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HELISANE MAHLKE

HELISANE MAHLKE
Doutora em Direito Internacional pela USP
Mestre em Relações Internacionais pela UFRGS
Professora de Direito Internacional e Direitos Humanos

DIREITO INTERNACIONAL
DOS REFUGIADOS
Novo PARADIGMA JURÍDICO

~
ÃRRÃEs
EOITORES

Belo Horizonte
2017
CONSELHO EDITORIAL
Álv,Ho Ricardo de Souza Cruz Jorge Bacelàf Goul'e1a ~ Ponug,il
André Cordeiro Le,1] Jorge M. Lasmar
André Lipp Vimo Basto Lupi Jose Antonio Moreno 11olina - fapanha
António t\farcio da Cunh,1 Guimarães Josê Luiz Qiudros de M,1g,1lbães
Bernardo G. B. Nogueira Kiwonghi Bizawu
Carlos Augusto Canedo G. da Silva Leandro Eustáqu10 de M;11os Momeiro
Cados Bruno ferreira da Silva Luciano Stoller de Faria
Carlos Henrique Soares Luiz Henrique Sormanl BMbugiani
Ctaudia Ros,we Roesler Luiz M,10oel Gomes Júnior
Cli:merson Merlin C!éve Luiz Moreira
D,1vid França Ribeiro de Carvalho i\Hrcio Luís de Oliveira
Dhenis Cruz lvfadeirn Maria de Fátima Freire Sá
Dircêo Torreci!Li.s Ramos MArio Lúcio Quintfo Soares
Emerson Garcia Martonio Monr'Alverne Barrew Lima
Fellpe ChiHe!!o de Souza Pimo Nelson Roscnvald
Florisbal de Souza Dcl'Olmo Ren,uo Carnm
Frederico Barbos;1 Gomes Roberto Correia d,1 Silva Gornes Caldas
Gilberto Bercovici Rodolfo Viana Pereira
Gregório Assagra de Almeida Rodrigo A!meid,1 Magalhães
Gustavo Corgosinho Rogério Filippetto de Oliveira
Gustavo Silveira Siquei1·;1 Rubens Beçak
Jamilc Bergamaschine Mata Diz V!admir Oliveira da Silveira
Janaína Rigo Santin Wagner Menezes
Je,1n Carlos Fernandes William Eduardo Freire

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.
Impresso no Brasil I Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2017.


Coordenação Editorial: Fabiana Carvalho
Produção Editorial e Capa: Danilo Jorge da Silva
Imagem de Capa: O autor: Prazis (Ucrânia)
O título: "Helping hands refu.gee near the
fence of barbed wire"
Revisão: Responsabilidade do At1tor

341 .486 Mahlke, Helisone


M214d Direito internacional dos refugiados: novo paradigma jurídico/
2017 Helisane Moh!ke. Belo Horizonte: Arroes Editores, 2017.
p.311

ISBN: 978.85-8238-279-0

1 Direito internocionol dos refugiados. 2. Refugiodos Direitos, 3. Refvgiados - Proteção -


Brasil. 4. Brasil - Proteção aos refugiodos. 5. Repatriação voluntório. 4. Sistema lnteromericano
de Direitos Humanos. 1. Título.

CDD(23.ed.)-34 l. l 43
C0dir 341.486

Eloborodo por: Fá!ima Falei


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Te!: (31) 3031-2330 Te!: (11) 3105-6370

www.arraeseditores.com.br À minha família ...


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Belo Horizonte V
2017
LISTA DE SIGLAS

ACNUR/UNHCR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados


AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas.
ASAV Associação Antônio Vieira
CASP Caritas Arquidiocesana de São Paulo
CARJ Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro
Comitê Internacional da Cruz Vermelha/
CICV/IRCC
lnternational Red Cross Committee.

CIJ Corte Internacional de Justiça


CIDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
CE Comunidade Europeia
CEAS Common European Asylum System
CEDH Corte Europeia de Direitos Humanos
CONARE Comitê Nacional para Refugiados.
CN!g Conselho Nacional de Imigração
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
DIR Direito Internacional dos Refugiados
DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos
DIG Direito Internacional Geral
DPU Defensoria Pública da União
ECOSOC Econonomic and Social Council

''Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Comitê Executivo do Alto Comissariado das Nações
ExCOM
Mas só há duas nações - a dos vivos e a dos mortos': Unidas para Refugiados.
IDPs Internally Displaced Persons / Deslocados Internos
(Mia Couto, "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra")
ILC International Law Commission

VI
IMDH Instituto de Migrações e Direitos Humanos
International Organization for Migration /
!OM/O!M
Organização Internacional das Migrações.
MPF Ministério Público Federal
MTE Ministério do Trabalho e Emprego SUMÁRIO
OIR Organização Internacional para Refugiados
OCHA Office for Coordination of Humanitarian Affairs.
OEA Organização dos Estados Americanos
ONGs Organizações Não-governamentais.

ONU/UN Organização das Nações Unidas/ United Nations. PREFÁCIO................................................................................................................. XII

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XV


OUA Organização da Unidade Africana.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... .. 1
PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia PARTE I


UA União Africana. O MODELO ATUAL DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS ...................... . 5

UE União Europeia
CAPÍTULO 1
United Nations Conciliation Commission on O MARCO REGULATÓRIO INTERNACIONAL ......................................... . 6
UNCCP
Palestine L L A construção do Direito Internacional dos Refugiados.. ......................... .. 6
1.2. A política global do refúgio ........................................................................... .. 29
UNDP United Nations Population Division.
1.2. L A resposta institucional à migração forçada ..................................... . 35
UNICEF United Nations Children's Fund. 1.2.2. O papel das agências .............................................................................. . 38
1.2.2.1. A UNRWA ........................................................................................... .. 38
1.2.2.2. A OCHA .............................................................................................. .. 41
1.2.2.3. A IOM ................................................................................................... . 41
1.3. O mandato do ACNUR................................................................................... 42
1.3.L O papel do ACNUR na supervisão do Direito Internacional
dos Refugiados.................................................................................................... 45
1.3.2. A implementação das soluções duradouras........................................ 49
1.3.2.L A repatriação voluntária...................................................................... 50
1.3.2.2. A integração local................................................................................. 51
1.3.2.3. O reassentamento................................................................................. 52

CAPÍTULO 2
A CRISE ATUAL DO MODELO DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS .. 54
2. L As causas do deslocamento forçado .............................................................. . 54
2. L L As diferentes faces da mobilidade humana ....................................... .. 58
2.1.1.1. A apatridia ............................................................................................ . 60
JX
vm
1
1

2.1.1.2. Os migrantes econômicos .................................................................. .


2.1.1.3. Os migrantes ambientais .................................................................... .
62
64
4.4. O papel das Cortes Internacionais na interpretação do Direito
Internacional dos Refugiados.................................................................................. 201
!
2.1.1.4. Vítimas de tráfico de pessoas ............................................................. . 66 4.5. A construção de um novo paradigma jurídico de proteção aos refugiados 207
2.1.1.5. Deslocados internos ............................................................................ . 68
2.2. A nacionalização da proteção aos refugiados .............................................. . 70 PARTE III
2.2.1. Os parâmetros da exclusão ................................................................... . 73 O NOVO PARADIGMA JURÍDICO DA PROTEÇÃO AOS
2.2.2. A politização do refúgio ........................................................................ . 79 REFUGIADOS E O BRASIL.................................................................................. 211
2.3. As alternativas dos Estados face o esgotamento do atual modelo
de proteção .......................................................................................................... . 83 CAPÍTULO 5

2.3.1. A cooperação interestatal ("burden sharing") .................................... . 85 O MODELO NACIONAL DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS.............. 212
2.3.2. O acordo com um terceiro paíse de acolhimento 5.1. A evolução da proteção dos refugiados no Brasil........................................ 212
("third safe country") ......................................................................................... . 87 5.2. O marco regula tório nacional......................................................................... 222
2.3.3. As zonas de segurança ("sa/ety zones") ................................................ . 89 5.3. A estrutura tripartite.......................................................................................... 231
2.3.4. O fechamento de fronteira ("border closure") ................................... . 89 5.3.1. O CONARE............................................................................................. 232
2.3.5. Os centros de detenção .......................................................................... . 90 5.3.2. A participação da sociedade civil.......................................................... 234
5.3.3. A atuação do ACNUR no Brasil.......................................................... 237
PARTE II 5.3.4. A atuação da Polícia Federal como autoridade migratória.............. 238
A CONSTRUÇÃO DO NOVO PARADIGMA ................................................ . 94 5.4. A implementação das soluções duradouras.................................................. 239
5.4.1. A repatriação voluntária......................................................................... 239
CAPÍTULO 3 5.4.2. O reassentamento solidário................................................................... 241
O REFÚGIO E AJUSTIÇA INTERNACIONAL.. ........................................... . 95 5.4.3. A integração local.................................................................................... 243
3.1. A proteção dos refugiados no Sistema Interamericano de Direitos
Humanos .................................................................................................................... . 95 CAPÍTULO 6

3.1.1. Normas Regionais................................................................................... 102 CRÍTICAS AO MODELO NACIONAL DE PROTEÇÃO


3.1.2. A jurisprudência da Corte lnteramericana ......................................... 108 AOS REFUGIADOS................................................................................................. 245
3.2. A proteção dos refugiados no Sistema Europeu de Direitos Humanos.. 114 6.1. A proteção do refugiado do acolhimento à integração.............................. 245
3.2.1. A jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos............ 119 6.2. Análise crítica do processo de reconhecimento do status de refugiado.. 251
3.3. O Refugio na Integração Europeia................................................................. 125 6.3. A judicialização do refúgio.............................................................................. 257
3.3.1. A política migratória europeia.............................................................. 128 6.3.1. O judicial review da decisão do CONARE........................................ 259
3.3.2. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.......... 135 6.3.2. A busca pela garantia de direitos.......................................................... 263
3.4. A proteção aos refugiados no Sistema Africano de Direitos Humanos.. 139 6.4. A responsabilidade do Estado Brasileiro face o Direito Internacional
3.5. O papel da Corte Internacional de Justiça.................................................... 148 dos Refugiados···········································:······························································· 267
3.6. O refúgio e o Tribunal Penal Internacional................................................. 152 6.5. Pela construção de um novo modelo de proteção aos refugiados............ 274

CAPÍTULO 4 CONCLUSÃO........................................................................................................... 277


FUNDAMENTOS DO NOVO PARADIGMA JURÍDICO DA
PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS.................................. 158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 281
4.1. A hermenêutica do Direito Internacional dos Refugiados........................ 158
4.2. A composição das fontes do Direito Internacional dos Refugiados........ 168
4.3. A proteção complementar ao Direito Internacional dos Refugiados...... 175
4.3.1. Normas Complementares do Direito Internacional dos Direitos
Humanos stricto senso...................................................................................... 180
4.3.2. Normas Complementares do Direito Internacional Humanitário 190
X ~
das agências internacionais (UNRWA, OCHA, IOM) e, principalmente do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) na administração e
supervisão de questões de mobilidade humana.
O Capítulo 2 é centrado na amplitude e complexidade da crise do modelo atual
de proteção aos refugiados. A autora elenca as causas para o deslocamento forçado
de pessoas, descrevendo as diversas categorias de migrantes, ao mesmo tempo em que
PREFÁCIO
examina a resposta insuficiente dada pelos Estados para a proteção das novas deman-
das migratórias. Após identificar os parâmetros nacionais de exclusão e a politização
do refúgio como fatores para a seletividade no tratamento da mobilidade humana a
autora expõe as principais alternativas estatais utilizadas para contornar, de maneira
paliativa e insatisfatória, a problemática dos fluxos de refugiados.
Reconhecendo a falência do paradigma atual de proteção aos refugiados, a
Tenho a alegria de prefaciar a obra "Novo Paradigma Jurídico da Proteção
autora dedica a Parte II da obra à revisão dos fundamentos do paradigma jurídico
Internacional dos Refugiados", da Professora Helisane Mahlke, elaborada como
internacional para a tutela dos Refugiados.
resultado da elogiada tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da
O Capítulo 3 salienta a relação entre o refúgio e a justiça internacional, me-
Universidade de São Paulo, da qual tive a honra de ser Professor Orientador.
diante o cotejo pormenorizado entre as normas e políticas migratórias de cada um
O tema cuidadosamente desenvolvido pela autora aborda questão central ao
dos sistemas regionais de Direitos Humanos (Interamericano, Europeu e Africano)
direito internacional da atualidade, que vem a ser a crise global do refúgio. De um
e a jurisprudência das respectivas Cortes Regionais de Direitos Humanos. Face a
lado, tem-se o crescente aumento da mobilidade humana forçada, nas suas mais di-
expansão normativa do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a autora
versas modalidades (refugiados, apátridas, migrantes econômicos, ambientais, tráfi-
analisa, ainda, o papel de outros Tribunais Internacionais (Tribunal de Justiça da
co de pessoas, deslocados internos e fluxos mistos); de outro, os migrantes seguem
União Europeia, Corte Internacional de Justiça e Tribunal Penal Internacional) na
tratados como assunto de segurança nacional ou ainda objeto de medidas de clara
interpretação harmônica das normas internacionais de proteção aos refugiados.
seletividade econômica, sendo protegidos de forma deficiente e discriminatória.
O Capítulo 4 traz as bases para a construção de um novo paradigma jurídico
No cenário contemporâneo das sociedade hipermóveis, o fluxo de refugiados
na proteção internacional dos refugiados. A compreensão da hermenêutica do Di-
contrasta com a ausência de um modelo adequado para acolher estrangeiros em si-
reito Internacional dos Refugiados permite que a autora identifique as principais
tuação de perseguição ou risco de violações graves e sistemáticas de direitos humanos.
características do novo paradigma protetivo aos migrantes forçados: i) a identida-
A proteção do refugiado deve compreender a proteção da saída do seu local
de, convergência e complementaridade entre os eixos de proteção de direitos no
de residência, passando pelo trânsito, concessão do refúgio, até o seu eventual tér-
plano internacional; ii) a atuação das instituições internacionais, especialmente dos
mino. Contudo, a realidade é marcada pela falta de comprometimento dos Estados
Tribunais Internacionais, na proteção dos refugiados; e iii) a responsabilidade dos
com o cumprimento das normas internacionais de mobilidade humana e pela
Estados por violação às normas de refúgio.
desconfiança e resistência à acolhida aos refugiados.
Finalmente, a Parte III aborda o impacto do novo paradigma internacional
Nesse contexto, surgem algumas perguntas: quais as causas da crise do para-
de proteção aos refugiados no Brasil, dividindo-se entre o detalhamento do modelo
digma atual de proteção aos refugiados? Q,lal o cenário institucional ideal para a
nacional de proteção aos refugiados e seu exame crítico, com proposições para a
proteção internacional efetiva dos refugiados? Q,lal a responsabilidade do Estado em
efetivação de novo modelo jurídico para a ampla tutela da migração forçada.
aceitar refugiados em seu território? Q,lal o papel dos Tribunais Internacionais na
O Capítulo 5 traça a evolução da proteção dos refugiados no Brasil, realçan-
consolidação do Direito Internacional dos Refugiados? E, finalmente, como cons-
do o panorama atual normativo e institucional para a proteção da mobilidade
truir um contexto político e jurídico que favoreça a proteção efetiva dos refugiados?
humana. O sistema nacional de proteção ao refugiado é estudado com especial
Para abordar esses questionamentos, a autora propõe uma divisão lógica do
atenção para o funcionamento da sua estrutura tripartite (CONARE, ACNUR e
tema em três partes: Parte I, o modelo atual de proteção dos refugiados; Parte II, a
sociedade civil) e para as soluções duradouras para o cumprimento dos standards
construção do novo paradigma; Parte III, o novo paradigma jurídico da proteção
internacionais sobre refúgio.
dos refugiados e o Brasil.
No Capítulo 6, a autora aponta os limites e contradições do sistema nacional
O Capítulo 1 traz um panorama do marco regulatório internacional do re-
de proteção aos refugiados, demonstrando a insuficiência do processo de acolhi-
fúgio. Passando pela evolução histórica da proteção aos estrangeiros em persegui-
mento e integração. Finalmente, delineia a judicialização internacional do refúgio
ção, a autora examina a política institucional do refúgio, detalhando a atuação
xrn
XII
e a revisão do modelo nacionalista, com intersecção de instrumentos normativos e
institucionais internacionais, como medidas necessárias em busca de um paradig-
ma inovador - e de acento universalista - que garanta de forma integral a proteção
dos refugiados.
A obra é um convite ao leitor para pensar criticamente o esgotamento do
atual modelo de refúgio e explorar as perspectivas de um novo paradigma jurídico APRESENTAÇÃO
de interpretação e aplicação do Direito Internacional dos Refugiados, à luz da in-
terpretação internacionalista dos direitos dos refugiados e dos deveres de proteção
do Estado.
Da abordagem inovadora, desenvolvida de forma cuidadosa e sistematizada,
com pesquisa bibliográfica e estudo jurisprudencial detalhados, sobressai obra com- A identidade mutante do refugiado ao longo da história manifesta-se em
prometida com o estudo completo da proteção internacional desse grupo vulnerável, línguas, nacionalidades, rostos, origens diferentes. Em comum) a mesma saga de
agregando à doutrina (nacional e internacional) uma importante e indispensável desterro, ruptura e reconstrução que forma um mosaico de vidas humanas, as quais
análise prospectiva, sobre o futuro da promoção dos direitos dos refugiados. carregam dentro de si a bagagem da guerra, da violência, do preconceito, mas, tam-
O mérito da autora também reside na coragem em propor reflexão crítica bém, da esperança e da luta pela sobrevivência. Estudar o tema do refúgio, escrever
sobre a insuficiência do modelo atual de proteção aos refugiados e sobre a ambi- e refletir sobre ele, impõe a quem a ele se dedica um questionamento persistente:
guidade das políticas migratórias estatais. Evidenciando tratar-se de investigação qual a essência da humanidade e como protegê-la?
científica séria, a autora apresenta novo paradigma jurídico para a proteção in- Essa obra é fruto da reflexão feita pela autora durante anos de dedicação
ternacional dos refugiados, pautado na internacionalização dos direitos humanos ao tema, refletidos em pesquisa, produção acadêmica, palestras, cursos e trabalho
como fator indispensável para a compreensão dos parâmetros mínimos de trata- junto a instituições. A culminação dessa rica experiência encontra-se refletida nessa
mento dos migrantes forçados. obra, que é o resultado da pesquisa realizada no âmbito do Doutorado em Direito
Assim, afirmo, com segurança, que a excelência na abordagem resulta em Internacional na Universidade de São Paulo.
obra exemplar e indispensável, que marcará o estudo do Direito Internacional dos A pesquisa surgiu de uma visão crítica a respeito da proteção dos refugiados,
refugiados no Brasil. tanto em âmbito internacional, quanto nacional. Procurou-se realizá-la com isen-
ção e independência, com o propósito primordial de contribuir para uma análise
profunda do atual modelo de proteção, denunciando suas incongruências e pro-
ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS curando apontar possibilidades de aprimorá-lo para que ele esteja efetivamente em
Professor Doutor e Livre-Docente de Direito internacional da Faculdade
harmonia com os standards internacionais do Direito Internacional dos Direitos
de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professor de Direito In-
ternacional Privado e Direitos Humanos. Docente responsável da disci-
Humanos, do qual o Direito Internacional dos Refugiados é parte.
plina "Proteção Internacional dos Direitos Humanos" na Pós-Graduação Ao manifestar o propósito da publicação desse estudo, também é fundamen-
estrito senso da mesma Faculdade (CAPES 6). tal revelar que, nesse processo de aprendizado e amadurecimento intelectual cons-
truído, especialmente, durante os três anos de Doutorado, algumas pessoas foram
essenciais para que essa obra se tornasse possível e a elas manifesto meu eterno
agradecimento.
Ao meu Orientador, Professor André de Carvalho Ramos, pela rica convivên-
cia desses anos, pela amizade que surgiu do amor mútuo pelo conhecimento, e por
ser sempre uma fonte de inspiração para minha vida e carreira.
Aos Professores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, pela oportu-
nidade do crescimento, pela alegria do debate e das persistentes inquietações acadê-
micas, que espero, durem para sempre. Meu agradecimento especial, aos Professo-
res que participaram da banca de defesa da minha Tese de Doutorado, Professores
Aziz Saliba, Paulo Casela, Alberto do Amaral Jr. e Salem Nasser, pela dedicação

XIV XV
e respeito que dedicaram ao meu trabalho e pela inestimável contribuição para o
aprimoramento desta obra.
Agradeço, também, aos colegas da pós-graduação, amigos queridos, que terei
por toda a vida e que compartilharam todas as dores e as cores dessa jornada; e
aos colegas e professores do Oxford Refugee Studies Centre, pelo aprendizado da
convivência, o conhecimento e as experiências de vida partilhadas em poucos, mas INTRODUÇÃO
intensos dias, que tanto contribuíram para este estudo.
Aos meus alunos, fonte de alegria e força, que me fizeram reconhecer minha
vocação acadêmica e o prazer da docência.
Aos amigos fiéis, que foram pacientes e tolerantes com a minha ausência, sua
compreensão e seu carinho me deram forças para persistir e acreditar. A situação dos refugiados no mundo cresce em número e complexidade,
E à minha família, cujos gestos, palavras, esperas, saudade, abraços, conselhos, desafiando os instrumentos legais e institucionais vigentes, a corresponderem ade-
confiança, sacrifkio e coragem, só podem ser traduzidos em única palavra: amor! quadamente às novas demandas. Conforme se pretende demonstrar no desenvol-
vimento deste estudo, o crescimento exponencial do número de solicitantes de
São Paulo, janeiro de 2017. refúgio contrasta com a falta de articulação política e institucional capaz de admi-
nistrar os fluxos cada vez mais numerosos e diversificados quanto à origem e causa
do deslocamento forçado.
A AUTORA Todavia, mesmo diante dessas novas demandas, a anacrónica estrutura de
proteção ainda continua a mesma do período que sucedeu as duas Guerras Mun-
diais, caracterizada pela fragmentação da interpretação normativa; pela fraca ins-
titucionalização; e pela apropriação do direito ao refúgio pela agenda de política
externa dos Estados. Dessa forma, tem-se um modelo de proteção aos refugiados
totalmente dependente de iniciativas nacionais. Com essa estrutura, o poder de
decisão sobre o status do refugiado acaba por se convertem em domínio do Estado
e segue, previsivelmente, os interesses por ele definidos, frequentemente em detri-
mento dos direitos daqueles aos quais deveria proteger.
Apresenta-se, então, um modelo de proteção no qual cada Estado constrói
sua própria política para refugiados, geralmente estabelecida por uma legislação
nacional, a qual é interpretada e aplicada segundo os ditames locais. Essa "nacio-
nalização" do instituto do refúgio pode resultar em incongruências, na medida
em que, mesmo tendo se comprometido com as normas internacionais, o Estado
ainda detém o monopólio sobre sua aplicação. É justamente neste momento que
a atuação dos países quanto ao refúgio revela-se mais seletiva que humanitária e,
como consequência, estabelece-se uma dicotomia entre os compromissos assumi-
dos pelo Estado e a realidade nacional do refúgio.
Esse quadro revela a necessidade de buscar coerência na implementação do
Direito Internacional dos Refugiados, identificando os instrumentos capazes de
promover uma harmonização entre as instâncias internacionais e nacionais. En-
tende-se que é fundamental, para garantia de proteção daqueles que detêm a titu-
laridade desse direito, que os Estados respeitem um standard de interpretação das
normas internacionais, que privilegiem seu verdadeiro fundamento: o reconheci-
mento do direito subjetivo ao refúgio, que transcende a soberania do Estado, mas
que é parte de sua responsabilidade internacional.
XV]
2 HELJSA>'E 1VL.\I-ILKE DIREITO
= - = -oos- - - -
INTERi'lACIONAL Novo
- - -JURioJCO
---------
REl'l'GtADOS: PARADIGMA l 3
.
Portanto, para evitar que o solicitante de refúgio se veja refém dos interesses consideração implica em duas importantes consequências: primeiro, ela insere 0
políticos, é fundamental que haja uma internacionalização dos modelos jurídicos Direito Internacional dos Refugiados dentro da esfera de competência das Cortes
de proteção ao refugiado, incorporando-os aos mecanismos de proteção interna- Internacionais; e, segundo, por coerência hermenêutica, entende-se que devem ser
cional dos direitos humanos. A fundamentação para tal afirmativa é simples: é da aplicados, ao Direito Internacional dos Refugiados, os mesmos Princípios e, de
natureza do instituto do refúgio sua universalidade, característica comum aos direi- maneira complementar, as Convenções Internacionais que compõem o do Direito
tos humanos. Essa internacionalização deve se dar por meio da harmonização das Internacional dos Direitos Humanos.
legislações e procedimentos de determinação do status de refugiado em diversos Corno se pretende demonstrar no Terceiro Capítulo, as Cortes Internacionais
países, por meio do estabelecimento de um standard de interpretação que vincule têm produzido importante jurisprudência sobre o tema. Assim, o mote deste Ter-
os Estados à aplicação uniforme das Convenções Internacionais. ceiro Capítulo é demonstrar, por meio da análise normativa e jurisprudencial do
Na tentativa de buscar harmonizar as políticas nacionais de proteção aos Sistema Europeu de Direitos Humanos; da Integração Europeia; do Sistema Afri-
refugiados com as normas internacionais, as Cortes Internacionais têm se manifes- cano de Direitos Humanos; da Corte Internacional de Justiça, do Tribunal Penal
tado sobre a responsabilidade dos Estados em reconhecer o direito ao acolhimento Internacional e, principalmente, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos,
daqueles que solicitam o refúgio, bem como quanto à necessidade de aprimorar o que essa jurisprudência forma um standard de interpretação, que possui duas ca-
sistema de proteção em diversos países. Observa-se, a partir da análise da jurispru- racterísticas principais: a perspectiva jusinternacionalísta e a complementaridade
dência das Cortes Internacionais, a emergência de um "novo paradigma" jurídico normativa, que serão analisadas no próximo capítulo.
de interpretação e aplicação do Direito Internacional dos Refugiados. Caracterizar O Qilarto Capítulo, por conseguinte, estabelece os fundamentos do novo
os fundamentos deste novo paradigma e analisar sua repercussão sobre a proteção paradigma jurídico da proteção aos refugiados, expresso no reconhecimento da
dos refugiados, especialmente em nosso país, é o objeto deste estudo. primazia das normas internacionais e da legitimidade do intérprete internacional
Para desenvolvê-lo, a obra é dividida em três partes conexas. A Primeira Parte para determinar a aplicação destas e na relação de complementaridade entre as três
lança um olhar crítico sobre o atual modelo de proteção aos refugiados, confron- vertentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Quanto à mencionada
tando suas bases normativas e institucionais com a atual demanda pela proteção complementaridade normativa, é decorrente da concepção de que o Direito Inter-
aos refugiados por meio dos dois capítulos que a compõem. nacional dos Refugiados é um parte integrante do Direito Internacional dos Direi-
O Primeiro Capítulo delineia a construção do marco regulatório internacio- tos Humanos (em conjunto com o Direito Internacional dos Direitos Humanos
nal do Direito Internacional dos Refugiados e o papel das instituições na tentativa stricto sensu e o Direito Internacional Humanitário) e, portanto, suas disposições
de governança do refúgio. Analisa-se, especialmente, o mandato do Alto Comissa- podem oferecer proteção complementar em situações que não estão previstas pelas
riado das Nações Unidas, como supervisor do Direito Internacional dos Refugia- normas específicas do refúgio. As principais normas de intersecção, citadas na ju-
dos e na implementação das soluções duradouras. Assim, o intuito deste Primeiro risprudência internacional serão analisadas neste capítulo.
Capítulo é caracterizar o atual ('estado da arte" do refúgio por meio da análise dos Por fim, outro objetivo deste Quarto Capítulo é demonstrar que uma das
instrumentos normativos e institucionais disponíveis. principais consequências desse novo paradigma é o reconhecimento de que o insti-
O Segundo Capítulo, por sua vez, aponta as causas, do que se denomina tuto do refúgio pertence ao rol dos direitos humanos, possibilitando a legitimatio
como a "crise global do refúgio". Para tanto, investiga-se tanto o que tem moti- ad causam perante as Cortes Internacionais que exercem competência para julgar
vado o deslocamento forçado de milhares de seres humanos nas últimas décadas, eventuais violações cometidas pelos Estados. Por essa razão, os países que ratifica-
como as diferentes faces da mobilidade humana que tornam a questão cada vez ram tais Convenções, que asseguram a Proteção Internacional dos Direitos Huma-
mais complexa. Neste capítulo, ainda é observado o comportamento dos Estados nos e que, eventualmente, tenham reconhecido a jurisdição dessas Cortes, estão
quanto ao fluxo de refugiados, analisando criticamente seus sistemas de proteção vinculados a standards de interpretação por elas produzidos, o que inclui o Brasil.
e as medidas utilizadas como forma de se eximir da responsabilidade pelo acolhi- Dessa forma, após caracterizar os fundamentos desse novo paradigma, é fun-
mento destes indivíduos. Enfim, o objetivo deste Segundo Capítulo é denunciar o damental analisar como ele repercutiria sobre os Estados, em especial o nosso.
esgotamento do atual modelo de proteção aos refugiados e sua flagrante ineficácia Dessa forma, a Terceira Parte da presente obra dedica-se a analisar criticamente o
diante dos novos desafios impostos pela migração forçada. modelo nacional de proteção e as possíveis consequências que a implementação
Em um exercício de reflexão sobre a necessidade de revisão e superação do do novo paradigma jurídico jusinternacionalista pode trazer sobre a aplicação do
atual modelo de proteção, a Segunda Parte destina-se à construção do novo pa- Direito dos Refugiados no Brasil. No Quinto e Sexto Capítulos, que compõem esta
radigma, o qual se convenciona chamar de "jusinternacionalista", pois conside- Terceira Parte, observa-se que uma das consequências a serem investigadas é a even-
ra o Direito Internacional dos Refugiados (que é tido como /ex specialis) como tual responsabilização do Estado perante as Cortes Internacionais. Considerando
parte integrante do Direito Internacional dos Direitos Humanos lato sensu. Essa que o refúgio é um direito do indivíduo, a negação indevida deste, consistiria na
4 1-!EL!SAL'sE M.i\.HLKE

violação das Convenções Internacionais às quais o Estado se submete. Como con-


sequência dessa responsabilização, deve haver a vinculação das instâncias nacionais
aos standards jurídicos internacionais de proteção aos refugiados e seus princípios
universais. Nesse sentido, entende-se que, a "judicialização do refúgio" pode ser
outra consequência, propiciando que as Cortes Nacionais (em consonância com a
interpretação internacional a qual elas também devem se submeter), manifestem-se
sobre as incongruências desse processo do reconhecimento do status de refugiado,
ou mesmo sobre a não observância de direitos que devem ser garantidos a estes
indivíduos. Por fim, outra consequência que pode resultar da aplicação desse novo
paradigma jurídico é impor a necessidade de revisão do próprio modelo nacional
de proteção aos refugiados, para adequá-lo aos parâmetros de um modelo coerente
com os princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos, do qual o Di-
reito Internacional dos Refugiados é parte. Essa revisão deve pautar-se pela busca
da harmonização do sistema nacional de proteção com as normas internacionais
às quais o Brasil se comprometeu, por meio de medidas (jurídicas e políticas) que
garantam a sua efetividade.
O Direito Internacional dos Refugiados tem como fundamentos a hospitali-
dade, a solidariedade e a universalidade dos direitos humanos e, portanto, prote-
ger os direitos destes indivíduos é, também, afirmar estes valores como elementos
essenciais à comunidade internacional. Essa reflexão torna-se a premissa funda-
mental desta obra, que tem como objetivo principal contribuir para a construção
de um modelo de proteção mais justo e efetivo, que verdadeiramente reconheça PARTE I
o refúgio como um direito do indivíduo e não como mera concessão do Estado.
O MODELO ATUAL DE
PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS
DtRfJTO INTERNACIONAL DOS REJ'L'G!ADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
7
2
a "vida nua" da qual ninguém reivindica tutela. Em um sistema de Estados a
)

garantia de direitos depende menos da sua sacralidade e mais de sua inserção em


um ambiente político que lhe forneça reconhecimento.
Esse reconhecimento, segundo Habermas 3 se dá em diferentes níveis, ou seja,
CAPÍTULO 1 cada homem ou mulher deve ser alvo de um "tríplice reconhecimento": enquanto
indivíduos insubstituíveis, enquanto membros de um grupo étnico ou cultura e
Ü MARCO REGULATÓRIO INTERNACIONAL enquanto cidadãos membros de uma comunidade política. Ainda, segundo Haber-
mas, este reconhecimento deve garantir a estes indivíduos "igual proteção e igual
respeito em sua integridade". ~ando observamos a situação sob a essa perspectiva,
verifica-se uma dupla face presente na proteção aos refugiados: é o Direito dos Re-
fugiados um conjunto de "direitos" entendidos como obrigações recíprocas funda-
1.1. A CONSTRUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DOS mentadas em nosso senso de humanidade, ou são esses direitos, normas aplicáveis
REFUGIADOS às quais se pode reivindicar e forçar o Estado a observá-las?
Nessa ambivalência reside a constatação de que o direito dos refugiados trans-
"Um refugiado ou uma refugiada é toda pessoa que por causa de fundados temores cende o direito dos cidadãos' e que, em consequência, sua efetividade depende da
de perseguição devido à sua raça, relígião, nacionalidade, associação a determina- tutela internacional. Porém, cabe refletir sobre o que sustenta a legitimidade dessa
do grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, tutela internacional e em que bases ela pode representar um instrumento viável
por causa dos ditos temores) não pode ou não quer regressar ao mesmo." 1• para a consolidação de direitos. Em resposta a esse questionamento, elegem-se três
princípios que compõem o fundamento para o "direito ao acolhimento" corno
O refugiado representa o limiar da proteção internacional dos direitos prerrogativa fundamental conferida pelo reconhecimento do status de refugiado: a
humanos: forçado a deixar o país onde tem vínculos de nacionalidade (ou re- universalidade, a solidariedade e a hospitalidade'.
sidência), ele se encontra em situação de extrema vulnerabilidade até que seja Em primeiro lugar, ao considerar verdadeira a afirmação que o Direito Inter-
acolhido por outra nação que lhe reconheça como tal. Dessa forma, pode-se nacional dos Refugiados é parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
concluir que o pilar fundamental do Direito Internacional dos Refugiados seja assume-se que esses direitos contêm em si uma "pretensão de universalidade" 6 •
esse reconhecimento. Mas, de onde ele provém? Para responder a essa questão Essa afirmação pressupõe uma concepção jusfilosófica específica acerca do "direito
essencial, primeiramente, parte-se da premissa de que o direito ao refúgio é um ao refúgio", que possui implicações práticas: i) a primeira delas é conceitua!, ou
direito essencial, parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e não seja, esses direitos devem ser garantidos a todos independente de condições so-
uma prerrogativa estatal. Por essa razão, não cabe ao Estado constituí-lo, mas ciais, culturais, étnicas, políticas ou de nacionalidade. Assim, em consequência, eles
apenas declará-lo. Essa constatação modifica a perspectiva de análise do insti- transcendem os interesses do Estado para resguardar os interesses dos indivíduos.
tuto do refúgio e de sua implementação pelos Estados e, subsidiariamente, pela
comunidade internacional. AGAMBEN, Giorgio. "Homo Sacer: o poder soberano e a vida mm!". 2" cd, Editora UFMG: Bek1 Horizonte, 2010.
Diante dessa perspectiva, como garantir direitos a um indivíduo considerado HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: da facticldade á validade. Vol. !L Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 20 l2,
pp,284-285.
à margem da sociedade, negligenciado a um vazio político, causado pela exclusão Essa colocação faz alusão à diferenC!açào entre os direitos do homem {ou segundo denominação mais apropriada, direitos
originária e pela possibilidade de ulterior rechaço? Em um sistema internacional humanos) e os direitos do cidadão. usada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de l 789, marco da Revolução
composto por uma constelação de Estados, os direitos humanos são mera abstra- Francc~a. Segundo ensina Fábio Konder Comparato. "muito se discutiu a razão da dupla menção. ao homem e ao cidadão, no
título da Declaração. A explicação mais razoável parece ser a de que os homens de 1789 (. .. ) não se dirigiam apenas ao povo
ção sem um Estado para dar-lhes concretude, ou seja, neste contexto, um indivíduo
francês, mas a todos os povos, e concebiam, portanto. o documento cm sua dupla dimensão, nacional e universal.'' (COM-
carece de cidadania para ter seus direitos reconhecidos. PARATO, Fábio Konder. A Afim1ação Histórica dos Direitos Humanos. VII edição. São Paulo: Saraiva: 20!0; p.163).
Aquele que busca refúgio, por encontrar-se excluído da comunidade política As discussões jusfilosóficas sobre cada um desses conceitos são tão amplas quanto complexas. Por esse motivo. utiliza-se a
referência a dctenninados autores. a fim de atribuir significado intencionalmente específico a esses princípios.
a qual pertencia, encontra-se desprovido dos vínculos jurídicos e políticos que
A inegável inspiração Kantiana no reconhecimento da universalidade dos direitos humanos é indispensável a qualquer
lhe asseguram proteção. E por mais que lhes sejam atribuídos direitos humanos discussão. Nas palavras do filósofo, "Ora, como se avançou tanto no estabelecimento de uma comunidade (mais ou menos
universais, a contrario sensu, é justamente a abstração desses direitos que acaba por estreita) entre os povos da Terra que a violação do direito num lugar da Terra se sente em todos os outros, a ideia de um
direito cosmopolita não é nenhuma representação fantástica e extravagante do direito, mas um complemento necessário
condenar o indivíduo a uma posição original (na expressão de Giorgio Agamben,
de côdigo não escrito, tanto do direito político como do direito das gentes, num direito ptlblico da humanidade cm geral
e. assim, um complemento da paz perpétua, em cuja contínua aproximação é possível encontrar-se sô sob esta condição.''
A definição clássica de refugiado é dada pela Convenção Internacional sobre o Estatuto <los Refugiados de 1951 (KANT_ lmmanuel. À Paz Perpétua. Trad. Marco Zingano. Porto Alegre: L&PM, 2008, p.22),
8
1-!EUSAr-:E MA.HLKE Ü!RE!TO INTERNACJONAL DOS REFCGlADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 9

ii) A segunda consequência é hermenêutica, ou seja, a interpretação das normas do por sua vez, construída a partir do reconhecimento intersubjetivo que fundamenta
Direito Internacional dos Refugiados, deve se dar em relação aos demais ramos do a ética da universalidade. Segundo o filósofo de Frankfurt 15 , a solidariedade nasce
Direito Internacional dos Direitos Humanos. da responsabilidade pelo outro, onde todos devem estar "igualmente interessa-
Porém, o enclave jurídico-político no qual o Direito Internacional dos Re- dos na integridade do contexto vital de que são membros". Nesse sentido, justiça
fugiados se encontra' estabelece uma relação paradoxal: seria o Estado ao mesmo e solidariedade são dois aspectos da mesma coisa, ou seja, nas palavras do pró-
tempo, fundamental para a garantia dos direitos humanos e um obstáculo ao pres- prio autor, "(a) justiça concebida deontologicamente exige, como sua outra face, a
suposto universal implícito no reconhecimento destes? 8• A partir dessa reflexão, é solidariedade"H,.
pertinente o questionamento de Jürgen Habermas: "será possível fundamentar a Dessa forma, a universalidade pressupõe a superação da "nacionalidade" pela
prioridade dos deveres especiais - referidos à pertença a um Estado - sobre as abri- "alteridade" (alter - outro, igualmente legítimo), assim como a necessidade de
. · que ultrapassam as fi·ronte1ras
gações un1versa1s . dos Esta dos.>" 9 . substituir a ideia de tolerância, pela hospitalidade. A tolerância nada mais é do que
Diante de tal questão, cabe observar que o parâmetro vigente da nacionali- a soberania do mais forte, que permite ao mais vulnerável existir, porém ainda es-
dade vem sendo utilizado como um fator de exclusão imposto artificialmente'º, tranho à comunidade (do latim, extraneum - "de fora" - estrangeiro). A tolerância
e que este obstaculiza a garantia de direitos daqueles que não são reconhecidos é, portanto, uma "hospitalidade condicionada" 17 e não genuína, pois não inclui o
por determinada comunidade política. O resultado tem sido a privação arbitrária indivíduo na comunidade política, já que não o reconhece verdadeiramente 18 .
da dignidade humanat 1, que não deve ser entendida como um conceito abstrato, Por outro lado, não podem ser negligenciadas as dificuldades inerentes ao es-
indeterminado e geralmente usado indistintamente, mas corno um elemento essen- tabelecimento de uma hospitalidade absoluta, baseada em uma comunidade utópi-
cialmente construído a partir do reconhecimento intersubjetivo. Sendo assim, a ca, que subverte o ideário jurídico e político vigente. O direito à hospitalidade 19 , na
"dignidade humana" só pode se concretizar a partir de uma perspectiva inclusiva, perspectiva kantiana, 20 compreende uma reivindicação moral com possíveis conse-
12
que reconhece o refugiado como elemento legítimo da comunidade que o acolhe . quências legais como a do Estado de acolhimento oferecer residência temporária
Nesse sentido, a igualdade não nasce de abstrações formais ou metafísicas, aos estrangeiros, de acordo com a ordem republicana cosmopolita. Todavia, se-
mas de interesses partilhados entre indivíduos que foram socializados e comparti- gundo o que se pretende demonstrar, especialmente no Capítulo 2 desta obra, essa
14
lham valores comuns, ou seja, ela nasce da solidariedade 13 • Essa solidariedade é,
como sua outra face, a solidariedade. Não se trata, neste caso, de dois momentos que se complementam, mas de aspectos da
"Na transição de uma ordem marcada pelo Estado nacional para uma cosmopolita não se sabe exatamente o que ê mais pe- mesma coisa. Toda moral autônoma tem que resolver, ao mesmo tempo, duas tarefas: ao reivindicar trato iguaL e com ele
rigoso: o mundo (que naufraga) dos stl)eitos soberanos do direito intermicional que perderam há tempos a sua Í!lOCência ou um respeito equivalente pela dignidade de cada um, faz valer a "inviolabilidade dos ind!víduM na sociedade; e ao mesmo
a situação misturada confusa de instituição e de conferências supranacionais que podem atribuir legitimações questionáveis, tempo em que exige a solidariedade por parte dos indivíduos. como membros de uma comunidade na qual são socializados,
mas que ainda continuam dependentes da boa vontade dos Estados poderosos e das alianças," (HABERMAS. Jürgen, A protege as relações intersubjetivas de reconhecimento recíproco. A justiça refere-se à igualdade da liberdade dos indivíduos
Constelação Pós-Nacional: Ensaios Po!Jtkos. São Paulo: Littera Mundi, 200 l, p.15 l ). que se determinam a si mesmos e que são insubstituíveis, enquanto a solidariedade refere-se ao bem, ou à felicidade dos
A seletlvidade excludente é predominante na política estatal quanto à mobilidade humana, condiciorr,1ndo o aco!lúmento do refu- companheiros im1anados cm uma forma de vida intersubjetivameme compartilhada, e deste modo também à preservação da
giado a interesses conjunturais, como alerta Habennas "O emocennismo instrumental embutido nas expectativas de proveito mútuo integridade dessa fomia de vida. As normas não podem proteger um sem o outro, isto é, não podem proteger a igualdade de
propõe uma politica de imigração que permite o acesso de esu<mgeiros apenas quando holtver uma perspectiva fundamentada de que direitos e as liberdades dos indivíduos sem o bem do próximo e da comunidade a que eles pertencem'. Comentários à Ética
eles não colocarão em risco o equilíbrio existente entre pretertsões e prestações.'' (HABERMAS, Jürgen. Op. Cit., 2012, p.300). do discurso ( 1999, p.75).
HABER1\i1.AS, Jürgen, A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2007. p.299. HABERMAS. Jürgen. Comentários à Ética do Discurso. Lisboa: Instituto Piaget. !999, p,75.
Considera-se a nacionalidade tuna construção sócio-juridica utilizada para legitimar as políticas excludentes dos Estados. Os !faberrnas explica que ·'Toda moral autônoma tem que resolver, ao mesmo tempo, duas tarefas: ao reivindicar traio igual,
motivos que levam a essa afirmação se;Jo discutidos no Capítulo 2, e com ele um respeito equivalente pela dignidade de cada um, faz valer a inviolabilidade dos indivíduos na sociedade: e
Exemplo inequívoco do que se denomina •'privação arbitrária da dignidade humana'' é a manu1enção ilegal e, muitas vezes ao mesmo tempo em que exige a solidariedade por parte dos indivíduos, como membros de urna comunidade na qual são
" socializados, protege as relações intersubjetivas de reconhecimento reciproco. A justiça refere-se à igualdade da liberdade
por tempo indetenninado, de imigrantes em centros de detenção (no território do próprio Estado, ou em outros países acor-
dantes), negando-lhes tratamentO humano digno e alijando-lhes do acesso à justiça para a garantia de seus direito$. Segundo dos indivíduos que se detemlinam a si mesmos e que são insubstituíveis, enquanto a solidariedade refere-se ao bem, ou à
o Global Detention Project, Centro de Pesquisa sobre detenção de imigrantes localizado na Suíçi1, inúmeros países recorrem felicidade dos companheiros innanados em uma forma de vida intersubjetivamente compartilhada. e deste modo tambêm á
a esta prática com sêr\as consequências para os indivíduos, inclusive crianças (Para mais infomiações, consultar: http:/i preservação da integridade dessa fonna de vida. As nonnas não podem proteger um sem o outro, isto ê, não podem prote-
www.globaldetentionproject.org/aboutlabout-the-project.html). ger a igualdade de direitos e as liberdades dos indivíduos sem o bem do próximo e da comunidade a que eles pertencem.'·
·'A coexistência com igualdade de direitos de diferentes comunidades êmicas, grupos linguísticos, confissões religiosas e fonnas de (HABER.MAS, Jürgen. Op. Cit., 1999, p.75).
"
vida, não pode ser obtida ao preço da fra&,'lncntação da sociedade. O processo doloroso do desacoplamcnto não deve dilacerar aso- Expressão utilizada por Jacques Derrida !n DERRIDA. Jacques. Da hospitalidade. São Paulo: Escuta. 200}.
ciedade numa miríade de subculturas que se enclausuram mutuamente. Por um lado, a cultura majoritária deve se soltar de sua fusão Por esse motivo. adota-se, ao longo desse estudo, o pressuposto da inclusão, uma vez que a assimilação impõe ao indivíduo
com a cultum política geral, unifo1memente compartida por todos os cidadãos; caso contrário, ela ditará a primi os parâmetros dos a cultura dominamc e a integração, mesmo permitindo a expressão das diferenças, não pe1mite que elas sejam consideradas
discursos de auto-entendimento. Como parte, não mais poderá constítuir-se em fachada do todo, se não quiser prejudicar o processo uma contribuição à construção da identidade da comunidade.
democrátíco em determinadas questões existenciais, relevantes para as minorias." (HABERMAS, Jürgen. Op. Cit., 2007, p. 172). BENHAB[B, Sey!a. The Rights ofOther&: aliens, rcs!dents and citizens. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
Para Kam, o Direito Cosmopolita está condicionado ii hospitalidade universal, corno um ··direito originário'· decorrente da
" HABERJvlAS, Jürgen. Op. Cit., 2007, p.172.
A solidariedade ·'tem sua raiz na experiência de que cada um deve fazer-se responsável pelo outro, porque todos devem estar liberdade e da igualdade entre todos que habitam determinado território. (Ver mais em: KANT, !mrnanuel. A Paz Perpétua,
igtialmente interessados na integridade do contexto vítal de que são membros. A justiça concebida deonto!ogicamente exige, Porto Alegre: LP.\1, 2008. ··zum ewigen Frieden ·•. publicado originalmente em 1795).
1-IELISAi-:E MAHLKE
O!R.E!TO INTERNACIO'.'/Al, DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
11
não tem sido a prática adotada naturalmente pelos Estados. Sem dúvida, conforme Hannah Arendt afirma, em sua obra forjada a partir da experiência desuma-
pondera Jacques Derrida a situação da migração forçada e, em _especial,_ daqueles nizante da Segunda Guerra, que os direitos do homem estão atrelados aos direitos
migrantes sem documento ("sans papier~) "exigem outro d1re1to mt_ernac1onal, ou- do cidadão e, portanto, o destino daqueles direitos depende, e não prescinde do
tra política de fronteira, outra política do humanitário, outro enga1amento huma- papel do Estado. Para Arendt, "a igualdade não nos é dada, mas é resultante da
nitário, que se mantenha para além dos interesses dos Estados-nações" 21 • organização humana orientada pelo princípio da justiça, ou seja, não nascemos
Logo, surge a inquietação: como tornar essas normas efetivas, vinculando o iguais, mas nos tornamos iguais por força da nossa decisão de nos garantirmos
Estado ao seu cumprimento? Considerando que esses direitos são, frequentemente, direitos reciprocamente iguais"26 . Assim, o reconhecimento mútuo da nossa huma-
oponíveis aos interesses dos Estados22. porém depende~tes d~s iniciativ~s d_estes nidade e, por consequência, dos nossos direitos iguais, não são premissas pautadas
para sua concretização, não há como o princípio da umversalidade p~escmd~r de em valores abstratos, mas uma escolha civilizatória 27 • Por essa razão, a proteção
certa intervenção jurídica para que se torne efetivo, Por essa razão, Dernda23 af1rma internacional dos refugiados, a despeito de ser um constructo difícil, é um esforço
que, é natural que os Estados condicionem a paz, li,mitem a hospitalidade, o refú- profundamente necessário à causa da humanidade.
gio ou o asilo, mesmo que seja um Estado Democrauco. A hospitalidade 111cond1- Assim, conforme os argumentos anteriormente expostos, o solicitante de re-
cionali segundo o autor, não é realista e, portanto, não se deve esperar que o Estado fúgio encontra-se em um "limbo" jurídico e político até que lhe seja reconhecido
deixasse de controlar o fluxo migratório ou de impor reservas ao direito de asilo. o direito à proteção28 conferido pelos princípios e instrumentos jurídicos interna-
Por essa razão, a afirmação jusnaturalista do reconhecimento de direitos ba- cionais, os quais os Estados devem observar e cumprir. Por essa razão, o reconhe-
seado na presumida "natureza humana" é insuficiente para assegurar a igualdade cimento do status jurídico internacional de refugiado implica, necessariamente,
entre os indivíduos. Para Giorgio Agamben, os direitos do homem, "que faziam em consequências legais para os Estados (notadamente o respeito ao princípio do
sentido apenas como pressupostos dos direitos do cidadão se separam progressi- non-refoulement29 ). Segundo James Hathaway, em princípio, os Estados ao aderi-
vamente destes e são usados fora do contexto da cidadania" 24 , com o suposto fim
rem às normas do Direito Internacional dos Refugiados, comprometem-se a não
de proteger os direitos naturais da "vida nua", cada vez mais posta à margem do
usar a "desculpa" da autoridade política soberana, ou da diversidade cultural, para
Estado-nação. Segundo Agamben, o humanitário separado do político produz o
"explicar a falha em assegurar os direitos básicos das pessoas sob sua jurisdição,
isolamento do campo de refugiados (espaço puro de exceção)25 , para o qual ele não incluindo os refugiados" 3º.
consegue encontrar solução.
ção. do nexo nascimento-nação àquele homem-cidadão, e pem1ite assim, desobstruir o campo para uma renovação categorial
11
DERRIDA. Jacques. Adeus a Emm:mue! Levinas. São Paulo· Perspectiva, 2004, p. l 19. atualmente inadiável, em vista de uma política cm que a vida nua não seja mais separada e excepcionada no ordenamento
Sobre os constrangimentos impostos aos direitos humanos pelos interesses do Estado. cabe lembrar a lição de Hannah
estatal, nem mesmo através da figura dos direitos humanos." (AOAMBEN. Oiorgio. Op. Cít, 2010, p. 130).
Arendt: "Talvez possamos chegar mais perto da questão se nos dermos conta de que por trâs do conceit0 de ato de Estado ARENOT, Harmah, Origens do Totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras. 1989, p.335.
existe a teoria de raison d'état. Segundo essa teoria. as ações do Estado, que ê responsâve! pela víd,1 do país e, portanto, Hannah Arendt reflete sobre a situação daqueles que perderam a proteção de seu país de origem e como os "direitos do ho-
também pelas leis vigorantes nele, não estão sujeitas às mesmas regras que os atos dos cidadãos do pais. Assim como O mem'·. que deveriam ser supostamente inalienâveis, tornaram-se inexequívcis, ou seja, mesmo em países cujas C(rnstituições
domínio da lei, embora criado para eliminar a violência e a guerra de todos contra todos, sempre precise dos instrumentos
baseavam-se neles estes direitos foram negados às pessoas que não eram cidadãos protegidos por nenhum Estado soberano.
da violência para garantir sua própria existência, também um governo pode se ver levado a cometer atos que são con• ·'Só conseguimos perceber a existência de um direito a ter direitos( ... ) e de um direito de pertencer a algum tipo de comuni-
siderados crimes. a fim de garantir sua própria sobrevivência e a sobrevivência da legalidade.( ... ) A rais0/1 d"êlat apela
dade organizada, quando surgiram mílhões de pessoas que haviam perdído esses direitos e não podiam recuperá-los devido à
- corretamente ou não. dependendo do caso - para a necessidade, e os crimes de Estado cometidos cm seu nome (que são
nova situação política global. O problema não ê que essa calamidade tenha surgido não de alguma foi ta de civili;,;ação, atraso
inteiramente criminosos nos temlOs do sistema legal dominante no pais em que eles oo,irrem) são considerados medidas ou simples tirania, mas sím que ela não pudesse ser reparada. porque já não há qualquer lugar •incivilizado· na terra, pois.
de emergência, concessões feitas à severidade da Realpolitík, a finn de preservar o poder e assim garantir a continuação
queríamos ou não, já começamos realmente a viver num Mundo Único, Só com uma humanidade completameme organiza-
da ordem legal como um todo," (ARENDT, Hannah, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São
da, a perda do lar e da condição política de um homem pode equivaler à sua expulsão da humanidade,( ... ) O homem pode
Paulo: Companhia das Letras, 1999, p.314). perder todos os chamados Direito do Homem sem perder a sua qualidade essencial de homem, sua dignidade humana. Só a
DERRIDA. J, Adeus a Emmanue! Lêvinas. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. !09, perda da própria comunidade ê que o expulsa da humanídade:· (ARENDT, Hannah. Op. Cit..!989, pp.330-331).
O caráter contraditório destes processos está certamente entre as causas que determinaram a falência dos esforços de vários
Conforme observa André de Carvalho Ramos, o refúgio baseia-se em Convenções Internacionais e Regionais de Direitos
comitês e organismos, através dos quais os Estados, a Sociedade das Nações e, mais tarde, a ONU tentaram fazer frente ao
Humanos, que concedem ao solicitante um direito subjetivo de ingressar no território do Estado (sendo o único estrangeiro
problema dos refugiados e da salvaguarda dos direitos do homem, do Bureau Nansen \ 1922) até o atual Alto Comissariado
que possui tal direito). A afirmação desse principio, alêm do evidente caráter humanitário, que implica na não exposição
para os Refugiados ( 1951), cuja atividade não pode ter, segundo o estatuto, caráter político, mas "unicamente humanitário e
do refugiado à situação que motivou sua fuga do país de origem. resguardando assim sua integridade, tambêm representa
social". O essencial, em todo o caso, ê que, toda vez que os refugiados não representam mais casos individuais, mas. como um elemento vinculativo do Estado-parte à Convenção e, portanto uma obrigação por ele assumida em proteger os direitos
acontece hoje mais e mais frequentemente, um fenômeno de massa, tanto estas organizações quanto os Estados individuais,
desses indivíduos cm situação de vulnerabilidade. Vide: CARVALHO RAMOS, Asilo e Refúgio: semelhanças, diferenças
malgrado as solenes evocações dos direitos ·'sagrados e alienáveis" do homem, demonstram-se absolutamente incapazes não
e perspectivas. ln 60 Anos de ACNUR: Perspectivas de futuro. São Paulo: Editora CL-A Cultural, 20! 1. (pp.15 a 43).
só de resolver o problema, mas até de simplesmente encarâ-lo de modo adequado. (AGAMBEN, Glorgio, Op. Cít., 20 !O,
Notadamente, ao principio do no11-re.fóuleme111, que significa a proibição de devolução do refugiado ao seu pais de origem
pp.129-130).
15
sem que as causas que originaram o fundado temor de perseguição tenham cessado, Vide a1t. 33 da Convenção lmernacional
O autor explica a necessária relação entre o reconhecimento de direitos e o Estado, expondo a vulnerabilidade do isolamento sobre o Direito dos Refugiados de 1951.
imposto pelo "descolamento" entre os direitos do homem e os direitos do cidadão: "Ü refugiado deve ser considerado por
Tradução do origina!: "rationalize failure to cnsure the basic rights ofpersons subject to thcir jurisdiction - including refugecs."
aquilo que é, ou seja, nada menos que um conceito-liml!e que põe cm crise radical as categorias fundamentais do Estado-na-
(HATHA WA Y, James C. ·'The Rights ofRefugees under lmernational Law". Cambridge University Press, 2005. p.6).
1
/

HEUS,\t-;l; MA!ILKE
12 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt;QlADOS." Novo PAR,\DlGMA JURÍDICO
13
O reconhecimento do direito ao refúgio é um ato declaratório por parte _do praticados "crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade
Estado, com efeitos ex tunc. Uma vez reconhecido o status de refugiado ~o solici- no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes";
tante, este recebe proteção e amparo material do Estado que ~ acolhe, ate que lhe além daqueles que tenham cometido "crime grave de direito comum fora do país
seja possível retornar à sua terra natal. Cabe menct?nar, tambem, que os. solicitan-
de refúgio antes de serem nele admitidos como refugiados"; ou que tenham se
tes de refúgio possuem situação diferenciada dos migrantes .comuns 31 , ~01s a eles se
tornado "culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas".
aplica O jus communicationis3 2, um direito de i~gr_esso ex ;ure33, ou seJa, ~ossue~
Quanto a essas disposições, é clara a herança do período histórico no qual a
um direito subjetivo ao acolhimento 34 . Desse direito decorre outro, pre':'1s~o pela
Convenção de 1951 foi elaborada. Sendo um instrumento forjado a partir dos es-
Convenção de 1951, que representa uma prerrogativa fundamental do D1reito dos
pólios da Segunda Guerra Mundial, não seria coerente estender a proteção àqueles
Refugiados: 0 já referido Princípio do non-refoulement, o qual encontra sua base
que tivessem cometido crimes que provocaram a fuga de milhares de refugiados.
legal no art. 33 da Convenção e em uma série de documentos postenores 35 • ,
Além disso, o instituto do refúgio foi criado para proteger aqueles indivíduos víti-
Conforme a definição de Bethlehem & Lauterpacht 36 o non-refoulem_ent e
mas de perseguição, não devendo servir de pretexto para obstaculizar a persecução
um conceito que proíbe os Estados de retornar um refugiado (o_u um solicitante
criminal legítima oriunda de violações do Direito Internacional''. Todavia, cabe
de refúgio) ao território no qual exista um risco de_ que wa vida _ou_ hber~~de
observar que mesmo que tal disposição tenha um apelo quase inquestionável, de
possam ser ameaçadas em razão de raça, _religião, naci~nalidade, opi_n'.ªº p~litica
acordo com as circunstâncias históricas que a originaram, elas devem ser analisadas
ou pertença a um determinado grupo social. A_ afirmaç_a~ desse prmcip10: alem ~o
criteriosamente, sob pena de suprimir direitos de indivíduos que, mesmo tendo
evidente caráter humanitário que implica na nao exposiçao do refugrndo a situa'.ªº
sido acusados ou condenados pelos crimes mencionados, não podem ser alijados
ue motivou sua fuga do país de origem, resguardando sua mtegndade, tambem
de seus direitos ou de eventual proteção 39 , por mera vingança institucional4º.
;epresenta um elemento vinculativo do Estad~-parte à Convençã,o e, portanto, uma
Uma vez reconhecido o status de refugiado, estabelece-se o dever específico de
obrigação por ele assumida em proteger os d1reitos d_esses 1nd1V1duos. .
proteção do Estado para com o indivíduo. Essa responsabilidade só cessa diante da
Contudo, é importante mencionar que a possibilidade do, reconheci":ento
ocorrência de alguma das situações previstas pelo artigo lQ §3Q da Convenção de
do status de refugiado é afastada diante das hipóteses _de mcid:ncia das cl:us~- 41
las de exclusão previstas na Convenção de 1951. A pnme,ira clausu_l: (art.1·§4-) 1951 : "a) Se ela voltou a valer-se da proteção do país de que é nacional. b} Se haven-
determina que não possa se beneficiar do refúgio, o md1V1duo que ia_ esuver sob do perdido a nacionalidade, ela a recuperou voluntariamente. c} Se adquiriu nova
proteção de outro órgão das Nações Unidas, já a segund_a exclui a pornbilidade de nacionalidade e goza da proteção do país cuja nacionalidade adquiriu. d) Se voltou a
refúgio para aquelas pessoas que gozam dos 1;1esmos _d1rei:os confend os ~ela na: estabelecer-se, voluntariamente, no país que abandonou ou fora do qual permaneceu
0
cionalidade do país solicitante (art. 1º§5 2 ) 37.Ja a terceira clausula (art.1·§6·) exclui com medo de ser perseguido. e) Se por terem deixado de existir as circunstâncias em
da proteção oferecida pelo refúgio aqueles indivíduos que, por ventura, tenham
Essas dispo:;içõe:, guar(l1m consonância com o art 14 da Dedaração Universal dos Direitos do Homem. a qual estabelece
que "I - To<la pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países Ií - Este direito
o direito de ingresso do imigrante no ten-it6rio nacional ê condicionado à soberania do Estado, segundo disposto no artigo
não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por cri!lles de direito comtml ou por atos contrários
\º da Convenção de Ht1vttna sobre Direito dos Estrangeiros (Decreto 18.956/29), aos propósitos e princípios das Naçõés Unidas:·
-
0 JIIS · · ·.
COIIWlUIJ/C{//U)II/,\ repr e s•e nta O direito do solicitante de refúgio ingressar em território do Estado-parte da Conven-
Cabe ressaltar a previsão do §2" do artigo 33 que exime a observãncia do princip·10 do non-rejou!ement quando se tratar de refu-
95
ção de 1 i. · · · d do in<'resso à extrndi- giado "que por motivos sérios. seja C/Jli~iderado um perígo para a segurm1ça do país no qual ele se enco!l/re 011 que. rendo sido
Vide CARVALHO RAMOS, André de. O Pri11cípio do 1w11-reji.J1dement no Direito dos Refugia os: ,,
condenado definflil'ameme por crime 011 delito parliw/armente grave, constitui ameaça para a comunidade do r(f/etido país.,,
ção. ln Revista dos Tribunais, Ano 99, Vol. 892, fevereiro/2010. (p.347 a 376). . . . . .
O artigo 33º§ 2 é aplicado para aqueles que foram reconhecidos como refugiados e que poderiam se benefici,1r da proteção do
.'4 Ê importante ressaltar que, em cumprimento a esse principio, o refugiado não está sujeito à extradiçâo e nem a reciprocidade
non-rejà11fome111, caso nào se curnp1issern .is tlâusulas elencadas: configt1rarern um perigo para a segurança nacional ou terem
(arts.re8ºdaConvençãode!95l), . . . . ,
sido condenados por um crime de grave. (Ver mais em: GEOFF, Gilbert. "Current lssue$ in the Appllcation ofthe Exclusion
Dentre esses documentos, ressalta-se as previsões constantes na Convenção Amencana de Direitos H_u~mnos de l969
Clauses" in Refugee Pmtection in lntenwtional law: UNHCR's Global Consultation on [ntemationa! Protectlon. E. Feller, V
(art.2 2, VI!!) e na Declaração de Cartagena de !984 (Seção li!, §5). Além, da !ex spec(a/is refere.nte ao re_fü~io, o 11m1-r~/im-
Turk & F. Nicholson (ed.s.), Cambridge, Cambridge University Press, 2003, p. 426 - 478). Contudo, mesmo que se considere
lement também vem $endo aplicado com base em outros instrumentos pertencentes ao rol nomiatrvo do Direito lntemac1ona!
que o refi.tgiado seja urna ameaça â segttrança nacional, tais fatores não podem ser considerados se houver t1m perigo rea! de tor-
dos Direitos Humanos, que serão apontados no Capitulo IV.
tura, tratamento inumano e degradante ou punição quando do seu retomo ao país de origem. Tal perspectiva enseja a aplicação
!o Tradução livre do original: .. Non-r1tfoulemelll is a concept wh!Ch prohib\ts States from retumlng a refugee o~ a_sy!um s_eeker
extraconvencional do princípio do non-r(f/imfemelll. invocando a prateção complementar da Convenção !nteniacional Contra a
· · where ti1ere 1s
to terntones · ..", n·sk tl,,t his or hcr !ife or freedom would be threatened 011 account of race,
. rehg1on, nat!Onal-
. . Tortura e outros tratamentos desumanos e degradantes (a11.3"). que seod objeto de anáfüe no Capitulo !V.
ity, membership ofa particular social group, or política! opínion.'" (BETHLEl-!EM, Daniel; LAUTERPAC!-IT, Ehhu. _nie
GOOOWIN-GILL Guy S.. McADAM, Jane. The Refugee in lntemaiional Law. 3" edição. New York: Oxford University
Scope and Content ofthe Principie ofNon-rejbufement. ln FEI.,LER, Erika, TURK, Vo!kere NICHOLSOI\, Frances {edits)_ Press, 2007. p. 135.
"Refugee Pr◊tection in !ntemational Lanv. ·· Cambridge: Cambridge University Pre~s, 2003. p.89)
É importante referir que a declaração coletiva de cessação do refúgio não obsta a possibilidade de novas solicitações de
i1 Enqtianto a primeira cláusula demonstra unia preocupação de ordem prática com a destinação dos _escassos recursos
indivíduos de mesma nacionalidade, pois cada ca~o deve ser analisado em suas especificidades, (UN!-!CR, lmplementa-
do ACNUR para atender os indivíduos em situação de vulnerabilidade, a segunda, a~esar de sua obv1e_dade. dcm~nstra
tion of the Comprehcnsive Straiegy for the Angolan Refügee Situatíon. inc!uding UNHCR's recommendations on the
uma inegável relação de especificidade com relação ao instituto do refllgio, diferenciando essa categona de mob1hdade
app!icab!lity of the "cea~ed circumstances" cessal!on clauses, 15 January 20 12, Disponível em: http://www.ret\vorld.org/
humana das demais.
docid14f3395972. iitm! Acesso em: lO de janeiro de 2014),
HELISAJ\'.E MAHLKF, DIREJTO INTERNACIOC\AL DOS REFL"G!Aoos: Novo PARADIGMA JURiD!CO 15
14
consequência das quais foi reconhecida como refugiada, ela não pode mais continuar entre as três vertentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos (Direito
recusando a proteção do país de que é nacional". . . . Internacional Humanitário, Direito Internacional dos Refugiados e Direito In-
Nas três primeiras hipóteses. 42 , verifica-se uma mudança na situação sub1et1va ternacional dos Direitos Humanos stricto sensu). E, nesse sentido, existe uma in-
e/ou objetiva 43 que fundamentaram o reconhecimento do status de refugiado. As teração normativa entre os três ramos, porém, ressalvada a diferença quanto aos
cláusulas de cessação demonstram que o refúgio tem natureza temporária, atrelada mecanismos de implementação, supervisão e controle, ou seja, apenas o Direito
às causas circunstanciais que motivaram o pedido. Não estando mais presentes Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu origina a possibilidade de legiti-
essas causas e verificando-se o retorno à situação de normalidade, que permita a matio ad causam dos indivíduos.
44
repatriação segura, ou uma existência pacífica sem o temor da perseguição , cessa Contudo, a prática internacional demonstra que é frequente a aplicação si-
a necessidade de proteção oferecida pelo instituto do refúgio". multânea desses direitos em razão da complementaridade existente entre eles48 ,
As cláusulas de cessação foram intencionalmente criadas para que o Estado Essa complementaridade deve-se ao fato desses direitos partilharem da mesma
receptor se desvencilhasse do "fardo" do acolhimento e que o Estado de origem raiz normativa e, portanto, dos mesmos princípios basilares,49 , Por esse motivo,
46
voltasse a se responsabilizar pelos seus expatriados involuntários • Porém, a apli- advoga-se que a hermenêutica do Direito Internacional dos Direitos Humanos é
cação das cláusulas de cessação não pode se basear em uma estabilidade relativa construída a partir de uma interpretação conexa desses três ramos, compondo um
que mascara uma vulnerabilidade persistente. Além disso, quanto às cl,~usul~s de único arcabouço normativo. Diante dessa constatação, observa-se a possibilidade
exclusão, alguns países fazem uso destas como uma forma de dar certa aparenc1a dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos pronunciarem-se
de legitimidade" à contenção arbitrária do fluxo de refugiados. Frequentemente, sobre violações referentes aos direitos de quaisquer das três vertentes mencionadas,
a seletividade imposta pelos interesses estatais encontra guarida na opacidade dos A realidade demonstra que existe um paradoxo entre o reconhecimento inter-
sistemas nacionais de determinação do status de refugiado. Essa realidade contrasta nacional desses direitos e a dificuldade de torná-los efetivos em território nacional.
com a essência do instituto do refúgio, que é amparado por instrumentos norma- Essa constatação revela que a consolidação do Direito Internacional dos Refugia-
tivos internacionais e, portanto, gera direitos aos seus destinatários e, em contra- dos não foge à regra das demais normas que compõem o Direito Internacional dos
partida, um dever de responsabilidade ao Estado que ratifica_ estes instrumentos. Direitos Humanos, do qual é parte, igualmente ocupa um lugar especial no Direito
Após essas reflexões acerca dos fundamentos do D1re1to Internacional dos Internacional delineado pelo conflito entre a soberania estatal (caracterizada pelos
Refugiados, cumpre observar que ele é parte de um todo maior. Segundo afirma parâmetros impostos pelo interesse nacional) e os princípios universais que ultra-
passam as barreiras da nacionalidade e da soberania. Porém, cabe refletir, porque
Cançado Trindade, 47 apesar de suas origens distintas, há uma conexão inexorável
o Direito Internacional dos Refugiados, ao contrário de outras normas do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, que possuem mecanismos próprios de super-
Observa-se, também, o adendo ao art. l" *3'' que estabelece que, em se tratando de pessoa que nào tem nacionalidade, se, por
terem deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhedda corno refugiad.i, ele está em com:lições visão e controle, continua sendo um regime de proteção incompleto50 , encobrindo
de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual. imperfeitamente o que deveria ser uma situação de exceção.
Cumpre esclarecer que o reconhecimento do status de refugiado implica na presença de um "fundado temor de perseguição", Mesmo que muitos países tenham se comprometido com a Convenção e seu
que é caracter"izado por um elemento subjetivo (o sentimento de medo em relação a algum dano a Slta '111tegr"1da<le física e
mental) e um elemento objelivo (que é a causa material que provoca tal temor). Por esse motivo, as declarações do solici-
Protocolo Adicional (1967), o que se observa é que há uma tendência a burlar o
tante de refugio sempre são analisadas de acordo com a situação real do país de origem e $Uas peculiaridades, obedecendo dever internacional de garantir ao refugiado a proteção de que ele precisa. Enquan-
a critêrios de razoabilidade, Todavia, o caráter subjetivo {fundado temor) do refúgio é criticado por ser historicamente to os Estados continuam proclamando sua disposição em oferecer proteção aos
insustentável e sem nenhum significado prático, bastando existir uma análise lógica objetiva (circunstâncias materiais) que
refugiados, como parte de sua orientação política ou de seu caráter humanitário,
resultem em um risco presente e/ou futuro que o solicitante possa enfrentar (Confonne HATHA WA Y, James. Thc law of
refugee status. Vancouver: Butterworths Canada Ltd., 1991).
na verdade formulam defesas estratégicas com o objetivo de evitar o ingresso desses
"4 Recomenda O ACNUR e O Comitê E:,;:ecutivo (Excom) que as mudanças na situação que moti\'Ou a solicitação do retügio se- indivíduos em seus territórios, Sendo assim, analisar porque a Convenção sobre
jam inequívocas, estáveis e duráveis, para que possam ensejar a aplicação das clâusulas de cessação. (fXCOM, Conclusion Refugiados (1951), dentre tantos outros Tratados de Direitos Humanos, ainda não
Nº 69 (XLIII) CESSATION OF STATCS, !992).
'1 A título de exemplo, no dia 30 de junho de 2012 entrou em vigor a cláusula de cessação do status de refugiados para angola·
nos e liberianos residentes no Brasil. A decisão levou em consideração o encerramento dos conflitos que mergulhou ambos As possibilidades de intersecção entre as três vertentes e sua aplicação na jurisprudência das Cortes, será objeto do
os países em anos de sangrema guerra civil (Fonte: "Cessação para refugiados angolanos e liberianos pode alterar perfil do Capítulo IV
refugio no Brasil''. ACiVUR. 03 de Julho 2012. Disponível em: http://www.ac1mr.org Acesso em !O de dezembro de 2013). Essas aproximações e convergências, segundo Cançado Trindade, fortalecem as vias de proteção da pessoa humana. A
o Brasil decidiu por conceder residência permanente aos refugiados. pois em razão da duração dos conílitos, pois a maioria afirmação dessa perspectiva foi fomentada pelo ACNL'R e pela Cruz Vermelha durante a Conferência de Viena, 1993
já havia criado raizes no pais e perdido o vínculo material e emocional com sua pátria de origem (Vide: CANÇADO TRINDADE, A. A .. Coexistence and Coord!nation of Mechanisms of lntemationa! Protection of
46 Ver mais em: HATHAWA Y, James. Qp, Cit. 1991, p, 200, Human Rights (AI Global and Regional Leveis)." 202 Recuei! de Cours de l'Académie de Droit lntemational, 1987
_., CANÇADO TRINDADE, A. A. •'Derecho Internacional de los Derechos Humanos, Derecho internacional dos Derechos {pp.l-435),
Humanos stricto sensu e Derecho !ntemaciona! Humanitário·. aproximações e co11~ergências. ln Seminário 10 Anos de la Vide: GOODW!N-GILL, Guy S., McADAi"vL Jane. "The Refugee in lntemational law", 3" edição. New York: Oxford
Declaración de Cartagena, Refugiados e pessoas deslocadas, l 994. University Press, 2007.
16 ÜJR.ElTO INTl)RNACJO;-.;AL DOS REFL"GJAOQS: Novo f'ARAOJGMA JURÍDICO
17
possui um mecanismo próprio para apurar a responsabilidade dos Estados, sob os as iniciativas,d.a organizaç~o f~ram tí~ida~ e~ razão dos constrangimentos impos-
auspícios de um órgão supervisor independente) é algo que merece reflexão. . _ 1
tos pelo ce~ar10 das rela_ç~es mternac10na1s a epoca. Fischel de Andrade pondera
Diante dessas considerações, é fundamental compreender como o Direito que a atuaçao da Liga fo1 emmentemente pragmática", a razão para iss·o é se un-
Internacional dos Refugiados foi construído ao logo do tempo, para identificar do o autor, " escusave, l" . .., - ~ , g
, pois uma organizaçao com o objetivo de ser universal não
os motivos para que ele detenha tais características. O deslocamento forçado de poderia àquela época ser hostil a potenciais Estados-membros, o que ocorreria a
pessoas não é um fenômeno recente. A história tem demostrado não um i~edi~is- part1r do momento em que ela se incumbisse de proteger os nacionais desses Esta-
mo, mas um agravamento desse fenômeno. Segundo James Hathaway, o pnme1ro dos que, por uma ou outra razão, tiveram de negar-lhes proteção"s6.
grande fluxo de refugiados produzido pela Primeira Guerra Mundial sofreu com As duas Guerras Mundiais trouxeram, além de profundas alterações geopolíti-
as intensas mudanças sociais, políticas e econômicas na Europa, caracterizadas pela cas, um grande fluxo de deslocados. Eram milhares de pessoas buscando acolhida em
instabilidade política e econômica do período entre guerras. Como resultado, mi- outros países por terem sido forçadas a abandonar sua pátria de origem ou residên-
lhares de pessoas que necessitavam de refúgio, ou que perderam sua nacionalidade, cia57. Inegavelmente, os fluxos migratórios da época transformaram a identidade a
tornaram-se reféns da conjuntura política da época 51 . Nesse período histórico) o economia e a política de países receptores e emissores de migrantes. Mas, sobretudo,
deslocamento coincidiu com políticas nacionalistas nos países europeus, fomen- provocaram a necessidade de uma resposta legal e institucional face à emergência h u-
tadas pelo depauperamento e a desestruturação política causada pelos conflitos 52 • manitária instaurada a partir dos violentos conflitos, da perseguição étnica e política
No tratamento dispensado aos refugiados, predominavam tratados bilaterais e da sistemática violação de direitos humanos produzida por regimes opressore 5ss_
de cooperação sujeitos à recíprocidade. Como comenta Hathaway53 , a política da . A r~const.r~ção de p~í.ses devastados pelos conflitos se fazia necessária para
reciprocidade era desastrosa para esses grupos de refugiados, os quais, em sua maio- evitar a mstabil1dade poht1ca e econômica que poderia reviver os conflitos an-
ria, não tinham documentos que provassem a sua nacionalidade perante o Estado teriores. Mas, além disso, era necessário, também, instrumentalizar organismos
que os recebia. Como bem observa a socióloga Saskia Sassen, a emergência desse internacionais dotando-os de capacidade para reduzir a suspeição entre os EstaM
sistema "interestatal" foi chave para a produção de casos de apatridia e para a dos criando, assim, um ambiente institucional de cooperação orquestrado pelo
definição de refugiado como tal, além da regulação e controle dessas categorias 54 • 9
Direito Internacional5 • Nesse espírito se estabeleceu a ONU, como a organização
No âmbito da Liga das Nações, foram dados os primeiros passos para a cons-
trução da proteção internacional. Como marco significativo tem-se a criação do ção era identificado por nacionalidade), posteriormente, seu mandato estendeu-se a outras nacionalidades, como amiênios
Alto Comissariado para Refugiados, em 1921, estrutura vinculada à Liga das Na- ( 1924) e assírios e turcos (l 928). (FELLER, Erika. The lntemational Refugee Protection 50'" Years 011 the protection chal-
ções, que teve como primeiro representante o norueguês FridtjofNansen 55 • Porém, lenges from past, presem and future. IRRC. Setembro, Vol.83. 11" 843, 200 J. (p.584).
F!SCHEL de ANDRADE, Jose Henrique. Op. Cit, 2001, p.!21.
Nesse sentido, é bastante instrutiva a descrição feita por Fischel de Andrade sobre o refúgio nesse período. o autor delimita
O êxodo de 2 milhões de russos, amiênios, dentre outras nacionalidades, foram forçados a deixar seus lares entre 19!7 e
" um primeiro período (e11tre !92! e 1938) caracterizado pela qualificação coletiva de 1,,rupos inteiros de refugiados ·'que
1926, devido à Revolução Russa e a Primeira Guerra Mundial. (f!ATHA WA Y, James. The Rights ofRefügees under !nter- tinham algo <:)!ll comum: a falta, muitas vezes absoluta de proteção jurídica, posto muitos terem $Ido desnacionalizados, cm
national Law. Cambrldge University Press, 2005, pp.82-85). especial os russos. A essa característica de falta de proteção legal -, âmbito puramente jurídico .. deve-se aditar a ausência
José H. Fischel de Andrade, ao descrever o ambiente internacional nesse per-iodo, comenta que "'O fim da Primeira Grande de proteção material áqucles refugiados que fom1avam categorias afetadas por determinados eventos políticos ou sociais_
Guerra, aos 1! de novembro de ! 918, não ensejou o desaparecimento das pessoas sem proteção de seus respectivos Esta- ãrnbito social ou humanitârio -, e que, por isso, buscavam refúgio, como ocorreu principalmente como os refugiados prove-
dos; muito ao contrário, seu número cresceu e considerações diversas os afetaram. O aumento dos refugiados no período nientes da Alemanha'". Já o segundo período (emre 1938 a ! 952) foi caracterizado pela "perspectiva individualista com que
pós-guerra foi acompanhado por dificuldades de toda a ordem - políticas, econômicas, sociais -, o que fez se tomar mais foi cunhado: os refugiados não eram mais definidos em função da origem ou da participação em determinado grupo político.
e mais complexo providenciar o estatuto jurídico adequado que norniatizasse a situação. Essa complicou-se em razão do êtnico. racial ou religioso: o que passava a contar, a partir dos instrumentos concluídos neste periodo, eram as convicções
desemprego generalizado, de 11m nacionalismo político e econômico, e de severas restrições imigratórias. Ao se observar pessoais dos refugiados•·. (pp,26-27). Nesse segundo período, "a comunidade internacional, por meio de suas respectivas
esse quadro, deve-se ter em mente que os refugiados do pós-guerra não eram só os políticos: os dessa época, ao contrário instituições governamentais então existentes, realizou uma abordagem da problemática dos refugiados caracterizada, sobre-
dos anteriores, apesar de serem massas desenraizadas por fundamentais mudanças políticas, por "crises de soberania .. , não maneira, por considerações de individualização quando da definição do que se deveria entender pelo termo 'refugiado"".
podiam, contudo, ser caracterizados tão-somente como "refugiados politicos ativos". Muitos hnvia que se encontravam em (F!SCHEL de ANDRADE, José Henríque. Op. Cit. p. ! 1!), /\esse período é criada a OIR, a CNRWA e, também, foram es-
situação de completa falta de proteção estatal, mesmo sem estarem nessa situação necessariamente, em função de suas tabelecidos os esforços diplomáticos que culminaram na criação do ACNUR e na elaboração da Convenção de 1951 sobre 0
opiniões políticas ou de suas crenças religiosas. Esse componente de "multiplicidade de motivos'' foi crucial para a escolha Estatuto dos Refugiados, sem dúvida, influenciados pelos eventos da Segunda Guerra Mundial. (FISCHEL de ANDRADE,
da proteção que a comunidade internacional providenciaria para tais pessoas.'' (flSCHEL de ANDRADE, Jo$ê H. Breve José H, Direito Internacional dos Refugiados: evolução histórica ( 192 l- l 952). Rio de Janeiro: Renovar, 1996).
Reconstituição Histórica da Tradição que Culminou na Proteção Internacional dos Refugia(los. ln ALMEIDA, Guilherme " Celso Lafer, ao se referir aos regimes totalitário$ que marcaram a época, os define como um ··estado de natllreza'" fenômeno
Assis de & ARAÚJO, Nádia de. O Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. São Paulo: Renovar. interno à civílização, "'que tomou homens sem lugar no mundo". Precisamente, essa era a situação de milhares de pessoas
2001, ppl 18-! 19). submetidas à migração forçada: a perda de seu "lugar'' no mundo, seu lar (no aspecto $Ubjetivo) ou $CU Estado (aspecto jurí-
HATHAWAY, James. Op. Cit, 2005 p.84. dico-político). Continua o Professor: ''No mundo contemporâneo continuam a persistir situações sociais, políticas e econô-
SASSEN, Saskia. Guests and Aliens. New York: New Press, 2000. p.84 micas que contribuem para tomar os homens supérfluos e, portanto, sem lugar no mundo''. (LAFER, Celso. A Reconstrução
Nansen era delegado da Noruega na Liga das Nações e criou o 'Passaporte Nansen· para refugiados. Tal iniciativa, bem dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p, l 18).
como seu trabalho diame do Alto Comissariado, fez com que o diplomata fosse agraciado com Prêmio Nobel da Paz em O Professor Fábio Konder Comparato comenta o ponto de inflexão 110 período pós-Segunda Guerra, decisivo para a afirma-
1922. Inicialmente, seu mandato era como Alto Comissário para os refügiados russos (nesse período, o mandato de prole- ção dos Direitos Humanos: "'Surge agora à vista o tenno final do longo processo de unificação da humanidade. E, com isso,
18

internacional par excellence, com a difícil tarefa de compatibilizar' um discurso


idealista com propósitos reais de poder'º.
HEUSAi'-E MAHLKE
T DIREITO INTERNACIONAL OOS REFL:G!AOOS: Novo PARADIGMA JtJRÍOJCO

Em consonância com o ambiente político que propiciou a criação das Nações


Unidas, também começa a se estabelecer o sistema global de proteção aos Direitos
19

Nesse sentido, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945 Humanos, com o primeiro e honroso passo: a elaboração da DeclaraçJo Universal
e o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) 61 foram fun- dos Direitos Humanos, em 1948. A Declaração, de indiscutível importância para a
damentais para a construção do ambiente político-diplomático que propiciou o consolidação dos direitos humanos no plano internacional, prevê especificamente
estabelecimento da base convencional e institucional para a criação do Direito direitos referentes à mobilidade humana: em seu artigo 13 (direito à livre circula-
Internacional dos Refugiados. No âmbito das Nações Unidas, foi criada em 1947, ção, escolha de residência e o direito de abandonar o Estado, se assim desejar); art.
a Organização Internacional para os Refugiados (OIR) para administrar a situação 15 (direito à nacionalidade) e, de interesse especial, o artigo 14, que consagra "Toda
de milhares de deslocados em razão dos conflitos da Segunda Guerra. A prática da pessoa sujeita à perseguição tem o direito de procurar e de se beneficiar de asilo em
Organização, que gozava de autonomia e orçamento próprio, destinava-se a cuidar outros países". A afirmação desses artigos, em especial, impuseram desafios aos Es-
do registro, da determinação do status de refugiado, do reassentamento, bem como tados participantes das discussões para a elaboração da Declaração, pois conforme
da proteção política e legal dispensada a esses indivíduos 62 • Johannes Morsinck, para que estes direitos fossem garantidos os Estados deveriam
A OIR é substituída, em 1950, pelo Alto Comissariado das Nações Unidas necessariamente cooperar entre si, abrindo mão de parte de sua soberania 65 . A
para Refugiados (ACNUR), principal organismo internacional responsável pelo Declaração 66 foi sucedida, em anos posteriores, pela criação de outras normas e
refúgio na atualidade. O ACNUR nasce vinculado à AGNU (Assembleia Geral organismos destinados a proteger os direitos e apontar os deveres da personalidade
das Nações Unidas) e ao ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações jurídica internacional dos indivíduos reconhecida a partir de então 67 .
Unidas). A função do ACNUR é "proporcionar proteção internacional, sob os
auspícios das Nações Unidas" e de "encontrar soluções permanentes para o pro-
criação, em 1949, de um Comitê ad hoc sobre Refugiados e Apátridas, responsável por elaborar o draji da futura Convenção.
blema dos refugiados, prestando assistência aos governos e com o consentimento Os seguintes Estados foram eleitos para compor o Comitê (que passou a chamar-se "ad hoc Committee on Statelessness and
de tais governos, prestando assistência também a organizações privadas, a fim de Related Problemn: Bélgica, Brasil. Canadá, China, Dinamarca, França, Israel, PDlônla, Turquia, União Soviética, Reino
facilitar a repatriação voluntária de tais refugiados ou a sua integração no seio de Unido. Estados Unidos e Venezuela. O Comitê Iniciou seus trabalhos em fevereiro de 1950, elaborando o primeiro esboço da
Convenção. Uma Conferência de Plenipotenciários foi convocada para revisar o esboço da Convenção sobre o Estatuto dos
novas comunidades nacionais" 63 • No ano seguinte, é elaborada a Convenção de Refugiados e sobre o Estatuto dos Apátridas, composta por 26 Estados, dentre eles o Brasil. A Convenção sobre o Estatuto
64
1951 , o documento que é o principal marco normativo do Direito Internacional dos Refugiados foi adotada em 25 de julho de 1951 e o ato final assinado em28 de julho de !951. (WElS, Paul; The Refugec
dos Refugiados e que consagra a definição clássica de refúgio. Convention, 1951: the travaux preparatoires ana!ysed with the commentary by the late. Cambridge: Cambridge University
Press, 1995, pp.10-12),
Joannes Morsínck, ao analisar os trabalhos preparatórios para a elaboração da Declaração Universal, comenta como estes
abre-se a última grande encruzilhada da evolução histórica: ou a humanidade cederá à pressão conjugada da força militar e direitos trouxeram maior impasse aos países. Confonne reporta o autor ",\fost of the delegations had litt!e diffü:ulty voting
do poderio econômico-financeiro, fazendo prevalecer urna coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados, ou the rights of the Dedaration, for more often than not their own national Constitutions also the contained the particular right
constrnirenio~ enfim, a civilização da cidadania mundial, com o respeito integral dos direitos humanos, segundo O principio 10 be voted upon. All that was required was a shift from national to intemational level. And when rhe delegates considered
da solidariedade ética. (COMPARA TO, Fábio Konder. A Afinnação Histórica dos Direitos Humanos. 7" edição, São Paulo: how these rights to be implemented, ali they had to do was to think ofa stepped-up vigilance ofthe pait oftheir own states.
Saraiva, 2010. p.70).
Their govemments would now do under intemational umbrella what they were already doing under their own. However, in
Os propósitos expressos no preâmbulo da Carta de São Francisco ( 1945) demonstram ideais cosmopolitas, cuja concretiza- the case ofsome ofthe rights on the Declaration, this shift in perspective was not quite easy, for most of the domestic con-
ção esbarra cm um11 estrutura construída para legitimar o poder dos Estados vencedores da Segunda Guerra. Esse fator tem stitutions of member states did not any of what I have called ·'special intemational (human) rights". National constitutions
um impacto na atuação da organização, constrangendo inciativas que contrariem os interesses desses Estados, (CONFORTI. are not addressed to wor!dwide audiences and hence do not usually speak of rights which require more than one nation to
Benedetto. The Law and Practice of Unitecl Nations. J"edição, Leiden: Martinus Nijhoff. 2005). Por outro lado, mesmo implement, such as the right to move between countries (article 13), the right to asylum (article 14), and the right to a nation-
a despeito das limitações e das críticas á sua legitimidade, a ONU e suas agências representam o elemento centra! para o ality (article 15). (MORSINCK, Joannes. Universal Declaration ofHuman Rights: origins, drafting and intent Philadc!phia:
regime internacional do refúgio, University of Pensylvania Press, 20 l ! . PP 72,73).
Além de conferir a titularidade de direitos aos indívíduos por rcconhecê~los como sujeitos de Direito Internacional, a Decla- Como atinna James Griffin, as Nações Unidas, por meio da Declaração Universal de Direitos Humanos e os subsequentes
ração Universal estabelece uma série de garantias universalmente reconhecidas que servirão de fundamento para a proteção instrumentos expressam uma série de direitos, hoje abarcados pelo Direito lmemacional, que desenvolveu uma sêrie de ins-
internacional dos direitos humanos. tituições complexas para assegurar sua aplicação. Ainda ecoa na Declaração, segundo Griffin, a herança iluminista, como os
FELLER, Erika. Intemationa! Refugee Protection 50 Years on: the protection challengcs ofpast, present, and future. ln direitos inerentes ao "ser humano", sem dizer o que ser "humano" significa neste contexto. Estabelecer a extensão do tenno.
!RRC. vo!. 83, nQ843, setembro de 2001, p.584. segundo Griffin, seria, de certa forma, atribuir-lhe significado. E o Direito lntemaciona! tenta estabelecer qual a extensão do
Redação indicando o mandato do ACNUR estabelecido no seu Estatuto, promulgado em 1950, a pariir da Resolução 428 ·'direito humano", tentando superar, ao menos em termos práticos, a indetenninação do tem10. (GRIFFIN, James. On Hltman
(fV) da Assembleia Geral d:1s Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1950, Desde sua criação, o ACNUR ganhou por duas Rights. New York: Oxford Cniversily Press, 2008, p.14).
vezes o Prêmio Nobel da Paz ( 1954 e J981). (Fonte ACNUR, disponive! em: www.unhcr.org, acesso em !0112/2013). O reconhecimento da personalidade jurídica internacional dos indivíduos traz, dentre outras consequências, a possibilidade
M
Em 1947, a Comissão de Direitos Humanos adotou uma Resolução na qual expressava o desejo de que as Nações Unidas do jm stand/ pera me as Cones lmemacionais. Considerando que, frequentemente, esses direitos necessitam de afirmação
considerassem o status legal de pessoas que não gozassem da proteção de nenhum governo, em particular daqueles que sem contra o Estado, é na possibilidade de acesso às instância$ internacionais que os indivíduos encontram um meio de salva-
vínculo de nacionalidade (E/600; §46). Seguindo essa Resolução, o ECOSOC solicita ao Secretário Geral que realizasse um guardar suas gamntias, ou de requerer a responsabilidade por eventuais violações. A preservação dos Direitos Humanos e
estudo sobre a questão que, posterionnente, resultaria em um prospecto para uma futura Convenção sobre a matéria. Este sua interpretação no sentido de resguardar amplamente suas garantias é uma questão judicial. (JA YA WICKRAMA, Nihal.
estudo foi realizado pelo Department ofSocial Affairs. com o titulo de "A Study ofStatelesness", no qual o Secretário Geral The Judicial App!ication ofHuman Rights Law: naüonal, regional and intemational jurisprudenee. New York: Cambridge
recomenda a elaboração de uma Convenção sobre o status legal dos apátridas. O ECOSOC adoia Resolução que estabelece a Universilty Press, 2002, p.l 18.)
DIREITO INTERNACIO:-AL DOS REFL'GJ;\DOS: Novo PARAOlGMA JURÍDICO
21
20 HEL!SANE MAHLKE

As normas sobre refúgio desenvolvem-se na esteira dessa construção normati- Em paralelo à disputa entre as duas potências da Guerra Fria e seus aliados
va e institucional. É inegável a influência dos eventos das Guerras Mundiais para o desmant~lame.nto de pa~ses ~rtific~alrnente construídos a partir do constrati.gi~
que fossem dados os primeiros passos para a Construção do Direito Internacional rnento das identidades nac10na1s e a independência das ex-colônias europeias, pro-
dos Refugiados 68 • A partir da criação da OIR (substituída posteriormente pelo duziram um grande número de refugiados e deslocados internos. No contexto das
ACNUR) e da elaboração da Convenção de 1951, assim como do Protocolo facul- décadas de 60 e 70 a questão dos refugiados é adensada pelos processos de descolo-
tativo de 1967, o instituto do refúgio inicia sua internacionalizaçãa6 9• nização, sobretudo na África e na Ásia. O Protocolo de 1967 surge da percepção da
Cabe ressaltar, porém, que a Convenção de 1951 contém dois critérios restri- Assembleia Geral de que era necessário expandir o mandato do ACNUR que fora,
tivos, que obstaculizam uma proteção mais ampla: a chamada 'cláusula temporal' inicialmente, criado para resolver somente a situação dos refugiados da Segunda
Guerra e que agora precisava atender a novas demandas 73 • Essa nova realidade
(a Convenção somente seria aplicável aos fluxos de refugiados anteriores à sua
trouxe outra visão à comunidade internacional a respeito do refúgio: a assistência
entrada em vigor) e o "limite geográfico" (a Convenção compreendia apenas os
aos refugiados tornou-se uma estratégia dos Estados ocidentais para estabelecer
refugiados provenientes dos países europeus). Essas limitações foram, posterior-
influência política e econômica em determinadas regiões do globo 74 .
mente, suprimidas pelo Protocolo Adicional à Convenção sobre Refugiados, de
Concomitantemente, observa-se urna regionalização das normas sobre refú-
1967, impulsionadas pelo surgimento de novas demandas migratórias proveniente
gio, com o intuito de atender a questões especialmente localizadas. Importantes
das disputas da Guerra Fria e dos processos de descolonização 70 .
instrumentos normativos expressam essa tendência, sendo um deles a Convenção
Contudo, essa conjuntura global teve consequências nefastas para a constru-
sobre Aspectos Específicos dos Refugiados na África, de 1969, elaborada no âm-
ção do que "poderia" ser um sistema internacional de proteção aos refugiados.
bito da OUA (Organização para Unidade Africana). Tal documento define como
A tensão entre os dois blocos rivais na Guerra Fria 71 expressava-se não apenas na
refugiado, além daquele contemplado pelo conceito estabelecido pela Convenção
disputa de poder dentro das instituições internacionais (haja vista a composição
de 1951, também os indivíduos forçados a deixar seu país por serem vítimas de
do Conselho de Segurança da ONU), mas, também, no estabelecimento de zonas
agressão externa ou ocupação estrangeira em seu país de origem, reconhecendo a
de influência geoestratégicas em várias partes do mundo. Apesar de não ter havido
importância das questões de segurança envolvendo o fluxo de refugiados 75 •
um ·enfrentamento direto entre as potências opositoras, proliferaram guerras e
Nessa mesma toada, o marco da Declaração de Cartagena (1984) 76 , serviu de
regimes ditatoriais na periferia do globo, que serviram de palco indireto para o
inspiração à aplicação do Direito dos Refugiados em âmbito regional latino-ame-
enfrentamento de americanos e soviéticos 72 • Esses conflitos contribuíram para o
ricano, inaugurando uma tendência seguida por outros documentos nacionais 77 •
fim da ordem estabelecida antes das duas Guerras Mundiais e impulsionaram uma
mudança significativa no cenário internacional. FELLER, Erika. The Evolution of the lntcrnatíonal Regime Protection Regime. ln Journal of Law & Policy. Vol. 5
200 l.(p.132),
No periodo que sucedeu as duas Guerras Mundiais, marcaram a atuação da Organização Internacional Para Refugiados Segundo JeffCrisp, nas décadas de 60 e 70. muitos refugiados eram produto de conflitos anticoloniais e guerras de libertação
nacional. A relativa prosperidade das ex-colônias nos anos logo após a independência favorecia a recepção desses refugia-
( 1947-1951) promovendo ações de repatriamento e reassentamento. Para administrar a questão dos deslocados em razão
dos. Essas condições favorâveis eram reforçadas pela ajuda internacional humanitária intennediada pelo ACNUR, que,
dos conflitos e para acolher os egressos do regime comunista, a ONU propõe a assimilação de apátridas e refügiados em
apesar de ter sido útil à situação de milhares de pessoas, também foi conveniente aos esforços dos Estados ocidentais para
um novo regime internacional. Enquanto o antagonismo político obstaculizava a implementação de uma proteção ampla e
estabelecer relações amistosas em várias regiões do globo, evitando a ameaça da expansão comunista. (CRISP, Jeff. A New
holística, o processo de elaboração do regime que culminou com a criação do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados e a Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, que pemianecem até hoje, o pilar do Direito Internacio- Asylum Paradigm? Globalization, migration and the uncertain future ofthe intemational regime. ln New Jssues in Refugee
Research. Working Paper n" !00, dezembro de 2003, p.5).
nal dos Refugiados. Por outro lado, era do interesse dos Estados que os refugiados se tornassem um fator desestabilizador
A década de 70 foi, segundo Erika Fe!ler, um momento importante para a percepção da necessidade da solidariedade interna-
da sociedade local. As circunstâncias ao fina! da Segunda Guerra propiciaram um esforço intergovernamental para promover
cional (burden slwring) na difícil tarefa de encontrar soluções adequadas para os refugiados. Nesse sentido, um importante
soluções para os refugiados, como repatriação e reassentamento, (HATHA WA Y, James C. The Rights of Refugees under
acontecimento foi a Conferência sobre refugiados e deslocados no Sudeste Asiático, ocorrida em Genebra, em 1979, em
lnternational Law. New York: Cambrídge Cniversity Press, 2005, p.94).
atenção aos refugiados vietnamitas, Os acordos que resultaram da Conferência, celebrados entre os países da ASEAN, tra-
Segundo James Hathaway. o Direito Internacional dos Refugiados se estabelece, a partir de sua origem, em duas bases fun-
ziam um compromisso de fornecer asilo temporário a essas pessoas e com terceiros país que auxiliariam no reassentamento.
dantes: os princípios gerais do Direito Internacional dos Direítos Humanos e os princípios contidos na Convenção de \95!,
Outro exemplo de cooperação veio do Plano de Ação para os refugiados indochineses que uniram os Estados-partes em um
(HATHAWAY, JamesC. Op. Cit, 2005, p.90).
esforço de coordenação e responsabilidade para oferecer uma solução para essas pessoas. Idem, p.133.
Os imperativos da mobilidade humana que levaram à elaboração do Protocolo Adicional de 1967 está explicitado em seu
A Declaração de Cartagena foi elaborada a partir da reunião de uma reunião de especialistas reunidos na Colômbia, com o
preâmbulo, o qual pondera "Considerando que, desde que a Convenção foi adotada, surgiram novas caregorias de refugiados
objetivo de refletir sobre a questão do refúgio na América Latina. Apesar de não ser uma nonna vinculante (trata-se de uma
e que os refugiados em causa podem não cair no âmbito da Convenção, Considerando qtte é desej~vel que todos os refugia-
soft law), a Declaração é usada como parâmetro de interpretação do Direito lntemacional dos Refugiados na região e inspi-
dos abrangidos na definição da Convenção, independentemente do prazo de ! de Janeiro de 1951, possam gozar de igual
rou a promulgação de leis nacionais que contemplam a mesma perspectiva, como é o caso da Lei Brasileira sobre Refúgio
estatuto .. :· (Redação do Protocolo de 1967, disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursosfdocumentosf).
(lei 9.474/1997).
A Guerra Fria foi conflito político-ideológico entre o Bloco Capitalista (liderado pelos Estados Cnidos) e o Bloco Comunista
Outros documentos importantes no âmbito regional são "Princípios e Critérios para a Proteção e Assistência aos Refugiados,
(liderado pela União Soviética). Assume-se como marco inicial a Guerra Civil Grega, em 1947, primeiro palco de enfrentamento
Repatriados e Deslocados Centro-americanos na América Latina'" (CIREFCA-1989) e o "Protocolo de São Salvador" e a
indireto das potências rivais e como ato simbólico derradeiro, a queda do muro que dividia a cidade de Berlim, em 1989.
"'Declaração de São Josê sobre Refugiados e Pessoas Deslocadas", de l 994; culminando com a ·'Declaração e Plano de Ação
HALUDA Y, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande
do México para Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina", de 2004.
do Sul, !999, p.206.
M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GI.-\DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
22 HELISANE

A partir dela, estabelece-se um novo parâmetro para a determinação do status de um padrão de rechaço da população migrante. As ações e as políticas desenvolvi-
refugiado, alcançando todo indivíduo vítima de 'violação massiva de direitos hu- das pelos Estados demonstram esse quadro: os Estados ratificam as Convencões
manos'. Assim, o "espírito de Cartagena" passa a ser sinônimo de uma definição e depois criam subterfúgios para não cumpri-las devidamente 84 • Especificamente
ampliativa de refúgio, que possibilita maior proteção aos indivíduos o buscam. quanto ao refúgio, observou-se a criação de mecanismos nacionais de controle
Conforme observa Lisa Makki 78 , o período que se estendeu desde o final da sobre a determinação do status de refugiado que relegam o refúgio à "concessão"
Segunda Guerra até o final da Guerra Fria produziu a emergência dos países em por parte do Estado receptor, cuja determinação é diretamente influenciada pela
desenvolvimento no cenário internacional, bem como profundas transformações agenda de sua política externa.
nas formas dominantes de nacionalismo nos Estados desenvolvidos. Por outro Além disso, com fim da Guerra Fria, os Estados ocidentais (maiores doa-
lado, a proliferação de novas guerras (parafraseando o termo cunhado por Mary dores das agências humanitárias) deixaram de ter interesse em usar os programas
Kaldor, "new wars"79 ), muitas delas marcadas pela intolerância étnica e religiosa, assistenciais como arma contra o comunismo 85 • Por outro lado, tanto em Nações
assim como a instabilidade política e social, produziram graves crises humanitárias industrializadas quanto em regiões menos desenvolvidas, grupos nacionalistas pro-
em várias partes do globo. Como consequência, observou-se um fluxo migratório moveram sentimentos xenófobos, culpando refugiados, solicitantes de asilo e imi-
maior
· • comp 1exo 81 , que provocou e am
80 e mais • da provoca a necessi·d ade de outro grantes em geral pelos problemas nacionais, como a insegurança e o desemprego 86 •
posicionamento estatal e internacional para garantir a solução adequada a cada A construção dessa conjuntura internacional não favoreceu o fortalecimento
tipo específico de migrante 82 • do tecido institucional necessário à consolidação do Direito Internacional dos
Em contradição com o imperativo de acolhimento resultante da demanda Refugiados. O papel dos organismos criados para atuar na construção do Direi-
cada vez mais grave, a estrutura institucional insuficiente e a falta de comprometi- to Internacional dos Refugiados, como o próprio ACNUR, torna-se subjacente à
mento dos Estados 83 em cumprir efetivamente as normas internacionais, geraram soberania e aos interesses nacionais 87 • Nesse contexto, o refúgio é percebido mais
como uma questão de segurança, do que de Direitos Humanos, tornando-se alta-
;s
MAKKI, Lisa. Refugees in Exile: from "Refugee Studies" to the national order ofthings. ln Annual Review of Anthropolo-
mente vinculado à política externa dos Estados.
gy, 1995, vol.24 (p.504). Conforme já mencionado, o Direito Internacional dos Refugiados não dis-
Mary Kaldor identifica esse novo tipo de conflito as "novas guerras" em contraponto às ·•guerras antigas" (conflitos inte- põe de um sistema próprio de supervisão e controle, ao contrário dos demais ins-
restatais clássicos que marcaram o início do século XX e a Guerra Fria). As "new wars'" são identificadas por Kaldor como
trumentos de proteção de direitos humanos 88 • Isso dificulta a aplicação das normas
conflitos de ordem política. marcados por violência generalizada, massivas violações de direitos humanos. promovidas pelos
Estados ou por grupos beligerantes organizados. Essas guerras são caracterizadas por conexões transnacionais (segundo a internacionais e, por conseguinte, a concretização da ampla proteção que deveria
autora, impulsionados pelo processo de globalização), que confundem elementos internos (repressão} e externos (agressão) e ser dispensada a esses indivíduos. Essa situação contrasta com a necessidade de um
entre o local e o global, dificeis de diferenciar. Essas conexões causam exercem impacto sobre o futuro da territorialidade do
regime consolidado e efetivo, que desvincule o refúgio das prerrogativas estatais.
Estado baseada na soberania. Assim, as novas guerras surgem em um contexto de erosão da autonomia do Estado. ou mes-
mo de sua desintegração. especialmente quanto ao exercício do monopólio legítimo da violência organizada. Essas guerras
assentam-se na luta para dominar o território e exercer controle sobre a população, por meio de estratégias de expulsão como dos em situações sensíveis do globo, do ponto de vista estratégico (como China, Rússia. Egito. Irã, Afeganistão, etc), além
massacres, reassentamentos forçados e várias formas de intimidação. É por esse motivo que essas guerras têm promovido um de países africanos com um grave histórico de conflitos étnicos como Serra Leoa, Sudão, por exemplo. Evidentemente, uma
crescimento do número de refugiados e deslocados. (KALDOR, Mary. New and Old Wars: organized violence ín a global análise detalhada de cada item e das causas para as reservas poderiam ou deveriam ser feitas, para elucidar esses pontos, po-
era. 2'edição. Cambridge: Políty Press, 2006, pp 4e5). rém, no âmbito desta obra, será observada somente a posição brasileira discutida no Capírulo IV. (Fonte: ONU - United Na-
Segundo o UNDP, globalmente. existem cerca de 232 milhões de migrantes internacionais (2013), sendo que perto 59% tions Treaty Collectíon. Disponível em: https:lltreaties.un.org/pagesNiewDe1ailsll.aspx?&src=UNTSONLINE&mtdsg_no
vivem em regiões desenvolvidas, contra 41 % em regiões em desenvolvimento. Entre 1990 e 2013 houve um acréscimo de =V-2&chapter=5&Temp=mtdsg2&Iang=en#5. Acesso em 20 de junho de 2014.
77milhões de imigrantes, cerca de 4,6 milhões por ano. Cerca de 69% do fluxo migratório foi destinado aos países desen- "' Algumas dessas "alternativas" serão abordadas no Capítulo 2.
volvidos, sendo 78% provenientes de países do sul. (Fonte: United Nations Populatíon Division (UNPD) - Department of S5 Ver item 2.2.2 do Capintlo 2 sobre "a politização do rerugia".
Economic and Social Affairs; publicado em dezembro de 2013. Disponível em http:11\\ww.un.org/en/development/desai CRISP, Jeff. Op. Cit. 2003, pp.5-6.
population/publicationslpd6'migration/migrationreport2013/Full_Document_final.pdf#zoom= I 00. Acesso em I 010212015. LOESCHER, Gil!. Toe UNHCR and the World Politics: a perilous path. Oxford: Oxford University Press. 2001.
SI
A complexidade aqui referida é uma alusão às múltiplas categorias de migrantes: além de migrantes econômicos, vítimas de Além dos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos. que contam com mecanismos próprios de controle, tam-
tráfico de pessoas, refugiados, apátridas, deslocados internos, deslocados internos retomados e deslocados ambientais. As bém existem mecanismos convencionais vinculados aos principais Tratados Onusianos de Direitos Humanos: A Convenção
definições institucionais e doutrinárias de cada uma dessas categorias serão abordadas no Segundo Capitulo. lntemacional sobre toda Forma de Discriminação Racial, de I 965; O Pacto dos Direitos Civis e Políticos, de 1966; Pacto
S2
O aumento significativo de refugiados em várias partes do mundo, devido a conflitos recorrentes em diversos países, levou dos Direitos Econômicos e Sociais. de 1966; A Convenção sobre toda Forma de Discriminação Contra a Mulher, de 1979;
a então Alta Comissária das Nações Unidas para Refugiados. Sra. Sadako Ogata. a realizar conhecido pronunciamento na li A Convenção Contra a Torrura e Toda Forma de Tratamenlo Desumano, Cruel ou Degradante, de 1984; A Convenção sobre
Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) sobre a importância de prevenir as causas do aumento de refugia- os Direitos da Criança, de 1989; A Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores(as) Migrantes e
dos e reafirmar os direitos humanos destes. suas Famílias, 1990; A Convenção sobre a Proteção Contra o Desaparecimento Forçado. de 2006: e a Convenção sobre o
Além do fato do fato da maior potência mundial e principal força política por trás da ONU. os Estados Unidos não terem ra-
Direito das Pessoas com Deficiência, de 2006. Cada um desses Tratados conta com um Comitê responsável pela efetividade
tificado a Convenção de 1951 e o Protocolo 1967, o que, aliás, é de praxe para este país, no que tange a Trata~os de Direitos
e observância de suas normas pelos seus Estados membros, a partir de um sistema de relatórios e/ou de petições individuais
Humanos, é importante observar as reservas e objeções impostas por alguns países em relação às disposições da Convenção,
das vítimas. (CARVALHO RAMOS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos; 4'edição. São Paulo: Saraiva,
como forma de salvaguardar interesses estatais, abstendo-se de cumprir direitos importantes contidos nela. Vale mencionar,
2015; pp 89-91).
que vários países que ofereceram reservas são países europeus, tradicionais receptores de migrantes. além de países localiza-
24 HELISANE M..\HLK.E DIREITO INTERNACIONAL OOS REFt:GJ.-\.00S: Novo PARADJG~JA JURÍDICO
25
Cabe refletir, então, sobre o que levaria os Estados a comprometerem-se com as efetivo às violações de seus direitos humanos e vastas regiões do globo não estão
normas internacionais sobre refugio. abarcadas por nenhum instrumento regional de proteção. Além disso, a partici-
Andrew Hurrel89 aponta três elementos que julga serem úteis como parâmetro pação dos Estados nesses mecanismos é opcional e as possibilidades de cumpri-
de análise para essa questão: a) a ética de responsabilidade do Estado; b) o fato de mento (enforcement) são fracas na medida em que as decisões desses órgãos não
o Estado ter um papel fundamental na proteção das diferentes identidades; c) e a são vinculativas. Segundo Crawford, mesmo que os indivíduos tenham se tornado
percepção de que, mesmo frágeis, as instituições da sociedade internacional conse- participantes do sistema jurídico internacional e, portanto, capazes de reivindicar
guem estabelecer meios moralmente significativos para limitar o conflito em uma seus direitos perante os organismos internacionais, ainda há certa resistência dos
realidade onde o consenso é dificil. Adiciona-se a esses três parâmetros, outro: a Estados em reconhecer essa titularidade. Apesar de pertinente a observação sobre a
necessidade de cooperação entre os Estados para melhor administrar questões que recusa dos Estados em reconhecer os direitos de indivíduos, especialmente daqueles
transcendem suas fronteiras. que não são seus nacionais. Mas, não se deve ignorar a expansão qualitativa do Di-
O primeiro elemento refere-se à ética da responsabilidade do Estado, a qual reito Internacional dos Direitos Humanos, expressa na produção jurisprudencial
deve ser entendida no contexto do seu papel no cenário internacional atual. O das Cortes Internacionais, inclusive quanto ao Direito Internacional dos Refugia-
Estado, a despeito de ser o principal sujeito de Direito Internacional e dotado de dos. Essas decisões, a despeito das críticas que se possa fazer sobre seu alcance e
competência ilimitada, não se encontra mais isolado, pois as organizações inter- aplicação, geram obrigações para os Estados 93 •
nacionais e indivíduos também são depositários de direitos e deveres referentes à Nesse sentido, Catherine Dauvergn94 chama atenção para o fato de que o
personalidade jurídica. Além da personalidade reconhecida, é inegável mencionar movimento atual para limitar o alcance do Direito dos Refugiados é uma evidên-
que esses sujeitos também são atores políticos importantes, capazes de influenciar cia de que ª; normas sobre refugio são aceitas como obrigações internacionais
a conjuntura internacional e as preferências uns dos outros. Sendo assim, o Esta- vinculantes. E inegável que o custo político-diplomático e social da não implemen-
do não mais pode ser entendido como um elemento unitário e voluntarista, mas tação das decisões das Cortes é cada vez maior, na medida em que a comunidade
como parte de um sistema internacional heterogêneo, cuja principal característica internacional conta com diversos meios de expressão capazes de constranger os
é a interdependência 90 • Estados 95 • Por essa razão, verifica-se uma importante alteração na concepção clássi-
A ética da responsabilidade encontra sua melhor expressão nos mecanismos ca de soberania, cuja origem é profundamente exclusivista e segregadora, para uma
políticos e jurídicos que apuram violações de Direitos Humanos, os quais represen- perspectiva internacionalista, na qual o Estado reconhece-se como parte integrante
tam sua verdadeira internacionalização. A importância desses mecanismos encon- de uma comunidade internacional. Como consequência, emerge um novo tipo de
tra-se na sua capacidade de criar constrangimentos políticos aos Estados e dar visi- soberania, baseada na responsabilidade do Estado 96 como expressão, na cooperação
como meio, e na solidariedade como fundamento 97 •
bilidade às violações. Entende-se que, por questão de afinidade jurídico-normativa,
o Direito Internacional dos Refugiados, que não possui um mecanismo próprio
Ver mais em CARVALHO R.A.MOS, André de. Responsabilidade Internacional do Estado por Violações de Direitos Huma-
de apuração de responsabilidades por eventuais violações dos seus preceitos, deve
nos. São Paulo: Renovar, 2004.
dispor dos mecanismos internacionais de direitos humanos já existentes91 • DAUVERGNE. Catherine. Making People lllegal: what globalization means for migration and law. New York: Cambridge
A crítica de James Crawford92 aponta as limitações desses mecanismos: não 9J
University Press, 2008.
Na visão institucionalista de Andrew Guzman, os Estados se comprometem a cumprir as normas internacionais em razão
há Convenção Multilateral que especificamente garanta aos estrangeiros, acesso
de três fatores: reciprocidade. retaliação e reputação (os 3 "Rs" que autor menciona: reciproci(v. retaliation. reputation).(
GUZMAN, Andrew. How lntemational Law Works: a rational choice theory, 2008).
96
HURREL, Andrew. Order and Justice in lntemational Relations: What is at stake?, in Rosemary Foo~ John L. Gaddis, Referência ao termo ·•soberania como responsabilidade'", cunhado por Francis M. Deng, Representante Especial da ONU
Andrew Hurrel (eds.), OrderandJustice in lntemational Relations, Oxford University Press, 2003, pp. 24-48. para Deslocados Internos. Em sua obra ·'Sovereignty as Responsibility", que trata especialmente de conflitos internos no
As características de heterogeneidade e interdependência do sistema internacional são compreendidas no sentido que Joseph continente africano, Deng afirma que a soberania carrega em si certas responsabilidades as quais devem ser assumidas pelos
Keohane imprime a elas: a heterogeneidade refere-se à pluralidade de atores (Estados, Organizações, Cortes) que estabe- governos não apenas quanto aos seus nacionais, mas, em última instância, quanto à comunidade internacional. Segundo o
lecem múltiplos canais de interação, em nível interestatal, transnacional e internacional.. (KEOHANE, R. O.; NYE Jr., J. autor, os desafios impostos por conflitos internos têm dois aspectos. Um deles é estabelecer e aplicar um sistema efetivo de
Power and interdependence: world politics in transition. Boston: Little, Brown. 1977). prevenção, administração e resolução de conflitos (em nível nacional, regional e global). O outro aspecto é prover assistência
" E de fato o fazem, uma vez que as Cortes Regionais e Internacionais já se manifestaram direta ou indiretamente sobre casos àqueles afetados pelo conflito, seja pela violação de seus direitos humanos ou pela privação de necessidades básicas. Em
que envolvem o refúgio, como será explicitado no Capitulo UI. Segundo André de Carvalho Ramos, ·•No campo dos Direitos ambos os casos, o Estado, peça central do sistema internacional é responsável em prover tal proteção e abster-se de ser o
Humanos, a responsabilização do Estado é essencial para reafirmar ajuridicidade deste conjunto de normas voltado para responsável por tais violações, não podendo justificar-se com base na soberania nacional simplesmente. (DENG, Francis M.
a proteção dos indivíduos e para a afirmação da dignidade humana. Com efeito. as obrigações internacionais nascidas com (et ai.) Sovereignty as Responsibility: conflict management in Africa. R.R Donolly and Sons Co.: Virgínia, 1996, p.l).
a adesão dos Estados aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos só possuem conteúdo real quando Cabe referir-se, nesse momento, à reflexão ilustrativa de Joseph Raz quando analisa a origem dos direitos humanos. Primeiro,
mecanismo de responsabili=ação por violações é efico=. Tal mecanismo deve ser o mais amplo possível para que se evite os interesses individuais combinados com as condições sociais requeridas para sua satisfação, estabelecendo. assim, um direito
o caráter meramente programático das normas internacionais sobre direitos humanos". (grifos no original) (CARVALHO moral individual. Segundo, os Estados têm o dever de promover esses direitos (interesses) ou de respeitá-los. Por fim, os Estados
RAMOS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2012, p.30). não tem imunidade quanto à interferência no que se refere a esses direitos. Para Raz, a concepção política de direitos humanos
92
CRA WFORD, James. State Responsibility: General Part Cambridge University Press: New York, 2013, p.585. pode e deve aceitar certa universalidade moral. A essência desses direitos como um conceito político observa que os direitos
26 HELISANE 1\11..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
27
Diante dessa perspectiva, então, quais motivos justificariam a responsabilida- gerar entr~ Estad~s e ~utros atores; ~ a da ética e direitos humanos, princípios que
de do Estado em aceitar refugiados em seu território? Joseph Carens 98 enumera três os atores mternac1ona1s devem considerar, por ser parte de suas obrigacões interna-
razões que geram o dever de receber refugiados: i) conexão causal, ou seja, o Estado cionais, as quais se estendem para além e acima dos interesses restrito; do sistema
contribuiu de alguma forma para a situação de insegurança desses indivíduos em de Estados soberanos. A autora avalia que, as respostas legais e organizacionais aos
seu país de origem; ii) preocupação humanitária e o dever moral que dela emerge; desafios impostos pelos fluxos de refugiados, revelam a preocupação contínua da
iii) as previsões normativas do sistema de Estados, ou seja, o dever do país de admi- ~ornunidade in_ternacional em codificar, ordenar e tornar estável um processo que é
tir refugiados em seu território surge da reivindicação deste em exercer seu poder merentemente mstável e presumidamente provisório.
legitimamente em um mundo composto por Estados. É importante, ponderar, que a mobilidade humana é composta por inten-
Cabe observar, portanto, que a despeito da percepção equivocada que, inad- sos fluxos humanos internacionais, impulsionados pelo dinamismo das mudancas
vertidamente, advoga uma utópica supressão do Estado para que os direitos hu- políticas e econômicas, além da expansão das redes de comunicação e transpo;te.
manos sejam realizados, este permanece um elemento fundamental na proteção Essas características podem proporcionar a falsa impressão de que a imigração seria
internacional dos refugiados. A evidente mudança nas relações internacionais, im- urna via sem obstáculos e um direito conquistado, o que não traduz a realidade
pulsionadas pelo processo de globalização e pelos movimentos transnacionais, não que demonstra que a permeabilidade das fronteiras dos Estados é, de fato, seletiva.
faz do Estado um ente dispensável ou, necessariamente, um obstáculo à justiça Além disso, uma tendência controversa se apresenta: por um lado a questão
internacional. O novo papel do Estado requer que este haja em consonância com da mobilidade humana, de forma geral, tem sido cada vez mais "judicializada"
as normas internacionais às quais se comprometeu e em colaboração com as insti- nos países ocidentais, acarretando urna mudança significativa na forma como os
tuições internacionais das quais é parte. Ao assumir esse papel, o Estado se converte países democráticos concebem suas obrigações em relação aos estrangeiros presen-
em elemento fundamental na garantia de direitos e na proteção das identidades, tes em seus territórios. Mathew Gibney100 aponta que, ao mesmo tempo em que
os países assinam convenções que fornecem instrumentos que aumentam o poder
nesse caso, não apenas de seus nacionais, mas de qualquer indivíduo que se encon-
das Cortes no reconhecimento dos direitos dos refugiados, há um crescimento das
tre sob sua jurisdição. Diante disso, é fundamental perceber que a consolidação do
medidas restritivas à entrada de imigrantes. Essas medidas restritivas visam, essen-
Direito Internacional dos Refugiados depende do comprometimento (compliance)
cialmente, prevenir a entrada desses indivíduos, impedindo que estes cheguem a
dos Estados ao regime internacional do refúgio.
solicitar refúgio 101 •
Contudo, é preciso ressalvar que a mudança para um paradigma internacio-
Paradoxalmente, o desenvolvimento dos mecanismos jurídicos de proteção
nalista está em curso, mas ainda não totalmente consolidada. No caminho dessa
aos direitos humanos dos imigrantes vem alimentando ações que impedem a
consolidação está a noção de soberania como segurança nacional que permanecem
possibilidade de exercê-los. Assim, aparentemente, o custo do crescimento de
influenciando a atuação política dos Estados quanto à imigração e a aplicação das
medidas legais inclusivas "dentro" do território do Estado tem corno efeito re-
normas internacionais pelas as Cortes Nacionais. Políticas restritivas à entrada de
verso o rápido desenvolvimento de medidas de exclusão "fora" dele. Portanto,
migrantes, a seletividade política do ingresso no território, a discriminação quanto
reconhece-se que a expansão da judicialização do refúgio é apenas parte da neces-
à garantia de direitos, os argumentos xenófobos para justificar a ineficiência do
sidade para uma ampla proteção. É fundamental, também, promover políticas
próprio Estado, a proposital falta de estrutura de acolhimento com o único intuito
mais inclusivas para os refugiados e fortalecer os organismos internacionais para
de desencorajar a migração, são efeitos desse tipo de perspectiva.
que estes possam exercer seu papel na proteção de identidades que transcendem
Como comenta Barbara Harrel-Bond 99, em seu artigo sobre a questão do refú- a fronteira da cidadania estatal.
gio no sistema internacional, os refugiados representam duas dimensões em conflito Face essas considerações, entende-se que existem três elementos fundamentais
da política internacional: a da "realpolitik" pelos conflitos que os refugiados podem para que o Direito Internacional dos Refugiados possa alcançar sua efetividade: i)
a consolidação de um arcabouço normativo com interpretação uniforme para lhe
humanos são direitos que necessitam de reconhecimento institucional, como direitos que transcendem a moralidade privada
apenas. Reconhecendo as discussões sobre as dimensões políticas envolvidas na questão sobre direitos humanos, Raz denuncia
a retórica hipócrita e as alegações enganosas nas quais o tema está envolvido, mas os próprios hipócritas rendem homenagem HURREL, Andrew. Op. Cit. 2003.
IOI
a esses direitos quando reconhecem que são esses os standards pelos quais suas condutas devem ser julgadas. Ironicamente, 0 Um exemplo dessas ações é a "Pac//ic So/111io11", iniciada pelo governo australiano em 2001 como reação a centenas de
fato é que a prática dos direitos humanos não está apenas tomando-se estabelecida, mas estendendo suas asas sobre um campo refugiados que chegavam à costa da Austrália em embarcações irregulares. A marinha australiana passou a interceptar
muito maior de direitos e, perdendo, assim, sua aura de excepcionalidade. (RAZ, Joseph. Human Rights Without Foundations. essas embarcações ainda em alto mar e a encaminhar os refugiados a "centros de processamento" (termo utilizado pelo
ln Urúversity of Oxford Faculty of Law Research Paper Series. Nºl 4, março de 2007. pp. 19-20). governo) nas ilhas de Nauru, Manus e Papua Nova Guiné. A Pacific Solution foi oficialmente encerrada em 2008, porém
9S
CARENS, Joseph. H. The Dispossessed: responsibilities of refugees. ln Ethics and Politics of Refugee Global Refugee esse tipo de iniciativa continua sendo utilizada. (Fonte: PHILIPS. Janet. The Pacific Solution Revisited: a statistical
Regime (workshop). Princeton University, 14-16 de março de 2013, p.5. guide to the asylum seeker caseloads on Nauru and Manus lsland. Australian Parliament. Disponível em: http://parlinfo.
99
(HARRELL-BOND, Barbara. Refugees and the lntemational System: the evolution of solutions. Refugee Studies Centre - aph.gov .au/parllnfo/download/libraryiprspubl 18 93669/ upload_binary/ 1893669. pdf:fi leType=application%2Fpdf. Aces-
Oxford University, 1995, pp. 1-27). so em 05 de abril/2014).
28 HELISANE M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFliGl,\.DOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 29

dar coesão; ii) a cooperação internacional mediante instituições que garantam uma um standard de interpretação que uniformize a aplicação das Convenções Interna-
ampla proteção; iii) e o comprometimento (compliance) dos Estados às normas cionais às quais os Estados se comprometeram. A ausência de um mecanismo de
sobre refúgio ou sua eventual responsabilização pela violação destas normas. próprio de enforcement para o Direito Internacional dos Refugiados é sintomática,
Para que se possa superar o paradigma nacionalista, a internacionalização da sendo que a justificativa para tanto encontra-se na atual política global do refúgio.
proteção aos refugiados é uma exigência indispensável. Por internacionalização
se entende a consolidação de um sistema internacional de proteção, por meio da 1.2. A POLÍTICA GLOBAL DO REFÚGIO
atuação das instituições (organizações e Cortes internacionais), as quais seriam
fundamentais na governança do tema e cumpririam o papel da supervisão e con- Em contraponto à necessidade cada vez mais imperiosa de acolher um número
trole da atuação dos Estados quanto ao cumprimento das normas sobre refúgio. cada vez maior de refugiados, encontra-se a dificil arquitetura de uma política global
O propósito da consolidação desse sistema internacional de proteção, orquestrado do refúgio, que possa fornecer soluções efetivas à complexa situação atual. Contudo,
pelas instituições internacionais, seria tornar efetiva a proteção aos refugiados por a necessidade de coordenar e construir uma política global de proteção aos refu-
meio de políticas estruturais e de longo prazo; fomentar cooperação entre Estados giados esbarra na dificuldade de atuação das agências e na mobilização de recursos
e organismos internacionais para a gestão conjunta; a produção e uniformização disponíveis, mas, sobretudo, nos óbices impostos pelos interesses dos Estados.
das normas que regem o refúgio; estabelecer mecanismos de enforcement do direito É fato que administrar uma questão transnacional, como o fluxo de re-
internacional dos refugiados, com vistas à implementação de soluções adequadas fugiados, ou mesmo outras questões humanitárias graves como a situação dos
segundo os parâmetros fornecidos pelos princípios de direitos humanos 102 • deslocados internos, necessita cooperação internacional. Nesse contexto, Emma
Evidentemente, esse seria um modelo ideal, o qual se encontra distante da Haddad 105 observa que a questão do refúgio emergiu como um "problema" que
realidade atual. Existem organismos internacionais que atuam na questão migrató- está além da capacidade individual de qualquer Estado resolver, demonstrando
ria e, especialmente, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, que a interdependência entre as políticas nacionais e internacionais para administrar
possui o mandato específico quanto ao refúgio. Contudo, a atuação desses órgãos é a questão efetivamente.
incompleta e fragmentária, conforme será analisado. Além disso, essas instituições Porém, essa arquitetura é complexa, mobilizando diversos níveis da política in-
sofrem críticas quanto à sua efetividade, ou seja, à capacidade de implementação ternacional, bem como diversos atores, cujo diálogo nem sempre tem sido uníssono.
do refúgio; e quanto à legitimidade, a necessidade de estarem amparadas por um Alexander Betts 106 esclarece que a "governança global do refúgio" pode ser entendida
elemento que lhes confira autoridade para representar aqueles que delas fazem par- tanto como um processo (ações coletivas entre Estados ou atores transnacionais), ou
te, bem como serem capazes de, democraticamente, expressar suas preferências. 103 como substância (normas, princípios, regras e decisões que regulam o comportamen-
Essas críticas não devem ser negligenciadas, uma vez que da reflexão sobre elas de- to dos Estados e dos atores transnacionais). Em nível horizontal, a governança global
pende o aprimoramento dos mecanismos capazes de trazer efetividade ao Direito do refúgio relaciona-se com outros campos como a migração, questões humanitá-
Internacional dos Refugiados e, de maneira mais ampla, do Direito Internacional rias, direitos humanos, desenvolvimento e segurança. Verticalmente, ela não pode ser
dos Direitos Humanos. compreendida sem que se analise como as normas internacionais são traduzidas para
Como se pode deduzir pelos argumentos já apresentados, a simples ratifi- o âmbito nacional ou local. É justamente essa heterogeneidade de fatores que torna
cação das normas sobre refúgio pelos Estados não se traduz em ações concretas a construção de um sistema internacional de proteção aos refugiados, que conte com
de proteção 104 • É necessário um tecido institucional que lhe dê suporte e que seja a cooperação dos Estados, uma tarefa dificil.
capaz de vincular os países a cumprir essas normas. Assim, a internacionalização Em outro sentido, James Milner analisa que a política global do refúgio 107
do refúgio exige que haja a harmonização das legislações e procedimentos de deter- envolve três elementos essenciais: a) os atores envolvidos, que são primeiramente
minação do status de refugiado em diversos países, por meio do estabelecimento
10, HADDAD, Emma. Toe Refugee in lntemational Society: between sovereigns. New York: Cambridge University Press.
2008, p2.
Barbara Koremenos ressalta a importância das instituições internacionais: ·'As instituições reduzem o custo das relações e 106
Segundo o autor, "(t)he post Second World War era created a United Nations-based framework of multilateral institutions.
providenciam uma arena para a comunicação regular, portanto criando interdependências e oportunidades para a troca de
within which particular intemational organizations were given a clearly delineated de faclo monopoly over particular issue
informações. Além de coletar e disseminar informação. assimetrias da informação e incertezas. frequentemente hostis à
areas. Since then, the nature of global govemance has changed rapidly. and there has been significant institutional prolif-
cooperação, são resolvidas. Esses mecanismos ajudam na manutenção da cooperação mesmo em circunstâncias adversas de
eration and fragmentation, with new parallel. overlapping. and nested institutions being created at the bilateral, regional,
um ambiente internacional anárquico." (tradução livre). (KOREMENOS, Barbara. lnstitutionalism and lntemational Law.
intemational and even network leveis of govemance". {BETTS. Alexander. lntemational Relations and Forced Migration.
ln: Jeffrey L Dunoff and Mark A. Pollack (ed.), lnterdisciplinary Perspectives on lntemational Law and lntemational Rela-
ln The Oxford Handbook ofRefugee and Forced Migration Studies. New York: Oxford University Press. 2014, pp67-69).
tions: the state ofthe arL Cambridge University Press, 2013, p.60).
103 James Milner define a política global do refúgio como "a formal statement of, and proposed course of action in response to,
GIBNEY, Matthew. The State of Asylum: democratization. judicialization and evolution in refugee policy in Europe. New
a problem relating to protection. solutions or assistance for refugees or other populations of concem to lhe global refugee re-
Issues in Refugee Research. Working Paper nº 50. Refugee Studies Centre: Oxford. Outubro, 2001.
104 gime. lt is discussed and approved within UNHCR's goveming structure, such as Executive Committee and Standing Com-
Atualmente, 145 países ratificaram a Convenção de 1951, o último deles foi o Afeganistão. em 2005.
30 l-!ELISANE MAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:Gl ..>JJOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 31

Estados e o ACNUR, mas também membros da sociedade civil (comunidade agendas políticas dos países que delas fazem parte. Para Michael Zürn, esse confli-
epistêmica e organizações não-governamentais dedicadas à assistência aos refu- to emerge do processo de supranacionalização e transnacionalização dessas institui-
giados); b) a definição da agenda na qual questões políticas relacionadas ao re- ções108, especialmente no problema de aceitar a administração multilateral dos meca-
fúgio tornam-se o foco; por fim, c) a tomada de decisão ou implementação das nismos de tomada de decisão. Para Zürn, quanto mais as Instituições internacionais
políticas sobre refúgio. Observando esses elementos, percebe-se que a construção interferirem em questões que, anteriormente, eram de domínio exclusivo interno dos
da política global do refúgio percorre um caminho tortuoso, que inicia com a Estados, mais surgirão questionamentos acerca de sua (falta) de legitimidade, como
identificação dos atores envolvidos e no confronto de interesses explícitos ou im- uma reação destes a perda de controle político.
plícitos a partir dos quais é definida a agenda que irá mobilizar ações ou mesmo A questão também pode ser abordada por outro aspecto, ou seja, há os que
justificar omissões quanto ao refúgio. defendem que a agenda do refúgio deveria ser deixada a cargo dos Estados e aos orga-
De acordo com o breve histórico relatado na parte inicial deste Capítulo, nismos internacionais caberia apenas um papel coadjuvante de assistência aos países
podemos observar que a estrutura de proteção aos refugiados foi criada para ser envolvidos, agindo somente com a autorização destes. Esse posicionamento endossa
provisória e geograficamente delimitada. Essa estrutura ainda é mantida e contras- a seletividade baseada nos imperativos políticos e econômicos do Estado, como uma
ta com o aumento do número de refugiados e com a complexidade que a questão atitude legítima na preservação dos seus interesses. Segundo essa visão, o Estado tem
assume na atualidade. Diante dessa dicotomia, cabe fazer uma análise crítica do a prerrogativa de considerar a concessão do refúgio, ou não, e administrar suas causas
papel do ACNUR, que não se resume apenas à assistência aos refugiados, e verificar e consequências segundo as necessidades e disposições políticas internas 1º9•
por quais motivos se mantém essa estrutura institucional fragmentária e anacrôni- Em sentido contrário, há argumentos que sustentam a importância do papel
ca para administrar questões humanitárias cada vez mais urgentes. É fato que essa das instituições na governança do refúgio, baseados na necessidade da construção
de um tecido institucional internacional, capaz de proteger os refugiados, espe-
estrutura deficiente não é coerente com os princípios de direitos humanos, cabe
cialmente diante da incapacidade ou da má-fé dos Estados. Frequentemente, os
questionar, então, por que ela se mantém, mesmo diante da necessidade crescente
motivos que impulsionam a fuga dos indivíduos do seu país de origem são dire-
de um aparato institucional que estabeleça um regime internacional de proteção. A
tamente relacionados com os poderes políticos estatais opressivos, que perseguem
quem interessa a manutenção da atual estrutura? Qyal seria o cenário institucional
indivíduos pertencentes a grupos rivais. Outras vezes, as estruturas internas de
adequado para a efetividade da proteção internacional dos refugiados?
países assolados por conflitos graves são incapazes de oferecer proteção. Diante de
Essa análise passa, em primeiro lugar, pela reflexão sobre o papel das insti-
quadros como esses, a atuação das organizações internacionais revela-se fundamen-
tuições na consolidação do regime internacional do refúgio. Qyanto a esse papel,
tal. Além disso, as instituições internacionais podem contribuir decisivamente para
as opiniões são divergentes: há um aspecto profundamente crítico a respeito do
uma política unificada e para a harmonização das legislações nacionais e interna-
fortalecimento de órgãos internacionais, capazes de administrar a questão do re-
cionais sobre o tema, consolidando, assim, um verdadeiro sistema internacional de
fúgio em nível global. Seus argumentos residem, em parte, na impossibilidade de
proteção aos refugiados 110 .
uma governança do refúgio por meio de regimes internacionais. Esses regimes
Cabe mencionar, também, a crescente participação de Organizações Não-
seriam apenas "marionetes" dos interesses dos Estados que os sustentam e, portan-
-Governamentais (ONGs) que trabalham diretamente com a questão do refúgio e
to, careceriam de verdadeira cooperação internacional capaz de tornar o Direito
demais categorias de migração forçada relacionados. Essas organizações estabele-
Internacional dos Refugiados efetivo. Conforme anteriormente explicitado, essas cem seu espaço de atuação desenvolvendo parcerias com os Estados e com as Agên-
organizações sobrevivem da contribuição de Estados doadores e sem eles seu traba- cias internacionais, para a proteção e inclusão dos refugiados nas comunidades
lho seria inviável. Portanto, não se pode ignorar que sua autonomia é reduzida sig-
nificativamente diante das constrições impostas pelos interesses dos mantenedores. ]OS
Segundo Michael Zürn. a crescente necessidade por instituições internacionais que sejam capazes de disseminar conheci-
Dessa realidade decorrem, também, as críticas à falta de transparência e de mento e informação sobre complexas questões internacionais, impulsiona a supranacionalização e transnacionalização, ou
legitimidade dessas instituições, cujos interesses estariam implícitos nas ações huma- seja, a criação de relações entre os Estados a partir de rei,oimes e instrumentos de cooperação. Para o autor, para que essas
instituições sejam efetivas na realização de seus propósitos, elas devem conter um design institucional que compreenda
nitárias. Observa-se que, ao se analisar a questão da legitimidade deve-se considerar órgãos de solução controvérsias quase-judiciais; órgãos de monitoramento independentes; e agentes internacionais respon-
dois fatores importantes: como se dá o processo de tomada de decisão dentro destas sáveis por coletar e disseminar a informação e o conhecimento. (ZÜRN, M. Global Governance and Legitimacy Problems.
ln: Government and Opposition. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. p.286).
instituições e como conciliar diferentes valores e interesses para alcançar esta decisão. 109
WALZER, Michael. Esferas da Justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade. Martins Fomes: São Paulo, 2003.
Nesse momento, se estabelece o conflito natural que surge a partir das diferentes IIU
Alexander Bens ressalta a importância do regime internacional de refugio em construção, o qual é caracterizado pela com-
plexidade e pela proliferação de instituições que, po; vezes, competem na gestão da questão e disputam o engajamento dos
mittee or the United Nations General Assembly which arguably constitute de decision-making bodies ofthe global refugee Estados. O ACNUR tem um papel fundamental nessa construção, supervisionando e fomentando a implementação de polí-
regime."(MILNER, James. lntroduction: understanding global refugee policy. ln Journal ofRefugee Studies. Vol.27. N"4; ticas direcionadas a administrar a situação de milhares de refugiados no mundo. (BETTS, Alexander. The Refugee Regime
outubro de 2014; p.480). Complex. ln Refugee Survey Quaterly. Vol. 29, nºI, UNHCR, 2010, p. 13).
32 HELISANE MAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGI..\Dos: Novo PARAOIGMA JURÍDICO
33
locais 111 . Essas ONGs também sofrem críticas quanto à sua falta de transparência, nos quais a ONU furtou-se em agir, ou agiu de maneira contrária aos propósitos
tanto em relação à fonte de financiamento, como quanto às motivações políticas contidos em seu próprio tratado constitutivo 114 • Nesse contexto, a organização passa
implícitas em suas ações. A despeito das críticas, as ONGs têm se tornado impres- por uma crise de legitimidade 115 que empalidece sua presença política e sua capacida-
cindíveis na governança do refúgio, ao cobrirem o vazio institucional deixado de de influenciar as preferências dos Estados, o que potencialmente contribui para
pelos demais organismos 112 . a produção de um ambiente internacional menos favorável à proteção dos direitos
Dessa maneira, mesmo diante das críticas pertinentes, a atuação das institui- humanos. O aprimoramento da estrutura e funcionamento da organização, mesmo
ções internacionais não deve ser definida pela ausência de significado, mas pela diante dos constrangimentos impostos pelo jogo de forças entre os Estados, é neces-
falta de interesse dos Estados de que elas assumam um papel de protagonismo, algo sário, pois seu enfraquecimento é um retrocesso para o Direito lnternacional 116 •
evidente quando se observa a estrutura de que esses organismos dispõem. Sem a Diante desse quadro, é importante reconhecer, como afirmam Betts e Loes-
consolidação e fortalecimento de uma alternativa internacional para a governança cher117, que a questão dos refugiados é mais do que uma questão de direitos huma-
do refúgio, resta somente submeter-se aos interesses dos Estados, que manteriam nos, mas uma parte inerente à política internacional. A figura do "refugiado" em
o controle sobre quem seria acolhido em seu território. Além disso, resultaria si, segundo os autores, é também parte do sistema internacional, representando a
enfraquecida qualquer iniciativa de responsabilização de Estados violadores do falência da relação entre Estado-cidadão-território, que é presumida pelo sistema
Direito Internacional dos Refugiados. Por outro lado, instituições fortes e atuantes de Estados como fundamento da manutenção da justiça e da ordem internacional.
são capazes de constranger/convencer os Estados a se comprometerem e a imple- Nesse sentido, Gil Loescher 118 assevera que, por essa perspectiva política, al-
mentarem as normas do refúgio. A cooperação, por meio de instituições efetivas, guns governos percebem os refugiados como ameaças a sua segurança nacional.
é indispensável para o estabelecimento de um sistema internacional de proteção.
O advento das Nações Unidas foi um marco importante para a concretização '" Notoriamente, casos como o do genocídio em Ruanda e dos conflitos nos Bálcãs, que produziram milhares de refugiados na
da ordem e da justiça internacionaism. Seu aparato institucional, composto por década de 90. Na atualidade, um dos desafios para a Organização é o conflito na Síria, que desde 2012,já produziu 2.902.567
refugiados até o momento, deslocados forçosamente para vários países, especialmente Líbano, Jordânia. Egito. Iraque, Tur-
mecanismos de proteção aos direitos humanos, organismos de auxílio e desen-
quia. (Fonte: hnp:i/data.unhcr.org/syrianrefugees/regional.php#).
volvimento e instrumentos políticos e jurídicos e solução de controvérsias, tem 115
Segundo Ian Hurd "Legitimacy refers to the belief by an actor that a rui e or institution ought to be obeyed. Such a belíef is
sido fundamental para o estabelecimento do rufe o/ law no cenário internacional. necessarily normative and subjective, and not necessarily shared with any other actor. It has implications for behavior, as
~ando a ONU se estabelece, impulsiona também o surgimento de outras orga- its presence changes the strategic calculation made by actors about how to respond to the rule or institution. When an actor
believes a rule is legitimate, the decision whether to comply is no longer motivated by the simple fear of retribution or by
nizações subsidiárias, agências, órgãos e escritórios que se especializaram na forma a calculation of self-ínterest bu~ instead, by an internai sense of rightness and oblígation." Ao analisar a construção das
de atuação e buscaram concretizar, mesmo que de forma parcial, os princípios Nações Unidas e a estrutura e atuação do Conselho de Segurança, seu principal órgão, Hurd demonstra que, mesmo em um
contidos na Carta de São Francisco. ambiente institucional, os Estados não deixam de se comportar como atores estratégicos defendendo seus interesses. Por
essa razão, a legitimidade das instituições, com definida pelo autor, é fundamental para que uma organização seja efetiva,
Todavia, não se ignora as críticas pertinentes feitas à atuação da Organização,
pois a soberania dos Estados pode se manifestar em diferentes níveis do sistema internacional e ser exercida através dos
sendo que a mais veemente delas diz respeito à sua própria estrutura, construída ambientes institucionais para além dos Estados. É esta a perspectiva que permeia os casos citados por Hurd em sua obra e
por e para legitimar os interesses dos países vencedores da Segunda Guerra. Como que questionam a legitimidade de terminadas ações empreendidas pela Organização. (HURD, Ian. Legitimacy and Power in
consequência, esses constrangimentos estruturais resultaram em episódios históricos the United Nations Security Councíl. Princeton: Princeton University Press, 2007, p.30).
116
Nesse sentido, Ian Hurd comenta que a proposta que as Grandes Potências levaram para San Francisco na elaboração da
Carta que cria as Nações Unidas. tinha duas qualidades expressas no design do Conselho de Segurança, as quais resultaram
O ACNUR, em consonância com seu mandato. constrói projetos de parceria com agências governamentais e não-governa- na estrutura que hoje é criticada. Em primeiro lugar, o Conselho foi criado para garantir direitos especiais às Grandes Po-
mentais, internacionais ou locais, para prestar proteção e assistência aos refugiados e demais pessoas de sua esfera de preo- tências e ·'entricheirá-los" no Direito Internacional. Em segundo lugar, as Potências deixaram claro que nenhuma mudança
cupação. Nessas parcerias, o ACNUR desenvolve os projetos, delega e implementa as autoridades (a partir de um documento substantiva poderia ocorrer na estrutura do Conselho. Para lidar com o conflito imposto por essas qualidades e. diante da re-
próprio) para cada ação. porém reserva para si o monitoramento das atividades segundo as diretrizes pré-estabelecidas e cusa de qualquer mudança textual no poder de veto ( restrito aos cinco membros permanentes do Conselho: Estados Unidos.
acordadas entre os atores participantes. (Fonte: UNHCR. Partnership: an operational management handbook for UNHCR·s França, Inglaterra, Rússia e China), outras formas de afirmar a legítimidade da instituição precisaram ser encontradas. Nas
partners, 2003. Disponível em: http://www.unhcr.org/4a39f7706.html. Acesso em: 10/06/2014) últimas duas décadas, as mudanças na conjuntura internacional pressionam mudanças na instituição, mas sem muito sucesso.
li:!.
Segundo dados do próprio ACNUR, cerca de 25% dos recursos do órgão são destinados às parcerias com as ONGs: são 636 (HURD, Ian. Op.Cit. p.110).
organizações nacionais e internacionais (75% são locais). (Fonte: http://www.unhcr.org;pages/49c3646c2f6.html. Acesso Segundo os autores, "The causes, consequences and responses to refugees are ali closelly intertwined to world politics.
em: 05/06/2014). Toe causes of refugee movements are underpinned by conflict, state failure, and the inequalities of intemational política!
A ONU é, antes de tudo. um quadro institucional no qual os Estados membros podem canalizar os objetivos de sua política economy. Toe consequences of movements have been associated with security. the spread of conflict, terrorism and transna-
externa. E a Carta de San Francisco, seu instrumento constitutivo, é o mais próximo que se pode chegar de uma "constituição tionalism. Therefore, responding to refugees represents a challenge to world order and justice 10 facilitation of intemational
global". O compliance dos Estados à Carta da ONU e a seus procedimentos, faz com que a política dos Estados possa gozar cooperation. At virtually every significantjuncture in the evolution and development ofthe intemational system, the refugee
da legitimidade que provém da aderência ao Direito Internacional. Isso se deve ao fato de que políticas que são legalmente has been a central figure. ln Hannah Arendt's terms. refugees have been ·a vanguard of their people', not only wítnessing
e coletivamente aprovadas, têm maior chance de sucesso. Por essa razão, a importância que esta aprovação coletiva adquire, but also being an integral aspect ofthe changing architecture ofthe world politics." (BETTS, Alexander & LOESCHER, Gil
pode induzir as autoridades internacionais à acatar os programas e políticas da Organização. (WEISS, Thomas G.; FOR- (editores). Refugees in lntemational Relations. New York: Oxford University Press, 2011, pp.l e 2).
IJS
SYIBE, David P.; COATE, Roger A.; PEASE, Kelly-Kate. Toe United Nations and the Changing World Politics. 7' ed. LOESCHER, Gil. Beyond Charity: intemational cooperation and global refugee crisis. New York: Oxford University
Boulder: Westvíew Press, 2010, p. xcviii). Press. 1996. p. 8.
l-lELISANE MAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 35
34 l
-----------~--
Portanto, tornam-se relutantes em oferecer asilo aos refugiad?s de E~tad~s vizi-
irônica
. como "humanitarianpragmatism")
. _ . . ' a torna mais um i·nstr umento d a po 1'i-
tica estatal e desvirtua sua vocaçao ongmal de proteção aos refugiados122_
nhos, seja por temerem as consequências políticas nas relações i~t:r~ac10nais com
O ACNUR foi criado, pelos Estados membros da ONU, para ser estrita e t
estes Estados, para desencorajar o fluxo em r:iassa par~ s~u terntono; ~~m como um orgamsmo
· l' · 113
apo 1tico

- , o que se revelou mcono-ruente
m n e
Geralmente' o f1 uxo
• ' • e, •
ara evitar receber grupos ideologicamente mcompativeis com a pohtica local.
P · . 1 fi de refugiados_ e motivado por conflitos com intensa repercussão política, e O seu
Por essa razão, a necessidade de uma estrutura mternaciona que possa a irmar o
mandato dedicado à yroteção destes indivídu~s implica que a agência tenha que
Direito Internacional dos Refugiados. estabelecer uma relaçao com os Estados envolvidos. Essa relação pode ser definida
Para James Milner 119 , o desenvolvimento da política_ global do refúgio ~raz
como uma cooperação ambígua: para tornar efetiva a protecão aos refugiados 0
ao ACNUR a possibilidade de assumir uma posição de liderança neste sentido.
~CNUR nece~sita da estrutura dos Estados e estes, por suave~, fazem uso da agên-
Realmente, observa-se uma mudança no papel do órgão, nas últimas décadas,
cia c~mo um mstrumento estratégico para resolver o "problema" dos refugiados,
para atender às nova~ demandas ~~ mobilidade_ h~m~na, modif~cando seu mo- considerados agentes de instabilidade interna e/ou externa 124 .
dus operandi, expandmdo suas atividades de assi_stencia e operaço_es_ em_ zona de Essa situação delicada em termos políticos e humanitários demonstra a fra-
conflito120_ Contudo, Milner pondera que, considerando as restnçoes impostas
gilidade do regime internacional de proteção e, nas palavras de Loescher mostra
à organização, em termos de recursos financeiros e humanos, deve~se, q~estio- uma " erosao - "125
na proteçao- ·
garantida · ·
pelo Direito Internacional bem como a
nar qualquer ação que se desvie do investimento em prot~ç~o e assisten~i~ aos incapacidade da estrutura institucional atual em responder efetiva~ente às atuais
refugiados. Um entendimento adequado sobre como a pohtica sobre refugio se
~emandas do refúgio. Na gênese do problema encontra-se a correlação entre os
desenvolve é fundamental para que estes escassos recursos sejam direcionados de
mteresses, d_os E~tados ~ a frágil e dependente estrutura de proteção, cada vez mais
maneira efetiva. fragmentana e msuficiente para oferecer soluções adequadas. Evidentemente a
Nas últimas décadas, é inegável a importância do papel desempenhado pelo atual política global de refúgio, marcada pela ausência de um verdadeiro siste:Ua
ACNUR no regime internacional do refúgio, contudo existem constrições internas internacional de proteção, é conveniente para os interesses dos Estados, dando
(na estrutura institucional da própria organização) e externas (nas relações estabe: margem para a discricionariedade e para a arbitrariedade. São os Estados que, hoje,
tecidas com os Estados) que dificultam sua atuação. Na verdade, o que se observa e definem a agenda da política global do refúgio e ao ACNUR, sem autonomia sufi-
que, a despeito da crescente demanda pela sua atuação em diversas áreas do globo,_a ciente para assumir a liderança, resta apenas adequar-se a ela.
atuação da agência tem sido enfraquecida e descaracterizada. A falta de au~onomia
quanto aos recursos 121 e quanto às suas competências, lim~t~m sua capacidade de 1.2.1. A resposta institucional à migração forçada
ação na proteção aos refugiados, que é sua preocupação ongmal.
Para atuar, o ACNUR é excessivamente dependente dos Estados doadores e
. Conforme a análise anterior, a necessidade de cooperação é evidente para
também da anuência daqueles nos quais estabelece suas representações. Por outro lidar com uma questão como o fluxo de refugiados, que transcende as fronteiras
lado conforme adverte Gil Loescher, a expansão do mandato para atuar em outras dos. Estados. Nesse sentido, as instituições internacionais tentam suprir esta ne-
ques,tões que não O refúgio, e a atuação da agência como um orga~ismo de ass_is- cessidad~. estabelecendo condutas políticas e normativas para a gestão conjunta
tência humanitária a serviço dos Estados (algo que o autor denomma de maneira da mobilidade humana. Segundo Phil Orchard 126, essas instituições determinam

119 MILNER, James. Op. Cit., 2014, p.488. I!!


'" Segundo Gary Troeller, "From a reactíve, exile oriented and refugee specific, UNHCR adopted a pro-active, home- Segundo Loescher "ln rece~t years, in arder to demonstrate its ·relevance· to states, UNHCR has regularly cooperated in
contamment of mtemally d1splaced within countries of origin and in the enforcement of repatriation programme that are
land-oriented and holistic approach. Proactive in the sense that the office is more involved in activities aimed in
often less then voluntary. Such inslances of ·humanilarian pragmatism· together with the rapid expansion of UNHCR"s
preventing human rights abuses and situations that give rise to forced displacement. Homeland-oriented because UN-
mandate have caused widespread concem.(p.8). "The ambitious, but ambiguous nature. of its expanded mandate and pro-
HCR has increasingly emphasized not only the duties of asylum countries but also the responsibilities of the countnes
grammes lead to ~~~fusrnn and loss ofautonomy, particularly when there have been so few clearpolicy slatements about its
of origin. Holistic because the organization has endeavor to pursue a more comprehensive, long term approach to
overall respons1b1httes."(LOESCHER, Gil. UNHCR and the Erosion of Refugee Protection. ln Forced Migration Review.
the problem of forced displacement emphasizing the needs of not only refugees, but intemally displaced, retumees,
NºI0. Oxford, 2001, p.10).
asylum seeker, stateless persons and other of concem. The organization has also stressed the nexus between relief, re-
STEINER, Niclaus; GIBNEY, Mark: LOESCHER, Gil. Problems of Protection: the UNHCR. refugees and human rights.
habilitation, and reconstruction and development, especially in post conflict situations in arder to prevent secondary
New York: Routledge, 2003, p.3
exodus."(TROELLER, Gary G. Refugees in Contemporary Intemational Relations: reconciling state and individual
Gil_ Loescher_ adverte ·'Slates did not es1ablish UNHCR for purely altruistic motives, but also from a desire to promote
sovereignty. ln New Issues in Refugee Research. Working Paper n'85. UNHCR - Evaluation and Policy Analysis
regtonal and mtemattonal slability and to serve the interests of govemments. Govemments created the Office 10 help them
Unit. Março de 2003. p. 7). resolve problems related to refugees who were perceived to create domestic ins1ability, to generate interslate tensions and to
Segundo dados do próprio ACNUR, 86% dos seus recursos proveem de Estados e da União Europeia. Outros 6% são prove-
121 threaten intemational security". (STEINER. Niclaus; GIBNEY. Mark; LOESCHER, Gil. Op. Cit p.4).
nientes de doações de organizações não-governamentais e 6% de doadores privados como corporações, fundações e pessoas
LOERSCHER. Gil. Op. Cit., 2001.
fisicas. Somente 2% dos recursos da agência decorrem do orçamento geral da ONU. (Para maiores informações sobre os
ORCHARD, Phil. A Right to Flee. Cambridge: Cambridge University Press, 2014. p.23.
recursos disponíveis e suas fontes: http://www.unhcr.org1pagesi49c3646cla.html.).
36
l
l-!EUS ..\;'\;E M..\HLKE
ÜIREITO INTERNACIONAL DOS RE , .
FLlGIADos. Novo PARADIG,~L.\ JURio1co
como os Estados devem se comportar legitimamente na sociedade internacional; ' · 37
tornando o refúgio uma questão internacional e fornecendo regras por meio das E importante ressaltar, também acões . .
Proteção aos Direitos Hu , . provementes do Sistema Onusiano d
quais os Estados devem cooperar neste assunto. 'fi manos que apesar de não e
Tanto em nível internacional, quanto regional, diversas organizações busca- ci ico d~ supervisão e controle para ~ Direito Inte c~ntar com um órgão espe-
atuado mdiretamente via Conselho d D' . H rnac10nal dos Refugiados, tem
ram estabelecer normas e diretrizes para a migração, bem como desenvolver políti- C ·, e ireitos umanosl29 b,
cas de cooperação em matéria de mobilidade humana. nove. omites dos Tratados Internacionais de D' . H e tam em perante os
mencionadosBº. Apesar d - fi . ireitos umanos anteriormente
No âmbito das Nações Unidas, não apenas as agências especializadas produzi- .
d esses direitos e nao terem orca vmcul tº ·1·
ao dar-lhe , . . . :. a iva, auxi iam na afirmação
ram ações na área, mas também é possível observar iniciativas provenientes de ou- As . s a necessana vmbihdade política
tras estruturas onusianas como a Assembleia Geral, o ECOSOC, o Secretário Geral, orgamzações de integração regional b, .
ração quanto à mobilidad h d tam em buscaram meios de coope-
além do Alto Comissariado para Direitos Humanos 127 e das Relatorias Especiais 128 . ,·
po 1iticas migratórias ao
e umana, esenvolvendo
d
, ·
suas propnas normativas e
A questão migratória, em suas diversas facetas, tem sido um tema recorrente ,
d e ca d a região. De intere procurar aten er às necess'd d .
. . i a es e mteresses específicos
nas reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas. Diversas resoluções foram sse para o caso Brasileir0 - · · · ·
âmbito do MERCOSUL . , sao miciativas produzidas no
produzidas em relação ao direito dos refugiados, migrantes (inclusive os que estejam . - , que se pode citar como exem 1 rn O l
gam~açoes de cunho regional, como a OEA· ·- p o . . pape de outras or-
em situação irregular), tráfico de pessoas, dentre outros assuntos correlatos. Em sua e União Africana pela sua . , . , Umao Europeia; Conselho da Europa
última Resolução sobre a Proteção dos Migrantes (A/RES/68/179) de 2013, a Assem- d ' importancia na construcão d d'
a proteção internacional dos refu . d , .. o novo para igma jurídico
bleia insta os Estados a promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fun- Apesar de todas e . . . . gia os, sera obJeto de análise do Capítulo 3
damentais de todos os migrantes, independentemente de sua condição migratória, ssas iniciativas terem u · , 1· ·
nança global de refúgio a 1 - . ma megave importância para a gover-
reconhecendo diversas prerrogativas como acesso à justiça, assim como ressalta a im- ' re acao entre as diversa · t' · -
Segundo Alexander Betts132 • . s ms ituiçoes pode ser complexa.
portância dos Estados ratificarem a Convenção sobre os Direitos dos Trabalhadores 'fi , esses organismos podem t
peci ica quanto ao tema O . er uma atuação restrita (es-
e Trabalhadoras Migrantes. Apesar de não terem força vinculativa, sua representativi- , u escopo regional)· paralela ( t - ,
que podem ou não serem c t d' , . ' a uaçao em areas similares
dade política exerce pressão para que Estados procurem adequar-se a essas exigências. on ra itonas)· ou sobrepo t ( 'l . 1 .
po d em ter autoridade sob ' s ª mu tip as mstituicões que
O Secretário Geral da ONU elaborou distintos relatórios temáticos, enviados re o mesmo assunto) Essa rel - d •
ou complementar mas - .. · açao po e ser contraditória
à Assembleia Geral, sobre temas relacionados à migração e à proteção dos direitos . , possi 6i1ita aos Estados est t .
as diferentes instituicões . bT . ra egicamente escolherem entre
humanos dos migrantes. Dentre tais temas destacam-se a proteção dos migran- A . - • . para via i izar seus mteresses políticos
. . situaç~o descrita demonstra a intrincada .
tes, migração e desenvolvimento, violência contra mulheres migrantes, tráfico de gime mternacional de rotecã . cooperação para sustentar O re-
mulheres e meninas, promoção dos direitos humanos dos migrantes, tráfico de ACNUR (como organi:ação, º. ~os ~efugiados e os desafios que ela impõe ao
pessoas, proteção dos grupos vulneráveis notadamente mulheres e crianças, me- d ongmanamente vocacion d )
a aptar seu mandato a uma realid d . . a a ao tema , que precisa
nores refugiados desacompanhados. Dentre esses, ressalta-se o Relatório Temático a e mternacional cada vez mais diversam_ Além
l:!\I
mais recente (A/68/292): "Promoção e proteção dos direitos humanos, incluindo O Conselho de Direitos H
. umanos, desde sua criação em 1006 d . .
formas e meios para promover os direitos humanos dos migrantes", de 2013. Já o As mais recentes delas, a Resolução 13no de 1013
'd fi · - - -
D.- . , pro uzm diversas Resoluções sobre o direito dos migrantes
os 1re1tos Human d . 1111· - ·
a sau e ts1ca e mental dos migrantes p . os os , igrantes e a Resolução 26/21 de 1014 sob
ECOSOC adotou diversas decisões e resoluções sobre imigração, envolvendo temas 1 - • . orem, outras temas correlatos ta b. - . - re
Un
so uçoes: trafico de pessoas, detenção arbitrária riva ã . . . m_ em ~ao Objetos frequentes da elaboração de Re-
como tráfico de pessoas, violência contra migrantes, migração e gênero. Merece Ressalta-se, por afinidade t . . . - •p ç o arb1trana de nacionalidade. dentre outros
emat1ca, o Comne para os Trab Ih d . .
deferência especial a Resolução 2013/1 da Comissão sobre População e Desenvol- u~a_sobre trabalhadores migrantes domésticos (2011) so:re a~res Migrantes_- porém este só publicou duas observações:
D1re1_tos das Crianças: a ressalta-se a Observação nº6 de .1005 sobr::lhador~s m1g":ntes irregulares (2013 ). Comitê para os
vimento: "Novas tendências da imigração: aspectos demográficos", de 2013. de ongem. Comitê para a Eliminação da Discriminação ;ontra s1tuaç_ao de cnanças d~sacompanhadas fora do seu pais
lheres trabalhadoras miurames C . - . . as Mulheres. a Recomendaçao Geral nºI 9 de 1008 s b
. - . omite para Ehmmação da Discrimi - . - . o re mu-
Quanto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, existem estudos e relatórios de relevância que refugmdos e deslocados internos E d naçao Racial: Recomendação Geral n"26 de 1996 b
_ . . sses ocumentos demonstram a _ , so re
contribuem para a reflexão sobre os direitos humanos das pessoas em mobilidade. Ressalta-se Relatórios sobre Discrimi- populaçao migrante como um todo A d - preocupaçao destes comitês com os direitos humanos d
. . - pesar e nao terem força v·n 1 - .. a
nação de Mulheres por causa da nacionalidade (2013); Estudo sobre a proteção das crianças migrantes (2010); mas princi- a necessana visibilidade política. 1 cu attva, a1Lx1ham na afirmação desses direitos ao dar-lhes
D!
palmente a publicação sobre migração e direitos humanos ·'Migration and Human Rights: improving human rights-based Especialmente quanto a0 tü .
" re gio, podemos citar a "Declara ã d . .
govemance of intemational migration", de 2013. (Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/lssues/Migration'Mi- a Declaração de Princípios do Merco- I b p - ç o o Rio de Janeiro sobre o Instituto do Retügio" de 1000·
d ,u so re a roteçao dos Refuuiad ,. . ' - •
grationHR_improvingHR_Report.pdf). entre outras documentos sobrei . - " os ' assinada em Fortaleza em novembro de 10 I 1
m1graçao como o Acordo sobre T . fi [I' . - -,
l2S 2004 (Dec. nº37 /04: Promulgado pelo Bras"l I D - ra ico ic1to de Migrantes entre os Países do Mercosul de
O papel das Relatorias Especiais é apontar o status das populações e temas específicos, apontando eventuais violações de B:! 1 pe 0 ec. n"?.9,3/2013).
BETTS, Alexander Th .
direitos humanos e denunciando situações de vulnerabilidade. Ressalta-se, em primeiro lugar, a Relataria Especial para os m . · e Refugee Regime Complex. ln Refuuee s Q
Direitos dos Migrantes; mas também outras de matérias correlatas, nas quais também encontramos importantes documentos: AoanahsaropapeldoACNUR,AJ " urvey uaterly. Vol.29;nºf,2010.pp. l 4 e 15
. . ' exander BeltS comenta· "UNHCR h .
Relataria sobre o Tráfico de Pessoas, Relataria, Relataria Especial sobre formas de racismo, xenofobia e discriminação, e o em1roment, m which States have increas· 1 d 1 .. as consequent!y faced an increaselingly competitive
dd . mg Y use a temat1ve reg· ·d h
Grupo de Trabalho contra Detenção Arbitrária, dentre outras. a ressmg asylum and refugee protection ln th h . . . _,mes outs1 e t e refugee regime in arder to cooperate in
· - · e C ang,nu mst1tut1onal UN
to make ttselfrelevant' to States. This oses th . " context, HCR have faced lhe challenge of'how
p e important yet unexplored question ofhow an 10 (intemational organization)
HEUSANE tvL.\HLKE DIREITO INTERNACIONAL OOS REFl!GI..\OOS: Novo PARADIG~l,I JURÍDICO 39
38 11----------------------=-=-=--~~~==-=--:
. . _ . tados O ACNUR também divide a partir da contribuição e iniciativa de um grupo de Estados membros e é vinculada
à Assembleia Geral das Nações Unidas. A missão da UNRWA é propiciar que os
do papel das i~stit_mçoes e o~gan!sm;;r;:i~t:s qu; serão analisadas a seguir.
atuação com agencias e orgamzaçoes , refugiados palestinos atinjam seu pleno desenvolvimento, superando situação de a
dificuldade na qual vivem em concordância com os princípios humanitários das Na-
1.2.2. o papel das agências ções Unidas: neutralidade, independência operacional e imparcialidade. Para garantir
. m lexidade da mobilidade humana condições de vida dignas para os refugiados, a organização atua nas áreas de saúde,
Conforme a descrição feita sobrRe a co p "d te a necessidade de atuacão educação, serviços sociais, infraestrutura, microfinanças e auxílio emergencial em si-
. , · ACNU resta evi en •
e dos recursos d ispomveis a 0 . p' , . t uma ambiguidade nessa atua- tuação de conflito 137 . Essa ajuda está disponível a todos aqueles que se enquadrem no
. d outras agências orem, exis e , mandato (referente à classificação dos refugiados que estejam registrados na agência).
cooperativa este com . 'fi d diversas agências: a atuação e
. d os mandatos especi icos e A Agência possui uma estrutura de proteção com quatro componentes: a)
ção con1unta segun o - . t um s1·stema único para atuar em
. •d"d ) p que nao ex1s e Proteção interna: relacionada ao desenvolvimento dos programas, projetos de as-
compartilhada ou d ivi i a. or ? Al d Bettst34 alerta para o fato de
- . lmente correlatas. exan er sistência, procedimentos e treinamento de funcionários; 6) Proteção por meio da
situações que sao megave - d b"l"d d humana é "funcional", pois per-
- gestao a mo 1 1 a e prestação de serviços aos beneficiários (refugiados) garantindo-lhes segurança e
que essa fragmentaçao na .d. . questões eles desejam tratar e qual o
. E d 1 t" vamente dec1 ir quais . dignidade; c) Proteção internacional promovendo o respeito aos direitos dos pa-
m1te aos sta os se e i . propósitos dificultando assim,
. . • 1 · s convemente aos seus ,
ambiente mstituciona mal C b r então o papel de cada uma lestinos pelo monitoramento de violações e intervenções; d) Busca de uma solução
uma abordagem internacional coerente. a e ana isar, , justa e duradoura para a situação dos refugiados palestinos, perante a comunidade
dessas organizações e sua relação como o ACNUR. internacional, promovendo alternativas de solução nas quais os direitos dos refu-
giados sejam respeitados.
1.2.2.1. A UNRWA O ambiente de atuação da UNRWA é complexo. A questão palestina per-
dura, oscilando de uma relativa estabilidade à irrupção de violentos conflitos. A
. do Direito Internacional dos Refugiados,
Em contraste c~m as norm~s !:r:1scontem lada por outro regime, que com-
st
situação de extrema instabilidade requer ampla atuação e recursos, o que demanda
infraestrutura e a necessidade de estabelecer parcerias com diversas entidades (desde
1
a proteção aos refugiados Pale m 'fi p . United Nations Conciliation
, · andato especi 1co. a ONGs locais até agências da ONU com mandato global como o UNICEF, OMS,
preend~ ~uas agencia~ com m p 135 e a United Nations Reliefand Works Agency
Commisswn on Palestine (UNCC ) · , · os da Convencão de UNESCO e o próprio ACNUR).
. UNRWA) Além de adotar os prmc1p 1 • , . É importante ressaltar a definição de quem são as pessoas protegidas pelo regime,
for Palestine Refugees ( · . bém é composto por uma sene
1
1951, o regime legal dos refugiados pa esunos tam ou seja, quem são os "refugiados palestinos" sob seu mandato: são aqueles indivíduos
residentes na Palestina entre 12 de junho de 1946 e 15 de maio de 1948, que perderam
de Resoluções específicas d: A~NU. . fi t criada para auxiliar os refugiados
A UNRWA é uma agencia especi icamen e p 1 . 1948136 Ela surgiu a seus lares e meios de sobrevivência em razão do conflito Árabe-Israelense de 1948.
palestinos provenientes do conflito entre Israel e a estma em . Assim, o regime que se refere aos refugiados palestinos é especialíssimo, não sendo
abarcado pela Convenção de 1951, já que a definição do art. l.D 138 exclui a possibili-
bl that the 10 (and the regime it was set
. 1
responds when States start to shtft to a tema
tive reaimes to adclress the core pro ems
" . l ··ty d the resu!ting regime shifting by States, UNHCR
' dade de proteção da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 e afasta o mandato
1 onse to rea1me comp ex, an .. f
clre
up to oversee) was created to ad ss. n resp e • ·m· h refuaee reaime to engage in the poltt1cs o do ACNUR 139 para auxiliar esses refugiados. Essas previsões têm sido interpretadas no
from its traditional ·'home' w, m t e " " . . . .
has effectively began to move outwards . f h ' t uphold its core mandate wh1le mamtammg
. " UNHCR) has faced the dtlemma o ow o . .
a range of other regimes. (p.29). ( . d. ff nt from the one in whtch 1t was bom. ln arder
1 . ftuf anal env,ronment very t ere renovado repetidamente o mandato da UNRW A, que agora se estende até junho de 2017. A definição operacional de refu-
relevance. lt needs to adapt to a comp ex ms t t . . S , pliance with their asvlum obligations to a pro-
. h t of momtonng tate s com • .
giados da Palestina se refere àqueles que residiam na região, entre junho de 1946 e maio de 1948. e que perderam suas casas
to doso, it will need to shtft from a tec nocra ,c ftl ·nu ·,mer-relationships between refugee protectton
1 I ds to be aware o 1e e:row1 .o
e os meios de subsistência em razão do conflito árabe-israelense de 1948. Descendentes desses refugiados estão habilitados
active and more politícally engaged ro e. t nee . . '. : . nal proliferatíon is shaping the politics of refugee
bT d the wav m wh1ch ne\\ mstttutto . . . . ,. à inscrição em áreas de operação da UNRWA. (Fonte: UNRWA. Sobre a UNRWA. Rio de Janeiro.2013. Disponível em:
and other aspects ofhuman mo t tty, an . • . d lyt ai and political capacity w1thm the orgamzatton.
protection. Responding to these challenges w,ll reqmre a renewe ana tc www.unnva.org.br).

( BETIS ' Alexander. Op. Cit.,. 2010, p.3 7 ). . G ceProgram, WorkingPapernº43,2008. A UNRWA atende mais de 5 milhões de refugiados (5.871.273 pessoas registradas na agência. em janeiro de 2013). atuando
. Oxford· Global Economtc oveman -
BETIS, AJexander. Global Mtgratton Govemance. . .. . fugiados palestinos e promover o consenso em cinco áreas de operação (Jordãnia, Líbano, Síria, Cisjordãnia e Faixa de Gaza). São 1 milhão e meio de indivíduos aten-
b d 1948 com o mtu110 de proteger os re
A UNCCP foi criada em 11 de dezem ro e . fl. fi . deflagrado após a criação do Estado de Is- didos. distribuídos nos 58 campos de refugiados da Palestina. (Fonte: Idem).
. d ff t Arabe-lsraelense. O con ,to ot ...
em relação ao seu tratamento diante o con t o . d" Palestina para destinar parte do temtono Pela letra do art. l.D in verbis: "Esta Convenção não será aplicável às pessoas que a111alme111e be11eficia111 de proteção ou
_ , _ . (Rsl8Lde29ill/1947),quecmtua ...
rael por uma Resoluçao das Naçoes Umdas e . . . d em 1948 acabou com a v1tona Israelense e o assistência da parte de um organismo ou institllição das Nações Unidas que não seja o Alto Comt:"isário das Nações Unidas
. - . . b f1 • de rechaço e o confltto instaura o • ·- -
ao novo pais. A reaçao dos pa1ses ara es º'. - erra e a instabilidade tem sido constantes na regrno e nao
09
para os Reji,giados."
deslocamento de 700.000 refugiados palestmos. Desde entao, a gu - Segundo a previsão do §7.C do Estatuto do ACNUR (1950) i11 ,·erbis: ·'7. Salvaguarda-se que a co111petência do Alto Comis-
1 - definitiva para a questao. . .
há, atém o momento, vislumbre d e uma so uça0 d d b de 1949 A organização inicia suas at1v1- sariado, tal como está definida no parágrafo 6 acima referido, não se aplicará a qualquer pessoa que": ( ... ) ••e. Cominue a
bl • G ral da ONU de 8 e ezem ro ·
136 Criada pela Resolução 302 (IV) da Assem eia e '. 1 d -olucionada a Assembleia Geral da ONC tem beneficiar de proteção ou assistência da parte de organismos ou agências das Nações Unidas".
dades em 1950. Como a situação dos refugiados palestinos esta onge e ser, '
HELISANE M..\HLKE
40 1 -
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
. . da protecão de outros organismos que nao 41
sentido de excluir os refugiados palestAlm~s d. o,s países Árabes consideram que a
d UNRWA em isso, - política de suas ações pelos refugiados e atores regionais é inevitável, apesar de não
sejam o da UNCCP e a . . Estado de Israel) legitima a pretensao
fazer parte de seu mandato. Mesmo sendo somente um órgão subsidiário, a eficá-
Resolução 181 da Assembleia Geral (que cr~o-~ dos palestinos como reassentados em
. . d ue se receberem os re bia cia de seus projetos de assistência se deve ao apoio político e financeiro angariado
Sionista e enten em q - d seu retorno à terra natal. entre seus parceiros locais, regionais e internacionais 145.
. , . . d sfaz a pretensao e . p" um
seus terntonos, isso e Akr 140 chama de "protectwn ga ,
· que Susan am d b
Dessa forma, ena-se o
• 'd. qual os re1ugia os
e . d palestinos mesmo estan o so
' -
1.2.2.2. A OCHA
vazio de proteção JUn ica no ' d ·me falha estes indivíduos nao
. - quan O este regi , d
um regime especial de proteçao, . 1 d ais refugiados em outras partes o
. - auferidas pe os em C Outra organização que mantém relação operacional com o ACNUR, especial-
gozam das garantias que sao . . d E t dos ocidentais signatários da onven-
d Akr mente em situações de emergência humanitária é a OCHA, (United Nations Office
mundo. Segun o am, a maioria . os s ª '
t tus dos refugiados pa1estmos,
· de
cão de 1951 e do Protocolo 1967 mte~pretam ~ _s ~ esses indivíduos solicitar re- for the Coordination o/Humanitarian A/fairs) foi criada em 1991, para atuar na
, 1 A 2 d Convencao permitm o a b resposta a emergências humanitárias, A missão da organização compreende a mo-
acordo com o art. . . a , .o , roblema reside nos países que são co ert~s
fúgio como qualquer outro. Porem, p ' . , ·o da Convencão) e que estao bilização e coordenação de ações humanitárias em parceria com atores nacionais e
- UNRWA (nenhum e signatan . . internacionais, para auxiliar pessoas em situação de vulnerabilidade, promovendo
pela área de atuaçao da . 1 d to da organizacão. Nesses locais, a
1 previsto pe o man ª · . , • b os direitos dessas pessoas; prevenir problemas e facilitar soluções. A OCHA é parte
além do recorte tempora d, . d medidas extraordmanas, esta e-
tecão desses refugiados fica na depen encia e do Secretariado das Nações Unidas, estabelecida a partir da Resolução 46/182, que
pro , . 1' t" cos141 .
lecidas ao sabor de mteress~s po i ; n ~ de uma solução e os milhares de_ refugia- criou também outros órgãos relacionados, como o Emergency Relief Coordinator
A questão Israel-Palestma esta lo g 1' . or isso eles são considerados que une as funções dos representantes do Secretário Geral para emergências com-
fi ' d interesses geopo iticos e, p ' .d d plexas e da United Nations Refie/ Organization.
dos encontram-se re ens e . I 1 s quanto para a Auton a e
hderancas srae ense , . h . Na mesma esteira, o Secretário Geral cria o Department o/Humanitan·an Af
um "problema" tanto para as - , 1 d UNRWA desde o início foi e eio
Palestina. Justamente por essa raza~, º. padpe a tade dos seus doadores (a agência /airs e o lnter-Agency StandingCommittee. Os participantes incluem outros atores
. . d 1' da dependencia a von . d B 142 humanitários das agências das Nações Unidas, ONGs e a Comitê Internacional da
de ambiguida es, a em ões Segundo Ricar o occo
. . ) d . mpacto de suas operaç . d Cruz Vermelha. Além de coordenar ações para aliviar o sofrimento de pessoas em
sobrevive de parcerias e . o i - olítica desde sua concepção, e preocupa a com
mesmo sendo uma orgamzaçao ap , 1 .d em um ambiente extremamente situações de emergência humanitária, a OCHA também atua politicamente junto aos
. , .
questões humamtanas, sem pre esteve
. envo vi a governos, para proteger os direitos humanos das .pessoas necessitadas; atua também
politizado desde os seus primórd10s. bl do financiamento da UNRWA, que juridicamente, orientando as pessoas vítimas de catástrofes e conflitos; também no
Um reflexo dessa situação é o pro em~ d .d , falta de autonomia e de 146
financiamento de ações humanitárias a partir do Central Emergency Response Fund
. . b. . d d de sua atuaçao, evi o a - e . Evidentemente, não há um mandato específico da OCHA para atuar na proteção
contribui para a am igui a e. d , es doadores. A proteçao aos rern-
1 - nteresses os pais ·d · aos refugiados, mas a afinidade com a temática é inegável dado que grande parte dos
independência em re açao ª?si ·ntromissão dos países oci entais
, . tas vezes como uma i b . , indivíduos deslocados, o fazem em razão de emergências humanitárias.
giados Palestinos e visto mui . d' tência política própria, a so reviven-
·- 143 Desprovida e compe I 1
(doadores) na regiao . . . d d N -es Unidas de convencer srae a 1.2.2.3. IOM
. d' la mcapacida e as aço . -
eia da Agência
implementar as se_ ª ~e_ da Reso 1u,cão 194 (III)l44_ Por outro lado, a apropnaçao
disposiçoes
Outra parceira do ACNUR em várias causas é a IOM (International Orga-
I"' -. Leaal
AKRAM, Susan. Palestinian Re fu gee,- an d the,r e Status.. ng
. hts ' politics.. and implications for ajust solution. ln .Journal
nization /or Migration), criada em 1951 (na época chamava-se PICMME - Provi-
of Palestine Studies, XXXI, nº3, 2002 (pp.36.-) I ). UNRW". ·o fuzem parte das estatísticas do ACNUR. Essa perspecnva con~ sional lntergovernmental Committee for the Movement o/Migrants /rom Europe),
i,1 Os refugiados palestinos que fazem parte do re~e ~-dade H:j:: total desses refugiados corresponde a 5 milhões de pesso; ~o
nibui para coloca-los em uma situação de excepc1ona 1 . . / , v 111uwaorglpalestine-refugees. Acesso em outubro de 2 ).
- daUNRW!\
a atençao ' - r.
. . Fonte:UNRWA.Dispmúvelem:http:IM,~:
dos refugiados em G aza e na Cisjordânia, que não foi incluído no que desejem relomaraos seus lares e viver em paz com seus vizinhos, devem ter essa permissão o mais rápido possível, e uma com-
i,e Outra questão é importante é a representaçao ~o mca roblem~ em relação à atuação das ONGs independe~tes que ª_ruam pensação deve ser paga pelos governos ou autoridades responsáveis, àqueles que não quiserem retomar, pela propriedade e/ou pela
mandato da UNRW A. Internamente. essa questao traz p E ente acaba causando tensão entre a pohttca dome~ttca perda ou dano dest1, segundo os princípios do Direito Internacional." "A Resolução Instrui a Comissão de Conciliação a fucilitar a
d
na região e da representatividade a •!\ u toridade Palesuna. . xternam
d UNRW ' A and the Palestinian Re fu gees: a h·s1ory
t wtthm repatriação, reassentamento e reabilitação econômica e social dos refugiados e o pagamento de compensação, e a manter relações
e a relação com outros países ara
. b es e a PLO . (BOCCO ' Rtccar o. ' próximas como o diretor da UNRWA e, por meio dele, com os demais órgãos da ONU."(tradução livre).
history. Oxford JournaJs. Março, 20 I0). .
HUSSEIN!,
86, JaiaI AI. L 'UNRWA et Ies Refugies: enjetLX humanitaire, intérêts nationatLX. ln Révue d 'etudes Palestinienne,
2003. (pp.71-85).
C l-16
"' BOCCO, Riccardo. Op. .tL-?O 10. . b·etivo de resolver o confltto
. Ara
· be- Israe lense e dos refugiados
-.
14' A Resolução I 94(III) foi adotada pela ONU em 1948, co~ o o 1 ·a1 refugi·ados prevista no § I I da Resolução: .. os refugiados A OCHA depende das doações de seus parceiros {Estados e Organizações). Em 2013. destinou US 233 milhões a suas
palestinos deslocados em razão guerra entre os povos . Atençao espec, aos
atividades. (Fome: OCHA Plan and Budget 2014-2-15. Disponível em: https:1/docs.unocha.org/sites/dms!Documents/
0CHA%20in%202014-I5%20vF%2072%20dpi%20single%20WEB.pdf. Acesso em 05/05/2014.
HELISA,--;E M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL .DOS REFUGLWOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 43
~ 1 .. ·1h d deslocados em razao a
- d Segunda Guerra Mundial.
.
. a situação de milhares de pessoas forçadas a deixar seus lares em razão da perseguição
para auxiliar os mi ares e . - d S . d d Civil é hoje a principal ar- e violência generalizada durante a Segunda Guerra. Surpreendentemente, o órgão
Organizacoes a ocie a e , M
Congregand o Esta d os e , . • , · 147 A atuacão da OI foi criado com menos autonomia que sua antecessora, a OIR (o ACNUR não tem
. . 1 e dedica a causa migratona , . .
ganizacão mternac10na que s . b e as micrracões internacionais sequer o status de agência especializada, apesar de frequentemente a denominação
. • d - de estudos e pesqmsa so r º , . _ lhe ser atribuída). Por não contar com orçamento próprio 153 e com uma estrutura
desuna-se desde a pro uçao . . , . '1. o nos processos de remtegraçao
. 1 1 . t' eia humamtana, auxi i institucional capaz de atender à crescente demanda por refúgio das últimas décadas,
até assistência ega ' assis en 1. . nclusão social dos migrantes,
. t de desenvo vimento e i
e reassentamento, proJe os . - ara promover os direitos e o bem- o ACNUR depende da parceria estabelecida com Estados e outras organizações da
parcerias com outras orgamzaçoes e governos p sociedade civil para poder atender às necessidades dos refugiados.
-estar dos migrantes ao redor do mdundo. , . emergências humanitáriasl4s, desde Como anteriormente mencionado, uma das causas da crise do atual modelo
, . el destaca o em vanas .d , 1 de proteção é sua insuficiência diante das demandas atuais: seja face ao crescente
A agencia teve pap , . .t, - regionais e uma consi erave
, fi r , · Com vanos escn on05
conflitos a catastro es e imaticas. . t t papel na divulgação e resolução número de refugiados no mundo, seja pelo adensamento da complexidade migra-
. · · 1 IOM exerce um impor an e - tória nas últimas décadas. A estrutura institucional comandada pelo ACNUR ain-
estrutura mstituciona , a - d . bouco normativo. A relaçao
. , . ar de nao pro uzir arca ,
de questões migratonas, apes - , ·ca como operaciona1149_ Além da segue o mesmo modelo anacrônico do final da Segunda Guerra. Evidentemente,
OIM' de colaboracao tanto tecm ressalva-se que houve uma ampliação do mandato 154 do ACNUR para atender
entre o AC~U_R e a . . e do Globa/Migration Group15o, junto com outras orga-
disso, as agencias participam b . titucional das Nações Unidas. outras causas de migração forçada, mas a estratégia defasada da Agência, sua falta
nizações que fazem parte do arca ouço ms de recursos autônomos, a dependência institucional de outros órgãos das Nações
Unidas e a subserviência orçamentária aos Estados doadores 155, burocratizam e
1. 3. o MANDATO DO ACNUR dificultam uma atuação eficaz.
O Alto Comissariado está presente, hoje, em 126 156 países, atuando de forma
- .d rinci al instituição que atua em relação
No âmbito das Naçoes Um as, a p p. que contribuem de maneira direta ou indireta na proteção deis refugiados, na conscientização e informação das
. , ACNUR1s1 além de outros orgamsmos . populações e autoridades acerca do refúgio, auxiliando na assistência e instruindo
ao refúgio e o ' , d - orno fora anteriormente meneio-
, . fi .d de em suas areas e atuaçao, e . . políticas de inclusão dos refugiados nas comunidades locais. O Comitê Executivo
acessona, por a mi a . b 1 .d artir da necessidade de admmistrar
nado152. Sua criação, em 1950, foi esta e eci a a p do ACNUR {ExCom) 157, órgão subsidiário à Assembleia Geral, iniciou suas ativi-
. rrunental Committee for European Migration (ICEM) em 1952, Inter- dades em 1959, para auxiliar o Alto Comissariado no exercício de suas funções
'" A JOM teve outraS denominações antenores: Jntergove
.
I
. (lCM) em 1980 e finalmente nterna 1
fanai Organization for Migration (JOM) desde
.
de acordo com o Estatuto da agência e para manter um controle dos recursos ao
governmental Committee for lvhgrauon ' 3 b.lh- anta com I 55 Estados membros, sendo o 8 ras1 1um
. amento de USI. 1 oes e c
1989. A Organização conta hoJe com um orç
deles. (Fonte: www.iom.ínt). . . 19"6)· Tchecoslováquia (1968): Chile (1973): Vietnam (1975); Internacional da Cruz Vermelha, Organização não-governamental, que possui mandato para realizar assistência humanitária.
- d IOM pode-se citar Hungna ( ) ' - na impossibilidade dos Estados envolvidos, de acordo com o art. l Oda Convenção de Genebra I, de 1949.
'" Como exemplo da atuaçao a ' . Á. ·a e o Terremoto no Paquistão (200)).
Kwait (1990)· Kosovo e Timor Leste (1999); Tsunami na . s1 . 1 t na questão Síria, no Sudão do Sul, Kenya. O orçamento do ACNUR provém principalmente de doações de países, diferentemente de outras agências da ONU. Seu
' - . elaboração direta. atua men e,
'" Por afinidade de atuação as agencias atuam em c .1 orçamento atual é de pouco mais de 3 bilhões de dólares. Suas necessidades orçamentárias para 2016, segundo dados da
. . d C n o para citar alguns exemp os. • . da N ções própria instituição, foram estimadas em mais de 6 bilhões. Fonte: UNHCR Global Appeal 2016-2017. Disponível em: ht1p://
Iraque e República Democrauca o o g • ,_,. 1. Gro11p composto por várias agencias s , a
d · do Genem ,.,,,,,-a 1011 • • · www.unhcr.org/564da0e20.html.
'" O Global lvfigration Gro11p foi forma o a parttr - . . .º º d uso dos mecanismos internacionais dispomve1s
da questao m1gratona, ,azen o . - UNHCR- Note on the Mandate ofthe High Commissioner for Refugees and his Office. Disponível em: h11p://www.refwor-
Unidas comprometidas com a govemança . 1 sta operacional aos desafios impostos pela m1graçao
'd d ·mernac10na na respo d' 1 ld.org/pdfid/5268c9474.pdf. Acesso em 15/06/2014.
para promover maior efetividade da comum a _e i 'HCR· UNODC-2003); (UNDESA; UNDP; UNFPA; Banco Mun ia -
internacional (IOM; !LO; OHCHR; UNCTAD, ~ ' . . UNITAR - 2007); (\VHO, UN Women - 201 O). Pelo "' Os principais países doadores do ACNUR, segundo dados da própria Agência (em 20151 são: !º)Estados Unidos (país que
. d "I< 1·0 L< Re!!lollal Comm1ss1011s, d d d .
?006)· (UNESCO UNICEF, Umte 1 1 1
- , ' .
ª
fi .
0

rporadas e que hoJe compoe O
- m Global Migration Gro11p, po e-se e uztr
.
não ratificou a Convenção de 1951 ); 2º) Japão; 3") União Europeia (considerando-se o conjunto dos Estados-membros);
número e diversidade de agências que oram mco . . . 1 obiliza os esforços da comunidade internac1ona1. 4") Reino Unido. Para os números discriminados, consultar: UNHCR - Donor Pro files. Disponível em: h11p:Nwww.unhcr.
da stão m1mntona hoJe e como e a m . . .. , . r l org/539809e80.html. Acesso em: 06/07/2014.
~
• À •

a complexidade e a 1mportanc1a que . d ?007 d·sponivel em: ht1ps:i/www.10m.mt/fi1esih'"'s1tes mm


156
• . da Gl Obal M1!!fllllon Group, e - • 1 O ACNUR tem em tomo de 7.200 funcionários, sendo que 700 deles trabalham na sede em Genebra e outros distribuídos
( Fonte: Termo de Referencia " 05/060014)
filesiAbout-lOMldocsiGMG-Terms-of-Reference.pdf. Acesso em_ d 1-951 ~ do Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos em vários países, inclusive em zonas de conflito em países como Sudão, Chade, Afeganistão.
· 1 de guardião da Convençao e O ACNUR '" O Comitê Executivo foi criado em 1958 pelo ECOSOC, de acordo com a redação da Resolução 1116 (XIII) da AGNU:
"' Apesar do ACNUR ter o pape1 especia - . .stas nas provisões destes dois tratados. ,
. . das funçoes protet1vas previ . . . -
Refuaiados ele não é limitado ao exerc1c10 . . . 1 que sejam pertinentes e aplicáveis a s1tuaçao .. Requer que o Conselho Econômico e Social estabeleça um Comitê Executivo do programa do Alto Comissariado, que
" ' . • princípios de D1re1to lnternac10na . d .
pode basear-se em quaisquer instrumento, e . b - o do princípio do no11-refo11lement previsto nos otS consistirá de representantes de vinte ou vinte e cinco Estados membros das Nações Unidas ou Estados membros de quaisquer
. r exemplo alem da o servaça - fu agências especializadas, eleitos pelo Conselho na mais ampla base geográfica possível, com demonstrado interesse e devo-
a qual ele é chamado a atender. Assim, po . '. ACNUR a promover a proteçao aos re -
. • . d os paruculares podem encarregar o 1 ção à solução dos problemas relativos aos refugiados". Desde sua criação, o ExCom teve seu número de Estados membros
documentos citados, as c1rcunstanc1as e cas d d extradição e a previsão do non-refou eme/11 no
b ·e em outraS normas, como trata os e aumentado de 25 para 85 (eleitos por meio de um processo complexo que envolve o ECOSOC e a AGNU). O Comitê se
giados segundo seu mandato, com as . . LAUTERPACHT, Elihu, Op. Cit., 2003, p.96). .
direito costumeiro. (BETHLEHEM, D amei, . • elação direta com o auxilio aos refugiados. outraS reúne uma vez por ano, em Genebra. onde faz uma avaliação da atuação do ACNUR e emite um relatório que é encaminha-
. _ .. · onadas as quais tem uma r d do para a Assembleia Geral. Fonte: ExCom °'Ruies of Procedure". Disponível em: http://wm1•.unhcr.org/4201eb512.html.
'" Além das aaências e orgamzaçoes Jª menc1 ' . . . d' reta para a questão. Como exemplo, po emos
º ONU ta bém conmbuem de maneira ,n t C .• Acesso em 3010512014.
organizações que fazem parte da ' m • . da ONU mas com atuação muito próxima, temos ainda o omite
citar: UNICEF, OMS, UNDP, FAO, etc. Fora do amb1to ' .
44 li--------~==~==
revisar anualmente o uso os
., fu .
propostos ou lª em ncionam
~
fundos à disposicão do ACNUR e dos programas
- • . - do ExCom estão em con-
ento A atuaçao e cnaçao
.
3º d E t tuto do Alto omissana
C . . do das Nacões Unidas para
• .
HELIS..\,'>;E l'vL.\HLK.E
_D_1RE_IT_o_INT_E_~~_A_c_1o_N_AL~oo_s_RE_F_U'G_1._~n_o_s_:N_o\_'O_P_A_RA_D_IG_~_1A_J_u_ru_·o_1c_o___________

Estados Capitalistas, durante o período da Guerra Fria, cuja função era legitimar
uma concepção fragmentada de direitos humanos e enfatizar seu caráter apolíti-
--+1 45
l
I·.i

sonância com o art. - o s a C . , . deve seo-uir as diretivas políticas co162. As claras limitações à sua atuação foram estabelecidas convenientemente, de
b 1 0 "Alto omissano 1:1
Refugiados, que esta e ece que 1 C selho Econômico e Social"_ 1ss Des-
maneira que o ACNUR não interferisse na discricionariedade dos Estados quanto
estabelecidas pela Assembleia Geral ~u pe o on, . de "controle externo" sobre a
sa forma, a Assembleia Geral mantem uma espdeci~ d à concessão do refúgio, quando é justamente em seu papel refratário que reside a
R O d O s recursos a ele estma os. função política implícita em seu mandato.
atuação do ACNU e uso fi . d expandido nas últimas décadas, No Pós-Guerra Fria, os refugiados não são mais bem-vindos no Norte, assim
- d ACNUR tem se so istica o e , fu . d
A atuaçao o . bTd d humana que não apenas os re gia os o discurso do ACNUR também muda, criando justificativas para que o "fardo"
abarcando outras categorias de_ mo i bi ª1 ~d m governos e organizações da so-
"d • 1s9 As cenas esta e eci as co do refugio permaneça nos países do Sul, por meio da produção de conhecimento
em senti o stncto . par . . . d _ s ao mesmo tempo submetem
. . 1· bihdade e atuaçao, ma e informação que embasem essa nova tendência. Notadamente, o desenvolvimento
ciedade civil amp iam sua possi 1 1 - o tem um protagonismo. Sua das "soluções duradouras" e outros mecanismos como o "burden sharing" e o não
. t na qual gera mente, e a na . . .
a Agência a uma estru ura . , fu - d harmonizacão de iniciativas diver- reconhecimento dos direitos de outras categorias de migração forçada, são um
função, hoje, aproxima-se mais ~e uma nça_o los direitos dos refugiados, além da exemplo disso.
b , de informacao e promocao
sas, como tam em • . • to de políticas de acolhimento. O ACNUR, juntamente com outras Agências anteriormente elencadas, está
. d d - 0 e/ou morntoramen . d
tentativa e coor enaça 1 d ACNUR que tem sido subestima o e envolvido no que a doutrina chama de "migration management", ou administra-
Porém, há um papel fundamenta . o . terna~ional de refúgio. B.S. Chim-
fi . . tante sobre o regime m ção da migração: um termo que remete convenientemente a uma visão tecnocrata
que exerce e ~ito impor .. borda em puramente positivista d~ parte e apolítica da migração e, sobretudo, do refugio. Como ressaltam Martin Geiger
ni160 ao refletir sobre esse papel, critica a a 1 g - , mpreensão do refúgio, no 163
' 1 d ACNUR em re açao a co e Antoine Pécaud , essa tentativa de "despolitizar" a migração é proposital: a ex-
da literatura sobre o pape o . . 'l" t'cnicas de seu funcionamento,
d. - Jurídicas e ana ises e pertise e o conhecimento apresentado como "técnico" ou "factual" é na, verdade,
qual ele se reduz a iscussoes . . - do órgão na sustentacão de
- fletir sobre a participaçao . b- influenciado por orientações políticas, e as opções de ações a serem desenvolvidas
sem a preocupaçao em re d. 1 E e lha fundamental se dá, segundo o
são apresentadas somente baseadas em dados precisos, dificeis de questionar. Dessa
. d . - d rdem mun ia. ssa ia . 1
determma · a ·visao -a o tudar seu pape1 i.deo l'ogico . ou legitimador, especia mente · forma, aparentemente, essas orientações e opções não seriam resultado de interesses
serva Chimrn, em nao es . b , além de propor discussões im- políticos, mas de "considerações técnicas" sobre a melhor forma de "administrar
, d - de conhecimento so re a area, d d
quanto a pro uçao . a carencia
, . nor mativa sobre novas deman as a o fluxo de refugiados". Assim, demonstra-se a importância do discurso construído
portantes so b re o re fú gio · e supnr
pelo ACNUR na formulação das políticas de refugio. Esse discurso também se
mobilidade humana.. , ia da crítica . eieita
.
por Chimni, observa-se que para que reflete na interpretação e aplicação do Direito Internacional dos Refugiados e será
d
Diante a pertmenc . -o internacional este deve ser analisado a seguir.
d o papel de uma orgarnzaça , . -
se possa compreen er . , . l' . ue promoveram sua cnaçao.
· d t xto histonco e po itico q
analisada a . partir
_ , o ·con e
d para . d etermma
garantir . dos interesses e ela só permanece
1.3.1. O papel do ACNUR na supervisão do Direito Internacional dos
Uma orgarnzaçao e ena a d Ch" ·161 no que se referem ao Refugiados
d fi d · · teresses Segun ° imm '
se for capaz de e en er tais m ·. fl , .a crítica exercida pela coalizão dos
ACNUR, as evidências apontam para a m uenci
O papel do ACNUR na proteção internacional dos refugiados compreende
- U m·das para Refugiados.
Fonte: Estaruto do Alto Comissariado das Naçoes - estabelecido pela Resolução 428 (V), de dois elementos essenciais: a) o elemento operacional; e b) a sua função supervisora
da aplicação do Direito Internacional dos Refugiados. Segundo Volker Turk 164, a
14il2il950 da AGNU. . fu!!iados deslocados internos, retomados. apátridas e pessoas que
"' Sob o mandato do ACNUR. encontram-se, alem dos re. "d . , t cuja siruação de vulnerabilidade faz com que esteJa concepção da proteção internacional dos refugiados, junto com o direito interna-
·1 (·' eop/e of concem'" categona e m1gran e
requerem atenção ana oga 'P ' em determinação legal expressa). cional dos direitos humanos, provocou uma revolução no direito internacional
- d Aa"ncia mesmo que s . · d.fli tlv
dentro da esfera de preocupaçao a "e • . d the ideological or leiritimatlon or, to put lt ' eren •.
160
· · h been the fa1lure to sru Y - · f UNHCR geral, pelo reconhecimento dos indivíduos como sujeitos de Direito Internacional,
Nas palavras do autor: "'A key om1ss10n as . f l.'"HCR TI1e ideoloaical or legitimation funct1ons o ,
·
the knowledge production and d1ssemma · f,on functlons .o . ,, . . · 1 fi ld d" concems to the outside world. secon d, ·1 , mesmo aqueles que não gozam da proteção dos seus Estados. A falha em reconhecer
. . e ts ,ts ,nst1rut1ona ,e an . li
assume many fonns. First, the orgamzauon repres º. º ·1· the realization of its objectives. Third, it frames issues or e consolidar esta proteção tornou-se, por conseguinte, objeto de responsabilidade
· · 1behav,or wh1ch ,ac1 itate . - d fill aaps
actively promotes nonns ofmtemat1ona
·r, r esponses. Fourth , u,
collective debate and proposes spec1 ,e po ,cy r
. 'd ffies key points for negotiat1on mor er to ' "
1 .
en , . .
nt. Finally it evaluates the pohc1es of mem er
b 16:!

. h s in the externa env1ronme • . h HAMMERSTAD, Anne. The Rise and Fali ofGlobal Security Actor: UNHCR. Refugee Protection and Security. Oxford:
in the nonnative mmework and to adJust to e ange ,. INI B S Toe Geopolitics ofRefugee Srudies: a v,ew from t e Oxford University Press, 2004, p.6.
states from the standpoim ofits mandate and concems. (CH 1:-., • . . 163

South. ln Joumal ofRefugee Srudies. vol.11, nº4. 1998, p.368). GEIGER.


161 2010, p.11.Martin; PÉCAUD. Antoine. TI1e Politics oflmemational Migration Managemem. Londres: Palgrave Macmillan.
CHIMINI, B.S., Op. Cit. 1998, p.369.
TURK. Volker. liNHCR's Supervisory Responsibility. ln Revue Québécoise de Droit lntemationaL 14.1.2002, p.138.
46 1 HELIS.-\.,--;E tvlAHLf>.E
DIREITO INTERNACIONAL OOS REFUGIADOS: Novo PARADIG1>L-\ JURÍDICO 47
assistência e colaboração para que os Estados apliquem "adequadamente" as nor-
dos Estados, os quais são os depositários principais desta obrigação. Ness~ :entido,
m~s sob~e refúgi~ 169 ._ Essa ª,tribuição é ?arte da responsabilidade mais ampla e
papel do ACNUR é assegurar que os Estados tomem as medida: necessanas p~r~
0 primordial da Agencia, que e a proteção mternacional dos refugiados. ·
consolidar O Direito Internacional dos Refugiados, desde o acolhimento do solici-
De acordo com o art.35 da Convenção de 1951 decorrem algumas atribui-
tante até a realizacão de soluções duradouras. ções e prerrogativas exercidas pelo ACNUR170, para cumprimento de sua funcão
O ACNUR •possui um papel decisivo na consolidação do regime i_nterna-
s~pervisora do Direito Internacional dos Refugiados. A primeira delas é a possibi-
cional do refúgio, que ainda é pouco explorado: seu ?ªPel ~om~ s~pervisor do
lidade de submeter declarações e postulados, ou intervir como amicus curiae em
Direito Internacional dos Refugiados. Essa competência lhe e atnbmda pelo art.
instituiç~es quasi-judiciais ou Cortes 171 . Outra importante função é assegurar a
35.1 da Convenção de 1951 165 , que expressamente determina: "Os Esta~os Mem-
conformida~e com os standards do Direito Internacional dos Refugiados por meio
bros se comprometem a cooperar como Alto Comissariado d~s Nações Unidas para
de con~ultonas (técnicas e jurídicas) a governos e parlamentos sobre a legislação e
os refugiados, ou qualquer outra instituição das N~~ões Unidas que lhe suce~, no
procedimentos administrativos que afetam os solicitantes de refúgio durante todo
exercício das suas funções e, em particular, para facilitar sua tarefa de superviswn~r
o processo até seu reconhecimento. Durante o procedimento de determinacão do
a aplicação das disposições desta Convenção". A previsão do a~t. 31 exerce tres
status de refugiado, o ACNUR também pode ser chamado a se manifesta~ ou a
funções importantesl66: i) serve de base legal para os Est~dos aceitarem o trabalho
orientar os governos, submetendo pareceres e observações em qualquer momento
do ACNUR na proteção dos refugiados; ii) também obnga os Estados a resp~?de~
do_ processo. Além disso, a Agência também pode monitorar e acompanhar as
aos pedidos de informações sobre refugiado:, requisitad:s ?elo ACNUR; 111) da
açoes dos governos quanto aos refugiados, especialmente na aplicação das soluções
suporte à autoridade das Declarações produzidas pe~a A~encia. . duradouras e na garantia de direitos.
Além dessas previsões em Convenções Internacionais, o papel supen:iso~ ta:;1-
Porém, ultimamente, segundo observam Dennis MCNamara e Guy Goodwin-
bém está previsto no art.8 do Estatuto do ACNUR, que expres~amente disp?e: 8.
-Gil1172, tem ocorrido uma distorção do papel original do ACNUR. A ampliação
O Alto Comissariado assegurará a proteção de todos os refugiados que estiverem
do seu mand~to sobrecarregou a atuação do organismo, que acabou por assumir
sob seu mandato das seguintes formas: a} Promovendo a conclusão e ratifica~ão ~e
um papel ma10r na assistência humanitária, do que na supervisão e implementação
convenções internacionais para proteção dos refugiados, velando ~ela sua aplicaçao
das normas sobre refúgio. Sua atuação operacional tem obscurecido sua funcão
e propondo alterações aos mesmos.". O Estatuto prevê um conceito amplo para a
supervisão do ACNUR que se estende para além da C~nve~ção d_e e seu Pr~
tocolo adicional, incluindo normas e instrumentos reg10nais e prmcipios e demais
1:~1 supervisora. Além disso, essa atuação ambígua guarda uma incoerência, pois co~o
observa J~mes Hathaway173 o ACNUR não poderia exercer a função operacional e
167 de supervisão ao mesmo tempo. A crítica de Hathaway denuncia a dicotomia entre
normas gerais do Direito Internacional aplicáveis aos refugiados - os papeis ex~rcidos pelo ACNUR: um órgão que fiscaliza sua própria atuação,
Essa função de supervisão tem como escopo principal garantir que os Esta_do_s
quando um sistema de monitoramento imparcial e transparente deveria ser condu-
igualmente e efetivamente implementem e interpretem os instrumentos ~o Direi-
zido por órgão externo 174 •
to Internacional dos Refugiados 168 . Dessa forma, cabem ao ACNUR a liderança,

lecimento de instituições locais. (HATHAWA Y, James. Who Should Watch Over Refugee Lawº Working Paper- IARU
'" Referências a essa atribuição também são encontradas no art.2 do Protocolo de 1967, assim como no art. 8 da Convenção de
Conference, 2002, p.396).
1969 da OUA e na Recomendação 2.e da Declaração de Cartagena de 1984. _
"' KÃLLIN, Walter. Supervising the 195 l Convention on the Status of Refugees: article 35 and beyond. Global Consultat10ns
'" "The Office has tried to project refugee nonns into a world politics dominated by states driven bv concems of national
interests and security. Successful High Commissionaires have convinced states to define their national interests in wavs
on lnternational Protection in the Context of the 50'' anniversary of the 1951 Convention relating to the Status of Refugees.
compatibl~ with ".'fugee needs. UNHCR not only promotes the implementation of refugee nonns; it also monitors compÍi-
UNHCR- Experts Round Table. 2001, p.36. _ _.. _ ance w1th mtemat1onal standards. For most ofits history, the Office has acted as "teacher" of refugee nonns. Toe majority of
'" Segundo leciona Volker Turk. a função supervisora de uma instituição internacional deve conter os seguintes elementos. (1)
UNHCR's tactics have mainly involved persuasion and socialization in order to hold states accountable to their previouslv
an element of collection of infonnation conceming the application ofprovisions ofthe internat1onal refugee m_~truments_by
st~ted policies or principies'·. (STEINER, Niclaus; GIBNEY, Mark; LOESCHER, Gil. Op. Cit p.5) .
the respective contracting States; (ii) the assessment of this infonnation in light of the applicable nonns: and ( 111) so~e kmd 170
KALLIN, Walter. Op. Cit, 2001, pp.36-37.
of enforcement mechanism to ensure the remediai action and nonn compliance by the states concemed. Ali three acl!ons are 171
Para consulta de casos nos quais o ACNURjá atuou, consultar UNHCR -Court lnterventions. Disponível em: http:íi\vww.
closely inter-related and core components ofany supervisory role". (TURK, Volker. Op. Cit.. 2002. p.146). _
refworld.org/type,AMICUS.UNHCR,,,,0.html.
16S Em especial, dois órgãos pertencentes ao ACNUR têm contribuído para esse papel: o Departamento de Proteçao Im~ma- 171
GOODWIN-GILL Guy; MCNAMARA, Dennis. UNHCR and lnternational Refugee Protection. ln Refugee Studies Pro-
cional (DIP - Departme/1/ ofl111emational Protection) e o ExCom (Comitê Executivo do ACNUR. O pnme1ra aux1~ta os
gram: University ofOxford. RSP Working Papern"2, Junho de 1999.
governos com a expertise na elaboração de políticas de proteção aos refugiados e também de legislações correlatas, alem de m HATHAWAY, James. New Directions to Avoid? Problems: The distortion ofthe Palliative Role of Refugee Protection. ln
direta e indiretamente atuar em casos de defesa e também no treinamento de pessoal. Já o ExCom tem um papel fundam_en~l
· · d fú · J - H thm •ay porém critica a atuação desses dms or- Joumal ofRefugee Studies 1995, Vo.8. nºJ, pp.288-294. -
no engajamento dos Estados no compltance as nonnas e re g10. ame, a ' , , . A exemplo do que ocorre com outros sistemas de monitoramento de violações de direitos humanos do sistema ONU
gãos alertando que eles pouco fizeram para garantir políticas que evitassem crises quanto ao fluxo de _refugiados, ancora_das
(Comitê contra a Tortura, Comitê de Proteção dos Direitos das Crianças; Comitê de Direitos Humanos, etc.). no qual o
nos desafios reais da proteção. Há, segundo Hathaway, um falta de liderança na construção de mecamsmos para co_n_cret1zar
me_canism~ de "naming and shaming'' age no sentido de coibir violações de Direitos Humanos a partir do constrangimen-
a responsabilidade quanto aos imperativos do Direito dos Refugiados reconciliados com as realidades sociais e poh11cas dos
to mternac10nal.
Estados receptores, promovendo políticas de inclusão em consonãncia com as vozes dos próprios refugiados e com o forta-
48
Por outro lado, como já fora mencionado, a dependência das doações dos
Estados para o financiamento da Agência representa um constrangimento à sua
15
independência. Historicamente, as políticas propostas e as Guidelines i produzi-
HELISANE M.WLIZE

T DIREITO INTERNACIONAL DDS REFt:GI..\IJOS: Novo PARADIG~I..\ JURÍDICO

Estados não a aceitam, quando não a violam discricionariamente.


rência de um mecanismo de supervisão e controle, conforme anteriormente anali-
sado, causa um vácuo institucional e político que enfraquece o papel do ACNUR
na consolidação do Direito Internacional dos Refugiados.
A ca-
49

das pelo ACNUR "acompanharam" as necessidades e interesses dos Estados doa-


dores. A recusa em interpretar ampliativamente as disposições da Convenção; a . _ Apesa~ d_o seu man~ato, o ACNUR não detém o monopólio sobre a super-
prevalência da repatriação voluntária sobre a integração local ou o reassentamento; v1sao do Direito Internacional dos Refugiados. Os Estados também possuem essa
a dificuldade em consolidar normas internacionais que protejam categorias de atribuição, de acordo com o exercício de sua responsabilidade (de supervisão e "au-
migrantes forçados correlatas ao refúgio; e a impossibilidade de afastar práticas torregulação") ao ratificar as normas internacionais sobre refúgio. Contudo, quanto
176
restritivas adotadas por alguns Estados são um reflexo disso •
à capacidade de comprometimento, essa é uma alternativa falha, pois os Estados se
Mesmo considerando suas limitações políticas e orçamentárias, observa-se a veem constrangidos pelas relações diplomáticas estratégicas em denunciar possíveis
importância da Agência na construção do regime internacional do refúgio. Ao violações de outros Estados e, também, dificilmente advogariam contra si próprios.
produzir orientações, conhecimento, dados e manuais, sobre os diversos temas Porém, existe uma alternativa para a supervisão do Direito Internacional dos
envolvendo o refúgio, o ACNUR tenta estabelecer certa uniformidade na aplicação Refugiados: a atuação das Cortes Internacionais e a produção de jurisprudência que
do Direito Internacional dos Refugiados. Cabe mencionar também, a importância estabelece um standard de interpretação e apura a responsabilidade dos Estados
do ExCom como o único fórum especializado em nível global capaz de produzir quanto aos direitos dos refugiados. Essa possibilidade é, na verdade, mais que uma
standards internacionais sobre refúgio. Segundo Volker Türk as Conclusões Anuais alternativa, é o caminho mais adequado à consolidação do Direito Internacional
do ExCom sobre questões relacionadas à proteção internacional dos refugiados são dos Refugiados. Ela se estabelece a partir da premissa, que é o alicerce desse estudo,
um indicativo de consenso internacional na matéria e também, espelha a própria a de que o direito ao refúgio é parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos
função supervisora do ACNUR, determinando os parâmetros e instrumentos ne- e, por essa razão, deve ser aplicado e interpretando em harmonia com as normas e
177 princípios deste. Sustenta-se também, que na ausência de um mecanismo próprio e
cessários para que a agência exerça essa função •
Essa produção, sem dúvida, cria um padrão de interpretação e informa os adequado de monitoramento das violações ao Direito Internacional dos Refugiados,
Estados na implementação do Direito Internacional dos Refugiados, que serve a os mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos podem cumprir esse
um propósito específico. O discurso implícito na produção técnica e informativa papel. Analisar o papel desses mecanismos na construção do novo paradigma jurídi-
da Agência deve ser levado em consideração em uma análise crítica do papel da co da proteção aos refugiados é o objeto da Segunda Parte deste estudo.
Agência na supervisão do Direito Internacional dos Refugiados.
1.3.2. Implementação das soluções duradouras
Nesse sentido, é necessário observar, também, a dicotomia entre os prin-
cipais financiadores da Agência e os países que mais são afetados pelo fluxo de
178 A situação dos refugiados não pode ficar a mercê de situações provisórias que
refugiados. Como alertam MCNamara e Goodwin-Gil1 , o vazio entre as respon-
são dependentes da conjuntura política internacional e das iniciativas unilaterais
sabilidades institucionais confiadas ao ACNUR pela comunidade internacional
dos Estados. Por essa razão, o ACNUR estabelece as soluções duradouras que devem
e as obrigações aceitas pelos Estados, gera incongruências entre estas obrigações
ser aplicadas a casos persistentes, a fim de resguardar os direitos e o bem-estar dos
e as práticas dos Estados, ou seja, apesar destes Estados terem eles próprios con-
refugiados 179 : a) a repatriação voluntária; b) o reassentamento; c) a integração local.
feridos ao Alto Comissariado a função de supervisão e interpretação do Direito
O ACNUR trabalha na implementação dessas soluções, porém sua atuação
Internacional dos Refugiados (vide artigo 35 da Convenção de 1951), os próprios
esbarra em dificuldades orçamentárias e na dependência dos governos locais, o que
vincula sua concretização aos interesses dos Estados. Evidentemente, a participação
'" As Guidelines são documentos ou manuais de aplicação e interpretação do Direito lntemacional dos Refugiados,
com conteúdo temático específico ou geral, produzidas pelo ACNUR para informar a aplicação das normas sobre
dos Estados é fundamental para tornar essas alternativas uma realidade e para que
refúgio. Para consultar O mais recente Manual de Proteção produzido pelo ACNUR. vide: http://www.refworld.org/ seja aplicada a melhor solução para cada caso concreto. Nesse sentido, a cooperação
protectionmanual.html.
Ji6
Ver Capitulo 2. Ii9
B.S. Chmni estabelece que existem duas fases no que se refere a implementação de soluções duráveis a questão global do
TURK, Volker. Op. CiL, 2002, p.149.
refugio, no pós-Segunda Guerra: a) A primeira fase compreende o período entre 1945 a 1985, na qual a solução do reas-
liS Segundo os próprios autores: "The gap between the institutional responsibilities entrusted to UNHCR by the intemational
sentamento foi implementada, apesar da repatriação voluntária ser preferida; b) A segunda fase inicia em 1985 e pode ser
communitv and the often limited obligations formally accepted by states (or accepted on a discretionary basis) is a recur-
0
divida em três períodos: b. l) De 1985 - 1993, na qual a repatriação voluntária era a principal solução, com ênfase no caráter
ring issue for UNHCR. \Vhile many states grant asylum to millions of refugees, there also continue to be situations where
"voluntário" desta. Em 1993, a noção de "safe rewm•· (retomo seguro) foi introduzida no discurso a respeito das soluções
refugees face problems in relation to admission, access to procedures, expulsion, physical security, detention, and humane
duradouras no contexto do regime de proteção temporário na Europa ocidental. especialmente como um meio-termo entre
treatment. Despite UNHCR's supervisory role under Article 35 ofthe 1951 Convention Relating to the Status ofRefugees.
a repatriação voluntária e involuntária. (CHIMN[, B.S. From Resettlement to lnvoluntary Repatriation: towards a criticai
our views on the interpretaúon of the Convention are often sidelined by the sarne states which gave UNHCR that role...
history of durable solutions for refugee problems. ln Refugee Survey Qua1erly, vol.23, nº3, 2004. pp.55-73 ).
(GOODWIN-GILL, Guy; MCNAMARA, Dennis. Op. Cit., 1999, p.6).
50 HEUSA1sE M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GIADOS: Novo PAR..\DimIA JURÍDICO
51
do ACNUR com as entidades governamentais locais e com ONGs nacionais e in- Como assevera Barbara Harrel-Bond 184
o que as instituições argumentam ser
,
ternacionais, que geralmente auxiliam nesse trabalho, é fundamental. O design da a mais desejada das soluções duráveis é, na verdade, um entendimento simplista
cooperação estabelecida entre essas três instâncias: internacional, governamental e do fenômeno social e espacial que a repatriação encerra. De acordo com Harrel-
não-governamental é fruto de uma complexa arquitetura que envolve múltiplas pre- -Bond, aqueles que advogam ser a repatriação voluntária a solução mais adequada,
ferências dos atores envolvidos e muitas variáveis que afetam sua consecução. presumem que todos os refugiados desejem voltar ao Estado de origem como um
Segundo Katy Long 180, a repatriação voluntária, a integração local e o reassen- fato inquestionável e não uma possibilidade a ser testada.
tamento são a "santa trindade" da proteção aos refugiados, promovendo o fim da A repatriação "involuntária" tem sido uma constante no período pós-Guerra
situacão de vulnerabilidade e encorajando a retomada da cidadania. Todavia, com- Fria. Conforme B.S.Chimni 185 , hoje os Estados desenvolvidos do Norte não tem
pree~der como as soluções duradouras se constituem em teoria, não é suficiente mais intenção em colaborar com os países menos desenvolvidos do Sul na questão
para entender como elas se produzem na prática. Segundo Long, considerando a da mobilidade humana, em contraste com o período no qual a disputa entre as
multiplicidade de atores interessados, é fundamental formular as seguintes ques- duas potências se estendia aos territórios e população de suas zonas de influência.
tões: para quem os refugiados são um problema e as soluções devem ser adequadas Existe uma mudança de tendência que altera a concepção de "repatriação volun-
para quem? Com base nessa perspectiva, é necessária uma análise crítica da imple- tária" para a concepção de "safe return" (retorno seguro). Porém, segundo alerta
mentação dessas soluções para que a principal variável não seja negligenciada: a o autor, o "safe return" tem uma concepção menos relacionada com o caráter
garantia de dos direitos humanos dos refugiados. voluntário do retorno e mais com as questões objetivas envolvidas na segurança
do retorno. Nesse sentido, a vontade do refugiado em retornar não é mais o ponto
1.3.2.1. A repatriação voluntária central. Assim, o risco de substituir o conceito de "repatriação voluntária" pelo o
de "safe return", pode criar espaço para uma repatriação por coação, que pode ser
A repatriação voluntária é a possibilidade de retorno do refugiado ao seu país equivalente à violação do princípio do non-refoulement.
de origem, uma vez cessada a causa que motivou a migração forçada. Para que a
repatriação ocorra de forma segura é necessário que haja o comprometimento do 1.3.2.2. A integração local
país de origem em receber seus cidadãos de maneira estruturalmente adequada,
possibilitando que estes possam reconstruir suas vidas em um ambiente estável. Em
Em casos em que a repatriação voluntária não é viável e nos quais o reassenta-
situações pós-conflito, essa possibilidade geralmente implica o auxílio continuado
mento não é uma opção disponível, ou ainda quando o decurso do tempo faz com
da comunidade internacional até que o país de origem tenha condições de rein-
que o refugiado crie vínculos com o país de acolhida, busca-se a integração local.
tegrar plenamente o grupo de repatriados e de lhes oferecer condições suficientes
Essa alternativa implica um processo gradual e complexo de adaptação à outra cul-
para uma sobrevivência digna 181 •
tura, língua, costumes, além do acesso a condições necessárias para que o refugiado
É importante ressaltar que a qualidade "voluntária" deve ser observada, de
possa ter os mesmos direitos que os nacionais e construir uma vida digna e autô-
modo que o refugiado possa ter a liberdade de escolher retornar ou permanecer
noma (em suas várias dimensões: culturais, sociais, econômicas, etc.). Geralmente,
onde está 182, e não ser compelido a deixar o país de acolhimento simplesmente
esse processo culmina na efetiva naturalização do refugiado, que passa a tornar-se
em razão da incidência das cláusulas de cessação do refúgio. Não é raro que, pelo
cidadão do país de acolhimento. Para tanto, há a necessidade do estabelecimento
decurso do tempo, o refugiado e sua família já tenham perdido por completo o
de uma parceria entre o governo do país de acolhimento, o ACNUR e, geralmente,
vínculo com o país de origem e que seu retorno passe a ser indesejável. Frequente-
outras organizações da sociedade civil que auxiliam nesse processo 186 •
mente, nesses casos, os refugiados acabam buscando a naturalização e a permanên-
A integração local só é concretizada com a superação do parâmetro da na-
cia no Estado de acolhimento 183 •
cionalidade e a consolidação do parâmetro da hospitalidade. É o reconhecimento
150
definitivo do refugiado como parte da comunidade que o acolhe, ou ao menos de-
LONG, Katy. The Pointofno Retum. New York: Oxford University Press, 2013, pp.8 e 9.
veria ser. É sabido que muitos países não reconhecem os mesmos direitos a cidadãos
"' Para facilitar esse processo, o ACNUR promove ações que forneçam elementos para uma escolha informada e livre como:
apresentar informações sobre a situação social e política do Estado de origem. propiciar visitas dos refugiados ao pais,
promovendo processos de paz e reconciliação, buscando a restituição das propriedades perdidas e reconstrução dos lares HARREL-BOND, Barbara. Repatriation: under what conditions is it the most desirable solutions for refugees? ln African
destruídos, auxiliando material e legalmente os retomados. Studies Review, nº32, 1989, pp.49-61.
m ..A repatriação de reji.lgiados someme dere ocorrer se eles assim expressarem sua vontade. o caráter voluntário e indi1·idual da '" CHIMNI, B.S. Op. Cit, 2004, p.73.
repatriação dos refi1gíados e a 11ecessidade de que ela seja sempre cond1dda em co11diçães de absoluta segura11ça ( .. ) devem '" Sendo dados do ACNUR, cerca de 1.1 milhões de pessoas adquiriram a nacionalidade dos países receptores na última
sempre ser respeitadas". (tradução livre. Voluntary Repattiation Conclusion, ExCom. nº40 (XXVI), Sessão nº36. 1985). década Como exemplo de projetos estratégicos de integração local e do padrão da atuação do ACNUR para promovê-la,
m Fonte: UNHCR. Handbook for Repatriation and Reintegration Activities, 2004. Disponível em: http://www.unhcr. ver: UNHCR. The Benefits of Belonging: local integration options and opportunities for host countties, communities and
org/411786694.html. Acesso em: 10/0312014. refugees. Disponível em: http:1faww.unhcr.org/4e3276e26.html. Acesso em 10/03/2014.
52 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
HELISANE MAHLKE 53
190
natos, naturalizados e menos ainda a estrangeiros. Tal condição faz o prinápio da os países geralmente, contam com a parceria de organizações da sociedade civil,
,

igualdade parecer mais uma retórica do que uma previsão legal que vincule o Estado além dos próprios recursos governamentais 191 •
a considerar direitos iguais a nacionais e imigrantes. Essa realidade de exclusão, com É necessário considerar que o reassentamento não é uma alternativa ao re-
base na nacionalidade, reverte-se em dificuldades práticas que só podem ser superadas fúgio, por descompromisso do Estado receptor. Por vezes, concretamente, não
por meio de políticas públicas consonantes com a mudança de visão sobre a mobili- é possível a acolhida no primeiro país de refúgio, por riscos reais impostos aos
dade humana, a qual substitui a percepção do migrante como um "problema", para refugiados: i) ameaças, perseguições ou prisões arbitrárias; ii) ou por dificuldade de
aquela que vê a migração como um movimento natural que enriquece a sociedade absorver um grande número de refugiados, que poderia gerar instabilidade social,
(cultural e economicamente) 187 • política e econômica na região; iii) ou por mudança significativa na autoridade po-
lítica ou distribuição do poder no país, que leve ao poder grupos hostis à presença
dos refugiados no território. Nesse caso, o reassentamento surge, não apenas como
1.3.2.3. O reassentamento
uma solução durável, mas também como um instrumento de proteção internacio-
nal. Também, deve-se observar que podem existir dificuldades de integração no
Alguns refugiados, por insegurança ou falta de condições de acolhida, não po- "primeiro país de refúgio", por diferenças socioculturais, por isso o terceiro país
dem permanecer no país onde primeiramente procuram a proteção. O Reassenta- de reassentamento deve considerado de acordo com as peculiaridades de cada caso.
mento envolve a seleção e transferência de refugiados de um Estado no qual ele busca A fim de superar essas dificuldades, o reassentamento conta com a coopera-
proteção para um terceiro Estado que concordou em recebê-los - como refugiados - ção entre os países envolvidos, orquestrada pelo ACNUR, e com o auxílio indis-
com status de residência permanente. O status concedido assegura a proteção contra pensável de ONGs que trabalham na adaptação desses indivíduos à comunidade
o refoulement e provê ao refugiado reassentado, sua família e dependentes, acesso a local. Segundo o ACNUR 192, as ações realizadas compreendem as áreas de capaci-
direitos similares àqueles garantidos aos nacionais 188 • Nesse caso, o ACNUR auxilia tação para o trabalho e autonomia financeira, acesso à saúde, educação e moradia,
no encaminhamento desses indivíduos a um terceiro país no qual eles possam even- assim como o diálogo cultural entre o refugiado e a população local. Para muitos
tualmente permanecer. Poucos países fazem parte do programa de reassentamento 189, países, participar do programa de reassentamento é uma maneira "controlada" de
mas os que se propõem a receber essas pessoas se comprometem a auxiliar material e admitir refugiados em seu território, com a intersecção das organizações e, assim,
legalmente, garantir direitos semelhantes aos nacionais e, eventualmente, possibilitar demonstrar diplomaticamente seu compliance com as normas internacionais.
a naturalização. Para promover a recepção e integração dos refugiados reassentados, Assim, após analisar o papel das Instituições internacionais e, em especial, a
atuação do ACNUR na tentativa de administrar as questões da mobilidade humana,
JS7
Segundo dados do Banco Mundial. o volume de remessas financeiras promovidas por imigrantes USS401 bilhões em é importante analisar a situação atual e as novas demandas migratórias e as questões
2012 e há a expectativa de um crescimento de 8% entre 2013 e 2015, especialmente destinadas a países em desenvol- que elas impõem aos organismos internacionais e aos Estados. A crise atual do refú-
vimento, o que além de movimentar a economia dos países desenvolvidos. auxilia na redução das desigualdades mun-
diais. (Fonte: World Bank, Migration and Development Brief. abril/2013. Disponível em: http://siteresources.worldbank.
gio, como se pretende avaliar a seguir, demonstra a amplitude e complexidade dos
org/INTPROSPECTS/Resources/334934-12889907607451MigrationDevelopmentBrief20.pdf. Acesso em l 0103/2014 ). desafios que a comunidade internacional enfrenta para a governança da mobilidade
Para uma análise do impacto das remessas financeiras de migrantes ao redor do mundo, consultar também: SIRKECI, humana e para a efetividade do Direito Internacional dos Refugiados.
Ibrahim; COHEN, Jeffrey H.: RA THA, Dilip (editores). Migration and Remittances During the Global Financial Crisis
and Beyond. World Bank. 2012.
ISS
Definição elaborada pelo próprio ACNUR, traduzida de: ·'Resettlement involves the selection and transferofrefugees
from a State in which they have sought protection to a third State which has agreed to admit them - as refugees -
with permanent residence status. The status provided ensures protection against refou/ement and provides a resettled
refugee and his/her family or dependents access to rights similar to those enjoyed by nationals. Resettlement also
carries with it the opportunity to eventually become a naturalized citizen of the resettlement country." (UNHCR
Resettlement Handbook, 2011, p.3).
"' Segundo informação fornecida pelo ACNUR, o principal país de reassentamento é os Estados Unidos, seguido de Aus-
trália e Canadá. lnteressantemente, os dois primeiros países são conhecidos por um padrão de rechaço á imigração,
demonstrando que o reassentamento pertence a outra perspectiva de mobilidade, controlada pelos Estados e direcionada 190
aos interesses da política externa de cada um. Países da América Latina. como o Brasil, também figuram parceiros Ressalta-se o programa de reassentamento desenvolvido entre os países europeus, em conjunto com a IOM ([nternational
do programa de reassentamento e participam de diálogos de cooperação (ATCR - Annual Tripartite Consultation on Organizationfor Migration), ICMC (/lllernational Catlwlic Migration Commission) e o ACNUR, criado em 2012: o Euro-
Resettlement) entre Estados participes, o ACNUR e ONGs que atuam nos programas de reassentamento, que ocorrem peon Resett/ement Ne/\\'ork (Ver site da rede destinada a promover a informação e o desenvolvimento da cooperação entre
anualmente desde 1995. Em suma, os países que possuem acordo com o ACNUR para programas de reassentamento os Estados Europeus em relação á integração e o reassentamento de refugiados na região: http://www.resettlementeu).
são: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Dinamarca, EUA, Finlândia, Holanda, Irlanda, Islândia, Noruega, Nova '" UNHCR. The Integratíon and Resettled Refugees, 2013. Disponível em: http://www.unhcr.org/52a6d85b6.html. Acesso
em: 10/03/20 l 4.
Zelândia. Suécia e Suíça. Paraguai e Uruguai estão atualmente em negociação. Os demais países analisam caso a caso 192
os pedidos de reassentamento. Fonte: Dados disponíveis na página do ACNUR, inclusive para acesso dos report., das UNHCR- Refugee Resettlement: an intemational handbook to guide reception and imegration. 2002. Disponível em: http://
www.unhcr.org/4a2cfe336.htm1. Acesso em: 20/05/2014.
reuniões anuais (www.unhcr.org).
- Novo
DIREITO INTERNACIONAL 00S REFUGI..\IJOS: PARADIGMA JURiOICO
55
A reação dos Estados, diante desse quadro, tem sido o rechaço e a estig t·-
- d · mai
zaçao
. , os. migrantes, decorrentes de uma interpretacão
• equivocada do fien'ameno
migrato,r~? e_ de s~a re~e~c~ss.ão sobre as comunidades. Segundo Castles4, a resposta
Estatal a ~nse migratona te~ duas fontes. Uma é a manipulação do medo popu-
lar generalizado sobre a globalização. Esse pode ser visto como uma forma conser-
CAPÍTULO 2 vadora-nacionalista de mobilização anti-imigração. A outra fonte é a tendência à
A CRISE DO MODELO ATUAL DO REFÚGIO securitização da questão migratória, que ganhou outro momentum após os eventos
de 11 de setembro de 2001. Isso pode ser visto como uma forma de mobilizacão
anti-migratória ligada ao fundamentalismo e os "rogue states". Por outro lad~ a
crise no Sul ~em ~ois aspectos principais: um é o crescimento massivo da migraç~o
forçada, devido as "novas guerras" e violações generalizadas de direitos humanos·
?~tro aspe~to é o bloqueio da mobilidade para o Norte que relegam os migrante~
2.1. AS CAUSAS DO DESLOCAMENTO FORÇADO
a mformalidade e ao tráfico de pessoas 5•
Pela óbvia etimologia, a migração forçada caracteriza-se pelo deslocamento
O mundo vive uma crise global do refúgio, a maior desde a Segunda Guerra1,
involuntário mo~ivado pela necessidade imperativa de deixar o local de origem,
que desafia as estruturas internacionais e nacionais a oferecer uma resposta adequada
e~ geral, par~ ~vit~r grave dano à sua i_ntegridade fisica e/ou mental, ou por ques-
a essa nova realidade. Neste Capítulo, pretende-se analisar as causas dessa crise e seus
toes de subsistencia. Reconhece-se, evidentemente, que a mobilidade humana é
efeitos sobre o Direito Internacional dos Refugiados, demonstrando a insuficiência
uma prerrogativa reconhecida pelo Direito Internacional6, independentemente das
do atual regime de proteção. Mas antes, questiona-se: o que define a crise do refúgio?
motivações que a suscitaram. Mas, o caso da migração forçada, porém, trata-se do
Phil Orchard2 caracteriza a crise como o fracasso das políticas existentes, desafiadas
oposto: a supressão do direito de permanecer no país de origem. Cabe ressaltar
por uma mudança consistente e dramática da natureza e/ou do número de refugia-
também, ressaltar outro aspecto da migração forçada que é seu caráter geralment;
dos que buscam proteção. Essa mudança dever ser tão significativa que a política
emergencial envolvendo indivíduos a situações de vulnerabilidade.
nacional sobre refúgio se torne insuficiente e demande uma revisão. Além disso,
Contudo, é inegável que o cenário da migração forçada é influenciado por
segundo Orchard essa mudança levaria os Estados a questionar a interpretação das
fatores altamente políticos. Segundo Alexander Betts 7, as causas subjacentes ao des-
normas preexistentes e o propósito do regime de proteção em si. Essa perspectiva
locamento humano são intimamente conectadas com as tendências geopolíticas e
pode ser deletéria à proteção internacional dos refugiados, levando ao enfraqueci-
econômicas no sistema internacional que, em nível global, podem moldar as con-
mento dos instrumentos internacionais e ao recrudescimento das políticas estatais.
dições naci?nais que levam os indivíduos a migrarem. Como exemplo, Betts cita
Nesse sentido, Stephen Castles 3 acredita que o movimento populacional tem
as rel~ções mterestatais entre os países de origem e as grandes potências, ou antigos
assumido maior significado no contexto das transformações globais atuais. Se-
colornzadores, que sustentam regimes opressivos e governos autoritários que perse-
gundo afirma Castles, estamos diante de uma crise global migratória justificada
guem su: ~opul~ção. Por ?utro lado, a questão ambiental e também a competição
pelas seguintes características: a) Primeiro, a migração forçada está crescendo em
por mat_enas pnmas (muitas vezes fomentadas pelas Grandes Corporações) po-
volume e importância, como resultado da violência endêmica em certas regiões
dem foriar conflitos que causam a fuga em massa dessas populações. Enfim, para
do globo; b) Segundo, a tentativa de estabelecer uma política migratória seletiva,
compreender as causas da mobilidade humana, não é suficiente apenas observar a
que busca atrair migrantes qualificados, mas exclui refugiados e migrantes pouco
qualificados; c) o entendimento que de que a migração, seja forçada ou não, é CASTLES, Stephen. The lntemational Politics ofForced Migration. ln DevelopmenL vol.46, n"3, setembro de 2003, p.189.
parte integrante do processo de integração econômica e regional; d) a dificuldade Como exemplo, podemos citar as operações de monitoramento no Mediterrãneo, que identifica embarcações de migrantes.
de integração dos migrantes nas sociedades receptoras; e) e, por fim, a inegável mmtos deles refugiados vindos dos conflitos na África e Oriente Médio, e que são interceptadas antes mesmo de aportarem
no continente, evitando que o solicitante de refugio venha a manifestar seu pedido. (Essa situação é explicitada no caso Hirsi
politização da imigração, que se tornou uma pauta importante tanto na política Jamaa e outros vs. Itália, de 2012, da Corte Europeia de Direitos Humanos, que será analisado no Capitulo 3 ). A partir de
nacional, quanto internacional. 2013, a Itália lança o programa "Mare Nostn1111" devido ao aumento do número de naufrágios de navios contendo imigrantes
no Meditemineo. A União Europeia passa absorve o programa Mare Nostrum e, apesar da crise, o transforma em uma ini-
ciativa mais modesta, o Triton (coordenado pela Agência Europeia de Fronteiras, a Frontex), criticada por ter como objetivo
Segundo dados do ACNUR, até a metade de 2015 foram computados mais de 60 milhões de pessoas sob a área de atenção.
simplesmenle controlar as águas territoriais europeias e não salvar vidas.
Para perfil completo, consultar UNHCR Mid YearTrends Uun de 2015). Disponível em: http://www.unhcr.org15670lb969. Vide o já mencionado artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1946. i11 i-erbis: "J. Toda a pessoa tem
html. Acesso em dezembro de 2015. o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de
ORCHARD, Phil. A Right to Flee: refugee, States and the Construction of lntemational Cooperation. Cambridge: Cam-
abandonar o país em que se encolllra. incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu pafr. "
bridge University Press, 2014, p.33. BETTS, Alexander. Forced Migration and Global Politics. Oxford: Wiley-Blackwell, 2009, p.11.
CASTLES, Stephen. The lntemational Politics ofForced Migration. ln DevelopmenL setembro de 2003. vol.46, nº3. p.173.
56 HELISANE M.-\HLKE DIREITO lt-.'TERN.-\CION.-\L DOS REFt:GIADOS: Novo P.-\R.-\DIGM.-\ JURÍDICO
57
conjuntura nacional, mas é necessário compreender os fatores que influenciam as para a intervenção
. internacional em situacões
, de conflito que podem p ro d uzir· ou Ja
·,
tendências da política internacional. tenham produzido o deslocamento humano;i 12
A seletividade e' um tra
. · ço recorrente
É importante observar, também, que a principal causa de deslocamento, na ~o que tange às mtervenções humanitárias, e geralmente encontra-se subordinada aos
atualidade, são conflitos localizados em regiões pobres ou de instabilidade política mteresses dos Estados diante da complexa conjuntura política mundial.
persistente. A maioria dos refugiados permanece nas regiões próximas aos confli- 1:- responsabilidade primária dos Estados quanto ao Direito Internacional dos
tos, não chegando a se deslocar aos países desenvolvidos ou a zonas mais seguras Refugiados, ou de maneira mais ampla, quanto ao Direito Internacional dos Direi-
(milhares de pessoas estão, hoje, confinadas em campos de refugiados, geralmen- tos Humanos, é rr_iitigada pela sua capacidade de acolhimento. Na impossibilidade
te localizados em zonas de fronteira instáveis)8. Estados frágeis9, destruídos pela do Estado de destmo oferecer a proteção necessária, cabe à comunidade internacio-
guerra e assolados pela pobreza, produzem uma massa de deslocados que não tem nal compartilhar o dever de assistência aos refugiados 13 • Diante das características
alternativa a não ser contar com a proteção internacional. d_a crise ~tual do_ refúgio, a cooperação (em diferentes níveis: interestatal, institu-
Em parte, a crise atual do refúgio deve-se à recusa da comunidade internacio- :1onal e mt~rnac10nal) passa a ser uma necessidade. A questão que se impõe, então,
nal em enfrentar suas causas. Ninguém deseja tornar-se refugiado, mas torna-se por e como articular essa cooperação e como conjugá-la com a responsabilidade dos
imposição de circunstâncias que lhe retiram a liberdade e a autonomia e que lhe sujeitos envolvidos.
impõem o imperativo da luta pela sobrevivência. ~anta a essas circunstâncias, Confo~me observa Kathleen Newland 14, na era de grande mobilidade global
é preciso analisar: elas transcendem as interações entre os grupamentos humanos, tornou-se evidente que a falha do sistema de proteção aos refugiados em determi-
sendo o resultado de um contexto político mais amplo, o qual fomenta conflitos nado local terá efeito direto em comunidades, governos e indivíduos que estão
que acabam por vitimar milhares de indivíduos. Os refugiados são um produto longe do local de origem da crise. Flagrantemente, as limitações do sistema atual
do sistema internacional, denunciando sua face mais cruel 10 • Eles representam a de proteção dificultam a cooperação necessária para torna-lo efetivo. Nesse sentido
expressão crônica dos limites da dignidade humana, a personificação da falência de ~ewland observa que para fortalecer o regime internacional de proteção é necessá~
estruturas que deveriam garantir paz e direitos. Eles são ao mesmo tempo vítimas no qu~ atores nacionais e internacionais avaliem de maneira completa a dinâmica
e testemunhas da incapacidade da comunidade internacional em evitar conflitos das cnses do deslocamento forçado, já que apenas reagir ao fluxo de refugiados
provocados pelas suas próprias distorções 11 • uma vez que ele chega às fronteiras, provou ser ineficiente.
A relação entre os fluxos de refugiados e questões humanitárias é evidente e im- O fluxo de refugiados, na atualidade, não é apenas importante quanto ao
põe aos Estados e instituições internacionais o dilema sobre como administrar as cau- número, mas quanto à profundidade e complexidade das causas que O originaram.
sas da migração forçada. Nesse sentido, uma questão emerge: qual deve ser o critério Esse fato não apenas demonstra a necessidade de lidar o deslocamento em massa
mas com um deslocamento contínuo e com situações de conflito persistentes, qu~
A Síria hoje representa a maior número de refugiados quanto à nacionalidade. 4.2 milhões. Substituindo o Afeganistão, que requerem ~utra estratégia da comunidade internacional. Susan Kneebone 15 ponde-
hoje conta com 2.4 milhões de refugiados. Fonte: UNHCR Mid Year Trends (jun.2015) Disponível em: http://www.unhcr. r~ que as situações prolongadas de refúgio demonstram que as soluções duráveis
org/5670lb969.html. Acesso em: dezembro de 2015.
a~nda não lo~ram implementação nos Estados frágeis e instáveis nos quais a maio-
Termo que caracteriza Estados nos quais há uma dificuldade estrutural em promover o desenvolvimento. a segurança e a
subsistência da própria população, devido à extrema pobreza, desagregação da sociedade e falência das instituições. Esse na dos refugiados se encontra. A autora justifica essa afirmação com base em três
termo é uma arualização do termo "Estados falidos", inadequada perante a responsabilidade da comunidade internacional
em auxiliar países em situação de extrema necessidade. Ainda assim. o termo não escapa às criticas de que é utilizado para "
13
HELTON, Arthur. Op. Cit.. 2002, p.10.
justificar a ingerência externa em determinadas regiões do globo. Recentemente, investiga-se a possibilidade de aplicação do conceito da "Responsabilidade de Proteger•· como uma forma de
Michel Agier analisa a situação dos refugiados postos à margem da sociedade internacional, oriundos de conflitos para os estabelecer um critério para a intervenção internacional em siruações que produziram ou tem O potencial de produzir O fluxo
quais a comunidade de Estados não tem ou não quer buscar uma solução: "'At the end of the day, a new population is being em massa de refugiados, ou para estabelecer o compromisso da comunidade internacional em proteger pessoas deslocadas
formed out of this confusion. this mixture ofim passe and rejection, these wars that never come to an end. A single population por conflito ou repressão. (MARTIN, Susan. Forced Migration, Refugee Regime and the Responsibilitv to Protect ln Global
but nota homogeneous one, made up ofindividual trajectories ofwandering humiliatíon. long stays in marginal zones and ~esponsibility to Protect, Martinus Nijhoff Publishers, 201 O, pp38 a 59). O Documento ·'Respo 11sibil;o, to Protect", produ-
transit carnps, experience of a fragile and uncertain relationship to laws and states - those who have expelled them and those zido em 2001 pela /11ternatio11a/ Commissio11 011 /111e1,•e111io11 a11d State Sovereig110• - JCJSS, e adotado em uma Cimeira das
who have accepted them. lt is an inexpressible world because it has no definable borders - although largely produced in the Naçõ~s Unidas em 2005, estabelece expressamente que "where a pop11/atio11 is s1ifferi11g serio!IS harm, as a result afi11temal
política! sphere when this fails in goveming society. A shameful residue ofunsuccessful conllicts, it is thus a post-political war, u~urgency, repressionar statejàilure, and the state in question is 1111wi/ling or unable to halt ar avert it. the principie
world in its origins. Lacking the homogeneity of ethnicíty or party, the world of refugees is a política! encumbrance in each 0f 11011 -mterve11tio11 yields to the i11ternatio11a/ respml,ibilitv to protect." A "Responsabilidade de Proteger" é um conceito
country where it arrives." (AGIER, Michel. On the Margins ofthe World: the refugee experience roday. Cambridge: Políty novo na atuação das Nações Unidas, e não se trata de um documento vinculante, mas uma doutrina em fase de consolidação.
Press, 2008, pp IOe 11 ). Cont~do, pode representar um horizonte teórico e prático na tentativa de administrar uma questão tão urgente quanto o fluxo
Arthur Helton faz uma análise sensível do papel dos refugiados no contexto internacional: ··Refugees are drenched in human massivo de refugiados.
values. ( ...) They are at the sarne time invisibles and storytellers. Refugees are neither seen nor heard, but they are every- " NEWLAND, Kathleen. Rethinking Global Protection: new channels. new tools. Migration Policv lnstitute. Abril de 2015.
where. They are wimesses ofthe most awful things that people can do to each other. and they become stor,1ellers simply by pp.2e 10. •
ll
existing." (HELTON, Arthur C. Toe Price oflndifference: refugees and humanitarian action in the new century. New York: Ki:EEBONE, Susan (editor). Refugees, Asylum Seekers and the Rule ofLaw: comparatíve perspective. Cambridge: Carn-
Oxford University Press, 2002, p.8). bndge University Press, 2009, p.29.
58 HELISANE M.-\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
59
fatores correlatos: a) primeiro, a divisão Norte-Sul e a relutância dos Estados indus- restrito à Convenção e seu desenho original não foi criado para conte 1
. ~u~~
trializados em ver a questão a partir da perspectiva do desenvolvimento global; b) formas de migração forçada.
segundo, há problemas de legitimidade e autoridade, na medida em que o ACNUR __O su~gi~ento de no~as categorias da mobilidade humana desafiam as de-
luta para fazer com que os Estados que ratificaram a Convenção realmente coope- fimçoes class1cas. Novas situações demonstram uma sobreposição entre essas di-
rem, apesar da relutância destes; c) por fim, diante deste contexto, cabe aos Estados versas _categorias e a ~ecessidade de ações específicas e coordenadas. Diante dessa
industrializados ter a responsabilidade de empreender ações positivas na proteção necessidade,
_ .
cabe
.
verificar
. .
que essas diversas categorias possuem status JUfl
· 'd'lCO
dos refugiados e cooperar com o ACNUR para reduzir a assimetria entre as regiões. mt~rnac1onal ~1verso: 1)_ s1tua~?es que possuem norma específica de regulamen-
Diante do quadro descrito, observa-se a insuficiência do atual regime interna- taçao e proteçao de d1re1tos e 11) as que ainda não possuem norma internacional
cional de proteção aos refugiados e a necessidade de repensar o atual modelo. Em específica que as _con_templem e, portanto, dependem de outras normas comple-
conjunturas de crise, contudo, há sempre o risco do retrocesso. Conforme já anali- me~tares. No pnme1ro caso, ~ão resta dúvidas sobre a aplicação das normas,
sado, a política para o refugio sempre foi fortemente influenciada pelos interesses porem no segundo, a eventual mtersecção com o refúgio gera constrições para a
dos Estados, especialmente diante da incapacidade das agências internacionais em estrutura de proteção.
assumir maior protagonismo. Nesse contexto, cabe refletir se a ordem jurídica ~o~o ale:ta Goodwin-Gill e McAdam 17, os Estados têm procurado justificar
internacional pode indicar o caminho para a revisão do atual modelo, sobretudo a restnçao ao mgresso de solicitantes de refúgio pelo caráter misto dos fluxos
cobrando dos Estados a responsabilidade que eles recusam assumir. Esse será o migratórios, invocando mecanismos de "management" da migração como instru-
objetivo da Segunda Parte deste estudo. mento de ~re~enção ~ abusos do sistema, com a desculpa de preservar a integridade
Mas, antes, cabe analisar mais profundamente as características dessa crise da _pr~teçao mternac10nal ao refugiado. Essa prática de "proteção minus" é um
atual do refugio. Uma delas é a sua complexidade. As múltiplas causas da migração art1fic10 dos Estados para burlar o direito ao refúgio.
forçada, anteriormente mencionadas, produzem, por sua vez, diversas categorias E:ik~ Feller, _por sua vez, ressalta que um problema significativo que afeta a
de migrantes que compõe faces diferentes da mobilidade humana. Qyem são esses proteçao mternac1onal em tempos recentes é a não declarada ou deliberada des-
indivíduos em mobilidade, quais características possuem e quais desafios represen- caracterização dos refugiados, solicitantes de refúgio e seus problemas, levando a
tam para a proteção internacional dos direitos humanos e sua inter-relação com o res~?s,tas deturpadamente concebidas, as quais debilitam a proteção ao invés de
refugio, é que será analisado a seguir. fac~h~a-la. Segu~do_ afirma Feller 18, refugiados não são migrantes, mesmo que 0
refúg10 e demais situações de migração possam compartilhar alguns elementos
2.1.1. As diferentes faces da mobilidade humana ~om~ns. O refúgio possui, na sua origem, tensões políticas, étnicas e religiosas com
implicações políticas inevitáveis, que colocam o refugiado em situacão vulnerável
Os fluxos migratórios dos últimos anos não cresceram apenas em núme- diante das disputas de poder. Esse quadro exige da comunidade int;rnacional um
ro, mas também em complexidade. Uma das características dessa complexidade tipo de r~sposta estratégica específica, diferente de outros tipos de migração.
é a existência de diversas categorias de mobilidade humana, as quais por vezes se Assim, tentando conjugar diferenças e conexões, cabe analisar as diferen-
confundem ou se sobrepõem. A atribuição dessa classificação não é preciosismo tes categorias_ de migração forçada e sua possível inter-relação com o refúgio,
acadêmico, mas repercute no tipo de atendimento ou de atenção que deve ser dada b~s~ando venficar, na atual conjuntura, as alternativas viáveis para garantir os
a cada categoria em especial, para garantir-lhes a proteção adequada, bem como d1re1tos e a ampla proteção dessas pessoas e o papel do ACNUR no contexto
quanto aos instrumentos normativos existentes. dos fluxos mistos.
Contemporaneamente, boa parte dos deslocados não se enquadra na defini-
problem of how to manage large-scale forcible displacement in a cooperative framework." A autora reconhece que houve
ção específica de refúgio contida na Convenção de 1951. Como aponta Kathleen
progresso na tentativa de abarcar outras formas de mobilidade forçada na Convenção da Organização da Unidade Africana.
Newland, muitos indivíduos buscam proteção em razão de vários fatores inter- que en~loba ·'vitimas de violência generalizada", bem como na Declaração de Cartagena, que engloba "vítimas de violações
-relacionados de forma complexa que abarcam: violência generalizada, conflitos generahzadas de direi!Os humanos. Também, menciona-se os G11iding Principies.for Internai Displacemem e a "Iniciativa

armados, perseguição individual, colapso da governança em seus países, generali- Nansen, q~e tenta proteger aqueles que cruzam as fronteiras em razão de desastres naturais ou mudanças climáticas. Ape-
sar d~ssas importantes iniciativas, a concretização de uma ampla proteção ainda é problemática. (NEWLAND, Kathleen.
zada violação de direitos humanos, tensões étnicas e sectárias, bem como outros Op.ctt 2015, p.4).
17
fatores relacionados à falta de alimentos, desastres naturais ou degradação ambien- GOODWIN-GILL, Guy & MCADA!v!, Jane. Op. Cit, 2007, p.222.

tal. Segundo Newland 16, o procedimento de determinação do status de refugiado é " Quanto à questão, a autora ressalta que ·'Toe refugee question is not inseparable from criminality or terrorism: it is in its
essence a human rights question. Spontaneous arrivals can indeed have genuine claims and resenled refugees h~ve no mo-
nopoly of 'genuineness' here. The 195 I Convention is not an irrelevant too! and the intemational protection framework is
not an obS ta cle to good management of asylum and refugee dilemmas. lt does, though, need some reinforcement. Effective
16
A autora observa que não há um regime internacional para guiar a govemança de fluxos mais amplos de migração forçada.
Além disso, Newland observa que "Arrangments within the existing protection regime do not, in other words. solve the protection is quality protection and is key to improved managemenf'. (FELLER, Erika. Op. Cit, 2006, p.514).
60 HELIS.-\NE M.AHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGJADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
61
2.1.1.1. A Apatridia casos de apatridia. A adesão a essa Convenção, evidentemente, pressupõe a adesão
à Convenção 1954, observando o esforço da comunidade internacional em reduzir
A fragmentação de países no pós-guerra e os conflitos étnicos em vanas a situação de indefinição que não apenas torna vulnerável o indivíduo, mas cria
partes do mundo suscitou a necessidade de proteger aqueles que não dispunham constrangimentos aos Estados.
mais da proteção da nacionalidade, por meio da elaboração de um documento A nacionalidade é considerada um direito, previsto pela Declaração Universal
internacional por meio do qual os Estados se comprometeriam a acolher aqueles de Direitos Humanos (1948) 23 e, posteriormente, reconhecida em outras normas
que, por não deterem mais o vínculo jurídico e político com seu país de origem, do Direito Internacional dos Direitos Humanos 24 . Segundo Hannah Arendt2s a
encontravam-se sem a proteção advinda da garantia de direitos. A apatridia pode nacionalidade é o "direito a ter direitos", portanto ser privado da nacionalid;de
ser de jure, ou seja, indivíduos que não eram abarcados pela legislação de nenhum é como estar privado do mundo, é o retorno do indivíduo ao "estado natural" e
Estado que lhe concedesse a nacionalidade (seja automaticamente, seja por ulterior assim, perder aquelas qualidades que tornaram possível a outras pessoas o reconhe~
medida administrativa e/ou judicial). Já a apatridia de facto é a condição do indi- cerem como igual.
víduo que possui nacionalidade, mas esta lhe foi retirada por medida do próprio Por ser um direito concedido pelo Estado (e cada Estado estabelece a forma
Estado do qual era nacional, privando-lhe dos direitos relacionados à pertença ao de aquisição e sua perda), a nacionalidade é considerada a representação do con-
Estado, como direitos políticos, por exemplo. Nesse caso, apesar de não conseguir junto de direitos e deveres que o indivíduo possui em razão de sua pertença ao
26
provar a apatridia de jure, o indivíduo não pode gozar dos direitos advindos da país • A apatridia significa o rompimento desse vínculo e, portanto, a exclusão
nacionalidade efetiva 19 • da possibilidade de garantia de direitos pelo Estado do nacional27. Nas palavras
Segundo a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, "o termo apá- de Carol Batchelor28 a apatridia não é apenas um problema jurídico que resulta
trida designará toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo na inabilidade de exercer direitos é, antes, um problema de identidade perante 0
a sua legislação, como seu nacional." 20 A Convenção reconhece o status jurídico direito, ou seja, não é só um problema legal, é um problema humano.
internacional da condição de apátrida e determina o dever da comunidade inter-
nacional de conceder proteção a esses indivíduos, que já não contavam mais com tridas. A Convenção estabelece também a criação de um organismo ao qual as pessoas possam recorrer para examinar os
a proteção do seu Estado de origem. Para corresponder a esse dever é necessário, pedidos e solicitar assistência para a apresentação de um pedido às autoridades competentes. Posteriormente, a Assembleia
Geral solicitou ao ACNUR o cumprimento desta função." (ACNUR, 2005. p. 13).
também, que os Estados, ao formularem suas legislações internas sobre nacionali- Segundo o art XV da Declaração Universal de Direitos Humanos in l'erbZ:v: "§ 1º Toda pessoa tem direito a uma nacionali-
dade, considerem a possível repercussão internacional destas, para que a aplicação dade." "§2º Ninguém serà arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade."
dessas leis não resulte em casos de apatridia 21 • Outras previsões normativas sobre o direito à nacionalidade podem ser encontradas nos seguintes instrumentos inter-
nacionais: Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada de 1957 (arts. l a 3); Convenção sobre todas as Formas
A proteção para casos de apatridia deve ser temporária, segundo entendimen- de Discriminação Racial de 1965 (art.5º); Pacto dos Direitos Civis e Políticos de 1966 (arts. 24 e 26): Convenção sobre
to dos organismos internacionais, perseguindo a ulterior aquisição da nacionalida- todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979 (art.9º); Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989
de e, assim, substituindo um estado de instabilidade jurídica pelo vínculo nacional (arts. 2 e 7); Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (art.20); Convenção Europeia sobre a Redução dos
Casos de Nacionalidade Múltipla e Sobre as Obrigações Militares em Caso de Nacionalidade Múltipla de 1963 e Pro-
de direitos. Por essa razão, é adotada, em 1961 22 , a Convenção para redução dos
tocolos Adicionais de 1977 e 1993; Convenção Europeia sobre Nacionalidade de 1997; Convenção Europeia sobre a
prevenção da Apatridia relacionada à Sucessão de Estados de 2006: Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar das
19 Crianças de 1999 (art.6).
ACNUR, Nacionalidade e Apatridia: manual para parlamentares. Nºl l. 2005.
A convenção enumera as situações nas quais o estaru10 dos apátridas não se aplica: Esta Convenção não será aplicável: ARENDT, Hannah. Op.CiL, 1989.
art 1º§2º .. i) As pessoas que atualmente beneficiam de proteção ou assistência por parte de organismos ou agências das Como referência, o Caso Nottebom, da Corte Internacional de Justiça ( 1953) cria jurisprudência internacional, estabelecen-
Nações Unidas, que não seja o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refi1giados, enquanto estiverem a receber do que a nacionalidade é um elo juridico e político estabelecido entre o individuo e o Estado. Outro caso de referência é re-
essa proteção 011 assistência; ii) As pessoas a q11em as autoridades competentes do pais 011de te11ham fixado a s11a residê11cia ferido pela jurisprudência da Corte lnteramericana de Direitos Humanos em Castillo-Peluzzi e outros vs. Peru (Ser.C; nº52,
reco11heçam os direitos e obrigações i11erentes à posse da nacionalidade desse pais: iii) ..is pessoas sobre as quais haja §99. 1999), onde a nacionalidade é definida como "O elo político ejuridico que vincula uma pessoa com um determinado
ra::ões fimdadas para considerar que: a) Cometeram um crime contra a pa=. um crime de guerra ou um crime comra a Estado, que a compromete para com este com laços de lealdade e/ide/idade que lhe confere o direito à proteção diplomática
Humanidade, como definido nos instnanentos intenwcionais que contém disposições relativas a esses crimes;b) Cometeram daquele Estado". (*Tradução da autora).
J.i
um grave crime de direito comum fora do país da sua residência antes da sua admissão no referido país; e) Praticaram atos Relembrando a célebre Opinião Consultiva nº4 da Corte Permanente de Justiça, referente aos decretos de nacionalidade
contrários aos objetims e princípios das Naçães Unidas." promulgados pela Tunísia e pelo Marrocos (em 1923). no qual a Corte estabelece que apesar da nacionalidade ser prerro-
21
Cabe fazer menção ao Parecer paradigmático da Corte lnteramericana de Direitos Humanos. Parecer consultivo OC-4!84 gativa da jurisdição do Estado, esta deve ser relativa quando envolver obrigações internacionais que os estes possuem com
de I 9 de Janeiro de 1984 "Proposta de modificação à Constituição Política da Costa Rica relacionada com a naturalização'", outros Estados. Tal Parecer veio a ser corroborado, posteriormente pela Convenção da Haia Sobre Determinadas Questões
parágrafos 32-34, que estabelece: "Apesar de ser tradicionalme/1/e aceite que a detenninação e regulação da nacionalidade Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade (de 1930) também elaborada no âmbito da Liga das Nações, especial-
são assuntos da competência de cada Estado, a evoluçãocontemporânea nessa matéria mostra-nos que o direito inteniacio- mente: art lº ··Cabe a cada Estado, segundo sua legislação. determinar quem são seus nacionais. Essa legislação deve ser
nal impõe certos limites à discricionariedade dos Estados e que, 110 estado atual. na regulamentação da nacionalidade não reconhecida pelos outros Estados, devendo estar em acordo com as Convenções I11ternacionais. o Costume illteniacional e
concorrem só as competências dos Estados. " os princípios gerais de direito illlernacio11a/ em matéria de nacionalidade."(tradução livre)
ll
"Os artigos da Convenção de 1961 Iendem a evitar a apatridia no momento do nascimento, mas não proíbem a possibilidade BA TCHELOR, Carol. Statelessness and the Problem of Resolvíng Nationalíty Status. ln lnternational Joumal of Refugee
da revogação da cidadania em determinadas circunstâncias, nem a outorga retroativa da cidadania a pessoas que são apá- Law, vol. 10, nºl, 1998.
62 HELISANE tvl.-\HLKE ÜIR.EITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
63
É importante ressaltar que pode existir uma intersecção entre os institutos do econômica, acompanhada pelo descaso das autoridades locais e/ou da comu "d d
· · 1 mae
refúgio e da apatridia, pois, frequentemente, as causas que levaram à fuga podem mternaciona , bem como pela desigualdade econômica estrutural e excludente ·
- h . . . , que
estar associadas a uma privação arbitrária e discriminatória da cidadania (por moti- expoe os seres umanos a potenciais v10lações de direitos. -
vos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas). Nesse caso, O principal instrumento internacional destinado a essa categoria é a Conven-
o indivíduo apátrida e ao mesmo tempo refugiado, recebe a proteção do refúgio, ção Sobre
. . dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias (1990)32 . p orem,
o Direito '
pois prevalece o caráter especial do elemento "perseguição" contido neste. 29 • Apesar esse imp~rtante mstrumento, que garante amplos direitos às pessoas em mobilida-
da importância da proteção que deve ser conferida a esses indivíduos, ainda há de, possui ~m baixo n~mero de ratificações entre os Estados, especialmente daque-
pouca adesão dos Estados à Convenção de 1954, algo que os organismos interna- les ~ue ~ais atra.em_ migran;es. Por não referir-se de uma situação de perseguição,
cionais, em especial o ACNUR, tentam reverter3°. a migraç~o economica não e tratada da mesma forma pelos Estados e, portanto, 0
reflexo disso é que esses migrantes não tem garantido o "direito de ingresso" como
2.1.1.2. Os migrantes econômicos oc?~re com os refugiados. Dessa forma, frequentemente, o pedido de refúgio é
utihza~o com? uma forma de ingressar em países onde as vias da imigração lato
Os migrantes econômicos são aqueles que se deslocam para outros países com sensu sao restritas.
o intuito de buscar melhores condições de vida ou oportunidades de trabalho. Con- Por~m, como_ pondera Erika Feller33 , confundir refugiados com migrantes
sidera-se que, determinados grupos de migrantes econômicos podem ser incluídos no c?muns e u~ pengo para a proteção garantida pelo refúgio. Qiando os refu-
âmbito das migrações forçadas, devido à situação de extrema pobreza a que estão sub- giados são vistos apenas como migrantes irregulares, talvez convenientemente,
metidos em seus países de origem e que ameaça a sua subsistência31 • Geralmente, essa o controle sobre a mobilidade precede a possibilidade do solicitante de refúgio
situação de vulnerabilidade social foi estabelecida por um histórico de exploração busc:r ~roteção e, assim, o refoulement pode ser uma das potenciais graves con-
sequencias desse equívoco.
29
Segundo determina a orientação do ACNUR, que também comporta em seu mandato a atenção aos apátridas. ·'As pessoas
Nesse sentido, Saskia Sassen34 ao analisar o tratamento dispensado aos migran-
que são apátridas defacto não estão incluídas na definição de apátrida da Convenção de 1954. Os redatores da Convenção
de 1954 presumiram que todos os indivíduos sem uma nacionalidade efetiva, ponanto, todos os apátridas de facto, eram tes econômicos pondera que administrar um fluxo padronizado e condicionado de
refugiados. Os redatores da Convenção assumiram que um indivíduo se ia tomar um apátrida de facto depois de fugir do seu imigrantes é muito diferente de controlar uma 'invasão'. Além disso, a implementa-
país de nacionalidade por causa da perseguição do Estado e que a mesma perseguição estava relacionada com a falta de uma ção de uma p~lítica efetiva não significa necessariamente uma sincronização perfeita
nacionalidade efetiva. Considerando essa assumpção, muims pessoas que foram inicialmente consideradas como apátridas
de facto receberam proteção interoacional ao abrigo das disposições da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de
entre as condições no país receptor e os influxos e estabelecimento de imigrantes.
1951. Contudo, ser um apátrida dej11re ou de facto, não comporta necessariamente perseguição (o "fundado receio de perse- Segundo Sassen, esse nunca será o caso: a imigração é um processo constituído por
guição" é o ponto crucial da definição de refugiado estabelecida na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 ). seres humanos com vontade e atitude e com múltiplas identidades e trajetórias de
Tomou-se claro ao longo dos anos que existem apátridas de facto que não adquirem a nacionalidade do seu pais de residência
habitual e que, no entanto, não se qualificam como refugiados ou apátridas dej11re. Com efeito, a maioria dos apátridas que
vida al~m do fato de serem vistos, definidos e categorizados como imigrantes para os
precisam da assistência do ACNUR, independentemente de serem apátridas de j11re ou de facto, não são refugiados nem propósitos da política, da sociedade ou da economia que os recebe.
requerentes de asilo." (ACNUR. 2005, p.12). Como bem aponta Jane McAdam, a liberdade de movimento é um direito
)O
Como referência: Resolução 64/127 da Assembleia-Geral, Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para Re-
fugiados, 18 de dezembro de 2009; Resolução 13/02 do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Os direitos
garantido pela Declaração Universal de Direitos Humanos (art.13) e por outros
humanos e privação arbitrária da nacionalidade. 24 de março de 2010; Comitê Executivo do ACNUR Conclusão:-.!" 106 doc~~entos ~ubsequentes, sendo que ela compreende o direito de deixar o país e
(LVII) - 2006. o dueito de mgresso, garantido apenas quanto ao refúgio ou asilo 35 . Os migran-
31
Em relação aos fatores econômicos determinantes da migração, Saskia Sassen pondera que, apesar dos indivíduos perce-
berem a migração como resultado de suas decisões pessoais. na verdade a opção por migrar é socialmente produzida. Esse
tes econômicos não possuem esse direito garantido por normas internacionais.
fato é geralmente negligenciado em várias análises sobre migração, pois os fluxos migratórios tendem a compartilhar várias
características: imigrantes são principalmente. mas não exclusivamente. pessoas pobres de países menos desenvolvidos que Ad_otada pela Resolução 45/158. de 18 de Dezembro de 1990, da Assembleia-Geral (entrada em vigor a I de Julho de 2003).
buscam melhores condições de vida. Mas, a realidade requer uma análise para além das generalizações. Dentre os fatores Ateª conclusão desta obra, apenas 48 Estados haviam ratificado a Convenção. Em sua maioria países subdesenvolvidos ou
que devem ser considerados na análise das motivações do fluxo migratório, devem ser considerados, segundo Sassen, i) em desenvolvimento. tradicionais emissores de migrantes.
a geoeconomia das migrações internacionais que explicam padrões consideráveis desses fluxos e possibilitam entender o FELLER, Erika. Op, Cit., 2006. p.515.
contexto e a dinâmica que transforma condições de pobreza e desemprego em fatores que impulsionam a imigração; ií) a SASKIA, Sassen. Guests and Aliens. New York: New Press, 2000, p.137.
)l
formação contemporânea de mecanismos que ligam países de imigração e de emigração, particularmente o impacto de várias Segund o McAdam, a Comissão de Direitos Humanos da ONU explica que a liberdade de movimento é um elemento cons-
formas de globalização e, iii) a "exportação" (legal ou ilegal) de trabalhadores. Considerando esses fatores de análise, Sassen tituüvo_da liberdade pessoal e inerente à proibição da detenção arbitrária ou do exílio forçado (art 13, DUDH; art.9, PDCP).
identifica três tipos de situações econômicas que impulsionam a imigração: a) o conjunto de condições estruturais ligadas do d~re~to de procurar asilo (art.14, DUDH) e da proibição da privação arbitrária da nacionalidade (art.15, DUDH). Apesar
ao tipo de relação econômica (internacional) em várias instâncias: colonial, neocolonial e globalizada; b) recrutamento do direito de deixar um país ser hoje um princípio fundamental dos tratados de direitos humanos, não é um direito absoluto
direto de imigrantes por empregadores, governos ou redes de migrantes; c) o tráfico de pessoas. Diante disso, a pobreza e o e não pode ser igualado com o direito de migrar permanentemente. Segundo a autora, reconciliar os direitos individuais
desemprego não são suficientes para compreender o fluxo de migrantes. (SASSEN, Saskia. The Economic Determinants of como uma expressão da liberdade pessoal, com o interesse dos Estados. foi e continua sendo um desafio. (MCADAM. Jane.
lntemational Migration. ln GIBNEY, Mathew; HANSEN, R. (editores). lmrnigration and Asylum: From 1900 to the Pres- An lntellectual History ofFreedom ofMovement in lntemational Law: the right to Ieave as a personal Iiberty. ln Melbourn
ent Oxford: ABC-CLIO, 2005.pp.155,156, 164). Joumal oflntemational Law, Vol.12, 201 I, p.30).
HEUSANE MAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
65
64
A não inclusão nos requ1s1tos da atribuição especialíssima de direitos referentes O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) considera
ao refúgio, não deve servir de desculpa para evitar o reconhecimento dos direitos esses indivíduos como "refugiados ambientais" 39 e define como sendo o grupo de
humanos inerentes às demais categorias de mobilidade humana. pessoas que "foram obrigadas a abandonar provisória ou definitivamente o local
A situação de migração forçada, motivada por vulnerabilidade socioeconô- onde vivem por um declínio visível das condições ambientais (por razões natu-
mica, não faz parte da área de atenção do ACNUR. Por outro lado, entende-se rais ou humanas), inviabilizando a subsistência ou colocando-a em perigo, pois
que reconhecer a situação de vulnerabilidade econômica não é menos emergencial estariam expostos a graves violações de direitos humanos". Os argumentos que
ou humanitária. Além disso, migrar é também um direito que, a despeito de sua propugnam a ampliação 40 do conceito de refugiado para abarcar a situação dos
importância histórica na construção e desenvolvimento das nações 36, vem sendo migrantes ambientais consideram que, dessa forma, esses indivíduos teriam um
conjunto normativo consolidado para a sua proteção efetiva.
reiteradamente obstaculizado.
Já a IOM adota a expressão "migrantes ambientais 41 " e os define como pes-
soas ou grupos de pessoas que por razões fundadas em mudanças abruptas ou pro-
2.1.1.3. Os migrantes ambientais gressivas no meio ambiente, que afetam de maneira adversa suas vidas e condições
de sobrevivência, são obrigadas a deixar seus lares, ou escolhem fazê-lo temporária
O aumento da densidade demográfica, do consumo, da exploração e da polui- ou permanentemente, cruzando a fronteira de seus Estados.
ção tem produzido um impacto decisivo no ambiente e nos meios de subsistência Diante da emergência da situação desses indivíduos, da imprecisão da defi-
de grupos populacionais em várias partes do mundo. As catástrofes ambientais e nição do termo e da ausência de norma de proteção específica, levantam-se três
a alteração do padrão climático produzem um fluxo significativo de deslocados, possibilidades para contemplar normativamente tal situação: i) a interpretação am-
que migram em busca de melhores condições de sobrevivência. Esses fenômenos pliativa do conceito de refúgio; ii) a alteração da Convenção de 1951 para abarcar
têm se tornado cada vez mais frequentes e mais intensos, gerando um fenômeno previsão específica sobre o tema; iii) a produção de uma norma específica que
importante de migração forçada, para o qual ainda não há um tratamento jurídico tipifique essa categoria de migração forçada e preveja um conjunto de direitos
e institucional adequado 37 • destinados a esses indivíduos; iv) a aplicação da proteção complementar prevista
Essa situação compreende tanto i) migrantes temporários: aqueles que são nas normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Interna-
forçados a migrar em razão de catástrofes ambientais naturais ou provocadas pelo cional Ambiental.
homem e, portanto, por circunstâncias provisórias e geralmente reversíveis; e ii) Diante dessas possibilidades, cabe refletir sobre qual seria a proteção mais ade-
migrantes permanentes: aqueles que são forçados a migrar em razão de mudanças quada a esses indivíduos. Essa solução deve considerar alguns fatores importantes: i)
climáticas de efeitos permanentes, como o aumento do nível dos oceanos, altera- que a migração humana é em si um direito que deve ser afirmado especialmente em
ções da fauna e flora e desertificação. Ambas as circunstâncias têm como conse- situações de extrema vulnerabilidade; ii) Existem diferentes causas para a mobilidade
quência a impossibilidade de permanecer no território de origem e a exposição humana motivadas por questões ambientais e as diferentes situações devem ser obser-
desses indivíduos a situações de extrema vulnerabilidade. vadas para garantir a mais ampla proteção; iii) a migração por questões ambientais
A situação dos migrantes ambientais 38 é ambígua, pois não há uma definição geralmente é acompanhada de circunstâncias de extrema vulnerabilidade social e, por
específica para essa categoria de migração forçada, como reflexo da ausência de estes serem direitos garantidos aos seres humanos, devem ser preservados.
normas específicas de proteção a esses indivíduos. Por outro lado, a possibilidade O ACNUR não adota a definição de "refugiados ambientais" 42 , pois entende
de alteração da Convenção é remota, pois não há ambiente político e institucional que para essa classificação, falta o elemento da "perseguição". Além disso, segundo
que torne uma modificação ampliativa viável, assim como no caso da produção
J9
de um Tratado Internacional específico (que seria a alternativa mais adequada, Tradução livre da definição encontrada no Relatório produzido por: EL-HINNA \VI, Essam. Enviromental Refugees. Nai-
robi: UNEP, 1985. O Relatório também define que "declínio ambiental" deva ser entendido como a transformação tisica.
contudo menos provável). química ou biológica do ecossistema, que inviabilize sua utilização provisória ou permanentemente.
., Essa ampliação pode encontrar respaldo na Declaração de Cartagena, de 1984, que considera como refugiado todo aquele
exposto a situações de generalizada violação de direitos humanos. Contudo, a Declaração tem alcance regional apenas e não
" Ver a Declaração do Diálogo de Alto Nível sobre Migração Internacional e Desenvolvimento. adotada pela AGNU. na 69'
tem poder vinculativo para os Estados.
Sessão, em 3/10/2013. 41
Para buscar alternativas e consenso a respeito da migração ambiental, foi realizada. no âmbito das Nações Unidas (em 2008, Tradução livre a partir da definição original "Environmental migrants are persons or groups of persons. who. for compel-
na cidade de Bonn) a Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, Migração Forçada e Vulnerabilidade. Nela foram ling reasons ofsudden or progressive changes in the environment that adversely affect their lives or living conditions, are
formulados os "9 801111 points", que elaboram nove questionamentos importantes e, suas respectivas respostas, a respeito do obliged to leave their habitual homes, or chose to do so, either temporarily or permanently, and who move either within
tema. Para informações sobre as discussões dos especialistas consultar: lmp://www.efmsv2008.org/article/780?menu=l03. their country or abroad" (IOM, "Discussion note: Migration and the Environment: Ninety-fourth session, MC/INF/288,
2007, p. 1-2.).
Acesso em 10/05/20I4.
UNHCR-Climate Change. Natural Disasterand Human Displacement: a UNHCR perspective. 19/08/2009. Disponível em:
" A utilização desse termo é o preferido pela autora, aos denominados refugiados ou deslocados ambientais, por opção legal e
hnp://www.unhcr.org/490le8la4.pdf. Acesso em 10/06/2014.
conceituai.
66 HELISA,'>;E M..\HLKE Novo
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.-\JJOS: PARADIGMA JURÍDICO
67
a agência, para ser refugiado é necessário que haja um movimento para além das As vítimas de tráfico de pessoas também são consideradas migrantes forçados,
fronteiras do Estado de origem, o que nem sempre acontece nesses casos. Outra pois motivados por promessas ilusórias de emprego e de uma vida melhor, esses in-
característica é a temporariedade do refúgio, que vislumbra a possibilidade de re- divíduos acabam aliciados por redes criminosas 47 . O Protocolo estabelece que cada
torno ao país de origem, assim que cessadas as causas da perseguição43 , o que tam- Estado membro crie legislações e medidas necessárias a coibir tais práticas, comba-
bém pode não ocorrer aos migrantes ambientais. Por fim, o argumento definitivo tendo redes criminosas, porém sem criminalizar as vítimas 48 • É necessário que as
refere-se ao fato de que ampliação excessiva do conceito de refugiado acabaria por autoridades estatais reconheçam que o tráfico de pessoas é um dos efeitos colaterais
diluir os mecanismos jurídicos e políticos internacionais responsáveis por consoli- adversos de políticas migratórias restritivas que relegam os migrantes à ilegalidade.
dar o Direito Internacional dos Refugiados 44 • A intersecção entre o tráfico de pessoas e o refúgio torna-se cada vez mais
Enquanto a elaboração de um instrumento internacional específico que frequente, expondo estes indivíduos a uma situação de dupla vulnerabilidade.
contemple a situação dos migrantes ambientais parece remota, é necessário bus- Paradoxalmente, o tratamento dispensado a estes refugiados vítimas do tráfico,
car alternativas para situações cada vez mais urgentes 45 • Contudo, diante do qua- em geral em zona de fronteira, ou pelas legislações locais, é análogo ao daqueles
dro normativo, institucional e político atual, a possibilidade mais concreta de que o fomentam como se fossem parte do crime e não vítimas dele. Essa situação
proteção a esses indivíduos está na aplicação da proteção complementar prevista agrava as violações de direitos humanos sofridas por esses grupos: a proteção das
em normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Inter- vítimas e não sua estigmatização, é que deve ser o eixo de atuação dos Estados
nacional ambiental. no combate ao crime49 •
Nesse contexto, Susan Kneebone 50 alerta que refugiados e solicitantes de asilo,
2.1.1.4. Vítimas de tráfico de pessoas de maneira semelhante às vítimas de tráfico de pessoas, são indivíduos vulnerá-
veis que são deslocados da sua rede de apoio usual, e isso aumenta o risco de se
Segundo o Protocolo de Palermo, "A expressão "tráfico de pessoas" significa tornarem vítimas de redes criminosas, tanto no território do país, em aeroportos
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de internacionais e nas fronteiras. Porém, ao invés de oferecer proteção aos indivíduos
pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rap- submetidos à exploração das redes criminosas, aumenta o rechaço aos indivíduos
to, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou em busca de proteção51 • Assim, como afirma Susan Kneebone 52, o foco no combate
à entrega ou aceitação de pagamentos ou beneficias para obter o consentimento de
Segundo dados do UNODC ( United Natio1c, Ojjice for D111gs and Crimes) a forma mais comum de tráfico humano é para fins
uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração de exploração sexual, seguido do trabalho escravo. Além disso, há uma predominância de vítimas do sexo feminino (59%,
incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de mulheres adultas e 17% de meninas). (Fonte: UNODC - Global Report on Traffickíng in Persons. Disponível em: http://www.
exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas simila- unodc.org/documents/data-and-analysíslglotip!Traffickíng_in_persons_2012_ web.pdf. Acesso em 20/05/2014).
É importante fazer algumas ressalvas sobre o standard normativo internacional sobre o tráfico de pessoas: a Convenção das
res à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos" 46 • Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (UN Doc.N55/383, 2 de novembro de 2000) e os dois Protocolos.
que o suplementam (o Protocolo para Prevenir. Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças,
IOM - Mígration Research Series. Migratíon and Clímate Change. N"3 I. 2008. Disponível em: http://w\\w.iisd.orgi e o Protocolo Contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar). No escopo da Convenção, contrabando e tráfico são
pdf/2008/migration_climate.pdf. Acesso em: 15/05/2014. tratados diferentemente, porém essa distinção é díficil de estabelecer na prática e contribuí para os equívocos no tratamento
Segundo Stephen Castles, •·a noção de refugiados ambientais é enganosa e pouco contribui para a compreender os complexos dispensado tanto para as vítimas de tráfico de pessoas e os refugiados que acabam cooptados pelas redes criminosas: no
processos envolvidos em situações de empobrecimento, conflito e deslocamento. Isso não significa, todavia, que fatores Protocolo sobre Tráfico. eles são tratados como vitimas de um crime; quanto no Protocolo sobre Contrabando os trata como
ambientais não sejam importantes. Na verdade eles são parte de um padrão de causalidades múltiplas, nas quais fatores na- cúmplices da atividade criminosa, quando na verdade esses indivíduos. muitas vezes. são refugiados procurando proteção
turais e ambientais estão conectados com outros de ordem econômica, social e política. (CASTLES, Stephen. Enviromental em outros países.
Change and Forced Migration: making sense of the debate. ln New lssues on Refugee Research. Nº70. UNHCR; Refugee Segundo o ECOSOC: ·'( ... )3. Antí-trafficking measures shall not adversely affect the human rights and dignity of persons, ín
Studies Centre: Oxford University, outubro de 2002. p.5). particular the rights ofthose who have been trafficked, and ofmígrants, ínternally dísplaced persons. refugees and asylum-
Uma dessas iniciativas que merece menção é a ·'Iniciativa Nansen" (Nansen lnitiative: https://www.nanseninitíative. seekers."( ... ) "Guideline I: Promotíon ofHuman Ríghts: Víolatíons ofhuman rights are both a cause anda consequence of
org/). Elaborada a partir das discussões que ocorreram na Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Cli- trafficking ín persons. Accordíngly, ít is essentíal to place the protection of ali human rights at the centre of any measures
máticas (COP-16 em Cancún, 20 IO e da Conferência Nansen sobre Mudanças Climáticas e Deslocamento (Oslo, 2011 ). taken to prevent and end traffickíng. Antítraffickíng measures should not adversely affect the human rights and dígnity of
Trata-se de uma iniciativa movida por Estados (encabeçada por Noruega e Suíça) e proposta ao ACNUR durante a Con- persons anel, ín particular, the rights of those who have been trafficked, migrants, íntemally displaced persons, refugees and
ferência Ministerial de 2011, para que ações mais adequadas sejam empreendidas em relação a pessoas que cruzam as asylum-seekers." (ECOSOC, 2002: Recommended Principies and Guidelínes on Human Ríghts and Human Trafficking
fronteiras dos Estados em razão das mudanças climáticas ou de desastres naturais. A iniciativa baseia-se em três pilares: Report ofthe United Nations Hígh Commissíoner for Human Rights to the Economíc and Social Councíl)
50
cooperação internacional/solidariedade; estabelecimento de um padrão de tratamento adequado ás pessoas afetadas: e KNEEBONE. Susan. The Refugee-Trafficking Nexus: making good (lhe) connectíons. ln Refugee Survey Quaterly, n"29,
uma resposta operacional que inclui mecanismos de financiamento para desenvolvimento e ações humanitárias, buscan- vol.1. 2010, p.196.
do a responsabilidade dos atores responsáveis. " Esse alerta é feito pelo próprio ACNUR em estudo que analisa as políticas adotadas, neste escopo, pela União Europeia.
Protocolo Adicional á Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, (MORRISON, John e CROSLAND, Beth. The Traffickíng and Smugglíng ofRefugees: the end game ín European Asylum
Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo; adotado pela ONU em Policy? ln UNHCR - New lssues on Refugee Research. Workíng Paper, n"9. abril de 2001).
2000, entrada em vigor em 2003): definição constante no artigo 3º. KNEEBONE. Susan. Op. Cít., 2010, p.194.
68 HELISANE M.-\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 69
ao tráfico exacerba as respostas anti-imigração, ou seja, a relação entre o tráfico e a Como explica Stephen Castles, o problema chave é, justamente, a soberania:
migração fomentou as políticas contrárias à migração internacional. "no Direito Internacional os IDPs são responsabilidade do seu próprio governo,
Ciente desse problema, o ACNUR tem desenvolvido ações 53 no sentido uma vez que eles não cruzaram a fronteira internacional, quando geralmente é esse
de preparar seu staff para a identificação e proteção de potenciais vítimas. Por próprio governo que os tem perseguido e forçado o seu deslocamento" 60 • Esses
estarem em contato direto tanto com pessoas em situação de vulnerabilidade, indivíduos, em razão da imprecisão de sua condição, se encontram em situação de
como com os aliciadores e criminosos, em várias partes do mundo, os oficiais extrema vulnerabilidade, mais expostos à ameaça de violação de direitos humanos
de proteção expõem-se ao risco, mas também elemento essencial na denúncia que forçou seu deslocamento. Tal situação é agravada pela frequente condição de
destes crimes. O próprio ACNUR reconhece que tem feito pouco para proteger instabilidade política e calamidade social que acompanha casos de mobilidade for-
as vítimas 54, mas o esforço na prevenção e proteção destas pessoas é fundamental, çada dentro das fronteiras do Estado, geralmente ocasionada por conflitos étnicos
tanto que a agência passou a incluir as vítimas de tráfico de pessoas como pessoas e guerras c1v1s.
dentro de sua esfera de atenção. Catherine Phuong6 1 alerta para outra situação especial na qual estão inseridos
os deslocados internos, conectada ao desejo dos Estados receptores de refugiados
2.1.1.5. Deslocados Internos em conter o fluxo de refugiados dentro do país de origem. Enquanto esses Estados
alegam deveres humanitários, na verdade a intenção é usar a proteção interna para
Segundo a Convenção da União Africana para a Proteção e Assistência dos evitar que suas responsabilidades quanto ao refúgio sejam ativadas, caso esses indiví-
Deslocados Internos na África (Convenção de Kampala) 55 , os deslocados internos duos cruzem a fronteira. O risco em focar na proteção interna é a possibilidade de
(IDPs - lnternally Displaced Persons) 56 são indivíduos ou grupos de pessoas que minar a busca de refúgio em outro lugar, por esse motivo, a proteção interna não
foram forçados a deixar seu local de residência habitual, como resultado ou com deve, de forma alguma, servir como uma negação peremptória do direito ao refúgio.
o intuito de evitar os efeitos de um conflito armado, situações de violência genera- Assim, em situações nas quais o Estado é incapaz de fornecer proteção, ou
lizada, violações de direitos humanos, desastres naturais ou provocados e que não mesmo na hipótese de seus agentes serem os atores de violações dos direitos hu-
tenham conseguido ultrapassar a fronteira do país de origem 57 • manos desses indivíduos, caberia a intervenção internacional62 de acordo com os
A situação dos IDPs é bastante complexa, jurídica e politicamente: em pri- princípios das Nações Unidas. A comunidade internacional63 não pode se furtar a
meiro lugar, porque não há uma norma internacional específica que contemple responsabilidade humanitária que lhe é outorgada, impondo, assim, limitações à
a definição e proteção dos deslocados internos; segundo, sua própria situação de soberania nacional para a proteção dos direitos humanos desses indivíduos. Além
confinamento "dentro" da jurisdição do Estado, não permite que eles sejam prote- disso, deve-se observar que a ausência de normas específicas que contemplem a
gidos pelo instituto do refúgio (já que este implica, necessariamente, o ato de ultra- situação dos deslocados internos (a Convenção de Kampala tem alcance apenas
passar a fronteira do Estado de origem). Por estarem circunscritos à jurisdição de regional), há a possibilidade de aplicação de outras normas do Direito Internacio-
determinado Estado, cabe a este a proteção desses indivíduos 58, como prerrogativa nal dos Direitos Humanos, em especial a intersecção com o Direito Internacional
do exercício de sua soberania. Nesse sentido, a ajuda internacional, a princípio,
Humanitário, para garantir a proteção a esses indivíduos 64 •
deve ser estabelecida somente com o consentimento do Estado59 •
A atuacão do ACNUR nesse tema é limitada65 , pois seu mandato não contem-
pla especifi~amente a situação dos deslocados internos. Contudo, a Agência tem
RIISKJAER, Maria; GALLAGHER, Anna Marie. Review ofUNHCR"s Efforts to Preventand Respond to Human Traffick-
ing. UNHCR - PDES, 2008. atuado na proteção desses indivíduos, em razão de sua expertise quanto aos des-
RJISKJAER, Susan; GALLAGHER, Anna Marie. Op. Cit.2008. locados, especialmente por meio do "cluster approach" (abordagem de grupo). As
ll
Convenção elaborada no âmbito da União Africana, em 22/10/2010. entrando em vigor em 6/12/2012.
ações incluem desde a implementação de soluções duradouras (como a recondução
" Existem em tomo de 33.3 milhões de deslocados internos (2013), a maioria pertencente ao Continente Africano. Na América
Latina, a disputa entre forças do governo, das milícias e das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) produz
milhares de deslocados internos. (Fonte: IDMC Internai Displacement Monitoring Center; Norwegian Refugee Council. "' CASTLES, Stephen. Op. Cit. 2009, p.176.
Global Overview 2014: people intemally displaced by conllict and violence. Disponível em: hnp:ffwww.intemal-displace- 61 PHUONG, Catherine. Toe Intemational Protection of lntemally Displaced Persons. New York: Cambridge University Press, 2004.

57
ment.org!assets/publications/20I4/201405-global-overview-2014-en.pdf. Acesso em 15/05/2014). " De acordo com o disposto no Capítulo VII da Carta da ONU ( 1945).
Segundo redação original do art. l º: "k. hm·e bee11 Jorced or obliged to j/ee or to /ea\'e their Jwmes or p/aces 0Jhabit11a! Há a atuação de várias organizações internacionais na assistência humanitária aos deslocados internos, além do ACNUR,
residence, in palticular as a result of or in arder to avoid the effeclS of armed conflict. situatio11s of generafi=ed violence. outras organizações que desempenham um papel importante são: a OCHA, o UN Emergency Relief Coordinator (ER_C -
violations of lmman rights or natural ar lmman-made disasters, and w/10 have not crossed an iJJtenwtional(v recogni=ed Estabelecido pela AGNU, em 1991); a IOM, UNDP, além de inúmeras ONGs que atuam de maneira atLxiliarcomo Médicos
State border; 1-. "Jmernal displacement" means the invo/Jmtary orforced movemelll, e\'acuation ar relocation ofpersons Sem Fronteiras; Save the Children, Oxfam, etc.
ar groups ofpersons wilhin imernationally recogm"::ed state borders. ·· A possibilidade de intersecção com o Direito Internacional Humanitário será analisada no Capítulo 3. _
" Vide IV Convenção de Genebra, arts. 25 (7), 82 e Protocolo I art. 74.
" UN Commission on Human Rights, Report of the Representative of the Secretary-General, Mr. Francis M. Deng, subm,ned
GEISSLER, Nils. The lntemational Protection of lntemally Displaced Persons. ln lntemational Joumal of Refugee Law, pursuant to Commission resolution 1997/39. Addendum: Guíding Principies on Internai Displacement, 11 February 1998, E/
vol.l I, nº3, 1999, p.467. CN.4/ l 998/53/Add.2.
HELISANE tvl,\HLKE Novo
70 DIREITO INTERNACIONAL 00S REFUGIADOS: PARADIGMA JURÍDICO
71
ao seu local de origem), a coordenação e administração dos campos,' auxílio legal, de proteção, quando não há uma interpretação e aplicação uníssona das normas
psicológico e social dos deslocados, fortalecimento e capacitação do governo local, internacionais sobre refúgio. Essa afirmação deve-se ao fato de que, a despeito da
dentre outras necessárias à proteção e desenvolvimento destes 66 • Para realizar essas existência das normas internacionais, a configuração do Direito Internacional dos
atividades, o ACNUR necessita da parceria de outras agências, como a OCHA e Refugiados é marcada por iniciativas unilaterais dos Estados, que constroem seus
0 United Nations Development Program (UNDP), mas, também, de instituições próprios mecanismos de proteção e, frequentemente uma legislação própria para dar-
locais e regionais. -lhes fundamento legal. Mesmo aqueles Estados que ratificaram as normas interna-
Assim, pelas definições feitas acima, pode-se observar que existem situações em cionais sobre o refúgio, privilegiam os parâmetros locais de interpretação, geralmente
que pode haver uma intersecção entre as diferentes categorias. Os fluxos mistos 67 feitas por um órgão governamental especialmente criado para exercer esse papel.
representam um grande desafio para os atores envolvidos na proteção aos refugiados, Existem diversas estruturas de proteção desenvolvidas no âmbito de cada
por contemplarem situações que requerem medidas específicas adicionais àquelas Estado, sendo que cada estrutura nacional foi construída a partir da realidade
comuns ao refúgio. É importante observar que, por seu caráter especialíssimo e emer- e da necessidade de cada um, ou seja, os países criam sistemas próprios de de-
gencial, o refúgio prevalece sobre os demais tipos de mobilidade, ou seja, estando terminação do status de refugiado e sua própria estrutura de acolhimento. A
presentes os requisitos de inclusão no status de refugiado, o indivíduo deve receber a maioria dos sistemas nacionais conta com a criação de órgãos governamentais 69,
proteção adequada, independentemente da presença de outras características. geralmente vinculados aos Ministérios encarregados da gestão migratória, e tam-
A necessidade de administrar as causas e consequências dos fluxos mistos tem bém responsáveis pela determinação do status de refugiado 70 • Ainda, em alguns
gerado duas situações: a ampliação do mandato do ACNUR e o estabelecimento de Estados, há a criação de Tribunais específicos para a apreciação do pedido de
cooperação com outras organizações e entidades que se dedicam à migraçãa6 8, além refúgio, bem como se estabelece a possibilidade de ajuizar outros direitos corre-
da evocação de normas complementares para abarcar situações excepcionais não latos perante as Cortes Nacionais 71 •
previstas pela Convenção de 1951. Sem dúvida, nem sempre a produção normativa Esse fato, que se convenciona chamar de "nacionalização" do sistema de pro-
nacional e internacional, assim como o trabalho dos órgãos internacionais, conse- teção submete o instituto do refúgio à discricionariedade dos Estados e a seus inte-
gue acompanhar a expansão da mobilidade humana e todas as suas causas. Contu- resses nacionais 72 • A consequência disso é um contrassenso entre a universalidade
do, esses dois fatores, aliados à cooperação internacional, são imprescindíveis para desse direito (essencial aos direitos humanos consagrados) e a seletividade política
que haja a efetiva proteção dos indivíduos em situação de vulnerabilidade, seja qual que é uma inconteste expressão do paradigma nacionalista auto-interessado.
for a categoria de migração forçada a que pertençam. É importante reforçar que uma das causas dessa "nacionalização" do refúgio
é justamente a ausência de um mecanismo próprio de enforcement das normas
2.2. A NACIONALIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS do Direito Internacional dos Refugiados, o que o torna, portanto, excessivamente

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que, apesar do uso frequente do " É importante mencionar que, nos Estados que não ratificaram nenhum instrumento internacional sobre refugio e que não
termo, não se corrobora a existência de um verdadeiro "sistema" internacional contam com uma estrutura nacional para a detenninação do status de refugiado, o ACNUR pode cumprir este papel (a pedido
do Estado receptor).
7U
Em outros Estados, o próprio ACNUR atua como órgão responsável pelo procedimento de detenninação do status de refu-
66 UNHCR. UNHCR's Role in Suppon ofan Enhanced Humanitarian Response to Situations oflntemal Displacement; update giado. Isso ocorre quando o próprio país solicita a atuação da organização. por não ter condições de manter uma estrutura
in UNHCR's leadership role within the cluster approach and IDP operational workplans. lnfonnal Consultative Meeting. 25 exclusivamente nacional; quando se trata de um país não signatário das nonnas internacionais sobre o tema, ou em casos
de maio de 2007. excepcionais onde a detenninação do status de refugiado pelo ACNUR é indispensável para a proteção e assistência do
67
A OIM define fluxos nústos como; "complex population movements including refugees, asylum-seekers. economic migrants solicitante de refiigio. Em outros casos, o ACNUR relega-se à função de prestar consultoria e infonnação aos Estados,
and other migrants" (Fonte; Glossaiy on Migration. IOM, lntemational Migration Law, Geneva, 2004 (http://\\ww.iom.int! encorajando-os a criar mecanismos próprios de proteção. O Comitê Executivo do ACNUR (ExCom) estabelece orientações
jahia/webdav/site/myjahiasite/shared!shared/mainsitelpublished_ does/serial _publicationsiG lossary_ e ng.pdf), p. 42.) de aplicação do Direito Internacional dos Refugiados, porém sem poder vinculativo. Contudo, o ·•Manual de Procedimentos
6S
Reconhecendo que o fluxo de refugiados por vezes é acompanhado de outras pessoas cujas causas para migrar foram outras e Critérios para Aplicação do Estatuto do Refugiado" é considerado um documento guia para a interpretação das previsões
que não a perseguição por motivo odioso e para as quais não há previsão legal especifica, o ACNUR desenvolveu um Plano contidas na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, adotado por muitos países. Disponível na sua versão atual em; hnp;//
de IO Pontos de Ação. Esse documento contempla ações necessárias para lidar com os fluxos mistos, com privilegiada www.refworld.orglprotectionmanual.html. Acesso em 15í05/2014.
atenção para situações de refugio. O plano abarca as seguintes medidas: í) a cooperação com outras entidades internacionais 71
Como exemplo de países que possuem "Tribunais de Refiigio". específicos para analisar as solicitações. tem-se a Austrália
(IOM, UNICEF, OCHA. etc.) ou locais (geralmente ONGs locais que se dedicam à migração forçada); ií) coleta e análise e o Canadá. A judicialização de questões relativas ao rerugia é uma prática das Cones Nacionais da Alemanha e, também,
de dados sobre refugio dentro de outras causas migratórias; ííí) atenção quanto à situação delicada daqueles que entram em do Canadá e Austrália.
circunstâncias especiais no pais; ív) administração para uma recepção adequada; v) mecanismos adequados de recepção e Muitos países têm incorporado a definição da Convenção, com modificações ocasionais, nas suas leis e políticas. Segundo
identificação adequada daqueles que entram no pais; vi) procedimentos diferenciados para casos particulares; vii) observa- Guy Goodwin Gil! e Jane McAdam, a tensão entre a obrigação e a díscricionariedade não obstante contribuí com a incerteza
ção das soluções duradouras para refugiados; viíí) direcionamento de movimentos secundários; ix) organização do retorno do debate, na medida em que alguns Estados traduziram sua preocupação internacional com os refugiados para a esfera de
ou de alternativas para a núgração daqueles que não são refugiados; x) estratégias de infonnação nos países de origem. de ações locais. Essas ações incluem tanto o reconhecimento do status de refugiado de pessoas dentro do seu território ou antes
trânsito e de chegada. (Fonte; UNHCR Refugee Protectíon and Mixed Migration: a 10-point ofaction. Janeiro de 2007. de chegar nele. (GOODWIN-GILL, Guy & MCADAM, Jane. The Refugee in lntemational Law, 3ªedição. Oxford: Oxford
Disponível em: http://\\'\1w.unhcr.orgi4742a30b4.html. Acesso em 27 de junho de 2014). University Press, 2007, p.46).
72 HELISANE M..\.HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIA.DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
73
dependente da anuência dos Estados. Essa fragmentação do Direito Internacional ela encerra, pois mesmo reconhecendo o compromisso ético com o acolhimento
dos Refugiados em urna miríade de políticas nacionais faz com que, mesmo para aos refugiados, há pouca chance que a adesão a este princípio por si só resolva os
os Estados que ratificaram as normas internacionais, exista urna "lente" estatal problemas contemporâneos quanto ao refúgio.
criada para interpretá-las de acordo com os interesses de cada país. Outro argumento é apontado por Michael Walzer76 , que sustenta que cada
O Direito Internacional dos Refugiados não pode ser considerado verda- comunidade tem o direito de decidir quem aceita ou não em seu território. Os
deiramente internacional quando é interpretado por órgãos locais, com base em refugiados, segundo Walzer, corno vítimas de perseguição política, religiosa, étnica
interesses igualmente localizados. Além de ser incongruente com os valores da apresentam a reivindicação mais veemente de admissão, mas esta não afasta os in-
solidariedade e da hospitalidade, já tratados anteriormente, essenciais ao refúgio, teresses do Estado e o impacto das suas relações políticas. Além disso, o autor con-
essa perspectiva nacionalista é urna forma de burlar a responsabilidade para com os sidera que, quando um número expressivo de refugiados procurarem acolhimento
compromissos internacionais com os quais o Estado se comprometeu. no território, o Estado deve ter a possibilidade de recusar, se este fator ameaçar
Segundo Stephen Castles, o regime de proteção aos refugiados tem se transfor- sua estabilidade política e/ou econômica. Walzer considera que o ato de acolher
mado significativamente nas últimas décadas, especialmente nos países desenvol-
pessoas em situação de vulnerabilidade pode ser generoso e moralmente adequado,
vidos do Norte, de um sistema preparado para receber os refugiados dos regimes
porém o direito de restringir o fluxo continua sendo "urna característica da auto-
comunistas para um "non-entrée regime" delineado para excluir e controlar solici-
determinação comunitária", ou seja, as políticas de admissão estão arraigadas na
tantes de refúgio vindos do Sul. Mas, a realidade tem demonstrado que as medidas
interpretação que determinada comunidade faz de si mesma. Assim, para Walzer,
restritivas sozinhas não conseguem controlar o fluxo migratório. A mobilidade
mesmo que o Estado seja moralmente compelido a acolher, se o fluxo de refugia-
humana é corno aponta Castles, "urna parte integral do processo global de trans-
dos colocar em risco a comunidade acolhedora, o rechaço é justificável.
formação social" 73 e, portanto, um movimento inevitável das relações humanas.
Diante do exposto, percebe-se que há urna evidente tensão entre as disposições
Assim, diante do fluxo massivo de refugiados em regiões estratégicas e/ou vul-
universalistas dos documentos internacionais e as justificativas soberanistas dos
neráveis do globo, cabe perguntar: deve haver um limite para a responsabilidade do
Estados para controlar suas fronteiras e selecionar a quantidade e as características
Estado em acolher esses indivíduos? Caso o acolhimento represente um fardo pesado
daqueles que escolhem admitir. Segundo Seyla Benhabib77 , do ponto de vista nor-
demais para a comunidade receptora, o rechaço pode ser justificável? Corno conciliar
mativo, especialmente, as migrações transnacionais revelam um dilema central dos
o universalismo das normas internacionais com as necessidades de cada comunidade?
Estados liberais democráticos divididos entre os argumentos de soberania e auto-
Os grandes fluxos em massa de refugiados, especialmente provenientes de graves con-
determinação, e a observância aos princípios internacionais de direitos humanos.
flitos internacionais tem sido o principal desafio para a comunidade internacional na
atualidade, e lança o refúgio a um intenso debate ético-político de dificil consenso. Evidentemente, é importante considerar as peculiaridades de cada Estado quan-
Matthew Gibney74, ao considerar as razões (éticas ou morais) para que um to aos recursos, disposição política, bem corno as implicações de segurança que o
Estado aceite refugiados em seu território, aponta duas perspectivas. Em certo sen- fluxo intenso de refugiados, em regiões instáveis, pode trazer à ordem interna de cada
tido, urna visão parcial (corno denomina o autor) considera legítimo o fato de que país. Porém, tais peculiaridades não devem servir de pretexto à exclusão, mas como
cada Estado tem o direito de decidir a quem deve conceder o direito de entrar e um elemento a ser considerado na construção de um sistema de proteção adequado.
permanecer em seu território. Em sentido oposto, o controle de fronteira seria urna Portanto, advoga-se que, com a devida coordenação internacional, o Estado receptor
ação reprovável, pois a liberdade de movimento é um imperativo moral. Porém, pode administrar a questão do refúgio de maneira mais humana e solidária, corno
segundo Gibney75 , essa visão "humanitária" abstrata ignora os desafios reais que requerem os standards internacionais aos quais ele se comprometeu.

Castles caracteriza políticas tipicamente adotadas pelos Estados Europeus quanto aos solicitantes de refúgio (e migrantes 2.2.1. Os parâmetros da exclusão
em geral). Elas perfazem, basicamente: a) mudanças na legislação nacional para restringir o acesso ao status de refugia-
do; b) regimes de proteção temporária, ao invés de garantir o status permanente de refugiado; c) políticas de "11011-arri-
A afirmação, anteriormente feita, de que o reconhecimento é o pilar do Direi-
mr•, para prevenir a entrada de solicitantes de refúgio no território do Estado; d) políticas de desvio da responsabilidade
primária do Estado para outros Estados; e) Interpretação restritiva da Convenção de 1951, sobretudo para excluir a to Internacional dos Refugiados, implica em outra reflexão: quais são os obstáculos
perseguição de agentes não-estatais; f) Cooperação entre os Estados quanto ao refúgio e asilo, para evitar o ··asylum
shoppi11g". Como o Professor alerta, a política da •·Fortress Europe•·. além de violar os direitos humanos de migrantes, 76
Michael Walzer explica sua visão: "Por um lado, todos precisam de um lugar para morar. e um lugar onde seja possível levar
tem reduzido o número de refugiados legalmente reconhecidos, mas não evita o aumento do número de migrantes força-
uma vida razoavelmente segura. Por outro lado, não eurn direito que se possa impor a determinados Estados anfitriões. (Não
dos em situação de vulnerabilidade pela situação irregular na qual ingressam nos países. (CASTLES, Stephen. Op. Cit.,
se pode impor esse direito na prática enquanto não houver uma autoridade internacional capaz de impor seu cumprimento;
2003, ppl80-181).
e se essa autoridade existisse, seria melhor que interviesse contra os Estados cujas policias brutais tivessem induzido seus
GIBNEY, Manhew J. Toe Ethics and Politícs of Asylurn: liberal Democracies and the response to refugees. New York:
próprios cidadãos ao exílio. permitindo-lhes que voltasse para casa)." (WALZER, Michael. Esferas da Justiça: uma defesa
Cambridge University Press, 2004, p,24.
do pluralismo e da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp.65 a 67).
" GlBNEY, Matthew J. Op. Cit. 2004, p.260. n
BENHABIB, Seyla. Borders, Boundaries and Citizenship. ln Political Science and Politics. Vol.38, nº4, p.673.
74 HELISANE M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS R.EFCGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 75
a esse reconhecimento? ~ais são os parâmetros estabelecidos pelos Estados como (investimentos, capitais, informação), fecha-se às pessoas ignorando não apenas o
justificativa para a exclusão desses indivíduos? Identifica-se três parâmetros (ao potencial construtivo e criativo da mobilidade humana, mas seu caráter humanitá-
mesmo tempo simbólicos e jurídicos), a saber: a soberania, a fronteira e a nacio- rio, em especial no caso do refúgio.
nalidade. Tendo em mente que os dois últimos elementos decorrem do primeiro, Essas medidas restritivas não evitam o fluxo migratório, apenas criam uma
e que a utilização destes três elementos para justificar quem deve ou não ter seus massa de migrantes irregulares, expondo as pessoas em mobilidade e, sobretudo
direitos reconhecidos é fruto de uma concepção anacrônica do papel do Estado, os refugiados, a uma situação de maior vulnerabilidade. Para Antoine Pécoud e
passa-se, agora, a analisar cada um deles no contexto da imigração. Paul Guchteneire isso leva a situações paradoxais: "a migração desafia a fronteira,
A Soberania, em sua concepção clássica, pode ser entendida como a expressão mas é regulada pela fronteira; ela confunde o limite das entidades nacionais, mas
do dominium do Estado sobre sua população e território (juridicamente, o âmbi- é afetada por forças que insuflam divisões internas ao longo das divisões políticas
to de sua competência e da aplicação de suas leis). Para essa concepção de origem e socioeconômicas".80
Westfaliana 78, a soberania representa a fronteira jurídico-política do Estado, i.e., uma Não se advoga, contudo, a eliminação das fronteiras, ou abolição do con-
representação dos limites dentro dos quais se estabelece o exerácio do seu "poder". trole sobre elas, pois além de utópica, tal ideia é contraproducente para uma
Parafraseando Stephen Krasner79, a concepção de soberania tem sido usada de várias proteção efetiva. Contudo, é necessário observar que o controle de fronteira
maneiras para justificar a "hipocrisia organizada": a adesão dos Estados às normas deve ser um instrumento importante para coibir crimes cometidos contra a po-
internacionais está condicionada aos seus interesses e não a princípios assumidos pulação migrante, criminalizando aquele que pratica o delito e não o migrante.
como parte da pertença à sociedade internacional. Como decorrência dessa prática, Além disso, o controle pode auxiliar na identificação e auxílio das pessoas em
o tratamento dispensado aos refugiados segue a mesma regra. mobilidade a fim de encaminhar um tratamento mais adequado às suas neces-
Nesse contexto, o exercício do poder do Estado é manifesto por meio dos sidades81, ressaltando que este deve estar em consonância com os princípios do
limites da jurisdição e, sobretudo, pela concepção material ou subjetiva de "fron- direito internacional dos direitos humanos. Em suma, é importante ressaltar que
teira". Assim, a fronteira converteu-se no limite da inclusão/exclusão de grupos "controle de fronteira" não significa "exclusão na fronteira", ou seja, não deve
populacionais do território do país. Essa concepção cria um padrão de rechaço que servir de pretexto para violar os direitos do solicitante de refúgio, obstaculizando
está impregnado na política migratória dos Estados que, por sua vez, impõem obs- o acesso à proteção que lhe é devida.
táculos aos fluxos de pessoas e produzem, por conseguinte, ações que não apenas A tendência de transformar a mobilidade humana em questão de segurança
constrangem a liberdade de locomoção, mas levam a violações de direitos. deve-se, em parte, ao fluxo de refugiados em regiões politicamente instáveis, mar-
Observa-se que, mesmo a eventual ratificação das normas e princípios interna- cadas por conflitos recorrentes. Muitas vezes, tais conflitos extrapolam a fronteira
cionais de direitos humanos, não tem inibido a implantação de políticas excluden- dos países impondo situações delicadas aos Estados limítrofes, e não são raros os
tes como legislações restritivas, detenções arbitrárias e deportações sumárias. Essa ataques de milícias e forças beligerantes de grupos políticos e/ou étnicos adversá-
postura revela que a fronteira, embora permeável a outros fluxos transnacionais rios, aos refugiados confinados em campos nas zonas de fronteira. Além disso, as
regiões assoladas pela guerra produzem situações de insegurança que dificultam
O cientista político Charles Tilly comenta como se estabelece o Estado-nação tal qual nós conhecemos hoje: "Durante a maior a atuação dos organismos internacionais e criam um ambiente fértil para grupos
parte da história, os Estados-nacionais - aqueles que governam múltiplas regiões adjacentes e as suas cidades por intermédio de
terroristas, para milícias, ou para o crime organizado transnacional. Esse quadro
estruturas centralizadas, diferenciadas e autônomas - surgiram muito raramente. A maioria deles eram não-nacionais: impérios,
cidades-estado, ou algo semelhante. Para o nosso pesar, o termo "Estado nacional" não significa necessariamente estado-nação,
agrava a situação de vulnerabilidade dos refugiados, mas também traz um dilema
um estado cujo povo compartilha uma forte identidade linguística, religiosa e simbólica. Embora alguns Estados como a Suécia de segurança aos países de acolhimento 82 •
e a Irlanda, se aproximem hoje desse ideal, pouquíssimos estados nacionais da Europa se qualificaram algum dia como estado-
nação. A Grã-Bretanha, a Alemanha e a França - Estados essencialmente nacionais - por certo nunca passaram nesse teste. A
PÉCOUD, Antoine & GUCHTENEIRE, Paul de. Migration Without Borders: an investigation into lhe free movement of
União Soviética, com nacionalidades militantes na Estônia. na Armênia e em ou1ros lugares, viveu a diferenciação dolorosa-
people. ln Global Migration Perspectives. Nº27, UNESCO: Paris, abril de 2005. p.8.
mente até sua desagregação final. A China, com quase três mil anos de experiência de estados nacionais sucessivos (mas, dadas SI
Uma grande preocupação é a relação entre o tráfico de pessoas e o fluxo de refugiados, conforme foi analisado anteriormen-
as suas múltiplas línguas e nacionalidades, nenhum ano de estado-nação), constitui uma exceção extraordinária. Somente nos
te. Nesse sentido, o Protocolo de Palermo, de 2000, aponta a necessidade de contr0le de fronteira para coibir esse tipo de
últimos séculos é que os estados nacionais enxamearam o mapa do mundo com seus territórios separados um do oulro, inclusive crime em seu artigo 11, in verbis "I. Sem prejuízo dos compromissos internacionais relativos à livre circulação de pessoas,
as colônias. Somente a partir da Segunda Guerra Mundial é que quase o mundo inteiro passou a ser ocupado por estados nomi- os Estados Partes reforçarão, na medida do possível. os controles fronteiriços necessários para prevenir e detectar o tráfico
nalmente independentes cujos governos reconhecem, mais ou menos, a existência mútua e o direito de existência dos demais. de pessoas". E, também, ·'5. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de tomar medidas que permitam, em conformi-
(TILLY, Charles. "Coerção, Capital e Estados Europeus: de 990 a l 992". São Paulo: Editora da USP, 1996. p.47). dade com o direito interno, recusar a entrada ou anular os vistos de pessoas envolvidas na prática de infrações estabelecidas
Para Krasner isso se deve, em parte, à falha em reconhecer que em qualquer sistema institucional internacional as normas em conformidade com o presente Protocolo. 6. Sem prejuízo do disposto no Artigo 27 da Convenção, os Estados Partes
sempre terão influência limitada e sempre serão desafiadas por causa de contradições lógicas (como, por exemplo, não in- procurarão intensificar a cooperação entre os serviços de controle de fronteiras, mediante, entre outros, o estabelecimento e
tervenção vs. proteção aos direitos humanos), a ausência de um arranjo institucional com autoridade para resolver conflitos a manutenção de canais de comunicação diretos".
e às assimetrias de poder entre os Estados. (K.RASNER, Stephen. Sovereignty: organized hypocrisy. Princeton: Princeton A ex-Alta Comissária para Refugiados, Sadako Ogata, em pronunciamento para o ·'Fritjof Nansen Memorial Lecture"
University Press, 1999. p.3 ). em 2001, marcando os 50 anos da Convenção de I 951 sobre o Estatuto dos Refugiados, relembra a afirmação do pró-
76 HELISANE M.-\HLKE DIREITO INTER,'IACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PAR..\DIGMA JURÍDICO

Apesar do receio justificado nessas situações extremas, há um rÍsco real nessa criminalização da imigração têm convertido os solicitantes de refúgio em migran-
tendência de transformar o refúgio em uma questão de segurança, que é esquecer tes irregulares, pois estes se veem forçados a escolher a ilegalidade para conseguir
seu essencial caráter humanitário. Nesse sentido, Stephen Castles 83 ao comentar so- ingresso no país de acolhimento. Essa situação expõe o solicitante à exploração de
bre as tendências migratórias e suas assimetrias, destaca a permanente crise entre o traficantes e à perigosa alternativa dos cayotes86 • Evidentemente, a falta de sensibi-
Norte-Sul e sua repercussão sobre questões de segurança. Para o autor, a imigração lidade das autoridades em relação a essa condição especial é incoerente com um
seria um símbolo da erosão da soberania do Estado-Nação na era da globalização, sistema de proteção adequado às necessidades dos refugiados.
pela sua incapacidade de lidar adequadamente com a mobilidade humana. De Os Professores Goodwin-Gill e Jane McAdam 87 esclarecem que, apesar do ar-
fato, tem se tornado cada vez mais dificil para o Estado controlar suas fronteiras, tigo 31.2 88 da Convenção de 1951 tecnicamente permitir a detenção provisória do
desde fluxos de investimentos, comércio e propriedade intelectual, que estão inex- solicitante de refúgio, nunca ela poderá ocorrer à dispensa da garantia de direitos
trincavelmente relacionados com o movimento de pessoas. Contudo, a imigração, que a própria Convenção confere. Por essa razão, segundo os autores, é necessário
especialmente aquela de grupos vulneráveis, possui tratamento diferente daquele observar que tal medida deve ser empregada de maneira razoável e necessária e não
dispensado a investimentos e comércio: a fronteira (seja fisica, política ou jurídica) de maneira arbitrária e discriminatória, violando os direitos humanos daqueles que
é bem menos permeável às pessoas. solicitam refúgio. Nenhuma medida deve converter-se em uma "pena", não apenas
A política estatal restritiva e uma atitude policialesca em zona de fronteira por desrespeitar a disposição do art.31.1 da Convenção, mas por contrariar as obri-
afastam o solicitante do acesso ao pedido de refúgio. Como alerta Hein de Haas 84, gações do Estado de resguardar os direitos humanos daqueles que se encontrem
nas últimas décadas, o fluxo de imigrantes indocumentados e outros fenômenos sob sua jurisdição.
relacionados (como o tráfico de pessoas) tem se tornado um tema importante para O propósito do Direito Internacional dos refugiados é baseado no compro-
a agenda política nacional e internacional. Para manter coerência com os princí- misso assumido pelos Estados em oferecer proteção àqueles em situação de vulne-
pios do Direito Internacional dos Direitos Humanos e, em especial, do Direito In- rabilidade. Portanto, negar-lhes esse direito, baseando-se em políticas ou legislações
ternacional dos refugiados (notadamente o princípio do non-refoulement), não se equivocadas, que criminalizam a mobilidade humana ou que dificultam o acesso
deve endossar o rechaço, nem a tendência à criminalização da mobilidade humana ao refúgio, é um ato ilícito internacional disfarçado de legalidade89 •
baseada em uma política migratória sob a ótica da "segurança nacional". Outro elemento citado como obstáculo ao reconhecimento de direitos aos
É preciso observar que, frequentemente, o solicitante de refúgio ingressa no refugiados e aos migrantes de maneira geral é o parâmetro da nacionalidade,
. · 90
território do Estado de maneira irregular (como clandestino, sem documentos), em como se a pertença ao Estado fosse um pretexto para a exc1usão de d1re1tos .
razão da situação de perseguição que motivou sua fuga. Essa atitude não é uma ten-
tativa de burlar as leis do Estado, mas é motivada pela situação extraordinária na Termo usado para denominar individuas que cobram altas quantias de dinheiro de imigrantes irregulares para "facilitar· a
entrada destes em outros países. O termo foi cunhado a partir da figura de aliciadores no contexto da imigração mexicana
qual se encontram essas pessoas. Conforme denuncia Erika Feller85, as políticas de
rumo aos Estados Unidos pelo deserto.
GOODWIN-GILL Guy: MCADA:'vl, Jane. Op. Cit., 2007, pp.266-267.
prio Nansen, primeiro Alto Comissário para Refugiados perante a Liga das Nações em 1921. Frustrado com a atitude De acordo com a letra do art. 31 da Convenção de 1951 e parágrafos, quanto ao caso de ··refugiados em situação
indiferente dos delegados da Organização, o comissário alegou que aliviar o sofrimento é sim uma questão de Estado e irregular no país de refúgio". ;,, verbís: "§ 1. Os Estados 1v!embros não aplicarão sanções penais em virtude da sua
não apenas caridade. Ogata aponta, em suas considerações, que a situação dos refugiados tomou-se uma questão de se- entrada ou permanência irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente do território no qual sua vida ou
gurança, face aos conflitos internos e internacionais, terrorismo internacional e fluxos em massa de deslocados. Por outro sua liberdade estava ameaçada no sentido previsto pelo artigo Iº, cheguem ou se encontrem no seu território sem
lado, emerge o conceito de "segurança humana" como a preocupação em administrar a situação de vulnerabilidade na autorização, contanto que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões aceitáveis para a sua
qual se encontram milhares de pessoas face às ameaças à sua integridade tisica e moral em razão desse quadro. (OGATA, entrada ou presença irregulares.
Sadako. State Security - Human Security. Toe Fritjof Nansen Memorial Lecture, 2001. Disponível em: http://archive. §2. Os Estados Membros não aplicarão aos deslocamentos de tais refugiados outras restrições que não as necessárias; essas
unu.eduihq/public-lectures/ogata.pdf. Acesso em: 24/05/2014. Dois anos antes. a ex-Comissária já alertava. porém. para restrições serão aplicadas somente enquanto o estatuto desses refugiados no país de refúgio não houver sido regularizado ou
a relação direta entre a questão do refúgio e o conceito de ••segurança humana": refugiados estão evidentemente em uma eles não houverem obtido admissão, em outro país. A vista desta última admissão, os Estados Membros concederão a esses
situação de insegurança em razão da perseguição que sofrem, além das implicações políticas e sociais dos fluxos em mas- refugiados um prazo razoável, assim como todas as facilidades necessárias".
sa localizados em regiões instáveis do globo. Porém, Ogata ressalta o fato de que o termo "segurança humana" contém " Catherine Dauvergn comenta que aqueles que adentram o território sem autorização são tidos como "ilegais" (contra a lei),
em si o risco de significar tudo e nada. Certamente, a indeterminação do termo é um obstáculo para sua operacionalização os migrantes passam a ser percebidos como "criminosos". Essa identificação como transgressor antes de ser considerado
em nível internacional, deixando espaço para a seletividade intencionalmente dirigida a interesses específicos. (0 Dis- migrante facilita, segundo a autora, a aceitação pública e política de medidas que vem sendo tomadas no sentido de alijar
curso da ex-Comissária Sadako Ogada ·'Human Security: a refugee perspective" pronunciado em 19 de maio de 1999, esses indivíduos de seus direitos. (DAUVERGN. Catherine. Op. Cit, 2008. p.18).
na Reunião lnterministerial sobre Segurança Humana na Noruega, está disponível em: http://www.unhcr.org/3ae68fc00. ~, Como assevera André de Carvalho Ramos ''(O) próprio conceito de 'cidadão', ampliado na era contemporãnea para
html. Acesso em: 24/06/2014). o de 'nacional', serve para excluir o outro, o não-nacional. amesquinhando seus direitos e constituindo-se em fonte
CASTLES, Stephen. Op. Cit. 2003, pp.188. inesperada de opressão a seres humanos, que não possuem a nacionalidade daquele Estado. Esse paradoxo do Estado de
HAAS, Hein de. Tuming the Tide? Why Development instead of migration policies are bound to fail. ln lntemational Migra- Direito é sentido na pele pelas legiões de estrangeiros indocumentados nos países desenvolvidos e também no Brasil."
tion lnstitute Working Paper 2, 2006, pp.3 e 30. (CARVALHO RAMOS, André de. "Direito dos Estrangeiros no Brasil: a Imigração, Direito de Ingresso e os Direitos
" FELLER, Erika. Asylum, Migration and Refugee Protection: realities, myths and promises of things to come. ln lntema- dos Estrangeiros em Situação Irregular". ln Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora
tional Joumal ofRefugee Law. Oxford University Press, 2006, p.519. Lúmen Juris. 20 l O. p. 732).
T
.

78 HELISANE l\lL~HLKE DIREITO INTERNACIONAL OOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO


79
A nacionalidade é uma ficção jurídica, atrelada à noção clássica do Estado, um É justamente a "identidade" construída a partir da relação entre povo/Esta-
instrumento estatal para determinar a titularidade e a extensão dos direitos con- do/território, que o processo migratório, em todas as suas categorias, subverte95 •
cedidos aos indivíduos. Na lição de Benedict Anderson 91 , a nacionalidade, e O regime internacional de proteção aos direitos humanos leva a uma relativização
sua construção histórica correlata "a Nação", expressa a artificialidade do seu da discricionariedade do Estado sobre a capacidade de "decidir" sobre qual grupo
conceito como uma comunidade política "imaginária", essencialmente limitada populacional pode adentrar seu território e sobre os efeitos das diferenças estabe-
e soberana. No mesmo sentido, para Eric Hobsbawn 92 a "Nação" e, por conse- lecidas entre os nacionais e os estrangeiros. O Direito Internacional dos Direitos
guinte, sua qualidade 'a nacionalidade', é uma construção que serviu (e serve) aos Humanos protege a "pessoa" e não somente o "nacional" ou o "cidadão". Faz
propósitos de legitimação do poder soberano sobre o povo. parte da essência desse conjunto de direitos, o fato de ser atribuído a todos, sem
É irônico como o sentimento de pertencimento a uma determinada identida- distinção, transcendendo as limitações de gênero, raça, religião, ou nacionalidade 96 •
de nacional, assentada sobre bases tão "artificialmente" estabelecidas, pode afetar Segundo Cançado Trindade 97, avanços na proteção dos migrantes só podem
de modo decisivo, algo tão "naturalmente" frágil: os direitos humanos inerentes a ocorrer em uma atmosfera de solidariedade humana. Sob essa perspectiva, comenta
todo indivíduo e que não deveriam estar submetidos a condições que contradizem o autor que, denominações pejorativas tal como "irregular" ou "ilegal", no que se
sua essência93 • Com isso, se observa que o parâmetro da nacionalidade assume um refere à mobilidade humana, "não auxiliam a busca de soluções sustentáveis para
papel contraditório quanto ao Direito Internacional dos Direitos Humanos: é, ao os migrantes em todo o mundo". Os seres humanos não podem ser privados dos
mesmo tempo, um direito e um fator de exclusão de direitos. Sob a ética dos prin- direitos inerentes a eles, em razão de seu status migratório. Nesse sentido, Cançado
cípios da igualdade e universalidade, inerentes aos direitos humanos, as mesmas Trindade afirma que os direitos humanos dos migrantes devem ser preservados e
prerrogativas garantidas aos nacionais também deveriam ser garantidas aos refugia- que o princípio do non-refoulement já pertence ao domínio do jus cogens. Nesse es-
dos, mas a realidade parece estar distante da premissa axiológica 94 • pírito, a discricionariedade dos Estados deve ter limites e suas políticas migratórias
devem obedecer às normas imperativas de Direito Internacional.
91
Para Benedict Anderson "A nação é imaginada limitada, porque mesmo a maior delas, abarcando talvez um bilhão de seres Diante da análise feita, percebe-se que os elementos descritos (soberania,
humanos, tem fronteiras finitas, se não elásticas, nas quais residem outras nações. É imaginada soberana, porque o conceito fronteira e nacionalidade), não são apenas parte da construção da identidade do
nasceu na era na qual o Iluminismo e a Revolução destruíram a legitimidade da dinastia hierárquica divinamente ordenada.
Estado. No contexto migratório, eles representam um "muro" jurídico e ideoló-
Tomou-se madura no estágio da história humana quando os laços religiosos foram substituídos pela liberdade de escolha do
Estado soberano. É tida como uma comunidade, porque, apesar das desigualdades e exploração que possam existir em cada
gico, mas, sobretudo político, para justificar a exclusão do solicitante de refúgio.
nação, ela é concebida como uma profunda e horizontal relação. Finalmente, a nação é vista como uma fraternidade que Justamente a manipulação desses parâmetros para fins políticos é o que será
tomou plausível morrer ou matar por esse ideal imaginado." ANDERSON, Benedict. lmagined Communities: reflections analisado a seguir.
and spread ofnationalism. São Paulo: Verso, 1991, p. 9.
Segundo Hobsbawn: "As tentativas de se estabelecerem crítéríos objetivos sobre a existência de nacionalidade, ou de ex-
plicar por que certos grupos se tomaram "nações" e outros não, frequentemente foram feitas com base em crítéríos simples 2.2.2. A politização do refúgio
como a língua, o terrítórío comum, a história comum, os traços culturais comuns e outros mais.( ... )Todas as definições obje-
tivas falharam pela óbvia razão de que, dado que apenas alguns membros da ampla categoria de entidades que se ajustam a O fluxo de refugiados, desde sua origem até seu destino, está acompanhado
tais definições podem, em qualquer tempo, ser descritos como "nações" nem possuem aspirações nacionais, ou sem dúvida
as "nações" não correspondem aos crítéríos ou à sua combinação.'' (HOBSBA WM. Eríc J. ·•Nação e Nacionalismo Desde
por questões que afetam profundamente as relações internacionais. A conjugação
1780: Programa. mito e realidade". 3' edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. I 990. p. I5).
Celso Lafer define nacionalidade como o ·'vínculo jurídico e político que une uma população a um Estado. É com base neste " Brídget Anderson denuncia o aspecto identitário e discríminatórío entre o migrante e o cidadão: "The •migram· in political
vínculo, que se pressupõe dotado de permanência e continuidade, que no âmbíto de um Estado se distingue o nacional do rethoric and public debate is conterpoused to the Good Citízen who is a member ofthe community ofvalue. Formal citizen-
estrangeiro. fundamentando-se também neste nexo a competência pessoal do Estado em relação aos seus nacionais além ship does not map on to membership ofcommunity ofvalue. Toe debates around immigration are fundamentally about the
de suas fronteiras." (p.135). Os casos de apatridia e de rerugia que surgiram em razão das Guerras Mundiais encontraram community ofvalue as much as they are about trade-offs and impacts.( ... ) This 'migram· is a folk devi!, the manifestation
a barreira de "políticas nacíonalístas dos Estados pouco favoráveis a movimentos migratórios em larga escala, numa época of a phenomenon that the state must 'do something about' in deference to the mobilized opinions of common sense. Toe
de críse e desemprego, a repatriação não era uma solução, pois o país de orígem ou não aceitava as disp/aced persons ou. migram as folk devi! is not the sarne as the migram in law. Toe migram in law (and in data) can be a US banker or Australian
quando aceitava, isto significava entrega-las aos seus piores inimigos. Foi dessa maneira que as displaced persons tomaram- management consultant. but the migrant as folk devi! is poor. This migrant is gendered: mal e and oppressive of women; or
se um refugo da terra, pois nem o país de orígem nem qualquer outro os aceitavam, passando estes refugiados a dever suas female, passive and victimised - perhaps a victim of traffickíng - if not, she is a criminal or a prostitute and in either case.
vidas não ao Direito, mas à caridade. Daí a impossibilidade destes desprívilegiados recorrerem aos direitos humanos. Foi she has too many chíldren. Crucially, the migrant as folk devi! is racialised, so these are the wrong type of children. lt is rela-
esta situação que deu início à ruptura, pois trouxe seríssimas consequências jurídicas num contexto que veio a se caracterizar tively uncontroversial to hold that 'modem states -- particularly those in Europe - were built on notions of shared identity
pela mudança do padrão de normalidade do sistema interestatal até então vigente, que se baseava no pressuposto da distri- and values. constructed ar otherwise."(ANDERSON, Brídget. What does "The Migrant'' tel1 us about the (Good) Citizen?
buição dos indivíduos entre os Estados de que eram nacionais". (LAFER, Celso. Op. Cit.. 1988, p.145). Working Paper nº94. Centre on Migration, Policy and Society. University ofOxford, 2012, p.5).
,.. Nesse sentido, Seyla Benhabib comenta: "The crises ofthe nation-state, along with globalization and the ríse ofmulticultural
,. Esses direitos devem ser garantidos inclusive aos migrantes indocurnentados ou irregulares, segundo a célebre Opinião
movements, have shifted the lines between, citizens and residents, national and foreigners. Citizenship ríghts today must be Consultiva nºl8 sobre a Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes lndocumentados. Corte lnteramerícana de Direitos
resituated in a transnational context. How can prívate and public autonomy be reconfigured? How can we do justice both Humanos. de 2003. solicitada pelo México.
to the republican ideal ofself-govemance and the liberal ideal ofthe equal value ofliberty?" (BENHABIB, Seyla. Bordeis, CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Uprootedness and the Protection of Migrants in the Jntemational Law of Hu-
Boundaríes and Citizenship. ln Political Science and Politics. Vol.38. n"4. 2005. p.674). man Rights. ln Revista Brasileira de Política Internacional. N"5I (]). 2008. p. 137 a 168.
80
de fatores políticos e humanos, em uma inevitável intersecção, torna o regime in-
ternacional do refúgio uma estrutura complexa e de dificil consolidação.
Ao analisar essa intersecção, Phil Orchard98 observa que existem dois níveis
de relações políticas dos Estados no que se refere ao refúgio: no âmbito interno, o
HELISANE MAHLKE

T o,-~:::::::::::::::::•::::::;::::,crva que
desde sua gênese, uma questão altamente politizada e internacionalizada: os mo-
vimentos em massa de refugiados, como resultado de várias mudanças políticas
e sociais, afetam o sistema internacional como um todo e não apenas o de-
o «fúgio scmpcc f::, -~ 1
ri

acolhimento dos refugiados recai sobre o campo da política doméstica e necessaria- senvolvimento doméstico de determinado Estado. Segundo Haddad, em termos ri
mente interage com todos os interesses nacionais e as várias pressões que os governos morais, a demanda humanitária em oferecer proteção internacional ao refugiado !
sofrem de seus próprios cidadãos; no âmbito internacional, a busca pela proteção aos supera qualquer outra preocupação, mas, por outro lado, a realidade mostra que
refugiados recai sobre o campo da política externa, na qual interage com uma ampla é impossível separar as questões éticas das questões de política internacional que
gama de interesses coletivos e humanitários da sociedade internacional. permeiam o tema.
O contexto político no qual o regime internacional de proteção aos refugia- Assim, como comenta Andrew Shacknove 103 o refúgio sempre esteve na en-
dos foi estabelecido marcou profundamente sua construção. B. S. Chimni99 observa cruzilhada entre o interesse do Estado e os deveres éticos de compaixão e solidarie-
que, em certo sentido, os refugiados sempre foram objeto da high politics. A Con- dade. A história demonstra que os argumentos humanistas raramente foram bem
venção de 1951 era parte integrante da política da Guerra Fria. Justamente por isso, sucedidos por si só. Por essa razão, parte do trabalho da proteção aos refugiados
é que as questões envolvendo refugiados foram colocadas sob os auspícios de uma é convencer os Estados de que acolher essas pessoas não é uma virtude em sim
agência como o ACNUR, cujo mandato especializado e supostamente apolítico, mesma, mas uma forma de fazer avançar seus interesses domésticos e internacio-
servia bem aos propósitos dos Estados que comandavam a conjuntura internacio- nais. Contudo, fazer com que os governos se comprometam com os princípios
nal na época. O final da Guerra Fria permitiu que os Estados mais poderosos usas- de direitos humanos é um passo importante, porém insuficiente na estratégia de
sem o poder do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou, se isso não fosse proteção 104 • Apesar do discurso, o que existe é uma persistente dicotomia entre o
possível, as organizações regionais como a OTAN, para implementar suas políticas argumento humanitário e a interpretação e aplicação que os Estados dão às normas
de contenção do fluxo de refugiados. Chimni observa que as ações empreendidas às quais se comprometeram.
especialmente por iniciativa do próprio Conselho de Segurança, em nome do que É flagrante a seletividade que exclui aqueles solicitantes de refúgio que não
o autor chama de "novo humanitarianismo" 100, contribuíram para reduzir o flu- fazem parte da pauta diplomática do eventual país receptor. Evidentemente, a falta
xo de refugiados, procurando mantê-lo na região de origem. Segundo o autor, a do reconhecimento do refúgio como um direito, contém em si um propósito im-
proteção aos refugiados não é exceção a esse tipo de implantação da linguagem de plícito: mantê-lo como uma prerrogativa da discricionariedade do Estado. Diante
direitos. Na visão crítica de Chimni, a ideologia do "humanitarianismo" tem usa- desse quadro, observa-se que a apropriação das temáticas de direitos humanos, den-
do a linguagem dos direitos humanos para legitimar a linguagem da segurança no tre elas o refúgio, pela política externa dos Estados, transforma pessoas em peças
discurso sobre refugiados; para confundir categorias legais e papéis institucionais; do jogo político: ora utilizadas como argumento simbólico do discurso humanitá-
para tornar a repatriação a única solução; e promover uma agenda neoliberal nas rio; ora descartáveis como o indesejável espólio das disputas de poder.
sociedades pós-conflito, levando a um enfraquecimento sistemático dos direitos
dos refugiados 101 • !O:!
Emma Haddad explica que "The term ·refugee· itself acknowledges the fact lhat. dueto some kind of adverse conditions.
home is no longer a safe place. This in tum implicates the home govemment, which should be responsible for protecting

ORCHARD. Phil.Op.Cit, 2014. p.9. those who fali under its jurisdiction. Refugee status shows that the govemment is no longe, able ar willing to provide
99
CHlMNl, B. S. Globalisation, Humanitarianism and the Erosion of Refugee Protection. Working Paper n"3. Refugee Studies such a safeguard and the refugee must find an altemative source of protection. Hence in granting refugee status a host
Centre: Oxford, fevereiro de 2000. p.251. state automatically makes a statement about the country of origin, recognizing a failure lhat can have a serious economic
100
B.S. Chimni denomina de ·'humanitarianismo" a ideologia de Estados hegemõnicos na era da globalização, marcada pelo fim da and political repercussion between states. Morally speaking, the humanitarian demands of offering the intemational pro-
guerra fiia e pela crescente assimetria entre o Sul e o Norte. A e.xpressão, segundo a visão critica do autor, carece de uma definição tection to the refugee should override any other concems, but the reality shows that is impossible to divorce the ethical
precisa no Direito Internacional e, portanto, uma ampla gama de ações podem ser consideradas como "'humanitárias". Essa ambi- and the political in the modem inter-state relations. The failure to respond adequately to refugee movements is largely
guidade, alerta o autor, pode fucilitar a manipulação de seu uso para escapar à necessidade de justificativas legais ou lógicas para as influenced by the political and intemational nature ofthe problem". (HADDAD, Emma. Op. Cit. 2008, pp.3-4.)
ações dos Estados. Segundo alerta Chimni ·'Toe ideology ofhumanitarianism is, among olherthings, is fucilitating lhe erosion oflhe SHACKNOVE, Andrew. From Asylum to Containment. ln lntemational Joumal ofRefugee Law. Vai. 5.nº4. Oxford Cni-
principies of refugee protection (as refugees no longer have ideological ar geopolitical value). Toe inclusive and indeterrninate value versity Press, 1994, pp 516-533.
of so called humanitarian practices has led to lhe blurring of legal categories, principies and institutional roles. These practices are De acordo com Shacknove: "Moreover, as in the inter-war and Cold War periods, allowing exit for victims ofhuman rights
threatening lhe legitimate boundaries between intemational refugee law, intemational human rights Iaw and intemational humanitar- abuses remains a necessary foreign policy instrument in a variety of circumstances. These include situations where: (a) the
ian law. Their distinctive and separate spaces are increasing]y being transgressed in a bid to exclude and incarcerate lhose who seek existence of either a predatory ora weak State eliminates any realistic opportunity for domestic flight and protection; (b)
to escape lhe consequences ofa brutal globalization process. Toe universal and protective Iabel ·•refugee" has, as a result, fragmenred containing a population within a country ar region of origin is more likely to escalate violence and lhe necessity of externai
and translated into a curtailment of rights. Those who now seek refuge find that lhey represent threats to states and regions and ali intervention than to further stability ar respect for human rights; or (e) lhe maintenance of the inter-State system itself de-
roads leadquickly home. On lhe olher hand, reintegration is not easy task as a strange intimacy characterizes lhe causes lhe solutions pends on tlle clear allocation ofState responsibility for a given population offorced migrants. ln addition, and unique to tlle
of refugee llows. Such is tlle humanitarianism of our times. (CHlMNI, B. S. Op. Cit 2000, p.243 ). present period, asylum is also crucial to the success ofthe emerging development strategy of·good govemance." (SHACK-
!OI NOVE, Andrew. Op. Cit. 1994, p. 517).
CHllv!Nl, B.S. Op. Cit 2000. p.244.
DIREITO INTEIU,jACIONAL DOS REFLGI..\DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
83
82 HELISANE MAHLKE

Outro efeito da politização da mobilidade humana é sua transformação em olhar. Esse movimento é proposital, pois manter o refugiado à margem da comu-
uma questão ideológica, como plataforma política de correntes xenófobas, que nidade permite manipular identidades e perpetuar as políticas de exclusão.
estigmatizam o migrante. Esse discurso político vem crescendo especialmente em
países desenvolvidos, sobretudo europeus 105 , endossando atitudes reprováveis que 2.3. AS ALTERNATIVAS DOS ESTADOS FACE O ESGOTAMENTO
excluem esses indivíduos da comunidade e que violam os seus direitos. Nesse con- DO ATUAL MODELO DE PROTEÇÃO
texto, um fator agravante foram os atentados terroristas 11/09 em Nova York e o
ambiente de suspeição que se criou em decorrência. O medo de outros atentados Diante dos argumentos expostos, torna-se flagrante o esgotamento do atual
instaurou-se na população de países considerados alvos potenciais e foi conve- modelo de proteção e, assim, no vácuo de um verdadeiro sistema internacional de
nientemente manipulado pelas autoridades para fins políticos 106 • Os imigrantes, proteção aos refugiados, os Estados desenvolvem práticas questionáveis para admi-
especialmente de origem muçulmana, tornaram-se alvo de reações de xenofobia 107, nistrar o "problema" do fluxo de refugiados. É imprescindível tecer uma análise
que justificavam a implementação de mais políticas restritivas: a desculpa perfeita crítica sobre essas práticas, considerando que é necessário conciliar os interesses
para converter a imigração em uma "ameaça". nacionais com a garantia de direitos aos indivíduos.
Por outro lado, de maneira conveniente, a imigração tem sido usada como Pode-se apontar que as fissuras no atual modelo de proteção foram provoca-
um pretexto para não admitir os erros cometidos pela gestão equivocada dos recur- das pela pressão dos fluxos em massa, pelo surgimento de situações atípicas (que
sos do Estado e pela administração ineficiente dos governantes. Essa perspectiva não se enquadram diretamente na Convenção de 1951, mas que são correlatas) e
representa um retrocesso nas políticas inclusivas e na proteção internacional dos pela dificuldade estrutural de administrar as consequências políticas, econômicas
direitos humanos das pessoas em mobilidade. Assim, como resultado dos discursos e sociais dos fluxos de refugiados. Conforme já explicitado, o número crescente
que sustentam políticas discriminatórias, verifica-se um crescimento 108 da migração de refugiados e deslocados internos no mundo contrasta com a falta de estrutura
irregular e, consequentemente, dos efeitos nocivos que ela encerra. institucional adequada para administrar a questão. Diante dessas demandas, ques-
A politização do refúgio tem um efeito nefasto: a desumanização do refugia- tiona-se qual o tratamento adequado aos fluxos em massa de refugiados 109, cada vez
do e a instrumentalização de sua vulnerabilidade. Desumanizar o refugiado afasta mais frequentes, e se as normas sobre refúgio conseguem comprometer os Estados
a possibilidade de identificação: se não lhe reconheço como igual, não há motivos a oferecer-lhes a devida proteção.
para também garantir-lhe os mesmos direitos. Enquanto as autoridades tratam o Frequentemente, os Estados têm recorrido ao reconhecimento prima facie
refúgio como um incômodo "problema" a ser resolvido, as estatísticas escondem do status de refugiado, prática comum especialmente em relação aos milhares de
nomes, histórias, e rostos para os quais a comunidade internacional prefere não indivíduos e deslocados no Continente Africano e Oriente Médio. Essa medida é
fundamentada em situações objetivas impostas pelo deslocamento de um grande
IOl
Tem chamado atenção o crescimento do apoio aos partidos de extrema direita e de reações racistas e xenofóbicas nos países número de pessoas em um curto espaço de tempo e, evidentemente, nas caracterís-
europeus tradicionais receptores de migrantes, como a França, Inglaterra, Dinamarca e Alemanha. Essas manifestações têm ticas de urgência humanitária de grupos específicos de refugiados. A partir de uma
aumentado desde a crise econômica que se instaurou na Europa a partir de 2008.
A preocupação de que a reação aos atentados estigmatizasse os refugiados e os privassem de seus direitos humanos foi
l09
expressa na Declaração e Plano de Ação do México para fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Jean-François Durieux e Agnes Hurwitz definem o fluxo em massa de refugiados como um grande número de pessoas
Latina, adotado em 2004: "Afirmando que as políticas de segurança e luca co/1/ra o terrorismo devem enquadrar-se delltro atravessando uma fronteira internacional, em ritmo acelerado, além de uma absorção ou resposta inadequada nos países
do respeito dos instnunelJ/os nacionais e internacionais de proteção aos reJi1giados e dos direitos humanos em geral". Com receptores, em particular a inabilidade dos procedimentos individuais de determinação do status de refugiado para lidar com
a mesma preocupação, o ACNUR também elabora documento que, apesar de reconhecer os direitos legítimos dos Estados o grande número de solicitações. Os autores ponderam que, enquanto em nível normativo global há dificuldade de avançar
a sua segurança. ressalta que esta prerrogativa não pode privar os refugiados de seus direitos. ("Como abordar el tema de la no tema, em nível regional os esforços foram mais efetivos. Na Europa, a .. Temporary Protectio11 Directfre" estabelece um
seguridade sin prejudicar Ia proteccíón de los refugiados: la perspectiva dei ACNUR". Disponível em: http://w\\w.acnur. regime excepcional de exceção para circunstâncias extraordinárias de flu.xo em massa, e evita a suspensão da Convenção de
org/t3/fileadminiscripts/doc.php?file=t3/fileadmin'Documentos/BDL/2008/l 760). 1951, garantindo o acesso aos procedimentos normais de solicitação de refúgio a qualquer tempo. Porém, a consequência
!07
A definição de Xenofobia descreve atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, excluem e. frequentemente, negativa dessa alternativa é encorajar os Estados a manter um periodo longo de espera para o reconhecimento do refúgio. A
vilipendiam pessoas, baseados na percepção de que são forasteiros ou estrangeíros à comunidade, sociedade ou identidade Convenção da OUA (Organização da Unidade Africana. atual União Africana) estabelece a possibilidade do reconhecimen-
nacional. (Fonte: Intemational Migration, Racism, Discrimination and Xenophobia. Publicado por: !LO, IOM, OHCHR, e to prima Jacie. porém esbarra nas dificuldades estruturais dos países para a recepção desses refugiados. Como comentam
Consultor UNHCR para a World Conference Against Racism, Racíal Discrimination, Xenophobia and Related lntolerance. os autores, em situações de flu.xo em massa. lidar com as causas do deslocamento e promover o retomo dos refugiados
Agosto de 2001, Disponível em: http://www.unesco.orglmost.imigration'imrdx.pdf. Acesso em 05105/2014. tomou-se uma prioridade, distorcendo a discussão sobre os standards de recepção e tratamento dos refugiados, especial-
IOl
Deve-se considerar a dificuldade de se obter dados precisos sobre os migrantes indocumentados, ou irregulares (evita-se o termo mente quando não há possibilidade de retomo seguro a curto prazo. Mesmo que se compreenda a pressão pela qual os
ilegal, por considerar inadequado). Contudo uma estimativa feita pela IOM em publicação de 2010 aponta para 10 a 15% dos Estados receptores passam diante de tais circunstâncias, elas não devem subverter os princípios Convencionais. (DURIEUX,
214 milhões de migrantes intemacíonais são irregulares. Pela imprecisão dos dados. devido ao fato de muitos desses migrantes Jean-François & HURWITZ, Agnes. How Many is too Many" African and European Legal responses to Mass lnfluxes of
encontrarem-se em situação de clandestinidade, sugere a possibilidade deste número ser muito maior. (Fonte: PICU!vl - Plata- Refugees. ln German Yearbook of Intemational Law nº47, Duncker & Humblot Berlim, 2004, pp.156-158). Para referên-
form oflntemational Cooperation on Undocumented Migrants. PICUM Submission to the UN Committee on Protection of the cia à Diretiva da União Europeia sobre Proteção Temporária consultar: http://eur-Iex.europa_eu/LexUriServ/LexUriServ.
Rights of AI! Migrants Workers and Members oftheir Families, Genebra. 22/04/2013. Disponível em: http:/1\\ww.ohchr.orgi do?uri=OJ:L:2001:212:0012:0023:EN:PDF. Quanto à Previsão da Convenção da Organização da Unidade Africana sobre
Documents/HRBodies/CMW/Discussions/2013/DGDMigrationData_PICUM _2013.pc!E Acesso em 05104'2014. Problemas Específicos dos Refugiados na África: art. 1 e 2.
84 HELISA,'IE l\llAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGI.-\DOS: Novo P.-\RADIG~I.-\ JURÍDICO
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perspectiva tanto prática quanto conceitua!, a determinação prima facie do status massiv~ de refugiados, pode dar ao Estado uma margem para acomodar-se diante
de refugiado parece ser, aparentemente, a melhor atitude diante de um quadro de de tal situação. Contudo, é importante ressaltar que alguns direitos não estão _
· · , d - 113 . su
deslocados em massa. Jeitos a errogaçao e, portanto, devem ser cumpndos em qualquer circunstância.
Segundo o que afirma Jean-François Durieux e Jane McAdam 110, essa é uma ~onforme já foi afirmado, o modelo atual de proteção aos refugiados é ca-
alternativa utilizada pelos Estados para fins de comunicação, denunciando que es- ractenzado pela sua fragmentação, baixa capacidade de enforcement e pela influên-
tes necessitam da ajuda internacional para prover proteção aos refugiados. Porém, cia d_e _interesses políticos que descaracterizam o direito ao refúgio ao torná-lo
Durieux e McAdam alertam, também, que esse instrumento tende a ser impreciso cond1C1onal ao Estado. Como efeito dessa estrutura deficiente, algumas práticas
e imprevisível, na medida em que nem sempre os Estados declaram sua disposição questionáveis, além das já mencionadas, têm sido utilizadas pelos Estados, algu-
em receber esses indivíduos ou a ela se comprometem oficialmente. Além disso, mas vezes com a chancela dos organismos internacionais, para tentar solucionar 0
mesmo considerando que a proteção dispensada aos refugiados prima facie deve "problema" dos fluxos de refugiados. Uma necessária análise crítica dessas práticas
ser igual aos refugiados Convencionais (segundo o Estatuto de 1951), eles são fre- será realizada a seguir.
quentemente submetidos a procedimentos ad hoc, sumários e sem a possibilidade
ulterior de revisão. Essas deficiências na determinação do status de refugiado prima 2.3.1 A cooperação interestatal ("burden sharing')
Jacie, cria apenas uma "presunção" de refúgio, ou uma aplicação incompleta deste.
Prevendo outra situação paliativa, quanto à proteção aos refugiados, James O princípio do "burden sharing" 114 remonta à Convenção de 1951 que em
Crawford e Patrícia Hyndman 111 apontam "heresias" que não podem ser cometidas seu preâmbulo 115 prevê a necessidade de promover a solidariedade entre os Estados
na interpretação da Convenção de 1951 e na aplicação do Direito Internacional que recebem refugiados, diante de um fluxo por vezes excessivo de pessoas, consi-
dos refugiados a saber: a de que os Estados partes da Convenção não têm responsa- derando a capacidade do país de acolhimento, ou mesmo por solidariedade entre
bilidade em relação aos refugiados destinados a outro país, ou em relação aos que parceiros regionais. O princípio engloba duas atividades: i) o auxílio financeiro a
são tidos como responsabilidade primária de outro país, não importando se esses países de refúgio, em geral países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, para
Estados aderiram ou não à Convenção. Essas "heresias" contrariam disposição do ajudar a manter os refugiados que para lá se dirigem, especialmente para financiar
Direito Internacional dos Refugiados, o qual impõe que, em qualquer situação na as atividades do ACNUR no país 116; ii) o segundo tipo é uma ajuda "física", em
qual haja a possibilidade do princípio do non-refoulement ser violado por outro oposição à mera ajuda financeira, auxiliando na dispersão e reassentamento dos
refugiados em determinada área 117 •
Estado, o Estado que primeiro o acolheu ("first country o/ asylum") é correspon-
sável por essa violação. Ressaltando que, nesse contexto, não importa se o terceiro 113
No que se refere à Convenção de 1951, o art. 42 explicita que alguns artigos não estão sujeitos à reserva, in ,·erbis: "§ 1. No
Estado é ou não signatário da Convenção. momento da assinatura, da ratificação ou de adesão. qualquer Estado poderáfórmular reservas aos artigos da Conl'enção.
Uma questão polêmica a ser considerada é a possibilidade fazer uso das owros que não os artigos l". 3". 4ª. 16 (/), 33, 36 a 46 i11c/mive." Porém, por óbvia deferência, não estão sujeitos à derroga-
ção os arts. 33 (proibição do refouleme11t1; e o art. 31.1 (proibição da detenção arbitraria).
"derrogation clauses" ("cláusulas de derrogação") referentes a tratados de Direi- '" O termo foi usado pela primeira vez no contexto dos debates da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) na
tos Humanos, nos quais estes permitem a aplicação da "doutrina da necessidade" década de 50, os quais continuam até hoje quanto aos custos de defesa da organização. Apesar de O termo ser empregado
em casos extremos nos quais os Estados não podem cumprir suas obrigações na para a questão de refúgio não ser necessariamente equivocado, seu emprego possui uma carga pejorativa especialmente no
que tange ao respeito aos direitos humanos dos refugiados. Ainda assim, o termo tem sido utilizado para discutir a partilha
totalidade. Deve-se ressaltar, contudo, que a aplicação dos regimes de derrogação
de custos e benefícios entre os países Europeus, no que se refere à atenção à migração forçada.
só poderia ocorrer dentro de determinadas circunstâncias emergenciais, pois fora "' Segundo o preâmbulo da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados i11 verbis: "Co11siderando que da co11 cessão
delas, poderiam converter-se em uma violação legitimada das normas internacio- do direito de asilo podem resultar encargos i11del'idameme pesados para certos países e que a solução satisfatória dos
problemas cujo alcance e nature::.a internacionais a Organi=aç:ào das Naçõe.'i Unidas reconheceu. não pode. portanto. ser
nais. Geralmente, a aplicação das cláusulas de derrogação encontram limites no obtida sem cooperação imernacional".
princípio da proporcionalidade, da consistência com outras obrigações internacio- 116
Nos últimos anos, milhares de sírios têm fugido do país em razão da guerra civil violenta que ainda vigora. Segundo dados
nais assumidas pelo Estado, e da necessidade de apontar a existência de excepcional do ACNUR, 4.2 milhões de Sírios deslocados, principalmente para campos na Jordânia, Iraque, Turquia e Egito. A Turquia
recebeu 1.8 milhões de refugiados e o Líbano 1.6 milhões. A guerra da Síria tem provocado a maior crise humanitária dos
ameaça à nação 112 • A aplicação das cláusulas de derrogação, em situações de fluxo
últimos anos. Com a per.;istência do conflito, é provável que mais pessoas sejam forçadas a fugir do pais. Os citados países
receptores têm compartilhado o impacto social e econômico do fluxo de milhares de refugiados, a maioria localizada em
(l(J
DURIEUX. Jean-François & MACADAM, Jane. Non-refoulement Through time: the case for derrogation clause to the campos nas fronteiras. Fonte: UNHCR. Solidarity and Burden-sharing: countries hosting syrian refugees. Setembro/2013.
refugee Convention in Max Influx Emergencies. ln lntemational Joumal ofRefugee Law, vol. 16, nºl, Oxford University Disponível em: http://11ww.unhcr.orgi525fe3e59.pdf. e UNHCR - Mid Year Trends, 2015. Disponível em: http://www.
Press, 2004. unhcr.orgi56701 b969.html.
117
Ili
CRAWFORD, James & HYNDMAN, Patrícia. Three Heresies in lhe Application of Refugee Convention. ln lntemational Como exemplo desse tipo de ·'burde11 shari11g" pode-se citar situação dos refugiados húngaros ( 1956 ): os que fugiram do re-
Joumal ofRefugee Law, vol. 1, nº2, Oxford University Press. 1989. pp. 155-179. gime de Pinochet no Chile ( 1973); reassentamento de refugiados vietnamitas ( 1979). (Fonte: BOSWELL, Christina. Burden-
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FITZPATRICK, Joan. Human Rights in Crisis: lhe intemational system for protecting rights during states of emergency.
Procedural Aspects of lntemational Law Series. 1994. print/4805#.U5JKbfldWVM. Acesso em: 10/03/2014).
86 HELISANE l\lL~LKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GIAIJOS: Novo PARAIJIG~IA JURÍDICO
87
O burden sharing tem como essência a cooperação entre Estados para melhor custos. .do fluxo .de, pessoas para os países europeus 122· Assim, esse ca'lculo perverso
.
governança das questões envolvendo a migração forçada. Implícitos nessa coopera- propiciava a assistenc1a para que
. . . . . os refugiados permanecessem em su as reg10es ·- de
ção estão alguns elementos essenciais: compartilhar recursos (incluindo orçamento on~em e aliviava a responsabilidade dos países europeus em recebê-los. Essa alter-
e pessoal), harmonizar legislações migratórias entre Estados-partes. Como propõe nativa relega_ a responsabilidade pela assistência aos refugiados a países que teriam
Thielemann 118, essa cooperação também pode abarcar medidas ostensivas de ca- menos condições_ d~ protegê-los adequadamente, confinando grupos significativos
ráter ativo, como encaminhar forças de paz para o local do conflito, ou medidas de pessoas a locais limítrofes, geralmente instáveis e inseguros123_
reativas como a recepção de agentes de proteção em seu território para administrar
eventuais consequências da migração forçada. Thielemann 119 também considera os 2.3.2. O acordo com um terceiro país de acolhimento ("third sefe country")
motivos que levariam os Estados a aderir a essas medidas: a) compliance com as
normas internacionais de cooperação da comunidade internacional; b) solidarieda- Em _uma tentativa de eximir-se de cumprir as responsabilidades impostas pela
1

de entre os Estados como parte da construção de uma comunidade internacional; Convençao de 1951, alguns paises desenvolvidos do "norte" têm recorrido a me-
c) solidariedade em relação aos refugiados em compromisso com os princípios didas de interceptação e transferência de indivíduos para evitar que estes recaiam
de direitos humanos reconhecidos pela comunidade internacional; c) interesse do so~ ~ua responsabilidade. Enquanto várias dessas medidas ocorrem antes que 0
Estado: para evitar fluxos em massa, por adesão às normas internacionais, para solicitante de refúgio chegue ao território (como por exemplo, a interceptação
garantir maior eficiência na proteção aos refugiados. de embarcações em alto-mar), outras medidas referem-se à chamada "protection
Entre 2003 e 2005, o ACNUR criou uma iniciativa chamada "Convention elsewhere" (proteção em outro lugar) 124, a qual visa evitar outro tipo de obstáculos
Plus" com o intuito de tentar estabelecer um padrão normativo para o burden como interdição e deportação 125.
sharing, suprindo a falta de clareza da Convenção de 1951 sobre o tema. Seu Esses acordos são baseados na noção de "third safe country" (terceiro país
propósito era fomentar a proteção dos refugiados ao redor do mundo e resolver seguro), ou também "first country ofasylum" (primeiro país de refúgio), 0 qual se
eventuais dificuldades causadas pelo fluxo de refugiados, por meio de acordos refere a um terceiro país que, que não o que o refugiado primeiro solicitou refúgio,
multilaterais especiais, resultantes de negociações entre Estados e demais parcei- ~~s que mantem um acordo com este para tornar-se receptor de refugiados. O so-
ros, conduzidos pelo ACNUR120. Segundo Alexander Betts 121 , a iniciativa tinha hcit~nte.' ~essa forma, faz_ o pe~ido de refúgio a determinado país, que encaminha
três linhas de discussão: a preocupação com o controle da imigração irregular esse mdiv~duo ~ um terceiro_pais com o qual mantém o acordo. Esses acordos, por
sua vez, sao feitos de maneira formal e, a princípio, guardam certa legalidade e
(típica dos países mais desenvolvidos do Norte); o reassentamento; e assistência
uma_ aparê~cia de "responsibility sharing" (responsabilidade compartilhada), o que
direcionada (baseada no interesse dos países menos desenvolvidos do Sul quanto
os diferencia de _medidas unilaterais que visam simplesmente evitar a responsabili-
ao burden sharing). A iniciativa falhou, segundo comenta Betts, devido à polariza-
dade _pelo acolhimento, sem a previsão de uma readmissão ou gestão conjunta do
ção entre os interesses do Norte e do Sul e a dificuldade de estabelecer confiança
refúgio com um terceiro país.
mútua durante o processo de cooperação.
Ainda assim, tais medidas carecem de uma análise mais precisa de acordo
A partir de uma origem baseada na cooperação entre Estados receptores, o
com os princípios do Direito Internacional dos Refugiados e do Direito Interna-
burden-sharing adquiriu outra conotação, menos solidária e mais auto-interessada,
ciona!, dos Dire~tos ~umano,~, pois d~ forma alguma podem servir de pretexto para
especialmente entre os países europeus que buscavam lidar com os custos sociais
u~~ deportaç_ao disfarçada , que v10le o princípio do non-refoulement e outros
e políticos da recepção de refugiados. A alternativa à recepção é oferecer recursos
direitos confendos aos refugiados. Isso inclui o chamado "refoulement indireto"
para a manutenção de campos de refugiados nas regiões de origem, evitando os
111 Ü •
s ~aises europeus estabelecem dois níveis de burden-sharing: a) os mecanismos intra-europeus, ou seja, entre os países da
'" THIELEMANN. Eiko & DEWAN, Torun. Why States don't Defect: refugee protection and burden-sharing. Paper prepared regiao: c~°'. financiamento proveniente do "European Reji1gee Fwuf' e por meio da harmonização da legislação europeia
for presentation at lhe ECPR Joint Session ofWorkshops, Uppsala, Sweden, 14-18 April 2004. Disponível em: hnp:l/perso- sobre re~gio, Exem~lo: Kosoro Humanitarian Evacuation Programme; b) mecanismos internacionais: financiando campos
nal.lse.ac.uk/lhielema/Papers-PDF1Thielemann-Dewan-WEP .pdf. Acesso em: 20/05/2014. de refugiados nos pa,ses de origem ou via reassentamento, Exemplo: os "campos de transição" nos Bálcans e na Ucrânia.
119
THIELEMANN. Eiko. Burden Sharing: lhe intemational politics of refugee protection. Center oflmmigration and Refugee (Fome: BOSWEL, Christina. Op.cit, 2003).
Studies - University of San Diego. Working Paper n"l 34, março de 2006. "' BOSWEL, Christina. Op. Cit, 2003.
120 124 e
Estes acordos multilarais seriam baseados em três ações pontuais:" l.The strategic use of resenlement as a too! of protection, orno exemplo, podemos citar: o "Agreement Between lhe Govemment of Canada and lhe Govemment of tlle United States
a durable solution anda tangible form ofburden-sharing: 2. More effective targeting of development assistance to support of America forCooperation in the Examination ofRefugee Starus Claims from Nationals ofThird Countries (the US-Canada
durable solutions for refugees, whelher in countries of asylum or upon rerum home; and 3. Clarification of the responsibili- S'.CA)". Práticas como essa também são adotadas no âmbito da União Europeia, especialmente por meio da Diretiva de Du-
ties of States in lhe event of irregular secondary movements of refugees and asylum-seekers, lhat is, when refugees and blm II, que eS ta belece que qualquer país membro pode proceder a solicitação. mesmo que ela tenha sido feita, primeiramente
asylum-seekers move, in an irregular manner, from an initial country of refuge to another country. (UNHCR - Convention em outro Estado.
Plus ata Glance. Disponível em: hnp://www.unhcr.org/403b30684.pdf. Acesso em 15 de junho de 2015). '" FOSTER, M"IC hele. Respons1b1hty
· · · Shanng
· ar Shifting? "Safe" Third Countries and lntemational Law ln Refuae Vol 15
121
BETTS, Alexander. Toe Refugee Regime Complex. ln Refugee Survey Quaterly. Vol.29; nºl. 2010. p.28. N"2, 2008. (pp.64-78). . " · ·- ·
88 HELISA.'IE M,\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGI.-\DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
89
ou "chain refoulement", que é a transferência de solicitantes de refúgio para países 2.3.3. As zonas de segurança ("safety zones")
terceiros que não estão formalmente obrigados com as normas do Direito Interna-
cional dos Refugiados ou com normas regionais que vinculem o país a cooperação As alternativas são duramente negociáveis, especialmente diante de fluxos
em matéria de refúgio. 126 em massa de pessoas deslocadas em regiões politicamente instáveis. O resultado
Deve-se atentar, também, para a previsão do art. 32 da Convenção de 1951, disso são arranjos provisórios como as safety zones ou "zonas de segurança", os safe
130
que proíbe a expulsão dos refugiados "regularmente" presentes no território do havens , ou ainda campos de refugiados de grandes dimensões 131 , onde pessoas
Estado. Essa disposição cria a possibilidade de rechaço daqueles que ainda não tive- vivem em situações precárias e extremamente inseguras. Esses campos, verdadeiras
ram o pedido de refúgio formalmente deferido. Entende-se, porém, que o princípio áreas de confinamento, são notoriamente conhecidos como uma solução provisó-
do non-refoulement deve estender-se também ao solicitante de refúgio e que sua ria, ineficaz e pouco digna para indivíduos que já perderam tanto. As safety zones
presença irregular no país (o que frequentemente ocorre, em razão da perseguição são áreas desmilitarizadas, estabelecida em acordo entre os países envolvidos no
sofrida) não pode servir de pretexto para o rechaço ou a transferência forçada conflito, para que a população possa ter abrigo e proteção contra qualquer eventual
desses indivíduos. Além disso, a transferência do solicitante de refúgio ou do refu- dano à sua integridade. A previsão de zonas seguras ou "safety zones" foi codifica-
giado a outro país receptor, mesmo que baseado em acordos legalmente estabele- da, primeiramente, nas Convenções de Genebra (1949): art. 23 da Convenção I; art.
cidos, não exime o primeiro país de refúgio de suas responsabilidades quanto ao 14 e 15 da Convenção IV. O Protocolo Ide 1977 expande o conceito (art. 59 e 60)
tratamento dispensado a esses indivíduos. para a proteção de qualquer civil onde quer que ele esteja.
Nesse sentido, discute-se também, o processamento extraterritorial do refú- A concepção das "safety zones" tem se modificado desde sua previsão original
gio, prática que vem sendo adotada por alguns países e que foi criticada pelo AC- proveniente do direito humanitário por duas características: elas não precisam
NUR como uma forma de restringir o acesso aos procedimentos de determinação mais ser consentidas pelas partes envolvidas no conflito e não precisam ter ex-
do status de refugiado em algumas regiões 127 • Segundo Guy Goodwing-Gill e Jane clusivamente um caráter civil. A previsão Convencional exigia que elas fossem
McAdam, a razão para esse processamento extraterritorial do refúgio tem duas estabelecidas por acordo entre as partes. Segundo Karin Langdam 132, o caráter civil
facetas: "primeiro, manter os solicitantes de refúgio geograficamente distantes dos e desmilitarizado das zonas de segurança tradicionais é um corolário natural do
potenciais países receptores; segundo, como uma tentativa de distanciar os Estados consentimento para que elas sejam estabelecidas. As zonas de segurança que re-
de suas obrigações legais em relação aos refugiados" 128 • Embora a transferência dos presentavam ameaças territoriais ou militares, ou contrárias à agenda política dos
solicitantes de refúgio para outros territórios não exima os Estados de suas obriga- Estados, não seriam aceitas pelos beligerantes.
ções internacionais, ela passa uma mensagem a esses indivíduos de que eles não são A aceitação por todas as partes envolvidas no conflito depende de enforce-
bem-vindos, reprimindo fluxos regulares. ment e, este depende de uma ameaça contundente o que, em consequência, pode
A Convencão de 1951 não estabelece procedimento específico de determi-
comprometer a zona de segurança, politizá-la e dificultar o acesso humanitário a
nação do status· de refugiado, o acesso e tratamento aos refugiados nesse interim
ela. Por outro lado, as zonas de segurança impostas externamente, podem promo-
é uma preocupação do Comitê Executivo do ACNUR129 , que determina que os
ver interesses políticos, sob o pretexto humanitário. Por mais legítimos que esses
Estados, em obediência ao princípio do non-refoulement, não podem remover
interesses possam ser, eles contribuem para tornar a zona de segurança um instru-
indivíduos para territórios para o processamento do refúgio, sem considerar que mento parcial e punitivo, desvirtuando sua intenção original.
esse outro país seja seguro.
2.3.4. O fechamento de fronteira ("border closure")
Um exemplo dessa situação foi a transferência de refugiados para a Grécia, pais que não havia aderido aos requisitos necessários
previstos pela Diretiva de Dublin, a qual estabelece a política da União Europeia sobre mii,'11lção e refügio. Tal situação gerou ma-
nifestações em desconformidade, por parte do ACNUR e de várias ONGs dedicadas à preservação dos direitos dos refugiados. Outra prática que é empreendida pelos Estados é a "border closure", literal-
Em 2003, o Reino Unido propõs a criação de um regime extraterritorial, alegando ser a melhor alternativa para lidar com mente o "fechamento das fronteiras" ao fluxo em massa de refugiados. A possibili-
migrantes em suas regiões de origem por meio da prevenção dos eventos que causam o deslocamento: trabalhando para asse-
dade de "cruzar a fronteira" do Estado e buscar abrigo em outro país é característica
gurar proteção nas regiões de origem; desenvolvendo sistemas de reassentamento por quotas; e promovendo a responsabili-
dade dos Estados para aceitar refugiados retomados (alegando consonância como a "'Convention PhL, lnitiarive" promovida
pelo ACNUR em 2003, para estabelecer soluções duradouras para refugiados). A proposta foi fortemente criticada como Os chamados .. portos seguros" denominados pelos Estados Unidos como ..safe havens•·, que são centros para refugiados
sendo uma tentativa de negar acesso ao território enviando os solicitantes de refügio a zonas de processamento fora da União localizados em outros países. Não devem ser confundidos com as safety zones.
Europeia. onde a responsabilidade em relação ao tratamento dispensado a esses refugiados não é clara. (Ver o Relatório pro- Os maiores campos de refugiados da atualidade são o de Dadaab (Kenya, 402.361 pessoas): Dollo Ado (Etiópia, 198.462
duzido pela Anistia Internacional sobre o tema, disponível em: http://www.amnesty.org/en/library/asset/JOR61/00412003/ pessoas), Kakuma (Kenya, 124.814), somando um total e AI Zataari (Jordânia, 122.123) composto por refugiados prove-
en/1 f7ab5e7-d6d0- I I dd-ab95-al 3b602c0642/ior6 I 0042003en.pdt). nientes do conlli10 na Síria; Jabilia (Faixa de Gaza, 110.000). Fonte: UNHCR 2015 Trends.
12S
GOODWJN-GJLL, Guy; MCADAM, Jane. Op. Cit., 2007, pp.408-409. LANGDAM, Karin. Safety Zones and lntema1ional Protection: a dark grey area. ln lntemational Joumal of Refugee Law.
129 Vol.7, nº3. Oxford University Press, 1995.
ExCom Conclusion, nº22, Pt.2', §2 ( 1981 ): ExCom Conclusion, nº82 ( 1997): Ex Com Conclusion, nº85 ( 1998 ).
90 HELISAlsE l\ll..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GI.WOs: Novo PARADIGMA JURÍDICO
91
essencial ao conceito de refúgio e necessária para que se possa garantir o direito a definição compreende não apenas a detenção administrativa, como também 0
ele. Nas últimas décadas, os Estados têm sistematicamente fechado suas fronteiras encarceramento, a depender do regime jurídico do país receptor quanto à entra-
aos fluxos de refugiados com a justificativa de preservar sua segurança interna, ou da de migrantes irregulares.
para não impor pressão às estruturas nacionais. A prática do "border closure" é As políticas de detenção m1c1aram no final do século XIX geralmente usa-
complexa e extremamente politizada, baseada na afirmação da soberania do Estado, das como uma medida burocrática para selecionar aqueles que eram considera-
expressa no controle restritivo das fronteiras. Potencialmente, essa prática, obstacu- dos "indesejáveis", em geral por razões econômicas ou étnicas. Posteriormente
liza a busca pela concretização do direito ao refúgio. passou a ser empregada como uma forma de deportar aqueles que poderia~
Segundo Katy Long 133 , o fechamento das fronteiras impõe um dilema pecu- representar alguma ameaça para o Estado, por razões políticas ou ideológicas.
liar ao ACNUR, pois força o organismo a enfrentar as tensões entre a "proteção" Desde então, a d~tenção de imigrantes passou a se relacionar com a concepção
(prerrogativa do refúgio) e a "assistência" (auxílio humanitário, geralmente depen- de segurança nacional, especialmente durante a Segunda Guerra 137 • Desde então
dente da anuência do Estado de procedência). Assim, quando um Estado opta por há uma linha tênue entre as políticas migratórias e as políticas de segurança'.
fechar suas fronteiras, expondo os refugiados à continuidade da perseguição, pode Segundo Daniel Wilsher 138, a detenção tornou-se parte de uma luta generalizada
colocar o direito ao refúgio em conflito direto com a concretização da assistência contra a imigração irregular (raramente corroborando a suspeita de crime ou
humanitária. A fronteira é, sem dúvida, o símbolo da oposição entre a política terrorismo), em uma complexa mistura entre questões de segurança e o receio
internacional baseada na segurança e os princípios universais de proteção que o de perder o controle sobre as fronteiras. Essa perspectiva causa a segregacão do
ACNUR tenta exercer, essencialmente o princípio do non-refoulementu4• Com imig_rante "ilegal", em sua mais hostil acepção: uma ameaça a ser repelida com
essa medida extrema, os Estados viram as costas para o Direito Internacional dos medidas de detenção cada vez mais draconianas, que contradizem os valores de
Refugiados e, agindo em nome de sua soberania e interesses locais. igualdade e liberdade defendidos pela maioria dos Estados democráticos muitos
dos quais adotam estas medidas. '
2.3.5. Centros de Detenção _Em geral, esses centros correspondem a estabelecimentos (muitos precários)
localizados no território do próprio Estado receptor. Porém, existem centros loca-
lizados estrategicamente localizados fora do território do Estado receptor, com o
Outra medida utilizada pelos Estados é o estabelecimento de centros de
escus~ pr~pósito de evitar a entrada do solicitante de refúgio na jurisdição do país
detenção 135 • A detenção de imigrantes pode ser definida como a privação de li-
e, assim, liberar-se da obrigação de observar o princípio do non-refoulement.
berdade de indivíduos (não-cidadãos) em razão do seu status migratório 136 • Essa
A detenção de imigrantes é uma alternativa polêmica: defendida pelos agentes
do Estado, criticada por aqueles que defendem os direitos humanos dos migrantes.
JB
Segundo a autora, os exemplos de fechamento de fronteira revelam práticas intimamente relacionadas com interesses
Para aqueles que a defendem, a detenção é parte do controle de fronteira, tanto um
estratégicos dos países ocidentais e doadores do ACNUR: Turquia - Iraque ( 199 I ), Zaire Ruanda (1994), Tanzânia
- Burundi ( I 995), Ruanda - Burundi ( 1996), Macedônia - Kosovo ( 1999), Afeganistão (2001 ), Chade - Sudão (2006), direito como uma obrigação decorrente do exercício da soberania do Estado. Para
Jordânia - Iraque (2006), Síria Irã - Iraque (2007), Malauí - Tanzânia (2007), Kênia - Somália (2007), Egito - Faixa os críticos, porém, os centros de detenção deveriam ser abolidos, pois são arbitrá-
de Gaza - Israel (2007), para citar alguns exemplos, promovida pelos Estados envolvidos liderados pelos Estados Unidos rios, caros e ineficientes 139,
e seus países aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). (LONG, Katy. No Entry! A Review ofUN-
HCR's Response to Border Closures in Situation ofMass Refugee Influx. UNHCR- Policy Development and Evaluation O ACNUR, incapaz de evitar que os Estados adotem tal prática, tentou esta-
Service. Junho de 2010). belecer parâmetros mínimos para sua aplicação 140 • Segundo a Agência, a detenção
O fechamento da fronteira é contrária aos princípios contidos nos arts. 12, 13 e 14 da Declaração Universal de Direitos
d~ve s~r uma medida excepcional, devendo ser justificada por motivo legítimo,
Humanos, além de configurar clara violação do principio do non-refo11/ement (presente no art.33 da Convenção de 1951,
como também, em instrumentos extraconvencionais como na Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, e Jamais deve comprometer o direito de solicitar refúgio. Essa privação de liber-
Desumanos e Degradantes. Ratifica-se a afirmação de Katy Long de que o principio do no11-refo11/ement deve ser aplicado dade deve ser fundamentada na lei e nunca ser conduzida de maneira arbitrária
também para evitar a rejeição em zona de fronteira e que este configura uma norma inderrogável mesmo diante de fluxo . · · , · 141 . Al'em d'isso, a detenção deve se dar por tempo determinado
ou drscnmmatona
massivo de refugiados.
Para maiores informações sobre todos os centros de detenção existentes nos cinco continentes e o número de pessoas detidas:
IF
Global Detellfion Project (http://www.globaldetentionprojectorg/). WILSHER, Daniel. lmmigration Detention: law, history and politics. New York: Cambridge University Press, 2012, p.11.
Existem outras categorias correlatas como: a) as agências migratórias (i111111igrati011 <!ffices) espaços delimitados localizados WILSHER, Daniel. Op. Cit, 2012. p.12.
na sede da autoridade migratória; b) centros extraterritoriais (ojf,ftore dete11tio11 cemres) localizados fora do território do BOSWORTH, Mary. Inside lmmigration Detention. New York: Oxford University Press, 2014.
14U
Estado; c) centros de recepção ou abrigos (receptio11 cemres), geralmente usados para acolher refugiados ou outros grupos UNHCR. Guidelines on the Applicable Criteria and Standards relating to the Detention of Asylum-Seekers and Alternatives
vulneráveis especificas abarcados por Tratado Internacional específico; d) Zonas de transição (tra11sir =o11es), geralmente to De1ention, 2012, Disponível em: http:/lwww.refworld.org/docid.i503489533b8.htrnl, acesso em julho de 2015.
localizadas em portos e aeroportos, onde os migrantes ficam por tempo determinado. Nesse caso, as autoridades não consi- Vide também, disposição expressa do artigo 26 da Convenção de 1951, i11 verbis: "'Cada Estado Co111rata11te dará
deram que o migrante tenha efetivamente "adentrado" no território nacional. mas se encontra em um limbo o que o coloca aos refugiados que se encontrem no seu território o direito de nele escolher o local de sua residência e de nele cir-
em situação de extrema vulnerabilidade. (FL YNN, Michael. An Introduction to Data Construction on Immigration-related cular, lfrrememe. com as reservas instiwídas pela regulamentação aplicá1·el aos estrangeiros em geral nas mesmas
Detention. ln Global Detention Project Publications; julho, 2011.) circzmstânci'as··.
92 HELISANE l'vlAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFL:Gl.-\00S: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
93
(geralmente estabelecido em lei) e devem.ser oferecidas condições dignas de per- que impulsionaram a fuga, . . a maioria encontra-se em situacão
, irregular, ou in
· d 0-
manência para os indivíduos que se encontrem nessa condição. curnenta d o. Deter o solicitante de refúgio pelo simples fato de ter ade t d
· ' · d n ra o ao
Porém, mesmo observando essas recomendações, o fato é que a detenção ternton~ o Estado se~ autorização prévia é urna flagrante violação do Direito
causa efeitos negativos nos indivíduos, especialmente quando de longa duração, Internacional dos Refugiados. Além do direito ao acolhimento, esses indivíduos
causando sofrimento desnecessário, alijando sua dignidade e afastando esses indi- devem ter acesso a um procedimento de determinação do status de refugiad
· · fi · . o que
víduos do acesso a direitos e do convívio com a comunidade 142 • Nesse sentido, a seia Justo e e iciente. Mesmo sendo considerada parte da prática jurídica e política
detenção arbitrária de imigrantes encontra resistência na proliferação de normas a~otada pelos E:tad~s, a realidade mostra que a detenção é um fator de estigmatiza-
internacionais de direitos humanos, que proíbem que os Estados deliberadamente ça~ da ~opulaçao migrante e um obstáculo à garantia dos direitos dos refugiados.
decidam quem podem deter ou rechaçar 143 • Al~m disso, ape~ar_ de certo "verniz" legal, seu conteúdo é incompatível com os
Segundo Michael Flynn 144, o direito à liberdade individual é uma das nor- pnncipios do Direito Internacional dos Direitos Humanos como a liberdade de
mas mais importantes da comunidade internacional. Contudo, mesmo Estados locomoção e o acesso à justiça 146 •
democráticos podem trair esse princípio quando confinam pessoas em centros de Diante do exposto, cabe analisar essas alternativas à luz do Direito Interna-
detenção, afastando-as da vida em comunidade, negando-lhes o acesso a direitos, cional dos Refugiados e sua compatibilidade com os standards internacionais de
sobretudo o acesso à justiça. Frequentemente, os Estados disfarçam essas medidas proteção aos direitos humanos. O instituto do refúgio foi criado para auxiliar
sob a o manto do discurso da segurança, ou usando terminologias enganosas que pessoas e~ si_tuação de fuga provocada por perseguição odiosa e violações generali-
não retratam a realidade. Além disso, as autoridades migratórias limitam o acesso a zadas de direitos h~manos. E fato que as causas que motivaram tal situação podem
esses indivíduos e não disponibilizam estatísticas transparentes sobre sua situação, se arrastar por muitos anos, impossibilitando que o refugiado retorne à situacão
o que dificulta a atuação daqueles que defendem seus direitos. anterior de normalidade. Essa condição impõe a necessidade de buscar alternati~as
Segundo a crítica de Flynn 145, os Estados aplicam seletivamente as normas de pa~a. que essas_ pessoas possam reconstruir suas vidas de maneira digna. Porém, as
direitos humanos, interpretando-as de modo que endossem o direito do Estado pr~t~cas desc~1tas são a~ternativas que facilmente podem desviar-se do propósito
de deter e/ ou deportar. ~ando não podem fazê-lo, "exportam" a detenção para ong~nal que_ e .ª proteçao das pessoas em vulnerabilidade. Considera-se que essas
outro Estado ou território como uma forma de evitar as responsabilidades legais, medidas paliativas adotadas pelos Estados, as quais são potencialmente violadoras
especialmente quanto ao direito de acolhimento dos refugiados. Em outros casos, de ~ireitos humanos, são um dos efeitos colaterais da ausência de um regime inter-
os Estados criam instituições legais que criminalizam a migração irregular, mudan- nac10nal de proteção aos refugiados consolidado.
do o caráter da detenção de administrativo para criminal. Diante do quadro expostos, tentou-se identificar os motivos que conduziram
Buscar refúgio é um direito e não pode ser considerado um ato ilegal, nem o à crise do atual modelo de proteção aos refugiados. Todos esses fatores compõem
solicitante de refúgio deve ser tratado como um criminoso. Devido às condições u~ quadro que demonstra a necessidade de rever os fundamentos sobre quais ele
fo1 construído. Porém, para identificar esses fundamentos, cabe refletir: a quem
1-12
Preocupado com o aumento do uso da detenção de imigrantes como estratégia utilizada pelos Estados e pelas condições serve esse modelo fragmentado e nacionalista, que obstaculiza a consolidacão de
nas quais é praticada, com flagrantes violações aos direitos humanos dos migrantes. o ACNUR elaborou uma iniciativa um verdadeiro sistema internacional de proteção aos refugiados? Certarnen;e, não
global para redução dessa prática, que aponta desafios e metas para sua superação. Como desafio, o ACNUR aponta: o mau serve àqueles que necessitam do refúgio e que são os titulares dos direitos que só
uso da detenção e sua função; a falta de informação sobre alternativas disponíveis; o crescimento do número de detidos e
a incorporação automática da detenção nas leis migratórias dos Estados; o uso da detenção como uma forma de dissuasão
podem ser verdadeiramente protegidos a partir de um sistema internacional de
do fluxo migratório; o acesso limitado do ACNUR e outras agências humanitárias a esses locais de detenção; e, por fim,
proteção justo e humano.
a precariedade destes. O ACNUR também coloca três metas que devem ser atingidas: a) o fim da detenção de crianças; b)
assegurar alternativas à detenção; c) assegurar que as condições da detenção, quando ela fornecessária ou inevitável, estejam
de acordo com os standards internacionais. ( UNHCR - Beyond Detention: a global strategy to suport govenments to end the
detention of asylum seekers and refugees. 2014 ).
De acordo com "The concealing and revealing tendencies of states with respect to lheir detention practices can be observed
in ( ... ) two outstanding characteristics of lhe contemporary immigration detention phenomenon: the gradual institutional
entrenchment (ar deepening) of mii,,ram detention regimes in the nation state (as observed, for example. in the shift from
criminal prisons to dedicated imrnigration facilities) and lhe apparent spreading (or widening) of this practice across the
globe. These developments appear to be driven by two processes: ( 1) the diffusion of normative regimes aimed at protecting
non-nationals; (2) and the externalization ofinterdiction practices from core states ofthe intemational system to lhe periph-
ery". (FL YNN, Michael. Toe Hiden Costs of Human Rights: the case of imrnigration detention. Global Detention Project,
Working Paper n"7, setembro de 2013. p.8).
FLYNN, Michael, Op. Cit, 2013, p. l l.
'" FLYNN, Michael. Op. Cit, 2013, p.12. '" CRAWFORD. James & HYNDMAN, Patrícia. Op. Cit 1989.
CAPÍTULO 3
0 REFÚGIO E A JUSTIÇA INTERNACIONAL

3.1. A PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS NO SISTEMA


INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

A segunda parte destina-se a analisar a formação do novo paradigma jurídico


da proteção internacional dos refugiados. Em um primeiro momento (Capítulo
Terceiro), analisa-se a formação desse novo paradigma a partir da jurisprudência
das Cortes Internacionais. Em um segundo momento (Capítulo Quarto), desenvol-
ve-se a reflexão sobre as características e fundamentos desse novo paradigma. Neste
Terceiro Capítulo, observa-se da atuação dos seguintes sistemas internacionais na
proteção dos direitos humanos e, mais especificamente, na proteção dos refugia-
PARTE II dos: a) inicia-se pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em razão do
vínculo que o Brasil estabelece com este sistema; b) Na sequência, o mais antigo
A CONSTRUCÃO
"'
DO sistema de proteção aos direitos humanos, o Sistema Europeu e também o trata-
NOVO PARADIGMA mento dado ao refúgio na Integração Europeia; c) Em seguida, a indispensável
análise sobre o Sistema Africano e sua importante contribuição para a concepção
normativa da migração forçada; d) O controverso papel da Corte Internacional de
Justiça na proteção aos direitos humanos; e) e, por fim, o papel do Tribunal Penal
Internacional em coibir as causas do deslocamento forçado 1•
Os Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos são um produto
do pós-guerra, fruto do movimento internacional de afirmação dos direitos huma-
nos inspirados na Carta das Nações Unidas e no advento da Declaração Univer-
sal de Direitos Humanos. Porém, mesmo inspirados pelos mecanismos globais e
desenvolvendo-se concomitantemente a eles, cada sistema evolui buscando atender
às peculiaridades e necessidades de sua região 2, influenciados por fatores políticos

Como opção metodológica para o desenvolvimento do estudo feito neste terceiro capitulo utiliza-se a análisejurisprudencial
e normativa, sem, contudo, ignorar a formação histórica e as características de cada sistema. Quanto à jurisprudência, espe-
cificamente, foram selecionadas as que foram consideradas paradigmáticas para o propósito deste estudo, sendo, portanto.
uma análise qualificada e não exaustiva. O parâmetro para a seleção da jurisprudência analisada foi estabelecido de acordo
com alguns critérios: a) a relevância do caso para a consolidação do Sistema estudado; b J A importância do caso para o
argumento central desta reflexão; c) A repercussão do caso sobre a proteção internacional dos refugiados, tanto no aspecto
legal quanto político.
Sobre a Integração lnteramericana, comenta Dinah Shelton "The Americas had a tradition of regional approaches to in-
temational issues, including human rights, growing out of regional solidarity developed during the movements from inde-
pendence. Pan American Conferences had taken action on severa! human rights matters well before the creation of United
~

HELISANE M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REF!!GIADOS: Novo PARADIGMA JURiDICO


97
96
e históricos diversos que acabaram por construir sistemas com características pró- outros locais do globo 7, ele não é menos complexo e também tem sofrido um
prias. Todavia, entre semelhanças (por sua inspiração universal comum) e diferen- período de expansão. A intersecção dos fluxos mistos, do tráfico de pessoas e de
ças, os sistemas regionais inegavelmente exercem influência mútua informando e situações de vulnerabilidade social e econômica que fomentam a instabilidade po-
. d o uns aos outros3. lítica e violaçõ_es sistemáticas de direitos humanos, têm sido a tônica da migração
ennquecen
Segundo Dinah Shelton4, além das características históricas e políticas pró- forçada na região.
prias que impulsionaram a criação dos sistemas regionais, outro fator que impul- Conforme Juan Carlos Murillo Gonzáles 8, devido à persistência das políti-
sionou a criação dos sistemas regionais foi a frustração com os longos esforços das cas migratórias restritivas, a exacerbação do fator segurança e o crescimento do
5 controle de fronteira, o fenômeno migratório americano necessita de maior visi-
Nações Unidas para a conclusão da Carta Internacional dos Direitos Humanos •
Shelton comenta que, durante o processo de elaboração e consolidação da Carta, bilidade e de um melhor entendimento sobre sua dinâmica e magnitude9, a fim
tornou-se evidente que os mecanismos de compliance em nível global não seriam de que a proteção adequada seja destinada às pessoas em mobilidade. Diante do
suficientes e que qualquer procedimento judicial para fazer cumprir os direitos quadro de aprofundamento e crescimento da mobilidade humana no continente
humanos deveria ser estabelecido em nível regional, para que se tornasse efetivo. torna-se fundamental avaliar qual o papel do Sistema Interamericano de Direito~
Nesse sentido, os mecanismos regionais foram uma inciativa associada a pro- Humanos, como estrutura política, normativa e judicial, na proteção da população
cessos de cooperação, aliada à necessidade de corresponder às demandas locais. E, migrante, em especial refugiados e solicitantes de refúgio.
como se pretende demonstrar neste Capítulo, devem ser considerados complemen- O Sistema Interamericano tem se convertido em um mecanismo importante
tares às normas internacionais sobre refúgio (até por serem inspirados por elas), para a consolidação dos direitos dos refugiados na região, seja na busca pela harmo-
mas, sobretudo, devem ser considerados como instrumentos importantes para a nização das diversas legislações nacionais ao adaptar a proteção aos princípios e ne-
consolidacão do Direito Internacional dos Refugiados, já que este carece de um cessidades regionaisto, seja ao cobrar a responsabilidade dos Estados, a ele vinculados,
mecanismo próprio de supervisão e controle em nível global.
Assim, a regionalização da proteção aos refugiados tem procurado adaptar Segundo dados do ACNUR há um total de 769.000 refugiados no Continente Americano corno um todo. (Fonte: World at
War- UNHCR Global Trends: forced rnigration in 2014. Disponível em: http://www.unhcr.org1556725e69.htrnl). Segundo
a perspectiva global às peculiaridades regionais. Porém, segundo alerta Fischel de comenta Juan Carlos Murillo Gonzáles: "Nowadays, asylum seekers and refugees cornpose, in quantitative terms, a srnall
Andrade6, as iniciativas regionais devem ser avaliadas com cautela, pelo impacto percentage of lhe total nurnber of persons taking part of migratory flows, who move frorn one country to anolher, for motiva-
que podem causar sobre outros sistemas. Segundo Fischel, o objetivo dos enforques tions different to intemational protectíon of refugees. This increasing new phenornenon is called "mixed migratory flows".
meaning the presence of persons in need of intemational protection as refugees wilhin broader rnigratory rnovements or
regionais é mitigar as falhas e deficiências da Convenção de 1951 com relação à mi-
flows in which lhe rnain rnotivations expressed by the persons to leave úieir countries are linked to poverty, social exclu-
gração forçada contemporânea e adaptar a legislação internacional à problemática sion, lack of ernployrnent or economic altematives and the search of better life perspectives. Therefore, on the one hand.
dos refugiados em nível regional, sendo que os instrumentos regionais devem ser the protection needs of a relatively small nurnber of asylurn seekers and refugees in the region subsist. but the very context
compatíveis com os princípios internacionais, como também devem ser interpreta- in which this intemational protection is provided has changed, as longas those in need are pari of mixed rnigratory flows.
Because of lhis one oflhe rnain challenges for intemational protection is to identify those in need of such protection (asylurn
dos e aplicados de acordo com estes. seekers and refugees) within rnigratory flows." (GONZALES, Juan Carlos Murillo. Forced Displacernent in the Arnericas
O desenvolvimento da mobilidade humana nas Américas segue a tendência and its Irnpact on Regional Migrations. ln Revista Multidisplinar de Mobilidade Humana. Ano XVI, n"3 l, 2008, p.165).
mundial: apesar do fluxo de refugiados na região não ser tão intenso quanto em O autor explica as características do fluxo migratório na região: "En el continente existen distintas siruaciones de perse-
cuciôn Y violaciones de derechos humanos que generan refugiados y otras personas necesitadas de protecciôn: secuestro,
extorsiôn y retaliaciôn de la poblaciôn civil en un contexto de conflicto armado. el reclutamiento forzoso de menores, y el
Nations. ln addition as early as 1907 sorne states in lhe region created Ú!e Central Arnerican Court of Justice. Toe Court had
uso de la violência sexual y de género corno instrumento de guerra. Tarnbién han cobrado rnayor visibilidad Ias necesidades
jurisdiction over cases of"denial ofjustice" between a governrnent anda national ofanoúier state, iflhe cases were ofan
de protecciôn internacional de las victimas de la trata de personas, de los niiios no acornpaiiados o separados, de las víctimas
intemational character or concemed alleged violation of a treaty or convention. This history of concem led Ú!e Organization
dei accionar de grupos delincuenciales transnacionales organizados (i.e. el fenômeno de las "rnaras" en Centroamérica y
of American States to refer to human rights in its Charter and to adopt the Inter-American Declaration on the Rights and
las redes dei narcotráfico) y de personas sobrevivientes de situaciones de "lirnpieza social" (i.e. niiios de Ia calle)." (GON-
Duties of Men about seven rnonths before the United Nations adopt the Universal Declaration of Human Rights." (SHEL-
ZALES, Juan Carlos Murillo. El derecho de asilo y la proctecciôn de los refugiados en e! continente americano. ln XXXIV
TON, Dinah L. Toe Promise ofRegional Human Rights Systems. ln SHELTON. Dinah & CAROZZA. Paolo G. Regional
Curso de Derecho Internacional: "Aspectos Jurídicos dei Desarollo lntemational", Organizaciôn de los Estados Americanos
Protection ofHurnan Rights, 2º'. Edition, New York: Oxford University Press, 2013, p. 12).
- Departamento de Derecho Internacional. 2008, p.421 ).
A interação entre os sistemas de proteção, especialmente por meio da jurisprudência das Cortes internacionais, será discutida
GONZÁLES, Juan Carlos Murillo. Op. Cit. 2008, p. 168.
Capítulo 4. !O
Concorda-se com a posição de Fischel de Andrade, que comenta: "Los avances regionales han hecho surgir rnuchas ventajas.
SHELTON. Dinah L. Op. Cit., 2013. p.13.
AI adaptar el sistema global a las realidades especificas de una regiôn o subregíôn. varias factores positivos están siendo
Denominação dada ao conjunto dos três principais documentos sobre direitos humanos das Nações Unidas: a Declaração Uni-
tomados en consideraciôn, tales corno particularidades especificas, intereses mutuas, cornpatibilidad cultural y tradiciones
versal dos Direitos Humanos; o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
sociales. Asimisrno, las organizaciones regionales generalmente se encuentran en una rnejor posiciôn para jugar un papel
Nas palavras do autor: "Los princípios regíonales no están orientados a prevalecer sobre aquellos de carácter universal, mas
activo en los procesos de pacificaciôn y mantenimiento de la paz debido a la representación geográfica equitativa que facilita
bien a complementarlos donde quiera que sea necesario. Corno una consecuencia de ello, los fenô- menos regíonales deberán
la obtenciôn de consenso. Las soluciones, por lo tanto. pueden ser realizadas «a la medida» de las circunstancias especificas
ser analizados y enfrentados de rnanera paralela a los universales." (FISCHEL DE ANDRADE, José Henrique. Regionaliza-
que pudieran surgir. Las iniciativas regionales, debido a su naturaleza pragmática, facilitan la rernociôn de las dificultades
ciôn y Arrnonizaciôn dei Derecho de los Refugiados: urna perspectiva lationarnericana. ln Derechos Humanos y Refugiados
que se originan en los enfoques regionales, tal como la falta de experiencia, estructura, medias econômicos y procedimientos
en las Américas: lecturas seleccionadas, San José. ACNUR/IIDH, 2001. pp. 77 e 78).
1

98 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:Gl.-\.DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO


99
sobre o respeito às normas sobre refúgio. Na perspectiva da criação de um novo para- compreendem uma série de atividades que se destinam promover os direitos hu-
digma jurídico da proteção internacional dos refugiados, é fundamental analisar qual manos e a monitorar eventuais violações cometidas pelos Estados-membros da Or-
a contribuição deste Sistema a partir de sua constituição e atuação política e jurídica. ganização. A Comissão realiza sua função 17 de proteção e promoção dos direitos
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos se estabelece a partir da Orga- humanos na produção de relatórios e estudos sobre o tema; solicitar informações
nizacão dos Estados Americanos (OEA)11. A Organização, cuja criação está intima- aos Estados sobre a situação dos direitos humanos no país e apresentar um relatório
men~e conectada com as disputas da Guerra Fria, foi forjada como um instrumento anual à Assembleia Geral da OEA sobre o tema. Formular também recomendações
dos Estados Unidos e seus aliados para estabelecer controle estratégico sobre a re- para os Estados para que adotem medidas para a promoção dos direitos humanos 18 •
gião.12 Dentro desse propósito, um arcabouço institucional que pudesse capaz de Ela também atua quanto às petições e comunicações de violações de direitos
favorecer a cooperação entre os países da região e que estabelecesse uma forma de humanos que por ventura lhe sejam encaminhadas. ~alquer pessoa(s), ou organi-
solidariedade (condicionada aos interesses americanos) era algo extremamente desejá- zação não-governamental (legalmente reconhecida) podem apresentar à Comissão
vel. Assim, em sua gênese, o Sistema Interamericano de Direitos Humanos foi criado notícias de violações de direitos humanos cometidas por um Estado-parte, ou esta
como um instrumento de influência sobre os Estados-membros, mais suscetível à pode apurar tal violação ex officio (a motu próprio) 19 • Considerada admissível, a
manipulação política e sem o real interesse de ser efetivo ou democrático 13 • petição20, a Comissão dará prosseguimento ao processo de apuração das eventuais
Sob o aspecto normativo, a proteção internacional dos direitos humanos no violações 21 • Nesse sentido, a Comissão pode escolher dois caminhos: I) Expedir
Sistema Interamericano está especialmente ancorada na Convenção Americana de Recomendações ao Estado faltoso (mediante informe a ele destinado) para que
Direitos Humanos 14 e nas Instituições cujas atribuições e competências ela deter-
este cesse a conduta violadora e repare os danos causados, dentre outras atitudes
mina e que se converteram em instrumentos para sua efetividade: a Comissão Inte-
que a Comissão entender importantes para a proteção dos direitos humanos. Caso
ramericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
o Estado não cumpra, as Recomendações, a Comissão pode levar a questão para
Passa-se, por conseguinte, a analisar o funcionamento dessas Instituições, para bem
a Assembleia Geral da OEA, onde o informe (público) dará visibilidade e trará
avaliar seu papel na proteção dos refugiados na região.
eventuais consequências políticas ao Estado em razão das violações cometidas. II)
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos antecede a Convenção
Por outro lado, a Comissão pode entender que o caso deva ser levado à Corte Inte-
Americana, tendo sido criada a partir da Carta da OEA, com o propósito de ''pro-
ramericana que irá apurar a responsabilidade do Estado violador à luz das normas
mover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da
e Convenções que fazem parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Organização em tal matéria" 15 • Posteriormente, sua função é ampliada e aprimo-
Nesse contexto, o papel da Comissão é essencialmente conectado com a atuação da
rada pelo advento da Convenção Americana de Direitos Humanos, através da qual
Corte, ao "selecionar" os casos que serão eventualmente julgados 22 • Os chamados
ela adquire verdadeiro papel mais ativo e contundente 16 • As atribuições da Comissão

cana de Direitos Humanos, mas a todos os Estados-membros da OEA à luz do art 4 da Carta da OEA e 41 da Convenção
de muchas organizaciones para responder de manera efectiva a los conflictos y a las emergencias de carácter humanitario:' Americana. Além disso, tal previsão encontra-se nos artigos 18 a 20 do Estatuto da Comissão, aprovado pela Assembleia
(FISCHEL DE ANDRADE, José Henrique. Derecho de los Refugiados en America Latina: reflexiones sobre su futuro. ln Geral da OEA em 1979. (CANÇADO TRINDADE. Antônio Augusto. Direito das Organizações Internacionais. Editora Dei
NAMIHAS, Sandra. Derecho Internacional de los Refugiados. Pontifícia Universidad Catolica de Perú - Instituto de Estu- Rey. 2003, p. 108). É imponame ressaltar também que essa mudança foi também cunhada pelas disposições do Protocolo de
dios Intemacionales-Fondo Editorial 2001, p.94). Buenos Aires, que entrou em vigor em 1970, que estabelece a função da Comissão na proteção dos direitos humanos e no
li
A Organização dos Estados Americanos foi criada em 1948 por meio de seu Tratado Constitutivo, a Carta de Bogotá (em vi- papel como órgão consultivo da OEA sobre a matéria. O Protocolo entrou em vigor entrou em vigor um ano após a elabora-
gor desde 1951) com o objetivo de "'conseguir uma ordem de pa:: e de justiça. para promo\'er sua solidariedade, intensificar ção da Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo posteriormente incorporado a ela e servindo como instrumento
sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência" (an.1" da Carta). O Documento para garantir o papel da Comissão neste período de transição até a entrada em vigor da Convenção Americana. (B UERGEN-
foi posteriormente emendado pelo Protocolo de Buenos Aires ( 1967); pelo Protocolo de Cartagena ( 1985); Protocolo de THAL, Thomas. The lnter-american System for the Protection ofHuman Rights. ln SHELTON. Dinah. Regional Protection
Manágua ( 1993); e pelo Protocolo de Washington ( 1997). Hoje, a OEA conta com 35 Estados-membros. ofHuman Rights. Vol.l, New York: Oxford University Press, 2008, p.71).
12
HORWITZ, Betty. Toe Transformation ofthe Organization of American States: a multilateral framework for regional gov- 17
Vide art 41 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
emance. New York: Anthem Press, 2011, p.3. IS
As atribuições dos Estados-partes da Convenção, quanto à Comissão, estão previstas nos anigos 42 e 43 da Convenção
" André de Carvalho Ramos chama atenção para o contexto político na época em que o Sistema Interamericano de Direitos Americana de Direitos Humanos. Vide também an. 18 e 19 do Estatuto da Comissão lnteramericana de Direitos Humanos.
Humanos dava seus primeiros passos, ou seja, boa pane dos Estados Americanos era governada por ditaduras nas décadas 19
Vide Anigo 44 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
de 60 e 70, quando a Convenção Americana de Direitos Humanos foi Elaborada e na sua entrada em vigor. O Brasil, que .:?D
Para receber e considerar admissíveis tais petições, a Comissão levará em consideração os requisitos dispostos nos anigos
também vivia uma ditadura. somente ratificou a Convenção em 1992, decorridos dezessete anos da abenura política. (CAR- 46 e 47 da Convenção.
VALHO RAMOS, André de. Op. Cit 2015, p.218). ,1 Vide artigo 48 a 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
"
1l
A Convenção Americana de Direitos Humanos foi elaborada em 1969, entrando em vigor em 18 de julho de 1978. Dinah Shelton observa que a variedade de funções e competências, em contraste com a falta de recursos e estrutura
Artl06 da Cana da OEA. O Capitulo VII da Convenção Americana de Direitos Humanos, anigos 34 e seguintes, dispõe suficientes fazem com que a Comissão tenha que estabelecer prioridades e escolher entre países, temas e casos que irá
sobre a estrutura, competência e funcionamento da Comissão. privilegiar. Segundo Shelton "Exercise of the functions and powers given the IACHR and the 1-A Coun has not been
16
A Comissão lnteramericana de Direitos Humanos adquire nova face com o advento e entrada em vigor da Convenção Ame- without controversy, even backlash. at the same time as lhe number of demands on these bodies to exercise their func-
ricana de Direitos Humanos, no ano de 1978, exercendo um papel definitivo no monitoramento das violações de direitos tions has grown. Toe transition in rnany countries of the region from repressive regimes toward democratic govemance,
humanos no Continente. Neste sentido, seu papel não se restringe apenas aos Estados que ratificaram a Convenção Ameri- coupled with a rise in the number and membership of civil society organizations and greater awareness of intemation-
100 J1_____________________________H_EL_1s_AJ_N_E_M_._AH_L_KE_

"casos paradigmáticos" são escolhidos a partir de critérios nem sempre claros, mas
que, em geral, apontam para o grau de sensibilidade política que tal questão possa
ter para os Estados da região 23 •
A Comissão lnteramericana pode ser considerada um mecanismo quasi-judi-
T DIREITO INTERNACIONAL OOS REFl!GIADOS: Novo PARAOIGMA JURÍDICO

mover e garantir os direitos dos migrantes e suas famílias, refugiados, solicitantes de


asilo, deslocados internos, apátridas e vítimas de tráfico de pessoas. O seu mandato
compreende a função de elaborar relatórios sobre a situação das pessoas em questão;
101

conscientizar os Estados quanto às suas obrigações em respeitar os direitos destas pes-


cial, especialmente pelo seu poder de emitir recomendações para os Estados. Tais re- soas; elaborar estudos e recomendações aos Estados membros da OEA para a promo-
comendações, apesar de não gerarem a possibilidade de responsabilização do Estado ção e proteção de direitos; monitorar a situação dos direitos humanos destas pessoas
pelo seu descumprimento, elas impõem aos Estados o dever de empreender ações que e dar visibilidade a eventuais violações e, por fim, atuar quanto a petições, cautelares
tornem efetivas tais recomendações 24 . As Recomendações da Comissão representam e medidas provisórias deliberadas pela Corte lnteramericana de Direitos Humanos.
diretrizes para guiar as políticas estatais em relação a questões sensíveis aos direitos É importante ressaltar, também, que o ACNUR e a OEA têm estabelecido
humanos, sob a égide da Convenção Americana e outros documentos que compõem laços de cooperação para fortalecer o marco normativo e garantir os direitos hu-
o arcabouço jurídico do Sistema lnteramericano25 • Por outro lado, as Resoluções manos dos refugiados, solicitantes de refúgio e outras pessoas que carecem de
da Comissão sobre casos específicos são um importante instrumento político que proteção, por meio de acordos realizados com a Comissão lnteramericana (2001)
podem constranger Estados violadores a cessarem suas práticas abusivas, ou mesmo e com a Corte lnteramericana de Direitos Humanos (2000). Além disso, desde o
fazer com que revejam suas políticas migratórias de modo que se tornem mais huma- ano 2001, o ACNUR realiza apresentações anuais perante o Comitê de Assuntos
nas.26 O cumprimento das Deliberações da Comissão lnteramericana pelos Estados-
Jurídicos e Políticos da OEA ou perante o Conselho Permanente da OEA sobre o
-membros é um elemento indispensável à consolidação dos direitos humanos no
desenvolvimento regional em matéria de proteção, diante das necessidades impos-
Continente, assim como para fortalecer o Sistema lnteramericano.
tas pelo crescente número de refugiados e solicitantes de asilo28 .
Importante mencionar que, no âmbito da competência da Comissão Intera-
Além de dar nova face à Comissão lnteramericana de Direitos Humanos,
mericana de Direitos Humanos, há o destacado papel das Relatarias Especiais, de
aprimorando e aprofundando seu papel, a Convenção Americana de Direitos Hu-
maneira pontual a Relataria sobre os Direitos dos Migrantes 27, cuja função é de pro-
manos também foi responsável pela criação da Corte lnteramericana de Direitos
Humanos. A Corte é o organismo judicial do Sistema lnteramericano, o qual,
ally-guaranteed human rights have resulted in growing expectations of victims and their representatives that the lnter-
American system can address ali individual and systemic violations ofhuman rights.( ... ) The result is a steady growth
segundo disposição do art.61,§3º- da Convenção americana "tem competência para
in the number ofpetitions brought to the IACHR. creating an ever-increasing backlog ofpetitions to be processed, long conhecer de qualquer caso, relativo à interpretação e aplicação das disposições desta
delays. and repeated if not always successful efforts to reform case management." (SHEL TON, Dinah. The Rules and Convenção, que lhe seja submetido, desde que os Estados-partes no caso tenham re-
Reality of Petition Procedures in the lnter-American Human Rights System. ln The Future ofthe lnter-American Human
Rights System. Working Paper nº2, maio de 2014. p.4).
conhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como
Por "'sensibilidade política•· entende-se a capacidade de gerar impacto tanto na estrutura interna dos Estados (não apenas preveem os incisos anteriores, seja por convenção especial:
nas estruturas de poder, mas também nas relações sociais, econômicas e jurídicas), como nas relações destes com outros A Corte exerce competência consultiva, por meio da qual pode dirimir quais-
Estados e com a sociedade civil. A pretensão é de que a jurisprudência da Corte tenha um efeito pedagógico e transforma-
dor. propiciando iniciativas que façam cessar as violações e previnam violações futuras, e que também afirmem um padrão
quer dúvidas sobre o conteúdo da Convenção Americana e demais tratados regio-
de comportamento dos Estados que garanta a proteção dos direitos humanos de seus cidadãos. A questão da mobilidade nais. Podem provocar a competência consultiva da Corte os Estados que ratifi-
humana foi e é uma dessas questões sensíveis, a qual foi judicializada para que a Corte estabelecesse um padrão de conduta
caram a Convenção, os demais Estados-partes da OEA e demais órgãos da OEA.
e responsabilidade dos Estados quanto aos direitos dos migrantes e refugiados.
14
Para corroborar este entendimento ver a Decisão da Corte lnteramericana no caso Loaysa Tamayo v. Peru, Série C. n"33,
Já quanto à competência contenciosa, somente a Comissão Interamericana e os
§80, julgado em setembro de 1997. Estados-parte que tenham submetido uma declaração aceitando a jurisdição con-
" Em várias ocasiões, a Assembleia Geral da OEA tem alertado os Estados-membros quanto ao cumprimento das Reco-
tenciosa podem trazer casos perante a Corte29 . Em ambas as competências, a Corte
mendações da Comissão (vide Resolução AGIRES. 2672 (XLl-O/11) sobre Observações e Recomendações ao Relatório
Anual da Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, §3,b. Também, a Resolução AGIRES. 2675 (XLl-O/11) sobre o
Fortalecimento do Sistema lnteramericano de Direitos Humanos no Cumprimento de Mandatos Derivados das Cúpulas das GONZÁLES, Juan Carlos Murillo. EI Sistema lnteramericano de Protección de Derechos Humanos y su Relevancia para
Américas, na qual a Assembleia solicitou ao Conselho Permanente da OEA consderar meios para promover o cumprimento la Protección de Refugiados y Otras Personas Necesitadas de Protección en el Continente Americano. XXXIV Curso de
das Recomendações da Comissão pelos Estados-membros da Organização (§3, d)). Derecho Internacional de la OEA: ··Aspectos Jurídicos dei Desarollo Regional", 2007, p.449).
16
Faz-referência a dois casos importantes levados à Comissão para ilustrar esse importante papel na proteção dos direitos " Conforme ensinam Diego Pinzón e Cláudia Martin sobre os diferentes níveis de aderência ao Sistema lnteramericano: a)
humanos dos refugiados: Decisão da Comissão Interamericana quanto ao mérito do caso nºI0.675 v. Estados Unidos Há um primeiro nível mínimo de aderência, de acordo com a Declaração Americana. que é requerida a todos os Estados-
de março de 1997: os Estados Unidos violaram o artigo 22.7 da Convenção Americana ao negar a cidadãos haitianos o membros e é monitorada pela Comissão: b) Um segundo nível de aderência se aplica a Estados que tenham ratificado a
direito de ter acesso ao procedimento de solicitação de asilo e a denegação do status de refugiado. Em outro caso. John Convenção Americana, mas não aceitaram a jurisdição contenciosa da Corte. Esses Estados devem se comprometer com
Doe e outro v. Canadá de (Relatório nº78/I I, caso 12.586) de 21 de julho de 2011: que trata principalmente do direito as disposições da Convenção, mas não estão submetidos às decisões da Corte em casos contenciosos; c) O maior nível de
de solicitar asilo e ter acesso ao devido procedimento. Ambos os casos, também, referem-se à violação do principio do aderência refere-se àqueles Estados que aceitaram a jurisdição contencíosa da Corte, comprometendo-se não apenas ao
non-refou/emem previsto no art. 22.8. cumprimento das disposições da Corte. mas a acatar o julgamento da Corte em casos nos quais sejam parte. (RODRIGUEZ-
:!.1
A Comissão criou a Relataria para os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Familias no 92º Período de Sessões e a PINZÓN, Diego & MARTIN, Claudia. Toe Prohibition of Torrure and lll-treannent in the lnter-American Human Rights
Relataria para Deslocados Internos no 91" Período de Sessões, ambos em 1996.
System. World Organization Against Torrure, 2006, p.32).
102 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_L_IS_AN_'E_M_A_HLKE_' DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl'GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
4
exerce seu papel como intérprete legítima da Convenção Americana de Direitos Internacionais 34 que de forma específica, ou complementar, protegem os direitos
Humanos, zelando por sua efetividade. das pessoas em mobilidade.
Diante dos grandes problemas enfrentados por refugiados, solicitantes de O principal documento regional de proteção aos direitos humanos é, sem
refúgio e deslocados internos na região analisa-se, agora, qual a importância do dúvida, a Convenção Americana, de 1969 - "Pacto de San José da Costa Rica" 35 •
Sistema Interamericano30 na proteção aos refugiados na região. Agindo de ma- Em especial, o artigo 22, §7Q que trata especificamente do "direito de circulação e
neira complementar31 aos instrumentos internacionais, a atuação da Comissão e, residência", dispondo que "Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em
sobretudo da Corte, tem contribuído para consolidar o Direito Internacional dos território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos
Refugiados (na região), suprindo a falta de um mecanismo de supervisão e controle com delitos políticos, de acordo com a legislação de cada Estado e com as Convenções
em nível global3 2 • Para avaliar essa contribuição, verifica-se, em primeiro lugar, as internacionais"36 • Importante, também, referir o §8º, que dispõe: "Em nenhum
normas regionais e, posteriormente, sua aplicação pela jurisprudência. caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem,
onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude
3.1.1. Normas Regionais de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas".
Ao apontar a disposição expressa da Convenção é preciso observar uma ca-
A cooperação regional tem como um de seus fundamentos a harmoniza- racterística peculiar no subcontinente latino-americano37 : a coexistência entre asilo
ção das relações entre os Estados-membros e, neste sentido, o estabelecimento de
normas comuns que favoreçam a cooperação em temas importantes e sensíveis Além da Convenção Americana de Direitos Humanos, já mencionada, outros importantes documentos compõem o quadro

aos países da região é essencial para consolidar qualquer processo de cooperação. nonnativo do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e devem ser mencionados, especialmente por oferecerem prote-
ção complementar às disposições desta: Convenção Americana sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais. o Protocolo
Sendo assim, a preocupação da OEA com temas como refúgio, asilo e imigração de San Salvador (1988); Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos para Abolir a pena de morte
está expressa nas diversas normas regionais elaboradas no âmbito da integração ( 1990); Convenção Americana para Prevenção e Punição da Tortura ( 1985); Convenção lnteramericana sobre o Despareci-
americana, desde Resoluções da Assembleia Geral3 3 até a celebração de Convenções mento Forçado de Pessoas (1994); Convenção lnteramericana para Prevenção, Punição e Erradicação da violência contra a
Mulher, Convenção de Belém do Pará ( 1994); Convenção lnteramericana para a Eliminação de todas as formas de Discri-
minação contra as Pessoas com Deficiência (2001 ).
!O 35
Confonne relata Murillo Gonzáles, .. Los órganos de protección de derechos humanos dei Sistema lnteramericano han re- Importante mencionar também a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, fruto da 9" Conferência
visado casos relativos a víctimas de desplazamiento forzado, que involucran a países tan diversos como Bahamas, Bolívia, [ntemacional dos Estados Americanos em Bogotá, que apesar de não possuir efeito vinculante, foi o primeiro passo para
Colombia, Chile. Estados Unidos de América, México, República Dominicana y Venezuela. Estas casos han rebelado la estabelecer um standard de proteção aos direitos humanos no sistema regional. Seu artigo 27 dispõe: "Toda pessoa tem o
existencia de una serie de problemas, incluyendo los niveles dispares de las garantias dei debido proceso en los procedimien- direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro. em caso de perseguição que não seja moti\•ada por delitos de
tos para la detenninación de la condición de refugiado entre los países de la región, la fulta de legislación nacional en materia direito comum, e de acordo com a legislação de cada país e com as convenções imernacionais."
de refugiados, la detención de solicitantes de asilo y refugiados. la precariedad de las condiciones de detención, violaciones La consagración en la Convención Americana de una serie de derechos destinados a la protección de los refugiados y solici-
ai derecho a no ser desplazado forzosamente, las condiciones de vida de los desplazados internos, el irrespeto dei principio tantes de asilo es consecuencia directa de la situación de refugiados en América Latina en la década anterior a la celebración
de 11011-refoulemellt, no obstante su carácter de nonna de jus cogens, y la falta dei reconocimiento de las obligaciones de los de la Conferencia Especializada lnteramericana sobre Derechos Humanos que en 1969 adaptá la Convención Americana. En
Estados que van más aliá de sus fionteras .. " (GONZÁLES, J. C. Murillo. EI Fortalecimiento de la Protección Internacional efecto, durante la década de los sesenta, la región americana habia sido testigo, entre otros hechos, de la salida de un número
de los Refugiados a través dei Sistema lnteramericano de Derechos Humanos. ln XXXV Curso de Derecho Internacional de significativo de cubanos de su pais de origen a partir de 1959. dei abandono dei territorio de Haiti por gran número de sus
la OEA: •'Nuevos Desarollos dei Derecho Internacional en las Américas, 2008, p.326). nacionales y de un golpe de Estado en República Dominicana en 1965, que forzó a muchas personas adejar e! pais. Esta
!1 Vide Relatório Anual da Comissão lnteramericana de Direitos Humanos, de 1993, Capitulo V, Titulo 11, sobre "A Situa- trágica situación fue retratada en documentos de la época; por ejemplo. la Comisión lnteramericana. en su infonne sobre
ção dos Refugiados e Deslocados Internos nas Américas". Disponível em: http://www.cidh.oas.org/annualrepi93span1 ··La situación de los refugiados políticos en América", refleja esta dramática situación seõalando, el "problema de los refu-
cap.Vb.htm#SITUACION DE LOS REFUGIADOS, DESPLAZADOS Y REPATRIADOS EN LAS AMERICAS. Nela giados políticos americanos ha cambiado fundamentalmente en los últimos anos;· y destacando que ·'la creciente gravedad y
a Comissão reconhece a importância da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 como guias na proteção aos refugia- trascendencia de estas problemas em los últimos tiempos, con el advenimiento de grandes masas de refugiados políticos en
dos no Continente. América. demandan la adopción de medidas cuya aplicación deberá realizarse enforma urgente". (MANLY, Mark. La Con-
Confonne Francisco Vélez, "Esta Convención establece una instancia internacional encargada de supervisar la aplicación de sagración dei Asilo como un Derecho Humano: analisis comparativo de la Declaración Universal, la Declaración Americana
sus disposiciones, aunque de una naturaliza distinta a lo que se ha hecho dentro dei sistema de las Naciones Unidas para la y Convención Americana de Derechos Humanos. ln FRA,NCO, Leomardo (coord.} El Asilo y la Protección Internacional de
protección de refugiados; la diferencia es que este último no cuenta con una corte especializada en derechos humanos. A no los Refugiados en la América Latina. San José. 2004. p.148)
dudarlo, la Comisión y la Corte pueden supervisar las disposiciones sobre asilo (Articulo 22, Párrafo 7). Vale la pena recor- Los países latinoamericanos han adaptado los conceptos de asilo y refugio en distintos momentos de su historia como
dar que la Convención también incluye el principio de no devolución (Articulo 22, Párrafo 8)". (VÉLEZ, Francisco Galindo. Estados independientes. El concepto legal de asilo se remonta a 1889. Un capirulo entero dei Tratado de Montevideo so-
EI Asilo en América Latina: uso de los sistemas regionales para fortalecer e! sistema de protección de los refugiados de las bre Derecho Penal Internacional. firmado e! 23 de enero de 1889, está dedicado ai asilo. En dicho documento, e! asilo es
Naciones Unidas. ln ACNUR. La Protección de los Refugiados em las Américas. Quito.2011. p.209). afirmado como un derecho inviolable de aquellas personas que soo perseguidas por sus opiniones políticas. Este Tratado
" A questão migratória sempre foi um tema relevante para a OEA, refletida nas Resoluções da Assembleia Geral da Or- reflejó la inestabilidad política de América Latina em ese momento y la necesidad de proteger a las victimas ineludibles de
ganização. Especificamente sobre o tema do refügio temos: Resolução nº 2839, de 2014; Resolução nº 2758, de 2012; la persecución política" (ARBOLEDA. Eduardo. La Declaración de Cartagena de 1984 y sus semejanzas con la Convención
Resolução n" 2678, de 2011; Resolução n" 2597, de 2010; Resolução n" 251 l, de 2009; Resolução n" 2402, de 2008; de la Organización de la Unidad Africana de 1969: uma perspectiva comparativa. ln NAMIHAS, Sandra. Derecho Interna-
Resolução n" 2296, de 2007; Resolução nº 2232, de 2006; Resolução n" 2047, de 2004; Resolução nº 1971, de 2003; cional de los Refugiados, Cap.m, Perú: Pontificia Universidad Católica dei Perú- Instituto de Relaciones Intemacionales,
Resolução nº 1892. de 2002; Resolução nº 1832, de 2001; Resolução nº 1762. de 2000; Resolução nº 1693, de 1999. 2001. p. 82). Depois da Convenção de Montevideo, várias outros documentos trataram da questão de maneira específica: A
Importante ressaltar, também, a Resolução nº 2738 de 2012, que cria a Comissão de Assuntos Migratórios. órgão penna- Convenção sobre Asilo Político. de 1933 e o Tratado de Asilo Político e Refügio, de 1939: Convenção sobre Asilo Territorial
nente, vinculada à Assembleia Geral da OEA. (1954) e Convenção sobre Asilo Diplomático (1954), fonnando uma tradição na concessão do asilo na região.
104 ~1_____________________________ H_E_u_s~_N_'E_N_!_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL OOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
105
e refúgio considerados como institutos diferentes, o que não ocorre em outras 22.8 expressamente consagra o princípio do non-refoulement, em uníssono com 0
regiões do globo, nas quais existe uma identidade conceitua! entre dois t~rmos ?s espírito do artigo 33 da Convenção de 1951 41
(asylum law/refugee law) 38 • O asilo seria, segundo o costume latmo-amencano, Qianto à responsabilidade dos Estados-membros, a Comissão (à luz da Con-
um instrumento diplomático e mais atrelado à discricionariedade do Estado. Se- venção de 1951) considera que, contida no artigo 22.7 da Convenção Americana,
gundo Carvalho Ramos 39, por ser um instituto mais flexível, ou seja, proposital- está a obrigação do Estado em garantir asilo, visto que o ato de reconhecer o status
mente sem uma regulamentação mais específica, permite ao Estado concedê-lo de de refugiado é um ato meramente declaratório 42 • Assim, quando o indivíduo de-
forma mais rápida e sem a necessidade maior formalidade ou fundamentação, tém todas as condições para ser reconhecido como refugiado, segundo o art. 12 da
permitindo adaptar o instituto aos interesses políticos do Estado. Contudo, o pró- Convenção de 1951, em conformidade com o art. 27 da Convenção Americana, o
prio autor critica essa perspectiva tradicional, afirmando que o asilo é uma garan- Estado teria a obrigação de atender ao pedido de asilo. Isso demonstra que a inter-
tia do direito internacional dos direitos humanos prevista em vários documentos pretação que a Comissão confere ao artigo 22.7 da Convenção Americana indica
nacionais e regionais já mencionados e, por essa razão, não pode ser relegado à uma relação clara entre a o direito de buscar e receber asilo e as normas interna-
voluntariedade do Estado. cionais do Direito Internacional dos Refugiados. Assim, segundo essa perspectiva,
Na verdade, a aparente dubiedade da convivência desses dois institutos suscita não apenas o asilo é considerado um direito do indivíduo, como, também, uma
a discussão sobre se o direito ao asilo também poderia ser considerado um direito obrigação do Estado, sujeita à supervisão dos mecanismos do Sistema lnterameri-
subjetivo ao acolhimento tal qual o refúgio e quais seriam as implicações para a cano de Direitos Humanos 43 •
responsabilidade do Estado. É fundamental que a interpretação quanto ao direito A Corte lnteramericana de Direitos Humanos, no primeiro caso específico
ao asilo previsto na Convenção Americana esteja em consonância com a expansão sobre a condição de refugiados na região, também consagrou importante posicio-
e desenvolvimento da proteção internacional aos direitos humanos. Diante dessa namento. O Caso da Família Pacheco Tineo v. Bolívia (que será analisado eventual-
perspectiva, faz-se necessária uma nova abordagem do instituto do asilo, ou como mente) demonstra a intersecção do direito ao asilo previsto no artigo 27 da Con-
mencionam César San Juan e Mark Manly, uma "reconstrução do instituto do venção Americana e as normas internacionais sobre o Direito dos Refugiados. Na
asilo" 4º a fim de que ele possa exercer efetivamente o papel que possui na proteção sentença proferida, a Corte, em uníssono com a posição adotada pela Comissão
dos direitos humanos, incorporando a ele outros direitos correlatos como a reu- Interamericana, condena a Bolívia por violações especialmente do artigo 22, §§ 7 e
nião familiar, a não-discriminação, o direito ao devido processo e, principalmente, 8 da Convenção Americana, considerando falhas no procedimento de solicitação
o respeito ao princípio do non-refoulement. do reconhecimento do status de refugiado e pelo tratamento dispensado aos solici-
No contexto da reconstrução do conceito de asilo, está a importância do tantes, fazendo, também alusão às disposições da Convenção de 1951 44 •
papel dos órgãos de supervisão do Sistema lnteramericano: a Comissão e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, especialmente quanto à interpretação das " SAN JUAN, César& MANL Y. Mark. Op. Cit. 2004. p.51.
Vide manifestação da Comissão quantos aos casos mencionados a seguir: "E/ derecho de petición comagrado en e/ Articulo
normas regionais. De fato, tanto a Comissão quanto a Corte já têm demonstra- XXIV de la Dec/aración puede c011.Siderarse similar ai derecha previsto en e/ Articulo ,'C(Vlf de la Declaración Americana
do em suas manifestações, uma identificação entre o conteúdo do artigo 22.7 da según e/ cual "toda persona tiene e/ derec/w de buscar y recibir asilo en territorio extranjero, en caso de persecución que
no sea motil'ada por delitos de derecho común y de acuerdo con la legislación de cada país y con los convenios i11ter11acio-
Convenção Americana com as normas previstas na Convenção de 1951 sobre o
11a/es, y ai correspo11die11te Articulo 22(7/ de la Co11ve11ció11. que establece e/ derecho de toda persona a "btLrcar y recibir
Estatuto dos Refugiados e o Protocolo Adicional de 1967, especialmente quanto asilo en terrilorio extranjero en caso de persecución por delitos políticos o com unes cone.t:os con los políticos y de acuerdo
aos deveres dos Estados-membros em respeitar os direitos humanos dos refugiados con la /egislació11 de cada Estada y los ca11ve11ios inte111acio11ales. La Comisión ha illlerpretado la primera de estas dispo-
e solicitantes de refúgio que se encontrem em seu território. Além disso, o artigo siciones co11ju111ame11te con la Co11ve11ció11 de 195/ relativa a la Co11dició11 de Reji1giado (.,ic) y e/ Protocolo de /967 en
relación con la Co11dició11 de Reji,giado /sic), en e/ semido de que da lugar a w1 dereclw en e/ derec/w i111e111acio11al. para
las personas que buscan refugto. a una audiencia para determinar si reúne las condiciones de rejilgiado. Otros reqw:'iitos
Cabe mencionar as características apontadas na lição de André de Carvalho Ramos para descrever o instimto do asilo e sua internacionalmente articulados que rigen e/ derecho a pedir asilo rejlejan normas mínimas similares, a saber. e/ derec/10 de
diferença em relação ao rerugia: "l) é um instilllto voltado à acolhida do estrangeiro alvo de perseguição política amai: 2) é los indfriduos a solicitar asilo ante las autoridades pertinentes, a presentar argumentos em apoyo de su petición y a recibir
direito do Estado e não do individuo, sendo sua concessão discrícionáría, não sujeita à reclamação internacional de qualquer 1111a decisión ". (Michael Edwards v. Bahamas, caso Nº 12.067; Omar Hall v. Bahamas, caso N" 12.068: y Brian Schroetery
outro Estado ou ainda do próprio indivíduo solicitante; 3) sua natureza jurídica é constitutiva, ou seja, não há direito does- Jeronimo Bowleg v. Bahamas, caso Nº 12.086, Informe Nº 48/01, Decisão da Comissão de 4 de abril de 2001, ~ 111)
trangeiro: ele será asilado apenas após a concessão, que tem efeito ex nunc; 4) pode ser concedido inclusive fora do território. MANLY, Mark. Op. Cit. 2004. p.146.
nas modalidades do asilo diplomático e do asilo militar." (CARVALHO RAMOS, André de. Asilo e Rerugia: semelhanças, Reproduz-se um trecho da sentença no qual fica evidente a intersecção entre os institutos: "§ 154. El derecho de buscar Y
diferenças e perspectivas. ln CARVALHO RAMOS, André de; ALMEIDA, Guilherme Assis de; RODRIGUES, Gilberto recibir asilo establecido en el articulo 22.7 de la Convención Americana, leído en conjunto con los artículos 8 y 25 de la
(orgs.). 60 Anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo: CL-A Cultural, 201 I. p.24:1 misma, garantiza que la persona solicitante de estatuto de refugiado sea oída por e! Estado ai que se solicita, con las debidas
garantias mediante el procedimiento respectivo."( ... )"§ 158. En efecto. diversos Estados miembros de la Organización de
" CARVALHO RAMOS, André de. Op. Cit., 2011, p.24.
SAN JUAN, César & MANL Y, Mark. El Asilo y la Protección de los Refugiados em América Latina: análisis critico dei
'° los Estados Americanos han incorporado estándares en su normativa interna en materia de refugiados que se encuentran
dualismo ··asilo-rerugia'º a Ia luz dei Derecho Internacional de los Derechos Humanos. ln FRANCO, Leornardo (coord. 1 EI reconocidos en la Convencíón de 1951 y su Prorocolo de 1967, inclusive con sustenro en lineamientos establecidos por
Asilo y la Protección Internacional de los Refugiados en la América Latina. San José. 2004. p.74. ACNUR. De este modo, la normatividad interna de Argentina, Belice. Brasil, Bolivía, Chile, Colombia, Costa Rica,Ecuador,
106 ..l-------------------------
Ai n d a quanto ao marco normativo regional, merece destaque a Declaração de
45
Cartagena sobre Refugiados (1984) . A Declaração, apesar de não ser um instrumen-
to com caráter vinculativo, representa um gesto importante no sentido de ampliar a
definição de refugiado de acordo com as demandas regionais e a realidade dos fluxos
HELISA>'-E tvl.aj1LKE

T DIREITO INTER,',ACIONAL DOS REFt.:GtADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

A partir da inciativa de Cartagena, outros documentos regionais se seguiram


no sentido de propor estratégias de proteção aos refugiados na região e renovando
os compromissos anteriormente estabelecidos. A primeira delas foi a Declaracão e
Plano de Ação do México para Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados
107

migratórios mistos 46 • Com base nas experiências vividas na região, sobretudo o fluxo na América Latina (2004), documento elaborado decorridos vinte anos do "marco
em massa de refugiados que se deslocavam oriundos da América Central, conforme de Cartagena" é um importante instrumento regional destinado a propor estratégias
explicita a Terceira Conclusão da Declaração: "além de conter os elementos da Con- políticas e operacionais para promover a proteção dos refugiados, deslocados inter-
venção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas nos e demais categorias correlatas. Foi adotado por consenso por 20 países da região
que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham instados a comprometerem-se com recursos técnicos e financeiros para promover
sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos inter- dois eixos fundamentais: a proteção internacional e as soluções duradouras 50 •
nos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham per- Posteriormente, deram seguimento à inspiração proposta por Cartagena, a
turbado gravemente a ordem pública." A definição ampliada de refugiados cunhada Declaração de San José sobre Refugiados e Deslocados Internos (1994) 51 e a De-
na Declaração, com clara inspiração na Convenção da OU.A, que será posteriormen- claração de Brasília sobre a Proteção de Refugiados e Apátridas no Continente
te analisada, representa a constatação dos limites da definição contida na Convenção Americano (2010) 52 • Por fim, a Declaração de Brasília (2014), marco da come-
de 1951 e do Protocolo de 1967 e a insuficiência destes dois documentos para atender moração dos 30 anos da Declaração de Cartagena, que ressaltou a importância
à complexidade da migração forçada na região47 • Apesar de não impor caráter legal de combater as causas do deslocamento forçado, o tráfico de pessoas e a situa-
obrigatório aos Estados, por causa de sua aceitação e aplicação por vários países ela se ção das crianças migrantes desacompanhadas. A Declaração de Brasília, também
tornou mais do que um instrumento meramente inspiracional. Conforme comenta reconhece a necessidade de "Considerar a possibilidade de adotar mecanismos
Fischel de Andrade48 , a Declaração de Cartagena é parte da criação de um costume adequados de proteção nacional para lidar com novas situações não previstas pelos
regional (latino-americano e caribenho) e sua força persuasiva deriva do opinio juris instrumentos internacionais relativos à proteção dos refugiados". A Declaração de
generalizado de que ela teria caráter vinculativo49 • Brasília renova os compromissos já assumidos nas Declarações anteriores quanto
à promoção de soluções duradouras e a revitalização dos programas "cidades
El Salvador, Guatemala. México. Nicaragua, Panamá, Paraguay, Perú, República Dominicana, Uruguay y Venezuela refleja
solidárias", "fronteiras solidárias" e "reassentamento solidário" já previstos pelo
un creciente consenso en la región en cuanto a que la protección de los refugiados y solicitantes de ese estatuto a nivel Plano de Ação do México. Essas Declarações, não possuem nenhum poder vin-
interno sea regulada de conformidad con las disposiciones dei Derecho Internacional sobre Refugiados, de modo que deba culativo, mas estabelecem estratégias necessárias para consolidar a proteção dos
realizarse a través de autoridades competentes y previamente establecidas, mediante procedimientos especificas y que
respeten garantias dei debido processo.''
refugiados no continente, por meio da promoção de políticas públicas e iniciati-
A Declaração não é parte normativa do Sistema lnteramericano de Direitos Humanos, ela foi elaborada a partir do "Colóquio vas legais inspiradas por estes instrumentos.
sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central, México e Panamá: Problemas Juridicos e Humanitários",
realizado em Cartagena, Colômbia, entre 19 e 22 de Novembro de 1984. América Latina. Por ter sido amplamente adotada 50
Quanto ás iniciativas do Plano de ação do México: "Respecto de la protección, el plan de acción favorece la investigación y
por vários países da região e por ser frequentemente referida como um marco para a proteção dos refugiados no Continente
el desarrollo doctrinal a efectos de profundizar el conocimiento dei Derecho Internacional de los Refugiados en Latinoamé-
pela Comissão e pela Corte lnteramericana, optou-se por fazer-lhe essa especial deferência no contexto da proteção regional.
rica, asi como la formación y el fortalecimiento institucional. Se da prioridad ai desarrollo de un "Programa Latinoamericano
UN High Commissioner for Refugees (UNHCR), Summary Conclmíons 011 the i11terpretatio11 ofthe extended refi,gee deji11i-
de Formación en Protección Internacional de los Refugiados". dirigido a funcionarias de Estado y a la sociedad civil orga-
tio11 i11 the /984 Cartage11a Declaratio11; roundtable /5 and /6 October 2013. Molltevideo, Uniguay. 7 July 2014, available
nizada enredes de protección, y a la implementación de un "Programa de Fortalecimiento de las Comisiones Nacionales de
at: http://www.refworld.org/docid/53c52e7d4.html.
Refugiados". Estas programas están siendo complementados por un "Programa de Fortalecimiento de las Redes Nacionales
Segundo explica Fischel de Andrade: "Se ha argumentado que la Declaración de Cartagena de 1984 se encuentra en los
y Regionales de Protección", dirigido a las organizaciones no gubemamentales, iglesias e instituciones nacionales de pro-
orígenes de la creación de una práctica regional latinoamericana y caribefia común, y que su fuerza persuasiva se ubica em
moción y protección de derechos humanos.( ... ) ·'Para atender la situación de los refugiados urbanos y dei creciente número
que existia una opiniónjuridica generalizada cuando fue formada.51 Además. ha existido una práctica constante de obligato-
de personas necesitadas de protección se proponen tres programas específicos, a saber: un programa de autosuficiencia
riedad que se fundamenta en esta Declaración. Siendo considerada una fuente de derecho atípica. espontánea y cristalizada,
e integración local "Ciudades Solidarias", un programa integral de fronteras solidarias y un programa de reasentamiento
la Declaración de Cartagena de 1984 puede tenerun efecto de obligatoriedad vis-a-,•is para los Estados que la han reconocido solidário." (GONZÁLES, Juan Carlos Murillo. La Protección lntemacional de los Refugiados en el Continente Americano:
de manem unilateral, o actuado de tal forma que han reconocido su naturaleza normativa. Consecuentemente, los Estados nuevos desarollos. ln XXXV Curso de Derecho Internacional "Nuevos Desarrollos dei Derecho [ntemacional en las Améri-
que no han incorporado la definición de «refugiado», como lo define la Declaración de Cartagena de 1984, dentro de sus cas", 2009, p.356).
legislaciones. pero que. sin embargo, la aplican en la práctica. se encuentran obligados por la misma. ai tratarse de una regia
" Destaca-se nesta Declaração. a recomendação que a questão do refúgio e dos deslocados internos seja discutida nos fóruns
vigente dei derecho internacional consuerudinario. El raciocínio progresivo que se nos ofrece es sólido, aunque también regionais de segurança. Na visão de Juan Carlos Murillo Gonzáles. um elemento que representa "os legítimos interesses
pueda quedar sujeto a Ia critica". (FlSCHEL DE ANDRADE, José Henrique.Op. Cit., p.102). e preocupações de segurança dos Estados" quanto ás questões migratórias. reiteradas pelo Plano de Ação do México, de
FISCHEL DE ANDRADE, José Hemique. Protection of Refugees in South America. ln FYDDIAN-QASMIEH, Elena: 2004. (GONZÁLES, Juan Carlos Murilo. Os Legitimas Interesses de segurança dos Estados e a Proteção Internacional dos
LOESCHER, Gil; LONG, Katy; SIGO NA, Nando. Toe Oxford Handbook of Refugee and Forced Migration Studies. New Refugiados. ln Sur Revista Internacional de Direitos Humanos, vol.6. nºIO, 2009).
York: Oxford University Press, 2014, p.657. A Declaração de Brasília de 201 O ressalta a necessidade de cooperação face ao crescimento "do crescimento e complexida-
Essa colocação se evidencia no fato de que vários países da região, Brasil incluso, incorporaram o "espírito de Cartagena" de dos fluxos mistos, especialmente da migração extracontinental. promovida pelas redes transnacionais de contrabando e
em suas legislações nacionais e adotaram a definição ampliada de refugiado. tráfico de pessoas".
l-lELIS ..\.,~E MAHLJ;.E DIREtTO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDtCO
108
3.1.2. AJurisprudência da Corte Interamericana Corte ainda ressalta que as políticas migratórias dos Estados devem ser executadas
com respeito aos tratados internacionais de direitos humanos (§168). A importân-
A proteção aos direitos humanos necessita de instrumentos que lhe deem vi- cia dessa Opinião Consultiva reside na afirmação dos direitos do indivíduo para
sibilidade e efetividade. No caso do Sistema Interamericano, essa função tem sido além de sua condição de nacional, o reconhecimento da universalidade dos direitos
concretizada por meio das Decisões, Relatórios e Recomendações da Comissão
Interamericana e pelo exercício da jurisdição consultiva e contenciosa da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Esses mecanismos estabelecem, conforme
humanos, que transcendem a discricionariedade do Estado, ou mesmo a condição
legal que este atribui aos indivíduos 5ó.

57
Outra jurisprudência importante foi construída na Opinião Consultiva n 2
l
aponta Juan Murillo Gonzáles 53 , o alcance e o conteúdo dos standards de proteção, 21 sobre "os direitos e garantias de crianças no contexto da migração e/ou em
que no caso do Direito Internacional dos Refugiados se manifesta de três maneiras: necessidade de proteção internacional". No pedido de parecer consultivo, os paí-
a) como um critério de interpretação da definição de refugiado da Convenção de ses (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) formularam diversas questões 58 a fim
1951; b) para estabelecer os parâmetros de um tratamento adequado aos refugiados; de provocar a manifestação da Corte sobre a situação de crianças migrantes no
c) como um sistema complementar de proteção, encarregado de supervisionar o Continente, impulsionada por situações de uma dupla vulnerabilidade (além de
respeito às obrigações internacionais em matéria de direitos humanos. menores, desacompanhados, em situação irregular, vítimas de exploração, etc.).
Diante dessas considerações, passa-se a avaliar a atuação da Corte lnteramerica- Com base nestas questões, a Corte produziu relevante posicionamento sobre temas
na, tanto quanto à sua competência consultiva, quanto aos casos contenciosos que como apatridia (§§ 94 a 96) e direito à nacionalidade (§§34 a 41; 68; 94 a 96), quan-
contribuem para a construção de um paradigma jurídico da proteção aos refugiados. to aos direitos da criança, assim como quanto à detenção arbitrária e a manutenção
No exercício de sua competência consultiva, a Corte Interamericana tem se destas crianças em local inadequado e o respeito ao princípio da legalidade quando
manifestado sobre questões sensíveis no tema da migração. Uma manifestação que da privação de liberdade das pessoas migrantes (§§ 173 a 179 e § 191 § 153), todas
merece destaque é a Opinião Consultiva n2 1854 trata da situação jurídica dos mi- são manifestações fundamentais no sentido de coibir diversas violações cometidas
grantes irregulares, devido à forte fluxo de migrantes indocumentados a outros paí- por falta de um tratamento especial e adequado às crianças em mobilidade59 •
ses em busca de melhores condições de vida e trabalho e muitas vezes submetidos à
exploração e à supressão de direitos. Essa importante manifestação da Corte afirma " Nesse sentido, vale reproduzir trecho do Voto Concordante do então juiz da Corte lnteramericana Antônio Augusto Cançado
Trindade para tal parecer (§31 ): "A própria noção do bem comum deve ser comiderada não em relação a 11111 meio social in abs-
o princípio da igualdade no tratamento entre nacionais e migrantes (independente-
trato. mas com a totalidade dos seres humanos que o compõem. independelltemente do statwi político ou migratório de cada um.
mente de sua situação migratória) no que se refere à garantia de direitos 55, inclusive Os direitos humanos tra1l'\Cendem em muito os chamados "direitos da cidadania", "concedidos" pelo Estado. O bem comum.
o direito de acesso à justiça (§109). Além disso, estabelece que os Estados não de- como afi mwva com aceno Jacques 1.Haritain. erige-se na própria pe.,soa humana (mais que em indivíduos ou cidadãos), e o
conceito de personalidade Iizclui a dimen\·ào mais profimda do ser ou do ~pirito. O bem comum é ··comum "porque se projeta
vam discriminar os migrantes, mesmo em situação irregular, quanto aos objetivos
e se r~flete nas pessoas humanas. Se fosse requerido de determinados indMd110s que capiw/assem diante do todo social. que se
de suas políticas públicas (§172). Considera a Corte, que o princípio de igualdade despojassem dos direitos que lhe são inerellles (em ra=ào, v.g.. de seu statlLl político ou migratório). que confiassem seu destino
perante a lei e não discriminação pertence ao domínio do jus cogens e, portanto, é inteirame/lle ao todo social artificial, em tais circunstâncias a noção mesma de bem comum desapareceria por completo".
S1
Parecer Consultivo solicitado por Argentina. Brasil, Paraguai e Uruguai em julho de 2011. Resolução de 19 de agosto de 2014.
fundamento para todo ordenamento jurídico nacional ou internacional (§101). A
As questões apresentadas revelam situações enfrentadas pelos Estados para o tratamento devido destes menores: "l. Quais são os
procedimentos que deveriam adotar-se a fim de identificar os diferentes riscos para os direitos de meninos e meninas migrantes,
5)
"( ... ) el Sistema Interamericano ha tratado diferentes casos y situaciones relativas ai asilo y el desplazamiento forzado a determinar as necessidades de proteção internacional; e adotar, se for o caso, as medidas de proteção especial que se requeiramº 2.
través de una amplia gama de mecanismos jlexibles, tanto bajo la competencia de la Comisión Interamericana como de la Quais são as garantias do de,ido processo que deveriam reger os processos migratórios que envolvem meninos e meninas migran-
Corte [nteramericana de Derechos Humanos. Aunque su trabajo puede variar en el carácter y la naturaleza (las resoluciones tes? 3. Como deve interpretar-se [...] o princípio de última ratio da dentenção como medida cautelar no âmbito de procedimento
emitidas por la Corte lnteramericana son públicas y tiene fuerza vinculante para los Estados, mientras que las decisiones e migratório quando estão envolvidos meninos e meninas que se encontram junto a seus pais. e quando estão envolvidos meninos.ias
informes de Ia Comisión Interamericana pueden ser confidenciales y tienen un importante papel en el establecimiento de não acompanhados ou separados de seus pais? 4. Que características devem ter[...] as medidas alternativas adequadas de proteção
los estándares aplicables). Además de ser un mecanismo efectivo para la protección de derechos humanos, el Sistema ln- dos direitos da criança que deveriam constituir a resposta estatal prioritária para evitar qualquer tipo de restrição à liberdade ambu-
teramericano permite Ia adopción de medidas provisionales y de reparación para las víctimas." (GONZÁLES, Juan Carlos latória? Quais são as garantias do devido processo que deveriam aplicar-se no procedimento de decisão sobre medidas alternativas
Murillo. El Sistema Interamericano de Protección de Derechos Humanos y su Relevancia para la Protección de Refugiados Y à detenção? 5. Quais são as condições básicas que deveriam cumprir os espaços de alojamento de meninos/as migrantes, e quais
Otras Personas Necesitadas de Protección en el Continente Americano. XXXIV Curso de Derecho Internacional de Ia OEA: são as obrigações principais que têm os Estados a respeito dos meninos e meninas (sós ou acompanhados) que se encontram sob
"Aspectos Jurídicos dei Desarollo Regional", 2007, p. 450). a custódia estatal por razões migratórias [... ]? 6. Quais são [... ] as garantias do devido processo que deverão reger os processos
Resolução de I7 de setembro de 2003. migratórios que envolvem a meninos e meninas. quando nestes processos se apliquem medidas que restrinjam a liberdade pessoal
ll Merece relevo a posição da Corte quanto à situação de vulnerabilidade à qual estão expostos esses trabalhadores migrantes das crianças? 7. Qual é o alcance e conteúdo do princípio de não devolução[...] ao adotar-se medidas que possam implicar o retomo
em situação irregular contida no § 112: ·•Genera!meme los migrantes se encuentran en una situación de 1•11/nerabilidad de um menino/a a um pais determinado? 8. Que características[ ... ] deveriam ter os procedimentos a serem empregados quando se
como s1ifetos de derechos humanos. en una condición individual de mtsencia o d(ferencia de poder con respecto a los no- identifica um potencial pedido de asilo ou de reconhecimento da condição de refugiado de um menino/a? 9. Qual é o alcance que
migrantes (nacionales o residemes). Esta condición de vu!nerabi!idad /iene una dimeJL\"iÓn ideológica y se presenta en Wl deveria conferir-se à proteção do direito dos meninos/as a não serem separados de seus pais nos casos em que poderia aplicar-se uma
colltexto histórico que es distillto para cada Estado. y es ma11te11ida por situaciones de jure (desigualdades entre nacionales medida de deportação a um ou ambos progenitores. como consequência de sua condição migratória[... ]"?
y extranjeros en las /eyes) y de facto (desigualdades estrucwrales). Esta situación cond11ce ai establecimiento de diferencias " Nos últimos anos tem sido frequente o deslocamento de crianças desacompanhadas (especialmente provenientes da América
en e/ acceso de 11nos y otros a los recursos públicos administrados por e/ Estado". Central e do México) em direção aos Estados Unidos. Pela sua situação de dupla vulnerabilidade em razão da idade e da
11 Ü -+,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_IS_Al_N_E_fV_I._Afi_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGI.-\lJOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 111
Especificamente quanto ao direito de buscar e receber asilo contido no artigo direitos previstos na Convenção, mas também são instrumentos de transformação
22, §72 da Convenção Americana; estabelecendo um parâmetro de tratamento, em social. A Corte, ao jugar os ditos "casos exemplares" estabelece um paradigma jurí-
conformidade com os tratados internacionais de direitos humanos, em especial, dico de direitos humanos protegidos. Passa-se, em sequência, a analisar alguns deles
em harmonia com os direitos garantidos pela Convenção Americana de Direitos e sua contribuição direta ou indireta para a construção do paradigma jurídico de
Humanos 60 • Além disso, a Corte expressamente afirma que buscar e receber asilo é proteção aos refugiados na região.
um direito subjetivo do indivíduo, devendo-se superar o entendimento de que este No notório Caso Vélez-Loor v. Panamá63 , a Corte se manifestou sobre de um
seria uma "mera prerrogativa estatal"(§73) 61 • Além dos pontos já mencionados, a cidadão equatoriano, o Sr. Jesús Tranquilino Vélez-Loor que foi detido no Panamá
Corte analisa a necessidade de observância do devido processo legal nos procedi- por não portar documentos que lhe permitissem a permanência no país. Por su-
mentos migratórios que envolvem crianças migrantes, inclusive envolvendo assis- postamente infringir as leis migratórias do país, o senhor Vélez-Loor foi recolhido
tência especial para os menores desacompanhados para que eles também tenham à cadeia pública para cumprir pena de prisão imposta a ele, no ano de 2002. Em
seus direitos representados(§§ 113, 114, 115, 117, 121, 123, 137). Por fim, como 2003, a autoridade migratória Panamenha declarou a pena sem efeito e o Sr. Vélez-
não poderia deixar de ser, a Corte também reafirma a necessidade de preservação -Loor foi solto e deportado para o Equador. Após sua soltura, a vítima alegou ter
dos direitos das crianças (artigos 17 a 19 da Convenção Americana de Direitos sofrido tortura e maus-tratos nas prisões onde esteve detido. Nesse Caso a Corte
Humanos), dos quais não devem ser alijadas quaisquer crianças, independente de estabelece que os Estados têm a faculdade de estabelecer mecanismos próprios de
seu status migratório(§§ 66 a71, 83 a 93, 104 a 107, 281 e 282). controle nas fronteiras e estabelecer uma política migratória destinadas aos não-na-
Importante ressaltar, também, que nesta Opinião Consultiva, a Corte sacramenta cionais. Contudo, essas políticas migratórias precisam estar de acordo com as nor-
a identidade entre asilo e refúgio, dizendo que "que o instituto do asilo assumiu uma mas de proteção aos direitos humanos previstas na Convenção Americana (§97). O
forma específica e uma modalidade a nível universal: a do estatuto de refugiado" 62 • Caso explicita como a situação de vulnerabilidade dos migrantes indocumentados
Corroborando ideia já pontuada em jurisprudência anteriormente mencionada, a os expõe a eventuais violações de direitos humanos, nesta situação, perpetrada pelo
Corte faz referência não apenas à definição da Convenção de 1951 e do Protocolo de próprio Estado receptor(§§ 97 a.100).
1967, mas adota a definição ampliada prevista pela Declaração de Cartagena, como Frequentemente, os Estados negam direitos aos migrantes em situação irregu-
um modelo de aplicação do refúgio para os países da região(§§ 75 e 76). lar, por vezes por meio de repressão ostensiva, que considera o migrante como uma
Já a jurisprudência da Corte lnteramericana de Direitos Humanos advinda "ameaca" outras com a neo-ligência criminosa de quem deliberadamente se recusa a
• ' t,
do julgamento de casos contenciosos trouxe luz à responsabilidade dos Estados- reconhecer os direitos daqueles que não são seus nacionais. A decisão da Corte no
-membros. Os casos contenciosos encaminhados à Corte, pela Comissão lnterame- Caso Vélez-Loor reafirma a obrigação dos Estados em não discriminar legalmente os
ricana, são selecionados para serem instrumentos de interpretação e aplicação de migrantes (§248) e garantir a essas pessoas o acesso aos direitos fundamentais. Esse
caso também chama a atenção, também, para o tratamento frequentemente dispen-
situação geralmente irregular, estas crianças e adolescentes são uma preocupação para as agências como o ACNUR e a UNI-
CEF, pela sua exposição a violações de direitos humanos como prostituição infantil, exploração do trabalho, e privação do
sado aos migrantes: a detenção arbitrária e a privação de liberdade (§§ 208 a 210),
direito à saúde e educação. (Para estudo detalhado desta situação consultar: ACNUR. Ninõs en Fuga: nifios no acompafiados muitas vezes acompanhada do alijamento do acesso à justiça para sua efetiva defesa
que huyen de Centroamérica y México y la necessidad de protección internacional, 2014 ). Por outro lado, como principais (§§ 97, 109 a 111, 116 a 118, 169 a 172, 254) e o direito à assistência consultar (§§
preocupações quanto à crianças refugiadas o ACNUR elege os seguintes pontos: reunificação familiar; prevenção contra
a exploração sexual e o recrutamento militar e a reintegração social de crianças que foram submetidas a estas situações:
151 a 160). A manifestação da Corte é de fundamental importância para denunciar a
acesso universal à educação; e o tratamento especial às questões da adolescência. Ressalta-se, que o tratamento às crianças criminalização da imigração e a necessidade de reconhecer os direitos humanos dos
refugiadas deve não apenas contemplaras disposições da Convenção de 1951 e do Protocolo, como também da Convenção migrantes que transcendem a discricionariedade estatal(§§ 108, 142, 143).
das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1990.
Vide os Parágrafos 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 98. 99, 100, 101, 102 e 246 a 255 do Parecer Consultivo. Outro que merece menção é o Caso das pessoas Dominicanas e Haitianas
61
A Corte ainda estabelece que o direito ao asilo compreende outros direitos correlatos que deve ser reconhecidos nesse expulsas v. República Dominicana64 se refere à situação das pessoas haitianas e as
processo: § 81: ..Este derec/10 a buscar y recibir asilo comporta, e11 los tém1i11os de los artículos 1.1 y 2 de la Conl'e11ció11
pessoas que nasceram na República Dominicana, mas são de ascendência haitiana.
America11a. deter111i11ados deberes específicos por parte dei Estado receptor. los cua/es i11c/11ye11: (i) permitirque la 11iiia o e/
niiio pueda peticio11ar e/ asilo o e/ estatuto de reji1giado. ra::ó11 por la cua/ 110 puede11 ser rec/1a::ados e11 /ajiwztera si11 1111 Essas pessoas sofriam tratamento discriminatório por parte das autoridades e eram
análisis adecuado e individuali=ado de SllS peticiones con las debidas garantias mediante e/ procedimiento respectivo: (ii) geralmente relegadas a uma situação de pobreza e vulnerabilidade pela dificuldade
no devofrer a la 11ilia o ai 11iiio a 1111 país e11 e/ cua/ puede suji"ir riesgo de ser afectada su vida, libertad. seguridad o incegri-
de integração na comunidade local. As vítimas desse caso são um exemplo desse
dad. o a un tercer país desde e/ cua/ pueda 11/teriormellle ser de1•11elto ai Estado donde sufre diclw riesgo: y (iii) otorgar la
protección intenwcional cuando la niíia o e/ nbio cal[fique para e/lo y beneficiar con ese reconocimiento a otJ·os miembros
de la familia. en atención ai pri11cipio de unidadfamilíar. Todo lo anterior co11/lem. to/ como ha resaltado previamente este " Sentença proferida em 23 de novembro de 2003 condenou o Panamá pela violação do direito à liberdade pessoal (art.7); vio-
Tribzuza/, e/ correspondience derecho de los solicita111es de asilo a que se asegure una correcta eva/uación por las autorida- lação do direito de acesso à justiça (art.8 e 25) e, também. pela violação da integridade pessoal, considerando as condições
des nacionales de las so/icitudes y dei riesgo que pueda szifrir e11 caso de devolución ai país de orige11 ." de detenção às quais a vitima foi submetida (art.5).
" Tradução da autora do original em espanhol, do §74 da OC, nº2 l.
Sentença de 28 de agosto de 2014.
112 -1,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_L_IS_AJ_N_E_f'v_l..\H__;:L=KE

tratamento pejorativo propiciado pelas autoridades dominicanas: tiveram sua resi-


dência invadida por agentes estatais e seus documentos destruídos e foram expul-
sos do território sem nenhuma alegação plausível65 •
Em contexto semelhante se deu o Caso de las ninas Yean y Bosico v. Repú-
T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl!GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

Após a análise da admissibilidade do caso, a Comissão encaminhou 0


caso para julgamento perante a Corte Interamericana. A posição da Comissão
Interamericana 69 foi pela constatação de uma série de violações cometidas pelo
Estado Boliviano. Segundo a Comissão, o Estado violou os seguintes direitos
113

blica Dominicana 66que versa sobre duas meninas de ascendência haitiana que das vítimas: garantias de acesso à justiça (art.8); Violação do direito à proteção
tiveram seu pedido de registro tardio de nascimento denegado pelas autoridades judicial (art.25); direito de solicitar asilo/refúgio (art.22, §7Q); preservação da
Dominicanas, mesmo diante da apresentação de todos os documentos neces- integridade fisica e mental (art.5, §lQ); não observação do dever de proteção às
sários para fundamentar o pedido. Em outra situação de discriminação em crianças (art.19) e da família (art.17), contidos na Convenção Americana de Di-
razão de nacionalidade temos o Caso Nadege Dorzema y otros vs. República reitos Humanos. Além disso, a Comissão fez referência ao art. 33 da Convenção
Dominicana 6 ~ o qual trata da responsabilidade do Estado Dominicano pela de 1951 e do art. 22, §8Q da Convenção Americana de Direitos Humanos e do
morte e danos à integridade fisica de migrantes haitianos por agentes militares e art. 13 da Convenção contra Tortura, que versam sobre a violação do princípio
também pela falta de investigação e apuração do fato pelas autoridades do país. do non-refoulement.
Ambos casos possuem um traço em comum: a violação de direitos humanos em Em sua defesa, o Estado Boliviano alegou que não violou a Convenção
razão da discriminação legal imposta pela nacionalidade. A Corte foi taxativa Americana de Direitos Humanos, justificando com os seguintes argumentos: a)
em ambas as decisões ao responsabilizar o Estado pelo tratamento dispensado a Família Pacheco entrou na Bolívia ilegalmente, onde eles não detinham mais
a esses migrantes 68 • o reconhecimento do status de refugiado, pois haviam sido "voluntariamente"
O Caso Familia Pacheco Tineo vs. Bolívia é, conforme já mencionado, o repatriados para o Peru três anos antes (art.l, §lQ, c da Convenção de 1951)7°. B)
primeiro caso que trata especificamente dos direitos dos refugiados e solicitan- A Família Pacheco não mencionou às autoridades que haviam sido reconhecidos
tes de refúgio. Em breve síntese, o caso versa sobre a situação de uma família como refugiados pelo Chile e não apresentaram elementos suficientes que ofereces-
Peruana que teve de abandonar seu país de origem devido à perseguição sofrida sem suporte à solicitação de refúgio na Bolívia. C) A Srª-Tineo Godos fora liberada
pelas forças políticas do Governo Fujimori, onde o Sr. Pacheco havia sido in- por meio de um Habeas Corpus.
justamente acusado de Terrorismo. A Família buscou refúgio na Bolívia, pela Em sua decisão 71 , a Corte Interamericana considerou a Bolívia responsável
primeira vez, em 1996 onde teve o status reconhecido. Porém, a família sofreu pelas violações 72 contra a Família Pacheco Tineo, em especial os artigos 22,§7Q
várias violações durante o período que estiveram na Bolívia e sob alegada pres- (direito a buscar e receber asilo; os direitos às garantias judiciais 8 e 25 e a viola-
são, assinaram a declaração optando pela repatriação voluntária. Porém, não ção ao princípio do non-refoulement contido no §8Q do artigo 22. A Sentença da
retornaram ao Peru e solicitaram refúgio no Chile e que lhes reconheceu o status Corte, neste caso, consolida importante jurisprudência no que tange ao procedi-
(no ano de 1998). No ano de 2001, a família entrou na Bolívia e enfrentou Ser- mento adequado do reconhecimento do status de refugiado, dispondo que este
viço Nacional de Migração. Seus documentos foram retidos e a Srª- Fredesvinda deve conter um padrão adequado que garanta aos solicitantes o pleno direito de
foi arbitrariamente detida. A Bolívia se absteve de atender à nova solicitação de buscar refúgio e que este não pode ser obstaculizado por procedimentos inade-
refúgio, apesar de ter reconhecido o status de refugiado anteriormente. A família quados quanto aos princípios fundamentais da justiça que é o acesso à justiça e
requereu a repatriação para o Peru, em razão da situação precária sob a qual se o devido processo legal73 •
encontrava na Bolívia. Após uma deliberação sumária, o Comitê Nacional para Outra posição importante estabelecida pela jurisprudência da Corte neste
Refugiados da Bolívia não lhes reconheceu o status de refugiado e eles foram caso é a afirmação do princípio do non-refoulement, não apenas pela disposi-
deportados para o Peru. ção do artigo 22§8Q. Mas, também, pela discussão sobre a prática de utilizar a

" Importante mencionar que esse caso teve tanto impacto na República Dominicana, que o Tribunal Constitucional declarou, no A apresentação da petição perante a Comissão ocorreu em 25 de abril de 2002 (Petição n"l2.474); o informe de admissibi-
final de 2014, a inconstitucionalidade, por vício formal, do reconhecimento da jurisdição da Corte Interarnericana pelo país. lidade (n"53/04) foí promulgado em 13 de outubro de 2004 e o Informe de mérito foi emitido em 31 de outubro de 201 l. A
" Sentença proferida em 8 de Setembro de 2005. remissão do caso à Corte lnterarnericana ocorreu em 21 de fevereiro de 2012.
Sentença proferida em 28 de outubro de 2012. A Bolívia é um Estado membro da Convenção desde 2000.
Nesse sentido, cabe mencionar a manifestação da Corte quanto ao Caso de las niõas Yean Y Bosico, no § 140: ··La deter- A Sentença foi proferida em 25 de novembro de 2013. A Corte emitiu resolução declarando cumpridas todas as recomenda-
minación de quienes son nacionales sigue siendo competencia interna de los Estados. Sin embargo. su discrecionalidad en ções e reparações impostas ao Estado Boliviano em 17 de abril de 20 I 5.
esa materia sufi·e wz constante proceso de restricción conforme a la e1•0/ució11 dei dereclw imernacional. con vistas a una Além dos artigos mencionados a Corte também condenou o Estado Boliviano pelas violações dos artigos 22, §§ 7 e 8; 25;
mayor protecció11 de la personaji-ente a la arbitrariedad de los Estados. Así que e11 la ac111a/ etapa de desarrollo dei dereclw artigos 17 e 19; e artigo 8, § 1º e absolveu quanto às alegações de violação do artigo 5, §2º da Convenção, que trata sobre a
internacional de los derechos humanos, dicha facultad de los Estados está limitada. por w, lado, por s11 deber de brindar a preservação da integridade fisica.
los individuas una protección igualitaria y efectil'a de la ley y sin discriminación y, por otro lado. por su deber de prevenir. Crítica quanto ao Procedimento Sumário adotado pela Bolívia. O solicitante de asilo deve ser entrevistado pela autoridade
evitar y reducir la apatrídía". competente (Resolução nº30 do ACNUR).
114 H_E_LI_SA_lN_'E_tv_l_A_HLKE_"
-1-I_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGl,\.DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
115
repatriação supostamente voluntária para mascarar a expulsão ou deportação utilizar o. discurso dos direitos humanos para estabelecer uma política co mum
sumária dos solicitantes de refúgio. A Corte, contudo, se exime de avaliar se real- no C ontmente Europeu 78 : uma clara tentativa de diferenciação entre o clube dos
mente se trata de uma repatriação voluntária ou induzida 74. Além disso, em suas Estados democráticos ocidentais e os Estados comunistas do leste. Nesse contexto
alegações a Comissão alega que "de acordo com o artigo 22, §7Q e §8Q da Con- se estabelece o Conselho da Europa 79, organização a partir da qual o Sistema Euro-
venção, uma repatriação voluntária no passado não deve impedir uma pessoa de peu, o mais antigo sistema de proteção aos direitos humanos, se erige.
solicitar asilo posteriormente, pois deve considerar seriamente circunstâncias de ~anta ao aspecto normativo, o Sistema Europeu está estruturado a partir de
risco potencial dos solicitantes em qualquer caso75 ". seu alicerce, a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 19508º. Ao ratificar
Outra questão importante suscitada pela jurisprudência do caso em questão a Convenção os Estados assumem obrigações internacionais que garantem aos in-
é se a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 22 §7Q prevê divíduos uma série de direitos, mas acima de tudo a possibilidade aos indivíduos
o direito subjetivo ao asilo, ou se este continua legado á concessão do Estado 76 • sob ~ ~~risdição de qualquer dos 47 Estados-membros do Conselho da Europa a
Contudo, a Corte não resolve essa disputa ao não pronunciar-se claramente sobre o poss1b1hdade de denunciar quando qualquer um destes Estados falhe em garantir
"dever" do Estado em reconhecer o direito ao asilo 77 • A jurisprudência do Caso Fa- esses direitos. Essa possibilidade se realiza perante um órgão judicial próprio, a
mília Pacheco Tineo v. Bolívia, trata de questões importantes, porém sem atingir o Corte Europeia de Direitos Humanos, com competência consultiva e contenciosa
cerne da discussão sobre refúgio. Entende-se que a Corte Interamericana furtou-se para aplicar e interpretar as normas europeias de direitos humanos.
a assumir importante posição quanto a isso. Enquanto as instâncias internacionais A Corte Europeia81 , a primeira Corte de Direitos Humanos criada com o
continuarem evitando assumir seu papel no reconhecimento do direito ao refúgio, objetivo de julgar casos de violações de direitos humanos cometidos pelos Estados-
estarão eximindo-se do seu papel na proteção aos direitos humanos Entende-se que, -membros contra indivíduos sob sua jurisdição. Em princípio, o Sistema Europeu
diante dos pontos levantados, a jurisprudência da Corte trouxe avanços neste caso, contava com um procedimento bifásico, pressupondo a participação da Comissão
contudo perdeu importante oportunidade para afirmar o Direito Internacional Europeia de Direitos Humanos, à qual cabia exercer o juízo de admissibilidade dos
dos Refugiados de acordo com sua verdadeira essência universal. casos a ela submetidos.
Apesar da importância histórica e normativa do documento quanto à garan-
3.2. A PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS NO SISTEMA EUROPEU DE tia de direitos, a Convenção também contém uma séria ambiguidade, que pode,
DIREITOS HUMANOS justamente, comprometer a efetividade dos direitos por ela mesma, consagrados: a
possibilidade das derrogações 82, exceções 83 e restrições 84 à aplicação destes direitos. Se-
O Sistema Europeu de Direitos Humanos foi construído a partir dos escom- gundo Mireille Delmas-Mart:y85 essa ambiguidade é estrutural no Sistema Europeu de
bros do final da Segunda Guerra; da criação das Nações Unidas e da promulgação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além do início da Guerra Fria. Sobre os motivos e intenções para a criação do Sistema Europeu de Direitos Humanos: "'(T)he first ambition ofthe Conven-
Diante desse complexo quadro político, são construídas as bases institucionais e tion·s proponents in 1949 was to institute an European scheme that was primarily intended to act as a type of"'alarm bell"
for democratic Europe. The initial idea was to create a mechanism by which the "'free Europe'' could protect itself against
normativas de um processo de integração que tinha, em sua gênese, o objetivo de
the rise of another Hitler, or the installation of a totalitarian regime. Setting out the first proposals for the Convention in
Strasbourg in 1949. Pierre-Henri Teitgen famously spoke ofthe proposed European Court as ·the conscience ofwhich we
Vide § 176 da Sentença da Corte. all have need·. For him, the need for a Convention safeguarded by a Court had to be set against the lessons of recent historv.
Vide s 117 da Sentença (tradução nossa, a partir do original em espanhol). ( ... ) ln the words ofthe Winston Churchil (speaking in 1949), the Strasbourg system would exist to draw attention to viol;-
"'El derecho a obtener asilo ha sido interpretado por algunos analistas como indicativo de que esta Convención reconoce el tíons ofhuman rights through a rulíng that represented a ·judgement ofthe civilized world'. Churchil had no doubt that •the
asilo como un derecho subjetivo y, por lo tanto, representa un avance significativo con respecto a la situación tradicional, greater body of publíc opinion' ín the free democracies of Europe ·would press for action· soas to ensure the judgement of
regida por el derecho consuetudinario. La fórmula que se asemeja más estrechamente a la de la Convención Americana European Court would be secure. lt followed that such judgments would, it was hoped and expected, be a rarity." (BATES,
aparece en la Declaradón Universal de Derechos Humanos, que establece el derecho a buscar e/ asilo y a go=ar dei asilo Ed. The Evolution on European Convention on Human Rights: from its inception to the creation of a permanent Court of
(artículo 14, párrafo 1). La cuestión es determinar si el cambio de derecho de buscar y a gozar (Declaración Universal) a Human Rights, Oxford: Oxford University Press, 20 I O, pp. 6 e 7).
derecho para buscar y a recibir (Convención Americana) implica reconocimiento de un derecho subjetivo de asilo, con la O Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo, foi criado em 5 de agosto de 1949, hoje composto por 47 países.
consiguiente obligación de los Estados de otorgarlo." (VÉLEZ, Francisco Galindo. El Asilo en América Latina: uso de los '"
SI
Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adotada em Roma, em 4 de novembro de 1950.
sistemas regionales para fortalecer la protección de refugiados de las Naciones Unidas. ln UNHCR, La Protección de los A Convenção Europeia de Direitos Humanos entrou em vigor 3 de setembro de 1953. A Corte Europeia teve sua primeira
Refugiados en las Américas. Quito, 2010, p.206). sessão em 23 de fevereiro de 1959.
,; Vide artigo 15 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Conforme consta no § 170 da Sentença in verbis: "'No corresponde a la Corte emrar a considerar si la familia Pacheco
Tineo se encomraba. en efecto. en riesgo de violación a los dereclws a la \'ida o !ibertad personal en e/ Estado peruano a Vide artigo 5", §1º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
S4
causa de su raza, nacionalidad, religión, co11dició11 social o de s1,s opi11io11es políticas, en los ténninos dei articulo l.A de Artigos 8 a 11 da Convenção Europeia de Direitos Humanos; artigo I do Protocolo n"l; artigo 2 do Protocolo n"4.
Sl
la Co11ve11ció11 de 1951. Esa emluació11 correipondia a la CONARE y 110 consta que este órga110 la haya reafi=ado. ni ji,e ·'More than simply reínforcing the protection of persons the Convention affirms the intention to recognize the exigencies
e/jimdamemo de su decisión." E, também, 110 §197: '"La Cone reitera que e/ derecho de bmcar y recibir asilo establecido of the publíc interests or sometimes conflicting individual ínterests - and to favor them by the interplay of escape clauses,
en e/ artículo 22.7 de la Convención Americana no asegura que deba reconocerse e/ estatuto de refitgiado a la persona which can also be referred to as •justifying facts". The structural ambiguity of the escape clauses is augmented by their
solicitaTJte. pero sí que su soliciwd sea tramitada con las debidas gara11tias." ·'functional" ambiguity. By their very existence, these clauses appear to function as a justificatíon - in the name of their
116 ~I_____________________________ H_E_LI_SAN_'E_~_l_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGIADOS: Novo PARADIGMA JURiDICO
117
Direitos Humanos: enquanto o principal objetivo do Conselho da Europa é buscar Além disso, qual seria a função de uma Corte que se exime de estabelecer uma
maior unidade entre seus membros por meio da proteção aos direitos humanos, por jurisprudência em prol da proteção internacional?
outro lado, os Estados não demonstram verdadeira intenção em, para atingir esse Após a extinção da Comissão 89, a Corte Europeia passou a possibilitar 0
fim, ceder parte de sua soberania ou em abrir mão do direito de tomar as medidas acess~ direto de in~i:7íduos à sua jurisdição. Essa possibilidade, tão exultada pela
necessárias para preservar o interesse público, mesmo que isso implique na violação doutnna e pelos at1v1stas de direitos humanos, teve, porém, um efeito reverso: a
dos princípios contidos na Convenção. Conforme explica a Delmas-Marty86, em vir- profusão de demandas 90, muitas delas semelhantes ("demandas clones"). Sem 0
tude de estarem previstas na Convenção, a Corte Europeia pode realizar um controle "filtro" representado pela Comissão, a Corte Europeia passou a assemelhar-se a um
dessas cláusulas de derrogação, exceção ou restrição e, sendo que a Convenção expli- ~ribunal de recursos, o que fez com que esta adotasse medidas questionáveis para
cita as condições para que essas cláusulas possam ser invocadas, o controle exercido lidar com a crescente demanda 91 • Por essa razão, outro desafio imposto ao Sistema
pela Corte é uma forma de evitar o abuso da "raison d'État". Europeu é refletir é se sua atual estrutura não impõe à Corte um fardo excessivo
Percebe-se, nos últimos anos, um fortalecimento de uma postura soberanis- para lidar as repetidas falhas dos Estados em garantir a justiça. Mesmo diante das
ta dos Estados-membros do Conselho da Europa87, questionando a legitimidade importantes realizações da Corte, essas questões precisam ser resolvidas, pois caso
da Corte para questionar decisões de Estados soberanos e "democráticos". Nesse contrário, a tentativa de estabelecer um sistema amplo de proteção aos direitos
mesmo sentido, a "teoria da margem de apreciação nacional" 88 é uma forma de humanos pode estar em risco.
garantir que os Estados possam ter certa discricionariedade quanto a decisões so- Durante a Guerra Fria o acolhimento de refugiados era principalmente uma
bre questões sensíveis aos seus interesses. Contudo, entende-se que essa discricio- tema da política externa dos Estados, uma forma de demonstrar contrariedade ao
nariedade teria uma dupla face: se por um lado tornar as decisões da Corte mais regime comunista e controlar a expansão da influência Soviética. Segundo Mathew
92
flexíveis à realidade e os interesses nacionais pode tornar o sistema mais simpático Gibney , o crescente número de refugiados e o fim da Guerra Fria no final da
aos Estados evitando retrocessos e denúncias; por outro lado pode descaracterizar década de 80 levaram a uma "democratização da política do refúgio" nos Estados
e enfraquecer o próprio sistema ao furtar-se ao seu papel na proteção internacional Europeus, com a participação de atores políticos domésticos (mídia, a opinião
dos direitos humanos que, justamente, deve ser complementar, agindo na ausência pública e os partidos de oposição). Essa democratização transformou o refúgio de
da que deveria ser primariamente prestada pelo Estado. uma qu:s_tão de high politics (baseada na segurança nacional) para uma questão de
Ora, qual seria o papel de uma Corte Internacional na harmonização e con- low polztzcs (pertencente ao debate eleitoral diário sobre emprego, estado de bem-
solidação do Direito Internacional se ela se abstém de emitir um standard de in- -estar social, e identidade nacional). Diante disso, os líderes europeus encontraram-
terpretação que deva ser adotado pelos Estados que se submetem à sua jurisdição? -se pressionados a impor políticas mais restritivas à entrada de imigrantes em geral
e implementaram uma série de medidas nacionais retrógradas para prevenir e deter
public interest- for the practices consubstantial to the reason ofthe State. (DELMAS-MARTY. Mireille (ed.) The European
Convention for the Protection of Human Rights: lnternational Protection versus National Restrictions. Leiden: Martinus O Protocolo de nºI I adicional à Convenção Europeia de Direitos Humanos reesnuturou o Sistema EuropetL extinguindo a
Nijhoff, 1991, p.7). Comissão Europeia (que funcionou até 31 de outubro de 1999), dentre outras medidas. O Protocolo entrou em vigor em 31
(DELMAS-MARTY, Mireille. Op. Cit, 1991. pp 8 e 9. de outubro de 1998.
Um exemplo disso é a Declaração de Brighton resultante da Conferência de Alto Nível sobre o Futuro da Corte Europeia Desde que foi criada, a Cortejá analisou 627.500 casos. Os casos analisados por ano passaram de 718 em 2004 e 1105 em
de Direitos Humanos, adotada em 2012. a qual reforça a discricionariedade dos Estados-membros na apreciação de ques- 2005 para 1560 em 2006 e tem mantendo essa média elevada nos anos seguintes. Dos casos analisados, foram 18.000 jul-
tões de interesse nacional. (Inteiro teor, disponível em: http://www.echr.coe.intiDocumentsl2012_Brighton_FinalDecla- gamentos, sendo que a maioria deles concernentes aos seguintes Estados-membros: Turquia (3.095); Itália (3.212); Rússia
ration_ENG.pdf). A Declaração estabeleceu o compromisso quanto à elaboração de um Protocolo à Convenção que, pela ( 1.604); Romênia ( 1.113); Polônia ( 1.0700. (Fonte: Council of Europe - European Court ofHuman Rights Overview, 1959-
primeira vez em quase 60 anos que um documento restringiria a autoridade e atuação dos juízes da Corte Europeia. O 2014, publicado em fevereiro de 2015. Disponível em: http://www.echr.coe.int/Documents/Overview_ 19592014_ ENG.pdf.
Protocolo 15 afirma a doutrina da margem de apreciação nacional no preâmbulo da Convenção, porém ainda não entrou Acesso em setembro de 2015). Total de casos pendentes em setembro de 2015: 66.150. (Fonte: Council of Europe - Eu-
em vigor. (HELFER, Laurence R. The Burdens and Benefits ofBrighton. ESIL Reflections. Vol.l, lssue 1, 2012). Para ropean Court ofHuman Rights. Disponível em: http://www.echr.coe.invDocumentsiStats_pending_montli_2015_BIL.pdf.
análise detalhada das mudanças propostas pela Declaração de Brighton, consultar: Council of Europe - Parliamentary Acesso em setembro de 2015).
Assembly, Committee on Legal Affaires and Human Rights; AS (2012)42. The Future of European Court of Human " O Artigo 41 da Convenção Europeia prevê que: "Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus
Rights and the Brighton Declaration, de 3 de dezembro de 2012. Disponível em: http://assembly.coe.int/CommitteeD- protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal
ocs/2012/ajdoc42_2012.pdf. violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário." Essa medida, chamada pela doutrina de
Como esclarece Steven Greer. "The margin ofappreciation, typically described as a ·doctrine' rather than a principie. refers ·'satisfação equitativa" ("satisfaction équitab/e··) permite que os danos causados pela violação dos direitos humanos sejam
to the room for manoeuvre the judicial institutions at Strasbourg are prepared to accord national authorities in fulfilling their convertidos em urna prestação pecuniária. Em diversos casos, essa foi a alternativa adotada pela Corte, diante das repetidas
Convention obligations.( ... ) There is universal acknowledgement of when it first appeared, and broad consensus on severa! e numerosas demandas, para determinar a reparação da violação sofrida, o que na prática não corresponde ás necessidades
other core issues. First, in addition to Article 15, the doctrine has had a high pro file in litigation relating to certain Conven- das vítimas e nem é adequada ou justa, considerando o tipo de dano causado. Dessa forma, o índice de cumprimento das
tion rights - the right to proper(y found in Article 1 of Protocol No. L the anti-discrimination provision of Article I 4, and the decisões da Corte é bastante elevado, mas esse cumprimento não necessariamente traduz-se em justiça para as vitimas. Um
personal freedoms enshrined in Articles 8 to 11 - but a lower profile with respect to others."(GREER Steven. The Margin exemplo disso é a decisão do.caso Hirsi Jarnaa e outros v. Itália, que será analisado a seguir.
of Appreciation: interpretation and discretion under the European Convention of Human Rights. Human Rights files nº 17. GIBNEY, Matthew J. The State of Asylum: democratizaton,judicialization and evolution ofrefugee policy in Europe. New
Council ofEurope Publishing, 2000, p.7). lssues in Refugee Research. Working Paper n"50. Refugee Studies Centre - Oxford, outubro de 2001, pp 6 e 7.
118 J,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_I_s~_N_'E_M_._Afi_L_KE_ DIREITO 11'.TERNACIONAL DOS REFt.:GI..\DOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
119
93
a chegada de solicitantes de asilo. Segundo Gibney , a democratização da política Comitê
. _ convocou os Estados-membros do Conselho da Europa a nunc a recusar a
para o refúgio também teve outro efeito: em razão da imigração ter se tornado um admissao de uma pessoa em suas fronteiras, ou rejeitar, expulsar ou submetê-la a
tema importante da agenda eleitoral, os governos empenharam-se em controla-la qualquer o~tra medida simplesmente por não ter sido formalmente reconhecido
por meio de acordos bilaterais, regionais e internacionais, paradoxalmente atingin- como refugiado, sendo que tal situação possa leva-lo a um território onde ele tem
do maior proeminência nos fóruns globais e regionais. fundad~ t~mor ~e perseguição. Essa Recomendação também deve ser considerada
Diante dessas considerações e da reconhecida importância do Sistema Eu- quanto as mterdições em alto-mar 95 •
ropeu de Direitos Humanos, cabe analisar qual o papel que ele pode exercer na Em 1_997, o Comitê de Ministros estabelece outra Recomendação, dessa vez
proteção internacional dos refugiados. Antes, é importante ressaltar que no texto sobre a designação de um "terceiro país seguro" (third safe country)96. Essa importan-
original da Convenção não há previsão específica sobre o direito ao refúgio. Como te Re:omendação estabelece extensivos critérios sobre o tratamento dispensado aos
proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio, busca-se amparo na previsão do refugiados no terc~ir? país de ac?lhimento, como a garantia de que este país respeite
art. 32 "Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desu- os st~ndards do Direito Internacional dos Direitos Humanos; que observe as normas
manos ou degradantes", como aplicação do princípio do non-refoulement, fora da contidas na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, especialmente O princípio
Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Além disso, merece menção o d~ ~on-refoulem~t, dentre outras requisitos necessários para evitar que os países
Protocolo Adicional n 2 4, em especial os artigos 22 (sobre a liberdade de circulação) ut1hze1:1 essa medida para burlar os direitos dos refugiados e solicitantes de refúgio,
e o artigo 42 (sobre a proibição da expulsão coletiva de estrangeiros). encammhando-os a Estados nos quais seus direitos não serão garantidos. Outras
O Conselho da Europa possui políticas específicas sobre refúgio e apesar da Recomendações importantes e que refletem situações sensíveis sobre o fluxo de refu-
Convenção Europeia de Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais não se giados que se destinam à Europa é a que trata da proteção temporária 97 e, por fim, a
referir especificamente ao direito ao refúgio, tem proporcionado a base legal para Recome~dação ~ue define parâmetros sobre a detenção de solicitantes de refúgio 98 •
proteger pessoas que não estão contempladas pela Convenção de 1951. Apesar da Apos analisar a estrutura, características e as principais normas do Sistema
ausência expressa de previsão convencional sobre o direito ao refúgio, diversas Europeu de Direitos Humanos, passa-se a verificar a jurisprudência da Corte Euro-
normas sobre o tema foram elaboradas ao longo das décadas para harmonizar e peia de Direitos Humanos quanto ao refúgio.
ordenar as ações dos países membros do Conselho da Europa quanto a refugiados
e solicitantes de refúgio. Pode-se destacar: o Acordo Europeu relativo à Supressão 3.2.1. AJurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos
de Vistos para os Refugiados (1959); a Resolução 14 (1967) sobre Concessão de
Asilo a Pessoas ameaçadas de Perseguição; a Declaração sobre Asilo Territorial A Corte Europeia de Direitos Humanos possui uma extensa jurisprudência
(1977); o Acordo Europeu sobre a Transferência da Responsabilidade relativa a sobre_questões env?lvendo a situação de migrantes e refugiados. Contudo, como já
Refugiados (1980); a Recomendação sobre Harmonização de Procedimentos Na- menc10nado antenormente, a Convenção Europeia de Direitos Humanos não foi
cionais Relativos ao Asilo (1981); e a Recomendação relativa à Proteção de Pessoas criada tendo a situação dessas pessoas em mente. Como observa Marie-Bénédict
99
que satisfazem os Critérios da Convenção de Genebra e que não são Formalmente Dembour , os migrantes não foram concebidos como beneficiários naturais da
Reconhecidas como Refugiados (1984).
O Comitê de Ministros também tem produzido uma série de Recomenda- de 1999; Recomendação nº R(99)23 sobre rewúficação fumiliar e sobre outras pessoas que precisem de proteção internacional, de
ções importantes aos Estados membros do Conselho da Europa no sentido de 1999;_ Recomendação nº(2000)9 (Comitê de Ministros) sobre proteção temporária, de 2000; Recomendação n" R(2001) 18 (Comitê
uniformizar o tratamento dispensado ao refúgio na região 94 • No ano de 1984, o de ~~•rustros) sobre proteção subsidiária, de 2001; Recomendação R(2003)5 (Comitê de Ministros) sobre medidas de detenção de
solicitantes de astlo, de 2003; Recomendação R(2004)9 sobre o conceito de "pertencirnento a grupo social" no âmbito da Convenção
de 1951, de 2004; Recomendação R(2005J6 sobre exclusão do status de refui,•iado no contexto do art. lº,f da Convenção de 195 l ), de
9)
Para Gibney, essa situação da política e das leis de asilo sugerem um paradoxo, '·the existence of increasingly restrictive 2004. Além das Recomendações listadas, é fundamental mencionar também a Convenção Europeia sobre Segurança Social (Carta
asylurn policies alongside the incoruporation and developrnent ofhurnan rights legislation- is rooted in the narure ofliberal Social Europeia, de 1972), a qual prevê a extensão dessa proteção aos refugiados e apátridas (vide preâmbulo e também O art. l",o: e
dernocratic state itself. The problern is not, as sorne observers would have it, sirnply a rnatter of states failing to live up to o art4º, a e b); e a Convenção Europeia sobre Extradição, de 1957.
principies they clairn to represem. It is that the principies they clairn to represent are failing to ive up to challenges posed by " Recomendação nº R( 1984)1 de 24 de janeiro de 1984 sobre a Proteção de Pessoas que satisfação os critérios da Convenção
asylurn. For the current asylurn crisis exposes the tense and conflictual relationship between the values supposedly ernbraced de Genebra de 1951, mas que não tenham sido formalmente reconhecidos corno refugiados.
by liberal dernocracies. Ernbodying the principie of dernocratic rule. electoral politics pushes policies towards closure and Recomendação nº R(97)22 contendo diretrizes sobre a aplicação do conceito de "terceiro país seguro'", adotada pelo Comitê
restriction; ernbodying liberal principies. the law inches unevenly towards greater respect for the hurnan rights ofthose seek- de Ministros em 25 de novembro de 1997.
97
ing asylurn." (GIBNEY, Matthew J. Op. Cit, 2001, p.17). Recomendação n" R (2000)9 do Comitê de Ministros aos Estados-membros sobre a proteção temporária, adotada em 3 de
Além das apontadas acima, também pode-se apontar as seguintes Recomendações do Comitê de Ministros do Conselho da Europa: ma10 de 2000.
Recomendação nº R(94)5, contendo orientações para inspirar práticas dos Estados-membros do Conselho da Europa sobre solicitan- " Recomendação n" R(2003) SE do Comitê de Ministros aos Estados-membros sobre medidas de detenção de solicitantes de
tes de asilo que chegam nos aeroportos europeus, de 1994; Recomendação nº R(98) 13, sobre o direito dos solicitantes de asilo rejei- asilo, adotado em 16 de abril de 2003.
tados quanto ao remédio efetivo contra decisões de expulsão no contexto do art.3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, de " Para compreender o que a autora quer dizer com essa expressão ·'Strasbourg re1:ersal'", cabe mencionar o modelo bastante
1998; Recomendação nº(99) 12 (Conútê de Ministros)aos Estados-membros sobre o retorno daqueles que tiveram o refügio negado, perspicaz elaborado por ela, segundo o qual os direitos humanos podem ser tratados de quatro diferentes formas. Assim,
120 ~I_____________________________ H_E_u_s~_N_'E_M_AH_L_KE_
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI..\DOS: Novo PARADIG~JA JURÍDICO
121
Convenção, dessa forma os direitos previstos nela beneficiam os migrantes in- ou ~ão da Convenção, no qual há risco de violação de seus direitos humanos. Ale-
diretamente (proteção par ricochet). Essa situação é agravada pela tendência da gaçao semelhante também pode ser encontrada em outro importante caso S.a d'
jurisprudência da Corte de Estrasburgo, a qual a autora chama de "inversão de Es- L'/·104 . azv.
ta za , caso no qual o requerente sena deportado para a Tunísia onde ele al
.d . 1 d . . . , egou
trasburgo" ("Strasbourg reversai") em considerar a vítima migrante primeiro como ter si .º J~ ga o e ~entenciado m absentia a 20 anos de prisão por ser par parte de
um "alienígena ou estrangeiro" que está submetido ao controle do Estado, do que orgamzaçao terronsta 105 •
apenas um ser humano cujos direitos devem ser protegidos em grau de igualdade . ?utro i~portante precedente Chahal v. Reino Unido 1º6 , de 1996, a CEDH
com os nacionais. Nesse ponto, segundo Dembour 100, reside a principal diferença decidm. que a mterpretação do artigo 3-º da Convenção Europeia de Direitos Hu-
entre a jurisprudência das Cortes Europeia e Interamericana: na Interamericana o manos ~mpu_nh~ aos Estados o dever de absterem-se de devolver qualquer indiví-
migrante é visto primeiramente como um indivíduo que precisa de proteção; já duo, se isso s1gmficasse a possibilidade deste ser submetido a tratamento desumano
no Sistema Europeu é visto como um estrangeiro sujeito ao controle soberano do e degradante em seu país ?e origem. O requerente seria deportado sob a alegação
Estado; ou seja, enquanto no Sistema Interamericano a centralidade está no indiví- de a~eaça a segurança nacional, porém tratava-se de um separatista sikh 107 • A Corte
duo (tendência pro homine); no Sistema Europeu a prerrogativa está com o Estado. considerou que essa obrigação impossibilitaria a remoção do indivíduo mesmo
Conforme anteriormente mencionado, não há previsão expressa sobre o di- que o este pudesse, sob outras circunstâncias, ter sido excluído da proteção prevista
reito subjetivo ao refúgio na Convenção Europeia, portanto a jurisprudência da pe!a Convenção de 1951, sob a alegação de preservação da segurança nacional. Essa
Corte Europeia baseia-se na proteção de direitos relacionados aos refugiados e soli- foi uma importante decisão no sentido de limitar o poder do Estado soberano de
citantes de refúgio, por meio de previsões gerais previstas na Convenção. Passa-se, excluir imigrantes 1º8•
então a analisar alguns casos representativos e os direitos protegidos 101 • . A Corte ~ambém se pronunciou quanto ao direito a um julgamento justo,
Uma das mais recorrentes alegações das vítimas de casos submetidos à Corte previsto no artigo 6º da Convenção Europeia. No importante caso Omar Othman
109
Europeia fundamenta-se na previsão do artigo 3º da Convenção Europeia, cujo v. Reino Unido , de 2012, a Corte, em decisão um tanto contraditória, entendeu
conteúdo afirma o princípio do non-refoulement, para além da Convenção de que não houve.vi~lação do _a~tigo 3º no caso em que Omar Othman (ou Abu ~ta-
1951, conforme já mencionado. O primeiro e emblemático caso a invocar tal da) para aJordama onde foi Julgado in absentia por várias acusações de terrorismo.
previsão para evitar que uma pessoa fosse extraditada para um país no qual pode- A Corte entendeu que as garantias diplomáticas oferecidas pelo Governo Jordânia
ria sofrer "tratamento degradante" no país de destino foi o caso Soering v. Reino ao Governo do Reino Unido era suficiente para afastar a violação do artigo 3º.
Unido 1º2• Nesse caso, a corte entendeu que haveria uma violação do artigo 3 (proi- ~ontudo, a Corte entendeu que poderia haver violação do artigo 6º pela possibi-
bição de tortura e tratamento desumano ou degradante) se o indivíduo fosse extra- lidade ~e evi~ên~ia obtida mediante tortura em seu novo julgamento na Jordânia.
ditado para os Estados Unidos, onde poderia ser submetido à pena de morte 103 • A Essa foi a pnme1ra vez na qual a CEDH afastou a expulsão em razão da violacão
importância deste caso se revela na atribuição da responsabilidade do Estado que do a_rtigo 6º, reverberando o entendimento internacional de que provas obtidas
extradita ou expulsa indivíduo, não importando se o Estado receptor é signatário mediante tortura tornam impossível um julgamento justo 110 •
. . Os casos de detenção de migrantes e solicitantes de asilo é um expediente
nas palavras da autora: "'I propose that human rights are approached in four differem ways: a) in a ·natural' perspective, utilizado por vários Estados Europeus como mecanismo de controle do fluxo
whereby human rights are conceived as given entitlements dueto every human being qua human being. b) in a ·cteliberative'
perspective, whereby human rights are conceived as arising from política! agreements which establish principies of good '"'
IOJ
Saadi v. United Kingdom, 13229103, Council of Europe: European Coun of Human Rights, 29 January 2008.
govemance which society agrees to follow; (c) in a 'protest' perspective, whereby human rights are conceived as a response No mesmo sentido: Sltamayev e outros v. Georgia e Russia, 2005; Müslim v. Turkey, 2005; N. v. Finland, 2005; Baysakov e
against suffering which may give rise to legal guarantees but with anended risk that these legal provisions then become ;utms V. Ukrânia, 2010; Klein V. Rússia, 20[0; Khaydarov V. Russia, 2010; Manai V. ltaly, 2012; S.F. e outros V. Suíça, 2012;
used by the powerful for their own benefit rather than the benefit ofthe exploited; and (d) in a "double talk" perspective, ohridov v. Rússia, 2013: Mo.M v. França, 2013. Importante mencionar, também, a proteção quanto a individuo perse,ruido por
whereby the hypocrisy with which those in power resort to the discourse with human rights are denounced.( ... ) Toe natural P:rtencer a !,,'Tllpo étni_co minoritário, em Makhmudzahan Ergashev v. Rússia, 2012. Também, caso de proteção contra ;ersegui-
school of human rights would naturally expect a human rights court to start its reasoning with the relevant human rights çao por motivos religiosos: M.E. v. França, 2013. Risco de tratamento degrandanJe imposto por terceiros: Sufi e Elmi v. Reino
entitlement; the deliberative school, with the relevant agreed legal standard. The protest school would presumably regard Unido, 2011; N. v. Suécia, 2010 (risco de violência doméstica, caso fosse deportada para O Afeganistão).
!06
the starting point of state contrai prerogative as sidestepping the interests of the relatively powerless migrants, while the Chahal v. The United K.ingdom, 70/1995/576/662, Council ofEurope: European Coun ofHuman Riahts, 15 November
double-talk school would view this prerogative as confirmation that those who profess to support human rights are not really 1996. "
!07
interested in applying them". (DEMBOUR, Marie-Bénédicte. When Humans Becomes Migrants: study of the European lmponante mencionar que a Corte não se satisfez com as garantias oferecidas pela Índia de que o requerente teria trata-
O
Court of Human Rights with an lnter-American counterpoinL Oxford: Oxford University Press, 2015, pp.4 e 5). mento adequado.
IOO 10S
DEMBOUR. Marie-Bénédicte. Op. Cit, 2015, p.8. No mesmo sentido, o mesmo entendimento da extinta Comissão Europeia de Direitos Humanos no caso Ahmed v. Áustria,
!OI
Optou-se por analisar apenas os casos de admissibilidade e aqueles que ajudaram a formar um entendimento no sentido de de 1995.
109
proteção dos refugiados e solicitantes de reliígio. Os casos denegados não foram contemplados para esta análise, por não Otlzman (.1bu Qatada) v. The United Kingdom, Application no. 8139109, Council of Europe: European Court of Human
contribuírem para a formação do novo paradigma jurídico da proteção aos refugiados. Rights, 17 January 2011.
102 110
Soering v. The United Kingdom, l/ 19891161/217, Council of Europe: European Court of Human Rights. 7 July 1989. A Corte entendeu também que houve violação do anigo 13 (direito a medidas efetivas) e do artigo (direito à liberdade e
103
No mesmo sentido de circunstância de submissão à pena de morte: Jabari v. Turquia, 2000. segurança).
122 ➔i _____________________________ H_E_LI_SAN_'E_~_[_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADos: Novo PARADIG~L4. JURÍDICO
123
migratório. Essa situação, conforme já analisada no Capítulo 2, é uma situação denuncia a falta de gestão da questão migratória pelos países europeus. E b
'l' e m reve
que viola os direitos humanos dessas pessoas 111 • O caso M.A. v. Chipre1 12 ilustra ana 1;~• os 1atos oc?r~~ram _e~ 2009, quando um barco com 24 tripulantes (13 da
a detenção de um cidadão sírio da etnia curda pelas autoridades cipriotas com a Somaha
, . e 11 da Entre1a) fo1 mterceptado em águas internacionais pela guard a cos _
intenção de deportá-lo e a outros de seu grupo, após um protesto contra a política te1ra italiana. Sem comunicar-se com os estrangeiros, a guarda costeira colocou-os
sobre refúgio do Governo de Chipre. A Corte Entendeu que o governo cipriota em um navio ~e bandei~a i:aliana e levou-os para a Líbia, sendo entregues ao gover-
violou os artigos 13 (direito às medidas efetivas), do artigo 2 (direito à vida), do no daquele pais. Os 24 1m1grantes não chegaram a solicitar refúgio às autoridades
artigo 5 §§ 1º- e 4º- (direito à liberdade e segurança) e do artigo 4º- do Protocolo 4 italiana~, pois acreditavam que seriam levados à Ilha de Lampedusa. A Itália alegou
(expulsão coletiva de estrangeiros) 113 • q~e havia ce~ebrado u~ Acordo Bilateral em 2007 com a Líbia para coibir a imigra-
Uma questão bastante sensível para os milhares de migrantes forçados ao çao ,c~an~estma de ~fr~c~nos para a Europa 120 • A Corte decidiu unanimemente, que
redor do mundo é a reconstituição de suas famílias após a separação imposta pela a Itaha v10lou o Prmcip10 do non-refoulement, contido no artigo 3º- da Convencão
necessidade da fuga. A Corte Europeia também apreciou essa situação, aplicando a Europeia de Direitos Humanos; além o artigo 4º- do Protocolo IV (proibição da ·ex-
previsão do artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos sobre "o direi- pulsão coletiva de estrangeiros) e o artigo 13 da Convenção (sobre acesso aos recur-
to à vida privada e familiar".11 4 Importante ressaltar que a interpretação da Corte sos ,c~bív~is). A_ Corte observou que a Itália não poderia alegar que não sabia que
Europeia não se limita apenas à preservação da família, mas tem buscado também, a Libra nao ratificou a Convenção de 1951, eximindo-se de sua responsabilidade.
como parâmetro, o "melhor interesse da criança" 115 em consonância com a ampla Além disso, o ACNUR (como amicus curiae) ressaltou que possuía escritório em
adesão à Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança 116 • Como exemplo, Trípoli, mesmo assim, nenhum dos países recorreu ao seu auxílio. A Corte também
o recente julgamento do caso Tanda Muzinga v. França, de 2014117, no qual um decidiu que, apesar da existência de Tratado Bilateral entre os países e do dever de
nacional congolês alegou encontrar diversos obstáculos para obter vistos para sua respeitar o princípio do pacta sunt servanda, deve prevalecer a responsabilidade do
esposa e filha, direito à reunificação familiar do refugiado residente na França. A Estado quanto às normas de proteção internacional da pessoa humana 121 •
Corte entendeu que, neste caso, houve violação do artigo 8º-, condenando a França Diante da atual crise de refugiados na Europa, o caso Hirsi Jamaa (ou O caso
a empreender as medidas necessárias para a reunificação e a indenizar a família 118 • de Lampedusa, como ficou conhecido), representa um marco em dois sentidos
Um dos mais importantes casos tratados pela Corte Europeia foi o caso Hir- opostos: a) quanto ao aspecto positivo, ele estabelece a responsabilidade do Esta-
si Jamaa e outros v. ltália 119 • Os frequentes naufrágios de embarcações precárias do Italiano, que tentou, em uma manobra político-jurídica, eximir-se de acolher
levando dezenas e centenas de refugiados provenientes do Continente Africano e os solicitantes de refúgio, mediante o questionável acordo com a Líbia, além de
do Oriente Médio em direção a Europa, além de ser uma tragédia humanitária, invocar normas complementares de Direito Internacional para justificar esta res-
ponsabilidade (como a Convenção de Montego Bay); b) Por outro lado, a pífia
Ili
Grave também é a situação da detenção de crianças migrantes, apreciada nos casos: Muskhadzyieva e Outros v. Bélgica de sanção imposta à Itália não apenas decepciona as vítimas e suas famílias e aqueles
2010 e Rahimi v. Grécia de 201 l. que lutam pelos direitos humanos dos migrantes, como encoraja a manutenção
111
M.A. v. Cyprus, Application no. 41872/10, Council ofEurope: European Court ofHuman Rights, 23 July 2013.
m
de uma política migratória excludente e de condições inóspitas ao acolhimento.
Merece menção, também, o caso Aden Ahmed v. Malta, de 2013, no qual um cidadão Somali foi detido em Malta após tentar
ingressar irregularmente em um barco para procurar refugio. A Corte condenou Malta pela violação do artigo 3 e do artigo A continuação dos naufrágios na Costa Europeia e a incapacidade dos países do
5, §§ t• e 4° em razão da detenção ilegal da vitima solicitante de refugio. Continente em administrar adequadamente a situação (conforme será analisado no
'" Artigo 8. i11 l'erbis: "Direito ao respeito pela l'ida prfrada e familiar 1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua \'ida
próximo ponto) é o símbolo indecoroso da oportunidade perdida pela Corte Eu-
privada efamiliar, do seu domicílio e da sua correspo11dé11cia. 2.Não pode haver i11geréncia da autoridade pública 110 exer-
cício deste direito senão quando esta ingerência estiver pre1'ista na lei e constituir uma providência que. numa sociedade ropeia de, verdadeiramente, cumprir seu papel na proteção dos direitos humanos.
democrática. seja necessária para a segurança nacional. para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, Passa-se, agora, a analisar os chamados "Casos Dublin 122", nos quais as ví-
a defesa da ordem e a prel'e11ção das i11fracçães pe11ais. a proteção da saúde 011 da moral. 011 a proteção dos direitos e das timas sofreram uma violação do artigo 3º- da Convenção Europeia, em razão da
liberdades de terceiros."
115
LAMBERT, Héléne. Family Unity in lmmigration Law: lhe evolution of a more unified approach in Europe. ln CHETAIL,
IW
Vincenl e BAULOZ, C. (ed.) Research Handbook on Intemational Law and Migration. Edward Elgar Publishing, 2014, p.17. O Acordo em questão entrou em vigor em 2009. Em 2008, Itália e Líbia celebraram outro Acordo de Cooperação e Amizade
116
A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, é o instrumento de de proteção aos direitos para coibir a imigração clandestina (art. 19), estabelecendo que, em seus atos, os países deveriam seguir os "princípios da
humanos que possui maior adesão. foi ratificada por I 93 países. O melhor interesse está previsto no artigo 3 da Conven- Carta da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos". Em discurso perante o Parlamento Italiano, o Ministro do
ção, in verbis: " Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar Interior disse que, entre 6 e IOde maio, 471 imigrantes clandestinos foram levados para a Líbia, em cumprimento ao Acordo
social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar. primordialmente, o interesse maior Bilateral. para coibir o tráfico de pessoas e para proteger essas pessoas em alto mar (art. 98 da Convenção de Montego Bay).
da criança.". Essa perspectiva também demonstra a aplicação da proteção complementar, que será abordada no Capítulo 4. A Corte também determinou que a Itália indenizasse cada um dos imigrantes com a quantia de 15.000 euros, mediante a
117
Ta11da-M11:d11ga e. France, Requête no 2260/10, Council ofEurope: European Court ofHuman Rights, 10 July 2014. regra da satisfação equitativa: uma módica quantia para perdas irreparáveis. Além disso, a maioria das vítimas jamis sacou
IIS essa soma ou foi encontrada para receber a quantia.
No mesmo sentido: Mugenzi v. França, de 2014; Mubilanzila Mayeka e Kaniki Mitunga v. Bélgica, de 2006; Pryia v. Dina-
marca, de 2006; Dalia v. França, de 2006; Moustaquim v. Bélgica, de 1991, dentre outros. O "Sistema Dublin". que será analisado de maneira mais profunda no tópico 3.3.1, é um conjunto de normas que, dentre
'" Caso Hirsi Jamaa e outros vs. Itália. Grand Chamber J11dge111e11t, 23/02/2012. outras determinações, estabelece qual dos Estados-membros da União Europeia é responsável por examinar a solicitação
124 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_u_s_
..v-;_·E_M_A_HL_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGIADDS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
4 125
123
aplicação das Diretivas de Dublin, normas da União Europeia sobre refugiados • Evidentemente, a ausência de uma previsão específica sobre o direito sub"eti-
Nesse contexto, o emblemático caso M.S.S. v. Belgium and Greece1 24 o qual trata de vo ao refúgio na Convenção Europeia de Direitos Humanos, ou em outro Trat~do
um cidadão afegão que ingressou na União Europeia pelo território da Grécia e específico no âmbito do Conselho da Europa, limita a possibilidade da Corte Eu-
depois, dirigiu-se à Bélgica, onde pediu refúgio. De acordo com o que determina ropeia manifestar-se diretamente sobre o tema. Contudo, a jurisprudência da Corte
a Diretiva de Dublin II, o escritório Belga para estrangeiros solicitou que a Grécia d~monstra que é possível proteger os direitos dos refugiados a partir de outras pre-
se responsabilizasse pela apreciação do pedido de refúgio. O solicitante de asilo, visões correlatas: como a proibição da expulsão ou deportação face à possibilidade
reclama, porém, das condições de tratamento às quais ele foi submetido durante de tratamento cruel ou degradante no país de origem (art. 32 ); reunificação familiar
sua detenção na Grécia, de não ter tido acesso aos recursos devidos perante o sis- (art. 82); acesso à justiça (arts. 6 e 13); direito à liberdade e à segurança (art. 52, §§
tema legal Grego para questionar esse tratamento. Da mesma forma, alegou que a 1 e 4); direito à vida (art.2); a proibição da expulsão coletiva de estrangeiros (art.
Bélgica o expôs ao risco ao submetê-lo às difíceis condições de tratamento às quais 42 do Protocolo IV).
os solicitantes de asilo são submetidos lá e também alegou que não teve acesso às Contudo, não é suficiente: a lacuna de uma previsão específica enfraquece a
medidas legais necessárias na Bélgica. A Corte entendeu que a Bélgica não deveria proteção dos refugiados na região, aumentando a discricionariedade dos Estados
apenas ter "presumido" que o solicitante seria tratado adequadamente na Grécia, quanto à política sobre refúgio. É incongruente o fato de que o Sistema Europeu
deveria ter verificado as condições na prática, portanto a Corte condenou a Bélgica de Direitos Humanos, advindo do continente que inspirou a criação da Conven-
pelas violações dos artigos 3 (refoulement) e artigo 13 (direito de acesso aos recur- ção de 1951 pela fuga em massa de milhares de refugiados "europeus" durante
sos legais necessários). Da mesma forma, pelo tratamento deficiente dispensado as Guerras Mundiais, seja o único a não consagrar o direito ao refúgio em suas
aos solicitantes de asilo, decidiu que a Grécia também violou os artigos 3 e 13 da normas. Contudo, essa é uma incongruência que denuncia a orientação do sistema
Convenção, além da observância do artigo 46 (força vinculativa e execução das europeu: a proteção aos direitos humanos, porém seletivamente aplicada de acordo
sentenças), cabendo à Grécia proceder ao exame da solicitação do requerente e en- com os fins políticos dos Estados.
quanto aguarda esta análise, deve abster-se de deportar o requerente 125 •
Outro caso que merece menção é Sharifi e outros v. Itália e Grécia126 de 2014, 3.3. O REFÚGIO NA INTEGRAÇÃO EUROPEIA
referente à expulsão de 32 nacionais Afegãos, 2 Sudaneses e 1 Eritreu, no qual a Corte
decidiu que houve violação não apenas do artigo 13, combinado com o artigo 3, mas, A integração europeia tem sua gênese no período pós-Guerra, havia a neces-
também do artigo 42 do Protocolo 4 (proibição da expulsão coletiva de estrangeiros). sidade urgente de construir laços de cooperação entre os principais países Euro-
peus (sobretudo França e Alemanha) para que houvesse estabilidade na região 127 •
Nesse caso, em particular, a Corte partilhou da preocupação com o retorno auto-
Assim, os primeiros passos da integração foram flagrantemente estratégicos,
mático implementado pelas autoridades de fronteira Italianas no Mar Adriático, na
unindo os Estados em questões venais como: economia, segurança e energia 128 • O
maioria dos casos privando os solicitantes de asilo de seus direitos. A Corte reiterou
processo de integração desenvolveu-se posteriormente em outras áreas política,
que o Sistema Dublin precisa ser aplicado em consonância com a Convenção e que
normativa e institucional, formando o alicerce do que se tornaria a Comunidade
ele não pode servir de justificativa para a remoção coletiva e indiscriminada de indi-
Europeia (CE) 129 • A União Europeia (UE) 130, tal como está estruturada hoje, é a
víduos e que o Estado deve garantir que o país de destino ofereça garantias necessá-
rias para que o solicitante de refúgio seja removido sem ter seus direitos respeitados. 127
Esse espírito e intenção estão expressos nas palavras de Robert Schummann. um dos "pais fundadores•· da UE "La paix
mondiale ne saurait être sauvegardée sans des ejfoHs créateurs à la mesure des dangers qui la menacellt. La comribmion
de refügio. O objetivo é evitar que os solicitantes de refügio sejam encaminhados de um pais a outro e também para evitar qu 'une Europe organisée et vivante peut app011er à la civilisation est indispensable au maintien des relations pacifiques.
que a mesma pessoa faça diversas solicitações de refügio em diferentes países da União. O Estado membro designado como En se faisa/1/ depuis plus de vingt ans /e champioll d "une Europe tmie. la France a t01ifo11rs eu pour objet esse/1/iel de servir
responsável pela apreciação da solicitação de refügio precisa se encarregar de fornecer o tratamento adequado ao solicitante la pait. L 'Europe II 'a pas été faite, IJOWi avons eu la guerre. L 'Europe ne se fera pas d 'un coup, ni dans une constntction
e dar seguimento ao procedimento de reconhecimento do starus de refugiado. d 'ensemble : elle se fera par des réalisatíom concrétes créam d 'abord une solidarité de faic. Le rassembleme/1/ des natiom
m No mesmo sentido, Mohammed v. Áustria, de 2013; Tarakhel v. Suíça de 2014; A.S. v. Suiça de 2015. Em sentido oposto, européennes exige que l 'opposition séculaire de la France et de l 'Allemagne soit élimin~e. L ·action entreprise doit toucher
a Corte não considerou que houve violação nos casos: A.M.E. v. Holanda, de 2015; Mohammadi v. Áustria, de 2014; Sharifi ª" premier chefia France et l'.4/!emag1Ze" (trecho da "'Declaração Schummann", proferida em 9 de maio de 1950. marco
v. Áustria de 2013. fundamental da integração Europeia).
l!S
124
Case M.S.S. v. Belgium and Greece, Application no. 30696/09. Council of Europe: European Court ofHuman Rights, 21 O embrião do que se tomaria, posteriormente. a UE surgiu da criação de três organizações: a CECA (Comunidade Europeia
January 20 I 1. No mesmo sentido, faz-se referência ao Caso Case Tarakhel v. SwitzerlamL Application no. 29217/12, Coun- do Carvão e do Aço, criada em 1952 pelo Tratado de Paris); a EURA TOM (Agência Europeia de Energia Atômica) e a CEE
cil of Europe: European Court ofHuman Rights, 4 November 2014. (Comunidade Econômica Europeia). ambas criadas em 1957 pelo Tratado de Roma.
129
125
Importante mencionar que o Tribunal de Justiça da União Europeia também apreciou o caso e chegou à decisão semelhante Em 1967, as três comunidades fundiram-se em uma úníca entidade ·a Comunidade Europeia" (CE).
130
da Corte Europeia (especialmente os §§ 88 a 91 da decisão da Grand Chamber no julgamento em 21 de dezembro de 2011 ). O Tratado que cria a União Europeia, também chamado de ·Tratado de Maastricht" foi assinado em dezembro de 1991,
Disponível em: http://curia.europa.eu/jurisldocument/documentjsf!text=&docid= 11 7187 &pagelndex=0&doclang=EN&- entrando em vígor em fevereiro de 1992. O Tratado estabelece que a UE é baseada em três pilares: í) o primeiro engloba
mode=lst&dir=&occ=first&part= I &cid=3 l 034. as três comunidades (CECA, CEE e EURATOM), formando a CE; ii) o segundo pilar é formado pela Política Externa e de
Slzarifi et autres e. Italie et Grêce, Requête no 16643/09, Council ofEurope: European Court ofHurnan Rights, 21 October 2014. Segurança Comum (PESC); íii) o terceiro compreende a cooperação em matéria jurídica (Justice and Home Atraires). Além
126 ,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_LI_SA_N'E_~_I_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl.!GIADOS: Novo PARADlmlA JURÍDICO
4 127
única organização supranacional existente e, mesmo com os inegáveis avanços, es- O processo de integração na Europa deve ser observado como um catalisador
pecialmente considerando o histórico de conflitos entre os países da região 131 , ain- das mudanças nas legislações sobre refúgio dos Estados-membros, que foram in-
da enfrenta desafios na consolidação de uma verdadeira identidade comunitária 132 • troduzidas a partir da década de noventa. Essa "europeização" 134 da política sobre
Os fundamentos do regime Europeu do refúgio estão ancorados no período refúgio, como denomina Eiko Thielemann, trouxe a necessidade de uniformizar
imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial e os eventos que levaram à a~ legislações _e procedimentos adotados quanto aos solicitantes de refúgio e refu-
elaboração da Convenção de 1951, a qual foi incorporada nos ordenamentos nor- giados na região. Como será analisada a seguir, a construção da política comum
mativos dos Estados-membros. A Europa, continente assolado por duas Guerras da UE para o refúgio desenvolveu-se a partir de um foco tanto simbólico quanto
Mundiais, produziu na época milhares de refugiados que necessitaram buscar pro- concreto: a fronteira. A dicotomia entre "dentro" e "fora", "nós" e "eles", é uma
teção em outros países. A própria elaboração da Convenção de 1951 foi inspirada característica intrínseca da política migratória Europeia, de maneira geral, e da
pelos eventos ocorridos no continente, como demonstra a indicação geográfica qual, mesmo diante da constatação concreta de que é inadequada e insuficiente
explícita no documento. continua a se perpetuar. '
Contudo, em décadas posteriores, a situação se inverteu e a Europa passou Nos últimos anos a Europa tem vivido uma crise por causa do intenso flu-
a receber fluxos migratórios e solicitantes de refúgio, sobretudo provenientes dos xo de refugiados que se destinam ao Continente, especialmente provenientes do
conflitos da Guerra Fria e dos processos de descolonização na África e Ásia, pelo ~onflito na Síria, mas, também, de outros países do Oriente Médio, da Líbia e da
histórico vínculo colonial. Porém, apesar da pressão migratória significativa, o Africa Subsaariana 135 • A crise humanitária, também tem revelado a crise do sistema
regime europeu sobre refúgio permaneceu relativamente estável até a década de no- europeu de refúgio. O intenso fluxo de refugiados, o primeiro desde a criação da
venta, quando a maioria dos Estados Europeus passou a tornar mais restritiva sua política europeia comum para o refúgio 136, tem exposto a fragilidade e as dificulda-
política para refugiados 133 • Essa contradição entre o passado Europeu e a política des do sistema de acolhimento dos refugiados e solicitantes de refúgio. Enquanto o
adotada pela Organização quanto aos fluxos migratórios, em especial quanto aos discurso político das autoridades Europeias revela mais ruídos que consenso entre
refugiados, apenas denuncia a perspectiva estatocêntrica que determina a direção ~egurança e humanidade, denunciando a dificuldade em implementar uma política
da política para o refúgio. mtegrada e coordenada de acolhimento, a tragédia continua no Mediterrâneo 137 •
A proteção aos refugiados é um tema sensível na proteção aos direitos huma-
do Tratado de Maastricht, outros Tratados posteriores são fundamentais na definição da estrutura, ação e funcionamento da
nos na UE. Os países-membros da organização comprometeram-se com as normas
UE, complementando ou aprimorando o primeiro: o Tratado de Amsterdam, de 1997 (reforma as instituições da UE e esta- do Direito Internacional dos Refugiados, das quais todos os países da UE são
belece critérios para a adesão de futuros países-membros. em vigor desde 1999); o Tratado de Nice, de 2001 (que reforma as signatários. Contudo, a prática demonstra que os países adotam diferentes inter-
Instituições da UE. em vigor desde 2003); e o Tratado de Lisboa, de 2007 (que define competências da UE, permitindo-lhe
manifestar-se em conjunto em questões mundiais e busca tomar a organização mais democrática, em vigor desde 2009).
pretações quanto ao que consideram uma aplicação adequada das normas sobre
A UE é atualmente composta por 28 países: os fundadores desde 1951 (França, Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda e Luxem-
burgo); em 1973,juntam-se Reino Unido, Irlanda e Dinamarca; em 1981, a Grécia: em 1986, é a vez de Espanha e Portugal; Conforme define o aulor, "Europeinisation is defined here as process wherby, domestic discourses, public policies. politícal
em I 995. Áustria, Finlândia e Suécia; o maior alargamento ocorreu em 2004, trazendo República Tcheca, Polônia, Estônia, discourses and identities adapt to, and seek to shape, European integration. (THIELEMANN, Eiko, Tiie Soft Europeinisa-
Eslováquia, Lituânia, Eslovênia, Malta e Chipre; em 2007, Romênia e Bulgária; por fim, Croácia, em 2013. tion of Migration Policy: European integration and domestic policy change. Paper to be presented at the 2002 ECPR Joint
Persiste uma dificuldade inerente na integração Europeia em conciliar questões sensíveis aos seus Estados-membros e suas Session ofWorkshops, Turin, 22-27 March Workshop 3: "How Economic lntegration Maners: Europeanisatíon, Discourse
tradições Constitucionais. Apesar da estrutura jurídica propiciar instrumentos de harmonização, é na sua estrutura política e and Policy Regimes", 2001, p.8).
de tomada de decisão que se encontra o grande desafio de integração. Segundo Jürgen Habermas, a UE precisa decidir se é Segundo dados do ACNUR são 814.334 refugiados que chegaram â Europa, neste ano de 20 I5, em embarcações precárias
uma "democracia transnacional" ou uma espécie de "federalismo pós-democrático" (HABE!Uv!AS, Jürgen. Toe Crisis ofthe pelo Mediterrâneo, sendo que 85% são provenientes dos IO países que mais produzem refugiados no mundo ( I O _ Síria; 2º
European Union: a response. Cambridge: Polity Press, 2012). Questões como a legitimidade de suas instituições, ou a falta - Afeganistão; 3º - Iraque; 4º - Eritreia; 5º - Nigéria; 6° - Paquistão; 7º - Somália; 8º - Sudão; 9º - Gâmbia; Io• _Mali). São
dela, e o alegado 'déficit democrático' que enfraquece os pilares da UE representam os principais argumentos críticos do 3.460 desaparecidos ou mortos nessa travessia. A Grécia tem recebido o maior número: 669.032; a Itália vem em segundo
processo de integração, assim como o mito do ·•super Estado" como pontua Andrew Moravcsick. (Mais sobre a legitimidade lugar: 142.400. (Fonte: UNHCR: hnp://data.unhcr.org/mediterranean/regional.php# ga= 1.185629929.19I9I26991.144736
democrática de UE e a análise da govemança multinível de suas instituições em, MORA VCSICK, Andrew. ln Defense of 9186. Último acesso 11 de novembro de 2015). -
Democractic Deficit: reassing legitimacy in the European Union. JMCS, Vol. 40, nº4, 2002, pp. 603 a 624). Anteriormente, dois fluxos em massa de refugiados foram imporantes: a crise na Hungria, em 1956, que deslocou cerca
1B
Uma das práticas que passou a ser adotada pelos países europeus foi a do "terceiro país seguro" (third safe country), no de 130.00 refugiados daquele país para a Áustria; e durante a Guerra dos Bálcãs em razão do desmantelamento da antiaa
qual o solicitante de asilo tem o seu acesso ao procedimento de determinação do status de refugiado negado, por já ter sido Iugoslávia entre 1992 e 1995, gerando milhões de refugiados e deslocados internos. Na ocasião, a Alemanha recebeu 345_;0
acolhido, ou já ter solicitado, ou ter recebido o status de refugiado em outro pais. Isso significa que o solicitante de refugio refugiados, enquanto a Sérvia (parte da antiga Iugoslávia) recebeu 660.000 (Fonte: ACNUR: hnp:iíunhcr.org/cgi-bin/texis/
que tiver viajado por outros países antes de haver solicitado refugio no país de sua escolha, não terá o seu pedido examinado vtx/home/opendocPDFViewer.htrnl?docid=3ae6bb000&query=Yugosl%C3%Al via. Acesso em setembro de 2015).
IJ7
e será deportado a outro país. Essa prática foi severamente criticada por ativistas, pelo ACNUR, por ser uma forma indireta A responsabilidade coletiva dos Estados em dar o tratamento adequado aos solicitantes de refugio, não pode ser afastada
de rechaçar os solicitantes de refugio. O ExComjá havia se manifestado contra esse tipo de prática em 1979: "(iv) Regard criminalizando a migração irregular ou pessoas que. frequentemente, são vitimas do tráfico de pessoas. Interceptações em
sl,011/d be had to the concept that asy/11111 sho11/d not be refi,sed sole(v on the gro1111d that it co11/d be sought from 0110/her alto mar, sem a destinação adequada para que essas pessoas possam solicitar refugio, não apenas é uma violação do princípio
Sta/e. Where, Jwwever, it appears that a person, before requesting asy/11m, a/ready ha.s a connection ar e/ase links with do non-refoulement, mas, também das normas do Direito Internacional, em especial do Direito do Mar, conforme já decidiu
another Sta/e, he may iJ it appears fair and rea.sonable be called upon jirst to req11est asylwn from tlwt State" (ExCom a CEDH no caso Hirsi Jamaa v. Itália. jâ mencionado. (GOODWIN-GIL. Guy. TI1e Ríght to Seek Asylum: interception at
Conclusions, nºI5, I 979). sea and the principie ofnon-refoulement. ln lnternatíonal Joumal ofRefugee Law, Vol.23, n"3, 2011, pp. 443-457).
128 ~i_____________________________ H_E_LI_S~_N_'E_~_I_AH_L_KE_ DtREITO INTERNACIONAL DOS REFl!Gt..\DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 129
refúgio, especialmente no que se refere aos solicitantes de refúgio provenientes refúgio. Sua entrada em vigor marcou a transformação dos padrões legais por meio
Estados terceiros (de fora do Bloco Europeu). Além disso, não tem fornecido ga- dos quais a integração europeia devia se manifestar na administração das questões
rantias adequadas para o non-refoulement e, a despeito da tentativa de harmoni- sobre refúgio 142. Além disso, vinculou o desenvolvimento da política comum eu-
zação entre as legislações nacionais e regionais, têm encontrado maneiras e burlar ropeia sobre refúgio, ao menos em tese, aos princípios contidos na Convenção de
as regras da própria UE 138. Assim, o discurso sempre presente de uma Europa que 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e o Protocolo de 1967 143 .
preconiza os direitos humanos e que busca por meio da normatização garantir O Tratado de Amsterdam, segundo Geoff Gilbert 144, não apenas fundiu a
t
estes direitos, não resiste a um olhar crítico. Paradoxalmente, a regulamentação da política migratória e de refúgio inextrincavelmente, mas fez com que os Estados-
política migratória e de refúgio comum, como se pretende demonstrar, ao invés -membros da UE tivessem que harmonizar suas políticas nacionais aos ditames
de proteger os direitos das pessoas em mobilidade, tem servido para mitigar estes europeus. Porém, justamente nesse movimento está uma das fragilidades do refú-
mesmos direitos 139. gio na integração europeia: a preocupação com a imigração irregular mesclou-se
com a política sobre refúgio, alijando o solicitante de refúgio de seus direitos. A
3.3.1. A política migratória Europeia "Fortaleza Europa" (Fortress Europe) 145 passou a erigir muros cada vez mais altos,
ou criar mecanismos para que os Estados pudessem ter certa "discricionariedade"
Conforme já mencionado, o processo de integração foi um fator importante quanto ao refúgio, como será analisado a seguir.
para o desenho da atual política migratória europeia. Na medida em que o espaço Em sequência, outro passo importante foi o Conselho Europeu de Tam-
de integração interno, sobretudo após o Acordo de Schengen 140, abolia as fronteiras pere146 e as Conclusões que dele resultaram, o qual prometia um novo objetivo
entre os Estados-membros, surgia um movimento de fortalecimento e controle das legal para o desenvolvimento de uma política de imigração e de refúgio comum,
fronteiras externas. O espaço comum, porém seletivo, era destinado àqueles que baseada no respeito aos direitos humanos. Pela primeira vez, era firmado um
pertenciam ao bloco, ou àqueles quem ao bloco interessava receber. Concomitante- compromisso baseado na liberdade de circulação "para todos" na UE em iguais
mente, para afirmar essa posição, era necessário que todos os países-membros ado- condições de justiça e segurança 147, o que implicava, necessariamente, na coor-
tassem critérios e políticas comuns, ou seja, regulamentadas e controladas pela UE. denação das políticas de todos os Estados-membros quanto ao exercício e gozo
Para Alston e Weiler 141 a UE carecia de uma política coerente em relação aos dessa liberdade (cujo fundamento deveria ser o respeito aos direitos humanos, às
refugiados que englobasse elementos importantes na garantia de direitos a estes instituições democráticas, e ao estado de direito) 148 . Especificamente quanto ao
indivíduos, os quais incluem: procedimentos justos para o reconhecimento do refúgio, destaca-se a previsão do ponto nº 13 da Conclusão, que estabelece que
status de refugiado, que estejam em harmonia com a Convenção de 1951; adotar "O Conselho Europeu reitera a importância que a União e os Estados-Membros
um regime comum que possa prover proteção temporária em situações que envol-
vam fluxo em massa de refugiados; um sistema de burden sharing para equilibrar GILBERT, Geoff. Is Europe Living l!p to Its Obligations to Refugees? ln The European Joumal of lntemational Law. Vai
15, n"5, 2004, pp. 969-970.
a distribuição de solicitantes de refúgio entre os Estados-membros e políticas de
Expresso no artigo 63 in l'erbis: "Medidas em matéria de asilo concordantes com a Convenção de Genebra, de 28 de
acolhimento similares. Julho de I 95 I. e o Protocolo, de 31 de Janeiro de 1967. relativos ao estatuto dos refugiados. bem como com os demais
O primeiro passo foi dado pelo Tratado de Amsterdam, o qual se constitui tratados pertinentes, nos seguintes domínios: a) Critérios e mecanismos para a determinação do Estado-Membro respon-
sável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro;
no pilar fundamental do estabelecimento da política europeia comum acerca do
bJ Normas mínimas em matéria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados- -Membros: c) Normas mínimas
em matéria de condições a preencher pelos nacionais de paises terceiros que pretendam aceder ao estatuto de refugiado;
m
ALSTON, Philip. e WEILER, J. H.H. An EverCloser Union in Need ofa Human Rights Policy: The European Union and Human d) Normas minimas em matéria de concessão ou retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros; 2. Medidas
Rights. ln ALSTON, Philip. (ed.) The European Union and Human Rights. New York: Oxford University Press, 1999, p. 61. relativas aos refugiados e às pessoas deslocadas, nos seguintes domínios: a) Normas mínimas em matéria de concessão
Segundo Marie Bénedicte Dembour, "\Ve have just intimated that migrants, given their Iack of political Ieverage, find it de proteção temporária a pessoas deslocadas de países terceiros que não possam regressar ao seu país de origem, bem
difficult to access human rights. But could not the difficulties they encounter be more generally attributed to the fact that hu- como a pessoas que, por outros motivos, necessitem de proteção internacional; b) Medidas tendentes a assegurar uma
man rights are simply not meant to deliver the equal treatment and dignity they seem to promise? Far from being a Ianguage repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-Membros ao acolherem refugiados e pessoas deslocadas e
ofprotest, it could be argued that the forms ofprotection available to migrants in the guise ofhuman rights are acrually a suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento:"
14-1
fonn of regulation. Human rights have been so co-opted by States that they are a resource for the powerful rather than the GILBERT, Geoff. Op. Cit .. 2004, p. 970.
powerless." (DEMBOUR, Marie-Bénédicte e KELL Y, Tobias. Are Human Rights for Migrants? Criticai Reflections on the 145
Metáfora que se refere às caracteristicas defensivas e restritivas da política migratória comum das últimas três décadas.
Status of Irregular Migrants in Europe and United States. New York: Routledge. 2011, p.10). Atualmente, o termo é especialmente usado para criticar a política de migração e rerugia especialmente quanto a nacionais
'"' O Acordo de Schengen de 14 de junho de 1985 cria o "Espaço Schengen" que estabelece a abolição das fronteiras internas de terceiros Estados que tentam ingressar no espaço europeu.
dos Estados-membros, regras comuns para ingresso nestes pai ses, cooperação em matéria judicial e extradição e a criação de Ocorrido na cidade d Tampere - Finlândia. em 15 e 16 de ourubro de 1999. Para inteiro teor das Conclusões, consultar:
um sistema de informação. Dos países que fazem parte da UE, Reino Unido e Irlanda não fazem parte do Acordo, equanto http://www.europarl.europa.eu/summits/tam_pthtm. *Especialmente, pontos 10 a 27 que tratam da "Política Comum da UE
outros (Bulgária, Croácia. Chipre e Romênia) estão em processo de adesão. (Fonte: hnp://eur-lex.europa.eullegal-content! em Matéria de Asilo e Imigração".
PT/TXT/?uri=uriserv:133020. Acesso em 11 de novembro de 2015). Ui
Conclusões do Conselho Europeu de T ampere, nº2.
'" ALSTON, Philip. e WEILER, J. H.H. Op.Cit.1999, p.67 14S
Conclusões do Conselho Europeu de Tampere, nºl.
130 1 l-lELISANE M.-\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFVGI ..\.DOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 131

atribuem ao respeito absoluto do direito de requerer asilo. Acordou ení trabalhar no os Estados-membros na administração das fronteiras externas ao bloco e aprimorar
sentido da criação de um sistema comum europeu de asilo, baseado numa aplicação os standards de proteção mediante instrumentos de reforma que estão sendo pau-
integral e abrangente da Convenção de Genebra, assegurando deste modo que nin- latinamente adotados 156 • A partir desses marcos, a UE foi construindo um robusto
guém será reenviado para o país onde é perseguido, ou seja, mantendo o princípio e controverso arcabouço normativo para administrar a situação de refugiados e
da não recusa de entrada". Essas conclusões, sem efeito vinculativo, marcavam a solicitantes de refúgio na região 157 .
intenção de construir uma política comum para o refúgio, a qual necessitava de É fundamental dar destaque, dentro dessa iniciativa de estabelecer uma políti-
fundamentos normativos e institucionais para lhe dar concretude. ca comum sobre refúgio, para a Convenção de Dublin de 1990 158 , a qual determina
Dessa necessidade surgiu o "CEAS Common European Asylum System", qual o Estado responsável por examinar as solicitações de refúgio apresentados
um ambicioso projeto que se iniciou em 2012 e que vem sendo desenvolvido em um dos Estados-membros. Na Convenção é consagrado o "burden sharing"
até a atualidade. O Projeto foi elaborado para ter dois estágios: 1) O primeiro entre os Estados-membros da UE: a alocação do fluxo de refugiados, indicado
("The Tampere Program", 1999 - 2005) baseava-se na construção de um padrão pela determinação do primeiro Estado-membro pelo qual o solicitante de refúgio
legislativo comum em acordo com os standards europeus e internacionais quan- entrou primeiro em território Europeu 159 • A Convenção foi posteriormente substi-
to ao refúgio. Seis importantes instrumentos legislativos foram adotados durante tuída por um Regulamento do Conselho Europeu, conhecido como "Dublin 11" 160 .
essa fase: a Diretiva sobre os Procedimentos de Solicitação de Refúgio ("Asylum Além de outros elementos da política comum, Dublin II estabelece condições ade-
Procedures Directive") 149 ; a Diretiva de Qyalificação (Qualification Directive) 15 º; quadas de recepção e standards mínimos para o procedimento de solicitação do
o Regulamento de Dublin ("Dublin Regulation") 151 ; a Diretiva de Recepção de status de refugiado. Por fim, completando o chamado "Sistema Dublin", tem-se
Solicitantes de Asilo ("Reception o/Asylum Seekers Directive") 152; a Diretiva de Pro- a Dublin 111 161 , que se destina a renovar as anteriores apontando novos critérios e
teção Temporária ("Temporary Protection Directive") 153 ; Diretiva sobre Condições
de Recebimento ("Reception Condition Directive") 154 ; o Regulamento da Eurodac ll6
LAMBERT, Héléne. Introduction: European Refugee Law and Transnational Emulation. ln LAMBERT, Héléne; MAc-
ADAM, Jane: FULLERTON, Maryllen. The Global Reach o European Refugee Law. Cambridge: Cambridge University
("Eurodac Regulation") 155 , estão entre as principais. II) O segundo estágio (2005 -
Press, 2013, p.10.
atual; the "Hague Program" e "Stocholm Program"), tem por objetivo harmonizar 157 Além das normas já citadas existem outras que devem ser mencionadas: COUNCIL DIRECTIVE 2003/86/EC of22 Septem-
os procedimentos de solicitação de refúgio na UE; incrementar a cooperação entre ber 2003 on ú1e right to farnily reunification;; REGULA TION (EC) No 562/2006 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT
AND OF THE COUNCIL of 15 March 2006 establishing a Community Code on the rules goveming the movement ofper-
sons across borders (Schengen Borders Code): REGULATION (EC) No 863/2007 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT
Council Directive 2005/85/EC of I December 2005 on minimum standards on procedures in Member States for granting
AND OF THE COUNCIL of II July 2007 establishing a mechanism for the creation of Rapid Border lntervention Teams
and withdrawing refugee status. A critica feita a essa Diretiva se refere a dois principais pomos: a remoção do refugiado
and amending Councíl Regulation (EC) No 2007/2004 as regareis that mechanism and regulating the tasks and powers of
a um ·•terceiro país seguro'", posteriormente negando-lhe o acesso ao procedimento de solicitação de refügio (art.27.2)
guest officers; REGULATION (EC) No 767/2008 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of9
devido ao prazo para a proteção temporária. vários solicitantes de refügio que tenham apelado da decisão sobre seu pedi-
July 2008 conceming the Visa Information System (VIS) and the exchange of data between Member States on short-stay
do não poderão permanecer no território do Estado até que seu pedido seja julgado (art. 6), o que representa uma negação
visas (VIS Regulation); DIRECTIVE 2008/115/EC OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of
do devido processo.
150
16 December 2008 on common standards and procedures in Member States for retuming illegally staying third-country
Council Directive 2004/83/EC of 29 April 2004 on minimum standards for the qualification and status of third country
nationals; REGULATION (EU) No 439120!0 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of 19 May
nationals or stateless persons as refugees or as persons who otherwise need imemational protection and the contem of the
20 JOestablishing a European Asylum Support Office; Directive 2011/95/EU of the European Parliament and of the Council
protection granted. A critica feita a essa Diretiva é a sua tentativa de ·'redefinir'" o conceito de refugiado (art.9) e uma pers-
of 13 December 2011 on standards for the qualífication of third-count,y nationals or stateless persons as beneficiaries of
pectiva discriminatória, atribuindo tal definição e aplicação apenas a solicitantes de refügio de fora da UE (art. 2,c).
111
intemational protection, for a uniform status for refugees or for persons eligible for subsidiary protection, and for the contem
Council Regulation 2003/343/EC de 18 de fevereiro de 2003, estabelecendo critérios e mecanismos para determinar a
of the protection granted; Dírective 2013/33/EU of the European Parliament and of the Council of 26 June 2013 layíng
responsabilidade do Estado-membro encarregado de examinar a solicitação de refügio apresentado em um dos Estados-
down standards for the reception ofapplicants for intemational protection (recast); Directive 2013/32/EU ofthe European
membros por um nacional de um terceiro Estado.
Parliament and of the Councíl of26 June 2013 on common procedures for granting and withdrawing intemational protection
Council Directive 2003/9/EC de 27 de janeiro de 2003 que estabelece standards mínimos de tratamento para a recepção de
(recast}; EN - Eurodac II Regulation (EC} n"603/2013 de 26 de junho de 2013 (recast Eurodac Regulatíon); REGULATION
solicitantes de asilo.
(EU) No 610/2013 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of26 June 2013 amending Regulation
COUNCIL DIRECTIVE 2001/55/EC of20 July 2001 on minimum standards for giving temporal}' protection in the event of
(EC) No 562/2006 of the European Parliament and of the Council establishing a Community Code on the rules goveming
a mass ínflux of displaced persons and on measures promoting a balance of efforts between Member States in receiving such
the movement ofpersons across borders (Schengen Borders Code). lhe Convention implementing the Schengen Agreement,
persons and bearing the consequences thereof. A preocupação quanto a essa Diretiva é que aqueles solicitantes aos quais Council Regulations (EC) No 1683/95 and (EC) No 539/2001 and Regulatíons (EC} No 767/2008 and (EC) No 810/2009 of
foi garantida a "'proteção temporária'· (que é uma concessão do Conselho Europeu) tenham acesso aos procedimentos de the European Parliament and of the Council; REGULATION (EU) No 1052/2013 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT
solicitação de refügio posteriormente. O que se observa, é que em situações de fluxo em massa isso não é garantido. Deve-se, AND OF THE COUNCIL of 22 October 2013 establishing the European Border Surveíllance System (Eurosur).
então, reforçar o previsto no artigo 3.1 que diz "'a proteção temporária não deve prejudicar o reconhecimento do status de 15S
Acordo adotado em 15 de junho de 1990 entrou em vigor em 1997.
refugiado pela Convenção de 1951'".
COUNCIL DIRECTIVE 2003/09/EC de 27 de janeiro de 2003, laying down minimum standards for the reception of asylum
"' Essa determinação, contudo, causou uma sobrecarga nas fronteiras sul e leste da fronteira, assim os Estados destas regiões
tomaram a entrada mais difícil. Observa-se que o maior fluxo de solicitantes de refügio na região está na Grécia, na Itália,
seekers. Essa diretiva é importante na medida em que, além de estabelecer condições mínimas adequadas para a recepção Espanha e em países do Leste como Hungria e Croácia.
dos solicitantes de asilo, também versa sobre acesso à informação, reunião familiar, educação, emprego, saúde e abrigo. 160
Dublin II Regulamento (EC) n"343/2003 de 18 de janeiro de 2003.
COUNCIL REGULATION (EC) No 2725/2000 of 11 December 2000 conceming the establishment of ·Eurodac· for the lft! Regulation (EU) No 604/2013 ofthe European Parliament and ofthe Council of26 June 2013 establishing the criteria and
comparison of fingerprints for the effective application of the Dublin Conventíon. mechanisms for determining the Member State responsible for examíning an applicatíon for intemational protectíon lodged
132 _jJ_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_u_s,11,;_·E_tv_Lu_1_L_KE
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl.:GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
133
mecanismos para o Estado-membro responsável por processar o pedido de refúgio ao invés de garantir o status de refugiado. Essas medidas acabam por confinar os
de solicitantes, oferecer a proteção internacional aos nacionais de terceiros países, solicitantes de refúgio no primeiro país de chegada, incentivando um comporta-
ou a apátridas. mento defensivo dos países de fronteira.
Dessa forma, ao estabelecer o "Sistema Dublin" a União Europeia propôs Fundamental, porém mencionar o marco representado pela Carta dos Direi-
padrões mínimos nos procedimentos adotados pelos Estados-membros da UE para tos Fundamentais da União Europeia 167, em seu artigo 18, reconhece o "direito ao
o reconhecimento do status de refugiado, impondo um padrão regional comum refúgio": "É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de
quanto às garantias processuais para os solicitantes de refúgio e, também quanto 28 de Julho de 1951 e do Protocolo de 31 de Janeiro de 1967, relativos ao Estatuto
à aplicação de determinados conceitos e práticas. Dessa forma, o devido processo dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre
quanto ao reconhecimento do status de refugiado ficaria estabelecido em nível o Funcionamento da União Europeia". 168 Com a entrada em vigor do Tratado de
Europeu 162 • Contudo, a consolidação das políticas previstas pelo Sistema Dublin Lisboa 169 , a Carta passou a integrar este Tratado, portando adquirindo inequívoco
representa um grande desafio para os Estados-membros da UE 163, especialmente valor vinculativo aos Estados-membros. Dessa forma, o "direito ao refúgio" passa
quanto aos procedimentos de admissão na fronteira, de modo que o solicitante de ser um direito garantido aos indivíduos sob a égide da Lei Europeia, sendo seu
refúgio possa ter acesso às autoridades competentes para processar seu pedido; tam- conteúdo interpretado de acordo com os Tratados internacionais de direitos hu-
bém quanto à política de regularização da entrada no território; e principalmente manos e a tradição constitucional dos Estados-membros 170• A Carta, como um ins-
quanto à integração local, a fim de que os refugiados possam verdadeiramente trumento regional de Direitos Humanos, alinha finalmente a Europa com outras
usufruir de seus plenos direitos. organizações regionais que reconhecem o direito de solicitar e receber refúgio 171 •
Como observa Héléne Lambert164, nas últimas décadas, o sistema europeu de Todavia, a mera previsão legal não é suficiente para assegurar o direito em
refúgio evoluiu de um conjunto de instrumentos de soft law (conclusões, resolu- sua forma concreta. Segundo María Teresa Gil-Bazo, a preocupação da UE com o
ções) para instrumentos de hard law (tratados, regulamentos e diretivas), que pro- refúgio é, sobretudo, utilitária: não é movida pela intenção de promover standards
curaram harmonizar as normas regionais, apesar das diferentes tradições jurídicas de proteção para os refugiados .entre os Estados-membros, ajustando o regime de
dos Estados-membros. Há, como aponta a autora, aspectos positivos e avanços proteção à realidade da migração forçada para a Europa, mas sim pela necessidade
no desenvolvimento da política europeia sobre refúgio: especialmente o "direito de controlar aqueles que entram no espaço econômico Europeu 172 • Com uma
ao refúgio na UE", para além da proibição do non-refoulement, mas também o
reconhecimento da perseguição por agentes não-estatais e por questões de gênero; 167
Promulgada em 7 de dezembro de 2000 em Nice.
a codificação da proteção complementar e temporária; e a fixação de padrões ade- Vale mencionar, também, a previsão do artigo 19: .. P,oreção em cmo de afasramemo. expulsão 011 extradição 1. São proi-

quados para a recepção dos solicitantes de refúgio 165 • bidas as expulsões coletiras. 2. Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco
de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a owros tratos ou penas desumanos ou degradantes.•·
Porém, Lambert 166 ressalta que ainda existem lacunas no CEAS, que repre- 169
Vide artigo 6" do Tratado de Lisboa, de 2007, que entrou em vigor em 2009.
sentam obstáculos aos direitos dos refugiados, geralmente advindos da tendência liO
Sobre a previsão do Tratado de Lisboa (arts. 6.1 e 6.2) quanto à competência da UE e a relação dos Estados-membros com
as normas regionais e internacionais às quais tenham se comprometido, pontua Maria Teresa Gil-Bazo: --1n particular. it has
a impor exceções às normas estabelecidas: como a limitação da aplicação da
been argued here that the beneficiaries ofthis provision are ali those individuais whose intemational protection grounds are
Convenção de 1951 aos nacionais de terceiros países; o princípio do "terceiro established under any instrument of international human rights law, including Refugee Convention and European Conven-
país seguro", a restrição do acesso à proteção internacional pelo controle extra- tion on Human Rights. Since asylum is a shared competence between the Union and its Member-States. the protection of
article 18 applies in ali areas ofactivity ofthe Union and its Member States that fali within the scope ofapplicaúon ofthe
territorial do refúgio; crescimento da securitização da migração, por meio das
Union's law. (GlL-BAZO, Maria Teresa. Toe Charter of Fundamental Rights of the European Union and the Right to be
detenções e deportações; e, por fim, a tendência de aplicar proteção subsidiária Granted Asylum in the Union's Law. ln Refugee Survey Quaterly, Vol.27, nº3, UNHCR, 2008, p.52).
171
Outras normas posteriores, também incorporaram a intenção de construir uma política comum sobre rerugia, assim men-
ciona o Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, de 2010, em seus artigos 3°; art.67, §2" e, especificamente o
in one ofthe Member States by a third-count,y national ora stateless person (recast). Dublin IIl traz importantes aquisições
Capitulo 2 do Tratado trata especificamente das ·'Políticas Relativas ao Controle nas Fronteiras. ao Asilo e à Imigração
como o respeito a união familiar, de acordo com o previsto pela Convenção Europeia de Direitos Humanos (pontos 14 a 17);
(artigos 77 a 79)". Também, o Protocolo nº24, "Relativo ao Direito de Asilo de Nacionais dos Estados-membros da
o acesso aos recursos jurídicos cabíveis, de acordo com o artigo 47 da Carta de Direitos Fundamentais da UE (ponto 19); e
União Europeia".
sobre as condições de detenção dos solicitantes (ponto 20). li!
Conforme explica a autora: "The process of European integration in the field of asylum is intimately related to the establish-
GIBNEY, Matthew. Op. Cit. 2001, p.13.
ment of a Single Market without borders. That single economic space requires the abolition of internai borders among its
ALSTON, Philip. e WEILER, J. H.H.Op.Cit, 1999, p.62.
16'
members in arder to facilitate the freedom of movement for persons, capitais, and goods. With the establishment of a space
LAMBERT, Héléne. Op. Cit., 2013, p.11.
16'
without internai borders, the need to contrai its externai borders becomes obvious if one is to preveni the undesired freedom
Como observa Michelle Foster, a responsabilidade não foi compartilhada, mas modificada, ou direcionada para os países
of movement of certain categories of persons (including those in breach of immigration laws), capitais (including those ob-
de fronteira. O sistema teoricamente "harmonizado" na verdade revela iniquidades do Sistema Dublin, resultando em uma
tained in criminal activities. such as the smuggling and trafficking ofpersons), and goods. lt is the establishment ofa Single
espécie de "loteria do refügio". (FOSTER, Michelle. Responsability Sharing or Shifting? "Safe" Third Countries and lnter-
Market with its dynamics of (externai) border contrai that determines policies towards non-citizens, where the protecúon
national Law. ln Refuge, Vol25, n'2, 2008, p.65.
166
needs of individuais give way to the inherent difficulties of maintaining open borders to receive those in need of protection
LAMBERT, Héléne. Op. Cit.2013.p. 12.
while attempting to seal the sarne borders against others." (GIL-BAZO, Maria Teresa. Op. Cit, 2007, p.156.).
134 ,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_LI_S._~~_•E_W_I_A_HL~_-E
Novo
4 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFL:GIADOS: PARADimIA JURÍDICO 135
173
opinião complementar, Geoff Gilbert afirma que a crítica fundamental sobre a 178
pelos Estados-membros • A dificuldade de encontrar uma solução comum e coo-
política da UE sobre refugiados é combiná-la com a política migratória de maneira perativa sobre a questão migratória representa um importante desafio para uma
geral, apesar das diferenças: o Direito Migratório trata do controle de fronteira, e Europa: diante da pressão imposta sobre os governos para que busquem uma solu-
o Direito dos Refugiados trata de fornecer proteção internacional. Segundo Gil- ção adequada, observa-se a fragilidade dos laços de solidariedade e de cooperação.
bert, desde a década de oitenta a política sobre refugiados é vista como um ramo Enquanto os líderes Europeus discutem os rumos da política comum Europeia
especial da política migratória, o que não favoreceu o tratamento especial que para o refúgio, em meio à deficiência escancarada do "Sistema Dublin", os direitos
deveria ser dispensado aos refugiados. Sob a alegação de combater a "imigração humanos de centenas de refugiados estão sendo sistematicamente violados.
irregular", muitas vezes denominada pelo equivocado termo "imigração ilegal",
vários solicitantes de refúgio não tiveram seus direitos obstaculizados por práticas 3.3.2. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia
como a detenção, deportações sumárias e interceptações em alto mar para impedir
a chegada em território europeu.
Previamente, é importante ressaltar, brevemente, os fundamentos do Direito
A perspectiva securitária quanto à migração pode ser exemplificada nas ope-
Comunitário Europeu 179 • Por tratar-se de uma organização de caráter supranacio-
rações de controle de fronteira e na criação da "Frontex" 174 , agência da UE encarre-
nal, a UE caracteriza-se por um processo sofisticado de integração, no qual os seus
gada de administração integrada das fronteiras externas da organização regional1 75 •
Estados-membros derivam parte de sua soberania à organização, a ela submetendo-
Duas questões que suscitam críticas sobre a Frontex: a de não ter nenhuma previsão
-se jurisdicionalmente. Dessa condição derivam algumas características importan-
em seu regulamento acerca de direitos humanos na atuação de seus agentes; a outra
tes do Direito Comunitário Europeu: i) autonomia; obrigatoriedade da norma
seria quanto ao possível obstáculo de acesso à justiça por parte dos solicitantes de
comunitária e sua primazia sobre a norma nacional; ii) aplicabilidade imediata
refúgio e de uma proteção legal efetiva. Na ausência de jurisdição específica para
de suas normas perante a justiça nacional, não necessitando passar pelo processo
abordar violações cometidas na atuação dos agentes, esta fica a cargo das cortes
de incorporação típico das normas internacionais; iii) o efeito direto, que a pos-
nacionais dos Estados. A falta de transparência quanto aos dados e as ações de
sibilidade de qualquer nacional invocar a norma comunitária perante as cortes
interceptação dos refugiados antes de atingirem o território dos Estados, são fre-
nacionais; iv) e a uniformidade na aplicação e interpretação das normas europeias
quentes, dificultando o acesso dos solicitantes aos seus direitos (o primeiro deles o
por todos os Estados-membros, elemento essencial à integração 180 •
direito de solicitar refúgio) 176 •
A União Europeia possui um órgão judicial próprio, o Tribunal de Justiça
Segundo María Teresa Gil-Bazo 177, a comunitarização da política de refúgio
da União Europeia (1JUE) 181 , cuja função é garantir a aplicação e efetividade das
da UE é mais do que um mero passo neste processo, pois implica uma mudança na
normas da UE e garantir que haja uma interpretação uniforme das normas co-
natureza legal das medidas adotadas e sua interpretação como uma parte da ordem
munitárias por todos os Estados-membros da organização. Para tanto dispõe de
normativa ímpar da Comunidade Europeia, o que tem importantes consequências
instrumentos processuais especiais para garantir a prevalência das normas da UE
para os direitos dos indivíduos, inclusive sua executoriedade. Contudo, mesmo
sobre as normas nacionais 182, característica fundamental do Direito Comunitário
diante de tantas normas promulgadas para tentar "administrar" a questão, a políti-
ca europeia quanto aos refugiados segue deficiente e sem uma coordenação efetiva,
'" Na opinião do Professor Guy Goodwin-Gill a crise no Mediterrãneo não é uma questão apenas Europeia. mas internacional,
situação flagrante diante do fluxo em massa de refugiados que vem se dirigindo à um "microcosmo de inércia e indecisão", que afeta não apenas a região. mas terceiros países. Segundo Goodwin-Gill. de
Europa nos últimos anos. A crise migratória atual evoca as obrigações assumidas acordo com a natureza da atual crise humanitária, o regime de responsabilidade não termina com o desembarque na praia.
pois o fenômeno da migração contemporânea tem raízes mais profundas e complexas. Enquanto milhares buscam refugio,
os interesses legais dos Estados de origem, de trânsito e de destino (intencional ou acidental) estão implicados e somente
GlLBERT, Geoff. Op. Cit, 2004, 968.
li.t
uma estratégia baseada na proteção e na garantia de direitos poderá ter um impacto positivo. (GOODWIN-GILL, Guy S.
REGULATlON (EU) No 6j6/20l4 OF THE EUROPEAN PARUAMENT ANO OF THE COUNCIL of fj May 2014,
Refugees and Migrants at Sea: Duties of care and protection in the Mediterranean and the need for international action. Pre-
estab[ishing rules for the surveillance of the externa! sea borders in the context of operational cooperation coordinated by
sentation at"Jean Monnet Centre ofExcellence on Migrants' Rights in Úle Mediterranean University ofNaples 'L'Orientale'
the European Agency for the Management ofOperational Cooperation at the Externa[ Borders ofthe Member States ofthe
Palazzo du Mesnil", 11 de maio de 20lj, p.7).
European Union. 179
li5
Importante mencionar que o Direito Comunitário se divide em Direito Originário (composto pelos tratados originários da
Além disso, destacam-se duas iniciativas de controle de fronteira: a Operação Triton (já mencionada, que veio a substituir
organização e por terem equivalência ao Direito Internacional dos Tratados, terá sua incorporação variável em cada país); e
a operação italiana Mare Nostrum) e a EUNA VFOR MED European Union Military Operation in the Southern Central
o Direito Derivado (composto pelas normas produzidas pelas instituições da organização, tendo aplicabilidade direta).
Mediterranean (EU Council Decision 20lj/972 de 22 de junho de 20lj), que visa combater o tráfico de pessoas. Essas duas
iso CARVALHO RAMOS, André de. Direitos Humanos na Integração Econômica: análise comparativa da proteção de direitos
operações, contudo, são criticadas pela sua ênfase na sei,'llrança e não na proteção dos direitos humanos dos migrantes.
176
FISCHER-LESCANO. Andreas; LÕR, Tillmann; TOHIDIPUR, Timo. Border Contrais at Sea: requirements under interna-
., 1 1
humanos na União Europeia e no Mercosul. São Paulo: Renovar. 2008, p_jJ_
' O Tribunal de Justiça Europeu foi instituído em [ 9j2, com sede em Luxemburgo e é formado por três jurisdições: o Tribunal
tional human rights and refugee law. ln lnternational Journal ofRefugee Law, Oxford University Press, 2009, pp 37 e 38.
m de Justiça, o Tribunal Geral (criado em 1988) e o Tribunal da Função Pública (criado em 2004).
GIL-BAZO, Maria Teresa. The Protection of Refugees under the Common Etrropean Asylum System. The Estab[ishment
'" Esses instrumentos são: a) Ação por incumprimento: fiscalização do cumprimento das normas da UE pelos Estados-mem-
of a European Jurisdiction for Asylum Purposes and Compliance with lnternational Refugee and Human Rights Law. ln
bros, podendo ser intentada pela Comissão Europeia ou por outro Estado-membro. b) o reenvio prejudicial: os órgãos
Cuadernos Europeus de Deusto. Nº36/2007, Bilbao, p. lj4_
jurisidicionais dos Estados-membros podem solicitar ao Tribunal de Justiça dirimir controvérsia quanto à interpretação da
136 ~J______________________________ H_EL_I_S~_~_·E_N_l_A_,I_LKE_· DIREITO INTER.NACIONAL DOS REFt.:GIADOS: Novo PAR.ADIG~IA JUR.ÍDICO 137
Europeu. Sua jurisdição se estende sobre os 28 Estados-membros da ·organização, pessoas originárias de regiões assoladas por graves conflitos armados; detenção de
julgando casos que compreendem disputas entre Estados-membros; controvérsias solicitantes de asilo; e casos de terrorismo.
entre a UE e os Estados-membros; entre as Instituições Europeias; disputas entre Um dos mais emblemáticos é o Caso Elgafaji 188 , de 2009. Trata-se da rejeição
indivíduos, corporações e a UE; opiniões sobre Tratados regionais e solicitações do pedido de refúgio do Sr. e Sri!. Elgafaji, (Iraquianos, xiitas), pela Secretaria de
das Cortes dos Estados-membros. Estado de Justiça da Holanda, alegando que eles não satisfaziam as condições
Diante dessas considerações, qual o papel do 1JUE quanto à proteção dos necessárias para provar que estavam sob risco real, caso voltassem ao seu país de
refugiados? Primeiramente, é importante ressaltar que o 1JUE não é, em essência, origem. A parte alegou a aplicação do artigo 15, c da Diretiva de Qyalificação do
um tribunal de Direitos Humanos, porém a futura adesão da UE à Convenção status de refugiado "serious and individual threat to a civilian,s life or person by
Europeia de Direitos Humanos reforça a possibilidade de extensão dessa compe- reason o/ indiscriminate violance in situations o/ international or internai armed
tência183. Especificamente quanto ao refúgio, o 1JUE passou a ter competência conflict"; em conjunto com o artigo 2, e do mesmo documento 189. O 1JUE decidiu
para julgar questões relacionadas ao tema a partir do Tratado de Amsterdam 184 . neste caso que o artigo 15, c da Diretiva de Qyalificação oferece proteção subsi-
Em razão disso, uma questão se impõe para análise: os Estados que fazem diária e deve estar subordinada à necessidade do solicitante demonstrar evidências
parte da UE estão, em sua maioria, submetidos a três conjuntos normativos, quais individuais de que está sendo perseguido, quando se trata de situação na qual o
sejam as normas da UE sobre refúgio, as normas do Sistema Europeu de Direitos grau de violência indiscriminada produzida por graves conflitos armados, torna
Humanos (sobretudo a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que protege flagrante que a presença do indivíduo no território poderia expô-lo a sérios danos.
direitos correlatos) e as normas internacionais sobre refúgio (Convenção de Gene- Essa jurisprudência revela-se de suma importância, diante dos conflitos atuais que
bra de 1951 e o Protocolo Adicional de 1967), além de outras normas do Direito estão fomentando o fluxo intenso de refugiados para Europa. Segundo essa deci-
Internacional de Direitos Humanos em perspectiva complementar. Nesse sentido, são, o solicitante não pode ser devolvido ao seu país de origem, mesmo que não
em caso de conflito, qual delas deve prevalecer? consiga provar perseguição individual, mas devido à situação real do país possa vir
A premissa fundamental do Direito Comunitário estabelece a primazia da a sofrer sérios danos.
norma comunitária e que os Estados não podem contrariá-la 185 . Porém, o Tratado A detenção de solicitantes de refúgio é uma das faces obscuras da política
que institui a Comunidade Europeia estabelece a obrigação, de acordo com a legis- europeia para refugiados. Nesse sentido, o Caso Kadzoev 190, de 2009, trata da de-
lação europeia sobre refúgio, em obedecer às disposições da Convenção de Genebra tenção prolongada do Sr. Kadzoev na Bulgária, mesmo após ter solicitado refúgio
de 1951 e o Protocolo de 1967 186. Porém, a ausência de uma jurisdição plenamente e medidas judiciais para que pudesse ser liberado. Apesar da detenção de migrantes
harmonizada quanto ao refúgio, o atual sistema de transferência de responsabili- ser permitida pela legislação europeia, o artigo 15 da Diretiva de Recepção, deter-
dade pelos refugiados entre os Estados-membros, pode violar obrigações assumidas mina um período máximo de duração para a detenção. Uma vez que esse período
individualmente pelos Estados perante o Direito Internacional dos Refugiados e for ultrapassado por motivo injustificado o Estado violaria as derminações da Nor-
o Direito Internacional dos Direitos Humanos 187. Passa-se, então, a analisar alguns ma Europeia. Além disso, no caso de solicitantes de refúgio, essa previsão não se
casos simbólicos do 1JUE sobre refúgio, especialmente sobre três temas sensíveis: aplica, pois os solicitantes não podem ser considerados "ilegais" (pois sua condição
justificaria a estada regular no país, até que o pedido de refúgio fosse apreciado )191 •
norma Europeia, conservando assim, a interpretação e aplicação uniforme das normas Europeias. c) recurso de anulação:
competência do Tribunal Geral para anular qualquer ato de instituição da UE que por ventura não esteja de acordo com as that is also respectful ofthe Member States international obligations towards refugees. (GIL-BAZO, Maria Teresa. Op.
normas e princípios constitutivos da organização. d) Ação por omissão: analisa a ilegalidade da inação por parte das institui- Cit. 2007, pp.180 e 181).
ções europeias na garantia de efetividade das normas e direitos previstos pelas normas da União. 1ss
Elgafaji v. Staatssecretaris va11 Justitie, C-465/07. European Union: Court of Justice of the European Union, 17
Vide artigo 6°. §2º do Tratado de Lisboa: ·'A União adere à Com·enção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem February 2009.
e das liberdades Fu11dame111ais. Essa adesiio não altera as competências da Uniiio, wl como definidas nos Trawdos". Artigo 2, e, in verbis: ·• Person e/igible for subsidiary protection" means a third cmmtlJ' 11atio11a/ ora stateless person
15-1
Vide artigo 68 do Tratado de Amsterdam e Artigo 234 do Tratado que estabelece a Comunidade Europeia. who does not qua/ify as a refugee bw in respect of whom substantial grotmds have been slwwn for believing that the
m
Vide artigo 307 do Tratado que institui a Comunidade Europeia: ·'Na medida em que tais convençiies não sejam compativeis person concerned. if returned to his or her cowJtry oforigín. or in the case ofa stateless person. to his or her cowzllJ' of
com o presente Tratado. o Estado ou os Escados-Nlembros em causa recorrerão a todos os meios adequados para eliminar former !tabitual residence. wou/dface a real risk ofsujfering serio,« !tarm as d~fined i11 artic/e 15. and to w/,om Artic/e
as incompatibilidades verificadas. Caso seja necessário. os Estados-i\iembros azcâliar-se-ão mutuamente para atingir essa 17 paragrap!t / and 2 does 1101 apply. and is 1111able. or owing to suclt risk. is ,mwilling to amil ltimselfor lterse/f oftlte
finalidade, adaptando, se for caso disso, uma atitude comum". protection oft!tat col/lltl)'."
Vide artigo 63.l do Tratado da Comunidade Europeia, diz que o Conselho adotará ·•Medidas em matéria de asilo concor- 190
Saia S!tamilol'iclt Kact:oei• v. DirekL,ia 'Migratsia 'pri klinisterstvo na vatresltnite raboti, Case C-357/09, European Union:
dantes com a Convenção de Genebra. de 28 deJullw de 195/, eo Protocolo. de 3/ de Janeiro de /967, relativos ao esta/li/o Court of Justice ofthe European Union, 30 November 2009.
dos refitgiados. bem como com os demais tratados pertinentes" 191
Segundo o ponto 9 do Preâmbulo da Diretiva 2008/15: "ln accordance with Co1111cil Directfre 2005/85/EC qf I December
IS7
Conforme argumenta Maria Teresa Gíl-Bazo, "if Member States are to keep the Dublin System in place and are to com- 2005 011 minimum standards on procedures i11 Member Statesfor granting and witltdrawing reji1gee status [OJ 2005 L 326,
ply with their international refugee and human rights law obligations, the the mutual recognition ofprotection decisions, p. 13]. a tltird-cowt/1)' national wlto !tas app/iedfor asylwn i11 a Member Sta te sltould 1101 be regarded as staying illegal(v on
the recoginition of the right to freedom of movement for refugees, and accession by the ECIEl' ( União Europeia) to tlze territ01y of that 1Hember Sta te until a negatfre decision on the app/ication. ar a decision ending lu"s ar her right ofstaJ'
international refugee and human rights instruments may contribute to the development of amore functional and CEAS as asylum seeker has entered into force".
138 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1s_~_~_E_N_I.-\H_L_K.E
Novo
4 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:Gl.'JJOS: PARADIG~IA JURÍDICO
139
Nesse mesmo tema, outro julgamento ilustrativo é o Caso Hássen El-Dridi "atos contrários aos propósitos das Nações Unidas". O Tribunal entende que deve
alias Karim Soufi 191, de 2011, que trata da detenção de solicitantes de asilo pela haver um nexo individual concreto que prove a prática e/ou o envolvimento do
Itália e o tratamento dispensado a essas pessoas naquele país, fortemente pautado solicitante em tais crimes. Outro ponto importante dessa decisão é que, mesmo
na perspectiva restritiva de combate à "imigração ilegal". Apesar da diferença con- que o solicitante seja excluído da possibilidade de ter seu status de refugiado re-
ceituai e legal entre a detenção por razões criminais e a detenção por migração irre- conhecido, segundo a determinação do art.12,§2 da Diretiva, nada impede que a
gular, a Lei Italiana considera ofensa o imigrante permanecer no território após a Legislação Nacional possa oferecer-lhe outro tipo de proteção que não esteja nela
ordem legal para que deixar o país já ter sido emitida, em um flagrante exemplo de prevista (segundo a previsão do art.3 da Diretiva 199), desde que não seja contrária
medidas restritivas quanto à imigração adotadas pelo país. Nesse sentido, o recurso à norma Europeia.
à "detenção criminal" estabelecida pela Lei Italiana viola as disposições da Diretiva Os exemplos acima mencionados demonstram o papel do 1JUE em tentar
de Recepção (artigos 15 e 16). Esse caso é significativo na medida em que assegura tornar efetiva a política comum para refugiados. Esse papel tende a crescer em
que a Lei Nacional de um país-membro da UE não pode contrariar a Legislação importância na medida em que a coordenação entre as lideranças europeias no sen-
Europeia. 193 Essa decisão afirma a manutenção de padrões mínimos de recepção e tido de estabelecer efetiva solidariedade quanto ao refúgio torna-se cada vez mais
tratamento adequado a migrantes e solicitantes de asilo, que marca a iniciativa de dificil. A solução judicial, tanto para harmonizar as normas nacionais e regionais,
construção de uma política europeia comum sobre o tema. mas, sobretudo, para manter uma interpretação coesa das normas Europeias entre
A tensão entre os direitos humanos dos migrantes e dos refugiados e as preo- os Estados-membros, parece ser o caminho mais efetivo para fazer valer os direitos
cupações securitárias são um tema sensível na política dos governos Europeus, dos refugiados e solicitantes de refúgio, diante da dificuldade dos países em conci-
especialmente após diversas atentados terroristas ocorridos em países do Continen- liar as dimensões securitária e humanitária.
te194. Para a proteção dos direitos dos refugiados, a estigmatização dessa população
leva à xenofobia e exclusão, o que vulnerabiliza ainda mais aqueles que já fogem de 3.4. A PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS NO SISTEMA AFRICANO
situação extremamente adversa. Nesse sentido, o Caso Bundesrepublik Deutschland DE DIREITOS HUMANOS
v. B and 1)1 9~ de 2010, traz importante jurisprudência sobre o tema. Trata-se da
negativa de solicitação de refúgio feita por dois cidadãos Turcos de origem Kurda, A situação dos refugiados na África é consequência dos conflitos que assola-
pela Alemanha. A Corte Alemã questionou o 1JUE sobre se o fato do solicitante ram o Continente, sobretudo, nos últimos cinquenta anos. A imagem de milhares
ser parte de uma organização inserida na Lista de Terrorismo das Nações Uni- de refugiados cruzando fronteiras ou confinados em campos espelha uma paisa-
das196, automaticamente ensejaria a incidência das cláusulas de exclusão do status gem dura e complexa composta pela herança de exploração e subdesenvolvimento
de refugiado 197. Na decisão, o 1JUE analisou os padrões mínimos necessários para deixada pelo colonialismo. Estados frágeis tornaram-se palco para conflitos étnicos
a qualificação do status de refugiado, segundo o artigo 12, §2, c e b da Diretiva de e políticos, que só agravaram a situação de pobreza e vulnerabilidade, as quais re-
Q!lalificação 198, entendendo que o mero fato de um indivíduo ter sido membro sultaram no deslocamento forçado de milhares de pessoas. Em décadas anteriores,
de uma organização terrorista não constitui automaticamente razão para que se a massa de deslocados que fugiam das guerras pela independência, contou com a
considere que ele tenha cometido um "grave crime de natureza não-política" ou ajuda dos países desenvolvidos e com a assistência de agências humanitárias. Esse
192
auxílio vem diminuindo significativamente, no mesmo passo em que diminui tam-
E/ Dridi, C-61íl 1, European Union: Court of Justice ofthe European Union. 28 April 2011.
bém o interesse pela crise humanitária no continente2°0•
COSTELLO, Cathryn. Human Rights and the Elusive Universal Subject: immigration detention under intemational human
rights law and UE Law. ln Indiana Joumal ofGlobal Legal Studies, Vol. 19, n"I, 2012, pp. 259 a 301. Por outro lado, os Estados Africanos veem o fluxo de refugiados como uma
'" Faz-se referência aos atentados ocorridos em Madrid, em 2004; Londres, em 2005: e em Paris em janeiro e novembro ameaça à sua segurança e, por isso, limitam a quantidade de pessoas que serão aco-
de 2015.
195 lhidas, promovem repatriações sumárias e expulsões em massa. Além disso, alegam
B11ndesrep11blik Dewschland ,,. B and D, C-57/09 and C-101/09, European Union: Court of Justice ofthe European Union.
Joined cases C-57/09 and C-101/09, Judgment of9 November 2010. que a situação prolongada causa impacto negativo no âmbito social, econômico e
"'
197
Resolução n" 1267 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 1999. ambiental nas regiões onde os grupos de refugiados se localizam e alegam que lhes
Outros casos sobre exclusão e cessação do status de refugiado que merecem menção: C-175/08; C-176108; e C-179/08
faltam os recursos necessários para suportarem sozinhos, "o fardo do acolhimen-
Abdullah v. Gerrnany de 4 de março de 2010: Caso C-57/09 Alemanha v. 8. e C-101i09 Alemanha v. D de 9 de novem-
bro de 2010. to" sem a ajuda internacional. 201 Como resultado, os refugiados ficam relegados a
l9S
Council Directive 2004/83: artigo 12: ·•2. A third co1111try national ora stateless person is exc/uded from being a r~{i,gee
1,41ere there are seriotLS reaso,,s for considering that: (b) he or she has committed a seriow; 11011-politica/ crime owside the 19'/
Artigo 3" da Diretiva de Qualificação de 2004: "Os Estados-membros poderão imrod1dr 011 ma11ter normas mais favoráveis
cawury, ofrefuge prior to his ar her admission as a rejilgee; which means the time ofissuing a residence pennit based 011
para determinar quem reúne os reqw:'iitos para ser reconhecido como refugiado ou pessoa com direito à proteção subsidiária,
the granting of refi1gee status: particu/ar/y cruel actions, even !f committed with 011 al/eged(v po/itica/ objective. may be e para determinar o conteúdo da proteção intenzacional. sempre que tafr nomws sejam compatíveis com a presente Diretiva".
c/assified as serious non-politica/ crimes: (e) he or she has bee11 guilty ofacts comra,y to the purposes a11d principies qfthe 11}(1
MILNER. James H. S. Refugees, the State and the Politics of Asylum in Africa. New York: Palgrave MacMillan, 2009. p.3
United Nations as set our i11 the Preamb/e a11dArtic/es 1 a11d 1 ofthe ChaHer ofthe United Nations." :!OI
IvlILNER, James H. S., 2009, p.4.
140 J1_____________________________H_EL_IS_AN_'_E_N_IA_HL_~ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.-\.DOs: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 141

zonas remotas de fronteira, confinados em campos, ou na periferia' urbana, alija- características que demonstram essa mudança: a transição do parâmetro da não-
dos da vida em comunidade. A situação dos refugiados na África tem se mostrado -ingerência para a não-indiferença, incluindo o direito da UA intervir nos assuntos
duradoura, imensa e profunda e a estrutura de proteção provou ser totalmente internos dos Estados membros; o reconhecimento explícito de direitos humanos;
dependente de doações para manter o auxílio à massa de refugiados e deslocados a promoção do desenvolvimento social, econômico e cultural; igualdade de gênero
internos, cuja vida continua em suspensão, ou seja, sem identidade, liberdade ou e desenvolvimento humano.
possibilidade de construção de um futuro digno 2º2 • A estrutura da União Africana abarca, hoje, o Sistema Africano de Direitos
Segundo Jennifer Hyndman 203 , o estabelecimento de fronteiras durante o Humanos e, mesmo considerando os desafios que o Sistema enfrenta e as transfor-
período colonial foiretomado por meio das armas e outros investimentos duran- mações estruturais pelas quais está atravessando, analisados a seguir, acredita-se que
te o período da Guerra Fria. Hoje, segundo a autora, essas fronteiras continuam a ele pode ser um instrumento importante para a consolidação do Direito Interna-
ser reforçadas por motivos não menos políticos, disfarçados pelo discurso huma- cional dos Refugiados na região.
nitário. A influência dos países desenvolvidos continua na região, por meio de O Sistema Africano de Direitos Humanos surgiu ainda no seio da antiga
interesses que fomentam uma situação contraditória: a relativa imobilidade dos Organização da Unidade Africana (OUA). A Carta Constitutiva da OUA, ado-
refugiados para deixar a região é o reflexo perverso da mobilidade dos recursos tada em 1963, tinha como principais parâmetros a preservação da soberania dos
dos países doadores para a região, ou seja, os recursos são destinados para manter Estados e a não-ingerência, reflexo inequívoco da luta pela libertação nacional dos
refugiados prima facie no seu local de origem e, assim, mantê-los afastados de Estados Africanos durante o período de descolonização, que marcou as décadas de
suas fronteiras e territórios. 60 e 70. Na afirmação de sua independência e autonomia, a construção do ideal
A partir do Estabelecimento da União Africana204 em 2000 percebe-se uma de direitos humanos, no Continente, estava justificado em sua luta pela liberdade.
transformação na forma como a região lida com a questão dos refugiados. Em dé-
Contudo, segundo a crítica de Bienes Gav;;anas 208 , apesar do papel importante da
cadas anteriores, o fim do colonialismo não apenas havia deteriorado o tratamento
OUA na transição das colônias para uma Africa livre, justamente por ter uma po-
dado aos solicitantes de asilo devido à falta de instrumentos legais adequados, mas
sição incondicional quanto à não interferência nos assuntos internos dos Estados,
também pelo fato de que as instituições regionais que deveriam garantir os direi-
a organização tornou-se ineficaz na promoção e proteção does direitos humanos
tos destas pessoas tornaram-se fracas e sem recursos. Porém, o esforço da União
nos Estados recém-independentes.
Africana para administrar esses problemas tem mudado essa realidade, compondo
Os Estados Africanos tiveram que lidar com um aumento do número de
instituições regionais que podem exercer um papel fundamental na proteção dos
refugiados a partir da década de 60, o deslocamento de pessoas causado pelas
direitos humanos na região 205 •
lutas de independência, pelo apartheid209 e pelos desastres naturais ou causados
A criação da União Africana (UA) que viria a substituir a OUA avançou no
pelo homem 21 º. Entendia-se, à época, que os documentos internacionais não con-
compromisso com a solidariedade e integração no continente, construindo um
templavam as características dos fatos que motivavam as solicitações de refúgio
arcabouço normativo e institucional para consolidar um novo espírito de integra-
ção. A adoção do Ato Constitutivo da União Africana já afirma a promoção e pro-
has also continued to develop legal frameworks and establish relevant institutions. ln so doing, it has paved the way towards
teção dos direitos humanos na região 206 • Bienes Gawanas 207 aponta as principais creating a culture of non-indifference towards war crimes and crimes against humanity in Africa. Furthermore, these prin-
cipies reflect the new thinking and approach among African states on how to coordinate common responses to present-day
202
O número de pessoas que requerem a atenção do ACNUR no continente foi de 15,1 milhões em 2014 (incluindo refu- political and socio-economic challenges, and to be responsive to the contemporary demands and aspirations of ordinary
giados e solicitantes de refügio; repatriados; deslocados internos; apátridas). (Fonte: ACNUR: http://www.unhcr.orgi people."(GAWANAS, Bienes. Op. Cit, 2009. p.139). _
pages/4a02d7fd6.html). '°' GA WANAS, Bienes. Toe African Union: concepts and implementation mechanisms relating to human rights. ln ln BOSL,
203
HYNDMAN, Jennifer. A Refugee Camp Conundrum: geopolitics, liberal democracy and protracted situations. ln Refuge, Anton & DIESCHO, Joseph. Human Rights in Africa: legal perspectives in their protection and promotion. Namíbia: Mac-
Canada's Joumal on Refugees. Vol.28. n"2. Toronto: York University, 2011, p.3. millan Publication Namíbia, 2009, pp. 136 a 138.
A inciativa para a criação da União Africana consolidou-se em 1999, na Sessão Extraordinária de Sirte, ainda sob os auspi- "" Sistema de segregação racial imposto na África do Sul a partir da ascensão ao poder do Partido Nacional Afrikaner, inicial-
cias da Organização da Unidade Africana. As Conferências que se seguiram foram responsáveis por estabelecer os funda- mente como uma forma de estabelecer controle sobre o sistema sócio-econômico. A partir da década de 60, o regime de
mentos da UA: a Conferência de Lomé (2000), firmou o Tratado Constitutivo: a Conferência de Lusaka (2001) estabeleceu separação entre brancos e negros foi aprofundado a partir da separação territorial e com repressão policial. Durante o regime,
os passos para a implementação da UA; e a Conferência de Durban (2002) celebrou a primeira Assembleia de Chefes de que se estendeu até a década de 90 do século XX, a população negra sul-africana foi alijada de seus direitos e tratada como
Estados da UA. estrangeiros em seu próprio país.
205
ABBAS, Ademola & MYSTRIS, Dominique. Toe African Union Legal Framework for Protecting Asylum Seekiers. ln AB- 11 " Importante mencionar a criação do Comitê de Coordenação em Assistência e Proteção aos Refugiados, Retomados e Deslo-
BAS, Ademola & IPPOLITO, Francesca. Regional Approaches do the Protection of Asylum Seekers: an intemational legal cados Internos em África, criado em 1970 para coordenaras ações da OUA, ACNUR e ONGs que se dedicam aos refugiados
perspective. Ashgate Publishing Limited, 2014, p.21. no Continente. Atualmente, já no ambiente da UA, o Comitê é formado por membros da organização, pelo representante
"''
lOi
Vide artigo 3 do Tratado Constitutivo da União Africana, o Acordo de Lomé, adotado em 11 de julho de 2000. do ACNUR e ONGs, tendo a Divisão de Assuntos Humanitários, Refugiados e Deslocados Internos como Secretariado. O
Conforme comenta o autor, "\Vhereas the principie ofnon-intervention in member states' affairs was a principie upheld by Comitê Permanente de Representantes da UA também criou um sub-comitê sobre refugiados, retomados e deslocados inter-
the OAU, the AU has adopted a more interventionist approach to end genocide, war crimes and crimes against humanity. nos, porém este não tem tido grande impacto na gestão da questão migratória na região. (ABBAS, Ademola & MYSTRIS,
human rights violations, and unconstitutional changes of government, through the mechanism of employing sanctions. lt Dominique. Op.Cit, 2014, p.351
142 J,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_I_S~_N_'E_N_I._Afi_L_KE_
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 143
no Continente. Por esse motivo, os Estados Africanos uniram-se para elaborar "proteção temporária" (temporary protection) 217 e a "repatriação voluntária" 218
um documento que atendesse às necessidades regionais específicas. Assim, a Con- (voluntary repatriation )2 19 •
vencão da Organização da Unidade Africana que rege os Aspectos Específicos Contudo, quando a Convenção entrou em vigor, as condições políticas e ma-
dos ,Problemas dos Refugiados em África 211 , foi criada para ser um complemen- teriais que inspiraram a solidariedade quanto aos refugiados do continente estavam
to regional efetivo para a Convenção de 1951 212 . O documento é importante comprometidas. Segundo Jeff Crispe Amy Slaughter22°, essa mudança se deve a três
por ampliar o conceito de refugiado para além da definição clássica contida na fatores: primeiro o crescimento exponencial do número de refugiados na região
Convenção de 1951, o artigo lQ inciso 2Q aponta: «a termo refugiado aplica-se impondo constrangimentos às comunidades acolhedoras; segundo a capacidade
também a qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação externa, do- que os Estados Africanos tinham de recebê-los também havia declinado devido
minação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem ao subdesenvolvimento econômico; terceiro os refugiados que antes eram vítimas
pública numa parte ou na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem das lutas pela libertação nacional contra a opressão estrangeira, agora eram vítimas
nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência habitual para procurar
dos conflitos nacionais entre forças opostas de seus próprios Estados, tornando-se
refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade. " sinônimo de instabilidade política e tensão social.
Além de estabelecer uma definição mais ampla de refugiado e mais adequa-
Em termos normativos, merece menção outra inovação da proteção das pes-
da às necessidades da região, essa normativa tem sido importante no contexto
soas em mobilidade no continente. Para atender à situação do deslocamento força-
de fluxos massivos de refugiados, situação recorrente no continente, e que torna
do de milhares de indivíduos que deixam suas casas em razão dos graves conflitos
impraticável examinar solicitações individualmente. A Convenção de 1969 prevê
internos nos países da região 221 , foi elaborada a Convenção de Kampala sobre
que o reconhecimento do status de refugiado pode ser atribuído a grupos de pes-
Deslocados Internos, que surgiu da colaboração entre a União Africana e agências
soas, em prima facie, importante em uma região na qual os fluxos em massa de
internacionais (ACNUR, OIM, CICV), é o primeiro instrumento legal destinado
refugiados impõem grandes desafios quanto ao acolhimento pelos Estados-mem-
à proteção dessa categoria de migração forçada 222 • Seu conteúdo é inspirado pelas
bros213. Além disso, a Convenção estabelece o compromisso com a solidariedade
normas regionais e internacionais de Direitos Humanos, de Direito Humanitário
entre os Estados Africanos e a cooperação internacional em caso de fluxos em
e, evidentemente, do Direito dos Refugiados 223 . Segundo esse importante documen-
massa de refugiados 214 •
to, os Estados e também grupos armados envolvidos em conflitos tem o dever de
Todavia, por ter sido criada para ser complementar à Convenção de
proteger seus cidadãos. A convenção busca prevenir as causas do deslocamento ou
195l21;, a Convenção de 1969 da OUA não possui previsões quanto a direitos
mitiga-lo, assim como visa o estabelecimento de mecanismos nacionais e regionais
substantivos mínimos aos refugiados, o que se torna um problema quando
estamos diante de um Estado Africano que não tenha ratificado a primeira. para solucionar os desafios impostos pela migração forçada, degradação ambiental,
conflitos e violações massivas de direitos humanos.
Contudo, Convenção de 1969 trouxe importantes inovações legais: introduziu
uma nova e mais ampla definição de refúgio; avançou quanto ao direito indivi-
217
dual ao refúgio, ampliou a previsão sobre o non-refoulement e formalizou con- Artigo 2, V. da Convenção.
:!IS
Artigo 5 da Convenção.
ceitos como a "responsabilidade compartilhada" (responsibility sharing) 216 , a 219
DURIEUX, Jean-François & HURWITZ, Agni:s. Op. Cit. 2004, p.115.
Crisp e Slaughter explicam as causas desse declínio na capacidade de acolhimento: "While their relative prosperity in the
211
Adotada em Adis-A beba em 1969, entrou em vigor em 20 de junho de 1974. early years of independence had allowed them to exercise a degree of generosity to refugees, the newly independem states
111
KEETHARUTH, Sheila B. Op. Cit., 2009, p.210. of Africa now began to suffer from a wide range of interrelated ills: unfavourable movements in the terms of trade for raw
213
O reconhecimento prima Jacie do status de refugiado é um importante instrumento de proteção de grandes grupos de indi- materiais and oi!. high leveis of population growth combined with low rates of eco no mie growth; the progressive introduc-
viduas que cruzam as fronteiras dos Estados, contudo é importante ressaltar as dificuldades impostas para a concretização tion of structural adjustment programmes that curtailed public services and employment; environmental degradation, the
desse mecanismo no continente. Além da dificuldade de manejar um fluxo grande de pessoas, também existe a complexa emergence of the HIV-AIDS pandemic; as well as the economic mismanagement and political instability that were both a
necessidade de conciliar o reconhecimento em massa, com as peculiaridades de casos individuais. Como ressaltam Durieux cause anda consequence of such problems." (CRISP, Jeff & SLAUGHTER, Amy. A Surrogate State? Tbe Role ofUNHCR
e Hurwitz, questões envolvendo a cessação do status de refugiado e a repatriação voluntária, além de questões envolvendo
in Refugee Protracted Situations. ln New Issues on Refugee Research. Research Paper nºI68. UNHCR - Police Develop-
indivíduos que seriam alcançados pelas cláusulas de exclusão. Nas palavras dos autores º'Many of the innovative features
ment and Evaluation Service, janeiro de 2009, p.3).
of the OAU Convention seek to address the legitimate concems of African States for national and intemational security. 111
Segundo o !MDC - Internai Displacement Monitoring Centre, quanto aos dados de 2014, eram 7,9 milhões de IDPs na
Undoubtedly, the difficulty of excluding serious criminais from refugee protection in mass influx situations poses a direct
África Central: 1,9 milhões na África Oriental; 1,5 milhões na África Ocidental; 400.000 na Líbia: 12,5 milhões na Áfri-
challenge to these essential components of the normative framework'". (DURIECX. Jean-François & HURWITZ, Agni:s.
ca Sub-Saariana. (Fonte: !MDC & Norwegian Refugee Council. Global Overview 2015: people intemally displaced by
How Many Is to Many? African and European Legal Responses to Mass InfltLxes ofRefugees. German Yearbook oflnter-
conflict and violence. Disponível em: http://www.intemal-displacement.org/assets/library/Media/20 I 505-Global-Overview
national Law. Vol.47, 2004, p.123).
214
-2015/20150506-global-overview-2015-en.pdf. Acesso em 12 de junho de 2015).
KEETHARUTH, Sheila B. Op. Cit 2009. pp.211 e 213.
215
A Convenção foi adotada em 2009, por unanimidade dos 46 países da União Africana, entrando em vigor em dezem-
SHARPE, Marina. Toe I 969 Refugee Convention: inovations, misconceptions and omissions. ln McGill Law Joumal. Nº58.
bro de 2012.
Vol.I, 2012. .DJ
216
A Convenção espelha os Princípios das Nações Unidas sobre Deslocados Internos (UN Guiding Principies on Internai Dis-
Artigo 2, IV da Convenção da OUA.
placement, UN doe E/CN.4/1998/53/ Add.2).
_______________________________
144 ➔i
Q!,ianto à reponsabilidade dos Estados, estes devem prevenir o· deslocamento
arbitrário e assistência dos deslocados internos durante o deslocamento e garantir
soluções duráveis para a proteção destes grupos de pessoas. Além disso, no âmbito
normativo da União Africana os Estados membros se comprometeram a assumir
H_E_u_s~_N_'E_N_I_A_HLKE_·

T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:Gl.-illOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

Q!,lanto ao papel da Comissão no monitoramento de eventuais violações de


direitos humanos, qualquer pessoa (independente da nacionalidade) que esteja no
território de um dos Estados-partes pode comunicar à Comissão eventual violação
dos direitos contidos na Carta (art.55), assim como ONGs baseadas ou não nos
145

a responsabilidade coletiva para engajar em uma intervenção regional em caso de territórios dos Estados-partes podem comunicar eventuais violações 228 • A Comis-
deslocamento causado por graves ameaças aos direitos humanos e violações do Di- são também pode receber comunicações dos próprios Estados-membros (art. 48),
reito Humanitário. A Convenção também prevê que a responsabilidade do Estado porém essa possibilidade ainda não foi utilizada por nenhum Estado, claramente
na assistência aos migrantes forçados dentro do seu território seja complementada para evitar ser, ele próprio, objeto de eventual denúncia por seus pares. A Comissão
pela cooperação regional e internacional (com organizações internacionais, socie- também criou mecanismos especiais para melhor cumprir sua função na proteção
dade civil, agências humanitárias) 224 • dos direitos humanos. No caso das pessoas em mobilidade, há o trabalho da Re-
De grande importância normativa e simbólica, também, é a previsão contida latoria Especial para Refugiados, Solicitantes de Refúgio, Migrantes e Deslocados
na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Carta de Banjul)225, prin- Internos, que merece destaque229 •
cipal documento do Sistema Africano de Direitos Humanos, que consagra em seu As decisões da Comissão quanto às denúncias a ela interpostas não tem ca-
artigo 12, III: "Toda pessoa tem direito, em caso de perseguição, de buscar e de obter ráter obrigatório, mas possuem relevância política no contexto da Organização23 º.
asilo em território estrangeiro, em conformidade com a lei de cada país e as conven- Apesar de não possuem formalmente a força vinculante de uma decisão judicial, as
ções internacionais." Essa disposição revela a preocupação dos países do continente decisões possuem autoridade persuasiva perante os Estados, gerando uma expecta-
com a necessidade de proteger as milhares de pessoas deslocadas pelos conflitos na tiva de compliance231 • Caso essa expectativa não se confirme e o Estado não cumpra
região, trazendo aos Estados-membros o compromisso de reconhecer o status de as recomendações feitas pela decisão da Comissão232, esta pode encaminhar o caso
refugiados a quem de direito. Essa perspectiva também garante ao solicitante de à Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos 233 , ou reportar a conduta do
refúgio ou ao refugiado seu direito de peticionar (individualmente ou em grupo) Estado faltoso à UA234 •
perante o Sistema Africano de Direitos Humanos, quando seus direitos forem Segundo Michelo Hansungule 235 um dos grandes desafios da Comissão Afri-
violados pelos Estados receptores 226 • O Sistema Africano é composto por duas ins- cana é a implementação de suas Recomendações. Apesar de ser um dilema comum
tituições cuja criação e competência foram estabelecidas pela Carta: a Comissão e aos instrumentos de direitos humanos, o problema com a Comissão Africana,
a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
A Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi estabelecida a 21S
O arL 56 da Carta estabelece os requisitos de admissibilidade da comunicação perante a Comissão. Além de requisitos
partir do artigo 30 da Carta de Banjul227, com o objetivo de ser o órgão responsável formais. estabelece-se também a caracteristica de complementaridade do Sistema Africano de Direitos Humanos. quando
requer que as comunicações sejam ··posteriores ao esgotame/llo dos recursos imernos se exfrtirem. a menos que seja mani-
por promover e proteger os direitos humanos na região, dando visibilidade a even- festo para a Comissão que o processo relativo a esses recursos se prolonga de modo anormal"
tuais violações e persuadindo os Estados ao cumprimento das responsabilidades A Relataria foi estabelecida pela Comissão Africana em 2004. a Resolução nº72/2004 determina seu mandato que esta-
assumidas perante a Carta. O artigo 45 estabelece o mandato da Comissão, com belece, dentre outras atividades, "buscar, receber, examinar e agir em siruações sobre refugiados. solicitantes de refugio e
deslocados internos na África. A Resolução nº95/2006 estendeu o mandato para as demais questões migratórias.
a função de promover os direitos humanos e dos povos e assegurar sua proteção.
Quanto ao refugio, cabe mencionar a Decisão quanto ao caso "lnstitute for Human Rights and Development in Africa (on
Além disso, a Comissão também pode interpretar qualquer disposição da Carta, a behalfofSierra Leonean refugees in Guinea) v. Guinea, 249/02, de dezembro de 2014. Esse caso trata da detenção forçada
pedido de Estado-parte ou de instituições da própria Organização. e confinamento em campos de refugiados de Serra Leoa que se encontravam no território da Guiné. A Comissão, aplicando
as disposições da Convenção de 1969 sobre o direito dos Refugiados e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Po-
vos, condenou o tratamento inadequado conferido aos refugiados, determinando que a Guiné tem o direito de agir contra
Segundo Abebe a implementação efetiva da Convenção requer uma parceria robusta entre Estados, a União Africana e as indivíduos que possam representar uma ameaça à segurança do Estado. contudo as violações massivas de direitos humanos
Organizações Internacionais (art.5;3 e arL6 da Convenção). O ACNUR, a OIM e o CICV criaram um trabalho conjunto cometidas pelo pais são uma flagrante violação da Carta Africana <*72 da Decisão).
com a União Africana, incluindo o estabelecimento de um liason office e o fornecimento de assistência técnica e financeira A Comissão também tem, segundo a Carta, a competência para requisitar aos Estados medidas provisórias, a fim de
para o auxílio aos deslocados internos. (ABEBE, Alehone Mulugeta. The Kampala Conventíon and envíromentally índuced evitar danos irreparáveis para a(s) vítima(s). (Vide Regulamento da Comissão, nº98, § !º). Apesar de, assim como as
displacement ín Africa. IOM lntersessíonal Workshop on Clímate Change, Envíronmemal Degradation and Migration 29-30 decisões, não terem caráter obrigatório, seu inadimplemento autoriza a Comissão a levar o caso para a Corte Africana
March 2011, Geneva, Swítzerland). (Vide Regulamento nº 118, §2).
215
A Carta foi adotada em 1981 pelos Estados membros da então Organização da União Africana e entrou em vigor em 21 de Importante ressaltar a previsão do art. 58 da Carta Africana que dispõe uma situação de exceção quando a denúncia revela
outubro de 1986. É importante ressaltar também outros documentos que compõem o conjunto normativo do Sistema Africa- um caso de violações massivas de direitos humanos, cometidas em larga escala, levando à Comissão a agir prontamente sob
no de Direitos Humanos: o Protocolo Adicional à Carta Africana de Direitos Humanos sobre os Direitos das Mulheres ( de os auspícios da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo sobre a situação.
2003, em vigor desde 2005) e a Carta Africana sobre os Direitos das Crianças (de 1990, em vigor desde 1999), instrumentos Vide Regulamento da Comissão nº 118,§ 1º.
importantes para a proteção complementar de crianças e mulheres refugiadas. Vide Regulamento da Comissão nºl 12, §8.
226
KEETHARUTH, Sheíla B. Major African Legal lnstrument ln BÕSL, Anton & DIESCHO, Joseph. Human Rights ín HANSUNGULE, Míchelo. African Courts and the African Commission on Human and Peoples Rights. ln [n BÕSL, Anton
Africa: legal perspectives in their protection and promotion. Namíbia: Macmillan Publication Namíbia, 2009, p.216. & DIESCHO, Joseph. Human Rights in Africa: legal perspectives in their protection and promotion. Namíbia: Macmillan
217
A Comissão entrou em funcionamento em 1987. Publícatíon Namíbia, 2009, p.233.
146 ~l'--____________________________ H_E_u_s~_N_'E_~_l_A_HL_KE_· DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.-\DOS: Novo PARADIG~IA JURiDICO
147
segundo o autor, é que a Carta negou-lhe "dentes" para sancionar aqueles que even- Contudo, ,i;:esmo ~~nside_rando_ ,ª rece~te instalação e a atuação ainda pe-
tualmente violem suas disposições. Essa experiência tornou-se frustrante para as ví- quena da Corte" , a Umao Afncana Ja planeia uma alteração significativa na sua
timas. Por essa razão, o estabelecimento da Corte Africana de Direitos Humanos e es~ru_tura jurídica. O Protocolo Sobre o Estatuto da Corte Africana de Justiça e
dos Povos 236 e do Tribunal de Justiça Africano 237 foi visto como passos importantes D1re1tos Humanos, elaborado em 2008, cria a Corte Africana de Justiça e Direitos
para a consolidação do Sistema Africano de Direitos Humanos. Humanos, a partir da fusão das duas Cortes pré-existentes (Corte Africana dos
Conforme o Protocolo adicional à Carta Africana dos Direitos Humanos e Direitos Humanos e dos Povos e o Tribunal de Justiça Africano). O Protocolo e
dos Povos, a Comissão compartilha com a Corte Africana dos Direitos Humanos a Corte, que irá ter uma dupla competência ratione materiae, ainda não entraram
e dos Povos seu papel na proteção dos direitos humanos no continente. No exer- em vigor242 • Porém, quando tornar-se realidade, nova Corte irá absorver os casos
cício de sua jurisdição consultiva, a Corte é o legítimo intérprete da Carta e dos pendentes das antecedentes e irá estabelecer uma nova estrutura que irá compreen-
demais documentos que compõem o conjunto normativo do Sistema Africano der tanto contendas genéricas envolvendo os Estados-membros, quanto às viola-
de Direitos Humanos. Em sua jurisdição contenciosa a Corte abarca os casos a ções de direitos humanos por eles cometidas.243 ~anta à jurisdição substantiva
ela submetidos 238 que contenham violações não apenas à Carta, mas a qualquer da nova Corte Africana de Justiça e Direitos Humanos, não há grandes alterações.
instrumento de direitos humanos, aos quais os Estados que tenham acatado sua ju- A Corte terá duas Seções: uma delas será destinada a questões envolvendo direitos
risdição tenham eventualmente ratificado. Essa cláusula ampla e inovadora confere humanos, relacionadas à interpretação da Carta de Banjul, da Carta Africana, do
à Corte "uma jurisdição substantiva quase ilimitada"23 9, estendendo-se não apenas Protocolo Adicional sobre os Direitos das Crianças e do Protocolo sobre os Direi-
à Convenção da OUA de 1969, mas também à Convenção de Genebra de 1951. tos das Mulheres em África, sem excluir a possibilidade de abarcar outros instru-
Contudo, a Corte ainda não possui jurisprudência consolidada quanto a questões mentos de direitos humanos, como a Convenção de Genebra de 1951 244.
envolvendo o Direito Internacional dos Refugiados, ou mesmo quanto à situa- ~anta ao futuro do Sistema Africano e seu Papel na proteção aos refugia-
ção jurídica dos IDP's. Espera-se que, para fazer jus ao seu importante arcabouço dos, a UA tem buscado fortalecer as iniciativas tomadas pela OUA diante das fre-
normativo quanto ao tema e devido à grave situação de milhares de refugiados e quentes crises humanitárias que assolam o Continente. Conforme observam Abbas
deslocados internos no continente, a Corte possa manifestar-se quanto cumprindo e Mystris 245 a Convenção Africana de 1969 foi adotada nas sombras das lutas con-
seu papel na proteção dos direitos humanos desses indivíduos 24 º. tra o colonialismo e a dominação estrangeira na região. Esse incidente histórico
fez com que os Estados Africanos abraçassem o refúgio estruturas legais e institu-
O Protocolo que estabelece a criação da Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos foi aprovado em 1998 e entrou cionais que pudessem dar suporte à prática. Contudo, a instabilidade política que
em vigorem 2004, após a ratificação de mais de 15 países. Sua sede se encontra em Arusha. na Tanzânia. Até apresente data reina na região e os conflitos frequentes continuam provocando o deslocamento
29 países já ratificaram o Protocolo.
O Tribunal de Justiça Africano foi criado para ser o principal órgão judicial da União Africana, com autoridade para tratar
de casos contenciosos e interpretar as normas e tratados concernentes â organização ( vide art.2.2 do Protocolo do Tribunal Becker: ·'As the initial cases before the African Court demonstrate. including the very first case of Michelot Yogogomhaye
de Justiça da União Africana, adotado em 2003 e em vigor desde 2009). v The Rep11hlic ofSe11egal in which the applicant requested amongst its prayers that the Court rule that Senegal violated rhe
O Artigo 5 do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano African Charter and the OAU Refugee Convention. it is likely that the African Commission will for some time ver be the
dos Direitos Humanos e dos Povos dispõe sobre a jurisdição contenciosa da Corte e seu ~ l º estabelece quem pode submeter primary institution through which asylurn seekers and refugees will seek to have their rights vindicated. The willingness.
casos ao seu julgamento: a) Comissão; b) Estado-parte que tenha apresentado queixa à Comissão; e) Estado-parte cujo(s) however. of the African Commission to bring cases to the African Court, as illustrated by .-lji-ictm Commission 011 Huma 11
cidadão(s) tenha sido vítima de violação de direitos humanos; d) Estado-parte contra o qual tenha sido feita uma queixa à and Peoples · Rights v Great Socialist People 's Libyan Arab Jamahir(va,134 may, if this trend is continue(!, lead to cases
Comissão; e) Organizações Intergovernamentais Africanas. Estes requerentes são considerados privilegiados, pois seu aces- dealing with the rights of asylum seekers and refugees to come before the Court. Similarly, the possibility of advisory opin-
so â Corte é automático a partir da ratificação do Protocolo e não dependem de Declarações posteriores dos Estados-partes. ions being sought on the rights of asylum seekers and refugees may also force the Court to confront the issue of refugees in
Porém, a situação é diversa quanto a outros requerentes previstos pelo §3º do artigo 5º: nesse caso, a Corte ·'pode'" permitir Afiica. lf such cases were to arise, it is imperative that the Court takes a strong, courageous stance in favour of protecting
que indivíduos e ONGs que detêm o status de observadoras perante a Comissão, possam submeter um caso à Corte, porém the rights of some of the most vulnerable members of society''. (BECKER, Gina. The Protection of Asylum Seekers and
sob determinada condição. Para que a Corte aprecie uma proposição contra determinado Estado, é preciso que este tenha Refugees Within African Regional Human Rights System. ln African Human Rights Law Journal. Vol.13, 2013, p.28).
1-11
aceitado previamente a jurisdição da Corte (art. 34, §6 do Protocolo: de acordo com essa previsão. os Estados precisam fazer Até a presente data, a Corte recebeu 28 petições, conta com 23 Processos concluídos; 5 Processos pendentes e 5 Opiniões
uma Declaração em separado, acatando a competência da Corte para aceitar petições destes requerentes}. Essa previsão, Consultivas emitidas, desde o inicio de seus trabalhos em 2004. (Fonte: http://www.african-courtorg/ptlindex.php/2012-03-
contudo, não se sustenta, pois é pouco provável que violadores de direitos humanos concordem deliberadamente em ser 04-06-06-00/case-status, Acesso em: 11/ l 0/2015).
julgados. (Nesse sentido, ver caso Michelot Yogogombaye v. Senegal). Até a presente data, somente 6 países depositaram Até o presente, apenas 5 Estados ratificaram o Protocolo, sendo que para que este entre em vigor são necessárias ao menos
tal Declaração: Burkina Faso, Gana, Malawi. Mali. Ruanda e Tanzânia. 15 ratificações.
.!39
NALDI, Gino J. & D'ÓRSL Cristiano. The Role of the Afiican Human Rights System with Reference to Asylum Seekers . Para consulta ao inteiro teor do Protocolo, consultar texto disponível em: http://www.african-courtorg/en/images/docurnen-
ln ABBAS, Ademola & MYSTRIS, Dominique. Toe African Union Legal Frarnework for Protecting Asylum Seekiers. ln ts/Court/Statute%20ACJHR/ACJHR_Protocol.pdf.
ABBAS, Ademola & IPPOLITO, Francesca. Regional Approaches do the Protection of Asylum Seekers: an international Segundo o Estatuto da nova Corte em seu artigo 30 os seguintes sujeitos podem submeter casos sobre eventuais violações ao
legal perspective. Ashgate Publishing Limited, 2014, p.49. Tribunal: a} a Comissão Africana: b) Os Estados-partes do Protocolo de 2008; c) O Comitê Africano de Especialistas sobre
2-10
Até presente momento, a Corte não julgou nenhum caso específico sobre o rema. O caso Michelot Yoggombaye v. República o Direito das Crianças; d} Organizações Intergovernamentais Africanas: e} Instituições Nacionais Africanas de Direitos
do Senegal indiretamente abordou o Direito dos Refugiados pela situação da vitima como refugiado por razões de persegui- Humanos: t) individuas e ONGs acreditados a UA e seus órgãos.
ção política, porém a Corte declarou-se incompetente pelas razões já discutidas na nota 123. Conforme a análise de Gina ABBAS, Ademola & MYSTRIS, Dominique. Op.cit, 2014, p.42.
148 ~lf--___________________________ __:_:H=E=LI=SAN..::...::'E~M.:.::..:AH~L::::KE DIREITO INTERNACIONAL 00S REFt:GIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 149

forçado de milhares de pessoas. As emergências humanitárias no continente neces- previamente, mediante "cláusulas compromissárias", nas quais os Estados expres-
sitam de mecanismos institucionais e normativos fortes em âmbito regional para a samente determinam como foro competente para dirimir quaisquer controvérsias
proteção de refugiados e solicitantes de asilo, muitas vezes contra a negligência ou sobre um dado tratado, a CIJ. Outra possibilidade é a existência de um acordo es-
violência do próprio Estado. pecífico ou compromis, realizado entre dois ou mais Estados, no qual eles elegem a
CIJ como foro competente para resolver qualquer conflito que exista eventualmen-
3.5. O PAPEL DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA te entre eles. Também há a possibilidade a jurisdição ter sido fixada por cláusula
específica contida em tratado, determinando a jurisdição da Corte para a eventual
Em sua longa história constituída pela celebração de tratados, construção do solução de controvérsias. Por fim, há o consentimento tácito no processo (ou seja,
costume internacional e pela afirmação de princípios, o Direito Internacional real- inferido a partir da conduta das partes), quando o Estado, uma vez tendo um pro-
mente atinge seu ápice na era dos tribunais. A partir da criação das Cortes Internacio- cesso contra si na CIJ, manifesta-se discutindo o mérito da questão 251 •
nais e regionais é que o Direito Internacional encontra a estrutura necessária para a Diante do paradoxo de uma ampla competência e de uma jurisdição condi-
consolidação e harmonização de sua forma (processual) e de seu conteúdo normativo. cionada ao consentimento dos Estados, cabe questionar: existe um papel para a
A principal expressão dessa consolidação, pela amplitude de sua competência CIJ na proteção internacional dos direitos humanos 252 e, especialmente, quanto ao
e abrangência de sua jurisdição é a Corte Internacional de Justiça (CIJ). A Corte, Direito Internacional dos Refugiados?
herdeira da antiga Corte Permanente de Justiça lnternacional246, foi estabelecida Segundo André de Carvalho Ramos 253 , a CIJ tem um papel modesto na afe-
para ser o principal órgão judiciário das Nações Unidas 247 • Sua competência ampla rição da responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos huma-
abarca quaisquer questões de Direito Internacional levadas a ela pelas partes, ou nos, devido a dois fatores limitantes: quanto ao jus standi perante a Corte e outro
"todos os assuntos preruistos na Carta das Nações Unidas ou tratados e convenções é quanto ao caráter facultativo da jurisdição da Corte. ~anta ao primeiro fator,
em vigor." A Corte também pode exercer sua competência ratione materiae sobre conforme já mencionado, somente Estados possuem legitimidade ativa ou passi-
controvérsias jurídicas que versem sobre "a) a interpretação de tratado; b) qualquer va no processo internacional perante a CIJ. Essa limitação coloca os indivíduos
ponto de Direito Internacional; c) a existência de qualquer fato que, se verificado apenas como coadjuvantes nas disputas interestatais, apesar de sofrerem os efeitos
constituiria violação de compromisso internacional; d) a natureza ou extensão da reflexos destas. 254
reparação devida pela ruptura de um compromisso internacional." 248 No mesmo sentido, Bruno Simma255 observa que a escassez de casos sobre
A Corte também possui uma dupla jurisdição: a) Contenciosa, cujo exercício direitos humanos na CIJ é estrutural, uma abordagem equivocada quanto a neces-
lhe permite decidir, segundo as normas e princípios do Direito Internacional, as sidade de abordar violações de direitos humanos sob a perspectiva interestatal, pois
disputas entre os Estados 249 • b) Consultiva, por meio da qual, ao ser requisitada esta só poderá trazer à baila aspectos limitados destes problemas. Segundo o autor,
pela AGNU, pelo CSNU, ou por outros órgãos das Nações Unidas ou Agências a CIJ trata as violações de direitos humanos como reponsabilidade do Estado cuja
especializadas, com pertinência temático ao tema da consulta e autorizados pela orientação é, tipicamente, "law by States for States" 256 e, em contrapartida, os indi-
AGNU, emite pareceres sobre quaisquer dúvidas acerca da interpretação e aplica- víduos, que são as vítimas destas violações, permanecem invisíveis.
ção das normas internacionais.
A jurisdição da Corte, quanto aos casos contenciosos entre os Estados, se CASELLA, Paulo Borba, ACCIOL Y. Hildebrando, NASCIMENTO e SILVA. G. E. do. Manual de Direito Internacional
Público. 20'edição. 2012, p.840 e ss.
estabelece mediante o consentimento destes 250 • Esse consentimento pode ser dado
HIGGINS. Rosalyn. lnternational Court of Justice and Human Rights. ln Themes and theories: selected essays, speeches,
and writings in international law. Oxford: Oxford University Press, 2009.
153
A Corte Pennanente de Justiça Internacional foi criada no âmbito da Liga das Nações, iniciando seus trabalhos em 15 de fevereiro CARVALHO RAMOS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4' edição. São Paulo: Saraiva, 2015,
de 1922 e perdW11J1do até o ano de 1940. Nesse período, julgou 29 casos contenciosos e enútiu 27 pareceres consultivos. Porém. o pp. 97 e 98.
advento da Segunda Guerra, em 1939, dificultou a atuação da Corte que pennaneceu com sua atuação em suspenso até renascer sob Nesse sentido, vale reverberar a critica do Professor e Juiz da Corte Internacional de Justiça Antônio Augusto Cançado Trindade
a fonna da Corte Internacional de Justiça, após a criação da ONU. As Nações Unidas e a Corte Internacional de Justiça é ponto cul- sobre o papel da Corte na proteção aos direitos humanos:" A artificialidade do caráter exclusivamente interestatal do contencioso
núnante de um processo histórico, cujo objetivo é atingir a paz e a justiça na comunidade de Estados soberanos. (SINGH, Nagendra. ante a CIJ é, pois, claramente revelada pela própria natureza de detenninados casos submetidos a sua consideração. Em muitos
Toe Role and Record oflnternational Court of Justice. Holanda: Martinus Nijhof Publishers, 1989, p. 5). casos, os problemas submetidos ao conhecimento da CIJ requerem desta um raciocínio que transcenda a dimensão interestatal.
Segundo disposição dos artigos 92 a 96 do Cap. XIV da Carta das Nações Unidas. A Corte Internacional de Justiça foi es- Assim. o fato de o mecanismo ser interestatal (em meu entender inadequado em nossos dias) não sii,'llifica que o raciocínio da
tabelecida e realizou sua primeira seção pública em 1946. No ano de 1945, a última reunião da Corte Pennanente de Justiça Corte na fundamentação de uma Sentença tenha que ter presentes tão só os Estados e seus interesses,._ (CANÇADO TRINDA-

Internacional, decidiu que seus arquivos seriam passados à sua sucessora. DE. Antônio Augusto. Os Tribunais Internacionais Contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013, p.23).
Redação do artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. SIMMA, Bruno. Human Rights Before the lnternational Court of Justice: Comrnunity Interest Coming to Iife? ln TAMS,
249
O artigo 34 do Estatuto da CU estabelece que somente os Estados podem figurar como partes nos casos contenciosos trazi- Christian J. e SLOAN, James. Toe Development of lnternational Law by the Intemational Court of Justice. E-book by Ox-

dos à Corte. Já o artigo 35 do Estatuto estabelece que qualquer Estado-membro da ONU (e outros Estados, que atendam às ford Scholarship on Iine, 2013, p.587.
condições impostaS pelo CSNU) poderão exercer a legitimidade ativa perante a Corte. Expressão cunhada por McCORQUOLDALE, M. Impact on State Responsibility. ln KAMMINGA, M.T. e SCHEININ, M.
250
Vide artigo 36 do Estatuto da CU. (eds). Toe lmpact ofHuman Rights Law on General International Law, Oxford: Oxford, 2009, p. 587.
150 HELISANE M,\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGI.WOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
151
Essa limitação quanto ao acesso dos indivíduos à Corte sempre foi objeto responsabilidade dos Estados, mesmo que indiretamente, a Corte demonstra que,
de controvérsia desde sua criação 257 e muitos criticam a doutrina tradicional do apesar dos óbices políticos e estruturais, não pode ficar alheia à necessidade de
domínio reservado dos Estados, especialmente quanto a questões que, direta ou in- proteção e afirmação dos direitos humanos como valores fundamentais da comu-
diretamente, atinjam a essência dos direitos humanos reconhecidos. Segundo Can- nidade internacional.
çado Trindade258 , o acesso dos indivíduos aos Tribunais Internacionais na busca da Contudo, apesar de se perceber uma tendência da CIJ na abordagem de
proteção de seus direitos representa uma renovação do Direito Internacional, no questões envolvendo direitos humanos e, mesmo diante das graves crises hu-
sentido de sua humanização 259 • Na esteira do desenvolvimento de uma consciência manitárias já enfrentadas, a Corte ainda não apreciou nenhum caso que versas-
jurídica pautada na centralidade do indivíduo e no reconhecimento deste como se diretamente sobre o Direito Internacional dos Refugiados 261 • Contudo, essa
depositário primaz das normas de Direito Internacional, é fundamental que os possibilidade é apontada na própria Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos
indivíduos assumam um protagonismo maior na luta por seus direitos. Refugiados prevê expressamente em seu art. 38: "Qualquer controvérsia entre
Outro fator que obstaculiza a proteção dos direitos humanos pela CIJ é seu as Partes nesta Convenção relativa à sua interpretação ou à sua aplicação, que
caráter facultativo. Conforme já explicitado, por não ser compulsória, a jurisdição não possa ser resolvida por outros meios, será submetida à Corte Internacional de
da Corte necessita do consentimento dos Estados-partes. O voluntarismo dos Esta- Justiça, a pedido de uma das Partes na controvérsia." Essa previsão estabelece a
dos sempre foi um fator desafiador para a consolidação do Direito Internacional. competência da Corte para apreciar casos que tratem ou que repercutam sobre o
Apesar da Corte do caráter essencialmente jurídico de suas decisões, é inegável que Direito Internacional dos Refugiados e nos quais estejam envolvidos Estados que
fatores políticos, típicos das relações entre os Estados, estão presentes e influen- ratificaram a Convenção.
ciam as disputas legais muitas vezes constrangendo o papel da Corte na proteção Assim, diante dessas considerações e em resposta à pergunta formulada ante-
internacional dos direitos humanos. riormente sobre o papel da CIJ quanto ao refúgio, entende-se que, pela sua com-
Por outro lado, a expansão normativa do Direito Internacional dos Direi- petência, não há dúvidas que a Corte pode exercer um papel importante na afir-
tos Humanos, com a elaboração de diversos tratados sobre diversos temas que a mação e consolidação do Direito Internacional dos Refugiados. Evidentemente, os
ele concernem e que exercem caráter obrigatório sobre os Estados, impõe à CIJ óbices mencionados não podem ser ignorados, pois representam barreiras quase
a necessidade de construir um posicionamento sobre a matéria. Essa construção intransponíveis, as quais demonstram que o Direito Internacional ainda pertence
tem se manifestado na emissão de Opiniões Consultivas e no julgamento de ca- ao domínio da comunidade de Estados e seus diversos arranjos políticos. E, pelas
sos contenciosos nos quais a Corte manifesta-se sobre a interpretação e aplicação razões expostas nos primeiros capítulos desta obra, o Direito Internacional dos Re-
das normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos 260, Ao reconhecer a fugiados também se vê refém desse contexto. Porém, as recentes manifestações da
Corte quanto a questões sensíveis de direitos humanos justifica, com precedentes
257
A ques!ão da capacidade processual dos indivíduos perante a Corte Internacional de Justiça foi considerada pelo Comitê de interessantes, a esperança de que a CIJ, transcenda a mera disputa jurídica interes-
Juristas, designado pela Liga das Nações, no Estatuto da Corte da Haia em 1910. os quais se dividiram quanto ao jm standi tatal e assuma seu papel como guardiã das normas e princípios que sustentam a
dos indivíduos, porém a posição contrária a essa possibilidade prevaleceu. (CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O
Direito Internacional em um Mundo em Transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.551).
comunidade internacional, sendo que nenhuma delas é mais essencial do que as
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Op. Cit.. 1002, p.552. que compõem a proteção internacional dos direitos humanos.
"' Na lição de Cançado Trindade, ·•Em la construcción dei ordenamento jurídico internacional dei siglo X,'(!, testimoniamos,
con la gradual erosión de la reciprocidade, la emergência pari passu de consideraciones superiores de ordre pub/ic, refle-
elas permaneciam sendo ocasionais para a CIJ, uma espécie de "gatilho" (um link técnico) para outras preocupações (como
jadas em las concepciones de las normas imperativas dei derecho internacional general (el jus cogens), de los derechos
exemplos, o autor cita a Opinião Consultiva sobre a Convenção sobre Genocídio, de 1951; o Caso Nicarágua v. Estados
fundamentales inderogables, de las obligaciones erga omnes de protección ( de bidas a la comunidade internacional como un
Unidos, de 1986; o Caso Mazilu, de 1989 e o Caso Cumaraswami, de 1999). No terceiro estágio, es!ão casos nos quais a CIJ
todo). La consagración de estas obligaciones representa la superación de um patrón de conducta erigido sobre la pretendida
autonomia de la voluntad dei Estado. dei cual el próprio derecho internacional buscá gradualmente liberarse ao consagrar desenvolveu a discussão sobre a autodeterminação dos povos, a qual, desde o principio das Nações Unidas e, principalmente,

e! concepto de jus cogens. En este inicio dei siglo XXI, la expansión de la personalidade y capacida jurídicas intemacio- após o contexto da descolonização passa ser tida como condição fundamental para o reconhecimento dos direitos humanos
nales. abarcando la persona humana, como titular de derechos emanados diretamente dei derecho internacional, responde individuais (Como exemplos, o autor cita: a Opinião Consultiva sobre o Oeste Saariano, de 1986, a Opinião Consultiva sobre
a una verdadera necesidad de la comunidade internacional contemporãnea. Tenemos hoy dia el privilegio de testimoniar e a construção do Muro na Palestina, de 2004 e a Opinião Consultiva sobre a Declaração de Independência do Kosovo, de
impulsar e! processo de lwmani=ación de derecho internacional. que passa a ocuparse más diretamente de la identificación 2010). (Ver mais em: SIMMA, Bruno. Op.Cit., 2013, pp 581 a 583 ).
.!61
y realización de valores y metas comunes superiores. Ele reconocimiento de la centralidade de los derechos humanos cor- Incidentalmente, a Corte já tratou de casos que possuem um impacto sobre refugiados. Nesse sentido, a mais célebre é a Opi-
responde a un novo ethos de nuestros tempos." (CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Humanização do Direito nião Consultiva sobre as consequências legais da construção do muro nos Território Palestinos Ocupados, devido à situação
Internacional. Belo Horizonte: Editora Dei Rey, 2006. pp 392 e 393). de milhares de refugiados Palestinos que deixaram seus lares desde os primeiros conflitos com Israel. Contudo, o caso não
"º Bruno Simma observa que existem três estágios de desenvolvimento da jurisprudência da CIJ quanto à proteção aos Di- aborda especificamente o Direito dos Refugiados nem a Convenção de 1951, lembrando que, conforme já explicitado, os re-
reitos Humanos na evolução da Corte Internacional de Justiça. Na primeira fase essa relação é meramente incidental, ou fugiados Palestinos encontram-se sob outro regime. (..Jdl'isory Opinion Conceming Legal Consequences ofthe Constn1ctio11
seja, as questões de direitos humanos estavam subordinadas a outras questões legais predominantes entre os Estados ( como ofa Wa/1 in the Occupied Palestinían Territory, lntemational Court of Justice (ICJ), 9 July 2004. Outro que merece menção
exemplos, o autor cita: o Caso do Estreito de Corfu de 1949; o Caso Barcelona Traction de 1970; e o Caso dos reféns Ame- é o Caso Haya de la Torre (Colômbia v. Peru). Asy/11111 Case (Co/ombia 1•. Pem), lntemational Court of Justice (ICJ), 20
ricanos em Teerã de 1980). No segundo estágio, apesar das questões sobre direitos humanos ocuparem um espaço maior, November 1950, que trata sobre o direito ao asilo na Convenção de Havana de 1918.
HELISANE MAHLKE
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFL:GIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 153
152 -1--------------------------
3. 6. O REFÚGIO E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL independente, destinada a responsabilizar indivíduos (sem considerar relevante seu
cargo público ou função oficial)266 pela prática de crimes contra a humanidade,
~al papel o Tribunal Penal Internacional pode exercer na proteção aos re- genocídio, crimes de agressão e crimes de guerra 267 •
fugiados? Para responder a esse questionamento é fundamental analisar primeiro Sem a criação do TPI, a alternativa para a responsabilização de indivíduos
a competência do Tribunal, a qual está profundamente enraizada nos eventos que que cometam graves violações de direitos humanos ocorreria somente pela atuação
impulsionaram sua criação e nos fundamentos jurídicos e axiológicos sobre os do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da criação de "tribunais
quais a Corte se sustenta. ad hoc»2 68 e dos "tribunais híbridos" 269 • As experiências trazidas por essas cortes
Após o final da Segunda Guerra e face às atrocidades cometidas durante o contribuíram para a consolidação do Direito Penal Internacional, ao construir
conflito, dois Tribunais foram criados pelos vencedores, para julgar os vencidos. experiência institucional, jurisprudencial e normativa. Contudo, seu vínculo com
Os Tribunais de Nuremberg (1945) e Tokyo (1946 a 1948) foram criticados por não o CSNU faz com que essa possibilidade fique atrelada aos interesses políticos dos
respeitarem princípios basilares do Direito PenaF62 • Todavia, inauguraram uma nova seus membros permanentes, dos quais depende a aprovação para a criação e esta-
era para os Tribunais Internacionais e estabeleceram princípios que persistem como belecimento desses tribunais.
essenciais para a justiça penal internacionaF63 • Sem dúvida, um dos mais importantes Desde sua criação, o TPI tem se afirmado como o principal órgão destinado
legados destes Tribunais é o reconhecimento da responsabilidade penal individual. à interpretação e aplicação do Direito Penal InternacionaF70, apesar das críticas
Como observa Pierre-Marie Dupuy2 64, a responsabilidade individual pela vio- quanto à sua legitimidade e efetividade. Pelo exercício de sua jurisdição, a Corte
lação de direitos humanos representa o ápice da evolução que começou em 1945 chama para si a condução do que a própria instituição chama de "sistema emergen-
com a inclusão da proteção internacional dos direitos na ordem internacional e te da justiça criminal internacional"271 •
se manifesta hoje no desenvolvimento contemporâneo do Direito Penal Interna- Nesse escopo, acredita-se que há uma dimensão punitiva nas normas de Di-
cional. Segundo o autor, a qualidade que pertence ao sujeito de uma ordem legal reitos Humanos e, contrapartida, também existe um papel importante na justiça
depende, em primeiro lugar, da possibilidade de defender os direitos dos quais é
portador. Mas, concomitantemente, implica, também, na capacidade legal de ser ( 1994) deram novo fõlego ao Direito Penal Internacional. Assim, em 1994 a Comissão de Direito Internacional da ONU
reúne-se para apresentar o primeiro projeto do Estatuto de um Tribunal Penal Internacional. No ano seguinte, a Assembleia
portador das responsabilidades associadas à pertença a essa ordem legal. Assim, o Geral das Nações Unidas cria um Comitê Preparatório, cujo trabalho culmina na elaboração do "Estatuto de Roma do Tribu-
estabelecimento da responsabilidade penal individual propiciou que diversas viola- nal Penal Internacional", aprovado em 1998 durante a Convenção de Roma e que está em pleno vigor desde OI de julho de
ções de direitos humanos, encobertas anteriormente pelas prerrogativas de imuni- 1(,6
2002. O Estatuto de Roma conta hoje com a ratificação de 120 países.
Vide anigo 25 do Estatuto de Roma.
dade dos agentes de Estado, não ficassem impunes. 161
Para a tipificação dos crimes que sobre os quais recaí a competência do TPI: ans 5 a 8 do Estatuto de Roma. Imponante
Por essa razão, a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI)2 65 foi um ressaltar também, que a competência ratione temporis do tribunal, prevista no an. l l do Estatuto de Roma, impõe que o TPI
marco para a afirmação do Direito Penal Internacional: uma Corte permanente, só pode julgar crimes cometidos após a data em que o Estatuto entrou em vigor, ou seja, a panir do ano de 2002.
Os Tribunais Internacionais Penais ad hoc são estruturas provisórias para julgar crimes cometidos durante eventos
específicos. Não há menção específica à competência do Conselho para a criação desses Tribunais. ela decorre de uma
162 Os Tribunais foram criticados por violarem principias caros ao Direito Penal como o principio do juiz natural e da vedação interpretação ampliativa e teleológica do Capítulo VII da Cana das Nações Unidas. Conforme já referido, os Tribunais da
de tribunais ex postfacto, do contraditório e da ampla defesa. (Vide KIRCH, Philippe. Applyíng the Principies ofNuremberg
Iugoslávia (instaurado pela Resolução n"827 de 1993 do CSNUJ e o de Ruanda (estabelecido a panir da Resolução nº935 de
in the Intemational Criminal Court. ln Washington University Global Studies Law Review. Vol.6, 2007. pp 500-509).
I 994 do CSNU) são exemplos.
!61 No ano de I 950. a Conússão de Direito Internacional da ONU produz um documento elaborado a partir da experiência do Tribunal Os Tribunais Híbridos mesclam estruturas internacionais e locais e geralmente contam com recursos provenientes das Or-
de Nuremberg. Esse documento codificou os chamados ·'Principíos de Nuremberg", os quais influenciam até hoje a aplicação do
ganizações Internacionais, eles dependem de um pedido dos próprios governos para que se estabeleçam. São exemplos os
Direito Penal Internacional: 1") Todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passivei de punição; 2º) lei nacio-
Tribunais de Serra Leoa (Resolução nºl315 de 2000); Tribunal do Líbano (Resolução n"l664 de 2006); as Câmaras Ex-
nal que não considera o ato crime é irrelevante; 3º): as imunidades locais são irrelevantes; 4º) a obediência às ordens superiores não traordinárias do Camboja (2004). Há ainda os chamados Tribunais Internacionalizados, criados pela ONU e administrados
são eximentes: 5°) todos os acusados têm direito ao devido processo legal; 6º) são crimes internacionais os julgados em Nuremberg; pelas Missões de Paz das Nações Unidas: o Tribunal para o Timor Leste (Resolução n" 1272 de 1999): Câmara Especial
7") conluio para cometer tais atos é crime. Além disso. oulraS Resoluções da AGNU (nº3 e n"45 de l 946 e n"3.074 de 1973) também
para Crimes de Guerra na Bósnia-Herzegovina (Resolução n"l503 de 2003); os Painéis Especiais para o Kosovo (1999) e o
acolheram estes principias e estabeleceram oulraS previsões importantes quanto ao Direito Penal Internacional: cooperação para a Tribunal Penal Supremo do Iraque (2004). ·
detenção e extradição de acusados de crimes graves e a proibição de concessão de asilo àqueles que cometeram crimes contra a
Na opinião de William Schabas, "The lntemational Criminal Coun is perhaps the most innovative and excíting development in
humanidade e, também, que estes crimes sejam considerados crimes políticos. (Vide: CARVALHO RA!v!OS, André de. "Manda-
ínternational law sínce the creation of tlie United Nations. Toe Statute is one of the most complex international instruments ever
dos de crinúnalízação no Direito Internacional dos Direitos Humanos: novos paradigmas da proteção das vítimas de violações de
negotiated, a sophistícated web ofhighly technical provísions drawn from comparative criminal Iaw combíned wíth series of more
Direitos Humanos•·. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 62, em especial p.18).
political propositions that touch the vecy hean ofStates concems with their own sovereignty. Witliout any doubt, íts creation is the
DUPUY, Pierre-Marie. lntemational Criminal Responsibility of the Individual and lntemational Responsibility of the State.
result of the human rights agenda that has steadily taken centre stage within the United Nations sínce article I of its Chaner pro-
ln CASSESE, Antonio: GAETA, Paola; JONES, John. R. W. D. (ed.). The Rome Statute ofthe lntematíonal Criminal Court:
claimed the promotion ofhuman rights to be one ofits purposes. From a hesitant comnúnnent ín 1945, to an ambítious Declaration
a Commentary. Vol. II. New York: Oxford Uníversíty Press, 2009. p. 1098.
of Human Rights in 1948, we have now reached a poínt where individual criminal líabílity is stablíshed for those responsible for
A discussão sobre a necessidade de criação de um Tribunal Internacional de caráter permanente arrastava-se por décadas,
serious violations ofhuman rights, and where an ínstitution is created to see that this is more than a píous wish. (SCHABAS, Wil-
desde as experiências dos Tribunais de Nuremberg (1945) e Tol--yo ( 1946 a 1948) criados para julgar os crimes cometidos
liam A. An lntroduction to tlie International Crinúnal CourL 4• edition. New York: Cambridge Universiry Press, 201 l, p.61).
pelos países perdedores da Segunda Guerra. As disputas de poder durante a Guerra Fria obstaculizaram o desenvolvimento
Repon of the lntemational Criminal Court, UN Doe, A/601177, §3.
da ideia. Posteriormente. o fim da Guerra Fria e a criação dos tribunais ad hoc para a antiga Iugoslávia ( 1993) e para Ruanda
154 ..j1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_IS_A_N'_E_M_A_HL_KE
DIREITO INTERNACIO:-IAL DOS REFt.:Gl.-\.!JOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 155

penal internacional quanto à proteção dos Direitos Humanos. Ao responsabilizar entre a justiça penal internacional e o Direito Internacional dos Refugiados: i) A
indivíduos que cometeram graves violações de direitos humanos estabelece-se a proteção a partir da punição desde os crimes sobre os quais as cortes penais inter-
proteção em quatro diferentes dimensões: a) Uma dimensão pedagógica para os nacionais têm jurisdição, incluindo crimes de guerra, deportação forçada e crimes
Estados: o dever de coibir tais violações ou evitar que estas se perpetuem; b) Uma contra a humanidade; ii) informação por fornecer o conteúdo para a interpretação
dimensão humana: a preservação dos direitos das vítimas à verdade e à justiça, sem adequada das cláusulas de exclusão previstas na Convenção de 1951 e impingidas
olvidar os direitos do acusado; c) Uma dimensão ordenadora: ao fornecer instru- aos indivíduos indiciados por estas cortes.
mentos jurídicos e institucionais para o processo justo, evitando a instabilidade Em termos de direito substantivo, os estatutos das cortes criminais interna-
social e a vingança privada diante da impossibilidade de julgamento pelo Estado, cionais incluem o ato do deslocamento forçado como crimes de guerra e crimes
o que acarretaria mais violações de direitos humanos; d) Por fim, uma dimensão contra a humanidade, refletindo o fato de que nos conflitos contemporâneos o
axiológica: ao fortalecer os valores universais da humanidade, expresso na proteção deslocamento forçado é um objetivo recorrente na estratégia política e militar en-
aos direitos humanos das pessoas envolvidas. tre as partes em conflito. Expressamente, o artigo 7º- do Estatuto de Roma elenca
Dessa forma, o TPI exerce seu papel na proteção dos direitos humanos ao exaustivamente os atos que são considerados "crimes contra a humanidade" Em
fazer cessar eventuais violações, como também, ao evitar futuras violações, na especial277 , a previsão contida no art. 7º-, I, h, in verbis: "Perseguição de um grupo
medida em que a responsabilização daqueles cometem tais crimes coíbe novas ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais,
práticas e encoraja outras vítimas a denunciarem tais atos. Como bem observa étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo J!!., ou
Kathryn Sikkin272 , a responsabilidade internacional do indivíduo por violações em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no
dos direitos humanos representa a reunião de três ramos do Direito Internacio- direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou
nal reunidos no Estatuto de Roma: o Direito Internacional dos Direitos Hu- com qualquer crime da competência do Tribunal". Como já analisado neste estudo,
manos; o Direito Internacional Humanitário e o Direito Penal Internacional. o fundado temor de perseguição por pertencimento à raça, credo, nacionalidade,
Pode-se acrescentar que, o Direito Internacional dos Refugiados, como parte do opinião política ou grupo social é forçado a deixar seu país de origem é a prin-
Direito Internacional dos Direitos Humanos, também se beneficia, mesmo que cipal motivação do reconhecimento de situação que enseja o pedido de refúgio.
indiretamente, da atuação do Tribunal. Assim, observa-se uma identificação conceitual entre este dispositivo e a definição
Importante ressaltar, que a jurisdição do TPI é complementar a dos Estados, de refugiado contida na Convenção de 1951. Portanto, ao responsabilizar aqueles
cabendo a estes a responsabilidade primária de julgar em seus tribunais nacionais que praticam tais violações, o TPI contribui para dirimir as causas que motivam o
crimes cometidos em seu território. Caso isso não ocorra, cabe ao TPI julgar os cri- deslocamento forçado.
mes cometidos nos territórios dos Estados-partes, ou que tenham sido cometidos Já quanto às cláusulas de exclusão278 , o papel do TPI está em apurar a respon-
por nacional de um dos Estados-partes, ou por Declaração específica do Estado sabilidade daqueles que cometeram graves crimes e, portanto, não podem benefi-
não-contratante273 • Ressalva-se, porém, uma exceção: o Conselho de Segurança das ciar-se do status de refugiado. Conforme previsto no artigo 1º-, f da Convenção de
Nações Unidas pode adotar Resolução vinculante, adjudicando determinado caso 1951, a possibilidade do reconhecimento do status de refugiado está afastada para
ao TPI274 • De qualquer forma, a jurisdição do TPI precisa ser provocada para que aqueles que cometeram crimes contra a paz, crimes contra a humanidade, crimes
seja instaurada: seja por Estado-parte do Estatuto, seja por denúncia levada ao Pro- de guerra, crimes comuns graves e atos contrários aos propósitos das Nações Uni-
curador do TPI pelo CSNU, seja pelo próprio Procurador de oflcio 275 • das. Nesse sentido, o ACNUR recomenda 279 que a classificação dos crimes previstos
A relação da jurisdição do TPI com o Direito Internacional dos Refugiados nas cláusulas de exclusão leve em consideração, dentre outros documentos interna-
não é direta, ou seja, a Corte não atua como revisora das normas sobre refúgio, cionais, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
pois elas não recaem especificamente sob sua competência.276 Contudo, o tribunal
exerce duas funções importantes: a informação e a proteção, advindas da relação ·'Situação na República Democrática do Congo: Procuradoria v. Germain Katanga e Mathieu Ngudjolo Chui - (CC O1/04-
01/07 de 09 de junho de 2011 ).
1i2 Vale ressaltar, também, a disposição da alínea ··d'' do inciso I do artigo 5", o qual considera crime contra a humanidade
SIKKINK, Kathryn. A Era da Responsabilização: a era da responsabilização penal individual. ln A Anistia na Era da Res-
também a "Deportação ou tram.ferénciaforçada de uma população", definida pela alínea "d" do inciso II do mesmo artigo:
ponsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada. Brasília: Ministério da Justiça: Comissão de Anistia;
·'Por "deportação ou traniferéncia à }orça de uma população .. emende-se o deslocamento forçado de pessoas, atra,·és da
Oxford: Universidade de Oxford: Centro de Estudos Latinoamericanos, 2011. p.15.
:m expulsão ou outro ato coercivo. da =01w em que se encontram legalmente. sem qualquer motfro reconhecido 110 direito in-
Vide artigos 12 e 13 do Estatuto de Roma.
temacio11aI". Tal disposição está intrinsecamente conectada com situações de migração forçada e com os princípios básicos
Esse situação manifestou-se no caso de Darfur, na qual o Conselho de Segurança determinou as investigações das violações
do Direito Internacional dos Refugiados como o 11011-refoulemelll.
de direitos humanos cometidas, mesmo o Sudão não tendo ratificado o Estatuto de Roma. 2iS
2i5 Vide Capítulo Primeiro.
Vide artigo 15 do Estatuto de Roma. li9
2i6 UNHCR - Guidelines for lnternational Protection: application of the exclusion clauses (article I F of the Convention Relat-
Incidentalmente, a discussão sobre o direito de solicitar relügio e a aplicação do principio do non-refoulement, já foram
ing to the Status ofthe Refugees). HCRJGIP/03/05 de 4 de Setembro de 2003.
apreciados pela Corte, como um elemento de fundo sobre a proteção de testemunhas. (vide a manifestação do TPI no caso
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
156 --1-------------------------------H~E_L~IS_~_NE::...:...M~A=HL=KE 157
83
Devido à gravidade das consequências de uma eventual aplicação indevida princípi? do non-refoulement2 (se não abarcado pela Convenção de 1951, então
das cláusulas de exclusão, a verificação deve se dar dentro de um processo regular pela aplicação extra-convencional284 do princípio contida na Convenção contra a
e adequado de determinação do status de refugiado e nunca mediante um procedi- Tortura e outros tratamentos desumanos, cruéis e degradantes, de 1984)2ss.
mento sumário280 . A única exceção a essa regra é se o indivíduo for indiciado por Pelos dois aspectos analisados, o Tribunal Penal Internacional pode exercer
um Tribunal Penal Internacional28 1• As cláusulas de exclusão, conforme já explici- papel fundamental na proteção dos refugiados. O exercício da competência da Cor-
tado, foram estabelecidas para que a Convenção não servisse de abrigo àqueles que te, fundamentada na face punitiva dos direitos humanos, pode contribuir para a
cometeram crimes graves contra outros indivíduos. supressão das causas que impulsionam o deslocamento forçado de milhares de pes-
Uma vez que o status de refugiado foi reconhecido a um indivíduo e ele soas. Conforme comentam Jean-Paul Bezelaire e Thierry Cretin, a aplicação da jus-
pode gozar da proteção internacional, espera-se que ele se submeta às leis do Es- tiça penal internacional serve à resposta necessária às graves crises humanitárias: ao
tado receptor e que se exima de quaisquer atividades incompatíveis com o caráter proferir decisões executórias aos criminosos; para as vítimas a satisfação devida e a
civil do refúgio. Contudo, não é improvável que em algumas situações refugiados tranquilidade da coisa julgada; e para "os povos do mundo, a catarse da justiça2s6".
que se encontrem no país de asilo tomem parte de esforços militares mesmo no Diante da análise dos Sistemas Jurídicos abordados nesse Capítulo, conclui-se que
exílio. A possibilidade de revogação do status de refugiado pode ser aplicável se interven~ão da justiça internacional nos casos de refúgio é a de zelar pela interpretação
o refugiado tenha cometido os atos previstos pelos artigos 1, F (a) ou 1, F (c) da harmômca das normas internacionais, pois ao produzir jurisprudência, as Cortes Inter-
Convenção de 1951, porém ela não prevê explicitamente pela perda ou suspensão nacionais buscaram uniformizar a aplicação do Direito Internacional dos Refugiados,
do status de refugiado pela contravenção ao caráter civil ou humanitário do refú- evitando interpretações nacionais discricionárias, em geral contrárias às necessidades
gio. Nesse caso, a responsabilidade cabe ao Estado receptor tomar as providências das pessoas em mobilidade. Nesse mesmo sentido, ao empreender tal ação, as Cortes
necessárias de acordo com as leis criminais. Todavia, a Convenção prevê a possi- propugnam pela proteção internacional dos direitos humanos desses indivíduos que,
bilidade de exceção do princípio do non-refoulement, sob a égide do artigo 33, 2Q, frequentemente, são oponíveis aos interesses dos Estados. Evidentemente, a jurispru-
se a pessoa representar perigo à segurança nacional ou tiver cometido um crime dência das Cortes nem sempre prima pela ampla proteção e ainda resiste a revisar a
decisão do Estado quanto ao reconhecimento do status de refugiado.
grave contra a comunidade local. Importante ressaltar que, segundo o ACNUR282,
Contudo, conforme os precedentes anteriormente referidos demonstram, há
deve haver uma conexão racional entre a expulsão do refugiado e a remoção da
avanços significativos na tentativa de garantir um procedimento justo e na pro-
ameaça, e esta alternativa deve ser última adotada, considerando os riscos relacio-
teção da integridade füica e moral dos refugiados e solicitantes de refúgio, assim
nados à expulsão do refugiado.
como no respeito ao princípio da igualdade de direitos e na preservação da dig-
É fundamental ressaltar, diante desse quando, que mesmo aqueles acusados
nidade destes indivíduos independentemente de sua condição migratória. Diante
de crimes graves não devem ficar desamparados pelo Direito Internacional e para
dessa tendência, espera-se que a intersecção entre os vários instrumentos norma-
preservar o direito a um julgamento justo, e caso condenados, tenham a possibili-
tivos e institucionais possa contribuir para fortalecer o Direito Internacional dos
dade de cumprir a pena de maneira digna, deve ser-lhes garantido a aplicação do
Refugiados. A análise dessa intersecção e como ela constrói o novo paradigma
!SO
jurídico da proteção internacional dos refugiados é o objeto do próximo capítulo.
Um caso especial se refere a determinação do starus de refugiado para combatentes e ex-combatentes, que podem ter seu
pedido considerado se tiverem formalmente renunciado às atividades violente, porém sem afastar a possibilidade de respon-
sabilização pelas violações cometidas, caso tenham ocorrido. Nesse sentido, tem-se as Recomendações do ACNUR: "The Segundo a orientação adotada pelo ACNUR na Reunião de Especialistas sobre as complementaridades entre o Direito In-
refugee starus of former combatants who have genuinely and permanently renounced their military activities and who seek ternacional dos Refugiados, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Penal Internacional: ·'Falling within
asylum should always be determined individually. White patticipation or association with military activities should by no Atticle l F means that an individual does not qualify for refugee starus and is, therefore, also not within the mandate of
means create an assumption of exclusion, the real possibility of former-combatants having committed excludable acts means UNHCR. Most significantly, it rneans that he or she does not benefit from protection against refou/ement under international
that they will be kept outside the scope of prima facie recognition. Their asylum claims should be examined thoroughly refugee law. Exclusion frorn international refugee protection does no~ however, affect the excluded person's entitlement to
under the inclusion criteria as well as elements related to the possible application ofthe exclusion clauses. lf there is evidence protection, including against refou/ement. under relevant international human rights law provisions, where applicable, nor
tliat an individual has been involved in conflicts characterised by violations of international humanitarian law, or serious does it in any way detract from the universally recognized principie of presurnption of innocence in criminal proceedings.
violations of human rights law, the question of individual responsibility should be examined." ((UNHCR. Operational ( ... )Where criminal proceedings for international crimes or other serious crimes are pursued against an asylum-seeker ora
Guidelines on Maintaining the Civilian and Humanitarian Character of Asylurn. Setembro de 2006, p. 34). refugee, the significance of the indictment and any subsequent acquittal on exclusion from international refugee protection
2:il
Idem, §31. needs to be examined in light of ali relevam circumstances." (UNHCR - Expett Meeting on Complementarities between
252
Segundo o ACNUR "lt is necessary to take into account ali the círcumstances of the case in order to determine whether the lnternational Refugee Law, !nternational Criminal Law and lnternational Human Rights Law. Arusha -Tanzânia, 11 - 13
seriousness of the threat would justify an exception to the principie of no11-refou/ement. Both Atticles 32 and 33 should be de abril de 2011).

interpreted in a restrictive manner and the principie of proportionality should be applied. This would require that there be Por previsão extra-convencional se entende a previsão do princípio do non-refoulement em outros documentos internacio-
a rational connection between the remova! of the refugee and the elimination of the danger: the remova! must be the last nais que não a Convenção de 1951.
possible resott to eliminate the danger: and the danger to the country of refuge must outweigh the risk to the refugee upon Idem §9.
2S6
expulsion. (UNHCR. Operational Guidelines on Maintaining the Civilian and Humanitarian Character of Asylum. Setembro BEZELAIRE, Jean-Paul e CRET!N, Thierry. A Justiça Penal Internacional. Sua evolução, seu futuro. De Nuremberga Haia.
de 2006, p. 33). Trad. Luciana Pinto Venâncio. São Paulo: Manole, 2004, p. 113.
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGI.WOS: Novo P.-\RAOIG~IA JURÍDICO 159
dá "vida" à norma que, ao assumir significado, melhor consegue cumprir sua função
na consecução da justiça3 •
A hermenêutica, por sua vez, propõe "um modelo processual de interpreta-
CAPÍTULO 4 ção", o qual tem início em um "pré-compreensão valorativa" que estabelece O rela-
cionamento entre a norma e a situação do mundo da vida que ela abrange, forne-
FUNDAMENTOS DO Novo PARADIGMA JURÍDICO DA cendo, assim, racionalidade à decisão jurídica. Assim, "a hermenêutica, desdobrada
1
r
PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS em teoria do direito, mantém a pretensão de legitimidade da decisão judicial"4.
Importante esclarecer que as teorias hermenêuticas foram, em geral, concebi-
das para a compreensão das normas no contexto do ordenamento jurídico de socie-
dades nacionais. Todavia, mesmo diante da dificuldade em adaptar tais concepções
para o âmbito do Direito Internacional, toma-se a hermenêutica jurídica como um
4.1. A HERMENÊUTICA DO DIREITO INTERNACIONAL DOS instrumento para interpretar normas pertencentes a um mesmo corpus juris que,
REFUGIADOS apesar das características distintas (coordenação entre Estados soberanos, hetero-
geneidade de sujeitos e fontes, descentralização normativa, pluralidade de ordens
Após a análise do refúgio na Justiça Internacional, o presente Capítulo jurídicas convivendo simultaneamente), também são passíveis de serem compreen-
dedica-se aos fundamentos do novo paradigma jurídico da proteção internacio- didas como parte do mesmo conjunto normativo. Esse fato permite estabelecer
nal dos refugiados. Para estabelecer esses fundamentos, os seguintes pontos são uma necessária inter-relação entre essas normas, as quais devem ser interpretadas
analisados: i) a compreensão sobre a interpretação do Direito Internacional dos a partir, não apenas do contexto jurídico internacional no qual foram elaboradas,
Refugiados e sua relação com as demais vertentes do Direito Internacional dos mas como parte de um arcabouço jurídico com uma arquitetura própria 5 •
Direitos Humanos; ii) a composição das fontes que compõem o arcabouço jurí-
expresso nas normas. Daí a elaboração de quatro técnicas: a interpretação gramatical, que procurava o sentido l'ocabular da
dico do Direito Internacional dos Refugiados; iii) as normas de proteção com-
lei, a interpretação lógica, que visava a seu sentido proposicional, a sistemática, que buscava o sentido global ou estn1t11ral, e
plementar advindas das outras vertentes do Direito Internacional dos Direitos a histórica, que tentava atingir o sentido genético ··(p.231 ). Em meados do século XIX, instaura-se a discussão deixou de ser
Humanos; iv) o papel das Cortes Internacionais como intérpretes dos Direito meramente a enumeração de técnicas, mas a buscar o fundamento de uma verdadeira ·'teoria da interpretação·•, e a necessidade
de compreender o critério "metódico" de uma interpretação "verdadeira'', seja a partir do pensamento do legislador manifestado
Internacional dos Refugiados. Por fim, demonstra-se como a composição desses
no texto da lei, ou seja, uma doutrina restritiva da interpretação baseada na identificação da vontade do legislador implícita na
fundamentos caracteriza o novo paradigma jurídico da proteção internacional norma (''Jurisprudência dos conceitos, na Alemanha; a "Escola da Exegese" na França}; seja a partir do estudo dos "institutos
dos refugiados. do direito" que expressavam relações vitais responsáveis pelo sistema jurídico como um todo orgânico, ou seja, o sentido da lei

A priori, convém mencionar o sentido e o uso da expressão "hermenêutica do repousaria em fatores objetivos, como interesses em jogo na sociedade (·'Jurisprudência dos Interesses na Alemanha", a escola
da "/ibre recherche sie11f/fiq11e", na França, a "Freirech,1bewg1111g"). O debate entre essas duas correntes tomou-se fundamental
Direito Internacional dos Refugiados" no contexto desta obra. A hermenêutica é a para o desenvolvimento da ciência jurídica como teoria da interpretação (p.232). Nesse período, desenvolveram-se os métodos
ciência que se dedica à compreensão do sentido da norma, para então determinar "voltados para a busca imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axiológico). ou de suas
condicionantes sociais (método sociolói,~co), ou de seus processos de transformação (método axiológico-evolutivo) ou de sua
sua interpretação e aplicação, para tanto, desenvolvendo instrumentos ou técnicas
gênese (método histórico)."(p.232). (FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão. domina-
para aproximar a norma de sua conexão fática. A hermenêutica, contudo, não se ção. Sexta edição revisada e ampliada. São Paulo: Editora Atlas, 2011 ).
confunde com a interpretação, mas fornece-lhe os fundamentos por meio de proces- Para o jurista Castanheira Neves, toda a construção jurídico-normativa do direito deve buscar, sobrerudo, ajustiça. E a inter-
pretação contribui para a construção da justiça, de modo que. para o jurista Português, a ·'boa ou válida interpretação não será
sos filosóficos, sistêmicos ou dialógicos 1• A interpretação e suas diferentes técnicas
aquela que numa intenção da verdade (de cognitiva objectividade) se proponha a exegética explicitação ou a compreensiva
construídas em diferentes momentos do desenvolvimento do pensamento jurídica2 determinação da significação dos textos-normas como objeto, mas aquela que numa intenção de justiça (de prática justeza
normativa) vise a obter do direito positivo ou da global normatividade jurídica as soluções judicativo-decisórias que melhor
realizam o sentido do axiológico fundamentante que deve ser assumido pelo próprio direito, em todos os seus níveis e em
Não cabe, no que se refere ao intuito principal desta obra, discorrer sobre as diferentes escolas da ciência Hermenêutica e
todos os seus momentos." (CASTANHEIRA NEVES, Antônio. O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica.
suas diversas acepções, mesmo dentro da esfera da hermenêutica jurídica, que hoje transcende a mera perspectiva formal-
Vol.l, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.102.
metodológica, para uma perspectiva verdadeiramente filosófica, fortemente influenciada por uma abordagem subjetivisms,
Vide HABER.\1AS. Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e validade, Vai. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
encontrada em Hans-Georg Gadamer (e sua Hermenêutica Filosófica) e seu debate com Jürgen Habermas (e sua Teoria do
I 994, pp. 247 e 248.
Discurso); e a Hermenêutica Constitucional de Peter Hãberle. (Ver mais em: GADAMER., Hans-George. Verdade e Método
Não se corrobora a ideia de transpor os mesmos principias e conceitos dos ordenamentos jurídicos nacionais para o Direito
II. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2004; HABERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional -A sociedade aberta dos Intérpretes da
Internacional, defendendo propostas como a de um "Constitucionalismo Global'', ou "Transconstitucionalismo", dentre
constituição: contribuição para a interpretação pluralista e "procedimental" da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio
outras elaborações, entende-se que não apenas elas são inadequadas como desnecessárias para a compreensão da validade e
Fabris Editor, 2002; HABER.\1AS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e validade, 2 Vais. Rio de Janeiro:
efetividade das normas internacionais. Não é objeto desta obra discutir cada uma dessas teorias e seus argumentos. Portanto,
Tempo Brasileiro, 1994).
apenas pretende-se esclarecer o posicionamento aqui adotado para delinear o desenvolvimento deste esrudo. Entende-se
Como explica Tércio Ferraz Jr., o pensamento do início do século XIX, influenciado por Savigny, baseava-se na preocu-
que o Direito Internacional deve ser compreendido e estudado a partir de suas características próprias, as quais diferem
pação em determinar o significado texrual da lei. "A questão meramente técnica, era, então, como determinar o sentido
160 HELIS •.\<-S:E M..\HLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
161
-+---------------------------
Estabelecid os esses parâmetros conceituais, propõe-se que compreender a her- que estabelecem relações em diferentes níveis: nacional, regional e internacional
menêutica do Direito Internacional dos Direitos dos Refugiados permite estabe- e transnacional. Porém, as características próprias do Direito Internacional não
lecer alguns pontos cruciais: i) Q!ial a relação que este ramo do Direito estabelece impossibilitam uma construção hermenêutica, apenas impõem a nee::essidade de
com as normas de Direito Internacional Geral; ii) Q!ial a relação entre as normas estabelecê-la em parâmetros diferenciados daqueles que podem ser atribuídos às
do Direito Internacional dos Direitos Humanos com o Direito Internacional dos ordens jurídicas nacionais 7 •
Refugiados; iii) e, com base em tais considerações, como as normas do Direito Segundo Fischer-Lascano e Teubner, deve-se considerar que o sistema jurídico
Internacional dos Refugiados devem ser interpretadas. não existe apenas no nível do Estado, mas também, segundo a lógica da diferen-
Para analisar o primeiro ponto, ou seja, qual a relação do Direito Interna- ciação funcional entre os diversos ramos do Direito, se estabeleceu globalmente
cional dos Refugiados (DIR), ou o Direito Internacional dos Direitos Humanos como um sistema unitário. Porém, a unidade do direito em nível global não é
(DIDH), como ramos especiais, com as normas de Direito Internacional Geral uma unidade estruturada, como ocorre nos Estados, caracterizada pela consistên-
(DIG) 6, é importante pontuar que essa discussão se desenvolve a partir da refle- cia normativa institucionalmente segura, mas é baseada em processos que derivam
xão sobre se a expansão e especialização do Direito Internacional levariam à sua da conexão entre diversas operações legais entre ordens legais heterogêneas. Os
fragmentação em diferentes subsistemas de regimes especiais ou se haveria uma autores veem essa característica como resultado indireto do processo de globaliza-
unidade jurídica sistêmica entre os diferentes ramos. ção, no qual a unidade do sistema jurídico atingiu o nível global, porém não está
Na medida em que o Direito Internacional se desenvolve como uma estru- imune a diversas contradições internas típicas deste processo. Para Fischer-Lascano
tura intrincada, composta por diversos regimes, regulando diferentes dimensões e Teubner, a unidade jurídica em nível global substituiu a consistência normativa
das relações internacionais, a distinção conceitual entre normas gerais e especiais (própria dos sistemas estatais) para uma "interjuridicidade" operacional8 •
torna-se importante para a manutenção da coesão do sistema jurídico internacio- Entende-se, porém que, em um nível mais amplo, o DIG e regimes especiais
nal. Contudo, essa diferenciação, com implicações importantes na interpretação e como o DIDH estabelecem um relacionamento de unidade, e não de fragmenta-
aplicação das normas internacionais, depende de como o Direito Internacional é ção, no qual o DIDH é visto como um ramo do Direito Internacional. A questão
concebido, um debate entre duas visões acerca do Direito Internacional: uma visão é refletir se as características especiais do DIDH afastam a aplicação dos princípios
particularista/fragmentária ou universalista/unitária. e normas do DIG9, privilegiando a especialidade, em detrimento das normas ge-
A visão fragmentária ou particularista, na qual diversos subsistemas convivem rais. Essa questão se relaciona com a percepção de que existem subsistemas auto-
de maneira autônoma, argumenta que há no Direito Internacional, a falta de uma contidos ou autolimitados no Direito Internacional, novamente um argumento
unidade política e cultural comum, elementos essenciais para a construção de uma frequente para aqueles que defendem sua fragmentação. O Direito internacional,
nessa perspectiva, seria fragmentado em ramos altamente especializados que invo-
comunidade que fosse a base sobre a qual essas normas são erigidas. Além disso,
cam relativa autonomia do DIG. Nesse sentido, a ILC considera que o DIDH é
a falta de uma estrutura institucional centralizada capaz de estabelecer a última
um regime especial1°.
palavra sobre a interpretação das normas internacionais, também compromete a
Todavia, essa proposição suscita um problema: ao se considerar a ausência de
ideia de unidade. Sem dúvida, a comunidade política internacional é heterogê-
uma hierarquia jurídica, ou seja, de decisões coletivamente obrigatórias, competên-
nea e descentralizada, composta por uma pluralidade de sujeitos e organismos
cias centralizadas e princípios legais hierarquicamente ordenados, como resolver
eventuais conflitos entre normas? Fischer-Lascano e Teubner defendem que, de um
essencialmente do direito interno. É fundamental que, da construção contínua e dinâmica do Direito Internacional, emerjam
ponto de vista realista, não há uma instância de decisão final quanto ao conflito de
teorias que respeitem suas peculiaridades, desde as raízes de sua afirmação histórica, até sua expansão e especialização para
atender às necessidades contemporâneas. normas, permanecendo a dúvida sobre como os princípios jurídicos comuns po-
Quanto ao que pode ser entendido como Direito Internacional Geral, Scott Sheeran esclarece ·'General international law, on dem se consolidar em uma ordem heterogênea composta por regimes autônomos 11 •
the other hand, is a concept that is not usually defined. lt has been characterised as endowed with a ·certain degree ofimpre-
cision' even though it has featured in international instruments. The ILC does not try to precisely define GIL and indicates
that it is best to consider what is ·general' by reference to its logical opposite, namely what is ·special'. The key examples KOSKENN!EMI, Matti. e LEINO, Pãivi. Fragmentation of lnternational: posnnodern axieties. ln Leiden Journal oflnterna-
of GIL include the law of responsibility, as codified in the ILC's two sets of draft articles, or the law of treaties as codified tional Law, 2002.
in the Vienna Convention on the Law ofTreaties (VCLT).( ... ) White GIL is commonly associated with ·secondary' rules FISCHER-LASCANO. Andreas e TEUBNER. Gunther. Regime Collisions: the vain research for legal unity in the fragmen-
and customary international law that applies to all states, as the !LA notes and elaborated further below, it possibly includes tation of global law. ln Michigan Joumal oflnternational Law. Vol.25. 2004, pp 1007-1008.
other fortns ofunwritten law such as ·fundamental' or ·constitutionar principies of international law.14 ln this sense. GIL is A ILC se refere a campos especiais ou subdisciplinas do Direito Internacional, como exemplo, como o Direito Internacional dos
closely related to, but not synonymous with, the broader term of international law or public international law that describes Direitos Humanos, o Direito do Comércio Internacional, o Direito Comunitàrio Europeu, ILC Report (n. 4) pars. 13 e 129.
IO
the whole discipline. For some purposes in this chapter, such as considering conceptual origins, the term GIL will be used ILC Conclusions (n. 4) para. 14.
somewhat interchangeably with international law." (SHEERAN, Scott Toe Relationship of lnternational Human Rights Quanto a essa relação a visão de Fischer e Teubner é bastante critica à tentativa de estabelecer algum tipo de hierarquia no
Law and General lnternational Law: hermeneutic constraint or pushing boundaries. ln SHEERAN, Scott e RODLEY, Sir Direito Internacional ou mesmo reconhecer um sistema integrado. Nas palavras dos autores: "Rather than secure the unity of
Niegel. Routledge Handbook of lnternational Human Rights Law. New York: Routledge, 2013, p.81 ). international law, future endeavors need to be restricted to achieve weak compatibility between the fragments. ln the place
162
Como se pode observar, a percepção de como operam esses regimes auto-
contidos ('se/f-contained regimes') 12 e da relação existente entre eles, é o ponto
central desse debate. Porém, como esclarece Bruno Simma 13, o termo tem sido mal
HELISA,'-E M..\HLKE

1 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFL'GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

Dessa maneira, o reconhecimento da existência de regimes especiais não sig-


nifica automaticamente considerar que sejam regimes isolados do Direito Interna-
cional como um todo. A própria ILC que tais regimes não podem ser considerados
163

compreendido, ao ser atribuído a subsistemas legais totalmente autônomos. Essa isolados do DIG 18 Assim, a relação entre o DIG e o DIDH é concebida como parte
concepção não se sustenta, segundo o autor, pois nenhum sistema social pode de uma unidade, pois tomar o DIDH como um "regime especial", faz com que
existir em total isolamento do seu ambiente. Essa conclusão é recebida até pelos ele busque amparo nos fundamentos do DIG para sua existência e validade. Essa
defensores da especialização dos regimes jurídicos 14. Há sempre algum grau de inte- relação de unidade não significa que não possa haver conflitos entre esses dois
.
racão entre os subsistemas ' ao menos no nível da interpretação. Assim, os regimes
autocontidos referem-se a uma categoria particular de subsistemas, que são capazes
conjuntos normativos, já que essa é uma característica comum na relação entre
quaisquer ramos do direito, mas que existe uma relação intrínseca entre eles, in-
de abarcar um conjunto exaustivo, completo e definitivo de normas secundárias 15, clusive que possibilita mecanismos de solução desses conflitos 19 • Passa-se, então, a
mas que podem relacionar-se com as normas primárias 16 , de maneira dinâmica. analisar algumas delas.
Assim, apesar do Direito Internacional poder ser compreendido como um O Direito Internacional contempla regras de interpretação geral previstas nos
conjunto sistêmico de normas que se relacionam entre si, essa relação se estabelece artigos 31 a 33 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), que
a partir do que Bruno Simma 17 determina de "hierarquia informal". Um dos ins- estabelecem regras gerais para a interpretação dos Tratados Internacionais, também
trumentos dessa hierarquia informal é a concepção de um "Direito Internacional aponta quais são os meios suplementares utilizados para orientar a interpretação
Geral" no qual as normas especiais estão contidas. A partir dessa premissa, o autor e, por fim, como se deve proceder a interpretação de tratados autenticados em
estabelece dois passos para a interpretação das normas especiais: i) primeiro, as duas ou mais línguas. Ressalta-se a importância do artigo 3 l2° da Convenção que
regras do regime especial, geralmente codificadas no Tratado precisam ser interpre- estabelece as regras gerais de interpretação dos tratados, em especial segundo sua
tadas à luz do artigo 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a fim finalidade (interpretação teleológica) e o artigo 32 que reconhece que a interpreta-
de estabelecer se os Estados-partes tiveram a intenção que as normas secundárias ção dos Tratados deve contar com outras normas correlatas que possam informar
fossem exaustivas ou completas; ii) segundo, é preciso recorrer ao Direito Interna- o intérprete sobre seu sentido e aplicação.
cional Geral para verificar se essas normas permitem derrogação. A partir das regras contidas na CVDT a lnternational Law Commission (ILC)
encontrou uma fórmula para harmonizar as normas de Direito Internacional a
of an illusory integration of a differentiated global sacie!)•, law can only, at the very best offer a kind of damage limitation. partir de um princípio, a qual denominou de "princípio da integração sistêmica".
Legal instruments cannot overcome contradictions between different social rationalities. The best law can offer to use a
variation upon an apt description of international law-is to act as a "gentle civilizer of social systems." (FISCHER-LAS-
Esse princípio, baseado na aplicação do artigo 31.3(c) da CVDT, estabelece uma
CANO, Andreas e TEUBNER, Gunther, Op. Cit., 2004, p. !045). espécie de hierarquia das normas de DIG em relação às normas especiais (incluin-
12
O termo foi usado pela primeira vez no Caso S.S.Winbledom pela Corte Internacional Permanente de Justiça para resolver a do o DIDH). As "Conclusões da ILC" 21 produzidas pelo trabalho do "Grupo de
questão da interpretação do Tratado, quanto à relação entre as obrigações provenientes de dois conjuntos de normas primá-
rias. (S.S. Wimbledon, PCIJ, Ser. A, No. 1, at 23.J.
Estudos sobre Fragmentação do Direito Internacional" 22 estabelecem o princípio
1)
SIMMA, Bruno. Op. Cit., 2006. p.492.
Para Luhmann em sua •·teoria dos sistemas sociais", o "sistema" é uma "complexidade estrururada" e por essa razão diferen- IS
ILC Report (n. 4) 123.
cia-se do ambiente externo a ele. Para Luhmann. todos os sistemas são, em algwn momento. interconectados em razão da 19
A ILC define o "principio da harmonização" ('principie ofharmonisation') como "a generally accepted principie that when
unificação de sua estrurura. Por essa perspectiva, subsistemas convivendo em completo isolamento do restante do conjunto severa! norms bear on a single issue they should, to the extent possible, be interpreted so as to give rise to a single set of
do Direito internacional Geral é inconcebível. (Ver mais em: LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito, volumes I e II. Rio compatible obligations". O Relatório da !LA também considera que "reconciliation approach is preferable to lhe fragmenta-
de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983). tion approach, ifonly because it is overwhelmingly in conformíty with intemational practice". Nesse sentido, a unidade do
" O conceito de normas primárias e secundárias é atribuído a Hart, e se refere (de forma simplificada) à distinção entre normas Direito Internacional é o fundamento dessa relação. (!LA Final Report (n. I) 1-2).
substantivas e normas processuais. HART, L. A. The Concept of Law. Oxford: Oxford University Press. 1961. pp.90-92). Artigo 31 in verbis: ·•Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos tennos do tratado
A ILC define as normas primárias como normas que estabelecem direitos e obrigações e as normas secundárias como regras em seu comer/o e à l,c de seu objetivo e.finalidade. 2. Para os jins de imerpretação de um tratado, o conter/o compreende-
para a criação ou alteração de normas, de responsabilidade e solução de controvérsias. rá. além do tetto. seu preâmbulo e anems: a) qualquer acordo rela tiro ao trato do e feito emre todas as partes em conerão
16
SIMMA, Bruno. Op.Cit, 2006, p.493. com a co11chL.1ào do tratado; b.Jqua/quer instnm,ento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão
Conforme explica Símma, ·'While intemational Iaw certainly is systemic, ít does not necessarily constirute a comprehensive do tratado e aceito pelas outras partes como instnm1ento relativo ao tratado. 3. Serão /e1·ados em consideração.juntamente
and organized legal arder. Rather, the strucrure of the íntemational system still strongly builds on informal hierarchies. com o contexto: a)qualquer acordo posterior elltre as partes relatfro à interpretação do tratado ou à aplicação de suas
Perhaps the most importam among these informal hierarchies ( though not strictly speaking a relatíonship of higher and disposições: b)qua/quer prática seguida posteriorme/1/e na aplicação do tratado. pela qual se estabeleça o acordo das
lower rank) is the concept of general international law, in which ali ·special' law is embedded.83 It is only when the role partes relativo à sua interpretação: c)quaisquer regras pertinente.s de Direito lntenwcional aplicá1·eis às relações entre as
of general intemational law as a comerstone of the internatíonal legal system is appreciated that the significance of the ler partes. 4. Um termo será e/1/endido em sentido especial se estiver e,tabelecido que e,sa era a illlenção das partes"
specialis principie becomes apparent. The maxim validly gives effect to an informal hierarchy inherent in the organization " ILC - Conclusions of the Work of the Study Group on the Fragmentation of lnlernational Law: Difficulties Arisíng from the
ofínternatíonal Iaw. Special regimes ofinternatíonal Iaw can be conceprually related to general internacional law, including Díversification and Expansion oflntemational Law. InYearbook ofthe Imemational law Commission, vai. II, Parte II, 2006).
the regime ofstate responsibility, by invocation ofthe maxim /ex .1pecialis derogat /egi generais.( SIMMA, Bruno. Op. Cit.. - ILC - Fra!!I11entation of lnternational Law: Difficulties Arising from the Diversification and Expansion of lntemational Law:
2006, pp 500-501). Report afilie Srudy Group ofthe Intemational Law Commissíon. Marttí Koskennienú (Relator). UN Doe. A/CN.4/L.682, 2006.
164 J1_____________________________H_EL_Is_~_N_E_N_L_Afi_L_KE_

de harmonização que indica que normas concorrentes ou em conflitÓ "devem, na


medida do possível, ser interpretadas para dar origem a um único conjunto de
obrigações compatíveis"23 A ILC também conclui que o artigo 31.3(c)24 represen-
ta a "integração sistêmica", a qual considera que os tratados, independentemente
T DIREITO INTERNACIONAL 00S REFt.:GIADOS: Novo PARAOIGMA JURÍDICO

Outra discussão sobre uma possível relação hierárquica entre as normas


de DIG e DIDH é o conceito de jus cogens e das obrigações erga omnes. Evi-
dentemente, a origem desses conceitos e sua concepção/interpretação procedem
do DIG: no caso das normas de jus cogens (artigo 53 da CVDT); e quanto as
165

do seu conteúdo, são uma criação do sistema jurídico internacional e devem ser obrigações erga omnes29 , a decisão fundamental da Corte Internacional de Jus-
interpretados segundo este fato. 25 Na opinião de Scott Sheeran26, o princípio da in- tiça no caso "Barcelona Traction" 30 • Contudo, a influência do DIDH tem sido
tegração sistêmica é baseado na unidade formal do Sistema jurídico internacional fundamental na construção desses dois conceitos. Ambos os conceitos, apesar
e demonstra que há uma relação de hierarquia entre as normas de DIG e DIDH. de associados ao DIG e à responsabilidade do Estado, possuem clara intersecção
Também existem outras regras particulares previstas em tratados específicos 2; com o DIDH. 31 • A maioria das normas reconhecidas como normas de jus cogens
como os artigos 46 e 47 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos; os artigos 24 e possuem estreita conexão com direitos humanos: proibição do genocídio, proibi-
25 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além do ção da escravidão, discriminação racial e apartheid, proibição da tortura, direito
artigo 30 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual estabelece que à autodeterminação 32 •
"Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhe- Essa constatação pode fazer supor outra perspectiva na tentativa de esta-
cimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer ativida- belecer uma hierarquia entre as normas do Direito Internacional, baseada em
de ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer direitos e liberdades argumentos substantivos. Porém, a posição se inverte, para ceder lugar à ideia
aqui estabelecidos". de primazia das normas do Direito Internacional dos Direitos (DIDH) sobre as
~ando se analisa o sistema jurídico internacional a partir de uma unidade demais normas de Direito Internacional. Essa discussão torna-se relevante diante
sistêmica, surge a questão: existe uma hierarquia dentro deste sistema? Nesse sen- da expansão dos Direitos Humanos no plano internacional e da "contaminação"
tido, uma das discussões sobre a possibilidade de hierarquia entre as normas, é a (que se entende benéfica) que ela exerce sobre outros ramos do Direito Inter-
previsão contida no artigo 103 da Carta das Nações Unidas, o qual estabelece "No nacional. Essa expansão é marcada não apenas pela proliferação de Tratados
caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da Internacionais que buscam a garantia de diversos direitos, mas, também, pela
presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, tendência presente na jurisprudência das Cortes Internacionais a reconhecê-los
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta". Essa disposi- como elementos essenciais a qualquer discussão jurídica, a já mencionada ten-
ção legal levou alguns jusinternacionalistas a defender a ideia de que a Carta da dência "pro homine".
ONU seria uma espécie de "Constituição Global", hierarquicamente superior aos Diante dessa expansão, observa-se que o aspecto voluntarista do Estado cede
demais tratados, os quais deveriam estar necessariamente em conformidade com as espaço para a afirmação dos Direitos Humanos, por meio da proliferação nor-
normas da organização para que fossem válidos. Como um elemento de interpre- mativa e pelo desenvolvimento da jurisprudência internacional recente (mesmo
tação dos tratados e manutenção de certa coerência sistêmica no Direito Interna- de Cortes não especializadas no tema) 33 • Por outro lado, o desenvolvimento da
cional, o artigo 103 é um instrumento importante, especialmente considerando a interpretação e aplicação das normas de DIDH também aponta para a superação
abrangência da organização, mas não suficiente para tornar a Carta da ONU uma de uma interpretação meramente positivista do Direito Internacional.
Constituição universaF 8•
Para Vidmar, os conceitos das obrigações erga omnes e as normas de jus cogens são uma representação da existência de
valores comuns no sistema jurídico internacional. Para o autor, "They manifesta strong sense of intemational community,
ILC Conclusions (n. 4) para. 4 (*tradução livre do original em inglês).
which is 'glued together' by the intemational value system. Indeed, the two concepts adopt the premise that certain norms
Vide nota 7.
and obligations are of fundamental importance, so that their violations do not only cancero a potentially injured state but the
ILC Conclusions (n. 4) para. 17.
'intemational community as a whoie·. Thus, intemational law does embrace the concept of the intemational value system.
26
SHEERAN, Scott Op. Cit., 2013, p.81.
2;
lt remains questionable whether the intemational value system thereby also supports the concept ofhierarchically superior
No ãmbito regional, cabe menção aos artigos 29 e 3 I da Convenção Americana de Direitos Humanos; o artigo I 7 da Con-
norms of an intemational constitutional character". (VIDMAR. Jure. Norm Conflicts and Hierarchy in Intemational Law:
venção Europeia de Direitos Humanos; os artigos 60 e 61 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
towards a vertical intemational legal system. ln WET, Eríka de e VIDMAR, Jure. Hierarchy in Intemational Law: the place
Essa premissa tomada como instrumento para interpretação dos Tratados e para o estabelecimento de certa coerência entre
ofhuman ríghts. Oxford: Oxford University Press, 2012, p.15).
eles parece válida. Contudo, o argumento que compara a Carta a uma Constituição carece de fundamento jurídico e político.
CIJ -Bélgica v. Espanha (Caso Barcelona Traction Lightand PowerCompany- ICJ Rep. 32).julgamento em24 de julho de 1964.
Um dos elementos necessários para sustentar esse argumento seria a supranacionalidade, o que não ocorre quanto à Orga-
nização das Nações Unidas e seus Estados-membros. Além disso, a flagrante assimetria na estrutura de tomada de decisão
" O Comitê de Direitos Humanos da ONU observou que todo Estado-parte tem interesse legal nas obrigações de outros Esta-
dos, já que regras que concernem os direitos humanos básicos de uma pessoa são obrigações erga 011111es .._(Human Rights
dentro da organização enfraquece sua legitimidade, outro elemento essencial para equiparar a Carta a um documento cons-
Comminee - General Comment 31 (n. 128).).
titucional. (Sobre essa discussão, ver mais em DOYLE, Michael. Toe UN Charter - a Global Constitution? ln DUNOFF.
Apesar do conceito de normas de jus cogens pré-existir à Comissão de Direito Internacional da ONU, suas elaborações têm
Jeffrey L. e TRATCHTulANT, Joel P. Ruling the World: Constitutionalism, lntemational Law and Global Govemance.
sido decisivas na interpretação jurísprudencial sobre quais são estas normas e como elas devem ser aplicadas. Apesar do
Cambridge: Cambridge University Press, 2009. BESSON, Samantha. Whose Constirution(s)? Intemational Law, Constitu-
tema ainda ser controverso. adota-se a concepção construída pela Comissão como parãmetro de análise.
tionalism and Democracy. (Idem)).
Vide Capitulo 3.
166 ~1_____________________________
34
Como observa Rosalyn Higgins , as normas de direitos humanos não são
apenas obrigações recíprocas entre os Estados às quais eles podem concordar segun-
do sua conveniência e necessidade, mas refletem direitos inerentes ao ser humano,
independentes da vontade do Estado. Além disso, podemos dizer que as normas
H_EL_IS_AN_'_E_M_A_HL_KE

T
1
DtREITO INTERNACIONAL DOS REFt:Gl,\DOS: Novo PARADIG:.L.\ JURÍDICO

Qyanto ao terceiro aspecto suscitado, é fundamental compreender como


o Direito Internacional dos Refugiados se insere na ordem jurídica internacio-
nal e como se relaciona com outras fontes de Direito Internacional e, a partir
desse contexto normativo avaliar como ele deve ser compreendido 40 • Assim, re-
167

de direitos humanos também estabelecem uma perspectiva dinâmica e teleológica tomando a proposição inicial, a "hermenêutica do Direito Internacional dos
de interpretação35 , a qual considera os tratados como instrumentos "vivos" não 1
Refugiados" é, sobretudo, a compreensão de como esse ramo especialíssimo se
atrelados às intenções dos Estados-partes, mas respondendo às necessidades das insere no contexto do Direito Internacional, ou mais especificamente no Direito
relações humanas. Assim, pode-se dizer que a evolução normativa e a expansão Internacional dos Direitos Humanos, para então determinar como deve se dar
dos Direitos Humanos no plano internacional desafiam o paradigma clássico do sua interpretação e aplicação 41 • Essa reflexão é fundamental, na medida em que
Direito Internacional (soberanista e voluntarista). Nesse processo, valores da co- demonstra que o DIR, apesar de ser considerado uma !ex specialis41 , é parte de
munidade internacional tem erodido a visão estatocêntrica, baseada no consenso um arcabouço jurídico com normas e princípios comuns e dentro desta perspec-
entre os países, "humanizando"3ó o Direito Internacional. 37 tiva deve ser interpretado.
O segundo ponto a ser analisado é como as normas do DIDH se relacio- Enfim, no que concerne ao último questionamento, como as normas do DIR
nam com as normas do DIR. Para tanto, parte-se da premissa de que as normas devem ser interpretadas é fundamental observar que, conforme já mencionado do
de DIDH perfazem um conjunto normativo complementar, composto pelas três fato do Direito Internacional dos Refugiados ser considerado uma vertente do
vertentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos lato sensu: i) o Direito
conjunto normativo mais amplo do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu; ii) o Direito Internacional Hu-
propõe-se três consequências essenciais: i) primeiro, as três vertentes compartilham
manitário e o iii) Direito Internacional dos Refugiados. Essa relação pode se dar
entre si dos mesmos princípios fundamentais do Direito Internacional dos Direito
a partir de uma perspectiva de especialidade, na qual cada uma das vertentes regu-
Humanos; ii) a interpretação de suas normas deve ser feita em consonância com
lamenta situações aparentemente distintas, mas que na realidade fática possuem
estes princípios e de forma integrada com as demais vertentes; iii) a interpretação
uma profunda conexão entre si; mas, também, de complementaridade, que, aliás,
integrada e a identidade principiológica pode propiciar que, diante de eventual
é característica essencial dos Direitos Humanos (essa análise é objeto do item 4.3).
Segundo Cançado Trindade38, em posicionamento do qual se compartilha,
"' Confonne estabelece a Corte Internacional de Justiça "an i111ernatio11a/ ilm111me11t lws to be interpreted and applied within
a doutrina clássica, dando excessiva ênfase às origens históricas distintas das três theji-amework ofthe elllire legal .~\'Stem prevailing at the time ofthe illlerpretation''. (Legal Consequences for the States of
vertentes, padeceu de uma visão fragmentada e compartimentalizada, ignoran- the Continued Presence ofSouth Africa in Namíbia (South West Africa) notwithstanding Security Council Resolution 276
do que todas compartilham da mesma essência comum: a proteção da pessoa (1970), ICJ Repons (1971) 16 at 31 ).
" Confonne esclarece Bruno Simma, quanto à relação entre nonnas gerais e especiais: "ln principie, the special secondary
humana. Evidentemente, existem diferenças importantes, especialmente quanto rules of the regime will prevail. Yet, to the extent that such rules are inexistem or ineffective, the general rules on state
aos meios de aplicação e de supervisão e controle 39 • Porém, existe uma inequívo- responsibility will remain applicable. Sociological regime differentiation does not preclude nonnative compatibility with
ca interação normativa e jurisprudencial que aponta para a complementaridade general intemational Iaw. It would be too simple, however, to assert tliat a fallback on general international law follows
'automatically' from a mechanical application of the /ex specialis maxim. Rather, nonnative considerations are ultimately
e a convergência entre elas. A jurisprudência analisada no capítulo anterior
decisive. What has been laid down in a special treaty must be deemed to embody a particularly strong commitrnent Toe
demonstra que os Sistemas de Proteção aos Direitos Humanos têm contribuído principie of effective interpretation thus requires that special primary obligations be interpreted as being enforceable. lfthe
para essa convergência. rules and procedures of special systems fail, a fallback on general international law, including resort to countenneasures,
is justified". (SIMMA. Bruno. Of Planets and the Universe: self-contained regimes in International Law. ln The European
Joumal oflntemational Law. Vol 7, n"3, 2006. p. 485.
Sobre a prevalência dos Direitos Humanos, ver mais no clássico artigo da Dama HIGGINS, Rosalyn. Human Rights: some O Direito Internacional tem passado, desde a segunda metade do século XX por um processo de expansão e especialização,
questions oflntegrity. ln Modem Law Review. N"52. Vol.I, 1989. com a elaboração de diversos tratados para a regulamentação das mais variadas áreas das relações internacionais e dos di-
ILC Report (n. 4) par. 130. reitos humanos. Eventualmente, conflitos podem surgir entre as diversas nonnas internacionais, como um elemento natural
CANÇADO TRINDADE, A. A. General Cause on Public lntemational Law - lntemational Law for Humankind: towards a dessa expansão e, como alertava Wilfred Jenks em seu célebre artigo sobre o tema. A regra estabelecida para a solução deste
new jus gelllium. ln Recuei! de Cours de l'Académie de Droit lntemational de l'Haye. Cap. 1-XXVII, 2005. conflito é a máxima "/ex specialis derogat legi generalt". (Ver mais em: JENKS, Wilfred C. Toe Conflict of Law-Making
SHEERAN, Scott, Op. Cit., 2013, p. l 08. Treaties ln British Yearbook oflnternational Law, 1953, pp 405-406). A Comissão de Direito Internacional também concei-
" CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Derecho Internacional de los Derechos Humanos, Derecho Internacional de los tuou a relação entre nonnas de direito internacional geral e normas secundárias provenientes dos novos regimes de direito
Refugiados y Derecho Internacional Humanitário: aproximaciones y convergências. ln 1O Aiios de la Declaración de Cana- internacional que proliferavam, no que tange à relação de generalidade/especialidade: "Arrie/e j j (/ex specialis)
gena sobre Refugiados -Declaración de San José sobre Refugiados y Personas Desplazadas, 1994 (Memória dei Coloquio These articles do not apply where and to the extent that the conditions for lhe existence ofan intemationally wrongful act or
Internacional) San José, ACNUR/IIDH, Gobiemo de Costa Rica. 1994. pp79-l 68). the contem or implementation ofthe intemational responsibility ofa state are govemed by special rules ofinternational law".
)9
Segundo o autor, a mais notória delas reside no âmbito pessoal de aplicação, a legitimatio ad causam, pois enquanto vários (lntemational Law Commission, Repor/ 011 the Work of its Fifiy-third Session, Official Records ofthe General Assembly,
mecanismos da proteção internacional dos direitos humanos reconheceu o direito à petição individual, o Direito Interna- Fifiy-Sixth Session. Supplement No. 10 (A/56/10). at 58.). O princípio "/ex specialis derogat ge11era/is" já foi referido pela
cional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados ainda carecem dessa faculdade. (CANÇADO TRINDADE. Corte Internacional de Justiça como um "principio reconhecido de Direito Internacional" (vide Ambatielos case, ICJ Repons
Antônio Augusto.Op.Cit., 1994, p.64).
( 1952), at 87 e ss.).
168 J1_____________________________H_EL_I_SA_N'E_N_[_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
169
lacuna do Direito Internacional dos Refugiados, as normas das duas demais verten- vinculativas (hard law). As normas de caráter vinculativo, por sua vez podem
tes ou os princípios comuns podem ser invocados para suprir tal ausência. ser classificadas sob dois aspectos. O primeiro aspecto refere-se ao âmbito de in-
James Hathaway43 sugere que a interpretação seja feita a partir de uma pers- cidência, sendo: II.a) normas internacionais, II.b) normas regionais. O segundo
pectiva a qual ele define como "uma compreensão moderna do positivismo". Ape- aspecto refere-se à especialidade destas normas, as quais podem ser: II.e) normas
sar da "licença poética" e de não fazer jus às teorias hermenêuticas positivistas, a estritas de Direito Internacional dos Refugiados; II.d) normas complementares
proposta de Hathaway é coerente, sobretudo com as regras de interpretação previs-
tas no artigo 31 e 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Para
ao Direito Internacional dos Refugiados.
I) As normas de caráter não-vinculativo, não possuem caráter obrigatório
1
Hathaway, deve-se iniciar analisando o texto da Convenção de 1951 e procurar para os Estados, ou seja, elas não ensejam a responsabilização destes face ao seu
compreendê-lo, não apenas quanto à sua construção literal, mas de forma que descumprimento. Contudo, apesar de não gerarem responsabilidade aos Estados,
realmente se considere seu contexto (normativo e jurídico) e seu propósito (aspecto elas são importantes instrumentos para interpretação das disposições contidas na
teleológico). Nesse intuito, o autor propõe que, além dos componentes formais, Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967 e, também, fornecem orientações para
como o Preâmbulo da Convenção e seu Protocolo, a análise do contexto também a implementação da proteção dos refugiados.
inclui acordos subsequentes entre as partes quanto à interpretação das normas, em Segundo Gammeltoft-Hansen 45 as normas não vinculantes, ou normas de
especial as Conclusões emitidas pelo Comitê Executivo do ACNUR (o ExCom), soft law, possuem três funções importantes. Primeiro, funcionam como princí-
que servirão de guia para aplicação do Direito Internacional dos Refugiados. pios de interpretação, que buscam esclarecer o verdadeiro escopo das obrigações e
Deve-se considerar ainda o contexto jurídico normativo do DIR não se pode os significados implícitos, assim como dirimir conflitos entre as fontes objetivas
deixar de interpretar suas normas em consonância com os princípios de DIDH do do direito. Segundo, elas produzem padrões adicionais ("accessory standardsj e
qual é parte integrante. Porém, segundo analisa Goodwin-Gil44, o desafio está em diretrizes (guidelines) para compor situações nas quais as normas vinculantes são
estabelecer como se dá essa relação entre esses dois regimes jurídicos, ou seja, se as especialmente vagas ou abertas. Por fim, as normas de soft law podem representar
previsões específicas contidas no DIR podem ser adaptadas ou ampliadas a partir normas emergentes ("emerging normsj, indicando normas que ainda não se torna-
de sistemas de proteção que são aplicados simultaneamente. ram fontes formais de direito. Contudo, é importante ressaltar que, nenhuma des-
Para responder a esse questionamento, é necessário primeiro identificar quais sas funções faz com que as normas de soft law substituam as normas vinculantes,
são as fontes específicas do DIR e as fontes complementares que irão compor a ou hard law. Mas, demonstra que essas normas não-vinculantes exercem um papel
proteção internacional dos refugiados, ou seja, quais são os instrumentos disponí- fundamental na criação de convenções e entendimentos comuns sobre a existência
veis, os quais serão objeto da interpretação das Cortes. Precisamente, essa é a análise de regras, sua interpretação e significado, influenciando as decisões dos Estados-
que será feita a seguir. -partes das instituições que as produzem.
No caso do Direito Internacional dos Refugiados, especificamente, esse pa-
4.2. A COMPOSIÇÃO DAS FONTES DO DIREITO pel tem sido cumprido, especialmente, pelas Conclusões do ExCom e as Diretri-
INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS zes (Guidelines) e Documentos 46 produzidos pelo ACNUR47 • Incluem-se, neste
rol, também, outros documentos que, apesar de não terem caráter vinculativo
O próximo passo para compreender como é construído o novo paradigma influenciaram ou inspiraram a construção de outras normas nacionais e inter-
jurídico da proteção internacional aos refugiados é verificar a composição das nacionais, dentre as quais podemos citar a Declaração de Cartagena (de 1984)
fontes do DIR. Para tanto, desenha-se uma breve classificação dessas fontes, como
também, a possível relação existente entre elas, ou seja, de que forma elas compõem 45
GAMMELTOFT-HANSEN. Thomas. Access to Asylum. Dissertation Thesis submined for the degree of PhD in law at the
e informam a proteção internacional dos refugiados. lnstitute of Law. Aarhus University May 2009, p.29 .
A primeira classificação se destina a identificar as normas quanto à sua .,. Talvez o documento do conjunto de diretrizes formuladas pelo ACNUR que merece destaque é o "Handbook relating the
criteria for Determining Refugee Status, de 1979 (reeditado em 2012) O documento foi uma solicitação dos Estados-partes
obrigatoriedade: I) normas de caráter não-vinculativo (soft law). II) As normas
da Convenção para que o ACNUR estabelece uma ··guia" para sua interpretação. O documento pode ser acessado em: hnp://
www.unhcr.org/3d58e l 3b4.html.
HATHAWA Y, James. The Rights of Refugees under lntemational Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p.74. -r: Segundo a critica de Singh esses documentos, apesar de sua utilidade e importãncia, têm sido negligenciados, no máximo
·'The 1969 Vienna Convention on the Law of Treaties provides no answer, for example, to the question of how far the tratados como instrumentos de certa "auloridade persuasiva". Segundo o autor. em posição da qual se compartilha, eles de-
general prohibition of discrimination in Article 26 of the 1966 Intemational Covenant on Civil and Political Rights is to be veriam representar mais do que isso. Contudo. há um motivo para o DIR ser tão pouco institucionalizado: ele reflete as lutas
applied to refugees; or how, if at ali, their specific entitlements under the 1951 Convention are to be ·updated' or 'expanded' de poder e os interesses estatais que permeiam os conflitos que originam o deslocamento forçado de milhares de pessoas.
in the light of parallel systerns of protection which seem to be simultaneously applicable.'' (GOODWIN-GIL, Guy. The (SINGH JUSS. Satvinder. The UNHCR Handbook and the Interface between ·soft Iaw' and 'hard law' in lntemational Refu-
lntemational Law of Refugee Protection. ln FIDDIAN-QASMIEH, Helena: LOESCHER, Gil; LONG, Katy; SIGONA. gee Law. ln SINGH JUSS, Satvinder e HARVEY, Colin. Contemporary [ssues in Refugee Law. Northhampton: Edward
Nando. The Oxford Handbook ofRefugee and Forced Migration Studies, 2014, p.6).
Elgar Publishing, 2013. p.66.
170 Jj_____________________________H_E_L1_s~_N_'E_N_L_Afi_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
171
e O Programa de Ação do México ( 1994 ); e a própria Declaração tJ niversal de 5
Já quanto ao Costume internacional5 como fonte do Direito Internacional
Direitos Humanos, de 194848 • dos Refugiados, é importante mencionar a discussão doutrinária sobre o reco-
II) Já quanto às normas de caráter vinculativo, possuem caráter obrigatório para nhecimento do princípio do non-refoulement como norma costumeira internacio-
os Estados que a elas se comprometeram e, portanto, geram para estes um vínculo nal56. Segundo Bethlehem e Lauterpacht57 o fato de um Estado não ter ratificado
de responsabilidade quanto ao seu cumprimento. A aferição dessa responsabilidade a Convenção de 1951 não o exime da obrigação de respeitar o princípio do non-
deve ser observada a partir dos órgãos responsáveis pela sua supervisão, quando exis- -refoulement, pois estaria obrigado às normas de direito costumeiro internacional,
tir eventual violação dos Tratados ratificados pelo Estado-parte. Os direitos previstos relacionadas à proibição de devolver o refugiado ao seu país de origem, no qual ele
por esses Tratados devem ser garantidos a indivíduos que estejam sob sua jurisdição teria sua integridade posta em risco.
(no caso dos Tratados de Direitos Humanos, seja qual for sua nacionalidade). Também, é relevante a discussão sobre o "direito de buscar refúgio" como
Contudo, quanto ao alcance de sua incidência, essas normas diferem entre II.a) norma costumeira internacional5 8, especialmente diante das reiteradas tentativas
as normas cunho internacional: que compreendem a Convenção de 1951 e o Proto- dos Estados em evitar que os refugiados adentrem à sua jurisdição, evitando acesso
colo de 1951; e II.b) as normas de cunho regional, as quais emergem das organizações ao território. Qyanto a essa proposição, vale mencionar a divisão (bastante didá-
regionais e são obrigatórias apenas aos Estados-membros os quais a elas pertencem49 . tica) feita pelo Professor Grah-Madsen 59, que aponta três situações distintas: i) o
Já quanto à especialidade, as normas diferem quanto ao seu conteúdo: II.e) direito do Estado em garantir o refúgio; ii) o direito do indivíduo em buscar o
existem as normas estritas do Direito Internacional dos Refugiados, as quais tratam refúgio; iii) o direito do indivíduo em ter seu direito ao refúgio reconhecido. Com
especificamente do estatuto do refugiado e direitos correlatos; II.d) as normas de base nessa divisão, Roman Boed60 pontua que as normas internacionais garantem
caráter complementar, que são invocadas na impossibilidade de incidência ou de ao indivíduo o "direito de buscar refúgio" 61 , mas não necessariamente ter o direito
aplicação das normas referentes ao estatuto do refugiado, sendo compostas por de ter sua solicitação reconhecida 62 . Essa perspectiva traduz-se na dificuldade de
normas provenientes das Convenções pertencentes às outras vertentes do DIDH50 . consolidar o "direito ao refúgio" como passível de reconhecimento pelo Estado.
Além das normas já mencionadas, ainda é importante considerar as demais Todavia, cabe refletir como uma prática transforma-se em costume interna-
fontes típicas do Direito Internacional, à luz do artigo 38 51 do Estatuto da Corte
cional. Segundo o artigo 38(6) do Estatuto da CIJ, estabelece que a Corte poderá
Internacional de Justiça: o Costume internacional "como prova de uma prática
aplicar "o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo
geralmente aceita como direito"; os Princípios gerais de Direito reconhecidos pelas
o direito". A questão central é observar como uma norma convencional acaba por se
nações civilizadas; e a jurisprudência. ~anto à jurisprudência das Cortes sobre o
tornar norma consuetudinária. A própria CIJ enfrentou essa questão, primeiro no
DIR, analisada extensivamente no Capítulo III, é inegável sua importância na for-
Caso Nicarágua 63, no qual se manifesta no sentido de que uma norma costumeira
mação de standards de interpretação fundamentais para a construção do paradig-
incorporada em uma Convenção multilateral não significa que ela deixe de existir
ma jusinternacionalista. Já quanto aos Princípios, deve-se considerar a relevância
não apenas dos princípios relativos ao DIR52, mas, também, os demais princípios
" Segundo o artigo 38. l(b) do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o costume internacional é ·•a evidência de uma prática
correlatos provenientes do Direitos Humanos 53 , bem como os demais princípios comum aceita como direito". Para tanto, necessita-se não apenas da prática reiterada (elemento objetivo), mas, também, a
de Direito Internacional Geral aos quais o Estatuto da Corte de refere 54 . crença de que tal regra é obrigatória (elemento subjetivo. também denominado de opinio juris).
Sobre essa discussão ver a resposta do ACNUR ao questionamento posto pela Corte Constitucional da Alemanha: UNHCR
- 771e Principie ofN011-Refo11/ement as a Nonn ofCJLnomary• lmernational Law. Respome to the Q11estio11s Posed to UN-
Merece menção, o que dispõe a Declaração e Programa de Ação de Viena (de 1993) em seu preâmbulo a esse respeito: ··a
HCR by the Federal Co11s1itlllional Court ofthe Federal Republic ofGennany in Cases 2 BvR /938/93. 2 Bl·R /9j3/93, 2
Declaração Universal dos Direitos Humanos. que constitui uma meta comum para todos os povos e todas as nações, é BvR /9j4/93, 3 I January 1994.
fonte de inspiração e tem sido a base 111ili=ada pelas Nações Unidas na d~finição das normas previstas nos insllwnentos BETHLEHEM, Daniel; LAUTERPACHT, Elihu. The Scope and Contem of the Principie of Non-refou/ement. ln FELLER,
internacionais de direitos humanos exLfitentes. particularmente no Pacto Internacional dos Direitos Cfris e Políticos e no
Erika, TURK. Volker e NICHOLSON, Frances (edits), "Refugee Protection in Intemational Law." Cambridge: Cambridge
Pacto lmernacional dos Direitos Económicos, Sociais e Cu/turab;'". University Press, 2003.
As normas de alcance regional foram analisadas no Capítulo 3. 5S
Corrobora essa ideia a Comissão de Direito Internacional da ONU. (Vide manifestação do Relator Especial KAMTO. Mau-
A aplicação das normas complementares será analisada no item 4.3.
rice. 'Second Repor! on the Expulsion of Aliens' (UN doe A/CN.4/573).
SI
O artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ainda cita a "as do11trinas dos publicitários de maior competência 59
GRAHL-MADSEN, Atle. The Status of Refugees in Intemational Law. Leyden: A. W. Sijthoff. 1966.
das diversas nações, como meio am:iliar para a detenninação das regras de direito, sem prejui=o do disposto no Artigo 59''. BOED, Roman. Toe State ofthe Right to Asylum in intemational Law. ln Duke Joumal ofComparative and lntemational
E também dispõe que "'(a} presente disposição não restringe a.fi1c11/dade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bano. Law. Vol.5:1, 1994.
se convier às partes". 61
Vide art. 13.2 e o artigo 14.1 da Declaração Universal de Direitos Humanos; art.12.2 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos;
Notadamente, o principio do non-refoulement (art.33 da Convenção de 1951 ): não-discriminação (art.3 da Convenção de
e no artigo 22.2 da Conveção Americana de Direitos Humanos.
1951); a busca por soluções duráveis; a não penalização dos refugiados pela estada irregular no território (art3I da Con-
O próprio ACNUR pontua essa posição: "the granting of asylum is not dealt with in the 1951 Convention or the I 967
venção de 1951). (GOODWIN-GIL, Guy e McADAM, Jane. The Refi1gee in Imemational law. 3ª ed. Oxford: Oxford
Protocol" (UNHCR - Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the I 95 I Convention and
University Press, 2007, pp. 201-267).
the 1967 Protocol relating to the Status ofRefugees, 1979.
" Notadamente, os princípios da universalidade; da complementaridade; da indivisibilidade e da proibição do retrocesso. 6)
Vide: Military• and Paramilitary• Actfrities ln and Against Nicaragua (Nicaragua ,•. United States ofAmerica}, Jurisdiction and
Em especial, o principio da responsabilidade internacional dos Estados e da primazia dos Direitos Humanos.
Admissibility. Judgment, ICJ Repons /984. p. 392. at para. 73. Merits, Judgmell/. ICJ Repons 1986, p. 14. at paras. 174-9.
172 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1s_~_N_E_N_I..\H_L_KE
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFliGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
4 173
como um princípio do direito costumeiro internacional, mesmo para os Estados que 70
Direito Internacional dos Direitos Humanos , limita a soberania estatal em fa-
sejam partes desta Convenção. Contudo, foi no célebre caso North Sea Continental vor da integridade e proteção da pessoa humana 71 , ou seja, esse reconhecimento
She/f4 que a Corte estabeleceu quais são os requisitos para que haja a transformação impõe aos Estados a obrigação de absterem-se de individualmente ou coletiva-
de um princípio baseado em uma Convenção para uma norma consuetudinária: a) mente violarem essa norma. Essa possibilidade revela-se especialmente importan-
Primeiro, que a norma convencional ter caráter de uma norma-criadora, ou seja, ser te em situações nas quais se está diante de um Estado que não tenha ratificado
capaz de potencialmente formar a base para uma regra de direito internacional geral. a Convenção de 1951, ou quando indivíduos que, mesmo não se encaixando na
b) Segundo, mesmo que sem a passagem de um período considerável de tempo, haja definição clássica da Convenção, não podem retornar aos seus países de origem
uma participação ampla e representativa que seja suficiente por si só, por incluir a por risco de sofrerem graves violações de direitos humanos.
participação de Estados cujos interesses sejam especialmente afetados pela questão. Contudo, cabe mencionar uma questão que desafia essa concepção: caso
c) ~alquer que seja o período de tempo transcorrido desde a primeira expressão se reconheça o princípio do non-refoulement como uma norma de jus cogens,
da norma convencional, a prática dos Estados, incluindo aqueles cujos interesses são como considerar as exceções à aplicação do princípio contidas no artigo 33.2 da
especialmente afetados, deve ter sido extensa e uniforme no sentido da previsão invo- Convenção de 1951? Diante dessa questão é fundamental estabelecer, antes de
cada e, além disso, deve ter se dado de forma a demonstrar que há o reconhecimento qualquer outra consideração, que a busca pela ampla proteção sempre deve pre-
geral de que se trata de uma regra ou obrigação legal65 • valecer. Portanto, mesmo que aos Estados seja garantida a possibilidade de fazer
Dessa forma, entende-se que, tomando os requisitos acima expostos, não há uso das exceções contidas no artigo l.f da Convenção de 1951, especialmente
razões suficientes para considerar que tanto o princípio do non-refoulement, quan- para salvaguardar suas preocupações legítimas quanto à segurança 72 , deve-se ado-
to o "direito ao refúgio" constituem-se norma costumeira de Direito Internacional, tar uma interpretação restritiva quanto a estas exceções, para que sua aplicação
pois ambas carecem da observância pela prática dos Estados, os quais tendem mais não sirva de instrumento para a supressão de direitos e para a discriminação da
a reprimir tais direitos do que reconhecê-los deliberadamente. população migrante 73 • Para tanto, deve-se analisar primeiro os requisitos para o
Cabe, também, mencionar a discussão emergente sobre o reconhecimento do reconhecimento do status de refugiado e só posteriormente, aplicar as eventuais
princípio do non-refoulement como norma de Jus Cogens 66, Essas normas impera- exceções previstas nas cláusulas de exclusão.
tivas de Direito Internacional geral representam valores comuns da comunidade Além disso, mesmo que o solicitante não tenha o status de refugiado reco-
internacional e por ela são aceitas e reconhecidas como obrigatórias, não sendo nhecido segundo os requisitos da Convenção de 1951, se uma situação de vulne-
admitida sua derrogação a não ser por norma ulterior de mesma natureza 67 • rabilidade for identificada, o solicitante ainda poderá ser abrigado pelas previsões
Em uníssono, observa-se na jurisprudência das Cortes Internacionais a uma extra-convencionais do princípio do non-refoulement, como indica a Proteção
ampliação da aplicação do princípio do non-refoulement6 8, sob a égide das normas Complementar74•
internacionais de direitos humanos que protegem não apenas os direitos dos re- Após a breve descrição e classificação das fontes do Direito Internacional dos
fugiados, mas de imigrantes em geral, ou qualquer indivíduo que em situação de Refugiados, emergem algumas questões fundamentais que precisam ser analisadas:
expulsão, extradição ou deportação por um Estado 69 , possa ser colocado em risco
de sofrer tortura ou tratamento cruel, desumano, ou degradante. Para o Juiz da CIJ Antônio Augusto Cançado Trindade, em posicionamento que reverbera em muitos de seus votos, as
Dessa forma, a consagração do princípio do non-refoulement como norma normas de jus coge11S hoje transcendem os Tratados, convertendo-se em uma construção conceituai que ocupa a centralida-

de jus cogens, essencial ao Direito Internacional dos Refugiados e ampliado pelo de no ·'novo jus gentium", ou o ·•Direito Internacional para a Humanidade", ao estabelecer valores comuns à comunidade
internacional como um todo manifestados nestas normas peremptórias. (Vide: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto.
lnternational Law for Humankínd: Towards a New Jus Gentíum - General Course on Public lnternational Law - Part 1,316
Vide: North Sea Contine111a/ Shelf. Judgmelll. /CJ Reports /969, p. 3, at paras. 64 and. 7/J-4. Recueil des Cours de l'Académie de Droit lnternational de la Haye, 2005, eh. XII, pp. 336 a 346).
6l
Ver mais em: BETHLEHEM, Daniel; LAUTERPACHT, Elihu. Op. Cil 2003. pp.141 e ss. CANÇADO TRJNDADE, Antônio Augusto. Op. Cil, 2002, p.1017.
ALLAIN, Jean. The Jus Cogens Nature ofNon-Refoulement. ln lnternational Journal ofRefugee Law Vai. 13, 2002. pp. FARMER, Alice. Non-refoulement and Jus Cogens: limiting anti-terror mesures that threaten refugee protection. ln Geor-
538 a 558. getown Immigratíon Law Journal. Vol.23: 1, 2008, p.25.
Vide artigos 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Essa situação é especialmente delicada em casos de terrorismo. Após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos, o CSNU
6S
Observa-se o reconhecimento do princípio do non-refou/ement presente no Artigo 3° da Convenção Contra a Tortura de estabeleceu a Resolução vinculante nºl373 de 28 de setembro de 2001, que impõe aos Estados-membros da ONU que: "2.c: Re-
1984, no artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950 e pelo Artigo 22.8 da Convenção Americana cusem conceder refiígio àqueles quejinanciam, planeiam. apoiam ou praticam actaç de ten-orismo ou que proporcionam refiígio
sobre Direitos Humanos de 1969. No Direito Internacional Humanitário, pode-se mencionar o artigo 45 da IV Convenção de aos seus autores.'' E, também, exorta todos os Estados a ·'3.f: f) A adotar. em co,ifom1idade com as disposições pertinentes do
Genebra de 1949. Além dos casos nas jurisprudências das Cortes, já mencionados neste Capítulo. a análise sobre a proteção direito nacional e internacional, incluindo as nomws ilJlenwcionais relatfras aos direitos humanos. as medidas adequadas para
complementar advinda de outros instrumentos de Direitos Humanos também será objeto do Capítulo 4. se assegurar, ames da co11cessão do estatuto de refi,giado, que o requereme do estatuto de refi1giado não pla11eou. 11emfacilitou
A Declaração de Cartagena, de 1984, já estabelecia esse entendimento na observação quinta: "Reiterar a imp011á11cia e a
a prática de atos de terrorismo 11e111 dela participou ".(tradução nossa). (Security Council Resolutíon. S/R.ES/1373(2001 ). Dispo-
significação do pri11cípio de 11on-refou/ement (i11cluindo a proibição da rejeição nas fi'onteiras), como pedra angular da
nível em: http://daccess-dds-ny.un.org!doc/UNDOC/GEN/NO l /557/43tPDF/NO 155743.pdf?OpenElement).
proteção intenzacional dos rejllgiados. Este princípio imperativo respeitante aos refugiados deve reconhecer-se e respeitar-
A Proteção Complementar será analisada no Capítulo 4 e permite a aplicação de outros documentos do Direito Internacional
se no estado atual do direito internacional. como um princípio de jus cogen ".
de Direitos Humanos para proteger aqueles que não estão contemplados pela definição da Convenção de 1951.
174 J1_____________________________H_EL_1_s~_N_·E_w_l_AH_L_K.E_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
175
i) como estas fontes se relacionam? ii) é uma relação harmônica oú conflituosa? não possuem competência para se pronunciar sobre a Convenção de 1951 e seu
iii) elas exercem alguma influência entre si? iv) há hierarquia entre elas? v) existem Protocolo de 1967, mas somente sobre as normas que compõem sua jurisdição.
limites à aplicação destas fontes. Esse fator repercute de maneira diferente sobre cada sistema regional. Enquanto
Esses questionamentos são fundamentais diante do conjunto normativo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos 78 e no Sistema Europeu de
que vai sendo desenhado para atender às necessidades de fluxos migratórios cada Direitos Humanos 79, a Convenção apesar de não fazer parte de sua esfera norma-
vez mais complexos e globalizados, para os quais as disposições da Convenção tiva é frequentemente citada na jurisprudência como um "guia" para a proteção
de 1951 têm demonstrado ser insuficientes. Assim, a normatização do refúgio aos refugiados e solicitantes de refúgio, na União Europeia a situação se mostra
expandiu-se, especialmente nos diferentes contextos regionais, a fim de contem- diferente, pois existe quase uma exclusividade da aplicação dos standards euro-
plar as demandas e peculiaridades locais. Diante desse contexto, o que se delineia peus80. Contudo, apesar das normas regionais terem uma óbvia limitação quanto
hoje é um regime de proteção composto por uma pluralidade de fontes, as quais à jurisdição, elas dialogam entre si, compondo a reflexão da doutrina e da juris-
estabelecem entre si um "diálogo" 75 normativo que enriquece e fortalece a prote- prudência sobre o tema do refúgio.
ção internacional dos refugiados. ~anta à especialidade, a situação é diversa. Conforme já analisado no início
~anta à hierarquia entre elas, ressalvadas as normas de jus cogens76 , entende- deste Capítulo, as normas especiais estão inseridas dentro de um contexto normativo
-se que a relação entre as demais normas de Direito Internacional é horizontal amplo e, nesse sentido devem ser interpretadas. Assim, a relação especialmente entre
e, portanto, elas coexistem em um mesmo sistema jurídico composto por uma as três vertentes do DIDH é de complementaridade e sua aplicação (seja concorrente
pluralidade de esferas legais. Assim, as normas produzidas pelas diferentes fontes ou sucessiva) deve sempre buscar como objetivo principal a ampla proteção dos
normativas estabelecem diferentes relações entre si. A classificação, anteriormente direitos humanos das pessoas em mobilidade. Essa relação será analisada a seguir.
estabelecida, aponta a direção sobre como deve se dar essa relação. Dessa forma, verificar a existência de uma relação coerente entre as diversas
Na visão de Samantha Besson77, a ausência de uma hierarquia entre as fontes fontes do DIR é fundamental para consolidar suas normas 81 . ~anta maior a
do Direito Internacional não afasta a possibilidade de diversas hierarquias entre as harmonização entre as diversas esferas normativas, evitando que a fragmentação
normas de Direito Internacional. Segundo Bessom, a primazia das normas pode nacionalista, maior será o fortalecimento da proteção internacional dos refugiados.
advir do seu grau de normatividade (como no caso das normas de jus cogens em
relação às demais), que a autora denomina como "hierarquia material das normas". 4.3. A PROTEÇÃO COMPLEMENTAR AO DIREITO
Em razão disso, suscita-se o argumento de que algumas normas teriam um status INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
constitucional, em relação à força do seu conteúdo, mais do que à sua fonte for-
mal. Besson reflete no sentido de que a natureza material dessas normas confirma As limitações da Convenção de 1951 ensejam a necessidade de formas com-
que a descentralização (ou fragmentação) do Direito Internacional não é algo que plementares de proteção, especialmente diante do aprofundamento da complexi-
deve se deve "temer", mas é uma expressão constitutiva e democrática do que o dade e diversidade da mobilidade humana. Nesse contexto, se estabelece a chama-
Direito Internacional pode ser. da "Proteção Complementar" 82 ao Direito Internacional dos Refugiados, ou seja,
~anta às normas universais e regionais, a solução não é tão óbvia quanto normas provenientes das demais vertentes do Direito Internacional dos Direitos
possa se supor, pois o que se observa não é uma prevalência da Convenção de Humanos lato sensu ou de normas regionais, do qual o Direito Internacional dos
1951 (como instrumento clássico da proteção aos refugiados) sobre as normas Refugiados é parte, que garantem direitos àqueles que não são contemplados es-
regionais, mas a prevalência destas últimas. Isso se deve, especialmente, pelo pecificamente pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 196783 . Ela estabelece
fato de que os órgãos regionais de supervisão e controle (em especial as Cortes)
Vide caso Família Pacheco Tineo v. Bolívia, de 2013, como exemplo, assim como as Resoluções da Comissão lnterameri-
cana de Direitos Humanos sobre o tema, tratadas no Capitulo 3.
Parafraseando o termo cunhado pelo eminente jurista de Heidelberg para desenvolver sua teoria da relação estabelecida entre
Vide caso Hirsi Jamaa v. itália, de 2012, como exemplo.
as normas do Direito Internacional Privado, a qual preconiza a pluralidade de fontes normativas existentes para regular o
Vide a análise feita no Capítulo 3 sobre o refugio na UE e a reflexão sobre a Diretiva de Qualificação.
mesmo fato como uma caracteristica da pós-modernidade. (JA YME, Erik. [dentité culturelle et intégration: le droit intema- SI
Conforme aponta Alberto do Amaral Jr. "O "diálogo" das fontes é condição necessária para a ordem e a justiça do direito
tional privé postmodeme. Recuei! des Cours de l'Académie de Droit lntemational de la Haye, Il, Kluwer, Haia, 1995).
internacional ao enfatizar a coeréncia das normas que o integram. É sabido que a paz. a estabilidade e a previsão dos
Segundo a redação do artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados: .. É nulo um tratado que, no momento
comportamentos estão associadas ao valor da ordem na vida social; tais objetivos não se realizam se normas contraditórias
de sua conclusão, conflite com urna norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção,
fornecerem aos homens orientações opostas, deixando-os em situação de permanente incerteza". (AMARAL Jr., Alberto
urna norma imperativa de Direito [ntemacional geral é urna norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos
do. O Diálogo das Fontes: fragmentação e coerência no Direito Internacional contemporãneo. ln lII Anuário Brasileiro de
Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma
Direito Internacional, Vol.2, 2008, p.20).
ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza".
BESSON, Samantha. Theorizing the Sources oflntemational Law. ln BESSON, Samantha e TASIOULAS, John. (ed) TI1e
" McADAM. Jane. Complementary Protection in lntemational Refugee Law. Oxford: Oxford University Press. 2012.
Importante fazer referência, também, as Convenções que são aplicáveis a outras categorias de migrantes, que se destinam
Philosophy oflntemational Law. Oxford: Oxford University Press, 2010, p.183.
a outras categorias de migrantes, que devido ao fenômeno dos fluxos mistos já analisado, possuem uma intersecção com o
176
4
,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
H_E_u_s~_N_·E_N_l_A_HLKE_·

obrigações legais aos Estados em relação a pessoas que não são legalmente reconhe-
cidas como refugiados, mas que foram forçadas a deixar seu país de origem por
outras causas que não as previstas na definição clássica da Convenção de 1951 84 •
Com o intuito de uniformizar o diálogo, é importante pontuar que não
T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLiGI.WOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

direitos humanos vivo e dinâmico. Assim, a abordagem excessivamente literal da


Convenção e sobre o status de refugiado nela previsto 87, não considera que um ins-
trumento internacional precisa ser interpretado de acordo com o padrão estabele-
cido por todo o sistema legal em vigor no momento em que ele deve ser aplicadoªª.
177

será adotado o termo "proteção subsidiária" 85, comumente utilizada pela doutri- Segundo Jane McAdam 89, é preciso reconhecer que a norma não é desprovida
na como sinônimo, preferindo-se utilizar exclusivamente a denominação que se de contexto e quando o verdadeiro propósito da Convenção é compreendido à luz
entende mais adequada "proteção complementar" 86 • Pois, o termo "proteção sub- da jurisprudência contemporânea e da função social da norma, garantir a proteção
sidiária" sugere que a Convenção de 1951 teria primazia entre os demais tratados complementar pode ser considerado como uma extensão do objetivo principal do
de Direitos Humanos, que atuariam apenas como coadjuvantes na proteção dos instrumento que é a ampla proteção, e não algo que enfraqueça sua efetividade.
direitos humanos das pessoas em situação de migração forçada, que se traduz como Portanto, reforça-se a ideia de que, apesar de ser um Tratado especial, a Convenção
uma imprecisão. Conforme já pontuado, as normas do DIDH "complementares" é parte do corpus juris do DIDH, informando-o sendo informada por ele90 • Assim,
e hierarquicamente iguais. Aliás, reforça-se a premissa que a complementaridade é conforme já analisado, a Convenção, apesar de concebida com uma lex specialis,
uma de suas características fundamentais dos direitos humanos e, por essa razão é não busca substituir a lex generalis do DIDH, mas complementá-la e fortalecer sua
possível que outras normas do DIDH sejam aplicadas na impossibilidade de apli- aplicação 91 • Segundo McAdam, seria incoerente do ponto de vista do Direito Inter-
cação da Convenção de 1951. nacional dos Direitos Humanos, salvaguardar os direitos de determinado grupo de
Assim, o fundamento para a proteção complementar é o fato de que não indivíduos, às expensas de outro, pois isso significaria contrariar o principal pilar
apenas o DIR é parte do DIDH lato sensu, mas a própria Convenção de 1951 sobre o qual a própria Convenção se afirma: a proteção dos direitos humanos.
deve ser considerada como um Tratado de Direitos Humanos. Essa concepção é Em consonância com a posição adotada por McAdam, entende-se que é equi-
especialmente importante quando se considera as recorrentes violações de direitos vocado achar que a perspectiva integradora entre as três vertentes levaria a um
humanos associadas à migração forçada, possibilitando a responsabilização daque- enfraquecimento do DIR e sua eventual absorção pelo DIDH, acarretando uma
les que as cometem. dissolução das características especiais do refúgio. Ao contrário, a compreensão de
Todavia, é importante mencionar que há argumentos contrários a essa con-
cepção. O argumento sustenta que existe o risco de que o comprometimento com o Deve-se mencionar a contundente critica feita por James Hathaway sobre o que ele considera uma "expansão" do direito ao
refügio para além de suas previsões normativas. Hathaway opõe-se ás argumentações sobre a "proteção complementar" e
reconhecimento do status de refugiado segundo a Convenção pode ser "diluído" se
sobre a possibilidade da aplicação do princípio do non-refoulement a partir de outras normas que não a Convenção de 1951.
os standards de tratamento fossem estendidos para além da definição clássica nela Para os argumentos defendidos por Hathaway. ver: HATHAWA Y, James C. Leveraging Asylum. ln Texas lnternational
contida. Essa postura procura salvaguardar a Convenção como se fosse um instru- Law Journal. Vai. 45, n"3, 201 O, pp.503 a 536.
Sobre a necessidade de interpretar os tratados dentro do contexto jurídico-normativo no qual estão inseridos, é importante
mento que precisasse ser preservado e não como um instrumento de proteção de
relembrar a manifestação da Corte Internacional de Justiça no caso Cabcikovo-Nagymaros de 1997, especialmente a posi-
ção do juiz Weeramanll}': "Treaties that affect human rights cannot be applied in such a manner as to constitute a denial of
DIR: Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954 e a Convenção sobre a redução dos casos de apatridia, de 1961; e human rights as understood at the time of their application. A Court cannot endorse actions which are a violation ofhuman
o Protocolo de Palermo de 2000 sobre tráfico de pessoas. rights by the standards of the time merely because they are taken under a treaty which dates back to a period when such
ExCOM Conclusions on the Provision on lnternational Protection lncluding Through Complementai}' Forms of Protection. action was nota violation of human rights" (Caso Gabcikm•o-Nagymaros Projecr (Hungria/Eslováquia), Julgamento : 1997
Nº 103 (L Vl) de 2005. - ICJ ReportS 7 a 114).
ss Entende-se que a utilização do termo "proteção subsidiária" só é adequado no caso de normas que possuem um alcance McADAM, Jane. Status Anxiety: Complementai}' Protection and the Status of Non-Conventional Refugees. ln UNSW
limitado, como é o caso das normas europeias: tanto o artigo 3° da Convenção Europeia de Direitos Humanos; quanto as Research Papernº2010-l,janeiro de 2010, pp 4 a 7.
normas previstas na Diretiva de Qualificação da UE, em especial o artigo 2(e) e artigo 15. Jane McAdam ao defender sua visão acerca da proteção complementar explica: "l do not suggest that human rights law has
56
O termo "proteção complementar'' não está previsto em nenhum documento internacional, mas foi adotado pela prática formally amended lhe Convention-plainly any formal amendment would require a Protocol-but rather that its scope of ap-
dos Estados, como explica Ruma Mandai: The term 'complementai}' protection' has emerged over the last decade or plication has expanded. To insist upon a strict divide between the Convention and the expanded principie of 1w11-refou/eme11t
so as a description of the increasingly-apparent phenomenon in industrialised countries of relief from remova! being under human rights law is to overlook the place of refugee law within the wider human rights framework. Furthermore, it is
granted to asylum seekers who have failed in their claim for 1951 Convention refugee status. It is essentially a generic inaccurate, from both historical and contemporary perspectives, to suggest that the Convention embodies a static concept of
phrase, with the actual terminology used by states to describe such forms of protection in their territory, including any protection needs." (McADAM, Jane. Op. Cit., 2010. p.8).
attached immigration status, varying enormously: ·subsidiai}' protection'. 'humanitarian protection' and ·temporary asy- " No mesmo sentido, Vincent Chetail também refuta essa afirmação com os seguintes argumentos: " First, general human
lum· to name but a few examples". O termo também não pode ser confundido com "proteção temporária'·, que pode ser rights norms cannot be totally dissociated from their subsequent interpretation by treaty bodies, with the result that
descrita como: "a short-term emergency response to a significam influx of asylum seekers. By contras!, complementary they may appear more precise and even clearer than their refugee law counterparts. Second, /ex specialis presupposes a
protection is not an emergency or provisional <levice. lt is, rather, a basis for states to provide protection from return as conflict of norn1s bet:ween human rights law and refugee law that is extremely rare. Third, the Geneva Convention itself
an alternative to refugee recognition under the 1951 Convention/1967 Protocol. Thus, persons eligible for complemen- provides the means for resolving any potential conflicts ofnorms, for its Article 5 preserves the continuing applicability
tai}' protection may in an emergency situation receive temporal}' protection instead alongside Convention refugees". of more favourable standards granted apart from this Convention without regard to the so-called speciality ofthe norrns."
(MANDAL, Ruma. Protection Mechanisms outside 1951 Convention ·Complementa!}' Protection·. UNHCR- Legal and (CHETAIL, Vincent. Are Refugee Rights Human Rights' ln RUBIO-MARÍN, Ruth. Human Rights and lmmigration.
Protection Policy Research Series, junho de 2005, pp 2 e3.) Oxford Scholarship, 2014, p.27).
178 ➔J _______________________________H_E_LI_S._,\N_'E_N_L\_HL_KE

que o DIR é parte de um conjunto normativo com o qual compartiÍha fundamen-


tos e princípios semelhantes, demonstra que o DIR não é uma "ilha jurídica", mas
faz parte de um arcabouço jurídico mais amplo, cuja interpretação harmônica e a
T
1
!
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGIA.IJOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

as interpretações unilaterais (e frequentemente divergentes) dos Estados-partes.


Por fim, dada a subjetividade inerente em muitos dos conceitos que perfazem a
definição de refugiado, os standards de direitos humanos oferecem um padrão
179

abordagem sistêmica passam a ser instrumentos importantes de sua consolidação. normativo mais objetivo sobre quem devem ser reconhecido como refugiado.
A Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados deve ser tida como Assim, conforme será analisada a seguir, essa interpretação evolutiva, demons-
parte do Direito Internacional dos Direitos Humanos lato sensu e, portanto, está trou ser fundamental para adaptar a Convenção de 1951 às novas dinâmicas da
contida em um contexto jurídico-normativo composto por outros Tratados Inter- migração forçada.
nacionais de Direitos Humanos, que com ela se relacionam de maneira axiológica Evidentemente, que a proteção complementar não deve ser aplicada a des-
(compartilhando os mesmos princípios) ou substantiva (advinda de casos comple- peito dos direitos já garantidos na Convenção e não deve ser tida como um
xos que necessariamente levam a uma intersecção entre os diversos direitos neles fator de enfraquecimento dos mecanismos atuais de proteção 94 , mas como uma
contidos). Essa relação é o fundamento que sustenta a possibilidade de aplicação forma de fortalecê-los ao renovar o comprometimento dos Estados aos Direitos
da proteção complementar92 • Humanos como um todo 95 , criando um ambiente de respeito aos seus princípios
As restrições impostas pela interpretação literal da Convenção de 1951 têm comuns, a proteção aos refugiados só poderá se beneficiar96 • Por essa razão, é
deixado indivíduos legados a um "status alternativo" ou submetido aos expedien- importante ressaltar que a aplicação da proteção complementar é mais que uma
tes dos Estados e sua "criatividade normativa", mesmo quando deveria ser-lhes questão humanitária submetida à discricionariedade do Estado, mas um dever
reconhecido o direito ao refúgio. A premissa que anima essa percepção é que a de responsabilidade do Estado em proteger os direitos humanos e abster-se de
Convenção de 1951 interpretada à luz do DIDHs tem o propósito de garantir uma quaisquer violações.
proteção mais ampla aos refugiados e demais pessoas em situação vulnerabilidade Para o propósito desta obra serão analisadas as normas complementares ad-
causada pela mobilidade forçada. Uma interpretação mais restritiva, nesse aspecto, vindas das outras duas vertentes, que formam o Direito Internacional dos Direitos
poderia enfraquecer a aplicação dos princípios contidos na própria Convenção Humanos lato sensu. Em um primeiro momento, serão analisadas as normas do
(notadamente, o princípio do non-refoulement). Direito Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu (os principais tratados
Segundo Vincent Chatail93 , a seletividade inerente à definição de refugiado internacionais sobre o tema) que atuam na impossibilidade de aplicação da Con-
é reforçada pela própria natureza da Convenção, que é composta por três dife- venção de 1951 ou para garantir direitos correlatos ao status de refugiado, mas que
rentes grupos de requisitos: as chamadas cláusulas de inclusão, de exclusão e de não estão previstos pela Convenção. Posteriormente, analisa-se a relação do Direito
cessação. Todos representam etapas necessárias ao reconhecimento do status de Internacional dos Refugiados com o Direito Internacional Humanitário, especial-
refugiado. Contudo, Chatail observa que essa seletividade impressa na definição mente no caso das vítimas de guerra.
de refugiado tem sido substancialmente informada e, em alguma medida mitiga-
Portanto, concorda-se com a posição de Jean-François Durieux que observa: ..That non-refoulement obligations also arise in
da, pelo subsequente desenvolvimento do DIDH. Segundo o autor o impacto da
other contexts, and for the protection of equally wonhy interests, should not make us lose sight of the specificity of refugee
expansão dos Direitos Humanos sobre a definição de refugiado está ancorado em protection. The references to ·race, religion, nationality, membership of a panicular social group, ar political opinion' are
três fatores importantes. Primeiro, como qualquer outra norma convencional, o not there in arder to place an additional burden of proof on the asylum-seeker, but rather in arder to clarify what character-
istics justify the status of refugees as ·privileged aliens· in our midst. Put differenlly, the refugee definition is not intended
artigo 1º da Convenção de 1951 precisa ser aplicado em acordo com o contexto
to describe those aliens whom we cannot deport but positively, those aliens whom we want to protect. I cannot find any
normativo vigente no momento da sua interpretação (incluindo os Tratados good reason why refugee protection should be considered primary - and other non-refoulement obligations subsidiary-, but
de direitos humanos em vigor). Segundo, o DIDH produz uma série de stan- for this one: the refugee definition represents the consensus over a positive and collective comrnitment to protect specific
categories of persons, and to resolve the problems caused by their exodus and exile. This positive inclination, which sig-
dards universais que representam um instrumento importante para harmonizar
nificantly extends to solutions as well as protection, sets refugees - however they may be defined at the presem time - apan
from those other persons who also, subsidiarily, need protection against forcible retum to (personal or collective) danger."
Como explica Jane McAdam: ln legal terms, ·complementary protection' describes protection granted by States on the basis of (DURIEUX, Jean-François. Salah Sheek is a Refugee: new insights on primar;• and subsidiary forms ofprotection. Working
an intemational protection need outside the 1951 Convention framework. lt may be based on a human rights treaty or on more Papernº49. Refugee Studies Centre - University of Oxford, 2008, p.17).
95
general humanitarian principies, such as providing assistance to persons fleeing from generalized violence. ln this pure form, it Vide ExCom Conclusion nº89 (LI) de 2000, § I O.
is not constrained by exclusion clauses but simply operates as a form ofhuman rights ar humanitarian protection triggered by Sobre os beneficias da aplicação da proteção complementar. Colin Harvey observa: "Given the reach ofintemational human
States· expanded non-refoulement obligations. ( ... )At the outset it is essential to appreciate that the ·complementary' aspect of rights law, and its relevance for ali those displaced and in need of protection, it could be said that the whole body of Iaw is
'complementary protection· is not the form ofprotection or resultant status accorded to an individual, but ratherthe source ofthe potentially applicable and relevam. The effective implementation and enforcement of intemational standards is also a core
additional protection. Its chief function is to provide an altemative basis for eligibility for protection. Understood in this way, it element ofprevention, and ultimately in tackling the root causes ofrefugee movements. Would displacement be the global
does not mandate a lesser duration ar quality of status but simply assesses intemational protection needs on a wider basis than cancero it is ifhuman rights standards were adequately reflected in lived experience? Toe legal and political rationale ofthe
the 1951 Convention. (McADAivl, Jane. Complementary Protection and Beyond: how States with Human Rights Protection. ln entire system is precisely to eliminate the causes of forced displacement as well as ensuring ali persons (wherever Iocated)
Legal Studies Research Paper- University of Sydney- Sydney Law School. Nº6/ 18, setembro de 2006, p2). are treated with dignity and respect". (HARVEY, Colin. Time for Reform? Refugees, Asylum Seekers and Protection under
93
CHATAIL, Vincent Op.Cit, 2014. lntemational Human Rights Law. ln Refugee Survey Quaterly Vol.34, 2015, p.50).
180 DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGI.-\00S: Novo PARADIGMA JURÍDICO
..L-------------------------
HELISANE MAHLKE 181
4. 3. l. Normas Complementares do Direito Internacional dos Direitos Crianças; 5) a Convenção contra toda forma de Discriminação contra a Mulher;
Humanos stricto sensu 6) a Convenção contra toda a Forma de Discriminação Racial; 7) a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; 8) a Convenção sobre os Direitos
O Direito Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu possui instru-
mentos de proteção complementares ao Direito Internacional dos Refugiados, que
podem se beneficiar de ambos os regimes. O crescimento de formas complemen-
tares de proteção é um reflexo das obrigações advindas do DIDH, cuja expansão
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Migrantes e a 9) Convenção sobre a Proteção
de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado.
Por outro lado, a doutrina também se refere à proteção complementar pre-
vista em normas regionais. ~anta a essas normas, salvo sua óbvia limitação ju-
i
,-
acaba por influenciar outros ramos do Direito Internacional. O DIR, pela sua risdicional, possuem um papel importante na região, fornecendo instrumentos de
essencial afinidade, não poderia ficar alheio a essa expansão. O DIDH, baseado no proteção adequados à realidade local e que não estão contemplados pela Conven- 1
parâmetro da universalidade, pode ampliar a proteção de pessoas em situação de ção de 1951. No âmbito Europeu, a Convenção Europeia de Direitos Humanos,
vulnerabilidade em razão da migração forçada para além das limitações impostas em seu artigo 3Q, possibilita a aplicação do non-refoulement, para aqueles indiví-
pela definição contida na Convenção de 1951 97 . duos que não podem ser devolvidos aos seus países de origem, sob pena de serem
Conforme analisado no Capítulo 3, os standards proporcionados pelos meca- expostos à tratamento desumano e degradante, mas que não se enquadram na
nismos de proteção internacional dos direitos humanos fortaleceram a posição dos definição clássica de refugiado contida na Convenção de 1951. No âmbito da UE,
refugiados perante o Direito Internacional. Enquanto o regime estabelecido pela a Diretiva de ~alificação da UE 1º1 também prevê a possibilidade de aplicação do
Convenção de 1951 e o Protocolo permanecem como a fonte primordial do DIR, non-refoulement para aqueles que não têm o status de refugiado reconhecido pela
ele é flagrantemente limitado (institucionalmente e normativamente) se compara- Convenção. No Continente Africano, a Convenção da OUA sobre o Estatuto dos
do com outros instrumentos de proteção aos direitos humanos 98 • Refugiados amplia a definição do refúgio para aqueles indivíduos vítimas de graves
Na opinião de Vincent Chetail99, o DIDH tem radicalmente informado e violações de direitos humanos e violência generalizada, e a Convenção de Kampala
transformado os dogmas da Convenção, a tal ponto que o padrão normativo da oferece proteção aos deslocados internos, situação que não é contemplada pela
migração forçada deslocou-se do DIR para o DIDH e, a partir de uma evolução Convenção de 1951, nem pelo Protocolo Adicional de 1967. Por fim, na América
sistêmica, a perspectiva de proteção se inverte, e as normas de DIDH passam a ser Latina, a Declaração de Cartagena (mesmo não sendo um instrumento vinculante)
a fonte primária e mais ampla de proteção, enquanto as normas DIR passam a inspirou a interpretação da Corte Interamericana quanto ao refúgio e a produção
exercer um papel secundário e mais específico 100 • A perspectiva do autor, especial- das legislações nacionais sobre o tema, também ampliando a definição de refugia-
mente considerando o desenvolvimento da jurisprudência das Cortes analisado no do para todos aqueles que são vítimas de graves violações de direitos humanos.
Capítulo 3, aponta para um processo em construção. Para o propósito dessa análise, contudo, entende-se necessário estabelecer al-
Assim, passa-se a analisar como se estabelece a proteção complementar deri- guns critérios, para melhor sistematizar a relação desse conjunto normativo com
vada de normas pertencentes ao denominado Direito Internacional dos Direitos o DIR. Para tanto, aponta-se duas perspectivas relacionadas à contribuição que as
Humanos stricto sensu. Essas normas são compostas, sobretudo, pelos principais normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu podem forne-
tratados internacionais de Direitos Humanos (os nove grandes Tratados Onusia- cer à proteção complementar dos indivíduos que se encontram em situação de mi-
nos): 1) a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, gração forçada: i) a primeira, refere-se à proteção de pessoas que não se enquadram
Desumanos e Degradantes; 2) o Pacto dos Direitos Civis e Políticos; 3)o Pacto dos na definição clássica de refugiado prevista na Convenção de 1951; ii) a segunda, à
Direitos Econômicos Sociais e Culturais; 4) a Convenção sobre os Direitos das garantia de direitos que não estão expressamente previstos na Convenção, mas que
são fundamentais à ampla proteção dos refugiados.
97
HARVEY. Colin. Op. Cit., 2015, p.46.
GIL-BAZO. Maria-Teresa. Refugee Protection under lntemational Human Rights Law: frcirn non-refoulement to residence
~anta aos grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade, porém não
and citizenship. ln Refugee Survey Quaterly. 2015, p.15. abarcados pela definição da Convenção de 1951, existem três situações relevantes,
CHATAIL, Vincent Op.Cit, 2014.
IOO
Importante mencionar a ExCom Standing Comminee 33th Meeting: "Providing lntemational Protection Including through 101
O artigo 2(e) estabelece que a elegibilidade para a denominada "proteção subsidiária": "a third coumry 11atio11al ar a state-
Complementai")' Protection", Conclusão nº27: "(b) The 1951 Convention and 1967 Protocol forro the comerstone of the
less person who does 1wt qualify as a refugee but in respect ofwhom substantial grounds Jw1·e been shownfor believing that
intemational protection for refugees, provide the basic framework for such protection and should be rígorously and properly
the person concerned. if returned to his or her country of origin, ar in the case ofa stateless person. to his or her country
applied. Toe critería for refugee status in the 1951 Convention should be interpreted in such a manner that individuais or
offormer habitual reside11ce, wou/d face a real risk ofs11fferi11g seriai« harm as defined i11 Artic/e 15, a11d to wlwm Anic/e
groups of persons who fulfil these criteria are duly recognized and protected under that instrument, rather than being ac-
17(1) and (2) do 1101 app(v. a11d is 1111able, or. owing to such risk, 11nwil/i11g to amil himse/f ar herse/f ofthe protectio11 of
corded a complementary forro ofprotection; (e) Refugee law is a dynamic body oflaw. which is inforroed by the object and
purpose of the 1951 Convention and 1967 Protocol, as well as by developments in related areas ofintemational law, such as
that coun/ly'". (Council Directive 2004í83/EC of 29 April 2004 on Minimum Standards for the Qualification and Status of
human ríghts law, and which is complemented by regional refugee protection instruments, such as the l 969 OAU Refugee Third Country Nationals or Stateless Persons as Refugees or as Persons Who Otherwise Need lntemational Protection and
Convention." (EC/55/SC/CRP. l 6) junho de 2005. the Content ofthe Protection Granted [2004] 01 L304/l2 (Qualification Directive).
182 ➔l ____________________________.....:..;H~E=Ll=SAN-=-='E~M~-~,\H~L~KE~ DIREITO INTERNACIONAL OOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 183

de acordo com a ameaça potencial de violações de direitos humanos que estas Direitos Civis e Políticos 106, em seu artigo 79. expõe uma proposição mais genérica
pessoas podem sofrer associada à falta de normas internacionais que lhe forneçam de non-refoulement: "Ninguém será submetido à tortura nem a pena ou a tratamen-
a devida proteção: i) pessoas em situação de migração forçada, porém sem o status tos cruéis, inumanos ou degradantes. Em particular, é interdito submeter uma pes-
de refugiado; ii) a dos deslocados internos; iii) e a dos migrantes ambientais. Nes- soa a uma experiência médica ou científica sem o seu livre consentimento. "10 7 Cabe
ses casos, o recurso à proteção complementar é fundamental para salvaguardar os mencionar também a previsão do non-refoulement contida no artigo 16.1 da Con-
direitos desses indivíduos, já que nenhuma dessas situações está contemplada pela venção sobre a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado 1º8,
Convenção de 1951. que estabelece "Nenhum Estado Parte expulsará, reenviará (refouler), entregará ou
A dinâmica e a complexidade da mobilidade humana ultrapassa a capacida- extraditará uma pessoa para outro Estado quando existam motivos sérios para crer
de dos governos em dar uma resposta jurídica e política adequada à situação de que essa pessoa correria o sério risco de ser vítima de um desaparecimento forçado."
milhares de pessoas que se deslocam de seus países de origem, muitas vezes em Diferentemente da Convenção de 1951, as previsões contidas nesses instrumentos
situações precárias. Por outro lado, as políticas migratórias restritivas contribuem de Direitos Humanos não admitem derrogação ou exceção, e podem ser aplicadas
para a migração irregular, vitimando e estigmatizando pessoas que apenas buscam sem a necessidade de um status particular (perseguição por raça, religião, naciona-
lidade, pertença a grupo social ou opinião política), ampliando a proteção estrita
uma vida melhor. Em sentido oposto, as normas de DIDH determinam, pelo seu
oferecida pela Convenção de 1951 e transformando a forma como a proteção dos
caráter universal, que todo indivíduo deve ser tratado com igualdade e dignidade,
refugiados é conceituada hoje 109 •
independente de seu status migratório ou de sua nacionalidade.
Porém, é importante reconhecer que existem discrepâncias sobre o entendimen-
Além disso, a eventual situação de vulnerabilidade, seja em razão das condi-
to que os Estados têm sobre quem pode se beneficiar sobre essa proteção ampliada
ções em seus países de origem, ou em razão das circunstâncias durante seu desloca-
e sobre o status que deve ser atribuído a estas pessoas. Conforme assevera Alexander
mento, deve ser considerada a fim de caracterizar a necessidade de aplicação de uma
Betts 110, mesmo diante da existência dessas previsões normativas de direitos humanos
norma protetiva. Assim, para a proteção dos direitos daqueles indivíduos sujeitos à
as quais os Estados ratificaram, estes raramente as reconhecem ou implementam
migração forçada, mas que não sejam reconhecidamente refugiados, pode-se invo-
quando se trata de migrantes irregulares. Por essa razão, os migrantes irregulares são
car normas complementares de DIDH que obrigam os Estados a não devolver esses
um grupo especialmente vulnerável. A regularização desses migrantes é um dos ob-
indivíduos aos seus países de origem, e a garantir-lhes outro tipo de proteção (seja
jetivos da Convenção sobre os Direitos de Todos os Trabalhadores e Trabalhadoras
permanente ou temporária). Vários Estados permitem que pessoas permaneçam em
Migrantes e suas Famílias 111 • Além disso, a Convenção prevê a garantia de diversos
seu território, apesar de não serem considerados refugiados segundo a Convenção
direitos, especialmente quanto à prevenção de detenções ou expulsões arbitrárias.
de 1951, mas cujo retorno ao Estado de origem não é possível ou recomendável 102 •
Contudo, a Convenção possui uma fragilidade: apesar de contar com um número
A proteção prevista na Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tra- expressivo de países ratificantes 112, dentre estes não estão os países tradicionais re-
tamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes 103 prevista no artigo 3.1 na qual se es- ceptores de migrantes, os quais, em geral, preferem elaborar normas próprias para
tabelece que "Nenhum Estado Parte procederá à expulsão, devolução ou extradição conduzir sua política migratória. Em tese, a própria amplitude e consistência dos di-
de uma pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que a reitos garantidos pela Convenção, paradoxalmente, tornam-se um obstáculo para sua
mesma corre perigo de ali ser submetida à tortura". Essa proibição do non-refoule-
ment, diferentemente do artigo 33 da Convenção de 1951, não admite excecões 104. deportá-los. (DURIEUX, Jean-François. Salah Sheek is a Refugee: new insights into primary and subsidiary protection.
Essa previsão tem sido usada para evitar a devolução de migrantes em situa~ão de Working Paper nº49, Oxford: Refugee Studies Centre, 2008, p.4).
IOfi
Adotado pela Resolução n"2200A da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966. entrou em vigor em
vulnerabilidade, a qual poderia ser agravada face ao seu retorno ao país de origem,
l 6 de março de l 976.
mas que não são contemplados pela Convenção de 1951 105 • Também no Pacto dos \07
O Comitê de Direitos Humanos da ONU. órgão supervisor da aplicação do Pacto dos Direitos Civis e Políticos pelos Esta-
dos-partes interpretou essa previsão no sentido de que "States partie., mmt not expose individuais to the danger oftorture or
102
McADAM, Jane. Complementary Protection and Beyond: how states deal with human rights protection. Legal Studies
ente! or inlmman or degrading treatmenl or punishment upon re1w11 to another cowll!J' by way oftheir extradilion. etpul-
si011 or refoulement. States parties slwuld indica/e in their reports what measures they /,ave adopted to that end".(Human
Research Paper. N"6/18. University ofSidney. setembro de 2006.
IOJ Rights Comminee, General Comment n"20, 10 de março de 1992). (Ver mais em: DURIEUX, Jean-François. Op. Cit 2008).
Adotada pela Resolução nº39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1984, entrando em vigor
IOS
em 26 de junho de 1987. Adotada em 20 de dezembro de 2006 pela Resolução 171/67 da Assembleia Geral da ONU, entrando em vigor em 23 de
dezembro de 2010.
A Convenção de 1951, no §2º do artigo 33 prevê a possibilidade de não observância do principio do non-refoulement: "'O
)09
GIL-BAZO, Maria-Teresa. Op.cit 2015, p.13.
beneficio da presell/e disposição não poderá, todavia. ser invocado por um reji1giado que por motivos sérios seja comide-
110
BETTS, Alexander. Soft Law and the Protection ofVulnerable Migrants. Georgetown University Law Center, 2010, p. 535.
rado um perigo para a segurança do país no qual ele se encomre ou que. tendo sido condenado definitivameme por crime
Disponível em: http://scholarship.law.georgetown.edu/imbr_20 I 013.
011 delito particulannente grave, comtitui ameaça para a comunidade do referido país'".
Ili
!Ol Adotada pela Resolução n"451i58 da Assembleia Geral das Nações Unidas. em 18 de dezembro de 1990.
O Comitê contra a Tortura da ONU, órgão responsável por supervisionar a aplicação da Convenção pelos Estados-partes
li:!
A Convenção coma com 48 Estados-membros e 18 signatários. Quase a totalidade deles formada por países de emigração e
está autorizado a receber petições de indivíduos invocando o artigo 3. Segundo Jean-François Durieux, desde a década de
não de imigração. O Brasil não é parte desta Convenção.
90, vários desses indivíduos são solicitantes de rerugia que tiveram o starus de refugiado negado pelo Estado que intentam
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIG~l.-\ JURÍDICO
185
l 84 -alf-----------------------------H_E_LI_S_AN_'E_M_A_HLKE_"

efetividade. Os Estados temem atrair maior número de imigrantes, frequentemente bastante recorrente na doutrina a discussão sobre o status legal dessas pessoas.
vistos como indesejáveis, caso ratifiquem a Convenção. Mas, a posição predominante, a mesma adotada pelo ACNUR e pela OIM, é que
Um dos grandes obstáculos das pessoas em mobilidade são as legislações aqueles que se deslocam motivados por questões climáticas e/ou ambientais não
discriminatórias que restringem o acesso a direitos. Nesse sentido, o Pacto dos são abarcados pela definição de refugiado contida na Convenção de 1951.
Direitos Econômicos Sociais e Culturais 113 dispõe que "Os Estados Partes do pre- Existem algumas dificuldades em aplicar o DIR ao deslocamento ocasionado
sente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados e exercerão por mudanças climáticas. 118 Primeiro, a definição clássica de refugiado se refere
sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião apenas a pessoas que tenham cruzado a fronteira internacional, porém o movimen-
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nasci- to causado pela mudança climática é principalmente interno. Segundo, é dificil de
mento ou qualquer outra situação". Essa disposição previne contra a discriminação caracterizar a "mudança climática" como um elemento de "perseguição". Segundo
e garante que os migrantes tenham acesso aos direitos previstos no Pacto, funda- Jane MacAdam, o conceito de "perseguição" acarreta a ideia de violações de di-
mentais a uma vida digna. Por outro lado, a discriminação racial/étnica associada reitos humanos consideradas suficientemente sérias de acordo com a natureza do
à xenofobia estigmatiza grupos de migrantes provenientes de determinadas regiões direito que está em risco e a severidade da restrição imposta aos indivíduos. Tercei-
(em especial da África e do Oriente Médio). A Convenção sobre a Eliminação de ro, mesmo que se estabelecesse que os impactos da mudança climática pudessem
todas as Formas de Discriminação Racial 114 estabelece que os Estados-partes se configurar um tipo de "perseguição", a Convenção de 1951 ainda adiciona outro
abstenham de práticas discriminatórias e garantam a igualdade perante a lei (em obstáculo para que os migrantes ambientais sejam reconhecidos como refugiados: a
especial artigos 2 e 5) 115 • perseguição deve se dar em razão de raça, religião, nacionalidade, opinião política,
Outro grupo vulnerável mencionado é o dos deslocados internos (IDP's), cuja ou membro de um grupo social e, nenhuma dessas causas pode ser associada às
situação é bastante especial. A única norma específica que contempla a proteção mudanças climáticas 119 •
desses indivíduos é a já mencionada Convenção de Kampala, no âmbito da União Mas, então, qual seria a proteção possível para responder à inegável situação
Africana. Porém, evidentemente, seu alcance limita-se à jurisdição regional. Como de vulnerabilidade na qual essas pessoas se encontram? Jane McAdam 12º propõe
será analisado no item seguinte, o principal instrumento de proteção aos desloca- algumas condições que podem determinar a forma como o Direito Internacional
dos internos em regiões onde não existe regulamentação específica, tem sido a pro- e as Instituições internacionais respondem à mobilidade humana depende dos
teção complementar proveniente do Direito Internacional Humanitário. Porém, seguintes fatores: i) se o movimento é voluntário ou involuntário; ii) a natureza
os demais tratados de Direitos Humanos mencionados podem oferecer proteção da causa é um desastre ou um processo lento; iii) se as fronteiras internacionais
adicional a esses indivíduos. Não sendo possível a garantia de um status especial, foram cruzadas; iv) se existe conexão com mudanças climáticas ou não; v) se o
semelhante ao refúgio, ao menos salvaguardando outros direitos, em especial o deslocamento é motivado ou agravado por fatores humanos, como discriminação,
direito à vida e à liberdade 11 6, frequentemente atingidos em situações de conflito. por exemplo. Na falta de uma Convenção específica para regulamentar a questão
Outra categoria de mobilidade humana que carece de proteção internacio- da migração forçada causada por mudanças climáticas ou mudanças naturais, essa
nal são os migrantes ambientais. Enquanto não se chega a um termo sobre uma análise pode ser útil para determinar qual a norma do DIDH aplicável para prote-
eventual Convenção especificamente dedicada ao tema, a situação daqueles que ger os migrantes ambientais.
são forçados a se deslocar por questões ambientais é cada vez mais urgente diante Assim, existem outros instrumentos normativos disponíveis e que podem
das crescentes catástrofes naturais e alterações (muitas vezes irreversíveis) sofridas ser relacionadas com as situações de vulnerabilidade relacionadas a esse tipo de
no meio-ambiente no qual vivem indivíduos que, por essa razão, são obrigados
questões ambientais, que são bastante elucidativos: i) desastres súbitos (como enchentes. terremotos, ciclones, etc.); ii) lenta
a deixar seus países de origem 117 • Conforme já foi mencionado anteriormente, é degradação ambiental, como a desertificação, por exemplo; iii) o afundamento de territórios insulares em razão do aumento
do nível da água dos oceanos: iv) áreas de auto-risco, nas quais existe a possibilidade iminente de catástrofe ambiental; v)
Adotado pela Resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966. por fim. conflitos prolongados que podem levar a um esgotamento dos recursos da região, ou a uma exploração indevida,
levando à deterioração das condições de sobrevivência. (KAUN. Walter. Conseptualising Climate-lnduced Displacement.
'" Adotada pela Resolução 2106 (XX) da Assembleia Geral da ONU em 21 de dezembro de 1965, em vigor desde 4 de
ln Climate Change and Displacement: Multidisciplinary Perspectives. Oxford: Hart Publishing, 2010).
janeiro de 1969.
IIS
McADAM. Jane. Climate Change. Displacement and lntemational Law: complementary protection standards. UNHCR
"' Previsão contra a discriminação também está expressa no artigo 26 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, o qual dispõe
que: "Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este Legal and Protection Research Series, 2011.
119
respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra ·'TI1e impacts of climate change are largely indiscriminate, rather than tied to particular characteristics. An argument that
qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião. opinião política ou de outra natureza, origem nacional such people might together constirute a ·particular social group · would be difficult to establish, since to do this the group
ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação." must be connected by a fundamental, immutable characteristic other than the risk of persecution itself. (_McADAM, Jane.
116
Em especial, as previsões dos artigos 7 e 9 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos. Op.Cit., 2011. p.2).
L!ll
117
Uma das dificuldades encontradas ao tratar a questão dos deslocados ambientais é que existem diferentes tipos de causas l'vlcADAM. Jane. Climate Change, Displacement and the Role of lntemational Law and Policy. Apresentação no lntema-
que fomentam o deslocamento por questões climáticas. Walter Kãlín desenha diferentes cenários da migração forçada por tional Dialogue on Migration de 2011 - Clima te Change, Environmental Degradation and Mígration. 200 l, p. l.
186 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_u_s~_N_'E_N_l_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.-\.DOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
187
4

migração forçada. Pode-se buscar amparo em outras normas do DIDH, como o da proteção à criança contida na Convenção está no conceito do "melhor interesse
direito à vida (art.6 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos); a proibição de sub- da criança", previsto no artigo 1º da Convenção. Essa previsão é extremamente re-
meter qualquer indivíduo a tratamento desumano e degradante (art.7 do Pacto levante no sentido de coibir qualquer violação dos direitos das crianças solicitantes
dos Direitos Civis e Políticos). Michele Foster 121 aponta para a importância do de refúgio. Nesse sentido, as autoridades devem ter o melhor interesse da crianca
Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), especialmente quan- com? consideração primordial, anterior a outros interesses como, por exemplo, ;s
to às privações socioeconômicas relacionadas à migração forçada. A princípio, a medidas de controle migratório 124.
relação do PIDESC com situações de refúgio ou análogas, parece inapropriado, Outro grupo vulnerável, especialmente em situação de violência generalizada
considerando que os direitos previstos no Pacto estão sujeitos a uma implemen- e conflitos, são as mulheres e meninas, especialmente devido à discriminacão de
tação progressiva, baseada nos recursos de cada Estado-parte. Contudo, Michele gênero e a desigualdade de tratamento em relação aos indivíduos do gêner~ mas-
Poster discorda dessa visão, defendendo que a maioria das normas do PIDESC culino125. O deslocamento em razão de conflitos armados agrava essa situação de
tem cumprimento imediato e, mesmo quando não tem, o artigo 2 impõe que os vulnerabilidade de mulheres e meninas, geralmente sujeitas à violência e explora-
Estados-partes devam (§1º) "adotar medidas" para assegurar o "pleno exercício dos ção sexual, à posição sócioeconômica e seu status legal, além da apatridia imposta
direitos" reconhecidos pelo Pacto; e (§2º) "comprometem-se a garantir os direitos pela discriminação de gênero associada à nacionalidade 126. É importante reforçar
nele enunciados" sem nenhum tipo de discriminação. Essas previsões impõem que as normas de DIDH têm como um de seus fundamentos a não-discriminacão
aos Estados o dever de garantir aos indivíduos, sem nenhuma discriminação, as Todavia, nem a Convenção de 1951, nem o Protocolo de 1967 contêm previ;õe~
necessidades elementares para uma vida digna (como saúde, moradia, educação, que proíbam a discriminação com base no gênero. É nesse ponto que reside a
alimentação, etc.), independentemente da origem ou nacionalidade do indivíduo importância da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discrimi-
que esteja em seu território. nação contra as Mulheres 127(mais conhecida pela sigla em inglês, CEDAW), como
Por outro lado, conforme mencionado anteriormente, considera-se que a o principal documento contra a discriminação de gênero e de promoção dos
proteção complementar também pode oferecer instrumentos para proteger direi- direitos das mulheres. 128
tos correlatos mesmo daqueles que são reconhecidos como refugiados, mas cujos Os direitos previstos da CEDAW têm sido aplicados para preencher as lacunas
direitos necessários a uma ampla proteção não estão contemplados na Conven- na proteção internacional das mulheres e meninas em situação de mobilidade e apa-
ção de 1951. Sob essa perspectiva, convencionou-se denominar direitos relativos à tridia. E a normativa que proíbe a discriminação 129, reforça os direitos dessas mulhe-
condição adicional de vulnerabilidade. Esses indivíduos, além de sua condição de res e meninas, não permitindo que elas tenham seus direitos suprimidos em razão
refugiado ou solicitante de refúgio, ainda pertencem a outro grupo vulnerável. São do seu status migratório, promovendo a igualdade. Essa perspectiva é fundamental
eles: a Convenção sobre os Direitos da Criança; a Convenção Sobre a Eliminação quanto ao direito das migrantes do gênero feminino, pois além dos problemas ge-
de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; a Convenção Sobre os Di- ralmente enfrentados pelos refugiados, deslocados internos e apátridas, as mulheres
reitos das Pessoas com Deficiência; a Convenção Contra a Discriminação Racial.
As crianças perfazem uma parcela significativa da migração mundial1 22 • E não 124
É uma prática comum nos centros de detenção de migrantes, que crianças também fiquem lá confinadas, sem assistência
legal ou social. Esse fato, é uma flagrante violação da Convenção de 1989. Além disso, são frequentes os casos de menores
são raros os casos de menores migrarem desacompanhados. No caso das crianças
desacompanhados que migram fugindo de conflitos, neste caso, o artigo l" da Convenção proibiria a repatriação da criança
refugiadas, especialmente fugindo de conflitos, da exploração sexual e do recru- sem a garantia de segurança ou da proteção dos seus direitos no pais de origem.
tamento precoce para integrar exércitos e grupos beligerantes. Não há previsão UNHCR, Guidelines 011 lnternotio110/ Protection: Gender-Related Persecution within the co/1/e.tt q(Article IA(]) of the
1951 Co11ve111io11 andlor its 1967 Protocol relating to the Status q(R~fi1gee.<, UN Doe. CR/GIP/02101, 7 May 2002.
expressa na Convenção de 1951 sobre os direitos das crianças e sobre a conduta 126
EXCOM Conclusion No. 105 (l Vil), Women and Gir/s at Risk, de 2006, § 3.para. 3.
que os Estados devem ter diante da necessidade de proteção especial que as crianças Adotada pelas Nações Unidas em 18 de dezembro de 1989.
1:!S
migrantes necessitam. Nesse sentido, a conduta dos Estados deve ser informada Em nível regional, cabe mencionar também a Convenção de Belém do Pará ou Convenção para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência Contra a Mulher (adotada em 9 de junho de 1994, durante o 24º Período Ordinário de Sessões
não apenas pelas normas específicas de refúgio, ou na falta destas, invoca-se a Con-
da Assembleia Geral da OEA); o Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos
venção Internacional sobre os Direitos das Crianças 123 . O principal fundamento Direitos das Mulheres em África (no âmbito da União Africana, adotada em 7 de novembro de 2003, em vigor desde
15 de novembro de 2005) e Convenção de Istambul ou Convenção para Combater a Violência contra a Mulher e a
IZI
FOSTER, M. International Refugee Law and Socio-Econornic Rights: Refuge frorn Deprivation Cambridge: Cambridge Violência Doméstica (adotada, no âmbito do Comítê de Ministros do Conselho da Europa, em 7 de abril de 2011, em
University Press, 2007. vigor desde 1 de agosto de 20 I4 ).
129
111
Segundo dados do ACNUR de 2014, 51% dos refugiados eram crianças e jovens menores de 18 anos. (Fonte: UNHCR Segundo a inteligência do artigo 1º: ··Parajins da presente Convenção, a expresscio "discriminação colJlra a mulher" sig~
-Global Trends 2014- World at War. Disponível em: http:/lwww.unhcr.org1556725e69.html#_ga=l.479685l.l435896 n//icará toda distinção, e.tclusão 011 restrição baseada no se.rn e que tenha por objeto 011 res11/tado prejudicar 011 a1111/ar o
7 I4. I 450235325). reconhecimelllo, go=o ou exercício pela mulher. independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem
123
Adotada pela Resolução nº44/25 da Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, em vigor desde 2 de setembro e da mulher. dos direitos humanos e liberdadesfimdamentais nos campos politico. econômico. social, cultural e cil'il ou em
de 1990. qualquer outro campo".
188 ~I_____________________________ H_E_LI_SA_N'E_M_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCG!ADOS: Novo PARAIJIG~tA JURÍDICO
189

ainda sofrem um obstáculo adicional relacionado à sua posição desigual em relação como orientação para o ACNUR e os Estados-membros quanto à forma de melhor
aos homens (desigualdade de gênero) 130 • atender essas pessoas no campo, buscando sempre contemplar suas necessidades
Além de salvaguardar os direitos da mulher contra qualquer tipo de discri- especiais. Em consonância, o ACNUR também desenvolveu mecanismos opera-
minação, já expresso em artigo 1º. Essa intenção de assegurar a igualdade entre cionais e orientações para que seus escritórios e agentes soubessem como melhor
homens e mulheres também se insere em outras previsões, como no artigo 7 (re- auxiliar as pessoas com deficiência, promovendo acesso, inclusão e autonomia.
ferente à participação política) e no artigo 9 (que garante direitos iguais a homens Esses mecanismos reforçam, sobretudo, o princípio da não-discriminação 137 e par-
e mulheres no que tange à nacionalidade). Também, o artigo 15 que reconhece a ticipação138, elementos essenciais para que as pessoas com deficiência tenham sua
igualdade entre homens e mulheres perante a lei, sobretudo quanto à liberdade de dignidade preservada e seus direitos reconhecidos, mas, principalmente, que pos-
movimento e residência e capacidade legal. Além dessas previsões, ressalta-se o arti- sam ter autonomia para bem usufruir desses direitos.
go 6, que previne contra toda a forma de exploração sexual e tráfico de mulheres, Uma questão importante refere-se às minorias sexuais 139, muitas vezes vítimas
situação recorrente entre as mulheres refugiadas 131 • de perseguição em diversos países (por agentes estatais e, muito comumente, não-
Outro grupo de pessoas em situação adicional de vulnerabilidade é o das pes- -estatais). São frequentes os casos de fuga em razão de discriminação e todo tipo de
soas com deficiência, assim definidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas violência baseada na identidade de gênero. A falta de um Tratado específico 14º para
com Deficiência 132: "Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de fornecer proteção às minorias sexuais é uma ausência importante no quadro norma-
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação tivo onusiano, em face da situação de vulnerabilidade a qual estas pessoas são subme-
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade tidas. Apesar de não haver previsão específica na Convenção de 1951 sobre a questão,
em igualdades de condições com as demais pessoas." 133 A própria Convenção propor- a orientação interpretativa adotada por alguns países e recomendada pelo ACNUR é
ciona o reconhecimento de uma série de direitos essenciais no contexto da migração quanto reconhecimento do status de refugiado associado à perseguição por pertença
forçada. O artigo 11 impõe aos Estados a obrigação de garantir que as pessoas com a grupo social1 41 • Proteção adicional também é encontrada no artigo 26 do Pacto dos
deficiência sejam protegidas em situações de risco de emergência humanitária.13 4 Já Direitos Civis e Políticos que trata da proibição de discriminação e, também, em
o artigo 32 requer que a cooperação internacional seja acessível e inclusive quanto normas regionais (como o artigo 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos) 142 •
às pessoas com deficiência. A universalidade da Convenção significa que os Estados- Segundo Vincent Chatail1 43 uma das razões importantes para a fertilização cru-
-partes estão comprometidos em promover, proteger e assegurar os direitos das pes- zada entre o DIR e o DIDH é a existência dos "Human Rights Treaty Bodies" (os
soas com deficiência em seu território, inclusive aqueles que se deslocaram através da Comitês, órgãos quasi-judiciais, com papel político de monitorar e denunciar even-
fronteira (independentemente de sua nacionalidade e status migratório) 135• tuais violações dos Tratados que eles representam) 144• Na ausência de um órgão com
A adoção da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu
Oi
Protocolo Adicional, provocou atitudes no plano institucional. O ExCom adotou ·•Exclusion of persons with disabilities during displacement can be inadvenent or purposeful: in either case, neverthe-
less, it is discriminatory." UNHCR Working with Persons with Disabilities. 1011. Disponível em: hnp:iiwww.unhcr.
um importante documento: a "Conclusão sobre Refugiados com Deficiência e
org/4ec3c8 1c9. pdf.
outras Pessoas com Deficiência assistidas pelo ACNUR" 136 • As conclusões servem ·'Achieving a high standard of protection is only possible if an inclusive and participatory approach is adopted. The inclusion
of persons with disabilities in policy formulation and consultation processes is key to developing and implementing appropriate
IJO solutions to the problems that they face. Consultation and participation through ali phases of crises and protracted situations
EDWARDS, Alice. Displacemen~ Statelessness, and Questions ofGender Equality and the Convention on the Elimination
is essential. UNHCR should also make sure that persons with disabilities are able to apply tlleir skills and capacities to benefit
of ali Forms ofDiscrimination Against Women. Background paper prepared for ajoint United Nations High Commissioner
tllemselves, their families and their communities." UNHCR - Working with Persons with Disabilities.Op. Cit, 2011.
for Refugees and the UN Committee on the Elimination ofDiscrimination against Women seminar, to be held at the United 1)9
Termo referente a homossexuais; bissexuais, transexuais e transgêneros.
Nations in New York, 16-17 July 2009. 140
Cabe mencionar um passo importante nesse sentido, que foi a elaboração. por um grupo de especialistas, dos Princípios
Para uma análise da exploração da mulher como .. estratégia de guerra'" nos conflitos annados, a análise de SINGH. Anita. Women
de Yogyakarta, em março de 2007. Um dos princípios refere-se, especificamente, ao direito de de procurar refügio em
in Darfur-a Case Study: criticai concepts in intemational security. JnJoumal ofMilitruy and Strategic Studies, Vol 9, lssue 4, 1007.
outro pais. em razão da perseguição odiosa sofrida em razão da identidade sexual. Para inteiro teor. consultar: hnp://www.
A Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Adicional foi adotada pela Resolução 61/106 da
yogyakartaprinciples.org/.
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, em vigor desde 3 de maio de 2008.
m
Vide artigo 1" da Convenção e definições conceituais adicionais no artigo 2 "' Ver em: UNHCR. Guidelines on lntemational Protection: .. Membership of a particular social groups" within the context of

Na redação do artigo 11 da Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência: ..Em confonnidade com suas obri- Article IA(2) ofthe 1951 Convention andlor its 1967 Protocol relating to the Status ofRefugees, Genebra, 1002, disponível
gações decorrentes do direito imernacional. inc/w;fre do direito humanitário internacional e do direito imernacional dos em: hnp://www.refworld.org/pdfidl3d36f23f4.pdf. E também em: UNHCR Guidance Note on Refugee Claims Relating to
direitos humanos. os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das Sexual Orientation and Gender ldentity, 21 November 2008, available at: hnp://www.refworld.org/docidl48abd5660.html.
pessoas com deficiência que se encolJlrarem em situações de risco. incltL\·fre situações de conflito armado. emergências Nesse sentido. ver recente caso da Corte Europeia de Direitos Humanos M.E. v. Sweden (Grand Clwmber), Application no.
humanitárias e ocorrência de desastres naturais:· 71398/12, Council ofEurope: European Court ofHuman Rights, 8 April 2015.
m CHATAIL. Vincent. Op. Cit. 2014, p.61
PEARCE, Emma Refugees and Displaced Persons with Disabilities - from •forgoten' to 'vulnerable' to 'valueble'. ln
Forced Migration Review Disability and Displacement. 2010. São eles: o Comitê de Direitos Humanos (Pacto dos Direitos Civis e Politicos); Comitê dos Direitos Econômicos Sociais
1]6
ExCom Conclusion on Refugees with Disabilities and other Persons with Disabilities Assisted by the UNHCR. N"l O( LXI ). e Culturais (Pacto dos Direitos Econõmicos Sociais e Culturais): o Comitê contra a Tortura (Convenção contra a Tortura);
11 de outubro de 2010. Comitê dos Direitos das Crianças (Convenção sobre os Direitos das Crianças); Comitê sobre os Direitos das Mulheres
190 ~I_______________________________ H_E_L_IS_~_NE_M_A_HL_K..E DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GJ.-illOS: Novo PAR.-\OIGMA JURÍDICO
191
a mesma função supervisora relacionado à Convenção de 1951 145, eles têm tido um acordo vinculante, as discussões nela postas serviram de base para as Convencões
papel importante na propagação dos direitos humanos através do DIR 14ó. Evidente- da Haia, que ocorreram em 1899 e 1907, nas quais foram estabelecidas as prim:iras
mente, o papel desses órgãos não é examinar solicitações de refugio ou monitorar a normas 150 do conjunto que hoje formam o Direito Internacional Humanitário.
aplicação da Convenção de 1951 pelos seus Estados-partes, já que nenhum deles tem Após a II Guerra Mundial, foram adotadas as quatro Convenções de Genebra:
a competência para supervisioná-la. Contudo, ao menos em parte, os treaty bodies a I Convenção (sobre a proteção de doentes e feridos); a II Convenção (sobre a
têm contribuído para suprir a ausência institucional e normativa do DIR147. proteção de pessoas em alto-mar); a III Convenção (sobre prisioneiros de guerra)
A aplicação acumulativa do DIDH e do DIR reforça o regime internacional de e a IV (sobre a proteção da população civil em conflitos). Juntas, essas convenções
proteção aos refugiados. Como resultado dessa inter-relação, o DIR hoje é indisso- forma o chamado "Direito de Genebra", o segundo pilar do Direito Humanitá-
ciável das demais normas de DIDH, cada um representando uma parte especial do rio Internacional, subsequente ao primeiro que foi o "Direito da Haia" (advindo
mesmo conjunto normativo. Esse fator leva à ideia de que o DIR está sendo paulati- das Convenções de Paz da Haia) mencionado anteriormente. Posteriormente, em
namente absorvido pelo DIDH 148. Apesar da Convenção de 1951 ainda representar 1977, dois Protocolos Adicionais foram aprovados para complementar as normas
o principal marco normativo do DIR, suas limitações têm sido cada vez mais supe- de Genebra: o I Protocolo, referente às vítimas de conflitos internacionais; e O II
radas pela aplicação dos princípios e Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Protocolo referente às vítimas de conflitos internos 151 .
O Terceiro pilar do Direito Internacional Humanitário compreende as chama-
4.3.2. Normas Complementares do Direito Internacional Humanitário das "regras de Nova Iorque", por ser parte do desenvolvimento das Nacões Unidas
quanto ao Direito Humanitário. A partir de 1968, com a adoção da Resolução nº
O Direito Humanitário Internacional (DIH),jus in bello, regulamenta a con- 2444 (XXIII) "Respeito aos Direitos Humanos em Conflitos Armados", a organização
duta das partes durante o conflito armado e protege as pessoas hors de combat demonstra iniciativa e interesse em atuar jurídica e politicamente de maneira mais
(feridos de guerra em terra ou mar, prisioneiros de guerra e civis). O Direito In- incisiva quanto aos conflitos armados, especialmente em virtude das guerras de liber-
ternacional Humanitário, conforme já mencionado, é uma das vertentes do Direi- tação nacional e no interesse de limitar o uso de determinado tipo de armamento1 52_
to Internacional dos Direitos Humanos. Porém, possui características especiais e Mas qual relação se estabelece entre o DIH e o DIR, dois ramos especiais
do DIDH? 153 Essa relação se dá especialmente a partir das situações de con-
origens históricas distintas. O Direito Internacional humanitário tem sua origem
flitos armados 154, que são hoje a principal causa do deslocamento forçado de
nas práticas militares consuetudinárias que se desenvolveram com o tempo, as
chamadas "leis da guerra", que representavam uma restrição de comportamento !5U
Merece menção a '"Cláusula Martens" (assim nominada em homenagem ao representante da Delegação Russa, Fiódor Fió-
perante os combatentes e/ou civis, geralmente a proibição de condutas cruéis ou
doro,·ich Martens), que ressalta a importância do direito consueJudinário para composição das nonnas do Direito Interna-
desonrosas 149 . As práticas adotadas por diversos Estados formaram a base para um cional Humanitário. estabelecendo que: "Até que 11111 código mais completo das leis de guerra seja editado. as altas partes
acordo internacional sobre as leis e costumes da guerra apresentado na Confe- comrataJJtes consideram con\'eniente declarar que, em casos não incluídos nas regulamentações por elas adotadas. os civis
e beligerantes permanecem sob a proteção e a regulamentação dos princípios do direito internacional. uma ve= que estes
rência de Bruxelas de 1874. Apesar da Conferência não ter resultado em nenhum
resultam dos costumes estabelecidos entre pm•os cfrili=ados. dos princípios da humanidade e dos ditames da c01Lfciência
pública'". (Preâmbulo da II Convenção da Haia de 1899). Seu conteúdo foi, posterionnente, reafinnado no art.1º§2º do
(Convenção contra toda fonna de discriminação contra a mulher); Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Prolocolo Adicional de 1977 e no §4º do Preâmbulo do II Protocolo Adicional de 1977.
(Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência). Além do Comitê contra a discriminação racial (Convenção O II Protocolo Adicional de 1977 pode ser considerado uma ampliação do artigo 3" comum às quatro Convenções de Gene-
contra a Discriminação Racial) e do Comitê contra o Desaparecimento Forçado (Convenção Internacional para a Proteção bra, o qual foi o primeiro dispositivo internacional a regulamentar a situação de conflitos internos. Devido à proliferação de
de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado). guerras civis e conflitos cada vez mais complexos envolvendo agentes diversos, essas nonnas são de grande importância,
i.:s Já foi mencionado anterionnente o fato de não haver um órgão supervisor próprio quase-judicial relacionado à Convenção de sobretudo na proteção de deslocados internos.
15:!
1951, a exemplo dos demais tratados de Direitos Humanos. Cabe reforçar neste momento, a critica sobre essa circunstância, Parte da doutrina considera que ainda existe um Quarto Pilar do Direito Humanitário, vinculado ao ·'Direito de Roma", em
que só reforça a ideia da intenção dos Estados de manter o rerugia como uma faculdade discricionária sua. alusão ao Estatuto de Roma. de 1998, constitutivo do Tribunal Penal Internacional. O papel do Tribunal quanto ao DIR foi
J-,:6
Alguns exemplos de casos podem ser apontados: Comitê contra a Tortura: S.M., H.M. and A.M. v. Sweden (2011) Comm. abordado no Capitulo 3.
No. 374/2009; Toirjon Abdussamatov and 28 other complainants v. K.azakhstan (2012) Comm. No. 444/2010; Seid Mortesa A compreensão do Direito Humanitário como parte integrante do conjunto nonnativo do Direito Internacional dos
Aemei v. Switzerland (1997) Comm. No. 34/1995: A.D. v. Netherlands (1999) Comm. No 96/1997 Comitê de Direitos Direitos Humanos, ou a relação intrínseca entre as três vertentes, é reconhecida pela Corte Internacional de Justiça na
Humanos: Naveed Akram Choudhary v. Canada (2013) Comm. No. 1898/2009; Maksudov et ai. v. Kyq,,yzstan (2008) Opinião Consultiva sobre a Legalidade da Ameaça de Uso de Annas Nucleares ( 1996) e na Opinião Consultiva sobre
Comm. Nos. 146112006, 146212006, 1476/2006 and 1477; Stewart v. Canada ( 1996) Comm. No. 538/1993; Jama Warsame as Consequências Legais da Construção do Muro nos Territórios Palestinos Ocupados (2000), nas quais a Corte esta-
v.Canada(2011) Comm. No. 1959/2010; Hamida v. Canada(2010) Comm. No. 1544/2007; M. I. v. Sweden (2013) Comm. belece que a aplicação dos demais tratados de Direitos Humanos não cessam durante períodos de conflito annado (ICJ
No. 2149/2012. Reportes, ( 1996 J I, §25).
147 154
GIL-BAZO, Maria Teresa. lntroduction: the rol of International Organizations and Human Rights Monitoring Bodies in É importante definir o que se considera "conflito annado'". Toma-se a definição trazida pelo Tribunal para a Antiga Iugos-
Refugee Protection. ln Refugee Survey Quaterly, 2015. lávia que diz existir um conflito annado em contexto internacional ou nacional, no qual "existe violência annada continua
CHATAIL, Vincent. Op. Cit. 2014. p, 62. entre entidades governamentais e grupos annados organizados ou entre grupos annados em um Estado'".(tradução da auto-
1-1,9
HENCKAERTS, Jean-Marie, DOSWALD-BECK, Louise. EI Derecho Internacional Humanitario Consuetuniario. Vol I - ra). (Prosec111or i-. D11sko TadiC. (Decfrio11 011 the Defe11ce Motio11for /111erlocuto1y Appeal 011 Jurisdiction) ICTY: Case No.
Nonnas. CICV. 2007. IT-94-1-A, outubro de 1995, §70).
192 J1_____________________________H_E_LI_SAN_'E_M_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
193
155
pessoas • Por esse motivo, há uma inevitável intersecção entre o Direito Inter- em outro país e quando cruza a fronteira do Estado de origem. Conforme observa
nacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados, apesar a autora, sem o DIH, muitos indivíduos ficariam em uma espécie de vácuo legal
de suas origens distintas. Uma vez que refugiados são, nesse contexto, também até que eles conseguissem escapar de seus perseguidores e conseguissem atingir a
vítimas de guerra, o DIH e o DIR podem ser aplicados sucessivamente, uma vez fronteira de outro Estado.
que, em geral, uma ruptura do DIH, ou a dificuldade das pessoas obterem a pro- O DIH tem influenciado o DIR, emprestando alguns de seus conceitos, prin-
teção de suas normas e, portanto, são obrigadas a deixar a zona de conflito 156 • cípios e regras, também quanto aos standards de interpretação. Por exemplo, um
Segundo Alice Edwards 157 existe uma série de vantagens na relação estabeleci- dos princípios fundamentais do DIR é caráter exclusivamente civil dos campos de
da entre o DIH e o DIR. Primeiro, há uma complementaridade entre os direitos refugiados e, de maneira mais ampla, o refúgio tem sido permeado por um princí-
garantidos por cada um dos dois ramos que não estão previstos pelo outro. Logo, pio fundamental do DIH, ou seja, o princípio da distinção 160 (proibição do ataque
há a possibilidade de aplicação simultânea ou sucessiva de suas normas para abar- contra a população civil e seus recursos), especialmente em relação aos frequentes
car diferentes necessidades de proteção. Segundo, enquanto os direitos previstos na ataques a estes campos.
Convenção de 1951 são adstritos apenas àqueles reconhecidos como refugiados (e A relação entre o DIH e o DIR está mais explícita na N Convenção de
alguns poucos direitos aos solicitantes de refúgio), o DIH, por outro lado, é apli- Genebra referente à Proteção de Civis em Tempos de Guerra, de 1949 e no Pro-
cável a qualquer pessoa com base no mesmo senso de humanidade (com limitadas tocolo I. 161 Nessas previsões, verifica-se que o DIH protege um tipo específico de
exceções), e deve ser aplicado respeitando-se o princípio da não-discriminação. A refugiado, ou seja, aquele que está sob o controle de uma das partes do conflito.
terceira vantagem é que, em caso de ruptura do DIH existem mecanismos mais Esse controle existe em três situações: i) nacionais do Estado inimigo que foram
efetivos para responsabilizar e sancionar o Estado que cometeu tais violações 158, en- admitidos como refugiados no território da outra parte antes do conflito se instau-
quanto em relação ao DIR as perspectivas são mais limitadas 159 • A quarta vantagem rar, ou que buscaram refúgio em seu território durante o conflito; ii) nacionais de
se refere ao fato que caso determinado Estado não seja signatário da Convenção um país neutro ao conflito, mas que tem admitido refugiados provenientes de um
de 1951, em geral, ele pode estar comprometido com as Convenções de DIH, ou dos Estados partes do conflitos em seu território; iii) após fugirem para o Estado
mesmo com as normas costumeiras internacionais, as quais se aplicam a todos os inimigo, nacionais do Estado parte do conflito caem sob seu controle novamente
Estados, podendo-se extrair delas elementos de proteção. ~into, a discrepância em caso de ocupação 162 •
entre o tratamento oferecido àqueles refugiados com status reconhecido a partir da Por outro lado, o DIH não se aplica a refugiados que são cidadãos do Estado
Convenção de 1951 e o grupo mais amplo de pessoas que necessita de proteção, de- beligerante e fogem para outro Estado que não é parte do conflito. Além disso, o
monstra a importância dos demais instrumentos de direitos humanos. Por fim, o DIH não abarca a situação que fogem de um conflito armado interno, cruzando a
DIH se aplica a indivíduos em situação anterior à fuga, durante a fuga e enquanto fronteira para outro Estado. Nessas duas situações é que se estabelece a importância
forem refugiados, já o DIR estabelece-se apenas quando o solicitante busca refúgio da aplicação do DIR.

"' Segundo relatório do ACNUR, nos últimos cinco anos, ao menos 15 conflitos eclodiram ou reniciaram causando a migração 160
O Principio da Distinção refere-se à diferenciação de conduta em relação a civis e combatentes. ou seja, as partes em conflito
forçada de milhares de pessoas: oito na África (Costa do Marfim, República da África Central, Líbia, Mali, Nigéria, Repú- devem distinguir entre civis e combatentes. os ataques só podem dirigir-se a estes últimos, jamais aos civis. Além desse
blica Democrática do Congo, Sudão do Sul e Burundi); três no Oriente Médio (Síria, Iraque, e Yemen), sem mencionar a principio, outros importantes que compõem essencialmente o DIH é o princípio da necessidade (quanto à justificativa da
continuidade da instabilidade no Afeganistão: um na Europa (Ucrânia); três na Ásia (Quirguistão, Miamar e Paquistão). Pela conduta de guerra); proporcionalidade (resposta proporcional à ameaça ou ataque sofrido); e humanidade (tratamento digno
continuidade dessas crises, em 2014, apenas 126.800 refugiados puderam retornar aos seus lares, o menor número em 31 e humano dispensado a civis e combatentes). (HENCKAERTS, Jean-Marie, DOSWALD-BECK, Louise. Op. Cit 2007).
161
anos. (Fonte: UNHCR - Global Trends 2014 - World at War. Disponível em: http://www.unhcr.org/566584fc9.htrnl). O artigo 70 da IV Convenção de Genebra dispõe: "'As pessoas protegidas não poderão ser presas, processadas ou condenadas
JAQUEMET, Stephane. Toe Cross-Fertilization of lntemational Hurnanitarian Law and Intemational Refugee Law. ln pela Potência ocupante por atos cometidos ou por opiniões manifestadas antes da ocupação ou durante urna interrupção tem-
IRRC, Vol. 83, nº843, setembro de 2001. p.653. porária desta, com exceção das infrações às leis e costumes da guerra. Os súditos da Potência ocupante que, antes do inicio
EDW ARDS, Alice. Crossing Legal Borders: the interface between Refugee Law, Human Rights Law and Humanitarian do conflito, tiverem procurado refúgio no território ocupado não poderão ser presos, processados, condenados ou
Law in the 'lntematíonal Protection' ofRefugees. ln CANTOR, David James e DURIEUX, Jean-François (editors). Refugee deportados desse território, a não ser que infrações cometidas depois do inicio das hostilidades ou delitos de direito comum
from Inhumanity? War Refugees and lnternational Hurnanitarian Law. Leiden: Nijhof Editores, 2014, pp 427 a 429). praticados antes do início das hostilidades, segundo a lei do Estado cujo território está ocupado, tivessem justificado a extra-
"' A violação do Direito Humanitário pode levar à responsabílização do Estado perante os mecanismos onusianos ( em especial dição em tempo de paz.". Também, o artigo 44 da mesma Convenção. pontua que: ·'Ao aplicar as medidas de fiscalização
sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. aos auspícios do Capitulo VII da Carta de São Francisco); mencionadas na presente Convenção, a Potência detentora não tratará como estrangeiros inimigos, exclusivamente na
além da Corte Internacional de Justiça; e também, em relação aos crimes tipificados pelo Estatuto de Roma, geralmente base da sua subordinação jurídica a um Estado inimigo, os refugiados que não gozem de fato da proteção de qualquer
conexos com situações de guerra. perante o Tribunal Penal Internacional. Go\'erno." Já o artigo 73 do Protocolo 1, de 1977, estabelece que: "As pessoas que. antes do início das hostilidades, foram
'" Já quanto ao DIR, com a exceção da possibilidade de alegações perante a justiça nacional, no caso de alguns Estados consideradas como apátridas ou refugiados no sentido dos instrumentos internacionais pertinentes e aceitos pelas
que preveem essa possibilidade, a ausência de um mecanismo internacional de supervisão e controle especifico dificulta Partes interessadas ou da legislação nacional do Estado que as tenha acolhido ou no qual residam, serão pessoalmente
a responsabilização pela violação do direito ao refügio. O acesso às Cortes Internacionais tem sido o recurso mais efetivo protegidas em todas as circunstâncias e sem nenhuma distinção de índole desfavorável, no sentido dos Títulos I e 111 da
para buscar a efetividade do DIR, mas como se pode observar no Capítulo 3, esse é um processo que ainda necessita maior Quarta Convenção". (grifo da autora).
desenvolvimento. EDWARDS, Alice. Op. Cit. p.430.
194

Com a proliferação de conflitos em diversas regiões do globo, uma das maio-


res preocupações do ACNUR e da comunidade internacional é o fluxo em massa
l-lELISA1,E fvl..\HLK.E

T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:Gl.-\.!JOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

ser deduzida a partir das disposições de tratados e dos princ1p10s advindos do


direito costumeiro humanitário internacional que permeia os próprios tratados 165 •
195

de pessoas que se deslocam fugindo conflitos. Essas pessoas, que não mais podem Especialmente, a previsão do artigo 147 da IV Convenção de Genebra que carac-
ser protegidas pelas autoridades de seus países de origem, são protegidas pelas nor- teriza a "deportação forçada" ou "transferência forçada" de pessoa "sob proteção"
mas do DIH e pelo Direito Costumeiro, tanto em situações de conflito internacio- como uma violação grave do DIH 166 •
nais quanto guerras civis. Em outras palavras, a proteção garantida pelo DIR não Outra questão importante a se considerar é que o DIR baseia-se na premissa
resulta no afastamento da possibilidade de garantir outros direitos provenientes de de que, salvo "as disposições mais favoráveis previstas na Convenção", os refu-
outros tratados de Direito Internacional. Pode-se dizer que no caso de refugiados giados recebem o mesmo tratamento dos estrangeiros em geral1 67 • Contudo, nos
em situação de conflito, a aplicação das normas do DIR e do DIH pode ser simul- períodos de guerra, são justamente os "estrangeiros" aqueles que primeiro têm os
tânea 163 e complementar, cada uma oferecendo a proteção necessária onde a outra seus direitos restringidos ou reduzidos. O artigo 44 da IV Convenção de Genebra
norma não alcança. previne que o Estado trate como um "estrangeiro inimigo", somente com base na
Pode-se observar que o DIR não possui mecanismos adequados para proteger sua subordinação jurídica a um Estado inimigo, "os refugiados que não gozem de
pessoas em situação de conflito. Aliás, durante conflitos armados, o DIR mostra- fato da proteção de qualquer Governo". É flagrante sua relação com a posterior
-se deficiente, algo que pode ser corrigido pelo DIH. Esse fato é evidenciado pelo inclusão do artigo 8 na Convenção de 1951 168, o que estabelece uma conexão in-
próprio artigo 9 da Convenção de 1951, que permite aos Estados-membros tomar trínseca entre o DIH e o DIR169 •
"medidas provisórias" contra refugiados ou solicitantes de asilo "em tempo de guer- Bastante didática é a divisão feita por Vincent Chatail1 70 para compreender a
ra ou em outras circunstâncias graves e excepcionais, de tomar provisoriamente, a situação dos refugiados de conflitos armados, na qual ele estabelece a existência de
propósito de uma pessoa determinada, as medidas que este Estado julga indispensá- três categorias de refugiados: (i) refugiados na guerra, (ii) refugiados que estão fu-
veis à segurança nacional, até que o referido Estado determine que essa pessoa seja gindo do conflito, e (iii) refugiados em situação pós-conflito. Para cada uma dessas
efetivamente um refugiado e que a continuação de tais medidas é necessária a seu categorias, uma análise comparativa dos três ramos do DIDH permite concluir que
propósito no interesse da segurança nacional". Essa previsão, em outras palavras,
autoriza o Estado que ratificou a Convenção de 1951 a derrogar quaisquer de suas 165
J.S. Pictet aponta alguns princípios fundamentais do Direito Humanitário, como o "principio das normas de Genebra'",

previsões em tempos de guerra. para o qual pessoas localizadas Jwrs de combat e aqueles que não estão participando diretamente das hostilidades pre-
cisam ser respeitados, protegidos e tratados com humanidade. O autor também prevê princípios comuns como o "prin-
Ao contrário de outros tratados de direitos humanos, a Convenção de 1951 cipio da segurança" (todo individuo tem direito à segurança pessoal); ·'principio da proibição da deportação ilegal"; "o
não contém um núcleo de direitos que não podem ser afastados em nenhuma cir- principio da proteção" (o Estado deve garantir proteção nacional e internacional a todos os individuas que estejam sob

cunstância. Por essa razão os direitos dos refugiados podem ser suspensos em tem- seu poder). (Ver mais em: PICTET, J.S. Humanitarian Law and lhe Protection of\Var Victims. Henri Dunant Instirute.
1975). Conforme comenta Jennífer Moore, os princípios de humanidade, segurança e proteção estatal apontados por
pos de guerra. Nesse aspecto que reside a importância da intersecção entre o DIR e Píctet estabelecem um fundamento amplo e profundo para norma cosrumeíra do no11-r~fo11/eme11t de caráter humanítàrio.
o DIH, já que este último contém salvaguardas que complementam a proteção de A proteção contra a devolução forçada ajuda a prevenir fururas violações do jus ín bello, evitando o tratamento desumano
pessoas que a Convenção de 1951 não alcança 164. de civis. Mas, principalmente, segundo a autora, o non-refoulement humanitário é uma obrigação do Estado em proteger
indivíduos que estejam sob sua jurisdição contra qualquer violação do DIH. (MOORE, Jennifer. Protection Against
Na medida em que o Direito Internacional dos Refugiados expande sua área Forced Rerurn of War Refugees: ao ínterdisciplinary consensus on humanitarian non-refoulemem. ln CANTOR, David
de proteção para abarcar as vítimas de conflitos de guerra, o DIH, por sua vez, James e DURJEUX, Jean-François (editors). Refugee from Inhumanityº War Refugees and lnternational Humanitarian

também oferece proteção àqueles que são forçados a retornar aos seus países de Law. Leiden: NijhofEditores, 2014).
166
A autora observa que o 11011-refou/ement de caráter humanitàrio deve se estender às vítimas de conflitos tanto nacionais
origem. Tal qual o DIR, o DIH (jus in bello) também se preocupa com aqueles quanto internacionais. E quanto ao termo ·'pessoas sob proteção" a definição encontra-se no art 4 da IV Convenção, com-
que se encontram vulneráveis ao uso abusivo do poder. Assim, o non-refoulement preendendo indivíduos que estão nas mãos de uma das partes do conflito ou do "poder de ocupação" e não a indivíduos que
estão buscando retügio em um outro país fora do conflito. Conrudo, a expressão "deportação ilegal" deve ser interpretada
de caráter humanitário ("humanitarian non-refoulement" como denomina Jenni-
no contexto do DIH como um todo e, portamo, deve-se adotar uma interpretação expansiva do no11-refo11/ement. ('.'v!OORE,
fer Moore) se torna mais um instrumento para proteger os não-combatentes da Jennifer. Op.cit., 2014, p.421 ).
brutalidade das estratégias de guerra. Mas, qual o fundamento da aplicação deste 167
Vide artigo 7 .1 da Convenção de 1951.
16S
Artigo 8 da Convenção de 1951 in verbis: "No que concerne às medidas excepcionais que podem ser tomadas contra
princípio perante o DIH? Como esclarece Moore, não há previsão explícita sobre
a pessoa. os bens ou os interesses dos nacionm:fi de um Estado. os Estados Co11tratantes não aplicarão tais medidas a
o non-refoulement nas Convenções de Genebra. Contudo, a proibição do retorno 11111 reji1giado que seja Jonnalmente nacional do referido Estado unicamente em ra::ão da sua nacionalidade. Os Estados
forçado de indivíduos (tanto em conflitos nacionais quanto internacionais) pode Contratantes que. pela sua legislação. não podem aplicar o princípio geral conmgrado neste artigo concederão. nos casos
apropriados. dispensa em favor de tais refi,giados.''
169
16)
JAQUEMET, Stephane. Op. Cit. 2001, p.654.
A própria Convenção de 1951, em seu artigo 5", prevê que ·'Nenhuma dfrposição desra Co11ve11ção prejudicará os olllros li!!
CHA TAIL. Vincent Armed Conflict and Forced Migration: syslemalic approach to lnlemational Humanitarian Law, Refu-
direitos e \'Gntagens concedidos aos refi,giados. independemememe desta Convenção". gee Law and International Human Rights Law. ln GAETA, Paola e CLAPHAN, Andrew. The Oxford Handbook oflnterna-
Vide Parte III da IV Convenção de Genebra Relativa à Proteção de Civis em caso de Guerra. de 12 de agosto de 1949.
tional Law in Armed Conflict, março de 2014.
196
4
J_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1s_~_N_'E_N_L_Afl_L_KE_

existem limitações na capacidade de proteção oferecida tanto pelo DII-Í quanto pelo
DIR, porém o DIDH cumpre a função central de preencher as lacunas deixadas pelos
outros dois ramos. Esse fator demonstra que os conflitos armados e outras situações
de violência generalizada desafiam a interpretação e aplicação dos principais instru-
T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS:

175
Novo PARADIGMA JURÍDICO

à vida. Entende-se que essa visão é mais coerente com a raiz histórica do refugio
e com sua vocação humanitária.
O DIH é o ramo do Direito Internacional especialmente desenhado para
situações de conflito armado. Pelo o que já foi analisado até o momento, é clara
·
197

mentos de proteção aos refugiados (a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967). a inter-relação entre o DIH e o DIR. Pelo fato do DIH regular condutas durante
Q!ianto ao primeiro grupo, os refugiados em guerra, o status de refugiado é as hostilidades, estabelecendo o limite entre as considerações militares e as necessi-
baseado na situação na qual as partes em conflito não são capazes ou não querem dades humanitárias, o DIH pode ser relevante para interpretar o conceito de "per-
respeitar o DIH, o que significa uma clara correlação entre a violação destes direitos seguição" no contexto dos conflitos armados, identificando que tipo de conduta
(frequentemente configurando crimes contra a humanidade ou crimes de guerra) e a pode ser assim considerada, ou qual conduta pode ser legítima durante a situação
necessidade de buscar refugio. A identificação se o fundado temor de perseguição está de guerra 176 • Além disso, o DIH em conjunto com as normas de DIDH pode eluci-
de acordo com a definição da Convenção de 1951, é o ponto crucial na determina- dar se as ameaças são suficientemente sérias para configurar perseguição. 177
ção do status de refugiado no contexto de conflitos armados e situações de violência Uma situação bastante sensível, e cada vez mais frequente diante da complexi-
generalizada. Como explica Vincent Chatail1 71, a questão central é saber se a vítima dade dos conflitos existentes hoje, é quando refugiados são pegas em um conflito
ou potencial vítima de conflito que fugiu de seu país de origem para buscar refugio armado interno e se veem sob o controle territorial de um grupo dissidente (ou uma
em outro país encontra a definição de refugiado prevista no art.1.2 da Convenção de entidade não-governamental) e, portanto, não podem contar com outro tipo de pro-
1951. Apesar do consenso de que essas vítimas merecem a proteção internacional, ao teção que não seja a do DIH. O DIR não é vinculante para grupos dissidentes, ele
menos temporariamente, há argumentos que defendem que eles não refugiados em se dirige exclusivamente aos Estados. Nesse sentido, a obrigação de grupos armados
sentido estrito, 172 mas pessoas fugindo de uma situação de guerra e não de perseguição. não-governamentais baseia-se, então, nas previsões do DIH e não do DIR178 •
Essas tendências restritivas quanto à interpretação da Convenção contrastam Outra situação delicada quanto à migração forçada em caso de conflito é a
com a evolução histórica do DIR, a qual foi justamente construída a partir de fluxos dos deslocados internos. Na medida em que não há previsão na Convenção de
de refugiados produzidos justamente por conflitos armados. Em situações como 1951 ou no Protocolo de 1967, é necessário recorrer a outras formas subsidiárias de
essas que reside o próprio contexto da elaboração da Convenção de 1951, que foi proteção 179 • Para preencher essa lacuna, o DIH possui instrumentos importantes,
adotada para proteger vítimas da Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, oferecer especialmente contidos na IV Convenção de Genebra de 1949 e os Protocolos I e
proteção a essas pessoas não era exceção, mas a regra. 173 O que mudou? A origem do II de 1977. Em princípio, prevenir as violações do DIH, resultaria na redução dos
fluxo de refugiados e a disposição dos países em recebê-los, evidentemente, fez com deslocados internos, já que a remoção forçada de pessoas (seja dentro das fronteiras
que interpretações mais restritivas fossem intencionalmente adotadas para restringir do Estado, ou através das fronteiras internacionais) é proibida pela norma humani-
a possibilidade de reconhecer o status de refugiado a milhares de pessoas. tária e só justificada quando for excepcional e temporária, em caso de necessidade
Como observa parte da doutrina, o conceito de perseguição não está definido militar imperativa ou para garantir a segurança dos indivíduos. Por outro lado,
na Convenção de 1951 e ele ainda carece de uma interpretação uniforme. Mas, há os deslocados devem ter permissão para retornar ao seu local de origem, assim
consenso de que alguns fatos, pela sua gravidade e sua potencialidade de expor pes- que cessarem as ameaças a sua segurança na área afetada pelo conflito 180 • Outros
soas a graves violações de direitos humanos, podem ser considerados uma forma
de perseguição 174 • Esse é particularmente o caso da violação do direito à liberdade e KOURULA, Pirkko. Broadening the Edges: Refugee Protection and lnternational Protection Revisited. Haia: Martinus
Nijhoff Publishers. 1997, p. II0.
li6 O próprio ACNUR concorda que o DIH pode exercer esse papel: ·'If someone is forced to flee armed conflict in their country
CHATAIL, Vincent Op. Cit., 2014. because of human rights violations and breaches of humanitarian Iaw, these factors will be part of what determines that
172
O próprio ACNUR considera que os indivíduos vítimas de guerra não necessariamente são refugiados, e estabelece que eles person's refugee status." (l.I'.'JHCR- Note on lntemational Protection. UN Doe A/AC 961975, *53. 2 de julho de 2003).
estariam, então, sob a proteção do Direito Internacional Humanitário. (UNHCR - Handbook on Procedures and Criteria lii
HOLZER, Vanessa. Op.Cit.2012, p.19.
for Determining Refugee Status.§ 164). Os Estados temem que, caso considerem vítimas de Guerra como refugiados, isso 17S Como esclarece Stephane Jaquemet, "Article 3 common to the four Geneva Conventions (as well as most provisions of their
ocasionaria um fluxo em massa de indivíduos para seus territórios, Essa interpretação restritiva, endossada pelo ACNUR, Additional Protocol II of 1977), is clearly addressed to both sides. stating that "each Party to the conflict shall be bound to
reforça a necessidade da aplicação do Direito Internacional Humanitário. Como já mencionado anteriormente, a Declaração apply ... "(emphasis added). By definition, the "other" party to an internai armed conflict is one or more dissident grnups.
de Cartagena e a Convenção da OUA para Refugiados imprimem a possibilidade de uma interpretação bem mais ampla do Fundamental rules of international humanitarian Iaw are not only codified as treaty law but have become customary law.
conceito de refugiado, abarcando tais siruações, porém circunscritas ao seu alcance regional. Thus, they apply in ali circumstances, regardless of whether a party to an armed conflict has formally accepted them or not
m
HOLZER, Vanessa. Toe 1951 Refugee Convention and the Protection of People Fleeing Armed Conflict and Other Rules of international humanitarian Iaw govern not only the conduct of States, or those representing a State, but also the
Situations of Violence. Legal and Protection Policy Research Series. UNHCR Division of lnternational Protection. conduct ofindividuals. (JAQUEMET, Stephane. Op. Cit. 2001, p. 656).
Genebra, setembro de 2012, p.43. 179
A única norma existente que cotempla proteção dos deslocados internos possui alcance apenas regional, que é a já mencio-
Conforme já mencionado anteriormente, outras normas de cunho regional possuem previsões mais amplas da definição de nada Convenção de Kampala, no âmbito da União Africana, em vigor desde 2012.
refugiado, as quais contemplam siruações como essa. É o caso da Convenção da OUA sobre o Estatuto dos Refugiados e a !Sll
Vide IV Convenção de Genebra, art. 49 e 147: Protocolo Adicional I, art. 57.7; art. 78.I e 85.4.(a); Protocolo Adicional II
Declaração de Cartagena, adota por vários países em suas legislações nacionais. art.4.3(e)e 17.
198 JJ_____________________________H_EL_1s_~_N_E_N_L-\H_L_1'E DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl!Gl.-\.00S: Novo PARADIGMA JURÍDICO
199
direitos também contemplados pelo DIH quanto aos deslocados internos referem- 191
por questões de "limpeza étnica" • Ainda o artigo 45 da IV Convenção e 0
-se a não-discriminação 181 ; o direito à vida, à liberdade e à dignidade 182; assistência artigo 75 do Protocolo I proíbe qualquer tipo de remoção em massa que não
humanitária 183; união familiar 184; documentação 18 5; preservação de sua propriedade seja por razões legítimas de segurança do Estado ou considerações militares. O
e bens 186; proibição do recrutamento forçado de crianças 187; proteção como parte artigo 45 refere-se a pessoas sob a proteção do Estado, incluindo refugiados e
integrante da população civil1 88 • Nesse sentido, as normas da IV Convenção de Ge- prevê, em seu parágrafo 4Q, o princípio do non-refoulement, enquanto o artigo
nebra, sobretudo e do Protocolo I, aplicam-se aos deslocados internos, já que eles 75 aplica-se a qualquer pessoa afetada pelo conflito armado e proíbe à submissão
compõem a população civil que dever ser, segundo estas normas, protegida durante a tratamento humilhante, desumano ou degradante 192 • Essa proteção existe não
os conflitos armados 189 • apenas durante os conflitos armados internacionais, e também internos, o que é
A proteção complementar, no caso dos deslocados internos é de essencial im- essencial para a proteção dos refugiados que, em sua maioria, são provenientes
portância. Como observa Walter Kãlin, apesar da situação factual dos deslocados de conflitos internos 193 •
internos se assemelhar a dos refugiados, eles não são considerados refugiados do ~anto aos refugiados em contexto pós-conflito, o fim das hostilidades ine-
ponto de vista legal (leia-se, segundo a Convenção de 1951), pois não cruzaram a vitavelmente traz a discussão sobre a cessação da proteção aos refugiados e o retor-
fronteira para pedir refúgio em outro país. Por continuarem como cidadãos do no ao país de origem. 194 Conforme observa Vincent Chatail, essa situação revela,
Estado a qual pertencem e estarem dentro de sua jurisdição, sobre eles recaem as porém, um dilema inerente ao processo de reconstrução da paz pós-conflito: o fim
normas de DIH e de DIDH às quais este Estado tenha se comprometido 190 • dos conflitos necessariamente constitui uma situação que justifique por si só, a reti-
Outra questão que relaciona o DIR e o DIH é a proibição da remoção rada da proteção aos refugiados, quando a paz duradoura ainda não foi totalmente
forçada de civis> O art. 49 da IV Convenção de Genebra expressamente proíbe a estabelecida e o retorno massivo de refugiados pode ameaça-la? A repatriação vo-
deportação do território ocupado para o território de outros Estados, incluindo luntária 195 é concebida em consonância com a cláusula de cessação prevista pelo ar-
aquele do Poder de Ocupação, incluindo a transferência forçada de indivíduos tigo l.c da Convenção de 1951, segundo o qual o status de refugiado cessa quando
este "se se estabeleceu de novo, voluntariamente, no país que abandonou ou fora
131
Convenção de Genebra IV. art. 3 e 27; Protocolo Adicional 1, art. 75; Protocolo Adicional li. art. 2.1 e 4.1. do qual permaneceu por medo de ser perseguido". Porém, a repatriação por si só
Preservação da vida e dignidade: IV Convenção de Genebra artigos 3, 27 e 32. Protocolo Adicional I, artigo 75.2; Protocolo
não justifica a retirada do status de refugiado, é necessário que haja um reestabele-
Adicional li, art.4. Como civis, os deslocados não podem ser objeto de ataque a não ser que participem nas hostilidades: Pro-
tocolo Adicional I, art. 51; Protocolo Adicional li, art. 13; DHCI, Regras I e 7. Proibição de detenção arbitrária é proibida: cimento do indivíduo em seu país de origem, ou seja, deve haver garantias de que
IV Convenção de Genebra, art. 78; Protocolo Adicional II. art. 5.1. Os deslocados internos devem ter o direito de mover-se o retorno seja seguro e efetivo, sem colocar em risco a vida do repatriado e que ele
livremente para fora dos campos e outros assentamentos.
Preservação de direitos como saúde e correlatos: IV Convenção de Genebra, an. 49.3: alimentação: Protocolo Adicional 1, an. 54
(a) possa retomar sua vida com dignidade.
e 56; Protocolo Adicional li, art. 14. Pennitir a passagem do pessoal médico e suplementos necessários e a ajuda de organismos Diante dos casos expostos, fica evidente a interconexão entre o DIH e o DIR
humanitários imparciais: IV Convenção de Genebra, art. 23, art. 50.5 e art. 56. Essa assistência deve ser imparcial, exclusiva- e, por essa razão, é necessário avaliar casos em que ambos podem ser aplicados de
mente humanitária e conduzida sem discriminação: Protocolo Adicional 1, arts. 70 e 71; Protocolo Adicional li, art. 18.2.
Sobre a unidade familiar: IV Convenção de Genebra, art. 82.2 e 82.3; Protocolo Adicional !, art. 75.5. Sobre reunificação
maneira concorrente. Nesse caso, qual deles deve prevalecer? Nesse sentido, consi-
familiar: IV Convenção de Genebra, art. 26, 27 e 49; Protocolo!, art. 74 e Protocolo II. art. 4.3. derando a natureza de ambos, fundamentada na proteção dos direitos humanos de
Direito a obter registro e identificação: IV Convenção de Genebra, art. 50. Documentação para grupos em situação de vul-
nerabilidade: IV Convenção de Genebra, art. 97 .6. 191
Quando a evacuação de acordo com o artigo 49.2 da IV Convenção é empreendida, os Poderes Ocupantes precisam ob-
E6
Respeito à propriedade e proibição da pilhagem, apropriação indevida, ou destruição deliberada: IV Convenção de Genebra, servar dois princípios: Primeiro. a evacuação precisa ser feita de maneira a respeitar a dignidade das pessoas envolvidas;
an. 33. Art. 147; Protocolo I, art. 51 e 52. art. 75.2(d). e Segundo, não deve, a principio, envolver deslocamento para além da fronteira do Estado. O artigo 147 da IV Conven-
Proibição ao recrutamento forçado de crianças (menores de 15 anos): Protocolo!, art. 77.2; Protocolo li, art. 4.3. ção prevê que a deportação ilegal é uma grave violação do DIH. O caráter criminal da deportação ilegal promovida pelo
ISS
Os deslocados internos devem ter a mesma proteção dispensada aos demais civis: IV Convenção de Genebra, arts. 4 e 27; Poder Ocupante foi confirmada tanto pelo Estatuto do Tribunal Internacional para a antiga Iugoslávia (artigos 2(g) e
Protocolo !, arts 51 e 75; Protocolo li, arts. 4 e 5. 5(d)), como também pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (artigo 7(d) e 8.2 (a.vii; b, viii)). (JAQUE-
Conforme explica Walter Kãlin, existe uma intersecção importante entre o DIH e o DlDH para garantir proteção aos desloca- MET, Stephane. Op. Cit. 2001, p.670).
dos internos. Segundo Kãlin: "Whereas such persons are almost fully protected during international armed conflicts, the law 192
O artigo 17 do Protocolo li também prevê a proibição da remoção forçada de civis e as mesmas exceções ( em caso de
on internai armed conflicts is much more limited in addressing their protection needs. This is particularly true if a conflict is segurança da população ou por razões militares). O parágrafo 2 acrescenta que "civis não podem ser forçados a deixar seu
covered by comrnon Article 3 only but does not reach the threshold of application of Protocol li, or if a country has not rati- próprio território por razões conectadas com o conflito". Violação dessa previsão também é considerada crime de guerra pelo
fied the latter instrument. ln such siruations international human rights law becomes important. for it also affords protection Estatuto do TPI (art.8.2 (e. viii)) e crime contra a humanidade (art.7. l(d)).
for internally displaced persons who flee situations of tension, violence and disturbances characterized by widespread human 193
Ver UNHCR-Global Trends 2014-World ai War. Disponível em: http://\\~\w.unhcr.org/566584fc9.htrn1
rights violations but not amounting to a non-international armed conflict lt remains applicable in ali those situations insofar CHETAIL, Vincent. Op. Cit, 2004, p.723.
as the State concerned has not legitimately derogated from relevam human rights conventions ar that specific guarantees
'" Perante o DIH, a obrigação de repatriar é disposta em termos categóricos sem considerar a vontade da pessoa em questão em
are non-derogable. Admittedly, like international humanitarian law, hurnan rights law does not contain specific guarantees retomar ao país de origem, diferentemente do que ocorre com o DIR. O artigo I 18 da Ili Convenção de Genebra estabelece
for internally displaced persons, but they are nonetheless fully entitled to invoke ali relevam guarantees." (KALIN, Walter. que: "Prisioneiros de guerra devem ser libertados e repatriados sem demora após a cessação das hostilidades." Enquanto
Flight in Times ofWar. ln IRRC, Vai. 83, n" 483, setembro de 2001, p. 631). que a obrigação de repatriar civis. previstas pelo artigo 134 da IV Convenção de Genebra parece menos categórica, o costu-
190
KALIN, Walter.Op. Cit 2001, p. 636.
me internacional demanda, segundo o CICV que assim seja tanto para civis quanto para militares.
200 J1_______________________________H_E_LI_S._,\N_'E_N_l_A_HLKE_· DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
201
indivíduos, a norma que, na ocasião oferecer a melhor e mais ampla alternativa de pessoas sob sua área de atenção. Contudo, considerando os obstáculos impostos
proteção deve ser a que prevalecerá 196 • pelos interesses que permeiam os conflitos, o trabalho de ambas é dificil. O CICV,
Além disso, a interação entre o DIR e o DIH não é meramente normativa, a contudo, por ter maior autonomia institucional, enfrenta menos obstáculos que
atuação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) 197 tem sido comple- o ACNUR para desempenhar seu trabalho. A falta de autonomia orçamentária e
mentar a do ACNUR em diversas situações de conflito. Frequentemente, o CICV institucional do ACNUR e a falta de uma estrutura forte e independente compro-
tem atuado na proteção de pessoas que entram na esfera de proteção do ACNUR mete a atuação do ACNUR, especialmente em zonas de conflito. Assim, o papel de
(refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas e deslocados internos). Tanto o AC- outras organizações como o CICV tem sido fundamental para suprir essa lacuna. 199
NUR quanto o CICV dedicam-se à proteção de pessoas deslocadas em razão de per- Assim, apesar de todos os elementos positivos acima descritos, mostrando a
seguição, guerra e instabilidade política. O DIH, conforme já analisado, refere-se à relação entre o DIR e o DIH, problemas relacionados à proteção de pessoas fu-
situação dos refugiados como um grupo de civis em situação de especial vulnerabi- gindo de conflitos armados ainda persiste. Dentre esses problemas, a tendência a
lidade e que necessitam de atenção especial durante os conflitos e que precisam de continuar interpretando a Convenção de 1951 de maneira restritiva no que tange
atenção humanitária especial na guerra. Porém, o mandato do CICV é mais amplo, aos refugiados de guerra. Além disso, apesar de sua forte relação com as raízes do
abarcando todo e qualquer indivíduo afetado pelo conflito interno ou externo. DIH e do DIDH, a proteção internacional dos deslocados internos ainda precisa
Porém, em perspectiva, a proteção oferecida pelo DIH pode se sobrepor àquela consolidar-se. Além disso, há a necessidade de maior desenvolvimento, cooperação
oferecida pelo DIR e, neste caso, os refugiados de guerra e deslocados internos são e coordenação entre as diversas entidades que prestam assistência para as pessoas
uma preocupação não apenas do ACNUR, mas também estão sob a égide do man- que fogem de situação de conflito interno ou internacional. Nesse sentido, a apro-
dato tradicional do CICV1 98 • A relação entre os dois órgãos tem sido complemen- ximação não apenas normativa, mas institucional entre essas áreas da proteção
tar, sendo que ambas procuram mobilizar recursos para assistência e proteção das internacional dos direitos humanos é cada vez mais urgente, na medida em que o
complexo cenário internacional aponta para o agravamento de diversos conflitos
196
Nesse sentido, cabe a lição de Cançado Trindade, sobre a aplicação do princípio da primazia da norma mais favorável à
em diferentes regiões do globo.
vítima (ou neste caso, ao indivíduo que necessita de proteção): ·'gíven the possible cuncurrent interpretation of equivalente
provisions oftwo or more human tights instruments, there is roam for the search ofthe most favorable norm to the alledged
victim. This test (ptimacy of the most favourable norm), which has found application in practice, gathers express support 4.4. O PAPEL CORTES INTERNACIONAIS NA INTERPRETAÇÃO
in certain provisions ofhuman tights treaties (e.g. Ametican Convention, art.29(b); European Convention, art.60; European
DO DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
Social Charter, art.32; Convention Relating to the Status ofRefugees, art.5)." (CANÇADO TRINDADE, A.A. Toe Proper
lnterpretation of Human Rights Treaties. ln Recuei! de Cours de La Académie de Droit lntemational de la Haye. Vol 11,
Tomo 202, 1987, p.103). Diante das considerações já feitas, torna-se fundamental analisar qual o papel
19:'
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha foi criado em 1863 pelo suíço Henri Dunant, a partir de sua experiência na Ba-
das Cortes Internacionais na construção do novo paradigma jurídico da proteção
talha de Solfetino (pela unificação da Itália), como uma organização cuja missão é exclusivamente humanitária. prestando
assistência e protegendo vitimas de conflitos armados e outras situações de violência. Baseia-se nos princípios da huma- internacional dos refugiados. As Cortes são intérpretes legítimos do Direito In-
nidade, imparcialidade, neutralidade, independência, voluntariado, universalidade. (CROWFORD, Emily e PERT, Alis- ternacional? Especificamente, quanto ao Direito Internacional dos Refugiados, as
son. lnternational Humanitatian Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2015, p.5). Trata-se de urna Organização
Cortes Internacionais podem ser intérpretes legítimos desse conjunto normativo
Não-Governamental Internacional, sui gene tis, pois detém personalidade jutidica internacional reconhecida pelo art. l O da
li Convenção de Genebra de 1949 que determina: "'As Altas Partes contratantes podem, em qualquer ocasião, entender-se
especial? Sua contribuição está exposta no estabelecimento de standards de inter-
para confiarem a um organismo que ofereça todas as garantias de imparcialidade e de eficácia as missões atribuídas pela pretação e aplicação das normas jurídicas, que demonstram a intersecção das três
presente Convenção às Potências protetoras.( ... ). Se, desta maneira, não for possível assegurar a devida proteção, a Potência vertentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
detentora deverá pedir a um organismo humanitário, tal como a Comitê Internacional da Cruz Vermelha. que assuma
as funções humanitárias conferidas pela presente Convenção ás Potências protetoras, ou deverá aceitar, sob reserva do
Tem-se observado uma proliferação de Tribunais Internacionais desde a
disposto no presente artigo, as ofertas de serviços que dimanem de um tal organismo. Qualquer Potência neutra ou qualquer segunda metade do século XX, acompanhada também pelo desenvolvimento de
organismo convidado pela Potência interessada ou que se ofereça para os fins acima mencionados deverá, na sua atividade. diferentes regimes jurídicos e intensa normatização das relações internacionais.
ter a consciência da sua responsabilidade perante a Parte no conflito da qual dependem as pessoas protegidas pela presente
Além disso, a relativização da soberania nacional é acompanhada pela institucio-
Convenção, e deverá oferecer suficientes garantias de capacidade para assumir as funções em questão e para as desempenhar
com imparcialidade. "(grifo da autora). nalização do sistema internacional e pela emergência de atores não-estatais. Esse
19S
Some differences exist between the two agencies. For example, ICRC is greatly interested in the combatam who is hors de quadro de intensas e profundas transformações no cenário internacional impõe
combat whether taking the form of a sick ar wounded fighter, ptisoner of war, irregular fighter, or secutity detainee, etc.
desafios ao Direito Internacional que, para acompanha-las expande-se em sistemas
Normally UNHCR does not seek to protect fighters ofvatious sorts. UNHCR, on the other hand, is greatly interested in per-
manent solutions to the plight of persecuted individuais who have been granted temporary asylum in a haven state. Normally normativos. Essa expansão do Direito Internacional, segundo Dupuy2°0, pode ser
ICRC does not deal with the repatriation or resettlement of conventional refugees. ICRC is a ptivate Swiss agency (now with
a mu!tinational staff, but retaining an all-Swiss policy-making Assembly), which is highly independem ( even from other Red 199
FORSYTHE, David. P. Humanitatian Protection: the lnternational Comminee ofRed Cross and the United Nations Com-
Cross bodies). (FORSYTHE, David P. Refugees and the Red Cross: an underdeveloped dimension ofprotection. Working missioner for Refugees. ln IRRC, Vol, 83, n"843, setembro de 2001.
Paper nº76. UNHCR- New lssues in Refugee research, 2003, p.5). 100
DUPUY, Pierre-Mane. Op. Cit., 1999, p.795.
202 1 HELISANE M.-\HLKE =º~IRE=-:.IT=O~INT.:.:.::ERN:.::..::.A=C=IO~N=AL~D~O=s=RE=-FL~'G_IA_Do_s_:N_o_\_'O_P_AR_A_D_IG_~_IA_J_u_ru_o1_c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _-+ 203
caracterizada por três elementos: i) a ampliação do escopo operacionaf do Direito integração, cooperação e interdependência, produzindo diferentes regimes jurídi-
Internacional devido à crescente necessidade de cooperação internacional; ii) a cos internacionais para regulamentar diversas áreas das relações internacionais 2º7•
multiplicação de atores, especialmente o crescimento da importância de atores não- Essas ordens se estabelecem em diferentes níveis: nacional; regional; inter-
-estatais; iii) a necessidade de garantir a eficácia das obrigações internacionais, com nacional ou supranacional. A partir desses níveis, diferentes relacionamentos
o estabelecimento de órgãos de supervisão e controle. emergem entre elas, cada qual exercendo um papel ordenador e harmonizador
A proliferação dos Tribunais internacionais, por conseguinte, suscita a recor- dentro de sua jurisdição. Segundo Maduro 208 esse fato leva ao risco de fragmenta-
rente discussão sobre esse desenvolvimento levaria a uma fragmentação do sistema ção do Direito Internacional, mas, também, aumenta o apelo aos órgãos judiciais
jurídico internacional, como, também, acarretaria interpretações divergentes de para ativamente promover a integração e coordenação entre as diferentes ordens
suas normas, um quadro que prejudicaria a ideia de uma ordem legal internacional jurídicas. Segundo o autor, isso pode ser feito a partir de um órgão judicial in-
unitária. Uma "ordem legal" 201 é definida como um sistema de normas que vin- ternacional integrar, por meio da interpretação, as regras de um regime jurídico
culam os sujeitos a consequências pré-estabelecidas, em caso de descumprimento. internacional particular com outro regime, ou por meio das Cortes Nacionais
Essa ordem possui dois tipos de unidade, segundo Dupuy: uma unidade formal, ao recorrerem a argumentos provenientes do Direito Internacional para resolver
composta por "normas secundárias"; outra composta por "normas primárias" pe- disputas domésticas.
las quais os indivíduos devem praticar ou se abster de determinadas condutas 2º2 • Nesse sentido, pode-se dizer que existem duas situações possíveis, advinda
Por outro lado, como se pretende demonstrar, o desenvolvimento de orga- da relação entre as diferentes ordens jurídicas. Uma delas é a possibilidade de
nismos judiciais e quasi-judiciais pode ser visto como um instrumento importante conflito entre, o que pode gerar o que Maduro chama de "competição de inter-
de manutenção de uma ordem legal institucionalizada.203 Em outras palavras, a pretação e adjudicação entre as Cortes". A persistência desse conflito leva a um
multiplicação de jurisdições amplia a possibilidade de judicialização das disputas insulamento jurídico, confinando os subsistemas legais em seu próprio mundo.
internacionais, vista pelos analistas como essencial para a existência de uma ordem Essa perspectiva cria obstáculos às relações internacionais e humanas em razão
jurídica, pois torna o Direito Internacional menos sujeito à discricionariedade da divergência normativa e interpretativa sobre o mesmo fato. A outra situação é
dos Estados. Mesmo, com a recorrente alegação de que essa proliferação levaria
a possibilidade de comunicação entre as diferentes ordens jurídicas, que Jacobs 209
a diversas ordens jurídicas, criando subsistemas autônomos cada um contendo chama de "fertilização cruzada", ou também denominado pela doutrina "diálogo
seus próprios mecanismos judiciais de controle, independentes da ordem jurídica
entre as Cortes". Essa perspectiva possibilita a informação entre elas, buscando
internacional geraF04, pode-se considerar, que a expansão da justiça internacional,
uma verdadeira integração sistêmica do Direito Internacional, conforme men-
não apenas em suas instituições, mas na jurisprudência que elas produzem, levam
cionado anteriormente. Na relação entre as Cortes nacionais e internacionais,
a consolidação dessa ordem jurídica internacional. As decisões produzidas pelas
essa relação pode ser orientada formalmente, tanto pelas normas internacionais
Cortes, seja em casos contenciosos seja no exercício de sua competência consultiva,
quanto pela legislação nacional (nesse aspecto, cada país e cada organismo, esta-
exercem um impacto significativo nas fontes do Direito internacional e na forma
belecendo suas regras) 21 º. Já entre as Cortes Internacionais, em uma perspectiva
como elas devem ser interpretadas205 •
horizontal, não existem instrumentos formais pré-estabelecidos a orientar a rela-
Todavia, uma questão permanece: diante da proliferação de Cortes e Tri-
cão entre elas. Essa relação se dá, por conseguinte, em uma perspectiva informal,
bunais, qual a relação que elas estabelecem entre si? Essa relação pode ser con-
baseada na troca de informações entre elas, que pode levar a um aprimoramento
corrente? Pode haver conflito quanto a interpretações e decisões sobre o mes-
de ambos os subsistemas envolvidos e uma aumento de sua coerência perante a
mo assunto? Essa perspectiva parte da análise da existência de uma "pluralidade
ordem jurídica internacional como um todo 211 •
de ordens jurídicas"206 , como resultado do desenvolvimento dos processos de
Diante dessa expansão, é inevitável questionar por que os Estados criam as
201
Cortes Internacionais independentes, reconhecendo sua jurisdição e submetendo-se
DUPUY, Pierre-Marie. Toe Danger ofFragmentation or Unificatíon ofthe lnternational Legal System and the lnternational
Court of Justice. ln Intemational Law and Politics.Vol.31, 1999, p.792.
às suas decisões? Aparentemente, delegar autoridade a um órgão judicial independe
202
Vide HART, L. Op. Cit. 1979.
20)
MORA VICSIK., Andrew. Liberal Theories oflnternational Law. ln DUNOFF, Jeffrey L. e POLLACK., Mark A. (ed) lnter-
ABBOT, Kenneth W .. KEOHANE. Robert O .. MORA VICSIK. Andrew. SLAUGHTER. Anne-Marie. SNIDAL. Duncan.
disciplinary Perspectives on lnremational Law and lntemational Relations: the state ofthe art., 2012.
20-1
The Concept of Legalization. ln GOLDSTEIN, Judith, KAHLER, Miles. KEOHANE, Robert e SLAUGHTER, Anne-
DUPUY, Pierre-Marie. Op. Cit.. 1999. p.796.
205
Marie, Legalization and World Politics. Cambridge: MIT Press, 2001.
ALFORD. Roger P. Toe Proliferation of lntemational Court and Tribunais: lnternational Adjucation in Ascendence. ASIL !OS
MADURO, Miguel Poiares. Op. Cit, 2009.
2000, p.160.
206
MADURO, Miguel Poiares. Courts and Pluralism: essay on a theory of judicial adjudication in the context of legal and con-
"'' JACOBS, Francis G. Judicial Dialogue and the Cross-Fertilization of Legal Systems: the European Court of Justice. ln
Texas International Law Joumal. Vol.38, 2003.
stitutional pluralism. ln DUNOFF, Jeffrey L. e TRACHTMAN, Joel P. Ruling the World: constitutionalism, lnternational llO
O Capitulo 5 dedicar-se-á ao caso Brasileiro.
Law and govemance. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 11!
DUPUY, Pierre-Marie. Op. Cit., 1999, pp.795-796.
204 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1_s~_N_'E_N_l_A_HLKE_·
_D_1RE_IT_o_l_N_rrE_RN_A_C_IO_N_'A_L_o_o_s_RE_FL_'G_I_AD_o_s_:_N_o_\_'O_P_A&_A_DI_G_M_A_J_u_ru_·o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _--l- 205
4

contraria a perspectiva de que os Estados agem apenas unilateralmente, visando em um regime multilateral.1 17 Além disso, as decisões das Cortes Internacionais
exclusivamente seus interesses individuais. Como pontua Andrew Moravcsik212 , têm impacto significativo sobre a política doméstica, mobilizando grupos internos
por que um governo (seja democrático ou ditatorial) estabelece uma autoridade a pressionarem seus governos a cumprir as normas internacionais218 •
internacional independente e efetiva, com o propósito de constranger a soberania Evidentemente, o oposto também ocorre. Na medida em que as decisões das
nacional de forma invasiva sem precedentes, inclusive decidindo sobre se suas leis Cortes mobilizam interesses contrários aos grupos políticos mais proeminentes, sur-
domésticas são consistentes ou não com as obrigações internacionais? gem os questionamentos quanto à sua legitimidade e atuação, incluindo a alegação
Diante desse paradoxo, cabe refletir porque os Estados deveriam acatar as de que a Corte excede sua competência e autoridade219 • Os Estados ainda adotam
decisões das Cortes, mesmo quando elas contrariam o ordenamento jurídico e os outras estratégias para afastar as decisões das Cortes: desde a mais radical que seria
interesses políticos internos. Uma resposta adequada a esse questionamento deve retirar-se do regime jurídico que ela representa; ou alternativas mais sutis como o
vislumbrar a importância da interação entre as ordens jurídicas, a interpretação que se pode chamar de "delusão do cumprimento", ou seja, adotar medidas que na
das normas internacionais e a internalização das normas às quais os Estados de- verdade mascaram a falta de efetividade quanto à proteção de determinado direito110 •
vem obedecer. Tendo esses elementos em mente, é bastante pertinente a explicação Verifica-se, então, uma questão proeminente no que se refere à justiça interna-
desenvolvida por Harold Koh 213 , que afirma que os Estados obedecem às normas cional, que é sua relação com as Cortes nacionais. Teriam as Cortes Internacionais
internacionais, não por coerção ou ameaça de sanção, ou simplesmente porque os a legitimidade para revisar decisões locais? ~al o limite para sua função judicial?
custos em não cumprir são maiores do que os do cumprimento, mas em razão do Como Tribunais independentes podem florescer em um sistema jurídico internacio-
processo jurídico transnacional, ou seja, ao interpretar as normas internacionais e nal no qual a autoridade de enforcement reside predominantemente nos Estados?22 1
internalizá-las em seu ordenamento jurídico, os Estados participam de um proces- A legitimidade do Direito internacional reside em sua capacidade de gerar
so dinâmico e constitutivo, capaz de reconstruir interesses e identidades nacionais. deveres de obediência para Estados, Organizações Internacionais e Indivíduosm.
Nesse sentido, a soberania deve ser compreendida não mais como autono- Segundo Samantha Besson, o Direito Internacional goza de uma autoridade "de
mia diante da interferência externa, mas como a capacidade de participar dos re- facto", ou seja, suas normas são obedecidas na prática, mas em razão de consenso,
gimes internacionais. Essa "nova soberania" como denominam Abram e Antonia característica de uma comunidade internacional plural e multilateral113 • Seriam,
Chayes 21 4, subverte a concepção do governo independente legislando sobre sua então, os Estados os verdadeiros depositários da autoridade, delegando-a as Insti-
população e território, mas a reivindicação do status de membro da sociedade tuições Internacionais e ao Direito Internacional? Por que, então, eles se submetem
internacional. Assim, na visão dos autores, os Estados obedecem às normas e ao "rule of law"? As explicações meramente instrumentais como a manutenção
decisões internacionais, por receio de perder esse status. Já para racionalistas,
11i
como Louis Henkin 215 , as Nações obedecem às normas internacionais, sobretudo HELFER, Laurence R. e SLAUGHTER, Anne-Marie. Why States Create lntemational Tribunais: a response to professors
Posner and Yoo. ln Califomia Law Review. Vol.93, 2005, p.6.
quando os benefícios da compliance são maiores que os custos, ou seja, baseado 21S
Conforme comentam Helfer e Slaughter. "The informational and reputational con.sequences of establishing a tribunal operate
em um cálculo de interesses. Mas, seria essa perspectiva suficiente para explicar o principally on an interstate levei. However, tribunais and the decision.s they issue also make intemational law more salient for
comportamento dos Estados em aceitar as decisões de um tribunal internacional domestic interest groups and política! actors. By clarifying the meaning of an agreement finding facts, and determining whether
a particular course of conduct is justified, tribunal rulings can mobilize compliance constituencies to press govemmems to
independente? Para Thomas Franck216 é necessário mais do que isso: os Estados adhere to their treaty obligations". (HELFER, Laurence R. e SLAUGHTER, Anne Marie. Op. Cit, 2005, p.37).
obedecem por considerações de legitimidade das regras e decisões, pela percepção 219
HELFER, Laurence R. e SLAUGHTER, Anne-Marie. Toward a Theory of Effective Supranational Adjudication. ln Yale
de que o processo é "justo". Law Joumal.Vol.107, 1997, pp.273 a 276.
Nesse sentido, os Estados cumprem. mas a seu contemo; ou interpretam as normas internacionais, porém segundo os ditames
Nesse sentido, os tribunais internacionais são instrumentos para aumentar de seus interesses locais. Muitas vezes, essas alternativas são previstas por nonnas internacionais. como o caso da .. margem
a credibilidade dos compromissos internacionais em contextos multilaterais, ao de apreciação nacional". anteriormente mencionada. Outras vezes, são endossadas pelas instituições políticas e juridicas
possibilitar que a violação destes compromissos possa ser sancionada e gerar um nacionais, que encontram argumentos nacionalistas para colocar em xeque a legitimidade e efetividade das Cones.
111
KINGSBURY, Benedict. Foreword: is the proliferation oflntemational Courts and Tribunais a systemic problem? ln lnter-
custo político para o Estado faltoso em sua relação à comunidade de Estados. Esse national Law and Politics. Vol.31, 1999, p.695.
movimento fortalece a compliance futura, consolidando o acordo entre as partes Em sua obra clássica "The Authority oflaw". de 1979. Joseph Raz estabelece que "this autonomy-based account ofauthor-
ity best explains the legitimacy of intemational law by focusing on four key features of legal authority in the intemational
context: the multiplicity of intemational subjects and law-makers and their relationship: the role of coordination in the justi-
211
MORA VCISIK, Andrew. Toe Origin ofHuman Rights Regimes: democratic delegation in postwar Europe. ln lntemational fication ofintemational law's authority; the piecemeal nature ofauthority and the role ofstate consent in that context; and,
Organization.Vol.54. 2000, pp. 2 I 7 a 219. finally, the protection ofstate sovereignty and its compatibility with the authority ofintemational law. ln the third and final
213
KOH, Harold Hongju. Why do Nations Obey Intemational Law. ln Yale Law Joumal. Vol 106. p.2659. section, the article addresses borderlíne cases, and in particular relativism-based exclusions of intemational legal authority
214
CHA YES, Abram e CHA YES, Antonia Handler, The New Sovereignty Compliance with lntemational Regulatory Agree- and exceptions to that authority based onjustified intemational disobedience". (Ver mais em RAZ. Joseph. The Authority of
ments. Harvard University Press. 1998. Law. Oxford: Clarendom Press, 1979; e também em: RAZ, Joseph. Toe Problem of Authority: revisiting the service concep-
215
HENKIN, Louis, How Nations Behave. Law and Foreign Policy. 2" edição, Council ofForeign Relations, 1979.
216
tion. ln Minesota Law Review. Vol. 90, 2006).
FRANCK, Thomas. Toe Poweroflegitimacy among Nations. Oxford: Oxford University Press, 1990. BESSOM, Samantha. The Authority of lntemational Law: lifting the State veil. ln Sydney Law Review.Vol.31, 2009, p.I 78.
206 JJ_______________________________H_E_u_s~_N_'E_N_L~_L_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.WOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 207
da ordem no sistema internacional, ou racional baseada no custo/beneficio de se Diante dessas reflexões, cabe analisar qual o papel das Cortes Internacionais
manter um regime jurídico internacional, não são suficientes. em relação ao Direito Internacional dos Refugiados? A jurisprudência apresentada
Assim, a resposta contemporânea a esse questionamento é a de que a judicia- no Capítulo 3 torna clara a importância das Cortes Internacionais na proteção
lização das relações internacionais é fundamental não apenas pela paz entre os Es- internacional dos refugiados. Especialmente considerando a ausência de um meca-
tados, mas pela justiça, que deve ser compreendida, principalmente, pela realização nismo específico de supervisão e controle sobre a matéria, as Cortes Internacionais
dos direitos humanos. 224 Segundo Otfried Hõffe225 , "O cerne normativo do senso e, em especial as Cortes Internacionais de Direitos Humanos, têm tomado para si
jurídico para tribunais mundiais ideais, o senso jurídico mundial é formado por essa competência, não apenas ao interpretar as normas contidas nas Convenções
princípios de direito universais, dos quais fazem parte os direitos humanos e as regionais relacionadas ao tema, mas ao fazerem isso tomando por inspiração a
regras processuais universais". Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967.
A atuação dos órgãos internacionais de interpretação trouxe uma expansão Essa competência é essencial diante do atual modelo de proteção aos refugia-
qualitativa ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Por essa razão, mais dos, por ser um instrumento fundamental para a superação do paradigma naciona-
do que qualquer outro conjunto de direitos, os Direitos Humanos têm causado lista. Ao cobrar a responsabilidade dos Estados 230 quanto às normas internacionais
um efeito transformador no Direito Internacional como um todo 226 , desafiando a de proteção aos refugiados e, principalmente, ao estabelecer um standard de inter-
arcaica perspectiva voluntarista227 , ao estabelecer normas cogentes que ultrapassam pretação uniforme, as Cortes verdadeiramente "internacionalizam" a proteção aos
a necessidade de consentimento do Estado 228 • refugiados, evitando interpretações ao sabor dos interesses nacionais 231 •
Nessa perspectiva reside a autoridade do Direito Internacional e o papel das A interpretação das Cortes Internacionais também contribui para a perspecti-
Cortes como suas legítimas intérpretes, ou seja, é essa autoridade que confere às va integradora que é proposta neste estudo. Ao aplicar as normas complementares
Cortes inclusive a legitimidade para tomar decisões contrárias aos interesses dos Es- e perceberem a relação intrínseca entre o refúgio e outras normas e princ1p10s
tados-partes. Na medida em que essas instituições não dominam nem a força nem pertencentes ao Direito Internacional dos Direitos Humanos como um todo, as
o capital, é na sua autoridade moral que reside o argumento para sua efetividade.229 Cortes institucionalizam a proteção complementar e a convergência entre as três
vertentes do DIDH. Entende-se que, dessa forma, as Cortes Internacionais têm um
224
BUCHANAN, Allen. The Legitimacy oflntemational Law. ln BESSON, Samantha e TASIOULAS, John. (editores) The papel essencial na harmonização e consolidação das normas do Direito Internacio-
Philosophy oflntematoional Law. Oxford: Oxford University Press, 20!0, p.89.
225
nal dos Refugiados, contribuindo fundamentalmente para a construção do novo
HÕFFE, Otftied. A Democracia no Mundo de Hoje. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (p.430).
Diante de recorrentes conflitos nas últimas décadas e das atrocidades cometidas contra os seres humanos, Cançado Trin- paradigma jusinternacionalista.
dade preconiza por um "renascimento" do j11s genti11111, inspirado nos ensinamentos dos antigos mestres, porém adaptado
ao século X,'(!. O autor propugna por um direito de toda a humanidade, construído com base em uma ·•consciência jutidica
4.5. A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA JURÍDICO DE
universal", que estabelece a solidariedade entre os povos acima da soberania dos Estados, ou seja, um ··novo e verdadeiro
direito universal da humanidade". Nas palavras do juiz da Corte Internacional de Justiça "Assim como decisões de tribunais PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS
internacionais podem clarificar certas questões de direito interno, decisões de tribunais nacionais podem igualmente trazer
uma importante contribuição ao discorrerem acerca de questões de Direito Internacional. Há, aqui, um campo fértil de
Na primeira parte desta obra procurou-se demonstrar como se desenha o atual
estudos, aberto aos pesquisadores, com enfoque voltado para a posição ocupada no ordenamento jutidico interno pelos dis-
positivos legais internacionais, ou para o exame ou interpretação do direito interno pelos Ór<Jãos judiciais internacionais, ou modelo de proteção dos refugiados, caracterizado pela fragmentação em iniciativas
para a presença e relevância do direito interno no processo legal internacional, ou para a implementação de decisões judiciais discricionárias nacionais, nas quais cada Estado, mesmo tendo se comprometido
internacionais pelos tribunais internos. Controvérsias acerca da suposta "primazia" de outra, ordem jutidica a nacional e
com as normas internacionais sobre refúgio, interpretam estas normas segundo o
a internacional, - tomam-se, assim, supérfluas. Por meio desse novo enfoque pode-se evitar o antagonismo irreconciliável e
ocioso entre duas posições clássicas dualista e monista, baseadas em falsas premissas'". CANÇADO TRINDADE. A. A. A
Humanização do Direito Internacional. Editora Dei Rey: Belo Horizonte. 2006. (p.59). :!JO
Essa aruação é fundamental, inclusive quanto a Estados democráticos, muitos também signatários da Convenção de 1951,
227
Herança de uma percepção do Direito Internacional inaugurada por Vattel. Excerto da obra: § 16 "'Em todos os casos, cabe a uma além das normas regionais e que, reiteradamente, violam os direitos daqueles que buscam refügio.
Nação julgar a extensão de suas obrigações, nenhuma outra Nação pode forçá-la a agir de um jeito ou de outro.'" Pois se ela o Sobre o papel das Cortes Internacionais e sua importância, não apenas na construção normativa, mas na construção dos
fizesse, atentaria contra a liberdade das Nações. (VATTEL. Emer de. O Direito das Gentes. Prefácio e tradução de Vicente Ma- valores da comunidade internacional: "lnternational courts must find a consensus within their constituency, and can
rota Rangel. Brasília: Editora da Utúversidade de Brasília, 2004 ). A critica aos efeitos nocivos dessa concepção voluntarista que hardly step out of this role to become law-makers rather than Iaw-appliers. Global adjudication cannot escape the need
o Direito Internacional, sobrerudo o Direito Internacional dos Direitos Humanos tenta superar é trazida por Cançado Trindade: to sttike a balance between state and community interests, to find a common ground between different cultures and
"0 consentimento ou a vontade dos Estados ( o positivismo voluntarista) tomou-se o critério predominante no Direito Interna- religions, or even between professional sensitivities in different issue areas. by pointing to commonly agreed standards
cional, negando j11s standi aos indivíduos. aos seres humanos. Isto dificultou a compreensão da comunidade internacional, e that go beyond the self-interest of the parties and the particulatities of the functional sub-system in which the judge oper-
enfraqueceu o próprio Direito Internacional, reduzindo-o a um direito estritamente interestatal, não mais acima, mas entre Esta- ates. Such value judgrnents might allow for the very international public discourse that can build and elaborate areas of
dos soberanos. As consequências desastrosas desta distorção são sobejamente conhecidas." CANÇADO TRINDADE, Antônio internacional consensus, beyond doctrinal forrnalism and postmodern particularism. ln this way, intemational law is not
Augusto. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Dei Rey, 2006. (p. 13). ( only) what intemational courts will do. What intemational courts are doing will not only shape the role of intemational
125
Refere-se às normas de jus cogens, normas imperativas por representarem valores consagrados pela comunidade internacional. law within the intemational community, but will itselfbecome part ofcommunity-building". (PAULUS. Andreas. Inter-
229
HELFER, Laurence R. e ALTER, Karen J. Legitimacy and Lawmaking: a tale ofthree intemational courts. ln Theoretical national Adjudication. ln ln BESSON, Samantha e TASlOULAS, John. (editores) Toe Philosophy of lntematoional Law.
Inquines in Law. Vol.14. 2013, p.483. Oxford: Oxford University Press. 2010, p.224).
208 1J_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1s_~_N_E_N_L_,1.H_L_K.E_
T
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 209
---------------------------+
que lhes é politicamente conveniente. Esse fator constrói o que convencionamos Já a arquitetura desse novo paradigma jurídico é construída, especialmente,
chamar de "paradigma nacionalista", assim denominado por nele predominarem mas não exclusivamente233, por meio do crescente papel das Cortes Internacionais,
os interesses dos Estados sobre os direitos daqueles que procuram proteção. sobretudo as de Direitos Humanos, quanto ao refúgio. Conforme já mencionado,
O novo paradigma232 , por definição pressupõe a superação do modelo antigo o DIR não possui mecanismo próprio de supervisão e controle. Todavia, as Cortes
de conhecimento devido à sua insuficiência para explicar a realidade e para for- têm suprido essa ausência na proteção internacional aos refugiados, não só quanto
necer soluções eficientes. Logo, ele pressupõe a falência das estruturas anteriores e à interpretação das normas do DIR e das normas complementares, mas no estabe-
sua necessidade de renovação, a partir de uma nova perspectiva de conhecimento. lecimento de standards uniformes de interpretação destas normas. Nesse sentido,
O objetivo, desta obra, portanto, é mostrar, a partir da análise feita, a emergência o papel da justiça internacional tem sido essencial para dar vida às normas sobre
de um conjunto de práticas institucionais, de jurisprudência e de construções nor- refúgio, harmonizando sua interpretação e aplicação entre os Estados que a elas
mativas, que apontam para a construção de um "novo paradigma jurídico para a estão vinculados, e que devem corresponder a uma conduta jurídica e política que
proteção internacional dos refugiados". esteja de acordo o verdadeiro sentido do "direito ao acolhimento". Entende-se que
Assim, após todos os elementos analisados, propõe-se que esse novo paradig- é na interpretação que a norma verdadeiramente estabelece sua identidade com
ma jurídico é formado por algumas características essenciais: i) Primeira, a com- quem ela pretende proteger. Portanto, a atuação das Cortes coloca o Direito Inter-
preensão de que o DIR faz parte de um contexto normativo mais amplo, que são nacional dos Refugiados onde ele deve estar: na seara da proteção internacional dos
as normas do DIDH; ii) Segunda, a verdadeira internacionalização do refúgio se Direitos Humanos e não na esfera de discricionariedade da política estatal.
estabelece a partir do papel das instituições internacionais, especialmente das Cor- Nesse ponto se encontra a terceira característica do novo paradigma jurídico
tes Internacionais; iii) Terceira, a responsabilidade dos Estados frente ao reconhe- da proteção internacional dos refugiados: a responsabilização dos Estados pela
cimento do refúgio como um direito pertencente ao rol dos Direitos Humanos. violação das normas sobre refúgio e demais normas de direitos humanos, atribuí-
~anto ao primeiro ponto, conforme discutido no presente capítulo, a com- das a toda sorte de vulnerabilidades advindas da migração forçada, é o elemento
preensão de que o DIR faz parte do corpus juris do DIDH, traz duas consequências crucial para a consolidação do Direito Internacional dos Refugiados e a superação
importantes: a interpretação do DIR deve estar em harmonia com as normas e do paradigma nacionalista.
princípios do DIDH e, na impossibilidade de aplicação do DIR, as normas das Pela análise feita, é pertinente a crítica sobre certa "timidez" das Cortes quan-
demais vertentes do DIDH podem ser aplicadas de maneira complementar. Con- to à aplicação das normas sobre refúgio. Com a ressalva das limitações normativas,
forme já discutido no item 4.3, entende-se que essa perspectiva não é incompatível ainda assim, mesmo dentro dos instrumentos disponíveis, pode-se verificar certa
com a especialidade do DIR e não enfraquece sua aplicação e efetividade. Ao con- relutância em "afrontar" a soberania dos Estados em decidir quanto à "concessão"
trário, tomar o DIR como parte de um arcabouço jurídico mais amplo, contribui do refúgio. Em geral, a jurisprudência das Cortes resume-se ao reconhecimento de
para sua afirmação. Além disso, a perspectiva de proteção mais ampla, fornecida violações cometidas quanto ao tratamento dispensado aos refugiados e, sobretudo,
pelo DIDH supre as lacunas do DIR e, também, imprime a essência universal à aos solicitantes de refúgio; quanto ao acesso a direitos (em especial, o acesso à
garantia de determinados direitos que não ficam atrelados ao reconhecimento do justiça); críticas quanto ao procedimento de determinação do status de refugiado
status de refugiado para que sejam outorgados. adotado por alguns países; e, frequentemente, à violação do princípio do non-
-refoulment. Mesmo que não haja, até o presente momento, jurisprudência que
Cabe, também, esclarecer que, ao analisar-se a configuração de um ··novo paradigma jurídico" para do Direito lnremacional
dos Refugiados, o conceito de ·'paradigma" é empregado segundo a teoria de Thomas Kuhn, definido como "realizações
aponte o "direito ao refúgio", como um ato declaratório que deve ser apenas reco-
científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma nhecido pelo Estado e não constituído por ele, não se pode negar que, quanto aos
comunidade de praticantes de uma ciência" (p.13 ). Segundo a teoria desenvolvida por Thomas Kuhn, o desenvolvimento direitos mencionados acima, houve avanços importantes.
do conhecimento cientifico não é continuo (processo cumulativo advindo da mera articulação do velho paradigma), pois o
contexto social, cultural, político, etc., no qual os conceitos e teorias se desenvolvem é mutável. Assim, há uma necessidade
Após tantos conflitos, desde a formação do regime internacional dos refugia-
constante de reajustar nos antigos modelos, a partir de novos paradigmas do conhecimento. Quando se afirma que existe dos, no pós Segunda Guerra, permanece a mesma busca por transformar o senso de
uma crise do atual sistema de proteção aos refugiados, vê-se nisso também uma possibilidade de reconstrução, que é o que humanidade em norma; a norma em jurisprudência e a jurisprudência em políticas
se pretende com essa análise. Segundo KUHN, a crise abre a possibilidade para o surgimento de novas teorias que irão
modificar os paradigmas existentes. Segundo o autor, a transição de um paradigma em crise para outro pressupõe um "salto
públicas de integração e proteção. A arquitetura da proteção internacional dos
qualitativo•· representado pela reconstrução da área de estudos a partir de novos princípios capazes de alterar os conceitos refugiados é uma construção diflcil, intercalando avanços e retrocessos, sendo per-
mais elementares do velho paradigma, que acarretará uma mudança no modo de solucionar os problemas. (p.116). Os meada pela complexidade política (doméstica e da internacional), mas inequivo-
paradigmas compreendem, ao mesmo tempo, conceitos, teorias, métodos e padrões científicos, que determinam a própria
percepção do objeto. Dessa forma. a interpretação é diretamente afetada pela mudança dos paradigmas, já que eles moldam
camente urgente e necessária. As recorrentes crises humanitárias que impulsionam
a ·'lente" através da qual o objeto será observado. Assim, em se tratando da construção de um "novo paradigma jurídico",
haverá, necessariamente, implicações hermenêuticas, as quais foram descritas e analisadas no presente capitulo. (KUHN, "' Essa colocação deve-se. conforme já abordado, ao papel exercido também pelas organizações e pelos órgãos quasi-judiciais
Thomas S .. A Estrutura das Revoluções Cientificas. 5ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2009). de Direitos Humanos.
210 ➔I _______________________H_E_LIS_A_N'E_N_I._AH_LKE_" T
!

o deslocamento forçado de milhares de indivíduos escancaram a insuficiência do


atual modelo de proteção. Assim, a construção do novo paradigma jurídico da pro-
teção internacional dos refugiados tenta se estabelecer, abrindo caminho em meio
a constrições políticas e jurídicas, buscando um verdadeiro regime internacional de
proteção mais justo e mais humano.

PARTE III
O NOVO PARADIGMA
JURÍDICO DA PROTEÇÃO AOS
REFUGIADOS E O BRASIL
DIREITO INTERNACION..\L DOS REFL'GIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 213

Essa situação deve-se ao fato de que, na época, a política brasileira estava vol-
tada ~s preo:upações _i~ter?as, com~ ª. colo?iza~ão de regiões desabitadas do país
e fazia questao de pnvrlegiar as propnas leis migratórias 3• Como observa Fischel
CAPÍTULO 5 de Andrade➔, a política migratória brasileira, fora do escopo a Liga das Nacões
não ~inha preocupações humanitárias, mas apenas quanto aos beneficias qu; de~
Ü MODELO NACIONAL DE termmados grupos de migrantes poderiam trazer ao país. Ainda assim, mesmo
PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS que ~enhum p~ivilégio ou auxílio humanitário fosse dispensado, alguns grupos de
refugiados destmaram-se ao Brasil na época, contudo seu status como refugiados
nunca lhes fora concedido5 •
A década de 30 foi marcada por políticas restritivas quanto à imigração. A
Constituição de 1934 estabeleceu um sistema de quotas para a entrada de imigran-
tes. Com o advento do "Estado Novo" 6 foi criado o Departamento Nacional de
5.1. A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO AO REFUGIADO NO BRASIL
Imigração e a Divisão de Terras e Colonização 7, acompanhado de políticas e nor-
mas ainda mais restritivas quanto à admissão de imigrantes no território brasileiro.
A Terceira Parte deste estudo dedica-se a analisar como o novo paradigma
O regime foi especialmente hostil aos refugiados judeus que se destinavam ao
jurídico da proteção internacional dos refugiados pode influenciar o sistema de
Brasil, impondo restrições à sua entrada no país (como a exigência de certificados
proteção no Brasil. Para tanto, ela é divida em dois capítulos. O Capítulo 5 dedica-
batismais) e mesmo a expulsão de alguns que já estavam em território nacional.
-se à análise do modelo nacional de proteção aos refugiados, sua estrutura e como
Iniciativas individuais foram tomadas para o auxílio dos refugiados judeus, dentre
ele opera, para no Capítulo 6 tecer as necessárias críticas sobre tal modelo, com o
as quais merece ser mencionada, com louvor, a atuação do Embaixador Souza
intuito de contribuir para o seu aperfeiçoamento.
Dantas, representante do Brasil na França, que concedeu a documentação para
Neste Capítulo 5, inicia-se pela evolução da proteção ao refugiado no Brasil
centenas de refugiados judeus da Europa, contrariando a orientação do Ministério
e a construção do marco regulatório nacional. Posteriormente, busca-se anali-
das Relações Exteriores 8 •
sar a estrutura tripartite que forma o sistema nacional de proteção, bem como
Com o fim da Ditadura do Estado Novo, a mudança do regime político
a implementação das soluções duradouras como requisito da concretização do
em 1945 9 propiciou novos ventos para a política migratória, porém ela ainda
Direito Internacional dos Refugiados no país. Assim, com base nessa análise
inicial busca-se tecer um panorama do modelo nacional de proteção para então FISCHEL de ANDRADE, José Henrique. Refugee Protection in Brazil ( 1921-2014): an analvtical narrative of chanaina
verificar como e em quais aspectos ele precisa ser aperfeiçoado para adequar-se policies. ln CANTOR, David. FREIER, Luísa Felini, GA!JCI. Jean-Pierre (ed.) A Liberal Tid~? Immigration and As:iu;
Law and Policy in Latin America. Londres: lnstitute of Latin American Studies, 20 l5.p.154. ·
aos standards internacionais.
"The I921-47 period in Brazil was therefore characterised by both a disconnect from the refugee problem anda dramatic
A evolução da proteção aos refugiados no Brasil acompanha as discussões change in imrnigration policy and figures. As to the former, the general population did not particularly welcome refugees
internacionais sobre o tema, tecendo um longo caminho até a conformação com and the administration was neither moved by humanítarian reasons nor bound by legal instruments to receive them. This
suas normas e ações necessárias. Estabelece-se, como marco histórico o fluxo de disconnect did not prevent their arrival as ordinary imrnigrants, provided they satisfied the domestic legislation on immiL'Tll-
tion. The drastic change ín policy of the míd I 930s significantly diminished the number of refugees who went to B~il,
refugiados provenientes da Primeira Guerra e da Revolução Russa e as iniciativas the doorway being virtUally shut to those who were Jewish. lt was only when World War Two and the Estado Novo regime
tomadas no contexto da Liga das Nações. É importante mencionar, que o Brasil ended in 1945 that the restrictions imposed on imrnigratíon for more than ten years also carne to an end. However, the impact

teve uma participação limitada na Liga, apesar de ter sido um de seus membros ofimmigration policy (re-)liberalisation was not significam because in practice, despite the main political actors having been
replaced, the majority ofthe bureaucracy had already been indoctrinated by a decade-long restrictive policy."(FISCHEL De
fundadores, retira-se em 1926. Por essa razão, o Brasil não participou dos esforços ANDRADE, José H. Op. Cit Op. Cit, 2015. p.157).
internacionais para acolher os refugiados do período entre guerras 1• Ao contrário, Nesse grupo estavam russos que fugiram da guerra civil que se seguiu à Revolução Russa de 1917, muitos deles via medidas
aos refugiados que vieram para o Brasil neste período foi garantido apenas status de reassentamento capitaneadas pelo Alto Comissariado para Refugiados Fridtjof Nansen, vindos da Turquia e da Alema-
nha. Ao final da década de 30, cerca de 2000 russos já haviam chegado ao Brasil. Importante mencionar, 1ambém, na década
migratório comum. O mesmo aconteceu com os refugiados que foram reassenta- de 20, a iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com o reassentamento de refugiados em colônias agri-
dos no Brasil no período pós Segunda Guerra 2 • colas, projeto que devido a inúmeras dificuldades se encerrou em 1929. (Ver mais em: SIMPSON, John Hope. The Refugee
Problem. Royal lnstitute oflntemational Affaires. Vol.17, n"5, Setembro de 1938).
O "Estado Novo" foi o nome atribuído ao regime ditatorial estabelecido pelo Presidente Getúlio Vargas, o qual se estendeu
O Brasil não manifestou interesse em participar dos esforços internacionais de ajuda aos refugiados Armênios e Russos e não
de 1937 a 1945.
havia nenhum tipo de tratamento diferenciado entre migrantes e refugiados no país, sendo o mesmo tratamento dispensado
Criados em 1941, pelo Decreto nº3175.
segundo a legislação nacional. (Cf. MRE- Memorandum de Clóvis Bevíláqua ao Ministro Joaquim Nabuco, Rio de Janeiro,
Ver mais em: KOIFMAN. Fábio. Quixote nas Trevas: o embaixador Souza Dantas e os refugiados do nazismo. São Paulo:
12 de março de 1934).
Editora Recorei, 2002.
FISCHEL de ANDRADE, José Henrique e MARCOLINI, Adriana. Brazil"s Refugee Act: a model refugee Iaw for Latin
E a subsequente eleição do Presidente Eurico Gaspar Outra, em 1946.
America? ln Forced Migration Review. Vol.12. 2003. -
214
4
1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_LI_S._~~_'E_M_A_HL_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍOICO
215 1
esbarrava na burocracia anteriormente instaurada e na pouca expressão do Brasil Importante ressaltar, também, que o Brasil também foi um dos primeiros
no cenário mundial. Contudo, o país participou de algumas discussões impor- n_iembros do Comitê Executivo do ACNUR (o ExCom) criado em 195811, parti-
tantes sobre o tema do refúgio no ambiente da ONUrn. Além disso, houve várias cipação que se estende até os dias atuais. Conforme já mencionado, o ExCom é 0
tentativas de estabelecer uma relação profícua com a OIR 11 . Contudo, apesar da órgão responsável por orientar a atuação do ACNUR e seu orçamento. Por essa
retórica perante a Comissão Preparatória para a criação da OIR e o interesse bra- razão, ao fazer parte do ExCom, o Brasil tem a oportunidade de influenciar de
sileiro em promover a sua política externa participando das iniciativas humani- modo direto, a formulação da política internacional do Alto Comissariado. '
tárias onusianas 12, assim como por razões mais pragmáticas como a necessidade A relação do Brasil com o ACNUR demoraria um pouco mais para se es-
de atrair mão-de-obra qualificada, a participação do Brasil foi obstaculizada por tabelecer. O país recebe pela primeira vez a Missão permanente do ACNUR em
18
questões internas (de ordem política e financeira) 13 e também pela postura discri- 1977 , no Rio de Janeiro. Antes do estabelecimento do escritório representativo
minatória que o país assumiu nas negociações 14, a promessa de uma participação no país, as solicitações de refúgio eram encaminhadas ao Ministério das Relacões
ativa na recepção de refugiados, por intermédio da organização, acabou por não Exteriores, que apreciava o pedido 19 • Nessa época, o papel do ACNUR limita;a-se
se concretizar 15 • a reassentar em um terceiro país de refúgio, os solicitantes de países provenientes
Talvez por seu caráter mais ostensivamente político e institucionalizado a da América Latina (em especial, Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai) 2º.
OIR extinta e é, posteriormente, substituída pelo ACNUR que se estabelece a partir Contudo, a formação de uma estrutura de acolhimento foi se consolidando
de 1950, um organismo com menor autonomia que sua antecessora. Na esteira da a passos mais lentos 21 , principalmente em função da própria conjuntura interna
criação do ACNUR, ocorre a elaboração e aprovação da Convenção de Genebra do país. A política brasileira quanto ao refúgio, nas décadas de 60 e 70 e início da
de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados, o principal marco normativo sobre o década de 80 era aparentemente paradoxal, mas fazia parte do teatro político do re-
DIR. O Brasil ratifica o principal documento sobre a proteção internacional dos gime ditatorial da época para manter a máscara de país cumpridor de seus deveres
refugiados, a Convenção de 1951 16 • internacionais, enquanto oprimia sua própria população. A postura brasileira, ado-
tada na época, demonstrava apenas um ato diplomático sem nenhuma pretensão
Ó Brasil participou das discussões no ECOSOC, em 1946, no sentido de construir instrumentos de proteção internacional de efetividade, com o intuito de dissuadir críticas externas em relação às violações
para refugiados. Além disso, o Brasil também assinou o "Acordo Relativo à Emissão de um Documento de Viagem para de direitos humanos cometidas no próprio país. Um exemplo disso é a ratificação
Refugiados que sejam da Competência do Comitê Intergovernamental para os Refugiados" (Acordo sobre Documento de
Viagem), em 1946, porém este só foi promulgado e publicado nove anos depois (em 7 de outubro de 1955). Em 1947, uma
do Protocolo Adicional de 196722, apesar do não cumprimento de sua principal
missão chefiada pelo Conselheiro Arthur Neiva (do Conselho de Colonização e Imigração) foi encaminhada à Europa para
17
·•selecionar" refugiados para que viessem ao Brasil. em especial provenientes do Leste Europeu. No mesmo ano, foi celebra- O ExCom estabeleceu-se em 1951, o Brasil foi um dos 15 primeiros membros que passaram a fazer parte do Comitê,
do o "Acordo entre o Governo dos Estados Unidos do Brasil e o Comitê Intergovernamental para Refugiados" (vinculado juntamente com: Austrália, França, Suíça, Austria. Alemanha, Turquia, Bélgica, Santa Sé (Vaticano). Reino Unido, Israel,
à Comissão Preparatória para a criação da OIR) para a vinda de 1000 familias de refugiados para o pais. (FISCHEL De Estados Unidos, Dinamarca e Venezuel. Atualmente o Brasil faz parte da composição do ExCom pelo período de outubro
ANDRADE, José H. O Brasil e a Organização Internacional para Refugiados ( I 946-1952). ln Revista Brasileira de Política de 2015 a outubro de 2016. Segundo o ACNUR. três critérios são levados em conta para a admissão de novos membros: i)
Internacional, Vo. 48, I, 2005). demonstrar interesse e dedicação na solução dos problemas dos refugiados: ii) ampla representação geográfica: iii) ser mem-
O Brasil realizou um acordo com a Comissão Preparatória da OIR em 1948, que tardou seis meses para sua entrada em vigor bro das Nações Unidas. O pedido é feito formalmente ao Secretário Geral da ONU que o encaminha ao ECOSOC. que, por
devido a resistências internas de membros do Governo Brasileiro à recepção de refugiados. Assim, somente em dezembro sua vez, irá analisar se o país preenche os requisitos solicitados. Por fim, o ECOSOC leva a candidatura para a Assembleia
de 1948 que a Comissão Mista OIR - Brasil foi instaurada, auxiliando o Departamento Brasileiro de Imigração na recepção Geral das Nações Unidas, solicitando a ampliação do número de membros, a qual irá aprovar ou não a solicitação.
IS
de refugiados, quando tão somente os acordos internacionais passaram a ser cumpridos e as familias começaram a vir para .O estabelecimento do Escritório do ACNUR no Brasil se deu por meio de um acordo com o Governo Brasileiro, que foi re-
o Brasil. Porém, não obstante os resultados logrados, o ltamaraty recebe. em 1949. a determinação de encerrar as atividades conhecido oficial se deu somente em 1982. Segundo Liliana Jubilut, o ACNUR passou a contar nesse período com o auxílio
com a Comissão. (FISCHEL De ANDRADE. José H. Op. Cit., 2005). de organizações da sociedade civil, como a Cáritas Diocesana do Rio de Janeiro e de São Paulo e, também, com a Comissão
12
Vide MRE - Memorando de Entendimento entre J.P. do Rio Branco e J. Latour, de IO de novembro de 1947 (ref. de Justiça e Paz, entre 1977 e 1982, período em que o ACNUR ainda não havia recebido o respaldo jurídico do Governo
C0O/601.34(00)). Brasileiro para atuar no território e, assim. em função do principio da não-intervenção teve sua atuação limitada. (JUBILUT,
" Conforme ressalta Fischel de Andrade, o Brasil não logrou empréstimo necessário para contribuir financeiramente com a Liliana. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro. São Paulo: ACNUR
instituição. Além disso, houve forte propaganda negativa na opinião pública quanto à vinda de refugiados associada à moro- & Editora Método, 2007).
19
sidade da burocracia e a resistência de membros da administração pública, que viam na OIR e sua política para refugiados, Após a decisão positiva, o Ministério das Relações Exteriores comunicava ao Ministério da Justiça para publicação no
uma ameaça à soberania nacional. ((FISCHEL De ANDRADE, José H. Op. Cit., 2005). Diário Oficial da União. Após a publicação, o refugiado dirigia-se à Policia Federal para receber a Carteira de Iden-
" Ainda sob a égide com Comitê Especial do ECOSOC para refugiados e deslocados, apesar da intenção em colaborar, a parti- tidade de Estrangeiro (CIE) e a Carteira de Trabalho, o que lhe possibilitava a estada legal no país e a integração no
cipação do Brasil na reunião foi marcada pela postura racista expressa nas palavras do delegado brasileiro: ·'[n]ós queremos mercado de trabalho.
de preferência (plucôt) reforçar nossa ascendência europeia, após uma escolha tão rigorosa quanto possível. Esta é a primeira ALMEIDA, Guilherme Assis de. Op. Cit., 2000, p.374.
condição que deve colocar o Brasil, pátria nova que já tem um passado honroso e digno, mas que apresenta acima de tudo Conforme explica Guilherme de Almeida, a implementação da Convenção de 1951 requer a concretização de dois requi-
um futuro cheio de promessa" (Exposé ( 1946b) d11 Deleg11é d11 Brésil - Comité Special des Refi1giés et Personnes Deplacées sitos essenciais: i) a elegibilidade dos casos individuais; ií) a elaboração de políticas públicas que visem a integração dos
-S011s-Comité des Definitions, UN/ECosoc doe. EIREF/FACTFINDING/ 26, Londres, 13 maío.1946, 4p., AHiiDF, classe refugiados. Essas atividades foram realizadas pelo ACNUR até a promulgação da Lei 9474 em 1997, que cria o CONARE.
601.34.). Citado em: FISCHEL De ANDRADE, José H. Op. Cit. 2005, p.14). (ALMEIDA, Guilherme. A Lei 9474 /97 e a Definição Ampliada de Refugiado: breves considerações. ln Revista da Univer-
"
16
FISCHEL De ANDRADE. José H. Op. Cit. 2005. sidade de São Paulo, 2000, p.374).
Promulgada pelo Decreto nº 50.215 de 28/01/1961. Promulgado pelo Decreto nº70.946 de 7 de agosto de 1972.
216 ~I_______________________________ H_E_LI~SA~N·E~M:...:::..A=HLKE=' DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 217

inovação que é a supressão da limitação geográfica para a determinação do status e também reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Huma-
de refugiado. Claramente, o Brasil um comprometimento já minado pela intenção nos30. Esse movimento era fundamental para o país demonstrar à comunidade in-
de seu descumprimento, em uma tentativa de manutenção dos limites do instru- ternacional que abandonara o passado ditatorial e que estava disposto a participar
mento, para furtar-se a atender às necessidades da mobilidade humana da época23 . ativamente dos fóruns multilaterais e dos regimes jurídicos internacionais sobre
O período de redemocratização, porém, trouxe um novo impulso para a o tema 31 . Além disso, o Brasil como potência regional emergente viu na ceara dos
proteção aos refugiados no Brasil. No contexto latino-americano, vários refugiados Direitos Humanos uma bandeira para sua inserção internacional32.
foram repatriados, após a dissolução dos regimes ditatoriais. No Brasil, também vi- O novo contexto político internacional e regional no qual o Brasil estava
vendo sua redemocratização, há a ampliação de direitos concedidos aos refugiados inserido propiciou uma mudança na sua política externa e reavivou a atuação na
e é estabelecido um procedimento específico para a análise dos casos de solicitação proteção aos refugiados. Nesse contexto de retomada O Escritório do ACNUR só
de refúgio feita pelo ACNUR (análise de casos individuais)24, que agora passa a ter se reestabelece no Brasil em 2004, mas ainda subordinado à Buenos Aires até 2005,
seu escritório sediado em Brasília25 . quando só então passa a ter autonomia e representação oficial e recursos financei-
Durante as décadas de 70 e 80 e meados da década de 90, os casos de solici- ros para coordenar programas de assistência, integração e proteção, assim como
tação de refúgio no Brasil eram esparsos e, em geral, resolvidos pontualmente26 . participar de negociações com o Governo Brasileiro33 .
Em 1992, o Brasil recebeu mil e duzentos refugiados provenientes da Guerra Civil Importante mencionar também a relação que o Brasil estabeleceu com a UN-
em Angola, um dos fatores que propiciou a criação de uma normativa própria a RWA, na proteção aos refugiados palestinos, tendo sido admitido na Comissão
respeito do tema, o que aconteceria apenas cinco anos depois. Contudo, o baixo Consultiva da Agência em dezembro de 201434 . O Brasil, que já havia promovido
número de solicitantes de refúgio à época, no país, fez com que o Escritório do
ACNUR no Brasil fosse fechado, transferindo suas atividades para um escritório 4377/2002. 13 de setembro de 2002, que revogou o Dec. 89460/84. que continha reservas) e Protocolo Facultativo de 2000

regional em Buenos Aires, na Argentina (entre 1994 a 2004) 27 .


(Decreto n°4.3 l 6 de 30 de julho de 2002); Protocolo Adicional à Convenção contra o crime organizado transnacional visan-
do prevenir, reprimir e punir o tráfico de pessoas, de 2003 (Decreto n"5.0l 7 de 12 de março de 2004); Protocolo adicional
No final da década de noventa, o Brasil estabelece legalmente seu sistema de à convenção contra o crime organizado transnacional contra o tráfico de migrantes por terra, mar e ar. de 2004 (Decreto
proteção aos refugiados com a promulgação da Lei 9474 de 1997 sobre o Esta- nº5016 de 12 de março de 2004); Convenção sobre o direito das pessoas com deficiência de 2006 (Decreto nº6949 de 25 de

tuto dos Refugiados 28 .A nova legislação estabelece a estrutura tripartite, que será agosto de 2009) e Protocolo Facultativo de 2008 (Decreto nº6949 de 25 de agosto de 2009); Convenção Internacional para
a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado de 2010 (Decreto nº661 de lº de setembro de 2010). Um
analisada a seguir, a qual opera o sistema nacional de proteção e, também, cria tratado importante, porém com data de ratificação anterior a este período é a Convenção contra toda forma de discriminação
o CONARE, órgão responsável por coordenar este sistema. A promulgação da racial de 1969 (Decreto nº658 l O de 8 de dezembro de 1969) *Decretos de Promulgação entre parênteses.
Vide Decreto nº4463 de 8 de novembro de 2002.
Lei 9474/1997 acompanha um desenvolvimento significativo da política externa )1
Essa demonstração foi especialmente importante nos governos que se seguiram à redemocratização. A maioria desses do-
brasileira em matéria de Direitos Humanos. Na década de 90 e início dos anos cumentos foram ratificados e promulgados nos governos Fernando Collor (1989-1992), Ministros das Relações Exteriores
2000, o Brasil passou a ratificar importantes documentos de Direitos Humanos 29 Francisco Resek e Celso Lafer; Itamar Franco (1992-1994), Ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso,
Luiz Felipe Lampreia e Celso Amorim; Fernando Henrique Cardoso ( 1995 - 2002), Ministros das Relações Exteriores Luiz
Felipe Lampreia e Celso Lafer. Nesse período, a ótica universalista, a vocação pacifista e a participação nos fóruns multila-
Refere-se aos conflitos periféricos da Guerra Fria e às Guerras de descolonização tardia na Africa e na Ásia.
terais foram a tônica da política externa brasileira. Destaca-se nesse período a participação do Brasil na assinatura da Decla-
Portaria Interministerial nº394/l 991.
ração de Viena de 1993 e a criação do Programa Nacional de Direitos Humanos, como resposta ao compromisso assumido
" A transferência do Escritório do ACNUR do Rio de Janeiro para Brasília se deu em 1989.
neste documento, em 1996, além do reconhecimento da jurisdição do Tribunal Penal Internacional em 2002. (BARRETO,
Nesse contexto, alguns casos merecem menção. Em 1979-1980, 150 vietnamitas são resgatados enquanto clandestinos em
um navio cargueiro brasileiro. não lhes foi concedido status de refugiado em função da reserva geogràfica ainda adotada Fernando de Mello. A Política Externa após a Redemocratização. Brasília: FUNAG, 2012).
pelo Brasil, mas lhes é concedido um status migratório alternativo. Em 1986, 50 famílias Baha·i provenientes do Irã são Essa premissa foi especialmente forte durante o Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010), Ministro

acolhidas, porém mesmo diante da perseguição sofiida por motivos religiosos não lhes foi concedido o status de refugiados das Relações Exteriores Celso Amorim. O Brasil, impulsionado pelo crescimento econômico apresentava-se como uma
(devido à cláusula geográfica), na ocasião foi-lhes concedido asílo. importante liderança regional e mundial e, tendo consolidado sua democracia, buscava maior inserção nos organismos
!7
Nesse período, as Cáritas do Rio de Janeiro e de São Paulo, o ACNUR e as seccionais da OAB de São Paulo e do Rio de multilaterais e projeção internacional. Também é característica desse período da política externa brasileira o estabelecimen-

Janeiro, fizeram um acordo para assistência jurídica aos refugiados. to de relações mais profundas com outros países emergentes da Ásia, Africa e Oriente Médio. A participação do Brasil no

A Lei é resultado do Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996 e foi elaborada a partir das discussões entre membros Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (2006) e a liderança da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para
a Estabilização do Haiti), criada em fevereiro de 2004. (AMORIM, Celso. O Brasil e os Direitos Humanos: em busca de
do Governo Brasileiro e representantes do ACNUR.
29
Além da já mencionada Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada em 1992), pode-se citar também. a titulo uma agenda política positiva. ln Política Externa. Vol.18, n"l8, 2009; ALMEIDA, Paulo Roberto. Uma Nova Arquitetura
Diplomática? Interpretações Divergentes sobre a Política Externa do Governo Lula (2003-2006). ln Revista Brasileira de
de exemplo: o Pacto dos Direitos Civis e Políticos. de 1966 (Decreto nº592 de 6 de julho de 1992); o Pacto dos Direitos
Econômicos Sociais e Culturais, de 1966 (Decreto nº59 l de 6 de julho de 1992); Convenção contra a Tortura e outras Penas Política Internacional. Vol.49(1), 2006).
PACÍFICO, Andrea Pacheco e JOSÉ-MARCELINO, Pedro. lnterdisciplinary Perspectives on Multiculturalism in Brazil:
e Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, de 1984 (Decreto nº40 de 15 de fevereiro de 1991) e Protocolo Facultativo
multicultural society in Brazil and the quest for refugee·s integration. Presentation at LASA - Latin America Studies Asso-
de 2006 (Decreto nº6.085 de 19 de abril de 2007). Convenção relativa aos Direitos da Criança, de 1990 (Decreto nº 99710
de 21 de novembro de 1990) e Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Crianças sobre o envolvimento ciation, 2010, p.9.
A Comissão consultiva é composta por 27 membros e 3 observadores, foi criada pela Assembleia Geral da ONU em 1949
de crianças em conflitos armados, de 2002 (Decreto nº5.006 de 8 de março de 2008); Convenção sobre o Estatuto dos
para auxiliar o comissário-geral da UNRWA no exerci cio do mandato da Agência. O Brasil passou a integra-la a partir da
Apátridas de 1954 (Decreto nº4246 de 2002): Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, de 1975 (Decreto nº274
de 4 de outubro de 2007). Convenção sobre a eliminação de toda a forma de discriminação contra a mulher, de 1981 (Dec. Resolução nº69/86 de 2014 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
218 ~1_______________________________ H_E_L_1s_~_NE_:._N~I.-\H=L=KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt.:GIADOS: Novo PAR.-\DIG~IA JURÍDICO
219
reassentamento de refugiados palestinos em seu território 35 , que já havia reconhe- Internacionais e a intensificação da parceria com Organizações da Sociedade Civil
cido o Estado Palestino36, também fez significativas doações à Agência da ONU também se fizeram
, , . necessárias diante. do novo contexto migratório no pais , 40. ·
especialmente dedicada a proteger os refugiados palestinos, o que o levou a esse _ Tambem, e importante mencionar que esse crescimento do fluxo de refu-
reconhecimento. giados também gerou um movimento interessante, nos principais Estados de
Em âmbito regional, o Brasil também procurou estabelecer instrumentos de acolhimento foram criados Comitês de Atenção aos Refugiados. Esses Comitês41
cooperação sobre o tema da mobilidade humana de forma geral, em especial, quan- congregando entidades governamentais, secretarias, representantes do judiciário ;
to ao refúgio, buscou-se a harmonização do tratamento dispensado aos solicitantes ~a socie~ade civil, repres~ntam ,uma ini~iativa importante na busca por adaptar
de refúgio entre os países da região. Do ponto de vista político, o Brasil teve um as necessidades dos refugiados a comumdade local, coordenar políticas públicas
papel importante sediando e promovendo vários eventos regionais sobre o tema, estaduais e municipais para atendimento aos refugiados e fortalecer a rede local de
que culminaram em documentos importantes como a Declaração do Rio de Janeiro colaboradores no sentido de viabilizar ações necessárias ao acolhimento. Os Comi-
sobre o Instituto do Refúgio, de 2000; a Declaração de Brasília sobre a proteção dos tês, evidentemente, não possuem competência para sobreporem-se às decisões do
refugiados e apátridas nas Américas, de 2010; e a Declaração de Fortaleza sobre os CONARE, como órgão competente para coordenar a política para refugiados no
princípios do Mercosul sobre a proteção internacional dos refugiados, de 2012. Além país, mas servem como apoio e interlocutores com os governos locais.
de adotar os princípios contidos na Declaração de Cartagena, o Brasil também ado- O Brasil não está imune à complexidade da mobilidade humana no cená-
tou as medidas do Programa de Ação do México de 1994, especialmente quanto ao rio internacional atual. Essa nova situação também impôs ao país novos desafios
reassentamento solidário. Além disso, o Brasil sediou em 2014 o evento que marcou quanto aos fluxos mistos e situações especiais dentro do espectro migratório: a
exploração da mão-de-obra migrante, o tráfico de pessoas, a migração de menores
os 30 anos da Declaração de Cartagena e do qual resulto a Declaração de Brasília.
desacompanhados e a necessidade de se posicionar diante de questões como o ter-
Nos últimos anos, há uma alteração perceptível no fluxo de refugiados para o
rorismo e o crime transnacional. Todas essas questões colocam ao Brasil o dilema
Brasil37• O país vem se convertendo em receptor de refugiados, em geral vindos da
comum aos demais países tradicionais receptores de migrantes: como conciliar a
África, América Latina e, principalmente do Oriente Médio38 . Tal alteração no fluxo
tensão entre os interesses do Estado e a necessidade de controle na fronteira e, por
deve-se, em parte, à estabilidade política e financeira adquirida nos últimos anos,
outro lado, a garantia de uma política que não obstaculize o acolhimento ao refu-
mas, sobretudo, porque há uma clara estratégia da política externa em incrementar
giado nem criminalize a mobilidade humana.
sua "participação" nas questões humanitárias internacionais. Esse aumento do fluxo
Um símbolo dessa nova demanda migratória foi o deslocamento de milhares
migratório em direção ao Brasil impôs ao país a necessidade de adotar uma nova
de migrantes haitianos ao Brasil, impulsionado pela situação de precária de seu
perspectiva quanto à política nacional para o refúgio. Algumas iniciativas importan-
país após anos de instabilidade política e o terremoto devastador que atingiu o país
tes foram tomadas para ampliar o acolhimento e facilitar o procedimento de soli-
em 2010 deixando um grande número de desabrigados. Nesse contexto, milhares
citação de refúgio, diante da crescente demanda 39 • A cooperação com Organizações
de haitianos começaram a migrar para o Brasil em busca de melhores condições de
)l
vida, atravessando a fronteira em situação precária e, muitas vezes, vítimas de cayo-
Importante mencionar, contudo, que apesar da importância e conexão do gesto político, o programa de reassentamento não
se refere ao mesmo grupo de refugiados palestinos que estão sob a proteção da UNRW A. Portanto, do ponto de vista ope-
tes e do tráfico de pessoas 42 • O fluxo intenso e concentrado de mio-rantes
o , nunca an-
racional, esse programa é conduzido pelo ACNUR em convênio com o Governo Brasileiro e a representante da sociedade
civil, como será analisado a seguir. Justiça. Além disso, entende-se que a participação da DPU no procedimento de solicitação de refügio já é em si, um avanço,
O Brasil reconheceu o Estado Palestino (de acordo com as fronteiras de anteriores à Guerra dos Seis Dias de 1967) em 3 de se bem que ainda sujeito a ajustes. O teor e as implicações dessa medida serão analisados no Capítulo 6.
dezembro de 20 I O. A OIM finalmente tem sua atuação no Brasil aprovada pelo Congresso Nacional em fevereiro de 2015.
Segundo dados do CONARE. o f!tLxo de refugiados para o Brasil cresceu 1.240% entre 20 IO e 20 I 4. (Fonte: ACNUR - São eles: CER (Comitê Estadual para Refugiados) do estado de São Paulo, criado em 2007; Comitê Estadual para
Refügio no Brasil: uma análise estatística (de janeiro de 2010 a outubro de 2014). Disponível em: hnp:llwww.acnur.org/t3/ Refugiados e Migrantes do estado do Paraná, criado em 2012, posteriormente, criado o Conselho de Estadual dos Direitos
fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_20 I O_20 14. dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do estado do Paraná; COMIRAT (Comitê de Atenção aos Migrantes, Refugiados,
);
Segundo dados do CONARE divulgados em 19 de agosto de 2015, o número de refugiados no Brasil praticamente dobrou, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas) do Rio Grande do Sul, criado em 2012 e o Comitê Estadual Intersetorial de
passando de4.218 em 2011 para 8.400 em 2015. Os sírios são a nacionalidade mais numerosa, com um número de 2.077, em Políticas de Atenção aos Refugiados do Rio de Janeiro, criado em 201 O. Todos esses Comitês congregam diversas secretarias
segundo lugar os angolanos ( 1.480), colombianos ( 1.093), congoleses (844), libaneses (389), sendo que o total é de 81 na- de estado, representantes do poder público e da sociedade civil organizada de forma colegiada.
cionalidades diferentes. Uma estimativa de 12.600 solicitações ainda aguardavam para serem apreciadas. (Fonte: CONARE A situação dos Haitianos motivou uma Ação Civil Pública, em 2012, proposta pelo Ministério Público Federal do Acre
Ministério da Justiça, 19 de agosto de 2015. Dados disponíveis em: http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticiai (Estado no qual mais se concentravam os migrantes haitianos, por ser a principal porta de entrada no território brasileiro)
ministerio-da-justica-anuncia-fortalecimento-do-conare-e-Ianca-campanha-de-sensibilizacao). Para análise comparativa do solicitando atitudes adequadas do Governo Brasileiro, em respeito às normas constitucionais e aos tratados internacionais
crescimento exponencial do número de solicitantes de refügio e refugiados no Brasil consultar: ACNUR - Refügio no Brasil: de direitos humanos aos quais o Brasil se comprometeu, Além disso, a Ação requeria que , ao contrário da decisão do CO-
urna análise estatística (de janeiro de 2010 a outubro de 2014). Disponível em: hnp://www.acnur.org/t3/fileadmin/scriptsi NARE, fosse reconhecido o status de refugiado aos migrantes haitianos, entendendo que a situação recaía sobre a definição
doc.php?file=t3/fileadmin/Oocumentos/portugues1Estatisticas1Refugio _no_Brasil_201O_2014. ampliada de refügio contida na Lei 9474, inspirada na Declaração de Cartagena. Contudo, a Ação teve seu pedido negado.
l9
Uma dessas iniciativas foi a Resolução Normativa nºl8/2014 que visa tomar mais rápido o procedimento de solicitação de Nos anos que se seguiram, o problema agravou-se continuando sem uma solução adequada. (Para inteiro teor da Ação pro-
refügio. Essa medida é fruto de urna cooperação técnica entre a Defensoria Pública da União e a Secretaria Nacional de posta: hnp://www.prac.mpf.mp.br/atos-do-mpf7acp,acphaitianosiview). Os Haitianos ficavam alojados em acampamentos
220 JI_______________________________H_E_u_s_~~_'E_M_A_H_L_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl!GI.-\DOS: Novo PARADIG~tA JURÍDICO
221
43
tes experimentado pelo país , demonstrou o despreparo das autoridades e falta de haitianos contribuiu para a discussão sobre a reformulação da política migratória
estrutura para atender de maneira adequada aos que chegavam. A esses migrantes e da própria legislação sobre o tema com novos projetos de lei em curso 48 •
Haitianos não foi reconhecido o status de refugiado 44 , mas para lidar com a grave Outra questão importante a ser enfrentada pelas autoridades brasileiras é a
crise humanitária e com o intenso fluxo que se destinava ao Brasil, foi encontrada imigração irregular49 , caracterizada pela permanência no país sem a autorizacão
uma solução paliativa e insuficiente45 : o Estado estipulou quotas para a concessão legal e documentação devida. Os migrantes irregulares em geral são migrantes :co-
de um documento especial ("visto humanitário") 46 que lhes permitia residir e tra- nômicos que buscam melhores condições de vida no país 50, mas também podem
balhar no Brasil. A resposta dos governos à migração haitiana deixa claro como as ser solicitantes de refúgio que tiveram seu pedido negado 51 , porém permanecem
motivações econômicas e de segurança ligadas aos interesses domésticos 47 , afetam irregularmente no país por não desejarem ou não poderem retornar.
a política migratória, sempre conduzida de modo a servir aos interesses do Estado. Outro caso que inspira preocupação das autoridades são as vítimas de tráfico
A solução do visto humanitário, foi uma alternativa paliativa à falta de uma polí- de pessoas 52, migrantes aliciados por intermediários que viabilizam sua entrada
tica migratória dotada de uma estrutura e planejamento adequado. Além disso, a irregular no país, em geral também relacionado à exploração sexual e de mão-de-
concessão do visto não veio acompanhado de políticas públicas necessárias para a -obra. O vasto território nacional e ausência de uma política migratória adequada
recepção de um fluxo migratório tão relevante. Porém, sem dúvida, a migração dos de regularização e controle da migração, bem como de leis mais justas e humanas
para o migrante, favorecem a migração irregular e expõe esses indivíduos à vulne-
precários, especialmente na cidade de Brasiléia no Acre, esses espaços foram fechados em 2014 pelo Governo do Acre. No rabilidade de quem se torna invisível ao Estado53 e, por essa razão, não tem garanti-
mesmo ano centenas de migrantes foram embarcados em ônibus e direcionados especialmente para o estado de São Paulo e
dos os seus direitos. Entende-se que a situação da imigração irregular só será ameni-
para o Rio Grande do Sul, sem nenhuma coordenação entre as autoridades ou estrutura de acolhimento.
Em pesquisa realizada pelo GEDEP (Grupo de Estudos sobre Distribuição Espacial da População) vinculado ao Programa zada com uma profunda reformulação da política migratória brasileira, bem como
de Pós-Graduação em Geografia de Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, publicado em 2014, com o apoio do da sua legislação, o que parece não irá acontecer facilmente ou em curto prazo.
Ministério do Trabalho e do Emprego e da OJM, a maioria dos migrantes são jovens, do gênero masculino e sua principal
motivação é a busca por melhores condições de vida, bem como enviar recursos para a familia que ficou no Haiti. Boa
parte trabalha em empregos pouco remunerados, alguns não condizentes com seu grau de instrução. 75% passam antes pelo Vários Projetos de alteração do Estaruto do Estrangeiro (Lei 6815/1980} foram propostos nos últimos anos. Em 2013, uma
Comissão de Especialistas formada por diversos membros da Academia e do Governo foi convocada para a elaboração de
Equador e Peru e depois adentram o território brasileiro pelas cidades de Tabatinga e Brasileia. (Fonte GEDEP, link para a
pesquisa: hnp://www.migrante.org.br/images/arquivos/pesquisacni-pucminas.pdf). um Pré-projeto para uma nova Lei Migratória. Atualmente. tramita no Congresso o Projeto de Lei nº2516/2015 (Câmara dos

O CONARE entendeu que a situação dos Haitianos não se enquadrava na definição de refugiado contida na Convenção de Deputados), oriundo do Projeto de Lei do Senado nº288/2013 de autoria do Senador Aluísio Nunes. Esse Projeto incorporou
algumas das sugestões feitas pela Comissão, porém ignorou outras, a principal a criação de uma autoridade migratória,
1951 e na Lei nº9474 de 1997, pois não havia o elemento ·•perseguição" como motivador da conduta; nem mesmo compreen-
deu que se tratava da previsão contida no artigo lº, lll, que se refere à grave e generalizada violação de direitos humanos. retirando essa função da Polícia Federal. Até o momento da publicação desta obra o Projeto foi aprovado na Câmara dos
Deputados e segue para a apreciação do Senado.
A situação precária dos Haitianos no Acre foi denunciada pela ONG de Direitos Humanos Conectas, que levou o caso à
Utiliza-se o termo "migração irregular" por se emender que o termo frequentemente utilizado "imigração ilegal" é inade-
Comissão lnteramericana de Direitos Humanos. Para acesso ao relatório produzido em 2013: http://www.conectas.org1pt/
quado, pois considera-se que migrar é um direito e, portanto, a mera permanência irregular no território de um Estado não
acoes/politica-extemainoticia/brasil-esconde-emergencia-humanitaria-no-acre
46 pode ser considerada ilegal e nenhum tratamento discriminatório pode ser dispensado ao migrante em razão de sua condição
O Governo Brasileiro fez uso do conceito existente de •'residência permanente por razões humanitárias", que poderia
irregular (Vide Opinião Consultiva nºl4 da Corte lnteramericana de Direitos Humanos).
ser aplicado a casos específicos que o governo entendesse como necessários e merecedores dessa designação. Esse
Importante fazer referência à migração de bolivianos, especialmente para São Paulo. muitos deles submetidos a condições
visto permite aos Haitianos a permanência no Brasil por um período de 5 anos, garantindo-lhes direitos semelhantes aos
análogas à escravidão, sobretudo pela indústria têxtil. (Ver mais em: SOUCHAUD, Sylvain. A imigração Boliviana em São
dos refugiados, incluindo o direito de trabalhar ( CNlg - Resolução Normativa nº97 de 12 de janeiro de 2012, publicado
Paulo. ln FERREIRA, Ademir Pacelli. V AINER, Carlos, PÓVOA NETO, Helion, SANTOS, Miriam de Oliveira. Desloca-
no DOU Seção 1, 13 de janeiro de 2012, p.96). Essas disposições foram posteriormente modificadas pela Resolução
mentos e reconstruções da experiência migrante, Garamond, 2010, pp.267-290. Também, BAENINGER, Rosana (org). A
Normativa nºl02 de 2013 do CNlg que alterou a forma de concessão do visto, bem como o sistema de quotas. Em no-
Imigração Boliviana no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo1Unicamp; Fapesp; CNPq: Unfpa, 2012).
vembro de 2015, foi assinado acordo entre o Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho e Emprego. que garantiu li
Muitas vezes, indivíduos que pertencem a outras categorias de mobilidade humana fazem uso da solicitação de refugio para
a 43.781 imigrantes haitianos o direito de solicitar residência permanente o país. (Fonte: Ministério do Trabalho e
entrar e permanecer no país, já que o instituto lhes confere o direito ao acolhimento até que seu pedido seja julgado. Nesse lapso
Emprego, 11 de novembro de 2015).
de tempo, há dificuldade. por parte das autoridades em manter o controle sobre a localização do solicitante no tenitório nacional.
Conforme analisam Andrea Pacífico, Erika Ramos, Carolina Claro e Nara Farias ·'As in eras past, the shift in immigra-
tion law and policy in which the Haitian humanitarian visa scheme represents, is as much a response to the economic, " Importante mencionar que o Brasil ratificou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial :V!ulheres e Crianças ou Protocolo
política! and security interests of the incumbem national government as a principled treatment of the issue. Some of
de Palermo (de 2000), pelo Decreto 5017 de 2004. Já o Decreto 5.048 de 2006 aprova a Política Nacional de Enfrentamento do
these interests are undoubtedly domestic or inward-facing in narure. On the one hand, the visa scheme responds to na-
Tráfico de Pessoas, que estabeleceu as diretrizes para a criação do 1 Plano Nacional de Enfrentamento do Tráfico de Pessoas
tional security concerns about the practical impossibility of detaining the uncontrolled immigration of Haitians. This is
(Decreto 6.347 de 2008). Em 2012 uma coleta de dados foi realizada pela Secretaria Nacional de Justiça em conjunto com o
mainly dueto their movement through Brazil's extensive and relatively porous land borders via the territory of smaller
Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes. Em 2013 foi estabelecido o II Plano Nacional de Enfrentamento do Tráfico
politically unstable neighbours, specially towards the poorer states of the country northern region. On the other hand, it de Pessoas. O Relatório produzido em 2013 apontou para 309 denúncias recebidas pela Secretaria de Direitos Humanos; a
is likely that the source of cheap labor, which the mass of Haitians immigrants represents, is useful for the construction Secretaria de Políticas para as Mulheres registrou 340 denúncias: o Ministério da Saúde registrou 100 denúncias; o Ministério
industry at the time when Brazilian Government has been preparing the country for the recent World Cup and the forth- do Desenvolvimento Social e Combate à Fome registrou 64 denúncias; e o Ministério do Trabalho foram resgatados em 2013
coming Olympic Games". (PACÍFICO, Andrea Pacheco, RAMOS, Erika, CLARO. Carolina Abreu Batista e FARIAS, 2.089 trabalhadores em situação análoga à escravidão. A Polícia Rodoviária Federal, em suas operações, detectou 547 pessoas
Nara Braga Cavalcanti de. The Immigration of Haitians in Latin America: significance for Brazilian Law and policy vítimas de tráfico de pessoas e trabalho escravo. (Fonte: Relatório Nacional sobre o Tráfico de Pessoas. Disponível em: hnp://
on asylum and immigration. ln CANTOR, James David, FREIER, Luísa Feline, GAUCI, Jean-Pierre (ed) A Liberal www.justica.gov.br/noticiasirelatorio-mostra-avancos-na-Juta-contra-o-trafico-de-pessoasJ.
Tide? lmmigration and Asylum Law and Policy in Latin America. lnstirute of Latin American Srudies University fo Por suas próprias caracteristicas, a migração irrei,'lllar é dificil de ser quantificada, o que representa um desafio para governos
London, 2015, p.147). e pesquisadores.
222 HELISANE M,\HLKE 1
_D_1RE_rr_o_l_NT_E_RN_._•\C_1o_N_'A_L_D_o_s_RE_Fu_G_I._Afl_o_s_:_N_o_vo_PARA
__ D_IG_~·_IA__:J_u_Ri_D__:IC--'0------------_j_ 223
A piora na conjuntura econômica do país nos últimos anos, contudo, tem refugiados e sua inserção no mercado de trabalho nacional, em uma perspectiva
afetado a participação do país nos organismos internacionais, reduzindo os recur- equivocada de falsa concorrência. Tais ressalvas foram, posteriormente, suprimi-
sos destinados às agências humanitárias e organismos multilaterais. 54 Além disso, das e o Brasil adota a Convenção em sua integralidade57 • Já quanto ao Protocolo
as questões políticas internas têm tomado a atenção e os recursos das autoridades. Adicional de 196758, o Brasil, que à época de sua incorporação vivia o período
Contudo, o Brasil não ficou indiferente em relação à grave crise dos refugiados da Ditadura Militar, continuou mantendo a limitação geográfica que havia sido
provenientes da guerra civil da Síria, que tem causado a maior crise humanitária suprimida pelo mesmo documento, até 1989 quando esta foi finalmente retirada. 59
desde a Segunda Guerra, assinando um acordo com o ACNUR para facilitar a Tais documentos, hoje parte do ordenamento jurídico brasileiro, somam-se
vinda dos sírios para o Brasil, além de tornar mais rápido o procedimento para aos documentos regionais, também incorporados pelo Brasil. Dentre eles merece
o reconhecimento do seu status de refugiado 55 • Iniciativas como essa demonstram destaque a Convenção Americana de Direitos Humanos, no âmbito do Sistema
que o país pode contribuir para a proteção internacional dos refugiados, basta que Interamericano de Direitos Humanos 60, a qual destaca o direito ao asilo em seu
construa meios institucionais para tanto. artigo 22. Aliás, pode-se dizer que o Brasil é parte da "tradição latino-americana na
A proteção aos refugiados no Brasil vem sendo construída a partir do coteja- concessão de asilo" ao ter ratificado inúmeros documentos sobre o tema 61 •
menta entre a realidade nacional e as demandas internacionais, sendo orientada pe- Ainda em âmbito regional, é fundamental a referência à Declaração de Carta-
los interesses do Estado: tanto quanto suas necessidades internas e os objetivos de gena sobre o Direito dos Refugiados, de 1984. A Declaração de Cartagena, apesar
sua política externa. Conciliar essas duas dimensões é uma árdua tarefa, contudo de não ser um instrumento vinculativo, foi incorporado à prática brasileira quanto
é preciso reconhecer que elas dependem inexoravelmente uma da outra. Por outro ao refúgio, ampliando a definição de refugiado a todos aqueles que deixaram seus
lado, é preciso reconhecer que a solidariedade internacional é, não apenas um com- países pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a
promisso internacional assumido pelo país, mas, também, importante instrumento violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham pertur-
a serviço de sua projeção perante a comunidade de Estados. bado gravemente a ordem pública. Essa definição foi posteriormente adotada pela
legislação nacional. No marco de Cartagena, outros acordos importantes foram
5.2. O MARCO REGULATÓRIO NACIONAL estabelecidos. Assim como a Declaração de Cartagena, a Declaração de San José
da Costa Rica (de 1994) e, sobretudo, a Declaração e Plano de Ação do México de
Nesse momento, faz-se a análise do marco regulatório internacional sobre a 2004, que estabelece práticas importantes para o acolhimento dos refugiados no
proteção aos refugiados. Cabe pontuar, que ele é composto não apenas pelas nor- continente, especialmente quanto às soluções duradouras, são documentos não
mas internacionais que foram incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, vinculativos, mas que servem de "guia" para a prática do refúgio na região. O Brasil
como, também, pelas previsões constitucionais e pela legislação infraconstitucional tem procurado adotar essas diretrizes em sua política para o refúgio.
sobre o tema. Todavia, o Brasil possui sua própria legislação sobre refúgio, a Lei 9474 de
~anta à normativa internacional, conforme já mencionado anteriormente, 1997, também chamada de "Estatuto nacional do refugiado", o qual incorpora os
o Brasil ratificou os principais instrumentos internacionais sobre refúgio: a Con- preceitos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, porém vai além a partir
venção de Genebra de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados 56 e o seu Protocolo da adoção de uma definição ampla de refúgio 62, abarcando também todos aqueles
Adicional de 1967. Porém, a aplicação dessas normas, em sua totalidade, percorreu
um caminho tortuoso. ~anta à Convenção de 1951, é Interessante observar, con- 57
Vide Decreto nº99.757 de 29 de novembro de 1990.
lS
tudo, que o Legislativo Brasileiro havia, inicialmente, oferecido reservas quanto aos Promulgado pelo Decreto nº70.946 de 7 de agosto de 1972.

artigos 15 (que trata do direito de livre associação) e 17 (que trata dos trabalhos re- " Vide Decreto nº98.602 de 1989.
Decreto nº678 de 6 de novembro de 1992.
munerados), duas ressalvas que demonstram a preocupação com a politização dos 61
O Brasil é parte dos seguintes documentos internacionais sobre asilo: Convenção de Havana sobre Asilo Diplomático de
1928 (Decreto nºl8.956 de 22 de outubro de 1929); Convenção de Montevideo sobre Asilo Territorial de 1933 (Decreto

A contribuição financeira do pais a diversos órgãos reduzitL quanto ao ACNUR não foi diferente: o Brasil que vinha aumen- nºl.570 de 13 de abril de 1937); Convenção de Caracas sobre Asilo Territorial de 1954 (Decreto nº55.929 de 19 de abril de
tando sua contribuição ao ACNUR, chegando a sera 23º país em doações em 2012. Porém, em 2013 sua posição no ranking 1965); Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático de 1954 (Decreto nº42.628 de 13 de novembro de 1957); Além da
era 32º e em 2015 caiu para 48º. Fonte: UNHCR -2015 Contributions to UNHCR Programmes. Disponível em: http:i/www. Declaração Americana dos Direitos do Homem - Declaração de Bogotá, artigo 27: e da Declaração Universal dos Direitos
unhcr.orgipages/49c3646c26c.html. Humanos, artigo 15.
Para a definição do artigo lº da Lei 9474/1997, refugiado é todo aquele que "l-de1•ido ajimdados temores de perseguição
" O Acordo foi celebrado em 5 de outubro de 2015 com o objetivo de estabelecer cooperação, troca de informações mediante
o trabalho das representações consulares do Brasil na Turquia, Jordânia, e Líbano. Esse acordo aprofunda as intenções do por motivos de raça, religião. nacionalidade. grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionali-
Governo Brasileiro em atL'<iliar quanto à crise humanitâria síria. já expressas na Resolução Normativa nºl 7 de 2013 que dade e não possa 011 mio q11eira acolher-se à proteção de tal país; ll - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde
fornece vistos especiais aos refugiados sírios. concedidos por razões humanitárias. em consonância com a Lei 6815/1980. A antes teve sua residência habitual. não possa ou não queira regressar a ele. em função das circunstâncias descritas no inci-
medida foi prorrogada por mais dois anos pela Resolução Normativa n°21 de 21 de setembro de 2015. so anterior; [[[ - devido a grave e generali=ada 1•iolação de direitos h11111anos. é obrigado a deimr se11 país de nacionalidade
" Promulgada pelo Decreto nº 50.215 de 28/01/1961. para bzL'icar refúgio em outro país."
224 J,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_I_s~_N_·E_N_L_AH_L_KE_ DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIGMA JURiDICO 225
que são obrigados a deixar seu país de nacionalidade em razão de "grave e gene- medida é fundamental uma vez que, pelas condições da fuga, em muitos casos os
ralizada violação de direitos humanos". A Lei, ao incluir a "violação de direitos refugiados viajam com documentos falsos ou mesmo sem documentação alguma.
humanos" na definição de refugiado, abre-se a possibilidade de contemplar outros Essa perspectiva corrobora o "direito subjetivo ao acolhimento" 7º, elemento essencial
indivíduos vítimas da migração forçada 63 . Contudo, a questão que se apresenta, ao DIR, e consagrado pela Lei 9474/1997, por meio do qual o solicitante de refúgio
sobretudo quanto à interpretação da norma, é determinar a extensão desse con- possui o direito público subjetivo de ingressar no território nacional, indusive com
ceito, ou seja, o que pode ser considerado como "grave e generalizada violação de a possibilidade de prover o próprio sustento até a análise final de seu pedido.
direitos humanos". A Lei é omissa quanto a esse aspecto, legando à interpretação A Lei 9474/9771 , além de estabelecer as condições de elegibilidade para que o
do CONARE o direcionamento sobre a aplicação do termo 64 • solicitante tenha seu status reconhecido (artigo 1º-), também aponta as condições
Contudo, por essa concepção ampla de refúgio, que compartilha do "espíri- para a cessação (artigo 38) da condição de refugiado, que apontam para o desapa-
to" da Declaração de Cartagena (1984) 65 , a Lei 9474 é considerada uma das mais recimento das condições que outrora motivaram a solicitação de refúgio, pela pos-
avançadas do mundo 66 • Além disso, a Lei prevê a extensão do reconhecimento do sibilidade de voltar a contar com a proteção do Estado do qual é nacional, ou pela
status de refugiado aos membros do mesmo grupo familiar, o que abre caminho possibilidade de contar com a proteção de outro Estado do qual tenha adquirido
para a possibilidade de reunificação 67 • Também é digna de nota a menção à imple- nova nacionalidade. Já perda da condição de refugiado (artigo 39) refere-se a con-
mentação das soluções duradouras, em consonância com o regime internacional dições que desabonam a condição do indivíduo que recebeu a proteção: seja pela
do refúgio e as diretrizes do ACNUR68 • falsidade das informações fornecidas e que foram a base para o reconhecimento do
Por outro lado, a Lei 9474 de 199769 afirma as definições e princípios con- status de refugiado, seja pela prática de atividades contrárias à segurança nacional e
sagrados pelo Direito Internacional dos Refugiados, dentre eles o princípio do a ordem pública, pela saída do país sem autorização do governo brasileiro, ou pela
non-refoulement, determinando em seu artigo 7º-, §1º- que "Em hipótese alguma renúncia da condição de refugiado.
será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liber- Importante mencionar que a Lei estabelece expressamente que o reconheci-
dade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou mento do status de refugiado obsta o pedido de extradição e a solicitação de refú-
opinião política". O §2º- do artigo 7º-, aponta apenas uma exceção que seria o fato gio suspende processo pendente até a decisão definitiva (artigos 33 e 34). Também,
de o solicitante ser considerado ameaça à segurança nacional. Contudo, tal exceção não sofrerá processo de expulsão refugiado regularmente registrado no país (salvo
deve ser interpretada em harmonia com os preceitos do Direito Internacional dos por motivo de segurança nacional ou ordem pública) e, importante mencionar
Refugiados, ou seja, ao indivíduo considerado perigo nacional devem ser aplicadas que, mesmo sob estas condições, o refugiado não pode ser expulso para país onde
outras medidas cabíveis, sejam criminais ou de segurança, mas o não a devolução ele possa ter sua vida, liberdade e integridade fisica ameaçada (artigos 36 e 37 res-
para situação na qual o indivíduo possa ter sua vida e liberdade violadas. O Estado pectivamente). Tais previsões estão em consonância com a afirmação do princípio
não pode compactuar com a violação de direitos humanos. do non-refoulement e com as normas de DIDH às quais o Brasil se comprometeu72 •
Outra importante previsão do Estatuto é a contida nos artigos 8º- e 10º- que evita O Estatuto também define como se desenvolve o procedimento de solicitação
a punição do solicitante de refúgio pela entrada irregular em território nacional, essa de refúgio (artigos 17 a 32)73, determinando a composição da estrutura tripartite
que opera o sistema nacional de proteção aos refugiados. Dentro dessa estrutura se
6)
Segundo Guilherme de Almeida, a definição ampla de refugiado se coaduna com o significado original do instiruto. Na encontra o órgão responsável pela coordenação da política nacional para refugia-
antiguidade, a palavra asy/11111 significava a-.~vlum (não-violência). um local de refúgio no qual se buscava proteção contra
dos, também criado pelo Estatuto, o CONARE, estabelecendo sua competência74 ,
a violência. Assim, segundo o autor: ·•ampliada de refugiado coaduna-se, pois, perfeitamente, com o significado original
da palavra asilo. A ideia é oferecer â pessoa, vitima de uma violência, a possibilidade de encontrar uma proteção. Um lugar
estrutura e funcionamento (artigos 11 a 16).
seguro para viver e gozar sua liberdade. Essencialmente, o "buscador de asilo" é sempre alguém que está fugindo de uma
siruação insuportável de violência. Seja pela definição clássica ou pela definição ampliada." (ALMEIDA. Guilherme Assis 70
Por essa razão, conforme André de Carvalho Ramos, não há espaço para a "discricionariedade do oficial de imigração", de-
de. Op. Cit., 2000, p.378). vendo o mero pedido de refúgio. garantira estadia regular no país, até que seu pedido seja julgado. (CARVALHO RAMOS,
Entende-se que, apesar da competência do CONARE para pronunciar-se sobre a interpretação e aplicação do Estatuto do André de. O Princípio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso â extradição. ln Revista dos Tribunais.
Refugiado, a interpretação final da lei cabe ao poder judiciário. Os fundamentos para essa afirmação serão discutidos no 99"ano, RT - 892, fevereiro de 2010, p.359).
Capirulo 6, quando será analisada a "judicialização do refúgio". 71
A Lei foi baseada em uma proposta elaborada pelos representantes do ACNUR. poucas alterações foram feitas pelo Con-
6l
Vide ACNUR - Memorandum. ( ref. BRAiHCR/0122), ·African asylum seekers in Brazil". from OCM in Brazil to the gresso Brasileiro. As questões centrais. como a definição de refugiado, a reunificação familiar e as cláusulas de exclusão
Director of the Americas Bureau at HQs, Brasilia. 9 Aug .• para.!. foram mantidas, tal qual a proposta.
LEÃO, Renato Zerbini Ribeiro. O Reconhecimento dos Refugiados pelo Brasil: decisões comentadas do CONARE". Publi- 71
Em especial a Convenção contra a Tortura e outras Penas e tratamentos cruéis e degradantes, de 1984 (Decreto nº40 de 15
cações do ACNUR, 2007, p.24). de fevereiro de 1991 ).
" Vide artigo 2º da Lei 9474/97. O procedimento de reconhecimento do status de refugiado será analisado de maneira mais detida no Capitulo 6.
" A Lei9474 prevê em seu Titulo VII a implementação das soluções duráveis: repatriação (artigo 42), a integração local (arti- O artigo 12 da Lei determina que compete ao CONARE: "/ - analisar o pedido e declarar o reconhecimento. em primeira
gos 43 e 44) e o reassentamento (artigos 45 e 46). instância. da condição de refugiado: II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requen·mento das
Importante mencionar que o Brasil foi o primeiro país da região a estabelecer uma Lei específica sobre refúgio. autoridades competelltes. da condição de r~fugiado; III. determinar a perda, em primeira instãncia. da condição de refu-
226 HELISANE M.-\HL~ _D_1RE_rr_o_l_NT_Eru_N_A_C_JO_N_'A_L_D_o_s_RE_F_UG_I_A_Do_s_:_N_o_\_'O_P_A_RA_D_IG_~_~_J_u_ru_·o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _-l-. 227
Ainda na esteira normativa, é fundamental mencionar que o CONARE pos- seja proferida78 • Além disso, ela também não prevê, especificamente, a garantia de
sui como uma de suas competências a possibilidade de elaborar e aprovar Reso- direitos sociais aos refugiados, fundamentais no processo de integração. ·
luções Normativas que esclarecem disposições da Lei ou regulamentam questões Além das normas internacionais e infraconstitucionais, a Constituição Fe-
não previstas especificamente por ela. Essas Resoluções impõem aos órgãos ad- deral de 1988, como grande símbolo do processo de redemocratização do Brasil,
ministrativos medidas que devem por eles ser obedecidas na condução das ações também reforça a disposição do país em acolher aqueles que são perseguidos. Em
relacionadas à proteção dos refugiados 75 e, em razão disso, têm se convertido em seu artigo 4Q, X, a Constituição estabelece ser um dos princípios das relações inter-
instrumentos para direcionar a política nacional de refúgio, especialmente diante nacionais desenvolvidas pelo Brasil a "concessão de asilo político". Em conjunto,
do surgimento das novas demandas, da necessidade de aperfeiçoamento do pro- soma-se a previsão contida no inciso II, que reconhece como fundamento das rela-
cedimento de solicitação de refúgio e da regulamentação e implementação das ções internacionais do Brasil, a "prevalência dos direitos humanos". Além dessas
soluções duradouras 7ó. previsões, ressalta-se o artigo 1Q, quanto o respeito à dignidade humana; o artigo
Contudo, apesar de ser reconhecida como uma das mais avançadas legislações 3 que previne contra qualquer tipo de discriminação e o artigo 5 que estabelece o
do mundo sobre a proteção dos refugiados, a Lei 9474/1997 não está imune a críti- princípio da igualdade, no qual todos os indivíduos, nacionais ou estrangeiros,
cas. Dentre as observações que se pode fazer ao Estatuto do Refugiado, está o fato de são iguais perante a lei. Além disso, a Constituição também estabelece, em seu ar-
que não há previsão acerca da possibilidade do fluxo em massa de refugiados, como tigo SQ, §2Q, que ela abraça, dentre e além dos direitos fundamentais nela previstos,
o reconhecimento prima facie e outras medidas para facilitar o acolhimento dos aqueles provenientes dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos aos quais
refugiados diante de uma situação emergencial, cabendo ao CONARE estabelecer ela se comprometeu. Essas previsões, em conjunto, fornecem o amparo consti-
medidas circunstanciais e paliativas para esse tipo de situação. Além disso, a Lei não tucional para a proteção dos direitos fundamentais dos solicitantes de refúgio e
prevê a possibilidade de recurso ao judiciário, caso o refugiado ou solicitante veja refugiados reconhecidos.
seus direitos suprimidos ou negligenciados 77• Outra crítica que pode ser feita à Lei Chama atenção o fato de que a Constituição, em seu artigo 4, X, fala espe-
9474/1997 é que ela não estipula prazo para o procedimento e para que a decisão cificamente em "asilo" e não em "refúgio". Nos países latino-americanos existe
certa ambiguidade quanto a esses dois termos. Conforme já discutido no Capítulo
giado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; 3, existe uma tradição latino-americana de concessão de asilo, anterior às normas
V - aprovar inst111çõe.s nonnativas esclarecedoras à execução desta Lei.•· sobre refúgio. O Brasil se insere nessa tradição, não apenas por ter ratificado tais
75 Essas Resoluções são atos normativos que, apesar de serem manifestações tipicamente administrativas, expressam o man-
damento da lei e, portanto, revestidas com a aparência de nomia. impondo condutas aos administradores. Sua função é
normas, mas também por tê-la inserido em sua Constituição. Esses dois termos
explicitar pontos implícitos ou ausentes na norma para conduzir a conduta daqueles que devem aplicá-la. Elas diferem das indicam dois institutos diferentes para a prática latino-americana e, em especial,
Resoluções meramente recomendatórias. as quais não possuem caráter obrigatório. para a brasileira.
Atualmente, o CONARE já emitiu 22 Resoluções Normativas sobre os mais variados assuntos. As Resoluções I a
Apontando a controvérsia, o asilo 79 é tido como um ato discricionário do
7 foram revogadas por outras posteriores. Quanto às demais: Resolução nº8 (20021, Dispõe sobre a notificação de
indeferimento do pedido de reconhecimento da condição de refugiado: Resolução nº9 (2002), Estabelece o local para
Estado, que ele tem o direito de "conceder" a quem bem lhe aprouver, desde
o preenchimento do questionário de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado nas circunscrições onde que presentes os requisitos para tanto. O asilo teria uma natureza constitutiva,
não houver sede da Caritas Arquidiocesana; Resolução nºI0 (2003) Dispõe sobre a siruação dos refugiados detentores ao contrário do refúgio, cuja natureza jurídica é declaratória, ou seja, este últi-
de permanência definitiva; Resolução nºl 1 (2005) Dispõe sobre a publicação da notificação prevista no artigo 29 da
Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997: Resolução nº 12 (2005), Dispõe sobre a autorização para viagem de refugiado ao
mo seria tido como um direito do indivíduo, enquanto o primeiro seria uma
exterior, a emissão de passaporte brasileiro para estrangeiro refugiado, quando necessário. bem como o processo de prerrogativa do Estadoªº. O asilo seria, por definição, um instituto destinado ao
perda da condição de refugiado em razão de sua saída de forma desautorizada; Resolução nºl 3 (2007). Dispõe sobre o estrangeiro que está sofrendo perseguição política atual (estado de urgência) 81 •
encaminhamento, a critério do Comitê Nacional para Refugiados - CONARE, ao Conselho Nacional de Imigração, de
casos passíveis de apreciação como siruações especiais, nos termos da Resolução Recomendada CN!g nº 08, de 19 de
A demora no procedimento de reconhecimento do starus de refugiado é uma das grandes criticas ao sistema nacional de
dezembro de 2006; Resolução nºl4 (201 IJ, Dispõe sobre o Programa de Reassentamento Brasileiro; Resolução nº15
proteção. Desde a entrevista na Policia Federal até a decisão final, o procedimento pode levar quase um ano. A exceção são
(2012), Dispõe sobre a concessão de protocolo ao solicitante de refugio; Resolução nº16 (2013), Estabelece procedi-
os casos especiais de reassentamento fast track e da concessão de visto humanitário, a exemplo dos Sírios.
mentos e Tertno de Solicitação para pedidos de reunião familiar; Resolução nºl7 (2013), Dispõe sobre a concessão
Importante mencionar que o Brasil reconhece três modalidades de asilo: i) o asilo territorial. aquele solicitado no território do
de visto apropriado, em conformidade com a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, e do Decreto 86. 715. de IO de
Estado asilante; ii) o asilo diplomático, no qual o estrangeiro é acolhido na sede da Missão Diplomática do Estado asilante.
dezembro de 1981, a indivíduos forçosamente deslocados por conta do conflito artnado na República Árabe Síria;
Nesse caso, o asilo deve ser convertido em asilo lerritorial, pois trata-se de uma situação provisória. O Estado acreditante
Resolução nºl8 (2013), Estabelece os procedimentos aplicáveis ao pedido e tramitação da solicitação refúgio e dá
(aquele que mantém a Missão) deve solicitar ao Estado acrecditado (aquele que recebe a Missão) o "salvo conduto" para
outras providências; Resolução nºl9 (2014). Dispõe sobre o Projeto de Migração Regional e Inserção Sócio Econômi-
a retirada segura do asilado do país de origem para ser encaminhado ao Estado asilante. iii) asilo militar, que é o asilo ou-
ca de Refugiados; Resolução nº20 (2015), Prorroga a vigência da Resolução Normativa nº 17, de 20 de setembro de
torgado em legações, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares. O asilo militar, tal qual o asilo diplomático,
2013, e confere outras providências. Resolução nº2I (2015) amplia a validade da cédula de identidade de estrangeiro
também é considerado um passo intermediário para o asilo territorial.
comprobatória da condição de refugiado de dois para cinco anos; Resolução nº22(2015) adota novo fortnulário para a so
A condição de asilado é regida pelos artigos 28 e 29 da Lei 6815/1980.
solicitação de refúgio, alterando a Resol. 18. SI
Quanto ao procedimento de solicitação, este também difere do pedido de refúgio. A concessão de asilo é de competência da
TT
Essa questão será discutida no Capítulo 6, quando será abordada a judicialização do refúgio. Presidência da República. posteriormente o Ministério da Justiça lavrará termo no qual estarão contidos o prazo de estadia
228 ~1_____________________________ H_EL_1_s~_N_'E_N_lAH_L_KE_
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO
229
É importante mencionar, também, que a concessão de asilo possuf efeitos ex vulnerabilidade, seja pela sua injustificada concessão, que pode obstaculizar a
nunc, ou seja, as garantias lhes são concedidas apenas após a concessão do asilo, consecução da justiça 89•
antes disso, o indivíduo solicitante se encontra em situação irregular no país 82 • Em regime paralelo ao do refúgio, porém com clara intersecção, está a le-
Importante mencionar, que a Constituição Federal dispõe que não cabe extradi- gislação migratória, a Lei 6815 90 o chamado "Estatuto do Estrangeiro", uma lei
ção por crime político ou de opinião 83 , o que em geral protege o asilado contra anacrônica e inadequada já em sua denominação 9 t, elaborada ainda sob a égide
a chamada "extradição dissimulada" 84, na qual o Estado requerente fundamenta da "segurança nacional" do período da Ditadura Militar92 • Essa legislação regu-
0 pedido de extradição por suposto crime comum, mas que na verdade disfarça
lamenta vários aspectos da mobilidade humana no país, como as condições para
um ato de perseguição política. a entrada e permanência regular no país, as situações de deportação e expulsão e,
Contudo, entende-se que essa percepção puramente soberanista, que enten- de maneira absolutamente deslocada, a previsão quanto à extradição 93 • Essas são
de ser o asilo um instituto legado à discricionariedade do Estado, normalmente previsões importantes em razão de sua clara relação com a situação dos solicitantes
considerado um instrumento de conveniência de sua política externa, não está em de refúgio e refugiados residentes no país 94 •
consonância com as normas internacionais 85 • Na medida em que o direito de soli- Importante mencionar que a política migratória brasileira é formulada e
citar asilo se encontra ancorado em diplomas internacionais os quais o Estado tem coordenada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNig) 95 órgão de delibera-
o dever de observar, ele deixa de ser mero ato discricionário e passa a ser elemento ção coletiva, ligado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Pela própria
de responsabilidade do Estado, neste caso, como parte da proteção internacional formação e vocação do órgão, observa-se que a condução da política migratória
dos direitos humanos. brasileira está essencialmente associada à necessidade de mão-de-obra. O CNig
Por outro lado, conforme já apontado no Capítulo 3, a Corte Interamerica- também tem competência para emitir Resoluções Normativas que regulamentem
na de Direitos Humanos já consagrou jurisprudência que consagra o direito de casos omissos pela Lei 6815/1980 96 • Essas Resoluções normativas também disci-
solicitar asilo como parte do conjunto de direitos humanos, além de aproximar plinam questões envolvendo refugiados, que possuem interligação com área de
este instituto do refúgio, em uma tentativa de superar a ambiguidade instaurada atuação do CNig97 •
pela coexistência de ambos sob o mesmo arcabouço jurídico 86 • Entende-se, nesse
contexto, que a previsão da Constituição sobre a concessão de asilo como um S9
A concessão de asilo não pode ser usada para encobrir a prática de crimes comuns (vide as cláusulas de exclusão), sob pena
dos princípios norteadores de suas relações internacionais deve ser interpretado de promover a injustiça e violar o direito das vitimas à verdade e à justiça.
em consonância com as normas internacionais com as quais o Brasil se com- Promulgada em 19 de agosto de 1980.
prometeu e com o marco regional estabelecido pela Corte Interamericana 87 • Entende-se que a denominação ..estrangeiro" é pejorativa, pois sua raiz etimológica remete ao conceito de ..estranho" (ex-
traneum), uma atribuição excludente e contrária aos preceitos universais da proteção aos direitos humanos.
Dessa forma, a concessão de asilo está sujeita a controle pela justiça internacio- Vários projetos de lei já foram encaminhados para modificar tal nonna. porém mesmo sem conter alterações substanciais e
nal, tanto pela sua injusta denegação 88, que pode expor o asilado à situação de necessárias, em relação ao antigo "Estatuto do Estrangeiro". não avançaram no Congresso Nacional. Como resultado. o Brasil
ainda permanece sem uma política migratória adequada e sem uma estrutura adequada para o atendimento ao mii,,'fllllte.
Entende-se que o processo de extradição, por tratar-se de matéria afeita à cooperação jurídica internacional em matéria
no Brasil e demais direitos e deveres do asilado. Após, o asilado tem 30 dias para comparecer à Policia Federal para fins de penal. não deveria ser incluída em uma Lei Migratória, mas disciplinada em instrumento à parte.
registro e obtenção da documentação de identificação necessária para poder viver e trabalhar no Brasil. Vide os artigos 33 a 35 (sobre extradição) e 36 e 37 (expulsão) da lei 9474/1997.
Tem-se, nesse caso, uma diferença importante entre o asilo e rerugia, pois quanto a este último, o solicitante conta de acordo O Conselho Nacional de Imigração foi criado pela Lei 8.490 de 1992 e tem suas atribuições definidas pelo Decreto nº840 de
com a lei 9474, com o "direito ao acolhimento" confonnejá foi explicitado (o refügio possui efeitos ex lllnc). 22 de junho de 1993.
Vide artigo 5. LII da Constituição de 1988. O Artigo Iº do Decreto nº840 determina a competência do CNig: "Art. I' Ao Conselho Nacional de Imigração, órgão de
CARVALHO RAMOS, André de. Asilo e Refügio: semelhanças, diferenças e perspectivas. ln ALMEIDA, Guilhenne de deliberação coletiva, integrante do Ministério do Trabalho, nos termos da Lei n' 8.490, de 19 de novembro de 1992, com-
Assis, CARVALHO RAMOS, André de, RODRIGUES, Gilberto (org.). 60 Anos do ACNUR: perspectivas de futuro. AC- pete: I - formular a política de imigração: II - coordenar e orientar as atividades de imigração; III - efetuar o levantamento
NUR - São Paulo. 2001, p.17. periódico das necessidades de mão-de-obra estrangeira qualificada, para admissão em caráter permanente ou temporário;
Além das Convenções sobre asilo já mencionadas na nota 885, o direito de solicitar asilo também está contido na Declaração IV - definir as regiões de que trata o art. 18 da Lei nº 6.8 l 5, de I 9 de agosto de 1980, e elaborar os respectivos planos de
Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 15 e, de maneira conexa, também no artigo 13. Além disso, reforça-se a
imigração; V - promover ou fornecer estudos de problemas relativos à imigração; VI - estabelecer normas de seleção de
previsão do artigo 22. 7 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, de 1969).
56
imigrantes, visando proporcionar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional e captar recursos para
Vide Capitulo 3, sob Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em especial a decisão da Corte sobre o Caso Familia
setores específicos; VII dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito a imigrantes; VIII opinar sobre
Pacheco Tineo v. Bolívia, de 2013.
alteração da legislação relativa à imigração. quando proposta por qualquer órgão do Poder Executivo; IX - elaborar seu
Segundo André de Carvalho Ramos, "a consequência da internacionalização do asilo é a possibilidade do crivo internacional
regimento interno, que deverá ser submetido à aprovação do Ministro de Estado do Trabalho.
das decisões de concessão ou denegação de asilo. A antiga discricionariedade plena da concessão de asilo passa, agora, por
Resolução Normativa nº6 ( l 997), determina que poderá ter residência permanente no Brasil, o asilado ou refugiado que:
ser um tema de direito internacional, a ser regulada e o Estado pode vir a ser chamado perante um tribunal (por exemplo, a
"residir no Brasil há no mínimo quatro anos na condição de reji,giado ou asilado (alterado pela Resolução Normativa nº 97
Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violação do Pacto de São José e da Declaração de Bogotá). Assim, o Direito
de 2010); b. ser profissional qualificado e contratado por instituição i11Stalada 110 país, ouvido o Ministério do Trabalho;
Internacional reconhece o direito de solicitar asilo como parte integrante das garantias de defesa dos direitos humanos."
c. ser profissional de capacitação reconhecida por órgão do área pertinente; d. estar estabelecido com negócio resultollle
(CARVALHO RAMOS, André de. Op. Cit, 2011, p.18).
de im·estimelllo de capital próprio, que satisfaça os objetivos de Resolução Normativa do Co11Selha Nacional de Imigração
Vide artigo 22.8 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que consagra o princípio do 1wn-refo11/eme111.
relatll'os à concessão de visto a investidor estrangeiro".
23 Q I HELISA>"E !'vl..\HLKE
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 231
--------------------------1-
A complexidade da mobilidade humana na atualidade também Ímpõe desa- catá st ro fes naturais. Ainda não há uma normativa internacional específica sobre 0
fios ao Brasil, especialmente quanto à regulamentação 98 • Os fluxos mistos, ou seja, tema, tampouco o Brasil possui uma legislação nacional própria a respeito. Além
0 deslocamento de pessoas que podem ser classificadas em diferentes categorias de disso, a interpretação do CONARE, corroborada pela justiça brasileira, é a de que
mobilidade humana, também faz parte da realidade migratória no país: migrantes situações como essa não configuram condições de elegibilidade para refúgio, ou
econômicos, migrantes ambientais, vítimas de tráfico de pessoas, apátridas e refu- seja, não são abarcadas nem mesmo pela definição ampliativa de refúgio prevista
giados. Essas diferentes categorias por vezes se entrelaçam, podendo ser abarcadas pela Lei 9474/97 103. Parece haver uma tendência na interpretação nacional da de-
por diferentes legislações. Evidentemente, a presença de condições que indiquem si- finição ampliada de refugiado, que a expressão "grave e generalizada violação de
tuação de refúgio, faz com que este deva prevalecer pelo seu caráter de especialidade direitos humanos", refere-se à situação de pessoas provenientes de graves conflitos
e necessidade. ~anta à apatridia, é importante mencionar que o Brasil ratificou a que geram situação de violência e opressão. Assim, mesmo que não seja caracteri-
Convencão sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954 e o Protocolo para a Redução zada a perseguição individual, ela está implícita na condição de extrema vulnerabi-
dos Cas~s de Apatridia 99 , portanto comprometendo-se a oferecer proteção àqueles lidade quanto à sua integridade tisica e liberdade, que a situação por si só impõe a
que estão desprovidos de nacionalidade. ~anta ao tráfico de pessoas, o Brasil estes indivíduos, forçando-os ao deslocamento, reverberando a tradição do refúgio
ratificou o já mencionado Protocolo de Palermo, de 2000 100 • ligado a não-violência 104 •
Porém, merecem menção duas ausências importantes. ~anta aos migrantes Assim, essa interpretação não é extensiva à situação de vulnerabilidade pro-
econômicos, o Brasil não ratificou a Convenção sobre o Direito dos Trabalhado- veniente da depreciação de direitos econômicos e sociais, ou mesmo à migração
res e Trabalhadoras Migrantes e suas Famílias da ONU, de 1990 101 , que garantiria forçada em razão de questões ambientais. Sendo assim, a esses indivíduos, confor-
direitos a esses indivíduos, preferindo regular sua situação apenas pela regra na- me discutido no Capítulo 4, aplicar-se-ia a proteção advinda das demais normas
cional, sendo o único dos nove grandes tratados de direitos humanos das Nações complementares do DIDH, ou mesmo cabe o amparo dos direitos fundamentais
Unidas ao qual o Brasil não se comprometeu. Tal situação é sintomática: o fluxo que devem ser assegurados a qualquer pessoa independente de sua nacionalidade.
de migrantes econômicos para o Brasil é significativamente maior do que das Como se pode observar, existe um consistente arcabouço jurídico, tanto na-
outras categorias 1º2 • Esse fator, associado à forte pressão dos sindicatos de diversas cional quanto internacional; constitucional e infraconstitucional, que reconhece
categorias laborais que temem a "concorrência" pelo mercado de trabalho, tem direitos e que determina as ações necessárias para a proteção dos refugiados no
dissuadido iniciativas governamentais no sentido de adotar tal Convenção. Além Brasil. Contudo, as normas são vazias sem a estrutura necessária para dar-lhes
disso, assim o Brasil também não se submete à fiscalização do Comitê Onusiano concretude. Assim, é fundamental analisar como a proteção aos refugiados se de-
que monitora eventuais violações da Convenção, e que permite que os próprios senvolve objetivamente. Para tanto, analisa-se, a priori, o funcionamento da cha-
migrantes possam denunciar o desrespeito aos direitos amplos nela contidos. mada "estrutura tripartite" responsável por tornar efetivas as normas do Direito
Outra questão importante é a categoria dos migrantes ambientais, pessoas Internacional dos Refugiados.
que tiveram de deixar seus países de origem em razão das mudanças climáticas ou
5.3. A ESTRUTURA TRIPARTITE
9S
Confonne alerta Neide Patarra, é urgente a refonnulação e ampliação das politicas e ações frente a essa nova situação
migratória no Brasil: .. o tratamento dos migrantes internacionais circunscreve-se no âmbito da articulação entre soberania
nacional, democracia, direitos humanos e direitos ao desenvolvimento. O desafio consiste em transfonnar os compromissos Para se analisar como a política brasileira para refugiados se traduz in con-
assumidos internacionalmente em programas e práticas sociais condizentes com a articulação proposta - síntese das con- creto é necessário analisar como ela se desenvolve, a partir da chamada "estrutura
tradições. conflitos e antagonismos intensificados neste inicio de século. A migração internacional, que é a contrapartida
populacional desse contexto globalizado, representa hoje a transfonnação da herança alvissareira do século 20 e um grande
tripartite" estabelecida pela Lei nQ9474/1997, e como se dá a atuação de cada um
desafio para o século 21 ". (PA TARRA, Neide Lopes. Migrações Internacionais de e para o Brasil Conternporãneo. ln São dos elementos que a integram. A exemplo de outros países 105, o Brasil também
Paulo em Perspectiva, Vol.19, nº3 jul/set de 2005, p.31).
Promulgados pelo Decreto n"4.246 de 22 de maio de 2002 e pelo Decreto nº 8.501 de 18 de agosto de 2015, respectivamente. IUJ
IOO
Vide decisão do CONARE sobre os migrantes Haitianos já mencionada.
Vide nota 885.
101
A despeito das discussões doutrinárias sobre o que pode ser entendido como perseguição e a extensão do tenno, o ACNUR
Importante mencionar que o Brasil ratificou a Convenção sobre Trabalhadores Migrantes, de 1949 (Decreto nº 58819 de 14
lançou luz sobre a controvérsia estabelecendo que perseguição pode ser entendida corno: i) sérios danos à integridade tisica,
de julho de 1966 J e não ratificou a Convenção Sobre as Imigrações Efetuadas em Condições Abusivas e Sobre a Promoção
à liberdade ou a outros direitos previstos pelos tratados internacionais de direitos humanos; ii) tratamento discriminatório
da Igualdade de Oportunidade e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes (também denominada de Convenção sobre
que cause dano à vitima; iii) vários danos que em conjunto com a situação de instabilidade do pais de origem podem levar
Trabalhadores Migrantes - Disposições Complementares), de 1975 (o Decreto Legislativo nº 86, de 14 de dezembro de 1989,
ao fundado temor de perseguição. (Vide: Handbook on Procedures and Cri teria for Detennining Refugee Status, UNHCR,
rejeitou o texto da Convenção), ambas da Organização Internacional do Trabalho (Oin.
10?
Genebra, I 979; Também: FISCHEL de ANDRADE, José H. On the Development of the Concept of ·Persecution' in Inter-
O CN!g concedeu 43.904 autorizações de trabalho temporário no Brasil, em 2014; e 2.836 autorizações pennanentes. Esse
national Refugee Law. ln II Anuário de Direito Internacional. Vol.11, 2008).
número vem diminuindo paulatinamente: em 2011 foi um total de 68.693 autorizações, 66.821 em 2012; 61.842 em 2013 e 105
Os países desenvolveram diferentes fonnas de processar as solicitações de reftígio. Vários países da América Latina.
46.740 em 2014. (Fonte: Observatório das Migrações Internacionais (OBMIGRA), Relatório de 2015. Disponível em: http:i/
contudo, contam com uma estrutura semelhante ao CONARE para realizar a elegibilidade e a coordenação da politica
acesso.mte.gov.br/obmigra/relatorio-anual/).
para refugiados.
232 J,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_EL_1s_~_N_E_N_L_AH_L_~_E .:::.D_1RE_IT_o_l_NT_E_RJ_N._,>.C_IO_N_'A_L_D..:.O..:.S_RE_FL_'G..:.J._W..:.O..:.S..:.:_N_o_vo_PAR_>._D_IG_~·_IA_J..:.U..:.Ri.:::.D:..:IC.::.O_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _..J.. 233

desenvolveu seu sistema nacional de proteção ao refugiado. O país demonstrou Nesse contexto, cabe ao CONARE coordenar o procedimento de análise da
disposição em comprometer-se com as normas internaci~nais, apesar de não _ter solicitação de refúgio 108 e servir como instância de decisão sobre o reconhecimento
sido, em décadas passadas, um tradicional receptor refugiados e ter desenvolvido ou não do status de refugiado. Porém, é importante esclarecer que o CONARE é
mecanismos ad hoc para solução de casos pontuais. Contudo, a compliance co1:1 um comitê de elegibilidade que reconhece ou não a condição daqueles que soli-
as normas internacionais, sobretudo a Convenção de 1951, implica no estabeleci- citam o refúgio no Brasil. Conforme já comentado, o refúgio não concedido ou
mento de uma estrutura que pudesse processar adequadamente as solicitações de outorgado pelo Estado, mas há o reconhecimento da condição de refugiado que
refúgio, acolher e auxiliar os refugiados em território nacional e colocar em prática já existia antes mesmo da solicitação efetuada, mediante um ato declaratório. Em
as solucões duradouras previstas pelas normas internacionais. consequência, o procedimento de elegibilidade é um processo de reconhecimento
E:U consonância com essas normas, o Brasil estabelece essa estrutura oficial- ou determinação da situação de refúgio do solicitante. Assim, o CONARE não é
mente a partir da promulgação do Estatuto do Refugiado (a Lei 9474/1997), o qual a um órgão de "julgamento" 1º9, mas de deliberação, ao qual cabe apreciar o pedido
desenha com uma composição tripartite, formada pelo CONARE (Comitê Nacional de refúgio segundo os ditames das normas (nacionais e internacionais) que o Es-
para Refugiados), como representante governamental; o ACNUR, como o "_elo de tado Brasileiro deve cumprir. Essa prerrogativa demonstra que cabe ao CONARE
ligação" com o regime internacional do refúgio, proposto pelas_ Nações Umdas; e um papel essencial na proteção aos refugiados no Brasil, sendo o crivo pelo qual a
Organizações da Sociedade Civil, como representantes da comumdade local. _ solicitação de refúgio passa antes de ser efetivamente aceita.
Conforme explicitado anteriormente, a Lei também estabeleceu o procedimen- O CONARE é um órgão colegiado 11 º, cujos membros são indicados pela
to administrativo para o reconhecimento do status de refugiado, bem como os crité- Presidência da República e cuja presidência se encontra com o Ministério da Jus-
rios de elegibilidade 106 que serão observados quando for analisada a solicitação. Nesse tiça 111. O CONARE é, porém, mais do que apenas um órgão de elegibilidade,
âmbito, definindo qual o papel desempenhado por cada um dos elementos que com- sua competência também compreende o estabelecimento de diretrizes (Resoluções
põem a estrutura tripartite. A Lei também estabelece a implementação das soluções Normativas e Recomendatórias), que estabelecem condutas e coordenam ações ne-
duradouras, porém, neste caso não há menção explícita sobre o papel de cada um dos cessárias à proteção dos refugiados (artigo 12, IV). Por essa previsão, verifica-se a
componentes na concretização destas medidas, sendo que elas sendo regulamentadas importância do CONARE e seu quase monopólio na interpretação e aplicação das
mediante acordos posteriores e pelas Resoluções Normativas emitidas pelo CONA- normas sobre refúgio. Especialmente no que tange ao inciso V, tem-se um ponto
RE. Passa-se, então, a analisar os três órgãos que fazem parte dessa estrutura e as ações polêmico, ou seja, na ausência de normas e políticas claras em relação à imigração
que desenvolvem no âmbito do sistema nacional de proteção ao refugiado. de uma maneira geral no Brasil, o CONARE praticamente legisla estabelecendo
parâmetros para a proteção aos refugiados no Brasil.
5.3 .. 1. O CONARE ~anto à análise das solicitações de refúgio, o CONARE realiza para tanto,
sessões plenárias, nas quais os casos são analisados pelos seus membros e, poste-
O Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) é o órgão criado pela Lei riormente é emitida a decisão pelo deferimento ou indeferimento do pedido. As
9474/1997, ligado ao Ministério da Justiça, a quem compete (segundo a inteligên- sessões são precedidas de reuniões do GEP (Grupo de Estudos Prévios), no qual
cia do artigo 12 da Lei) 1º7: "I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em
primeira instância, da condição de refugiado; II - decidir a cessação, em primeira !OS
Para tanto, o Comitê utilizar-se-á não apenas da Conslituição Federal e da Lei 9474 para deliberar sobre o pedido, mas tam-
instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da ~on- bém, de forma hermenêutica, dos Documentos Internacionais que versam sobre o tema (a Convenção de I 951, seu Protocolo
adicional de 1967, bem como a Declaração Universal de Direitos Humanos, de l 948, segundo disposição do próprio Estatuto
dição de refugiado; III - determinar a perda, em primeira instância, da condição
Nacional do Refugiado, em seu art. 48).
de refugiado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, 109
LEÃO, Renato Zerbini. CONARE: balanço de seus 14 anos de existência. ln ALMEIDA, Guilherme Assis de. CARVALHO
assistência e apoio jurídico aos refugiados; V - aprovar instruções normativas escla- RAMOS. André de, RODRIGUES, Gilberto (org). 60 Anos do ACNUR: perspectivas de Futuro. ACNUR 2010.
IIO
O artigo 14 da lei elenca os membros do CONARE: Art. 14. O CONARE será constituído por: I - um representante do
recedoras à execução desta Lei".
Ministério da Justiça, que o presidirá; II - um representante do Ministério das Relações Exteriores; III - um representante do
Ministério do Trabalho: IV - um representante do Ministério da Saúde; V - um representante do Ministério da Educação e
'°' Tais critérios estão previstos no artigo !º da Lei 9474 (critérios de inclusão). O art. 3" da Lei aponta os critérios de exclusão do Desporto; VJ - um representante do Departamento de Policia Federal: VII - um representante de organização não-gover-
do refúgio. Tais critérios são cruciais na observação sobre a eficácia da aplicação do Direito dos Refugiados e, justamente, na namental, que se dedique a atividades de assistência e proteção de refugiados no País.
interpretação dos mesmos é que reside a controvérsia sobre a capacidade do país em corresponder à necessidade de proteção. Ili
É importante mencionar que a estrurura do CONARE é tanto elogiada, quanto criticada, conforme salienta Liliana Jubilut
"' Essa competência, segundo a própria Lei determina em seu artigo 12, deve ser conduzida ·'em consonância com a É elogiada por expandir o tema do refúgio por diversos órgãos governamentais, todos eles direta ou indiretamente ligados
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estaruto dos Refugiados de 1967 e com à proteção aos refugiados. E criticada pelo fato de que, salvo raras exceções, a maioria dos representantes dos Ministérios
as demais fontes de direito internacional dos refugiados•·. Essa previsão não apenas reconhece que a política nacional que o compõe, não são qualificados para compreender o tema. (JUBILUT, Liliana. Refugee Law and Protection in Brazil:
sobre refugiados deve estar de acordo com os dois principais instrumentos ratificados pelo Brasil, mas deixa em aberto a a model in South America? ln Journal of Refugee Srudies, Vol.19, nºl, 2006, p.33). Outra ausência significativa que se
possibilidade de invocar outras normas de Direito Internacional dos Refugiados que possam vir a instruir e complementar faz notar é de um representante da Secretaria de Direitos Humanos, que guarda relação intrinseca com o tema e possui um
as nonnas nacionais. convênio com a Catitas desde a década de 90 para promoção da assistência aos refugiados.
234 J ________________________
1
_
HELISANE 1\11.-\HLKE

uma primeira "triagem" dos casos é realizada, selecionando quais casos serão en-
caminhados para a votação na sessão plenária. Tais sessões e as reuniões do GEP
são adstritas aos membros do CONARE, com raras exceções, o que não favorece a
transparência do processo nem o conhecimento prévio dos critérios utilizados para
T DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.WOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO

As entidades da Sociedade Civil que participam da estrutura tripartite são


as Caritas Rio de Janeiro (CARJ) e Caritas São Paulo (CASP) 118 e o Instituto Mi-
grações e Direitos Humanos (IMDH). Essas entidades não apenas participam do
processo de elegibilidade, mas, também, auxiliam na acolhida e assistência aos
235

"selecionar" quais casos serão privilegiados para análise 112 • refugiados reconhecidos. Consolidando a tradição quanto ao recebimento de refu-
Além disso, o órgão possui a função de coordenar e orientar as ações neces- giados que já existia nesses dois Estados, estabeleceu-se convênio entre o ACNUR
sárias para tornar efetiva a proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados e, e a CASP e a CARJ por meio da criação de um centro de acolhida, oficialmente
juntamente com outras duas instâncias (o ACNUR e a Sociedade Civil) compõe estabelecido em 1994 119 • A relação do ACNUR com as ONGs é imprescindível para
a estrutura tripartite responsável por efetivar a política nacional para refugiados. que ele consiga realizar suas funções devido à limitação orçamentária e de pessoal.
O aumento do fluxo de refugiados e solicitantes de refúgio nos últimos anos Assim, o ACNUR estabelece parcerias com essas entidades implementadoras a fim
impôs um novo desafio para o CONARE 11 3, a necessidade de ampliar seu pessoal de colocar em prática seus objetivos. Esses objetivos se concretizam por meio de
e estrutura para atender à crescente demanda e também de aprimorar sua atuação três programas: i) programa de proteção, que inclui a assistência jurídica; ii) o pro-
na coordenação da política brasileira para os refugiados 11 4. Algumas iniciativas grama de assistência, voltado aos direitos sociais; iii) programa de integração do
importantes foram tomadas nesse sentido 115, porém o desafio continua sendo o de refugiado nas comunidades locais 12º.
conciliar as necessidades das demandas dos solicitantes de refúgio e os interesses do O Programa de Proteção compreende a busca pela garantia de liberdades (não
Estado brasileiro na recepção ou não de determinados grupos. expulsão ou deportação, direito à vida e integridade füica), além do acompanhamen-
to do procedimento de solicitação de refúgio e a obtenção da documentação necessá-
5.3.2. A participação da sociedade civil
ria para que o refugiado possa construir uma vida digna no país de acolhimento 121 •
A participação da sociedade civil tem sido de grande importância para o O Programa de assistência engloba o acesso a serviços básicos como moradia,
sistema de proteção nacional, pois não apenas as organizações integram o proce- saúde, educação, alimentação e formação. Para tanto, a Caritas conta com o auxílio
dimento de determinação do status de refugiado, quanto desempenham um papel de diversos parceiros (outras ONGs, Associações, e entidades públicas e privadas)
importante na implementação das soluções duradouras. Além disso, a Sociedade para garantir o acesso a direitos básicos para uma vida digna. Esse acesso, apesar da
Civil atua diretamente na assistência aos refugiados e solicitantes de refúgio e, previsão contida no artigo 5º-, §2º- da Constituição Federal, que garante igualdade
também, auxilia na implementação de políticas públicas e na elaboração de diag- de tratamento a brasileiros e estrangeiros, é uma das áreas onde mais são encontra-
nósticos116 que informam o processo de solicitação de refúgio 117 • dos óbices devido à falta de uma estrutura adequada de acolhimento 122 • Às ONGs
cabe a orientação e encaminhamento do refugiado, porém para que ele(a) e sua
112 Evidentemente, reconhece-se que uma das questões importantes a serem consideradas é o sigilo, uma vez que há necessidade família possam usufruir desses direitos é necessário respaldo e a participação dos
de preservar O indivíduo que sofre perseguição. Além disso, também é compreensível que algumas informações, geralmente governos locais (municipais e estaduais).
de posse do Ministério da Justiça ou da Polícia Federal, que envolvam questões de segurança devem ser preservadas. Contu-
do, isso não pode ocorrer à dispensa de outros direitos importantes como o acesso à justiça e a ampla defesa. Além disso, os
IIS
critérios utilizados para a seleção dos casos não exerce nenhum impacto sobre a preservação da integridade dos solicitantes A CASP e a CARJ são duas das 140 dioceses que formam a Caritas Brasileira (que existe desde 1956) que, por sua vez,
de rerugia, apenas toma clara a relação política existente neste processo. é uma das 162 entidades da Caritas Imernacio11a/is (que existe oficialmente desde I 959). A Caritas Imernaciona/is é
li)
O CONARE só passou a ter orçamento próprio em 2004, antes dividia recursos com o Departamento de Estrangeiros do reconhecida desde 1967 como membro observador do ECOSOC. (Vide: www.caritas.org). A Igreja Católica já tinha um
Ministério da Justiça. (LEÃO, Renato Zerbini. "Memória Anotada, Comentada e Jurisprudencial do Comitê Nacional para respeitado histórico na proteção dos refugiados, quando antes atuava por meio da Comissão Justiça e Paz. Na época, o Brasil
Refugiados - CONARE. Disponível em: http://www.acnur.orgtbiblíoteca/pdfJ5405.pdf'?view-l .). vivia o período da Ditadura Militar e era um país que produzia exilados políticos, por outro lado não havia interesse em
Segundo dados dimlgados pelo CONARE e pelo ACNUR, o processamento de solicitações de rerugia subiu de 904em2012 efetivamente receber refugiados, em especial da América Latina, pois isso seria admitir as violações de direitos humanos de
'" regimes semelhantes ao seu. (JUBILUT, Liliana Lyra. Acolhida da População Refugiada em São Paulo: a sociedade civil e a
para 6.067 em 2013. A taxa de elegibilidade também cresceu de 40,8% em 2013 para 88,5% em 2014, em pane em razão
da vinda dos refugiados sírios. O número de pedidos em 2014 superou os 8.000. (Fonte: ACNUR - Dados sobre refúgio no proteção aos refugiados. ln SILVA, César Augusto (org.) Direitos Humanos e Refugiados. Dourados: Editora UFGD, 2012)
Brasil. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/ponugues/recursos/estatisticasldados-sobre-refugio-no-brasiL'). Importante Importante mencionar também, que pelo seu trabalho no auxílio dos refugiados o Cardeal Emérito de São Paulo. Dom Paulo
mencionar que os Haitianos não estão computados nessas estatísticas. já que seus pedidos são imediatamente encaminhados Evaristo Arns foi agraciado, em 1985, com a Medalha Nansen, honraria concedia pelo ACNUR àqueles que se destacam na
para o CNig, que é o órgão responsável por encaminhar os pedidos de permanência desta nacionalidade. proteção aos refugiados. 1
A Secretaria Nacional de Justiça anunciou a contratação de novos funcionários, a descentralização das atividades do CONARE
li')
Não diferença no papel desempenhado pela CASP e CARJ, sendo uma divisão meramente geográfica. .,1
110
com a abenura de escritórios em outras capitais (São Paulo, Pano Alegre e Rio de Janeiro) e um convênio com o ACNUR para JUBILUT, Liliana Lyra. Op. Cit. 2012.
121
a contratação de especialistas para amdliar quanto às análises de elegibilidade. Essas medidas ainda se encontram em curso. Esses documentos são o Cadastro Nacional de Pessoas Físicas (CPF) e a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
Os diagnósticos consistem em entrevistas e levantamento de dados sobre o solicitante de rerugia a fim de verificar a peni- (anigo 21, § lº da Lei 9474197).
'" 121
Essas dificuldades foram levantadas em recente pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça e pelo IPEA (Instituto de Pes-
nência e credibilidade do pedido.
117 As ONGs têm auxiliado o ACNUR desde os primórdios, quando associações voluntárias somaram-se aos esforços para quisa Econômica Aplicada). mapeando o acesso a direitos (moradia. trabalho, saúde, educação) por migrantes e refugiados
auxiliar os refugiados da Segunda Guerra Mundial. A importância dessa parceria foi reconhecida, quando em 1994 foi criado nos estados da Federação. Para acesso ao relatório e resultados apontados pela pesquisa, consultar: http://pensando.mj.gov.
o "Partnership i11 Actio11 Initiative", a fim de estreitar e aprimorar a relação entre essas organizações e o ACNUR. br/publicacoes/.
236 ~1_____________________________ H_E_L_1s_~_NE_N_L-1H_LKE_·
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r

DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 237

O Programa de Integração implica em ações que possam proporcionar ao re- com parceiros nos estados de reassentamento para melhor atender os indivíduos
fugiado uma vida autônoma e uma verdadeira inserção na comunidade local. Não que buscam proteção.
se trata de assimilação, pois o refugiado deve, na medida do possível, preservar sua A participação da Sociedade Civil, contudo, não está adstrita àquelas entida-
identidade e cultura, mas proporcionar meios de convivência plena em sociedade. des que oficialmente participam da estrutura tripartite. É importante mencionar
Nesse sentido, o aprendizado da língua portuguesa é essencial e a Caritas estabelece que, considerando o aumento do fluxo de refugiados e da imigração de uma forma
parcerias com entidades e universidades para isso. Por outro lado, a participação geral, em direção ao Brasil, outras entidades somaram-se aos esforços de acolhimen-
no mercado de trabalho é fundamental, portanto intermediar a relação do refu- to128, mesmo que de forma indireta. Além disso, é louvável que haja a organização
giado com potenciais empregadores ou auxiliá-lo na obtenção dos meios legais e participação cada vez maiores dos Grupos e Associações de Migrantes e Refugia-
e recursos para o empreendimento do próprio negócio, também são atividades dos129 nas discussões sobre a política nacional migratória e sobre o aprimoramento
desenvolvidas. Outro aspecto importante é a continuidade dos estudos ou reconhe- do sistema nacional de proteção aos refugiados. A Sociedade Civil representa a
cimento de títulos e diplomas 123, também fundamental para a inserção no mercado congregação do refugiado com a comunidade local, a ampliação e diversificação de
de trabalho e a construção de uma boa qualidade de vida. sua participação e questões de representatividade precisam ser discutidas 130 •
Posteriormente, com o advento da Lei 9474/97, da criação do CONARE, que
conta com a participação de representante da sociedade civil com direito a voto 5.3.3. A atuação do ACNUR no Brasil
(art.14, VII), institucionaliza-se o papel desempenhado pelas duas ONGs partici-
pando ativamente do procedimento de reconhecimento do status de refugiado 124 . Conforme já mencionado, a relação do ACNUR com o Governo Brasileiro e,
Além da participação nas reuniões do GEP e do CONARE, com direito a voto, consequentemente com a política nacional quanto ao refugio, foi se desenvolvendo
as organizações também são responsáveis por entrevistar os solicitantes de refugio na medida do interesse do país e no compasso do aumento do fluxo migratório.
e, a partir da entrevista e do questionário preenchido pelo solicitante, elaborar o Conforme já mencionado, o papel do ACNUR no país não é o de participar do
"Parecer de Elegibilidade" que irá compor as informações que serão analisadas processo decisório quanto à solicitação de refugio, mas o de auxiliar o Governo
posteriormente pelo CONARE para a decisão sobre o reconhecimento ou não do Brasileiro, em cooperação com o CONARE e a sociedade civil especialmente na
status de refugiado. consecução das metas estabelecidas no Plano de Ação do México de 2004.
O IMDH 125, por sua vez, exerce esse papel em Brasília, após convênio com As metas do Plano de Ação do México incluem: i) o desenvolvimento teórico,
a CASP. Além disso, o IMDH representa a sociedade civil no Grupo de Estudos promovendo pesquisas e a disseminação de informações e conhecimento sobre o
Prévios que antecede as reuniões do CONARE. A organização também possui um refugio; ii) fortalecimento institucional, por meio da capacitação e sensibilização
respeitável histórico na assistência aos refugiados, auxiliando nos processos de inte- de funcionários públicos, e das relações com outras instituições governamentais,
gração e nas discussões sobre o aprimoramento da política nacional sobre refugio 126 . não-governamentais e do judiciário; iii) o programa cidades solidárias promovendo
Importante mencionar, também, a atuação da ASAV (Associação Antônio a integração na sociedade local; iv) fronteiras solidárias para auxiliar no tratamento
Vieira) que, atualmente é a única entidade a realizar o trabalho relacionado ao adequado dos refugiados nas comunidades limítrofes; v) reassentamento solidário,
reassentamento no Brasil. Organização também ligada à Igreja Católica, especifi- programa que integra uma das soluções duradouras e do qual o Brasil faz parte.
camente à Ordem Jesuítica da Companhia de Jesus, a ASAV localiza-se nem Porto No Brasil, o ACNUR tem atuado no sentido de incentivar a uniformização
Alegre no Rio Grande do Sul e de lá coordena os programas de reassentamento, da política sobre refúgio, promovendo a relação entre as instâncias internas e
em cooperação com o ACNUR127, e realizando convênios e atuando em conjunto externas, mantendo diálogo com diversas instituições e zelando pela aplicação
das Convenções Internacionais. Para tanto, conforme já mencionado, o ACNUR

Quanto à continuidade dos estudos. vale lembrar que a o Ministério da Educação (MEC) não tem um mecanismo próprio
11S
para o ingresso de estrangeiros e refugiados, deixando a cargo de cada Universidade. Algumas Universidades tomaram essa Pode-se citar o papel da Missão Paz, em São Paulo: do CAM! (Centre de Atendimento ao Migrante) em Caxias do Sul; do
iniciativa por conta própria. Quanto à revalidação de diplomas, essa é uma promessa antiga do MEC, aprimorar e facilitar CIBAI Migrações em Porto Alegre; CSEM- Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, de Brasilia; diversas Pastorais do
o processo que é longo e burocrático. Para os refugiados. com dificuldades em ter acesso a documentos em seus países de Migrante em Capitais Brasileiras, como Goiânia, Manaus. Fortaleza, Campo Grande, ligadas às Arquidioceses e Paróquias
origem, muitas vezes toma-se quase impossível. destas cidades.
12-l Ressalta-se, também, que após sua criação, o CONARE por meio das Resoluções Normativas expedidas também determina Como exemplo, podemos citar: a União Nacional das Entidades Islâmicas, de São Paulo; Associações de Haitianos de
o papel das ONGs no procedimento de elegibilidade e na assistência aos refugiados. Camboriú e Navegantes; Casa das Africas, de São Paulo; CDHIC - Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Migrante,
O IMDH foi fundado em 1999 e faz parte da Ordem das Irmãs Scalabrinianas. ordem historicamente dedicada ao auxilio de São Paulo; CASLA- Casa Latino-americana, de Curitiba, dentre outros.
aos migrantes. Cbama atenção o fato de que todas as entidades que participam ativamente da estrutura tripartite são ligadas à Igreja Católica e quase
126
Ver mais em: hnp://www .migrante.org.br/index.php/2014-01-14-00-36-49/finalidades-e-projetos. a totalidade das demais entidades que se dedicam no país à assistência a migrantes e refugiados também. Mesmo considerando as
127
A ASA V participa dos encontros da Amwal Tripartice Consultations 011 Resseclemem (ATCR) para fortalecer e aprimorar a raízes históricas da atuação da Igreja Católica quanto aos migrantes, sobretudo no Brasi~ creio que as razões políticas e sociológicas
cooperação entre as organizações que realizam este trabalho no mundo. desse fator mereceriam um estudo mais aprofundado, que extrapola o objetivo dessa obra, mas que deve ser digno de nota.
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HELISANE M.-\HLKE _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _+
_D_1RE_1T_o_lNT_Eru_N_A_c_1o_N_AL_D_o~s_RE_FU_'G_IA_Do_s:_N_o_\_'D_P_AR_AO_JG_~_IA_J_u_ru_D1_co 239

desenvolve parcerias para consolidar o Direito Internacional dos Refugiados no prévio sobre a elegibilidade do solicitante de refúgio 138, apenas relatar as condições
país e procura fornecer informação sobre o tema e orientando a aplicação de suas de entrada e registrar o pedido e as razões deste, segundo relato do solicitante. É re-
normas, aproximando-se de instituições governamentais 131 e jurídicas 132, assim provável, segundo a Legislação Nacional1 39 e as normas internacionais que o agente
como com organizações da Sociedade Civil. de fronteira haja de maneira a violar o princípio do non-refoulement. A Polícia
O ACNUR também estabeleceu importante iniciativa com a criação da Cáte- Federal deve fornecer as condições necessárias para viabilizar o pedido de refúgio,
dra Sérgio Vieira de Mello 133, para concretizar um de seus objetivos que é a promo- como informação sobre direitos e procedimentos e eventual tradução.
ção da pesquisa e produção acadêmica. A Cátedra foi implantada em 2003 em toda Também cabe à Polícia Federal emitir os documentos necessários para identi-
a América Latina. Essa iniciativa que congrega diversas Universidades promove o ficação provisória dos solicitantes de refúgio e refugiados, informar ao solicitante
estudo sobre o Direito Internacional dos Refugiados, fundamental para formar os o resultado de seu pedido e receber os recursos em caso de decisão negativa do
futuros profissionais que irão trabalhar diretamente com este público e, também, CONARE. Além disso, com autoridade de fronteira, cabe à PF acompanhar os
produzir conhecimento sobre o tema. procedimentos de saída do refugiado do território nacional, seja pela repatriação
Apesar de todas essas iniciativas, a atuação do ACNUR é limitada no país, voluntária, seja em razão da perda da condição de refugiado causada pela ausência
seguindo a perspectiva de auxiliar e orientar, mas não interferir nos assuntos in- do país sem a autorização do CONARE e posterior retorno. A PF, portanto, exerce
ternos dos Estados, dentre eles, paradoxalmente, como estes aplicam o Direito várias funções nas diferentes fases do processo de acolhimento, reconhecimento e
Internacional dos Refugiados. Essa limitação, além das já expostas nos Capítulos eventual encerramento da proteção ao refugiado no país. Essa atuação, contudo,
anteriores, deve-se no Brasil especificamente, ao papel predominante do CONARE sofre críticas, as quais não podem ser superficialmente atribuídas à falta de estru-
(órgão governamental) no qual o ACNUR tem voz, porém não voto. Assim, opa- tura adequada de acolhimento ou a falta de capacitação de seus agentes para o
pel do ACNUR no país está adstrito à seara das negociações com órgãos internos e atendimento aos solicitantes, mas a falta de vocação institucional para essa função.
da orientação quanto à aplicação do Direito Internacional dos Refugiados.
5.4. A IMPLEMENTAÇÃO DAS SOLUÇÕES DURADOURAS
5.3.4. A atuação da Polícia Federal como autoridade migratória
A situação de refúgio é eminentemente temporária, ou seja, a condição de refugia-
É importante mencionar que, apesar de não fazer parte da estrutura tripartite, do é uma condição especial, a qual se espera não se perpetue, retornando o indivíduo à
a Polícia Federal, é tida como autoridade migratória. Dentre suas atribuições cons- situação de normalidade. Contudo, frequentemente, as causas que motivam a fuga são
titucionalmente definidas está a de servir de polícia aeroportuária, marítima e de de dificil solução e podem se perpetuar por anos. Nesse contexto, foram estabelecidas
fronteira 134 • Além disso, o Estatuto do Estrangeiro 135 determina que é competência as soluções duradouras, capazes de conferir ao refugiado a possibilidade de viver digna-
do Departamento da Polícia Federal a responsabilidade pelo controle da migração, mente e em segurança, mesmo considerando sua situação de vulnerabilidade.
por meio da fiscalização da entrada, permanência e saída o estrangeiro do país 136 • O ACNUR define como "soluções duradouras" três iniciativas que permitem
A Polícia Federal (PF) possui um papel importante quanto ao sistema nacional de aos refugiados reconstruírem suas vidas com dignidade e autonomia, especialmen-
refúgio, sobretudo na recepção dos solicitantes de refúgio na zona de fronteira, te em situações de conflitos prolongados. As soluções duradouras fazem parte do
sendo a PF o primeiro órgão com o qual o solicitante estabelece contato quando compromisso assumido pelo Brasil, não apenas quanto à Convenção de 1951, mas
chega ao país, sendo responsável por formalizar e encaminhar o pedido de refú- estão também positivadas na Lei 9474/1997. Assim, para bem cumprir com tal
• 131 I ·
g10 . mportante menc10nar, que não cabe ao agente da PF fazer qualquer juízo compromisso, o qual é parte essencial da proteção dos refugiados, o país procura
desenvolver acordos e iniciativas dentro dessas três possibilidades, as quais devem
IH
O ACNUR possui parcerias com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de ser concretizadas sempre tendo por escopo a proteção dos direitos humanos das
Políticas para as Mulheres, e com os Ministérios da Saúde. Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social. pessoas em situação de vulnerabilidade.
Cabe citar o Memorando de Entendimento entre o ACNUR e o Ministério Público Federal; a cooperação com a Defensoria
Pública da União estabelecida em 2012, para capacitação dos Defensores Públicos para atuar em prol dos refugiados; e,
também, com as Defensorias Públicas Estaduais de São Paulo e Amazonas. 5.4.1. A repatriação voluntária
A Cátedra recebe esse nome em homenagem ao Diplomata Brasileiro Sérgio Vieira de Mello que morreu em missão no

,,. Iraque em 2003. pela sua dedicação às Nações Unidas e trabalho com refugiados. A repatriação voluntária é o retorno seguro ao país de origem, segundo a von-
Vide artigo 144, § lº, III da Constituição Federal de 1988.
'" Vide artigo 134 da Lei 681511980.
tade e conveniência do refugiado, ou seja, que em seu retorno ele possa restabelecer
136
O Decreto nº73.332 de 19 de dezembro de 1973, que define o funcionamento e estrutura do Departamento da Policia Fe-
deral, em seu artigo !º, I, h, determina que compete á Polícia Federal apurar quaisquer infrações cometidas por ingresso ou Importante ressaltar que a PF possui assento no CONARE com direito a voto, portanto participará posteriormente da decisão
permanência irregular de estrangeiro no país. quanto à elegibilidade (cf. artigo 14, VI da Lei 9474/1997).
l_\9
Vide artigo 9 da Lei 9474/1997 e também as Resoluções nºl 8 e 22 do CONARE sobre o procedimento de solicitação de refugio. Vide artigos 7 a 10 da Lei 9474/1997.
240 ~11--------------------------------~H~E~L~IS~AN-'E~M~A.:..:.:HL=KE
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFIJGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 241

uma vida digna e livre da perseguição que motivou sua fuga. Dentre as soluções Também, foi providenciada a repatriação voluntária de um grupo de Afegãos que
duradouras, ela é a mais desejável, na medida em que permite ao refugiado resta- haviam tomado o Brasil por destino mediante o programa de reassentamento 146 .
belecer contato com sua cultura, identidade e origem. Parte-se do princípio que A repatriação implica na reintegração do refugiado em sua comunidade. de origem
ninguém deseja tornar-se um refugiado, sendo forçado a romper o vínculo com sua restabelecendo os vínculos de identidade e pertencimento. Portanto, ela não é uma
terra e sua história. Portanto, a possibilidade de retorno, a partir da constatação da simples transferência e necessita do engajamento não apenas do ACNUR, mas
presença dos requisitos de segurança e condições suficientes para a reintegração em também dos países envolvidos para que ela realmente seja a alternativa preferível.
seu país de origem, é a solução preferida dentre muitos indivíduos que se encon-
tram em situação de refúgio. 5.4.2. O reassentamento solidário
Ressalta-se o caráter voluntário e individual da repatriação, sendo facultado
ao refugiado permanecer no país, ou mesmo adquirir sua naturalização preenchen- A segunda é o reassentamento, ou seja, a transferência de refugiados a um
do as condições necessárias 140. Além disso, é fundamental que a retorno seja em terceiro país seguro realizada mediante acordo entre o país e o ACNUR. O Bra-
condições de absoluta segurança e condições de retomar a vida em normalidade, sil é um dos países de reassentamento, dentre os poucos que se dispõe a receber
refugiados sob esta condição 147, integrando o programa de reassentamento desde
ou seja, a repatriação deve ser conduzida com respeito aos direitos humanos dos
1999, quando foi assinado o "Acordo Marco para Reassentamento de Refugiados"
repatriados e afirmando a reponsabilidade dos Estados para com seus cidadãos.
com o ACNUR148 . Além disso, a própria Lei 9474/1997 já estipulava a prática do
Nesse sentido, é necessário que haja vontade política dos Estados envolvidos em
reassentamento em seus artigos 45 (que reforça seu caráter voluntário) e 46 (que de-
fornecer as condições necessárias para o retorno seguro.
termina ser esta uma prática coordenada e planejada, geralmente com a cooperação
Os refugiados que tenham interesse em regressar devem procurar o ACNUR
de órgãos estatais, internacionais e organizações não-governamentais) 149 .
ou as entidades parceiras e após avaliação das condições necessárias para a repatria-
Os primeiros reassentados chegaram em 2002 com destino a Porto Alegre (10
ção em segurança, esta será providenciada. Deve, o ACNUR, fornecer ao refugiado
Afegãos que estavam no Irã e outros 13 que estavam na Índia) 15 º. Essa operação
todas as informações necessárias sobre as condições no país de origem, a fim de
teve a coordenação do CONARE, contando com a intermediação do ACNUR e a
informar adequadamente a decisão do refugiado. É preferível, portanto, que a
colaboração da Associação Antônio Vieira (ASAV) e o Centro de Encaminhamento
repatriação seja planejada 141 e organizada, evitando-se, assim, os riscos inerentes ao
e Orientação de Porto Alegre (CENOE). Dois anos mais tarde, foram beneficiados
retorno espontâneo do refugiado ao seu país de origem sem a proteção e a garantia
pelo programa 75 Colombianos provenientes da Costa Rica e do Equador (reas-
de retorno seguro.
Importante mencionar que o ACNUR exerce um papel decisivo no processo A familia de Afegãos havia sido trazida para o Brasil mediante o programa de reassentamento, em Porto Alegre. Os refugia-
de repatriação voluntária. Em um primeiro momento, entendia-se que o ACNUR dos alegaram a dificuldade de aceitar os cos!Umes e os baixos salários no país e solicitaram a repatriação, em 2003.
Os Estados Unidos são hoje o principal país de reassentamento. Na América Latina. além do Brasil. Argentina. Chile.
deveria ter um papel limitado, devido ao seu caráter humanitário e apolítico, não
Paraguai e Uruguai, também são países de reassentamento. (Fonte: ACNUR: http:ííw\\w.acnur.org/t3/portuguesiquem-aju-
podendo conduzir as negociações ou interferir no processo de restauração e recon- damos/solucoes-duradouras/reassentamento/).
ciliação142. Na atualidade, porém, o ACNUR assume um papel muito mais decisivo 1-IS
O acordo estabelece os papéis distintos dos envolvidos. segundo o artigo 9.1: "'O Govemo do Brasil será responstil'el

tanto na preparação quanto execução 143 da repatriação, buscando meios de garantir pela recepção efacilirarti a illtegração dos refi1giados reassentados. conwndo com o apoio do ACNUR e de organi=a-
ções governamentais ou não go1•ernamentais. O ACNUR contribuirá.financeirameme com a integração dos refugiados
o retorno seguro e de auxiliar na reintegração do refugiado no país de origem. por meio de um projeto no qual se designará a entidade execwora. Tal projeto será executado por tal entidade. em
A repatriação, em geral, está associada à manifestação de uma das cláusulas de coordenação com o A CNUR'".

cessação da condição de refugiado 144, especialmente quanto à possibilidade de "IV- '" Conforme comenta Fischel de Andrade e Adriana Marcolini, houve um processo de implementação do programa de reas-
sentamento com a coordenação do ACNUR: "Em março de 2001, uma missão do Acnur visitou quatro cidades brasileiras,
estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do escolhidas pelo Ministério da Justiça para sediar os projetos-piloto de reassentamento a serem coordenados pelo Conare.
qual permaneceu por medo de ser perseguido". No Brasil, esse foi o caso, por exem- A decisão de se fazer uma visita prévia às cidades derivou da preocupação das autoridades brasileiras em assegurar que

plo, dos refugiados de Angola e Libéria, após o fim dos conflitos naqueles países 145 . os refugiados reassentados sejam bem recebidos e tenham uma boa integração nas comunidades locais. Nos contatos com
representantes da sociedade civil, como as Cãmaras de Comércio e Indústria. explicou-se a iniciativa de reassentamento
e se solicitou o apoio local - sempre com uma boa receptividade. Em agosto de 2001 realizou-se, no Rio de Janeiro, um
140
Vide artigo 12 da Constituição Federal/1988. seminário, com a participação do Acnur. de ONGs e de autoridades do Governo federal, oportunidade na qual concluiu-se o
planejamento do programa de reassentamento. Com base em critérios como tamanho, atividade econômica e origem émica
'" É importante mencionar que o ACNUR pode realizar Acordos Tripartites com os Estados de origem, que comprometem não
da população, o Ministério da Justiça escolheu as seguintes cidades para a fase inicial do programa de reassentamento: Porto
só o país, mas o próprio ACNUR a auxiliar na repatriação desses indivíduos.
14!
FISCHEL de ANDRADE, José H. Refugiados y Repatriación Voluntaria. ln )C(Il Curso de Derecho Internacional Organi- Alegre (RS), Mogi das Cruzes (SP), Santa Maria Madalena (RJ) e Natal (Ri'1). Autoridades locais e organizações não-gover-

zado por el Comité Jurídico lnteramericano. Rio de Janeiro, agosto 1995. namentais, selecionadas pelo Ministério da Justiça. comprometeram-se em apoiar a iniciativa.'" (FISCHEL De ANDRADE
e MARCOLINI, Adriana. A Política Brasileira de Proteção e de Reassentamento de Refugiados - breves comentários sobre
"' Sobre o papel do ACNUR na repatriação voluntária ver as Conclusões nºl 8 e nº40 do ExCom de 1985.
Vide artigo 38 da Lei 9474/1997. suas principais características. ln RBPI, Vol.45. 1, Brasilia,janeiro-junho de 2002. p,173.
Hn
Dos 23 reassentados afegãos que vieram para o Brasil, 13 solicitaram a repatriação, retomando em maio de 2003.
'" A cláusula de cessação da condição de refugiado foi aplicada em 30 de junho de 2012.
242 ~l,-______________________________ H_E_L~IS_~_NE_N_IA.::..::HL=KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo P.-\RADIG~IA JURÍDICO
243

sentados nos estados do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e São Paulo). na reunião do CONARE para apreciação, sendo necessária maioria simples dos
Importante mencionar, que os primeiros passos do reassentamento no Brasil ocor- seus membros para a aprovação. Já o procedimento /ast track, segue outro rito. A
reram em um contexto político mundial de arrefecimento das políticas migratórias solicitação é apresentada diretamente para o CONARE e a aprovação do reassenta-
nos países desenvolvidos 151 , levando a um redirecionamento dos refugiados aos mento em caráter de urgência necessita da manifestação favorável da unanimidade
países emergentes do sul. Esse movimento coincidiu com a orientação da política dos seus membros. Esse procedimento será adotado quando o trâmite normal do
externa brasileira da época, voltada à participação nas organizações internacionais, procedimento de reassentamento poderia ser demasiado demorado em face do
na qual a defesa dos direitos humanos era um ponto estratégico importante, assim caráter de urgência da medida.
como o aprofundamento das relações com outros países emergentes da América É importante observar que o reassentamento segue caminho diverso do pro-
Latina e do Oriente Médio 152. cedimento de refúgio em geral, tanto em termos de recursos quanto em relação ao
Em 2004, no marco dos 20 anos da Declaração de Cartagena foi aprovado o seu trâmite. O Brasil, nos anos posteriores buscou aprimorar o sistema de reassen-
Plano de Ação do México para fortalecer a proteção internacional dos refugiados tamento156, em um esforço para o engajamento de outras cidades solidárias e para
na América Latina, no qual o Brasil propôs a ideia do "Reassentamento Solidá- a garantia de direitos daqueles que já estão no país 157. Mas, ainda há um longo
rio". Nessa proposta, os Estados da América do Sul comprometer-se-iam a auxiliar caminho, sobretudo quanto à integração local que será analisada a seguir e que
os Estados que recebem maior fluxo de refugiados ou que tenham dificuldades também é um desafio para os refugiados reassentados.
em recebê-los 153 . Nesse sentido, a prática do reassentamento solidário também se
5.4.3. A integração local
converteu em um instrumento de cooperação regional, no qual o Brasil, pela sua
importância e peso econômico na região, na visão do ACNUR, poderia exercer um
A terceira é a integração local, talvez a mais complexa 158 dentre as soluções dura-
papel de liderança.
douras, quanto à implementação, devido às diversas dimensões envolvidas (jurídicas,
É importante mencionar que o financiamento das operações de reassentamen-
sociais, econômicas, psicológicas e culturais). Mesmo o termo é considerado vago,
to parte do ACNUR e, portanto, estão sujeitas à disponibilidade de recursos do
pois como dimensionar a verdadeira integração? Qyais são seus elementos necessá-
órgão. A participação da sociedade civil e dos órgãos governamentais é no sentido
rios? Qyando ela pode ser considerada efetiva?159 Adota-se para essa análise a perspec-
de auxiliar a sua execução. O Brasil envia missões aos países de primeiro refúgio,
tiva elaborada por Jeff Crisp 160, enfatizando a multidimensionalidade da integração
para avaliar a viabilidade do reassentamento e a disponibilidade dos refugiados em
local. Para Crisp a integração possui três dimensões: i) uma dimensão legal, que se
vir para o Brasil, fornecendo-lhes as informações necessárias para conhecer a rea-
refere ao conjunto de direitos que devem ser progressivamente garantidos pelo Estado
lidade do país. Também, é importante mencionar que não são estipuladas quotas
de acolhimento; ii) uma dimensão econômica, para que o refugiado possa ter uma
para o reassentamento.
vida economicamente sustentável e possa adquirir autonomia do auxílio humanitário
Dentro do programa de reassentamento solidário, o Brasil passou a adotar
recebido; iii) e uma dimensão sociocultural, de modo que o refugiado possa viver em
dois procedimentos: o procedimento padrão e o procedimento Jast track 154 utiliza-
harmonia na sociedade local sem o temor da discriminação, alienação ou exploração.
do em situações emergenciais 155 . No procedimento padrão, há o encaminhamento
de uma missão tripartite (governo, sociedade civil e ACNUR) para realizar entre- 156
O CONARE emitiu, em 2011, a Resolução Normativa nºl4 para estabelecendo regras para o reassentamento solidário no
vistas com os refugiados identificados no primeiro país de refúgio. Posteriormente pais. importante não apenas para estabelecer critérios para a seleção dos refugiados, mas estabelecendo o acesso a direitos e
é apresentado um vídeo sobre o Brasil e os refugiados assinam um termo de adesão serviços básicos quando chegarem ao pais.

voluntária ao programa. Os casos com recomendação positiva são apresentados A ASA V hoje é a única entidade da sociedade civil a dedicar-se ao programa de reassentamento solidário, o que diminuiu a
amplitude da participação do Brasil neste aspecto. Contudo, a organização, com sede no Rio Grande do Sul, estuda ampliar
a proteção. através da rede jesuítica presente em vários estados para compensar o afastamento de outras entidades.
15S
Ili
Provocada pelas medidas restritivas adotadas especialmente após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Segundo Karen Jacobsen a integração local pode ser mais ou menos dificil a depender da situação política e/ou econômica do
Estados Unidos e, posteriormente na Europa. pais de acolhimento. Inevitavelmente, a integração local não se refere apenas às políticas públicas necessárias para oferecer
152
Essa perspectiva marcou fortemente a política externa durante o primeiro mandato do Governo Lula. condições para a inserção do refugiado na comunidade local, mas, também, à percepção que a sociedade tem do refugiado
lll
No marco do reassentamento solidário, o Brasil passou a receber um número grande de refugiados Colombianos, provenien- e, por outro lado, a percepção que este tem da sociedade que o acolhe. Nesse sentido, desmistificar essa relação, despi-la do
tes do Equador. Costa Rica ou Venezuela. preconceito e da xenofobia, assim como favorecer o reconhecimento mútuo é essencial para construção de uma verdadeira
,,. Foi criado em 2005, e prevê que os casos sejam analisados pelo CONARE em até 72 horas desde sua apresentação ao integração. (JACOBSEN, Karen. The Forgotten Solution: local integration of refugees in developing countries. ln UNHCR
ACNUR. (Vide a Resolução Recomendatória nºl de 2011 do CONARE sobre o procedimento para casos urgentes de reas- - New lssues on Refugee Research. Working Paper nº45, 200 I ).
sentamento de refugiados). '" A legislação nacional não aponta especificamente quais seriam esses elementos nem quais as políticas públicas necessárias
para sua concretização. Portanto, a construção do entendimento do que seria a integração local vem da construção doutriná-
'" Destaca-se em 2007 a vinda de 108 refugiados Palestinos que estavam no Campo de Ruweished, com destino ao Rio Grande
ria. da experiência prática e da percepção extraída da vivência dos próprios refugiados.
do Sul e São Paulo. Desde 2002, o Brasil já reassentou mais de 600 refugiados. a maioria colombianos, vários provenientes
da síria se juntaram à esta estatística nos últimos anos. {Fonte: Dados sobre Refúgio no Brasil: http://m\'\v.acnur.org/t3/ CRISP, Jeff. The Local lntegration and Local Settlement of Refugees: a conceptual and historical analysis. ln UNHCR -
portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasilf). - New lssues on Refugee Research. Working Paper nºl02, 2004.
244 1_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _H_E_u_s._~~_·E_M_._AH_L_KE
4
Nesse contexto, a integração não deve ser confundida com "assimilação",
uma vez que ao refugiado não deve ser exigido que abandone sua cultura e iden-
tidade para compor indistintamente a sociedade local, mas esta deve acolher a
diversidade e permitir seu enriquecimento a partir da pluralidade.
CAPÍTULO 6
O trabalho de integração local é desenvolvido pelo Governo Brasileiro, mas, CRÍTICAS AO MODELO NACIONAL
especialmente, pelas entidades da Sociedade Civil que fazem parte do programa
de proteção, em especial a CASP e a CARJ, mas também o IMDH. No caso dos DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS
refugiados reassentados, a tarefa de auxiliá-los na integração local fica a cargo da
ASAV. O ACNUR apenas fornece apenas o recurso e o auxílio técnico às demais
entidades 161 • Como o processo de integração é amplo e multidimensional, há o
envolvimento de outras entidades parceiras 162 para viabilizar elementos essenciais
como: ensino do idioma; formação; capacitação para o mercado de trabalho; aces- 6.1. A PROTEÇÃO DO REFUGIADO DO ACOLHIMENTO À
so a direitos, como saúde, educação, trabalho, seguridade social e moradia. INTEGRAÇÃO
Todos esses benefkios deveriam ser garantidos aos refugiados, não apenas
pela disposição da Convenção de 1951, que impõe aos Estados-membros o dever Nesse Capítulo procura-se tecer uma análise crítica do atual modelo de
de garantir-lhes tais direitos, como também pela Constituição Federal de 1988, que proteção aos refugiados, a partir da concepção sobre o novo paradigma jurídico
garante a observância de tais direitos sem discriminação quanto à nacionalidade. da proteção aos refugiados. A reflexão parte de uma questão fundamental para o
A Lei 9474, também determina que os refugiados, uma vez em território nacional Direito dos Refugiados que é a busca pela "máxima proteção 1" destes indivíduos
devem estar sujeitos aos mesmos direitos e deveres dos nacionais. Contudo, são em situação de vulnerabilidade. Para tanto, busca-se argumentos teóricos e ob-
vários os obstáculos para o acesso a esses direitos: a barreira do idioma, a falta de jetivos, que possam contribuir para uma revisão crítica sobre a implementação
documentação solicitada (muito comum devido à situação dos refugiados e o des- desses direitos, apontando desafios e perspectivas. A justificativa que pauta este
conhecimento dos agentes do Estado sobre a situação especial destes indivíduos), estudo é a observação de que o sistema de proteção de refugiados no Brasil apre-
requisitos e exigências para a inclusão em programas sociais e/ou de crédito, os senta falhas que denunciam uma incongruência entre o discurso e a prática das
quais os refugiados muitas vezes não podem cumprir (como emprego fixo, tempo políticas adotadas pelo país, a qual acaba comprometendo a eficácia do instituto
de residência no país, etc.). Todavia, todos esses obstáculos podem ser resumidos do refúgio e, por consequência, subtraindo os direitos daqueles que dele 'verda-
em um único problema: a falta de uma estrutura de acolhimento adequada, acom- deiramente' dependem.
panhada de políticas públicas direcionadas para a população refugiada, a qual se O aumento significativo do número de refugiados no mundo, a diversidade
encontra em situação de especial vulnerabilidade. A afirmação do princípio da da mobilidade humana, as facilidades de deslocamento e informacão' tornou o flu-
xo da imigração mais intenso e complexo. O Brasil não está imune a essa transfor-
.
igualdade previsto na Constituição Federal refere-se, sobretudo, à igualdade de
direitos e oportunidades, e para isso, é fundamental considerar a condição especial mação e, conforme já mencionado, também houve um aumento significativo do
do refugiado e promover ações para que essa igualdade seja atingida. número de solicitantes de refúgio que se dirigiram ao país. De um país de emigra-
ção, o Brasil converteu-se em um país de receptor de migrantes nos últimos anos 2 •
A mudança do quadro migratório impôs uma nova demanda com novos
desafios ao país: a necessidade de ampliar e aperfeiçoar a estrutura de acolhimento;
a necessidade de reformular sua política migratória e, em especial, a política para
161
refugiados; e, principalmente, garantir que estes verdadeiramente sejam integra-
Os recursos provenientes do ACNUR e distribtúdos para as Cantas não são suficientes para cobrir todas as necessidades dos
refugiados. além disso, a ajuda é temporária (seis meses) para conseguir adquirir certa autonomia e prover seu próprio sustento.
dos na comunidade local. É importante ressaltar, porém, que apesar do aumento
Na tentativa de ampliar a proie_ão, o governo tentou fazer sua parte incluindo os refugiados, em especial sírios, no programa significativo do número de solicitantes de refúgio que se dirigiram ao país e de
"Bolsa Familia". Apesar de aparentemente ser uma atitude positiva e que pode fornecer alguma ajuda a quem tem tão pouco. ela
é flagrantemente insuficiente, já que ela foi concebida para ser um auxílio a brasileiros de baixa renda e muitos refugiados não
possuem renda ali,'llma Entende-se. portanto, que essa situação mascara uma deficiência no processo de integração. O conceito de "máxima proteção" ou .. proteção integral" dos refugiados foi estabelecido na Declaração e Plano de Ação do
162
A Cantas e o ACNUR possuem parceria desde 1995 com SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio): o SESC México para fortalecer a proteção dos refugiados na América Latina de 2004.
(Serviço Social do Comércio; SES! (Serviço Social da Indústria; e o SENA! (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o número de imigrantes no Brasil cresceu 87%
Também existe a "rede solidária de proteção para migrantes e refugiados" (que conta com 45 entidades) que funciona em parce- entre 2000 e 2010. (Fonte: IBGE/Censo 2010). Segundo o SlCREMI (System on Intemational Migration in the Americas),
ria com o IMDH e o ACNUR. (Ver mais em: MILESI, Rosita. Breve histórico da Rede Solidária para Migrantes e Refugiados. o Brasil é um dos países que menos concede visto permanente nas Américas. Para dados completos, consultar o Relatório de
Disponível em: http://www.migrante.org.br/IMDH/ControlConteudo.aspx?publd=cb 160b l 4-6f5743 138744fü2b94fü22a4 ). 2015 do SICREMl, disponível em: https:11www.oas.org_idocsipublications/SlCREMI-2015-ENGLISH.pdf.
246 Jl----------------------------~H~E_LI=S~~N~·E~N~l=AH=L=KE=·
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFCGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO 247

refugiados reconhecidos, o Brasil ainda tem um papel bastante modesto diante da Ressalta-se que a instituição possui um papel importante no combate de cri-
crise mundial do refúgio descrita na primeira parte desta obra. Se compararmos mes transnacionais (como o tráfico de drogas e o tráfico de pessoas), no controle
com outros países, inclusive da América Latina, o Brasil ainda poderia expandir de fronteira, como no serviço de inteligência quanto à persecução de criminosos
muito mais sua capacidade de acolhimento 3• Mesmo assim, já se observa que esse que visam deixar ou adentrar o país 7• Porém, o acolhimento ao migrante e, espe-
aumento causou impacto na estrutura pré-existente, a qual não estava preparada cialmente, ao solicitante de refúgio, é uma ação de outra natureza, que necessita
de pessoal orientado para informar, atender e assistir àqueles que chegam ao país,
para receber tal contingente.
Observa-se que a questão do refúgio, em décadas anteriores, segundo o his- propiciado por uma Autoridade Migratória especialmente criada para este fim.
tórico analisado no Capítulo 5, era baseada em soluções paliativas, administradas Ainda quanto ao tratamento dispensado ao solicitante de refúgio em sua
com atitudes pontuais, na medida em que o país não se apresentava como um polo chegada ao país, é esclarecer que não cabe à Polícia Federal analisar previamente o
atrativo do fluxo de migrantes4. A partir da elaboração da Lei 9474/1997, passa a pedido de refúgio, deportando o solicitante por julgar tal solicitação improcedente.
existir um compromisso legal com o estabelecimento de uma estrutura adequada Isso caracteriza violação do DIR e principalmente do princípio do non-refoule-
de acolhimento, reverberando outros compromissos já existentes previstos nas nor- ment8. Não há norma que autorize o agente federal a agir por convicção pessoal
mas internacionais de DIR e de DIDH ratificadas pelo Brasil. ou discricionariamente, ao contrário, viola o direito nacional e internacional o
Acolher significa proporcionar ao solicitante de refúgio a possibilidade de agente que não acolher o pedido de refúgio e não der prosseguimento à solicitação.
pedir proteção e garantir que seu pedido seja aprecia~o de maneira justa e de Assim, cabe à Polícia Federal apenas informar o solicitante de seus direitos e dar
acordo com a Lei, sem obstáculos e sem discriminação. E importante reforçar que prosseguimento ao procedimento, informando ao solicitante sobre os próximos
solicitante de refúgio, diferentemente de outras categorias de migrantes tem o passos, até a decisão final sobre o pedido de refúgio, o qual será analisado somente
0
direito de ingressar' no território do país e ao fazer o pedido, também possui o pela sessão plenária do CONARE9•
direito de nele permanecer até que sua solicitação seja apreciada. Como a maioria É vedada, também, a detenção de solicitantes de refúgio sem justificativa legal
dos países, o Brasil também submete o acolhimento de refugiados aos interesses ou provas que justifiquem tal medida e, mesmo que assim proceda, não pode ser
de sua política externa, a seletividade implícita no processo de reconhecimento e negado ao solicitante o direito de ter informacão sobre sua condicão tratamento
tratamento diferenciado dispensado a determinados grupos de refugiados deixa e assistência jurídica adequados 10 • Conformei mencionado anteri~r~ente, o legí-
0
timo e necessário controle de fronteira, que deve ser feito pelos agentes do Estado,
clara esta perspectiva6 •
As dificuldades estruturais para o acolhimento estão presentes desde a recep- não significa exclusão na zona de fronteira 11 • Deve prevalecer, neste primeiro passo
ção dessa população pelas entidades responsáveis, em sua chegada em solo nacional. do processo de acolhimento, a preservação dos princípios inerentes ao DIR e, de
As dificuldades encontradas quanto ao acolhimento, iniciam desde o tratamento forma mais ampla, o respeito aos direitos humanos dos solicitantes de refúgio.
dispensado ao solicitante em zona de fronteira, o qual abrange questões práticas
como a falta de uma estrutura adequada de recepção, tradução/comunicação, pes- Ver mais em BARBOSA. Luciano Pestana e HORA, José Roberto Sagrado da. A Polícia Federal e a Proteção internacional
dos Refugiados. Brasilia: ACNUR, 2007.
soal suficientemente capacitado para o atendimento ao solicitante de refúgio, a fal-
Vale referenciar o importante precedente do Tribunal Regional Federal da 3' Região sobre o Habeas Corpus preventivo
ta de informação adequada dispensada ao solicitante de refúgio sobre seus direitos. beneficiando solicitantes de rerugia chineses pertencentes à seita Falun Gong. Nesse caso, os agentes de fronteira consi-
Essas dificuldades também são de ordem político-institucionais. Entende-se que a deraram, equivocadamente, que os chineses estavam fazendo uso do instituto do rerugia para adentrar irregularmente no
país, levando à sua deportação. Esse fator gerou uma representação administrativa proposta pela Ministério Público Federal
Polícia Federal é uma instituição vocacionada para atividades de investigação e per-
(Representação nº 1.34.001.00412212001-1 l) para zelar pela correta aplicação da Lei 947411997.
secução criminal e não para o atendimento ao migrante ou solicitante de refúgio. CARVALHO RAMOS, André de. Direito dos Estrangeiros no Brasil: a imigração, direito de ingresso e os direitos dos
estrangeiros em situação irregular. ln SARMENTO, Daniel, IKA WA, Daniela, P[OVESAN. Flávia (coord.). Igualdade,
Diferença e Direitos Humanos. São Paulo: Lumen Juris, 201 O.
o Equador, país de dimensões e população bem menores que o Brasil é hoje o país latino-americano com a maior população
de refugiados, com quase 60.000 refugiados, a maioria proveniente da Colômbia. (Fonte: ACNUR- Disponível em: hnp://
'" Uma situação polêmica que demonstra a percepção da Polícia Federal quanto ao tratamento aos refugiados é a detenção de
solicitantes de rerugia no Conector do Aeroporto de Guarulhos-SP, sem acesso à informação e sem acesso à justiça, sob a
www .acnur.orgit3/lileadmin/scripts/doc. php?lile=t3lfileadmin/Documentos/BDU20 1511 O132 ).
suspeita de que são indivíduos usando o instituto do rerugia para adentrar no pais com finalidades ilícitas. Essas pessoas são
Ver mais em LEÃO, Renato Zerbini. "Memória Anotada, Comentada e Jurisprudencial do Comitê Nacional para Refugiados
mantidas no local, sem condições mínimas de conforto e higiene e a presença de Defensores Públicos e representantes de
- CONARE. Disponível em: http:I/Mvw.acnur.orie'biblioteca!pdf/5405.pdf'view=l. Também em: ANDRADE, J. H. Fis-
entidades defensoras de direitos humanos tem sido reiteradamente negada. Um acordo entre o Ministério Público Federal,
chel de.; MARCO UNI, Adriana. A Política Brasileira de Reassentamento e de Proteção a Refugiados - breves comentários
a Defensoria Pública da União, e a Secretaria Nacional de Justiça foi realizado em fevereiro de 2015, para tentar resolver a
sobre suas principais características. ln Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 45. N. l, Brasilia, jan/jun 2002.
questão, porém o problema persiste.
Sobre o direito de ingresso, ver mais em: VEDOVATO, Luís Renato. O Direito de Ingresso do Estrangeiro: a circulação das
As medidas restritivas em zona de fronteira não evitam a mobilidade humana, mas apenas fomentam imigração irregular, a
pessoas pelo mundo no cenário globalizado. São Paulo: Atlas, 2013.
qual vulnerabiliza ainda mais o solicitante de rerugia. (Ver mais em: PARO!, Luís Vanderlei. O Regime Jurídico da Expul-
Um exemplo disso é o visto especial concedido aos Sírios (Resolução Normativa nºl7 do CONARE), o qual não
são do Estrangeiro no Brasil: unta análise à luz da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
se estende a outros grupos também provenientes de conflitos e perseguição de grupos terroristas como nigerianos.
São Paulo: Almedina, 2015).
congoleses, iraquianos.
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFLGIADOS: Novo PARADIG~IA JURÍDICO
248 --l--------------------------------H_E_L_IS_~_N_E_N~IA=HL=K.E 249
Outra questão importante a ser considerada é que as previsões genéricas da O processo de integração está essencialmente associado à proteção dos direi-
Lei 9474/1997 não contemplaram situações especiais de refugiados, como idosos, ~os h~manos dos_ refugiados, que passa por um trabalho progressivo de resgate de
crianças (algumas desacompanhadas) 12, mulheres, pessoas com deficiência fisica ou identidades e de mclusã~ desses ~nd_ivíduos em uma sociedade que não era origi-
mental, vítimas de tortura ou violência doméstica. Segundo observa Liliana Jubilut nalme~te s~a. Nesse sentido, o prmcipal ponto de partida é a superação da barreira
e Sílvia Apolinário 13, essa ausência não seria um problema caso todo o procedi- da nac10nahdade, como elemento discriminatório, afirmando a universalidade dos
mento fosse orientado de forma a proporcionar uma proteção integral guiada pelas direitos humanos e o amparo no princípio da igualdade 15 como elemento condu-
obrigações previstas em instrumentos universais e regionais de proteção aos direi- to~ d: ~arantia d~ acesso a estes dir~it~s humanos fundamentais que deve ser, por
tos humanos 14. A ampliação do olhar para com a presença de condições adicionais principio, garantidos a todos sem distmção.
de vulnerabilidade é fundamental para que haja o devido acolhimento e posterior . S,eg_undo ~ª:~en Tiburcio 1_6, a nacionalidade _possui dimensões políticas,
integração dos refugiados em sociedade. Nesse sentido, é fundamental reafirmar soc10logicas e Jundicas que coexistem e que determmam a garantia de direitos
que o Direito Internacional dos Refugiados deve ser aplicado em consonância com segundo a lei nacional de cada país. Contudo, a nacionalidade não é apenas um;
as demais vertentes do DIDH do qual faz parte. ~uestão ~e d!reito interno, mas de direito internacional, amparada por diplomas
Outro obstáculo ao acolhimento são as falhas no processo de reconhecimen- mternacionais. Segundo a autora, quanto ao aspecto político-jurídico, a nacionali-
to do status de refugiado. Como se pretende analisar posteriormente, essas falhas dade pode ser compreendida como o status natural da pessoa ligada ao Estado por
se encontram desde a demora no processamento do pedido, quanto à falta de trans- laços de obediência. Nesse sentido, a nacionalidade pode ser entendida como um
parência e da observação de princípios básicos como o acesso à justiça, o devido relacionamento duplo entre o Estado e o indivíduo, a partir de um vínculo formal
processo legal e ampla defesa. Entende-se que o "direito subjetivo ao acolhimento" ~s~abel~cido entre ele~. Já do ponto de vista sociológico, a nacionalidade está ligada
implica não apenas em evitar o rechaço (o non-refoulement) e possibilitar que o a identidade e o sentimento de pertença a um povo. Nesse sentido, é importante
solicitante peça refúgio, mas, também, garantir que tal pedido seja viabilizado e reforçar que a integração não pode ser confundida com a assimilacão, mas deve
apreciado de maneira justa. Não há maior situação de vulnerabilidade do que o proporcionar ao refugiado a construção de outros laços com a com~nidade local,
refugiado que deveria ter sido reconhecido como tal e não o foi por irresponsabili- porém sem abrir mão dos laços estabelecidos com sua origem 17 • Assim, conforme já
dade do Estado em relação às normas com as quais se comprometeu. discutido na Primeira Parte, a nacionalidade é, antes de tudo, um direito 18, mas não
Contudo, promover o acolhimento do refugiado é apenas o primeiro passo pode ser ela própria, um motivo para suprimir direitos humanos dos mio-rantes
0
ou
para a concretização de sua proteção pelo Estado. Acolher não é o mesmo que inte- um obstáculo para sua integração na comunidade local1 9 •
grar. Integrar, por sua vez, é dar ao refugiado a possibilidade de ter uma vida digna As iniciativas de integração, no Brasil, são preponderantemente levadas a
e autônoma, em harmonia com os membros da comunidade local. Nesse sentido, cabo pela sociedade civil, embora o Estado e o ACNUR também participem
a integração é um processo multidimensional, conforme já explicitado: tendo uma
JS
Vide Principio da Igualdade entre nacionais e estrangeiros previsto no caput art. 5" da CF/1988.
dimensão legal, uma econômica e outra social. Assim, para que haja uma verdadei- 16
TIBURCIO, Carmen. The Human Rights of Aliens under International and Comparative Law. Haia: :Vlartinus Nijhoff Pub-
ra integração é necessário compor essa três dimensões a partir de ações afirmativas, lishers.2001.
políticas públicas e assistência (social e jurídica) para que o refugiado possa recons- Conforme pondera Jürgen Habermas. ao debruçar-se sobre o tema, a nacionalidade possui "uma face de Janus•·,
abnndo-se para dentro da comunidade política ao criar laços de identificação, fechando-se para fora. para outro,
truir sua vida no país de acolhimento. O

o estrangeiro. Assim, segundo o filósofo. "os cidadãos, mesmo considerados sujeitos de direito, não são indivíduos
abstratos desvinculados de suas referências de origem. Na medida em que intervém em questões ético-políticas, 0
direito atinge a integridade das formas de vida sobre as quais a configuração pessoal da vida está assentada. Com
" Nesse sentido, é incongruente com a realidade do retügio a burocracia imposta pelas autoridades brasileiras, a qual impos-
sibilita a formalização de pedido de retügio por crianças e adolescentes desacompanhados. Evidentemente, atenção especial isso entram em jogo além de considerações morais, reflexões pragmáticas e interesses negociáveis - valorações
deve ser dada a tal situação, cotejando o tratamento com o ·•melhor interesse da criança" previsto não apenas pela legislação fortes, que dependem de tradições intersubjetivamente compartilhadas, embora culturalmente específicas. Ordens
nacional, como pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Além disso. a situação das crianças migrantes jurídicas são "impregnadas eticamente" mesmo no todo, pois diversificam o teor universalista dos mesmos princípios
desacompanhadas foi objeto do pedido de Opinião Consultiva nº2 l solicitada por Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, constitucionais no contexto das experiências de uma história nacional e interpretam cada vez de maneira distinta
à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Corte estabeleceu que os Estados devem ter atenção especial às crianças à luz de uma tradição historicamente predominante, a cultura e a forma de vida." (HABERMAS, Jürgen. Inclusão;
migrantes desacompanhadas, em especial as em situação irregular, construindo medidas não privativas de liberdade que integrar ou incorporar? ln Novos Estudos, nº52. I 998, p,I 12.)
JS
protejam os direitos humanos destas crianças, sem a violação do princípio do 11011-refoulement. Vide artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. de I 948.
19
1)
APOLINÁRIO, Sílvia Menicucci O. S. e JUBILUT. Liliana Lyra. A População Refugiada no Brasil: em busca da proteção Em pesquisa promovida pelo Ministério da Justiça e IPEA, já mencionada anteriormente foram identificados obstáculos ao
integral. ln Universitas: Relações Internacionais. Brasília: UNICEUB. vol.6 nº2, 2008. acesso a direitos como moradia, trabalho saúde e educação. Dentre os obstáculos apontados está o idioma, a falta de recursos
Nesse sentido, fundamental que o Brasil utilize como parãmetro de proteção, não apenas os demais Tratados Internacio- humanos e capacitação para os agentes públicos; quanto aos obstáculos estruturais, as maiores dificuldades se encontram
nais de Direitos Humanos que possam fornecer a necessária proteção adicional a tais pessoas, como também as normas e no acesso a trabalho e moradia, como também a falta de documentação necessária e informação sobre como ter acesso aos
recomendações regionais sobre o tema (com especial referência à Opinião Consultiva nº2 I sobre as crianças migrantes. da direitos em questão; quanto aos aspectos normativos, foi levantada a necessidade de alteração da lei migratória, bem como
CIDH) e as Conclusões do ExCom que estabelecem padrões e orientações para o tratamento adequado aos refugiados segun- a adaptação das políticas públicas aos migrantes. O próprio representante do CONARE, na entrevista realizada, mencionou
do características especiais que eventualmente possam ter. (Vide Capítulo 4, item 4.3 sobre a "Proteção Complementar"). a falta de coordenação entre as políticas públicas para proporcionar acesso aos migrantes de forma geral.
250 JJ____________________________H_E_LI_S._AN_'E_M_._Af1_L_KE .::.D.:..1RE.:...:..rr.:..o.:..INT.:...:..E.:..RN..:.A.:..c.:..10.:..N.:..AL=--º:..:º.:..s..:.RE-=--FL:..:'G=1..:..w:..:o.:..s:.:..N_o.:..\.:..'º.:..P.:..ARAD.:...:....:.'G::.:.~.::.'A.:..J.::.u.:..Ri.:..o.:..1c.:..o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _---l- 251
subsidiariamente do processo 20 • O ACNUR contribui com recursos, que são des- serviços básicos como saúde, moradia e educação, descentralização que não é mera-
tinados às organizações da sociedade civil (em especial, as Caritas) e também mente operacional, mas também política. A esfera federal delega a estados e muni-
com a expertise adquirida em diversos programas de integração pelo mundo. As cípios a gestão desses serviços, fragmentando a rede de assistência e dificultando o
Organizações, por sua vez, constroem uma rede de colaboradores dentre outras estabelecimento de uma diretriz única no tratamento a esses indivíduos.
organizações não-governamentais e instituições públicas e privadas para viabili- Importante relembrar que os Ministérios da Educação, Saúde e Trabalho,
zar o acesso a direitos e assistência (para acesso à saúde, educação, moradia). possuem representantes no CONARE, o que torna ainda mais inescusável que
Ao Estado caberia garantir que os refugiados pudessem não apenas usufruir dos ações coordenadas, mesmo as de natureza simples como promover a informação
serviços públicos, como qualquer nacional, mas também, promover políticas públi- e capacitação de agentes, para promover o acesso dos refugiados a esses serviços
cas e afirmativas de inclusão destes indivíduos em sociedade. Contudo, a arquitetura básicos ainda não tenham sido intentadas politicamente. Dessa forma, conve-
de proteção e integração é excessivamente centrada na atuação da sociedade civil21 e nientemente, o Estado delega à sociedade civil uma responsabilidade que é pri-
de voluntários para que ela seja concretizada22 • Por mais louvável que seja do ponto mariamente sua, deixando o refugiado a mercê de soluções assistencialistas, sem
de vista humanitário, a participação da sociedade civil, ela mascara a falta de compro- conquistar verdadeira autonomia.
metimento do Estado com a efetividade da proteção aos refugiados. Evidentemente, não se ignora que alguns obstáculos para o exercício pleno
Na realidade, pode-se dizer que a falta de uma política migratória, em um de direitos fundamentais, são comuns à população em geral, ou seja, que os na-
contexto mais amplo, também prejudica o sistema nacional de proteção aos refu- cionais também têm seus direitos amesquinhados por negligência ou inoperância
giados, pela clara intersecção entre estes dois temas. Em outro sentido, também do Estado. Contudo, o que se defende é que a condição de refugiado não pode
se pode dizer que exista uma política migratória, porém ela é deliberadamente converter-se em um obstáculo em si para que o indivíduo tenha acesso a direitos.
fragmentada para que as ações possam ser mais pontuais e menos institucionais, A conformidade com as normas internacionais com as quais o Brasil se com-
dependendo de iniciativas ad hoc vinculadas à boa vontade política daqueles que prometeu, sobretudo a Convenção de 1951 e seu Protocolo Adicional de 1967,
estejam a cargo delas no momento. mas, também, a própria legislação nacional (a Lei 9474/1997), exige que o país
A participação do Estado é praticamente insipiente na construção de uma não apenas acolha o refugiado, mas lhe ofereça a possibilidade de reconstruir
estrutura de proteção. Diversas soluções são tomadas pontualmente pelas Organi- sua vida de forma digna, oferecendo meios para a concretização das soluções
zações tornando os refugiados dependentes da assistência prestada por essas entida- duradouras previstas por tais documentos, dentre elas a integração do refugiado
des, o que prejudica a sua autonomia e promove uma integração "não-inclusiva". à comunidade local Sem proporcionar uma integração plena também não há
As entidades passam a ser o "centro gravitacional" da vida do refugiado, uma cumprimento pleno dessas normas.
fonte de satisfação para suas necessidades e o lugar onde podem encontrar apoio e
orientação. Em um primeiro momento, esse papel é importante para o indivíduo
6.2. ANÁLISE CRÍTICA DO PROCESSO DE RECONHECIMENTO
que não conhece as instituições e os costumes do país que o acolhe. Mas, esse pa-
DO STATUS DE REFUGIADO
pel deveria ser substituído, em tempo, pela participação efetiva do refugiado em
sociedade, sendo capaz de sentir-se plenamente incluído nela, ao obter do poder
Garantir que o solicitante de refúgio tenha acesso a um processo de reconhe-
público, a satisfação dos seus direitos em igualdade com os nacionais.
cimento do status de refugiado23 justo é o primeiro compromisso do Estado para
~anto ao papel do Estado na promoção de políticas públicas direcionadas
com a proteção destes indivíduos. Por isso é essencial analisar como esse processo
aos refugiados, esta é dificultada em relação à descentralização da prestação de
ocorre no Brasil em todas as suas fases, verificando sua compatibilidade não apenas
20
com as garantias constitucionais, mas com as normas internacionais que estabele-
Confonne comenta Júlia Bertino Moreira. "Adentrando o tripartidarismo que marca a estrutura voltada para a integração
dos refugiados no pais, é relevante pensar no papel desempenhado por cada ator. O governo brasileiro fornece serviços cem standards mínimos necessários para seu desenvolvimento.
básicos universais ( como saúde e educação), disponíveis à população local. A sociedade cívil, representada por instituições É importante mencionar que a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967
religiosas, atuando também através de acordos com ONGs e diversas instituições, oferece serviços essenciais, como auxílio
não estabelecem nenhum rito para o desenvolvimento do processo. Assim, cou-
à alimentação, cursos para aprendizado do idioma local, cursos profissionalizantes que facilitam a inserção no mercado de
trabalho e moradia, entre outros. O ACNUR, por sua vez, destina recursos para financiar o auxilio concedido através das be a cada Estado desenvolver seu próprio mecanismo que pode ser puramente
Caritas e também fornece expertise e colaboração técnica para os programas implementados em prol do grupo." (MOREI- administrativo, outras vezes envolver instâncias judiciais, ou ser realizado pelo
RA, Júlia Bertino. Refugiados no Brasil: reflexões acerca do processo de integração local. ln Revista Interdisciplinar de
próprio ACNUR.
Mobilidade Humana. Ano XII, nº43, Brasilia,julho-dezembro de 2014, p.94).
21
Cerca de 60% dos recursos para os programas de integração local provêm da sociedade civil (Confonne: JUBILUT, Liliana
Lyra. Enhancing Refugees lntegration: new iniatives in Brazil. ln Forced Migration Review. Vol.35, 2010). Frequentemente utiliza-se, na prática nacional e na internacional. o tenno "processo de elegibilidade", o qual não será utili-
22
Um aspecto bastante contraditório na participação da sociedade civil no sistema de proteção, é que as mesmas entidades que zado nesta obra, pois se entende que o tenno é equivocado: o refugiado não é "eleito•· para ser "contemplado" com o refügio,
participam do processo de elegibilidade também são responsáveis pelo acolhimento e assistência. mas trata-se de um direito pré-existente que deve ser reconhecido mediante o processo.
?52 HELISA.S:E i'vlAHLKE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 253
~ -l---------------------------
0 Brasil, a exemplo de outros países, desenvolveu seu próprio processo, o serem consignados nos autos; V· efetivará a juntada de toda documentação trazida
qual foi estabelecido pela Lei 9474/1997. Trata-se de um processo administrati- pelo solicitante ou qualquer dos membros do CONARE':3°
vo24, que inicia com a solicitação de refúgio perante a autoridade brasileira de A seguir, o solicitante de refúgio deve dirigir-se a Caritas, onde se localiza o
fronteira e culmina com a decisão final proferida pelo CONARE, ou em grau de centro de acolhida, lá preenchendo um questionário e sendo entrevistado pelos
recurso, pelo Ministro da Justiça. Antes de tecer uma análise crítica do procedi- advogados da organização. A partir da entrevista e do questionário preenchido é
mento de determinação do status de refugiado, passa-se a descrevê-lo brevemente, elaborado pelos advogados da Caritas o "Parecer de Elegibilidade" 31 , no qual além
em todas suas fases. da descrição da situação do refugiado e do resumo das informacões colhidas é emi-
O processo é instaurado mediante o pedido de refúgio perante o funcionário tida opinião sobre o deferimento ou indeferimento do pedido. ·contudo, pare- es:e
25 cer é apenas informativo e o procedimento segue para a apreciação no CONARE.
da Polícia Federal, onde irá preencher o "Formulário de Solicitação de Refúgio" .
26
Esse procedimento substituiu o antigo "Termo de Declaração" no qual o agente Após ser realizada a entrevista e todas as demais diligências necessárias à
da Polícia Federal colhia informações sobre as razões pelas quais o solicitante re- instrução do processo, este será encaminhado para o Grupo de Estudos Prévios
quer o refúgio e as circunstâncias pelas quais adentrou o país 27 e seus dados básicos. (GEP) onde são feitas discussões preliminares para posterior análise no plenário
Recebido o formulário preenchido e colhidos os dados biométricos, a Polícia do CONARE32 • O GEP irá, então, elaborar um parecer recomendando ou não o
Federal emitirá prontamente o "Protocolo de Refúgio" 28 , independentemente de reconhecimento do status de refugiado, este parecer é encaminhado á sessão plená-
oitiva, ainda que agendada em data posterior. Após, cumpridas tais formalidades ria do CONARE e submetido à discussão do mérito e apreciação para aceitação ou
a Polícia Federal encaminhará (no prazo máximo de 15 dias) o processo autuado não do pedido33. A decisão do CONARE deve ser fundamentada, e o solicitante
à Coordenação Geral de Assuntos para Refugiados (CGARE) para que seja proces- deve ser notificado. Se o pedido for aprovado, o refugiado agora com seu status
sado e instruído para ser, posteriormente analisado pelo plenário do CONARE. reconhecido, deve fazer seu registro junto à Polícia Federal e receberá o RNE (Re-
gistro Nacional de Estrangeiros).
Nessa fase inicia-se a instrução 29, na qual o CGARE (após informar o ACNUR,
os membros da sociedade civil e a Defensoria Pública da União sobre o processo): Se a decisão for negativa, o solicitante será notificado pessoalmente e deverá
deixar o país em 15 dias após recebê-la, ou interpor recurso contra a decisão do
"li - determinará o agendamento da entrevista pessoal do solicitante, notificando-o
CONARE, que deve ser encaminhado para apreciação do Ministro da Justiça,
da data, local e horário do mencionado ato; Ili - informará ao solicitante a possibili-
o qual terá a palavra final sobre o caso34 • O recurso pode ser protocolado em
dade de ser entrevistado pelos organismos da sociedade civil, bem como os locais do
qualquer unidade da Polícia Federal, e será encaminhado para o CGARE que
seu funcionamento; IV - dará cumprimento aos demais procedimentos cabíveis, a
encaminhará para o Ministro da Justiça, para apreciação. O Ministro da Justiça
tem a decisão final (que também deverá ser fundamentada), da qual não caberá
O processo administrativo possui três fases: instauração; instrução; decisão. A Lei 9784 de 29 de janeiro de 1999, que
estabelece nonnas sobre o processo administrativo no ãmbito da Administração Pública Federal sem estabelecer qualquer
recurso administrativo.
procedimento a ser rigorosamente seguido nos processos administrativos em geral, apenas estabelece nonnas pertinentes a
essas três fases. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 28' ed. São Paulo: Atlas.2015). Entende-se que, 30
Posterionnente, o COAR deverá, segundo o artigo 4°, V, comunicar à Policia Federal, ao Alto Comissariado das Nações Unidas
em conjunto com a Lei 9474/1997, a Lei 9784/1999 que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública para Refugiados - ACNUR, aos representantes da sociedade civil colaboradores do CONARE que guardem relação com o caso,
Federal também regulamenta o processo de reconhecimento do starus de refugiado. 1
bem como à Defensoria Pública da União todas as decisões proferidas durante a tramitação do processo de refúgio.
A estrutura do Fonnulário foi alterada pela Resolução n"22 de 22 de ourubro de 2015, do CONARE. JI
Segundo Jubilut, esse Parecer é composto pelos seguintes elementos: o resumo do questionário e da entrevista, apontando-se
A Resolução nºl8 do CONARE alterou alguns procedimentos dentro do processo de reconhecimento. Segundo a Resolução, aspectos pessoais do solicitante (nome, idade, nacionalidade e filiação, por exemplo) e aspectos relativos ao seu pedido de
basta o preenchimento do fonnulário ou tenno de solicitação de refúgio, para que seja dado o prosseguimento ao rito, sendo refúgio (por que razão deixou seu Estado de origem e/ou residência habirual e por que está solicitando refúgio no Brasil,
facultado o preenchimento do "Tenno de Declaração" pela Polícia Federal, ·•caso entenda necessário". Conrudo, o tenno por exemplo); (2) a descrição da siruação objetiva do Estado de origem e/ou de residência habirual, que traz informações
facultativo faz com que não haja unifonnidade nesse procedimento, ficando a cargo de cada unidade da Polícia Federal. arualizadas acerca do Estado de onde veio o solicitante, a fim de se trazer elementos que corroborem a história relatada e (3)
Por outro lado, a Resolução nº 18. em seu artigo 2º§ 1º estabeleceu que é a Polícia Federal a autoridade a quem compete a recomendação ou não do reconhecimento do solicitante como refugiado. (JUBILUT, Liliana. Op. Cit.2012, p.46).
realizar a oi tiva do solicitante de refúgio, podendo dispensá-la ou realiza-la se julgar necessário. Essa previsão pennite que a Importante mencionar que, segundo o artigo 12 da Resolução 18 do CONARE, este pode suspender o processo a qualquer
autoridade policial realize ou dispense a oitiva segundo sua discricionariedade e conveniência, em previsibilidade quanto ao momento e encaminhar o caso ao CNlg nas seguintes siruações: Art. 11. O plenário do CONARE poderá. mediallle decisão
procedimento. Indiretamente, essa Resolução, que visava agilizar o processo, reduzindo a demora na obtenção do Protocolo fundamentada. suspender a tramitação do caso e recomendar ao C01L'ielho ,!\'acional de /migração - CN/g que o analise
do pedido de refúgio perante a Polícia Federal, acaba por conferir ainda mais poder a este órgão quanto à seletividade dos sempre que: l - vislumbrar a possibilidade da pennanência do estrangeiro no Pais por razões humanitárias, nos tennos da
casos que irão ser encaminhados ao CONARE. Resolução Recomendada 11. 08, de 19 de de::embro de 1006, do CN/g: 011 l/ - vislumbrar a possibilidade da permanência
r. Importante mencionar que na medida em que o indivíduo solicita refúgio cessam os procedimentos criminais e adminis- do estrangeiro no País por circunstância relevante e sobre a qual incida a Resolução Normativa n. 27. de ]j de norembro
trativos em razão da evenrual entrada irregular no pais, pois o refugiado possui o ·•direito ao acolhimento" garantido pelas de /998. do CN/g, que trata dos casos especiais e omissos. Nessa siruação encontram-se os migrantes Haitianos que se
nonnas internacionais e pela Leí 9474/1997. destinam ao Brasil e que recebem o "'visto humanitário" para permanência em território nacional.
!S Segundo o artigo 21 da Lei 9474197 esse documento garante a pennanência regular do solicitante no território nacional até Segundo o § único do artigo 7' da Resolução 18 do CONARE: "Parágrafo único - a inclusão em pauta seguirá, preferen-
que seu pedido seja apreciado. O Protocolo dará ao solicitante direito a receber o CPF, Carteira de Trabalho e Previdência cialmente. a ordem cronológica, observados os casos especiais". Conrudo, é importante mencionar que essa ordem não é
Social (o Protocolo tem validade de um ano, prorrogável por mais um ano até que o pedido seja julgado). seguida, o que é prejudicial ao processo e aos solicitantes.
"' Resolução nºl8 do CONARE, artigo 4º. O formulário para interposição do recurso foi estabelecido pela Resolução nº22 de 2015 do CONARE.
254 ➔i ____________________________ H_EL_1s_~_N_E_N_L-\H_LKE_· _D_1RE_IT_o_lNT_E_~~_A_c_1o_N_AL_oo_s_RE_FL_'G_I._Afl_o_s_:N_o_\_'O_P_.=_A_D_IG_~_~_J_u_ru_·o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _--l- 255
Já quanto à perda da condição de refugiado, o CONARE irá riotificar o Fundamental referir-se à produção de provas, durante a fase de instrução, sob
refugiado sobre a instauração do procedimento administrativo, apresentando as dois aspectos. Primeiro, há que se considerar que os dados necessários para informar
condições que motivaram a perda, tendo o refugiado 15 dias para apresentar sua o processo geralmente são de dificil acesso, pela própria condição do refugiado.
defesa. Dessa decisão caberá igualmente recurso ao Ministro da Justiça, do qual não Assim, é importante que aqueles que produzam tais provas tenham conhecimento
caberá recurso administra tivo 35 • sobre o DIR e a disponibilidade de auferir informações necessárias do país de origem
O estabelecimento de um procedimento específico para o reconhecimento do sta- e das circunstâncias que fundamentaram a fuga. Por essa razão, procedimentos sumá-
tus de refugiado foi, sem dúvida, um avanço da Lei 9474, pois institucionalizou a prote- rios devem ser afastados, por violarem o princípio do contraditório37•
ção, tornando-a parte do ordenamento jurídico brasileiro. Seu estabelecimento cria um Ainda quanto à instrução do processo, em razão da situação emergencial que
itinere permanente e previsível pelo qual o refugiado pode saber todos os passos para motiva a fuga, em geral, o solicitante encontra dificuldade de comprovar material-
obter a proteção do refúgio. Porém, existe a necessidade de aperfeiçoamento, uma vez mente sua condição. Nesse caso, considerando o caráter humanitário do refúgio e
que a justiça e legalidade do processo de reconhecimento do status de refugiado é re- o princípio de prevalência dos direitos humanos, deve vigorar o princípio do "in
quisito essencial para a proteção aos refugiados que o Brasil comprometeu-se a oferecer. dubio pro refugiado" 38 , segundo o qual, se houver dúvida sobre a veracidade dos
O processo administrativo, itinere para a determinação do status de refugia- argumentos trazidos pelo solicitante para embasar o pedido, deve-se privilegiar a
do, apresenta falhas que representam uma violação dos direitos destes indivíduos. proteção do refugiado.
Cabe analisar, então, alguns pontos do processo, os quais precisam ser revistos, em ~anto aos princípios do contraditório e da ampla defesa, alguns elementos
consonância com o direito de acesso à justiça e os princípios do devido processo precisam ser revistos. Em primeiro lugar, o solicitante de refúgio não tem acesso às
legal, do contraditório e da ampla defesa. provas que são produzidas em seu processo39 • A justificativa para tanto, é baseada
~anto ao acesso à justiça, é importante perceber que a Lei 9474/1997 prevê na necessidade de sigilo quanto a algumas informações, geralmente de exclusivi-
que o processo de determinação do status de refugiado é totalmente administrativo dade do Ministério da Justiça. Além disso, apesar da decisão do CONARE ser
e não prevê nenhuma possibilidade de recurso ao poder judiciário. Pode-se dizer, fundamentada, assim como a decisão do recurso, o solicitante não tem acesso aos
contudo, que tal previsão não seria necessária, pois está implícito, segundo a Cons- fundamentos desta decisão, o que configura uma clara violação desses princípios.
tituição Federal36 que nenhuma lei pode excluir a possibilidade de apreciação pelo Outro problema a ser reportado é a demora na decisão sobre o refúgio, desde
judiciário de qualquer eventual violação de direitos ("princípio da universalidade o pedido perante a Polícia Federal até a decisão do CONARE, ficando o solicitante
da jurisdição"). Contudo, considerando que os refugiados não possuem familiari- com a situação em suspenso até que seja definida. A Lei 9474/1997 não prevê prazo
dade com o sistema jurídico nacional, essa previsão favoreceria o direito de acesso a específico para essa decisão. Porém, em obediência às regras do processo adminis-
remédios efetivos contra eventuais violações dos direitos dos refugiados. Por outro trativo, a Lei 9784/1999, estabelece quanto ao "dever de decidir" que "concluída
lado, o processo fica limitado totalmente ao CONARE, que é um órgão do Poder a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta
Executivo e, portanto vinculado às decisões políticas do Estado, o que compromete dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada40".
a imparcialidade das decisões. Esse prazo tem sido notoriamente desrespeitado 41 •
Na realidade é fundamental observar que, apesar do Brasil ter uma das mais Um passo importante para reduzir os problemas relacionados ao acesso à
avançadas legislações sobre refugiados do mundo, ampla quanto à definição de justiça por parte dos refugiados é a participação da Defensoria Pública da União
refúgio, ela também cria um órgão específico para interpretá-la. Conforme já ana- (DPU). Apesar da lei 9474/1997 não prever expressamente a participação da DPU
lisado, a interpretação é que verdadeiramente dá sentido à norma e determina sua
aplicação. Dessa forma, o Brasil estabelece uma definição ampla, mas a extensão }7
Vide ACNUR - Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado, §197. Disponível em:
dessa amplitude é determinada por um órgão vinculado aos interesses do Esta- http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publ icacoes/20 13/Manual _de _procedi mentas_e_cri te rios _pa-
ra_a_determinacao _da_condicao_ de_refugiado. pdf?view= l.
do. Nesse mesmo sentido, também é incongruente que a única possibilidade de Princípio derivado conceito de ·•;11 dubio pro reo" do processo penal, como respeito às garantias de ampla defesa.
recurso da decisão emitida pelo CONARE é para o próprio Ministro da Justiça, Segundo Maria Sylvia di Pietro, o acesso às provas constantes do processo por ambas as partes é um dos fundamentos do
relembrando que a própria presidência do CONARE fica a cargo do Ministério da contraditório, em conjunto com a notificação dos atos à parte interessada, o direito de assistir à inquirição de testemunha e o
direito de apresentar defesa escrita. (P!ETRO. Maria Sylvia Zanella di. Op. Cit., 2015, p. 633).
Justiça, órgão ao qual o comitê é vinculado. Essa situação, porém, segundo posição Vide artigo 49 da Lei 9784il 999.
doutrinária com a qual se está de acordo, não exclui a possibilidade de que o Poder " É dificil ter acesso a dados oficiais sobre o 1empo de espera para o procedimento na policia federal e também o tempo decor-
Judiciário não possa revisar tal decisão, como será analisado eventualmente. rente, em média, até a decisão final pelo CONARE ou pelo Ministério da Justiça. Contudo, a observação empírica, aponta
para até um ano e meio de espera. Essa demora deve-se a diversos fatores, desde o aumento do número de solicitantes de
refugio em contraste com a insuficiência de pessoal capacitado para o atendimento e de estrutura para o processamento das
"
]6
Vide Resolução Normativa nºl8 do CONARE. informações, quanto à falta de organização e/ou a seletividade quanto aos casos. A melhora na estrutura e na logística que
Vide Artigo 5º, XXXV da CF/1988. dão aporte ao processo de reconhecimento do status de refugiado seria fundamental para a melhora do quadro.
256 1 I-IE~ISANE M.-\HLKE =º=IRE-=-IT=º=l=NT..:..:::ERN~A=C=IO=N='A=L=D=º=s=RE-=-FL='º=l=AD=º=s=:_N_o_\_'O_P_ARA_D_l=G=M=A=J=U_ru_o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _...j.. 257
quanto à proteção dos refugiados, essa possibilidade é deduzida das previsões cons- aos standards internacionais 48 • Não apenas por uma questão de gestão adequada do
títucionais42. Importante mencionar que o CONARE celebrou um acordo com fluxo de refugiados, mas por compromisso internacional em não violar os direitos
a Defensoria Pública da União 43 , segundo o qual a DPU passou a participar das humanos daqueles que buscam proteção. Sem um processo justo, não há verdadei-
reuniões do CONARE, com direito à voz, porém sem direito a voto. Pelo acordo, ro acolhimento.
a DPU também passa a participar da das entrevistas que instruem o processo e de-
verá ser notificada de todas as decisões do CONARE. Além dessa participação no 6.3. AJUDICIALIZAÇÃO DO REFÚGIO
processo de reconhecimento do status de refugiado, a DPU tem atuado na busca
44
pela garantia de direitos e na proteção do refugiado contr~ o refoulement : A judicialização do refúgio compreende a atuação das Cortes Nacionais e
O processo de reconhecimento do status de refugiado deve ser orientado Internacionais na garantia de direitos aos refugiados. O papel das Cortes Inter-
não apenas pelos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa nacionais foi objeto do Capítulo 3. Neste momento, analisar-se-á a judicialização
e do devido processo legal, mas, também, pelos standards internacionais quanto do refúgio pelas Cortes Nacionais. Mas, antes, é necessário compreender o que é
ao devido processo para o reconhecimento do status de refugiado. Nesse sentido, a judicialização. Segundo Iate e Valinder49 , a judicialização é a expansão do poder
a Corte Interamericana pronunciou-se no caso Família Pacheco Tineo v. Bolívia judicial para além da esfera jurídica, ou seja, quando as decisões judiciais interfe-
sobre diversas violações cometidas pelo Estado Boliviano, relacionadas a obstácu- rem na arena política, geralmente na área de competência dos demais poderes. De
los criados ao acesso ao refúgio, irregularidades no procedimento utilizado para modo mais específico, os autores definem que a judicialização pode representar: i)
reconhecimento do status de refugiado; violação do acesso à justiça e às garantias o processo no qual as cortes acabam por influenciar ou determinar a produção de
judiciais45 , e violação do princípio do non-refoulement46• políticas públicas que eram atribuição de outros órgãos governamentais, sobretudo
Além disso, a Corte reconheceu a violação de outros direitos humanos cor- do Legislativo e do Executivo. ii) também, o processo pelo qual outros campos
relatos: direito ao convívio familiar, à integridade fisica, e a proteção às crianças 47 • de decisão não judiciais, acabam sendo influenciados ou dominados por regras e
Esse importante precedente demonstra que o Estado não pode adotar medidas e procedimentos judiciais ou quasi-judiciais.
procedimentos contrários às normas internacionais sobre direitos humanos e sobre Como se pode deduzir, é inevitável que a judicialização de questões políticas
0 direito ao refúgio, sob pena de ser responsabilizado internacionalmente. Esse suscite discussões sobre a competência e legitimidade da atuação dos Poderes do
precedente também impõe que os procedimentos adotados para o reconhecimento Estado e da própria construção deste como entidade democrática e representativa
do status de refugiado devem adequar-se aos parâmetros internacionais quanto de dos interesses dos seus cidadãos50 . Essas discussões recaem, especialmente, sobre o
acesso à justiça e de proteção dos direitos humanos dos solicitantes de refúgio, de- chamado ativismo judicial5 1 e participação ampla do judiciário em questões que
vendo ser observado como um guia para os processos de reconhecimento do status pertenceriam à esfera de atuação de outros poderes, com o fim de garantir preceitos
de refugiado nos Estados-partes da Convenção Americana de Direitos Humanos. constitucionais. Dessa forma, o judiciário agiria no "vácuo" deixado pelo Estado,
Pelas situações expostas, observa-se que existe a necessidade urgente de que o para dar concretude a direitos não observados por este. Contudo, a crítica diante
Brasil aprimore seu processo de reconhecimento do status de refugiado, adaptando-o da atuação do Judiciário em questões políticas e da falta de legitimidade dos juízes
para sobreporem suas decisões àqueles que foram eleitos para governar o país, não
o artigo jº, LXXIV prevê a garantia fundamental a todos quanto ao acesso à justiça. nesse sentido estabelecendo que o
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. O artigo 5º, caput, por sua O aprimoramento do processo de reconhecimento do status de refugiado também é uma preocupação do ACNUR, por
vez, prevê igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros. Assim, pelo artigo 34 da CF/1988 a DPU é a instituição meio do Projeto chamado "Qua/iry Assurance lnitiative'" (QAI) ou Iniciativa para a Garantia de Qualidade do processo.
destinada a prestar assistência juridica aos hipossuficientes independente de sua nacionalidade. A DPU também conta com Essa iniciativa corresponde ao mandato do ACNUR previsto no artigo 35 da Convenção de 1951, no artigo 8 do Estatuto
uma Assessoria Internacional para coordenar a assistência (em âmbito internacional) a Brasileiros e estrangeiros (Portaria do ACNUR e no artigo 2 do Protocolo de 1967. Ela tem por escopo aprimorar os sistemas nacionais quanto ao processo
198 de 27 de março de 2012). Importante ressaltar, também, que a EC 74/2013 conferiu maior autonomia para a Defensoria e as decisões acerca do refúgio, uniformizando esses procedimentos com standards internacionais de proteção aos direitos
na assistência de pessoas em situação de vulnerabilidade. humanos. Contudo, tal iniciativa ainda não prosperou no Brasil.
o Acordo foi celebrado em I j/ 10/2012. Na ocasião a DPU também firmou acordo com o Departamento de Estrangeiros para TATE, C. Neal, VALUNDER, Tobjom. Toe Global Expansion of Judicial Power. New York: New York University Press,
acompanhamento de estrangeiros em processo de expulsão. 1997, p.10.
É frequente, no caso do solicitante de refúgio, a entrada irregular no pais. Sem a assistência adequada e sem a devida informação
"' WERNECK VIANNA, Luiz. Ajudicialização da política e das relações sociais. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1999.
pela Policia Federal. o solicitante acaba por ser tratado como migrante irregular (pela incidência da Lei 6815il980) e sendo Segundo o Ministro Luis Roberto Barroso. o ativismo judicial está associado "a uma participação ampla e intensa do Ju-
deportado no prazo de três dias. Dentre uma das muitas falhas da Lei Migratória Brasileira, a Lei 6815/1980 ainda em vigor, é diciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois
que ela não prevê nenhum tipo de assistência juridica àqueles que ingressam irregularmente no pais, ferindo assim, o principio Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição
da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV da CF/1988). Por essa razão, a importância da atuação da DPU na assistência a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;
dessas pessoas em zona de fronteira, evitando que sejam sumariamente deportados sem a possibilidade de solicitar refúgio. (ii) a declaração de inconstitucionalidade de aios normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rigidos
" Vide artigo 8° e artigo 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos. que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, no-
Vide artigo 22.8 da Convenção Americana de Direitos Humanos. tadamente em matéria de politicas públicas." (BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade
Artigos 7; I 7 e 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos, respectivamente. Democràtica. ln Revista Synthesis. Vol 5, n"l, 2012, p.13).
258 ➔I ____________________________ H_E_u_s~_N_'E_~_L.\H_L_KE
_D_1RE_IT_o_lNTE_RN_A_c_1o_N_AL_D_o_s_RE_FLl_'G_I._Afl_o_s_:N_o_\_'O_P_ARA_D_IG_~_1A_J_U_ru_o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _--J.. 259
prosperam diante do fato de que é da competência das Cortes zelar peÍos direitos Existem diversos pontos sobre quais a judicialização do refúgio pode recair54 •
fundamentais, mesmo que tenha de atuar contra as maiorias políticas, como ele- Contudo, para o escopo desta análise, é importante pontuar, que a judicialização
mento essencial do constitucionalismo democrático 52 • do refúgio será analisada em dois aspectos essenciais à proteção: i) primeiro, a
Especificamente quanto ao refúgio, a judicialização do refúgio ainda é possibilidade do Poder Judiciário revisar a decisão do CONARE sobre o reconhe-
insipiente no Brasil, se comparado a outros países 53 • Em parte, tal fato se deve cimento ou não do status de refugiado; ii) Segundo, a atuação do judiciário na
à percepção de que o refúgio é uma prerrogativa do Estado, no exercício de garantia de direitos aos refugiados e solicitantes de refúgio.
sua política externa em matéria de direitos humanos e, portanto, não compete
ao Poder Judiciário interferir nesta prerrogativa, sob pena de agir para além de 6.3.1. O judicial review sobre a decisão do CONARE
sua competência. Porém, em que pese o caráter político da atuação do Brasil
quanto ao DIR, é fundamental observar que ele compreende um conjunto de Para que o indivíduo que busca refúgio no país obtenha esta proteção, é ne-
direitos que devem ser respeitados pelo Estado. E no que se refere à garantia de cessário passar por um longo processo de reconhecimento do status de refugiado,
direitos, são as Cortes os legítimos intérpretes da norma, cabendo a elas zelar já descrito e analisado anteriormente. Esse processo é, praticamente, monopoliza-
pela sua efetividade. do pelas instâncias governamentais, tendo como principal órgão responsável pela
Outro aspecto que se deve observar é que Estados democráticos, com pode- sua condução e decisão o CONARE. Conforme já mencionado, não há na legisla-
res constituídos e instituições operantes, também apresentam características po- ção brasileira sobre refúgio nenhuma previsão sobre a possibilidade de recurso ao
tencialmente violadoras de direitos humanos, especialmente quanto aos direitos judiciário nesse sentido. Vale rememorar, neste ponto, que o único recurso cabível
das minorias. Os refugiados representam uma categoria especial de indivíduo, sobre a decisão denegatória, é feito perante o Ministro da Justiça, também uma
geralmente preso no embate entre os interesses políticos do Estado e os deveres instância governamental, e a mesma à qual pertence o CONARE.
para com a proteção internacional dos direitos humanos, cuja construção histó- Dessa forma, aparentemente, não há controle externo quanto à decisão do
rica está associada à luta contra uma realidade instituída que não lhes reconhece. CONARE, ficando o solicitante de refúgio sujeito a um processo de reconheci-
Nesse sentido, a Justiça não pode furtar-se ao seu papel na afirmação e consoli- mento que, conforme já avaliado, apresenta falhas na sua consecução e que não
dação desses direitos. está de acordo com os princípios básicos do acesso à justiça e do devido processo
A análise feita a seguir, portanto, parte do princípio de que é competência legal, bem como à decisão de um organismo vinculado à esfera governamental e,
do Poder Judiciário observar a interpretação e a adequada aplicação da Lei sobre consequentemente, aos interesses do Estado.
Refúgio (Lei 9474/1997), da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais ra- Nesse contexto, surge a discussão se haveria mecanismo disponível no orde-
tificados e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Em razão do escopo namento jurídico pátrio capaz de exercer tal controle. Esse questionamento remete
normativo já analisado, não resta dúvidas quanto à afirmação cunhada anterior- a um importante debate sobre a natureza do processo de reconhecimento do status
mente de que o refúgio é um direito do indivíduo e não uma prerrogativa discricio- de refugiado e a possibilidade do Poder Judiciário revisar a decisão do CONARE.
nária do Estado e, portanto, também gera responsabilidades. É essencial a atuação Inevitável, pois, suscitar as seguintes reflexões: caberia ao Poder Judiciário interferir
das Cortes Nacionais na aferição dessa responsabilidade, a fim de que a proteção em uma decisão que, a princípio, compete ao Poder Executivo? ~ais fundamen-
dos refugiados não seja apenas parte do discurso das autoridades. tos sustentariam a atuação do judiciário nesse sentido?
Além disso, quanto à consolidação do novo paradigma jurídico da proteção Essa discussão reflete a tendência crescente à judicialização das relações inter-
aos refugiados, em âmbito nacional, o Poder Judiciário exerce sua competência nacionais do Brasil, ou seja, a influência indireta do poder judiciário na condução
ao zelar pela coerência na interpretação e na aplicação das normas referentes ao da política externa, em consonância com os preceitos constantes no art. 4º, da
refúgio, não apenas quanto ao direito ao refúgio propriamente, mas, também, CF/88. O ponto essencial dessa análise é, na medida em que os preceitos do cita-
quando atua na busca da efetividade dos direitos dos refugiados. De acordo com do artigo repercutem questões da política externa brasileira e, portanto, quando o
esse preceito, a efetividade do DIR, necessita da atuação conforme das Cortes Na- judiciário realiza a ponderação hermenêutica sobre sua aplicação, há uma inegável
cionais, a qual deve se dar, por um dever e justiça e coerência, em harmonia com
os compromissos internacionais assumidos pelo país. Liliana Jubilut agrupa ajudicialização do refügio em cinco grupos: i) casos sobre o resultado do processo de solicitação de
refügio, em que se debatem as questões formais do mesmo; ii0 casos em que se debate o próprio conceito de refugiado e sua
52
aplicação enquanto direito; iii) casos que envolvem o gozo de direitos humanos dos refugiados; iv) casos envolvendo confli-
Segundo BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit, 2012) p.6.
tos de direitos, situações de desapropriação para estabelecimento de locais para refugiados; v) casos nos quais os principias
" Alguns países possuem "'Tribunais de Refügio'º, especificas para analisar as solicitações, como por exemplo. a Austrália e o
do Direito Internacional dos Refugiados, em especial o do non-refoulement, são o objeto central - seja aplicado a refugiados
Canadá. Ajudicialização de questões relativas ao refügio, como direitos e violações de principias e normas relativas ao DlR
ou a outros indivíduos que não são refugiados, em função da unidade do sistema de direitos humanos. (JUBILUT, Liliana. A
é uma prática das Cortes Nacionais da Alemanha e, também, do Canadá e Austrália. (SOENNECKEN, Dagmar. The Grow-
Judicialização do Refügio. ln ALMEIDA, Guilherme Assis de, CARVALHO RAMOS, André de, RODRJGUES, Gilberto.
ing lnfluence of the Courts over the Fate of Refugees. ln Review of European and Russian Affaires. Vol.4. issue 212008).
60 Anos do ACNUR: perspectivas de futuro. Brasília: ACNUR, 2011. p.175).
260 JJL_____________________________H_E_u_s~_N_'E_N_I_AH_L_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS: Novo PARADIGMA JURiDICO 261
55 Se em certo sentido, tal possibilidade parece subverter a competência para a
repercussão nas relações internacionais do país ._ P~r _outro l_a~o~ º. marco no~~a-
tivo do art. 4!l. também pode ensejar o controle 1und1co de m1crat1vas de pohtrca concessão do refúgio, que é, em recurso final, do Ministro da Justiça. Por outro
externa por serem normas suscetíveis ao juízo de constitucionalidade. lado, o judicial review pode converter-se em um instrumento para preservar a inte-
Evidentemente, existe uma indissociável relação entre o político e o jurídico, gridade do instituto, afastando deturpações. 59 Essa possibilidade poderia aplicar-se
comum às relações de poder 56 , das quais o direito nada mais é do que uma de suas tanto a situações onde se verificasse o reconhecimento indevido do refúgio, como
faces. Portanto, parece incoerente afastar a concepção de que o Poder Judiciário em situações em que ele fosse indevidamente afastado, ou ainda quando fossem ob-
não possa interferir nas decisões do Estado, especialmente quando estas atingem servadas violações do DIR e, em sentido mais amplo, de direitos humanos, durante
direitos que cabe a ele preservar. o processo de reconhecimento do status de refugiado.
Todavia, essa é uma questão que se estende para além da discussão sobre apre- Conforme já mencionado, a garantia de um processo justo é o primeiro passo
visão contida no artigo 4!l.. Conforme já foi afirmado, o refúgio é um direito previs- para que se tenha um verdadeiro sistema de proteção. Entende-se que um processo
to em Convencões Internacionais e regionais às quais o Brasil se comprometeu e ao justo implica a presença necessária de alguns elementos: i) garantia de acesso à jus-
serem essas no~mas incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio, cabe também ao tiça; ii) a preservação do devido processo legal; iii) a possibilidade de ampla defesa
juiz nacional interpretá-las e aplicá-las. Diante disso, é fundamental reportar, que é e do contraditório. De acordo com a análise crítica feita anteriormente, é possível
parte da responsabilidade internacional do Estado que o Poder Judiciário também observar que o processo possui falhas que violam tanto o Direito Internacional dos
cumpra sua função em zelar pela efetividade destas normas. Refugiados, quanto às normas do DIDH e, também, as normas constitucionais. É
Por outro lado, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, incluindo necessário que o processe esteja de acordo com as normas internacionais e com os
as normas sobre o Direito Internacional dos Refugiados, que dele fazem parte, e princípios constitucionais para que seja um processo justo. Nesse sentido, entende-
os quais o Brasil ratificou e incorporou ao seu ordenamento, inserem-se no cha- -se essencial a atuação da justiça na "correção" dessas falhas no processo, invocando
mado "bloco de constitucionalidade" 57 , disposto no artigo 5!l.,§2!l. da Constituição a responsabilidade dos agentes do Estado no cumprimento das disposições legais.
Federal de 1988. Portanto, reforçando a prerrogativa do Supremo Tribunal Federal Evidentemente, a revisão deve respeitar ao non-refoulement, caro ao Direito
em zelar pela observação destas. Além disso, o status conferido aos Tratados de Internacional dos Refugiados, e primar pela observância de uma interpretação
Direitos Humanos ratificados pelo Brasil faz com que esses direitos não possam consonante aos princípios de direitos humanos. Assim, em caso de dúvida sobre
58 a condição do refugiado, deve prevalecer o princípio do in dubio pro refugiado.
ser afastados em razão da "proibição do retrocesso" .
Nesse sentido, não se pode falar que a eventual decisão do Supremo Tribunal E a decisão do CONARE só poderá ser questionada mediante prova inequívoca
Federal sobre o tema poderia ser considerada um desvio de competência da Corte de abuso ou desvio de finalidade, em conformidade com os preceitos do controle
Suprema, por caberem exclusivamente ao Poder Executivo como formulador e ator judicial dos atos administrativos. Nesse sentido, o controle judicial do processo de
principal da política externa brasileira. Não se pode obstar o papel do judiciário em reconhecimento do status de refugiado e da eventual decisão do sobre o refúgio é
corrigir as falhas do Estado, quando este subtrai ou negligencia direitos daqueles que, fundamental para a consolidação do sistema nacional de proteção.
muitas vezes, buscam nos tribunais o último recurso para torná-los efetivos. Assim, a O STF deparou-se com o tema do judicial review do reconhecimento do sta-
decisão proferida pelo CONARE, ou do recurso ao Ministro da Justiça, faz nascer um tus de refugiado em alguns casos paradigmáticos que merecem ser mencionados.
ônus argumentativo ao Supremo Tribunal no que tange ao caso em análise. Por tratar- Tais casos trazem a intersecção entre o Direito dos Refugiados e o Processo de Ex-
-se de uma decisão declaratória, tanto do reconhecimento quanto ao não reconheci- tradição60 e, indiretamente, fixaram parâmetros de interpretação sobre a aplicação
mento do status de refugiado, é passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal. do DIR pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O "Caso Padre Medina" 61 , como ficou conhecido, trata-se do pedido de extra-
dição de Olivério Medina, cidadão colombiano, por supostamente ter cometido
" Para Celso Lafer, a interpretação das nonnas contidas no art. 4º possui tanto uma dimensão jurídica quanto política e que o
exercício da ponderação deve levar em conta a articulação dos consensos na realidade da política mundial. (LAFER, Celso.
59
A internacionalização dos direitos humanos. São Paulo: Manole, 2005, p.28). Na opinião de André de Carvalho Ramos, "De fato, chamo a atenção para esse fato que pode parecer paradoxal: a ausência
" BOBEIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 22ª. ed., São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 137. de controle judicial de ato concessivo de refügio pode redundar na erosão da credibilidade do refügio graças a concessões ile-
s; Segundo O artigo 5º, §2ª "Os direitos e garantias ex.pressas nesta Constituição não e.-ccluem outros decorrentes do regime e gitimas, eivadas de considerações de conveniência dos poderosos de plantão( ... ). Contudo, a revisão deve ser absolutamente
dos princípios por ela adotados. ou dos tratados illlemacionais em que a Rep1íb/ica Federativa do Brasil seja parte". regrada e estrita, em respeito ao principio do 11011-refou/ement. De fato, no tocante ao refügio, essa revisão deverá ser feita
" Confonne Ingo Sarlet o "principio da proibição do retrocesso" (também chamado de ·•efeito clique(") está implícito no siste- sempre sob o paradigma da interpretação pro lwmi11e." (RAMOS, André de Carvalho. "O Principio do 11011-refou/ement no
ma constitucional brasileiro e não reconhecê-lo significaria ·'admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público direito dos refugiados: do ingresso à extradição•· ln Revista dos Tribunais. Ano 99, Vol. 892, fevereiro/2010, p.370).
de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às nonnas constitucio- Os processos de extradição são instrumentos da cooperação jurídica internacional em matéria penal e são de competência do
nais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Supremo Tribunal Federal, quanto á apreciação de sua procedência (artigo 102. I, i, da CF/1988).
Constituinte. (SARLET, Ingo Wolfgan. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos Direitos Fundamentais STF. Extradição n"I00S, Relator original Min. Gilmar Mendes. Decisão em 28/07/2006, rei. p/ Min. Sepúlveda Pertence,
na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2011. p.447). Decisão em 17/08/2007.
262 Jl_____________________________H_EL_1s_~_N_'E_M_._AH_L_KE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFl.!GI.WOS: Novo PARADIGMA JURÍDICO 263

crimes de homicídio, sequestro e terrorismo, no Estado da Colômbia, país reque- extradição, entendendo que somente o reconhecimento legal do pedido de refúgio
rente. No curso do processo foi reconhecido ao extraditando o status de refugiado pode impedir o pedido de extradição. Nesse caso, o reconhecimento ilegal da con-
pelo CONARE. Esse caso suscitou a discussão sobre o~ efeit~s do Estatuto_ de dição de refugiado, por não ter preenchido os requisitos necessários e vinculantes
Refugiado sobre a Extradição e Expulsão. Sobretudo, foi quest10nada a c~nstitu- é, segundo o Ministro "inválido e ineficaz", portanto não sendo capaz de obstar
cionalidade do artigo 33 da Lei 9474/1997, que estabelece que o reconhecimento o deferimento do pedido extradicional. A maioria dos Ministros acompanhou o
da condição de refugiado obste o seguimento de qualquer pedido de extradição Relator, a favor do judicial review, considerando o reconhecimento indevido e
baseado nos fatos que fundamentaram o refúgio. Também, a previsão do artigo 34, deferindo o pedido de extradição 65 •
que determina que a mera solicitação de refúgio suspen.d~, até .decisã~ d~~nitiva, O exemplo desses dois casos paradigmáticos demonstra que a matéria ainda não
qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou 1udmal, ba- está totalmente pacificada pelo STF. Além disso, não há ainda discussões sobre os
seado nos fatos que fundamentam o pedido de refúgio. A dúvida pairava sobre o aspectos formais do judicial review, como por exemplo: se tal discussão deve ser in-
fato de a decisão do CONARE sobre o reconhecimento do refúgio invadir a esfera terposta em ação própria66 ? Em caso de revisão da decisão denegatória do refúgio, a
constitucional do STF a quem compete julgar o pedido de extradição. A decisão própria sentença seria suficiente para considerar ato declaratório de reconhecimento
da maioria dos Ministros 62 foi no sentido da confirmação da constitucionalidade do status de refugiado? Em caso da revisão da decisão positiva do CONARE, qual seria
dos referidos artigos, entendendo que o reconhecimento administrativo da condi- o tratamento dispensado ao solicitante? Tais questões dependerão, evidentemente, de
ção de refugiado, enquanto dure, impede pedido de extradição que verse sobre as eventual regulamentação. Entende-se que, a despeito dos casos relatados, a jurisprudên-
mesmas causas que motivaram o podido de refúgio. Restou, assim, indeferido o cia nacional ainda carece de uma interpretação consolidada sobre o tema. ~içá, quan-
pedido de extradição63 • do esta for consolidada, que seja pela compreensão de que o refugio é, antes de tudo,
6
Contudo, tal questão voltou a ser discutida no "Caso Battisti" 4, pedido de um direito e que o Poder Judiciário possui um papel indelével no seu reconhecimento.
extradição solicitado pela Itália em relação ao cidadão italiano Cesare Battisti con-
denado por crimes cometidos durante a década de 70, no Estado Italiano. Em 6.3.2. A busca pela garantia de direitos
princípio O CONARE não reconheceu o pedido de refúgio, considerando não haver
motivos para caracterizar a perseguição o'diosa, ou seja, não entendeu que a conde- O papel das Cortes Nacionais para a proteção dos refugiados no Brasil tam-
nação teria sido perseguição política por parte do Estado, mas o direito legítimo bém se estabelece na garantia de direitos, sem a qual esta estaria incompleta se não
deste de punir crimes comuns cometidos pelo solicitante. Contudo, em grau de houvesse a verdadeira integração do refugiado na sociedade local mediante a possi-
recurso, o então Ministro da Justiça Tarso Genro, considerou que havia indícios de bilidade destes gozarem de direitos, em igualdade com os nacionais. Assim, a outra
perseguição, concedendo o refúgio. Nesse caso, porém, a decisão foi diversa do pre- face da judicialização do refúgio se expressa na proposição de ações que busquem a
cedente anterior. O Ministro Relator Cezar Pelluso manifestou-se pela possibilidade garantia de acesso a direitos aos refugiados, mobilizando as cortes locais a invocar
do judicial review do reconhecimento do refúgio feito pelo Ministro da Justiça. O normas nacionais (em especial constitucionais) e normas internacionais que são
relator, analisando as causas que motivaram o pedido de refúgio, entendeu que não parte do ordenamento jurídico pátrio, para garantir estes direitos, frequentemente
estavam presentes os requisitos necessários para motivar o reconhecimento. Essa contra a negligência ou as restrições indevidas impostas pelo Estado 67 •
posição repercutiu diretamente sobre a posição do Ministro quanto ao pedido de A Convenção de 1951 traz, dentre suas previsões, um elenco de direitos, não
exaustivos, que devem ser garantidos aos refugiados, alguns serão abordados espe-
6! Vale mencionara posição do Ministro Celso de Mello ao reportar-se não apenas aos artigos 31 a 33 da Convenção de 1951, cificamente. Além disso, a Convenção, em seu preâmbulo já ressalta a necessidade
que estabelecem a proibição de sanções penais. extradição ou expulsão de refui,>iado reconhecido, com também, o princípio de garantia dos direitos fundamentais dos refugiados como parte da proteção in-
do non-refoulemem corno essencial ao Direito Internacional dos Refugiados. O Ministro ainda faz referência ao artigo 48
ternacional destas pessoas 68 • Contudo, prevendo que apenas apontar tais direitos
da lei 9474/1997 que estabelece um padrão hermenêutico de interpretação para a legislação sobre refügio. in verbis: "Os
preceitos desta Lei deverão ser imerpretados em harmonia com a Declaração Unfrersal dos Direitos do Homem de 1948,
65
com a Convenção sobre O Estatuto dos Refi,giados de 195 /, com o Protocolo sobre o Esta/li/o dos Refi,giados de 1967 e com O STF. porém, entendeu que a palavra final no caso deveria ser atribuída ao Presidente da República, no exercício de sua
todo dispositivo pern"nente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro competência para determinar a efetivação do pedido extradicional ao país solicitante. O Presidente Luís Inácio Lula da Silva
estiver comprometido.·· decidiu em 3 l /12/2009. não conceder o pedido de extradição.
6) No mesmo sentido, em julgamento semelhante no "Caso Gustavo Bueno" (STF, Extradição nºl 170, Rei. Ministra Ellen Gra- Essa questão foi suscitada pelo Ministro Eros Grau, em seu voto. no julgamento da Extradição nºI085.
cie. Requerente Argentina. Julgada em 18 de março de 2010). Entendeu a Ministra que o extraditando estava acobertado pela SOENNECKEN, Dagmar. Op. Cit., 2008, p.11.
condição de refugiado, devidamente considerado pelo órgão competente, indeferindo o pedido de extradição. Os Ministros Trecho do preâmbulo ao qual se refere in verbis: "Conçiderando que a Carta das Naçães Unidas e a Declaração Universal
acompanharam a Relatora em unanimidade dos votos. Interessante observar que neste caso não foram sequer consideradas dos Direitos Humanos opromda em l Ode de::embro de 1948 pela Assembleia Geral ojinnaram o princípio de que os seres
as motivações do reconhecimento do status de refugiado. Tal situação demonstra que não há um padrão de critérios de aoá- lmmanos, sem distinção, derem go=ar dos direitos humanos e das liberdades fimdamelllais. Coll'iiderando que a Organi-
Iise por parte do STF no que tange ao refügio. =ação da Naçães Unidas tem repetidameme manifestado a sua profimda preocupação pelos refi,giados e que ela tem se
STF, Extradição nºl 085. Relator Ministro Cezar Pelluso. Decisão 9 de setembro de 2009. esforçado por assegurar a estes o e.x:erdcio mais amplo possil'el dos direitos humanos e das liberdadesfimdamentais."
y
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Novo PARADIG~IA JURÍDICO 265 íl
não é o suficiente para que eles sejam efetivos, a própria Convenção estabelece que formação, ou mesmo certidão de nascimento, requerida por algumas escolas.
os refugiados possam buscar o Poder Judiciário do Estado-parte para que estes di- Esse tem sido um dos entraves para o acesso à educação. Insensíveis à situação
reitos se concretizem 69 • Assim, a própria Convenção reconhece a judicialização dos dos refugiados, instituições de ensino solicitam documentos comprobatórios
direitos humanos dos refugiados 70 • praticamente impossíveis de obter diante das circunstâncias do refúgio, igno-
Esse tipo de inciativa, que busca tornar efetivas as prerrogativas já reconheci- rando o disposto no Estatuto do Refugiado 74 , Frequentemente, é necessária a
das pela Constituição e por Convenções Internacionais ratificadas, ainda está em intervenção judicial para que refugiados tenham acesso á educação.
formação no direito pátrio. Mas, com a interseção da Defensoria Pública da União As condições atípicas de refugiado devem ser levadas em conta ao facilitar
e do Ministério Público Federal7 1, refugiados têm buscado os tribunais nacionais o acesso à universidade. Como o ensino é descentralizado, há dificuldade de uni-
para reivindicar os direitos que lhes são indevidamente amesquinhados pelo Es- formização do tratamento. Além disso, o princípio da autonomia da universidade
tado. Nesse sentido, a judicialização é um instrumento importante na busca pela pública faz com que cada instituição determine ou não alguma forma especial de
ampla proteção. Analisa-se, a seguir, o acesso a alguns direitos básicos, como edu- ingresso 75 • Outra questão importante é facilitação na revalidação dos diplomas.
cação; saúde; seguridade social; moradia e trabalho. Apesar da disposição do artigo 44 da Lei 9474/199776 , a burocracia e a falta de uma
Antes, é importante mencionar que o principal ponto para que o refugiado política adequada do Ministério da Educação ainda são um entrave para que os re-
possa gozar de tais direitos é o acesso à documentação necessária. Nesse sentido, as fugiados possam exercer a profissão para a qual possuem formação e/ou ingressar
entidades governamentais necessárias, em consonância com a previsão da Conven- em programas de pós-graduação.
ção de 1951, garanta aos refugiados a "assistência administrativa" 72 , especialmente Já quanto à saúde e seguridade social, a situação é ainda mais complexa. O
considerando a situação especial do refugiado (vulnerabilidade social, a situação de artigo 23 da Convenção de 1951 estabelece que os refugiados devam ter acesso à
perseguição e o rompimento dos laços com o país de origem). Outro elemento ne- assistência pública nos Estado onde sejam acolhidos. o.i:ianto ao direito interno, o
cessário a ser considerado na garantia de direitos é que se deve considerar uma dupla artigo 194 da CF/1988 determina o direito à segurança social e o artigo 196 afirma
face da condição de refugiado: i) sua igualdade com os nacionais quanto ao acesso que a saúde é "direito de todos". Frequentemente, os refugiados fazem uso do ser-
a direitos; ii) sua condição especial em relação ao refúgio. Apesar de aparentemente viço público de saúde (Sistema Único de Saúde - SUS). Além das parcerias estabele-
dicotômicas, ambas são fundamentais para o acesso a uma proteção ampla. cidas entre a sociedade civil responsável pela assistência aos refugiados e entidades,
O direito à educação está previsto nas normas internacionais 73 e na Constitui- associações que fornecem gratuitamente tais serviços. As dificuldades, neste campo,
ção Federal, em seu artigo 205, o qual determina que "a educação é direito de todos encontradas pelos refugiados são comuns à maioria da população, com o agravante
e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a cola- da falta de comunicação (idioma) e de episódios de discriminação 77 •
boração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo Também é importante mencionar a previdência social (artigo 201 caput da
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". A Constituição CF/88)78 , também previsto na Convenção de 1951, em seus artigo 24. A questão
também determina, em seu artigo 208 que a educação deve ser garantida em todos principal é reconhecer que os refugiados possuem o direito de acesso ao sistema
os níveis, desde o ensino fundamental e médio, até o acesso à educação superior. previdenciário, desde que satisfeitos os requisitos estabelecidos pela Constituição
Porém, devido às condições de fuga e as dificuldades na travessia, muitos Federal e pela legislação pertinente, ou seja, desde que tenham contribuído para a
refugiados não portam documentos necessários para comprovar escolaridade e
O artigo 43 determina que "(11)0 exercício de seus direitos e deveres. a condição atípica dos refi1giados deverá ser conside-
Vide artigo 16 da Convenção de 1951. rada quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por sem· países de origem ou por suas represemações
JUBILUT, Liliana. Op. Cit 2011, p.17L diplomáticas e consulares".
O artigo 127 da CF/ 1988 detennina que compete ao Ministério Público ··a defesa da ordem juridica, do regime democrático Algumas Universidades Públicas têm tomado iniciativas para facilitar o acesso de refugiados ao ensino superior, oferecendo
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". As atribuições para o exercício de sua função indispensável à justiça, vagas especiais com método diferenciado de seleção. Dentre elas estão: A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
estão dispostas no artigo 129 da CF/1988. Também, a Lei Complementar nº75 de 20 de maio de 1993. a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR); Universidade Federal
71 do Rio Grande do Sul (UFRGS). As instiruições normalmente aceitam documentação emitida pelo CONARE e também
Confonne explica Juan Carlos Murilo Gonzáles, --Devido ao caráter especial de proteção da condição de refugiado, não se
pode esperar que um refugiado tome contato com suas autoridades consulares ou autoridades nacionais no pais de origem. oferecem bolsa para a manutenção do esrudante.
Sem embargo, para efeitos de promover sua integração local nas comunidades de origem é possível que os refugiados bus- Vide artigo 44 da Lei: .. O reconhecimelJto de cert[ficados e diplomas, os requisitos para a obtenção da condição de residen-
quem obter certa documentação de seus países de origem tais como seus certificados de esrudos, certidões de nascimento e te e o ingre.uo em instituições académicas de todos os níveis de1·erão ser.facilitados. /e\'ando-se em consideração a situação
matrimônio, e a legalização de seus diplomas. Espera-se que os países de retügio brindem facilidades aos refugiados para desfa1•orá1•e/ 1fre11ciada pelos refi1giados".
que possam obter estes documentos através de seus organismos nacionais. Isto está previsto no artigo 25 da Convenção " Sobre o acesso à saúde, as dificuldades comuns a refugiados e migrantes, Relatório de Pesquisa do Projeto "Pensando o
sobre o Estaruto dos Refugiados de 1951 e se denomina assistência administrativa." (GONZÁLES, Juan Carlos Murilo. A Direito" do Ministério da Justiça, disponível em: http://pensando.mj.gov.br/publicacoes.
Importância da Lei Brasileira de Retügio e suas Contribuições Regionais. ln BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (org.). " MILESI, Rosita; LACERDA, Rosane. Politicas públicas e migrações: o acesso a direitos previdenciários e sociais. ln: AC-
Retügio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasilia:ACNUR, 2010, p.57). NUR!IMDH. Cadernos de Debates Retügio, Migrações e Cidadania, v.3, n. 3, p. 33-53. Brasilia: lnstiruto de Migrações e
Vide artigo 22 da Convenção de 1951. Direitos Humanos, 2008, p. 40.
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previdência social e atingido a idade legalmente prevista. Importante mencionar, trabalho, por parte dos refugiados, além de fundamental para que estes possam
também, que a CF/1988, em seu artigo 203, prevê que a assistência social deverá viver com autonomia e dignidade, também é essencial para evitar a exploração de
ser prestada sem a necessidade de comprovada contribuição prévia. Também a Lei mão-de-obra que geralmente atinge aqueles em situação de vulnerabilidade.
Orgânica de Assistência Social (LOAS) 79 dispôs sobre a garantia do Benefício de Importante mencionar, quanto à garantia de direitos que se está ciente das difi-
Prestação Continuada. Porém, uma resolução posterior do Instituto Nacional de culdades enfrentadas pela população brasileira como um todo, para ter acesso a esses
Seguridade Social, 80 vinculou a concessão do benefício, no que se refere a estran- direitos. Contudo, há de se considerar que tal dificuldade não pode ser agravada pela
geiros idosos ou portadores de deficiência à aquisição de nacionalidade brasileira, condição específica de refugiado. Além disso, o comprometimento do Brasil com as
através da naturalização81 • Esse requisito obstaculiza a garantia imediata da prote- normas internacionais e com as normas nacionais sobre refúgio e demais direitos hu-
ção continuada aos refugiados que necessitam de tal benefício. 82 manos correlatos, implica na garantia de direitos. Conforme já mencionado, o papel
Outro aspecto importante da integração é o acesso à moradia, que está con- do Poder Judiciário é fundamental na concretização desse compromisso.
templado no artigo 21 da Convenção de 1951 e no artigo 62 da CF/1988. Em geral
os refugiados são alocados em abrigos quando chegam ao Brasil, porém essa situa- 6.4. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO FACE O
ção deve ser provisória, possibilitando o Estado que, posteriormente, eles possam DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
buscar moradia própria. Contudo, a falta de documentação e de comprovação de
renda fixa dificulta o acesso a fiador, programas de moradia 83 e financiamentos 84 • Conforme foi apontado no Capítulo 4, uma das premissas básicas da cons-
~anta ao direito ao trabalho, essencial à construção de uma vida digna e au- trução do novo paradigma jurídico da proteção internacional dos refugiados é
tônoma, está previsto no artigo 62 da CF/1988. Também a Convenção de 1951 dis- a responsabilidade do Estado perante o Direito Internacional dos Refugiados, a
põe sobre o direito do refugiado em exercer uma profissão no país de acolhimento qual advém do compromisso assumido ao ratificar as Convenções Internacionais
(artigos 17, 19 e 24). Para que o refugiado possa trabalhar regularmente no país a e Regionais sobre o tema.
Lei 9474/1997 prevê em seu artigo 21 a emissão da Carteira de Trabalho provisória; Em princípio, é importante pontuar que a responsabilidade do Estado pode
que após o devido reconhecimento como refugiado o refugiado receberá a Carteira ser auferida em dois níveis: i) Nacional, ou seja, pela atuação das Cortes Nacionais
de Trabalho e Previdência Social85, emitida em qualquer das Delegacias Regionais ao observar a aplicação da Legislação Nacional (Lei9474/1997), ou da Constituição
do Ministério do Trabalho e Emprego. Porém, os refugiados enfrentam diversas Federal, ou das normas internacionais ratificadas e incorporadas ao ordenamento
dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, como a barreira do idioma, a jurídico brasileiro; ii) e a responsabilidade internacional, ou seja, perante às Cortes
discriminação social e a dificuldade em exercer sua profissão de origem (situação Internacionais as quais o Brasil reconheceu a jurisdição.
ligada à dificuldade de reconhecimento de diplomas) 86 • A garantia de acesso ao ~anta à jurisdição nacional, conforme já analisado ao se tratar da judicializa-
ção do refúgio (item 6.3), o Poder Judiciário pode avaliar a atuação do Estado, tanto
Lei 8.742 de 1993. na proteção e garantia de direitos aos refugiados, incluindo a legal e justa condução
INSSIPR n. 435 de 18 de março de I 997. do processo de determinação do status de refugiado, quanto à possibilidade de revi-
SI
A nacionalidade do individuo é tida pelo órgão como um critério condicionante da garantia do beneficio, 0 que viola O prin- são da decisão do CONARE sobre o reconhecimento ou não do status de refugiado.
cipio da igualdade entre nacionais e estrangeiros (artigo 5º, caput). Além disso, a naturalização é escolha do indivíduo e não
deve ser imposta como um requisito para a garantia de direitos fundamentais. (MILESI. Rosita: LACERDA, Rosane. Polí-
Já quanto à responsabilidade internacional, o Brasil ao assumir o compro-
ticas públicas e migrações: o acesso a direitos previdenciários e sociais. ln: ACNURJIMDH. Cadernos de Debates Refugio, misso de dar cumprimento à Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, ratifi-
Migrações e Cidadania, v.3, n. 3, p. 33-53. Brasília: Instituto de Migrações e Direitos Humanos, 2008. p. 42.). Nesse sentido, cando ambos os documentos, passou a fazer parte do regime internacional de
vera decisão do TRF da 3' região sobre beneficio concedido a estrangeiro: Agravo de Instrumento n.º 249149-SP (Processo
n.º 2005.03.00.08050 l-0). Relatora: Ana Pezzarini (Convocada)-8.' Turma. Julgamento em 21.8.2006. Publicação DJU em
proteção aos refugiados. Contudo, conforme já mencionado, o DIR não possui
2 l.2.2007 - p. 123. um mecanismo próprio de supervisão e controle. Essa situação deve-se à resistência
Em 20 l Oo MPF impetrou Ação Civil Pública contra o INSS para garantir a prestação continuada a alguns refugiados idosos histórica dos Estados em "internacionalizar" a questão do refúgio, tomando para
palestinos (ACP nº 0023528-28.20l0.4.03.6 l00).
A inclusão dos refugiados em beneficios como o Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº l 1.977. de 07 de julho de 2009),
si a prerrogativa de manipular a interpretação e aplicação destas normas segundo
fica dificultado quando algumas cidades estabelecem como requisito a residência permanente no país. Como ocorreu com sua conveniência. Então como seria apurada a responsabilidade internacional do
,.. refugiados palestinos reassentados na cidade de Mogi das Cruzes-SP (Decreto l l.005 de 2010). Estado por eventual violação das normas sobre refúgio?
A mesma dificuldade é encontrada quanto ao financiamento da casa própria pela Caixa Econômica Federal. o TRF da
4' Região negou Apelação Cível da DPU neste sentido, negando o beneficio aos refugiados: (Apelação n" 5003894-
Segundo o que foi analisado no Capítulo 3, a ausência de um mecanismo
962014.4.04. 7100/RS). próprio de supervisão e controle tem sido suprida pela ação das Cortes Interna-
Para reduzir a discriminação sofiida pelos refugiados na busca por uma vaga de emprego, por solicitação do CONARE, 0 MTE cionais, as quais têm contribuído não apenas para a responsabilização dos Estados
retirou da Carteira de Trabalho a indicação "refugiado". substituindo pela expressão "estrangeiro com base na Lei 9474/l 997"
quanto à violação dos direitos dos refugiados, mas, também, têm fixado importan-
" Nesse sentido, consultar também o Relatório de Pesquisa do Projeto "Pensando o Direito" do Ministério da Justiça, disponí-
vel em: http://pensando.mj.gov.br/publícacoes. te jurisprudência que estabelece um padrão de interpretação destas normas para os
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Estados que a elas se submetem. Todavia, a Convenção de 1951 e o Protocolo de política externa, em contraste com a percepção (equivocada) do impacto econô-
1967 carecem de um mecanismo próprio de enforcement. A exceção, conforme já mico negativo trazido por aqueles que apenas buscam melhor qualidade de vida 91 •
verificado, é a previsão contida no artigo 38 da Convenção que remete qualquer Por outro lado, quanto às normas regionais sobre refúgio, a situ;J.ção é dife-
controvérsia a respeito desta à jurisdição da Corte Internacional de Justiça. Porém, rente. O Brasil é parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e assumiu
a circunstância de jurisdição facultativa também recai sobre o Brasil87 • compromissos quanto às normas regionais sobre o tema, notadamente a Con-
No que se refere, porém, à proteção complementar, o Brasil comprome- venção Americana de Direitos Humanos, no que diz respeito ao direito a buscar
teu-se com quase todos os nove principais tratados do DIDH 88 elaborados no asilo, previsto no artigo 22 (além de normas que prescrevem direitos humanos
âmbito das Nações Unidas. Esses Tratados possuem mecanismos quasi-judiciais correlatos) 92 • Além disso, o país também Como Estado-parte do Sistema Interame-
(Comitês ou "Treaty Bodies") para a apuração de eventuais violações das nor- ricano de Direitos Humanos, o país pode responder por eventuais violações dessas
mas cometidas pelos Estados-partes. Esses mecanismos não possuem decisões de normas, seja no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (em
caráter vinculativo, porém tem a possibilidade de, por meio do mecanismo de âmbito político), seja pelo exercício da jurisdição contenciosa da Corte Interame-
"naming and shaming" 89, exercer pressão política sobre os Estados violadores, ricana de Direitos Humanos 93 • É importante mencionar, também, que a jurispru-
coibindo novas ações.Apesar de nenhum desses Comitês dedicarem-se especifica- dência da Corte e as Opiniões Consultivas por ela proferidas devem ser observadas
mente quanto ao DIR e, portanto, não podendo manifestar-se diretamente sobre como guias para a interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos,
o direito ao refúgio, estes organismos, conforme mencionado 90, já abordaram neste caso particular, no que se refere ao refúgio 94 •
indiretamente violações dos direitos humanos cometidas contra refugiados e so- As normas de Direito Internacional dos Refugiados, importante relembrar
licitantes de refúgio. Assim, eles podem se converter em um importante instru- neste ponto, estão inseridas no conjunto normativo do Direito Internacional dos
mento político de pressão sobre o Estado que eventualmente não der o devido Direitos Humanos lato sensu e, portanto, também quanto à responsabilidade do
Estado possuem características diferenciadas dos demais tratados de Direito In-
tratamento a esses indivíduos.
ternacional, os quais são caracterizados por obrigações recíprocas. As normas de
Porém, existem duas importantes exceções, ou seja, Tratados de Direitos
DIDH têm como intuito princípal a proteção dos direitos humano gerando, con-
Humanos não ratificados pelo Brasil: a Convenção sobre o Direito dos Trabalha-
forme afirma André de Carvalho Ramos 95, uma ordem legal internacional que visa
dores e Trabalhadores Migrantes e Suas Famílias, de 1990 e o Protocolo Adicional
beneficiar, acima de tudo, o indivíduo, excetuando a noção contratualista comum
ao Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais de 2013. O primeiro docu-
mento é um importante instrumento para garantir o direito das pessoas em mobi-
91
Essa diferença também se observa na legislação brasileira sobre refügio, considerada uma das mais avançadas do mundo. a
lidade; o segundo, mesmo tratando-se de documento que abrange indivíduos em qual contrasta com a legislação migratória brasileira, ainda datando da época da Ditadura Militar e que ainda não logrou uma
caráter universal, também seria uma oportunidade de cobrar a responsabilidade substituta mais adequada para nossos tempos e mais justa e humana em relação aos migrantes.
do Estado na garantia de direitos sociais a qualquer cidadão (seja nacional, mi- O Brasil também ratificou outras nonnas que compõem o Sistema lnteramericano de Direitos Humanos: o Protocolo de Adicio-
nal à Convenção Americana de Direitos Humanos, o Protocolo de San Salvador, de 1988 ( Decreto nº3.321 de 30 de dezembro
grante ou refugiado). Essas duas ausências demonstram o tratamento diferenciado
de 1999); Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, de 1990 (Decreto
que o Brasil estabelece entre o migrante econômico e o refugiado: o número bem nº 2.754 de 1998); Convenção lnteramericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985 (Decreto nº98.386 de 9 de dezembro
menor de refugiados em comparação com o número de migrantes econômicos, a de 1989); Convenção lnteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ou Convenção de Belém do
Pará, de 1994 (Decreto nºl.973 de I de agosto de 1996); Convenção lnteramericana para a Eliminação de todas as Fonnas de
percepção do caráter humanitário do acolhimento ao refugiado, associado à sua Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 1999 (Decreto nº3.956 de 8 de outubro de 2001 ).
Vale relembrar, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte lnteramericana de Direitos Humanos em 1998. Até o presente, o Brasil
Confonne já mencionado, não há até o presente momento, nenhum caso em que alguma controvérsia ou violação da Con- já foi processado cinco vezes perante a Corte: uma sentença improcedente, quanto ao Caso Nogueira de Carvalho e outros v. Brasil
venção de 1951 tenha sido levada à CIJ. A atitude dos Estados em preservar sua soberania quanto à questão do refügio, (Série C nºl61, sentença 2006); e quatro condenações: Caso Ximenes Lopes v. Brasil (Série C nºl49, sentença em 4 de julho de
enfraquece a possibilidade de que situação assim seja levada à Corte, o que criaria importante e, possivelmente, indesejável 2006); Caso Escher e outros v. Brasil (Série C n"208, sentença em 20 de setembro de 2009); Caso Garibaldi v. Brasil (Série C nº
precedente para os Estados perante a manifestação de um órgão internacional de jurisdição obrigatória. Por outro lado, o 203, 23 de setembro de 2009): Caso Gomes Lund e outros b. Brasil (Série C, nº219, sentença em 24 de novembro de 20IO). Re-
Brasil também não assumiu nenhum outro compromisso bilateral ou multilateral com outros Estados, que venha possibilitar centemente, a Comissão lnteramericana encaminhou à Corte mais dois casos contra o Brasil, que ainda não foram julgados: Cosme
a incidência da jurisdição da Corte sobre o tema. Rosa Genoveva, Evandro de Oliveira e outros v. Brasil (Caso "Favela Nova Brasília"), caso 11.566, encaminhado em 19 de maio de
Vide nota: 885. 2015; e Traballmdores da Fazenda Brasil Verde v. Brasil, caso 12.066, encaminhado em 6 de março de 2015.
9-1
Esses mecanismos sofrem criticas quanto à sua legitimidade e efetividade. mas têm se tomado instrumentos possíveis Nesse ponto, é importante reportar a jurisprudência da Corte lnteramericana quanto ao caso Familia Pacheco Tineo v. Bo-
de denúncia de violações de direitos humanos. Seu grande enclave, contudo, não está na denúncia ou na visibilidade lívia, de 2013. Na decisão, a Corte interpreta a Convenção Americana, em especial a previsão do artigo 22 que trata sobre
da violação, o que talvez seja sua principal contribuição, mas na implementação das suas recomendações pelo Estado asilo, em consonãncia com a Convenção de 1951. que versa sobre refügio. Entende-se que essa perspectiva, indica uma
violador. Esses mecanismos carecem de mais apoio por parte dos demais órgãos das Nações Unidas (em especial o Con- tentativa de hannonização do tratamento dado aos dois institutos. que são tratados de forma diversa na tradição latino-ame-
ricana. (Vide Capitulo 3). Além disso, reforça-se a importãncia da Opinião Consultiva nºl8, sobre os migrantes irregulares,
selho de Segurança) para que pudessem desempenhar papel mais robusto na proteção dos direitos humanos. (Ver mais
em: KELLER, Helen e ULFSTEIN, Geir. UN Human Rights Treaty Bodies: law and legitimacy. Cambridge: Cambridge e, também, a Opinião Consultiva n"2 I sobre as crianças migrantes, da qual o Brasil foi um dos solicitantes.
CARVALHO RAMOS, André. Responsabilidade Internacional do Estado por Violação dos Direitos Humanos. Rio de
University Press, 2012).
Janeiro: Renovar, 2004, p. 3 7.
Vid Capitulo 4 sobre a proteção complementar advinda dos Tratados de DIDH stricto sensu.
DIREITO ll'ITERNACIONAL OOS REFLGI..\IJOS: Novo PARADIG:VIA JURÍOICO 271
270 ~li------------------------------H:..:::.EL=I=S~~N~'E~M..:.::.:A:..:.:::HLKE~·

aos demais tratados de Direito Internacional, cuja natureza sinalagmática destina- Já quanto à ação do Poder Legislativo, a responsabilidade do Estado pode
-se à busca dos interesses materiais do Estado. Trata-se, de obrigação objetiva para se manifestar caso sejam elaboradas e aprovadas normas que sejam contrárias ao
com a comunidade internacional, quanto a um de seus princípios que é a proteção DIR, ou que inviabilizem a aplicação de suas normas, obstaculizando, assim, a
dos direitos humanos, e não entre as partes do Tratado. efetiva proteção dos refugiados em território nacional. Importante referir que,
Diante dos compromissos assumidos pelo Brasil, cabe esclarecer que a respon- essa perspectiva também é parte da conduta exigida dos Estados perante o Di-
sabilidade internacional do Estado por violações de direitos humanos pode se dar reito Internacional, o qual estabelece que cabe ao Estado observar e cumprir as
por ação de qualquer órgão do Estado que esteja investido de função oficial96 : i) normas às quais se comprometeu, não podendo alegar óbices legislativos inter-
por ação ou omissão do Poder Executivo, o qual representa a forma mais direta do nos para descumprir tais disposições 105 • Tal perspectiva remete à discussão sobre
poder do Estado; ii) por ação do Poder Legislativo ao elaborar e aprovar normas, a relação entre normas nacionais e internacionais 106 • O Direito Internacional vê
a qual também é uma manifestação do poder do Estado, que possam contrariar as o Direito Nacional como mero fato 107 • Porém, quanto ao Direito Nacional, essa
disposições do Direito Internacional; iii) por ação do Poder Judiciário, no que tan- relação está atrelada à hierarquia das normas no ordenamento jurídico pátrio e
ge à denegação de justiça, ao proferir decisões que contrariem as normas do Direito uma norma internacional jamais poderia sobrepor-se aos preceitos Constitucio-
Internacional, neste caso, não sendo suficiente alegar a independência soberana do nais, no máximo atingiria a equivalência 108• Esse debate acirrado entre internacio-
Poder Judiciário para justifica-la97 • nalistas e constitucionalistas é longo e povoado por contundentes argumentos de
ambos os lados sobre qual norma deve prevalecer, em geral envolvendo discus-
Assim, estritamente quanto ao DIR, a responsabilidade do Poder Executivo por
sões sobre a soberania e legitimidade. Para o escopo desta obra, defende-se que
eventual violação de suas normas pode ocorrer: i) quando os agentes do Estado não
não cabe ao Estado comprometer-se com norma internacional para depois não
garantirem ao solicitante de refúgio a possibilidade fazer o pedido98 e fornecerem-lhe
cumpri-la, o que representaria uma incongruência com os propósitos da política
o tratamento adequado enquanto seu pedido é analisado 99; ii) quando o solicitante de
internacional e uma total irresponsabilidade do Estado perante a comunidade
refúgio for indevidamente deportado ou expulso, em flagrante violação do princípio
internacional da qual faz parte.
do non-refoulement100; iii) quando não for garantido um procedimento de determi-
nação do status de refugiado que seja justo e legalmente estabelecido 101 ; iv) pelo não
105
Vide artigo 27 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.
reconhecimento indevido de refugiado que deveria ter sido reconhecido como tal1º2; IU6
Importante mencionar a Opinião Consultiva nºl4 da Corte lnteramericana de Direitos Humanos que versa sobre a relação
v) quando não garantir aos refugiados o acesso a direitos básicos para uma vida dig- entre as normas internacionais e as normas nacionais. A solicitação de Opinião Consultiva foi encaminhada pela Comissão
na103; vi) por atitude discriminatória 104 . lnteramericana de Direitos Humanos, a situação motivadora da manifestação da Corte refere-se à norma da Constituição
Peruana sobre a pena de morte, a qual contrariava disposição da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão
questionou a Corte sobre qual seria a responsabilidade dos agentes de Estado- parte da Convenção, que agem a partir de

CROWFORD. James. Commentary to the ILC Articles on Responsibility of States for lnternarionally Wrongful Acts, ILC lei promulgada, mas que constitui flagrante violação da Convenção. Nesse caso, a Corte concluiu que tal situação constitui
Ybk 2001/11(2) 31, ln CROWFORD, James. (ed) Toe International Law Commission·s Articles on State Responsilibility: violação da Convenção Americana de Direitos Humano e. portanto, gera a responsabilidade internacional do Estado. O
lntroduction, Texr and Commentaries. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, art 4, §5º. Brasil manifestou-se quanto à questão, e em seus argumentos sustentou que a situação deveria ser considerada a partir da

Além da possibilidade de violação do Direito Internacional pela atuação dos três Poderes, o Estado também pode responder compreensão que cada Estado possui diante da hierarquia das normas. A posição brasileira representa uma dicotomia em
por ações de outros órgãos aos quais tenha delegado competência para agir em seu nome ( entidades exercendo autoridade relação aos princípios do Direito Internacional e quanto às normas às quais o país se comprometeu. (Para inteiro teor, con-
governamental; no caso de atos ultra ,•ires ou aros de indivíduo a serviço do Estado). Além disso, o Estado também não pode sultar: http://www.corteidh.or.cr/docsiopiniones/seriea_l4_esp.pdt).
IU7
eximir-se de responsabilidade por ato praticado por entidades e organismos estaduais ou municipais. (CROWFORD, James. ·'from the standpoint oflnternational Law and ofthe Courtwhich is its organ, municipal laws are merely facts which express

State Responsibility: the general part Cambridge Studies in lnternational and Comparative Law. Cambridge: Cambridge lhe will and constitute the activities of Stares. in the sarne manner as do legal decisions or adminisrrative measures." No
Univerity Press, 2013, pp.I 19-137). caso, a Corte também menciona que não lhe cabe interpretar a lei nacional (Polonesa), mas que nada lhe impede de julgar se
Previsto artigo 22. 7 Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 1º da Convenção de 195 I. ao aplicar a lei nacional. o Estado não estaria violando o compromisso assumido com outro Estado. (Vide Decisão da Corte
Segundo artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos. Permanente Internacional de Justiça no Caso "Certain German lnterests in Polish Upper Silesia" (Série A, nº7), julgamento
100
Segundo artigo 22.8 da Convenção Americana de Direitos Humanos e artigo 33 da Convenção de 1951. em 25 de maio de 1926, p.19).
!UI
Segundo artigo 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos. No que se refere à hierarquia das normas internacionais, existem três diferentes níveis de relação com o ordenamento

Previsto no artigo lº da Convenção 1951 e artigo 22.7 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Essa questão, jurídico brasileiro. Primeiro, os tratados de Direito Internacional em geral possuem o mesmo status normativo das Leis

contudo, é controversa: a Corte lnteramericana decidiu que não lhe cabe interferir na elegibilidade dos Estados quanto ao Ordinárias, portanto podem ser revogados por norma ordinária posterior. Porém, quanto aos tratados que versam sobre

reconhecimento do status de refugiado (cf. Caso Familia Pacheco Tineo v. Bolívia, de 2013). Contudo, entende-se que, por Direitos Humanos, vigora a "Teoria do Duplo Estatuto", na qual os tratados internacionais sobre a matéria adquirem dife-

tratar-se de um direito previsto pela Convenção, a Corte teria competência para pronunciar-se sobre o reconhecimento ou rente hierarquia dependendo do rito pelo qual foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Essa definição foi

não reconhecimento indevido do status de refugiado. estabelecida após a EC nº45/2004 que inclui o §3º ao artigo 5" que determina: "Os tratados e convenções internacionais
101
Perante a Convenção Americana de Direitos Humanos: art.4 (direito ávida), artigo 5 (direito á integridade pessoal); artigo sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos

17 (proteção à família); art. 18 (proteção da criança). Quanto à Convenção de 1951: artigos 17 a 19 (sobre exercício da pro- votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Assim, os tratados que forem aprovados

fissão); artigo 21 (moradia); artigo 22 (educação); artigo 23 (assistência pública); artigo 24 (trabalho e previdência social), segundo o rito especial previsto pelo §3º do artigo 5" terão equivalência constitucional. Já os demais tratados de Direitos

estes artigos não impõem ao Estado o direito de garantir especificamente aos refugiados estes direitos, mas que estes sejam Humanos aprovados pelo rito ordinário terão natureza supralegal (acima das leis ordinárias, porém abaixo da CF). Essa
interpretação foi estabelecida pelo STF no RE 466.343, Relator Min. Cesar Pelluso, julgamento em 3 de dezembro de
disponibilizados aos refugiados em igualdade com os nacionais e demais estrangeiros residentes no país.
104
Segundo artigo Iº da Convenção Americana de Diretos Humanos e artigo 3" da Convenção de 1951.6 2008, DJe de 5 de junho de 2009.
272 -;--------------------------=-==:....=..:.:..:..:.=::: Novo
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFt:GI.-\.DOS: PARADIG~IA JURÍDICO 273
HELISANE MWLKE
------------------------------------+
Por fim, quanto ao Poder Judiciário, este pode causar a responsabilidade inter- dos Estados, para a fiscalização e controle dessas Convenções, dando-lhes a real
nacional do Estado quanto à violação das normas sobre refugio, pela denegação de efetividade. Assim, são as Cortes Internacionais as intérpretes legítimas das normas
justiça, ao quando proferir decisão que não reconheça os direitos que são garantidos internacionais que são abarcadas pela sua competência. Assim, em casp de diver-
aos refugiados pelas normas internacionais, ou quando tais decisões obstaculizem 0 gência, deve prevalecer à interpretação dada pelas Cortes Internacionais.
acesso a estes direitos. Essas decisões podem ser proferidas a partir da interpretação Alguns entendem que a decisão das Cortes Nacionais, em especial a Corte
da legislação nacional (Lei 9474/1997), da Constituição Federal, ou das Conven- Constitucional (STF) é uma representação da soberania do Estado, exercendo seu
ções Internacionais ratificadas e incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, as direito jurisdicional. Nesse sentido, em caso de divergência, deveria prevalecer a
quais contrariem a norma ou a jurisprudência internacional sobre o tema. interpretação e consequente decisão nacional sobre o tema. Entende-se, contudo,
Importante ressaltar que a obrigação primária é do Estado em fazer cumprir que a conformidade do Estado com as normas internacionais implica, também,
as normas internacionais, a jurisdição das Cortes internacionais é complementar que este abrace a interpretação destas normas tal qual estabelecida pelas Cortes
à jurisdição nacional 109 • Todavia, quando este não cumpre com esse compromisso, Internacionais, que são as intérpretes legítimas do Direito Internacional. Portanto,
violando os_direitos humanos daqueles a quem se comprometeu a proteger, emerge entende-se que as Cortes Nacionais exercem o que se convenciona chamar de "con-
o processo mternacional de direitos humanos e a atuação das Cortes Internacio- trole primário de convencionalidade", como parte da ação do Estado em cumpri-
nais na apuração da responsabilidade do Estado pela violação destes direitos. mento às normas às quais se comprometeu. Contudo, são as Cortes Internacionais
Segundo Eduardo Ferrer Mac-Gregor 110, é necessário recordar que a Corte que realizam o que se convenciona chamar de "controle legítimo de convenciona-
Interamericana tem considerado que se o Estado violou suas obrigações internacio- lidade", por caber a estas "dizer o Direito Internacional", segundo a competência
nais em virtude da atuação de seus órgãos judiciais, cabe à Corte examinar os res- que lhes foi conferida pelos próprios Estados-partes 112 •
pectivos processos internos para verificar sua compatibilidade com a Convencão A responsabilidade do Estado perante o Direito Internacional dos Refugiados
Amer~cana, inclusive as decisões provenientes dos Tribunais Superioresm. , é um dos elementos essenciais do novo paradigma jurídico da proteção aos refugia-
E importante esclarecer que, diante da responsabilidade do Estado, as Cor- dos. Essa responsabilidade decorre, primordialmente, de outro elemento essencial
tes Nacionais, em observância ao conjunto normativo do Direito Internacional ao novo paradigma, o reconhecimento de que o refugio é um direito que deve ser
devem aplicar os Tratados Internacionais aos quais o país se comprometeu. Ness; reconhecido pelo Estado e não concedido como um ato discricionário vinculado
aspecto, as Cortes Nacionais também realizam uma análise de compatibilidade da à sua política externa. A jurisprudência das Cortes, conforme analisado no Capí-
conduta do Estado com tais Convenções. Essa análise é chamada pela doutrina de tulo 3, estabelece parâmetros para um tratamento adequado ao refugiado e sobre
"c~~trole de convencionalidade", no qual as Cortes Nacionais acabam por impri- os parâmetros de justiça e legalidade do processo de reconhecimento do status de
m1r mterpretação própria acerca das normas internacionais. refugiado. O Brasil, como parte do Sistema Interamericano, deve observar esses
Todavia, apesar dessa atuação estar em acordo com o que se espera das Cortes parâmetros, sob a possibilidade de ser responsabilizado internacionalmente. Sem
Nacio~ais, em cumprimento ao Direito Internacional, por vezes a interpretação dúvida, o papel das Cortes Internacionais tem sido o principal instrumento de "in-
confenda por estas difere daquela estabelecida pelos standards fixados pelas Cortes ternacionalização do refúgio" que leva à sua consolidação para além dos interesses
Internacionais. Nesse caso, instaura-se o intenso debate doutrinário sobre quem seletivos dos Estados, protegendo os direitos dos indivíduos.
seria o intérprete legítimo de tais normas e, portanto, detentor da "palavra final"
sobre sua interpretação e aplicação. li:?
Outras denominações são utilizadas pela doutrina. Eduardo Ferrer Mac-Gregor denomina de '"controle difuso de con-
vencionalidade" aquele realizado pelos juízes nacionais e ·•controle concentrado de convencionalidade" aquele realizado
Ao analisar a responsabilidade do Estado, o controle de convencionalidade pelas Cortes Internacionais. Mac-Gregor explica que o controle concentrado emerge da força nonnativa convencional
também é exercido pelas Cortes Internacionais, como intérpretes das Convenções que se estende aos critérios jurisprudenciais emitidos pelo órgão internacional que os interpreta. Já o controle difuso, é
Internacionais sobre as quais recaem sua competência e o exercício de sua jurisdi- uma manifestação da constitucionalização do Direito Internacional e consiste no dever dos juízes nacionais em realizar
um exame de compatibilidade entre as disposições e atos internos que se aplicam a detenninado caso concreto, com os
ção. As Cortes Internacionais são organismos especialmente criados, pela anuência
tratados e a jurisprudência internacional. (MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. El Contrai Difuso de Convencionalidad en
el Estado Constitucional. UNAM -Instituto de lnvestigaciones Juridicas. 2010). Já André de Carvalho Ramos denomina
'°'
110
Ver mais em CARVALHO RA!v!OS, André de. Processo Internacional de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 4' ed., 2015. o controle de convencionalidade de matriz nacional como ·'provisório" e o controle de convenconalidade de matriz inter-
Porém. segundo o juiz da Corte lnteramericana, isso não significa que a Corte atue como uma '"Quarta Instância" revisando nacional, como '"definitivo". pois cabe às Cortes Internacionais manter a coesão do Direito Internacional, hannonizando
as decisões dos Tribunais nacionais. (MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Reflexiones sobre el Control Difuso de Convencio- a interpretação entre os Estados. O autor estabelece algumas diferenças cruciais quanto a ambos. Primeiro, a hierarquia
nalidad. Texto reproduzindo o voto emitido na qualidade de juiz ad hoc da Cone Interamericana de Direitos Humanos no do que o autor chama de "nonna paramétrica" varia. No Direito Internacional trata-se de um Tratado, respeitando-se a
Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores v. México, sentença de 26 de novembro de 2010, p291). primazia do Direito internacional. No controle de convencionalidade nacional, a hierarquia do tratado irá depender do
Ili
Cf. Caso "Niiios de Ia Calle" (Villagr6n Morales e outros) v. Guatemala, Sentença de 19 de novembro de 1999 (Série c, que estabelece o próprio direito pátrio. ou seja, "o controle de convencionalidade de matriz nacional é, na realidade, um
nº63, §222): Caso Escher e outros v. Brasil. sentença de 6 de julho de 2009 (Série C nº200); Caso Cadogan v. Barbados, controle nacional de legalidade. supralegalidade ou constitucionalidade. a depender do estatuto dado aos tratados incor-
sentença de 24 de setembro de 2009 (Série C nº204, § 12); Caso Gomes Lund e outros v. Brasil ("Guerrilha do Araguaia"), porados pelo direito interno. (CARVALHO RAMOS, André de. Pluralidade das Ordens Jurídicas: a relação do direito
sentença de 24 de novembro de 2010, §49. brasileiro com o direito internacional. Curitiba: Editora Juruá, 2012, p.58).
_D_1RE_IT_o_lN_IT_Eru_N_A_CI_ON_'A_L_o_os_RE_F_CG_I_AD_O_s_:N_o_,_'O_P_AIL_~_o_1G_M_A_Ju_ru_o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _-l- 275
274 -1---------------------------H~E~L~IS~AN~'E~M~A=HL=KE

6.5. PELA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO DE solicitantes de refúgio, sobretudo em zona de fronteira, e coibidas as atitudes que
PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS criminalizem o solicitante e obstaculizem seu legítimo direito de solicitar refúgio.
Segundo, a responsabilidade do Estado não se resume ao acolhimento, mas
Diante da análise feita, observa-se que existe a urgente necessidade de aprimo- também quanto à implantação das soluções duradouras, em especial a integração.
ramento do sistema nacional de proteção, o qual se mostra insuficiente para aten- O Estado não se exime da responsabilidade, delegando essas ações à sociedade civil
der a demanda de solicitantes de refúgio e o acolhimento dos refugiados que bus- ou à ajuda internacional vinda por meio do ACNUR. A reponsabilidade persiste,
cam o país para pedir proteção. Conforme demonstrado, o modelo nacional está pois cabe ao Estado promover políticas públicas que auxiliem na integração e ações
em dissonância com os compromissos assumidos pelo Brasil em relação ao DIR e que propiciem o tratamento igualitário entre refugiados e nacionais, especialmente
com os standards estabelecidos pela jurisprudência internacional sobre como este quanto ao acesso a direitos.
deve ser aplicado. Evidencia-se uma incongruência entre o discurso e a prática no Terceiro, justamente quanto ao acesso a direitos, cabe ao Estado garanti-los,
que tange ao Direito Internacional dos Refugiados e à política externa brasileira porém, caso o Estado falhe no cumprimento dessa responsabilidade, deve ser pro-
sobre Direitos Humanos como um todo: o Estado Brasileiro ratifica tratados inter- piciado ao refugiado o acesso à justiça, para que reivindique os direitos que lhe
nacionais sobre o tema, porém não é capaz de dar-lhes efetividade. cabem. Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário, como guardião da lei, agir para
Na verdade, a retórica diante dos organismos internacionais é parte da políti- cobrar o respeito à Legislação Nacional, em especial as disposições Constitucio-
ca externa do país, assim como a ratificação dos instrumentos nacionais representa nais, com, também, o cumprimento das normas internacionais incorporadas ao
um sinal de compliance quanto ao tema. Mas, ela não se traduz na prática, pois ao ordenamento jurídico brasileiro.
contrário do discurso das autoridades brasileiras e do que determina a Constitui- Quarto, nesse mesmo espírito, é fundamental reconhecer que o refúgio é um
ção Federal, o refúgio ainda não é uma política de Estado. direito do indivíduo, no qual o Estado reconhece o status de refugiado mediante um
Assim, pode-se concluir, a partir das considerações feitas anteriormente, que ato declaratório. Não se trata de ato constitutivo ou discricionário, mas um compro-
o modelo de proteção ao refugiado adotado pelo Brasil é incompatível com as nor- misso do Estado com as normas internacionais e nacionais à quais sua conduta se
mas internacionais às quais o país se comprometeu: a) pela ausência de uma estru- submete. Sendo assim, perante a justiça nacional, entende-se que cabe ao Supremo
tura adequada ao acolhimento e eventual integração do refugiado na comunidade Tribunal Federal a competência para revisar a decisão do CONARE que, eventual-
local; b) pela forma como é conduzido o processo de determinação do status de mente, tenha reconhecido ou não reconhecido indevidamente o status de refugiado.
refugiado e pelo tratamento dispensado ao solicitante; c) pelo não reconhecimento Quinto, caso os Poderes do Estado tenham falhado em fazer cumprir as
dos direitos inerentes à condição de refugiado. normas internacionais sobre o DIR ou as normas de DIDH correlatas, cabe a res-
Evidentemente, não se ignora os desafios impostos para o cumprimento des- ponsabilização deste, seja perante os mecanismos políticos, ou quasi-judiciais, mas
sas normas, nem o fato de que esforços têm sido feitos para buscar o aprimoramen- sobretudo perante às Cortes Internacionais cuja jurisdição o país reconhece como
to do sistema nacional de proteção. Porém, esses esforços nunca serão suficientes obrigatórias (notadamente, a Corte lnteramericana de Direitos Humanos).
se eles forem simplesmente fruto de ações pontuais, bem intencionadas, mas que Sexto, por fim, não basta que o Estado Brasileiro ratifique as normas inter-
não representam uma verdadeira mudança de paradigma em relação ao direito dos nacionais, para posteriormente, dar a elas uma interpretação convenientemente
refugiados: de um paradigma nacionalista, baseado no interesse do Estado como própria. É necessário que a interpretação e aplicação dessas normas estejam em
elemento predominante na aplicação e interpretação das normas sobre refúgio; consonância com os standards estabelecidos pelas Cortes Internacionais, legítimas
para um paradigma jusinternacionalista que afirma a proteção dos direitos do intérpretes do Direito Internacional. Nesse sentido, também é imprescindível para
refugiado como seu fundamento. a afirmação do Direito Internacional dos Refugiados, que as Cortes Nacionais
Essa mudança de paradigma implica necessariamente uma revisão do modelo abracem essa interpretação, mantendo a harmonia entre as ordens jurídicas, de
nacional de proteção. Reitera-se, portanto, a necessidade de buscar coerência na modo a fortalecer o regime internacional do refúgio.
implementação do Direito Internacional dos Refugiados, identificando os instru- Conforme discutido dos Capítulos 1 e 2, o modelo atual da proteção aos
mentos capazes de promover uma harmonização entre as normas internacionais e refugiados é fragmentado e nacionalista, pois apesar de existirem Convenções In-
nacionais. Para tanto, propõe-se alguns pontos essenciais para a construção de um ternacionais que afirmam o direito dos refugiados, mesmo os Estados que as rati-
modelo que esteja em consonância com o novo paradigma jurídico da proteção ficaram desenvolvem uma interpretação própria quanto ao sentido e aplicação de
internacional dos refugiados. suas normas. O novo paradigma jurídico da proteção internacional aos refugiados
Primeiro, a estrutura de acolhimento deve estar embasada nos princípios in- emerge a partir da jurisprudência das Cortes Internacionais, que na falta de um
ternacionais tanto do DIR quanto o DIDH, notadamente, o princípio do non- mecanismo próprio de supervisão e controle para o DIR, tem cumprido o papel de
-refoulement. Nesse sentido, deve ser revista a forma de tratamento dispensada aos cobrar a responsabilidade dos Estados quanto ao refúgio.
276 1 füUSANE MAHLKE

O Brasil está inserido dentro dessa ordem internacional e a ela responde


como membro da comunidade de Estados. Segundo a observação de Paulo Borba
Casella 11 3, não se pode desprender a análise do fenômeno dos refugiados do cená-
rio mundial, no qual se insere, o qual é menos generoso em conjunturas de crise.
Por essa razão, segundo Casella, deve ser tratada ou quiçá solucionada, em termos
internacionais. As soluções nacionais são claramente limitadas, em razão do al-
cance de sua jurisdição, mas elas compõem um quadro necessário de cooperação CONCLUSÃO
diante dessa crise sem precedentes, que supera o pós Segunda Guerra, e que torna
imprescindível a participação dos Estados em conjunto com as instituições in-
ternacionais (intergovernamentais e não-governamentais) para encontrar soluções
coerentes, justas e humanas. Além disso, é o Estado o detentor da responsabilidade
primária em respeitar os direitos humanos daqueles que estejam sob sua jurisdição. A reflexão desenvolvida neste estudo partiu do princípio de que há uma crise
Entende-se que o Estado Brasileiro pode exercer um importante papel na proteção no atual modelo de proteção aos refugiados, o qual é caracterizado pela sua insu-
internacional dos refugiados, além do que já exerce na região. ficiência diante da atual demanda, pela fragmentação de suas iniciativas políticas
Diante do agravamento dessa situação, como construir um ambiente político e normativas. Diante dessa realidade buscou-se compreender como se estabeleceu
e jurídico que favoreça a proteção integral dos refugiados? Contudo, verifica-se a o modelo atual, a partir da evolução do seu marco normativo e institucional, de
existência de um problema crucial: a ação fragmentária e nacionalista a respeito do sua estrutura política e operacional e de sua atuação na proteção dos refugiados,
que é a proteção ao refugiado, seja na interpretação local das normas nacionais, no para poder identificar os motivos dessa construção. Fundamental, foi analisar de-
estabelecimento de legislações e mecanismos próprios de reconhecimento do status tidamente o mandato do ACNUR como órgão encarregado da coordenação e
de refugiado e da implementação da política de proteção. supervisão do Direito Internacional dos Refugiados.
Para que haja uma efetiva proteção há a necessidade de uniformização não Após a descrição dos fundamentos e características do modelo atual de pro-
apenas das leis, mas da interpretação dada aos critérios previstos na Convenção de teção, passou-se a analisar profundamente os motivos que levaram ao seu esgota-
1951 e nos demais documentos. Há a necessidade de estabelecer um diálogo entre mento: como a complexidade da mobilidade humana contemporânea, expressa na
as instâncias internas e internacionais. E, principalmente, que se consolide uma intersecção entre suas diferentes faces, ou os fluxos mistos. Também se analisou
ordem normativa que evite a discricionariedade dos Estados. O Brasil, por ser parte o fenômeno da nacionalização da proteção ao refugiado, que é marcada por uma
dos principais mecanismos de proteção aos direitos humanos (notadamente o ln- apropriação do refúgio pelos interesses políticos, descaracterizando a natureza jurí-
teramericano) e ter acordado em observar as normas do DIR, é parte dessa ordem. dica do instituto. Essa perspectiva leva, como se observou, a afirmação de políticas
A arquitetura de um modelo de proteção mais justo e efetivo, passa pela sua migratórias seletivas e restritivas e à politização do refúgio como instrumento da
internacionalização e pela superação do discurso soberanista que impõe "barreiras política externa dos Estados. Nessa mesma direção, verificou-se as medidas, nem
invisíveis" à proteção, como a ineficiência, a falta de vontade política, a discrimina- sempre adequadas do ponto de vista da proteção dos refugiados, utilizadas pelos
ção seletiva, e a interpretação restritiva quanto aos direitos do refugiado. É necessá- Estados para a gestão do fluxo migratório.
rio superar a estrutura anacrônica e estabelecer políticas efetivas e coerentes com as Em virtude da análise feita na Primeira Parte deste estudo, a qual aponta para
necessidades atuais da mobilidade humana, de modo que a expressão "Brasil, país o esgotamento do modelo atual de proteção, especialmente quanto ao seu objetivo
de acolhimento" não seja apenas retórica. primordial que é a proteção efetiva do refugiado, constatou-se a necessidade de mu-
dança de paradigma quanto ao refúgio. Assim, a Segunda Parte dedicou-se a ana-
lisar a construção de um novo paradigma jurídico da proteção internacional dos
refugiados. Observou-se que esse paradigma foi forjado a partir de uma construção
jurisprudencial e doutrinária que aponta para a internacionalização do refúgio.
Colheu-se informações sobre a manifestação das Cortes Internacionais nos dife-
rentes sistemas jurídicos sobre o tema, analisando como cada um construiu seus
mecanismos próprios de proteção aos refugiados. Observou-se que, diante do fato
de que o Direito Internacional dos Refugiados não conta com um mecanismo pró-
"' CASELLA, Paulo Borba. Refugiados: conceito e extensão. ln ARAÚJO, Nádia, e ALMEIDA, Guilhenne Assis de. (org.) o
prio de supervisão e controle, as Cortes Internacionais vem cumprindo esse papel,
Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p.25. estabelecendo standards internacionais de interpretação das normas sobre refúgio.
278 ,_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _____:_H~E~Ll~SAN:.:::.:.::'E~M~A~HLKE'.::::_' _D_1RE_rr_o_lNT_E_ru_N_Ac_1o_N_'A_L_oo_s~RE_FL_'G_IA_Do_s:_N_o_v_o_~.\R_A_DI_G._MA_Ju_ru_o_1c_o_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _-l- 279
4

Com base nessa análise, pode-se construir uma reflexão sobre os fundamentos normativo nacional sobre refúgio, apontando não apenas as normas internacionais
teóricos e normativos sobre o novo paradigma jurídico da proteção internacional ratificadas pelo Brasil, mas também as previsões constitucionais sobre o tema, e,
dos refugiados. Observou-se, que o Direito Internacional dos Refugiados, apesar de principalmente a elaboração do Estatuto do Refugiado (a Lei 9474/1997), analisan-
ser um conjunto normativo especial, está inserido dentro de um contexto jurídico do suas características, suas qualidades e suas falhas.
mais amplo, que lhe faz estabelecer uma relação de especialidade e de complemen- A partir da Lei, estabeleceu-se a estrutura tripartite que compõe o sistema
taridade com outras normas do Direito Internacional. Essa premissa impõe que 0 nacional de proteção. Compreender o funcionamento dessa estrutura foi essencial
Direito Internacional dos Refugiados seja interpretado em conjunto com outras para determinar as características do modelo nacional de proteção e, posteriormen-
normas, respeitando o fato de que toda norma deve ser compreendida a partir do te, tecer considerações críticas sobre ele. No âmbito da estrutura tripartite, foi ava-
contexto jurídico no qual ela está inserida. Para tanto, foi fundamental identificar liada a atuação de cada um de seus elementos integradores: i) o CONARE, órgão
e classificar as fontes do Direito Internacional dos Refugiados e analisar como elas deliberativo e colegiado especialmente criado para a condução da política nacional
se relacionam com as demais fontes do Direito Internacional. sobre refúgio e para conduzir o processo de reconhecimento do status de refugia-
Essa relação entre as fontes também está ancorada na concepção das "três ver- do. ii) o ACNUR e sua atuação no Brasil. iii) E a participação da sociedade civil,
tentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos lato sensu", que compreen- partícipe essencial na assistência e proteção dos refugiados. A análise do sistema
dem o Direito Internacional dos Direitos Humanos stricto sensu, o Direito Interna- nacional de proteção não estaria completa sem a avaliação da implementação das
cional Humanitário e o Direito Internacional dos Refugiados. Essa relacão entre elas soluções duradouras, requisito essencial para o efetivo cumprimento das normas
aponta para conv~rgências e para a complementaridade entre elas, faze;do com que internacionais sobre refúgio: a repatriação, a integração local e o reassentamento.
as normas provementes das demais vertentes do Direito Internacional dos Direitos Compreender as origens, estrutura e funcionamento do sistema nacional de
Humanos possam abarcar situações não contempladas pelas normas do Direito In- proteção permitiu tecer uma análise crítica sobre ele, com o objetivo de, ao apontar
ternacional dos Refugiados, ampliando, assim, a possibilidade de proteção. suas deficiências, contribuir para seu aperfeiçoamento. Assim, iniciou-se com uma
, A apl!cação da ~roteção complementar é parte do novo paradigma jurídico que reflexão acerca da estrutura de proteção, desde o acolhimento até a integração, veri-
e estabelecido, essencialmente, a partir do papel das Cortes Internacionais na inter- ficando que ela é insuficiente e inadequada para atender o fluxo de refugiados que
pretação e aplicação de normas. Por essa razão, também se entendeu ser fundamental se destinam ao país. Posteriormente, era fundamental também analisar de forma
discutir o papel das Cortes Internacionais e a relação entre as diversas ordens jurídi- crítica o processo de reconhecimento do status de refugiado, apontando suas falhas
cas, a~sim como a legitimidade destas para estabelecerem um padrão de interpretação e incongruências à luz da legislação nacional e internacional.
que_ vmcula os Estados e estabelece sua responsabilidade para com a proteção inter- Porém, observou-se, também, a tendência emergente da judicialização do refú-
nacional dos refugiados e dos direitos humanos, em nível mais amplo. gio a qual é parte do debate sobre a ação do Poder Judiciário em áreas que perten-
Dessa reflexão, resultou a proposta do que se convencionou chamar de "novo cem, essencialmente, à competência dos outros Poderes da República. Observou-se
paradigma jurídico da proteção dos refugiados", cujas características podem ser su- que o papel do Poder Judiciário é essencial na efetivação dos direitos dos refugia-
ma,ri~ada: como: i) a compreensão de que o Direito Internacional dos Refugiados dos, agindo na falha do Estado e cobrando a responsabilidade deste pelo compro-
esta msendo em um contexto normativo mais amplo, que é o Direito Internacio- misso assumido em garanti-los. Mas, também, a judicialização do refúgio se expres-
nal dos Direitos Humanos lato sensu, informando e sendo informado por ele. ii) sa na possibilidade do Supremo Tribunal Federal revisar as decisões do CONARE
que_ o novo ~ara~igma jurídico jusinternacionalista pressupõe a superação do pa- (ou do Ministro da Justiça, em grau de recurso). A possibilidade do judicial review
radigma nacionalista, estabelecendo como parâmetro de interpretação e aplicação é fruto da competência do Supremo Tribunal Federal, como Corte máxima, zelar
das normas sobre refúgio, aquele cunhado pelas Cortes Internacionais. iii) Desse pela efetividade, não apenas das normas constitucionais, da legalidade do processo
paradigma jusinternacionalista decorre a responsabilidade do Estado em relacão 0
administrativo, pela adequada interpretação e aplicação do Estatuto do Refugiado
ao Di_rei_to Internaci~nal dos Refugiados, pautada na concepção de que o refúgi o é e, sobretudo, das normas internacionais que o Brasil ratificou e incorporou ao seu
um direito reconhecido e declarado pelo Estado, em conformidade com as normas ordenamento jurídico.
com as normas com as quais se comprometeu. Reconhecendo que o refúgio é um direito do indivíduo e não uma prer-
Apó_s estabelecer as características do novo paradigma jurídico da proteção rogativa do Estado, verificou-se também, que a não observância deste direito
ao_s _refugiados, voltou-se o olhar para o modelo nacional de proteção. Primeiro, ou das condições que possibilitam o direito de solicitá-lo, implicam na respon-
foi importante analisar a evolução da proteção aos refugiados no Brasil, desde 0 sabilidade internacional do Estado. Nesse sentido, foram analisados os fóruns
início do século XX até os dias atuais. Essa análise demonstrou as raízes do modelo internacionais nos quais o país pode responder pela eventual violação dos direi-
nacional de proteção e como o refúgio relacionou-se com as mudancas no contexto tos humanos dos refugiados, em especial o Sistema Interamericano de Direitos
político e econômico do país. Posteriormente, foi fundamental ide;tificar O marco Humanos. O Brasil, inserido na ordem internacional, está sujeito ao escrutínio
280 ~,_____________________________H_E_L_IS_A_N'_E_N_L.\H_L_.::_KE !
!

dos organismos políticos e jurídicos de proteção aos direitos humanos. Devendo,


portanto, harmonizar discurso e prática quanto à proteção dos refugiados diante
da possibilidade de ser responsabilizado internacionalmente.
Por fim, diante dessas considerações, propugnou-se por uma revisão do atual
modelo de proteção, o qual se mostra incongruente com os compromissos inter-
nacionais assumidos pelo Brasil e, em dissonância com o novo paradigma jurídico
da proteção internacional dos refugiados. Propôs-se alguns pontos essenciais para REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
o aprimoramento do sistema nacional de proteção, os quais podem ser resumidos
da seguinte maneira: i) o aperfeiçoamento da estrutura de acolhimento; ii) a ade-
quação do processo de reconhecimento do status de refugiado aos standards inter-
nacionais estabelecidos, sobretudo pela jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos; iii) a participação efetiva das Cortes na garantia de direitos aos
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refugiados e na possibilidade de revisão das decisões do CONARE; iv) melhorias Duncan. The Concept of Legalization. ln GOLDSTEIN, Judith, KAHLER, Miles, KEOHANE, Robert e
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