômico do Presidente
te "mínimo possível" de salários (e consumo) a partir de qual- do (l I \CJ Unidos ao Congresso Americano (janeiro de 1953)
quer volume dado de produto social. 11'1 11111: li aumentos da renda real disponível no período do pós-
Podemos voltar agora à nossa pergunta original: o que suce- 1\ 11' foram relativamente pequenos. .. A êste. respeito, é inte-
deu à nossa segunda condição de crescimento durante o transcor- llll notar... que, durante êsse período, contràriamente ao
rer da história do capitalismo? Embora os estudos estatísticos sô- qu pensa, os salários médios horários do setor industrial,
bre a distribuição da renda por classes divirjam pouco no que Ijll 111(.1 ajustados às variações dos preços pagos pelo consumidor,

concerne a estimativas específicas, há evidência bastante para se 11 O apresentam ritmo de crescimento superior aos acréscimos
concluir que ela manteve acentuada estabilidade durante todo o "1\1 de produtividade, mas sim ritmo bem inferior" (pág. 111).
as conclusões divergentes podem resultar de diferenças nos
período para o qual se dispõe de informações. Assim é que Ka-
I t mas de referência. Considera-se, às vêzes, a tendência a longo
lecki reuniu dados que evidenciam a constância da participação
prnzo; em outras, concentra-se a atenção nas variações a curto
dos salários na renda nacional da Grã-Bretanha durante o perío-
I rnzo relacionadas com as mudanças do nível de preços, da renda
do 1889-1938. Essa constância, segundo outros estudiosos do pro- do cmprêgo, É importante ter em mente, além disso, que qual-
blema, não foi perturbada nem mesmo pelo govêrno trabalhista lU r que tenha sido o aumento da participação dos assalariados
do pós-guerra.' (22) nn renda nacional durante os últimos cinqüenta anos, êle foi obtido
As conclusões a que chegaram vários pesquisadores no tocante 111 pela elevação da posição relativa da classe operária, mas por
aos Estados Unidos são menos uniformes. Enquanto alguns sus- ua pansão através da absorção de pequenos comerciantes, arte-
I ,etc., anteriormente independentes. (25) A participação rela-
tentam que "uma tendência ascendente suave mas definida pode
tlvr dos lucros não foi, portanto, afetada. A situação é, talvez,
ser observada na participação da remuneração do trabalho no pro-
m Ihor descrita em um artigo recentemente publicado: "... gran-
I aumentos de salários foram concedidos, no último quarto de
cul , por muitas indústrias de características diferentes, em perío-
(22) Mesmo um autor que acredita tanto nas possibilidades do "Es-
tado de bem-estar social", como John Strachey, afirma que "nos últimos ti de depressão e de hiperemprego, sem que se notasse nenhuma
15 anos [a participação dos assalariados na renda nacional] pode ter au- J du O significativa na parcela de lucros... As potencial idades
mentado novamente, mas não mais que o necessário para trazê-Ia de volta ti r di tribuição de renda através de aumentos de salários são
ao nível de 1860". "Marxism Revisited", New Statesman and Nation (1953), IIIl1lt reduzidas, desde que os produtores possam ajustar livre-
pág. 537. Contràriamente a concepções freqüentemente apresentadas, a
redistribuição da renda que se efetuou na Grã-Bretanha depois da guerra,
como resultado da política econômica do govêrno trabalhista, não teve ne-
nhum impacto sôbre a participação da remuneração do trabalho na renda (:iO) olin Clark, Conditions of Economic Progress (2.a ed., Londres,
nacional. "As despesas sociais com alimentação e saúde... foram contra- li" I), I,(\g. 524.
balançadas por impostos mais elevados, sôbre a cerveja, o fumo e outros (U'I) Conforme menção de Victor Perlo, The Income Revolution (Nova
bens, de maneira que os assalariados não obtiveram nenhum proveito dêsses Yui k, 1954), pág. 54.
subsídios". Clark Kerr, "Trade Unionism and Distributive Shares", Ameri- (' n "Os trabalhadores por conta própria constituíam, em 1880, 36,9%
can Economic Rewiew (maio de 1954), pág. 291, onde Findlay Weaver, 11 lodo os trabalhadores remunerados, mas, apenas 18,8% em 1939. Da
"Taxation and Redistribution in the United Kingdorn", Review ot Economics 11I111111Il11p rtância para a questão, é o declínio dos empreendedores inde-
and Statistics (maio de 1950), é citado como fonte dessa afirmação. Cf. I' 1111111 8, Os empreendedores não-agrícolas declinaram de 8% em 1880
também A A. Rogow, "Taxation and Fair Shares Under the Labour 1111111/,% 111 '1939". House of Representatives Committee on Srnall Busíness,
Governments", Canadian Iournal ot Economics and Poluical Science (maio 1f1l1l~1' Sta: S V.I'. Economic Concentration and Monopoly (Washington, 1949),
de 1955). I' ,1)6,

Il2 113
mente seus preços, técnicas e emprêgo, de modo a proteger sua VI lm nt, distribuição de lucros entre capitalistas e não a sua
posição de lucro". (26) 11\1 Ilclpução na renda nacional. Nas palavras de Kalecki: " ... a ele-
Contudo, o fato de que, durante as cinco ou sete últimas VI' 1 I grau de monopólio, determinada pelo crescimento das
décadas - período comumente associado com o capitalismo mo- I' 111 I mprêsas, conduziu à transferência da renda de uns seto-
nopolista - a parcela da renda global destinada a salários tenha I Indu triais a outros dominados por essas emprêsas. Operou-se,
permanecido razoàvelmente estável (ou mostrado apenas flutua- ti modo, uma redistribuição de renda em favor das grandes
ções de curto prazo) deixa sem resposta a questão se houve algu- mpre a e não das pequenas". (28) Existe farta documentação
ma mudança em comparação com o capitalismo competitivo. No qu omprova êsse fato.
meu limitado entender, não há resposta estatística a esta questão. Uma vez que é lícito supor que a concentração de lucros está
Estudos semelhantes aos acima mencionados parecem ser impra- ntirnamente relacionada à concentração de ativos (assim como de
ticáveis para a segunda metade do século XVIII e os primeiros Y ndas e emprêgo), não há necessidade de se discutir mais ainda
três quartos do século XIX. Todavia, se é válido conjeturar, é per- u tendência básica a que nos referimos. "É evidente... que se
missível supor que não houve mudança significativa na participa- t m observado uma tendência mais ou menos pronunciada de au-
ção relativa dos salários (e consumo) na renda nacional. Isso por- mento da concentração do contrôle exercido pelas grandes
que a evolução da grande emprêsa, do monopólio e do oligopólio, cmprêsas, Assim, as 200 maiores sociedades anônimas não-finan-
que começou no último quartel do século passado, vem-se proces- ceiras aumentaram sua participação relativa na propriedade de
sando a ritmo cada vez maior desde então e afetando um segmento todos os ativos de um têrço, em 1909, para 48 % em 1929, e 55%,
sempre crescente do sistema econômico. Como êsse aprofunda- no início da década de 1930". (29) Embora não tenham sido efe-
mento e ampliação do impacto do monopólio - que teve lugar tuados, para o período do pós-guerra, estudos semelhantes aos
nos últimos cinqüenta ou oitenta anos - parece não ter diminuído existentes sôbre os anos anteriores à guerra, não há dúvida de
consideràvelmente a parcela de renda destinada à remuneração do que o movimento maciço de concentração que se operou desde
trabalho, pode-se supor que o aparecimento anterior da emprêsa O término da Segunda Guerra Mundial aumentou mais ainda a
monopolística não causou, também, qualquer declínio dessa par- .participação das maiores emprêsas. (30) Examinando-se a escassa
cela. Bsse raciocínio é reforçado pelas considerações teóricas, cla- informação direta disponível sôbre a distribuição de lucros, tem-se
ramente formuladas por Marx: "O preço de monopólio de certas exatamente essa impressão. Assim, em 1923, as 1.026 maiores
mercadorias simplesmente transferiria uma parte do lucro dos ociedades - 0,26% das registradas na Divisão de Rendas In-
outros produtores para as mercadorias com preço de monopólio. ternas - receberam 47,9% dos lucros líquidos de tôdas as so-
O que aconteceria seria uma distorção local na distribuição da ciedades anônimas existentes. Em 1951, último ano para o qual
mais-valia entre as várias esferas da produção; contudo, ela não f ram publicadas informações, 1.373 emprêsas (0,23% do total)
afetaria as fronteiras da própria mais-valia". (27) O que isto sugere nuíeriram 54% dos lucros líquidos de tôdas as sociedades anôni-
é que a disseminação da grande emprêsa e do monopólio, causa- mo, enquanto 747 sociedades (0,12% do total) geravam
da pelo crescimento das grandes emprêsas, afetou, mais provà-
. ,5%. (31) Na realidade, as razões da concentração tanto de ati-

(26) Harold M. Levinson, "CoIlective Bargaining and Income Dis-


(28) Theory ot Economic Dynamics (Londres, 1954), pág, 18.
tributíon", American Economic Review (maio de 1954), págs. 314, 316.
(27) Capital (Edição Kerr) , vol. IH. p. 1003. Marx observa na (20) Smaller War Plants Corporation, Economia Concentration and
mesma página que isto não significa que pode não haver tendência para W/ll'ltI War II (Washington, 1946), pág. 6.
o monopólio diminuir a renda dos operários enquanto consumidores. Não (80) Comissão Federal de Comércio, Report 011 lhe Merger Movemenl
obstante, se a parcela da renda que remunera o trabalho apresenta consi- WII hlngton, 1948).
derável estabilidade, esta estabilidade pode ter por origem os esforços dos (31)
Para 1923, ver Departamento do Tesouro dos Estados Unidos,
sindicatos para equibrar as pressões do monopólio e manter os salários em I )Ivl de Rendas Internas, Statistics of Income, pág. 118; para 1951, Sta-
certa relação com os preços e os lucros. 111111'.1'01 Income, Preliminary Report , pág, 41.

114 115
vos como de lucros subestimam, de modo crescente, a parcela do, Procuremos agora resumir esta breve discussão da segunda
total que é controlada por um reduzido grupo de interêsses. De C ndição "clássica" para o crescimento. Embora o excedente eco-
fato, muitas sociedades registradas como independentes são liga- nôrnico no capitalismo monopolista seja muito maior, em têrmos
das através de "holdings", de acionistas comuns, de direto- b olutos, do que no capitalismo competitivo, é acentuadamente
rias, etc. (32) menor do que o maior excedente possível, entendendo-se êste como
Acredita-se freqüeritemente - e esta é uma crença diligente- a diferença entre o produto-social que pode ser obtido em uma
mente alimentada por publicações provenientes de fontes óbvias ituação de pleno emprêgo e o consumo equivalente ao limite fi-
_ que a concentração de lucros nas mãos de pequeno número de siológico de subsistência. O excedente econômico gerado pelo ca-
firmas não tem maior importância, uma vez que essas firmas gi- pitalismo monopolista é, contudo, tão grande quanto possível no
gantes podem ser de propriedade de grande número de indivíduos. sentido relevante dêste conceito, isto é, levando-se em conta o nível
Esse quadro de· uma democracia de acionistas é, porém, apenas do produto social realizado, o mecanismo de mercado responsá-
um mito. Numerosos estudos já mostraram que o contrôle das vel pela distribuição da renda no regime capitalista, bem como
poucas emprêsas às quais cabe a parte do leão do ativo e uma a elevação mais ou menos contínua dos padrões convencionais de
parte proporcionalmente grande do lucr? global está nas m~os de ubsistência, (35) A diferença fundamental entre o capitalismo mo-
um pequeno número de pessoas que recebem, por conseguinte, o nopolista e o competitivo reside na distribuição do excedente eco-
grosso dos lucros distribuídos. (33) O fato de que isso se reflete nômico entre aquêles a quem se destina. Do mesmo modo que
na distribuição da renda e da poupança pessoais pode ser obser- a transição do feudalismo para o capitalismo determinou não ape-
vado em estudos recentemente realizados pelo "Federal Reserve nas uma grande expansão do excedente econômico, mas também
Board", pelo "Michigan Survey Research Center" e por um grupo a transferência de grande parte dêle do senhor feudal para o em-
de economistas da Universidade de Harvard. Víctor PerIo, resu- preendedor capitalista, a transição do capitalismo competitivo para
mindo êsse material, chega à conclusão de que, "calculando a mé- o monopolista ocasionou enorme aumento do volume absoluto do
dia de sua participação nos lucros não-distribuídos e na poupança excedente econômico e a passagem de seu contrôle das mãos dos
pessoal, veremos que os indivíduos que auferem 1 % da renda pequenos capitalistas para umas poucas emprêsas gigantes.
realizam entre 50 e 55% de tôda a poupança, pessoal e das
emprêsas". (34)

IV
(32) Sôbre a situação de antes da guerra ver o excelente estudo de
Paul M. Sweezy, "Interest Groups in the American Economy",· publicado
originalmente como Apêndice 13 da Parte I de Structure 01 the American Com o crescimento e a difusão da grande emprêsa, do mono-
Economy, Comitê de Recursos Nacionais, e recentemente reproduzido em
I' lio e elo oligopólio, a distribuição elo excedente econômico to r-
The Present as History, do mesmo autor (Nova York, 1953), págs, 158 e
J) li-se incomparàvelmente mais desigual que na época do pequeno
seguintes.
(33) Cf. Brookings Institution, Share Ownership in lhe United States rapitalismo competitivo. A concentração de ativos e de lucros nas
(Washington, 1952) onde se dá muita importância ao fato de que 6,5 mi- nu s ele um pequeno grupo de emprêsas gigantes (e de um pequeno
lhões. de americanos possuem ações de sociedades anônimas, numa .média . r ulo de capitalistas que as controlam) assume maior significação
de 4 ações por acionista. Esta publicação informa, também - embora de
quando consideramos as outras condições "clássicas" para o cresci-
maneira bem menos destacada - que 2,3 % de todos os acionistas de em-
prêsas industriais detêm 57 % do total de ações. No setor dos serviços de
utilidade pública, 1% dos, acionistas possui 46% das ações. No setor
dos intermediários financeiros, 3% dos acionistas controlam 53% das ações (IIG) Foi promovendo esta elevação do que é socialmente considerado
e nos transportes 1,5% dos acionistas detêm 56% do total. Cifras seme- 111111(') o padrão mínimo de vida que os sindicatos desempenharam seu
lhantes, para o período anterior à guerra, são apresentadas por M. Taitel., li '11 I principal. Os sindicatos têm muito a ver com o crescimento da
Projits, Productive Activities and New Investment, Monografia TNEC n.? 111 ulutlvldade e do produto social. Ao elevarem a taxa de salário estimula-
12 (Washington, 1941). 111111 II introdução de inventos que economizam mão-de-obra e incentivam
(34) The Income Revolution (Nova York, 1954), pág, 58. 11 li I IIR do progresso técnico.

116 117
mento, São elas: primeiro, a maximização não somente do excedente 1\ d excedente apropriado pelo empresário capitalista - mono-

I
econômico, mas também da parcela disponível para reinvestimento li ta ou não - era reinvestida e êsse investimento acelerava
no mesmo negócio - em outras palavras, gestão austera e parcimo- ( pr gresso econômico. Quanto maior fôsse êsse excedente, tanto
niosa do excedente por parte daqueles que o recebem. Segundo, a moi rápido seria o crescimento da produtividade e da produção. As-
existência de áreas suficientes para seu investimento lucrativo. Pe- lm, embora se admitisse que um excedente muito grande reduziria
quena familiarização com o problema do desenvolvimento eco- Indevidamente o consumo presente em benefício do consumo futuro,
nômico em nossos dias (e com sua. literatura) é suficiente para n O se encontravam razões que justificassem uma tentativa de limi-
indicar que é nestes aspectos que o capitalismo monopolista mais tar a magnitude dêsse excedente. A redução do excedente poderia
difere de sua fase competitiva. tornar o investimento menos atrativo para os que se encontravam
Com relação ao primeiro dos dois requisitos, podemos dizer em condições de investir, o que causaria uma queda no investimen-
que a situação é um tanto paradoxal. O capitalista de hoje difere . to global (e uma -diminuição do progresso econômico) inteiramen-
muito de seus ancestrais puritanos: parcimônia, frugalidade e abne- te desproporcional ao benefício temporário que se poderia usufruir
gação infatigável são predicados que dificilmente podem ser con- do aumento do consumo. Em conseqüência, a preocupação de cer-
siderados como suas (e de sua espôsa) principais características. tos autores com o que consideravam um volume muito grande
Contudo, o que deveria ser o fruto do espírito de poupança do de excedente econômico, sua insistência em controlar uma acumu-
capitalista ainda é obtido pelo capitalismo monopolista, ainda que lação de capital "excessiva", suas queixas em relação ao "subcon-
de modo bem diverso. A distribuição extremamente desigual dos sumo", eram encaradas como supervalorização míope do presente
lucros faz com que apenas pequena parcela do excedente econômico em relação ao futuro, como preocupação e insistência que refle-
se destine ao consumo da classe capitalista. Em condições de pleno tiam compreensível compaixão por seus semelhantes menos privi-
emprêgo e de produto e excedente volumosos, a pequenez dessa legiados e insuficiente percepção dos cânones da sã Economia.
parcela torna-se' ainda mais proriunciada. A proporção do exce- Não queremos dizer com isso que a proliferação do mono-
dente econômico que as grandes emprêsas retêm e que se torna pólio e a magnitude dos lucros monopolistas não preocupassem
disponível para novos investimentos não é apenas grande, mas os economistas. Bem ao contrário: no último quartel do século
aumenta consideràvelmente durante os períodos de prosperi- XIX e no primeiro do século XX, os economistas dos países
dade. (36) capitalistas adiantados preocuparam-se bastante com a importância
A situação é bem mais complexa quando se considera o outro crescente da emprêsa monopolista e oligopolista. A Economia. aca-
lado da questão: não o volume do excedente econômico e a neces- dêmica, entretanto, refletindo sua origem pequeno-burguesa e ex-
sidade de oportunidade para investimento, mas a procura de capi- primindo a crescente frustração e ansiedade dos pequenos e impo-
tal acumulado e a disponibilidade de áreas para investimentos lu- tentes empreendedores competitivos - que assistiam, sem nada
crativos. Sôbre êste assunto teremos que nos estender um pouco poder fazer, ao flores cimento portentoso de seu rival monopolista
mais. - mostrava-se incapaz de uma visão histórica global do desenvol-
Durante muito tempo, os economistas raramente relacionaram vimento da grande emprêsa. Tôda a munição utilizada contra o
o desenvolvimento da grande emprêsa, do monopólio e do oligo- monopólio era, portanto, retirada do arsenal da teoria da concor-
pólio ao problema das oportunidades para investimento, da capaci- rência perfeita - a ideologia adequada à pequena emprêsa, Su-
dade da procura de fundos investíveis em absorver o excedente punha-se que os efeitos nocivos da grande emprêsa residiam, prin-
econômico gerado em condições de pleno emprêgo, Como se su- cipalmente, na distorção das combinações "ótimas" que, esperava-se,
puriba que nossas condições "clássicas" eram satisfeitas, isto é, como deveriam resultar no livre jôgo das fôrças do mercado. Identifi-
se acreditava válida a Lei de Say, a utilização do excedente eco- cando os interêsses dos pequenos empreendedores com os interêsses
nômico parecia não constituir maior problema. Admitia-se que a par- da sociedade, (37) esta denúncia do monopólio o acusava de des-

(36) Esta é uma das afirmações mais importantes da chamada teoria (87) Cf. Lee Benson, Merchants, Farmers, and Railroads (Cambridge,
do subconsumo. Ver na l .'' secção do Capítulo IV uma qualificação Massachusetts, 1955).
desta afirmativa.

118 119
torcer a distribuição "ótima" da renda, quando o relevante era o Ul1d plano o tipo anterior de crítica do monopólio - crítica que
impacto da existência de monopólios sôbre a distribuição dos lucros. ba eava em considerações de bem-estar - e preparou intelectual-
Movidos pelo temor e pela inveja, os críticos do monopólio ata- nte o terreno para a tendência atual de aceitação integral, se
cavam sua política de preços e de produto e a acusavam de dimi- de glorificação, do monopólio.
nuir o bem-estar do consumidor. E '1sto faziam quando o que se ~ verdade que a "Nova Economia" adota uma atitude antimo-
verificava freqüentemente, se não sempre, era a superioridade com- nopolista quando se preocupa com a superacumulação. Todavia,
petitiva da grande emprêsa. a ênfase do raciocínio é colocada na necessidade de aumento da
Face à ascensão dos proprietários de grandes ernprêsas a po- participação do consumo na renda nacional, ao invés de no papel
sições de influência social e ao poder, os inimigos do monopólio do monopólio no processo de investimento. Dêsse ponto de vista,
passaram a estigmatizar a posição dos monopolistas no corpo po- o excedente econômico, seja êle apropriado pelos monopolistas, seja
lítico como perigosa para a democracia e a liberdade, quando a pelos pequenos empreendedores competitivos, é considerado muito
questão que se punha era a ameaça à ascendência dos pequenos em- grande não tanto porque reduz o consumo corrente numa medida
preendedores na sociedade capitalista. Interessada na preservação indesejável em têrmos de bem-estar, mas porque não encontra ade-
do status quo, tentando apegar-se ao melhor dos mundos, jamais quada utilização via investimento privado. Nas palavras do Pro-
pensando em têrmos de mudança e de desenvolvimento histórico, fessor Alvin R. Hansen: "O problema de nossa geração é, so-
essa hostilidade pequeno-burguesa à grande emprêsa não deixava bretudo, o problema de áreas inadequadas para investimento". (39)
lugar para uma compreensão racional do impacto do monopólio Essa inadequação das áreas para investimento tem sido atri-
sôbre o processo de investimento e de crescimento econômico (38). buída pela maior parte da economia contemporânea - como diria
Mesmo depois que a chamada revolução keynesiana repudiou a Schumpeter - não a causas inerentes ao funcionamento do meca-
Lei de Say e fêz da determinação do nível de renda e de emprêgo nismo econômico, mas à ação de fatôres externos a êle. Bem re-
o centro da discussão econômica, a relação entre o processo de presentativa dessa maneira de abordar o problema é a chamada
investimento (e de desenvolvimento econômico) e o crescente pa- "teoria do perecimento das oportunidades de investimento", cuja
pel da grande emprêsa e do monopólio recebeu apenas uma atenção formulação mais conhecida é encontrada na obra do Professor
difusa e esporádica. Seguindo as pegadas de Keynes, conside- Hansen, Embora os economistas que endossavam essa teoria per-
rando o investimento (ou a maior parte dêle) como um dado 'cebessem corretamente o fenômeno da crescente inadequação das
"autônomo", exõgenamente determinado e pouco interessado em áreas para investimentos privados à grandeza do excedente eco-
sua composição, a teoria da renda e do emprêgo contornou, por nômico gerado em condições de pleno emprêgo, não podemos dizer
assim dizer, o problema do impacto do monopólio e do oligopólio que êles explicaram satisfatoriamente esta inadequação. Os fato-
sôbre o volume e os efeitos de longo prazo do investimento. Além res que desempenham o principal papel na argumentação dêsses eco-
disso, essa orientação do pensamento econômico deslocou para se- nomistas - o crescimento da população, o desaparecimento da
chamada fronteira, as alegadas mudanças do ritmo e da natureza do
progresso tecnológico - não explicam essa inadequação.
(38) Uma exceção notável é Schumpeter que não escondeu o seu
desprêzo por esta abordagem pequeno-burguesa do problema do monopólio. Além da probabilidade do dec1ínio do crescimento da popu-
Na obra dêsse autor, o monopólio foi considerado principalmente do ponto lação observado nos países capitalistas avançados ser, êle mesmo,
de vista do desenvolvimento a longo prazo do capitalismo. Foram necessá- um fenômeno que deva ser explicado em têrmos de insuficiência
rios, porém, quarenta anos para que a antecipação feita por êle da eco- de investimentos, de emprêgo e de renda, não há razão para se
nomia do capitalismo monopolista atraísse a atenção (e o aplauso) de seus
esperar que mudanças populacionais per se exerçam influência apre-
colegas economistas. Somente na literatura marxista o crescimento do mo-
nopólio foi considerado como o aspecto mais importante do desenvolvi-
mento geral do capitalismo. O Finanzkapital (1910) de Hilferding constitui
a contribuição clássica do marxismo sôbre êsse tema. Ao livro de Hil- (39) "Economic Progress and Declining Population Growth", Amer-
ferding, deve-se adicionar a obra de Lênin: O Imperialismo, Fase Superior lcan Economic Review (março de 1939), reproduzido em Readings in
do Capitalismo (1917), e outros trabalhos. Business Cycle Theory (Filadélfia-Toronto, 1944), pág. 37').

120 121
ciâvel sôbre o volume de investimento. No que concerne à relação 1111 IIIIlICllt previsto da população, mas ao volume de investimento
entre mudanças populacionais e procura efetiva, observa Kalecki: d'll! 11 resultante volume global de renda e procura. Na rea-
II
" . .. o importante ... não é um incremento da população, mas I dlltl I C ntudo, somente poucas firmas - principalmente as que
um aumento do poder aquisitivo. O acréscimo do número de pobres 111\1 '!TI no campo dos serviços de utilidade pública e de comunicações
não amplia o mercado. Uma população maior não significa neces- iricntam seus planos, de investimentos pelas estatísticas de popu-
sàriamente, por exemplo, uma procura maior de casas; se não houver lnç . Em tais casos, porém, as estatísticas relevantes não são as
um aumento do poder aquisitivo pode muito bem acontecer que que refletem mudanças globais na população, mas as que descrevem
um número maior de pessoas irá repartir o mesmo espaço habita- I migrações internas. e o crescimento e declínio de regiões ou
cional que hoje existe". (40) localidades.
Não quer isto dizer que um aumento da população não exerça Algum significado pode também ser atribuído às verbas que
alguma influência sôbre a demanda efetiva. Uma população cres- fi autoridades governamentais de todos os níveis dedicam a assis-
cente pode gerar uma estrutura de consumo diferente da que ca- tência social, a escolas, hospitais, parques, etc. Tais verbas podem
racterizaria uma população estagnada. A população crescente, ser determinadas pela estrutura social e pelo tamanho da popula-
por exernpló, pode comprar mais leite e menos uísque, mais te- ção (e por suas mudanças). É da máxima importância observar,
cidos e menos gravatas, mais casas e menos automóveis. Não se porém, .que tais gastos só constituem uma adição líquida ao dispên-
deve esquecer que diferenças como essas na composição da procura dio global e só têm um efeito estimulante sôbre a economia consi-
do consumidor podem influenciar a rentabilidade e o volume do derada como um todo quando não são contrabalançados por uma
investimento. (41) contração dos dispêndios em outro setor. De fato, acontece fre-
O problema de se saber se uma população crescente pouparia qüentemente que maiores dispêndios do tipo indicado, quando rea-
mais ou menos, além de não ser muito relevante, é bastante con- lizados pelas autoridades municipais, só são possíveis graças à pou-
trovertido. Poder-se-ia argumentar que maiores despesas com a pança realizada em outras rubricas do orçamento ou ao aument~
manutenção de grandes famílias redu:iiriam a poupança pessoal; de impostos. (42) Sempre que êste fôr o caso, o impacto de tais
poder-se-ia afirmar igualmente que a responsabilidade com o sus- dispêndios "relacionados à população" não é significativo.
tento de famílias mais numerosas exigiria maiores reservas, o que Todavia, supõe-se freqüentemente que mudanças na popula-
reduziria as despesas correntes. A diferença não seria grande, ção afetam o investimento não através do aumento da procura efe-
qualquer que fôsse a hipótese que adotássemos. E isto porque a tiva, mas através do impacto que tais mudanças exercem sôbre a
quase totalidade das pessoas, mesmo nos países mais ricos do oferta de trabalho. Argumenta-se a êsse respeito que um rá-
mundo, não realiza qualquer poupança. pido aumento da população exerce pressão sôbre o nível de salários
Pode parecer mais relevante o argumento segundo o qual os e conduz 'a lucros mais elevados, acelerando, assim, a acumulação
empreendedores, quando procuram decidir se devem ou não inves- de capital e, ao mesmo tempo, tornando o investimento mais atraente
tir, são muito influenciados pelas estatísticas de população. Se para o empresário capitalista. As implicações dêste raciocínio não
isso fôsse realmente verdade, e se os capitalistas investissem muito tão livres de ambigüidade. (43) Em primeiro lugar, deve-se notar
quando o crescimento da população fôsse rápido e reduzissem o que as mudanças relevantes não são as da população total ao longo
investimento quando êsse crescimento fôsse lento ou a população do tempo, e ~im as do número de pessoas que participam do mer-
permanecesse no mesmo nível, suas expectativas de lucro poderiam cado de trabalho. (44) Tal número, porém, depende não apenas do
ser confirmadas, temporàriamente, pela experiência - não devido

(42) Cf. Joan Robinson, op. cit., pág, 107.


(40) Theory 01 Economic Dynamics (Londres, 1954), pág, 161. (43) Cf. Kaleck.i, op. cit., pág. 160.
(41) "Assim um deslocamento da procura de bens em geral para (44) ll:ste ponto - muito importante, mas freqüentemente esquecido
habitações tem o mesmo efeito de uma onda de inovações "favoráveis ao foi bem realçado por Paul M. Sweezy em Teoria do Desenvolvimento
capital" e tende a promover investimentos do mesmo modo". Joan Rob- apitalista. Publicado por esta editôra, nesta mesma coleção. Págs. 265 e
inson, The Rale 01 Interest and Other Essays (Londres, 1952), pág, 109. seguintes.

122 123
crescimento global da população, mas também da medida em que 1111111 ugcrida pela experiência dos países subdesenvolvidos já
a migração interna dos setores não-capitalistas da economia (agri- V lh s, s quais não se podem queixar de crescimento insuficiente
cultura de subsistência, artesanato, etc.) aumenta a oferta de mão- I dll J pulação. Pode-se, ao mesmo tempo, afirmar em favor dessa
de-obra à disposição da emprêsa capitalista. (45) I t que foi precisamente a relativa escassez de mão-de-obra du-
A menos que se suponha que a elasticidade da procura de unte todo o período inicial da História americana que possibilitou
trabalho por parte dos capitalistas é, pelo menos, unitária - note-se o rande volume de investimento, o rápido progresso da tecnolo-
que nada há que nos indique que essa hipótese é verdadeira __ ia e o resultante aumento da produtividade nos Estados Unidos.
a diminuição dos salários, resultante da maior concorrência entre Se não há progresso tecnológico (tanto na agricultura como
os operários pelos empregos existentes, reduziria a renda dos assa- na indústria), se não se promove a exploração de novos recursos
lariados e ocasionaria uma queda q'l procura global dos consumi- \ naturais e se não se concretiza a transferência de mão-de-obra da
dores, sem que essa queda fôsse contrabalançada por um aumento agricultura, ainda que por coerção extra-econômica, uma popu-
dos investimentos. O investimento seria na realidade desencorajado lação crescente representa condição indispensável para a realiza-
pela redução das compras dos consumidores. Além disso, a dis- ção de investimentos e para a expansão econômica. Em tais con-
ponibilidade. de mão-de-obra barata tenderia a enfraquecer os incen- U ições, porém, dificilmente o problema surgiria: a impossibilidade
tivos para a introdução de equipamentos economizadores de mão- de investimentos seria acompanhada pela ausência de quaisquer
de-obra, equipamentos êstes cujo desenvolvimento e produção re- incentivos para investir. É desnecessário dizer que tal situação não
presentam uma importante oportunidade de investimento. Assim, t m a menor semelhança com a realidade. Ela é demasiado está-
o aumento da oferta de trabalho e o barateamento da mão-de-obra tica para se aplicar mesmo a uma sociedade feudal. Onde existe
podem levar não ao aumento do investimento e da produção, mas pelo menos algum progresso tecnológico, alguma possibilidade de
ao aumento do desemprêgo, ainda que disfarçado. (46) A circuns- exploração de novos recursos naturais, alguma migração interna de
tância de que êsse pode ser um resultado não muito difícil de slSl) pessoas anteriormente empregadas na agricultura, algum investi-

(45) Esta migração interna é causada fundamentalmente por deslor gerado normalmente. Além disso, se o produto social é obtido com o
ca~ento econômic~ ou tecnológico de m,ão.de-obra dos. setores não-capi-~ mprêgo de pouco capital, as reservas para depreciação representam, ne-
talistas da economia, embora em certo numero de casos seja o resultado ccssàríamente, apenas uma pequena parcela de seu valor e o excedente
de coerção "extra-econômica" (o movimento dos enclosures na Inglaterra,~ 1)/'/110 é, correspondentemente, inferior ao que seria se a depreciação dos
dos Bauernlegen na Alemanha), cuja base, entretanto, é o desenvolvimento quiparnentos participasse em maior proporção do produto total. Uma vez
industrial das cidades. Em países novos, pouco povoados a princípio, como ,..;.-....., 'lu , em tais casos, o montante do excedente econômico disponível para
os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, os setores \ - Investimento é pequeno - depois de se ter deduzido o consumo dos ca-
não-capitalistas que supriam a indústria com mão-de-obra t:2
adicional loca- pitaJistas - o número de operários que pode ser adicionado à fôrça de
lizavam-se não apenas em seu interior, mas também no Velho Mundo. ~ trabalho empregada é também pequeno, a despeito de ser reduzido o mon-
t
Dêsse modo, a imigração foi a forma sob a qual grande parte dêste influxo tnnte de capital que é necessário para equipar um operário adicional.
se apresentou. . Assim, mesmo que o capitalista invista todo o excedente disponível em
(46) Esta afirmação não contradiz a importante ponderação de que Instalações e equipamentos produtivos - o que não deve nunca ser to-
o barateamento da mão-de-obra e o desenvolvimento do progresso tecno- mndo como certo - o resultado será, provàvelmente, uma lenta expansão
lógico, resultantes do rápido crescimento da população, propiciam ao ca- pleno emprêgo dos bens, de capital existentes no setor industrial da eco-
pitalismo melhores condições de· estabilidade a longo prazo; retardam seu n mia, enquanto os setores não-capitalistas (agricultura, artesanato, cornér-
desenvolvimento e adiam, assim, as crises que surgem em sua maturidade 10, distribuidor, etc.) se transformam em regiões pobres, habitadas por
(Cf. Paul M. Sweezy, loco cit.). Como diz Hans Neisser : "A estabilidade lima "população excedente" em rápido crescimento. Esta circunstância põe
econômica não exige necessàriamente um elevado nível de renda per capita m relêvo uma das mais agudas contradições da ordem capitalista: a ex-
e nem mesmo a eliminação do chamado desemprêgo estrutural. Bem ao Jlltl1s!lo rápida da produtividade e da produção conduz à instabilidade, a
contrário: as economias pobres apresentam provàvelmente maior estabili- 11 pressões sôbre a sociedade como um todo. Um pequeno aumento da
dade que as ricas", "Stabílity in Late Capitalism", Social Résearch (pri- nrcdutívídade e da produção dá origem ao desemprêgo disfarçado, à po-
mavera de 1954), pág. 85. De fato, se se conservam em baixo nível a in- I r zn e à estagnação nos setores não-industriais da sociedade, o que cons-
tensidade de capital por operário, a produtividade e o produto social, o tltui uma fôrça que age, incessantemente, contra a continuidade do pro-
crescimento rápido da população reduz o volume do excedente econômico ~r'e 80 das ilhas industriais adiantadas dêsse mar de subdesenvolvimento.

124 125
mento sempre é realizado e a produtividade aumenta, esteja a po- j 111 IIt 1 d que, digamos, há cem anos. Kalecki pode estar certo
pulação crescendo, estagnada ou em declínio. Pode-se dizer que ti" nulo hama nossa atenção para o fato da diminuição da impor-
os projetos de investimento, da mesma maneira que .criam condi- Ia descoberta de novas fontes de matérias-primas bem como
ções para o seu próprio financiamento, suscitam sempre a oferta nte significado da "organziação científica" das linhas de
de trabalho necessária à sua realização. Isto não se aplica apenas rn que não requerem grandes investimentos. (47) Razão
aos países velhos, em que a agricultura, o artesanato, o comércio a l r também Sweezy ao acentuar a extraordinária importância
varejo, etc., constituem reservas permanentes de mão-de-obra: apli- du ferrovias como provedoras de áreas para investimento na se-
ca-se, também, aos países novos escassamente povoados, onde a linda metade do século XIX. (48) Algum valor pode ser igual-
imigração constitui a fonte de suprimento de trabalho quando a 11I ntc atribuído ao argumento de que o barateamento relativo dos
acumulação capitalista cria uma procura suficientemente forte para b na de capital, que se verificou nos últimos cem anos, reduziu
êle. us necessidades de capital em relação à produção física prevista,
A conclusão que podemos tirar do que foi dito é que, longe mbora não seja a produção física um elemento de interêsse para
de determinar o volume de investimento, a própria situação demo- investidor capitalista.
gráfica apresenta-se com aspectos diferentes nas diferentes fases Pode-se, por outro lado, afirmar - e creio que com bastante
do desenvolvimento econômico, aspectosêstes que dependem da ex- raz o-que tôdas as considerações acima não têm tanta relevância
tensão da acumulação de capital, da natureza das transformações
tecnológicas, da velocidade e da intensidade das modificações da
pnra ° problema que nos preocupa, uma vez que, na realidade,
Jus põem o carro adiante dos bois. No mundo antigo, assim
estrutura ocupacional da sociedade, etc. C mo na Idade Média, inúmeros inventos técnicos engenhosos não
Examinemos agora o problema da chamada passagem da fron- ram utilizados porque não existiam condições sócio-econômicas
teira. Devemos notar, inicialmente, que não é óbvio o significado p Ira sua aplicação. Poder-se-ia fazer uma lista bem grande' das
que se deve emprestar a essa expressão, se é que se deve empres- I scobertas técnicas recentes cuja utilização exige enormes dispên-
tar algum. Em primeiro lugar, as fronteiras da expansão e do de- di s de capital - dispêndios bem maiores que quaisquer outros que
senvolvimento econômicos não coincidem com as fronteiras geográ- li istória registra. Há projetos tecnicamente tão possíveis e eco-
ficas: há muito lugar para crescimento dentro de quaisquer fron- n micamente tão racionais como quaisquer outros realizados no
teiras geográficas. Ninguém nega, por exemplo, que houve muito J nado, quer no campo da energia atômica ou da automação, corno
mais desenvolvimento na Bélgica do que na Espanha. Em segundo 1\ dos transportes ou do aumento da fertilidade do solo, no dos
lugar, existem grandes áreas subdesenvolvidas na maioria dos h ns de consumo ou da' maquinaria agrícola, no da habitação ou
países capitalistas adiantados: há enormes oportunidades de inves- dn alimentação. A diferença reside, "simplesmente", no fato de
timento no sul dos Estados Unidos, nas regiões em declínio da qu as inovações técnicas anteriores atraíram investimento suficien-
Grã-Bretanha, em grandes partes da França, da Itália ou da Es- I para serem realizadas, ao passo que as possibilidades tecnológicas
candinávia. Mais ainda: os territórios menos desenvolvidos que lI10i recentes são menos ràpidamente (e mais seletivamente) apro-
se encontram além das fronteiras nacionais dos países adiantados priadas pela emprêsa capitalista. É mais plausível admitir, por-
podem constituir áreas de investimento tão boas quanto as in- tunto, que as inovações tecnológicas, da mesma maneira que as
ternas, ou mesmo melhores. A conclusão a se tirar daqui é que I' a subdesenvolvidas ou menos desenvolvidas internas ou exter-
quando as condições são propícias ao investimento, sempre se en- IIU dos países capitalistas adiantados, constituem um conjunto dis-
contram as oportunidades para investir; quando o investimento perde ponível de oportunidades de investimento. Os fatôres responsá-
o vigor, oportunidades de investimento que em outras ocasiões v i pela utilização de apenas parte dêste conjunto, em qualquer
seriam consideradas excelentes não são aproveitadas. I 1 po, são outros. Nas palavras de J. Steindl: "as inovações .
A situação não é menos diferente quando se trata de inova- 1\ tam somente a forma que o investimento líquido assume .
ções tecnológicas. É muito discutível a afirmativa de que a inten-
sidade e a natureza das descobertas tecnológicas nas últimas déca- (~7) Theory of Economic Dynamics (Londres, 1954), pág, 159.
das têm sido tais que requeiram para sua realização menores inves- (4.8) Econometrica (outubro de 1954), pág. 532.

126 127
As inovações tecnológicas acompanham o processo de investimento ti I ilidade sócio-econômica é sempre sutil e arbitrária. Como Lênin
como uma sombra, elas não agem sôbre êle como fôrça propul- ul! I'V u: "a questão de se saber se essas transformações [na estru-
sora". (49) 111I'l d sistema capitalista]. ~. são puramente econômicas ou não-
Note-se que a análise precedente não endossa a resposta que I (I micas (militares, por exemplo) é secundária, e não afeta em
se dá freqüentemente aos "profetas de um futuro negro e atroz" IIl1da a visão fundamental que devemos ter da última fase do ca-
- resposta que indica o grande número de projetos úteis que "po- pllnli mo". (51) O que é essencial é saber se as profundas trans-
deriam" ser realizados e cuja realização contribuiria para o bem- e irmações do modo de funcionamento do sistema capitalista que se
estar humano. Essa resposta, na verdade, está eivada do mesmo v rificaram na primeira metade dêste século se devem a aconteci-
equívoco que permeia tôda a argumentação que pretende refutar. III ntos mais ou menos acidentais e fortuitos ou se constituem o
Embora qualquer compêndio elementar de Economia principie assi- l' ultado natural do desenvolvimento capitalista e se, de acôrdo com

nalando que o importante em uma economia capitalista não são 11 lógica intrínseca dêsse desenvolvimento, teriam obrigatoriamente
os desejos humanos em geral, mas apenas os que são amparados de se verificar. Não chegaremos a nenhuma conclusão do ponto
por poder aquisitivo suficiente ("procura efetiva"), tão logo a dis- 1 vista analítico se atribuirmos essas transformações à teoria do
cussão atinge um nível mais "avançado", mesmo os economistas perecimento das oportunidades de investimento ou filosofia que
mais sofisticados se esquecem dêste p .incípio básico. O êrro de que atribui ao acaso tôdas as desgraças que sucederam ao capitalismo
está eivado o raciocínio é sempre o mesmo, quer responsabilizem 11 últimos cinqüenta anos. Tal atitude, por outro lado, signifi-
o progresso tecnológico insuficiente ou mal orientado pela inade- caria a aceitação implícita da concepção agnóstica (e apologética)
quação das oportunidades de investimento, quer afirmem que estas que atribui tôdas as contradições e irracionalidades do sistema ca-
oportunidades são pràticamente ilimitadas diante do número de prlalista não às leis próprias do sistema, mas aos "distúrbios" oca-
necessidade dos consumidores que ainda não foram satisfeitas. (50) ,i nais - econômicos, políticos e outros - sem os quais o capi-
Ambas as partes da argumentação não são relevantes para o pro- tali mo funcionaria harmoniosamente.
blema em pauta. Existe, de fato, inadequação contínua e crescente
do investimento privado ao volume do excedente econômico gerado
em condições de pleno emprêgo. Além disso, existe - e isto é vi-
sível a todos - uma pletora de empreendimentos tecnicamente pos-
v
síveis e socialmente urgentes que poderiam absorver, ràpidamente,
todo êsse excedente econômico, e muito mais ainda. O problema P ra explicar a inadequação do investimento privado ao vo-
a resolver, portanto, é o de determinar o que, na estrutura do ca- I excedente econômico gerado em condições de pleno em-
pitalismo adiantado e nas mudanças ocorridas no processo de não precisamos, porém, solicitar o auxílio de fatôres "ex-
investimento nas últimas cinco ou oito décadas, torna difícil, se ( rn a" aos princípios motores da economia capitalista, de erros
não impossível, o emprêgo do excedente econômico na realização uv rnamentais ou de imprevisíveis adversidades do destino. Esta
dêstes projetos. 11 ,li quação pode ser explicada por um processo profundamente
11 ,Iz do na estrutura básica do capitalismo e originado por seu
Não queremos dizer que apenas os chamados fatôres endóge-
nos devam ser levados em consideração para a solução dêsse pro- ti, nv lvimento: o crescimento da grande emprêsa, do monopólio
blema. A distinção entre elementos endógenos e exógenos de uma I do Iigopólio e o domínio sempre crescente que tais organizações
r' fi ôbre todos os setores do sistema capitalista. (52)
(49)Maturity and Stagnation in American Capitalism (Oxford, 1952),
pág, 133 e pág. 235 n. (O grifo é do original).
(50) Talvez os melhores exemplos dêste tipo de construção de cas- n1 • Varga e L. Mendelsohn, New Data for Lenin's lmperialism --
telos na areia possam ser encontrados no artigo de J. K. Galbraith, "We 11i/ 11/111111,\'1 Swge of Capitalism (Nova York, 1940), pág. 168. (O grifo é
Can Prosper Without War Orders", New York: Times Magazine (22 de li.. \li 11.I11\u1).
junho de 1952), e em David Lilienthal, Big Business, A New Bra (Nova W) a adoção e a exploração bastante interessante dêste tipo de
York, 1953), págs. 8 e seguintes. 111111111111' \11\ d problema que tornam o livro de J. Steindl, Maturity and

128 129
Mencionamos já um dos resultados mais marcantes dêsse de- Mil!. importante ainda é observar" que, em tais condições, a
senvolvimento: a concentração dos lucros nas mãos de pequeno nú- 111111 I, ( para o nôvo método de produção (tecnolõgicamente mais
mero de capitalistas. É a êste ponto que devemos voltar após 1111 do) não pode ser obstada pela discrição da firma competi-
nossa extensa digressão. No mundo competitivo, cujas caracterís- I 11 11 ta corre o risco de desaparecer se desprezar as possibilidades
ticas principais são evidenciadas por nosso modêlo "clássico", não 11 pon v i de redução de custos. Assim, além de oferecer o prêmio
havia lugar para uma distribuição de lucros tão desigual como essa. do 111 r extraordinários, o sistema competitivo brande o espan-
Destinando-se a grande número de emprêsas de vários tamanhos, i.rlho du bancarrota para promover a realização de investimentos
cada um dominando apenas pequena fração do mercado, o lucro 11 )lI" gresso tecnológico. Papel importante no funcionamento
total dividia-se necessàriamente em grande número de pequenas do 111 canismo é desempenhado pela circunstância de que, nesta
porções desiguais. Além disso, não só eram pequenas as diferenças '\lI rldu competitiva, "o diabo agarra os retardatários" e que as
entre os montantes absolutos dos lucros auferidos pelas várias I IIHlI~ menos eficientes, menos viáveis, são postas de lado. Dessa
firmas como as taxas de remuneração do capital investido tendiam 1111111 ira, a capacidade produtiva ociosa, que se desenvolvia nas
a se igualar em tôdas as linhas de produção. Atribuiu-se g~ande III iniciais do processo acima esboçado, tende a ser elimina-
importância na realidade a esta tendência à rgualação. Confenu-se- li, (~II) Isto, por sua vez, prepara o terreno para que se repita
lhe a responsabilidade pela orientação de recursos ~ pela manuten- I dll II eqüência de acontecimentos: novas melhorias tecnológicas
ção do equilíbrio do sistema competitivo. O mecamsmo em que se ti rigcm, uma vez mais, a lucros extraordinários que são utili-
confiava era, em suas linhas mais gerais, o que passamos a des- "'11 I s para a realização de investimentos adicionais e que atraem
crever. Suponhamos um estado de equilíbrio em que as taxas de l'lIl 11111 nôvo de outras áreas. Sim, pois a existência de capacidade
lucro de tôdas as firmas são iguais. Façamos ainda a hipótese que li -I( II retardaria e dificultaria os novos investimentos na indústria,
uma dada firma inicie a aplicação de um invento tecnológico que \11111\ vez que tornaria difícil o surgimento de novos métodos de
diminua seus custos de produção. A pequena redução de preço )11'( til! t que reduzissem os custos. (54)
que a diminuição dos custos tornou possível fará com q~e, ~ssa processo não chega nunca a terminar. O barateamento da.
firma venda uma produção maior e obtenha lucros extraordmanos. PI' xlu de uma indústria cria "economias externas" onde quer
Essa taxa de lucro superior à normal não só concorrerá para RRa produção sirva como matéria-prima. (55) Dêsse modo,
um aumento posterior da produção da firma pioneira, como tam- xtraordinários aparecem em vários ramos da economia e o
bém atrairá capital dos ramos da economia em que a taxa de 11m nto é estimulado ora em um setor, ora em outro. Essa
lucro é apenas normal. Os lucros extraordinários que a firma ino- (I perene" - para usar a expressão favorita de Schumpeter
vadora recebe não duram muito. Sim, pois as demais firmas 1'1111I1 v cre cimento econômico de maneira incessante. "Vemos
defrontam com a alternativa de serem expulsas do mercado por umo, ti s a maneira, o modo de produção e os meios de produção
seu competidor cujos gastos são menores ou de adotarem, também,
o nôvo processo técnico de produção. As firmas mais fracas fi-
nanceiramente (ou mais inflexíveis por outros motivos) serão, cer- (nu A maneira
pela qual a capacidade ociosa é eliminada não deixa
111111111 (I 101' importância.
Essa eliminação pode consistir na transformação
tamente, eliminadas. As restantes introduzirão o nôvo processo de 1111 11 1\1/1 ti equipamento antiquado, ou êste pode continuar sendo uti-
produção, diminuirão seus custos e preços e continuarão a dominar 111111111 11M lima indústria que se torna quase crônicamente "doente" face
suas parcelas do mercado. Os lucros extraordinários dos pioneiros I ,lIllllIl&ll\lI de eliminar a capacidade redundante. A história da econo-·
111111 11111 1I una está cheia de casos como êsse (carvão, tecidos, agricultu-
serão, dêsse modo, eliminados e a taxa média de lucro mais uma
1111 111 r i lima das. causas mais importantes do estabelecimento do
vez restabelecida. 11I11111111111111OU de contrôles governamentais dêsses setores industriais.
(h j ) ,'( ludl clã muita ênfase a êste ponto e menciona também as
'111 IIrh I\~\ que elevem ser feitas. em virtude da existência do que pode
Stagnation in American Capilalism (Oxford, 1952), singularmente valioso I ,hllil\lldo d capacidade ociosa "normal".
e importante. Aproveitei bastante a obra de Steindl na formulação de (hh) • Vln r, "Cost Curves and Supply Curves", Zeitschrij [ur Na-
muitos dos parágrafos seguintes. """,,Ii.&/ IIl/fI/II/O (I 31), vol. lI!, n.? 1, pág. 98.

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são continuamente transformados, revolucionados, ·como à divisão s a anarquia do mercado capitalista, a que Marx deu tanta
do trabalho segue-se necessàriamente divisão do trabalho ainda 11111, o contínuo aparecimento, desaparecimento e reapareci-
maior, à aplicação de maquinaria, aplicação de maquinaria a~nda 11\ 1\1 de lucros extraordinários que determinaram a acentuada ten-
maior, ao trabalho em grande escala, trabalho em escala ainda 11 1\ 'ÍlI para um volume grande, e mesmo excessivo, de investimen-
maior. Esta é a lei que afasta a produção burguesa freqüentemente 111 durante a fase competitiva do capitalismo. (57) Isto conduziu
do seu curso e que compele o capital a intensificar as fôrças pro- 111 d pcrdício do excedente econômico e à destruição prematura
dutivas do trabalho porque êste [já] o havia intensificado - a lei 11 IUVOS. Tanto as decisões de investir como as perdas de ca-
que não dá descanso ao capital e que continuamente sussura ao seu I fi 1I tiveram por causa as características da evolução tecnológica
ouvido: Avante! Avante!" (56) 1\ mcrgência fortuita e esporádica de lucros extraordinários. A
Contudo, para que êsse "avante" se verifique, algumas condi- nr anização competitiva da economia capitalista pode, por outro
ções têm que ser satisfeitas, condições às quais, explícita ou impli- 1111, er "creditada" pelo suprimento de áreas em extensão sufi-
citamente, fizemos referência acima. Em primeiro lugar, e princi- I ntc (ou quase suficiente) para absorver o excedente econômico
palmente, o número de firmas existente em tôda a economia (e em rud em condições de pleno emprêgo. Grande parte dêsse in-
cada setor 'industrial) tem que ser grande e a produção de cada V atlmcnto, porém, constituía, na realidade, uma perda para a so-
uma delas pequena em relação à produção total do setor industrial ,I dade c determinava que as taxas de crescimento se situassem bem
a que pertence. Além disso, os produtos das firmas que integram Ihlllx de sua grandeza potencial. Essa perda se expressou não
um ramo de indústria devem ser substitutos mais ou menos per- 111 nu através de um produto social bem inferior ao que podia ser
feitos uns dos outros, de tal modo que uma pequena diferença de obtido, mas também através de um volume de emprêgo muito menor
preço transferirá a procura de uma firma a outra. Somente nessas lU possível. Esta afirmação não contradiz o que dissemos sôbre
condições uma firma conseguirá influenciar, significativamente, II uflciência do investimento para absorver o excedente econômico
através de sua própria política de preços e produção, o preço vigo- irud cm condições de pleno emprêgo. O subemprêgo no capita-
rante no mercado; somente nessas condições poderá tomar decisões II 111 competitivo manifestou-se de forma bem diferente do que
quanto a investimentos, expansão da produção, etc., sem lev.ar em I1 l) chamamos de desemprêgo keynesiano. Êle foi conseqüência
consideração possíveis represálias por parte de seus competidores, 1\ tanto da inadequação do investimento (tanto em volume como
Com efeito uma vez que tôdas as firmas são pequenas, nenhuma I 11 mp sição) ao número de pessoas disponíveis para o trabalho.
delas é capaz de influenciar a situação do mercado que condiciou IJI\1I1 v z que o montante mínimo de capital necessário para equipar
suas decisões de investir e de expandir a produção; como o número 111\1 p rário estava fixado mais ou menos rigidamente pelo nível
de firmas é grande, há pouca possibilidade de que uma firma iso- II 1\01 ico prevalecente - nível que, por sua vez, era determinado
lada avalie certamente o que as emprêsas restantes irão realizar. 11\ 11 ncorrência entre os produtores - e que muito capital era
Assim a firma, quando formula sua própria política de investimen- ti p liçado no processo competitivo, o número de pessoas que
tos, orienta-se pelas considerações "internas": as possibilidades exis- J1lldlrllll ncontrar emprêgo remunerado era necessàriamente menor
tentes de diminuir os custos, a capacidade que tem de levantar ca- lIu I11 que seria possível se o capital disponível fôsse utilizado
pital, a taxa de lucro que percebe e que espera obter: E!a não d 11Hl I racional.
está então em condições de levar em conta - nem a 1SS0 e com-
pelida - o efeito que sôbre o mercado terão, no futuro, as decisões
de investimento das demais firmas que operam no mesmo setor
industrial ou em outros.
") r. Joan Robinson, "The Impossibility of Competitíon", em E.
11 ('IUlIllh rlln (ed.), Monopoly and Competition and Their Regulatio n
I NIIVII nrk, (955). Foi esta natureza específica do processo de investi-
til tlllI 111) upitalismo competitivo, sua magnitude excessiva e sua irracio-
(56) Marx, Wage Labor and Capital, em Mar~ e ~ngels, Selected 111111111111 I1 rü ntes que condicionaram a forma particular das crises eco-
Works (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 93. (Os gnfos sao do original; 11 111" 11 IllI aracterizaram o século XIX: ondas de insolvência, pânicos
a palavra entre colchêtes foi acrescentada pelo autor com base no ori- I 1111111111 lIu Icitos da multiplicação de falências, superproduções agu-
l:inal alemão.) 1I1 11 ,'li I \ duração em mercados específicos, etc,

132 133
AI m dos atuais padrões tecnológicos tornarem muito dispen-
VI 11 I) li construção de uma fábrica moderna, cientificamente pia-
IH [ndu, os gastos iniciais em publicidade, promoção de vendas, etc.,
Quaisquer que sejam as falhas (absolutas) e os méritos (re- (\I uma nova firma tem que enfrentar exigem grandes somas de
lativos) do processo de investimento em um sistema competitivo, não. IIV stirnento. Além disso, a natureza altamente efêmera do "ativo"
é preciso muito esfôrço para se compreender que apenas algumas 101lalmente adquirido (confiança, contatos no mercado, etc.) au-
de suas características essenciais podem ser observadas na atual 11\ nta muito o risco do nôvo produto. A criação de uma nova em-
fase monopolista do desenvolvimento capitalista. A diferença mais !lI a torna-se, assim, totalmente inacessível a pequenos empreen-
acentuada: relaciona-se às condições de entrada em um setor indus- I d res ou mesmo a grupo de homens de negócios (sociedades
trial. De fato, em uma economia em que os setores industriais são 111 nirnas) que não possuam os recursos necessários ou não sejam
constituídos por uma multidão de pequenas firmas, cada uma res- npnzes de obter apoio suficiente do mercado de capital. (59) O
ponsável por parcela insignificante da produção mais ou menos ho- I mpresário audacioso e arrojado de Schumpeter é hoje figura lendá-

mogênea do setor, a entrada de uma nova firma não apresenta 1'11\ de um passado distante - se não da mitologia do capitalismo
problemas maiores. Qualquer capitalista que disponha do montan- u é encontrado apenas no submundo dos negócios, fundando
te de capital necessário pode tornar-se um empresário e iniciar um H V sorveterias e pequenos restaurantes. (60)
nôvo negócio. Como a estrutura do mercado é bastante simples e A extraordinária dificuldade, se não mesmo impossibilidade,
como o produto do setor industrial em que pretende ingressar é ntrada de novas firmas em setores industriais dominados por
bastante homogêneo, os pré-requisitos para empreender a aventu- 111 11 p6lios e oligopólios faz com que as emprêsas já estabelecidas
ra não são muitos e os obstáculos a superar, relativamente pequenos. p r m dentro do que se poderia chamar de "santuários privile-
Estas são, obviamente, condições inteiramente estranhas à es- lud ". As regras de conduta na relativa tranqüilidade e segu-
trutura de um setor industrial monopolizado e oligopolizado. Aqui
o número de firmas que compõem um setor é pequeno, o tamanho
típico da firma é grande, o mercado que ela enfrenta complexo e o (no) "Assim, o crédito limitado de muitas firmas - que não lhes
11 I mil obter mais do que um montante limitado de capital à taxa de
produto que vende - embora em muitos casos não apresente ca-
111w orrente - é freqüentemente uma conseqüência direta do conhe-
racterísticas físicas bem distintas do fabricado por seus concorren- 11\1 ruo de que elas são incapazes de aumentar suas vendas fora de seu
tes - fortemente identificado por marcas registradas, publicida- lu'\1llrl mercado particular, sem incorrer em grandes despesas de pro-
de intensa, etc. Em tais circunstâncias, as, condições de entrada em II1 linda". P. Sraffa, "Law of Retum Under Competitivo Conditions"
/-,'ol/()/Illc Journal (dezembro de 1926), pág. 550. O que é verdade par~
um setor industrial são totalmente diferentes. Deixando de lado
1111\1\ firma já existente, também o é, a [ortiori, para uma firma que se
os obstáculos legais, tais como patentes, concessões governamentais 1"\1 111'1I Jnstalar. Não se deve esquecer que a íntima ligação existente entre
e outros que podem ser utilizados pelas grandes emprêsas que ope- \I 111 rc do de capital e ernprêsas poderosas e já estabelecidas reduz enor-
ram no setor, o montante de capital necessário para a criação de 1111111\1111 a possibilidade das novas firmas de obter apoio financeiro em
I 1111 nsoãveís.
nova firma atinge proporções fantásticas. (58) nO) "Não h:ÍI concepção de economia americana que seja mais acei-
111 (lu {JtlQ a que a encara como um processo biológico no qual o velho
1 \I nll é substituído pelo jovem e vigoroso. Embora tal concepção
(58) Não há necessidade de acentuar que o importante não é o
1 t \11110 ficção agradável, ela é certamente artificiosa. De fato, se a
JlI 111 oração sobreviver, ela irá comprar aço, cobre, bronze, auto-
montante absoluto de moeda em causa, mas o volume de riqueza ava-
ItI!lY I, pneumáticos, sabão, alimentos, toucinhos, cigarros, uísque, máquí-
liado em têrmos de unidade de salário, corno uma proporção da renda
1111 1 /lI trndoras e cofres de uma ou de algumas das firmas que hoje
nacional ou segundo um outro critério real. As necessidades de capital
111111 I 1111\ tals artigos. Uma rápida reflexão indica que as firmas que for-
para a instalação de novas emprêsas do tamanho mais indicado tecnolõgi-
1\ I 111 h J esses produtos são pràticamente as mesmas que o faziam há
camente foram estudadas por J. S. Bain. Cf. seu "Economies of Scale,
1111&1111111 11 onda". J. K. Galbraith, American Capitalismo [Publicado por
Concentration and Entry", American Economic Review (março de 1954),
.111 (111 rn nesta mesma coleção, sob o título Capitalismo. O trecho
onde estão resumidas algumas de suas conclusões. 11I 1\ \1111\(1 está. à pág. 47.]

134 135
/

rança dêsses retiros são, todavia, muito diferentes das que se apli- I IV I por unidade de produção realizada pela máquina antiga. A
cam às indústrias expostas aos ventos bravios da competição. Em- untradíção, porém, é apenas aparente: a regra é mais ambígua do
bora, como dissemos acima, a relação entre o processo de investi- qu pode 'parecer à primeira vista. Em primeiro lugar, para
mento e essa profunda transformação da estrutura básica do capi- Ijll a substituição de maquinaria antiga por nova seja racional se-
talismo tenha recebido, na literatura econômica, atenção bem menor undo essa regra, a poupança assegurada "pela nova máquina deve
do que obviamente merece, pode-se considerar como bem estabe- er tal que não somente pague os juros sôbre a perda de capital
lecido certo número de proposições. A mais significativa destas ti t rminada pela substituição, como também amortize essa perda
pode ser formulada com grande simplicidade: em qualquer situação 111 período relativamente curto. (63) Isto significa que somente
dada, uma expansão da produção tende a ser contrária à política ln vações tecnológicas muito importantes terão chance de "vencer",
de maximização de lucros dos monopolistas. Dependendo da elas- nquanto outras só serão aplicadas após o completo desgaste da
ticidade da procura dos produtos que êstes fabricam (e da forma maquinaria existente. Por outro lado, a aplicabilidade dessa regra
de sua curva de renda marginal), um aumento da produção pode não cl pende da capacidade demonstrada pelo empreendedor de prever,
aumentar seus lucros totais, pode mesmo diminuí-lo em relação ao m exatidão, a vida útil da nova máquina. É essa vida útil que
nível vigente antes da expansão da produção. Nas palavras de d termina a magnitude do custo médio total unitário dos bens pro-
Paul M. Sweezy: "... a política de investimento do monopolista luzidos pela nova máquina. (64) Não é preciso dizer que o que
não pode ser dominada pela sua taxa global de lucro ou pela taxa Interessa no caso não é prever o período de vida física da máquina,
que pode obter do investimento adicional, tomada em si mesma. mas o tempo durante o qual não se espera que ela seja superada
me deve ser guiado pelo que podemos chamar de taxa marginal por um invento tecnológico ainda melhor, ainda mais eficiente. A
de lucro, ou seja, a taxa sôbre o investimento adicional após os situação torna-se particularmente complexa quando se atravessa uma
descontos determinados pelo fato de que o investimento adicional, (n e de rápidas transformações tecnológicas. A máquina A seria
que aumentará a produção e reduzirá o preço, provocará uma re- ubstituída pela nova máquina B, quando tal substituição prometesse
dução no lucro do investimento antigo". (61) p upança significativa. Contudo, se há razão para acreditar que
É verdade que um monopolista, como qualquer outro capita- 1 máquina C - que, por sua vez, apresenta inúmeros melhora-
lista, está sempre interessado em reduzir seus custos de produção. m ntos técnicos em relação à máquina B - está prestes a ser co-
Na medida em que a redução de custos é obtida através da intro- I cada em funcionamento, não seria aconselhável sucatear a má-
dução de equipamentos novos e aperfeiçoados, ela representa uma [uina A apenas para adquirir a máquina B - que deverá ser, ela
importante oportunidade para novos investimentos. Todavia, o tumbém, transformada em sucata muito antes de seu desgaste com-
interêsse de reduzir os custos pode ser (e freqüentem ente é) anu- pJ t . (65) Assim, ainda que o progresso tecnológico estimule o
lado por outras considerações. Em primeiro lugar, há a conside- lnvo timento, pode haver, em condições de monopólio e oligopólio,
rar o desejo de preservar o valor do investimento existente e de fort tendência de adiar dispêndios com novos equipamentos até que
adiar os novos investimentos até que o equipamento disponível esteja \ ndições tecnológicas se tenham mais ou menos estabilizado,
totalmente amortizado. (62) Esta nossa afirmação parece contra- 011 de suprimir o avanço tecnológico até que o equipamento existen-
dizer a conhecida regra segundo a qual uma nova máquina deve c desgaste completamente.
ser introduzida para substituir uma velha se o custo médio total Não queremos dizer que esta tendência seja peculiar à emprêsa
unitário obtido com a nova máquina é inferior ao custo médio va- 111 nopolista e que não opere de igual modo em relação à compe-

(61) Teoria do Desenvolvimento Capitalista (Zahar Edítôres, Rio), (03) 1!:ste requisito decorre não apenas da limitação do capital dis-
pág. 320. Jlollfv 1 à firma, mas também de considerações sôbre o risco em que in-
(62) O. Lange, On the Economic Theory oj Socialism (Minneapo- 11 ri' . Ta! risco aumenta à medida que se dilata o período em questão.
lis, 1938, 2.a tiragem, 1948), pág. 114; cf. também E. D. Domar, "Invest- «J~) Cf. G. Terborgh, Dynamic Equipment Policy (Washington, 1949),
ment Losses and Monopolies", em Lloyd MetzIer e outros, Income, Em- ('1I11ftulo Ll ,
ployment and Public Palicy : Essays in Honor oj Alvin H. Hansen (Nova (00) Isto, obviamente, se aplica tanto ao nôvo investimento como
York, 1948), pág. 39. IHI nvestímentos de substituição.

136 137
titiva. A diferença consiste simplesmente - e esta diferença é muito Há a notar ainda' que grande número, se não a maioria, das
importante - em que a firma competitiva é obrigada, pela concor- melhorias tecnológicas e das inovações redutoras de custos se baseia
rência, a introduzir novos equipamentos, a despeito das perdas de nn expansão da escala das operações. De fato, as "economias inter-
capital que daí decorrem, sob pena de ser expulsa do mercado por nas" e os "rendimentos crescentes à escala" são os principais res-
seus antigos ou novos competidores que se encontram capacitados ponsáveis pelo crescimento da grande emprêsa e pelo desenvolvi-
a produzir e a vender mais barato. A emprêsa monopolista, por mento da produção em série. Contudo, o fenômeno dos rendimen-
sua vez, não está sujeita a tal pressão. Como diz o Professor Hansen: tos crescentes em relação à escala de operação aparece no palco eco-
"Face à vigorosa concorrência de preços, novas técnicas que redu- nôrnico em duas ocasiões bastante distintas. Em primeiro lugar,
ziam os custos eram introduzidas compulsõriamente, mesmo que o lc elimina as pequenas oficinas e propicia um impulso poderoso ao
abandono da maquinaria obsoleta, mas não depreciada, acarretasse desenvolvimento das fôrças produtivas e subverte, assim, a concor-
perda de capital. De acôrdo com o princípio monopolista do obso- rêucia ao concentrar a produção em número relativamente pequeno
letismo, porém, novas máquinas não serão introduzidas até que. o de grandes emprêsas monopolistas (e oligopolistas) tecnolõgica-
valor não-depreciado da máquina antiga seja, pelo menos, coberto mente avançadas. Aparece, posteriormente, como obstáculo à con-
pelas economias das novas técnicas. Assim, o progresso diminui o tinuação do progresso técnico quando as melhorias técnicas condu-
seu ritmo e se eliminam possibilidades de formação adicional de zem ao que se tornou uma expansão indesejável da produção. (68)
capital, possibilidades sempre presentes em uma sociedade compe- Um invento que diminuísse o custo de uma unidade se, por exemplo,
titiva mais desapiedada". (66) Isto significa que, em condições de se dobrasse o número de unidades produzidas, pode não ter interêsse
monopólio, tanto os gastos em melhorias tecnológicas como as perdas para o monopolista (ou oligopolista), cujos lucros muito provàvel-
de capital - formas importantes de utilização do excedente econô-
mente cairiam como resultado dês se aumento de oferta. "Assim .~.
mico no capitalismo - são apreciàvelmente reduzidos. (67)
o oligopólio exerce uma ação seletiva contra as inovações que au-
mentam a produção e a favor das que poupam fatôres". (6U)

(66) "Economic Progress and Declining Population Growth", Amer-


ican Economic Review (março de 1939) reproduzido em Readings in
Business Cycle Theory (Filadélfia-Toronto, 1944), pág, 381. desejável. Em outras palavras, algumas emprêsas poderão continuar fun-
(67) Não obstante, é errôneo afirmar, como o faz Schumpeter, que cionando durante algum tempo com equipamento antiquado não porque
a política de uma economia socialista planificada seria, a êsse respeito, ROUS valôres de capital devam ser preservados, mas porque o capital
a mesma de uma grande emprêsa que operasse em condições monopolís- necessário para a introdução de maquinaria nova pode ser empregado
ticas. Capltalism, Socialism and Democracy (Nova York, 1950), págs. 96 mais produtivamente em outro setor. É claro que tal distribuicão de ca-
e seguintes. Em têrmos de combinação racional dos recursos da socie- pital segundo prioridades sociais é algo inteiramente diferente da práti-
dade, a política de preservação de capital da firma monopolista pode ser ca monopolista de maximízação dos lucros de seu capital ou de preser-
preferível ao investimento excessivo e à destruição de capital que se obser- vação do valor de seus ativos.
vam em condições competitivas. Verifica-se, contudo, que todo aumento (08) Aparece ainda uma terceira vez em uma economia socialista
de racionalidade, que assim se consegue, transforma-se, freqüentemente, em planificada, na qual o seu papel de agente promotor de acréscimos de
seu oposto se a política monopolista de preservação de capital contribui produtividade não é mais dificultado pela política de rnaximização de lu-
para a diminuição das oportunidads de investimento e conduz à redução cros da emprêsa monopolista,
da produção, da renda e do emprêgo. Em uma economia socialista plani- (OU) O. Lange, "Note on Innovations", em Readings in lhe Theo-
ficada, a situação é inteiramente diversa, uma vez que a decisão de adiar ry ol Income Distribution (W. Fellner, B. F. Haley, eds.), (Filadélfia-
qualquer investimento (para substituição de instalações antigas ou em novas) oronto, 1946), pág. 194. Urna observação semelhante pode ser encon-
não implica necessàriamente uma redução do investimento global ou _ irada em P. Sraffa, "Law of Retum Under Competitive Conditions",
se se desejá tal redução - pode ser acompanhada por um aumento ade- nomic Iournal (dezembro de 1926), pág. 543. Esta relação entre ino-
quado do consumo. Isto pôsto, não se terá então nem diminuição da pro- vações redutoras de custos e o volume da produção constituí um fator
dução nem desernprêgo. Isto significa que ao distribuir o capital escasso Importante na explicação do atraso técnico que freqüentem ente se obser-
(seja para novos investimentos seja para investimentos de substitulção ), a va em muitas emprêsas monopolistas e oligopolistas da Grã-Bretanha e
comissão socialista de planificação dá prioridade àqueles ramos da eco- do outras partes da Europa ocidental. Referir-se a essa situação como
nomia e às emprêsas em que o investimento adicional é socialmente mais decorrente da "pequenez dos mercados" com que defrontam tais firmas

138 139
Pode-se perguntar, entretanto, por que uma firma oligopolista, as partes contratantes aceitam o princípio de viver e deixar viver
que controla apenas uma parte do mercado (ainda que grande), ao invés de tentarem destruir-se mutuamente. Esta tendência é
não aproveita as oportunidades técnicas existentes para diminuir o reforçada ainda pelo fato de que os grupos financeiros interessados
custo de seus produtos mediante a expansão da produção, a fim de em mais de uma grande emprêsa ou de um mesmo setor industrial
poder vendê-los mais barato que seus concorrentes e tentar con- geralmente exercem sua influência no sentido de evitar as grandes
quistar todo o mercado (ou uma parte maior dêle). A resposta a perdas de capital que .podem resultar da expansão agressiva de uma
essa pergunta abrange grande número de elementos, dos quais um firma oligopolista, perdas cuja recuperação é sempre mais ou me-
é crucial: a concorrência de preços em condições de oligopólio apre- nos incerta. (12)
senta a tendência de se tornar crescentemente odiosa para os em- A ausência de concorrência de preços e a aceitação do prin-
preendedores que dela participam. (10) Qualquer redução mode- cípio de viver e deixar viver exercem profunda influência na es-
rada de preços por parte de um oligopolista - feita com o objetivo trutura dos setores industriais oligopolizados. Firmas com custos
de aumentar sua parcela no mercado - encontra resposta ime- elevados não são eliminadas do mercado e continuam funcionan-
diata em diminuições correspondentes de preços por parte dos do ao lado de emprêsas mais produtivas e mais lucrativas. Em con-
outros oligopolistas - todos suficientemente grandes e suficiente- seqüência, a capacidade ociosa gerada pelas tentativas anteriores
mente fortes para absorverem a perda de lucros resultantes. (71) Por de aproveitar ao máximo as economias da escala e de atender a
outro lado, uma guerra de preços até as últimas conseqüências uma procura flutuante não apresenta tendência à diminuição e
entre oligopolistas exigiria um montante tal de capital e envolveria eventual desaparecimento. Ela permanece não só sob a forma de
riscos tão grandes que se prefere a acomodação à hostilidade ruinosa. potencialidades produtivas das emprêsas que operam a custos bai-
A fim de eliminar a concorrência, firmam-se acôrdos mais ou menos xos - emprêsas de tamanho maior que o necessário para suas
explícitos ou se estabelece a "liderança de preços". Em tais casos, operações normais - como também sob a forma de estabeleci-
mentos industriais que operam a custos elevados, mas que são pro-
tegidos contra o mau tempo pelo guarda-chuva da indústria oli-
- o que freqüentemente se verifica em discussões sôbre a economia da gopolista. A capacidade ociosa, por sua vez, desencoraja novos
Europa ocidental - significa colocar o carro adiante dos bois, uma vez investimentos, particularmente nos setores industriais em que sua
que é essa "pequenez do mercado", determinada pelo monopólio, que
deve ser discutida.
xistência é bem conhecida face ao pequeno número de firmas
(70) O New York Times, de 22 de março de 1955, publicou tre-
dominantes.
chos do depoimento do Sr. Benjamin Faírless, presidente da Diretoria O monopolista e o oligopolista se tornam, assim, cada vez
da "Uníted States Steel Coroporation", perante uma comissão do Sena-
do americano: "houve uma mudança em nosso pensamento" concordou
mais cautelosos e circunspectos em suas decisões de investir e jul-
o Sr. Fairless. O preço não é a única forma de concorrência, Concorre- gam haver, em qualquer situação, pouco incentivo ao reinvesti-
mos também em qualidade e em serviços. 'Julga o senhor, diante disso. mento de seus lucros em sua própria emprêsa. Seus lucros eleva-
~ue ~alar em competição de preços, dentro das novas condições, seria dos podem for~ecer incentivo a um possível investidor. O apetite
lrrea~sta?' - perguntou um senador. 'Sim', afirmou o depoente, aduzin-
do forasteiro é, entretanto, frustrado pelos obstáculos à entrada
do ainda que, face a seu 'objetivo de lucro', a "United States Steel" de-
cidiu algumas vêzes não enfrentar a concorrência de preços baixos. 'O rn uma indústria monopolizada e oligopolizada bem como pela
sr. pensa que podemos ter uma idéia falsa do valor da concorrência de consciência de que seu aparecimento no mercado dessa indústria
preços, como existia' há cinqüenta anos atrás, e que as pessoas que an- não deixará de afetar, desfavoràvelmente, o nível de preços pre-
seiam por ela estão completamente erradas?' - 'Sim!' - respondeu o SI. valecente. Em outras palavras, o possível oligopolista, da mesma
Faírless." O SI. Harlowe Curtice, presidente da "General Motors Corpo-
ration", declarou perante a mesma comissão: "A indústria automobilís-
tica. é uma. indústria altamente competitiva. A concorrência, porém, se
realiza em termos de modelos e qualidade". New York Times (19 de (72) Sôbre êste ponto, ver Hílferding, Das Finanzkapital, onde se
março de 1955). harna atenção para a cautela habitual das grandes instituições financei-
(71) Cf. Paul M. Sweezy, "Dernand Under Conditions of Oligo- rus o para sua relutância em se engajar em empreendimentos muito
poly", Iournal ot Political Economy (agôsto de 1939). nrrlscados.

140 141
forma que o já estabelecido, tem que pensar não tanto em têrrnos monopolistas e oligopolistas. Em conseqüência, o monopólio
das taxas reais de remuneração do capital já investido na indús- oligopólio se estendem de um ramo a outro da economia e a
tria, mas. das taxas previstas de lucro do nôvo investimento. Quando grande emprêsa se estabelece onde anteriormente o contrôle per-
o. forasteiro faz parte de algum outro setor já oligopolizado, o que t ncia à pequena emprêsa competitiva. A economia tende, assim,
dIs~emos an,tes sôb~e as limitações da luta entre oligopolistas se fi tornar-se um sistema de impérios monopolísticos e oligopolísti-
aplica tambem ~qUi, mutatis mutandis. Um oligopolista que trans- co , compostos, cada um, de reduzido número de emprêsas gigantes.
passa as fronteiras de outro setor industrial oligopolizado não só É óbvio que existem alguns setores industriais que, por mo-
corre o risco de retaliação em seu próprio mercado, por parte tivos técnicos, não podem ser operados por grandes emprêsas e
?os ~membr?s do. setor invadido, como também pode contrariar que, por essa razão, são inacessíveis ao investimento das firmas
interêsses financeiros poderosos que atuam simultâneamente em monopolistas e oligopolistas. A agricultura é provàvelmente um
bom número de setores industriais. om exemplo, embora mesmo aqui a grande emprêsa desempe-
T~nto a ameaça como a dificuldade de tais invasões desempe- nhe um papel crescente, quer como produtor direto, quer como
nham Importante papel na política das grandes emprêsas. A ameaça b neficiador ou distribuidor. No setor de serviços, principalmente,
pode resultar em uma moderação de sua ganância de lucros indu- ncontram-se áreas em que o grau de concentração não é eleva-
zi-Ias a fixar preços mais baixos e se contentar com lucros' meno- do. Há a notar, porém, que muitos pequenos empreendedores ou
res do que os que poderiam obter face à elasticidade da procura urtesãos aparentemente independentes são, na realidade, dependen-
de seu p:oduto. Mais freqüentem ente, porém, essa ameaça age te mais ou menos bem pagos de grandes emprêsas. Este é o caso,
como estimulo poderoso ao fortalecimento da posicão de uma p r exemplo, do sapateiro que trabalha com máquinas da "United
firma monopolista ou oligopolista no mercado, determina o dis- hoe" ou do vendedor de automóvel que representa a "General
pêndio de somas crescentes em publicidade (fortalecendo assim a Motors Corporation". (73)
identificação. de seus produtos), a integração vertical de emprêsas, À medida que o processo de concentração avança, que um
o desenvolvimento e multiplicação de suas lizacões com institui- amo industrial após outro se torna "oligopolizado", o setor com-
ções financeiras, etc. Quanto maior fôr o sucesso que ela obtiver p titivo da economia tende a se restringir ao segmento inferior da
n~ construção d~s~~s defesas, tanto menores serão suas preocupa- C Ia tecnicamente determinado. As emprêsas que dêle continuam
çoes com a possibilidade de que seus lucros incentivem um foras- n fazer parte não mais podem constituir áreas de investimento
teiro a tentar a sorte em seus domínios monopolistas ou olizo- para os lucros abundantes da emprêsa monopolista e oligopolista. (14)
polistas. '"
A d~iculd.ade de entrada em um setor industrial monopoliza-
do ?u ol~gopohzado, por outro lado, influencia bastante a política (78) Cf. o interessante livro de C. Wright Mills, White Collar: The
de mvestlI~ento. da firma monopolista ou oligopolista. Impossibili- Amoricall Middle Classes (Nova York, 1951), passim, em particular, as
Portes I e lI.
tada de remvestir seus lucros, impedida de investi-Ios em outro se-
(1<1) Deve-se notar que o setor competitivo permanece grande quan-
tor industrial altamente concentrado, a firma monopolista ou oli- d se mede pelo número de pessoas que nêle encontram emprêgo. De
gopolista, "sufocada" por seus lucros, procura empregá-Ios em se- fnto, êle se torna crescentemente superpovoado por pequenos capitalis-
tores em que domine ainda a concorrência ou em que o grau de ta que não têm acesso aos grandes empreendimentos, pelos operários
concentração seja relativamente baixo. Em tais setores, não é pre- mpregados descontentes, que não se dispõem ou não estão em con-
til ões de se unir às fileiras da fôrça de trabalho empregada pelos gran-
CISOtemer grand:s resistências, não há o perigo de retaliação, não
tl consórcios. Por isso, os lucros auferidos no setor competitivo ten-
se encontra a mao controladora das instituições financeiras. Pas- a m a ser pequenos, a eficiência das pequenas firmas, baixa e os preços,
s.ando a pertencer a um dêles, a emprêsa monopolista ou oligopo- levados, Cf. N. Kaldor, "Market Imperfection and Excess Capacity", Eco-
lista tende a moldá-Ia à sua imagem: a produção passa a se con- nomlca, New Series (1935). 1l: interessante notar que, à medida que as
centrar em algumas grandes emprêsas, equipamentos modernos grundes emprêsas distribuem como dividendos parte de seus lucros que
n encontram áreas novas para aplicação, esta situação tende a se agra-
são introduzidos, as políticas de preços, lucro e investimento são vnr, lima vez que os dividendos capitalistas podem ser investidos no setor
revistas a fim de se conformarem às práticas vigentes nos merca- • mpetitivo da economia.

142 143
Existe. entretanto, outra área em que êsses lucros podem ser gam que não é lucrativo reinvesti-los no mesmo setor e que se
investidos .:...-área que desempenhou, historicamente, papel de gran- torna cada vez mais difícil investi-Ios em outros setores. A dificul-
de relevância. Referimo-nos à criação de novas indústrias que, dade a que nos referimos aumenta à medida que o setor competi-
como a maior parte da África no início do século XIX, ainda tivo "se oligopoliza" e que se tornam menores as possibilidades
não foram apropriadas por nenhuma grande potência e representam de criação de novas indústrias que não concorram com as emprê-
uma terra de ninguém à disposição de todos. Como dissemos ante- sas oligopolistas existentes. Assim, em qualquer situação dada, o
teriormente, êsse modo de utilização do excedente econômico não volume de investimento tende a ser inferior ao volume do exce-
está limitado por possibilidades técnicas. Tais possibilidades sem- dente econômico que seria gerado em condições de pleno emprê-
pre existiram em medida suficiente e são, atualmente, pelo menos go. Verifica-se, por conseguinte, uma tendência à estagnação, ao
maiores que antes. O que limita a criação de novas indústrias subemprêgo e à superprodução, tendência esta identificada com
nos dias atuais é a estrutura do processo de investimento. Somen- , precisão por Marx há mais de cem anos: "A superprodução geral
te as grandes emprêsas se encontram em condições de levantar ocorre não porque os bens de consumo dos operários e dos capi-
o capital necessário ao estabelecimento de uma ~ova i~~ústria. talistas sejam produzidos em pequena quantidade, mas porque am-
Tais emprêsas ou operam elas mesmas em setores mdu~tn~ls. ~o- bos são produzidos em demasia - produção em demasia não em
nopolizados ou oligopolizados ou - no caso de serem mstl~UIçoes relação ao consumo, mas em demasia para que se mantenha a
financeiras - estão intimamente ligadas a tais setores. Assim, ao proporção correta entre consumo e acumulação; em demasia, por-
decidirem sôbre o desenvolvimento de uma nova indústria, têm que tanto, em relação à acumulação". (15)
considerar, em primeiro lugar e primordialmente, se essa nova in-
Embora a maior parte da argumentação precedente, se não
dústria não irá competir com as já existentes, nas quais têm in-
tôda, possa ser encontrada nas obras de muitos economistas, a ela
terêsse. É claro que uma emprêsa de um setor industrial oligopo-
lizado poderá promover o desenvolvimento de outro setor indus- se dá, geralmente, interpretação bem diversa. Afirma-se, por exem-
plo, que é somente na presença do monopólio que o progresso téc-
trial que irá competir não com o seu próprio produto, mas com
o de um terceiro. Pelas razões que já apontamos, tais empreendi- nico é possível em uma economia capitalista. Um capitalista já es-
tabelecido - e muito menos um possível investidor - jamais
mentos são vistos com grande desconfiança no mundo dos negó-
pcn aria em realizar um investimento de maior vulto se não esti-
cios e das finanças e só muito raramente chegam a se concretizar.
V e protegido contra uma possível concorrência por barreiras à
ntrn Ia de outras firmas em seu campo de negócio. Há a notar,.
,I m di o, que apenas as grandes emprêsas estão em condições
VII 11 Ilnancíar os dispêndios exigidos pela moderna .tecnologia. Fi-
li tlI11 ntc, õmente as grandes firmas podem manter departamentos
li squi a , indispensáveis à continuação do progresso tecnoló-
Que conclusões podemos tirar dessa discussão? Podem elas
luz da discussão anterior, entretanto, pode parecer que esta
ser esboçadas, ainda que resumidamente, da maneira seguinte: na
I raciocínio despreza, completamente, a dialética históri-
fase monopolista do desenvolvimento capitalista, o mecanismo de
\11 li t ti processo. Não há dúvida que, em certa fase do de-
igualação das taxas de lucro só opera no setor competitivo da eco-
nvolvlrn nto capitalista (cinqüenta ou oitenta anos atrás), o cres-
nomia, setor êste que se apresenta então já bem reduzido. Aí as
11\ !lI da grande emprêsa, do monopólio e do oligopólio cons-
taxas de lucro são baixas e o montante de lucro disponível para
t lulu um fenômeno progressista, pois possibilitava o aumento da
investimento, relativamente pequeno. Na esfera monopolista e oli-
piO lutlvldadc e o progresso da ciência. Não é menos verdade que
gopolista da economia, as taxas de lucro são desiguais, predomi-
l 01 mo fenômeno tende a tornar-se hoje uma fôrça retró-
nantemente altas, e o montante de lucro disponível para investimen-
to, prodigiosamente grande. Esta circunstância conduz à re~ução
do volume do investimento global, uma vez que as poucas firmas
Tn rundrlsse der Kritik: der Politischen Oekonomie (Rohentwurf ),
monopolistas e oligopolistas que recebem o grosso dos lucros jul- (11 1111I, 1 S ), págs. 346-347. (Os grifos são do original).

144 145
J

grada - econômica, social, cultural e politicamente - pois dífi-


cul~a e destorce o processo de desenvolvimento das fôrças pro-
dutivas. O fato de que a concorrência não seja compatível com a
pro~~ção moderna, tecnicamente avançada, não equivale à pro-
posiçao de que o monopólio seja uma estrutura racional para o
desenvolvimento das fôrças produtivas. Como observa Lênin: " ... 0
fa~o de os monopólios retardarem agora o progresso não consti-
~Ul argumento em favor da livre concorrência, pois esta se tornou CAPITULO QUARTO
Impossível desde que deu origem ao monopólio". (76)

IMOBILIDADE E MOVIMENTO
DO CAPITALISMO MONOPOLISTA (II)

IN APACIDADE dos investimentos em absorver o excedente eco-


,,1111 geradopelocar>italismo monopolista foi discUtida-ãié -ago"-
1/1 m têrmosestáticos:--AssiIlalamos que~-êirÍ.··qualqiúirsliüação
tkul«, há falta de oportunidades para reinvestimento remunerativo
do lucros auferidos pela emprêsa capitalista. Embora o "equilí-
111 (ti ubemprêgo" resultante possa ser bastante lucrativo, difí-
. 1111 ntc pode ser considerado uma situação satidatória ou está-
I I. I I primeiro lugar, essa situação é altamente frustrativa para
11 '/lI ltali ta, cujo elemento é a acumulação de capital e cuja raison
ti' /1'/' não é cobrar dividendos, mas aumentar continuamente seus
111 I o , (1) Além disso - e o que é pior - a mera continuação
dI I" ituação dada" não representa uma opção prática, dispo-

I As mudanças na estrutura da administração dos negocios, sua


"1111111 l'OII7,llÇ!lO" e "despersonalização", que têm sido muito comentadas
111' 111 rnture recente, embora de interêsse em contexto diferente, difícil-
11111111 xlg m uma reavaliação dos objetivos fundamentais da emprêsa
11111 11111 lu, Ias podem ter significação, entretanto, ao acentuar a caute-
111 1\ Jl,'ud ncia de uma firma monopolista e oligopolista se comparada
11111 11I111l que opera nas velhas condições competitivas. Uma análise de
111111111\111 <lu obras mais importantes sôbre o assunto pode ser encontra-
IIi 1111 /'I, ,Papandreou, "Some Basic Problems ín the Theory of the
'11111", em A Survey o] Contemporary Economics (ed. B. F. Haley)
IIIIIIIII'W,' d, Jltlnoís. 1952), voI. lI. Cf. também o brilhante ensaio de
"11111 WI' ~,y, "The I1Iusion of the Managerial Revolution", Science &
(76) E. Varga e L. Mendelsohn (eds.), New Data for Lenin's lm-
"III~Ii' (11Iv 1'11 de 1942), reproduzido em seu livro The Present as His-
perialism - The Highest Stage oi Capitalism (Nova York, 1940), pág, 236.
torv t Novu Y rk, 1953).

146 147
nível durante qualquer período de tempo, para a classe capitalista. I, 11 I maior importância pelas razões que .serão esclareci-
Um produto social estacionário significa, necessàriamente, volume I1 1111 devido tempo - ter bem presente esta distinção.
crescente de desemprêgo. De fato, a simples substituição do equi- I)111 meio óbvio e "simples" de proporcionar, à ernprêsa mo-
pamento gasto por maquinaria nova e mais eficiente - implique IlIlpllll I", um estímulo externo e de ampliar o mercado para sua
ou não essa substituição um investimento líquido - aumenta a pllllhlt;1I , eria incrementar o consumo (em relação ao produto ~o-:
produtividade do trabalho e conduz à despedida, mais ou menos I ItI), c i to ocorresse, a parcela do produto social que constitui
contínua, de certo número de trabalhadores, ao mesmo tempo que I 'cd nte econômico efetivo seria reduzida, ao mesmo tempo que
o crescimento normal da população aumenta a fôrça de trabalho 11)111I (unidades de investimento seriam criadas em decorrência da
disponível. Estimou-se que, mesmo na ausência de investimento pnn ão da procura global. Tal solução, entretanto, não é propi-
líquido, apenas a substituição de equipamento totalmente gasto por clndu por um sistema econômico em que a distribuição da renda
maquinaria moderna provocaria, nos Estados Unidos, um aumento 1111' O capital e o trabalho é determinada pela maximização dos
da produtividade de, aproximadamente, 1,5% ao ano. Se levar- 111 I' de firmas isoladas. Como vimos anteriormente, a parcela
mos em conta que a fôrça de trabalho aumenta de mais de 1 % f L renda que remunera o trabalho tende a ser razoàvelmente es-
anualmente, veremos que a simples reprodução de um mesmo pro- 1 v 1. E não há mesmo razão para supor que esteja em operação
duto social conduz, necessàriamente, a um incremento anual do I ralquer tendência que provoque mudanças significativas a êste
volume de desemprêgo de mais de 2,5% da fôrça de trabalho. r pito. Além disso, não se pode esperar que, a fim de incremen-
f:. desnecessário assinalar que tal aumento de desemprêgo amea- 111 consumo, as firmas passem a representar, isoladamente, o
çaria seriamente o equilíbrio social e político da ordem capitalis-
ta e tornaria essa "situação dada" altamente precária.
L pnp I de Papai Noel para seu operários e fregueses. Algumas me-
Illas podem ser inteiramente racionais do ponto de vista do sis-
Não se observa, contudo, no capitalismo monopolista, tendên- l ma capitalista como um todo, mas se fôssem empreendidas por
11m capitalista acarretariam perdas, e mesmo bancarrota.
cia nítida ao desenvolvimento automático das condições que per-
mitiriam a alteração dessa "situação dada" e que proporcionassem
f:. certo que um incremento do consumo global poderia resul-
tur também de uma expansão do consumo pessoal dos próprios
incentivos adicionais para o investimento do excedente econômico
upitalistas. Na realidade, é isto o que tem acontecido freqüente-
gerado. Dois dêsses "campos de manobra" que surgem automàti- 11' 1 te. O modo pelo qual ocorre merece atenção particular. Em-
camente já foram mencionados: o investimento em indústrias com- I 1'0. o padrão de vida e os dispêndios dos capitalistas modernos
petitivas sujeitas à monopolização e à oligopolização (2) e o de-o 1 nham crescido bastante se comparados aos dos seus antepassa-
senvolvimento de novas indústrias que podem ser criadas sem pre- ti ,o aumento de consumo resultante não foi maior (foi provã-
juízo dos poderosos interêsses monopolistas e oligopolistas já exis- v lmente menor) que o crescimento correspondente do excedente
tentes. À medida, porém, que estas reservas internas do sistema nômico. Inúmeras razões contribuíram para que assim aconte-
se esgotam, a possibilidade de fugir dessa "situação dada" passa e. Em primeiro lugar, a concentração de lucros e dividendos
a depender, de maneira crescente, de impulsos externos às rela- m mãos de um número relativamente pequeno de acionistas li-
ções imediatas de mercado do capitalismo monopolista. Não há mita, efetivamente, o montante dos gastos de consumo que se pode
uma linha de demarcação nítida que separe as áreas que surgem pcrar dessa fonte. Nem mesmo o mais extravagante dos Cresos
automàticamente e as que são deliberadamente criadas para o in- c ntemporâneos pode gastar parte apreciável de sua renda para
vestimento do excedente econômico superabundante. Não obstan- fin pessoais. Ademais, o paradoxo que mencionamos há pouco,
11 falarmos do consumo das massas trabalhadoras, é mais visível
ninda quando se trata do consumo dos capitalistas. Embora um
(2) Deve-se notar que a desigualdade do desenvolvimento dentro urnento do consumo dessa classe possa ser considerado como al-
do próprio setor monopolista e oligopolista colocará, freqüentemente, uma tnmcnte vantajoso para a estabilidade da economia capitalista, êste
indústria monopolista e oligopolista "atrasada" na condição de uma in-
dústria competitiva, que pode ser invadida" e assimilada por outra indús-
111 pode constituir um princípio diretor da vida do capitalista in-
tria monopolista e oligopolista mais adiantada, mais concentrada. íividual. A harmonia entre o puritanismo e as exigências do de-

148 149
senvolvirnento capitalista, que tão poderosamente fêz progredir os pll 011 o. estrutura da emprêsa capitalista e nas alterações, que daí
antigos e tão ditosamente serviu a seus sucessores, não subsiste 111 '01',' ram, da distribuição e do modo de utilização do excedente
em uma situação de capitalismo monopolista e de excedente eco- un mico. De fato, os dispêndios de uma firma monopolista ou
nômico superabundante. Os interêsses do capitalista individual, em (lI I p lista têm pouca semelhança com o que existia (e ainda exis-
tais circunstâncias, não mais correspondem aos interêsses de sua tu) rn uma emprêsa competitiva relativamente pequena. Salários
classe ou aos da sociedade capitalista, como um todo. A acumu- ratificações pródigos para gerentes de sociedades anônimas; ge-
lação e a parcimônia constituem, ainda para êle, meios indispen- I ro. os honorários para advogados, peritos em relações públicas,
sáveis de sucesso e progresso: uma vida faustosa, acima do aue p cialistas em propaganda, analistas de mercado e advogados ad-
é considerado como nível convencional para pessoas de seu grupo, r Jnistrativos; elevados dispêndios com enormes burocracias e re-
pode conduzir não só à destruição de seu capital, mas também pr entação - tudo isso era desconhecido à época do capitalismo
revelar-se prejudicial ao seu crédito e à sua posição no seio da c mpetitivo e continua ainda hoje fora do alcance das pequenas
comunidade. (3) mprêsas que operam na periferia competitiva da economia capi-
Esta contradição entre o que é racional para o capitalista e o tafi ta adiantada. O empreendedor competitivo não podia também
que é exigido pela sociedade capitalista como um todo não pode nhar com as enormes somas que gigantescas sociedades anôni-
ser resolvida por um indivíduo agindo isoladamente. Ela só pode mas doam a fundações de várias espécies, com o objetivo mais ou
ser superada por mudanças na estrutura sócio-econômica, as quais, menos declarado de influenciar os formadores da "opinião públi-
por sua vez, conduzem a alterações nos costumes e valôres que a" em favor do capital monopolista. Tudo isso tornou-se parte
determinam as volições e o comportamento dos indivíduos. A integrante da tradição do capitalismo monopolista e absorve gran-
essa transformação da sociedade deve ser, acertadamente, atribuída d parte da enorme parcela do excedente econômico global que
a maior parte do aumento dos gastos improdutivos do capitalismo cabe à grande emprêsa. (4) Quase não se tem consciência da ex-
monopolista. Sua causa não está em mudanças nos hábitos de dis- t n ão em que aumentou, sob o capitalismo monopolista, o con-
pêndio da renda do capitalismo individual, em sua maior ou menor tingente de trabalhadores improdutivos, direta ou indiretamente
"propensão a consumir": há fortes indícios de que esta propensão ustentados pelo excedente econômico da sociedade. "Para cada
permanece razoàvelmente estável há longo período de tempo. As 1 O pessoas empregadas nos Estados Unidos, em 1929, na produ-
razões vamos encontrá-Ias nas transformações profundas por que de mercadorias, 74 encontravam-se ocupadas de forma dife-
nte, Esta relação, em 1939, foi de 100 para 87 e em 1949 pas-
u a ser de 100 para 106. (5)
(3) Existe, entretanto, importante elemento de racionalidade geral
~ue reforça a racionalidade subjetiva de relativa sobriedade do capita-
lista. Onde a luta de classes é intensa e a estabilidade política da ordem
capitalista é precária, uma ostentação "indecente" de riqueza e uma vida (1) Como previu Marx, "a sociedade burguesa reproduz, a seu
"desregrada" provocariam o antagonismo de grande parte da população 1\\ do, tudo aquilo que combateu na forma feudal ou absolutista", Theo-
e são, por conseguinte, consideradas de "mau gôsto". A simplicidade e a rIa 01 Surplus Value (Londres, 1951), pág, 176. Isto indica a exístên-
funcionalidade da aparência tornam-se essenciais; os gozos excessivos, os In de um dilema verdadeiramente trágico que se apresenta, continua-
gastos frívolos e as extravagâncias daqueles que se situam no ápice da m nte, a uma sociedade capitalista adiantada. Um redução do emprêgo
pirâmide de renda capitalista são cuidadosamente escondidos do conheci- ti pcrdiçado do excedente econômico provoca depressão e desemprêgo.
mento público. 1!:les são feitos, porém, em centros de diversão estrangei- A Intensificação, cada vez mais indispensável, da dissipação do exceden-
ros, em casas de campo retiradas ou em suntuosas residências urbanas t econômico em finalidades improdutivas resulta em volume sempre
cuios exteriores são de decepcionante simplicidade. Em países e períodos maior de consumo conspícuo, no crescimento rápido dos. "serviços de
históricos em que a tensão social é menos pronunciada, cessa esta ne- dlv rsão" que oferecem seus produtos a pessoas deslumbradas, no declí-
cessid~de de hipocrisia e dissimulação, e o "consumo conspícuo" torna- nl acelerado de todos os padrões de cultura. Cf. o interessante artigo
se mais aparente. O resultado é um declínio dos padrões de "bom gôsto" d Russell Lynes, "What's 80 Good About Good Times?" Harper's Mag-
- declínio tão freqüentemente criticado pelos, europeus ao observarem 1I~//I (junho de 195'6), onde o problema é bem colocado sem ser analisado.
o procedimento da classe dominante americana, socialmente bem mais (~) Victor Perlo, American Imperialism (Nova York, 1951), pág,
segura. 2 , Uma nota na mesma página explica que "empregados na produ-

150 151
Os dispêndios, porém, das grandes emprêsas em finalidades retirada dos lucros) reaparece, uma vez mais, como excedente
improdutivas - embora sejam ponderáveis - estão bem longe de econômico sob a forma de poupança pessoal dos trabalhadores im-
absorver o excedente econômico superabundante ou de fornecer es- produtivos.
tímulos adequados, através da expansão da procura global, para in- Enfim, embora o mecanismo automático de funcionamento do
vestimentos adicionais. De fato, a maior parte do que essas emprê- capitalismo monopolista tenha, indubitàvelmente, aumentado a par-
sas pagam a trabalhadores improdutivos passou a ser considerada cela do produto social utilizada improdutivamente, êste aumento
"despesa necessária" à operação de grandes empreendimentos, e não é suficiente para reduzir adequadamente o volume do exceden-
é tratada como parte dos custos fixos que têm que ser cobertos te econômico disponível para investimento em condições de pleno
(pelo menos a longo prazo) pelo preço do produto. (6) Assim emprêgo ou para determinar uma expansão conveniente das opor-
sendo, o custo da manutenção dos trabalhadores improdutivos não tunidades de investimento. Há necessidade de maior quantidade de
é suportado pelos lucros das grandes emprêsas, e sim transferido "impulsos externos" para que o capitalismo monopolista possa sair
aos compradores de seus produtos. Igualmente importante é o fato do ponto morto e encontrar os incentivos necessários a uma utili-
de que parte significativa da renda recebida pelos beneficiários zação lucrativa do excedente econômico normalmente gerado.
da generosidade das grandes emprêsas - a "nova classe média"
- não é gasta em consumo, e sim poupada. A poupança dêsse
grupo constitui, de fato, grande parte da poupança pessoal nor-
11
malmente realizada nos países capitalistas adiantados. Assim, o
efeito líquido de proliferação de trabalhadores improdutivos sôbre
a acumulação de capital e sôbre a procura global não é sequer Tais impulsos só podem ser proporcionados pelo Estado. Não
sugerido pela soma de suas rendas. Parte do aumento do consumo quer isto dizer que o Estado não tenha desempenhado um papel
global devido à manutenção de trabalhadores improdutivos é anu- importante na vida econômica ao longo de tôda a história do ca-
lada pela diminuição do consumo do resto da população. Outra pitalismo. Direta ou indiretamente, financiando a construção de
parte daquele aumento de consumo, entretanto, causa uma redu- estradas de ferro na Alemanha e nos Estados Unidos, promoven-
ção da poupança do resto da população e, por conseguinte, leva do, no estrangeiro, os interêsses econômicos dos capitalistas nacio-
a uma verdadeira absorção do excedente econômico. Por outro nais, como foi o caso da Inglaterra e da Holanda, ou por meio
lado, parte do excedente econômico absorvido dêsse modo (ou de cuidadosas transações financeiras e imposição de tarifas alfan-
porque certa parcela da renda paga aos trabalhadores improdutivos degárias, como ocorreu na França e na Rússia - o Estado contri-
não pôde ser transferida por seus empregadores e foi efetivamente buiu significativamente, em tôda parte, para a determinação da
direção e da velocidade do desenvolvimento econômico na era ca-
pitalista. Inicialmente, porém, as atividades econômicas do Estado
ção de mercadorias" incluem empregados na agricultura, mineração, cons- eram essencialmente de natureza esporádica, dirigiam-se a ques-
trução, indústria de transformação, transportes, comunicações, serviços de tões econômicas específicas ou respondiam às exigências mais ou
utilidade pública. Para estimativas feitas de modo diferente, mas revela-
menos gerais da classe capitalista como um todo. Servindo, nas
doras da mesma tendência, ver C. Wright Mills, White Collar: The Amer-
ican Middle Classes (Nova York, 1951), Capo 4. palavras de Marx e Engels, como "um comitê para administração
(6) O princípio de se fixar o preço através de aplicação de per- dos negócios comuns de tôda a burguesia", o Estado desempenhou,
centagens sôbre os custos médios iniciais de uma produção padrão tor- enérgica e inequivocamente, sua função básica: manter e prote-
na-se cada vez mais reconhecido na literatura econômica como a regra ger a ordem capitalista. No que tange a seu papel na esfera es-
geral de fixação de preços pela emprêsa monopolísta e oligopolista, É
evidente sua significação para o problema da transferência dos gastos
tritamente econômica, a questão foi um pouco mais complexa.
improdutivos, bem como dos encargos fiscais. Cf. Elmer D. Fagan, "Irn- De fato, "tôda a burguesia", em cujo interêsse o Govêrno agia
pôt sur le revenu net des sociétés et prix", Revue de Science et de Lé-
como seu "comitê", era composta de enorme multidão de homens
gislation Financiêres, voI. XLVI, n.? 4 (1954), e também William H. An-
derson, Taxation and lhe American Economy (Nova York, 1951), Ca- de negócios, com interêsses bem diferentes e divergentes. O que é
pítulo 16. mais importante, entretanto, é o fato de que êsses homens de

152 153
negócios eram relativamente pequenos, tinham fôrça e objetivos 11 11I1 I cial, mas a preeminência crescente dos grandes empre-
aproximadamente iguais; suas associações industriais ou regionais mtlm sntos destruiu, gradativamente, tôda a capacidade e a vonta-
tinham, por sua vez, poder e influência semelhantes. Em tais cir- " do r tante da classe capitalista de resistir ao seu domínio. Absor-
cunstâncias, o .Estado podia-se circunscrever a seu mandato comum vl'lld um segmento do sistema econômico após outro, transfor-
de proteção e fortalecimento da própria ordem capitalista contra IIHW um número crescente de pequenos homens de negócios, ar-
os ataques das classes exploradas. Não se esperava que êle inter- I /I S e fazendeiros, anteriormente independentes, em empregados
ferisse nas relações entre grupos ou facções da burguesia, que c agentes de emprêsas gigantescas. Embora os deixasse freqüente-
apoiasse um dêsses grupos em sua luta competitiva contra outro. m nte com a ilusão de que continuavam autônomos, a emprêsa
A igualdade ou, pelo menos, a quase igualdade de influência que monopolista fêz com que seu modo de vida e situação social pas-
cada componente da burguesia podia ter nas esferas social e po- sa sem a depender, cada vez mais, da boa vontade da administra-
lítica tendia a criar um equilíbrio de fôrças dentro da burgue- fio dos grandes consórcios. (8) De membro da classe capitalista
sia e a fazer do Estado um instrumento de tôda a classe. Enquan- - pequeno, mas em absoluta igualdade com os demais quanto
to a expressão política desta constelação sócio-econômica básica se a importância e prestígio - o empreendedor competitivo passou
manifesta no mecanismo clássico da democracia burguesa, a fór- à posição de dependente da grande emprêsa, cuja liderança eco-
mula ideológica para esta neutralidade do Estado na luta competiti- nômica, política e social não estava em condições de desafiar.
va no seio da classe capitalista é a crença na automaticidade econô- Mais espantosa ainda é talvez a circunstância de que êle perdeu,
mica, o credo de não-interferência do Estado no livre jôgo das aos poucos, o desejo de disputar essa liderança. Identificando-se
fôrças do mercado. Como diz, sucintamente, Thomas Jefferson, o com os senhores feudais do capitalismo monopolista, venerando-os
Estado devia garantir "direitos iguais para todos, privilégios espe- como figuras heróicas e dignas de respeito e emulação, os novos
ciais para ninguém". claro que enquanto os contendores na luta
É vassalos sociais' dos líderes da grande emprêsa transformaram-se,
competitiva possuíam capacidade de pressão quase igual, enquanto ràpidamente, na classe mais importante da elite (monopolistas)
nenhum dêles podia exercer sôbre o Estado influência maior que da classe capitalista. Assim como os camponeses alemães, cujos in-
outro, tanto a confiança na auto ma ticidade do mercado corno a in- terêsses eram diametralmente opostos aos dos [unkers prussianos,
sistência na neutralidade do Govêrno podiam ser aceitas por tôda seguiram fielmente a liderança aristocrática da hierarquia do fa-
a classe capitalista e elevadas, unânimemente, à condição de valô- moso Landbund, a emprêsa competitiva, na era do capitalismo mo-
res sociais supremos. (1) nopolista, encontra-se, submissamente, prêsa à barra das saias dos
O desmoronamento desta estrutura tornou-se claro com o adven- "monarquistas econômicos".
to da grande emprêsa. Os participantes na bellum omnium contra A ascensão do capital monopolista ao poder econômico e so-
omnes não só tornaram-se cada vez mais desiguais em poder eco- cial não implicou, inicialmente, a renúncia dos sacrossantos prin-
cípios do individualismo desenfreado, da automaticidade do mer-
cado e da neutralidade do Govêrno. Urna vez que êsses princípios
(7) A utilidade política dêstes conceitos foi grandemente aumenta- serviam, admiràvelmente, corno cortina de fumaça atrás da qual
da pelo fato de que a imparcialidade do Govêrno entre as diferentes podiam reunir fortunas imensas e obter contrôle efetivo do Esta-
partes da burguesia podia ser apresentada ao povo em geral como im- do, os capitães da indústria monopolista não pouparam esforços
parcialidade do Estado frente às diferentes classes que compunham a so-
para difundir e apoiar a ideologia da livre sobrevivência dos mais
ciedade. Providências ocasionais. do Govêrno, como legislação trabalhis-
ta, restrições ao trabalho de menores, etc. - imparciais em relação a aptos. Marx Horkheimer observa com perspicácia que, ao longo
tôda a burguesia, uma vez que afetavam a todos os seus membros - da História, "o valor do indivíduo tem sido enaltecido por aquêles
pareciam corroborar a opinião de que o Estado cuidava, também, das
"classes inferiores". O camponês. russo que considerava o czar como um
árbitro objetivo entre êle e o proprietário da terra não é um exemplo (8) "O poder da grande emprêsa é tal que mesmo que grande nú-
menos espantoso do impacto dessa ideologia do que o pequeno comer- mero de pequenas emprêsas permaneçam independentes, elas se tornam,
ciante que espera que o Govêrno o proteja contra seus competidores na realidade, agentes de emprêsas maiores": C. Wright Mills, White csu».
monopolistas. The American Middle Classes (Nova York, 1951), pág, 26.

154 155
que tiveram oportunidade de desenvolver sua individualidade à custa 'OV 1'110 - cada vez mais subserviente à grandeemprêsa - de
de outros". (9) De fato, tendo atingido o ápice da pirâmide social, I mltar os podêres dos grandes consórcios.
a grande emprêsa não poderia encontrar fórmula ideológica melhor A outra, e não menos ingênua, corrente de oposição - a que
adaptada às suas exigências do que o princípio da total liberdade o filiaram principalmente os empreendedores competitivos e os in-
do indivíduo para aproveitar, ao máximo, as oportunidades que telectuais educados nos princípios econômicos tradicionais do lais-
se lhe apresentassem. Êsse princípio, combinado à circunstância 'ez faire e da democracia burguesa - clamou por uma volta aos
de que a interferência social nos esforços individuais deveria "velhos tempos", insistiu sôbre o respeito honesto e consistente aos
ser evitada ao máximo, não apenas sanciona a desigualdade, os pri- princípios da automaticidade e da não-intervenção e dirigiu sua
vilégios e a exploração, mas dá às vítimas da desigualdade, dos>pri- cólera não tanto contra a emprêsa monopolista, mas contra o Go-
vilégios e da exploração uma profunda sensação de inevitabilida- vêrno, a quem culpava por todos os males. (10) Uma vez que se
de ou, mesmo, de justiça do seu destino. Nos países capitalistas absteve de atacar seriamente os grandes empreendimentos, êsse
adiantados, não apenas a classe operária foi profundamente afeta- tipo de "oposição leal" agradou particularmente às grandes emprê-
da por esta ideologia, mas os empreendedores competitivos, os fa- . sas. Propiciando uma forma inofensiva de desabafo para o des-
zendeiros e outros membros da pequena burguesia se revelaram contentamento que existia e não ameaçando qualquer das posi-
incapazes de a ela resistir. Embora estivessem sendo gradativamn- ções importantes da grande emprêsa, adaptando-se perfeitamente
te devorados pela grande emprêsa, embora estivessem perdendo à sua própria fraseologia, esta ideologia do antiestatismo e da livre
tanto seus lucros como sua independência, continuaram consideran- concorrência não era apenas inteiramente compatível com a cres-
do-se membros da classe capitalista, como camada privilegiada bas- cente hegemonia do capital monopolista, mas pôde, também, ser
tante superior ao mero proletariado. Esta participação, efetiva ou aproveitada na luta contra a oposição do tipo populista, bem como
ilusória, nos privilégios e nos frutos da exploração - mesmo quan- contra todos os outros movimentos de reforma social.
do esta parcela diminuía a olhos vistos - privou a pequena bur- Tôdas estas correntes ideológicas e políticas ainda hoje exis-
guesia de tôda independência moral e política, transformou-se tem, embora seu papel e sua coloração tenham mudado bastante,
em instrumento dócil nas mãos de seus novos senhores monopolistas. em consonância, aliás, com a situação sócio-econômica que lhes
Não quer isto dizer que não houve oposição a esta tendência. serve de base. A depressão da década de 1930 comprometeu, ir-
A oposição que existia, porém, nunca foi muito forte e se mani- recuperàvelmente, o conceito de automaticidade do mercado. Dian-
festou através de duas correntes bem distintas. Uma foi a exigên- te do catastrófico declínio da produção e da renda, tornou-se im-
cia populista de ação decidida por parte do Estado contra o poder possível sustentar que o sistema capitalista, entregue a si mesmo,
econômico de um pequeno número que se estava apoderando do tende a gerar maior bem-estar para o maior número. Diante da
govêrno para usá-lo em seu próprio proveito. Esse movimento foi multidão de homens e mulheres que queriam e estavam aptos a
conduzido, fundamentalmente, pelos elementos não-capitalistas da trabalhar, mas que não encontravam emprêgo, não se podia mais
sociedade - operários, artesãos, alguns fazendeiros - e contou continuar aceitando a tese de que o mecanismo do mercado pro-
com algum apoio de certos setores do segmento competitivo da piciava, aos elementos "aptos", oportunidade de melhorar de con-
economia. Estava êle fortemente imbuído das noções jeffersonia- dição. Tornou-se necessária, então, a ação governamental para mi-
nas de democracia, da ideologia da imparcialidade do Estado em tigar pelo menos os aspectos mais violentos da situação. Através
relação a tôdas as classes sociais e considerava como certo que o de obras públicas, auxílios aos desempregados, subsídios aos fazen-
Govêrno iria suprimir os abusos da emprêsa monopolista com o deiros, pensões aos veteranos da guerra, o Govêrno teve que inter-
mesmo vigor que evidenciava em suas relações com as organiza-
ções sindicais nascentes. O principal resultado dêsse movimento
(10) :tl:sse antiestatismo ligava-se à tôda tradição da luta da bur-
nos Estados Unidos foi a legislação antitruste que encarregou o
guesia contra o feudalismo e era particularmente caro aos corações dos
imigrantes europeus nos Estados Unidos, cujo ódio aos governos tirâni-
cos de seus países era a caracterfstica fundamental de sua bagagem
(9) Eclipse oj Reason (Nova York 1947), pág. 178. ideológica.

156 157
vir para impedir que a depressão econômica conduzisse ao colapso As primeiras emprêsas monopolistas enalteceram a automatt-
da ordem capitalista. Era preciso encontrar um escoadouro com- cidade e a neutralidade governamental não porque nisto acredi-
patível com a preservação do sistema capitalista para a energia das tassem, mas porque tais teses, se aceitas e difundidas por tôda a
fôrças sociais que eram tradicionalmente a favor da intervenção classe capitalista e pela maioria da população, ofereciam a cortina
governamental, para o desespêro crescente dos setores não-capita- mais conveniente para o domínio crescente do Estado pelos gran-
listas menos infuenciados pela ideologia da automaticidade e da des consórcios. Essa filosofia não apresenta, nos dias atuais, qual-
neutralidade do Estado (ou que se podiam revelar mais dispostos quer utilidade prática. Sua inadequação tornou-se evidente, sua uti-
a se desligarem dela pelo impacto da realidade que os circundava). lização política para o engôdo das massas desapareceu, à medida
O New Deal desempenhou nos Estados Unidos exatamente êste que os setores competitivos de economia, que ainda se apegavam
papel. Graças ao reconhecimento e à proteção governamental dos às antigas noções, tornaram-se, ràpidamente, uma quantidade des-
sindicatos, à instituição de mecanismos de amparo sistemático aos prezível. De fato, o programa de pleno emprêgo a ser realizado
fazendeiros, a algumas leis sôbre previdência social e a uma su- através de ação governamental apropriada, que tomou o lugar do
pervisão moderada dos mercados financeiros - e êste foi um individualismo desenfreado e da neutralidade estatal, tinha tôdas
preço bastante baixo - o Presidente Roosevelt, em seu primeiro as virtudes da filosofia que desalojou e nenhuma de suas desvan-
período de govêrno, pôde impedir grandes transformações políti- tagens óbvias. Retirou êle da classe capitalista o ônus do mau fun-
cas e sociais que poderiam abalar os alicerces do próprio capi- cionamento da economia e passou a atribuí-lo à sociedade como
talismo. um todo e a seus dispendiosos funcionários políticos; forneceu uma
Tão séria foi a crise, tão profunda a falência das noções de ideologia atraente aos recém-formados sindicatos; satisfez as exi-
automaticidade e de não-intervenção estatal, que mesmo a emprê- gências dos fazendeiros; proporcionou lucros elevados ao capital mo-
nopolista e, ao mesmo tempo, prometeu boas rendas à crescente
sa monopolista teve que fazer adaptações em sua própria filoso-
"nova classe média", política e socialmente importante. De fato,
fia. Evidentemente, isto não aconteceu da noite para o dia; ainda
o que é espantosa não é a pressa com que a maior parte dos ho-
hoje parcela considerável da comunidade das grandes emprêsas mens de negócios mais clarividentes passaram a apoiar o novo
evidencia sinais de que não foi afetada pelo terremoto da década
programa, mas sim a lentidão com que muitos outros arrastaram-
de 1930. Em seus principais escalões, entretanto, a grande emprêsa
seate' às novas posições." -
passou a adotar, bem ràpidamente, novas posições ideológicas. Essa
transição foi grandemente facilitada pelo fato notável de que ela não
implicou, na realidade, mudança ideológica autêntica. (11)
siste em que a primeira é considerada como um produto da estrutura da
sociedade e a última, da estrutura psíquica do indivíduo (que, entre-
tanto, é, por sua vez, determinada pela sociedade na qual o indivíduo
(11) De fato, é duvidoso se o têrmo "ideologia", como é conven- vive). Uma entidade completamente diferente é aquela constituída por um
cionalmente utilizado na sociologia do conhecimento, se aplica ao capi- conjunto de noções inadequadas, parciais e tendenciosas conscientemente
talismo monopolista. Na medida em que denota uma concepção ina- impingidas nos espíritos dos homens, graças aos. esforços de uma classe,
dequada, parcial e tendenciosa da realidade, e que essa inadequação, que procura, atingir certos fins incentivando sua aceitação mais ou menos
parcialidade e tendenciosidade podem ser atribuídas à estrutura da socie- geral. Na época do capitalismo rnonopolista - época na qual as crenças,
dade e ao lugar nela ocupado por uma classe, a "ideologia" tem duas os valôres e as convicções sucumbem progressivamente ao ataque prag-
importantes características. A inadequação, parcialidade e tendenciosidade rnatísta - a ideologia conduz, ràpidamente, ao condicionamento das mas-
que a tornam meia verdade fazem com que ela, ao mesmo tempo, par- sas, a seu ajustamento, etc., deixando, assim, o seu estudo de ser feito
ticipe da própria verdade. Ela abrange, em outras palavras, um aspecto pela sociologia do conhecimento e passando para o domínio da manipu-
da verdade ao expressar certas concepções da realidade e certos inte- lação da pesquisa de opinião. Engels percebeu com agudez que "a ideo-
rêsses efetivamente partilhados por uma classe ou uma camada social. logia é um processo realizado conscientemente, de fato, pelo chamado
Por ,e~6a mesma razão, uma "ideologia" é firmemente acreditada por pensador, mas com uma falsa consciência. Os motivos reais que o im-
aquêles que a esposam; ela não é algo que êles podem produzir, mudar pelem permanecem desconhecidos para êle, se não, não seria de forma.
ou ajustar a seu bel-prazer. Nesse sentido, a "ideologia" é semelhante alguma um processo ideológico". Carta a Mehring, 14 de julho de 1893,
à "racionalização" de Freud; a diferença fundamental entre as duas con- em Marx e Engels, Selected Correspondance (Nova York, 1934), pág, 511.

158 159
A razão para isso é bem simples. Além do lapso de tempo I, ti,mas as, para torná-lo uma estrutura ideológica capaz de
que sempre tem que transcorrer antes que formas tradicionais de 11 11 Ir I v ao sistema capitalista, para dar-lhe tanta fôrça e es-
li
pensamento sejam completamente destruídas pela realidade mutá- 11111 1111 \ I quanto as que gozavam, anteriormente, as noções de
vel do processo histórico, há importante justificação objetiva para 1"IOtH uicidade e de neutralidade governamental. Esta aceitação
a cautela e a prudência que os homens de negócios demonstraram li I li imada política de pleno emprêgo por parte do capital mo-
em aderir ao nôvo programa. Sendo melhores historiadores e cien- 11°1 ull: ta. e a capacidade que tem êste programa de atender, no pre-
tistas sociais do que muitos dos que abraçaram essas profissões, os lí- '" omento, as reivindicações da maioria da nação criam a
deres do capital monopolista compreenderam muito bem que o "1110 {era de unanimidade no palco político, atmosfera que não
que importava não eram os aspectos teóricos do nôvo programa, J rturbada pela existência de pessoas mal alimentadas, mal ves-
ou mesmo a complexa rêde de órgãos governamentais criada para tltln c mal abrigadas e pela instabilidade pobremente disfarçada
implementá-lo, mas quem iria, efetivamente, controlar sua exce- ti prosperidade reinante. J. K. Galbraith tem tôda a razão quando
cução. (12) O que para alguns economistas, que encaram a reali- I I erva que "grande parte de nossas discussões é ruidosa e violen-
dade através de seus antolhos, parece ser uma questão secundária, tu não porque as questões sejam relevantes, mas porque elas não
era hàbilmente considerado pelo capital monopolista como o cerne o. Raiva existe não porque as questões estejam sendo resolvidas,
de tôda a questão. Foi a suprema manifestação de poder das gran- JlIlI porque elas já o estão. Não obstante, o barulho dá a impressão
des emprêsas e da incapacidade de Roosevelt para resistir a êle, ti que o assunto continua na ordem do dia. Embora uma argu-
depois de passado o pior, o fato de que, desde o início do seu Jl1 ntação veemente possa indicar que uma questão esteja sendo
segundo período governamental, pessoas que gozavam da confian- li cidida, mais freqüentemente ela apenas indica que uma minoria
ça das grandes emprêsas principiaram a desalojar de suas posi- I'r mediàvelmente vencida está-se fazendo ouvir da única manei-
ções os elementos "suspeitos" que foram alçados a postos gover- a possível". (13)
namentais pela onda populista de 1932. O contrôle das grandes Galbraith, porém, tem razão em um sentido apenas. Muitas
emprêsas sôbre o Govêrno não foi totalmente restabelecido senão [uc tões estão de fato resolvidas na medida em que o programa
durante a guerra e as subseqüentes administrações dos Presidentes U intervenção estatal para obter o pleno emprêgo é endossado pelo
Truman e Eisenhower. A partir de então, o Govêrno, mesmo em
t r dominante da classe dirigente, pela camada sindical domi-
sua composição pessoal, tornou-se uma vez mais o "comitê" não
nunte, pela nova classe média, pela maioria dos fazendeiros, inte-
mais da "burguesia como um todo", mas de seu elemento princi-
I ctu is, etc. De fato, como observa corretamente Galbraith, a es-
pal - a emprêsa monopolista e oligopolista.
lha de "se um govêrno (face à realidade de uma depressão)
Quando se estabeleceu efetivamente o domínio do capital mo- ti ve ou não ser keynesiano. .. equivale, aproximadamente, à esco-
nopolista sôbre a forma que o nôvo programa deveria assumir, Ih entre cometer ou não um suicídio político". (14) Este, contu-
quando foram eliminados do Govêrno os grupos que tentaram - d , é apenas um dos aspectos do problema e não é o mais impor-
fundamentalmente em vão - promover reformas sociais sob o tnnte. Na verdade, o notório barulho e fúria que se produzem
manto das políticas de pleno emprêgo, quando a direção das po- m debates públicos sôbre questões de menor importância, assim
líticas de "pleno emprêgo" passou a mãos aceitáveis às grandes mo o acôrdo subjacente sôbre a necessidade de uma política go-
emprêsas - mesmo os contingentes retardatários do campo mo- V rnarnental de pleno emprêgo, obscurecem problemas verdadeira-
nopolista encontraram um modo de aderir à nova linha. Bste apoio m ntc importantes, relativos êstes ao significado do pleno emprê-
marcou o início da vigorosa campanha para gravá-lo na consciên- o o aos caminhos e modos pelos quais se deve verificar a inter-
V nção estatal, a fim de atingi-lo e mantê-lo,

(12) Schumpeter viu isso claramente: "o pessoal e os métodos, e


ainda o espírito com os quais uma medida ou um conjunto de medidas
são administrados, são muito mais importantes do que qualquer coisa (18) Economics and the Art 01 Controversy (New Brunswick, Nova
contida em qualquer lei". Business Cycles (Nova York, 1939), voI. 11, J '" 'Y, 1955), pág, 103.
pág. 1045. (1") lbtd., pág. 100.

160 161
De uma coisa podemos estar certos: a tendência do capital mo-
11I1 rlOI m nte, a visível irracionalidade e o perigo social e políti-
nopolista de assegurar seu contrôle sôbre o Estado, de concentrar
I <I dt WI'I' nte dêsse procedimento o tornam inaceitável não só à so-
em suas mãos a direção da intervenção governamental, que possa
h li ul como um todo, mas a tôdas as parcelas importantes da
ser necessária nas atividades econômicas, de eliminar do Govêr-
111 apitalísta, A rejeição dessa alternativa, porém, deixa com-
no todos os elementos que tenham a menor inclinação por uma
pl 11m nte aberta a questão do que deve ser entendido por pleno
interpretação reformista das políticas de pleno emprêgo - esta I 111pI'O O. Longe de ser uma sutileza semântica, essa questão é de
tendência .não se origina da ambição de poder ou da avidez de
11111 me importância. O pleno emprêgo tem sido definido na Iite-
cargos públicos do capital monopolista. (15) De fato, em condi- I uura econômica como a situação em que todos aquêles que fôs-
ções diferentes, o capital monopolista preferiu manter-se afastado 111 capazes e estivessem dispostos a trabalhar mediante a taxa
da ribalta política e permanecer nos bastidores puxando fios invisí- (I remuneração corrente estariam em situação de conseguir em-
veis, que movimentavam seus "poderosos" bohecos. Somente quan- I rOgo. O que isto implica, em realidade, é que o número de vagas
do as atividades governamentais adquirem maior importância, quan- d veria normalmente exceder um pouco o número dos que procuram
do o que elas envolvem não mais pode ser confiado a políticos mprêgo, isto é, que o mercado de trabalho deveria, como regra,
inconstantes e a representantes de segunda ordem, é que os esca- ser uma mercado de vendedor. (16)
lões dirigentes do capital monopolista encaminham-se abertamente
para o centro do palco. O que está em jôgo, então, são os inte- Repetimos: os líderes do capital monopolista têm melhor ins-
rêsses mais vitais do capital monopolista, aquêles que, de fato, tinto para descobrir os princípios motores da economia capitalis-
dizem respeito à sua própria existência. tu que os economistas que consideram o pleno emprêgo acima de-
finido como meta realista, possível de ser atingida pelo capitalis-
mo, Os líderes do capital monopolista estão bem cônscios do
fato de que êsse pleno emprêgo é incompatível com o funciona-
III mento normal do sistema capitalista. Com efeito, em condições de
sca sez permanente de mão-de-obra, a emprêsa capitalista tem que
A administração da intervenção governamental para a obten- pcrar sob severa pressão: trabalhadores marginais e mesmo sub-
ção e a manutenção do pleno emprêgo envolve certo número de marginais têm que ser mantidos na fêlha de pagamento, mesmo
problemas distintos, embora intimamente relacionados. Em têrmos
quando sua contribuição à produção da firma é relativamente pe-
mais gerais: se a procura global, isto é, a procura dos consumido- I 'lu na; a tarefa de supervisão torna-se mais pesada e os custos
res, investidores e do Govêrno é insuficiente para absorver o pro-
duto social gerado em condições de pleno emprêgo, o Govêrno de-
I I .ndcm a aumentar. O que é pior ainda, diante de um mercado
fronta com cinco possibilidades diferentes (ou com uma combina- li trabalho vendedor, torna-se cada vez mais difícil conter as aspi-
ção delas). A primeira consiste em admitir qualquer desernprêgo J'U e dos sindicatos e manter, dentro de limites "razoáveis , suas
que possa surgir e deixar que o produto social corresponda à magni-
tude da procura global que se manifesta no mercado. Como vimos
(16) Esta definição deixa ainda campo para o chamado "desemprê-
11) Iriccional", que pode ser causado por fatôres climáticos, movimen-
(15) Isto para não falar da superficialidade, se não da inteira falta lu do pessoas de uma localidade para outra, mudanças na tecnologia
de sentido, da encontradiça explicação dos acontecimentos históricos pela ou na estrutura industrial, etc. Tal desemprêgo, normalmente tratado
"ambição de poder", que é tratada como se fôsse um instinto inerente )1 [OR economistas como insignificante e inevitável, é, na realidade, bas-
à espécie humana. Além do fato de que tal "ambição de poder", como IIUlL considerável e poderia ser reduzido acentuadamente em uma eco-
II mlu planificada facilitando-se as necessárias redistribuíções e proven-
característica do homem, é ela própria uma categoria histórica que antes
uo- novos treinamentos à mão-de-obra, prevendo-se os desenvolvimentos
exige explicação e não invocação como deus ex machina, a questão que
I ('llol gicos, etc. Não se deveria cometer o grave êrro de equiparar o
importa é quais as fôrças sócio-políticas e os interêsses econômicos que
IIlt nu mprêgo definido acima com o emprêgo racional, uma vez que
servem de base à tendência ao poder das nações, das classes e mesmo
11 Pl'flll Iro é inteiramente compatível com a manutenção de atividades im-
dos indivíduos ambiciosos.
fllodllllvns do tôda espécie.

162 163
reivindicações em favor de salários mais elevados melhores con- 1'1 "")lI '(1 emprêgo". Permitiram a existência do desemprêgo
dições de trabalho,etc-:-A--existêncla permanente de um exército II • "III( lmadamente, 5 milhões de pessoas. (19) Isso não é, de
industrial de reserva é indispensável para conservar a fôrça de IIImlll 11 um, o resultado de acidentes lamentáveis ou de "insufi-
trabalho na emprêsa capitalista, para preservar a posição de co- I 111 Ilnh cimento" dos métodos de combater o desemprêgo cres-
mando do empresário mediante salvaguarda de sua fonte fun- 11111. Jat de que a manutenção dêsse "saudável" nível de desern-
)
damental de poder e lucro: a capacidade de contratar e demitir. (17) 111 1'0 lima política deliberada pode ser percebido, com tôda a ela-
Um govêrno controlado pelo capital monopolista não conduzi- I I I, III mo através da neblina da fraseologia bombástica, no Re-
rá, pois, sua política de pleno emprêgo de modo a manter verda- 11111I10 conômico, para o ano de 1955, do Conselho de Asses-
deiramente- o pleno emprêgo. (18) Assim, nos Estados Unidos, a 1 conômicos do Presidente dos Estados Unidos: "É necessá-
Lei de Pleno Emprêgo, de 1946 - amplamente aclamada como .Iu r 'conhecer que, em certas ocasiões, os processos de cresci-
11\ nt podem interromper-se... o aumento de conhecimento por
a Carta Magna do pleno emprêgo - declara ser responsabilidade
permanente do Govêrno "usar todos os meios possíveis. .. com o I Irt do público deve, contudo, ser acompanhado por uma com-
objetivo de criar e manter o nível de emprêgo máximo, de modo pf n Fi realista das dificuldades práticas de obtenção de aumentos
, I tínuos da produção total, do nível de emprêgo e da renda
a ampliar e promover a livre emprêsa competitiva". O nível de
emprêgo que se procura atingir não deve, portanto, ser superior I 'H al.'.: A arte de dirigir os negócios do Estado exige que faça-
11 0/1 todos os esforços para conduzir o idealismo de nossa gera-
ao que irá "ampliar e promover a livre emprêsa competitiva". E
isto quando a "livre emprêsa competitiva" tornou-se a maneira ao fim prático de minimizar as flutuações econômicas ... " (20)
cortês e tática de se referir à emprêsa monopolista e oligopolista. Hnquánto isso, "devemos dirigir nosso programa para 1955 prin-
lpalrncnte para [acelerar o crescimento econômico a longo prazo)
O que interessa, contudo, não são os estatutos jurídicos ou LI invés de procurar imprimir um imediato impulso ascendente à
os pronunciamentos dos porta-vozes do mundo dos negócios ou ntlvidade econômica em geral" (pág. 48). E "acelerar o crescimen-
do Govêrno. Os fatos são mais eloqüentes que as palavras: na t econômico de longo prazo" deve consistir em promover "a
primeira ocasião em que a filosofia da nova política foi aplicada livre ernprêsa competitiva" e em "um sentimento de confiança
- durante a considerável elevação do desemprêgo no verão de n futuro econômico... amplamente partilhado por investido-
1953 - o Govêrno e a alta finança em favor da qual êle age I " operários, homens de negócios, agricultores e consumido-
torrlaram excessivamente claro o significado que emprestam à ex- .' ." (pág. 2).
A aceitação do "pleno ernprêgo" pelo capital monopolist
Ir n forma-se, assim, em beijo da morte. Ela implica não uma
(17) "O desemprêgo permanece muito baixo para que a fôrça de I lítica governamental no sentido da obtenção e manutenção do
trabalho possa ter flexibilidade. Sempre que o total de desempregados é pl no emprêgo concebido por economistas bem-intencionados ou
menor do que 2 milhões, mesmo ocupações para trabalhadores não-qua- nhado pelos reformadores sociais; seu objetivo é evitar catás-
lificados são escassas. Muitos empregadores precisam deixar de exigir tan-
tr fes maiores, como a crise de 1929-1933, impedir depressões
tos trabalhadores qualificados. Os sindicatos têm certamente a iniciativa
nas negociações salariais. É certo que se pode conseguir maior número maiores, como a que caracterizou tôda a década de 1930. Ela não
de operários, mas sõmente a preço considerável. E provàvelmente êles bj tiva eliminar as crises "normais" ou abolir o desemprêgo "nor-
não seriam da qualificação mais procurada. Não há melhor garantia con- mal". Bstes, de fato, são considerados como "reajustamentos sa-
tra a inflação do que um bom montante de verdadeiro desernprêgo. Essa lutares", desejáveis não simplesmente para a preservação do exérci-
é uma constatação dura e triste, mas é verdadeira". Business Week, 17
t industrial de reserva indispensável, mas, também, como condi-
de maio de 1952.
(18) "Fazendo-se a média (estatística) dos anos bons e maus, o
cs sob as quais as firmas monopolistas e oligopolistas podem
desemprêgo deveria ser superior a cinco ou seis milhões - talvez sete
ou oito. Éste número não é tal que nos devamos horrorizar... pois
pode ser dado um sustento adequado aos desempregados". Schumpeter, (10) Report 01 the Joint Committee on the Economic Report, ia-
Capitalism, Socialism and Democracy (Nova York, 1948), págs, 78 e segs., 1\ h' do 1955 (Washington, 1955), págs. 95 e seguintes.
onde se encontram concepções e estimativas semelhantes. (20) Ibid., págs, 65 e seguintes.

164 165
aproveitar-se de "liquidações", engolir competidores mais fracos e n s ensina que a redução das horas diárias de trabalho de 16 para
consolidar suas posições no mercado. (21) 14 e daí para 12 e mais tarde para as atuais 40 horas semanais
Não se deve permitir, sem dúvida, que o desemprêgo e o de- (nos Estados Unidos) foi conseguida apesar da oposição tenaz da
clínio da renda se tornem muito fortes, pois se pode incorrer no classe capitalista e refletiu não apenas a intensificação do trabalho
risco de suas repercussões políticas porem em perigo a estabilidade c os aumentos de produtividade que tiveram lugar ao longo de um
do sistema. Obras públicas, auxílios e pensões de vários tipos têm éculo, mas também a emergência de poderoso movimento operário
que ser postos em prática para aliviar a desgraça extrema e subor- que não mais podia ser contido. (23) Não pode haver dúvida de
nar as vítimas do "reajustamento", de modo que se não perca a que novas reduções legais da semana de trabalho seriam combatidas,.
"confiança" em um. "sistema econômico que é, ao mesmo tempo, nos dias de hoje, pelos interêsses capitalistas tão intensamente quan-
forte e humano, um sistema que pode assegurar maior abun- to as anteriores. Mais ainda: se essa redução do número de horas
dância mate-rial e melhor qualidade de vida". (22) Os limites de de trabalho não fôsse compensada por um aumento pelo menos
desemprêgo e de perda de produção que têm que ser respeitados correspondente ao da produtividade, e resultasse efetivamente numa
não se deduzem a partir dessa tão exaltada "dignidade do indiví- contração absoluta da produção total (único caso relevante para a
duo" ou da não menos intensamente afirmada solicitude para presente discussão), há tôda a probabilidade de que grande parcela
com as populações famintas dos países subdesenvolvidos do mundo; dessa redução, se não tôda, seria transferida para o montante de
êsses limites são ditados pelas exigências e conveniências das gran- salários, isto é, teria que ser absorvida pela classe operária. Em
des emprêsas e pela disposição das pessoas em suportar a hipocrisia tais circunstâncias, uma diminuição da semana de trabalho nem
e a irracional idade de uma ordem econômica governada pelos in- resolveria o problema da superabundância do excedente econômico,
terêsses do capital monopolista. nem seria aceitável para o proletariado. Assim, além do fato de
Outra possibilidade seria a redução da produção por meio de que há ainda um grande caminho a ser percorrido até que a pro-
uma diminuição geral do número de horas de trabalho. Deve ser dutividade tenha atingido o ponto no qual, numa sociedade racio-
óbvio que êsse método para criar um equilíbrio entre procura e nalmente organizada, não haverá necessidade mais urgente que a
oferta globais - isto é, pela redução do produto social ao mesmo do lazer, na qual, portanto, a contração da produção seria o pro-
tempo em que se mantém o pleno emprêgo - só seria racional c dimento adequado, é impossível, no capitalismo, que o proble-
se a incapacidade da demanda efetiva existente para absorver a ma sempre presente da superprodução potencial seja resolvido -
produção realizada com o pleno emprêgo e com a semana de me mo que parcialmente - por uma redução voluntária da se-
trabalho dada exprimisse uma real saciedade das pessoas em rela- mana de trabalho. Uma tentativa para forçar tal redução por parte
ção a todos os bens e serviços, quer de investimento, quer de ti Govêrno - se é que tal tentativa pode ser esperada de um
consumo. Não necessitamos· de muita coisa para provar que tal vêrno dominado pela classe capitalista - encontraria forte opa-
saciedade ainda não existe - mesmo com uma distribuição igua- I ão não só por parte do mundo dos negócios, mas também por
litária de renda. Além disso, mesmo se ela existisse, o sistema pu te dos assalariados, que suportariam mal uma diminuição em
capitalista só admitiria uma redução geral da semana de trabalho li salários reais.
muito lentamente e só se se encontrasse sob severa pressão. Com
efeito, no que se relaciona com a emprêsa capitalista individual, uma
redução da semana de trabalho, que provocasse uma contração da (28) Mesmo assim, sõmente constelações políticas e econômicas par-
produção, implicaria uma redução dos lucros. De fato, a História II ularrnente propícias explicam a maioria das vitórias alcança das pelo
11 vlmento de reforma social. Estas foram, em parte, alianças tempo-
I rins entre elementos feudais da sociedade e o movimento operário em
I os 0, alianças estas cimentadas por sua hostilidade comum contra a
(21) A onda de fusões de ernprêsas que invadiu a economia ame- dll o capitalista (como na Grã-Bretanha, na Alemanha de Bismarck e
ricana durante a recessão de 1953-1954 fornece excelente ilustração de 11111 01 uns outros países europeus); em parte, foram algumas crises im-
nossas assertivas. pmlllnt s da ordem capitalista que forneceram a oportunidade para ar-
(22) Conselho de Assessôres Econômicos, Economic Report for 1111\ nr maiores concessões de uma burguesia enfraquecida e amedronta-
1955, pág. 3. IIi ( mo nos Estados Unidos, na década de 1930).

166 167
Uma vez que não é possível nem desejável a redução voluntá- Como essas considerações se aplicam em muito menor grau
ria da produção, o mecanismo, patrocinado pelo Govêrno, de equi- s contribuições governamentais ao consumo coletivo, o dispên-
líbrio da procura global com a produção total (em nível predeter- dio com tal objetivo é considerado como método bem mais res-
minado de emprêgo) poderia assumir a forma de dispêndio go- peitável de manter o nível de atividade econômica. Envolvendo,
vernamental em consumo adicional, seja êste consumo individual como geralmente acontece, construções, êle incentiva, mais direta-
ou coletivo. De fato, a entrega, pelo Govêrno, de recursos às pes- mente que as contribuições ao consumo individual, a procura da
soas que não estão em condições de satisfazer suas exigências de produção da indústria pesada e, em muitos casos, lhes propicia
consumo não poderia deixar de aumentar a procura efetiva. Tais valiosas "economias externas". A construção de novas estradas com
desembolsos poderiam assumir quaisquer formas que se queiram e localizações adequadas tem, claramente, essas implicações. Correios,
ser orientados para indivíduos que tenham um nível de renda escolas, hospitais, etc., convenientemente localizados podem ser de
inferior ao estipulado ou para grupos especiais da população, como considerável utilidade para a emprêsa industrial, comercial ou agrí-
fazendeiros, operários industriais, veteranos de guerra, estudantes cola. Quer fornecendo os seus serviços gratuitamente, como às
ou pais de- muitos (ou poucos) filhos. A única exigência para vêzes acontece, quer mediante o pagamento apenas de taxas, êsses
que êsse tipo de dispêndio resulte em aumento relativamente grande estabelecimentos de consumo coletivo não apresentam os defeitos,
da renda e do emprêgo totais é que os beneficiários iniciais sejam materiais e ideológicos, dos subsídios ao consumo pessoal. Além
pessoas com elevada propensão marginal a consumir, isto é, inte- disso, não afetam negativamente a disposição de trabalho dos ope-
grantes dos grupos de baixa renda. rários, nem o seu preço, e não interferem na lei soberana do
A não ser durante crises muito sérias, os subsídios ao consu- bezerro de ouro.
mo individual em grande escala não guardam qualquer coerência com O montante que o Govêrno pode despender para tais objeti-
o espírito do capitalismo e nem oferecem atrativos aos interêsses vos é, porém, limitado. Em primeiro lugar, há séria resistência
dominantes. Tais subsídios acarretariam certo número de repercus- dos setores de renda elevada em sustentar, mediante o pagamento
sões altamente prejudiciais ao funcionamento normal da ordem ca- de impostos, o estabelecimento de serviços que êles próprios não
pitalista. Os pagamentos governamentais a particulares tenderiam a utilizarão. (25) Mais ainda: alguns dos estabelecimentos de consu-
elevar o nível de salários, dando ao trabalhador um nível de sub- mo coletivo interferem nos poderosos direitos adquiridos: pro-
sistência independente de seu emprêgo, mudando assim sua ava- gramas de habitação baratas e de urbanização de favelas, por exem-
liação relativa de renda e lazer. Além disso - e êste aspecto não plo, são ferozmente combatidos pelos interêsses imobiliários. Além
tem, talvez, menor importância que o anterior - tais receitas, disso, o âmbito de tais programas é bastante limitado, em qualquer
auferidas sem contrapartida de serviços, seriam inteiramente estra- poca, pela capacidade da indústria de construção. É verdade que
nhas ao sistema de valôres e à ética capitalistas. O princípio de ssa capacidade pode ser aumentada, mas tal aumento pode ser
que o homem comum tem que ganhar o pão com o suor de seu difícil a curto prazo, em vista da imobilidade de vários recursos
rosto é o cimento e a argamassa de uma ordem social, cuja coe- o da natureza temporária dos projetos em questão. Não se conse-
são e funcionamento dependem de penalidades e recompensas
monetárias. Ao reduzir a necessidade de trabalhar para ganhar a
vida, a distribuição gratuita de grande volume de bens e serviços bres da Inglaterra, é também verdade nas condições modernas, embora
necessàriamente destruiria a disciplina social da sociedade capita- grande aumento do número de pessoas. que uma vez ou outra procura-
rnrn o auxílio público tenha tornado a desgraça que isso representa
lista e enfraqueceria as posições de prestígio e contrôle sociais que
m is suportável para os indivíduos que recebem tal auxílio.
coroam sua pirâmide hierárquica. (24) (25) Evidentemente, isso se aplica também aos subsídios governa-
mentais ao consumo pessoal. A violenta oposição dêsses setores ao; apoio
11 vernamental à educação é um excelente exemplo dessa atitude. O que
(24) É por êste motivo que quando os subsídios ao consumo in- 6 mais interessante é que essa oposição provém não tanto dos círculos
dividual são adota dos em situações que exigem o alívio de dificuldades dns grandes emprêsas, onde o valor da fôrça de trabalho especializada
extremas, o recebimento de tais benefícios é associado ao opróbrio social. mais ou menos bem compreendido, mas das emprêsas menores, muito
O que era verdade há cem anos atrás, para os famosos abrigos de po- m nos capazes de pensar nesses têrmos "globais",

-168 169
guirá fàcilmente induzir as firmas de construção a realizar grandes pu miciars de tais empreendimentos são coroadas de êxito, seu
investimentos, quando elas sabem que seu negócio pode declinar p sterior desenvolvimento e os lucros daí resultantes devem ser
muito dentro de poucos anos. Uma grande expansão dos estabeÍe- transferidos, ràpidamente, à emprêsa privada. (26)
cimentos de consumo coletivo é, hoje, na maioria dos países, se Resta-nos, por conseguinte, a quinta possibilidade de ação
não em todos, bastante irracional face às prioridades sociais exis- governamental: dispêndios governamentais não em bens de con-
tentes. Não há justificação para construir estradas ou monumentos umo individual ou coletivo, nem em investimentos úteis, mas em
adicionais quando existe premente necessidade de urbanização de fins improdutivos de tôda espécie. Este caminho para dispêndios
favelas, de escolas ou de alimentação e vestuário. Não há, também, governamentais é, de fato, o mais amplo de todos e, sob todos os
nenhuma justificação para transferir os alfaiates para o setor de a pectos, o de maior importância. Ultrapassa êle, de muito, todos
construção se existe uma necessidade a longo prazo de' desenvol- os outros setores do orçamento governamental tomados em con-
vimento da indústria do vestuário. A racionalidade dos dispêndios junto, constitui o principal "impulso externo" que impede que a
governamentais em consumo coletivo pode ser negada, embora se- economia do capitalismo monopolista permaneça na "situação
jam mais sensatos que os gastos em emprêsas altamente inúteis, dada" e a capacita, em determinadas épocas, a criar condições de
que só fazem proporcionar salários a indivíduos inutilmente em- prosperidade, capazes de manter o emprêgo em nível relativamente
pregados. Tais dispêndios - e isto ainda pode ser de maior signi- elevado. Esta área de aplicação do excedente econômico superabun-
ficação "prática" - dificilmente atingem magnitudes suficíentes dante de um país capitalista adiantado está bastante ligada a suas
para absorver grande parte do excedente econômico. relações internacionais. Ela merece, dada sua extrema importância,
Isto nos leva ao quarto método possível de intervenção go- discussão um pouco mais detalhada.
vernamental: os investimentos em unidades produtivas. Se nem
uma redução planejada da produção total nem um aumento sufi-
IV
ciente do consumo corrente é praticável, a expansão do investimen-
to representa a única maneira racional mediante a qual a utiliza-
ção da produção pode ser elevada ao nível da oferta global em Quando falamos, anteriormente, das possibilidades de igualar
condições de pleno emprêgo. Parece-nos que não há necessidade a procura e a produção globais, referimo-nos ao que, na Iitera-
de acentuar que, de tôdas as formas concebíveis de dispêndio go-
vernamental, esta é a que se apresenta como verdadeiro tabu para
o capitalismo monopolista. Na realidade, tôdas as considerações (26) "Os que se opõem a que se dê à ernprêsa privada maior par-
que impedem a própria emprêsa monopolista de investir seus lu- ticipação no programa de energia atômica apontam os 13 bilhões de dó-
lares, aproximadamente, que foram gastos, pelos contribuintes americanos,
cros superabundantes fundamentam; a [ortiori, sua recusa em to- até o presente ano fiscal inclusive, no campo da energia atômica. ~les
lerar tal investimento por parte do Estado. Êle é igualmente into- larnam que seria temerário entregar tal investimento à emprêsa privada ...
lerável aos interêsses dominantes, quer se dirija às indústrias mo- Não deveríamos esquecer os bilhões de dólares de impostos gastos no de-
senvolvimento da aviação, da turbina a vapor e dos motores diesel e em
nopolizadas ou oligopolizadas em que o investimento é mantido muitos outros campos industriais, que foram posteriormente entregues à
em baixo nível pela política de maximização de lucros das' firmas livre emprêsa para que prosseguissem o desenvolvimento e as melhorias em
em questão, quer se oriente para o desenvolvimento de novas in- bonefícío da humanidade... Em vista dos tremendos custos iniciais, a in-
dústrias, atrativas ao capital monopolista ou cuja produção pode dústria privada pode não ser capaz de suportar a carga. Isto significa
que o Govêrno terá que participar dos custos iniciais durante o período
competir com a da grande emprêsa existente. xperimental, Contudo, depois de adquirir o conhecimento e a experiên-
"Permite-se" ao Govêrno investir apenas em áreas ainda não ela necessários, o talento do nosso sistema americano de livre emprêsa
orá capaz de prosseguir a tarefa, como em outras ocasiões em que tra-
exploradas comercialmente ou que não têm relevância para os alhou com o Govêrno, e encarregar-se do programa de desenvolvimento
interêsses da grande emprêsa. O capital monopolista, na realidade, Industrial". Discurso do Delegado James E. Van Zandt, membro da Co-
mlssão Conjunta de Energia Atômica do Congresso, no 18.0 Congresso
encoraja o Govêrno a assumir os elevados custos e riscos da explo- (Ia Indústria Americana, promovido pela Associação Nacional de Indús-
ração e da experimentação em tais áreas. Quando, porém, as eta- trias, a 4 de dezembro de 1953 (citado em Monthly Review, maio de 1954)

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tura econômica, se costuma chamar de "sistema fechado". Quan- \)1'a economia como um todo. Para se querer entender o efeito
do, porém, as relações econômicas internacionais de um país ca- tln, transações das várias emprêsas sôbre a renda e o emprêgo na-
pitalista adiantado são levadas em linha de conta, a situação se 'I nals, a questão que deve ser respondida é a seguinte: que re-
apresenta sob luz um pouco diferente. O comércio exterior so- sulcados se podem esperar da realização dessas transações em di-
mente fornece áreas para aplicação do excedente econômico se as f rentes circunstâncias históricas?
exportações são pagas em ouro ou se os lucros dela deqorrentes No capitalismo competitivo, os homens de negócios ansiavam
são investidos no estrangeiro. Se as exportações são compensadas r> r vender suas mercadorias no exterior. Se os preços nos merca-
por importações, não há, à primeira vista, mudança na grandeza I estrangeiros eram mais tentadores do que os do mercado in-
da renda nacional e, por conseguinte, do excedente econômico. Não terno, e os rendimentos esperados maiores, as firmas competitivas
obstante, mesmo a simples troca de exportações por importações é realizavam todos os esforços para entrar nesses mercados e, as-
de importância vital para algumas nações. De fato, em muitos paí- im aumentar seus lucros médios. Ansiavam, igualmente, por ad-
ses, a mera manutenção da "situação dada" só é possível se há quirir, no estrangeiro, matérias-primas e quaisquer outros produtos,
comércio exterior suficiente, mesmo que equilibrado. Somente pelo se tais importações pudessem ser lucrativamente vendidas no mer-
comércio externo podem conseguir o suprimento físico dos bens cado nacional ou no internacional. Nas condições competitivas,
exigidos por sua estrutura de produção, de consumo e de investi- ntretanto, havia em funcionamento um mecanismo automático que
mento. Além disso, ao abrir novas fontes de matérias-primas, impunha séria limitação ao comércio exterior. Essa barreira era
combustível, etc. - e fontes melhores ou mais baratas - o co- o balanço internacional de pagamentos. Se os capitalistas de um
mércio exterior, mesmo equilibrado, pode dar origem a novas in- país tendiam a exportar para outro mais do que importavam dêsse
dústrias, nova tecnologia ou novos produtos, que podem incenti- último, havia uma reação mais ou menos rápida e mais ou menos
var investimentos adicionais. O comércio exterior, ao expandir o utornática no sentido de gerar um desequilíbrio no balanço de
mercado para os produtos de um dado número de firmas, pode pagamentos. Ocorriam, então, mudanças no nível da atividade eco-
dar origem a aumentos da produção ou do investimento, aumentos nômica ou evasão das reservas de ouro do país deficitário, o que
que não ocorreriam se outra fôsse a situação. (27) Observe-se ainda casionava a diminuição dos preços de seus produtos e desenco-
que a importância do comércio exterior como fator dinâmico, rajava as importações (e encorajava as exportações). Essa evasão
como fonte do impulso que auxilia a economia capitalista a rom- podia ainda determinar a da moeda do país (e, possivelmente, mo-
per a "situação dada", reside fundamentalmente no fato de que dificações convenientes em seu sistema de tarifas), que causava o
fornece um mecanismo para as exportações de capital. (28) mesmo efeito. Os capitalistas de ambos os países - tanto das
Essa é, porém, apenas uma parte da história, e não é a mais nações superavitárias como das deficitárias - geralmente não es-
importante. Em um país capitalista, o comércio exterior, como tavam em condições de influir nesse processo, e tinham que aceitá-
qualquer outro tipo de comércio, é realizado por emprêsas inde- 10 impotentemente, como um dado com que tivessem que contar.
pendentes, que não podem orientar suas atividades pelas considera- As exportações de capital que se verificaram durante a fase do
ções "globais" e nem levar em conta o impacto de suas operações capitalismo competitivo foram, da mesma maneira, principalmente
° resultado de grande número de pequenos movimentos de capital.
De fato, as firmas competitivas, cada uma possuidora de capital
(27) Em condições de comercio equilibrado, entretanto, o efeito dês se
fenômeno sôbre a economia como um todo é menos certo, uma vez que relativamente pequeno, não podiam, em geral, engajar-se a fundo
a expansão das indústrias exportadoras pode ser perfeitamente contraba- em exportações de capital: as exportações de capital que então se
lançada pela contração de indústrias afetadas pela introdução de bens im- realizaram resultaram principalmente de configurações históricas
portados em seus mercados.
(28) A importação de ouro difere, em muitos aspectos, das exporta-
mais ou menos acidentais. Assim, as exportações de capital da
ções de capital. Seu volume é, naturalmente, limitado, não constitui um Grã-Bretanha durante as primeiras décadas do século XIX esta-
ato de investimento de uma firma particular, não fornece, portanto, qualquer vam intimamente ligadas à emigração de cidadãos britânicos para
rendimento, etc. Não obstante, no presente contexto, ela pode ser tra-
tada como equivalente às exportações de capital. várias partes do Império (onde se estabeleceram com a ajuda de

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capitais trazidos de seu país) e às atividades de comerciantes aven- dos deiicits do balanço de pagamentos do país importador, ela
tureiros que empregavam seu capital no estrangeiro, a prazos cur- pode conceder créditos maciços a seus compradores ou induzir po-
tos. (29) De natureza não muito diferente era o investimento de derosas organizações financeiras, às quais está ligada, a conceder
portjolio, que se baseava na aquisição de ações de emprêsas de um os financiamentos que se fizerem necessários. Se o Govêrno do
país por pessoas residentes em outro. De qualquer modo, nenhuma país importador pretende efetuar uma desvalorização monetária ou
dessas iniciativas assumiu grandes proporções ou representou um adotar outras medidas restritivas às importações, a firma pode exer-
esfôrço sistemático de investimento no estrangeiro. cer sua influência ou organizar uma pressão conjunta de certo nú-
mero de grandes emprêsas, a fim de evitar tais medidas hostis. Se
No capitalismo monopolista, a questão assumiu feição inteira-
a oferta das matérias-primas de que necessita é pequena mesmo no
mente diversa, neste como em muitos outros aspectos. A firma
país que as produz, ou se tais bens se dirigem a outros mercados
monopolista e oligopolista, que opera em condições de rápida di-
de exportação, a firma monopolista pode fazer grandes investi-
minuição de custos, anseia mais que sua predecessora competitiva por
mentos de capital no país de produção primária e assegurar, dessa
expandir suas vendas no exterior. De fato, mesmo que os preços
forma, a obtenção das matérias-primas.
vigentes no mercado externo sejam inferiores aos do mercado na-
cional, ela pode julgar lucrativo aumentar suas exportações e efe- Não quer isto dizer que as exportações de capital durante a
. tuar uma discriminação de preços, desde que essas reduções dis- fase do capitalismo monopolista naveguem a todo vapor e possam
criminatórias não venham a afetar sua posição no mercado na- assumir, ràpidamente, proporções cada vez maiores. Bem ao con-
cional. Encontrando-se também empenhada na produção em série e trário: além de algumas das fôrças que dificultam o investimento
sendo uma compradora em grande escala de matérias-primas, ela no país adiantado atuarem no mesmo sentido em relação ao estran-
tem que ter interêsse, não apenas ocasional, na oferta e no preço geiro, muitos obstáculos adicionais existem no caminho da exporta-
das importações que podem ser indispensáveis à condução de seu ção de capitais privados. Com efeito, os esforços das firmas mo-
negócio. Ela deve procurar conservar e desenvolver fontes estran- nopolistas e oligopolistas (e dos grupos financeiros a elas liga-
geiras de suprimento e se esforçar em assegurar, tanto quanto possí- dos) para investir no exterior estão necessàriamente condicionados
vel, uma posição monopolista com a ajuda de investimentos nos por sua política geral de negócios. Raramente elas se decidem a
"países de produção primária" - investimentos que pode realizar aplicar seus recursos na construção de fábricas em países estran-
ràpidamente, dadas as enormes quantidades de capital à sua dis- geiros que satisfaçam a procura dêsses mercados externos. Preferem,
posição. muito naturalmente, exportar para êsses mercados seus próprios
produtos, uma vez que os custos marginais dêles tendem a ser
O que uma pequena firma competitiva tinha (e ainda tem)
muito pequenos. Além disso, o seu interêsse pelo desenvolvimento
como dado imutável está, atualmente, sujeito à manipulação de
das fontes de matérias-primas estrangeiras não é tão grande que as
uma emprêsa gigante. O funcionamento mais ou menos automá-
induza a promover sua produção em condições ótimas. O investi-
tico do mecanismo do balanço de pagamentos, que equilibrava as
mento total que é realizado nesse setor depende, antes de mais
atividades de exportação e importação de inúmeras firmas e os
nada, da quantidade de matéria-prima que a emprêsa investidora
movimentos a curto e longo prazo de uma multidão de quantidades
pode utilizar em suas próprias instalações ou transacionar lucra-
relativamente pequenas de capital, não mais representa uma difí-
tivamente em seu país de origem ou em outros lugares.
culdade objetiva aos esforços de uma firma monopolista ou oligo-
polista. Se sua tendência a exportar se chocar com o obstáculo Isto significa que os princípios familiares de maximização dos
lucros em condições de monopólio e oligopólio - não "estragar
o mercado", não se empenhar em competições destruidoras com
(29) Cf. o interessante artigo de Ragnar Nurkse, "The Problem of rivais poderosos, etc. - são tão válidos para o investimento inter-
International Investment Today in the Light of Nineteenth Century Expe-
rience'", Economic Journal (dezembro de 1954). É desnecessário dizer nacional como o são para o nacional. E é evidente que .quanto
que a presente discussão não se refere a empréstimos que um Govêrno maiores forem as firmas em questão, que quanto maior fôr sua
o.btém de outro ou dos mercados privados de capital e determinados, prin-
cípalmente, por considerações políticas e militares.
importância em suas economias nacionais ou em qualquer ramo

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da economia mundial, tanto mais aptas estarão para avaliar a micas no exterior. O apoio governamental aumenta multo o seu
estrutura de qualquer mercado particular e tanto mais prudentes e poder competitivo, no que tange às limitações impostas à emprêsa
cautelosas serão em suas decisões de investimento. pela e trutura dos mercados internacionais. De qualquer modo, a
A êsses obstáculos "normais" ao investimento, adicionam-se, estabilidad da estrutura de qualquer mercado internacional é
ainda, no caso do investimento estrangeiro, outros impedimentos mpr b m mais precária do que qualquer estrutura de mercado
não menos importantes. Mesmo quando o investimento em outro d Um 'nll0 país. O número de firmas oligopolistas na economia
país parece interessante a uma grande emprêsa de um país capita- n trullnl f rçosamente maior que em qualquer país, como menos
lista adiantado, êle tem que ser considerado à luz das incertezas fr C]II nt ão os contrôles financeiros comuns, as diretorias inter-
sociais e políticas associadas a todo empreendimento no estrangeiro. 11 \ I , I • Em conseqüência, em se tratando de economia mun-
Essas incertezas aumentaram consideràvelmente na época do impe- I d, 1\ r trições à concorrência entre firmas oligopolistas de di-
rialismo, das guerras e das revoluções nacionais e sociais, e o risco I I 111 nacionalidades são menores e menos fôrça têm as consi-
resultante para as exportações de capital reduz enormemente sua ti 111 contrárias às táticas agressivas que as firmas oligopolis-
atratividade para possíveis investidores. Temores de conflagração, 111 podem adotar em um país. (31) O fato, porém, de que cada
de "motim, intraqüilidade e revolução", de medidas nacionaliza- 111 Jigopolista, em sua luta competitiva nos mercados internacio-
doras, de contrôles, cambiais ou do comércio exterior, têm, neces- 1\111 , pode apoiar-se no Govêrno de seu país, reduz ainda mais a
sàriamente, um efeito depressivo sôbre o volume do investimento influencia dos fatôres que propiciam a estabilidade da estrutura de
estrangeiro. rcados de um país. Uma vez que pode apoiar-se no poder eco-
De profundo significado, porém, é o fato - e fato que real- nômico, diplomático e militar do Govêrno de seu país, a firma
mente marca uma época - de que nenhum dêsses obstáculos à Iigopolista que opera no mercado mundial tem uma tendência ir-
expansão dos mercados externos e à exportação de capitais é acei- r lstível a tentar conquistar parcela maior do mercado ou a pro-
to passivamente pela emprêsa monopolista e oligopolista. Devido urar áreas adicionais para investimentos. Onde a concessão de
à circunstância de realizar parcela ponderável da produção total de créditos a compradores de um país cujo balanço de pagamentos
seu setor industrial (ou mesmo de seus país), de controlar enorme
deficitário pareça ser comercialmente desaconselhável, a emprêsa
massa de riqueza, de dispor de conexões poderosas e de grande
monopolísta pode fazer com que seu Govêrno forneça os emprés-
influência, uma emprêsa gigante pode, sõzinha ou em combinação
com outros grupos de interêsses semelhantes, desempenhar papel timos e donativos necessários ou assuma os riscos, garantindo os
tão importante na determinação da situação do govêrno de seu mpréstirnos feitos. Onde os gastos exigidos para eliminar ou redu-
país nos assuntos políticos e econômicos internacionais quanto na zir as atividades de uma firma competitiva de outro país são muito
determinação da política interna. (30) Em tôdas as suas operações randes, a emprêsa monopolista, com certa facilidade, consegue
na arena internacional, por conseguinte, uma grande emprêsa de um transferi-los ao Tesouro Nacional de seu país. Onde o desenvolvi-
país capitalista adiantado pode lançar mão não apenas de seu pro- m nto das fontes de matérias-primas em um país de produção pri-
digioso poder financeiro, mas também dos enormes recursos do mária não atrai uma firma ou o grupo financeiro a ela ligado de-
Govêrno de seu país. vido aos grandes custos da exploração inicial, ou da insuficiência
A disponibilidade dêsse apoio governamental aumenta conside-
ràvelmente a capacidade da firma monopolista ou oligopolista para
vencer as dificuldades que se antepõem às suas atividades econô- (81) Os membros de um setor industrial oligopolizado de um país
raramente concorrem entre si no mercado mundial. Os motivos que di-
fi ultam, se não impedem, a concorrência efetiva entre êles no país de
rlgom igualmente se aplicam a suas operações no estrangeiro. De fato,
(30) Sôbre o papel dominante desempenhado pela grande emprêsa muito freqüentem ente, oligopolistas de um país operam conjuntamente no
na política exterior das. Grandes Potências antes da Primeira Guerra Mundial, mercado mundial, fundando emprêsas comuns, agências compradoras, etc.
ver o brilhante estudo de G. W. F. HaIlgarten, lmperialismus vor 1914 (Mu- As leis antitrustes nos Estados Unidos contribuem especificamente para tais
nique, 1951). combinações (Webb-Pomerane) ,

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de rentabilidade esperada, o Govêrno de seu país pode ser induzi- 1I11111ulNlra ões, para fazer ou destruir políticos. (34) E, quando fôr
do a suportar todos os encargos financeiros decorrentes do empre- 111 'I irlo, o potencial militar do país imperialista pode ser uti-
endimento, ou a maior parte dêle. (32) 11I.lIdo para assegurar a "liberdade" das atividades da emprêsa mo-
O apoio governamental às emprêsas gigantes que concorrem lI! I li ta.

na economia mundial influencia a situação de outra forma ainda. A 'sim, a concorrência, na arena mundial, entre emprêsas oli-
A pressão política, econômica e militar exercida pelo país de ori- 01 li tas torna-se, de modo crescente, uma disputa pelo poder
gem da grande emprêsa sôbre outro, mais fraco e menor, pode 11\1' países imperialistas. O resultado da concorrência depende
excluir do mercado dêste último um concorrente originário de um 11 t apenas da fôrça das várias emprêsas, mas também do poten-
terceiro país. Um empréstimo a um país atrasado, concedido pelo 'lul político e militar de seus países de origem. Os limites a tal
xpansão do comércio externo ou do investimento estrangeiro, que
Govêrno do país de origem da firma oligopolista, pode estar li-
p dem ser atingidos pelas emprêsas monopolistas e oligopolistas
gado a condições capazes de fazer com que a balança competitiva
apoiadas pelo Govêrno de seu país, são estabelecidos pela resistên-
se incline, decisivamente, a favor daquela firma oligopolista. (33)
ia das emprêsas monopolistas e oligopolistas de outros países,
Os obstáculos ao investimento estrangeiro derivados das incer- igualmente apoiadas por seus respectivos governos, pela resistência
tezas políticas, do perigo de sublevações sociais ou da resistência das populações que habitam os países dependentes, bem como pela
dos governos dos países dependentes podem, da mesma maneira, medida em que as condições políticas e sociais internas facilitam ou
ser superados, com o auxílio dos governos das potências imperia- dificultam a subserviência dos governos aos interêsses das grandes
listas. Uma emprêsa gigante, muitas vêzes, não defronta com uma mprêsas.
nação fraca e pequena apenas como único. comprador de suas Esta circunstância causa, necessàriamente, consideràvel fluidez
exportações ou como fonte importante de suas importações e (ou) na vantagens derivadas pelos países capitalistas do comércio e do
créditos: ela pode, sozinha ou utilizando os instrumentos adequa- Investimento estrangeiros. A desigualdade do desenvolvimento de
Ruas políticas internas e do crescimento de seu poder nacional (e
dos do Govêrno de seu próprio país, intervir ativamente na polí-
da fôrça de seus grupos industriais e financeiros) ocasiona mudan-
tica interna daquela nação para comprar, instalar ou depor suas
'us contínuas em suas posições relativas na economia mundial. Pe-
ri dos de paz e estabilidade precária são ràpidamente substituídos
I r condições de perturbação e fricção. A coexistência "normal"
(32) Cf. meu artigo "The Rich Got Richer", The Nation (17 de ja-
d ntro de cartéis e acôrdos de quotas gera conflitos agudos e guer-
neiro de 1953).
(33) "Em certas partes. do mundo, as grandes ernprêsas americanas
a aberta. A intensidade do impulso que uma economia capitalista
têm que negociar, franca e abertamente, com o Govêrno estrangeiro, com ( liantada recebe de suas relações externas difere não apenas de
ou sem assistência do Departamento de Estado dos Estados Unidos. As um a outro país, mas também de um a outro período histórico:
companhias petrolíferas. americanas que operam na Venezuela, as compa- m uma dada época, o impulso é maior para um determinado país;
nhias que se dedicam ao cobre no Chile, as que negociam com açúcar na
República Dominicana, tratam diretamente com as autoridades dêstes países 'fi outra, para um ou vários de seus rivais.
Ainda que a prática dos consórcios esteja longe de ser uniforme, parece que
a maioria das grandes empresas americanas prefere tratar diretamente, e
não por intermédio das Embaixadas americanas ou funcionários diplomá-
ticos, embora os diplomatas possam auxiliar em algumas circustâncias. Al-
gumas das maiores emprêsas recebem relatórios periódicos e cuidadosos
sôbre as atitudes e aptidões dos funcionários diplomáticos americanos, clas-
sificando-os segundo sua provável utilidade para a ampliação ou proteção (84) Os exemplos dessa situação são de tal modo generalizados que
dOE. interêsses da companhia". A. A. Berle, Jr., The Twentieth Century Jl dom ser tomados ao acaso. Quer olhemos para as práticas britânicas ou
Capitalist Revolution (Nova York, 1954), págs. 131 e segs. Deve-se notar p"ro as americanas no tocante aos países do Oriente Próximo, da América
que os antecedentes do Professor Berle emprestam excepcional importância 1,1\(ll1u, ou do Sudoeste Asiático, as. formas de manipulação pelo imperia-
ao seu testemunho. ~le foi Secretário de Estado Adjunto de 1938 a 1944 11 nl das condições políticas das nações menores e mais fracas são sempre
e Embaixador dos Estados Unidos no Brasil de 1945 a 1946. 1\ 111 smas. Mais. adiante voltaremos a êsse ponto.

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Po m i impressionante que seja essa visao, porém, deve-se reco-
v nh Cr que ela não penetrou em tôdas as minúcias da questão. O
til tem sido decisivo para o sucesso espetacular da emprêsa mo-
o montante de excedente econômico que é "automàticamente" u p li ta ao tornar o corpo político dos países capitalistas adianta-
absorvido pelas relações econômicas externas' está, porém, long~ r s um instrumento dócil de seus interêsses no estrangeiro é o fato
de fornecer uma medida, ainda que aproximada, da importância ti que essa política não se baseia exclusivamente, e nem mesmo
dessas relações para a economia das potências imperialistas. O que principalmente, no atraso das massas, na corrupção de funcioná-
é de primordial significação é seu impacto sôbre o escopo e a na- r!o .' na perfídia dos políticos. O fato de que a política do impe-
tureza das atividades governamentais nos países capitalistas adian- rialismo pode ser realmente benéfica ao homem comum de um
tados. De fato, como mencionamos anteriormente, a posição com- país imperialista foi claramente percebido por Lênin, que dedicou
petitiva, na economia mundial, de uma emprêsa monopolista ou atenção à existência de uma "aristocracia operária" que participa
oligopolista depende muito do apoio amplo e sistemático do Go- dos lucros extraordinários da ernprêsa monopolista. (36) Ele foi
vêrno de seu país de origem. O que bastava há um ou dois séculos, antevisto, talvez com maior amplitude ainda, por Engels, que es-
hoje não é suficiente. Nem uma démarche drástica, mas ocasional reveu, profeticamente, o seguinte em uma carta a Marx (7 de
do Foreign Ojfice, nem mesmo o envio de um navio de guerra utubro de 1858): "O proletariado inglês está-se tornando cada
a um lugar conveniente - que nos velhos tempos bastavam para vez mais burguês, a ponto desta nação, a mais burguesa de tôdas,
"normalizar" as relações de um país não-razoável com os homens fi~arentemente apresentar a tendência para possuir uma aristocra-
de negócios de uma grande potência - representam, atualmente, era burguesa e um proletariado burguês, do mesmo modo que uma
o tipo da intervenção governamental exigida. O que é necessário burguesia. Para uma nação que explora o mundo inteiro isto é
hoje, em têrmos econômicos, é a concessão de grandes emprésti- . m ~ú~ida, compreensível". (37) De fato, os frutos da' polític~
mos, donativos e "assistência técnica" aos países que interessam às Imperialista não se destinam somente à nata plutocrática de um
atividades externas das grandes emprêsas. O que é necessário hoje, país capitalista adiantado e seus dependentes e representantes; êles
em têrmos políticos, é o estabelecimento de bases militares onde afetam enormemente a existência de tôda a sociedade que vive
fôr possível, para assegurar estabilidade política e social, governos ob o domínio do capitalismo monopolista.
dóceis e política social e econômica favorável em todos os países O que interessa aqui não são os aumentos da renda e do em-
acessíveis. Qualquer equilíbrio que se atinja dessa forma é, contu- , rêgo que um país imperialista pode usufruir do seu comércio ex-
do, extremamente instável. Pequenas e grandes guerras marcam t lor e dos investimentos que efetua no estrangeiro. ~tes não
o reajustamento das condições mundiais às mudanças de poderio , r cisam ser muito grandes, ainda que tenham enorme importância
das potências imperialistas concorrentes, guerras estas que, não " ra as grandes emprêsas que os realizam e para os grupos a elas
obstante, resultam em novos equilíbrios de duração incerta.
A constelação de condições sócio-econômicas em um sistema
capitalista monopolista é tal que condiciona à política do imperia- 111. tintos de. ~oDservação dos membros das classes proprietárias, cujos : ínte-
ses adquiridos e dominação de classe são melhor protegidos desviando
lismo a opinião pública, os funcionários de maior importância, os I c trent~s da energia política dos assuntos internos para os externos. A
legisladores e os líderes intelectuais. Escrevendo há mais de cin- nqulescência e mesmo o apoio ativo e entusiástico do corpo político de
qüenta anos, Hobson nos deu um esbôço dêsse mecanismo. (35) 11m nação a um curso fatal a seus próprios e verdadeiros interêsses são
II~ urados, em parte, I?or apelos à missão da civilização, mas. principal-
1111 nto Jogando com os mstintos primitivos de uma raça". J. A. Hobson,
tnurortaíism (Londres, 1902), pág. 212.
(35) "O agente diretor e controlador de todo o processo ... é a
pressão dos desígnios industriais e financeiros, operada em prol dos inte- (80) E. Varga e L. Mendelsohn (eds.), New Data for Lenin's Impe-
rêsses materiais diretos de curto prazo de grupos pequenos, hábeis e bem rlallsm - The Highest Stage oi Capitalism (Nova York, 1940), pago 224.
organizados. ~ses grupos asseguram a cooperação ativa dos estadistas e (87! Marx e Engels, Selected Correspondence (Nova York, 1934), pág.
dos blocos políticos que detêm o poder dos partidos, em parte associando- II~. ma mudança de pequena importância foi feita pelo autor na tra-
se diretamente a seus. esquemas de negócio, em parte apelando para os 11111; ( inglêsa do trecho citado.

180 181
. [

associados. (38) De fato, na medida em que as vantagens ime- fato de os instrumentos da política imperialista ocultarem
diatamente relacionadas às atividades econômicas externas consti- 1"0, totalmente seus desígnios originais tem importantes implica-
tuem a razão principal da promoção da política imperialista, seus Graças à circunstância de que êles oferecem imensa área para
fundamentos políticos e sua justificação ideológica são necessària- aplicação do excedente econômico superabundante, os dispêndios
mente débeis. É impossível manipular, pela fraude e pelo subôrno, com os instrumentos da política imperialista tornaram-se a princi-
a administração de uma nação adiantada, a não ser durante muito pal forma de gastos compensatórios, o cerne da intervenção gover-
pouco tempo. Não pode, também, a filosofia da "tarefa do homem namental em busca do "pleno emprêgo". Isto porque esta moda-
branco" e a doutrina da superioridade racial suportar, durante muito lidade de dispêndio governamental é plenamente aceitável ao capi-
tempo, o contraste gritante entre os enormes custos humanos e tal monopolista. Ela beneficia a grande emprêsa, proporcionando-
materiais do imperialismo e seus resultados: lucros pródigos para lhe procura adicional para sua produção sem interferir em seus
um punhado de grandes emprêsas. fuse contraste só pode desa- mercados normais; não tem nenhuma das desvantagens dos outros
creditar os porta-vozes corruptos do imperialismo e destruir suas tipos de dispêndios governamentais e garante, ao mesmo tempo,
fábulas hipócritas e fraudulentas, limitando a circulação de uns alto nível de lucratividade e níveis adequados de emprêgo. Assim,
e de outras aos estratos mais inferiores da política e da "cultura" a manutenção e mesmo a expansão da política imperialista e de
imperialistas. gastos militares a ela relacionados são apoiados não apenas por seus
Essa questão aparece sob perspectiva inteiramente diversa beneficiários diretos, mas também pelas emprêsas que auferem,
quando se levam em conta não apenas os produtos diretos da po- com o apoio do Govêrno, lucros imensos de suas atividades no
lítica imperialista para a sociedade de um país capitalista adian- estrangeiro, pelas firmas que fornecem equipamento militar ao
tado, mas também quando se visualiza a totalidade de seu efeito. Estado, por generais e almirantes ansiosos por não serem dispen-
Tudo assume proporções gigantescas: os empréstimos e concessões sados de suas limitadas responsabilidades, por intelectuais que de-
aos chamados governos amigos dos países dependentes, os gastos senvolvem sua atividade em organizações que devem sua existência
com as instalações militares necessárias para "proteger" certos ter- a essa política e pela "aristocracia operária" que se beneficia das
ritórios ou para reforçar certas políticas no estrangeiro, os dispên- migalhas caídas das mesas monopolistas. Os dispêndios militares
dios com vastas organizações destinadas a promover a propaganda, em grande escala apresentam-se, assim, como essenciais à socie-
a subversão e a espionagem, tanto nas áreas subjugadas como em dade como um todo, a tôdas as suas classes, grupos e estratos cujos
outros países imperialistas concorrentes ou "incertos". Embora cons- empregos e rendas dependem da resultante manutenção eI!l alto
tituam grande parcela do Produto Nacional Bruto (cêrca de 20 % , nível da vida econômica da nação.
em média, nos últimos vinte anos nos Estados Unidos), sua impor- Estabelece-se, em tais circunstâncias, ampla harmonia entre os
tância não se traduz plenamente por uma percentagem. Ela se interêsses da emprêsa monopolista, de um lado, e os da população,
tornará mais clara quando se compreende que a parcela do exce-
de outro. A fórmula unificadora dêsse "imperialismo do povo" -
dente econômico absorvida por êsses gastos é substancialmente
para usar a correta expressão de Oskar Lange - é o "pleno emprê-
maior. Dêsse modo, o impacto dessa forma de utilização do exce-
dente econômico sôbre o nível da renda e do emprêgo de um país go". Com essa fórmula em sua bandeira, a emprêsa monopolista
capitalista adiantado transcende em muito o efeito gerador de renda tem pouca dificuldade em conseguir apoio popular para o seu do-
e de emprêgo das próprias atividades econômicas externas. Bste mínio monolítico; para controlar ampla e abertamente o Govêrno;
último aspecto tem, atualmente, importância apenas ocasional em para determinar, sem maior oposição, a política interna e externa,
comparação com o primeiro citado. ~ste, sim, é a pedra sôlta que que deve ser por êste seguida. Essa fórmula atende ao movimento
põe em movimento uma imensa rocha. operário, satisfaz às exigências dos agricultores, contenta o "público
em geral" e destrói, no nascedouro, tôda oposição ao regime do
(38) Um caso especial, contudo, é a Inglatrera, onde o comércio e o capital monopolista.
investimento externo constituíram, por si sós, grandes fontes de renda
nacional.

182 183
lutos dêsse desperdício - um certo aumento do consumo e um
VI (incerto) acréscimo do investimento? (40)
A irracionalidade dos economistas, porém, não é apenas o
Esta fachada brilhante de prosperidade econômica e coesão reflexo da irracional idade do sistema econômico e social que pro-
política e social é, porém, ilusória. Ela pode fàcilmente dar a im- curam servir e perpetuar. (41) Ela é, em verdade, um compo-
pressão de que o problema básico do capitalismo monopolista - nente importante de todo o aparato ideológico que continuamente
o da superprodução e do subemprêgo - foi solucionado e que condiciona as pessoas às exigências do capitalismo monopolista. De
a estabilidade e o funcionamento do sistema estão, "em princípio", fato, sob a égide do princípio de que "qualquer dispêndio é bom",
assegurados. Essa visão do capitalismo - expressa, de diferentes perde todo o sentido qualquer indagação sôbre 'a racionalidade da
maneiras, pela economia burguesa - é apresentada, atualmente, utilização dos recursos. Todo e qualquer gasto por parte da emprê-
de modo bem mais sofisticado pelos teóricos keynesianos do pleno sa monopolista, independentemente de sua natureza, produtividade
emprêgo. Defrontando com persistente superacumulação e com ou de sua relação com o bem-estar humano, não é apenas santifica-
insuficientes áreas para aplicação do excedente econômico e tendo do por ter passado pelo duro teste da lucratividade, mas também
bem presente a teoria da determinação, a curto prazo, do nível de beatificado como essencial à manutenção do nível de renda e do
renda, os keynesianos proclamam, como sabedoria econômica su- emprêgo. (42) Tal princípio elimina, ao mesmo tempo, qualquer
. prema, que qualquer dispêndio promove a prosperidade, que qual- preocupação com a natureza e os objetivos dos dispêndios governa-
quer utilização do excedente econômico contribui para a melho- mentais, ao considerá-Ios, em qualquer circunstância, como bem-
ria do bem-estar geral. E isto fazem sem demonstrar qualquer vindo suplemento à procura global, suplemento êste que conduz, ne-
sinal de insatisfação com êsse profundo modo de ver e sentir o cessàriamente, à expansão da atividade econômica.
problema. (39) Quando se sentem incomodados pela manifesta Não há dúvida que o desperdício sistemático de grande par-
irracionalidade de uma posição que consagra como bem supremo o cela do excedente econômico com a realização de dispêndios mi-
que, no máximo, poderia ser considerado como mal menor - em- litares, com o aumento de estoques redundantes e com a multipli-
bora, no caso dos gastos com a preparação de guerras, mesmo cação do número de trabalhadores improdutivos, pode fornecer o
esta consideração seja radicalmente falsa - tais economistas recuam "impulso externo" necessário à economia do capitalismo monopo-
para "posições previamente preparadas" e afirmam que um aumen- lista, pode servir como remédio de efeito rápido contra as depres-
to da renda e do emprêgo, tão logo é obtido, determina uma expan-
são da procura global e conduz, em conseqüência, a um aumento
(40) Em presença de grande capacidade ociosa, o montante do inves-
do consumo, bem como a certo investimento adicional, induzido timento "induzido", resultante de uma elevação da procura dos consumido-
pela ampliação do mercado. Não existe, provàvelmente, exemplo res, pode ser efetivamente muito pequeno e pode-se traduzir, fundamen-
melhor do que êste para demonstrar a que absurdos pode conduzir talmente, em aumento de estoque.
(41) Uma coleção de ensaios sôbre o pleno ernprêgo, escritos por
o exercício da "inteligência prática". O que se pode dizer de um um grupo de keynesianos e editados há alguns anos por S. E. Harris, deno-
raciocínio que justifica o desperdício de enormes quantidades de minava-se, sintomàticamente, "Saving American Capitalism" ("Salvando o
recursos humanos e materiais com a simples menção dos subpro- Capitalismo Americano").
(·12) Diga-se de passagem que o próprio Keynes, embora vivendo em
uma época em que a razão não havia sido completamente banida do templo
das Ciências Sociais, foi inteiramente ambivalente sôbre essa questão. Por
(39) Comentando Malthus, Ricardo diz que sua concepção implica- um lado observava que "não há muita evidência, a partir da experiência,
ria que "um grupo de trabalhadores improdutivos é tão necessário e útil de que a política de investimentos que é socialmente vantajosa coincida
à produção futura como um fogo que consumisse, nos armazéns das pró- com a que é mais lucrativa". General Theory o] Employment, Interest and
prias indústrias, os bens que êsses trabalhadores improdutivos normalmente Money (Londres, 1936), pág, 157. Por outro lado, observou que não há
consumiriam". Acrescenta ainda: "não posso exprimir numa linguagem tão "razão para supor que o sistema existente empregue ruinosamente os fatôres
forte como eu o sinto meu espanto sôbre as várias proposições formuladas de produção que são utilizados... É na determinação do volume e não
nesta seção". Ricardo, Works (ed. P. Sraffa) , (Cambridge, 1951), vol. lI, na distribuição do emprêgo efetivo que o sistema existente falhou". Ibid.,
págs, 421 e 423. . pág. 379. .

184 185
sões, pode "aliviar a dor" do desemprêgo crescente. Mas, como 11I111I médio de produtividade tem atingido 3% por operano. Isto
no caso de outros narcóticos, a aplicação dessa picada no braço é significa que a realização de um volume qualquer dado de produção
limitada e seu efeito pouco duradouro. E o que é pior, freqüen- requer o emprêgo de 3% a menos de mão-de-obra cada ano. Diante
temente agrava o estado a longo prazo do paciente. di so, se levarmos em conta que o aumento natural da fôrça de
Um certo volume de dispêndios governamentais eleva o emprê- trabalho é de cêrca de 1% ao ano, concluiremos que a simples re-
go e a renda a um nôvo nível. Essa elevação é reforçada por certa produção de um dado volume de produção física determinará um
quantidade de investimento privado realizado diretamente em res- aumento anual do nível de desemprêgo de cêrca de 4% da fôrça de
posta à procura governamental de equipamento militar: a indústria trabalho. É óbvio que tal crescimento do desemprêgo assumirá,
de armamentos exige, de modo contínuo, a criação de novas unida- ràpidamente, proporções muito maiores do que qualquer magnitude
des produtivas, a rápida evolução tecnológica, a introdução imediata que se possa considerar "desejável" para o exército industrial de
de meios e métodos de produção mais atualizados. (43) A re- reserva. Em outras palavras, para que o "pleno emprêgo" seja
sultante expansão da procura global amplia, por sua vez, o mer- mantido - mesmo descontando-se o volume de desemprêgo con-
cado para a emprêsa capitalista. Um aumento da produção que siderado como necessário pelos interêsses dominantes - a produ-
anteriormente redundaria em preços mais baixos e lucros reduzidos ção tem que aumentar continuamente, acompanhando o cresci-
pode agora ser realizado sem que se verifiquem tais repercussões. mento da produtividade e a expansão da fôrça de trabalho.
Isto estimula o investimento tanto no setor monopolista como no Esta conclusão nos traz de volta ao nosso problema inicial.
competitivo da economia - em maquinaria moderna e ampliação de Tão logo o sistema se adapta ao nôvo nível de renda e emprêgo,
capacidade, no primeiro, e na criação de novas emprêsas, no se- êsse nôvo nível torna-se novamente a "situação dada", cujas pro-
gundo. (44) É óbvio que êsse aumento da capacidade produtiva priedades foram discutidas anteriormente. A procura global se
global da nação nem mesmo se aproxima, em volume e composi- estabiliza; as emprêsas monopolistas e oligopolistas atingem nova-
ção, do que se verificaria se o montante de excedente econômico mente suas posições ótimas em relação à produção e aos preços;
desperdiçado tivesse sido aplicado em investimentos racionalmente o setor competitivo da economia volta à primitiva situação de
orientados. Todavia, em um país tão rico como os Estados Unidos, superpovoamento e de lucros baixos. Se, porém, o aumento de
mesmo êsse investimento "induzido" tem enorme importância. :f:le renda resultante da injeção dos gastos governamentais fôr sufi-
causa um aumento da. produtividade que ultrapassa em muito cientemente grande, êle pode gerar um estado de espírito de oti-
aquêle que teria sido obtido se não tivesse havido investimento mismo e "confiança", sob o qual não s6 os pequenos homens de
líquido. Estimou-se que a simples substituição de maquinaria usada negócios aventureiros, mas também as habitualmente cautelosas e
por um equipamento mais moderno e eficiente causaria um au- prudentes administrações dos grandes consórcios, consideram que o
mento anual da produtividade de 1,5 % por operário. Graças à céu é o único limite à sua expansão. Sob essa influência, aumen-
existência, porém, de investimento líquido, como o que se tem ta-se a capacidade produtiva da economia em grau maior do que
realizado sob o impacto dos "impulsos externos", êsse aumento o permitido pelo nôvo nível da procura global. Embora êsse pró-
prio investimento adicional determine um aumento na renda, a
ampliação resultante da procura não pode acompanhar a expansão
(43) A indústria de armamentos torna-se, por assim dizer, uma perene da capacidade produtiva. Torna-se maior, então, a capacidade
"nova indústria", fornecendo imensa área para aplicação de fundos inves- ociosa tanto nos ramos competitivos da economia como nas indús-
tíveis, com a vantagem adicional de que o Govêrno está sempre pronto
a assumir os riscos e custos da pesquisa, exploração e experimentação
trias monopolizadas e oligopolizadas. A situação com que o sis-
iniciais. tema econômico. defronta antes, ressurge agora de forma ampliada
(44) Deve-se notar que um aumento da produção da parte monopo- e mais aguda. De fato, na nova "situação dada", a capacidade
lista e oligopolista da economia exige, quase que autornàticamente, expansão ociosa é maior; em conseqüência, os incentivos para investir são
do número das emprêsas quase-independentes, que conseguem levar uma
mais fracos. E isto se verifica quando o excedente econômico da
vida mais ou menos adequada nos limites dos impérios industriais e co-
merciais: oficinas de reparos e serviços para automóveis, mercearias e la-
sociedade é não apenas maior em têrrnos absolutos, mas constitui
vanderias, agência de seguros e pequenas casas bancárias. parcela consideràvelmente maior na procura e renda globais. Êsse

186 187
último fato se deve fundamentalmente ao método de financiamen-
to do dispêndio governamental, do qual nos ocupamos mais de-
aspectos mais negativos, no que diz respeito ao mundo dos negó-
cios - põe em perigo tôda a complexa estrutura de crédito do
1
moradamente. capitalismo moderno e constitui ameaça considerável aos bancos e
às organizações financeiras. (45) Além disso, ao promover o de-
senvolvimento de uma clivagem entre os interêsses dos credores
VII
e dos devedores, ao expropriar as novas classes médias e os que
vivem de rendimentos, ao deprimir a renda real dos operários,
Lembremos que uma política governamental que vise a atingir ela enfraquece seriamente a autoridade do Govêrno e rompe a
qualquer nível predeterminado de emprêgo terá que se basear, fun- coesão política e social da ordem capitalista. É desnecessário assi-
damentalmente, em dispêndios suficientemente grandes para cobrir nalar que o perigo da inflação e de suas conseqüências torna-se
o hiato entre o excedente econômico que se efetiva a êsse nível de tanto maior quanto mais freqüente fôr o recurso aos deficits. A
renda e o volume de investimento privado que se prevê ocorrerá espada de Dâmocles torna-se cada vez mais pesada, e cada vez
em tais condições. É evidente que quanto maior fôr êsse hiato, maior se torna o risco de sua queda sôbre a economia. Essa
e quanto mais elevado o nível de emprêgo que se quer alcançar, medida, portanto, tem que ser adotada com a maior parcimônia,
maior será o dispêndio necessário. O procedimento mais simples reservando-se apenas para situações excepcionalmente críticas, como
para financiar tais dispêndios parece ser, à primeira vista, a criação as de guerra ou de depressão particularmente aguda. É justamente
de deficits orçamentários financiados por emissão de moeda, ou a finalidade dos gastos governamentais - armamentos - que torna
por empréstimos às emprêsas privadas, às organizações financeiras os deficits orçamentários um método de financiamento inconveniente,
e a particulares. Embora aparentemente viável e não problemático, que aumenta o perigo de guerra quando as pressões inflacionárias
êsse método é, entretanto, dificilmente praticável durante certo pe- se tornam maiores.
ríodo de tempo. Se os dispêndios governamentais em causa se Em se tratando, portanto, de política a longo prazo, os dis-
traduzem em investimento produtivo, a contrapartida dos crescen- pêndios governamentais necessários à manutenção de um predeter-
tes montantes de renda monetária e quase-monetária nas mãos do minado nível de renda e emprêgo têm que ser, pelo menos aproxi-
público será um volume ràpidamente crescente de produção. Como, madamente, equilibrados pela receita tributária. Isto significa, con-
porém, o grosso dos dispêndios governamentais não se dirige para tudo, que os dispêndios governamentais têm que permanecer dentro
a criação de novas unidades produtivas, mas se traduz em aumento de limites mais ou menos estreitos. É da natureza do mecanismo
dos estoques de equipamento bélico e de outros "ativos" semelhan- tributário normalmente empregado no capitalismo, o fato de que,
tes, a política de deficits governamentais necessàriamente aumenta ao mesmo tempo que absorve parte do excedente econômico
a proporção entre as rendas monetárias e quase-monetárias nas mãos (dos lucros das emprêsas e da poupança pessoal ), impõe, necessà-
do público e a produção que normalmente se destina ao mercado. riamente, cortes ao consumo. Daí o paradoxo de que quanto maior
Isto, em troca, cria uma ameaça sempre crescente de inflação. Sob o montante de excedente que o Govêrno precisa despender para
o impacto de circunstâncias imprevisíveis (em particular, de amea- manter o nível de renda e emprêgo desejado, tanto mais tende a
ças de guerra e de escassez que dela resulta), os detentores de
tornar ainda maior o próprio excedente ao. apoderar-se de partes da
rendas monetárias e quase-monetárias podem subitamente procurar
renda que, de outro modo, seriam despendidas em consumo. A si-
transformá-Ias em bens tangíveis - cuja oferta se reduz então,
tuação é controlável apenas na medida em que o montante total
devido à especulação - e causar um movimento inflacionário na
economia. Embora sob o impacto da inflação os lucros aumentem da cobrança de impostos é suficientemente "razoável". Como já
e a redistribuição de renda resultante favoreça a classe capitalista, vimos, as firmas monopolistas e oligopolistas estão sempre prontas
esta classe não se mostra nunca disposta a arriscar as conseqüências
de um declínio maior do poder aquisitivo da moeda. Eliminando
a possibilidade de cálculo racional, exaurindo os ativos líquidos das (4~) Schumpeter chegou mesmo a considerar um mecanismo de cré-
dito operando convenientemente como a conditio sine qua non para o fun-
firmas e dos capitalistas, a inflação - e êste talvez seja um dos seus cionamento do sistema capitalista.

188 189
a transferir todos os seus encargos com impostos, ou boa parte percussões de tal política sôbre a estabilidade social do sistema ca-
dêles, aos compradores de seus produtos. O excedente econômico pitalista e os perigos políticos que acarretaria seriam piores do que
adicional que é eliminado do sistema provém, por conseguinte, do os resultantes de uma inflação contínua.
setor competitivo da economia que não goza dessa situação favo- Não mencionamos ainda, porém, uma forma de ação gover-
rável, bem como do grosso da população, que consiste antes de namental para elevar o nível de renda e emprêgo - a medida mais
"suportadores de preços" ("price takers"), do que de criadores próxima dos corações tanto das emprêsas como do público: um
de preços ("price makers'íy - para usar a expressão do Prof. aumento do dispêndio global mediante uma redução de impostos.
Scitovsky. (46) Somente por tentativas é que se pode determinar Permanecendo inalterado o volume de dispêndio governamental,
até que ponto pode crescer o pêso dessa carga. Ele depende êsse método leva ao que já se chamou de "deficit sem dispêndio".
obviamente de sua distribuição entre diferentes grupos de rendas, Evidentemente, êle está exposto às mesmas objeções feitas às outras
embora não se deva esquecer que a redução resultante da renda formas de deficits. O que é ainda mais sério, é que sua eficácia
real de certos setores da população é acompanhada por uma ex- é muito limitada. Isso se deve à assimetria que existe entre os
pansão do emprêgo que afeta favoràvelmente a renda real de efeitos de um aumento da receita tributária e os de uma redução.
outros setores. Parece que, no conjunto, o balanço de interês- Dentro dos limites traçados pelos padrões de vida vigentes, pelos
ses resultante é tal que um nível bastante elevado de impostos hábitos de disciplina fiscal, etc., nos países capitalistas adiantados,
pode ser mantido durante muito tempo, dada uma atmosfera po- o primeiro sempre aumenta o excedente econômico, pelo menos a
lítica favorável. (47) curto prazo. Quando as alíquotas dos impostos são elevadas, algum
O quadro mudaria consideràvelmente se os dispêndios gover- excedente econômico - parte dos lucros e da poupança - passa
namentais necessários para atingir um preterminado nível de em- às mãos do Govêrno. Concomitantemente, porém, "transfere-se"
prêgo (para não falar no verdadeiro pleno emprêgo!) forem muito renda adicional para o excedente econômico - a parcela de renda
grandes e, ainda mais, se tiverem de ser financiados por um' or- que, de outro modo, teria sido despendida em consumo. De fato,
çamento equilibrado. Embora se tenha mostrado que, tecnica- a essência da política fiscal no sistema capitalista foi sempre mi-
mente, isto não é impossível, (48) sua viabilidade prática está com- nimizar a parcela da receita tributária que incide sôbre o excedente
pletamente fora de cogitação. Dada a natureza dos dispêndios go- econômico apropriado pelo setor privado e aumentar, simultânea-
vernamentais, êles desviarão parcela exorbitante da produção total mente, a parcela que constitui o excedente econômico adicional.
para despesas militares e outros fins improdutivos semelhantes - Esse princípio básico, evidentemente, está implícito em tôdas as
"nacionalizando" e redistribuindo, ao mesmo tempo, o que restar reduções de impostos no capitalismo. Elas são calculadas de modo
do produto nacional. Em tais circunstâncias, a transferência dos a maximizar os montantes devolvidos ao excedente econômico apro-
priado pelos particulares e a minimizar as somas libertadas, por
encargos tributários se tornará muito difícil, se não impossível, e o
assim dizer, do excedente econômico e que se tornam disponíveis
pêso - dos impostos que teria que ser suportado pelas emprêsas com- para o consumo. (49)
petitivas, pela nova classe média, pelos agricultores, pelos operários
Em conseqüência, as reduções de impostos que se realizam não
e por outros grupos se tornaria simplesmente proibitivo. As re- exercem um impacto considerável sôbre o nível de consumo. Para
conseguir isso, elas teriam que se aplicar fundamentalmente aos
encargos tributários suportados pela maior parte dos consumidores,
(46) Essas são, portanto, sintomàticamente, as camadas que clamam
com mais energia por menores impostos!
isto é, pelos grupos de renda mais baixa. Teriam que assumir a
(47) A contínua produção e reprodução dessa atmosfera torna-se, dêsse
modo, não apenas um desiderato político, mas também uma extrema ne-
cessidade econômica para o capitalismo monopolista. (49) Isso é grandemente facilitado pelo fato de que ai reduções de-
(48) Para um excelente sumário da argumentação, ver Paul A. Samuel- siguais e regressivas de impostos são sempre politicamente mais fáceis de
son, "Simple Mathematics of Income Deterrnination", em Lloyd Metzler e realizar do que os aumentos desiguais e regressivos. As primeiras não
outros, Income, Employment and Public Policys Essays in Honor oi Alvin H. impõem novos encargos a ninguém e são, portanto, menos notadas que os
Hansen (Nova York, 1948), bem como a literatura aí mencionada. últimos,

190 191
forma de maiores isenções de impostos, de eliminação dos impos-
o efeito pode ser bastante diferente quando se considera o
tos de vendas sôbre os bens de consumo generalizado, etc. Não setor competitivo da economia. Aí, uma redução dos impostos pode,
é necessário repetir que êsse tipo de política tributária não goza na realidade, causar uma expansão do investimento, na medida em
da estima da classe capitalista, e as reduções de impostos que se que tal investimento tenha sido efetivamente dificultado pelo ca-
realizariam nas últimas décadas seguramente não seguiram êsse mo- ráter insatisfatório dos lucros previstos ou pela falta de fundos in-
dêlo. Um diminuição da carga tributária dos setores de renda ele- vestíveis. É, entretanto, bastante duvidoso, à luz da intensidade
vada entretanto, terá sempre uma influência relativamente peque- de capital relativamente baixa do setor e de sua relativa contração
na sôbre o dispêndio global dos consumidores. Ela aumentará, isto a longo prazo, que tal expansão possa assumir proporções suficien-
sim, o volume do excedente econômico que se efetiva sob a forma tes para' exercer um impacto significativo sôbre a economia em seu
conjunto. Mais duvidosa ainda é a racionalidade de uma política
de poupança individual. (50)
que cria incentivos ao investimento nas já superpovoadas áreas da
Não há muita razão para acreditar que uma redução dos
distribuição, do comércio, dos serviços e de outras atividades com-
impostos sôbre os lucros e a resultante elevação do excedente eco-
petitivas semelhantes.
nômico apropriado estimularão muito o investimento privado. Como
Voltemos, porém, ao ponto do qual nos desviamos para estas
já vimos, a inadequação do investimento privado que se observa no
extensas considerações: qualquer que seja a maneira pela qual possa
capitalismo monopolista não pode ser atribuída à insuficiência de
ter sido financiado o dispêndio governamental que deu início à
capital investível ou ao nível insatisfatório de lucros (após o pa-
expansão original, seu resultado é não sõmente um aumento da pro-
gamento de impostos). Enormes lucros e superabund~ncia d~ f~n-
dução global, mas também uma elevação tanto da grandeza abso-
dos investíveis são característicos, em uma economia capitalista
luta do excedente econômico como de sua participação relativa na
adiantada, dos setores monopolistas e oligopolistas da eco~omia e
renda nacional. (51) Assim, para evitar o crescimento do desern-
coexistem com os lucros baixos e com a escassez de capital que
prêgo no período seguinte, a utilização do excedente econômico -
caracteriza o setor competitivo. Assim, se não há uma expansão
por parte das emprêsas e (ou) do Govêrno - deve não apenas
geral da procura, uma redução dos impostos sôbre ?s lucro~ não
permanecer no nível original, mas aumentar. Nada, porém, que
incentiva as firmas monopolistas e oligopolistas a ampliar seus mves-
se assemelhe ao aumento necessário pode ser esperado do investi-
timentos, pois sua relutância em investir não foi motivada em pri-
mento privado. Bem ao contrário: como já vimos, tão logo o nôvo
meiro lugar pela exigüidade de sua remuneração corrente ou pela
plano de renda e da procura tenha sido atingido, o investimento
escassez de capital. Tudo a que uma redução de impostos pode
privado tende a permanecer no mesmo nível. O que é pior, o au-
conduzir, neste caso, é ou permitir um grau mais elevado de. fi-
mento da capacidade ociosa torna o sistema menos sensível aos es-
nanciamento interno - de investimentos que se esperavam realizar
tímulos de posteriores dispêndios governamentais. Após se ter
de qualquer modo - privando assim alguma poupança pess~a~ da
criado uma grande indústria de armamentos, após uma onda con-
aplicação que ela poderia, de outro modo, encontrar adq.umndo
siderável de procura crescente e "confiança" ter gerado grandes
ações de emprêsas que necessitassem aumentar o seu capital; ou
investimentos, as possibilidades de posterior investimento "induzi-
proporcionar lucros retidos (e não-investidos) mais e:evados e (o~)
do" tornam-se muito menores. E isto quando a possibilidade de
pagamentos de dividendos maiores, no caso de se nao t,er p~aneJa-
do nenhum investimento adicional. Em ambos os casos, e mais pro-
vável que a redução de impostos aumente a poupança tanto das . (51) Uma excelente ilustração dêsse fato é fornecida pelo desenvol-
emprêsas como dos indivíduos do que conduza a maior volume de vímento dos Estados Unidos no pós-guerra. Enquanto o Produto Nacional
Bruto (a preços de 1954) aumentou em cêrca de 11% per capita, entre 1946
investimento. e 1954, o consumo se elevou, no mesmo período, de, aproximadamente, 5%
per capita. Economic Report oj the President (janeiro de 1955), págs. 138
e 149. O aumento efetivo do excedente econômico deve ter sido maior do
(60) Cf. R. A. Musgrave e M. S. Painter, "Impact of Alternatíve ~ax
que o sugerido por essa. diferença, urna vez que nesse período o consumo
Structures on Consumption and Saving", American Economtc Revlew dos capitalistas cresceu mais do que proporcionalmente ao pequeno aumento
(junho de 1945), assim como R. A. Musgrave, "Alternative Budget policies
do consumo popular.
for Full Employment", Quarter/y Iournal oi Economics (junho de 1945).

193
192
aumento dos dispêndios governamentais baseia-se no aumento de
impostos. Esta circunstância, por sua vez, significa maiores limita- 111, IIminando da vida política, os princípios, a honestidade, a hu-

ções ao consumo, maior expansão do excedente econômico, maior Illllilldfl~e e a coragem. (53) O cinismo do empirismo vulgar des-
dependência, para a estabilidade econômica, de gastos governa- Ir .1 fi fibra moral, o respeito pela razão e a capacidade de distin-
mentais. (52) U1r O bem do mal entre várias camadas da população. A ênfase
n _pragmatismo grosseiro, na "ciência" do contrôle e da manipu-
la?a.o mata qualquer preocupação com os objetivos e metas da
VIII atividade humana, e eleva a eficiência à condição de fim em si
~esma, a despeito do que deve ser "eficientemente" realizado. O
A estabilidade do capitalismo monopolista é, por conseguinte, não-conformismo e a não-condescendência com a "cultura" do ca-
altamente precária. Incapaz de realizar uma política de verdadeiro pit~lismo monopolista levam à perda de emprêgo, ao ostracismo
pleno emprêgo e de real progresso econômico, tendo que se abster SOCiale à perseguição interminável dos poderosos.
do investimento produtivo bem como da expansão sistemática do .~uand.o a propaganda, a doutrinação e a pressão social c
consumo, êle deve basear-se fundamentalmente em dispêndios mi- administrativa não conseguem manter as pessoas afinadas com as
litares para a preservação da prosperidade e do alto nível de exigências do imperialismo, provocam-se incidentes para dar base
emprêgo de que dependem os lucros e o apoio popular de que <1 temores cultivados, para dar substância à histeria sisternàti-
goza o sistema. Tal situação, entretanto, embora crie a aparência carnente mantida. Tais incidentes são fàcilmente montados. Cer-
de um "tempo bom para todos", resulta em contínua dissipação do a~'as por nações coloniais e dependentes, subdesenvolvidas, fa-
excedente real do povo. Pior ainda, ela não pode durar indefini- mrntas, ardendo em intranqüilidade, as potências imperialistas con-
damente. O homem comum, empregado e trabalhando muito, mas tlnuamente defrontam com desafios à sua autoridade e domina-
que não vê nenhuma melhoria em suas condições de vida, cansa-se u . A oferta de incidentes potenciais é, assim, mais do que abun-
cada vez mais de pagar impostos para manter um aparato militar, I ~te, e as oportunidades para pequenas ou grandes ações de po-
cuja necessidade se torna, dia a dia, mais duvidosa. Embora, du- lícia e oferecem a todo momento. E essas ações policiais criam
rante algum tempo, êle possa conformar-se com essa situação, r ~riam o perigo de guerra, ateiam e reate iam o fogo no caldei-
graças às condições de nível de emprêgo elevado, a longo prazo 1'1 fervente da histeria coletiva.
êsse conformismo passa a ser aceito com mais dificuldade. O que , Antigamente, as tensões internas e as frustrações do imperia-
se torna cada vez mais necessário é o "processamento" ideológi- 11 m encontravam na guerra sua libertação catastrófica. Embora
co sistemático da população, com o objetivo de assegurar sua leal- /I t ndência do imperialismo a escapar ao impasse por meio da
dade ao capitalismo monopolista. Para assegurar a aceitação popu- .li rra eja hoje tão grande como sempre foi, há certo número de
lar para os programas armamentistas, a existência do perigo exter- tlll s que tê~ q~e ser considerados na análise da presente situação.
no tem que ser sistemàticamente martelada na cabeça de todos.' A pr ponderância esmagadora de uma potência imperialista sôbre
Incessante campanha de propaganda, oficial e semi-oficial, finan- I dllS a outras torna a guerra entre elas cada vez mais difícil.
ciada tanto pelo Govêrno como pelas grandes emprêsas, procura M .. m nações imperialistas anteriormente orgulhosas tendem a
criar uma uniformidade de opinião quase completa sôbre tôdas as I' aixar à condição de satélites do país imperialista dominante,
questões importantes. Complexo sistema de pressões econômicas e 11 umindo êste último, de forma crescente, o papel de árbitro su-
sociais é pôsto a funcionar, com o objetivo de silenciar o pensa-
mento independente e sufocar tôda e qualquer expressão artística,
científica ou literária "indesejável". Uma teia de corrupção é te- alando na qüinqüagésima-nona reunião anual da Academia Ame-
cida ao redor de tôda a vida política e cultural do país imperialis- lanci~ Social e Política, Adolf A. BerIe, Jr., observou que "uma
InrluCnCI3S ~em-se constituído no sentido de expulsar progressiva-
h I'l'lOJ1S c~JOS hábitos de espírito, pesquisa honesta, especulações,
(52) Para uma análise exemplar das cifras relevantes, cf. o editorial s artísticas tendem a entrar em conflito com a tendência
de Monthly Review, "The Economic Outlook" (dezembro de 1954. d li perações correntes, ou são antagônicas ao pensamento
dll~ IIfondes ernprêsas". New York Times, 2 de abril de 1955.

194
195
premo do campo imperialista. Embora as guerras entre países im- IIIIIl"illI'Hm, recentemente, correto juízo sôbre a guerra na era
perialistas menores, ou entre combinações dêles, continuam sendo ,/ ,,, 'li utual, "A marcha da ciência e da inovação, iluminada pela
uma possibilidade, devemos reconhecer que essa possibilidade é Ilhl'l t \ 'U da energia atômica em agôsto de 1945, acentua o fato
bastante remota. 11 'I" O ativos de capital estão sempre a caminho do ferro velho.
li 'struição criadora, desenvolvida pelo capitalismo dinâmico, abre
Surge, ao mesmo tempo, crescente perigo de uma guerra em
VII 111, portunidades de investimento". (55) A única objeção séria
que tôdas ou algumas potências imperialistas procurem restabele-
cer o domínio imperialista sôbre os países que constituem hoje a . u análise - que, fora isso, é perfeita - é o fato de que
c repetir a libertação da energia atômica tal como ocorreu em
parte socialista do mundo. Todavia, essa possibilidade também é
I llr xirna e Nagasáqui em agôsto de 1945, ela não somente man-
menos aguda do que geralmente se pensa. Não só a parte socia-
dará para o ferro velho os ativos de capital, mas também enviará
lista do mundo - habitada por um têrço da espécie humana -
se torna cada vez mais forte, como também uma guerra contra ela pura o cemitério os aspirantes a investidores.
causará, com tôda a probabilidade, um colapso na estrutura impe- A perspectiva de destruição ilimitada associada à guerra atô-
rialista. Haverá poucas nações coloniais e dependentes na Ásia, na mica não só exerce sua influência sôbre os líderes do capital mo-
África e em outras partes, para as quais tal conflito não constitua O p lista como também dá origem a sérias dúvidas quanto à sua

o sinal para a revolução nacional e social. É essa consideração, vinbilidade política. Uma coisa é mobilizar apoio popular para as
que, ao lado da instabilidade interna, social e política, mais ou p líticas imperialistas, através de alto nível de emprêgo e da guer-
menos pronunciada, responde pela evidente falta de entusiasmo J'Lt psicológica; outra muito diferente é estar certo da cooperação

das chancelarias das potências imperialistas por novas aventuras p pular diante da retaliação atômica. O fato de que se não pode
militares. (54) ntar com o moral das pessoas para suportar uma catástrofe dêsse
tI)'> é fortemente sugerido por vários estudos sôbre a experiência
Entretanto, o que serve provàvelmente como eliminador mais
ti L egunda Guerra Mundial. Em tais circunstâncias, torna-se cada
importante da "paixão guerreira" excessiva é o poder destruidor
V Z mais difícil saber se o jôgo vale a pena, se uma guerra geral
sem precedente das armas termonucleares que se encontram em
- longe de resolver, mesmo que temporàriamente, os problemas
contínuo aperfeiçoamento. O fato de o mundo imperialista não
<I capitalismo monopolista - não viria, de fato, destruir nossa
possuir o monopólio dêsse instrumento de destruição torna seu
ivilização.
emprêgo um empreendimento cujo grau de risco é proibitivo. A
perspectiva de retaliação atômica tende a esfriar mesmo os espí- Não parece impossível, portanto, que a liderança do capital
ritos mais marciais que andejam pelos bastidores das potências m n polista, que controla os destinos dos países imperialistas, pro-
imperialistas, tende, de fato, a reduzir grandemente a atratividade iur demonstrar, no trato dos problemas mundiais, a mesma cau-
da guerra, mesmo falando-se em têrmos puramente econômicos. t lu e prudência que demonstrou em seus negócios. Deixando a
Com efeito, se nas guerras anteriores a divisão de funções era tal til' f de rufar os tambores de guerra preventiva a cargo de seus
que a luta e a morte cabiam ao homem comum, enquanto a clas- up rzclosos assalariados políticos e superaventureiros servos mili-
se dominante cuidava dos aspectos políticos, administrativos e eco- tar , os estadistas do capital monopolista parecem preferir cada
nômicos das hostilidades, numa guerra atômica não haverá lugar V z mais as guerras "frias" às "quentes", as ações políticas de
para tal combinação. Não somente a vida mas também a proprie- IIlC n r envergadura às conflagrações gerais, a atmosfera de perigo
dade dos membros da classe capitalista teriam pouca chance de \li / r prio perigo. Tal arranjo lhes asseguraria a melhor parte de
1111\ , os mundos: contínua prosperidade baseada em enormes dis-
escapar às destruições causadas por uma bomba A ou H. Com
11IIdj militares, contínuo domínio sôbre uma população amedron-
certo humor mórbido, embora não-intencional, dois economistas
huln poI1ticamente submissa, assim como prevenção de um con-

(54) É desnecessário dizer que isso não elimina, de modo algum, a


ameaça de acidentes, em que os "riscos calculados" podem ter conse- nn) E. W. Swanson e E. P. Schmidt, Economic Stagnation or Progress
qüências incalculáveis. (NIIVI ork, 1946), pág, 197.

196 197
flito atômico que enterraria, sob seus escombros, a própria ordem brange metade do problema. A outra metade, que ficou
capitalista. 111 lrarn nte obscurecida a seus olhos, foi claramente vista por
É evidente que esta possibilidade está longe de constituir uma eus mais brilhantes seguidores: "Atualmente, qualquer Go-
certeza. A política do imperialismo possui dinâmica própria: inte- V 1'11 que tivesse tanto o poder como a vontade de remediar os

rêsses e ideologias, uma vez deflagrados, tendem a assumir feição I fitos fundamentais do sistema capitalista teria a vontade e o
p der para aboli-lo completamente, enquanto os governos que têm
própria; fantoches servis podem, repentinamente, tornar-se fatôres
poder para manter o sistema carecem da vontade de remediar
políticos independentes; e aquilo que se acreditava estar sujeito à
seus defeitos". (58)
completa manipulação e contrôle subitamente irrompe com a fôrça
dos elementos. Os espíritos, uma vez invocados, não se vão fàcil-
mente, como muitos magnatas da Alemanha descobriram na dé-
cada dos trinta. Pior ainda: a situação de nem paz nem guerra,
de equilíbrio precário à beira do abismo não fornece solução a
longo prazo para o problema básico do capitalismo monopolista.
Para que sua prosperidade dure, para que o nível de emprêgo
permaneça elevado, o impulso dos grandes dispêndios com arma-
mentos não é suficiente. Esse impulso tem que se tornar continua-
mente maior, êsse dispêndio tem que continuar crescendo: o sis-
tema tem que correr depressa se quiser permanecer onde está. Con-
tudo, quanto maior e mais complexo o estoque de engenhos mili-
tares, tanto maiores os interêsses adquiridos dos produtores de ma-
terial bélico. (56) E, quanto maior e mais permanente o aparato mi-
litar, tanto maior a tentação de "negociar pela fôrça" - o que signi-
fica impor ultimatos às nações menores e mais fracas e apoiá-los, se
necessário, com a fôrça. Assim, o perigo de ignição espontânea tor-
na-se onipresente; a ameaça de uma explosão não-prevista, impor-
tantíssima. "Mas, se as nações podem aprender a se prover de
pleno emprêgo por sua política interna .... não há necessidade de
fôrças econômicas importantes que visem a
colocar o interêsse de
um país contra o dos seus vizinhos". (5;) Essa profunda visão de

(56) "Pela primeira vez em sua História, os Estados Unidos estão


tendo uma indústria de armamentos de tempo integral e escala nacional,
sendo que a maioria das companhias que a compõem tratam sua produção
bélica como parte permanente de seu negócio". Business Week, 27 de se-
tembro de 1952. Um exemplo dessa "indústria de armamentos de tempo
integral e escala nacional" é dado por Pull Magazine (março de 1955), onde
se declara Que "há alguns anos, cinco consórcios cuidavam de explosivos.
Hoje essas companhias foram absorvidas por duas outras - The Du Pont
Company of Wilmington, Delaware, e a Olin-Mathieson Chernical Company,
de East Alto, Illinois. Essas gigantescas emprêsas controlam hoje, comple-
tamente, os explosivos e todos os seus componentes, nos Estados Unidos".
(57) Keynes, General Theory oj Employment, lnterest and Money
(Londres, 1936), pág. 382 (~8) Joan Robinson, Economic Iournal (dezembro de 1936), pâg, 693.

198 199
e aplique totalmente a um caso particular, não acomode adequa-
damente t das as suas peculiaridades e especificações. Esta cir-
cunstância não representa mesmo censura válida ao método em
si ou a seus resultados imediatos. Se o modêlo se mostra útil a seus
objetivos, se consegue captar os aspectos dominantes do processo
real, êle contribuirá mais para a compreensão dêste do que qual-
quer volume de informações detalhadas, de dados particulares. Além
CAPíTULO QUINTO disso, é somente com a ajuda de tal modêlo, é somente quando
se têm bem claros na mente os contornos do "tipo ideal" que
se pode atribuir significado aos dados e informações. que, freqüen-
AS RAiZES DO SUBDESENVOLVIMENTO temente, servem como substituto para a compreensão de um fe-
nômeno ao invés de servir como subsídios para entendê-lo.
I A relevância dêsse ponto de vista para o estudo das condições
prevalecentes nos países subdesenvolvidos, e para a compreensão
dos problemas que os confrontam, foi reconhecida em recente re-
PREOCUPAMO-NOS até agora com sociedades capitalistas altamen-
latório das Nações Unidas: "... embora possa ser verdade que
te desenvolvidas, possuidoras de enormes excedentes econômicos não há dois países que defrontam com dificuldades idênticas em
e incapazes de sua utilização racional. Tais sociedades representam, seu processo de desenvolvimento, é também verdade que países que
entretanto, apenas um aspecto do panorama geral do capitalismo se encontram em estágios de desenvolvimento semelhantes confron-
contemporâneo. O outro e não menos importante componente dêste tam-se com dificuldades da mesma espécie e, sendo sujeitos às
é o grande segmento do "mundo livre" ao qual, comumente, se mesmas fôrças econômicas, encontram-se, muitas vêzes, em situa-
denomina subdesenvolvido. Do mesmo modo que o setor adian- ções bem parecidas". (2) Não se procura, por conseguinte, nas pá-
tado abrange uma multidão de áreas distintas em suas caracterís- ginas que se seguem, apresentar a fotografia de determinado país
ticas culturais, políticas, sociais e econômicas (como os Estados subdesenvolvido, nem analisar os obstáculos à industrialização,
Unidos e o Japão, a Alemanha e a França, a Grã-Bretanha e a em condições capitalistas, de áreas geográficas específicas. O pro-
Suíça) também o setor subdesenvolvido se compõe de grande va- pósito dês te e dos capítulos seguintes é, isto sim, identificar os ele-
riedade de países, com enormes diferenças entre êles. Nigéria e mentos do problema que considero essenciais e com êles construir
Grécia, Brasil e Tailândia, Egito e Espanha pertencem ao grupo o esqueleto dêsse problema, sem preocupação com a forma e o
das áreas atrasadas. aspecto concreto que possam assumir em um caso particular.
N a tentativa, porém, de compreender as leis do desenvolvi- Tendo bem presente esta ressalva, podemos prosseguir in me-
mento das partes atrasadas e adiantadas do mundo capitalista 6 dias res. O ue caracteriza todo país subdesenvolvido, o que na
possível - e mesmo necessário - abstrair das peculiaridades dos
casos individuais e concentrar a atenção em suas características
Ihidos durante seus sonhos". Não se pode ter êsse conhecimento a não ser
comuns fundamentais. Não se concebe, de fato, nenhum trabalho
como resultado de um estudo meticuloso e total do assunto, formando essa
científico em que êsse método não seja aplicado. Seja o "capitalis- pesquisa a base para a decisão do que deve ser abstraído e do que deve
mo puro" de Marx, a "firma representativa" de Marshall ou o "tipo ser incluído no modêlo teórico. Neste sentido, as Ciências Sociais, não
ideal" de Weber, a abstração dos atributos secundários de um fe- menos que as demais Ciências, implicam um conhecimento cumulativo: nem
todo pesquisador precisa começar do nada. Dispõe-se de indicadores per-
nômeno e a concentração da atenção na sua estrutura básica
feitamente adequados à determinação dos elementos fundamentais de um pro-
sempre foram os primeiros instrumentos de todo esfôrço ana- cesso sócio-econômico. Como em todo trabalho científico, a adequação de
lítico. (1) Pouco importa que o "modêlo" do que se estuda não tais indicadores só pode ser estabelecida pela prática, isto é, pela sua apli-
cação teórica e empírica ao material histórico concreto.
(1) Não quer isto dizer que o conhecimento de quais são as caracte- (2) Processes and Problems oj Industrializatlon of Under-developed
rísticas fundamentais de um fenômeno seja dado por Deus a "seus esco- . Countries (1955), págs. 6 e segs.

200 201.
r alidade responde pela sua classificação como subdesenvolvido, é 11I ütravé da História de outros países capitalistas? Por que
a exigüidade de seu produto social per capita. Embora as compa- movlm nto em direção ao progresso foi tão lento ou mesmo
rações das estimativas de renda nacional para diversos países este- 1I1t1 l'l A resposta correta a estas perguntas tem importância ca-
jam sujeitas a inúmeras e bem conhecidas dificuldades, podemos I lta], Ia é na verdade indispensável a todos aquêles que querem
ter uma idéia da situação prevalecente nos países subdesenvolvi- mpreender o que obstrui hoje o caminho do progresso econô-
dos. observando os dados seguintes: mico e social dos países subdesenvolvidos e saber qual a forma
a direção prováveis do desenvolvimento futuro.
DISTRIBUIÇÃO DA RENDA MUNDIAL EM 1949 (3) ste problema pode ser melhor abordado recordando-se, ini-
e! ente, as condições a partir das quais evoluiu o capitalismo,
tanto nas regiões hoje adiantadas como nas subdesenvolvidas. Estas
Renda População Renda condições foram, em tôdas as regiões, um modo de produção e uma
ESPECIFICAÇÃO Mundial Mundial per capita ordem política e social que podem ser resumidos convenientemente
(%) (%) (US $) pelo nome feudalismo. Não quer isto dizer que a estrutura do
feudalismo era a mesma em tôda parte. Bem ao contrário: devem-
se ter presentes as enormes diferenças que há entre as histórias
Países de renda elevada .. 67 18 915
dos sistemas feudais nas diferentes partes do mundo, da mesma
maneira que se sabe que "se estaria certo ao falar não de um úni-
Países de renda média 18 15 310
ca história do capitalismo e da estrutura geral que êste teve, mas
de uma coleção de histórias do capitalismo, apresentando tôdas
Países de renda baixa ... 15 67 54 "
elas uma estrutura geral semelhante, mas cada uma delas atraves-
sando suas etapas principais em datas distintas". (5) Na verdade,
observaram-se profundas divergências entre a estrutura pré-capita-
Constata-se, pelos dados acima, que dois terços, aproximada- lista da China, a sociedade baseada em aldeias comunais da índia
mente, da raça humana têm uma renda per capita equivalente a e a ordem social fundada sôbre a servidão que caracterizou a
50 ou 60 dólares por ano. Éste quantitativo dispensa qualquer maior parte do desenvolvimento pré-capitalista da Europa. Tais
explicação adicional para se compreender por que, em quase tôdas divergências levaram muitos historiadores a duvidar da aplicabili- )
as regiões a que se referem tais estatísticas, há fome crônica, po- dade geral do têrmo "feudalismo". Para não entrarmos nessa polê-
breza infinita e doenças endêmicas. A situação dessas regiões não mica, limitar-nos-emos a uma proposição sôbre a qual parece haver
mudou quase nada nos últimos cem ou duzentos anos; em alguns consenso quase geral de opiniões: a ordem pré-capitalista, tanto
países subdesenvolvidos as coisas pioraram mesmo no último sé- na Europa como na Ásia, a partir de certo ponto de seu desen-
culo. Como nesse período o padrão de vida melhorou apreciàvel- volvimento, entrou em período de desintegração e decadência. Esta
mente nos países adiantados, "a distribuição da renda per capita desintegração foi mais ou menos violenta e o período de decadên-
entre os países do mundo se tornou mais desigual." (4) cia foi mais curto ou demorado em uns países que em outros; a
Acode-nos, então, imediatamente, uma pergunta: como é pos- direção geral do movimento, porém, foi a mesma em todos os
sível que não tenha havido, nos países atrasados, nenhum progresso pontos. Ainda que corramos o risco de incorrer em simplificações
segundo as linhas do desenvolvimento capitalista, que bem conhe- exageradas, podemos considerar os processos seguintes - distintos
entre si, embora estreitamente inter-relacionados - como as carac-
terísticas mais marcantes dêsse movimento. Em primeiro lugar,
(3) Ragnar Nurkse, Problems 01 Capital Formation in Underdeveloped
Countries (Oxford, 1953), pág. 63, onde se indica a fonte dos. números dêste
quadro.
(4) E. S. Mason, Promoting Economic Development (Claremont, Ca- (5) Maurice Dobb, Studies in the Development 01 Capitalism (Lon-
lifórnia, 1955), pág. 16. dres, 1946), pág, n.
202 203
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houve um lento, embora apreciável, aumento da produção agrícola, 010, aqui citar Marx uma vez mais: "A formação de capital é de- .1
que se fêz acompanhar não só de intensa pressão feudal sôbre a I rmlnada pela própria natureza do capital... por sua gênese,
população rural, mas também de deslocamentos e rebeliões cam- Ij 'lu fi faz surgir do dinheiro e, portanto, da riqueza que existe
ponesas cada vez maiores e do conseqüente surgimento de uma b a forma de moeda. Pelas mesmas razões, ela parece surgir
fôrça de trabalho potencialmente industrial. Em segundo lugar, da circulação, como seu produto. A formação de capital, por con-
observou-se a propagação, mais ou menos profunda e mais ou cguinte, não provém da propriedade da terra (quando muito,
menos geral, da divisão do trabalho, que trouxe com ela a evolu- provém do arrendatário, na medida em que êste se dedica ao
ção da classe dos comerciantes e artesãos, acompanhando o cres- comércio de produtos agrícolas); nem tampouco das corporações
cimento das cidades. Em terceiro lugar, verificou-se uma acumu- (embora haja possibilidade disto ocorrer), mas da riqueza dos
lação de capital mais ou menos espetacular por parte dos comer- comerciantes e dos usurários". (8)
ciantes e camponeses ricos, cujo número e influência cresciam A acumulação mercantil, na Europa ocidental, foi particular-
de forma mais ou menos constante. mente grande e -- o que tem muita importância -- altamente
É a confluência de todos êstes processos (e de uma série de concentrada. Isto se deveu, em parte, à localização geográfica dos
outras mudanças secundárias) que constitui a condição prévia in- países europeus ocidentais, localização esta que lhes propiciou a
dispensável ao surgimento do capitalismo. Como disse Marx: "o possibilidade de desenvolverem, antes que os demais, a navegação
que possibilita a riqueza monetária transformar-se em capital é, e, com ela, o comércio marítimo e fluvial. Em segundo lugar,
de um lado, seu encontro com trabalhadores livres; em segundo essa acumulação foi causada -- e isso é, até certo ponto, para-
lugar, situa-se o seu encontro com meios de subsistência, matérias- doxal -- pela circunstância de ser a Europa ocidental mais pobre
primas, etc., igualmente livres e disponíveis para venda, bens êstes de recursos naturais e de seu desenvolvimento econômico, àquele
que, de outra forma, seriam, d'une maniêre ou d'une autre, pro- tempo e em muitos aspectos, ser menor, e não maior, que as
priedade das massas que nada têm atualmente". (6) É, porém, partes do mundo que eram objeto de sua penetração comercial.
à terceira -- a acumulação primária de capital -- que, indubitàvel- Esta circunstância incentivou a procura dos mais diversos produ-
mente, se deve atribuir importância estratégica, como, aliás, sugere tos tropicais -- especiarias, chá, marfim, anil, etc. -- que não
o próprio têrmo capitalismo. É evidente que a mera acumulação podiam ser obtidos nas suas proximidades; deu origem a um es-
de capital mercantil, per se, não conduz ao desenvolvimento do fôrço de importação de valiosos produtos fabricados no Oriente
capitalismo. (1) Duas considerações, porém, exigem que se dê par- -- roupas de excelente qualidade, adornos, cerâmica, etc. -- e
ticular atenção à acumulação de capital. Em primeiro lugar, as ou- originou, finalmente, a tentativa desesperada de aumentar o supri- )
tras condições responsáveis pela transição do feudalismo para o mento de metais e pedras preciosas, suprimento êste que, naqueles
capitalismo estavam amadurecendo em quase tôdas as partes -- países, era pequeno a êsse tempo. A expansão comercial que se
embora em períodos diferentes e a ritmos distintos -- sob o im- seguiu, aliada à pirataria, ao saque, ao tráfico de escravos e à des-
pacto das tensões internas da ordem feudal. Em segundo lugar, coberta de ouro no Nôvo Mundo, determinou, em conseqüência.
foi o escopo e a velocidade da acumulação de capital mercantil a formação rápida de imensas fortunas nas mãos dos comercian-
e a ascensão da classe burguesa que desempenharam o papel mais tes da Europa ocidental. (9)
importante no debilitamento da estrutura da sociedade feudal, na Manifestou-se então, como era de esperar, a tendência dessa
criação das condições necessárias ao seu desaparecimento. Deve- riqueza aumentar ràpidamente. As necessidades criadas pela nave-
. gação deram grande estímulo à descoberta científica e ao progres-

(6) Grundrisse der Kritik der Politischen Oekonomie (Rohentwurf)


(Berlím, 1953), pág, 404. (8) Loc. cito
(7) Como assinala Dobb: "uma característica desta nova burguesia (9) Cf. Dobb, op. cit., págs. 207 e seguintes. Sôbre o papel desem-
mercantil - tão surpreendente como universal, à primeira vista - é a penhado pela escravatura e 'pelo tráfico de escravos na acumulação primi-
facilidade com que esta classe entrou em acôrdo com a sociedade feudal, tiva do capital, ver Eric Williams, Capitalism and Slavery (Chapel Hill, Ca-
tão logo obteve os privilégios por que lutava", op. cit., pág. 120. rolina do Norte, 1944).

204 205
so tecnológico. A construção naval, o preparo de expedições ao c nduzisse a níveis mais ou menos elevados de produtividade e de
pr dução. Era de esperar mesmo que os crescentes contatos
além-mar, a fabricação de armas e de outros produtos necessários
à proteção dessas expedições e às "negociações" com os sócios co- com as nações mais adiantadas, técnica e cientificamente, da Eu-
merciais no além-mar foram coisas que deram extraordinário im- ropa ocidental facilitassem o progresso dos países que mantinham
pulso ao desenvolvimento da emprêsa capitalista. O princípio de intercâmbio com esta última. Nos primórdios do capitalismo mo-
que "uma coisa produz outra" operou aqui plenamente: economias derno, durante a última parte do século XVII e no século XVIII,
externas de vários tipos se' realizaram de forma crescente, o que parecia que as coisas correriam dessa maneira: os acontecimentos
permitiu que se acelerasse o ritmo de desenvolvimento posterior. que se verificaram a êsse tempo, em alguns países que hoje se
Não precisamos apontar em detalhe as diversas formas pelas quais contam entre os subdesenvolvidos, davam amplo apoio a essa pers-
o capital acumulado se transferiu, gradativamente, para empreendi- pectiva. A acumulação primitiva de capital progredia bastante, as
mentos industriais. Ricos comerciantes ingressaram no campo in- manufaturas e o artesanato se expandiam, enquanto as crescentes
dustrial com o objetivo de assegurar-se de suprimentos contínuos revoltas camponesas, aliadas à pressão cada vez maior da burgue-
e baratos. Artesãos que haviam enriquecido ou que estavam asso- sia ascendente, abalavam os alicerces da ordem pré-capitalista. Isto
ciados a comerciantes endinheirados expandiram a escala de seus pode ser verificado, quer analisemos a história do início do capi-
negócios. Mesmo os ricos proprietários de terra fizeram, com talismo na Rússia e nos países do Este e do Sudeste da Europa,
freqüência, incursões no campo industrial (particularmente na in- quer observemos os primórdios do capitalismo na India, no Orien-
dústria extrativa mineral) e contribuíram, assim, para lançar as te Próximo e mesmo na China. Não quer isto dizer que todos êsses
bases das grandes emprêsas capitalistas. A contribuição mais im- países tenham seguido o mesmo caminho que a Grã-Bretanha, a
portante, porém, foi dada pelo Estado, que, sob o domínio cres- Holanda, a Alemanha e a França percorreram. Diferenças não
cente dos interêsses capitalistas, se tornou cada vez mais ativo nos apenas nos pré-requisitos naturais do desenvolvimento econômico,
auxílios e nas contribuições aos empreendedores incipientes, "Todos em localização geográfica e em clima, mas também em anteceden-
êles empregaram o poder do Estado - a fôrça concentrada e or- tes políticos, religiosos e culturais determinaram o aparecimento
ganizada do modo feudal para o modo capitalista de produção e de divergências no nível e nas taxas de crescimento da produtivi-
para encurtar o período de transição". (10) dade. Essas diferenças, por sua vez, não podiam senão causar gran-
O grande passo à frente dado pela Europa ocidental não' des variações nos montantes de capital acumulado nas mãos das
classes capitalistas das várias nações, bem como nos graus de coe-
devia significar, necessàriamente, a criação de obstáculos ao desen-
são e flexibilidade de suas respectivas estruturas sociais e políti-
volvimento econômico de outros países. Embora êstes não estives-
cas pré-capitalistas. Quaisquer que tenham sido sua velocidade e )
sem capacitados a diminuir, para não falar em eliminar, o hiato os seus ziguezagueantes caminhos, a direção geral do movimento
existente entre êles e os pioneiros do Ocidente europeu, podiam, histórico parece ter sido a mesma, tanto nos escalões atrasados como
porém, ter iniciado um processo próprio de crescimento que os nos vanguardeiros. "O país mais adiantado, indiscutivelmente, mos-
tr~ apenas, aos países menos desenvolvidos, a imagem de seu pró-
pno futuro". (11)
(10) Marx, Capital (edição Kerr) , vol. I, pág. 823. Sôbre o papel
O fato de que as coisas não tenham tomado êsse rumo, de
desempenhado pelo Estado, sob o domínio dos capitalistas, nas primeiras
etapas do desenvolvimento do capitalismo, mesmo em um país em que há, que a Europa ocidental tenha deixado o resto do mundo bem
proverbialmente, pouca intervenção governamental em assuntos econômicos, atrás, não é fruto de acidente fortuito ou de algumas peculiaridades
citamos aqui útil advertência do Prof. E. S. Mason: "a maioria dos norte-
sociais dos diferentes povos. Isto foi determinado, na verdade,
americanos não reconhece a extensão em que os governos federal e esta-
duais concorreram para a promoção das primeiras etapas do desenvolvi- pela própria natureza do seu desenvolvimento, pois os efeitos da
mento econômico dos Estados Unidos, através do suprimento de capital penetração capitalista européia no mundo foram extremamente
social sob a forma de canais, retificação de rios, estradas de ferro, insta-
lações portuárias, etc. A construção, pelo Govêrno, de obra" públicas desta
espécie foi, sem dúvida, essencial à expansão do investimento privado".
Promoting Economic Development (Claremont, Califórnia, 1955), pág. 47. (11) Marx, Capital (edição Kerr) , vol, I, pág. 13.

206 207
complexos. Eles dependerain da natureza desta penetração e do dedicavam-se a atividades predatórias. A diferença fundamental
estágio de desenvolvimento já atingido pelas sociedades que se ex- rcstdo no que encontraram ao chegar à Ásia e à África. Aquêle
puseram ao contato exterior. Devemos distinguir, portanto, entre '1'0, de fato, um mundo completamente diferente do que foi en-
o impacto da penetração européia nos Estados Unidos (bem como contrado na América ou na Austrália.
na Austrália e na Nova Zelândia) e a "abertura para o mundo"
da Ásia, África e da Europa oriental, realizada pelo capitalismo Naquelas partes em que o clima e o ambiente natural podiam
do Ocidente da Europa. No primeiro caso, os europeus ocidentais constituir atrativo para os emigrantes da Europa ocidental, encon-
entraram eÍn um vácuo social mais ou menos completo e se es- travam êles sociedades já estabelecidas, com ricas e antigas cultu-
tabeleceram nessas regiões, passando mesmo a aí residir perma- fIIS, em estágio pré-capitalista ou em estado embrionário de de-
nentemente. Pouco importa que, de início, não tivessem essa in- senvolvimento capitalista. Nas regiões em que as organizações so-
tenção; que fôssem comerciantes aventureiros em busca de lucros rá- ciais existentes eram primitivas e tribais, as condições gerais - e
pidos que pudessem transferir para seu países de origem; que fôs- o clima, em particular - eram tais que impediam a fixação em
sem refugiados de perseguições políticas e religiosas, como acon- massa dos emigrantes europeus. Em ambos os casos, por conse-
teceu nos Estados Unidos, ou deportados de qualquer espécie, guinte, os visitantes da Europa ocidental decidiram extrair ràpi-
como ocorreu na Austrália; que tivessem trazido com êles algum damente os maiores lucros possíveis dos países hospedeiros e car-
capital ou que dispusessem apenas de iniciativa, habilidades espe- regá-los para seu países de origem. Dedicaram-se, então, à pilha-
ciais e de engenhosidade. O que importa é que êles embarcaram gem aberta ou ao saque tênuemente disfarçado sob o manto do
para as novas terras com "o capitalismo em seus ossos", que não comércio, apropriando-se e transportando enormes riquezas das
encontraram )lHlÍores resistências - malgrado as decantadas faça- regiões em que penetraram. "A política colonial dos séculos XVII
\ nhas d~-Elâvy Crockett - e que conseguiram estabelecer, em curto e XVIII diferia pouco, na cruel rapacidade de sua exploração, dos
~o de tempo, sua própria sociedade em um solo pràtica~nte métodos que os cruzados e os comerciantes armados das cidades
. virgem e excepcionalmente fértil. Esta sociedade - graças ao fato italianas empregaram, nos primeiros séculos, para roubar os ter-
de ter, desde sua orige~l:J.~utura capitalista e de não eces- ritórios bizantinos do Oriente". (12) "Os tesouros apropriados fora
sitar remover os obstáculos e as ba-r-rei~.do feudalismo - pôde da Europa pelo saque indisfarçado, pela escravidão e pelo crime
dedicar-se, exclusivamente, ao pleno desenvolvimento de se s re- foram transportados para o país de origem e se transformaram
em capital". (13)
cursos produtivos. Suas energias políticas e sociais não foram gas-
tas em prolongadas lutas contra a ordem feudal e nem disst~adas Geralmente se diminui a importância dessas "transferências
na superação das convenções e das tradições do feudalismo. O unilaterais" de riqueza, dos países não-europeus para os da Eu-
único obstáculo que encontraram à acumulação e à expansão'( ca- ropa ocidental, ao se dar atenção exclusivamente à sua magnitude
pitalistas foi o domínio estrangeiro. Embora não estivessem total- em têrmos dos produtos sociais dos países a que se dirigiam ou
mente livres de tensões e conflitos internos de certa intensid~'de mesmo daqueles de que se originavam. Não quer isto dizer que
- lembremos o caso de Benedict Arnold! - as sociedades bU\ não fôssem grandes, mesmo quando medidas por êsse padrão. O
guesas nascentes tiveram, desde o princípio, a fôrça e a coesão. que Ihes deu, porém, importância crucial para o desenvolvimento
su~ara se livrarem d~ni0-estfãílgéfro e criarem uma \ da Europa ocidental e para o das nações hoje subdesenvolvidas
:Strutura pôIffic'ã-m:l'eqtrnLlãã"Odesenvolvimento do capitalismo. fol a natureza, ou melhor, o locus econômico dos recursos em
Tudo isto é algo bem distinto do que ocorreu em outras partes \ causa. A realidade é que, qualquer que tenha sido o acréscimo
do mundo. O que é importante não é tanto o fato de que os da renda nacional que os países da Europa ocidental obtiveram
empreendedores da Europa ocidental que se dirigiam à índia, à de suas operações no além-mar, tais recursos multiplicaram o ex-
China, aos países do sudeste asiático, do Oriente Próximo e da
África fôssem, em muitos aspectos, diferentes daqueles que emi-
graram para os Estados Unidos. Sendo êles também fruto do desen- (12)
pág, 208.
Dobb, Studies in the Development of Capitalisrn (Londres, 1946),
volvimento capitalista do Ocidente, nutriam aspirações egoístas e (13) Marx, Capital, (edição Kerr) , vol. I, pág, 826.

208
209
cedente econômico de que tais nações dispunham. Além disso, o melhor ia dos sistemas de comunicação, à construção de
incremento do excedente econômico assumiu, imediatamente, for- de ferro, portos e rodovias, o que ocasionou o apareci-
ma concentrada e foi, em sua maior parte, apropriado por capita- ()) nt , como subproduto, das instalações básicas indispensáveis à
listas que o puderam usar para a realização de investimentos. Di- lnv rsão lucrativa de capital.
ficilmente se pode exagerar a intensidade do impulso que tais con- ssta, é, porém, apenas uma parte de tôda a história. A pe-
tribuições "exógenas" à acumulação de capital deram ao desen- n tração do capitalismo ocidental nos países hoje subdesenvolvidos
volvimento da Europa ocidental. (14) se, por um lado, acelerou, com irresistível energia, o aparecimento
Esta' transfusão e, em particular, os métodos pelos quais se do alguns pré-requisitos básicos para o desenvolvimento de um
efetuou tiveram, talvez, maior impacto sôbre os relutantes - para si tema capitalista, bloqueou, com igual fôrça, o amadurecimento de
não dizer algo pior - países "doadores". Afetaram, violenta- outros. A remoção de grande parcela do excedente econômico ante-
mente, todo o seu desenvolvimento e influíram, decisivamente, sôbre riormente acumulado e daquele que era continuamente gerado pelos
a evolução posterior dêste. Afetaram, com violência explosiva, o países invadidos não podia causar senão sério retrocesso em sua
movimento glacial de suas antigas sociedades e aceleraram, de ma- acumulação primitiva de capital. A circunstância de que passaram
neira vertiginosa, o processo de decomposição de suas estruturas a ficar expostos à concorrência ruinosa de países estrangeiros não
pré-capitalistas. Ao forçá-Io a romper com as formas tradicionais podia signific enão a asfiXia ti u incipiente indústria. Embo-
de sua economia agrária e ao ocasionar mudanças na produção das ra a expansão da circulação de mercadorias, auperização de
culturas de exportação, o capitalismo ocidental destruiu a auto- grand'ê"número de camponeses e artesãos e o contato corn-a-teenor
suficiência de sua sociedade rural - que constituía a base da logia ocidental tenha proporcionado poderoso impulso ao desenvol-
ordem pré-capitalista de todos os países em que penetrou ~ e vimento do capitalismo, êste desenvolvimento foi desviado de seu
ampliou e aprofundou, ràpidamente, a circulação de mercadorias. rumo normal, deformado e mutilado, a fim de se adaptar aos obi -
Mediante a indisfarçada - e, em muitos países, macia - apropria- tivos do imperialismo ocidental. , .;»: _ ~
ção das terras ocupadas por camponeses e a sua transformação em Os povos que passaram g4'-frV na orlJlt do capitalismo da
grandes fazendas a serviço dos empreendimentos estrangeiros, ao Euro~ êontraram-se, por conseguinte - e repentina-
expor seu artesanato rural à ruinosa concorrência de suas exporta- mente - no ocaso do feudalismo e do capitalismo, sofrendo a um
ções industriais, o capitalismo ocidental criou um enorme contin- só tempo as piores características de ambos os sistemas e, além
gente de trabalhadores paupérrimos. (15) Ao ampliar, dêsse modo, disso, o impacto total do jugo imperialista. À opressão de seus
a área das atividades capitalistas, propiciou êle, também, a evo- senhores feudais - opressão desapiedada, embora abrandada pela
lução das relações legais e de propriedades de acôrdo com as ne- tradição - adicionou-se a dominação pelos capitalistas nacionais e
cessidades de uma economia de mercado e estabeleceu as institui- estrangeiros - dominação brutal, que encontrava seu limite apenas
ções administrativas necessárias ao seu cumprimento. Embora com na resistência do povo subjugado. O obscurantismo e a violência
o propósito único de expandir e fortalecer o contrôle econômico arbitrária herdada de seu passado feudal se combinaram com a
e político das áreas sob o seu domínio, determinou o capitalismo racionalidade e a rapacidade calculada de seu presente capitalismo.
invasor que essas áreas dedicassem parte de seus excedentes econô- Sua exploração se multiplicou e os frutos desta não acresceram
sua riqueza produtiva: foram remetidos para o exterior ou servi-
ram para sustentar, em seu próprio país, uma burguesia parasita.
(14) Isto não significa que o efeito total desta política representasse,
Viviam em meio à miséria espantosa e não vislumbravam perspec-
para os países "beneficiários", uma bênção iniludível. A corrupção da
vida social e política da Europa ocidental, o crescimento do "chauvinismo" tivas de futuro melhor. Viviam dentro de um regime capitalista
e do racismo, o desenvolvimento inevitável do imperialismo e do belicismo e não havia acumulação de capital. Perderam seus meios de vida
têm sua origem, em boa parte, na odiosa escravidão dos povos não-europeus tradicionais, suas artes, seus ofícios e não havia indústria que Ihes
que acompanhou o desenvolvimento das primeiras etapas do capitalismo
proporcionasse outras atividades em substituição às perdidas. Foram
ocidental.
(15) Cf. W. E. Moore, lndustrialization and Labor (Ithaca e Nova postos em amplo contato com a adiantada ciência ocidental, mas
York, 1951), pág. 52. p rmaneceram em meio ao mais profundo atraso.

210 211
riqueza que a Grã-Bretanha obteve da índia e que se
11 mil I à acumulação de capital britânica nunca foi, que eu
'1 li
ult li, c mpletamente avaliada. Digby nota que, segundo estima-
o caso mais importante é, sem dúvida, o da índia. A Histó- tlvu fita, a riqueza extraída da índia, entre Plassey e Waterloo
ria indiana, desde os dias da Companhia das índias Orientais, é bem p rÍ do de crucial importância para o desenvolvimento do ca-
conhecida e não necessita maior exposição. Sôbre poucos assuntos pi!nlismo britânico - pode ser avaliada entre .f:., 500.000. 000 e
históricos existe tão grande acôrdo de opiniões entre estudiosos C 1.000.000.000. A enormidade desta quantia pode ser visualizada
das mais distintas tendências como sôbre o que aconteceu à índia quando se considera que, ao iniciar-se o século XIX, o capital
depois que o capitalismo ocidental a anexou à sua carruagem. t tal de tôdas as sociedades por ações que operavam na índia as-
Isto é bem apresentado por um autoridade que, sem sombra de cendia a .f:., 36.000.000. Os competentes estatísticos indianos K. T.
dúvida, não pode ser acusada de nutrir preconceitos antibritânicos. hah e K. J. Khambata calcularam que, nas primeiras décadas
Vera Anstey resume suas conclusões da maneira seguinte: " ... até dêste século, a Grã-Bretanha apropriava-se, anualmente, de mais
o século XVIII, a situação econômica da índia era relativamente de 10% do produto nacional bruto da índia. (19) Pode admitir-se,
adiantada e os métodos indianos de produção e de organização indus- em mêdo de errar, que esta percentagem foi menor no século
trial e comercial podiam comparar-se com os que eram adotados XX que nos séculos XVIII e XIX. Além disso, pode-se ter como
em qualquer outra parte do mundo. " O país que havia fabricado certo que esta percentagem subestima a pilhagem britânica de
e exportado as mais finas musselinas e outros artigos de luxo, em recursos indianos, uma vez que ela se refere tão somente às transfe-
um período em que os antepassados dos inglêses viviam em con- rências diretas e não inclui as perdas que foram causadas à índia
dições extremamente primitivas, deixou de tomar parte na revolu- pelas relações de troca desfavoráveis, impostas pelos britânicos.
ção econômica iniciada pelos descendentes dêsses mesmos bárba- Quando consideramos o problema em têrmos do que êle sig-
ros". (16) Este "fracasso" não foi acidental e nem se deveu a nificou para a Grã-Bretanha, vale a pena citar Brooks Adams, autor
alguma inaptidão particular da "raça" indiana. (17) Êle foi cau- que pintou um quadro vivo da situação:
sado pela exploração brutal, consciente e sistemática da índia pelo
capital britânico desde o início do domínio inglês. Tão gran~e
Sôbre a pilhagem da índia não pode haver melhor auto-
foi a extensão da pilhagem, tão fantástica' a soma que se extraiu
ridade que Macaulay, que ocupou alto pôsto em Calcutá ... e
da índia que, em 1875, o Marquês de Salisbury - que era,. então, que, menos que qualquer outro escritor que se lhe seguiu,
Secretário de Estado para a índia - advertiu que "se a India deve
foi porta-voz da classe dominante. Narrou êle como, após
ser sangrada, a sangria deve ser feita com cuidado". (18) Ovo-
Plassey, a "chuva de riqueza" principiou a cair e descreveu
os próprios ganhos de Clive: "podemos afirmar, sem risco
algum, que não houve inglês que começasse do nada e que
(16) Vera Anstey, The Economic Development of India (Londres,
Nova York, Toronto, 1929; a citação foi extraída da 4.a edição, 1952), em qualquer campo de atividade tenha acumulado tão grande
pág, 5. fortuna antes dos 34 anos de idade. O que Clive obteve,
(17) Como notou um dos primeiros observadores da índia, "a grande porém - seja para êle, seja para o Govêrno - não foi nada
maioria do povo indiano possui grande energia industrial, está apta a acumular
quando o comparamos com o roubo por atacado e com a
capital e se distingue pela clareza matemática de sua mente e sua habi-
lidade para cálculos e para as Ciências Exatas. Seus intelectos são ex- exploração que se seguiram à sua partida, quando Bengala
celentes". Citado nos artigos de Marx intilulados "The Future Results of ficou entregue, como vítima indefesa, a uma miríade de
the British Rule in India" e incluídos em Marx e Engels,' On Brítain ambiciosos funcionários. Êstes eram tirânicos, irresponsáveis
(Moscou, 1953), pág. 390. Inúmeros estudiosos da índia atestaram já que
o sistema educacional organizado e supervisionado pelos inglêses fêz tudo
o que pôde não para promover, mas para reprimir o crescimento das apti-
(lO) Citado no livro de R. Palme Dutt, [ndia Today (Bombaim, 1949),
dões científicas e industriais dos indianos.
(18) William Digby, "Prosperous" B;·itish lndia (Londres, 1901), j) 32. Esta percentagem deve ser considerada à luz da parcela da renda
j{.

pág. XII. nncíonat que se pode esperar constitua excedente econômico em um país
I ) P bre como a índia.

212
213
e rapaces e pilhavam mesmo tesouros particulares. Seu úni- s fato, infelizmente, que as fontes de riqueza nacional
co pensamento era extrair, tão rápido quando possível, algu- da India se empobreceram, de diversos modos, sob o do-
mas centenas de milhares de libras dos nativos e regressar à mínio britânico. A índia era, no século XVIII, um grande
sua pátria para ostentar a sua riqueza. Enormes fortunas país tanto industrial como agrícola, e os produtos das terras
foram ràpidamente acumuladas em Calcutá, onde trinta mi- indianas abasteciam os mercados da Ásia e da Europa. É ver-
lhões de sêres humanos foram reduzidos à mais negra mi- dade, infelizmente, que a Companhia das índias Orientais e
séria ... O mau govêrno inglês chegou a ponto tal que di- o Parlamento Britânico, fiéis à política egoísta de um século
ficilmente parece compatível com a própria existência da atrás, desencorajaram os fabricantes indianos nos primeiros
sociedade. Haviam, finalmente, sido superados o procônsul anos do domínio britânico, a fim de incentivar a nascente in-
romano que, em um ano ou dois, extraía de uma província dústria inglêsa. A política adotada e seguida nas últimas
os recursos necessários para a construção de palácios de már- décadas do século XVIII e nas primeiras do século XIX
more, para banho nas costas da Campânia, para beber em tinha por objetivo tornar a índia dependente das indústrias
copos de âmbar, para deleitar-se com o canto dos pássaros, britânicas e fazer o povo indiano dedicar-se, exclusivamente,
para exibir exércitos de gladiadores e manadas de girafas; à produção de matérias-primas, destinadas ao suprimento dos
e o vice-rei espanhol que, deixando atrás de si as maldições teares e das indústrias localizadas na Grã-Bretanha. Esta
do México e de Lima, entrava em Madri com enorme cara- política foi seguida com resolução inquebrantável e obteve
vana de carroças douradas e de cavalos adornados e ferrados nefasto êxito. Baixaram-se ordens que compeliam os artesãos
com prata" (20) •.. Pouco depois de Plassey, a pilhagem de a trabalharem nas fábricas da Companhia das índias Orien-
Bengala começou a chegar a Londres e seu efeito parece ter tais; os residentes comerciais foram legalmente investidos de
sido instantâneo, pois tôdas as autoridades concordam que amplos podêres sôbre as vilas e comunidades de tecelões in-
a revolução industrial - o acontecimento que distingue o dianos; tarifas alfandegárias excessivamente elevadas passa-
século XIX de todos os séculos anteriores - principiou em ram a excluir os tecidos indianos de sêda e algodão da In-
1760. Antes de 1760 ... a maquinaria usada para tecer al- glaterra; os produtos inglêses passaram a ter entrada na índia
godão no Lancashire era quase tão simples como a da índia, livres de direitos alfandegários ou mediante o pagamento de
enquanto por volta de 1750 a indústria siderúrgica britânica tarifa apenas normal... A invenção do tear mecânico na
estava em plena decadência ... É ao capitalista, e não ao in- Europa completou a decadência das emprêsas indianas.
ventor, que a civilização deve o fato de a máquina a vapor Quando, em período recente, se introduziu o tear mecânico
se ter tornado parte integrante da vida diária. (21) na índia, a Inglaterra agiu uma vez mais, em relação àque-
le país, com injusto ciúme: um impôsto de vendas foi lan-
Completa análise do impacto que esta frenética orgia da acumu- çado sôbre a produção de tecidos de algodão indiano, o
lação primitiva de capital teve sôbre o desenvolvimento da índia qual. .. tirou a vida às novas indústrias têxteis do país. A
nos é dada pela obra clássica de Romesh Dutt, The Economic agricultura é hoje, na índia, a única fonte restante de ri-
History oi lndia. (22) Não podemos fazer aqui nada melhor que queza nacional. " mas o que o govêrno britânico. .. recebe
citar as suas palavras: como impôs to territorial aproxima-se, atualmente, do total da
renda econômica das propriedades. Isto. .. paralisa a agricul-
tura, impede a poupança e mantém os agricultores em estado
(20) A passagem acima é da obra de Macaulay intitulada Lord Clive,
(21) The Law o] Civilization and Decay , An Essay on History (Nova de pobreza e endividamento... O Estado, na índia, inter-
York, 1896; a citação é da reimpressão de 1943), págs. 294 e seguintes. fere na acumulação de riqueza através de trabalhos agrí-
(22) Londres, 1901; citado da 7.a edição, 1950, págs. VIII e -seguintes .. colas, intercepta as rendas e os lucros dos agricultores... e
~ste autor, alto funcionário da administração britânica na índia no Uni ver- deixa os lavradores em situação de pobreza permanente. .. O
sity College de Londres, não deve ser confundido com R. Palme Dutt, o
autor do itnportante livro sôbre a índia, India Today (Londres, 1940: 2.a Estado, na índia, não incentivou a criação de novas indús-
edição, Bombaim, 1949). trias e nem reviveu as velhas, o que viria beneficiar o povo ...

214 215
/
De uma ou de outra forma, tudo o que pôde ser obtido atra- A política britânica na índia seguiu muito de perto as práticas
vés de tributação excessiva foi, após o pagamento da, faminta adoradas por alguns tiranos indianos, eloqüentemente descritas por
administração, enviado para a Europa ... Na realídade, a Macaulay: "Quando temiam a capacidade e o espírito de algum
umidade da índia abençoa e fertiliza outras terras. r' súdito importante e quando não podiam aventurar-se a assassiná-lo
(costumavam) . .. dar-lhe, diàriamente, uma dose de pousta, um
A catástrofe que adveio à índia pela invasão do capitalismo
preparado à base de ópio, cujo efeito era destruir, em poucos meses,
britânico assumiu, portanto, proporções alarmantes. :B verdade que
tôda a capacidade física e mental daqueles que tomavam a droga,
o processo de transição do feudalismo para o capitalismo e o desvio
convertendo-os em irremediáveis idiotas. Este detestável artifício,
de recursos para a formação de capital - desvio que constitui parte
mais horrível que o próprio assassinato, era digno daqueles que o
integrante daquele processo - causaram muito sofrimento, mi-
empregavam". (24) Foi desta mesma forma que a administração
séria e indigência em tôdas as partes em que essa transição seguiu
britânica destruiu tôdas as fibras e bases da sociedade indiana. Sua
o seu curso inexorável. O excedente econômico da sociedade não
política agrária e tributária arruinou a economia das aldeias indianas
foi apenas transferido de um a outro uso, com tôdas as revoltas,
e substituiu-a pelos latifundiários e agiotas parasitas. Sua política
lutas e privações correspondentes; foi obtido, principalmente, das
comercial destruiu o artesanato e deu origem às infames fave-
massas subalimentadas, mal vestidas, mal alojadas e esgotadas por
las das cidades indianas, abarrotadas de milhões de párias, famintos
excesso de trabalho. Este excedente - embora de modo parcial
e doentes. Sua política econômica aniquilou quaisquer princípios
e irracional - foi utilizado para a realização de investimentos pro-
que pudessem haver de desenvolvimento industrial nativo e promo-
dutivos e serviu para lançar as bases para a expansão posterior da
veu a proliferação de especuladores, pequenos comerciantes, agentes
produção e da produtividade. Não pode haver dúvida de que se
e aventureiros de tôda espécie que, a duras penas, conseguiam
o montante do excedente econômico que a Inglaterra extraiu da

I
levar uma vida estéril e precária em meio a uma sociedade deca-
índia tivesse sido investido nesta última, o desenvolvimento eco-
dente. "O domínio britânico' se consolidou através da criação de
nômico indiano teria hoje pouca semelhança com o sombrio quadro
novas classes e de interêsses estabelecidos que estavam ligados àquele
que constitui a realidade. :B ocioso especular se a índia teria atin-
domínio e cujos privilégios dependiam de sua continuidade. Havia
gido um nível de desenvolvimento econômico compatível com seus
os latifundiários e os príncipes; existia grande número de membros
fabulosos recursos naturais e com as potencialidades de seu povo.
subordinados aos serviços de diversos departamentos governamentais,
De qualquer modo, porém, o destino das sucessivas gerações india-
desde o patwari, o chefe da aldeia, para cima. .. Deve-se adicio-
nas não se teria, ainda que remotamente, parecido com a crônica
nar, a todos êsses métodos, a deliberada política, seguida durante
catástrofe dos últimos dois séculos.
todo o período do domínio britânico, de criar divisões de encorajar
O mal que se fêz ao potencial econômico indiano só é supe- um grupo à custa de outro". (25) Já fizemos referência à política
rado pelo dano mutilante, talvez ainda mais duradouro, que se britânica relativa à educação. No mesmo capítulo do livro de Nehru
infligiu a seu povo. "Tôdas as guerras civis, invasões, revoluções, de que tomamos as palavras acima, encontramos a seguinte citação
conquistas, fomes estranhamente complexas, rápidas e destrutivas da obra de Kaye, Life oi Metcalfe: "Êste temor à livre difusão do
ações como parecem ser as sucessivas investi das contra o Indostão conhecimento se converteu em doença crônica ... que aflige, con-
não afetam mais que a sua superfície. A Inglaterra destruiu tôda tinuamente, os membros do Govêrno com tôda sorte de sonhos
a estrutura da sociedade indiana, sem que tenha, até agora, mani- hipocondríacos e pesadelos, nos quais as visões das impressoras e
festado qualquer sintoma de reconstituição. Esta perda de seu velho da Bíblia fazem tremer seus corpos e põem de pé os seus cabelos,
mundo, desacompanhada da conquista de um nôvo, imprime par-
tal é o horror de que ficam possuídos. Nossa política, naqueles
ticular melancolia à miséria atual dos hindus e desvincula o Indostão,
dominado pela Grã-Bretanha, de tôdas as suas antigas tradições e
de tôda a sua História pretérita". (23) (24) Speeches, citado por Digby em seu livro "Prosperous" British
India (Londres, 1901), pág. 63.
(23) Marx, "British Rule in India", Marx e Engels, Selected Works (25) Jawaharlal Nehru, The Discovery 01 India (Nova York, 1946),
(Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 313. págs, 304 e seguintes.

216 217
tempos, consistia em manter os nascidos na India no mais profundo contaminadas pela distinção de castas e pela escravidão, que
estado de barbárie e obscurantismo e tôda tentativa de difundir a elas submetiam o homem às condições externas ao invés de
luz do conhecimento entre o povo, tanto nos estados que dominá- elevá-lo à posição de soberano das circunstâncias, que trans-
vamos como nos independentes, era violentamente hostilizada e formaram um estado social, que se desenvolvia por si mesmo,
julgada ofensiva". em destino natural imutável, criando, assim, um culto gros-
Nehru faz, portanto, avaliação justa dos efeitos sôbre a India, seiro da Natureza". (27)
de dois séculos de dominação pelo capitalismo ocidental quando
diz: " ... quase todos os grandes problemas que hoje se apre- Não deve ser esquecido, ao mesmo tempo, que, se se tivesse
sentam foram- gerados durante o doinínio britânico e constituem deixado a India entregue a suas próprias fôrças, ela poderia ter
uma conseqüência direta da política seguida pelos inglêses: os encontrado, ao longo do tempo, caminho mais curto e certamente
príncipes; o problema das minorias; os interêsses constituídos, es- menos tortuoso, capaz de a conduzir a uma sociedade melhor e
trangeiros e indianos; a ausência de indústrias e o negligenciamento mais rica. Não pode haver dúvida que êssecaminho teria de
da agricultura, o atraso extremo dos serviços sociais; e, acima de passar pelo purgatório da revolução burguesa e que um grande
tudo, a trágica pobreza do povo". (26) período de desenvolvimento capitalista seria o preço inevitável que
Não precisamos dizer que estas palavras não significam que teria que pagar pelo progresso. Ela seria, porém, uma índia intei-
queremos idealizar o passado pré-britânico da Índia e retratá-lo, ro- ramente diferente (em um mundo totalmente distinto), se lhe hou-
mânticamente, como o "Paraíso Perdido". Como assinalou Marx, vessem permitido - como ocorreu com outras nações mais afor-
em magnífico trecho de um de seus já citados artigos sôbre a tunadas neste aspecto - realizar seu destino à sua própria ma-
lndia: neira, empregar seus recursos em seu próprio proveito e dedicar
suas energias e capacidades ao progresso de seu próprio povo.
não nos devemos esquecer que essas idílicas comunida-
des rurais, embora pareçam inofensivas, constituíram sempre
as bases sólidas do despotismo oriental, restringiram o inte-
III
lecto humano aos mais estreitos limites, tornando-o um instru-
mento de superstição, escravizando-o às regras convencio-
nais e despojando-o de tôda grandeza e de tôdas as suas As considerações anteriores constituem na verdade pura espe-
energias históricas. Não nos devemos esquecer do egoísmo culação, mas especulação legítima. Sim, pois, não é hipotética a
bárbaro que, concentrado em um mísero pedaço de terra, alternativa à pilhagem maciça de sua riqueza acumulada e de sua
testemunhou, sem protestar, a ruína de impérios, a perpe- produção corrente, à supressão desapiedada e à distorção de todo
tração de crueldades inenarráveis, o massacre das populações o seu próprio processo de crescimento, à corrupção sistemática de
das grandes cidades - populações que eram prêsas fáceis sua vida social, política e cultural que o capitalismo ocidental infli-
para qualquer agressor que se dignasse fixar sua atenção giu a todos os países que hoje se contam na categoria de subde-
sôbre elas - sem que a isso se desse maior importância senvolvidos. (28)
que aos fenômenos naturais. Não nos devemos esquecer
que esta vida sem dignidade, vegetativa e estacionária, esta
(27) "British Rule in India", op ; cit., pág, 317.
forma passiva de existência despertava, por outro lado e em (28) Falamos mais ou menos extensamente sôbre a índia; tudo porém
oposição, fôrças destrutivas, cegas e desenfreadas que, no o que dissemos sôbre a índia aplica-se, mutatis mutandis, às demais áreas
Indostão, fizeram do assassinato um rito religioso. Não nos subdesenvolvidas. Relato mais ou menos completo da experiência da Bir-
devemos esquecer que estas pequenas comunidades estavam mânia e das índias Orientais Holandesas (bem como excelente discussão
de tôda a política colonial das potências ocidentais) é apresentado nos
livros de J. S. Furnivall, em particular em Netherlands Indies (Cambridge,
Inglaterra, 1944) e Colonial Policy and Practice (Carnbridge, Inglaterra,
(26) lbid., págs. 306 e seguintes. 1948). Muito útil é, também, o livro de J. H. Boeke, The Evolution of

218 219
. Esta nossa afirmativa é corroborada pela História do único país riqueza acumulada pela próspera burguesia: "Em 1760, o Bakufu
asiático que conseguiu escapar ao destino de seus vizinhos e atingiu pediu emprestado aos membros das corporações de comércio
um grau relativamente elevado de desenvolvimento econômico. Du- 1.781.000 ryo, soma esta da mesma ordem de grandeza da des-
rante o período que estamos considerando - quando o capitalismo pesa corrente do Govêrno durante um ano". (.31) Uma vez que
ocidental arruinou a India, lançou suas garras sôbre a África, subju- tais "empréstimos" quase nunca eram resgatados, esta cifra indica
gou a América Latina e iniciou a penetração da China - as con- não só a riqueza da classe mercantil, mas também o nível de exações
dições, no Japão, eram tão propícias, ou melhor, tão desfavoráveis a que o govêrno a submetia. Tais exações não eram somente fi-
nanceiras. (32) "As autoridades cercaram [a classe mercantil] ...
ao desenvolvimento econômico como em qualquer outra parte da
Ásia. De fato, o Japão "como uma organização tipicamente feudal de inúmeras restrições: o modo de vestir, o uso de calçado, de
da propriedade fundiária e com sua desenvolvida economia de pe- sombrinhas e uma série de outros pequenos detalhes eram regula-
quenos camponeses" (Marx), estava, talvez, mais sufocado pela mentados por lei. O Govêrno não permitia sequer a um comercian-
camisa-de-fôrça dos obstáculos e restrições feudais que qualquer te ter nome semelhante a de um daimyo, nem permitia que uma
outro país pré-capitalista, pois se via fustigado por tôdas as tensões pessoa que se dedicasse ao comércio vivesse em distrito samurai.
e conflitos de uma sociedade feudal". "Fêz-se, durante mais de De fato, nenhuma aristocracia feudal poderia expressar maior aver-
são à arte de fazer dinheiro e às pessoas que acumulavam dinheiro
200 anos, todo e qualquer esfôrço para suprimir o crescimento e
que os moralistas e legisladores Tokugawa". (33)
a mudança. .. a sociedade estava congelada em um molde classista,
legalmente imutável ... A manutenção da classe guerreira continuava Embora pareça haver certo desacôrdo entre os historiadores do
a consumir o excedente da sociedade, quase nada deixando para a Japão sôbre a parcela de "crédito" que se deve atribuir às diferen-
realização de investimentos. .. o sistema de classes fechadas asfi- tes classes pela sua participação na derrubada do domínio Tokuga-
xiava as energias criadoras e tendia a imobilizar o trabalho e o wa, não há dúvida que as relações capitalistas, que se desenvolviam
talento nas ocupações tradicionais. Era inconcebível que se pudessem ràpidamente apesar das barreiras da ordem feudal, foram a fôrça
varrer êsses obstáculos ao desenvolvimento industrial". (21l) básica que conduziu à Restauração Meiji. Não se quer com isto
Ao mesmo tempo, porém, sob a rígida crosta da ordem feudal diminuir o enorme significado político da crescente oposição dos
havia rápida acumulação de capital nas mãos dos comerciantes ur- (pequenos) samurai ou da ascendente onda de revoltas camponesas
banos e rurais. (30) A citação seguinte dá idéia da magnitude da que, durante, a primeira metade do século XIX, abalou os alicerces
do regime Tokugawa, e nem tampouco exagerar o papel político
de 'empenhado pela classe mercantil no estabelecimento da nova
the Nether/ands Indies Economy (Nova York, 1946). A literatura sôbre a rdcm, (84) omo acontece em tôdas as revoluções, foi uma com-
China é vasta. Os livros mais ilustrativos, para o presente contexto, são
os de ~ichael Greenberg, British Trade and the Opening oj China 1800-1842
(Cambridge, Inglaterra, 1951) e G. E. Efimov, Ocherki po Novoy i No-
veyshey Istorii Kitaya (Ensaios sôbre a História Recente e Atual da China)
York, 1946), pág. 15. A orientação inicial para atividades mercantis, por
(Moscou, 1951). Um bom relato do que ocorreu na África pode ser en-
parte dos senhores feudais, teve, provàvelmente, muito a ver com o fato
contrado no livro de Leonard Woolf, Empire and Commerce in Ajrica
de que, por pertencerem aos 86 tozama ou senhores do "exterior", foram
(Londres, s. d.), enquanto a melhor descrição, talvez, da inacreditável ca-
excluídos. pelo grupo dirigente Tokugawa de tôda participação do Go-
tástrofe que desabou sôbre a região das Caraíbas pode ser encontrada no vêrno e foram obrigados a dar vazão às suas energias em outras atividades.
clássico livro do Bispo Bartolomeu de Las Casas, The Tears of the Indias
(31) G. B. Sansom, The Wesfern World and Iapan (Nova York, 1950),
(reimpressão, Stanford, Califórnia, s. d.).
pág, 240.
(29) Thomas C. Smith, Political Change anâ Industrial Development
(32) Elas são descritas, com certo detalhe, no livro de G. B. Sansom,
in Lapan: Government Enterprise, 1868-1880 (Stanford, Califórnia, 1955).
citado acima.
Sou ~~radecido ao Prof. Smith por haver-me deixado compulsar as provas ti-
pográfícas desta excelente monografia. (33) E. Herbert Norman, Japan's Emergence as a Modern State (Nova
York, 1946), pág. 17.
(30) É de grande importância a observação de que, no século XVIII,
poderosos clãs feudais, em particular o de Satsuma ao sul de Kyushu pas- (34) É, em geral, bastante questionável a importância que se deve
saram a dedicar-se ao comércio e acumularam grandes montantes de ca- atribuir aos antecedentes de classe dos indivíduos que participam de mo-
vital. E. Herbert Norman, Iapan's Emergence as a Modern State (Nova vimentos revolucionários. Inúmeros fatôres ocasionais influenciam as de-

220 221
binação de grupos sociais heterogêneos que conseguiu derribar o queza do Japão ... as batalhas decisivas na guerra de restauração ...
ancien régime. É verdade que os mais ativos e os que mais se foram travadas e ganhas com fundos fornecidos pelos chonin", (35)
destacaram foram os guerreiros déclassés e os intelectuais frustrados, Iríamos muito longe - e isto seria mesmo desnecessário para
os senhores feudais amargurados e os cortesãos descontentes que os nossos atuais objetivos - se fôssemos delinear, detalhadamente,
haviam sido postos à margem pelo grupo dirigente Tokugawa. as mudanças que ocorreram no Japão em decorrência da revolução
Foi, porém, a burguesia ascendente que determinou tanto a direção Meiji. É suficiente dizer que ela conseguiu criar a estrutura po-
como o resultado do movimento e foi a classe capitalista que colheu lítica e econômica indispensável ao desenvolvimento capitalista. Pro-
os frutos políticos e' econômicos da revolução. "Menos dramático porcionando um exemplo surpreendente de como "os governos -
que as façanhas políticas e militares dos samurai, mas mais impor- Henrique VII, VIII, etc. - intervêm como instrumentos de disso-
tante que a derribada do Bakuju e para a estabilização do nôvo lução histórica e como criadores das condições para a existência de
regime, foi o apoio financeiro dos grandes chonin, particularmente capital", (36) o regime emergente da restauração mudou, dràsti-
de Osaka, onde se dizia que estavam concentrados 70% da ri- camente, a marcha da economia do país e proporcionou tremendo
impulso à ainda incompleta acumulação primitiva de capital e à
sua transferência de empreendimentos puramente mercantis para
outros nitidamente industriais.
cisões e a conduta dos membros das diferentes classes, o que torna difícil
encontrar uma relação estreita entre o conteúdo de classe de um movi-
No que respeita a êste último aspecto, deve-se assinalar que
mento histórico e a classe de origem de mesmo uma parcela significativa não se pouparam esforços para extrair o máximo dos produtores
de seus participantes e dirigentes. Urna revolução burguesa não se torna diretos. Uma vez que a economia japonêsa era predominantemente
menos burguesa pela circunstância de que a ela tenha aderido grande agrária - a agricultura ocupava de 70 a 75% da população - a
número de nobres, os quais, precisamente por causa de seus antecedentes
e educação, podem ter superado os pontos de vista de sua própria classe
maior parte do excedente econômico não podia vir senão dos cam-
e ascendido a uma posição de liderança em um movimento progressista; poneses. (37) Isto foi assegurado pelo que constitui o traço mais
uma revolução proletária, tampouco, se torna menos proletária porque em marcante do desenvolvimento japonês: a combinação de relações
seus escalões dirigentes, por razões semelhantes às do caso anterior, se feudais na agricultura com um Estado forte, centralizado e domi-
possam encontrar indivíduos com antecedentes burgueses ou aristocráticos,
Por isso, não darei muita importância à informação apresentada por Thomas nado pelos capitalistas, que fomentava, por todos os meios ao seu
C. Smith (op, cit., Capo II) sôbre as origens de classe dos líderes do alcance, o crescimento da emprêsa capitalista. (38) De fato, a
movimento restaurador aos quais foram concedidos, põstumamente, títulos pressão combinada do Estado reorganizado e "modernizado" e da
nobiliárquicos, presumivelmente como testemunho do reconhecimento do
nova classe "burguesa" proprietária de terras, agora dominante e
papel que desempenharam na Restauração. A surpreendente pequenez do
número de comerciantes que foram assim recompensados parece sugerir constituída pelos jinushi, determinou acentuado acréscimo no ônus
que a classe mercantil desempenhou papel secundário no movimento re- impôsto ao campesinato. Se a parcela da produção agrícola retida
volucionário. Esta impressão, entretanto, é extremamente enganadora. Os pelos produtores diretos era, durante a primeira metade do século
burgueses, como indivíduos, não participaram nunca, ativamente, em ne-
nhum lugar, da política revolucionária. Esta é, na verdade, uma das ca-
racterísticas mais importantes da classe capitalista; está também intimamente
ligada a seu habitat econômico e ideológico a circunstância de que atua (35) E. Herbert Norman, op. cit., pág, 49.
na cena política - particularmente em períodos de revolução - através (36) Marx, Grundrisse der Kritik der Politischen Oekonomie (Ro-
de representantes, agentes e aliados, e não de forma direta, através de seus hentwurft) (Berlim, 1953), pág. 406.
próprios membros. No Japão, em ambiente político totalmente dominado
pela tradição feudal e em que a oferta de famintos e belicosos samurai e (37) "O comerciante japonê~.... não teve, no comércio e na pilha-
ronirt era superabundante, os comerciantes de Yedo e Osaka fàcilmente des- gem, as oportunidades para a acumulação primitiva de capital propiciadas
cobriram quão sábio é substituir, por dinheiro, suas próprias pessoas na aos comerciantes europeus dos séculos XVI e XVII". Norman, op. cit.,
pág, 51.
luta pela liberdade. "Os descendentes dos ricos comerciantes de Yedo e
Osaka desempenharam importante papel, e tiveram participação verdadei- (38) "A revolução Meiji, longe de as suprimir, incorporou-as à nova
ramente indispensável, no movimento que culminou na derrubada do Sho- sociedade capitalista do Japão e santificou, legalmente, as relações funda-
gunato em 1868, uma vez que êsse movimento dificilmente seria vigoroso mentais, da propriedade feudal". H. Kohachiro Takahashi, "La Place de
se não contasse com o apoio, financeiro daquelas pessoas". G. B Sansom, Ia Révolution de Meíji dans I'Histoire Agrarie du Japon", Revue Histo-
op, cit., pág. 189. Tique (outubro-novembro de 1953), pág. 248.

222 223
XIX, 39%, essa percentagem se reduziu a 32% depois da promul- sob a forma de bônus que rendiam juros, resultou em maior acrés-
gação, pelo Govêrno Meiji, da reforma agrária, e não excedeu de cimo 'do estoque de capital disponível. Este capital, centralizado
42% até 1933-1935. (39) Não é, pois, exagêro dizer que a fonte e administrado pelo sistema bancário que crescia ràpidamente, tor-
principal da acumulação primitiva de capital no Japão foi a aldeia, nou-se a base para a expansão maciça de crédito. Os empréstimos
a qual, ao longo de tôda a História moderna dêsse país, desempe- diretos concedidos pelos bancos ao Govêrno - ou melhor, a quase
nhou o papel, para o capitalismo japonês, de verdadeira colônia completa união do Tesouro com alguns dos principais estabeleci-
interna. (40) mentos de crédito da época (Mitsui, Ono, Simada, Yasuda e outros)
A política tradicional de extorsão desapiedada e direta dos - e os enormes lucros que êstes obtiveram durante aquela coope-
camponeses foi suplementada por inúmeras outras medidas, que ração, aumentaram mais ainda a concentração de capital nas mãos
objetivavam elevar ao máximo o excedente econômico total. O de pequeno número de instituições financeiras. (43)
salário dos trabalhadores não-agrícolas foi mantido em seu nível mais Embora se tenham feito, dessa maneira, todos os esforços pos-
baixo - princípio de fácil aplicação em um mercado de trabalho em síveis para encher os cofres da burguesia, para criar novas e imen-
que a oferta era superabundante, dada a população agrícola ex- sas fortunas, para aumentar o capital à disposição da classe em-
cedente. Mais importante ainda foi a política inflacionária sis- preendedora, existente e potencial, tais esforços, per se, não conse-
temática iniciada pela administração Meiji e que determinou não guiram estimular os investimentos necessários ao desenvolvimento
apenas redistribuição da renda em favor da acumulação de capital, industrial. Depois da Restauração Meiji - tal como nos últimos
mas também expansão do excedente econômico mediante a utili- tempos do domínio Tokugawa - a simples concentração de ri-
zação de recursos anteriormente ociosos. (41) A contribuição mais queza em mãos dos comerciantes, embora associada à pletora exis-
importante para a acumulação primitiva de capital foi, sem dúvida, tente de mão-de-obra barata, não foi suficiente para deslocar os
a emissão de bônus governamentais em pagamento das indeniza- empreendedores das atividades comerciais para as industriais.
ções devidas aos senhores feudais desalojados e a assunção, pelo "Muitas famílias de comerciantes, particularmente a Mitsui. .. as-
Govêrno, do compromisso de pagar os seus débitos. "O senhor sumiram papel dirigente no processo de desenvolvimento industrial,
feudal deixou de ser um magnata territorial, que obtinha seu rendi- mas nos primeiros anos do período Meiji ... os comerciantes, como
mento dos camponeses, e tornou-se, em virtude da comunicação se fôssem um só homem, aferraram-se decididamente a seus campos
de sua renda, um magnata financeiro, que investia sua recém-ca- tradicionais de atividade - especulação, comércio e usura". (44)
pitalizada riqueza em bancos, ações, indústrias ou bens fundiários, O processo de acumulação primitiva de capital estava longe de seu
incorporando-se, assim, à pequena oligarquia financeira". (42) A término; o Japão, porém, atravessava a fase mercantil do capita-
reivindicação dos samurai para que lhes fôsse concedida pensão go- lismo.
vernamental foi solucionada de maneira tal que sua capitalização,
Acentuamos, anteriormente, que a burguesia mei-can i nunca
\ realizou sozinha a transição para o capitalismo industrial. Sempre
necessitou do apoio enérgico e generoso do Estado, controlado pela
~~ pág. 262, onde se refere o trabalho do conhecido estatístico
e historiador japonês M. Yamada, como fonte dêsses dados. classe capitalista em ascensão. Tal impulso foi proporcionado pelo
(40) Ya. A. Pevsner, Monopolitischeski Kapital Yaponii (O Capital moderno Estado capitalista criado pela revolução Meiji; revelou-se
Monopolista do Japão), (Moscou, 1950),pág. 11. êle tão forte que tirou a economia japonêsa do ponto morto em
(41) O escopo e o método da política de financiamento através de
deficits são estudados por Thomas C. Smith, Political Change and Industrial
Development in Iapan: Government Enterprise, 1868-1880 (Stanford, Ca-
lifórnia, 1955), Capítulo VII. (43) Entre 1875 e 1880, o capital total dos bancos passou de 2.450.000
(42) Norman, op, cit., pág. 94. Takahashi faz importante observação ienes para 43.040.000 ienes. "O acréscimo foi ocasionado, em boa parte,
adicional: "Essas medidas, adotadas pelo Govêrno durante a Restauração, pela emissão, em 1876, dos fundos de pensão para os samurai e para os
liberaram, por um lado, os magnatas (daimyo) de suas antigas dívidas para daimyo, Tais bônus podiam ser trocados por notas bancárias, as quais
com os usurários e, por outro, transformaram os capitalistas usurários em deveriam ser usadas para a constituição dos bancos nacionais". Thomas C.
possuidores de bônus resgatáveis pela nação. O que era ontem papel Smith, op. cit., Capítulo IV. Cf. também Pevsner, op. cit., pâg. 20.
sem valor tornava-se agora capital com função moderna". Op. cit., pág. 252 n. (44) Thomas C. Smith, op, cit., Capítulo IV.

224 225
que se encontrava e encaminhou-a pela senda do capitalismo indus- it m , Okura e outros futuros "Zaibatsu" foram verdadeira-
• 'UI1
trial. O que Marx observou, em têrmos gerais, sôbre a gênese m ntc (abulosos, Foram, talvez, eclipsados unicamente pelos lucros
do capitalismo industrial aplica-se, com precisão, às condições ja- pr piciados a êstes consórcios pela política governamental de "de-
ponêsas ao tempo da Restauração Meiji. "A quantidade mínima v lv 1" ao setor privado" as emprêsas industriais de propriedade
que um possuidor de dinheiro ou de mercadorias deve dispor, a ti tado.· "Não há dúvida de que esta política fortaleceu, enor-
fim de transformar-se em capitalista, varia com as distintas fases do memente, o poder da oligarquia fin . ~(JbTeurno se se têm-e
desenvolvimento capitalista e é diferente, dentro de cada uma dessas conta os preços ridlcula aixos pelos quais o Govêrno vendeu
fases, para as diversas esferas de produção, dependendo, em cada suas ábriças modêlo". (46)
caso, das condições técnicas específicas. Existem certas esferas de Não é muito fácil encontrar, por conseguinte, na história das
produção que exigem, desde o princípio da produção capitalista, primeiras etapas do desenvolvimento do Japão (bem como na de
um mínimo de capital que se não encontra nas mãos de um único outros países), o empresário audaz e inovador que os modernos
indivíduo. Isto dá origem, em parte, aos subsídios governamentais reescritores da história apresentam, por motivos bastante óbvios,
a particulares, como ocorreu na França, nos tempos de Colbert, e como o criador e o promotor original de todo o progresso econô-
como se verifica em muitos estados alemães até os dias atuais. mico (47). Se algo é óbvio nesse período, não pode ser outra
Aquela circunstância origina, ainda, em parte, a formação de so- coisa senão o exorbitante nível de proteção e de subôrno, por parte
ciedades com monopólio legal de exploração de certos ramos da do Estado, que foram necessários para deslocar o capital de suas
indústria e do comércio". (45) atividades preferidas de especulação e usura para o investimento em
O Estado Meiji foi mais longe: inverteu enormes somas na emprêsas produtivas.
construção de ferrovias, de estaleiros, no desenvolvimento de um sto nos traz de volta à pergunta que originou a presen expo-
sistema de comunicações, em indústrias básicas, na produção de sição e que resume o seu tema central: O que foi que possibili-
maquinaria, etc. Contou-se já, inúmeras vêzes, a história ~os pri- tou ao Japão seguir caminho radicalmente distinto de todos os
meiros tempos da industrialização japonêsa: ao longo de toda ela outros países que constituem hoje o mundo subdesenvolvido? Em
se distingue, como se fôra um fio vermelho, o importante papel de- outras palavras: qual foi a constelação histórica que permitiu a
sempenhado pelo Govêrno na aceleraç~o do desenvo~v.imento do revolução burguesa no Japão e que, por sua vez, conduziu ao esta-
capitalismo industrial. Como foi reahzada esta política, pouco belecimento de um regime dominado pela burguesia, o qual serviu,
importa para o presente contexto. Alguns investim~~tos_ governa- desde o seu início, ao capitalismo japonês como poderoso e incansá-
mentais foram financiados diretamente com o que ja nao se ne- vel motor?
cessitava pagar como pensão aos samurai - montante que, nos
A resposta a esta questão é extraordinàriamente complexa e, ao
primeiros tempos, absorvia quase tôda a renda ordinária do ~o-
mesmo tempo, tremendamente simples. É simples porque, reduzi-
vêrno. Outras emprêsas se instalaram graças às amplas garantias
da à sua essência, não é mais que o fato de que o Japão é o
governamentais dadas aos investidores. Outras ainda f?~am impul-
\\ sionadas pelo compromisso governamental de adquirir, durante
~ alguns anos, a pr~dução das .emprêsas recém-cr~adas. Qualquer que (46) Norman, Iapan's Emergence as a Modern State (Nova York,
\ tenha sido o caminho escolhido, o resultado fOI sempre o tremendo 1946), pág. 131. "As fábricas foram vendidas, em geral, por 15 a 30%
fortalecimento do poder do capital industrial. Os lucros auferidos, do que haviam custado ao Govêrno e em condições de pagamento tais
que permitiam a amortização da dívida em prazos muito longos, os
'em diversos contratos com o Govêrno, pelos Mitsui, Mitsubishi,
quais chegaram a atingir mesmo vinte e trinta anos,". Pevsner, op. cit.,
púg. 23.
(47) Sôbre as investigações a respeito da "história dos empreende-
\ (45) Capital (edição Kerr) , vol. I, pág. 338. (A tradução do al~- dores", investigações prodigamente custeadas pelas grandes emprêsas e por
mão para o inglês foi ligeiramente modificada pelo autor, à luz do OrI- d utas fundações e cujo objetivo não é outro senão o de glorificar os
ginal germânico). A primeira parte dêste !r:cho, di~a-se, de passagem, "homens de indústria" ver Leo Huberman, "The New History or the
tem muita importância para a nossa exposiçao anterior sobre o capita- I' wníng of Marnmon", Monthly Review (agôsto de 1952), bem como o
lismo monopolista (Cap, IU, seção VI). ti VI' de Herbert Aptheker, Laureates o] Irnperialism (Nova York, 1954).

226 227
único país da Ásia (bem como da África e da América Latina)
que não foi transformado em colônia ou em apêndice do capita- '/ tran .içã? da antiquada pirataria, característica da fase mercantil
lismo norte-americano ou europeu ocidental; foi o único país que (ti capitalismo e da acumulação primitiva de capital, para a estra-
teve oportunidade de ter um desenvolvimento nacional indepen- t gia mais complexa do imperialismo moderno. (50)
~
dente. f: complexa porque foi somente graças à feliz confluência _ O ~ue, porém, influenciou, de maneira decisiva, a posição do
de uma série de fatôres mais ou menos independentes que o Japão Japão fOI outra característica do imperialismo moderno: a crescente
desfrutou essa afortunada conjuntura. rivalidade entre os tubarões imperialistas existentes e a entrada no
Como fator básico, dentre todos os demais - e fator que palco mundial, de uma nova potência imperialista - os Estados
nos lembra o paradoxo apresentado pela Europa ocidental e, em ?nido~. Foi essa rivalidade, com as necessárias oscilações, que
particular, pela Grã-Bretanha - devemos citar o atraso e a po- impediu, em grande parte, que a Grã-Bretanha impusesse à China
breza do povo japonês bem como a exigüidade de seus recursos o mesmo castigo impôs to à India; foi êsse ciúme internacional que
naturais. (48) "O Japão tinha muito pouco a oferecer, seja como ~orno~ i~possív~l a conquista do Japão, por qualquer das potências
mercado para os bens industriais estrangeiros, seja como celeiro imperialistas. (01) Embora tivessem sido os Estados Unidos que
de matérias-primas para a indústria ocidental". (49) Em conse- efetuara~ . a penetração inicial e impuseram a êsse país o primeiro
qüência, a atração que o Japão exerceu sôbre os capitalistas e os t~atado mJ~sto, o estágio atingido pelo desenvolvimento do capita-
governos da Europa ocidental nunca chegou a se aproximar da hsrr:.0 amencano ~ o seu status internacional não permitiam que a
irresistível fascinação que tinha o ouro da América Latina, a flora, naçao norte-amencana estabelecesse um contrôle exclusivo sôbre o
a fauna e os minerais da África, as fabulosas riquezas da India Japão. "A proximidade da China deu ao Japão importância estra-
e o mercado chinês que se acreditava inesgotável. tégica extraordinária. As potências que haviam obrigado o Japão a
Não menos importante foi o fato de que, em meados do firmar tratados lesivos procuravam evitar que qualquer delas ti-
século XIX, quando a penetração ocidental da Ásia atingia o mais vesse influência predominante sôbre o Japão e que êle se conver-
elevado grau de intensidade, os recursos das principais nações do tes~e em sua colônia, propiciando-lhe, assim, um trampolim para
Ocidente europeu estavam já enormemente comprometidos em ou- maior penetração na China". (52)
tros empreendimentos. A Grã-Bretanha, particularmente, que era A possibilidade e a necessidade de deter a ameaca ocidental
então a principal potência colonial do mundo, tinha suas mãos bas- tiv~ram poderos.o impacto sôbre a velocidade e a direção do pos-
tante ocupadas com a Europa, o Oriente Próximo, a Índia e a tenor desenvolvimento japonês. Não sõrnente permitiram o inves-
China para se envolver em campanha militar que visasse à con-
quista do Japão. Esta limitação da capacidade expansionista da
Grã-Bretanha acelerou as profundas mudanças que se operaram, a . (50) . "O imperialismo antigo exrgra tributos; o nôvo empresta di-
partir dos meados do século XIX, na natureza e na orientação de nheíro a .Juros". H.. N. B~ailsford, The War o] Steel and Gold (Londres,
sua política colonial. Embora veladas pelo debate político - que 1914~, pago 65 .. A Importancia cada vez menor do capital mercantil e o
cresclment~ dos interêsses industriais e financeiros, ao determinar um acen-
parecia mais uma luta contra inimigos imaginários - no qual os tua~o esfnamento do entusiasmo por novos esforços de conquista dos
"Tories" aceitavam plenamente os aspectos essenciais da política ex- dU~ld~sos mercados do Oriente, refletiam-se no decIínio gradual da in-
terna de Palmerston - tais mudanças implicaram, na realidade, fluência dos cham.ados "peritos na Velha China". Cf. o excelente livro
de N. A. Pelcovits, Old China Hands and lhe Foreign Office (Nova
York, 1948).

(48) Mesmo atualmente, após quase 100 anos de prospecções in- (51 ~ ':A complexidade singular da situação internacional desde 1850
tensas, não se pode comparar a riqueza natural conhecida do Japão com até ~ término da Guerra Civil Americana e o início da Guerra Franco-
a de outros países industriais. Não possui petróleo, bauxita, metais não- Prussíana, b_em como ? impasse a que levaram as intrigas anglo-france-
ferrosos, e tem pouco ferro e carvão. A única exceção a êsse estado de s~s no. Japao~ .. proplcla.ram a êste país o período de tempo necessá-
coisas é o seu grande potencial para geração de energia hidrelétrica. no à libertação d?s obstaculos
A feudais, que haviam conduzido a nação à
Cf. E. W. Zimmerman, World Resources and Industries (edição revista, banc~rrota e~onoffilca e que a expuseram aos perigos da dominação, co-
rnercíal e militar, estrangeira". Norman, op, cit., pág. 46.
Nova York, 1951), em particular as págs. 456, 525 e 718.
(49) Norrnan, op, cit., pág. 46. (~2) K.h. Eydus, Yaponia 01 Pervoy do Vtoroy Mirovoy Voiny (O
Japão entre a I e a II Guerra Mundial) (Moscou, 1946), pág. 4.

228
229
timento do excedente econômico em sua própria economia, mas ao m tcrial bélico ou pela estocagem de armamentos. Tornava-se in-
salvá-Io da invasão maciça de "caçadores de fortuna", de soldados, disp nsável o desenvolvimento rápido de uma economia industrial
marinheiros e "civilizadores" ocidentais, salvaram-no também da xe- integrada, capaz de suportar a guerra moderna e, ao mesmo tempo,
nofobia extremada, que tanto tem retardado a expansão da ciência de conter o assalto da concorrência estrangeira.
ocidental em outros países asiáticos. A excepcional receptividade Esta correspondência dos interêsses vitais do capitalismo ja-
japonêsa ao conhecimento ocidental - receptividade freqüente- ponês com as necessidades militares para a sobrevivência nacional
mente comentada e elogiada por autores ocidentais - deveu-se, em teve extraordinária importância na determinação da velocidade do
boa parte, à feliz circunstância de que a civilização ocidental não desenvolvimento econômico e político do Japão após a revolução
foi levada ao Japão pela bôca dos canhões, de que o pensamento e a Meiji. Ela acelerou, enormemente, o seu desenvolvimento econô-
tecnologia ocidentais não foram associados, no Japão, ao saque, à mico ao dirigir os investimentos para as indústrias básicas, os esta-
pilhagem e ao assassinato como o foram na índia, na China e em leiros, as 'comunicações, ao invés de orientá-los exclusivamente para
outros países hoje subdesenvolvidos. Esta circunstância permitiu a indústria de material bélico. Possibilitou, ao mesmo tempo, o
a manutenção, naquele país, de um "clima" sócio-psicológico não nôvo govêrno burguês associar o fervor patriótico e marcial das
adverso à adoção da ciência ocidental, quer através da importação castas militares déclassées a seus esforços para a criação de uma
de técnicos, quer mediante o envio de jovens aos centros ocidentais economia moderna. Menos que metade de um século teria que se
de ensino. passar antes que a indústria concentrada e controlada monopolisti-
A ameaça de penetração ocidental agiu, por outro lado, como camente provesse base firme para um impressionante poderio mi-
permanente estímulo ao desenvolvimento econômico do Japão. Ao litar que, associado ao chauvinismo conscientemente alimentado dos
se aproximar o término do período Tokugawa, ela se apresentava samurai e os seus descendentes, transformou o Japão de objeto
como perigo fundamentalmente militar e assim era tratada pelos go- que era das intrigas imperialistas em um dos mais brilhantes sócios
vernantes feudais. Considerável esfôrço foi por êstes empreendido menores do imperialismo ocidental. Nas palavras de Lênin: "pela
a fim de instalar no país indústrias estratégicas, como as do aço, a sua pilhagem colonial dos países asiáticos, os europeus conseguiram
de construção naval e a de armamentos. (53) bsses modernos centros preparar um dêles - o Japão - para grandes feitos militares,
-industriai , superimpostos-a llmasücleãâde atrasada e feudal, sem-' o que lhe assegurou um desenvolvimento nacional independen-
I base para o ereseimente-de-sue-estrutrrra ó-ciu"econômica:-pC"rma--- te". (54)
necera o corpos estranhos em uma omia I1r~calillalista
I
I e pré-industrial. IV
s COIsas ornaram rumo completamente diferente na década
de 1860. A ameaça estrangeira não era mais "apenas" uma ameaça :B impossível, obviamente, conjeturar sôbre a velocidade com
à independência nacional do Japão. Os mercados japonêses, que que os países hoje subdesenvolvidos teriam enveredado pelo mesmo
ficaram indefesos após a celebração de injustos tratados, foram caminho do Japão e gerado, autônomamente, um processo de de-
inundados por mercadorias estrangeiras. A própria existência do senvolvimento capitalista e crescimento econômico, se não se tives-
ascendente capitalismo japonês corria enorme perigo. A política sem verificado a invasão e a exploração estrangeiras. A rapidez da
governamental que emergiu da revolução Meiji foi ajustada, plena- transformação da Japão em país capitalista industrializado deveu-se,
mente, aos interêsses que representava e aos problemas que tinha em boa parte, na verdade, à ameaça econômica e militar do Oci-
de resolver. Nem a concorrência estrangeira nem a agressão exter- dente. Quaisquer que tenham sido o ritmo e as circunstâncias espe-
na podia ser detida pela construção de umas poucas fábricas de cíficas do movimento desenvolvimentista, existe grande evidência
na História de todos os países em questão, capaz de indicar a na-
tureza de sua tendência geral. A despeito de suas peculiaridades
(53) Thomas C. Smitb, Political Change and Industrial Development
in Iapan: Government Enterprise, 1868-1880 (Stanford, Califórnia, 1955),
Capítulo I. (54) Sochinenya (Obras) (4.a edição, Moscou, 1947), voI. 15, pág. 161.

230 231
nacionais, os sistemas pré-capitalistas da Europa ocidental e do
Japão, da Rússia e da Ásia estavam atingindo, em diferentes períodos
e de diversas maneiras, o seu destino histórico comum. (ó5) Duran-
te os séculos XVIII e XIX, estavam êles em estado de desintegra-
ção e decadência em todo o mundo. As revoltas camponesas e a
ascensão da burguesia abalavam seus próprios alicerces. As revo-
luções burguesas e o desenvolvimento do capitalismo encontraram
resistências mais ou menos efetivas, dependendo das condições his- CAPíTULO SEXTO
tóricas específicas, da fôrça interna das ordens sociais pré-capitalis-
tas e da intensidade das pressões antifeudais. Em parte alguma
foram estancados definitivamente. Se os contatos das nações adian- A MORFOLOGIA DO
tadas com as subdesenvolvidas tivessem sido diferentes do que SUBDESENVOLVIMENTO (I)
foram, se tivessem consistido de verdadeira cooperação e assistência
e não de opressão e exploração, o desenvolvimento progressivo dos
países hoje subdesenvolvidos ter-se-ia efetuado com muito menor I /
demora, menor atrito, menos sacrifício e sofrimento humano. A
transplantação pacífica da cultura, da ciência e da tecnologia oci-
dentais para as nações menos adiantadas teria constituído, em qual-
:I? ASSANDO agora ao exame da situação atual dos países capita-
listas subdesenvolvidos, procuraremos reunir uma vez mais - ainda
quer parte, poderoso elemento catalítico de progresso econômico. que à custa de inevitável repetição - vários pontos da análise feita
A penetração violenta, destrutiva e predatória, pelo capitalismo anteriormente sôbre o processo histórico do desenvolvimento ca-
ocidental, dos países fracos, destorceu imensamente o seu desen- pitalista, a fim de dar maior relêvo às conseqüências diretas e na-
volvimento. Esta diferença pode ser visualizada fàcilmente com- turais dêsse processo. As fôrças que moldaram o destino do mundo
parando-se o papel desempenhado pela ciência e tecnologia britâni- subdesenvolvido ainda hoje influenciam poderosamente as condi-
cas no desenvolvimento dos Estados Unidos e o papel do ópio ções econômicas e sociais que aí prevalecem. Suas formas muda-
inglês no desenvolvimento da China. ram e variou sua intensidade; suas origens e direções, porém, per-
maneceram inalteráveis. Controlam elas agora, como controlaram
no passado, o destino dos países capitalistas subdesenvolvidos; a
rapidez com que venham a ser dominados, bem como os métodos
a serem empregados para tal fim, determinarão o desenvolvimento
econômico e social futuro dêsses países.
O modo pelo qual o capitalismo se inseriu no processo histó-
rico de desenvolvimento das atuais nações subdesenvolvidas impediu
a materialização do que denominamos de condições "clássicas" do
( crescimento. Muito pouco necessitamos dizer sôbre a nossa pri-
meira condição clássica. Tal como sugere o próprio têrmo "subde-
senvolvimento", a renda gerada nos países subdesenvolvidos é pe-
quena e seus recursos humanos e materiais grandemente subutili-
(55) "Na produção de mercadorias que se desenvolveu nos. recôn- zados. O regime capitalista, ao invés de constituir o elemento motor
ditos da sociedade feudal chinesa, existiam já os princípios elementares do crescimento econômico, do progresso tecnológico e das trans-
do capitalismo. A China, por conseguinte, ter-se-ia desenvolvido grada- formações sociais, tem sido, nesses países, o responsável pela estagna-
tivamente e convertido em um país capitalista, mesmo sem o impacto
do capitalismo estrangeiro", Mao-Tse-Tung, Isbrannye Proizvedenia <.Ç>bras ção econômica, pela manutenção de uma tecnologia arcaica e pelo
Escolhidas) (Moscou, 1953), voI. IH, pág. 142. atraso social. O excedente econômico nos países capitalistas na me-

232 233
dida em que depende do volume da produção e do nível de renda Mesmo quando não recai nenhum ônus sôbre as propriedades e
tem sido necessàriamente pequeno. Não quer isto dizer, porém, que / estas pertencem àqueles que as exploram, a produção que delas se
constitua pequena porção da renda global. Ao contrário, nossa I obtém mal dá para proporcionar o mínimo de subsistência à fa-
I
\ segunda condição "clássica' vem sendo satisfeita totalmente: o con-
sumo da população trabalhadora tem sido comprimido até o mais
baixo nível possível, correspondendo êsse "mais baixo nível" pràti-
camente ao mínimo de subsistência ou, como ocorre em muitas na-
ções subdesenvolvidas, a nível inferior ao próprio limite de subsis-
mília do camponês, enquanto, em muitos países, dificilmente se
alcança até mesmo êsse nível mínimo. Em quase todos os países
subdesenvolvidos, a maior parte das pequenas propriedades não
pertence aos camponeses mas, ao contrário, é arrendada principal-
mente de latifundiários e, ocasionalmente, do Estado. Sejam arren-
\ tência. O excedente econômico, embora pequeno, em têrmos abso- dadas ou de propriedades dos que as cultivam, tais propriedades
lutos quando comparado ao das nações desenvolvidas, representa, têm não apenas que sustentar as famílias de seus ocupantes, mas
na verdade, considerável fração do produto nacional, e fração tão também prover os recursos necessários ao pagamento do arrenda-
grande quanto a observada nos países capitalistas desenvolvidos, mento ou dos impostos (ou de ambos). Em grande número de
se não mesmo maior. casos, devem elas ainda fornecer os meios indispensáveis ao paga-
Não é aqui, portanto, que se encontra a principal distinção mento dos juros das dívidas contraídas pelo camponês, seja para 3
entre a situação hoje prevalecente nos países subdesenvolvidos e a aquisição da propriedade, seja para o atendimento de suas neces-
descrita no modêlo clássico do desenvolvimento econômico. A dis- sidades de consumo, em anos maus ou em situações de emergência.
tinção mais profunda e verdadeiramente decisiva só pode ser per- Os compromissos do camponês representados por arrendamento,
cebida quando cogitamos de nossas terceira e quarta condições impostos e juros são bastante elevados, em todos os países sub-
clássicas do crescimento econômico, isto é, das condições relacio- desenvolvidos. Freqüentemente tais encargos absorvem mais da
nadas com o modo de utilização do excedente econômico. É êste metade de sua diminuta renda líquida. As relações de troca, sob
problema que passaremos a analisar mais detidamente. as quais o camponês é forçado a operar, lhe são, em geral, alta-
mente desfavoráveis, o que representa uma drenagem adicional de
Constitui fenômeno típico das economias atrasadas, se é que
não é uma de suas características definidoras, o fato de a maioria de sua renda disponível. Explorado por intermediários de tôda espé-
cie, êle recebe baixos preços pelo pouco que lhe sobra para vender
I
sua população depender da agricultura. Esta, em conseqüência,
, contribui com a maior parcela para a formacão da renda de tais no mercado, mas paga preços elevados pelas poucas mercadoria~
\\ economias. Embora a proporção possa diferir de país para país, industrializadas que está em condições de comprar. Desta forma, o
em quase tôdas as partes parcela considerável da produção agrícola
é obtida pelos camponeses, que têm seu padrão de consumo mantido
excedente econômico que é "extraído" da classe camponesa é apro-
priado por latifundiários, agiotas, comerciantes e, em menor grau ,
ao nível de subsistência, os quais, por sua vez, constituem a maioria
da população agrícola do país. As propriedades por êles explo-
pelo Govêrno. (2)
Em outra parte do setor agrícola, formada pelas grandes pr?-
l
radas são, via de regra, pequenas e sua produtividade (por pessoa priedades que se não subdividem em pequenas parcelas, mas s~o
ocupada e por hectare) é extremamente baixa. De fato, em grande exploradas em grande escala com auxílio de mão-de-obra assalaria-

+
> úmero de países subdesenvolvidos, a produtividade marginal do da, a produção (por unidade de área) é freqüentem ente maior qJe
frabalhador agrícola é de tal modo insignificante que o abandono nas pequenas propriedades. O excedente econômico de que se apró-
das atividades agrárias por grande parte da população rural ativa pria o latifundiário, sob a forma de lucros, tende também a
ão provocaria uma diminuição da produção agrícola total. (1)
(2) Existe, ainda, na maiorra dos países subdesenvolvidos, uma pe-
quena, mas comparativamente forte, camada da população rural, que cons-
(1) Uma excelente discussão do desemprêgo estrutural na agricul- titui um misto de camponês, comerciante e usurário: os "kulaks", na ter-
tura, ou, como tem sido chamado, do "desernprêgo disfarçado" pode ser minologia russa. 1);les empregam mão-de-obra assalariada, dedicam-se ao
encontrada em The Economics o] lndustrialization (Calcutá, 1952), Capo comércio e à agiotagem, funcionando como "sanguessugas" de suas res-
r, de B. Datta, no qual se encontra ainda extensa referência bibliográfica pectivas vilas e apropriando-se de considerável parcela do excedente eco-
S\ôbre a matéria. nômico local.

234 235
·i# 1 4T - ~~~ --- ......,.----...-....-.--.-.-.-..

Se a terra é explorada sob a forma de grandes propriedades, o


maior, especialmente em virtude do fato de que as relações de
custo elevado da maquinaria agrícola, normalmente importada, ao
troca não lhe são tão desfavoráveis quanto para os pequenos agri-
lado do baixo preço da mão-de-obra rural, desestimula inversões no
cultores. (3)
setor agrícola. Ocorre ainda a circunstância de que os rendimentos
Considerada a agricultura em seu conjunto, é bastante prová- do capital aplicado na agricultura tendem a materializar-se vagaro-
vel que o excedente econômico gerado pelo setor agrícola das eco- samcnto, de maneira que as 'taxas de juro, normalmente altas nos
nomias subdesenvolvidas represente pelo menos a metade e, em PUfHCH subdesenvolvidos, desencorajam grandemente a imobilização
. muitos países, mais da metade de sua produção global. ~ óbvio do recursos na melhor ia da agricultura. Ao mesmo tempo, as flu-
que o emprêgo que se dê 8. essa considerável porção do produto ruuçõcs acentuadas nos preços dos produtos agrícolas emprestam aos
I nacional é de fundamental importância- para o desenvolvimento eco- nvcsümentos nesse setor elevado grau de risco. Sob tais condições,
nômico dos países subdesenvolvidos. Não é menos óbvio que em proprietário rural tem tôda razão em evitar os encargos fixos
todos os países subdesenvolvidos a maior parte dêsses recursos não riundos de dívidas, enquanto os emprestadores têm igualmente
é utilizada com o propósito de expandir e aperfeiçoar o aparelho razão em discriminar contra financiamentos a longo prazo para
produtivo da sociedade. Parcela considerável do excedente econôl aplicação na agricultura.
mico retido pela aristocracia rural é destinada a manter seus faust~1 A situação é ainda mais grave quando a terra está em mãos de
sos hábitos de consumo. O que despertou a ira de Adam Smit~t pequenos arrendatários. O aperfeiçoamento do trabalho agrícola
Ricardo e outros economistas clássicos ainda é regra comum nos baseia-se, em sua maior parte, na aplicação da tecnologia moderna
países atrasados. A manutenção de residências suntuosas, de um e depende, para sua introdução, da existência de cultivos em larga
vida de gastos pródigos e de hábitos conspícuos de consumo, qu: escala. Nem tratores nem colhedeiras mecânicas podem ser em-
,~
servem como símbolos de poder e de prestígio social, o emprêg pregados adequadamente em propriedades de pequena extensão.
de vasta criadagem, diversões e viagens de recreio são costumes Mesmo nos casos em que podem ser introduzidos melhoramentos
I que explicam a magnitude das despesas dos grandes proprietâ- independentemente do tamanho dos lotes arrendados - como, por
rios. (4) Afigura-se-lhes pouco atraente a perspectiva de aplí exemplo, a irrigação de tôda uma área - são fracos os incentivos
I cação de sua renda na melhoria de suas terras ou na aquisição d para que o proprietário da terra incorra nas despesas correspon-
implementos agrícolas aperfeiçoados. Essa atitude pode ser atri dentes. Já que a taxa de arrendamento é elevada e o padrão de
I buída, em parte, a um estilo de vida irracional, alimentado pel .vida dos arrendatários é extremamente baixo, difícil, se não impos-
\tradição, bem como a convenções sociais peculiares à aristocraci sível, se torna aumentar o aluguel da propriedade beneficiada com
fural. Fundamentalmente, porém, êsse comportamento está em o melhoramento. Os aumentos de produtividade derivados de in-
inteira concordância com as condições econômicas objetivas pre- vestimentos em terras arrendadas poderiam traduzir-se em pequeno
~alecentes nos países subdesenvolvidos. acréscimo da renda do arrendatário; essa parcela adicional, porém, I
dificilmente alcançaria volume suficiente capaz de possibilitar o
reembôlso dos investimentos realizados pelo proprietário da terra.
(3) A publicação das Nações Unidas intitulada Land Rejorm (1951) Não se julgue, por outro lado, que sejam grandes os recursos
trata de maneira excelente êsses problemas. disponíveis para investimentos que se encontram em mãos dos pro-
(4) ~ forçoso reconhecer que parte do excedente econômico assim
prietários. Ao contrário, a necessidade de manter um padrão de
dissipado vai alimentar, na prática, os gastos de consumo das classes
menos favorecidas, tal como no caso da Igreia e dos senhores feudais, vida compatível com a posição que ocupam na sociedade repre-
na Idade Média, onde as esmolas de tôdas as espécies, a manutenção senta poderoso dreno em suas rendas e força muitos dêles - par-
de familiares, velhos servidores e protegidos de várias categorias ocupa- ticularmente em anos maus - a contrair dívidas ruinosas, a hipo-
vam importante posição nos orçamentos dos proprietários de terras, Pa-
rece-nos desnecessário assinalar que esta última forma de utilização do
tecar e, algumas vêzes, a perder suas propriedades. Os recursos
excedente econômico, embora mais racional do ponto de vista humani- líquidos que ficam nas mãos dos proprietários mais afortunados
tário, não constitui uma contribuição mais decisiva para o desenvolvi- ou mais prudentes não são, entretanto, empregados na melhoria de
mento econômico que a utilização do excedente no financiamento de suas propriedades. Atraídos pelas altas taxas de juro, empregam
gastos de consumo suntuário da própria classe proprietária.

236 237
seus recursos, diretamente ou através de intermediários, em opera- de especialização, de maquinaria moderna e de energia mecarnca
ções de crédito ou na aquisição de terras adicionais, as quais são - hipótese viável apenas com a exploração agrícola em larga
continuamente ofertadas no mercado em virtude da bancarrota de escala.
I pequenos ou mesmo de grandes proprietários. Isto nos coloca na presença de um dos problemas mais com-
Assim, enquanto, de um lado, larga parcela do excedente eco- plexos que afligem os países subdesenvolvidos. Uma reforma agrá-
I nômico gerado na agricultura continua sendo excedente apenas ria, se realizada em um meio de generalizado atraso, retardará, mais
potencial, que poderia ser usado para investimentos caso se elimi- do que acelerará, o desenvolvimento econômico do país. Ainda
, nas sem o consumo supérfluo e tôdas as formas de gastos improduti- que melhorando temporàriamente o padrão de vida da população,
vos, de outro lado, o excedente efetivo que participa do processo pro- a reforma assim realizada acarretará uma diminuição futura da
dutivo das sociedades atrasadas contribui, de maneira assaz modesta, produção agrícola total e acabará com o pequeno excedente econô-
para o incremento da produtividade da economia. Sem embargo, mico que a agricultura usava até então para fins reprodutivos.t")
I seria fala cioso acreditar que a eliminação do desperdício e da má Conseqüência ainda mais grave de uma reforma dêsse tipo é que,
I utilização do excedente econômico representaria, por si só, tudo ao possibilitar um aumento do consumo da população rural vincula-
quanto é necessário para gerar uma tendência continuada de ex- da ao setor de subsistência e ao dividir e fracionar as grandes pro-
I pansão dos investimentos e da produção na agricultura. É nesta priedades antes ocupadas com culturas destinadas ao mercado, re-
falácia que se apóia a tese de que uma reforma agrária - fracio- duz-se a produção agrícola anteriormente encaminhada aos centros
nando os latifúndios, entregando áreas a camponeses até então sem urbanos, sob a forma de alimentos, de matérias-primas ou de pro-
terra e libertando-os de encargos e compromissos asfixiantes - poria dutos para exportação.
fim à estagnação da agricultura nos países atrasados. O efeito ime- As atuais nações capitalistas desenvolvidas resolveram êsse pro-
diato de tais medidas seria, sem dúvida, o aumento mais ou menos blema por um processo que se desdobrou em várias etapas. Em
importante da renda disponível da população rural. Todavia, como primeiro lugar, o desenvolvimento capitalista atuou sôbre a agri-
o seu nível de renda - tão baixo antes da reforma - quase não cultura como uma espécie de contra-revolução, que veio liquidar
se modificaria após o desmembramento das grandes propriedades com a revolução agrária anterior, para a qual havia, originalmente,
e após a inteira abolição do pagamento de aluguéis, pequena par- contribuído de forma decisiva. Elevando assim a agricultura a um
cela daquele aumento de renda poderia ser poupado, se é que algo nôvo nível, forçou sua "capitalização", provocando nova concentra-
viria mesmo a ser poupado. Na verdade, qualquer .melhoria do ção da propriedade nas mãos de agricultores capitalistas e dividin-
padrão de vida da população rural conseguida dessa maneira esta- do os pequenos produtores, auto-suficientes em dois grupos: tra-
ria fadada a curta existência. Ela seria ràpidamente absorvida por balhadores agrícolas e empresários agrícolas integrados na economia
aumentos da população, fato que exigiria subseqüentes divisões das de mercado. Em segundo lugar, pela propaganda das vantagens
propriedades distribuídas após a reforma. O resultado final seria oferecidas por empregos industriais e, principalmente, mediante
uma renda per capita ao nível original ou mesmo inferior. Pior coerção física, o capitalismo efetuou a incorporação de grande nú-
ainda, a extrema divisão da terra reduziria as possibilidades de se mero de camponeses à fôrça de trabalho industrial, aliviando, dêste
conseguir aquilo que, obviamente, representa a suprema necessida- modo, a pressão demográfica sôbre as pequenas propriedades agrí-
de da agricultura nas economias subdesenvolvidas: um rápido e colas e aumentando, simultâneamente, a renda per capita daqueles
substancial aumento de sua produção global. Isto porque uma eco- que permaneciam na agricultura. Em terceiro lugar, expandindo o
nomia agrícola baseada em unidades produtivas de proporções re- setor industrial, colocou-se cedo o capitalismo na posição de ofe-
duzidas ofereceria poucas possibilidades de aumento da produtivi- recer aos produtores rurais artigos manufaturados em troca de seus
dade. Não obstante, algo poderia ser conseguido através do ernprê- produtos, criando, de outro lado, as condições indispensáveis não
\go de sementes selecionadas, do maior uso de fertilizantes e de
medidas semelhantes. Todavia, como observamos anteriormente,
Vm aumento sensível da produtividade e do volume da produção (5) Cf. W. E. Moore, Economic Demography of Eastern and South-
depende das possibilidades de introdução, nos trabalhos agrícolas, em Europ e (Genebra, 1945), págs. 55-98.

238 239
apenas para assegurar alimentos para uma população urbana cresj males do atraso econômico e social. Longe disto! O papel
cente, mas. também para prover a agricultura de implementos, ferti- hi tórico da reforma agrária está sujeito a grande margem de incer-
lizantes, etc., os quais, por sua vez, permitiram um aumento da pro- t zn quanto a seus resultados e depende inteiramente das condições
dutividade agrícola.' b as quais ela se realiza, bem como da natureza e composição das

! Para que a reforma agrária, em um país capitalista, constitur f rças que a impõem. Se promovida por um govêrno dominado
realmente um elemento coadjuvante do desenvolvimento econômico por uma coalizão feudal-mercantil, ela se transforma em instru-
geral e não um instrumento de propagação e multiplicação da mil mento temporário de sustentação de uma ordem econômica, social
séria rural, deve ela fazer-se acompanhar de crescente acumulação c política que, por sua própria natureza, é contrária a um processo
de capital, além do vigoroso e rápido movimento na direção do cal de contínuo desenvolvimento. Mesmo que, a longo prazo, repre-
pitalismo industrial. nste movimento tanto depende como resulta sente uma contribuição ao progresso da economia, a curto prazo
da ação de ambos os fenômenos acima mencionados: a revolução tende a retardá-lo, Por outro lado, se ela é fruto de incontrolável
agrária e o que chamamos de contra-revolução agrária. É sõment« pressão da população rural e se se efetua apesar de resistência ofe-
através da revolução agrária que se destroem os alicerces do sister ,<1 recida por um Govêrno dessa espécie - em outras palavras, se assu-
feudal e se subordina o Estado às necessidades e interêsses do de- me o caráter de uma revolução agrária - a reforma significa um
senvolvimento capitalista. A criação de um Govêrno a serviço da avanço substancial no caminho do progresso. Ela é, na realidade,
burguesia, capaz e desejoso de promover diretamente o crescimen- indispensável à eliminação da classe latifundiária parasita que es-
to de emprêsas industriais e de criar e manter um clima favorável trangula a vida de uma economia subdesenvolvida. Ela é indispe;::-
à sua expansão, constitui condição indispensável à rápida transfor- sável, também, como forma de satisfazer as aspirações legítimas ; a
mação de uma economia atrasada em uma economia capitalista in- população rural e de assegurar o pré-requisito mais essencial de
dustrial. (6) Ao mesmo tempo, sõmente através da contra-revolu- todo desenvolvimento econômico e social, qual seja a libertação l.as
ção agrária o capitalismo industrial em expansão obtém a indispen- energias criadoras e da potencialidade das massas rurais, impedi as
sável base agrícola, capaz de proporcionar-lhe uma oferta abun- de manifestação por séculos de degradante opressão e servidão. E
dante de mão-de-obra, de alimentos e de matérias-primas industriais. é indispensável, ainda, porque sõmente através de uma distribui
É necessário acrescentar que as observações acima não devem da terra entre os trabalhadores rurais é que serão conseguidas as
ser interpretadas como afirmações de que as reformas agrárias, nos condições políticas e psicológicas capazes de oferecer uma solu ão
países subdesenvolvidos, são dispensáveis ou que sua realização re- racional para o problema agrário: fazendas tecnicamente adia ta-
presenta um passo na direção errada. Ao contrário, nosso objetivo das, exploradas em cooperação por produtores livres e iguais.
é alertar o estudioso contra a noção "liberal", tão largamente di-
fundida, de que a reforma agrária constitui uma panacéia para todos

Europa,
(6) Devem -Se ter presentes êstes fatos ao Ee analisar certas reformas
agrárias como a executada
das a efeito antes da Segunda
ou então as aprovadas
por Stolypin na Rússia Tzarista,
Guerra Mundial
(ou em discussão)
ou as leva-
no leste e sudeste
em alguns países da
da
\ II

Como bem notou certa vez um autor alemão, a decisão sôbre


a existência ou não de alimentos na cozinha nunca é tomada na
América Latina, sudeste da Ásia e Oriente Próximo. Tais reformas, própria cozinha. Da mesma maneira, o destino da agricultura em
realizadas "ordeiramente", não passam, na verdade, de encenações arma- um regime capitalista nunca é traçado na agricultura. Os processos
das por governos controlados pelas classes proprietárias destinadas, uni-
camente, a iludir e a acalmar a população rural insatisfeita e são, usual-
econômicos, sociais e políticos que se desenvolvem fora da agri-
mente, combinadas com pródigas compensações aos senhores. feudais. Elas cultura, especialmente a acumulação de capital e a evolução da
servem, freqüentemente, não para quebrar o domínio feudal sôbre o Es- classe capitalista - a despeito de terem sido grandemente deter-
tado, mas sim para fortalecê-lo. Tendem, por conseguinte, a acentuar minados, em suas origens, pelas transformações que tiveram lugar
todos os aspectos negativos das reformas agrárias, sem abrir, porém, o
caminho para o desenvolvimento industrial e para a reorganização e ra- no setor agrícola - passam a constituir, com a consolidação do
cionalização da própria economia agrícola. ístema, os elementos propulsores do desenvolvimento histórico. Nos

240 241
países capitalistas subdesenvolvidos - predominantemente agrícolas
de crédito, ~ desnecessário assinalar que os lucros obtidos pelos
- êste fato pode ser menos aparente' que nos desenvolvidos; não
últim s alcançam cifras extremamente elevadas,
é, porém, menos verdadeiro.
NU queremo dizer com isto que o comércio de produtos
Mesmo em um país capitalista atrasado, o setor não-agrícola agrfc laa e a venda efetuadas aos produtores rurais constituam a
se apropria de grande parcela do excedente econômico global da única f nt d s grande lucros mercantis. Onde os mercados são
nação. Tal porção se distribui, nessas economias, e tre quatro d r nnizad s fracionados, como acontece nos países subdesen-
tipos de beneficiários que, malgrado serem bem distintos, encon- v lvid " s mprc há surpreendente variedade de meios para se iden-
tram-se infimamente unidos. Há, ~ primeiro lugar, -;;grupo coiis- tif'icur p rtunidadcs de lucro e delas se aproveitar. Negócios imo-
tIlUíclu-pdos-cõrllerciantes, agiotas e intermediários de tôda espé- llil\ri xploração de escassez (temporária e local) de vários
cie, os quais não pertencem à população agrícola, dada a nature- pr lul 5, especulação e comissões pelo estabelecimento de conta-
za de suas atividades, embora alguns dêles vivam na zona rural. 1 S I1t1' compradores e vendedores - tôdas estas são atividades'
O mais impressionante nesse estrato sócio-econômico é o seu ta- que propiciam ganhos consideráveis às pessoas habilidosas que se
manho. Ninguém que tenha estado na velha China, no sudeste dedicam a êsse gênero de transações. A inflação mais ou menos
asiático, no Oriente Próximo ou no leste europeu de antes da crônica que se observa na maioria dos países subdesenvolvidos, e
guerra pode ter deixado de notar a impressionante multidão de que dá origem ao mercado negro de moedas estrangeiras, de ouro
mercadores, mascates, intermediários de negócios e elementos de e de outros bens de valor mais estável, oferece oportunidades adi-
ligação, feirantes e gente sem ocupação definida, que superlotava cionadas para comércio lucrativo, enquanto as oportunidades sem-
as ruas, praças e cafés das cidades. Até certo ponto as atividades pre presentes de obtenção de concessões e favores governamentais
de tais indivíduos se assemelham às exercidas por certos grupos constituem permanente convite aos recursos, energia e engenhos i-
existentes em todos os países capitalistas - apenas são mais dade dos homens de negócios bem relacionados e ricos.
visíveis e aparentes nos países subdesenvolvidos do que naqueles Pela própria natureza de sua atividade, essa categoria de in-
onde o mesmo tipo de "trabalho" é executado por correspondên- divíduos, que age e opera no setor da circulação dos bens, cons-
cia ou por telefone. Em sua maior parte, entretanto, a natureza titui uma classe social inteiramente aberta, que admite, em conse-
dessas transações é típica das condições que prevalecem nas pri- qüência e de forma contínua, novos membros. Formam-na os jo-
meiras etapas do desenvolvimento capitalista. vens descendentes de famílias nobres e de comerciantes, os mem-
Já fizemos menção às relações de troca altamente desfavorá- bros da nobreza déclassée, os camponeses mais hábeis e empre-
veis ao produtor rural. Ignorante, pobre e cheio de limitações, com endedores, os artesãos deslocados pela competição, pessoas de di-
apenas pequena quantidade de sua produção livre para transações, versas camadas sociais que conseguiram educar-se mas que não ti-
veram oportunidade de usar a educação adquirida, e assim por
o arrendatário ou o pequeno proprietário constitui um elemento
diante. A competição entre seus membros é feroz e, por isso, sua
ideal para explorações pela classe mercantil. Freqüentemente em renda média é baixa. Não obstante, a renda total que estão em
dificuldades financeiras, particularmente em anos de más colheitas condições de obter é de magnitude considerável. (7) Sem dar qual-
e maus preços, ou em situações de emergência, êle se vê forçado quer contribuição indispensável à formação do produto social, êste
a recorrer a adiantamentos por conta de entregas futuras, a pagar grupo constitui a contrapartida urbana do desemprêgo estrutural
taxas de juro extorsivas sôbre tais empréstimos e a aceitar quais- existente na zona rural. Visto, entretanto, do ângulo do desenvol-
quer preços que o intermediário se disponha a pagar por sua pro-
dução. Obtendo uma renda monetária muito pequena ao fim do
(7) "É incrível", diz Ricardo Torres Gaitan, um dos principais, eco-
ano agrícola, êle se vê impossibilitado de evitar novos adiantamen-
nomistas mexicanos, "que o comércio possa produzir renda maior que
tos. Acaba, assim, envolvido em contratos lesivos a seus interês- a agricultura; acima de tudo é inadmissível que a atividade dos comer-
ses, compelido a comprar do mesmo negociante a quem vende sua ciantes possa gerar uma renda maior que o dôbro da gerada pela agri-
produção todos os bens manufaturados de que necessita, caindo cultura", Citado por A, Sturmthal, "Economic Development, Income Dis-
tribulion and Capital Formation in Mexico", Journal oi Political Econo-
na mais completa dependência do "seu" comerciante e fornecedor 11/)' (junho de 1955), pág, 198 n.

242 243
vimento econômico, seu papel é bastante diferente e muito mais lado, os comerciantes que possuem recursos mais avultados encon-
importante. A parcela da população rural que se encontra estru- tram sempre melhores oportunidades de lucros na compra de ter-
turalmente desempregada retira o seu consumo dos meios de sub- ras já arrendadas, (9) no exercício de atividades complementares
sistência das massas camponesas. Ela sõrnente reduz o exceden- à operação de emprêsas estrangeiras, nos negócios de importação
te econômico na medida em que contribui com o seu parasitismo e exportação, no empréstimo de dinheíro e em especulações di-
para o aumento do nível de subsistência dos camponeses, o que versas. Desta fôrma, embora a transferência" de capital e energias
diminui o montante de rendimentos que pode ser exigido pelo la- do setor mercantil para o setor industrial seja sempre possível, o
tifundiário. Do 'mesmo modo, a manutenção da superabundante I preço dessa transferência se torna anormalmente elevado.
população mercantil recai sôbre a mesma fonte, desde que basea- I O fenômeno que se verifica atualmente nos países hoje subde-
da na exploração direta do camponês. Ela se baseia, também, em senvolvidos ocorreu também nas primeiras etapas do desenvolvi-
grande parte, na transferência de porções do excedente econômico mento capitalista da Europa ocidental e do Japão, onde fôrças po-
de que se haviam apropriado outras classes: proprietários rurais, derosas tenderam a impedir a saída de capital da esfera da circula-
emprêsas estrangeiras e industriais nacionais. O desvio dessa par- ção de bens, onde, não obstante, operou-se com o passar do tempo
cela do excedente econômico para a manutenção de uma classe a transferência de capitais da esfera mercantil para a industrial.
parasita representa considerável dreno na acumulação de capital. (8) Todavia, o que distingue nitidamente a atual situação dos países
O fato mais significativo com relação a êsses "párias da bur- 1 SUbdeseriVõtvtà~tle=àefF-<mia~,~saâo-;-os--

guesia" ("lumpenbourgeois") que pertencem à classe mercantil é países capitalistas hoje desenvolvidos é a existência de fórmidáveis
.0b.s.t-ª9ílos à entr~,--fla-es-fe-iã::::fia --produção-industrial, -do - .ecur~
que, embora se apoderando de parcela substancial do excedente
sos ac~o setor mercantir- -
econômico que cabe à classe em conjunto, as inversões de capital
realizadas por seus membros mais ricos raramente se orientam
para o segundo ramo da economia não-agrícola, isto é, para a pro-
dução industrial. Sendo êles possuidores de recursos em pequena III
escala, êstes sõmente podem encontrar aplicação lucrativa no setor
da circulação de bens, onde importâncias relativamente pequenas A expansão industrial sob o capitalismo depende grandemen-
de dinheiro, aplicadas em transações específicas, produzem grandes te de sua capacidade em conquistar dinâmica própria. "O capital
lucros e onde o giro dos capitais aplicados é rápido. De outro cria, ràpidamente, para si, um mercado interno pela destruição de
todo o artesanato rural, pelo desempenho, em grande escala, de

(8) ~ste grupo, que conta com alguns dos elementos mais capa-
zes e dinâmicos das sociedades de que fazem parte, desperdiça, corrom-
pe e destrói, ao mesmo tempo, em grande quantidade, aquêle que é talvez (O) 11 be notar que não se pode nunca ter certeza se as quantias
um dos mais escassos de todos os recursos produtivos: o talento humano pUlloS poro aquisição de um pedaço de terra constituem transferências
criador. .Conquanto esta situação não difira muito da encontrada nos d x cJ nte econômico ou se representam deduções de excedentes acu-
países capitalistas adiantados, a proliferação de ocupações "terciárias" em mu Iliti qu VI ser usadas para fins de consumo. Quando os ven-
uma economia subdesenvolvida não deve ser confundida com sua expan- ti dI r , (1(\ t ITO B pr prietários arruinados ou camponeses esmagados
são sob condições econômicas e sociais desenvolvidas. Da mesma for- 1'0 fl(vftlll - rdndo que a. dívida possa ter tido origem em necessida-
ma que a obesidade pode ser um indicativo tanto de riqueza quanto de (I (I 011 um - a primeira alternativa pode ser a real: os recur-
miséria, assim também o fato de grande número de pessoas se encon- lftl .om li v nda da terra serão usados para o pagamento ele
trar ocupado no setor da circulação de bens pode significar tanto o pro- (ilvlllls v, usstm, aumentar o capital do credor. Quando os vende-
gresso como o atraso econômico. ~ste ponto foi claramente examina- ti r N cnmponcs s ou proprietários compelidos a se desfazerem de
do por B. Datta em The Economics of lndustrialization (Calcutá, 1952)" suas pr prícdndc p I' Iatôres circunstanciais ou pela impossibilidade de
Capo VI, se bem que a magnitude do desperdício de recursos envolvidos Iazcr foco 1\ seus gastos correntes, a última hipótese será verdadeira, O
no processo esteja aí subestimada, ~sse êrro resulta, como sempre, do que Imp rta, porém, 6 que, em qualquer das situações descritas, os re-
fato de se considerar êsse malbarato de recursos em relação à renda curso conseguidos mediante a venda da terra não serão, normalmente.
investidos no setor industrial.
global, ao invés de examiná-Io em relação ao excedente econômico.

244 245
tarefas antes entregues ao artesanato, corno fiação, tecelagem, fa- tivos em uma indústria nativa, que fôsse capaz de suprir o mercado
bricação de roupas, etc., enfim, pela transformação, em bens com interno existente. A ausência de tais' investimentos não permitiu, \
valor de troca, de bens que até então tinham apenas valor de por sua vez, que fôssem criadas oportunidades para ulteriores inves-
uso direto - processo que é uma conseqüência natural da tornada timentos. É sabido que um investimento conduz a outro subse-
ao trabalhador (se bem que um servo) da terra e da propriedade
de seus meios de produção". (10) Não pretendemos insinuar que
l
qüente: UIl) ato de investir dá origem a outro; o segundo cria con-
dições para um terceiro e assim por diante. De fato é esta seqüên-
a dissolução da economia pré-capitalista, ou a desintegração da cia de investimentos, sua simultaneidade, que põe em marcha a
sua natural auto-suficiência, não haja ocorrido nos atuais países reação em cadeia que é sinônima da evolução do capitalismo indus-
subdesenvolvidos. Ao contrário, corno assinalamos anteriormente, trial. Mas, assim corno o investimento' tende a tornar-se autopro-
em tôdas as áreas de penetração da civilização ocidental, a agri- pulsor, a ausência de investimento tende, também, a perpetuar as
cultura comercial deslocou, em proporção considerável, a agricul- condições que impedem sua realização.
tura tradicional de subsistência, enquanto os artigos manufaturados Sem o impacto amplificador do investimento, o mercado, ori-
invadiram o mercado antes dominado pelo artesanato indígena. ginalmente limitado, permaneceu necessàriamente limitado. (12)
Não obstante, corno diz Allyn Young, "a divisão do trabalho depen- Sob tais condições não poderia ocorrer a disseminação das peque-
de, em grande parte, da própria divisão do trabalho". (11) É nas oficinas industriais, que caracterizou em tôda parte a transi-
de notar, porém, que não se desenvolveu corno se esperava nas áreas ção do capitalismo mercantil para o capitalismo industrial. Quando
hoje subdesenvolvidas. Ela seguiu, em tais regiões, caminho dife- se tornava viável o exercício de urna atividade industrial, seja pela
rente: a divisão do trabalho resultante da divisão inicial do tra- imposição de barreiras tarifárias, seja por outra forma qualquer de
balho assemelhava-se à distribuição de funções entre o cavaleiro e o concessões ou estímulos governamentais, as ernprêsas industriais que
cavalo. Todo e qualquer mercado de bens manufaturados que des- surgiam eram por vêzes fundadas por estrangeiros (usualmente
pontasse nas colônias ou países dependentes não se transformava associados a interêsses locais), os quais emprestavam à organização
automàticamente no "mercado interno" dêsses países. Mantidos e operação da nova emprêsa sua experiência e know-how, Com a
inteiramente abertos, pela colonização e por fôrça de tratados in- finalidade de produzir mercadorias similares, em qualidade e aspec-
justos e desfavoráveis, êsses mercados passavam a constituir apên- to, às anteriormente importadas, construíram-se fábricas modernas
dices do "mercado interno" dos países capitalistas ocidentais. para a produção em larga escala capaz de atender à procura exis-
Embora representassem poderoso estímulo ao crescimento in- tente. Não obstante o fato de ser vultosa a quantidade total de
dustrial do Ocidente, êsses acontecimentos vieram extinguir a chama capital necessária à materialização do empreendimento, a parcela
sem a qual não poderia haver crescimento industrial nos países hoje gasta no país subdesenvolvido' era pequena, urna vez que a maior
subdesenvolvidos. Em etapa histórica em que mesmo o mais ardo- parte das despesas era. feita no exterior, com a aquisição de equi-
roso defensor do livre-cambismo recomendaria o estabelecimento pamentos, de patentes, etc. O efeito estimulador dêsses investimen-
de barreiras protetoras da indústria nascente, os países que mais tos sôbre a economia em seu conjunto era, por isso mesmo, mode-
intensamente necessitavam de tal proteção foram obrigados a add- rado. Acrescente-se a êsse fato a circunstância de que, uma vez
tar um regime que bem poderia ser cognominado de "infanticí- construído o estabelecimento industrial, tanto o grande volume de
dio industrial", regime êste que influenciou todo o seu desenvolvi- capital necessário à sua efetivação corno as limitações da procura
mento posterior. O atendimento pleno (e os baixos preços), pela reduziam enormemente - ou eliminavam por completo - as
indústria estrangeira, de limitada demanda de bens manufaturados possibilidades de êxito de outra emprêsa que pretendesse ingressar
de tais países eliminava as oportunidades para investimentos lucra- 110 mesmo ramo de negócio. A quantidade de capital necessária

(10) Marx, Grundrisse der Kritik Politischen Oekonomie (Rohent- (12) Isto foi também descoberto, com grandes sofrimentos, pelos
wurf) (Berlirn, 1953), pág. 411. capitalistas ocidentais que não previram limitações à sua capacidade de

l
(11) "Increasing Returns and Economic Progress", Economic Iour- exportar bens manufaturados para as áreas de penetração do Ocidente
nal (dezembro, 1928), pág. 533. densamente povoadas.

246 247
~
para penetrar no santuário privilegiado do monopólio, os riscos de- nas de promover ulteriores divisões de trabalho e uma elevação do
Icorrentes da luta inevitável, as pressões que o grupo já estabeleci- nível de produtividade da economia; originam, na verdade, movi-
do exercia no intuito de esmagar e expulsar um intruso são os mento no sentido oposto. A indústria de caráter monopolístico di-
/ elementos que se congregavam para destruir os incentivos à trans- lata, por um lado, li duração do capitalismo mercantil, ao dificultar
\ ferência de capitais da esfera mercantil para as atividades indus- a transferência de capitais e de mão-de-obra dêsse setor para o
triais. O mercado de pequenas dimensões tornava-se monopolistica- da produção industrial. Por outro não c 'an O-IDer do ara a
mente controlado e o contrôle monopolístico passava a constituir produção agricela.rrrão óferecendo oportunidade de emprêgo à mã-
_obstáculo adicional à sua ampliação. de-obr rural excedente e não suprindo o agricultor de implementos
Não queremos dizer com isso que o desenvolvimento industrial ...-tre'nsde consumo a preços acessíveis, força a agricultura a orien-
verificado nos países atrasados não representou notável progresso tar-se no sentido da auto-suficiência, perpetua a inatividade da mão-
em relação à situação anterior, quando os seus mercados de artigos de-obra estruturalmente desempregada e encojara a proliferação
industriais eram controlados mediante suprimentos oriundos do ex- os pequenos comerciantes, da indústria rural, etc. (13)
terior. Esta situação contribuía decisivamente para arruinar o arte- O capitalismo, a-r aioria dos aíses.subdesenvoividos sofreu
sanato nativo e sufocar tôda iniciativa industrial porventura exis- assim, forte deformação de seu processo de crescimento; tendo
tente nos países atrasados sem, contudo, oferecer aos artesãos e passado por tôdas as penas e frustrações da infância, não pôde
operários atingidos qualquer alternativa de emprêgo na indústria. nunca experimentar o vigor e a exuberância da mocidade, começan-
A expansão industrial que deveria corresponder a êsse movimento do, ainda jovem, a apresentar os sintomas dos graves distúrbios
verificava-se nos países capitalistas ocidentais. As emprêsas i~dus- que caracterizam a senilidade e a decadência. Ao pêso morto da
triais que se instalavam no país representavam como queUufll
antídoto a essa situação. Elas transmitiam ao país escolhido parte,
pelo menos, do processo original de divisão do trabalho; uma fraçãb (13) Seria dispensável qualquer menção à natureza profundamente
do investimento total era realizada internamente e proporcionava retrógrada dessa volta à "feliz" condição de auto-suficiência do meio
rural e de regresso à indústria rural, não fôssem os crescentes favores
algum emprêgo e, conseqüentemente, renda para a mão-de-obrh e incentivos que lhe vêm sendo dispensados pelos países capitalistas oci-
nativa. Esse antídoto, porém, era inadequado. Sua falha não re~ dentais. O Govêrno dos Estados Unidos, sob o chamado "Programa do
sidia apenas em sua incapacidade para compensar os danos causa Ponto IV", tanto quanto a "Ford Foundation", por exemplo, tem des-
tinado recursos vultosos para campanhas com o objetivo de "vender"
dos à economia pela situação anterior, mas, principalmente, na ma-
essa idéia aos governos dos países subdesenvolvidos, enquanto diversos
neira como era administrado e que tinha como resultado o início economistas têm advogado essa "solução" em trabalhos recentes sôbre de-
de um processo de crescimento canceroso, não menos potente e senvolvimento econômico. (Ver, por exemplo, W. H. Nicholls, "Investment
não menos pernicioso que a enfermidade que havia curado parcial- in Agriculture in Underdeveloped Countries", American Economic Review
(maio, 1955) ou H. G. Aubrey "Small Industry in Economic Development",
mente no princípio. Social Researcli (setembro, 1951). Nada me q!.!.e_rep-etir aqui os co-
As novas firmas, conquistando ràpidamente o contrôle exclusi- mentâpíós elo~tes-feitos-hã--ma:is-de meio século por KãrI- Kautsky
vo do mercado e protegendo-se mediante a imposição de tarifas pro- sô l'~essãIõrma de "ajuda" ao campesinato dos países subdesenvolvi-
~ dos/ "Na indústria rural, explorada capitaIlsticamente, encontramos o mais
tecionistas ou concessões e favores governamentais de tôda espé-
) cie, bloqueavam o crescimento posterior da indústria, enquanto seus
preços de monopólio e suas políticas de produção tornavam desin-
10./go e mais extenuante dia de trabalho, ao lado da mais ínfima re-
bneração pelo trabalho executado, da maior ocorrência de trabalho in-
ntil e feminino e das mais miseráveis condições de habitação e traba-
(
--. teressante a ampliação dos próprios conjuntos industriais. Mudando ho; em síntese: as condições mais ultrajantes que podem ser encontra-
das dentro do nosso sistema de produção. Esta é a mais infamante
inteiramente de posição, passando de uma atuação progressista para forma de exploração capitalista e o mais degradante métr do de prole-
\ o desempenho de um papel nocivo ao progresso, essas emprêsas tarização do campesinato. Tôdas as tentativas de ajudar os pequenos
se constituíram, ainda nas primeiras etapas do processo, em ernpe- camponeses que já não são mais capazes de viver exclusivamente do tra-
bilhos ao desenvolvimento econômico, empecilhos êstes sernelhan- balho agrícola, através do encorajamento da indústria rural, determinam,
após curto e duvidoso período de melhora, uma queda inevitável na
Ies, em seu efeitos, ao regime de propriedade semifeudal prevale-
mais profunda e desesperançada miséria". Die Agrarjrage (Stuttgart, 189
~nte nos países subdesenvolvidos. Tais emprêsas não deixam ape- págs. 18.0 e segs.

248 249
----- CmprêSa à formação de capital nos países subdesenvolvidos é, por-
est gnação típica de uma sociedade pré-industrial veio juntar-se o
i pacto paralisador do capitalismo monopolista. O excedente eco- tanto, menor do que a das firmas nacionais.
}\
,ômico de que os consórcios monopolistas se apossam em quanti- Mais complexo - mas também mais importante - é o papel
dades enormes, nos países subdesenvolvidos, não é empregado nem desempenhado pelas grandes emprêsas estrangeiras radicadas em
na ampliação das próprias emprêsas que ensejaram a sua conquista países subdesenvolvidos que produzem mercadorias para exporta-
nem tampouco na instalação de novas firmas. A parte dêsse exce- ção. Representam elas não apenas a quase totalidade dos interêsses
dente que não é distribuída entre os acionistas estrangeiros tem des- estrangeiros nas áreas atrasadas, envolvendo grandes inversões de
tino semelhante àquele que encontra nas mãos da aristocracia rural: capital, como também são responsáveis por parcela substancial da
serve para manter a vida luxuosa de seus detentores, sendo gasta produção (tanto nacional como mundial) de tais mercadorias. A
na construção de suntuosas residências nas cidades e no campo, na fim de se ter uma noção mais precisa do impacto que essas em-
manutenção de vasta criadagem e em despesas de consumo su- prêsas têm sôbre o desenvolvimento econômico dos países subde-
pérfluo, etc. A parcela que resta após êsses gastos excessivos é em- senvolvidos onde operam, é útil examinar, separadamente, os dife-
pregada na aquisição de terras para arrendamento, no financia- rentes aspectos de suas atividades: a) a importância do investimen-
mento de atividades comerciais de tôdas as naturezas, na usura to realizado pela emprêsa estrangeira; b) o efeito direto de suas
e na especulação. E, last but not least, somas vultosas são remeti- operações correntes; e c) sua influência genérica sôbre o país sub-
das para o exterior onde vão constituir um seguro contra a depre- desenvolvido.
ciação da moeda nacional ou, então, reservas destinadas a assegu- No que concerne ao primeiro item - importância do investi-
rar a seus proprietários a fuga ou retirada, em condições satisfa- mento - cabe notar que, via de regra, os consórcios estrangeiros
tórias, no caso de ocorrência de perturbações políticas e sociais. dedicados à produção de bens exportáveis (com exceção do petró-
leo) iniciaram suas atividades com uma inversão de capital rela-
tivamente pequena. Isto se deve ao fato de que o contrôle dos
\ recursos naturais necessários à operação da emprêsa - especial-
IV
\ mente a terra destinada à mineração ou à formação de grandes
fazendas ocupadas com uma só cultura - era obtido mediante a
Chegamos, assim, ao terceiro ramo do setor não-agrícola do expropriação das populações nativas ou através de sua aquisição,
sistema econômico dos países subdesenvolvidos: a emprêsa estran- a preço mais ou menos simbólico, aos governantes, senhores feu-
geira. (14) As emprêsas total ou parcialmente estrangeiras cuja pro- dais, ou chefes tribais que dominavam as respectivas áreas. Por
dução se destina ao mercado interno do país subdesenvolvido não êsse motivo, era inexpressiva a contribuição ao estoque de capital
apresentam nenhum problema especial. (15) Aplica-se também a dos países subdesenvolvidos trazida pela instalação da emprêsa es-
elas o que foi dito anteriormente sôbre a indústria em geral. trangeira que iria explorar recursos naturais. Mesmo mais tarde,
Enquanto uma parte do excedente econômico de que se apropriam com a considerável expansão das atividades das emprêsas vincula-
I é gasta, localmente, no pagamento, por exemplo, de administrado- das ao setor de exportação, a quantidade de capital que realmente
res altamente remunerados, outra parte, justamente a de maior recebem dos países adiantados tem sido muito menor do que co-
vulto (incluem-se aqui as poupanças pessoais dêsses administrado- mumente se supõe. As emprêsas dêsse tipo, que se encontravam
\ es), é transferi da para o exterior. A contribuição dêsse tipo de eventualmente interessadas em ampliar seus negócios, podiam fà-
cilmente financiar as inversões necessárias com os lucros obtidos
(14) À semelhança dos negocios mercantis, a maroria de tais em- de suas operações, em geral, altamente rentáveis. Pronunciando-se
prêsas encontra-se realmente localizada nas zonas rurais e está fisicamen- sôbre a experiência da Grã-Bretanha, na matéria, Sir Arthur Sal-
te ligada à agricultura. Apesar disto, sua natureza econômica pouco ou ter observa que "foi somente durante o primeiro período - ter-
nada tem que ver com a agricultura, propriamente dita.
minado logo após 1870 - que os recursos para investimentos no
(15) "As indústrias manufatureiras típicas, trabalhando principalmen-
te para o mercado nacional, parecem não atrair o capital estrangeiro".
exterior provieram de um excesso de exportações correntes sôbre
Lndustrialization and Foreign Trade (pág, 66), Liga das Nações, 1945. as importações. Em todo o período compreendido entre 1870 e 1913,

25() 251
quando as inversões totais no estrangeiro aumentaram de cêrca de preço é usualmente muito baixo, não ultrapassando, com freqüên-
.L 1 bilhão para perto de .L 4 bilhões, o total dos novos investi- cia, a importância necessária ao subôrno de funcionários e poten-
mentos realizados representou apenas 40%, aproximadamente, da tados envolvidos na operação. Já tomamos contato com a maneira
renda gerada durante o mes~o espaço de tempo por investimentos pela qual êsses indivíduos dispõem de. sua renda. E ela por certo
feitos em épocas anteriores". (16) A expansão, no exterior, dos • não provoca qualquer aumento do estoque de capital dos países
consórcios franceses, holandeses e (mais tarde) americanos obe- atrasados. (20)
deceu bàsicamente ao mesmo modêlo, 'isto é, foi realizada em Parcela considerável do investimento necessário - na verdade,
grande parte, graças à reinversão dos lucros de suas operações sua maior parte - toma a forma de "investimento em espécie".
nos países estrangeiros. (17) O aumento dos ativos dos países ca- Em outras palavras, ao aplicarem seus lucros (ou mesmo recursos
pitalistas ocidentais no mundo subdesenvolvido decorre portanto, adicionais) na ampliação de suas instalações e negócios ou na con-
apenas parcialmente, da exportação de capitais (no sentido exato cretização de novos empreendimentos, essas firmas gastam grande
do têrmo), sendo, de fato, resultado principalmente da reinversão porção dos recursos mobilizados para tal fim na compra de e~uipa-
no exterior da parte do excedente econômico aí conseguido. (18) mentos produzidos em seus países de origem. Nem podena ser
O reconhecimento dêsse fato é interessante, dada a indigna- de outro modo, uma vez que o equipamento desejado não é fabri-
ção freqüentemente manifestada contra a violação dos "sagrados" cado, normalmente, nas regiões onde os mesmos irão operar. Além
direitos de propriedade dos capitalistas ocidentais em alguns países disso, a direção da emprêsa investidora tem, via de regra, natural
subdesenvolvidos. (19) O que importa, entretanto, no presente con- e compreensível preferência pela maquinaria fabricada em seu país
texto, é saber se o excedente econômico gerado e reinvestido nos de origem, uma vez que com ela está familiarizado. Em conse-
países subdesenvolvidos tem dado realmente uma contribuição signi- qüência, como os dispêndios em bens de capital se fazem em favor
ficativa ao desenvolvimento econômico de tais países. Mesmo a da indústria do país subdesenvolvido, o ato de investir representa-
crítica mais complacente dificilmente poderia sustentar a tese da
do pela constituição ou pela expansão de uma subsidiária de emprê-
existência de resultados positivos para a economia. Parte do inves-
sa estrangeira num país subdesenvolvido, ou pela eventual reposi-
timento feita pelos referidos consórcios é representada pelo paga-
ção de seu equipamento, provoca uma expansão do mercado inter-
mento, a
um preço qualquer, do título de propriedade das fontes
no do país desenvolvido ao invés de concorrer para a ampliação
de recursos naturais adquiridas. Como dissemos anteriormente, êsse
do mercado da economia atrasada. Não se pode ignorar, entretan-
to, que parte do dispêndio total é efetuada no país subdesenvolvido,
(16) Foreign lnveslment (Princeton, 1951), pág. 11.
(17) Com referência aos. investimentos norte-americanos no exterior,
ocupando capacidade produtiva e mão-de-obra locais e acarretando
no pós-guerra, uma publicação governamental credenciada afirma que acréscimos da renda e da procura efetiva do país em causa. As in-
"êstes, em sua maior parte, compõem-se de reinvestimentos dos lucros versões em moeda nacional tomam quase sempre a forma de obras
de suas subsidiárias no estrangeiro, ao invés de novos capitais. levanta- civis, como, por exemplo, a abertura de estradas, de minas, a cons-
dos nos Estados Unidos" Report 10 lhe President on Foreign Economic
Policies ("Gary Report") (Washington, 1950), pág, 61. Em 1954, os in- trução de edifícios industriais ou de escritório, de residências para
vestimentos privados norte-americanos no exterior "alcançaram US$ 3 bi- os empregados estrangeiros, vilas operárias, etc. O montante das
lhões aproximadamente, enquanto a renda derivada de investimentos feitos despesas no país é, contudo, usualmente pequeno, mesmo porque
em épocas anteriores elevou-se a cêrca de US$ 2,8 bilhões". S. Pizer e F.
essa parte do programa de inversões depende grandemente de arti-
Cutler, "InternationaJ Investment and Earnings", Survey 01 Current Busi-
ness (agôsto, 1955). gos importados, como materiais de construção, equipamentos de
(18) Ver também "Direct Investments, Terms of Trade, and Balance transporte, material de escritório e doméstico, e porque há sempre
of Payments" de Erich Schiff, Quarterly Journal 01 Economics (fevereiro,
1942).
(19) É desnecessário dizer que o problema se complica seriamente (20) Nas condições presentes, menos "românticas", o acesso aos re-
em virtude de nossas afirmações se basearem em balanços líquidos globais; cursos naturais de certos países subdesenvolvidos é obtido mediante o pa-
os indivíduos e emprêsas hoje considerados podem não ter, e freqüente- gamento de "royalties" e impostos, mais ou menos vultosos. sôbre a pro-
mente não têm, ligações com os que obtiveram lucros em épocas ante- dução corrente. Algumas vêzes envolve, também, a conce~são aos, g~-
riores. vemos locais de donativos e empréstimos, tornando-os mars permeaveis
a negociações subseqüentes. Voltaremos mais tarde a êste ponto.

252 253
mprGgo nas minas de estanho; estimando-se que durante a última
necessidade de trazer do exterior engenheiros, técnicos e dirigen-
metade da década de 1940 aproximadamente 25% das receitas
tes, para supervisionar ou executar os projetos de construção.
totais eram reservados para atender a pagamentos de salários. Esta
Uma vez verificado que não são tão grandes, como se propa-
cifra, contudo, é indubitàvelmente alta porquanto utilizou-se a taxa
Ia, os benefícios que os países subdesenvolvidos derivam de investi-
oficial de câmbio para comparar os valôres em dólar das vendas
mentos ligados à implantação ou à expansão, em seu território, de I com as cifras dos salários bolivianos. (24) No Oriente Médio, no
subsidiárias de emprêsas estrangeiras dedicadas à produção para
máximo 0,34% da população encontram-se ocupados na indústria
exportação, podemos passar ao exame do tópico seguinte, ou seja, rI do petróleo, (25) enquanto menos de 5 % da receita dessa indús-
à apreciação dos efeitos das operações correntes dessas subsidiárias
tria correspondem a salários. Em alguns países com populações pe-
sôbre as economias dos países atrasados. Suas atividades correntes
quenas e, paralelamente, grandes explorações de fontes de matérias-
envolvem tanto a produção como a exportação de bens como mi-
primas, a proporção da população empregada nessas atividades é
nérios, combustíveis e produtos agrícolas. Devemos, portanto, in-
evidentemente maior (por exemplo: cêrca de 10% nas minas de
vestigar o modo de utilização da receita bruta resultante quer da
cobre da Rodésia do Norte). Estas situações são, porém, excepcio-
produção, quer da exportação. Podemos começar pela parcela usada
nais. Note-se que, ainda assim, a participação dos salários nas re-
para remunerar a fôrça de trabalho. Tal parcela é geralmente pe-
quena, uma vez que é determinada pela taxa de salário extrema- ceitas totais dêsses empreendimentos é aproximadamente igual àque-
mente baixa da mão-de-obra nativa e reflete um alto grau de me- la que prevalece nos casos já mencionados.
canização em algumas linhas de produção, de que decorre o em- Seria errôneo, porém, acreditar que esta parcela modesta da
prêgo de mão-de-obra em escala limitada. Na Venezuela o petró- receita global derivada da exploração de reservas de matérias-pri-
leo representa mais de 90% do valor total das exportações (e uma mas serve, em sua totalidade, para ampliar o mercado interno do
parcela substancial do Produto Nacional Bruto) mas a indústria país subdesenvolvido.' Em primeiro lugar, alguns dos empregados
petrolífera emprega somente 2 % da fôrça de trabalho venezuela- que ocupam posições de gerência ou subgerência e que percebem,
na, (21) enquanto suas despesas em moeda local não absorvem por isso mesmo, salários elevados, são estrangeiros. Apesar de man-
senão 20% do valor das exportações. (22) Cêrca de 7/8 dessas terem um alto padrão de vida, tais empregados encontram-se ainda
despesas correspondem a salários e ordenados, constituindo o re- em condições de poupar parcelas consideráveis de suas rendas. Na
manescente dispêndios com aquisições de bens no país. No Chile, realidade, uma das principais atrações oferecidas por êsses empre-
"antes da Primeira Guerra Mundial, cêrca de 8% da população gos é justamente a possibilidade que proporcionam a seus ocupan-
ativa encontravam-se ocupados na mineração ou em atividades a tes de constituir reservas apreciáveis em período de tempo relati-
ela ligadas; esta proporção porém vem declinando firmemente". (23) vamente curto. Não é "preciso acrescentar que tais poupanças ou
De acôrdo com estudo inédito do Fundo Monetário Internacional, são enviadas periõdicamente para o país natal ou são levadas por
a parcela do valor do produto total da indústria gasto no pró- êsses empregados ao deixarem seus postos. (26) Tampoucó seus
prio país é também de 20%, aproximadamente. Não se pôde de- gastos de consumo concentram-se inteiramente em produtos locais.
terminar, porém, qual a proporção relativa à mão-de-obra e aos Embora empreguem grande número de pessoas na manutenção de
materiais. Na Bolívia cêrca de 5% dos trabalhadores encontram suas casas e adquiram muitos bens de consumo produzidos por in-

(21) Ragnar Nurkse, Problems o] Capital Formation in Underde- (24) Rollins, op, cit., citando a M. D. Pollner, Problems o] National
veloped Countries (Oxford, 1953), pág. 23. Income Estimation in Bolivia (Tese de pós-graduação, Universidade de
(22) Banco Central da Venezuela, Memória (1950), pág, 36, cita- Nova York, 1952).
do por C. E. Rollins em "Mineral Development and Economic Growth", (25) Nações Unidas, Review of Economic Conditions in the Middle
Social Research (outubro, 1956). Sou profundamente grato ao Dr. Rollins East (1951), pág. 63.
por haver colocado à minha disposição o manuscrito dessa excelente mo- (26) Os casos de indivíduos, que se enamoram dos países onde es-
nografia de onde retirei uma série de referências adicionais. tão empregados e que por isso decidem "naturalizar-se econômicamente"
(23)Nações Unidas, Development o] Mineral Resources in Asia and
podem ser ignorados dada a ma baixa freqüência. '
the Far East (1953), pág. 39.

255
254
dústrias locais, fração ponderável de seus gastos se destina à aqui-
-- muito pouco. Como, por outro lado, seus salários são também
sição de artigos importados a que se acham ac.ostumado~. A parc.ela pràticamente fixos, a renda total dos trabalhadores, em têrmos
do total dos salários percebidos por estrangeiros que e despendida absolutos, é, no conjunto, bastante estável. Ela representa obvia-
na compra de bens e serviços produzidos no país em que se en- mente uma proporção variável do valor total da produção, depen-
contram - parcela que provoca um aumento na procura global dendo dos preços pelos quais é vendida essa produção. Mesmo
dos países subdesenvolvidos - é, pelas razões apontadas, comu- considerando em conjunto anos bons e anos maus, parece que a
sua participação flutua em tôrno de 15 %, colocando-se percenta-
mente pequena. .
No caso da fôrça de trabalho nativa a situação é algo diferen- gem mais baixa ao redor de 5 %, em algumas áreas e em alguns
te. Executando trabalhos que requerem pouca ou nenhuma espe- anos, e alcançando 25 % em outros. Se bem que oscilações do
cialização, seus salários são extremamente baixos e com fr':.qüênci.a último tipo tenham grande valor para as populações extremamente
mal atingem o mínimo de subsistência. Mesmo quando ~ao. maiS pobres dos países subdesenvolvidos, só se pode compreender o seu
elevados e propiciam padrão de vida um pouco melhor, diflcilmen- significado para o desenvolvimento econômico dos países atrasados
te alcançam níveis capazes de permitir a formação de poupança. É através do exame da natureza e do comportamento dos grupos hu-
possível admitir-se pois, que os salários recebidos pelos trabalha- manos atingidos pelo fenômeno. Como êstes grupos se compõem
dores nativos sej;m gastos totalmente em consumo. (27) Ain~a principalmente de trabalhadores que recebem baixos salários, quais-
assim, parte do que compram é fornecid~ pel~ pró?r!a companhia quer melhorias no nível de renda resultam na aquisição de bens
empregadora, especialmente habitação. Alem ~iSSO,m~meros acam- de consumo elementares procedentes do setor agrícola ou então
pamentos e vilas operárias estão de tal maneira locahzados que se fabricados por artesãos locais, ou na compra de mercadorias im-
torna mais fácil e mais barato importar os bens de consu~o pro- portadas, não favorecendo, por conseguinte, a formação de um
curados pelos trabalhadores que tentar obtê-los de fontes internas, mercado interno capaz de encorajar a instalação da emprêsa in-
dustrial. (29)
normalmente distantes. (28) A.

Em resumo o volume de renda que as empresas estrangeiras As receitas brutas provenientes das atividades de exportação
ligadas ao setor ~xportador proporcionar.n aos habitantes do~ país:s desenvolvidas pelas emprêsas estrangeiras podem ser classificadas
subdesenvolvidos é, em tôda parte, muito pequeno e consiste ba- em duas categorias. A primeira e mais importante é formada pelos
sicamente de salários pagos a um número relativamente pequeno ?e lucros brutos das companhias (após o pagamento de impostos e
r~indiVídUOS. Uma vez, porém, que as variações na procura .mu?dial ' "royalties"), etc. aos governos dos países onde operam. Voltaremos
\ de bens primários afetam principalmente o seu preço ao i~ves de oportunamente a esta última categoria. Com referência à primei-
'\ se refletir no volume de sua produção - e isto por motivos d~ ra, o modo de utilização dos recursos aí classificados está sujeito
ordem técnica e econômica, sôbre os quais não n~s deteremos a~Ul a consideráveis variações. Como vimos anteriormente, a maior par-
_ o nível de emprêgo da fôrça de trabalho nativa tende a vanar te de tais recursos é reinvestida no exterior. Note-se, porém,
que essa afirmação baseia-se na análise estatística dos saldos que
se observam quando tratamos com totais mundiais e períodos longos.
(27) Em alguns países, como a Birrnânia, assume grandes propor-
ções a remessa de fundos, pela. mão-de-obra emigrada ?e outras partes Considerados os países individualmente e em períodos de tempo
do país, aos familiares que permanecem n~s zonas d~ orrgem. . determinados e contínuos - tanto as remessas de lucros como os
(28) As companhias estaníferas boliVIanas constItuem excelente ilus- investimentos estrangeiros apresentam flutuações bastante violentas,
tração de situações do tipo comentado. "~urante .m~ltos anos as com-
panhias mantiveram lojas, que eram supridas pr~nclpalmente d? exte-
bem como movimentos em direções diferentes. Enquanto, por vêzes,
rior ... ", C. E. Rollins, op. cito É desnecessano dizer que ~ raz.ao para em alguns países as remessas excedem os investimentos, em outras
êste comportamento é, em muitos casos, não ape~a.sA o. mais baixo pre~ épocas e em outros lugares ocorre justamente o contrário. Noutras
ço dos bens importados, mas principalmente a eXIstencI~ de pag~mento_
em espécie. No caso das firmas dedicadas à exportação, as ba~as ta-
rifas marítimas de retôrno constituem importante fator de encora)amento
à importação de bens de consumo que serão vendidos mais tarde em suas (29) Isto dá lugar a lucros mercantis, não é disto, entretanto, de
lojas e armazéns. ue carecem os países subdesenvolvidos.

256 257
ocasioes algumas firmas remetem às suas matrizes a totalidade ou omércio dos Estados Unidos, afirmam com vigor que "a grande
a maior parte de seus lucros, ao passo que as demais realizam novas xpansão da capacidade produtiva de países estrangeiros represen-
inversões no exterior. Algumas organizações comerciais de âmbito tada pelos investimentos [de emprêsas norte-americanas] tem de-
mundial transferem freqüentem ente seus lucros do país ou países sempenhado papel de relêvo na elevação das condições econômicas
nos quais êles se originam para áreas onde as oportunidades de nesses países". (31) Se bem que aparentemente menos confiante,
investimento são mais favoráveis, em certas ocasiões. Isto não quer o Professor Mason susterita que " ... a expansão da produção mi-
dizer que os países subdesenvolvidos tenham um destino comum e neral é, em geral, não somente compatível com o crescimento eco-
que os lucros gerados em um dêles se não são reinvestidos nêle nômico das áreas subdesenvolvidas como também pode facilitar
próprio, serão forçosamente aplicados em outro país subdesenvol- grandemente a industrialização dessas mesmas áreas". (32) E o
vido. O que acontece é normalmente o oposto, isto é, os lucros Professor Nurkse, também quase convencido, conclui que " ... o
obtidos nos países pobres e atrasados têm servido, em sua maioria, problema com relação a investimentos estrangeiros do tipo tradi-
para' financiar investimentos nas regiões mais desenvolvidas do cional não é que êles sejam maus ou que não tendam geralmente
mundo. Dêste modo, conquanto se observem diferenças pronun- a promover o desenvolvimento; êles o fazem ainda que desigual-
ciadas entre os países subdesenvolvidos, no que respeita ao mon- mente e de forma indireta. A questão é que êstes investimentos
tante dos lucros nêles reinvestidos ou então exportados pelo in- não se verificam em escala substancial. .. " (33) Tais opiniões fun-
vestidor estrangeiro, o que de fato ocorre é que o mundo subde- damentam-se, na sua essência, em considerações do tipo que pas-
senvolvido, em seu conjunto, tem exportado, continuamente, parce- saremos a discutir.
la substancial de seu excedente econômico para os países mais Argumenta-se, em primeiro lugar, que a remessa de lucros de
avançados, a título de juros e dividendos. (30) investimentos estrangeiros não pode ser considerada como expro-
priação do excedente econômico do país subdesenvolvido, pôsto que
o que se transfere não teria existido sem o investimento estrangeiro.
v Por conseguinte, uma vez que na ausência dessas transferências não
haveria também investimentos estrangeiros, essas mesmas remessas
O mais grave, entretanto, é que é muito difícil dizer o que deixam de representar um custo real para a economia e não podem
tem sido mais pernicioso ao desenvolvimento econômico dos países ser, por isso, consideradas como fatôres que influenciam adversa-
subdesenvolvidos: se a expropriação de seu excedente econômico mente o seu desenvolvimento. (34) Afirma-se, em segundo lu-
pelo capital estrangeiro ou se as reinversões realizadas pelas emprê- gar, que, como parte do valor da produção das emprêsas estrangei-
sas estrangeiras. Êste é, realmente, o dilema sombrio com que de- ras corresponde a pagamento a fatôres de produção locais, o fun-
frontam essas nações. Ele não se torna evidente apenas através cionamento dessas emprêsas aumenta, em certa proporção, a renda
da verificação da pronunciada modéstia dos benefícios que os in- da população nativa. Assinala-se, em terceiro lugar, que a emprêsa
vestimentos estrangeiros proporcionam diretamente, mas, principal- estrangeira, qualquer que seja a sua contribuição direta para o
mente, pela apreciação do impacto total da emprêsa estrangeira bem-estar dos habitantes dos países subdesenvolvidos, presta-lhes um
sôbre o processo de desenvolvimento dos países atrasados. serviço indireto da maior importância, qual seja o de estimular a
~ste não é, por certo, o ângulo do qual tais problemas são construção de rodovias, ferrovias, centrais elétricas, etc., além de
vistos nos estudos mais ou menos oficiais sôbre o assunto, prepa-
rados no Ocidente. Assim é que os autores do já mencionado arti-
go publicado no Survey 01 Current Business, do Departamento do (31) S. Pizer and F. Cutler, "International Investments and Earn-
Ings" (agôsto, 1955), pág, 10.
(82) "Raw Materiais, Rearmament, and Economic Development",
uarterly Iournal oi Economics (agôsto, 1952), pág. 336.
(30) Cf. Jacob Viner, ("America's Aims and the Progress of Un- (88) Op, cit., pág. 29.
derdeveloped Countries") in The Progress oi Underdeveloped Areas (B. (81) Cf. S. Herbert Frankel, The Economic Irnp act 0/1 Underde-
F. Hoselitz, ed.) (Chicago, 1952), págs. 182 e seguintes, veloped Societies (Oxford, 1953), pág. 104.

258 259
transmitir a seus capitalistas e trabalhadores o know-how e a habili- truição física de grande parte da população nativa. Os exemplos
dade técnica dos países adiantados. Dá-se ênfase, finalmente, ao sü inúmeros e bastará citar alguns poucos: "A monocultura da
fato de que as emprêsas capitalistas ocidentais, através do pagamen- cana-de-açúcar no Nordeste do Brasil é bom exemplo. A zona pos-
to de impostos e royalties aos governos dos países onde operam, suía um dos poucos solos tropicais realmente férteis. Desfrutava
colocam em suas mãos vultosos recursos que podem ser utilizados um clima favorável à agricultura e possuía originalmente revesti-
para financiar o seu desenvolvimento econômico. mento florístico extremamente rico em árvores frutíferas. Hoje,
Como acontece com a maioria do raciocínio econômico bur- a absorvente e auto destruidora indústria açucareira desflorestou tôda
guês, baseado na "inteligência prática", êsses argumentos são judi- a terra disponível e cobriu-a completamente de cana-de-açúcar;
ciosos e plausíveis apenas na aparência. Partem, na verdade, do em conseqüência, esta é uma das áreas do continente onde impe-
exame de uma fração da realidade, que não é tratada historica- ra a fome. O insucesso na plantação de frutas, verduras e legumes,
mente, mas por um método agora muito em voga e que se pode- ou na criação de gado na região criou um problema alimentar ex-
ria chamar de "estática animada", o que dá lugar a uma concep- tremamente difícil em uma área onde a agricultura diversificada
ção tendenciosa e enganosa, a um só tempo. Examinemos, pois, poderia produzir variedade infinita de alimentos". (35) Na maior
em profundidade, essas teses. parte da América Latina, o que "contribuiu para arruinar defini-
Não há a menor dúvida de que se os recursos naturais dos tivamente as populações nativas foi o fato de quase tôda a área
países subdesenvolvidos não fôssem explorados não seria gerada dedicar-se a um tipo predominante de exploração econômica; certas
renda capaz de dar origem à remessa de lucros para o exterior. regiões dedicaram-se à mineração, outras ao plantio de café, algu-
Aqui termina, porém, o terreno firme no qual se assenta a primei- mas ao fumo e outras ao cacau. Esta especialização provocou uma
ra das proposições acima referidas. E isso porque não se pode deformação nas economias nacíonais, que ainda hoje se observa
aceitar como fato consumado que os atuais países pobres, admi- em países como El Salvador, que pràticamente nada produz além
tido um processo independente de desenvolvimento, não viessem a de café, e Honduras que exporta exclusivamente bananas". No Egi-
iniciar, em algum momento, a exploração de seus recursos naturais to, "grande parte das terras irriga das foi reservada a culturas co-
por iniciativa própria e em condições mais vantajosas que as ofe- merciais de exportação. . . particularmente o algodão e o açúcar -
recidas pelos capitais estrangeiros. A hipótese seria aceitável so- o que agravou ainda mais a pobreza alimentar do [elâ", Na África,
mente se os investimentos estrangeiros e o caminho seguido pelo lia primeira inovação européia que veio perturbar os costumes
desenvolvimento aOS países atrasados constituíssem fenômenos dis- alimentares da população nativa foi a produção, em larga escala,
sociados e inteiramente independentes. Todavia, como já vimos an- de culturas comerciais de exportação, tais como cacau, café, açú-
teriormente e o exemplo do Japão o demonstra de forma convin- car e amendoim. Sabemos já como funciona o sistema de grandes
cente, não se pode concordar de nenhum modo com a tese de fazendas. .. um bom exemplo é dado pela colônia britânica de
independência. Aceitá-Ia corresponde a uma recusa de encarar o Gâmbia, na África ocidental, onde a cultura de produtos de ali-
problema em sua totalidade, bem como a prejulgá-lo. Há ainda mentação para consumo local foi completamente abandonada a
outro aspecto da questão a considerar. No que se relaciona a al- fim de permitir a concentração na produção de amendoim. Como
guns produtos agrícolas, poder-se-ia pensar que, uma vez que cons- decorrência dessa monocultura. .. a situação alimentar da colônia
tituem culturas temporárias e o seu mercado natural é o externo, dificilmente poderia ser pior". A parcela do território norte-ameri-:
a produção e a exportação dos mesmos não representam qualquer
sacrifício para os países produtores. Trata-se, como se vê, de uma
falácia de graves conseqüências, se bem que comum ente aceita. (85) Josué de Castro, The Geography oi Hunger (Boston, 1952),
Mesmo ignorando a circunstância de que as grandes emprêsas agrí- pá, 97. As três passagens seguintes transcritas no texto foram extraí-
colas ligadas ao setor exportador empreendem por tradição explo- Itls das páginas 105, 215 e 221 dêsse magnífico trabalho. O Professor
ração predatória da fertilidade do solo sob seu contrôle, o estabe- . do Castro observa, incidentalmente, que enquanto a erosão e a exaus-
I do solo constituem uma praga em todo o mundo colonial, os técni-
lecimento e expansão dessas emprêsas têm provocado a sistemáti- I'C) "vão ao ponto de asseverar que, para todos os propósitos práticos,
ca pauperízação e, em muitos casos, até mesmo a completa des- 1\ xístc erosão no Japão" (pág. 192).

260 261
cano que, de há muito, vem representando o papel de colônia in- países e de matérias-primas particulares, o perigo está longe de ser
terna do capitalismo americano - os Estados sulinos - tem so- pequeno. (37) Destarte, para grande número de países subdesen-
frido efeitos bastante semelhantes, produzidos pelo açúcar e, parti- volvidos, o pouco que êles recebem atualmente em troca da ex-
cularmente; pelo algodão. "Nos Estados Unidos, os Estados algo- ploração intensiva dos seus recursos naturais pode significar, na
doeiros constituem o grupo de renda mais baixa da Nação. A cor- prática, a alienação de seu direito a um futuro melhor em troca
relação estatística entre o plantio de algodão e níveis de pobreza de um pobre "prato de lentilhas".
é surpreendente. A cultura do algodão traz duas conseqüências Viu-se, acima, que o "prato" não é grande e quão modesta
prejudiciais ao solo: (1) esgotamento do solo... (2) os danos é a quantidade e a qualidade da "lentilha". A crescente hostili-
causados pela erosão. .. Tudo isso é claramente percebido agora, dade às emprêsas estrangeiras e a prática, cada vez mais comum,
mas não foi compreendido e apreciado no século XIX - o século de intimidação e coerção adotada contra os trabalhadores nativos,
durante o qual se media o sucesso em dólares e centavos, ainda a fim de induzi-los a trabalhar para firmas ocidentais, demonstra
que à custa do patrimônio social". (36) que a espoliação vem sendo compreendida cada vez mais pelos
É preciso observar, a fim de evitar incompreensões, que se povos assim sacrificados. Conquanto se possa aceitar como verdade
não devem entender êstes últimos parágrafos como demonstração que a relutância dos nativos em trabalhar de maneira adequada
contrária à divisão intranacional e internacional do trabalho e o em troca de salários de fome tenha sua origem em um "atraso cul-
conseqüente aumento da produtividade. O que êles revelam clara- tural" e em uma percepção insuficiente do que é bom para êles, é
mente é que uma especialização intranacional e internacional or- bem provável também que sua resistência seja motivada plo sim-
.ganizada de tal modo que um participante do grupo se especializa ples fato de que êles desfrutam melhor situação mantendo-se den-
no empobrecimento e na miséria, enquanto o outro arca com o tro de seus sistemas tradicionais de vida, que aquela que Ihes seria
ônus dos lucros coleta dos pelo homem branco, dificilmente pode proporcionada pelos novos sistemas aos quais são compelidos a
ser considerada solução satisfatória para o problema da obtenção aderir pelo capital estrangeiro.
de maior bem-estar para a maioria.
Tampouco a tese da "ausência de sacrifícios" é mais correta Desde o declínio da escravidão como forma de mo-
quando a produção exportável das emprêsas estrangeiras não se bilização do trabalho, o sistema mais freqüente de recruta-
compõe de bens agrícolas, mas de produtos da indústria extrativa, mento e submissão de trabalhadores nativos relutantes vem
como minérios, petróleo, etc. Ainda que neste caso o deslocamento
da população nativa e a destruição de suas bases tradicionais pos-
sam ter assumido proporções algo menores que no caso da emprê- (37) O que o Professor Mason observa com relação aos Estados
sa agrícola - embora não sejam de nenhum modo desprezíveis ~ Unidos aplica-se ou se aplicará também, mais cedo ou mais tarde, e em
o efeito de longo prazo dêsse tipo de exploração de recursos na- menor ou maior grau, a outros países: "Tôda a evidência, no que res-
turais é menos impressionante. Na realidade, não há razão para peita ao petróleo e a vários outros minerais... indica de maneira bas-
tante clara um custo real de pesquisa e localização crescente, Além
se considerar os recursos naturais dos países subdesenvolvidos como disso, sabemos que com respeito ao cobre, chumbo e zinco, a tendência
um bem livre e existente em quantidades infinitas. Se a exaus- tem sido, durante décadas, de obtenção de minérios cada vez mais po-
tão das reservas mundiais de matérias-primas é espantalho que se bres. Finalmente, deve ser mencionada a inexistência de qualquer des-
pode deixar de levar em consideração no caso de determinados coberta realmente importante de jazidas de alguns dos nossos mais impor-
tantes metais, pelo menos durante as três últimas décadas". "Raw Ma-
terials, Rearmament, and Econornic Development", Quarterly lournal oj
Economics (agôsto, 1952), pág. 329. O mesmo acontece em grande nú-
(36) E. W. Zimmerman, World Resources and Industries (edição mero de países produtores de matérias-primas, como, por exemplo, a
revista, Nova York, 1951), pág. 326. 1'; ocioso dizer que o autor discri- Venezuela, onde "semear petróleo" é o slogan que traduz a sua ansiedade ge-
mina injustamente contra o século XIX. No mundo capitalista do século neralizada com respeito à possível exaustão (ou declínio de valor) de suas
XX, o sucesso é ainda medido pelo mesmo padrão, com a única diferen- reservas petrolíferas; a Bolívia, onde a preocupação com o estanho não
ça de que hoje as grandes emprêsas pensam mais em seus lucros a 6 menor; e um grande número de países exportadores de madeira, para
longo prazo. 8 quais o fim do período áureo da madeira está à vista.

262 263
sendo o de estabelecer contratos de trabalho de longa dura- guido de outro modo", (39) tal demonstração pode ser feita pron-
ção, garantidos por uma sanção penal na hipótese de seu tamente se se excluem 0S comerciantes nacionais que são os únicos
não-cumprimento. Estas relações são contratuais apenas no- habitantes dos países subdesenvolvidos que obtêm vantagens subs-
minalmente. .. Entre povos analfabetos, o contrato é muitas tanciais do funcionamento das emprsêas estrangeiras que exploram
vêzes uma proteção mais formal que real parao trabalhador fontes locais de matérias-primas.
e não há, usualmente, nenhum contrô!e efetivo sôbre o cum-
primento ou não das promessas feitas pelo recrutador e que
muitas vêzes não figuram no contrato real. Uma vez con-
VI
tratado e levado para longe de sua aldeia natal, o trabalha-
dor tem poucas possibilidades de cobrar as promessas recebi-
das ou de encontrar qualquer meio efetivo de romper os Chegamos, assim, à nossa terceira questão - o terceiro dos
vínculos estabelecidos.... Assim, se o contrato tem origem argumentos mencionados acima - que diz respeito ao efeito indi-
na fôrça e na fraude, ou na pressão da miséria, sua execução reto que as emprêsas estrangeiras de exportação exercem sôbre o
envolve um elemento substancial de coerção direta. Nas ín- processo de desenvolvimento econômico dos países subdesenvol-
dias Holandesas, particularmente nas Províncias Exteriores, vidos. Em grande número de regiões, o estabelecimento e o fun-
a sanção penal que dava fôrça aos contratos de trabalho per- cionamento da emprêsa estrangeira conduzem a inversões em ins-
maneceu em vigor até 1940. f:sse método é ainda grande- talações que, embora não participem diretamente do sistema de pro-
mente empregado na África, particularmente no caso de tra- dução e de exportação de matérias-primas, são, não obstante, indis-
balhadores em minas. .. Em tôdas as colônias e protetorados pensáveis a essas atividades. Tais instalações consistem em ferrovias
do sudeste asiático e do Pacífico, a escassez ou a má vonta- e portos, rodovias e aeroportos, serviços de comunicação, canais
de de trabalhadores locais para com as emprêsas agrícolas de navegação e usinas elétricas. De maneira geral, o progresso nes-
ou mineiras e fábricas tem fornecido a justificativa para o ses campos é necessário e desejável, interessando, pois, a qualquer
uso generalizado de contratos de trabalho dêsse gênero ... país subdesenvolvido. Mesmo que a implantação ou a expansão
dêsses "serviços" per se pouco contribua para o crescimento do
O emprêgo de várias formas de coerção, mais ou menos mo-
mercado interno das áreas subdesenvolvidas - uma vez que a
deradas, para garantir a mão-de-obra para a fazenda, as mi-
maior parte do investimento correspondente assume a forma de
nas e mesmo para as fábricas tem características de endemia despesas com equipamento importado, ou seja, "investimentos em
na América Latina. As formas vão desde a prestação de espécie" - os projetos de infra-estrutura são usualmente conside-
serviços em pagamento de dívidas ou a servidão em conse- rados benéficos para a economia, pois, uma vez concluídos, terão
qüência de débitos até o contrato de trabalho de longo pra- expandido o horizonte para novos investimentos na região. Tais pos-
bo, similar àquele usado em muitas áreas coloniais... (38) sibilidades, derivadas da criação de "economias externas", originam-
se do fato de que a operação de uma emprêsa facilita (ou torna
Por conseguinte, se os apologistas do imperialismo insistem mais barato) a formação ou o funcionamento de outra. Assim, a
em que" ... ,em que ser demonstrado que o investimento meramen- construção de uma usina elétrica para uso de um conjunto indus-
te geográfico é realmente prejudicial para o país que o recebe, o trial ou de mineração pode evitar à outra firma as despesas com
que deve significar que êle resulta em nível de renda mais baixa
para os habitantes do país do que aquêles que êles teriam conse-
(39) A. N. McLeod, "Trade and Investment in Underdeveloped
Areas: A Comment", American Economic Review (junho, 1951), pág. 411.
A. expressão. "investimento meramente geográfico", empregada pela pri-
(38) W. E. Moore, Industrialization and Labor (Ithaca e Nova York, meira vez por H. W. Singer, refere-se ao "investimento estrangeiro que
1951), págs. 60-62. Ver também a bibliografia referida nessas páginas, em eogràficamente se localiza nos países subdesenvolvidos, mas que nunca se
particular o elucidativo trabalho de B. Lasker, Human Bondage in South- torna parte integrante de suas economias, permanecendo, isto sim, como
east Asia (Chapel HiU, Carolina do Norte, 1950). parte das nações investidoras".

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~----~-
!
a instalação de fonte própria de energia elétrica, suprindo-a, dêste
modo, com a mais barata energia que poderia pensar obter. Igual-
mente, a montagem de uma serraria para suprir as necessidades de
,

mento constitutivo do custo de um fator de produção, como, por


exemplo, aquêle resultante de uma redução na taxa de juro. Da
l
mesma maneira como hoje se reconhece ser um engano esperar
uma fábrica pode reduzir o custo de construção de outra fábrica que, a um dado nível de renda e de procura efetiva, uma simples
na mesma zona. queda na taxa de juro provocará um aumento no volume de in-
É importante distinguir a melhoria das condições propiciado- vestimentos, é também errôneo supor que a presença "física" de
ras da expansão econômica que tem lugar do modo indicado aci- fontes potenciais de economias externas seja suficiente para gerar
ma, da que resulta do fenômeno que se pode, com justeza, deno- a expansão econômica. A semelhança, porém, não pára aí, Assim
minar de "efeito amplificador dos investimentos", ou seja, o pro- como a antiga insistência da Ciência Econômica em afirmar a im-
cesso a que já nos referimos e segundo o qual o investimento em portância estratégica da taxa de juro não era, de modo algum, uma
um dado projeto é tornado possível pela ampliação do mercado atitude "inocente" - implícito como estava nessa tese o primado
ocasionada por investimentos em outras emprêsas. Faz-se mister su- do laissez [aire e da não-intervenção governamental na atividade
blinhar essa distinção porquanto há forte tendência a ignorá-Ia ou econômica - do mesmo modo o atual clamor em favor das in-
confundi-Ia na maioria dos trabalhos sôbre desenvolvimento eco- versões maciças nos países subdesenvolvidos nos setores capazes de
nômico. Isto pode levar a graves erros, pois, enquanto o "efeito originar economias externas (usinas elétricas, rodovias, etc.) está
amplificador dos investimentos" é sinônimo de desenvolvimento longe de corresponder a um entusiasmo puramente teórico. Seu sig-
econômico e implica, forçosamente, a criação de "economias ex- nificado real torna-se visível, entretanto, tão pronto se pergunte:
ternas", a instalação de "serviços" do tipo mencionado no pará- a quem os serviços de infra-estrutura assim criados irão proporcio-
grafo precedente pode dar lugar a economias externas mas não nar economias externas? É bastante passar a vista em declarações
provoca, obrigatoriamente, um aumento do volume de inversões e de economistas, tanto de órgãos governamentais como de várias
'0 crescimento econômico generalizado. Em outras palavras, os in- organizações dominadas pelas grandes emprêsas, para ver clara-
vestimentos internos simultâneos, que refletem um processo de cres- mente que tais fontes de "economias externas", cuja construção
cente divisão do trabalho e que determinam uma expansão cumula- é aconselhada aos países subdesenvolvidos, destinam-se bàsicamente
tiva do mercado interno, trazem, como subproduto, a criação de a favorecer a exploração de seus recursos naturais pelas emprêsas
economias externas, isto é, a formação de condições que, a seu ocidentais. Além disso, a grande ênfase na tese da indispensabili-
turno, irão facilitar ulteriores divisões do trabalho e subseqüentes dade da ajuda governamental a êsses projetos, através de financia-
investimentos. Todavia, para que a formação de um ambiente fa- mentos e facilidades de tôda ordem, característica de manifesta-
vorável a inversões resulte de fato em aumento da taxa de acumu- ções do gênero, nada mais é que um reflexo da velha e respeitá-
lação de capital em uma dada região, é indispensável que a mesma vel noção da "cooperação harmoniosa" entre os governos das na-
tenha alcançado um nível de desenvolvimento econômico e social ções pobres e as emprêsas monopolistas: aos primeiros cabem os
em que já seja possível a transição para o capitalismo industrial. ônus da implantação e da manutenção dos empreendimentos, com
De outro modo, estas fontes virtuais de economias externas, na a menor "participação" financeira possível das firmas interessadas,
medida em que se incorporem ao sistema, servirão apenas para enquanto cabe a estas embolsar os lucros daí resultantes, evitando-
dar maior vigor àquelas fôrças que garantem a estrutura econô- e nesta fase a menor "intervenção" financeira possível do poder
mica e social vigente, contrária ao desenvolvimento, ou então fi- público.
carão reduzidas a meras potencialidades - disponíveis, porém Assim, enquanto Nelson Rockefeller e seus colaboradores afir-
não utilizadas - que pouco contribuirão para o progresso da eco- mam que "quando se desenvolve ràpidamente uma aguda escassez,
nomia, indo juntar-se a outras fôrças produtivas também subem- torna-se da máxima importância o aumento, também rápido, da
pregadas. produção de matérias-primas nos países subdesenvolvidos", (40) o
Significa isto que as "economias externas", como agente esti-
mulador de inversões, podem representar, na prática, um papel
(40) "International Developrnent Advisory Board", Pcrtners in Prog-
semelhante ao que corresponde ao barateamento de qualquer ele- ress, a Report to lhe President (Washington, 1951), pág. 8.

266 267
••

Professor Mason assinala, por sua vez, que "tal expansão dificil- elétricas são montadas para suprir as emprêsas de mineração estran-
mente terá lugar sem a ampliação dos serviços de base - ferro- geiras, e projetos de irrigação são executados para beneficiar AS
vias, rodovias, melhoria de portos, usinas elétricas, etc. - tarefa grandes propriedades agrícolas sob contrôle do capital estrangeiro.
da responsabilidade dos que têm uma contribuição a dar ao de- Como diz o Dr. H. W. Singer, "os serviços de base existentes nos
senvolvimento econômico geral". (41) Não se menciona, porém, países subdesenvolvidos, que prestam serviços ao seu setor expor-
quem deve arcar com o ônus dos investimentos nesses setores: se tador, são geralmente uma conseqüência de investimentos estran-
aquêles que promoverão um "aumento rápido da produção de ma- geiros e nunca se tornam parte integrante da estrutura econômica
térias-primas nos países subdesenvolvidos" ou aquêles que "têm dêsses mesmos países subdesenvolvidos, exceto em um sentido pu-
uma contribuição a dar ao [seu] desenvolvimento econômico geral". ramente físico e geográfico". (43)
O famoso Gray Report responde a ambas as questões com tôda a Não obstante, não são as características físicas dêsses serviços,
clareza possível. Depois de expressar o ponto de vista historica- patrocinados pela emprêsa estrangeira, que constituem a razão prin-
mente correto de que os "investimentos privados revestirão provà- cipal de sua esterilidade do ponto de vista do desenvolvimento eco-
velmente um caráter seletivo, com a quase totalidade dos novos nômico dos países subdesenvolvidos. Muito mais importante é o
fundos encaminhando-se para a exploração de recursos minerais em fato de que mesmo na hipótese de que houvessem sido projetados
um número relativamente pequeno de países", seus autores passam e localizados de forma a corresponder plenamente às necessidades
a explicar que "o investimento privado constitui o método preferível técnicas do crescimento econômico das áreas atrasadas, seus efei-
e desejável para alcançar o desenvolvimento", que "as oportunida- tos ainda assim seriam nulos (quando não negativos), uma vez que
des para o investimento privado devem ser ampliadas ao máximo", continuariam a constituir um segmento estranho, artificialmente
e que há "necessidade de um correspondente condicionamento e introduzido, na estrutura sócio-econômica. Não são as ferrovias,
ajustamento do volume do investimento público" (42) a êsses ob- rodovias e usinas elétricas que promovem o desenvolvimento do
jetivos. capitalismo industrial: é o capitalismo industrial que conduz à cons-
O· ponto central do problema é que os "serviços auxiliares" trução de ferrovias, rodovias e centrais elétricas. As mesmas fon-
são de fato auxiliares mas, na maioria, dos casos, apenas das ativi- tes de "economias externas", se existentes em um país onde o ca-
dades da emprêsa estrangeira vinculada ao setor exportador, e que pitalismo ainda não superou a etapa comercial, irão servir ao ca-
as "economias externas", que originam, favorecem, quase exclusi- pitalismo mercantil e não provocar a sua transição para a forma
vamente, a produção adicional de matérias-primas para a exporta- mais avançada do capitalismo industrial. É por isso que os mo-
ção. Deve-se isso, em parte, à circunstância das instalações ou "ser- dernos bancos fundados pelos inglêses durante a segunda metade
viços" da natureza indicada, quando construídos pela emprêsa es- do século XIX, na índia, no Egito, na América Latina e em tôda
trangeira ou por exigência sua, serem naturalmente projetados e parte do mundo subdesenvolvido da época não se tornaram fontes
localizados de forma a atender às suas necessidades. Em tôda parte de crédito industrial e sim câmaras de compensação, em grande
e em todos os setores, observa-se a mesma situação. As estradas de
ferro, quando construídas sob os auspícios de emprêsas estrangei-
ras, seja na índia, na África ou na América Latina, obedecem sem- (43) "The Distribution of Gains Between lnvesting and Borrowing
pre, em seu traçado, ao objetivo principal de facilitar a movimen- Countries", American Economic Review (maio, 1950), pág. 475. :É interes-
tação de matéria-prima até os portos de embarque. O melhoramen- sante notar que a Missão de Assistência Técnica das Nações Unidas. en-
viada à Bolívia conclui sua análise da economia mineira dêsse país com
to das instalações portuárias é impôsto, também, pelos exportado-
a seguinte observação: "esta nova economia de mercado e de sentido ca-
res de matérias-primas, do mesmo modo que determinadas usinas pitalistas manteve-se inteiramente divorciada da restante estrutura econômi-
ca do país". Report 01 the UN Mission 01 Technical Assistanc« to Bolivia
(1951), pág. 85. A Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL,
(41) "Raw MateriaIs, Rearmament, and Economic Development", (Rece/lt Facts and Trends in the Venezuelan Economy - 1951) observa
Quarterly Journal 01 Economics (agôsto, 1952), pág, 336. que é mais correto considerar a atividade petrolífera na Venezuela como
(42) Report to the President on Foreign Economic Policies (Wash- parte da economia dos países de origem das companhias. investidoras do
ington, 1950), págs. 52 e 61. que como um segmento da economia venezuelana.

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r
escala, das finanças mercantis, rivalizando-se com os usurários locais cultural - e determina, de forma decisiva, tôda sua evolução. Há,
na cobrança de juros. Do mesmo modo, os portos e as cidades primeiramente, o nascimento de um grupo de comerciantes que se
que surgiram em muitos países subdesenvolvidos, em conexão com expande e prospera na órbita do capital estrangeiro. Muitos de
a rápida expansão de suas exportações, não se tornaram centros de seus membros conseguem formar vastas fortunas e ascender aos
atividade industrial: cresceram ràpidamente, superpovoando-se de mais altos escalões da classe capitalista dos países subdesenvolvidos,
uma variada população de mascates, agentes e comissários e trans- quer operando como atacadistas - montando, selecionando e pa-
formando-se em vastos mercados que propiciavam aos ricos comer- dronizando mercadorias compradas de pequenos produtores e arte-
ciantes o necessário "espaço vital". As ferrovias, as rodovias e os sãos, para vendê-Ias, em seguida, a representantes das emprêsas
canais construídos especialmente para servir às emprêsas estrangei- estrangeiras - quer como fornecedores de matérias-primas locais,
ras não se transformaram, também, em pujantes artérias do apare- ou como supridores de outras necessidades das firmas estrangeiras
lho de produção. Simplesmente aceleraram a desintegração da eco- e de suas diretorias. Derivando seus lucros da operação dos con-
nomia agrária existente, constituindo-se em instrumentos adicionais sórcios estrangeiros, vitalmente interessado, portanto, em sua expan-
para a exploração mercantil, mais intensa e mais impiedosa, das são e prosperidade, êste segmento da burguesia nativa usa tôda a sua
populações rurais. influência e poder com o objetivo de fortalecer e perpetuar o
O Professor Frankel tem tôda a razão ao afirmar que "a his- status quo.
tória de tais "investimentos" na África e em outras regiões forne- Há, em segundo lugar, os monopólios industriais nativos, na
ce inúmeros exemplos de traçados ferroviários, estradas de rodagem, maioria dos casos intimamente ligados e associados ao capital mer-
portos, sistemas de irrigação, etc. Situados em lugares errados, que cantil nacional e à emprêsa estrangeira, e que dependem, para a
não apenas fracassaram em detonar um processo auto gerador de sua sobrevivência, da manutenção da estrutura econômica vigente
renda, mas que impediram, de fato, se alcançasse um ritmo de e cuja posição monopolista seria eliminada pelo crescimento do ca-
progresso econômico maior, que bem poderia ter ocorrido". (44) pitalismo industrial. Interessados em evitar o aparecimento de com-
Não se conseguirá nunca, entretanto, dar ênfase demasiada ao fato petidores que venham disputar seus mercados, tais monopólios vêem
de que o dano pior que êsses investimentos causaram ao desenvol- com simpatia o desvio de capitais para as atividades de "circula-
vimento dos países subdesenvolvidos não é o de terem sido feitos ção" de bens e nada têm a temer da emprêsa estrangeira dedicada
em projetos "errados" e nos lugares "errados", mas sim o de terem ao comércio exterior. São êles, por isso, corajosos defensores da
subtraído recursos para investimentos em projetos "certos" e nos ordem e do regime vigentes.
lugares "certos". O principal efeito da emprêsa estrangeira sôbre o Os interêsses dêsses dois grupos nacionais são comuns aos dos
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos é o de fortalecer o proprietários feudais, poderosamente entrincheirados nas sociedades
predomínio do capitalismo comercial; o de retardar e, muitas vêzes, das regiões atrasadas. Nenhum dêles tem realmente motivo para
de impedir sua transformação em capitalismo industrial. se preocupar com as atividades das emprêsas estrangeiras em seus
países. Essas atividades, ao contrário, proporcionam-lhes lucros con-
sideráveis. Freqüentemente tais emprêsas criam oportunidades para
colocação dos produtos dos latifúndios; em muitos lugares fazem
VII
com que se eleve o valor da terra; oferecem, muitas vêzes, oportu-
nidades de empregos rendosos aos membros da aristocracia rural.
Esta é a "influência indireta" realmente importante que a
Resulta daí uma poderosa coalizão, política e social, formada
emprêsa estrangeira exerce sôbre a evolução dos países subdesen-
pelos ricos representantes da classe mercantil, pelos poderosos. mo-
volvidos. Transmite-se através de grande nútnero de canais; alcan-
nopolistas e pelos grandes senhores de terras, destinada a defender
ça todos os setores de atividade - econômico, social, político e
a ordem feudal-mercantil prevalecente. Dominando o país, não
importa por que processos políticos - com uma monarquia, com
(44) Some Conceptual Aspects 01 International Economic Devel- uma ditadura militar fascista ou com uma república do tipo "Kuo-
opment 01 Underdeveloped Terrítories (Princeton, 1952), pág. 14. mintang" - os setores coligados não podem esperar nada de bom

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monte, não pode haver mais errônea interpretação da História con-
do surgimento do capitalismo industrial, o qual terminaria, inevi- tcmporânca. Se olharmos para o procedimento britânico. no Quê-
tàvelmente, por desalojá-Ios de suas posições de privilégio e de nln, na Malásia ou nas índias Ocidentais, para as operações fran-
poder. Bloqueando todo o progresso econômico e social em seu cosas na Indo-China e na África do Norte, para as atividades dos
país, tal regime não possui nenhuma base política real na cidade stados Unidos na Guatemala e nas Filipinas, ou mesmo se con-
ou no campo, vivendo em constante sobressalto, eternamente re- siderarmos as transações um pouco mais "sutis" dos Estados Unidos
ceoso das massas populares, miseráveis e ansiosas por sua liberta- com a América Latina e o Extremo Oriente, ou ainda as maqui-
ção, dependendo, para sua continuidade, das guardas pretorianas nações anglo-amerícanas mais complexas no Oriente Próximo, po-
formadas por mercenários bem pagos. deremos dizer que muito pouco da essência do imperialismo "daque-
Na maioria dos países hoje subdesenvolvidos, a evolução po- les dias" "desapareceu para sempre".
lítica e social das últimas décadas teria abalado e derrubadl) os Devemos reconhecer, entretanto, que tanto o próprio imperia-
regimes dessa espécie. O fato de que tenham conseguido sobre- lismo quanto o seu modus operandi e roupagens ideológicas não
viver _ sobrevivência que significa, no caso, a espoliação das mas- são hoje exatamente o que eram há cinqüenta ou cem anos atrás.
sas populares em favor de minorias nacionais e do capital estran- Da mesma maneira como a pilhagem levou ao estabelecimento de
geiro _ na maioria dos países da América Latina e do Oriente um comércio organizado com os países subdesenvolvidos, no qual
Médio, bem como em numerosas nações "livres" do sudeste asiá- o saque foi racionalizado e se transformou em rotina graças a um
tico e em alguns países igualmente "livres" da Europa, deve-se, mecanismo. de relações contratuais impecàvelmente "corretas", assim
principalmente, se não exclusivamente, à ajuda e ao. apoio que lhes também o funcionamento bem ajustado do comércio evoluiu para
foram dados, também "livremente", pelo capitalismo ocidental e pelos o moderno sistema imperialista de exploração, ainda mais adiantado
governos que agiram como seus representantes. Em conseqüência, e mais racional. À semelhança de todos os outros fenômenos his-
a manutenção no poder de tais governos e as atividades da emprêsa toricamente mutáveis, a forma contemporânea do imperialismo con-
estrangeira nos países subdesenvolvidos tornaram-se mutuamente tém e preserva tôdas as suas características primitivas, elevando-as,
interdependentes. Éo estrangulamento econômico dos países colo- contudo, a nôvo nível. A característica principal do imperialismo
niais e dependentes pelas potências imperialistas que impede o de- dos dias presentes é que êle agora já não se contenta mais com
senvolvimento do capitalismo industrial nacional, não permitindo a a rápida obtenção de grandes lucros esporádicos nos territórios
derrubada do regime feudal-mercantil e sustentando no poder as que domina, ou com a simples manutenção de um fluxo regular
administrações subservientes e fiéis a seus interêsses. "f', a preser- dêsses lucros, por um período mais ou menos longo. Impulsiona-
vação de governos subalternos, que asfixiam o desenvolvimento eco- do por uma emprêsa monopolística bem organizada e racionalmen-
nômico e social e que suprimem todos os movimentos populares te dirigida, o imperialismo tem hoje, como escopo, a perpetuação
de libertação social e nacional, que torna possível às potências im- dessa corrente de lucros. Descobre-se, assim, o objetivo funda-
perialistas continuarem a explorar e dominar, ainda hoje, as eco- mental do imperialismo em nossa época: impedir ou, se isto fôr
impossível, retardar e controlar o desenvolvimento econômico dos
nomias subdesenvolvidas.
O capital estrangeiro e os governos pelos quais é representado países subdesenvolvidos.
têm mantido firmemente, até hoje, seus compromissos nesse pacto. Que o desenvolvimento é fenômeno profundamente hostil aos
Embora admitindo que as "potências coloniais tenham juntado o lnterêsses das grandes emprêsas estrangeiras produtoras de maté-
pêso da proscrição governamental e do desencorajamento público rias-primas para exportação é coisa que se demonstra ràpidamente.
às fôrças que dificultam a expansão industrial nas áreas produto- xiste, é claro, a ameaça mortal de nacionalização de tais emprê-
ras de matérias-primas", a opinião oficial corrente crê firmemente saa, que sempre está associada à ascensão ao poder, nos países
que "êsses dias... tenham terminado para sempre". (45) Infeliz- atrasados, de governos empenhados em retirar seus países da estag-
nação em qUI: se encontram. Mesmo na ausência de nacionaliza-
Qflo, porém, (J desenvolvimento econômico dos países de produção
(45) E. S. Mason, "Nationalism and Raw MateriaIs", The Atlantlc primária representa sempre um mal e um perigo para o capitalis-
(março, 1953), pág. 62.
273
272
mo ocidental, pois, qualquer que seja o ângulo do qual se aprecie
o fenômeno, êle se revela sempre flagrantemente prejudicial à pros- I IflJl ação de tarifas, que encarecem o '
(lll IlIn1cntam os preços d b equIpamento estrangeiro
peridade das emprêsas produtoras de matérias-primas. (46) f: que r os ens de consumo " .
em condições de crescimento econômico expandem-se as oportuni- I" Fôdas estas medidas interf " ?enenco Importados,
d/l" d ação das em ' ere~, mevltavelmente, na liber-
dades de emprêgo e a produtividade em outras faixas da economia, presas estrangeIras d d
ao mesmo tempo que aumentam a consciência de classe e o o d seus lucros, (47) e re un am em diminui-
poder de barganha da fôrça de trabalho, o que tende a elevar os Não é de admirar pois que "
salários no setor produtor de matérias-primas. Embora em algumas rnpl' . as ocidentais, p~ofundamen~m tais ~Ircunstâncias as grandes
111111ria -primas na-o f e engaJadas na exploração de I
linhas de produção - especialmente nas emprêsas agrícolas - ,meçam es orços T .
VII de obstruir a evolução das co .e_sacn lC}~Sem suas tentati- I
êstes custos maiores possam ser compensados pela adoção de téc-
poli m ,conduzir os países sUbdesenv~~I~oes pohtJcas : SOCIaISque
I
nicas mais aperfeiçoadas, a mecanização implícita na substituição
da mão-de-obra significa dispêndios de capital, cuja realização obvia-
mente repugna às emprêsas atingidas, enquanto, na indústria
extrativa mineral e nas explorações petrolíferas, até mesmo essa
solução oferece possibilidades limitadas. Estas últimas atividades
env lvimento econômico
.
11I'n o poder para sustentar nas
N I vidos a promoçao de seu de-
essa uta fazem
,:
d
uso e todo o seu
, . que Ihes são fiéis par; qu breglOes atrasadas, as administra-
'
li I 11 s e sociais que lh
,e
.
rar e corrompe .
r os movrmenns
I
empregam, em geral, os mesmos métodos de produção em uso nos 1111I' s vemos progreSsist: s~:m opostos e para derrubar quais-
t I' 'usem a obedecer e a s q b possam alcançar o poder e que
países adiantados, de modo que o "hiato" tecnológico - que ofe- e su meter a seu d ' , .
recia possibilidades de substituição do fator de produção que enca- 111, nde e quando seus pró . s esigruos Imperialis-
. prros recursos não - f"
receu - é, por isto mesmo, muito pequeno. Como os preços 11 111 n I r a situação sob t 'I sao su icientes para
con ro e, ou onde e q d
de seus produtos no mercado mundial constituem um dado fixo 111'(H de tais operações podem ~an o os custos e en-
para cada uma das emprêsas - pelo menos a curto prazo - a Ih 11 países de origem _ ou ser transfendos para os governos
elevação do custo da fôrça de trabalho, associada a vários suple- 11 11111 'I n is como o B I' atualmente, para organismos in-
mentos de salários decorrentes de sindicalização progressiva, bem j'lIVolvlmento _ recur:~~o di ~~e~n.a~ionaI. de R~construção e De-
I 11, r r a militares da potên ~ ,atJc~s, ,fmancerros e, se necessá-.
como a custos, também crescentes, de outros produtos locais, não
pode conduzir senão a uma diminuição dos lucros. Destarte, se 111'111 m bilizados para auxi~~: I:~enal:sta sã.o rápida e eficiente-
os efeitos de longo prazo do desenvolvimento econômico não podem .1111'1111 I obstáculos para d mpresa privada que esteja en-
o esempenho de sua tarefa. (48)
deixar de ser prejudiciais às grandes emprêsas produtoras e expor-
tadoras de matérias-primas, as modificações imediatas e concomi-
tantes ao processo de desenvolvimento econômico podem ser ainda
(j T) lRto parágrafo é em ,"
mais perturbadoras. Elas significarão, via de regra, impostos e "~,, "" I r E Roll' Sua essencia uma reformulação d
, " ins em sua mono fí " e asser-
royalties mais elevados, cobrados às emprêsas estrangeiras pelos "1'1111111 Ilod l\conomic Growth" Soei gra Ia ja citada, "Mineral Devel-
governos nacionais, a fim de mobilizar recursos para financiar pro- (41'1 N n s é possível '. t; ~C/Ql Research (outubro, 1956),
"" I 11111' r!anle assunto ' ~a~t lZmente, dar aqui um tratamento exten-
jetos de desenvolvimento; a adoção de contrôles cambiais, desti- Ii ",,1/ 11111 • nt ,npol'âneo' a-nos um estudo completo sôbr '
nados a eliminar ou reduzir a remessa de lucros para o exterior; I ' e seu retrato t e o im-
'" I "" I 1101 O do informa ões . em ~u~ ser feito, por isso, à
1111111" 1111 IJII r I ditJ o em ç um colhidas dos 'I
em varias fontes
,J
En
cornp e-
I
"," I I I dt'Hcl'içilo das atividades ~aplt~ o~ precedentes, ver a interes-
(46) O único efeito possivelmente favorável do crescimento da renda 'li 11/, IIII/'lr" ()/ Oil (Nova York l~penahstas no campo do petróleo
I1 1111'""1111" (I criçíIo do ',5), de Harvey O'ConnoT' a b
nos países subdesenvolvidos, conseqüente à aceleração do processo de cres- I I que provavelmente co tituí ,em
cimento, isto é, o aumento da procura de matérias-primas, pode ser igno- , I I ,"1 I V n imperialista no eríod ~~' 1 ui o mais expressivo
rado sem perigo. Para que essa procura alcance altos níveis será neces- I ,li " I1 1111 ll'fll/iall Social Hisr:r o d~ ~~s-guerra, em The lmpacr
sário atingir um estágio adiantado de desenvolvimento, Assim na Vene-
11 111'" li, 11 ,k I Y 1955) d N Y (~ese medita, Universidade da C _
I I, e Keddís: e o 'til I a
11111 I 11111 rl'ol1flS na Amé: L" u re ato sôbre as inter
zuela, onde se observa a mais elevada participação do consumo interno
I, 11I I lI/I!. ,.1' I IplOI/lf/cy (D 1{ICa atina apresentado por O E Smith-
na produção total, em relação aos demais países petrolíferos atrasados
1111 " "/11,,1111, (N (/ 'O J a as, 1953) - isto para citar' ap~nas I'
menos de 4% do petróleo é vendido no mercado venezuelano. ' I,,/ / ' .. ivro de Harvey O'C a -
I li, 1/ I 11 1(1111 O I" é" onnor, acima citado f .
mp 110 do Petr6leo, por esta edítôra.) ,01

274
275
gãos e agências do Govêrno dos Estados Unidos que se relacionam,
V II I de algum modo, com o desenvolvimento econômico no exterior,
devem exercer constante vigilância sôbre ações discriminatórias ou
A preocupação de elaborar políticas e de promover movimen- de outra natureza, porventura empreendidas por governos estran-
tos de opinião pública no Ocidente, destinados a amparar as gran- geiros, que possam afetar os interêsses dos investidores americanos,
des emprêsas em seu planejado esfôrço de manter as posições e devem empregar tôdas as formas possíveis de pressões diplomáti-
conquistadas nos países atrasados e de sabotar o seu desenvolvi- cas para impedi-Ias ou contorná-Ias". Não se preocupando muito
mento econômico, é evidente não apenas em muitos trabalhos eco- com a seleção dos métodos a serem empregados, o mesmo autor
nômicos, mas também em pronunciamentos oficiais. O Presid~nte sugere mais adiante: "Há, ainda, outro meio, bastante promissor,
Eisenhower definiu os objetivos da política externa norte-amenca- através do qual o Govêrno dos Estados Unidos pode contribuir
na como sendo "o de realizar o nosso Govêrno todo e qualquer para obtenção de melhores condições para investimentos nos países
esfôrço capaz de estimular um fluxo de investimentos pr~vados estrangeiros. Consiste êle em auxiliar e reforçar, por tôdas as for-
para o exterior. Isto significa que o propósito sério e explícito de mas possíveis, os esforços' desenvolvidos por investidores privados
nossa política externa deve ser o de encorajar a criação e a ma- com o propósito de obter concessões dos governos estrangeiros para
nutenção de um clima favorável a êsses investimentos nos p~íses inversões em projetos específicos... Uma vez obtidas essas con-
estrangeiros". (49) Bste ponto de vista encontrou eco nas manifes- cessões, mediante a combinação dos esforços privados e oficiais, es-
tações de C. B. Randall, presidente da Comissão de Política Eco- tará então aberto o caminho para a sua generalização, em benefí-
nômica Exterior, o qual insiste na imperiosa necessidade "de ser cio de todos os outros investidores privados". (51)
criado um nôvo e melhor clima para os investimentos norte-ame- Como os "investimentos privados norte-americanos no exte-
ricanos", ao mesmo tempo que se rejubila com o fato de que esta rior estão concentrados especialmente em atividades extrativas, em
necessidade "felizmente já vem sendo reconhecida em países como particular no setor petrolífero", sendo "provàvelmente verdade que,
a Turquia, a Grécia e o Panamá, que têm lider~do o mov~m.ento na ausência de condições muito especiais, nenhum capital privado
em favor da modernização de suas leis sôbre sociedades anommas norte-americano se orientará para o exterior a menos que haja
. .
e da criação de um ambiente adequado a nossos investimen tos"
os . (50) I oas perspectivas de que... os lucros amortizarão os investimen-
A posição das grandes emprêsas foi definida de maneira que se tos em um prazo aproximado de cinco anos", (52) compreende-se
poderia chamar de "brutalidade desarmadora", por August Maffry, prontamente de que espécie devem ser os governos dos países sub-
vice-presidente da Irving Trust Company e um dos mais influentes de envolvidos para garantirem a tais investimentos a hospitalidade
economistas de Wall Street. Em relatório especialmente preparado IUC exigem. Não é também difícil perceber que classe de regime
para o Departamento de Estado Norte-Americano, êle lança ~ seu que qualidade de fôrças políticas e sociais devem 'ler estimuladas
apêlo em prol de uma "diplomacia total", a serviço dos I~v~stIm~n- amparadas nos países subdesenvolvidos pela "diplomacia total"
tos americanos no exterior. "A melhoria do clima propicio a m- pela aplicação de "medidas mais diretas", a fim de que se crie,
vestimentos nos países amigos, através de uma intensificação de me- IlHS regiões ricas em matérias-primas, o "tipo correto de ambiente"
didas mais diretas, deve constituir o objetivo de um esfôrço diplo- plll'fl capital estrangeiro.
mático, total e permanente, dos Estados Unidos... Todos os ór-

(49) Mensagem sôbre o Estado da União, 1953. .


(50) A Foreign Economic Policy for the C!nited States \Ch~cago,
1954), Capítulo lI. A lista dos países ~ue fazem J.us a essa referen~la e~· (n 1) "Program for Increasing Private Investment in Foreign Coun-
pecial é certamente valiosa. Ela poderia ser ampliada de .modo a. lllC~Ulr 11ft " (dlç~o mimeografada, Nova York, 1952), págs, 10·12.
a Espanha de Franco, a Coréia de Syngmann Rhee, a China Nacionalista
(M') Jucob Viner, "America's Aims and the Progress of Underde-
de Chiang Kai-Shek, a Guatemala de Castillo, .Armas e ~Ig~mas partes do 11111'(11 ountries", em The Progress oi Underdeveloped Areas (B. F.
"mundo livre" de orientação e concepção política e econormca semelhantes. 111. 11 tI, eüor) (Chicago, 1952), pág. 184.

276 277
I'
i I
I

1 I l\ forma de tarifas aduaneiras e de tributos sôbre bens de consumo


popular, ou mediante a emissão inflacionaária de papel-moeda. (1)
Embora se observem também diferenças consideráveis na ma-
neira pela qual cada govêrno gasta suas receitas, a diversidade neste
aspecto é muito menor. De fato, os países atrasados podem ser
grupados, sem maiores dificuldades, em três grandes categorias:
a primeira, composta pelos vastos territórios coloniais administra-
dos diretamente pelas potências imperialistas (aproximadamente
CAPíTULO 8ÉTíMO
quase tôda a África, partes da Ásia e algumas áreas, relativamente
pequenas, da América); a segunda, formada pela esmagadora maio-
A MORFOLOGIA DO ria dos países atrasados, controlados por regimes políticos predo-
minantemente do tipo feudal-mercantil, servis aos interêsses impe-
SUBDESENVOLVIMENTO (11) rialistas; a terceira inclui os poucos países subdesenvolvidos cujos
governos obedecem a urna orientação política que se poderia cha-
I mar de N ew Deal - principalmente a índia, a Indonésia e a
Birmânia. (2)
Com referência ao primeiro grupo, tem-se feito, desde o fim
PODEMOS, agora, tentar completar nossa rápida investigação da guerra, grande esfôrço publicitário procurando demonstrar que
sôbre o modo de utilização do excedente econômico nos países sub- a administração atual das colônias imperialistas é totalmente dife-
desenvolvidos, examinando, ao mesmo tempo, o último dos argu- rente - em espírito, propósitos e conseqüências - daquela que
mentos citados em favor da emprêsa estrangeira. Para tanto, de- costumava ser a prática consagrada no passado e que se considera
vemos pesquisar, ainda que brevemente, qual o emprêgo dado à hoje corno definitivamente liquidada. Assim corno o Presidente
parcela do excedente econômico que é apropriada pelo quarto Truman, ao anunciar, em 1949, o aplaudido Ponto IV de seu
pretendente não-agrícola à sua posse: o Estado. O montante de Discurso de Posse, prometeu "proporcionar a fôrça vitalizadora
que o Estado se apropria varia, obviamente, de país para país. capaz de levantar os povos do mundo em ação triunfante, não
Em alguns dêles é relativamente pequeno, corno, por exemplo, na õmente contra seus opressores humanos, mas também contra seus
maioria dos países da América Latina ou nas Filipinas; em outros, inimigos seculares - a fome, a miséria e o desespêro" - os
é vultoso, corno na Venezue1a e em algumas zonas petrolíferas do governos da Inglaterra, França, Bélgica e Portugal vêm anuncian-
Oriente Médio. Não são menos pronunciadas as variações do que do planos decenais de desenvolvimento colonial, cujos propósitos
confessados são a elevação dos níveis de saúde e de bem-estar
denominamos locus econômico das receitas governamentais e dos
dos povos que habitam os territórios sob seu domínio.
métodos (intimamente ligados àquêle) de sua coleta. Em nume- Além disso, as diretrizes que orientam as atividades do pro-
rosos países - urna vez mais localizados nas áreas produtoras de rama do Ponto IV e os esforços das potências ocidentais européias
petróleo - as receitas governamentais constituem transferências
de excedente econômico, fàcilmente identificáveis. Em outras re-
giões, elas representam acréscimos ao excedente econômico, deter- (1) Em países onde tarifas elevadas e impostos de vendas incidem
R bre artigos de luxo (o número dêsses países. é relativamente reduzido),
minadas por urna redução correspondente da parcela do produto receitas fiscais daí resultantes podem também significar transferências
total disponível para consumo da população. No primeiro caso, as do excedente econômico ao invés de incremento.
(2) Existiram, no passado, alguns países pertencentes a êste grupo
receitas provêm, em sua maior parte, de impostos, direitos de ex-
na América Latina - especialmente o México, durante o período gover-
portação e royalties pagos, em boa parte, pela emprêsa estrangeira. numental de Lázaro Cárdenas, bem como a Guatemala e o Chile. Estas
No segundo caso, várias são as fontes dentre as quais se destacam "sltuações especiais" foram, porém, "corrigidas" e os países mencionados
lrnzldos de volta ao nosso segundo grupo.
corno principais os impostos indiretos cobrados à população, sob

279
278
I
/
em elaborar planos de desenvolvimento colonial foram in~rados ção, entretanto, raramente atrai o capital privado. (1) Como sa-
por espíritos irmãos. No Programa do Ponto IV "particular ênfa- bemos, a "livre emprêsa" nunca invejou nem disputou essa área
se. .. é dada. .. à criação de condições incentivadoras de um fluxo de inversões, que é deixada ao Tesouro Nacional, o que explica
de inversões privadas consideràvelmente maior". (3) Os governos que mais de três quartos dos dispêndios públicos projetados para
da Europa ocidental, de maneira semelhante, afirmaram que "todo os territórios franceses tenham, como finalidade, a' criação de tais
esfôrço está sendo feito, e continuará a ser feito," com o objetivo fontes de "economias externas" para as emprêsas produtoras de
de encorajar o fluxo de capital privado para as colônias. Alimen- matérias-primas, enquanto a proporção correspondente no orça-
ta-se a esperança de que os investidores privados venham a com- mento belga é de aproximadamente dois terços, sendo de cêrca
preender plenamente as vantagens que os investimentos nos terri- de metade nas previsões inglêsas. (8)
tórios poderão oferecer". (4) De fato, parece que a maximização As parcelas remanescentes do orçamento de investimentos or-
de tais vantagens constituía o objetivo principal dos arquitetos do ganizado para essas regiões são gastas, geralmente, com os chama-
Ponto N e dos autores dos planos coloniais da Europa ocidental. dos "serviços sociais", isto é, com a melhoria das condições alimen-
Aparentemente ainda interessados - para usar a famosa expressão tares de assistência médica, de educação, etc. Mesmo essas despe-
de Cecil Rhodes - "na terra e não nos negros", os projetos da sas obedecem, em sua essência, aos interêsses do capitalismo oci-
"ação triunfante" nas colônias dão ênfase especial ao desenvolvi- dental e têm como finalidade proporcionar melhores fontes huma-
mento da produção de matérias-primas. Que êsse é também o obje- nas de economias externas. As palavras do Professor J osué de Cas-
tivo fundamental do Ponto IV revela-o claramente o próprio órgão tor sôbre êste assunto merecem ser citadas na íntegra:
incumbido de sua administração: "A localização, desenvolvimento
e beneficiamento de recursos minerais e energéticos assumem grande
"O colonizador europeu, quando oferece ao negro uma
importância no programa de cooperação técnica para o desenvol-
quantidade maior de alimentos do que aquela de que dispõe
vimento econômico dos países subdesenvolvidos" - presumlvelmen-
normalmente na aldeia nativa, atende a um duplo objetivo:
te porque "muitos recursos minerais inexplorados, existentes nas re-
atrair trabalhadores e, concomitantemente, provê-los de uma
giões que participarão dêste esfôrço cooperativo, são de inestimá-
quantidade superior de energia, a qual êle espera reaver sob
vel valor para as nações mais altamente desenvolvidas do mundo,
a forma de trabalho produtivo. O que êle está realmente
inclusive os Estados Unidos". (5) A Organização para a Coopera
proporcionando não é melhor nutrição, mas sim combustível
ção Econômica Européia - OCEE - atesta, por sua vez, que os
em maior abundância. A mesma coisa que está acontecendo
benfeitores das colônias da Europa ocidental não almejam outro
agora na África, já ocorreu na América tropical, no que
resultado: "Dentro das linhas do presente programa de desenvolvi-
mento, os territórios podem dar uma significativa contribuição à
defesa do mundo livre de que fazem parte [sicl] , particularmente
(7) Deve-se isto à baixa remuneração dos capitais aplicados em ser-
através do aumento de sua produção de matérias-primas". ((I) viços públicos nos países subdesenvolvidos, em comparação com os inves-
A lucratividade da exploração privada de matérias-primas de- tidos em empreendimentos exploratórios de recursos minerais, especíalmen-
te matérias-primas. No quadriênio 1945-1948, a remuneração média anual
pende, porém; da disponibilidade de "serviços de infra-estrutura": dos valôres contábeis dos investimentos norte-americanos nas regiões sub-
ferrovias, rodovias, portos, centrais elétricas, etc. Sua implanta- desenvolvidas foi de 3,2% em serviços públicos, em comparação com 13,4%
em todos' os ramos de atividade, inclusive serviços públicos, e com 26,7%
em petróleo, in H. J. Dernburg, "Prospect for Long-Term Foreígn In-
vcstment", Harvard Business Review (julho, 1950), pág, 44. A causa dos
(3) Departamento de Estado dos Estados Unidos, Point Four, Co- baixos lucros proporcionados pelos serviços públicos nos países subdesen-
operative Program for Aid in lhe Development o] lhe Economically Under- volvidos decorre, principalmente, do elevado custo médio por unidade de
developed Areas (Washington, 1949), pág, 4. nr duto, resultante de sua incapacidade de ,beneficiar-se das economias de
(4) Organização para a Cooperação Econômica Européia, Lnvestments scala, incapacidade esta ocasionada pela ausência de suficientes investi-
in Overseas Territories in A/rica South. oi lhe Sahara (Paris, 1951), pág. 79. mentos em emprêsas que seriam normalmente usuárias dêsses serviços.
(5) Departamento de Estado, op. cit., pág. 20. (8) Cf. Nações Unidas, Review ot Economic Conditions in A/rica
(6) OCEE, loc. cito I S 1), pâgs. 111 e seguintes.

280 281
concerne à ~Iimeot~o de negr~s escravo~. O s:nhor de alimentos para exportação em países espantosamente subalimenta-
escravos, ansioso y,0r obter. ~ maior produçao .possível, teve dos" (12) constitui um flagrante menosprêzo das necessidades de
sempre o cuidado de propiciar-lhes , .. uma dieta que man- desenvolvimento das áreas coloniais é uma evidência que dispensa
tivesse os negros permanentemente com boa saúde, e tornas- maiores comentários. Isto é óbvio à luz de todos os fatos histó-
se possível exigir-lhes os mais árduos trabalhos agrícolas. Esta ricos, bem como à vista de tôdas as considerações teóricas sôbre o
polít~á'dos grandes fazendeiros do Brasil e das Antil~as; .. desenvolvimento econômico e social de países subdesenvolvidos
levou à falsa conclusão de que os negros escravos constituíam através da exploração estrangeira de suas reservas de matérias-pri-
um dos mais bem alimentados grupos escravos das colô- mas. Isto é dito com precisão admirável no relatório das Nações

/
nias. Isto nunca foi verdade. A dieta do negro era maci- Unidas, acima referido: "As inversões no setor desenvolvido da
ça, mas sempre má. A chamada política do "estômago cheio" economia concentram-se na produção de produtos primários' para a
piorou consideràvelmente a situação alimentar do negro na exportação. .. Pràticamente todo o capital aplicado na ampliação
África Equatorial... o negro mostrava sinais muito mais dêsse setor teve de ser importado de regiões fora da África e,
freqüentes de deficiência alimentar. .. depois de entrar para com exceção da União da África do Sul e de partes da África
o serviço dos colonizadores do que revelava antes... A si- do Norte, êstes investimentos têm tido efeito relativamente peque-
tuação alimentar é particularmente precária nos distritos mi- no na geração secundária de rendas e investimentos. As receitas
neiros, onde alimentos frescos são pràticamente desconhe- obtidas com a exportação são transferidas para o exterior, em pro-
cidos", (9) porções consideráveis, tanto sob a forma de empréstimos como de
dividendos sôbre o capital investido". (13)
Não pode haver nenhuma dúvida de que é essa mesma po-
lítica de "estômago cheio" que orienta hoje os gastos em serviços
sociais efetuados pelas administrações coloniais das potências im-
II
perialistas. O Ministro das Colônias da Inglaterra afirmou na Câ-
mara dos Comuns, a 27 de maio de 1949, que "grande parte das
despesas com serviços sociais deve ser considerada como gasto Não é melhor a situação do segundo grupo de países subde-
necessário para promover a maior eficiência do trabalhador e evi- senvolvidos, isto é, daqueles que aparentemente já se libertaram
tar grandes desperdícios". (10) As mesmas razões inspiram os nor- das potências capitalistas, mas que, na realidade, são por elas di-
te-americanos de boa vontade em suas relações com os povos co- rigidos, através de governos locais submetidos a seu império. Os
loniais, conforme se depreende da seguinte passagem do já cita- mais importantes neste caso, são os países produtores de petróleo
do relatório de Nelson Rockefeller e colaboradores: "O absenteís- do Oriente Médio e da América Latina, bem como certo número
mo na ferrovia Vitória-Minas foi dràsticamente reduzido através do de países latino-americanos fornecedores de minérios estratégicos
contrôle efetivo da malária. Tal contrôle permitiu a redução de e de produtos alimentares. A diferença entre êstes dois grupos que
um têrço do pessoal de conservação das linhas, o que, por sua vez, nos interessa, mais de perto, no presente contexto, é que a explo-
ração de matérias-primas no primeiro grupo - formado pelos terri-
conduziu à diminuição do custo de extração e transporte do mi-
tórios coloniais - ainda não chegou a um grau muito avançado,
nério de ferro e mica do Vale do Rio Doce". (11)
enquanto a produção de matérias-primas no segundo grupo já
Que êste "renovado esfôrço para conseguir matérias-primas atingiu enorme volume. Na verdade, esta diferença é recente, e
baratas, novas fontes de riquezas minerais, pr,odução abundante de mesmo naquelas regiões onde ela persistiu, de modo mais pronun-
ciado por períodos maiores de tempo, esta circunstância não mo-

(9) The Geography of Hunger (Boston, 1952), pág. 223.


(10) Nações Unidas, loco cito (12) Basil Davidson, Report 011 Southern A/rica (Londres, 1951),
(11) International Developrnent Advisory Board, Partners in Progress, p{lg, 271.
A Report to the President (Washington, 1951), pág, 54. (18) Review o] Economic Condilions in Ajrica (1951), pág. 17.

282 283
Irã e Bahrein. Durante os nove anos que se seguiram ao término
dificou grandemente a situação dos respectivos países. Com exce- da Segunda Guerra Mundial, os governos dessas seis zonas rece-
ção do Irã, somente no período que se situa entre as guerras beram o equivalente a 3 bilhões de dólares, sob a forma de pa-
mundiais é que a produção de petróleo alcançou grandes propor- gamentos diretos efetuados pelas companhias estrangeiras de pe-
ções, ao passo que foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que tróleo. (17)
os governos dos países produtores puderam deitar suas mãos sôbre
A transferência, em prazo bastante curto, de tão volumosos
parcelas significativas das rendas geradas pela indústria petrolí-
recursos para os cofres governamentais daquelas regiões poderia
fera. (14)
ser apontada como a maior contribuição "indireta" oferecida às
A partir de então, os governos de quase todos os países pro- mesmas pelo capital estrangeiro - tão grande, de fato, que deveria
dutores de petróleo vêm conseguindo contratos mais favoráveis com tornar absolutamente irrelevantes quaisquer considerações capazes
as companhias estrangeiras que exploram seus recursos petrolífe- de nos levar a uma posição de ceticismo quanto à natureza benéfi-
ros. (15) Se bem que as remessas efetivas das emprêsas não guar- ca de seu impacto sôbre o desenvolvimento econômico dos países
dem, necessàriamente, relação com as rendas pagas aos governos subdesenvolvidos. Dificilmente, porém, se encontraria argumento
nacionais, em virtude das novas cláusulas dos contratos de conces- com menos apoio na realidade que êsse. Sua validade e justeza de-
são, (16) as importâncias regularmente obtidas pelas autoridades pendem totalmente do destino dado aos recursos entregues aos go-
são muito grandes em quase tôdas as zonas produtoras de petróleo vernos nacionais. É mister, pois, averiguar que papel êles desem-
do mundo, apesar de variar o seu montante de país para país. penharam na tarefa de impulsionar êsses países através da lo~ga
Elas são, na verdade, fabulosas, quer se considerem em têrmos estrada do progresso econômico e social. Como gostava de dizer
globais, quer em têrmos de receita média por habitante. AI Smith: "Vejamos o que os fatos registram".
No Oriente Médio, seis zonas - "país" dificilmente seria "No Gôlfo Pérsico", diz The Economist, " ... principados e
uma designação apropriada para algumas delas - habitadas por 30 em irados são ainda dirigidos em bases feudais e pouca distinção
milhões de pessoas possuem 64% das reservas petrolíferas co- se pode estabelecer entre a receita pública e o tesouro particular
nhecidas do mundo e são responsáveis por, aproximadamente, 20% do governante". Podemos iniciar pelo Kuwait a nossa investigação
da produção mundial de petróleo. Elas são, por ordem decrescen- sôbre os "principados e emirados". Este principado, habitado por
te de produção em 1954, Kuwait, Arábia Saudita, Iraque, Catar, menos de 200.000 pessoas, recebeu em um só ano (1954) cêrca
de 220 milhões de dólares, pagos pela "Kuwait Oil Company", de
propriedade anglo-americana. Não existe nenhuma informação mais
(14) Ver Nações Unidas, Review 01 Economic Condition~ ,i'; the
detalhada sôbre o modo de utilização dessa impressionante receita.
Middle East (1951), págs. 58-59, onde se mostra, em quadro sinótico, a
história das concessões petrolíferas no Oriente Médio. Curto mas bom O que se conhece a respeito, entretanto, não deixa dúvida sôbre o
testemunho da história recente dos acôrdos de royalties entre vários go- fato de que ela não foi usada, nem mesmo parcialmente, com a
vernos e companhias petrolíferas é apresentado no Capítulo IV de Arabian finalidade de aumentar a produtividade ou de elevar os padrões
Oil (Chapel Hill, Carolina do Norte, 1949) de R. F. Mi~esell e H. B.
de vida da população nativa. Esta se coloca, na realidade, entre
Chenery. Esta descrição está atualizada em "Oil and SOCIal Change m
the Middle East", The Economist (2 de julho, 1955). as mais pobres do mundo, com uma renda anual da ordem de 50
(15) Isto se deve, parcialmente, ao intenso crescimento da procura dólares per capita e com mais de 90% de seus membros sofrendo
de petróleo durante e depois da guerra e à conseqüente intensificação da de fome crônica e de tuberculose. Sabe-se, por outro lado, que
rivalidade entre as grandes. companhias - particularmente entre as do-
miciliadas nos Estados Unidos e as na Inglaterra - e, em parte, também
um têrço da receita do xeque vai para o seu tesouro particular,
à crescente pressão popular nos países subdesenvolvidos, que vem amea-
çando a estabilidade política dos, governos nacionais e limitando, por essa
forma o grau de subserviência dos mesmos aos interêsses estrangeiros. (17) A estimativa referente aos anos 1946-1949 baseia-se em dados
(Í6) "Uma vez que a maioria das emprêsas concessionárias é con- contidos em Fundo Monetário Internacional, Balance 01 Payments Year-
trolada ou associada às companhias que comercializam o produto, a mon- book (Washington, 1949), e Balance o] Payments Yearbook, vol. V (Wash-
tante dos lucros atribuídos às operações realizadas dentro do país con- ington, 1954); as estimativas para os anos 1950-1954 foram extraídas de
cedente pode ser manipulado de forma a reduzir ao mínimo êsses paga- TIJa Economist, loco cito
mentos". Mikesell e Chenery, op. cit., pág. 39.

285
284
"

outro têrço é aplicado regularmente em títulos estrangeiros, desti- Nações Unidas e para descobrir a América dos automóveis
nando-se a soma restante a dispêndios públicos. Estes objetivaram e de outras alegrias da vida. Seguiram-se a esta outras ex-
bàsicamente a modernização da cidade e de seu pôrto, a instala- pedições, uma chefiada pelo príncipe herdeiro e outra pelo
ção de uma destilaria de água salgada (a fim de evitar a impor- próprio AbduIlah Sulaiman: cada uma delas levou, ao retor-
tação de água potável de Shatt-al-Arab, no Iraque ) e a construção nar à Arábia, substanciosos testemunhos de sua incursão ao
de' um nôvo e extraordinário palácio (18) - empreendimentos que país mais rico do mundo, entre cujas maravilhas um mem-
contribuem mais para a felicidade da família do xeque e dos téc- bro de uma dessas expedições escolheu, como a mais notável
nicos estrangeiros da "Kuwait Oil Company" do que para o bem- de tôdas elas, um night club submarino, com paredes de vidro,
estar dos árabes naturais da pequena nação. através das quais os peixes em volta podiam observar as
Se bem que as rendas petrolíferas do rei da Arábia Saudita, danças. Com os automóveis americanos e outros produtos
quando consideradas em têrmos de renda média de seus 6 milhões industrias, inclusive câmaras cinematográficas e projetores,
de súditos, não se aproximem nem de perto da bonanza caída sôbre aparelhos de ar condicionado e uma miscelânea de artigos de
o xeque de que vimos de falar, suas receitas globais têm sido, du- esporte, vieram muitos conceitos norte-americanos e mesmo
rante todo o período do pós-guerra, consideràvelmente maiores o gôsto pela comida americana. Eu tenho participado de
que as recebidas pelo governante do Kuwait. Em 1954, por exem- jantares aI fresco nos jardins do palácio do príncipe herdeiro
plo, elas alcançaram 260 milhões de dólares. O destino dado a em Riyadh, onde cada item do cardápio vem da América em
êsse dinheiro constitui um mistério: "A única experiência feita aviões frigoríficos. (20)
em data recente (1947) para conduzir a administração do reino de
acôrdo com um orçamento, publicado e amplamente divulgado, cons- The Economist descreve a situação de forma bastante sucinta:
titui tamanho fracasso que se não reproduziu desde então qualquer "A despesa efetiva (na Arábia Saudita)... a despeito do cresci-
tentativa para dar ao povo um conhecimento melhor de seu go- mento astronômico de sua renda, tem, nos últimos anos, excedido
vêrno" (19). É bem compreensível êsse temor em tornar público regularmente e em escala apreciável a sua receita. A julgar pelas
o destino dado ao "sempre crescente fluxo de ouro para os cofres aparências, o deficit pode ser explicado pela grande parcela da re-
do Govêrno". Já durante a guerra, quando consideráveis somas ceita que é gasta na manutenção de uma existência faustosa para
foram pagas a Ibn Saud, através dos "Programas Anglo-Americanos
tôda a côrte e em inversões em imóveis suntuosos no exterior,
de Empréstimos e Arrendamentos", "a reação dos governantes foi
para príncipes, ministros, rivais na disputa do poder e outros per-
aumentar extraordinàriamente os gastos suntuários e a dilapidação
de recursos, acompanhada de aumento da corrupção, em larga es- sonagens palacianos". (21) O que sobra é despendido na manu-
cala, das altas esferas": tenção de vasto aparelho militar, responsável por quase 35 % da des-
pesa pública, e de um Departamento Eclesiástico em perpétuo cres-
O petróleo permitiu a Arábia incorrer em extrava- cimento. O primeiro representa, de acôrdo com competentes-obser-
gâncias acima de suas posses e ela o fêz literalmente em vadores, o principal instrumento físico de preservação do regime,
escala alucinante, começando com o envio de uma dúzia de
príncipes ao Nôvo Mundo, a fim de inaugurar a era das
(20) Ibid, págs. 227 e 231. AbduIlah Sulaiman, referido acima, é o
Ministro das Finanças da Arábia Saudita, responsável pelo orçamento,
o que "à exceção da intocável provisão feita para o tesouro real e de
(18) O Império do Petr6leo, Harvey O'Connor, Capítulo 28. ataques não-premeditados contra os recursos do Estado, partidos da mes-
(19) H. St. J. B. Philby, Arabian Jubllee (Londres, 1952), pág, 228. ma fonte, era administrado ao inteiro arbítrio do Ministério das Finan-
Vale a pena observar que o autor dêsse ilustrativo livro não pode ser ças, o qual poderia reter, sempre que lhe aprouvesse, dotações orçamen-
tido como suspeito de animosidade contra o regime dominante na Ará- tárias de qualquer outro Ministério, e assim o fazia normalmente, reten-
bia Saudita. Na verdade o livro foi dedicado a Ibn Saud e teve por do o pagamento de funcionários graduados por períodos que variavam
motto o seguinte: "Louvemo-Io por seus atos magnificentes; louvemo-Io em entre oito (na pior) e quatro meses (na melhor da hipóteses)", pág. 228.
conformidade com sua grandeza". (21) "Oil and Social Change in the Middle East" (2 de iulho, 1955).

286 287
enquanto o último constitui o seu não menos indispensável sus- l mp , ampliar sua máquina administrativa. Esta política tem for-
tentáculo espiritual e ideológico. (22) tal cid o Govêrno, mas tem piorado o padrão de vida da po-
O fato de que ambos os instrumentos são indispensáveis pode pulação". (2~)
ser fàcilmente demonstrado. A renda per capita da população é Muito embora "o Iraque e o Irão possuam vasta gama de re-
da mesma magnitude que a do Kuwait. Apesar de a malária, a cur os naturais" (26) e tenham, por conseguinte, grandes poten-
tuberculose e as doenças venéreas estarem difundidas de maneira clalidades de desenvolvimento econômico, o último país não se
alarmante, e a despeito de a maior parte de sua população ser m tra mais próspero que o primeiro. Na realidade, as rendas
analfabeta, o orçamento de 1953-1954 consignava apenas 5,3% do petróleo no Irã são consideràvelmente menores que no Iraque,
da despesa total para educação, saúde e serviços sociais. (23) Ao embora venham sendo recebidas há muito mais tempo. Seu des-
mesmo tempo, enquanto 80% da população vivem de tâmaras, tino é o mesmo de tôda parte, isto é, o de alimentar a corrupção,
grande parte das quais tem de ser importada, um funcionário da a extravagância e o desperdício.
Comissão de Agricultura dos Estados Unidos, que visitou a Arábia f: por êsse motivo que as conclusões de Philby relativas à
Saudita na década de 1940, expressava a crença de que a superfície Arábia Saudita aplicam-se sem discrepâncias a todos os países pro-
agricuItável "poderia ser aumentada de pelo menos dez vêzes pela dutores de petróleo do Oriente Médio: "Basta um pouco de mo-
simples utilização de lençóis de água subterrâneos". (24) Não é deração nos gastos públicos e de administração judiciosa para que
preciso dizer que são enormes as potencialidades do país no campo o país se coloque, para sempre, ao abrigo de dificuldades e des-
industrial. frute alto nível de prosperidade". (27) Realmente, um cálculo sim-
As condições reinantes nos demais países produtores de petró- ples pode dar uma idéia, ainda que imperfeita, das oportunidades
leo do Oriente Médio são tão semelhantes àquelas encontradas na desperdiçadas. Suponha-se, em primeiro lugar, que os três bilhões
Arábia Saudita ou no Kuwait que se poderia substituir o nome de de dólares recebidos pelos seis países produtores de petróleo da
um país pelo outro. O Iraque, que tem uma população de cinco área, no período 1946-1954, houvessem sido aplicados em investi-
milhões de habitantes, recebeu, em 1954, mais de 191 milhões de mentos produtivos e, em segundo lugar, que a razão produto-capital
dólares das companhias de petróleo. Embora se estime que a renda no Oriente Médio fôsse de um para três, isto é, aproximadamente
per capita do Iraque seja superior à da maioria dos outros países igual a observada nos Estados Unidos. (28) Em tais circunstâncias,
árabes (em tôrno de 90 dólares), somente 20 % da terra poten- a renda dos trinta milhões de habitantes da área petrolífera do
cialmente cultivável são usados e apenas uma área insignificante é Oriente Médio (exclusive a gerada pelo setor petróleo) seria, anual-
irrigada. As condições de saúde da população são extremamente mente, um bilhão de dólares maior do que a atual, isto é, 50% mais
baixas, cêrca de 90% dos habitantes são analfabetos e o desemprê-
go é generalizado. As rendas derivadas de exploração do petróleo (21\) Ibid., pág. 72.
desaparecem nas mãos de uma administração corrupta e insaciável, (26) The Economist, loco cit,
controlada por senhores de terras que mediante. .. a inclusão dos (27) o». cit., pág. 231.
(28) Esta hipótese não é tão fantasiosa quanto poderia parecer à
royalties do petróleo no orçamento ordinário. .. têm podido reduzir
primeira vista. Se bem que nas fases preliminares da industrialização
os impostos que recaem sôbre a classe capitalista e, ao mesmo esta relação possa ser menor devido à pouca destreza da mão-de-obra
e ao mais rápido desgaste do equipamento, daí resultante, encontram-se
(22) Henry A. Atkinson e colaboradores, Security and lhe Middle atuantes, nos países subdesenvolvidos, determinadas fôrças capazes de tor-
East, lhe Problem and its Solution, Propostas Submetidas ao Presidente nar mais alta. a razão produto-capital nessas economias que nos países ca-
dos Estados Unidos (Nova York, 1954), pág. 81. Mr. Philby revela que pitalistas adiantados. :s que os países subdesenvolvidos gozam da vanta-
Ibn Saud, cuja sagacidade política muito admira, dizia que "os Comis- gem de poder lançar mão dos equipamentos mais modernos e eficientes
sários Eclesiásticos faziam mais pelo país do que todos os outros Minis- sem a, contrapartida .de um estoque de capital composto, em grande
térios juntos, pois proporcionavam bem-estar espiritual ao povo". parte, de bens de produção tecnolõgicamente já superados. Mencione-se,
(23) Security and lhe Middle East, pág. 82. Não é preciso dizer que por fim, a possibilidade que têm as economias subdesenvolvidas de uti-
não há certeza de que mesmo essa modesta importância tenha sido real- lizar plenamente êsses bens de capital, em condições de industrialização
mente gasta com aquêles objetivos. racionalmente planejada, ao contrário da capacidade ociosa sempre presen-
(24) Ibiâ., pág, 83. te nas economias dominadas pelo capitalismo monopolista. Veja-se, sôbre

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elevada que o presente nível. Considera-se, ainda, que se as re- :É importante que se tenha consciência das causas de ambos
ceitas anuais do petróleo tivessem sido investidas produtivamente à os fenômenos, isto é, de um lado a conquista de pelo menos algum
medida que eram recebidas, o aumento cumulativo da renda, nos progresso na situação econômica da nação, tornada possível pelas
nove anos mencionados, teria alcançado aproximadamente três receitas petrolíferas, e de outro o ritmo desalentadoramente vaga-
bilhões de dólares! E isto sem levar em conta os efeitos multipli-
roso do processo. No que respeita ao primeiro aspecto, o fator
cadores de tais investimentos, isto é, o aumento total da renda
que resultaria de outros investimentos estimulados ou induzidos, decisivo e preponderante a ser considerado é a existência de um
pela utilização racional das receitas petrolíferas. O mais interes- conjunto de circunstâncias sociais e políticas que impediram o esta-
sante, porém, é que conseqüências e resultados tão expressivos podem belecimento, na Venezuela, de um regime tão ultrajante quanto
ser previstos sem apêlo a qualquer hipótese "subversiva" como, por o vigente, por exemplo, na Arábia Saudita, no Irã ou no Kuwait.
exemplo, especulações sôbre os efeitos da exploração das reservas Sob êsse aspecto, a Venezuela encontrava-se mais aidantada que os
petrolíferas em benefício próprio ao invés de em benefício das com- países do Oriente Médio, mesmo antes do advento da indústria
panhias ocidentais. do petróleo. De qualquer modo, porém, o elemento determinante
A comparação do que se poderia ter obtido na Venezuela - da diferenciação apontada foi o vigoroso ascenso democrático que
o exemplo oficial dos benefícios e vantagens que um país subde- se observou na Venezuela, em decorrência do tríplice impacto da
senvolvido usufrui da exploração estrangeira de suas matérias-pri- Grande Depressão, da atmosfera de liberdade e independência cria-
mas (29) - com o que foi efetivamente conseguido com as rendas da, nos Estados Unidos, pelo N ew Deal, e da crescente resistência
governamentais do petróleo não apresenta resultados menos cho-
ao imperialismo, verificada em tôda a América Latina.
cantes que aquêles encontrados no Oriente Médio. Tendo ultra-
passado os 500 milhões de dólares, em 1954, as receitas totais arre-
cadadas pelo Govêrno venezuelano das companhias petrolíferas Enquanto durou o Govêrno do ditador Gomez poucos
são, sem sombra de dúvida, as maiores de tôda a área produtora foram os problemas surgidos. Carrascos e carcereiros si-
de petróleo do mundo. Com uma população de 5 milhões de habi- lenciavam tôda e qualquer crítica. Após a sua morte, em
tantes, estas receitas, em têrmos per capita, são superadas apenas 1935, a Venezuela emergiu de um século negro de guerra
pelas do Kuwait, Catar e Bahrein. :É verdade que parte dessas civil, anarquia e despotismo militar. " Com a formação de
enormes rendas vem sendo gasta pelo Govêrno com objetivos de partidos políticos depois de 1935, a imprensa tornou-se inqui-
desenvolvimento econômico, mas, para usar as expressões de The sidora, os trabalhadores de petróleo e de outros ramos orga-
Economist, "a política de semear petróleo tem demorado muito ni~aram-se em sindica~os, e o país despertou para um ge-
em produzir frutos... pode-se dizer, em têrmos gerais, que os nuino New Deal particular. As companhias viram-se fi-
recursos econômicos da nação foram, até hoje, tocados apenas de nalmente obrigadas, em 1943, a partilhar meio a meio seus
leve". (30) lucros com o Govêrno. " À retaguarda das companhias per-
manecia a ameaça de crescimento do nacionalismo na América
Latina, bem como em todo o mundo. O México, poucos
êste assunto, por exemplo, a interessante discussão, ainda que incompleta, anos antes, havia expulsado... as companhias estrangeiras
contida no trabalho de V. V. Bhatt: "Capital-Output Ratios of Certain e nacionalizado o seu petróleo... O exemplo de autocon-
Industries: A Comparative Study of Certain Countries", Review 01 Eco- fiança era embriagador. t. Forçadas a ajustar-se à nova si-
nomics and Statistics (agôsto, 1954), págs. 309 e seguintes.
tuação, as companhias proclamavam que a divisão em partes
(29) Ver, por exemplo, The Presídent's Raw MateriaIs Policy Com-
míssion, Resources for Ereedom, vol. I, pág, 61 (Washington, 1952), tam- iguais de seus lucros constituía a sua contribuição para a po-
bém conhecido como "Paley Report", Iítica de boa vizinhança. (31)
(30) Número de 7 de janeiro de 1950. Conquanto tenham sido fei-
tos alguns progressos desde então, o ritmo de desenvolvimento tem sido
bem lento. Cf. Economic Survey 01 Latin America 1953 (Nações Unidas.
1954), págs. 177 e 223. (111 I Iarvey O'Connor, O Lmpério do Petróleo, Capítulo 25.

290 291
Procurando conservar sua larga base popular, os governos re- periore interêsses do povo venezuelano, mas sim aos interêsses do
lativamente independentes - se bem que cautelosos e mesmo va- capital estrangeiro. Destarte, excluída a proporção anormalmente
cilantes - que detiveram o poder na Venezula por tôda uma década elevada das receitas governamentais destinadas às fôrças armadas,
e, em particular, o govêrno do partido da Ação Democrática, que muito pouco é dedicado à agricultura enquanto a quase totalidade
assumiu o poder: em 1945, forçaram não apenas uma participação dos dispêndios de capital é absorvida pela construção de rodovias,
nacional mais elevadas nas rendas petrolíferas como também come- aeroportos, instalações portuárias, pela espetacular expansão e mo-
çaram a devotar parcela das mesmas a objetivos de desenvolvimen- dernização de Caracas e empreendimentos semelhantes, todos de
to econômico, iniciando, assim, uma política econômica e social, grande utilidade do ponto de vista do capital estrangeiro, mas que
desagradável, tanto para os consórcios petrolíferos quanto para os pouco contribuem para o florescimento de uma economia nacional
interêsses capitalistas nativos. O pior, entretanto, é que se não harmônica mente desenvolvida. (34) Uma vez que o Govêrno, fiel
podia confiar em tais governos como capazes de resistir à crescente às diretivas de seus patrocinadores norte-americanos, abstém-se de
pressão popular em favor da nacionalização da indústria petrolífera. invadir a área reservada aos investimentos privados, os gastos pú-
Este era, porém, um problema ao qual Washington se mostrava blicos ficam confinados a aplicações geradoras de "economias ex-
"particularmente sensível", segundo as palavras do correspondente ternas" para a livre emprêsa. Uma vez, porém, que a Venezuela,
Milton Bracker. (32) Devido a essas circunstâncias, uma junta como os demais países capitalistas subdesenvolvidos, encontra-se
militar depôs, em 1948, o govêrno do Presidente Rómulo Gallegos ainda no estágio mercantilista do capitalismo quase não há estímulo
- "govêrno eleito democràticamente e apoiado por grande maioria (e oportunidade) para investimentos industriais por parte dos ca-
do povo" - e dispôs-se a "proteger e respeitar os investimentos pitalistas nacionais. Os investimentos no setor secundário - que
estrangeiros". O Presidente Gallegos, homem de elevado conceito as abundantes "economias externas" criadas pelo Govêrno tanto
como escritor liberal e educador, tanto no exterior como em seu ajudam - são feitos quase exclusivamente por emprêsas estrangei-
próprio país", declarava, pouco dias depois: "As companhias nor- ras. Mesmo assim, os investimentos estrangeiros - ainda quando
te-americanas de petróleo e os grupos reacionários locais foram os feitos em função do mercado interno - concentram-se, na sua
responsáveis pelo recente golpe militar na Venezuela. O grupo maioria, em oficinas de montagem ou fábricas produtoras de bens
de rebeldes do Exército foi encorajado a apoderar-se do país pelas de consumo destinadas a atender aos aumentos de procura resul-
companhias petrolíferas e pelo capitalismo local. O adido militar tante das despesas governamentais. Como se trata principalmente
de uma grande potência encontrava-se no Quartel-General do Exér- de investimentos em espécie, êles expandem muito pouco o mer-
cito quando o golpe foi desferido". (33) Assim, a Venezuela "foi cado interno dos países onde são feitos, não possibilitando, assim,
salva para a democracia", banindo-se o pesadelo da nacionalização o aparecimento de condições propícias à instalação das indústrias
e assegurando-se às companhias estrangeiras os serviços leais de de base, indispensáveis ao rápido e seguro desenvolvimento de tôda
uma administração submissa a seus desejos. a economia. Em conseqüência, excluída a indústria de cimento,
Isto nos dá a resposta para a segunda parte de nossa pergunta que cresceu ràpidamente sob o impulso da procura governamental,
original. Sob o guante da atual ditadura, amparada pelas compa- o desenvolvimento industrial da Venezuela tem-se processado me-
nhias de petróleo, a quantia reservada para fins de desenvolvimento diante a instalação de indústrias produtoras de artigos como leite
econômico é sensivelmente inferior aos recursos disponíveis. De condensado, óleos comestíveis, biscoitos, chocolates, enquanto a
outro lado, as inversões governamentais não se subordinam aos su-

(84) Com relação à estrutura dos gastos governamentais da Vene-


(32) New York Times, 8 de dezembro de 1948. zuela, em 1936-1937 e 1950-1951, ver a publicação intitulada Public Fi-
(33) New York Times, edições de 25 e 27 de novembro e de 6 de IIfIIlC~ Surveys: Venezuela (Nações Unidas, 1951) pág. 82. Em "Raw Ma-
dezembro de 1948. Posteriormente identificou-se o Coronel Adams, da I riu! nnd Economic Development" (tese inédita - Universidade de Stan-
Embaixada Norte-Americana em Caracas, como sendo o adido militar men- (lI'd, 1955) são apresentadas informações sôbre anos posteriores, reunidas
cionado por Rómulo Gallegos. I t I H li autor, C. E. Rollins.

292 293
"produção de cigarros e cerveja alcançou níveis sem preceden- sas de mineração estrangeiras, elevaram-se a mais de 60 milhões de
te". (35) dólares em 1951, enquanto o estanho proporcionou à Bolívia,
Deve-se reconhecer que êste aumento na produção de bens de com cêrca de 4 milhões de habitantes, receitas acima de 20 milhões
consumo (complementado, como é, por crescente volume de impor- de dólares, em 1949, e 15 milhões, aproximadamente, em 1950.
tações) reflete, sem dúvida, a melhoria das condições econômicas Se recursos dessa magnitude, que vêm sendo recebidos há longo
do país. O progresso alcançado por êsse caminho é, porém, inca- tempo, estivessem sendo aplicados, prudentemente, com o propó-
paz de transformar-se em mecanismo autopropulsor do crescimento sito deliberado de fazer progredir a economia, êsses países poderiam
ou de subsistir à cessação do estímulo original, isto é, o dispêndio ter ao menos ingressado na senda do desenvolvimento econômico.
das receitas governamentais derivadas da extração do petróleo. Uma Quão pouco se tem realmente feito nesse sentido é fato do conhe-
diminuição na receita do Govêrno, por fôrça da queda eventual dos cimento de todos aquêles que se dão ao trabalho de acompanhar a
preços do produto - e isto para não mencionar uma possível história dêsses e de outros países que se encontram em situação se-
exaustão das reservas - destruiria essa prosperidade artificial com melhante. O que caracteriza tais países é a corrupção, o malbarato
a mesma. rapidez com que foi originada pelo rápido desenvolvi- e o desperdício de enormes somas, com o único fito de manter enor-
mento na indústria petrolífera no pós-guerra. (36) me e desnecessária burocracia, bem como fôrças armadas cuja
O volume astronômico das rendas que os países produtores de função exclusiva é sustentar no poder governos do tipo feudal-mer-
petróleo recebem das emprêsas estrangeiras dá lugar ao nascimento cantil. (37)
de um grupo de elite entre as nações subdesenvolvidas administra- Preocupamo-nos até aqui com o destino que os governos con-
das por governos servis às potências imperialistas. Os demais países trolados pelas potências imperialistas dão às rendas provenientes
exportadores de matérias-primas minerais e vegetais de tôda es- das concessões feitas ao capital estrangeiro. Muito pouco necessi-
pécie normalmente não participam dos lucros das emprêsas estran- tamos adicionar com relação ao excedente econômico que tais go-
geiras. Suas receitas provêm do lançamento de impostos sôbre a vernos "extraem" diretamente da população do país. ~ste constitui
produção (ou renda) das firmas estrangeiras. Seu montante, po- uma parcela variável da receita global, parcela esta que não é nunca
rém, é muito inferior àquele obtido pelas nações produtoras de insignificante, mesmo no caso dos países produtores de petróleo.
petróleo, tanto em têrmos absolutos como em têrmos de receita Suas fontes principais são os impostos altamente regressivos: sôbre
por habitante. Apesar disso, as receitas auferidas pelo Chile, com a importação de mercadorias, bem como os tributos individuais (ca-
uma população aproximadamente de 6 milhões de habitantes, a pitação) e sôbre a terra, cuja carga recai bàsicamente sôbre o cam-
título de impôsto sôbre remessas de lucros e dividendos das ernprê- pesinato. Embora em alguns países subdesenvolvidos o impôsto

(35) Nações Unidas, Economic Survey 01 Latin America 1951-1952


(37) C. E. Rol1ins - "Raw Materiais. and Economic Development",
(1954), pág. 195, e Economic Survey ai Latin America 1953 (1954), pág.
1955 (ver nota 34) - descreve o uso que o govêrno boliviano faz de
224.
suas receitas. Na Colômbia "tem sido gasto bastante em projetos de de-
(36) ~ dispensável assinalar que essa mesma prosperidade afeta ape-
senvolvimento de mérito discutíveL.. bem acima disto encontram-se as
nas um pequeno segmento do país, tanto em têrmos de área como de
pesadas despesas com as fôrças armadas. Estas despesas, que as estimativas
população. Constitui "mera fonte de encantamento e sonho para nove
oficiais situam em tôrno de 18% do orçamento ordinário mas, que, pro-
décimos da população, que vivem fora do mundo do petróleo. A fome
vàvelmente, se aproximam dos 35%, ajudam a manter a ditadura no país ...
e as doenças continuam grassando nos barracos, levantados nas encostas
A fim de reforçar seu regime contra o descontentamento popular, Roias
dos morros, e nas palhoças dos colonos dos latifúndios, com a mesma tem procurado colocar inexperientes oficiais do Exército nos mais diver-
intensid~de da época anterior à descoberta do petróleo. Pelo menos sos postos civis... O subôrno é uma instituição... os habitantes de Bo-
200.000 pessoas se deslocam do interior para a dourada Caracas, onde gotá diàriamente inventam novas anedotas sôbre a corrupção nos altos
vivem sob as pontes, em pântanos, ou nas encostas dos morros, em habi- postos - não poupando mesmo a própria Presidência". Business Week,
tações construídas com o lixo e o refugo da cidade, irônicamente cha- 27 de agôsto de 1955, págs, 116 e seguintes. Ver, também, sôbre o assun-
madas de ranchos. As atraentes publicações do Govêrno, onde se pro- t , por exemplo, Egypt in Midpassage (Cairo, 1950) de Anthony H. Gala-
clamam as glórias da capital, ignoram, naturalmente, estas residências dos t 11 conomic Survey Mission to the Philippines, Repor! to the Presidem
esquecidos da fortuna". Harvey O'Connor, O Império do Petróleo. o/ Unttcd States (Washington, 1950).

294 295
progressivo sôbre a renda faça parte do sistema tributário, sua grosseiramente exagerados. Em primeiro lugar, tal atitude constitui
existência é apenas formal. A evasão fiscal é técnica altamente de- simplesmente uma das facêtas da política de "estômago cheio" men-
senvolvida nesses países, sendo incontável o número de artifícios- à cionada anteriormente e indispensável ao duplo propósito de asse-
disposição dos ricos proprietários de terras e dos comerciantes para gurar a fôrça de trabalho necessária e de aumentar a sua eficiên-
evitar o pagamento mesmo da leve tributação a êles imposta. Tam- cia. (39)
pouco a tarefa de escapar à ação do fisco representa um desafio à
Assinale-se, em segundo lugar, que mesmo êsse sistema não
sua engenhosidade. Lidando com regimes dominados por êles pró-
tem surtido os resultados desejados, como o demonstram as con-
prios e assessorados, desde o mais alto até o mais baixo pôsto, por
tínuas dificuldades encontradas pelas companhias mineiras e petro-
membros de sua própria classe ou então por funcionários servis e
líferas em conseguir a quantidade adequada de operários, (40) e
corruptos, não têm dificuldades em impedir a aprovação de leis que
as freqüentes e violentas greves que afligem as emprêsas estran-
lhes tornem mais pesados os tributos ou, se isto se revelar politica-
geiras em quase todos os países subdesenvolvidos. De qualquer
mente desaconselhável, em evitar o seu pagamento. O fato de que a
modo, o número de pessoas que se beneficiam dos favores que,
carga tributária nos países subdesenvolvidos é suportada pela massa
segundo se propala, são distribuídos generosamente pelos consórcios
da população e não pelos membros das classes feudal e capita-
estrangeiros, representa parcela bem pequena da população total
lista não quer dizer que defrontamos com um problema exclu-
dos referidos países. Assim, "a Anglo-Iranian Oil Company, que
sivo de administração fiscal. Esta situação é simplesmente fruto da
iniciou a produção de petróleo há bem mais tempo que as com-
estrutura imperfeita de suas sociedades e do caráter de classe de
panhias rivais, colocava-se, nos anos que se seguiram à guerra, na
seus governos. Como o Professor Mason corretamente observa,
dianteira das demais também quanto ao bem-estar proporcionado
"a eliminação da evasão fiscal praticada por alguns indivíduos de
a seus funcionários. Mesmo atualmente, nenhuma outra emprêsa
alto nível de renda pode exigir mudanças que vão bem mais longe
pode disputar-lhe o recorde de construção de habitações para 16.000
que meros aperfeiçoamentos administrativos". (38) Não é pre-
famílias iranianas". (41) Esta cifra é verdadeiramente extraordiná-
ciso dizer que o modo de utilização do excedente econômico reti-
ria para um país com uma população de 18 milhões de habitantes e
rado pelo govêrno de fontes nacionais não se distingue do emprêgo
que tem propiciado à "Anglo-Iranian" bilhões de dólares de lucros!
dado ao excedente que obtém, por transferência, de emprêsas es-
trangeiras.
Antes de abandonarmos êste problema, sôbre o qual há in- (39) "Não é bastante para a companhia treinar simplesmente traba-
formações e estudos em abundância, devemos analisar, ainda que lhadores e pagar bons salário~... O trabalhador tem que estar sociologi-
camente condicionado a um modo de vida diferente, se não se deseja a
brevemente, dois outros tópicos intimamente relacionados com o que
sua deformação no processo. É fato, também, que uma das mais im-
acabamos de examinar. Um dêles diz respeito ao fato - objeto portantes contribuições à produtividade, derivada de um padrão de vida
de ampla publicidade - de que, em muitos países subdesenvolvi- mais elevado, provém da melhoria da saúde do trabalhador... Por con-
dos, as emprêsas estrangeiras empenham-se em elevar as condi- seguinte, é essencial que, do ponto de vista da eficiência do operário,
sua renda monetária ampliada proporcione condições de vida mais sau-
ções de vida da população das zonas onde operam, o que as obri- dáveis para êle e para sua família". R. F. Mikesell e H. B. Chenery
ga a realizar dispêndios mais ou menos vultosos. Assim, em muitos Arabian Oil (Chapel Hill, Carolina do Norte, 1949), págs. 81 e seguintes.
lugares, as grandes emprêsas petrolíferas ou minerais têm oferecido Ou, concisamente, tal como o coloca The Economist, "o paternalismo em
a seus empregados condições habitacionais superiores àquelas de relação à mão-de-obra local tornou-se parte da ciência da indústria petro-
lífera". "Oil and Social Change in the Middle East", 2 de julho de 1955.
que dispunham anteriormente, além de construírem escolas, hospi-
(40) O empregador local, ainda que pagando salários mais baixos
tais, cinemas etc. Assinale-se, entretanto, que os possíveis efeitos e não concedendo nenhuma das vantagens oferecidas pelas emprêsas es-
dêsses gastos sôbre o bem-estar das populações nativas tendem a ser trangeiras, "parece conseguir, sem dificuldade, tôda a mão-de-obra de que
necessita porque trabalhar para êle tem a vantagem de menos tempo
insto em viagens diárias do local de moradia para o deserto, e více-ver-
SR, ou porque êle não oferece perspectivas de trabalho contínuo e inten-
(38) Promoting Economic Development (Claremont, Califórnia, 1955), 80 durante todo o dia". The Economlst, loco cito
pâg, 60. (41) Ibid.

296 297
o outro ponto a destacar é a alegação comumente feita de lizmente, é bastante problemático que êste "ideal" seja alcançado
que o emprêgo que os governos dos países de produção primária algum dia. Apesar de os especialistas do Ponto IV estarem inques-
dão a seus recursos nada tem que ver com a avaliação "puramente tionàvelmente certos ao afirmarem que os habitantes dos países sub-
econômica" da contribuição das emprêsas estrangeiras no desenvol- desenvolvidos, quando "incapazes de satisfazer suas mais modestas
vimento econômico dêsses países. Esta concepção deformada cons- aspirações, tornam-se, pela miséria que os aflige, campo fértil para
titui um exemplo muito claro, e apropriado a livros didáticos, da a propagação de qualquer ideologia que lhes acene com promessas,
incapacidade característica da Ciência Econômica burguesa de com- ainda que falsas, de uma vida melhor", (44) os acontecimentos da
preender o problema fundamental do objeto de sua investigação. última década em todo o mundo subdesenvolvido dão inteira razão
Decompondo cruamente um fenômeno histórico, voltando as costas à previsão de que a ideologia da "nossa emprêsa" - mesmo onde
ao todo bem mais complexo, com o objetivo de ver melhor suas já lançou suas raízes - será uma ilusão passageira.
partes bem mais simples, ela chega a formulações que, embora sejam
verdadeiras quando se relacionam às partes, constituem falsidades
quando referidas ao todo. Isto porque um fenômeno histórico é III
inseparável daquilo que representa o seu desdobramento ulterior.
Já demonstramos que a exploração de matérias-primas por emprêsas
estrangeiras e a existência, nos países subdesenvolvidos, de governos Os problemas se apresentam com um caráter e uma coloração
esbanjadores, corruptos e reacionários, não são coincidências for- diferentes no terceiro grupo de países subdesenvolvidos, isto é,
tuitas, mas apenas aspectos diferentes, se bem que intimamente re- aquêles que conquistaram recentemente sua soberania e cujos go-
lacionados, de algo que só pode ser adequadamente compreendido vernos obedecem à linha política que denominamos New Deal. Os
como a expressão do imperialismo em sua totalidade. governos dêsses países foram levados ao poder por amplos movi-
mentos populares, cujo propósito fundamental era o de derrubar
"É ponto pacífico hoje", diz The Economist, "que governos o domínio colonial e estabelecer a independência nacional. Lu-
e emprêsas encontram-se de tal modo interligados que, por muitos tando contra o imperialismo e seu aliado interno - a coalizão
anos, nenhuma das partes será capaz de qualquer gesto ou atitude feudal-mercantil - os movimentos nacionais tomaram a forma de
sem o apoio da outra." (42) É com o objetivo de intensificar e frente unida, onde lutavam, ombro a ombro, a burguesia progres-
perpetuar essa interligação que as potências imperialistas ajudam a sista, desejosa de abrir o caminho para o capitalismo industrial,
destruir qualquer movimento progressista que possa empolgar o os intelectuais, que aspiravam por um futuro melhor para sua
poder nos países atrasados, prestando todo o auxílio diplomático, pátria, e os elementos ativos do proletariado urbano e rural, que
militar e financeiro aos governos "bem comportados" e obedientes, se levantavam contra a miséria e a opressão do regime feudal-im-
amparando e estimulando de todos os modos as fôrças reacionárias, perialista. Em alguns países, até mesmo segmentos essencialmente
políticas e sociais que formam as bases dêsses regimes. É também reacionários da aristocracia feudal juntaram-se ao campo naciona-
com o intuito de intensificar e perpetuar tais vínculos que as pró- lista, interessados, bàsicamente, em desviar as energias populares
prias emprêsas procuram criar, "através de seus planos de economia,
da luta em prol da revolução social para a luta apenas contra a
de esquemas de financiamentos para compra de moradias, progra- dominação estrangeira. (45)
mas de treinamento e outros métodos. .. uma classe profundamente
A unidade do movimento nacionalista tem estado sujeita, em
interessada em uma vida tranqüila e sem comoções de qualquer. es-
tôda parte, a severos abalos e pressões. Sua ala direita, teme-
pécie para tôda a comunidade. O ideal é atingido quando o orador
rosa de que a luta nacional, ao mobilizar e organizar as massas
local refere-se não à emprêsa, mas sim à nossa emprêsa". (43) Fe-

('H) Point Four, Cooperative Program for Aid in the Development


(42) Ibid. O que se aplica ao Oriente Médio, aplica-se com igual f lhe Economically Underdeveloped Areas (Washington, 1949), pág. 2.
fôrça à América Latina, às Filipinas e a certas partes do sudeste asiático. (1,~) Os seguidores do Dr. Mossadegh, no Irã, constituem exemplo
(43) Jbid. d R8 comportamento.

298 299
populares, pudesse criar condições para a revolução social, procura- nhada pela econômica - o conflito básico de classes de uma so-
va minimizar o papel do proletariado e do campesinato na luta ciedade prenhe de antagonismos teria, necessàriamente, que vir à
antiimperialista. Tentava, por isso, agir com moderação, através tona e ganhar intensidade. Conquanto seja verdade que a solução
de negociações e acôrdos com os regimes dominantes sentindo-se, de grande número de problemas importantes - alguns dêles fun-
a todo instante, tentada a transigir e a aceitar um modus vivendi damentais mesmo - que afetam o desenvolvimento econômico e
com os representantes das fôrças colonialistas. No outro extremo, social dos territórios coloniais ou dependentes está estreitamente
a ala esquerda da frente nacionalista, realmente ansiosa por combi- ligado à questão da independência nacional, é forçoso admitir, tam-
nar a libertação nacional com a libertação social, batalhava sem bém, a existência de outros problemas, igualmente importantes,
descanso em favor de uma participação cada vez mais ampla das cuja vinculação ou associação ao mesmo fato serve somente para
massas nas lutas nacionalistas e por uma ação revolucionária intran- mascará-Ios e confundi-Ios. É o caso da opressão e exploração
sigente. Enquanto o objetivo principal - a independência nacio- das populações camponesas pela aristocracia rural, ou do estrangu-
nal - não foi atingido, as fôrças centrípetas mostraram-se, no lamento da expansão do setor industrial pelos interêsses monopolís-
conjunto, mais fortes que as fôrças centrífugas. A luta pela inde- ticos. Este não são, por certo, apenas problemas nacionais, que
pendência nacional sobrepujava, e colocava em segundo plano, a encontram solução automática com a conquista da autonomia po-
luta pelo progresso social. lítica. São também, e talvez em maior grau, problemas sociais,
O panorama começava a se modificar tão pronto o movimento que devem ser encarados e tratados como tal. É por êste motivo
de libertação nacional conquistava a vitória. Enfraquecidas pela que os movimentos nacionalistas, após se apossarem do poder nas
Segunda Guerra Mundial e não mais em condições de contrapor-se novas nações, não conseguem escapar a um processo de desintegra-
com êxito à pressão em favor da emancipação das colônias, as po- ção. Os elementos socialmente heterogêneos, que estiveram uni-
tências imperialistas viram-se forçadas a curvar-se ante o inevitável
dos por tênues laços durante a luta anticolonialista, terminam, cedo
e a conceder a independência política àqueles países onde eram mais
ou tarde, por deixar-se atrair e identificar com as classes que se
poderosas as fôrças antiimperialistas e onde não podiam esperar
hostilizam e se opõem dentro da estrutura da nova sociedade.
manter, por mais tempo, o seu domínio. Para usar as palavras
de John Foster Dulles, "quando as batalhas da Segunda Guerra A rapidez com que a unidade nacional se decompõe, bem
Mundial aproximavam-se do fim, o problema colonial passou a como o agravamento da luta interna de classes, depende das cir-
constituir o maior problema político do período. Se o Ocidente cunstâncias históricas, específicas de cada país. A divisão do cam-
houvesse tentado perpetuar o status quo do colonialismo, a revolu- po nacionalista efetuou-se ràpidamente em todos os países em que
ção dos povos coloniais e a derrota ocidental teriam sido inevi- o proletariado urbano de vanguarda desempenhou papel dominante
táveis. A única política que poderia ter êxito seria a de conceder, no movimento nacionalista e onde êle foi suficientemente forte e
pacificamente, a independência aos mais adiantados dos 700 milhões organizado para assumir a liderança da luta do campesinato em
de indivíduos dependentes". (46) favor da revolução agrária. A fração burguesa-capitalista, confron-
Todavia, uma vez conquistada a independência nacional - tando-se desde logo com o espectro da revolução social, voltou-se,
apenas política, frise-se, uma vez que esta não foi nunca acompa- rápida e resolutamente, contra os seus companheiros da véspera, os
seus inimigos mortais de amanhã. De fato, nesta nova fase, ela
não hesitou em fazer causa comum, seja com os elementos feudais
que representavam o principal obstáculo ao seu próprio progresso, )
(46) War or Peace (Nova York, 1950), pág. 76. O trecho acima
constitui uma interpretação mais correta das razões que levaram à conces- seja com as fôrças imperialistas pouco antes desalojadas de suas
são da independência às colônias - as quais, de outra forma, teriam posições pela luta de libertação nacional, ou, até mesmo, com os
expulsado seus dominadores ocidentais - do que a hipótese aventada pelo grupos locais que serviam de ponta de lança à penetração do ca-
próprio Dulles de que "a religião ocidental e sua filosofia econômica e
social combinaram-se a fim de promover a extinção pacífica da domina-
pital estrangeiro e que se encontravam ameaçados pela retirada po-
ção política exercida pelo Ocidente e a sua substituição pela autodetermi- lítica de seus parceiros e mentores. É que, como sàbiamente obser-
nação" (pág. 87). va Lord Acton, "os interêsses de classe são mais fortes que os in-

300 301
terêsses da nacionalidade". (47) Submetida a essas pressões, a lação aos demais países. Essa coincidência de fatôres favoráveis
independência política, ainda mal consolidada, terminou por con- amplia as possibilidades de sucesso da campanha que hoje se de-
verter-se em fraude, com a nova facção dominante associando-se à senvolve nesse país com o propósito de conduzi-lo pela estrada do
antiga, e onde as classes proprietárias, amalgamadas num só bloco, capitalismo industrial. Apesar disso, tem-se que convir que o Egito
com o apoio e incentivo dos interêsses imperialistas, lançavam mão é um membro de pouca importância em nosso terceiro grupo de
de todo o seu poderio com o fito de esmagar o movimento po- países subdesenvolvidos. A situação é muito mais complexa quando
pular em prol de uma verdadeira libertação nacional e social, e se considera o mais importante país dessa categoria, ou seja, a
de restaurar o ancien régime não de jure mas de facto. A China índia.
sob o Kuomitang, o Paquistão, as Filipinas, a Coréia do Sul, o Ali a frente unida das fôrças antiimperialistas mantém-se intac-
Vietnam do Sul, são exemplos típicos do processo de decomposi- ta - se bem que precàriamente - e propicia ao govêrno da bur-
ção do movimento nacionalista. guesia nacional a sua grande base política. Contudo, é essa mes-
Onde a pressão popular pela libertação social é menos pro- ma amplitude de coalizão nacional, responsável pela enorme fôrça
nunciada quando da vitória na luta pela independência nacional do Partido do Congresso durante a luta pela independência do
- ou porque a classe trabalhadora é ainda débil, numérica e po- país que hoje pràticamente paralisa o Govêrno. Ainda que con-
liticamente, ou devido à passividade demonstrada pela classe cam- tando com a aprovação da maioria esmagadora dos setores politi-
ponesa, em conseqüência de séculos de servidão e de superstições zados e organizados da nação, o Govêrno encontra dificuldades
religiosas profundamente arraigadas em seu espírito - a burguesia insuperáveis em suas tentativas de formular e executar um programa
nacional pode sentir-se mais segura e estimulada para tentar impe- de regeneração econômica e social. Pretendendo promover o de-
dir a explosão futura de poderosas fôrças revolucionárias através senvolvimento do capitalismo industrial, êle não se atreve, porém,
de esfôrço tendente a lançar as bases indispensáveis ao nascimento a contrariar os interêsses dos proprietários rurais. Buscando mi-
e à evolução do capitalismo industrial nacional e à criação de um norar os efeitos das mais ultrajantes desigualdades na distribuição
Estado capitalista moderno. O sucesso de um empreendimento dêsse da renda, evita interferir nas atividades dos comerciantes e agiotas.
gênero depende de vários fatôres: da fôrça política e econômica Procurando melhorar as condições miseráveis de trabalho, atemo-
da burguesia nacional, da qualidade de sua liderança, de sua de- r!z~-se cem a idéia de opor-se às classes produtoras. Antiimpe-
terminação em expulsar os elementos da antiga coalizão feudal- ríalista por formação e origem, corteja e espera favores do capital
mercantil de suas posições de mando, de sua capacidade de resis- estrangeiro. Esposando o princípio da propriedade privada, pro-
tência e, finalmente, de um conjunto de circunstâncias presentes no mete à Nação um "modêlo socialista de sociedade". Imaginando
cenário internacional e capazes de permitir a eliminação ou, na encontrar-se au-dessus de la mêlée, e colocado acima dos choques
sua impossibilidade, o considerável enfraquecimento do apoio dado de grupos antagônicos, apenas reflete o estágio que a luta de clas-
a essas camadas reacionárias da sociedade pelas potências impe- ses já atingiu na sociedade indiana. Ansioso pela conciliação de ne-
rialistas. cessidades inconciliáveis, de compor e harmonizar diferenças ra-
dicais, conseguir acôrdos e contemporizações onde as decisões são
Este parece ser o caso atual do Egito, em que as condições
inevitáveis, desperdiçando energias e tempo na tentativa de solucio-
se mostram extremamente propícias à sua entrada na senda do
nar conflitos permanentes dentro de seu próprio bloco, o Govêrno
"desenvolvimento japonês". No momento, as fôrças armadas colo-
atual da índia substitui mudanças radicais por pequenas reformas,
cam-se ao lado da burguesia nacional egípcia, enquanto os seus
atos revolucionários por palavras revolucionárias, pondo em perigo
líderes parecem decididos a vencer a oposição e a resistência do
desta maneira não sõmente a própria possibilidade de ver reali-
grupo feudal-mercantil, ao mesmo tempo que a situação interna-
zadas suas esperanças e aspirações, mas também sua própria perma-
cional lhes permite adotar uma política de independência em re-
nêncía no poder. Colocado em desvantagem pela heterogeneidade
e debilidade de suas bases sociais e pelas limitações ideológicas daí
resultantes, o regime essencialmente pequeno-burguês que hoje go-
(47) Essays on Freedom and Power (Edição "Merídian", Nova York
1'.155), pág, 224. verna a índia é incapaz de oferecer à nação liderança adequada na

302 303
batalha pela industrialização, ao mesmo tempo, que se revela impo- prlm lro três ou quatro anos, o realismo e o pragmatismo transfor-
tente para mobilizar o que realmente tem importância em todo o mo- maram- e, em certa medida, nos fundamentos da política ofi-
vimento: o entusiasmo e as energias criadoras das grandes massas cial". (tO) Este "realismo e pragmatismo" estão expressos clara-
populares para o combate decisivo contra o atraso, a pobreza e a ~ .nto.. nos objetivos inteiramente inadequados do primeiro plano
letargia em que jaz o país. qüinqüenal, o qual "mesmo em sua versão final, publicada em de-
zcrnbr de 1952 ... parece bastante modesto na escala de inversões
Fizemos, anteriormente, um levantamento das fôrças que impe-
que. prevê, tanto em têrmos absolutos como em relação à renda
dem a formação de capital e os investimentos produtivos nos se-
nacional. Uma despesa de 20 bilhões de rupias, ao longo de um
tores urbano e rural da economia de um país atrasado. Estas fôr-
período qüinqüenal, representa pouco mais de 5% da renda na-
ças são tão poderosas na índia como em qualquer outra parte do
cional, o que não é muito superior à taxa de inversão que se obser-
mundo subdesenvolvido. Em conseqüência, na índia, como nos
vava antes do início da execução do plano". (50)
demais países subdesenvolvidos, somente o Govêrno se encontra em
.. As condições re~nantes no país ao fim do primeiro plano qüin-
condições de arregimentar o excedente econômico potencialmente
quenal parecem confirmar que a atitude adotada foi excessivamente
presente no sistema econômico e de utilizá-lo na ampliação do apare-
prudente. Observou-se, na verdade, considerável melhoria da si-
lho produtivo da nação. Se nas áreas coloniais dos dias atuais o
tuação econômica geral, melhoria esta que se revelou no acentuado
excedente econômico de que se apropriam suas administrações não
~umento do volume de gêneros alimentícios disponível e em certo
é empregado em benefício de seus habitantes, e sim na expansão
incremento da produção industrial. Seria, porém, extremamente
dos interêsses das potências imperialistas, e se nos países de nosso
temerário concluir, com base nos "resultados auspiciosos" dos últi-
segundo grupo o excedente econômico apropriado, em enormes vo-
mos anos, que o país tenha ingressado, realmente, na senda do
lumes, por governos comprometidos com o capital estrangeiro, en-
progresso, de um rápido e firme desenvolvimento econômico. É
contra aplicação similar ou é inteiramente desperdiçado - no caso
unânime a opinião de todos os estudiosos da economia indiana
da índia o problema se apresenta de maneira diferente. Nesse
que o. rit'?o de crescimento satisfatório alcançado na última etapa
país, a quantidade de recursos arrecadada pelo Estado é muito
do pnmeiro plano qüinqüenal foi devido, principalmente, a duas
menor que o excedente econômico potencial, e, o que não é menos
colheitas excepcionalmente abundantes e as suas repercussões favo-
grave, a utilização dada a êsses recursos, a despeito da boa intenção
ráveis sôbre o balanço de pagamentos, a disponibilidade de maté-
das autoridades, não corresponde àquela capaz de permitir o cres-
rias-primas, etc. Tampouco se pode atribuir, em sã consciência
cimento econômico harmônico, a um ritmo mais acelerado. Não
essas ci~cunstâncias favoráveis ao modesto aumento da área irriga~
obstante o fato de que, como observa The Economist, "tal como
da, realizado durante êsse qüinqüenio, nem a qualquer medida go-
a Rainha Vermelha, a índia tem que correr para ficar parada", (~8)
vernamental de outra natureza. A contribuição verdadeiramente
as meias-medidas e a ausência de decisão constituem as caracterís-
importante do primeiro plano foi a de fornecer impressionante
ticas dominantes de sua política econômica - apesar de tôdas as
testemunho das imensas possibilidades potenciais de desenvolvimen-
bombásticas declarações em contrário. "De tempos em tempos, o
to da índia. A realização de grandes projetos de barragens de
socialismo é anunciado como o objetivo supremo e final da política
~~ltiP~os propósitos, a implementação de numerosos programa~ de
do Partido do Congresso e dos planos econômicos da India. Em
irngaçao, a construção de grande número de fábricas modernas -
declaração sôbre a política industrial, feita em 1948, estabeleceu-se
tudo isto demonstra, acima de qualquer dúvida, a prodigiosa ca-
que o Estado seria responsável pelo desenvolvimento de base e exer-
pacidade dos técnicos e dos trabalhadores indianos.
ceria contrôle sôbre todos os setores-chaves da economia. Todavia,
Apesar disso, o segundo plano qüinqüenal, cobrindo o período
os Ministérios diretamente responsáveis pelo desenvolvimento eco-
1956-1961, longe está de ter sido concebido de maneira a propor-
nômico da Índia - o Ministério da Fazenda e o Ministério do
Comércio - estão bem cônscios dos limites da ação estatal. .. Nos
(49) Ibid.
(50) Nações Unidas, Economic Survey o] Asia and lhe Far East,
(48) "India - Progress and Plan" (22 de janeiro de 1955). 1953 (1954), pág. 59.

304 305
cionar-lhes as necessanas oportunidades. Até o mais autorizado de vida da população indiana, as possibilidades de compnmir o
documento já publicado sôbre êsse plano - o Drajt Plan-Frame, (51) consumo da população são, obviamente, muito limitadas. A menos
do Professor P. C. Mahalanobis - padece do mesmo mal, isto é, que modificações substanciais ocorram no decurso dêsse qüinqüênio,
não ataca frontalmente os principais obstáculos que se antepõem ao o segundo plano qüinqüenal se transformará em uma segunda
progresso da índia. Estabelecendo, como objetivo, um incremento edição do primeiro plano, isto é, produzirá taxas de crescimento
anual da renda nacional de 5 % - taxa de crescimento que, embora apenas suficientes para determinar insignificante aumento da renda
modesta, já representa considerável aceleração em confronto com per capita.
os resultados obtidos no passado - o Plano toma, como ponto A única política que se pode admitir como adequada ao pre-
de partida, a taxa de investimentos que prevalece na economia e sente estágio de desenvolvimento econômico da índia é aquela que
procura alcançar a meta fixada mediante reorientação parcial das adote como base do programa de desenvolvimento o reinvestimento
inversões da indústria de bens de consumo para a indústria de da maior parcela possível da renda nacional. De acôrdo com grande
bens de capital. Uma vez que se não pode esperar que o capital número de estimativas, realizadas independentemente, não se pode
privado realize essa mudança, o Plano atribui ao Govêrno não ter dúvidas quanto ao fato de que 15% da renda nacional poderão
apenas a responsabilidade do investimento inicial na indústria de ser investidos sem qualquer redução do nível de consumo popular.
bens de capital, mas também a responsabilidade dos investimentos O que se requer para alcançar êste objetivo é a arregimentação mais
futuros necessários à absorção de produção dessa mesma indústria. completa possível do excedente econômico potencial, gerado cor-
Deixa, porém, em aberto a questão dos meios e modos pelos quais rentemente pelo sistema econômico do País. &se se situa em tôrno
o Govêrno deverá levantar os recursos correspondentes. Assim de 25 % ou mais da renda nacional da índia, parcela que uma so-
procedendo, êle fornece apenas uma elegante demonstração do que ciedade caracterizada pela miséria extrema entrega à sua camada
poderia ser conseguido se a sociedade tivesse a possibilidade de de- improdutiva. Esse excedente é visível a ôlho nu, como a quota do
terminar e comandar, de fato, o modo de utilização de seu ex- produto agrícola que os lavradores entregam aos proprietários em
cedente econômico efetivo, mas deixa de prover um esquema con- pagamento pelas terras arrendadas, ou aos usurários sob a forma
creto de política econômica. de juros extorsivos. Pode ser visto, também, entre os lucros das
Nas mãos da "realista" e "pragmática" Comissão de Planeja- emprêsas, a maior parte dos quais não reverte ao sistema pro-
mento, que transformou o Draft Plan-Frame naquilo que aparente- dutivo, mas é gasto em consumo por seus detentores. (53)
mente constitui o plano (52) definitivo, até mesmo aquêle aspecto É óbvio que a mobilização do excedente econômico potencial
progressista do documento original ficou perdido. Se nos progra- encontraria forte oposição da classe proprietária e só teria êxito
mas de industrialização mais realistas, a participação projetada da como resultado de uma luta sem quartel contra a "minoria, cujo
indústrias de bens de capital é de pelo menos 40%, e se no Drajt principal interêsse é a conservação de suas riquezas e de seus privi-
Plan-Frame destinava-se a êste setor cêrca de 20% do investimento légios". (54) O atual Govêrno da índia não é capaz e nem de-
total, a Comissão de Planejamento reduziu essa quota para 11%. seja aceitar êsse desafio e liderar o movimento que venha a que-
Por outro lado, o financiamento dos dispêndios governamentais brar a resistência da classe exploradora das populações rurais e ur-
programados não será feito mediante enérgico esfôrço de mobiliza-
ção do excedente econômico existente, mas, ao contrário, através
de seu aumento: por intermédio da inflação e de impostos sôbre (53) Enquanto grande parte do montante total dos lucros é ainda
remetida para o estrangeiro, da parcela remanescente, que fica no país,
as vendas de bens de consumo popular. Face ao baixíssimo padrão cêrca de metade é distribuída sob a forma de dividendos. Consultem-se
a respeito o Economic Survey oi Asia and the Far East, 1953 (Nações
Unidas, 1954), pág. 63, e B. Datta, The Economics of Lndustrialization
(51) Instituto Indiano de Estatística, The Second Five- Year Plan (Calcutá, 1952), pág. 229. Cálculos mais recentes, com base nos últimos
1956/57-1960/61, Recommendations for the Formulation of the Second dados disponíveis, indicam que os lucros reinvestidos não ultrapassam de
Five-Year Plan (Calcutá, 1955). 25 a 30% do total.
(52) Govêrno da índia, Comissão de Planejamento, Second Five- (54) Nações Unidas, Measures for the Economic Development o]
Year Plan, a Draft Outline (1956). Under-Developed Countries (1951), par. 37.

306 307
banas. Ao recusar-se a assumir a responsabilidade pela formulação perrnitir-lhes atingir taxas de crescimento elevadas, bastante eleva-
e execução de um verdadeiro programa de desenvolvimento econô- das mesmo. Devemos deixar claro que não estamos falando do
mico e social, ao tentar fugir a êsse conflito inevitável, êsse Go- excedente econômico planejado - cuja formação, convém repetir,
vêrno põe em perigo sua grande oportunidade histórica: a trans- envolve, entre outras coisas, o emprêgo racional de recursos nor-
formação pacífica de um grande país vítima da miséria e opressão malmente não utilizad s -, ma apenas do excedente econômico
em uma democracia socialista capaz de desenvolver a ritmo ace- potencial, ou seja daquele que se disporia para inversões se se
lerado. O desenvolvimento econômico e social - tal como um utilizasse conscientemente o do produto nacional obtido com os
avião - é processo cuja "decolagem" exige uma velocidade míni- mesmos recursos que são hoje empregados. Em monografia ainda
ma bastante elevada. Se o necessário ritmo de crescimento não é inédita, o Dr. Harry Oshima apresenta os resultados de cuidadosas
alcançado, grande é o perigo que se corre de ver as fôrças rea- estimativas que fêz para certo número de países, sôbre os quais
cionárias conseguirem, uma vez mais, resguardar-se de um "desas- existem informações mais ou menos adequadas, chegando às con-
tre", bloqueando - ainda que temporàriamente - a única saída clusões preliminares seguintes: na Malásia, em 1947, o excedente
possível para o impasse da exploração, da prepotência e da estag- econômico potencial alcançou 33% do Produto Interno Bruto, en-
nação. Estas mesmas fôrças são capazes de valer-se da exaspera- quanto o investimento bruto foi da ordem de 10% do Produto
ção das massas e de sua desilusão, enganando-as com uma fraseo- Bruto; no Ceilão, em 1951, essas mesmas proporções foram de 30%
logia socialista vazia de conteúdo, para provocar um levante fas- e 10%, respectivamente; nas Filipinas, em 1948, 25% e 9%; na
cista e impor-lhes uma ditadura, que daria nova oportunidade de índia, 15% e 5%; na Tailândia, 32% e 6%. No México, entre
sobrevivência ao domínio capitalista na cidade e no campo. So- 1940 e 1950, a participação dos lucros no Produto Nacional Líqui-
mente a História mostrará se a tortuosa estrada palmilhada pelo do aumentou de 28,6% para 41,4%. (55) Na Rodésia do Norte
povo indiano, na sua longa caminhada histórica, irá obrigá-lo a (1949) a renda da propriedade (não computada a renda das firmas
atravessar um período fascista ou se êle será poupado desta dura individuais) totalizou 42,9%; no Chile (1948) 26,1%; no Peru
provação. (1947) 24,1 %. (56) Não precisamos acrescentar nada ao que já
dissemos sôbre a verdadeira torrente - e torrente no sentido lite-
ral mais amplo - que é o excedente econômico potencial nos países
IV
produtores de petróleo. Quanto aos países do Oriente e do sudeste
europeu, tanto Rosenstein-Rodan quando Mandelbaum estimaram
Da análise precedente decorrem três importantes corolários. - e nós agora sabemos que esta estimativa se distancia muito da
Em primeiro lugar, ao contrário do que comumente se sustenta com realidade - a capacidade de investimento dos países dessas áreas
grande destaque na literatura ocidental sôbre os países subdesen- em cêrca de 15% de sua renda nacional. (57)
volvidos, o principal obstáculo a seu desenvolvimento não é a es-
O principal obstáculo ao rápido desenvolvimento econômico
cassez de capital. O que é escasso em todos êsses países é o que
dos países atrasados é o modo de utilização de seu excedente eco-
denominamos de excedente econômico efetivo investido na amplia-
nômico potencial. Êle é absorvido por várias formas de consumo
ção do seu aparelho produtivo. O excedente econômico potencial,
que poderia ser utilizado com êsse objetivo, é grande em todos
êsses países. Note-se que êle não é grande em têrmos absolutos,
isto é, quando comparado à ordem de grandeza do excedente de (55) A. Strumthal, "Economic Development, Income Distribution and
Capital Formation in México", Iournal of Political Economy (junho, 1955),
nações adiantadas como, por exemplo, os Estados Unidos e a Grã- pág, 187.
Bretanha, embora existam algumas áreas subdesenvolvidas onde êle (56) Nações Unidas, National Income and its Distributíon in Under-
é considerável até mesmo quando medido por êsse padrão. e, Developed Countries (1951), pág. 17.
grande, porém, como uma proporção da Renda Nacional. E (57) P. N. Rosenstein-Rodan, "The Industrialization of Eastern and
se não é suficientemente grande para provocar fortes incrementos outh-Eastern Europe", Economic Iournal (junho-setembro, 1943); K.
Mandelbaum, The Industrialization oj Backward Areas (Oxford, 1945),
absolutos do produto social dêsses países, êle pelo menos o é para
\l IJ. 34.

308 309
suntuário da classe capitalista, (58) é usado para acrescer as quan- dos, durante seus cinco anos mais prósperos, que atingiu volume
tias já entesouradas tanto no país quanto no exterior, para manter superior ao dôbro de seu capital e ... mais de um quarto do grupo
vasta e improdutiva burocracia e uma fôrça militar, ainda mais recuperou inteiramente seu capital em um único ano ou menos; 3)
dispendiosa e não menos dispensável. (59) Grande parcela dêsse os dividendos correspondentes ao período 1945-1950 sugerem que
excedente - parcela cuja magnitude se conhece mais do que outras a época dos lucros espetaculares ainda não terminou".
- é apropriada pelo capital estrangeiro. É do conhecimento geral O confronto entre os dividendos pagos por (I) emprêsas ho-
que os lucros das emprêsas estrangeiras nos países subdesenvolvidos landesas operando na própria Holanda e os pagos por (11) emprê-
são muito grandes; na realidade são muito maiores que as respec- sas dessa nacionalidade operando nas índias Orientais Holandesas,
tivas remessas' para o exterior. Estudo de grande interêsse, recente- principalmente através de subsidiárias ou filiais, não' é menos su-
mente publicado, oferece excelente levantamento dos lucros aufe- gestivo, como o demonstra a tabela seguinte: (61)
ridos por emprêsas britânicas que operam nos países subdesenvol-
vidos. (60) O material aí reunido é pródigo em exemplos de fir- Dividendos pagos por Dividendos pagos por
mas que obtêm por períodos superiores a 40 anos lucros médios Ano Emprêsas do Grupo I Emprêsas do Grupo II
anuais da ordem de 50% e mais. O trabalho em questão conclui % %
que "os fatos aqui apresentados podem ser resumidos em poucas
palavras: 1) dentre mais de 120 companhias cujos registros de
i , ,
1922 4,8 10
dividendos figuram em diversas tabelas anexas, somente 10 não 1923 4,2 15,7
conseguiram obter, durante uma ou mais décadas, a média anual de 1924 4,5 22,5
lucros superiores a 10% do valor nominal de suas ações ordinárias, 1925 5 27,1
enquanto somente 17, durante os seus cinco anos mais prósperos, 1926 5,2 25,3
deixaram de pagar um total de dividendos que equivale, pelo menos, 1927 5,6 24,8
ao seu capital; 2) 70 companhias distribuíram um total de dividen- 1928 5,6 22,2
1929 5,4 16,3
1930 4,9 7,1
(58) ltste é um fenômeno bem diferente daquele "aumento da ten- 1931 2,2 3
são, impaciência e desassossêgo, que determina um movimento ascensío- 1932 2,1 2,5
nal da função-consumo e que age como empecilho à poupança" que o
1933 2,2 2,7
Professor Nurkse atribuiu à ação do "efeito-demonstração" dos padrões
de vida mais altos dos países adiantados. Diante da espantosa subnutrí- 1934 2,1 3,3
ção em que vive a grande maioria da população dos países subdesen- 1935 2 3,9
volvidos, e do desperdício e das extravagâncias de sua classe capitalista, 1936 3,3 6,7
visíveis a ôlho nu, não deixa de ser ridículo "hesitar" - como o faz o 10,3
1937 4,5
Professor Nurkse - "em estabelecer qualquer distinção de classe a êsse
respeito" e falar de uma propensão "nacional" a consumir. Problems oi
Capital Formation in Under-Developed Countries (Oxford, 1953), págs.
65, 68 e 95.
Os investimentos belgas no Congo ensejaram, também, taxa
(59) As informações estatísticas compiladas e publicadas pelos go- de lucro consideràvelmente superior à auferida pelas emprêsas em
vernos dos países subdesenvolvidos são de tal natureza - o que não cons- operação na Bélgica. "Os lucros líquidos das emprêsas com ati-
titui surprêsa - que tornam extremamente difícil a determinação dêsses vidade principalmente no Congo representaram, em média, durante
valôres. O estudo do Dr. Oshima, referido acima, tenta - pela pri-
meira vez, segundo o meu conhecimento - suprir, ainda que parcialmen-
te, esta lacuna para os países cujos dados podem ser reunidos e com-
parados. (61) J. Tinbergen e J. J. J. Dalmulder in De Nederlandsche Kon-
(60) J. F. Rippy, "Background for 'Point Four: Samples of Prof- [unktuur (agôsto, 1939), pág. 122, citado por Erich Schiff em "Direct
itable British Investments in the Underdeveloped Countries", Iournal oi Investments, Terms of Trade and Balance of Payments", Quarterly I our-
Business o] the University of Chicago (abril, 1953). nal oi Economics (fevereiro, 1942), pág. 310.

310 311
o período 1947-1951, 16,2% do capital mais reservas eI9~om- No império colonial britânico, a situação não pode ser quali-
paração com a média de 7,2 % registrada pelas emprêsas operando ficada se não de ultrajante, comparável apenas, talvez, ao que acon-
na Bélgica". (62) tece ao excedente econômico dos países produtores de petróleo.
Os resultados não são diferentes quando comparamos os lucros A êstes territórios dependentes - cuja população tem inegàvel-
das emprêsas norte-americanas que operam em países subdesenvol- mente o mais baixo nível de renda por habitante de todo o mundo
vidos com a rentabilidade das inversões internas: (63) - tem sido atribuído, pelos "paternais" governos britânicos (tanto
trabalhistas como conservadores), o encargo de sustentar durante
Relação entre lucros e Relação entre lucros e todo o pós-guerra o padrão de vida incomparàvelmente mais ele-
Ano capital social- em países capital social nos vado da Grã-Bretanha. Entre os anos de 1945 e 1951, as colônias
subdesenvolvidos Estados Unidos foram forçadas, sob inúmeros pretextos, a acumular saldos não infe-
riores a 1 bilhão de libras em suas transações externas. Uma vez
1945 11,5 7,7 que os referidos saldos representam a diferença entre as receitas
obtidas no exterior pelas colônias e os seus pagamentos a outros
1946 14,3 9,1
países, aquêle quantitativo representa a exportação de capitais das
1947 18,1 12 colônias para a Grã-Bretanhal Nas palavras comedidas do autor
1948 19,8 13,8 da excelente monografia em que baseamos nossas observações aci-
ma, "o investimento (das colônias) de <f, 1 bilhão na Grã-Bre-
tanha não se coaduna com as idéias largamente difundidas sôbre
As remessas a título de lucros e dividendos do capital estran- a direção desejável do fluxo de capitais entre países de níveis
geiro absorvem, por isso mesmo, parcela considerável da receita diferentes de desenvolvimento econômico. Há uma crença genera-
cambial dos países subdesenvolvidos. Em 1949, por exemplo, as lizada de que a política colonial se tem distinguido por sua grande
remessas de rendas de capitais estrangeiros representaram 5 % da generosidade, do ponto de vista financeiro. Eram grandes as ne-
receita cambial da índia; 8,5% da Indonésia; 6,5% do Egito; cessidades das colônias, daí não restar ao contribuinte britânico
10% do México; 8,6% do Brasil; 17,1% do Chile; 17,7% da Bo- outra alternativa que não a de socorrê-Ias. Acredita-se que, desde
lívia; 34,3% da Rodésia do Norte; e 53,1 % do Irã, para mencio- o fim da guerra, o Reino Unido vem destinando somas vultosas
nar somente algumas das nações mais importantes. (64) de dinheiro ao auxílio das colônias. Um dos propósitos dêste tra-
balho é verificar a correção e a procedência dessas teses". (65)
Como salientamos anteriormente, a propósito de outra questão,
(62) Nações Unidas, The Intemational Flow o] Private Capital 1946-
a importância dos pagamentos externos dos países subdesenvolvidos
1952 (1954), pág. 26. para o seu desenvolvimento econômico não pode ser medida ade-
(63) H. J. Dernburg, "Prospects for Long-Term Foreign Investments", quadamente por qualquer proporção que tais pagamentos repre-
Harvard Business Review (julho, 1950), pág. 44. Um cálculo aproximado, sentem em relação à renda nacional dêsses países. A importância
com base em dados divulgados em "International Investments and Earn-
ings" (Survey oi Current Business, agôsto, 1955), de S. Pizer e F. Cutler, fundamental de tais transferências somente se torna clara quando
leva à conclusão de que essa diferença na taxa de lucros aumentou, de se compreende que proporção do excedente econômico das nações
maneira significativa, depois de 1949. pobres é removida para o exterior por êsse processo. Não é de
(64) D. Finch, "Investrnent Services of Underdeveloped Countries", estranhar, pois, que "muitos países subdesenvolvidos sintam que
International Monetary Fund, Staff Papers (setembro, 1951), pág. 84. No-
te-se, porém, que para alguns países essas percentagens foram sensível-
mente mais baixas em 1949 do que antes da Segunda Guerra Mundial,
por fôrça dos contrôles de câmbio instituídos por êsses países, e que im- (65) A. D. Hazlewood, "Colonial External Finance Since the War" ,
pediram a livre saída de lucros. É impossível dizer, porém, quanto dêsses Review oi Economic Studies (dezembro, 1953), págs. 49 e seguintes. A
fundos bloqueados será reinvestido nos países onde os mesmos foram ge- transcrição que aparece no texto de M. Hazlewood é extraída da publi-
rados e quanto será enviado para o exterior tão pronto cessem os men- cação oficial do Govêrno intitulada lntroducting the Colonies (1949).
cionados contrôles. pág. 58.

312 313
êste é um preço demasiado elevado a ser pago pelo capital estran- muita vez, por conta própria (ou, então, em íntima associação com
geiro" (66), particularmente quando se percebe quão modesta é outras organizações), os serviços de transporte de que necessitam.
a sua contribuição - se é que há alguma - ao crescimento econô- Em tais condições, o preço F. O. B. das matérias-primas exportadas
mico dos países que os acolhem. pelos países subdesenvolvidos é determinado à luz de numerosas e
Outra noção, também amplamente difundida, relacionada com complicadas considerações, pertinentes a diferenças nos sistemas
a concepção errônea de que a escassez de capital é o mais impor- tributários nacionais e nos acôrdos de royalties com os governos
tante fator limitativo do desenvolvimento econômico dos países locais, bem como a acôrdos financeiros entre emprêsas pertencentes
atrasados, é a de que a deterioração das relações de troca das áreas ao mesmo grupo, ficando os consórcios livres para atribuir seus
de produção primária tem comprometido seriamente o seu pro- lucros a uma ou outra de suas associadas e subsidiárias. Depen-
gresso econômico. (67) Conquanto não se possa negar que essa dendo do que fôr mais vantajoso em um dado momento, podem ser
tendência exista - embora tenham sido levantadas algumas dúvi- registra dos preços altos ou baixos (e lucros grandes ou pequenos)
das a respeito (68) - e não se possa igualmente negar a sua nos livros de contabilidade da emprêsa produtora e exportadora
importância para alguns países, o seu significado geral para o de- de matéria-prima, da firma que beneficia essa matéria-prima ou
senvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos é, porém, al- mesmo da companhia de navegação - tôdas elas controladas pelo
tamente questionável por dois motivos. Em primeiro lugar - e mesmo grupo financeiro. (60)
isto diz respeito a muitos países atrasados - pouco sentido se pode Isto nos leva ao outro aspecto da questão, mais importante
atribuir ao conceito "relações de troca". Já tivemos oportunidade ainda que o anterior. Para a maioria dos países subdesenvolvidos
de assinalar que as companhias de petróleo podem manipular seus exportadores de matérias-primas, especialmente para a maioria da-
lucros e, em conseqüência, o preço F. O. B. de seus produtos, com queles em que as atividades de produção e exportação são exer-
o objetivo de minimizar o montante de royalties devidos aos go- cidas por emprêsas estrangeiras, modificações nas relações de troca
vernos dos países onde operam. O que acontece com as emprêsas têm realmente pouco significado na medida em que essas variações
de petróleo não deixa, também, de ocorrer com outras emprêsas dependem mais de alterações dos preços das matérias-primas que
estrangeiras produtoras e exportadoras de matérias-primas. Muitos dos preços dos bens importados. É verdade que preços F. O. B.
dêsses consórcios são de grande porte, controlam as instalações de mais elevados para os produtos primários de exportação podem
beneficiamento - localizadas, quase sempre, no exterior - e os fortalecer um pouco o poder de barganha da mão-de-obra ou do
canais de comercialização de sua produção exportável, operam, pequeno produtor rural nativos, em seus negócios com a emprêsa
estrangeira produtora ou atacadista, da mesma maneira que preços
F. O. B. mais baixos provocam um declínio das atividades e au-
(66) Nações Unidas, Under-Developed Measures for the Economic mento de desemprêgo. Todavia, como afirmamos anteriormente,
Development o] Countries (1951), pág, 22.
a natureza das economias baseadas em matérias-primas é tal que sua
(67) "Os elementos estatísticos disponíveis indicam que entre a úl-
tima parte do século XIX e o início da Segunda Grande Guerra - um
oferta é, em sua maior parte, relativamente inelástica, e que varia-
período, portanto, de mais de meio século - verificou-se uma tendência ções de procura afetam principalmente o nível de preços e os lucros.
secular ao declínio dos preços dos produtos primários em relação aos Cabe sublinhar, uma vez mais, que a importância do montante de
preços dos bens manufaturados. Em média, urna dada quantidade de lucros para o bem-estar dos habitantes dos países subdesenvolvidos
produtos primários exportados pagaria, ao fim do período, apenas 60
por cento do valor dos bens manufaturados que poderia ter comprado no
ou para seu desenvolvimento econômico depende exclusivamente de
início do período". Nações Unidas, Relative Prices oi Exports and Imports
o] Under-Developed Countries (1949), pág. 7. H. W. Singer, deu grande
ênfase a êsse problema em seu artigo "The Distribution of Gains Between (69) A existência de contrôle de câmbio, por exemplo, constitui forte
Investing and Borrowing Countries", American Economic Review (maio,
estímulo à dissimulação dos lucros das firmas. que operam nos países sub-
1950), notadamente às páginas 447 e seguintes. desenvolvidos e à sua transferência em grande escala, pelos métodos apon-
(68) A. N. McLeod, "Trade and Investment in Underdeveloped Areas: tados, às matrizes dos consórcios em questão. 1l:ste comportamento, é
A Comment", American Economic Review (junho, 1951). Veja-se, tam- desnecessário dizer, pode dar origem a uma distorção das "relações de
bém, na mesma edição, "Reply" de H. W. Singer. troca" de um país como, por exemplo, a Guatemala.

314 315
quem se apropria dêsses lucros e do emprêgo que se Ihes dá. (70)
Uma diminuição nos lucros pode traduzir-se simplesmente em me- v
nores remessas para o exterior, o que significa aborrecimentos para
os acionistas estrangeiros ou mesmo dificuldades para os países O segundo corolário relaciona-se a outro conceito que tem
cujos balanços de pagamentos podem ser, por isso, afetados em sido também objeto de agressivo entusiasmo em trabalhos sôbre de-
sentido desfavorável. Tais acontecimentos, porém, podem não ter senvolvimento econômico, os quais nunca se cansam de explicar o
conseqüências maiores para a economia das regiões exportadoras atraso dos países subdesenvolvidos ou como o resultado da ação de
de matérias-primas. Por outro lado, um aumento dos lucros das "fôrças externas" ou através de um conjunto de reflexões reunidas
emprêsas dédicadas à produção de matérias-primas pode signifi- ao acaso, e aparentemente profundas, mas que, de fato, são extre-
car maiores remessas para o exterior, a título de dividendos, ou mamente superficiais. A essa última categoria pertence a lamen-
novas inversões na expansão da produção de matérias-primas - tação pela falta de "capacidade empresarial" ou de "espírito de
o que não tem, como já vimos, nenhuma importância especial para emprêsa" nos países subdesenvolvidos, a cuja existência abundante
as áreas subdesenvolvidas. De fato, uma vez que um aumento de se deve creditar o progresso econômico dos países capitalistas oci-
preços de matérias-primas e os correspondentes lucros das emprê- dentais. Inspirados pelo trabalho de Weber e Schumpeter - auto-
sas produtoras conduzem, usualmente, a maiores pagamentos ao res que, note-se, devem ser sempre colocados em plano muitíssimo
capital estrangeiro, os melhores preços de exportação não corres- superior aos dêsses seus "discípulos" - os economistas identifica-
pondem a uma ampliação da capacidade dos países subdesenvol- dos com êsse ponto de vista destacam e dão ênfase ao papel cru-
vidos para importar mercadorias estrangeiras mas, sim, a uma ex- cial desempenhado pelo "empresário inovador" na promoção do
pansão das exportações que não têm contrapartida. Nas palavras desenvolvimento econômico. É por isso que o Professor Yale Brozen
do Dr. Schiff, que foi o primeiro, no meu entender, a chamar a sustenta que "o progresso tecnológico, isto é, o desenvolvimento
atenção para êsse assunto: "O fato de que, em conseqüência de e o uso de técnicas que promoverão o aumento da produtividade
um aumento das exportações e, portanto, dos lucros brutos e lí- e o crescimento da renda, requer empresários inovadores postos em
quidos das emprêsas, recursos adicionais deixarem o país signi- xeque ou espicaçados pelo livre jôgo das fôrças de um mercado
fica que o mundo exterior, mediante o simples aumento da pro- livre". (73) O Professor Moses Abramovitz afirma, por sua vez,
cura de artigos importados dêsse país, obtém parte dos meios que que "a razão da existência de diferenças do nível de investimentos
necessita para pagar as mercadorias adicionais que adquiriu. Dei-
xa, dêsse modo de enviar ao país exportador bens e serviços equi-
valentes à quantidade adicional de mercadorias que comprou. Até há também ampla evidência de que o sensível aumento dos preços de ma-
certo ponto, o sistema é autofinanciável". (71) Se êsses maiores térias-primas e produtos alimentares produzidos e exportados por países
lucros não são apropriados pelas grandes emprêsas estrangeiras, da América Latina, no período do pós-guerra, teve pouco efeito sôbre o
nível de vida de sua população ou sôbre o ritmo de seu desenvolvimento
mas dêles se apossam exportadores e atacadistas nativos, o em- econômico. Deve-se ter em mente, a propósito, que as estatísticas de renda
prêgo que êstes vierem a dar à parcela excedente de lucros é que nacional são inexpressivas a êsse respeito, pois um aumento dos preços
dirá que papel a melhoria das relações de troca desempenha na das matérias-primas exportadas aparecerá sob a forma de um aumento
vida econômica do país exportador. (72) da renda nacional, sem que se permita identificar a quem pertence êsse
aumento, se à população trabalhadora, sob a forma de um aumento de
salários, ou se às ernprêsas estrangeiras, como um acréscimo de seus lu-
cros. É por isso que a Venezuela - a julgar pelas estimativas oficiais
(70) H. Myint em seu importante trabalho "The Gains from Inter- de renda nacional - tem uma renda por habitante da mesma ordem
national Trade and the Backward Countries", Review oj Economic Studies que, por exemplo, a da França, da Holanda ou da Bélgica! Cf. Nações
(1954-1955), n.? 58, págs, 129 e seguintes, chama a atenção para êsse fato,
Unidas, National Income and its Distributions in Under-Developed Coun-
te bem o examine sob ângulo diferente. tries (1951), pág. 3.
(71) "Direct Investments, Terms of Trade, and Balance of Payments",
Quarterly Iournal ot Economics (fevereiro, 1952), pág. 310. (73) "Entrepreneurship and Technological Change", em H. F. Williamson
(72) Da mesma maneira que as modificações no preço do petróleo e J. A. Buttrick, Economic Development, Principies and Patterns (Nova
podem ser apenas acompanhadas pelos povos da Arábia Saudita e do Irã, York, 1954), pág. 224.

316 317
entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre economias pobreza, e transformam a teoria do empreendimento - que tem im-
adiantadas e entre diferentes estágios do progresso de um mesmo portância estratégica - em algo destituído de valor. O estudioso
país, é explicada em grande parte pelo tamanho, energia e liber- da história empresarial, agora tão em moda, "ao lidar com uma
dade de ação da classe empresarial ou dos homens de negócios". (14.) relação econômica, cuja gênese histórica desconhece, naturalmente
Já o Professor Arthur Cole é levado a proclamar que "estudar o considera cômodo explicar o seu aparecimento em têrmos de uma
'empreendedor' é estudar o personagem central da história econô- Filosofia da História e apela para a mitologia: Adão e Prometeu
mica moderna ... a figura central da Economia", (75) tiveram por acaso, essa idéia, pronta e acabada, razão por que a
A dificuldade com que defronta a teoria que se apóia nessa lançaram, etc. Nada é mais árido e cansativo que êsse locus com-
"figura central" é que ou ela se reduz a mera tautologia ou sua munis fantasioso". (76)
substância é simplesmente fala ciosa. Se se interpreta de acôrdo Como a literatura que atribui o atraso econormco à oferta
com a primeira dessas duas hipóteses - a mais generosa delas - inadequada dêsse "fator de produção" não tenha nem mesmo uma
a doutrina se reduz à descoberta de que sem o capitalismo indus- interpretação histórica e sociológica da alegada insuficiência de
trial não pode haver industriais capitalistas e vice-versa, o que é, capacidade empresarial, poder-se-ia supor que o objetivo visado
de fato, uma proposição correta, embora despida de qualquer in- por êstes autores não é tanto a formulação de uma teoria geral
terêsse. Em tôdas as partes do mundo e em tôdas as fases da His- do desenvolvimento mas o registro de um fenômeno específico,
tória da humanidade surgiram sempre homens ambiciosos, cruéis observável nos países subdesenvolvidos. Este fenômeno seria cons-
e empreendedores, que tiveram oportunidade e vontade de "ino- tituído, provàvelmente, pela ausência entre os habitantes das regiões
var", de tomar a dianteira, de conquistar o poder e de exercer sua atrasadas, dos traços de caráter que distinguem o empresário, e
autoridade. Em algumas épocas essa elite forneceu os chefes de isto devido a peculiaridades biológicas e psíquicas características dos
tribo, em outras os cavaleiros, os cortesãos e os dignitários ecle- povos das nações subdesenvolvidas. Tal explicação tem tom e im-
siásticos, enquanto em certo período do processo histórico ela plicações racistas que, provàvelmente, não são percebidos nem
produziu os príncipes-mercadores, os aventureiros, os exploradores pelos apologistas mais entusiastas do que freqüentem ente se pre-
e os pioneiros da Ciência. Finalmente, durante a etapa mais re- tende apresentar como um patrimônio particular dos povos anglo-
cente do desenvolvimento histórico - a era do capitalismo moder- saxões - o homem de emprêsa audacioso, imaginoso e de hábitos
no - aparece em cena o empresário capitalista, que organiza a e costumes morigerados. Não precisamos perder tempo em re-
produção industrial ou que domina a arte das finanças, objetivando futá-Ia, pela simples razão de que escassez de talento empresarial
concentrar e colocar sob seu contrôle imensas quantidades de ca- existe tão-somente nas investigações realizadas no Ocidente sôbre
pital. Deveria parecer óbvio que não é o súbito aparecimento de as causas do desenvolvimento econômico. Na verdade, para dizê-lo
homens de gênio que os teóricos do "empreendimento" têm que ex- clara e honestamente, o que há é abundância, se não mesmo supe-
plicar - tais indivíduos sempre existiram! - mas sim o fato de que rabundância, de capacidade empresarial nos países subdesenvolvidos.
êsses homens em certo momento histórico passaram a empregar o Tanto faz olharmos para a índia, como para o Oriente Próximo,
seu "gênio" com o objetivo de acumular capital e descobriram para a América Latina como para os países atrasados da Europa
que a melhor maneira de fazê-lo era investindo em emprêsas in- (a Grécia e Portugal, por exemplo) que encontraremos todos êles
dustriais. Falhando nesse mister e invocando, ao invés disso, um superpovoados de empresários audaciosos, calculistas e imaginosos,
deus ex machina, os teóricos em tela oferecem uma "explicação" empenhados na "combinação de fatôres" que lhes seja mais van-
que não difere muito daquela que atribui a miséria à existência da tajosa e determinados a maximizar seus lucros dentro da estrutura
e gama de oportunidades que lhes são oferecidas pelo meio onde
vivem. O problema da capacidade empresarial nos países subde-
(74) "Economics of Growth", em B. F. Haley (ed.), A Survey o]
Contemporary Economics (Homewood, Illinois, 1952), voI. lI, pág. 158.
(75) "An Approach to the Study of Entrepreneurship", em F. C.
Lane e J. C. Ríemersma, Enterprise and Secular Change (Homewaod, Illinois, (76) Marx, Grundrisse der Kritik: der Politischen Oekonomie (Rohent-
1953), pág. 187. wurf) (Berlirn, 1953), pág, 6.

318 319
senvolvidos assemelha-se muito ao problema do excedente econô- e como grande obstáculo ao rápido crescimento da renda per ca_f
mico. :B1e não consiste tanto na inadequação de sua oferta como pita o acelerado e contínuo aumento populacional, resultante de
no uso que é dado à capacidade disponível, em um dado contexto uma alta e sempre crescente taxa de natalidade e de um declínio
econômico e social. Eis as palavras de eminente observador: "Con- na taxa de mortalidade, devido à melhoria das condições sanitárias.
quanto não falte ao sudoeste asiático uma classe empresarial, os As nuvens ameaçadoras do perigo malthusiano pairam, assim, sê}-
empreendimentos tendem a concentrar-se nas atividades comerciais, bre os povos das regiões atrasadas. A sua única esperança resid6
no comércio de exportação e importação, na especulação imobiliá- na rapidez com que se adotem medidas mais ou menos drásticas,
ria e na agiotagem". (17) O mesmo se poderia dizer de grande capazes de refrear a expansão de suas populações. Muitos econo
parte do mundo subdesenvolvido. (18) cistas expressam êsse profundo pessimismo em linguagem comedi I
da e apropriada a trabalhos acadêmicos: "Se não se puder r
duzir a taxa de natalidade, de modo a ajustá-Ia melhor ao declí d
nio previsto da taxa de mortalidade, não deixará de haver apena
VI
crescimento da renda por habitante; poderá ocorrer mesmo uma
diminuição desta". (79) Escritores populares, dirigindo-se a públi-
Todavia;<-i~omo diz um ditado russo: êstes são apenas os bo- cos maiores e menos selecionados, empregam uma linguagem mais
tões, os frutos ainda não nasceram. Realmente, é nas teorias sôbre viva e colorida: "Nunca, em outras épocas da História da huma-
população, que ocupam lugar de destaque na literatura moderna nidade", escreve um dos de maior sucesso, "tantas centenas de mi-
) sôbre os países subdesenvolvidos, que a Ciência Social burguesa Ihões de indivíduos encontraram-se à beira do precipício". Deve-se
realiza o seu esfôrço supremo de atribuir o atraso e a estagnação isto, esclarece êsse autor, ao fato de "duas curvas - a da popu-
da maior parte do mundo capitalista a fatôres que podem ser lação e a dos meios de subsistência - se terem cruzado e tende-
eonsiderados independentes da ordem econômica e social vigente. rem a se afastar uma da outra, cada vez com maior rapidez. Quan-
Aqui, a desesperança constitui a ordem do dia e sombrias são to mais distante se encontrarem, tanto mais difícil será a tarefa
as previsões sôbre as possibilidades de melhoria da sorte de mi- de reaproximá-las". (80) Outro autor, cujo livro é adornado por
\ lhões e milhões de pessoas que habitam essas regiões. Considera- um prefácio de Julian Huxley, adverte, sem piedade, que "chega-
rá o dia em que o inevitável acontecerá e a população mundial
será grande demais para a quantidade de alimentos produzida". (81)
(77) E. S. Mason, Promoting Economic Development (Claremont, Ca- Realmente, se não se puser fim à "copulação desenfreada" entre
Iifórnia, 1955), pág. 46.
"milhões de sêres de alta fertilidade", nada se poderá fazer em
(78) O problema pode ser pôsto em têrrnos bastante claros toman-
benefício do mundo subdesenvolvido: "se não se puder interrom-
do-se o exemplo de Portugal. Nesse país, "há uma grande classe de pes-
soas com fortunas vultosas que demonstra uma marcada preferência por per o crescimento demográfico, podemos abandonar a luta". (82)
conservá-Ias líquidas ou para aplicá-Ias na aquisição de terras... Alguns
É óbvio que o "nós", neste contexto, é mera figura de retó-
dêsses indivíduos revelam atividade e dinamismo apenas quando têm de
combater qualquer tentativa de outra firma portuguêsa, mais vigorosa, de rica; aquêles que podem "abandonar a luta" não somos "nós", mas
penetrar no campo de produção que êles procuram monopolizar" ("Por- as massas famintas, doentes e desesperadas dos países atrasados.
tugal", The Economist, 17 de abril de 1954). Pode-se afirmar, com segu- Elas "bem que poderiam" livrar-se dêsse "modo de pensar. .. que
rança, que, uma vez postos em "atividade", êsses elementos demonstrarão
tôda a sua capacidade empresarial que foi o que Ihes permitiu, em pri-
meiro lugar, formar suas vultosas fortunas e conquistar suas posições mo-
nopolísticas. É nessas situações de monopólio, bem como em tôdas as (79) E. S. Mason, Promoting Economic Development (Claremont, Ca-
outras relações já discutidas, que se pode encontrar uma explicação para lifórnia, 1955), pág. 53.
a ausência ou lentidão do crescimento industrial nos países subdesenvol- (80) W. Vogt, Road to Survival (Nova York, 1948), págs. 265 e 267.
vidos, ao invés de tentar explicá-Ia mediante estéreis especulações sôbre 1!:ste livro foi honrado com uma introdução de Bernard M. Baruch.
"letargia inerente", "preferência pela manutenção de emprêsas cujo capital (81) R. C. Cook, Human Fertility : the Modern Dilemma (Nova
está todo nas mãos de uma família", e "falta de espírito de emprêsa", York, 1951), pág, 322.
que, segundo alguns, são falhas típicas dos capitalistas dos países atrasados. (82) Vogt, op. cit., pág. 279.

320 321
leva a redigir e aceitar documentos como o Manifesto Comunista
e a Carta do Atlântico. Ele engana o homem, ao buscar soluções Densidade D nsldatl»
políticas (ou) econômicas para problemas que são políticos, eco- Países "pobres" demográ- demoprâ-
Países "ricos"
nômicos, sociais, geográficos, psicológicos, genéticos, fisiológicos, fica fica
etc." Embora esta estarrecedora lista de fatôres responsáveis pelo
presente estado de coisas presumívelmente sirva para indicar em
quantos assuntos os povos dos países subdesenvolvidos devem me- Surinam
ditar ante de dizerem - e principalmente de fazerem - qualquer
(índias Ocidentais
coisa sôbre a miséria reinante, a verdade é que todo êsse profun-
Holandesas) 4 Bélgica 800
do pensamento não conduz realmente a nada. E isto porque "nos-
sa educação terá que ser remodelada, para levar em conta a nos- Bolívia 10 Inglaterra e Gales 750
sa existência em um ambiente tão completamente sujeito a leis
físicas como uma bola que deixamos escapar das mãos". (83) Congo Belga 13 Grã-Bretanha 500
Conquanto seja sempre "mais conveniente e muito mais de Colômbia 26 Holanda 610
acôrdo com os interêsses da classe dominante... explicar... a
superpopulação mediante recursos a leis eternas da Natureza, ao Irã, Iraque 30 Itália 400
invés de explicá-Ia recorrendo-se às leis históricas da produção ca- Filipinas 175 França 200
pitalista", (84) esta "explicação" tem hoje tanto de científica quan-
to o tinha a de Malthus, pois os fatos científicos pertinentes à índia 250 Escócia 170
questão são bem diferentes daquilo em que os neomalthusianos
Martinica
gostariam que acreditássemos. Convém mencioná-Ios, ainda que de
maneira resumida. Em primeiro lugar, não é verdade que padrões (índias Ocidentais
de vida miseráveis, fome e epidemias constituam fenômenos neces- Francesas) 615 Espanha 140
sàriamente associados a populações densas ou a populações que
apresentam elevadas taxas de crescimento. O quadro seguinte, pre-
parado pelo Professor Grundfest, compara densidades demográfi- "Esses números", observa aquêle professor, "levam-nos a uma
cas (em números redondos) em alguns países "pobres" (subde- série de conclusões: a) certos países são pobres independentemente
senvolvidos) e "ricos" (desenvolvidos): de suas respectivas densidades populacionais e a despeito de pos-
suírem ricos recursos agrícolas e (ou) minerais; b) as colônias
podem ter população muito menos densa que" os países a que per-
tecem, assim como recursos naturais muito mais ricos e abundan-
tes (por exemplo, o Surinam e o Congo Belga) e, apesar disso,
serem muito mais pobres; c) não há correlação entre densidade
demo gráfica e padrão de vida nos países ricos, os quais, a êste
último respeito, colocam-se na seguinte ordem decrescente: In-
glaterra, Escócia, França, Países-Baixos, Itália e (bastante atrás)
a menos povoada Espanha; d) há, entretanto, correlação direta
entre padrões de vida, ordenados em escala decrescente, e grau de
industrialização ... ; e) todos os países pobres têm, também, uma
característica em comum: êles são industrialmente subdesenvolvi-
(83) Ibid, págs. 53 e 286 (grifo nosso.). dos, limitando-se a utilização de seus recursos à atividade extrati-
(84) Marx, Capital, (ed. Kerr) , vol. I, pág. 580 n. va, cuja produção é destinada ao mercado mundial (capitalis-

322 323
ta)". (85) As duas últimas conclusões - de acôrdo com as quais Se a tese segundo a qual a pobreza de um país promana da
o grau de industrialização constitui o determinante principal do pressão populacional nada mais é que uma deformação grosseira
nível de renda por habitante, ao invés da densidade demográfica da realidade, não é menos irreal atribuir essa pobreza à impossi-
- encontram inteiro apoio na correlação existente entre energia bilidade "física" de produzir alimentos em quantidades suficientes
consumida e produto nacional, (86) evidenciado pelo quadro se- para manter uma população crescente. (87) O absurdo desta pro-
guinte: posição é óbvio, quer consideremos o problema na sua exata di-
mensão temporal, quer sigamos os profetas da desgraça e da ruí-
Consumo de energia na em seu cálculos de ficção científica relativos aos anos 2100
por habitante Renda nacional ou 2200. A resposta ao primeiro ponto pode ser encontrada na
País (equivalência em mi- por habitante excelente monografia de autoria do Dr, C. Taeuber, Chefe do De-
lhões de toneladas (em US$) partamento de Estatística da FAO. São estas as conclusões a que
de carvão) chegaram os pesquisadores que se dedicaram ao exame do proble-
4 __ ·
ma: "B, possível colocar em produção cêrca de um bilhão de acres
de terras nas zonas tropicais e aproximadamente 300 milhões de
Estados Unidos 16.100 1. 810 acres fora dos trópicos. Admitindo-se para as terras tropicais um
Canadá 15.600 970 rendimento por unidade de área cultivada equivalente ao rendi-
Grã-Bretanha 9.500 954 mento já alcançado na Finlândia para as terras não-tropicais, e
Bélgica somando-se à produção assim estimada aquela que se considera
7.770 582
possível obter nas terras que são cultivadas atualmente, chega-se
Suécia 7.175 780 à conclusão de que a produção agrícola resultante possibilitaria
Alemanha uma oferta mais do que adequada de todos os tipos de alimentos
(Ocidental) 5.785 604 e corresponderia a mais do dôbro das necessidades de cereais, raí-
França 4.755 764 zes e tubérculos, açúcar, gorduras e óleos. O total 'obtenível' nessas
Suíça 4.685 849
J condições equivaleria a mais do que dobrar os objetivos usados em
nosso cálculos". (88) Colin Clark vai ainda mais longe. Acredita
Polônia 4.600 300
êste autor que, independentemente de novas terras que poderiam
Hungria 2.155 269
Japão 1.670 100
Itália 1.385 394 rias no que respeita à renda. As cifras relativas à Grã-Bretanha, França,
Alemanha e Itália baseiam-se em estudos de preços relativos, enquanto as
Portugal 570 250 outras foram convertidas em dólares com o ernprêgo das taxas oficiais
Turquia 570 125 de câmbio adotadas pelos respectivos países, Apesar disso, dão uma idéia,
ainda que aproximada, das posições relativas de cada um dos países con-
índia 155 57 siderados.
Birmânia 45 36 (87) Não é de estranhar, pois, que um documento publicado por
uma organização como a Fundação Rockefeller (Public Health and Demo-
graphy in lhe Far East, 1950), anuncie que "cedo ou tarde a crescente
pressão da população sôbre as disponibilidades de alimentos restabelecerá
o predomínio da morte, seja pelo enfraquecimento geral da população,
(85) "Malthusiasm", Monthly Rewiew (dezembro, 1951), pág. 251. seja pela fome e a peste", enquanto R. C. Cook pergunta dramàticamente:
(86) Os dados referem-se a 1950 e foram obtidos em America's Needs "Mesmo se a ciência pudesse encontrar um meio de extrair pão e carne
and Resources (Nova York, 1955), pág. 1.099, de J. F. Dewhurst e cola- da água do mar, poderia tal multidão ser alimentada?" - Human Ferti-
boradores, e em An Lnternational Comparison oj National Products and lity ; lhe Modern Dilemma (Nova York, 1951), pág, 323.
the Purchasing Power oj Currencies (Paris, s. d.) , pág, 30, de M. Gilbert (88) "Utilization of Human Resources in Agrículture", The Milbank
e I. B. Kravis. É desnecessário assinalar que as estimativas são precá- Memorial Fund Quarterly (janeiro, 1950), pág. 74.

324 325
ser incorporadas à agricultura, poder-se-ia produzir o bastante atra- mitado, mas é suficiente para sustentar todos aquêles que nêle de-
vés da administração científica das terras já em exploração: "Po- vem viver. Em outras palavras, os sêres humanos alcançaram um
de-se prever que a população mundial cresça à taxa de 1% ao estágio de desenvolvimento tecnológico tal que, com os recursos
ano, enquanto o progresso da tecnologia agrícola poderá aumen- existentes, podem prover não apenas a sua subsistência mas a
tar a produção homem-ano à razão anual de 1,5 % (ou 2 % ao abundância". (91)
ano em alguns países). Qualquer pessimismo malthusiano mais pro- Não tem sentido, pois, falar-se de "superpopulação" em têrmos
fundo está fadado ao inteiro descrédito: o progresso científico, por gerais - e esta é a terceira grande falácia tanto do antigo quanto
si só, será capaz de fazer face ao crescimento da população do nôvo malthusianismo. A fim de que o vocábulo "superpopula-
mundial". (89) ção" tenha algum significado é imprescindível que se defina, de
Quando deparamos com cálculos "à Júlio Verne" realizados forma inequívoca, em relação a que se considera excessiva a po-
pelos neomalthusianos, tudo o que necessitávamos dizer já se en- pulação. Uma vez feito isso, constata-se que há poucos lugares
contra expresso de maneira admirável na lúcida monografia do - se é que há algum - que podem ser apontados como sofrendo
Professor M. K. Bennett, Diretor do Instituto de Pesquisas sôbre dos males de superpopulação em -relação aos recursos naturais de
Alimentação, da Universidade de Stanford: "Ninguém deveria im- que dispõem. É evidente que não se pode estender o conceito a
pressionar-se com cálculos sôbre razões terra/homem, que mos- todo o mundo, com base no que ocorre nessas regiões. A super-
trarão com perfeição aritmética que se a população mundial con- população que existe no presente estágio de desenvolvimento histó-
tinuar aumentando à taxa atual de um por cento ao ano poder-se-á rico é superpopulação não em relação a recursos naturais, mas
identificar um ano no futuro em que se disporia. de apenas uma sim em relação a instalações e equipamentos produtivos. Nas pa-
polegada quadrada de superfície terrestre por pessoa. Isso é, evi- lavras penetrantes de Engels: "a pressão da população não é sôbre
dentemente, um simples exercício aritmético. Trata-se, porém, de os meios de subsistência, mas sôbre os meios de trabalho". (92)
um exercício completamente estéril... Pode-se esperar que a so- A oferta dos "meios de trabalho" necessários não constitui,
ciedade seja levada a agir de maneira a contrariar o cálculo aritmé- porém, fenômeno natural, mas sim um fenômeno social, que só
tico impecável. E a sociedade tem êsse poder. A aritmética per se
pode ser compreendido e tratado como tal. Como mostramos an-
não possui nenhum elemento profético, nenhum elemento de com-
teriormente, a diferença entre o excedente econômico efetivo, in-
pulsoriedade. Igualmente estéreis e desinteressantes. são todos os es- vestido na expansão da riqueza produtiva da espécie humana, de
forços que se fazem para calcular quantas pessoas poderiam ser, um lado, e o excedente econômico potencial, que poderia ser usa-
em última análise, alimentadas pela utilização de tôda a superfí- do com êsse propósito em uma sociedade racionalmente organiza-
cie terrestre. .. Apesar disso, pesquisadores sérios procuram, hoje da, de outro, tem-se tornado tão grande - tanto nos países adian-
em dia, aplicar tôda a sua capacidade e todo o seu instrumental tados como nos países subdesenvolvidos - que se poderia obter
analítico no estudo de partes do mundo ao invés de estudá-lo em enorme expansão do aparelho produtivo de qualquer país, em tem-
seu todo; no estudo da História e de tendências observadas; em po relativamente curto. (93) Como disse o Dr. Taeuber, "dado
adivinhações e especulações sôbre o que nos reservam os séculos
vindouros e a eternidade, ao invés de concentrarem-se em um prog-
nóstico para as próximas décadas". (90) Ou, então, como um pro- (91) R. Brittain, Let There Be Bread (Nova York, 1952), pág. 223.
fessor universitário britânico conclui sua instrutiva "investigação John Boyd Orr diz na introdução a êsse fascinante trabalho: ":1l:ste livro
sôbre a capacidade produtiva do homem": "Este planêta não é ili- dá o mais completo balanço que já vi do que se pode fazer com a ciên-
cia moderna para criar um mundo de abundância". ~le deveria ser lido
por todo aquêle que não está completamente imunizado contra. o baci-
10 neomalthusiano.
(89) "The World's Capacity to Feed and Clothe Itself", Way Ahead (92) Carta a F. A. Lange, 29 de março de 1865, em Marx e Engels,
(Haia, 1949), vol. Il, n.? 2, citado em Geografia da Fome, de Josué Selecteâ Correspondence (Nova York, 1934), pág. 198.
de Castro. (93) Cabe notar que, mesmo pelos padrões da teoria econômica bur-
(90) Population, Food and Economic Progress, Rice Institute Pam- guesa, deixaram de ter conteúdo na era do capitalismo monopolista e do
phlet (julho, 1952), pág, 58. imperialismo conceitos como "escassez de recursos" e "escassez de capí-

326 327
)

êsse conhecimento, o problema... que subsiste é o de saber se aproximadamente 22,5 % da renda nacional da índia é gasta na
serão feitas as necessárias modificações nas instituições econômi- manutenção de crianças que morrem antes de alcançarem a idade
cas, sociais e políticas capazes de propiciar as melhorias que já de 15 anos, sem terem tido, pois, a oportunidade de uma vida
se encontram ao alcance da sociedade". (91) produtiva. (97).
Dêste modo, "o que é muitas vêzes chamado de corrida entre Não se pode, porém, ir ao extremo de negar, como algo
a população e as disponibilidades de alimentos poderia ser inter- "inconcebível", a possibilidade de ocorrência de escassez de alimen-
pretado mais corretamente como uma corrida - se é que ela tos ou de outros produtos indispensáveis à sobrevivência da raça
existe de fato - entre a população e o desenvolvimento econô- humana, após se terem criado condições propícias ao progresso
mico", (95) isto porque o desenvolvimento econômico., e somente econômico rápido e racional, após os seus efeitos se terem feito
êste, pode resolver ambos os aspectos do chamado problema da sentir sôbre as taxas de natalidade e mortalidade, e depois de
superpopulação. file aumenta a oferta de alimentos e, ao mesmo terem sido esgotadas tôdas as possibilidades de utilização cientifíca
tempo, diminui o ritmo de crescimento demográfico. Para usar dos recursos terrestres. Bsse perigo, no presente estágio de evolu-
uma vez mais as palavras do Professor Bennett, "creio que se pode ção histórica, não representa mais que pequena pedra no leito de
afirmar, com segurança, que, com níveis crescentes de consumo, a ampla estrada, o que permite a qualquer um juntar-se ao Professor
tendência a longo prazo é para uma queda na taxa de natalidade Bennett e "confessar completa falta de interêsse" pelo problema.
- os casamentos são contraídos com mais idade, o tamanho das Engels assinalou na carta que escreveu a F. A. Lange, à qual fize-
famílias tende a ser limitado como resultado de maior preocupação mos referência, que se "a ciência... fôr... finalmente aplicada
com o futuro e da adoção de medidas anticoncepcionais. Quando em grande escala à agricultura e com a mesma consistência com
o padrão de consumo alcança um nível suficientemente elevado, a que a empregada na indústria" e se tôdas "as regiões [não utili-
taxa de natalidade tende a estabilizar-se". (96) Acrescente-se, ain- zadas ou subutilizadas] tiverem sido cultivadas e, após tudo isso,
da, que o desenvolvimento econômico, pelo aperfeiçoamento dos sobreviver uma escassez de alimentos, terá, então, chegado o tem-
serviços médicos e pela difusão de medidas profiláticas, tende a po de dizer caveant consules",
reduzir de maneira substancial a taxa de mortalidade - sem
É extremamente necessário, na verdade, fazer soar o alarma
dúvida, a mais salutar e a mais urgente necessidade de todo o
mas não porque leis eternas da Natureza tornem impossível
mundo, particularmente dos países atrasados. Uma redução da taxa
de mortalidade não significa apenas elevação nos padrões de saú- alimentar a população mundial. O alarma deve ser dado porque
de, de vitalidade e de eficiência da população, mas também - e o sistema econômico e social do capitalismo e do imperialismo
êste efeito é especialmente importante - declínio da mortalidade condena milhões e milhões de sêres humanos à fome, à degradação
e à morte prematura. O alarma deve ser dado porque é o siste-
infantil. A importância estritamente econômica desta última con-
ma econômico e social do capitalismo e do imperialismo que se
seqüência pode ser apreendida, com rapidez, considerando-se que
opõe à' completa mobilização, urgentemente necessária, do exceden-
te econômico potencial e à obtenção de taxas elevadas de cresci-
mento econômico que êsse mesmo excedente pode permitir. Como já
tal", que tiveram um significado real durante a juventude competrtiva do .
capitalismo, ou melhor, na época em que o regime capitalista representa-
vimos, o excedente econômico potencial situa-se, na maioria dos
va um progresso em relação à fase precedente de domínio feudal. J::sses países subdesenvolvidos, ao redor (ou acima) de 20% de suas
conceitos são tão sem sentido quanto a noção de "distribuição ótima de respectivas rendas nacionais. O investimento produtivo de recur-
recursos" sob condições de subemprêgo e desperdício. Servem apenas para sos dessa ordem produziria incrementos anuais da renda nacio-
perpetuar a mistificação ideológica, que atribui "superpopulação", atraso e

f
miséria e inexoráveis e eternas leis da Natureza, a "relações econômicas
imutáveis", ao invés de explicá-Ios como fruto exclusivo da irracionalida-
de da ordem econômica e social do capitalismo e do imperialismo. (97) D. Ghosh, Pressure 01 Population and Economic Ejiiciency in
(94) Op, cit., pág, 83. (
lndia (Nova York, 1946), pág, 22, citado por J. J. Spengler em "The Pop-
(95) Bennett, op, cit., pág, 27. ulation ObstacIe to Economic Betterment", American Economic Review
(96) lbid, pág. 54. (maio, 1951), pág. 351.

328 329
nal de 7 a 8% e (freqüentemente mais) onde quer que se pu- óbvio que o primeiro objetivo do programa médico-sanitário não
dessem admitir relações capital-produto razoáveis. (98) Os incre- pode ser simplesmente o de salvar vidas. Ao contrário, êle deve
mentos de renda hoje observados - apenas onde êles realmente consistir no desenvolvimento de métodos que permitam ao povo
ocorrem - mal atingem as taxas de crescimento demográfico de chinês reduzir sua taxa de natalidade". (101)
1 ou 2 % ao ano, ou então, na hipótese mais favorável, excedem O Professor Norbert Wiener compreende perfeitamente as
essas taxas por quantias insignificantes.
implicações dêsse neobarbarismo. É isso o que demonstra o tre-.
Trata-se, realmente, de uma "corrida entre população e desen- f cho seguinte: "Se esta recusa de socorro médico obedece a um
volvimento econômico" - uma corrida tornada duplamente dra- propósito consciente, ou mesmo se não atende a nenhum objetivo,
mática pela fria expressão de misantropia e crueldade evidente em e se os fatos nela implícitos penetram nos lares de inglêses e ame-
tôda a literatura imperialista sôbre o problema demográfico nos ricanos que correspondam ao tipo idealizado hoje por todos os
países subdesenvolvidos. O que importa não é o fato de que "o inglêses e americanos, essa atitude será, por inúmeras razões, tão
humanitarismo não constitua interêsse nacional de importância; os prejudicial a um padrão moral elevado que simplesmente não po-
governos simplesmente não agem com base em considerações dessa derá ser tolerada. Mesmo a perda da posição desfrutada pelo ho-
natureza". (99) O que importa é a sistemática disseminação de mem branco será uma calamidade menos difícil de se aceitar". (102)
uma ideologia desastrosa para a felicidade humana e para os sen- Claro está que o Professor Wiener ainda não "ajustou sua ética"
timentos superiores que nutrem a vida humana - se é que a fe- às necessidades do mundo moderno. Essas "necessidades" são in-
licidade e os sentimentos em jôgo são os dos "amarelos", "negros" teiramente controladas pelos amigos "modernos" dos povos que
e membros de outras "raças inferiores". Nenhum outro sentido habitam os países subdesenvolvidos. "A eliminação de uma série
se pode atribuir a pronunciamentos como êste: "A profissão mé- de doenças contagiosas do seio de uma população que não tem o
dica moderna, cuja ética ainda repousa sôbre dúbios conceitos emi- bastante para comer, bem como o ato de trazer à luz uma caudal
tidos por um homem ignorante que viveu há mais de dois mil de novos sêres humanos em uma economia incapaz de manter
anos - ignorante em têrmos do mundo moderno - continua a até mesmo sua atual população, representa convite certo ao de-
acreditar que é seu dever manter vivo o maior número possível de sastre". A sua pior conseqüência seria "um firme decIínio da per-
pessoas". (100) A profissão médica encontraria orientação mais ade- centagem da população terrestre que apóia as idéias e os padrões
quada no fato de que "há pouca esperança de que o mundo de cultura [sic!] desenvolvidos no Mundo Ocidental a partir de
venha a escapar dos horrores de grandes fomes na China, nos pró- 1600". O que tornaria o desastre mais alarmante é que, a menos
ximos anos. Todavia, do ponto de vista mundial, elas podem que se adote um plano tendente "a valorizar as qualidades inatas
não Ser apenas desejáveis mas sim indispensáveis. Uma população das gerações futuras... [através] da elevação da taxa de nata-
chinesa que continue a crescer em progressão geométrica não pode lidade dos grupos mais bem dotados e de maior capacidade .. '; a
deixar de constituir uma calamidade total". Assertivas como a fertilidade mal distribuída conduzirá. .. ao agravamento da erosão
seguinte demonstram que pelo menos alguns membros da profis- de nossa herança biológica e cultural", (103) o que - esta é a
são médica começam a "pautar sua conduta ética" por padrões
que estão mais em "consonância com o mundo moderno": "É
(101) G. F. Wienfield, China: The Land and the People (Nova York,
1948), pág. 344. É importante notar que o autor é médico enviado à
(98) É evidente que não se toma em consideração aqui a possibilidade China pelo Comitê de Missões no Exterior da Igreja Presbiteriana dos Es-
de enorme aceleração do processo de desenvolvimento econômico que seria tados Cuidas.
possível mediante o auxílio generoso e desinteressado dos países mais adian- (102) The Human Use oj Human Beings (Boston, 1950), pág, 52.
tados às áreas atrasadas. Mesmo essa ajuda não pode ser prevista ou (103) R. C. Cook, Human Fertility : The Modern Dilemma (Nova
admitida como possível dentro do quadro institucional do sistema capitalista. York, 1951), págs. 282, 295, 255 e 315. Conquanto não haja, obviamente,
(99) E. S. Mason, Promoting Economic Development (Claremont, Ca- motivos para sugerir a possibilidade de plágio por parte de Cook, é inte-
lifórnia, 1955), pág, 13. ressante notar como "pensadores distintos" chegam, independentemente, a
(100) W. Vogt, Road to Survival (Nova York, 1948), pág, 48; a ci- idênticas conclusões, pois partiram de premissas ideológicas e sócio-eco-
tação seguinte encontra-se à pág. 238. nômicas semelhantes. "Uma vez que o inferior é sempre numericamente

330 331
preocupação de Vogt - importará "em alto custo para o policia- damentais, sôbre dignidade e valor da pessoa humana, mas grande
mento das partes superpovoadas da Europa e Ásia". (104) parte de nosso vocabulário provém de um período em que a nossa
Poder-se-ia objetar que, felizmente, apenas a "camada de lu- própria sociedade era individualista. É por isso que êsses conceitos
náticos" de nossa sociedade é capaz de encampar doutrinas "que pouco significam para aquêles que vivem sob condições onde o
têm corno propósito assegurar a supremacia do homem branco, individualismo significa morte prematura". (106)
mas que, no fundo, nada mais são que a aceitação de uma guerra Tais condições não são, na verdade, as condições de uma
empreendida por todos e contra todos". (105) Lamentàvelmente, sociedade individualista, mas as condições comuns a uma sociedade
não é isto, porém, o que acontece. Nem o Dr. Baruch, que endos- dominada pelo capitalismo monopolístico e imperialista.
sou o livro de Vogt, nem Julian Huxley, que entoou loas ao livro
de Cook, podem ser tidos como figuras do submundo intelectual Esta situação se torna, cada dia que passa, mais absur-
de nossa sociedade. Tampouco se pode dizer que é injusto atri- da e mais desnecessária. Ela deve e pode ser abolida. É
buir a essas personalidades idéias que elas talvez não hesitassem possível a instauração de uma nova ordem social, na qual
em repudiar ao se aperceberem de suas implicações e significado - .talvez após breve período de transição, à custa de algu-
reais. Não se discute aqui sentimentos de natureza subjetiva, como ma privação, mas de qualquer modo, de grande valor -
a bondade ou a maldade dos indivíduos - se bem que, como sà- através da utilização planejada e da expansão das enormes
biamente adverte J. S. Furnivall, "em política, como em Direito, fôrças produtivas de todos os membros da sociedade, já exis-
os homens têm que estar conscientes das conseqüências naturais tentes, e com a uniforme obrigação de trabalhar, estarão dis-
de seus atos". Discute-se apenas o papel que essa mentalidade, por poníveis, para todos, em igual medida e em crescente abun-
êles refletida e constantemente incentivada, desempenha no mundo dância, os meios necessários à existência e ao aproveitamen-
objetivo. Esta é a mentalidade típica de um sistema econômico to dos prazeres superiores da vida, ao desenvolvimento de
e social prisioneiro de sua monstruosa inadequação, de um sistema tôdas as faculdades físicas e mentais do ser humano. (107)
que constitui um obstáculo no caminho da humanidade para um
maior desenvolvimento e para a própria sobrevivência.
if Se a "situação" já era "desnecessária" em 1891, quando Engels
O desenvolvimento econômico é hoje a necessidade mais ur- escreveu as palavras acima, hoje ela se tornou mais "desnecessária"
gente e vital da esmagadora maioria da raça humana. Cada ano ainda. As "enormes fôrças produtivas já existentes" alcançaram
perdido representa a perda de milhões de vidas humanas. Cada prodigioso poder. Os problemas do subdesenvolvimento, da super-
ano de inatividade significa maior enfraquecimento e maior deses- população, das necessidades humanas, das enfermidades, poderiam
perança para os povos que vegetam nos países subdesenvolvidos. ser resolvidos no decurso de uma geração, através de um esfôrço
Certa vez, John Foster Dulles colocou, com perfeição, o problema mundial integrado e planejado. Não se pode daí concluir, entre-
ao afirmar: "Nós americanos podemos falar com eloqüência sôbre tanto, que êste será, de fato, o curso da História. "Seria errôneo
independência e liberdade, sôbre direitos humanos e liberdades fun- acreditar", disse Lênin, "que as classes revolucionárias têm sempre
suficiente fôrça para conquistar o poder tão logo as condições de
desenvolvimento sócio-econômico houverem criado um ambiente
superior ao melhor, o pior se reproduziria de tal maneira mais ràpidamente
- dada a mesma oportunidade para sobreviver e para procriar - que o
inteiramente propício à revolução. Não é assim na vida real. A
melhor seria inevitàvelmente relegado a um segundo plano. Há necessi- sociedade humana não se encontra ordenada tão racionalmente,
dade de se empreender, por conseguinte, uma ação corretiva em favor do nem de forma tão conveniente para os seus elementos progressis-
melhor. A Natureza proporciona um dêsses meios ao sujeitar o pior a tas. A necessidade de tomar o poder pode ter amadurecido, mas
condições de vida mais difíceis, que reduzem o seu número. Quanto ao
resto, finalmente, ela não permite sua multiplicação indiscriminada mas
efetua uma seleção impiedosa, cuios critérios são a robustez e a saúde".
Adolf Hitler, Mein Kamp]t (Munique, 1934), pág. 313. (106) War or Peace (Nova York, 1950), pág. 257.
(104) Op, cit., pág. 79. (107) Engels, Introdução a Wage Labor and Capital, de Marx, em
(105) Wiener, op. cit., pág. 53. Marx e Engels, Selected Works (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág, 73.

332 333
o poderio das fôrças revolucionárias que derrubarão o regime vi-
gente pode ter-se tornado inadequado para essa empreitada. Sob
tais condições, a sociedade entra em decadência, processo que
pode, algumas vêzes, se prolongar por décadas inteiras". (108)
É um dêsses períodos históricos de decadência que grande
parte da humanidade vive nos dias que correm. Vogt retratou essa
situação ao concluir o seu livro com as palavras seguintes: "a raça
humana está prisioneira de algo bem concreto, e concreto como CAPíTULO OITAVO
um par de sapatos dois números menor". A imagem é correta, sõ-
mente que o par de sapatos deve representar, no caso, o capitalis-
DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
mo monopolista e o imperialismo. O dilema com que defronta
hoje a maioria da espécie humana é o de libertar-se de ambos ou RÁPIDO
deixar-se amputar por êles até ajustar-se ao tamanho dos sapatos.
I
f

E NO MUNDO subdesenvolvido que o fato central e dominante


de nossa época se torna visível a ôlho nu: o sistema capitalista,
inicialmente poderoso instrumento de desenvolvimento econômico,
converteu-se em não menos formidável obstáculo ao progresso hu-
mano. O que Alexis de Tocqueville observou em relação às insti-
tuições políticas aplica-se em escala mais ampla do que se pode-
ria imaginar: "A fisionomia de um Govêrno pode ser melhor jul-
gada em suas colônias, pois, aí, seus traços são ampliados e se
tornam mais evidentes. Quando quiser estudar os méritos da admi-
nistração de Luís XIV, devo ir ao Canadá; aí, sua deformação é
vista como por meio de um microscópio". (1) De fato, a discre-
pância entre o que poderia ser realizado com as fôrças produtivas
à disposição da sociedade e o que está sendo efetivamente obtido
é incomparàvelmente maior nos países adiantados que nas áreas
atrasadas. (2) Enquanto, porém, nos países adiantados essa dis-
crepância é obscurecida pelo alto nível absoluto de produtividade
e produção, atingido na era capitalista, nos países subdesenvol-
vidos o hiato entre o efetivo e o possível é chocante, e suas im-
plicações, catastróficas. A diferença aí não é, como nos países

(1) Citado por S. Herbert Frankel, em seu livro The Economic Impact
on Under-Developed Societies (Oxford, 1953), pág, 17.
(2) Neste sentido, o Prof. Mason está inegàvelmente certo quando
diz que "talvez os Estados Unidos sejam a região subdesenvolvida, e não
o Oriente Médio". Promoting Economic Development (Claremont, Ca-
(108) Sochinenya (Obras) (Moscou, 1947), vai. 9, pág. 338. lifórnia, 1955), pág, 9.

334 335
adiantados, entre níveis de desenvolvimento elevados e diminutos; roz das potências imperialistas. O que Lênin escreveu, em 1913,
entre a solução final, que se pode agora encontrar para o pro- sôbre os países europeus, poderia perfeitamente ser escrito hoje sô-
blema das necessidades insatisfeitas, e a continuação da servidão, bre todo o Ocidente adiantado: "A Europa civilizada e adiantada,
da pobreza e da degradação cultural; a diferença aí é entre o com sua indústria de máquinas altamente desenvolvidas, sua rica
pauperismo e a vida decente, entre a miséria da estagnação e a ani- cultura universal e .sua constituição, atingiu um momento históri-
mação do progresso, entre a vida e a morte para centenas de co em que a burguesia dirigente, devido a seu temor ao crescimen-
milhões de pessoas. Por isso, mesmo autores burgueses admitem, to e à fôrça cada vez maior do proletariado, sustenta tudo o que
algumas vêzes, que, nos países subdesenvolvidos, a transição para é atrasado, moribundo e medieval. A arcaica burguesia se une a
uma organização social e econômica racional é premente - ao tôdas as fôrças obsoletas e obsolescentes num esfôrço para preser-
mesmo tempo que sustentam que os países adiantados podem var a vacilante escravidão do sistema salarial". (5) Êsse apoio a
"permitir-se" permanecer sob o domínio do capitalismo monopolis- "tudo o que é atrasado, moribundo e medieval" pode ser obser-
ta e do imperialismo. (3) Nada, porém, pode ser mais errôneo. O vado em tôda parte: quer olhemos para a China e o sudeste
domínio do capitalismo monopolista e do imperialismo nos países asiático, para o Oriente Próximo e a América Latina, para a Eu-
adiantados e o atraso econômico e social nos países subdesenvol- ropa oriental e sul-oriental, ou para a Itália, a Espanha e Portu-
vidos estão, como vimos, intimamente ligados, representam apenas gal. Seu objetivo é evitar as revoluções sociais onde quer que
aspectos diferentes do que é, na verdade, um problema global. sejam possíveis, e dificultar a estabilização e o progresso dos paí-
Uma transformação socialista do Oriente adiantado não somente ses socialistas em que tais revoluções se realizaram.
abriria para seus próprios povos um caminho para o progresso eco-
Quase nada precisa ser dito aqui sôbre os aspectos puramente
nômico, social e cultural sem precedente como, ao mesmo tempo,
militares da questão. Os poucos traços de verdadeiro humanismo,
possibilitaria aos habitantes dos países subdesenvolvidos superarem
que ainda permaneciam na consciência da burguesia desde os dias
ràpidamente sua condição atual de pobreza e estagnação. Essa
da sua gloriosa juventude, desapareceram completamente sob o
transformação não poria apenas fim à exploração dos países atrasa-
impacto da intensificação da luta de classes. Se a segunda metade
dos! A organização racional e a plena utilização dos imensos re-
do século XIX e o primeiro quartel do século XX ainda se ca-
cursos produtivos do Ocidente possibilitariam às nações desenvol-
racterizaram por uma série de acôrdos internacionais no sentido
vidas pagar pelo menos parte de sua dívida histórica para com os
da "humanização" das guerras,' tudo se permite na atual luta do
povos atrasados e propiciar-lhes auxílio generoso e desinteressado
imperialismo contra a libertação nacional e social dos povos que
em seus esforços para aumentar ràpidamente seus "meios de em-
habitam os países subdesenvolvidos. A "Operação Assassínio" é
prêgo" espantosamente inadequados.
considerada tão legítima como a "Operação Estrangulamento", e
Pelas razões que indicamos acima, (4) cuja análise detida nos _o incêndio de cidades inteiras tão inatacável como o bombardeio
levaria muito além do âmbito da presente exposição, essa não foi de populações civis com bombas incendiárias. Essa atitude foi sin-
a forma pela qual o processo histórico se desenvolveu. Longe de tetizada pelo Presidente Eisenhower da seguinte maneira: "a uti-
ser auxiliada pelos países adiantados, a transição das nações atra- lização da bomba atômica seria decidida pela questão: ela me
sadas para uma ordem social e econômica que lhes assegurasse será vantajosa ou não ... ? Se acreditasse que a vantagem estaria
desenvolvimento progressivo está ocorrendo apesar da resistência fe- do meu lado, usá-Ia-ia imediatamente". (6) É desnecessário dizer
que essa fórmula não reflete a ferocidade excepcional de um dado

(3) Assim, os autores do relatório das Nações Unidas, anteriormente


citado, Measures for lhe Economic Development o] Under-Developed Coun-
Iries (1951), não admitem, para "certo número de países subdesenvolvi- (5) "Backward and Advanced Asia", Selected Works in Two Volumes
dos. .. a perspectiva de muito progresso econômico antes que uma revo- (Moscou, 1950) vol. I, Parte 2, pág, 314.
lução social efetue uma mudança na distribuição da renda e do poder". (6) Citado no brilhante artigo de Helen M. Lynd, "Realisrn and
(Parágrafo 37). the Intellectual in a Time of Crisis", The American Scholar (inverno de
(4) Ver as últimas páginas da Secção I do Capítulo V. 1951-1952), pág, 26. .

336 337
indivíduo, mas a extrema bancarrota moral de uma ordem social Poder-se-ia esperar que, nessas circunstâncias, as nações atrasa-
decadente. (1) das que conseguiram emergir de seu longo estado de estagnação
Uma vez, porém, que não é nada certo que a "vantagem" recebessem congratulações e encorajamento - talvez algo mais
estaria do lado do campo imperialista, o expediente supremo da tangível - daqueles que se mostram tão profundamente interessa-
guerra tem que ser encarado com extrema cautela e empregado dos em seu progresso. Tal esperança, contudo, não seria mais que
apenas onde a própria existência do capitalismo e do imperialismo o reflexo de uma visão inteiramente ingênua da situação existente.
pareça estar ameaçada. Entrementes, todos os outros meios são Como diz Lênin: "onde, a não ser na consciência dos reformado-
utilizados para sabotar o desenvolvimento dos países socialistas. res sentimentais, existem trustes capazes de se interessar pela con-
Nã quer isto dizer que neguemos o fato de que muito está sendo dição das massas, ao invés de pela conquista de colônias?" (11)<' De
e pode ser realizado pelas nações que adotaram um sistema socia- fato, o progresso realizado pelos países subdesenvolvidos através
lista de planejamento. Os autores do relatório das Nações Unidos de uma planificação socialista é altamente desconcertante para a
intitulado Measures for the Economic Development 01 Under-Devel- opinião oficial do Ocidente. Embora Dulles observe que os co-
oped Countries (Medidas para .o Desenvolvimento Econômico dos munistas "tiveram algum sucesso na China em despertar um sen-
Países Subdesenvolvidos) afirmaram, corretamente, que: "se os di- tido de responsabilidade social e em impor uma disciplina aos que
rigentes ganham a confiança do país e se mostram vigorosos na os apóiam" - o que obviamente é um passo importante na luta
erradicação dos privilégios e das enormes desigualdades, podem pelo desenvolvimento econômico - êle piamente espera que êsse
êles inspirar às massas um entusiasmo pelo progresso que afasta passo a frente dê em nada, face ao "caráter nacional" chinês, que
tudo de seu caminho". (8) John Foster Dulles reconhece que "os descreve, aparentemente com admiração, da maneira seguinte: "Os
comunistas soviéticos... podem realizar muito, e realmente reali- chineses, graças a seus hábitos de pensamento, religiosos e tradicio-
zam, com o auxílio da imagem da grande experiência soviética nais, tornaram-se um povo individualista. A família tem sido o
com a qual, neste século, estão ganhando a admiração de pessoas mais elevado padrão de valor; a lealdade individual é devida, uni-
em todo o mundo, da mesma forma que o fizemos no século camente, a ancestrais e descendentes. Observa-se a existência, em
XIX, com a nossa grande experiência americana". (9) E quando pequena escala apenas, daquela lealdade mais ampla para com os
se reconhece que a primeira e primordial necessidade sentida pelos semelhantes, grupos sociais ou classe, e a nação". (12) "Bsse "cará-
países subdesenvolvidos é um rápido aumento de sua renda na- ter nacional" é, sem dúvida, uma dádiva dos céus para os impe-
cional, o Prof. Mason atesta que: "para a promoção do desen- rialistas, cuja única preocupação é dominar os que por ela são
volvimento econômico, o comunismo pode trazer vantagens for- abençoados. Dessa forma, Dulles acredita que "as religiões do
midáveis. .. A longo prazo, dada certa medida de competência Oriente estão profundamente enraizadas e possuem preciosos va-
administrativa na realização de investimentos e a utilização de lôres. Suas crenças espirituais não se podem conciliar com o ateís-
novas fontes de capital, a renda nacional deve crescer a um ritmo mo e o materialismo comunista. Isto cria um laço comum entre
extremamente rápido". (10) nós, e nossa tarefa é reconhecê-lo e procurar desenvolvê-l o" . (13)
&se sentimento é reafirmado pelo Prof. Mason que espera que
a religião se constitua em obstáculo importante ao progresso dos
(7) Como Marx observou, ao falar da Comuna de Paris, "tudo isso, .. países socialistas, e que sustenta que "no sul da Ásia, como em
mostra apenas que a burguesia de nosso tempo considera-se sucessora tôda parte, a religião constitui poderoso baluarte contra o co-
legítima do barão do passado, que julgava justo o porte de qualquer arma munismo". (14): Não é de surpreender, portanto, que "tudo o que
que pudesse utilizar contra os plebeus, enquanto tôda arma nas mãos dos
plebeus constituía, por si só, um crime". The Civil War in France, em
Marx e Engels, Selected Works (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 489.
(8) Parágrafo 38. (11) E. Varga e L. Mendelsohn (eds.), New Data for Lenin's lm-
períalism - The Highest Stage oi Capitalism (Nova York, 1940), pág, 184.
(9) War or Peace (Nova York, 1950), pâg. 256.
(12) OP. cit., pág. 245.
(10) Prornoting Economic Development (Claremont, Califórnia, 1955), (13) Ibid., pág. 229.
pág. 6. (14) Op, cit., pág. 29.

338 339
é atrasado, moribundo e medieval" nos próprios países subdesen- econômico e social que obriga seus apologistas e políticos a confiar
volvidos se sinta como unha e carne em relação a seus amigos e a estabilidade do sistema mais no circo que no pão, mais na
protetores do Ocidente. Vitalmente interessados em que a popu- arenga ideológica que na razão. Por isso, a campanha para a pre-
lação constitua uma "sociedade espiritual de indivíduos que amem servação do capitalismo é apresentada - hoje mais energicamente
a Deus... que trabalhem àrduamente por dever e auto-satisfa- do que nunca - como uma cruzada pela liberdade e pela demo-
ção ... ' e para os quais a vida não seja apenas crescimento físico cracia. Nos dias da luta inicial contra o feudalismo, quando o Cll-
e gôzo, mas desenvolvimento intelectual e espiritual", (15) as clas- pitalismo constituía poderoso instrumento de progresso e quando
ses dominantes dos países subdesenvolvidos não poupam energias a educação e a razão estavam inscritas na bandeira da classe ca-
- e recebem por isso grande apoio dos Estados Unidos - para pitalista nascente, esta pretensão tinha, ao menos, validade históri-
aumentar o domínio das superstições religiosas sôbre os espíritos ca parcial. Essa validade, entretanto, já havia desaparecido com-
das famintas populações dêsses países. Que importa a tais classes pletamente na segunda metade do século XIX, quando o domínio
ou aos imperialistas que essas superstições representem grande burguês se via cada vez mais ameaçado pelo crescente movimento
obstáculo ao progresso? Que importa a êles ou a seus cúmplices socialista e quando se tornava progressivamente evidente que "por
ocidentais que o custo da conservação do obscurantismo religioso liberdade se entende, nas atuais condições burguesas de produção,
é a fome crescente e a multiplicação da morte? Como observou o livre comércio, livre compra e venda". (19) Ela se tornou verda-
Dr. Balogh, escrevendo sôbre sua viagem à índia: "o renascimen- deira impostura hipócrita no período imperialista, quando o ca-
to religioso, promovido pelas classes mais ricas... impede uma pitalismo, após ter perdido o contrôle sôbre um têrço do globo,
política racional para aumentar o rebanho bovino. A índia possui luta por sua própria sobrevivência. Engels previu isto brilhante-
200.000.000 de cabeças de gado, das quais grande parte é inútil, mente: "no dia da crise e no dia seguinte à crise. .. tõda a reação
apesar do país dispor de alimentação escassa. A matança de gado coletiva ... se agrupará em tôrno da democracia pura". (20) A
é proibida por lei e foi paralisada de facto em muitas regiões. relação dos membros do chamado mundo livre indica claramente o
Até os macacos são sagrados, embora destruam ou comam, anual- que constitui na realidade "tôda a reação coletiva" e que a "demo-
mente, cêrca de 1.250.000 toneladas de cereais". (16) Como os cracia pura" pela qual luta não é senão a liberdade de explora-
aristocratas do fim do período feudal, os monarquistas econômi- ção. Espanha e Portugal, Grécia e Turquia, Coréia do Sul e Viet-
cos dos últimos tempos do capitalismo monopolista e do imperia- nam do Sul, Tailândia, Paquistão, os emirados do Oriente Médio,
lismo não estão sob o domínio dêsse tipo de obscurantismo. Êles as ditaduras militares da América Latina e a União Sul-Africana
o consideram, porém, perfeitamente saudável para os seus lenha- são países que foram elevados, pelos cruzados imperialistas, à
dores e aguadeiros, no país e no estrangeiro. (17) John Foster condição de "Estados democráticos". O Prof. Mason, em passagem
Dulles colocou a questão em poucas palavras: "Não temos uma omitida na citação anterior, critica o "ritmo extraordinàriamente
política positiva de muito longo prazo, pois não podemos ir além rápido" de crescimento da renda nacional que pode ser atingido
das coisas materiais". (18) por uma sociedade socialista, alegando que êle dependeria de um
É, na verdade, a incapacidade do capitalismo de "ir além das "regime totalitário que utilizasse as armas do terror. .. comprimis-
coisas materiais", de servir como uma estrutura para o progresso se os níveis de vida... como nenhum país democrático poderia
fazê-lo", (21) Não leva em conta, porém, o fato de que o terror
que se verificou durante tôdas as revoluções sociais - freqüente-
(15) Dulles, op, cit., pág. 260.
(16) "How Strong is India?", The Nation (12 de março de 1955),
pág, 216.
(17) Assim, enquanto a Fundação Rockefeller dedica parcelas cres- (19) Marx e Engels, Manifesto of lhe Communist Party ; em Selected
centes de suas verbas para promoção de escolas de Teologia e outras ati- Works (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 46.
vidades religiosas nos Estados Unidos, a Fundação Ford financia prõdi- (20) Carta a Bebel, 11 de dezembro de 1884, em Marx e Engels, Se-
gamente empreendimentos muçulmanos, budistas e de outras religiões, nos lected Correspondence (Nova York, 1934), pág. 434. (Os grifos são elo
países subdesenvolvidos. original) .
(18) Op, cit., pág. 254. (21) Op. cit., pág. 6.

340 341
mente excessivo, mas sempre doloroso e lamentável - representa acontecimentos nos países subdesenvolvidos.~sse efeito é bastan-
as inevitáveis dores do parto de uma nova sociedade, e que a te significativo, e sua magnitude pode ser estudada com a neces-
compressão do nível de vida, tai como ocorreu, afetou funda- sária dose de realismo. Ele assume duas formas principais para
mentalmente - e talvez exclusivamente - a classe dominante, os países subdesenvolvidos que ainda fazem parte do "mundo li-
cujo consumo excessivo, esbanjamento de recursos e fácil movi- vre". Em primeiro lugar, seus elementos mercantis dominantes, sem-
mentação de capitais tiveram de ser "sacrificados" em favor do pre sustentados pelas potências imperialistas, são, hoje, mais enér-
desenvolvimento econômico. Não é costume da economia burgue- gica, sistemática e abertamente auxiliados. Não somente recebem
sa exprimir tais suspeitas sôbre os regimes mercantil e colonial que subsídios para a difusão da religião, para a continuação de suas
"utilizam as armas do terror (e). .. comprimem os níveis de vida" atividades políticas, como também lhes é prestada assistência mi-
em nome da preservação da riqueza e dos lucros de seus susten- litar em sua luta contra o povo cada vez mais descontente. Em
táculos e a fim de perpetuar a miséria e a estagnação de seus número crescente de países, os regimes baseados em fôrças rea-
países - como em Formosa ou na Grécia, na Malásia ou no cionárias devem sua existência unicamente a essa ajuda recebida
Quênia, em Madagascar ou na Argélia, nas Filipinas ou na Gua- do Ocidente imperialista. (23)
temala. Em segundo lugar, grande número dêsses governos - se não
Os apologistas primários que identificam a liberdade com a todos - não apenas recebem armamentos, mas também são coa-
liberdade do capital, os interêsses de uma minoria parasita com as gidos a dedicar partes consideráveis da renda nacional de seus
necessidades vitais da população e que tratam o imperialismo como países à construção e manutenção de grandes instalações militares.
sinônimo de democracia dificilmente mereceriam atencão se não A parcela da renda nacional gasta com fins militares é de mais
fôsse por duas considerações que os relacionam diretamente ao de 5 % no Paquistão, pouco menos que isso na Turquia, cêrca de
problema do desenvolvimento futuro. A primeira se relaciona com 3% na Tailândia, e muito maior nas Filipinas, na Grécia e em vá-
o profundo impacto desta ideologia, e das circunstâncias históricas rios outros países - isto para não falar na Coréia do Sul, no
que lhe servem de base, sôbre a evolução social, política e cultural Vietnam do Sul e em Formosa, onde tal percentagem é ainda
,das próprias nações imperialistas. Êste impacto pode ser resumi- mais elevada. Deve-se lembrar que a importância dêsse ônus só
do pela profunda observação de Marx e Engels de que "nenhuma pode ser plenamente apreciada quando se o considera, não em re-
nação pode ser livre se oprime outras nações"; sua trágica impor- lação à renda nacional total, mas como parcela do excedente eco-
tância se manifesta acima de qualquer possibilidade de êrro, quer nômico. De fato, na maioria dêsses países, se não em todos, os gas-
olhemos para as primeiras etapas históricas das "nações opresso- tos militares são iguais ou maiores do que o investimento produ-
ras" ou para os períodos mais recentes, quer pensemos na Euro- tivo total! Esta completa destruição de recursos, os quais poderiam
pa ocidental ou na Rússia czarista, na Ásia ou na América. Tudo servir como base de maciço crescimento dos "meios de emprêgo",
o que podemos fazer, neste momento, é mencionar essa questão é justificada pelos imperialistas ocidentais, e por seus agentes nos
terrivelmente importante, pois sua análise nos desviaria muito de países subdesenvolvidos, com a alegação da suposta existência de
nossos propósitos. (22) perigo de agressão soviética. Boa parte, porém, dos que invocam
mais estrepitosamente a agressividade da União Soviética não acre-
dita em sua própria propaganda. E isto porque está bem cônscia
II
de que o país dos sovietes não tem nenhuma intenção de atacar
qualquer nação capitalista. A veracidade desta afirmativa é con-
A outra consideração, que diz mais respeito ao nosso proble- firmada por vários estudiosos da política soviética que não po-
ma presente, é o efeito direto das atividades imperialistas, refleti- dem ser considerados suspeitos de nutrir simpatia pelo socialismo.
das e inspiradas por êsse "neochauvinismo", sôbre o desenrolar dos

(23) Isto se aplica tanto às Filipinas como à Formosa, ao Irã como


(22) CL Capítulo IV, Secção VIII, dês te livro. à Coréia do Sul, à Espanha como à Guatemala.

342 343
Um dos principais peritos norte-americanos em problemas soviéti- de sua consciente deturpação. De fato, como observa o grande
cos não deixa a menor dúvida sôbre a questão: "A teoria da inevi- historiador inglês da União Soviética, "a revolução de 1917, ela
tabilidade do desaparecimento final do capitalismo tem a feliz co- mesma um produto do conflito de 1914, constitui um marco de-

I
notação de que não é preciso ter pressa de que isso aconteça. cisivo na História universal, certamente comparável, em magnitu-
As fôrças do progresso têm tempo para preparar seu coup de grã- de, à Revolução Francesa de mais de um século antes, e, talvez,
ce final. .. O Kremlim. .. não tem o direito de arriscar as con- mais importante ainda". (28) Esse "marco decisivo na História uni-
quistas da revolução em troca de vãs quinquilharias do futuro ... versal" foi uma "subversão" hàbilmente preparada? Ou foi a re-
Não há nenhum traço na psicologia soviética de que. .. o objeti- volução chinesa, outro acontecimento de enorme significado his-
vo deva ser atingido em um tempo determinado". (24) A mesma tórico, planejada por especialistas soviéticos em "subversão"? A
opinião, em essência, é partilhada pela pessoa mais interessada no resposta nos é fornecida tanto pelo Departamento de Estado norte-
problema, ou seja, o Secretário da Defesa dos Estados Unidos, americano, como por George Kennan, que foi, durante muito
Charles E. Wilson, que "declarou a uma subcomissão do Sena- tempo, um dos mais importantes funcionários daquele Departa-
do. .. que se deve assegurar ao povo americano que a ênfase so- mento. "A realidade triste, mas inegável, é que o portentoso re-
viética na produção de aviões de caça é um sinal de que os rus- sultado da guerra civil na China estava fora de contrôle do govê-
sos pretendem construir uma fôrça aérea com capacidade funda- no dos Estados Unidos. Nada que êste país fêz, ou que poderia
mentalmente defensiva". (25) Numerosos outros observadores tan- ter feito dentro dos limites razoáveis de suas possibilidades, po-
to nos Estados Unids como na Europa ocidental manifestaram sua deria mudar o resultado; nada que deixou de ser feito contribuiu
convicção de que é extremamente improvável que o campo so- para êle. Ele foi o produto de fôrças internas da China, fôrças
cialista - preocupado como está com o desenvolvimento interno que êste país tentou influenciar, mas que não pôde". (29) Kennan
- inicie uma guerra. (26) afirma, "cautelosamente", que "atribuir a revolução que ocorreu
O perigo de "agressão soviética" limita-se, na realidade, ao na China nestes últimos anos à propaganda e à instigação soviéti-
perigo da chamada "subversão" - o nome que hoje se dá à revo- cas é subestimar em muito, para não dizer algo pior, bom número
lução social. Isto foi dito claramente por John Foster Dulles: "A de outros fatôres importantes". (30) Esta questão pode ser corre-
imposição por quaisquer meios, ao sudeste asiático, do sistema tamente resumida, citando-se uma observação de Lênin: "O do-
político da Rússia Comunista e da China Vermelha, constituiria mínio do capitalismo é subvertido, não porque alguém queira to-
grave ameaça a tôda a comunidade livre. Os Estados Unidos acre- mar o poder; tal tomada do poder seria um contra-senso. O tér-
ditam que essa possibilidade não deve ser passivamente aceita, e mino do domínio do capitalismo seria impossível, se todo o desen-
sim enfrentada pela ação comum". (27) Tratar as revoluções so- volvimento econômico dos países capitalistas não tivesse a êle
ciais em países determinados como resultantes de "subversão ex- conduzido. A guerra acelerou êsse processo e tornou o capitalismo
terna" ou de "imposição" de conspirações e maquinações estran- impossível. Nenhuma fôrça destruiria o capitalismo, se êle não fôsse
geiras constitui prova de absoluta incompreensão da História ou solapado e subvertido pela História". (31)
É inevitável a conclusão de que o prodigioso desperdício dos
recursos dos países subdesenvolvidos, realizado com a construção
(24) George F. Kennan, American Diplomacy 1900-1950 (Chicago, de enormes instalações militares, não é ditado pela existência de
1951), págs, 116 e 118. perigo externo. A atmosfera dêsse perigo é criada e alimentada
(25) New York Times, 20 de maio de 1953.
continuamente para facilitar a sobrevivência de regimes feudal-
Esta convicção responde, em parte, pela pronunciada tendência,

I
(26)
observável tanto na Europa ocidental, como na índia - mesmo entre
pessoas bastante contrárias à União Soviética - de condenar a política
externa dos Estados Unidos por gerar, artificialmente, uma atmosfera de (28) E. H. Carr, Studies in Revolution (Londres, 1950), pág, 226.
perigo de guerra. (29) Departamento de Estado, United States Relations with China
(27) Discurso pronunciado no Clube de Imprensa Estrangeira, em (Washington, 1949), pág, XVI.
20 de março de 1954, e citado em Monthly Review (maio de 1954), pág. 2 (30) Op, cit., pág. 152.
(o grifo é do autor). (31) Sochinenya (Obras) (Moscou, 1947), vol. 24, pág, 381.

344 345
/
mercantis nesses países; as fôrças armadas que mantêm são neces- í com os propagandistas anti-socialistas de mais alto nível, Sarnoff
sárias, fundamentalmente - ou talvez exclusivamente - para a I se apercebe claramente de que "devemos compreender que o co-
supressão dos movimentos populares internos de libertação nacio- • 1/ munismo internacional não é um instrumento nas mãos da Rússia;
nal e social. O dramático da situação atinge as dimensões de uma a Rússia é que é um instrumento nas mãos do comunismo inter-
tragédia grega. Nos campos de concentração de Hitler, as vítimas nacional. Numerosas vêzes Moscou sacrificou interêsses nacionais
eram obrigadas a cavar suas próprias sepulturas antes de serem em benefício das necessidades revolucionárias mundiais". Assim,
massacradas por seus algozes nazistas. Nos países subdesenvolvi- é óbvio que a "ofensiva política", da qual o General Sarnoff se
dos do "mundo livre", os povos são obrigados a empregar grande ocupa, não tem nenhuma relação com a absurda noção de "im-
parte daquilo que os habilitaria a emergir da situação de paupe- perialismo russo", mas é simplesmente a expansão da revolução
rismo e debilidade para manter mercenários, cuja função é for- social, De fato, "deve-se ter bem claro na mente que o desafio
necer "bucha de canhão" para seus senhores imperialistas e sus- é global. As guerrilhas vermelhas na Birmânia, os comunistas na
tentar regimes que perpetuem essa situação de pauperismo e de- França e nos Estados Unidos, os huks nas Filipinas, os agentes
bilidade. (32) vermelhos na América Central - todos êles constituem tanto o
A cruzada contra-revolucionária não tem apenas efeito muti- -inimigo quanto o próprio Kremlin". Como dissemos anteriormente,
entretanto, não se pode afirmar que as revoluções sociais são obra
lador nas regiões subdesenvolvidas sob contrôle imperialista; suas
de agentes astutos, ou devem ser atribuídas à "instigação ou pro-
repercussões são fortemente sentidas pelos países que pertencem
paganda soviéticas". Elas são o resultado das lutas de classes que
ao campo socialista. Entre estas, devemos citar a necessidade ine-
se travam no seio das sociedades capitalistas, lutas que ninguém
vitável de dedicar parcela considerável dos recursos nacionais à
pode abolir ou suspender. Decorre daí a circunstância de que uma
manutenção de instalações militares. No caso dos países socialis-
revolução social em país atualmente capitalista pode levar os im-
tas, tais instalações têm por objetivo a defesa. Defrontando com o
perialistas a "abrir mão da paz" e mergulhar o mundo numa guer-
ódio implacável da classe capitalista, ameaçados por programas de
"libertação" e de "guerras preventivas", os países socialistas vêem-
ra nuclear. Decorre também daí que ° campo socialista pode ter
que enfrentar tal catástrofe a qualquer momento. E isto porque
se na contingência de temer, continuamente, um ataque das po-
êle não pode nem "regular" as revoluções sociais, para não privar
tências imperialistas. David Sarnoff, um dos principais monopo-
indevidamente os beneficiários imperialistas das "bênçãos da li-
listas americanos, contribui em muito para esclarecer tôda a ques-
tão: "Embora os soviéticos não desejem mais do que nós uma berdade", nem prever efetivamente qual revolução social será con-
guerra nuclear, aceitam seu risco ao realizar sua ofensiva políti- siderada pelas potências imperialistas como casus belli, como o si-
ca. Nós também não podemos evitar riscos. (Pode tornar-se ne- nal para o início de um holocausto geral.
cessário, disse recentemente o Sr. Dulles, abrir mão da paz para Isso não significa que uma guerra mundial possa eclodir "a
assegurar as bênçãos da liberdade!)". (33) Em chocante contraste qualquer minuto", que o mundo viva permanentemente sôbre a
cratera de um vulcão e que os acontecimentos futuros sejam intei-
ramente imprevisíveis. O que isso significa, entretanto, é que, na
(32) "O General-de-Brigada W. L. Roberts, do Exército dos Estados
época do imperialismo e das revoluções sociais, o perigo de guer-
Unidos, comandante do Grupo de Assessoria Militar Coreano (KMAG),
declarou ao correspondente do New York Tribune, a 5 de junho de 1959, ra está sempre presente e que os países socialistas não têm outra
que o KMAG é uma demonstração viva de como o uso inteligente e in- alternativa senão sacrificar parcelas ponderáveis de seus recursos
tensivo de 500 oficiais e soldados americanos, enrijecidos pelo combate,
pode preparar 100.000 sujeitos que lutarão para você... O contribuinte
americano tem na Coréia um Exército que é um fiel cão de guarda dos
investimentos realizados naquele país, e uma fôrça que representa o má- opiruoes do General Sarnoff, então presidente da "Radio Corporation of
ximo de resultados com o mínimo de custo". Citado por Gunther Stein, Ameríca", não podem ser consideradas como as de um excêntrico. Os
The World lhe Dollar Buill (Londres, 1952), pág. 253. J diretores da U. S. New & World Report observaram, em sua apresentação,
(33) "A New Plan to Defeat Communism", U. S. New & World Re- que elas foram "discutidas amplamente com o Presidente Eisenhower que
port (27 de maio de 1955), pág. 139. Deve-se notar, de passagem, que as elogiou a abordagem feita em sua entrevista à imprensa".

346 347
para a manutenção de uma defesa adequada. (34) A resultante di- desenvolvidos atinjam o progresso econômico e social. Como disse
minuição de seu ritmo de progresso e a conseqüente pressão sôbre Lênin, "para a revolução burguesa, que surge do feudalismo, as
seus padrões de vida constituem o custo principal que o imperia- novas organizações econômicas são criadas no seio da velha ordem
lismo impõe aos povos dos países socialistas. Os efeitos das cam- mudando gradativamente todos os aspectos da sociedade feudal.
panhas de propaganda, que contra êles o campo imperialista pro- A revolução burguesa defrontava com apenas uma tarefa - afas-
move, causam um dano adicional. Essas campanhas visam a criar tar, eliminar, destruir todos os obstáculos ao progresso da socie-
"um espírito de rebeldia, a conservar o Kremlim em intranqüili- dade. Cumprindo essa tarefa, tôda revolução burguesa realiza, in-
111
dade, a aprofundar as brechas existentes, a tornar agudos os pro- tegralmente, o que dela se espera: acelera o crescimento do capi-
blemas econômicos e jurídicos", e consistem freqüentemente em talismo". (37) A tarefa que se apresenta à revolução socialista em
"programas de caráter espiritual e religioso.... (que) pregam a um país atrasado é bem mais complexa. Não basta que ela dê
fé no Divino, a execração do materialismo comunista, a resistên- origem a enorme desenvolvimento das fôrças produtivas do país.
cia ao ateísmo". (35) E êles de fato incentivam os remanescentes Ela precisa também - para realizar isto - criar a ordem econô-
das antigas classes dominantes nos países socialistas, fortalecem mica e social inteiramente nova do socialismo. "A revolução bur-
o domínio das superstições religiosas sôbre os espíritos dos cam- guesa geralmente termina com a tomada do poder, enquanto para
poneses e operários atrasados, aumentam as dificuldades existentes a revolução proletária a conquista do poder representa apenas o
de educação e de organização das massas para um esfôrço coleti- seu comêço, passando êle a funcionar como alavanca para a re-
vo no sentido da superação de sua pobreza. Agravam, assim, as construção da velha economia e a organização da nova". (38)
condições internas dêsses países, aumentam a fôrça daqueles
que mais desconfiam das intenções ocidentais e dêsse modo em- Nessa "reconstrução da velha economia e organização da no-
baraçam o progresso do país em direção à democracia e ao socia- va", a mobilização do excedente econômico potencial da socieda-
lismo. Seguir, porém, o conselho do General Sarnoff e rebatizar de representa o primeiro passo que é, sob muitos aspectos, o de-
a "Voz da América", com o pomposo nome de "Voz da América cisivo. ~le é relativamente simples, até certo ponto. A expropria-
- Para a Liberdade e para a Paz", não faria muita diferença. ção dos capitalistas e proprietários de terras (nacionais e estran-
"Os fatos são teimosos", e o Sr. John Foster Dulles os apontou geiros) e a conseqüente eliminação da pressão, sôbre a renda cor-
com justeza devida: "De nada adianta ter Vozes da América maio- rente, do consumo excessivo, da remessa de capitais para o exte-
res e mais altas, a menos que tenhamos algo a dizer que seja rior, etc., determinam aumento instantâneo do excedente efetivo.
mais persuasivo do que tudo o que já foi dito". (36)
A única questão econômica que surge a êsse respeito é a da na-
tureza física dos recursos que foram dessa forma liberados para
uso alternativo. N a maioria dos casos, entretanto, êles existem
111 efetivamente sob forma que permite sua transferência imediata
para emprêgo produtivo. Quer apareçam sob a forma de mão-de-
O estabelecimento de uma economia socialista planificada é obra e materiais usados na construção de residências ou na produ-
condição essencial, e mesmo indispensável, para que os países sub- ção de artigos de luxo para as classes de renda elevada, quer se
tornem disponíveis sob a forma de divisas estrangeiras, anterior-
mente usadas para importações não-essenciais ou para transferên-
(34) É por isso que a luta política e ideológica contra o imperialismo
nos países capitalistas adiantados - luta que reduz a vontade de deflagrar
guerras - está diretamente ligada ao esfôrço para acelerar e para facilitar
o progresso social e econômico dos países subdesenvolvidos, tanto capi- Selected Works in Two Volumes (Moscou, 1950), vol. lI, Parte 1,
(37)
talistas como socialistas. págs. 418 e segs,
(35) Saruoff, op. cit., págs. 138 e 140. (38) Stalin, Sochinenya (Obras), vol. 8 (Moscou, 1948), pág. 21 (o
(36) War or Peace (Nova York, 1950), pág. 261. grifo é do original).

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cias de fundos para o exterior, essa parte do excedente econômico estabelecimentos de matérias-primas, etc., normalmente transferi-
potencial pode ser diretamente transferi da para uso produtivo. (39) rão, para a sociedade, o contrôle do excedente que geravam. Já a
Mais complicada é a mobilização do excedente econômico po- revolução agrária - que, forçosamente, será parte integrante da
tencial que existe sob a forma de trabalho improdutivo de tôda revolução social na maioria dos países subdesenvolvidos - ao
espécie. Embora desapareça a estrutura econômica e social que su- fragmentar grandes propriedades territoriais e abolir o pagamento
portou a existência de comerciantes, corretores, agiotas, etc. e, das taxas de arrendamento pelo campesinato, bem como ao elimi-
em conseqüência, os clubes noturnos, os hotéis, as mercearias e nar os especuladores, os usurários, etc., e pôr fim à exploração das
outros estabelecimentos que satisfazem as exigências dessas pessoas pessoas pelo capital mercantil, não transfere excedente econômico
percam a razão de sua existência, os indivíduos responsáveis pelo do contrôle privado para o público. Ao destruírem seus fundamen-
seu funcionamento podem não ser transferíveis, ràpidamente, para tos sociais, tais medidas fazem com que desapareça completamen-
emprêgo alternativo. Embora a redistribuição se realize a prazo te o excedente gerado e aumente em igual medida a renda real
pouco mais longo, as dificuldades e privações individuais podem da população rural. (40)
assumir proporções consideráveis, durante o período de transição. Isso não quer dizer que êsse aumento do consumo e do exce-
O problema, obviamente, diminui de intensidade à medida que par- dente econômico efetivo ocorrerá imediatamente após a revolução.
te dos indivíduos assim deslocados emigra, como aconteceu em A queda da produção total que sempre ocorreu em virtude da
alguns países. Se permanecem no país, tornam-se um pêso, seja comoção geral e da desorganização, que forçosamente acompa-
para seus parentes, seja para os serviços de assistência social, ou nham e se seguem à crise revolucionária, pode não apenas impe-
então encontram alguma forma de emprêgo produtivo onde se dir o aumento das inversões e a melhor ia dos níveis de vida, mas
lhes paga - por motivos humanitários - salários acima de sua também causar grande redução de ambos. Na verdade, não só o
contribuição efetiva à produção social. Não é preciso dizer que a excedente econômico pode desaparecer, mas mesmo o atendimento
crise é mais aguda quando se trata de pe~soas idosas: a reorienta-
do consumo indispensável - particularmente nas áreas urbanas
ção, para nôvo modo de existência, é realizada pelos jovens, com
- pode encontrar sérias dificuldades. É evidente que nada de geral
relativa facilidade. De qualquer modo, porém, o consumo global
pode ser postulado quanto à duração e à profundidade de tal cri-
das classes improdutivas se reduz enormemente.
se. Isto porque dependem da intensidade da luta política associa-
Não se pode, entretanto, supor que essa redução do consumo da com a transição revolucionária, da resistência da classe domi-
improdutivo determine aumento correspondente do excedente co- nante ao nôvo Govêrno revolucionário, e assim por diante. De-
nômico efetivo. Êle determinará, em boa parte e necessàriamente,
uma expansão do consumo popular. É verdade que a expropriação
das emprêsas industriais e de mineração, das ferrovias, dos grandes (40) Na Rússia, antes da Primeira Guerra Mundial, os latifundiários
e os kulaks que contribuíam com cêrca de 50% da produção total de
cereais, destinavam ao mercado 47 e 34% de suas respectivas produções.
Os médios e pequenos camponeses, que contribuíam com a outra metade
(39) Importante modificação do que foi dito acima deve ser feita, da produção total, destinavam ao mercado 14,7% das suas colheitas. Em
obviamente, no caso do bloqueio econômico impôsto, a um país socialista, 1926-1927, os kulaks, produzindo 13% do total de cereais, destinavam 20% .
pelo mundo capitalista. Neste caso, a realização de exportações pode ao mercado, ao passo que os médios e pequenos camponeses, agora con-
tornar-se impossível e as conseqüências imediatas para o país bloqueado, tribuindo com 85,3% da produção total, destinavam apenas 11,2%. Em
calamitosas. O boicote do petróleo iraniano após a nacionalização tem- conseqüência, a cidade recebeu aproximadamente a metade da quantidade
porária da "Anglo-Iranian Cornpany" constitui bom exemplo, apesar de de cereais que recebia antes da Revolução: o fato chocante de que acon-
não se referir a um país socialista. No conjunto, todavia, tais bloqueios tecimentos mais ou menos semelhantes ocorreram na China após o término
não têm nunca longa duração: a concorrência entre os compradores das da revolução foi observado por M. Ganguli, em seu interessante estudo
mercadorias de exportação é sempre suficientemente aguda, de modo que "Reorganization of Chinese Agriculture after Land Reforrn", lndian Economic
o bloqueio é furado logo no início. Isto se aplica, particularmente, a casos Review (agôsto de 1953). Doreen Warriner observa a mesma coisa com
em que as mercadorias em questão são matérias-primas ou produtos ali- relação à Europa oriental e sul-oriental depois de suas respectivas revo-
mentícios de grande procura no mercado mundial. luções. Cf. seu Revolution in Eastern Europe (Londres, 1950).

350 351
pendem, em não menor grau, do entusiasmo, da consciência cí-
vica e da disciplina das massas, bem como da maturidade das fôr-
ças socialistas que tomam o poder e de sua habilidade em encon-
trar políticas justas e em instalar, ràpidamente, o mecanismo da
nova administração. "A diferença entre a revolução socialista e a
revolução burguesa consiste precisamente no fato de que esta úl-
tima encontra prontas as formas das relações capitalistas; ao pas-
so que o poder soviético - o poder proletário - não herda tais
1
relações prefabricadas. .. A organização da contabilidade, do con-
trôle das grandes emprêsas, 'a transformação de todo o mecanismo
econômico do Estado em uma única e imensa máquina, em um
organismo econômico que funcione de forma a possibilitar que
centenas de milhões de pessoas sejam dirigidas por um único pla-
no - eis o enorme problema organizacional, cuja solução estava
em nossas mãos". (41). Neste aspecto, como em muitos outros,
todo nôvo Govêrno socialista enfrenta tarefa bem menos árdua
do que a que se colocou a quem tomou o poder, em momento
anterior, em outro país. A experiência histórica é cumulativa para •< r v Iucl nãrta termina, que o volume de
os que a compreendem; a famosa frase de Hegel - "os povos e ~ que a nova ordem se
os governos nada aprendem com a História" - é a generaliza- , pansão econômica não
ção que o próprio desenvolvimento histórico tornou obsoleta. Os • d c nsumo popular abaixo
partidos socialistas que, no futuro, tomarem o poder em diferen- d impuls inicial em todos
tes países poderão aproveitar a riqueza da experiência (positiva e
negativa) acumulada pela União Soviética, o que os livrará, pelo
menos em parte, da dura prova de caminhar sempre às apalpade-
las - prova que foi o único caminho disponível ao primeiro Go-
vêrno socialista da História da humanidade.
Não se deve, porém, supor que essa circunstância e que a as-
sistência técnica e a ajuda material que os recém-chegados ao cam-
po socialista receberão de seus membros mais antigos serão sufi-
cientes para poupá-los inteiramente de todos os atritos e dificul-
dades do período inicial. Esses atritos e dificuldades, que são mais
ou menos seriamente agravados por intervenções militares, econô-
micas e políticas estrangeiras, determinam "a compressão dos níveis
de vida", tão deplorada e condenada pela literatura burguesa sôbre
(42) Selected Works 111 Two Volumes (Moscou, 1950), vol. lI, Parte
o assunto. Entretanto, como acentuou Lênin, "para a salvaguarda lI, pág, 457. (As dntllS 1863·65 são do texto de Lênin), .
da vitória da... revolução, o proletariado não tem o direito de (48) Na maioria das, economias planificadas da Europa oriental e
sul-oriental, o volume de produção anterior à guerra foi atingido por volta
temer uma queda temporária da produção, do mesmo modo que, de 1949. Cf. Nações Unídas, Economic Survey of Europe in 1949 (1950).
Na China, a produção total em 1952, três anos após a criação da Repú-
blica Popular da China, foi a maior de tôda a história chinesa; cf. Nações
(41) Lênin, op, cit., pág. 420. Unidas, Economic Bulletin for Asia and Far East (novembro de 1953).

352 353
pode deixar ainda um montante suficiente ao govêrno para o im- mais promissor: a chamada "abertura das lâminas da tesoura",
cio de ambicioso programa de investimentos produtivos. Em outros isto é, uma variação dos preços relativos em favor das indústrias
lugares, onde o grosso do produto social (e, portanto, do exce- nacionalizadas. Também essa estratégia é frustrada pela pobreza
dente econômico) é gerado pela agricultura - o que significa que do camponês que se dedica à agricultura de subsistência, cuja eco-
depois da revolução passará a ser gerado por pequenos e médios nomia serninatural reduz a um mínimo a quantidade de produção
camponeses - a mobilização dêsse excedente constitui condição que êle troca por bens man ufaturados mais essenciais (querosene,
indispensável a qualquer esfôrço desenvolvimentista. sal, fósforos, etc.). Por outro lado, os camponeses mais ricos -
:É justamente aí, porém, onde essa mobilização do excedente é os kulaks - que possuem certa quantidade de produtos comer-
indispensável, que as dificuldades que a cercam são bem maiores. ciáveis, tendem a aumentar seu pr6prio consumo ou a usar seus
O aumento do consumo popular determinado pela revolução agrá- excedentes na c mpra de gado e de outros ativos, pertencentes a
ria, embora absorva grande parte do excedente potencial global, outros camponese (ou a ~articulares residentes na cidade), em
só permite melhoria per capita relativamente pequena, e não cons- vez de comerciar com o ovêrno em têrmos inferiores ao que
titui mudança qualitativa do nível de vida do campesinato. Alivia consideram ser a rclaçã le "paridade". O Estado e as coopera-
seu estado de fome, mas não elimina sua imensa pobreza. Todos tivas que se encarregam Ia funções de crédito e distribuição não
os esforços do Govêrno para lançar mão dêsse incremento da ren- podem, enquanto i so, e entr gar às atividades especulativas dos
da real dos camponeses para fins de investimento encontram, por comerciantes e agiotas d pa sado.
ISSO, tenaz resistência. Assim, a mobílização do excedente econômico potencial que
A experiência soviética da década de 1920 constitui, a êsse não era utilizado na estrutura do s cicdadc capitalista pré-revolucio-
respeito, exemplo típico do que acontece nos primórdios de uma nária torna-se o prim ir principul pr blcma a ser resolvido pelo
revolução agrária. Embora um impôsto de renda possa parecer so- Govêrno socialista, unte ti Inícl da execução de qualquer pro-
lução simples para o problema, êsse artifício é inteiramente inútil grama planificado d de CI1V Ivim nt econ mico. De fato, até que
na estrutura da pequena economia camponesa. :E; impraticável tam- essa mobilização e t rne p Ivcl, âmbito da planificação perma-
bém a estimativa da renda auferida pelos camponeses - agora nece limitado em um d S L1S principal a pecto : a distribuição do
em maior número - que se dedicam à agricultura de subsistê- produto total entre COI1 um corrente e excelente econômico. :E;
cia, (44) bem como a cobrança dos impostos respectivos. As auto- neste ponto que reside urnu das diferenças fundamentais entre a
ridades fiscais enfrentam obstinada oposição por parte dos cam- ordem capitalista e a social! ta. No capitalismo, a estrutura do
poneses recém-libertados dos fardos dos impostos e arrendamentos produto social, ua di tribuiç entre o consumo das massas e o
do período pré-revolucionário. Além disso - e êsse aspecto nos excedente econômico, a 1'1" pria repartição do excedente econô-
parece mais importante - a própria natureza da produção das mico entre o con umo capitalista e os vários tipos de investimen-
unidades da agricultura de subsistência torna o pagamento de im- tos, são determinadas pela r lações de produção existentes, pela
postos inteiramente impossível: consiste ela de grande variedade política de maximizaçã dc lucro seguida pela classe capitalista
de produtos agrícolas, dos quais apenas parcela mínima chega ao e pela distribuição exi tente cio meios de produção e da renda.
Em uma economia social i ta planificada, tanto a estrutura do pro-
mercado, o que faz com que o camponês tenha rendas monetárias
duto social como o seu dispêndio estão sujeitos à determinação
insignificantes. A cobrança de impostos em produtos é, por outro
consciente e racional da sociedade socialista. "As condições de
lado-;-tarefã-administrativa irrealizável. Existe ainda outro método
existência que formam o ambiente do homem, que até agora domi-
para "sugar" parte da produção da agricultura, que não é, porém,
naram o homem, passam, nesse momento, ao domínio e contrô-
le dêle, o qual, pela primeira vez, torna-se o senhor real e cons-
ciente da Natureza, porque (e na medida em que) se tornou se-
(44) Antes da guerra de 1914, havia na Rússia de 15 a 16 milhões /'
. de unidades familiares camponesas. ll:sse número, em 1927, havia-se ele- I nhor de sua própria organização social. As leis de sua atividade
vado para 24 ou 25 milhões. social, que até agora o confrontavam como leis externas, como

354 355
leis naturais, dominadoras, serão aplicadas pelo homem com intei-
ra consciência; serão, portanto, dominadas pelo homem". (45)
Tal situação, porém, não existe na medida em que grande (e
j através da contínua expansão e aperfeiçoamento da produção, com
base em técnicas mais adiantadas". (46) Não obstante, a distri-
buição dos recursos entre as exigências materiais e culturais, bem
tremendamente importante) parcela do produto nacional - a pro- como a velocidade da expansão e do aperfeiçoamento da produ-
dução agrícola - permanece inacessível à planificação governa- ção socialista, têm que ser determinadas à luz das condições con-
mental. A única maneira de incluí-Ia no contexto geral da econo- cretas existentes em qualquer fase particular do desenvolvimento
mia nacional é liquidar a agricultura de subsistência como forma histórico de um país. Assim, um país socialista econômicamente
principal de atividade agrícola, e transformar a agricultura em adiantado pode, em certa fase de sua evolução, considerar desne-
indústria especializada, orientada pelo princípio da divisão do tra- cessário lutar por um aumento excepcionalmente rápido de seu
balho e para a produção de mercado, na qual a estrutura da pro- produto material per capita. A eliminação das irracionalidades e
dução, bem como sua distribuição entre o consumo dos que nela do desperdício, que caracterizam a ordem capitalista, e a reorga-
trabalham e o excedente que cabe à sociedade como um todo, nização da produção social podem ser encaradas como tudo o que
podem ser determinadas pela autoridade planificadora, como no caso é necessário para assegurar o uprimento satisfatório de bens ma-
das outras indústrias. Em condições socialistas de produção, essa teriais à sociedade. A sub tituição normal do equipamento produ-
transformação não pode ser efetuada senão por meio de coopera- tivo gasto por outro mais adiantado tecnolõgicamente, aliada ao
ção produtiva dos camponeses e da coletivização - assunto ao investimento produtivo de quantidades relativamente pequenas do
qual voltaremos oportunamente. Embora êsse aspecto da questão produto líquido, pode bastar para proporcionar taxas de cresci-
não deva ser superestimado em prejuízo de outros não menos im- mento que permitam não s6 padrões de vida adequados para uma
portantes, deve-se acentuar que, se não houvesse outras razões po- população crescente, mas também ajuda generosa aos países me-
derosas para a coletivização da agricultura, a necessidade vital de nos desenvolvidos e diminuição acentuada do dia de trabalho. Uma
mobilização do excedente econômico gerado pelo setor primário vez que a expansão das necessidades culturais requererá para sua
tornaria, por si só, a coletivização verdadeiramente indispensável. satisfação investimentos relativamente pequenos e talvez, principal-
Transferindo a colocação da produção agrícola das mãos dos cam- mente, lazer adicional, a autoridade planificadora pode impor li-
poneses para as direções das fazendas coletivas, supervisionadas mites à formação do excedente econômico efetivo. Por outro lado,
pelo Estado, a coletivização destrói a base da resistência dos cam- um país socialista econômicamente atrasado como a União Sovié-
poneses à "drenagem" do excedente econômico. Efetuada a coleti- ca, cercado por potências imperialistas hostis, defrontou com si-
vização, a parcela da produção consumida no campo pode ser fi- tuação bem diferente. As máximas taxas de crescimento da produ-
xada por distribuição direta aos membros das fazendas coletivas, ção material que se podia obter não eram ditadas aí apenas pela
enquanto o consumo de produtos não-agrícolas pode ser regulado necessidade de elevar, substancialmente, a oferta per capita de
mediante a fixação dos preços pagos pelo Govêrno à parcela da gêneros alimentícios, de vestuário, de habitação, etc., - então de-
produção agrícola destinada ao mercado e através dos preços sesperadamente baixa - mas também pela urgência de criar um
cobrados pelo setor nacionalizado da economia pelos bens forne- potencial militar suficiente para conter um agressor estrangeiro. (47)
cidos à população rural. É claro que, em tais circunstâncias, a autoridade planificadora
O fato de que o Govêrno socialista está, assim, em condições procurará dividir o produto global de modo tal que seja capaz de
de decidir sôbre a parcela da produção global que deve ser reti-
rada do consumo e dedicada a investimentos - e (ou) utilização (46) Economic Problems 01 Socialism in the USSR (Nova York,
coletiva - não tem, per se, nenhuma influência sôbre o conteúdo 1952), pág. 33.
concreto dessa decisão. O objetivo da planificação econômica so- (47) "Estamos atrasados em relação aos países adiantados em 50 ou
cialista é, nas palavras de Stalin, "assegurar a máxima satisfação 100 anos. Temos que percorrer essa distância em dez anos. Se não o
das crescentes exigências materiais e culturais de tôda a sociedade, conseguirmos, seremos esmagados". Stalin, Sochinenya (Obras), vol. 13,
(Moscou 1951), pág. 39. É interessante notar que essa afirmação foi feita
a 4 de fevereiro de 1931, isto é, quase dez anos antes da invasão da União
(45) Engels, Anti-Diihring (Nova York, 1939), pág. 309. Soviética pela Alemanha.

356 357
proporcionar o máximo investimento possível nos setores da pro- à relação entre a acumulação e o consumo, é necessário ter em
dução material - base indispensável ao progresso. Semelhantemen- mente que é impossível abordá-Ia visando, simultâneamente, a uma
te, em alguns dos recém-chegados ao campo socialista, a desti- amplitude máxima para ambos... pois êste é um problema inso-
nação maciça de recursos para a defesa pode ser considerada des- lúvel. Nem é possível abordá-Ia com interêsse unilateral, em um
necessária face à localização geográfica do país e de outras con- dado período de tempo, pela acumulação, ou pelo consumo. Le-
siderações, enquanto a construção de meios de transporte pode re- vando em conta tanto a contradição relativa entre êsses elementos
presentar uma necesidade vital. E, em outro país, necessidades edu- como sua interação e interdependência, e considerando que, em
cacionais podem requerer maior atenção, o que faz com que se têrmos de desenvolvimento a longo prazo, os dois interêsses, em ge-
dê menor prioridade a outros setores. Em todos êsses casos, di- ral, coincidem, é necessário abordar o problema sob o prisma da
ferentes proporções da produção global serão destinadas à realiza- combinação ótima entre ambos os fatôres. No que tange à velocidade
ção de investimentos. do desenvolvimento, é preciso também ter em mente a extrema
:É, pois, impossível fazer 'generalizacões
• mesmo sôbre a ozran- complexidade dessa tarefa. O que é necessário aqui é lutar não
deza do produto material global que uma sociedade socialista de- pelo ritmo máximo de acumulação no pr6ximo ou nos pr6ximos
sejará atingir, logo que tenha alcançado certo nível de progresso. anos, mas por uma coordenação tal dos componentes da economia
:É também impossível formular princípios abstratos sôbre a divisão nacional que assegure, a longo prazo, o mais rápido desenvolvi-
do produto global entre consumo e investimento. Além disso, em- mento". (48)
bora a maximização das taxas de crescimento - se fôr isto o A parcela do produto social que se transforma em excedente
que requer a situação concreta - se identifique à minimização econômico efetivo é, dêsse modo, determinada no socialismo à luz
do consumo corrente (ou, inversamente, à maximização do exce- das possibilidades, necessidades e tarefas específicas, características
dente econômico) , seria errôneo igualar essa minimização do de uma dada sociedade socialista e de determinada fase de seu de-
consumo conducente ao crescimento mais rápido, com sua redu- senvolvimento. Em relação à sua magnitude, ao processo pelo qual
ção ao nível mínimo. Face à relação óbvia entre padrões de con- é gerada e aos objetivos aos quais deve servir, nada tem em comum
sumo e capacidade e disposição para trabalhar por parte da popu- com o excedente econômico efetivo do capitalismo. Como exce-
lação, o consumo mínimo compatível com a produção e o cresci- dente econômico planejado, ela tem que ser conservada dentro dos
mento máximos pode significar - e isso acontece na maioria dos limites estabelecidos pelas necessidades da sociedade como um todo;
países subdesenvolvidos - aumento mais ou menos substancial dos como excedente econômico planejado, tem que ser mobilizada de
padrões de consumo vigentes. Se se parte de uma produção inicial maneira tal que o sacrifício que envolve seja repartido, eqüitati-
pequena e de uma situação que, em conseqüência, oferece limita- vamente, por tôda a sociedade; como excedente econômico planejado,
das possibilidades para êsse aumento, êste terá que ser diferencia- tem que ser utilizada de modo a proporcionar, a longo prazo, o
do, proporcionando-se aumentos maiores aos setores em que se es- desenvolvimento ótimo dos recursos materiais e humanos da so-
pera êsse incentivo seja mais eficaz. Embora se possa pensar, à ciedade.
primeira vista, que a maximização das taxas de crescimento exi-
ja a devolução à economia de todos os incrementos de produção
resultantes do investimento corrente, a realidade parece indicar IV
que dividir êsses incrementos de modo a aumentar tanto o investi-
mento como o consumo pode ser método mais eficaz - ou mes- Uma vez que o volume do excedente a ser investido em qual-
mo o único realizável - para atingir o maior aumento possível quer período de tempo é determinado da maneira acima exposta
da produção. a tarefa central dos órgãos planifica dores de uma sociedade socia-
Este problema foi plenamente apreendido pela famosa resolu-
ção do XV Congresso do Partido Comunista da União Soviética, (48 ) VKP (B) v Resolutziakh i Resheniakh S'ezdov, Konierentzii j

intitulada "Sôbre as Diretrizes Referentes à Formulação do Plano Plenumov TsK (Partido Comunista da União Soviética - Resoluções e De-
cisões do Congresso, Conferências e Sessões Plenárias do Comitê Central)
Qüinqüenal de Desenvolvimento Econômico": "No que concerne (Moscou, 1941), Parte 2, pág. 236.

358 359
lista é distribuí-Io do modo mais adequado. Como não pretende- o problema se torna mais complexo quando se trata da agri-
mos invadir o vizinho domínio da teoria da planificação econô- cultura de subsistência. Não há dúvida de que inúmeras coisas
mica, tentaremos aqui simplesmente esboçar as questões que nos úteis podem ser feitas para os camponeses que a ela se dedicam

I
parecem mais importantes. nos países subdesenvolvidos. Quer através de fornecimento de me-
Em primeiro lugar, devemos mencionar a questão - à qual se lhores sementes e melhor gado, quer mediante a assistência agro-
deu muita atenção na literatura ocidental - de saber se o desenvol- nômica ou o suprimento de crédito mais barato, existe sempre a
vimento econômico deve ser procurado através da industrialização, possibilidade de aumentar sua renda real. A melhoria que se pode
ou se o progresso deve ser atingido pela elevação da produtividade obter dêsse modo, entretanto, é tão pequena que o crescimento da
da agricultura. O problema, porém, se torna inabordável quando população impede qualquer aumento apreciável do produto per ca-
se levanta com tal generalidade. Se se aborda concretamente, pita. Não se pode, por conseguinte, esperar que ela venha dar
ou o dilema que envolve desaparece ou a resposta é quase axio- origem a excedentes. Além disso, se tôdas essas medidas não re-
mática. Podemos esclarecer o problema encarando-o em relação sultam em excedentes, elas se tornam ações quase-filantrópicas, as-
aos países subdesenvolvidos capitalistas e supondo que se procura sumem o caráter de dádivas esporádicas, não dinamizam a agri-
a política mais desejável que deve ser seguida pela autoridade pla- cultura e não fornecem base para posterior expansão. De fato, um
nificadora; de outro modo, a investigação perderá todo e qualquer aumento ponderável de produtividade da agricultura depende da
sentido. Esta abordagem pode ser feita considerando-se a agri- aplicação de modernas técnicas de cultivo - energia mecânica, equi-
cultura em suas duas formas predominantes: a agricultura em grande pamento complexo, produtos químicos - que são mais aplicáveis
escala e a agricultura de subsistência. No que respeita à primeira, às lavouras em grande escala. O camponês que se dedica à agri-
nada precisa ser acrescentado ao que foi dito anteriormente. A cultura de subsistência nas regiões atrasadas (e em outros lugares)
mecanização e o aumento da produtividade das grandes proprie- não tem nem os meios para adquirir os implementos necessários,
dades que produzem predominantemente para a exportação difi- nem - e isto é ainda mais importante - poderia empregá-Ias em
cilmente melhorarão as condições dos países em questão. O efeito seus minúsculos lotes de terra.
poderia ser mesmo inteiramente prejudicial, uma vez que a me- :B verdade que a agricultura em grande escala pode emergir -
canização deslocaria certo número de operários agrícolas nativos e e em alguns países adiantados realmente emergiu - durante o pro-
os privaria do modesto meio de vida que tinham antes. Uma vez cesso de desenvolvimento capitalista. Ela foi o resultado daquilo
que os implementos utilizados para a mecanização das operações que denominamos, anteriormente, de "contra-revolução agrária",
agrícolas geralmente são importados, sua produção não ofereceria da penetração maciça do capitalismo na agricultura, de enormes
oportunidades de emprêgo compensatórias. Não se pode contar diferenciações na população rural e da conseqüente evolução dos
também que o aumento da produtividade da fôrça de trabalho capitalistas e do proletariado agrícolas. Além do fato de que êsse
restante resulte em maiores taxas de salário: o excesso da oferta processo foi excessivamente doloroso, acompanhado como foi do
de trabalho deverá eliminar, no nascedouro, êsse movimento. Tudo cêrco das terras e da completa ruína do campesinato, deve-se notar
o que aconteceria seria a expansão dos lucros auferidos pelos pro- que êle só se pôde realizar após se efetuar a transição da fase mer-
prietários estrangeiros e (ou) nacionais das grandes fazendas, maio- cantil do capitalismo para a industrial. Foi precisamente essa tran-
res lucros êstes que seriam remetidos para o estrangeiro ou utili- sição que conduziu à invasão capitalista da agricultura e à revolu-
zados da mesma forma que os auferidos anteriormente. O resul- ção tecnológica da produção agrícola, fornecendo, ao mesmo tempo,
tado não será ainda nada benéfico, mesmo que os maiores lucros tanto um mercado para a produção das grandes emprêsas agrícolas
das grandes fazendas estimulem sua expansão. A criação de novas como uma área, pelo menos parcial, para emprêgo das massas rurais
grandes fazendas acarretará o deslocamento de camponeses que se expropriadas e desalojadas. Assim, deveria ser claro, mesmo para
dedicam à agricultura de subsistência, ocasionará maior pauperiza- aquêles que defendem atualmente êsse caminho para o desenvol-
ção da população rural, determinará novas distorções no desenvol- vimento dos países atrasados, que só através da industrialização
vimento econômico do país subdesenvolvido. dêsses países é que se pode obter aumento considerável da pro-

360 361
/
dutividade de suas agriculturas. Não obstante, a literatura bur- sociedade socialista, o dilema - industrialização ou incremento da
guesa sôbre a questão está cheia de advertências sôbre a "ênfase agricultura - perde todo o sentido, uma vez que o progresso é indi-
exagerada" dada à industrialização, sôbre "o nacionalismo fanático visível, e a manutenção da harmonia entre os dois setores da socie-
que conduz à pressa excessiva do desenvolvimento industrial", e dade é uma das condições fundamentais para o desenvolvimento rá-
assim por diante. De acôrdo com a opinião oficial ocidental, a pido e saudável. Como a revolução social nos países subdesenvol-
ênfase na "prioridade para a agricultura" - admitindo-se, por con- vidos não se pode esperar e, de fato, não "espera... até que a
descendência, a desejabilidade de algumas indústrias de bens de produção capitalista se tenha desenvolvido em tôda parte até suas
consumo - tornou-se o sinal de uma atitude "prudente" e "de es- últimas conseqüências, até que o último pequeno artesão e o último
tadista" em relação ao desenvolvimento econômico dos países subde- pequeno camponês tenham sucumbido à produção capitalista em
senvolvidos. Embora possa haver algum mérito nessa posição, grande escala, (50) o atraso existente na maioria dos países e o es-
quando se trata de alguns países capitalistas subdesenvolvidos que tado quase medieval de sua agricultura representam o maior le-
levaram a cabo a realização de projetos industriais mais ou menos gado do capitalismo que tem de ser superado pela sociedade so-
isolados, sem maiores preocupações de planejá-los adequadamente cialista. O método pelo qual se deve realizar essa superação foi
e de coordená-los convenientemente com outras medidas econômi- indicado por Engels. Para poupar-se os pequenos camponeses da
cas, ela reflete fundamentalmente, não uma preocupação com os in- experiência espontânea e destruidora do deslocamento e da prole-
terêsses dos povos que habitam as regiões atrasadas, mas uma soli- tarização a que os condena a transformação capitalista da agricul-
citude para com os interêsses do capital monopolista do Ocidente. tura, deve-se dar a êles "a oportunidade de introduzirem, êles mes-
Isto foi tão francamente afirmado em importante documento go- mos, a produção em grande escala, não por conta dos capitalistas,
vernamental, citado anteriormente, que é interessante citá-lo aqui mas por sua própria conta, coletivamente" e habilitá-los a efetuar
J.I
mais extensamente. "As potencialidades e os problemas dos países "a transição de sua emprêsa e propriedade para emprêsas e pro-
subdesenvolvidos, bem como a natureza de nosso interêsse em seu priedades cooperativas". (51)
desenvolvimento econômico, indicam o caráter dos programas de
Na União Soviética êsse programa foi desenvolvido por Lênin
desenvolvimento que devemos apoiar i Para os países que pos-
; •

e dotado de conteúdo concreto e de especificidade. Escrevendo em


suem recursos que podem ser explorados para atender a uma pro- 1918, êle o formulou com grande clareza: "o desperdício da fôrça
cura mundial lucrativa, essa pode ser a maneira mais eficiente de de trabalho e de energias humanas, tal como ocorre na pequena
obter bens adicionais... A principal exigência, na maioria dos economia camponesa, não pode continuar. Se se realizar a transi-
casos, é a de um desenvolvimento que incremente a produção agrí- ção dessa economia fragmentada para uma economia socializada, a
cola. Um desenvolvimento dêsse tipo deve ser contrabalançado pela produtividade do trabalho pode dobrar e triplicar; o trabalho hu-
ampliação de condições favoráveis à produção industrial; no início, mano poderia ser então reduzido de duas ou três vêzes, tanto para
particularmente de indústrias leves produtoras de bens· de consu- a agricultura como para a economia em geral. .. Nossa disposição
mo. .. Os Estados Unidos sentirão necessidade crescente de maté- e nosso dever é dirigir (tôdas as fôrças da tecnologia) ... de modo
rias-primas, particularmente minerais, na medida em que suas fontes que o ramo mais atrasado da produção, a agricultura. .. se oriente
internas se esgotarem, progressivamente" (49). por um nôvo caminho, de modo que ela se transforme e que deixe
É claro que o Govêrno socialista de um país subdesenvolvido de ser uma ocupação dirigida irracionalmente e de forma obsoleta,
nada pode ter em comum com tal política de "desenvolvimento", para se tornar atividade baseada na ciência e nas conquistas da
que visa a preservar os países subdesenvolvidos na condição de tecnologia", (52)
fontes de matérias-primas para o Ocidente imperialista, perpetuando,
assim, sua situação de atraso econômico, social e político. Em uma
(50) Engels, "The Peasant Question in France and Germany" em
Marx e Engels Se/ected Works (Moscou, 1949-1950), vol. II, pág. 395.
(49) Report to the President on Foreign Economlc Policies ("Gray (51) Ibid., págs. 393 e 394.
Report"), (Washington, 1950), pág. 59. (Grifo nosso). (52) Sochinenya (Obras), (Moscou, 1947), vol, 28, pág. 319.
É preciso um pouco de reflexão apenas para ver que êsse reco- lugar para investimento remunerador nem perspectiva de que o in-
nhecimento da necessidade urgente do desenvolvimento da agricul- vestimento que se realizasse proporcionaria, em tempo razoàvelmen-
tura nada tem em comum com a noção de que se deva dar prio- te curto, um excedente apreciável para ser usado no desenvolvi-
ridade à agricultura em relação à indústria, ou de que o cresci- mento industrial. Ao mesmo tempo, porém, a criação de fazendas co-
mento da agricultura deva ser considerado como a "principal ne- operativas - que constitui a estrutura sócio-econômica dentro da
cessidade" dos países subdesenvolvidos. Inúmeras vêzes Lênin qual podem ser obtidos o aumento significativo da produção e a
acentuou a enorme importância da industrialização. "A salvação mobilização do excedente gerado pela agricultura - depende da
da Rússia não reside apenas em uma farta colheita agrícola - isto disponibilidade de implementos agrícolas e de outros recursos com
não basta; não se circunscreve a um bom estado da indústria leve, que os quais as recém-criadas fazendas devem ser equipadas. Como
fornece bens de consumo ao campesinato - isto também não basta; Marx e Engels observaram, "o estabelecimento de uma economia
necessitamos também de uma indústria pesada. Para colocá-Ia em coletiva depende do desenvolvimento da maquinaria, da utilização
boas condições, necessitaremos muitos anos de trabalho". (53) Ado- dos recursos naturais e de muita outras fôrças produtivas ... se não
tando um ponto de vista mais geral e mais a longo prazo, observou existem essas condições, a própria economia coletiva não representa
que, "quando a Rússia estiver coberta por compacta rêde de usinas uma fôrça ].!lrodutiva nova, pois carece de tôda a base material e
elétricas e de poderosas instalações técnicas, nossa construção eco- repousa sôbre meras forrnulaçõe teóricas. Isto quer dizer que ela
nômica comunista servirá como exemplo para a Europa e para a não seria mais que um capricho, semelhante ao govêrno de um
Ásia quando elas iniciarem a sua construção do socialismo". (54) mosteiro". (56) De fato, se e tas condiçõe não existem, a cole-
Com efeito, a modernização da agricultura e a industrialização ma- tivização pode possibilitar a mobilização d excedente econômico
ciça são coisas tão ligadas como irmãos siameses. É o crescimen- gerado pela agricultura, ma não conduzirá à elevação do nível da
to da indústria que proporciona à agricultura os meios técnicos ne- produtividade agrícola e, portanto, à transformação da agricultura
cessários a seu desenvolvimento e os bens industriais de consumo em "atividade baseada na ciência e na conqui tas da tecnologia".
que a população rural necessita; é a expansão da agricultura que As fazendas coletivas podem tornar-se grandes latifúndios, admi-
proporciona alimentação para a crescente fôrça de trabalho indus- nistrados por um campesinato faminto, em vez de prósperas em-
trial e inúmeras matérias-primas para a ascendente produção in- prêsas agrícolas que proporcionem padrão de vida elevado a seus
dustrial. Além disso "é justamente. .. (a) poupança de trabalho, membros e grandes excedentes agrícolas para a sociedade. Além
que representa uma das principais vantagens da agricultura em disso, como se poderia induzir os camponeses a aderir às coopera-
grande escala", (55) que constitui o pré-requisito indispensável à tivas de produção (e a nelas permanecer) a passar à agricultura
industrialização, e é a evolução da moderna indústria que fornece coletiva (e a nela permanecer)? É claro que a possibilidade de c,s-
mercado para uma produção agrícola maior. segurar o apoio dos camponeses à coletivização e de despertar seu
É evidente que a compreensão dessa interdependência, por si entusiasmo pela construção de uma economia agrícola moderna de-
só, não indica o ponto de apoio sôbre o qual se pode basear, a fim pende de fazê-los "compreender que i to é de seu próprio interêsse,
de deslocar tôda a estrutura do ponto morto. O excedente econô- que êste é o único caminho para a sua salvação". Isto não pode
mico disponível deve ser usado, em primeiro lugar, para investi- ser realizado "pela fôrça, mas pelo po I r do exemplo e pelo ofe-
mentos na agricultura, ou deve ser dedicado à construção industrial? recimento de assistência social com êsse objetivo". (57) É isto,
A primeira orientação nos conduz ao fato já mencionado de que, precisamente, porém, que é impossível sem uma indústria desenvol-
nas condições da "fragmentada economia" camponesa, não há nem vida: o estabelecimento de fazendas-rnodêlo em número suficiente
para impressionar, e o "oferecimento ele assistência social" em es-

(53) Selected Works in Two Volumes (Moscou, 1950), vol. Il, Parte
11, pág, 697. (56) "Marx und Engels über Feuerbach", Max-Engels Archiv (Franc- "
(54) Sochinenya (Obras), (Moscou, 1947), vol. 31, pág. 486. furt s. d.).
(55) Engels, loco cito (57) Ambas as citações são de Engels, op . cii., págs. 393 e 394.

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cala adequada. O pior é que mesmo um grande esfôrço para con- Prof. Mason, "ao ser estabelecido o equilíbrio entre os chamados
seguir a adesão do campesinato mediante "o poder do exemplo" direitos de propriedade e os chamados direitos humanos, não foram
ou através de assistência maciça poderá defrontar com a suspeita
e a oposição dos camponeses. A superação destas, entretanto, "pres-
.
~, certamente os direitos de propriedade que sofreram". (59) Daí de-
corre a circunstância de que "grande parte do montante do capi-
supõe tal padrão de cultura entre os camponeses. .. que não pode tal de que dispomos atualmente nada mais é que o resultado dos
ser obtida, sem uma completa revolução cultural". E a revolução salários que nossos pais não receberam". (60)
cultural, por sua vez, "defronta com imensas dificuldades de caráter A '!"- Rússia soc~alista tinha que encontrar uma saída diferente para
puramente educacional (pois somos analfabetos) e material (pois, esse impasse. E Isto porque não sõmente não podia contar com a
para sermos cultos, precisamos atingir certo desenvolvimento dos exploração de colônias ou com empréstimos externos, como tinha
meios materiais de produção, precisamos ter certa base mate- que destinar considerável parcela de seus escassos recursos para a
rial)". (58) manutenção do indispensável sistema de defesa. Não obstante, ela
Estas considerações parecem sugerir que a política correta seria decidiu cortar o nó górdio criando uma indústria poderosa e, si-
começar pela indústria, que o desenvolvimento industrial deveria re- multâneamente, suprindo a agricultura com os instrumentos técnicos
ceber todo o apoio possível, e que a revolução social, técnica e necessários para sua modernização e coletivização. A realização
cultural da agricultura deveria ser adiada até que a sociedade hou- dessa tarefa gigantesca somente foi obtida por um preço tremenda-
vesse reunido fôrça industrial suficiente para construir os alicerces mente elevado. Como disse Stalin: "foi necessário aceitar sacrifí-
materiais indispensáveis à reconstrução do setor primário. A pra- cios e impor a mais severa economia de tudo. Foi necessário eco-
ticabilidade dêsse programa depende, porém, da disponibilidade de nomizar na alimentação, em escolas, em bens manufaturados a fim
recursos necessários à expansão adequada da indústria; em outras de se conseguir acumular os meios necessários à criação da indús-
palavras, da capacidade da agricultura em prover um excedente tria. Esta era a única maneira de superar a fome de equipamento
bastante grande, capaz de financiar um volume suficiente de cons- técnico". (61) Os custos não foram apenas econômicos. O prin-
trução industrial. cípio da voluntariedade da adesão dos camponeses às fazendas co-
Poderia parecer que nos estamos defrontando com um círculo letivas foi continuamente burlado. Enquanto as declarações oficiais
vicioso. Não pode haver modernização da agricultura sem indus- acentuavam a natureza voluntária do movimento de coletivização,
trialização, e não pode haver industrialização sem um aumento da tentando dêsse modo contribuir para que se obtivessem os resulta-
dos desejados - a coação e o terror constituíam-se em elementos
produção e do excedente agrícolas. É comum, no universo das re-
lações sociais e econômicas, o encadeamento de fatôres parecer rí- decisivos para a obtenção dessa "profunda transformação revolu-
gido e a circularidade de uma constelação, constrangedora. Isto cionária, dêsse salto de um velho para um nôvo estado qualitativo,
acontece, porém, apenas na medida em que êsse encadeamento e salto que pode ser comparado, em suas conseqüências, à transfor-
mação revolucionária de Outubro de 1917". (62)
essa circularidade são considerados abstratamente - "especulati-
vamente", como dizia Marx. Em uma situação histórica concreta, Não pode haver dúvida de que essa ruptura revolucionária do
existem numerosos elementos que participam do processo e per- atraso centenário da antidiluviana aldeia russa não poderia ser rea-
mitem uma ruptura onde, no "campo da teoria", parecia não haver
saída. Nos primórdios do capitalismo, a solução foi fornecida pela
transfusão em grande escala do excedente econômico de outros (59) Promoting Economic Development (Claremont, Califórnia, 1955),
países (pela pilhagem das colônias ou pelos processos comuns de pág. 44.
(60) Aneurin Bevan, Democratic Values "Fabian Tract n.? 282" (Lon-
importação de capital), bem como pela enorme pressão sôbre o dres, 1950), pág. 12. '
padrão de vida das massas urbanas e rurais. Como bem diz o , (61) Voprosy Leninisma (Questões de Leninismo), (Moscou, 1939),
pag 487.
.. (62) Istroya Vsesoyuznoy Kommunisticheskoy Partii (Bolshevikov) _
(58) Lênin, Selecled Works in Two Volumes (Moscou, 1950), vol. Krakti Kurs (História do Partido Comunista (Bolchevique) da União So-
n, Parte lI, págs. 722 e 723. viética - Curso Rápido) (Moscou, 1938), pág. 281.

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lizada com o consentimento do campesinato irracional, analfabeto a pu O qu a produção da chamadas colheitas técnica (Iinh,
e ignorante. Devemos lembrar aqui que, em inúmeras situações, as alg <.Io e beterraba) mais do que dobrou em relação a 1928. (O~)
exigências objetivas do desenvolvimento social colidem com a idéia Assim, não s6 foi resolvido o problema da alimentação, tanto
que os indivíduos têm dessas exigências. Essa idéia pode mesmo na aldeia coletivizada como nos centros urbanos que cresciam rà-
obstruir e retardar o processo histórico; não pode, porém, pará-Io pidamente, mas também propiciou-se às indústrias de bens de con-
para sempre. Além disso, as atitudes dos indivíduos em relação a sumo a base de matérias-primas indispensável ao seu crescimento,
qualquer direção determinada dos acontecimentos, longe de serem e o Govêrno ficou em condições de acumular reservas substanciais
rígidas e imutáveis, tendem a se harmonizar com as mudanças de alimentos para possíveis emergências. O papel que essas re-
objetivas - algumas vêzes devagar, outras ràpidamente. O impor- servas desempenharam durante a guerra, alguns anos mais tarde,
tante para que essa harmonia surja após um lapso de tempo é que é bem conhecido. A história, porém, não termina aqui. Igual-
as mudanças efetuadas correspondam às necessidades, objetiva- mente importante é o fato de que o aumento da produção agrícola
mente existentes e determináveis, da sociedade. O que assegurou o foi acompanhada da liberação, pela agricultura, de cêrca de 20 mi-
sucesso final à coletivização da agricultura na Rússia - não obstan- lhões de pessoas, o que possibilitou a migração de trabalhadores
te todo o sofrimento ocasionado em sua fase inicial - foi a cir- do campo para a cidade - migração indispensável à expansão in-
cunstância de que essa era única via de acesso à ampla avenida do dustrial. Essa migração refletiu a elevação da produtividade agrí-
progresso econômico, social e cultural. O fato de que a fôrça teve cola per capita de 60%, verificada entre 1928 e o fim da década
que ser usada na transformação revolucionária da agricultura "nãc de 1930. (66) Esta elevação, por sua vez, foi o resultado do "ofe-
implica", como diz Oskar Lange, "que o govêrno soviético não es- recimento de assistência social" à agricultura, em escala enorme.
tivesse interessado em obter a aprovação da população para seus Tendo recebido durante o Primeiro Plano Qüinqüenal cêrca de
objetivos, bem como para os métodos de atingi-los. Esta aprovação, 250.000 tratores e quase o dôbro até o fim do Segundo Plano Qüin-
contudo, foi obtida ex post facto, através da propaganda e das ati- qüenal, a agricultura russa "anteriormente uma das mais atrasa-
vidades educacionais do Estado e do Partido Comunista". (63) Mais das ... [pôde] acumular no espaço de alguns meses um enorme ca-
importante ainda é que esta aprovação foi obtida graças ao fato pital de produção - em maquinaria agrícola e em construções -
convincente de que a realização material foi tal que demonstrou, e mecanizar as principais lavouras em extensão muito maior do que
para número cada vez maior de pessoas, que a coletivização era outros países haviam realizado durante um longo período. (67) Em
um passo enorme, e mesmo indispensável, no sentido do desenvol- suma - tomando emprestadas as palavras do autor de monumental
vimento econômico e social. Embora "a principal contribuição que estudo sôbre a agricultura russa e cuja atitude crítica em relação à
as formas coletivas de agricultura deram ... (nos) difíceis anos União Soviética é bem conhecida - "o impulso da socialização na
do primeiro qüinqüenio ao progresso da industrialização tenha sido agricultura atingiu, em grande parte, seu principal objetivo eco-
o aumento substancial do excedente comerciável da produção agrí- nômico que era o de servir como base para o impulso de indus-
cola", (64) foi possível, em quatro anos, superar a maioria dos efeitos trialização. Isto, porém, foi tudo o que conseguiu ... " (68)
negativos que a coletivização repentina teve sôbre a produção agrí- Na realidade, isto é "tudo"! A história da industrialização
cola. E, no último ano do Segundo Plano Qüinqüenal, a colheita soviética foi contada várias vêzes e não há necessidade de repeti-Ia.
de cereais atingiu nível recorde, em relação a tôda história da Rússia, Basta lembrar que as taxas de crescimento da produção industrial
desde o início da campanha de industrialização - não levando em

(63) The Working Principies o] Soviet Economy (Nova York, 1943), (65) Cf. A. Baykov, The Development ot the Soviet Economic System
pág, 7. (Cambridge e Nova York, 1947), pág. 325.
(64) Maurice Dobb, Soviet Economic Development Since 1917 (Londres, (66) Dobb, op . cit., págs. 253 e 285.
1948), pág. 247, onde se diz que "a colheita de 1923-3 ... foi quase o (67) Baykov, op. cit., pág, 323.
dôbro da de seis anos antes, no que respeita a cereais e batatas, e mais (68) Naum Jasny, The Socialized Agriculture o] lhe USSR (Stanford,
do que o dôbro, para o algodão, o linho e a lã". Califórnia, 1949), pág, 33.

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conta os anos da Segunda Guerra Mundial - situaram-se acima A "revolução vinda de cima", que consolidou a ordem socia-
de 18% ao ano, enquanto a produção global cresceu à taxa de 16% lista na Rússia e que marcou o efetivo início da planificação socia-
aproximadamente. "Essa taxa de crescimento significa a duplicação lista global, determinou uma rápida deterioração da situação eco-
em cada qüinqüênio; e é quase duas vêzes maior do que a observa- nômica imediata, uma séria ruptura do fluxo normal da produção
da, no mundo capitalista, em períodos de excepcional prosperidade, agrícola (e de bens de consumo) e ocasionou dolorosa diminuição
como nos Estados Unidos, na segunda metade. da década de 1880 do padrão de vida. Ela foi, nestes aspectos, bem semelhante à
(8,6%); na Rússia, na década de 1890 (8%); ou no Japão, entre maioria das rupturas revolucionárias que a História registra. Embo-
1907 e 1913 (8,6%). Compare-se com ela a taxa de crescimento ra a doença que provocou fôsse aguda e dolorosa, esta não era mais
da produção industrial dos Estados Unidos, entre 1899 e 1929, que que uma doença de crescimento: atingiu seu ponto crítico
foi de 5% e a da Inglaterra, entre 1885 e 1913, que atingiu com enorme rapidez e deu lugar, em poucos anos, à convalescença.
3% (69). Ao término do Primeiro Plano Qüinqüenal, os piores aspectos da
"compressão" do consumidor haviam desaparecido; em 1935 o ra-
cionamento pôde ser abolido; o "padrão de vida, em 1937, era
(69) Maurice Dobb, "Soviet Economy: Fact and Fiction" Science provàvelmente mais levado do que em qualquer outro ano desde
and Society (primavera de 1954). "Inspirados" pelas exigências da guerra 1928 (ano em que e iniciou o Primeiro Plano Qüinqüenal) e, de
fria e pelas óbvias implicações, para os países subdesenvolvidos das reali-
zações da planificação socialista, grande número de especialistas em assuntos
acôrdo com certas informações, pode mesmo ter superado o da-
soviéticos, especialmente nos. Estados Unidos, se empenhou em diminuir quele ano". (70) Embora a elevação dos níveis de vida tenha sido
essa realização histórica sem precedente. Entretanto, mesmo o mais audaz .interrompida pela ameaça de guerra e, em particular, pela própria
de todos, o Sr. J asny, não pôde deixar de reconhecer um crescimento guerra, a década que se seguiu ao término do conflito presenciou
anual de 8 a 9 por cento da renda, entre 1928 e 1937. The Soviet Economy
o retôrno à antiga tendência de melhoria rápida e contínua do
During the Plan Era (Stanford, Califórnia, 1951), pág, 85. Outros pes-
quisadores, embora dispostos a "rever" e a "corrigir" as estatísticas so- padrão de vida da população. Em fins de 1954, era êle, aproxima-
viéticas, não fazem mais que corroborá-Ias. O Prof. D. R. Hodgman, em damente, 75% superior ao do último ano anterior à guerra. (71)
Soviet Economic Growth (ed, A. Bergson) (Nova York, 1953), apresenta
um índice de produção industrial que evidencia uma taxa de crescimento
Emergem do que foi dito duas importantes conclusões: a) sob
anual de 15 a 16% para o período compreendido entre 1927-1928 e 1937, condições de planificação socialista, não existe o problema de se o
e de cêrca de 20% para os anos de 1946 a 1950. O Prof, Alexander desenvolvimento deve ser realizado através da industrialização ou da
Gerschenkron, por outro lado, mostrou, após cuidadosa análise, que não modernização da agricultura: êle só pode ocorrer mediante esforços
há razão para se suspeitar da existência de uma "tendenciosidade para mais"
que seja maior nas estatísticas soviéticas do que em qualquer outra série
de números índices. Embora houvesse afirmado que "a exata medida da -
infelizmente tão ilusória - tendenciosidade dos números índices de 1926- parte de uma campanha de calúnias contra a planificação socialista, cujo
1927 deve ainda permanecer uma questão sujeita a conjeturas (A Dollar resultado histórico, entretanto, está bem acima dessas questiúnculas sem
lndex ot the Soviet Machinery Output 1927-28 to 1937) (The Rand Cor- sentido. Nas palavras do Sr. P. J. D. Wiles: "se as deflacionarrnos, essas
poration, 1951), pág. 58, êle não achou necessário tirar a conclusão a que estatísticas (soviéticas) continuam a mostrar uma taxa de crescimento da
conduziam suas próprias investigações, e repudiar as especulações inten- produção industrial permanentemente maior do que as que foram alcan-
cionais sôbre a "tendenciosidade" das estatísticas. soviéticas. Há algum çadas em qualquer época por qualquer país capitalista. Não conheço um
tempo atrás, eu também partilhava da opinião de que tal tendenciosidade ma- só especialista, por mais cético ou politicamente hostil que fôsse, que pro-
culava a fidedignidade das. estatísticas soviéticas sôbre renda nacional (cf. meu vasse o contrário". Carta a The Economist, 19 de setembro de 1953. (Os
"National Income and Product of the U.S.S.R in 1940") Review oi Eco- grifos são do original) .
nomic Statistics (novembro de 1947). Após. estudos e reflexões entretan-- (70) A. Bergson, Soviet National lncome and Product in 1937 (Nova
to, cheguei à conclusão de que, na medida em que tal exagêro realmente York, 1953), pág. 10. Em nota inserida nessa mesma página, o Prof.
existe, êle é uma falha comum a tôdas as comparações intertemporais Bergson se refere ao fato de que mesmo os cômputos. do Sr. Jasny mostram
mediante números índices, e de que, por outro lado, há inúmeros dados que o padrão de vida em 1937 superou em 10% o de 1928.
referentes a produções físicas parciais que corroboram plenamente a im- (71) Cf. Informe de Malenkov ao XIX Congresso do Partido Co-
pressão geral fornecida pelas estatísticas globais soviéticas. De qualquer munista, a 5 de outubro de 1952, e o Informe sôbre o Cumprimento do
modo, a atual preocupação corrente sôbre as informações oferecidas pelas Plano Econômico para 1954, publicado pelo Pravda de 21 de janeiro de
estatísticas. soviéticas, e os esforços dos Srs. Jasy, Gerschenkron, Schwartz 1955.
e outros nada mais são do que exercícios de "ciência pura"; êles são

370
371
simultâneos em ambas as direções. As dificuldades envolvidas são, recursos da produção industrial. Em consequencia, a relação ca-
sem dúvida, enormes, embora suas naturezas e suas intensidades pital-produto deve ser tornada tão favorável quanto possível, uti-
variem ao longo do desenvolvimento histórico. Assumem elas lizando-se todo o equipamento disponível na indústria, nos trans-
formas diversas: ameaça estrangeira à segurança do país socialista, portes e na agricultura até os limites máximos de sua capacidade
irracionalidade das camadas populares ainda sob a influência de de produção. (13)
ideologias herdadas do passado capitalista, escassez de recursos em
inúmeros setores. Devido à circunstância de serem intimamente
relacionadas, não podem ser superadas isoladamente. Assim como v
a pobreza, o analfabetismo e a doença dão origem à mitologia, às
superstições religiosas e ao obscurantismo, o atraso ideológico re- o segundo problema que surge em relação à tarefa da dis-
tarda o desenvolvimento das fôrças produtivas. Assim como o pe- tribuição ótima do excedente econômico é se o desenvolvimento
rigo de agressão capitalista impede a utilização de recursos para econômico deve realizar-se através da expansão das indústrias (pe-
fins racionais, o atraso e a conseqüente debilidade militar aguçam sadas) de bens de produção ou através do aumento das indústrias
o apetite do imperialismo. Contudo, se essa interdependência torna (leves) de bens de consumo. 1jste problema envolve a distribuição
extremamente árdua a tarefa do Govêrno socialista no período da renda nacional entre consumo e excedente econômico, ou - o
inicial, se origina a necessidade premente de atacar simultâneamente que é, pràticamente a mesma coisa - o ritmo de crescimento que
em várias frentes - é essa mesma concatenação dos fatôres deter- deve ser alcançado durante o período de planejamento que se con-
minantes das possibilidades de progresso em um dado momento sidera. Ao analisar a reprodução ampliada, Marx formulou cla-
que faz com que se atinja ràpidamente cada uma das sucessivas ramente a condição básica para o crescimento econômico: o pro-
etapas; b) o que a experiência da União Soviética e a de outros duto bruto do Departamento I (indústrias produtoras de bens de

I
países socialistas demonstram claramente é que o excedente econô- produção) tem que exceder a procura de substituição de bens de
mido efetivo não precisa ser maximizado a fim de se obter taxas produção, gerada tanto no Departamento I como no Departamento
de investimento e de expansão econômica tremendamente elevadas. li (indústrias de bens de consumo). (74) Ou, como diz Lênin:
Estas são inteiramente compatíveis com razoável e contínuo au- "para expandir a produção ... é necessário produzir, em primeiro
mento do padrão de vida das populações. (12) Elas são possíveis lugar, os meios de produção e isto exige, em conseqüência, a ex-
se façam uma distribuição correta e uma utilização racional do pansão daquele ramo da produção social que constrói os meios de
excedente econômico disponível para investimento produtivo. En- produção". (15) Evidentemente a quantidade de meios de produ-
quanto a primeira deve ser governada pelas necessidades de longo ção adicionais, que deve ser produzida em um dado ano, depende
prazo do processo de crescimento econômico, e não pelo desejo do ritmo de expansão do produto global que se pretende atingir
de rápidos e imediatos acréscimos da produção de bens de consu- nos anos subseqüentes.
mo, a utilização racional é sinônimo da máxima exploração do ca-
Sim, pois as indústrias produtoras de bens de produção que
pital produtivo disponível. Diante disso, a política de investimento
forem criadas produzirão, durante todo o período de seu funcio-
deve dar ênfase primordial ao desenvolvimento da indústria - ele-
vando, ao mesmo tempo, a agricultura ao nível em que ela se
torna capaz de sustentar o processo de industrialização - de forma
(73) Calcula-se que a relação capital-produto na União Soviética seja
a se poder, no momento devido, dar meia volta e proporcionar à
aproximadamente a metade do que é nos países ocidentais. Em vista da
agricultura grande expansão com o auxílio dos agora acrescidos menor qualificação dos trabalhadores russos, em muitos ramos. da economia,
êste fato sugere que os ativos produtivos são na URSS utilizados, no mí-
nimo duas vêzes mais intensamente, Academia de Ciências da URSS, Ins-
(72) Isto foi acentuado inúmeras vêzes, e de forma correta, por tituto de Economia, Politicheskaya Ekonomva-Uchebnik (Compêndio de
Maurice Dobb. Cf. os seus livros Soviet Economic Development Since Economia Política) (Moscou, 1954), pág. 470.
1917 (Londres, 1948), em particular o Capítulo 10, e Some Aspects ot (74) Capital (edição Kerr) , vol, lI, Capítulo 21.
Economic Development (Nova Deli, 1951), págs. 37 e passim, (75) Sochinenya (Obras) (Moscou, 1947), vol, 2, pág. 137.

372 373
(I

namento, bens de investimento; êstes bens de investimento só serão senas tensões econômicas e políticas e pôr em perigo a realização
convenientemente utilizados se o volume de inversão durante aquê- dos planos de desenvolvimento. (78)
le período fôr suficiente para absorver a produção de tais indústrias. Como mencionamos anteriormente, o país socialista que atingir
Em outras palavras, o excedente econômico neste período deve o estágio em que não mais se considere necessária a realização de
igualar a produção física das indústrias produtoras de bens de investimentos líquidos reduzirá seu excedente econômico ao mon-
investimento. Inversamente, se as indústrias recém-instaladas devem tante indispensável à manutenção de reservas para certos gastos co-
produzir bens de consumo, elas só serão adequadamente utilizadas letivos, como os de administração, etc., e expandirá a produção na
se o consumo se expandir (e o excedente se contrair) o suficiente li'
medida em que se fizer necessário para atender ao crescimento da
para proporcionar um mercado adequado à sua produção. A de- população mediante a substituição de maquinaria gasta por equipa-
cisão sôbre a velocidade que se deseja imprimir ao crescimento mento tecnicamente mais aperfeiçoado. Neste caso, a capacidade
econômico determina, pois, tanto a parcela da renda nacional que de produção do Departamento I deverá ser reduzida ao nível ne-
deve constituir o excedente econômico como a natureza física do cessário para atender apenas as exigências de substituição. Essa
investimento necessário. Grandes investimentos em indústrias pro- diminuição de capacidade deverá ser efetuada através da conversão
dutoras de bens de produção equivalem a manter taxas de cresci- das instalações existentes, mediante a paralisação de sua substituição.
mento elevadas durante todo o período de planejamento; um pro- É necessário dizer que nenhuma das economias planificadas hoje
grama que vise ao desenvolvimento econômico através da criação existentes está perto dêste estágio; a contínua ênfase que se dá,
de indústrias produtoras de bens de consumo significa, automàti- nesses países, ao investimento na indústria pesada reflete o fato
camente, não apenas investimento inicial menor, mas também taxas inegável de que a rápida expansão do produto global permanecerá
de crescimento subseqüente muito mais baixas. (16) Não quer na ordem do dia ainda por muito tempo.
isto dizer que o investimento possa ser orientado para um objetivo
com a exclusão do outro. A expansão do Departamento I requer
aumento do suprimento de bens de consumo para os operários
empregados nas indústrias de bens de produção; o. investimento no VI
Departamento 11 exige incremento da oferta de bens de produção
para equipar as novas instalações produtoras de bens de consu- Intimamente relacionado a estas questões está o terceiro pro-
mo. (77) A principal tarefa das autoridades planificadoras é jus- blema de planificação para o desenvolvimento econômico. Resu-
tamente a manutenção das proporções exigidas para que o processo me-se êle na tradicional questão de se devem ser escolhidos para os
de desenvolvimento prossiga harmoniosamente. Os erros que se programas de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos os mé-
cometeram a êste respeito, particularmente no que tange ao cres- todos de produção que usam fundamentalmente capital ou os que
cimento suficiente da produção de bens de consumo, poderão causar utilizam predominantemente trabalho. Na literatura convencional
sôbre o assunto, a resposta a esta questão é tratada como uma con-
clusão já firmada. O Professor Nurkse, por exemplo, escreve que,
(76) Ver a êsse respeito o excelente estudo de Maurice Dobb, "Rates nos países subdesenvolvidos, "não se deverá desejar nem permitir
of Growth Under the Five-Year Plans", Soviet Studies (abril de 1953), a mesma intensidade de capital que nos países econômicamente
reproduzido em seu On Economic Theory and Socialism (Londres, 1955). adiantados". (19) Êste ponto de vista geralmente se baseia na
(77) O acesso ao comércio estrangeiro não altera a essência da ar-
gumentação. Neste caso, as indústrias de exportação, independentemente
da natureza física de sua produção, tornam-se indústrias de "bens de pro-
(78) Tais erros foram cometidos na União Soviética, bem como em
dução", pois. o seu produto - divisas estrangeiras - pode ser convertido
alguns países socialistas do leste e do sudeste da Europa, e criaram con-
em bens de capital. Se tal caminho é ou não aconselhável depende dos
sideráveis dificuldades ao abastecimento das cidades. Cf. o interessante
recursos naturais do país em questão, das possibilidades comparativas de
estudo "The Economy of Hungary, 1950 to 1954", Nações Unidas, Eco-
aumento de produtividade das indústrias de bens de produção e das que
trabalham para a exportação, bem como das relações de troca que o país nomic Bulletin for Europe (agôsto de 1955).
em desenvolvimento pode esperar depois da expansão de suas exportações. (79) Problems of Capital Formation in Under-Developed Countries
(Oxford, 1953), pág, 45. A citação seguinte é da mesma obra, pág. 44.

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375
existência, na maioria dos países subdesenvolvidos, de grande ex- que ser pago o salário industrial vigente, o que significa que lhes
cedente de população rural, cuja transferência do estado de de- tem que ser assegurada a quantidade de alimentos, roupa, etc., que
semprêgo "disfarçado" para alguma outra ocupação resultaria em í constitui o padrão de vida socialmente necessário no país em questão.
aumento da produção global. Não levaremos em conta aqui a su- Além da dificuldade de obter os alimentos necessários - uma vez
gestão artificial - que evidentemente não foi feita para ser tomada "
J
que o fato crucialmente importante sôbre o desempregado rural
a sério - de que "os operários que trabalham no setor de investi- "disfarçado" é que êlc não traz consigo seu alimento - há a obser-
mento, antes de começar a construir uma peça de capital fixo como var que a necessidade de suprir de bens de consumo os operários
uma estrada, podem sentar-se e fabricar êles mesmos as ferramen- empregados nos novos projeto de investimento implica que, se são
tas primitivas mais necessárias, partindo, se necessário, do nada". utilizadas técnicas que usam fundamentalmente trabalho, a expansão
Isto pôsto, deve ser dada, a um trabalhador transferido da agri- do Departamento I requer uma expansão do Departamento II maior
cultura para um emprêgo industrial, uma quantidade de equipamento do que se são escolhidas técnicas que usam predominantemente ca-
produtivo pelo menos suficiente para habilitá-lo a produzir o equi- pital. As primeiras acarretam, portanto, retardamento do processo
valente à sua própria subsistência. A não ser que isto possa ser de expansão, uma diminuição da taxas de crescimento econômico.
feito, sua transferência envolveria um subsídio consumo para o Isto é muito bem formulado por Mauricc Dobb e não podemos
nôvo trabalhador, reduzindo, portanto, o excedente econômico de aqui fazer nada melhor que expor suas conclu õcs com suas próprias
que dispõe a sociedade para fins de investimento. Além disso, a palavras: "A escolha entre formas de investimento que usam mais
transferência do campo para um centro industrial, de uma pessoa ou menos predominantemente capital nada tem a ver com a pro-
que se encontre em situação de desemprêgo "disfarçado", requer porção de fatôres existente.,. Ela não depende da proporção
uma série de gastos em habitação, serviços urbanos, hospitais, es- existente entre trabalho e capital disponível (tratados como esto-
colas, etc., os quais calculados em têrmos per capita podem fàcil- que), mas sim das mesmas considcraçõc que determinam a escolha
mente significar a duplicação do montante necessário para equipar entre uma taxa de investimento elevada e uma baixa ... ou seja,
um operário industrial adicional. Se êstes dispêndios forem levados a importância a ser atribuída ao aumento de consumo no futuro
em consideração, as técnicas que utilizam fundamentalmente tra- imediato comparado com O acréscimo potencial de consumo em
balho. podem muito bem envolver um gasto de capital por unidade futuro mais distante, que uma taxa de inve timento e uma forma
de produção maior do que as técnicas que usam predominante- de investimento determinadas tornarão pos ível. Em outras pala-
mente capital. (80) vras, as mesmas razões que justificariam uma taxa elevada de in-
Há uma observação complementar a fazer que não é menos vestimento. .. justificariam também um alto grau de intensidade
importante que as anteriores. Aos novos operários industriais tem de capital na escolha das formas de investimento, e vice-versa. (81)
Além disso, ao decidir entre a utilização de técnicas que usam
(80) Parece-nos que devemos fazer uma restrição ao que foi dito. intensamente capital e técnicas que se baseiam predominantemente
acima, na medida em que parte da fôrça de trabalho industrial potencial
se constitui não de desempregados "disfarçados" rurais, mas de uma varie-
no trabalho, as autoridades planificadoras devem ter em mente
dade um pouco diferente de desempregados: aquêles que já vivem nas que a abundância e a modicidade dos preços da fôrça de trabalho
cidades. ltles não devem ser confundidos com o que se tem chamado disponível pode ser apenas uma condição temporária, que antecede
de "desempregados keynesianos": indivíduos que perderam seu emprêgo em a realização de uma dada etapa do programa de desenvolvimento.
virtude de contrações da produção, ocasionadas por depressões gerais ou
parciais. Aquêles são pessoas que vieram para a cidade à procura de tra- Cônscio da procura global de trabalho que seu próprio plano
balho e ingressaram nas fileiras dos desempregados "não-disfarçados", ve- ocasionará, o órgão planificador deve considerar que relativamente
getando à margem da sociedade graças a ganhos ocasionais. esmolas, roubos, cedo - durante a vida útil do equipamento a ser instalado - o
etc. Em alguns países, o número dêsses "lumpenproletários" é bem grande.
Sua importância para a nossa argumentação é bastante reduzida pelo fato
de que a maioria dêles se desmoraliza a ponto de se tomar essencialmente
(81) "A Note on the So-Called Degree of Capital-Intensity of In-
não-empregável. Nos casos em que seu ernprêgo é possível, não se pode
vestment in Under-Developed Countries", Economie Appliquée (Paris 1954),
esperar que se transformem em trabalhadores úteis, se se permite que
n.? 3, reproduzido em On Economic Theory and Socialism (Londres, 1955),
permaneçam nas favelas em que normalmente "residem". de onde extraímos a citação acima (pág, 149).

376 377
trabalho pode transformar-se de fator relativamente abundante em à Rússia, naquele período, a obtenção de consideráveis empréstimos
fator relativamente escasso, sobretudo quando se trata de trabalho a curto prazo, concedidos pelos países capitalistas severamente atin-
qualificado.
gidos pela depressão e que se mostravam ansiosos em abrir novos
Isto, porém, não é tudo. O desenvolvimento econômico, como mercados para suas exportações, contribuiu também para o desen-
já vimos, baseia-se na expansão das indústrias produtoras de bens volvimento econômico russo ao permitir à União Soviética a aqui-
de produção. Dificilmente existirá um bem de produção que possa sição de substancial quantidade de equipamento industrial que ela
ser produzido pelos trabalhadores dêsse setor se êles "se sentarem"
era têcnicarncnt incapaz de produzir internamente. (82) Se a
e "partirem do nada". De fato, as técnicas exigidas para a pro-
importação de tal maquinaria tivesse sido impossível, as dificuldades
dução de tratores ou de máquinas-ferramentas, de equipamentos elé-
iniciais do procoss do industrialização teriam sido ainda maiores,
tricos ou de alumínio deixam pouca margem para escolha entre
e os sacrifícios a 810 relaeJonados ainda mais prolongados e penosos.
processos que usam fundamentalmente capital e os que usam pre-
Foi somente apó término do Primeiro Plano Qüinqüenal que
dominantemente trabalho. Na maioria dos casos, a única escolha
o comércio da R(I ia c m s demais países declinou acentuadamen-
possível é produzir ou não produzir certa mercadoria. Assim, os
te e o país ale nç li quuse o n pleta auto-suficiência, tanto econô-
países subdesenvolvidos podem industrializar-se e dêsse modo usu-
mica como técnica, (HII)
fruir a única vantagem que o desenvolvimento histórico lhes propi-
ciou - a possibilidade de aproveitar os progressos científicos e A po ição da Rúseiu 118t I articular foi muito pouco típica:
tecnológicos dos países mais adiantados - ou renunciar à industria- há poucos países no mund fi q raís se poderia aplicar, hoje em
lização e se contentar com as poucas migalhas da rica mesa do dia, a famosa fruse d Uni" - têm "tudo que é necessário e su-
progresso técnico obtida através da importação de equipamentos de ficiente para c n [rui!' uma ci dado sociall ta". Na maioria dos
segunda mão dos países industriais, o que lhes possibilitará elevar
seu "bem-estar" a passo de lêsma. O fato de os economistas darem
preferência às técnicas que usam predominantemente trabalho ao uma unâllse breve das relações econômicas
da União Soviética m o Rtrnnll 11'0, eC. meu "The U.S.S,R. in the World
formularem programas de desenvolvimento econômico está longe, Econorny", em Foro It lJ.''()//()/ItY Pottc» /01' lha Unlteâ Situes (ed. S. E.
por conseguinte, de ser uma falácia teórica "inocente", como pode Harris) (Cambridgc. MU"IHIChIlN LlH, 1 48).
parecer à primeira vista. Ele representa importante elo na cam- (83) O que do rot ,I v ('111 S r evld ruo por si mesmo, mas que
panha atualmente empreendida para provar, "cientificamente", que precisa ser frisado em vlrtud (i fi' qtlOl11c ccníus o e deformação, é que,
os países atrasados devem "caminhar devagar" (ou melhor ainda, em nenhuma épocn, 'HP01', puru olcançar independência econômica em
relação ao mund clIv1tnllstn P J dltlldo V r uma "filosofia de autarquia" ou
não caminhar) na direção da industrialização e do desenvolvimento por noções irracionais som lhruu 8. '10 foi governado exclusivamente pela
econômico. constatação do contínuo p riso de 1181'01\>5 o econômica e militar estrangeira,
bem como pela nec asldnd ti tomar o desenvolvimento econômico da
Rússia independente dos osclluçõ H dos mercados internacionais. Se a
primeira consídoruçã enc ntruva 01' 1 na experiência da intervenção oci-
VII dental logo após u RovohlÇ O, o última era inteiramente justíficada pelo
desenvolvimento das relnçõ s de troca dos, países exportadores de matérias-
Ao longo de tôda essa discussão, supusemos, implicitamente, primas. Já em utubro do 1927, a Resolução do Comitê Central do Par-
tido Comunista, ao formular os princípios a serem seguidos na preparação
que um país socialista, que planeja o seu desenvolvimento, repre- do Primeiro Plnn Qülnqücuul, declarava explicitamente: "Levando em
senta uma economia fechada em meio a um cêrco capitalista hostil. conta a possibilidade de tll1res, 50 militar dos países capitalistas contra o
Mesmo em relação à Rússia, esta hipótese é bastante irrealista. Com primeiro Estado prol tiíri de tecla a História, é necessário executar o
efeito, embora as relações econômicas da Rússia com o estrangeiro Plano Qüinqüenal de modo a dar o máximo de atenção àqueles ramos
da economia naci nal em geral, c da indústria em particular, que desem-
não tenham sido muito intensas depois da Revolução, o intercâmbio penharão o principal papel em assegurar a defesa e a estabilidade econô-
econômico com o mundo capitalista desempenhou importante papel mica do país em tempo de guerra". VKP (B) v. Resolutziakh i Resheniakh.
no processo de sua industrialização, particularmente nos anos do S'ezdov, Konjerentzli I Plenumov TsK (Partido Comunista (Bolchevique )
da União Soviética - Resoluções e Decisões de Congressos, Conferências e
Primeiro Plano Qüinqüenal. Esse intercâmbio não só possibilitou
Sessões Plenárias do Comitê Central) (Moscou, 1941), Parte 2, pág, 202.

378 379
tas concederão empréstimos em condições adequadas a outros países
outros países, particularmente nos subdesenvolvidos, a estrutura socialistas. A possibilidade aqui ainda são, por enquanto, bastante
econômica e os recursos naturais de que dispõem são tais que as limitadas, face à pobreza mesmo dos países socialistas mais adianta-
relações econômicas com o mundo exterior constituem não apenas dos, ou melhor, menos atrasados.
uma diminuição altamente desejável das dificuldades econômicas A oportunidade de obter empréstimos externos é, porém, apenas
que, de outro modo, seriam insuperáveis, mas também uma condi- uma - e não é a mais importante - das vantagens que decorrem
ção para a sua própria sobrevivência. Mesmo um país tão extenso dos contatos econômicos com países estrangeiros. O que é talvez
e tão rico em recursos naturais como a China teria tropeçado em bem mais importante - e mesmo vital - para vários países é a
inúmeras dificuldades para a construção dos alicerces de uma eco- possibilidade de comerciar parcela mais ou menos grandes de sua
nomia industrial se não tivesse tido a possibilidade de importar os produção nacional bem como a capacidade de obter a variedade
equipamentos industriais (e agrícolas) mais essenciais. E o que física dos bens necessários a seu consumo e a seus investimentos
é verdade para a China aplica-se, a fortiori, a outros países atrasa- industriais e agrícolas. ~ certo que a maioria, se não a totalidade,
dos bem menos auto-suficientes. dos países do mundo poderia ori ntar eu recursos produtivos de
Muito pouco se precisa dizer sôbre os benefícios que um país modo a se transformar em uma c nomia auto-suficiente. Tal
socialista subdesenvolvido pode obter de empréstimos estrangeiros. política pode mesmo ser inevitável em condições de guerra ou de
Podem êles reduzir de muito a necessidade de mobilizar todo o cêrco político e econômico. Isto não significa, porém, que - a
excedente econômico de que dispõem logo no início do processo de não ser em tais condições de emergência - haja qualquer interêsse
industrialização e, assim, aliviar os esforços e tensões inevitàvelmen- por parte dos países sociali ta em levar a diver ificação de sua
te associados a esta fase do processo de desenvolvimento econô- produção ao ponto de terem todo os produtos necessários a seu
mico. Podem êles facilitar a superação dos obstáculos apresenta- desenvolvimento econômico e ao bem-estar de suas populações. Tal
dos pela interdependência entre o desenvolvimento industrial e o grau de diversificação seria mesmo, em alguns países, tecnicamente
agrícola e tornar possível a solução de alguns dos problemas impossível; em outros, os custos envolvidos seriam tão altos que re-
de transição através da importação de maquinaria agrícola, de equi- duziriam enormemente a produtividade e o produto global. Embora
pamento industrial ou de produtos alimentares. Podem êles evitar, tal redução da produtividade e do produto social não signifique
aos países que os recebem, a necessidade de coletivização apressa- necessàriamente a diminuição do padrão de vida das populações dos
da do pequeno camponês e permitir-lhes "fazer todo o possível para países subdesenvolvidos - em alguns casos, de modo bastante pa-
tornar o seu destino mais suportável, para facilitar a sua transição radoxal, poderia dar-se o oposto, desde que os lucros constituíssem
para o sistema de cooperativas, se êle assim o decidir, e até mesmo, a única parcela da renda nacional que sofresse diminuição - ela
se êle ainda é incapaz de tomar por si mesmo esta decisão, para ocasionará grande redução, se não o completo desaparecimento, do
tornar possível a êle permanecer em sua pequena propriedade du- excedente econômico potencial que poderia ser utilizado para fins
rante longo período de tempo para pensar sôbre a questão". (84) de desenvolvimento econômico. Basta pensar no Oriente Médio e
Ê evidente, porém, que, embora os países capitalistas adiantados na Venezuela com sua produção de petróleo, na Malásia com sua
pudessem conceder ràpidamente tais empréstimos, dificilmente se produção de borracha, ou em Cuba com sua produção de açúcar,
pode esperar que o façam na escala adequada. Tais países ou su- para perceber o efeito que teria a auto-suficiência sôbre o excedente
bordinam tais créditos a condições políticas e econômicas que os econômico potencial. Os países socialistas - grandes ou pequenos,
tornam inaceitáveis aos países socialistas ou os concedem apenas a mais ou menos adiantados - estão interessados, por conseguinte,
curto prazo, em épocas de depressão, durante as quais a necessidade em manter relações comerciais com países estrangeiros, sejam êstes
que se tem de expandir suas vendas supera, temporàriamente, a má capitalistas ou socialistas. A manutenção e o desenvolvimento de
vontade que têm de ajudar os países socialistas. Só países socialis- tais relações com os países capitalistas têm defrontado, porém, com
ponderáveis dificuldades ao longo da História de todos os países
socialistas. Além do fato de que a realização de seus programas
(84) Engels "The Peasant Question in France and Germany" em de industrialização reduz, inevitàvelmente, sua capacidade de con-
Marx e Engels, Selected Works (Moscou, 1949-1950), vol, lI, pág. 394
381
380
tinuar a exportar os produtos alimentares e as matérias-primas que fracos pelos fortes, em princípios orienta dores da atividade eco-
eram normalmente adquiridos pelos países industriais, os obstáculos nômica. (86)
políticos ao comércio têm aumentado de importância. Após o tér- Mais importante que isso é a transformação radical que sofre
mino da Segunda Guerra Mundial, os países socialistas do leste c o significado dos princípios da divisão internacional do trabalho
do sudeste europeu, bem como a China, foram submetidos, pelas e da distribuição de recursos de acôrdo com as vantagens compa-
potências capitalistas, ao que constituiu virtualmente um bloqueio rativas dos diferentes países. Ao se constituírem em princípios
econômico, que os privou da possibilidade de adquirir exatamente orienta dores das relações econômicas entre os países socialistas, estas
aquêles bens de que mais necessitavam para sua industrialização. máximas não mais são interpretadas de modo a congelar a divisão
Foi sem dúvida exata a observação da Comissão Econômica para a do trabalho existente e a preservar a especialização vigente entre as
Europa, das Nações Unidas, feita em boletim recente, segundo a diversas nações. Pelo contrário, o objetivo a que visa a planifica-
qual "os custos do desenvolvimento de um país pequeno, pobre- ção econômica, quer nacional, quer internacional, do campo socia-
mente dotado de recursos energéticos e materiais, aumentarão e lista é eliminar, ràpidamente, as estruturas econômicas desequilibra-
retardarão o seu crescimento, a não ser que êle esteja preparado das dos países subdesenvolvidos, as quais freqüentem ente se baseiam
para tirar pleno proveito da divisão internacional do trabalho". (85) em uma ou duas mercadorias de exportação. Tal esfôrço no sen-
Independente, porém, da vontade dos países pequenos seguir ou não tido da diversificação de suas atividades produtivas é não apenas
êste bom conselho! De fato, não fôsse a possibilidade de comerciar desejável, mas verdadeiramente indispensável. Sem êles não' há
com outros países socialistas, a política de auto-suficiência teria sido nem possibilidade de crescimento econômico a longo prazo, nem
imposta de jacto aos países socialistas pela hostilidade das potências oportunidade para liquidação do atraso social e cultural, para eli-
ocidentais. Neste 'caso, os países socialistas pequenos e aquêles minação do que Marx costumava chamar de "estupidez da vida
cujos recursos (no presente momento) são pobres ou altamente es- I. rural". (87)
pecializados poderiam ter-se revelado incapazes de sobreviver e su- A reorganização obrigatória das economias dos países subde-
cumbido às fôrças (associadas) da dependência econômica e da senvolvidos com vista à diversificação e ao aumento rápido do pro-
pressão política. duto social não requer, entretanto, redistribuição precipitada de seus
A situação, entretanto, muda dràsticamente com o aparecimen- recursos produtivos nem a instalação indiscriminada de novas li-
to e a industrialização de certo número de países socialistas, capa- nhas de produção. A decisão quanto à velocidade e à natureza das
zes de estabelecer cooperação econômica e assistência mútua. Isto mudanças desejadas deve levar em conta grande número de con-
permite não só a concessão de empréstimos de um a outro se (e siderações econômicas, sociais, técnicas e locacionais que determi-
quando) tais possibilidades existem, como também facilita a ma- nam a maior ou menor atratividade das alternativas disponíveis.
nutenção de suas relações comerciais através das bases firmes de Tomadas em conjunto, elas fornecem uma lista que é diferente para
acôrdos a longo prazo, que os livram das incertezas sôbre o volume países distintos. Ela não se pode basear nas condições vigentes em
e os preços de suas exportações e importações. Além disso, aquela uma determinada época, mas deve abranger as mudanças que possam
circunstância favorece a coordenação de longo alcance de seus ocorrer durante o período de planejamento, tanto no país para o
planos de desenvolvimento econômico, assegurando-lhes a possibi- qual se planeja como no exterior. (88) É evidente que a distri-
lidade de tirar pleno proveito das economias de escala, de evitar
duplicações desnecessárias de instalações produtivas e de trocar in- (86) Zagadnenia Ekonomii Politycznei (Problemas de Economia Po-
formações técnicas, etc. Como observa Oskar Lange, sõmente lítica) (Varsóvia, 1953), pâgs, 127 e segs. Cf. também D. Granick "The
dentro da estrutura de colaboração internacional entre os países Pattern of Foreign Trade in Eastern Europe and Its Relation to Economic
Development Polícy", Quarterly Iournal of Economics (agôsto de 1954).
socialistas é que a divisão internacional do trabalho e o princí-
(87) 1l:sse esfôrço de diversificação é também uma condição de enor-
pio dos custos comparativos se tornam válidos e se transfor- me importância para a redução progressiva da considerável disparidade
mam de frases ideológicas, que mascaram a exploração dos países econômica e cultural, que existe, em todos os países capitalistas, entre
J áreas urbanas e rurais.
(88) Talvez seja mais. apropriado chamá-Ia de "lista das desvan-
(85) Economic Bulletiri for Europe (agôsto de 1955), pág. 94. tagens comparativas" uma vez que o que está em pauta é a diferença entre

382 383
buição de recursos resultante é tanto mais racional, quanto maior Em uma comunidade socialista adiantada esta colaboração entre
fôr a possibilidade de efetuá-Ia com a ajuda de outros países e seus membros irá bem mais longe; terá, na realidade, nova quali-
com pleno conhecimento da natureza e da taxa de desenvolvimento dade. Na medida em que a era do capitalismo fôr encarada cada

I
planificado dêstes. vez mais como a "pré-história da humanidade", um dos seus prin-
Tal colaboração entre os países socialistas constitui, na ver- cipais legados principiará a abandonar o palco histórico. O fenôme-
dade, progresso que marca época, quando comparado à estrutura no político e econômico da nação desaparecerá lenta e progressi-
das relações econômicas internacionais existente entre potências vamente, acompanhando a dissolução da ordem econômica e social
imperialistas e países subdesenvolvidos, no qual "uma superiorida- à qual deve sua gênese e cristalização. O capitalismo, que em sua
de inicial de poder possibilita, à potência imperial, modelar a di- etapa ascendente criou e desenvolveu a entidade nacional com tôdas
reção e a composição do comércio da colônia; as relações comer- as feições progressistas e bárbaras, produziu também as condições
ciais que se estabelecem dêsse modo reforçam, por sua vez, a po- para sua desintegração e desaparecimento final. Embora tenha
sição de poder inicial da potência imperial". (89) Essa colabora- "dado um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de cada
ção representa, porém, apenas o primeiro passo na direção da or- país" e substituído o "antigo isolamento das nações e sua auto-
ganização plenamente racional da economia mundial. Sua natureza suficiência" pelo "intercâmbio em tôdas as direções, pela interde-
atual, ainda "subdesenvolvida", é determinada não só pelo fato de pendência universal das nações", (no) o capitalismo atingiu êste
que afeta apenas um número de países relativamente pequeno como "caráter cosmopolita" e esta "interdependência universal" de forma
também pela circunstância de que todos êles ainda são, em maior antagônica, intrinsecamente explosiva. Ble os atingiu através da
ou menor grau, econômica mente atrasados. A primeira limitação subjugação dos países fracos pelos fortes, através do imperialismo,
reduz em muito os benefícios que poderiam ser obtidos de uma do colonialismo e da exploração. Tendo transferido as noções da
divisão do trabalho e especialização globais; a última restringe o democracia burguesa para as relações internacionais, proclamou que
alcance da ajuda mútua que os diversos países estão em condições a "comunidade mundial" se compunha de países iguais e sobera-
de proporcionar. nos, reconhecendo, por esta insistência na condição de igual e na

os custos de produção de um nôvo artigo e os custos de sua aqursiçao em


troca de bens normalmente produzidos no país subdesenvolvido. Em alguns
1
I
igualdade de direitos das potências imperialistas e de suas depen-
dências dos grandes e dos pequenos, dos dominantes e dos domi-
nados, a profunda desigualdade dos povos que habitam, respecti-
casos, essa diferença pode ser quase proibitiva; em outros pode ser con-
siderável no momento em que se observa, mas oferecer perspectivas de vamente, os países adiantados e os subdesenvolvidos. O que Marx
declínio quando a produção interna de novos produtos aumenta e (ou) observou sôbre os indivíduos que fazem parte da sociedade capi-
quando forem desenvolvidos outros ramos da economia; em outros, ainda, talista aplica-se. também às nações que integram o sistema mundial
êle pode existir meramente em virtude da escassez de mão-de-obra qua-
lificada e pode, portanto, desaparecer inteiramente após alguns anos de
do imperialismo: "O direito igual é um direito desigual para tra-
experiência e treinamento. A magnitude total dessa diferença (calculada balho desigual. Não reconhece diferenças de classe, porque eada
com base na produção prevista para o período de planejamento e levando- um é apenas um trabalhador como qualquer outro; mas reconhece
se em conta as mudanças de custo dos produtores relevantes, interna e tàcitamente a desigualdade das qualidades individuais e, por con-
externamente, que se espera possam também ocorrer no período em questão)
deve ser adicionada ao custo do investimento direto nas respectivas fábricas seguinte, a desigualdade da capacidade produtiva como privilégios
e instalações. Os empreendimentos que exigem gastos globais mais baixos naturais. O direito igual é, portanto, em seu conteúdo, um direi-
serão preferíveis aos que exigem maiores montantes de recursos - as to de desigualdade, como todo e qualquer direito" _ (91)
demais condições permanecendo imutáveis. É evidente que, na maioria dos
~ em meio a esta desigualdade que a maioria da humanidade
casos, "as demais condições" não permanecem imutáveis. A montagem
de uma tipografia pode envolver maiores gastos que a construção de uma perece em contínua miséria, enquanto pequena minoria, que atin-
fábrica de bebidas; apesar disso, a primeira alternativa pode ser a pre-
ferível. O que a lista permite, entretanto, é a determinação dos custos
implícitos nas escolhas que se fizerem, independentemente das considerações (90) The Communist Manifesto, em Marx e Engels Selected WorkJ
que servirem de base a essas escolhas. (Moscou, 1949-1950), vol. I, pág. 36.
(89) A. O. Hirschman, National Power and lhe Structure oj Foreign (91) Critique oj the Gotha Program, ibid., vol. Il, pág. 22. (Grífos
Trade (Berkeley eLos AngeIes, 1945), pág. 13. no original).

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giu elevadas posições graças a esta mesma miséria, permanece como esta tradição serão grandes em escala nacional, serão ainda maio-
espectadora ociosa; é esta condição de "direitos iguais para tôdas res em escala internacional. "Quanto mais atrasado é um país,
as nações" que dá origem ao poderoso movimento popular contra tanto mais êle é dominado internamente pela pequena produção
o imperialismo e o colonialismo e pela libertação nacional e so- agrícola, pelo patriarcalismo e pela ignorância, o que inevitàvel-
cial. Embora êste movimento já tenha, parcialmente, tido êxito, e mente dá particular fôrça e tenacidade aos mais profundos pre-
conduza à derrocada final do domínio do imperialismo e ao térmi- conceitos pequeno-burgueses, a saber, o egoísmo e a mesquinhez
no da dominação de uma nação por outra, êle pode apenas criar nacionais. Estes preconceitos perecem muito lentamente, pois só
as condições indispensáveis para a eliminação da desigualdade entre podem desaparecer depois que desaparecerem o imperialismo e o
as nações; não pode, porém, eliminar essa desigualdade. Do mes- capitalismo nos países adiantados e depois que todo o fundamento
mo modo que a revolução social conduz à abolição das classes, da vida econômica dos países atrasados tiver mudado radicalmen-
mas não resulta ela mesma nessa abolição, a revolução nacional te". (92) Stalin formulou corretamente algumas das exigências ime-
conduz à abolição das nações, mas não resulta ela mesma nessa abo- diatas para o progresso em direção àquele objetivo de mais longo
lição. Para que ambas se materializem, é necessário que aconteci- prazo: ":B necessário .... assegurar tal avanço cultural da socieda-
mentos de profundo alcance mudem inteiramente a estrutura e o de que garanta a todos os seus membros o desenvolvimento pleno
conteúdo da existência social. O crescimento econômico tem que de suas capacidades físicas e mentais .. ~ Para isto é necessário,
avançar bastante para levar o desenvolvimento das fôrças produti- antes de mais nada, encurtar o dia de trabalho pelo menos para
vas a tal ponto que propicie padrões de vida e de saúde decentes seis e, posteriormente, para cinco horas. Essa diminuição é indis-
não somente para algumas nações "escolhidas", mas para tôdas as pensável a fim de que os membros da sociedade possam dispor de
partes e todos os membros do mundo socialista. Além disso, êstes tempo livre, em medida adequada, para a obtenção de uma edu-
padrões têm que ser substancialmente uniformizados - levando- cação completa. :B igualmente necessário que as condições de ha-
se em conta, naturalmente, as peculiaridades culturais e climáticas bilitação melhorem radicalmente e que o salário real dos trabalha-
das diferentes regiões. Isto exigirá, indubitàvelmente, a "concessão dores seja, no mínimo, duplicado ou mais que duplicado". (93) De
de subsídios" a algumas áreas por aquelas que gozam de "rendas fato, somente com base em uma revolução cultural, em uma tre-
diferenciais" em virtude de terem solos mais férteis, maiores re- menda elevação dos níveis educacionais, em uma "rendição incon-
cursos minerais ou mais longa tradição de atividade industrial. Não dicional" da superstição, da ignorância e do engano diante do
se pode opor a essa "concessão de subsídios" nada mais do que realismo, da razão e da ciência, é que a abolição das classes e
se opõe ao fato de uma parte do país "subsidiar" outra ou ao fato a comunidade socialista podem ser atingidas intranacionalmente. E
de serem distribuídos alimentos e roupas entre os membros de uma é somente com base em um padrão de vida elevado, na abundân-
família independentemente da contribuição pessoal de cada um à cia de bens materiais, que se poderá verificar a igualação interna-
renda total da família. Em outras palavras, isto exige o destrona- cional, em que tôdas as partes da sociedade contribuirão para o
mento da relação que governa todos os aspectos de existência no progresso do todo, em que os "que têm" quererão e poderão aju-
capitalismo, a relação de quid pro quo, a lei do valor. É desneces- dar os "que não têm" e em que os "que' não têm" se libertarão,
sário dizer que isto não é algo que será atingido pela própria paulatinamente, da necessidade de serem ajudados pelos "que têm".
revolução. Para atingir êste estado, o único estado compatível com Os céticos e os cínicos dirão que tudo isso não passa, na melhor
a dignidade e as potencialidades do homem, serão necessárias déca- das hipóteses, de uma "sinfonia do futuro". E ela indubitàvelmen-
das - décadas em que novas gerações de sêres humanos serão edu- te o é. :B, porém, uma sinfonia cujo primeiro movimento já pode
cadas como membros de uma sociedade socialista cooperativa e ser ouvido por todos aquêles que conseguiram libertar-se do to r-
não como lôbos competitivos da selva do mercado capitalista. É e
será uma luta árdua, pois estão profundamente enraizados os mo-
(92) Lênin, Selected Works in Two Volumes (Moscou, 1950), vol. Il,
dos de pensar e agir implantados na humanidade por uma "cultura" Parte II, pág. 469.
de compra e venda, por séculos de dominantes e dominados, por (93) Economic Problems of Socialism in lhe USSR (Nova York, 1952),
eras de exploradores e explorados. Se as dificuldades para vencer pág, 53.

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por mental e psíquico em que são continuamente submergidos -
de maneira sistemática, implacável e deliberada - pelas inúmeras de perceber a diferença entre a caricatura e a realidade. (95) Ou-
e elaboradas agências da ideologia capitalista. tros, como Ernest Hemingway, desapontados porque a História não
"se comporta" de acôrdo com suas preferências, pregam a deso-
rientação, o desespêro e inutilidade. Os artistas desempenham
seu papel criando obras escapistas, obscurecendo e destorcendo tôda
a compreensão do mundo real. Finalmente, para rematar, a indús-
A implantação de uma ordem social em que o crescimento tria cinematográfica, a imprensa, o rádio e a televisão proporcio-
econômico e cultural será possível com base no crescente domínio nam divertimentos imbecilizantes e destroem, sistemàticamente e
racional, pelo homem, das fôrças inesgotáveis da Natureza é ta- implacàvelmente, todo pensamento inteligente entre jovens e ve-
refa que excede, em alcance e desafio, tudo o que já se obteve lhos, entre ignorantes e educados, nos países adiantados e nas na-
ao longo do evolver histórico. Se a riqueza da humanidade con- ções subdesenvolvidas.
siste essencialmente, como disse Marx, na totalidade de suas capa- O homem subterrâneo, moldado e educado nas masmorras da
cidades e aspirações, sua pobreza, então, nada mais é do que sua cultura capitalista, não desaparecerá com a alvorada da revolução
ignorância e sua timidez. Procurar colocar a razão no lugar hoje social. A destruição da base social que retira continuamente suas
ocupado pela superstição, procurar substituir a aceitação submissa energias diminui grandemente seu poder de resistência, mas nã~
de uma realidade perniciosa pela confiança nas capacidades huma- o elimina da noite para o dia. Superar esta herança do que sera
nas, constitui sempre empreendimento árduo e arriscado. Ele en- um dia considerado o fim do período negro da humanidade exi-
contra não só a tenaz resistência de tôdas as "fúrias da propriedade girá campanha prolongada, que deverá ocupar várias gerações.
privada", como se choca contra o homem subterrâneo de Dos- Hesel dizia que a ascensão da razão nunca se fêz em linha reta.
b • ••
toiewski, que "vomita razões" e pergunta: "Que me importam as Ela tem sido continuamente obstruída e retardada - por inquisi-
leis da Natureza e a Aritmética se, por uma razão ou por outra, ções e campos de concentração, por câmaras de gás e por perse-
não gosto dessas leis e nem do fato de que dois mais dois somem guições. Ela tem sido assinalada por brilhantes vitórias e interrom-
quatro?" ~te homem subterrâneo tem sido mimado e cultivado pida por tristes derrotas, tem efetuado progressos entusiasmadores e
por todo o aparato da civilização burguesa. Os economistas dão a tem sido embaraçada por retrocessos desalentadores. Os obstáculos
sua contribuição ao apresentarem o sistema capitalista como a úni- que se encontram no caminho da razão não são apenas o ódio
ca estrutura possível e "natural" da atividade econômica, passível e a tenacidade das fôrças que se agarram desesperadamente ao
talvez de algumas melhorias. Os psicólogos participam dêsse pro- status quo e à ignorância dos que por elas são dominados. As im-
cesso ao considerarem o inconsciente como fôrça obscura, impe- propriedades e erros, freqüentem ente exasperadores, dos que devo-
netrável, que torna baldados, inevitàve1mente, todos os esforços
tadamente lutam por seu triunfo, constituem também obstáculos.
para fazer progredir a causa da razão, ao mesmo tempo que atri-
Essas aberrações desencorajaram e desorientaram muitas pessoas que
buem a estrutura observável do "Id" a fôrças perenes, biológicas,
poderiam ter encontrado a fôrça e a coragem para arrostar as
e não às frustrações e ansiedades continuamente produzidas e re-
penalidades e o ostracismo impostos pela sociedade burguesa, e pa-
produzidas por uma sociedade desumanamente organizada. (94) Es- ra se aliar à causa do progresso. O estratagema mais comum dos
critores como Aldous Huxley, Orwell, Koestler dão a sua contri-
buição pintando quadros surrealistas do que êles pensam seria uma oportunistas é aproveitar-se dos erros cometidos no progresso da
sociedade racional e tentando provocar, dêsse modo, uma reação causa da razão para abandonar esta. causa e mergulhar no agnosti-
contra a razão, por parte da multidão daqueles que são incapazes cismo e na passividade.

(95) 1!:ste aspecto foi analisado em magistral ensaio da autoria do


(94) Esta é a principal fraqueza de Freud, que o leva, especialmente T. W. Adorno, "Der Entzauberte Traum", publicado em Die Neu~ .Rund-
em suas últimas obras, a se aproximar, perigosamente, do misticismo. schau (2." edição, 1951) e reproduzido em seu Prismen, Kulturkritik: Imd
Gesellscha]t (Berlim e Frankfurt, 1955).
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389
Erros são inevitáveis em todos os empreendimentos humanos; vitável de um sistema social baseado na exploração, no preconcei-
sua ocorrência forma, na verdade, um aspecto do próprio progres- to nacional e na superstição incessantemente cultivada. Ela será,
so da razão, na promoção do qual podem ser cometidos e corri- isto sim, o resíduo de um passado histórico, desprovido de seu fun-
gidos. De tôdas as falhas de pensamento, talvez nenhuma seja tão damento sócio-econômico, desarraigado pelo desaparecimento das
perigosa e destruidora como a incapacidade de distinguir a irra- classes, pelo término da exploração do homem pelo homem. Na
cionalidade do êrro. A diferença é a mesma que existe entre as medida em que a sociedade socialista amadurecer, na medida em
incoerências de um psicopata e as afirmações erradas de uma pes- que ela começar a "desenvolver suas próprias bases", ela se liber-
soa sã. Aquelas decorrem de grave enfermidade, estas de uma ina- tará progressivamente da herança do passado capitalista. Seus pró-
dequação do conhecimento e do discernimento. Na escala social, prios distúrbios e erros funcionais basear-se-ão em enganos de ho-
bem como na escala individual, elas só podem ser eliminadas se se mens racionais, resultantes das insuficiências de seus dotes intelec-
liquidarem as causas que as provocam. Como fenômeno social, a tuais e psíquicos ou das deficiências do nível reinante de conhe-
irracionalidade não será superada enquanto sua base, o sistema cimento. Remediar essas duas coisas, aumentar a eficiência dos
capitalista, continuar a existir. Além disso, do mesmo modo que homens no contrôle da Natureza e na melhoria de suas relações
um psicopata não pode ser influenciado por argumentos e persua- mútuas, converte-se então no amplo e grandioso desafio a todo es-
são, uma ordem social cujo próprio princípio organizacional é a fôrço científico. Quando o conhecimento se transformar em pode-
irracionalidade não se pode tornar racional através do progresso roso instrumento do progresso humano, êle se converterá em pre-
da ciência e da educação. De fato, todo o conhecimento adicional ocupação dos homens e mulheres em todos os domínios da vida.
adquirido por uma sociedade irracionalmente constituída não pode Retirando suas energias dos incomensuráveis recursos dos povos
senão ampliar e acentuar as fôrças da morte e da destruição. livres, êle não só vencerá irrevogàvelmente a fome, a doença e o
obscurantismo, mas no próprio processo de seu avanço vitorioso
A situação é totalmente diferente em uma sociedade em que a recriará a estrutura intelectual e psíquica do homem.
razão se tornou o princípio diretor das relações sociais. Repetimos
A função mais nobre, a única função legítima do e fôrço inte-
uma vez mais que a evolução dessa sociedade será um processo de- lectual, é contribuir para a emergência de uma sociedade em que
morado e doloroso. "Temos que lidar aqui com uma sociedade co- o desenvolvimento suplantará a estagnação, em que o crescimento
munista, não como ela se desenvolveu a partir de seus próprios substituirá a decadência, em que a cultura porá fim ao barbarismo.
alicerces, mas, ao contrário, como ela emerge da sociedade capi- Não se pode provar por inferências lógicas a necessidade da vitó-
talista; com uma sociedade, portanto, que apresenta em todos os ria da razão sôbre o mito, da vitória da vida sôbre a morte. Como
seus aspectos - econômica, moral e intelectualmente - os sinais disse certa vez um grande físico, a "lógica, per se, é incapaz de
próprios da velha sociedade de cujo seio emerge". (06) De fato, levar alguém além do domínio de sua própria percepção; ela não
durante prolongado período de tempo, tanto a irracionalidade como pode sequer obrigá-lo a reconhecer a existência de seus semelhan-
o êrro obstruirão também a ordem socialista. Crimes serão cometi- tes". (97) Esta necessidade se deve basear na proposição de que
dos, abusos serão perpetrados, a crueldade e a injustiça serão ine- a reivindicação da humanidade à vida, ao desenvolvimento e à fe-
vitáveis. Não se pode esperar que se não cometam erros na admi- licidade não requer justificação. Ela se mantém ou desaparece com
nistração de seus negócios. Planos serão estabelecidos de maneira essa proposição, que é a sua única premissa indemonstrável e
errada, recursos serão desperdiçados, pontes serão construídas em irrefutável.
locais impróprios, fábricas serão instaladas onde se devia ter plan-
tado mais trigo. O que tem importância crucial, entretanto, é que
a irracionalidade não será então algo inerente à estrutura da so-
ciedade, como o é no capitalismo. Ela não será o resultado ine-

(97) Max Planck, Das Weltbild der Neuert Physilc (Leipzlll. 1921),
• (96) Marx, "Critique of the Gotha Program", em Marx e Engels, Se- pág. 9.
lected Works (Moscou, 1949-1950), vol. Il, pág. 21. (Grifos no original).
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