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Em cada etapa dessa série, pois, vai-se afastando cada vez mais da realidade
objetiva de como os fatos realmente se passaram. Daí a impossibilidade prática de uma
história humana que exprima uma ―verdade absolutamente verdadeira‖. Toda história é
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Uma história escrita por homens nunca exprimirá a verdade total. Atingir a
verdade absoluta, na escrita da História, pertence ao mundo das utopias. Mas, mesmo
tendo a humildade de reconhecer que jamais atingiremos a utopia da verdade absoluta,
devemos nos esforçar ao máximo para chegar o mais possível perto dessa meta utópica.
Devemos nos esforçar ao máximo para sermos objetivos, para não nos deixarmos
influenciar por preconceitos, reducionismos, subjetivismos, paralogismos, apriorismos,
teleologismos etc.
Preconceito
dificuldade para ―se colocar no papel do outro‖, para ver ―o outro lado‖ da questão. Sua
análise pode se ressentir desse pressuposto; ele julgará estar sendo isento e objetivo,
mas talvez não seja bem assim. ―Audiatur altera pars‖ (seja ouvido o outro lado), se diz
em Direito. Também em História o conselho é válido.
Reducionismo
para restabelecer uma diversidade a seu ver mais autêntica. Logo, entretanto,
o mundo orgânico estará formulando problemas mais delicados para seus
analistas. O biólogo pode efetivamente, por maior comodidade, estudar à
parte a respiração, a digestão, as funções motoras; não ignora que, acima
disso tudo, há o indivíduo do qual é preciso dar conta. Mas as dificuldades da
história são também de uma outra essência. Pois, em última instância, ela tem
como matéria precisamente consciências humanas. As relações estabelecidas
através destas, as contaminações, até mesmo as confusões da qual são terreno
constituem, a seus olhos, a própria realidade.
Ora, homo religiosus, homo oeconomicus, homo politicus, toda essa ladainha
de homens em us, cuja lista poderíamos estender à vontade, evitemos tomá-
los por outra coisa do que na verdade são: fantasmas cômodos, com a
condição de não se tornarem um estorvo. O único ser de carne e osso é o
homem, sem mais, que reúne ao mesmo tempo tudo isso. (BLOCH, Marc.
Apologia da História ou O Ofício do Historiador. Tradução de André Telles.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001, p. 131-132)
Subjetivismo
Tendência para ver, interpretar e julgar os fatos e as pessoas num ângulo
estritamente pessoal e menosprezando as realidades objetivas. O que importa não é a
realidade como todos a veem, mas a visão da realidade como o próprio sujeito a
concebe. O subjetivista ―torce‖ ou distorce os fatos reais segundo a sua ótica pessoal, ou
segundo a projeção de suas emoções, de seus sentimentos ou suas ideias.
intenção‖, que consiste em condenar alguém não por alguma coisa que realmente fez,
ou por algum ato externo que praticou e que pode ser objetivamente comprovado, mas
por uma intenção que se atribui a esse alguém. Como a intenção é algo não
comprovável, e uma condenação não pode ser feita a partir de algo provado, o
julgamento de intenção não tem nenhuma validade. Assim, não se pode dizer que
determinada pessoa é hipócrita porque faz muita caridade com a intenção de ser
admirada e louvada.
Muito cuidado deve tomar o historiador para não atribuir intenções aos
personagens históricos. Por exemplo, dizer que o Rei Clóvis se converteu e aceitou o
batismo porque queria o apoio político dos cristãos é, pelo menos, precipitado e leviano,
a menos que essa intenção do rei seja comprovada por algum documento de época.
Outra forma desse paralogismo é designado pela fórmula latina ―non causa pro
causa” (tomar como causa aquilo que não é causa). Isso acontece quando se toma
como causa alguma circunstância que de fato não é causa, ou quando se toma como
causa única ou causa principal de algum fato uma circunstância acidental que apenas o
influencia e, no máximo, pode ser considerada uma concausa de menor importância.
Tendência ao judicialismo
É claro que o historiador tem suas ideias, suas convicções, seus princípios éticos
e morais, e que é influenciado pelo senso comum e pela escala de valores própria do
tempo em que vive. Nada mais normal. O historiador pode, sem dúvida, formular
julgamentos sobre personagens históricos, mas antes de julgá-los deve procurar
entendê-los, como pessoas que compartilhavam ideias, critérios e modos de agir do
tempo em que viveram. O que ele não pode é deixar suas paixões influenciarem seus
julgamentos históricos. Mais uma vez, ouçamos o ensinamento de Marc Bloch:
Apriorismo
teóricos e ideológicos da moda, e a usar como fonte primária, não obras de literatura ou
artigos de jornal, foi o Prof. José Calasans Brandão da Silva (1915-2001), da
Universidade Federal da Bahia. Optando pela História Oral, ele preferiu realizar
pesquisa de campo direta; entrevistou nos arredores do local do conflito, na década de
1950, muitas dezenas de pessoas que haviam participado da luta ou tido contato direto
com combatentes. Alguns dos depoentes não haviam residido na Canudos de Antônio
Conselheiro, mas lá haviam estado numerosas vezes, de modo que conheciam o dia-a-
dia e o modus vivendi dos canudenses. Entre o fim da guerra e a iniciativa de Calazans,
dezenas de obras haviam sido publicadas sobre Canudos, com análises e interpretações
das mais variadas, e a nenhum autor havia ocorrido a ideia óbvia de entrevistar as
próprias testemunhas presenciais do conflito. Clichês e ideias formadas sobre Canudos
caem redondamente por terra a partir desses depoimentos.
Por exemplo, não é verdade que em todo o arraial houvesse comunidade de bens.
Sem dúvida, havia um bom número de canudenses que viviam em regime de pobreza
voluntária, à maneira das ordens religiosas, mas na sua grande maioria os moradores da
cidadela tinham bens particulares, de modo que coexistiam ricos, pobres e integrantes
de uma espécie de ―classe média‖. Havia casas de melhor nível ao lado de casebres,
havia livre-iniciativa, havia comerciantes que concorriam entre si, e até um
estabelecimento que, à maneira dos bancos, emprestava dinheiro a juros.
Outra ideia que caiu por terra foi a do domínio total que Antônio Conselheiro
teria exercido em Canudos. Os depoimentos mostram que o Conselheiro era respeitado
como fundador e benfeitor de Canudos, mas havia moradores que o criticavam, que não
gostavam dele e até falavam mal publicamente das suas rezas e pregações. A suposta
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VILLA, Marco Antonio. Calasans, um depoimento para a História. Salvador: Gráfica da UNEB, 1998.
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Teleologismo
Teleologia é palavra de origem grega que significa estudo dos fins, ou dos
objetivos finais. É muito usada em Filosofia. Na História, denomina-se teleologismo a
tendência errada de analisar os processos históricos com a partir do conhecimento de
suas conclusões, interpretando os personagens e os fatos do passado em função do que
aconteceu muito depois. Nessa interpretação defeituosa, muitas vezes se é levado a
supor, em personagens do passado, uma visão dos acontecimentos que eles realmente
não tinham nem podiam ter, por falta da perspectiva histórica que somente muito depois
se constituiu. Esse erro metodológico é muito frequente e passa quase sempre
despercebido... o que aumenta o risco de nele cairmos. Vejamos dois exemplos.
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Dica do professor:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1646938/mod_resource/content/1/Texto%201%20-
%20Apologia%20da%20Hist%C3%B3ria%20ou%20o%20Of%C3%ADcio%20do%20Historia
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