Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gonzaguinha
As faces do eterno aprendiz Pág. 11
Olimpíadas México
ISSN 1978-5134
No Rio, a privatização Jornalistas revelam como foi
do espaço público Pág. 9 o massacre de Iguala Págs. 14 e 15
Luiz Ricardo Leitão Frei Betto Silvio Mieli
editorial
Acertar as contas
Congresso pelo imortal José Sarney, como imaginar que isto aqui
é o futuro? Para quem enfrentou a hipocrisia udenista nos anos de
1950/60, com sua prédica virulenta contra a corrupção e sua defesa
intransigente da tradição e da família, o que dizer do discurso mora-
lizante de figuras como Cunha, Bolsonaro, Feliciano & Cia (autores
NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS, o go-
verno brasileiro pagou R$ 2,5 tri-
Governar em o que fazer. Surge então uma opo-
sição partidária que ataca medidas
de projetos tão retrógrados que fariam a Klu Klux Klan invejá-los
por tamanho retrocesso social)?
lhões em juros da dívida pública e,
pelo que indica, continuará a pa-
tempos de crise administrativas normais como se
fossem crimes, na intenção de pro-
gar porque os credores têm em su-
as mãos títulos que representam R$
é fazer acertos. teger os verdadeiros criminosos,
credores de uma dívida que já foi
Pelo visto, a regra de Lampedusa não
2,6 trilhões e não fazem questão ne- Essa é a hora da paga em juros. se alterou: a cada crise, muda-se para
nhuma em quitá-los. Sendo que o Nesse sentido, se o governo qui-
Brasil paga os juros mais altos do pressão social sesse honrar alguns compromissos não mudar
mundo, a dívida se tornou um gran- para os trabalhadores terem ainda
de negócio. Os dados mostram que acertar na política algum motivo para defendê-lo, de-
no primeiro semestre de 2015 o go- veria tomar duas medidas imedia-
verno pagou R$ 211 bilhões; 60% a e obrigar o governo tas: em primeiro lugar fazer uma Quem tem boca fala o que quer... Por isso, ao ser acuado pelas de-
mais do que pagou no mesmo pe- auditoria da dívida, apresentar os núncias da Justiça Federal sobre a sua participação visceral no me-
ríodo de 2014 e, se mantiver a taxa acertar as contas verdadeiros criminosos das pedala- gaesquema de corrupção da Petrobras, o “ilibado” Cunha não hesi-
de juros no patamar de 14,25%, pa- das econômicas e, enquanto reali- tou em propor uma lei que pretende inviabilizar as práticas legais
gará ainda mais no segundo semes- com os golpistas za a auditoria, estabelecer uma ta- de aborto já existentes no país (suspendendo a venda da pílula do
tre deste ano. xa fixa de juros para a dívida. dia seguinte e expondo à humilhação pública as vítimas de estupro).
Esse assalto aos cofres públi- capitalistas Sabemos que os bancos públicos Para cúmulo da desfaçatez, o fanfarrão ainda ousa declarar que o
cos por aqueles que se denominam e privados funcionam com diferen- aborto é “uma estratégia dos Estados Unidos para controlar a popu-
“credores financeiros”, se dá pela tes taxas de juros, com as quais os lação brasileira” (!).
concordância da política econômi- clientes contratam créditos para in- Convém frisar que a crescente reação sexista em Bruzundanga não
ca do país. No caso brasileiro, des- vestimentos, fazem empréstimos e é fato isolado. Conforme declarou a nadadora Joanna Maranhão, pro-
de que se criou o real, em 1º de ju- realizam os seus pagamentos. No cessada por seu treinador após denunciar que ele abusara sexual-
lho 1994, adotou-se a receita de entanto, o governo que considera mente da atleta na infância, “a vítima não tem voz”. De fato, intimida-
elevar a taxa de juros para contro- o débito com alguns poucos credo- das pela violência que sofrem, muitas não registram Boletim de Ocor-
lar a inflação, por isso é que, a ca- res uma dívida pública, paga a eles rência (BO) de estupro – e passam a responder a processos por da-
da decisão tomada pelo Banco Cen- uma taxa de 14,25% e, a dívida pú- nos morais movidos por seus próprios algozes. Infelizmente, a cultu-
tral, a variação dessa taxa, significa blica da caderneta de poupança, ra patriarcal da casa-grande não se dissolve no ar; que o diga a chapa
milhões de reais para mais ou pa- que beneficiaria milhões de poupa- apoiada pelo governador Pezão nas eleições à reitoria da UERJ, cujo
ra menos. dores, dispensa uma taxa que não candidato masculino possuía nome e sobrenome, ao passo que sua vi-
Com os juros altos e a crise eco- chega a 8,5% ao ano. Ora, se o go- ce exibia apenas o prenome (mais uma proeza de nossa modernização
nômica provocada pela queda dos verno quiser aumentar a arrecada- conservadora: conjugar o toyotismo com o coronelismo acadêmico).
negócios internacionais, fazem o ção para cumprir os seus compro- Aliás, se não bastasse a investida misógina, o ilustre parlamento da
Brasil produzir e exportar menos missos com a população, enquan- República ocupa-se também de gestar a sinistra Lei “Antiterrorismo”,
mercadorias. O governo, diante da to realiza a auditoria, basta estabe- cujo objetivo precípuo é criminalizar os movimentos sociais, amor-
queda da arrecadação, só viu duas lecer que a taxa de juro para os cre- daçando os que lutam contra a desigualdade e a exclusão na “Pátria
saídas: a primeira foi cortar os gas- dores da dívida será o mesmo da Educadora”. Pelo visto, a regra de Lampedusa não se alterou: a ca-
tos, principalmente das áreas so- trar soluções para os problemas, é caderneta de poupança. Em seis da crise, muda-se para não mudar. Meus pêsames a quem imagina-
ciais como saúde, educação, mora- o que estão fazendo as centrais sin- meses pouparia quase R$ 200 bi- va que as marchas de 2013 poderiam transformar a província. Como
dia, etc e, a segunda, aumentar im- dicais e movimentos sociais. No lhões de reais. escreveu Vladimir Safatle, a política brasileira se tornou “o ringue de
postos. Nada falou, nem vai falar, entanto, o hábito da democracia Então é isso, governar em tempos atores destituídos que lutam desesperadamente para impedir que al-
em cortar algum centavo do paga- representativa, reserva para a po- de crise é fazer acertos. Essa é a ho- go realmente novo aconteça”, ainda que, para justificar sua imobilida-
mento dos juros da dívida, que se- pulação o espaço das pesquisas de ra da pressão social acertar na po- de, tratem de inventar um impeachment.
ria a solução para manter o dinhei- opinião para avaliar as administra- lítica e obrigar o governo acertar as
ro em caixa. ções. Por isso, quando surgem as contas com os golpistas capitalistas. Luiz Ricardo Leitão é doutor em Estudos Literários
É muito importante quando uma crises, baixam as notas e fazem cair (Universidade de La Habana) e professor associado da UERJ,
nação está em crise que todos os ci- a popularidade, os governantes se Ademar Bogo é filósofo, é autor de Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil e
dadãos se empenhem em encon- escondem e a população não sabe escritor e agricultor. Aluísio Machado: Sambista de Fato, Rebelde por Direito.
Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
redacao@brasildefato.com.br • Gráfica: Taiga • Distribuição: Dinap Ltda. – Distribuidora Nacional de Publicações • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Aurelio Fernandes, Bernadete
Monteiro, Beto Almeida, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo
Roberto Fier, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou assinaturas@brasildefato.com.br • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 29 de outubro a 4 de novembro de 2015 3
A recessão do
“austericídio”
PASSADOS 10 MESES de implementação de uma po-
lítica econômica marcada pela ortodoxia e pelo con-
servadorismo, os resultados continuam a vir à tona
com toda a sua intensidade. Desde que a presidenta
Dilma decidiu entregar o comando da economia a um
genuíno representante do sistema financeiro, os ris-
cos de que o governo conhecesse uma virada anti-de-
senvolvimentista tornaram-se elevados.
As propostas do ministro Joaquim Levy para o Bra-
sil se resumem basicamente ao chamado ajuste fiscal.
A obsessão em perseguir metas inatingíveis de supe-
rávit primário tem levado à política de cortes de gas-
tos orçamentários em áreas sensíveis e estratégicas.
Ao invés de reduzir as despesas com o pagamento de
juros da dívida pública ou com a garantia de reposição
das perdas dos especuladores no mercado de câmbio,
o governo comete um verdadeiro “austericídio”.
A diminuição dos valores atribuídos a programas
sociais essenciais vem acompanhada da queda tam-
bém nos recursos públicos destinados a obras em in-
fraestrutura. Na direção contrária, o Copom mantém
a taxa referencial de juros - Selic - nas alturas e isso
tem por efeito inibir o consumo das famílias e o inves-
timento das empresas. O Brasil continua ostentando
Frei Betto a medalha de campeão mundial nesse quesito e o im-
pacto dos gastos com juros no orçamento aumenta a
cada instante.
Turismo em Cuba Por outro lado, o Banco Central não cumpre com
sua função de órgão regulador e fiscalizador do siste-
ma financeiro. As taxas de juros cobradas pelos ban-
cos para as operações de empréstimo são elevadís-
RETORNEI A CUBA em meados de outubro para receber razões de saúde. A ilha oferece tratamentos a baixo custo simas, bem como as tarifas embutidas nos serviços
o título de Doutor Honoris Causa em Filosofia, da Uni- e tem expertises em ortopedia, oncologia, dermatologia e prestados. O resultado é que as instituições bancárias
versidade de Havana, fundada pelos frades dominicanos outras especialidades. Em 2012, o turismo de saúde aten- seguem apresentando lucros bilionários em seus ba-
em 1728. deu 8.500 pacientes, o que representou uma arrecadação lanços, enquanto todos os demais segmentos da eco-
Com o reatamento das relações diplomáticas entre EUA de 24 milhões de dólares. nomia real mergulham em suas perdas.
e Cuba, graças à mediação do papa Francisco, a ilha cari- O país está preparado para a avalanche estadunidense? A consequência desse quadro de incerteza e deses-
benha passa por mudanças significativas. Não. Precisa ampliar sua malha hoteleira, já melhorada tímulo é a redução da atividade econômica e o apro-
O país recebeu, ano passado, 3 milhões de turistas. por investimentos espanhóis, canadenses e ingleses. Toda fundamento da recessão. As informações das estatís-
Uma vergonha para o Brasil, se considerarmos que o nos- propriedade de grande porte é em parceria público-priva- ticas oficiais só fazem confirmar tais dificuldades. As
so país, 64 vezes maior, dispõe de um potencial turístico da: 49% capital estrangeiro e 51% Estado cubano. vendas no comércio apresentam quedas acentuadas
equivalente ao seu tamanho e recebe apenas 6 milhões de Um dos entraves a resolver é a existência de duas moe- a cada novo mês que passa. O desemprego apresen-
turistas por ano. das: o CUC para turistas e o CUP para cubanos. O primei- ta uma tendência de elevação, voltando a números de
Cuba tem política turística, o que não temos. Nosso tu- ro vale 25 vezes mais do que o segundo. Esse foi um recur- mais de 10 anos atrás. Os dados relativos às falências
rismo gira em torno do lazer (praias e Carnaval). Lá, além so para enxugar o mercado negro de dólares, já que en- de empresas confirmam esse quadro recessivo.
do lazer, se exploram turismos científico, cultural e ecoló- tram no país, vindo de cubanos residentes nos EUA, 1 bi-
gico. E pensar que abrigamos a Amazônia... lhão de dólares ao ano.
A previsão é de que a reaproximação dos EUA deverá
dobrar o número de turistas nos próximos anos: 6 mi-
Porém, fez crescer a desigualdade social entre os cida-
dãos com acesso ao CUC, em especial os que trabalham
Enquanto não houver uma
lhões. Metade virá dos EUA, que ainda hoje proíbe a seus
cidadãos o turismo individual a Cuba. Por incrível que pa-
no setor turístico, e os demais, embora tais diferenças
ainda não produzam moradores de rua, máfias de drogas,
mudança profunda na
reça, um estadunidense pode comprar, numa agência de
viagens, um pacote turístico para ir a Coreia do Norte ou
crianças fora da escola e dificuldade de acesso à saúde e
educação – que são gratuitas e de qualidade.
orientação da política econômica,
Irã. Não para Cuba. O bloqueio, que ainda vigora, impõe O que será de Cuba quando for suspenso o bloqueio im- o quadro só deve piorar
uma série de restrições aos ianques. Por enquanto, a eles posto pelo Congresso dos EUA? Para a maioria dos cuba-
só é permitido visitar Cuba em grupos de idosos ou por nos e a Igreja Católica presente no país, nem pensar em
razões de tratamento médico e interesses cultural, cientí- retornar ao capitalismo. Não querem que o futuro de
fico ou religioso. Cuba seja o presente de Honduras ou Guatemala. Para a Diante de tal realidade, a prática da chamada “aus-
Findo o bloqueio, acredita-se que haverá uma avalan- Revolução, o desafio é aprimorar o socialismo, flexibili- teridade fiscal” se revela uma medida equivocada,
che de estadunidenses na ilha caribenha. Sobretudo por zando a economia estatizada. pois apenas contribui para piorar a tendência da es-
tagnação. Como a nossa estrutura tributária é volta-
da, basicamente, para a produção e o consumo, a di-
Silvio Mieli minuição recessiva reduz também a capacidade de ar-
recadação do Estado. Com menos receitas, a lógica do
Passou do ponto
superávit primário conduz as autoridades governa-
mentais a buscarem maior redução ainda das despe-
sas com saúde, educação, previdência social e outras
semelhantes.
Assim, a postura austera da rigidez fiscal agrava a
TODO REALITY SHOW condensa uma equação com as O programa é turbinado por uma grande mobilização crise em todas as suas dimensões: social, política e
variáveis do neoliberalismo, darwinismo social e hipervi- nas redes sociais. E mensagens de assédio, de caráter cla- econômica. Revela-se um verdadeiro tiro no pé e um
sibilidade (sociedade do espetáculo). No mais recente su- ramente pedófilo foram registradas, gerando uma grande atentado contra a maioria da população, que não tem
cesso dessa modalidade, o programa “Master Chef” (TV mobilização e até a formação de uma rede a partir da tag como se proteger dos efeitos nefastos provocados pe-
Bandeirantes), acrescente-se o tempero culinário, devida- #primeiroassédio — quando homens e mulheres compar- la recessão e pelo desemprego. Trata-se de um “auste-
mente gourmetizado. tilham a primeira vez em que sofreram algum tipo de as- ricídio” cometido contra o povo brasileiro.
Que os marmanjos se submetam a estes rituais de so- sédio. Muito se discutiu, mas foi dada pouca ênfase a um Enquanto não houver uma mudança profunda na
frimento (na expressão cunhada pela socióloga Silvia Via- aspecto importante (sempre voltamos à questão da regu- orientação da política econômica, o quadro só de-
na) e mergulhem numa experiência de servidão voluntá- lação da mídia!). É razoável exibir das 10h às 12h da noi- ve piorar. A concepção que embasa a ação do minis-
ria, tendo como pano de fundo panelas e fogões, já seria te, na TV aberta, um programa que explora a participação tro Levy resume-se em propor tais cortes de despe-
questionável. Mas que esta experiência seja agora esten- e a imagem de menores de idade? sas, com a esperança de que isso provoque – por si só
dida a garotos de 9 a 13 anos (a versão júnior do “Mas- Num texto publicado originalmente no site Medium e – uma reviravolta nas expectativas e a economia vol-
ter Chef”), aí entramos no capítulo “pedagogia da servi- reproduzido na Carta Capital, a jornalista Carol Patroci- te ao crescimento de forma natural, como em um pas-
dão voluntária”. Sim, porque trata-se de seguir o líder co- nio pergunta, afinal de contas, o que deveria fazer a me- se de mágica.
zinheiro, submeter-se aos critérios éticos, estéticos e culi- nina do programa que foi assediada. “Abrir mão do sonho Na verdade, o momento exige uma postura bastan-
nários dos chefes de sucesso, que ensinam como as coisas, de ser chef? Esconder-se atrás de roupas masculinizadas? te distinta. O governo precisa demonstrar sinais de
afinal, “devem ser feitas” para se acertar o ponto de cozi- Encontrar maneiras de ser menos atraente? Essas são sa- que pretende ter mais iniciativa para sair da crise, es-
mento e atingir o sucesso, a glória, a fama. ídas que todas nós, mulheres, encontramos a vida toda, timulando a retomada da atividade da economia de
O desdobramento dessa fórmula às crianças não de- mas não são saídas que queremos oferecer para as meni- forma pró-ativa e não apenas no aguardo da solução
veria nos surpreender, já que em muitas escolas é exa- nas. Elas merecem um caminho melhor do que o nosso.” miraculosa provocada pela recessão.
tamente esta ladainha que se aplica. Ou seja: competi- Perfeito, mas será que as meninas não mereceriam um ca-
ção, liderança, empreendedorismo e educação financei- minho melhor do que o oferecido pela servidão e pela hi- Paulo Kliass é doutor em economia pela
ra. Mas no programa em questão, entre um filé de javali pervisibilidade midiáticas, que, de resto, sempre reduzi- Universidade de Paris 10 e integrante da carreira
e outro, é a imagem dos menores que passa a ser expos- ram a mulher ao papel de objeto sexual, desde a infância de Especialista em Políticas Públicas e Gestão
ta publicamente. até a terceira idade? Governamental, do governo federal.
fatos em foco
da Redação
Bancários conquistam 10% beu acampados e assentados de todo o Brasil, Espanha registra queda de integração vertical necessário a qualquer
e encerram greve que expuseram seus produtos da roça e da no desemprego empresa de petróleo e não se justifica sequer
Após 21 dias de paralisação nacional, ban- agroindústria, venderam gêneros da reforma O desemprego na Espanha registrou sob a lógica do preço de mercado.
cários e financiários aprovam retorno ao tra- agrária, ofereceram pratos da cozinha regional, queda no terceiro trimestre, chegando a
balho. Assembleias foram realizadas no dia 26 promoveram seminários e eventos culturais, 21,18%. É o melhor resultado desde dezem- “Lista suja” do trabalho escravo
de outubro. O índice obtido junto à Fenaban é atraindo mais de 150 mil pessoas ao local. bro de 2011, segundo dados do governo. é constitucional, afirma Janot
10% para salários, Pisos e PLR - inflação medi- Nos últimos 12 meses, o número de pessoas A chamada “lista suja” do Ministério do Tra-
da é de 9,88%. Para vales-refeição, alimenta- OMS classifica carne processada desempregadas caiu para 576.900. A previ- balho, que cita empresas relacionadas com a
ção e 13ª cesta, o aumento é de 14%. Caso saia como alimento cancerígeno são é que o desemprego retroceda a 21,1% prática do trabalho escravo, é constitucional,
acordo, prevê-se entre 63% e 72% de anistia Carnes processadas – como salsicha, pre- até o final de 2015, em relação aos 23,7% do segundo parecer do procurador-geral da Re-
dos dias parados. “Os banqueiros queriam sunto, linguiça, hambúrguer e bacon – foram ano anterior. (AFP) pública, Rodrigo Janot, divulgado dia 26 de
impor reajuste abaixo da inflação. Nossa luta classificadas como alimentos cancerígenos outubro pela PGR. O documento foi enviado
fez com que o índice dobrasse, saindo de 5,5% para seres humanos, conforme divulgado dia FUP ingressa com Ação Civil Pública ao STF, que aprecia uma ação direta de incons-
para 10%”, afirmou a presidenta do Sindicato 26 de outubro pela Organização Mundial da para impedir venda da Gaspetro titucionalidade contra portarias interministe-
de São Paulo, Juvandia Moreira. Saúde (OMS). Já a carne vermelha, incluindo No dia 26 de outubro, a Federação Única riais que estabelecem regras para inclusão de
partes do boi, porco, carneiro, bode e cavalo, dos Petroleiros (FUP) ingressou com uma pessoas jurídicas no cadastro. Janot, inclusive,
Feira do MST vende 220 toneladas foi classificada como alimento de provável Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a não reconheceu legitimidade na entidade que
e reforça a causa dos sem-terra risco cancerígeno. A decisão foi tomada pela Petrobras, na tentativa de impedir a venda de entrou com a ação, a Associação Brasileira de
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Agência Internacional de Pesquisa do Câncer 49% das ações da subsidiária Gaspetro. Se- Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) – que
Terra (MST) realizou sua 1ª Feira Nacional da e levou em consideração evidências de que o gundo a FUP, a venda anunciada após a últi- no final de 2014 conseguiu suspender a divul-
Reforma Agrária entre os dias 22 e 25 de outu- alto e frequente consumo de carne processa- ma reunião do Conselho de Administração da gação da lista, por decisão liminar – por não
bro no Parque da Água Branca. O evento rece- da provoca câncer colorretal. empresa, dia 23 de outubro, rompe o modelo provar sua representatividade nacional.
4 de 29 de outubro a 4 de novembro de 2015 brasil 5
Família “feliz”
so pão. Tudo que você vê vem do fumo”, a hora que o fumo está mais enxuto, e ti- ma, usam mão de obra de terceiros, prin-
de Vale do Rio Pardo, Santa Cruz do afirma, apontando para uma imponen- ra. Daí, coloca roupa cumprida normal”, cipalmente na colheita, por três meses.
Sul e Venâncio Aires (RS) te caminhonete e às boas casas cons- comenta. Logo em seguida, o marido re- “No último ano, assinei até carteira para
truídas nos 23 hectares de terreno, on- toma a palavra, para cair em contradi- eles”, declara José, com o tom de quem
José Henrique, 49 anos, natural de Ve- de plantaram 85 mil pés de fumo para a ção: “Não dá pra ficar [com o EPI]. É fez um favor ao registrar quem trabalha,
nâncio Aires, hoje é quem comanda os safra 2015-2016. muito quente”. entregando mais uma evidência de que o
negócios na propriedade da família Ha- Apesar de reforçar os ganhos mate- Os Haas têm contrato de presta- normal na região – não exatamente no
as. Herdou do pai, Beno, o gosto pelas riais, o produtor não nega que o tra- ção exclusiva com uma das fumagei- caso isolado dos Haas – é a precarização
lavouras de fumo. “Vim para cá com 6, balho já lhe causou problemas físicos. ras, a Souza Cruz, de origem brasileira das condições laborais.
7 anos, quando a família se mudou pa- “Quem não se cuida está sujeito. Quem e hoje subsidiária da British American O “normal”, também, é o trabalho de
ra esta propriedade. Sempre estava jun- vai colher o fumo molhado e não se pro- Tobacco no Brasil. “Só faço negócios menores de idade. Após uma pergunta
to na lavoura. Em épocas de escola, ia pa- tege pode passar mal. Você se molha e, com a Souza Cruz, nunca mudei. Desde sobre os motivos de os jovens da região
ra a aula e, quando podia, ajudava. Não até por causa do calor, por causa do sol, que eu comecei, meu pai já estava com não gostarem do plantio do fumo, a res-
tinha porque ficar sentado em casa”, diz dá reação. Tem alguma parte tóxica que eles e assim ficou. Tem outras, mas op- posta vem cortante: “Porque é um servi-
logo de cara. o corpo não resiste, mas nem todos têm tamos pela exclusividade”, explica José ço mais pesado. Se o jovem ficou até os
Sobre a comunidade onde vive, ele ga- problema. Eu já tive, mas agora estou Henrique, que agora arrenda terras pa- 18 anos sem fazer aquilo, vai no que é
rante ter testemunhado o crescimen- me protegendo, usando essas roupas pa- ra outras duas famílias de agricultores. mais fácil depois”, julga José Henrique.
to econômico proporcionado pelo taba- ra a colheita, o que não é muito bom pa- São os chamados “sócios”, pessoas que “Desde pequenino, eu ajudo, não deixei
co, que é o único plantio alcançado pelos ra usar, mas a gente usa”, confessa. Só plantam na propriedade alheia e pagam de estudar. Não fiz uma faculdade, mas
olhos por ali. Relata que antes havia a depois da menção de José sobre o uso com trabalho. estudei até o segundo grau. Ia para a au-
erva-mate, mas que o fumo criou condi- do equipamento de proteção individual Atualmente, dos membros da famí- la, chegava em casa e ajudava. Não me
ções para aumentar a renda dos produ- (EPI) é que a voz da sua esposa, Dulce, lia, somente José Henrique e Dulce vão fez mal nenhum esse meio dia na roça”,
tores e prevaleceu, engolindo outras cul- se apresenta: “A gente coloca [o EPI] e à lavoura de fumo. Beno, o patriarca, tem conclui. (Continua na pág. 8) (JP e MN)
turas. “Aqui está o nosso sustento, nos- chega certa hora, tipo nove, nove e meia, 80 anos e não planta mais. Dessa for- (Agência Pública- www.apublica.org)
8 de 29 de outubro a 4 de novembro de 2015 brasil
João Peres e
Moriti Neto
de Vale do Rio Pardo, Santa Cruz do
Sul e Venâncio Aires (RS)
da Agência Pública
ESPECULAÇÃO Disputa
entre cidadãos e prefeitura
pela Marina da Glória revela
como agem os órgãos
em defesa do patrimônio
quando estão em jogo os
projetos “olímpicos”
Anne Vigna
do Rio de Janeiro (RJ)
da Agência Pública
MODELO TUCANO
Governo Beto Richa confirma
fechamento de até 40 escolas.
Sindicato fala em mais de 100 e
inicia mobilização contra medida
Tiago Pereira
de São Paulo (SP)
da Rede Brasil Atual
ENSINO
A beleza de Gonzaguinha,
eterno aprendiz
MÚSICA
Divulgação
filhos mais velhos, do primeiro casa-
mento. “Ele era muito autêntico, verda-
Cantor e compositor deiro e transparente. É engraçado que
as pessoas sempre buscam clareza e au-
carioca, de personalidade tenticidade, mas quando encontram se
enigmática, ficou assustam”, diz Fernanda, prestes a fina-
lizar a gravação de uma série de inédi-
conhecido pela tas do pai.
Lelete concorda: “As pessoas têm me-
originalidade, do de conviver com a verdade, e ele era
muito verdadeiro, não criava situações
autenticidade e por não folclóricas pelo fato de ser famoso. Ho-
fazer questão de agradar je ele se daria melhor com aquele jeitão
dele”, afirma. “O ser artista compreende
nem público nem crítica muitas vezes estar do lado oposto do pú-
blico. Mas meu pai sempre teve uma po-
lítica diferente. Ele não se distanciava do
povo, ele gostava de estar perto do povo.
Danilo Di Giorgi Isso fazia ele estar em qualquer lugar e
de São Paulo (SP) ser a pessoa Gonzaguinha”, diz Daniel.
da Rede Brasil Atual A jornalista Regina Echeverria conhe-
ceu o músico em 1979, ano em que o ar-
ZANGADO, DIVERTIDO. Amargo, amo- tista se consolidava sucesso nacional.
roso. Mal-humorado, brincalhão, fecha- Regina havia sido escalada para fazer
do, delicado, antipático. Adjetivos tão uma reportagem para uma revista se-
díspares ainda hoje são citados para de- manal. E nasceu uma amizade que re-
finir uma das mais enigmáticas persona- sultou na biografia Gonzaguinha e Gon-
lidades da MPB: Luiz Gonzaga do Nasci- Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaguinha zagão – Uma História Brasileira, pu-
mento Júnior, o Gonzaguinha, que teria blicada somente em 2012. “Cheguei na
completado 70 anos em setembro. turamente em um acidente automobilís- “Para saber do Gonzaga você precisa ouvir casa de shows para a entrevista e pedi-
O cantor e compositor carioca criou tico aos 45 anos? Ainda que fosse autor ram para esperar. Vi uma pessoa que
canções poderosas que marcaram os de canções ásperas, como Piada Infeliz e seus amigos mais próximos. Esses vão parecia ser ele no meio dos trabalhado-
anos de 1970 e 1980, daquelas que to- Erva, como imaginar “azedo” o autor de res carregando caixas, e fiquei em dúvi-
do mundo sabe cantar quando lembra- odes à alegria, como A Felicidade Bate à
falar da pessoa maravilhosa que ele era, da se aquela pessoa simples era mesmo
das em uma roda de violão. Algumas ce- sua Porta e Feijão Maravilha, sucessos brincalhão, bem-humorado, uma pessoa a grande estrela da MPB”, relata a jor-
lebrizadas em vozes como as de Maria em versões dançantes de As Frenéticas? nalista. “Era uma figura única, detesta-
Bethânia (Grito de Alerta, Explode Co- “Para saber do Gonzaga você preci- boníssima, que sempre ajudava os outros” va dar autógrafo, achava um absurdo a
ração), outras imortalizadas por ele pró- sa ouvir seus amigos mais próximos. Es- pessoa querer levar um papel assinado.
prio (É, Com a Perna no Mundo, San- ses vão falar da pessoa maravilhosa que Mas não negava simplesmente o autó-
grando, O Que é, O Que é, Começaria ele era, brincalhão, bem-humorado, uma grafo, ficava ali conversando com o fã,
Tudo Outra Vez). pessoa boníssima, que sempre ajudava “Era uma mala sem alça e sem rodi- explicando que valia mais a pena con-
Mas, afinal, quem era aquela figura os outros”, defende a viúva Louise Mar- nha”, brinca, carinhoso, o filho Daniel versar um pouco e levar um pouco da
mirrada, com seus 56 quilos distribuídos garete Martins, a Lelete, casada com o Gonzaga. O compositor e cantor Daniel pessoa dele. Ele era meio doutrinador”,
em 1,76 metro de altura, morta prema- artista de 1980 até o acidente fatídico. e a cantora Fernanda Gonzaga são seus conta, aos risos.
Paternidade
Rei do Baião. Ele teve motivos para colo- 16 anos, apesar dos desentendimentos casa. Era a referência que ele tinha de
de São Paulo (SP) car uma parede entre ele o mundo. Mas com a madrasta, resolveu mudar para a política do sertão, onde as coisas eram
por trás dessa parede havia essa pessoa casa do pai, na Ilha do Governador. “Ele diferentes”, afirma Lelete.
É certo que Luiz Gonzaga Júnior nas- maravilhosa e muito sensível”, diz Regi- não acreditava em mim pela minha for- As diferenças só vieram a ser resolvi-
ceu em 1945 no Rio de Janeiro. E que na Echeverria. mação, não tinha domínio sobre mim, das no início dos anos de 1980, com a
sua mãe se chamava Odaléia Guedes Com seus pais adotivos Leopoldina temia que eu não virasse boa coisa.” O turnê “Vida de Viajante”, que percorreu
dos Santos, cantora da boate Dancing de Castro Xavier e Henrique Xavier (o filho vivia trancado no quarto com o o Brasil por quase um ano com os dois
Brasil. E que ela e Gonzagão, este ain- Baiano do Violão), o menino cresceu no violão, não respeitava a rotina da casa lado a lado no palco. “Esse reencontro
da em início de carreira, apaixonaram- Morro de São Carlos, uma das mais an- nem interagia com a família. Discussões com o pai foi maravilhoso para ele. Ele
-se e tiveram um relacionamento amo- tigas favelas cariocas e um dos berços do eram comuns e o rapaz não tinha medo se tornou uma pessoa menos zangada,
roso. É de conhecimento também que samba, onde foi fundada a primeira es- de se expressar. O pai acabou levando o mais alegre, mais feliz, perdeu aquele
Odaléia morreu de tuberculose quan- cola de samba da cidade, a Deixa Falar. jovem para um colégio interno. hermetismo, se abriu para o mundo. O
do o menino tinha 2 anos. A partir des- Nomes como Luiz Melodia, Ângela Ma- Não se sabe ao certo por que Gon- pai finalmente o reconheceu como um
se ponto, as versões divergem. Muitos ria, Grande Otelo, Madame Satã e Aldir zaguinha resolveu estudar Economia, grande músico. Era o que ele queria”,
afirmam que Odaléia já estava grávida Blanc têm sua história ligada ao morro. se por desejo pessoal ou insistência do conta o amigo íntimo, o cantor e compo-
quando conheceu aquele que viria a ser Baiano do Violão tocava na Rádio Ta- pai, que fazia questão que o filho tives- sitor Ivan Lins. “Compusemos Debruça-
o Rei do Baião; outros sustentam que moio e foi quem ensinou ao filho adoti- se “anel no dedo”. Ingressou em 1967 do nas escadas da casa da Rua Jaceguai.
o filho é de Gonzagão. “Sempre houve vo os primeiros acordes. na Faculdade Cândido Mendes e nessa Aliás, eu fui o único com quem ele fez
desconfiança em relação à paternida- Gonzagão era pouco presente. “De época a divergência entre ele e o pai che- parceria. Isso era em parte pelo jeito de-
de biológica. E eu não tinha nenhuma tempos em tempos ele vinha me visi- gou ao campo da política. Ele se enga- le, mais reservado, mas também porque
prova concreta, já que os dois, em vi- tar, ia me levar pra comprar uma rou- jou em movimentos estudantis contra o ele era muito bom tanto na composição
da, não quiseram fazer o teste de DNA”, pa. Geralmente aparecia e eu não es- golpe de 1964, mas Gonzagão tinha vi- quanto nas letras, escrevia extraordina-
afirma a biógrafa. tava em casa”, disse Gonzaguinha em são conservadora. “Meu sogro tinha fo- riamente bem”, diz Ivan, padrinho de
Gonzagão separou-se de Odaléia logo uma entrevista de 1979. Quando tinha tos do Geisel e do Médici na parede de Daniel. (DDG) (Revista do Brasil)
depois do nascimento do menino. De-
pois viveu com Helena Cavalcanti até o
final de seus dias e não teve com ela fi-
Do MAU
lhos biológicos. Lelete acredita que a in-
fertilidade não seria problema de Gonza-
gão e sim de Helena, que nunca aceitou
Gonzaguinha. A madrasta teria inventa-
do ou estimulado a versão que ficou pa-
ra a história para prejudicar a relação en-
tre pai e filho. deve aprender a baixar a cabeça e di- sários e se tornou artista independente.
de São Paulo (SP) zer sempre muito obrigado/São pala- Em 1986 criou o selo Moleque, pelo qual
vras que ainda te deixam dizer por ser chegou a lançar dois discos.
“Sempre houve desconfiança em A casa da Rua Jaceguai era a residên- homem bem disciplinado/Deve pois só Gonzaguinha passou os últimos 12
cia do psiquiatra Aluízio Porto Carrero, fazer pelo bem da Nação tudo aquilo o anos de vida colecionando sucessos e vi-
relação à paternidade biológica. E eu na Tijuca, berço do Movimento Artístico que for ordenado”. vendo de forma tranquila com a família
Universitário (MAU). Aluízio fora ins- em Belo Horizonte. O músico dedicava-
não tinha nenhuma prova concreta, trumentista do Cassino da Urca e gos- -se a pesquisar novos sons e raramente
já que os dois, em vida, não quiseram tava de reunir amigos para conversas, Gonzaguinha era apenas passava longos períodos longe de casa. O
jogos de cartas e rodas de violão. Entre acidente que tirou sua vida aconteceu na
fazer o teste de DNA” os presentes sempre estavam Gonzagui- autêntico e verdadeiro, em manhã do dia 29 de abril de 1991. Gon-
nha, Ivan Lins, Aldir Blanc, Paulo Emí- zaguinha seguia a Foz do Iguaçu (PR),
lio e César Costa Filho. Servia-se duran-
busca permanente e sincera de onde tomaria um avião com destino a
te os encontros, com concha de sopa, de se tornar um homem e Florianópolis. Um ano e meio antes, em
“Seria estranho que um nordestino uma lendária batida de maracujá prepa- agosto de 1989, havia partido Gonzagão,
tradicional e conservador como meu rada dentro de uma grande panela. Os um artista melhor a cada aos 76 anos, vítima de uma parada car-
sogro colocasse seu nome em um filho violões passavam de mão em mão e as diorrespiratória.
que não era seu, você não acha? Eu te- pessoas cantavam em coro. Foi lá que dia. Como a vida devia ser “Eu acho que estou aprendendo aos
nho certeza de que o Gonzaga era filho Gonzaguinha conheceu Ângela, sua pri- poucos. Eu espero que agora eu agrida
biológico do Gonzagão”, afirma Lelete, meira mulher e filha de Aluízio. menos as pessoas do que há alguns anos.
lembrando que sua filha Mariana é a ca- “Éramos um grupo com pretensões Quanto menos eu agredir as pessoas no
ra do avô. “Ele fez uma música para a de romper as barreiras do mercado de O evento o projetou e chamou aten- futuro, para mim é melhor. Eu ainda te-
neta, e sempre falava que a boca dela ti- trabalho, com a consciência de que os ção da censura. Das 72 canções apresen- nho muita coisa pra aprender, devagar e
nha o mesmo formato e a mesma cor da festivais não projetavam ninguém”, diz tadas aos censores antes de gravar seu tal. Mas um dia, quem sabe, eu chego lá.
boca dele”, diz. Ivan Lins. O MAU acabaria sugado pela primeiro disco, 54 foram barradas. Sua Eu tenho paciência pra aprender.” Essa
O fato é que Gonzaguinha cresceu lon- TV Globo, que em 1971 lançava o pro- postura pouco dócil aos olhos dos meios declaração, feita pelo artista em dezem-
ge do pai – por conta da morte da mãe, grama Som Livre Exportação, o que de comunicação custaram-lhe naque- bro de 1990, talvez responda à questão
da rejeição da madrasta e das turnês em provocou desentendimentos entre os le início de carreira o apelido de “can- apresentada no início deste texto: Gon-
que Gonzagão passava longos períodos membros do grupo. Em 1973, Gonza- tor rancor”. Com a abertura política na zaguinha era apenas autêntico e verda-
longe. “Imagina a situação dele, crescen- guinha participou do programa de Flá- segunda metade dos anos de 1970, co- deiro, em busca permanente e sincera de
do no morro, por vezes com restrições vio Cavalcanti, apresentando a música- meçou a modificar o discurso e a com- se tornar um homem e um artista melhor
materiais e longe do pai. Ninguém acre- Comportamento Geral. Os jurados fi- por canções mais profundas e menos a cada dia. Como a vida devia ser. (DDG)
ditava quando ele falava que era filho do caram apavorados com a letra: “Você políticas. Em 1975, dispensou empre- (Revista do Brasil)
12 de 29 de outubro a 4 de novembro de 2015 cultura
Bob May/CC
Lanterna mágica
CRÔNICA A luz foi apagada e so trabalho diário, das 8 da manhã às 6 Na primeira noite que de três garotos magros que portavam
da tarde, consistia em preencher uma nos ombros uma cadeira de balanço.
vimos trinta minutos de Actualités cota diária de entrevistas com morado- passamos me informaram A luz foi apagada e vimos trinta minu-
res locais. A lista tinha dezenas de no- tos de Actualités Françaises, o jornal ci-
Françaises, o jornal cinematográfico mes. Uma entrevista normal tomava de onde era o cinema: perto nematográfico (com legendas em portu-
(com legendas em português), 40 a 50 minutos, prancheta em punho. da praça tal. Naquele guês), mostrando De Gaulle descerran-
De noite a gente jantava na pensão e es- do fitas inaugurais, etc. Finda a sessão, a
mostrando De Gaulle descerrando tava livre. tempo eu queria imitar plateia decampou para casa levando tu-
Na primeira noite que passamos me do. Conversei com o cara. Ele tinha sido
fitas inaugurais, etc informaram onde era o cinema: perto da Jean-Pierre Léaud (não porteiro do cinema local. O cinema fe-
praça tal. Naquele tempo eu queria imi- chou. O que tinha nos armários foi pro
tar Jean-Pierre Léaud (não só eu, aliás) e só eu, aliás) e me obrigava lixo. Ele salvou um caixote cheio de la-
me obrigava a ver um filme em pelo me- tas de película, e tempos depois quan-
Braulio Tavares nos um cinema de cada cidade que eu
a ver um filme em pelo do viu aquela garagem sem uso resolveu
fosse. E de tarde eu tinha visto passando menos um cinema de alugar. Estava juntando dinheiro pa-
EM MEADOS DOS ANOS DE 1970 eu no centro da cidade uma caminhonete de ra comprar seu primeiro longa de faro-
estudava no Campus II da UFPB (atual alto-falante chamando todos para o cine- cada cidade que eu fosse este. Quando juntasse, seriam sete ho-
UFCG) e de vez em quando apareciam ma às oito da noite. ras de ônibus até Campina Grande, pa-
uns trabalhinhos para ajudar os estu- Cheguei meia hora antes. O local era ra comprar das mãos do velho Expedito
dantes a descolar uma nota. Não era uma espécie de garagem retangular, va- um Trinity ou Sartana qualquer, sonha-
muita coisa, mas para quem vivia de ser zia, a parede do fundo pintada de branco. lá puxaram um fio comprido. Como por va ele, “e com isso eu vou ter em cinco
crítico de cinema qualquer “pingado” de Nem poltronas, nem cortinas, nem tela, acordo coreográfico, começaram a che- anos grana suficiente pra montar um ci-
fora dobrava a renda do mês. Fomos pa- nem música de orquestra, nem bombo- gar pessoas. Chegavam e iam entrando. nema de verdade”. (Texto publicado em
ra uma cidade do sertão, fazer uma pes- niere, nem cartazes e fotos nas paredes. Um trazia um tamborete, outro uma ca- sua coluna diária no Jornal da Paraíba
quisa. A equipe, dirigida por Bobó, con- Quinze minutos depois parou uma ca- deira de plástico de bar, outro uma ca- – Campina Grande-PB)
tava comigo e mais o saudoso Geraldo minhonete, uns caras armaram um pra- deira de palhinha, um casal trazia a qua-
Bode Rouco, e Hermano Babalu, além ticável, em cima dele uma bancada onde tro mãos uma poltrona de dois lugares, e Braulio Tavares é escritor, poeta e
do motorista da kombi, Erivaldo. Nos- pousaram um projetor IEC 16mm e de uma velhinha caminhava nobre à frente compositor de Campina Grande (PB).
www.malvados.com. br dahmer
PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Empresa alemã que denunciou um esquema de propinas pagas, há 20 anos, por
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
11 transnacionais ao PSDB de São Paulo, para que elas vençam licitações, que envolvem o metrô 1
e os trens, com valores superfaturados – Primeiro papa latino-americano. 2.Segunda nota musi-
cal. 3.Proposta feita por Dilma para tratar da reforma política que em poucos dias foi engavetada. 2
4.Ordinário – Em alemão, diz-se “Farbe” – Doei – Interjeição de frustração. 5.A Organização Mun-
dial da Saúde – Computador pessoal – Presidente dos Estados Unidos. 6.Divisão de uma escola 3
capital deste estado (sigla) é chamado de soteropolitano. 13.O contrário de “volta” – Na lingua-
gem informal “ter aparência de”. 14.Chamado de sétima arte, seu nome tem origem na palavra
grega que significa “movimento” – O nome deste estado (sigla) vem de um termo em tupi que 16.AR. 17.Placa. 18.Osso – Cama.
significa “bico de tucano”. 15.Em inglês, diz-se “aunt” – Um dos mais citados na história do Brasil 9.TCC – Belo. 10.Frio. 11.Retrocessos. 12.BA. 13.Ida – Pinta. 14.Cinema – TO. 15.Tia – Monte.
é o “Castelo”, tomado por tropas brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. 16.Aviso de re-
Verticais: 1.Tucano – UFC. 3.Molde. 4.Um. 5.CMS – ONU. 6.Eco – PT. 7.NP – Lê. 8.SOS – Pare.
11.Corrupção – Suave.
cebimento dos Correios. 17.Todo o carro precisa ter uma. 18.Na linguagem informal, diz-se de – PC – Obama. 6.Ala – Eca – Ai. 7.Onda – MDC. 8.Plebiscito – AC. 9.Pote – Nona. 10.Trem.
Horizontais: 1.Siemens – Francisco. 2.Ré. 3.Constituinte. 4.Comum – Cor – Dei – Pô. 5.OMS
algo “difícil” – Leito.
américa latina de 29 de outubro a 4 de novembro de 2015 13
No total são 14 trabalhadores pregados Como último recurso, trabalhadores estão crucificados desde o dia 30 de junho
em cruzes – 11 acampados em frente nalização dos movimentos sociais ado- aplicado pelos empresários após terem tes mostra o seu humanismo”, ironizou
tada por Cartes, os deixou sem salários obtido subsídio governamental – e a es- o secretário-geral do Sindicato da Li-
ao Ministério do Trabalho – um deles nem direitos. truturação de uma política de transpor- nha 49, Miguel Garcete, também pre-
acompanhado de sua esposa, e três em No total são 14 trabalhadores pre- te com inclusão social. gado à cruz.
gados em cruzes – 11 acampados em Para Maria Candia, é evidente a sin- Com uma caixinha improvisada,
frente à Parada 49, clamando por justiça frente ao Ministério do Trabalho – um tonia fina existente entre o deputado e Adan Soto faz a sua parte na ação em
deles acompanhado de sua esposa, e o ministro “sempre em defesa dos in- frente ao Ministério. Ele recolhe con-
três em frente à Parada 49, claman- teresses da empresa”. “O fato é que os tribuições para sustentar o movimen-
do por justiça. Na retaguarda, ajudan- companheiros estão trabalhando até 18 to, comprar alimentos e remédios para
Eles foram demitidos pelo simples fa- do com a coleta de recursos para a sus- horas diárias, sem direito a dormitório, os companheiros, cada vez mais debili-
to de organizar um sindicato e persegui- tentação do movimento, um grande nú- sem sanitário, sem piso salarial, com os tados. “Nos ajudamos entre todos, pois
dos pela “lista negra” que fecha as por- mero de trabalhadores se reveza no en- ganhos arrochados. E em vez de agir pa- falta de tudo. Tenho dois filhos, Matias
tas para todo aquele que busca seus di- frentamento a problemas cotidianos, ra regularizar esta situação, os Ministé- e Kevin, com dez e sete anos. Para co-
reitos constitucionais. Com os filhos que vão desde a alimentação, a cuida- rios do Trabalho e do Transporte agem merem todo dia eles não estão indo à
obrigados a abandonarem os estudos dos básicos com a saúde e higienização. para encobrir as irregularidades”, de- escola, pois não tenho dinheiro para o
por falta de material escolar, vendo a fo- À medida que passa o tempo, os gas- nunciou a sindicalista. material”, explicou.
me bater à sua porta, a decisão foi toma- tos com os medicamentos – como so- Esposa de Marcos Deudan, Norma Bo- No país uma entidade sindical não
da. Tão dolorosa e dolorida quanto ine- ro e antibióticos – vão aumentando, as- gado disse que se somou ao movimen- pode representar o conjunto da cate-
vitável, creem. sim como o cheiro forte que toma con- to “sem pensar duas vezes”. “Acreditava goria, apenas uma microscópica par-
Assim, desde o dia 30 de junho estão ta do local. que pelo fato de ser mulher o meu envol- te dela, o que deixa a representação ex-
crucificados, embaixo de lonas, entre as “Estamos preparando uma greve geral vimento sensibilizaria mais o governo e tremamente vulnerável a chantagens e
ruas Herrera e Paraguari, no centro de do transporte para os próximos dias 2 e repercutiria mais nos meios de comuni- imposições. A insignificância numéri-
Assunção, para denunciar a criminosa 3 de novembro, onde além do reconhe- cação. Infelizmente o que posso ver, pas- ca – os sindicatos são formados a partir
ação antissindical tomada pelo dono da cimento da entidade da Linha 49, com sado tanto tempo, é que esse deputado, de 20 membros somente – faz com que
empresa, deputado Celso Maldonado. o respeito irrestrito à liberdade sindical, que deveria dar o exemplo, só pensa em os patrões e governos criem suas pró-
Contando com a imunidade emanada cobraremos a reincorporação de todos enriquecer, enquanto o governo tapa tu- prias entidades, com direções escolhi-
da cumplicidade do governo do presi- os demitidos”, afirmou a secretária-ge- do com dinheiro, contando com o apoio das a dedo para dividir a classe, nego-
dente Horacio Cartes, e particularmen- ral da Federação Paraguaia de Traba- da mídia”, acrescentou Norma. ciando o rebaixamento de salários e di-
te do seu ministro do Trabalho, Guil- lhadores no Transporte, Maria Candia. “Eu só queria saber o quanto deram reitos. Neste quadro perverso, o exem-
lermo Sosa, o parlamentar-proprietário Na pauta da paralisação, explicou, es- ao ministro para nos torturar assim. O plo dos trabalhadores da Linha 49 tem
demitiu 51 trabalhadores ilegalmente. E tão o rechaço ao aumento ilegal de pas- tratamento dispensado a nossas reivin- repercutido, com suas feridas expostas,
na mesma linha de perseguição e crimi- sagem de cerca de 50% – recentemente dicações pelo presidente Horacio Car- para quem quiser ver.
Na Itália, sindicatos de
trabalhadores preparam greve geral European Council
OPINIÃO Enquanto
o primeiro-ministro
Matteo Renzi dá “show”
em viagem pela América
Latina, sindicalistas
italianos organizam uma
greve geral
Achille Lollo
de Roma (Itália)