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DA CABEÇA DE JUIZ, DA BARRIGA DE MULHER GRÁVIDA E DA BUNDA

DE NENÉM, NUNCA SE SABE O QUE SAIRÁ. Ledo engano, tudo se pode


saber com antecedência!

Dentre os velhos bordões populares, por certo a expressão “da cabeça de juiz,
da barriga de grávida ou da bunda de neném” (ou nas suas variações, porque
mudando a sequência nada interferirá no conteúdo da expressão), ninguém
pode antecipar o que vira, é daquelas máximas totalmente superadas.

Porém, não obstante, o mundo jurídico jurássico não desencanta desse dito,
como de tantos outros pré-históricos. Muitos nesse mundo apartado ainda se
valem desse jargão como se fosse uma assertiva, utilizando-o para tentar
afirmar que o julgamento é imparcial e resultado exclusivo do livre
convencimento judicial, conforme os elementos e provas extraídas dos autos.

Ohhh, vejam só! Quanta ladainha e embromação para tentar ofuscar o que não
é mais do que conhecido!

Não é necessário dizer que hoje em dia todos sabem (ou podem saber) o sexo
da criança, pouco tempo depois da gravidez. A ciência permitiu dar certeza ao
diagnóstico, possibilitando aos pais providenciar enxovais azuis ou rosas (ou
ambos, se gravidez de gêmeos de sexos diferentes, ou as escolhas fugirem
também a esse velho padrão estético).

Depois, criança nascida, é batata! Do bumbum do neném vira merda. Neste


caso, se amamentado pela mãe, de sobras do leite que não foi absorvido pelo
organismo. Se alimentada por leite industrializado, sobras desse leite com os
adereços artificiais (pena que neste caso os produtos químicos acoplados não
são necessariamente as escolhas intestinais para defecação).

Em relação a essas indagações, portanto, não há mais dúvidas. Mais será que
existe ainda dúvida em relação ao que sairá da cabeça do juiz? No posso
credere!

O ato de julgar é humano e, como tal, é fruto de um montão de coisas


previamente conhecidas. De jurídico resta pouco, porque a essência é
repudiada sob tantos subterfúgios. O julgador, nessa situação, é um grande
mestre do engodo, quando não só tenta se iludir (e ao consegui-lo imagina
poder iludir outros) e aos jurisdicionados, com o suposto entendimento jurídico.

A rigor, o pensar jurídico e o julgamento perderam muito de sua importância,


sendo mais do que sabido o que virá no processo no seu desfecho. Na maioria
das vezes trata-se apenas de compilar decisões similares (não precisamente
coincidente com o novo caso a ser julgado, e por isso não idênticos, porque
não pode haver mesmo identidade, sob pena de litispendência ou coisa
julgada) expedidas pelos órgãos jurisdicionais superiores e que são inseridas
no processo sem a mínima vergonha de se atentar para a necessidade de
individualização do julgamento, caindo por terra o sentido do processo que
exige a análise detida de cada caso concreto.

Mas outros engodos linguísticos/ideológicos, transvestidos de fala jurídica,


entram em ação para justificar essa forma de (não) decidir: “é preciso dar
segurança jurídica aos julgamentos”; “o Judiciário tem que primar pela
celeridade processual, não podendo perder tempo com temas já decididos”;
etc.

Em suma, essa forma de julgar – aliás, de não julgar, ou ainda de pré-julgar,


porque a rigor a decisão precede ao próprio ajuizamento da ação – é mais fácil
porque não dá trabalho, supostamente não compromete (afinal o juiz segue
entendimentos já firmados), agiliza (e o que interessa são números estatísticos
no final do mês), (in)conscientemente atende aos interesses dos mais fortes.

Fora isso ou cumulativamente a isso, não raro, a decisão judicial é fruto de


enormes preconceitos – ou pré-juízos, no sentido de juízos prévios conforme
as próprias paixões do julgador –, conservadorismos, posturas ideológicas
camufladas, reflexos de concepções morais, religiosas, sociais e que são
utilizadas com a roupagem do juridiquês e em argumentos moldados sob
medida na tentativa de justificar as razões de decidir.

Todavia, o ordenamento jurídico e o ato de decidir são muito mais do que um


simples olhar sobre a lei e a interpretação forjada que daí se queira dar. Existe
uma plêiade de valores e princípios, expressos ou não, que devem dar rumo a
interpretação caso a caso. Essa carga transpõem a vontade pessoal do
julgador e sua concepção ideológica, devendo servir de mote para todo
julgamento.

Por isso, deve-se saber antecipadamente, também, como há de ser a decisão


judicial, porque fora dos parâmetros ditados há de ser incorreta, merecendo
reparo.

- É! Deveria ser assim!

É bem verdade que outro dia tive que ouvir de um magistrado – nitidamente na
tentativa de me provocar (do nada, mas tenho comigo as razões), porque
sabedor de minhas posições e coerência com essa lógica do julgamento,
sedimentada em princípios –, com sua impávida soberba e ignorância afirmar
que com ele não existe essa “estória de princípios”.

O recado era direto e claro, como se eu fosse o mentor dessa “estória de


princípios”.

Óbvio, não perdi tempo. Sequer abri a boca. E não abriria se insistisse em me
chamar para um debate. Deixei-o pensar que havia me vencido. Isso o torna
mais vaidoso, que é o acalanto dos medíocres.

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