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José Antônio Gonsalves de Mello

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FONTES PARA AIDSTÓRIA


DO BRASIL HOLANDÊS

A ECONOMIA AÇUCAREIRA

I
O Anos

8
JOSÉ ANTÔNIO GONSALVES DE MELLO

FONTES PARA A IDSTÓRIA


DO BRASJL HOLANDÊS

A ECONOMIA AÇUCAREIRA
I
za edição

Ap{esent;ação
DORANY SAMPAIO

Or~nizaçãÇ> e Estudo Introdutório


Li.ONARDO DANTAS SILVA

GOVERNO DE PERNAMBUCO

COMPANHIA EDITORA DE PERNAMBUCO êEPE

RECIFE I 2004
Copyright© J. A. Gonsalves de Mello

Jarbas de Andrade Vasconcelos


Governador

José Mendonça Bezerra Filho


Vice-governador

Dorany de Sá Barreto Sampaio


Secretário Chefe da Assessoria Especial do Governador

CEPE - Companhia Editora de Pernambuco

Marcelo Maciel
Presidente

A/tino Cadena
Diretor de Gestão

Rui Loepert
Diretor Industrial

Samuel Mudo
Gerente da Gráfica e Editora

Equipe de Produção:
Elizabete Correia, Emmanuel Larré, Geraldo Sant'Ana,
jose/ma Firmino, josilene Corrêa, Ligia Regis, Lourdes Duarte,
Luiz Arrais, Norma Baracho, Roberto Bandeira e Zenival.
F683 Fontes para a história do Brasil holandês : a economia açucareira I [tex·
tos editados por] José Antônio Gonsalves de Mello ; organização e
estudo introdutório Leonardo Dantas Silva ; apresentação Dorany
Sampaio. - 2. ed.- Recife : CEPE, 2004.
v.l- (Série 350 anos. Restauração pernambucana ; 8)

Conteúdo: v .I Economia açucareira.

l. INDÚSTRIA AÇUCAREIRA - ASPECTOS SOCIAIS. 2. IN·


DÚSTRIA AÇUCAREIRA - ASPECTOS ECONÔMICOS. 3. BRA-
SIL- HISTÓRIA- DOMÍNIO HOLANDÊS, 1624- 1654. 4. BRASIL
- HISTÓRIA-DOMÍNIOHOLANDÊS, 1624-1654-FONTES. l.
Mello, José Antônio Gonsalves de. li. Silva, Leonardo Dantas. lll. Sam-
paio, Dorany. IV. Título. V. Série: 350 anos. Restauraçl!o pemambuca-
na.
CDU 664.1
CDD 664.122
PeR-BPE
ISBN 85-86206-14-8
Na edição deste livro, utilizamos o exemplar do acervo da Biblioteca Pública do
Estado de Pernambuco
Apresentação

Pernambuco, pelo seu Governo estadual, ao lado de diferentes


instituições públicas e privadas, realiza, neste ano de 2004, uma vasta
programação comemorativa do 35012 Aniversário da Restauração
Pernambucana .

Esse capítulo da história colonial brasileira assinala, na visão


dos estudiosos, lutas e fatos da maior significação na construção da
identidade nacional e na formação de instituições fundamentais, como
o próprio Exército Brasileiro.

Incluímos, dentre os atos comemorativos, a reedição de um


conjunto de obras não mais disponíveis no mercado editorial, para
proporcionar, principalmente a nossa juventude, condições de acesso
a um conhecimento mais profundo de nosso passado histórico.

Este material valioso há de contribuir para fortalecer os justos


sentimentos de ufania, da nossa pernambucanidade e da consciên-
cia regional, como elementos constituintes de nosso patriotismo. Pois
nessas páginas vamos encontrar alguns personagens que cultuamos
entre os primeiros heróis da nacionalidade - André Vidal de Negrei-
ros, Filipe Camarão, Henrique Dias, João Fernandes Vieira, general
Barreto de Menezes, e tantos outros - que escreveram páginas glorio-
sas, no esforço para expulsar o invasor batavo. Objetivo atingido,
após anos de sacrifícios e derramamento de sangue da raça brasilei-
ra em formação . É com grande satisfação que apresentamos este
programa editorial comemorativo, composto das seguintes obras:

v
1 - WATJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil-
Um Capítulo da história colonial do século XVII. Tradução de
Pedro Celso Uchoa Cavalcanti.
2- CALADO, Frei Manoel. O Valeroso Lucideno e triunfo da li-
berdade. (2 volumes)
3 - BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil. Tradução de
Olivério Mário.
4 - RICHSHOFFER, Ambrósio. Diário de um Soldado da Compa-
nhia da Índias Ocidentais. 1629-1632. Tradução de Alfredo de
Carvalho.
5 - SANTIAGO, Diogo Lopes. História da Guerra de Pernambuco.
Edição integral segundo apógrafo da Biblioteca Municipal do
Porto. Inclui índice onomástico.
6 - MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para História do
Brasil Holandês- Economia Açucareira e Administração da
Conquista. (2 volumes)

A seleção das obras é uma contribuição do historiador Leonar-


do Dantas Silva, um dos maiores especialistas nos estudos do Br6lSil
Holandês.

A responsabilidade pela editoração dos livros coube a Compa-


nhia Editora de Pernambuco que com esforço, dedicação e responsa-
bilidade social, assumiu todos os encargos do projeto inserindo seus
custos no seu programa de apoio editorial a cultura pernambucana.

Dorany Sampaio
Secretário Chefe da
·Assessoria Especial do Governador

VI
COMISSÃO ORGANIZADORA DOS FESTEJOS DO 350º
ANIVERSÁRIO DA RESTAURAÇÃO PERNAMBUCANA

Dorany Sampaio
Presidente

Mozart Neves Ramos


Secretário de Educação e Cultura

Bruno de Morais Lisboa


Presidente da Fundarpe

Fernando Soares Lyra


Presidente da Fundação Joaquim Nabuco

José Luiz Mata Menezes


Presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico Pernambucano

Valdênio Porto
Presidente da Academia Pernambucana de Letras

Liberato Costa Júnior


Vereador do Recife

Carlos José Garcia da Silva


Secretário da Comissão

João Roberto do Nascimento


Secretário de Cultura do Recife

Antônio da Costa Martins


Presidente do Gabinete Português de Leitura

Cláudio Skoba Rosty


Cel. Inf. QEMA

Leonardo Dantas Silva


Historiador

VII
Preâmbulo

Quando o engenheiro da Diretoria Regional do Instituto do


Patrimônio Histórico Nacional, Ayrton de Almeida Catvalho, solicitou
ao historiador José Antônio Gonsalves de Mello uma seleção de estudos
históricos a ser publicada sob o patrocínio do Parque Histórico Nacional
dos Guararapes, logo se pensou na série Fontes para a História do
Brasil Holandês.
O primeiro volume surgiu em 1981, com o título A Economia
Açucareira, no qual o próprio José Antônio Gonsalves de Mello
anunciava os temas que se seguiriam: "da Administração das Capitanias
Conquistadas; da religião Reformada e suas relações com a Igreja e a
população Católica, com os Judeus e a religião judaica e com as
populações indígena e africana; da história militar; da etnografia tupi
e tapuia e de outros temas mais".

As fontes históricas, cuja divulgação se inicia agora,


estão em parte publicadas em revistas e em livros raros
e de difícil acesso; em parte permanecem inéditas em
arquivos europeus, umas e outras fora do alcance dos
leitores a que principalmente se destina esta série.

Chamava ele a atenção do leitor para a importância da série


que então se iniciava, consubstanciada por dois livros de agradável
leitura e cheios de surpresas, como se depreende das notas e
comentários que antecedem a cada documento.
Dada a importância dos dois volumes das Fontes para a História
do Brasil Holandês- Economia Açucareira (v. 1) e Administração
da Conquista (v. 2), os fizemos incluir nesta série comemorativa aos
350 Anos da Restauração Pernambucana, editada pelo Governo do
Estado por sua Companhia Editora de Pernambuco - CEPE.
Esta publicação, porém, só foi possível graças ao apoio sempre
presente de Ulysses Pernambucano de Mello, neto, Diva Maria

IX
Gonsalves de Mello e Maria Dulce Gonsalves de Mello, filhos do
professor José Antônio Gonsalves de Mello, para os quais reservo os
meus agradecimentos pela continuidade da divulgação da obra de
tão importante figura de nossa historiografia contemporânea.

Recife,
Nossa Senhora do Rosário da Torre,
·19 de agosto de 2004.

Leonardo Dantas Silva

X
Estudo introdutório

O Açúcar,

no Brasil Holandês

Leonardo Dantas Silva


do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

Foi a produção açucareira de Pernambuco, cujos 149 engenhos


moentes vieram a atingir, em 1641, a elevada produção de 447.562
arrobas a base de sustentação de todo o sistema econômico no Brasil
Holandês.
Tal riqueza destacava, na sociedade de então, o senhor-de-
engenho como o seu elemento mais importante: "o elemento burguês ·
que se aglomerava no Recife e Maurícia vivia do comércio do açúcar
ou dele dependia para sua subsistência, direta ou indiretamente",
como bem demonstra José Antônio-Gonsalves de Mello.
Já em 1609, em carta dirigida ao rei de Espanha por Diogo de
Menezes, se ressaltava:

As verdadeiras minas do Brasil são o açúcar e o pau-


brasil, de que Vossa Majestade tem tanto proveito, sem
lhe custar de sua fazenda um só vintém.

XI
O Engenho

. Era o engenho de açúcar, na descrição do oficial inglês Cuthbert


Pudsey, que entre 1629 e 1640 serviu como mercenário da Companhia
das Índias Ocidentais no Brasil, uma comunidade autônoma na qual
se encontrava o necessário à vida com pouca dependência do mundo
exterior:

Ali havia fundidores para preparar tachas, pedreiros


para construir fornalhas, carpinas para fazer caixas,
enquanto outros se ocupavam de levantar capelas, pois
cada engenho tem a sua, e ainda padre, barbeiro,
ferreiro, sapateiro, carpinteiro, oleiro, alfaiate e outros
artífices necessários.

O engenho tornara-se uma especte de povoação rural, a


exemplo da usina de açúcar dos dias atuais, que congregava não
somente escravos, mas artesãos dos mais diversos misteres, lavradores
de canas vizinhos, moradores livres, agregados da casa-grande, padres
e familiares do senhor-de-engenho, que vieram a tornar-se, no dizer
de Stuart Schwartz, "espelhos e metáfora da sociedade brasileira".
Em 1711, na observação de AntoniP prestavam serviços
naqueles centros produtores de açúcar, "além dos escravos de enxada
e foice que têm nas fazendas e na moenda, e fora os mulatos e
mulatas, negros e negras de casa ou ocupados em outras partes,
barqueiros, canoeiros, calafates, carapinhas, carreiras, oleiros,
vaqueiros, pastores e pescadores. Tem mais cada senhor destes
necessariamente um mestre-de-açúcar, um banqueiro e um contra-
banqueiro, um purgador, um caixeiro no engenho e outro na cidade,
feitores nos partidos e roças, um feitor mor de engenho, para espiritual
um sacerdote seu capelão, e cada qual destes oficiais tem soldada
[prêmio, recompensa]". 2
Cada engenho possuía, em média, de 150 a 200 escravos.

1 - Pseudônimo do jesuíta João Antônio Andreoni, nascido na Itália (Luca) em 1650,


iniciado na Companhia de Jesus em 20 de maio de 1667, logo depois é transferido
para o Brasil, onde vem a ser reitor do Colégio da Bahia e Provincial do Brasil.
Faleceu em Salvador, em 13 de março de 1716, com a idade de 67 anos.
2 - ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas.
Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, 2001. p. 70-71.

XII
Escravidão: o açúcar amargo

Observa a mesma fonte serem os escravos reconhecidos pelo


nome de suas tribos ou dos portos de origem na costa da África:

Ardas, Minas, Gongos, de São Tomé, de Angola, de Cabo


Verde, e alguns de Moçambtque, que vêm nas naus da
Índia. Os Ardas e os Minas são robustos. Os de Cabo
Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de Angola,
criados em Luanda, são mais capazes de aprender
ofícios mecânicos que os das outras partes já
nomeadas. Entre os Gongos há também alguns
bastantemente industriosos e bons, não somente para
o serviço da cana, mas para as oficinas e para o meneio
da casa. Os mulatos são "soberbos e viciosos", metidos
a valentes. Levam no Brasil sotte melhor que os negros,
a patte de sangue branco atenua a ira dos senhores,
talvez até seus filhos.

Daí se dizer na época que era o Brasil o "Inferno dos negros,


Purgatório dos brancos, e Paraíso dos mulatos e mulataS'.

A escravatura tem suas origens com a própria humanidade:


desde os tempos bíblicos, descritos no livro do Gênesis, os vencidos
eram tomados à condição de escravos, em troca de suas vidas. A
escravidão era dessa forma, vista como um gesto "humanitário",
chegando a fazer parte de todos os grandes códigos da Antigüidade,
como o de Hamurabi, com especial enfoque no Direito Romano e
nas Ordenações do Reino, que serviram de norma escrita ao mundo
português até o século XIX.
No mundo português ela surge a partir de 1441, depois que
Antão Gonçalves e Nunes Tristão capturaram os azenegues do Rio
do Ouro, a serviço do Infante D. Henrique de Portugal. A partir
de então, as expedições portuguesas e espanholas transformaram-
se em verdadeiras empresas, com objetivo de incrementar o
comércio escravo, fixando na Costa da África várias feitorias, espe-
cialmente na região do Cabo Branco, estabelecendo-se poste-
riormente na ilha de Arguim (1448) e no Senegal (1460), com a
finalidade de adquirir prisioneiros de tribos africanas, para
transformá-los em escravos.

XIII
Na estimativa de Vitorino Magalhães Godinho3 , citado por
José Ramos Tinhorão, foram importados como escravos berberes,
árabes e negros africanos, entre 1448 e 1505, de 136.000 a 151.000
indivíduos. 4
Em Portugal, foram os escravos, inicialmente, destinados aos
serviços domésticos e logo em seguida passaram a ser usados na
florescente lavoura da cana-de-açúcar nas ilhas da Madeira, Açores e
Cabo Verde.
Na América, a escravidão foi introduzida pelos espanhóis com
os descobrimentos, havendo indícios de que nas naus comandadas
por Cristóvão Colombo, em 1492, já houvesse escravo; 5 com
regularidade, porém, a importação de negros só foi introduzida pelos
espanhóis, a partir de 1501, em São Domingos. No Brasil, se comprova
a existência de escravos a partir de 1531, na Capitania de São Vicente.
Em Pernambuco, em carta escrita em 1539, dirigida ao rei D.
João III, o donatário Duarte Coelho Pereira solicita autorização para
a importação direta da costa da Guiné de 24 negros, a cada ano,
quantidade que seria aumentada por D. Catarina, em 1559, para
120, mediante o pagamento de uma taxa reduzida, nada impedindo
que outros negros aqui chegassem por outros caminhos. No
testemunho dos jesuítas Antônio Pires (carta de 4 de junho de 1552)
e José Anchieta (1548), era comum a existência de escravos negros
e índios em Pernambuco; a escravidão dos índios durou até o século
XVII, quando foi extinta pela Bula do Papa Urbano VIII, de 22 de ·
abril de 1639.
Toda a economia açucareira veio a ser sustentada por braços
cativos, introduzidos pelo colonizador com o beneplácito dos Reis de
Castela e da Igreja Católica. Os escravos eram todos vistos como
mouros e, como tais, "infiéis", para os quais o Papa Eugênio IV
autorizou o "direito" de cativar. Justificava a Igreja de então, através
de seus teólogos, que sobre os africanos de todas as raças recaía o
preceito bíblico que, descendendo de Cã, estariam condenados à
escravidão; como acentua o padre Manuel da Nóbrega: Nasceram
com este destino "que lhes veio por maldição de seus avós, porque
estes cremos serem descendentes de Cã, filho de Noé, que descobriu

3- GODINHO, Vitorino de Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial, v.


· IV. Lisboa, 1981-83.
4 - TINHORÃO, José Ramos. Os negros em Portugal - Uma presença silenciosa.
Lisboa: Ed. Caminho, 1988. p. 79-80.
5 - Cristóbal Colón: Los cuatro viajes. Testamento. Madri: Ed. de Consuelo Vareta,
Alianza Editorial, 1986. p. 12.

XIV
as vergonhas de seu pai bêbado, e em maldição e por isso ficaram
nus e têm outras mais misérias". 6
Em 1570, calculava-se que viviam no Brasil entre 2000 e 3000
negros trabalhando na lavoura da cana-de-açúcar. O número de
escravos cresceu assustadoramente, quando, segundo alguns autores,
se constata no final do século XVI a importação de 30.000 negros da
Guiné para servirem nas lavouras da Bahia e de Pernambuco. No
apogeu da produção do açúcar, no século XVII, foram importados
cerca de 500.000 negros, em sua maior parte, antes de 1640.
A escravidão do negro, na observação de Pedro Calmon, era
só questão de começo:

Tudo era começar. Engenh~ e tráfico. Canaviaís efabrico.


Casas-grandes e escravidão. A partir desSa época [séc. XVI},
muit~ amadores se especializaram no negócio, as águas
da Guiné e Angola se encheram de barc~ tumbeiros e o
Brasil teve ~escravos que quís. Inundação deles. Grossa
e ininterrupta imigração de pau e corda. Milhares ao
ano, e em número crescente. Negros adult~ e crianças;
mulheres, para produzir, e homens invalídad~ cedo pelas
atrozes moléstias do seu e do nosso clima. A nódoa que
se alastrava. Honur da navegação negreira. Crime orga-
nizado, pela forma da pilhagem. Desumanidade inau-
dita, pela torpeza da viagem. Deslocamento metódico de
populações. A passagem, para a América, das sobras da
Ajrica apanhadas um tanto ao acaso, desde o Senegal
até Moçambique, para o lucro do vendedor, príncipe da
c~ta, empresa de portugueses, ou as próprias famflias
d~ escravos, para a fortuna do traficante, que espanto-
samente ganhava, para a lavra e a conquísta do Brasil. 7

Era tanta a importância do trabalho escravo que o padre


Antônio Vieira, em carta dirigida ao Marquês de Niza, datada de 12
de agosto de 1648, chega a afirmar:

Sem negros não há Pernambuco!

6 - NÓBREGA, Manuel da. Diário sobrr? a conversão do gentio; ed. do padre Serafim
Leite. Lisboa 1954.
7- CALMON, Pedro. História do Brastl. Rio, 1979. v. 11. p. 346.

XV
No Brasil Holandês

Já nos fins do século XVI não somente as Américas, mas toda


a Europa se entregara ao comércio de escravos da Costa da África.
Nenhuma grande nação européia está isenta da mancha da escravidão,
no dizer de Augustin Cochin8 , estendendo-se esta situação até os fins
do século XVIII, às vésperas da Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão (1793).
Em suas colônias, na América, na África e no Oriente, a
Holanda manteve o regime da escravidão negra até a segunda metade
do século XIX.
Os holandeses, a exemplo dos franceses e ingleses, já em
1612, eram grandes comerciantes de escravos, com feitorias instaladas
na Guiné e em Mouree, onde levantaram o forte Nassau, tomado
pelos ingleses em 1872. Os pastores da Igreja Reformada, a exemplo
da Igreja Católica Romana, nunca tomaram qualquer posição contrária
à escravidão dos de raça negra e, em que pesem as sucessivas
recomendações do conselho eclesiástico, nunca se importaram com a
instrução dos escravos nos ensinamentos da religião cristã.

Em 1638 não se punha mais resistência à escravidão


de negros; o Conselho Eclesiástico ao pretender educar
os escravos na religião reformada achou dispensável
'cogitar-se atualmente se é lícito a um cristão comprar
e vender negros para escravizá-los'. E no mesmo ano
já se diz: 'sem escravo não é possível fazer alguma
coisa no Brasil... e por nenhum modo podem ser
dispensados: se alguém sentir-se nisto agravado, será
um escrnpulo inútil .9

No Brasil Holandês a economia açucareira continuou tendo


por força motriz o braço escravo, fazendo-se necessário à importação
anual cerca de 4.000 negros dos diversos portos da África.
Sob o governo do Conde João Maurício de Nassau-Siegen
(1604-1679), a Companhia das Índias Ocidentais veio a intensificar o

8- COCHIN, Augustin. L'Abo/ition de l'esclavage. Paris, 1851, v. 11 p . 281.


9 - MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos- Influência da
ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 31 ed. Recife: Ed.
Massangana, 1987. p. 183.

XVI
comércio negreiro, conquistando as fortalezas de São Jorge da Mina
(1637) e São Paulo de Luanda (1641), em Angola, onde adquiriam os
seus escravos na maioria das vezes em troca de gêneros e utensílios
diversos.
Entre 1630 e 1654, a importação de negros da costa da África
passou a ser monopólio exercido pela Companhia das Índias
Ocidentais.
Segundo Hermann Watjen, in O Domínio Colonial Holandês
(1938) 10 , citado por José Antônio Gonsalves de Mello, os negros
eram comprados na Guiné por quantias que variavam entre 12 e 75
florins e em Angola entre 38 e 55 florins, sendo vendidos no Brasil
por 200 a 300 florins por peça - alguns por vezes alcançavam o
dobro desses preços -; acrescentando ainda, o autor de Tempo dos
Flamengos, uma informação deveras curiosa:

Os negros eram adquiridos, também, por meio de 'certo


buziozinho' que tinha valor de dinheiro em Angola,
onde eram chamados de 'sumba' (talvez o que os
negros de Pernambuco chamam de 'ofás'): carta do
Conselho dos XIX ao Conde e Supremo Conselho,
datada de Amsterdam, 4 de abril de 1640Y

Para Watjen, as precárias condições de higiene, espaço (navios


com o triplo de sua capacidade de lotação), de alimentação (faltavam
a água e a comida necessárias às longas travessias), transformavam
os barcos usados no tráfico "em verdadeiros túmulos de pobres negros",
citando carta datada de 12 de junho de 1643, escrita no Recife e
endereçada ao Conselho dos XIX da Companhia das Índias Ocidentais,
. em Amsterdã, em que dos 554 negros embarcados no de Regenboge,
faleceram 172 e dos 350 embarcados no Bruynyis, 109 faleceram.
A mortalidade dos negros trazidos como escravos da África
pelos holandeses chegou a preocupar o próprio João Maurício de
Nassau que assim assinala no seu Relatório aos Estados Gerais (1644):

Vejo pelos registros, que embarcaram para o Brasil


6.468 escravos, no período de 7 de fevereiro de 1642 a

10 - WÃTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil- Um capítulo da


história colonial do século XVII Tradução de Pedro Celso Uchoa Cavalcanti.
São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1938. 560 p.
11 - Op. cit. p. 183, nota 27.

XVII
23 de julho de 1643, dos quais 1.524 faleceram;
aproximadamente uma quarta parte dos embarcados.
Resultado das más acomodações e da falta que se deve
considerar indíspensdvel. 13

Ainda Hennann Watjen é a informação de que o número de


negros importados entre 1636 e 1645, pela Companhia das fndias
Ocidentais foi da ordem de 23.163 indivíduos.
I

Os fatos provocaram Roberto C. Simonsen que, com base nas


estatísticas faz as seguintes considerações:

A produção total do açúcar no século XVII estd


computada em 180 milhões de arrobas. Admitindo-se
uma produção média de 50 arrobas por escravo, o que
não é muito para terras novas, e um desgaste ,tal que
limite a sete anos a vida efetiva do escravo, concluiremos
que o século XVII absorveu, na produção açucareira,
520 mil escravos. Desses teriam sido importados do
continente africano no máximo 350 mil. Durante a
ocupação, os holandeses, em dez anos, importaram cerca
de 23 mil escravos e avaliavam, em 163 7, em quatro mil
escravos anuais as exigências da col6nia (Varnhagen) .
{.. J O total do volume de açúcar exportado de 1700 a
1850 alcançaria, no máximo, 450 milhões de arrobas.
Pelo critério adotado acima, verificaremos que seria
necessário para sua produção, na pior das hipóteses,
1.300.000 escravos. Não será exagerado calcular-se que
uma quarta parte teria sido produzida pelo braço
indfgena e por escravos já nascidos no Brasil {crioulo}.
Chegaremos assim a 1 milhão de escravos, importados
no periodo de 1700 a 1850,· estimando-se o periodo de
1600 a 1850, o número de escravos importados para
agroindústria do açúcar seria de 1.350.000. 13

Tomando-se por base que o custo médio de um escravo


encontra-se estimado entre 20 e 30 libras esterlinas, podendo em

12 - Op. cit. p. 181. nota 23.


13 - SIMONSEN, Roberto C. História econc5mtca do Brastl 1500-1820. 7. ed. São
Paulo: Cia. Ed. Nacionai/MEC, 1977. p. 134.

XVIII
algumas ocasiões atingir o valor de 100 libras esterlinas, é possível
montar uma equação entre o preço do negro e a produção dos
engenhos. Segundo a mesma fonte, essa importação de mão-de-obra
escrava teve um custo estimado em 40,9 milhões de libras esterlinas,
para uma produção açucareira de 400 milhões de libras esterlinas, no
período de 1600 a 1850.
Temos assim a verdadeira africanização do Brasil, herança
que nos foi imposta por Portugal, que, no dizer de Joaquim Nabuco,
"é uma nódoa que a mãe pátria imprimiu na sua própria face, na sua
língua, na única obra nacional verdadeiramente duradoura que
conseguiu fundar".
Sobre a escravidão comenta com muita propriedade o
historiador Alberto Vieira:

A cana de açúcar é de todas as plantas domesticadas


pelo Homem a que mats implicações teve na História
da Humanidade.{.. JA chegada ao Atlântico, no século
XV provocou o maior fen6meno migratório que foi a
escravatura de milhões de africanos e teve repercussões·
eVidentes na cultura literária, musical e lúdica. 14

14- VIEIRA, Alberto. "A Madeira, a expansão e história da tecnologia do açúcar", in


Htstórla e tecnologia do açúcar. Funchal: Regl~o Autônoma da Madeira; Centro
de Estudos de História do Atlãntlco, 2000. p. 7.

XIX
A inadaptação do holandês

Ao contrário dos portugueses que encontraram uma cultura


ameríndia e dela tiraram proveito na adaptação de sua vida nos
trópicos, os holandeses, em sua maioria formada por gente ligada às
cidades, veio a sofrer de uma total falta de meios de subsistência o
que tornou impossível à preservação da vida na colônia.
Pelo seu quase nenhum conhecimento em lidar com a produção
agrícola, os holandeses deixaram com os senhores-de-engenho de
Pernambuco os centros produtores do açúcar, localizados na área
rural, perdendo assim o controle sobre o principal produto da pauta
de exportação. Nesse ponto a Companhia falhou redondamente, ao
reduzir o seu papel a simples intermediária do comércio do açúcar e
detentora do monopólio do tráfico de escravos da costa africana,
acrescido da cobrança de impostos e tributos sobre a propriedade e a
produção de bens.
Observa José Antônio Gonsalves de Mello que "a exploração
pura e simples das terras e da gente, a venalidade dos seus prepostos
e a inépcia dos seus dirigentes levaram-na à ruína".
No Brasil os holandeses continuaram a viver com os mesmos
hábitos, como se ainda estivessem na Holanda.
Em seu relatório, datado de 1639, o conselheiro Adrien van
der Dussen, observa com o devido conhecimento que "os portugueses
que se achavam aqui no país e que se submetem a nossa soberania,
são os principais elementos da cultura desta terra".

Alguns permanecem na posse de seus próprios


engenhos, outros compraram muitos dos engenhos
confiscados, outros são lavradores de canaviais, outros
servem em todos os oficios nos engenhos, entre os quais
aqueles para os quais holandês algum pôde ser
admitido, uma vez que nunca foram experimentados
neles nem os entendem, a saber: temperar e purgar o
açúcar. A todas as outras artes e oficios estão habilitados
os holandeses, mas para essas duas especialidades não
se apresentou nenhum para aprendê-las.

É da mesma fonte a observação de que "os portugueses


sabem fazer trabalhar os seus negros melhor do que os nossos,
com a vantagem, porém, de que se servem de negros já de há

XX
muito acostumados ao trabalho e os holandeses de negros
inexperientes".
O próprio Conde de Nassau, em parecer ao Conselho dos
XIX, em 1646, recomenda para os devedores um edital de perdão
geral, "porque a conquista do Brasil sem os portugueses trará poucas
vantagens para a Companhia":

Sendo o principal negócio ali o fabrico do açúcar; faz-


se necessário para isso muitos esforços e singular
conhecimento, porque a um engenho são indispensáveis
um mestre de açúcar; cuja função é de verificar quando
a substância que for espremida das canas está
suficientemente aquecida, sem espuma e purificada e
no seu devido ponto para ser levada às formas. Ele tem
um banqueiro ou ajudante; além disso, são necessários
purgadores que fazem o açúcar branco, os
escumadores, carreiras, feitores que dirigem os negros.
Todos esses seroiços exigem conhecimentos próprios que
foram adquiridos após longo aprendizado. Para eles os
holandeses, em tão pouco tempo, não estão habilitados.

Observa o conde que "a plantação, a limpeza dos canaviais,


da mandioca, do tabaco e tudo que o solo produz, tem que ser
aprendido com os portugueses. Assim, necessariamente, a lavoura
necessita dos portugueses, principalmente dos da classe média".
Em carta dirigida a Gaspar Dias Ferreira, 29 de janeiro de
1646, o Conde de Nassau mostra-se descrente, no que diz respeito a
adaptação do holandês comum para tarefas inerentes à vida do campo:

O certo é que Deus criou a nação dos homens e cada


uma com as suas inclinações e capazes de diferentes
ocupações para repartição e comunicação do Universo
que lhe deu por morada e que à nação holandesa não
deu préstimo para o Brasil. Se esta informação não
parecer certa, mostre-me um holandês que em
Pernambuco até hoje seja oficial de fazer açúcar ou
queira aprender; ou de qualquer outro ofício em
engenho, sendo que um engenho tem quatro oficiais
brancos, só para Jazer açúcar: mestre, banqueiro, que
é ajudante, escumeiro e purgador; além dos -outros.

XXI
O Senhor-de-Engenho
Na sociedade colonial açucareira, mesmo durante o Brasil
Holandês, era o senhor-de-engenho a figura de maior destaque,
verdadeiro senhor feudal transplantado da Europa e adaptado às
condições dos trópicos, onde integrava a chamada nobreza da terra.
Eram os da sua classe possuidores de privilégios, concedidos pelos
reis de Portugal e Espanha, com tratamento especial dentro das
Ordenações do Reino, como demonstra a carta da Câmara de Olinda
dirigida ao conde João Maurício de Nassau em 1637.
Para Antonil, em Cultura e opu/Oncía do Brasil por suas drogas
e minas, livro clássico publicado em 1711, "ser senhor de engenho é
título a que muitos aspiram, porque traz consigo ser serotdo, obedecido
e respeitado por muitos'.

E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo,


bem se pode estimar no Brasil o ser senhor-de-engenho
quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre
os fidalgos do reino. Porque engenhos há na Bahia que
dão ao senhor quatro milpães de açúcar e outros pouco
menos com açúcar obrigado à moenda, e cujo
rendimento logram o engenho ao menos a metade,
como de qualquer outra que nele livremente se mói, e
em algumas partes ainda mais que a metade. 15

O status de senhor-de-engenho veio a encantar até a holandeses


recém-chegados, pois "o açúcar prometia fortunaS'. Assim sendo,
logo após a rendição do Arraial do Bom Jesus (1635), vemos nomes
ilustres do governo holandês e de alguns judeus de maiores posses
na listas dos senhores-de-engenho: Jacob Stachouwer, Balthazar
Wijntges, Servaas Carpentier, Willem Schott, Hendrik Schilt, todos
eles conselheiros políticos; comandantes militares, como Sigismund
von Schkoppe e Joris Garstman; comissário Willem Doncker; fiscal
Nicolaas s:ie Ridder; senhores Elbert Crispijns, Jacques Hack, Jan van
Ool, Hans Willem Louissen; e alguns judeus Mozes Navarro, Eduard
Saraiva, Vicente Rodrigues Vila Real e Diogo Dias Brandão.
Até predicantes calvinistas resolveram abandonar a "Messe do
Senhor" em busca das riquezas da terra. tJm deles, que se transformou

15 - ANTONIL, André João. op. clt. p. 70.

XXII
em lavrador de canas, o pastor Daniel Schagen, veio a ser objeto das
críticas do reverendo Vicente Soler; em vez de cultivar os campos do
Senhor, deles retirando às ervas daninhas, cultivava as terras dos seus
campos.
Um desses senhores tornou-se fundador de uma das famfiías
de Pernambuco, Gaspar van Niehof van der Ley. Adquiriu ele o engenho
Algodoais, no Cabo, seguindo-se depois dos engenhos Utinga de
Cima e Utinga de Baixo, então arruinados com a guerra. Seduzido
pela terra, quase não se ausentava do seu engenho Algodoais e
"raramente aparecia no Recife, onde, aliás, era pessoa acatada". Foi
casado com uma pernambucana, filha de Manuel Gomes de Mello,
senhor do engenho Trapiche e descendente do tronco da famfiia dos
Mello. Desse matrimônio, surgiu em Pernambuco a família Wanderley.
Outro holandês que criou raízes em Pernambuco foi o médico
Servaas Carpentier (Aachen, 1599- Recife, 1646) que, apesar de figura
de destaque no Conselho Político e membro influente do governo do
Recife, abandonou tudo para dedicar-se à vida de senhor do engenho
Três Paus, em Goiana. Obrigado a voltar ao Recife, pela insurreição
de 1645, vem a falecer no ano seguinte, sendo sepultado na igreja do
Corpo Santo.
Em meio da classe dos senhores-de-engenho surge o nome de
uma mulher, Dona Anna Paes (1612-1678), que em 1630 era casada
com o capitão Pedro Correia da Silva, morto quando da defesa do
Forte São Jorge, por ocasião da invasão, em fevereiro de 1630. Viúva
ainda jovem, Anna Paes veio novamente a casar com o capitão
holandês Charles de Tourlon, oficial da guarda pessoal do conde de
Nassau, continuando a residir em seu engenho em Casa Forte. Em
1643, acusado de crime de traição, foi Charles de Tourlon preso e
remetido de volta à Holanda, tendo falecido na Zelândia em 18 de
fevereiro de 1644, sem jamais rever sua mulher e filhos. Novamente
viúva, Anna Paes toma a casar com o conselheiro Gisbert de With, do
Conselho de Justiça, em companhia de quem se transfere para a
Holanda e onde vem a falecer em 1672.
Mulher instruída, dela se conhece uma carta endereçada ao
Conde de Nassau, na qual oferece a dádiva de "seis caixas de açúcar
branco"; cada caixa de açúcar pesava em média 20 arrobas, ou seja,
300 quilos. Divulgada pela primeira vez por José Higino Duarte Pereira,
no n. 11 30 da Revtsta do Instituto Arqueológtco Pernambucano (Recife,
1886), a carta em questão, devidamente traduzida para o português
em uso nos nossos dias, teria o seguinte teor:

XXIII
limo. Snr. - Como nós devemos toda a obediência a
nossos superiores tanto mais a vossa excelência de
quem temos recebido tantas honras e mercês, assim
que este ânimo me faz tomar atrevimento de pedir a
vossa excelência queira aceitar seis caixas de açúcar
branco, perdoando-se vossa excelência o atrevimento
(que meu ânimo é de servir a vossa excelência) e fico
pedindo que Deus aumente a vida e estado de vossa
excelência para amparo de suas cativas. De vossa
excelência a muito obediente cativa Dona Anna Paes.

Um grande número de holandeses, senhores-de-engenho em


particular, veio a casar com mulheres da terra ou portuguesas. Além
de Gaspar van der Ley, aqui casaram Abraham Tapper, Joris Garstman,
Johan Heck, Jan Wijnants; o mesmo acontecendo no Rio Grande do
Norte e no Maranhão, como conta o padre Antônio Vieira. Um dos
artigos da rendição de 1654.
Demonstra José Antônio Gonsalves de Mello, in Tempo dos
Flamengos, que tais uniões eram freqüentes, citando que o artigo SQ da
versão holandesa do documento de capitulação, assinado em 26 de
janeiro de 1654, "consentia aos vassalos dos ditos Senhores Estados
Gerais casados com mulheres portuguesas ou nascidas na terra, que
fossem tratados como se fossem casados com holandesas". Uma
testemunha da época, procurador da Coroa e Fazenda Real, Antônio
da Silva e Souza, assegura que "concedeu-se aos flamengos que
quisessem ficar logrando suas fazendas as terão assim como as tinham
de antes e como se foram portugueses, gozando de todos os privilégios
que eles gozam". 16 - E não foram poucos os que ficaram, visto estarem
unidos a mulheres da terra, com famílias e propriedades estabelecidas.
Senhor-de-engenho também foi João Fernandes Vieira, um
mulato, madeirense de origem humilde e pai desconhecido, nascido
no Funchal, em c.1610, que sozinho emigrou para Pernambuco aos
dez anos. Em poucos anos tornou-se feitor-mor, fazendo crescer sua
riqueza graças aos seus esforços e doações recebidas do seu
empregador, Affonso Rodrigues Serrão e de sua mulher, bem como
de sua amizade com o conselheiro político Jacob Stachhouwer; homem
de baixa moral que se apropriara de uma vasta propriedade de um
rico judeu português.

16 -MELLO, José Antônio Gonsalves de. op. cit. p. 141-43.

XXIV
Em poucos anos, tornou-se Vieira proprietário de cinco
engenhos (1645): do Meio, Sant'Ana, Ilhetas, Nossa Senhora do Rosário
(depois mudado para São João) e Santo Antônio.
Até 1638, fora ele o feitor-mor dos três primeiros engenhos,
até então pertencentes ao conselheiro Jacob Stachhouwer em sociedade
com Nicolaes de Rideer. Retornando Stachhouwer, naquele ano para
Holanda, ficou Vieira "como seu procurador bastante", vindo depois
assumir os débitos contraídos pelos dois sócios quando da compra
das propriedades à Companhia das Índias Ocidentais.
Casou-se em 1643, com Dona Maria Cezar, uma menina de
pouco mais de treze anos, filha do lavrador de canas Francisco
Berenguer de Andrade e da sua primeira mulher D. Joana de
Albuquerque, descendente pelo lado materno da união do primeiro
Jerônimo de Albuquerque, o velho, com a índia tabajara Maria do
Espírito.
Em 1642, a dívida de Vieira para com a Companhia era estimada
em 219.854 florins; depois do tratado de paz entre Portugal e a Holanda
(1661), ele figurava em segundo lugar na lista de devedores dos
brasileiros à Companhia das Índias Ocidentais, com o débito de 321.756
florins. Na verdade João Fernandes Vieira nada pagou aos seus
credores, afirmando no seu Testamento que os chefes holandeses
"são devedores de mais de 100 mil cruzados [. .. ] de peitas e dádivas a
todos os governadores [. .. ] grandiosos banquetes que ordinariamente
lhes dava pelos trazer contentes". Ao faleçer, em O linda, a 10 de
janeiro de 1681, era ele proprietário de 16 engenhos e muitos currais
de gado.
Em 1642, eram os senhores-de-engenho os grandes devedores
da Companhia, segundo informa o próprio Conde de Nassau,
estimando a dívida global em 75 tonéis de ouro, o que representava
7,5 milhões de florins; dois anos depois, a dívida já alcançava a
elevada importância de 130 tonéis de ouro, correspondentes a 13
milhões de florins. Mas a Companhia continuou a ajudá-los
financeiramente, facilitando a construção dos engenhos Aratangi, de
Miguel Fernandes de Sá; Sibiró de Baixo, de Francisco Soares Cunha;
ou pagando dívidas particulares de alguns senhores, como Jorge
Homem Pinto, da Paraíba, João Carneiro 'de Mariz, de Ipojuca, e
Dona Catharina de Albuquerque, do engenho Santo Antônio da
Muribeca. 17

17 MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. Op. cit. p 169

XXV
O Conde de Nassau, em cujo governo a produção do açúcar
ascendeu de 65.972 arrobas (1637) para 282.286 arrobas (1643), chegando
até a 447.562 arrobas em 1641, concedeu, no seu governo, especial
apoio aos produtores. Compreendendo o risco para a segurança do
Estado, aconselhava ele em seu Testamento Político (1644) que "convém
proceder com brandura em relação aos lavradores e aos senhores-de-
engenho", antevendo assim a revolta que começava a fermentar no
âmbito da indústria do açúcar.
Foi dessa classe, liderada por João Fernandes Vieira e André
Vidal de Negreiros, que partiu o movimento, por eles denominado de
Insurreição Pernambucana, para pôr ftm expulsar por fim ao Brasil
Holandês. Tal movimento, iniciado no engenho São João da Várzea,
em 13 de junho de 1645, tinha por senha a palavra açúcar.
Reunidas às forças luso-brasileiras, formadas pelos terços de
Vieira, André Vidal de Negreiros, os índios de D. Antônio Filipe Camarão
e os negros de Henrique Dias, os luso-brasileiros foram à luta contra as
tropas holandesas. Seguiram-se das vitórias dos nossos em Tabocas e
Casa Forte, respectivamente a 3 e 17 de agosto de 1645, epopéia depois
coroada nas duas batalhas dos Montes Guararapes, 1648 e 1649,
antecedendo a rendição do Recife em 27 de janeiro de 1654.
Constata, porém, José Antônio Gonsalves de Mello que "a
insurreição de 1645 foi preparada por senhores-de-engenho na sua
maior parte devedores a flamengos ou a judeus da cidade. Foi
nitidamente um levante de elementos rurais, no qual tomaram parte,
negros escravos, lavradores, pequenos proprietários de roças,
contratadores de corte de pau-brastl, e outros". 18
Com a rendição dos holandeses, em 1654, ficaram as capitanias
de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba com a sua agroindústria açucareira
abalada por uma guerra sem tréguas, que destruiu os seus engenhos,
provocou a fuga de grande parte da escravaria e até de algumas
famílias que tiveram de buscar abrigo em terras da Bahia.
Em contraponto, porém, os preços do açúcar alcançaram a
sua melhor fase, na praça de Amsterdã, entre os anos de 1650 e 1659.
A partir da{, com a entrada no mercado internacional do açúcar
produzido pelos engenhos localizados nas ilhas do Caribe, alguns
deles oriundos de Pernambuco, o preço do produto foi decaindo,
chegando a valer apenas um terço do que fora antes no decênio
compreendido entre 1680-89. No decênio seguinte (1690-99) registra-

18- MELLO, )o~ Antônio Gonsalves .. Op cit. p. 173.

XXVI
se uma recuperação modesta, ficando os preços do açúcar equivalentes
a dois quintos dos obtidos entre 1650-59.
É desta época o surgimento, dentro da classe dos senhores de
engenho, de uma doutrina nativista gerada no calor das lutas contra
os holandeses. Segundo o discurso da chamada "nobreza de Olinda",
nos anos que vieram anteceder a chamada Guerra dos Mascates (1710),
a Restauração Pernambucana fora conquistada à custa do nosso
sangue, vida efazendas sendo Pernambuco, juntamente com as demais
capitanias ocupadas pelo Domínio Holandês, entregue ao Rei de
Portugal debaixo de certas condições.
Na interpretação de Evaldo Cabral de Mello, passou a ser
doutrina entre os pernambucanos, ao longo dos séculos que se
sucederam, o entendimento de que "a gente da terra deveria à Coroa
não a vassalagem 'natural' a que estariam obrigados os habitantes do
Reino e os demais povoadores da América Portuguesa, mas uma
vassalagem de cunho contratual, de vez que restaurada a capitania,
haviam-na espontaneamente restituído a suserania portuguesa" .19

19 - MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio - o tmagtnárlo da Restauração


Pernambucana. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 124.

XXVII
José Antônio Gonsalves de Mello, em Castelo de Vide, segundo fotografia tomada
pelo escritor Leonardo Dantas Silva, quando das suas viagens a Portugal em
companhia do historiador.
FONTES PARA A HISTÓRIA
DO BRASIL HOLANDÊS

A ECONOMIA
AÇUCAREIRA

TEXTOS EDITADOS POR


JOSÉ ANTÔNIO GONSALVES DE MELLO
SUMÁRIO

Introdução .................................................................... 7
Documento 1 Introdução ................................................. 15
Documento 1 Lista do que o Brasil pode produzir
anualmente. (1623) ................................... 19

Documento 2 Introdução 21
Documento 2 Açúcares que fizeram os engenhos
de Pernambuco, Ilha de Itamaracá
e Paraíba - ano de 1623 ........................... 28

Documento 3 Introdução ................................................. 33


Documento 3 Memória oferecida ao Senhor Presi-
dente e mais Senhores do Conselho
desta cidade de Pernambuco, sobre
a situação, lugares, aldeias e comér-
cio da mesma cidade, bem como de
Itamaracá, Paraíba e Rio Grande se-
gundo o que eu, Adriaen Verdonck,
posso me recordar. Escrita em 20 de
maio de 1630 ............................................ 35

Documento 4 Introdução 47
Documento 4 Inventário, na medida do possível,
de todos os engenhos situados ao
Sul do rio da Jangada até o rio Una,
feito pelo Conselheiro Schott. .. ................ 51

Documento. 5 Introdução ................................................. 73


Documento 5 Breve discurso sobre o Estado das
quatro capitanias conquistadas, de
Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e
Rio Grande, situadas na parte seten-
trional do Brasil. (1638) ............................ 77
Docume nto 6 Introduç ão ............................................... 131
Docume nto 6 Relatório sobre o Estado das Capita-
nias conquis tadas no Brasil, apre-
sentado pelo Senhor Adriaen van
der Dussen ao Conselh o dos XIX
na Câmara de Amsterd ã, em 4 de
abril de 1640 ........................................... 137

Docume nto 7 Introduç ão ............................................... 233


Docume nto 7 Traslado do Rendime nto das Pen-
sões, Redízim a e Vintena e outras
coisas mais que esta Capitani a de
Pernamb uco pagava ao Donatári o
Dom Miguel Portugal. ............................. 234

Apêndice 1 Preços do açúcar em Amsterd ã,


1609-1654.
Preço do açúcar no Recife, 1637-1645.
Cotação das ações da Compan hia
das Índias Ocident ais na Bolsa de
Amsterdã, 1628-1650 ............................... 245

Apêndic e 2 Introduç ão ............................................... 249


Apêndice 2 Rendime nto dos frutos anuais des-
tas quatro capitanias, Pernambuco,
Itamarac á, Paraíba e Rio Grande,
fazendo a conta pela estimação dos
frutos que davam em sua antiga flo-
rescênci a, a qual em breves anos
tornará, sendo o comérci o livre e
comum a .todos ....................................... 251

Apêndic e 3 Introdução ............................................... 255


Apêndic e 3 Regime nto que há de guardar o
Feitor-m or de engenho para fazer
bem sua obrigação .................................. 257
INTRODUÇÃO

A Direção do Parque Histórico Nacional dos Guararapes


inicia com este volume a publicação de uma série intitulada-
Fontes para a História do Brasil Holandês- que se propõe a pôr
ao alcance dos estudantes universitários, em especial, e de outros
interessados, em geral, os textos básicos para o conhecimento
daquele período do passado nacional. Iniciada aqui com
documentos respeitantes à economia açucareira do Nordeste,
deverá prosseguir com outros volumes acerca da administração
das Capitanias conquistadas; da religião Reformada e suas relações
com a Igreja e a população Católica, com os Judeus e a religião
Judaica e com as populações indígena e africana; da história
militar; da etnografia tupi e tapuia e de outros temas mais.
As fontes históricas, cuja divulgação se inicia agora, estão
em parte publicadas em revistas e em livros raros e de difícil
acesso; em parte permanecem inéditas em arquivos europeus,
umas e outras fora do alcance dos leitores a que principalmente
se destina esta série. É conhecida a dificuldade (quando não,
impossibilidade) que têm de vencer os estudantes universitários
para alcançar os textos básicos da história brasileira, não obstante
os esforços meritórios já realizados no sentido de atender a essa
necessidade: bastará registrar o trabalho notável realizado nesse
sentido pelo Departamento de Cultura da Secretaria de Educação
e Cultura do Estado de Pernambuco, ao tempo em que o dirigiu
Leonardo Dantas Silva, além das reedições promovidas pelo
Conselho Estadual de Cultura e pelo Arquivo Público Estadual
também de Pernambuco.

7
É certo, ainda, que vários textos básicos estão publicados
muito defeituosamente, fato do conhecimento de quem se
empenhou em reunir em uma série intitulada - Documentos
para a História do Nordeste, editada pela Universidade Federal
de Pernambuco - e em outras publicações avulsas, textos até
então publicados com graves erros de leitura paleográfica (o
caso das cartas de Duarte Coelho), ou incompletos (o caso dos
Diálogos das Grandezas do Brasil e da História da Guerra de
Pernambuco de Diogo Lopes de Santiago) ou a necessitar de
crítica e de reconstituição textuais (o caso do foral de Olinda). A
enumeração de textos defeituosos aqui feita está longe de
completa e não se limita apenas à história pernambucana e
nordestina.
Os documentos agora publicados foram escritos, na quase
totalidade, em língua holandesa e foram traduzidos para o
português em épocas diversas; em todos os casos foram essas
traduções revistas, visando-se sobretudo a fazê-las o mais fiel
possível à redação original, pois que com a mais exat4
equivalência ao texto original pode a tradução ser utilizada como
fonte segura de informação histórica.
A documentação aqui incluída revela o interesse holandês
pela produção açucareira, o qual explica em larga parte a
iniciativa holandesa da conquista do Nordeste. Desde fins do
século XVI iniciou-se e ampliou-se no começo do seguinte a
participação holandesa no transporte do açúcar do Brasil para o
Norte da Europa, depois de beneficiado nas refinarias que
começaram a surgir em número avultado nos Países Baixos. Essa
participação crescente do açúcar brasileiro na economia holandesa
explica a ação militar da Companhia das Índias Ocidentais contra
a Bahia e Pernambuco. A Trégua dos Doze Anos (1609-21)
permitiu considerável aumento no comércio direto da Europa
do Norte com o Brasil, ou indireto, via Portugal; e desse aumento
dá testemunho o número de refinarias instaladas em cidades
holandesas, em especial na de Amsterdã. Certo documento dessa
origem, a "Exposição relativa ao inicio e progresso da navegação
e comércio do Brasil" (sem data, mas que se conserva entre
papéis de 1622, logo após o fim da Trégua) recorda:

8
"Durante os referidos doze anos ampliou-se
tanto a navegação e o comércio que, anualmente, mais
de 10, 12 e 15 navios eram aqui construídos e
aparelhados para isso e conduziam de Portugal para
cá, todos os anos, 40 a 50.000 caixas de açúcar, além
do pau-brasil, gengibre, algodão, couros e outros
gêneros que, em grande quantidades, procediam do
Brasil, com destino às cidades de Viana e do Porto; e
calcula-se que mais de três quartas partes (sendo a
metade de Lisboa) dali foram trazidos para cá em navios
nossos, durante a Trégua, sendo que agora {fmda ela}
é conduzido para cá nos mesmos navios, mas sob
disfarce de nomes franceses, ingleses e hanseáticos.
E tudo se passou com tanta felicidade para
nós que, no dito tempo dos doze anos, todas as
caravelas portuguesas que costumavam conduzir os
açúcares deixaram de fazê-lo pela comodidade dos
nossos navios e incorporamos a metade senão três
quartas partes dessa navegação, tudo sob a direção
dos nossos correspondentes em Portugal, sob disfarce
de nomes portugueses, os quais tinham conosco
participação nesse comércio. {. ..}
E o que sobretudo se deve considerar, como o
mais notável proveito que este país retirou desse
comércio, foi a refinação do açúcar, que de 3 ou 4
que existiam há 25 anos são agora 25 refinarias
somente na Cidade de Amsterdã, uma em Delft, duas
em Midelburgo e uma no interior, na aldeia de
Wormer, as quais refinam muitas mil caixas de açúcar,
sendo 1.500 caixas apenas em uma delas." 1

A "Exposição" revela, pois, a crescente dependência


nessa área da economia holandesa do fornecimento do
açúcar brasileiro. Com o fim da Trégua, em 1621, esse
abastecimento estava ameaçado. O Prof. Engel Sluiter,

1-J.W. Ijzerman , ]oumael van de reis naar Zuld-Amerika 1598-1601) door Hendrik
Ottsen (Haia, 1918) pp. 100 e 103.

9
com sua reconhecida competência na história desse período,
resume assim o problema e a decisão das autoridades
holandesas:

"O intento holandês para conquistar o Brasil


não pode ser atribuído a uma decisão não
premeditada, a um impulso de corsários, a um
desígnio judeu ou outra qualquer causa individual.
Mais propriamente foi o produto de um profundo,
estabelecido interesse, largamente econômico,
desenvolvido durante o espaço de uns quatro
decênios. Cerca de 1621 esse interesse foi o poder
soberano para uma influente parte de negociantes
holandeses. Quando ficou evidenciado a esse grupo,
que era fortemente representado na nova
Companhia das Índias Ocidentais, que a renovação
da guerra não só lhes fecharia outra vez a Península
Ibérica, mas também os privaria do acesso ao açúcar
brasileiro, eles aconselharam a conquista da
colônia. As suas vozes foram ouvidas e a decisão
tomada." 2

Não foi, pois, mera coincidência a fundação da Companhia


das Índias Ocidentais, por iniciativa do Estado e dos homens de
negócio dos Países Baixos no ano de 1621, a qual se propunha
ao domínio e ao comércio com os territórios ibéricos na América
e na África atlântica. Sabe-se que a Holanda e a Inglaterra
escaparam da depressão geral dos anos de 1619-22, que afetou
tão duramente a economia ibérica. O açúcar foi parte essencial
nos cálculos daqueles negociantes e dos homens de governo da

2 - Engel Sluiter, "Os Holandeses no Brasil antes de 1621", Revista do Instituto


Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano vo!. 46 (Recife, 1967) pp.
206-07. Sobre a Trégua ver ainda: C.R. Boxer. Tbe Dutcb Seaborne Empire
(Londres. 1965) e Geof. frey Parker, Spain and tbe Netberlands, 1559-1659
(Londres 1979); o ponto de vista ibérico, sobretudo espanhol, em José Alcala-
Zamora y Queipo de Uano. Espana, F/andes y el Mar del Norte (1618-1639)
(Barcelona, 1975) e John H. Elliott e José F. de la Pena, Momoriales y Cartas del
Conde Duque de Olivares vo!. 1 (Madrid, 1978).

10
Holanda para a fundação daquela Companhia. Evaldo Cabral
de Mello, com sua autoridade conquistada em livro fundamental
neste campo, escreveu que "as guerras holandesas foram
inegavelmente guerras do açúcar".
Evidência do interesse holandês pela produção de gêneros
exportáveis pelo Brasil para o mercado europeu- e, muito em
especial, pelo açúcar - é a que se recolhe de um cálculo do
rendimento daqueles gêneros e da capacidade de produção de
açúcar pelos engenhos do Nordeste em 1623, publicado em uma
folha impressa nos Países Baixos por volta dos anos de 1636-37.
Segundo aquele cálculo aqui existiam, em 1623, 137 engenhos,
que produziam 700.000 arrobas de açúcar: ver o documento I.
Do mesmo ano de 1623 é uma relação do número e da
produção por unidade dos engenhos de Pernambuco, Itamaracá
e Paraíba, organizada por um Judeu português estabelecido em
Amsterdã, mas com experiência brasileira, a qual confirma o
número de 137 engenhos (embora relacione 135) e uma produção
de 659.069 arrobas. Essa relação encontra-se anexa a um memorial
apresentado aos Estados Gerais dos Países Baixos, sem data,
mas que a evidência interna permite atribuir aos últimos meses
do ano de 1636: é o documento li deste volume.
Depoimento valioso acerca do Nordeste ao tempo da
invasão holandesa e redigido no próprio ano de 1630 é a Memória
oferecida ao Conselho Político (que era o órgão máximo de
governo da região conquistada) pelo "belga" Adriano Verdonck,
aqui residente desde 1618: documento III. As referências acerca
da área açucareira, quer do ponto de vista da localização
geográfica, quer do da história social, merecem atenção.
O desembarque holandês em Pernambuco e a
conquista dos dois núcleos urbanos de Olinda e do Recife
foram facilmente conseguidos. Mais lenta e difícil foi a ocupação
da zona da mata, somente alcançada na sua maior e melhor
parte em 1635, após a rendição do Arraial Velho e do Forte de
Nossa Senhora de Nazaré, no Cabo Santo Agostinho. Vencida
essa resistência, os holandeses exploraram a vitória, estendendo
seu domínio ao sul da Capitania até Porto Calvo. A guerra deixou
essa área assolada: casas-grandes abandonadas, "cobres" fur-

11
tados ou transportados para longe, canaviais incendiados, escravos
fugidos. O Conselheiro Político Willem Schott, designado para
dirigir aquela área, percorreu-a toda, visitando os engenhos e
fixando as condições em que encontrou cada um. São valiosos
os informes que nos deixou em um relatório de 1636, ainda
inédito, aqui publicado como documento IV.
Desde 1636 o governo holandês de Pernambuco iniciou
a restauração da economia açucareira, arrendando engenhos e
animando possíveis candidatos a senhor de engenho e a lavrador
de cana a retomar as atividades agrícolas e industriais. Somente
no ano seguinte, com a presença do Conde de Nassau, é que se
deu início à venda das propriedades abandonadas por seus
proprietários e por isso confiscadas pela Companhia das Índias
Ocidentais. Como o açúcar encontrava em Amsterdã preços
excepcionalmente favoráveis, não foram poucos os holandeses,
Judeus e luso-brasileiros que se apresentaram como compradores
de engenhos e de partidos de cana; os mercadores facilitaram
créditos para a recuperação das propriedades. Em 1637 procedeu-
se ao primeiro levantamento regional dos engenhos e das
condições em que se encontravam. Informações que constam
do primeiro relatório geral organizado na administração do
Conde, datado de 14 de janeiro de 1 638, mais conhecido pelo
título que recebeu de seu próprio redator, "Breve Discurso",
documento V.
O levantamento regional dos engenhos prosseguiu e, de
1639, é o mais importante relatório elaborado ao tempo do
governo do Conde, o qual, embora apresentado às autoridades
da metrópole por Adriaen van der Dussen e no seu nome
individual, é claramente o resultado de um trabalho da
administração pública: documento VI. Aqui estão relacionados
121 engenhos, ao passo que o "Breve Discurso" registrou 106.
Para uma visão final do período de ocupação, que
vai de 1630 e 1654, o Traslado ou relação dos engenhos,
elaborado em 1655, nos deixa ver a situação das fábricas
de açúcar ao fim da guerra. Embora não inclua senão as
propriedades situadas da Várzea do Capibaribe para o sul
da Capitania, contém referência a 109 engenhos, dois a

12
menos que os registrados na área pelo relatóiro de Van der
Dussen. É o documento VII desta coletânea.
Outros documentos e informações, visando a
complementar os textos publicados, foram incluídos como
Apêndices: o 1º contém a tabela de preços do açúcar no Recife e
em Amsterdã na primeira metade do século XVII e a cotação em
bolsa das ações da Companhia das Índias Ocidentais; o 2Q, uma
avaliação de 1637, do rendimento da economia açucareira ao
tempo da sua "antiga florescência", isto é, antes da invasão; e o
3Q onde se inclui o regimento dado aos feitores-mores dos seus
engenhos por João Fernandes Vieira em 1663.

José Antônio Gonsalves de Mello

13
DOCUMENTO I

Lista do que o Brasil pode produzir anualmente.

Produção de açúcar do Nordeste em 1623.

Folheto muito raro, não está mencionado pela maioria


dos bibliógrafos especializados no estudo dos farmosos pamfletten
holandeses do século XVII - isto é, aqueles opúsculos impressos
nos Países Baixos, geralmente anônimos, por meio dos quais se
divulgavam e comentavam os acontecimentos daquele século.
G. M. Asher, W. P. C. Knuttel e P. A. Tiele não o indicam, mas
consta do Catálogo da Exposição de História do Brasil (Rio de
Janeiro, 1881) sob n 2 10.648 e da obra de Louis D. Petit,
Bibliotheek van Nederlandschen Pamfletten (1882) sob n2 2.028.
No Catálogo supõe-se que a Lista tenha sido impressa em 1625;
Petit propõe 1638.
Foi esse folheto traduzido para o português pelo Padre
Frei Agostinho Keijzers e pelo Prof. José Honório Rodrigues e
publicado, com outro documento, no Rio de Janeiro em 1942,
sob o título Os Holandeses no Brasil, como volume inicial da
"Série História" do Instituto do Açúcar e do Álcool, pp. 47-48,
incluindo reprodução fotográfica do original. Essa tradução não
foi utilizada para a presente edição.
Na referida tradução aceita-se a data atribuída ao
folheto pelo Catálogo citado, isto é, 1625. Entretanto,
embora o documento utilize, para cálculo da produção
açucareira de Pernambtiço, Itamaracá e Paraíba, informa-

15
ções relativas ao ano de 1623- provavelmente as únicas dispo-
níveis ao autor- o folheto não pode ter sido impresso em 1625,
devendo ser atribuído ao ano de 1635 pelo menos, pois no
último parágrafo do texto está referido não só que aquelas
Capitanias estavam conquistadas pelas armas da Companhia das
Índias Ocidentais, como indicava a conveniência de proceder-se
à restauração dos engenhos arruinados em decorrência da guerra
e ao povoamento da terra "com gente destes países", prosse-
guindo-se ainda com a guerra ofensiva.
Não é de estranhar que uma publicação de cerca de 1635
utilize informações em relação à produção econômica do Brasil velhas
de mais de dez anos; a mesma cousa ocorreu com o memorial de
José Israel da Costa, escrito por volta de 1636 e que utiliza igualmente
informações relativas ao ano de 1623: ver doc. li desta coletânea.
Segundo o autor anônimo da Lista, nas três Capitanias de
Pernambuco, Itamaracá e Paraíba (ele menciona apenas as de
Pernambuco e da Paraíba, omitindo, certamente por descuido, a
que estava situada entre uma e outra) os 137 engenhos de açúcar
aí existentes produziram no ano de 1623 os seguintes totais:

produção total: 700.000 arrobas em 35.000 caixas de


20 arrobas cada
sendo: 20.000 caixas de açúcar branco
10.000 idem de mascavado
5.000 idem de panela
e calculava que uma produção igual poderia render à Companhia
das Índias Ocidentais o seguinte:
dízimo (de 700.000 arrobas):
70.000 arrobas ou 3.500 cai-
xas avaliada cada caixa a 300
florins florins 1.050.000
1
direitos (to/ ou recognitie)
de 25o/o: 175.00 arrobas ou
8.750 caixas com valor igual " 2.625.000
fretes das 3.500 caixas do dízi-
mo, dos quais 20 florins por
caixa eram pagos adianta-
damente " 700.000

16
novos direitos: sobre 20.000
caixas
de açúcar branco
florins 280.000
sobre 10.000 caixas
de mascavado 105.000
sobre 5.000 caixas
de panela 35.000 " 420.000
imposto de comboio: não cal-
culado

total do que o açúcar poderia


render anualmente à Compa-
nhia " 4.795.000

Neste cálculo não foi computada a "pensão" paga pelos


engenhos aos donatários das Capitanias de Pernambuco e de
Itamacará, a qual passou a ser arrecadada pela Companhia das
Índias Ocidentais.

1- O direito designado nos documentos holandeses como "recognitie", cobrado a


princípio à razão de 25%, estava reduzido a 200/Ó em 1638, e correspondia no
mundo português à dízima da alfândega e à sisa cobrada em Lisboa, uma e
outra à razão de 100/o cada: West Indiscbe Compagnie. Articulen ... over bet open
ende vry stellen vanden Handel ende Negotie op de Stadt Olinda de Pernambuco
(Ammsterdam, 1630) (Knuttel 3998) artigo V e Wesf Indische Compagnie.
Reglment: overt het open-ste//en vanden Handel op Brasil (Haia, 1638) artigo
VIII; regimento da Alfândega de Lisboa, 15 outubro de 1587 em Documentos
para a História do Açúcar. I. Legislação (Rio de Janeiro, 1954) pp. 343-344.
Sobre o "recognitie" em outra área ver Comelis Ch. Goslinga, Tbe Dutcb in tbe
Caribeean (Assen, 1971) p. 108, aí também à razão de 200/Ó. O vocábulo tinha
no holandês do século XVII o sentido de foro, tributo, imposto; em português
aparece, na forma usada aqui, no documento do Apêndice 2.

17
DOCUMENTO 1. TEXTO.

Lista do que o Brasil pode produzir anualmente.

O principal negócio de todo o Brasil consiste na cultura


da terra e no estabelecimento dos engenhos. É notório que no
ano de 1623 havia, entre o Rio São Francisco e o Rio Grande,
nas Capitanias de Pernambuco e Paraíba, 137 engenhos moentes,
os quais tinham produzido naquele tempo, somente para o
dízimo, 70.000 arrobas de açúcar, sendo que 20 arrobas contam-
se por uma caixa, no total, portanto, de 3.500 caixas de açúcar,
as quais avaliadas em 300 florins cada caixa montam a
florins 1.050.000
A quantia total da qual procede o mencio-
nado dízimo é de 700.000 arrobas de açúcar, das quais
a Companhia recebe vinte e cinco por cento, ou sejam
175.000 arrobas, o que perfaz, à razão de 20 arrobas
por caixa, 8.750 caixas, avaliadas em 300 florins
florins 2.625.000
Item, recebe a Companhia grande lucros
dos fretes, pois cada caixa paga cerca de 40 florins,
dos quais 20 florins adiantadamente, o que à razão
de 3.500 caixas monta
florins 700.000
Item, recebe ainda a dita Companhia dos
novos direitos lançados sobre os açúcares, a
saber, um grootje por cada libra de açúcar
branco, 3,4 partes de um grootje por libra de
mascavado e meio grootje por libra de panela,

19
o que calculadame nte produz o seguinte: (•)
por 20.000 caixas de açúcar
branco, a 14 florins por caixa
florins 280.000
por 10.000 caixas de masca-
vado, a 10 florins e 10 stuivers
(•) por caixa florins 105.000
por 5.000 caixas de panela, a
7 florins por caixa florins 35.000

Representam os direitos acres-


centados aos açúcares o total
de florins 420.000
Ainda de avanço sobre os di-
reitos de comboio
Renderá anualmente à Compa-
nhia Privilegiada das Índias
Ocidentais somente o açúcar
florins 4.795.000
Além disso tem a Companhia referida o dízimo de tudo
produzido no país, como gado e o mais; e ainda, além do dízimo,
a recognição do tabaco, peles, doces confeitados etc., o que
também representa muito.
Mas tudo isto não poderá ser percebido a não ser que
aquelas terras sejam povoadas e os engenhos arruinados sejam
restaurados e postos a moer, sendo necessário a este Estado, em
relação ao povoamento , que este seja realizado com gentes destes
países, que são tão industriosas quanto as das outras nações,
para, vez por outra, introduzir novas invenções, visando a que
os engenhos sejam dirigidos com menos despesas e produzam
maiores lucros; e para, em terras tão fecundas, encontrar e praticar
vários meios úteis e convenientes ao sustento di vida humana.
Com tudo isso o dízimo avaliado do açúcar poderá ser
aumentado de ano a ano, os impostos sobre o consumo acrescidos
e a Companhia obterá os meios necessários para poder continuar a
guerra ofensiva e pagar bons dividendos anualmente aos acionistas.

(•) O groot (ou grootje) equivalia a um e meio stuiver; stuiver é a vigéssima parte
do florim.

20
DOCUMENT02

Uma relação dos engenhos de Pernambuco,


Itamaracá e Paraíba em 1623.

Entre os documentos que se guardam no cartório dos


Estados Gerais, escaninho 6, do Arquivo Geral do Reino, da
Haia, está o memorial endereçado aos mesmos Estados (órgão
máximo da administração das Províncias Unidas dos Países
Baixos) por José Israel da Costa, sem indicação de data, mas
de cerca de 1636. 1 Além da evidência de que se trata de um
Judeu de origem portuguesa, nada consegui obter até agora
acerca de sua pessoa, nem mesmo qual o seu nome de Cristão
(pois que viveu na Bahia antes da invasão holandesa de
1624); sem esse nome, pelo qual provavelmente poderá ser
identificado, ao contrário do que ocorre com o seu nome de
Judeu, a sua biografia não pode ser traçada, pelo menos por
enquanto.
É evidente do texto do memorial que o autor residia nos
Países Baixos há já alguns anos, pois não só a linguagem é
típica dos escritores Judeus portugueses do exílio, cómo o seu
vocabulário é um tanto limitado, com certo arcaísmo de forma e
a adoção de termos holandeses aportuguesados. 2 Propõe-se no
memorial a descrever aos Estados Gerais a situação do Brasil
(entenda-se, do Nordeste brasileiro sob domínio holandês) e o
quanto conviria garantir a sua segurança em relação a possíveis
ataques ibéricos, promovendo-se o desenvolvimento e o

21
povoamento daquelas terras. A respeito da economia açucareira
e dos engenhos refere: 3
"As justiças da terra eram e são recomendadas do Rei
para que não molestem aos moradores, nem os apertem pelos
pagamentos, para com isso terem mais largueza para o muito
que se há mister para os que houverem de fazer engenhos ou
canaviais de açúcar.
"Com todos estes favores ditos e com se haver aumentado
de grã maneira dito Brasil, são as terras tão largas e seu distrito
que, sem encarecimento, é praça bastante para se fazerem Reinos,
por onde se deixa ver o que com a liberdade do negócio geral
poderá com o tempo seguir.
"Os engenhos de Capitania de Pernambuco até o ano de
1623 são 137, como parece da memória dos nomes deles. Para a
fábrica de cada um se há mister muito dinheiro, assim para
casas, tanto do engenho como de purgar, aonde se recolher os
açúcares que fazem, como para cobres, madeiras, ferragens,
carpinteiros, pedreiros, fôrmas, carros, servidores brancos, a quem
se dão bons salários e de comer cada ano, quantidade de lenhas
para arderem, caixões, bois, vacas, mantimentos, como se poderá
ver do rol que destes gastos se deu {não foi encontrado}, além
do custo de 70 escravos que deve ter cada engenho para o
serviço do açúcar e suas dependências e faltas dos que adoecem.
Isto se entende, tendo cana e tudo o mais necessário para moer
o tempo que se costuma, que são oito meses, começando em
julho e agosto. Estes negros são cativos e os compram dos
mercadores, que os mandam buscar a Angola por florins 200,
pouco mais ou menos, cada um; e se morrem muitos, por mais
açúcar que se faça, não podem levantar a cabeça. O serviço destes
é cousa incrível, porque o engenho bota a moer às 4 horas da
tarde a tarefa da cana (que assim se chama a ·quantidade que
deve moer naquele dia) e, sem parar toda a noite, vai cqntinuando
o serviço até o outro dia às 1O horas da manhã e logo se vão
limpando os vasos e, depois de descansarem quatro horas, tomam
a continuar e assim se vai seguindo toda a semana; e como o
trabalho está repartido, cada um acode ao seu; em acabando vão
dormir, a qualquer hora que seja, o pouco tempo que podem aven-

22
çar. E quem tivesse possibilidade para se revezarem seria do
proveito para os poupar, mas são poucos os cabedais que
alcancem ao que se há mister.
"De uma tarefa destas de cana, quando está madura e o
engenho é bom, se fará 70 arrobas de açúcar, que são 2.000 libras e
daqui para baixo, conforme as comodidades dos engenhos e terras.
Depois de cozido nas caldeiras se leva em fôrmas à casa de purgar,
onde estão 3, 4 meses, e depois se seca ao sol, apartando o branco
do mascavado e do xarope, que, purgado, se fazem os panelas.
"Por fazer este açúcar leva o senhor de engenho 1/2 do
rendimento dele e o xarope todo e o dono da cana outra metade;
e quando a cana é de partido do mesmo engenho, leva 3/5 e o
lavrador 2/5 ou 1/3, conforme os acordos; o xarope para os
senhores dos engenhos. 4•
"É tão grande o trabalho que se chama a um engenho
destes inferno e somente gente, como são estes negros, o podem
aturar, os quais também andam nus; pois se formos à comida
que lhes dão para passarem é uma pequena de farinha de pau
bem seca e algumas vezes por regalo uma sardinha, que é menos
que um arenque, e custa um-de-oito, um bocado de bacalhau e
a bebida não é outra que água. E naquelas poucas horas que
lhes ficam [aos negros] se querem mais buscam alguns cangrejos
do mato a legumes e não bastante tudo isto os castigam
rigorosamente, para que acudam a seu trabalho e como andam
nus os magoam demasiadamente e dizem é necessário assim,
porque de outro modo não seguiria a obra, nem eles teriam o
temor do branco que se requer, pois em um engenho destes quando
haja 8, 10 brancos é o mais e, muitas vezes, em uma fazenda de
canaviais, um só branco e 30, 40 e 50 escravos que lhe obedecem
e se não for este cruel serviço feito por eles e nessa forma e de
pouco gasto de mantimentos e nenhum vestido nem salários e
houvesse de ser por brancos valeria uma libra de açúcar três
vezes mais para se poder fazer. A cana que mói cada engenho,
tendo bom aviamento, serão 180 até 200 tarefas cada ano.
"Os lavradores também hão mister partida de
escravos; estes não têm ocasião de trabalhar de noite. Têm
cuidado de plantar a cana e três vezes no ano limpá-la e
ordinariamente visitar as faltas e enchê-las de novas plan-

23
tas, cortá-las ao tempo de se moer, fazer mandioca, que é a
farinha, e outros serviços semelhantes que nunca lhes faltam.
No tratamento e mantimentos deles é como os mais ditos. A
cana depois de plantada se vem a cortar dali a 19 meses e
assim para um lavrador haver de moer cada ano 50 tarefas é
mister que tenha praça para plantar 100, porque a que se corta
um ano não vem a servir senão para o outro, com que cada
engenho fica havendo mister 400 tarefas de praça para tirarem
as 200. Com os negros se tem particular cuidado, como cousa
que tanto lhes doa e têm tal natureza que se emperram e querem
morrer o fazem, se depressa lhes não acodem com fogo a abrir
a boca."
O autor, José Israel da Costa, diz e repete que viveu algum
tempo no Brasil, mencionando especificamente a Bahia: "na
Bahia aonde estive" e "diversas vezes vendi fazendas e
mantimentos naquelas partes". Talvez tenha obtido então a
relação dos engenhos de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba do
ano de 1623, valioso documento que é o mais antigo do gênero
que existe sobre o Nordeste açucareiro.
A relação permite um estudo da produção dos engenhos,
levando em conta a observação dos Diálogos das Grandezas
do Brasil, cuja autoria é atribuída a Ambrósio Fernandes
Brandão, aliás citado na relação como senhor de três engenhos
na Paraíba. É certo que o ano de 1623 já revela os efeitos da
crise de 1619-22, estudada por Ruggiero Romano, e que se
reflete na queda do montante do contrato do dízimo do açúcar
da safra 1623-24. 5 Mesmo admitindo uma produção
planejadamente reduzida, vale a pena considerar o fato pois
quando se trata da economia açucareira fica esquecida essa
variedade de condições de engenho para engenho; que, ao
lado de casas grandes como a de Megaípe, por exemplo, quase
uma fortaleza de alvenaria, ou da do Engenho Noruega, um
"Escurial rústico", havia outras construídas de taipa, não de
pilão, mas de "sopapo", como nos revela uma tela de Frans
Post. Observação que já fiz ao comentar um livro valioso e
raro do século passado, a Estatística dejaboatão (Recife, 1857).
Lê-se nos Diálogos:

24
"Nos engenhos de fazer açúcares há muito grande
diferença dos bons aos maus, porque aqueles que gozam de
três cousas, quando seus senhores têm fábrica bastante, são
sumamente bons; as quais três cousas consistem em ter muitas
terras e boas para a planta dos canaviais, água bastante que não
falte para a moenda e lenhas em grandes matas também em
quantidade ... E quando os tais engenhos são desta qualidade,
não lhes faltando, como tenho dito, a fábrica necessária,
costumam a fazer em cada um ano a seis, sete, oito e ainda a
dez mil arrobas de açúcar macho {isto é, branco e mascavado},
afora os meles, que são retames e batidos, que sempre chegam
a três mil arrobas; ... E os outros engenhos de menos porte
costumam a fazer a cinco e a quatro e ainda a três mil arrobas
de açúcar, e os tais são de pouco proveito para seu dono." 6
Classificando, nos termos dos Diálogos, os engenhos de
Pernambuco e Itamaracá (total de 117 enumerados e não 119
como indicado na relação) em "sumamente bons" (produção
igual ou superior a 6.000 arrobas de açúcar macho), em "de
menos porte" (de 3.000 a menos de 6.000 arrobas, idem) e em
uma terceira categoria, não mencionada nos Diálogos (de menos
de 3.000 arrobas, idem), teremos:

"sumamente bons" 19 15%


"de menos porte" 55 47%
terceira categoria 42 38%

Qual ou quais dessas categorias resistiriam ou não, com


maior ou menor sacrifício, aos períodos de queda de preço do
açúcar (tema que tem sido estudado por Fréderic Mauro)? É
assunto a investigar.
Com base em parte nesta relação, Evaldo Cabral de Mello
chamou pela primeira vez a atenção dos historiadores e ge-
nealogistas para um aspecto importante da história social do
Nordeste. Vale a pena transcrever suas observações:
"Quando se compara esta lista {dos proprietários de
engenhos, recolhida nas Denunciações do Santo Ofício
em Pernambuco, 1594-95} com a que se contém na relação
dos engenhos de Pernambuco preparada em 1623 por )o-

25
sé Israel da Costa, ou com a do 'Breve Discurso' {doc. V desta
coletânea} salta à vista a intensa transferência da propriedade
açucareira em Pernambuco entre 1594 e 1630. A impressão que
se tem está longe de confirmar a imagem tradicional de uma
sociedade estável do ponto-de-vista da composição da sua classe
privilegiada, recrutada entre pequenos fidalgos da província e
atuada por valores rotineiramente agrários, isto é, o grupo restrito
de colonizadores, vindos com Duarte Coelho ou ao tempo do
governo da sua viúva ou dos seus filhos, o qual teria mono-
polizado as oportunidades econômicas e sociais proporcionadas
pelo açúcar. Nada disto: estão quase ausentes os nomes de
famílias que se tem convencionalmente associado à colonização
da capitania, como a indicar que o grupo duartino não chegou a
obter, ou se obteve não pôde deter, o controle da propriedade
açucareira. Em 1594, em 61 nomes de senhores de engenho,
acham-se apenas 8 que sugiram esse primeiro 'Who is Who' da
história brasileira, que foram os pequenos fidalgos da colonização
da Nova Lusitânia: um Paes Barreto, um Lins, um Sá, um Holanda,
dois Bezerra, dois Albuquerques. Os restantes são todos nomes
obscuramente plebeus. Aos Albuquerques, menos de cem anos
após a chegada a Pernambuco do fundador da família, Verdonck
se refere depreciativamente como sendo 'grandes fidalgos
segundo se julgam, mas na realidade gente pobre e indigente'
{ver doc. IV desta coletânea}. Surpreendentemente, é na relação
de 1623 ou no 'Breve Discurso' que se vão encontrar nomes de
famílias da chamada 'nobreza da terra', o que sugere terem seus
membros se beneficiado do processo de transferência da
propriedade açucareira provocado pela crise da segunda e terceira
décadas de seiscentos". 7
A relação de José Israel da Costa foi pela primeira vez
publicada na Revista do Museu do Açúcar vol. 1 (Recife, 1968)
pp. 32-36.

1- O Dr. E. van den Boogaart atribui o memori~l aos anos de 1637-38, tempo em
que se debatia nos Países Baixos a questão do monopólio ou do comércio livre
do Brasil: Zo Wijd de Wereld Strekt (Haia, 1979) p. 250. O ano de 1636 parece-me
preferível, pois o autor se congratula com a "boa eleição que tomou para se ha-

26
ver de ir o bem nascido e piedoso Conde de Nassau ... para com seu maduro
conselho as inquietações do Brasil poder aquietar e pôr as causas em tal
ordem que não haja mais que desejar".

2 - Sobre o vocabulãrio dos judeus ibéricos nos Países Baixos ver, de B.N. Teensma,
o "Philological Commentary" à publicação do texto de David Franco Mendes,
"Memórias do estabelecimento e progresso dos judeus Portugueses e Espanhóis
nesta famosa Cidade de Amsterdam", em Studia Rosenthaliana vol. IX n11 2
(Assen, 1975) pp. 185-204.

3 - O texto em holandês - em tradução que acompanha o original português de


José Israel da Costa, também conservada no Arquivo citado - foi publicado
parcialmente pelo Dr. Boogaart, livro cit. em nota (1), pp. 250-51.

4- Veja-se a segunda edição integral dos Diálogos (Recife, 1966) pp. 87r88.

5 - O estudo de R. Romano pode ser lido em versão inglesa em Geoffrey Parker e


Lesley M. Smith, Tbe General Crisis ofthe Seventeenth Century(Londres, 1978)
pp. 165-225; Fréderic Mauro, Portgual et l'At/antique au XVII siecre (Paris, 1960)
pp. 251-52 e Evaldo Cabral de Mello, O/inda Restaurada (São Paulo, 1975) pp.
53-55. Os dízimos foram contratados pelos valores seguintes nas safras
abaixo:
1618-19 54.000 cruzados 1619-20 73.500 cruzados
1620-21 73.500 1623-24 51.000

6 - Diálogos, cit., pp. 86-87

7 - Evaldo Cabral de Mello, livro cit. em nota (5) pp. 57-58.

27
DOCUMENTO 2. TEXTO.

"Açúcares que fizeram os engenhos de Pernambu co,


Ilha de Itamaracá e Paraíba "- ano de 1623.

Açúcar Macho (branco e Arrobas (Açúcar) Arrobas


mascavad o) Retame
1 -Manuel Saraiba de Mendonça 11.620 2.700
2- Francisco Monteiro 5.910 1.010
3 - Gaspar de Mendonça 2.180 200
4- Antônio da Silva Barbosa 4.680 1.196
5 - Pedro da Cunha de Andade 9.035 2.000
6- Luísa Nunes 1 4.154 480
7 - Lourenço de Sousa de Moura
no Trapiche 500 90
8 - Henrique Afonso 3.970 614
9 - Marcos André 1.106
10 -Francisc o Brenger 2.190 500
11- Jerônimo Paes 9.520 2.590
12- Dona Isabel Carvalho 5.600 1.150
13 -Paulo Bezerra 6.550 1.960
14 -Luís Ramires 4.019 780
15 -Maria Barbosa 4.331 830
16 -Gaspar Fernandes Anjo 2.391 516
17 - Diogo de Araújo de Azevedo,
no engenho novo de Antônio
de Sá 5.476 1.308
18 -Manuel de Chaves no enge-
nho de Francisco Moura 5.230 1.480
19 - Antônio de Sá Maia no en-
genho de Santo André 4.723 677

28
2
20 - Pedro da Lauz 1.600 120
21- Luiz Dias Barroso 2.949 460
22 - Gregório de Barros Pereira no
engenho de Antônio de Bulhões 9.021 1.500
23- O Licenciado Manuel Nunes 2.700 500
24- Antônio Rodrigues Moreno 4.700 1.000
25- Salvador Jorge 2.100 400
26 - Filipe Diniz de Paz 5.840 1.770
27- Salvador Soares 3.400 600
28 - Baltasar Gonçalves Moreno 6.060 1.000
29- João de Barros Rego 4.820 1.043
30- Francisco do Rego Barros 7.420 300
31 - Gabriel de Pina 5.917 1.050
32 - Manuel Rodrigues Nunes 7.117 1.500
33- Manuel Rodrigues o mouco 1.100 260
34 - Diogo da Costa Maciel 2.870 500
35- Antônio Nunes Ximenes 5.400 500
36- Diogo Soares da Cunha 6.423 800
37 - Filipe Dias Vale em Grojaú 4.330 344
38- Gomes Martins · 3.545 420

Adiante 180.077 34.094

Açúcar macho o atrás monta 180.077 Retame 34.094


39 -João Paes Barreto 8.180 1.580
40 -O dito no engenho da Guerra 5.465
41- Manoel Gomes de Melo 4.000 840
42 - Cristóvão Paes 5.060 1.100
43 - André do Couto 2.540 800
44 - Pedro Lopes de Vera 3.640 850
45- Luís Marreiros 2.840 613
46- Dom Luís 5.660 1.257
47 - Filipe Paes 4.720 420
48 - Miguel Paes 4.267
3
49 - Gaspar de Mere 6.100 1.450
50- João Rodrigues Caminha 800
51- Diogo Fernandes Pantorro 6.995 860
52 - Estevão Paes 5.860 600
53 - Julião Paes 2.750 660
54 - Antônio Ribeiro de Lacerda 8.829 2.245

29
55- O engenho do dito da Bertioga 4.882 1.115
56 - Margarida Álvares 1.885 480
57 - Manuel de Mesquita da Silva 5.287 820
58 - Antônio Ribeiro de Lacerda no
engenho do Maranhão 3.095 560
59 - Manuel Vaz Viseu 4.300 800
60 - Gaspar Fragoso 4.460 1.042
61- Cosmo Dias de Afonseca 3.500 646
62 - O dito no Salgado 5.877 608
63 - Bastião Coelho 3.600 690
64 - Gaspar da Fonseca Carneiro 4.000 680
65 - Ana de Crasto 2.220 300
66- Manuel de Navalhas 6.550 700
67 - Alexandre de Moura 2.010 165
68 - Pedro Fragoso 4.213 1.102
69 - Francisco de Taíde 920 170
70 - Francisco Rodrigues do Porto 2.840 410
71 - Vicente Campelo no engenho
de Filipe de Albuquerque 6.368 2.260
72- Jaques Peres 7.928 1.981
73 -Jerônimo Albuquerque 5.278 1.231
74 - Pedro Lopes de Vera, 22 engenho 4.815 2.274
75 -Miguel Ferreira 4.919 1.336
76- Manuel Gonçalves 3.670 240
77 - Diogo Paes Barreto 5.159 1.390
78 - Jaques Peres resoado 1.555 330
79 - Rodrigo de Barros 4.259 630
80 - Manuel Camelo 2.740 440
81 - Manuel Ramalho 920 70
82 - Baltasar de Almeida Botelho 2.815 360

Passa à segunda coluna 373.117 71.895

Açúcar macho. Val o emfronte 373.117 Retame 71.895


83 -João Lins 1.020 117
84- Estevão d'Alpoem 1.545 320
85 - Pedro Fernandes 3.245 1.245
86 - Antônio Martins Ribeiro 300
87 - Cristóvão Dias 980 200
88 - Diogo Soares 6.557 840

30
89 -Tomé da Rocha 430
90- João Gomes d'Andrada 1.380 450
91- Francisco Gomes Flores 2.400 600
92 - André Coelho 100
93 - Julião Peixoto 540 140
94 -Jerônimo da Rocha não moeu
95 - Francisco Coresma 3.520 400
96 - Pedro da Rocha Leitão 2.200 647
97 - Rui Colasa 2.080 596
98 - Gonçalo Novo 1.320 225
99 - Francisco Correia 3.076 420
100- Domingos de Oliveira 4.800 800
101 -André da Rocha no Ubu 2.739 708
102 - Miguel Álvares Soares 1.780 400
103- Baltasar Rodrigues Mendes 1.260 400
104 - Polociano Brandão 1.800 444
105- Gonçalo Novo 3.091 1.213
106- Duarte Ximenes 3.108 500
107- Domingos da Costa B {randão} 5.627 1.435
108-Jorge Rodrigues Porto em Musupe 2.930 622
109- Pedro Fernandes Porto 4.036 1.104
110 -Jerônimo Couto 10.317 2.170
111 - O dito nos Três Paus 4.644 683
112- Gaspar de Figueiredo 4.640 1.339
113 - Francisco Homem d 'Almeida 1.256
114- Antônio d'Olanda 9.000 700
115- Diogo de Paiva 5.977 1.644
4
116 - Antônio Cavalcanti de Bojari 5.377 1.093
117 - Cosmo da Silveira 3.470 1.080

119 {sid engenhos. Passa


adiante 479.642 94.430
Açúcar macho. Valo atrás
Paraíba 479.642 94.430
118- 120- Ambrósio Fernandes
Brandão em 3 engenhos 13.586 Fez a Capitania da
121- O Padre Faria 3.000 Paraíba de retame
122 -Antônio Pinto de Mendonça 3.900 esse ano em todos
123 - Francisco Álvares Romão 4.000 os engenhos

31
124- João de Souto 4.570 16.018
125- O engenho dos Padres de São
Bento não moeu
126- Manuel Pires Correia 6.140
127 - Fernando Camelo 5.500
128- Pedro Candena 5.000
129 -André da Rocha 1.420
130- João Rabelo de Lima 6.078
131- Domingos Carneiro 3.590
132 - Domingos Fernandes em Tibiri 3.824
133 - Francisco Álvares 753
134-135- Duarte Gomes da
Silveira 2 engenhos 7.618

137 engenhos Arrobas 548.621 110.448

1 - Luísa Nunes, viúva de Álvaro Velho Barreto, senhora do Engenho do Meio, da


invocação de Nossa Senhora da Ajuda, na Várzea do Capibaribe, vendido a
Carlos Francisco Drago em 1625: Fernando Pio, "Cinco Documentos para a
História dos Engenhos em Pernambuco", Revista do Museu do Açúcar vol. 2
(Recife) 1%9) pp. 26-31.
2 - Pedro da Lauz, que aparece como De La Houst, é Pedro Lahoest, brabantino
(na atual Bélgica) que viveu na Espanha e em Portugal. Fixou-se em Pernambuco
antes de 1617 e morreu cerca de 1630. Casado com Cristina Rodrigues Delgado.
Eddy Stols, De Spaanse Brabanders of de Handelsbetrekkingen der Zuidelijke
Neder/anden met de Iberische Were/d, 1598-1648 2 vis. (Bruxelas, 1971) li pp. 37
(n2 291) e 42 (n2 332); Fernando Pio, "Cinco Documentos" cit., pp. 28-30. Aí está
Pedro de Laos por Laus; Arquivo Geral de Simancas, Espanha , Secretarias
Províncias códice 14% fls. 180v sobre a negociação que Pedro de Laó (sic)
fazia em 1607 de Cadiz com Pernambuco.
3- Gaspar de Mere era natural de Antuérpia, onde nasceu antes de 1570 e faleceu ,
ao que parece no Brasil, depois de 1639: Eddy Stols, De Spaanse Brabanders
cit., li p. 47 (n2 376); De Mere já estava em Pernambuco em 1617, na mesma
altura em que aqui viviam Pedro Lahoest e Adriano Verdonck, todos brabantinos.
De Mere está a merecer um estudo. Gaspar de Mere de Sousa, professor de
matemática em Coimbra, parece ser fllho seu: Sousa Viterbo, O Doutor Gaspar
de Mere (Lisboa, 1910).
4 - Sobre Antônio Cavalcanti ver Gil Maranhão, "As Sesmarias de Goiana e os
primeiros engenhos do Tracunhaém", Revista do Museu doAçúcarvol. 4 (Recife,
1970) pp. 7/20.

32
DOCUMENT03

Memória oferecida ao Conselho Político de


Pernambuco por Adriaen Verdonck em 1630.

Um "belga" da região brabantina, Adriaen Verdonck, é


autor de uma valiosa "Memória" oferecida ao governo holandês
de Pernambuco em 1630. Os invasores encontraram aqui vários
neerlandeses, quer das "Províncias Rebeldes" (os Países Baixos
de hoje) quer das chamadas "Províncias Obedientes" (a Bélgica,
sobretudo, que entretanto só viria a existir como Estado em
1830): senhores de engenho como Gaspar de Mere e Pedro
Lahoest; comerciantes ricos, como parece ser o caso de Adriaen
Verdonck; e técnicos, como o engenheiro Pieter van Bueren.
Indicação de que os capitais "flamengos" não faltaram à econo-
mia do Nordeste.
Nascido no Brabante cerca de 1589, Verdonck viveu por
algum tempo em Lisboa (por volta de 1611), passando-se a
Pernambuco onde estava pelo ano de 1618. Em 1630 tendo
servido por algum tempo aos invasores, na verdade conservou-
se fiel aos luso-brasileiros (provavelmente era Católico) mas,
descobertas suas ligações com estes, foi justiçado pelos ho-
landeses em 1631. 1 Conheceu larga parte do território
pernambucano e na "Memória" recolheu informações impor-
tantes acerca da área açucareira e das de policultura e de pecuária
que abasteciam aquela, voltada exclusivamente para a sua
atividade monocultora. Pernambuco açucareiro abastecia-se
nas Alagoas - do seu gado, das suas tainhas que viraram figu-

33
ras heráldicas, da sua mandioca, do seu fumo, este sempre tão
dependente da pecuária - e no Rio Grande, de onde vinham os
bois de talho e de trabalho e mais mandioca e milho; além dos
limitados campos de pequena agricultura, situados aqui e ali na
Capitania.
A região do açúcar começava nas Alagoas e tomava corpo
em Porto Calvo e em Serinhaém; o centro localizava-se nos vales
dos rios Ipojuca, Jaboatão e Capibaribe, onde estavam os
principais engenhos. A produção era transportada em barcos,
que podiam conduzir de 100 a 110 caixas de açúcar e as
entregavam nos "passos" para o embarque.
A "Memória" é conservada em cópia contemporânea no
Arquivo Geral do Reino, na Haia, cartório da Companhia das
Índias Ocidentais (Companhia Velha) maço 49, folhas 40/44,
entre as Cartas e Papéis do Brasil do ano de 1630. Foi traduzida
para o português por Alfredo de Carvalho e publicada sob o
título "Descrição das Capitanias de Pernambuco, Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande .... por Adriano Verdonck", na Revista do
Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano vol. IX n 2
55 (Recife, 1901) pp. 215-27; nova tradução por quem escreve
estas linhas, "Dois Relatórios Holandeses", Revista do Arquivo
Público Estadual de Pernambuco ano IV n2 6 (Recife, 1949) pp.
613-28, a qual sofreu revisão para a presente coletânea.

1 - Eddy Stols, De Spaanse Brabanders oj de Handelsbetrekkíngen der Zuídelíjke


Nederlanden met de Iberiscbe Wereld, 2 vols. (Bruxelas, 1971) 11, p . 67 e José
Antônio Gonsalves de Mello "Dois Relatórios Holandeses", Revista do Arquivo
Público Estadual de Pernambuco ano IV n" 6 (Recife, 1949) pp. 581-604.

34
DOCUMENTO 3. TEXTO.

Memória oferecida ao Senhor Presidente e mais Senhores do


Conselho desta cidade de Pernambuco, sobre a situação, lugares,
aldeias e comércio da mesma cidade, bem como de Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande segundo o que eu, Adriaen Verdonck,
posso me recordar. Escrita em 20 de maio de 1630.

§ 1Q RIO SÃO FRANCISCO. Em primeiro lugar, a


-

jurisdição de Pernambuco estende-se até o Rio São Francisco,


cerca de 40 milhas (*) para o sul; nessa região os poucos
habitantes, quase todos pastores, vivem unicamente de bois e
vacas, para a criação dos quais a terra se presta muito, havendo
ali grande quantidade desses animais; fazem também ali bastante
farinha, pescam muito peixe e plantam também muito fumo;
encontra-se igualmente algum pau-brasil, mas pouco açúcar e
todas essas mercadorias são trazidas anualmente de uma vez
para Pernambuco; à beira-mar tem-se achado freqüentemente
muito âmbar.
No mesmo rio São Francisco foi igualmente
encontrada, há cerca de 12 anos, uma mina de prata, da
qual um certo camponês ali morador retirou ocultamente
para mais de 50 ou 60.000 ducados, de que fez presente
de 10.000 ducados a um governador desta terra, chamado
D. Luís de Sousa, que ali foi expressamente em busca da
dita mina; outrossim há ali também muito salitre; quanto
à mina, sempre houve grande fama entre os portugueses

(•) A milha holandesa equivalia a 5.555m.

35
e não se pode duvidar da existência ali de grande quantidade
de prata, à vista das muitas experiências que foram feitas em
diferentes viagens àquele sítio; mas o rei da Espanha nunca quis
permitir a exploração da mina; para chegar-se ao povoado tem-
se de subir o mesmo rio cerca de cinco milhas e a mina da prata
fica a 4 ou 5 milhas para o interior.
§ 2Q- ALAGOAS- Perto do Rio São Francisco existe um
lugar chamado Alagoas, onde há dois rios, um situado ao norte
e outro ao sul; no mesmo lugar há um povoado de poucos
habitantes e nas imediações 5 ou 6 engenhos, mas fazem pouco
açúcar e anos há em que alguns não moem; ainda nesse lugar
existe grande quantidade de bois e vacas, por causa do excelente
pasto, de sorte que por esse motivo os moradores possuem muito
gado, que é a sua principal riqueza e constitui a melhor
mercadoria destas terras e com a qual mais se ganha devido à
sua rápida multiplicação; o povoado está situado sobre ambos
os rios e dista do mar umas cinco milhas.
Os moradores plantam ali grande quantidade de mandioca
e a maior parte da farinha que vem para Pernambuco é dessa
procedência; outrossim planta-se nesse lugar muito fumo e
prepara-se considerável porção de peixe seco, que todo é trazido
para aqui e prontamente vendido; além desses víveres produz a
terra muitos outros gêneros alimentícios, sem os quais dificilmente
poderiam manter-se os seus habitantes, tanto os da cidade como
os de fora; os moradores dessa região penso que são mais
afeiçoados aos holandeses do que à gente da sua nação, porque
quase todos são criminosos e gente insubordinada.
§ 3Q- PORTO CALVO- Próximo a Alagoas há um povoado
denominado Porto Calvo que também conta poucos habitantes;
na mesma região existe igualmente muito gado, principal riqueza
dos seus moradores, que o trazem de ordinário para Pernambuco;
plantam ali muito fumo, fazem bastante farinha e pescam muitos
peixes, na maior parte tainhas, que trazidos para Pernambuco
são logo vendidos; ainda nessa região existem 7 ou 8 engenhos
alguns dos quais fazem um pouco de açúcar.
Esse povoado também dista umas cinco milhas da praia e
é banhado por um rio de 9 a 10 braças de fundo, pelo qual se
pode subir do mar para o povoado.

36
§ 4º - UNA - Não longe de Porto Calvo está situado um
povoado de nome Una, em cujos arredores se encontra também
muito gado, e os moradores plantam muita mandioca e milho,
como em todos os outros lugares já citados; também muito fumo,
feijão, favas e outros cereais e muitas outras frutas; pescam
igualmente muito, e tudo trazem para vender aqui em
Pernambuco.
Nas vizinhanças há 4 ou 5 engenhos que fazem algum
açúcar; o povoado está a 3 milhas da praia e pode subir-se até
ele em uma chalupa; os moradores também não são numerosos,
de sorte que penso que do rio São Francisco até aqui, no espaço
de umas 20 milhas, podem morar cerca de 500 a 600 homens,
quase todos mamelucos e gente muito má.
§ 5º- SERINHAÉM- Próximo a Una encontra-se um grande
povoado chamado Serinhaém, pobre de gado porque os
moradores ali se ocupam de preferência na cultura de canas, de
modo que na jurisdição do mesmo povoado há 12 ou 13
engenhos, que ordinariamente fazem grande quantidade de
açúcar, a saber, 6 ou 7.000 arrobas cada engenho e quase que é
o melhor açúcar que se fabrica nesta terra; está a 2 milhas da
praia e as barcas sobem o rio para carregar açúcar, de 100 a 110
caixas em cada barca; o mesmo rio é pouco profundo na foz,
onde não tem mais de 7 a 8 pés d'água.
No mesmo povoado e nas proximidades moram muitos
Albuquerques, e grandes fidalgos, segundo se julgam, (•) mas
na realidade gente pobre e indigente, e ao todo pode ali haver
uns 500 habitantes, que plantam muita mandioca, fumo e toda a
casta de cereais e pegam muito peixe; há também ali algum
pau-brasil e a mesma jurisdição de Serinhaém é um sítio muito
aprazível para morar-se.
§ 6º - IPOJUCA- Perto de Serinhaém há um povoado
de nome Ipojuca onde pode haver uns 600 habitantes
em toda a jurisdição e muita gente rica, sendo um
lugar muito agradável para morar-se; nas cercanias há
13 ou 14 engenhos que fazem grande quantidade de açú-

(•) Ver Padre Jácome Monteiro, "Relação da Província do Brasil em 1610", em Padre
Serafim Leite, História da Companhia de]esus no Brasi4 10 vols. (Lisboa, Rio de
Janeiro 1938-50) VIII p. 405.

37
car; farinha, fumo e peixe vem pouco desse lugar porque disto
não fazem alimento; para chegar-se ao primeiro desses engenhos,
junto ao qual há um armazém para onde é levado o açúcar de
quase todos os engenhos próximos, tem-se de subir o rio Ipojuca,
situado logo adiante do Cabo Santo Agostinho por espaço de 2
milhas; junto à foz do rio há 2 ou 3 canhões a fim de impedir a
entrada ao inimigo e na mesma foz não há mais de 7 ou 8 pés
de água; aí vão as barcas carregar de 100 a 110 caixas de açúcar
para transportá-las ao Recife, como o fazem em todos os outros
lugares.
§ 72 - CABO SANTO AGOSTINHO- SANTO ANTÔNIO-
Não longe de Ipojuca está o Cabo Santo Agostinho, onde existe
um povoado chamado Santo Antônio do Cabo; nessa jurisdição
deve haver cerca de 20 engenhos ou mais, porque é uma grande
extensão de terra. Há ali alguns engenhos excelentes, que
fabricam muito e bom açúcar; quanto a cereais, farinha, fumo,
gado e peixe quase nada vem dali porquanto os habitantes apenas
plantam, fabricam, criam e pescam o necessário ao seu consumo,
dedicando-se principalmente à cultura da cana; todavia há ali
alguns plantadores de mandioca que fazem farinha para vendê-
la na mesma região aos moradores.
Em todos esses lugares atrás mencionados há grande
quantidade de toda a casta de peixe e abundância de camarões
e caranguejos que, principalmente no inverno, os mouros com
pouco trabalho sabem achar e pegar para o sustento dos seus
senhores, havendo também muita caça de toda a qualidade,
que, com a mesma facilidade e sem trabalho, é diariamente
apanhada e constitui um alimento muito delicado; além disto há
muito boas frutas e verduras para comer-se, de que em todos os
lugares os moradores têm grandes e belos pomares e hortas, nos
quais há de tudo.
O mesmo povoado de Santo Antônio do Cabo dista
duas milhas do mar e não havendo rio para subir-se até
os engenhos, quase todo o açúcar tem de ser transportado
por terra até às barcas e algum é levado para outro lugar
e chega à foz de um rio chamado jangada, junto a Nossa
Senhora da Candelária, umas 3 milhas ao norte do Cabo;

38
a mesma regtao é um lugar belo para morar-se, pois com
facilidade criam-se muitos carneiros, cabritos, bodes, porcos, perus
e galinhas e há também caça de toda a espécie, muitas frutas, de
sorte que não há falta de comestíveis.
§ 8 2 - NOSSA SENHORA DA CANDELÁRIA -
CURCURANAS - Próximo ao Cabo Santo Agostinho há na praia
uma igrejinha chamada de Nossa Senhora da Candelária, como
acima foi referido; logo junto a essa igrejinha, para o norte,
existe um caminho na extensão de um tiro de mosquete, pelo
qual se chega sem tardança a um grande e belo lugar de nome
Curcuranas, onde habitualmente os portugueses tinham, e é difícil
que ainda tenham, para mais de 1.300 a 1.400 cabeças de gado
e algumas vezes ainda mais, que para ali vinham dos
mencionados e doutros lugares para o consumo da cidade de
Pernambuco e onde os marchantes iam comprá-lo quando tinham
necessidade, bem como ali conservavam gado por causa de um
muito bela e grande pastagem, na qual há espaço para mais de
3.000 bois e água em abundância; nesse lugar e nos arredores
devem morar 60 ou 70 homens.
§ 92 - OS GUARARAPES- JABOATÃO- MURIBARA-
CAMASSARIM - VÁRZEA DO CAPIBARIBE - Das Curcuranas à
cidade de Pernambuco há umas cinco milhas e contando para a
jurisdição o território na extensão de cinco milhas também para
o interior, notam-se ainda outros lugares, a saber: os Guararapes,
Jaboatão, Muribara, Camassarim e Várzea do Capibaribe; deve
haver em todos esses lugares bem 24 ou 26 engenhos, dos
quais 13 ou 14 numa bela planície denominada Várzea do
Capibaribe, a 2 ou 3 milhas da cidade, e onde está a melhor e
mais bela moradia, melhor do que em qualquer dos lugares
atrás mencionados e é o principal deles, de onde vem a maior
e melhor parte do açúcar; esta Várzea é muito habitada, tem
muitas e muito belas casas, residindo ali muita gente de
qualidade e várias pessoas ricas, de sorte que das Curcuranas
até Pernambuco, numa largura de 4 a 5 milhas, deve haver mais
de 800 homens; ali fazem também muita farinha, que
ordinariamente é a melhor da terra e quase toda consumida
pelos próprios habitantes, que possuem igualmente toda a casta

39
de animais domésticos em abundância, como bois, vacas,
carneiros cabritos, etc., que tanto ali como em todos os lugares
atrás mencionados são sempre encontrados em quantidade,
porque todos os moradores os criam juntos às suas casas, de
modo que não experimentam dificuldade quando acontece
aparecer num dia, inesperadamente, 10 ou 12 hóspedes,
porquanto possuem à mão todo o necessário, tanto animais como
muito peixe de rio, quantidade de camarões e alguns de tamanho
que 5 ou 6 bem podem pesar uma libra, caranguejos, muita
caça, toda a sorte de legumes de suas hortas e toda a sorte de
guloseimas de que este povo é muito amante; têm, outrossim, os
seus pescadores, que saem ao mar até 2 e 3 milhas da costa, de
modo que nunca lhes falta carne fresca nem peixe fresco e tudo
o mais acima referido, fora outras cousas que presentemente
não me vêm à memória.
§ 10º- MATA DO BRASIL- Além dos que acabamos de
mencionar, há ainda um lugar muito grande e habitado chamado
Mata do Brasil, o qual está situado a cerca de 9 ou 10 milhas ao
sul de Pernambuco para o interior: ali moram muitos camponeses
que fazem considerável porção de pau-brasil com os seus mouros
e brasilienses, sendo ali livre o corte do pau-brasil e cada um
pode tirá-lo aonde quiser; depois de limpo é trazido em carros
para um lugar de nome São Lourenço, ao qual adiante teremos
que nos referir, onde é vendido aos contratantes do rei, que dão
por cada 128libras ou 4 arrobas, ordinariamente, de um cruzado
a 450 ou 480 réis, e ainda assim o pagamento é quase sempre
feito em mercadorias, por preços 100% acima do seu valor, sendo
que o negócio só pode ser feito desse modo, porque ninguém
pode comprá-lo, sob grandes penas, senão unicamente eles.
O pau-brasil que anualmente vem dessa Mata do Brasil é
em grande quantidade e ali há também em abundância gado,
carneiros, bodes, muitos porcos, perus, galinhas e tanta caça que
causa admiração, afora toda casta de animais que ali se dão
muito bem, pelo que há ali muitos víveres, porque é uma terra
muito produtiva e aonde os portugueses semeiam e plantam num
espaço de 20 milhas de comprido sobre tantas de largo. Nessa Mata
do Brasil podem morar ao todo 150 a 200 homens, pouco mais ou

40
menos; ali também fazem muita farinha e colhem fumo, grande
quantidade de milho, feijão, favas e toda a sorte de frutos.
§ 11º - SÃO LOURENÇO -Há, ainda, um povoado
próximo a essa Mata do Brasil chamado São Lourenço, situado a
cinco milhas de Pernambuco para o interior, onde existem 7 ou
8 engenhos fazendo muito e bom açúcar e também é muito bela
e aprazível moradia; encontra-se ali de tudo, exceto peixe fresco,
devido à distância do mar, o mesmo que acontece na Mata do
Brasil; porém, em vários sítios pegam com pouco trabalho toda
a casta de peixe de rio, alguns do tamanho de um braço.
Por todo este país os portugueses empregam um processo
especial quando querem pegar grande porção de peixe sem
trabalho; dirigem-se para o rio que lhes parece oferecer melhor
oportunidade e tomam umas certas varas, que para isto vão
buscar ao mato; depois de bem batidas lançam-nas ao rio, de
sorte que o peixe com isto fica embriagado e vem boiar à flor
d'água, podendo ser pegado à mão; o efeito de tais varas sobre
os peixes faz-se sentir dentro de três ou quatro horas; dias houve,
em que vi fazer isto, serem apanhados de 6 a 7.000 peixes de
todas as qualidades e tão gordos e de delicado sabor quanto se
pode desejar. Essas pescarias são ordinariamente feitas no verão,
quando os rios não têm muita água; o pau com que embriagam
os peixes é chamado timbó.
É para notar que nesta terra não se recebe dinheiro dos
viajantes pela sua hospedagem; venham de onde vierem, sejam
conhecidos ou desconhecidos, dá-se-lhes imediatamente agasalho
e são muito bem tratados de tudo.
Nesse lugar de São Lourenço fazem também muito pau-
brasil, além do que para ali é levado para ser transportado em
outros carros para o Passo do Fidalgo, distante de Pernambuco
cerca de 2 milhas, e para onde se vai em barcas que sobem o
rio; em São Lourenço e na sua jurisdição pode haver de 250 a
300 habitantes.
§ 12º ALDEIAS DE BRASILIENSES- Do rio São Francisco
até aqui, segundo a minha estimativa, deve haver 11 a 12 aldeias
de brasilienses, todas distantes da praia 3 ou 4 milhas; essas
aldeias podem ter cerca de 200 hábeis flecheiros, além das
mulheres e crianças.

41
§ 132 - PERNAMBUCO- Até aqui temos mencionado
todos os lugares que se acham sob a jurisdição de Pernambuco,
isto é, do rio São Francisco até à cidade; agora vamos falar da
mesma cidade, referindo como dentro dela se encontra um muito
belo, grande e forte convento de Jesuítas; logo junto, outro de
Franciscanos e adiante ainda outro chamado de São Bento,
também bonito, forte e grande; além destes há, ainda, um convento
de freiras denominado Conceição e nestes 5 (•) conventos podia
haver bem 130 pessoas religiosas, sem contar 50 ou 60 padres
que moram na cidade; afora esses há, ainda, bem uns 100, que
residem fora da cidade e quase que em cada engenho um.
Além dos citados existe um convento de Franciscanos
no povoado de Ipojuca, outro da mesma ordem no povoado
de Igarassu e, ainda, um dos mesmos frades no outro lado do
Recife, de modo que só na jurisdição de Pernambuco são
mantidos cerca de 400 religiosos; tem a mesma cidade de
Pernambuco duas igrejas paroquiais chamadas do Salvador e
de São Pedro, e ainda outra de nome Misericórdia, onde tamb~m
está o hospital, assente sobre um monte no centro da cidade;
logo ao descer o pendor próximo chega-se a um templo
chamado de Nossa Senhora do Amparo e adiante a outro de
nome de São João e mais afastado vê-se a igrejinha de Nossa
Senhora de Guadalupe; no cimo de um elevado oiteiro ergue-
se a igreja de Nossa Senhora do Monte e a dois tiros de mosquete
da cidade há a igrejinha de Santo Amaro. Ordinariamente vêm
a Pernambuco todos os dias, por terra, de distâncias de 1 a 6
milhas, 350 a 400 mouros, antes mais do que menos, todos
bem carregados com comestíveis, a fim de vendê-los para os
seus senhores, e isto além das barcas que diariamente chegam
ao Recife, de todos os lugares atrás mencionados e ainda de
outros, e que também trazem mantimentos; todos os dias vão
mais de 200 negros a uma ou duas milhas da cidade só a pegar
caranguejos, e voltando à tarde para casa, carregados, vendem-
nos todos; havia igualmente aqui cerca de 100 negros que
diariamente saíam a pescar no mar, além de muito peixe
apanhado na praia com redes e de uma grande barca de pes-

(•) Com o do Carmo, não mencionado.

42
caria que ia até 4 a 5 milhas da costa e sempre voltava carregada;
na minha opinião devia haver na cidade de Pernambuco mais
de 800 homens e bem 4.000 ou mais mouros e ainda outras
tantas mulheres e crianças.
§ 14º- RECIFE- Na entrada do recife, onde está o Poço,
há ordinariamente 19 pés d'água e num banco que existe dentro,
e por cima do qual têm de passar os navios, há 14 pés.
§ 15º- ILHA DE ITAMARACÁ- GOIANA- ARARIPE- A
cinco milhas ao norte de Pernambuco está situada uma ilha
chamada Itamaracá, a qual tem um bom rio, em que podem
entrar navios de 14 pés de calado: há nessa ilha, em cima de um
monte na entrada do rio, um pequeno reduto com 5 ou 6 peças
que podem lançar balas de 6 a 7 libras e são chamadas meios-
sacres.
Na jurisdição dessa ilha, que se estende até 14 ou 15
milhas de Pernambuco, pode haver cerca de 20 engenhos, que
uns pelos outros fazem muito açúcar, e o melhor lugar que existe
próximo a esses engenhos é chamado Goiana, sítio muito
agradável, grande, belo e fértil, tendo em abundância toda a
sorte de peixe, carne, frutas e outros víveres; ali reside gente rica
e muitos nobres, e os habitantes, tanto de Itamaracá quanto de
Goiana e de Araripe, devem ser mais de 300.
A mesma ilha com toda a sua jurisdição pertence ao Conde
de Monsanto, que mora em Lisboa, e os habitantes devem pagar-
lhe anualmente a renda de 2.500 a 3.000 ducados em dízimos
de açúcar e outros impostos. Há ali um capitão-mor sem soldados
e a justiça é ali também independente, conquanto o governador
intervenha na sua distribuição quando necessário; da mencionada
Goiana vem grande quantidade de pau-brasil, que é feito de 5 a
8 milhas para o interior e ali carregado em barcas para ser
transportado para o Recife.
§ 16º- IGARASSU- A uma milha de Itamaracá há ainda um
povoado de nome Igarassu, distante 5 milhas de Pernambuco, onde
os habitantes são todos gente pobre, como também na ilha de
Itamaracá, e vivem principalmente de seus ofícios ou para melhor
dizer do trabalho dos seus escravos; nas imediações desse povoado
há também 5 ou 6 engenhos ou talvez mais, contando com 2

43
ou 3 que distam dali 2 ou 3 milhas, em um lugar à margem dum
rio que é preciso passar-se para chegar até ele; esse rio, chamado
Paratibe, é ali muito largo, porém adiante estreita-se e fica água
morta com cinco palmos ou mais de fundo.
§ 17Q - PARAÍBA OU CIDADE FILIPÉIA- De Goiana vai-
se à cidade da Paraíba, por outro nome Filipéia, e passa-se por
duas aldeias de brasilienses que podem ter de 300 a 350 flecheiros;
a mesma cidade da Paraíba está a 25 milhas de Pernambuco e
na sua jurisdição existem 18 ou 19 engenhos, que anualmente
produzem perto de 150.000 arrobas de açúcar e que é muito
bom; a essa cidade chega um rio de 4 milhas de extensão e 14
pés de fundo, de modo que os navios que ali vão recebem os
carregamentos de 600 a 700 caixas de açúcar junto à cidade e,
estando carregados, descem de novo o rio, voltando para o mar;
na foz desse rio há um forte em mau estado, com 11 ou 12
peças de ferro, chamado Cabedelo.
Há pouco negócio nessa cidade, que é pequena e situada
numa planície; os principais habitantes residem na maioria fora,
no campo, a 3 e 4 milhas da cidade; ali plantam mandioca e
cereais, mas cousa de pouca consideração.
§ 18º - BAÍA DA TRAIÇÃO - CAMARATUBA - ALDEIAS
DE BRASILIENSES - Acima da Paraíba 7 ou 8 milhas está a
Baía da Traição, porto muito cômodo para muitos navios,
como é sabido dos holandeses; adiante desta baía há um
engenho situado num lugar denominado Camaratuba, o qual
faz pouco açúcar e a umas cinco milhas para o interior;
segundo penso, não há ali nenhum rio para subir-se até
Camaratuba.
Esse engenho está ainda sob a jurisdição da Paraíba e
nos arredores podem morar uns 40 homens; antes de chegar-se
a esse lugar, e nas vizinhanças da Baía da Traição, encontram-se
algumas aldeias de brasilienses, a maioria das quais têm sido
queimadas pelos portugueses e mortos ou escravizados os
brasilienses, porque há mais de 5 anos auxiliaram os holandeses
na mesma Baía da Traição e foram por estes enganados, donde
provém estarem ainda hoje, segundo dizem os portugueses, muito
irritados contra a nação holandesa.

44
§ 19º- CUNHAÚ- Três milhas acima de Camaratuba
existe ainda um engenho, no lugar chamado Cunhaú, o qual faz
anualmente de 6 a 7.000 arrobas de açúcar; esse lugar está sob a
jurisdição do Rio Grande e ali moram uns 60 ou 70 homens com
suas famílias; meia milha distante desse engenho corre um rio,
de três milhas de longo e meia milha de largo, onde as barcas
iam carregar açúcar, de 100 a 110 caixas cada barca, e traziam
dali também comestíveis; há ali, também, muito gado, farinha e
milho que ordinariamente é trazido para Pernambuco com o
açúcar.
§ 20º- CIDADE DO RIO GRANDE CHAMADA DO NATAL
-ALDEIAS DE BRASILIENSES- De Cunhaú à cidade do Rio
Grande, chamada cidade do Natal, há 17 milhas contadas ao
longo da costa; para o interior e em muitos lugares o terreno é
improdutivo; a gente que ali vive não mora a mais de 4 a 5
milhas da costa; nessa região do rio Grande há gado em
quantidade e abundância, em muitos lugares porcos e em geral
muitas galinhas.
As pastagens são ali excelentes e os habitantes não têm
outra riqueza senão o gado, como que fazem muito dinheiro;
entretanto, a maioria do povo é miserável, mal tendo de que
viver; pegam ali muito peixe, plantam grande quantidade de
mandioca para fazer farinha e também muito milho, o que tudo
é trazido aqui para Pernambuco; há igualmente abundância de
caça e de frutos silvestres.
Nessa jurisdição do Rio Grande pode haver ao todo 5 ou
6 aldeias de brasilienses, que, juntas, devem contar 750 a 800
flecheiros, e a principal destas aldeias é chamada Mopobu e está
situada a 7 milhas ao sul do Rio Grande e a 4 ou 5 milhas para o
interior; nessa jurisdição há também 2 engenhos que fazem pouco
açúcar; a cidade tem cerca de 35 a 40 casas de palha e barro,
mas os habitantes mais abastados dos arredores vivem
habitualmente nos seus sítios e vêm apenas à cidade aos
domingos e dias santificados para ouvir missa; os habitantes de
toda essa jurisdição, num raio de 6 a 9 milhas, não excedem de
120 ou 130 homens, na maioria camponeses ignorantes e
grosseiros; ali se encontra freqüentemente muito âmbar na praia.

45
§ 212 - O FORTE DO RIO GRANDE CHAMADO DOS
TRÊS REIS MAGOS - Da cidade do Rio Grande ao forte chamado
os Três Reis Magos há apenas a distância duma pequena meia
milha, e esse forte é o melhor que existe em toda a costa do
Brasil, pois é muito sólido e belo e está armado com 11 canhões
de bronze, todos meios-canhões, muitas colubrinas e ainda 12
ou 13 canhões de ferro, estes porém imprestáveis; na entrada do
mesmo forte há também 2 peças e daí chega-se ao paiol da
pólvora; as muralhas podem ter de 9 a 10 palmos de espessura e
são dobradas, tendo o intervalo cheio de barro; ordinariamente
há poucos víveres no forte, porque entre esses portugueses não
reina muita ordem; a guarnição consta habitualmente de 50 a 60
soldados pagos e com a maré cheia o forte fica todo cercado
d'água, de modo que ninguém dele pode sair nem nele pode
entrar.
Junto ao mesmo forte, para o lado do norte, fica o rio
chamado Rio Grande, uni muito grande e belo lugar; por esse
motivo e porque os franceses e ingleses ali aportavam
freqüentemente com os seus navios, onde os reparavam e faziam
provisão d'água, frutas, carnes e outros refrescos, mandou o rei
construir aquele forte a fim de impedi-lo, porquanto também
iam ali traficar com brasilienses e adquiriam muito pau-brasil, do
qual agora já não há tanto, e ainda outras mercadorias.
Quando ali há falta de sal, o capitão-mor do dito forte do
Rio Grande manda uma ou duas barcas, de 45 a 50 toneladas, a
um lugar 60 milhas mais para o norte, onde há grandes e extensas
salinas que a natureza criou por si; ali podem carregar, segundo
muitas vezes ouvi de barqueiros que dali vinham com
carregamentos de sal, mais de 1.000 navios com sal, que é mais
forte do que o espanhol e alvo como a neve. É um lugar deserto,
em cujas imediações ninguém mora, aparecendo apenas ali alguns
tigres com os quais é preciso ter cautela.
Estas salinas estão rentes à praia completamente cheias
de sal; mas os navios que tiverem de ir ali, segundo penso,
devem conservar-se um tanto ao largo, porquanto aquela costa
é muito periosa.

46
DOCUMENT04

Inventário dos engenhos situados entre o Rio das jangadas


e o Rio Una, em Pernambuco, de Willem Scbott, 1636 .

Willem Schott veio ao Nordeste do Brasil na qualidade


de Conselheiro Político no ano de 1633, designado pela Câmara
da Zelândia da Companhia das Índias Ocidentais e aqui
permaneceu até 1638. Os Conselheiros Políticos tinham funções
judicantes e, conjuntamente, administrativas. No ano de 1636
faziam parte do Conselho Político, além de Schott, Jacob
Stachhouwer, Balthasar Wijntges, Ippo Eisens e Elias Herckmans.
No Recife estavam então Wijntges e Herckmans; Stachhouwer
acompanhava o exército; Eisens governava Itamaracá, a Paraíba
e o Rio Grande e a Schott "estava cometido o governo da região
entre o Rio das Jangadas e Serinhaém inclusive, regendo os
moradores, julgando e administrando os engenhos e os açúcares
confiscados" .1 Nessa função é que redigiu o "Inventário".
Schott acompanhou o exército holandês na campanha e
assédio das fortificações do Cabo Santo Agostinho desde 1635 e
se deteve na região até 1637; não fossem ocasionais serviços em
Itamaracá e no Rio Grande, podia dizer-se que serviu perma-
nentemente no sul da Capitania de Pernambuco. Com a conquista
dessa rica região açucareira em 1635 e a retirada de Matias
de Albuquerque, dos senhores de engenho e dos moradores
que não quiseram aceitar o domínio estranho e herético, os
holandeses vitoriosos mostraram-se vivamente interessados
em substituir os luso-brasileiros no domínio da produção açucarei-

47
ra. O açúcar prometia fortunas: no primeiro trimestre de 1637
(portanto, da safra de 1636-37) ele atingiu em Amstedã o preço
mais alto das décadas anteriores (ver o Apêndice 1). Em
conseqüência disso, chefes militares, funcionários civis, inclusive
vários Conselheiros Políticos, afora comerciantes holandeses e
alguns Judeus fizeram-se senhor.es de engenho, adquirindo
propriedades confiscadas pela Companhia. 2
O autor do "Inventário" foi um deles. Em 1636 há
referência a que ele ocupava um engenho na freguesia da
Muribeca, que não foi possível identificar; consta apenas que
naquele ano o engenho foi incendiado pelos campanhistas. 3
Em 6 de junho de 1637 adquiriu o Engenho Três Reis, na
Várzea do Capibaribe, o qual havia pertencido a Ambrósio
Machado de Carvalho (e, mais tarde, ficou conhecido como
do Cordeiro e é o atual bairro recifense desse nome); o preço foi
de 20.000 florins, a ser pago em quatro prestações anuais, a
primeira das quais devida em 1 de janeiro de 1639. Não ficou aí
o Conselheiro: em 21 de agosto do mesmo ano comprou um
pedaço de terra de 600 braças ( = 1.320m) em ·quadra, situado
no Arraial, ao sul do Rio Beberibe, com 14 negros entre velhos e
crianças, com roça e pastos, terra boa para plantar mandioca,
por 7.000 florins, a serem pagos em três prestações, de 8 em 8
meses. 4 Pretendia ele dedicar-se à vida agrícola e solicitou
demissão do cargo de Conselheiro. 5 Em carta datada do Recife
em 25 de agosto de 1637, dirigida aos Diretores da Câmara da
Zelândia, referiu que o Conde de Nassau e o Alto e Secreto
Conselho haviam posto à venda vários engenhos confiscados:
"o desejo que tenho de procurar minha fortuna pela
prosperidade da Companhia, levou-me à resolução de também
comprar um engenho, embora os negros necessários para tal
levem-me ao extremo, mas não obstante isso espero colher os
frutos do meu trabalho". 6 A propósito de negros diz, na mesma
carta, o que se refere também no "Breve Discurso" (doc. V), que
os de Ardra "são de natureza tão selvagem que se comem uns
aos outros, mas não se dispõem ao trabalho e fogem, do que
temos exemplos diários"; os que provinham de Angola eram os
preferidos e eram vendidos por 20 a 30 "peças de oito" mais

48
caros do que aqueles? Dos compromissos assumidos com essas
compras pouco pagou, pois seu nome consta da lista dos
devedores da Companhia, datada de 31 de dezembro de 1645,
com o montante de 22.040 florins. 8
Os Conselheiros Políticos daquela década de 1630 foram
apontados como interessados apenas em juntar dinheiro,
empregando quaisquer meios para isso. Um deles, Hendrik Schilt,
chegou ao extremo de torturar e matar o capelão do Engenho
Ubu, de Goiana, Padre Antônio Mendes de Elvas, para que disesse
onde estavam escondidos os objetos de ouro e prata do serviço
da capela; outro, Jan Robberts, embora negasse as acusações
que se lhe faziam, foram elas confirmadas ao serem examinados
seus papéis depois da sua morte no Cabo; e do próprio Schott se
diz que "também contra ele parecem pesar algumas culpas" .9
Schott não alcançou a demissão solicitada e, em maio de
1638, regressou à pátria por expiração do seu contrato. 10 Do ano
seguinte está datada uma "Breve Relação e Descrição Sumária
das terras, vilas e fortalezas conquistadas no Brasil, com a bênção
misericordiosa de Deus, pelas armas dos meus Senhores os
Diretores da Companhia Geral Privilegiada das Índias Ocidentais"
etc., de sua autoria, entregue aos membros da Câmara da Zelândia
em 24 de setembro de 1639. 11
O "Inventário", que aqui se divulga pela primeira vez,
não está datado, mas se encontra entre as "Cartas e Papéis do
Brasil" do ano de 1636 no Arquivo Geral do Reino (Haia), cartório
da Companhia das Índias Ocidentais (Companhia Velha), maço
51. O mesmo ano pode ser aceito como o da redação do
documento. Particularmente importante, pelas informações que
presta acerca das propriedades agrícolas e da situação em
que se encontravam após a campanha do ano anterior para o
domínio da área pelas armas holandesas: engenhos destruídos,
canaviais abandonados, "cobres" roubados, escondidos ou
lavados pelos fugitivos; pelo que se diz acerca do material de
construção das casas dos engenhos (a confirmar o documentário
esclarecedor que são as telas de Frans Post); pelo que
informa acerca da produção de açúcar de cada um deles,
a confirmar a variedade de capacidade produtiva das fá-

49
bricas de açúcar. E indica, ainda, engenhos localizados em áreas
pioneiras, a revelar o avanço do povoamento e a conquista da
floresta litorânea.
Observe-se que uns engenhos estão relacionados no
"Inventário" obedecendo uma ordem numérica e outros não. A
numeração incide apenas sobre os que foram abandonados pelos
seus senhores e confiscados pela Companhia; os demais estão
mencionados fora da seqüência. Aqueles são 31, estes 15, ao
todo 46 engenhos situados nas freguesias do Cabo, Ipojuca,
Serinhaém e Una.

1 - Arquivo Geral do Reino (Haia), cartório da Companhia das Índias Ocidentais


(Companhia Velha), maço 51, segunda parte do relatório de Servaes Carpentier
ao Conselho dos XIX, 11 de junho de 1636.

2-]. A. Gonsalves Mello, Tempo dos Flamengos, 21 ed. (Recife, 1978) p. 131.

3-]. de Laet, Jaerlyck Verbael van de Verricbtingen der G. WI.C., 21 ed., 4 vis. (Haia,
1931-37) IV p. 231. Certamente como senhor de engenho é que insistia pela
remessa para o Brasil de uma "boa quantidade de negros", em carta datada do
Pontal do Cabo 25 de julho de 1636. Arquivo e Cartório cit., maço 51.

4- Arquivo e cartório dt., maço 68, dag. notu/en de 6 de junho e 21 de agosto de 1637.

5- Arquivo e cartório cit., maço 52, generale missive do Recife 6 de maio de 1637.

6- Arquivo e cartório cit., maço 52, carta de W. Schott aos Diretores da Câmara da
Zelândia, Recife, 25 de agosto de 1637.

7 - Arquivo e cartório cit., e carta cit. Não obstante sua opinião em contrário, os
negros de Ardra (Aliada) continuaram a ser importados em número elevado
C4.828 no período 1637-45): Henry A. Gemery e Jan S. Hogendom, The Uncommon
Market (New York, 1979) p. 360. Ver a respeito a obseervação de Philip D.
Curtin, The Atlantic Slave Trade (Madison, 1969) p. 186 e o histórico de Aliada
em La Traite des Noirs par I'Atlantique (Paris, 1976) pp. 256.60. Uma "peça de
oito" valia então 9 scbellingen que correspondiam a 2 florins e 14 stuivers:
Arquivo e cartório cit., generale missivedo Recife 6 de maio de 1637 cit.; portanto,
as 20 a 30 peças de oito equivaliam a cerca de 50 a 80 florins.

8- Arquivo e cartório cit., maço 62: "Balance der Boeken. Litera E".

9 - Arquivo e cartório cit., maço 52, genera/e missive datada do Recife, 1637 e
"Articulen" de acusação a Schilt, Recife 12 de agosto de 1637.

10- Arquivo e cartório cil., maço 53 generale missive do Recife 23 de maio de 1637.

11 -Arquivo e cartório cit., maço 46, onde se guarda o próprio original.

50
DOCUMENTO 4. TEXTO.

Inventário, na medida do possível, de todos os engenhos


situados ao Sul do rio da jangada até o rio Una, feito
pelo Conselheiro Schott.

Engenhos do Cabo

1 -Engenho Velho, pertencente a João Paes Barreto, fugido


com Matias de Albuquerque, está situado uma milha ao oeste
do rio da Jangada, tem sua casa de purgar com paredes de
alvenaria e o telhado é pela metade novo, mas o resto está
arruinado. Nela foram encontradas as fôrmas e caixas de açúcar
abaixo especificadas; a casa das caldeiras também tem paredes
de alvenaria, mas o telhado está parcialmente destruído; a custo
razoável poderá ser consertado, como também a moenda, ou o
moinho, com o qual se mói a cana; a casa na qual morava o
senhor do engenho está em muitos lugares desmoronada e não
poderá ser recuperada e reconstruída senão com grande despesa;
mói com água, mas o açude rompeu e secou, o que se pode
consertar com custo razoável. Se não houver inconveniências
inesperadas, este engenho mói anualmente 10.000 a 11.000
arrobas de açúcar; tem uma milha de terra, em cujas várzeas é
plantada a cana; paga 3 e 112 por cento como recognição a Duarte
de Albuquerque, senhor da Capitania de Pernambuco; os
lavradores do dito engenho são os seguintes:
Luís de Paiva, tem um partido situado a leste do engenho,
tem obrigação de fornecer.

51
Manuel de Medella, tem um partido perto do citado, tem
obrigação de fornecer.
João Correia, tem um partido situado um pouco mais ao
norte, junto ao outro, tem obrigação de fornecer.
Antônio Vieira, tem um partido junto ao acima men-
cionado, tem obrigação de fornecer.
Jerônimo de Albuquerque, tem um partido igual situado
um pouco mais ao sul do de Luís de Paiva, tem obrigação de
fornecer.
Um lindo partido, pertencente ao senhor do engenho João
Paes Barreto mesmo, situado junto ao citado de Jerônimo de
Albuquerque, fornece anualmente 80 tarefas.
As caldeiras deste engenho foram encontradas jogadas
no mato.No mesmo engenho foram encontradas 29 caixas de
açúcar pertencentes a João Paes Barreto, com a marca PB, como
também 3 caixas de Antônio Vieira, com a marca AV e na casa
de purgar 1.503 fôrmas de aç_úcar, que foram purgadas e
encaixadas por Matias Gomes, e que, segundo sua conta, firmada
sob juramento, renderam 1.595 arrobas de açúcar branco e 350
arrobas de açúcar mascavado, das quais 514 fôrmas competem
ao lavrador Luís de Paiva, mas porque, tanto pelos soldados do
inimigo como pelos nossos muitas fôrmas estavam quebradas,
foi feito um acordo com o mesmo de 480 fôrmas, que, a 10 por
cento de avanço, renderam 422 arrobas de açúcar branco e 106
arrobas de açúcar mascavado, tirado disto a décima parte para a
Companhia de sua recognição, a sabeer, 42 e 1/2 arrobas de
açúcar branco e 10 arrobas de açúcar mascavado, ficam 379 e V2
arrobas de açúcar branco e 96 arrobas de açúcar mascavado.
Destes a terça parte pertence ao lavrador, segundo o acordo
feito com João Paes, ou 126 e 1/2 arrobas de açúcar branco e 32
arrobas de açúcar mascavado; restam para a Companhia 253
arrobas de açúcar branco e 64 arrobas de açúcar mascavado.
Ao lavrador João Correia competem 580 das acima
mencionadas fôrmas, sendo feito, pelas razões já antes
explicadas, um acordo de 560 fôrmas que renderam 496
arrobas de açúcar branco e 124 arrobas de açúcar
mascavado, tirando-se o direito do dízimo para a Companhia
49 e 1/z arrobas de açúcar branco e 12 arrobas de açúcar

52
mascavado, ficam 446 1h arrobas de açúcar branco e 112 arrobas
de açúcar mascavado, sendo destas, segundo o contrato do citado
lavrador Correia com João Paes, a terça parte dele, ou 148 e 1h
arrobas de açúcar branco e 38 arrobas de açúcar mascavado;
restam para a Companhia 298 arrobas de açúcar branco e 74
arrobas de açúcar mascavado. Fica um saldo líquido para a
Companhia de 1.320 arrobas de açúcar branco e 280 arrobas de
açúcar mascavado, que foram encaixados em 74 caixas e, com a
marca da Companhia, mandadas para o Pontal.
2 - Engenho da Guerra, pertencente ao citado João Paes
Barreto, fica a menos de meia milha ao sudoeste do seu men-
cionado engenho Velho; este engenho mói com bois, tem duas
moendas que anualmente moem 6.000 a 8.000 arrobas de açúcar;
as canas crescem nos vales em redor do engenho, tendo a terra
destinada para isto a extensão de uma milha; a casa de purgar tem
paredes de taipa, como também um lado da casa das caldeiras, nas
quais foram encontradas as caixas, fôrmas de açúcar e caldeiras
abaixo mencionadas. Aqui não havia casa de morada para o senhor
do engenho. Paga de recognição 30 arrobas de açúcar encaixado.
Na casa de purgar foram encontradas 58 caixas pertencentes ao
senhor do engenho, as quais, com a marca da Companhia, foram
mandadas para a Barreta, Rio da Jangada e o Pontal.
As 1.955 fôrmas purgadas por Matias Gomes renderam,
segundo sua conta, 1.910 arrobas de açúcar branco e 1.421
arrobas de açúcar Il).ascavado, encaixados em 107 caixas, que,
com a marca da Companhia, foram mandadas para o Pontal e
a Barreta. Na casa das caldeiras foram encontradas 5 caldeiras
grandes, 4 tachos, 1 parol, 1 bacia, 3 tachos; na casa de purgar
5 escumadeiras, 4 pombas e mais algumas outras ferramentas
de cobre e de ferro quebradas.
Engenho Trapiche, ou Nossa Senhora da Conceição,
pertencente a Dona Adriana, viúva de Manuel Gomes de
Melo, fica uma pequena milha ao sudoeste do citado
engenho da Guerra, mói com água, tem um lindo açude,
mas difícil de manter; pode anualmente fazer 4.000 a 5.000
arrobas de açúcar. A casa de purgar tem paredes de taipa e
o telhado é muito velho, como também a casa das cal-

53
deiras, mas a citada viúva, graças ao seu passaporte, obtido em
Porto Calvo, consertou este engenho à própria custa e fê-lo
novamente moer; paga como recognição 1 e Yí por cento. O
canavial está em redor do engenho e o restante da terra que lhe
pertence consiste de matas e não serve para plantação de cana.
Na varanda da casa de purgar foram achadas 8 caixas de
açúcar branco e 3 de açúcar mascavado, marcadas GWC, 30
caixas do senhor do engenho; outras 53 caixas, pertencentes ao
mesmo senhor, foram escondidas na mata sob uma coberta de
palha, cerca de três tiros de mosquete distante da casa, somando
ao todo 94 caixas.
Na casa de purgar: 108 fôrmas feitas pelos Cavalcantis
de Goiana e 565 fôrmas trazidas para o engenho por Antônio
da Rocha, e 474 fôrmas trazidas para o engenho por Antônio
Correia no total de 1.147 fôrmas. As 565 fôrmas de Antônio da
Rocha renderam, segundo a conta do feitor Antônio Dias, 536
arrobas de açúcar branco e 122 arrobas de açúcar mascavado,
das quais o dízimo pertence à Companhia e a metade ao
lavrador, conforme o contrato que me foi mostrado, ou 241
arrobas de açúcar branco e 55 de açúcar mascavado; ficam
para a Companhia 295 arrobas de açúcar branco e 67 arrobas
de açúcar mascavado. As 474 fôrmas de Antônio Correia
renderam, segundo a conta, 418 arrobas de açúcar branco e 92
arrobas de açúcar mascavado, das quais o dízimo é da Companhia
e fica a terça parte pertencente ao referido Antônio Correia, como
mostra o acordo que fez com o senhor do engenho, sendo 27 Y2
arrobas de açúcar mascavado e 125 arrobas de açúcar branco;
ficam parra a Companhia 293 arrobas de açúcar branco e 64 e Y2
arrobas de açúcar mascavado. As mencionadas 108 fôrmas feitas
pelos Cavalcantis renderam 84 arrobas de açúcar branco e 24
arrobas de açúcar mascavado, que todas ficam pára a Companhia,
que deste modo obtém um total de 672 arrobas de açúcar branco
e 155 e Yí arrobas de açúcar mascavado, as quais o citado
feitor Antônio Dias fez encaixar em 33 caixas, que, com a
marca da Companhia, foram mandadas para o Cabo e a
Barreta, sendo deduzidas 50 caixas que à referida senhora do
engenho em Porto Calvo foram concedidas pelos Senhores

54
{Conselheiros} ali e depois pelo Conselho, sendo 30 que, por
conta do resgate de Pedro da Cunha, tinham sido pagas e 20
caixas para a viúva consertar o engenho.
3 - Engenho Novo de Cristóvão Paes, que fugiu com
Albuquerque, está situado um quarto de uma pequena milha
mais ao sul do engenho da referida Dona Adriana, tendo toda
sua cana plantada em redor do engenho. A terra que lhe pertence
foi calculada em meia milha; mói com água e tem um açude
muito difícil, cortado do rio Pirapama, e que deve ser mantido
com grande despesa. A casa de purgar tem paredes de taipa,
como também a casa das caldeiras; a moenda e a casa do senhor
de engenho tem um lado desmoronado. Para não perder o belo
canavial que lhe pertence, foi este engenho com não pouco
trabalho e com despesas razoáveis tão recuperado que atualmente
mói para a Companhia, podendo fornecer anualmente 5.000 a
6.000 arrobas de açúcar, se não acontecer algo inesperado; paga
como recognição 3 Vz por cento dos açúcares que nele são feitos.
Na casa de purgar foram encontradas 17 caixas do senhor
do engenho, 11 caixas do lavrador Antônio Lopes, ausente, 6 e
1/z caixas sem marca, no total de 34 e Vz caixas GWC; 255 fôrmas

AR, 251 do lavrador João Carneiro, 256 de Antônio Lopes e 222


do senhor do engenho (ambos ausentes), 66 fôrmas de Antônio
de Aguiar, ao todo 1.050 fôrmas, que, segundo a conta do
purgador Antônio Gonçalves, renderam o seguinte:
As 255 fôrmas pertencentes a Antônio da Rocha renderam
208 arrobas de açúcar branco e 80 arrobas de açúcar mascavado,
e, tirado o dízimo, cabe a metade ao lavrador, ou 93 1/z arrobas
de açúcar branco e 36 arrobas de açúcar mascavado; restam
para a Companhia 114 arrobas de açúcar branco e 44 arrobas de
açúcar mascavado. A 251 fôrmas do lavrador João Carneiro
renderam 218 arrobas de açúcar branco e 52 arrobas de açúcar
mascavado, e, tirado o dízimo, competem ao lavrador, pelas
duas quintas partes que lhe pertencem, 78 arrobas de açúcar
branco e 20 arrobas de açúcar mascavado; restam para a
Companhia 139 arrobas de açúcar branco e 32 arrobas de
açúcar mascavado. As 66 fôrmas de Antônio de Aguiar
renderam 58 arrobas de açúcar branco e 24 arrobas de

55
açúcar mascavado. Tirado o dízimo disto, pertencem ao
lavrador, pelas suas duas quintas partes, 20 e 1/z arrobas de
açúcar branco e 9 e 1/z arrobas de açúcar mascavado; restam
para a Companhia 37 1/z arrobas de açúcar branco e 15 arrobas
de açúcar mascavado. As 478 fôrmas do senhor do engenho e
do lavrador, ambos ausentes, renderam líquido 345 arrobas
de açúcar branco e 136 arrobas de açúcar mascavado, o que
junto com as outras arrobas faz para a Companhia um total
de 635 e Vz arrobas de açúcar branco e 227 arrobas de açúcar
mascavado, que foram encaixadas pelo citado Antônio
Gonçalves em 37 caixas, e com a marca da Companhia,
mandadas para o Pontal.
Engenho BomJesus, pertencente ao senhor Pedro Lopes
de Vera (que atualmente ele próprio mói e está sob passaporte),
fica meia milha mais ao oeste do engenho da Guerra de João
Paes, tem meia milha de terra cujas várzeas são plantadas com
cana, sendo o restante de matas; mói com água e pode
anualmente fornecer 5.000 a 6.000 arrobas de açúcar e paga 4
por cento como recognição.
4 - Engenho São João, pertencente a João Paes de
Castro, fugido com Albuquerque, fica um quarto de milha
ao oeste do acima referido do senhor Pedro Lopes; a casa
de purgar e a casa das caldeiras são muito velhas e estão em
muitos lugares desmoronadas e arruinadas. Nelas foram ainda
encontradas as caixas e fôrmas de açúcar abaixo men-
cionadas; tem uma milha de terra, cujas várzeas são plantadas
com cana, mas tudo muito abandonado; pode anualmente
fazer 4.000 a 5.000 arrobas de açúcar e paga 3 por cento
como recognição.
Na casa de purgar foram encontradas 3 caixas de açúcar
branco em más condições, pertencentes ao senhor do engenho;
284 fôrmas de açúcar, segundo a conta do purgador Domingos
Dias, renderam 269 arrobas de açúcar branco e 59 arrobas de
açúcar mascavado, das quais tirado o dízimo ficam para o lavrador
Melquior Pires 80 arrobas de açúcar branco e 18 arrobas de
açúcar mascavado; restam para a Companhia 189 arrobas de
açúcar branco e 41 arrobas de açúcar mascavado, que foram en-

56
caixados em 9 caixas e com a marca da Companhia mandadas
para o Pontal.
5 -Engenho Pirapama, pertencente ao referido João Paes
de Castro, fugido com Albuquerque, situado uma milha mais ao
sul do citado engenho São João, tem uma milha de terra, cujas
várzeas são plantadas com cana; mói com água e tem um bom
açude. Pode anualmente fornecer 5.000 arrobas de açúcar e
paga como recognição 3 e Vz por cento; na casa de purgar, que é
cercada com um muro de alvenaria, como também a casa das
caldeiras, foram encontradas os seguintes açúcares: 9 caixas de
açúcar do senhor do engenho, parte das quais em más condições:
638 fôrmas de açúcar que, segundo a conta do purgador
Domingos Dias, renderam 561 arrobas de açúcar branco e 82
arrobas de açúcar mascavado, das quais tirado o dízimo, ficam
para o lavrador suas duas quintas partes, ou 202 arrobas de
açúcar branco e 29 arrobas de açúcar mascavado; restam para a
Companhia 359 arrobas de açúcar branco e 48 arrobas de açúcar
mascavado, que foram encaixados em 20 caixas e, coma marca
da Companhia, mandadas para o Pontal e a Barreta.
7 - Engenho de Três Paus, (•) pertencente a João
Rodrigues Caminha, fugido com Albuquerque, situado um quarto
de uma milha ao sul do citado engenho Pirapama; mói com
bois e tem apenas uma moenda; a casa de purgar e a casa das
caldeiras têm paredes de taipa e os telhados são velhos; nelas
foram encontradas os açúcares abaixo especificados. A terra a
ele pertencente foi calculada em meia milha, sendo a maior
parte montes e matas. Da cana que cresce numa parte desta
terra pode este engenho anualmente fornecer 1.100 a 1.200
arrobas de açúcar; paga como recognição 1 e 1/z por cento.
Na casa de purgar foram encontradas 21 caixas de açúcar
pertencentes ao senhor do engenho e mais 552 fôrmas que,
segundo a conta do purgador, renderam 617 arrobas de açúcar
branco e 61 arrobas de açúcar mascavado. Tirado o dízimo, ficam
para o lavrador 222 arrobas de açúcar branco e 22 arrobas de
açúcar mascavado, e restam para a Companhia 394 arrobas de açúcar
branco e 39 arrobas de açúcar mascavado, dos quais foram feitas

(•) O erro da seqüência numérica é do texto holandês.

57
19 caixas que, com a marca da Companhia, foram mandadas
para o Cabo e a Barreta.
6- Engenho Marapatigipi, pertencente a Gaspar de Mere,
agora por ele abandonado; está situado uma milha mais para o
interior ao oeste do referido engenho de Três Paus. Tem meia
milha de terra, na maior parte de montes e matas, sendo a cana
plantada em alguns montes e, além disto, nos vales. Mói com
água e pode anualmente fornecer 2.000 a 3.000 arrobas de açúcar;
paga como recognição 60 arrobas de açúcar branco, que devem
ser entregues encaixadas no Recife.
A casa de purgar, como também a moenda, tem poucas
cousas quebradas e nelas foram encontradas 9 caixas do senhor
do engenho, 72 fôrmas da pensão, as quais, segundo a conta do
lavrador João Rodrigues, renderam 42 arrobas de açúcar branco
e 26 arrobas de açúcar mascavado, que foram encaixados em
três caixas e meia, que, com a marca da Companhia, foram
mandadas para a Barreta. Além disto os negros: João, Manuel,
Malemba, Maria, Esperança, Catarina, Susana, Adriana, sendo 3
negros e 4 {sic} negras muito idosos e incapazes. Na casa das
caldeiras foram encontradas 4 caldeiras, 5 tachos e 1 parol.
8 - Engenho São José, de Julião Paes de Altro, fugido
com Albuquerque. Situado uma pequena milha ao oeste do
referido engenho Marapatigipi. Mói com bois e tem apenas uma
moenda; a casa de purgar e a casa das caldeiras têm paredes de
taipa e o telhado é muito velho; tem cerca de meia milha de
terra, consistindo na maior parte de montes nos quais está a
maior parte dos canaviais; pode anualmente produzir 1.000 a
1.500 arrobas de açúcar e paga como recognição 1 e Vz por
cento. Na casa das caldeiras foram encontradas 2 caldeiras grandes .
e 3 tachos, um velho negro com uma negra.
9 - Engenho Utinga, pertencente ao citado Julião
Paes, situado meia milha ao sul do já referido engenho. A
casa de purgar e a casa das caldeiras são feitas de taipa e
nelas foram encontradas o que abaixo está especificado.
Mói com água mas tem um açude difícil; a terra que lhe
pertence é calculada em uma milha e tem muitas matas
e poucas várzeas; pode anualmente moer cerca de 2.000

58
a 3.000 arrobas de açúcar e paga como recognição 3 por cento.
Na casa das caldeiras foram encontradas 3 caldeiras, 3 tachos, 3
negras velhas com uma criança.
10- Engenho Nossa Senhora da Paz, pertencente a um
Domingos da Costa, agora abandonado; está situado meia milha
mais para o interior ao oeste do último mencionado engenho;
mói com água. A casa de purgar e a casa das caldeiras têm
parec_:ies de alvenaria, mas os telhados já são bastante velhos.
Nelas foram encontradas as cousas abaixo especificadas. Tem
cerca de uma milha de terra com muitos montes e matas; dos
seus canaviais podem anualmente ser fabricadas 4.000 a 5.000
arrobas de açúcar e paga 3 por cento de recognição. Na casa
do senhor do engenho e na casa de purgar foram encontradas
83 caixas cheias e também 1.055 fôrmas que, segundo a conta
do purgador Bento Dias, renderam 1.123 arrobas de açúcar
branco e mascavado.
Das citadas fôrmas competem 511 aos lavradores Gaspar
de Aguiar e Bento Dias Pinto, as quais renderam 420 arrobas
de açúcar branco e 114 arrobas de açúcar mascavado, das
quais tirado o dízimo ficam para o lavrador 151 arrobas de
açúcar branco e 21 arrobas de açúcar mascavado, restando
para a Companhia 269 arrobas de açúcar branco e 93 arrobas
de açúcar mascavado, que, com as mencionadas fôrmas,
representam para a parte da Companhia 858 arrobas de açúcar
branco e 93 arrobas de açúcar mascavado, dos quais foram
feitas 37 caixas que, com a marca da Companhia, foram
mandadas para o Pontal e Barreta.
11 -Engenho Cajubusu, pertencente a Fernando Gomes,
que está sob passaporte, e fica duas milhas ao oeste do engenho
acima mencionado de Domingos da Costa. Mói com água e tem
cerca de uma milha de terra, da qual muita consiste de montes.
Pode anualmente produzir 1.000 a 2.000 arrobas de açúcar e
paga 3 por cento de recognição.
Engenho São Braz, pertencente a Antônio d' Ahilda
{sic}, que está sob passaporte. Fica situado uma milha ao
oeste do citado engenho Cajubusu, tem cerca de uma mi-

59
lha de terra, na maior parte montes e poucas várzeas; pode
anualmente produzir 1.000 a 2.000 arrobas de açúcar e paga
com recognição 3 por cento. Mói com água.
Engenho Santo Agostinho, pertencente a Antônio Nunes
Ximenes, que recebeu nosso passaporte; está situado uma
pequena milha mais ao oeste das matas do acima mencionado
engenho e tem cerca de meia milha de terra, sendo parte da
cana plantada nas várzeas, outra parte nos montes. Mói com
água e tem um bom açude e pode anualmente fornecer 1.000 a
2.000 arrobas de açúcar. Paga 3 por cento de recognição.
19 - Engenho Jurisac, pertencente à viúva de Dom Luís
de Sousa, chamada Dona Catarina, fugida com Matias de
Albuquerque. Está situado uma pequena milha ao leste do
mencionado engenho Trapiche e tem cerca de uma milha de
terra, com belas várzeas, bem plantadas com canaviais; mói com
água e pode produzir 5.000 a 6.000 arrobas de açúcar; paga 3 e
:Y2 por cento de recognição. As paredes da casa de purgar e da
casa das caldeiras são de alvenaria, ainda com bons telhados,
mas dentro foram apenas encontradas algumas jarras quebradas
e os lugares onde estavam assentadas as caldeiras.
13 - Engenho Espírito Santo ou Garapu, pertencente a
Filipe Paes, está situado uma milha mais para o interior ao oeste
do citado engenho; tem cerca de uma milha de terra, e nela
umas belas várzeas, bem plantadas; mói com água e pode
anualmente fazer 5.000 a 6.000 arrobas de açúcar e paga 3 e :Y2
por cento como recognição. A casa de purgar e a casa das
caldeiras são de alvenaria, mas dentro estava tudo quebrado e
os lugares onde estiveram assentadas as caldeiras estavam vazios.
14 - Engenho Algodoais, pertencente a Miguel Paes,
situado meia milha distante do citado engenho Espírito Santo,
em direção Sul no passo do Ipojuca; tem cerca de meia milha de
terra, com poucas várzeas e canaviais; mói com água e pode
anualmente fazer 1.500 a 1.600 arrobas de açúcar; paga de
recognição 3 e Y2 por cento. A casa de purgar e a casa das
caldeiras são feitas de alvenaria, mas o telhado é muito velho e
tudo dentro estava quebrado e as caldeiras foram retiradas.

60
Engenhos de Ipojuca

15 - Engenho de Tabatinga, de Santa Luzia, pertencente


a Cosmo Dias da Fonseca, que fugiu, situado calculadamente
duas milhas distante do Cabo. Mói com água e tem um belo
açude. A casa de purgar e a casa das caldeiras são de alvenaria,
mas muito velhas e começam a decair. Tem também cerca de
uma milha e meia de terra com uma boa várzea, bem plantada
com canavial, que anualmente pode produzir cerca de 5.000 a
6.000 arrobas de açúcar; as caldeiras e os tachos foram todos
retirados.
16 - Engenho dos Salgados, do mesmo Cosmo Dias,
situado uma milha e meia distante do antes citado engenho, tem
cerca de uma milha de terra, na maioria várzeas, das quais se
obtêm boas canas. Mói com bois e tem duas moendas e, pela
comodidade do rio Ipojuca, que corre bem perto, pode moer o
ano inteiro. Tem fornecido 5.000 arrobas e paga de recognição
30 arrobas de açúcar branco encaixado; a casa de purgar tem
paredes de taipa, mas está totalmente destruída, como também
as moendas; as caldeiras foram retiradas e escondidas.
17 - Engenho São Paulo, situado um quarto de uma milha
ao noroeste do acima mencionado dos Salgados. Pertence a
várias pessoas, entre as quais Pedro da Grand, que como maior
participante é o feito-mor; os outros donos fugiram e alguns
moram em Porgual. Em nome deles o citado da Grand obrigou-
se a dar boa conta do engenho. Este mói com bois e tem 600
vadem (*) de terra em quadra, parte da qual é plantada com
cana, enquanto a outra parte consiste de pastos, mas não tem
matas e por isto tem que comprar toda a madeira, o que é muito
oneroso. Pode anualmente fornecer 2.000 a 3.00 arrobas de
açúcar, e paga 2 por cento de recognição.
18 - Engenho Bom Jesus, pertencente a Dona Isa-
bela de Moura, está situado perto do supra citado enge-
nho e a um quarto de milha distante de São Miguel de
Ipojuca. Tem uma moenda de água e uma de bois; a casa
de purgar e a casa da proprietária estão totalmente des-

(*)Medida de comprimento: um vadem de Amsterdã=1,698m; idem renano = 1,88m.

61
moronadas, mas a casa na qual estão as moendas ainda é
nova. Este engenho tem duas milhas de terra, com muitos vales
e lindos canaviais, como também madeira e pastos para os
animais. Pode anualmente fazer 9.000 a 10.000 arrobas de açúcar
e paga de recognição 30 arrobas de açúcar branco encaixado.
Na casa de purgar foram encontradas 172 fôrmas, das quais
algumas quebradas, as quais renderam 155 arrobas de açúcar
branco e 155 arrobas de açúcar mascavado, que foram
encaixados em 14 caixas. Numa barraca cerca de uma milha e
meia distante foram ainda encontradas 9 caixas de um particular
que tinha fugido.
19- Engenho Nossa Senhora da Conceição, situado meia
milha distante do engenho anterior do Bom Jesus, pertencente a
Dom Fernando de Queiroz que mora na Galiza. Este engenho
foi arrendado pelo tempo de nove anos a João Carneiro de
Mariz, como se vê dos documentos apresentados ao Conselho.
Essa pessoa recebeu nosso passaporte e o engenho foi preparado
para moer, sob condição que pagará o arrendamento à
Companhia, até que haja outra resolução. Este engenho mói
com água e tem um bom açude e meia milha de terra com
lindas várzeas cheias de canas e matas, que fornecem toda a
madeira de que se precisa. Pode anualmente moer 3.000 a 4.000
arrobas de açúcar e paga 3 por cento de recognição. A casa de
purgar e a casa das caldeiras são de taipa e nelas foram
encontradas, antes da chegada do dito João Carneiro, 2 caixas
pertencentes a L. Dolvero {sid e 17 caixas provenientes, segundo
ele, de algumas fôrmas purgadas por João Gonçalves.
20 - Engenho Bertioga, situado a um quarto de milha
distante do citado engenho de Nossa Senhora da Conceição;
pertence a Luís Lopes Tenório, que fugiu com Albuquerque;
tem uma milha de terra com várzeas razoáveis e, além disto,
matas; mói com água e o açude está bem situado e nunca tem
falta d~água. Pode anualmente fazer 3.000 a 4.000 arrobas de
açúcar e paga 3 por cento de recognição. A casa de purgar e a
casa das caldeiras são de alvenaria, mas o telhado é muito
velho; nelas foram encontradas 20 caixas de açúcar de várias
pessoas ausentes e mais 5 que pertencem a Leonardo de Oliveira,

62
ao todo 25 caixas, que, com a marca da Companhia, foram
mandadas para o Salgado.
Este referido engenho ficou, pela partida do senhor do
engenho, sem meios e impossibilitado de moer e por isto, para
não deixar que os canaviais fossem destruídos totalmente e para
ainda obter algum lucro para a Companhia, foi feito um acordo
com o principal lavrador, pelo qual ele, com seus negros e outros
que pudesse arranjar para este serviço, se obrigava a fazer com
que o engenho recomeçasse a moer, para o que lhe seriam
reembolsadas todas as despesas, sendo-lhe além disto prometido
um bom salário pela sua fiscalização, se ele desse fielmente
conta de tudo. Este trabalhou tanto que já está pronta uma boa
quantidade de fôrmas e diariamente são feitas outras.
Engenho de Três Reis, pertencente a Manuel Vaz Viseu, que
recebeu passaporte, fica meia milha mais ao sudoeste do referido
engenho Bertioga, mói com água e tem cerca de meia milha de
terra, de muitos montes e poucas várzeas. Pode anualmente fazer
2.000 a 3.000 arrobas de açúcar e paga 3 por cento de recognição.
21 - Engenho Maranhão, situado meia milha distante do
referido engenho Três Reis, pertencente a um certo castelhano
João Tenório, que fugiu com Albuquerque; tem cerca de meia
milha de terra de muitos montes e ruim. Mói com água e pode
anualmente produzir 2.000 a 3.000 arrobas de açúcar e paga 3
por cento de recognição. A casa de purgar e a casa das caldeiras
são de alvenaria e nelas foram encontradas 198 fôrmas, que
renderam 170 arrobas de açúcar branco e 42 arrobas de açúcar
mascavado, dos quais foram feitas 9 e 1h caixas; e 13 caixas
velhas de açúcar mascavado pertencentes ao senhor de engenho,
2 a Leonardo de Oliveira, 1 de um comerciante em Portugal, 6
caixas de açúcar branco pertencentes ainda a algumas pessoas
ausentes. Todas elas foram, com a marca da Companhia,
mandadas para o Pontal.
22 - Engenho Santo Cosme, pertencente a Antônio
Gonçalves da Paz, que fugiu com Albuquerque, situado a
meia milha do mencionado engenho Maranhão, tem cerca
de três quartos de uma milha de terra, com poucos mon-
tes, mas porque fica tão no interior das matas a terra é

63
ruim; dos canaviais anualmente pode moer, com água, 2.000 a
3.000 arrobas de açúcar. A casa. de purgar e a casa das caldeiras
têm paredes de alvenaria, mas totalmente desmoronadas e vazias.
Paga 3 por cento de recognição.
Engenho Pindoba, situado duas milhas distante de Ipojuca,
pertencente aos órfãos de Gaspar da Fonseca, dos quais o filho
mais velho se encontra aqui e as filhas estão num convento em
Portugal. Tem uma moenda de água e outra de bois, um belo
açude e cerca de meia milha de terra, na qual está uma várzea
tão bem plantada que anualmente o engenho pode fornecer
3.000 a 4.000 arrobas de açúcar; paga de recognição 50 arrobas
de açúcar branco e 30 arrobas de açúcar mascavado encaixados.
De uma barraca, situada em torno deste engenho, foram
conduzidas para a Companhia 17 caixas de açúcar branco e
mascavado.
23 - Sibiró de Riba, pertencente a Manuel de Navalhas,
fugido com Albuquerque; situado uma milha distante do referido
engenho Pindoba; tem duas milhas de terra muito montuosa,
mas bem plantada de canaviais. Mói com água e tinha começado
a construção de uma moenda de bois. Pode anualmente
produzir 5.000 a 6.000 arrobas de açúcar e paga a recognição.
A casa de purgar e a casa das caldeiras são de taipa e nelas
foram encontradas, a saber, embaixo de um telhado da moenda,
100 caixas de açúcar mascavado e retame velho, das quais
algumas com mais da metade dele derramado, nelas pôs-se a
marca de Companhia; 3 negros velhos e algumas vacas bravias
e 2 bois velhos. Cerca de meia légua da casa, escondidas nas
matas, foram encontradas quatro barracas cheias de açúcar,
cuja quantidade não se pôde saber porque elas estão cobertas
de tábuas.
Engenho Sibiró de Baixo, pertencente a Francisco
Soares Canha, que desde o início tem ficado sob nosso
passaporte; está situado a uma boa milha ao sudoeste do
citado engenho Sibiró de Riba e tem cerca de 2 milhas de
terra, na qual está uma várzea razoável, mas a maior parte
consiste de pastos. Mói com água e pode anualmente
fornecer 3.000 a 4.000 arrobas de açúcar e paga de re-

64
cognição 80 arrobas de açúcar branco, encaixado, levado para o
passo do engenho.
Engenho Aratangil, pertencente a Miguel Fernandes de
Sá, que está sob nosso passaporte; situado uma milha ao sul do
referido engenho Sibiró de Baixo, tem cerca de uma milha de
terra, mói com água e pode anualmente produzir 4.000 a 5.000
arrobas de açúcar e paga de recognição 80 arrobas de açúcar
branco encaixado. No dito engenho foram ainda encontradas
para a Companhia, entre as caixas que pertenciam aos habitantes
que estão sob passaporte, 5 caixas de açúcar, sendo 4 mascavado
e 1 de branco, as quais com a marca da Companhia foram
mandadas para Sirinhaém.

Engenhos da freguesia de Sirinhaém

24 - Engenho Taperosu, pertencente a Pedro Fragoso de


Albuquerque que fugiu com Albuquerque. Está situado duas
milhas ao oeste de Sirinhaém e suas canas são plantadas numa
várzea; mói com água e pode anualmente fornecer 6.000 a 7.000
arrobas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas de açúcar de
varredura. A casa de purgar é de taipa, e o telhado está em
muitos lugares desmoronado. Nela foram encontradas 20 caixas
de açúcar mascavado pertencentes a Antônio de Carvalho,
residente em Portugal; 20 caixas de açúcar branco pertencentes
a Pedro da Cunha que foi aprisionado no Arraial e cujas caixas
foram enviadas provisoriamnte por conta da Companhia; 4 caixas
de açúcar branco e 19 caixas de açúcar mascavado, também
enviadas para a Companhia; 442 fôrmas das quais não recebemos
qualquer conta; 2 caldeiras grandes que tinham sido lançadas
ao rio, de que um certo Pedro Afonso deve dar conta.
Engenho Jaguaré, pertencente a Álvaro Fragoso Toscano,
está situado no oeste de Serinhaém, tem uma monda d~água e a
cana está plantada nas várzeas. Pode anualmente fazer 2.000 a
3.000 arrobas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas de açúcar
de varredura; aqui nada foi encontrado para a Compania. O
referido Fragoso está sob nosso passaporte.
Engenho . . . . . . . . . . . . . . . . pertencente a Dona Catarina
]aguará {sic} que com seus filhos está sob o nosso passa-

65
porte; fica perto do engenho por nós antes citado; tem pouca
cana e mói com bois e pode anualmente produzir 1.400 a 1.500
arrobas de açúcar, paga 2 em cada mil de recognição. A casa de
purgar e a casa das caldeiras são de alvenaria e desmoronadas e
nelas foi encontrado para a Companhia.
Engenho Camaragibe, pertencente a Franco Rodrigues do
Porto, que está sob o nosso passaporte; fica 3 milhas mais para o
interior de Serinhaém em direção ao oeste, tem cerca de uma
milha de terra, na maior parte matas e montes e poucas várzeas.
Mói com água e pode anualmente produzir 2.000 a 3.000 arrobas
de açúcar, paga com pensão 2 arrobas em cada mil. Neste engenho
encontramos apenas açúcares pertencentes a particulares que
estão sob o nosso passaporte.
25 -Engenho Cocaú, situado mais três milhas em direção
às matas, ao oeste do mencionado engenho Camaragibe; pertence
a um certo Dom Francisco de Moura, residente nas Índias
Ocidentais, a serviço do rei da Espanha. Tem cerca de uma
milha de terra, da qual a maior parte são matas. As várzeas estão
plantadas com canas e pode produzir 3.000 a 4.000 arrobas de
açúcar; mói com água e o açude é razoável, mas muitas vezes
falta água de modo que o engenho não pode moer. Também
no inverno dificilmente os açúcares podem ser transportados,
porque as estradas ficam intransitáveis; paga de recognição 2
arrobas em cada mil. A casa de purgar e a casa das caldeiras são
de taipa e nelas foram encontradas para a Companhia o seguinte;
4 caldeiras grandes, 4 tachos novos, 4 escumadeiras, 2 ditas
pequenas, 4 pombas, 2 reminhóis, 2 repartideiras, 2 tachas velhas,
8 bois, 2 vacas e 2 novilhos.

negros negras moleques

Pedro Moleque, sua mulher


e filhas 1 1 2
João, mulher e filho 1 1 1
Antônio Jácomo 1 o 1
Francisco Moleque 1 1 o
Manangona o 1 o

66
Calita Marquita o 2 1
Manuel Mulato 1 o o
Manuel Mamaluco 1 o o
Augieg o o 1

6 6 6

Como este engenho tem muito pessoal e seus canaviais


estão maduros, foi permitido ao feitor-mor Paulo Carvalho que
o fizesse novamente moer e fielmente administrar este engenho,
como o fez antes, em proveito da Companhia e para comodidade
dos lavradores. Por isso ser-lhe-á concedido certo salário quando
prestar honestamente contas, e sob essas condições o referido
engenho já começou a moer para a Companhia, fazendo uma
quantidade razoavelmente grande de açúcar.
26 - Engenho Juangua, situado duas milhas mais ao sul
do referido engenho Cocaú, pertencente a Manuel Pinto, que
fugiu com Albuquerque. Seu filho ficou ainda durante algum
tempo no engenho, mas finalmente escondeu-se também ele.
Tem cerca de uma milha de terra, grande parte da qual consiste
de matas; nas várzeas há plantações de cana; pode anualmente
fornecer 2.000 arrobas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas
em cada mil. A casa de purgar e a casa das caldeiras têm paredes
de alvenaria e nelas foram encontradas: 3 caldeiras grandes, 4
tachos, 4 escumadeiras, 2 ditas menores, 2 pombas, 2 reminhóis,
1 tacho velho na casa de purgar, 3 negras velhas e um negro.
Ao lavrador Manuel Velho foi permitido fazer novamente
moer este engenho com seus negros e outros que pudesse obter.
Por isso lhe será dada uma boa remuneração, após honestamente
ter feito contas, fora todas as despesas e sua parte do açúcar. Tudo
está tão adiantado que já fez uma quantidade razoável de açúcar.
27- Engenho de Rio Formoso, pertencente a Dona
Catarina de Fontes, fugida com Albuquerque; situado mais
ao oeste, tem cerca de uma milha de terra, parcialmente
montuosa, na qual está plantada muita cana. Mói com
bois, mas tem boa comodidade para fazer uma moen-
da d'água. Pode anualmente fornecer 3.000 a 4.000 ar-

67
robas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas em cada mil. A
casa de purgar e a casa das caldeiras são de taipa mas totalmente
desmoronadas e nelas nada foi encontrado.
Engenho ................ , pertencente a Catarina, viúva de ]aques
Peres, está sob nosso passaporte e fica a um quarto de uma milha
ao oeste de Sirinhaém. Tem cerca de uma milha de terra, com
uma boa várzea. Mói com bois e pode anualmente produzir 4.000
a 5.000 arrobas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas em
cada mil. Neste engenho nada foi encontrado para a Companhia.
Engenho Veajier Dios {sic} pertencente a Francisco
Fernandes Anjo, que recebeu passaporte. Foi pelo mesmo
arrendado a Sebastião Vaz e está situado perto do rio Sirinhaém,
cerca de meia milha distante da cidade. Mói com água e tem
cerca de uma milha de terra, na qual há várzeas razoáveis; pode
anualmente produzir 2.000 a 3.000 arrobas de açúcar e paga de
recognição 2 arrobas em cada mil. Neste engenho nada foi
encontrado que pudesse ser tomado para a Companhia. ·
28- Engenho Nossa Senhora da Palma, pertencente a
Dona Madanela, viúva de Filipe de Albuquerque. Ao fugir com
Matias de Albuquerque deixou apenas o que não podia levar.
Este engenho está situado a um quarto de milha distante de
Sirinhaém, mói com água e tem cerca de meia milha de terra,
com uma boa várzea bem plantada, que, porém, está decaindo
cada dia mais, como tudo que pertence ao engenho. Produz
anualmente 2.000 a 3.000 arrobas de açúcar e, como os outros,
paga de recognição 2 arrobas em cada mil. Na roça, perto do
engenho, foram encontrados um negro velho e uma negra.
Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a Pedro
Lopes de Vera, que ficou sob nosso passaporte. Situa-se à margem
do rio Sirinhaém, cerca de uma milha e meia distante da cidade;
tem cerca de uma milha e meia de terra com uma várzea
razoavelmente boa; mói com água e pode anualmente fornecer
5.000 a 6.000 arrobas de açúcar e paga de recognição 2 arrobas
em cada mil.
Engenho Sembras, pertencente ao citado Pedro Lopes
de Vera, situado ao sul do rio Sirinhaém, cerca de uma
milha e meia da cidade; tem aproximadamente uma mi-

68
lha de terra com uma várzea razoavelmente boa. Mói com água
e pode anualmente produzir 5.000 a 6.000 arrobas de açúcar;
paga de recognição 2 arrobas por mil.
29 - Engenho São Jerônimo, situado em Taserusu, cerca
de duas milhas distantes da cidade, ao sul do rio. Pertence a
dona Catarina Camela, que fugiu com Albuquerque; tem cerca
de uma milha de terra com poucas várzeas e muitos montes.Mói
com água e pode anualmente produzir 3.000 a 4.000 arrobas de
açúcar e paga de recognição 2 arrobas por mil. A casa de purgar
e a casa das caldeiras são de taipa mas estão muito arruinadas e
nelas nada foi encontrado para a Companhia.

Na freguesia de Una

30 - Engenho Nossa Senhora de França, situado nos


Gailetos, uma milha e um quarto distante da aldeia Una,
pertencente a Diogo Paes, fugido com Albuquerque. Tem cerca
de uma milha de terra com uma grande várzea, mói com água e
pode anualmente produzir 3.000 a 4.000 arrobas de açúcar, paga
de recognição.... {não indica}. A casa de purgar e a casa das
caldeiras são totalmente novas, mas nelas nada foi encontrado.
31 - Engenho São Gonçalo de Una, situado meia milha
mais ao oeste da aldeia, pertencente a Estevão Paes, fugido
com Albuquerque. Tem cerca de uma milha de terra com uma
várzea e, além disto, tem ao leste e ao norte de Una ainda
umas três milhas de pastos e muitos montes. O engenho mói
com bois e pode anualmente produzir 3.000 a 4.000 arrobas de
açúcar e paga a mesma recognição dos anteriores. A casa de
purgar e a casa das caldeiras foram reconstruídas de taipa, mas
os telhados estão desmoronados e nelas nada foi encontrado.
Ao redor deste engenho vagam umas 20 vacas, pertencentes
ao dito senhor, mas são bravias demais para serem capturadas.
Especificação dos açúcares encontrados aqui e ali nas matas
e em casas, que foram enviadas com a marca da Companhia:
Numa barraca na mata, um quarto de uma milha distante
do engenho Novo: 21 caixas de açúcar branco e
mascava do.

69
- Em baixo do telhado de Antônio da Rocha: 11 caixas de
açúcar velho pertencentes a Pedro da Cunha.
- Na casa de Gabriel Baracho: 5 caixas.
Na casa de Baltasar da Costa: 3 caixas.
Na casa de Duarte Leão: 9 caixas.
Numa barraca de Antônio Gomes: 12 caixas.
Na casa de Vicente Vaz: 15 caixas.
Na casa de Francisco Vaz: 3 caixas.
Numa barraca perto do engenho Utinga: 15 caixas de açúcar
branco e mascavado.
- Item, ainda 2 caixas na casa de Monso Gomes, pertencentes
a Manuel da Costa.
Numa barraca pertencente a Dona Isabela: 9 caixas.Na casa
de Antônio Luís: 9 caixas.
Na casa de Sousa: 2 caixas.
Na casa de Antônio Sirgueiro: 2 caixas.
Na casa de Braz Barbalho e numa barraca perto dela: 18
caixas pertencentes a alguns ausentes.
No engenho de Álvaro Barbalho e na casa no alto do monte
estão 79 caixas de açúcar mascavado e branco, das quais
algumas são muito velhas e meio vazias, 8 caldeiras grandes e
velhas, 2 tachas , 1 fonde. (?)
Na barraca de Luís Marreiros, situada uma légua distante da
Muribeca, foram encontradas 57 caixas, que foram enviadas
pelo rio de Jangada.
Igualmente 3319 toros de pau-brasil, com peso líquido de
29.400 libras, tomados no rio Jangada por uma barca, à noite,
e deixados em terra.
Item, 36 caixas de açúcar branco e 4 caixas de açúcar
mascavado.
Especificações dos engenhos que foram confiscados para
a Companhia no distrito ao sul do rio Jangada até o rio Una:
1- Engenho Velho, de João Paes Barreto
2 - Engenho da Guerra, do dito João Paes Barreto
3- Engenho Novo, de Cristóvão Paes
4 - Engenho São João, pertencente a João Paes de Castro
5 - Engenho de Pirapama, pertencente ao mesmo de Castro

70
6 - Engenho Marapatigipe, de Gaspar de Mere
7 - Engenho de Três Paus, de João Rodrigues Caminha
8- Engenho São José, de Julião Paes
9 - Engenho Utinga, do mesmo.
10- Engenho Nossa Senhora da Paz, de Domingos da Costa
11 - Engenho Cajabusu, de Fernando Gomes
12 - Engenho Jurisac, de dona Catarina
13 - Engenho Espírito Santo, de Filipe Paes
14 - Engenho Algodoais, de Miguel Paes
15- Engenho Santa Luzia, de Cosmo Dias
16- Engenho dos Salgados, do mesmo.
17 - Engenho São Paulo, sob o feitor Pedro da Grand.
18- Engenho Bom Jesus, de dona Isabela.
19 - Engenho Nossa Senhora da Conceição, de Dom Fernando
de Queiroz
20 - Engenho Bertioga, de Luís Lopes Tenório
21 - Engenho Maranhão, de João Tenório
22 - Engenho Santo Cosme, de Antônio Gonçalves da Paz
23 - Engenho Sibiró de Riba, de Manuel Navalhas
24 - Engenho Taperusu, de Pedro Fragoso de Albuquerque
25 - Engenho Cocaú, de dom Fernando de Moura
26 - Engenho Sangua, de Manuel Pinto
27 - Engenho de Rio Formoso, de dona Catarina de Fontes
28 - Engenho Nossa Senhora da Palma, de dona Madalena
29 - Engenho São Jerônimo de Dona Catarina Camela
30 - Engenho Nossa Senhora da França, pertencente a Diogo
Paes
31- Engenho .......... , pertencente a Estevão Paes.

71
DOCUMENTOS

Breve Discurso sobre o estado das quatro Capitanias


conquistadas no Brasil, pelos holandeses, 14 de janeiro
de 1638.

Este é o primeiro relatório geral acerca do Brasil


conquistado redigido ao tempo do governo do Conde João
Maurício de Nassau-Siegen (1637-44); o segundo é o doc. VI,
que se segue. Na verdade ele se assemelha a uma generale
missive, que eram cartas-relatórios que, sem prazo determinado
(de 6 a 8 por ano), eram enviadas pelo governo de Pernambuco
ao Conselho dos XIX da Companhia das Índias Ocidentais. A
semelhança é, porém, apenas formal, já que está assinado pelo
Conde e por dois Altos e Secretos Conselheiros (o terceiro, Johan
Ghijselin, estava então ausente do Recife); mas, ao contrário das
generale missiven, este documento leva título.
Conserva-se no Arquivo Geral do Reino (Haia), no cartório
da Companhia das Índias Ocidentais (Companhia Velha), maço nQ
53, das Cartas e Papéis do Brasil, o próprio original, existindo dele
uma cópia contemporânea no mesmo Arquivo, cartório dos Estados
Gerais, escaninho 6. Foi pela primeira vez publicado em holandês
nos Bíjdragen en Medeelíngen van het Historisch Genootschap
gevestigd te Utrecht (Contribuições e comunicações da Sociedade
Histórica estabelecida em Utreque), (Utreque, 1879) pp. 257-317,
edição aliás cheia de defeitos pois não foi realizada à vista do
original. Em tradução para o português, de autoria de José Hygino
Duarte Pereira, foi publicado na Revista do Instituto Arquológico

73
e Geográfico Pernambucano volume VI número 34 (Recife, 1887)
pp. 139-196. A tradução de José Hygino foi revista para a presente
coletêna, visando-se, tanto quanto possível, à equivalência textual
com o original.
Aqui está o primeiro levantamento dos engenhos existentes
nas quatro Capitanias conquistadas, deficiente ainda, como o
próprio redator o reconhece, mas ainda assim valioso, podendo
ser comparado com o documento que aqui a este se segue. Um
de 1637 (pois datado de 14 de janeiro de 1638), o outro de
1639; este último documenta o progresso do esforço de
informação acerca da base da economia da área dominada.
Tanto um quanto o outro, incluídos numa coletânea de
documentação sobre a economia açucareira do Brasil holandês,
abrangem outros aspectos do passado nordestino e são ricos de
informação para a história econômica e social geral do período
e não apenas para a da agricultura e indústria do açúcar;
considerei preferível publicar os textos integrais e não apenas os
trechos relativos ao tema escolhido para este volume.
Este "Breve Discurso" contém uma rara apreciação de
observar holandês acerca do tipo físico e dos hábitos dos
moradores luso-brasileiros: o modo como as senhoras recebiam
as suas visitas; a frugalidade e a modéstia do dia-a-dia das classes
abastadas, em especial a dos senhores de engenho; a inexistência
de pinturas a decorar os interiores das casas, são algumas dessas
observações. Em relação às fortificações e à arquitetura militar
são valiosos os informes aqui oferecidos.
O Conselho dos XIX e os acionistas da Companhia das
Índias Ocidentais estavam sempre interessados nos rendimentos
do Brasil e, naturalmente, em primeiro lugar, no do açúcar. O
"Breve Discurso" oferece um cálculo do que era de esperar "este
ano ou safra atual" (isto é, na safra de açúcar de 1637-38), cálculo
que vale a pena comparar com outros aqui também apresentados:
em 1623, segundo a "Lista" (doc. I) 123
engenhos produziam ao todo arrobas 700.000
no mesmo ano, José Israel da Costa (doc.
II) refere que 137 engenhos produziam
arrobas 659.069

74
em 1637 a Memória dos Escabinos (apêndice 2)
atribui ao tempo da "antiga florescência" a
a produção de arrobas 500.000
no mesmo ano este "Breve Discurso" calcula
que 99 engenhos produziram
arrobas 346.500
Esses números parecem indicar não só que a produção
açucareira do Nordeste estaria em declínio na altura mesmo da
invasão holandesa, como demonstram como foi vultosa a sua
redução em decorrência da guerra de conquista que vai de 1630
a 1635.

75
DOCUMENTO S. TEXTO

Breve discurso sobre o Estado das quatro capitanias


conquistadas, de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio
Grande, situadas na parte setentrional do Brasil.

A conquista das regiões do Brasil feita, com o favor de


Deus, pelas armas da Companhia Geral das Índias Ocidentais,
compreende quatro capitanias, a primeira das quais, a maior, a
mais rica, a mais produtiva e populosa, é a Capitania de
Pernambuco.

PERNAMBUCO

Esta Capitania de Pernambuco tem os seguintes limites:


ao Sul extrema com a Capitania de Sergipe d'El Rei pelo rio São
Francisco, que demora aos l0°20'de latitude meridional e ao
Norte com a Capitania de Itamaracá, situando-se a linha divisória
a meio rio diante da pequena cidade Schkoppe sita na ilha de
Itamaracá, e correndo daí diretamente ao ocidente, segundo a
bússola, e indo encontrar a terra firme defronte da mesma ilha,
no lugar onde foram fixados os marcos (o qual for isso se
denomina Os Marcos) na altura de 75°50'.
Do rio São Francisco ao cabo Santo Agostinho a costa
corre geralmente sudoeste nordeste por espaço de 33 milhas, e
do dito cabo até a ilha de Itamaracá norte quarta a oeste e sul
quarta a leste obra de 13 milhas. Assim esta capitania tem um
litoral de 46 milhas.

77
PORTOS DE PERNAMBUCO

Os seus portos principais, próprios para abrigar navios


grandes, são: o Recife de Olinda, Cabo Santo Agostinho, atrás
da ilha de Santo Aleixo, Barra Grande, rio das Pedras, o seu
Lagamar, porto de Jaraguá, porto dos Franceses, Coruripe. Tem,
também, rios próprios para barcos e embarcações pequenas,
como o das jangadas, de Sirinhaém, Formoso, Una, Camaragibe,
Santo Antônio Grande, as Alagoas, São Miguel e rio São Francisco,
o qual, apesar de ser um grande rio, não tem barras ou portos
capazes.

RIOS DE PERNAMBUCO

Esses rios, por caudalosos que sejam no interior das terras,


têm na entrada ou parcéis perigosos, que a fazem incômodas,
ou bancos que, em razão da saída das águas e da forte
arrebentação do mar, se têm formado diante da maior parte dos
rios desta costa.
Os rios que regam esta Capitania (em parte acima
nomeados), são os seguintes: o São Francisco, grande e belo rio,
sempre abundante d'águas, principalmente no verão, quando,
aliás, não chove e os demais rios desta costa minguam, e até
alguns ficam inteiramente secos. Em alguns lugares o São Francisco
mede 300 roeden (•) de largura, e no verão inunda todas as
terras baixas, o que os portugueses explicam, dizendo que ele
deve ter as suas origens a algumas cem milhas para o interior,
procedente de alguns montes altos e continuamente cobertos de
neves, e tomo essas neves se fundem no verão, resulta daí uma
grande enchente que faz o rio transbordar nessa estação.
Cerca de seis milhas ao Norte do São Francisco fica
o Coruripe; três milhas acima deste o São Miguel; três
milhas adiante , as Alagoas; outras tantas para o Norte o
Santo Antônio Grande; mais duas milhas daí o Santo
Antônio Mirim; outras tantas acima, o Camaragibe; mais

(•) Medida de comprimento, da qual as mais comuns na época eram: roede renano
= 3,7674m e roede de Amsterdã - 3,6807m.

78
milha e meia adiante o Tatuamunha; e outro tanto sempre para
o Norte o rio das Pedras, onde fica a povoação de Porto do
Calvo.
A 5 milhas daí se encontra o rio Una, demorando entre
este e o rio das Pedras a bela baía da Barra Grande, e 2 milhas
ao Norte do Una o rio Formoso. Uma milha e meia depois vem
o rio Sirinhaém; 2 milhas daí o Marcuípe; milha e meia adiante o
rio de Pojuca, e daí uma milha o rio do Cabo, os quais ambos se
lançam no mar pela barra do Cabo Santo Agostinho.
O rio das Jangadas fica 2 1/z milhas ao Norte do Cabo; 3
1h milhas depois segue-se o Capiguaribe que corre pela Várzea,

e com o rio dos Afogados sai ao mar pela barra do Recife de


Olinda.
O rio Tapado corre 1 l!z milha ao Norte do Recife, e Vz
milha ao Norte da cidade {de Olinda}. Este rio de verão fica
obstruído, mas no inverno, com as fortes chuvas, sobre caminho
para o mar.
Segue-se uma milha ao Norte do Tapado o rio Doce;
duas ao norte deste o rio Ajama, e uma milha adiante o Igarassu.
Em suma, esta capitania tem muitos rios, tanto grandes
como pequenos, alguns dos quais no interior se dividem em
vários braços, com vários nomes, despejando um rio no outro.
Muito conviria que com esta descrição enviássemos um
mapa, em que estivessem figuradas as terras desta e das outras
capitanias; mas como já muitos mapas e plantas desta costa têm
sido enviadas a Vv. Ss., a isto nos limitamos por agora, até que
se nos depare um ensejo favorável para mandar levantar um
mapa geral com as direções desta costa, seus rios, portos, baías,
baixios e fundos, bem como a situação, extensão e distância dos
rios, cidades e os engenhos do interior.

JURISDIÇÕES DE PERNAMBUCO

Esta Capitania de Pernambuco se divide em quatro


jurisdições, das quais a principal é a da câmara da cidade
de Olinda; a segunda e a mais antiga é a da câmara de
Igarassu; a terceira, é a da câmara da Vila Formosa de

79
Sirinhaém; a quarta, que nunca teve câmara, sendo dirigida pro
libitu do mais poderoso do lugar, começa ao sul da jurisdição
de Sirinhaém e se estende até o rio São Francisco.
Começando ao sul, temos a primeira jurisdição, que se
estende do rio São Francisco ao rio Pirasununga e, como dissemos,
nunca teve uma forma regular de governo. As suas principais
povoações são: Penedo, Alagoa do Sul, Alagoa do Norte (cada
uma com uma povoação ou aldeia), e Povoação do Porto do
Calvo. Além das outras povoações menores e lugarejos, existem
aí alguns engenhos, a respeito dos quais não temos podido obter
até o presente informações completas; contudo declaramos aqui
o que veio ao nosso conhecimento.

ENGENHOSDEPERNAMBUCO
Em porto Calvo

Em Porto Calvo há os seguintes engenhos:

1, de Manuel Ramalho;
2, dos Alpões;
3, de Rodrigo de Barros Pimentel;
4, do mesmo Pimentel, recentemente feito;
5, de Manuel Camelo;
6, de Cristóvão Botelho;
7, outro engenho do mesmo, ultimamente feito;
8, de João Lins;
9, de Cristóvão Dias Delgado.
Nas Alagoas

Na Alagoa do Norte:
10, o engenho de Sebastião Dias;
11, de Antônio Martins Ribeiro;
12, de Lucas de Abreu.
Na Alagoa do Sul:
13, de Gabriel Soares;
14, de Henrique de Carvalho,
No rio de São Miguel:
15, do Barbalho.

80
Existem, pois, nesta primeira jurisdição pelo menos 15
engenhos, alguns dos quais foram confiscados, e destes alguns
têm sido vendidos e outros estão por vender. Se são engenhos
movidos por água ou por bois, e se moerão este ano e quais
moerão ou não, são particularidades a respeito das quais até o
presente não temos podido haver notícia. Não devem, porém,
ser muitos os que moerão, porquanto em razão da guerra e de
terem por aí passado recentemente os exércitos de um e outro
lado, estão sem dúvida muito arruinados.
A principal atividade em que os moradores costumam
empregar-se é a criação de toda sorte de gado, sobretudo bois e
vacas, que aí existem em grande quantidade e em numerosos
currais, e é deste distrito que toda a parte setentrional do Brasil
tira quase todo o gado de que necessita, tanto para o corte,
como para o trabalho de engenhos e carros.
Segue-se a jurisdição de Sirinhaém, que se estende do
Pirasununga ao Sul até o Rio Marcaípe ao Norte, e está perfei-
tamente extremada com marcos e pedras fmcadas. A esta jurisdição
pertence uma parte da freguesia de Pojuca, desde os currais de
Marcaípe, compreendendo os engenhos de Francisco Soares Canha
e de Miguel Fernandes de Sá, e a freguesia de Una.
Aí existem a cidade chamada Vila Formosa de Sirinhaém
e a povoação de São Gonçalo de Una, além de alguns outros
lugarejos.

Em Sirinhaém

Os engenhos situados neste distrito são:


1. Engenho Sibiró de Baixo, sob a invocação de São Paulo,
pertencente a Francisco Soares Canha, que ficou entre nós e o
possui; mói.
2. Engenho Aratangil, sob a invocação de Nossa Senhora
da Escada, pertencente a Miguel Fernandes de Sá, que também
ficou; mói.
3. Engenho Tapicuru de Cima, sob a invocação de Nossa
Senhora da Ajuda, pertenceu a Pedro Fragoso, e em razão de
sua ausência foi confiscado e vendido a Willem Placard; este
ano não moerá.

81
4. Engenho Tapicuru de Baixo, sob a invocação de Santo
Antônio. Pertence a Álvaro Fragoso Toscano, que ficou conosco;
moerá este ano.
5. Engenho de D. Catarina Camela, viúva de Jerônimo da
Taíde, situado no rio Iguaré. Por causa da ausência do dono, foi
confiscado mas ainda não vendido, e por não ter dono e estar
muito arruinado, este ano não moerá.
6. Engenho Camaragibe, sob a invocação de Santo Antônio,
pertencente a Francisco Rodrigues do Porto. Até o presente tem
sido possuído por sua mulher, que ficou sob a nossa obediência:
há-de moer este ano.
7. Engenho Aracuara, que Vicente Campelo começou a
levantar, e conquanto já tivesse uma boa quantidade de canas,
foi confiscado, porque Vicente Campelo foi preso e remetido
para a Holanda. Está pois sem dono, e não moerá.
8. Engenho Cocaupe, sob a invocação de Nossa Senhora
da Penha de França. Pertenceu a Dom Francisco de Moura, que
reside em Portugal ou nas Índias. Este engenho foi incendiado,
está destruído e sem dono nem moradores.
9. Engenho Enaxagoa, sob a invocação de Nossa Senhora
da Apresentação. Pertence a Manuel Pinto Pereira, que ficou
conosco e o prepara para moer ainda esta safra.
10. Engenho do Rio Formoso, sob a invocação de São
José. Pertenceu a Catarina de Fontes e, em razão de sua
ausência, foi confiscado e vendido a Rodrigo de Barros Pimentel;
mói.
11. Engenho Trapiche, sob a invocação de Santo Antônio.
Pertenceu a Jacques Pires, que faleceu, e é possuído por sua
mulher e herdeiros; este ano não moerá.
12. Engenho de Sirinhaém, sob a invocação de Todos os
Santos. Possuía-o Sebastião Vaz Ferreira, falecido, e sua mulher
o tem de entregar a Francisco Fernandes Anjo, como sendo seu;
não moerá este ano.
13. Engenho de Sirinhaém, sob a invocação de Nossa
Senhora da Palma. Pertenceu a D. Madanela Pinheira, e lhe foi
confiscado por estar ausente. Não tem canas nem dono; não
moerá.

82
14. Engenho de Sirinhaém, sob a invocação de Nossa
Senhora do Rosário. Pertence a Pero Lopes deVera, que ficou
conosco; não moerá este ano.
15. Engenho da invocação de São Braz, pertencente ao
mesmo Pero Lopes de Vera; moerá este ano.
16. Engenho Jaseru, sob a invocação de São Jerônimo.
Pertenceu a D. Catarina Camela, viúva de Pero de Albuquerque,
e em razão de sua ausência foi confiscado. Ainda não tem dono,
e este ano não moerá.
17. Engenhos das Ilhetas, sob a invocação de Nossa
Senhora de Guadalupe. Pertenceu a Estevão Paes Barreto, e em
razão de sua ausência foi confiscado. Está situado na freguesia
de Una; não tem dono e não moeerá.
18. Engenho de Una, sob a invocação de ~ossa Senhora
da Guia. Pertenceu a Diogo Paes Barreto, e lhe. foi confiscado
por estar ausente. Não foi vendido, e este ano não moerá.
Contam-se, pois, 18 engenhos nesta jurisdição de
Sirinhaém, dos quais 11 não moerão, e entre estes há sete que
ainda não foram vendidos.
A esta jurisdição de Sirinhaém segue-se ao Norte a da
cidade de Olinda, de que fazem parte as seguintes freguesias, a
começar do sul: Pojuca, Cabo Santo Agostinho, Santo Amaro do
Jaboatão, Muribeca, Várzea, São Lourenço, Olinda; ao todo sete,
onde existem estes engenhos:

Engenhos de freguesia de Pojuca


1.Engenho Sibiró de Baixo, com a invocação de São Paulo,
pertencente a Francisco Soares Canha. Engenho d~água e moente.
2. Engenho Sibiró de Cima. Pertenceu a Manuel de
Navalhas, ausente; foi confiscado e vendido a João Carneiro de
Mariz. É engenho d'água e moente.
3. Engenho que pertenceu a Antônio da Paz. Está com o
inimigo, e o engenho foi confiscado, mas não vendido, por se achar
tão arruinado que não tem forma de engenho. Era movido por água.
4. Engenho Maranhão, confiscado. O seu proprietário,
João Tenório, tendo voltado a nós, foi-lhe vendido. Engenho
d'água e moente.

83
5. Engenho Caroaçu, pertencente a Manuel Vaz Viseu,
que ficou conosco. É d'água e moente.
6. Engenho Bartioga, confiscado e vendido a seu
proprietário João Tenório, por ter vindo do inimigo para o nosso
lado. É d 'água e mói.
7. Engenho Nossa Senhora do Rosário, confiscado e
vendido a João Carneiro de Mariz. É d 'água e moente.
8. Engenho Bom Jesus, chamado Trapiche; confiscado e
vendido a Duarte Saraiva. É d'água e moente.
9. Engenho Guerra. Sete nonas partes deste engenho foram
confiscadas e vendidas ao Sr. Hendrick Schilt. É movido por
bois e mói.
10. Engenho São João Salgado. Pertenceu a Cosme Dias,
que reside entre o inimigo. Confiscado e vendido a Mateus da
Costa; é de bois e não mói.
11. Engenho Pindoba. Pertencente a Gaspar da Fonseca
Carneiro, e seu filho ainda o possui. É d 'água e moente.
12. Engenho Santa Luzia, confiscado e vendido a Amador
de Araújo. É d'água e moente.
Engenhos da freguesia do Cabo Santo Agostinho
13. Engenho Santa Luzia. Pertenceu aJulião Paes d'Altro,
que morreu entre o inimigo. Este engenho foi vendido a seu
filho João Paes; é de bois e mói.
14. Engenho Utinga, sob a invocação de São Francisco.
Pertenceu ao mesmo Julião Paes. Foi confiscado mas não vendido
por estar muito arruinado e sem canas, e pois não moerá.
15. Engenho Marapatagipe, sob a invocação de São
Marcos. Pertenceu a Gaspar de Mere, ausente; confiscado e
vendido a Miguel van Merenburch e Martinus de Coutre. É
d'água, mas não moerá.
16. Engenho que pertenceu a João Rodrigues Caminha.
Confiscado e arrendado a Antônio Vieira para levantá-lo; é
engenhozinho de bois e mói.
17. Engenho Pirapama, sob a invocação de Santa Apolônia.
Confiscado e vendido a Diogo Dias Brandão. É d 'água e moente.
18. Engenho Novo, invocação de São Miguel. Con-

84
fiscado e vendido a Duarte Saraiva. Engenho d~água e
moerá.
19. Engenho Garapu, sob a invocação do Espírito Santo.
Pertenceu a Filipe Paes. Confiscado e vendido ao mesmo Paes,
por ter voltado do inimigo. É d ~água e mói.
20. Engenho Algodoais, invocação de São Francisco.
Pertenceu a Miguel Paes, que voltou a nós. Confiscado e ainda
não vendido, porque, tendo estado aí o nosso exército por ocasião
do cerco do Cabo, ficou muito destruído. Não moerá.
21. Engenho Jurissaca, invocação de São João; confiscado
e vendido a Moisés Navarro. É d~água e moente.
22. Engenho Nossa Senhora da Conceição, pertencente a
D. Adriana, que ficou conosco; é d ~água e mói.
23. Engenho Velho, sob a invocação da Madre de Deus.
Pertenceu a João Paes Barreto, ausente. Confiscado e vendido
ao Sr. Nicolaes de Ridder; é d ~água e mói.
24. Engenho Guerra, também de João Paes, igualmente
confiscado e vendido a de Ridder; é de bois e moente.
25. Engenho Bom Jesus pertencente a Pero Lopes deVera,
que ficou conosco; é d~água e mói.
26. Engenho São João, que pertenceu a André de Couto.
Confiscado e vendido a Pero Lopes deVera; é d ~água e não moerá.
27. Engenho São Braz, pertencente a Antônio da Silva,
que ficou conosco; engenho d ~água e moente.
28. Engenho Nossa Senhora das Candeias pertencente a
Fernando Gomes, que ficou conosco; é d~água e moente.

Engenhos da freguesia de Santo Amaro do jaboatão

29. Engenho Gorjaú, pertencente a André Soares, que


ficou conosco; é d~água e moente.
30. Engenho pertencente a Antônio Nunes Ximenes, que
ficou conosco; engenho d ~água e moente.
31. Engenho Nossa Senhora da Apresentação pertencente a
Baltasar Gonçalves Moreno, que ficou conosco; é d~água e moente.
32. Engenho Nossa Senhora da Conceição. Perten-
ceu a Antônio Pereira Barbosa, ausente. Foi confiscado

85
e vendido ao Sr. Servaes Carpentier; é d~água e moente.
33. Engenho São João Batista, pertencente a Antônio de
Bulhões, presente; é d~água e moente.
34. Engenho Suassuna, pertencente a João de Barros
Correia, presente; engenho d~água e mói.
35. Engenho Sant~Ana. Pertenceu a Manuel de Sousa
d~Abreu, ausente; confiscado, mas não vendido por estar muito
arruinado; é d~água e não mói.
36. Engenho Nossa Senhora da Guia. Há muitos anos
que não é engenho, e não tem senão as terras e matas; era
movido por água.
37. Engenho Camaçari. Está também arruinado há longos
anos; não tem cana, era movido por água.

Engenhos da freguesia da Muribeca

38. Engenho Pemanduba, pertencente a André Soares,


presente; é d~água e moente.
39. Engenho Muribeca, pertencente a D. Catarina de
Albuquerque, presente; engenho d~água e moente.
40. Engenho Santo André que pertenceu a Antônio de
Sá, ausente. Foi confiscado e vendido a Gaspar Dias Ferreira; é
d ~água e mói.
41. Engenho Santa Maria, que pertenceu ao mesmo
Antônio de Sá, também vendido a Gaspar Dias. É engenho de
bois, e não moerá.
42. Engenho São Bartolomeu, pertencente a Fernando
Valle, presente; é de bois e mói.
43. Engenho Guarapes {Guararapes}, sob a invocação de
São Simão, confiscado e vendido a Vicente Rodrigues Vila-Real;
é de bois e não moerá este ano.
44. Engenho de Manuel Bezerra, presente; é de bois e mói.
45. Engenho Mogoaipe. Pertenceu a Luís Marreiros,
ausente. Confiscado, mas não vendido; está muito arruinado e
não mói; é engenho de bois.

Engenhos da freguesia da Vár.:zea

46. Engenho São Braz, pertencente a Antônio da Silva


Barbosa; é d~água e mói.

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47. Engenho que pertenceu a Luís Ramires, ausente;
confiscado e vendido a Jacques Hack; é de bois e não mói.
48. Engenho de Pedro da Cunha de Andrade, presente; é
de bois e mói.
49. Engenho São Paulo, pertencente a Henrique Afonso
Pereira, presente; é de bois e mói.
50. Engenho de Antônio Fernandes Pessoa, presente; é
de bois e não mói.
51. Engenho de Maria Barrosa, presente; é d~água e mói.
52. Engenho que foi de Carlos Francisco, falecido,
confiscado e vendido ao Sr.Jacob Stachhouwer; é d~água e mói.
53. Engenho de Marmos André, presente; é de bois e não
mói.
54. Engenho de João de Mendonça, presente; é de bois e
mói.
55. Engenho de Luís Braz Bezerra, presente; é d~água e
mói.
56. Engenho de Francisco de Brito, presente; é de bois e
mói.
57. Engenho de Gaspar de Mendonça, presente; é d água,
mas não mói.
58. Engenho de Francisco Monteiro Bezerra, presente, está
muito arruinado; é d~água e não mói.
59. Engenho que foi de D. Catarina, há longos anos em
ruínas, não se vêem mais do que as suas terras.

Engenhos da freguesia de São Lourenço

60. Engenho São Bento, pertencente a Francisco Nunes


Barbosa; é d~água e mói.
61. Engenho Moribara, sob a invocação de Nossa Senhora
das Flores. Pertenceu a Gabriel de Pinha, ausente. Confiscado e
vendido a André Soares; é d~água, mas não mói.
62. Engenho Nossa Senhora de Monserrate, pertencente
a Antônio Rodrigues Moreno, presente; é de bois e mói. ·
63. Engenho São João, pertencente a Arnáo de Olanda,
que recentemente o levantou; é de bois e mói.

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64. Engenho Maciape, sob a invocação das Chagas de
Cristo. Pertenceu a Francisco do Rego Barros. Confiscado e
vendido a Elbert Chrispynsen; é d~água e mói.
65. Engenho de São Bento de Masurepe. Pertencente à
Ordem dos Beneditinos que ainda o possui; é d~água e mói.
66. Engenho de Diogo da Costa Maciel, muito arruinado;
há anos que não mói. É de bois, e o dono se acha presente.

Engenho em Paratibe, freguesia da Cidade de O/inda

67. Engenho de Francisco Mendes Flores, possuído por


sua mulher Jerônima Cabral. Está arrendado a Antônio da Rocha
Bezerra. É d~água e mói.

JURISDIÇÃO DE OLINDA

Assim, na jurisdição da cidade de Olinda e freguesias que


dela fazem parte há 67 engenhos, sendo 20 de fogo morto e 47
moentes. Entre os engenhos confiscados há 5 que não foram
vendidos.
As povoações desta jurisdição são em número de seis:

A vila de Marim de Olinda.


A povoação da Muribeca.
A povoação de Santo Antônio do Cabo.
A vila Bela de Pojuca.
A povoação de Santo Amaro.
A povoação de São Lourenço.

JURISDIÇÃO DE IGUARASSU

A esta jurisdição de Olinda segue-se a de Iguarassu, que


e estende do rio Jaguaribe, compreendendo as terras de
Masurepe, até a extrema da Capitania de Itamaracá.
Este distrito não se divide em freguesias; não há mais que
a Vila Antiga de Iguarassu, a mais antiga de todo o Brasil.

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Engenhos de Iguarassu

Os engenhos aí situados são estes:

1. Engenho Aiama, sob a invocação dos Fiéis de Deus.


Pertenceu a Pero da Rocha Leitão, que foi enforcado no Arraial
por ter correspondência conosco; pertence agora aos seus
herdeiros, e mói.
2. Engenho Aiama, sob a invocação de Nossa Senhora
do Rosário, pertence a Manuel Jácome Bezerra, que ficou
conosco; mói.
3. Engenho Pirajuí, sob a invocação de Nossa Senhora de
Nazaré, pertence a Domingos Velho Freire, que ficou conosco;
mói.
4. Engenho de Francisco Coresma de Abreu, que foi
enviado daqui para Holanda. Está situado nas campinas de
Iguarassu, mas derribado e queimado. Foi confiscado e não
vendido; não moerá.
5. Engenho Araripe de Cima, sob a invocação do Espírito
Santo, pertencente a Gonçalo Novo de Lira, que ficou conosco; mói.
6. Engenho jaracutinga, sob a invocação de São Filipe e
Santiago, pertencente a Domingos da Costa Brandão, que ainda
o possui; mói.
7. Engenho Musupe, sob a invocação de Sãojoão Batista,
pertencente a João Lourenço Francez, presente; mói.
8. Engenho Masurepe, sob a invocação de São Gonçalo,
pertencente à Ordem dos Benditinos que aqui se acha; mói.
A jurisdição de Iguarassu tem, pois, oito engenhos dos
quais há somente um, confiscado e por vender, que não mói.

ITAMARACÁ

À Capitania de Pernambuco segue-se a de Itamaracá I

que, como fica dito, com ela se limita pelo Sul a meio-rio
diante da pequena cidade Schkoppe, e nos Marcos, na
altura de 7°50', corre a linha diretamente ao ocidente; do
lado do Norte extrema com a capitania da Paraíba, sendo

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a linha divisória assinalada por marcos de pedra fincados ao
norte do Capissura, na altura de 7°10', os quais em uma das
faces tem gravado a palavra Itamaracá, e na outra a palavra
Paraíba. Esta Capitania de Itamaracá tem, pois, de costa somente
11 milhas.
E tendo sido a capitania doada pelo rei (que também fez
doação da de Pernambuco), a sua extensão é limitada não só
no litoral como no interior ou para o ocidente, e, tanto quanto
podemos saber, não se dilata mais de 25 milhas terra a dentro.
O único porto capaz que esta capitania tem, para abrigar
navios grandes, é a barra do Sul, porto da ilha de Itamaracá; e
para barcos tem a barra de Catuama, ou barra do Norte da dita
ilha, o rio de Goiana, além de alguns pequenos arrecifes, o
porto dos Franceses e Pedra Furada.
O seu principal rio é o Capiguaribe de Goiana, onde
existem os principais engenhos e onde deságuam diversos
pequenos rios, entre outros e Tracunhaém; e no Sul tem o rio
Araripe, que despeja por trás da ilha de Itamaracá.
A sua única cidade, que foi a sua antiga capital, onde a
câmara costumava reunir-se, está situada na ilha de Itamaracá,
da qual a capitania tomou o nome que tem; é a pequena cidade
agora denominada Schkoppe.

Engenhos de Goiana

Esta capitania divide-se em quatro freguesias. A primeira


delas é a de Goiana, sob a invocação de Nossa Senhora do
Rosário, onde existem os seguintes engenhos:
1. Engenho !pitanga, sob a invocação de Santo Antônio,
pertencente a Lourenço Cavalcante, ausente. Confiscado e
vendido a Jan Wynants; mói.
2. Engenho Goiana, invocação de São Filipe e Santiago,
pertenceu a Gaspar Pacheco. Confiscado e vendido a Hans Willem
Louisen; mói.
3. Engenho Jacaré, invocação da Santa Cruz, pertenceu a
João Paes Barreto. Confiscado e vendido ao mesmo Hans Willem
Louisen, mas não moerá.

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4. Engenho Tracunhaém de Baixo, sob a invocação do
Anjo São Miguel, pertencente a Rui Paz Pinto, que ficou conosco;
não moerá.
5. Engenho Mariuna, pertenceu a Francisco Homem de
Almeida, que fugiu com Camarão. Confiscado e ainda não
vendido; é de bois e não moerá.
6. Engenho Três Paus, invocação de Nossa Senhora da
Encarnação, pertenceu a Jerônimo Cavalcante, que fugiu com
Albuquerque. Confiscado e vendido ao Sr. Carpentier; mói.
7. Engenho Tracunhaém de Cima, chamado Mossombu.
Pertenceu a Jerônimo Cavalcante. Confiscado e vendido ao dito
Carpentier; é de bois e mói.
8. Engenho Santos Cosme e Damião, que pertenceu a
Cosme da Silveira, ausente. Confiscado e vendido a Helmech
Fereres; moerá ainda este ano.
9. Engenho Bujari que pertenceu a Jerônimo Cavalcante.
Confiscado e vendido ao mesmo Helmech Fereres; não moerá.

Engenhos de Af?iaí e Taquara

A segunda freguesia desta capitania de Itamaracá é a de


Abiaí e Taquara, sob a invocação de Nossa Senhora da Penha
de França; aí se encontram os seguintes engenhos:
10. Engenho Copissura, que pertenceu a D. Brites. Está há
muitos anos de fogo morto, e as suas terras são somente próprias
para pasto. Confiscado e vendido a Hans Willem Louisen.
11. Engenho Tapu, de Cosme de Oliveira, que ficou
conosco; é de bois e mói.
12. Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertence a
Luciano Brandão, que ficou; é de bois e mói.
13. Engenho Nossa Senhora da Penha de França,
pertencente a Isabel Cabral, viúva de Baltasar Rodrigues Mendes,
que morreu entre nós; é de bois e mói.
14. Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a
Antônio da Costa de Freitas, que ficou; é de bois e mói.
15. Engenho São João Batista, pertencente a Diogo da
Fonseca de Lemos, que ficou; é de bois e mói.

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Engenhos de Tejucupapo

A terceira freguesia é a de São Lourenço de Tejucupapo,


na qual estão localizados os dois engenhos seguintes:

16. Engenho Massaranduba, pertencente a Diogo Lopes Lobo


e Domingos Pinto da Fonseca, ambos presentes; é de bois e mói.
17. Engenho Embiapecu, sob a invocação de Santo Amaro,
pertenceu a Domingos de Oliveira e Baltasar Rodrigues Mendes,
cujos herdeiros se acham entre nós; não há-de moer jamais,
porque não tem terras próprias.

Engenhos de Araripe

A quarta freguesia compreende o distrito de Araripe e


ilha de Itamaracá; tem os seguintes engenhos:

18. Engenho Obu, pertencente a Francisco de Lugo Brito,


que ficou; é de bois e não mói.
19. Engenho Araripe de Baixo, sob a invocação de Nossa
Senhora do ó, pertencente a Francisco Lopes de Orosco; está há
muitos anos de fogo morto.
20. Engenho Araripe de Cima, sob a invocação do Bom Jesus,
pertencente ao mesmo Francisco Lopes Orosco, que ficou; mói.
Na Ilha de Itamaracá havia antigamente dois engenhos,
dos quais poucos sinais existem. Jan Wynants aí planta muita
cana, pois pretende levantar um engenho de bois.
Tem, pois, a capitania de Itamaracá 20 engenhos, dos
quais 8 não moem, e um dos confiscados não foi vendido .

. PARAÍBA

À Capitania de Itamaracá segue-se a da Paraíba, que com


ela se limita ao Sul na altura de 7°10', como dissemos, e ao
Norte com a do Rio Grande uma ou duas milhas abaixo do
Camaratuba na altura de ... graus e ... minutos. A costa corre
geralmente a su-sudeste e no-noroeste e se estende por cerca de
17 milhas.
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O principal rio e porto desta capitania é o rio Paraíba, e
depois o Mongonguape, e além destes tem baías capazes, como
a que fica atrás da ponta de Lucena, junto à Terra Vermelha,
duas milhas ou milha e meia ao norte do rio Paraíba e a baía da
Traição, em ambas as quais podem capazmente surgir os maiores
navios. Além disto tem ainda muitos rios pequenos, como o
Garamame, ao Sul do cabo Branco, Mereri, Camaratuba, etc., e
muitos outros que regam a terra e despejam nos referidos rios e
com eles se misturam, como o Popocos, Mombabo, que saem
no Garamame, o Gargaú no Paraíba, etc.
Não he nesta capitania mais do que uma cidade, que
outrora se chamava Filipéia e agora se chama Frederica. Também
não está esta capitania dividida em freguesias.

ENGENHOS DA PARAÍBA

Os seus engenhos são:

1. Engenho das Barreiras, pertenceu a Domingos Carneiros


Sanches, que vive em Lisboa. Confiscado e vendido a Josias
Marischal & Companhia; mói.
2. Engenho de Manoel Coresma Carneiro, ausente;
confiscado e vendido a Daniel de Haen e Paulus Verrneulen; mói.
3. Engenho Tiberi, sob a invocação de Santa Catarina,
pertencente a Jorge Homem Pinto, que ficou; mói.
4. Santo André, pertencente ao mesmo Jorge Homem;
mói.
5. Engenho de J erônirno Cadena; pertencia a seu irmão
Pedro Cadena, que atualmente está na Bahia; mói.
6. Engenho Três Reis Magos, pertencente a Francisco
Camelo de Valcácer, presente; mói.
7. Engenho Espírito Santo, foi de Manuel Pires Correia que
está com o inimigo. Confiscado e vendido aJan van Ool; mói.
8. Engenho Santo Antônio, pertenceu ao dito Manuel Pires;
vendido a Jan van Ool; é de bois e mói.
9. Engenho de Bois, de Brásia Rodrigues e seus filhos,
presentes; é de bois e mói.

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10. Engenho Santo Antônio, de Antônio de Valadares,
presente; é de bois e mói.
11. Engenho Santa Luzia, pertencente a João de Souto,
que ficou entre nós: é de bois e mói.
12. Engenho de Maria da Rosa, viúva de Fernão Dalvos
Romão, falecido entre nós; mói.
13. Engenho Santo Antônio, pertencente a Ventura Mendes
Castelo, que ficou; mói.
14. Engenho São Gonçalo, pertencente a Antônio Pinto
de Mendonça, presente; é engenho de bois, duplo, e mói.
15. Engenho Salvador no Inhobi, pertencente a Duarte
Gomes da Silveira, presente; mói.
16. Engenho Santos Cosme e Damião, pertenceu a Luís
Brandão, ausente. Confiscado e vendido a Isaac de Rasiere; mói.
17. Engenho do Meio, pertenceu a Francisco Camelo
Brandão. Confiscado e vendido ao mesmo Isaac de Rasiere;
mói. ·
18. Engenho Gargaú, pertenceu a Jorge Lopes Brandão,
que fugiu. Confiscado e vendido a Isaac de Rasiere; não moerá
este ano.
19. Engenho Camaratuba, pertencente a Antônio Barbalho,
que mora entre nós; mói.
20. Engenho Mireri de Francisco Álvares da Silveira; muito
arruinado e não tem cana.
Tem, pois, esta capitania vinte engenhos, dos quais
somente dois não moem, cada um com seu dono.

RIO GRANDE

A quarta capitania é a do Rio Grande; ao Sul fica-lhe a da


Paraíba, como já dissemos, e ao noroeste a do Ceará. Tem vastas
e dilatadas terras, que pela maior parte se acham inabitadas e
desertas, pois que o Rio Grande não tem povoadas mais do que
dez ou doze milhas ao Norte do rio Potengi ou rio Grande, do
qual esta capitania tira o seu nome.
Está ela dividida em quatro freguesias, a saber: a
de Cunhaú, a de Guajana, a de Potigi e .. . {em branco}.

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Tem somente uma cidade, denominada do Natal, sita a milha e
meia do Castelo Ceulen, rio acima, a qual agora se acha muito
decaída.
A câmara desta capitania está em Potigi com licença de S.
Ex. i e dos Altos e Secretos Conselheiros, trabalhando por agregar
aí uma população que dê começo a uma cidade; dará aí suas
audiências, e para este fim levantará uma casa pública, com a
contribuição dos moradores, cada um conforme suas posses.
Até onde é povoada, terá esta capitania cerca de 25 a 30
milhas de litoral. Assim, estas quatro capitanias conquistadas se
dilatam por um litoral de. pouco menos de 100 milhas.

ENGENHOS DO RIO GRANDE

Na capitania do Rio Grande há os dois seguintes engenhos:

1. Engenho Cunhaú, que pertenceu a Antônio de


Albuquerque; foi confiscado e vendido ao Sargento-mor George
Gartzman e ao Sr. Balthasar Wyntgis; mói.
2. Engenho Potigi, decaído há longos anos, e diz-se que
não tem terras capazes.
Nesta capitania os moradores se ocupam principalmente
com a criação de gado, que aí existia em abundância; a guerra o
reduziu muito e fê-lo selvagem, mas trata-se de amansá-lo com
toda a diligência e de levá-lo aos currais. O Rio Grande já está
dando muito gado, que é conduzido para a Paraíba, Itamaracá e
Pernambuco, onde parte dele forma novos currais e parte é
utilizada para o corte e para trabalhar nos carros e nos engenhos.
O principal porto desta capitania é o mesmo rio Grande, e,
depois, a barra de Cunhaú. Tem ainda alguns arrecifes e pequenas
baías que servem para os navios e embarcações de pouco porte,
como a baía Formosa, ponta da Pipa, ponta dos Bugios, ponta
Negra, a baía de Marten Thyssen ao norte do Rio Grande.
Não é necessário que digamos como estas capitanias eram
governadas sob o domínio do Rei da Espanha, o que em outros
escritos se acha suficientemente explicado, e passaremos a tratar
do governo atual.

95
GOVERNO HOLANDÊS

S. Ex.ª João Maurício, Conde de Nassau, como governador,


capitão e almirante general, e juntamente os Nobres Senhores
do Alto e Secreto Conselho por parte de suas Altas Potências os
Senhores Estados Gerais dos Países Baixos Unidos, de Sua Alteza
o Sr. Príncipe de Orange e dos Nobres Senhores Diretores da
Companhia Geral das Índias Ocidentais formam o governo
supremo nestas terras do Brasil já conquistadas ou que forem
no futuro conquistadas, ficando-lhes subordinado o Colégio dos
Conselheiros Políticos, instituído para a administração da justiça.
Este Colégio dos Conselheiros Políticos, que deve compor-
se de nove pessoas, está atualmente muito desfalcado, e não é
bastante para o expediente dos negócios; visto como o Sr. Ippo
Eysens foi morto em outubro de 1636 na Paraíba, o Sr. Cornelis
Adriaensz Jongknecht, tendo voltado da expedição ao Sul,
também morreu, e pouco tempo depois o Sr. Johan Robbertsen
no Cabo Santo Agostinho; o Sr. Jacob Stachhouwer fez-se
particular; o Sr. Paulus Seroskercken obteve licença para voltar
para Holanda, e finalmente o sr. Hendrick Schilt foi demitido do
seu cargo e serviço. Atualmente não há mais de três Conselheiros
Políticos, que são os srs. Willem Schot, Balthasar Wyntgis e Elias
Herckmans, sendo que este até o presente tem residido na
Paraíba, de que é diretor, e por isso não tem podido comparecer
ao colégio. O sr. Wyntgis residia em Itamaracá, como diretor
dessa capitania; mas, estando o Colégio assim desfalcado, lhe
ordenamos que estabelecesse aqui a sua residência, para
despachar com o Sr. Willem Schot os negócios de justiça e
nomeamos alguns adjuntos para oficiar com estes conselheiros
no crime e nos negócios de maior importância. Mas, apesar disto,
a justiça e outros negócios, que estão a cargo de tal colégio, não
são despachados como cumpre e se faz mister ao serviço dos
moradores.
O prazo de serviço dos contratos dos Srs W. Schot e
B. Wyntgis já expirou, cada um deles comprou engenho, e
pedem para ser dispensados do seu cargo , conquanto
estejam dispostos a continuar a servi-los até que , pela

96
Assembléia dos Dezenove, sejam enviados outros conselheiros
políticos que preencham esses lugares; e esta escusa não lhes
pode ser recusada senão até que outros venham. E, pois, para
ficar completo o dito colégio Vv. Ss. facilmente entenderão o
que se faz necessário aqui.
Como as principais funções do Colégio dos Conselheiros
Políticos dizem respeito à justiça, é da mais alta conveniência
que as exerçam alguns juristas, que não somente tenham
aprendido a teoria na Academia, mas também, se for possível,
tenham freqüentado os tribunais durante alguns anos e sejam
instruídos na prática e com experiência nela.
Os colégios subalternos de justiça são aqui providos por
eleição em todas as capitanias e jurisdições, do modo prescrito
nas nossas instruções, isto é, nos lugares onde há holandeses
idôneos para servirem como escabinos com os portugueses,
elegem-se cinco escabinos, sendo dois holandeses e três
portugueses, e nos outros lugares temos de regular-nos conforme
as circunstâncias. Assim nas jurisdições de Olinda, Itamaracá e
Paraíba o Colégio dos Escabinos se compõe de cinco membros
cada, e em Sirinhaém, Igarassu e Rio Grande de três e não são
mais numerosos porque os mesmos moradores o pediram,
alegando que, como são poucos, não devem ser muito
sobrecarregados com o serviço, até que os holandeses ali se
estabeleçam, e se ache gente apta que sirva com os portugueses,
posto que já entre três escabinos de Sirinhaém um holandês foi
eleito.
Há alguns meses que os Colégios dos Escabinos se acham
instalados e funcionam, mas até o presente não tem sido possível
que procedam conforme as ordenações e o estilo da Holanda
e Frísia Ocidental, primeiro porque é coisa muito grave fazer
com que um povo inteiro mude de leis, ordem e estilo, e
aprenda um novo estilo; e segundo, por causa da diferença da
língua, e por ser difícil verter as nossas ordenações do holandês
para o português, no que entretanto estamos muito
empenhados, e em breve lhes daremos traduzidas em português
as ordenações sobre coisas de justiça, tanto quanto forem
concernentes a esses colégios.

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Além desses Colégios de Escabinos, há, também, em cada
distrito um outro, o colégio dos tutores ou administradores dos
órfãos, que é eletivo e se compõe de dois portugueses e um
holandês, e um secretário. É constituído segundo a ordenação
dos administradores dos órfãos da cidade de Amsterdã, a qual
mutatis mutandis é traduzida em português a fim de que por ela
se regulem.
Temos mais o colégio da Misericórdia de Olinda para
reger e administrar o patrimônio dos bens, casas, terras e negros
da mesma Misericórdia. Funciona na cidade de Olinda, e se
compõe de 7 membros, três holandeses e quatro portugueses
escolhidos dentre os irmãos da Misericórdia.

RELIGIÃO REFORMADA

No tocante à Religião Reformada nesta conquista, a palavra


divina com toda a concórdia e em sua pureza é publicada à
comunidade reformada em língua holandesa, pelos ministros
Kesselerius e Dapper aqui no Recife de Olinda; pelo ministro
Plante, que de presente está encarregado de servir no nosso exército;
pelo ministro Polhemius na ilha de Itamaracá e Goiana; e pelos
ministros Comelis van der Poelen e Doreslaer na Paraíba. Aqui no
Recife prega ainda o ministro Soler em francês e português, e o
ministro Batchelar em inglês na Paraíba. O ministro ]ohannes
Oosterdagh teve ordem de acompanhar também o exécito.
Muitos lugares e guarnições há, como o Rio Grande,
o Cabo Santo Agostinho, a povoação de Porto Calvo e
Penedo, que estão privados de ministros, devendo o serviço
ser feitos por consoladores dos enfermos.
Além disto, como muitos holandeses têm comprado
engenhos, ou se empregam em canaviais e outras coisas,
e por isso residem no interior e não podem vir à prédica,
muito necessário é que venham da Holanda alguns ministros
ou candidatos idôneos para serem enviados para pregarem
aqui e acolá no campo, como, por exemplo, em um dos
engenhos da Paraíba, em Goiana, Várzea do Capiguaribe,
nos engenhos do Cabo Santo Agostinho, e que se fintem
os engenhos a fim de contribuírem para a susten-

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tação desses ministros. A isto os holandeses estarão muito
inclinados, e os de Goiana já representaram espontaneamente
isto mesmo, pois pesa-lhes viver por mais tempo, como há
muito vivem, sem ouvir a palavra divina, sem terem sequer um
consolador de enfermos, com o que os portugueses se
escandalizam, dizendo que nós nos chamamos a comunidade
reformada, e entretanto os nossos vivem em tais lugares sem
freqüentar a igreja ou uma ermida, e sem praticar os atos do
culto.

RELIGIÃO CATÓLICA

Quanto aos católicos, gozam eles das condições do acordo


com que foi conquistada a Paraíba, sendo-lhes permitido o livre
exercício de sua religião e o uso de suas igrejas e conventos.
Do seu clero fazem parte as três ordens dos Franciscanos,
Carmelitas e Beneditinos.
Os frades Franciscanos, que são os mais numerosos, têm
cinco conventos, o 1º na cidade de Frede rica na Paraíba; o 22
em Igarassu; 3º em Olinda; o 4º em Pojuca, e o 5º em Sirinhaém,
os quais todos são belos edifícios. Além destes, têm um pequeno
convento em Capivaribe, acima de Massurepe. Os Franciscanos
não possuem terras nem rendas, e vivem das esmolas que
quotidianamente lhes dão.
Os Carmelitas têm dois conventos, um que não é de
grande importância na Paraíba, e outro em Olinda, o qual seria
um belo edifício se estivesse acabado. Não achamos que tenham
outro patrimônio senão algumas casas na cidade de Olinda, ou
por eles construídas e alugadas, ou construídas por outros,
constituindo o proprietário sobre essas tais uma pequena renda
anual que o mesmo proprietário ou seus herdeiros ·pagam a
esta ordem.
Os monges Beneditinos têm também dois conventos, o 1º
na Paraíba, onde haviam começado um belo convento, e o 2º na cidade
de Olinda; este é belíssimo, mas foi muito arruinado pelo incêndio.
Possui esta ordem um bonito canavial no engenho das Barreiras,
na Paraíba, o qual se estende dali ao longo do rio até abaixo dos
fortes, em uma e outra margem do mesmo, fazendo várias ilhe-

99
tas, entre outras a ilha onde está o forte Restinga. Em Pernambuco
esta ordem tem um bom engenho denominado Massurepe, com
extensas terras, o qual atualmente mói.
Afora estas ordens, há ainda muitos clérigos que eles
chamam padres. Estes dizem missa, e vivem com o dinheiro que
ganham como retribuição da missa, ou com o que lhes dão os
doentes, ou com o que de outro modo granjeiam. Os padres
tem terras e rendas que fazem o seu patrimônio próprio e
particular, e, além do serviço divino, ocupam-se em plantações
que cultivam com os seus negros. Em cada capitania ou em
certo distrito estão subordinados a um vigário, e há mais um
vigário geral que costumava residir em Olinda, e era o superior
de todo clero destas quatro capitanias do norte.
Além dos que pertencem á religião reformada ou seguem
a superstição católica, há aqui na terra entre os moradores muitos
judeus e judaizantes, que antes, com medo da justiça ou da
inquisição, ocultavam as suas crenças e simulavam ser cristãos,
mas depois da conquista começaram eles a declarar-se: juntaram-
se aos judeus que vieram da Holanda e com eles praticam as
suas superstições.

JUDEUS

Os portugueses, que são cristãos velhos, escandalizam-se


muito com a liberdade que é concedida aos judeus, ou antes,
que se esforçam por tomá-la. Os judeus vindos da Holanda
portam-se com um certa audácia, assim no discorrer e disputar
sobre as suas superstições, como no caluniar a religião cristã,
pelo que por isso fomos forçados admoestá-los severamente,
para pôr termo a tudo isto, sob pena de grande castigo. Proibimos-
lhes, também, e mandamos que o fiscal interrompesse os seus
conventículos, que cada vez mais publicamene faziam dentro
do Recife, com grande escândalo da comunidade ~eformada e
dos ministros, ordenando-lhes nós rigorosamente que
observassem as suas cerimônias dentro de suas casas fechadas,
tão secretamente que não fossem ouvidos, e não dessem escândalo.
Entendem os judeus que devem ter mais liberdade do
que os papistas, porque nós estamos mais certos de sua

100
fidelidade, pois bem sabemos que, como eles fazem pública
profissão de judaísmo, por modo algum quereriam ou poderiam
voltar ao domínio dos espanhóis, mas antes, pelo contrário,
haviam de envidar esforços por manter e defender este Estado,
ao passo que os portugueses papistas têm mostrado que nos são
inteiramente infiéis, e na primeira mudança nos abandonariam.

CATÓLICOS

Mas voltemos à cristandade. As ordens religiosas dos


papistas, como dissemos, tiveram curiosidade bastante para
levantar os seus belos conventos; mas não é tudo: além deles
há, em todas as cidades, uma matriz, e outras igrejas e capelas,
de modo que na cidades não faltam igrejas. Além disso raro é o
engenho sem igreja ou capela, com capacidade para nela se
reunir uma razoável assembléia.
Os moradores portugueses são obstinadíssimos na matéria
de sua religião e estão imbuídos de tão estúpidos preconceitos
que não querem sequer presar ouvidos. Outro tanto se dev~
dizer dos seus padres, que lhes comunicaram esses preconceitos
e não querem ouvir falar em outra religião. Não têm quase
nenhum conhecimento dos fundamentos da religião cristã, e o
caminho da salvação que lhe é inteiramente oculto. Não sabem
mais do que resmungar as suas Ave Marias pelos rosários, que
cada um traz ao pescoço e às vezes nas mãos, e entre eles não é
bom cristão quem não faz ostentação de trazê-lo nàs mãos ou
no pescoço. Consideram os reformados como grandes hereges,
e os odeiam, não somente por causa da religião, como
principalmente porque por eles foram vencidos; e assim o que
os portugueses até agora têm feito e a obediência que prestam,
é por medo e constrangidamente, mas não por alguma, afeição
ao nosso Estado, com exceção de muito poucos que de coração
se nos mostram afeiçoados.

LIVRES E ESCRAVOS

Com relação aqs moradores em geral, esses são livres ou


escravos. Os livres são holandeses, portugueses e brasilianos.

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HOLANDESES

Os holandeses dividem-se em pessoas obrigadas a servir e


particulares ou dispensadas do serviço; daquelas trataremos depois.
Os holandeses isentos são os que vieram da pátria como
particulares, ou aqui se fizeram tais; visto como, para havermos
soldados sem despesa da Companhia e para povoar a terra, já
temos dispensado do serviço a um número considerável de
oficiais e soldados, quando estamos certos de terem eles
preenchido o seu tempo, isto é, terem servido aqui quatro anos
completos, sem contar o tempo da viagem. Mas isto não basta
para colonizar tão dilatadas terras, e muitos procuram ser
dispensados do serviço somente com o fim de partir depois à
sua vontade em navios mercantes para a pátria, como por vezes
temos observado.
Os particulares, que até o presente têm vindo da Holanda,
são pela maior parte mercadores e seus empregados, e os de
menor condição são tavemeiros ou pessoas que exercem algum
pequeno negócio; a eles se deve o grande aumento que tem
tido o Recife e Antônio Vaz, que agora é duas vezes maior do
que antes, e se acha com uma edificação contínua. Mas isto
também não basta, e é de pouca consideração em relação à
população que ·se faz mister. Cumpre, pois, que se empregue
maior diligência e se achem meios de atrair para cá muitos
holandeses, no que a Companhia tem o maior interesse, porquanto
isto é o que serve para a conservação e progresso deste Estado e
grande diminuição dos seus encargos. Quanto mais imigrantes
vierem morar aqui, quanto mais for cultivada a terra, tantos maiores
frutos há-de produzir, para benefício das finanças da Companhia;
e se esta conquista estivesse cheia de holandeses, a Companhia
achar-se-ia segura contra os infiéis moradores portugueses, e
assim, no caso de alguma invasão que o inimigo faça, não
poderiam ou não ousariam eles auxiliá-lo ou abastecê-lo
de víveres, como presentemente costumam fazer, e a Com-
panhia dominaria também os campos e faria com que os
portugueses fossem mais seguros para com o nosso Estado. E,
sendo necessário, esses moradores holandeses poderiam servir

102
como bons soldados, por já terem trazido armas muitos deles
como oficiais ou soldados, ficando a Companhia muito aliviada
do encargo de ter pesadas guarnições, que, a não ser assim, se
há-de manter para a defesa de tão extensas costas. Teria então
somente que cuidar do inimigo que viesse de fora, e poderia ser
socorrida {por gente} da terra, ao passo que agora, dado um
lance perigoso, se há-de providenciar logo contra os inimigos de
fora e os de dentro.
Releva, porém, atender que não é indiferente a gente
que se há-de enviar para cá ou as condições em que venham,
porquanto mandar colonos segundo o modo do velho regu-
lamento é, a nosso ver, inconveniente e antes danoso do que
proveitoso à Companhia. Com efeito, não convém dar aos colonos
as terras confiscadas e cultivadas, com o privilégio de ficarem
isentos durante cinco anos de todos os dízimos ou outros direitos,
uma vez que essas terras podem ser vendidas por bom dinheiro,
arrecadando-se logo os direitos. Também não se pode dar aos
colonos terras que pertençam a algum dos moradores portugueses.
Por conseqüência, só se lhes pode dar terras incultas, não
trabalhadas, que até o presente não tiveram senhor particular,
mas essas se acham situadas muito para o interior, acima de
todos os lugares habitados e dos currais, e duvidoso é que os
colonos ficassem assim bem servidos. Habitando eles tão longe
do mar, como nos poderiam socorrer, quando o inimigo viesse
do mar? E sucedendo que salteadores viessem pela retaguarda,
rompendo pelos bosques, os colonos seriam, na verdade, boas
guardas avançadas, mas o primeiro assalto recairia sobre eles.
Seria este o único proveito a esperar, pois se tivéssemos essas
guardas avançadas holandesas contra os bandidos e salteadores
das matas, o inimigo não poderia vir tão encoberto ao campo
nem atravessar a terra em parte alguma.
Também há de ser muito penoso aos colonos abater com
suas mãos tão grossas matas, limpar e cultivar a terra. O trabalho
não agrada à maior parte dos holandeses do Brasil, que procuram
somente manter-se com uma ocupação fácil; o mesmo sucederá
aos colonos, prindpalmente porque a gente mais laboriosa não é a que
costuma vir entre tais colonos, mas uma gente miúda inútil, apa-

103
nhada aqui e acolá, homens na pátria muito preguiçosos para se
dedicarem ao trabalho. E se tais colonos vierem com as mãos
vazias, tanto menos servirão à Companhia, por ser necessário
assisti-los com víveres e materiais, como os que vieram com
]ohn Harrison, e como os outros que os Srs. Delegados
estabeleceram como colonos na ilha de Itamaracá: o resultado
dessa colonização foi ficarem devendo grandes somas aos
armazéns, que nunca pagarão; a agricultura nenhum particular
adiantamento teve e os colonos, reduzidos à miséria, se fizeram
pela maior parte soldados.
Releva, também, notar que é de mau efeito mandar
colonos, aos quais, segundo o regulamento, se dêem terras e
casas gratuitamente, pois muita gente que tem comprado aqui
engenhos (alguns dos quais não são muito melhores do que
terras bravias) com poucas casas, começa depois a murmurar e a
sustentar que têm o mesmo direito que os colonos, e que como
colonos devem ser considerados, e receber grátis as suas terras e
engenhos; e o que mais é, os moradores do Recife entendem
uns que, por força desse regulamento, se lhes deve dar
gratuitamente os terrenos, e outros, que têm comprado casas, as
mesmas casas, e assim muito transviadas andariam as finanças
da Companhia. Queira, pois a Assembléia considerar no futuro
o que lhe cumpre fazer nesta matéria.
Os que quiserem tirar proveito da cultura no Brasil, não
devem vir com as mãos vazias; devem, pelo contrário, juntar
algum cabedal para mandar fazer a fábrica de que precisam
(pois não podem ser trazidas da Holanda como são aqui
necessárias) e para comprar alguns negros, sem os quais nada
que proveitoso seja se pode fazer no Brasil. Os portugueses
dizem, em forma de adágio: "quem quiser levar o Brasil do
Brasil, traga o Brasil para o Brasil", isto é, quem quiser fazer
fortuna e granjear um bom capital no Brasil deve trazer um
vultoso cabedal para o Brasil.
Não convém, pois, que se mande gente pobre para
povoar o Brasil, salvo se os colonos tiverem pelo menos um
chefe que possa contribuir com alguma coisa, e todos os
dias estamos vendo que os mesmos soldados velhos, que
bem conhecem a terra e a ela se habituaram, tornando-se

104
paisanos, não podem medrar, a menos que se sujeitem a um
senhor de engenho ou a alguma outra pessoa que lhes dê a
mão, isto é, referimo-nos àqueles soldados que pretendem viver
da agricultura.
Os colonos que mais convém são os indivíduos que
vierem com algum cabedal e poderem comprar alguns escravos,
e assim se estabeleçam com o que é seu, até que os frutos
produzidos os reembolsem; esses tais podem obter aqui grandes
proveitos.
Entretanto, os holandeses que começaram a estabelecer-
se no Brasil e têm comprado engenhos esforçam-se muito para
de novo cultivar as terras e reconstruir os engenhos, no que
grande capital se emprega, e à força de diligência e de despesas
tantos engenhos são postos em estado de moer ainda este ano;
ou, pelo menos, são tão bem plantadas de canas as terras que
parece incrível, de onde a Companhia tirará este ano, e sobretudo
no vindouro e seguintes, grande rendas.

PORTUGUESES

Os portugueses que ficaram sob a obediência de Suas


Altas Potências os Srs. Estados Gerais e da Companhia das Índias
Ocidentais, e por isso conservaram as suas terras e engenhos,
bem como os que nos compraram alguns engenhos confiscados,
não se mostraram menos diligentes do que os holandeses, posto
que todos eles se acham geralmente muito empobrecidos pela
guerra, e com os seus próprios recursos não se podem ajudar;
mas são bravamente auxiliados pelos nossos mercadores, que
tendo muitas mercadorias, e delas pouco proveito tirado, servem
de boa vontade a quem possui algum engenho ou canaviais,
fornecendo aos agricultores todas as mercadorias e também o
dinheiro de que precisam, para ser a dívida paga na seguinte
safra, sendo que alguns dão ainda maior prazo, que tal foi o
único meio de animar a cultura. Acresce que o açúcar de presente
subiu a tão alto preço que estimula a todos a plantar cana com
muita força, e inspira grande confiança aos mercadores para
com aqueles que dispõem de engenhos ou canaviais.

105
BRASILIANOS

A terceira espécie de gente livres são os brasilianos, que


vivem em suas aldeias sobre si e debaixo da inspeção de capitães
holandeses. Alimentam-se de mandioca e de poucos outros frutos,
de que tomam o quanto lhes parece necessário para a sua
sustentação, e, quanto ao mais, vivem despreocupados, sem terem
disposição alguma parra granjear riqueza. Contentam-se com
possuir uma rede onde durmam, e alguns cabaços por onde
bebam, o seu arco e flechas, e sua farinha, a sua boa água e a
caça que vão buscar nas matas para se alimentarem; trabalham
somente para ganhar para si e suas mulheres o pano que seja
necessário para cobrir seus corpos, e consideram bastante que
suas mulheres vistam uma camisa de pano pendente até o chão,
e eles mesmos obtenham alguma roupa que lhes permita trazer
uns calções e um gibão, ainda que sem camisa.
E se não fora esta inclinação, não seria possível tê-los a
trabalhar; somente para ganhar isto são levados ao trabalho, e
não querem trabalhar senão até que tenham ganho, quando
muito, oito varas de pano grosso ou alguma pouca roupa, o que
de ordinário corresponde a 20 ou 24 dias de trabalho. Com isso,
voltam a suas aldeias, dizendo que possuem bastante e de nada
mais precisam, e não se deixam empregar em trabalho algum,
salvo se forem forçados pelos seus capitães holandeses.
Os serviços em que mais se empregam os brasilianos são:
cortar lenhas para os engenhos, plantar canas, limpar canaviais,
conduzir e dirigir carros, guardar o gado e outros misteres
semelhantes; e estes serviços eles não farão se, além do alimento,
a paga não for primeiramente depositada nas mãos do seu capitão
para lhes ser entregue quando houverem preenchido o tempo e
terminado o trabalho.
Eles vivem presentemente em muitos lugares,
mas sem culto religioso algum, por falta de pessoas
que os instrua em sua língua e os precedam nas suas
orações. Com efeito, não temos pessoa idônea para mandar
às aldeias, e eles afastaram de si os católicos, a quem não
querem mais admitir. Conviria, pois, que nas aldeias tives-

106
sem pessoas capazes que instruíssem os brasilianos, e sobretudo
os meninos, a fim de aprenderem eles a nossa língua e no
decurso do tempo receberem os fundamentos da religião cristã,
e nisto pretendemos empregar o mestre-escola espanhol recém-
chegado.
Eles mesmo pedem com instância a presença dos nossos
predicantes; e dizem que lhes agradaria que um ou dois
predicantes conversassem com eles, os instruíssem, batizassem
seus filhos e casassem os seus jovens. Nas aldeias da Paraíba o
predicante Doreslaer faz diligência por aprender-lhes a língua
e instruí-los na religião, e já está tão adiantado que pode
conversar com eles em português,e de algum modo fazer a sua
prédica e admoestação, o que os predicantes esperam será de
grande efeito.

ESCRAVOS

Temos falado dos livres; segue-se agora tratar dos escravos,


que são de três categorias, isto é, da costa da África, do Maranhão
e dos naturais destas terras.
Os da África são de Angola ou dos lugares onde a
Companhia tem trato. Os de Angola são aqui tidos pelos melhores,
já porque melhor se prestam ao trabalho, e já porque, sendo
recém-chegados, melhor são instruídos pelos negros velhos, pois
que eles entendem a língua uns dos outros.
Os que, porém, a Companhia obtém na costa de Ardra(•)
são cabeçudos, tardos, e difíceis de se empregar no trabalho, se
bem que, quando querem fazê-lo, trabalham muito mais do que
os Angolas. A princípio não sofrem nenhum governo rigoroso,
levantam-se todos no campo contra os feitores que os dirigem e
os moem de pancadas, ao que dá causa falarem eles uma língua
que os nossos negros velhos não entendem, nem eles entendem
pessoa alguma, resultando daí incompreensões. Mas isto há-de
melhorar com o tempo, visto como logo que estes primeiros
aprendam a nossa língua e entendam o trabalho em que são
empregados, poderão instruir os que vierem depois.

(•) Os Ardra procediam de Aliada no Daomé, hoje República de Benim.

107
Sem tais escravos não ~ possível fazer alguma coisa no
Brasil: sem eles os engenhos não podem moer, nem as terras ser
cultivadas, pelo que necessariamente deve haver escravos no
Brasil, e por nenhum modo podem ser dispensados: se alguém
sentir-se nisto agravado, será um escrúpulo inútil.
Como o Brasil não pode ser cultivado sem negros e sendo
necessário que haja um grande número deles (porquanto todo
o mundo se queixa da falta de negros), é muito preciso que
todos os meios apropriados se empreguem para o respectivo
tráfico na costa da África, e nisto tem a Companhia o mais alto
interesse, pois, além de vendê-los por bom dinheiro, a Companhia
goza ainda anualmente da terça parte do trabalho de cada negro,
de modo que o escravo fica trabalhando tanto para o seu senhor
quanto para a Companhia.
Quanto aos escravos do Maranhão, esses são aí traficados
pelos portugueses, como eles traficam em Angola.
Havia uma terceira espécie de escravos, os brasilianos
destas terras, a maior parte dos quais se achava na baía da
Traição ao tempo em que aí esteve Bouwen Heynsen {sic} e
foram escravizados pelos portugueses; mas nós os temos
restituídos à sua liberdade, onde temos podido achar algum deles.

COSTUME DOS PORTUGUESES

Os portugueses são, em geral, pouco curiosos com relação


as suas casas e à direção doméstica, contentando-se com uma
casa de barro, contanto que vá bem o seu engenho ou a sua
cultura.
Possuem poucos móveis, além daqueles que são necessários
para a cozinha, cama e mesa, e não podem ser dispensados; o
seu maior luxo consiste em servirem-se à mesa de baixela de
prata. Os homens usam pouco de vestidos custosos, vestem-se
de estofos ordinários ou ainda de pano, trazendo os calções e o
gibão golpeados com grandes cortes por onde se deixa ver um
pouco de tafetás. As mulheres, porém, vestem-se custosamente e
se cobrem de ouro, trazem poucos diamantes ou nenhum, e
poucas pérolas boas, e se ataviam muito com jóias falsas. Só saem

108
cobertas, e são carregadas em uma rede, sobre a qual se lança
um tapete, ou encerradas em uma cadeira de preço, de modo
que elas se enfeitam para serem vistas somente pelas suas amigas
e comadres. Quando vão visitar, primeiramente mandam
participar, a dona {da casa} senta-se sobre um belo tapete turco
de seda estendido sobre o soalho e espera as suas amigas, que
também se sentam a seu lado sobre o tapete, à maneira dos
alfaiates, tendo os pés cobertos, pois seria grande vergonha deixar
alguém ver os pés.
No tocante a quadros e outros ornatos para cobrir as
paredes, os portugueses são destituídos de toda a curiosidade, e
nenhum conhecimento têm de pinturas.
Não há profusão nos seus alimentos, pois podem sustentar-
se muito bem com um pouco de farinha e um peixinho seco,
conquanto tenham galinhas, perus, porcos, carneiros e outros
animais, de que também usam de mistura com aqueles
mantimentos, sobretudo quando comem em casa de algum amigo.
Têm belíssimas frutas, como laranjas, limões, melões, me-
lancias, abóboras, pacovas, bananas, ananases, batatas, maracujá-
aço, maracujá-mirim, araticum-apê e o belo e o mais delicioso
dos frutos, a mangaba e ainda vários legumes, milho, arroz e
outros mais, de que fazem diversidade de confeitados. Estes são
muito sãos, e deles comem em quantidade.
A bebida dos portugueses é principalmente água da fonte,
que é muito boa e agradável; nela ensopam um pedaço de pão
de açúcar e vão chupando, o que é muito são e refrescante.
Também fazem garapa de mel, que é o que os negros mais
bebem, assim como os brasilianos fazem uma beberagem de
cajus, que eles tomam com muito gosto.
Encontram-se muitos portugueses que não bebem vinho;
há outros que, pelo contrário, bebem muito, e se diz costumam
vir anualmente ao Recife 5.000 pipas que na terra se consomem.
Entre as mulheres, poucas são as que bebem vinho, e há muitas
que em sua vida nunca provaram dele.
Os homens e as mulheres portuguesas pouco têm de
bonito: são secos de rosto e corpo, e a pele é escura. De
ordinário as mulheres, ainda moças, perdem os dentes e,

109
pelo costume de estarem de contínuo sentadas, não são tão
ágeis, como as holandesas, e andam sobre os seus altos chapins
como se tivessem cadeias nas pernas.
Os homens são muito ciosos de suas mulheres, e as trazem
sempre fechadas, reconhecendo assim que os de sua nação são
inclinados a corromper as mulheres alheias.

COMÉRCIO

Sobre esta matéria bastante temos dito, e passamos a tratar


do comércio que aqui se faz.
O comércio do Brasil para a Holanda consiste em açúcar,
pau-brasil, tabaco, doces confeitados, couros, várias e muito belas
madeiras para trabalhos diversos, podendo dar esta terra muito
bom algodão, gengibre, bem como há quem tenha começado a
fabricar aqui anil, a saber, Daniel de Dieu e ]acob Velthuysen,
do qual já apresentaram um começo de amostra, faltando-lhes
somente acertar com o justo maneio do anil. Se na Holanda se
pudesse encontrar quem seja entendido no fabrico do anil, não
faltaria aqui a produção da respectiva planta em abundância,
pois dá por toda parte sem cultura.
Outrossim pode-se fazer aqui urucu {Oreliqua}, porquanto
encontram-se aqui e acolá algumas pequenas árvores em que
dá. Outro tanto se pode dizer da cochonilha; mas do que acima
dissemos temos nós um começo de amostras, ao passo que da
cochonilha ainda não as podemos ver.
Com relação às mercadorias que convém sejam enviadas
da Holanda para cá, e as que mais procuradas são e mais avanço
têm, mostra a fatura que vai junto.

OFÍCIOS

Passamos a tratar dos ofícios que são aqui exercidos. Vem


em primeiro lugar o cozimento do caldo da cana, de que se faz
o açúcar, e tudo a que isso se prende. Há muitos carpinteiros,
pedreiros, ferreiros, caldeireiros, oleiros, também alfaiates,
sapateiros, seleiros, ourives e uns poucos tecelões que fiam
algodão. Os carpinteiros, pedreiros, ferreiros, .caldeireiros ganham,
pelo menos, 3 florins por dia, e os mestres 4 e 5.

110
A gente que não serve nos engenhos, ocupa-se, além do
seu ofício, se algum pode ter, com o plantar mandioca ou outros
frutos da terra, tabaco ou coisa semelhante. Outros começam a
estabelecer-se nestes arredores para plantar legumes e toda a
sorte de sementes holandesas, algumas das quais se desenvolvem,
como alface, rábano, pepino, nabo, agrião, e todos os vegetais
indígenas, como abóboras, melões, melancias, milho, etc. Sendo
o mantimento geralmente mais caro no Brasil, e sobretudo no
Recife, do que algum outro lugar do mundo, serve isto de maior
estímulo ao povo para tudo semear e plantar.

EMPREGADOS DA COMPANHIA

Já anteriormente comunicamos que pusemos todos os


empregados da Companhia, desde os mais baixos até o mais
elevado, às suas próprias expensas no que se refere à
alimentação, com o que eles se arranjam, e até os soldados, que
à velha ração preferem receber o seu soldo e pensão, pois fica-
lhes cômodo proverem-se no mercado dos frutos indígenas, sendo
que todos os dias se corta carne fresca; não podem, porém,
comprar com o seu soldo muitos víveres da Holanda, a não ser
favas, ervilhas, cevada, e preferem as favas e os frutos da terra.
Tínhamos continuado a dar aos soldados a ração de pão,
descontando da pensão o valor correspondente; mas como
soubemos que {o preço} da nossa farinha subia muito, resolvemos
dar toda a pensão aos soldados e não mandar cozer mais pão, a
não ser o pão duro para os navios, se bem que, em tempo de
necessidade, se possa fornecer-lhes também farinha de mandioca.
É nossa intenção fazer provisão de toda a farinha {de trigo} para
abastecer e prover os fortes, o que é também bem aceito pelos
soldados, pois que eles com o pão mal podiam passar, .e por
dinheiro podem comprar farinha {de mandioca} bastante para
passar com fartura.

PRODUÇÕES

A terra não dá somente os mantimentos acima


especificados, senão também quase tudo que é necessário para

111
a construção de casas e navios, exceto ferro, breu, alcatrão,
betume; visto como, para a construção de casas, pode obter-se a
pedra de cantaria que se tira dos montes e arrecifes, ou tijolo,
que aqui se coze, e toda a sorte de madeira de construção abunda
nestas conquistas; é porém muito dispendioso o cortá-la e lavra-
la onde se a quer ter.
Há, também, aqui caieiras, onde se pode queimar tanta
cal quanta for necessária. Faz-se, também, bastante carvão, pois
os ferreiros portugueses não usam senão do carvão vegetal; para
as grandes e pesadas obras, porém, que os nossos ferreiros têm
de fabricar, não se podem servir do carvão vegetal. E embora se
faça muito carvão vegetal, para o fabrico de pólvora faltam salitre
e enxofre. Faziam-se aqui cabos das mesmas entrecascas das
árvores de que se fazem os murrões portugueses; e aqui têm
sido construídos vários navios e caravelas, nos quais os materiais
vindos de fora da terra são somente as velas, as ferragens, o
betume, breu e alcatrão.

GUERRA NO BRASIL

Assaz temos tratado da terra e dos seus moradores. Vamos


agora ocupar-nos com os negócios da guerra e defesa desta
conquista, e começaremos dizendo qual é a situação dos nossos
inimigos.
Segundo as notícias que correm, o Conde de Banjola
{Bagnuolo} levantará acampamento de Sergipe d'El-Rei e se retirará
para mais longe, por causa da notícia que teve da expedição do
Sr. Johan Ghijselin e do muito nobre Sr. Sigismundo von
Schkoppe, com o nosso exército, conquanto somos informados
que o inimigo ainda tem cerca de 2.000 homens armados e
meio-armados, entre soldados e moradores fugitivos.
Em uma carta que, há seis semanas ou dois meses, o Conde
de Banjola dirigiu a S. Ex.ª, pedia que lhe fossem enviadas a
mulher de Luís Barbalho e a do Capitão Antônio de Freitas,
assegurando que Luís Barbalho tinha chegado à Bahia com o seu
terço. Mandamos expressamente ao Condé, com a resposta, um
moço esperto, trombeta de S. Ex.ª, para ao mesmo tempo observar
e colher o que lhe fosse possível, e referiu-nos quanto pôde

112
saber, e é que Luís Barbalho havia chegado, segundo eles diziam,
com 4.000 homens; mas nós bem sabemos que os terços
portugueses não constam de mais de 300, 400 ou 500 homens, e
sem dúvida o dito terço não será mais numeroso, pois soubemos
que vieram em três caravelas. Também faziam muito alarde em
Sergipe da grande armada que esperavam, na qual viriam muitos
mil homens; mas como Barbalho chegou com um terço, supomos
que isso é o que eles têm a esperar, e somente à defesa da Bahia
se há-de atender, e corria o boato de que a Barbalho fora confiado
o comando da milícia na Bahia. Não obstante isso, sua mulher
pediu com instância que a não quisessem obrigar a partir, pois
não acreditava que seu marid<Yfiou~sse chegado à Bahia, e
que, se fora assim, ter-lhe-ia escrito; de sorte que ela ficou, até
ordem ulterior.
Aqui corre que o Conde de Banjola se retirará até a torre
d~Ávila, que fica a 15 milhas deste lado da Bahia ou São Salvador,
e o capitão Antônio de Freitas ordenou a sua mulher que de-
sembarcasse aí, para ir ter com ele; portanto, se a retirada não é
um fato consumado, não se pode duvidar que se efetuará tanto
que os nossos se aproximem.
Passando agora às nossas coisas, dissemos em uma carta
(cuja cópia vai junto), dirigida a Vossas Senhorias e enviada por
intermédio de um inglês que de São Tomé foi aqui trazido, o
que nos movera a empreender a facção contra o castelo da
Mina, bem como que o Senhor Deus a favoreceu com próspero
sucesso, a qual esteve sob a direção do muito nobre Senhor
Coronel Hans van Koin, e do Sargento-mor John Goodlad,
chamado Bongarçon, e que todos os navios e tropa, que não
deixaram lá ficar de guarnição, chegaram aqui no devido tempo,
e assim levaram eles a cabo aquela empresa sem descuidar-se
da coisa alguma; e para que Vossas Senhorias sejam informados
de todos os pormenores, vão juntas as cópias das cartas do
general da costa e da relação da artilharia, munições de guerra e
de tudo o que ali se achou.
Na mesma carta demos também notícia da expedição
que mandamos ao Ceará, sob a direção de George Gartz-
man, e do Sargento-mor o bravo capitão Hendrick van
Haus, os quais seguiram com dois iates e 150 soldados;

113
mas a este respeito nada podemos acrescentar acerca do que ocorreu
posteriormente, porque de então para cá nada temos sabido.
Sem embargo destas expedições, não deixamos de armar-
nos para acometer o inimigo em Sergipe d~El-Rei. A perigosa
moléstia de S. Ex.ª não lhe permitindo ir pessoalmente, designamos
para isso o Sr. Johan Ghijselin e o muito nobre Sr. Sigismundo
von Schkoppe; os navios, a tropa, as provisões de boca e de
guerra, com que se foram à procura do inimigo, tudo encontrarão
Vossas Senhorias bem declarado nas atas, deste Conselho.

FORTIFICAÇÕES

Faremos agora a descrição das foftalezas, castelos e fortes


do litoral, os quais ou já existiam antes da conquista ou, depois
dela, foram levantados pelos nossos para a defesa da mesma costa.

De Pernambuco

Começando do sul, temos, em primeiro lugar, o forte


Maurício, que foi levantado pelos nossos em Penedo, do lado
setentrional do Rio São Francisco, afastado do mar cerca de seis
milhas. Tem cinco pontas, e está assentado sobre uma rocha
escarpada que se eleva a 80 pés de altura sobre o rio. De um
lado é tão escarpado que se faz inacessível, e de outro lado,
onde de algum modo o inimigo poderia chegar, é defendido
por três baluartes. Na sua vizinhança a terra é baixa, excetuado
um monte, a qual durante todo o verão se cobre de água, que
se eleva à altura de um homem. O forte tem altas muralhas e
fossos fundos, mas secos, como Vossas Senhorias poderão ver
nos mapas que S. Ex.ª já enviou ou há-de enviar ainda, e é de
grande defesa.
Do outro lado {do rio}, defronte do forte Maurício, os
nossos construíram um fortim de madeira, onde se fez uma
bateria sobre uma árvore com três peças de calibre seis.
Desse mesmo lado do rio, por ele abaixo, junto à
foz, há um reduto denominado "Keert de Koe", que serve
para dominar aí o rio, conservá-lo livre, proteger os nossos

114
navios e termos um pé em terra nesse lugar. Está situado em um
pântano.
Estes fortes estão sofrivelmente providos de artilharia, de
munições e víveres, e neles se acham atualmente 300 homens.
As despesas com a fortificação, que já está concluída,
monta a cera de 20.000 florins. Propõe-se agora que o mesmo
forte {Maurício} seja revestido de argamassa, o que custará outro
tanto, e por isso nos achamos embaraçados, e ainda nada
pudemos resolver. Veremos depois o que convém fazer.
O forte que se segue é o de Porto Calvo. Depois da
conquista foi muito fortificado, mas ficou tal como era antes,
muito irregular, e se faz mister cercá-lo de uma contra-escarpa
com uma sólida paliçada. Este forte conserva ainda toda a sua
artilharia e quase toda a munição que nele foi encontrada, apenas
fez-se retirar algumas peças que não eram necessárias e estavam
desmontadas. Está pois bem provido de tudo, e guarnecem-no
duas companhias de soldados. Este forte está assentado sobre
um monte alto e isolado, e não há na vizinhança outros montes
altos que o dominem; correm rios ao longo de dois dos seus
lados. No forte há um poço com 18 braças de profundidade,
construído com pedras de cantaria quadradas que se elevam
desde o fundo até a borda, e fornece água excelente.
Seguindo de Porto Calvo para o norte, a primeira
fortificação que se encontra é a do Cabo Santo Agostinho.
Não temos aí nenhuma obra de defesa. A que o inimigo
levantou em torno da igreja de Nossa Senhora de Nazaré, sita
sobre o monte mais alto do Cabo, há muito foi arrasada por
imprestável.
O reduto do Pontal, que mantivemos sempre contra toda
a força do inimigo, está agora de tal modo destruído pelo mar,
que um dos lados caiu e o mar o levou, e todo o esforço que se
tem feito com a construção de sapatas para conservá-lo tem sido
inútil.
O forte Ghijselin, que fica defronte, sobre uma ilha,
tem sido também de tal modo minado pelo mar que, apesar
das fortes sapatas que existem diante dele, e têm sido
sempre renovadas, a bateria e toda a frente caíram. Como,

115
depois da conquista de todo o Cabo, não tínhamos mais
necessidade deste forte, e somente servia para ser inutilmente
guarnecido e trazer gente ociosa, resolvemos por último esbulhá-
lo de tudo e deixar que o mar o consumisse a sua vontade.
Para ter em nosso poder o dito porto, é necessário levantar
um forte sobre o Pontal, porém situado mais para dentro do que
se achava o reduto, com o que se evitará que fique exposto ao
mar, e ao mesmo tempo servirá para dominar o porto, segurá-lo
melhor do que antes estava, e manter também a bateria sobre a
barra, que aí sempre existiu. É verdade que esta bateria não
poderia ser defendida, se algum inimigo desembarcasse com
bastante poder; é aberta por trás e não pode ser fechada, de
modo que o inimigo poderia chegar até aí encobertamente,
porque esta bateria fica abaixo de dois montes altos, donde se
pode fazer fogo com mosquetes diretamente contra ela, e não é
possível livrá-la deste perigo por meio de uma muralha, por
muito alta que se a faça. Par~efender a mesma bateria há
somente um reduto, que fica ;§obre o mais meridional daqueles
dois montes, donde se faz fogo contra o outro, e assim se defende
de algum modo a bateria da barra.
Entretanto, é isto de tal importância que, tendo nós um
forte no Pontal, o porto ficará sendo inútil aos nossos inimigos, e
nós poderemos sempre socorrer o forte do Pontal, provendo-o
de víveres, munições e tropas, seja pela barra grande ou pela
barreta, se as mantivermos em nosso poder.
É fora de dúvida que, se tivermos um forte no Pontal, o
inimigo não tentará acometer o porto, pois que este não é tão
cômodo que valha a pena empregar nisso grande poder, uma
vez que nele não podem entrar navios de grande calado, e a
sua entrada ou saída é perigosa.
Depois do Cabo Santo Agostinho, segue-se o Recife de
Olinda com os seus fortes.
O primeiro deles é o Príncipe Willem, situado nos
Afogados. É um forte de quatro pontas com quatro
baluartes, e está muito bem colocado, porque nos assegura
o caminho da Várzea e de toda a terra, e defende a
passagem da ilha de Antônio Vaz para os Afogados. Está si-

116
tuado em uma planície e na sua parte mais elevada, dominando
assim o campo até onde o canhão pode alcançar. Para o lado
do noroeste tem fossos fundos; ao sudeste porém, os fossos não
são fundos, e o solo é mais alto, pelo que o inimigo pode
aproximar-se por meio de aproches. É necessário que este forte
seja cercado de uma contra-escarpa, pois não sendo assim, faltar-
lhe-á fortaleza. É construído de uma terra singular, que, de verão,
quando seca, é tão dura como pedra, e de inverno, quando
chove, é mole como argamassa, sulcando-a as águas de modo
que é necessário grande dispêndio para repará-lo e conservá-lo.
A este seguia-se o forte Emília, situado na Ilha de Santo
Antônio, construído diante dos hornaveques do forte Frederik
Hendrik, mas foi também abandonado por inútil e mandou-se
arrasá-lo.
O forte Frederik Hendrik, chamado das Cinco Pontas,
que agora se segue, tem cinco baluartes regulares. Está situado
em uma ponta da ilha de Santo Antônio, de onde se descobrem
totalmente os navios surtos no porto do Recife, e por isto serve
este forte para defesa do mesmo porto. Acha-se edificado sobre
um solo alto, que é o único caminho que poderia proporcionar
ao inimigo o ensejo de aproximar-se do grande alojamento de
Antônio Vaz, e protege também as cacimbas, as únicas que podem
fornecer água ao Recife e Antônio Vaz em ocasião de necessidade
e cerco.
A princípio as muralhas deste forte não tinham mais de
12 ou 13 pés de altura, e, quando S. Ex.ª e os Conselheiros
Supremos aqui chegaram, estavam tão arruinadas que um
cavaleiro com todas as suas armas poderia galgá-las; a estacada
e as paliçadas se achavam de todo podres e derribadas, toda a
obra muito aluída, os fossos bastante secos pelo movimento das
areias. Mandamos alargar e aprofundar os fossos e alargar e
elevar as muralhas até a altura do velho parapeito, e construir
por cima delas um novo parapeito; também mandamos cercar o
lado exterior do fosso com uma contra-escarpa, e construir uma
sólida sapata sobre o lado do mar, com o que este forte se acha
agora fortalecido e defensável, o que todo custará à Companhia
uns 20.000 florins, somente quanto ao que se novo se faz.

117
Este forte teve mais, ao lado sul, um sólido hornaveque,
que se estendia para o lado do antigo forte Emília, e em frente
ao mesmo hornaveque um outro pequeno, que seguia a mesma
direção, e é daquele dominado, o que tudo se acha ainda em
sofrível estado.
A um tiro de arcabuz do forte Frederik Hendrik, para o
lado do noroeste, fica, junto ao Capibaribe, um reduto, que
setve de guerra avançada para se descobrir se o inimigo tenta
atravessar o rio.
Apresenta-se agora o grande alojamento de Antônio Vaz,
onde reside S. Ex.ª. Está cercado de uma muralha muito alta
que, ao ocidente e ao noroeste tem dois baluartes inteiros, e se
vai prender ao fosso do forte Ernestus por uma linha que a
fecha. No sul, contra a praia, tem um meio baluarte, de onde
surge uma asa ou linha que, correndo ao longo do rio e passando
por diante do alojamento de S. Ex.ª, vai terminar também no
fosso do forte Ernestus, diante do qual fica em aberto.
Este lugar está dividido em ruas e terrenos, onde muita
gente tem começado a edificar, e muitas casas já estão acabadas;
as ruas são alinhadas de modo que todas se abrem diante do
forte Ernestus, que as domina, bem como as muralhás.
O forte Ernestus está situado em torno do convento de
Santo Antônio; seria (se estivesse concluído) um forte
quadrangular com quatro baluartes. No lado do norte, sul e
ocidente está acabado; quanto ao lado oriental porém, se acha
somente fechado pelo velho muro do convento, o qual ameaça
agora desabar. Discutimos se convinha derribar e fechar o forte
com uma muralha de terra em forma de tenalha, mas, por causa
'das despesas foi a obra adiada, porque o forte não está nesta
parte sujeito a perigo algum, e porque é muito necessário
aprofundar os fossos tanto do grande alojamento quanto do
forte Ernestus (pois de pouco valem) e com a terra tirada dos
fossos construir uma contra-escarpa em volta de ambas estas obras.
Ao norte do Ernestus fica o forte Waerdenburgh
em um terreno que avança a partir do continente; é qua-
drangular, mas a escassez de terreno não permitiu que
tivesse mais de três baluartes, a saber, no norte, ocidente e ori-

118
ente, faltando o do sul. Um fosso o separa da terra firme, está
cercado de água, e sofre forte embate do rio, pelo que se faz
necessário conservá-lo dispendiosamente por meio de sapatas.
Como não parece que este forte seja necessário, e se entende que
basta um reduto para guardar aquele terreno, resolveu-se deixar
que o rio o vá destruindo, e reduzi-lo à forma de um reduto.
Segue-se o Recife de O linda, lugar da residência dos Altos
e Secretos Conselheiros e dos Conselheiros Políticos, e principal
porto dos navios grandes em toda a capitania de Pernambuco.
Aí tem a Companhia fixado também a sua sedem belli; e neste
lugar estão encerrados todos os armazéns gerais de víveres,
artilharia, munições de guerra e mercadorias.
Este porto está disposto de um modo admirável: tem uma
rocha contínua, como um molhe ou dique de 40 passos ou mais
de largura e mais de uma milha de comprimento, desde a Barreta,
e, correndo por diante do Recife, faz no interior um porto capaz
para abrigar muitos navios.
Trabalha-se em cercar e fechar este lugar {do Recife} com
uma forte e bem flanqueante paliçada, já que a escassez de
terreno não permite que, quer contra o lado do mar, quer contra
o do rio interior, seja cercado por uma muralha. Esta paliçada há
de custar seguramente de 8 a 10.000 florins, que esperamos
obter das casas, terrenos, armazéns existentes aqui no Recife,
tanto dos particulares quanto da Companhia.
Na frente, sobre o caminho para a cidade de Olinda e
contra o mar, há uma bateria murada de pedra, e contra o rio
interior um reduto de terra, cujo sopé sai do rio e é formado de
pedras soltas sem cal. Estas duas obras estão ligadas uma a outra
por uma forte paliçada de madeira, e aí é a saída.
Fora do Recife encontra-se primeiro o velho castelo
denominado São Jorge. Achando-se este castelo muito
arruinado, os administradores do hospital pediram-no para
servir de enfermaria, com promessa de o repararem inte-
riormente e conservarem-no a sua custa, utilizando-se dele
até que seja necessário ao serviço militar e à defesa do
Recife, o que resolvemos conceder-lhes para poupar
despesas à Companhia, e porque este castelo é atualmente

119
inútil, e sê-lo-á talvez também para o futuro. Contudo ficaram aí
todas as peças.
Defronte do Castelo de São Jorge, sobre o arrecife de
pedra, (•) no mar e na entrada da barra, fica um outro belo
castelo de pedra, por nós denominado Castelo do mar. Este tem
sido algum tanto danificado pelo mar, que, batendo nele com
toda força e em todas as marés, tem arrancado na parte inferior
algumas pedras. Tratamos com o mestre, que foi o seu primitivo
construtor, para que, com o auxílio de pedreiros portugueses,
tape o rombo e o segure contra o mar, o que é indispensável
para prevenir futuros danos.
Adiante do Castelo de São Jorge, sobre a praia de areia
que vai ter à cidade de Olinda, está o forte de Bruyne. É
quadrangular, tem do lado do mar somente meios baluartes
~ "\pequenos, e do lado do rio baluartes inteiros e acabados. Acha-
se em boa ordem e em perfeito estado, mas não tem fosso nem
as necessárias paliçadas. Há diante dele um homaveque que
está um tanto estragado. A tiro de mosquete deste homaveque
fica um reduto que serve de guarda-avançada.
Todos estes forte e obras estão bem providos de artilharia
e munições, conforme a situação de cada um, e bem guarnecidos
de soldados conforme as nossas forças. Temos, porém, grande
necessidade de carretas e baterias, o que remediamos, quanto
nos é possível, fazendo os portugueses cortar madeira apropriada
nas matas, mediante pagamento, com o que se fazem muito
boas carretas, e são mais baratas e mais duradouras do que as
holandesas, por não precisarem de ligaduras de ferro.

De Itamaracá

Em direção ao Norte, a fortificação mais próxima é a da ilha


de Itamaracá. Dentro da barra apresenta-se em primeiro lugar o forte
Orange, situado sobre um baixo de areia separado da terra fmne por
uma angra, que é vadeável de baixa-mar. Este forte domina a entrada
do porto, visto como os navios que entram têm de passar por

(-) Na época distinguia-se o arrecife de pedra e o arrecife de areia, que era o istmo
de Olinda.

120
diante dele a tiro de arcabuz. É quadrado, com quatro baluartes,
e ultimamente foi elevado e reparado, mas quase não tem fossos,
nem estacada ou paliçada, o que é necessário se faça, bem
como convém aprofundar o fosso e cercar o lado exterior com
uma contra-escarpa. Diante deste forte, do lado do Norte, por
onde o inimigo se pode aproximar, há um hornaveque.
A pequena cidade Schkoppe, sita na mesma ilha, está
fortificada desde velhos tempos, como foi fortificada quando
nós a tomamos. O extenso parapeito feito pelos portugueses,
que não havia tropa que o guarnecesse, tinha necessariamente
de ser abandonado, e nós deixamos que se arruinasse; a igrejinha
que fica ao sul da cidade, foi ligada à bateria que flanqueia o
rio, ficando assim a salvo de algum súbito acontecimento do
inimigo ou então da tropa que havia na terra; mas não é isto
bastante contra o inimigo que, com notável poder, vier de fora,
encontrando-se ainda tudo ao modo antigo. No extremo norte da
pequena cidade, na entrada do passo de Tapessima, há um
redutozinho que serve de guarda avançada, e não é grande defesa.
Na extremidade setentrional da mesma ilha, na entrada
da barra do norte, há também um reduto com uma bateria que
domina a dita entrada. Está assentado sobre um solo alto e
pedregoso, pelo que não pode ter fossos fundos, mas está cercado
de uma paliçada. Este reduto se acha inteiramente arruinado, e
é forçoso que seja reconstruído.

Da Paraíba

Depois destas fortificações seguem-se as do rio da Paraíba,


que são três: a primeira, do lado do sul da entrada da barra; a
segunda, do lado do norte, e a terceira, cerca de um tiro de peça
para dentro dos ditos fortes, mais ou menos ao meio do rio
sobre o baixo de areia, que lança uma ilheta, denominada
Restinga.
O forte do sul foi inteiramente feito por nós:
arrasou-se o veiho forte de Santa Catarina, que era muito
pequeno, acanhado e de pouca resistência, e, no mesmo
lugar e por fora dele, levantou-se este outro. Para o lado

121
de terra tem um bonito baluarte, cujas cortinas correm para a
praia do mar, tendo de um e de outro lado um meio-baluarte
que se fecham por uma tenalha; a sua circunferência é bastante
espaçosa, e as suas muralhas belas e elevadas; mas, por causa
das areias movediças, como sucede em todas as praias, não
pode ter fossos profundos; de qualquer modo é de grande
resistência. Antes do nosso governo foi este forte empreitado,
estando muito adiantada a construção dele; mas fomos nós que
pagamos a maior parte das despesas. Custou 31.000 florins .
O forte do norte, denominado Santo Antônio, é
quadrangular com quatro baluartes e está ainda no estado em
que o tomamos ao inimigo, exceto que, como era muito
escarpado, quando o levantaram, e, por isso, ameaçava cair, foi
necessário adelgaçá-lo por fora, para dar-se-lhe mais forma.
A velha obra dos portugueses na Restinga, que fica ao
meio do rio, foi destruída, e substituída no mesmo lugar por um
bom reduto com meios-baluartes, tendo uma beba bateria na
cortina que dá para o lado do canal do rio, por onde os navios
devem passar. Este lugar é tão forte como nenhum outro no Brasil;
está quase a um tiro de colubrina da ilha, e é cercado d~água.
Na cidade Frederica fortificou-se ligeiramente o convento
dos Franciscanos, para servir de defesa e refúgio aos moradores,
quando sucedesse molestá-los bandidos e salteadores, como já
aconteceu.

Do Rio Grande

Aos fortes da Paraíba segue-se, para o Norte, o Castelo


Ceulen, no Rio Grande, situado sobre o arrecife de pedra na
entrada da barra. Construído de pedra de cantaria, é muito
elevado, e tem muito grossas e fortes muralhas. Na frente, para o
lado de terra, tem uma forma de homaveque, isto é, uma cortina
com dois meios baluartes e provido, segundo o velho estilo, de
orelhões e casamatas. Diante dos outros três lados há tenalhas.
Este forte está sujeito às altas dunas que lhe ficam a
tiro de arcabuz, e são tão elevadas que delas se pode ver
pelas canhoneiras o terrapleno, e daí tirar à bala o sapato

122
dos pés aos do castelo. Quando nós o cercamos, assentamos a
nossa artilharia sobre as dunas, e fizemos um fogo tal que ninguém
podia permanecer na muralha. Mas este defeito foi remediado,
levantando-se sobre a muralha da frente, contra o parapeito de
pedra, um outro de terra a prova de canhão, e com isto todo o
forte da parte de cima está coberto e resguardado.
E como de maré cheia este forte fica cercado de água, e
tem de resistir ao embate do mar, está um pouco danificado na
parte inferior, o que se reparará construindo-se de pedra e cal
uma nova base.
O Castelo está bem provido de artilharia: além das peças
que nele foram tomadas, puseram-lhe mais duas de calibre 4,
que estavam as caravelas que achamos no rio, quando o fomos
cercar. Em geral todas as obras, fortes e castelos acima descritos
estão bem providos de artilharia e munições.
Muito conveniente seria declarar aqui quantas peças
existem em cada forte, seja de ferro ou de bronze, e qual o seu
peso e calibre, bem como apresentarmos uma relação completa
de todas as munições e objetos do trem; mas por agora não
podemos coligir todos os dados, e cumpriremos este dever com
a possível brevidade.
Todos os fortes estão sofrivelmente guarnecidos de tropa.
Mas para levar a campo nosso exército com o poder necessário,
levantamos de toda a parte tanta gente quanto nos era possível
levantar, e, contudo, não podemos mobilizar mais de 3.000 a 3.300
homens, de modo que começamos a sentir grande falta de tropa.

ASSUNTOS MILITARES

Pelas cartas que trouxeram os últimos navios vindos da


pátria, soubemos que a câmara de Amsterdã, em virtude de nossa
representação, e antes de se reunirem os Dezenove, convidara as
outras câmaras a que cada nona parte enviasse como recruta 150
homens, notícia que nos foi muito agradável. Dignem-se porém
Vv. Ss. considerar que, se empreendermos uma facção de capital
importância contra algum lugar situado longe daqui, devemos
deixar os nossos fortes guarnecidos de modo que se possam

123
defender, resistir à invasão dos salteadores e proteger os campos
e os moradores. Ora, se tivermos aqui os ditos 1.350 soldados
como recrutas, ainda assim não poderemos pôr em campo
mais de 3.000 soldados, pois a tropa diminui quotidianamente
de um modo incrível, quer em razão dos que se recolhem à
pátria ou adoecem, se estropiam ou morrem, quer em razão
dos que se fazem paisanos. Esperamos, pois, que a Assembléia
dos Dezenove, que se seguiu, haja atendido ao nosso mais
recente pedido e resolvido enviar todos os recrutas que
reclamamos, bem como ordenará às câmaras remissas que
enviem o restante dos soldados, cujo número foi fixado na
resolução anterior, que achamos ser conforme ao que consta
da memória junta.
Cumpre, também, providenciar para que recebamos boa
provisão de toda a sorte de munições de guerra, e para este fim
temos por vezes enviado aos nobres senhores deputados à
Assembléia dos Dezenove as listas do que mais nos falta aqui, e
agora vai a lista que pedimos seja satisfeita quanto antes,
deduzindo-se o que acaso já tenha sido remetido.
Junto vai, também, uma lista de navios que presentemente
se acham nesta costa, os quais pela maior parte regressarão, por
não os poder conservar aqui por mais tempo; e pois Vv. Ss. os
irão recebendo sucessivamente com sua carga de açúcar.
Deve ser tomado na devida consideração que nós
ficaremos com muito poucos navios nesta costa, e entretanto,
sucedendo vir de Portugal um armada inimiga, seria de desejar
que no mar pudéssemos oferecer-lhe resistência e batê-la, antes
que dela o inimigo desembarcasse em alguma parte; pois se
pudéssemos desfechar um tal golpe, a Companhia ficaria firme
e segura para sempre, e o inimigo jamais ousaria incomodar-nos
outra vez nesta costa.
Sabemos que as câmaras resolveram que cada nona
parte enviaria um navio. Queiram, porém Vv. Ss. atender
que no fim do verão todos os navios, que presentemente
aqui estão, terão partido com o seu carregamento de
açúcar; pelo que nos parece que Vv. Ss. deviam dobrar o
número fixado por aquela resolução, e nos enviassem 18

124
navios grandes e 9 iates capazes de resistência, descontando os
que Vv. Ss. virem que se acham nesta costa; e venham estes
navios e iates não somente bem providos de artilharia e munições,
como de víveres e, sobretudo, de tropa e marinheiros, de que
tem havido grande falta, visto como os tripulantes têm de fazer
os trabalhos nos navios, e por bons e bem aparelhados que
estes estejam, de nada servem, se não tiverem gente bastante
para mover os instrumentos e fazer o serviço que de tais navios
se espera. Vv. Ss. sabem quantos malogros há um ano se têm
dado nesta costa, porque os capitães de navios se desculpam
com a pouca gente que têm. Convém muito prover nisto, para
que não possam mais vir com tais desculpas.
Antes de tudo cumpre ter em atenção que os navios sejam
bem acabados e bem providos de tudo, o costado bem pregado,
todo o navio bem calafetado e bem provido de velas, âncoras,
cabos, etc., a fim de que possam conservar-se o tempo devido
nesta costa, sem carecerem de que se lhes faça aqui grandes
reparos; porquanto nós contamos que o que o espanhol tiver de
empreender, há-de ser empreendido neste tempo, e se nós
dispusermos de tais navios e destroçarmos o inimigo, depois
poderemos haver-nos com um menor número de barcos e os
deixaremos voltar para Holanda com a sua carga de açúcar.

RENDAS DA CONQUISTA

Se o Estado do Brasil merece as grandes despesas que


agora com ele se fazem e ainda se há-de fazer, deixa-o bem
patente a enumeração de todas as rendas e proveitos que a
Companhia poderá tirar desta conquista.
Vem em primeiro lugar o negócio do açúcar, do qual a
Companhia tira: 1º o dízimo; 2P a parte do donatário nas capitanias
de Pernambuco e Itamaracá, que regula 1 1ho/o; 3º a recognição
de 20o/o; 4º os fretes, avarias e comboios; 5º as recognições e
fretes das mercadorias importadas da Holanda, para serein
consumidas no Brasil e comprarem aqui o açúcar, etc.
Calculamos que, quando este país estiver de novo
florescente, o que agora começa, no ano vindouro aumentará
consideravelmente e no terceiro ano chegará a um

125
estado de quase completo florescimento, haverá nestas capitanias
conquistadas os seguintes engenhos:

No lQ distrito haverá sem dúvida


mais de ...................................... :.................. 15 engenhos
Na jurisdição de Sirinhaém ................... ...... ...... 18 "
Na de Olinda ..................................................... 67 "
Na de Igarassu ................................................... 8 "

Soma dos engenhos da Capitania de


Pernambuco ................................................. 108 "

Na capitania de Itamaracá................................. 20 "


Na da Paraíba .................................................... 20
No Rio Grande .. ................. ................................ 2 "

Soma total dos engenhos das 4 capi-


tanais ............................................................ 150

Engenhos que este ano não moerão:

A metade dos engenhos das Alagoas


e Porto Calvo ....... .......................... .. ......... ... 8 engenhos
Em Sirinhaém..................................................... 11 "
Na jurisdição de O linda .......................... ........ .. 20 "
Em Igarassu ........................... .. ........................... 1 "
Em Itamaracá ..................................................... 8 "
Na Paraíba ......................................................... 2 "
No Rio Grande................................................... 1 "

Soma dos que este ano não moerão 51 ......51

Assim moerão este ano ... .................................. 99

Estes 99 engenhos não estão em condições de moer


o que outrora moíam ou costumavam moer, porque nos
lugares que foram teatro da guerra, ou, no ano passado,
das invasões do inimigo, aí ficaram os canaviais destruídos
e os engenhos sofreram grande dano. Assim, se quisermos
fazer o cálculo dos açúcares que este ano, ou na safra
atual, serão produzidos pelos engenhos, supomos que este

126
cálculo não pode ser elevado a mais de 2.500 arrobas de açúcar
macho, isto é, branco e mascavado juntamente, dando o mel
dos mesmos açúcares mil arrobas de panela em cada engenho;
o que dá o seguinte resultado:

Engenhos ....................................................... 99
Cada um mói 2500

49500

198

Total do branco e mascavado


(sendo uma parte masca-
vado) .............................................. 247500 arrobas
Dízimo ......................................................... 24750 "

222750

Pensão do donatário e agora


da Companhia .................................... 3340 arrobas

219410 "

Recognição de 20% ...................................... 43882 "

Açúcar que fica para o negócio ................. 175528 "

Assim que, segundo este cálculo, a Companhia tem a


esperar na safra atual, além do dízimo que é arrematado:
da pensão ...................................................... 3340 arrobas
de recognição .............................................. 43882 "

47222 "

isto é, a 20 arrobas por caixa ......................... 2362 caixas


de açúcar branco e mascavado, além do panela que dará de 400
a 500 caixas à Companhia.
Se a isto Vv. Ss. acrescentarem o que as 175.000
arrobas de açúcar macho e as 30 ou 40.000 do panela,

127
que ficam para os mercadores para serem embarcados, hão-de
pagar de frete, avaria, etc., terão Vv. Ss. em grosso a renda
provável deste ano.
Lista de contratos arrematados, imposições de diversas
passagens, passos, pescarias, abate de gado, balança, vinho e
outras bebidas, gêneros secos, dízimos, miuças etc., que são
arrematados no Brasil por tempo de doze meses e o foram por
prazo maior ou menor, mas aqui reduzidos a doze meses:

A passagem entre o Recife e Antô-


nio Vaz ................................................ . 700 florins
Idem entre Antônio Vaz e os Afo-
gados ................................................... . 400 "
Idem entre o forte de Bruyne e o
continente ........................................... . 1.840 "
Idem entre o grande passo e a planí-
ce em Itamaracá ................................. . 100 "
Idem no passo de Tapassima em Ita-
maracá ................................................. . 240 "
Idem em Catuama, na barra Norte
de Itamaracá ....................................... . 100 "
O passo entre o Recife e Afogados ...... . 1.800 "
Idem na Barreta, entre o Rrecife e o
Cabo .................................................... . 2.556 "
Idem no Varadouro no rio da Pa-
raíba .................................................... . 7.930 "
A pescaria entre a Cidade de Olin-
da e Rio Doce ..................................... . 150 "
Idem ao Sul de Cabedelo na Pa-
raíba .................................................... . 336 "
O abate de gado no Recife ................... . 1.500 "
Idem em Itamaracá ............................... .
Idem no Cabo Santo Agostinho ........... . 200 "
Idem na Paraíba ................................... ..
A balança no Recife .............................. . 11.400 "
Idem em Itamaracá ............................... .
Idem no Cabo ....................................... . 200 "
Idem na Paraíba .................................... . 1.663 "
O vinho e outras bebidas etc., no

128
,
Recife .................................................... 27.400
,
Idem em Itamaracá ................................ 1.800
,
Idem no Cabo ........................................ 500
,
Idem na Paraíba ..................................... 2.500
O dízimo do açúcar no Recife e na
,
Capitania de Pernambuco ................... 85.000
,
Idem na Capitania de Itamaracá ........... 13.000
,
Idem na Paraíba ..................................... 26.000
O dízimo das miúças no Recife e em
,
Pernambuco ......................................... 7.765
,
Idem em Itamaracá ................................ 1.350
,
Idem na Paraíba ..................................... 2.600

Eis o quanto achamos necessário comunicar a Vossas


Senhorias, em atenção ao determinado em sua última carta, acerca
da situação atual do Brasil, referindo-nos também ao mais que
consta da missiva anexa.

Feito em 14 de janeiro de 1638 no Recife

]. Maurice Conte
de Nassau

M. van Ceullen
Adriaen Vander Dussen

Por ordem dos mesmos


S. Carpentier."

129
DOCUMENTO 6

Relatório sobre o estado das Capitanias conquistadas


no Brasil, datado de 1O de dezembro de 1639.

Adriaen Jacobsz van der Dussen, Alto e Secreto


Conselheiros no Brasil, deixa Pernambuco em outubro de 1639
de volta à Holanda, com permissão do Conde de Nassau e dos
outros dois Conselheiros seus colegas, por motivo de saúde -
"grande sofrimento e aflições contínuas", diz a generale missive
datada do Recife 8 de outubro de 1639. Recebeu então a
incumbência de apresentar uma exposição sobre o Brasil
holandês. 1 Essa exposição ele a redigiu durante a viagem, pois
foi concluída na altura do Arquipélago dos Açores.
O historiador inglês C.R. Boxer, no seu livro The Dutch in
Brazil (Oxford, 1957), pp. 265-66, do qual há tradução para o
português, escreveu-lhe a biografia. Segundo ele, era nascido em
Delft em 1585 e faleceu em Roterdã em 1642. Serviu à Companhia
das Índias Orientais por muitos anos, nas Molucas, desde 1602, ao
que parece, ou, com mais certeza, desde 1607 e até 1623. De
volta à pátria fixou-se em Roterdã, onde em 1632 foi nomeado
Diretor da Câmara da Província da Zelândia da Companhia
das Índias Ocidentais. Em 1636 foi nomeado Conselheiro para
o Brasil, quando foi reorganizada a administração da conquista
e designado o Conde João Maurício para governá-lo, as-
sessorado por três Altos e Secretos Conselheiros, um dos quais
foi ele. Chegou ao Recife em janeiro de 1637. Não teve papel
saliente na administração, embora o historiador oficial do
octênio nassovino, Gaspar Barlaeus, diga-o zeloso. 2 Não fosse o rela-

131
tório que escreveu e aqui vai publicado, provavelmente o seu
nome não teria projeção maior na história do período, inclusive
porque não deixou no Brasil a fama de ser um terrível
conquistador de mulheres, como consta ter sido no Oriente.
Datado de 10 de dezembro de 1639, este relatório se
conserva em duas cópias, uma existente no Arquivo da Casa
Real, da Haia, códice 1454, folhas 1 a 131, códice que contém
papéis do arquivo pessoal do Conde João Maurício; outra, no
Arquivo Geral do Reino, também da Haia, cartório da Companhia
das Índias Ocidentais (Companhia Velha), códice 46, em 130
páginas. José Hygino Duarte Pereira copiou ele próprio o primeiro
destes textos e Samuel Pierre L ~Honoré Naber, tradutor, editor e
anotador da História de Gaspar Barlaeus acerca do governo do
Conde (Haia, 1923), trascreveu grande parte do segundo deles
3
(pp. 150-199). Com base principal na cópia de José Hygino,
mas utilizando também a transcrição de Naber, foi feita por quem
escreve estas linhas a tradução para a língua portuguesa deste
documento, publicado pelo Instituto de Açúcar e do Álcool, na
"Série História", como terceiro volume, sob o título Relatório
sobre as Capitanias conquistadas no Brasil pelos holandeses
(1639) . Suas condições econômicas e sociais (Rio de Janeiro,
1947).
Para a presente publicação a tradução foi revista,
como todas as demais deste volume, procurando-se trazê-
la o mais possível à concordância textual com o original
holandês.
O "Breve Discurso" (doc. V), de 1638 (também assinado
por Van der Dussen) e este relatório, de 1639, são os dois textos
mais importantes acerca do Brasil - e, em especial, acerca da
economia açucareira - produzidos durante os 24 anos de
ocupação holandesa do Nordeste.
A relação dos engenhos deste relatório é mais completa
do que a do "Breve Discurso" e amplia sua informação, para
incluir os nomes dos lavradores de canaviais que colaboravam
com os donos dos engenhos no cultivo das suas terras.
O estudo desse grupo, o dos lavradores de canaviais,
não tinha sido realizado por motivo da dispersão e do

132
desconhecimento das fontes de informação histórica. A edição
integral dos Diálogos das Grandezas do Brasil realizada pela
primeira vez em 1962, trouxe esclarecimentos preciosos a respeito,
assim como a documentação relativa ao Engenho de Sergipe do
Conde, na Bahia, por iniciativa benemérita de Gil Maranhão, no
Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1956-63.4 O viajante Louis-
François de Tollenare (1780-1853), que esteve em Pernambuco
em 1816-1817, oferece importantes indicações sobre o assunto,
que finalmente encontrou em Alice P. Canabrava e em Stuart
Schwartz a competência de notáveis historiadores. 5
Tollenare afirma que os lavradores cultivavam parcelas
das terras do engenho sem a garantia de um contrato - embora,
cauteloso, declare que se refere apenas às terras que visitou no
Sul de Pernambuco. É certo que são raros os documentos que
esclarecem as relações contratuais entre o senhor do engenho e
o lavrador; para contribuir para esse esclarecimento são aqui
publicados, pela primeira vez, dois contratos entre o senhor do
Engenho Suassuna, João de Barros Correia, e dois lavradores,
em 1638 e 1656.6
Essa categoria, a dos lavradores, merece atenção, pois a
visão de um engenho é sempre a da dualidade senhor-escravo.
A realidade é diversa: num engenho, abaixo do proprietário, da
família deste e do capelão, havia um grupo variado de
profissionais especializados no fabrico do açúcar; um outro de
agricultores, os lavradores, também com suas famílias e com
seus capitais representado em escravos, bois de carro, canaviais
plantados nos "partidos" etc.; Tollenare menciona, também, a
existência de certo número de "moradores" livres, autorizados
pelo senhor a permanecer no engenho, onde faziam pequenas
plantações e prestavam serviços. A documentação do período
holandês permite perceber a existência desses "mora~ores" na
área açucareira. Abaixo desses grupos estavam os índios
engajados e os escravos negros. Portanto, vários níveis sociais e
não apenas dois.

Eis os documentos:

"Saibam ·quantos este público instrumento de es-


critura de partido por tempo de nove anos e nove safras

133
cumpridas e acabadas virem, que no ano do Nascimento de
Nosso Senhor Jesus Cristo de 1638 anos, aos 25 dias do mês
de outubro do dito ano, nos limites de Suassuna, no Engenho
e fazenda da invocação de Nossa Senhora da Assunção, de
que é senhorio João de Barros Correia, e sendo ele aí presente
de uma parte e da outra Jorge Saraiva, lavrador de canas do
dito Engenho, e por eles ambos me foi dito a mim Tabelião,
presentes as testemunhas ao diante nomeadas, a saber, disse
ele senhorio que ele dá, como de fato dado tem, ao dito
lavrador, um partido de canas em que ele senhorio plantou
agora cinqüenta e cinco tarefas de cana, que está junto ao
Rio Suassuna Maricujé, com obrigação de que ele lavrador
plantará a mais cana que for necessária, para que dê em
todas as safras quarenta tarefas quantas o dito Engenho possa
moer, posta à sua custa nele, o qual partido lhe dá por tempo
de nove anos e nove safras e dois mais para despejo , e o
primeiro ano e safra começará em 1641 e assim irão correndo
todas as mais safras sucessivamente, até se perfazerem e
acabarem as ditas nove safras e os ditos dois mais para despejo
e acabadas elas o dito partido ficará a ele senhorio livremente,
com todas as benfeitorias, e o deixará melhorado e não piorado,
e o açúcar que Deus der se partirá de quinto, a saber, três
pesos para ele senhorio e dois para o dito lavrador, sem outra
obrigação a ele lavrador mais que, como dito tem, trazer a
cana ao dito engenho, a qual ele senhorio será obrigado a
lhe moer tanto que estiver sazonada e para isso ter o dito
engenho moente e corrente e aparelhado de todo o necessário
para se fazer açúcar e poderá ele lavrador plantar nas terras
do dito engenho suas roças e legumes os. que lhe forem
necessários e fará seus pastos donde mora para fazer seus
bois e cavalgaduras e as mais que tiver e se as quiser trazer
nos pastos do dito engenho os poderá ele lavrador trazer e,
por esta maneira, se houveram por concertados e havidos e
cada qual se obrigou a cumprir esta escritura como nela se
contém e é declarado e para o todo e melhor cumprir obrigam
suas pessoas e bens, em especial ele senhorio o dito seu engenho
e a pagar ao dito lavrador todas as perdas e danos que o dito
lavrador receber e , pelo conseguinte, ele lavrador se obriga

134
também a pagar as perdas e danos que o dito senhorio receber,
faltando-lhe com a sua obrigação. Em fé e testemunho da verdade
assim outorgaram e me mandaram fazer este instrumento nesta nota,
donde assinaram, que pediram e aceitaram e dela dar os traslados
necessários e eu Tabelião o aceito em nome dos ausentes como
pessoa pública estipulante e aceitante, sendo testemunhas presentes
Manuel da Cunha de Andrade e Pedro do Rego, que aqui assinaram,
o qual instrumento eu Simão Varela, Tabelião do público, judicial e
notas da Vila de Olinda e seu termo, Capitania de Pernambuco etc.,
em meu livro de notas tomei e com ele o concertei a que me reporto."
Segundo documento:
"Dizemos nós João de Barros Correia, senhorio do
Engenho Suassuna, invocação Nossa Senhora da Assunção, e
Antônio de Sousa Ferreira, morador na freguesia de Santo Amaro,
que nós estamos concertados para um partido de canas que,
com o favor de Deus, o dito Antônio de Sousa Ferreira quer
plantar em suas terras que possui junto às do senhorio do dito
engenho, na maneira e forma seguinte: que o senhorio do dito
engenho se obriga por este papel a lhe dar toda a cana que for
necessária, posta nas terras onde plantar, enquanto o dito Antônio
de Sousa Ferreira a não tiver de sua lavoura para dela poder
plantar o mais que for continuando; e assim mais se obriga
o dito senhorio do engenho a lhe dar a terça parte de todos
os carros que carrearem a cana para a moenda, de que
partirão o açúcar de quinto, a saber, de dez partes tirar-se-á
uma para o dízimo e as demais que for continuando três
pesos para a fazenda e dois para o lavrador; e assim se obriga
o dito senhorio a lhe moer todas as safras toda a cana que for
capaz de moer, todas as vezes que o dito lavrador quiser; e o
dito Antônio de Sousa Ferreira se obriga a lhe dar toda a cana
que plantar em ditas suas terras com as obrigações acima ditas.
E porque de conformidade e vontade de ambos nos concertamos
deste modo ambos e pedimos ao Padre Domingos Coelho Diniz
fizesse este papel de obrigação e mais outro do mesmo teor,
para cada qual de nós ter o seu, e lhe pedimos assinasse
como testemunha com as mais abaixo assinadas, que

135
é Luís da Silva e Manuel Moreira. Feito hoje 7 de junho de 1656
anos. João de Barros Correia, Antônio de Sousa Ferreira, o Padre
Domingos Coelho Diniz, Luís da Silva, Manuel Moreira."
No primeiro caso, o partido pertencia ao senhor do
Engenho Suassuna e o lavrador Jorge Saraiva está incluído na
relação dos lavradores constante deste relatório (ver engenho n 2
36); no segundo caso, o partido era livre, de propriedade do
lavrador, podendo ele moer suas canas onde melhor lhe
conviesse. Entretanto, sem capitais, ao que parece, ou apenas
iniciando sua atividade agrícola, o lavrador aceita uma divisão
de "quinto", que não era a normal no caso de partido livre.
Aspectos vários da economia açucareira podem ser
estudados nas páginas deste relatório, como aliás outros da
história econômica e social do Brasil holandês, já que ele não se
limita à agroindústria do açúcar.

1 - Arquivo Geral do Reino (Haia), cartório da Companhia das Índias Ocidentais


(Companhia Velha), maço 54, das Cartas e Papéis do Brasil.
2- Gaspar Barlaeus. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no
Brasil e noutras partes sob o governo do Ilustríssimo João Maurício Conde de
Nassau (tradução do Prof. Cláudio Brandão) (Rio de Janeiro, 1940) edição in-
4Q., p. 126.
3 - A cópia manuscrita de José Hygino está no Instituto Arqueológico, Histórico e
Geográfico Pernambucano (gaveta "Documentos Holandeses"); S. P. L'Honoré
Naber (ed.) de Gaspar Balaeus, Nederlandsch Brasilíe onder het bewind van
johan Maurits Grave van Nassau (Haia. 1923).
4 -José Antônio Gonsalves de Mello (ed.), Diálogos das Grandezas do Brasil P (e
2a) ed. integral (Recife, 1962 e 1966); Gil Maranhão (ed.), Documentos para a
História do Açúcar. 11. Engenho de Sergipe do Conde. Livro de Contas e 1ll. Engenho
de Sergipe do Conde. Espólio de Mem de Sá (Rio de Janeiro 1956 e 1963).
5- Leon Bourdon (ed.), de L.-F. de Tollenare. Notes Dominicales 3 vis. (Paris, 1971-
73) 11 pp. 411-12; Alice P. Canabrava (ed.) de João Antônio Andreoni. Cultura e
Opulência do Brasil (São Paulo, 1967); Stuart Schwartz. "Free Labor in a Slave
Economy: The Lavradores de Cana of Colonial Bahia" em Dauril Alden (ed.),
Colonial Roots ofModem Brasil (Berkeley, 1973) pp. 147-97. .
6 - Arquivo do Departamento de Obras, Fiscalização e Serviços Públicos do Estado
de Pernambuco (Rua da Aurora 883, Recife), "Coleção de cópias ou borrões de
diversos documentos antigos de que se tiravam públicas formas , todas
pertencentes ao domínio e posse do Engenho Suassuna, 1834".

136
DOCUMENTO 6. TEXTO

Relatório sobre o Estado das Capitanias conquistadas no


Brasil, apresentado pelo Senhor Adriaen van der Dussen ao
Conselho dos XIX na Câmara de Amsterdã, em 4 de abril de
1640.

As terras conquistadas no Brasil pela graça de Deus e


pelas armas de V. Ex.M e conhecidas como o Brasil Setentrional,
compreendem seis Capitanias das quais a mais ao Sul é a
Capitania de Sergipe dei Rei. Segue-se a Capitania de
Pernambuco, que se limita com a anterior pelo Rio São Francisco.
À Capitania de Pernambuco segue-se a de Itamaracá, cercada
d~água, havendo um rio em frente à cidadezinha Schkoppe em
Itamaracá, situado ao ocidente dela, e no continente foi colocado
um padrão, pelo que o local é conhecido como Os Marcos. A
Itamaracá segue-se a Capitania da Paraíba, da qual está separada
por um marco de pedra situada a uma milha ao Norte de
Copissura. Em seguida à Paraíba há a Capitania do Rio Grande,
marcando o limite um padrão colocado a uma ou duas milhas
ao Norte da Camaratuba. Ao Rio Grande segue-se a Capitania
do Ceará, sendo desconhecido o local onde exatamente se
limitam, de vez que entre uma e outra há um grande trecho de
terra desabitado.
1/ 4
Estas seis Capitanias estão situadas entre 11 de
312
graus, até 3 de graus ao Sul da linha Equatorial, tendo
as quatro Capitanias habitadas, a saber, as situadas entre
o Rio São Francisco até o Rio Grande inclusive, cerca de

137
cem milhas de costa, quinze milhas correspondendo a um
grau.
Entre as seis Capitanias há somente quatro habitadas e
povoadas, a saber: Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande.

SERGIPE

No que concerne a Sergipe dei Rei, temos a esclarecer que


já foi anteriormente lugar povoado; entretanto, quando o nosso
exército sob o comando do Sr. Johan Ghijselin e do Governador
Sigemund von Schkoppe (estando S. Ex.ª doente), em seguida à
conquista da zona do Rio São Francisco, foi enviado a Sergipe,
todos os moradores retirarám-se para a Bahia, sendo tudo ali
destruído pela nossa gente e a região devastada de modo a
impossibilitar ao inimigo a obtenção de víveres; ficou somente
um pouco de gado, cuja captura alguns negociantes contrataram
com risco e por conta próprios, pagando à Companhia o que se
pode verificar no contrato com mais particularidade.

CEARÁ

A Capitania do Ceará nunca foi povoada: os portugueses


tinham ali somente um pequeno forte, de pouca importância,
com muito pouca gente, e do qual nos apoderamos. Atualmente
lá está sediada uma guarnição da Companhia, com cerca de 40
homens, mas nada rende à Companhia; contamos com a
assistência de brasilianos que ali residem, os quais
espontaneamente nos vieram em auxílio em três ocasiões, com
cerca de 200 homens armados de cada vez.

PERNAMBUCO

A Capitania de Pernambuco é a principal e a de maior


população entre as quatro povoadas e tem os limites já referidos.
Tem cerca de 50 milhas ao longo da costa, sendo que esta corre
desde o Rio São Francisco até o Cabo de Santo Agostinho em
direção Sul-Sudeste e daí até Itamaracá, Sul-Norte.

138
PORTOS DE PERNAMBUCO

Os rios, ancoradouros e baías com boa disposição para


abrigar navios, ao longo da costa de Pernambuco, são os
seguintes: 1) o Poço do Recife, onde entram navios que
demandam 17 ou 18 pés de profundidade, mas onde não gozam
senão de pouco abrigo e só estão um pouco melhor do que em
mar aberto e, além disto, não podem carregar ou descarregar
senão com muito prejuízo e grande risco; 2) mais para o interior
do Recife, com a maré alta, podem ingressar navios que
demandam 13 ou 14 pés de profundidade, onde ficam em boas
condições e podem ser carregados ou descarregados com
comodidade; 3) o Cabo de Santo Agostinho conta com um
ancoradouro de entrada estreita, perigosa e com arrecifes e não
comporta senão navios que demandem 11 a 12 pés, mas é
suficientemente bom para iates e barcos costeiros que vão até lá
carregar açúcar para a transportá-lo para o Recife e aprovisionar
o forte, a guarnição e os moradores do Cabo e Ipojuca; 4) atrás
da Ilha de Santo Aleixo há um local para recolher os maiores
navios, tanto para limpeza como para reparos, mas não tem
senão essa utilidade; 5) Barra Grande é uma baía fechada por
um arrecife, própria para recolher navios grandes e como tem
mais de uma milha de extensão, pode abrigar um número vultoso
deles. Está situada entre Porto Calvo e Una, tendo sido o local
de desembarque das tropas do Conde de Bagnolo, em seguida
ao encontro com o falecido Almirante-General Pater; 6) Ponta
de Jaraguá, duas milhas ao Norte de Alagoas, é também uma
baía situada atrás de arrecifes e onde navios grandes podem
ficar abrigados, sendo que foi aí que Dom Luís de Rojas y Borja
desembarcou a sua tropa; 7) Porto dos Franceses, uma milha e
meia ao Sul de Alagoas, é razoavelmente profundo mas estreito.
Aí os Capitães Vidal e Magalhães desembarcaram com a sua
gente, isto é, cerca de 40 a 50 homens e ainda permanecem em
atividade em terra; 8) Coruripe é uma bonita baía, onde navios
grandes podem entrar para abrigar-se, sofrer limpeza ou reparo.

139
RIOS DE PERNAMBUCO

Além dos que já foram referidos acima, ainda há, na


extensão do litoral de Pernambuco, muitos rios navegáveis em
ambas as direções para barcos costeiros, a saber: rio das
Jangadas a 4 milhas ao Sul do Recife, rio Sirinhaém, rio Formoso,
rio Una, rio das Pedras ou Porto Calvo, Camaragibe, Santo
Antônio Grande, onde podem entrar navios de porte médio,
Alagoas, São Miguel e São Francisco, o qual, se bem que seja
um grande rio, sofre grande pressão do mar, o que acarretou a
formação na sua barra de um banco de areia seco. Daí para
dentro é rio de muita água, extenso e largo, contando diversas
e férteis ilhas, tanto grandes como pequenas, onde pasta muito
gado. A sua nascente e a região de onde provém são
desconhecidas. No inverno, quando mais chove naquelas
regiões, é que o rio conta com menos água, mas no verão,
quando há seca, as suas águas crescem e inundam todas as
terras baixas. O que parece indicar que a sua nascente está
muito ao Sul, em altos montes gelados, cuja neve derretendo-
se com o calor do verão, causa a enchente no rio.

JURISDIÇÕES DE PERNAMBUCO

A Capitania de Pernambuco está dividida em seis


jurisdições, das quais a mais antiga é a da cidade de
Igarassu, que se inicia nos limites da Capitania de Itamaracá,
e alcança, para o Sul, até o rio Jaguaribe, 3 milhas ao longo
da costa, e de Jaguaribe em direção Oeste até o Engenho
Mussupa {sic, Mussurepe} e daí à Aldeia São Miguel
(incluindo a ambos) e daí de novo para Oeste, até onde se
estende a zona povoada.
A segunda e a maior é a jurisdição de Olinda, limitando-
se na forma acima com a jurisdição de Igarassu e abrangendo
cerca de 13 milhas de litoral, até o rio Sirinhaém.
A terceira jurisdição é a de Vila Formosa de Sirinhaém,
que se inicia no rio Sirinhaém e vai até o rio Pirasunenga {sic,
Persinunga}, cerca de 6 milhas ao longo da costa.

140
A quarta é a jurisdição de Porto Calvo, abrangendo cerca
de 10 milhas ao longo da costa, desde o Pirasunenga até
Paripueira.
A quinta é a jurisdição das Alagoas que vai de Paripueira
até o rio São Miguel inclusive, cerca de 6 milhas de litoral.
A sexta jurisdição é a do rio São Francisco, que se inicia
no rio São Miguel e se estende por 13 milhas de costa até o rio
São Francisco, que é o limite Sul da Capitania de Pernambuco.

CIDADES DE PERNAMBUCO

Na Capitania de Pernambuco há as seguintes cidades:


Vila Antiga de Igarassu, Vila de Marim de Olinda, Vila de Olinda,
Maurícia, que abrange o Recife e Antônio Vaz, Vila Bela de
Ipojuca, Vila Formosa de Sirinhaém, ao todo 5 cidades e mais as
povoações como sejam: Muribeca, São Lourenço, Santo Antônio,
Santo Amaro, etc., na jurisdição de Olinda, Una na jurisdição de
Sirinhaém, além das povoações de Porto Calvo, das Alagoas do
Norte, das Alagoas do Sul, das quais algumas delas são como
pequenas cidades.
A Capitania é toda montanhosa, mas fértil, principalmente
nos vales ou várzeas, ao longo dos rios. Nos montes cultiva-se
sobretudo a mandioca e muitas outras plantas e frutos para o
sustento do homem, sendo que em muitos oiteiros há belos e
ricos canaviais, se bem que a maior parte destes e os de maior
rendimento sejam os das várzeas.
FREGUESIAS

A jurisdição de Olinda está dividida em 8 freguesias, a


mais ao Sul das quais é a de Ipojuca. Seguem-se a de Santo
Antônio do Cabo, a da Muribeca, a de Santo Amaro, a de São
Lourenço, a da Várzea, a de Olinda e a de Paratibe.

ENGENHOS DE PERNAMBUCO

As freguesias acima têm os engenhos e lavradores


abaixo indicados e daqueles moerão provavelmente os
seguintes:

141
Na freguesia de !pojuca

1) Engenho Sibiró de Baixo, sob a invocação de São


Paulo, pertencente a Francisco Soares Canha, é engenho d'água
e mói. São lavradores.

Partido da Fazenda ...... ........................ ....... .. 20 tarefas


João Gomes ................................................... 18
Manuel Pereira Fragoso ................................ 15
Jan Tomack ... ... ................................. .. .......... 8
João Soares Pinheiro ..................................... 14
João Lopes ..................................................... 12
Bento da Costa da Cunha .................... ...... .. 8

95 tarefas

2) Engenho Sibiró de Cima, pertencente a João Carneiro


de Mariz, é engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

3) Engenho Cocaú, que pertenceu a Antônio Gonçalves


da Paz, foi confiscado; está destruído e ainda não foi vendido.

4) Engenho Maranhão, de João Tenório, agora de ... é


engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

5) Engenho Coroacu, pertencente a Manuel Vaz Viseu, é


engenho d'água e mói. São. lavradores: (não indica).

6) Engenho Bertioga, pertencente a João Tenório, é


engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

7) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a João


Carneiro de Mariz, é engenho d'água e mói. São lavradores:
(não indica).

8) Engenho BomJesus ou Trapiche, pertencente a Duarte


Saraiva, é engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

142
9) Engenho da Guerra, pertencente a]acobus Corderus e
Baltasar Wijntgens, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Major Hinderson ...

10) São João Salgado pertencente a Duarte Saraiva, é


engenho de bois e mói. São lavradores: (não indica).

11) Engenho Pindoba, pertencente a Gaspar da Fonseca,


é engenho d~água. e mói. São lavradores: (não indica).

12) Engenho Santa Luzia ou Tabatinga, pertencente a


Amador de Araújo, é engenho d~água e mói. São lavradores:
(não indica).

13) Engenho Aratangil pertencente a Miguel Fernando de


Sá, é engenho d~água e mói. São lavradores: (não indica).

14) Engenho Pantorra, pertencente a Nicolas D~Haen,


L~Empereur & Cia., é engenho d~água, inteiramente arruinado.
Está sendo reparado e replantado para moer no ano vindouro.

Na freguesia de Santo Antônio do Cabo

15) Engenho Santa Luzia, pertencente a João Pais Cabral,


é engenho de bois e mói. São lavradores:

Francisco Furtado ..................................... 20 tarefas


Antônio Gonçalves .................................. 20

40 tarefas

16) Engenho Utinga, inteiramente destruído, foi confiscado


e ainda não vendido.

17) Engenho Marapatigipe, pertencente a Miguel van


Meerenburch e Martinus de Conten, é engenho d~água e mói.
São lavradores:

Partido da fazenda ................................... 20 tarefas


Abraham van Mollingen .......................... 25

143
Bartolomeu Gomes .................................. 18
Pero Fernandes ........................................ 18
Tomás Paminga .......................................... 6

87 tarefas

18) Engenho de Antônio Vieira, é engenho de bois e


mói. São lavradores: (não indica).
19) Engenho Pirapama, pertencente a Paulus Vermeulen,
é engenho d/água e mói. São lavradores: (não indica).
20) Engenho Novo, pertencente a Duarte Saraiva, é
engenho d/água e mói. São lavradores:

Antônio Teixeira ....................................... 34 tarefas


Francisco Pereira da Silva ........................ 28
Adriaen Michielsz ....................................... 8

70 tarefas

21) Engenho Garapu, pertencente a Filipe Paes, é engenho


·d/água e mói. São lavradores.

Antônio Aguiar ......................................... 25 tarefas


Luísa Moreira ........................................... 40
Antônio Bezerra Serpa .................. ........... 6
Heindrick Hondius .................................. 15
Simão Barbosa ........................................... 7
Gaspar Filgueira ......................................... 3

96 tarefas

22) Engenho Algodoais, pertencente a Gaspar van Nieuhoff


van der Ley, foi reparado e replantado; espera-se que no ano
vindouro moerá. São lavradores:

Samuel Halters

Major Comelis Bayer

144
23) Engenho Jurissaca, pertencente a ... mói. São lavra-
dores:
Luís Gomes .............................................. 25 tarefas
André Lopes de Leon .............................. 25
Antônio da Cunha ................................... 15
Duarte de Figueiredo ............................... 10
Nuno Dias de Sousa ................................ 10
Estevão Fernandes ................................... 15
Maria Taves da Costa ................................ 6
Pedro Alves o Marra .................................. 6

118 tarefas

24) Engenho Nossa Senhora da Conceição, de Dona


Adriana, é engenho d~água e mói. São lavradores: (não indica).
25) Engenho Velho, pertencente ao Sr. Sigemundt von
Schkoppe, é engenho d~água e mói. São lavradores:

Antônio Vieira .......................................... 36 tarefas


Luís de Paiva ............................................ 20
Albert Gerritsz Wedda .............................. 20
Maria de Paiva ......................................... 20
Gaspar Machado ........................................ 6
João Correia ............................................... 6
Maria d~Oliveira ......................................... 6
Pedro Álvares Moreira ............................... 6

120 tarefas

26) Engenho da Guerra, pertencente ao Sr. Wilhelm


Doncker, é engenho de bois e mói. São lavradores: (não indica).

27) Engenho Bom Jesus, pertencente a Pedro Lopes de


Vera, é engenho d~água e mói. São lavradores: (não indica).

28) Engenho São João, pertencente a Pedro Lopes de


Vera, é engenho d~água e mói. São lavradores: (não indica).

145
29) Engenho São Braz Coimbero (?),pertencente a Antô-
nio da Silva, é engenho d'água e mói. São lavradores:

Afonso Gomes ...

30) Engenho Nossa Senhora das Candeias, pertencente a .


Fernando Gomes, é engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

Na freguesia de Santo Amaro do jaboatão

31) Engenho Grojaú, pertencente a André Soares, é


engenho d'água e mói. São lavradores:

Diogo Soares ........................................... 25 tarefas


Filipe Gomes ............................................ 20
Gaspar Dias Becelos (?) .......................... 15
Antônio Rodrigues da Costa ................... 15
João do Rego ........................................... 15
Fernando Velho Araújo ............................ .4

94 tarefas

32) Engenho de Antônio Nunes Ximenes, é engenho


d'água e mói. São lavraores:

Partido da fazenda ...................................... 20 tarefas


Guiomar Rodrigues ..................................... 25
João Ribeiro ................................................ 20
Domingos Paoba (?) ................................... 8
Afonso Gomes ............................................ 15

88 tarefas

33) Engenho Nossa Senhora da Apresentação, pertencente


a Baltasar Gonçalves Moreno, é engenho d'água mas não moerá.
São lavradores: (não indica).

34) Engenho Nossa Senhora da Conceição, pertencente


ao Sr. Servaes Carpentier, é engenho d'água e mói. São lavradores.

146
Gerard Carpentier .................................... 15 tarefas
Gaspar Francisco d~Oliveira .................... 30
Dois partidos da fazenda ........................ 50

95 tarefas

35) Engenho de Antônio Bulhões, é engenho d~água e


mói. São lavradores:

Partido da fazenda ........................................ 14 tarefas


Francisco Velho Romeiro .. ~........................... 15
Francisco Coelho ........................................... 18
Pero Álvares .................................................. 2
Manuel da Guarda ..................................... .. . 7
Antônio de Sousa .......................................... 4
Domingos Gonçalves Ferreira ...................... 6
Pedro Francisco Mayo .................................. 18
Agostinho João .............................................. 12
Belquior Velho .............................................. 7

103 tarefas

36) Engenho Suassuna, pertencente a João de Barros


Correia, é engenho d ~água e mói. São lavradores:

Partido da fazenda ..................................... 30 tarefas


Jorge Saraiva (•) ......................................... 25
Pero de Noronha ....................................... 20
Bernardo d ~Abreu ...................................... 15
Antônio de Carvalho .................................... 8
Pero do Rego ................................................ 5

103 tarefas

37) Engenho Sant~ Ana, pertencente ao Sr. Jacob


Stachhouwer e Nicolaes de Ridder, é engenho d ~água mas não
moerá. São lavradores: (não indica).

(•) Ver, na introdução, a escritura de arrendamento de partido de canas que fez


com o Senhor do engenho em 25 de outubro de 1638.

147
38) Engenho Nossa Senhora da Guia, está arruinado há
muitos anos.

39) Engenho Camassarim, pertencente a Duarte Saraiva,


é engenho d~água mas não moerá. São lavradores: (não indica).

Na freguesia da Muribeca

40) Engenho Penanduba, pertencente a André Soares, é


engenho d~água e mói. São lavradores:

João Domingos ........................................... 30 tarefas


J ácome de Pero Gallo ................................ 20

50 tarefas

41) Engenhos Muribeca, pertencente a Dona Catarina de


Albuquerque, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Os frades do Carmo têm ............................ 40 tarefas
Francisco Álvares ........................................ 25
Manuel Álvares ........................................... 15
Antônio Ferreira ............................... ........... 10
Simão de Azevedo ...................................... 15
Manuel de Sousa ...................................... .. 4
Sebastião Dias Ferreira ............................... 4

128 {sid
tarefas
4.500 arrobas

42) Engenho Santo André, pertencente a Jacob Góes e ao


Capitão Jan Hick, é engenho d~água e mói. São lavradores:

Gregório Pereira .......................................... 35 tarefas


Antônio Dias de Abreu ............................... 30
João Velho ................................................... 25
Pero Ribeiro Nunes ..................................... 12
Isabel Cardosa ............................................. 18

120 tarefas

148
43) Engenho São José ou Engenho Novo, pertencente a
Gaspar Dias Ferreira, é engenho de bois e mói. São lavradores:

Paulo d~Araújo d~Azevedo ..................... 30 tarefas


Cap. Dirck van Hoochstraten .................. 30
George d~Almeida ................................... 30
Domingos Dias da Cunha ....................... 30
Francisco Álvares ..................................... 15

135 tarefas

44) Engenho Soupoupema, pertencente a Johan van


Blijenburch e Jacob Dassenie. São lavradores:

Paul Petros ............................................... 20 tarefas


Jan Warnaerts ........................................... 45

65 tarefas
2.500 arrobas M.

45) Engenho São Bartolomeu, pertencente Fernão do Vale,


é engenho d~água e mói. São lavradores:

Simão do Vale Fonseca ........................... 60 tarefas


Ferdinan Martins Callans (?) .................... 30
Breatis Mendes de Góis ........................... 12
Lucas da Cruz........................................... 8
Baltasar da Rocha .................................. 25
Gaspar Dias Doeiras ............................ .. 30

165 tarefas

46) Engenho Guararapes, pertencente a Vicente Rodrigues


Vila-Real, é engenho de bois e mói. São lavradores:

Manuel de Chabet (Chaves ?) ................. 35 tarefas


Gregório Pereira de Caldas ..................... 25
João(?) Rodrigues de Matos ................... 16
Salvador Soares .......................................... 8

149
Diogo Barbosa ........................... ·................ 5
Jácome da Silva Ribeiro ........................... 6

95 tarefas
4.000 arrobas M.

47) Engenho d~Alinbero, pertencente a Manuel Bezerra,


é engenho de bois e mói. São lavradores:

Isabel de Sousa ........................................... 50 tarefas


Clara d~Araújo ............................................. 40
Filipa da Cruz .............................................. 40

130 tarefas

48) Engenho Megoapa, pertencente a Diogo d ~Araújo


d~Azevedo, é engenho de bois. São lavradores:

Partido da fazenda ...................................... 20 tarefas


Manuel Gomes de Lisboa .......................... 20
Diogo Fernandes Velho .............................. 10
Pedro Dias Paes ............................................ 6
Pedro Rodrigues Carasqui ............................ 6
Domingos Gonçalves ................................. 1O

72 tarefas

49) Engenho Magaree, está de todo arruinado, pelo que


não há indicações; foi confiscado e ainda não vendido.

Na freguesia da Várzea

50) Engenho São Braz, pertencente a Antônio da Silva


Barbosa, é engenho d~água e mói. São lavradores:

Antônio Cavalcanti ...................................... 20 tarefas


Pedro da Costa Favilla ................................ 20

40 tarefas

Manuel de Figueiredo nada tem.

150
51) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a
jacques Hack, é engenho de bois e mói. São lavradores:
João Peres Correia ................................... 15 tarefas
Simão Martins ........................................... 15
jacques Hack ............................................. 5
Nicolaes Hack .......................................... 35

70 tarefas
Além de 1 ou 2 partidos livres.

52) Engenho São Sebastião, de Pedro da Cunha de


Andrade, é engenho de bois e mói. São lavradores:

Partido do engenho ................................. 25 tarefas


Bemardim de Carvalho ........................... 25
Manuel Álvares ........................................ 15
Antônio de O liveria, partido livre ........... 35
Domingos de Abreu, partido livre .......... 15

103 {sid tarefas


53) Engenho São Paulo, pertencente a Henrique Afonso,
é engenho de bois e mói. São lavradores:

Antônio da Silva ...................................... 20 tarefas


Sebastião de Carvalho ............................. 30
Partido da fazenda ................................... 12

62 tarefas
54) Engenho São Timóteo, pertencente a Antônio
Fernandes Pessoa, é engenho de bois e mói. São lavradores:

Manuel Gonçalves ............................................. 25 tarefas


Miguel Ferreira ................................................... 35

60 tarefas

151
Além de alguns partidos livres que dão cana para moer aí.

55) Engenho de Maria Barrosa, é engenho d~água e mói.


São lavradores:

Jerônimo Luís .............................................. 6 tarefas


Francisco Gonçalves Bastos ............ ....... .... 30

36 tarefas

Além de alguns partidos livres que dão cana para moer


aí.
56) Engenho de Carlos Francisco, pertencente ao Sr. Jacob
Stachhouwer, é engenho d~água e mói. São lavradores:

Partido da fazenda ................... .. ... .. ........ .... 50 tarefas


Hugo Graswinckel ...................................... 35
Allaert Holl . .... ........ ....... .................. .......... .. 1O
Antônio Pereira . ...... ....... ........... .. ............. ... 40

135 tarefas

Alguns partidos livres dão cana para moer neste engenho.

57) Engenho de Marcos André, é engenho de bois e moerá


no ano vindouro. São lavradores: (não indica).
58) Engenho Santa Madalena, pertencente a João de
Mendonça, é engenho de bois e mói. São lavradores:

Partido da fazenda ...................................... 45 tarefas


Gaspar Vaz Pinto . ......... ......... ........ ...... ....... 18
Pero Dias Farado ..... ........... ....... .. ...... .. .... .. . 5
Pero Luís Álvares . ......... ......... ........... ....... ... 4
João Daymar, partido livre ......................... 20
Antônio da Fonseca, partido livre .............. 12

103 tarefas

152
59) Engenho São Jerônimo, pertencente a Luís Braz Be-
zerra, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Partido da fazenda .................................. 8 tarefas
Domingos Mix. Dinis ............................... 13
] oão Álvares ...... ....... .. ...... .. .. .................... 3
Francisco Gonçalves Barreto ................... 12
Breatis Cala (?) .......... ................................ 16
Maria de Lisboa ......................................... 3

55 tarefas
60) Engenho Santo Antônio, pertencente a Francisco de
Brito Pereira, é engenho de bois e móis. São lavradores:
Manuel Branquo Gaifar ........................... 40 tarefas
Miguel Dias de Sá .................................... 25
Cosmo de Abreu Pereira ......................... 12

77 tarefas
61) Engenho Apipupos, pertencente a Gaspar de
Mendonça, é engenho d~água e mói. São lavradores: (não indica).
62) Engenho São Pantaleão, pertencente a Francisco
Monteiro Bezerra, é engenho d~água e parece que este ano não
moerá.
63) Engenho de Dona Catarina, está arruinado.

64) Engenho Três Reis Magos, agora Straetsburch,


pertencente a Willem Schott e Christoffel Eyerschettel, é engenho
de bois e mói. São lavradores:

Partido da fazenda .............................................. 24 tarefas


Lourenço Nunes .................................................. 20
Jan Barentsz ......................................................... 20
Domingos Martins ........................ .. ...... ............... 8

72 tarefas

153
65) Engenho Martitu (?), pertencente a Charles de Tourlon,
que o construiu e agora moerá. É engenho de bois. São
lavradores: (não indica).

66) Engenho São Tomé, agora construído ... é engenho


de bois e mói. São lavradores: (não indica).

67) Engenho Tisepeó, que pertenceu a Antônio Fernandes


Pessoa, está todo arruinado e dificilmente poderá ser reconstruído.

68) Engenho Nossa Senhora das Chagas, pertencente a


Diogo da Costa Maciel, é engenho d'água e dificilmente poderá
ser reconstruído porque o seu dono é pobre.

69) Engenho Camaragibe, está todo destruído.

70) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a


Antônio Borges, é engenho de bois, mas este ano não moerá.
São lavradores: (não indica).

Na freguesia de São Lourenço

71) Engenho São Bento, pertencente a Francisco Nunes


Barbosa, é engenho d'água e mói. São lavradores:
João de Matos ............................................. 20 tarefas
Jacob Vermeulen ......................................... 25
Bastião Ferreira ........................................... 30
Isabel Vieira .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 12
Manuel Filipe Soares .................................. 14

101 tarefas

72) Engenho Moribara, pertencente a Fernando Soares


da Cunha, é engenho d'água. São lavradores:
Fernando Soares da Cunha ........................ 15 tarefas
Francisco Velho Tinoco .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 13
Maria d'Abreu ............................................... 8
Maria Antunes ...................................... ......... 8
Luís Garcez .................................................. 10

54 tarefas

154
73) Engenho Nossa Senhora de Monserrate, pertencen te
a Antônio Rodrigues Moreno, é engenho de bois e mói. Tem 5
lavradores não indicados; terá ao todo 100 tarefas.

74) Engenho São João, pertencent e a Amáo de Holanda,


por ele ultimamen te construído; é engenho de bois e mói.

Partido da fazenda ..................................... 60 tarefas

75) Engenho Maciape, pertencent e a Paulus Vermeulen


cum sacio, é engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).

76) Engenho Masurepe, pertencente à Ordem Beneditina,


é engenho d'água e mói. São lavradores:

Partido da fazenda ................................... 50 tarefas


Frutuoso Dias ........................................... 10
]oão Mendes Flores ................................. 1O

70 tarefas

77) Engenho de Diogo da Costa Maciel, está arruinado.


Era engenho de bois.

78) Engenho de Francisco Mendes Flores, é engenho


d'água, arrendado por Antônio da Rocha Bezerra; está situado
em Jaguaribe e mói. São lavradores: (não indica).
Assim, na jurisdição de Olinda, nas freguesias que ela
abrange, há 78 engenhos, dos quais este ano 60 moerão.
À jurisdição de Olinda dissemos que se segue a de Igarassu,
para o Norte; este distrito tem os pequenos rios Aiama e Igarassu,
os quais podem ser trafegados por botes e pequenos barcos.
Não tem portos onde abrigar navios, a não ser a entrada Sul do
canal, que é a mesma da Ilha de Itamaracá, à qual podem
demandar navios que pedem 15 e 16 pés de profundid ade, mas
é um canal comprido e perigoso, não tendo porto nem bom
fundo para ancorar.

155
Na jurisdição de Igarassu

Na jurisdição de Igarassu há os seguintes engenhos e


lavradores, moendo na forma abaixo:
79) Engenho Aiama da Riba, pertencente aos herdeiros de
Pedro da Rocha Leitão, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Geraldo do Prado Leão ........ .. .................... 15 tarefas
Francisco Bemardes da Rocha ................... 10
Estevão do Prado Leão................................ 7
Luís da Mota .... ..... ........ ................. .............. 2
Antônio Saraiva............................................ 7
Paula d~Almeida .......................................... 3
Simão Furtado .............................................. 4
Francisco Coelho . .. ...... .... ............................ 6
Simão Dias Rodrigues .................................. 2

56 tarefas

80) Engenho Aiama de Baixo, pertencente a Manuel


Jácome Bezerra, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Simão Dias Rodrigues ................................. 1O tarefas
João d ~Oliveira .............................................. 8
João Barbosa ............................................... 1O
Francisco Coelho ........................................ 15
Partido da fazenda ...................................... 16
Miguel Marinho ........................................... 12

71 tarefas

81) Engenho Piranhi, pertencente a Domingos Velho Freire,


é engenho d~água e mói. São lavradores:
João Pereira ................................................. 25 tarefas
Pero da Costa Brandão............................... 1O
João de Matos da Costa .............................. 10
Luís Freire .................................................... 12
Manuel Gonçalves de Castro ........... .. ......... 7
Baltasar Cardoso .......................................... 4

68 tarefas
156
82) Engenho Tabatinga, pertencente a Pieter Marissingh,
cum sacio, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Vicente Siqueira ....................................... 20 tarefas
Leonardo Dias .......................................... 25
Paul Anthony Daems ............................... 30

75 tarefas

83) Engenho Espírito-Santo, pertencente a Gonçalo Novo


de Lira, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Francisco Dias de Oliveira ...................... 10 tarefas
Francisco Correia .................................... 1O
Bartolomeu Gomes ................................. 12
Antônio Álvares....................................... 8
Antônio Coelho ......................................... 8
Francisco da Rocha ................................. 15
Francisco de Sousa ................................. 14
Bartolomeu Lambertsz, van Bou-
cholt e João d'Abreu ........................ 18

95 tarefas

84) Engenho Garasutinga ou Araripe de Riba, pertencente


a Domingos da Costa Brandão, é engenho d'água e mói. São
lavradores:
Partido do engenho ................................. 30 tarefas
Maria Ferreira ........................................... 20

50 tarefas

85) Engenho Jaguarabe, pertencente à viúva de Jenônimo


Crabel, é engenho d'água e mói. São lavradores: (não indica).
86) Engenho Mussurupa, pertencente a João Lourenço
Francez, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Domingos Macedo ................................... 1O tarefas
Gaspar Cardoso ......................................... 6
João Dias Leite ........................................ .40
Marcos Peres de Lucena .......................... 30

86 tarefas

157
87) Engenho Paratibe de Riba e o
88) Engenho Paratibe de Baixo, são dois engenhos muito
arruinados e de todo destruídos durante a guerra.
Ao todo há na jurisdição de Igarassu 1O engenhos dos
quais 8 moem.
E como na Capitania de Pernambuco ainda nos falta o
que referir, voltemos atrás, em direção ao Sul, começando na
jurisdição de Sirinhaém, na qual há os seguintes engenhos:
Na jurisdição de Sirinhaém
89) Engenho Aratangil, pertencente a Miguel Fernandes
de Sá, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ...................................... 20 tarefas
João Machado ............................................. 40
Francisco Ferreira Sam (?) .......................... 5

65 tarefas
90) Engenho Itapurucu, pertencente a Daniel de Haen, é
engenho d~água e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ...................................... 12 tarefas
Dona Maria ................................................. 25
Ma teus Vaz .................................................. 20
Heindrick de Orgel ..................................... 12

69 tarefas
91) Engenho Waca {sic}, pertence a Álvaro Fragoso
Toscano, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Dona Catarina Favilha ................................ 35 tarefas
Gil Lopes Fegeira ........................................ 12

47 tarefas

92) Engenho de Dona Catarina, está arruinado.

93) Engenho Camaragibe, pertencente a Blancol Mendes,


mói. São lavradores:
158
Gaspar Velho ........................................... 12 tarefas
Domingos Pereira ...................................... 9 tarefas
Manuel da Cunha .................................... 25
Petro Peres ................................................. 2

48 tarefas

94) Engenho Aracuara, de Vicente Campelo, está arruinado.

95) Engenho Coucaupe, está arruinado.

96) Engenho Sangoa, pertencente a Manuel Pinto Pereira,


.mói. São lavradores:
Domingos Gonçalves .............................. 12 tarefas
João Cordeiro ........................................... 16
Miguel Álvares Maran .............................. 1O
Violante d~Araújo .................................... 15

53 tarefas

97) Engenho Rio Formoso, pertencente a Carpentier, é


engenho de bois e mói. São lavradores:
Bernardo da Costa ................................... 50 tarefas
Manuel Velho Pereira .............................. 20
Domingos Gonçalves .............................. 20

90 tarefas

98) Engenho Trapiche, pertencente a Jacques Pires, é


engenho d~água e mói. São lavradores:
J an Caer ...................................................... 4 tarefas
D. Maria Soares ........................................ 1O
Domingos Fernandes Viegas ..................... 2

16 tarefas

99) Engenho Todos os Santos, pertencente a Francisco


Fernandes Anjo foi plantado mas {não?} moerá. São lavradores:
(não indica).

159
100) Engenho Nossa Senhora da Palma, destruído.

101) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a


Pero Lopes de Vera, mói. São lavradores:

Partido da fazenda...................................... 40 tarefas


Gaspar Camelo ........................................... 12
Diogo Lopes Bartolomeu ........................... 22

74 tarefas

102) Engenho São Braz, também pertencente a Pero Lopes


de Vera; as canas são levadas a moer no engenho anteriormente
citado. São lavradores:

Jan Blaer ...................................................... 20 tarefas


Cipritana Charynho ..................................... 12
Francisca Ferreira .......................................... 8

40 tarefas

103) Engenho Jaseru, pertencente a Lourenço Ferreira


Betancor, mói. São lavradores:

Gaspar Correia Viegas ... ............................. 18 tarefas


Antônio Correia Rego .:. ............................... 8
Rodrigo Álvares Viegas ................................ 7 tarefas

33 tarefas

104) Engenho das Ilhetas, pertencente a Jacob


Stachhouwer e Nicolaes de Ridder, plantado, mas não moerá
antes do ano vindouro. São lavradores: (não indica).

105) Engenho Nossa Senhora da Guia.

Ao todo a jurisdição de Sirinhaém tem 17 engenhos, dos


quais 10 moerão.

160
Na jurisdição de Porto Calvo

Seguem-se agora os engenhos de Porto Calvo.

106) Engenho de Manuel Ramalho, agora pertencente a


David de Vries, está arruinado, mas está sendo reparado e replantado.

107) Engenho dos Alpoins, está arruinado.

108) Engenho do Morro, pertencente a Rodrigo de Barros


Pimentel. São lavradores:
Pero Ferreira da Silva .............................. 35 tarefas
Julião de Lima ............................................ 4
Gonçalo ...................................................... 4

43 tarefas

109) Engenho Santo Antônio, pertencente ao mesmo


Rodrigo de Barros, São lavradores:
Jerônimo da Costa Santa-Cruz ................ 35 tarefas
Maria Vaz .................................................. 10
Partido do engenho .................................. .4

49 tarefas

110) Engenho São Francisco, pertencente a Manuel


Carvalho de Queiroga, mói. São lavradores:

Vasco Marinho Falcão ............................. 15 tarefas


Francisco Teles ........................................... 8

23 tarefas
111) Engenho de Cristóvão Botelho, arruinado.
112) Engenho Novo, do dito Botelho, arruinado.
113) Engenho de Bartolomeu Lins d'Almeida, mói. São
lavradores:

161
Baltasar Leitão de Holanda ........................ 25 tarefas
Francisco de Sousa Falcão ......................... 20 tarefas
Salvador Pereira ... ....................................... 6
Partido da Fazenda ..................................... 12

63 tarefas

114) Engenho de Cristóvão Dias Delgado, arruinado.


115) Engenho de Domingos Gonçalves Marques {sid, mói.
São lavradores:
Maria da Rocha Barbosa ............................ 1O tarefas
Manuel Gonçalves Maragan ....................... 20
Francisco Martins Barbosa .......................... 12

42 tarefas

Ao todo 1Oengenhos em Porto Calvo, dos quais 5 moem.

Na jurisdição das Alagoas

Seguem-se os engenhos de Alagoas, com os situados em


Alagoas do Norte:

116) Engenho Nossa Senhora da Ajuda, pertencente a


François Cloet, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Domingos Pinto ....................................... 25 tarefas
Antônio da Silva ...................................... 20
Simão Fernandes ..................................... 12

57 tarefas

117) Engenho Nossa Senhora da Encarnação pertencente


a Antônio Martins Ribeiro, mói. São lavradores:
Antônio Fernandes ...................................... 15 tarefas
Paulo Fernandes ......................................... 10
Partido da fazenda ...................................... 16

41 tarefas

162
118) Engenho que foi de Lucas de Abreu, está arruinado
e foi confiscado.
Nas Alagoas do Sul
119) Engenho Novo Nossa Senhora do Rosário,
pertencente a Gabriel Soares, mói. São lavradores:
Rodrigo Pereira ........................................ 30 tarefas
Antônio de Carvalho ............................... 20
Antônio Rodrigues da Costa .................... 20
Santos Ferreira .......................................... 12
Manuel da Fonseca .................................... 7
Partido da Fazenda .................................... 6

95 tarefas
120) Engenho Velho, pertencente a Domingos Rodrigues
d'Azevedo, mói. São lavradores:
Gonçalves Pereira .................................... 35 tarefas
Simão André ............................................ 20
Manuel da Fonseca .................................. 35
Baltasar Gonçalves ................................... 1O

100 tarefas

121) Engenho São Miguel, pertencente a Martys Mendes;


não moerá.
Ao todo 6 engenhos em Alagoas, dos quais 4 moem.
Há, portanto, na Capitania de Pernambuco, 121 engenhos,
dos quais cerca de 87 moem, sendo incerto que quantidade de
açúcar produzirão.
Deve notar-se que os senhores de engenho e
lavradores, não sabendo para que fim era preparada a lista
de todos os lavradores e tarefas e temendo algum tributo ou
coisa parecida, informaram um número menor de tarefas do
que realmente possuem. Parece que eles ficaram temerosos
que a Companhia quisesse fixar o dízimo do açúcar e
promover a sua cobrança aos senhores de engenho se-
gundo tais informes. Também pode suceder que, em con-

163
seqüência do tempo desfavorável ou por outros acontecimen-
tos, os lavradores venham a moer menos do que esperavam e,
por isto, tenham querido informar-nos pelo mínimo, devendo
haver uma variação de, pelo menos, uma terça parte do total.

ITAMARACÁ

A Capitania de Pernambuco já dissemos que se limita ao


Norte com a Capitania de Itamaracá; esta tem somente uma
cidade, na Ilha, e as aldeiazinhas de São Lourenço de Tejucupapo
e Capiguaribe, esta assim chamada em conseqüência do rio
Capiguaribe de Goiana, uma ilha do qual, em terras do {engenho}
Três-Paus, pertence ao Sr. Servaes Carpentier.
Esta Capitania só tem um porto de valor, a saber, o canal
Sul a Ilha, onde entram navios que demandam 14,15 e mesmo
16 pés de profundidade; mas é um canal longo e algo perigoso
para nele permanecer e não tem no litoral nenhum bom
ancoradouro, nem fundo para lançar âncora, visto ser de vasa,
de modo que os navios mal podem fundear ali para aguardar a
maré para entrar.
A Capitania de Itamaracá tem muitas campinas áridas,
mas as terras de Goiana, principalmente as das várzeas, de Araripe
e Taquara, são muito férteis e não são inferiores às de quaisquer
outras terras do Brasil. A Ilha de Itamaracá tem poucas terras
férteis e nestas estão os engenhos e canaviais; o resto é devastado
pelas formigas, de modo que muito pouco se consegue colher e
o lavrador tem sempre prejuízos; somente melões e culturas
semelhantes são ali encontrados em abundância e também as
mais belas uvas do Brasil.
No rio Goiana há uma pedra ou arrecife chamada Pedra
das Galeras, detrás da qual, antes, carregavam-se caravelas de
250 caixas de açúcar. Há, ainda, ancoradouros para pequenos
navios, como o canal Norte da Ilha, chamado Catuama, e o
Porto dos Franceses.
Esta Capitania não tem senão uma jurisdição e um
conselho de escabinos, que se reúne em Capiguaribe, uma vez
que os portugueses abandonaram a cidadezinha da Ilha pela
má situação e para ali se transportaram, considerando a sua
posição favorável.

164
- - -----~-------

A Capitania de Itamaracá está dividida em quatro fregue-


sias, a saber: Goiana, Abiaí ou Taquara, São Lourenço de
Tejucupapo e Araripe.
Na freguesia de Goiana
Goiana tem os seguintes engenhos e lavradores:
122) Engenho !pitanga ou Engenho Novo, pertencente a
]ohan Wynants, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Johan Listry .............................................. 80 tarefas
João Moreira ............................................ 15
Elto Beuning ............................................ 20
] oost van Blyenburch .............................. 20
Daniel Taelman ....................................... 12
Jacob de Groot.. ....................................... 15
Folis Symonsz ............................................. 7
Antônio de Abardo (?) ............................. 25

189 tarefas

123) Engenho Capiguaribe, aliás Três Paus, pertencente


ao Sr. Servaes Catpentier, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Comelis Stalpaert vander Wyel ............... 30 tarefas
Johan Houck .... ............ ... .. ..... .. ....... ....... 20
Jan Carpentier .......................................... 50
Ângela da Mo ta ........................................ 20
Maria Gomes ............................................ 15
Noel Mabel Garenne ............................... 15
Partido da fazenda ................................... 12

162 . · tarefas

124) Engenho de Goiana, pertencente a ]oost van den


Bogaert, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Partido da fazenda
Michiel Heindricksz
Mel. Horner
Obbe Ristma

165
Manuel Lopes d~Elvas
Antônio Álvares
Jantem Berch (?)
Baltasar Pereira
Jan Bos
Pedro Sasodo (?)
150 tarefas

125) Engenho Jacaré, pertencente aJoost van den Bogaert,


é engenho d~água mas não mói. Tem canaviais e as canas são
levadas a moer no Engenho Goiana.

126) Engenho Tracunhaém de Baixo, pertencente a Rui


Vaz Pinto, não moerá.

127) Engenho Máxima {sid, pertencente a Joost van den


Bogaert, não moerá.

128) Engenho Mossombu, pertencente ao Sr. Servaes


Carpentier, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Reynier Meyens ............................................ 20 tarefas
Manuel da Silva ........................................... 50
Bento Rodrigues Saldaen ............................ 40
Cosmo de Torres .......................................... 15
João Siqueira ............... :................................ 10
Partido da fazenda...................................... 5

140 tarefas

129) Engenho Santos Cosme e Damião, pertencente a


David van Kessel, não moerá.
130) Engenho Bujari, pertencente ao mesmo van Kessel,
é engenho d~água e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ...................................... 1O tarefas
Tomás Nunes .............................................. 12
Antônio Ramos ............................................ 10
Artur Senechael ............................................. 6
Francisco Álvares Manso ............................ 20
Jacob Blaeu ................................................. 10

68 tarefas

166
Na freguesia do Abiaí

Abiaí e Taquara têm os seguintes engenhos:

131) Engenho Copissura, todo arruinado, pertencente a


Joost van den Bogaert, não moerá.

132) Engenho Tapu, pertencente a Cosmo de Oliveira, é


engenho de bois e mói. São lavradores:
Manuel Fernandes da Cunha ...................... 20 tarefas
Manuel Gonçalves ....................................... ~ 5
Jorge de Castro ............................................. 10
Antônio Madeira ............................................ 5

47 tarefas

133) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a


Luciano Brandão, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ....................................... 30 tarefas
Luís do Rego ................................................ 20
Antônio de Freitas Mariz .............................. 30
Antônio Manuel Madeira ............................. 30
Johan Graces ................................................ 10

120 tarefas

134) Engenho Nossa Senhora da Penha de França,


pertencente a Isabel Cabral, é engenho de bois e mói. São
lavradores:
Manuel de Sá (?) Telles ............................... 20
Manuel Gomes Chacão ............................... 25
Sebastião Nunes da Silva ............................ 10
Domingos Lopes do Seixo .......................... 10
Gonçalo Cabral de Caldas .......................... 12

77 tarefas

135) Engenho Nossa Senhora do Rosário, pertencente a


Antônio da Costa Freitas, é engenho de bois e mói. São lavradores:

167
Hendrick Haus ............................................ 10 tarefas
Valentim dos Santos .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 5
Caterina Lopes .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 15
Amaro d;Azevedo ....................................... 8
João Soares Ramires ................................... 30
Hans Brugel .. .. .. ...... .. .. .. .. .. .. .. .... .. .. .. .... .. .. .. .. 6

74 tarefas

136) Engenho São João Batista, pertencente a Diogo da


Fonseca Lemos, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Antônio Duarte .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. 20 tarefas
Sebastião Gomes .... .. .. .. .. .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. .... .. .. 5
Antônio Claesz .. .. .. .. .. ..... .. .... .. ....... .. .. .. ........ 15
Domingos Teixeira ...................................... 12
Partido da fazenda ....... .. ... ...... .. ..... .... .. .. .. .. . 4

56 tarefas

Na freguesia de São Lourenço de Tejucupapo

São Lourenço de Tejucupapo tem os seguintes engenhos:

137) Engenho Massaranduba, pertencente a N. Koets, é


engenho de bois e mói. São lavradores:
Partido do engenho ...................................... 8 tarefas
Jerônimo Fernandes do Vale ...................... 30
Henrique d;Aguiar Lobo ............................ 10
Domingos Pinto da Fonseca ...................... 10
Afonso Rodrigues Bacelar .......................... 12
Gonçalo Barbosa Pereira ............................ 12

76 {sic} tarefas

138) Engenho Biapecu, pertencente a Maria de Oliveira,


é engenho de bois e mói. São lavradores:
Jerônimo Fernandes do Vale ...................... 30 tarefas
Gonçalo Barbosa Pereira .............................. 6
Antônio de Figueiredo ................................ 15

51 tarefas

168
Na freguesia de Araripe
Araripe e a Ilha de Itamaracá têm os seguintes engenhos:
139) Engenho Obu, pertencente a Francisco de Lugo Brito,
é engenho d/água, mas não mói.
140) Engenho Araripe de Baixo, pertencente a Francisco
Lopes de Orosco, mói. São lavradores:
Pascoal de Barros ........................................ 1O tarefas
Pedro de Freitas ........................................... 10
Manuel Mascarenhas ..................................... 8
Manuel Soares ................................................ 8
Isabel Velho ................................................. 1O
Braz Dias Mascarenhas .................................. 8
Partido da fazenda ....................................... 1O

64 tarefas
141) Engenho Haerlem, pertencente a Pieter Seulyn de
]onge, é engenho de bois e mói. São lavradores: (não indica).

142) Engenho Velho, pertencente a Francisco Lopes, está


todo arruinado.

143) Engenho Beapecu, pertencente a Martim Lopes, está


todo arruinado.

144) Engenho Tripicu, destruído; está situado na Ilha e


pertence a Pieter Seulyn de ]onge, que começa a reconstruí-lo.
Ao todo há na Capitania de Itamaracá e em Goiana 23
engenhos, além de 2 outros que os Srs. Servaes Carpentier e
Johan Wynants começaram a construir em suas terras; entre os
23 referidos, 14 são os que moem.

PARAíBA

À Capitania de Itamaracá já dissemos que se segue a da


Paraíba.

169
O principal rio desta Capitania é o Paraíba, do qual a
região recebeu o nome; é transitado por navios que demandam
14 e 15 pés d'água. Ainda tem o rio Mongoangabe, navegável, e
baías onde navios podem carregar, como atrás da Ponta de
Lucena ou a Terra Vermelha, cerca de 2 milhas ao Norte da
Paraíba, onde os navios de grande porte completam o
carregamento que não pôde ser embarcado no Paraíba. Também
há baías onde os navios podem ficar resguardados, como a Baía
da Traição, capaz de abrigar navios do mais alto porte.
A Capitania de que tratamos só tem uma cidade, que se
chamava antigamente Filipéia, depois da conquista rebatizada
de Frederica. Não há divisão em freguesias, mas em regiões,(•)
como em Stad em Lande, (••) compreendendo Praia (litoral),
Goramama, Tibiri, Inhobi, Una, Itapoã, Gargaú, Mereri,
Mangoangape, Camaratuba.
ENGENHOS DA PARAÍBA
A Capitania da Paraíba tem os seguintes engenhos e
lavradores:
145) Engenho das Barreiras, pertence a]os ias Marischal,
é engenho d'água e mói. São lavradore,;;:
Partido da fazenda ...................................... 20 tarefas
Os frades de São Bento .............................. 40
Francisco de Sousa ..................................... 15

75 tarefas

146) Engenho Tiberi-Santa Catarina, pertencente a Jorge


Homem Pinto, é engenho d'água e inói. São lavradores:

Francisco Lopes Tavares ............................. 20 tarefas


João Barbosa de Mesquita ......................... 40

(•) Barlaeus, História do Governo, ed. in 4 da tradução portuguesa, pp. 128 e 378 ng
120, usa lugares em vez de regiões.
(••) Assim eram designadas então a cidade de Groninga e a região de Ommeland.

170
Manuel d ~Almeida o 00 o o o o o o o o o o 00 o o o o o O o o o o o o 000 o o o o o o o 000 o o o o o o o .
. 25
Pero Fernandes Sarzedas ooooooooooooooooo ooooooooooooooooo ooooo 15

103 {sic} tarefas


147) Engenho Tiberi-Santiago, pertence a Jorge Homem
Pinto, é engenho d~água e não mói. São lavradores:
Elias Herckman s 12 tarefas
o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o ..

Antônio do Canto 15
ooooooooooooooooo ooooooooooooooooo oooooo

Baltasar Fernandes 13
0000 ooooooooooooooooo ooooooooooooooooo o

Pero Carvalho 15
o o o o o o o o o o o o o 000 00 o 00 o o o o o 00 o o o o 000 o o 00 o o o 00 o o

Francisco Vaz 12
ooooooooooooooooo ooooooooooooooooo oooooOooooooo

João Tavares de Matos 80 00000000000000000 .00.00 . . 0000000

147 tarefas
148) Engenho Santo André, pertencent e ao mesmo Jorge
Homem Pinto, é engenho d~água e mói. São lavradores:
Manuel Queiroz de Siqueira 50 tarefas o o o o . . o o o o o o o 00 o . . . 000.

Manuel Rodrigues da Costa 30 o o o o 000 o o o 000 o o o . o•o 00 o o

O Padre Manuel Paes 60o . . o o 00 o 00 00 o o o o . o o• o o o o o o o o ooo o o .

140 tarefas
149) Engenho de Jerônimo Cadena, é engenho d~água e
mói. São lavradores:
Partido da fazenda 50 tarefas
o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o . . . . . . o o o o. o o

Antônio Fernandes 15
o o o o o o o o o 00 00 o o o o o o 000 o o o o o o o o o o o o o o o o o

João Tavares Cabinelo 30 o . . . . . . oooooooooo•oooooo oooooooo

Domingos Pires 7
o o o o o o o o 00 o o o o o o o 00 o o o o o . o o . o o o 00 o o• o o o o o o o o . .

Jacques van der Nesse 35 0000000 ooooooooooo•ooooo ooooooooo

Pero Fernandes Sarzedas 20 o o o o O o o o o . o o o o o 000 o o . o o o o o o . .

157 tarefas

150) Engenho Três Reis, de Francisco Camelo de Valcácer,


é engenho d~água e mói. São lavradores:

171
Ambrósio Vieira ............................................... 20 tarefas
Domingos Barreiros ......................................... 15
Domingos Valcáçar de Morais ......................... 40
Luís Mendes ..................................................... 40

123 {sic}
tarefas

151) Engenho Espúito-Santo, pertencente a Menso Fransen,


é engenho d~água e mói. São lavradores:
Francisco Gomes d~Oliveira ............................ 28 tarefas
Manuel d ~Almeida ........................................... 45
Ma teus Fernandes ............................................ 50

123 tarefas

152) Engenho Santo Antônio, agora Dusse, pertencente a


]an Comelisz]ongeneel, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ........................................... 55 tarefas
Francisco Pinto ................................................. 50
Pedro Fagundes ............................................... 40
Ma teus Fernandes ............................................ 20

165 tarefas

153) Engenho Santo Antônio em ltaporã, pertencente a


Manuel Correia Pestana, é engenho d~água e mói.(•) São
lavradores:
Manuel Vaz Varasas (?) .. .. ................................ 30 tarefas
Belchior Fra. Fagundes .................................... 35
Gonçalo da Rocha ........................................... 14
Antônio de Magalhães ..................................... 40

119 tarefas

(•) Aqui teria ocorrido um engano: o Engenho Santo Antônio, Tapoã ou Itapoã era
de Antônio Correia de Valadares (de bois e mói): ver o "Breve Discurso" (doc. 5)
e a "Descrição da Paraíba" de E. Herckmans, Rev. do Instituto Arqueológico e
Geográfico Pernambucano nll 31 , (Recife , 1886) p . 256.

172
154) Engenho Santa Luzia, pertencente a João do Souto,
é engenho de bois e mói. São lavradores:
Partido da fazenda ....................................... 15 tarefas
João de Morais Valcáçar .............................. 25
Bento de ....................................................... 30
Manuel de Pina ............................................ 20

90 tarefas
{Falta o número 155}. (..)

156) Engenho Santiago Maior, pertencente a André Dias


de Figueiredo, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Francisco Lopes de Abreu ........................... 12 tarefas
Lourenço Siqueira ........................................ 12
Domingos d'Abreu ........................................ 8
Antônio da Rocha (?) ..................................... 8
Domingos Leitão ............................................ 8
Cosmo Afonso Pinheiro ............................... 1O

50 {sid tarefa
157) Engenho São Francisco, pertencente a Ventura
Mendes Castelo, é engenho de bois e mói. São lavradores:
Manuel Tavares ................... ...................................... 8 tarefas
Geraldo Mendes ...................................................... 30
Manuel Filgueira ...................................................... 35
Francisco Gonçalves ................................................ 10
Manuel Barreiros ..................................................... 35

118 tarefas

158) Engenho São Gonçalo, pertencente a Antônio Pinto


Mendanha, é engenho duplo, de bois e mói. São lavradores:

(••) Omitido o Engenho de Nossa Senhora de Guadalupe de Manuel Correia Pestana,


que parece ser o mesmo de Brásia Rodrigues (de bois): ver o "Breve Discurso"
(doc. 5) e "Descrição da Paraíba" p. 256.

173
Partido da fazenda .............. :...................... 100 tarefas
Jorge Rodrigues Pinto ................................ 50
Bento Rodrigues......................................... 30
Matias Ferreira............................................ 5
Miguel Gomes ............................................ 35
Jorge Rodrigues Pinto ................................ 40

260 tarefas

159) Engenho São Salvador, pertencente a Duarte Gomes


da Silveira, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Diogo Mendes van der Nesse .................... 20 tarefas
Sebastião Machado ..................................... 25
Domingos Velasques .................................. 30
Paula d'Almeida ......................................... 8
Bartolomeu de Góis .................................... 30

123 {sic}
tarefas

{160) Não há este número no MS}. (*)

161) Engenho Miguel Arcanjo, pertencente ao mesmo


Rasiere, é engenho d'água e mói. São lavradores:
Rafael Carvalho ........................................... 50 tarefas
Antônio de Matos ....................................... 20
Samuel Gerardo .......................................... 20
Joris Margits ................................................. 15 tarefas

115 tarefas

162) Engenho Gorgaú, pertencente ao mesmo Rasiere, é


engenho d'água mas não ... {moerá?}. São lavradores:

Gonçalo Neto tem 60 tarefas, que mói no engenho


anteriorment e citado.

(•) O engenho omitido é o Santos Cosme e Damião ou Inhobi, que pertencera a


Luís Brandão, ausente, vendido a Isaac de Rasiere. Moía. O novo proprietário
mudou-lhe o nome para Amstel.

174
163) Engenho Camaratuba, pertencente a Antônio Carva-
lho, é engenho d 'água e mói.

Partido da fazenda...................................... 50 tarefas

164) Engenho Mereri, pertencente a Francisco Álvares da


Silva: está de todo arruinado.
A Capitania da Paraíba tem, assim, 20 engenhos, dos quais
somente 2 não moem e um não tem canavial, sendo que Duarte
Gomes da Silveira está para construir um engenho.

RIO GRANDE

À Capitania da Paraíba dissemos que se segue a do Rio


Grande, a qual está dividida em 4 freguesias, a saber: Cunhaú,
Goiana, Mopebu e Potigi. Já teve uma cidade chamada Cidade
do Natal, situada a uma légua e meia do Castelo Ceulen, rio
acima, mas está totalmente arruinada, pelo que foi consentido
aos escabinos e moradores levantar uma nova cidade em Potigi,
pois é terreno fértil e melhor situado para os seus habitan~es .
Deverão construir de início um Paço da Câmara para aí terem o
seu tribunal de justiça.
Os principais rios da Capitania são o Rio Grande, do qual
recebeu o nome a Capitania, e no qual entram navios de muito
porte, e o Cunhaú, que iates e barcos podem freqüentar, além
de pequenas baías onde navios podem ser recolhidos, como
Ponta de Pipas, Baía Formosa, Ponta Negra e Marten Tyssens,
baía ao Norte do Rio Grande.
São poucos os habitantes do Rio Grande, os quais vivem
na maioria da criação de gado, para o que possuem belas
pastagens. Atualmente o gado ali diminuiu muito, não só pela
guerra passada, que despovoou a Capitania, desde que o forte
Ceulen foi tomado, como também, desde então, tem fornecido
o gado necessário à subsistência das demais Capitanias, nas quais
o gado havia sido na sua maior parte destruído.

Nesta Capitania existem de há muito tempo dois engenhos,


a saber:

175
165) Engenho Potigi, está totalmente arruinado e aban-
donado.

166) Engenho Cunhaú, pertencente a Willem Beck e Hugo


Graswinckel, é engenho d~água e mói. São lavradores:

George Grastman van Werve .......................... 30 tarefas


Domingos Carvalho ......................................... 40
Pero Gomes ..................................................... 30
Pero Xara Ravasco ........................................... 10

110 tarefas

Eduivard Snooden e Antônio Rodrigues Leitão não moem,


mas estão ocupados em plantar.

ENGENHOS

Em toda a conquista do Brasil há pois, segundo as


informações que podemos colher, 116 engenhos, dos quais 120
moem este ano e quanto aos demais muitos estão sendo
restaurados e replantados, de modo que aumentarão anualmente
as safras e de ano a ano em maior número serão os engenhos
em atividade.
Para se ter uma idéia aproximada de quanto poderá render
um engenho, diremos que cada tarefa de um engenho movido
a água calcula-se que renda de 40 a 50 arrobas de açúcar macho,
isto é, branco e mascavado, e 25 a 35 em engenho movido a
bois. A cada 1.000 arrobas de açúcar macho correspondem 200
a 250 arrobas de panela. Mas nenhum cálculo exato pode ser
feito, de vez que o tempo e a qualidade das terras causam
grandes variações e enganos.
Os lavradores acima citados, referidos pelos respectivos
engenhos, são os que moerão no corrente ano; a maioria dos
engenhos possui terras para as quais procura 'lavradores. Alguns
já conseguiram lavradores, que estão agora ocupados em plantar
para moer no próximo ano; desses lavradores e de suas tarefas
nada se referiu aqui, nem nada nos foi informado a respeito.

176
LIVRES E ESCRAVOS

Tendo falado da situação do país, devemos tratar agora


dos seus moradores, que podem ser divididos em pessoas livres
e escravas; as pessoas livres, em holandeses, portugueses e
brasilianos; as escravas, em negros e tapuias do Maranhão; os
nascidos da procriação com pessoas livres ou de pessoas escravas
- como sejam os mulatos, mamelucos e mestiços - alguns são
livres e outros escravos.

HOLANDESES

Os holandeses são divididos em pessoas que prestam


serviço exclusiva e atualmente à Companhia e recebem salários
e em pessoas que não estão a ela subordinadas. Dos primeiros
ainda falaremos.
Os holandeses não assalariados são os que vieram nessa
condição da Pátria ou os que aqui, depois do término do seu
contrato, deixaram o serviço da Companhia. Estes últimos são
em número considerável e tendo sido oficiais e soldados
contribuem agora para o povoamento do país; no caso de
necessidade, poderão tomar arma de novo, ajudando a defender
a conquista sem despesa para a Companhia. O número deles,
tanto os alistados como infantes, como os alistados como
cavaleiros, consta de listas pormenorizadas.
Os holandeses livres que vieram da Pátria em caráter
particular são na maioria comerciantes ou empregados destes ou
representantes e os de menor condição fizeram-se tavemeiros
ou entregaram-se a pequenos negócios, com o que obtiveram
algum lucro. Alguns comerciantes experimentaram comprar
engenhos e outros, de situação mais modesta, arrendaram partidos
ou canaviais, segundo as suas possibilidades, contribuindo de
modo manifesto para o cultivo e povoamento destas terras.
Contribuíram também para aumentar as construções e a
população do Recife a ponto de não haver agora terreno
vago. O recinto em Antônio Vaz que fica protegido pelas
estacadas foi medido e dividido em lotes, nos quais foram
levantadas muitas construções, pelo que foi necessário lotear os

177
terrenos do lado externo das paliçadas, até o forte Frederik
Hendrik, também chamado das Cinco Pontas, nos quais as
construções estão sendo feitas em ritmo mais lento devido ao
pouco movimento dos negócios e aos boatos que há muito tempo
vêm sendo divulgados a respeito de uma anunciada esquadra
espanhola; como estes começam agora a diminuir e o ânimo a
se reanimar um tanto, e é de crer que ainda mais quando
consideráveis socorros chegarem e recomeçarem os negócios,
serão então reiniciadas as construções. Quando o local se tiver
transformado em um importante centro de comércio e para maior
estímulo, resolveu-se que o Recife e Antônio Vaz seriam unidos
por meio de uma ponte de pilares de pedra; a título de experiência
levantou-se um pilar no meio do rio, o qual se mantém em boas
condições e firme há já um ano, mas parou-se aí, em
conseqüência das despesas, embora tenham surgido propostas
para fazer a ponte sem gastos para a Companhia, somente com
a contribuição da população; mas até agora não foram
encontrados meios convenientes para isto.

COLONOS

Mas a obra referida não é suficiente para incrementar o


povoamento do país; é necessário encontrar meios para atrair
maior número de habitantes da Pátria para cá e dispersá-los por
todo o país e aí se multiplicarem: isto trará para a Companhia
vantagens, defesa, conservação e firmeza para esta conquista e
deste modo obter-se-ia não somente uma notável diminuição de
suas grandes despesas e encargos como também aumento das
suas finanças e rendas; o país seria melhor cultivado e produziria
mais frutos e haveria maior garantia contra os sempre pérfidos
portugueses que seriam mantidos sob controle. Os moradores
holandeses estariam sempre prontos para a defesa da conquista,
com o que poderiam ser muito reduzidas as guarnições militares.
Não devemos, porém, omitir que não é conveniente a
remessa de colonos de mãos vazias, segundo o regulamento
velho, pois que isto não contribui para o povoamento do
país, porque, em primeiro lugar, não é possível obter ter-

178
ras com facilidade, de vez que todas já têm dono e as terras
virgens incultas estão situadas muito no interior do país, pelo
que talvez não interessem a eles ou não lhes sirvam; enquanto
isto teremos de alimentá-los e fazer despesas com eles, as quais
nunca serão ressarcidas.
É necessário pois encontrar um meio pelo qual se
concedam aos holandeses alguns privilégios, além dos que se
concedem aos demais, especialmente àqueles que construírem
novos engenhos ou plantarem novos canaviais: desta maneira
procedeu o Rei da Espanha com o fim de incrementar o
povoamento e o cultivo, concedendo, a todos os que construíssem
novos engenhos ou plantassem novos canaviais, isenção do
imposto do dízimo dos açúcares obtidos das novas terras, sendo
que nos primeiros dez anos a isenção era completa e daí por
diante os lavradores não pagavam senão meio imposto, julgando-
se melhor deixar cultivar as terras e povoá-las e com o correr do
tempo recolher a metade, do que obter com grande ganância o
valor inteiro do imposto. Esse privilégio, pensamos, fez com que
as terras fossem ocupadas, provocando interesse; agora, porém,
todas as boas terras já têm proprietários e a maioria com
construções, de modo que não é possível obter novas senão
muito para o interior, para onde os moradores não querem ir
pelas dificuldades e grandes gastos daí decorrentes, porque tudo
teria de ser levado e trazido, por terra, em carros; por isto não
podemos imaginar que providência possa contribuir de maneira
efetiva para o povoamento, apesar de ser muito necessário
encontrar meios para atrair povoadores para aquelas regiões,
qualquer que seja a maneira proposta para isto.
Artífices como ferreiros, carpinteiros , pedreiros,
caldeireiros, alfaiates, sapateiros, marceneiros, fabricantes de
cadeiras, vidraceiros, oleiros de louças e tijolos, picheleiros,
seleiros e outras mais profissões, chegando aqui com os seus
instrumentos tornar-se-ão ricos, porque muitos desses artífices
percebem um bom salário; um mestre carpinteiro ganha 6 florins
por dia, um menos habilitado que trabalhe com ajudante recebe
3 a 4 florins por dia; os que sabem lidar com utensílios dos engenhos
ganham os maiores salários. Há na Pátria artífices em grande
número e ainda com mulher e filhos e que não sabem o que

179
fazer para obter o sustento, alguns vivendo de esmolas, os quais
podem ser estimulados a embarcar para cá, com o que os
esmoleres ficariam aliviados e este país povoado. Este meio é
muito superior ao usado pelo Rei da Espanha, que enviava os
malfeitores acusados de toda a espécie de abusos - em vez de
castigá-los com a justiça- para degredo no Brasil, com o fim de
povoá-lo; os quais deram origem a uma raça de gente até agora
não faz distinção entre o bem e o mal.
Esses artífices tendo com seu ofício conseguido reunir algum
pecúlio, costumam dedicar-se à agricultura, compram alguns negros
e arrendam terras para cultivar cana-de-açúcar no engenho que
mais lhes convém, como já hoje se vê. Solicitaram eles que os
habitantes fossem garantidos dos bandos de campanhistas inimigos
e que o Alto e Secreto Conselho e o Conselho Político continuassem
a ser providos de membros respeitáveis e piedosos, onde a justiça
e o direito fossem exercidos sem simulação, a corrupção afastada
e cada qual mantido no seu direito, correndo os negócios o seu
caminho, dentro do regulamento; com isto o povoamento iniciar-
se-á e progredirá. Mas gente que nada traz da Pátria ou que não
conhece ofício e que abre aqui uma taverna, se fracassa, então
fica em estado de desespero.
Por três espécies de homens é que deve o Brasil ser
povoado: a primeira, a dos que trazem dinheiro da Pátria, isto é,
os que são negociantes ou empregados deles e que aqui tendo
prosperado compram engenhos, partidos de cana ou outra coisa
qualquer no interior; a segunda, a dos que vindos da Pátria
exercem uma boa profissão e, tendo sido bem sucedidos, se
fixam também na terra; a terceira, a dos que vindo a serviço da
Companhia e decorrido o prazo dos respectivos contratos, aqui
empregam o dinheiro amealhado dos salários percebidos,
dedicando-se a qualquer cultura, e por isto o ajuste final de
contas para pagamento dos empregados deve ser feito no Brasil.
Assim os que pretendem fixar-se no país devem
trazer alguns bens e, para serem bem sucedidos, devem
comprar alguns negros, porque sem negros nada se pode
cultivar aqui, e nenhum branco - por mais disposto ao
trabalho que tenha sido na Pátria- se pode dedicar no Bra-

180
sil a trabalhos tais, nem mesmo ·c onsegue suportá-los; parece
que o corpo, em conseqüência da mudança tão extrema de
clima, perde muito do seu vigor; isto não sucede somente com o
homem, mas com tudo o que venha da Europa para o Brasil,
inclusive o ferro, o aço, o cobre, etc., e não me refiro às coisas
sujeitas a deterioração.
Os holandeses que até agora se têm dedicado a engenhos,
canaviais e outras culturas, qualquer que seja o lugar onde se
fixaram, têm restaurado a agricultura e um grande número de
engenhos e canaviais destruídos, tomando-os de novo valiosos,
com o que o Brasil se engrandece notavelmente e continuando
assim no prazo de um a três anos chegará a um ponto de
progresso jamais atingido no tempo do Rei com a condição de
que o preço do açúcar volte ao que era, visto que há pouco
decaiu.(•)

PORTUGUESES

Os portugueses, a segunda espécie de povoadores do


país, ou são antigos moradores do tempo do Rei da Espanha, ou
são Judeus da Pátria emigrados para cá. Os Judeus que emigraram
e que se ocupam com agricultura ou compraram engenhos são
poucos; os demais dão-se ao comércio e a maioria dele mora no
Recife e souberam dominar todo o movimento de negócios.
Os portugueses que se encontravam aqui no País e que
se submeteram à nossa obediência, são os principais fatores da
cultura da terra; alguns permanecem na antiga posse dos seus
engenhos, outros compraram muitos dos engenhos confiscados.
Ainda outros são lavradores de canaviais ou servem nos ofícios
necessários ao movimento dos engenhos, entre os quais os ofícios
para cujo desempenho não se apresentou até agora nenhum
holandês, não somente porque não têm experiência deles, como
porque não os conhecem, como sejam os de temperar e purgar
o açúcar. Todos os demais serviços ou ofícios os holandeses
sabem desempenhar; mas para aqueles dois nenhum ainda se
apresentou para aprendê-los.

(•) Sobre a queda de preço do açúcar ver o anexo 1 desta coletânea.

181
Os portugueses são também zelosos no cultivo dos seus
canaviais e graças a eles a agricultura do país progrediu, se bem
que, a não ser poucas vezes, se veja algum deles fazer por suas
próprias mãos algum trabalho; sabem, porém, fazer trabalhar os
seus negros, com a vantagem de empregar negros ladinos e
experientes e os holandeses negros boçais e inexperientes, o
que representa grande vantagem em favor dos primeiros.
Os portugueses senhores de engenho, em conseqüência
da guerra, perderam muitos dos seus bens, empobrecendo e
incapacitando-se para restaurar os seus engenhos, mas graças
aos créditos liberais facilitados pelos mercadores holandeses
puderam levantar-se, com o que se beneficiou a Companhia;
pagam sem pontualidade, sendo necessário que os comerciantes
insistam pelo pagamento.
Os portugueses, de um modo geral (com muito poucas
exceções), são pouco favoráveis aos holandeses e à nossa Nação
e só devido ao temor são mantidos em obediência; mas quando
encontram qualquer pequena ocasião demonstram a sua
inclinação.

BRASILIANOS
Os brasilianos, que são mais antigos moradores e os
primitivos senhores deste país, não vivem juntamente com os
portugueses, mas separados, em suas aldeias, em casas feitas de
palha ou pindoba, quarenta ou cinqüenta deles em uma só
palhoça comprida, com as suas mulheres e filhos; aí permanecem
dia e noite, deitados em suas redes. Uma família não está separada
das outras, nessas cabanas, mas sob as vistas de todos os que as
habitam. Não possuem objetos domésticos, a não ser as redes onde
dormem, algumas cabaças onde bebem, algumas.panelas de barro
onde cozinham e, fmalmente, as suas armas, que são arcos e
flechas. Em volta das aldeias plantam suas roças de mandioca e
de favas nativas com que se alimentam, além do muito que
conseguem caçar, como sejam veados, porcos selvagens, tatus e
outros animais. Comem também muitos frutos que encontram
nas matas. São todos muito dados a bebedeiras: fazem uma
beberagem com raiz da mandioca mascada e água, a qual, estando

182
azeda, é servida. Também preparam uma bebida com o caju, na
época da safra.
Não se mostram interessados em reunir riquezas ou outros
bens e por isso não trabalham nem para si próprio nem para
outrem, a fim de ganhar algum dinheiro, a não ser para ter o
que beber e para adquirir um pouco de pano para fazer camisas
para as mulheres; os homens usam roupa de algodão sobre a
pele, geralmente sem camisa. Dinheiro de nada valeria para
eles, se não fosse possível adquirir com ele aguardente e vinho
de Espanha; somente o pano de algodão, mas, sobretudo, a
bebida, os faz trabalhar. Por outra coisa não trabalhariam, mas
fazem-no pelo pano de algodão. Vão para o trabalho como
forçados e de má-vontade, mas com aguardente consegue-se
tudo deles. Têm em cada aldeia um capitão brasiliano e em
cada casa um principal, a quem obedecem de boa vontade, e
que se estão satisfeitos poucas ordens lhes dá. Além do capitão
brasiliano, foi posto em cada aldeia um capitão holandês que os
regem a eles e aos seus principais; a sua maior atribuição é
animá-los para o trabalho e dirigi-los na melhoria das plantações
e conceder-lhes permissão para trabalhar para senhores de
engenho, verificando que não sejam vítimas de enganos e que
o seu trabalho lhes seja pago. Empregam-se eles por períodos
de 20 dias, de cada vez, recebendo por isso 8 1h varas de pano;
terminado o prazo é muito difícil mantê-los no trabalho. A
ocupação na qual são geralmente empregados é a de cortar
lenha para os engenhos, a saber, cada um deles 20 medidas -
aproximadamente, outras tantas vadem (•) - o que eles nunca
conseguem fazer no prazo de 20 dias, mas apesar disto recebem
as suas 8 1h varas de pano.
Entretanto, como os negros são poucos agora no país, os
indígenas são mais procuradores para o trabalho do que
anteriormente, o que eles bem percebem e não querem aceitar
trabalho algum se não se lhes paga adiantadamente, e tendo
ocasião fogem e o senhor perde o seu pano.

(•) Como medida de volume usada para madeira, o vadem correspondia a 3,5 x
0,80 x 0,20m. Medida de lenha usada em engenhos de Pernambuco em 1663
está citada no documento do apêndice 3 nesta coletânea.

183
Em parte alguma estão os índios mais satisfeitos do que quando
vão à guerra, mas não têm escrúpulo de, quando têm vontade,
desertar das fileiras como velhacos.
Reunimos uma tropa numerosa, de diversas aldeias, mas
quando era preciso marchar, se esquivavam aqui e ali da tropa,
voltando para suas casas. Não nos foi possível mantê-los na
mesma firme disciplina dos nossos soldados, se bem que
recebessem soldo e ração, mas em quantidade menor que a dos
nossos soldados. Eles podem prestar no nosso exército diversos
serviços a contento e se bem que não sejam violentos com o
inimigo eles se fazem temer, visto que são cruéis e não concedem
quartel; e quando o inimigo, pelo esforço dos nossos, é forçado
à fuga são eles os mais valiosos e temíveis perseguidores;
entretanto entre eles se encontram muito bons soldados.
Há pouco conhecimento de Deus e do nosso Salvador
entre os brasilianos, e não sabem senão nomear Deus e Jesus
Cristo e sua Nossa Senhora, como chegaram a aprender com os
padres; sabem, entretanto, o Padre Nosso e o Credo e recitam-
nos em sua língua, e nada mais. São poucos os que dão as
razões da sua fé e em que fundamentam a Salvação.
Para instruir essa gente simples e ignorante, era desejo
que se apresentasse alguém que aceitasse estudar a língua usada
por eles: a isto decidiu-se finalmente o predicante David
Doorenslaer, para aplicar-se inteiramente ao estudo e tomar a
seu cargo o ensino dos brasilianos, tendo sido designado para
predicante deles. Fixou residência nas Aldeias Jaocque e Pindaúna,
situadas próximas uma a outra, Aldeias que agora se chamam
Maurícia, na Capitania da Paraíba, a qual é a mais importante de
toda esta região. Dedica-se ele com toda a diligência a aprender
a língua dos brasilianos, no estudo da qual já conseguiu muito
progresso, realizando boa obra educativa e dirigindo-os. Vai de
tempos em tempos de aldeia em aldeia, visitando-as e ensinando
as crianças, batizando e casando. E ainda estão em princípio as
seguintes aldeias, onde se encontram 1923 homens, tanto velhos
quanto jovens, aptos para a guerra ou inaptos, excluídas as
mulheres e crianças, as quais estão em proporção, com relação
aos homens, de, no mínimo, 3 para 1.

184
ALDEIAS DE PERNAMBUCO

Homens
Aldeia em Alagoas, Capitão Heindrick Taffel ..... 53
Aldeia em Una, Capitão Pieter Michielsz ............. 44
Aldeia São Miguel, próxima a São Lourenço, na
jurisdição de Olinda, Capitão Duynckercker.. 90
Aldeia próxima à casa de S. Ex.ª, chamada Nassau .. 50

ALDEIAS EM GOIANA

Aldeia Aabaú, ·capitão Antônio Pirababa


{Paraupaba ?} ................................................... 63
Aldeia Tapisserama, Cap. Herman Hedrincksz ... 142
Aldeia Tapisserica, Capitão Reynier Meins ........ 332
Aldeia Carasse, Capitão Florins Simonsz ........... 215
Aldeia Butagui, Capitão Henrich de Vries ........... 91

ALDEIAS NA PARAÍBA

Aldeia Tapuia, Capitão jan Gerritsz ..................... 68


Aldeias jaocque e Pindaúna, agora Maurícia,
Capitão Tonis Claensz .............. .................... 233
Aldeia Masurepe, Capitão Pedro Poty ............... 198
Aldeia Pontal, Capitão Francisco Palety .............. 68
Aldeia jargaú, Capitão Francisco Arandoya ........ 53

ALDEIA NO RIO GRANDE

Aldeia Goiana, Capitão jacob Pietersz ................ 46


Aldeia Parari, Capitão Willemjansz .................... 30
Aldeia Monpabu, Capitão Davidt Loeman .......... 56
Aldeia Tapupe, Capitão Dirckmulder .................. 40
Aldeia Tapiop, Capitão jan Alders ....................... 51

Total dos homens ..................................... 1923

185
Daí se verifica que, no mínimo, podem ser reunidos para
a guerra 1.000 homens; o restante ou são velhos e incapazes ou
precisam ficar de guarnição nas aldeias, onde permanecem as
mulheres e meninos, se bem que muitos levem consigo as
mulheres para a guerra. Entretanto, muitas ficam nas aldeias e
nas roças, para cuidar delas e plantar, porque, do contrário, de
volta da guerra, não encontrariam o que comer.

ESCRAVOS

Os escravos no Brasil são de três espécies, segundo os


respectivos lugares de procedência, a saber: os de África, os
vindos do Maranhão e os do próprio Brasil.
Os escravos brasilianos foram alguns que os portugueses
diziam ter comprado há muito tempo aos Tapuias, que os tinham
aprisionado na guerra e que estavam condenados a ser mortos.
Mas verificou-se que muitos deles foram capturados há muito
tempo nas suas aldeias e levados para as casas dos portugueses
e aí mantidos como escravos. A maioria deles são brasilianos
que, ao tempo de Boudewyn Hendriksz, reuniram-se à nossa
gente na Baía da Traição e foram por ela depois abandonados e
em seguida subjugados pelos portugueses, que mataram muitos,
sendo os restantes tomados como cativos, os quais nós libertamos
da escravidão, tomando-os de novo livres.
Os escravos do Maranhão foram lá resgatados aos seus
inimigos, de que eram prisioneiros, e trazidos para o Brasil, como
os negros de Angola, os quais foram considerados escravos
legítimos pelo Rei de Espanha, que permitiu serem negociados.
Nós permitimos que continuassem na servidão, visto que dos
brasilianos do Maranhão não recebemos qualquer benefício que
criasse obrigações para nós.
A terceira espécie de escravos são os conduzidos da Costa
d~África, dentre os quais os de Angola são considerados os mais
trabalhadores; os de Ardra são obstinados, maus, preguiçosos, sem
iniciativa e difíceis de adaptar-se ao trabalho, mas os que, entre
eles, são capazes, sobrepassam todos os demais em vivacidade e
esforços, de tal modo que parece que os bons e os maus perten-

186
cem a nações diferentes. Por isto no tráfico em Ardra devem ser
bem considerados, porque esse ramo mau faz os Ardras pouco
procurados. Além disto, revoltam-se contra os que os dirigem e
muitos fogem para as matas e fazem muitas maldades; são
audaciosos e valorosos, não respeitam ninguém. Os Calabares
ainda são menos estimados do que os Ardra, de vez que deles
não se consegue nem interesse, nem coragem, nem trabalho. Os
negros da Guiné até Serra Leoa e do Cabo-Verde não são muito
trabalhadores, mas são limpos e vivazes, especialmente as
mulheres, pelo que os portugueses os compram para fazê-los
trabalhar em suas casas. Os negros que até agora têm vindo de
Sonho têm sido muito bons e é aconselhável incrementar o tráfico,
tanto quanto possível, com essa região, por intermédio de Dom
Paulo, Conde de Sonho, e também com o Reino do Congo,
porque disto a Companhia tirará muita vantagem.
Os produtos das terras do Brasil que são exportados além-
mar, são principalmente açúcar, pau-brasil, também algum tabaco,
peles, doces, diversas espécies de belas madeiras para trabalhos
artísticos. Poderá produzir, também, bom algodão quando alguém
se dedicar ao seu cultivo. Ali também se encontra a tinta
alaranjada chamada Oreliana, mas pouca atenção se lhe dá.

FABRICAÇÃO DO AÇÚCAR

O açúcar obtém-se do modo seguinte: o senhor de


engenho arrenda as suas terras a diversos lavradores, com a
condição de plantarem nelas cana-de-açúcar para entrega ao
engenho, nas safras, de um determinado número de tarefas de
cana. Cada tarefa representa o que um engenho pode moer
em um dia e uma noite, isto é, em um engenho de bois entre
25 e 35 carros de cana e em um engenho d~água entre 40 e 50
carros. O lavrador obriga-se a plantar cana, com a ajuda ou
não do senhor de engenho, conforme a condição do contrato.
A cana uma vez plantada tem a duração igual à da existência
humana e não precisa ser replantada senão aqui e ali, onde
morre uma soca, a menos que ocorra uma queimada durante o
verão ou a seca de um rio; o canavial, às vezes, por isto, cresce

187
pouco, quando não parece de todo e então tem de ser inteira-
mente replantado. Além disto o lavrador tem de zelar pelo seu
canavial e limpá-lo 2, 3 e 4 vezes por ano, porque se deixar
crescer ao lado da cana mato daninho, toda a plantação fenece;
também, se ele não tiver cuidado e deixar de retirar do canavial
as ervas em tempo oportuno, ou deixá-las abafar as socas, então
o canavial não produzirá um bom açúcar branco, mas muito do
mascavado e pouco ou nenhum panela. O lavrador obriga-se
ainda a mandar cortar, por sua gente, a cana e a conduzi-la em
seus carros para a moenda. O açúcar produzido é dividido com
o senhor do engenho, segundo o caso: os lavradores que
possuem terras e partidos próprios e que podem moer a sua
cana onde melhor lhes convier, a divisão do açúcar geralmente
é feita metade e metade; os que plantam em terreno pertencente
ao senhor do engenho, dividem alguns na proporção de 1/3
para o lavrador e 2/3 para o senhor do engenho, quando as
terras são férteis e próximas do engenho e por isto o lavrador
tem pouca despesa; para a maioria, a divisão faz-se na base de
2/5 para o lavrador e 3/5 para o senhor do engenho.
O lavrador necessita para o trato de um partido - com o
que se obriga a levar à moenda 40 tarefas por ano - de 20
negros com os seus utensílios (enxadas, foices, machados), 4, 6
ou 8 carros conforme o canavial seja longe ou próximo do
engenho (e, sendo muito longe, ainda aluga comumente alguns
carros); para cada carro são necessários, pelo menos, 4 bois,
para 2 carros, 6 bois (a fim de que se possa revezá-los). Tendo o
lavrador recebido a sua parte do açúcar fabricado, ainda tem
que despender com panos para secá-los e com caixas, pregos e
carpinteiros para encaixá-lo e ainda com o frete para levá-lo
para o mercado ou para o lugar conveniente.
O senhor do engenho tendo feito com muita despesa a sua
moenda movida a água ou a boi, para onde a cana é levada; tendo
feito a casa das caldeiras (onde se acham 4, 5 ou 6 tachos grandes
de cobre e 3 ou 4 menores) com os seus apetrechos: colheres,
escumadeiras, bicas, bacias, etc.; a casa de purgar ou de refinar
(onde o açúcar é separado do mel) com as suas andainas, lanças e
correntes, tanques, bicas ou grandes tachos onde o panela é posto a

188
ferver, e muita ferragem mais adquirida a alto preço (como já foi
dito), o senhor de engenho, dizíamos, recebe a cana na moenda
e fá-la funcionar com a sua própria gente, leva o caldo a ferver
na casa das caldeiras até o ponto conveniente, expurgando-o o
mestre do açúcar, com cuidado, fazendo-o temperar e beneficiar
por outros oficiais, até que tome consistência e se transforme em
açúcar.(•) Passando dos tachas grande para os pequenos e já
com consistência, é posto no tacho frio, até que a sua elevada
temperatura diminua, a fim de ser posto em formas de barro já
prontas para isso e onde é muito misturado; depois de frio e
solidificado o açúcar, essas formas são levadas no dia seguinte,
para a casa de purgar. No espaço de 24 horas produz um engenho
de bois 20 a 30 fôrmas; em um engenho de bois duplo, 40, 50
ou 60; num engenho d'água 40, 50, 60 ou 70 e mais formas ,
desde que o engenho seja capaz de moer muita cana e se esta
for rica em açúcar, o que depende, como já ficou dito, do tempo
e dos cuidados no cultivo. A fôrma comporta uma arroba de
açúcar se este for mais ou menos bom; se for inferior, menos. O
melhor açúcar pesa mais e uma fôrma chega a ter 40 e mais
libras, até 50 e 60.
Na casa de purgar encontram-se as prateleiras onde as
fôrmas se adaptam e ficam em descanso. Em cada prateleira
colocam-se de 10 a 12 formas, havendo 8 a 10 prateleiras uma ao
lado da outra, debaixo de cada um das quais estão os receptáculos
para o mel. A esse conjunto chama-se andaina. Assim, cada andaina
comporta cerca de 100 fôrmas e na casa de purgar há 20, 25 e 30
andainas, permitindo o depósito de 2.000 a 3.000 fôrmas.
Aí fica depositado o açúcar de 6 a 8 dias em descanso,
após o que é batido com um martelozinho até que fique macio,
derramando-se por cima argila muito fina, a qual infundindo
vagarosamente a sua umidade e atravessando o açúcar, faz com
que o açúcar de qualidade se vá formando e o mel vá escapando
mais facilmente por baixo, através de um furozinho existente na
parte inferior da fôrma. Quando a argila se solidifica é retirada,
colocando-se uma segunda, sendo que alguns açúcares exigem uma

(•) Sobre essas expressões ver André João Antonil Ooão Antônio Andreoni), Cultura
e Opulência do Brasil (várias edições).

189
terceira para ficar inteiramente alvo; livre o açúcar do seu mel é
trazido para fora da casa de purgar e, retirado das fôrmas, é
posto a secar ao sol sobre panos estendidos, separando-se então
o açúcar que ainda se encontra misturado ao mel. A isto chamam
os portugueses "mascavar", com o que querem dizer que tiram a
máscara parda do pão-de-açúcar, e daí chamarem também o
açúcar pardo de "mascavado". Separado o açúcar alvo do
mascavado, cada um sobre o seu pano, são pilados em pequenos
pedaços para secar melhor e estando seco (o que se dá com a
exposição durante o tempo em que brilha o sol num só dia) o
lavrador, o senhor de engenho e o contratador da cobrança do
dízimo tratam de pesar rapidamente o que compete a cada um e
colocam-no em caixas bem secas. O mel que escorre desse
primeiro açúcar é todo de propriedade do senhor de engenho e
também o sumo que provém de canas fortes e sumarentas, com
o que prepara ainda algum açúcar branco, o chamado blanco
mellís; além disso ainda obtém bom açúcar panela.
O mel que resta do blanco mellis e do panela é entregue
aos negros para fazer garapa, quando o engenho não está
moendo, porque quando o engenho está moendo eles fazem
garapa da escuma. Dá-se, também, garapa para os cavalos, ao
gado e aos porcos, que engordam com isso, de modo que do
sumo da cana nada se desperdiça.
O senhor de engenho tem que construir à sua própria
custa todos os prédios do engenho, a saber: a casa de moenda,
a casa das caldeiras, a casa de purgar, a olaria, etc.; tem que
pagar o salário dos mestres que dirigem a moenda, a plantação,
os negros e os bois; necessita ainda ter 40, 50, 60 ou 70 negros e
30 a 40 bois, 10 a 12 carros, todos os utensílios e muitas outras
coisas que seria longo referir aqui; o que fica acima é a parte
principal. Além disto precisa ter as terras de cana necessárias,
mata para fornecer lenha, pastagens, barreiros para o trabalho
de olaria, etc.

PAU-BRASIL

O pau-brasil, que é a fonte de renda que se segue ao


açúcar, cresce geralmente a 10, 12 e mais milhas para o

190
interior, mas não forma bosques, achando-se, nas matas fecha-
das, uma árvore aqui outra ali, onde são mandadas cortar pelos
portugueses, quando os seus negros têm tempo vago e não têm
em que os empregar. Lá se arranca a casca branca que recobre o
tronco e que tem quase 3 dedos de espessura, e às vezes mais,
pois somente o miolo da árvore é vermelho e possui valor corante,
além da casca superficial, como têm todas as árvores, e que nela
é nodosa e áspera. Tem muitas folhas, que são pequenas e
pontudas, em galhozinhos delgados, verde-escuras, insertas com
regularidade. Não dá flor nem fruto, parecendo que se reproduz
por meio das raízes.

MERCADORIAS
As mercadorias mais procuradas no Brasil são o pano de
linho de toda espécie, menos os panos de linho fino, não muito
o de Rouen, mas sobretudo os panos de linho de Ossenburg e
de Hamburgo. E isto porque, há tempos, os comerciantes tendo
obtido alguns lucros com fazendas de Rouen e outros panos de
linho, remeteram tamanha quantidade de Rouens, Chatelaroux,
Steinfurt e outros que tais, que os negociantes aqui estão abastecidos
deles e nem tão cedo poderão desfazer-se de toda essa mercadoria,
principalmente enquanto for possível obter Ossenburgs.
Ainda são procurados aqui cobre, ferro, aço, breu, óleo
de peixe mas sobretudo os seguintes gêneros alimentícios: vinhos,
cervejas, azeite, manteiga, queijo, farinha de trigo fina, bacalhau,
toucinho, presunto, línguas, carnes de fumeiro, peixes da Terra-
Nova, sardinhas e tudo de bom que aparece; a carne salgada é
pouco procurada, quase nenhuma ervilha, favas ou aveia, bem
entendido por parte dos moradores dos engenhos e dos seus
aderentes, porque só nos referimos aqui ao mais procurado por
eles. Muito procurados são também tecidos para roupas,
principalmente perpetuamas, semtranas, mesulanas, picotinos,
panos de cor, de todas as cores claras, tafetás, especialmente os
cinzentos e de outras cores, panos de seda para coser e bordar
de todas as cores, botões variados e muitos outros tecidos que tais
e mercadorias outras, de cuja procura os comerciantes no Brasil têm
pleno conhecimento. Mas as que foram referidas são as principais.

191
Tendo me referido à situação do país, aos seus moradores
e à sua produção, passarei agora a informar sobre o seu governo.

GOVERNO FLAMENGO

O Governo do Brasil compõe-se de três Conselhos, a


saber: o primeiro, o Alto e Secreto Conselho do qual é Presidente
S. Ex.ª João Maurício Conde de Nassau, etc., como Governador,
Capitão e Almirante General do Brasil, e onde são tratados os
assuntos referentes ao Estado, ao governo civil fpolitie} e à guerra;
o segundo, o Conselho Político ou Conselho de Justiça; o terceiro,
os Conselhos ou Câmaras de Escabinos, em suas respectivas
jurisdições.
O Conselho no qual tomam parte S. Ex.ª e os Altos e
Secretos Conselheiros, ao qual V. Ex.ª delegaram o governo
supremo nas terras do Brasil já conquistadas ou ainda por
conquistar, compõe-se, depois de minha partida, de S. Ex.ª que
deixei com saúde (Deus louvado) e dos Srs. Mathias van Ceulen
e Johan Ghijselin, os quais deixei também gozando saúde e
muito desejosos de serem substituídos; pediram-me que expusesse
muito seriamente a V. Ex.ª que o seu tempo já está expirado e
que não estão dispostos a continuar além do prazo estipulado,
pelas razões ponderáveis que os ditos Srs. apresentam. Não
obstante os seus repetidos e insistentes pedidos, os Senhores do
Conselho dos XIX nada dispuseram a respeito nem convidaram
pessoas que fossem substituí-los nos seus cargos e eximi-los;
Eles querem crer- e não é de duvidar- que se eu expuser isto a
V. Ex.ª com toda a diligência, eles serão imediatamente atendidos,
visto que os seus leais serviços não devem ser recompensados
no fim com aborrecimentos. O Sr. Assessor Servaes Carpentier
também insistiu muito e com seriedade pela sua demissão e
sobre isto escreveu-se a V. Ex.ª repetidamente, como poderão
verificar nas nossas cartas e nótulas; finalmente, V. Ex.ª en-
contraram pessoa capaz de exercer tal cargo e enviaram-na, pelo
que poderá ele ser satisfeito no seu pedido.
O Conselho Político ou Conselho de Justiça de Ape-
lação, que se deve compor de nove membros, tem agora,

192
com a morte do Sr. Sebastiaen van Hoogeveen e com a partida
do Sr. Jóhannes Bodecherus Banning, sete, a saber: os Srs.
Elias Herckmans, Nonno Olpherdi, Balthazar van der Voorde,
Pieter Morthamer, Gijsbert de With, Pieter Jansz Bas e Daniel
Alberti.
Faltam, assim, dois Conselheiros para completar o número,
sendo que essas vagas precisam ser preenchidas porque é muito
necessário que um dos Conselheiros resida na região do Rio São
Francisco, para dirigi-la, inclusive até a região de Alagoas (no
que, de algum tempo para cá, vem sendo empregado o Sr. Nunno
Olpherdi); que um segundo dirija os distritos de Porto Calvo e
Sirinhaém, (para onde já foi designado o Sr. Pieter Jansz Bas);
que um terceiro dirija a Capitania de Itamaracá (para onde foi
designado o Sr. Pieter Morthamer) e, finalmente, que um se
encarregue dos interesses da Companhia na Paraíba (para onde
foi designado o Sr. Daniel AlbertO; de modo que no Recife residem
somente três Conselheiros Políticos, a saber: os Srs. Elias
Herckmans, van der Voorde e Gijsbert de With. Destes, os Srs.
Herckmans e van der Voorde dirigem, como tesoureiros, a
Contadoria de Finanças e nessa qualidade assistem a todos os
pagamentos das guarnições próximas, com cujo serviço estão
sempre tão ocupados que os casos de justiça não são despachados
com a presteza que eles desejam e que é necessária. Do mesmo
modo, é necessário, ainda, que os armazéns de víveres secos e
molhados, de mercadorias e de artilharia estejam sob fiscalização
de um dos Conselheiros; podem verificar assim V. Ex.illi quão
necessário é que, no mínimo, o número de Conselheiro seja
completado, visto que o Sr. de With ou outro Conselheiro Político
não pode fiscalizar tudo isto.
Para as referidas vagas de Conselheiros Políticos
apresentaram-se respeitosamente e f<_x am propostos a V. Ex.illi
por S. Ex.ª e pelos Altos Conselheiros meus colegas, o Sr. Jacob
Alrichs, Contador-geral, o Sr. Willem Piso, doutor em medicina e
Theodosius l'Empereur, comerciante no Recife, pessoas de cuja
capacidade estão perfeitamente informados e são merecedores
de confiança; visto o contrato do Sr. Jacob Alrichs com os .Srs.
Diretores, celebrados em Amsterdã antes de sua partida para

193
o Brasil e considerado que os seus leais serviços eram merece-
dores disto, S. Ex.ª promoveu-o, sujeitando o seu ato à homolo-
gação por parte de V. Ex.~ passando o Sr. Alrichs a acumular as
funções de Conselheiro Político e de Contador-geral, com o sol-
do e prerrogativas constantes do referido contrato, obrigando-se
a exercê-las pelo espaço de três anos.
Os colégios subalternos de justiça compõem-se de
escabinos anualmente escolhidos de uma lista tríplice organizada
pelos eleitores de cada jurisdição; S. Ex.ª e os Altos Conselheiros
escolhem cinco, que prestam juramento e aos quais se ajunta
um secretário.
A Capitania de Pernambuco, como é a maior em extensão,
é dividida em diversas jurisdições, a saber, nas seis seguintes:
Rio São Francisco, Alagoas, Porto Calvo, Sirinhaém, Olinda,
Igarassu; a jurisdição de Olinda, que se estende do rio Sirinhaém
até o Jaguaribe, é julgada demasiadamente grande, sendo penoso
para os moradores de Ipojuca vir a Olinda a tratar do seu direito,
pelo que foi proposto dividi-la em duas; outros sugerem que se
faça somente mudar a sede da Câmara, que passaria a ser na
ilha de Antônio Vaz, com o que gozariam de maior comodidade
os moradores do Recife e Antônio Vaz - que assim evitariam
afastar-se dos seus negócios, quando tivessem algo a tratar perante
a justiça - e os próprios escabinos.
Em cada jurisdição há, também, um escolteto, que zela
pelos direitos da Companhia, fazendo inquéritos a respeito de
todos os abusos e com os demais encargos que lhe são atribuídos
na Pátria. Os encargos do escolteto são intoleráveis aos moradores
portugueses, que dizem que se trata de função desnecessária e
supérflua, cuja única atribuição é a de meter a mão na bolsa dos
moradores. Também não suportam que alguém faça inquéritos
sobre as suas maquinações; é certo que, em ocasiões passadas,
alguns escoltetos praticaram abusos, excedendo-se, mas já se
deu remédio a isto.
Além das Câmaras de Escabinos há, ainda, em cada
jurisdição uma Curadoria de Órfãos composta de dois portugueses
e um holandês, e de um secretário. Foram-lhes fornecidas instruções,
em língua portuguesa, para se regerem nas referidas funções.

194
Em Olinda também há uma Câmara de Mordomos do
Hospital, instituída para reger os bens, casas, terras e negros da
Misericórdias, isto é, pertencentes ao hospital, a qual é composta
de quatro portugueses da velha Irmandade da Misericórdia e de
três holandeses.
RELIGIÃO REFORMADA
A Religião Reformada, através do ensino da sagrada
palavra de Deus, é propagada no Brasil pelos pregadores
"dominus" Frederik Kesseler, Pieter Jansz Landman e Francisco
Plante, sendo que este último é pregador da corte de S. Ex.ª-; os
três realizam alternadamente prédicas no Recife e Antônio Vaz.
Também prega, em francês e português, no Recife, na cidade de
Olinda e na aldeia dos brasilianos próxima à casa de S. Ex.ª-
"dominus" Joachimus Soler; "dominus" Johannes Polhemius prega
na ilha de Itamaracá; "dominus" Cornelis van der Poel e o
proponente Jan Michielsen na Paraíba e no forte ali situado,onde
também serve "dominus" Samuel Baltselaer, predicante inglês e
que agora começou a pregar também em holandês {duits}.
"Dominus" David Doorenslaer, pregador de língua holandesa,
está entre os brasilianos na Aldeia Maurícia e faz grandes
diligências para pregar em português e na língua brasiliana e já
conseguiu muito progresso nisto; "dominus" Jodocus à Stenen é
pregador no Cabo Santo Agostinho e em Sirinhaém prega
"dominus" Johannes Eduardi. Ainda há várias guarnições com
falta de pregadores e por isto têm de se contentar com
consoladores de enfermos: estão neste caso as guarnições do
Rio Grande, de Porto Calvo e de Penedo.
E mesmo que esses lugares não precisassem de prega-
dores, seria muito necessário que houvesse predicantes em Santo
Antônio do Cabo, na Várzea do Capibaribe e em Goiana, de vez
que aí estão muitos moradores holandeses, que muitas vezes se
queixam de que vivem quase sem culto divino, o que dá ocasião
aos portugueses de troçar deles e da sua religião, como se eles
fossem gente sem crença.
RELIGIÃO CATÓLICA
Os papistas têm liberdade de exercício de suas ceri-
mônias, mas algumas vezes se excedem tanto que provo-

195
cam a indignação dos reformados. Os eclesiásticos ou são cléri-
gos ou frades. Os clérigos são os padres que andam celebrando
missas em todo o lugar e visitando os doentes e estão subordi-
nados aos seus vigários. As ordens de frades são três: Franciscanos,
Carmelitas e Beneditinos. Os Franciscanos são, sem dúvida, os
mais numerosos: têm seis conventos, a saber: o 1º em Frederica,
o 2º em Igarassu, o 3º em Olinda, o 4º em Ipojuca, além do
Convento de Antônio Vaz e o 5º em Sirinhaém e todos são belos
edifícios. Têm também um conventozinho de taipa acima de
Masurepe, no Capiguaribe, chamado Mosteirinho. Não possuem
senão estes bens e vivem somente de esmolas que diariamente
lhes dão.
Os Carmelitas têm um convento na Paraíba, em Frederica
e um em Olinda (projetado com magnificência mas ainda não
concluído) e o outro nem apenas foi começado. Têm alguma
renda proveniente de casas em Olinda, rendas que lhes foram
concedidas por magistrados sobre terrenos onde terceiros
construíram casas ou ainda de casas que lhes foram deixadas
pelos seus proprietários por meio de testamento ou por outro
meio. Eles têm também aqui e ali um canavial que fazem cultivar
e do qual recebem os lucros.
Os Beneditinos têm também dois conventos, um em
Frederica e o outro em Olinda. Esta ordem tem muitas terras, a
saber: na Paraíba, os Barreiros, ao longo do rio até os fortes,
compreendendo a ilha da Restinga; no Engenho dos Barreiros,
pertencente a Josias Marischal, têm um belo canavial e além
disto possuem em Pernambuco um belo engenho chamado
Masurepe, que vem moendo todos os anos; possuem, também,
em diversos lugares, currais de bois e casas nas cidades.
Os Judeus, na maioria, vieram da Pátria para cá, sendo
que alguns poucos portugueses que aqui residiam ao tempo do
Rei e que se fingiam Cristãos, manifestaram-se agora, declarando-
se Judeus. Costumam realizar suas superstições quase
publicamente, o que é causa de escândalos para reformados e
papistas; isto foi-lhes reprovado por meios convenientes, com a
recomendação de não causarem escândalo, que deverá ser
evitado, mostrando-se desde algum tempo com grande quietude.

196
Devemos agora acrescentar de um modo geral, nesta par-
te sobre o culto divino e a religião, que há pouca aparência de
que os portugueses se convertam à religião reformada, porque
aqui só há um ministro que prega na língua deles, porém nem
um só português comparece às prédicas, nem o procuram para,
por meio de entrevistas individuais, aprenderem algo a respeito;
pelo contrário, recusam-se a prestar ouvidos a isto, com pertiná-
cia, o que procede do que lhes disseram os padres, isto é, que a
nossa doutrina é uma doutrina herética e maldita, da qual não
poderiam ouvir falar sem incorrer em pecado de heresia e coisas
que tais; assim há poucas aparências de obter algum resultado
com os adultos.O único meio de fazer brilhar a luz do evange-
lho entre eles seria instruir e doutrinar a mocidade na escola
desde cedo, mas não temos escolas, a não ser no Recife e em
Frederica. Os portugueses, porém, não mandam os seus filhos
para essas escolas, mas ensinam-nos dentro de suas casas, por
meio de padres que nelas residem, de modo que nada se conse-
gue por este meio.

MANDIOCA
Os vegetais e os frutos de que se sustentam os habitantes
do Brasil são, em primeiro plano, a farinha, feita de mandioca,
que é uma planta arbustiva, cujas folhas são parecidas com as
do pentafólio, mas com nove folhas uma ao lado da outra,
como os dedos da mão estirada. Não tem flores nem sementes,
o caule é lenhoso; é replantada por seu próprio lenho. No local
em que se quer plantá-la fazem-se montezinhos de areia
redondos de cerca de 3 pés de diâmetro, corta-se o caule da
mandioca, que é chamada maniva, em pedaços de um palmo
de comprido e 2, 3 ou 4 desses pedaços enfiam-se em cada
montículo de areia, de modo que fiquem com a metade fora
da terra. Esses montículos são chamados covas e são feitos
muitos um ao lado do outro, conforme o número de pessoas
para o plantio e a ocasião, chegando as covas mesmo a alguns
milhares. A maniva cria raízes na terra, nas quais vão surgindo
trechos espessos, para o que influi a qualidade do solo, sen-
do que nas melhores terras têm um cúbito de comprimento e

197
a grossura de um braço; nas terras pobres são insignificantes.
Estes espessamentos são chamados mandioca e são semelhantes
aos que surgem na raíz da beterraba da nossa pátria, mas muito
mais grosseiros. As manívas, quando se fixam em terra, criam 2
ou 3 rebentos e pedem 8, 10 e 12 meses para desenvolver-se e
os caules alcançam uma polegada ou mais de espessura, lenhosos
e têm a altura de um homem; colhida a mandioca tornam eles a
servir de semente. Assim a mandioca apresenta vantagens sobre os
nossos cereais, de vez que temos que lançar à terra as sementes para
colher as sementes: lá se planta o que não se aproveita do arbusto,
sem que nada se perca da raiz ou do que serve para alimento.

VÍVERES DA TERRA

Além da mandioca tem o Brasil muitos outros gêneros


alimentícios como sejam: arroz, milho, batatas, inhames, abóboras,
melões, limões d~água, pepinos, favas grandes e pequenas,
pacovas, bananas, jerimuns, mamões e muitas árvores de frutos
como coqueiros, cajueiros com seus cajus e castanhas, araticuns,
maracujás, mangabas, etc., e ainda couve, rabanete, alface,
beldroegas e muitos outros legumes.

ANIMAIS

Tem também muitos animais domésticos e silvestres, como


vacas, cabras, carneiros, porcos, galinhas, galinhas de Angola,
veados, cabritos, porcos do mato, tatus, pacas, cotias, coelhos,
lebres, muitas espécies de aves como garças, jacus, faisões,
rolinhas, etc., todas servindo para alimentação.

MADEIRAS

O Brasil tem ainda todo o necessário à carpintaria:


as matas são ricas de várias espécies de madeiras,
próprias e duráveis tanto para a construção de casas como
de navios, faltando apenas ferro, cordoalha, alcatrão, breu,
mas, sobretudo, mão-de-obra. Queima-se boa cal e, se bem

198
exista pedra {leevenden steen}, faz-se muito bom ~ijolo, cada
engenho tendo a sua olaria. Também se faz muito carvão, e os
ferreiros portugueses não usam outra cousa, mas os nossos
ferreiros de artigos pesados e fabricantes de âncoras acham-no
insatisfatório para os seus serviços e não podem trabalhar senão
com carvão de pedra, o qual em muitas ocasiões lhes falta, com
grande prejuízo para a Companhia.
Fazem-se, também, com cascas de árvores, cordoalhas e
cabos, com os quais, na falta de melhor, as barcas navegam ao
longo da costa.
FORTIFICAÇÕES
Tendo me referido ao país, aos moradores e aos produtos
da região, passarei a descrever as fortificações com as quais se
protege a colônia dos seus inimigos, incluindo fortes, soldados e
armamento.

PERNAMBUCO

O Recife sendo a residência dos Altos e Secretos


Conselheiros e dos Conselheiros Políticos, o lugar onde está o
principal porto para toda a classe de navios, onde estão todos os
negócios, onde a Companhia fixou a "sedem belli", onde estão
estabelecidos os armazéns geral de artilharia, de munições, de
víveres e de mercadorias, tem, em primeiro lugar, do lado do
istmo que vem de Olinda, duas baterias, sendo que a que está
do lado do porto ou do mar é uma bateria construída com
pedras e a que está do lado do rio é construída com areia, sendo
essas duas baterias ligadas uma a outra por meio de um fortim,
no meio do qual fica a porta pela qual se entra e sai do Recife,
de modo que o conjunto é uma espécie de hornaveque; nos
seus flancos, fora das baterias ou hornaveque, há uma forte
paliçada. Na bateria de pedra há 7 canhões de bronze, 1 de 16
libras (que é uma peça espanhola), 1 de 12 lb, 4 de 10 lb (dos quais
2 são espanhóis) e 1 de 6 lb bombarda, também espanhol, tcx:los
montados em suas carretas. Na bateria de terra estão 5 canhões de
bronze, 1 de 22lb, 1 de 18lb, bombarda, 1 de 16lb (peça espanhola

199
comum), o quarto de 6lb, bombarda, o quinto uma peça forja-
da de 6 lb, todos montados nas suas carretas e 2 peças de ferro
de 5 lb. Esse hornaveque domina toda a praia, tanto dela para
fora como para dentro e alcança com suas balas a entrada da
barra e o porto.
Todo o Recife está também cercado por uma forte paliça-
das, com flancos bem guarnecidos, sendo que nos dois primei-
ros flancos ao longo do porto, partindo da bateria de pedra,
fizeram-se duas baterias, a primeira próxima à casa da pólvora,
com 1 peça de bronze de 12lb, 1 de ferro de 5lb e 1 de ferro de
3 lb, estendendo-se a linha do lado de dentro da bateria de
pedra e comandando o porto; um pouco adiante, próximo ao
desembarcadouro, está a segunda bateria, com 1 peça de bronze
de 12 lb e 1 de ferro de 8 lb.
À distância de dois tiros de mosquete do Recife, em direção
à cidade de O linda, pelo istmo, está o Castelo de São Jorge, feito
de pedra, tendo do lado da cidade de Olinda um baluarte e um
meio-baluarte, de construção elevada e no qual estão 13 peças
de ferro, 1 de 12 lb, 1 de 9 lb, 6 de 6 lb, 3 de 5 lb, 1 de 4 lb, 1 de
3 lb; domina o istmo e a barra.
Em frente ao Castelo de Terra situa-se, do lado do mar,
na entrada da barra, sobre o recife de pedra, o Castelo do Mar,
construído com pedras, elevado, sem flancos; é de forma
arredondada, octogonal. Ali há 7 peças de bronze todas
espanholas, a saber: 1 de 24 lb, 1 de 20 lb, 2 de 12 lb, 1 de 18 lb
e 2 de 10; domina a barra e todo porto e o istmo que lhe fica em
frente, podendo alcançar com seus tiros o Recife, o Castelo de
São Jorge, o forte do Brum e o reduto.
À distância de um tiro longo de mosquete do Castelo de
São Jorge em direção à cidade de Olinda, fica o forte de Bruyn,
que é um forte de quatro baluartes, se bem que, do lado do mar,
em conseqüência do descaimento da praia, os baluartes e os
flancos não puderam ser completados; possui um hornaveque,
não tem fosso, mas uma sólida paliçada em torno, sendo o forte
de uma altura regular. Nele há 7 canhões de bronze a saber: 2 de
24 lb, 1 de 18, 1 de 16 (sendo uma peça espanhola), 1 de 10 lb,
também espanhola, e 2 bombardas de 6 lb, todos montados.

200
Além disto, a um tiro longo de mosquete daí, está situado
um reduto chamado de Madame de Bruyn, com uma boa paliça-
da em volta e no qual estão 2 peçazinhas forjadas, de bronze, de
6 lb. O fortezinho que fica ao Sul da cidade de Olinda está sendo
reparado, de modo a comportar 15 a 20 homens de guarnição,
com 4 a 5 canhões de ferro, de modo que sirva de refúgio para a
burguesia de Olinda no caso de ataque de campanhistas.
O forte Waerdenburch, situado no continente, próximo
às Salinas e fronteiro ao Recife, ao noroeste, tinha sido a princípio
um forte quadrangular fechado, com três baluartes, pois à falta
de terreno firme do lado do Recife e Antônio Vaz, onde está
situado, não foi possível construir-se o quarto baluarte. Se este
forte, por qualquer infelicidade, viesse a ser perdido, pois está
sujeito a um ataque, incomodaria muito o Recife e Antônio Vaz;
por isto resolveu-se derrubar as cortinas que ficam em frente a
esses lugares e deixar o forte aberto desse lado. Além disto foram
transformados os três baluartes em três redutos fechados, bem
mis altos que os antigos muros, permanecendo, entretanto,
encerrados pelas cortinas primitivas, com o que se protegeu de
ataques do exterior a sua praça interna. Nesses redutos estão 5
peçazinhas de bronze, 1 de 6 lb, 2 de 4 lb (ambas espanholas)
e 2 bombardas, de 3 lb.
O forte Ernesto, situado na ilha de Antônio Vaz, a oeste
do Recife, e que circunscreve o Convento dos Franciscanos, é
um forte quadrangular, do lado do rio tendo dois meios-baluartes
e do lado de terra dois baluartes completos. É muito alto e tem
um fosso largo. No lado externo será construída uma contra-
escarpa ou passagem coberta. Está cercado de uma sólida
estacada. Este forte domina o rio e os terrenos baixos
circunvizinhos e principalmente o grande alojamento ou vila
{stedeken} de Antônio Vaz, inclusive as muralhas e as ruas desta.
No forte estão 4 peças de bronze, sendo 2 bombardas de 24lb,
1 de 16 lb e uma peça espanhola de 10 lb.
Segue-se o grande alojamento {groote quartier} ou vila,
o qual do lado do forte Ernesto é aberto e do lado do
continente é cercado por uma muralha alta, tendo dois ba-
luartes e do lado do rio meio-baluarte e além disto, ex-

201
ternamente, um largo fosso. É projeto ou desígnio prolongar e
ampliar a seu tempo essa muralha e também a vila, ou melhor,
as suas construções, pois já quase não há lugar ou terrenos
vagos ali do lado de dentro e já algumas casas são construídas
do lado de fora: a muralha seria estendida até o forte Frederik
Hendrik, ficando protegida assim a zona compreendida entre
esses dois fortes, isto é, o Ernesto e o Frederik Hendrik. Nessa
muralha estão 5 peçazinhas de bronze, duas de 24 lb, 2
peçazinhas espanholas de 22 lb e uma espanhola de 16lb.
Segue-se o forte Frederik Hendrik, que é um forte
pentagonal, com cinco baluartes, um fosso largo e uma forte
contra-escarpa e, em redor, na berma, uma sólida estacada. Diante
deste forte está situado um bom homaveque e, em frente a este,
um homaveque mais leve, cobrindo os terrenos altos que há nas
proximidades, sendo que o forte domina todas as terras baixas e
os homaveques. As terras baixas são inundadas pelas marés, de
modo que o inimigo não tem onde se alojar. Neste forte encontram-
se 8 peças de bronze, a saber: 3 de 24 lb, 2 espanholas, sendo 1
de 18 lb e 1 de 10 lb, 2 peçazinhas forjadas de 6 lb e uma
peçazinha forjada e cortada de 12 lb.
Do lado do continente das referidas fortificações, ao longo do
rio Capibaribe, estão situados quatro redutozinhos que podem servir
de guarda avançada em tempo de perigo, mas estão agora arruinados.
Segue-se o forte Prins Willem, nos Afogados, que é um belo
forte quadrangular, com muralhas altas e bem feitas, com urna forte
estacada em volta e um fosso largo e profundo. Está situado no
caminho pelo qual se vai para a Várzea do Capibaribe e para o
interior do país. Neste forte estão 8 peças de bronze, 2 de 24 lb, 2 de
18lb, 2 de 12lb e 2 peças fotjadas de 3lb e urna de ferro de 6lb.

ITAMARACÁ

A Ilha de Itamaracá tem os seguintes fortes: em


primeiro lugar o forte Orange, na entrada sul do canal, que
é o principal porto da Ilha. É um forte quadrangular com 4
baluartes, elevado, tendo em certo trecho um fosso, mas
pouco profundo e seco; está cercado por uma forte esta-

202
cada. Aí estão 12 peças, a saber: 6 de bronze e 6 de ferro. As de
bronze são: 1 de 26 lb, 1 de 18 lb, 3 de 12 lb e 1 de 6 lb; as de
ferro são: 2 de 5 lb e 4 de 4 lb.
Segue-se a cidade Schkoppe, onde a igreja e a bateria estão
cercadas com um muro, mas não é obra de importância; nessa
bateria, que domina o porto, há 11 peças: 2 de bronze de 32 lb,
peças espanholas de berço e 9 de ferro a saber: 5 de 6 lb, 3 de 4lb,
1 de 3 lb. No extremo norte da cidadezinha, sobre a estrada, situa-
se um reduto que setve de atalaia e para defesa da porta.
Na entrada Norte do canal ou Barra de Catuama, está situado
um reduto quadrangular, em uma pequena eminência, que setve
para impedir a barra. Monta 3 pequenas peças de ferro.

PARAÍBA

Na Paraíba, no porto ou barra, há, em primeiro lugar, no


lado sul do mesmo, o forte Margareta, que se estende para o
interior como um bastião {croonwerk}, apresentando, no lado
que olha para o interior do país, um belo baluarte no meio e
dois meios-baluartes, cujas cortinas, partindo dos meios-baluartes,
correm em direção ao rio pela sua margem, encerrando-se com
uma bateria; uma tenalha liga as cortinas que se encaminham
em direção ao rio. É uma obra bonita e forte, com um fosso
consideravelmente profundo, uma forte estacada em torno da
berma e uma boa contra-escarpa no lado externo do fosso. Nesse
forte estão 14 peças de bronze e 42 de ferro, a saber: 2 de
bronze de 24 lb, das quais uma espanhola, 7 de bronze de 15 lb
todas espanholas, 1 de 12 lb, 4 de 10 lb, espanholas, todas
montadas; as de ferro são: 4 de 10 lb, 7 de 8lb, 8 de 1lb, sendo
que destas só há 23 montadas e ainda um morteiro grande, de
bronze, montado.
Um pouco adiante rio acima, em uma coroa de certa ilhazinha,
está o forte da Restinga, que é um reduto grande, com meios-
baluartes suficientemente elevados e com uma paliçada em volta.
Entre esse forte e a terra firme da ilha há uma distância de cerca de
dois tiros de mosquete e, por esse trecho, corre um braço do mar,
de modo que a passagem só é possível na vazante; com a maré

203
alta todo esse trecho fica inundado e impossibilitada então a
passagem a vau. Neste forte estão 4 peças de bronze e 3 de
ferro, a saber: 2 de 16 lb, 2 de 10 lb, sendo as de ferro 1 de 8 lb,
desmontada e 2 de 4 lb.
O forte situado ao Norte, de Santo Antônio, à margem
setentrional da barra, é batido do mar; o baluarte que olha pàra
o lado da terra foi transformado num reduto, cercado de forte
paliçada. Há aí 3 peças.
Em Frederica o Convento dos Franciscanos foi cercado
por um muro em forma de quadrângulo, tendo em cada face
uma meia-lua ou revelim, com um fosso profundo, embora
estreito e seco e uma estacada do lado de dentro da muralha. Aí
estão 2 peças de bronze de 8 lb, 5 de ferro de 4 lb e 3 de 2 lb.
Abaixo da cidade Frederica está um reduto de pedra ou bateria
fechada, no Varadouro, o qual domina o desembarcadouro aí
existente; aí estão 4 ou 5 peças referidas, desmontadas.

RIO GRANDE

Segue-se Castelo Keulen no Rio Grande; foi construído de


pedras, é muito alto e tem do lado de terra dois meios-baluartes
com orelhões e casamatas do estilo antigo, mas tanto as cortinas
como os baluartes exíguos e pequenos, não tendo flancos nos
demais lados; foi construído próximo do mar, além das dunas, em
um arrecife, a um tiro de mosquete da barra. À distância de um
tiro de fuzil do forte há dunas tão altas ou quase tão altas quanto
ele, de modo que delas são dominadas as passagens da muralha
do Castelo, o que agora se procurou impedir com a construção de
travessões ao longo da muralha, com os quais ficou resguardado
o forte e livre do perigo de ser canhoneado. Nesse Castelo contam-
se 10 peças de bronze, a saber: 4 de 12 lb, 1 de 10 lb, 3 de 8 lb, 1
de 7 lb, e 1 de 3 lb, e mais 16 de ferro, a saber: 1 de 6 lb, 4 de 4 lb,
7 de 3 lb e 4 de 2 lb nas casamatas, 1 de 4 lb e 2 de 3 lb dentro da
porta externa, todas espanholas.

PERNAMBUCO
Estas são as fortificações situadas ao Norte do Recife;
passaremos às que situam ao Sul.

204
O Cabo Santo Agostinho tem, em primeiro lugar, no Pontal,
o Forte Van der Dussen, que é uma bateria murada com um
homaveque do lado do morro, em forma de tenalha e circundada
de uma forte paliçada; serve para manter sob nosso domínio
todo porto, porque os seus tiros atingem a barra, dominando
assim o porto. Nessa fortificação estão 6 peças de bronze, a
saber: 2 de 24 lb, 2 de 12 lb e 2 de 6 lb. No forte Domburch,
situado no morro, na torre, estão 4 peçazinhas de bronze de 6
lb, bombardas; serve sobretudo de guarda avançada, por isto
pouco fortificado com paliçada.
Segue-se a bateria ao pé do morro, na barra ou entrada
do porto, construída de pedra, muito boa e segura para castigar
os navios que entrarem, mas é aberta por detrás e não pode
ser fechada de modo a oferecer aos que estejam no interior
dela, garantia e cobertura, em conseqüência de dois altos morros
abaixo dos quais está. Aí se encontram 3 peças de ferro de 4
lb.
Segue-se mais ao Sul o Forte Bom Sucesso, na Povoação
do Porto Calvo: trata-se de um bom forte, situado no alto de
um outeiro, de mais de 40 pés de altura a contar do fosso,
muito escarpado. Para ficar assegurada a estabilidade da
muralha há, na parte exterior, de 14 em 14 pés, uma berma;
tem um fosso profundo, uma forte paliçada e uma forte contra-
escarpa. Contam-se 7 peças de bronze, a saber: 2 de 24 lb, 1 de
18 lb, 1 de 22 lb, 1 de 10 lb, 1 de 8 lb; 1 de 5 lb, uma peça de
ferro de 6 lb e 2 pedreiros com suas câmaras, todas peças
espanholas.
Segue-se o Forte Maurício à margem do Rio São Francisco,
no morro chamado Penedo, situado a 5 ou 6 milhas da foz, rio
acima; o morro é alto e íngreme e só há um ponto de aproximação
pelo qual se pode chegar ao forte. A sua configuração e a dos
demais fortes anteriormente referidos pode-se ver com clareza
dos respectivos desenhos. Está situado na margem Norte do rio
e tem cinco baluartes, dos quais três estão voltados para o lado
pelo qual é possível atingir o forte , que domina o rio e a planície
em tomo, que no verão o rio cobre. No forte estão 7 peças de
bronze, 2 de 12 lb, 3 de 6 lb e 2 de 3 lb.

205
ARMAZÉNS

Todas estas fortificações deixamos razoavelmente providas


de munição de guerra, com exceção de utensílios, como pás,
enxadas, picaretas, carros de mão. E para que V. Ex.as possam
verificar o estado em que ficaram os armazéns de artilharia, de
munição e o trem, quando de nossa partida, damos abaixo a
lista do que existia em depósito, como reserva:

67.000 libras de pólvora


36.000 libras de murrão holandês
60.000 libras de chumbo
50 mosquetes
200 bandoleiras
12 clavinas para cavalarianos
5.000 pederneiras
4 mosquestões
40 pistolas velhas para a maruja
16 partasanas velhas
8 alabardas
199 machadinhas para cavalarianos
1. 400 foices
100 cutelos
80 carros de mão
3 trancas holandesas para porta
40 cadeados
2 tonéis de madeira novos
850 balas de 24 libras
600 ditas de 20 lb
1.600 ditas de 18 lb
100 ditas de 15 lb
2.000 ditas de 12 lb
400 ditas de 1O lb
1. 200 ditas de 8 lb
2.500 ditas de 6 lb
1.100 ditas de 4 lb
5 cábreas
50 machadinhas
80 serras de mão
19 serras de entalhe

206
20 serras para madeira
30 aros para tonéis
1O brocas para ferro
Do seguinte material nada há em estoque: fuzis, piques
longos, meios-piques, padiolas com seus cintos, sabres com seus
cintos, trombetas, pás, enxadas, couro para tambores, picaretas,
enxadões, machados grandes, pás e martelos para pedreiros,
colheres de pedreiros, pás para cal, tirantes para animais, peles
de carneiro para limpeza, papel grosso, ceifadeiras, carvão para
ferreiro, pregos de todos os tipos, pranchas, apetrechos para
madeira pesada, esmeril em pó, pranchas para carregar, fôrmas
compridas para balas de mosquete.

Por podem V. Ex.~ verificar quão parcamente estão os
armazéns providos de artigos diversos e de outros inteiramente
faltos; dessa situação V. Ex.~ têm sido notificados várias vezes e
além disto têm sido feitos pedidos do que eventualmente se ia
precisando e do que desses artigos pedidos não era enviado,
entre outros: pás, enxadas, carros de mão, cuja falta nos
impossibilita de fazer em tempo os necessários consertos nos
fortes, ou com rapidez as obras novas, que se arrastam por longo
tempo, com prejuízo e desserviço para a Companhia.
VÍVERES
No que se refere a víveres, deixamos não somente todos
os fortes quase que completamente vazios corno também os
armazéns gerais, corno se poderá verificar da lista do que existe
nestes últimos:

63 barricas de carne
57 ditas de toucinho
615 ditas de aveia
56 ditas de ervilha
9 ditas pequenas de ervilha
116 ditas pequenas de farinha de trigo
69 fardos de farinha de trigo espanhola
1.500 libras de bacalhau
60 fardos de carne seca

207
18.000 libras de pão duro
480 alqueires de sal
Vinho espanhol salobro, na
32 ancoretas maior parte chegado
89 pipas da Guiné e aqui posto em
ancoretas.
2 meias pipas de vinho tinto
89 ancoretas de vinagre
3 meias pipas dito
1 pipa dito
2 barrilotes dito
4 barrilotes de azeite
2 âncoras dito
3 meias âncoras dito
1 âncora com 116 kannen dito(")
5 ditas com 56 kannen dito
2 barricas pequenas com 92 kannen dito
70 âncoras dito no depósito
Quando fomos mandados para o Brasil para lá tomar
parte no Alto Conselho, foi-nos encarregada a fixação de de-
terminada pensão para cada espécie de empregado da Com-
panhia. Para fazer face a essa despesa V. Ex.~ resolveram enviar
uma grande quantidade de víveres de toda espécie ao Brasil,
onde seriam vendidos e com o dinheiro apurado pagas as pen-
sões. Em obediência a isto fixamos as pensões de todos e não
fizemos exceção para os próprios Altos Conselheiros; entretanto,
V. Ex.~ não mantiveram a remessa de víveres, de modo que não
foi possível obter desse modo as pensões e por isto fomos
obrigados a empregar algum dinheiro das dívidas das vendas de
negros e de outras fontes de renda, para o pagamento das pensões
e desta maneira nos mantivemos durante largo tempo. Mas esse
dinheiro vindo finalmente a faltar ou não sendo suficiente para
pagar as pensões e não havendo nos armazéns o necessário
para distribuir rações, tivemos de lançar mão de outros meios
para o sustento dos empregados, obrigando os moradores a
trazer animais para abater para nossas guarnições dando-se-lhes

(•) Medida de capacidade para líquido, o kan (plural kannen) equivalia a um litro.

208
vales, para o pagamento, em lugar de dinheiro, pelos quais nos
obrigávamos a trocá-los por moeda corrente quando a nossa
tesouraria estivesse provida.

ESCASSEZ DE VÍVERES
As faltas que mais nos têm afligido, e ainda afligem, são a
de dinheiro e a de farinha e, se bem que a falta de todos os
outros víveres seja difícil de suportar, a falta de farinha {de trigo}
foi a que causou maior indignação. Suportamo-la por muito
tempo e tivemos de procurar uma solução para isto. Taxamos os
moradores de todo o Brasil {conquistado} em certa quantidade
de farinha de mandioca a ser entregue, toda semana ou
quinzenalmente, aos nossos comissários em cada guarnição. Assim
poupamos por muito tempo a farinha de trigo; mas quando esta
terminou de todo e tivemos de sustentar todos os nossos homens
com farinha de mandioca, sobreveio uma terrível falta desta
última. E como a necessidade era grande, fizemos registrar todas
as roças de todos os moradores, com a indicação de há quanto
tempo haviam sido plantadas, ordenando-se que todas as que
tivessem mais de oito meses fossem arrancadas para o preparo
da farinha e esta entregue à Companhia ou aos comissários, por
cada mil covas, tantos alqueires de farinha, que eram deter-
minados segundo a fertilidade do solo em que estavam plantadas.
Essa farinha de mandioca também não pudemos pagar
em dinheiro: tivemos de entregar aos fornecedores vales que em
quaisquer pagamentos teriam o mesmo valor de dinheiro, sob
todos os pontos de vista. Obrigamo-nos a aceitar esses vales ou
em encontros de contas ou a trocá-los por dinheiro corrente
quando a tesouraria estivesse provida. Entretanto, já estávamos
de novo no fim, pois a farinha existente e proveniente das
roças velhas já havia sido quase toda entregue quando de
minha partida, e das roças novas não pode durar muito tempo,
pelo que se espera sobrevenha uma carestia geral, já tendo
surgido grandes queixas pelo fato de que, em conseqüência
de nossa taxação de farinha, haviam sido arrancadas as
roças, não havendo lugar onde se obter farinha por dinheiro,
para alimentação. A escassez é sobretudo sensível nos

209
engenhos, onde raramente se plantam roças. Os que têm roças e
fazem farinha só podem vender pouca aos moradores, pois retêm
a necessária para entregar de sua quota no tempo marcado. Não
obstante todas essas diligências, dificilmente se obtém a farinha
necessária para, semanalmente, distribuir-se as rações no Recife,
insuficientes para o sustento, como já antes da minha partida da
Paraíba tristes exemplos nos ensinavam. S. Ex.ª escreveu-me do
Recife, em data de 27 de outubro, anunciando-me que por
algumas semanas muito dificilmente tinha sido possível obter a
farinha para a distribuição das rações, mas que agora isto não
era mais possível.
Deste modo, não havendo mais farinha, foram obrigados
a recorrer ao pouco de pão duro que havia em depósito; o
açougueiro que tinha contratado o fornecimento semanal de carne
do Recife e dos fortes circunvizinhos apresentou-se ao Conselho
informando que não tinha mais possibilidades de obter gado para
corte; os Escabinos de Olinda, também, incorporados, apresentaram-
se para esclarecer que a terra estava esgotada de gado e farinha e
que não sabiam mais o que fazer para continuar o abastecimento
e que, segundo todas as aparências, se estava às vésperas de uma
grande fome. Na Paraíba a situação era idêntica. Já não se sabe
onde comprar, por mais algum tempo, carne ou farinha para as
guarnições. Há nisto uma grande distância para os que são de
opinião e para os que não deixaram de sustentar junto a V. Ex.~
que o povo deve ser sustentado com o que produz o país;
entretanto, cremos que se tivéssemos podido pagar em dinheiro,
em vez de vales, a carne e a farinha, dando por esta 10 a 14
stuivers, ("') como se paga entre os moradores, em vez de 7 stuivers
em títulos, cremos, repetimos, que a falta não teria sido tão grande,
porque o que é pago a preço alto é poupado. O que se fornece
de ração em carne e farinha é consumido muito mais rapidamente
do que se a pensão e o rancho fossem pagos em dinheiro, porque
os soldados quando recebem dinheiro compram pouca carne,
arranjam-se com um pouco de farinha e algumas frutas e o que
podem dispensar empregam em garapa para beber, porque cerveja
e vinho são caros para eles.

(-) Um stuiver correspondia à vigésima parte do florim.

210
O que se conserva de provisão nos fortes da Paraíba,
compreende cerca de 10 fardos de farinha espanhola apreendi-
da e 20 de farinha de centeio ultimamente recebida pelo navio
Bonte Koe, 50 a 60 barris de aveia, 20 barris de carne, 2 barrilotes
de azeite e uma porção razoável de vinagre, sendo que tudo es~va
em depósito quando o armazém geral estava melhor aprovisionado.
A aveia, de que se tem uma boa quantidade, deve ser vendida,
embora nossas guarnições no país não a apreciem, por terem de
pagar por ele mais um scbelling por um kan.(•)
O prejuízo que a Companhia tem tido em todo este tempo
de carestia não é possível informar: se a Companhia tivesse
enviado víveres suficientes e mantido os nossos armazéns
abastecidos, teríamos vendido alguns de tempo em tempo, com
o que a Companhia teria feito um bom lucro, a nossa tesouraria
estaria com numerário e não teria sido necessário lançar mão
das rendas dos negócios, as quais teriam sido remetidas, com
vantagem, para a Pátria, evitando-se assim prejuízos para todos.
Também, em conseqüência disto, ocorreu sério risco para esta
conquista da Companhia, porque não somente não podíamos
abastecer os nossos fortes para fazer face a um ataque eventual,
como não possuíamos o suficiente para manter o Recife.
No caso em que o inimigo se tivesse assenhoreado do
campo ou que nós, o que Deus por sua graça não consinta,
fôssemos derrotados em batalha, então teríamos perdido tudo.
Fortes sem víveres não podem ser mantidos por muito tempo e
um depois do outro teriam de ser entregues. Todos os moradores,
isto é, os moradores holandeses, alguns portugueses, brasilianos e
negros seguiriam as nossas guarnições e o pouco que ainda
possuíssemos seria de todo insuficiente. Também, logo que
tivéssemos abandonado a campanha teríamos perdido a
contribuição de víveres que o mesmo campo nos poderia fornecer.
Finalmente, o único meio que teríamos para nos
livrar da situação seria enfrentar o inimigo e procurar
expulsá-lo da campanha, fosse qual fosse a desigualdade
entre os grupos contendores, porque este seria o único
meio de nos conservarmos e em uma só batalha seria de-
(•) Um scbel/ing equivalia a 6 stuivers ou 0,30 do florim .

211
cidido se permaneceríamos como senhores do Brasil; essa possi-
bilidade atenta contra as regras do governo, qual seja, a do que
está em sua pátria e que defende a sua terra arriscar-se a tudo
perder em uma só batalha; mas a isto nos forçaria a necessida-
de.
Este ponto deverá, portanto, merecer maior atenção de
agora por diante, de modo que sempre haja no Brasil víveres
em quantidade não só para serem vendidos - e, com o produto
dessas vendas, pagas as pensões - como também para serem
abastecidos os fortes; para isto é necessário remeter para lá, de
cada vez, determinada quantidade de víveres variados, de modo
que se possam prover todos os fortes e guarnições no mínimo
pelo tempo de seis meses, remessas a serem realizadas em épocas
determinadas, com regularidade, na quantidade necessária e
igualando o consumo, mantendo-se a provisão dos fortes e
guarnições sempre para o prazo de seis meses, porque, do modo
contrário, um forte poderia ser dominado antes que pudéssemos
levar-lhe socorro. Além disso deverá considerar-se que fornecemos
víveres aos navios da nossa frota que defende o litoral do país.
Todos os navios da Companhia que partem do Brasil para a
Pátria são abastecidos também pelo nosso armazém.
Tivesse o inimigo nos atacado, não saberíamos nós, os
de corações destemerosos e os que quisessem ser devotados,
como manter em campo o nosso exército, porque nos nossos
armazéns não teríamos podido obter senão um pouco de pão
duro, carne seca, etc., que não duraria muito e seria consumido
antes que nos pudéssemos aproximar do inimigo. Do país nada
se poderia esperar, porque em todo o Brasil não há um lugar
onde um exército possa encontrar o alimento necessário; seria
por isto imprescindível lançar mão do gado, dos bois de trabalho
e de carro dos engenhos, e abatê-los. Mas isto representaria a
ruína dos engenhos e, em conseqüência, a decadência do Brasil.
E já se abateu tanto gado nestes poucos meses passados e durante
a atual carestia que não se poderá contar no Brasil com a
recuperação {do rebanho} nem no prazo de quatro anos e disto
os engenhos também se ressentirão, para grande prejuízo da
Companhia.

212
Se a resolução tomada em janeiro por V. Ex.l!lí em relação
ao ano de 1639, de enviar os víveres suficientes para 10.000
pessoas, tivesse sido prontamente executada, já .teria chegado
ao Brasil, há muito tempo, a referida remessa. O ano já está
findando sem que algo nos tenha sido informado do que no
ano de 1640 será enviado ou o que aconteceu e porque o comer
e o viver no ano de 1639 foram tão difíceis.
Assim V. Ex.l!lí devem manter sempre os armazéns bem
providos de víveres, sem fazer conta dos produtos da região -
que não são suficientes e nos levariam à penúria - nem dos
víveres que os comerciantes ou os particulares enviam para lá,
porque estes são quase todos consumidos nos engenhos e
vendidos pelo interior. De modo que quando a miséria surge e
se pensa obter algo dos comerciantes, encontra-se tudo vazio,
como nos aconteceu nos extremos que passamos.

GUARNIÇÕES

Parte de nossa tropa está de guarnição nos fortes acima


referidos e parte no interior do país; por um lado porque dispersa
é mais fácil obter o necessário sustento; mas sobretudo para
mantê-la próxima dos lugares onde poderá ser necessária e, no
caso em que a frota espanhola venha ao nosso encontro, para
proteger a nossa conquista e lançar-se contra o inimigo se este
chegar a desemb~rcar tropa.
O efetivo de nosso exérdto e onde estão situadas e se mantêm
as nossas guarnições, V. Ex.l!lí poderão verificar da lista abaixo:
No Forte Maurício, no Rio São Francisco, 6 companhias
com 541 homens, a saber:

Companhia do Major van den


Brande ................................................ 54
Idem do Cap. Valck ............................... 100
Idem do Cap. Molys ................................ 67
Idem de Sandelans .................................. 77
Idem de Wieltschut ................................ 119
Idem de Adam Raben ........................... 124 541 {sic}

213
Em Alagoas, 4 companhias com 293 homens, a saber:

Companhia do Cap. Pithaven ............ 27


Idem de Sluyter ................................... 53
Idem de Brantbarents ....................... 115
Idem de Leblancq ............................... 98 293

Em Camaragibe:

Companhia do Cap. Bolswaert 93

Em Porto Calvo 4 companhias com 380 homens, a saber:

Companhia do Cap. Philip Andries .103


Idem Cap. Kier .................................... 76
Idem de Malburch .............................. 68
Idem de Lambartsen ......................... 133 380

Em Una:

Companhia do Cap. Jan. Presto 100

Em Serinhaém 9 companhias com 750 homens, a saber:

Coronel Hans van Koin .................... 117


Major Carey ......................................... 90
Cap. Mortemer .................................... 13
Haus .................................................... 98
Struys ................................................... 97
Tack ..................................................... 77
Schut .................................................... 92
Dibbets ................................................ 79
Kivit ..................................................... 85 750 {sic}

Em Ipojuca:

Companhia do Cap. Mulder ................ 76

214
No Engenho Pantorra:
Capitão Daey ....................................... 79

Em Santo Antônio do Cabo 2 companhias com 140


homens, a saber:

Cap. Valck ........................................... 61


Conde Hans Ernst van Nassau ........... 79 140

No Forte van der Dussen, no Cabo:

Cap. Lassine (?) .................................. 89


Advocat ............................................ 107 196

Em Santo Amaro, as seguintes companhias:

Cap. Van Dyck .................................... 61


Poins {Points ?} .................................. 199 170 {sid

Na Muribeca, as companhias de:

Cap. Hoogstraet .................................. 62


Christoffel Gysael .............................. 113 175

Em São Lourenço, as companhias de:


Major Mansvelt.. ................................ 129
Major Picaert ..................................... 102
A que foi do Coronel Artischau ......... 99
Cap. Logman ....................................... 92 422

No Forte Prins Willem, em Afogados:


Cap. Rembach ..................................... 55
Muiseenburch ..................................... 63
Van Werten ........................................ 145 263

215
No Forte Fredrik Hendrik:
Cap. Steffery ...................................... 101
Falio ................................................... 129 230

Em Antônio Vaz está a guarda de S.


Ex.ª......................................................... 293

No Forte Ernesto, as companhias de:


Major Bayert ...................................... 109
Cap. Waleen ........................................ 71 180

No Recife, as companhias de:


Cap. Daultry ....................................... 135
Pieron ................................................. 142 277

No Forte do Bruyn, a companhia do:


Sr. Ghijselin ............................................ 125

Na cidade de Olinda, as companhias de:


Major Pierre le Grand ....................... 125
Cap. van Els ........................................ 68 193

Em lgarassu a Companhia do Capi-


tão Cappel... ...... ....... ..... ....... ....... ..... ...... 93

No Forte Orange, as companhias de:


Cap. Mellingh .................................... 116
Doorschoot .......................................... 66 182

Em Goiana, as companhias de:


Cap. Verdoes ....................................... 75
Cap. Entes ........................................... 90 165

216
Em Frederica, na Paraíba, a compa-
nhia do Capitão den Bout..................... 101
No Forte Margarita, as companhias de:
Cap. Ernst van Bremen ....................... 90
Robert Aarios (?) ................................. 70
Waldeeck ............................................. 62
Schieff ................................................ 138 360

No Castelo Ceulen, no Rio Grande, o


Cap. Bijler .......... ....... ........ ....... ........ ....... 88

No navio Bonte Koe chegaram do


Distrito do Norte e foram distri-
buídos por diversas companhias ........ . 66
Depois da minha partida do Recife
chegaram nos navios de Schopen
eHoop, da Zelândia, comanda-
dos pelo Capitão Coulenborch,
cerca de ................................................. . 150

Total .................................................. . 6.181 {sic}


O Ceará está guarnecido por cerca de 40 homens sob o
comando do Tenente Heindrick van Ham.
Assim, o efetivo da nossa força militar é de seis mil cento
e oitenta homens, entre os quais se incluem todos os doentes e
outros incapazes, os tambores e ordenanças, tudo conforme as
informações que foram prestadas pelos capitães pouco antes de
minha partida.
Considerados os numerosos fortes e guarnições necessários
à defesa de costa tão extensa, pode concluir-se quão fraco ficaria
o nosso poder se o tivéssemos de levar à campanha, porque
todo ele é quase que indispensável para guarnecer os fortes. No
caso em que se quisesse levar gente à campanha para enfrentar
o inimigo, teríamos de desfalcar de muito as guarnições dos
fortes; poderíamos então contar com cerca de 3.500 soldados no
máximo, aos quais seria possível ajuntar, na melhor hipótese,
cerca de 1.000 brasilianos.

217
O que teria sido de nós se o nosso inimigo, pela interces-
são de Deus, tivesse podido dominar a epidemia a bordo de sua
frota e desembarcado quando a sua esquadra passou em janei-
ro diante do Recife? Ele nos teria achado então muito fracos,
porque daí para cá nos fortalecemos com a tropa do ex-Coronel
Artischau e com a que chegou depois. Deus com a sua graça
afastou de nós esse infortúnio.
Ainda atualmente, com a tropa acima referida, a situação
é muito perigosa para nós, considerado que o inimigo aqui
chegou com o poder a que faz referência em cartas que
interceptamos, nas quais dizia que esperava reunir para nos atacar
no fim de agosto ou princípios de setembro o seguinte: 3.000
soldados vindos na frota, 700 recrutados na Bahia, aos quais o
General da Armada espera juntar 2.000 dos seus soldados e além
destes cerca de 1.000 brasilianos. Desembarcando em nossa
conquista espera reunir entre os moradores cerca de 2.000 soldados,
de modo que fazem conta de dispor ao todo de 8.000 homens.

COMPANHIAS DE BURGUESES

Pelo nosso lado tratamos de nos fazer fortes o mais


possível. Em primeiro lugar fizemos registrar de novo os
moradores do Recife e depois também os de Antônio Vaz. Os do
Recife, somando pouco menos de 500, fizemo-los dividir em 4
companhias, subordinadas a um coronel, três capitães, um
capitão-tenente e demais oficiais. Serão suficientes para garantir
o Recife quando o exército estiver em campanha, visto que uma
grande · parte dos nossos burgueses são antigos soldados. Os
oficiais que os comandam são os seguintes:

Coronel: Sr. Servaes Carpentier


Capitães: Srs. ]oost van den Bogaert, Abraham Tapper,
secretário do Conselho Político e Samuel Halters.
Capitão-tenente: Allard Hol
Tenentes: Bartholomeus van Ceulen,]acob Coets e Matthys Beck
Alferes: Willem Negenton, Hugo Graswinckel, Gillis van
Luffelen e Hubert Cloet.

218
Para conceder aos moradores do interior algum prestígio,
fizemos registrar também todos os moradores holandeses ou vin-
dos da Holanda, sem distinção de nacionalidade, dividindo-os
em infantes e cavaleiros, que são aqueles moradores que possu-
em cavalo. Foram escolhidos para comandá-los:
Coronel: Gaspar van Niehoff van der Ley, ex-capitão de
cavalaria.
Tenente-coronel: Johan Hick, ex-capitão
Sargento-mor: Frederik Mettinge, ex-capitão
Estes oficiais comandarão não só os infantes como os
cavalheiros.

O capitão da cavalaria será o Sr. Jacob Stachhouwer


enquanto lá estiver, o tenente será o do Sr. Stachhouwer, e
corneteiro Charles la Mars. Comandarão os infantes: Christoffel
Eyerschettel como capitão, como tenente Paulus Vermeulem e
como alferes Nicolaes Haeck.
Na capitania de Itamaracá e Goiana: capitão de cavalaria
Jan]acobsz Wijnants; como tenente Paul Antoni Daems; corneteiro
Gaspar Honinckhuisen; sobre os infantes: como capitão, Pieter
Ceulen de Jonge, como tenente ... (não indica) e como alferes ...
(não indica).
Na Paraíba: capitão de cavalaria Isaack de Rasiere; como
tenente Cornelis van Ool; corneteiro ]an Cornelisz Jongeneel;
sobre os infantes: como capitão ... (não indica), como tenente ...
(não indica) como alferes ... (não indica).
No Rio Grande: como capitão George Garstman van
Werwe, ex-major, como tenente ... (não indica), como alferes ...
(não indica).
Em Serinhaém: capitão de cavalaria ]an Blaer, escolteto,
ex-tenente de cavalaria; como tenente Roeland Carpentier e como
corneteiro Gaspar Boheem.
Mas se bem tenhamos criado muitas companhias de
infantes e cavaleiros, os nomes registrados não vão além de 400;
procedemos assim porque se fazia necessário mostrar um núme-
ro respeitável aos portugueses, deixando-os presumir que havíamos
reunido muito mais gente do que, de fato, havíamos conseguido.

219
Também para manter os moradores portugueses, e espe-
cialmente os moços solteiros, sob maior submissão - de vez que
deles, sobretudo, se teme a revolta - fizemos-los registrar todos,
cada um pelo distrito onde tem domicílio, por sua freguesia e
por seu engenho, pondo ainda três inspetores para eles. Deter-
minamos ainda que os pais seriam fiadores de seus filhos; os
que não tivessem pais teriam de apresentar uma pessoa casada
como fiador. Esses rapazes ou moços solteiros não podem afastar-
se do distrito onde têm domicílio sem uma autorização do seu
inspetor, como poderão V. Ex.M verificar com mais detalhes do
Edital e Instruções dos Inspetores.
O poder do nosso inimigo, segundo o seu próprio cálculo,
já foi acima referido e nada mais conseguimos obter poste-
riormente. Desde a chegada da armada espanhola à Bahia, nada
atentaram, a não ser o desembarque dos capitães Vidal e
Magalhães, efetuado por duas barcas que conduziram 40 a 50
homens, no Porto dos Franceses, ao Sul de Alagoas, e o envio
de pequenas tropas que cruzaram o Rio São Francisco. Esses
elementos nada têm feito, a não ser distribuir cartas aos moradores
nas quais o Conde da Torre promete muito breve chegar com
grande poder e que espera encontrá-los prontos quando de sua
chegada e louva, de um modo geral, os bons serviços e a
fidelidade desses moradores para com o Rei. São, entretanto,
cartas-circulares, não tendo subscrito nem indicam a quem são
endereçadas, de modo que, quando os distribuidores delas
encontram um Dom Luís qualquer, lhe entregam uma do maço,
pois são todas do mesmo teor.
Os capitães Vidal e Magalhães refugiaram-se nas
proximidades da Várzea e Muribeca, no interior, mas é muito
difícil apanhá-los. Não usam os caminhos comuns senão à noite,
quando chegam sorrateiramente às casas de portugueses e
holandeses extorquindo-lhes dinheiro e roubando os utensílios
que podem alcançar. Dizem que não consideram prazer causar
prejuízos a ninguém, a não ser quando atacados. Têm também
se encontrado com soldados nossos: tomam-lhes os fuzis e fogem;
dizem-se proibidos de incendiar os canaviais e de causar desse
modo prejuízos aos moradores.

220
Correm ainda alguns bandos pelo interior que roubam
tanto os portugueses quanto os holandeses, mas estes são com-
postos de salteadores mulatos e negros e não soldados do Rei.
Causam contudo grandes prejuízos e desassossego aos morado-
res. Refugiam-se, também, nas matas e são difíceis de apanhar;
quando os nossos soldados os perseguem fogem para o mato,
cada um para seu lado.
A frota na Bahia, temo-la achado diminuída quando de
tempo em tempo mandamos iates a espreitá-la. Recebemos em
18 de setembro bom aviso da Bahia, pelo iate de Phaisant, de
que, em 15 do dito mês, 18 a 20 dos navios grandes e alguns
dos menores haviam saído da Bahia. Três dias depois tendo
sido enviados à Bahia dois dos nossos iates para verificar quais
os navios que lá estavam, deram pela falta de um bom número
deles; contudo viram sete navios em frente ao banco de areia e
alguns barcos menores atrás do banco; bandeiras de almirante
drapejam como se a frota ainda não tivesse partido, mas de
noite a frota espanhola não acendia luzes. Depis de três dias de
buscas voltaram os nossos navios de diante da Bahia para o
Recife, receosos de que os navios da frota que haviam partido
viessem a realizar um desembarque em algum lugar. O almirante
Willem Comelissem, que havia partido do Recife para a Bahia
com uma esquadra, notificado do que se passava pelo Soutberch,
que lá ficou cruzando, voltou com a sua esquadra para o porto
do Recife, onde chegou a 29 de setembro; aí foram rapidamente
despachados e partiram a 30 com ordem de cruzar pelo espaço
de oito dias entre Santo Aleixo e o Cabo e também até Olinda,
enviando um iate para cruzar entre o Rio Formoso e Porto Calvo,
outro para cruzar diante de Alagoas, um terceiro com a mesma
incumbência diante de Itamaracá e ainda outro daí para a Paraíba.
Pretendia-se com isso estar de sobreaviso para o caso em que o
inimigo viesse a tentar algo: decidiu-se que, ao fim de oito dias,
o Almirante devia voltar para novas decisões.
Para esse fim o Almirante chegou ao Recife no dia
8 de outubro, na mesma ocasião em que eu deixava o Re-
cife em direção da Paraíba. Soube depois que havia par-
tido com toda a sua frota em 12 de outubro para a Bahia,

221
a fim de verificar qual a força naval que lá estava e, havendo
vantagem, atacar o inimigo por mar ou realizar ataques por
terra por um lugar ou por outro. Estava ainda na Paraíba quando
soube, com tristeza, por carta de S. Ex.ª e dos Nobres
Conselheiros Supremos, datada de 27 de outubro, que o iate
Schkoppe havia chegado da Bahia tendo recolhido no mar, na
altura do Rio Vermelho, três homens que pescavam em uma
jangada, um português, um mameluco e um mulato, os quais
interrogados no Recife tinham informado que os navios que os
nossos haviam visto sair da Bahia em 15 de setembro, tinham
regressado em 2 de outubro, depois de terem comboiado até o
alto-mar alguns navios mercantes e levado dois galeões para
serem reparados e que estão atrás do morro de São Paulo ou
Camamu. Disseram ainda que todos os galeões estavam na
Bahia e que tinham recebido algum auxílio da população, carne
e principalmente um grande carregamento de farinha vindo do
Rio de Janeiro e ainda esperavam alguns navios com provisões
do Rio da Prata. Informaram também que se esperava a todo
momento um socorro grande, não só de gente como de
provisões, vindo de Portugal e das Ilhas, do qual já tinham
notícia certa; o ataque a Pernambuco, disseram ainda os
prisioneiros, deve seguir-se provavelmente a isto e de todo o
exposto os depoimentos dão detalhes.

NAVIOS NA COSTA

Quantos navios há na costa do Brasil, pode ver-se na lista


abaixo, da qual se conclui como estávamos pouco providos de
navios para resistir a· tão poderosa Armada como é a espanhola;
muitos desses navios, pela necessidade de não privar o litoral de
defesa, são mantidos lá, os quais, de outro modo, seria muito
aconselhável fazer regressar à Pátria, para não se perderem de
todo, visto que lá não podem ser reparados, e por faltar todo o
necessário ao seu equipamento.
Lista dos navios e iates que deixei no Brasil quando de
minha partida:
Da Câmara de Amsterdã:

222
Navios: Tripulação Iates & Galeotas Tripulação:
Faem 99 pessoas 't Henneken 15 pessoas
Geele Sonne 54 " Schkoppe 36 "
Haerlem 100 " Leeuwerck 22 "
Campen 49 " De Doffer 16 "
Soutberch 45 " De Duyff 11 "
Groote Chris-
toffel, um
navio aluga- Diemmen 13 "
do 48 " Ouderkerck 14 "
Da Câmara da Zeelândia:
Navios: Tripulação Iates Tripulação:
Goude Sonne 59 pessoas Phaisant 30 pessoas
Regenboog 50 " De Brack 20 "
Tertolen De Spreeu 17 "

Da Câmara do Maas:
Navios: Tripulação
De Swaen 67 pessoas
Da Câmara do Distrito do Norte:
Navios: Tripulação Iates Tripulação:

Groot Hoorn 79 pessoas De Vleermuys 20 pessoas

De Macht van
Enkhuisen

Da Câmara de Groninga:
Navios: Tripulação Iates e barcos Tripulação:

Matança, que De Brack 30 pessoas


veio da Gui-
né com ne-
gros e está
sendo usado
ali 40 pessoas

223
Navios, iates e barcos confiscados ou apresados:
Navios: Tripulação Iates e barcos Tripulação
Alkmaer 88 pessoas Olinda 20 pessoas
Ceará 18 "
Itamaracá 7 "
Amsterdã 6 "
Pequenos barcos no Recife:
2 barcos grandes que são tripulados por 12 pessoas
1 "champan"(*) para carregar e descarregar açúcar
e outras coisas, tripulado por sete pessoas
1 barco para o serviço do desembarcadouro,
tripulado por 4 pessoas.
Pequenos barcos na Paraíba:
2 barcos grandes que são tripulados arnlJa; por 12 pessoas.
Pequenos barcos no Rio São Francisco:
1 barco grande e uma chalupa, ambos tripulados
por 7 pessoas.
Pequeno barco em Porto Calvo:
1 barco tripulado por 6 pessoas.
Pequeno barco no Rio Grande:
1 barco tripulado por 4 pessoas.
Estavam no Recife os seguintes navios que haviam che-
gado da Guiné trazendo negros, os quais, depois de reparados,
deverão retornar:
o navio de Eendracht, de Amsterdã, tripulado por 33 pessoas:
o iate De Bruynvis, da mesma Câmara.
Pouco antes havia partido do Recife para a Guiné o navio
capturado, de nome São Pedro, tripulado por 29 pessoas.
Temos visto muitas vezes com tristeza navios neces-
sitando de consertos e reparos com os quais ficariam em
bom estado - mas nada podemos fazer por nada existir
para isso em depósito no Brasil, para grande desserviço
da Companhia. E deve notar-se que muitos navios, como
já por diversas vezes temos informado, chegam ali tão

(•) Barco pequeno usado no Oriente: Henry Yule e A.C. Burnell, Hobson-jobson
(Londres, 1969) p. 789.

224
parcamente equipados e supridos, vindos da Pátria, que logo
pedem reparos; outros, que trazem alguma provisão de material
de equipamento para o nosso armazém, chegam tão mal
equipados que logo necessitam do material que transportaram.
Também chegam navios tripulados por tão pouca gente que
não podem ser empregados em serviço no litoral, visto que a
tripulação não pode manejá-los: temos de lhes aumentar a
tripulação e como não temos marítimos somos obrigados a
empregar soldados com experiência de navegação.
É portanto muito necessário que uma grande remessa de
toda espécie de material de equipagem seja enviada para lá,
segundo a lista anexa. {Falta a lista.} Também é muito necessário
que alguns dos artigos do Norte sejam enviados, sobretudo pran-
chas, não só para a reparação de navios como para reparação
de casas da Companhia no Recife, que estão muito arruinadas e
também para a venda aos particulares para construção de casas,
com grande vantagem para a Companhia, já que aqueles não
poderão facilmente enviá-las e isto representará um bom negócio.
É também necessário que bons recrutas marinheiros sejam
enviados para lá, para completar as tripulações desfalcadas dos
navios em serviço no Brasil, pois que, em ocasiões anteriores, nos
vimos obrigados a nisso empregar soldados, uma vez que, como
já dissemos, os navios não podiam ser manejados pelas tripulações.
Há, ainda, grande falta de roupas para os soldados e
por isto em nossas guarnições vêem-se um bom número deles
que andam nus. A Companhia deve considerar isto com
cuidado e manter-nos sempre abastecidos de roupas para
oficiais e soldados; trata-se, também, de um negócio rendoso
para a Companhia, porque com ropa se pagam os soldos
militares e, em conseqüência, quando do regresso à Pátria
levarão as suas contas tão sobrecarregadas que pouco lhes restará
para receber em dinheiro. Também os soldados ficam satisfeitos
quando conseguem obter algo adiantado por conta dos seus
soldos: causa-lhes aborrecimento terem dinheiro a receber e
nada poderem obter. Ficariam satisfeitos se pudessem sacar, uma
ou outra vez, algo de suas contas e passar uma noite alegre.
Entristece a muitos terem dinheiro a receber e se verem cons-

225
trangidos a andar nus. A vestimenta incute-lhes também alguma
coragem e, se lhes fosse concedido sacar por conta dos soldos a
receber, ficariam satisfeitos e permaneceriam por mais tempo no
país. Mas como não podem fazer isto, e o soldo a receber já
representa uma pequena soma, querem voltar à Pátria para recebê-
la e gastá-la. Assim parece aconselhável deixá-los ter o que lhes
dá satisfação (com grande vantagem para a Companhia),
permanecendo no país, do que mantê-los com mesquinhez e
vê-los partir logo que conseguem e ter de lhes pagar grandes
somas em dinheiro na Pátria.
Até agora descrevemos o estado e as condições das terras
do Brasil. Os recursos, rendas e finanças que a Companhia está
recolhendo ali podem ser examinados em certo relatório no qual
vem trabalhando o Contador Geral.
Foi entregue a V. Ex.'l um rol das dívidas existentes que
devem ser pagas este ano na safra atual e das quais se deve
esperar o retomo do dinheiro; isto, além do que é de esperar
venham a render a recognição e outros tributos; mas nada se
pode referir de certo, a não ser que é de crer que a metade dos
engenhos moerá, com o que fabricarão tanto açúcar quanto o
ano passado, porém provavelmente muito mais do que o ano
passado, com um retorno também maior.
SOBRE A BAHIA
A experiência nos ensinou que a conquista do Brasil é
permanentemente ameaçada pela gente da Bahia de Todos os
Santos e enquanto os espanhóis forem senhores da Bahia terão
sempre muitas oportunidades para nos molestarem, tanto por
terra quanto por mar.
Por terra, porque em qualquer tempo podem enviar suas
tropas e seus ardilosos campanhistas para nossa conquista, o que
não podemos impedir, apesar de usarmos de todos os cuidados
possíveis e, quando se encontram em terras sob nossa jurisdição,
é quase impossível aprisioná-los, não só porque os nossos soldados
não estão habituados às matas como porque são escondidos pe-
los habituados às matas como porque são escondidos pelos
moradores portugueses, já que são soldados do Rei. Assim da
Bahia podem ser enviados para ali bandos dessa gente em qual-

226
quer ocasião, os quais põem em perigo os canaviais com a pos-
sibilidade de incêndios, que podem ser ateados por um peque-
no número de campanhistas, visto que contam com o refúgio
das matas, realizando sortidas aqui e ali, sem que se possa saber
de antemão onde os esperar.
O Rio São Francisco, que poderia servir de fronteira,
mesmo guarnecido, não impediria que os campanhistas o
atravessassem em canoas ou jangadas, ocultamente e, em terra,
na outra margem, passam a nos causar prejuízos. Mesmo se
puséssemos alguns soldados em cada engenho, o que não é
possível, nada poderiam impedir a esses brutos tão andejos,
porque um só homem com um archote, em qualquer ponto,
pode dar início a um incêndio e em meia hora estará todo um
canavial queimado.
Por mar, porque lá {na Bahia} têm os espanhóis o melhor
porto para abrigar os seus navios maiores e quando conseguem
reunir e enviar uma armada obrigam-nos a um estado permanente
de guerra; estão sempre a se preparar para nos atacar aqui e ali
ou mantêm navios para causar constante estado de alarme em
toda a costa. Este é o único porto cômodo que o rei tem na costa
para a sua armada contra nós dirigida. De modo que, se a
Companhia chegar a conquistar a Bahia, dominando-a, não mais
poderão os espanhóis continuar a assolar aquelas terras. Por isto
sou de opinião que, para completar a conquista do Brasil e
fortalecer o que lá possuímos, é muito necessário seja a Bahia
subjugada. Assim será destruído aquele ninho de formigas, de
onde procedem incessantemente tantos bandos de perturbadores
do sossego do país e de causadores de permanente estado de
alarme. O rei ficará privado do seu principal porto, o único onde
pode abrigar os seus navios mais pesados para nos fazer guerra:
passará o porto a servir-nos a nós e o inimigo terá de se alojar
mais para o Sul, perdendo todas as ocasiões de nos molestar
com tanta facilidade e de tão próximo.
A experiência do nosso último ataque à Bahia ensi-
nou-nos que as dificuldades a enfrentar não serão peque-
nas e que o nosso plano não poderá ser executado com
forças pouco consideráveis, sobretudo agora que os da Ba-
hia receberam tão valioso reforço da armada espanhola;
desse modo uma força suficiente deverá ser preparada e

227
que seja considerada capaz de dominar lugar tão defendido e
tão bem guarnecido. Para este fim sou de opinião que são ne-
cessários, no mínimo, 5.000 bons soldados, que devem ser todos
recrutados na Pátria e especialmente municiados e abastecidos
de víveres e em uma só frota embarcados para o Brasil, aos
quais ali seria juntada a tropa que se julgasse poder dispensar
das guarnições, ficando estas, porém, bem fortes; então atacar-
se-ia a Bahia da melhor maneira, esperando a bênção de Deus
para completar a conquista do Brasil e para assegurá-la para a
Companhia.
De qualquer modo, resolvido ou não o ataque à Bahia, é
muito necessário apressar o embarque do restante do socorro já
prometido, de soldados e marinheiros, tantos quanto possam ser
dispensados para este fim, visto que os navios espanhóis ainda
permanecem na Bahia, o que faz crer que ainda projetam alguma
coisa, como parecem mostrar os informes colhidos e anteriormente
referidos. Por isso o socorro prometido e tudo mais que V. Ex.~
puderem fazer nesse sentido é muito necessário ali, para que se
possa trazer à campanha, se preciso, um exército, se bem que o
socorro já enviado deverá entrar em atividade neste verão; é
indispensável, porém, prever o futuro, porque a nossa tropa, de
si insuficiente, diminui dia a dia sensivelmente, não só em
conseqüência dos licenciamentos para regresso à Pátria, como
por morte ou invalidez por causas várias. Mas, enquanto não for
enviada tropa suficiente de uma só vez, não deverá ser suspensa
a remessa de recrutas em todos os navios, para manter guarnecido
o país.
E a fim de livrar e defender o litoral de todos os navios
espanhóis achamos necessário que a Companhia tenha lá todo
o verão, no mínimo, 18 navios grandes e outros tantos iates,
navios e iates bem equipados e tripulados por marinheiros
capazes, os quais deverão chegar ao Brasil nos últimos dias de
agosto ou primeiros dias de setembro. Em março ou abril do
ano seguinte, quando não é de temer mais algum inimigo {na
costa}, retornarão com carga de açúcar ou tentarão alguma
empresa nas Índias Ocidentais, com o auxílio dos soldados que
voltam depois de expirado o prazo dos seus engajamentos.

228
Além disso seria aconselhável que para cada 1/9 parte
fossem adquiridas duas boas fluiten{_•) para carga e fardos que
tais, a fim de conduzir o açúcar do Brasil, excusando-se assim os
onerosos afretamentos de navios. Deverão ser elas bem providas
de artilharia e apetrechos a fim de que, estando lá, e sendo
necessário, possam ser empregadas. Além disto a Companhia
teria pequena despesa com a tripulação delas, visto que seriam
aproveitados para isto os soldados e marinheiros enviados de
socorro ao Brasil e, de volta, seriam aproveitados os que
regressassem de lá; sendo empregadas em serviço no Brasil a
tripulação seria completada com soldados. Também é necessário
remeter para lá alguns barcos grandes para o serviço de carga e
descarga dos navios e outros, porque dos que lá existiam uns
sossobraram, outros foram abandonados e ainda outros foram
considerados inutilizáveis. Os pequenos iates que estavam em
serviço na costa retornaram quase todos e por isto alguns devem
ser enviados de volta para lá a fim de serem empregados no
transporte do que for necessário.
Muito necessário é que sejam enviados para o Brasil
jovens ativos e fiéis, de boa letra, conhecedores de escrituração
de livros e diligentes: por falta de rapazes assim, os livros
estão com grande atraso. Especialmente na Contadoria de
Finanças, onde em conseqüência do fornecimento de dinheiro
para rações e de empréstimos, há tão grande movimento de
serviço que aqui não se faz uma idéia exata a respeito, mas
que lá bem se conhece. A referida Contadoria está com tal
atraso que, não obstante o zelo dos que nela servem e de se
esforçarem ao máximo, pouco foi possível realizar; se não for
recebida ajuda com brevidade, tanto a Contadoria de Finanças
como a Contadoria Geral estarão sujeitos a tal desorganização
que será impossível acertar as suas contas.
Os livros das guarnições do ano de 1638 és't ão para-
dos, se bem pudessem estar já encerrados, mas como fal-
tam as contas dos empréstimos, as quais estão em atraso
na Contadoria de Finanças, os escriturários ainda não

(•) Famoso navio holandês de carga, em inglês chamado "flute" ou "fly-boat". Não
encontro equivalência na língua portuguesa.

229
puderam fornecer as listas dos mesmos no dito ano, a fim de
que sejam os soldados debitados nas suas contas. Por tudo isto
é que são tão urgentes os pedidos de jovens escriturários e
guarda-livros.
Quer V. Ex.~ autorizem ou não a permanência do Sr.
Jacob Alrichs, Contador Geral, como membro do Conselho
Político, onde tão bons serviços presta, é da maior necessidade
que alguém seja enviado para ajudá-lo e que tenha competência
para o substituir, no caso de ser promovido, no de regressar ou
morrer. De modo contrário muitos e grandes trabalhos ter-se-ão
de suportar, com grande prejuízo para a Companhia, visto que
lá não há uma pessoa que seja julgada capaz para essas
atribuições.
No dia 8 de outubro parti na galeota Diemen do Recife ·
para a Paraíba, deixando já fora do porto para me seguirem, os
navios Overijssel e Bonte Koe; em conseqüência de ventos
contrários e temporais só cheguei à Paraíba no dia 13 e, contra
minha espectativa, o navio Aron ainda estava na barra para sair,
não tendo sido possível aproveitar a preamar por causa dos
ventos contrários; por isto foi-me necessário aguardar que se
pudesse desembaraçar o Aron na preamar seguinte.
A 28 do referido mês, ao meio-dia, estando pronto para a
partida, foi avistado o navio Sint jacob vindo do Recife para se
reunir conosco para a viagem. Trazia uma carta para mim, de S.
Ex.ª {isto é, do Conde de Nassau}, datada de 27 de outubro, na
qual se queixava muito de que os navios Toolen, o cargueiro De
Hoop da Zelândia e o De Prins da Câmara do Maas, tinham
chegado sem nada trazer para os armazéns da Companhia e
com carga unicamente para particulares. Admirava-se ele dos
senhores que dirigiam tamanha empresa, só procurarem receber
as recognições ou fretes, deixando periclitar tão esplêndida
conquista, onde a escassez de víveres e de outros materiais é a
que acima tem sido referida.
No Recife mandou-se preparar o navio De Prinse talvez outros
mais, porque ainda há bastante açúcar da safra passada: creio
que cerca de 1.500 caixas e, além disto, começa a chegar o açúcar da
nova safra. O preço deste último parece tende a se fixar em
tomo de 22 schellingen, mas só atingirá isto quando chegar sufid-

230
ente numerário da Holanda e quando da procura do mer-
cado.
Na Paraíba ainda havia cerca de 800 caixas do açúcar
velho, do qual a metade estava em mãos de 2 ou 3 senhores de
engenho e uns poucos lavradores que não queriam vendê-lo
senão por dinheiro de contado, que não há. O que provém da
esperança que têm da chegada da armada espanhola, com o
que, vendendo o seu açúcar a prazo, viriam a perdê-lo. Os Srs.
do Alto e Secreto Conselho devem, logo que tiverem oportunidde,
remeter um navio para lá a fim de carregá-lo, sobretudo porque
o açúcar novo começa a aparecer e por isto não duvido que um
mês ou seis semanas após a minha partida alguns navios se
tenham feito à vela {do Brasil}.
No dia 29 de outubro, com os navios Overijssel, Aron,
Sint jacob e Bonte Koe, prontos, levantamos âncora ao
escurecer da Terra Vermelha da Paraíba, lugar que está a duas
milhas ao Norte do rio, para prosseguir a nossa viagem com o
favor de Deus.
Com isto termino este meu relatório sobre o Estado do
Brasil, pedindo muito instantemente que V. Ex.~ queiram na sua
sabedoria ordenar que a ajuda necessária e tantas vezes pedida,
segundo o que ficou indicado, seja enviada para o Brasil, no
caso em que ainda não o tenha sido (o que não quero crer).
Tudo com o fim de que tão esplêndida e inestimável conquista,
realizada com o favor de Deus, não permaneça em perigo por
mais tempo, como esteve durante quase um ano e, quando da
minha partida, ainda enfrentava não pequenas dificuldades,
sobretudo pela falta de víveres, materiais diversos e especialmente
de navios para fazer face ao inimigo no mar e vencê-lo; vitória
que o inimigo também aspira e queiram V. Ex.~ não considerá-
la fácil.
Se houver omitido aqui e ali alguma informação que V.
Ex.~ desejassem, queiram ver nisto a minha pouca capacidade.
Que Deus abençoe a administração de V. Ex.a.:; para a
propagação do Seu Santo Nome, para o serviço de nossa querida
Pátria e, principalmente, para o progresso e proveito da
Companhia Geral Privilegiada das Índias Ocidentais.

231
Escrito no navio Overijssel em 10 de dezembro de 1639,
aos 43°54' de latitude norte, noroeste das Ilhas Corvo e Flores.
Ao dispor de V. Ex.~.

ADRIAEN VAN DER DUSSEN

232
DOCUMENTO 7.

Uma relação dos engenhos de Pernambuco em 1655.

Evaldo Cabral de Mello revelou esta relação dos engenhos


existentes em larga parte do território pernambucano, elaborada
em 1655, na ocasião em que a Coroa portuguesa assumia o
domínio da Capitania, incorporando-a ao seu patrimônio e
afastando o Donatário. A relação visava à enumeração dos
engenhos que a este pagavam "pensão", nos termos da doação
de Pernambuco a Duarte Coelho, em 1534. Um dos itens dessa
doação estabelecida que "pessoa alguma não possa fazer as
ditas moendas {de água}, marinhas {de sal} nem engenhos senão
o dito Capitão e Governador {isto é, o Donatário} ou aqueles a
que ele para isso der licença, de que lhe pagarão aquele foro ou
tributo que se com eles concertar". Esse "foro ou tributo" era
chamado "pensão" e variava de acordo com o "concerto" feito
inicialmente entre as partes interessadas. Mas, além desse interesse
fiscal, a relação enumera e identifica as propriedades açucareiras,
revelando as que estavam naquele ano (o primeiro após a
restauração de Pernambuco) moentes e correntes e as que estavam
"a monte e arruinadas".
O traslado do documento original, na posse daquele
historiador, foi por ele publicado sob o título "Uma Relação dos
Engenhos de Pernambuco em 1655", na Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano vol. 48 (Re-
cife, 1976) pp. 157-169. Outro traslado do mesmo documento
guarda-se no Arquivo da Universidade de Coimbra, códices dos
Condes de Arcos, nQ 33, fls., não numeradas.

233
DOCUMENTO 7. TEXTO

Traslado do Rendimento das Pensões, Redízima e


Vintena e outras coisas mais que esta Capitania de
Pernambuco pagava ao Donatário Dom Miguel
Portugal.

Aos quatro dias do mês de agosto de seiscentos e


cinqüenta e cinco nesta povoação do Recife, termo da vila de
Olinda, capitania de Pernambuco, na Casa dos Contos da
Fazenda de Sua Majestade, estando presentes o provedor e
mais oficiais dela, apareceu o capitão João Tavares de Almeida,
a quem o dito provedor tinha mandado vir perante si, procurador
de Dom Miguel Portugal e de dona Maria Margarida de Castro
e Albuquerque, administradora dos bens de seu pai Duarte de
Albuquerque Coelho e donatária desta capitania de Pernambuco,
e sendo ali, lhe deu o provedor o juramento dos Santos
Evangelhos e lhe encarregou que debaixo dele declarasse os
rendimentos que a dita donatária tinha nesta referida capitania
e o quanto lhe pagava cada engenho de pensão, assim de
açúcar como de dinheiro , porquanto Sua Majestade, que Deus
guarde, mandava que essa dita capitania de Pernambuco se
incorporasse à sua Real Coroa e queria saber o dito rendimento,
e o sobredito capitão João Tavares de Almeida prometeu de
declarar tudo na verdade, em fé do que assinou com o dito
provedor e mais oficiais da fazenda . E eu Francisco de Mesquita,
escrivão dela que o escrevi, João Tavares de Almeida, Cosmo de
Castro Passos, o doutor Manoel Barboza da Silva, Gaspar
Fernandes Madeira. E logo no dito dia, mês e ano acima o dito
capitão João Tavares de Almeida, debaixo do juramento que rece-
bido tinha, disse que de todo o açúcar que cabia ao dízimo real

234
se pagava ao dito donatário pelo contratador que o arrendava,
de cada dez arrobas, uma.

E que o mesmo lhe pagavam das miunças que o


contratador arrendava em toda esta capitania de
Pernambuco.
E que também se lhe pagava, sem embargo que ele
dito João Tavares de Almeida a não cobrou em cinco
anos que há que corria com estas cobranças, a vintena
do peixe que se matava nas redes de toda a costa
desta capitania.
E que também pagava a mesma vintena o peixe que
vinha de mar em fora, que constava haver-se pescado
na viagem.
E que de tudo o mais de que se pagava dízimo, das
dez partes tinha o donatário uma.
E assim mais declarou o dito João Tavares de Almeida,
que nenhum senhor de engenho desta capitania o
podia vender, sem licença do donatário ou de seus
procuradores, para se lhe pagar o laudêmio, conforme
a quantia por que se vendesse o tal engenho.
E que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade
que fosse, podia nem pode fazer marinhas de sal
nem engenho de açúcar, sem licença do donatário
ou de seus procuradores, para se lhe pôr a pensão
em que se convierem.
E que antigamente pagavam as passagens dos rios
a pensão em que se concertavam com os
procuradores do donatário, a qual ele João Tavares
de Almeida não cobrara nos cinco anos que havia
que corria com as coisas da donataria, respeito
do grande trabalho que os passageiros delas
tinham em passar a infantaria.
E que no Reino se pagava ao donatário na
casa da Índia a vintena do pau-brasil que
desta capitania ia, e que esta era em dinhei-
ro de contato, livre de todos os custos, con-

235
forme aquilo porque se vendia o tal pau-brasil e para
este efeito ia em todos os navios certidão dos oficiais
da fazenda real, para dela constar o que cada um
levava.
E declarou mais o dito João Tavares de Almeida que
a pensão que os engenhos desta referida Capitania
de Pernambuco pagavam ao donatário de todo o
açúcar que faziam assim macho como retame, ou
dinheiro, era a seguinte:

Engenhos da freguesia de São Lourenço

Que o engenho do doutor Manoel Barbosa da Silva


pagava de pensão a três por cento.
Que o de Francisco do Rego Barros pagava três por
cento.
Que o do capitão Fernão Soares da Cunha, da
Muribara, pagava trinta arrobas de branco encaixado.
Que o engenho da Água Fria, de Arcângela da Silveira,
pagava a um e meio por cento.
Que o de Manoel Fernandes Cruz pagava dez mil réis
em dinheiro.
Que o dos Padres de São Bento, dezesseis arrobas de
branco encaixado, posto no Recife.
E o molinote de Sebastião Ferreira, a um e meio por
cento.
E o molinote de Amau de Holanda, a mesma pensão.
E que o engenho de Diogo da Costa, que ao
presente está a monte e arruinado, pagava a dois
por cento.

Engenhos da freguesia de Santo Amaro do jaboatão

Que o engenho de Antônio de Bulhões pagava a três


por cento.
E o molinote de Belquior Velho pagava a um e meio
por cento.

236
E o engenho de Antônio Pereira pagava a três por
cento.
E o de João de Barros Correia, oitenta arrobas de
branco.
E o do capitão Fernão Soares da Cunha, de Gurjaú, a
quatro por cento.
E o de Antônio Nunes Ximenes, a três por cento.

Engenhos que estão a monte e arruinados na freguesia


atrás

Que o engenho de Álvaro Barbalho pagava a um e


meio por cento.
E o de Henrique de Carvalho, quarenta arrobas de
açúcar quarteado.
E o do Jacaré, de Salvador Jorge, a três por cento.
E o de Cosmo de Abreu, a três por cento.
E o de Baltazar Gonçalves Moreno, a três por
cento.
E o de Camassari, que foi de Luís Dias Barroso, a três
por cento.

Engenhos da freguesia da Vár.zea do Capibaribe

Que o engenho de Marcos André pagava a um e meio


por cento.
E o de Francisco Monteiro, a quatro por cento.
E o de Gaspar de Mendonça, dos Apipucos, a quatro
por cento.
E o de São Brás, de Pero da Costa Favela, a quatro
porcento . .
E o de Pero da Cunha de Andrade, a três por cento.
E o engenho do mestre-de-campo André Vidal, a três
por cento.
E o de Luís Ramires, a três por cento.
E o do Meio, que é de Carlos Francisco, a dois por
cento.

237
E o engenho de João de Mendonça Furtado, vinte e
cinco arrobas de branco.
E o de Luís Brás Bezerra, a três por cento.

Engenhos que estão a monte nesta freguesia

Que o engenho de Francisco Berenguer, do Tejipió,


que hoje está a monte, pagava a um e meio por cento.
E o de Sebastião de Carvalho, a um e meio por cento.
E o de Lourenço de Sousa, a mesma pensão.
E o de Ambrósio Machado, a dois por cento.
E o de Francisco de Brito, a dois por cento.
E o engenho que foi de Antônio Fernandes Pessoa, a
um e meio por cento.

Engenhos da freguesia da Muribeca

Que o engenho de D. Catarina de Albuquerque pagava


a três por cento.
E o engenho de Fernão do Valle, a dois por cento.
E o engenho Novo, em que está dona Clara das Neves,
vinte e cinco arrobas de branco.
E o de Manuel de Chaves, dos Guararapes, a dois por
cento.
E o de Santa Ana, a três por cento.
E o engenho de Luís Marreiros, a um e meio por
cento.
E o engenho da Algibeira, a um e meio por cento.
E o de Pernanduba, do capitão Fernão Soares, a três
por cento.
E o engenho de Santo André, a três por cento.
E o molinote de João Fernandes de Punha pagará a
pensão que constar se lhe lançou.

Engenhos da freguesia de Santo Antônio do Cabo

Que o engenho Velho pagava a três e meio por cento.

238
E o engenho da Guerra, trinta arrobas de branco en-
caixado e posto no passo.
E o de João Gomes de Mello, a um e meio por
cento.
E o de João de Vera, a quatro por cento.
E o engenho de São João, a quatro por cento.
E o engenho de Pirapama, a três e meio por
cento.
E o engenho do Sargento-Mór Antônio Vieira, a um e
meio por cento.
E o molinote de D. Brites, a um e meio por cento.
E o engenho do Funda a três e meio por cento.
E o engenho de Filipe Paes, do Garapu, a três e meio
por cento.
E o engenho de Jurissaca, a três e meio por
cento.
E o engenho dos Algodoais, a três e meio por
cento.

Engenhos que estão a monte e arruiandos da freguesia


acima

Que o engenho de São Brás pagava a quatro por


cento.
E o engenho Utinga, de Julião Paes, a três e meio por
cento.
E o de Diogo Fernandes Pantorra, a três por cento.
E o de Gaspar Demere pagava noventa arrobas de
branco encaixado.

Engenhos da freguesia de !pojuca

Que o engenho do Salgado, de Cosmo Dias, pagava


de pensão trinta arrobas de açúcar, postas no passo e
encaixadas.
E que o engenho da Guerra pagava a um e meio por
cento.

239
E o engenho do Trapiche, trinta arrobas de açúcar
encaixadas, postas no passo.
E o engenho da Tabatinga, a três por cento.
E o engenho de Ruy de Brito pagará a pensão que
constar se lhe pôs.
E o engenho de Francisco Pereira Vilar, a três por
cento.
E o engenho da Bertioga, a três por cento.
E o engenho do Maranhão, a dois por cento.
E o engenho de Manuel Vaz Viseu, a três por
cento.
E o Sargento-Mor Pedro de Miranda, pelo seu engenho,
dez arrobas de branco encaixadas, postas no passo.
E o engenho da Pindoba, oitenta arrobas de açúcar
terçado, seco nos toldos.
E o engenho de Sibiró de Cima, a três por cento.
E o engenho de Sibiró de Baixo, do Canha, sessenta
arrobas de branco, encaixado, posto no passo.
E o engenho de Aratangil, de Miguel Fernandes de
Sá, oitenta arrobas de branco encaixado e posto no
passo.
E o engenho da Tapera pagará a pensão que constar
lhe foi lançada.
E que o molinote de Antônio Duarte pagava
oito arrobas de branco, encaixado e posto no
passo.
E que o engenho de Manuel de Mesquita, que ao
presente está a monte e arruinado, pagava a três por
cento.

Engenhos da Vila Formosa de Serinhaém

Que o engenho do Anjo pagava duas arrobas de


branco por milhar, depois de dizimado.
E que o engenho do Rosário pagava a mesma
pensão.
E o engenho de Ubaca, a mesma pensão.

240
E o engenho de Ubaca de Cima pagava a mesma
pensão.
E o engenho de Camaragibe, a mesma pensão.
E o engenho de Cocaú, a mesma pensão.
E o engenho do Sangoá, a mesma pensão.
E o engenho do Rio Formoso, a mesma pensão.
E o engenho do Trapiche, a mesma pensão.
E o engenho de Goicana, a mesma pensão.

Engenhos a monte e arrninados da vila acima

E o engenho da Palma pagava a mesma pensão.


E que o engenho de Jaseru pagava a mesma pensão.
E o engenho de São Brás, a mesma pensão.

Engenhos da Vila do Bom Sucesso do Porto Calvo

Que o engenho do Morro, de Rodrigo de Barros,


pagava a doze arrobas de branco, encaixado, posto
no passo.
E o engenho de Sebastião de Carvalho, trinta arrobas
de branco encaixado, posto no passo.
E o engenho da Capiana, trinta arrobas de açúcar
branco encaixado, posto no passo.
E o engenho de Camaragibe, em que está dona]ácoma
Lins, vinte arrobas de branco, encaixado, posto no
passo.
E o engenho de João Lins, trinta arrobas de branco
encaixado, posto no passo.
E o engenho de Rodrigo de Barros, vinte arrobas de
branco encaixado, posto no passo.

Engenhos a monte e arrninados da vila acima do Porto


Calvo

O engenho dos Alpões pagava trinta arrobas de branco


encaixado, posto no passo.

241
E o engenho de Cristóvão Dias Delgado, trinta arrobas
de branco, posto no passo.

Engenhos da freguesia de Una

O engenho das Ilhetas, de João Paes de Castro, pagava


de pensão vinte mil réis em dinheiro de contado.
E o engenho de São Gonçalo de Una pagava a mesma
pensão.

Engenhos de Alagoa que ao presente estão a monte e


arruinados

O engenho de Sebastião Dias pagava a um e meio


por cento.
O engenho de Antônio Martins Ribeiro pagava a dois
por cento.
O engenho de Tomé da Rocha, em São Miguel, pagava
a um e meio por cento.
O engenho de Lucas de Abreu, a quatro por cento.
Na dita vila da Alagoa, possui Gabriel Soares dois
engenhos, um deles está a monte e posto por terra, e do
outro que mói pagava de pensão cento e vinte mil réis.

As pensões dos engenhos referidos se pagam de todo


o açúcar que fazem antes de ser dizimado, exceto os da Vila
Formosa de Serinhaém, que assim constou por dito do referido
João Tavares de Almeida, o qual declarou que sem embargo
de que aparecesse algum caderno seu, em que ordenava que
os engenhos da Vila do Porto Calvo, a saber, o da Capiana,
Escurial e do sargento-mór Marzagão, pagassem vinte arrobas
de açúcar cada um, não fizesse dúvida, porque deviam pagar
a trinta arrobas cada um, na forma de seus assentos atrás,
porquanto assim o aclara por assento no caderno geral, por
onde antigamente se cobravam sempre as ditas pensões, e
que o cobrá-lo por menos fora por informação que lhe dera o
ajudante Gaspar da Costa, de quem se fiara, como pessoa que
corria com as sobreditas pensões, e afirmou o dito João Ta-

242
vares de Almeida, debaixo do juramento dos Santos Evangelhos
que recebido tinha, que o referido era verdade e que não enco-
bria coisa alguma, e que se por esquecimento lhe ficava alguma
coisa por dizer, que lembrando-lhe o viria manifestar, em fé e
verdade do que assinou, e eu Francisco de Mesquita, escrivão
da Fazenda Real, que o escrevi.
As pensões dos açúcares e dinheiro que os engenhos
desta capitania pagavam ao donatário se arremataram nesta praça
em preço de quatro mil e cem cruzados a Baltazar Leitão de
Vasconcelos, por tempo de um ano, que começou o primeiro de
agosto deste presente de seiscentos e cinqüenta e cinco e há-de
acabar o último de julho de seiscentos e cinqüenta e seis e tem
ido à Bahia a buscar a confirmação do Governador e Capitão
Geral.
Os dízimos desta referida capitania de Pernambuco
foram arrematados a Jacinto Barbosa de Almeida esta safra,
que começou em primeiro de agosto deste presente ano de
seiscentos e cinqüenta e cinco, e há-de acabar o último de
julho, que há-de vir, de seiscentos e cinqüenta e seis, em
preço de vinte e quatro mil e cem cruzados, que ao dito
respeito importa a redízima, que se pagava ao donatário,
novecentos e sessenta e quatro mil réis; mas espera-se que,
tornando os ditos dízimos da Bahia, aonde têm ido a
confirmar, se torne a abrir lanço a eles nesta capitania, com
que virá a crescer a sobredita redízima.
Os quais termos e rendimento de pensões, redízima e
mais coisas atrás referidas, eu, Francisco de Mesquita, escrivão
da Fazenda de Sua Majestade desta capitania de Pernambuco
fiz aqui trasladar bem e fielmente, sem coisa que dúvida faça,
do livro em que ficam lançadas, que está em meu poder, a que
me reporto, com que este traslado conferi, consertei, sobrescrevi
e assinei por quatro vias de um mesmo teor, de que esta é a
primeira, neste Recife de Pernambuco nos cinco dias do mês de
outubro, ano de mil seiscentos e cinqüenta e cinco. Francisco de
Mesquita. Consertado por mim, escrivão da fazenda, Francisco
de Mesquit~.

243
APÊNDICE 1

Preços do açúcar em Amsterdã, 1609-1654

Libra em florins. 1 libra de Amsterdã = 494 gramas

Branco

1609 0,54 1633 0,67 1643 0,44


1619 0,49 1634 0,66 1645 0,46
1624 0,43 1635 0,66 1646 0,65
1625 0,47 1636 0,60 1648 0,60
1626 0,51 1637 0,85 1649 0,66
1628 0,57 1638 0,68 1650 0,67
1630 0,67 1640 0,56 1651 0,73
1631 0,67 1641 0,51 1652 0,69
1632 0,70 1642 0,46 1653 0,66
1654 0,69

Mascavado

1609 0,41 1633 0,54 1643 0,31


1619 0,40 1634 0,50 1645 0,39
1624 0,32 1635 0,51 1646 0,57
1625 0,38 1636 0,52 1648 0,43
1626 0,42 1637 0,67 1649 0,52
1628 0,44 1638 0,54 1650 0,49
1630 0,57 1640 0,49 1651 0,53
1631 0,59 1641 0,38 1652 0,50
1632 0,54 1642 0,34 1653 0,51
1654 0,51
Fonte: N. W. Posthumus, Nederlandscbe Prljsgescbiedenis vol. 1 (Leiden, 1943) pp.
119 e 122.

245
Preços do açúcar no Recife, 163 7-1645
Arroba em scbelling. 1 scbelling = 0,30 do florim.
1637, jun. -26 1640, nov. 28 1642 28
nov. 37 1641, mar. 22 1644, fevereiro 21
1638, jan. 38 a 40 jul. 24 1645, fevereiro 21
mai. 34 a 36 agt.-set.21 maio 18 el/2
1639, jan. 28 out. 19
e 1/2 jun. 23
Fontes: H. Watjen. O Domínio Colonial Holandês no Brasil (São
Paulo, 1938) p. 437 e]. A. Gonsalves de Mello, João Fernandes
Vieira, 2 vls. (Recife, 1956) I, p. 123.

Cotação das ações da Companhia das Índias Ocidentais na


Bolsa de Amesterdã, 1628-1650.
Valor nominal = 100%
1628, nov. 15 115 1640, maio 17 130
1629, jan. 206 maio 26 120
set. 166 1641, jan. 22 106
1630, jan. 19 131 jun. 12 117
fev. 15 133 1642, abr. 24 102 el/2
abr. 149 jun. 13 102 e 114
jun. 13 123 1643, fev. 7 92
jul. 9 140 mar. 5 85
jul. 22 134 jun. 3 92
jul. 28 142 set. 15 80
ago. 16 122 set. 25 76
set. 11 120 set. 27 84
dez. 30 100 1644, mar. 14 68
1631, abr. 2 102 maio 1 55 e 1/4
abr. 30 103 out. 1 47
maio 10 101 nov. 23 51
jun. 21 95 1645, jun. 28 44
1633, fev. 2 61 ago. 8 46
1634, ma i. 6 93 set. 13 38
out. 30 112 set. 30 46

246
1635, ago. 16 120 1646, jun. 9 36e 3/4
ago. 23 121 1647, jan. 16 36
nov. 19 98 1648, jan. 36e 1/2
nov. 23 97 e 1/2 jun. 15 34
dez. 3-5 104 set. 14 31e 3/4
1636, mar. 105 dez. 14 31 e 1/2
1637, jan. 19 93 dez. 29 28
mar. 6 95 1649, jan. 1 29
nov. 4 98 fev. 8 26 e 1/4
1640 maio 4 134 1650, mar. 21 14 e 1/4
ago. 11 16.

Fonte:]. G. van Dillen, "Effectenkoersen aan de Amsterdamsche


beurs", Economisch-Historiscb ]aarboek vol. XVII (Haia, 1931)
pp. 9-10.

247
APÊNDICE 2

Rendimento dos frutos anuais destas quatro Capitanias (anexo


a um memorial datado do Recife 5 de dezembro de 163 7).

Este documento foi encaminhado ao Conselho dos XIX


da Companhia das Índias Ocidentais em anexo a um memorial
no qual os Escabinos de Olinda defendem a conveniência de
ser mantido livre - e não em regime de monopólio, em benefício
da mesma Companhia - o comércio do Brasil holandês: assunto
largamente debatido nos anos de 1637 e 1638, até que veio a ser
resolvido em favor do ponto de vista dos Escabinos. Estes, para
demonstrar o que a Companhia tinha a esperar do Brasil, oferecem
um cálculo do "rendimento dos frutos", em documento assinado
por Gaspar Dias Ferreira (c. 1595-c. 1656), homem extremamente
inteligente, mas sem escrúpulos, que serviu aos holandeses em
proveito próprio, naturalizou-se holandês e, depois, abandonou
tudo e voltou a Lisboa, onde nascera.
Ferreira, residente no Brasil desde o fim da década de
1610, estava bem informado acerca da economia do Nordeste e,
portanto, as suas informações podem ser consideradas úteis ao
estudo do açúcar no período holandês.
O original em português deste documento está no
Arquivo Geral do Reino (Haia), cartório dos Estados Gerais,
maço 5.772, com cópia no mesmo Arquivo, cartório da
Companhia das Índias Ocidentais (Companhia Velha),
maço 52. Foi publicado por F. A. de Varnhagen, História
das Lutas com os Holandeses no Brasil (Viena, 1871),

249
pp. 323-24, texto aqui corrigido em confronto com o referido
originaL
Outro texto a ser considerado: Johannes de Laet (1582-
1649), diretor e cronista da Companhia das Índias Ocidentais,
autor do valioso Iaerlyck Verhael van de Verrichtingen der. ... West-
Indische Compagnie(Leiden, 1644; 2a ed., 4 vls., Haia, 1931-37),
com tradução portuguesa publicada no Rio de Janeiro em 1916,
ao fazer um balanço geral dos feitos da Companhia e dos
prejuízos que causou às coroas ibéricas, apresenta um total da
produção açucareira do Nordeste aos anos de 1637 a 1644:
"verifico que desde o ano de 1637 até o começo do ano corrente
de 1644 foram trazidos do Brasil a este país em açúcares {e pau-
brasil}:

para a Companhia brancos arrobas 332.425


mascava do " 117.887
panelas " 51.961
pau-brasil libras 2.593.630

representando essas remessas para a Companhia cerca de


7.618.498 florins. E

para os particulares brancos arrobas 1.083.048


mascavados " 403.287
panelas " 71.527

o que se eleva à soma de 20.303.478 florins, dos quais a


Companhia percebeu os direitos das recognições e das avarias".1

1- J. de Laet, Iaerlyck Verbael cit., IV p. 298.

250
APÊNDICE 2. TEXTO.

"Rendimento dos frutos anuais destas quatro Capi-


tanias, Pernambuco , Itamaracá, Paraíba e Rio Grande,
fazendo a conta pela estimação dos frutos que davam
em sua antiga florescência, a qual em breves anos tomará,
sendo o comércio livre e comum a todos.

Valem 40.000 arrobas de açúcar macho (branco


e mascavado) que estas quatro Capitanias davam ao
dízimo, uns anos por outros, (havendo muitos que
passavam 5 e 6.000 arrobas desta quantia e muito
poucos que diminuíssem dela) avaliados a 6 florins a
arroba, forro de custos, monta quarenta mil libras de 40.000
grossos(•)
Valem 10.000 arrobas de retame, que
ordinariamen te se colhiam do dízimo todos os anos,
avaliado a 3 florins, forro de custos, cinco mil libras
de grossos. 5.000
Rendia o dízimo das miunças da farinha, gado,
legumes e mais frutos e mantimento s da terra
ordinariamen te cinco mil libras de grossos. 5.000
O direito da recognição do açúcar que
fazem estas quatro Capitanias, que são ordi-
nariametne 500.000 arrobas, a saber, 250.000
arrobas de branco, 150.000 arrobas de mas-
cavado e 100.000 arrobas de retame, avaliado

(•) Uma libra de grossos equivalia a 6 florins.

251
o branco a 9 florins, o mascavado a 6 florins e o
retame a 3 florins, vale o dito direito a estes preços
cento e quarenta e três mil e setecentos e cinqüenta
libras. 143.750
Valem os fretes de 9.000 toneladas que há
nestes açúcares a 100 florins cada tonelada, cento e
cinqüenta mil fibras de grossos. 150.000
Valem as avarias destas 9.000 toneladas, a 10
florins cada tonelada, quinze mil libras de grossos. 15.0000
Vale a pensão do açúcar que cada engenho
pagava aos donatários das Capitanias de Pernambuco
e Itamaracá pelo rendimento do açúcar, doze mil libras
de grossos. 12.000
Dez mil quintais de pau-brasil, de 128 libras
cada quintal, que tantos se tiravam todos os anos
destas Capitanias, parece que valem ao menos, forros
do primeiro custo e gastos, a 30 florins o quintal,
monta cinqüenta mil libras de grossos. 50.000
Estima-se o dízimo, fretes e avarias do tabaco,
gengibre e algodão, mel e outras cousas miúdas, em
cinco mil libras de grossos ao menos. 5.000
Estima-se a renda da navegação dos barcos e
passos para os açúcares, passagens e pescarias, em
dez mil libras de grossos. 10.000
Estima-se a renda do peso, imposição da
bebida, açougues e passagens de gados, em dez mil
libras. 10.000
Estima-se o interesse de dois mil negros
escravos, que é o menos que cada ano deve meter a
Companhia nestas Capitanias para se sustentar a
lavoura, porquanto em tempo de El Rei de Espanha
entravam 4.000 escravos, uns anos por outros, a 25
libras de ganho em cada um, monta cinqüenta mil
50.000
libras de grossos.
Estima-se o novo direito que se pôs em
Holanda sobre o açúcar, de um grosso por
branco, 3/4 por mascavado e 1/2 por reta-

252
me, em cinqüenta mil libras de grossos a respeito do
açúcar que dão estas Capitanias. 50.000

545.750

Além das rendas que dizemos atrás, nas quais entendemos


não haverá diminuição alguma, antes muito acrescentamento,
tornando estas Capitanias à antiga florescência, colhem Vossas
Senhorias {os membros do Conselho dos XIX da Companhia
das Índias Ocidentais} os fretes e direitos da recognição das
fazendas que se carregam em Holanda para este Estado, em
cuja estimação não temos voto; mas entendemos ser cousa mui
grande e, com o comércio livre, para aumento da terra, cada
vez será maior.
Têm Vossas Senhorias mais o que irão cobrando da venda
dos engenhos, terras, casas e chãos para elas, que tudo está
vendido e se deve começar a cobrar, pois os prazos se começam
a vencer; e nos parece que é isto um tesouro.
Não é de pouca consideração as presas que se fazem, de
que tudo é ocasião esta conquista de Vossas Senhorias, cuja
estimação se deve também referir a esta memória.
Este recenseamento mostramos aos Senhores do
Conselho Supremo e lhes pareceu que as partidas dele estavam
mui conformes e ajustadas, e não somente irão cada vez em
maior crescimento com o comércio livre, mas em muito poucos
anos passarão da estimação que neste papel fazemos, porque
se em poder de El Rei de Espanha havia estas rendas, muitas
mais se deve esperar em poder de Vossas Senhorias; porém se
a Companhia tomasse para si todo o negócio (o que não
entendemos), a mesma experiência desenganaria a Vossas
Senhorias com seu dano e nosso mal, que esperamos se
remedeie. Deus nosso Senhor escolha a Vossas Senhorias o
melhor, para aumento da Companhia e conservação deste Es-
tado.

O Presidente, Gaspar Dias Ferreira."

253
APÊNDICE 3

Um regimento de feitor-mor de engenho, assinado


porJoão Fernandes Vieira e datado de 1663.

Embora posterior de alguns anos à retirada dos holandeses


do Nordeste e, ao contrário dos demais que compõem esta
coletânea, de origem luso-brasileira, parece útil, para uma visão
mais ampla da história econômica e social da agroindústria
açucareira, a inclusão aqui de um documento raro, como é o
caso do regimento dado ao feitor-mor de um engenho,
especificamente, dos de propriedade de João Fernandes Vieira
em Pernambuco.
As determinações acerca da administração de uma
propriedade açucareira alargam as informações aqui recolhidas
acerca do tema que nesta publicação se procura documentar.
De autoria ou de inspiração de um homem com grande
experiência de engenho, senhor que foi de cerca de 16 deles, o
regimento que Vieira entrega aos feitores-mores de suas
propriedades revela aspectos interessantes da vida e da
organização de um engenho. O feitor-mor tinha sob suas ordens
vários subordinados, inclusive o capitão dos carreiras, o oleiro,
além, naturalmetne, da escravatura; e, também, os "técnicos" da
fabricação do açúcar.
O regimento documenta um aspecto da escravidão
que aparentemente é de origem brasileira: o de conceder-
se aos escravos um dia por semana para cultivarem roças
para seu sustento. Nele se determina ao feitor-mor que nos
dias santos os fizesse "plantar suas roças" e, quando o
engenho não estivesse a moer, o que correspondia ao

255
inverno na zona da mata, lhes concedesse também para isso os
sábados. Esse sistema foi levado para as Antilhas, provavelmen-
te pelos holandeses, e lá foi adotado nas áreas açucareiras, fi-
cando conhecido como "o costume brasileiro". Gabriel Debien
no seu valioso Les Esc/aves aux Antilles Françaises (Basse Terre-
Fort de France, 1974) pp. 179-183 trata detidamente do assunto.
Embora referindo-se às roças dos negros, o regimento
não faz qualquer menção às do engenho, de iniciativa do próprio
senhor, para alimentação não só da escravatura como do pessoal
livre, de serviço. Ao tempo do Conde de Nassau foram obrigados
os senhores de engenho e os lavradores de canaviais a plantar
determinado número de covas de mandioca por escravo; após a
sua saída foram essas ordens esquecidas, mas em 1661 renovou-
a o admirador da ação do Conde que foi Francisco de Brito
Freire, Governador de Pernambuco (1661-64), parece que com
pouca eficácia, como se comprova do silêncio deste regimento a
respeito. Aliás em todas as áreas de produção açucareira, da Ilha
da Madeira ao Novo Mundo, esta situação se repetiu.
Este regimento, conservado no próprio original autógrafo,
guarda-se na Biblioteca Nacional de Lisboa, secção de reservados,
coleção Pombalina, códice 641 fls. 251-53 e foi pela primeira
vez publicado no Boletim do Instituto Joaquim Nabuco de Pes-
quisas Sociais nQ 2 (Recife, 1953) pp. 80-87.

256
APÊNDICE 3. TEXTO

"Regimento que há-de guardar o Feitor-mor de engenho


para fazer bem sua obrigação e desencarregar bem sua consciência
e, pelo contrário, dará conta a Deus e ficará obrigado a restituição
ao dono da fazenda.
Confessar os negros. Será obrigado todos os anos a mandar
confessar toda a gente que estiver a seu cargo e todos os domingos
e dias santos mandá-los e fazer-lhes ouvir Missa, e as crianças
que nascerem mandá-las batizar a seu tempo; e necessitando
algum escravo doente de confessor mandar-lho chamar e todos
os sábados e de noite lhes mandar a ensinar as orações.
Negros que adoecerem. Tanto que os negros adoecerem,
tratará logo da cura para o corpo e tudo o que lhe faltar na
fazenda, que não houver; e se a doença for de perigo o remeterá
à pessoa que correr com meus negócios no Recife. Isto se
entende, o que se não poder curar cá fora.
Agasalhar os negros. Terá obrigação de ir todas as manhãs
pelas casas dos negros para ver os que estiverem doentes e o
que faltar procurá-lo logo e fazer-lhes ter as suas casas barridas,
com seus jiraus e esteiras de agasalho para dormirem e fazer-
lhes plantar os dias santos suas roças e tanto que o engenho
pejar, que não moer, lhes dará de mais a mais os sábados para
plantarem. Isto se entende no inverno.
Castigar os negros. O castigo que se fizer ao escravo
não há-de ser com pau nem tirar-lhe com pedras nem tijolos
e quando o merecer o mandará botar sobre um carro e
dar-se-lhe-á com um açoite seu castigo; e, depois de bem

257
açoitado, o mandará picar com navalha ou faca que corte
bem e dar-se-lhe-á com sal, sumo de limão e urina e o meterá
alguns dias na corrente. E sendo fêmeas, será açoitada à guisa
de baiona dentro em uma casa com o mesmo açoite.
Dar ração aos negros. No inverno não alevantará por
nenhum modo a gente pelas madrugadas, senão depois de alto
dia e dar-lhe-á sua ração de escumas e mel quando a houver, e
não lhe falte com ela por nenhum modo.
Cuidado com as brigas dos negros. Terá cuidado que os
escravos não andem com ódios uns com os outros para se não
matarem, antes tratará logo de os fazer amigos, e quando se não
façam dividi-los-á para outra fazenda e não lhes consentirá comer
carnes mortas, tendo grande cuidado quando morrerem alguns
bois para que os não comam.
Cuidado com os doentes. Aos negros quando lhes der febre
há-de deixar passar primeiro quarenta e oito horas antes que os
mande sangrar e somente os mandará lavar do bicho e botar-se-
lhes-á a ajuda ordinária e, quando não aplacar, lhes perguntará o
que comeu ou bebeu para ver se procede de algum veneno que
lhe tenham dado e os mostrarão logo a pessoa que entende, para
ver se se há-de sangrar; e nascendo-lhes algum inchaço de
qualquer sorte que seja, que possa haver suspeita de carbunco
{sic}, o mandará logo levar à casa de Baltasar Leitão de Vasconcelos,
de minha parte, para que faça o favor de o mandar curar. E para
semelhantes curas fugirão de Mestre João nem de barbeiros, porque
não entendem de curar isto e, muitas vezes, de qualquer leicenço
dizem que é carbunco, com que matam uma peça.
Contar os negros. Os negros serão contados todos os dias,
e o que faltar se procurará logo por todas as vias.
Cuidado com a boiada. Com os bois da fazenda haverá
com eles grande cuidado em os mandar pastorar pelos melhores
pastores e se contarão todos os dias e o que faltar mandará logo
procurar; do mesmo modo, serão curados de todas as feridas e
bicheiras que tiverem e terá grande cuidado que os bois que
trabalharem um dia não trabalhem no outro e i-los-á revezando
para que não sintam tanto o trabalho; e os novilhos os mandará
amansar aos poucos e os fará passar logo pelo carro, para que
assim trabalhem todos; e a cada carreiro entregará duas, ou

258
três ou quatro juntas de bois, conforme a quantidade que hou-
ver, para cada um saber os bois com que há-de trabalhar. E ao
que fizer ofício de capitão de carreiras encarregar-se-lhe-á tudo
para ter cuidado sobre os outros e o que não fizer o que ele
mandr, sendo justo, dará parte para ser castigado.
Visitar as matas. Terá obrigação de visitar as matas da
fazenda e defendê-las e ir a elas e saber por onde estão os
marcos e não consentir que ninguém tire nada delas sem licença
e, para o saber, mandará vigiar todas as semanas pelo feitor ou
por negro de cuidado; e achando-se que cortam irá lá e tomará
ferramentas e impedirá o não carregarem as madeiras; e pela
segunda vez, dará querela de ladrão pela justiça.
Visitar os açudes. A mesma obrigação lhe corre em ir ver
os açudes e levadas e trazer tudo mui bem consertado com
tempo, como for necessário, e não fiar nunca no mandar senão
no ir, para saber se se fazem as cousas.
Tomar conta das lenhas. Quando se fizerem as lenhas
para as moendas se lhe há-de entregar uma medida de seis
palmos de alto, seis de largo e doze de comprido e irá ver todas
as semanas as lenhas que se faz, se é de conta e que seja igual,
na grossa e delgada, e sem embargo que haja feitor-menor, que
vá a ver isto conforme é obrigação sua, sempre vá o feitor-mor
para maior desengano.
Cercar os canaviais. Procurará trazer cercados com boas
cercas todos os canaviais e lavouras da fazenda e fará que os
lavradores façam o mesmo, porque não é justo que se comam
as lavouras, quando elas custam tanto trabalho a plantar.
Cuidado com as casas. Terá grande cuidado em todas as
casas da fazenda para as mandar consertar e retelhar, e o mesmo
fará às senzalas dos negros e fará que os lavradores façam o
mesmo nas que têm a seu cargo.
Cuidado com a olaria. Procurará trazer sempre a
olaria com o oleiro forro, enquanto não houver cativo, e
de tudo o que trabalhar com suas mãos tem o dito oleiro a
metade para o poder vender a quem quiser (e se a fazenda
o houver mister o tomará, pagando-lhe como é estilo) do
que lhe toca partilhas, vem a ser, de loiça, fôrmas, jarras e
tudo o mais de suas mãos, exceto telha e tijolo, que isso

259
se faz com os escravos da fazenda e só se dá ao oleiro, quando
cose a dita telha ou tijolo, com que passar aqueles dois dias; e
estando os barreiros de barro perto da olaria e às manhãs a gente
chega o barro em cestos ou em tábuas, sem para isso ser necessário
carro, que só será necessário quando o barro esteja longe; e, pelo
mesmo modo, quando se desenfornar, a gente há-de carregar o
que houver para as casas donde se há-de pôr; e haverá sempre
de sobre excelente {sic} tijolo de arco e de ladrilho e de parede
para o que se oferecer e fôrmas todas quantas.puderem ser.
Cuidado com a casa de purgar. A casa de purgar esteja
sempre bem consertada de tanques, andainas, furros e correntes
e timbó para consertar as fôrmas e com elas terá grande cuidado
para que se não quebrem.
Cuidado com a serraria. A serraria da fazenda andará
sempre, e o carpina terá sempre madeiras de sobre excelente
para serrar de tudo, caixões, tabuados, carros (que sempre
continuará a fazer) e terá de sobre excelente cangas feitas e tudo
o mais para os carros.
Apanhar envira e cipó Procurará, no tempo que menos
há que fazer, mandar apanhar muita envira para fazer muitas
cordas, para sempre estarem feitas, e cipó de boa casta para
haver muitos cestos de sobre excelente e o cipó para amarrar as
cercas, quando for necessário, e com o mesmo cuidado terá o
timbó para as fôrmas.
Pau para dentaduras. Procurará ter de sobre excelente
pau para fazer dentadura, assim dos eixos como das bolandeiras
e terá sempre alguns feitos, pau para cunhas (e algumas feitas) e
as palmetas consertadas, dois dados, duas carapuças de sobre
excelente para o que se oferecer.
Cinza para a decoadas. Prevenirá todo o ano a cinza que os
negros fizeram em suas casas e nas olarias e ajuntá-la donde se não
molhe, e que haja sempre dezoito jarras para fazer decoada e que haja
algumas de sobre excelente sempre feitas, porque se quebram, e primeiro
que se bote a cinza se arqueiem muito bem com um timbó.
Cuidado com a casa da aguardente. Com a casa da
aguardente terá todo o cuidado, aproveitando todas as
cachaças, e que se faça boa, que há-de ser para carregar; e
se façam muitas vasilhas para as garapas e todos os bar-

260
ris que forem necessários os mandará pedir à pessoa que assistir
com meus negócios no Recife, advertindo que nisto haja muito
cuidado.
Acudir as prantas. Se por conta da fazenda se fizerem
prantas, acudirá a elas com grande cuidado para que se não
percam, nem que entre criação nenhuma e comê-las.
Pontes da fazenda. Terá sempre as pontes e serventia da
fazenda feitas e consertadas, com suas porteiras tapadas, que se
fechem, e havendo caminho por fora da fazenda não consinta
que andem por dentro, salvo em caso de necessidade.
Limpar os pastos. Terá sempre limpos os pastos e a fazenda
desafogada, procurará ter boa horta, plantar muitas parreiras e
figueiras e muita árvore de espinho e as tapagens que puderem,
ser com videiras.
Repartir o açúcar. O açúcar que se fizer no engenho será
com toda a verdade e clareza para os lavradores, fazendo-se a
partilha igual e procurará que o açúcar seja sempre o melhor
que se poder fazer e que não vá à bagaceira e que se não deixe
de fazer por falta de algum pouco necessário; e se o mestre ou
purgador forem errados, chamará outros de fora para se examinar
em que vai o erro, para se remedear e fazer sempre com o
purgador que ande com o açúcar com cuidado, para que o tire
no mais breve tempo que pode ser.
Encaixar bem o açúcar. O açúcar que tocar à fazenda
será encaixado com toda a perfeição, para que sendo necessário
tirar-lhe o tampo, para se ver toda a caixa, se faça; ao mascavar
terá grande cuidado, que será. melhor haver duas arrobas de
mascavado, que não {sic} botar a perder o bom açúcar e nisto
terá todo o sentido; e também se faça antes quatro ou dez caixas
de açúcar à parte do mais somenos, que não botar a perder o
bom açúcar fino. Torno a dizer, que nisto haja grande cuidado e
os caixões sejam bem secos e nos melhores mandará encaixar o
branco; o barro para o açúcar para a casa de purgar procure
sempre deixá-lo de um ano para o outro de sobre excelente.
Cuidado com os currais. Os currais para dormirem
os bois sejam grandes e para os tomarem pelas manhãs
haja outro curral mais pequeno, para que não haja trabalho

261
em tomar os bois; os carros estejam sempre resguardados do
tempo de sol e chuva, debaixo de algumas casas, e aos carreiras
dará sempre sebo e mandará pôr nos aguilhões dos eixos do
engenho quando moer, e haja nisto grande cuidado. E fará que
a decoada seja sempre boa, advertirá ao mestre que não bote
água demasiada nos açúcares e se for feito sem ela melhor o
estimarei; azeite nas tachas pouco ou nenhum, porque é mui
danoso para o açúcar, conforme tem mostrado a experiência.
Não dispor de nada sem ordem do Sr. Governador. Não dará
nada da fazenda sem ordem minha, estando em parte donde se me
possa perguntar, e, em falta, à pessoa que correr com meus negócios
no Recife e de todas as cousas de consideração que sucederem na
fazenda me dará parte a mim ou à dita pessoa para me dar.
justificar a morte dos negros e bois. Todo escravo que
morrer justificará sua morte com gente da fazenda e de que
morreu, e o mesmo será com os bois, para que de tudo haja
clareza, e as crianças que nascerem fará assento delas.
Cuidado com os cobres. E a cousa de mais importância no
engenho são os cobres, com os quais há-de ter grande cuidado
para que se não queimem, e o mesmo cuidado se deve ter com
a ferramenta, que se não furte nem se perca.
Fazer rol cada noite. E para melhor fazer sua obrigação,
o Feitor-mor deve todas as noites fazer rol de tudo o que se
há-de fazer o outro dia e para que faça tudo muito bem e com
mais facilidade há-de se prezar de ser Cristão temente a Deus,
zeloso da fazenda que lhe entregarem e ser benquisto de todos
os vizinhos, ser cortês, de préstimo, acudindo à necessidade no
que poder, e com os homens que estiverem debaixo de sua
jurisdição ser afável, obrando tudo com boas razões enquanto
pode ser, respeitar-se e não se facilitar com os súditos que mandar
e debaixo de tudo não há ouro sem fez.
E fazendo o Feitor-mor o referido não tão somente fica
desencarregado de sua consciência, mas ainda ganha crédito
para o mundo e me obrigará, para que, além de seu pagamento,
o ajude para tirar mais lucro, e assim permita Deus que o faça.
Advertindo que fora disto que nenhuma desculpa
hei-de admitir, porque já fica dito que no que houver dúvida

262
avise, nem eu quero mais do que está escrito, ainda que seja
melhor, porque seguir as ordens do dono da fazenda é o mais
acertado.
E o dito Feitor-mor poderá para remedear as necessidades
dos doentes vender o mel, retame e as mais miudezas da casa
de purgar, como também poderá vender da olaria loiça e o mais
que nela se fizer, para com isso acudir às necessidad es que se
oferecerem na fazenda; e mandará criar galinhas por uma negra
da fazenda, para ter frangos e galinhas para os doentes.
Feito neste Engenho do Meio em 23 de junho de 663.
E o Feitor-mor que assistir neste Engenho do Meio dará à
Sra. Isabel Ferreira aquilo que lhe pedir e com sua quitação lhe
levarão em conta. Dito dia.

João Fernandes Vieira."

263
Produzida pela Companhi a Editora de Pernambuc o - CEPE,
composta em fonte Gatineau, corpo 11, miolo impresso em
papel Pólen Soft 80 glm2 (dois volumes/ costurados),
capa em Cartão Supremo 250 glm 2•
Esta edição de Fontes para a História do Brasil Holandês
- A Economia Açucareira,
obra editada por José Antônio Gonsalves de Mello,
dá continuida de a Série 350 Anos da Restauração Pernambucana,
em setembro de 2004, sob a coordenaç ão de
Leonardo Dantas Silva para o
Governo do Estado de Pernambuc o.
Parque Gráfico da
Companhi a Editora de Pernambuc o - CEPE,
Fone: (81) 3217.2500 - Fax: 3222.5126
E-mail: cepe@cep e.com.br

Companhia
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