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MESTRADO EM DIREITO
PABLO BUOGO
PLANO DE ESTUDOS
1. Introdução
2.Objetivos
O Objetivo Geral reside na compreender a implantação do Tribunal do Júri no Brasil
Império, a construção da ideia de soberania popular do instituto, bem como seu
funcionamento durante a Primeira República Brasileira e a Era Vargas (1822-1946).
Nos objetivos específicos, pretende-se: analisar a implantação do júri popular no
Brasil Imperial por meio de disposições legais e constitucionais; abordar de forma crítica, o
período referente à Primeira República no Brasil (1889-1930), observando a previsão do júri
em 1891 na primeira Constituição Republicana, bem como as disposições que permitiram a
descentralização das normas processuais e de organização judiciária e sua delegação aos
estados da federação; entender, a partir da descentralização operada na Primeira República
(1889-1930), como o estado de Santa Catarina organizou o tribunal popular por intermédio de
normas próprias, e como estas normas tratavam da soberania dos veredictos. Averiguar a
transição do tribunal do júri da Primeira República, para o formato surgido durante a Era
1
Adequação à linha de pesquisa conforme descrição contida em:
https://www.ppgdfurb.com.br/linhasdepesquisa. Acesso em 28 out. 2022.
Vargas, encontrando marco final em 1946, com a inserção da soberania dos veredictos como
princípio constitucional.
3. Justificativa
4. Referencial Teórico
2
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490263. Acesso
em 28 out. 2022.
Inicialmente, destaque-se que não existe intenção de revelar a origem do julgamento
popular, mas sim abordar-se o fortalecimento das decisões colegiadas e populares, ocorrida
durante os séculos XVII e XVIII, a partir dos ideais iluministas, uma vez que o povo se
tornou detentor de soberania, conforme a moderna teoria da democracia, considerada por
Rousseau como “autogoverno do povo”, sendo o povo “o conjunto dos indivíduos que se
constituem como corpo soberano” (COSTA, 2010, p. 203/204).
A soberania dos veredictos estaria conectada à ideia de soberania popular, ganhando
especial contorno após a Revolução Francesa. O júri se tornou ponto decisivo na reforma do
processo penal, sendo necessário para coibir “a arbitrariedade e crueldade do sistema penal do
Antigo Regime” (SCHIOPPA, 2014, p. 311). Em consequência desse protagonismo, o
veredicto dos jurados tornou-se inapelável, comparando-se a um “verdadeiro ordálio (“vox
Populi, vox Dei”), não suscetível de revisão na medida em que os jurados representavam a
sociedade no seu todo, ou seja, o povo que constituía a própria fonte da soberania”
(SCHIOPPA, 2014, p. 312). No início do júri, este se tratava de um júri puramente
testemunhal, onde apenas se afirmava ou negava a verdade, razão pela qual não caberia
recurso de apelação sobre tais “decisões” (WOLKMER, 2006).
No Brasil, a implantação do Júri derivou de um processo iniciado em Portugal, e que
culminou com a reprodução parcial da cultura jurídica europeia no Brasil Colônia (DAL RI
JR et al, 2008).
Com a construção do liberalismo em Portugal, influenciada pela Revolução do Porto
ocorrida em 1820 (LORENZONI, 2017), D. João VI promoveu a abertura da liberdade de
imprensa por meio do Decreto de 02 de março de 1821 e para coibir abusos, as Cortes de
Lisboa, por intermédio do Decreto de 12 de julho de 1821, regularam um sistema para
julgamento dos delitos de imprensa, atribuindo a competência para conhecimento de tais
crimes a um “Conselho de Juizes de Facto” (BRASIL, 1821). Após o retorno de D. João VI a
Portugal, D. Pedro I, em 18 de junho de 1822, introduziu no Brasil os “Juizes de Facto para
julgamento dos crimes de abusos de liberdade de imprensa”(BRASIL, 1822). No aspecto
recursal, somente caberia apelação às decisões emanadas pelo tribunal do Júri dirigida ao
próprio Imperador3.
3
“Os réos só poderão appellar do julgado para a Minha Real Clemencia” (BRASIL, 1822).
Após a independência do Brasil, entrou em vigor da Lei de 20 de outubro de 1823, a
qual mantinha no país as leis e outras normas editadas pelos Reis de Portugal até abril de
1821, resolvendo de forma simples a carência de leis brasileiras (DAL RI JR et al, 2008), até
que se pensasse em uma legislação genuinamente nacional (NUNES, 2019) .
Com a primeira Constituição do Brasil independente em 1824, o júri recebeu
previsão nos artigos 151 e 152, permitindo aos jurados o julgamento de causas cíveis e
criminais4 (BRASIL, 1824). Em 20 de setembro de 1830, a nova Lei de Imprensa organizou o
procedimento do Júri, dividindo-o em duas fases: a primeira de viabilidade da acusação (júri
de acusação), e a segunda de julgamento dos fatos (júri de julgação).
O recurso de apelação era o único cabível, entre outras hipóteses, “quando o Juiz de
Direito se não conformar com a decisão dos Juizes de Facto” (BRASIL, 1830), inaugurando-
se a possibilidade de os Magistrados exercerem controle sobre os veredictos dos jurados. Tal
recurso “ex officio” permitia ao magistrado confrontar as decisões dos jurados em decisões
absolutórias ou condenatórias. Na Inglaterra dos Séculos XVI a XVIII, já existia previsão de
tal apelo: ao juiz era permitido “colocar em discussão um veredicto considerado injusto e
errôneo e pedir a nomeação de um segundo júri” (SCHIOPPA, 2014, p. 267).
A Constituição de 1824 estabeleceu que os Códigos futuros iriam organizar o
tribunal popular, determinando a sua competência e funcionamento, ocorrendo a
constitucionalização do júri e do processo de codificação. Segundo Wolkmer (2003, p. 72), “a
reforma liberal do sistema judicial no período posterior à Independência se completa com o
Código de Processo Criminal”, se referindo à Lei de 29 de novembro de 1832, o qual baseou-
se nos sistemas inglês e francês, fortaleceu o sistema de jurados, extinguindo-se de vez a
estrutura colonial portuguesa. Transferiu-se a administração do poder punitivo, passando às
autoridades locais, tais como os juízes de paz, e ao júri (BATISTA, 2016).
O Código de Processo de 1832 tornou o júri como regra, ocorrendo a ampliação de
sua competência. Manteve-se a existência do júri de acusação e o júri de julgação, o qual foi
transformado em júri de sentença, estabelecendo de forma pormenorizada o procedimento de
quesitação e votação. Acerca dos recursos, o artigo 301 do novo Código previa novamente a
4
Pimenta Bueno (1857, p. 330), ao comentar a previsão do júri na Constituição de 1824, entende que a corte
popular seria um firme baluarte da liberdade política e garantia de independência judiciária, constituindo uma
barreira contra os abusos cometidos pelos magistrados, razão pela qual “devemos considera-lo como um
thesouro que nos cumpre legar aos nossos descendentes, que com a acção do tempo o aperfeiçoarão de todo”.
possibilidade de apelação quando o Juiz não estivesse de acordo com a decisão dos jurados.
A década de 1830 foi permeada por transtornos de ordem política, fundados nos mais
variados motivos, e as insurreições acabaram atingido todo o território nacional5. Segundo
Flory (1986), havia por parte dos regressistas um discurso de “ordem e segurança”, aliado à
afirmação do “fracasso” do propósito liberal, o que permitiu modificar, em 1841 o Código de
Processo Criminal de 1832. Severas críticas6 foram traçadas em relação ao júri durante tal
período, amparadas em um excessivo número de absolvições em crimes de cunho político, a
exemplo de rebeldes envolvidos na Sabinada que teriam sido absolvidos pelos jurados.
Com a reforma do Código de Processo Criminal pela Lei número 261, de 03 de
dezembro de 1841, operou-se um retrocesso na justiça chamada “cidadã” encontrando-se
nesse período “as raízes do autoritarismo policial e do vigilantismo brasileiro” que sinalizam
o fracasso do projeto liberal (BATISTA, 2016, p. 40). A reforma introduzida em 1841 foi tão
profunda que ocorreu uma recodificação do Código Processual de 1832 (NUNES, 2019), com
a extinção do júri de acusação, passando a pronúncia ou impronúncia a ser de
responsabilidade do delegado ou subdelegado. Criou-se um recurso genérico que previa a
possibilidade de recurso à decisão de pronúncia ou não pronúncia, o que permitia ampla
discussão sobre todo o processo, constituindo uma espécie de garantia diante da extinção do
júri de acusação (BUENO, 1849).
No que concerne à decisão dos jurados, a Lei de 1841 prosseguiu admitindo a
apelação do Magistrado nos termos do artigo 301 do Código de 1832, quando este entendesse
que a decisão dos jurados teria sido contrária à prova apresentada ou aos debates realizados.
Pimenta Bueno (1849, p. 182-183) aponta que tal recurso não desnatura a corte popular, uma
vez que mesmo o júri não deverá contrariar as provas do processo ou os argumentos tecidos
durante os debates orais, aduzindo que “o injusto é sempre injusto, qualquer que seja o
tribunal que o profere”, acrescentando que em caso de provimento da apelação, o julgamento
será feito por um novo júri. Liliam Ferraresi Brighente (2019, p. 337) argumenta que o
5
As reformas liberais introduzidas pelo Partido Progressista desagradaram aos regressistas, que sustentavam a
necessidade de manter a ordem pública e a segurança do Estado pelo império da Lei. Tal movimento permitiu
aos regressistas alçarem ao poder D. Pedro II, na época, com 14 anos de idade, o que iniciou o Segundo Reinado
em 1840, aplicando severo golpe aos ideias liberais no Brasil (DAL RI JR et al., 2008)
6
Dentre os críticos da época encontra-se Justiniano José da Rocha (1835, p. 72), o qual discorria que a
impunidade do júri culminaria com o retorno da vingança privada, onde o homem, exausto de implorar em vão
pela proteção da lei, utilizaria da “proteção de seu braço”, a “espada de Themis” seria substituída pelo “punhal
da vindicta particular”, originando uma “anarchia ensanguentada”, e que culminaria com a “aniquilação”.
recurso se constituía em “apelação necessária ou ex officio”, a qual “ajudou a contrabalancear
o arbítrio do júri em se opor à validade da lei”, facilitando tanto a contestação do veredicto
pelo magistrado, como também a anulação da decisão pelo Tribunal da Relação.
Em 20 de setembro de 1871, por meio da Lei nº 2.033, aprovou-se nova reforma na
legislação judiciária, redefinindo as competências da polícia e magistratura. No tocante ao
júri, extinguiu as atribuições da polícia na fase de formação de culpa e decisão de pronúncia,
transferindo a competência para os juízes de direito ou juízes municipais. Foi regulamentada
pelo Decreto nº 4.824 de 22 de novembro de 1871, que tratava da reorganização, composição
e funcionamento do júri. Acerca do sistema recursal, mantiveram-se as disposições do Código
de 1832 e da Lei de 1841.
A ideia de um Brasil Republicano surgiu a partir de 1789, na cidade de Vila Rica,
posteriormente chamada de Ouro Preto, onde um grupo de “conjurados” liderados por
Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, pretendia a libertação da colônia do domínio
português (CRETELLA Jr, 2000). Para Wolkmer (2003, p. 88), a questão abolicionista, a
crise militar, o estremecimento da relação entre a Igreja e o Estado foram fatores importantes
para o enfraquecimento da monarquia, contudo, teria sido a “crise econômica uma das razões
principais para o desmantelamento do Império e o surgimento do Estado Liberal Republicano
em 1889”.
Por meio do Decreto nº 1, em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República.
O Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, organizou a Justiça Federal e transferiu para os
Estados a competência para organização judiciária e para a legislação processual, sendo
referendado pelo Decreto nº 914-A, de 23 de outubro de 1890 e pela Constituição da
República de 24 de fevereiro de 1891. O tribunal do Júri foi previsto no artigo 72, o qual cita:
“É mantida a instituição do jury” (BRASIL, 1891), sendo elevado ao status de direito
fundamental. Porém, o júri não foi mantido na República sem envolver ampla discussão.
No início da República no Brasil, as ideias da Escola Positiva Italiana já se
difundiam em todo o mundo especialmente a partir do entendimento de Enrico Ferri, Raffaele
Garofalo e Césare Lombroso. Estes mencionavam que o júri seria um “órgão primitivo”, um
“verdadeiro regresso”, ou “uma justiça apaixonada e míope”, defendendo que as decisões
deveriam estar amparadas em “conhecimento cada vez mais especializado acerca do homem
delinquente” (LACCHÈ, 2020).
No Brasil, diversos foram os adeptos do positivismo criminológico italiano: Viveiros
de Castro, Aurelino Leal, José Tavares Bastos e João Vieira de Araújo são alguns dos juristas
e políticos brasileiros que se opunham à ideia do júri.
Contudo, em lado oposto à extinção do júri, encontrava-se Evaristo de Moraes,
Alberto de Carvalho, Aristides Milton, e o próprio Rui Barbosa. Em se tratando da soberania
dos veredictos, Barbosa (1976, p. 191) afirma que não haveria júri sem a “independência
suprema”, exercida por meio da “soberania da consciência”, onde “nenhum poder, na terra,
lhe possa tomar contas”.
Conforme visto, a Constituição de 1891 permitiu que os Estados da Federação
legislassem sobre processo penal e sua organização judiciária. No início da República, o
Estado de Santa Catarina seguia o Código de Processo Criminal de 1832, com as
modificações introduzidas em 1841 e 1871. A primeira Constituição catarinense republicana,
de 11 de junho de 1891, previa o júri como integrante do Poder Judiciário, em seu artigo 477.
Santa Catarina elaborou diversas normas de organização judiciária na República,
ante a autonomia concedida pela Constituição de 1891. A primeira norma intitulada de
“Código”, surgiu apenas em 1925 (, porém, normas sobre a organização judiciária anteriores
possuíam certo impulso transformador em solo catarinense. Não ocorreu uma ruptura total
com o Código Imperial de 1832, podendo afirmar que houve uma consolidação parcial deste,
porém, vários elementos importantes foram inseridos na organização judiciária, os quais
foram suficientes para redefinir muitos aspectos processuais, inclusive, relacionados ao júri.
A primeira destas normas foi o Decreto 104 de 19 de agosto de 1891, assinado pelo
vice-governador Gustavo Richard, que logo no início da República reorganizou o judiciário
catarinense. A norma conferiu ao júri, na esfera estadual, a competência nas Comarcas para
julgar matéria criminal que não estivesse sob outra jurisdição, tais como delitos de
competência do Juiz de Direito ou dos Tribunais Correcionais8. No que tange ao recurso de
apelação, o Decreto previa seu cabimento quando a sentença fosse contrária à lei ou à decisão
7
Art. 47. O poder judiciario do Estado é exercido por um Superior Tribunal do Justiça com sede na capital, por
juizes de direito e seus supplentes, com jurisdicção nas respectivas comarcas, por Tribunaes do Jury, por
Tribunaes Correccionaes e por Juizes de Paz nos respectivos districtos. (SANTA CATARINA, 1891)
8
Aos Juízes de Direito competia processar e julgar os crimes de responsabilidade dos suplentes do Magistrado,
os Juízes de Paz, funcionários do Estado ou município que exerciam função na Comarca, exceto aqueles que
possuíssem foro privativo. Os Tribunais Correcionais eram compostos por quatro Juízes de Paz em cada distrito,
e lhes competia o julgamento das contravenções penais, crimes mais simples e crimes culposos sem
consequências graves, conforme artigo 68 do Decreto 104 de 1891 (SANTA CATARINA, 1891a).
dos jurados, e ainda, pela inobservância das formalidades fundamentais no processo. O artigo
56 previa a aplicação do Código Processual do Império, em matérias omissas no Decreto,
consolidando, em parte, as normas processuais imperiais, razão pela qual, a princípio, a
apelação “ex officio” por parte do magistrado em relação aos veredictos do júri foi mantida.
Foi tal norma que introduziu, logo no início da República, a apelação obrigatória por
parte do promotor público, em seu artigo 51, inciso II, § 2º, em caso de sentença absolutória
pelo júri, iniciando um alargamento do controle do Estado sobre os veredictos9. Note-se que
o recurso obrigatório neste caso seria apenas em decisões absolutórias, demonstrando a
preocupação do legislador em eventuais “impunidades” derivadas do julgamento popular.
Não existia preocupação com condenações injustas de eventuais inocentes.
Após a introdução de tal regulamento, Santa Catarina experimentou diversas
modificações em sua legislação, tanto em organização judiciária, quando de caráter
processual: a Lei nº 59 de 15 de setembro de 1892, intitulada “Reforma Judiciária e Policial”;
a Lei nº 205 em 18 de outubro de 1895; a Lei a Lei nº 919 de 22 de setembro de 1911; a Lei
nº 1.526 de 14 de novembro de 1925 (o primeiro “Código Judiciário de Santa Catarina”); a
Lei nº 1.640, em 3 de novembro de 1928. Tais normas possuíam como convergência a
necessidade de existir um recurso obrigatório em decisões absolutórias proferidas pelo júri,
tornando a soberania popular enfraquecida, uma vez que suas decisões (desde que
absolutórias), deveriam sempre passar pelo crivo dos Tribunais para ser validada.
O período seguinte da história do Brasil foi a Era Vargas, compreendida “entre a
Revolução de 1930, quando Getúlio assume interinamente o poder, até o fim do Estado Novo,
em 1945” (NUNES, 2010, p. 20). Após o golpe de 1930, os governadores dos Estados foram
substituídos por interventores que detinham o controle do poder Executivo, escolhidos pelo
governo federal. Em Santa Catarina assumiu o controle o general Ptolomeu de Assis Brasil.
Na época, vigorava a Constituição Federal de 1891, competindo aos Estados legislarem sobre
direito processual. Contudo, houve a necessidade de readequação das normas de organização
judiciária para que se coadunassem com os ditames revolucionários do governo de Getúlio
(CUNHA, 2020). Assim surgiu em 19 de setembro de 1931 o Decreto 157, regulamentado
pelo Decreto 179 do mesmo ano, instituindo novo Código Judiciário em Santa Catarina, o
9
Art. 51. As sentenças do jury só admitem os seguintes recursos ordinários: (...) II – Da appellação (...) § 2º A
appellação é obrigatória para o Promotor Publico e facultativa para o reo” (SANTA CATARINA, 1891a).
qual serviria como “parte integrante” do Código de 1928. Os Decretos 157 e 179 mantiveram
o júri, mas não faziam referência ao procedimento recursal, razão pela qual a apelação
permanecia regulada pelo Código de 1928.
Com a Constituição de 1934 restituiu-se a competência privativa para legislar sobre
direito processual à União Federal. No tocante ao júri, o artigo 72 da Constituição dispunha:
“é mantida a instituição do júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”
(BRASIL, 1934), trazendo consigo a necessidade de um novo Código de Processo Penal.
Como isso não ocorreu de imediato, prevaleciam as determinações da Constituição de 1891,
onde a legislação processual e organização judiciária em vigência eram aquelas criadas pelos
Estados da Federação. Surgiu em Santa Catarina a Lei nº 60 de 10 de janeiro de 1936,
sancionada pelo Governador Nereu Ramos, a qual manteve o júri como “autoridade
judiciária” em seu artigo 13, A Lei de 1936 não trouxe elementos acerca do procedimento
recursal, razão pela qual acredita-se que seria aplicada conjuntamente com o Código
Judiciário de 1928.
Acerca do período seguinte, qual seja, o Estado Novo, Barroso (2009) explica que o
Plano Cohen permitiu a perpetuação de Getúlio no poder, com a dissolução do Congresso em
10 de novembro de 1937, e a outorga de uma nova Constituição, a qual reafirmou a
competência da União Federal para legislar sobre direito processual. Foi silente em relação ao
júri, promovendo-se uma desconstitucionalização do instituto e cogitando-se a sua extinção
durante determinado período. No entanto, poucos meses após a outorga da Constituição, veio
à Lume o Decreto-Lei nº 167 de 1938, que passou a regular o tribunal do júri em “todo o
território da República” (BRASIL, 1938), preservando a legislação estadual até a sua efetiva
implantação.
Nesta época, o júri deveria se adequar ao discurso de “defesa social”10, discurso este
cujas “raízes mais imediatas deitam no positivismo criminológico” (SONTAG, 2009, p. 65).
Nelson Hungria, peça elementar para a construção do Código de Processo Penal de 1941,
argumentava sobre a incompatibilidade do tribunal do júri com o tecnicismo jurídico,
promovendo discursos sobre a necessidade de extinção do instituto. Para Sontag (2009, p.
10
Diego Nunes (2016, p. 167) ressalta que a mudança de regime exigia “uma nova codificação que desse um
sentido único – a “defesa social” – era objetivo do governo”. Para Ricardo Sontag (2009, p. 285) a defesa social
seria um argumento que conduz “o seu pensamento menos na direção das garantias individuais e mais nas
necessidades da repressão estatal”.
110) a “defesa social é um dos laços que permitem tecnicismo e positivismo encontrar-se no
âmbito de reformas institucionais”, sendo que “o positivismo criminológico critica o júri e a
figura do advogado em nome da ciência (crivo técnico-científico), e o tecnicismo de Nelson
Hungria o faz em nome da lei (crivo técnico-jurídico)” (SONTAG, 2009, p. 98).
Em meio a tais discussões, no tocante ao júri, ocorreu a transição das normas
estaduais para o controle federal, por intermédio do Decreto-Lei nº 167 de 1938, o qual
reformulou totalmente o procedimento no aspecto recursal, permitindo que os Tribunais
modificassem os veredictos do Conselho de Sentença, em seu mérito, ao invés de
simplesmente anular os julgamentos e determinar a submissão a um novo júri11. A apelação
prevista no Decreto-Lei nº 167 serviria como recurso apto a promover a reversão integral do
veredicto dos jurados diretamente pelo Poder Judiciário, sepultando o ideal liberal, e com ele,
a ideia de soberania dos veredictos. Verifica-se a redução radical da participação popular na
administração da justiça, com base no discurso de “necessidade de maior repressão criminal”,
com a consequente majoração do controle estatal do júri, conduzindo-o a um pretenso
“interesse superior da sociedade” (NUNES; CUNHA; COSTA, 2021, p. 1134).
Em 03 de outubro de 1941 entrou em vigor o Decreto-Lei nº 3.689, o atual Código
de Processo Penal. Em seu texto, manteve-se quase à integralidade o procedimento referente
ao Júri, previsto no Decreto 167 de 1938.
José Cretella Jr. (2000, p. 48) aponta que “no período de 1937 a 1945, o Brasil
funcionou como se estivesse sem Constituição, sob o domínio do ditador”. José Afonso da
Silva (2018), acrescenta que após o término da 2ª Guerra Mundial, iniciaram em solo nacional
vários movimentos no sentido da redemocratização do país, o que levou o Presidente da
República a expedir a Lei Constitucional 9 de 28 de fevereiro de 1945, os quais vieram a
alterar a Constituição vigente. Barroso (2009) destaca o desgaste do Estado Novo, a
convocação de Eleições Gerais, e o movimento do Queremismo, o qual defendia a
permanência do ex-ditador no poder. A consequência de tal movimento foi a deposição sem
violência de Getúlio, por parte das forças armadas, com a convocação de Assembleia
11
Art. 96. Si, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário de culpa, quer no plenário de
julgamento, o Tribunal de Apelação se convencer de que a decisão do juri nenhum apôio encontra nos autos,
dará provimento à apelação, para aplicar a pena justa, ou absolver o réu, conforme o caso. (BRASIL, 1938)
Constituinte em 12 de novembro de 1945, sufragando o novo Presidente, General Eurico
Gaspar Dutra, momento em que a Constituição de 1937 encerrou seu ciclo.
Em seguida a tais acontecimentos, nasceu a Constituição de 1946. Segundo José
Afonso da Silva (2018, p. 87), para confecção da nova carta a Assembleia Constituinte serviu-
se das Constituições de 1891 e 1934:
4. Metodologia
5. Cronograma Básico
12
Dente eles, especialmente os textos jurídicos, os quais são “a consequência de uma tradição que serve como
ponte entre presente e passado, e que se tornou parte integrante de nossa cultura” (COSTA, 2010, p. 45).
6. Referências
6.1. Legislação
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2022.
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2022.
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