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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

RODRIGO MORMILLO FERRARI

EMANCIPAÇÃO FABRICADA:
A FAMÍLIA E A NOVA ORDEM SEXUAL.

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO
2018
RODRIGO MORMILLO FERRARI

EMANCIPAÇÃO FABRICADA:
A FAMÍLIA E A NOVA ORDEM SEXUAL.

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Ciências Sociais, sob a orientação da
Prof.(a) Dr.(a) Silvana Maria Corrêa
Tótora.

SÃO PAULO
2018
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que
citada a fonte.

Ferrari, Rodrigo Mormillo


Emancipação fabricada: a família e a nova ordem sexual/
Rodrigo Mormillo Ferrari. – São Paulo: [s.n.], 2018.
97f.

Orientadora: Silvana Maria Corrêa Tótora.


Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos
Pós-Graduados em Ciências Sociais, 2018.

1. Família. 2. Relações de Gênero. 3. Matrimônio. I.


C, Silvana Maria Corrêa Tótora. II. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. III. Título.
CDD
RODRIGO MORMILLO FERRARI

EMANCIPAÇÃO FABRICADA:
A FAMÍLIA E A NOVA ORDEM SEXUAL.

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Ciências Sociais, sob a
orientação da Prof.(a) Dr.(a) Silvana
Maria Corrêa Tótora.

Aprovado em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________
RESUMO

O trabalho investiga o impacto social da modernização das relações entre os


sexos, tendo em vista especialmente o que diz respeito à família - devido à
importância dessa instituição para a formação do elo não só entre homens e
mulheres como também entre gerações). Isso é feito de três formas: a) por meio
de uma contextualização histórica para identificar, em primeiro lugar, as raízes
dessa modernização, e depois as questões sociais que sejam mais
significativamente impactadas por qualquer alteração nas relações entre os
sexos; b) o levantamento e a análise de dados estatísticos que evidenciem as
características dessa modernização nos Estados Unidos, onde há uma enorme
quantidade de informações e análises confiáveis sobre essa questão, permitindo
descobertas generalizáveis para outros contextos semelhantes; c) por meio da
interpretação dessas mudanças, amparada em pesquisas acadêmicas e em
reflexões de diversos críticos da modernidade, como Bauman (2003, 2008,
2010) e Lasch (1997). A pesquisa constatou que o principal fator das mudanças
mais recentes, como a reduzida popularidade e durabilidade dos casamentos,
ao menos nos Estados Unidos, parece ser econômico: a queda constante do
salário médio real de empregos blue-collar (trabalhos que não requerem
qualificação, como o de minerador, operário etc., predominantemente ocupados
por homens) nas últimas décadas. Essa queda, no contexto da urbanização e do
desenvolvimento de tecnologias sexuais, como a pílula, desencadeia e acelera
a maior parte dos problemas sociais associados a essa modernização. É digno
de nota que o impacto negativo do novo esquema de relações é drástico em
guetos, inner cities e para grupos com baixa renda e escolaridade; mas o
matrimônio e a família das mulheres com mais alto grau de escolaridade e renda,
ao contrário, apresentam índices cada vez melhores (sendo elas o único grupo
ou recorte demográfico em que se observa um aprimoramento significativo das
condições familiares e matrimoniais sob o esquema atual).

Palavras-chave: Família. Relações de Gênero. Matrimônio. Capital Erótico.


Razão Sexual Operacional.
ABSTRACT

This paper investigates the social impact of the recent “modernization” of


relations between men and women, especially concerning the family, due to the
importance of this institution to forge a link not only between the sexes but also
between generations. This is done in three ways: a) through historical
contextualization to identify the roots of this modernization and the most important
social issues connected to it; b) through survey and analysis of statistical data
that demonstrate the characteristics of this modernization in the United States,
where there is a considerable amount of reliable information and analysis around
the subject of this dissertation that will allow the findings to be generalized or
adapted for application in other areas; c) through the interpretation of these
changes, supported by academic research and reflections of various critics of
modernity such as Bauman (2003, 2008, 2010) and Lasch (1997). The research
found out that the main factor of the latest changes on the popularity and
durability of marriages, at least in the United States, seems to be economical: the
steady fall in the average real wage of blue-collar jobs. This fall, in the context of
urbanization and the development of “sexual technologies”, such as the
contrapceptive pill, triggers and accelerates most of the social problems
associated with this modernization. The negative impact of the new relationship
“metagame” is drastic in ghettos, inner cities and for groups with less formal
education and lower income; but marriages and families of highly educated
women with the largest salaries, on the contrary, have shown signs of
improvement (being the only group or demographic cut in which there is a
significant improvement of familial and marital conditions under the current
scheme).

Keywords: Family. Gender Relations. Marriage. Erotic Capital. Operational Sex


Ratio.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 6
CAPÍTULO 1 – O CAMINHO DA REIFICAÇÃO ................................................ 8
1.1 Tradições e costumes ........................................................................ 13
1.2 A família ............................................................................................. 16
CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO E A HISTÓRIA DO
MATRIMÔNIO .................................................................................................. 18
2.1 Supressão de casamentos clandestinos na Inglaterra:
o Marriage Act de 1753 ............................................................................ 19
2.2 O sentimento de família ..................................................................... 23
2.3 A família moderna .............................................................................. 26
2.4 O matrimônio pós-moderno ............................................................... 30
2.5 O lar intacto e as novas formas familiares ......................................... 33
CAPÍTULO 3 – O LIVRE-MERCADO DAS RELAÇÕES SEXUAIS
CONTEMPORÂNEAS ..................................................................................... 40
3.1 Razão sexual ..................................................................................... 40
3.2 Teoria do capital erótico ..................................................................... 49
3.3 Amor líquido e a transformação da intimidade ................................... 53
3.4 A sociedade de consumidores de Bauman ........................................ 55
3.5 Vida a crédito e a economia da dívida ............................................... 57
CAPÍTULO 4 – DESIGUALDADE SOCIAL E MATRIMÔNIO NOS ESTADOS
UNIDOS ........................................................................................................... 59
4.1 Moynihan Report................................................................................ 59
4.2 Os mercados matrimoniais ................................................................ 62
4.3 O coração da questão ........................................................................ 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 72
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 73
APÊNDICE A – Novos valores têm pernas curtas ....................................... 87
APÊNDICE B – Concubinato estratégico na Inglaterra ............................... 93
6

INTRODUÇÃO

O objetivo inicial deste trabalho era o de acompanhar a deterioração das


relações matrimoniais na sociedade para pesquisar as principais causas e
marcos dessa degradação. A afirmação de que há um desgaste das relações
tinha sido assumida como premissa, pois isso parecia evidente antes do início
da pesquisa. Entretanto, o levantamento bibliográfico foi revelando variações
claríssimas entre os índices de bom funcionamento matrimonial de diferentes
segmentos da população. Para as mulheres de mais alta escolaridade e renda,
os índices não só não iam mal, como melhoravam; enquanto isso, no gueto, tudo
ia de mal a pior – a crise, portanto, estava bastante concentrada.
Os indicadores numéricos mais pertinentes para a questão da família
medem fatores como o comportamento antissocial dos homens (violência
doméstica, criminalidade, alcoolismo, drogas etc.) e a irresponsabilidade sexual
de forma geral (mulheres engravidando cedo demais e largando a escola,
crianças sem pai registrado, pais desertores, entre outros). Esses indicadores
participam como causas, como efeitos e como indícios, tanto alternadamente
quanto simultaneamente, e por isso desvelar a estrutura da organização sexual
da sociedade ou de uma região permite, ao que tudo indica, prever muito sobre
os índices de violência e desigualdade. Infelizmente as explicações não são
redutíveis a meia dúzia de slogans e manchetes, e por isso soam estranhas aos
ouvidos modernos, por mais óbvias – e até vulgares – que se revelem.
De qualquer forma, a procura pelas causas do fenômeno acabou assim
absorvendo a busca das razões dessas diferenças e relações entre esses
índices de violência, desigualdade, bastardia, criminalidade, divórcio e os
costumes sexuais, que acabariam revelando a natureza dessa nova ordem
matrimonial.
A essa altura da pesquisa, frente à magnitude das questões que se
apresentaram, foi necessário escolher entre reduzir o escopo do trabalho – para
viabilizar uma análise mais detalhada, especializada e setorizada, apresentada
de maneira bem tradicional e acadêmica –, ou intensificar e agilizar a
apresentação do conteúdo adotando o estilo ensaístico. A segunda opção se
mostrou superior para tratar de um assunto que ainda não está muito bem
delimitado, visto que a interação dinâmica entre o mercado, o Estado e o
7

matrimônio, que passa por questões divididas hoje em diferentes disciplinas,


determina as fronteiras dessa questão.
Com a intenção de contribuir para o desenvolvimento da pesquisa desse
assunto no Brasil, a horizontalidade também parecia mais apropriada que o
aprofundamento vertical em um dos tópicos, porque apresentar uma quantidade
maior de conteúdo, com um detalhamento menor, permite indicar aos novos
pesquisadores onde eles devem buscar respostas para aprofundar suas
pesquisas (enquanto uma abordagem que se aprofunde verticalmente é mais útil
quando a comunidade de pesquisadores está suficientemente avançada no
conhecimento geral do assunto em questão).
Assim, o Capítulo 1 e o Apêndice A são de caráter mais filosófico e visam,
por meio da especulação, estabelecer conexões possíveis entre as
contingências reveladas pela pesquisa empírica e teorias gerais de
compreensão da sociedade, tendo em vista o conselho de Horkheimer:

Qualquer reflexão sobre a cultura que neste momento crítico possa


enfrentar o período presente e, portanto, também os anteriores, deve
preocupar-se com o papel das esferas culturais particulares e suas
inter-relações estruturais mutantes na manutenção ou dissolução de
determinadas formas de sociedade (HORKHEIMER, 1972, p. 53,
tradução nossa1).

1Do original: “Any reflection on culture which at this critical moment can come to grips with the
present period and thereby with earlier ones as well, must be concerned with the role of particular
cultural spheres and their changing structural interrelationships in the maintenance or dissolution
of given forms of society”.
8

CAPÍTULO 1
O CAMINHO DA REIFICAÇÃO

Chomsky costuma afirmar que os maiores inimigos do livre mercado não


são os socialistas, mas os próprios capitalistas. Para ele, o neoliberalismo
esconde, sob a aparência do livre mercado, seu funcionamento real bem
diferente: “socialismo para os ricos e capitalismo para os pobres”2, ou “socialismo
para nós e capitalismo para vocês”, pela perspectiva das grandes multinacionais.
Ele usa como exemplo alguns acordos internacionais, como o NAFTA e a World
Trade Organization, que a mídia americana anuncia para o mundo todo como
free trade agreements, embora sejam descaradamente protecionistas para com
os grandes players da indústria americana. A essência do neoliberalismo para
Chomsky, assim, é precisamente a intervenção seletiva do Estado na economia,
adulterando as condições da competição no mercado em favor de alguns, ao
mesmo tempo em que usa a máscara do laissez-faire.
Ele lamenta também que nem os defensores nem os opositores de Adam
Smith parecem ter lido direito A riqueza das nações3, porque a expressão “mão
invisível” é utilizada no livro uma única vez, e ainda por cima em sentido contrário
ao que se ensina nas escolas (i.e, que ela representa as forças ordenadoras do
livre mercado como a lei da oferta e da procura) e que se repete em todo lugar.
Smith usa esse conceito para explicar o seguinte: se os produtores e
comerciantes ingleses decidissem investir e importar de outros países, isso seria
lucrativo para eles, mas péssimo para os trabalhadores ingleses; no entanto, a
inclinação natural dos produtores e comerciantes pode levá-los a não investir
fora do país, devido a um home bias (ou seja, uma preferência irracional pelo
que vem de sua própria nação), apesar do lucro maior que poderiam obter lá fora
– como se estivessem sendo movidos por uma mão invisível. A famosa mão
invisível, portanto, é uma força que atua contra o princípio do livre mercado, que

2 Entrevista de Noam Chomsky concedida a Christopher Lydon. Postado em jun. 2017.


Disponível em: https://www.concertedaction.com/2017/06/03/noam-chomsky-on-neoliberalism-
its-market-for-you-but-state-power-for-me/. Acesso em: 14 out. 2018. E entrevista também de
Noam Chomsky concedida a C. J. Polychroniou, postada em dez. 2016. Disponível em:
https://truthout.org/articles/socialism-for-the-rich-capitalism-for-the-poor-an-interview-with-noam-
chomsky/. Acesso em: 14 out. 2018.
3 Obra mais famosa de Adam Smith, composta de cinco partes, publicada em Londres, em 1776.

Contém análises teóricas referentes a trabalho, renda, acúmulo de capitais, desenvolvimento


econômico, entre outras.
9

adultera e contamina a pureza do funcionamento das leis da oferta e da procura


de maneira a beneficiar os trabalhadores e não o lucro.
É digno de nota que essa mão invisível, portanto, que se mostra uma força
natural e benéfica na passagem de Smith, seja exatamente o que se abomina
hoje sob o nome de xenofobia ou racismo. O desprezo dos progressistas por
todo e qualquer preconceito desse tipo não parece ser coincidência, pois esse é
só um dos preconceitos potencialmente benéficos ao povo que se apresenta
como obstáculo ao progresso (lucro). Uma lista mais completa de preconceitos
benignos pode ser encontrada no livro de Dalrymple, traduzido como Em defesa
do preconceito (DALRYMPLE, 2015).
No Brasil, os maiores oponentes do neoliberalismo são, supostamente, os
progressistas de esquerda. Isso não seria um problema se não fosse pelo fato
de que, nos últimos anos, o discurso da esquerda brasileira copiou totalmente a
propaganda ideológica do partido democrata americano durante a campanha de
Hillary Clinton; e os Clinton são conhecidos por terem marcado a virada
neoliberal do partido democrata americano no fim do século XX.
O que ocorre, então, é que os maiores inimigos do neoliberalismo no
Brasil – a esquerda, que era mais orientada ao socialismo e torcia o nariz para
os americanos – são hoje, involuntariamente supõe-se, os mais fervorosos
defensores do neoliberalismo norte-americano.
O que acontece aqui entre o progressismo e o neoliberalismo, sob essa
interpretação, parece com o que Hayek enxergou em O caminho para a servidão,
sobre a relação entre socialismo e fascismo:

Poucos estão prontos a admitir que a ascensão do nazismo e do


fascismo não foi uma reação contra as tendências socialistas do
período precedente, mas o resultado necessário dessas mesmas
tendências (HAYEK, 2017, l. 381).

[...] o conflito existente na Alemanha entre a “direita” nacional socialista


e a “esquerda” é o tipo de conflito que sempre se verifica entre facções
socialistas rivais (HAYEK, 2017, l. 447).

Assim como ele diz que todas as pessoas influentes na Inglaterra de seu
tempo eram “em certa medida socialistas” (HAYEK, 2017, l. 399), hoje no Brasil
é possível afirmar que todos são em certa medida neoliberais.
10

Nesse ponto, é necessário esclarecer o duplo sentido dos termos


utilizados nos debates públicos sobre eleições. Democracia, socialismo,
liberalismo etc. são termos que podem significar tanto certos fins quanto certos
meios. O marqueteiro deve unir os dois da melhor forma possível, mas o fato é
que, em última instância, no contexto democrático, os fins são só fachadas para
os meios. Ou seja, o discurso e os objetivos finais declarados não são
representantes reais dos métodos de implementação, mas apenas
representações convenientes que os acompanham. Por isso, os discursos
políticos podem ser tão distintos quanto água e vinho, mas se os métodos de
implementação e governança continuarem sendo mais ou menos os mesmos, a
diferença entre os pilotos da máquina de implementação será minimizada depois
que assumirem os cargos. Aparentemente, assim, o que se chama de
neoliberalismo parece ser uma consequência natural do funcionamento dos
mecanismos existentes; é o nome que se dá para as coisas como elas são, para
o capitalismo como ele é. É a partir daí que se trabalha esse conceito.
Assim como Alain Badiou afirma que “o semblante contemporâneo do real
capitalista é a democracia” (BADIOU, 2017), é possível que o progressismo
tenha sido nos últimos tempos o semblante contemporâneo do neoliberalismo,
tendo substituído a máscara do laissez-faire (que só agora depois da votação do
Brexit, da eleição do Trump, Macron, Bolsonaro etc., parece estar voltando a
predominar). Em tempos de crise, a máscara do liberalismo clássico ganha
popularidade; mas em tempos de bonança, o progressismo retoma a força. De
qualquer forma, o ponto é que os mesmos fins podem ser atingidos com
diferentes combinações de privatizações e estatizações, ou diferentes
combinações de esquerdismos e direitismos de forma geral, e por isso a questão
de qualquer investigação deve ser a consequência do conjunto de mudanças, e
não a lógica ou legitimidade do discurso ideológico por trás de cada uma delas.
Tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, por exemplo, há indícios de que
os partidos conservadores contribuíram mais para a crise da família na
sociedade do que os de esquerda, mas de qualquer forma não há dúvida de que
o vetor da contribuição de ambos tem sempre o mesmo sentido: os interesses
do mercado, e até o progresso, que desde os tempos de Durkheim já era um
protodogma. A verdade da democracia eleitoral é a de que qualquer ideia pode
11

servir de justificativa para qualquer medida, sendo a capacidade retórica de


quem as propõe e a disposição do povo os únicos limites.
Então o que Hayek faz ao empregar o termo socialismo para o método de
implantação, e não para os ideias e fins dos socialistas, é um exemplo a ser
seguido. Fazer o mesmo com o neoliberalismo permite compreender que não há
contradição alguma entre métodos neoliberais (qualquer medida real que
promova diretamente os interesses do mercado, ou seja, a desvalorização da
força de trabalho, o aumento do consumo etc., sob as desculpas mais eficientes
no momento) e qualquer outra ideologia.
Por quem “dobram os sinos” da esquerda progressista contemporânea?
Em geral, o núcleo ao qual remetem todas as suas pautas é a justiça distributiva,
que só pode ser alcançada se forem neutralizadas ou diminuídas as
desigualdades arbitrárias – principalmente as de nascimento – que adulteram a
justa competição (segundo o raciocínio progressista mais mundano). Seu
argumento em geral é o de que a meritocracia não é meritocrática de verdade e
precisa ser reformada. Ou seja, é um erro ver o novo progressismo como
contrário à meritocracia porque na verdade o que estão fazendo é uma violenta
defesa de sua intensificação, de sua purificação (ainda que na prática a
implementação de seus programas não o seja de fato). E é interessante notar
que o discurso oficial do progressismo, na tentativa de ser politicamente correto,
revela sua verdadeira face na própria máscara que usa.
O fato de que os progressistas, por mais inteligentes que sejam, tendem
a se opor ao esforço de procurar evidências científicas demonstrando
desvantagens inatas de um grupo sobre o outro – a ponto até de destruir
carreiras e reputações de cientistas com prêmio Nobel por causa de comentários
reforçando estereótipos de raça e sexo, como no caso de James Watson e Tim
Hunt, prêmios Nobel de Medicina 1962 e 2001 respectivamente – diz muito. É
necessário pensar quais seriam as implicações dessas descobertas para
entender a natureza conservadora da mensagem progressista: se ficar
demonstrado publicamente que homens brancos têm enormes vantagens inatas
sobre mulheres ou negros na competição capitalista, a condição de possibilidade
original da própria meritocracia seria fortemente abalada. O rei estaria totalmente
nu. Todos saberiam que não há departamento, lei ou burocrata do Estado que
possa resolver desigualdades a priori. Então, seja verdade ou não que os
12

homens brancos tenham vantagens inatas significativas o suficiente para


comprometer a legitimidade do princípio meritocrático em sua forma atual, essa
atitude progressista se revela uma defesa furiosa, não só da instituição da
meritocracia, como do status quo.
Porém a justiça distributiva não diz respeito apenas aos bens materiais. O
que é a instituição da monogamia senão um ideal de justiça distributiva em que
cada cidadão tem direito a um marido ou uma esposa, independentemente de
suas condições de nascimento como beleza, riqueza, charme, inteligência etc.?
Um homem que nasce baixo demais pode perfeitamente preferir ter nascido mais
alto em uma família mais pobre, porque questões relacionadas ao amor também
são de primeira ordem para a determinação do bem estar dos cidadãos. E esse
é o centro do problema: o progressismo negligencia deliberadamente a
relevância da relação entre os sexos, tornando-a um teatro patético que serve
para eleger candidatos, discutir a conduta sexual dos famosos sem chamar isso
de fofoca, vender maquiagem, justificar jornalismo preguiçoso etc., e
principalmente para inundar a esfera pública com todas as trivialidades
imagináveis sobre essa questão até que todos tenham certeza de que o assunto
está sendo realmente tratado (e tratado até demais!), e que tudo o que importa
está escondido sob a sombra projetada por todo esse alvoroço.
Essa negligência ativa permitiu que o progressismo acabasse numa
posição em que defende involuntariamente o avanço, no plano social, das
mesmas tendências que identificam como nocivas na economia: a competição
de todos contra todos, num contexto de imensa desigualdade e interferência
prejudicial das leis. Não é evidente afirmar que se toda relação social deve
decorrer apenas de acordos voluntários, a força que rege todas as relações
passa a ser a negociação? É óbvio, assim, que a tendência geral que se instaura
será a de fugir de maus negócios e de procurar bons negócios. Dessa forma, os
solteirões, e depois até os casados, se tornam empreendedores de si mesmos
(expressão tão querida de Bauman e Marilena Chauí), tendo de fazer o possível
para atrair mais clientes, obter retorno em seus investimentos emocionais e até
cuidar de seu próprio setor de Relações Públicas em aplicativos como o Tinder.
E da mesma forma que os diplomas deixam de ser um diferencial na competição
quando se tornam acessíveis a todos, os procedimentos estéticos pelos quais
passam principalmente as mulheres, e hoje cada vez mais também os homens,
13

elevam o benchmark de gênero e forçam pouco a pouco o jovem solteiro a


investir mais tempo e recurso em sua própria aparência para não ficar atrás do
progresso tecnológico de seus competidores.
Assim, as demandas da esquerda progressista fazem o serviço sujo do
neoliberalismo econômico onde o sol da direita não bate: dentro dos quartos e
debaixo dos lençóis de cada cidadão. É claro que isso é um exagero, porque não
são as ideologias, mas os mecanismos reais de coerção que se intrometem, de
fato, entre marido e mulher. Então, se esse discurso não é causa, para que ele
serve então?

1.1 Tradições e costumes

[...] o segredo de toda socialização bem-sucedida é fazer os indivíduos


desejarem realizar o que é necessário para capacitar o sistema a se
autorreproduzir (BAUMAN, 2008, p. 90).

A visão romantizada da revolução sexual que aparece na cultura popular


atualmente identifica no próprio povo, ou nos intelectuais progressistas e seus
movimentos sociais, os agentes históricos do projeto de emancipação sexual.
Os novos padrões de associação matrimonial e familiar, nessa visão, são
resultados de uma árdua luta por direitos que conseguiu libertar a sexualidade
humana dos grilhões enferrujados da tradição para que as pessoas pudessem
desfrutar de uma vida mais feliz.
Essa história é parte da nova mitologia secular do progresso que exerce
a função, anteriormente preenchida pela antiga mistificação religiosa da
sexualidade, de sujeição ideológica da população:

A reprodução da força de trabalho requer não apenas uma reprodução


de sua qualificação, mas também, ao mesmo tempo, uma reprodução
de sua submissão às regras da ordem estabelecida, isto é, uma
reprodução de sua submissão à ideologia vigente, para os
trabalhadores, e uma reprodução da capacidade de manipular
corretamente a ideologia dominante, para os agentes da exploração e
da repressão, a fim de que também eles assegurem “com palavras” a
dominação da classe dominante (ALTHUSSER, 1996, p. 108).

As tradições e os costumes pareciam barreiras contra a liberdade do


homem, mas talvez fossem principalmente um obstáculo com a função de
14

protegê-la. O mercado contrabandeia sua própria emancipação sob a sombra da


autonomia do indivíduo, obtendo finalmente um acesso desobstruído às pessoas
para submetê-las por meio de sua própria liberdade (fato que as tradições
atrapalham, por enviesarem o exercício da liberdade na direção de objetivos
alheios ao utilitarismo individual). E pessoas livres são extremamente
previsíveis, por serem mais ou menos racionais quanto a seus interesses
imediatos, e facilmente manipuláveis (indiretamente) pela influência do ambiente
em que sua liberdade é exercida (tornando uma ou outra opção mais
racionalmente atraente, é possível prever, como uma forma de controlar, as
escolhas dos outros). Dessa forma, ainda que todos sejam formalmente livres, o
“sistema mundial passa a determinar todas as condições da vida” na fase final
da globalização (ZIZEK, 2015, p. 75), inclusive o novo perfil demográfico das
populações no que diz respeito à família. E o Estado e o livre mercado trabalham
juntos nessa fase, formando uma substância única, resultante da reação química
entre as mais contingentes particularidades de ambos.
O projeto neoliberal, por isso, não pode ser associado ao desmonte do
Estado, como fazem as antigas cartilhas – muito pelo contrário. Ele seria
impossível sem o Estado para manipular o liberalismo na direção certa, para
exacerbá-lo e libertá-lo daquelas constrições irracionais, como o preconceito
nacionalista da “mão invisível” em Adam Smith. O progressista neoliberal, assim,
parece estar passando por aquilo que Marx identificou na situação dos
monarquistas franceses depois da revolução:

[...] [os monarquistas] enganavam a si mesmos a respeito de seu


governo unificado. Não compreendiam que, se cada uma de suas
facções, vista separadamente, por si mesma, era monarquista, o
produto de sua combinação química tinha de ser necessariamente
republicano (MARX, 1978, p. 95).

Os socialistas e democratas que se declaram na luta contra o capitalismo,


contra a exploração do proletariado etc., e os capitalistas conservadores que
acreditam estar combatendo a degeneração moral causada pela doutrinação
revolucionária, não enxergam o impacto social de seus próprios projetos quando
eles se articulam com o resto das coisas. É isso que se passou na França:
15

Os representantes parlamentares do Partido da Ordem, conservador-


republicano, funcionou como uma coalizão dos dois braços do
monarquismo (orleanistas e legitimistas) no “reino anônimo da
República”. Os representantes parlamentares do Partido da Ordem
concebiam seu republicanismo como uma farsa: nos debates
parlamentares, constantemente ridicularizavam a República para
evidenciar que seu verdadeiro objetivo era restaurar a monarquia. O
que não sabiam é que eles próprios estavam enganados quanto ao
verdadeiro impacto social de seu governo. O que estavam fazendo era
na verdade estabelecer as condições da ordem republicana burguesa
que tanto desprezavam (por exemplo, garantindo a segurança da
propriedade privada). Assim, não é que fossem apenas monarquistas
disfarçados de republicanos: embora se vissem dessa forma, sua
própria convicção monarquista “interior” é que constituiu a fachada
ilusória a mascarar seu verdadeiro papel social. Em suma, longe de ser
a verdade oculta de seu republicanismo público, seu monarquismo
sincero era o suporte fantasmático de seu republicanismo real (MARX,
1978, p. 95).

Mas não se pode mais falar de Marx sem mencionar sua décima primeira
tese sobre Feuerbach, que já abusou demais da hospitalidade dos acadêmicos
ocidentais: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras
diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX, 2005, p. 120). Essa ideia
foi se transformando em carta branca para todo o tipo de falácia e, por isso, como
Slavoj Zizek costuma dizer, talvez seja hora de invertê-la: “Os filósofos até agora
têm tentado transformar o mundo de maneiras diferentes; hoje, no entanto, é
preciso interpretá-lo” (ZIZEK, 2015).
É por isso que o presente trabalho não traz propostas, soluções ou
conclusões formais, porque é preciso romper com a tendência messiânica da
crítica social contemporânea. Só com uma abordagem minimamente
desinteressada será possível compreender de que forma “o passado hoje se
prolonga pela destruição do passado”, na famosa fórmula de Adorno e
Horkheimer (2006) e o sentido desta ideia peculiar de Zizek:

Hoje em dia, um verdadeiro conservador é aquele que admite


plenamente os antagonismos e dilemas dos capitalismos globais, que
rejeita o progressismo primário e está atento ao anverso obscuro do
progresso. Nesse sentido, somente um esquerdista radical pode ser
agora um verdadeiro conservador (ZIZEK, 2015, p. 28).

1.2 A família
16

A família hoje é um campo de batalha porque é o bastião do altruísmo (ou


seja, da troca voluntária e informal de serviços não remunerados) na sociedade
moderna: a cada prato que uma dona de casa lava de graça para seu marido por
mera tradição, o neoliberalismo chora pelo imposto que o Estado deixou de
cobrar. Se não fosse esse anacronismo, cada função exercida pela dona de casa
poderia ser substituída por serviços de carteira assinada para fazer o capital
girar, aquecer a economia, aumentar o PIB, melhorar a classificação de crédito
do país etc. Isso ultrapassa completamente o liberalismo de Adam Smith, e é por
isso que até mesmo Chomsky identifica no laissez-faire de Smith um sistema
não só justo como bastante radical, pois sem a expansão do Estado neoliberal
para garantir o bom funcionamento do mercado-não-tão-livre, a sociedade civil
frequentemente faz de graça o serviço do Estado enquanto os preconceitos do
povo afrouxam a competição. E ao contrário, se ele interfere para garantir o bom
funcionamento da competição, o efeito é o aumento das desigualdades e a
concentração de poder.
O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, publicou em 2014
(GLOBAL FINANCIAL STABILITY REPORT, 2014) um relatório detalhando
mecanismos por meio dos quais os maiores bancos do mundo se beneficiavam
de subsídios diretos e indiretos do Estado, tornando o clima de negócios cada
vez mais selvagem para pequenos bancos. Só o fato de os grandes bancos
terem sido salvos recentemente do colapso permite até hoje que eles façam
negócios extremamente arriscados devido às expectativas do mercado sobre a
alta probabilidade de bailout se alguma coisa der errado.
Thomas Sowell, em suas pesquisas sobre os efeitos da ação afirmativa
no mundo (SOWELL, 2016), também demonstra que praticamente todos os
países que implementam sistemas de entrada preferencial (cotas) acabam
promovendo, ou a desigualdade, ou a desaceleração de um movimento pré-
existente de redução da desigualdade. Isso acontece em geral porque os
projetos são pensados tendo uma minoria específica em mente, a mais miserável
de todas, utilizada como justificativa da necessidade do projeto; mas no processo
de implantação e aprimoramento dos programas de ação afirmativa, outras
minorias vão conquistando esses direitos. Cedo ou tarde alguma minoria
privilegiada consegue acesso às vagas e ocupa a maior parte delas. Nos
Estados Unidos isso aconteceu quando mulheres brancas obtiveram acesso às
17

cotas originalmente pensadas para homens negros, e na Índia, quando cotas


para a casta dos párias foram abertas para minorias étnicas privilegiadas que
conseguiram negociar sua inclusão na lista preferencial. O resultado, em suma,
é o de que essas medidas progressistas tendem a reproduzir a desigualdade
racial que visam diminuir, duplicando-a. Sowell (2016) mostra que as minorias a
quem se destinavam inicialmente os projetos, que inclusive justificaram sua
existência, acabam depois em condições piores do que estavam.
No plano social, serão observados padrões semelhantes: o progresso e a
mão visível do Estado também parecem contribuir para o aumento da
desigualdade entre as condições sociais dos mais bem-nascidos e o resto,
prejudicando especialmente os mais miseráveis. Esse fenômeno é bem nítido na
diferença entre a situação familiar de classes altas e baixas.
18

CAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO E A HISTÓRIA DO MATRIMÔNIO

Segundo Roudinesco (2003, p. 19), podemos distinguir três grandes


períodos na história da família. No primeiro, a família tradicional desempenha a
função de assegurar a transmissão do patrimônio sob a prática de casamentos
arranjados pelos pais de noivos em idade precoce, sem levar em consideração
sua vida sexual futura. A célula familiar repousa então na autoridade patriarcal
como uma transposição da monarquia de direito divino. No segundo período, a
família moderna é alterada por uma lógica afetiva que se impõe entre o final do
século XVIII e meados do século XX. Ela sanciona sentimentos recíprocos de
amor romântico e desejo carnal, valoriza a divisão do trabalho entre esposos e
passa cada vez mais a privilegiar a função de educar as crianças que sejam
frutos da união; a atribuição da autoridade torna-se motivo de conflitos, tanto
entre os pais e as mães quanto entre estes e o Estado. No terceiro período, a
ordem familiar vai assumindo sua forma contemporânea ou pós-moderna. O
cerne da relação passa a ser a vida afetiva e sexual do casal, e a união pode ser
revogada unilateralmente por qualquer um dos esposos, por qualquer razão que
seja. A transmissão da autoridade, à medida que divórcios, separações e
recomposições conjugais aumentam, torna-se ainda mais complicada.
A importância da evolução histórica da forma que toma a instituição do
matrimônio, no entanto, ultrapassa o que se passa apenas dentro dos
casamentos. O modo como as pessoas se dão sexualmente antes dele
transborda para a vida dos casais, e aquilo que se pode esperar racionalmente
do casamento também afeta retroativamente o que se faz antes dele
(SHORTER, 1975, p. 18). A questão do matrimônio, para ser compreendida
satisfatoriamente, precisa ser observada sob a perspectiva da interação entre a
família, o Estado e o mercado.
19

2.1 Supressão de casamentos clandestinos na Inglaterra: o Marriage Act


de 1753

Christopher Lasch, historiador americano da Universidade de Rochester,


levantou documentos que mostram os argumentos sustentados tanto pelos
defensores quanto pelos opositores de uma lei que visava alterar as regras do
jogo matrimonial (LASCH, 1997, p. 39-57). Nessa discussão, aparecem vários
elementos que são até hoje de importância crucial para tornar possível
considerar as implicações sociais das mudanças nessa intersecção entre as
esferas matrimonial, familiar e sexual para além do território árido dos debates
liberais sobre direitos.
Durante a Idade Média, o compromisso verbal assumido por dois jovens,
especialmente quando seguido de conjunção carnal, era tão vinculativo quanto
um matrimônio oficializado. Esse era o costume estabelecido: a promessa de
casar era socialmente reforçada pelos membros da comunidade e não podia ser
simplesmente ignorada. Assim, os pais dos noivos não tinham tanto controle
sobre as decisões de seus filhos quanto gostariam, pois desde que
conseguissem clandestinamente trocar promessas e consagrar a união carnal,
seu pacto estaria selado.
No século XVI, a oposição aos casamentos clandestinos já era forte o
suficiente na Europa ocidental para que o Concílio de Trento (1545-1563) fizesse
a concessão de estipular, pela primeira vez, que a legitimidade das promessas
de casamento dependia da presença de um padre como testemunha. Naquela
época, diferentes países passavam medidas nessa direção, trazendo a
instituição para a jurisdição das cortes civis. Uma lei holandesa de 1580 tornava
obrigatória a publicação e o registro das uniões além da presença de
testemunhas; na França, um decreto real de 1556 permitiu que pais
deserdassem filhos que casassem sem o seu consentimento (exceto nos casos
em que a união fosse carnalmente consumada); na Inglaterra, em 1540, o
parlamento aprova uma lei declarando que as trocas de votos (chamadas de pré-
contratos) não impediriam casamentos subsequentes, desde que não fossem
consumados. A liberdade de casar de novo nesse caso representa um nome
belo para um ataque frontal ao funcionamento orgânico dos acordos
heterossexuais orgânicos, voluntários.
20

Em todos esses casos, a importância da questão da transmissão do


patrimônio é evidente; mesmo antes, as famílias só estavam dispostas a ceder
às vontades pessoais dos noivos quando já era tarde demais, ou seja, quando
já havia chance de a mulher ter engravidado (prejudicando assim o bom
funcionamento do esquema de transmissão de patrimônio e de união entre as
famílias). É por tal razão que a infidelidade dos homens nunca foi um problema
tão sério sob a perspectiva da função da instituição nesse período: a mulher
nunca pode se enganar quanto a de quem é e de quem não é seu filho; portanto,
a infidelidade do marido não obscurece de forma alguma sua linha de sucessão
e herança. De qualquer modo, o Civil Marriage Act, de 1753, transfere (na
Inglaterra) a jurisdição sobre os casamentos das cortes da igreja, que até então
tinham o poder de sancionar os chamados pré-contratos dos noivos (troca
informal de votos sem testemunha), aos Juízes de Paz (que desempenham
função semelhante à dos xerifes nos Estados Unidos); acrescenta, além disso,
que só seriam legítimas as uniões matrimoniais celebradas com a autorização
dos pais no caso de um dos noivos ter menos de 21 anos de idade.
Assim, em 1753, o Parlamento Inglês, depois de um acalorado debate,
passa um “ato para melhor prevenir casamentos clandestinos”, chamada de
Hardwicke Bill.
Humanistas protestantes queriam modernizar definitivamente a
instituição, submetendo-a aos parâmetros racionais da nova ordem burguesa.
Generalizaram o termo casamentos clandestinos para qualquer união celebrada
sem testemunhas e sem a aprovação dos pais dos noivos como uma estratégia
de marketing. Em seus argumentos, sempre retornavam aos perigos da sedução
e da irresponsabilidade dos jovens. Consta nos documentos da época que Sir
Dudley Ryder, o procurador-geral, argumentou da seguinte forma:

Quão frequentemente não ouvimos sobre o herdeiro de uma boa


família casando clandestinamente, talvez com uma meretriz comum?
Quão frequentemente não ouvimos sobre herdeiras ricas levadas por
um homem de baixa estirpe ou ainda um golpista infame? (LASCH,
1997, p. 49, tradução nossa4).

4 Do original: “How often”, demanded the Attorney General, Sir Dudley Ryder, “have we known
the heir of a good family seduced, and engaged in a clandestine marriage, perhaps with a
common strumpet? How often have we known a rich heiress carried off by a man of low birth, or
perhaps by an infamous sharper?”
21

A oposição a essa lei argumentava que ela fazia parte de uma trama para
monopolizar todas as herdeiras ricas do reino. Diziam que a riqueza era o sangue
do corpo político, e precisava circular livremente, sendo para isso necessário que
os casamentos não fossem baseados em cálculo racional e sim em amor e
atração sexual. Condenavam qualquer mudança que aumentasse a idade
mínima necessária para que as jovens pudessem casar, pois a flor da juventude
(o auge da beleza) das mulheres seria entre os dezesseis e os vinte e um anos
de idade e, portanto, era nesse intervalo que ela teria maiores chances de
garantir o casamento mais vantajoso para si sem o consentimento de pais
mercenários (na expressão de um dos presentes no debate, o visconde Charles
Townshend), que iriam querer garantir um casamento mais vantajoso para eles.
Diziam também que os homens comuns não deliberavam antes de casar, pois,
se fossem dirigidos apenas pela sabedoria e racionalidade, jamais casariam; “é
sob a influência irresistível e ingovernável das paixões que as pessoas se
propagam”, afirmava o conde Robert Nugent5.
Dessa discussão, o principal elemento que precisamos resgatar para os
dias de hoje é a questão do elo entre a mobilidade social e as regras de
funcionamento da instituição do matrimônio. Os argumentos que condenam o
casamento por conveniência, ou golpe do baú, evidenciam o interesse dos
proprietários em garantir que suas posses não sejam irracionalmente divididas
com gente mais pobre simplesmente pelas paixões de seus herdeiros. Essa
consideração em especial é muito relevante porque no cenário atual é possível
observar esse efeito da concentração da riqueza por meios semelhantes. Ao
mudar as regras do jogo matrimonial de forma a garantir que as pessoas tomem
suas decisões amorosas e familiares da maneira mais racional possível, ou mais
vantajosa possível para si, o efeito inevitável é a concentração das riquezas.
Basta que cada um se esforce para identificar o que é mais vantajoso para si em
cada situação e será muito fácil observar como a maioria das pessoas concluirá
que casar com pobre é um mau negócio.
Assim, a condenação dos matrimônios por impulso (ou qualquer outra
paixão irracional que submeta um dos noivos a um mau negócio) tem o efeito de

5Robert Nugent, poeta e político irlandês, que já servia a House of Commons de 1741, e que,
em 1782, se torna Father of the House por ser o membro com o maior tempo servido
continuamente na casa.
22

dificultar a mobilidade social dentro da nação, prevenindo uma circulação


orgânica das riquezas e consolidando as desigualdades.
Um dos principais pontos que escapa ao debate contemporâneo sobre
essa condição é o de que favorecer a relação estabelecida entre a dona de casa
e o chefe de família é vantajoso para as mulheres de origem mais humilde,
porque a função de dona de casa pode ser igualmente bem executada, em
princípio, por qualquer mulher. Toda família pobre sabe que suas filhas podem
ter boas chances de subir na vida desde que aprendam certas coisas que
qualquer família tem condições de ensinar para suas filhas de graça; as mulheres
pobres competiam quase em pé de igualdade com a mulher rica nessa função,
e outros atributos, como o nível de escolaridade, a formação profissional, a renda
e até a beleza, tinham sua importância muito reduzida. A indústria da
maquiagem, das cirurgias plásticas, e tudo o que aprimora o potencial de fazer
o outro cair em tentação vão crescendo à medida que se intensifica a
necessidade de ser o mais racional possível com relação à sua vida sexual.
Por isso, um esquema que privilegia casamentos entre dois cônjuges
trabalhando para trazer contribuições financeiras semelhantes ao lar é
extremamente desfavorável às filhas dos pobres; desvaloriza totalmente o que
têm de melhor para oferecer e supervaloriza atributos das bem-nascidas. Regras
que dificultam o surgimento de laços afetivos entre pessoas de diferentes
posições hierárquicas também promovem esse mesmo cenário de estagnação
social; hoje a quantidade de regras para complicar e tornar mais proibida a vida
amorosa no ambiente de trabalho ou na universidade (precisamente onde as
pessoas mais arrumam maridos e esposas) parece cumprir esse papel. Todas
as inquisições progressistas – por parte das mulheres bem-nascidas, em geral –
que transformam em escândalo público a conduta sexual dos patrões de todo o
mundo, bem como a multiplicação dos incentivos para que as subalternas
denunciem toda improbidade sexual de seus patrões num contexto em que se
alarga indefinidamente a noção de assédio, surte efeitos óbvios. Se não é
possível prevenir que as empregadas tentem seduzir seus patrões aplicando
proibições formais à miscigenação de classe, é preciso despertar o temor e a
desconfiança no coração dos patrões por todas as mulheres que possam
eventualmente ter alguma coisa a ganhar dele.
23

Hoje, diretores não recebem mais alunas ou empregadas de portas


fechadas; o atual vice-presidente americano, Mike Pence, ficou conhecido por
ter uma regra segundo a qual não vai a evento algum em que sirvam álcool sem
a presença de sua esposa, não comparece a jantares sozinho com outra mulher
etc. Costumes como esses estão cada vez mais na moda devido às novas regras
do jogo, e por mais que uma ou outra publicação progressista denuncie o
retrocesso que essa prática representa, o espaço dedicado a isso é ínfimo
quando comparado ao grau de dedicação com que se voltam aos escândalos e
ao esforço para alargar a jurisdição de conceitos relacionados ao assédio de
vulnerável.
Em suma, ao tornar a dona de casa obsoleta, o progresso garante que os
noivos ricos e bem-educados formem laços matrimoniais com mulheres também
ricas e bem-educadas; o paradigma da igualdade total entre as funções dos
noivos é incompatível com a associação entre homens privilegiados e mulheres
de baixa escolaridade com pouco potencial profissional, pois, embora não seja
impossível, ele as tornam artificialmente contraproducentes para um dos
envolvidos.

2.2 O sentimento de família

Embora a divisão entre conjunções carnais legítimas e ilegítimas seja uma


instituição muito mais antiga do que a consolidação das relações familiares, é
suficiente para nossos interesses aqui começar onde Phillip Ariès (2014) coloca
o surgimento do “sentimento de família”.
Uma análise minuciosa sobre os costumes sexuais da antiguidade e dos
povos primitivos, como a escrita por J. D. Unwin em Sex and Culture (1934)6,
seria longa demais para nossos propósitos; mesmo assim, é bom enfatizar que
o próprio surgimento das civilizações parece ter dependido de tabus e costumes
sexuais relativos a uma distribuição das esposas. Por isso, o jogo de forças que
rege direta ou indiretamente essa distribuição é um dos elementos mais

6O etnólogo e antropólogo J. D. Unwin estudou 80 tribos primitivas e seis civilizações conhecidas


em um período de cinco mil anos de história, encontrando uma relação entre a cultura de um
povo e a repressão sexual existente.
24

relevantes para compreender o destino e a natureza de qualquer civilização até


hoje.
Outra estrutura que se torna essencial para compreender as sociedades
humanas na medida em que se tornam maiores é o Estado, que está sempre em
uma relação complexa com o poder dos laços de sangue. Desde os gregos
antigos, até hoje, autores encontram uma oposição fundamental entre as uniões
privadas (o casal, a família, o bando) e seus interesses ao Estado e seus
interesses públicos. Isso é óbvio; mas Georges Duby vai além:

[...] a família é o primeiro refúgio em que o indivíduo ameaçado se


protege durante os períodos de enfraquecimento do Estado. Mas assim
que as instituições políticas lhe oferecem garantias suficientes, ele se
esquiva da opressão da família e os laços de sangue se afrouxam. A
história da linhagem é uma sucessão de contrações e distensões, cujo
ritmo sofre as modificações da ordem política (DUBY, apud ARIÈS,
2014, l. 4290).

É interessante contrastar essa ideia de Duby com a de Bradford Wilcox,


que afirma, pela perspectiva inversa, a mesma relação de oposição entre Estado
e família: “Quando os hábitos e as virtudes que sustentam uma forte cultura
matrimonial se enfraquecem, o Leviatã invade a brecha” (WILCOX, 2010). De
certa forma, é o mesmo conceito: há uma competição pela lealdade final dos
indivíduos entre Estado e família.
Segundo Ariès, os laços de sangue antes do século XVI não constituíam
um único grupo chamado família, e sim dois grupos distintos, embora
concêntricos: de um lado, havia o mesnie, comparável à nossa família conjugal
moderna; do outro, a linhagem, constituída por todos os descendentes de um
mesmo ancestral. Esses dois grupos, além de distintos, eram de certa forma
opostos: quanto mais fortalece um, mais enfraquece o outro, e vice-versa. A
família conjugal moderna, portanto, é um resultado do enfraquecimento da
linhagem.
No Estado Franco, a família do século X era uma comunidade reduzida à
célula conjugal de laços frouxos. Segundo Duby (apud ARIÈS, 2014), as coisas
eram assim porque os órgãos de paz do antigo Estado Franco eram nessa época
eficientes o suficiente para garantir a segurança e a independência de homens
livres em companhia de seus vizinhos e amigos, se eles preferissem essa
companhia à de seus parentes. Mas à medida que o Estado foi enfraquecendo,
25

a solidariedade de linhagem teve de se fortalecer. Nos séculos XI e XII, os bens


dos cônjuges se tornam indivisíveis na região francesa da Borgonha: ao invés
de cada um gerir suas próprias heranças, comprando e vendendo
separadamente sem a intervenção do cônjuge, os bens estavam agora fundidos
numa massa única a ser administrada pelo marido. Posteriormente, a mesma
lógica explica o fortalecimento dos direitos de primogenitura: o costume de
passar tudo ao filho mais velho, assim como o de concentrar tudo nas mãos do
marido, proliferam como mecanismos de proteção do patrimônio. Eram regras
que desempenhavam essa função, ao que tudo indica, eficientemente para as
famílias com algum patrimônio a ser protegido.
No entanto, para as famílias camponesas da região, ocorreu de outra
forma; o enfraquecimento do Estado Franco foi preenchido pela tutela dos
senhores de terra, que era muito superior ao potencial protetor dessas famílias,
por mais unidas que ficassem. “A comunidade aldeã teria sido para os
camponeses o que a linhagem foi para os nobres” (ARIÈS, 2014, l. 4260). Sem
patrimônio a ser protegido, a melhor escolha para o camponês era diferente.
Séculos depois, a segurança pública foi sendo restaurada: aumenta a
autoridade do príncipe, a frequência das transações econômicas e, por volta do
século XIII, a família conjugal vai readquirindo sua independência perdida. A
comunhão total de bens entre os esposos perde força, mas o direito de
primogenitura é popularizado para evitar o perigoso esfacelamento do
patrimônio, não mais protegido pela solidariedade de linhagem nem pela prática
da propriedade conjunta.
Outra esfera importante é a da relação com as crianças nessa época: o
costume de entregá-las a famílias estranhas era difundido por toda a Europa. O
serviço doméstico, que na época não implicava nenhuma degradação nem
despertava repugnância, confundia-se com a aprendizagem das crianças e era
hábito comum. Não havia limites claros entre profissão e vida particular, e as
crianças aprendiam os ofícios de seus mestres enquanto os serviam. Essa
prática garantia a transmissão do conhecimento de uma geração para a outra, e
a segregação das crianças não existia.
A família dessa época, portanto, confundia-se com a prosperidade do
patrimônio e a honra do sobrenome entre os nobres; entre os pobres, por isso,
era mais ou menos irrelevante, já que não possuíam nem honra nem patrimônio.
26

O sentimento de família propriamente dito só se consolida, ainda segundo


Ariès (2014), entre os séculos XVI e XVII. É então que começa essa primeira
fase da história da família no esquema de Roudinesco (2003), apresentado no
início do capítulo. Nessa fase, a mãe tradicional tinha por obrigação principal o
trabalho na oficina e o bebê ficava em segundo plano. Foi apenas com o
desenvolvimento capitalista, quando esses artesãos puderam dispor de mais
mão de obra para cuidar de suas oficinas, que a ajuda da esposa se tornou
dispensável. Só então a divisão do trabalho entre os sexos pode se tornar mais
elaborada e as mulheres puderam se dedicar cada vez mais aos filhos e cada
vez menos à produção. A transformação dos cuidados infantis dentro da família
surgiu, portanto, como resultado direto do crescimento econômico que o
capitalismo moderno produziu, principalmente depois do século XIX.

2.3 A família moderna

“Podemos imaginar a família moderna sem amor, mas a preocupação


com a criança e a necessidade de sua presença estão enraizadas nela” (ARIÈS,
2014, l. 5353).
Shorter (1975) identifica, no fim do século XVIII, uma primeira revolução
sexual em que os sentimentos interiores passam a ser mais importantes do que
as considerações racionais e a aprovação dos pais na escolha dos parceiros
conjugais. Ele demonstra, utilizando os dados levantados entre 1750 e 1850, que
o número de gravidezes fora do matrimônio aumenta substancialmente em
praticamente todas as comunidades de que se tem registro, atingindo algumas
vezes o triplo ou o quádruplo dos níveis anteriores. Embora essa mudança, para
ele, seja em parte atribuível ao desenvolvimento da medicina, do aprimoramento
das condições de saúde e da biologia reprodutora das mulheres, ela foi
principalmente causada pelo aumento da atividade sexual.
Os capitalistas propriamente ditos escapam dessa primeira revolução
sexual porque, segundo Shorter (1975), seus patrimônios eram grandes demais
para serem ignorados. Assim como no caso do surgimento do sentimento de
família e sua relação com a linhagem, o que se passa entre os mais pobres é
diferente do que se passa entre os ricos. Os trabalhadores miseráveis, sem
27

qualquer propriedade a preservar, estavam, portanto, livres do controle


comunitário sobre sua vida sexual assim que mudavam para as cidades, para
longe da influência do pater-familias rural. Por isso, “foram as classes baixas as
primeiras a serem socializadas à maneira da economia de mercado” (SHORTER,
1975, p. 280). É assim que a ideia do amor romântico se tornou código para
autonomia pessoal e liberdade sexual para as jovens do período moderno.
Na esfera política, o advento da família moderna coincide com o
iluminismo, a revolução francesa e a ascensão da burguesia: “ao cortar a cabeça
do rei, dirá Balzac, a Revolução derrubou a cabeça de todos os pais de família”
(ROUDINESCO, 2003, p. 33).
No entanto, longe de resultar no crepúsculo da paternidade, a abolição da
monarquia produziu uma nova organização da soberania do pai: ele passa a ser,
em primeiro lugar, o patriarca do empreendimento industrial, e não mais o
terceiro e menor elemento da série Deus Pai – Monarca Absolutista – Pater-
familias. Trata-se agora do pai justo, respeitoso da nova Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão. O Estado, depois da revolução, é o avalista da
autoridade paterna. A mulher, nessa fase, torna-se acima de tudo mãe; propaga-
se o direito ao divórcio; o direito de correção paterna é abolido.
Ao lado dessas mudanças, verifica-se uma grande quantidade de textos
sobre a questão do transbordamento feminino, da tirania do gozo feminino. Em
escritores como Louis de Bonald e Hyppolyte Taine7, ícones do pensamento
contrarrevolucionário, é possível encontrar a ideia de que a restauração da
monarquia passa pela reafirmação do poder paterno. Segundo Roudinesco,
comentava-se nos círculos intelectuais desses autores que, “para retirar o
Estado das mãos do povo [...] é preciso tirar a família das mãos das mulheres e
das crianças” (ROUDINESCO, 2003, p. 42). Aqui vemos como se entrelaçam a
família e o Estado também nas mentes dos homens, em sua realidade
psicológica, e não apenas na realidade material.

7 Louis Gabriel Ambroise (1754-1840), ou Louis de Bonald, foi um dos principais tradicionalistas
franceses de sua época, conhecido principalmente por seu monarquismo e suas críticas aos
filósofos iluministas. Hyppolyte Taine (1828-1893) foi um historiador francês de grande influência,
e o é até hoje. Um notável crítico dos ideais igualitários da Revolução Francesa e das políticas
jacobinas de concentração de poder, é considerado uma das principais influências do
naturalismo francês e do Positivismo do século XIX.
28

No Das Mutterrecht, de Bachofen (1861), aparece uma das mais


interessantes manifestações desse grande terror da feminilização do corpo
social. Em uma época remota, segundo ele, teria prevalecido, junto aos pântanos
e à vegetação luxuriante, o caos da promiscuidade sexual sob o reinado
simbólico da deusa Afrodite. O nome que dá a essa época é hetairismo, termo
rico em simbologia que vem das hetairas, mulheres sexualmente livres na Grécia
antiga que circulavam pelos ambientes masculinos de mais alto nível como
amantes, amigas, e receptoras de mimos e presentes (de modo semelhante às
cortesãs). De qualquer forma, nessa época, as crianças não conheciam seus
pais e a violência dos homens era generalizada. Em um segundo momento,
estabelece-se o matriarcado (ou a ginecocracia): as mulheres fundam a
instituição da família, inventam a agricultura etc. Mas seu sistema é frágil e
sempre ameaçado pelo retorno do recalcado, pelo transbordamento do
imperialismo feminino. É então que começa a terceira fase, a do patriarcado, que
permite o desenvolvimento da civilização propriamente dita após vencer essa
ameaça de transbordamento. Bachofen interpreta o mito de Édipo sob a ótica
dessa teoria: o herói mata a Esfinge, símbolo do hetairismo, para instaurar em
Tebas o reinado do matriarcado sob o cetro da rainha Jocasta (que depois é
substituído pelo patriarcado): “A mulher, no sentido do Mutterecht, permanece
sempre a encarnação do excesso, da morte, do incesto, da selvageria e do
canibalismo” (ROUDINESCO, 2003, p. 45).
Para Freud (2013), no entanto, a emancipação das mulheres não significa
automaticamente o crepúsculo da razão. Em sua interpretação dos tempos
primordiais, os homens vivem primeiro em pequenas hordas, submetidas ao
poder despótico de um macho dominante que monopoliza o acesso a todas as
fêmeas, até que certo dia os filhos da tribo rebelam-se contra o pai, instaurando
a exogamia, o interdito do incesto e o totemismo.
Na visão original de Sófocles, segundo Roudinesco, o incesto de Édipo
não é consequência da rivalidade com o pai, mas uma união sacrifical que anula
as leis da necessária diferença entre as gerações. Édipo é, assim, o assassino
da diferença, o embaralhador da ordem social, biológica, política e familiar. Freud
(2013) reinventa o Édipo para responder ao temor da supressão da diferença
sexual que havia tomado seus contemporâneos e subsiste até hoje.
29

De qualquer forma, a redução do poder patriarcal acabou tendo por efeito


a transformação da família em uma fortaleza afetiva restrita a seus interesses
privados. Além disso, como os casamentos por amor são muito vulneráveis ao
esgotamento do desejo e ao desencantamento sexual, a relação entre a mãe e
o filho se torna primordial. A família nuclear é maternalizada ao longo do século
XX à medida que aumentam os divórcios e as recomposições familiares. O bebê
se torna, na expressão de Freud, “His Majesty, the baby”, expressão que Freud
cria e usa em inglês, apesar de estar escrevendo em alemão (FREUD, 2004);
ele herda uma parte da onipotência do deus pai e do patriarca tradicional sobre
a família (hoje, no entanto, talvez já seja possível afirmar que a relação entre as
gerações é tal que toda a classe dos adultos se vê obrigada a dizer: “Sua
Majestade, o Jovem”, para as gerações mais novas).
Ariès (2014), por sua vez, aponta para o aumento da frequência escolar
em sua análise sobre o surgimento da família moderna. Ao invés de educar as
crianças junto com os adultos, elas passam a ser segregadas no espaço escolar.
Anteriormente reservada aos clérigos, a escola passa a ser o “instrumento
normal de iniciação social” (ARIÈS, 2014, l. 4713). Essa evolução corresponde
a uma necessidade de manter a criança por mais tempo na inocência primitiva,
sendo treinada contra as tentações e a sujeira do mundo adulto, mas também
corresponde à preocupação dos pais de melhor vigiar seus filhos, de ficar mais
perto deles. O sentimento de família e o sentimento de infância, que antes
estavam totalmente separados, unem-se. A família concentra-se em torno da
criança, “como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a
escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola”
(ARIÈS, 2014, l. 4713). A família e a escola tiram a criança da sociedade dos
adultos.
A partir de então, a família começa a manter a sociedade à distância. A
organização da casa (que antes não era dividida em cômodos separados,
específicos para o desempenho de cada função, segregando servos de
senhores, adultos de crianças, visitas de proprietários etc.) reflete essa nova
preocupação de defesa contra o mundo. A hipertrofia da intimidade é viabilizada
por essa nova organização, que permite isolar o núcleo familiar de toda influência
externa quase indefinidamente.
30

2.4 O matrimônio pós-moderno

Por volta de 1960, o núcleo das relações amorosas deixa de ser o filho. O
sexo é dissociado da reprodução com a consolidação dos avanços tecnológicos
que permitiram o controle total da mulher sobre seu ventre e sobre a procriação
e se torna o cerne de toda relação. Sexo antes do casamento passa a ser parte
da experiência representativa da pessoa média e não só se torna normal ter
filhos fora do casamento como a própria existência de filhos vai sendo cada vez
mais vista como uma inconveniência, um elemento externo ao casal que é
frequentemente prejudicial a ela.
Para Harold James, o casamento hoje é apenas mais uma extensão da
busca do consumidor por satisfação: “se eu tenho prazer em comprar um relógio
caro para depois jogá-lo no chão e destruí-lo, o pior de que posso ser acusado
é excentricidade...” (JAMES, 2010, l. 1303). Os casamentos passam a ser
tratados da mesma forma ao dependerem unicamente das vontades transitórias
dos cônjuges. Os filhos passam a ser vistos como qualquer outro objeto de
consumo.
Shorter afirma que “entre as estudantes universitárias por toda a
sociedade ocidental na década de 1960, a virgindade dissolveu-se como a
crisálida em redor de uma borboleta” (SHORTER, 1975, p. 125). Na
Universidade sueca de Upsala, a porcentagem de mulheres que haviam
“participado de relações sexuais” foi de 40% em 1960 para 65% em 1965,
aumentando 5% por ano. A sondagem Gallup, nos Estados Unidos, revela
mudanças drásticas também nas crenças da população: em 1969, 68% dos
entrevistados afirmaram acreditar que “as pessoas não devem ter relações
sexuais antes do casamento”; em 1973, esse número já havia chegado aos 48%,
tendo caído 20 pontos em apenas quatro anos (SHORTER, 1975, p. 126).
Na verdade, a “verdadeira sociedade tradicional” já havia se desintegrado
por volta de 1850, segundo Shorter (1975). O povo em geral já havia enterrado
a castidade antes do casamento no século anterior. Mas depois dos anos 1960,
a classe média inteira já estava sexualmente proletarizada.
A intensificação da importância da vida erótica do casal injeta uma dose
de material explosivo na relação, tornando-a mais instável e frágil na medida em
31

que a gratificação sensual ocupa o cerne da relação. A família nuclear vai sendo
substituída pelo “casal flutuante”, nos termos de Shorter (1975).
Giddens (1992) chama esse novo tipo de relação entre os sexos de
“relacionamento puro”, definindo-o como:

[...] a situação em que se entra em uma relação social apenas pela


própria relação, pelo que pode derivar por cada pessoa da manutenção
de uma associação com a outra, e que só continua enquanto ambas
as partes considerarem que extraem dela satisfações suficientes para
cada uma individualmente, para nela permanecerem ( GIDDENS,
1992, p. 69).

É por isso que o prazer sexual recíproco se torna um elemento-chave na


manutenção ou dissolução dos casamentos. A sexualidade passa a ser objeto
de negociação dentro dos casamentos. O desempenho sexual masculino e a
sensualidade da mulher se transformam em componentes fundamentais da
relação. Esse desenvolvimento leva autores como Marcuse (1966) a declarar
que o antagonismo com que a sexualidade era encarada antes é preferível à
“liberdade sexual” que oculta sua opressão sob o manto do prazer.
De outra perspectiva, Becker e Posner (2009) mostram como tanto a
evolução tecnológica dos aparelhos domésticos quanto o advento da “economia
de serviços”, com uma abundância de empregos fisicamente leves, aumentam
as oportunidades de trabalho para as mulheres fora da casa, o que reduz o
ganho relativo que elas poderiam obter por meio dos casamentos, e eleva o
“custo de oportunidade” de ter uma criança: quanto mais alto for o salário
esperado de uma mulher, mais ela perde ao sair da força de trabalho (ainda que
temporariamente) para ter filhos e cuidar da casa (BECKER; POSNER, 2009, p.
153).
O divórcio, que vinha sendo cada vez mais facilitado, alcança um auge
sem precedentes também nessa época; o fato de que ele pode ser declarado
unilateralmente por uma das partes, por qualquer razão que seja, muda
completamente as decisões das pessoas, tanto antes quanto durante o
casamento. Este, que passou de uma instituição sagrada para uma burocracia
secularizada, não funciona mais nem como um contrato normal. Um contrato que
pode ser quebrado por qualquer um, por qualquer motivo, a qualquer hora, sem
32

nenhum tipo de penalização específica para quem desrespeitar a cláusula de


eternidade do acordo, não é um contrato.
O fato de que a maior parte dos divórcios é iniciado pelas mulheres (por
volta de 60% no século XIX, chegando até a 70% em alguns Estados depois da
introdução do divórcio unilateral instituído nos Estados Unidos pela primeira vez
em 1969, na Califórnia) foi mencionado algumas vezes para justificar que a
medida era justa e necessária para prevenir violência doméstica por parte dos
homens; mas o estudo de Braver e O’Connel (1998) mostra como a violência
doméstica não é nem mencionada pelas mulheres, exceto em apenas 6% dos
casos de divórcio, como uma das razões (BRAVER; O'CONNEL, 1998, p. 124-
125). O principal fator que influencia a decisão das mulheres, segundo esse
estudo e a interpretação de Morse (2010), é a probabilidade de obter a custódia
total dos filhos, indicando que a necessidade de dividir a autoridade sobre os
filhos, negociando tudo sobre sua criação com o marido, é uma das maiores
dificuldades do casal pós-moderno.
No entanto, é importante observar que as leis que permitiram o divórcio
unilateral apenas sancionavam o que já se fazia na prática, de forma que no
máximo elas podem ser acusadas de ter escancarado as porteiras que já
estavam abertas. Como divórcios por motivo de crueldade do marido já eram
permitidos, e não estipulavam as penas severas que existem hoje, eles foram
cada vez mais abusados pelos casais como razão para separação. Qualquer
casal que desejava o divórcio simplesmente inventava instâncias de abuso
doméstico, ou só exagerava algumas existentes, e os juízes faziam vista grossa.
Um pouco de perjúrio e o interesse de processar o máximo número de casos
viabilizaram essa estratégia (ESTIN; CLARK, 2010).
Spaht (2010), que estudou a evolução da linguagem oficial das cortes nos
casos que chegaram à Suprema Corte americana, aponta para a importância de
um caso de 1987 (482 U.S 78): Turner v Safley. O caso era sobre a legitimidade
do casamento entre pessoas presas em penitenciárias diferentes, sem
possibilidade alguma de consumar o matrimônio, e a decisão final foi favorável
à união. Segundo a autora, essa decisão oficialmente desvincula do casamento,
não só a reprodução, como a própria conjunção carnal. A Juíza Sandra Day
O’Connor determina que a essência do casamento consista em “expressões de
suporte emocional e comprometimento público”, “exercício de fé religiosa” e
33

“benefícios do governo”; conjunção carnal, para ela e daí por diante para a lei
americana, não era mais um componente essencial do matrimônio.
Essa decisão privilegiou a esfera da escolha individual sobre todas as
outras, efetivamente subsumindo o casamento ao direito que cada um deve ter
de encontrar a felicidade. A instituição não é mais da sociedade e para a
sociedade: é apenas mais um produto a ser consumido ou rejeitado
individualmente, segundo seus próprios desígnios. O problema é que o aumento
dessas liberdades em uma geração acaba sendo pago pela próxima.

2.5 O lar intacto e as novas formas familiares

Distinguir correlações de causas no processo de investigação da origem


de fenômenos sociológicos é uma tarefa difícil, e por isso uma dose elevada de
ceticismo quanto à solidez das relações estabelecidas é sempre recomendada;
mesmo assim, não deixa de ser bastante suspeita a quantidade de patologias
sociais que acompanham a desintegração dos lares onde quer que ela apareça.
O que a pesquisa revelou é que as causas e consequências que envolvem esse
fenômeno estão interligadas num jogo complexo em que a consequência de uma
causa retroalimenta essa própria causa com tamanha intensidade que a relação
entre elas chega a inverter a direção.
Hoje, entre os ricos e belos, a poligamia serial é a nova norma. Roger
Scruton (2010) questiona se a palavra casamento realmente se aplica a essas
uniões atuais, contraídas com uma rota de fuga já mapeada, nas quais ninguém
deve esperar fazer qualquer sacrifício. Para ele, a sobrevivência das sociedades
depende da devoção de cada geração aos interesses das gerações futuras; e,
quando uma geração se entrega aos desejos e prazeres dos vivos, ela está
condenada a um colapso semelhante ao do Império Romano.
Essa questão é, para ele, simbolizada pela legalização do aborto, que
declara de uma vez por todas que quem ainda não nasceu não deve possuir
direito algum.
A principal forma de unir as gerações e seus interesses conflitantes por
um elo contínuo era, ainda para Scruton (2010), a instituição do matrimônio.
Questões como o melhor uso dos recursos naturais, a forma de se lidar com a
34

poluição do ar e da água, o que fazer com a produção de lixo, como distribuir os


direitos e deveres da população etc., precisam sempre levar em consideração
esse elo entre as gerações. Quando o elo é rompido, o presente é “mimado”
(spoiled) e o futuro é negligenciado (em seus termos).
Ele também aponta para a facilidade de se lidar com questões por
costume, abandonado pela subversão das tradições, tornando necessário que
cada vez mais tudo tenha de ser resolvido pelas cortes. O suporte que famílias
estáveis podiam fornecer para seus membros mais desafortunados também
cada vez mais precisava ser dado pelo Estado. Em ambos os casos, não só esse
custo é pago pelos impostos do povo como também as funções são
desempenhadas de forma inferior. A ideia de que funcionárias anônimas em
creches públicas possam satisfatoriamente substituir os cuidados da mulher que
gesta, pare e amamenta seus filhos é tão absurda que só aparece durante
campanhas eleitorais.
Mais precisamente, com relação às crianças, Jeniffer Morse coleta
inúmeras pesquisas sobre o seu futuro nessa aparente “nova ordem
matrimonial”: os filhos de pais divorciados têm mais probabilidade de sofrer
problemas emocionais, problemas de saúde e problemas de comportamento
(CHERLIN; CHASE-LANSDALE; McRAE, 1998; WORKMAN; BEER, 1992;
VADEN-KIERNAN et al., 1995; KASEN S. et al., 1996; WEITOFT, G., 2003;
FAGAN; RECTOR, 2000; McLANAHAN; BOOTH, 1989; DAWSON, 1991;
SIMONS et al., 1999); eles também têm mais chance de ser abusados pelos
próprios pais, por padrastos e madrastas ou pelos namorados e namoradas de
seus pais (WHELAN, 1993; DALY; WILSON, 1980; GORDON; CREIGHTON,
1988; BLANKENHORN, 2009; MARGOLIN, 1992); eles também apresentam
menor frequência escolar, menor desempenho escolar e mais problemas de
disciplina (COOKSEY; FONDELL, 1996; PONG, 1997; ENTWISLE;
ALEXANDER, 1996; BOGENSCHNEIDER, 1997); quando crescem, têm mais
probabilidade de cometer crimes, usar drogas e acabar atrás das grades
(SMITH; JARJOURA, 1988; RINGBACK et al., 2003; COUGHLIN; VUCHINICH,
1996; OSGOOD; CHAMBERS, 2000); por último, eles também formam menos
famílias estáveis do que os filhos de famílias estáveis (GARFINKEL;
McLANAHAN, 1986).
35

Nessa direção, George (2010) afirma que o casamento tem a função de


garantir que as pessoas fiquem juntas e cuidem de seus filhos de uma forma que
o mero desejo sexual e a vontade de ter filhos não sejam capazes de resolver.
Para ele, o erro atual é o de imaginar que os benefícios da instituição podem ser
facilmente substituídos por um aumento da tolerância da comunidade, medidas
de bem-estar social do Estado, profissionais especializados em cuidar das
crianças etc. A maior parte dos autores dessa área lamenta a quantidade de
recursos gastos pelos Estados na tentativa de remediar os problemas gerados
pela nova ordem matrimonial em nome dos desejos efêmeros dos eleitores
daquele ano.
Roberts (2004) acrescenta: aqueles que começam a vida adulta na
pobreza têm 66% a mais de chance de sair da pobreza ao se casarem e
permanecerem casados. Além disso, as mulheres que casam logo após dar à
luz fora do casamento aumentam seu padrão de vida em mais de 50% quando
comparadas às mães solteiras, e em 20% quanto comparadas às que ao menos
passam a morar com um parceiro.
George Akerlof, economista da Universidade de Berkeley, que ganhou o
Nobel em 2001, investigou razões para essas mudanças pela perspectiva
econômica. Ele mostra que a introdução da pílula, em 1960, e a legalização do
aborto, em 1970, ao separarem sexo da procriação, foram os principais
responsáveis pela revolução do divórcio no fim do século XX. O custo (ou risco)
do adultério, por exemplo, foi drasticamente minimizado; o controle reprodutivo
adquirido pelas mulheres permite que elas se concentrem em atividades
exteriores ao laço marital, que podem inclusive ser mais ou menos incompatíveis
com ele; tanto os homens quanto as mulheres passaram a exigir mais satisfação
da relação na ausência da necessidade de cuidar das crianças; ambos tiveram
tanto oportunidade quanto, em certa medida, necessidade de dedicar cada vez
mais esforço e tempo à suas carreiras profissionais, duplicando o stress que o
excesso de trabalho já fazia transbordar para os casamentos (AKERLOF;
YELLEN; KATZ, 1998). A própria relação das pessoas com seu matrimônio foi
drasticamente alterada como consequência.
Além disso, nem todas as mulheres se beneficiaram da introdução dessas
mudanças que costumam ser declaradas como avanços dos interesses das
mulheres em geral. Akerlof (1998) mostra que a popularização de procedimentos
36

contraceptivos deixa as mulheres com interesses mais tradicionais em uma séria


desvantagem competitiva. Por exemplo, a existência de uma infinidade de
mulheres disponíveis para sexo casual diminui a atratividade da oferta dessas
mulheres tradicionais, pois aumenta muito o custo de oportunidade do homem:
ao casar, antigamente, ele apenas abria mão de outras possíveis esposas;
agora, está abrindo mão de, potencialmente, centenas de outras mulheres. A
tentação é especialmente forte na “sociedade de consumo”, contexto em que,
como indica Baudrillard (2009, p. 26), a práxis de consumo (no sentido da relação
que o consumidor estabelece com o mundo real) é a da “curiosidade”.
Manter um namorado fidelizado se tornou especialmente difícil para as
mulheres que privilegiam a castidade antes do casamento – mulheres
denunciadas e até desprezadas pelo discurso do progresso. A virgindade é cada
vez mais insustentável quando a sexualidade é o principal objeto de troca e
negociação na relação pura, líquida e livre. As mulheres que pretendem seguir
costumes tradicionais também perdem a ameaça da gravidez indesejada como
instrumento para pressionar os namorados: os homens sabem, hoje, que a
mulher tem total controle sobre a decisão de ter ou não o filho, especialmente
nos países em que a prática do aborto é não só legalizada como até subsidiada,
mas também naqueles em que a prática, apesar de formalmente proibida, é
comum. Isso porque a relevância estatística das mulheres presas por aborto hoje
revela que essa já é uma lei em desuso no ocidente. Para se ter uma noção das
proporções no Brasil, enquanto o governo de São Paulo se gabava de haver
encarcerado aproximadamente 14.400 pessoas por mês, em 2015, uma matéria
da Revista Exame, em 2014, lamentava as 12 mulheres que naquela data
estavam privadas da liberdade por terem praticado aborto em São Paulo, e que
haviam ido parar lá porque alguma enfermeira ou médico voluntariamente
delatou a ocorrência (MACIEL, 2014); ou seja, não é algo que o Estado busca
ativamente prevenir. Além disso, nas audiências públicas organizadas pelo STF
sobre o aborto em 2018, a jurista Janaína Paschoal afirmou categoricamente
que hoje, no Brasil, não há nenhuma mulher presa por essa razão (PASCHOAL,
2018). Não encontramos nenhum indício de que isso seja falso, e, como ninguém
a refutou publicamente, é provável que seja pelo menos próximo o suficiente da
verdade. De qualquer forma, mesmo sem legalizar e subsidiar o aborto, a
onipresença de opções e tecnologias ginecológicas para garantir autonomia à
37

mulher nessa esfera já causa um impacto simbólico próximo da autonomia total.


Os homens se sentem cada vez menos responsáveis porque têm cada vez
menos controle da situação.
Entre 1968 e 1993, com efeito, a porcentagem de homens entre os 25 e
os 34 anos de idade que estavam casados e tinham filhos caiu de 66% para 40%
(WILCOX, 2010). Tanto Akerlof (1998) quanto outros autores renomados
(WILCOX, 2010; GILDER, 1986; etc.) insistem que uma das piores
consequências disso é que muitos homens jovens acabam privados da influência
civilizadora que as esposas e os filhos teriam sobre eles. Esses jovens passam
a maior parte do tempo, cada vez mais, na companhia de outros homens jovens
e, consequentemente, aumenta a incidência de comportamentos associados aos
grupos de homens jovens: entre 1968 e 1998, os índices de abuso de substância
e encarceramento mais do que dobraram nos Estados Unidos (WILCOX, 2010).
Mas o recorte de gênero, hoje, explica muito menos que o bom e velho
recorte de classe – ou uma forma modernizada dele, baseada numa combinação
de riqueza e nível de escolaridade. Fazendo isso, torna-se perceptível que é nos
pobres de baixa escolaridade que recai praticamente todo o peso das patologias
sociais associadas à erosão do matrimônio. Isso explica em parte por que entre
as elites urbanas é tão fora de moda criticar a degeneração da moral e dos bons
costumes no que diz respeito ao casamento tradicional, enquanto que entre os
pobres é cada vez mais frequente a adesão a grupos religiosos que enfatizam
as virtudes tradicionais supostamente anacrônicas. Sobre isso, Adam Smith já
afirmava que a rigidez moral é sempre mais necessária para os pobres, porque
pequenos deslizes podem ser a diferença entre acabar na miséria – ou pior;
enquanto que entre os ricos e aristocratas essa mesma rigidez é inútil, visto que
uma gravidez fora de hora, um pequeno delito criminal, uma crise existencial etc.,
são em geral meras inconveniências que a família pode resolver ou mitigar.
Nos Estados Unidos, desde os anos 1960, quase não muda a proporção
de mulheres com educação superior que tem filhos fora do casamento: 5%; no
entanto, isso não é verdade para as mulheres sem faculdade completa, que
apresentam um índice de 20%. Analogamente, a porcentagem de mães
divorciadas ou separadas com educação superior vai apenas de 5% (em 1960)
para 7% em 2004, enquanto que os números relativos às mães sem educação
superior vai de 7% para 16% (ELLWOOD, D.; JENCKS, C., 2004).
38

Sara McLanahan, fundadora e diretora do CRCW (Bendheim-Thoman


Center for Research on Child Wellbeing), editora do periódico sobre políticas
públicas chamado Future of Children, é uma das maiores estudiosas do assunto
e concorda que o preço do progresso foi pago pelos pobres. Para ela, o lar intacto
faz quatro coisas pelas crianças (WILCOX, 2010): em primeiro lugar, as crianças
observam a interação entre pai e mãe e aprendem um modelo apropriado de
relações civilizadas entre homens e mulheres, incluindo virtudes como
fidelidade, autossacrifício etc.; em segundo, elas se beneficiam dos recursos
econômicos de ambos os pais; em terceiro, a colaboração do pai com a mãe e
vice-versa permite que o stress seja reduzido para ambos, que nenhum dos dois
seja severo demais ou permissivo demais, e melhora a qualidade dos cuidados
que a criança recebe; por último, pais frequentemente servem como guias para
a relação que a criança estabelece com o mundo externo quando ela se torna
um adolescente e um jovem adulto, apresentando a ela contatos importantes
para sua vida profissional e social.
Para piorar, pesquisas indicam que padrastos, estatisticamente,
apresentam um comprometimento menor com o bem-estar de seus afilhados do
que os pais biológicos, além de interferir menos na criação que a mãe dá para
seus filhos (não contribuindo, portanto, para torná-la menos permissiva ou
menos severa, reduzir seu stress etc.) (MCLANAHAN; SANDEFUR, 1997).
McLanahan também mostra que as crianças em famílias monoparentais podem
ter até duas vezes mais chance de largar os estudos durante o ensino médio,
mesmo quando se leva em conta, na análise estatística, fatores como o nível de
educação dos pais ou sua raça; ela aponta para os dados do National Survey of
Families and Households, nos Estados Unidos, que mostrou como os filhos de
casais divorciados têm um risco de 17% de largar a escola no ensino médio
enquanto os filhos das famílias intactas não apresentam risco maior de 9%. As
meninas criadas em famílias monoparentais apresentaram quase o dobro de
chance de gravidez fora do casamento que as meninas criadas nas famílias
intactas; os meninos, por sua vez, quando criados fora do contexto da família
nuclear, apresentaram mais que o dobro de chance de serem presos (com dados
também controlados por diversos fatores sociais e econômicos) (HARPER;
MCLANAHAN, 2004).
39

Isabel Sawhill, diretora dos estudos de economia na Brookings Institution,


afirma que o aumento de famílias monoparentais na segunda metade do século
XX está profundamente implicado no crescimento da pobreza e dos gastos
públicos em questões sociais. Por exemplo, o índice de pobreza infantil
aumentou de 15% para 20% entre 1970 e 1997 nos Estados Unidos, sendo que,
segundo ela, quase todo esse aumento pode ser atribuído ao aumento dos
divórcios e de filhos tidos fora do casamento (SAWHILL, 1999, p. 103). Sawhill
estima que o aumento do número de famílias monoparentais entre 1970 e 1996
custou aproximadamente 229 bilhões de dólares (SAWHILL, 1999, p. 108), sem
nem considerar os gastos indiretos na esfera da saúde, da justiça criminal etc.,
que as pesquisas indicam ser desfavoravelmente afetadas por esse
desenvolvimento. Considerando que, atualmente, cerca de um milhão de
divórcios acontecem nos Estados Unidos a cada ano,8 o impacto econômico e
social dessas mudanças é considerável.
Tendo essas informações em vista, é difícil não se incomodar com as
descrições cínicas que os novos governos estão dando para essa modernização,
chamando cinicamente de novas formas familiares os contingentes inteiros de
mães abandonadas por seus maridos (ou que os expulsaram de casa).

8 Dados do CDC: Centers for Disease Control and Prevention: Disponível em:
https://www.cdc.gov/nchs/fastats/marriage-divorce.htm. Acesso em: 14 out. 2018.
40

CAPÍTULO 3
O LIVRE-MERCADO DAS RELAÇÕES SEXUAIS CONTEMPORÂNEAS

3.1 Razão Sexual

Nos últimos anos, os principais jornais americanos publicaram muitos


artigos (SENIOR, 2017; WADE, 2017; NOGUCHI, 2001; BRODEUR, 2017)
sobre a chamada hook-up culture nas faculdades americanas. Seja por meio da
crítica à promiscuidade ou pelo falatório contemporâneo sobre a má-conduta
sexual, o consenso era o de que a cultura e a educação precisavam mudar. As
publicações brasileiras fizeram o mesmo, ainda que de forma menos
escandalosa (MORAES, 2018; MELERO, 2018; MARTÍN, 2015).
Um artigo famoso do New York Times chegou a afirmar em seu título que
pelo menos uma em cada quatro estudantes sofria assédio sexual nos campi
das universidades (PEREZ-PEÑA, 2015; RAINN, 2018; McNAMARA, 2017), e
embora a maior parte dessas estatísticas sensacionalistas sejam cientificamente
inúteis9, parece incontestável que há um clima de insatisfação generalizada das
mulheres com o comportamento masculino nas universidades.
No entanto, estudos (SCHACHT et al., 2017; LOO; HAWKES; KIM, 2017;
GOMES et al., 2017; SZÉKELY; SZÉKELY, 2012) rigorosos que vão numa
direção inusitada apontam uma razão bem mais convincente do que problemas
culturais e pedagógicos: alterações significativas na proporção relativa de
mulheres e homens num determinado ambiente, que os biólogos chamam de
“razão sexual” (ou “razão sexual operacional”, quando se leva em consideração

9
Video do American Enterprise Institute, Instituto para pesquisa de políticas públicas de
Washington DC. Programa apresentado por Christina Hoff Sommers. Campus sexual assault:
Bad statistics don’t help victims / Factual Feminist. 26 de Outubro de 2015. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=q5XMuTAomNk. Acesso em: 20 out. 2018.
Video do American Enterprise Institute, Instituto para pesquisa de políticas públicas de
Washington DC. Programa apresentado por Christina Hoff Sommers. Sexual Assault in America:
Do we know the true numbers? / Factual Feminist. 28 de abril de 2014. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=lNsJ1DhqQ-s. Acesso em: 20 out. 2018.
Video da Prager University, Organização sem fins lucrativos. A “cultura do estupro” existe?. 11
de abril de 2016. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=K0mzqL50I-
w&feature=youtu.be. Acesso em: 20 out. 2018.
41

especificamente só os adultos férteis, os que ainda não têm par, os que não
apresentam incompatibilidades de forma etc.).
Os esforços universitários para a elevação máxima da proporção de
alunas do sexo feminino tiveram efeitos previsíveis, porque atualmente já está
bem estabelecido que os efeitos de alterações na razão sexual em humanos é
consistente com os resultados obtidos em estudos com outros animais. No que
diz respeito à razão sexual operacional em humanos, é preciso acrescentar as
restrições que a lei e os costumes estabelecem (especialmente as que dizem
respeito à idade mínima para casar, pois essa idade varia bastante e afeta
diretamente a razão operacional). E esses estudos explicam não só o que
acontece nas universidades, como também esclarecem consideravelmente a
dinâmica das relações entre homens e mulheres fora delas. Muito do que será
apresentado aqui chega a ser óbvio ou senso comum, mas (ou talvez justamente
por isso) foi amplamente negligenciado tanto por jornalistas quanto pelas
políticas das universidades.
O censo de 201210 aponta que, naquele ano, 5,5 milhões de mulheres e
apenas 4,1 milhões de homens na faixa etária entre os 22 e os 29 anos de idade
estavam matriculados em instituições de ensino superior no país (ou seja, 33%
mais mulheres do que homens). Para os recém-formados com menos de 24
anos, o número é maior ainda, chegando a 39% mais mulheres do que homens
(devido ao alto número de estudantes estrangeiros, predominantemente
homens, que retornam a seus países depois de formados).
A cidade de Nova York tem atualmente um excedente de
aproximadamente 100 mil jovens mulheres com ensino superior quando seu
número é comparado ao dos jovens homens com esse nível de escolaridade. O
padrão se repete em quase todas as regiões do ocidente capitalista
contemporâneo e não mostra sinais de desaceleração. Deve-se observar que,
ao mesmo tempo, o número de mulheres americanas entre os 30 e os 34 anos
de idade que nunca casaram subiu de 865.083 em 2007 para 1.133.956 em
2012, num aumento de 31% em apenas cinco anos. As faculdades privadas dos

10
Dados do Censo de 2012 nos Estados Unidos. Disponível em: https://www.census.gov. Acesso
em: 19 out. 2018.
42

Estados Unidos chegam a ter 50% mais mulheres do que homens, numa
proporção de três mulheres para cada dois homens (GUTTENTAG; SECORD,
1983; BIRGER, 2015).
A questão fica mais clara quando se compara os números relativos a cada
território: na região do Sillicon Valley (Santa Clara), por exemplo, 33% das
mulheres entre 22 e 29 anos estavam casadas em 2012, enquanto em
Manhattan, esse número não passa de 13% (onde as coisas não vão bem para
elas). Segundo as pesquisas do Pew Research Center, a região de Santa Clara
apresenta de longe a maior proporção de homens empregados para cada mulher
solteira do país: 114 homens empregados para cada 100 mulheres solteiras.
Santa Clara é também a número 1 no ranking de renda familiar (household
income) do país (BIRGER, 2015, l. 649), e será demonstrado que isso não é por
acaso.
Num contexto social e jurídico que removeu todas as regras e convenções
de viés monogâmico que restringiam as interações sexuais, o comportamento
humano se tornou mais próximo do comportamento animal. A racionalidade
humana passou a servir os instintos, que determinam os fins individuais
previamente estabelecidos pela tradição. Ao invés de ter uma família e uma casa
própria, o sonho americano vai se tornando “aproveitar a vida”, “comprazer-se”
etc. Acontece aqui o que Adorno e Horkheimer (2006) alertaram sobre o
esclarecimento: o processo de racionalização do mundo para dominar a
natureza leva paradoxalmente a uma submissão maior à natureza.
Enquanto as normas irracionais da tradição proibiam o homem de usar
seu intelecto livremente para servir fria e calculadamente seus desejos, as
rédeas da razão ainda estavam nas mãos de princípios civilizados. Mas no
momento em que se descobre que esses princípios são superstições tolas, todo
sacrifício do desejo em nome deles parece intolerável. Hoje, só se pode justificar
um desejo em nome de outro desejo, e a hierarquia de apetites acaba
substituindo a hierarquia de valores.
BIRGER (2015) escreveu sobre o impacto dessas alterações na
proporção sexual, citando como exemplo um estudo sobre o comportamento das
tilápias (peixes de água doce) quando se altera, para um lado ou para outro, as
proporções de fêmeas e machos num ambiente fechado (BIRGER, 2015, l. 659).
Elas tendem tipicamente à monogamia nas temporadas de acasalamento, mas,
43

aumentando artificialmente o número relativo de machos para chegar à


proporção de 7:5 (sete machos para cada cinco fêmeas), o estudo constata que
a quantidade de machos desertores diminui em mais de 50% com relação ao
número de desertores num ambiente em que a proporção relativa é de 6:6.
O que acontece quando o número de fêmeas é artificialmente elevado a
6:7 (sete fêmeas para cada seis machos, uma proporção bem menos
desequilibrada que a das mulheres na faculdade) é mais grave ainda: o índice
de deserção masculina chegou a 51% (sendo que esse índice para a proporção
equilibrada de 6:6 não passa de 22%). Ou seja, os peixes trocaram a monogamia
pela poliginia assim que um pequeno excesso de fêmeas foi introduzido. Os
pesquisadores demonstraram também que o comportamento dos machos é
muito mais afetado por alterações nessas proporções sexuais do que o
comportamento das fêmeas, e por isso o excesso de machos tem consequências
menos sensíveis no ambiente que o excesso de fêmeas (quando comparados a
uma proporção mais próxima de 50/50). Talvez por isso a adaptação
comportamental dos homens pareça tão estranha para as mulheres jovens.
Birger observa também que, apesar da fama promíscua que os jovens
contemporâneos têm nos Estados Unidos, os adolescentes americanos praticam
sexo com muito menos frequência do que os adolescentes de 30 anos atrás.
Segundo os dados do Center for Disease Control and Prevention, a porcentagem
de meninas virgens entre os 15 e os 19 anos subiu de 49% para 57% entre 1988
e 2010. Entre meninos, nesse período a quantidade de virgens subiu de 40%
para 58% (BIRGER, 2015, l. 190). Isso é explicado por mudanças econômicas e
sociais que afetam bastante a razão operacional, diminuindo a quantidade de
homens considerados aceitáveis (conceito que será explicado aos poucos ao
longo da dissertação, mas em suma ele consiste em levar em consideração a
média de renda, escolaridade, ficha criminal e o que possa ser verificado
empiricamente como relevante o suficiente para as mulheres na busca de um
parceiro; é importante notar também que ele é flexível, e uma mudança das
condições do ambiente pode afetar os limites do aceitável). Ou seja, o excesso
de mulheres promove a promiscuidade e os maus tratos, e a falta delas promove
a castidade e o romantismo (no sentido de tratá-las melhor). Mas, infelizmente,
não é tão simples assim. A intensidade da falta ou do excesso de fêmeas produz
44

reações bem variadas, e afetam não só o comportamento relacionado aos


costumes sexuais
Uma pesquisa sobre o excesso de machos feita com lagartos (SZÉKELY;
SZÉKELY, 2012; LE GALLIARD et al., 2005) chegou a observar um colapso total
da população devido ao acirramento violento da competição pelas fêmeas. O
problema pode se resolver sozinho se um número suficiente de machos for morto
na intensificação dessa competição, mas a elevação da violência entre eles no
estudo chegou a tal ponto que as fêmeas começaram a morrer também, e a partir
daí o problema da raridade das fêmeas passa a se autoalimentar, e o colapso
populacional parece quase inevitável.
Em pássaros, estudos recentes com múltiplas variáveis afirmam que
alterações na proporção sexual são o único fator que parece modificar o índice
de infidelidade em espécies monogâmicas (LIKER; FRECKLETON; SZÉKELY,
2014); mas um excesso de machos aumenta não só a infidelidade dos machos
como também a ocorrência de incidentes de coerção sexual – algo verificado
também entre humanos. É evidente que se a razão sexual altera questões
relativas à violência e ao sexo, ela deve afetar significativamente o problema da
violência sexual; no entanto, essa questão costuma ser ignorada pela maior
parte dos profissionais que trabalham em áreas afetadas pelas alterações
(existem algumas exceções, como os militares). A pesquisa verificou também
que alterações na proporção sexual têm efeitos diferentes para espécies
monogâmicas e poligâmicas de pássaros, o que é relevante para considerar
esses efeitos nos homens do ocidente contemporâneo durante períodos de
transição dos costumes sexuais.
De qualquer forma, isso significa que mudanças econômicas, políticas,
jurídicas etc., que incidam sobre a razão sexual operacional dos sexos pode
resultar em drásticas alterações no comportamento masculino nesses
ambientes, sendo as principais delas o aumento da violência em geral e a
degradação da qualidade do tratamento que dispensam às mulheres. Outros
estudos dignos de nota foram feitos também com cobras (SCHIERECK, 1988),
primatas (SILK; BROWN, 2002) e insetos (HAN et al., 2012; SERRA et al., 2005),
e encontraram resultados que vão nessa mesma direção.
Birger (2015), tendo estudos como esses em mente, considera provável
que a ascensão do movimento de libertação sexual dos anos 1970 tenha a ver
45

com isso, pois coincide com uma alteração demográfica sensível nas proporções
sexuais da população americana: entre os anos 1960 e 1970, o país deixa de ter
um excesso de homens e passa a ser composto majoritariamente por mulheres.
Além disso, como as mulheres antes da década de 1960 casavam com homens
em média três ou quatro anos mais velhos que elas, o baby-boom após a
Segunda Guerra Mundial significou que o número de mulheres nascidas em
1946, 1947 e 1948 foi muito maior do que o de homens nascidos antes do baby-
boom, em 1943, 1944 e 1945. Essa alteração nas proporções coincide com a
libertação sexual, dando mais crédito à teoria de que o que se passa entre
humanos é análogo ao que acontece com outros animais nessa questão.
Enquanto em 1960 havia 111 homens legalmente aptos a casar para cada 100
mulheres na mesma situação, em 1970 o mercado consistia em apenas 84
homens para cada 100 mulheres, como demonstraram Guttentag e Secord em
seu estudo pioneiro no assunto das proporções sexuais (BIRGER, 2015, l. 659).
Guttentag e Secord (2015), após analisarem esses paralelos estatísticos,
afirmaram que toda cultura sexual de um grupo é determinada majoritariamente
pela questão da proporção entre os sexos: nas sociedades em que há mais
homens do que mulheres, prevalece o romantismo, o compromisso é valorizado
e as relações matrimoniais são mais estáveis. Quando há mais mulheres do que
homens, ao contrário, os homens desdenham do compromisso. Aumenta o custo
relativo dos sacrifícios que deve fazer ao jurar fidelidade enquanto suas
oportunidades abundam, especialmente nos primeiros e estressantes anos de
um bebê. Os autores chegam a afirmar, com base nessas evidências, que essas
circunstâncias são precisamente o que levou as mulheres americanas a buscar
mais independência, mais poder econômico e mais poder político (BIRGER,
2015, l. 659): suas chances de obter uma vida satisfatória eram objetivamente
maiores arriscando a sorte numa carreira do que na busca por um marido.
Nessa mesma direção, Katherine Trent e Scott South, sociólogos da
University of Albany, mostraram que os índices de casamento são mais altos e
os índices de divórcio são mais baixos em países onde há mais homens do que
mulheres (UECKER; REGNERUS, 2010;). O psicólogo evolucionista Nigel
Barber acrescenta que, além disso, os países em que sobram homens
apresentam índices menores de gravidez na adolescência; em ainda outro
estudo, Barber analisa os dados sobre criminalidade da Interpol e encontra
46

correlações marcantes entre altos índices de assédio sexual e o excesso de


mulheres em uma população. Segundo ele, isso indica um aumento no
comportamento violento dos homens com relação às mulheres junto à
diminuição de seu comprometimento monogâmico com as mães de seus filhos
(ANGRIST, 2002).
Uecker e Regnerus (2010) apontam que as mulheres em faculdades com
um excesso de mulheres em proporções acima de 60:40 eram significativamente
mais sexualmente ativas do que as mulheres em faculdades abaixo da proporção
47:53; além disso, as meninas comprometidas dessas universidades tinham
consideravelmente mais chance de continuarem virgens enquanto namoravam
se houvesse um excesso de homens do que se houvesse um excesso de
mulheres no campus (GRISKEVICIUS et al., 2012).
As consequências econômicas também são visíveis. Joshua Angrist, do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), estudando as comunidades de
imigrantes no começo do século XX nos Estados Unidos (que eram
predominantemente populadas por homens), descobriu que o salário médio dos
homens nas comunidades em que eles sobram é em média pelo menos 10%
mais alto (WEI; ZHANG, 2011) do que quando eles estão em falta. Seu colega
no MIT, Ackerman, também descobre que, atualmente, em cidades onde sobram
homens, há um índice maior de cartões de crédito por pessoa e uma quantidade
maior de endividamento total da população (HAKIM, 2010).
Wei e Zhang (2011), escrevendo sobre essa questão na China,
demonstraram a influência das alterações nas proporções de gênero causadas
pela política de controle de natalidade daquele país, que permitia apenas um
filho por casal em certas regiões, nos índices de crescimento da nação. Por
diversas razões (como, por exemplo, o fato de que apenas os filhos homens –
mas não as filhas mulheres – tem por lei a obrigação de sustentar seus pais
quando eles se tornam idosos), essa política foi aumentando artificialmente o
número relativo de homens para mulheres no país porque se abortava e se
exportava para adoção predominantemente meninas. Os autores do artigo
concluem que por volta de 20% do crescimento do PIB chinês pode ser atribuído
às consequências previsíveis do excesso de homens na população. São os
mesmos padrões de “mercado matrimonial” e de crescimento econômico que
Birger observou no Silicon Valley.
47

Essa área de pesquisa é atualmente muito valorizada na China, por isso


muitos dos melhores artigos sobre os efeitos de alterações na razão sexual
foram escritos por chineses; eles são o maior experimento de engenharia social,
no que diz respeito aos efeitos da razão sexual humanos, feito até hoje. Mas
algumas regiões da Europa, por causa do alto fluxo migratório, também estão se
tornando grandes laboratórios para estudos desse tipo.
Em janeiro de 2016, um artigo do The Economist11 afirmava que dos 1,2
milhões de imigrantes “em busca de asilo” (asylum seekers12) registrados nos
últimos 12 meses, 73% eram do sexo masculino (tendo aumentado desde 2012,
quando a proporção era de 66%). O instituto de pesquisa Pew Research Center13
divulgou que entre as pessoas que buscam asilo com menos de 35 anos de
idade (idade a partir da qual a inclinação para a violência dos homens é
significativamente menor), 80% eram homens em 2013 e 2014; em 2015, esse
número já chegava a 83% do total. O mesmo estudo também aponta que a
quantidade de meninos entre os menores de idade desacompanhados (que
chegam a 7% do total de aplicações em 2015) durante o período entre 2008 e
2015 era entre 70% e 80%. Esses números podem ser mais graves ainda em
alguns países, como por exemplo a Itália, que entre os pedidos formais de asilo
constatou que apenas 11% eram mulheres (LANNI, 2016). O outro lado do
problema é também o impacto que essas migrações causam na razão sexual de
seus países de origem; por exemplo, também na Itália, constatou-se que apenas
0,6% dos aplicantes de Bangladesh, 1,2% dos do Paquistão, 1,7% dos de
Senegal e do Afeganistão eram mulheres.
Valerie Hudson, uma das mais renomadas pesquisadoras na área do
impacto geopolítico de alterações na razão sexual operacional, fundadora do
WomanStats Project e autora dos livros Sex and World Peace (HUDSON et al.,
2012) e Bare Branches: Security Implications of Asia’s Surplus of Male

11 “Oh, boy: are lopsided migrant sex ratios giving Europe a man problem?”. The Economist, 16
de janeiro de 2016. Disponível em: https://www.economist.com/europe/2016/01/16/oh-boy.
Acesso em: 16 out. 2018.
12
Termo utilizado pelas organizações internacionais para designar refugiados de guerra ou
exilados políticos, em oposição aos “economic migrants”, que migram em busca de
oportunidades de emprego ou uma vida melhor de forma geral.
13 Pesquisa do Pew Research Center: Number of refugees to Europe surges to record 1.3 million

in 2015. 2 de agosto de 2015. Disponível em: http://www.pewglobal.org/2016/08/02/4-asylum-


seeker-demography-young-and-male/. Acesso em: 16 out. 2018.
48

Populations (HUDSON et al., 2005) sobre o assunto, demonstrou que o


desequilíbrio artificial das proporções sexuais tem implicações de magnitude
inestimável para a paz mundial. Financiada pelo U. S. Army Research Office do
exército norte-americano, coordenou pesquisas que culminaram no artigo In
Plain Sight (HUDSON; MATFESS, 2017), onde elas apresentam a ligação entre
a inflação do “preço de noiva” médio de uma região e o aumento da atividade
terrorista naquela localidade. Elas acrescentam que, apesar de o mundo cristão
ter deixado essa prática, hoje 75% da população mundial vive em regiões em
que o costume de pagar um preço de noiva para sua família é comum. Os
estudos minuciosos de Becker (1993) sobre essa questão demonstram como a
poligamia eleva as condições de vida da mulher justamente porque, ao permitir
que os homens mais ricos acumulem várias esposas, a demanda por elas
aumenta significativamente – o que permite, em regiões em que predomina o
casamento arranjado, que as famílias consigam um preço de noiva muito melhor
por suas filhas. No ocidente contemporâneo, é mais difícil fazer esse cálculo,
pois, ao invés de preço de noiva e de dote, o valor de troca de cada pessoa se
manifesta predominantemente por meio da negociação interna de cada casal e
membro da relação líquida. Por isso, parte do reflexo dessas alterações fica entre
quatro paredes e deve dizer respeito às tarefas cotidianas.
Drèze e Khera (2000) estudaram na Índia a relação entre a razão sexual
e o índice de homicídios das regiões, mostrando que a pobreza de um distrito
não tinha influência em seu nível de violência, que o nível de escolaridade tem
algum potencial de moderar o índice de homicídios, mas que, em suma, a
variável que mais permite prever a elevação do número de homicídios em uma
região é o desequilíbrio das proporções sexuais na direção de um excesso de
homens.
Na Ásia em geral, especificamente na China e na Índia, que juntas
contribuem com algo entre 62 e 68 milhões de homens sobrando para o
continente, o problema é agravado pela seleção artificial de bebês
(frequentemente ilegal, seja por aborto seletivo, abandono etc.), pois os casais
tendem a preferir – principalmente sob políticas de controle de natalidade como
a chinesa – filhos homens. A razão disso ainda é pouco compreendida, mas
provavelmente deve estar relacionada às leis que atribuam responsabilidades
diferentes aos sexos. Na China, por exemplo, todo homem é economicamente
49

responsável pelos seus pais e mães idosos até o fim de suas vidas, enquanto as
mulheres não têm responsabilidade alguma estipulada por lei de sustentá-los.
Só podendo ter um filho, a escolha mais racional fica evidente.
De qualquer forma, isso torna a região toda mais instável e violenta,
segundo a análise de Hudson e outros especialistas (HUDSON et al., 2009;
HESKET; MIN MIN, 2012), para os quais hoje não há dúvida alguma sobre a
relação entre o aumento da violência e o desequilíbrio da razão sexual na direção
do excesso de homens, da formação de um exército de reserva de homens em
condições desesperadas (HUDSON, 2010) o suficiente para que, enquanto
solteirões condenados ao celibato involuntário, tenham na violência um dos
únicos meios, senão o único, de sucesso reprodutivo. O caso extremo desse
fenômeno é o da adesão a grupos terroristas (que para se aproveitar desse
cenário incorporam à sua campanha de recrutamento a disponibilidade de
escravos sexuais – mulheres e crianças – para seus soldados).
Hudson (2010) levanta estudos mostrando também que tanto em animais
quanto em humanos há uma forte tendência, quando a situação é de recursos
escassos, a privilegiar sucesso reprodutivo e laços de grupo (especialmente
grupos com forte hierarquia, no caso dos mamíferos, porque hierarquias de
dominância em geral aumentam sua probabilidade de sobrevivência). Ou seja,
os dois problemas que as organizações terroristas – e talvez também o
populismo de apelo nacionalista – estão prontas para resolver.
O quarto capítulo desta dissertação voltará a essa questão para
apresentar mais detalhadamente os efeitos de alterações na razão sexual
operacional em humanos, pois é uma questão que requer bastante
detalhamento.

3.2 Teoria do capital erótico

Na medida em que a decisão de ter relações sexuais, namorar e casar


ficaram cada vez mais na mão dos indivíduos, cresce a importância dos fatores
carnais em suas decisões. Quando os pais escolhiam os maridos e as esposas
dos filhos, eles podiam descontar o valor erótico dos pretendentes, mas hoje o
empreendedor de si mesmo precisa investir em seu capital erótico da mesma
50

forma que investe em seu capital intelectual. Por isso, investigar o funcionamento
dessa dinâmica das preferências sexuais pode ser útil.
Catherine Hakim, socióloga especializada em questões de gênero da
London School of Economics e do Civitas, parte dos conceitos de Pierre
Bordieu14 em sua teoria do capital simbólico para elaborar uma teoria do capital
erótico (HAKIM, 2010).
O capital erótico é o quarto capital que complementa a antiga tríade
(capital econômico, capital cultural e capital social) de Bordieu. Seus elementos
são: a) beleza estática, englobando simetria facial, tom de pele, e especialmente
a beleza do rosto; b) atratividade sexual, que é a sensualidade do corpo em
movimento; c) a habilidade na interação social, no sentido do charme, da graça
e também do flerte; d) vivacidade, que aparece, por exemplo, na dança ou na
prática de esportes, mas que ela também relaciona ao bom humor; e) a
apresentação, a forma de se vestir, de se maquiar, o estilo do cabelo, as
fragrâncias dos perfumes e cosméticos utilizados, e os complementos externos
acrescentados (como joias, chapéus etc.); f) competência sexual, imaginação
erótica, a habilidade de satisfazer sexualmente o outro, que inclui tanto a
predisposição nata quanto a experiência e o treino para se tornar bom nisso. Ela
relaciona essa competência também com libido, que serve de incentivo natural
para o desenvolvimento dessas habilidades; g) fertilidade, ou capital reprodutivo,
que é evidentemente uma exclusividade feminina e possui hoje muito menos
valor do que tinha em sociedades agrícolas mais antigas (HAKIM, 2010, p. 505).
Outros sociólogos e psicólogos (HAKIM, 2010) demonstram como esse
poder erótico é sempre um elemento crucial nas dinâmicas internas de cada
relacionamento, tendo frequentemente mais influência nas relações de poder e
controle que o sucesso profissional (para o desagrado dos homens ricos e feios
casados com mulheres pobres e atraentes).
Além disso, inúmeros autores, como Malo de Molina (1992) concordam
com Hakim quando ela afirma, junto com o senso comum, que a demanda sexual
masculina excede significativamente a feminina, gerando um desequilíbrio entre
oferta e procura por sexo, que se revela de várias formas: a masturbação regular
é três vezes mais frequente em homens (HUNTER, 2010); os clientes dos

14 Pierre Bordieu (1930-2002), francês, foi filósofo e importante sociólogo do século XX.
51

profissionais do sexo são, em sua esmagadora maioria, homens: na Espanha,


25% dos homens (incluindo tanto casados quanto solteiros,
indiscriminadamente) compraram serviços sexuais, enquanto apenas 1% das
mulheres o fez (KONTULA, 2009); na Austrália, 16% dos homens e apenas 0,1%
das mulheres pagaram por sexo (HAKIM, 2015); nos sites de relacionamento
extramarital, a proporção de homens para mulheres é de dez para um
(KONTULA, 2009); homens jovens sentem desejo sexual com o dobro da
frequência que as mulheres jovens, e esse número para os homens mais velhos
chega a ser quatro vezes maior do que as mulheres de sua idade (KONTULA,
2009); o desejo sexual dos homens mais velhos é compatível com as mulheres
aproximadamente 20 anos mais jovens (LAUMANN et al., 1994. p. 91); o desejo
sexual masculino se manifesta pelo menos duas vezes mais frequentemente que
o feminino e os homens em média desejam sexo com aproximadamente o dobro
da frequência que as mulheres (PINKER, 2002; SWIM, 1994; CAMPBELL, 2002;
EAGLY, 1997; HYDE, 1996).
Pesquisas sobre o impacto do envelhecimento no desejo sexual ao longo
do tempo (HAKIM, 2010, p. 506) mostram que ele decai rapidamente para as
mulheres após darem à luz, especialmente depois do segundo filho, mas
continua o mesmo para o homem depois que ele se torna pai. O desejo sexual
só começa a cair de forma rápida e acentuada para os homens depois dos 54
anos de idade, enquanto para as mulheres isso acontece desde os 35. Dessa
forma, há sempre em qualquer dado ano um número muito maior de homens de
todas as idades sobrando.
Pesquisadores renomados como Steven Pinker (BAUMEISTER, 2000;
BAUMEISTER; CATANESE; VOHS, 2001; BAUMEISTER; TWENGE, 2002;
SCHMITT, 2005) também concordam com Hakim quando ela afirma que os
estudos mais recentes vêm mostrando que nem todas as diferenças entre
homens e mulheres eram apenas construções sociais; embora algumas
diferenças tenham sido eliminadas, existem dois diferenciais que permanecem
idênticos ao longo dos milênios: agressividade e sexualidade. Nas palavras de
Hakim:

Assassinato e promiscuidade são especialidades masculinas. Ainda


que mulheres e homens tivessem níveis idênticos de capital erótico, a
maior demanda masculina por atividade sexual e entretenimento
52

erótico de todos os tipos automaticamente daria às mulheres uma


vantagem devido ao grande descompasso entre a oferta e a demanda
nos mercados sexuais (HAKIM, 2010, p. 506).

Porém, à medida que tecnologias de aprimoramento do capital erótico


aumentam, os padrões de beleza e sex appeal sobem junto. O aumento das
taxas de divórcio e de monogamia serial em diferentes idades cria incentivos
para que as pessoas desenvolvam e mantenham o capital erótico ao longo da
vida – e cada vez mais meios são oferecidos a quem puder pagar. Assim como
Marx alertava em O Capital sobre o progresso tecnológico no setor produtivo –
na verdade, não serve nem ao empregado, nem ao patrão, em seus interesses
específicos, mas apenas serve ao interesse anônimo do capital em si mesmo –
o progresso tecnológico na indústria da beleza não beneficia seus clientes no
longo prazo: muito pelo contrário. Isso acontece porque o avanço tecnológico
funciona em ambos os casos como uma esteira rolante: a primeira pessoa ou
empresa que faz uso de uma nova tecnologia consegue uma vantagem
competitiva sobre as outras, forçando-as a correr atrás do progresso; mas assim
que a tecnologia se espalha e se torna parte do novo benchmark, ela vai
deixando de ser uma vantagem e se tornando uma necessidade competitiva,
criando um mecanismo perpétuo que rola na direção do avanço tecnológico e
que derruba da esteira quem não consegue acompanhar o ritmo. Em outras
palavras: as primeiras mulheres que trocam roupas modestas e confortáveis por
roupas sensuais desconfortáveis conseguem colher os frutos de seu sacrifício,
pois se elevam acima da média; mas assim que a maioria, para não ficar abaixo
da média, por necessidade, vai adotando o avanço, a média se eleva. Assim, a
inovação deixa de trazer vantagens competitivas para ser apenas mais um custo
de produção necessário a fim de não ficar para trás. O mesmo serve nas
cirurgias plásticas, implantes de silicone, sutiãs com bojo (que hoje até meninas
do ensino fundamental fazem questão de usar), técnicas para embelezar o
cabelo, depilações a laser, drenagens linfáticas etc. Até avanços no padrão de
comportamento podem passar por esse progresso. Podemos compreender
nessa direção a causa do problema apontado aqui por Germaine Greer:

Mesmo nos rincões mais distantes do noroeste da China, as mulheres


deixavam de lado seus pijamas em favor de sutiãs acolchoados e saias
insinuantes, faziam permanente e pintavam seus cabelos lisos, e
53

economizavam para comprar cosméticos. Isso era chamado de


libertação (GREER apud Bauman, 2008, p. 14).

Quanto à indústria do sexo, as estatísticas oficiais do Office of National


Statistics da Inglaterra (ONS) informam que ela adiciona 4,3 bilhões de libras por
ano à economia, representando 0,4% do PIB, segundo as estimativas de
Abramsky e Drew (2014). O amor livre, aparentemente, é um negócio lucrativo
demais para ser obstruído pela famigerada monogamia compulsória.

3.3 Amor líquido e a transformação da intimidade

Consideradas defeituosas ou não “plenamente satisfatórias”, as


mercadorias podem ser trocadas por outras... Afinal, automóveis,
computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom
estado e em condições de funcionamento satisfatório são
considerados, sem remorso, como um monte de lixo no instante em
que “novas e aperfeiçoadas versões” aparecem nas lojas e se tornam
o assunto do momento. Alguma razão para que as parcerias sejam
consideradas uma exceção à regra? (BAUMAN, 2003, p. 67).

Giddens (1992) chama de relacionamento puro a relação em que se entra


apenas pelo que cada um pode derivar da manutenção dessa associação
voluntária. Essa forma livre de relacionamento dura apenas enquanto ambas as
partes envolvidas acreditam estar extraindo satisfação suficiente para nela
permanecerem. Nos termos de Bauman (2003), é uma relação do tipo satisfação
garantida ou seu dinheiro de volta!.
A redução de riscos, evitando a perda de opções e oportunidades – como
se “cada segundo fosse um pequeno portal pelo qual pode voltar o Messias”, na
expressão de Walter Benjamin (1987) –, é o que resta de racionalidade nesse
contexto.
Um dos principais problemas apontados por Bauman (2003) nessa
modalidade líquida de relações é a forma como elas se tornam profecias que
realizam a si mesmas: quanto mais atenção e esforço forem absorvidos no
aprendizado das habilidades necessárias para a conquista rápida e para a troca
indolor de amantes, mais rápido cairão em desuso justamente as habilidades
necessárias para a criação e manutenção de vínculos estáveis, e a importância
do aprendizado daquelas habilidades aumenta. Por isso, o encanto oferecido
54

pelas relações líquidas e passageiras torna-se ainda maior, devido ao


desaparecimento progressivo das habilidades que solidificam as relações; é
assim que a multiplicação de relações voláteis alimenta a si mesma.
Além disso, a substituição da solidariedade orgânica na relação (a divisão
sexual das funções) por um amor democrático e livre produz a necessidade de
renegociar constantemente cada direito e cada dever, introduzindo uma
competição por atribuições na vida dos casais que é especialmente nociva num
contexto em que ambos os cônjuges trabalham demais para lidar
produtivamente com essa revisão contínua da atribuição de funções. As
instâncias de conflito são multiplicadas e o lar deixa de ser o “refúgio seguro em
um mundo sem coração” (LASCH 1997).
Todos esses sacrifícios são feitos tendo em vista a promessa de
satisfação amorosa, a nova terra prometida aos homens e mulheres
anteriormente escravizados pelos grilhões opressivos da tradição. Porém, como
já haviam previsto os primeiros críticos da modernização, essa satisfação não é
alcançada:

Como, aliás, o desejo poderia se fixar, uma vez que não tem certeza
de poder conservar o que o atrai? Pois a anomia é dupla. Do mesmo
modo como o indivíduo não se dá definitivamente, ele não possui nada
definitivamente. A incerteza do futuro, aliada à sua própria
indeterminação, condena-o portanto a uma eterna mobilidade. De tudo
isso resulta um estado de perturbação, de agitação e de insatisfação
[...] (BAUMAN, 2008, p. 32).

Em todo caso, tudo se passa como previsto pela profecia de Marx:

Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo


o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança
distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se
todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de
concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as
substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o
que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado
é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem
ilusões a sua posição social e as suas relações com outros homens
(MARX; ENGELS, 2005, p. 45).

3.4 A sociedade de consumidores de Bauman


55

“O que caracteriza o consumismo não é acumular bens... mas usá-los e


descartá-los em seguida a fim de abrir espaço para outros bens e usos”
(DURKHEIM, 1978, p. 346).
O traço distintivo da sociedade de consumidores é a reconstrução das
relações humanas à semelhança das relações entre os consumidores e os
objetos de consumo por meio da anexação, pelos mercados de consumo, do
território que se estende entre os indivíduos. Trata-se, portanto, de uma invasão
e colonização da rede de relações humanas por visões de mundo e padrões
comportamentais feitos sob medida pelo mercado.
O objetivo declarado da lógica do consumo, ou, mais precisamente, a
máscara da sociedade de consumidores, é a satisfação de todas as
necessidades, desejos e vontades do consumidor. No entanto, como bem
observa Bauman (2010), seu verdadeiro objetivo é a “comodificação do
consumidor”: a “elevação” de sua condição à de mercadorias desejáveis,
consumíveis, vendáveis. É assim que os produtos passam a ser avaliados nos
termos de investimento para o consumidor.
Seja um curso no exterior ou um procedimento para clarear os dentes,
uma massagem terapêutica ou a mensalidade da academia de musculação, tudo
isso é contabilizado e medido com relação ao potencial de valorização que o
serviço ou o produto pode promover no consumidor (como amante ou como
empregado, ou seja, como mercadoria a ser consumida por outras pessoas
enquanto clientes).
Tudo se passa como se isso fosse a emergência de um novo método de
controle do comportamento da população. Um método menos incômodo e
menos custoso do que os procedimentos tradicionais de coerção direta, porque
a manipulação indireta das probabilidades comportamentais necessárias para
sustentar a nova ordem social torna desnecessário comandar diretamente os
súditos. É preciso apenas criar as condições iniciais que aumentem
suficientemente a probabilidade de que as pessoas se comportem
voluntariamente da forma desejada, e voilà! Embora seja possível encontrar
pessoas inteligentes e sábias sustentando que isso é de fato uma conspiração,
não é necessário que seja para os propósitos dessa dissertação, e por isso não
será preciso dar esse salto adicional. O ponto importante é que essas coisas
56

funcionam como método de controle, quer estejam sendo utilizadas


deliberadamente para controlar alguém, em alguma direção ou não.
Um marco importante na conversão das relações matrimoniais à lógica do
consumo, assim, é a facilitação de divórcios unilaterais e sem causa:

O impacto da diferença entre o relacionamento parceiro-parceiro e o


ato de adquirir bens de consumo comuns, distinção essa muito
profunda, originada na reciprocidade do acordo necessário para que a
relação se inicie, é minimizado (se não tornado totalmente irrelevante)
pela cláusula que torna a decisão de um dos parceiros suficiente para
encerrá-la... no modelo de uma “relação pura”, tal como nos mercados
de bens, os parceiros têm o direito de tratar um ao outro como tratam
os objetos de consumo. Uma vez que a permissão (e a prescrição) de
rejeitar e substituir um objeto de consumo que não traz mais satisfação
total seja estendida às relações de parceria, os parceiros são reduzidos
ao status de objetos de consumo. De maneira paradoxal, eles são
classificados assim por causa de sua luta para obter e monopolizar as
prerrogativas do consumidor soberano (BAUMAN, 2010, p. 27).

É dessa forma que atitudes originalmente transgressoras, transcendentes


ou até revolucionárias deixam de ameaçar a ordem e são integradas a ela de
forma a promover sua continuação, sua reprodução e seu sistema de valores.
Por livre e espontânea vontade dos consumidores, dobra-se a
necessidade de consumo para tudo o que poderia ser dividido: o dobro de micro-
ondas, de fogões, de sofás, de carros etc., precisa ser comprado. Essa é a face
econômica da independência conjugal, escondida atrás da emancipação sexual.
Em 2012, no Japão (SIMONITCH, 2012), foi inaugurado o primeiro cuddle
café, um estabelecimento que oferece o serviço de cuddling – que é basicamente
o ato de permanecer abraçado com alguém na cama. Nele, homens solitários e
rejeitados podem pagar uma mulher para suprir sua necessidade de contato
físico. No Brasil, multiplicam-se empresas especializadas em oferecer “maridos
de aluguel”15 para desempenhar serviços simples na casa, tipicamente feitos
pelo marido, como o desentupimento de pias, a manutenção de
eletrodomésticos, pintura de paredes e outras coisas do tipo. Tudo o que um
marido ou uma esposa fazem por seus cônjuges, o mercado faz por um preço;
e por isso a dissolução da família, da perspectiva dos negócios, não é nada mais
que a quebra da concorrência.

15
Site da empresa “Marido de Aluguel”: http://www.maridosdealuguelsp.com.br/.
57

O valor supremo da sociedade de consumidores é a vida feliz: pela


primeira vez na história, talvez, uma sociedade ousa prometer a felicidade na
terra, aqui, agora e para sempre. Felicidade instantânea e perpétua. Esse
objetivo justifica todos os outros e submete todas as outras justificativas a si. É
por isso que desejos realistas são os mais temidos adversários da economia
orientada para o consumidor: buscar a felicidade (lê-se: gastar mais dinheiro)
não é uma opção, é um imperativo. A cada momento, o consumidor deve avaliar
sua situação e procurar aproximá-la da felicidade perfeita mediante a aquisição
de produtos e a contratação de serviços. Insatisfações e imperfeições são
transformadas em aberrações de ordem moral, doenças inaceitáveis que
precisam ser remediadas imediatamente; e se o doente não puder pagar pelo
remédio na hora, não há problema: ele pode pagar a crédito.
Assim, sob o pretexto de combater a insegurança, o medo e a solidão, o
consumismo é responsável por causar e aprofundar os sintomas para os quais
se anuncia como solução. E isso não é um defeito da sociedade de consumo,
mas precisamente o motor de seu triunfo. Não é na satisfação dos desejos, mas
na manutenção de um estado permanente de insatisfação remediável que reside
o funcionamento perfeito da sociedade de consumo. E esse estado é muito mais
compatível com a vida de solteiro.
Durkheim já havia diagnosticado esse problema, chamando-o de o mal do
infinito:
Se seus prazeres são definidos, eles são assegurados, e essa certeza
consolida seu equilíbrio mental. A situação do solteiro é completamente
diferente. Como pode legitimamente ligar-se a quem lhe apraz, ele
aspira a tudo e nada o satisfaz (DURKHEIM, 1978, p. 346).

3.5 Vida a crédito e a economia da dívida

A neutralização de atitudes coletivas de cooperação e solidariedade na


sociedade é benéfica para os negócios. A economia de mercado não pode
tolerar a economia de não mercado. O consumo, hoje, é responsável pela maior
parte do PIB de países desenvolvidos – 70% do total nos Estados Unidos, em
2011, segundo Lazzarato (2012) – e cada instância de cooperação grátis, que
58

não contribui para o PIB nem está sujeita a impostos, é uma oportunidade
perdida.
Por isso, o governo neoliberal deve sempre agir sobre a sociedade,
apropriando-se de processos sociais para criar condições que abram espaço
para a competição, permitindo que os negócios colonizem cada território social.
Só assim a economia da dívida, ou a vida a crédito, pode prevalecer sobre toda
a forma de voluntarismo: tornando, mediante manipulação voluntária ou
involuntária das condições do ambiente, cada vez mais irracional, a decisão de
cooperar espontaneamente com qualquer outra pessoa – até com os próprios
cônjuges e filhos, no estágio mais avançado.
O que Lazzarato (2012) chama de Economia da Dívida (Debt Economy)
é o arranjo que une uma multiplicidade de mecanismos sociais, políticos e
econômicos e os canaliza numa determinada direção que promove o
endividamento coletivo. A unidade não é sistêmica, mas operacional; constitui
uma política que produz ora uma composição, ora outra, mas sempre
aumentando a demanda por bens e serviços.
Um século após Rosa Luxemburgo antever que o capitalismo dependia
de “economias não capitalistas” para se expandir sobre elas, explorando-as e
colonizando essas “terras virgens”, Bauman afirma que:

[...] a força do capitalismo está na extraordinária engenhosidade com


que busca e descobre novas espécies hospedeiras sempre que as
espécies anteriormente exploradas se tornam escassas ou se
extinguem. E também no oportunismo e na rapidez, dignos de um
vírus, com que se adapta às idiossincrasias de seus novos pastos
(BAUMAN, 2010, p. 27).

Esse é um dos aspectos geniais do modelo atual de crédito: ao contrário


dos agiotas de antigamente, os bancos não pedem todo o dinheiro de volta sob
a ameaça de morte. São tão benevolentes que emprestam mais dinheiro ainda
para permitir que a dívida anterior seja paga – tanto para pessoas quanto para
nações. O devedor ideal agora é aquele que nunca termina de pagar suas
dívidas, não quem as paga em dia.
59

CAPÍTULO 4
DESIGUALDADE SOCIAL E MATRIMÔNIO NOS ESTADOS UNIDOS

Os Estados Unidos da América são o candidato perfeito para servir de


estudo de caso dos conceitos já apresentados devido à farta quantidade e
qualidade de informações relevantes disponíveis.
Além disso, como as ideias e métodos americanos tendem a se espalhar
cada vez mais rapidamente no Brasil, seja por influência cultural ou por meios
políticos e econômicos, é bom estudá-los para ajudar na previsão das tendências
nacionais.

4.1 Moynihan Report

Uma das primeiras pesquisas que exploraram a influência recíproca e


retroativa que o contexto matrimonial e familiar geral de uma população exerce
sobre suas condições econômicas e vice-versa foi publicada em 1965 pelo então
Senador dos Estados Unidos, Patrick Moynihan. O relatório está inserido na
polêmica histórica do Civil Rights Act, de 1964, que buscava tornar ilegal toda a
forma de discriminação racial e que posteriormente passou a proibir também
discriminação de gênero. É um marco histórico daquele país também porque
desde então mais e mais leis e políticas públicas foram sendo introduzidas com
a intenção declarada de combater a discriminação, produzindo resultados muito
insatisfatórios, exatamente como havia previsto o senador Moynihan em seu
relatório.
Em linhas gerais, o que ele escreveu é uma crítica à assistência que o
governo prestava aos negros, pois ela estaria na verdade os prejudicando por
avançar a “deterioração da família negra” (MOYNIHAN, 1965, p. 5) que a
escravidão havia começado. Seu relatório fornece insights fundamentais que
serão depois elaborados por outros autores em argumentos mais palatáveis para
a época atual.
Moynihan começa seu relatório comparando as médias de “nascimentos
ilegítimos” dos brancos e dos negros: entre 1950 e 1963, o número de crianças
60

ilegítimas por mil nascimentos aumentara em 11 para brancos e 68 para não


brancos (MOYNIHAN, 1965, p. 6). Em seguida, compara o índice de divórcios
relativo a essas populações: em 1940, tanto brancos quanto negros
apresentavam um índice de 2,2% de divórcio; mas em 1964, enquanto o número
de brancos subira para 3,6%, o índice para os não brancos chegara a 5,1%, ou
seja, 40% a mais que os brancos (MOYNIHAN, 1965, p. 9). A questão que ele
coloca então é: qual a causa dessa diferença?
Ele começa a sua análise no século XIX, durante o período Jim Crow16,
quando a segregação racial era literalmente lei. O objetivo dessa segregação,
que incidia principalmente sobre o uso de serviços e facilidades públicas,
segundo o Senador, era “manter o negro em seu lugar”. Mas mais precisamente,
ele insiste, que o objetivo era “manter o homem negro em seu lugar”: humilhá-lo
em público sistematicamente para “quebrar seu espírito” e sua vontade. O fato é
que as mulheres negras utilizavam esses serviços públicos em uma escala muito
menor, e Moynihan afirma que não representavam ameaça e por isso não
precisavam de política pública alguma dedicada à sua humilhação. Ele encontra
nas leis e nos projetos contra a segregação implementados após o Civil Rights
Act, de 1964, alguns dos mesmos efeitos que a segregação aberta de Jim Crow
tinha, apesar de ser, precisamente, pelo menos em aparência, seu oposto. A
causa do problema era sua suposta solução. Moynihan revelou-se, assim, um
republicano involuntariamente dialético: mostrou que medidas contra a
desigualdade racial podem produzir o efeito contrário.
O ponto principal da reflexão do Senador é que a total ausência de
políticas públicas direcionadas a solucionar o desemprego crônico dos homens
negros do país, somada ao modelo especifico de assistência implementado, é
claramente capaz de produzir a desmoralização do homem negro que os autores
de Jim Crow julgaram necessária, a seu ver. Isso porque, por questões
absolutamente racionais e pragmáticas, o dinheiro da assistência precisa ser
dado diretamente à mãe da família em necessidade. A situação criada em larga
escala nos guetos negros, por isso, foi a de uma massa de homens negros

16"Leis de Jim Crow" é uma expressão usada para designar diversas leis estaduais distintas que
institucionalizavam a segregação racial em espaços e serviços públicos (escolas, trens, ônibus
etc.) no Sul dos Estados Unidos. Vigoraram entre 1876 e 1965, quando foram abolidas pelo Civil
Rights Act, de 1964.
61

desempregados, humilhados perante suas mulheres subsidiadas – para quem


eles se tornavam não só inúteis, mas um fardo (MOYNIHAN, 1965, p. 19).
Moynihan diz que o marido é reduzido a um garoto de entregas cuja única
atribuição é ir pegar dinheiro com uma mulher do serviço social e entregar para
a sua esposa em casa. Essa situação, reproduzida em larga escala dentro de
comunidades inteiras, é o que Moynihan julga ser o principal motor dos
problemas dos guetos americanos.
Independentemente do nível de impacto que isso realmente possa causar,
é evidente que um contexto assim influencia as decisões matrimoniais das
mulheres e os padrões de associação sexual numa comunidade. E se de fato,
como parece ser o caso, essa marginalização da esfera matrimonial e familiar
imposta pela ação conjunta das circunstâncias e da intervenção do governo
sobre os homens negros traz consequências negativas para toda a população
negra em outras esferas (educação, saúde mental, criminalidade etc.), é possível
que as medidas públicas realmente sejam, assim como esses pobres maridos,
não só inúteis como um fardo para a comunidade.
Moynihan apresenta estatísticas demonstrando que as crianças de lares
onde o pai está presente tiram em média notas significativamente melhores do
que seus pares em lares sem pai. Nos testes de Q.I., essa correlação também é
encontrada. Ele cita também um estudo de Mary Diggs (DIGGS, 1950, p. 290-
297) sobre delinquência e criminalidade em 1950, que descobriu que 75% dos
criminosos negros vêm de lares em que um dos pais não está presente
(CARBONE; CAHN, 2014, p. 39; DIGGS, 1950, p. 290-297). Outro estudo na
área de delinquência juvenil que ele cita é o de Eleanor e Sheldon Glueck (1959),
que encontram uma proporção relativa elevada de delinquentes advindos de
“lares despedaçados”.
O trabalho de Moynihan, por estudar um subgrupo populacional
específico, delineou efetivamente um mercado matrimonial. Esse procedimento
é importante porque não é só a população do gueto negro que apresenta
costumes relativamente endogâmicos. Hoje é possível observar a consolidação
de mercados matrimoniais em volta das variáveis renda e grau de escolaridade,
de forma que são cada vez mais raras as uniões entre um consorte de origem
humilde e um de boa origem (já que a equalização forçada dos consortes
62

inviabiliza uniões assimétricas apoiadas na divisão do trabalho para produzir


cooperação entre os membros do casal).

4.2 Os mercados matrimoniais

À luz de novas informações, Carbone e Cahn (2014) encontram uma


espécie de “luta de classes” em andamento na arena matrimonial americana.
Alguns dos insights de Moynihan são refinados e outros descartados; mas o
caminho é o mesmo: analisar as correlações causais possíveis entre os
fenômenos da esfera das associações entre os sexos e os da esfera político-
econômica.
Elas começam levantando os dados sobre a crescente desigualdade
econômica nos Estados Unidos, que marginalizou cada vez mais homens da
classe média para o nível da pobreza nas últimas décadas. Em seguida, indicam
como essas alterações demográficas afetaram as proporções relativas entre
homens e mulheres dentro de cada classe social (usando principalmente
marcadores relacionados ao nível educacional e à riqueza), e quais foram os
efeitos mensuráveis desse desenvolvimento. Assim como outros acadêmicos já
mencionados, elas apontam também para as semelhanças inegáveis entre o que
se observou nos padrões de comportamento dos humanos e dos demais animais
(SHANG-JIN; XIAOBO, 2011; BIRGER, 2015; UECKER; REGNERUS, 2010;
ANGRIST, 2002). Nos Estados Unidos, o que ela encontrou atualmente foi que,
no topo da pirâmide econômica, os poucos homens mais bem sucedidos do
território buscam mulheres também bem sucedidas, em número menor ainda
que eles, ao invés de casarem com suas secretárias (ou qualquer outra mulher
mais pobre), como antigamente; no meio e na base da pirâmide, há um vasto
número de mulheres competentes e economicamente estáveis fadadas a
encontrar seus pares num contingente cada vez menor de homens viáveis em
seu subgrupo matrimonial.
Analisando-se os índices de casamento e divórcio, a idade média em que
as mulheres têm seus filhos, o nível de escolaridade obtido pelos seus filhos, e
outros dados do tipo, nos Estados Unidos, a correlação é clara: tudo se passa
63

como previsto pelo modelo de compreensão das relações entre os sexos


segundo suas proporções relativas, apresentado no capítulo anterior.
Valerie Oppenheimer, da UCLA (CARBONE; CAHN, 2014, p. 43), afirma
que paralelamente ao aumento da desigualdade econômica entre os homens,
os novos “papéis de gênero” dividem o mercado matrimonial global em
subgrupos distintos que não se misturam: não só os patrões foram deixando de
casar com suas secretárias, como as mulheres jovens foram deixando de
considerar seriamente casar com seus grandes romances do ensino médio.
O pesadelo dos opositores do Marriage Act na Inglaterra de dois séculos
atrás estava se concretizando: a riqueza, que fluía pelo corpo social
naturalmente por meio do amor irracional dos filhos dos ricos, promovendo
alguma justiça distributiva para mitigar as desigualdades, parava agora de
escorrer para os sobrenomes em menor demanda.
Nos anos 1960, 88% dos homens com ensino médio completo estavam
casados e 96% deles estavam empregados. Mais de 80% das esposas com
crianças pequenas não trabalhavam e passavam tempo integral em casa. Mães
casadas que faziam parte da força de trabalho existiam em número modesto e
estavam limitadas principalmente a dois perfis demográficos: algumas mulheres
da elite, altamente educadas, e muitas mulheres pobres demais para o sonho
americano da dona de casa (WALDMAN; HUFFSTUTLER, 1983). Tanto pais
quanto mães interagiam em média menos tempo com as crianças do que
interagem hoje, principalmente, segundo Carbone e Cahn (2014), porque os
vizinhos cuidavam mais frequentemente das crianças uns dos outros. Hoje, no
entanto, com as mulheres das regiões pobres saindo em massa para trabalhar,
os vizinhos educadores que sobram – ao menos nas regiões mais mal
frequentadas – são os “desempregados, fanfarrões e criminosos” (CARBONE;
CAHN, 2014, p. 13).
Enfim, o único subgrupo da população americana para quem os índices
de casamento melhoraram, desde 1970, é o das 5% de mulheres mais ricas dos
Estados Unidos (LOONEY; GREENSTONE, 2012). Esse número coincide com
o fato de que as proporções de gênero em seu segmento da população, em seu
mercado matrimonial, são as mais favoráveis de todas para as mulheres (quanto
mais próximas do topo, maior a escassez e demanda por elas).
64

Assim, ao longo dos anos, enquanto o índice geral de divórcios da


população parecia estabilizado e as manchetes de jornal anunciavam o “fim da
crise matrimonial”, o que estava acontecendo na verdade era um movimento
simultâneo de declínio para um subgrupo determinado e de elevação para outro,
mascarado pelo fato de que, na média global, eles em grande parte anulavam
um ao outro (MURRAY, 2013, p. 156). Em 2004, o índice de divórcio para quem
possuía ensino superior já havia retornado ao que era em 1965 – antes de todas
as alterações nas leis e políticas públicas suspeitas de afetar negativamente
esses índices, como a permissão do “divórcio unilateral”, a popularização da
pílula anticoncepcional, a legalização do aborto e a “revolução sexual”
(MCLANAHAN, 2004, p. 607-617; HYMOWITZ et al., 2013) – medidas
frequentemente acusadas de serem causa da degeneração da instituição do
matrimônio. Isso indica que provavelmente, ao menos em parte, são na verdade
consequências das mesmas causas. Além disso, observa-se em pesquisas que
atualmente o terço mais rico da população norte-americana tem opiniões mais
tradicionalistas do casamento do que a geração anterior. Um estudo mostra que,
nesse recorte social, as pessoas têm maior probabilidade que seus pais de
afirmar que o sexo antes do casamento é sempre errado (21% a 15%) e que o
divórcio deveria ser mais difícil de ser obtido (48% a 36%) (MARQUARDT;
WILCOX, 2010, p. 13-60).
Nos Estados Unidos do século XIX, quase metade das mulheres com
ensino superior nunca casou. Em 1960, 29% das mulheres com ensino superior
não estavam casadas até os 60 anos de idade. Nos anos 1980, as mulheres com
apenas diploma de ensino médio mantiveram índices maiores de casamento e
índices menores de divórcio que suas contrapartes com diploma de ensino
superior; hoje, no entanto, esse padrão de mais de um século foi invertido. Para
garantir um bom casamento, portanto, talvez seja melhor fazer faculdade do que
aprender a cozinhar.
A primeira questão que se apresenta então é: por que os casais de elite
conseguiram se adaptar à modernização das relações tão melhor do que os
casais pobres? A segunda é: por que essa elite que encabeçou o movimento de
distanciamento do matrimônio agora lidera, não em discurso, mas em ato, o
retorno a ele?
65

4.3 O coração da questão

Nos anos 1950, metade das mulheres que frequentavam a faculdade


estavam casadas aos 23 anos. Casavam cedo como qualquer outra mulher por
medo da gravidez, segundo os autores citados por Carbone e Cahn (2014). Mas
as mulheres nascidas sete anos depois já estavam em condições
completamente diferentes e apenas 30% estava casada nessa mesma idade.
A principal mudança que incide sobre a esfera das relações
heterossexuais nessa época, segundo a avaliação da maior parte dos autores,
foi uma mudança na disponibilidade da pílula: como a idade oficial em que o
jovem adquire a maioridade e se torna adulto foi alterada de 21 para 18 anos lá,
todas as mulheres desse grupo extremamente significativo ganharam acesso
legítimo a ela. Um artigo influente na área, escrito pelos economistas de Harvard
Claudia Goldin e Lawrence Katz (CARBONE; CAHN, 2014, p. 39), enfatiza que
é essa a razão da elevação drástica da idade média em que se casava no país
– mudança que, por sua vez, também produz consequências, como uma
diminuição da taxa de natalidade do país e uma intensificação da paridade social
dos consortes, que passaram a buscar seus maridos e mulheres depois de
formados, mais amadurecidos, no início de suas carreiras e, principalmente, com
prioridades mais racionais.
A principal mudança que incide sobre a esfera econômica, por sua vez, é
a mudança no perfil da economia americana, que se distancia cada vez mais da
manufatura – seu antigo foco desde o período pós-guerra (CARBONE; CAHN,
2014, p. 43).
Os chamados trabalhadores de colarinho azul (trabalhos manuais fora do
ramo agricultural, ou seja, construção, mineração, manutenção etc.) foram
entrando em extinção. Evidentemente, esse é um problema sério para a camada
mais pobre da nação, populada por homens sem educação formal suficiente para
competir pela maior parte dos trabalhos de colarinho branco e com um
temperamento e até aparência menos compatíveis com os trabalhos de
colarinho rosa (que lidam diretamente com o cliente, de forma que temperamento
e aparência influenciam significativamente o desempenho da função). O
resultado, em poucas palavras, é o de que nos territórios mais pobres as
66

mulheres foram se tornando cada vez mais inacessíveis para a maioria dos
homens de sua região (GILDER, 1986; TIGER, 1999; MURRAY, 2013).
Gilder (1986), Murray (2013) e outros autores acreditam que o matrimônio
e a família sempre serviram à função social de civilizar, domesticar e até docilizar
os homens. É apenas depois de casado que ele passa a ser um membro
completo da sociedade, preocupado com sua estabilidade, seu futuro etc. Só
assim, segundo eles, o homem deixa de ser um bárbaro incivilizado. Se isso for
verdade, mesmo que apenas em certa medida, um número cada vez maior de
homens acabou sendo marginalizado dessa influência civilizadora desejável (do
ponto de vista da ordem social, não dos próprios homens, necessariamente, é
claro).
Por mais fantástica que seja a visão do homem como um bárbaro
selvagem que precisa ser artificialmente civilizado por meio das mulheres e das
crianças, ela parece ser corroborada pelos dados sobre o estado civil dos
prisioneiros americanos: um estudo feito por intelectuais de Harvard e Maryland
(SAMPSON; LAUB; WIMER, 2006), usando um método de “probabilidade
inversa” (IPTW ou “Inverse Probability of Treatment Weighting”), conseguiram
calcular a magnitude da influência do casamento na incidência ou reincidência
de comportamentos criminosos. Segundo os resultados encontrados, ao casar,
o homem passa a ter 35% menos chance de cometer qualquer crime. A pesquisa
é bem interessante e razoavelmente complicada por causa de sua abordagem
contrafactual e da necessidade de acompanhar diversos outros traços
associados à criminalidade para um grande número de homens, durante toda a
sua vida; mas os resultados são interessantes. Eles conduziram também
entrevistas com esses homens para ouvir suas reflexões pessoais, suas próprias
razões, e, após interpretarem as respostas, elaboraram os principais motivos
que encontraram para a existência dessa correlação: a) a formação de laços
sociais por meio do matrimônio torna o membro parte de um “sistema
interdependente de obrigação e suporte mútuo” (SAMPSON; LAUB; WIMER,
2006), que aumenta o “custo” do comportamento criminoso no sentido de que
ele tem mais a perder do que se não tivesse laço social algum; b) a introdução
de uma nova rotina, um novo “estilo de vida” associado à vida do casal (e outros
estudos já demonstraram consistentemente que as atividades diárias, o
cotidiano ou o “estilo de vida” influenciam positiva ou negativamente o
67

comportamento criminoso), que reduz o contato com os amigos e com “grupos


delinquentes” (nos termos do estudo, mas o sentido é claro) parece ser um dos
elementos essenciais dessa mudança; c) A “supervisão da esposa”, que tem
influência suficiente sobre o comportamento do marido e interesse investido na
diminuição de seu “comportamento de risco”. De qualquer forma, mesmo que
esse estudo não se sustente metodologicamente, existem boas e óbvias razões
para acreditar que a convivência com a esposa tem de fato uma influência
apaziguadora no homem.
Voltando à questão das proporções relativas de homens e mulheres
(ANGRIST, 2002, p. 997; p. 1033), e de como as alterações nessa proporção
parecem resultar em mudanças mais drásticas no comportamento dos homens,
um excesso de mulheres (acima da proporção de 50/50) produz nos homens
mais promiscuidade e desencoraja, neles, a monogamia; constata-se que menos
mulheres casam, e as que casam o fazem mais tarde; nasce um número maior
de crianças ilegítimas, não reconhecidas pelo pai; com um número menor de
alternativas por essa via, assim, mais mulheres são empurradas para o mercado
de trabalho, independentemente de suas preferências.
Além disso, uma pesquisa (CARBONE; CAHN 2014, p. 55) que investigou
as “mating preferences” (“preferências de acasalamento”) das populações
humanas de diversos países, pareando esses dados com os seus respectivos
índices de proporção entre os sexos, descobriu que o excesso de mulheres tem
o efeito contraintuitivo de torná-las mais exigentes na escolha do parceiro, frente
à crise em seu mercado. Elas ficam também menos propensas a desejar
relacionamentos de longo prazo.
Segundo o resultado de uma série de entrevistas conduzidas em
universidades por Uecker e Regnerus (2010), uma proporção elevada de
mulheres no campus resulta, nas suas respostas para as entrevistas, em: a)
avaliação mais negativa do comportamento masculino por parte das meninas
entrevistadas; b) visão mais negativa dos próprios relacionamentos; c) menor
probabilidade de ter um namorado e menor capacidade de convencê-lo ou forçá-
lo a comprometer-se com ela.
Tendo estabelecido isso, resta desvendar como as mudanças
econômicas produziram uma segmentação do mercado matrimonial nas
diferentes classes, com baixo índice de miscigenação de classe nos
68

relacionamentos. Pois se de fato isso aconteceu, a proporção sexual em cada


um desses subgrupos permitirá prever não só os padrões de associação
matrimonial e familiar nesse grupo como também, possivelmente, alguma coisa
dos padrões de violência de gênero nele. Se a teoria estiver certa, as outras
características associadas a esse perfil matrimonial dos indivíduos também
estarão de acordo com o que as proporções sugerem. Desse modo, o elo entre
a questão econômica, a vida sexual e as condições sociais dos indivíduos livres
poderá ser mais seguramente estabelecido.
Para descobrir isso, Carbone e Cahn (2014) dividiram a sociedade em
três “classes sociais”, baseando-se em riqueza e educação. Considerando que
a distância entre os mais ricos e os mais pobres aumentou mais para os homens
do que para as mulheres, que permanecem concentradas em maior proporção
“no meio” do que eles (CARBONE; CAHN, 2014, p. 55), o resultado é uma falta
crônica de homens no nível intermediário, que aumenta à medida que a
desigualdade cresce. Mas para as mulheres no topo, que estão em menor
número, o resultado é o oposto – e isso explica o fato já mencionado de que as
mulheres mais ricas são o único grupo para quem as estatísticas dos indicadores
matrimoniais melhoraram. Na base da pirâmide, o cenário também já foi descrito:
apesar do excesso de homens marginalizados nessa classe econômica, grande
parte está em condições sociais tão precárias que não constitui uma opção
matrimonial viável para as mulheres de seu subgrupo, fazendo com que elas
tenham menos opções ainda do que as mulheres da “classe média” de Carbone
e Cahn (2014). Isso também é agravado na classe mais baixa porque, quanto
mais perto da miséria, menos espaço de manobra se tem para as arbitrariedades
do amor; assim, se o homem é objetivamente um estorvo, a mulher pobre não
tem a mesma condição de ser compreensiva e moderna com ele do que aquelas
que possuem boas expectativas para o futuro. Ela se submete ao melhor, ao
mais razoável, que acaba sendo infelizmente a família mononuclear, conhecida
antigamente como mãe solteira.
Nessa mesma direção, sociólogos da UCLA conduziram em 2005 um
estudo sobre a probabilidade de casamento entre pessoas com o mesmo nível
escolar e afirmaram que quanto mais tarde se casa, maior é a probabilidade de
se unir com alguém no mesmo nível educacional (SCHWARTZ; MARE, 2003).
Isso significa que, para as mulheres, uma educação superior não só produz uma
69

renda maior, mas também aumenta significativamente sua probabilidade de


casar bem. Por tal razão, o casamento tardio (que é mais racional, mais bem
calculado) intensifica as divisões de classe no mercado matrimonial.
Pesquisadores também investigaram as diferenças entre os índices
estudados para cada etnia, e os resultados encontrados para os negros, que
estão mais concentrados na base da pirâmide economia, são espantosos.
William J. Wilson, um dos maiores especialistas nas áreas de raça e
sociologia urbana nos Estados Unidos que leciona em Harvard, conduziu um
estudo que encontrou o seguinte dado: nas áreas pobres das cidades (nas inner-
cities), para cada 100 mulheres negras de qualquer idade determinada, existem
apenas 50 homens negros empregados (WILSON, 2002). Sterling Lloyd (2007)
publicou um artigo mostrando que há uma disparidade enorme entre o
desempenho escolar dos meninos negros e o das meninas negras: apenas 47%
dos meninos negros terminam o colegial, enquanto que 69% das meninas negras
o fazem (CARBONE; CAHN, 2014, p. 56). Os números para o ensino superior
são ainda piores, sendo a quantidade de mulheres negras com faculdade
completa quase o dobro da de homens negros.
Outro fator essencial para a compreensão desse cenário é a questão do
chamado encarceramento em massa de homens negros: em média, um em cada
nove negros americanos entre 20 e 34 anos estão atrás das grades (LITPAK,
2008); e, em média, um em cada quatro homens negros é preso em algum
momento de sua vida (THE PEW CENTER ON THE STATES, 2008). Isso
contribui significativamente para uma redução no número de homens fisicamente
disponíveis, mas também afeta o nível geral de potencial matrimonia dos
solteirões do gueto.
Harkanett e McLanahan (2004) conduziram uma pesquisa para
determinar o grau de influência da disponibilidade de parceiros alternativos nos
padrões de comportamento das pessoas casadas, e descobriram que ele pode
ser consideravelmente alto em decisões importantes, como a de casar ou não
depois de um nascimento não planejado. Ela incide sobre a dinâmica de
negociação e barganha interna do casal. Edin e Kefalas (2005), em outro estudo
que vai nessa mesma direção, entrevistaram mulheres nas partes mais pobres
da cidade sobre seus relacionamentos; quando questionadas, 40% delas
afirmaram que seu último relacionamento terminou devido à “infidelidade
70

flagrante” e descarada por parte do homem (EDIN; KEFALAS, 2005, p. 81). O


mesmo estudo de Harkanett e McLanahan (2004) confirma que quanto mais
“demograficamente favorável” for o mercado matrimonial para um determinado
grupo de mulheres, menor é o índice de violência doméstica sofrido pelas
mulheres desse grupo (avaliando, no entanto, não com os dados da polícia ou
do governo, mas com entrevistas pessoais conduzidas durante os estudos). No
entanto, como visto no capítulo anterior, um mercado matrimonial favorável
demais costuma ter o efeito contrário.
Comparando esses diferentes dados, percebe-se que o problema se
autoalimenta nas camadas mais desfavorecidas, especialmente nos guetos:
quanto piores são as condições econômicas dos homens pobres, piores ficam
os índices matrimoniais da população pobre, o que piora suas chances de
melhorar sua condição econômica e a de seus filhos. Linhagens inteiras,
comunidades inteiras, ficam estatisticamente amaldiçoadas ao mesmo destino.
A desigualdade social aumenta, os índices de encarceramento, de
comportamentos arriscados que conferem status, como tráfico de drogas e
violência, e de infidelidade (WILKINSON; PICKETT, 2011, p. 133-134) etc.,
também sobem, e essas consequências são por si mesmas causa de uma
intensificação dos problemas econômicos responsáveis por produzi-las: o
desemprego, a marginalização econômica em geral.
No que diz respeito às crianças, enfim, o mesmo acontece: um estudo
publicado em 2013 demonstrou que o desempenho cognitivo das crianças
apresenta diferenças socioeconômicas desde os dezoito meses de idade; e que,
aos dois anos, a diferença do desenvolvimento cognitivo dos bebês de
diferentes classes sociais chega a ser de seis meses, tanto em vocabulário
quanto na habilidade de processá-lo (FERNALD; MARCHMAN; WEISLEDER,
2013). Essas capacidades são fortemente associáveis ao desempenho adulto
dessas crianças (FERNALD, MARCHMAN, WEISLEDER, 2013, p. 244). Pais e
mães ricos podem contratar profissionais, como babás, tutores e treinadores
para estimular essas habilidades se não puderem ficar muito em casa, e por isso
o desempenho dessas crianças não é negativamente afetado pela ausência da
mãe e do pai, da mesma forma que o das crianças pobres.
Um dado interessante levantado por Stevenson e Wolfers (2007) mostra
que nos Estados em que o divórcio é mais fácil, o índice de mulheres casadas
71

que permanece na força de trabalho é maior; e a chance de um esposo financiar


a educação do outro diminui. Isso não é um problema para esposos de boa
origem, com condições de pagar sua própria educação ou de pedir que seus
familiares a financiem; mas para os mais pobres, é algo que fragmenta ainda
mais os membros do casal em unidades distintas, forçadas à independência
total.
O estabelecimento do divórcio unilateral facilitado, ao lado da
descriminalização do adultério e das mudanças econômicas já mencionadas,
termina a desintegração da rede de proteção construída para viabilizar o modelo
de casamento em que apenas o marido trabalha e a mulher é permanentemente
dona de casa. A esposa perde toda a proteção, não pode mais se entregar ao
marido e é forçada a se tornar uma “empreendedora de si mesma” como ele:
precisa investir na própria carreira profissional desde cedo e não pode mais se
dar ao luxo de deixar que seus sentimentos maternos, amorosos,e muito menos
os altruístas, a atrapalhem.
O ponto é que se todas as alternativas ao amor líquido, ao amor livre, vão
se tornando menos compatíveis com a vida de uma população, no sentido de
que se tornam cada vez mais perigosas, custosas, difíceis etc., a liberdade de
escolha entre uma vida mais conservadora e o amor líquido não vale nada nos
guetos.
72

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As hipóteses que as informações apresentadas na dissertação mais


parecem favorecer são:
1. A “crise matrimonial” faz parte de uma tendência geral de modernização
cultural que acompanha o desenvolvimento econômico e tecnológico do
ocidente. A mudança das condições de vida na passagem do feudalismo para a
modernidade (êxodo rural, avanços tecnológicos etc.) impulsiona o processo
gradual de liberalização dos costumes, opiniões e modos de vida, que
aparentemente afetou primeiro o proletariado – no que diz respeito às questões
familiares e matrimoniais, e só depois de um tempo foi afetar, de forma menos
drástica, o resto da população. Essas mudanças são graduais, com picos de
intensidade atrelados a grandes inovações tecnológicas, e parecem explicar o
desenvolvimento contemporâneo da revolução sexual melhor do que as teorias
alternativas. Essa perspectiva vê na crise matrimonial de hoje, principalmente, o
reflexo do desaparecimento dos trabalhos do tipo blue-collar, fenômeno que
precisa ser estudado à parte por estar relacionado à geopolítica.
2. A forma como o Estado interfere teve em geral o efeito de intensificar e
multiplicar as desigualdades. Ele o faz apesar de as consequências previsíveis
já serem bem conhecidas e estarem bem estabelecidas empiricamente. O
Estado, portanto, não é causa, mas catalizador do problema; seja por negligência
(desconsiderando fatores de importância singular, como a razão sexual
operacional) ou por interferência deliberada na direção dos interesses do
mercado, que tendem a produzir desigualdades relevantes.
73

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87

APÊNDICE A
NOVOS VALORES TÊM PERNAS CURTAS

I.
O Esclarecimento (Aufklarung) de Kant é “a saída do homem de sua
menoridade... A menoridade é a incapacidade de se servir de seu entendimento
sem a direção de outrem” (KANT, 1985). Essa “direção de outrem” representa a
tradição, as opiniões de autoridade etc., e o amadurecimento é o uso racional do
entendimento. Mas Adorno e Horkheimer (2006) enxergam no esclarecimento
uma força muito mais antiga que o Iluminismo de Kant. Ele é o processo pelo
qual o homem vai da interpretação mitológica e supersticiosa do mundo à
compreensão racional e desencantada dele. Ele é “a forma que lida melhor com
os fatos e mais eficazmente apoia o sujeito na dominação da natureza”
(ADORNO; HORKHEIMER, 2006). Mas essa função já era desempenhada pela
mitologia, e é precisamente dela que nasce o esclarecimento. O gérmen de toda
ciência, a alma da tábua das categorias, é a autoconservação do sujeito
esclarecido, a mesma força por trás da mitologia.
O esclarecimento promove a autoconservação do sujeito por meio do
desmascaramento sucessivo de todas as suas ilusões, superstições e tradições;
tudo o que já estava pré-estabelecido nas mentes dos homens, ele chama de
preconceitos e vê como entraves a sua independência, empecilhos ao aumento
de seu poder. Assim, ele vai destruindo uma a uma toda a superstição que a
tradição consolidou e revelando toda a verdade que ela suprimiu, tendo em vista
a dominação da natureza (a sua natureza e a natureza externa, os maiores
inimigos do homem primitivo).
Mas o esclarecimento só pôde existir graças ao que havia antes dele: o
mito, a superstição etc.; e no processo de desmascarar e compreender tudo
racionalmente, ele acaba derrubando até suas próprias condições de existência
– já que pouco sobrevive à força destruidora da razão. O esclarecimento começa
a amedrontar os próprios esclarecedores: “As doutrinas morais do
esclarecimento dão testemunho da tentativa desesperada de colocar no lugar da
religião enfraquecida um motivo intelectual para perseverar na sociedade
quando o interesse falha” (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 12).
88

Para Adorno e Horkheimer (2006), Nietzsche e o Marquês de Sade


encarnam o esclarecimento em seu auge e representam justamente o que
temem os esclarecedores. A partir da morte de Deus (a mais ilustre vítima do
esclarecimento), não se pôde mais negar a afinidade entre a razão e o crime.
Não há mais motivo de princípio contra o assassinato que não seja revelado
como uma ilusão ingênua ou uma mentira para ludibriar os tolos. Sade
desmascara tudo até chegar ao tabu do incesto, o marco zero: denuncia seus
adeptos como “menores” incapazes de dirigir seu entendimento sem apelar para
dogmas irracionais. Nietzsche faz isso ao condenar a compaixão, que se revela
à inspeção desencantada, não só como uma ilusão, mas como uma abominação:
“Os fracos e os malformados devem perecer: primeira proposição de nossa
filantropia” (NIETZSCHE apud ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 213). É aí
que leva o esclarecimento para quem realmente se deixa levar por ele.
É preciso entender também o que acontece ao longo do processo
esclarecedor com a própria razão. Quando surge o logos, ele inclui não só a
razão subjetiva – uma faculdade mental de uma pessoa particular, que é como
nós geralmente a entendemos hoje. Ele dizia respeito principalmente a uma
Razão externa a nós e inerente ao Universo. O platonismo, por exemplo,
transformou a teoria dos números de Pitágoras, segundo Horkheimer, que tem
origem na mitologia astral, em uma teoria das ideias que buscava uma
“objetividade absoluta”, além da nossa faculdade subjetiva de pensar
(HORKHEIMER, 2006, l. 5), ainda que por meio dela. Aí já se observa o mito
virando esclarecimento. Mas a morte das ilusões metafísicas enterra com ela
toda a objetividade absoluta. Horkheimer diz que quando a ideia da razão foi
concebida, ela era encarada como um instrumento para compreender e
determinar os fins do homem, não apenas os meios. Mas hoje já não se pode
mais dizer que um objetivo final é mais razoável que o outro em si mesmo (sem
referência a pessoas ou instituições).
A razão deixa de fazer juízos de valor; ela vai sendo purgada de todas as
impurezas até se tornar um instrumento puro de cálculo e deliberação com uma
única função: coordenar meios para obter um determinado fim. Ela se torna uma
ferramenta inerte, um meio puro à mercê de qualquer fim. E como toda
deliberação sobre os fins últimos foi desmascarada junto com a metafísica como
uma miragem, quem acaba em posse do instrumento-razão é justamente o vilão
89

inicial de toda essa história: as paixões (pathos), cuja influência tirânica e nociva
à autoconservação dos organismos era tão grande que o surgimento e a
consolidação das civilizações parecem ter dependido completamente de
mentiras para controlá-las a qualquer custo.
As paixões tomam as rédeas da carruagem da razão depois que a
tradição cai do assento de condutor: é assim que o “tudo é permitido”, de Ivan
Karamazov, na história de Dostoievski, vai se tornando o “Faze o que tu queres
há de ser o todo da Lei”, do Thelema, de Aleister Crowley. A liberdade à liberdade
se transforma em obrigação à liberdade, e se vê como no processo de
dominação da natureza em que o homem faz de si mesmo seu instrumento.

II.
A emancipação do indivíduo, em especial o caso de sua emancipação
sexual, parece um bom caso para se tentar aplicar ao modelo de interpretação
da dialética do esclarecimento.
O movimento de desmistificação e racionalização das relações entre os
sexos – que é uma espécie de esclarecimento sexual, por propor um fim às
ilusões da tradição e uma reordenação racional das relações entre homens e
mulheres, chegou a um ponto em que finalmente começa a corroer suas próprias
condições de existência (mitos, superstições, costumes irracionais etc.). Para se
autoconservar, o esclarecimento sexual vai se transformando num
contraesclarecimento sexual.
A mesma pressão seletiva que empurrava a sociedade na direção de uma
compreensão mais clara e racional do sexo começa a trazer de volta antigas
superstições, ou cria novas que cumpram a função de uma antiga. Ela faz isso
sob uma retórica modernizada, com novos conceitos e mecanismos, e também
implementa medidas que cumprem precisamente as funções contra as quais ela
se revoltava décadas atrás.
Se, ao invés de pensarmos nas definições das ideias – naquilo que
denotam –, focarmos nos efeitos que elas produzem, ou melhor, nos efeitos
produzidos pelo poder que veste a ideia naquele momento, essas especulações
não parecem mais tão absurdas.
Termos como má-conduta sexual e objetificação sexual, ou a extensão da
abrangência de conceitos como assédio e sexismo, desempenham funções
90

anteriormente cumpridas por categorias tradicionais pouco racionais, mais ou


menos incompatíveis com o modo de vida atual das cidades – e certamente fora
de moda, porque repousam sobre o antigo mito da diferença entre os sexos. Até
a maior parte das boas maneiras tradicionais em público parecia depender de
um certo excesso de condescendência que se tinha com as mulheres. Ao elevá-
las acima dessa condescendência, igualando-as ao homem no espaço público,
elas são cada vez mais incorporadas no jogo de grosserias e barbaridades que
os homens estão acostumados a dirigir uns aos outros. A comoção geral com o
tratamento que Bolsonaro dispensa a mulheres em plena luz do dia é um
exemplo perfeito disso: são as próprias mulheres progressistas que mais se
assustam com esse progresso, e que precisam conter o avanço do problema
dentro do novo esquema conceitual de forma que a acusação de não ser um
cavalheiro e tratar as mulheres como se fossem colegas do futebol seja
substituída pela de ser machista, misógino etc. O que se observa hoje é a
tentativa apressada do progressismo de conter as inconveniências que a
sociedade causava podendo utilizar a fragilidade e inocência da mulher como
desculpa para resolver isso com rapidez e eficiência. Essa é a ingenuidade do
secularismo, que ao desejar ser mais prático e objetivo destrói ilusões irracionais
que eram muito mais eficientes do que as alternativas científicas disponíveis no
momento.
Tudo o que repousava sobre as pequenas mentiras e grandes absurdos
criados para a manutenção de certo modelo de relações entre os sexos (e muito
sempre repousa sobre elas) vai desabando, e a sociedade (especialmente a
mulher) fica cada vez mais exposta ao que há de menos civilizado na
sexualidade do homem (coisa que a mitologia sexual anterior e sua caretice
sexista era capaz de suprimir naturalmente, organicamente, sem esforço algum).
Por isso, as funções que se mostrarem necessárias para a sobrevivência
da sociedade e da própria força de progresso (seus agentes reais ocupando
cargos de poder) e que tenham sido destruídas por dependerem das ilusões
desmascaradas, precisam agora ser cumpridas pelo progressismo de uma forma
ou de outra. O modo mais fácil de cumprir essas funções necessárias que
reemergem, o caminho de menor resistência nessa direção, é o simples re-
branding de convenções e ilusões já bem estabelecidas no imaginário da
população. As pessoas, ocupadas demais com suas atribuições diárias para se
91

importar com trivialidades filosóficas desse tipo, estão prontas para se readequar
a qualquer solução rápida e fácil que cumpra essas funções necessárias até para
sua vida cotidiana. E a partir daí, o progressismo procede tentando mudar
apenas o que as condições o forçam a modificar, enquanto garante que as
ilusões necessárias sobrevivam na forma de novas utopias que façam a mesma
coisa. Assim, o ingresso das mulheres em massa na força de trabalho provou-
se necessário, mas o resto pode ficar como está.
Nas palavras de Peter Sloterdijk, “todo conhecimento tem de escolher seu
lugar na estrutura de poderes hegemônicos e de contrapotências”
(SLOTERDIJK, 2012), e por isso esse esclarecimento vai se “entrincheirando em
suas posições firmemente esclarecidas” e se tornando um módulo do
stablishment para se autoconservar.

[...] com um salário líquido de dois mil marcos por mês, começa
silencioso o Contra-Esclarecimento; ele aposta que cada um que tenha
algo a perder arranje-se por conta própria com sua consciência infeliz
ou a encubra com “atividades engajadas” (SLOTERDIJK, 2012, p. 35-
36).

O que acontece com as ideias do esclarecimento sexual é o que sempre


sucedeu ao pensamento triunfante:

Se ele sai voluntariamente de seu elemento crítico como um mero


instrumento a serviço da ordem existente, ele tende, contra sua própria
vontade, a transformar aquilo que escolheu como positivo em algo
negativo, destrutivo (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 12).

Desse modo, o processo de efetivação dos princípios esclarecedores


torna o esclarecimento sexual cada vez mais formalmente semelhante ao que
veio substituir. A melhor ilustração de toda essa explicação é a maneira como os
europeus vêm tratando a questão das roupas das mulheres muçulmanas em
seus países. A força do progresso e da emancipação do indivíduo, que há
poucas décadas exigia para as mulheres a permissão de expor uma porção cada
vez maior de seu corpo, agora, montada no mecanismo de tutela da legitimidade
da conduta sexual humana que tomou dos puritanos, começa a instituir por toda
a Europa novas regras proibindo as mulheres de não expor seus rostos em
público e seus corpos nas praias (DEARDEN, 2016; OLTERMANN, 2018). Os
europeus hoje são tão modernos e tão emancipados que proibiram as mulheres
92

muçulmanas de voluntariamente simbolizar a submissão com seus véus e


burkinis.

O princípio antiautoritário acaba tendo que se converter em seu próprio


contrário...: ele elimina tudo aquilo que é intrinsecamente obrigatório, e
essa eliminação permite à dominação decretar e manipular
soberanamente as obrigações que lhe são adequadas em cada caso
(ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 80).

Tendo destruído os antigos imperativos que ditavam o modo de vida


correto para as mulheres, a emancipação feminina acabou se convertendo numa
nova fábrica de tabus e imperativos sobre o comportamento das mulheres.
Enquanto há algumas décadas diriam que fulana não se dá ao respeito,
por transar com quem quiser, hoje se pensa o mesmo sobre a mulher que se
submete à repressão de sua sexualidade nos moldes da tradição. A falta de
respeito à mulher submissa se revela na virulência dos ataques àqueles a quem
ela se submete (o chefe de família, satanás do progressismo). A mulher era
confinada à sua biologia, mas o progresso, ao libertá-la da biologia, tornou-a
inimiga cada vez mais mortal de seu próprio corpo. A necessidade da legalização
do aborto para as mulheres que priorizam a vida profissional ilustra bem esse
conflito inevitável entre a maternidade e a nova forma de vida, a mulher homo-
economicus, de forma que a essência do problema do passado (i.e, que a mulher
seja obrigada pelas circunstâncias a levar um certo modo de vida que beneficie
a sociedade – e que seja desprezada publicamente, dia após dia, caso não se
submeta a esse modo de vida) continua tão viva quanto antes. Ela só mudou de
aparência invertendo o sentido do vetor do interdito, mas ele continua parado na
mesma direção.
É assim que o “progresso converte-se em regressão”, e “os próprios bens
da fortuna convertem-se em elementos do infortúnio” (ADORNO;
HORKHEIMER, 2006, p. 14).
93

APÊNDICE B
CONCUBINATO ESTRATÉGICO NA INGLATERRA

Patricia Morgan, do Institute of Economic Affairs de Londres, publicou em


2007 uma ampla pesquisa sobre a influência das sucessivas interferências do
governo britânico, por meio de leis, incentivos fiscais etc., em questões que
afetam a forma como os casais e as famílias se organizam. Sua posição é a de
que as políticas públicas promovem a atomização dos membros familiares em
lares separados e desencorajam esquemas de cooperação mútua nessa esfera
de relações sociais.
Entre 1962 e 2007, a proporção de lares habitados por múltiplas pessoas
mais do que dobrou na Inglaterra. Segundo o Millenium Cohort Study, citado por
Morgan, os pais de uma criança têm cinco vezes mais chance de se separar nos
primeiros três anos de vida de seus filhos se estiverem apenas morando juntos
do que se estiverem casados (MORGAN, 2007, p. 12). Além disso, os pais e
mães solteiros dependem de benefícios do governo para, em média, até 66% de
sua renda total (MORGAN, 2007, p. 13).
A pesquisa demonstra como o sistema de impostos e benefícios inglês é
particularmente duro com os casais tradicionais pobres em que apenas um dos
membros do lar trabalha, influenciando as decisões matrimoniais dos ingleses
antes mesmo de casarem. Apenas quando o casal alcança uma renda de 50 mil
libras por ano ele deixa de perder dinheiro ao se declarar oficialmente casado
por causa das regras fiscais da nação. Isso não só desencoraja o casamento,
como encoraja a fraude. Sua sociedade progrediu tanto que os casais de lá
inverteram o passado e agora precisam fingir concubinato para manter as
aparências.
De qualquer forma, em 2004, a proporção de lares habitados por apenas
uma pessoa chegou a 30% do total de lares na Inglaterra. Mais de 25% das
crianças inglesas são, oficialmente ao menos, filhas de mãe solteira. No entanto,
o incentivo à fraude é tão grande que a precisão desse número deve ser
questionada; o total real deve ser menor do que esse. O problema é que a
formalização da relação em matrimônio não é irrelevante, como as inúmeras
pesquisas já citadas nos outros capítulos indicaram, apesar de parecer estranho
ao espírito racional de nossos tempos. Isso é verdade, especialmente para as
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crianças. É claro que o fato não evidencia uma relação causal, mas o trágico é
que a fraude do casal sobre o governo – fingir que não casou para enganar seu
sistema tributário – pode se tornar, nolens volens, uma fraude do governo
direcionada ao casal: ao não casar oficialmente, estão possivelmente se
condenando, estatisticamente, a mais intempéries do que se de fato
enfrentassem a lei e assumissem o seu compromisso.
Mas não é apenas para os amantes, esposos e seus respectivos filhos
que esses números fazem diferença: um número maior de lares menores,
quando comparado a um número menor de lares maiores, consome uma
quantidade de recursos per capita (energia, água, gás etc.) consideravelmente
menor. A fragmentação da população promove mais emissão de carbono, maior
consumo de combustível, elevação no número de carros por pessoa, maior
pressão no consumo de água, maior produção de lixo e outros problemas do
tipo. A tão temida superpopulação, segundo os estudos citados por Morgan (LIU
et al., apud MORGAN, 2007, p. 23), é menos relevante do que a forma de
distribuição dessa população para determinar a pressão ambiental que ela
exerce: um lar em que moram duas pessoas gasta 31% menos eletricidade e
35% menos gás por pessoa do que em lares individuais; lares formados por
quatro pessoas usam até 55% menos eletricidade e 61% menos gás.
Outra preocupação central para alguns é o altíssimo custo, em impostos,
que esse modo de vida causa para os governos: em 1970, um quarto das mães
solteiras havia recebido auxílio de renda por oito anos ou mais, mas, no fim do
século, o número de mães solteiras inglesas que recebiam Family credit ou
income support chegava a 73%; 57% delas receberam benefícios relacionados
à moradia e 62% receberam benefícios sobre seus impostos municipais. Os
números respectivos para casais formalizados por matrimônio e com filhos foram
11%, 8% e 11% (ONS, 2000). Os dados oficiais do Office for National Statistics
mostram que o gasto do governo relativo às crianças aumentou de 10 bilhões de
libras em 1975 para 22 bilhões em 2003 (ajustando os números para os preços
de 2003), sendo que o gasto por criança aumentou mais de duas vezes e meia.
O endividamento da administração pública, portanto, é outra consequência
dessas alterações.
Patricia Morgan também apresenta preocupação com a linguagem dos
documentos oficiais, que deixam de usar os termos referentes ao matrimônio
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como esposos, substituindo-os por palavras genéricas como parceiro, igualando-


os aos casais que apenas coabitam e até a colegas que morem juntos
temporariamente (como o que se chama no Brasil de república).
Além disso, pais e mães solteiros passaram a contar oficialmente, junto
com deficientes e idosos, como uma categoria protegida que pode pedir auxílio
de longo prazo do governo sem precisar trabalhar. A proporção de dependentes
desse tipo de auxílio, assim, chegou em 1989 a mais de dois terços dos pais e
mães solteiros. Desde 1976, afirma Morgan, esse sistema de assistência pública
deixou os pais e mães casados com menos auxílio do que um pai ou mãe solteiro
com o mesmo número de filhos, apesar de seus lares conterem uma pessoa a
mais que precisa ser sustentada. Nos anos 1990, 75% dos pais e mães solteiros,
e apenas 20% dos casados, eram alojados pelo setor público (GREEN et al.,
1999, apud MORGAN, 2007, p. 61).
Por essas razões, Morgan conclui que os casais efetivamente casados
foram sistematicamente discriminados nos sistemas públicos de benefícios e
impostos.
Por último, a degradação das relações matrimoniais chegou a tal ponto
que surgiram até grupos politicamente relevantes lutando pelos direitos dos pais,
ou mais especificamente, em geral, pelos direitos dos ex-maridos. Esses grupos
fizeram campanhas relacionadas aos altos índices de suicídios de homens
divorciados ou separados que eram forçados a financiar seus filhos com suas
ex-mulheres, num contexto em que todo o aparato público já lhes providenciava
independência, e o resultado foi o de que as cortes passaram a aceitar qualquer
desculpa para permitir que os ex-maridos não precisassem pagar pensão nos
casos em que a mulher leva consigo os filhos. Isso é semelhante à maneira como
as cortes foram sucessivamente aceitando qualquer desculpa para legitimar os
divórcios, quando ele só era permitido em casos excepcionais.
É assim que os ingleses, hoje, vivem numa ordem sexual de concubinato
estratégico. Não são simplesmente solteiros por escolherem serem livres, mas
solteiros por serem racionais e reagirem aos incentivos e desencorajamentos
promovidos pelo Estado nas últimas décadas.
A Inglaterra, assim como os países escandinavos, são importantes
subsídios para estudos de caso nessa área, para que a importância do
matrimônio para a sociedade não seja debatida apenas nos termos dos direitos
96

e das liberdades individuais, mas busque sempre pensar nas consequências


mais previsíveis de cada ação e intervenção externa e deliberada sobre as
relações humanas, já que seria impensável numa democracia liberal (se procede
a análise de seus melhores críticos, como C. Schmitt) pretender que essas ações
e intervenções sejam, algum dia, extintas; elas tendem a aumentar, e o melhor
que o esclarecimento pode fazer, como sempre, “é tornar, para os príncipes e
estadistas, todo seu procedimento uma mentira deliberada” (ADORNO;
HORKHEIMER, 2006, p. 48).

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