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Constitucionalismo climático

como fundamento transnacional


aos litígios climáticos
Climate constitutionalism as a
transnational foundation for
climate litigation

Délton Winter de Carvalho


Sumário
Crônicas. ....................................................................................................... 14

Crónica Revisión de Laudos Arbitrales de Inversión 2020: 2º Encuentro Anual (San-


tiago de Chile, 07-08/06/2021)........................................................................................16
Ivette Esis Villarroel e Andrés Delgado Casteleiro

As medidas cautelares da Corte Internacional de Justiça na caso entre Ucrânia e Fe-


deração Russa...................................................................................................................32
Lucas Carlos Lima

The Challenges faced by Women Legal Academics (Panel Discussion).......................39


Eshan Dauhoo

Dossiê. ........................................................................................................... 41

Editorial BJIL: International law as fuel for climate change litigation.................43


Sandrine Maljean-Dubois

The jurisdiction of the International Court of Justice in cases of territorial dama-


ge caused to States by climate change...........................................................................46
Cristiane Derani e Patricia Grazziotin Noschang

Litigância climática e licenciamento ambiental: consideração da variável climática à


luz dos tratados internacionais sobre o clima. .............................................................61
Danielle de Andrade Moreira, Carolina de Figueiredo Garrido e Maria Eduarda Segovia Barbosa Neves

Cambio climático y acceso a la información y participación ambiental........................80


Gonzalo Aguilar Cavallo, Cristian Contreras Rojas e Jairo Enrique Lucero Pantoja

Vidas em movimento: os sistemas de proteção dos direitos humanos como espaços de


justiça para os migrantes climáticos. ............................................................................ 104
Fernanda de Salles Cavedon-Capdeville e Diogo Andreola Serraglio
Emergência Climática e Direitos Humanos: o caso do Fundo Clima no Brasil e as
obrigações de Direito Internacional. ......................................................................... 126
Gabrielle Albuquerque, Gabrielle Tabares Fagundez e Roger Fabre

Perspectivas da litigância climática em face de empresas: o caso Milieudefensie et al.


vs. Royal Dutch Shell................................................................................................... 145
Julia Stefanello Pires e Danielle Anne Pamplona

The efforts to respond to climate change and implementation of the Sustainable


Development Goals (SDGS) from the hardest-affected countries: Vietnam case
analysis........................................................................................................................... 164
Yen Thi Hong Nguyen e Dung Phuong Nguyen

Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáti-


cos................................................................................................................................... 192
Délton Winter de Carvalho

Artigos sobre outros temas........................................................................205

A agenda 2030: o compromisso do Brasil com a proteção do patrimônio cultural e o


combate ao tráfico ilícito de bens culturais...............................................................207
Gilmara Benevides C. S. Damasceno

Bioeconomy and the Nagoya Protocol. ......................................................................223


Danielle Mendes Thame Denny

The inclusion of the Digital Sequence Information (DSI) in the scope of the Na-
goya Protocol and its consequences............................................................................ 241
Aírton Guilherme Berger Filho e Bruna Gomes Maia

Political economy of smart cities and the human rights: from corporative techno-
cracy to sensibility........................................................................................................258
Norberto Milton Paiva Knebel, Mateus de Oliveira Fornasier e Gustavo Silveira Borges

Os impactos econômicos positivos da migração na Europa: a oportunidade que não


pode ser perdida.............................................................................................................275
Norberto Milton Paiva Knebel, Mateus de Oliveira Fornasier e Gustavo Silveira Borges
El derecho humano a la identidad cultural de los migrantes, fuentes internaciona-
les y recepción en Chile. ..............................................................................................289
Glorimar Leon Silva e Juan Jorge Faundes Peñafiel

O monitoramento e fiscalização do cumprimento das sentenças da Corte Interameri-


cana de Direitos Humanos e a relação heterárquica entre o Direito internacional e
o Direito brasileiro....................................................................................................... 319
Thiago Carvalho Borges

Application of Article 5 of the ECHR to the detention of a person who has com-
mitted a criminal offense. ............................................................................................336
Vitalii A. Zavhorodnii, Oksana Orel, Galyna Muliar, Olga I. Kotlyar e Volodymyr Zarosylo

O Banco Mundial frente ao Constitucionalismo Transformador Latino-Americano:


panorama geral e passos concretos...............................................................................354
Armin Von Bogdandy e Ebert Franz

Suprema Corte dos Estados Unidos: lições do ano judiciário de 2019-2020 e uma breve
homenagem a Ruth Bader Ginsburgh...........................................................................380
João Carlos Souto e Patrícia Perrone Campos Mello

Revisão judicial abusiva e a atuação do Supremo Tribunal Federal nas ADPFs entre
março de 2020 e fevereiro de 2021.................................................................................400
Carina Barbosa Gouvêa e Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

O princípio das nacionalidades no banco de provas da ciência do direito internacio-


nal brasileira: confrontos acerca da teoria de Pasquale Stanislao Mancini no novo
continente..................................................................................................................... 421
Arno Dal Ri Junior
doi: 10.5102/rdi.v19i1.7883 Constitucionalismo climático como
fundamento transnacional aos litígios
climáticos*

Climate constitutionalism as a transnational


foundation for climate litigation

Délton Winter de Carvalho**

Resumo

Os efeitos das mudanças climáticas, cada vez mais presentes na sociedade,


exigem do Direito o enfrentamento e a regulação das demandas de nível
global, regional e local por respostas à mitigação, à adaptação e às perdas e
danos relacionadas a este fenômeno potencializado no Antropoceno. Nesse
contexto, valendo-se de uma perspectiva metodológica comparada, se ana-
lisou, a partir do Constitucionalismo Ambiental, o surgimento e o reconhe-
cimento do Constitucionalismo Climático alicerçado na tridimensionalidade
do direito das mudanças climáticas, balizado nos regimes internacional, na-
cional e transnacional de tratamento das mudanças no clima e seus efeitos.
Para ilustrar a importância prática de um constitucionalismo climático, fo-
ram explorados os paradigmáticos litígios climáticos Leghari v. Paquistão
e Juliana v. USA que, em comum, refletem sobre o papel exercido pelas
previsões constitucionais, como estratégia para enfrentar a fragilização de di-
reitos fundamentais em razão dos efeitos negativos das mudanças climáticas.
Palavras-chave: Mudanças climáticas; tridimensionalidade do direito das
mudanças climáticas; constitucionalismo ambiental; Leghari v. Paquistão; Ju-
liana v. USA.

Abstract

The effects of climate change, increasingly present in society, demand from


the Law the confrontation and regulation of global, regional, and local de-
mands for responses to mitigation, adaptation, and the losses and damages
related to this phenomenon, enhanced in the Anthropocene. In this context,
from a comparative methodological perspective, the emergence and reco-
gnition of Climate Constitutionalism based on the three-dimensionality of
*  Recebido em 02/07/2021 climate change law, based on international, national, and transnational regi-
   Aprovado em 23/08/2021 mes for dealing with changes in the climate and its effects. To illustrate the
practical importance of climate constitutionalism, the paradigmatic climate
**  Professor do Programa de Pós-Graduação
disputes Leghari v. Pakistan and Juliana v. USA that, in common, reflect on
em Direito da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - UNISINOS. Pós-Doutor University of the role played by constitutional provisions as a strategy to face the weake-
California, Berkeley, CA, USA. Líder do Grupo ning of fundamental rights due to the negative effects of climate change.
de Pesquisa Direito, Risco e Ecocomplexidade
(CNPq). Advogado.
Email autor: delton@deltoncarvalho.com.br
Keywords: Climate changes; three-dimensionality of climáticos encontram-se. Tais litígios trazem à discus-
climate change law; environmental constitutionalism; são jurídica uma nova dimensão de (in)justiça, para além
Leghari v. Pakistan; Juliana v. USA. da social e da ambiental. Trata-se da justiça climática.

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
A entrada do Direito no Antropoceno demanda por uma
teoria constitucional compatível e apta a guiar o Estado
de Direito nesta nova dimensão de conflitos e de justiça
1 Introdução climática. Aí que começam os recentes debates acerca
da formação de um Constitucionalismo Climático, uma
Com a intensificação dos eventos climáticos extre- evolução de seu predecessor, o ambiental.
mos e sua chegada antecipada frente as previsões cien-
tíficas, o Direito passa a uma posição de protagonismo Finalmente, a importância de um Constitucionalis-
no processo global que vem demandando por respostas mo Climático, como um elo congruente entre as diver-
à mitigação, à adaptação e às perdas e danos relaciona- sas experiências constitucionais para tratamento da ma-
das às mudanças climáticas. Diante desta constatação, téria climática, é trazida a partir de um estudo lançado
há a necessidade de delinear as bases estruturantes des- sobre dois dos mais relevantes casos de litígios climá-
te ramo, construído nas fronteiras do sistema jurídico ticos, Leghari v. Paquistão e Juliana v. USA. Apesar das
com o da ciência. Para tanto, o presente texto elucida diferenças entre estes casos, ambos trazem uma reflexão
não apenas o Direito das Mudanças Climáticas nas di- sobre a importância do papel exercido pelas previsões
mensões mais tradicionais do Direito, isto é, o Direito constitucionais, como estratégia para enfrentar a fragi-
Internacional e o Direito Nacional, mas também apre- lização de direitos fundamentais em razão dos efeitos
sentar a formação de uma nova dimensão, a transna- negativos das mudanças climáticas. Ainda em nível de
cional. Esta dimensão emerge tanto dos instrumentos semelhanças, estes aproximam-se também na influência
internacionais clássicos como das aquisições evolutivas que produziram e produzem em nível transnacional.
obtidas nos direitos nacionais e regionais, que ganham
influência global por uma metodologia de direito com-
parado. Como fator propulsor destas aquisições, encon- 2 Regime climático internacional
tra-se um fenômeno, cada vez mais intenso, que é o da
litigância climática. O Direito das Mudanças Climáticas é constituído
Em seguida, o presente texto aprofunda uma análise por um regime jurídico tridimensional, constituído pelos re-
acerca desta dimensão transnacional. Necessário trazer à gimes internacional, transnacional e nacional de trata-
tona que uma geração de conflitos e problemas ambien- mento da mudança climática e seus efeitos. Entre 1988
tais surgiram a partir do avançar da Sociedade Industrial. e 19902, as mudanças climáticas passaram a ser deter-
Este fenômeno produziu uma vasta consagração do di- minadas como “uma preocupação comum para a hu-
reito ao meio ambiente equilibrado e sadio em diversas tradi- manidade”, momento em que a Assembleia das Nações
ções constitucionais com o objeto apresentar respostas Unidas formalmente começou a colocar em movimento
aos desafios da justiça ambiental, formando-se aquilo as negociações para um tratado que enfrentasse tanto a
que vem sendo denominado Constitucionalismo Am- mudança climática quanto seus efeitos.3
biental. Com a entrada do Antropoceno1 em cena, agre- Tais negociações culminaram com a adoção da Con-
gam-se a uma primeira geração de conflitos ambientais, venção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças
problemas de ordem mais complexa, desterritorializada Climáticas (UNFCCC, em inglês) em 1992. O regime in-
e transtemporal. E é nesta nova geração onde os litígios ternacional do Direito das Mudanças Climáticas orbita a
partir de três instrumentos de Direito Internacional: a
1 
Antropoceno consiste em um conceito que representa “era dos
humanos”, criado para descrever uma nova era geológica, ainda não
oficial, a partir da qual as dinâmicas do sistema terrestre são deter- 2 
Neste sentido, vide a Resolução 43/53, de 6 de dezembro de
minadas pela atividade humana. O termo foi proposto por Paul J 1988, a Resolução 44/207, de 22 de dezembro de 1989, a Resolução
Crutzen em 2002, em texto publicado na revista Nature. CRUTZEN, 45/212, de 21 de dezembro de 1990 e a Resolução 46/169, de 19 de
Paul J. Geology of mankind. Nature, United Kingdom, v. 415, n. dezembro de 1991, todas da Assembleia Geral das Nações Unidas.
6867, p. 23, 2002. Gale Academic OneFile. Disponível em: <link. 3 
SANDS, Philippe; PEEL, Jacqueline. Principles of International
gale.com/apps/doc/A187492027/AONE?u=anon~5b737584&si Environmental Law. 4. ed. Cambridge: Cambridge University Press,
d=googleScholar&xid=ab3cd6bc>. Acesso em: 26 jun. 2021. 2018. p. 299.
194
referida Convenção-Quadro de 1992, o Protocolo de conformidade com as prioridades políticas e econômi-
Quioto de 1997 e o Acordo de Paris de 20154. A Con- cas domésticas de cada Parte.
venção-Quadro consiste em um instrumento bastante

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
amplo que estabelece objetivos e princípios básicos, as-
sim como as estruturas de negociação para converter
estes princípios em obrigações mais concretas. Portan-
3 Regime climático nacional
to, esta depende de regulamentação. Já o Protocolo de
De outro lado, as respostas jurídicas às mudanças
Quioto é um tratado derivado da Convenção-Quadro,
climáticas devem também ser objeto de atenção em ní-
cujo conteúdo estabelece metas e cronogramas para re-
vel de direito doméstico. Em outras tintas, as mudanças
duzir a emissão de gases do efeito estufa. Este adota um
climáticas devem ser pensadas e negociadas globalmen-
regime top-down, estabelecendo obrigações vinculantes
te, mas as ações mitigadoras, adaptativas e de perdas e
independentes para a redução de emissões por países
danos devem ser executadas localmente. Para tanto, os
desenvolvidos, a ser obtida por meio de uma série de
países passam a desenvolver seu Direito das Mudanças
instrumentos de mercado de mitigação climática e aten-
Climáticas em nível interno: (i) ratificando tratados cli-
dimento de suas metas.
máticos de direito internacional; (ii) promulgando nor-
O Acordo de Paris, por seu turno, representa o ápice mativas acerca da matéria climática, tais como previsões
deste processo de negociações no plano internacional e constitucionais, processos legislativos nacionais, subna-
prevê a estrutura normativa para governança climática cionais e municipais, e atos normativos infralegais; (iii)
a partir de 2020. O tratado compromete as Partes, por por meio do desenvolvimento de planos executivos de
meio de um consenso político internacional, “a manter mitigação e adaptação climática. As estratégias também
o aumento da temperatura média global bem abaixo de podem se basear em instrumentos de mercado, como é
2°C em relação aos níveis pré-industriais, e envidar es- o caso da taxação do carbono, de um lado, e a forma-
forços para limitar esse aumento da temperatura a 1,5°C ção de um mercado de carbono (cap-and-trade), de outro.
em relação aos níveis pré-industriais, reconhecendo que Assim, qualquer medida para combate nacional às mu-
isso reduziria significativamente os riscos e os impactos danças climáticas necessariamente terá de lançar mão
da mudança do clima.”5 de alguma destas estratégias: regulação jurídica conven-
Diferentemente do Protocolo de Quioto, o Acor- cional, taxação das emissões ou mercado de quotas de
do de Paris não tem um prazo final definido, prevendo emissões. Finalmente, um importante fator de propul-
um processo contínuo de submissão de ações climáti- são e definição da regulação climática é exercido pelas
cas voluntárias pelos países, as chamadas Contribuições cortes jurisdicionais (nacionais, regionais, comunitárias
Nacionalmente Determinadas (NDCs, acrônimo na ou mesmo internacionais), naquilo que é denominado
língua inglesa). Como manifestação ao princípio das res- litigância climática.7
ponsabilidades comuns, porém diferenciadas, estas devem re- O regime jurídico climático brasileiro é estruturado
fletir a mais alta ambição possível de cada Parte, sendo sobre as bases da Política Nacional sobre Mudança do
periódica e progressivamente revistas pelos países6. Ao Clima - PNMC, instituída pela Lei nº 12.187 de 29 de
invés de metas e cronogramas rígidos para as reduções dezembro de 2009, de um lado, e a ratificação do Acor-
de emissões, o Acordo de Paris adotou uma abordagem do de Paris pelo Decreto nº 9.073, de 5 de junho de
bottom-up, com as ações de mitigação e de adaptação 2017, de outro. Também, o direito doméstico deve ado-
sendo determinadas individualmente pelas partes em tar como diretrizes da PNMC todos os compromissos
assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção-Quadro

4 
FARBER, Daniel A.; CARLARNE, Cinnamon P. Climate Change 7 
UNEP - United Nations Environment Programme. Global Climate
Law. St. Paul: Foundation Press, 2018. p. 57. Litigation Report: 2020 Status Review. Nairobi: United Nations Envi-
5 
Vide o artigo 1º, (a), do Acordo de Paris de 2015. UNFCCC - ronment Programme; Sabin Center for Climate Change Law, 2020.
UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLI- Acerca
do conceito de litigância climática, vide: CARVALHO, Délton
MATE CHANGE. Acordo de Paris. 2015. Disponível em: https:// Winter de; BARBOSA, Kelly de Souza. Litigância climática como
unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement/the-paris- estratégia jurisdicional ao aquecimento global antropogênico e mu-
agreement. Acesso em: 10 jun. 2021. danças climáticas. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 16, n. 2, p.
6 
FARBER, Daniel A.; CARLARNE, Cinnamon P. Climate Change 54-72, 2019. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.
Law. St. Paul: Foundation Press, 2018. p. 67. uniceub.br/rdi/article/view/5949/pdf. Acesso em: 12 ago. 2021.
195
das Nações Unidas sobre o Clima e demais documen- nacional. Esta, volta-se para os aspectos globais do Direi-
tos sobre mudança climática dos quais o país vier a ser to das Mudanças Climáticas, tendo por base propulsora
signatário (art. 5º da Lei nº 12.187/2009). Importante a expansão global dos litígios climáticos que, por seu

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
destacar que, no sistema pátrio, há uma ambiguidade de turno, desencadeiam um movimento transnacional por jus-
metas, capaz de causar confusões e insegurança jurídica. tiça climática8. Neste processo, cada vez mais frequente,
Primeiro, o texto legal da PNMC prevê como meta a casos paradigmáticos mundiais passam a influenciar e
redução de 36.1% a 38.9% das emissões projetadas até ter sua aderência testada em outras jurisdições, desen-
2020, tendo como base o inventário de 2010 (art. 12 da cadeando uma verdadeira governança climática transnacional
Lei nº 12.187/2009). Para a obtenção e sistematização pelo litígio9. Os litígios climáticos são fenômenos juris-
desta meta climática nacional, a projeção das emissões dicionais e, portanto, frequentemente ocorrem em âm-
para 2020 são quantificadas setorialmente para (i) mu- bito local, em cortes nacionais ou subnacionais. Ante a
dança de uso da terra, (ii) energia, (iii) agropecuária, (iv) constante ausência de um caráter vinculante (binding) e
processos industriais e tratamento de resíduos, median- de execução forçada (enforcement) dos instrumentos in-
te regulamentação emanada do Decreto nº 9.578, de 22 ternacionais, como o Acordo de Paris, os litígios climá-
de novembro de 2018 (vide art. 18). Finalmente, esta re- ticos envolvem litigantes e decisões de cortes domésti-
gulamentação infra legal define planos setoriais de mitigação cas10. Apesar de frequentemente os litigantes serem de
e adaptação climática para a consecução dos objetivos de- uma mesma nação, onde tramita a demanda jurisdicio-
finidos pela PNMC, notando-se forte destaque ao com- nal, o caráter transnacional decorre da constatação de que
bate ao desmatamento (art. 17). Tais planos consistem os seus reflexos judiciais adquirem um alcance local e
em planejamentos executivos setoriais de conteúdo cientí- global, simultaneamente11.
fico, com função de operacionalizar a governança climática
Um dos aspectos mais destacados desta dimen-
por setores e com força normativa. Nota-se, portanto, um
são, originadas nas orientações emanadas do próprio
sistema normativo, com metas setoriais quantificáveis e
Acordo de Paris, é o fato da governança climática: (i) ser
planejamentos executivos operacionais.
multinível e para além do Estado (tendo como atores
De outro lado, a ratificação do Acordo de Paris, indivíduos, organizações não governamentais, cidades,
promulgada pelo Decreto nº 9.073/2017, torna norma estados, países, entre outros); (ii) ter uma sólida base
doméstica a meta climática de manutenção do aumento da científica (fundada em Relatórios Científicos do Inter-
temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos governmental Panel on Climate Change - IPCC); e (iii)
níveis pré-industriais, e envidar esforços para limitar esse aumento identificar o potencial que as mudanças climáticas têm
da temperatura a 1,5° em relação aos níveis pré-industriais. Para de afetar os mais vulneráveis e ocasionar a violação aos
tanto, a NDC brasileira prevê, como meta brasileira ao
Acordo de Paris, a redução de 37% na emissão de gases do 8 
PEEL, Jacqueline; LIN, Joline. Transnational Climate Litigation:
efeito estufa para 2025 em comparação às emissões registradas The Contribution of the Global South. The American Society of Inter-
em 2005, e 43% em 2030, com obtenção de neutralidade cli- national Law, Singapore, v. 113, n. 4, p. 679–726, 2019. p. 681. No que
mática em 2060. Digno de destaque que referida meta tange a relação entre as mudanças climáticas e os aspectos transna-
cionais do direito, ver: SAINT-GENIÈS, Géraud de Lassus. Direito
está construída sobre bases diversas daquelas previstas transnacional e mudanças climáticas. Revista de Direito Internacional,
na PNMC, havendo uma ambígua duplicidade de me- Brasília, v. 13, n. 3, 2016 p. 49-61. Disponível em: https://www.pub-
tas climáticas no sistema jurídico climático nacional. Da licacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/4377/pdf. Acesso
em: 12 ago. 2012.
mesma forma, giza-se a ausência de um sistema com- 9 
CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua
pleto, coerente e operacional da NDC brasileira, uma regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação
vez ausente a uma setorização quantificável das metas e ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 188-197. CAR-
de respectivos planos executivos. VALHO, Délton Winter de. Estado de Direito Ambiental. In: Gestão
Jurídica Ambiental. p. 124-151. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
p. 140-149.
10 
PEEL, Jacqueline; LIN, Joline. Transnational Climate Litigation:
The Contribution of the Global South. The American Society of Inter-
4 Regime climático transnacional national Law, Singapore, v. 113, n. 4, p. 679–726, 2019. p. 696.
11 
BODANSKY, Daniel. Climate Change: Transnational Legal Or-
der or Disorder? In: HALLIDAY, Terence C.; SHAFFER, Gregory
Para além das dimensões internacional e nacional, há (Eds.). Transnational Legal Orders and Regulatory Law. Cambridge: Cam-
a formação de uma, cada vez mais forte, dimensão trans- bridge University Press, 2015. p. 287-308.
196
direitos humanos, tais como a vida, a dignidade da pes- de um lado direitos subjetivos públicos e, de outro, deveres
soa humana, a propriedade, o meio ambiente ecologi- objetivos de proteção14.
camente equilibrado, entre outros. E é no âmago deste

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
A partir de uma perspectiva metodológica compa-
movimento transnacional que um constitucionalismo
rada15, o Constitucionalismo Ambiental atua em uma
global passa a adquirir sua face ambiental e, mais recen-
dimensão transnacional, a partir da qual a comparação
temente, climática.
entre a adoção da proteção ambiental nas diversas tradi-
ções constitucionais mundiais, no direito internacional,
nos direitos humanos e no direito ambiental, é capaz de
5 O constitucionalismo ambiental formar um corpo coerente apto a permitir o preenchi-
mento de lacunas e uma influência recíproca em prol de
O aumento das preocupações com o equilíbrio am- uma efetiva proteção do ambiente a partir de um nível
biental global repercute em um crescimento da inserção e um status constitucional. Trata-se, portanto, de um
de direitos e obrigações ambientais nas constituições de fenômeno global emergente de direito constitucional
diversos países. A inserção de disposições ambientais comparado, formando um processo de interpretação
constitucionais substanciais teve seu início na década de coerente das diversas culturas constitucionais em mul-
70, sendo a Iugoslávia, por exemplo, um dos primeiros tiníveis, tais como subnacional, nacional e supranacio-
países a adotar um direito ao meio ambiente em nível nal16.
constitucional, em 197412, em decorrência da influên- Erin Daly e James May chamam a atenção para cin-
cia internacional exercida pela Conferência das Nações co vantagens do constitucionalismo ambiental ou, em
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de Estocol- outras palavras, da proteção constitucional do ambiente
mo em 1972. Esta proliferação de previsões de direitos em detrimento de sua previsão apenas em normas infra-
substanciais ou procedimentais ambientais em consti- constitucionais17. A primeira vantagem é a superioridade
tuições ao redor do mundo estabeleceu a marca de que, normativa e maior durabilidade das normas constitucio-
em 2015, 76 países já reconheciam expressamente o di- nais em relação àquelas de natureza diversa. A segunda,
reito ao meio ambiente em suas constituições13. se dá no sentido de que, como parte de uma lei superior
Não obstante uma influência internacional, as pre- de um dado território, a provisão constitucional guia o
visões constitucionais de cada país são marcadas por próprio discurso e comportamento público. Um terceiro
especificidades nos respectivos textos constitucionais, benefício é a probabilidade de obediência, que aumenta
influenciados por suas próprias culturas, teorias, doutri- em face de provisões constitucionais. A quarta vantagem
nas e jurisprudências constitucionais nacionais. Há uma apresentada pelos autores diz respeito ao fato de que,
grande diversidade no tratamento constitucional do quando comparadas com leis ambientais ordinárias,
meio ambiente dado pelos países, destacando-se, aqui, estas cobrem questões mais específicas, as disposições
a região latino-americana. A exemplo do Equador e da constitucionais ambientais protegem direitos substanti-
Bolívia, que consideram a natureza como uma entidade vos ambientais amplos, não apenas inerentes a matérias
legal (Pachamama e o princípio do “buen vivir”). Outros paí- específicas ou isoladas. Finalmente, a quinta vantagem
ses como Brasil, México, Colômbia e Argentina inseri- da tutela constitucional em detrimento da proteção
ram o direito ao meio ambiente em suas constituições apenas por leis infraconstitucionais, consiste em que o
na década de 80, em grande parte atribuindo direitos sub- constitucionalismo ambiental fornece uma rede de se-
jetivos individuais ao ambiente sadio. No caso do Brasil, a
inserção do direito fundamental ao meio ambiente eco- 14 
CARVALHO, Délton Winter de. Desastres ambientais e sua
logicamente equilibrado envolve uma dupla dimensão, regulação jurídica: deveres de prevenção, resposta e compensação
ambiental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020a. p. 139-140.
15 
MAY, James R; DALY, Erin. Global Environmental Constitutionalism.
12 
KOTZÉ, Louis J. The Fundamentals of Environmental Consti- New York: Cambridge University Press, 2015.
tutionalism. In: KOTZÉ, Louis J. Global Environmental Constitutional- 16 
DALY, Erin; MAY, James R. Comparative environmental con-
ism in the Anthropocene. Cap. 5, p. 133-175. Oxford; Portland: Hart stitutionalism. Jindal Global Law Review, Sonipat, v. 6, n. 1, p. 9-30,
Publishing, 2016. p. 136. 2015. p. 10.
13 
DALY, Erin; MAY, James R. Comparative environmental con- 17 
DALY, Erin; MAY, James R. Comparative environmental con-
stitutionalism. Jindal Global Law Review, Sonipat, v. 6, n. 1, p. 9-30, stitutionalism. Jindal Global Law Review, Sonipat, v. 6, n. 1, p. 9-30,
2015. p. 10. 2015. p. 21-22.
197
gurança para proteger o meio ambiente quando regras nalismo global, naquilo que vem sendo descrito como
internacionais ou outras leis domésticas não se mostram constitucionalismo climático21.
suficientemente fortes para sua imposição judicial.

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
A conscientização acerca da gravidade da emergên-
Digno de nota que a constitucionalização de uma cia climática levou a uma evolução do constitucionalis-
determinada matéria torna sua proteção mais perene mo ambiental para um de índole climática, com algumas
e guia as decisões jurídicas futuras de um sistema jurí- constituições começando a incluir direitos especifica-
dico, controlando a temporalidade jurídica, a partir de mente relacionados à estabilidade climática. Neste sen-
uma dimensão constitucional. Limita-se, assim, o âmbi- tido, há pelo menos sete países que já incorporaram o
to de discricionariedade futura, quer da Administração assunto mudanças climáticas em seus respectivos tex-
Pública quer das próprias cortes judiciais. Nos termos tos constitucionais, sendo eles República Dominicana
acima enfrentados, o constitucionalismo ambiental en- (1998), Venezuela (1999), Equador (2008), Vietnam
volve uma dimensão fundamental (constitucionalismo (2013), Tunísia (2014), Costa do Marfim (2016) e Tai-
ambiental fundamental), a partir dos dispositivos cons- lândia (2017)22. Outros países, como França e Chile
titucionais textuais que protegem direitos substantivos consideram a realização de referendos para a inclusão
e procedimentais dos cidadãos à qualidade ambiental, de referências ao ambiente e à luta às mudanças climáti-
assegurados por instrumentos nacionais ou subnacio- cas. No Brasil, há a Proposta de Emenda Constitucional
nais18. Além disso, há uma segunda forma de constitu- – PEC nº 233/2019 da Estabilidade Climática, a qual
cionalismo ambiental, naquilo que se denomina “cons- visa incluir entre os “princípios da ordem econômica a
titucionalismo ambiental estrutural” como a alocação manutenção da estabilidade climática e determina que
de autoridade regulatória ambiental nos diversos níveis o poder público deverá adotar ações de mitigação da
governamentais e que reflete os limites e restrições es- mudança do clima e adaptação aos seus efeitos adver-
truturais à implementação de políticas ambientais19. sos”, por meio do acréscimo do inciso X ao art. 170 e o
inciso VIII ao §1° do art. 225, da Constituição Federal
de 198823.

6 O constitucionalismo climático Em nível transnacional, a Convenção-Quadro e o


Acordo de Paris formam as bases do processo de cons-
A consolidação, desde o final do século passado, da titucionalização da governança climática24. A imposição
nova era geológica, ainda informalmente denominada de novos problemas ambientais globais trazidos pelo
de Antropoceno, demanda por uma governança transna- Antropoceno, desencadeiam a necessidade de uma
cional e um constitucionalismo climático apto a forne- transição constitucional, apta a lidar com tais desafios.
cer as bases para à uma nova onda de conflituosidade jurídica Ante ausência de coercitividade do Direito Internacio-
global, dentre a qual destaca-se a climática. O Antropo- nal e a dificuldade do direito doméstico em lidar com
ceno impõe não apenas a necessidade de compreensão
de uma narrativa de emergência física (physis) mas, tam- 21 
JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana. Introduction to
bém, uma crise por justiça (polis)20, fortemente orientada the Research Handbook on Global Climate Constitutionalism. In:
pelo combate às vulnerabilidades climáticas. Para lidar JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana (Eds.). Research Hand-
book on Global Climate Constitutionalism. p. 1-17. Cheltenham (UK);
com este novo momento histórico, há a necessidade de Northampton (MA, USA): Edward Elgar Publishing, 2019.
integração entre a governança climática e o constitucio- 22 
MAY, James R.; DALY, Erin. Global Climate Constitutionalism
and Justice in the Courts. In: JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS,
Susana (Eds.). Research Handbook on Global Climate Constitutionalism.
p. 235-245. Cheltenham (UK); Northampton (MA, USA): Edward
Elgar Publishing, 2019. p. 240-241.
18 
HUDSON, Blake. Structural Environmental Constitutionalism. 23 
BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição
Widener Law Review. Wilmington, v. 21, p. 201-216, 2015. p. 201. n° 233, de 2019. Acrescenta o inciso X ao art. 170 e o inciso VIII
19 
HUDSON, Blake. Structural Environmental Constitutionalism. ao § 1º do art. 225 da Constituição Federal. Brasília, DF: Senado
Widener Law Review. Wilmington, v. 21, p. 201-216, 2015. p. 202. Federal, 2019.
20 
JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana. Introduction to 24 
JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana. Introduction to
the Research Handbook on Global Climate Constitutionalism. In: the Research Handbook on Global Climate Constitutionalism. In:
JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana (Eds.). Research Hand- JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Susana (Eds.). Research Hand-
book on Global Climate Constitutionalism. p. 1-17. Cheltenham (UK); book on Global Climate Constitutionalism. p. 1-17. Cheltenham (UK);
Northampton (MA, USA): Edward Elgar Publishing, 2019. p. 3. Northampton (MA, USA): Edward Elgar Publishing, 2019. p. 10.
198
problemas globais, o constitucionalismo global passa a con- enfrentamento do fenômeno global das mudanças cli-
ceber um corpo coerente para lidar com os desafios máticas por meio de soluções (constitucionais) mais
impostos pela justiça climática. Inicialmente, textos cons- localizadas, oriundas de um aprendizado transnacional em

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
titucionais nacionais, textos normativos internacionais prol de uma justiça climática. Ao termo justiça climática
ou regionais, assim como decisões em cortes nacionais atribuímos o sentido decorrente da forma pelas quais a
constitucionais, regionais e internacionais, começam mudança climática impactará direitos humanos básicos,
a formar peças que, apesar de num primeiro momen- exacerbando vulnerabilidades. No cenário brasileiro,
to mostrarem-se fragmentadas, logo em um segundo, uma manifestação deste Constitucionalismo Climático
formam um corpo global integrado e coerente capaz tem sido descrita a partir da ação civil pública climática
de exercer uma influência recíproca entre países e suas do IEA v. Brasil27, cujo conteúdo postula a defesa de
cortes, num constitucionalismo climático de dimensão um direito fundamental à estabilidade climática assim como o
transnacional. cumprimento da meta climática de combate ao desma-
tamento na Amazônia prevista no Plano de Prevenção
Este movimento evolutivo transconstitucional dire-
e Combate ao Desmatamento na Amazônia Legal - PP-
cionado à reflexão acerca da inclusão de direitos e de-
CDAm, como plano setorial de mitigação climática.
veres relacionados à estabilidade climática consiste em
uma resposta jurídica aos efeitos deletérios das mudan- A forte adesão das cortes judiciais e o status destacado
ças climáticas. Para James May e Erin Daly25, o consti- do texto constitucional nos sistemas jurídicos nacionais
tucionalismo climático oferece ao menos dois caminhos demonstra o potencial significativo que o constituciona-
adicionais para o avanço da justiça climática: a incorpora- lismo climático detém para desenhar respostas à justiça
ção expressa das mudanças climáticas no texto constitu- climática, a partir do desenho institucional do Estado
cional ou a inferência de que outros direitos constitucio- de Direito, especialmente a partir do nível doméstico.
nais expressos (vida, dignidade, devido processo e meio Além disso, o maior atributo do constitucionalismo é
ambiente equilibrado) incorporam implicitamente obri- servir de fundamento e sustentação para decisões em
gações que exigem respostas às mudanças climáticas. nível territorial nacional, direcionadas a solucionar con-
flitos climáticos referentes às circunstâncias particulares
A importância do constitucionalismo climático é
de cada país28. É a partir do constitucionalismo climáti-
permitir a absorção de aquisições evolutivas envolven-
co, como fenômeno transnacional, que há a formação
do elementos científicos e jurídicos transnacionais que
de uma base mais sólida para uma sustentação cada vez
sejam compatíveis e coerentes com a prática constitu-
mais efervescente dos litígios climáticos.
cional em nível nacional. Também, por se tratar de nor-
ma frequentemente aceita como de status superior e di-
recionada a uma determinada comunidade nacional ou
subnacional, a Constituição e o seu texto desfrutam de 7R
 ights-turn: a virada da litigância
uma perenidade e legitimidade perante as cortes. Desta climática em aproximação aos direitos
maneira, o tratamento do conteúdo climático pela teoria
humanos
constitucional tem como efeito fornecer a capacidade
de seu tratamento ser mais acessível judicialmente, de
Como é amplamente conhecido, a litigância vem se
ter maior capacidade de operacionalidade e maior apli-
mostrando uma profícua estratégia de governança cli-
cação prática local. Como dito na Constituição Norte-
-americana, a Constituição trata-se da lei suprema de
uma terra (“The Supreme Law of the Land”).26 O papel
27 
SETZER, Joana; CARVALHO, Délton Winter de. Climate Liti-
gation to Protect the Brazilian Amazon: Establishing a Constitu-
do constitucionalismo climático é, portanto, induzir o tional Right to a Stable Climate. Review of European, Comparative
& International Environmental Law – RECIEL; John Wiley & Sons,
Nova Jersey, v. 30, issue 32, p. 197-206, jul. 2021. Disponível em:
25 
MAY, James R.; DALY, Erin. Global Climate Constitutionalism < https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/reel.12409>.
and Justice in the Courts. In: JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS, Acesso em: 12 ago. 2021.
Susana (Eds.). Research Handbook on Global Climate Constitutionalism. 28 
MAY, James R.; DALY, Erin. Global Climate Constitutionalism
p. 235-245. Cheltenham (UK); Northampton (MA, USA): Edward and Justice in the Courts. In: JARIA-MANZANO, Jordi; BORRÀS,
Elgar Publishing, 2019. p. 240. Susana (Eds.). Research Handbook on Global Climate Constitutionalism.
26 
Conforme disposto no artigo VI da Constituição dos Estados p. 235-245. Cheltenham (UK); Northampton (MA, USA): Edward
Unidos da América, de 1787. Elgar Publishing, 2019. p. 245.
199
mática pela judicialização dos compromissos e metas invocando as normas, molduras (frameworks) e mecanis-
assumidas em nível internacional e doméstico. Também mos para a aplicação dos direitos humanos, a fim de
não se trata de novidade o fato deste fenômeno consis- responsabilizar juridicamente governos a cumprirem

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
tir em um processo dinâmico e inovador que faz uso de com tais objetivos31.
instrumentos judiciais com o escopo de cobrar medi-
Na sequência passamos a enfrentar alguns casos
das necessárias para a mitigação, adaptação ou perdas e
emblemáticos para demonstrar a força tanto da virada
danos climáticos, a serem adotadas pelos governos ou
dos litígios climáticos em direção aos direitos humanos
atores privados. Como já demonstrado, as iniciativas
quanto a importância de um constitucionalismo trans-
ocorridas em cada país dialogam influenciando trans-
nacional para sustentar um Estado de Direito capaz de
nacionalmente umas às outras, despertando reflexões
enfrentar os desafios da justiça climática. Este é o caso
acerca da viabilidade e aderência destas estratégias em
exatamente de Leghari v. Paquistão32, onde há uma im-
nível doméstico. Uma importante característica deste
portante transição da noção de justiça ambiental em di-
fenômeno emergente em plena efervescência é a utili-
reção de sua dimensão climática. De outro lado, em casos
zação de instrumentos judiciais para lidar com os de-
de litígios estratégicos não é raro o fato de que, mesmo
safios trazidos pela mudança climática, permeando tais
os casos que não tenham sido julgados procedentes são
debates pela reinterpretação de conceitos jurídicos tra-
capazes de servir de bases para iniciativas futuras bem
dicionais.
como de induzir mudanças de comportamentos, indu-
Apesar de uma inegável fragmentariedade deste fe- tivamente. Este é o caso de Juliana v. USA, que lançou
nômeno, também é verdade que tais ações guardam re- luzes sobre o potencial de um direito fundamental à estabi-
lação e semelhanças por refletirem em última instância lidade climática.
respostas jurídicas às informações e dados científicos
climáticos. Num padrão mais recente, estas demandas 7.1 C
 ase Leghari v. Paquistão: a reinterpretação
judiciais climáticas vêm chamando a atenção para a re- dos direitos fundamentais ante os novos
lação direta entre as consequências da mudança do cli- desafios da justiça climática
ma e seus efeitos deletérios (violação ou fragilização)
aos direitos humanos. A esta aproximação histórica O enfrentamento judicial da complexa questão climá-
entre litígios climáticos e direitos humanos (“rights-based tica deve ser analisado como um processo histórico, de
litigation”)29, foi endossada e fortalecida pelo próprio superação da estratégia jurídica baseada exclusivamente
texto contido no Preâmbulo do Acordo de Paris30. Em na regulação de comando e controle. A aproximação da
nível global, a recente direção dos litígios climáticos questão climática e os direitos humanos vem na esteira
apresenta um padrão estrutural que demanda judicial- evolutiva das conquistas da justiça social, num primei-
mente por medidas mitigatórias ou adaptativas (1) para ro momento, devidamente seguidas por sua dimensão
atender aos objetivos do regime climático traçados pelo Acor- ambiental e, mais recentemente, climática. Como bem
do de Paris em 2015 (governança climática); (2) a partir explica Randall S. Abate33, o “rights-based thinking” estava,
dos conhecimentos científicos quantificáveis vigentes,
trazidos pelo IPCC em seus relatórios e avaliações; (3) 31 
RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Litigating the Climate
Emergency: The Global Rise and Impact of the ‘Rights Turn’ in
29 
PEEL, Jacqueline; OSOFSKY, Hari M. A Rights Turn in Climate Climate Litigation. In: RODRÍGUEZ-GARAVITO, César (Ed.).
Change Litigation? Transnational Environmental Law - TEL, Cam- Litigating the Climate Emergency: How Human Rights, Courts, and
bridge, v. 7, n. 1, p. 37-67, dez. 2017. p. 37-67. Legal Mobilization Can Bolster Climate Action (prelo), Cambridge:
30 
“Reconhecendo que a mudança do clima é uma preocupação Cambridge University Press, 2021. No prelo. WEGENER, Lennart.
comum da humanidade, as Partes deverão, ao adotar medidas para Can the Paris Agreement Help Climate Change Litigation and Vice
enfrentar a mudança do clima, respeitar, promover e considerar suas Versa? Transnational Environmental Law - TEL, Cambridge, v. 9, n. 1,
respectivas obrigações em matéria de direitos humanos, direito à p. 17-36, jan. 2020.
saúde, direitos dos povos indígenas, comunidades locais, migrantes, 32 
Para acessar o inteiro teor vide: PAKISTAN. Lahore High Court.
crianças, pessoas com deficiência e pessoas em situação de vulnera- Leghari v. Pakistan. (2015) W.P. No. 25501/201. Disponível em:
bilidade e o direito ao desenvolvimento, bem como a igualdade de <http://climatecasechart.com/climate-change-litigation/non-us-
gênero, o empoderamento das mulheres e a equidade intergera- case/ashgar-leghari-v-federation-of-pakistan/>. Acesso em: 10 jun.
cional.” UNFCCC - UNITED NATIONS FRAMEWORK CON- 2021.
VENTION ON CLIMATE CHANGE. Acordo de Paris. 2015. 33 
ABATE, Randall S. Atmospheric Trust Litigation: Foundation
Disponível em: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris- for a Constitutional Right to a Stable Climate System? George Wash-
agreement/the-paris-agreement. Acesso em: 10 jun. 2021. ington Journal of Energy & Environmental Law, Washington, v. 10, n. 1,
200
até recentemente, adstrito ao domínio da justiça social. argumentativa a partir dos princípios constitucionais
Neste período, a litigância estratégica usava direitos hu- da justiça social e econômica. Ainda, lançou mão dos
manos para defesa dos civil rights e de ações afirmativas, princípios de direito ambiental internacional, tais como

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
a partir das bases da justiça social. Num segundo momen- desenvolvimento sustentável, princípio da precaução,
to evolutivo do direito norte-americano, esta estratégia estudo de impacto ambiental, equidade inter e intra-ge-
passo a ser ampliada para debates acerca da justiça am- racional e na doutrina da confiança pública (public trust
biental. A fim de superar um sistema regulatório exclusi- doctrine). Em decisão final ocorrida em 25/01/2018, a
vamente de comando e controle ambiental, a litigância Corte julgou procedente a demanda de interesse públi-
de justiça ambiental (environmental justice litigation) inseriu co, a fim de assegurar que a ausência da implementação
a rights-based theory, visando combater a exposição des- das políticas nacionais de mudança climática violava os
proporcional de grupos mais vulneráveis à poluição34 direitos fundamentais dos cidadãos paquistaneses.
a partir da utilização dos direitos fundamentais. Neste
Sem adentrar em profundidade em toda a riqueza
curso histórico, a justiça climática traz esta análise para
deste caso, destaca-se que para o Chief Justice Syed
uma dimensão mais complexa, atual e ampla na análise
Mansoor Ali Shah (Lahore High Court), enquanto a
e interpretação dos direitos fundamentais.
justiça ambiental tem uma abrangência mais local e res-
Este processo de transição de problemas de justiça trita aos nossos próprios ecossistemas e biodiversidade,
ambiental para aqueles relacionados à climática, é ob- a dimensão climática desta consiste em uma reinterpre-
jeto de atenção do caso Leghari v. Paquistão35. Ashgar tação da primeira. Assim, questões jurídicas climáticas
Leghari, um agricultor paquistanês, ajuizou uma ação envolvem um movimento de um debate “uma ques-
contra o Governo Federal do Paquistão, para cobrar tão ambiental linear”, inerente às questões de justiça
a execução, pelo governo paquistanês, de sua Política ambiental, em direção de um “problema global mais
Nacional de Mudança Climática de 2012, assim como complexo”36, que é a crise climática. A justiça climática,
o respectivo Plano para sua implementação (Framework portanto, “vincula direitos humanos e desenvolvimento
for Implementation of Climate Change Policy – 2014-2030). para alcançar uma abordagem centrada no ser humano”
Conforme constatado pela própria Corte de Apelação e deve ser “informada pela ciência, responder à ciên-
de Lahore, “nenhuma implementação prática ocorreu cia e reconhecer a necessidade de uma gestão equitativa
no local” até o momento do ajuizamento da ação pelo dos recursos do mundo”37. Nota-se que em Leghari v.
demandante. As razões do autor confrontavam a gra- Paquistão se atribuiu grande peso à ciência, como co-
vidade das mudanças climáticas e as vulnerabilidades municação capaz de descrever os efeitos negativos do
locais (inundações extremas e secas frequentes) com a fenômeno das alterações climáticas. Além disso, neste
ausência de quaisquer estratégias governamentais para caso, há uma tradução jurídica destas informações cientí-
conservar a água ou movimento na direção de sementes ficas para a constatação judicial de que a omissão gover-
resistentes ao calor, temendo o autor não ter condições namental em adotar as devidas ações climáticas acarreta
de manter o seu sustento pela produção agrícola. em violação a uma série de direitos fundamentais, como
à vida e ao meio ambiente, à propriedade e à dignidade
Em sua ação, Leghari postulou que a não implemen-
tação de tais instrumentos pelo governo acarretariam,
em nível doméstico, a violação de seus direitos funda-
36 
LSE - LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND PO-
LITICAL SCIENCE; GRANTHAM INSTITUTE ON CLIMATE
mentais, em especial o direito à vida, que inclui o direito ao CHANGE AND THE ENVIRONMENT. Ashgar Leghari v. Fed-
meio ambiente sadio e equilibrado, assim como o direito eration of Pakistan (Lahore High Court Green Bench 2015). Judg-
à dignidade da pessoa humana. Para tanto, usou uma base ment. Item n. 21. 2021. Disponível em <https://climate-laws.org/
geographies/pakistan/litigation_cases/ashgar-leghari-v-federation-
of-pakistan-lahore-high-court-green-bench-2015>. Acesso em: 10
p. 33-38, 2019. p. 34. jun. 2021. p. 22.
34 
ABATE, Randall S. Atmospheric Trust Litigation: Foundation 37 
LSE - LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND PO-
for a Constitutional Right to a Stable Climate System? George Wash- LITICAL SCIENCE; GRANTHAM INSTITUTE ON CLIMATE
ington Journal of Energy & Environmental Law, Washington, v. 10, n. 1, CHANGE AND THE ENVIRONMENT. Ashgar Leghari v. Fed-
p. 33-38, 2019. p. 34. eration of Pakistan (Lahore High Court Green Bench 2015). Judg-
35 
ABATE, Randall S. Atmospheric Trust Litigation: Foundation ment. Item n. 21. 2021. Disponível em <https://climate-laws.org/
for a Constitutional Right to a Stable Climate System? George Wash- geographies/pakistan/litigation_cases/ashgar-leghari-v-federation-
ington Journal of Energy & Environmental Law, Washington, v. 10, n. 1, of-pakistan-lahore-high-court-green-bench-2015>. Acesso em: 10
p. 33-38, 2019. p. 34. jun. 2021. p. 22.
201
da pessoa humana. Nas palavras da decisão em Leghari acatou a alegação dos autores a fim de adotar o padrão
v. Paquistão, o esquema dos direitos constitucionais, na mais exigente de escrutínio de políticas governamentais
atualidade, deve ser “projetado para atender às necessi- que possam estar violando direitos fundamentais42. Fa-

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
dades de algo mais urgente e poderoso, i.e., as Mudan- zendo uso da noção de liberdade (ordered liberty) como
ças Climáticas”.38 um direito fundamental a partir da substantive due pro-
cess clause em Obergefell v. Hodges43, a decisão prola-
7.2 C
 ase Juliana v. USA: o direito fundamental à tou que “ao exercer meu julgamento fundamentado não
estabilidade climática tenho dúvidas de que o direito a um sistema climático
capaz de sustentar a vida humana é fundamental para
Neste curso histórico, foi Juliana v. USA39 a ação uma sociedade livre e ordenada”44. Segundo esta, as
climática que ganhou grande holofote ao propor a via- ações governamentais que danificam o sistema climáti-
bilidade constitucional de defesa de um direito funda- co, são capazes de comprometer direitos fundamentais,
mental à um sistema climático estável. Para os autores, tais como a vida, a liberdade e a propriedade, protegidas
21 jovens norte-americanos, as políticas e programas constitucionalmente sob a égide da cláusula do devido
governamentais de fomento ao uso de combustíveis processo substancial (substantial due process clause). A
fósseis violaram seus direitos constitucionais à vida, à Juíza da Corte Distrital entendeu, ainda, pela existência
liberdade, à propriedade, à proteção igualitária (equal de um direito fundamental ao sistema climático estável,
protection), e aos recursos dados em confiança pela sob o argumento de que direitos fundamentais podem
comunidade à Administração (public trust resources)40. ser aqueles enumerados na Constituição, assim como
Em síntese, os autores afirmam que o governo federal aqueles que, apesar de não estarem previstos expressa-
ao autorizar, financiar e executar políticas e programas mente, são (1) “profundamente enraizados na história e
que causam ou contribuem para um “sistema climático tradução desta nação” ou (2) “fundamentais para o nos-
instável”, afeta negativamente a liberdade ordenada as- so esquema de liberalidade ordenada”45;46. Isto é, mes-
segurada pela Constituição dos EUA. Merece destaque
no case Juliana v. USA que, apesar de seu revés em nível 42 
MANK, Bradford C. Does the Envolving Concept of Due Pro-
recursal pela falta de judicialidade (justiciability)41, esta cess in Obergefell Justify Judicial Regulation of Greenhouse Gases
and Climate Change?: Juliana v. United States. UC Davis Law Review,
causa, ainda pendente de decisão final, representa um Davis, v. 52, p. 855-903, dez. 2018.
marco, sobretudo no conteúdo da decisão histórica da UNITED
STATES. Supreme Court of the United States. Kelsey Cas-
Juíza da Corte Distrital do Oregon, Ann Aiken. cadia Rose Juliana et al., v. United States of America et al. 947 F. 3d
1159 (9th Cir. 2020)a. Disponível em: http://climatecasechart.com/
Por entender que a instabilidade climática afeta os di- climate-change-litigation/case/juliana-v-united-states/. Acesso em:
reitos fundamentais, em especial os de liberdade, a juíza 10 jun. 2021.
43 
UNITED STATES. Supreme Court of the United States.
Obergefell et al. v. Hodges, Director, Ohio Department of Health,
38 
LSE - LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND PO- et al. 576 F. 3d 1298 (6th Cir. 2015). Disponível em: https://www.
LITICAL SCIENCE; GRANTHAM INSTITUTE ON CLIMATE supremecourt.gov/opinions/14pdf/14-556_3204.pdf. Acesso em:
CHANGE AND THE ENVIRONMENT. Ashgar Leghari v. Fed- 10 jun. 2021.
eration of Pakistan (Lahore High Court Green Bench 2015). Judg- 44 
UNITED STATES. Supreme Court of the United States. Kelsey
ment. Item n. 21. 2021. Disponível em <https://climate-laws.org/ Cascadia Rose Juliana et al., v. United States of America et al. 947
geographies/pakistan/litigation_cases/ashgar-leghari-v-federation- F. 3d 1159 (9th Cir. 2020)a. Disponível em: http://climatecasechart.
of-pakistan-lahore-high-court-green-bench-2015>. Acesso em: 10 com/climate-change-litigation/case/juliana-v-united-states/. Aces-
jun. 2021. p. 11. so em: 10 jun. 2021.
39 
Para acessar o inteiro teor da ação vide: UNITED STATES (a). Su- 45 
Texto original: “Fundamental liberty rights include both rights
preme Court of the United States. Kelsey Cascadia Rose Juliana et enumerated elsewhere in the Constitution and rights and liberties
al., v. United States of America et al. 947 F. 3d 1159 (9th Cir. 2020). which are either (1) “deeply rooted in this Nation’s history and tra-
Disponível em: <http://climatecasechart.com/climate-change- dition” or (2) “fundamental to our scheme of ordered libe1ty[.]”
litigation/case/juliana-v-united-states/>. Acesso em: 10 jun. 2021. UNITED STATES. Supreme Court of the United States. Kelsey
40 
MAY, James R.; DALY, Erin. Can the U.S. Constitution Accom- Cascadia Rose Juliana et al., v. United States of America et al. 947
modate a Right to a Stable Climate? (Yes, it can). UCLA Journal of F. 3d 1159 (9th Cir. 2020). Disponível em: http://climatecasechart.
Environmental Law & Policy, Los Angeles, p. 1-26, set. 2020. p. 2. com/climate-change-litigation/case/juliana-v-united-states/. Aces-
41 
UNITED STATES. Supreme Court of the United States. Kelsey so em: 10 jun. 2021a. p. 32.
Cascadia Rose Juliana et al., v. United States of America et al. 947 F. 46 
A corroborar com a análise deste argumento, vide: NOVAK,
3d 1159 (9th Cir. 2020)a. Disponível em: <http://climatecasechart. Scott. The Role of Courts in Remedying Climate Chaos: Transcend-
com/climate-change-litigation/case/juliana-v-united-states/>. ing Judicial Nihilism and Taking Survival Seriously. The George-
Acesso em: 10 jun. 2021. town Environmental Law Review, Washington, v. 32, n. 743, p. 743-
202
mo em uma tradição jurídica que analisa os direitos fun- Assim, um Constitucionalismo Climático, forjado
damentais a partir de uma perspectiva eminentemente na dimensão transnacional de aprendizados e influên-
individualista, como é o caso da tradição constitucional cias recíprocas, em alguma medida, estabelece as bases

CARVALHO, Délton Winter de. Constitucionalismo climático como fundamento transnacional aos litígios climáticos. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 19, n. 1, p. 192-205, 2022.
norte-americana, a sua reflexão a partir dos desafios para o movimento da virada dos direitos (rights-turn) se
impostos para mudança climática foi capaz de trazer à desenvolverem, unindo governança climática e direi-
tona a convicção judicial de que “o direito a um siste- tos humanos. Neste caminho evolutivo, o leading case
ma climático estável capaz de sustentar a vida humana climático Leghari v. Pakistan promove uma precursora
é fundamental para uma sociedade livre e ordenada”.47 releitura de direitos fundamentais tradicionais (à vida,
à dignidade humana, à saúde, ao patrimônio e ao meio
ambiente), elaborada a partir do emergir de um novo
contexto global de justiça climática. De outro lado, Juliana
8 Considerações finais v. USA, propõe a viabilidade de um direito fundamental
à integridade climática, em virtude do sistema climático
O Constitucionalismo Climático emerge da dimen-
equilibrado ser fundamental para uma sociedade justa e
são transnacional do Direito das Mudanças Climáticas, a
livre. Ambas as ações, independentemente dos resulta-
partir de uma simbiose entre as dimensões internacional
dos, lançam luzes sobre outras diversas tradições consti-
e a nacional. Adotando uma perspectiva metodológica
tucionais, mostrando toda a força da dimensão transna-
comparada, forma-se um corpo coerente e sistemático
cional dos litígios climáticos e a formação das bases de
de como as estruturas constitucionais podem assegurar
um Constitucionalismo Climático. Afinal, como dito na
uma atenção judicial cuidadosa às violações aos direitos
inicial da ação climática brasileira do IEA v. Brasil, “per-
fundamentais ocasionadas por omissões ou atividades
cebe-se, portanto, que a estabilidade climática se trata de
vinculadas às mudanças climáticas.
uma nova necessidade social essencial à preservação da
O presente texto visa apresentar a novel termino- vida humana e do equilíbrio ecológico”.48
logia do Constitucionalismo Climático, como estratégia
transnacional de aprendizagem acerca do papel que os
direitos fundamentais têm num cenário de mudanças
climáticas e, consequentemente, de conflitos jurisdicio-
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