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PRODUTO INTELECTUAL BRUTO

Mandato não é
cheque em branco
O governante deve exercer o poder na forma
com que se comprometeu ao sair candidato. Agir
diferente é frustrar melancolicamente o voto

Milton Terra Machado*

Fotos: Divulgação

86 / Abril e Maio / 2015 / AMANHÃ


A
s recentes manifestações para tal. Evidente que é impensável
contra a corrupção e, aber- uma participação popular como a É necessária
tamente, também contra o
governo fazem jus à advertência que a
democracia de Atenas, feita na ágo-
ra, aos berros, mas as passeatas não ampla
Constituição Federal contém, como é
tradição nos países democráticos, de
deixam de lembrar os primórdios da
democracia participativa. A par de
explicação
que “todo poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes
sua inerente e necessária autonomia,
os representantes precisam justificar
para quem
eleitos ou diretamente”. Ou seja, os essas recentes decisões aos donos do paga a conta,
governantes representam o poder,
mas quem o detém é o povo. Isto é
poder – os contribuintes –, mos-
trando que não há outra maneira de avisando para
bem mais que palavras bonitas no
texto constitucional. Significa que
resolver o problema de caixa, como
redução de custos ou reorganização
onde serão
o governante deve exercer o poder
na forma com que se comprometeu
da máquina estatal.
Para se ter uma ideia do gigan-
destinados
ao sair candidato. Agir diferente, tismo da máquina estatal brasileira, os recursos
públicos
sem amplo apoio popular e sem estudos dão conta de que, nos EUA,
justificativa plausível, é frustrar me- com uma população de 300 milhões
lancolicamente o voto, para dizer o de habitantes, há por volta de 7 mil
menos. O governo vem anunciando cargos em comissão (CCs); na França
mais e mais aumentos de tributos e e Alemanha, que têm 65 milhões e
preços públicos. Veja-se, a alteração 81 milhões de habitantes respectiva- igualmente, a exploração tributária
do que foi prometido na eleição mente, há apenas 300 CCs. No Brasil, dos gaúchos pelo Império, que taxava
aconteceu alguns dias após a posse e, hoje com 200 milhões de habitantes, a carne e, depois, o couro, a erva-mate
portanto, tudo estava adrede pensado há 600 mil CCs. É de duvidar que não e outros produtos com impostos
e preparado. se possa racionalizar esse número, impagáveis e com o dízimo. A In-
Não se pode elevar a já imensa com absorção de parte dessa massa de confidência Mineira teve como uma
carga tributária, de quase 40% – a trabalho no mercado. De outro lado, das principais causas a “Derrama”,
maior da América Latina, segundo o governo resiste em acreditar na contribuição em ouro à Coroa Por-
a Organização para a Cooperação “Curva de Laffer”, pela qual a redução tuguesa que era literalmente extor-
e Desenvolvimento Econômico dos tributos, quando a carga é muito quida de quem não pudesse pagar. O
(OCDE) – sem uma explicação alta, induz aumento de arrecadação. tributo em si já é uma violência, mas
detalhada ao contribuinte sobre a A elevação da pressão tributária, é também uma obrigação cívica para
necessidade deste ou daquele aumen- sem uma justificativa plausível e com fazer rodar a máquina pública, a bem
to diante dos sucessivos recordes de grande sacrif ício do povo, sempre da coletividade. Todavia, é evidente
arrecadação. O que obriga a isso é teve como desfecho, historicamente, que essa contribuição deve estar no
o crescimento constante da pesada uma violenta reação de inconfor- limite do necessário, e nenhum níquel
e ineficiente máquina pública e a mismo. Guardadas as proporções, acima disso. O ministro da Fazenda
corrupção. Entenda-se: é muita lembre-se de que no longínquo ano deve dar explicações completas do
gente a lidar com o dinheiro público, de 1215, exauridos financeiramente porquê de não poder reduzir custos
muitos sem preparo, acomodados pelos seguidos tributos que o Rei da máquina estatal, antes de expurgar
pelos partidos da base e outros sem João Sem Terra instituía, os ingleses o mais ainda a renda dos contribuintes.
ânimo de criar ou poupar, porque obrigaram a assinar uma nova Consti- Em termos de tributação, aliás,
o método de remuneração é igual tuição, com as limitações ao poder do é óbvia a premissa maior de saber
qual o Estado que a sociedade deseja.
Fotos: Divulgação

para gênios e para ineficientes. Fora, Rei de tributar. Estava promulgada a


óbvio, os mal-intencionados. Qual a Magna Carta, expressão que passou a Decidir-se sobre qual o nível de inter-
chance de isso dar certo? É preciso ser sinônimo de Constituição. No cer- venção estatal na economia e sobre
protestar, sim, porque há razões ne da Revolução Farroupilha estava, o grau desejável de regulamentações

AMANHÃ / 2015 / Abril e Maio / 87


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pois essas sociedades pagam outros


tributos que as pessoas f ísicas não
pagam, como o PIS e a Cofins. Com a
virtual extinção dessas sociedades, estes
deixam de ser recolhidos e a própria
atividade principal tende, por óbvio, a
emagrecer.
E o que dizer da ideia de tribu-
tar a distribuição de lucros – renda
esta que já foi tributada antes de
ser distribuída aos sócios –, que irá
desestimular de maneira evidente
a migração de capitais especulativos
para a produção. Movimento este
sempre almejado por qualquer gover-
nante que não pense apenas nos 100
metros rasos. Mais uma vez, é preciso
conhecer a realidade que impede
o governo de diminuir suas contas.
Havendo redução da máquina e alívio
da pressão fiscal, eventual evasão de
Gigantismo estatal CCs será absorvida, sem dúvida, por
Nos Estados Unidos, com 300 milhões de habitantes, há por volta de 7 mil cargos um mercado aquecido, protegido e
em comissão. No Brasil,onde vivem 200 milhões de pessoas, há 600 mil CCs que possa confiar no seu governo.
Precisamos, portanto, alimentar
e/ou funções do Estado na vida das pouco para o tamanho da arrecada- essa nova mentalidade geral de pro-
pessoas. Evidente que não é uma ção e da máquina estatal – a não ser o testo, participação e questionamento
equação fácil e esteve nas cogitações barulho político –, representará óbvia popular, pois o mandato conferido
desde pensadores como Platão e Aris- fuga de capitais e investimentos. ao governante não é um cheque em
tóteles. Quanto maior ou ineficiente Antiga e realista expressão diz que o branco e não o faz autorizado a gastar
a máquina pública, maior tem de ser capital é selvagem. Sim, ele é selva- como bem entender o dinheiro que lhe
a tributação. Se a máquina é menor gem, mas ele é também inteligente e é pago para administrar. Não se pode
e parte dessa renda permanece em com apurado senso de sobrevivência. apenas comunicar ao contribuinte que
mãos privadas, ela irá migrar para o É pensar curto e um tanto ingenua- ele vai pagar mais. É necessária ampla
desenvolvimento, se houver algum mente considerar diferente. explicação, praticamente uma auto-
estímulo. A razão é simples. Essa Igualmente, tributar o Imposto de rização – simbolicamente falando, é
mesma renda irá atrás do lucro, que Renda do que o ministro da Fazenda claro – de quem paga a conta, para que
só poderá ser produzido em escala, chamou de “empresas pessoais” – con- os recursos públicos sejam destinados
gerando mais empregos, produtos ceda-se que ele quis dizer as sociedades para cá ou para lá, em sentido oposto
e, tributos. compostas por profissionais liberais –, “ao que foi combinado” na eleição. O
O fato é que a carga tributária como se pessoas físicas fossem, ou seja, contribuinte é o dono do poder, segue
passou de 22,4% em 1988 para 35,9% elevando o Imposto de Renda em até as regras estabelecidas, mas merece,
em 2002 e estima-se que flutue em 27,5%, é outro golpe no desenvolvimen- por isso mesmo, o devido respeito de
40% atualmente, embora o governo to, no empreendedorismo e no custo seu empregado, o governo.
– qualquer governo – sempre afirme destas atividades, que são geradoras
que é menos do que isso. de empregos. Aliás, empresariar, sim, (*) Advogado e vice-presidente da Federação
A ideia do Imposto sobre Gran- é que gera tributos e empregos, sem a das Associações Comerciais e de Serviços do
des Fortunas, a par de representar oneração proposta, pouco inteligente, Rio Grande do Sul (Federasul)

88 / Abril e Maio / 2015 / AMANHÃ

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