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ENSAIO

As novas tendências do
federalismo e seus reflexos na
Constituição brasileira de 1988
Raul Machado Horta
Professor Catedrático e Emérito da Facultade de Direito da UFMG

A
identificação das novas autonomia do Estado Federado ou
tendências do federalis- Estado-membro; V) repartição de
mo impõe a fixação de competências; VI) intervenção fede-
suas características do- ral; VII) organização bicameral do
minantes, para, em se- Poder Legislativo da União; VIII) re-
guida, localizar nessas características partição tributária; IX) dualidadg do
o rumo de novas tendências. As Poder Judiciário e a existência de um
Constituições Federais, em função de Supremo Tribunal, para exercer a
sedimentação alcançada pela expe- função de “Guarda da Constituição”
riência organizatória do federalismo, na jurisdição difusa ou na jurisdição
a partir do modelo norte-americano concentrada, ou em ambas, como na
de 1787, oferecem as regras típicas, técnica do controle judiciário da
que correspondem, pela sua difusão constitucionalidade, adotada no Di-
e reiterada reprodução, às caracte- reito Constitucional Brasileiro, e, ain-
rísticas definidoras do Estado Fede- da, pela jurisdição de órgão especi-
ral. A reunião dessas regras consti- al, o Tribunal Constitucional, que
tucionais, que se encontram disse- realiza modalidade de controle dis-
minadas nas Constituições Federais, tinto do controle por órgãos judiciá-
permite o levantamento das seguin- rios, de forma a atender a peculiari-
tes características do Estado Federal, dades do regime parlamentar, como
dentro da modalidade do Estado se concebeu nas Constituições eu-
composto, dotado de individualida- ropéias, que se inspiram no modelo
de própria, que se opõe ao Estado austríaco do controle concentrado.
Unitário: I) composição plural dos As características dominantes do
entes constitutivos; II) federalismo, ora mencionadas, foram
indissolubilidade do vínculo federa- recolhidas nos modelos diversifica-
tivo; III) soberania da União; IV) dos da edificação constitucional do
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AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Estado Federal, sem a texto norte-americano de 1787, com- dia de 1950 são as portadoras da
homogeneidade de modelo único e preendia a dual distribuição dos “po- nova tendência em matéria da repar-
exclusivo, considerando a deres enumerados” à União e dos “po- tição de competências do Estado
pluralidade das manifestações con- deres reservados” aos Estados. Do fe- Federal, com o destaque da Lei Fun-
cretas do federalismo, como se vê deralismo norte-americano, a reparti- damental de 1949, em razão do ri-
na designação freqüentemente dis- ção de competências projetou-se nos goroso fundamento federal da repar-
pensada à forma federal de Estado: tição, que contemplou os Estados-
federalismos norte-americano, ale- membros – os Länder – com subs-
mão, austríaco, suíço, argentino e tancial matéria legislativa. Há solu-
brasileiro, entre outros tipos consti- Como nova tendência ções intermediárias, como a da Cons-
tucionais. Nesse conjunto represen- tituição do Canadá de 1867, – The
tativo do federalismo, as novas ten- do federalismo, a British North America Act –, que con-
dências, indicando rumos e opções cebeu a repartição integral das com-
mais consistentes e duradouras no
repartição de petências do Parlamento, isto é,
tempo, sem a precariedade de solu- competências, que da União e das províncias, com os
ções efêmeras e transitórias, devem respectivos poderes enunciados nos
ser pesquisadas nos setores da re- representa o centro 29 casos da competência federal e
partição de competências, da nos 16 casos da competência esta-
integração de regras do Direito In-
de gravidade do dual ou provincial. Outro caso de
ternacional no direito federal, da poder federal, adota solução intermediária é o da Consti-
posição internacional do Estado- tuição Federal do Brasil de 1934, rei-
membro, da cooperação intergo- técnica que assinala, terada na Constituição de 1946, quan-
vernamental, do controle federal da do defere aos Estados a legislação
autonomia financeira e do controle
no tempo, a estadual supletiva ou complementar,
jurisdicional da autonomia constitu- separação entre a enumerada no texto (Constituição
cional do Estado-membro. Nessa re- Federal de 1934, art. 5º, § 3º – Cons-
ferência, localizamos novas tendên- repartição clássica e tituição Federal de 1946, art. 6º).
cias do federalismo, que se distanci- A Constituição da Áustria, de 1º
am de soluções do federalismo clás-
a repartição de outubro de 1920, revigorada em
sico, adotadas na origem do federa- contemporânea de 1945, distribuiu e enumerou as ma-
lismo constitucional. térias da competência da União e dos
competências Estados em três níveis distintos: a)
legislação e execução da Federação
Renovação da repartição de (art. 10, 1 a 17); b) legislação da Fe-
deração e execução dos Estados (art.
competências federalismos argentino, brasileiro, 11, 1 a 5); c) legislação de princípios
Como nova tendência do federa- mexicano e venezuelano. Atravessou (Grundsatze) da Federação e legis-
lismo, a repartição de competências, o século XIX e só veio a conhecer lação de aplicação e de execução dos
que representa o centro de gravidade contraste de formulações inovadoras Estados (art. 12, 1 a 8).
do poder federal, na sua roupagem no federalismo do primeiro e do se- Duas regras adicionais comple-
nova, adota técnica que assinala, no gundo pós-guerra, em demarcação tam a repartição de competências.
tempo, a separação entre a repartição que serve para abrigar a tendência Uma, dispondo que a matéria não
clássica, consagrada, inicialmente, na contemporânea da repartição de com- deferida pela Constituição Federal à
Constituição norte-americana de 1787, petências. legislação ou à execução federal
e a repartição contemporânea de com- remanescerá no domínio da ação
petências, introduzida nas Constitui- autônoma dos Estados (art. 15). A
ções de Weimar de 1919 e da Áustria Repartição de competências outra regra esclarece que, sendo re-
de 1920, para atingir sua forma mais nas Constituições da Áustria servada à Federação apenas a legis-
evoluída na Lei Fundamental de Bonn (1920), da Alemanha (1949) e lação de princípio, a regulamenta-
de 1949, a sede da repartição de com- ção complementar, dentro do qua-
petências do federalismo contempo- da Índia (1950)
dro fixado pela lei federal, caberá à
râneo. A repartição clássica de com- As Constituições da Áustria de legislação do Estado-membro (art.
petências, como ficou concebida no 1920, da Alemanha de 1949 e da Ín- 15, 6). A lei federal pode fixar prazo
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não inferior a seis meses nem supe- diversos Estados; II) quando a regu- União, Lista Concorrente e Lista dos
rior a um ano, para que o Estado lamentação pela lei estadual afetar Estados (arts. 245 e 246). A Lista I ou
elabore a lei de aplicação. Se não os interesses de outros Estados; III) “Lista da União” discrimina 97 maté-
observar esses prazos, a competên- quando assim exigir a proteção da rias incluídas na competência fede-
cia para elaborar a lei de aplicação é unidade jurídica ou econômica, ral exclusiva; a Lista II ou “Lista dos
devolvida à Federação. Na Áustria, notadamente a manutenção da Estados” enumera 66 atribuições que
a repartição tributária entre a União identificam a competência estadual
e os Estados não é regulada direta- exclusiva; e a Lista III ou “Lista Con-
mente na Constituição Federal, para corrente” individualiza 47 matérias,
constituir objeto separado da Lei A Constituição da Índia, para o comum exercício da compe-
Constitucional de Finanças (Finanz- tência da União e dos Estados.
Verfassungsgesetz). de 26 de janeiro de A inovadora repartição de com-
A Lei Fundamental da República petências concebida nas Constitui-
Federal da Alemanha (Grundgesetz
1950, adotou o sistema ções da Áustria, da Alemanha Fe-
fur die Brundesrepublik da repartição integral deral e da Índia veio conferir no-
Deutschland), de 23 de maio de tável flexibilidade e apreciável en-
1949, prosseguiu e desenvolveu a de competências riquecimento à técnica que indivi-
repartição de competências, origina- dualiza o Estado Federal no cam-
riamente sistematizada pela Consti-
concebido em três po das formas estatais. Deu-se nova
tuição Federal da Áustria. A distri- listas: Lista da União, substância à atividade legislativa do
buição material de competências é Estado-membro, permitindo-lhe o
precedida de regras enunciadoras de Lista Concorrente e ingresso no amplo setor da legis-
princípios, que são matrizes da lógi- lação federal, sem prejuízo das re-
ca constitucional aplicada ao domí-
Lista dos Estados. A gras de coexistência, que demar-
nio da repartição de competências, Lista da União cam, com maior amplitude do que
de modo a inspirar a interpretação na técnica dual do federalismo
do texto. Daí as três regras discrimina 97 matérias norte-americano, as fronteiras
introdutórias que fixam os funda- normativas do Estado Federal. Essa
mentos do sistema alemão: 1) os
incluídas na repartição, flexível nos seus movi-
Estados têm o direito de legislar competência federal mentos e diversificada na sua ma-
quando os Poderes Legislativos não téria, é instrumento capaz de pre-
forem conferidos à Federação (art. exclusiva servar o duplo ordenamento do Es-
70, 1); 2) as competências da Fede- tado Federal, impedindo que o
ração e as dos Estados são delimita- crescimento progressivo dos pode-
das pelas disposições constitucionais res federais venha absorver, na
sobre a legislação exclusiva e a le- homogeneidade das condições de exaustividade dos poderes enume-
gislação concorrente (art. 70, 2); 3) vida fora do território de um Estado rados, a matéria indeterminada dos
nas matérias da legislação concor- (art. 72-(2)-1.2.3). poderes reservados. De outro lado,
rente, os Estados podem legislar en- Após o enunciado dessas regras inserindo-se na concepção moder-
quanto a Federação não fizer uso de matrizes, a Lei Fundamental da Re- na do federalismo cooperativo, a
seu poder (art. 72, 1). pública Federal da Alemanha esta- participação dos Estados em maté-
A competência da Federação na belece a repartição material de com- ria legislativa mais ampla permiti-
matéria da legislação concorrente, petências em três planos destacados: rá o afeiçoamento das normas da
que é a mais extensa da repartição a) legislação exclusiva da Federação legislação federal de princípios e
de competências, não depende de (art. 73, 1 a 11); b) legislação con- de regras gerais às peculiaridades
sua vontade discricionária, mas da corrente da Federação e dos Esta- econômicas, sociais e culturais de
caracterizada necessidade de regu- dos (art. 73, 1 a 23); c) legislação de cada Estado, mediante o desenvol-
lamentação legislativa federal com regras gerais (Rahmenvorschriften) vimento de particularidades que a
fundamento em requisitos que a Lei da Federação (art. 75, 1 a 5). absorvente e unificadora legislação
Fundamental explicitamente enun- A Constituição da Índia, de 26 de federal central geralmente
ciou nas seguintes regras: I) quando janeiro de 1950, adotou o sistema da desestimula e ignora. As Federa-
uma questão não couber na regula- repartição integral de competências ções continentais, como a brasilei-
mentação eficaz da legislação dos concebido em três listas: Lista da ra, marcadas por disparidades re-
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gionais, encontrarão nessa técnica membros no domínio da competên- do federalismo. A formulação clássi-
um poderoso instrumento de mo- cia legislativa exclusiva da Federa- ca da Constituição norte-americana
dernização e de permanência no ção (art. 71), a Constituição Federal de 1787² (art. VI), reproduzida na
tempo. de 1988 dispõe que lei complemen- Constituição do México de 1917 (art.
tar poderá autorizar os Estados a le- 133)³ limitava-se a conferir aos trata-
gislar sobre “questões específicas” de dos o tratamento de Lei Suprema do
Repartição de competências
país no mesmo plano da Constitui-
na Constituição do Brasil de ção e das leis, sem conceber a
1988 integração no direito interno e ex-
A repartição de trair as conseqüências dessa absor-
A repartição de competências,
ção. O artigo 4º da Constituição de
estruturada na Constituição Federal competências, na Weimar (1919), inaugurando a téc-
de 1988, reflete as novas tendências
nica da integração, dispunha que “as
do federalismo e, na concepção Constituição Federal regras do direito das gentes que con-
constitucional, é visível a influência
de 1988, reflete as tam com acordo geral são conside-
recebida da técnica de repartição de
radas partes integrantes do direito do
competências da Lei Fundamental da novas tendências do Reich”.
Alemanha de 1949, que o “Antepro-
A Constituição da Áustria de
jeto de Constituição Federal da Co- federalismo e, na 1920, em seu artigo 9º, contém re-
missão Afonso Arinos”1 incorporou.
concepção gra de igual conteúdo, verbis: “As
A Constituição de 1988, ultrapassan-
regras do Direito Internacional que
do o dualismo dos poderes enume- constitucional, é gozam de acordo geral valem como
rados e dos poderes reservados, po-
partes integrantes do direito fede-
derosa criação do federalismo clás- visível a influência ral”.
sico, acrescentou e desenvolveu, na
recebida da técnica de A Lei Fundamental da Alema-
repartição de competências, a com-
nha de 1949 aprofundou o princí-
petência comum, de caráter coope- repartição de pio declaratório da integração, para
rativo, da União, dos Estados, do
dele extrair a constitutividade de
Distrito Federal e dos Municípios (art. competências da Lei direitos e deveres, como enuncia
23, I a XII) e a competência concor-
Fundamental da o artigo 25, verbis: “As normas ge-
rente, de natureza legislativa, da
rais do Direito Internacional inte-
União, dos Estados e do Distrito Fe- Alemanha de 1949 gram o direito federal. Prevalecem
deral, nela contemplando, entre ou-
sobre as leis e produzem imedia-
tras matérias, o direito tributário, o
tamente direitos e deveres em re-
direito financeiro, o direito econô-
lação aos habitantes do território
mico, o direito urbanístico (art. 24, matérias da competência legislativa federal”.
I), orçamento (art. 24, II), responsa- privativa da União (art. 22, parágra- A Lei Fundamental não ficou na
bilidade por dano ao meio ambien- fo único), em potencial ampliação mera declaração de sua primeira
te, ao consumidor, a bens e direitos da competência legislativa dos Esta- parte. A integração do Direito In-
de valor artístico, estético, histórico, dos no condomínio legislativo, que ternacional faz com que suas re-
turístico e paisagístico (art. 24, VIII), a Constituição implantou na compe- gras prevaleçam sobre as leis e,
criação, funcionamento e processo tência de legislação concorrente. como se dá com as regras do di-
do juizado de pequenas causas (art.
reito interno, criem direitos e de-
24, X), procedimentos em matéria
veres para os habitantes do terri-
processual (art. 24, XI), previdência Integração do Direito tório federal, penetrando direta-
social, proteção e defesa da saúde
Internacional no direito mente no ordenamento jurídico
(art. 24, XII). No domínio da com-
federal interno, alcançando o âmbito pes-
petência legislativa concorrente, a
soal de validez da ordem estatal, o
Constituição limitou a competência As Constituições da Alemanha de “povo estatal”, conforme a conhe-
da União ao estabelecimento de 1919 e da Áustria de 1920 introduzi- cida qualificação de Kelsen.
“normas gerais” (art. 24, §§ 1º, 2º e ram a regra da integração do Direito No federalismo latino-americano,
3º). Na linha da “Lei Fundamental”, Internacional no direito federal, que a regra da integração ainda não al-
que admitiu o ingresso dos Estados- se transformou em nova tendência cançou a eficácia com que ela se
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apresenta na Lei Fundamental de sando à formação de uma Comu- Estado-membro ao plano das rela-
Bonn, nem adquiriu a projeção de nidade Latino-Americana de Na- ções internacionais. A Lei Fundamen-
princípio de aceitação generalizada. ções (art. 4º, parágrafo único). O tal de Bonn é o texto constitucional
O texto mais avançado no federalis- aceno à comunidade supra-estatal, que melhor caracteriza essa mudan-
mo latino-americano, no momento, não obstante sua relevância, dei- ça no âmbito dos Estados Federais.
é o que resultou da reforma da Cons- xou no esquecimento a regra da A Lei Fundamental confere aos
tituição da Argentina de 1994, no Länder duplo tratamento no âmbi-
qual se proclama a hierarquia supe- to das relações internacionais: o de
rior dos tratados e convenções in- uma posição ativa, quando admite
ternacionais em face das leis (art. 22), No federalismo que os Länder, nos limites de sua
conferindo a eles o mesmo relevo competência legislativa, poderão
dos tratados de integração no plano clássico, a União estipular tratados com Estados es-
da jurisdição supra-estatal, dotados, trangeiros, mediante assentimento
como os tratados e convenções in-
detém o monopólio da do governo federal; e o de uma
ternacionais, referidos no art. 22, de representação posição condicionadora, quando
“hierarquia superior às leis” (art. 24). assegura a audiência deles se a
Determinados atos internacionais internacional do conclusão de Tratado Internacio-
que a Constituição identifica, como nal repercutir na situação particu-
a Declaração Americana dos Direi-
Estado Federal para lar do Land (Lei Fundamental art.
tos e Deveres do Homem, a Decla- celebrar tratados, 32 (2) e (3)). No âmbito da União
ração Universal dos Direitos Huma- Européia, instituída pelo Tratado
nos, a Convenção Americana sobre convenções ou atos de Maastrich, a adaptação da Lei
Direitos Humanos, o Pacto Interna- Fundamental ao Tratado estabele-
cional de Direitos Econômicos, So-
que possam repercutir ceu duas situações que evidenci-
ciais e Culturais, entre outros, são nas relações supra- am a influência dos Länder nos as-
considerados de hierarquia constitu- suntos internacionais e a preserva-
cional e beneficiam-se do “quórum” estatais. A nova ção de sua condição de Estado-
de dois terços da totalidade dos membro da Federação. Na primei-
membros de cada Câmara, para sua
tendência identifica a ra, o artigo 23 (2) da Lei Funda-
denúncia (art. 22). posição internacional mental estabelece que, nos negó-
No Direito Constitucional Bra- cios da União Européia, colaboram
sileiro, não se configurou a regra do Estado-membro o Bundestag e, por intermédio do
da integração do Direito Bundestag, os Länder, reconhecen-
Internacio-nal no direito interno. do a estes a função de colabora-
Mudança ocorreu no tradicional dores nos assuntos da União Eu-
retraimento das Constituições Fe- integração do Direito Internacional ropéia. Na segunda situação, no
derais de 1891, 1934, 1946 e 1967, ou Comunitário no direito federal, quadro constitucional da União
que se limitaram a repelir a guerra que o Direito Constitucional Bra- Européia, quando as questões da
de conquista, a preconizar a ado- sileiro desconhece. União Européia repercutirem na
ção do arbitramento e das negoci- área das atribuições legislativas ex-
ações diretas, para a solução de clusivas dos Länder, o exercício
conflitos (Constituição Federal de Estado-membro e relações dos poderes da República Federa-
1891, art. 34, inciso 11 – Constitui- tiva da Alemanha, como Estado-
internacionais
ção Federal de 1934, art. 4º – Cons- membro da União Européia, deve
tituição Federal de 1946, art. 4º – No federalismo clássico, a União ser conferido, pela Federação, a um
Constituição Federal de 1967, art. detém o monopólio da representa- representante dos Länder, designa-
7º). A Constituição Federal de 1988 ção internacional do Estado Federal do pelo Bundesrat (Lei Fundamen-
perfilhou redação mais afirmativa para celebrar tratados, convenções tal, art. 23, 6).
do enunciado de princípios regu- ou atos que possam repercutir nas A nova tendência do federalismo,
ladores das relações internacionais, relações supra-estatais. A formação identificada na posição internacional
dentre eles, o da integração eco- de comunidades, agregando Estados do Estado-membro, em superação da
nômica, política, social e cultural soberanos, veio alterar a concepção concepção clássica, que garante o
dos povos da América Latina, vi- tradicional, para permitir o acesso do monopólio da União nas relações
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internacionais, tem na Lei Funda- deriva de foedus: pacto, ajuste, con- dos, recebeu a contribuição do “novo
mental da Alemanha o documento venção, tratado, e entra na compo- federalismo”, a partir do governo F.
mais representativo dessa nova ten- sição de laços de amizade, foedus D. Roosevelt, que intensificou a aju-
dência, que o texto constitucional amicitae. A associação das partes da federal aos Estados, sob a forma
deu considerável desenvolvimento, componentes está na origem do Es- de programas e convênios. O nasci-
para manter a posição ativa e a posi- tado Federal, tornando inseparáveis, mento do federalismo cooperativo,
ção condicionadora do Estado-mem- no caso norte-americano, observa
bro, conforme regras da Lei Funda- Rovira7, não se apresentou como o
mental. desenvolvimento planejado de um
No Direito Constitucional latino- No Direito princípio, mas sob a versão de mé-
americano, a Constituição da Argen- todo pragmático, destinado a resol-
tina, em decorrência da reforma de Constitucional latino- ver casuisticamente problemas con-
1994, adquiriu manifesta liderança cretos. Ao contrário do pensamento
pela introdução do Estado-membro
americano, a dogmático alemão, orientado na cri-
(províncias) no domínio das relações Constituição da ação de sistemas, o procedimento
internacionais, embora suas regras norte-americano não se deteve no
não disponham da amplitude das Argentina, em tratamento global e sistemático da
regras mais avançadas da Lei Fun- cooperação, dando origem ao
damental de Bonn. O artigo 124 da
decorrência da casuísmo no desdobramento das re-
Constituição, incorporado pela Re- reforma de 1994, lações cooperativas. Ilustram o fede-
forma Constitucional de 1994, asse- ralismo cooperativo norte-americano
gura às províncias competência para adquiriu manifesta as técnicas da legislação recíproca
celebrar convênios internacionais, (reciprocal legislation), pela qual
desde que não sejam incompatíveis
liderança pela dois ou mais Estados ajustam con-
com a política exterior da Nação e introdução do cessões recíprocas; a legislação uni-
não conflitem com as faculdades forme (uniform legislation) na dis-
delegadas ao governo federal ou Estado-membro ciplina de matéria de interesse co-
com o crédito público da Nação. mum; e a legislação paralela (parallel
A tendência, ora examinada, que,
(províncias) no legislation), quando dois ou mais
no federalismo latino-americano, está domínio das relações Estados promulgam, simultaneamen-
praticamente circunscrita à Constitui- te, uma lei com idêntica finalidade e
ção da Argentina, tende a generali- internacionais conteúdo. Além das técnicas
zar-se, para atender às exigências da legislativas, situam-se no plano do
comunidade de Estados, concebida federalismo cooperativo norte-ame-
no tratado que instituiu o “Mercosul”. ricano os organismos de relaciona-
É desejável que a Constituição Fe- como lembra Charles Eisenmann4 , mento entre o governo federal e os
deral do Brasil receba as mudanças as idéias da união, aliança e coope- governos estaduais, como o Conse-
necessárias, para nela incluir-se as ração. Carl J. Friedrich5 destaca a lho dos Governos Estaduais (Council
regras reclamadas pelo ordenamento solidariedade como característica do of States Government), criado em
jurídico da comunidade, como a da federalismo, que envolve, na análi- 1933, do qual participam os Estados-
integração do direito comunitário no se do professor da Universidade de membros; a Conferência dos Gover-
direito federal e a que reconheça a Harvard, permanentes contatos en- nadores (Governor’s Conference),
posição internacional do Estado- tre a comunidade central e as comu- formada pelos governadores dos
membro na celebração de tratados e nidades parciais. Em estudo concen- Estados; a Conferência Nacional para
acordos internacionais relacionados trado no exame da cooperação na Uniformidade das Leis Estaduais
com seus poderes e competências. República Federal Alemã, Enoch (National Conference of
Alberti Rovira6 assinalou que o fede- Comissioners on Uniform States
ralismo contemporâneo se distingue Law). Nos Estados Unidos, a coope-
pela cooperação. A concepção do ração financeira encontra poderoso
Federalismo cooperativo
dual federalism, que se expandiu instrumento nos federal grants in
A relação entre federalismo e nos Estados Unidos, fundado nas aid 8 . Levantamento de William
cooperação, de modo geral, sugere, relações de justaposição entre os Shultz9 indica a modéstia da subven-
na etimologia da palavra federal, que ordenamentos da União e dos Esta- ção federal aos Estados, no período
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de 1915/19, com as dotações con- de relevo para a coletividade e se a terminadas regiões, inaugurando
vergindo para a educação, sem al- mencionada participação for neces- os ensaios embrionários do fede-
cançar os setores de estradas, agri- sária à melhoria das condições de ralismo cooperativo. Os órgãos de
cultura, saúde, socorro, bem-estar. A vida. São incluídas, na área dos ob- desenvolvimento federais perma-
partir de 1925, amplia-se a ajuda fe- jetivos comuns da Federação e dos neceram no domínio da adminis-
deral; mas, somente no período pre- Länder, a ampliação e construção de tração federal, representando for-
sidencial de Franklin Roosevelt, ela mas descentralizadas da atividade
ingressa no domínio da saúde, so- desse nível, sem assumir as dimen-
corro e bem-estar, que assumiu o sões do governo regional, dotado
primeiro lugar no volume da ajuda A partir da de autonomia política e de base
federal. A cooperação financeira da territorial própria. A finalidade des-
União abrange subsídios de emer- Constituição ses órgãos localizou-se na política
gência (emergency grants) e sub- de desenvolvimento regional, sob
sídios ordinários (regular grants)
Federal de 1946, o comando da União Federal, fa-
esclarece Harold M. Somers10, que começou a adquirir zendo dos Estados localizados na
se baseia na experiência ou não de área de insuficiência destinatários
participação do Estado-membro no relevo, no da ajuda federal. O primeiro mo-
custo do serviço subvencionado. mento dessa tendência de desen-
No caso dos subsídios de emergên-
federalismo volvimento regional pode ser lo-
cia, o governo federal pode finan- brasileiro, a figura calizado na previsão contida no Ato
ciar totalmente o custo do serviço, das Disposições Constitucionais
enquanto no de subsídios ordiná- dos órgãos federais Transitórias da Constituição Fede-
rios, geralmente os Estados ral de 1946, que impunha ao go-
complementam a contribuição fe-
que receberam a verno federal a obrigação de tra-
deral. A concessão de volumosas incumbência de çar e executar um plano de apro-
verbas, a título de subsídios de veitamento total das possibilidades
emergência, demonstra falta de promover o econômicas do Rio São Francisco
elasticidade da estrutura financei- e seus afluentes, aplicando-se nes-
ra estatal e local. Analisando a po-
desenvolvimento se plano, anualmente, quantia não
lítica de ajuda federal, observa de determinadas inferior a 1% das rendas tributárias
Harold Somers que os governos de da União (art. 29). Foi organizada
alguns Estados ficaram na depen- regiões a “Comissão do Vale do São Fran-
dência dos subsídios federais para cisco”, de estrutura flexível, para
a execução de serviços essenciais. elaborar o plano geral do Vale do
Nos exercícios de 1945 e 1946, os São Francisco e exercer outras atri-
subsídios federais ordinários repre- institutos universitários e a melhoria buições, como a de assinar convê-
sentaram, aproximadamente, 15% da estrutura econômica regional e da nios e acordos com os Estados e
das receitas estaduais totais. Em estrutura agrária. Nos casos dos ins- Municípios ribeirinhos (Lei nº 541,
1945, acrescenta Somers, as por- titutos universitários, da estrutura de 15 de dezembro de 1948). Su-
centagens variaram de 5,4% no econômica regional e da estrutura cederam à Comissão a “Superinten-
Estado de New York para 35,2% no agrária, a Federação assume a meta- dência do Vale do São Francisco”,
Estado de Nevada. Daí a conclu- de das despesas. entidade autárquica (Decreto-Lei
são de que, em alguns Estados, a nº292, de 28 de fevereiro de 1967)
ajuda federal é questão de vida ou e a “Companhia de Desenvolvi-
morte para os seus serviços: “for Federalismo e mento do Vale do São Francisco”
some States the federal grants do (Codevasf), empresa pública que
have quite a life-or-death effect on desenvolvimento regional substitui a antiga Sudevale (Lei nº
State services”. A partir da Constituição Fede- 6.088, de 16 de julho de 1974). Em
Na Alemanha, a Lei Fundamen- ral de 1946, começou a adquirir outra regra antecipadora do “fede-
tal, no título “Objetivos Comuns” (art. relevo, no federalismo brasileiro, ralismo cooperativo”, a Constitui-
91, “a” e “b”), prevê a participação a figura dos órgãos federais que ção de 1946 estabeleceu o “Plano
da Federação em atividades dos receberam a incumbência de pro- de Valorização Econômica da Ama-
Länder se tais atividades dispuserem mover o desenvolvimento de de- zônia”, no qual a União aplicaria
20 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99
AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

quantia não inferior a 3% da sua Sergipe e Bahia e, ainda no Estado tários, para atingir instrumentos de
receita tributária (art. 199). Dando de Minas Gerais, a zona compreen- atuação mais consistentes na Cons-
seqüência ao comando constitucio- dida no Polígono das Secas, a tituição de 1988. Introduziu-se, no
nal, criou-se a “Superintendência do Sudene submeteu suas atividades a texto constitucional, o tratamento
Desenvolvimento da Amazônia” sucessivos “Planos Diretores do De- reservado às “regiões”, em seção
(Sudam), entidade autárquica res- senvolvimento do Nordeste”, dentro própria (seção IV, art. 43), embora
ponsável pela elaboração do Plano deslocada na sua referência, que
de Valorização e Atuação na Região caberia melhor em capítulo final do
Amazônica (Lei nº5.173, de 27 de Título III, relativo à Organização
outubro de 1966). A Fronteira Sudo- A competência para do Estado. A finalidade cooperati-
este do País, abrangendo os Estados va das “regiões” transparece na
de Mato Grosso, Paraná, Santa elaborar planos regra constitucional que faculta a
Catarina e Rio Grande de Sul, rece- União usá-las como instrumento de
beu tratamento assemelhado ao do
nacionais e regionais articulação, “em um mesmo com-
Vale São Francisco e da Região Ama- de desenvolvimento plexo geoeconômico e social”, vi-
zônica, implantando, na fase inicial, sando ao seu desenvolvimento e à
a superintendência responsável pela constitui uma das redução das desigualdades regio-
execução do Plano de Valorização nais (art. 43). Afastando a idéia da
e, posteriormente, a superintendên-
formas do federalismo “região”, entidade territorial, e pre-
cia, entidade autárquica, com estru- cooperativo, ferindo manter a concepção dos
tura mais complexa e objetivos mais órgãos regionais de desenvolvi-
bem definidos (Lei nº 2.976, de 28 inaugurado na mento, já consolidada na experi-
de novembro de 1956 – Decreto-Lei ência brasileira a partir da “Comis-
nº 301, de 28 de fevereiro de 1967).
Constituição de 1946, são do Vale do São Francisco”, de
A figura do órgão regional de de- para atingir 1948, a Constituição deferiu à “lei
senvolvimento, de natureza complementar” a missão de fixar
autárquica, projetou-se na “Superin- instrumentos de as condições, definir a composição
tendência do Desenvolvimento da dos organismos regionais, sua com-
Região Centro-Oeste” (Sudeco) (Lei
atuação mais petência na execução dos planos
nº 5.365, de 1º de dezembro de consistentes na regionais, a integração destes últi-
1967), compreendendo, na sua área mos nos planos nacionais de de-
de atuação, os Estados de Goiás, Constituição de 1988 senvolvimento e a regulação dos
Mato Grosso e o então Território de incentivos regionais (art. 43, § 1º, I
Rondônia, por ampliação da área na e II; § 2º, I, II, III e IV; § 3º). É
Lei nº 5.467, de 20 de junho de 1968, pertinente, no caso, a invocação da
e na “Superintendência do Desen- de política programada de investi- lei complementar para desenvolver
volvimento da Região Sul” (Sudesul) mentos, concessão de incentivos fis- os objetivos estabelecidos na Cons-
(Decreto-Lei nº 301, de 28 de feve- cais e dispêndios. tituição, pela flexibilidade da lei
reiro de 1967). Na vigência da Cons- A Constituição Federal de 1988 ordinária, a correlação que ela per-
tituição de 1946, a “Superintendên- não interrompeu a política de de- mite apurar entre a matriz consti-
cia do Desenvolvimento do Nordes- senvolvimento regional do federa- tucional e as concepções dominan-
te” (Sudene) representou o modelo lismo cooperativo. Contemplou na tes no Congresso, não só em rela-
mais avançado do órgão de desen- União a competência para “elabo- ção ao regionalismo administrati-
volvimento regional, posição que rar e executar planos nacionais e vo, como também à extensão,
ainda mantém. Criada pela Lei nº regionais de ordenação do territó- maior ou menor, da ação da União
3.692, de 15 de dezembro de 1959, rio e de desenvolvimento econô- nas áreas localizadas no território
como entidade administrativamente mico e social” (art. 21, IX). A com- dos Estados abrangidos pelo órgão
autônoma, subordinada ao presiden- petência para elaborar planos na- regional.
te da República, com área de atua- cionais e regionais de desenvolvi- A Constituição de 1988
ção na Região Nordeste, então abran- mento constitui uma das formas aprofundou o mecanismo do fede-
gendo os Estados do Maranhão, ativas do federalismo cooperativo, ralismo financeiro no plano regio-
Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, inaugurado na Constituição de nal, distribuindo 3 % da arrecadação
Paraíba, Pernambuco, Alagoas, 1946, em procedimentos fragmen- dos impostos sobre a renda e pro-
jan-mar/99 REVISTA DO LEGISLATIVO 21
AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

dutos industrializados, para aplica- de nºs 64/1998, 67/1998 e 76/1998. do Bundesrat, com o objetivo de
ção em programas de financiamen- O volume da dívida pública esta- evitar excessiva pressão fiscal sobre
to ao setor produtivo das Regiões dual, adquirida pela União, na lin- os contribuintes, garantir uniformi-
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, de guagem dos atos legislativos, evi- dade das condições de vida no terri-
acordo com os planos regionais de dencia a intensidade da coopera- tório federal (art. 106, 2) e assegurar
desenvolvimento, assegurando ao ção financeira destinada, pela o equilíbrio econômico global (art.
semi-árido do “Nordeste” a meta- 109, 2.4). As regras constitucionais
de dos recursos destinados à “re- de natureza financeira estabelecem
gião” (art. 159, I, “c”). A Lei nº ampla articulação federal entre a
7.827, de 27 de setembro de 1989, Outro aspecto do Federação e os Länder, com a pre-
regulamentou o dispositivo cons- sença do Bundesrat, sempre que o
titucional, instituindo os três fun- federalismo assunto envolver interesse ou com-
dos constitucionais de financia- petência dos Länder.
mento do Norte, do Nordeste e do
cooperativo, em sua No federalismo constitucional
Centro-Oeste. No rumo do desen- projeção financeira, brasileiro, verificou-se progressiva
volvimento regional, a Constituição ampliação do controle federal, com
m a n t e v e a “Z o n a F r a n c a d e é o da incidência na autonomia financeira
Manaus”, criada pelo Decreto-Lei dos Estados-membros, praticamente
nº 288, de 28 de fevereiro de 1967,
consolidação, da desconhecida na Constituição Fede-
como entidade autárquica de livre assunção e do ral de 1891, para, a partir da Consti-
comércio de importação e expor- tuição Federal de 1934, instituir o
tação e de incentivos fiscais espe- refinanciamento, controle sobre empréstimos externos
ciais, para propiciar, no interior da dos Estados, que dependeriam de
Amazônia, um centro industrial, co-
pela União, da autorização do Senado Federal (art.
mercial e agropecuário de desen- dívida pública 19, V). As Constituições Federais de
volvimento regional. A disposição 1946 (art. 33) e de 1967 (art. 45, II)
transitória fixou em 25 anos, a par- mobiliária de introduziram ampliações na compe-
tir da promulgação da Constituição, tência autorizativa do Senado Fede-
a duração da Zona Franca (ADCT,
responsabilidade ral, para nela incluir os Municípios
art. 40). A grandeza da Zona Fran- dos Estados e do (1946) e alargar as modalidades fi-
ca, em termos financeiros, pode ser nanceiras sujeitas à autorização, pre-
avaliada no volume dos recursos Distrito Federal vendo, em linguagem mais ampla,
federais que ela absorve. Louvan- “empréstimos, operações ou acordos
do a informação em dados divul- externos de qualquer natureza, dos
gados, “de cada US$ 10 que o Te- Estados, do Distrito Federal e dos
souro Nacional remete à Região União, à consolidação dos Estados, Municípios”, na redação do artigo 45,
Norte, pouco mais de US$ 8 ficam aliviando os encargos da Tesoura- II, da Constituição de 1967. A Carta
na Zona Franca”.11 ria das Unidades Federais. de 1937, em regra destituída de efi-
Outro aspecto do federalismo cácia, proibia aos Estados, ao Distri-
cooperativo, em sua projeção fi- to Federal e aos Municípios “contra-
nanceira, é o da consolidação, Controle da autonomia ir empréstimos externos sem prévia
assunção e o do refinanciamento financeira do Estado autorização do Conselho Federal (art.
pela União, da dívida pública 35, “c”).
mobiliária de responsabilidade dos Constitui tendência do federalis- A Constituição Federal de 1988,
Estados e do Distrito Federal. As mo contemporâneo, especialmente mantendo a competência do Sena-
operações de refinanciamento fe- no seu modelo brasileiro, o controle do Federal, na sua qualidade de Câ-
deral e de assunção, pela União, federal da autonomia financeira dos mara dos Estados, para autorizar atos
de dívida pública mobiliária de res- Estados-membros da Federação. financeiros do interesse dos Estados,
ponsabilidade dos Estados vêm A Lei Fundamental da Alemanha, alargou consideravelmente a nature-
sendo objetos de medidas provi- no Título X, que condensa a matéria za desses atos, incluindo na compe-
sórias, como a de nº 1.560-8, de 12 financeira da Federação (arts. 104 a tência privativa do Senado Federal
de agosto de 1997; de resoluções 115), inclui regras de controle das “autorizar operações externas de
do Senado Federal, dentre elas, as finanças dos Länder, por intermédio natureza financeira, de interesse da
22 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99
AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

União, dos Estados, do Distrito Fe- convivendo, ora com o processo de Na Constituição da Áustria de 1920,
deral, dos Territórios e dos Municí- transplantação de normas da Cons- infere-se a possibilidade desse con-
pios” (art. 52,V), “fixar, por proposta tituição Federal, que reduz a ativi- trole na competência do Tribunal de
do presidente da República, limites dade organizatória da autonomia Justiça Constitucional (Verfassun-
globais para o montante da dívida constitucional, ora desconhecendo a gsgerichtshof), para decidir sobre a
consolidada da União, dos Estados, técnica da reprodução sistemática e, inconstitucionalidade das leis esta-
do Distrito Federal e dos Municí- duais (art. 140). A Constituição da
pios” (art. 52, VI), “dispor sobre li- Alemanha de 1919, no seu texto ori-
mites globais e condições para as ginário, não cuidou, especificamen-
operações de crédito externo e in- O propósito de te, do controle da autonomia. Esti-
terno da União, dos Estados, do Dis- pulou breves regras que, no desen-
trito Federal e dos Municípios, de evitar volvimento jurisprudencial, poderi-
suas autarquias e demais entidades am conduzir a essa modalidade de
controladas pelo poder público fe-
endividamento controle: a do artigo 17, segundo a
deral” (art. 52, VII), “estabelecer li- descontrolado qual cada Estado deveria possuir
mites globais e condições para o uma Constituição de Estado livre
montante da dívida mobiliária dos das Unidades (Freistaatliche), submetida a deter-
Estados, do Distrito Federal e dos minados princípios; a do artigo 19,
Municípios” (art. 52, IX). O propósi-
Federadas, com que concebia “litígios constitucio-
to de evitar endividamento descon- reflexos no nais” entre Estados ou entre o “Reich”
trolado das Unidades Federadas, com e os Estados. A Lei Fundamental de
reflexos no crédito da União, expli- crédito da União, 1949 é mais explícita na amplitude
ca limitações à autonomia financei- do controle, sem cuidar de regras
ra dos Estados-membros. A Resolu-
explica processuais aplicáveis. A explicitação
ção nº 78, de 1º de junho de 1998, limitações à do controle transparece na regra do
do Senado Federal, que dispõe so- artigo 28, que submete o
bre operações de crédito interno e autonomia ordenamento constitucional dos
externo dos Estados, do Distrito Fe- Länder aos princípios do Estado de
deral, dos Municípios e de suas res-
financeira dos Direito republicano, democrático e
pectivas autarquias e fundações, in- Estados- social, enunciados na Lei Fundamen-
clusive concessão de garantias, seus tal, e torna a Federação garantidora
limites e condições de autorização, membros da conformidade do ordenamento
desenvolvendo no ato legislativo or- constitucional dos Länder aos direi-
dinário as modalidades previstas na tos fundamentais (art.28,3). O Tribu-
Constituição Federal, demonstra a nal Constitucional Federal dispõe de
extensão do controle financeiro do assim, experimentar a plenitude da competências que poderão convertê-
órgão legislativo e do Banco Cen- autonomia em caso excepcional não lo em instrumento do controle da
tral, incidindo na autonomia finan- enquadrado no comportamento ge- autonomia constitucional dos
ceira do Estado-membro, converti- neralizado, que se recolhe na elabo- Länder, previstas no artigo 93, 2, 3 e
da, sob este ângulo, em autonomia ração e na prática das Constituições 4, para julgamento de divergências
aparente e nominal, sem a substân- Federais. entre o direito dos Länder e a Lei
cia criadora da autonomia. O controle da autonomia consti- Fundamental (art.92, 2), entre pode-
tucional do Estado-membro é ten- res e deveres da Federação e dos
dência de tratamento desigual, em Länder e a Lei Fundamental (art. 92,
Controle jurisdicional da razão das regras que incidem nesse 2), entre poderes e deveres da Fede-
autonomia constitucional controle, com maior ou menor de- ração e dos Länder (art. 92, 3) e
senvolvimento no Direito Constitu- outras controvérsias de direito pú-
A Autonomia constitucional do cional Positivo. É nesse segundo gru- blico entre a Federação e os Länder
Estado-membro integra a caracteri- po que localizamos a tendência do (art. 92, 4). É razoável a interpreta-
zação do Estado Federal, sujeita às controle nas Constituições Federais ção que admite extrair o controle da
variações da concepção da Áustria de 1920, da Alemanha de autonomia constitucional dos
organizatória, refletindo a maior ou 1919 e na Lei Fundamental da Repú- Länder, fundado nas cláusulas cons-
menor intensidade no seu exercício, blica Federal da Alemanha de 1949. titucionais de amplo conteúdo, como
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AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

são as reguladoras da competência inconstitucionalidade, objeto de lei tiva exclusiva do procurador-geral da


do Tribunal Constitucional. ordinária na vigência da Constitui- República, na área da representação,
No federalismo brasileiro, de ção de 1946, ingressou nas Consti- para abranger chefes do Poder Exe-
modo geral, e no federalismo de tuições de 1967 (art. 11, § 1º, “c”) e cutivo federal e estadual, órgãos
1988, de forma particular, o controle de 1988 (art. 34, VII), como podero- legislativos, o procurador-geral da
da autonomia constitucional do Es- so instrumento de controle da auto- República, o Conselho Federal da
tado-membro decorre de técnica e Ordem dos Advogados do Brasil,
de regras da Constituição Federal. No partidos políticos com representação
plano das regras, o artigo 25 da Cons- no Congresso Nacional e Confede-
tituição de 1988, que dispõe de an- O instrumento ração Sindical ou entidade de classe
tecedentes nos textos da Constitui- de âmbito nacional.
ção de 1891 (art. 63), Constituição drástico do
de 1934 (art. 7º, I, “a” a “g”), Consti-
tuição de 1967 (art. 13, I a VII), su-
controle, na Conclusão
bordina a organização dos Estados concepção da As tendências atuais do federa-
à observância dos princípios da lismo foram localizadas no campo
Constituição Federal e considera re- Constituição, seria da organização constitucional do
servados aos Estados as competên- Estado Federal, consideradas como
cias que não lhes sejam vedadas pela
a intervenção manifestações mais constantes dos
Constituição (art. 25, § 1º ). A técnica federal, cuja novos rumos federais. Excluimos
do controle, depois de percorrido outras tendências identificáveis nos
longo período de sua ausência, mui- substituição, pela domínios da forma de governo, do
tas vezes suprida pelo instrumento regime de governo, da organização
fulminante da intervenção federal,
iniciativa do de poderes e nos temas da ordem
como ocorreu na Primeira Repúbli- procurador-geral da econômica e social, as quais, não
ca, recebeu enquadramento na Cons- obstante sua relevância na temática
tituição Federal de 1946, para pre- República, operou da Constituição material, ultrapassam
servar princípios constitucionais le- o conteúdo da matéria federal da
sados por ato estadual, mediante ini-
mudança na Constituição. Dentro da concepção
ciativa do procurador-geral da Repú- formulação inicial exposta, preconizamos a retomada
blica (art. 8º, parágrafo único). O do modelo de Constituição materi-
instrumento drástico do controle, na da Constituição almente federal, sem a extensão da
concepção da Constituição, seria a Constituição nacional. No federalis-
intervenção federal, cuja substituição, mo contemporâneo, as Constituições
pela iniciativa do procurador-geral da dos Estados Unidos, da Argentina,
República, operou mudança na for- nomia constitucional do Estado- do Canadá e da Alemanha compõem
mulação inicial da Constituição. A membro, dispensando a decretação o grupo representativo das Consti-
representação de inconstitucio- da intervenção federal, expressamen- tuições verdadeiramente federais
nalidade do procurador-geral da Re- te autorizada pela Constituição. Na pelo conteúdo específico da sua
pública, implantada na via Constituição de 1988, o controle da matéria. n
jurisprudencial, substituiu a interven- constitucionalidade da Constituição
ção federal, assumindo a posição de do Estado recebeu notável amplia-
instrumento de controle normativo ção, saindo do campo da interven-
das Constituições Estaduais, quando ção federal para ingressar na com- Notas
o ato inconstitucional lesivo de prin- petência do Supremo Tribunal Fe-
deral de processar e julgar, origina-
1
Diário Oficial – Suplemento Especial de
cípio constitucional enumerado, pro-
26 de dezembro de 1986.
viesse da atividade constituinte, na riamente, a Ação Direta de
elaboração da Constituição do Esta- Inconstitucionalidade de lei ou ato ² Constituição dos Estados Unidos de
1787, art. VI, 2: “This Constitution and
do, sem prejuízo da incidência da normativo federal ou estadual (art.
the laws of the United States wich shall
representação sobre os atos 102, I, “a”). A ampla iniciativa da be made in pursance thereof; and all
legislativos estaduais, acoimados de propositura da Ação de treaties made; or wich shall be made,
inconstitucionais, nos casos de ou- Inconstituconalidade (art. 103, I a under the autority of the United States,
tra natureza. A representação de VIII) faz vivo contraste com a inicia- shall be the supreme law of the Land...”

24 REVISTA DO LEGISLATIVO jan-mar/99


AS NOVAS TENDÊNCIAS DO FEDERALISMO E SEUS REFLEXOS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

³ Constituição Política dos Estados Uni- “Practica del Federalismo” – Editorial governments, subject to certain
dos Mexicanos, de 5 de fevereiro de Bibliográfica Argentina – Buenos Aires conditions, for the support of activities
1917, art. 133: “Esta Constituición, las – 1959 – pág. 546 administered by the states and their
leys del Congresso de la Unión que political subdivisions”. John H. Ferguson
6
Enoch Albert Rovira – “Federalismo y
emanen de ella, y todos los tratados – Dean E. Mc. Henry – “The American
coperacion en la Republica Federal
que estén de acuerdo con la misma, Federal Government” – 4ª edição – Mc.
celebrados y que se celebren por el Alemana” – Centro de Estudios
Constitucionales – Madri – 1986 – pág. Graw – Hill Book Company – pág.89
presidente de la República, con
aprobación del Senado, serán la Ley 345 9
William J. Shultz – C. Lowell Harris –
Suprema de toda la Unión” 7
Enoch Albert Rovira – obra citada – pág. “American Public Finance” – 5ª edição –
351 New York – Prentice Hall – pág.746
4
Charles Eisenmann – “Centralisation et
Décentralisation” – Esquisse düne 8
Comissão do Council of State
10
Harold M. Somers – “public Finance and
théorie générale – Paris – LGDJ – 1948 Governments propôs a seguinte defini- National Income” – The Blakston
– págs. 274/275 ção para os subsídios federais: Company – pág.456
5
Carl J. Friedrich – “Teoria constitucional “payments made by the national 11
O Estado de S. Paulo, de 9 de abril de
federal y propuestas emergentes”, in government to State and local 1995, A 10

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