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METAMORFOSES CITADINAS:
CONSTITUIÇÃO DO URBANO, DISPUTAS TERRITORIAIS E
SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL EM SÃO LUÍS/MARANHÃO/BRASIL
RIO DE JANEIRO
2003
3
CDU 332.1/.8(812.11)
4
Aprovada por:
Rio de Janeiro
2003
5
À Tayana,
filha amada sempre a me apontar estrelas.
6
AGRADECIMENTOS
A Maria Olívia Borges Ferreira e Maria de Fátima Cabral Marques Gomes, afetivas
e efetivas presenças nas horas alegres e tristes de muitas das minhas vivências pessoais
e acadêmicas;
A Gabriela, Zezé, Cristina, Guga e Malu pela redescoberta da força dos afetos entre
estudantes;
Aos meus familiares, sempre fraternos e solidários, portanto, elos mais fortes e
profundos dos meus ideais e conquistas.
7
LISTA DE QUADROS
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 05
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 06
LISTA DE QUADROS 08
LISTA DE FIGURAS 09
RESUMO 11
RESUMÉ 12
ABSTRACT 13
INTRODUÇÃO 14
BIBLIOGRAFIA 271
13
RESUMO
RESUMÉ
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
1Conforme Marx (1989, p. 707), trata-se do "[...] monopólio de dispor de determinadas porções do globo terrestre como
esferas privadas de sua vontade particular com exclusão de todas as demais vontades".
2O meu ponto de vista encontra apoio nos estudos de Gramsci (1980) sobre as esferas superestruturais da sociedade.
Este autor ressalta que é não é possível apreender as funções coercitivas e econômicas do Estado burguês separado da
função adaptadora-educadora. Tendo que agir, estender os efeitos da sua ação no sentido da progressiva racionalização
da atividade econômica, da eliminação dos impedimentos à plena expansão dos mercados e da garantia dos direitos que
se encontram presos aos interesses fundamentais do pacto social, o Estado portará a natureza ferina e humana do
centauro maquiavélico nas duplas: força e consentimento, violência e civilidade, autoridade e hegemonia.
3 Uma ilustração: Brasil. Lei nº 601, 18 de set. 1850. “Dispõe sobre as terras devolutas do Império e acerca das que são
possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa
e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras sejam elas cedidas a título oneroso assim para
empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o governo a
promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Artigo 1- Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas
por outro título que não seja o de compra”.
18
4Em cidades brasileiras, nessas situações o tratamento é desigual, correspondendo ao vínculo de classe dos sujeitos
que efetivam a posse ilegal. Para as frações pobres, convencionou-se denominar de invasão e o núcleo habitacional
constituído fica sujeito, quase sempre, às ações de remoção ou despejo. No caso de integrantes de frações médias ou
mesma burguesa, a posse é, quase sempre, apenas considerada irregular, ou a área residencial classificada dentro dos
condomínios irregulares, e passa por um processo de regularização.
19
5Segundo Kowarick (1984, p.69-70) "[...] Mesmo quando são mantidos os graus de pauperização dos trabalhadores, os
seus níveis urbanos de reprodução poderão melhorar ou piorar em função do que conseguem retirar do Poder Público
em termos de bens de consumo coletivos, subsídios à habitação popular ou acesso a terra urbanizada, processos que
variam, enormemente de conjunturas políticas e que podem ou não estar associadas a conquistas que os trabalhadores
obtêm na esfera das relações de produção".
20
6 Um exemplo: Sancionada no dia 10 de julho de 2001, após tramitar por 12 anos no Congresso Nacional uma nova lei,
batizada de Estatuto da Cidade, pretende alterar os rumos da política urbana nas cidades brasileiras com mais de 20.000
habitantes. De modo geral a Lei n. 10.257/01 regulamenta: (1) a garantia do direito à terra urbana, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços e ao lazer; (2) o planejamento do desenvolvimento das
cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o
desenvolvimento; (3) a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, assim como dos
patrimônios cultural, históricos, artísticos, paisagísticos e arqueológicos; (4) a regularização fundiária e urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais.
7 Tendo por base à construção de habitações no mercado fundiário francês, Topalov (1984) caracteriza as áreas nobres,
como as concentradoras de equipamentos públicos e privados que servem às frações de classe do grande capital;
grandes proprietários e executivos de empresas de grande porte; as áreas intermediárias, as delimitadas pelo médio e
pequeno capital, camadas médias ou frações de nível superior e médio das classes trabalhadoras (profissionais liberais,
executivos, trabalhadores intelectuais, prestadores de serviços, etc.); as áreas periféricas, as conformadas como única
alternativa de moradia que resta aos trabalhadores (empregados ou mesmo desempregados), sendo, portanto áreas,
reveladoras de precárias e deletérias condições de vida urbana.
21
Sigo então Lojkine (1981) quando observa que a aglomeração dos meios de
produção do capital em territórios providos de condições gerais da produção (meios de
comunicação e transporte, equipamentos e serviços coletivos - meios de reprodução da
força de trabalho), cria efeitos úteis que valorizam esses espaços, apropriados também
pelos empreendedores capitalistas. Lastreado numa longa cadeia de relações entre as
condições gerais da produção e a aglomeração urbana este autor propõe que as formas
de urbanização são antes de tudo manifestações da divisão social (e territorial) do
trabalho, situadas no centro da contradição entre as exigências do progresso técnico e as
leis de acumulação do capital8.
Lojkine (1981), ao investigar certas formas históricas da relação entre políticas
urbanas, clivagens de classe e a distribuição desigual dos equipamentos sociais urbanos
demarca três modalidades de segregação: uma primeira no âmbito da habitação, uma
segunda no plano dos equipamentos coletivos urbanos e uma terceira na esfera do
transporte coletivo domicílio-trabalho. Os ideais de funcionalidade e eficiência próprios à
execução do moderno na cidade são aqui rompidos. Configurações materiais e relações
políticas e culturais pertinentes à produção ou reversão dessas modalidades de
segregação, de modo inconteste, encarnam e manifestam as contradições, as fraturas e
os desafios da cidade do capital.
Para avançar na discussão sobre determinados arranjos e relações sócio-espaciais
urbanos sigo ainda Topalov (1984). Este autor, ao analisar as relações propriedade
fundiária/efeitos úteis/valorização do capital, compreende os efeitos úteis da aglomeração
capitalista como um processo que ocorre nas cidades, nos sistemas de intercidades e nas
grandes regiões econômicas, sendo, assim, a fixação e transformação dos sobrelucros
localizados, incorporados na ação de valorização de um capital numa atividade e numa
certa área territorial.
8 Referenciado nas transformações nos campos da informática e robótica, bem como nas modalidades de comunicação
e gerenciamento da informação, Lojkine (1995) formula a tese da existência da revolução informacional: a existência de
novos nexos entre produção material, saberes e habilidades, homens e máquinas informacionais, (re) situando a
aglomeração urbana (material e humana) como um dos elementos do complexo de forças produtivas. Para Lojkine
(1995, p. 308-9) a revolução informacional teria superado a divisão marcante entre a produção e os serviços, entre o
espaço da fábrica e da cidade. Diz ele: “[...] A revolução informacional coloca no primeiro plano as potencialidades e a
exigência de superação desta divisão - as redes teleinformáticas e os bancos de dados setoriais já inscrevem nos fatos
[...] uma estreita interconexão entre produção e serviços, espaço profissional e espaço residencial, empresas,
laboratórios e coletividades territoriais”.
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9 A esse respeito do trabalho imaterial Lazzarato (1993, p.114-15) diz que: “O trabalho imaterial se encontra na fusão
(ele é a interface) dessa nova relação produção-consumo. É o trabalho imaterial que ativa e organiza a relação
produção-consumo. A ativação da cooperação produtiva, assim como da relação social com o consumidor, é
materializada no e para o processo de comunicação. É o trabalho imaterial que inova continuamente a forma e as
condições da comunicação (e, portanto, do trabalho e do consumo). Ele materializa necessidades, imaginários, gostos.
A particularidade da mercadoria produzida pelo trabalho imaterial (seu valor de uso sendo essencialmente seu conteúdo
informacional e cultural) consiste no fato de que ela não se destrói no ato do consumo, mas sim se expande,
transforma-se e cria o ambiente ideológico e cultural do consumidor. O trabalho imaterial produzindo ao mesmo tempo
subjetividade e valor econômico demonstra como a produção capitalista tem invadido toda à vida, rompendo todas as
oposições entre economia, poder e conhecimento”.
10 Harvey (1992, p. 257) argumenta que, se é verdade que uma primeira grande mudança na experiência do espaço e
do tempo articula-se com a configuração do modernismo e com seus confusos vagares de um lado para o outro da
relação espácio-temporal vale explorar a proposição de que o pós-modernismo é alguma espécie de resposta a um
novo conjunto de experiências do espaço e do tempo, uma nova rodada da compressão espaço-tempo. Então ele diz:
“Como os usos e significados do espaço e do tempo mudaram com a transição do fordismo para a acumulação flexível?
Desejo sugerir que temos vivido nas duas últimas décadas uma intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem
tido um impacto desorientador e disrupitivo sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe,
bem como sobre a vida social e cultural.”
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11“[...] a lógica do capitalismo tardio consiste em converter, necessariamente, o capital ocioso em capital produtivo ou,
em outras palavras, em substituir serviços, por mercadorias: serviços de transporte por automóveis particulares;
serviços de teatro e cinema por aparelhos privados de televisão; amanhã, programas de televisão e instrução
educacional por videocassetes” (MANDEL, 1982, p. 285).
26
12Terrenos que, obedecendo a uma legislação específica do parcelamento de um determinado território, apresentam-se
em tamanhos diferenciados e destinados, de acordo com sua posição no traçado urbano, a usos também distintos, no
preenchimento de funções econômicas e/ou sociais.
27
13 No Brasil, no final da década de 1970, emergiu o Movimento pela Reforma Urbana a partir de iniciativas de setores da
igreja católica, como a CPT. A intenção primeira era a de unificar as diversas lutas sociais urbanas presentes no Brasil.
O processo constituinte, em curso ao longo da década de 1980, e a apresentação de emenda popular subscrita no
mínimo por 30.000 eleitores reforçam a mobilização e a organização em torno da Reforma Urbana. A FNE, a ANSUR, a
Coordenação Nacional dos Mutuários, o MDF e o IAB encorpam as lutas sociais em torno da emenda popular (entregue
no Congresso Nacional com 160.000 assinaturas) que define como objetivos para a Reforma Urbana: (1) Quanto à
propriedade imobiliária urbana: instrumentos de regularização de áreas ocupadas. Captação de valorização imobiliária.
Aplicação da função social da propriedade. Proteções urbanísticas, ambientais e culturais; (2) Quanto à política
habitacional: programas públicos habitacionais com finalidade social. Aluguel ou prestação da casa própria proporcional
à renda familiar. Agência nacional e descentralização na gestão do serviço; (3) Quanto aos transportes e serviços
públicos: natureza pública dos serviços sem lucros, com subsídios. Reajustes das tarifas proporcionais aos reajustes
salariais. Participação dos trabalhadores na gestão do serviço; (4) Quanto à gestão democrática da cidade: conselhos
democráticos, audiências públicas, plebiscitos, referendo popular, iniciativa legislativa e veto às propostas do legislativo.
14 Rauta & Barbosa, (1999, p. 2) discutindo gestão de políticas urbanas e mecanismos de democracia direta observam:
"Existem no Brasil algumas experiência inovadoras de políticas urbanas implementadas por partidos de esquerda, ou de
coalização de centro-esqueda, em cujas plataformas está a adoção de novos critérios de gestão, visando reverter o
quadro de desigualdade reinante no país. Essas forças, embora em pequeno número de municipalidades, vêm
realizando de fato alterações importantes na reorientação de políticas representadas nos governos estadual e federal,
dos quais procede a parte significativa dos recursos que financiam tais políticas"
15 Administrações petistas propuseram estratégias de participação inovadoras, a exemplo do orçamento participativo
(OP). O OP mais que um mecanismo de administração integra as 21 teses para a criação de uma política democrática e
socialista propostas em 1996 por Tarso Genro, então prefeito de Porto Alegre: “O elemento central do poder público é a
peça orçamentária e a sua construção democrática e participativa, ‘via’ uma esfera pública não-estatal, legitimada por
contrato político a partir do governo; e esta construção traduz o momento mais importante de uma co-gestão estatal e
pública não-estatal; estimuladora de consensos majoritários a partir de uma diretriz política irrenunciável: os interesses
‘subalternos’ tendem a se tornar os interesses dominantes e a cidade não pode ser mais uma cidade para poucos, mas
uma cidade para todos” (Jornal Folha de São Paulo de 9 de junho de 1996, Caderno 5, p.3)
29
16 República Federativa do Brasil, Constituição, 1988, Título VII, Capítulo II - Da Política Urbana. Art. 182. A política do
desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 1 -
O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 2 - A propriedade urbana cumpre sua função
social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. 3 - As
desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia indenização em dinheiro. 4 - É facultado ao Poder Público
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre propriedade predial e territorial
urbana progressiva no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.
17 De acordo com Acselrad (2001) a aplicação da noção de sustentabilidade ao debate sobre o desenvolvimento das
cidades exprime um duplo movimento. Por um lado, certo número de atores sociais da cidade passa a incorporar a
temática do meio ambiente, sob o argumento da substancial concentração populacional nas metrópoles, da eclosão de
conflitos entre processos de ocupação urbana e o funcionamento das redes de abastecimento de água, entre a
configuração dos sistemas de transporte e a qualidade do ar, entre outros. Por outro lado, a própria carteira ambiental
dos projetos de agências multilaterais de desenvolvimento como o Banco Mundial, apresenta uma trajetória de
urbanização crescente: o aporte destas agências ao financiamento da infra-estrutura das cidades passa a orientar-se
pelo critério do que se entende por melhoria da “qualidade ambiental da vida urbana”.
30
18 Harvey (1980, p.135) escreve no texto A justiça social e a cidade: “O solo e suas benfeitorias são, na economia
capitalista contemporânea, mercadorias. Mas, o solo e as benfeitorias não são mercadorias quaisquer: assim, os
conceitos de valor de uso e valor de troca assumem significado em uma situação mais do que especial. O solo e as
benfeitorias não podem deslocar-se livremente, e isso os diferencia de outras mercadorias, tais como trigo, automóvel e
similar. O solo e as benfeitorias têm localização fixa. A localização absoluta confere privilégios de monopólio à pessoa
que tem o direito de determinar o uso nessa localização. O solo e as benfeitorias são mercadorias das quais nenhum
indivíduo pode dispensar. Não posso existir sem ocupar um espaço; não posso trabalhar sem ocupar um lugar e fazer
uso de objetos materiais aí localizados; e não posso viver sem moradia de alguma espécie. È impossível existir sem
alguma quantidade dessas mercadorias”.
31
Há que se pensar, portanto, no lugar ocupado pelo Estado como agente principal
da distribuição social e espacial dos equipamentos urbanos para as diferentes frações de
classe e, em consequência, na transformação da distribuição social da terra e desses
equipamentos entre os setores populares, sabendo-se que tal distribuição manifesta
contradições e lutas sociais geradas na produção e disputas dos valores de uso
urbanos19. Assim, a despeito da atual crise do capital e reforma do Estado que
hierarquizam o Estado-nação no exercício do controle da relação capital/trabalho,
moedas, déficit fiscal, fronteiras e territórios, bem como da crescente presença do capital
na gestão dos meios de transporte e dos equipamentos e serviços coletivos urbanos (via
privatização ou terceirização dos serviços públicos), o direito intervencionista do Estado
na constituição do urbano (LOJKINE, 1981) - permanece, a meu ver, fundamental.
Tal prerrogativa se materializa sobremaneira em duas dimensões: (1) intervenção
jurídica sobre as relações de produção, ao definir as condições (leis urbanas) nas quais
os diferentes agentes podem apropriar-se do direito do solo e quanto ao uso que a ele
pode ser destinado; (2) formulação e efetivação de políticas públicas considerando três
questões que afetam a relação das populações urbanas com o território: a moradia, o
saneamento básico (água, esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e
as questões do transporte da população (mobilidade e trânsito).
Importante: o privilégio que adjudico a esse direito intervencionista não significa
atribuir à esfera estatal plena autonomia em face do momento econômico e das lutas
sociais. Significa reconhecê-la como uma determinação fundamental que opera no
conjunto da sociedade do capital, como pacto político e como materialidade institucional
(POULANTZAS, 1980). Também, parece não ser inoportuno lembrar que tal privilégio não
encerra nenhuma ilusão quanto à intervenção do Estado comportar a radicalização do uso
público do solo urbano, a promoção da justiça ou até a igualdade social.
19A presença do Estado na produção do espaço para permitir novos usos se encontra nos arquétipos da cidade do
capital. Como exemplo clássico tem-se a reconstrução de Paris, sob o governo do prefeito Haussmann. A implantação
de uma vasta rede de bulevares no coração da antiga cidade medieval integrando um amplo sistema de planejamento
que incluía mercados, pontes, sistema de esgotos, fornecimento de água, rede de parques, a ópera e outros
monumentos culturais - eliminou habitações miseráveis, estimulou a expansão de negócios locais, empregou milhares
de trabalhadores, derrubou centenas de antigas construções, deslocou milhares de pessoas, destruiu bairros inteiros.
Contraditoriamente, a cidade se abria a seus habitantes. A partir de então, teses e estratégias políticas como as ruas
pertencem ao povo e / ou nada de rua, nada de povo foram impelidas para além desse tempo e lugar passando a
acompanhar as metamorfoses da cidade do capital. Cf. a respeito, dentre outros, Berman, 1987.
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partir do qual fala e escreve grande parte dos intelectuais do Maranhão, destaca a imagética construída em torno da
poesia das ruas – triste e comovente, – das velhas cidades coloniais, tema recorrente nos discursos locais, em especial
daqueles dedicados às principais cidades da considerada Idade de Ouro do Maranhão: São Luiz e Alcântara.
38
25 Segundo Almeida (1982, p.188), é através da noção de decadência da lavoura que “[...] são esboçadas as visões de
conjunto dos problemas que afetam a vida econômica e social da província. Há uma convergência qualquer que seja o
problema econômico da província que se releve, para o denominado estado decadente da agricultura". Para este autor
as origens dessa noção teriam raízes na noção de prosperidade, forma idealizada de uma suposta idade de ouro da
lavoura da província (fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX). Em conseqüência teria se formado uma
visão cíclica da história do Maranhão, apoiada numa dada periodização: um momento de barbárie quando dos princípios
da colonização portuguesa; um período de prosperidade, com a implantação da grande lavoura assentada no trabalho
escravo e nas políticas de fomento articuladas pelo Marques de Pombal e depois um ciclo de decadência, associado a
crise e fim do regime escravista, por provocar a ruína dos grandes proprietários das lavouras. Nestes termos, a ação
oficial obteria legitimidade na medida em que apontasse caminhos para a retomada da prosperidade perdida.
26 Refiro-me aos processos peculiares à abertura das fronteiras agrícolas do Maranhão. Relevo nesse contexto, a Lei n.
2.979 assinada pelo então governador José Sarney que (re) configurou o mercado formal de terras no Maranhão
facilitando o acesso a terra pelos grandes grupos ligados às atividades da agro-indústria e da pecuária.
39
27 Harvey (1992, p. 79-80) lembra que “[...] a ênfase dos ricos no consumo levou a uma ênfase muito maior na
diferenciação de produtos no projeto urbano. Ao explorarem os domínios dos gostos e preferências estéticas
diferenciadas (fazendo tudo o que podiam para estimular essa tendência) os arquitetos e planejadores urbanos
reenfatizaram um forte aspecto da acumulação do capital: a produção do que Bourdieu chama de capital simbólico, que
pode ser definido como o acúmulo de bens suntuosos que atestam o gosto e a distinção de quem os possui. Esse capital
se transforma, com efeito, em capital-dinheiro, que produz seu efeito próprio quando, e somente quando, oculta o fato de
se originar em formas materiais de capital”.
28 A partir das prerrogativas definidas no Plano Diretor do Município (instrumento normativo e orientador dos processos
de transformação urbana, nos seus aspectos políticos, sociais, físico-ambientais e administrativos prevendo instrumentos
para a sua implantação e execução) a Prefeitura estabelece e regula a implantação das operações urbanas. Na Lei n.
3.254, de 29 de dezembro de 1992, fica entendido como Operação Urbana o procedimento onde a Prefeitura aumenta a
ATME e o gabarito máximo de terrenos particulares no Município de São Luís, a partir de propostas de seus
proprietários, desde que estes se obriguem a financiar infra-estrutura e melhoramentos urbanos, em troca das
modificações destes índices urbanísticos de seus terrenos. A Prefeitura pode modificar a ATME e o Gabarito Máximo de
terrenos municipais abrindo concorrência pública para particulares interessados em empreendimentos, tendo como
contrapartida o financiamento da infra-estrutura e melhoramentos urbanos.
40
A potência desse mercado fica visível na situação do domínio útil ou pleno das
terras da cidade: 20% da União, 16% do estado, 02% do município e 62% de particulares
(SEPLAN-MA, 1993). Essa fantástica força também pode ser percebida nas reservas
dominiais, ou seja, nas grandes áreas vazias, que entremeiam espaços de forte e densa
ocupação produtiva ou demográfica.
Apreendo então, que em São Luís se desenvolve, cada vez mais, uma forma urbana
que não significa apenas a ampliação da cidade, mas um modo histórico novo de
apropriação, domínio, produção e usos da terra e territórios citadinos. Em lugar da forma
compacta, unitária e concentrada de cidade que representava o processo sócio-histórico
em formação há séculos, existe no presente uma população urbana - em torno de um
milhão de habitantes29 - distribuída em territórios contínuos em sua lógica aparente e, ao
mesmo tempo e contraditoriamente, territórios hierárquicos, disjuntivos, segregados.
Em partes desses territórios, a permanência de cortiços e de áreas de palafitas, a
moradia em prédios abandonados e sob o risco de desmoronamento, a falta ou
precariedade da moradia e dos equipamentos e serviços coletivos urbanos nas áreas
periféricas da cidade, as lutas sociais em torno da democratização nos usos da terra
urbana, enfim, o conjunto de efeitos deletérios (objetivos e subjetivos) da segregação
sócio-espacial, permanece como forte e grave expressão de desigualdade social e da
precariedade da produção da existência urbana.
Destaco, mais uma vez: nesse modo de constituição do urbano, a presença e a
força da ocupação de terras (organização coletiva ou ocupação espontânea) são
dimensões reveladoras de um triplo processo: (1) o enfrentamento da Lei pelos chamados
sem-teto com vistas à garantia do acesso à propriedade ou posse fundiária e a (auto)
edificação da moradia; (2) o afastamento das condições de acesso às regras do mercado
imobiliário (formal, legal e cartorial) de partes importantes da população urbana; (3) as
ações eficientes do Estado no sentido de integrar as áreas ocupadas para fins fiscais ao
mesmo passo das limitadas e ineficientes ações para dotá-las de equipamentos e serviços
urbanos básicos.
29 Segundo dados do Censo 2000 (IBGE) o município de São Luís tem 870.028 habitantes, sendo 835.325 na área
urbana e 32.772 na área rural.
41
30
Ver Marx (1982 e 1989). Também em Netto (1998, p.30), naquilo que "O procedimento metodológico próprio a esta
teoria consiste em partir do empírico (os "fatos"), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a
sua gênese histórica e seu desenvolvimento histórico e reconstruir, no plano do pensamento, todo este processo. O
circuito investigativo, recorrendo compulsoriamente à abstração, retorna sempre a seu ponto de partida - e a cada
retorno, compreende-o de modo cada vez mais inclusivo e abrangente. Os "fatos", a cada nova abordagem, se
apresentam como produtos de relações históricas crescentemente complexas e mediatizadas, podendo ser
contextualizados de modo concreto e inseridos no movimento maior que os engendra. A pesquisa, portanto, procede por
aproximações sucessivas ao real, agarrando a história dos processos simultaneamente às suas particularidades
internas".
31 Henri Lefebvre (1901-1991), antes de La pensée marxiste et la ville de 1972 (traduzido no Brasil em 1999, sob o título
A cidade do capital), já havia publicado: Le droit à la ville no ano de 1968, em 1970, Du rural à l`urbain e La révolution
urbaine. No ano de 1972, aparece Espace et politique - le droit à la ville II e, em 1974, La production de l` espace.
32 Refiro-me às contemporâneas alterações nas condições técnicas e sociais da produção, do trabalho e do consumo
realizadas sob a orientação das necessidades reprodutivas do capital denominadas, comumente, de reestruturação
produtiva. Sobre estas alterações se fazem diferentes pesquisas, travam-se diversas polêmicas e enfocam-se certos
ângulos de análise. Harvey (1992) tende a considerá-las como pertencentes à transição de um regime de acumulação e
seu correlato modo de regulação política e social, a passagem do fordismo para o regime de acumulação flexível.
Chesnais (1996), destacando inovações nos domínios da produção industrial, da tecnologia, dos serviços, do comércio
internacional e do capital financeiro nos fala da crise estrutural, da mundialização do capital e da financeirização da
economia. Para Jamesom (1986) a pós-modernidade não é senão a lógica cultural do capitalismo tardio. Partindo de
outro referencial, Habermas (1981) diz que subsistemas, regulados e expandidos por intermédio da razão instrumental
(poder, dinheiro, monetarização e burocratização), como senhores coloniais numa sociedade tribal, invadiram o mundo
da vida (razão comunicativa) e o colonizaram. Em contraposição, Lojkine (1995) problematiza a constituição de novas
relações sociais de natureza não mercantil, a partir das novas potencialidades das NTIS, que se desdobram da revolução
informacional, e Negri (1999) discute o papel dos fluxos metropolitanos do trabalho imaterial, das redes de cooperação
produtiva e da figura do empresário político inovando a produção no capitalismo. Têm-se, ainda, como interfaces desses
fenômenos à crise dos modelos socialistas (comunista e social-democrata), a desfiguração do Welfare State, segundo
Fiori (1995) a mais ambiciosa e bem sucedida construção republicana de solidariedade e proteção social.
43
Desse modo, foi na particularidade histórica brasileira, nas formas através das quais
ela se entrelaça com o caráter expansivo do capital, suas contradições e crises e a ele
subordina-se mediante relações, padrões e laços políticos peculiares que procurei
apreender certas determinações, mediações e expressões que sustentam metamorfoses e
disputas territoriais33 urbanas no Brasil, representadas pela singularidade registrada em
São Luís.
A descoberta de mediações entre as determinações mais gerais da sociedade
capitalista com a formação histórica brasileira e as dinâmicas aqui processadas no âmbito
da urbanização, privilegiando fontes secundárias de pesquisa, encontra-se apoiada,
relevantemente, nos estudos de Florestan Fernandes, Otávio Ianni, Caio Prado Júnior,
Paul Singer, Lúcio Kowarick, Francisco Oliveira, Milton Santos, Raquel Rolnik, Ermínia
Maricato e Maria Helena Rauta Ramos. A despeito de seus objetos particulares de
pesquisa, esses autores apresentam subsídios nos quais se podem assentar bases para a
compreensão de processos sócio-históricos subjacentes à problemática urbana sob o
capital ou para investigações empíricas sobre tal problemática no Brasil.
O estudo das formas pelas quais disputas territoriais e mecanismos político-jurídicos
de ordenação territorial têm-se associado a metamorfoses urbanas e contribuído para
produzir territórios segregados, ao valorizar dados empíricos próprios à dinâmica urbana
de São Luís, levou a reflexão a privilegiar a pesquisa histórica e documental,
ultrapassando o cunho mais teórico da pesquisa e da exposição. Assim, realizei uma série
de levantamentos de acervos documentais e arquivos compreendendo: (1) Coleção de
Leis, Decretos e Regulamentos federais, estaduais e municipais; (2) Relatórios e Planos
de Governo de Intendentes, Governadores e Prefeitos; (3) Atas da Câmara Municipal de
São Luís; (4) Planos e Projetos de Reforma Urbana; (5) Coleção de Posturas Municipais;
(6) Leis Orgânicas e Planos Diretores do Município.
33 Ao longo da minha argumentação, a utilização do termo territorial se refere às dimensões espaciais de processos
econômicos, políticos e ainda culturais, subsidiando, dessa maneira, a abordagem de experiências sócio-espaciais
diferenciadas: espaço mundial, espaço nacional, regiões, estados, municípios, cidades, áreas dentro da cidade, como
também determinadas formas de apropriação e usos do espaço, a exemplo das ocupações de terras urbanas para fins
de construção da moradia. Tal procedimento, de algum modo, incorpora o reposicionamento feito por Milton Santos
sobre a categoria território, no qual enfatiza sua relevância na ação política (SANTOS e SILVEIRA, 2001), indicando a
adequação do uso do termo espaço territorial para denominar a atuação de um Estado num espaço geográfico e ainda
espaço geográfico como sinônimo de território usado - tanto resultado do processo histórico quanto a base material e
social de novas ações humanas - categoria capaz de favorecer a analise do território, mediante a identificação e a
análise de processos sócio-históricos relevantes presentes na sua constituição.
45
De fato, entre 1960 e 1980 afloraram com forte densidade no espaço citadino de
São Luís: (1) a edificação de pontes, aterros, barragens e terminais ferroviários e
marítimos; (2) a ampliação e saturação da ocupação das áreas alagadiças mediante o
recurso construtivo de palafitas34; (3) as iniciativas estatais voltadas para desapropriação
de áreas e transferência de populações; (4) a construção de grandes conjuntos
habitacionais (SFH/BNH/COHAB); (5) os litígios fundiários urbanos envolvendo lutas
sociais pela moradia (as ocupações) e ações de reintegração de posse (os despejos).
Assim, experiências industriais periféricas, como as que se efetivaram ou têm
efetividade no estado do Maranhão, levaram a cidade de São Luís a experimentar o que
poderia ser chamada de um tipo de urbanização acelerada, anárquica e
desregulamentada. Esta se concretiza como produto e condição da valorização mercantil
da terra, de interesses fundiários e imobiliários, dos rumos da expansão da cidade, das
disputas territoriais e dos modos desiguais de provisão da moradia.
No último conjunto de relações históricas pertinentes ao objeto investigado, busco
abeirar dimensões territoriais da atual reestruturação produtiva que se reproduzem na
cidade, precisamente por sua combinação constitutiva de processos materiais e
representações culturais, tomando as expressões observadas em São Luís como
elementos ilustrativos dessa dinâmica. Assim, no terceiro capítulo - que recebe o título
Cidades no Brasil: espaços estratégicos das atuais realidades produtivas e espaços de
segregação - considero se do ponto de vista teórico e empírico, é possível identificar na
dinâmica urbana de São Luís expressões da atual mutação do espaço capitalista,
principalmente aquelas relacionadas ao chamado pensamento único urbano35 que requer
das cidades que elas se (re) qualifiquem, tendo em vista sua adaptação aos novos
aparatos e interesses do capital e ao seu papel de novo ator político.
34 No ano de 1961, no documento, Maranhão: plano e investimentos -1961, o governador faz a seguinte consideração:
"[...] a cidade de São Luís, na quase totalidade da sua orla marítima, requer obras de saneamento. A precariedade das
condições de drenagem, associada à extraordinária amplitude das variações das marés, torna extremamente insalubre,
largas áreas da Ilha. Dada à localização da cidade entre os Rios Anil e Bacanga, este último na verdade um braço de
mar, habitações, algumas palafitas, foram construídas nos extremos alagados desses rios, nos quais vive significativa
parte da população pobre da cidade". O governo do Estado em abril de 1969 dá conta da proliferação das palafitas,
registrando a existência de 7.000 habitações dessa natureza (MARANHÃO, 1971, p.73).
35 O chamado pensamento único urbano diz respeito aos discursos e planos de ação que defendem as necessidades de
inserção competitiva para levar as cidades a se tornarem espaços de disputas por investimentos nos mercados
internacionalizados. Trata-se ainda de uma espécie de urbanismo de resultados no sentido de que a gestão urbana
deve se voltar para da criação de um ambiente dos negócios através de estratégias de promoção e marketing da
cidade. Cf. a respeito, dentre outros, Arantes (1988), Acselrad (2001) e Vainer (2000).
49
Nem Amazônia, nem nordeste: São Luís é única! Fundada por franceses, é
a mais portuguesa das cidades brasileiras. Chamada Terra dos Palácios de
Porcelana, pela quantidade de prédios de azulejos que possui, é aqui, nesta
Atenas Brasileira, que passado e presente se confundem. Por isso é
Patrimônio da Humanidade! Praias, história e folclore são inspiração de
poetas e romancistas. Pois tudo isto e mais uma estadia tranqüila e afetuosa
o PRAIA MAR HOTEL lhe oferece. A cinco minutos do centro histórico e à
beira mar! Quer mais? O espetáculo diário do pôr do sol é cortesia do hotel.
(Material publicitário do hotel Praia Mar Hotel, 2002).
36 Relevo aqui, por exemplo, a preocupação de agentes estatais e movimentos sociais no sentido de que a
refuncionalização de certas áreas da cidade, a exemplo do Centro Histórico, não promovam as chamadas práticas de
gentrificação: práticas de reapropriação de espaços pelo mercado através de operações urbanas que lhes conferem
novo valor econômico e simbólico, geralmente orientando-os para o consumo - residencial ou de serviços - das camadas
mediais. Apresentados, para fins mercadológicos, como espaços ‘revitalizados’, neles, a população original vivencia a
‘revitalização’ como mecanismo gerador de expulsão e segregação social. Cf. a respeito Sánchez, 2001.
50
37 Marx (1998b, p. 830-831), ao discutir o segredo da acumulação primitiva, afirma: “Marcam época, na história da
acumulação, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles
deslocamentos de grandes massas humanas, súbita, e violentamente privadas de seus meios de subsistência e
lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do
camponês que fica privado de suas terras, constitui a base de todo o processo. A história dessa expropriação assume
matizes diversos nos diferentes países, percorre várias fases em seqüência diversa e em épocas históricas diferentes”.
53
38
Na abordagem dos temas tempo e espaço no projeto do Iluminismo Harvey (1992) chama atenção para o fato de que
a objetividade na representação espacial veio a ser um atributo valorizado porque a precisão da navegação, a
determinação dos direitos de propriedade da terra (em oposição ao confuso sistema de direitos e obrigações legais que
caracterizava o feudalismo), as fronteiras políticas, os direitos de passagem e de transporte começavam a constituir-se
um imperativo econômico e político. Privados de todos os elementos de fantasia e de crenças religiosa, os mapas tinham
se transformados em sistemas abstratos e estritamente funcionais para a organização factual de fenômenos no espaço.
39 Recorde-se que até o século XVI, a exploração de além-mar estava reservada às duas nações ibéricas, Espanha e
Portugal. Por volta de 1520 dava-se a contestação desse privilégio por parte de outras nações banhadas pelo Atlântico.
França, Inglaterra e Holanda são as nações que intervém na concorrência mercantil rompendo a antiga partilha do novo
mundo entre Portugal e Espanha. A França buscou respaldo no princípio jurídico do uti possideteis (usucapião),
afirmando que a posse da terra só se concretizaria quando a nação reivindicante a ocupasse efetivamente.
40 Referenciando-se em Marx, Fiúza de Mello (1999, p.31) observa: "A acumulação originária - as transformações que
41 Como afirma Fiuza de Mello (1999, p.39): As pré-condições para a explosão da era capitalista, da reprodução
ampliada da acumulação do capital, não decorriam, contudo, apenas das repercussões da revolução agrícola em solo
europeu, a qual com a expropriação dos camponeses preparam o adensamento do proletariado necessário à expansão
da manufatura (e, depois da indústria). Impulsionara a formação de um promissor mercado interno (em cada país), com
troca de mercadorias (matérias primas e produtos manufaturados) entre campo e cidade. O capitalismo quando emerge
em seu primeiro esplendor, no século XVI (e não antes), sob a forma do mercantilismo, já se constituía, então, num
sistema internacional em pleno desenvolvimento que tinha por base as necessidades do novo mercado mundial que
começava a ser criado pelas grandes do final do século XV; o comércio ativo e regular de longa distância como 'ossatura'
da nova onda de trocas - na expressão de Fernando Braudel.
55
42 A base legal era uma resolução de Afonso II, de 1240, que ratificava a perda de terras não ocupadas, prenuncio das
leis agrárias portuguesas inauguradas com a Lei das Sesmarias de Fernando I, em 1375. Portugal, após a Revolução de
Avis, reafirma o domínio monárquico sobre a propriedade da terra. No Brasil, a adoção do Regime das Sesmarias foi
implantada por Martim Afonso de Sousa, a partir do ano de 1530, mediante delegação de D. João III e somente
interrompido em 1822.
56
43 Fernandes (1976, p.22-23) indica alguns móveis capitalistas do comportamento econômico que foram introduzidos,
aqui, conjugados à colonização: (1) a distribuição da renda gerada no Brasil absolutamente de forma desigual, enquanto
a maior parte era remetida para o exterior (Coroa e agentes de financiamento da produção, entre outros) um diminuto
montante era apropriado pelos agentes econômicos locais; entretanto (2) seus ganhos financeiros (agentes
potencialmente econômicos) eram surpreendentes mesmo se comparados à luz dos padrões do capitalismo comercial, e
para garanti-los colocavam em risco suas honrarias e cabedais (no dizer de Weber, de direito estamental, advindos de
sua posição de nobreza e de serviços militares); (3) o suporte institucional desse processo estava em que "[...] o sistema
colonial organizava-se, tanto legal e política, quanto fiscal e financeiramente, para drenar as riquezas de dentro para
fora".
57
Mas, o tempo era de guerras por terras e territórios, partes da base material de que
carece o capital para se desenvolver e se expandir. Como o poder político se fundava,
quase exclusivamente, em atos de violência, através deles terras e territórios foram
disputados e pilhados pelos gigantescos aparelhos nacionais de Estado em vias de
aparecimento. Um desses territórios nos interessa em particular.
De acordo com o estágio até agora atingido pelas pesquisas históricas e
documentais, os dados mais conhecidos apontam que, no ano de 1612, os franceses
iniciaram a constituição de um povoado, numa dada parte do Maranhão. Os portugueses
haviam se apossado dessas terras inicialmente apenas por meio de acordo, feito com a
Espanha, para dividir a América descoberta. João de Barros, dono, em nome do Rei, da
porção de terras ao Norte do Brasil, denominada Capitania do Maranhão havia, por volta
de 1538, fracassado na sua tentativa de ocupação da região.
58
[...] Escolheram uma bela praça, muito indicado para esse fim por se
achar numa alta montanha e na ponta de um rochedo inacessível e
mais elevado do que todos os outros e donde se descortina o terreno
a perder de vista; assim entrincheirado, formando um baluarte ao
lado da terra firme, é inconquistável e tanto mais forte quanto cercado
quase por completo por dois rios muitos profundos e largos que
desembocam no mar ao pé do dito rochedo (ABEVILLE, 1975, p.67).
44 O tema da fundação da cidade de São Luís, ou melhor, a velha dúvida se franceses ou portugueses, permanece,
ainda, em debate. O jornal O Estado do Maranhão de 8 de setembro de 2001, a propósito dos 389 anos de fundação da
cidade, publicou argumentações de três historiadores. Na visão de Maria de Lourdes Launde Lacroix não teria havido
tempo hábil para que os franceses estabelecessem em São Luís uma verdadeira colônia, já que permaneceram nestas
terras apenas de 1612 a 1615. Para a historiadora o termo fundar remete a estabelecer, construir, lançar os alicerces e,
principalmente, dotar o burgo de instituições civis permanentes e os franceses nada disso fizeram. Argumenta que a
colonização francesa é apenas um mito explorado, pela elite decadente do Maranhão, no final do século XIX. Um
passado glorioso teria sido inventado como forma de suportar a decadência que se instaurou nesse momento. Para
Ananias Martins, pela conotação ocupacional que deram de posse, incluindo rituais e estatutos, e o período de ocupação
regular de quase três anos, sem contar os 20 anos de contatos iniciais fazendo escambo com os índios, os franceses,
sem dúvida nenhuma, são os primeiros colonizadores do território que viria a ser a cidade de São Luís. Na análise de
Mário Martins Meireles, um primeiro ponto a ser considerado é a diferença que existe entre um corsário e um pirata. O
pirata é um bandido dos mares, enquanto o corsário é um navegante que leva consigo uma carta de cônsul, ou seja,
viaja com o aval de um monarca. Daniel de La Touche, acusado de pirata pelo primeiro analista, seria um corsário na
opinião deste último. A rainha regente Maria de Médicis havia lhe dado concessão para a colonização de terras ao sul da
linha do Equador. A corte lhe autorizava a tomar posse em seu nome, de cinqüenta léguas de terras a cada banda do
forte a ser construído no Maranhão. A rainha fez questão de enviar uma missão de padres capuchinhos do Convento de
Paris para catequizar os futuros súditos franceses. No dia 8 de setembro de 1612 era fundado o Forte, que deu origem a
Vila São Luís. Tratava-se, pois de uma expedição colonizadora em nada comparável a ações de pirataria. Então,
segundo o historiador o mais correto é dizer São Luís e uma cidade portuguesa que nasceu francesa.
60
45
O trabalho Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial (2000) identifica a presença de uma atividade planejadora
urbana nas cidades mais antigas do Brasil. Nesse estudo, propondo uma perspectiva urbana da história brasileira os
pesquisadores chamam atenção para o fato de que a recuperação da história da colonização foi escrita, sobretudo, a
partir de documentos administrativos portugueses. Estes visavam os aspectos relevantes para a dominação colonial e
revelam uma completa indiferença, quando não ignorância, sobre muitos aspectos da vida colonial a exemplo da
presença de alguns setores com intensa vida urbana. Tal fato, talvez seja responsável pelo esquecimento, constatado
mesmo no século XX, da existência de algumas atividades urbanísticas nos séculos XVI e XVII e do intenso trabalho
realizado neste campo durante o século XVIII. Também, chamam atenção para a valorização na literatura brasileira da
política e dos costumes das famílias dos grandes proprietários rurais, estabelecida, principalmente, após a
Independência, sendo essa valorização quase absoluta em relação à vida rural em detrimento da urbana.
61
condicionou a distribuição de terras à conveniência do serviço régio. A natureza jurídica desses contratos, assim como
dos arrendamentos, inspirou a discussão entre alguns historiadores e estudiosos, do caráter feudal das propriedades
territoriais na colônia brasileira. Considere-se, por exemplo, a discussão de Sodré (1976, p.14-35).
62
49 Manifestando particulares indicações quanto à determinação de que a História não se faz fora do espaço (SANTOS,
1979), o Estado do Maranhão estabelecido pela Carta Régia de 13 de junho de 1621 abarcava as capitanias do
Maranhão, Grão Pará e Rio Negro. Sucessivas delimitações explicadas pelas diferentes estratégias de defesa e
colonização dessa região se efetivariam, fazendo com que em 1755 as capitanias do norte, Grão-Pará e Maranhão,
malgrado suas autonomias administrativas, formassem um Estado com um governo delegado pela metrópole.
50 A demanda por terras e a construção de prédios da Igreja constituem-se importantes mediações da formação do
espaço urbano de São Luís. As igrejas do Desterro (a mais antiga da cidade), de Santo Antônio (1624), da Sé (1626), do
Carmo (1627), o Convento das Mercês (1654) formam um conjunto de igrejas, capelas e conventos construídos ainda no
século XVII que acompanham, definem e/ou reiteram os caminhos da expansão territorial da cidade. Tal determinação
pode ser observada, por exemplo, a partir da configuração da propriedade imobiliária do atual Convento das Mercês. No
ano de 1654 chegam a São Luís os religiosos da Ordem dos Mercedários para levantar seu convento (convento, igreja,
morada, roçado e fábrica) no lugar da ermida de Nossa Senhora do Desterro e chão a elas pertencentes. A posse tinha
sido obtida dos oficiais da Câmara no ano de 1648. A ermida do Desterro ficava no extremo sul, no alto de uma ponta de
terra que marcava a entrada de um vasto manguezal conhecido como Praia da Olaria. Como nas marés de enchente
esta área era coberta pelas águas do Ibicanga - que avançavam até próximo da depois chamada Fonte das Pedras - o
donatário de Cumã autorizou a Ordem, pelo Alvará de 22 de junho de 1654, a edificar o convento no sítio que lhes
acomodasse sem que ninguém lhes contradissesse. Através de doações o terreno da Ordem alcançaria 4.605 m2 e a
área e a área construída chegaria a 2.062 m2. (MEIRELLES, 1994).
63
51Cartas baseadas em padrões portugueses, mas incorporadas à gigantesca obra cartográfica que astrônomos,
geógrafos, capitães, pilotos e marinheiros holandeses – ou a serviço Companhia das Índias Ocidentais – realizaram em
relação ao território colonial português.
64
Figura 1
PAISAGEM DA CIDADE DE SÃO LUÍS EM 1641
Fonte: Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial – EDUSP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: 2000
65
Figura 2
PLANTA DA CIDADE DE SÃO LUÍS EM 1641
Fonte: Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial - EDUSP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: 2000
66
52 Aspectos do particular desenvolvimento de Recife, no período holandês, são descritos por Josué de Castro nos
seguintes termos: “Começou o novo governador por ir habitar a ilha de Antônio Vaz, sendo, sob sua orientação, traçado
e iniciado um plano urbano da ilha, para levantamento da cidade, que os Conselhos políticos decidiram chamar de
Mauritzstadt, em homenagem ao seu fundador. Antônio Vaz era uma ilha colocada estrategicamente entre os rios - o
Capibaribe e o Beberibe - em cujos vales prosperava maravilhosamente a indústria do açúcar, cujo produto descia em
barcaças por seus leitos navegáveis até o porto. O sistema defensivo da cidade Maurícia, composto do lado que olha
para o continente de um baluarte em alinhamento quebrado, com fossos e paliçadas e com seus bastiões a distâncias
regulares, é absolutamente idêntico ao que se apresentava cercando Amsterdã de 1667. Do lado de fora dessa muralha,
na parte norte da ilha, fez Nassau levantar o seu famoso castelo de Vrijburg (Cidade da Liberdade), com suas duas altas
torres servindo uma de farol que era avistado do mar numa distância de 5 a 6 milhas. Do lado oeste a cidade, voltado
para o continente, levanta Nassau seu outro palácio (o de verão), chamado Castelo da Boa Vista. Ligou também esse
notável administrador a cidade Maurícia ao Recife e ao continente, por meio de duas pontes procurando destarte
solidarizar as diferentes vias de comunicação que convergiam para o porto. Quando os holandeses são expulsos do
Brasil já contava Recife com 2.000 casas e cerca de 8.000 habitantes. Sua grande prosperidade derivava da exportação
de açúcar, que atravessa, na primeira metade do século XVII, seu período de máxima expansão”. (apud SINGER, 1977,
p.273).
67
[...] era tal e tanta a miséria, que o geral dos moradores, e ainda os mais
qualificados, andam vestidos de pano de algodão grosso, tinto de preto.
Contra a fatal ruína que ameaça a todos, não só a violência do presente contrato,
mas a que já chorava no absoluto domínio dos missionários da Companhia de Jesus com
a administração dos índios libertos. Estes são pontos explicitados na reivindicação dos
colonos quanto à revogação do monopólio da Companhia de Comércio do Estado do
Maranhão e a expulsão dos jesuítas. Mas, foi vã a contestação e luta dos colonos
(1684/85) para recuperar a mão livre sobre a escravização de índios e as práticas de
comércio. Afirmando o poder do Estado português sobre sua colônia, Manuel Beckman,
chefe de uma das primeiras revoltas coletivas de São Luís, foi enforcado em 12 de
novembro de 1685.
Quanto à saúde da população dessa cidade, as possibilidades de cura, inclusive das
graves epidemias pestilentas, se encontravam referidas mais aos saberes do índio, do
negro e do jesuíta, que ao saber médico. Em 1621, a primeira epidemia de varíola teria
dizimado a população de São Luís, que ainda não excedera de 1.000 habitantes53.
53 Em ofício de 1°/7/1718, a Câmara voltaria à presença da Coroa para dizer que com ansiedade aguardava o médico
prometido, assegurando que havia de pagar-lhe pontualmente os Rs. 50$000 anuais ajustados. Decorrido mais um ano
insistia a Câmara junto ao trono, em data de 26/4/1719, solicitando pelo amor de Deus fossem mandados com urgência,
para o Estado, um médico, um cirurgião e um boticário. O desespero do pedido do governo municipal de São Luís, que já
o fazia apelando para o amor de Deus, compreende-se não só por motivo dos tantos anos em que se estava sem médico
e sem farmacêutico. De fato, o estado sanitário da cidade piorava a cada dia com os sucessivos surtos de varíola
realimentados de quando em vez pelas novas levas de escravos trazidos da África pelos navios tumbeiros e contra o que
pouco valia a ação do juiz da Saúde, em verdade simplesmente um vereador. Cf. a respeito Meirelles (1994).
68
54 As pesquisas de Rolnik (1997, p.29) apontam que “[...] não havia muita diferença entre a planta e os programas das
casas mais ricas e as mais pobres: a diferença residia basicamente no material de construção - sobretudo no piso de
terra batida das residências mais humildes e no assoalho para as casa de maiores posses, no tipo de taipa das paredes
e no número de materiais empregados nas portas e janelas”.
69
Eram se assim for possível tipificar as casas populares urbanas: moradias pequenas
e precárias, mas entulhadas de pessoas (seis, sete, às vezes mais), de instrumentos de
trabalho, de esteiras de palha, de feixes de lenha, de panelas, vasilhas ou caçarolas de
barro e tantos outros elementos reunidos para garantir a subsistência.
As casas dos indivíduos e famílias das classes senhoriais dispunham de mais
aposentos. Fechadas pelas paredes do privado, nessas moradias já se faziam a nítida
separação entre os aposentos de recepção, que davam para a rua, e a cozinha, que se
voltava para o pátio ou quintal. Quanto aos escravos, quando não dispunham de senzala
ou galpão, fugindo ao frio do descampado, esticavam a noite suas esteiras de palha em
qualquer lugar, inclusive na cozinha, próximo ao fogão.
Por todos esses fatos, nas vilas e cidades coloniais do Brasil, a exemplo de São
Luís, os estratos sociais da sociedade estamental (num conjunto de documentos tais
estratos aparecem identificados por diferentes denominações: filhos do reino,
descendentes de europeus, negros da lavoura, livres pobres, antigos donos da terra,
índios, o clero, os colonos, os nativos, os fidalgos, os escravos, os negros, os brancos, a
nobreza, os senhores), as espoliações e agonias manifestadas nas condições de vida e
trabalho de índios e escravos negros, como também de trabalhadores brancos, frações
pobres, apesar de livres, deixam por demais evidentes desigualdades sociais.
Então, poder-se-ia dizer que elementos da segregação social, e talvez sócio-
espacial, já se encontrariam lá (como virtualidades não realizadas plenamente, tendências
em curso), porque envolvendo relações entre senhor e escravos, campo e cidade, colônia
e metrópole, momento no qual a divisão social do trabalho aqui começava a acontecer,
baseada numa organização subalterna de traço colonial, onde as bases da propriedade
privada estavam se assentando mediante, inclusive, da transição de uma economia sem
grande expressividade agrícola ou acúmulo de riqueza para uma economia voltada para o
mercado externo, com a montagem do sistema agro-exportador?
De fato, no processo sócio-histórico dessa cidade nascente constituíram-se
configurações e relações sócio-espaciais particulares, que guardavam nexos profundos
com os modos através dos quais surgiu e se desenvolveu no Maranhão e na totalidade da
colônia, a lavoura mercantil de larga escala assentada no trabalho escravo do negro e
atividades comerciais e portuárias em seus espaços.
70
55 Sabe-se que o Regimento (1548) promulgado para orientar o governo geral de Tomé de Souza só permitia a punição
de índios considerados rebeldes. A Carta Régia de 20 de março de 1570 estabelecia o apresamento só por decorrência
de guerra justa. Outras leis promulgadas nos anos de 1605 e 1609 defendem a liberdade dos índios e proíbem o trabalho
forçado (PRADO Jr., 1963). Para Kowarick (1985b), não se pode atribuir a preferência pelo escravo negro ao índio
baseando-se no argumento da chamada índole indígena. Retomando a análise de Marx sobre o papel do tráfico negro na
acumulação primitiva e a de Fernando Novais sobre a dinâmica do sistema colonial, este estudioso ressalta que o
apresamento do índio era um negócio interno, e, como tal, não interessava à Metrópole. Mas, os lucros gerados no
comércio de africanos seguiam para a Metrópole. As vantagens econômicas do tráfico antecederiam, assim, a
escravidão africana na Colônia.
73
56 As referências ao Brasil Colônia, como uma sociedade estamental e senhorial - sendo sua base material formada pela
fazenda e pelo trabalho escravo, e seu suporte social a dominação patrimonialista - segue a linha de análise
empreendida por FERNANDES (1976).
57 Em Freire (1992) a ascensão e queda da família patriarcal são chaves para a compreensão da história brasileira.
58 Para Mello (1991) trata-se de uma colonização moderna e a mesma, conforme Marx, está contida num processo de
organização muito mais amplo. Ela coloca-se como uma determinante histórica do processo de constituição do modo de
produção capitalista, ou seja, no âmbito de um estatuto colonial e capitalista que se estabelece de modo expansivo.
74
O que pode ser identificado como um dos traços mais visíveis da metamorfose
citadina em destaque é a presença de certos bens materiais, simbólicos e públicos que se
cruzavam sem cessar na construção de imobiliários urbanos (prédios de função comercial
e residencial) e na formação do poder, cultura e padrão urbanístico local59. Um forte
contraste, decorrente do modo como às desigualdades sociais e étnico-raciais se
expressavam na polarização entre abundância e carência, assumia progressivamente
formas espaciais, no aspecto da moradia, nos imóveis comerciais, nos largos e praças
públicas, na produção e acessibilidade a recursos infra-estruturais da vida urbana.
Sobre os sobrados urbanos então construídos, Silva F. (1998, p. 37) faz os
seguintes registros:
59Importante não esquecer que com a riqueza acumulada pela exportação de matérias-primas regionais, e ainda que
São Luís exercesse controle político e administrativo sobre os espaços citadinos do baixo sertão, outros importantes
experimentos de arquitetura luso-brasileira também se faziam presente, nesse momento, nos territórios de Alcântara,
Viana, Santa Maria do Icatu, Aldeias Altas, dentre outros.
77
Em meio a prédios que recebiam denominações como morada e meia, meia morada
e comércio, morada inteira, porta e janela surgiam, para abrigar ricos senhores,
imponentes casarios de até quatro pavimentos, construídos de pedra e cal, com sacadas
de ferro batido, portadas em pedra de Lioz (uma variedade de calcário branco e duro) ou
pedras de cantaria (pedras lavradas e cortadas para serem aplicadas em diferentes parte
de uma edificação), com fachadas revestidas de coloridos azulejos portugueses e
franceses60. Dentro desses casarios, palacetes ou sobrados, em salões atapetados, um
acúmulo de objetos. Camas de dossel, cristaleiras, consoles, lustres, jarros e luxuosas
baixelas de prata e porcelana de procedências diversas (européias ou nacionais)
denotavam e ostentavam a riqueza material de seus donos61.
60 "Casas de azulejos de um lado e de outro, com grades de ferro rendilhadas, vidros coloridos no leque das janelas, um
ou outro portal de pedra". (MONTELLO, 1978).
61 "Pelas janelas escancaradas, espreitava de passagem os grandes retratos nas paredes, os espelhos doirados, as
cadeiras estofadas, os consoles de tampo de mármores com jarros de porcelana, as camas de dossel, o enorme oratório
de jacarandá cheio de santos". (MONTELLO, 1978).
78
62 Na São Luís colonial, relatos em jornais e literatura como em algumas pesquisas divulgadas permitem observar que a
intervenção estatal e desigualdades socioespaciais não se separam como dois móveis distintos; embora dissimulada,
muitas vezes, na aparente ação do Estado acima dos interesses estamentais e / ou de classes. A contradição entre a
expansão da cidade e ação seletiva do Estado colonial quanto à produção e localização dos equipamentos e serviços
coletivos se desdobrava continuamente, na medida em que se alteravam as dinâmicas do trabalho e da vida urbana no
Brasil e no Maranhão. Um exemplo: No Contrato Blount, a época uma das peças das várias iniciativas da administração
da cidade visando disciplinar o fornecimento de água potável (encanada) figura a seguinte cláusula: estabelecer como
horário, para a venda da água, das 4 às 21 horas, com exceção do Largo do Carmo, área nobre e coração da cidade,
onde poderia ser vendida por toda a noite. Ou seja, dos seis chafarizes existentes para a venda de água (situados nas
praças do Campo de Ourique, do Mercado, Alegria e do Açougue, e nos largos de Santo Antônio e do Carmo), apenas o
chafariz do Largo do Carmo não tinha restrições quanto ao seu funcionamento. Ver sobre o assunto, dentre outros,
Marques (1867) e Palhano (1988).
79
63 Segundo Almeida (1988) as denominadas terras de preto compreendem aqueles domínios doados, entregues,
ocupados ou adquiridos, com ou sem formalização jurídica, às famílias de ex-escravos a partir da desagregação de
grandes propriedades monocultoras. Os descendentes de tais famílias permanecem nessas terras há várias gerações
sem proceder ao formal de partilha e sem delas se apoderarem individualmente. Consultar a respeito o trabalho Terras
de preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento (ALMEIDA, (org), 2002).
64
Não se pode esquecer que, no campo, os donos de terras, em meio a relações permeadas de tensão e violência,
extraindo o máximo rendimento do trabalho escravo se faziam responsáveis pela construção dos caminhos - caminhos
que vadeavam rios, cruzavam planaltos, atravessavam sertões - em direção às propriedades e frentes pastoris e
agrícolas afastadas das povoações, vilas e / ou cidades.
80
65 Os termos de vereação fazem parte dos livros da Câmara Municipal de São Luís (achados em 1982 e em processo de
recuperação). Escritos à mão, os livros (166 volumes) registram o dia a dia da administração da cidade entre os anos de
1646 e 1900. Os termos se referem às obras de calçamento de ruas, construção e funcionamento de mercados feiras,
fontes, galerias e a outras tantas ações que demandavam a aprovação da Câmara Municipal.
66 Cf. a respeito Mota, Silva e Mantovani (1998).
81
67Recorde-se que no Brasil, no final do século XVIII, mais precisamente desde 1770, a produção de ouro e diamantes já
declinara, após ter sido por mais de meio século o sustentáculo econômico da Metrópole. Tal declínio contribuíra para
reativar os engenhos da região Nordeste, estimular a criação de gado no Sul e abrir novas áreas agrícolas em Minas
Gerais, São Paulo e Bahia. A política econômica da Coroa passa então a dirigir-se para a diversificação da produção
agrícola. Dessa maneira, são incrementados os cultivos de fumo na Bahia, de algodão e arroz no Maranhão e Pará e
também o café é introduzido no Pará. A produção de açúcar no Nordeste é reativada, assim como a extração de cacau
na floresta amazônica, de onde já se obtinha cravo, pimenta e outras especiarias (as chamadas drogas do sertão).
83
68Sobre esse ponto, Correa (1993, p. 48) tece o seguinte argumento: "A reprodução das relações sociais, da ideologia
das excelências da terra e das excepcionalidades da gente, foi conseguida, por conseqüência, como que automática, dos
cronistas viajantes, no exercício mais do que secular de convencer os naturais da terra (e, em especial, os segmentos
minoritários e poderosos da sociedade em questão) de que participam de um espaço físico e humano privilegiado - e, a
um destino de Corte, não poderia um comportamento de Colônia - cabendo aos da terra assumirem uma essência e
pensamento europeus".
84
Figura 4
69O palacete, (erguido na esquina das atuais ruas Grande e Passeio) foi residência do primeiro vice-cônsul inglês sendo
depois comprada por Gentil Braga, tem fachadas assimétricas, revestidas de azulejos portugueses, tem uma planta em
"L", com pátio interno e avarandado rotulado. O prédio possui vãos em arcos ogivais, alguns deles com balcão de
serralharia entalados nas molduras de cantaria (pedras lavradas e cortadas para serem aplicadas em diferentes partes
de uma edificação). Abaixo, correspondendo a cada abertura do teto, olhos de boi (aberturas ou janelas circulares ou
ovais abertas nas empenas, frontões etc., que fornecem iluminação e ventilação) do porão alto.
85
Figura 5
SOBRADO LAGES&CIA. – (SÃO LUÍS-MARANHÃO) 70
(Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rua Grande: um passeio no tempo: 1992).
70 O sobrado Lages&Cia., um prédio de esquina em três pavimentos (edificado à Rua Portugal), apresenta fachadas
simétricas revestidas de azulejos portugueses, balcões sacados no primeiro pavimento e enlatados no segundo, vergas
retas nos dois primeiros andares, emolduradas em pedra de cantaria e arco batido no último pavimento, este com
moldura de massa. O sobrado, situado na área da Praia Grande, foi mandado construir pelo português Joaquim Azevedo
de Almeida, grande exportador de açúcar, tendo em vista fins comerciais, incluindo-se aí, a hospedagem dos fregueses
vindos do interior, em viagens de negócios a capital, à época, um costume das grandes casas comerciais.
86
71 SANTOS (1978), analisando o trabalho urbano na cidade de Salvador, chama a atenção para a existência de um
circuito inferior constituído por ‘formas de fabricação de não capital intensivo’, pelos serviços não fornecidos ‘a varejo’ e
pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão, composto de pequenos negócios locais, e o superior,
correspondendo a negócios capitalistas abrangendo fluxos distantes.
87
Como a forma urbana é sempre a forma do tempo histórico da cidade, que carrega
no seu interior também a relação com os recursos ambientais72, a profunda relação de São
Luís com o mar e com a navegação, própria do período colonial e imperial, tornava pontos
centrais da administração da cidade: (1) a defesa do território, (2) as condições de
funcionamento e desenvolvimento da atividade portuária e da marinha (área do porto)73.
Investimentos feitos no porto a fim de torná-lo mais acessível a embarcações cada
vez maiores, a lavoura mercantil tocada pelo trabalho escravo e o crescimento das
atividades comercias compunham e espessavam os elos das dinâmicas produtivas e
políticas que havia tornado São Luís uma praça de comércio marítimo. Também, o
transporte de mercadorias do interior do estado e o acesso ao continente, até então só
feito pelo mar e pelos rios, passaram a ser, pois condições gerais necessárias para o
desenvolvimento de um sistema de produção e comercialização mais moderno,
preocupações de sucessivos governadores da ainda Capitania-Geral do Maranhão74.
Além da atividade portuária, cresceu o comércio varejista e introduziram-se
alterações no comércio atacadista e importador, além de surgirem novos tipos de
estabelecimentos, novos métodos de comerciar e novos hábitos de consumo. Tem-se que,
em várias cidades do Brasil, a exemplo de São Luís, guardando fortes relações com a
economia de base agro-mercantil, que lhes serve de solo imediato, desenvolveram-se e
ampliaram-se o comércio e o crédito.
72 A localização da Ilha de São Luís em um golfo, em que desembocam os principais rios do Maranhão (Mearim, Pindaré,
Itapecurú, Munim), e ao norte banhada pelo Oceano Atlântico, favoreceu a cidade de São Luís para que se tornasse o
principal porto maranhense, tanto para a navegação pluvial, quanto da costeira e atlântica.
73 Já em 1699, a Coroa, pela Carta Régia de 15 de janeiro, recomendava, atendendo a que no Maranhão residiam então
três engenheiros que se abrisse em São Luís uma aula de fortificações para três alunos que venceriam enquanto
durasse o curso, uma diária de Rs$ 0,50. Por volta de 1740, reconhecia-se que o porto era prejudicado pelo constante e
progressivo assoreamento resultante da violenta oscilação de suas águas que nas marés altas, atingia a uma cota de
7m15 acima do nível normal. As águas das marés altas faziam da Praia Grande, onde ficavam a Alfândega e o grosso do
comércio, um permanente lamaçal que dificultava o embarque e desembarque das mercadorias, feitos às costas de
negros e escravos. A ausência de depósitos em que elas pudessem ser armazenadas obrigava a que ficassem retidas
nos porões das embarcações, estragando-se, ou permitia a interferência de atravessadores que as adquiriam e
estocavam para revender a preços mais altos.
74 Gonçalo Lobato e Sousa (1753/61), então governador, mandara abrir uma picada até o Estreito dos Mosquitos, onde a
ilha mais se aproxima da terra firme, e aí fizera construir precariamente, a sua custa, um cais, uma rampa e um curral
que acabariam se arruinando. Depois, no Governo de Teles da Silva, houve autorização para prosseguir a obra,
chegando a autorizar o Senado da Câmara, a realizar uma derrama para haver recursos necessários, mais ainda desta
vez malograria a iniciativa. Dom Diogo de Sousa incluiria também este ponto em seus planos de governo. Por ofício de
11/8/1802 comunicou à Coroa que dera a Superintendência das Obras da Estrada da Estiva, com prévia aquiescência da
Câmara, ao Engenheiro e Capitão de Milícias José de Carvalho, o qual conseguiria por fim levá-las a efeito. A estrada,
com catorze palmos de largura e com pontilhões de madeira sobrepostos aos cursos de água, foi aberta em uma
extensão de seis léguas e três quartos e, alcançando o Estreito dos Mosquitos, aí se fizeram uma rampa e um curral de
cada lado, para que ficasse facilitado o transporte de gado vindo do interior (MEIRELLES, 1994).
88
75 Refiro-me ao entendimento de Gramsci (1979, p.3) quanto à formação das diversas categorias de intelectuais. O cerne
da sua argumentação é que “[...] as classes fundamentais criam ao mesmo tempo no terreno do seu surgimento no
mundo da produção econômica, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhes dão
homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no
político". Os intelectuais modernos (orgânicos) e os tradicionais, no sentido formulado por Gramsci, são considerados em
relação às funções que desempenham em determinadas condições e em determinadas relações sociais para manter ou
para modificar uma concepção de mundo, isto é, para promover determinadas maneiras de pensar e de agir.
76 No texto Raízes do Brasil, Holanda (1995) destaca que a colonização portuguesa se fez pelo gosto da aventura, mais
do que por um trabalho planejado. As realizações ocorreram á medida que o colonizador adaptou-se às condições
naturais aqui encontradas. Aliado a esse fato, o escravismo teria contribuído para estigmatizar determinados tipos de
atividades laborais, o que resultou na desqualificação do trabalho, na formação mesmo, de uma antiética do trabalho. Em
contraposição, da tradição lusitana, foram mantidos os gostos pelos aparatos, espetáculos, ostentação, condecorações,
poder e riqueza, traços indeléveis da sociedade brasileira.
77 Vigoram nessa conjuntura histórica regulamentações da Câmara Municipal a respeito, por exemplo, da caiação ou
pintura dos prédios, da venda de água pelas ruas de São Luís, dos locais para descarregar mercadorias, dos nomes de
ruas e praças, da obrigação de murar ou cercar os terrenos adjacentes ao Caminho Grande, do depósito de entulhos,
da limpeza dos quintais.
90
Figura 6
EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS: A RUA GRANDE
Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rua Grande: um passeio no tempo: 1992.
Importante considerar que até 1850 a terra da colônia brasileira, que pertencia ao
Rei, não tinha preço. Entretanto, por ser aforada, de modo geral em caráter perpétuo, onde
o domínio útil era do foreiro, possuía a capacidade de produzir renda: o foro ou prazo.
A meu ver, parece ser oportuno lembrar que a expansão das forças produtivas e a
utilização empresarial do homem e da natureza80 foram dois dos processos favoráveis à
desagregação do feudalismo senhorial e a entrada da terra no mundo das mercadorias.
Para tal, a terra precisou ser arrancada da propriedade do tipo tradicional, da estabilidade,
da transmissão patrimonial. Ao estudar o segredo da acumulação primitiva, Marx (1998b)
concluiu que, no século XIX, a relação entre terra comunal e agricultura já estava desfeita
e referendada no plano da lei. Estava formalizada no plano jurídico-político, a liberação da
terra do domínio fundiário feudal81, para que sua utilização pudesse se metamorfosear e
ser produtiva ao capital. A terra deveria doravante receber e agregar valor de troca.
Em grande parte da Europa e da América, nos séculos XVII, XVIII e XIX, tempo de
forte mobilidade dos fatores de produção e da abolição de certos privilégios monárquicos,
foram dados os passos legais efetivos para os modelos burgueses de propriedade da terra
(MARX, 1998; HOBSBAWM, 1982). Em todos os sentidos, estava em curso uma revolução
político-legal contra proprietários fundiários e camponeses tradicionais. Um dos
desenlaces dessa revolução foi à transformação do direito consuetudinário, do direito
titular ao solo em direito de propriedade privada.
No Brasil, o tempo do amplo apossamento das terras devolutas durou, do ponto de
vista formal até a promulgação da Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, que:
80 Na discussão de Marx (1998a, p. 582-583) sobre as relações entre condições naturais e força produtiva social do
trabalho tal determinação aparece nos seguintes termos. Ele diz: “Não é a fertilidade absoluta do solo, mas a sua
diferenciação e a variedade de seus produtos naturais que constituem a base física da divisão social do trabalho e que
incitam o homem, com a diversidade das condições naturais em que vive, a multiplicar suas necessidades, aptidões,
instrumentos e métodos de trabalho. A necessidade de controlar socialmente uma força natural, de apropriar-se dela ou
domá-la por meio de obras em grande escala feitas pelo homem, desempenha o papel mais decisivo na história da
indústria".
81 Recorde-se que, os feudais precisaram perder sua auréola romântica para que a terra se tornasse mais uma
mercadoria. Nas palavras de Lefebvre (1999, p.32): “Na Europa feudal o senhor usa o nome da terra e a terra com ele se
personaliza. O servo é o acessório da terra, mas o herdeiro (o filho mais velho do senhor) pertence também a terra,
pátria local, singularmente limitada, que contém a família senhorial, a linhagem e a vassalagem e sua história. As
relações entre o feudal, de um lado, e os que dependem dele são transparentes. Nada de intermediário obscuro, como o
dinheiro. A situação política tem então um lado sentimental. A condição nobre da propriedade fundiária dá ao senhor uma
auréola romântica"
93
82 Sobre a mercadoria Marx (1998a, p. 109-110-158) observou: "Não é com seus pés que as mercadorias vão ao
mercado, nem se trocam por decisão própria. Temos, portanto, de procurar seus responsáveis, seus donos. As
mercadorias são coisas; portanto inermes diante do homem. Se não é dócil, pode o homem empregar a força, em outras
palavras apoderar-se dela. Para relacionar essas coisas umas com as outras, como mercadorias, têm seus responsáveis
de comportar-se, reciprocamente, como pessoas cuja vontade reside nessas coisas de modo que um se aposse da
mercadoria do outro, eliminando a sua, mediante o consentimento do outro, através de um ato voluntário comum. É
mister que reconheçam um no outro, a qualidade de proprietário privado. Essa relação de direito, que tem o contrato por
forma legalmente desenvolvida, ou não, é uma relação de vontade e dado pela própria relação econômica. As pessoas
aqui, só existem, reciprocamente, na função de representantes de mercadorias e, portanto, de donos de mercadorias [...].
Tendo se pode vender ou comprar [...] No dinheiro desapareceu todas as diferenças qualitativas das mercadorias, e o
dinheiro, nivelador radical, apaga todas as distinções, mas o próprio dinheiro é mercadoria; um objeto externo suscetível
de tornar-se propriedade privada de qualquer indivíduo. Assim, o poder social torna-se o poder privado de particulares”.
94
Figura 7
84 A Lei Provincial 287, de 4 de dezembro daquele ano, dava autorização à Presidência da Província a incorporar uma
Companhia que se encarregasse do encanamento e da distribuição, na Capital, das águas do Rio Anil. Só em 1856, no
entanto, assinou-se o contrato para a constituição da referida empresa, que se chamou Companhia do Anil. Uma
cláusula especial do contrato concedia à Companhia um privilégio de venda da água por 60 anos.
96
85A Irmandade da Misericórdia desempenhou papel importante na dinâmica da vida urbana colonial no Brasil. Ela surge
como resposta à existência da pobreza que a Igreja toma ao seu encargo. Meirelles (1994), apresentando subsídios para
a história da Santa Casa de Misericórdia no Maranhão, propõe: Na Colônia: Criação da Irmandade da Misericórdia
(1623), a igreja e o cemitério primitivos; um primeiro hospital provisório (1653); a igreja de São João da Cidade e o
Hospital de São José da Caridade. No Império: os legados que enriquecem a Santa Casa e a disputa dos cargos da
Mesa (1841), o cemitério do Gavião (1855), o Leprosário do Goiabal (1870) e o novo prédio da Santa Casa. Na
República: a Santa Casa principia por se autonomizar da tutela do Estado e da Igreja, o que conclui meio século depois
(1957).
97
Parece ser importante lembrar que no período colonial o trato dos doentes e o
serviço de hospitalização eram atividades assistenciais destinadas, sobretudo, aos
doentes pobres. Assim, os planos de controle das doenças e das refrações das
desigualdades sociais na vida urbana tendiam a ser estritamente correlativos. Cada um
deles, a sua maneira, resultava e contribuía, ao mesmo tempo e contraditoriamente, na
produção de práticas e efeitos de integração ou segmentação social e espacial.
Então, poder-se-ia admitir, mesmo em contraposição à tese que persegue toda a
exposição, reiterando, para aprofundar, questões anteriores, que a segregação sócio-
espacial já se incrustava nesses momentos iniciais da formação de uma cidade como São
Luís? Se sim, indícios dessa presença poderiam ser surpreendidos nos espaços onde se
encontravam submergidos, escondidos, precisando ser recuperados por atalhos,
reconstruídos por conexões a outras singularidades?
A partir dessa perspectiva de análise, as estratégias mediante as quais o poder
colonial, os trabalhadores urbanos não escravos e as revoltas coletivas enfrentavam os
efeitos deletérios da escravização, das doenças e surtos epidêmicos, da ausência ou
escassez da infraestrutura urbana, retratados pelos historiadores e outros estudiosos da
vida urbana local, revelariam aspectos elucidativos da segregação sócio-espacial já em
curso em São Luís?
Afinal, nessa cidade portuária e comercial, a construção de palácios e casarios não
conseguia esconder as desigualdades e precariedade da vida citadina manifestadas, em
especial, no controle social sobre o movimento dos escravos nos espaços públicos e nas
condições das habitações dos pobres da cidade. Pelo contrário, por oposição e contraste,
quanto mais se pavoneavam os senhores e os sobrados apalaçados desses senhores,
mais eles se distanciavam dos homens pobres livres da cidade (brancos e mestiços), se
não se quiser se contrapor com a vida de negros escravos.
Esses todos, então, começaram a se tornar para as classes senhoriais e para os
sucessivos governos da Capitania, e mais tarde da Província, incômodas presenças que
não se diluem nos efeitos do crescimento econômico nem no estatuto de Atenas Brasileira
que as elites senhoriais e seus intelectuais haviam forjado para São Luís.
98
86 Ianni (1984, p. 12-13) faz a seguinte observação: "A impressão de que a sociedade, o povo, os grupos sociais, as
pessoas pouco ou nada representavam era negada pelas medidas de controle e repressão que o governo punha em
ação. Diante das forças sociais não representadas no bloco do poder, em face da rebeldia latente ou aberta contra os
interesses dos senhores de escravos, nos engenhos de açúcar e fazendas de café, o poder monárquico agia de forma
repressiva. A força, a sistemática e a preeminência dos interesses dos grupos e camadas dominantes representadas no
aparelho estatal eram de tal porte que alguns intelectuais e políticos imaginavam que a sociedade fosse amorfa e o
Estado organizado; como se este pudesse existir por si só. Não percebiam o protesto do escravo, a insatisfação do
branco pobre no meio rural, as reivindicações de artesãos, empregados e funcionários na cidade".
99
Então, na segunda metade do século XVIII outro plano político começou a ser tecido
nas malhas do estatuto do poder monárquico e colonial português. Tratava-se de eliminar
qualquer indicio de uma vacância do poder, os efeitos desagregadores de um vazio
político, o aparecimento de propagandas antimonarquistas e antiescravistas mais
consistentes. Fazia-se necessário, urgentemente, inventar os meios da autodefesa,
aumentar o controle sobre a Colônia e eliminar os múltiplos inimigos cuja ação era temida.
Para tanto, se definia a imposição de novas exigências, a busca de novos resultados, a
dilatação das esferas de ação do governo. Estratégias alicerçadas em torno do poder
político, do saber militar e do controle da população, dos escravos e da cidade então
proliferam, bifurcam, se chocam, se substituem.
Na questão da segurança da Colônia, duas trajetórias vizinhas articularam a
produção do estado de defesa contra o perigo captado numa dupla dimensão. Numa
dimensão, ele foi considerado externo, vinha pelo mar e ligava-se ao recorrente medo de
invasão por espanhóis e ingleses, do território brasileiro. Na outra dimensão, ele é visto
como interno, provinha de uma população que os estamentos senhoriais reconhecem
como pobre, doente, revoltosa e inquieta. Na idealização e efetivação do plano de defesa
contra esse perigo de dupla via, a cidade ocupava lugar estratégico. Ela é colocada como
parte fundamental da continuidade do domínio colonial na América portuguesa. Estudos e
estratégias políticas da época que se referem ao território e aos homens já contêm uma
percepção da cidade e seus habitantes como campos específicos de produção de saber e
controle político. Assim, homens e territórios, soldados e cidades aparecem
reiteradamente nas instruções e ações dos vice-reis que chegam à Colônia87.
87 Para Machado (1978) o vice-reinado do Marquês do Lavradio (1769-1779) pode ser tomado como exemplo da
preocupação de intervir na cidade para criar segurança. A cidade do Rio de Janeiro, um dos possíveis pontos de ataque
do inimigo, deveria então ter sistemas de defesa. Tratava-se de conhecer as fortalezas existentes, sua localização, sua
construção, seu estado de conservação, sua viabilidade, sua articulação com a cidade. Devia-se, desse modo, não
apenas reparar as fortalezas, mas de torná-las úteis através de uma localização estudada e perfeita, através de um
entendimento entre estes pontos de defesa e entre estes e a cidade, o movimento de tropas, o abastecimento. Tais
procedimentos implicavam conhecer a especificidade do terreno para retirar dele um conhecimento positivo: - uma
cidade específica deve ter um sistema específico de defesa. Neste momento, o saber militar escorava-se, sobremaneira,
em um saber sobre o terreno a defender. Ao lado da questão espacial da defesa focalizava-se também a personagem do
soldado. O Conde da Cunha, em ofício do ano de 1764, expõe a situação afirmando dois motivos para o
desordenamento das tropas: falta de disciplina e falta de homens. Na crítica que faz ao seu antecessor, ele diz: “... os
regimentos tinham muitos mais números, porque conservava como praça neles os velhos e entrevados, os doentes
incuráveis e as crianças de menor idade o que tornava a terça parte da tropa inútil e suposta”. Para o Conde da Cunha
imperfeições difíceis de serem corrigidas porque “[...] rara é a casa que não tem privilégio, como pela ordenação de um
número excessivo de padres ou porque todos se escondem nos matos, razões que impedem o recrutamento, além da
falta de quartéis e de meios”.
100
Todos eles chegavam com instruções a respeito dos aspectos militares do governo.
Suas primeiras providências encontram-se sempre ligadas à defesa da cidade: conservar
as tropas de soldados, guarnecerem a cidade, fortificar os portos e as marinhas. Daí a
preocupação dominante de conhecer os planos gerais de defesa e o estado dos fortes ou
fortalezas que implicam reconstrução, na medida em que são caracterizadas como em
estado de ruína. Consoante a tal atmosfera, em 1804, D. Diogo de Sousa, governante da
Capitania-Geral do Maranhão receberia ordem para mandar ampliar e/ou reforçar as
fortificações da cidade de São Luís e paralisar quaisquer outras obras em construção 88.
O Estado colonial português - o Rei, o Conselho Ultramarino, o Governador Geral,
as Câmaras Municipais - punha a funcionar um tipo de poder onde as disposições
arquitetônicas têm como objetivo responder a questões políticas. Ainda mais: punha a
funcionar um tipo de poder a se exercer através do controle social, político e territorial,
expondo uma problemática própria do território e das territorialidades que aí se formam,
sem abrir mão da brutal repressão. Acontece também que, na colônia brasileira, dado tipo
de oposição entre sertão e cidade começava a ser descortinado. Eram os sertões
brasileiros - com sua geografia grandiloqüente, a necessidade de controlar terras e uma
série de episódios humanos e sociais vividos naquelas matas e mundo tão diverso do
mundo citadino - impondo sua existência aos homens, às classes senhoriais, ao Estado e
às cidades edificadas ao longo do litoral. De acordo com Machado (1978, p. 111) o Rei
não só assinala o problema,
[...] Cruéis e atrozes insultos que nos sertões desta capitania têm cometido
os vadios e os facinorosos que nele vivem como feras, separados da
sociedade civil e do convívio humano [...] O Rei propõe medidas para
resolver a situação: reuni-los obrigatoriamente em povoações civis, providas
de autoridades administrativas como juiz ordinário, vereadores e
procuradores do Conselho.
88 A cidade de São Luís era no período colonial defendida por uma série de fortificações que eram as de São Marcos; de
Santo Antônio no extremo da ponta então chamada de João Dias (hoje Ponta d’Areia) e rigorosamente à entrada da
barra; de São Francisco, à margem direita da foz do Anil e confrontando de muito perto a cidade; e do Baluarte, com os
fortins gêmeos de São Cosme e São Damião, verdadeiramente às portas da cidade, na extremidade do promontório
sobre que fora a mesma fundada. Delas, só duas não fez D. Diogo recuperar: a de São Francisco porque já em 1797 seu
antecessor informara estar completamente arruinado, sem artilharia capaz de fazer fogo; não se trataria no caso, de
recuperação, mas de construção nova. E a de Santo Antônio, porque D. Fernando Noronha já a fizera reconstruir pouco
antes, estando em bom estado, com seus cinco canhões. No ano de 1799, ainda, vamos encontrar o Governador e
Capitão General Diogo de Sousa, conforme comunicação feita à Corte, envolvido com a reconstrução do Forte de São
Marcos, destruído com as chuvas. Erguido numa colina que confronta o oceano, dominando a restinga que lhe
emprestou o nome, esta fortificação, foi sempre de grande valia para a defesa da cidade, pois que dela, por sua altura,
se distinguiam os navios que demandavam o porto, ainda a uma distância de 16 léguas. Cf. a respeito Meirelles, (1994).
101
[...] O sistema escravista não pode ser pensado fora de um projeto de ordem
urbana, uma vez que diferentemente do campo, a cidade pode, desde que a
desordem urbana leve à desestruturação daquilo que nela sustenta a prática
escravista, converter-se no túmulo desse sistema, que identifico com
sistema urbano. Este é o responsável pela articulação dos diferentes
momentos de realização da mercadoria derivada da produção escrava, seja
no âmbito interno, seja no externo. (Pechman, 2002, p. 238-39).
89 D. Fernando Pereira Leite de Foios, terceiro governante da capitania do Maranhão (1787-1792) em ofício datado de
4/1/1790, chegou a ameaçar os vereadores por escrito de contra eles proceder como perturbadores do sossego público e
cabecilhas de rebelião, pelo motivo de não terem ido cumprimentá-lo no dia do aniversário de sua Majestade. Em Ofício
de 5 de maio de 1799, o governador Diogo de Sousa, à propósito de críticas feitas ao Intendente de Marinha Capitão de
Mar e Guerra Pio Antônio dos Santos (primeiro titular desse cargo no Maranhão), comunicaria à Coroa que: "[...] tendo
aqui aparecido uns sonetos injuriosos contra o intendente, expedi logo ordens ao Ouvidor da Comarca para abrir
devassa, não só para o desafrontar como também porque a História ensina que o primeiro indício das revoluções é o
pouco respeito que se presta às pessoas encarregadas de cargo público".
103
especificamente formulados até a revolução norte-americana, e, especialmente até a francesa, com sua Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Tais declarações, portanto, não devem ser confundidas com documentos
revolucionários como a Petição dos Direitos britânica de 1689 ou com a Declaração de Direitos de 1689, petições contra
dificuldades específicas ao invés de formulações de direitos humanos universalmente aplicáveis. HOBSBAWM (1987).
104
92Para Alencastro (1999, p.13), “[...] a parcimônia de dados disponíveis não permite que se meça precisamente o fluxo
migratório em direção à nova corte sul-americana. Mas é possível captar as mudanças comparando os dados dos
censos efetuados na cidade em 1779 e 1831. Entre uma e outra data, a população urbana; excluídas as freguesias rurais
do município, subiu de 43 mil para 79 mil habitantes. Em particular, o contingente de habitantes livres mais que dobrou,
passando de 20 mil para 46 mil indivíduos”.
105
93 Nas palavras de Mello (1991, p.44) "[...] o que era solidariedade se transforma em oposição, o que era estímulo se
converte em grilhão. Economia Colonial e Capitalismo passam a guardar, de agora em diante, relações contraditórias".
94 Recorde-se que desde ao redor de 1780, com o surto inaugural da economia industrial em alguns países da Europa já
começara a desenvolver-se um novo perfil de operários das manufaturas e das fábricas, o qual antecipa a relação
salarial moderna sem ainda manifestá-la em sua coerência. Evidentemente, esse perfil não corresponde ao conjunto,
tampouco à maioria dos trabalhadores do início da industrialização, mas representa o núcleo do que vai se tornar à
condição de assalariado dominante na sociedade industrial, encarnada pelos trabalhadores da grande indústria.
(CASTEL, 1998).
106
95
Para Fernandes (1976, p.31-32), a Independência "[...] aparece como uma revolução social sob dois aspectos
correlatos: como marco histórico definitivo do fim da 'era colonial'; como ponto de referência para a 'época da sociedade
nacional' que com ele se inaugurava [...] É nesta conexão que está o aspecto verdadeiramente revolucionário e que
transcendia aos limites da situação de interesses da casa reinante. Em contraste com o que ocorria sob o estatuto
colonial e, mesmo, sob a ambígua condição de Reino, o poder deixará de se manifestar como imposição de fora para
dentro, para organizar-se a partir de dentro, malgrado as injunções e as contingências que iriam cercar a longa fase do
'predomínio inglês' na vida econômica, política e diplomática da Nação".
96 Em 1824, discutindo a Constituição outorgada por D. Pedro I, Frei Caneca (1976, p.70-72) denunciava o caráter
antidemocrático da instituição que garantia ao Imperador enfeixar tanto poder em suas mãos: - “[...] A atribuição privativa
do executivo de empregar, com bem lhe parece conveniente à segurança e defesa do império, a força armada de mar e
terra, é a coroa do despotismo e a fonte caudal da opressão da nação".
107
97 A transformação do café num produto de consumo generalizado; a oferta abundante de terras propícias ao seu plantio
e próximas dos portos de embarque (em particular o vale do rio Paraíba e na região de Vassouras, no Rio de Janeiro); a
liberação dos escravos pela desagregação da economia mineira, a regularização da posse ou da propriedade da terra e
ainda a figura do comissário (agente econômico estratégico na comercialização do café) podem figurar as mediações da
mobilização dos recursos produtivos que deram, no Brasil, forma e vida ao negócio cafeeiro.
109
Mais ainda: Trata-se a Balaiada de luta social que abarca elementos indicativos da
formação do campesinato no Maranhão (índios, escravos e migrantes cearenses), em
meio a tempos de fartura (agricultura, caça e pesca) e a tempos de infortúnio: tempos de
febre (sezão) e tempos de fome (lapada). A fuga pelo mato (correndo do chamado pega,
recrutamento do qual o camponês procurava fugir), a resistência armada, a presença dos
quilombos (o de Dom Cosme teria chegado a reunir 3.000 quilombolas) são algumas das
expressões desse levante popular (ASSUNÇÃO, 1988). Em 1840, a Balaiada - e sua luta
contra a sociedade escravista, a violência dos senhores e as forças da legalidade - foi
derrotada.
Apesar dos conflitos e afrontas civis e populares, o Governo Imperial conseguiu
manter controlar sucessivas crises, principalmente decorrentes dos poderes regionais e
locais, chegando a alcançar certa prosperidade econômica. O caráter patrimonialista do
Estado brasileiro em formação e o poder regional das oligarquias, exacerbado durante o
Império, repercutiram decisivamente na montagem dos mecanismos políticos que
enfatizavam os interesses privados em detrimento dos interesses públicos.
Aqui, como também em vários outros países latino-americanos, após a efetivação
de processos de Independência as relações entre o poder central e o poder local se
converteram em elemento chave na organização e estabilização do Estado. Mas, no caso
brasileiro a extensão territorial, a incomunicabilidade, a estrutura latifundiária e a
segmentação da atividade produtiva voltada para os mercados externos continuaram a
favorecer a formação de oligarquias bastante sólidas98.
Os particularismos locais que levavam os homens a agrupar-se em torno de
pessoas e famílias, e não de ideais e proposições ético-políticas, se desdobraram de
maneira particular e grave no funcionamento das cidades brasileiras. Eles interferiram
diretamente nos processos político-institucionais que punham em funcionamento a coisa
pública, de modo particular à administração da cidade tendo em vista o desenvolvimento
local, o uso público da cidade e a produção de serviços coletivos urbanos, muitos deles
dependentes do erário provincial (mais tarde estadual).
98Fiori (1995, p.142), discutindo os temas do Estado e das oligarquias regionais, considera que, no Brasil, é por essa
razão “[...] que a abolição da escravatura, em 1888, desembocou na imediata proclamação da República em 1889,
recolocando de forma nova e desafiadora o problema do equilíbrio geopolítico do poder entre as várias oligarquias
regionais".
111
99 Para Reis (1992, p.42), num sistema no qual se alternavam liberais e conservadores “[...] os grupos políticos
percebiam o Estado como um bem a ser utilizado em favor dos correligionários, quando seu partido estivesse no poder,
desenvolvendo um traço da cultura política que legitimava a utilização clientelista das funções de governo em benefício
dos aliados e como moeda de troca na formação de alianças".
100 Caldeira (1980, p.78) aponta como determinantes da crise na economia agrária maranhense os que seguem:
"Primeiro, por ter se iniciado a entrada de colonos europeus para a cafeicultura, o que iria alterar o curso do 'tráfico
interno' de escravos, reduzindo o volume e o preço destes; segundo porque, despreparada para utilizar-se de imediato,
de outro tipo de mão-de-obra que não a escrava, a 'plantation' no Maranhão teria que, em prazos curtos, criar novas
formas de relações de trabalho que, de imediato, não propiciariam o mesmo volume de lucro quanto o regime servil".
112
101"Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improvisar
como herança à República. Ascendemos de chofre, arrebatados no caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra
secular em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimo;
respigando, em faina cega de copistas, tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações, tornamos,
revolucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências de nossa própria nacionalidade, mais fundo o
contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrícios mais estrangeiros nesta terra do que os imigrantes
da Europa. Porque não no-los separa um mar, separam nossos três séculos" (Cunha, 1902).
114
Um dos traços mais característicos dos finais do século XIX e primeiros anos do
século XX foi o intenso crescimento dos contingentes urbanos da população brasileira 102.
Na série de transformações pelas quais passava o país - se materializavam experimentos
industriais periféricos, se construíam as primeiras ferrovias, se estabelecia uma política
imigratória103, se abolia o regime escravista, se iniciava a organização do trabalho
assalariado, se alterava a estrutura jurídica da propriedade da terra e se constituía, com a
queda do Império, a experiência do regime republicano - essa tendência demográfica, era
o início de um processo que inverteu a distribuição sócio-territorial da população brasileira.
O conjunto de processos próprios às transformações assinaladas reverberava nas
formas e dinâmicas espaciais urbanas herdadas do passado colonial ao mesmo tempo em
que delas retiravam condições de sobrevivência, recriação e expansão. Construção e
ampliação de portos, de oficinas e de fábricas de grandes dimensões, armazéns onde se
acumulam mercadorias, os primeiros arranha-céus, construção de logradouros públicos;
largas avenidas, novos modos de construção de moradias, formação do mercado
imobiliário, trabalhadores cada vez mais separados de seus meios de vida e
segmentações sócio-espaciais são algumas das fortes evidências da tendência
expansionista do capital e das transformações do trabalho, da vida e cultura urbanas na
sociedade brasileira.
Essas transformações também continham e instauravam, ao mesmo tempo, suas
próprias contradições e contracultura, sua crítica, sua dissidência e subversão. Uma série
de contradições e conflitos inéditos se mostrava rapidamente como a contra face
insuperável da ampliação do espaço do campo político aberto pela nova cidade.
102 Dados do recenseamento de 1872 (o primeiro que se fez no Brasil) informam sobre a existência de uma população de
9.930.479 habitantes, em que se computaram 1.510.806 escravos, 3.787.289 brancos e 3.801.782 mulatos e mestiços
de vários graus, dos quais cerca de dois milhões (precisamente 1.854.452) da raça africana e 386.955 da raça ameríndia
(AZEVEDO, 1996).
103 Recorde-se que pouco antes da abolição da escravatura acontece, mediante sistema de trabalho feito por empreitada
104Segundo Silva (1986, p.43) "[...] a produção brasileira de café cresceu muito rapidamente durante todo o século XIX.
No começo da segunda metade (desse) século, ela tomou proporções importantes: a cifra se aproxima de três milhões
de sacas em média por ano (para) a partir da década de 1870, sobretudo, a partir de 1880, quando a produção média
anual ultrapassa os cinco milhões de sacas por ano, torna-se o centro motor do desenvolvimento do capitalismo no
Brasil". Na visão de Furtado (1959, p. 187) “[...] a economia cafeeira formou-se em condições distintas (das da economia
açucareira). Desde o começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda etapa de
gestação, os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta
que se estende em uma ampla frente: aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da
produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e
econômica”.
117
105 Na cidade de São Paulo, as vilas operárias (conjuntos de casas de aluguel) foram construídas por industriais ou
empresários para abrigar famílias de trabalhadores (muitos imigrantes), sobretudo nos bairros do Brás, Mooca,
Belenzinho, Barra Funda, Lapa, redutos industriais. Um exemplo: A Vila Maria Zélia (bairro do Belenzinho), construída
no ano de 1916, pelo industrial Jorge Street, proprietário da Cia. Nacional de Tecidos Juta Belém. Tinha 220 casas,
creche, ambulatório médico e odontológico, centro comercial, igreja e ainda duas escolas (uma para meninos e outra
para meninas). Em 1942, a Lei do Inquilinato decretada pelo então presidente Getúlio Vargas passou a controlar o preço
dos aluguéis e o negócio deixou de ser rentável. A partir daí os industriais passaram a vender as casas e as vilas
rarearam. Outro exemplo: Vila Economizadora (bairro da Luz) construída entre 1908 e 1915 tinha 135 casas e algumas
singularidades, pois se tratava de um empreendimento da Sociedade Mútua Economizadora Paulista voltado para o
aluguel de casa para trabalhadores de diferentes indústrias ou serviços: funcionários da Estrada de Ferro e do Liceu de
Artes e Ofício, operários e trabalhadores do Mercado Municipal.
106 Sobre o tema das necessidades sociais, consultar, dentre outros, HELLER (1978).
118
Quando aspectos mais imediatos da vida, como ofícios, produção mercantil, terra,
moradia, como também costumes, hábitos e tradições, mediados pelo impacto da
aglomeração urbana, tornaram-se drasticamente suscetíveis de se metamorfosearem em
formas diversas, há de serem demarcados, pelo menos, três caracteres que pertencem
por essência ao capital:
• ininterrupta perturbação, interminável incerteza e agitação, traços basilares da
cultura técnica e dos processos produtivos da indústria moderna sob o capital 107
sempre sacudidos ou alterados pela utilização da ciência e a exploração do trabalho
e por crises econômicas, expressões das contradições inerentes ao processo de
acumulação e sociabilidade capitalista;
• dinâmicas produtivas industriais e relações de assalariamento reportando-se a um
trabalhador que não se encontra mais unido aos seus meios de produção, por que
estes foram incorporados e convertidos em capital: o surgimento do trabalho coletivo
e, por isso, do capital, que se transforma em força produtiva social, se faz à custa do
empobrecimento do trabalhador, reduzido à força de trabalho individual;
• dinâmicas políticas e culturais mediadas pelas ideologias da era industrial (católica,
liberal e comunista) forjam espaços de manifestação e representação de diferentes
projetos ou interesses de classe, em constantes processos de mutação. Essas
dinâmicas, impulsionadas pela concentração urbana do operariado e pelo
contraditório movimento de recomposição pelas classes sociais das relações de
hegemonia na sociedade - destacando-se os processos organizativos e lutas sociais
das classes subalternas -, compõem centros de configuração e vibração de
contradições, que acompanham como sombra os movimentos de acumulação e de
recuperação de crises do capital.
O que se revoluciona, portanto, não são apenas os meios de produção, mas
igualmente as condições gerais da produção social para rentabilizar o trabalho, fazendo o
encontro entre cidade e o capital, ser acionado e acionar, ao mesmo tempo, outros tantos
processos, de natureza muito diversa tanto técnica quanto política.
107 De acordo, com Marx (1998a, p.51) "[...] a indústria moderna nunca considera nem trata como definitiva a forma
existente de um processo de produção. Sua base técnica é revolucionária, enquanto todos os outros modos anteriores
de produção eram essencialmente conservadores".
119
[...] A cidade cobre bem a dupla acepção do termo produzir. Obra ele
mesmo, é o lugar onde se produzem obras diversas, inclusive aquilo que faz
o sentido da produção: necessidades e prazeres. É também o lugar onde
são produzidos e trocados os bens, onde são consumidos. Reúne essas
realidades, essas modalidades do produzir, umas imediatas e outras
mediatas (indiretas).
120
Todavia, o que se constituiu para alguns analistas, pode-se dizer, foram vôos no
vazio. No entanto, certos componentes materiais e ideológicos; políticos e institucionais
desse empreendimento industrial deixaram marcas históricas que, nas suas implicações
territoriais e urbanas vão compor o quadro para a análise das atuais metamorfoses
citadinas em São Luís.
Aconteceu que, nos marcos de condições históricas bastante particulares, as
fábricas do ramo têxtil, formadoras do apreciável parque industrial da cidade de São Luís,
como que vitimadas por um surto epidêmico, começaram a partir de 1950, uma a uma, de
forma lenta e impotente, a cerrar suas portas. Extinguia-se, nesse desenlace, a avidez em
crescer, amadurecer, germinar, explorar, própria dos investimentos capitalistas. Na
seqüência, desapareceram ou refluíram, em meados do século XX, os traços urbano-
industriais e o conjunto de inovações organizacionais peculiares à produção e ao trabalho
fabril que as fábricas de tecidos anunciavam e sustentavam.
De fato, o período que vai de 1870 a 1960 abrigou a implantação, a crise e a
desagregação de um peculiar processo de industrialização e padrão produtivo efetivado
em alguns municípios do Maranhão. No ano de 1895, de um total de vinte e cinco
unidades fabris108, quinze estavam instaladas na cidade de São Luís (logo denominada de
Manchester Brasileira), onde se destacaram as ligadas ao ramo têxtil. Ao captar-se parte
dessa experiência, se compreende porque esta foi qualificada por Viveiros (1954) de
vertigem industrial: associado às atividades comerciais e agro-exportadoras concretizara-
se no Maranhão um parque industrial hipertrofiado para as condições locais.
De todo modo, no processo sócio-econômico do Maranhão, essa experiência
industrial embora tenha apresentado problemas de ordem estrutural que levaram,
posteriormente, tal experiência à crise e falência, foi responsável, combinada ao
desenvolvimento de grandes firmas de importação / exportação, a exemplo da Aniceto
Cruz & Cia e a Machado & Trindade, por período de expressivo crescimento de parte da
economia maranhense.
108Essas unidades fabris estavam assim distribuídas: 10 de fiação e tecidos de algodão, 01 de fiar algodão, 01 de tecido
de cânhamo, 01 de tecido de lã, 01 de meias, 01 de fósforo, 01 de chumbo e pregos, 01 de calçados, 01 de produtos
cerâmicos, 04 de pilar arroz, 2 de pilar arroz e sabão, 01 de sabão, 02 de açúcar e aguardente. (MELO, 1990).O
documento Bens tombados do Maranhão (1987), no entanto, registra 17 empresas, nesse período de desenvolvimento
da indústria têxtil do Maranhão, com parque fabril contando com: 2.336 teares, 71.608 fusos, uma produção anual de
13.974.411 metros de tecidos crus e uma capacidade de empregar 3.557 operários.
122
109 Na visão de Caldeira (1980), a cultura do algodão, por volta do ano de 1840, já entrara em crise. Tal realidade teria
impulsionado o cultivo da cana e a produção de açúcar, setor que entre os anos 1850 e 1880 teria alcançado expressiva
produtividade em razão de inovações tecnológicas. A partir de 1880, teria se iniciado a crise no ciclo açucareiro para a
qual este autor arrola, dentre outros, os seguintes determinantes: alteração do tráfico interno de escravos em face da
entrada de colonos europeus para a cafeicultura; o despreparo para a utilização, de imediato, de outro tipo de força de
trabalho que não a escrava, e para criação de novas relações de trabalho; os encargos financeiros contraídos com a
modernização dos engenhos, transformados em unidades agroindustriais; o êxodo de contingentes populacionais para o
Pará e o Amazonas devido à febre extrativa da borracha; o sistema de transporte fluvial que não favorecia a expansão da
fronteira agrícola.
110 “O látego do feitor de escravos se transforma no regulamento penal do supervisor. Todas as penalidades se reduzem
naturalmente a multas e a descontos salariais, e a sagacidade legislativa desses Licurgos de fábrica torna a transgressão
de suas leis, sempre que possível, mais rendosa que a observância delas”. (MARX, 1998a, p.484).
123
111 Refiro-me às cidades que abrigaram os processos industriais efetivados, inicialmente na Inglaterra, na fabricação de
tecidos de algodão e lã, na química, na siderurgia e no desenvolvimento da máquina a vapor e depois acolheram as
grandes concentrações industriais. Apreendo-as, portanto, como referentes históricos importantes, na elucidação das
relações entre dinâmicas industriais, movimentos demográficos, mutações urbanas e acesso diferenciado das classes
sociais aos efeitos úteis da aglomeração capitalista, fixados e adensados nos espaços citadinos. Nessas cidades, livres
das restrições das guildas, os empresários fizeram proliferar fábricas mecanizadas para as quais acorriam mais e mais
homens, mulheres e crianças à procura de trabalho. No ano de 1850, na Inglaterra, a fuga do campo para a cidade se
tornara generalizada. Cidades inglesas como Manchester, Leeds e Sheffield tiveram, então, a sua população
quadruplicada, quintuplicada. (HOBSBAWM, 1982).
112 Marx (1998a, p.379) é categórico ao enfatizar: “O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo
trabalho individual, e só seria num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala muito reduzida. Não se trata aqui
da elevação da força produtiva individual através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a saber, a
força coletiva [...] a força produtiva social do trabalho".
124
113 "A corporação se defendia zelosamente contra qualquer intrusão do capital mercantil, a única forma livre de capital
com que se confrontava. O comerciante podia comparar todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria"
(MARX, 1998a, p.414).
114 Cf. a respeito HOBSBAWM (1981), especialmente o capítulo O artesão ambulante.
115 Castel (1995, p.186) considera o pauperismo como “[...] uma espécie de condição antropológica nova que se
evidencia, criada pela industrialização: uma espécie de nova barbárie, que é menos o retorno à selvageria de antes da
civilização do que a invenção de um estado de dessocialização próprio da vida moderna especialmente urbana”.
116 Polanyi (1980, p.67) vendo no advento da economia de mercado sua arrogância de alastrar-se por toda a vida social,
fala de moinhos satânicos - um conjunto de forças destruidoras do antigo tecido social, a partir das quais novas tentativas
de integração jamais lograram êxito -, e de lugares de desolação - as primeiras cidades industriais. Diz ele: “Nesse
período, foi ainda o progresso na sua escala mais grandiosa que acarretou uma devastação sem precedentes nas
moradias do povo comum. Antes que o progresso tivesse ido suficientemente longe, os trabalhadores já se amontoavam
em novos locais de desolação, as assim chamadas cidades industriais da Inglaterra”.
125
fato deles pertencerem à divisão do trabalho na sociedade e não à divisão do trabalho na unidade de produção: ora, a
divisão social do trabalho – cuja separação cidade – campo é a base fundamental – pertence às formações econômicas
das mais diversas sociedades e não, como a divisão manufatureira ou a fábrica, apenas à formação capitalista. Assim se
explica o fato do fenômeno urbano ter precedido de muito o nascimento do capitalismo e de alguns dos seus traços até
contemporâneos não parecerem provir da acumulação capitalista".
126
À medida da expansão industrial cada vez mais ampla resulta daí o crescimento da
população citadina e a valorização acentuada da terra urbana. Como pontua Singer (1977,
p.64), a demanda de terrenos por parte da indústria é acompanhada por uma demanda
suplementar para residências e estabelecimentos comerciais. Afinal, cada novo
estabelecimento industrial provoca aumento do emprego e, além disso, pelo
funcionamento multiplicador enseja uma série de inversões induzidas no setor de serviços.
119Para Hobsbawm (1882, p.207) “[...] a metade do século XIX marca o começo da maior migração dos povos na
História. Seus detalhes exatos mal podem ser medidos, pois as estatísticas oficiais, tais como eram então, são falhas em
capturar todos os movimentos de homens dentro dos países ou entre estados: o êxodo rural em direção às cidades, a
migração entre regiões e de cidades para cidade, o cruzamento de oceanos e penetração em zonas de fronteiras, todo
este fluxo de homens e mulheres movendo-se em todas as direções torna difícil uma especificação".
127
120Segundo Singer (1977, p. 55) “[...] Entre 1881 e 1917 despendeu o Tesouro Nacional cerca de 137 mil contos com a
imigração estrangeira para todo o país; os gastos maiores foram efetuados entre 1891, quando foram empregados 20
mil contos, e 1896, quando o dispêndio atingiu quase 18 mil contos. Depois desta data, as verbas federais gastas com a
imigração se reduziram notavelmente, somente voltando a atingir certo vulto entre 1908 e 1913. O Estado de São Paulo
gastou com a imigração, entre 1881 e 1917, quase 68 mil contos, além de cerca de 25 mil contos com serviços
complementares. As verbas mais vultosas foram despendidas entre 1895 e 1898, quando os gastos anuais do governo
estadual flutuaram entre 2,7 e 6,2 mil contos”.
128
1926 1,003 2
1928 1,007 1
1930 0,787 3
1932 1,273 2
1934 0,637 3
1936 0,539 2
1938 0,805 3
1840 1,098 3
1942 1,489 2
1944 1,388 2
1946 1,545 2
1948 1,241 3
1950 1,564 3
1952 1,422 4
1954 1,873 4
1856 1,233 4
1958 1,433 4
1.960 0,828 4
Segundo Ribeiro Júnior (1999), no período que vai de 1900 a 1920 enquanto a taxa
de crescimento da população de São Luís era de 1,83% as de Fortaleza e Recife eram de
2,45% e 3,81%, respectivamente. Em todo caso, as taxas de crescimento populacional,
que podem ser consideradas irrisórias se comparadas a outras cidades da região, não
significam que o surto industrial do/no Maranhão não se tenha feito acompanhar da
expansão urbana que caracterizam este estágio da produção capitalista.
O período de crescimento industrial fabril, atribuindo papel importante à cidade de
São Luís deu a esse território morfologia e funções novas. Aspectos peculiares dos
momentos iniciais da realidade da urbanização floresciam então com significativa
visibilidade, incluindo-se aí as tentativas de respostas ao desafio de efetivar administração
urbana adequada em face das novas formas de realização da atividade econômica e da
necessidade de preservação e controle da força de trabalho sob o capital.
130
121 A questão da moradia da força de força de trabalho assalariada empregada pela emergente indústria constitui uma
dimensão importante da formação do operariado urbano brasileiro e maranhense na segunda metade do século XII e
primeiras décadas do século XX. Várias empresas, nesse período histórico, se propõem a enfrentar o problema da
moradia dos trabalhadores livres pobres que não têm onde morar através da construção de dormitórios, casas e/ou vilas
operárias. Discursos como uma administração verdadeiramente paternal ou um comportamento de caridade cristã
cercavam essas iniciativas, que do ponto de vista das concretas relações sociais de trabalho, se constituíam, na
verdade, uma forma de remunerar sem despender dinheiro e de prevenir conflitos. Cf. a respeito Blay (1980).
122 Prost (1992, p. 63-64) observa que “[...] a fábrica do século XIX não havia sido objeto de uma organização
sistemática. As oficinas tinham se desenvolvido mais em função dos locais disponíveis do que por uma lógica dos
circuitos de produção... casas foram transformadas em oficinas, e em alguns casos as peças pesadas e volumosas têm
de ser transportadas subindo ou descendo escadas estreitas e tortuosas. O muro, que isola e define claramente a
fábrica, é uma construção tardia. Muitas vezes surge após grandes greves. A reorganização do espaço industrial em
projetos racionais se distribui ao longo do século XX". São movimentos que cortam transversal e seletivamente a cidade.
Num tempo histórico de valorização crescente do valor do trabalho fabril, a fábrica, que (re) cria a cidade para o capital,
dela se isola. À constelação de oficinas dispersas, opuseram seus blocos compactos e novos processos de trabalho: a
grande planta fabril, aglomeração, concentração, centralização e hierarquização.
131
Figura 8
INDÚSTRIA TÊXTIL NA CIDADE DE SÃO LUÍS: FÁBRICA FABRIL
Fonte não identificada
• Companhia Fabril Maranhense: Situada no Apicum, a Fábrica de Tecidos Santa Izabel S.A
ocupava uma área de 7.000 m2 e determinou o surgimento ou ampliação dos bairros Vila Passos, Floresta,
Monte Castelo. A Fabril, com ficou conhecida, fazendo funcionar 522 teares, 17.212 fusos e 149 máquinas
diversas, tinha uma capacidade de produção de três milhões de metros de panos (brins, riscados, fio para
redes, lonas, sacarias para cereais, etc.). Para tanto, consumia 500 toneladas de algodão anual,
empregando em mão de obra direta, aproximadamente, 600 operários. Além das instalações da fábrica, esse
território fabril, possuía 19 casas para empregados e uma pré-moldada, oriunda da Inglaterra, montada em
São Luís por técnicos ingleses para a moradia do gerente.
132
Figura 9
INDÚSTRIA TÊXTIL NA CIDADE DE SÃO LUÍS: FÁBRICA RIO ANIL
(Fonte: Uma ilha bela por natureza. São Luís: SPHAN/CVRD, 1986)
• Cia. de Fiação e Tecidos Rio Anil: Inaugurada no ano de 1893, movida a caldeiras e vapor, fazia
funcionar 172 teares, 60 máquinas de fiação e 18 branqueadoras. Sua produção alcançava a um milhão de
metros de morins e madapolões por ano, consumindo 100 toneladas de algodão e a força de trabalho de
aproximadamente 600 operários. A Fábrica do Anil, como ficou conhecida, dispunha de amplas instalações
fabris, incrustadas numa grande área de terras. A concentração de trabalhadores e moradias em volta da
Fábrica do Anil logo se fez acompanhar de um conjunto de serviços, atividades e funções urbanas, como
delegacia de polícia, posto fiscal, posto de saúde, escolas públicas, igreja, cinemas, mercados e o sistema
de bonde. Surgia então, nucleado em torno da fábrica, distante do núcleo central nove Km, o primeiro bairro
suburbano da cidade de São Luís, o Anil. A extensa propriedade fundiária na qual se encontrava instalada a
fábrica foi posteriormente dividida para aforamentos ou para indenização de trabalhadores, correspondendo
hoje ao espaço territorial dos bairros do Anil e COHAB-Anil.
123 Sendo, de modo geral, conforme argumenta Lojkine (1981), uma manifestação da renda fundiária urbana, a
segregação espacial contém na sua constituição outras determinações e/ou relações, as quais por sua vez produzem
uma relação ativa e dinâmica entre os processos de segregação e os preços da terra urbana, na medida em que os
preços do solo, ao mesmo passo que reforçam a segregação, dela podem resultar. Tal questão é retomada no capítulo 3
desta exposição, mais precisamente no item 3.2 intitulado Novo tipo de complexidade espacial, segmentação do
mercado fundiário e lutas sociais por moradia: a cidade segregada (a título de considerações finais).
124 O automóvel chegou á cidade de São Luís no ano de 1905, através de Joaquim Moreira Alves dos Santos, que
regressara à sua terra natal após formação técnica em indústria fabril têxtil, realizada na cidade de Liverpool, na
Inglaterra. Os dois primeiros chauffeurs de São Luís eram empregados da Fábrica Fabril. Em 1908, chegava o primeiro
ônibus importado por uma empresa de transporte coletivo; no ano de 1914 já se ofereciam serviços de aluguel de
automóveis.
134
Figura 10
125 Para Ribeiro (1996), entre os anos 1900-1910, a cidade é transformada em objeto global de saber e de intervenção.
As expressões urbanismo, city planning ou ciência da cidade são utilizadas na França, na Inglaterra e nos Estados
Unidos. Período do surgimento da chamada Escola de Chicago. Os países industrializados adotam medidas que
instauram novas modalidades administrativas quanto à gestão da cidade. Na França, a Lei Cornudet define a
obrigatoriedade da elaboração de “Planos de organização, embelezamento e de expansão das cidades”; nos Estados
Unidos, é publicado o “Plano Burnham” para Chicago; na América Latina, nas décadas de 20 e 30, projetos e planos
urbanos são executados nas cidades de Buenos Aires, Havana, Caracas e Rio de Janeiro.
126 Na proposição de Pechaman (2003, p. 307), a cidade do Rio de Janeiro passava a representar por excelência a
imagem da Nação: “O que é novo é o papel que a cidade tem como ‘imago’ da Nação, e por isso mesmo, lugar de
acolhimento das representações do pacto social. Nesse sentido, a cidade se transformava no verdadeiro objeto da
elaboração de um pacto urbano. Assim, as formas de sociabilidade passarão a ter como referência à cidade/capital, que,
por ser o ‘imago’ da Nação é o locus para onde converge o imaginário sobre os destinos do país, o futuro, o progresso e
o cosmopolitismo. A cidade é percebida, então, não só como o lugar do processo civilizatório, mas como componente
fundamental desse processo”.
127 Importante considerar as tentativas de controle das endemias e epidemias pelas autoridades sanitárias brasileiras e
as respostas das populações urbanas às doenças e seu controle, processos realizados em meio a desafios científicos,
contradições e ambigüidades sociais, estatais e administrativas. Consultar a respeito, dentre vários, CHALBOUD (1996).
136
• Cidade de São Paulo, final do século XIX e início do XX. 1886 - 1896 o arquiteto
Ramos de Azevedo refazia o Paço Municipal e projetava os prédios das Secretarias
de Finanças e da Justiça, modificando inteiramente a antigo Largo do Palácio, que,
até então, conservara sua arquitetura colonial. Através do Código Sanitário de
1894, o Poder Municipal reiterava a proibição de instalar cortiços na zona central da
cidade, definida pelas Posturas de 1886, e permitia a construção de Vilas
Higiênicas fora da aglomeração urbana. Em 1911, promulgava-se o novo Código
Sanitário. Nele ficava estabelecido, por exemplo, a proibição da utilização de
porões para moradia. Logo, urbanistas, como Vitor da Silva Freire, preocupado com
o rendimento "adequado" dos terrenos urbanos, adensam os debates sobre o
sentido da intervenção do Estado na produção do urbano.
• Cidade de São Luís, ano de 1902. A despeito da importante atividade comercial
na Praia Grande, dos investimentos na indústria têxtil e do intercâmbio comercial e
cultural128 que mantinham as elites senhoriais e urbanas do Maranhão com parte da
Europa, a cidade crescia suja, mal calçada, fracamente iluminada a bicos de gás,
assolada por varíola e pela febre amarela. Tendo como perspectiva encontrar
respostas para problemas sanitários recorrentes, o relatório Saneamento das
Cidades e sua aplicação à Capital do Maranhão, apresentado ao governo estadual,
abordava, pela primeira vez, de forma técnica os problemas gerais da produção e
gestão dos serviços públicos urbanos em São Luís129. A Lei Estadual nº 358, de 09
de junho de 1904, reforçava a reorganização dos serviços de higiene, definindo
atribuições para Inspetores Sanitários, Delegados e Subdelegados de Higiene. As
visitas domiciliares realizadas por essa polícia sanitária tinham em vista evitar e
corrigir os vícios das habitações, abusos de seus proprietários e procuradores
destes, arrendatários e moradores que possam a comprometer a saúde pública.
128 Importante destacar o recebimento de jornais e revistas estrangeiras; a apresentação de espetáculos de companhias
teatrais estrangeiras no Theatro São Luiz; assim como a expressiva correspondência dos filhos das famílias senhoriais
do Maranhão que estudavam em países como Portugal, França e Inglaterra.
129 Segundo Palhano (1988, p.161-162), este Relatório “[...] teria sido o primeiro a chamar a atenção do poder público
local para a importância do disciplinamento do urbano e para o efeito deletério da escassez de serviços infra-estruturais
para a saúde coletiva. Técnico e erudito ao mesmo tempo, além de ser surpreendentemente atualizado em relação às
questões urbanas da época (trazia para São Luís a experiência das principais cidades européias e norte-americanas) o
Relatório também assumia aquilo que talvez tenha sido o primeiro plano diretor da cidade, na perspectiva de pressupor a
existência de poder público realmente ordenador do desenvolvimento urbano".
137
Cabe então perguntar: Por que o direito intervencionista estatal sobre a cidade
agitava-se no Brasil no final do século XIX e início do XX? Porque, como já indicado,
estava assentando-se a transição para a instituição de novas relações sociais: no plano da
produção, o esgotamento da economia mercantil escravista com a formação e expansão
do capitalismo competitivo (FERNANDES, 1976); no plano político, o final do Império e os
primeiros anos do regime republicano. Sobre a cidade insinuava-se a montagem de novos
mecanismos de poder do Estado no ordenamento econômico e social a se configurar sob o
domínio de outro estágio de desenvolvimento do capital.
Como se faz sabido, na transição em tela, própria de um país que transitava para o
capitalismo só muito tardiamente em virtude de sua condição colonial, modificações no
jogo das determinações e pressões econômicas e nas condições e relações de trabalho se
realizaram e se fizeram acompanhar de forte crescimento demográfico, de novas e
múltiplas formas de subordinação e exploração do trabalho e da multiplicação das riquezas
e das propriedades imobiliária, comercial e industrial. Riquezas e propriedades
concentradas nas mãos de pequenos grupos (a burguesia nacional ascendente) apoiadas
na valorização política, jurídica e moral das relações proprietárias.
Porque o horizonte da sociedade brasileira era a cidade, até porque, a expansão
capitalista no Brasil teve que ser urbana na medida em que essa expansão não podia
apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho130, movimentos civis, a exemplo
do Nacionalismo, declaravam, através de certo ruralismo, clara oposição ao urbanismo
considerado cosmopolita e alienante que então se anunciava. Nessa ótica, para Vianna
(1923, p.23-27) o primeiro dever de um nacionalista seria o de nacionalizar as idéias. Dizia
ele: - “Para nacionalizar a nossa sociedade é preciso, sobretudo, ensiná-la a amar a terra,
a amar o campo, a amar o arado... Se colocar contra a tendência de origem recente, das
classes superiores e dirigentes do país a se concentrarem nas capitais”.
130Como já indicado, sigo a linha de análise de Oliveira (1982, p. 42) que afirma: “[...] quando a industrialização começa
a ser o motor da expansão capitalista no Brasil, ela tem que ser essencialmente urbana porque não pode apoiar-se em
nenhuma pretérita divisão social do trabalho no interior das unidades agrícolas. O nosso camponês, ou semicamponês -
eu preferiria chamar, porque nunca teve a propriedade da terra, senão a posse -, só em raros casos a unidade
camponesa continha dentro de si uma divisão social do trabalho diversificada, o que fez com que, no momento em que
se inicia a industrialização, as relações cidade-campo de novo se mantivessem estanques desse ponto de vista,
caracterizando uma industrialização que forçou um processo de urbanização numa escala realmente sem precedentes.
Noutras palavras, a indústria no Brasil ou seria urbana, ou teria muito poucas condições de nascer. Esse é na verdade o
maior determinante do fato de que a nossa industrialização vai gerar taxas de urbanização muito acima do próprio
crescimento da força de trabalho empregada nas atividades industriais”.
138
131Limpar o espaço público. Intervir no território da classe pobre trabalhadora. Estes são, na visão de Rolnik (1997), os
dois grandes temas do primeiro conjunto de leis urbanas da cidade de São Paulo. Ao analisar as atas da Câmara
Municipal tal autora identifica no tratamento desses temas um movimento de duplo sentido: (1) retirar o convívio dos
homens de bem da mistura das ruas, criando espaços exclusivos para isso no interior das casas (as salas de visita e os
escritórios); (2) apropriação da rua como espaço destinado ao uso exclusivo de meios de circulação.
139
132 Sobre a sociedade disciplinar recordem-se os estudos de Foucault. Ele diz: "De uma maneira global pode-se dizer
que as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. É verdade que não há nisso
nada de excepcional, nem mesmo de característico. A qualquer sistema de poder coloca-se o mesmo problema. Mas, o
que é próprio das disciplinas é que elas tentam definir em relação às multiplicidades uma tática de poder que responde a
três critérios: tornar o exercício do poder menos custoso possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta;
politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita),
fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto
possível, sem fracasso, nem lacuna; ligar, enfim, esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos
nos quais se exerce, em suma, fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do
sistema”. (FOUCAULT, 1977, p.191)
140
133 Antunes (1999, p.38) observa que, ao longo de várias décadas do século XX, a introdução da organização científica
taylorista do trabalho e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais avançada da racionalização
capitalista do processo de trabalho. Ele diz: “[...] junto com o processo de trabalho taylorista-fordista erigiu-se,
particularmente durante o pós-guerra, um sistema de compromisso e de regulação que, limitado a uma parcela dos
países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva,
duradoura e definitivamente controlada, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo
Estado”.
141
134 Recordem-se da Fundação Casa Popular (FCP) e das iniciativas habitacionais dos Institutos de Aposentadoria e
Pensão (IAPs).
135 No Brasil, entre os anos 1900 e 1935, foram construídos 13 portos fluviais e marítimos em diversas regiões e ainda
outras estruturas importantes do sistema de transporte e armazenagem de mercadorias como cais, armazéns e
rodovias. De 16.782 km de estradas de ferro, em 1905, em 1940 passou a contar com 108.594 km de estradas
construídas, principalmente, na região Sudeste do país.
142
136Para Le Corbusier sobre o espaço, em princípio tudo se torna possível, inclusive a concordância entre interesses
particulares, coletivos e privados, efeito da estrita aplicação da nova ciência do espaço urbano. Poderia ser dada então a
resposta mais radical para a necessidade de satisfazer as quatro funções pelas quais se define o homem na coletividade:
morar, trabalhar, circular, se recrear. A segunda e última dessas funções está submetida à planificação de um poder
burocrático responsável por sus máxima realização; a terceira está organizada de modo a prover cada uma das formas
de deslocamento de maior mobilidade; a primeira recebe o tratamento mais original, porque rege as relações sociais.
Pela construção vertical e sobre pilotis, o solo está liberado: o campo penetra na cidade; através da unidade da
habitação, todos os serviços integrados se tornarão acessíveis no interior de um conjunto fechado; pela identidade dos
apartamentos se efetua uma igualdade das condições de vida, ao mesmo tempo, mantendo um espaço privado que
preserva a célula familiar. (BALANDIER,1997, p. 245-46).
143
137 Singulares e cabais relações entre o fordismo e a cidade podem ser investigadas, no Brasil, por exemplo, a partir da
implantação de duas company town na Amazônia brasileira: Fordlândia e Belterra. A migração para a Bacia do
Amazonas, no final do século XIX e início do XX, havia transferido grupos populacionais da região Nordeste, em busca
de terras e de trabalho nos seringais. Parte destes grupos passou a ocupar a concessão de 1 milhão de hectares de
propriedade de Henry Ford, às margens do rio Tapajós. A possibilidade de implantação de novas áreas de cultivo da
borracha (a hevea brasiliensis) na América Latina interessava a Ford que buscava, com sua própria fábrica de pneus, a
auto-suficiência de sua produção de automóveis em Dearborn, Michigan (EUA). Muitas questões cercaram a company
town, denominada popularmente de Fordlândia: sua extensão, a concessão de isenção de impostos, seu direito de
jurisdição própria, (uma espécie de república dentro da Velha República Brasileira). Nesse projeto, destaca-se,
sobremaneira, a imagem de modernidade criada com os métodos de trabalho empregados pela Companhia Ford do
Brasil e sua articulação com a criação de cidades empresariais na selva com infra-estruturas urbanas, incluindo sistemas
modernos de captação, distribuição de água, tratamento sanitário e casas de força para a rede de energia. Possuíam
ainda equipamentos de lazer, rede de telefonia, estação de rádio e mais de 70 km de estradas abertos entre as cidades
de Fordlândia e Belterra, além de dois portos, um deles flutuante. Os projetos urbanos dessas cidades expressavam os
diferentes níveis profissionais. O projeto da cidade de Fordlândia discriminava dois espaços habitacionais que, na sua
precisa delimitação, indicavam segregação. Numa forma urbana linear passa-se da área de produção industrial, para a
área de equipamentos urbanos e centro comercial para, só então, chegar à Vila Operária. A cidade devia ser uma
fábrica, não por analogia, mas estruturalmente, como tal. Consultar a respeito VIicentini (1996).
144
138 Segundo Palhano (1988, p. 342-343): “De tal forma, os serviços públicos se deterioraram ali que, no afã de resolvê-
los da noite para o dia, face à crescente onda de insatisfação popular, sentimento este canalizado pela oposição o poder
público acabou fazendo opção pela Ulen que, por cláusulas favoráveis ao truste norte-americano, imobilizou o governo
ainda mais, levando-o a subordinar a verba pública aos objetivos comerciais de uma única empresa privada”.
147
[...] Mas não é só lixo que se lança para as ruas. Elas são transformadas em
receptáculo de águas servidas, e até de cousas mais desagradáveis à vista
e ao olfato (Jornal da Manhã de 29 de agosto de 1920).
139
Diz o Relatório do Serviço de Saneamento e Profilaxia do Maranhão: Na construção, acentuam-se as insensatezes.
As paredes são de palha ou feitas a barro-de-sopapo. Algumas, porém, de ínfima categoria, são formadas de bizarros
detritos reclamados até do lixo [...] Com essa arquitetura original difícil de se pintar em todo o seu real colorido sem ar,
sem luz, sem asseio; casas de solo lodacento no inverno; [...] casas que se acaçapam sobre suas vítimas - os operários
que as habitam - esta é a nossa classe pobre com suas moradias.
140 Num padrão que se repete para outras grandes cidades Everardo Backheuster (apud WISSENBACHW, 1998, p.102)
distingue para as classes populares do Rio de Janeiro dos inícios do século, diversas alternativas de se morar: as
habitações coletivas, as casa de cômodos, as estalagens, os cortiços, localizados, sobretudo, nas ruas da Cidade Nova,
na Gamboa, na Saúde, na Frei Caneca. Ao definir a constituição dos cortiços, enuncia traços de sua aparência bem
como de seu interior: "Pequenas casinhas de porta e janela, alinhadas, contornando o pátio, são habitações, separadas,
tendo a sua sala da frente ornada de registros de santos e anúncios de cores gritantes, sala onde se recebem visitas,
onde se come, onde se engoma, onde se costura, onde se maldiz os vizinhos, tendo também a sua alcova quente e
entaipada, separada da sala por um tabique de madeira, tendo mais um quartinho escuro e quente onde o fogão ajuda a
consumir o oxigênio, envenenando o ambiente. Dorme-se em todos os ambientes".
149
141 Conforme delineado no primeiro capítulo desta exposição, os casarios e palacetes das famílias senhoriais se
concentravam na área da Praia Grande e adjacências, exceção feita a algumas quintas, como a Quinta das Laranjeiras,
a chamada Quinta do Barão. A vida nas fazendas, sítios, chácaras rurais ou engenhos próximos das cidades foi uma
característica do modo de viver urbano, por exemplo, dos senhores nas cidades do Rio de Janeiro e Recife, por exemplo.
Freire (1977, p.45) diz que no ano de 1825, os ingleses que chegaram ao Rio de Janeiro reforçaram esse modo de viver
urbano iniciado pelos portugueses: “[...] do alto de chácaras, em geral situadas em morros e rodeadas de arvoredos; os
mais opulentos dentre aqueles negociantes foram se tornando uma influência renovadora e mesmo revolucionária da
cultura semicolonial do Brasil”.
150
A partir do final dos anos 1930, sinais de uma crise ampla e complexa começaram a
despontar no plano da constituição produtiva da cidade. No centro do conflito encontrava-
se o primeiro experimento industrial (principalmente têxtil) maranhense, como se viu um
parque industrial nada desprezível, tratando-se de um país pouco industrializado como o
Brasil. Os processos econômicos, políticos, sociais e territoriais envolvidos nesse
desenlace são amplos e complexos.
A vigência de formas tradicionais de produção e de fazer política parece ter
distanciado ou imobilizado os agentes econômicos do estado do Maranhão, impedindo o
aparecimento de certas expressões capitalistas de organização dos processos de trabalho
que, à época, já se faziam em outras regiões do Brasil. De fato, iniciativas produtivas
industriais capazes de prodigiosa produtividade se sucediam na República Velha (1889-
1930) e, se efetivavam, principalmente, nas regiões sul e sudeste, fenômeno correlato à
divisão territorial do trabalho que concentra ramos particulares da produção em áreas
determinadas de um país. Nesse prisma, de acordo com Fiori (1995, p.143),
142 São alguns desses eventos: (1) em 1891, no Rio de Janeiro, um grupo de empresários fundava a Associação
Industrial. Esta acusa os latifundiários de pretenderem transformar o Brasil num imenso cafezal. Acusa também os
países desenvolvidos de manter o país dependente e consumidor de suas oficinas; (2) em 1907 organizaram-se os
primeiros sindicatos de trabalhadores e a República aprovou um decreto-lei autorizando a expulsão de estrangeiros,
principalmente dos imigrantes que tinham trazido da Europa experiências de luta sindical; (3) em 1910, foi dado início ao
negócio da família dos Matarazzo, sendo em 1927 implantadas 86 fábricas, com um total de 15 mil operários; (4) em
1914, com a Primeira Grande Guerra, cresceu a indústria de bens de consumo no país, antes limitado à compra de
mercadorias dos países industrializados, voltando então a dinamizar sua produção interna: grupos norte-americanos e
ingleses instalaram-se no país. (5) em 1917, intensificava-se a ação do movimento operário com organizações sindicais
de diferentes correntes ideológicas. Sob a liderança de anarquistas, trabalhadores pararam as fábricas e os transportes
em São Paulo; (6) em 1928 foi fundado o Centro das Indústrias de São Paulo denunciando a miopia dos latifundiários ao
não enxergarem a correlação direta entre civilização, independência de uma nação e industrialização de base sólida; (7)
um ano depois, processou-se uma das crises mundiais do capitalismo e, no Brasil; especialmente, com grande
repercussão, a maior crise do negócio cafeeiro, desmantelando-se, de vez, o modelo agro-exportador.
143Segundo a Teoria da Regulação, com o término da II Guerra, se consolidou nos países capitalistas centrais, um modo
de regulação monopolista que, articulado a um regime de acumulação intensiva, possibilitou a estabilização de um
modelo, denominado de fordismo que se produziu, pela articulação entre um regime de acumulação (taylorista) e um
modo de repartição dos ganhos de produtividade, sustentada na relação salarial. Tinha-se então: (1) um princípio fordista
de organização do trabalho, cujos traços essenciais eram a desqualificação e a desvalorização do trabalho operário e
sua exclusão da definição das normas de produção; (2) um regime de acumulação, pressupondo que os ganhos de
produtividade, provindos da reorganização do processo produtivo, fosse de tal forma distribuídos, que favorecesse uma
certa correspondência entre o crescimento dos investimentos financiados pelos lucros e a elevação do poder de compra
dos trabalhadores assalariados, mantendo um consumo de massa; (3) um modo de regulação constituído de formas
institucionais das quais as mais importantes eram: relação salarial, padrões oligopolistas de concorrência e de fixação de
preços; expansão do dinheiro de crédito; e, papel fundamental do Estado, sobretudo na gestão salarial e da moeda.
Consultar, dentre vários, POSSAS (1988).
152
144Sobre o governo JK recorde-se do Plano de Metas, cujo slogan era 50 anos em 5. Tal Plano pretendia transformar a
estrutura econômica, mediante a criação da indústria de base e novas condições de interdependência com o capitalismo
mundial. A respeito dos governos JQ / JQ consultar a respeito, dentre outros, Limoeiro (1975).
153
145A propósito da construção da cidade de Brasília, Gorelik (1999, p.67-68) argumenta “[...] Nunca antes a modernidade
urbana presidiu de tal modo - de modo tão ideológico e prescritivo - a modernização. E nunca antes o Estado havia
assumido de modo tão completo o conjunto de tarefas culturais para produzir a transformação social: se no fim do
século XIX encontramos um Estado que entrona no ciclo expansivo apesar de si mesmo (a modernidade aparecia ali
como figura de ordem que devia controlar a modernização); e se nos anos trinta a entente vanguarda/Estado se produz
nos fatos (a modernidade vanguardista como construtora de identidade para conduzir a uma modernização nacional
empreendida pelo Estado); no desenvolvimentismo, o Estado vai reunir toda a tradição construtiva; incorporando em
seu seio a pulsão vanguardista: o Estado se torna institucionalmente vanguarda moderna e a cidade, sua picareta
modernizadora”.
154
146 Na década de 40, as fábricas, apesar de obsoletas ainda representavam 11% da renda interna do Estado. (Maranhão,
Plano de Governo: 1971-1974).
147 Melo (1990, p. 43), assim se expressa: "A renovação técnica na indústria maranhense foi muito esparsa, aqui e ali
uma máquina foi substituída por outra de concepção e fabricação mais recente [...] Ao findarem os anos 50, observamos
que 100% dos teares em atividade datavam de 1900, assim como, aproximadamente, 75 dos fusos instalados".
148 Rangel (1989, p.17), assim argumenta: "A seca de 1958, no Nordeste, deu um golpe fatal neste parque industrial. Os
caminhões, que vinham buscar o arroz do Mearim, traziam-nos, além de flagelados nordestinos, produtos industriais
competitivos com os supridos por nossas fábricas sobreviventes. O tabuado lançado sobre a ponte ferroviária entre
Teresina e a velha Flores (Timom) foi o golpe de graça".
155
No Maranhão, a década de 1950-60149 pode ser marcada pelo (a): (1) declínio do
setor secundário (que a indústria de óleos150não consegue restabelece); (2) perda de peso
das plantas industriais (fábricas de tecidos); (3) aumento da migração nordestina; (4)
ocupação das terras devolutas; (5) alteração do sistema de transporte, dando-se primazia
ao rodoviário; (6) articulação das lutas sociais no campo e na cidade 151; (7) configuração
de programas de ação social junto à populações rurais e urbanas articulados pela Igreja
Católica do Maranhão; (8) diversificação da atividade comercial e perda da importância de
São Luís e do monopólio comercial exercido pela Praia Grande.
As transformações (os revezes, na ótica das frações da classe dominante ligadas à
atividade fabril têxtil) no plano produtivo e econômico se sucederam ao preço de uma forte
mutação nas dinâmicas políticas, territoriais e urbanas do estado do Maranhão. Os
tradicionais comerciantes, industriais e latifundiários muitas vezes combinando as
atividades comercial/industriais com as de pecuária/agricultura garantiram o controle do
Estado ampliando sua influência sobre a produção de serviços infra-estruturais citadinos e
sobre os modos de apropriação e usos da terra urbana.
Como a função da forma espacial depende da redistribuição sobre o espaço da
totalidade das funções que, a cada momento histórico, uma formação social é chamada a
realizar (SANTOS, 1979), São Luís ampliava sua feição administrativa com a ação estatal
tornando-se a principal geradora de rendas e empregos. Era a cidade - como organização
histórica e mediação fundamental da totalidade social e de seus movimentos - procurando
(re) situar à economia no setor de serviços e na atividade comercial, esta última não mais
inserida de forma substantiva nos fluxos mundiais de troca.
149 Arcangeli (1987) situa tal década como pertencente à fase de inserção do Maranhão na divisão nacional do trabalho,
com início na década de 1940 e consolidação na de 1950; destacando: a decadência da indústria têxtil; o surgimento da
indústria de refinamento de óleo babaçu; a estabilização da atividade extrativista do coco babaçu; as áreas de lavoura
temporária, produtoras de alimentos para o mercado nacional; ocupação do oeste do Estado por movimentos migratórios
no Nordeste e avanço da pecuária.
150 No começo do século XIX unidades industriais, como a Fábrica Martins Irmãos & Cia (complexo integrado na
fabricação de óleos vegetais, de algodão, algodão hidrófilo, gelo e sabão) e a Indústria Bessa e Companhia (produção de
óleo de babaçu) pareciam indicar que o óleo vegetal se constituiria o novo campo da atividade industrial em São Luís.
151 Em 1958 estabeleceu-se o Pacto da Unidade Sindical proposto pelos Sindicatos dos Trabalhadores da Construção
Civil, ao qual aderiram entidades representativas dos carpinteiros navais, trabalhadores das indústrias de calçados e da
Marinha Mercante, trabalhadores no comércio, gráficos, jornalistas, trabalhadores das indústrias de curtimento de couro,
trabalhadores têxteis, ferroviários e trabalhadores rurais, através da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do
Maranhão - ATAM. O Pacto tinha como propósito "o estudo, a discussão e a luta organizada por melhores condições de
vida". Em dezembro de 1958, do Pacto realizaram a chamada Passeata da Fome, um protesto contra o custo de vida.
157
A despeito das fábricas têxteis não terem absorvido toda a demanda por postos de
trabalho, nem ter gerado uma mudança fundamental na condição social dos trabalhadores
empregados, o abandono dos espaços fabris cujos prédios, destruídos, degradados,
decaídos, ainda hoje impactam com forte presença o território da cidade.
Figura 11
RESTOS MATERIAIS DA FÁBRICA SÃO LUÍS (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Coleção particular de fotografias - 2002
Figura 12
RESTOS MATERIAIS DA FÁBRICA SANTA AMÉLIA – (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Coleção particular de fotografias - 2002
158
Figura 13
RESTOS MATERIAIS DE PRÉDIO COLONIAL – (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Litania da Velha de Arlete Nogueira da Cruz. São Luís: Lithograf, 1998
152Olhando as ruínas de muitos desses casarios, Arlete Nogueira da Cruz no poema Litania da Velha escreveu, dentre
outros, esses belos e tristes versos: - “O sobrado desaba sob a complacência de quem lhe espreita essa queda”; “A
antiga cidade é uma ilha que se desfaz em salitre”, “As antigas alcovas se abrem em cloacas na incontinência dos
restos”, “O odor dos porões sobe a escadaria exalando nos andares desfeitos”.
159
Figura 14
CORTIÇO ENTRE A PRAIA GRANDE E O DESTERRO (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte na identificada
153A obra do arquiteto Cleon Furtado se destaca como uma das importantes contribuições à configuração da arquitetura
residencial modernista na cidade de São Luís.
160
Assim, em vários dos antigos sobrados coloniais surgiam novas divisões formando-
se mais cortiços154, a despeito da proibição de construí-los no perímetro urbanos desde a
administração do Intendente de São Luís, Alexandre Collares Moreira Júnior (1913-1915).
Mais famílias neles se alojava através da ocupação ou aluguel. Todavia, para além dos
cortiços da área central da cidade, a precariedade da moradia (ao lado da precariedade
nas relações de trabalho, nas oportunidades de emprego e profissionalização, no acesso à
justiça, no usufruto dos serviços e infra-estrutura urbanos) já se manifestava em outros
espaços distantes da área central da cidade.
Esses novos recortes territoriais eram de modo pleno expressões de parte do que é
feita, tecida e composta a segregação sócio-espacial urbana, processo portador das
contradições mais irredutíveis, das quais não pode libertar-se nem pela aparência, na
ordem burguesa instalada. Essa afirmação não se refere, necessariamente, ao que já
restava de estruturas arquitetônicas fabris remanescentes de um universo produtivo e
mecânico que se tornara anacrônico.
Não se refere, tão pouco, apenas, a partes da área central - notadamente, a Praia
Grande - onde prédios seculares155, restos materiais de momentos efervescentes de
atividades produtivas, políticas, culturais e arquitetônicas, encontravam-se condenados à
ruína, na falta de cuidados dos seus proprietários privados e/ou de políticas públicas que
atribuísse prioridade a sua preservação e recuperação. Ela se refere principalmente à
nova hierarquização na distribuição das diversas frações de classe no espaço da cidade (a
nunca vista antes, concentração espacial da pobreza). Ou seja: as chamadas áreas
residenciais periféricas.
A diferenciação nos usos dos espaços da cidade que começava a ser avassaladora
se manifestava, não mais somente nas tipologias de moradias, mas também nos espaços
residenciais: - áreas de alto valor imobiliário, áreas intermediárias e áreas periféricas.
154 Os cortiços, geralmente, são identificados como tendo se constituído no Brasil no momento em que se desloca a vida
da casa do grande agricultor da economia do açúcar para o sobrado da burguesia urbana; e, no mundo do trabalho, à
passagem das senzalas aos cortiços (MOTA, 2003). Salvo um maior conhecimento sobre pesquisas voltadas para a
reconstituição histórica da questão da habitação na cidade de São Luís, a moradia nos cortiços, a meu ver, ainda carece
de maiores investimentos de pesquisa sobre os momentos iniciais de sua constituição, seus redimensionamentos e
expressões atuais que demarquem o lugar que esse antigo modo de morar ocupou entre os modos precários de
moradia nessa cidade.
155 Já considerados desde 1937 como “[...] sobradões sem pintura, [...] fachadas coloniais que dão uma impressão bem
156 No Brasil, as décadas de 1940 e 1950 têm com um dos seus traços mais característicos a criação de grandes
instituições sociais federais, dentre elas a Legião Brasileira de Assistência – LBA. Tal instituição, criada no Maranhão no
ano de 1943, tinha como uma dos seus principais espaços de atuação os postos de puericultura, voltados principalmente
para a assistência à maternidade e a infância, instalados nos bairros da cidade, como João Paulo e Anil.
162
Nos interstícios das relações entre o poder local157 e a cidade, numa sociedade
onde as questões enfrentadas pelas classes trabalhadoras subalternas não se restringiam
ao âmbito da cidade, se (re) inventavam práticas de solidariedade, de contestação, de
resistência e/ou de ação política popular. Para as populações das áreas menos
aquinhoadas de equipamentos e serviços coletivos urbanos, as relações com líderes
políticos locais se afiguravam como um dos caminhos para lhes ter acesso. As
reivindicações (em meio a atividades promocionais, assistenciais, recreativas e esportivas,
religiosas e cívicas) se situavam em torno de melhorias urbanas básicas: abastecimento
de água, iluminação pública, extensão de linhas de ônibus, escolas, asfaltamento, postos
de saúde. Assim, no jornal O Imparcial de 26 de julho de 1962 lê-se a seguinte nota:
157Na constituição e no exercício do poder local, como sugere Ramos (1997), agem os diversos grupos econômicos que
atuam no município, as diversas instituições (e as forças sociais e políticas ali representadas); as esferas de
concentração e expressão do poder estatal (executivo, legislativo e judiciário); as organizações da sociedade civil
(sindicatos, partidos, lutas urbanas, movimentos de moradores, etc.).
163
Pessoal Unidades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Ocupado produtivas
1-4 143 15 2 18 1 1 7 9 26 55 2 7
5-9 62 2 5 18 2 2 6 4 12 9 1 1
10 - 19 35 1 1 4 - 5 5 - 8 5 - 6
20 - 49 22 3 - 2 1 5 2 1 2 2 - 4
50 - 99 5 - - - - - - 1 2 - 1 1
100 -249 2 - 1 - - 1 - - - - - -
250 - 499 1 1
500 - 999 1 1
Total 271 21 9 42 4 14 20 17 50 71 4 19
Fonte: Conjuntura Maranhense. SISPLAN/IPEI, 1977.
Gêneros e Grupos de Indústria: 1- Minerais não metálicos; 2- Metalurgia mecânica e material de
transportes; 3- Madeira e mobiliários; 4- Papel, borracha, couros, peles e similares; 5- óleos vegetais
brutos; 6- Produtos farmacêuticos e medicinais, perfumarias, sabões e velas, ceras e química; 7- Têxtil,
vestuário, calçado e artefatos de tecidos; 8-Produtos alimentares; 9- Bebidas; 10- Farinha de
mandioca, pão e produtos semelhantes; 11- Gráfica e diversos.
158 Fase que se caracteriza pela reorganização do mercado e do sistema da produção através das operações comerciais,
financeiras e industriais da 'grande corporação' (estrangeira, estatal ou mista). Consultar a respeito, dentre outros,
Fernandes (1976) e Netto (1992).
165
159Fonte: Séries Censitárias, IBGE. Gistelink (1988, p. 33) é categórico ao afirmar: “[...] no período 80/85, ou seja, em
cinco anos, quando se iniciaram as obras da implantação da CVRD e ALUMAR, a população da capital, cresceu 85,5%”.
166
É fato que essas terras, embora do ponto de vista legal e cartorial pertencessem à
União, não se encontravam desabitadas, isentas de aproveitamento econômico e valor de
uso. Tinha sobre essas terras culturas de subsistência (cultivo do milho, arroz, feijão,
mandioca e quebra do coco babaçu, dentre outras) efetivadas por unidades de produção
camponesas que haviam encontrado, herdado ou formado um território agrícola para si. O
governo estadual intervindo diretamente na recomposição dos territórios e dos sistemas
produtivos locais e dispondo dessas áreas para a implantação de projetos agropecuários
ou para a especulação fundiária, mediante uma espécie de enquadramento territorial da
ação estatal, incorreu em duas ações predatórias: (1) nas áreas para onde se deslocava à
fronteira agrícola limitavam a expansão de formas seculares de ocupação espontânea; (2)
nas áreas já ocupadas, ameaçavam a condição camponesa favorecendo a expropriação, a
desterritorialização e a luta pela terra.
As políticas de modernização do campo, aliadas aos processos históricos passados,
trouxeram à tona disputas vinculadas ao uso, à propriedade e ao domínio da terra: - terra
de negócio x terra de trabalho; ocupação real x propriedade legal. Reinventavam-se
formas de subjugação do camponês e reiterava-se, através da avidez pela terra que o
contrato de propriedade tenta regular, a expulsão dos trabalhadores do campo.
O aumento da migração entre regiões e do campo para a cidade exprimia o caráter
expropriador da expansão do capital e afirmava-se como uma das estratégias de
sobrevivência de homens e mulheres que vivem de trabalhar a terra. Assim, trabalhadores
expulsos do campo maranhense iniciaram movimentos migratórios em direção a várias
regiões do país. A migração para São Luís contribuiu para a expansão demográfica da
cidade, sem que a ampliação das condições gerais da produção e do trabalho urbano
permitisse absorver a força de trabalho que as chamadas políticas de modernização do
campo passavam a lhe encaminhar.
O segundo processo diz respeito à implantação, a partir de 1970, igualmente a
diversos centros do país, de grandes projetos industriais ou grandes complexos mínero-
metalúrgicos articulados à programação do capital monopolista e realizados mediante á
forte e decisiva intervenção da ação estatal no território. Esse novo ciclo ao estabelecer
relações com a vida urbana de várias cidades do Maranhão determinou alterações na
escala e na natureza da segregação sócio-espacial urbana até então vigente.
167
160 A este propósito Vainer (1989, p. 7) argumenta: “Eles (os enclaves) são implantados na região, não nascem de seu
processo de desenvolvimento, não expressam as forças – sociais, políticas e econômicas – endógenas. Nesse sentido,
têm-se visto estes empreendimentos como portadores de uma oposição quase irredutível: de um lado, a
extraterritorialidade dos processos de acumulação e decisão de que são parte; de outro lado, a territorialidade
localizadora que os ancora num espaço determinado”.
161 Oficialmente, a questão do desenvolvimento regional do Maranhão aparece na criação da SUDEMA, organismo de
planejamento criado em torno do I Programa de Governo do Estado do Maranhão (1966-1970). Em 1966, o governador
José Sarney, assim discursava: “Este plano de governo, confiado à elaboração de técnicos maranhenses de elevado
gabarito visa à condição da infra-estrutura realizar investimentos sociais que possibilitem ao Maranhão a grande
arrancada de desenvolvimento que resumiremos nos seguintes itens: Reforma Administrativa, visando à moralização e a
eficiência da máquina do governo; Energia e Transportes, Educação e Saúde, Fomento Agropecuário e Industrialização".
(SARNEY, 1970, p.16-17).
169
162 O Programa Grande Carajás – PGC foi oficializado em 1980 pelos Decretos-Lei n. 1813 de 24 de novembro e n. 1885
de 22 de dezembro e extinto em março de 1990 mediante a reforma administrativa realizada no Governo Collor. Tinha
como objetivo primordial articular as ações do poder público, voltadas para investimentos em infra-estrutura e indução de
desenvolvimento, mediante a implantação de um novo pólo de desenvolvimento industrial, numa área de 895 mil km2
situada na região Norte do Brasil. Para tanto, foi criado um Conselho Interministerial composto por 11 ministros e os
governadores dos três estados (Maranhão, Pará e Tocantins) envolvidos e presidido pelo ministro-chefe da Secretaria de
Planejamento e Coordenação da Presidência da República. Dispunha de uma Secretaria Executiva e de escritórios
regionais de apoio. No âmbito do PGC, o Projeto Ferro Carajás, sob a responsabilidade da CVRD, voltava-se para
exportação do minério de ferro, extraído da Serra de Carajás, no estado do Pará, transportado pela Ferrovia Carajás, até
o Porto da Madeira, em São Luís, escoados aí por via marítima. A CVRD controla, também, duas reservas florestais, no
Pará e no Maranhão, e o corredor de 40 metros de largura e 890 km de extensão da ferrovia. A Alumar (á época o maoir
investimento privado e multinacional do Brasil) é um consórcio formado pela Alcoa (Aluminium Company of América) e
pela Billington Metais (subsidiária da Shell Brasil, holandesa) de industrialização do alumínio e da alumina, também para
exportação, com fábrica instalada na Ilha de São Luís. No ano de 1985, a empresa estatal Eletronorte inundou 2.430
Km2 para formar o reservatório da usina da Hidrelétrica de Tucuruí. Cerca de 4.300 famílias tiveram suas terras
desapropriadas para dar lugar às águas do reservatório. A energia produzida por Tucuruí abastece Carajás, Belém, São
Luís e outras cidades da região Nordeste. Uma parte considerável da sua energia é vendida a preço subsidiado às
multinacionais do PGC. A Albrás e a Alunorte são consórcios formados inicialmente pela Valenorte Alumínio (subsidiária
da CVRD) e pela Nippon Amazon Aluminium (os sócios japoneses se retiraram do projeto em fevereiro de 1897) para a
produção de alumínio primário na cidade de Barcarena no Pará.
170
Figura 15
Programa Grande Carajás: território de abrangência
Fonte não identificada
163 Respondendo por 14,7% do PIB estadual, estimado em R$ 10,293 bilhões (Fonte: IBGE – 2001), o setor industrial,
desde a implantação do PGC, de fato, vem sendo alvo de uma série de iniciativas governamentais no sentido de
aumentar a participação da indústria no PIB. A vigência, a quase 10 anos, do SINCOEX e sua política de incentivos à
instalação de indústrias no Maranhão; bem como as projetadas obras de ampliação (construção de novos berços
destinados à movimentação de carga siderúrgica e de combustível) do Porto de Itaqui (recém estadualizado) podem
servir como indicativos dos esforços do governo estadual na atração de investimentos industriais.
172
164 No Brasil, entre 1930 e 1964, a ação estatal relativa à política de habitação efetivou-se através dos Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs) e a Fundação Casa Popular (FCP). Com a Ditadura Militar e a entrada plena do Brasil na
era monopolista, foi criado (Lei n. 4.380 de 21 de agosto de 1964) todo um sistema voltado especificamente para essa
função: o BNH e as Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), dentre outros. Desde a sua criação, em 1964, o BNH - Banco Nacional da Habitação - sempre
teve o papel de incentivo à atividade na indústria da construção civil. A essa indústria foram destinados créditos
abundantes. Em meados da década de 70, esse banco, de modalidade tão especial, consolidou a direção de uma
política; em outros termos, o ramo da construção pesada se afirmava frente ao de edificações, a partir de recursos em
obras urbanas e pólos econômicos. Em 1976, 34% das aplicações do BHN foram dirigidas ao saneamento, transportes,
urbanização, equipamentos comunitários, fundos regionais de desenvolvimento urbano e pólos econômicos. O
saneamento básico foi à porta pela qual o BNH começou a aplicar no desenvolvimento urbano; o que já se propunha
pela lei de sua criação. Em 1971, foi criado o Plano Nacional de Saneamento -PLANASA -, e já em 1969, o BNH é
autorizado a aplicar recursos do FGTS nos sistemas de abastecimento de água e esgotos. Em 1973 é criado o programa
denominado Fundos Regionais de Desenvolvimento Urbano. Em 1974 são criados o Financiamento para Urbanização
(FIMURB). O Financiamento para Sistemas Ferroviários de Transporte Urbano de Passageiros (FETREN) e o
Financiamento para o Planejamento Urbano (FIPLAN). Em 1975 é criado o Apoio ao Desenvolvimento de Pólos
Econômicos (PRODEPO). Em 1973, é instituído o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) que reafirma a
prioridade da habitação popular, sob a promoção das Companhias de Habitação. O mercado médio se destaca como
clientela preferencial do BNH, entre 1970-74, por ser este mercado atraente pelos juros mais altos que rendem ao banco,
de até 10% ao ano, enquanto que o mercado popular, além de elevado nível de inadimplência apresentado até então, só
rendia juros de 1 a 3% ao ano. Os investimentos em obras urbanas, racionalizando e centralizando o controle da
produção, ao mesmo tempo, retirando-lhe o caráter de serviços públicos subsidiados e localizados, é componente da
eficiência relativa e dos termos da produção dos grandes conjuntos habitacionais. A crise da grandiloqüência dessa
política se define a partir de 1983. Em novembro de 1986, é extinto o BNH. Consultar a respeito, dentre outros, RIBEIRO
& AZEVEDO (org.) (1966), SILVA (1989) e VILLAÇA (1986).
174
167 “Primeiramente, dá-se um processo de saturação dos mangues, seguido da busca de terras firmes da Ilha, sendo
que, com a valorização das terras ocupadas, se intensifica um processo de grilagem ao nível do urbano de São Luís que
é favorecido igualmente pela indefinição legal das terras” (SILVA, 1989, p.9).
176
Daí decorre a renda da terra, correntemente explicada pela lei de oferta e procura
ou pela especulação imobiliária. O preço da terra é fixado através de uma relação social
entre seu proprietário – não capitalista – e o capitalista que dela precisa para valorizar o
seu capital através de um empreendimento.
É travada uma luta na fixação dessa renda, que significa uma antecipação da
distribuição da mais valia que será extraída no empreendimento projetado para aquela
área. Para ser liberada, a terra, autônoma ao capital, precisa da intermediação de
estratégias que se colocando, aparentemente, acima dos interesses em disputa, remova o
obstáculo para o empreendimento capitalista.
Como argumentam Lefebvre (1974), Lojkine (1981) e Topalov (1984) o uso do solo
para a urbanização capitalista não encerra limites intransponíveis. Os obstáculos postos
pelas pequenas parcelas de terra, de propriedade de diferentes frações de classes, não
capitalistas, são removidos no mercado de terras e/ou pela utilização de instrumentos
político-jurídicos de ordenação territorial definidos no âmbito da ação estatal.
Em conseqüência, é no marco das relações entre as transformações no uso do solo
e certos processos produtivos e políticos que a antiga oposição entre o capitalista e o
proprietário fundiário é transformada na urbanização, conforme a iluminadora observação
de Lojkine (1981). Este autor observa que o estágio monopolista é marcado pela fusão do
capital financeiro com a renda fundiária. Tal fusão longe de suprimir a contradição entre
capital e a renda fundiária pode desenvolvê-la, integrando-a a contradição geral que opõe
as tendências parasitárias e especulativas do capital à sua tendência a aumentar a taxa de
mais-valia pelo aumento da produção168.
Hoje, o capital financeiro ou associado ao industrial monopoliza também a
propriedade de grandes extensões de terras urbanas. Dá-se que, de acordo com o que
venho procurando realçar ao longo desta argumentação, no atual estágio de
desenvolvimento do capital a maior parte do obstáculo para que a terra (o solo urbano)
possa se metamorfosear e ser produtiva ao capital, já foi removido.
168Segundo Lojkine (1997, p.88), isto resultou da "[...] passagem que se efetua progressivamente de uma renda fundiária
urbana, fragmentada por uma multidão de pequenas incorporadoras independentes para a renda monopolizada pelos
grandes grupos financeiros internacionais que dominam o mercado fundiário e imobiliário".
177
169Não se pode perder de vista que não se consome apenas a moradia e os serviços urbanos aos quais se tem acesso
pela sua inserção na cidade, mas também se utilizam os símbolos sociais que sustentam estilos de vida singulares. Cf.
a respeito, dentre outros, Harvey (1992).
178
Três iniciativas estatais no controle dos usos da terra e/ou da provisão de moradias
sobressaem-se no início dessa conjuntura histórica: (1) a criação da COHAB-MA (1966),
(2) o Programa de Despalafitação de São Luís (1971), primeira grande ação estatal
(Governo Federal e Prefeitura Municipal de São Luís) no sentido da erradicação das
palafitas e (3) a criação da Sociedade de Melhoramentos e Urbanismo da Capital S. A., a
SURCAP. Tudo isso representando ou articulando-se a investimentos em condições
gerais de produção inscreveram novos efeitos úteis no território.
Ao se apropriar desses efeitos, o capital e seu Estado hierarquizavam, parcelavam e
vendiam terras urbanas, redesenhando antigos ou criando novos espaços que
aumentaram a complexidade dos usos do espaço, das disputas territoriais e da questão
urbana em São Luís. Como parte e, ao mesmo passo, sob o impacto de movimentos
econômicos, políticos e sócio-espaciais e urbanísticos mais amplos, foram construídas
infra-estruturas urbanas que também denotavam o controle do Estado na produção do
espaço citadino, orientando a direção do crescimento urbano e atraindo para certas áreas
novas modalidades de uso; processos de valorização fundiária e promotores imobiliários.
A construção de uma ponte transpondo o rio Anil - que recebeu o nome oficial de
Ponte José Sarney - se tornou rapidamente símbolo dos novos investimentos
governamentais na estruturação e expansão do espaço urbano. A ligação da antiga área
central ao São Francisco (até então considerada área rural) contribuiu na redefinição
territorial da cidade através do deslocamento de residências e atividades mercantis
(comércios e serviços). Tal ligação favoreceu também maior acesso e a ocupação de
áreas praianas: Ponta da Areia, São Marcos, Calhau, Caolho são faixas de terras perto do
mar incluídas entre os bens Imóveis da União170, que passaram a se configurar como tipos
de espaços, sobre o quais incidiriam as ações de um mercado imobiliário de residências
crescentemente valorizado171.
170 A cidade de São Luís ainda hoje, por meio de grande parte dos seus moradores, paga cobrança da taxa de ocupação
(foro) das terras da ilha à Secretaria de Patrimônio da União.
171 Villaça (2001, p. 137), referenciado nos estudos de Homer Hoyt, destaca que as áreas residenciais das camadas de
alta renda apresentam, dentre outras, quatro tendências gerais: (1) progredir em direção a terrenos altos, livres de
riscos de inundações e a se espalhar ao longo das bordas dos lagos, baías, rios ou oceanos, nos locais onde tais
bordas não são ocupadas por indústrias; (2) crescer em direção às áreas que apresentam uma região rural livre e
aberta, afastando-se dos becos sem saída bloqueados por barreiras naturais ou artificiais; (3) permanecer numa mesma
direção, por um longo período de tempo; (4) promotores imobiliários podem desviar a direção de crescimento das áreas
residenciais de alta renda.
179
172 Recorde-se que Lojkine (1981) ao discutir os efeitos da política urbana estatal sobre os diversos segmentos da
população citadina demarca três modalidades de segregação social e espacial: uma no âmbito da localização da
moradia, outra no âmbito da distribuição espacial dos equipamentos e serviços urbanos e, por fim, uma outra
modalidade que se define no âmbito do transporte domicílio-trabalho.
173 Silva e Cocco (1999, p.10) enfatizam que, no Brasil "[...] com o desenvolvimentismo, os portos foram como que
'extraídos' dos respectivos tecidos urbanos [...]. Quase que para marcar a ruptura com a era colonial, os portos deram as
costas às cidades. Por um lado, as cidades redesenharam suas relações com o mar: embora muitas delas, e o Rio de
Janeiro, sobretudo, desenvolvessem uma importante e original cultura de praia (uma cultura balneária), as grandes
cidades da costa atlântica brasileira perderam sua identidade marítima. Por outro lado, São Paulo, seus bandeirantes e
suas indústrias tornaram-se o padrão de uma nova relação com o território”.
180
Figura 16
VISTA DO PORTO DE ITAQUI (São Luís - 2003)
(Fonte: Arquivo de Imagens da EMAP)
174No campo das estratégias que privilegiam a integração entre o porto e a cidade, emerge a perspectiva das cidades
portuária a qual: (1) Questiona a sustentabilidade de um espaço de circulação de mercadorias restrito a criação do cais
e sem articulação com estratégias de desenvolvimento e políticas urbanas locais e, em contraposição a tal tendência,
propõe o funcionamento do porto como instrumento de desenvolvimento local; (2) Questiona o caráter privativo dos
terminais portuários e, como alternativa, propõe a rearticulação pública de seus arranjos político-institucionais que
viabilizem o desenvolvimento em bases locais e / ou regionais; (3) Questiona o isolamento do porto como estratégia de
valorização das infra-estruturas de circulação e, em substituição, propõe que a atividade portuária se transforme numa
preocupação da população e das instituições que organizam a vida urbana, mediante o estreitamento dos vínculos entre
a gestão pública da cidade e do porto.
175Em julho de 1980 a ALUMAR inaugurou um complexo portuário próprio (cais, equipamentos de carga e descarga,
pátios, tanques e silos e galpões para armazenagem) na confluência do Estreito dos Coqueiros com o Rio dos
Cachorros para desembarque das matérias-primas e insumos do processo produtivo operado nas fábricas da Refinaria.
181
176Na análise das características atuais dos sistemas técnicos e suas relações com a realização histórica Santos (1988,
p. 100-101) enfatiza: - “[...] O espaço se redefine como um conjunto indissociável no qual os sistemas de objetos são
cada vez mais artificiais e os sistemas de ações são, cada vez mais, tendentes a fins estranhos ao lugar. Em outras
palavras, de um ponto de vista do lugar e seus habitantes, a remodelação espacial se constrói a partir de uma vontade
distante e estranha, mas que se impõe à consciência dos que vão praticas essa vontade. [...] Os objetos preexistentes
vêem-se envelhecidos pela aparição dos objetos tecnicamente mais avançados dotados de qualidade operacional
superior. Desse modo, cria-se uma tensão nos objetos do conjunto paralela à tensão que se levanta dentro da
sociedade, entre ações hegemônicas e ações não hegemônicas. [...] Todos esses objetos modernos aparecem com
uma enorme carga de informação, indispensável a que participem das formas de trabalho hegemônico, ao serviço do
capital hegemônico, isto é, do trabalho mais produtivo economicamente”.
182
177
Na sociedade capitalista, não se pode esquecer que: “[...] Ainda que se admitam outras fontes jurídicas, consagra-se,
peremptoriamente, a lei estatal como expressão máxima predominante do Estado-Nação. Tendo presente a
consolidação do modo de produção capitalista e a definição da burguesia como segmento social hegemônico, impõe-se,
a partir de uma arquitetura lógico-formal unitária, o princípio de que toda sociedade tem apenas um único Direito, e que
este ‘verdadeiro’ direito, instrumentalizado por regras positivas postas, só pode ser produzido através de órgãos e de
instituições reconhecidas e / ou oficializadas”. (WOLKMER, 1997, p.54)
178Situações identificadas, no período de 1978 e 1981, mediante ações de despejo noticiadas nos jornais O Estado do
Maranhão, Jornal Pequeno e o Imparcial. Algumas dessas ações foram acompanhadas no local da ocupação. Tal
acompanhamento integrava as atividades do estudo Subsídios para a história dos despejos em São Luís, realizado no
âmbito do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão, pela autora desta Tese juntamente
com a professora Évila Brito Ribeiro.
183
Em São Luís, nas ocupações e despejos iniciados ao longo dos anos 1970 nada
mais se encontra que pudesse lembrar certas expressões da ocupação da terra citadina
próprias ao período colonial, quando se registra, por exemplo, a emissão de lotes de
terras doadas a pedreiros, ferreiros, carpinteiros, alfaiates - artífices importantes na cidade
colonial - e algumas cartas de doação emitidas para índios e negros libertos ou forros.
Porque os chãos urbanos ainda não portavam ‘valor de troca’, pois a terra ainda não havia
sido transformada em mercadoria, a Câmara Municipal parece que reconhecia, sem
muitos entraves, apropriações espontâneas, alheias à sua autorização, dando a posse
legal àqueles que tivessem concretizado a ocupação, o trato e o cultivo do terreno.
Na realidade, em São Luís, até determinado momento histórico a ocupação de
certas áreas ainda se fazia sem fortes litígios: Angelim (1935), Sá Viana Velho (1939);
Veneza (1940). Mas, não demorou muito. Logo, a questão da ilegalidade fundiária
revelada nas ações de despejo se inscreveu no cenário urbano: Nova Divinéia (1970), Vila
Nova (1972), Bequimão (1977) e João de Deus (1981). Em alguns casos, a distância entre
o tempo da ocupação e o tempo dos conflitos indica que as ações de reintegração de
posse tinham claras relações com interesses econômico-mercantis e fundiários, com as
forças sociais envolvidas nas disputas de áreas urbanas e com os recursos político-
jurídicos que cada uma delas conseguia lançar mão em face da situação litigiosa.
Como já procurei enfatizar no decorrer desta exposição, os terrenos urbanos
portam valor de troca em face do trabalho social a eles incorporado e de sua localização
em face dos efeitos úteis da aglomeração capitalista. A terra urbana passa por um
processo de produção, com a instalação de recursos infra-estruturais - particularmente
sistemas viários - para depois entrar no mercado capitalista, portando valor de troca, em
cima de seu valor de uso. Nesse sentido, a perspectiva de Topalov (1884) ao procurar
explicar a formação do solo urbano dimensionando a questão fundiária no interior das
relações que fundam o paradoxo da renda fundiária179 se faz clara.
179Engels (1981, p.66), no final do século XIX, assim falava sobre o proprietário fundiário: “O proprietário fundiário não
tem nada a reprovar ao comerciante. Ele rouba ao monopolizar a terra. Ele rouba ao explorar o acréscimo populacional
que aumenta a concorrência e, com isso o valor de sua propriedade fundiária; rouba fazendo daquilo que não é produto
de sua atividade pessoal, e que possui apenas por acaso, a fonte do seu lucro particular. Rouba quando aluga, porque,
no fim das contas, arrogam-se os melhoramentos feitos pelo rendeiro. Aqui reside todo mistério da riqueza sempre
crescente dos grandes proprietários fundiários".
185
Para Topalov (1984) trata-se de reiterar a linha de análise que assevera: - o preço
do solo só adquire significação social na própria dinâmica da valorização do capital, onde
a concentração do capital de incorporação possibilita a compra de vastas áreas,
ampliando a oferta de produtos fundiários e imobiliários.
Na constituição da renda fundiária e na formação do solo urbano destacam-se
como processos que lhes são correlativos: o encarecimento dos preços das habitações, a
punção crescente sobre as despesas públicas de equipamentos, a segregação espacial, o
enriquecimento com base em mais-valias ilegítimas extraídas pelos proprietários
fundiários que não contribuem nem pelo trabalho, nem pelo risco no processo de
crescimento urbano. Assim, a particularidade da terra citadina enreda-se em teias de
contradição.
A terra urbana não abarca trabalho privado, mas incorpora trabalho social
objetivado em termos de instalação de recursos infra-estruturais (condições gerais da
produção capitalista e/ou meios de reprodução da força de trabalho - equipamentos e
serviços coletivos)180. Em conseqüência, no âmbito da questão urbana, os modos
segregados de moradia apontam para a valorização fundiária e as disputas territoriais,
como determinações e mediações cruciais da sua constituição, dinâmica e desenlaces.
Todavia, essas determinações e mediações não são únicas. É necessário a elas
associar a produção e gestão dos equipamentos e serviços coletivos urbanos; assim
como, a própria concepção de público, mecanismo político ativo da questão distributiva da
cidade e de uma das expressões do poder local: - a ação dos governos municipais quanto
às condições materiais e imateriais de vida das frações de classe que habitam a cidade181.
180 Recorde-se que a categoria marxiana de condições gerais da produção diz respeito ao amplo leque de funções
sócio-econômicas que não sendo por si mesmas geradoras de mais valia são essenciais para a realização da mesma e
para a aceleração do ritmo da acumulação.
181 Tal questão assume hoje especial relevo em face da importância estratégica que assume o município como centro de
gestão do global no quadrante das concepções e projetos hegemônicos apresentados e defendidos sistematicamente
pelo Banco Mundial e outras agências internacionais. Considere-se também aqui, conforme propõe Vainer (1986), as
possibililidades de realização de objetivos de um governo local comprometido com os grupos sociais subalternos e
voltado para a construção de alternativas societárias como os que seguem: (a) redução das desigualdades e melhoria
das condições (materiais e imateriais) de vida das classes trabalhadoras; (b) avanço e radicalização de dinâmicas
sociais, políticas, culturais, que propiciem a organização e lutas populares; e (c) enfraquecimento dos grupos e coalizões
dominantes. Retomo essa discussão no capítulo 3 desta exposição, mais precisamente no item 3.1. intitulado
Metamorfoses na constituição produtiva dos territórios urbanos e políticas econômicas de tipo cultural: a cidade
espetáculo.
186
Nos litígios fundiários investigados em São Luís a propriedade das parcelas de terra
ocupadas se definia, conforme o quadro Propriedade das terras envolvidas em litígios
(São Luis - 1978 a 1981), indicado a seguir.
182 Considere-se a tese de Oliveira (1982) sobre os estilos privatizados e privatizantes da constituição do urbano no
Brasil, pautados, sobremaneira, pelas classes médias urbanas. Diz ele: “[...] o urbano hoje no Brasil são as classes
médias, isto é, as cidades são por excelência a expansão urbana dessa nova estrutura de classe onde o peso das
classes médias emerge com enorme força, com enorme gravitação, tendo em vista o tipo de organização que o
capitalismo internacional criou ao projetar suas empresas dentro da sociedade brasileira. A enorme gravitação das
classes médias no Brasil vista sobre outro aspecto é uma das bases do autoritarismo na sociedade brasileira. Do ponto
de vista urbano, das relações entre Estado e o urbano, essas classes médias criaram demandas dentro da cidade. E o
Estado, hoje, do ponto de vista de sua relação com o urbano entre outros aspectos importantes, saliento, é em grande
maioria determinado pelas demandas das classes médias dentro da cidade”.
187
Quadro 5 - Propriedade das terras urbanas envolvidas em litígios (São Luís - 1978 a 1981)
Coroadinho ■
Sá Viana ■
Rua 5 ( São Francisco) ■
Areinha ■
Sítio Pedreira (São ■
Francisco)
Vera Cruz ■
Vila Padre Xavier ■
Vila Gorete ■
Avenida. Médici ■
São Bernardo ■
Vila Gardênia ■
Morro do Urubu ■
Anjo da Guarda ■
João de Deus ■
São Cristovão ■
Rua Maria Firmina do Reis ■
TOTAL 9 7
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)
A notícia acima indica as tensas relações entre ocupantes e agentes envolvidos nas
ações de despejos. Essa notícia também permite descortinar os obstáculos sociais e
políticos no sentido da efetividade do ‘valor de uso’ da terra e da moradia. Possibilita ainda
demarcar arranjos de poder e jogos de interesses presentes na construção da cena do
despejo. Cenas e acontecimentos aparentemente isolados que ao abarcarem
reivindicação, protesto, resistência e enfrentamento transgridem a ordem do imaginário
constituído, fazem cessar a indiferença e alteram os sentidos da ação social, política e
jurídica, trazendo, a possibilidade de desdobramentos políticos em relação ao direito à
moradia.
No levantamento sobre os agentes dos despejos (ações em que a disputa da terra
urbana se exaspera) realizados no período 1978-1981 na cidade de São Luís, estes
aparecem combinando, em muitos casos, as instituições da ordem (forças policiais e o
sistema judiciário) com a segurança privada (seguranças privados e justiça privada),
conforme indicado no quadro Agentes das ações de despejo (São Luis - 1978 a 1981),
apontado a seguir:
189
Sá Viana ■ ■ ■ ■
Rua 5 (São Francisco) ■ ■
Areinha ■
Sítio Pedreira (São Francisco)
Vera Cruz ■ ■
Vila Padre Xavier ■ ■ ■
Vila Gorete ■
Avenida Médici ■ ■
São Bernardo ■ ■ ■
Vila Gardênia ■ ■
Morro do Urubu ■ ■ ■
Anjo da Guarda ■ ■
João de Deus ■ ■
São Cristovão ■ ■
Rua Ma. Firmina dos Reis ■
TOTAL 9 12 5 4 4
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)
O quadro Sujeitos políticos em defesa do uso da terra para morar (São Luis - 1978 a
1981) permite evidenciar sujeitos e forças políticas que se constituíram em defesa do uso
da terra para moradia, instaurando e/ou reforçando liames entre esses sujeitos e essas
forças. A questão é: a insuperável necessidade de moradia e os elementos progressistas
que a lei comprime183 têm potência para afrontar a Lei. Todavia, a Lei, só em certas
circunstâncias históricas, faz-se submissa diante desse poder.
183 Como Gramsci (1984, p.28) sublinhou, a Lei encontra quem a infrinja: "[...] entre os elementos sociais reacionários
que a lei destronou, entre os elementos progressistas que a lei comprime, entre os elementos que não alcançaram o
nível de civilização que a lei pode representar". Mas, Gramsci (1984, p.152) também nos ensinou que o Direito, apesar
da utopia democrática que se desenvolve a partir do século XVIII, “[...] não exprime toda a sociedade [...] mas, a classe
dirigente que impõe a toda sociedade normas de conduta que estão mais ligadas à sua razão de ser e ao seu
desenvolvimento".
191
Plantação? Caju, manga, goiaba, murici, tinha a vontade, prá todo mundo
que chegava. Caju, nesse tempo fedia debaixo dos pés. A gente levantava
cinco horas e enchia o bucho dessas frutas, ninguém passava fome [...].
No Boqueirão era melhor, porque a gente estava em casa, e quando
terminava de pescar, vendia logo por lá, e ficava pertinho de casa, não
precisava ficar dando essas caminhadas. Era só sair da maré e estava
dentro de casa.
A gente abastecia aquela Praia Grande de peixe. Ainda hoje é conhecido ali;
todo mundo sabe ali que se abastecia aquela Praia Grande, principalmente
no inverno. Tinha dias que iam duas canoas de peixe para a cidade e ficava
uma no Boqueirão, ou duas ou três. Assim, nós dividíamos, e nunca faltava
o peixe na Praia Grande nem no Boqueirão.
O que aconteceu com esse território que comparece na fala de seus antigos
moradores evocando saudades e perdas, a despeito das dificuldades e desafios com que
se defrontavam para sobreviver e trabalhar?
Um conjunto significativo de acontecimentos e experiências ligados à
desapropriação184 e a transferência de populações, práticas que tendo em vista desfazer e
refazer territórios e apoiadas em elementos político-jurídicos de ordenação territorial tem
força capaz de arrancar o habitante da sua morada. Uma outra face das disputas
territoriais que, no final da década de 1970, no município de São Luís, procurava atribuir a
terra novas causalidades e finalidades ligadas a interesses industriais e econômico-
mercantis.
184No Brasil, em termos jurídicos, a desapropriação urbanística é concebida como um instrumento pelo qual o poder
público determina a transferência da propriedade particular ou pública de entidades menores para seu patrimônio ou de
seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, mediante prévia e justa indenização, salvo a exceção
constitucional de pagamento em títulos da dívida pública. O instrumento da desapropriação para a construção ou
ampliação de distritos industriais (Lei 6.602 de 1978) é comentado por Meirelles (apud SILVA, 1997, p.383) nos
seguintes termos: "sem essa possibilidade de desapropriação, urbanização e subseqüente alienação a particulares não
haveria a viabilidade da formação de parques industriais no perímetro indicado pela prefeitura, porque as indústrias que
nele pretendam instalar-se nem sempre conseguirão adquirir dos proprietários particulares as áreas convenientes às
suas atividades. Só através da desapropriação tais áreas poderão passar de um particular a outro para a destinação
industrial estabelecida em lei, e, para tanto, impões-se a urbanização da gleba expropriada para atendimento de sua
nova finalidade, pois é essa urbanização que legitima a transferência de lotes da área expropriada aos particulares que
irão utilizá-los na sua nova destinação urbanística".
194
Trata-se de uma das estratégias através da qual a ação estatal expressa seu papel
decisivo na produção de infra-estruturas exigidas pelos investimentos capitalistas. Trata-se
também de mutações do uso urbano e da questão urbana alcançando territórios nos quais
atividades primárias e rurais ainda sustentam a vida e o trabalho de significativos grupos
populacionais.
No caso do Boqueirão tinha-se um arranjo sócio-espacial onde pescadores
artesanais, através da pesca embarcada ou desembarcada, podiam sair para o mar e ali
permanecer até pescar o desejado. Depois, voltavam para casa e separado o suficiente
para o consumo familiar, o pescado (item importante na alimentação das frações
empobrecidas do litoral ou região lacunares do Maranhão) era comercializado no próprio
local ou na área central da cidade de São Luís.
De fato, definida a peleja entre o Maranhão e o Pará, pela localização do complexo
portuário para escoamento dos minérios de Carajás, a AMZA, no ano de 1973, instalara
seu escritório em São Luís e iniciara o levantamento da situação fundiária da área na qual
a instalação portuária seria construída. Entre 1979 e 1882 uma área de 2.221, 35ha (dois
mil, duzentos e vinte e um hectares e trinta e cinco ares) foi desapropriada pela União
(Decreto n. 82.242, de 11 de setembro de 1978) e destinada a CVRD para a construção
das instalações ferroviárias e de apoio logístico daquilo que formaria, como já indicado, o
complexo: minas, estrada de ferro, Porto de Itaqui, Terminal da Ponta da Madeira,
comercialização do minério de Carajás.
Boqueirão fazia parte dessa grande área desapropriada, desse território para o qual
se voltaram forças e o transformaram tendo em vista novos usos e funções. Para as 120
famílias daí retiradas e assentadas em Montes Pelados (segundo a CVRD o terreno era
favorecido, sobretudo pela sua localização, próximo à área a qual as famílias estavam
sendo removidas e dentro de uma zona destinada ao uso industrial e marítimo (porto),
além do uso urbano do centro da cidade), a remoção, arrancando o habitante do território
e o precipitando numa viagem para outras áreas da cidade, representou um aviltamento da
sua condição de vida.
Sobre esse fato, Santos (1984, p.143) recolheu os seguintes depoimentos:
195
[...] aqui, eu passei dois dias cavando uma vala pra fazer uma horta, num
pegou um pé de planta, porque a terra que eles deram pra fazer a horta
comunitária, pra cada um fazer nas suas casas, a terra num presta, quando
a gente molha. No lugar de ficar molhada, fica que nem barro.
185Não se pode perder de vista que, nos quadros da urbanização capitalista, o financiamento da habitação aos
segmentos empobrecidos e subalternos e mesmo aos setores médios da população urbana sempre foi acompanhado
de questões como desemprego, arrocho salarial, necessidade de correção real dos débitos, inadimplência sistemática.
198
Depois, aos poucos, cada morador lançando mão, na maioria das vezes, apenas do
saber artesanal e de sua sensibilidade estética, procurava encobrir, remodelar, esquecer a
face original dessas pequenas moradas construídas a partir de subsídios governamentais
através do mecanismo SFH/BNH/COHAB.
Ao longo da década de 1980 esgotava-se, no Brasil, o ciclo de expansão da política
habitacional, principalmente no campo da habitação popular. Numa espécie de últimos
espasmos dessa política (SFH/BNH), foram ainda construídos na cidade de São Luís dois
grandes conjuntos habitacionais para os segmentos populares da população urbana: o
Maiobão (1982) e a Cidade Operária (1987).
Figura 17
PALAFITAS NA LAGOA D'JANSEN (São Luís - 1882)
(Coleção particular de fotografias)
Delimitada a área, foi separada uma parte para venda em leilão. O restante dos
lotes foi oferecido, através do PROMORAR, às populações pobres, a valores baixos, juros
mínimos e longo prazo. Traçando ruas e aterrando-as, a Prefeitura configurou esses lotes
e lhes deu acesso. Após a compra do lote, o adquirente teria de elevá-lo, com aterro, ao
plano da rua e começar a erguer a sua habitação. Essa área, cujo domínio útil foi cedido
pela União ao Município, ampliou em termos físicos o território da Ilha de São Luís (221
hectares), suprimiu palafitas, mas não foi capaz de evitar a constituição de modos
segregados de moradia num espaço produzido através da intervenção direta do Estado.
Num cenário urbano de forte desigualdade social, onde relações seculares entre
pessoas e territórios podiam ser súbita e dramaticamente interrompidas e aumentavam os
obstáculos para o acesso à moradia, o capital começava a operar, de modo mais
sistemático e agressivo, exercendo forte influência no planejamento territorial da cidade.
Seguindo uma lógica industrial, mediante o incentivo à construção de pólos industriais e
operários, e seguindo uma lógica mercantil objetivando favorecer ganhos fundiários,
compreende-se porque o Governo Municipal considerava o Plano Diretor -1977, elaborado
sob a coordenação do arquiteto russo Vit Olaf Prochnik, como:
Nesse prisma, Ramos (1999) argumenta que as políticas urbanas locais abarcam
muito mais que os meios de reprodução da vida do trabalhador. De modo geral, de
competência da municipalidade, essas políticas incluem infra-estruturas urbanas como os
aterros, as vias de comunicação e transporte, etc., e meios de consumo coletivos com
escolas, hospitais, centros recreativos e de lazer, praças, mercados e feiras e outros
recursos comunitários. Atingem diferentes aspectos, aparentemente desconectados, mas
que na verdade são articulados a uma totalidade social que lhes dá significado em âmbitos
distintos: econômico, fundiário, habitacional, de saúde, educacional, cultural e de lazer.
As políticas urbanas constituem-se, portanto, importantes mecanismos nas
sucessivas estratégias da ação estatal para pôr a cidade sob seu controle e sua sanção
legal e, ao mesmo passo e contraditoriamente, representam conquistas em torno de
direitos urbanos e sociais. É claro, porém, que sob o cânone do direito intervencionista do
Estado medidas de políticas urbanas atuam na composição das forças sociais, sendo ao
mesmo tempo delas representantes, que investindo sobre a terra urbana, a submetem,
fazendo dela, objeto, efeito, mediação e condição cruciais das relações entre o mercado
fundiário-imobiliário, as disputas territoriais e a segregação sócio-espacial.
A intervenção público-estatal na cidade e na questão urbana lida com uma
contradição básica, de um lado, a concepção, a materialidade e a institucionalidade do
padrão econômico de produção e reprodução social hegemônicos na sociedade, de outro,
os interesses não hegemônicos que subsistem na esfera estatal - alguns certamente
voltados para a gestão democrática da cidade -, na sociedade civil e/ou nas lutas
efetivadas a partir de interesses democráticos e populares. É nesse campo de relações e
contradições próprias à relação entre o Estado, a sociedade e a cidade, que se pode
vislumbrar a possibilidade de medidas de políticas urbanas efetivamente contribuírem para
a redução das desigualdades e melhoria das condições de vida urbana dos segmentos
subalternos da classe trabalhadora.
Assim, instrumentos político-jurídicos e administrativos como o Plano Diretor (nas
suas sucessivas versões) procuram disciplinar e afirmar na esfera pública, a canalização
de determinado campo de forças capaz de instituir e constituir discursos legais quanto aos
usos da terra urbana. Na cidade de São Luís, o Plano Diretor de 1977 (1977, p.3) definia
para si os seguintes objetivos:
201
186Considero aqui, por exemplo, projetos desenvolvidos no âmbito do DESES/UFMA, destacando dentre eles: Projeto
Boqueirão (Projeto de Extensão); Trabalho junto ao pescador artesanal da Ilha de São Luís (Projeto de Pesquisa e
Extensão); A Política Nacional de Erradicação de Submoradias junto à População Palafitada de São Luís: uma proposta
de investigação-ação (Projeto de Pesquisa e Extensão); Projeto de Extensão Universitária junto às comunidades
urbanas periféricas – Modelo: Bairro Sá Viana; Projeto de Extensão Vila Embratel; O Desenvolvimento Regional e o
Projeto Carajás (Programa de Pesquisa) e A Expansão Capitalista no Maranhão: transformações sócio-econômicas e
ambientais (Projeto de Pesquisa).
203
187De acordo com as pesquisas realizadas por Feitosa & Ribeiro (1995) entre os anos de 1981 a 1990 foram instaladas
1.037 novas empresas no estado gerando 26,4 mil novos empregos diretos dentre os quais 25% referem-se aos
empregos gerados pelo PGC. Se por um lado houve a ampliação de oferta de empregos e da participação do Maranhão
no Produto Interno Bruto de 0,87 em 1980 para 1,41% em 1990, por outro lado os indicadores demonstram o aumento do
analfabetismo, elevação dos índices de mortalidade infantil, aumento do custo de vida, do déficit habitacional; baixos
salários, e ainda degradação do meio ambiente, além da infra-estrutura insuficiente. Somem-se a este quadro as
dramáticas condições de trabalho das siderúrgicas (instaladas nos municípios de Acailândia, Pindaré-Mirim e Rosário)
que derretem o minério de ferro, para transformá-lo em ferro-gusa mineral para exportação. Tais siderúrgicas têm sido
responsáveis por vários casos de mutilações e de mortes de trabalhadores, pela ampliação do trabalho semi-escravo nas
carvoarias (trabalho através do qual o carvão vegetal é produzido) e pela contribuição à rarefação de bens naturais
através de um processo de pilhagem e dilapidação das florestas nativas, juntamente com as madeireiras e as fazendas.
O Fórum Carajás, movimento na sociedade civil, que acompanha os impactos sociais e ambientais da implantação dos
grandes projetos no Maranhão vem intensificando as denúncias internacionais quanto à destruição das florestas e a
ameaça à ação extrativista na região.
205
188 De acordo com Bihr (1998, p.132) o “[...] desconhecimento, pelo ecologismo, do enraizamento da crise ecológica nas
relações capitalistas de produção não limita somente a sua crítica no plano teórico. Limita também, com muita
freqüência, a importância prática (política) dos movimentos ecológicos, fazendo-os entrar em uma série de becos-sem-
saída”.
189
Na abordagem de temas como cidades sustentáveis e plano estratégico parece ser importante não perder de vista o
papel coercitivo das agências multilaterais, através, por exemplo, da concepção do Banco Mundial sobre a política
urbana que orienta a concessão de financiamentos aos países em desenvolvimento.
207
Assim, precedidos pelo real que procuram exprimir e/ou enfrentar, os novos
discursos sobre a cidade contemporânea, reunindo saberes e mecanismos sobre (re)
ordenamentos territoriais aceitáveis e passíveis de incorporação, criam e / ou reforçam
uma série de redes sociais e institucionais presentes nas cidades. Isto se faz porque já
foram acionados os dispositivos econômicos, sociais, políticos e culturais que possibilitam
a passagem do discurso instituinte à condição de discurso instituído.
208
190 O projeto Simplesmente Copacabana desenvolvido pela Prefeitura Municipal da cidade do Rio de janeiro pode ser
tomado como um exemplo de estratégias de desenvolvimento econômico e social, a partir da articulação entre sociedade
civil, governo e iniciativa privada. Realizado entre 1995 e 1997 tal projeto objetivava transformar os bairros de
Copacabana e Leme, localizados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em modelos para trabalhos de revitalização
urbana referenciados na participação publico-privado. As indicações apresentadas a seguir permitem à compreensão das
linhas gerais, das ações e das parcerias efetivadas no projeto Simplesmente Copacabana. CONSELHO: Banco Real /
Prefeitura / Comunidade. COORDENAÇÃO EXECUTIVA: Dialog / Agência 21. ASSESSORIAS: Projetos, Comunicação,
Atendimento e Administrativa. INSTRUMENTOS: (1) Interação - Disque 156 e Pesquisa; (2) Comunicação – Jornal; (3)
Mobilização - Grupo Indutor. PROJETOS: (1) Vetor Cidadania e Educação - Prêmio Escolas e Comitês (Segurança,
Despoluição, Fiscalização (156),) Relacionamento, Saúde e Praças; (2) Vetor urbano - Rio Cidade, Simplesmente Linda
e Simplesmente Limpa; (3) Vetor Comercial: Open Mall, Clube Melhor Idade, Condomínio, Profissionais Liberais e
Turismo; (4) Vetor Cultural: Arte na Rua e Rio Foto Grafite. ATIVIDADES: Promoção do voluntariado como instrumento
basilar de desenvolvimento comunitário, Comitês Temáticos, Disque 156, Juizado de Causas Especiais, Recolhimento e
Encaminhamento de População de Rua, Mapeamento e Fiscalização dos problemas dos bairros, Cadastramento e
Realocação de Camelôs e Pintando o Verde em Copacabana.
209
191 A revitalização de espaços públicos - seja através de obras de embelezamento, da promoção do espetáculo, ou do
resgate do patrimônio cultural e histórico - integra, na visão de Harvey (1992) o marketing urbano, um elemento chave
da atual competição entre cidades.
192 “E conto que fui, nestes dias, ao Portinho comprar uma barra de gelo à Rua da Manga, quando um susto de
encantamento me envolveu. A rua que conheci toda a vida enlameada, com água eterna a correr está - não só ela, mas
também as suas transversais - enxuta, de calçamento novo, casario pintado de fresco. As ruelas estreitas e tortuosas
que descem da Igreja do Desterro e vêm dar à Praça do Pescador (limpa e de quiosques novos) estão também
recuperadas. Tomada pelo clima da novidade, me deu uma vontade estrangeira de andar como turista pelo resto do
bairro. Subi uma daquelas ruazinhas rumo à Igreja e fui a pé até o Convento das Mercês. Aquele trecho final da Rua da
Palma regurgitava de moradores indo e vindo, sentados em cadeiras nas calçadas ou postados nas janelas. Percebi-lhes
nos rostos o orgulho de suas casas pintadas, das calçadas novas, dos lampiões e a dignidade que tudo isso dá.
Compartilhei desse sentimento e cheguei a sentir saudades de ter uma casinha ali”. Trecho da crônica O Centro Histórico
e as boas notícias, de Ceres Costa Fernandes, publicada no jornal O Estado do Maranhão, de 5 de agosto de 2001.
210
De acordo com o ICOMOS foram três os quesitos técnicos que fizeram de São Luís,
Patrimônio Cultural da Humanidade. São eles: (1) Testemunho excepcional de tradição
cultural. Esse quesito se refere à grande preservação do casario colonial no centro
histórico de São Luís, considerado como retrato preservado da presença portuguesa na
América nos século XVIII e início do XIX; (2) Exemplo destacado de conjunto arquitetônico
e paisagem urbana que ilustra um momento significativo da história da humanidade. O
centro histórico de São Luís é considerado a maior área de arquitetura colonial portuguesa
existente no Brasil; (3) Exemplo importante de um assentamento humano tradicional, que
também é representativo de uma cultura e de uma época. A ausência de modificações ao
longo do tempo na área central da cidade preservou um conjunto muito homogêneo
apesar da grande extensão, cerca de 3.500 prédios históricos.
Esse espaço particular, em que diversas temporalidades históricas, apesar de suas
oposições, estão a se entrosar, é a antiga área central de São Luís, cidade cujo primeiro
perfil urbano - conforme explicitado no primeiro capítulo desta exposição - considerei
expressão histórica cabal da fundação de cidades como estratégia de defesa e
povoamento de terras e territórios conquistados, anexados e subjugados nos marcos dos
processos históricos de constituição e consolidação da América portuguesa.
Trata-se da área espacial em que, por volta de 1800, os senhores do Maranhão
promoveram intervenções urbanas, principalmente de caráter privado, com a construção
de pontos comerciais e residenciais, a maioria deles abrigados em verdadeiros palacetes
coloniais. Trata-se, mais precisamente, o perímetro em referência da Praia Grande, que a
partir de 1960, com a perda da importância portuário-comercial da cidade assistiu seu
vigor comercial declinar. Numa conjuntura histórica na qual nação, consumo e
modernização (contrapondo-se às teorias do imperialismo e da dependência cultural) se
orientaram para o cosmopolitismo, em São Luís, negando a cidade colonial, o ideal da
cidade moderna, apesar de não ter conseguido produzir nenhum programa de renovação
urbana nos moldes de Pereira Passos, desvalorizou a área do ponto de vista fundiário-
imobiliário e levou as elites a outros modos de morar. É esse o espaço principal a servir de
base para a produção de um novo território no qual o passado e o presente da cidade,
conjugados, não merecem condenação, mas exaltação, (re) valorização. Os prédios e/ou
escombros da cidade colonial deixam, então, de serem considerados estorvos.
211
Figura 18
MATERIAL PUBLICITÁRIO SOBRE A PRAIA GRANDE (2002)
(Prefeitura Municipal de São Luís)
212
Conheça São Luís nas férias. A cidade reluz com os raios de sol e o cair da
tarde é um convite para um passeio pelo Centro Histórico. Por isso, a
Prefeitura de São Luís, através da Fundação Municipal de Turismo –
FUMTUR convida você para conhecer um pouco da nossa história e de
nossas lendas, contadas entre becos, mirantes e sacadas, num passeio a pé
pelo bairro onde nasceu São Luís. (Material Publicitário da FUMTUR, 2002).
Em São Luís, cada sobrado guarda um mistério, cada ladeira uma história e
as lendas passeiam entre becos e ruas de boca em boca, sabedoria do
povo, que conserva por séculos a marca da miscigenação. Fundada por
franceses, de quem herdou o charme, para mais tarde se tornar portuguesa,
São Luís é uma cidade mágica de cores, beleza e gente hospitaleira. De
uma pulsação frenética vive uma festa de ritmos o ano inteiro: janeiro,
fevereiro e março dançam pela música de suas bandas, blocos tradicionais,
tambor de crioula, no maior Carnaval de rua do país. Junho é tempo de São
João, São Pedro e São Marçal, o ritmo é do bumba-meu-boi com seus
vários sotaques (matracas, zabumbas e orquestras); outubro é o mês da
Micareta, e o resto do ano o som vem das 'pedras de responsa', que
transformam a Ilha da Capital Brasileira do Reggae. De um litoral magnífico,
possui baías, ilhotas e uma imensa extensão de praias servidas por bares e
restaurantes que oferecem pratos da cozinha maranhense de paladar
inigualável para ninguém botar defeito. São Luís registra em cada pedaço do
seu traçado urbano e arquitetônico a sua imagem de Cidade Patrimônio
Cultural da Humanidade. (Material publicitário do Hotel SESC, 2002).
193 Numa espécie de inventário dos títulos atribuídos à cidade de São Luís, a Revista Caminhos do Maranhão identifica
os seguintes: (1) Upaon -Açu, como os índios tupinambás, seus primeiros habitantes, chamavam esta região do
Maranhão; (2) França Equinocial, denominação dada pelos franceses quando da ocupação do território em 1612; (3)
Sant Louis, nome dado pelos franceses à área do forte construído em 1622; (4) Ilha dos Azulejos, pelo expressivo uso de
azulejos coloridos que passaram a revestir as fachadas dos sobrados e casarios coloniais a partir do século XVIII; (5) Ilha
do Amor, numa alusão a poemas de poetas românticos como Gonçalves Dias, Sousândade, Maria Firmina dos Reis -
aos quais a cidade de São Luís serviu como fonte de inspiração, (6) Athenas Brasileira, pela decantada vocação a
Literatura e a Poesia dos moradores da cidade; (7) Ilha Rebelde, pelos episódios de luta e resistência da população da
cidade contra desmandos governamentais e injustiças sociais; (8) Ilha de Todos os Ritmos, referência aos vários
tambores, ritmos, sotaques, danças, estilos; (9) Terra do Boi de Matraca, referência a um dos sotaques do Bumba-meu-
boi; (10) Arraial do Brasil, alusão aos festejos juninos onde dançam grupos de bumba-meu-boi e outras danças como
Cacuriá, Lêlê, Caroço, Boiadeiro, Quadrilhas, etc.; (11) Jamaica Brasileira, faz remissão a acolhida do reggae jamaicano,
(12) Patrimônio Cultural da Humanidade, título concedido pela UNESCO no ano de 1997.
213
194
Considere-se, dentre outras, a análise de Lefebvre (1974) no que concerne às teses e estratégias políticas e
institucionais neoliberais voltadas para retirar o Estado da prestação de serviços públicos. Para este pensador, tal
desenlace não supõe alterar o lugar decisivo da ação estatal na reprodução das relações de dominação. Trata-se,
portanto, de um momento peculiar do trabalho político, à medida que, as formas contratuais, que tomam as relações de
equivalência continuam fundamentais. Se os contratantes, considerados iguais são sempre desiguais, a coerção é assim
inerente ao contrato e a presença do Estado é necessária para garantir tanto a validade e a execução dos trabalhos
como a igualdade jurídica das partes envolvidas no Contrato.
195 No Brasil, tal reforma assenta-se, resumidamente, numa compreensão da crise estatal nos seguintes termos: uma
crise fiscal caracterizada pela crescente perda de crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna
negativa; o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o
Estado do bem-estar nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importação do Terceiro Mundo e o
estatismo nos países comunistas; e a superação da forma de administrar o estado, isto é a superação da administração
pública burocrática. Neste sentido, são consideradas inadiáveis medidas como: (1) o ajustamento fiscal duradouro; (2)
reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam
a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; (3) a reforma da
previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo
melhor qualidade para os serviços sociais; e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua
governança, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (BRASIL, Presidência...,
1995).
214
Figura 19
MATERIAL PUBLICITÁRIO SOBRE SÃO LUÍS (2002)
(Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís)
216
197Sucessivos governos estaduais têm procurado, a todo custo, identificar e descrever as vantagens comparativas que o
Maranhão teria a oferecer ao investidor privado, nacional e estrangeiro. No documento Infra-estrutura de longo alcance
para o desenvolvimento sustentável (SEPLAN, 1999), por exemplo, são enfatizadas expressivas vantagens que este
estado apresentaria, por exemplo, em logística inter-oceânica e terrestre. O documento assinala, ainda, o potencial do
Maranhão no desenvolvimento de indústrias de transformação com base, especialmente, na metalurgia do ferro, cobre e
ouro, cujos minérios se encontram na grande reserva de Carajás. Enumera, também, vantagens no agribusiness, com
base na agricultura florestal e de grão (soja, milho, arroz, carnes, etc.).
217
198 Os usos são aqui entendidos como o conjunto de atividades realizadas no território citadino. Ao tratar desse tema, a
Lei 3.523, de 29 de dezembro de 1992 que Dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano,
lista a seguinte categoria de usos: (1) Uso comercial em geral, (2) Serviços, (3) Uso institucional, (4) Usos especiais, (5)
Uso residencial em geral e (6) Uso agrícola e pecuário.
219
Figura 20
COHABITAÇÃO DE CONDOMÍNIOS E ANTIGAS MORADIAS (LAGOA D'JANSEN - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias
220
199Adoto aqui o termo usado por Sanchez (1997) quando faz referência a aspiração de tornar a cidade competitiva: ao
movimento de transformar as cidades em produtos para o mercado. Aspiração perseguida por hábeis gestores do city
marketing que pretendem também como que produzir uma nova cidadania, um novo modo de ser e viver na cidade.
Esse modus vivendi articula-se a processos de socialização com pautas de vida estimuladas pelos meios de
comunicação. Para fora, a imagem da cidade (a mercadoria-cidade) serve para vendê-la mediante estratégias que
incremental seu atrativo comercial, turístico e cultural, procurando atrair investimentos. Para dentro a mercadotecnia
urbana engendra uma participação que supõe, fundamentalmente, coesão, cooperação. Forma-se, então, a cidade-
pátria nos termos sugeridos por Vainer (2000), onde qualquer resistência, ação ou pensamento não consensuado pode
ser considerado como desamor à cidade.
221
200 De acordo com dados do IBGE (PNAD, 1999) existiriam no Brasil 19,5 milhões de microemprendimentos dessa
natureza dos quais 6,5 milhões localizados no Nordeste.
201 Tome-se como exemplo o programa Crediamigo do Banco do Nordeste, agente e instituição do governo federal para
205 Ao discutir o tema das indústrias culturais Canclini (1999) observa que as políticas que promovem tradições locais
conservam adesões, e podem contribuir para que se mantenham perfis históricos que distinguem os habitantes de uma
cidade. Para ele, os imaginários urbanos continuam sendo constituídos pela memória de cada cidade e de alguns bairros
emblemáticos, por circuitos e cenários idealizados, rituais em que os habitantes se apropriam do território urbano,
narrativas singulares que o consagram.
206 Refiro-me aqui à produção de festas populares e/ou rituais religiosos de matriz africana, portuguesa e indígena que
expressam a extraordinária diversidade cultural do Maranhão. Neste prisma se destacam o Pastor e o festejo de Reis
(celebrações maranhenses do ciclo natalino); o Carnaval; os festejos do Divino Espírito Santo (realizado principalmente
nas casas de culto africano); o ciclo da festa do Bumba-meu-boi; as festas dos santos (São José de Ribamar; São
Raimundo dos Mulunduns; Nossa Senhora da Conceição, São Pedro, etc.) e o tambor de crioula, dentre outros.
224
207 Instalada no território da Praia Grande num grande casarão, onde, no período colonial, funcionou a alfândega do
Maranhão e, posteriormente, Secretaria Estadual de Fazenda, a antiga Casa do Maranhão é agora um centro de
informação turística, que conta ainda com um pavimento inteiramente dedicado ao maior símbolo do folclore
maranhense: o bumba-meu-boi. Logo na entrada o visitante se depara com um espaço reservado à comercialização de
livros e CDs de manifestações folclóricas e cantores da terra, além de produtos artesanais e guloseimas da culinária
maranhense. Percorrer os ambientes do casarão é fazer uma viagem virtual através de cores, ritmos, sons e imagens. A
viagem começa por um ambiente denominado Centro de Interpretação. Nesse ambiente, por meio de telões e som
ambiente, o visitante pode obter informações sobre a cidade de São Luís. A herança africana das nações angolas,
gêges, fanti ashantis e bantos são uma atração à parte e recebe destaque juntamente com imagens de tribos indígenas,
a exemplo dos guajajara, canela e krikati.
208 Dentre as 10 (dez) obras denominadas Patrimônios de São Luís, eu destaco: (1) Memorial do Bumba-meu-boi -
segundo projeto, uma praça de 687 metros quadrados para apresentações, além de restaurante, área de exposições e
biblioteca especializada compõe o memorial a ser construído próximo ao prédio no qual funciona a Câmara Municipal, na
Praia Grande. (1) Memorial da Raça Negra - com a intenção de preservar a influência trazida pelos negros, a Prefeitura
pretende erguer o memorial, como parte do projeto da nova urbanização do Mercado Central. O memorial deverá possuir
auditório, biblioteca especializada e pátios para apresentações; (2) Fábrica Cidade da Cultura - localizada na Madre
Deus, segundo a Prefeitura, vai se transformar no maior e mais moderno complexo cultural do Norte Nordeste do Brasil.
Será um espaço reservado para produção artística popular. Segundo seu projeto, o local terá centro de convenções para
1.700 pessoas, anfiteatro para 2.500 pessoas, 2 teatros, 4 cinemas, Circo Escola, escola de danças, escola de artes
visuais, escola de cinema, teatro e TV, oficinas, sala de exposições, biblioteca, memorial do índio, além de restaurantes,
bares e lojas; (4) Mirante da Cidade - um mirante contemplativo com 15 metros de altura será construído na Ponta do
Bonfim próximo à Praia da Guia, no Anjo da Guarda. O mirante deverá oferecer uma vista panorâmica da cidade.
225
209 Canclini (1999, p.61-62) distingue quatro circuitos socioculturais: "O histórico-territorial, ou seja, o conjunto de
saberes, costumes e experiências organizadas ao longo de várias épocas em relação com territórios étnicos, regionais e
nacionais, e que se manifesta, sobretudo, no patrimônio histórico e na cultura popular tradicional. O da cultura de elites,
constituído pela produção simbólica escrita e visual (literatura, artes plásticas). Historicamente, este setor faz parte do
patrimônio pelo qual se define e elabora o próprio de cada nação, mas convém distingui-lo do circuito anterior porque
abrange as obras representativas das classes altas e médias com maior nível educativo, porque não é conhecido nem
dominado pelo conjunto de cada sociedade e, nas últimas décadas, integrou-se aos mercados e processos de
valorização internacionais. O da comunicação de massa dedicado aos grandes espetáculos de entretenimento (rádio,
cinema, televisão, vídeo). O dos sistemas restritos de informação e comunicação (satélite, fax, telefones celulares e
computadores.)".
226
210
Dentre os argumentos da tese "Municipalização e Cidadania, sobressaem-se os que seguem": (a) no processo de
descentralização do poder público a municipalização é indispensável na construção da cidadania e do desenvolvimento
sustentável no Brasil; (b) o princípio da municipalização tem estado, nos últimos anos, permanentemente na pauta das
discussões sobre possibilidades de superação das crises econômica e social brasileira; (3) quanto à ação estatal, ao
invés de estruturas centralizadas e fortemente burocratizadas, inacessíveis à influência da cidadania, estruturas
municipalizadas, transparentes, abertas à fiscalização e a participação da sociedade civil. Isto significa garantir ao
município o status de centro administrativo autônomo, com capacidade de planejamento e execução de políticas públicas
urbanas.
211 No texto constitucional (Capítulo II do Título VII) a Política Urbana é definida como um conjunto de ações e
instrumentos, executados pelo Poder Público Municipal, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
227
Um exame dos atuais textos legais do governo municipal de São Luís mostra bem
as tentativas de propor, disciplinar e controlar: - os modos de apropriação e usos do
território; as relações entre serviços públicos e empresas privadas; as articulações e as
estratégias para propiciar novas condições de governabilidade; a realização de políticas
econômicas de tipo cultural e a apropriação dos efeitos úteis da aglomeração, destacando-
se aqueles decorrentes da valorização fundiária e imobiliária.
Dentre esses textos podem ser sublinhados:
▀ a Lei Orgânica do Município de São Luís. Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de
1992. Dispõe sobre a instituição do Plano Diretor do Município de São Luís e dá outras
providências;
▀ a Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre o zoneamento,
parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.255, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre a criação de zonas de
interesse social - ZIS para as quais estabelece normas especiais de parcelamento, uso e
ocupação do solo e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.376, de 29 de dezembro de 1994. Isenta de pagamento do Imposto
Predial e Territorial Urbano – IPTU os imóveis do Centro Histórico de São Luís, tombados
pela união, estados ou Municípios, e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.392, de 04 de julho de 1995. Dispõe sobre a proteção do patrimônio
cultural do Município de São Luís e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.700 de 22 de abril de 1997. Dispõe sobre incentivo fiscal para a
realização de projetos culturais no âmbito do Município de São Luís e dá outras
providências.
Sob a determinação da capacidade do capitalismo transformar em mercadorias as
práticas culturais e, ao mesmo passo, expressão de uma construção de coalizões entre
interesses e forças das frações de classe envolvidas no seu processo de efetivação, a Lei
n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992 que Dispõe sobre a instituição do Plano Diretor do
município de São Luís, no Título VI, Do patrimônio cultural (Artigos 44, 45, 46 e 47)
explicita:
229
212 Na atualidade, no plano mundial, Los Angeles, e não mais Chicago, é a cidade que expressa o lugar privilegiado do
novo paradigma urbano. Tal deslocamento é um exemplo da reverberação dos contemporâneos processos de
reorganização do território nos debates sobre a cidade, marcados por tal mudança. Nesses debates são as cidades
miméticas e mutantes como Los Angeles tendentes a se tornarem, cada vez mais, abrigos para a justaposição de vários
lugares e temporalidades históricas, para micro-atividades industriais e de serviços (formais e informais), para processos
de segregação sócio-espacial, hoje reatulizados, e para a hibridação cultural que destituíram Chicago, protótipo da
grande metrópole industrial, da condição de paradigma do desenvolvimento urbano. Para observar as novas
configurações sociais, políticas, produtivas e urbanas de Los Angeles, os estudos de Blanquart, Soja e Gottidiener
apresentam indicações relevantes. Blanquart (1997, p.155) diz: A estrutura de Los Angeles pode ser "... comparada a um
microprocessador, ou seja, a uma trama complexa feita de espaços de transferência e de armazenagem, sobre a qual
viajam, a grandes velocidades, informações que vão colocando-se em pequenos imóveis". Para Soja (1993, p. 235) "...
existem em Los Angeles uma Boston, uma Baixa Manhattan e um Sul do Bronx, uma São Paulo e uma Singapura.
Gottidiener (1996, p.28) discutindo a multicentralidade regional considera que “a modalidade de expansão urbana não
pode ser considerada um fenômeno inteiramente novo, mas como previsível lógica de um traço inerente a urbanização
capitalista, que já se avizinhava no período de desenvolvimento. A novidade é uma forma de metropolização expandida
formada por estruturas relevantemente urbanas, suburbanizadas e policêntricas que renegam o modelo da cidade
européia e adotam Los Angeles como modelo de primeira grandeza’.
232
213 Ao centrar sua análise nos fatores que limitavam a produtividade Lipietez (1988) afirma que não seria convincente
uma explicação a partir da teoria das ondas longas de invenções. Por que? Porque esta identificaria na raiz da crise um
declínio no surto de inovações tecnológicas, argumento frágil e absurdo, tendo em vista os avanços já alcançados pela
informática, pela eletrônica e pela robótica. Lipietez prefere acreditar que os princípios tayloristas e fordistas de
organização, responsáveis pelo boom dos anos 50 e 60, haviam atingido seus limites, como propulsores dos ganhos de
produtividade, baseados na intensificação do trabalho vivo. Partilhando da mesma idéia, Coriat enfatiza os limites sociais
e técnicos do processo de trabalho taylorista-fordista, expressos, respectivamente, na resistência dos coletivos operários
a uma crescente intensificação dos ritmos de trabalho. Tal intensificação, na maioria das vezes, se faz acompanhar de
uma deterioração das condições de trabalho e na elevação dos tempos mortos ou improdutivos empregados em técnicas
complexas de balanceamento das cadeias de produção cada vez mais sofisticadas. Braga (1997) quando procura
desvelar relações entre o esgotamento do fordismo e a crise mundial do capitalismo na atualidade, conclui que a crise
que ensejou tal esgotamento emerge, com mais força no final dos anos 1960, se constituindo o produto mais evidente do
amadurecimento consciente das contradições inscritas num contexto histórico determinado pelo acirramento do
progresso das lutas de classes em âmbito nacional. Nas palavras de Braga (1997, p.154) se coloca como "... produto da
lógica contraditória imanente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, para muito além da fixação de um
aspecto entendido como responsável pela produção do conjunto, quer seja o esgotamento do paradigma produtivo, da
relação salarial fordista ou dos mercados de consumo de massa".
233
214 Segundo Cocco (2000, p. 87) "[...] o paradigma pós-fordista é, antes de tudo, um paradigma social e qualifica-se pela
integração dos consumidores como produtores, pois eles participam da produção, desde o momento da concepção, em
dois níveis: pela integração em tempo real dos comportamentos de consumo; e pela proliferação disseminada dos atos
criativos, lingüísticos e comunicativos".
234
É nessa direção que, segundo Veltz (2001, p. 140), analisar o papel das cidades na
expansão da economia é atualizar a enorme gama de recursos coletivos e sociais - mais
precisamente relacionais - que não pertencem à esfera mercantil, mas sem os quais a
economia mercantil não poderá funcionar. É também sublinhar o paradoxo segundo o qual
esses recursos não mercantis não vêem seu papel diminuir, mas ao contrário, se afirmar e
se estender nas economias avançadas, mediante as novas forças que remodelam a
atividade econômica, as formas da concorrência, a evolução das maneiras de produzir, de
trocar, de consumir e a organização espacial metropolitana.
Segunda. Tendo sob a mira as metamorfoses não apenas produtivas, mas societais,
autores como Lojkine (1995) fazem uma recorrência à Revolução Informacional. Na ótica
deste autor para a apreensão dos novos laços entre produção material, saberes e
habilidades, homens e máquinas informacionais, que esta revolução tece é preciso
considerar dois elementos chaves do complexo de forças produtivas (dentre o qual
também se situa a aglomeração urbana); que vem contribuindo para alterações
significativas nas relações de trabalho, que se expandem para o conjunto da vida social.
São eles: a organização estrutural da empresa e as relações entre os trabalhadores da
produção e da informação215.
Para sublinhar a diferença dinâmica que então se exprime Lojkine (1995) argumenta
que do mesmo modo que as condições gerais da produção pré-capitalista não puderam
satisfazer o processo produtivo oriundo da revolução industrial, sendo necessário o
surgimento de novos meios de comunicação e transporte (as ferrovias, as vias de
transportes aéreos, as redes de telégrafo e telefonia e inda, posteriormente, a afirmação
econômico-financeira de grandes firmas do setor de telecomunicações), estes estariam
sendo na atualidade metamorfoseados em decorrência da revolução informacional. A partir
desta, não são apenas as condições de trabalho no interior da fábrica que se
revolucionam, mas todas as condições do trabalho ampliado. Esse plano analítico articula
então sob novas determinações atores sociais, mediações institucionais e estratégias de
comunicação, no qual a relevância das mercadorias ditas cognitivas não pode ser negada.
215Lojkine assim se expressa (1995, p.72): “Trata-se, de uma parte, da organização estrutural da empresa (a divisão das
funções, as relações de pode), conectada à revolução dos meios de comunicação (telemática); de outra parte, trata-se
das novas relações, dentro e fora da empresa, entre trabalhadores da produção e trabalhadores da informação (em
sentido amplo)”.
235
Quarta. Santos & Silveira (2001) com base no conceito território utilizado, conceito
esse que articula meio natural e meio técnico-científico-informacional, o qual, mediante
nexos indissolúveis entre ciência-técnica-informação renova a materialidade do território,
dando um novo papel à informação e ao conhecimento e inova círculos de cooperação e
fluxos empreendidos, identificam novas desigualdades territoriais, novas lógicas centro-
periferia e a existência de quatro Brasis: uma região concentrada formada pelo Sudeste e
pelo Sul, o Brasil do Nordeste, o Centro-Oeste e a Amazônia fazendo da cidade de São
Paulo, o pólo nacional.
A noção de meio-técnico-informacionacional em suas articulações com o território
emerge então como indispensável à análise dos processos contemporâneos de produção
e concentração de riquezas, e em conseqüência das novas desigualdades sociais e
territoriais brasileiras e à compreensão das diferenciações regionais e urbanas.
Para Santos & Silveira (2001, p.268-269) se a cidade de São Paulo “[...] perde
relativamente o seu poder industrial, aumenta o seu papel de regulação graças à
concentração da informação, dos serviços e da tomada de decisões”. Neste sentido é que,
para Santos (1999, p. 92-93), na atualidade,
216Segundo Silva (1999, p.72) são os espaços produzidos pela indústria do turismo. “Um espaço destinado ao consumo
que se transforma num espaço presente sem espessura, quer dizer, sem história, sem identidade: o espaço do vazio, da
ausência, que se realiza através de signos". Boyer (Apud HARVEY,1992, p.226) por sua vez considera que inúmeras são
as implicações das políticas e estratégias criadas no sentido de aumentar às condições de competitividade de um país,
um estado, uma região, uma cidade. Uma delas: na medida em que essa competição abre as cidades a sistemas de
acumulação multinacionais, acaba sendo produzida uma monotonia serial e recursiva. A partir de certos padrões ou
moldes já conhecidos são produzidos lugares quase idênticos em termos de ambientes em diferentes cidades.
239
217 Não interessam muito quais dados ou séries estatísticas se privilegie. Todos eles retratam a Região Nordeste como a
que manifesta as mais fortes e deletérias expressões das desigualdades sociais no Brasil. Considerando os Indicadores
de Desenvolvimento Humano, (indicadores construídos pelo PNDU, a partir de variáveis básicas como: renda per capta,
longevidade, alfabetização combinada com a taxa de escolaridade, tendo em vista à classificação dos 174 países do
mundo dentro de um ranking), o Brasil, em 1998, ficaria colocado em 70º lugar, em 1999 alcançaria a 79ª posição, e em
2001, segundo documento publicado no site www.fase.org.br, ocuparia o 74º lugar. No entanto, quando o mesmo
indicador é aplicado segundo referências territoriais, se constata, uma vez mais, as disparidades entre as Unidades da
Federação, através da identificação de 14 estados com IDH inferior à mediana do país: Acre, Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins. Nesses
estados foram identificados 1.298 municípios, muitos com IDH em graus comparáveis aos de países como Serra Leoa,
no continente africano. De acordo com o Relatório PNDUD/98, o Maranhão está situado entre os Estados de baixo
desenvolvimento humano (IDH menor que O,50), sendo o último índice divulgado, de 0,456, ocupando a pior posição em
relação aos demais estados da Região e do País.
218 Consultar a respeito, dentre outros, FEITOSA (1998).
240
219 LIPIETEZ (1996), por exemplo, considera que a crise do padrão fordista/keynesiano de produção e regulação estatal
e as possíveis saídas dessa crise apresentadas pelo capital (solução flexível-liberal ou mobilização dos recursos
humanos) envolvem a cidade e esbarram nos padrões de urbanidade articulados no período de dominação do paradigma
industrial. O fordismo central teria conseguido organizar circuitos de ramos industriais inter-regionais otimizando a
implantação de centros de concepção e de produção. Nos países do Sul, teria se desenvolvido um fordismo periférico,
onde salários muitos baixos e megapolização (isto é o crescimento explosivo de uma ou duas metrópoles por país)
seriam regra geral. LIPIETEZ (1996) ainda enfatiza, no horizonte e efetividade desses processos, os movimentos de
migração em direção às grandes e médias cidades de certas regiões do mundo capitalista. Por seu turno, tais
movimentos migratórios precisam ser remetidos a certas mediações espaço-temporais constitutivas das estratégias
empresariais, nacionais ou estrangeiras, à procura de mão-de-obra abundante e barata. Estratégias gerais que reforçam
as estratégias dos migrantes em busca de trabalho onde o mercado de trabalho é mais ativo. Cidade do México, São
Paulo, Bombaim, Cairo ou Jacarta seriam exemplos notáveis da ação desses processos diversos, mas solidários. A crise
do fordismo teria tido, de modo geral, esse comportamento de megapolização aleatória nos países que optaram pela
solução flexível-liberal. Nova York, Los Angeles, Paris e Londres, por exemplo, recomeçaram a crescer tanto em
população quanto no produto nacional bruto. Mas, tais megapólos parecem-se, cada vez mais, com aqueles do Sul:
crises urbanas, sociais e ecológicas configuram-se e/ou agrava-se sem perspectiva de controle. A diferenciação entre
bairros ricos e pobres se amplia, abrindo-se para novos e mais complexos processos segregativos urbanos. Nos
territórios pobres, relevantemente, renascem fenômenos típicos dos países do Sul e do século XIX europeu: rebeliões,
consumo de drogas, alcoolismo, doenças de insalubridade, dentre outros. Ainda, segundo LIPIETZ (1996) países que
optaram pela mobilização negociada e a qualificação de seus recursos humanos abarcariam o florescimento de regiões
ganhadoras, metrópoles médias e/ou regiões onde fecundas relações entre dinâmicas produtivas e urbanas têm efeito.
Frankfurt, a metrópole econômica e financeira da Europa, de menos de um milhão de habitantes, seria, para o autor
exemplo de uma cidade polinodal, integrada entre o campo e a floresta. O Raustad, conurbação do delta do Reno e da
Meuse, apresenta-se como uma articulação das cidades (Roterdã, Amsterdã, etc...) deixando lugar a uma agricultura
intensiva e próspera. Munique e Milão não ultrapassam os quatro milhões de habitantes e encabeçam a rede de cidades
que se estendem sobre toda a Alemanha do Sul ou a Itália do Norte
242
TAVARES (2002).
244
Afinal, estamos nos movimentando numa sociedade e numa cidade, nas quais,
desde a Coroa, tradicional soberano das terras distribuídas aos donatários, ao moderno
Estado republicano, a possibilidade do Estado promover políticas de integração com
vocação universalista e contribuir para a efetivação de alternativas libertadoras do controle
e da monopolização da terra urbana, nunca se fez realidade, a despeito da permanente
luta política por direitos sociais e urbanos. A unidade histórica e contraditória da cidade se
revela então plenamente se emaranhando com fenômenos e processos macroscópicos da
reprodução da vida social que não deixam esconder ou dissimular, de modo pleno, a
dimensão concreta de cidade segregada que São Luís expressa de forma cabal.
Não há, portanto, como postular uma significação adjetiva para as atividades
culturais, relacionais e comunicativas, dimensões imateriais da atividade produtiva, bem
como para a política cultural e turística levada a efeito pela cooperação público-privado em
São Luís. Ao contrário: trata-se de inserir as políticas econômicas de tipo cultural nos
processos históricos concretos das contemporâneas metamorfoses urbanas, que reiteram
a desigualdade no acesso à cidade. Isto não significa desconhecer a existência de
iniciativas político-culturais mundiais inovadoras - a exemplo, do Fórum Social Mundial - e
de mecanismos de controle social do poder público municipal - a exemplo do Orçamento
Participativo, expressões do movimento social que repercutem na luta contra a
desigualdade social.
Ao requerimento de abordar as dimensões da cidade espetáculo, tal como elas se
constituem na cidade de São Luís, simultaneamente aos problemas candentes da vida
material e política da população urbana, especialmente dos habitantes dos territórios
periféricos dessa cidade, pretende responder a reflexão que faço a seguir. Enfatizando as
formas atuais da segregação sócio-espacial em São Luís, nos termos da exposição
delineada neste documento, essa reflexão explicita as minhas considerações finais sobre
os modos através dos quais disputas territoriais e mecanismos político-jurídicos de
ordenação territorial se associam as metamorfoses urbanas e contribuem na (re) produção
de territórios segregados, objeto de pesquisa construído e abordado através do esforço de
compreender o surgimento e à configuração do mais contemporâneo reconstruindo o
conjunto de relações de que a situação presente é herdeira.
245
222 Conforme delineado no primeiro capítulo desta exposição; os usos da terra urbana, as desigualdades e
heterogeneidades sociais alicerçadas em práticas patrimoniais e estamentais explícitas, próprias ao Brasil colônia,
mostram-se, na cidade de São Luís, principalmente, através de tipos diferenciados de moradia: - casas nobres e
sobrados; residências populares e cortiços, mas ainda não é possível se falar de segregação sócio-espacial.
246
Figura 21
Vista do Renascença (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção pa/r/ticular de fotografias
• Ponta d' Areia e Renascença223: áreas nobres, próximas à praia da Ponta d' Areia
e a Lagoa da Jansen, nas quais, desde o começo da década de 1990, a dinâmica
imobiliária tem se caracterizado pela construção de imóveis com linhas arquitetônicas de
forte impacto visual e estético. A maioria, prédios de apartamentos e ou flats de alto
padrão construtivo. Verdadeiras torres verticais, controladas por mecanismos de
segurança privada, adensadas nos terrenos começam a formar uma espécie de cidade
vertical. Nessas áreas se concentram, ainda, empreendimentos imobiliários hoteleiros,
bancários, educacionais e comerciais. Trata-se, portanto, de exemplos de espaços
urbanos que estão a possibilitar a alguns poucos promotores imobiliários a captura de
substantivas mais-valias imobiliárias.
223Segundo o presidente do SINDUSCON, José Orlando Leite, em entrevista dada ao Jornal O Imparcial de 3 de
novembro de 2002, o bairro que concentra maior número de empreendimentos é o Renascença, onde se encontraria o
metro quadrado de terra mais caro da cidade de São Luís – entre R$ 1.1 mil a R$ 1,4 mil.
247
Figura 22
Vista do Maranhão Novo (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção pa/r/ticular de fotografias
224 A expressiva valorização imobiliária dessas áreas pode ser registrada a partir da ocupação Canudos/Terra Livre,
ocorrida no ano de 1997, em área de terra próxima ao bairro Maranhão Novo. A valorizada propriedade imobiliária, após
fortes litígios foi recuperada pela Construtora CIMA (declarada proprietária da área) e as famílias transferidas, mediante
decisão resultante de uma ação impetrada pelos ocupantes junto a PGR, para uma outra área da cidade.
248
Figura 23
Área do Sol e Mar (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias
• Sol e Mar e Vila São Luís: áreas periféricas ocupadas durante a década de 1990,
através de lutas coletivas pela terra para morar. São espaços que fazem parte de uma
dinâmica sócio-territorial, onde grandes áreas periféricas avançam em toda direção.
Algumas delas já alcançam Paço do Lumiar e São José de Ribamar, dois outros
municípios da Ilha de São Luís. Nas chamadas áreas periféricas, as moradias, casas às
vezes tão pequenas que onde está uma, estão todas, são construídas, quase sempre,
pelos próprios moradores com escassos e precários recursos materiais e construtivos. São
áreas residenciais que podem atestar à ausente, precária e/ou seletiva ação
governamental no campo da moradia e da produção e alocação dos equipamentos e
serviços infra-estruturais urbanos, considerando três questões que afetam as populações
urbanas e que estão relacionadas ao território: a moradia, o saneamento básico (água,
esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e as questões do transporte
da população.
249
Figura 24
Área da Praia Grande (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias
225No final do ano de 2001, se encontravam, no Centro Histórico, sob a responsabilidade do Governo estadual às
seguintes obras: novas redes elétrica e telefônica (subterrâneas); transferência da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Estadual do Maranhão do campus universitário para o prédio da antiga Central Elétrica do Maranhão;
Criação da Casa do Maranhão, que funcionará como posto de informações aos turistas; construção da Casa do Artista,
com moradia e ateliê; Casa do Artesão, que contará também com espaço para comercialização dos produtos artesanais;
pousada do Largo do Comércio, destinada à hospedagem de turistas; restauração do Teatro João do Vale;
Coordenadoria do Patrimônio Histórico, área de referência do Centro Histórico, Restauração da Igreja e da Praça do
Desterro e nova rede de esgotamento sanitário. Prédios coloniais situados nas ruas da Estrela, do Giz, João Gualberto e
da Palma, pertencentes ao governo do Estado s estão sendo transformados para moradia. Em média cada prédio
disporá de 12 apartamentos, com uma área de 50 m².
250
Nos movimentos de alteração das formas espaciais da cidade de São Luís, assim
como na (re) definição dos mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial urbana
repercutem ao seu próprio modo, forças gerais que, efetivando-se, agem sobre outras
forças e resistem a outras mais tendendo a estender-se até o limite, irradiando potência
quanto à redefinição das formas de apropriação e usos da terra e das rendas fundiárias
urbanas. Como já abordado, uma relação que se estabelece, entre o capital e a
propriedade fundiária, onde sucessivos investimentos públicos e privados elevam o preço
da terra, segmentando o mercado estruturado para vendê-la e comprá-la.
As alterações sócio-espaciais aqui enfatizadas são geradas na produção e disputas
dos efeitos úteis da aglomeração, nas quais qual já se insinua, inclusive, a entrada de
capitais internacionais no mercado imobiliário local, pela hierarquização espaço-temporal
da estrutura de produção e consumo e pelas relações contraditórias entre interesses e
serviços públicos e privados no âmbito da constituição do urbano. Essas alterações, de
modo geral, dizem respeito às atuais:
• diversidade das formas de assentamento humano, destacando-se os condomínios
residenciais fechados horizontais e verticais226; mobilidade espacial e/ou
concentração de segmentos de classes em determinadas áreas da cidade;
• estratégias de localização dos equipamentos de consumo e serviços como
shoppings, centros empresariais e hotéis; cada um expressando ou tendendo a
expressar formas institucionalizadas de segregação social e espacial. Nas áreas
intermediárias, destaca-se a proliferação de pequenos e médios empreendimentos
(comércio e serviços) que se espalham como cintas em torno das áreas residenciais
ou ocupam as principais avenidas da malha viária da cidade;
226 Caldeira (2000), privilegiando a cidade São Paulo no seu estudo sobre a segregação, considera que as
transformações recentes estão gerando espaços nos quais diferentes grupos se encontram, muitas vezes, próximos,
contudo separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O
principal instrumento desse novo padrão de segregação é denominado, pela autora em tela, de enclaves fortificados:
trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. Podem ser
shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais, espaços que atraem aqueles que
temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e preferem abandoná-los para os pobres, os
marginais, os sem-teto. Por serem espaços fechados, cujo acesso é controlado privadamente, ainda que tenha um uso
coletivo e semipúblico, eles transformam profundamente o caráter do espaço público. Cocco (1995b, p.23) considera que
“[...] há muito tempo que uma parte cada vez mais importante das classes média e média-alta do Rio de Janeiro
passaram a morar em condomínios fechados, fazer compara em ‘shopping centers’, praticar esportes em academias
particulares, preferir o ar condicionado ao ar livre”.
251
227 Considerem-se os limites das políticas de moradia no âmbito estadual quando prioridades são conferidas aos projetos
habitacionais voltados para o funcionalismo público. O mais abrangente foi o programa “Minha Casa” do governo do
estado do Maranhão, desenvolvido nos últimos três anos e que beneficiou cerca de 2.000 famílias de funcionários
públicos em cinco conjuntos de apartamentos. O programa entra agora numa nova fase e passa a contar com recursos
do Governo Federal através do PAR. Considerem-se, no âmbito federal, os limitados impactos dos programas estatais
alternativos de produção de habitação popular. Tome-se como exemplo o PAIH lançado no Brasil em maio de 1990, sob
a coordenação geral do Ministério de Ação Social/Secretaria Nacional de Habitação e apresentado como uma medida de
caráter emergencial em face da crise da moradia. Com a proposta de financiar, em 180 dias, aproximadamente 245 mil
habitações, o Plano, totalmente financiado com recursos do FGTS, com juros reais de 3,5 ao ano, tinha como população
alvo famílias com renda média até cinco salários mínimos e possuía três vertentes: “programas de moradias populares”
(unidades acabadas), “programa de lotes urbanizados” (com ou sem cesta básica de materiais) e programas de ação
municipal para habitação popular (unidades acabadas e lotes urbanizados). Para a efetivação das duas primeiras
vertentes agentes promotores variados (COHABS, Cooperativas, Entidades de Previdência, Carteiras militares, etc.) para
a última à responsabilidade cabe apenas ao governo municipal. No campo da produção da habitação popular
considerem-se ainda programas lançados pelo Governo Federal a partir de 1994, como “Habitar Brasil” voltado para
municípios de mais de 50 mil habitantes, e o “Morar município”, destinado aos municípios de menor porte. Sobre a
questão da habitação popular no Brasil Rauta Ramos e Sá (2003, p. 158) argumentam: “O que talvez pareça
‘desregulamentação’ ou ‘falta de plano e programas de moradia popular’, por parte do governo federal, revela, ao
contrário, as prioridades e os grupos aos quais essas medidas interessam, ou seja, as forças sociais atendidas pela
drenagem grandiosa de recursos públicos para salvaguarda do sistema financeiro r bancário que aderiram à globalização
ao mesmo tempo em que se tornaram mais vulneráveis por força das novas relações de dependência e por efeito das
crises internacionais”.
252
Fontes: IBGE. Censo Demográfico 1991, Situação Demográfica, Social e Econômica: Primeiras
Considerações - Estado do Maranhão e Dados Preliminares do Censo Demográfico, 2000.
Mas, há que se considerar também que entre os anos de 1995 e 1998, numa
espécie de contraponto a pressão imobiliária pela verticalização, uma excessiva
horizontalização se expressa no surgimento de novas áreas residenciais periféricas:
Bonfim, D. Luís, Vila Conceição, Vila Funil, Vila São João, Vila Forquilha, Brisa do Mar, Sol
e Mar, Ayrton Sena, Santa Efigênia, Vila Vitória, Argola e Tambor, Parque Roseana
Sarney, Canudos-Terra Livre, Vila dos Frades, Vila Zeni, Mãe Andrezza, Vila Natal, Cidade
Olímpica, Vila Cascavel, dentre outras. A formação dessas áreas, mediante lutas por
moradia, articuladas por entidades como o Fórum Permanente de Luta por Moradia,
indicam a exclusão de uma parte significativa da população urbana do mercado fundiário-
imobiliário e a permanência das ocupações/lutas por moradia como mediações históricas
decisivas da constituição do urbano em de São Luís.
Nessa cidade, a complexidade das relações entre a estrutura social e a forma
espacial urbana, assinalando a busca de novas estratégias nos modos de apropriação e
usos do solo urbano, reverbera nos padrões de intervenção pública na cidade e nos
mecanismos de ordenação territorial. Através da Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992
que Dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e dá
outras providências, o governo municipal diz pretender:
254
228 Segundo Harvey (1980, p.56) “[...] A forma mutável da cidade, e o contínuo processo de destilação, renovação e
criação de recursos dentro dela, afetarão a distribuição de rendas, e poderão constituir-se em um mecanismo básico de
redistribuição de renda real. A maior parte da atividade política da cidade é um modo de lutar e barganhar pelo uso e
controle dos mecanismos ocultos dessa distribuição”.
256
Figura 25
ÁREA DA PONTA D’AREIA EM 1975
Fonte: Plano Diretor de 1977. PMSL. São Luís: 1997
Figura 27
ÁREA DA PONTA D'AREIA EM 2002
Fonte: Coleção particular de fotografias
258
Ainda que já tenha sido afirmado, nunca é demais repetir que nas disputas e usos
da terra urbana e na segmentação do mercado imobiliário comparecem como mediações
que lhes são constitutivas, dentre outras: o grau de transformação da terra (a rural para se
transformar em urbana exige além de dispositivos legais, investimentos que determinam
um custo de produção), a escassez (a terra urbana, ao contrário da terra em geral, é
escassa, o que implica procura intensa e valorização permanente), a fixidez do capital
investido (o trabalho e o risco do empreendedor absorvido pela terra), os usos limitados
pelos mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial, que contribuem na definição
de mercados locais para a terra urbana e influenciam o preço do terreno de acordo com
sua localização.
Por isso, num padrão de desenvolvimento urbano francamente submetido à
preeminência das relações mercantis, dentre outros tantos objetos, obras e mercadorias,
encontram-se os produtos imobiliários e fundiários tendentes à (re) produção de territórios
diferenciados no espaço uno da cidade. Para tanto, convergem estratégicas ações
seletivas das vantagens locacionais disponíveis que, de modo geral, dizem respeito a
setores viários, valorização da terra e investimentos infra-estruturais. A partir dessas
vantagens, escolhem-se determinadas áreas, aproveitam-se ou reúnem-se condições
infra-estruturais, projetos arquitetônicos e bases jurídico-legais que possibilitam, num curto
espaço de tempo, à produção de mercadorias fundiário-imobiliárias singulares.
Figura 29
NEW YORK E NEW JERSEY: CONDOMÍNIOS EM CONSTRUÇÃO EM SÃO LUÍS (2002)
(Material publicitário)
260
Regiões Territórios
citadinas
Região Norte Jaracaty, Menino Jesus de Praga, Nova Divinéia, Sol e Mar, Novo Angelim,
Isabel Cafeteira, João Rebelo, Santos Dumont, Vila Palmeira, Invasão do Ipase,
Vila Luiz, Matadouro, Vila Padre Xavier
Região Leste Vila Brasil, Vila Alegria, Vila Izabel, Vila Pavão Filho, Vila Sarney, Santa Clara,
São Bernardo, João de Deus, Santa Cruz, Vera Cruz, Vila Pirapora
Região Oeste Vila Nova, Vila Maranhão, Vila Embratel, Vila Mauro Fecury I e II, Alto da
Esperança, Vila Bacanga
Região Sul Vila dos Frades, Bom Jesus, Vila Lobão.
Daí porque nas cidades do Brasil a questão da moradia logo desliza para a questão
urbana, fazendo com que políticas de urbanização e de melhorias habitacionais, ou ainda
investimentos em saneamento e transporte público, desempenhem papel importante tanto
quanto políticas de financiamento, construção de novas unidades habitacionais ou
programas de regularização fundiária. Afinal, necessidades sociais urbanas não
respondidas, constituindo expressões territoriais de desigualdades sociais, se acumulam
de modo cada vez mais espesso e complexo nas cidades brasileiras, a exemplo de São
Luís. Tais necessidades, de modo geral, dizem respeito a:
Porque nessa dimensão da vida urbana brasileira pouca coisa mudou, em meio a
processos de valorização fundiária e imobiliária, dois conjuntos de movimentos se chocam
constantemente: o aumento dos modos segregados e precários de moradia de um lado; do
outro a ampliação e renovação de mecanismos político-jurídicos dirigidos à apropriação
privada e à ordenação do território citadino.
Em São Luís, a reposição da segregação sócio-espacial em patamares cada vez
mais amplos e mais complexos permite indicar que o processo de constituição do urbano
se faz mediante uma dinâmica citadina distante do ideário da Reforma Urbana, que se (re)
constrói no Brasil desde o final dos anos 1970, da aposta feita na Constituição Federal
Brasileira de 1988 quanto ao avanço da democracia fundado nos princípios da
descentralização229, da participação e do controle popular, assim como dos elementos
inovadores contidos no Estatuto da Cidade, promulgado em 2001. Também tal reposição
se realiza distante dos discursos sobre Cidades Sustentáveis, nos quais a regularização
fundiária também se mostra como proposta estratégica, conforme o fragmento de discurso
destacado a seguir:
229 A este propósito Cardoso (2002, p. 113) faz a seguinte observação: “Seja pela redefinição institucional promovida
pela nova Constituição, seja pela iniciativa dos novos governos locais eleitos na década de 1980, seja ainda, como
reflexo das políticas federais, a literatura constata um efetivo processo de descentralização e municipalização das
políticas habitacionais a partir de meados dos anos 1980. Esse processo é visto de uma forma positiva pela literatura
especializada, que ressalta o potencial da gestão local em ampliar a eficácia, a eficiência e a democratização das
políticas”.
265
É importante pontuar, como o faz Rolnik (1977), que nos modos de apropriação e
usos da terra urbana, o legal e o ilegal não materializam uma contraposição absoluta. A
ordem jurídica formal nunca está totalmente ausente, mesmo no mais ilícito dos espaços.
No mínimo, apresenta-se como referente sendo freqüentemente mobilizada nas
negociações entre moradores/ocupantes irregulares e as autoridades estatais. Também,
nos espaços construídos de acordo com as leis urbanísticas, existe uma infinidade de
transgressões, fruto muitas vezes da própria valorização das regiões ultra-regulamentadas
da cidade.
266
230 No Plano Plurianual do Município de São Luís para o quadriênio 2002-2005 constam ainda três objetivos
estratégicos: (1) Desenvolvimento Econômico, Produção, Trabalho e Renda no sentido de promover o
desenvolvimento econômico do município, incentivando programas de fomento à produção, trabalho, renda e turismo,
resgatando vocações locais, inserindo milhares de famílias nas cadeias produtivas e de serviços no município; (2) Infra-
estrutura Urbana, Transporte e Meio Ambiente no sentido de Ampliar e modernizar a infra-estrutura e o sistema de
transportes urbanos do município, bem como intensificar as ações de preservação do meio ambiente natural e
construído da cidade; (3) Desenvolvimento Organizacional e Modernização da Gestão Pública no sentido de
promover ações de planejamento, desenvolvimento organizacional e a modernização da administração, assegurando a
eficácia, a otimização dos recursos, a transparência das ações, a participação popular e o controle da gestão municipal.
267
Nos termos da argumentação que desenvolvo nesta tese, parece ser necessário
ainda assinalar que as proposições, traços diagramáticos e programas de regularização
fundiária assim como outras modalidades de intervenção estatal, dirigidas à facilitação do
acesso a terra pelos segmentos populares, confirmam, de um lado, a magnitude e
recorrência da informalidade nas cidades do Brasil e, de outro lado, demarcam que
políticas de regularização de assentamentos informais, apesar de cruciais para a
população residente, não impacta, de modo decisivo, as possibilidades de reversão, da
segregação sócio-espacial urbana.
Assim, por tudo que já foi exposto, posso afirmar que são muitas as questões e os
desafios que envolvem os atuais discursos, textos legais e intervenções da ação pública
(federal, estadual e municipal) sobre a cidade. Vários caminhos apontados para a
diminuição da desigualdade social na vida urbana esbarram nos interesses privados e
mercantis, empresarialmente organizados (como os que conseguem garantir a
manutenção de um estoque de terrenos sem uso e a inexistência de uma política fiscal
sobre o valor da terra urbanizada). Esses caminhos esbarram também nos limites da
esfera público-estatal231 e dos mecanismos de democracia que a efetividade dos novos
discursos sobre a cidade pressupõe necessariamente.
Ainda mais: no âmbito da reforma do Estado brasileiro, o deslocamento para o
mercado e empresas privadas de funções originariamente público-estatais
(desdobramento da configuração do neoliberalismo como forma política modelar do
Estado) tem forçado a retração do investimento e do gasto público em moradia e infra-
estrutura, principalmente, nas áreas urbanas periféricas. Então as iniciativas de gestão
democrática da cidade e de construção de articulações entre o campo da gestão e das
lutas sociais urbanas232 se fazem acompanhar da desconfiada percepção quanto à
capacidade do sistema democrático brasileiro resolver questões urbanas fundamentais.
231 Relevo aqui a multiplicidade de canais institucionalizados (esfera pública), alguns com força de Lei, como Conselhos
Municipais/Estaduais/Federais (paritários), Conselhos Escolares, Comissões, Conferências, Comitês de Gestão,
Consórcios Municipais, Audiências Públicas, Fóruns cuja viabilidade encontra apoio em órgãos públicos como a
Ouvidoria Pública, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
232 Sobre a desregulamentação dos serviços públicos Lojkine (2003, p. 22) observa: “[...] A instituição municipal
desempenhe um papel crucial, na medida em que está diretamente em contato simultâneo com a mundialização do
capital, através das sociedades privadas que dirigem atualmente os serviços urbanos e com as demandas das
populações mais deserdadas das grandes metrópoles urbanas. A gestão do abastecimento de água, da coleta de lixo,
das redes de transportes públicos, de saúde, de energia elétrica e das telecomunicações, coloca as equipes municipais
no cerne das contradições que opõem as estratégias dos grandes grupos mundiais, às das populações urbanas”.
268
Na cidade de São Luís, como sucessivos governos não foram capazes de favorecer
conquistas amplas no acesso à moradia adequada, as lutas sociais por moradia expressas
nas ocupações de solos urbanos se intensificaram ao longo da década de 1990233: - de um
lado, ampliaram-se as associações civis ou movimentos organizados para defender o
direito à moradia e a cidade, a exemplo do Fórum Maranhense de Defesa da Moradia e da
União Estadual por Moradia Popular; de outro lado, avolumaram-se as denúncias contra a
existência de uma suposta indústria de invasões.
O jornal O Estado do Maranhão de 05 de agosto de 2001, estampou, no Caderno
Cidade, a seguinte manchete: Invasão torna-se negócio rentável - Líderes
comunitários lucram com a venda de lotes a carentes nada têm que garanta a posse
legal da área. Mas, o que me parece importante demarcar é que, a existência de
possíveis agenciamentos com interesses mercantis no âmbito das ocupações de vazios
urbanos, não elide ou torna secundária a real necessidade de moradia e a reprodução da
lógica segregadora que acompanha as metamorfoses citadinas em São Luís.
Muito ao contrário, esses possíveis agenciamentos também dizem das
desigualdades nas condições de acesso a terra para a construção da moradia, logo, dizem
de questões muito desconfortáveis e desafiadoras tanto para os poderes constituídos,
quanto para os movimentos sociais de moradia. Trata-se, portanto, de sinais de algo que
não se vê e, no entanto, neles está contido: disputas particulares e necessariamente
conflitantes em torno da apropriação e usos das vantagens dos efeitos úteis da
aglomeração, entre valores de uso e valores de troca.
Desse modo, na particularidade do processo de constituição do urbano em São
Luís, as disputas em torno da terra urbana aparecem imersas no interior de profundas e
contraditórias relações entre investimentos em condições gerais de produção, interesses
econômico-mercantis de natureza fundiário-imobiliária e lutas sociais pela moradia. Se tal
é o estado de coisas, no movimento real da constituição da segregação sócio-espacial
urbana, estas relações comparecem entrelaçadas, não apenas por um nó a ser desatado,
mas organicamente, com teias e sustentáculos de natureza estrutural.
233 Registrem-se, ainda, dois fatos novos delineados ao longo da década de 1990: (1) as ocupações de prédios e
conjuntos habitacionais, a exemplo da ocupação do Parque das Mangueiras, no São Cristóvão em 1996 e, (2) o
significativo número de pessoas envolvidas nas lutas sociais por moradia, a exemplo da ocupação, denominada Cidade
Olímpica que envolveu, aproximadamente, 15 famílias, também no ano de 1996.
269
Certamente, continuando a tecer uma trama que parece não ter fim, o processo de
urbanização desigual efetivado em São Luís passa a comprometer o uso sustentável do
ambiente estuarino - ecossistema desenvolvido a partir do encontro das águas do rio com
águas salinas. Dá-se que, conforme já abordado ao longo desta exposição, esse ambiente
vem sendo secularmente usado como fonte de subsistência por segmentos de
trabalhadores urbanos empobrecidos, como pescadores artesanais e catadores e/ou
vendedores de peixes, crustáceos e moluscos.
Um dado a mais: os obstáculos naturais postos pelos manguezais nunca foram
empecilhos em face da necessidade de moradia dos espoliados urbanos da cidade de São
Luís. No panorama das estratégias possíveis de acesso à moradia, construção de palafitas
nos mangues, há muito tempo fazem parte do cotidiano de expressivos segmentos da
população urbana que ali moram, trabalha e/ou circula.
A degradação ambiental dessas áreas passa a se constituir, então, mais uma
contradição que atualiza, ao seu próprio modo, antigos conflitos e contradições existentes
entre interesses econômicos, necessidade social de moradia e gerenciamento ambiental,
entre vida social e meio-ambiente, entre território e cidade. Questão que não pode ser
considerada somente como um problema de formas de consumo ou ausência de uma
cultura da limpeza urbana, pois se trata aqui do fato de que essas formas são resultados
do padrão de urbanização em curso no Brasil e no Maranhão, especialmente, no que diz
respeito à falta ou precariedade da provisão da infra-estrutura necessária à vida na cidade.
Trata-se, por conseguinte, de dinâmicas que transformam a escala, a natureza e o grau de
complexidade da segregação sócio-espacial urbana.
Afinal, as cidades são complexidades sócio-históricas assentadas espacialmente,
cujas formas e conteúdos estão continuamente ameaçados na sua relação com as
contradições próprias da urbanização capitalista234.
234 No tocante às trocas orgânicas entre sociedade e natureza Lefebvre (1999, p.178) nos diz: “O controle da natureza
ligado às técnicas e ao crescimento das forças produtivas, submetido unicamente às exigências do lucro conduz à
destruição da natureza. O fluxo das trocas orgânicas entre a sociedade e a terra, esse fluxo, do qual Marx, a propósito da
cidade, observa a importância, se não é rompido é, pelo menos, perigosamente perturbado. Pode-se perguntar se a
destruição da natureza não faz parte' integrante' de uma autodestruição da sociedade voltando contra ela mesma suas
forças e sua potência, com a manutenção do modo de produção capitalista".
270
Figura 28
CAMBOA: TERRITÓRIO DE PALAFITAS NAS MARGENS DO RIO ANIL (São Luís – 2002)
(Fonte: Coleção particular de fotografias)
235 As pesquisas, ligadas ao projeto Subsídios para uso econômico sustentável da bacia do rio Anil, na ilha se São Luís,
avaliaram as características físicas, químicas e microbiológicas das águas do Rio Anil e a percepção ambiental de seus
usuários. As análises físicas e químicas indicam que a concentração de amônia nas águas é alta em conseqüência do
despejo de esgotos domésticos os quais ocasionam também, devido à quantidade de materiais orgânicos presentes,
problemas de déficit de oxigênio e de elevados níveis de coliformes fecais. Isso acarreta um significativo aumento dos
riscos de proliferação de doenças de veiculação hídrica. Segundo os pesquisadores, apesar das agressões ambientais,
este ecossistema ainda conserva uma importante biodiversidade, responsável pelo suprimento gratuito de proteína, além
de proporcionar fonte de renda complementar ás famílias que habitam ou recorrem às áreas de mangue.
271
236 Entendo ser mister reforçar que me referenciando destacadamente em Gramsci reconheço a primazia da esfera
econômica, sem, no entanto, relegar a política a um plano longínquo da superestrurura, como um simples reflexo. Neste
sentido, a estou apreendendo, tal como Gramsci, como uma dimensão essencial do movimento dialético entre infra-
estrutura e superestrutura. Afinal, é na esfera da política, no processo real do desenvolvimento histórico-político, que se
dá o reconhecimento recíproco entre as classes como grupos sociais diferenciados pela posição, na esfera da produção.
(GRAMSCI, 1984).
273
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