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RAIMUNDA NONATA DO NASCIMENTO SANTANA

METAMORFOSES CITADINAS:
CONSTITUIÇÃO DO URBANO, DISPUTAS TERRITORIAIS E
SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL EM SÃO LUÍS/MARANHÃO/BRASIL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


RIO DE JANEIRO
2003
2

METAMORFOSES CITADINAS: constituição do urbano, disputas


territoriais e segregação sócio-espacial em
São Luís/Maranhão/ Brasil

RAIMUNDA NONATA DO NASCIMENTO SANTANA

Curso de Doutorado do Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Orientadora: Maria Helena Rauta Ramos, doutora
em Serviço Social.

RIO DE JANEIRO
2003
3

Santana, Raimunda Nonata do Nascimento.


Metamorfoses citadinas: constituição do urbano,
disputas territoriais e segregação sócio-espacial em
São Luís/Maranhão/Brasil / Raimunda Nonata do
Nascimento Santana. – São Luís, 2003.
281 f.
Orientadora: Profª Drª Maria Helena Rauta Ramos.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, 2003.
1. Usos da terra – São Luís/MA. 2. Segregação
urbana. 3. Planejamento territorial urbano. I. Título.

CDU 332.1/.8(812.11)
4

METAMORFOSES CITADINAS: constituição do urbano, disputas


territoriais e segregação sócio-espacial em
São Luís/Maranhão/ Brasil

RAIMUNDA NONATA DO NASCIMENTO SANTANA

Tese apresentada a banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em


Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora.

Aprovada por:

Profa. Dra. Maria Helena Rauta Ramos


(Orientadora)

Prof. Dr. Giuseppe Maria Cocco

Prof. Dr. Jean Robert Weissahaupt

Profa. Dra. Maria de Fátima Cabral Marques Gomes

Profa. Dra. Alacir Ramos Silva

Rio de Janeiro
2003
5

À Tayana,
filha amada sempre a me apontar estrelas.
6

AGRADECIMENTOS

A Universidade Federal do Maranhão, especialmente ao Departamento de Serviço


Social, pela liberação para o doutorado;

Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela criação das condições institucionais e
acadêmicas favoráveis à conclusão do meu doutoramento;

A Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal Docente (CAPES), pelo apoio à minha


participação no Curso de Doutorado, mediante bolsa concedida durante a sua realização;

A Maria Helena Rauta Ramos, inesquecível orientadora. Sem sua competência


acadêmica e incentivo pessoal, eu não teria ampliado a minha reflexão sobre as
contradições da cidade do capital;

A Évila Brito Ribeiro, professora aposentada da UFMA, com quem partilhei as


primeiras inquietações sobre os modos extremamente desiguais através dos quais as
classes e suas frações vivem na cidade;

Aos estudantes do Curso de Serviço Social da UFMA, especialmente aos meus


alunos e alunas da disciplina Questões Urbanas, pois nestas páginas encontrarão indícios
dos muitos levantamentos que realizaram sobre a vida citadina e contradições urbanas
em São Luís;

A Maria Olívia Borges Ferreira e Maria de Fátima Cabral Marques Gomes, afetivas
e efetivas presenças nas horas alegres e tristes de muitas das minhas vivências pessoais
e acadêmicas;

A Gabriela, Zezé, Cristina, Guga e Malu pela redescoberta da força dos afetos entre
estudantes;

Aos meus familiares, sempre fraternos e solidários, portanto, elos mais fortes e
profundos dos meus ideais e conquistas.
7

È pelo lugar que vemos o mundo e ajustamos nossa interpretação,


pois nele o recôndito, o permanente, o real triunfam, afinal, sobre o
movimento, o passageiro, o imposto de fora...
Mas, se o lugar nos engana, é por conta do mundo.

Milton Santos, em “Fim de século e globalização”.


8

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABBTUR - Associação Brasileira dos Bacharéis em Turismo


ALUMAR - Consórcio de Alumínio do Maranhão
ANSUR - Articulação Nacional do Solo Urbano
ATME - Área Total Máxima de Edificação
ASSACRE - Associação de Comunidades do Interior da Ilha de São Luís
BNDS - Banco Nacional de Desenvolvimento Social
BNH - Banco Nacional de Habitação
CEPRAMA - Centro de Comercialização de Produtos Artesanais do Maranhão
CDI - Companhia de Comércio e Indústria do Maranhão
CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
COHAB - Companhia Habitacional
COHAMA - Cooperativa Habitacional do Maranhão
COHATRAC - Cooperativa Habitacional dos Trabalhadores no Comércio de São Luís
COLONE - Companhia de Colonização do Nordeste
COMARCO - Companhia Maranhense de Colonização
CPDS - Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
DAES - Departamento de Águas e Esgotos Sanitários
EMAP - Empresa Maranhense de Administração Portuária
FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FCP - Fundação Casa Popular
FETREN - Financiamento para Sistemas Ferroviários de Transporte Urbano de Passageiros
FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FIPLAN - Financiamento para o Planejamento Urbano
FIMURB - Financiamento para Urbanização
FINAME - Fundo de Investimento da Amazônia
FINOR - Fundo de Investimento do Nordeste
FNA - Federação Nacional dos Arquitetos
FNE - Federação Nacional dos Engenheiros
FNRU - Fórum Nacional pela Reforma Urbana
FNSA - Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental
FMDM - Fórum Maranhense de Defesa da Moradia
FUBESMA - Federação de Uniões de Moradores de Bairros e Similares do Maranhão
FUMTUR - Fundação Municipal de Turismo
Habitat 2 - Conferência de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas
IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil
IAPs - Institutos de Aposentadoria e Pensão
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
9

ICOMOS - Conselho Internacional de Patrimônio e Sítios Históricos


IDH - Indicadores de Desenvolvimento Humano
IPEI - Instituto de Pesquisa Econômico-sociais e Informática
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPLAM - Instituto de Pesquisa e Planejamento do Município
Labohidro - Laboratório de Hidrobiologia (Universidade Federal do Maranhão)
LOCUSS – Núcleo de Pesquisa sobre Poder Local, Políticas Urbanas e Serviço Social
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
MDF - Movimento de Defesa do Favelado
MDFP - Movimento de Defesa dos Favelados e Palafitados
MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia
MMA - Ministério do Meio Ambiente
NTIC - Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
ONU - Organização das Nações Unidas
OP - Orçamento Participativo
PAIH - Programa de Ação Imediata para a Habitação
PAR - Programa de Arrendamento Residencial
PCG - Programa Grande Carajás
PEC - Planejamento Estratégico da Cidade
PLANASA - Plano Nacional de Saneamento
PLANHAP - Plano Nacional de Habitação Popular
PNDU - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRODEPO - Apoio ao Desenvolvimento de Pólos Econômicos
PRODETUR - Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste
REVIVER - Programa de Preservação do Centro Histórico de São Luís
SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Média Empresa
SFH - Sistema Financeiro de Habitação
SEMTHURB - Secretaria Municipal de Terras, Habitação e Urbanismo
SEPLAN - Secretaria de Planejamento do Estado do Maranhão
SERFHAU - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SINCOEX - Sistema de Apoio à Indústria e ao Comércio Exterior do Maranhão
SINDUSCOM - Sindicato das Indústrias de Construção Civil
SISPLAN - Sistema Estadual de Planejamento
SUDAM - Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDEMA - Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SURCAP - Sociedade de Melhoramentos e Urbanismo da Capital
UNMP - União Nacional de Luta pela Moradia
10

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Lugar dos tecidos nas exportações do Maranhão (1926 a 1960)


Quadro 2 - Crescimento demográfico de São Luís (Finais do século XVII a 1950)
Quadro 3 - Atividade industrial em São Luís (1960 a 1970)
Quadro 4 - Famílias / moradias envolvidas em litígios de terras urbanas (São Luís - 1978 a 1981)
Quadro 5 - Propriedade das terras urbanas envolvidas em litígios (São Luís - 1978 a 1981)
Quadro 6 - Agentes das ações de despejo em São Luís (1978 a 1981)
Quadro 7 - Sujeitos políticos em defesa do uso da terra para morar (São Luís - 1978 a 1981)
Quadro 8 - A face violenta das disputas territoriais urbanas (São Luís - 1978 a 1981)
Quadro 9 - Conjuntos habitacionais (SFH/BNH/COHABs) em São Luís (1967- 1988)
Quadro 10 - População urbana e rural do Maranhão (1960 a 2001)
Quadro 11 - Dinâmica demográfica do Maranhão e de São Luís (1960 a 2000)
Quadro 12 - Territórios urbanos periféricos de formação recente (São Luís - 2001)
11

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Paisagem da cidade de São Luís em 1641


Figura 2 - Planta da cidade de São Luís em 1641
Figura 3 - Praia Grande: moradias coloniais (São Luís-Maranhão)
Figura 4 - Palacete Gentil Braga (São Luís-Maranhão)
Figura 5 - Sobrado Lages&Cia (São Luís-Maranhão)
Figura 6 - Expansão da cidade de São Luís: A Rua Grande
Figura 7 - Cidade de São Luís em 1863
Figura 8 - Indústria têxtil na cidade de São Luís: Fábrica Fabril
Figura 9 - Indústria têxtil na cidade de São Luís: Fábrica Rio Anil
Figura 10 - Localização de fábricas têxteis em São Luís no início do século XX
Figura 11 - Restos materiais da Fábrica São Luís (São Luís-Maranhão)
Figura 12 - Restos materiais da Fábrica Santa Amélia (São Luís-Maranhão)
Figura 13 - Restos materiais de prédio colonial (São Luís-Maranhão)
Figura 14 - Cortiço entre a Praia Grande e o Desterro (São Luís-Maranhão)
Figura 15 - Programa Grande Carajás: território de abrangência
Figura 16 – Vista do Porto de Itaqui (São Luís - 2003)
Figura 17 - Palafitas na Lagoa d'Jansen (São Luís - 1882)
Figura 18 - Material publicitário sobre a Praia Grande (2002)
Figura 19 - Material publicitário sobre São Luís (2002)
Figura 20 - Cohabitação de condomínios e antigas moradias (Lagoa d'Jansen - 2002)
Figura 21 - Vista do Renascença (São Luís - 2003)
Figura 22 - Vista do Maranhão Novo (São Luís - 2003)
Figura 23 - Área do Sol e Mar (São Luís - 2003)
Figura 24 - Área da Praia Grande (São Luís - 2003)
Figura 25 - Área da praia da Ponta d'Areia em 1975
Figura 26 - Área da praia da Ponta d'Areia em 2002
Figura 27 - New York e New Jersey: condomínios residenciais em construção em São Luís (2002)
Figura 28 - Camboa: território de palafitas nas margens do Rio Anil (São Luís -2002)
12

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS 05
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 06
LISTA DE QUADROS 08
LISTA DE FIGURAS 09
RESUMO 11
RESUMÉ 12
ABSTRACT 13

INTRODUÇÃO 14

1 CIDADES: espaços estratégicos do Brasil colônia 49

1.1 Em nome do rei, donos da terra e capitães-mores demarcam o solo urbano na 50


constituição da cidade colonial
1.2 Senhores, escravos e pobres livres numa praça portuária mercantil: organização 72
sócio-espacial e condições de moradia
1.3 Crise do universo colonial e escravocrata: movimentos de contestação e controle 96
da vida urbana

2 MUTAÇÃO DO USO URBANO: efeitos úteis da aglomeração capitalista, 112


disputas territoriais e segregação sócio-espacial

2.1 A cidade sob a fase de formação e expansão do capitalismo competitivo: 113


territórios fabris e crescimento urbano
2.2 A cidade sob a fase de irrupção do capitalismo monopolista: disputas da terra 163
urbana, gestão da cidade e segregação sócio-espacial

3 CIDADES NO BRASIL: espaços estratégicos das atuais realidades produtivas 201


e espaços de segregação

3.1 Metamorfoses na constituição produtiva dos territórios urbanos e políticas 202


econômicas de tipo cultural: a cidade espetáculo
3.2 Novo tipo de complexidade espacial, segmentação do mercado fundiário e lutas 243
sociais por moradia: a cidade segregada (a título de considerações finais)

BIBLIOGRAFIA 271
13

RESUMO

SANTANA Raimunda Nonata do Nascimento. METAMORFOSES CITADINAS:


constituição do urbano, disputas territoriais e segregação sócio-espacial em São
Luís/Maranhão/ Brasil.
Orientadora: Maria Helena Rauta Ramos. Rio de Janeiro. UFRJ/PPGESS, 2003,
Tese.

Estudo dos modos pelos quais ao longo do processo sócio-histórico de


constituição do urbano, metamorfoses citadinas se efetivam associando-se a disputas
territoriais e mecanismos político-jurídicos de gestão da cidade e contribuem na produção
de territórios segregados. Aprofunda a análise sobre relações entre metamorfoses
citadinas e dinâmicas de segregação sócio-espacial ao tomar como referência histórica
concreta o processo de constituição do urbano que se singulariza na cidade de São Luís
(Maranhão/Brasil) num arco de tempo que se inicia no período colonial e alcança a
contemporaneidade. Analisa a natureza mutável da cidade e suas relações com os usos
da terra e com processos de segregação mediante a demarcação de certos ângulos da
complexidade da forma histórica espacial urbana sob o capital. Delineia os agentes
históricos envolvidos na produção, domínio, disputas e ordenação do território urbano no
desenrolar de mutações sócio-espaciais, considerando a constituição produtiva e a gestão
estatal da vida citadina. Aborda mecanismos político-jurídicos voltados à ordenação dos
modos de apropriação e usos da terra, com ênfase nas relações e contradições entre a
necessidade social da terra para morar, a Lei e os regimes privados de posse e uso do
solo urbano. Identifica na atual metamorfose citadina, tal como ela se efetiva na cidade de
São Luís, a ênfase nas políticas econômicas de tipo cultural, produzindo a cidade
espetáculo, ao mesmo passo que se ampliam os mecanismos político-jurídicos de
ordenamento do território citadino e agrava-se a segregação sócio-espacial urbana, como
manifestações expressivas e contraditórias da contemporânea mutação do espaço
capitalista.
14

RESUMÉ

L’étude des modes qui au long du processus sócio-historique de constitution


urbaine, des métamorphoses citadines se produisent assocités à des disputes territoriales
et les mécanismes jurídico-politiques de gestion de la ville et contribue à augmenter de la
ségrétation des territoires. En approfondissant l’ analyse sur les relations entre les
métamorphoses citadines et l’augmentation la ségrétation sócio-spatiale, prendre comme
référence historique concrète le procédé de constitution urbaine qui si distingue dans la
ville de São Luis (Maranhão/Brésil) pendant une période qui commence du colonialisme
jusqu’à aujourd’hui. L’analyse de la nature changeante de la ville et ses relations avec
l’utilisation de la terre comme procédé de la ségrétation par la démarcation du à la lforme
complexe de la capitale. Defini les aspects historiques impliques dans la production,
disputes et organisation du territoire urbain dans le développement historique des
mutations socio-spatiales, considérant de la constitution productive el la gestion de l’état de
la vie citadine. Abordant les mécanismes juridiques et politiques em relation à
l’organisation des modes d’appropriations et d’utilisation de la terre, avec conviction pour
les relations et les contradictions entre la néssécité social de la terre pou habiter, la Loi et
les regimes particulier et l’utilisation du sol urbain. Identification des actuelles
métamorphoses citadine, comme celle de São Luis, la conviction des politiques
économiques de type culturel, produisent des villes-spectacles, dans le même temps que
s’amplifient les mécanismes jurídico-politiques qui ordonne le territoire citadin et aggrave
de la ségrétation sócio-spatiale, comme manifestation expressive et contradictoires de la
mutation contemporaine du spatiale capitaliste.
15

ABSTRACT

Studies, which along social-historic process of urban constitution, city’s


metamorphosis made themselves, it associates to territorial fights and mechanisms
juridical-policies of cities’ management and contribute on production of separated
territories. It’s deepened the analysis between the relations and cities’ metamorphosis and
dynamics of social-spatial separation as taken as concrete historic reference of social-
historic process of urban constitution that it makes one at city São Luís (Maranhão/Brazil)
in a time which begins at colonial period and reach the present. It’s analyzed the
changeable nature of city territory and your relations with the land’s uses and segregations
process in face to delimitation of such complexity’s aspects of urban spatial arrangement
over the capital. It’s demarked the historic agents about production, dominium, fights and
ordination of urban territory along to the historic happening mutations social-spatial, it’s
considering productive structure and the state management of city life. It’s discussed about
juridical-policies mechanism designed to the ways of appropriation’s ordination and uses of
the land, with emphasis in the relations and contradictions between land social necessity of
living, the Law and the private regime of owning and use of urban solo. It’s identified the
present city metamorphosis, sick it’s effectives at city São Luís, the emphasis on policies
economics of cultural natures, producing cities-shows, at the same happens the
enlargement juridical-policies mechanisms of ordinations city territory and gets worst the
social-spatial urban segregation, like expressive manifestations and mutation’s
contradictories of capitalism space.
16

INTRODUÇÃO

Em Metamorfoses citadinas: constituição do urbano, disputas territoriais e


segregação sócio-espacial em São Luís/Maranhão/Brasil, eu procuro desenvolver uma
sistematização teórica, na qual faço referências, sempre que possível, a dados históricos
e empíricos. Tal estudo tem o propósito de cumprir o último requisito para a obtenção do
título de Doutora em Serviço Social, junto ao Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os delineamentos da tese exposta na sistematização apontada têm como suporte o
estudo de metamorfoses da configuração urbana, em que busco abordar conexões entre
dinâmicas produtivas, interesses de natureza fundiária e imobiliária, institutos político-
jurídicos de ordenação territorial e segregação urbana. Essas conexões, seguidas na
interface de duas dinâmicas, de um lado, a constituição produtiva da cidade e, de outro, a
gestão estatal da vida urbana, formando um topus de convivência e remissão a
contradições e antinomias, foram encontradas mediante investigação sobre a permanente
reposição, em patamares cada vez mais complexos, da segregação sócio-espacial
urbana na formação sócio-histórica brasileira, tomando como objeto particular de análise
a cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão.
No Brasil, as lutas sociais e os litígios pela posse da terra, a força violenta
mobilizada nas ações de reintegração de posse de solos urbanos, o homem a caminho de
uma moradia que não há, a espoliação urbana (KOWARICK, 1985a), os tópicos materiais
da falta de meios de consumo coletivos (LOJKINE, 1981), a ampliação do número de
áreas citadinas em que, dobrando a Lei, lutas sociais por moradia consolidam a
ocupação, tudo isso formando complexos sociais tumultuados, discordantes, tensos
conduziram-me ao encontro de uma crucial determinação: a forma mercadoria assumida
pela terra, na formação de um mercado segmentado, para vendê-la e comprá-la,
contribui, decisivamente, na criação de territórios urbanos segregados.
17

Tais conformações, articuladas a dinâmicas produtivas, políticas e culturais próprias


ao desenvolvimento tardio do capitalismo, em países subordinados como o Brasil,
colocam exigências em termos de padrões de intervenção do Estado. Hábil e poderosa
produção de compromissos políticos, legais e normativos com modos privatizantes de
apropriação e usos da terra urbana, mantém, então, montando e remontando, o processo
de segregação sócio-espacial. Atravessando diferentes dinâmicas de fragmentação social
tal processo alcança às realidades urbanas contemporâneas a despeito de certas
dinâmicas produtivas múltiplas e abertas que as caracterizam.
Não é de estranhar. As efetivas condições históricas da propriedade privada da
terra1 - a qual o movimento do capital confere valor econômico - têm correspondência na
sociedade política2, normalizando e legitimando a ação estatal e a Lei. Na esfera política,
efetiva-se a canalização de determinado campo de forças presente na dinâmica da vida
social, capaz de instituir e constituir ações factuais e formais de propriedade,
disciplinamento, controle e fiscalização do uso da terra em função de interesses privados.
A Lei, associada às formas de governo e gestão, torna-se, então, dimensão da vida
estatal que, não somente justifica, mas, sobretudo, define e garante regimes de
apropriação e usos privados da terra3 e de outros bens imobiliários urbanos.
De fato, a efetividade histórica de diversos padrões de desigualdade social e de
segregação espacial, que a cidade e seu processo de constituição expressam
necessariamente, sempre se faz acompanhar de modelos político-territoriais, planos, leis,
regulamentos que agem sobre os territórios urbanos, pretendendo delimitar, controlar
modalidades de apropriação, usos e poderes públicos e/ou privados.

1Conforme Marx (1989, p. 707), trata-se do "[...] monopólio de dispor de determinadas porções do globo terrestre como
esferas privadas de sua vontade particular com exclusão de todas as demais vontades".
2O meu ponto de vista encontra apoio nos estudos de Gramsci (1980) sobre as esferas superestruturais da sociedade.

Este autor ressalta que é não é possível apreender as funções coercitivas e econômicas do Estado burguês separado da
função adaptadora-educadora. Tendo que agir, estender os efeitos da sua ação no sentido da progressiva racionalização
da atividade econômica, da eliminação dos impedimentos à plena expansão dos mercados e da garantia dos direitos que
se encontram presos aos interesses fundamentais do pacto social, o Estado portará a natureza ferina e humana do
centauro maquiavélico nas duplas: força e consentimento, violência e civilidade, autoridade e hegemonia.
3 Uma ilustração: Brasil. Lei nº 601, 18 de set. 1850. “Dispõe sobre as terras devolutas do Império e acerca das que são

possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples título de posse mansa
e pacífica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras sejam elas cedidas a título oneroso assim para
empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o governo a
promover a colonização estrangeira na forma que se declara. Artigo 1- Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas
por outro título que não seja o de compra”.
18

Recordem-se, por exemplo, os códigos de posturas. Acompanham a constituição


da cidade, as mutações e as disputas sociais, procurando ser suficientemente precisos,
para que cada tipo de apropriação, construção, uso e infração, nesse território
determinado, venham encontrar lugar, selecionando diversos interesses claramente
presentes neles. Mas, nas cidades reais, a exemplo das brasileiras, a heterogeneidade
dos espaços urbanos atesta, reforça e valoriza desigualdades, segregações e hierarquias
sociais, contrapondo-se a idealidade dos territórios legais prescritos em certos padrões de
planejamento urbano e na minuciosa legislação urbanística.
Os mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial garantem e ratificam
certas modalidades de apropriação e usos do espaço urbano. Por um lado, confere-lhes
uma autoridade, uma capacidade de coerção necessária ao seu exercício. Por outro,
tentam filtrar produtos contraditórios da efetivação de uma enorme quantidade de
processos privados de apropriação do espaço citadino, nos quais o valor de troca se
superpõe ao valor de uso; convivendo de forma complementar e, ao mesmo tempo,
contraditória, formas legais e ilegais de apropriação, construção e uso.
Dadas essas condições históricas, no Brasil, a problemática da segregação sócio-
espacial urbana pode tomar um relevo especial quando a investigação se volta para uma
das formas de resistência delineadas nos processos de intervenção ativa das classes
subalternas no movimento histórico: - as lutas sociais pelo acesso a moradia no território
citadino. No conjunto dessas lutas, as ocupações legítimas, contudo, ilegais de solos
urbanos constitui uma das faces mais preeminentes4. Avançando pelas margens, pelos
espaços vazios da cidade, escoando para além dos traços definidos pelo Estado, essas
ocupações e suas precárias moradias se expandem à revelia da ação estatal, dos
instrumentos urbanísticos e da Lei.
A mediação do Estado nas transformações do uso da terra urbana pressupõe um
leque de compromissos firmados no e pelo espaço representativo, que homologa
interesses privados, através da ação de agências específicas, formando "a trama da
sociedade civil", aparelhos de hegemonia que a estruturam politicamente.

4Em cidades brasileiras, nessas situações o tratamento é desigual, correspondendo ao vínculo de classe dos sujeitos
que efetivam a posse ilegal. Para as frações pobres, convencionou-se denominar de invasão e o núcleo habitacional
constituído fica sujeito, quase sempre, às ações de remoção ou despejo. No caso de integrantes de frações médias ou
mesma burguesa, a posse é, quase sempre, apenas considerada irregular, ou a área residencial classificada dentro dos
condomínios irregulares, e passa por um processo de regularização.
19

Porque os interesses reafirmados nos espaços da democracia representativa são já


filtrados e substantivamente mediados, eles não respondem a grande parte da população
citadina. Em conseqüência, o explícito descompasso entre adensamento populacional e
disponibilidade dos meios de reprodução da vida urbana (moradia, infra-estruturas
urbanas, equipamentos e serviços coletivos), acompanhando a dinâmica política das
classes sociais e suas frações, está sempre a interpelar a direção social e a eficácia da
Lei, das políticas urbanas e do governo da cidade. Se moradia, pavimentação de ruas,
abastecimento de luz, canalização de água e esgoto, recolhimento de lixo, sistemas
viários e de transporte, áreas públicas de lazer, são pressupostos da infraestrutura da
vida urbana, a ausência, escassez e/ou deterioração de tais pressupostos compõem,
necessariamente, a expressão material dos espaços urbanos espoliados e segregados5.
Todavia, a existência da segregação sócio-espacial urbana, para além das
questões concretas e legais atinentes à propriedade fundiária, à precariedade da moradia,
ao risco ambiental e ao descompasso entre demanda e disponibilidade de recursos e
equipamentos urbanos, tem uma história, que se desdobra em ziguezague e cruza outros
problemas e distintos planos da vida social. Um extraordinário encadeamento de
determinações e circunstâncias, mediadas pela concentração ou dispersão territorial
produtiva e da população, faz com que a constituição dos espaços segregados tenha
nexos com a lógica das relações sociais de produção guardando com elas vínculos
estruturais e conjunturais.
Se da cidade centralizada, arraigada aos sistemas fabris de produção, passando
para a cidade policêntrica contemporânea, orgânica às determinações de dinâmicas
produtivas, políticas e culturais tendentes a subordinar a produção de bens materiais às
atividades imateriais e culturais, os territórios urbanos vêm tendo permanente centralidade
nos processos da produção e dinâmicas da reprodução social. Se a cidade não para de
se metamorfosear, tornando-se hoje condição crucial de dimensões da produção, que
necessitam dos espaços públicos de cooperação produtiva, e as dinâmicas de
segregação continuam a ela enlaçadas, cabe perguntar:

5Segundo Kowarick (1984, p.69-70) "[...] Mesmo quando são mantidos os graus de pauperização dos trabalhadores, os
seus níveis urbanos de reprodução poderão melhorar ou piorar em função do que conseguem retirar do Poder Público
em termos de bens de consumo coletivos, subsídios à habitação popular ou acesso a terra urbanizada, processos que
variam, enormemente de conjunturas políticas e que podem ou não estar associadas a conquistas que os trabalhadores
obtêm na esfera das relações de produção".
20

Como dinâmicas produtivas e modalidades políticas de administração da cidade6,


que se pretendem inéditas continuam a reiterar, alterar ou instaurar formas históricas e
espaciais de segmentações e segregação urbanas?
Formas de segregação sócio-espacial (auto-segregação de frações da classe
proprietária e dirigente e segregação compulsória de certos segmentos da classe
trabalhadora) que podem ser registrados em áreas residenciais tipificadas como áreas
nobres, áreas intermediárias ou periféricas7. Hoje, essas áreas são atravessadas ou
esmaecidas por construções urbanas fechadas por muros e tecnologias de segurança:
condomínios residenciais, centros financeiro-administrativos, aeroportos internacionais,
shoppings centers e grandes hotéis. Ou seja, uma série de estruturas espaciais que
parecem não querer ser parte da cidade, mas ser seu equivalente ou substituto. No Brasil,
espaços dessa natureza se agrupam ou se avizinham em certas áreas das cidades,
outras vezes coabitam zonas de enriquecimento mediante enclaves fortificados
(CALDEIRA, 2000) em meio de bairros pobres e/ou periféricos.
A efetividade de formas velhas e novas de segregação sócio-espacial urbana
reforçou o meu interesse de buscar o desvendamento de sua lógica na mudança do
padrão de desenvolvimento impulsionado pelos atuais processos de mundialização. Mas,
na investigação sobre os modos de ser e reproduzir-se dos territórios urbanos segregados
em nenhum momento encontrei resposta direta ou circunscrita aos atuais movimentos
chamados de globalização da economia e da cultura. Afinal, em face da segregação
sócio-espacial urbana, estava diante de sintomas de um processo de fundo.

6 Um exemplo: Sancionada no dia 10 de julho de 2001, após tramitar por 12 anos no Congresso Nacional uma nova lei,
batizada de Estatuto da Cidade, pretende alterar os rumos da política urbana nas cidades brasileiras com mais de 20.000
habitantes. De modo geral a Lei n. 10.257/01 regulamenta: (1) a garantia do direito à terra urbana, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços e ao lazer; (2) o planejamento do desenvolvimento das
cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o
desenvolvimento; (3) a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, assim como dos
patrimônios cultural, históricos, artísticos, paisagísticos e arqueológicos; (4) a regularização fundiária e urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação solo e edificação, consideradas a situação sócio-econômica da população e as normas ambientais.
7 Tendo por base à construção de habitações no mercado fundiário francês, Topalov (1984) caracteriza as áreas nobres,

como as concentradoras de equipamentos públicos e privados que servem às frações de classe do grande capital;
grandes proprietários e executivos de empresas de grande porte; as áreas intermediárias, as delimitadas pelo médio e
pequeno capital, camadas médias ou frações de nível superior e médio das classes trabalhadoras (profissionais liberais,
executivos, trabalhadores intelectuais, prestadores de serviços, etc.); as áreas periféricas, as conformadas como única
alternativa de moradia que resta aos trabalhadores (empregados ou mesmo desempregados), sendo, portanto áreas,
reveladoras de precárias e deletérias condições de vida urbana.
21

Desse modo, no andamento da pesquisa fui sendo remetida a uma pluralidade de


dinâmicas históricas: espaciais, produtivas, políticas, culturais, demográficas, ambientais
e urbanas, suas relações e configurações recíprocas. Nessas dinâmicas, modalidades
particulares de apropriação e uso, domínio e controle do espaço urbano, dimensões não
independentes umas das outras, se fazem estreitamente implicadas em processos de
reprodução e de transformação das relações sociais, sendo daí derivada suas
configurações, contradições e efeitos. De fato, a cidade ao ser fecundada pelo capital e
submetida à conformação mercantil passou a constituir-se expressão, instrumento e vetor
cristalinos de uma inelutável determinação: pela particular modalidade de aglomeração
dos meios de reprodução do capital e do trabalho, efeitos úteis são produzidos e deles o
capital retira, ao mesmo tempo, condições de sobrevivência, expansão e reestruturação.
Engels (1975) já havia enfatizado o caráter dual da tendência de centralização do
capital: a centralização colossal. Para ele, quanto maior a cidade maiores são as
vantagens da aglomeração. Ali se reúnem todos os elementos da indústria: os
trabalhadores, as vias de comunicação (à época, canais, caminhos de ferro, estradas), os
transportes de matéria prima, as máquinas, as fábricas, o mercado, a bolsa. Em A
situação da classe operária em 1844, tendo como principal referência a cidade de
Manchester (Inglaterra), estuda o concreto como totalidade, a unidade do diverso.
Nesse texto, os contrastes, a segregação, a moradia da população pobre, o
cinturão fabril (cercando toda uma coleção de barracos de gado para seres humanos)
aparecem como dimensões peculiares da produção das cidades modernas. Cidades
obrigadas a revelar material e espacialmente os antagonismos econômico-sociais de que
é portadora a ordem burguesa. Na verdade, a meu ver, as pesquisas de Engels, de forma
pioneira, descrevem e analisam um padrão geral de constituição do urbano que, desde
então, variará em escala e formas de manifestação, mas não na sua lógica de elucidação.
Certamente, na procura das mediações da complexa relação entre o movimento da
produção e as esferas político-culturais e institucionais da reprodução, Engels desvelou
as razões contingentes - ocorrências repetidas de cólera, tifo, bexiga e outras epidemias,
enfim o hostil meio urbano - que levaram a burguesia britânica, nos balizamentos da
questão social em curso, à produção de representações, iniciativas e formas embrionárias
de saúde pública, do urbanismo e de políticas urbanas.
22

Sigo então Lojkine (1981) quando observa que a aglomeração dos meios de
produção do capital em territórios providos de condições gerais da produção (meios de
comunicação e transporte, equipamentos e serviços coletivos - meios de reprodução da
força de trabalho), cria efeitos úteis que valorizam esses espaços, apropriados também
pelos empreendedores capitalistas. Lastreado numa longa cadeia de relações entre as
condições gerais da produção e a aglomeração urbana este autor propõe que as formas
de urbanização são antes de tudo manifestações da divisão social (e territorial) do
trabalho, situadas no centro da contradição entre as exigências do progresso técnico e as
leis de acumulação do capital8.
Lojkine (1981), ao investigar certas formas históricas da relação entre políticas
urbanas, clivagens de classe e a distribuição desigual dos equipamentos sociais urbanos
demarca três modalidades de segregação: uma primeira no âmbito da habitação, uma
segunda no plano dos equipamentos coletivos urbanos e uma terceira na esfera do
transporte coletivo domicílio-trabalho. Os ideais de funcionalidade e eficiência próprios à
execução do moderno na cidade são aqui rompidos. Configurações materiais e relações
políticas e culturais pertinentes à produção ou reversão dessas modalidades de
segregação, de modo inconteste, encarnam e manifestam as contradições, as fraturas e
os desafios da cidade do capital.
Para avançar na discussão sobre determinados arranjos e relações sócio-espaciais
urbanos sigo ainda Topalov (1984). Este autor, ao analisar as relações propriedade
fundiária/efeitos úteis/valorização do capital, compreende os efeitos úteis da aglomeração
capitalista como um processo que ocorre nas cidades, nos sistemas de intercidades e nas
grandes regiões econômicas, sendo, assim, a fixação e transformação dos sobrelucros
localizados, incorporados na ação de valorização de um capital numa atividade e numa
certa área territorial.

8 Referenciado nas transformações nos campos da informática e robótica, bem como nas modalidades de comunicação
e gerenciamento da informação, Lojkine (1995) formula a tese da existência da revolução informacional: a existência de
novos nexos entre produção material, saberes e habilidades, homens e máquinas informacionais, (re) situando a
aglomeração urbana (material e humana) como um dos elementos do complexo de forças produtivas. Para Lojkine
(1995, p. 308-9) a revolução informacional teria superado a divisão marcante entre a produção e os serviços, entre o
espaço da fábrica e da cidade. Diz ele: “[...] A revolução informacional coloca no primeiro plano as potencialidades e a
exigência de superação desta divisão - as redes teleinformáticas e os bancos de dados setoriais já inscrevem nos fatos
[...] uma estreita interconexão entre produção e serviços, espaço profissional e espaço residencial, empresas,
laboratórios e coletividades territoriais”.
23

A construção de rodovias, aeroportos, portos e terminais rodoviários, túneis e


viadutos, postos de combustíveis, condomínios residenciais, áreas de lazer ou qualquer
outro equipamento coletivo, serve de suporte material aos modos através do quais a
urbanização enlaça, progressivamente, a totalidade da vida social. A implantação de
infraestrutura física nas regiões mais atrasadas as arrasta de uma forma ou de outra, para
o movimento de valorização do capital, particularmente do imobiliário. A concentração
desses empreendimentos privilegia exatas áreas da cidade resultando em alteração das
rendas fundiárias referentes à utilização do solo.
Acontece como tratado por Marx (1998b), que os processos de cooperação e
socialização ocorridos na fábrica se operam também, e com uma particularidade
diferenciada, nos demais espaços da sociedade, inclusive, fazendo a divisão social do
trabalho se reproduzir na divisão territorial, contribuindo para a reprodução ampliada do
capital e a reprodução social, na medida em que o espaço no qual o trabalho se estende
é aumentado no desenvolvimento da escala da produção. Os espaços entrelaçam suas
particularidades numa condensação, onde nada é por si, senão com todos os outros. Daí
poder se tratar o território citadino - espaço de aglomeração dos meios de reprodução do
capital e do trabalho, e em como antecedente, as condições gerais da produção social -
como força social produtiva. Parte mundo natural (a terra), parte produto do trabalho
social e seus efeitos úteis da aglomeração, processo constitutivo, na sua lógica
contraditória da cidade e da questão urbana, e no seu âmbito, de territórios segregados.
Por tudo isto, a ênfase da argumentação da tese que exponho é dada às
dimensões que exigem ou revertem relações capitalistas de domínio, uso e controle da
terra urbana e da cidade. Mais precisamente: as disputas decorrentes da oposição entre
‘valor de uso’ e ‘valor de troca’ no campo da produção imobiliária e do acesso à moradia
urbana. O conflito violento entre esses valores, que contém, associa ou opõe interesses
do capital, do proprietário fundiário e da população urbana sem moradia, efetiva-se, na
atualidade, sob a égide do capital de incorporação. Uma forma particular de capital que
possui a capacidade de articular quatro circuitos de valorização: o industrial (atividade
construtiva), o comercial (venda dos imóveis), o bancário (financiamentos à construção e
comercialização dos imóveis) e o de serviços (elaboração/ efetivação de projetos).
24

É preciso ainda fazer mais um realce. Na cidade, particularmente na concentração


produtiva metropolitana - hoje considerada por alguns estudiosos como o lugar por
excelência do trabalho imaterial9 -, veem sendo esboçadas inovações em relação a
dinâmicas produtivas e espaciais mais antigas, à medida que reagindo sobre elas e
comandadas por novas determinações redistribuem-nas de modo diferente, atribuindo-
lhes outros conteúdos, extensões e efeitos. Ao assim faze-lo, encontram e produzem
suportes, vantagens agregadas, criando originais objetos, nichos de exploração, impondo-
se, mesmo que de forma contraditória, como determinações do capital, da potência do
conflito entre este e o trabalho e um modo peculiar de realização da experiência do
espaço e do tempo10.
De fato, sob a influência da difusão territorial das atividades produtivas assegurada
pela deslocalização de capitais e pela difusão social do trabalho, a cidade, lócus por
excelência do processo imediato e ampliado de produção, se diversifica. Tal difusão é
aqui abordada nos balizamentos dos estudos efetivados por Mandel (1982), Lojkine
(1995) e Cocco (2000). A despeito das peculiaridades e mesmo oposição entre os
fundamentos das análises de cada um desses autores, é possível a partir delas apreender
e demarcar a existência de efeitos renovados decorrentes do alargamento da divisão
social e técnica do trabalho, o qual se faz caracterizar por uma crescente socialização do
trabalho, inclusive, para os dois últimos autores, aproximando o trabalho produtivo e
improdutivo, como também diferentes ciclos de metamorfose do capital, ou seja,
produção, serviços e consumo.

9 A esse respeito do trabalho imaterial Lazzarato (1993, p.114-15) diz que: “O trabalho imaterial se encontra na fusão
(ele é a interface) dessa nova relação produção-consumo. É o trabalho imaterial que ativa e organiza a relação
produção-consumo. A ativação da cooperação produtiva, assim como da relação social com o consumidor, é
materializada no e para o processo de comunicação. É o trabalho imaterial que inova continuamente a forma e as
condições da comunicação (e, portanto, do trabalho e do consumo). Ele materializa necessidades, imaginários, gostos.
A particularidade da mercadoria produzida pelo trabalho imaterial (seu valor de uso sendo essencialmente seu conteúdo
informacional e cultural) consiste no fato de que ela não se destrói no ato do consumo, mas sim se expande,
transforma-se e cria o ambiente ideológico e cultural do consumidor. O trabalho imaterial produzindo ao mesmo tempo
subjetividade e valor econômico demonstra como a produção capitalista tem invadido toda à vida, rompendo todas as
oposições entre economia, poder e conhecimento”.
10 Harvey (1992, p. 257) argumenta que, se é verdade que uma primeira grande mudança na experiência do espaço e

do tempo articula-se com a configuração do modernismo e com seus confusos vagares de um lado para o outro da
relação espácio-temporal vale explorar a proposição de que o pós-modernismo é alguma espécie de resposta a um
novo conjunto de experiências do espaço e do tempo, uma nova rodada da compressão espaço-tempo. Então ele diz:
“Como os usos e significados do espaço e do tempo mudaram com a transição do fordismo para a acumulação flexível?
Desejo sugerir que temos vivido nas duas últimas décadas uma intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem
tido um impacto desorientador e disrupitivo sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe,
bem como sobre a vida social e cultural.”
25

A atualidade da reflexão de Mandel (1982) se afirma quando este autor enfatiza a


tendência crescente da expansão e açambarcamento do setor de serviços pelo capital. Ele
observa: enquanto o capital era relativamente escasso concentrava-se na produção direta
da mais-valia. O capital para reverter à tendência da queda da taxa de lucros, própria a
superacumulação, penetra em áreas não produtivas, afirmando a capacidade do capital de
transformar em mercadorias os “serviços sociais e culturais11”, e, em conseqüência, dá-se
o aumento da massa de mais-valia.
Na perspectiva de Lojkine (1995), a revolução informacional vem contribuindo para
alterações substantivas nas condições e relações de trabalho cada vez mais expandidas
para o conjunto da vida social e cultural. Determinações materiais fazem crescer os efeitos
úteis da aglomeração capitalista, transformando e mobilizando os territórios, agora dotados
de condições que potencializam seus efeitos produtivos. Tais condições, mediadas pela
forma como as sociedades nacionais se inserem na divisão internacional do trabalho,
estão relacionadas ao desenvolvimento das chamadas NTIC, que vêm alterando o
processo produtivo, tanto no aspecto do próprio trabalho, quanto da gestão empresarial.
Cocco (2000, p.86), na análise do chamado pós-fordismo, destaca a emergência de
atividades imateriais de coordenação e inovação e gestão que, na sua ótica, requalificam a
própria forma-empresa. Novos fatores estratégicos emergem: atividades imateriais de
pesquisa e desenvolvimento da comunicação e do marketing, do design e da formação. Na
visão do autor, a centralidade dessas competências não se funda unicamente na
reorganização dos processos de trabalho, mas, sobretudo, no fato de que elas permitem
viabilizar a integração destes com as dinâmicas de consumo.
Então, de um território produtivo, antes fortemente vinculado ao trabalho fabril,
dimensões e fases da produção e circulação da riqueza social se espalham para o
território urbano, alcançando os espaços residenciais, e criando pólos de atividades
produtivas e, concomitante, de moradia. Configura-se novo tipo de complexidade sócio-
espacial urbana. Move-lhe um conjunto de forças produtoras de processos territorializados
de vantagens sócio-espaciais.

11“[...] a lógica do capitalismo tardio consiste em converter, necessariamente, o capital ocioso em capital produtivo ou,
em outras palavras, em substituir serviços, por mercadorias: serviços de transporte por automóveis particulares;
serviços de teatro e cinema por aparelhos privados de televisão; amanhã, programas de televisão e instrução
educacional por videocassetes” (MANDEL, 1982, p. 285).
26

Nos interstícios dessas forças, modelos de políticas estatais se debatem entre um


papel essencialmente controlador e normativo, validando e completando as regras
impostas pelo mercado e outro papel que, (re) organizando os modos de gestão da cidade
buscam avançar na concretização do direito à cidade. Incidem nessa dinâmica as lutas
sociais em torno da garantia de meios à reprodução material e subjetiva de certas frações
da classe trabalhadora urbana, amplia os usos públicos da cidade, a função social da
propriedade e a democratização das políticas públicas urbanas e da gestão do território.
As forças sociais e as contradições espaço-temporal encarnadas nesses processos
políticos não hesitam em se complementar, mesmo que de forma contraditória, uma
precedendo a outra, e logo, o inverso produzindo e/ou alterando configurações sócio-
espaciais que envolvem a terra urbana em ondas de (re) atualização do seu valor de
mercado. São ondas nas quais disputas territoriais geram ou renovam a primazia dos
interesses privados quanto à apropriação, parcelamento e uso da terra e quanto ao
usufruto da cidade, bem como contribuem para a configuração de singulares relações
entre a dinâmica imobiliária, a estruturação urbana e formas segregadas de moradia.
O parcelamento do solo urbano em unidades imobiliárias autônomas 12, apropriadas
privadamente e de maneira independente umas das outras, se materializa mediante o
entrelaçamento de modos de apropriação e usos privados e, de forma subordinada, modos
de apropriação e usos públicos. Uns mais públicos do que outros. Cresce, por exemplo,
sob a forte mediação das ações de privatização e terceirização em curso no âmbito da
reforma do Estado brasileiro, o número de avenidas ou estradas com gestão privada. Isto
limita ou impede a mobilidade e o acesso indistinto a toda a população, ao exigir para a
circulação o pagamento de pedágios ou identificação para circular em dadas ruas ou
espaços da cidade. Ressalta-se também que diversos equipamentos e serviços coletivos
estão submetidos à lógica mercantil ou são viabilizados por mecanismos estatais de
regulação, controle e gestão urbana. Como já observado, os registros de propriedade
privada, a racionalização da administração do território urbano e as políticas públicas
voltadas para viabilizar o direito à cidade interagem, necessariamente, com as dinâmicas
econômicas e político-culturais que são contemporâneas a essa apropriação e usos.

12Terrenos que, obedecendo a uma legislação específica do parcelamento de um determinado território, apresentam-se
em tamanhos diferenciados e destinados, de acordo com sua posição no traçado urbano, a usos também distintos, no
preenchimento de funções econômicas e/ou sociais.
27

No Brasil, a permanência e os redimensionamentos dos litígios envolvendo terras


urbanas impõem a determinadas frações de classe graves impedimentos no acesso à
moradia - cuja realização depende da condição fundiária - e aos meios de consumo
coletivos (equipamentos e serviços coletivos urbanos). Tudo isso na dramaticidade
resultante dos embates na disputa pela terra, quando interesses mercantis e o sistema
proprietário consagram-se vencedores, tendo como aliados agentes estatais, a legalidade
urbana e os agentes que realizam intermediações no mercado de terras.
Todavia, como a dinâmica de dominação e resistência se constrói sobre
experiências que extrapolam as relações, lutas e conflitos efetivados no espaço do
trabalho, é preciso reconhecer outros embates na cena política urbana contemporânea.
Dá-se que, em muitas cidades brasileiras, lutas sociais pela moradia (nas quais se destaca
a modalidade de ocupação de vazios urbanos) vêm forçando deslocamentos nas
concepções e práticas jurídicas, nelas inscrevendo a força do argumento do valor de uso
da habitação, ou seja, critérios não mercantis de relações sociais. Na contestação do
(tornado quase sagrado) direito da propriedade privada da terra demandam-se novos
estatutos de legalidade para a posse e uso dos terrenos urbanos.
Relevo aqui à estratégia de remeter as disputas sobre o reconhecimento da
legitimidade do direito reclamado ao Poder Judiciário. Gonh (1991) pondera que, nos
últimos anos da década de 1980, mobilizações organizadas canalizaram-se para o plano
legal institucional, ocorrendo a juridicização da sociedade organizada. Bidarra (2000),
analisando trajetórias e desenlaces de ocupações urbanas, diz que a linguagem dos
direitos foi um poderoso instrumento de barganha política na luta pela igualdade no
âmbito do Judiciário, espaço reconhecido para dirimir as dúvidas quanto a quem tem
direito a essa igualdade e porque a tem. Na trajetória da técnica jurídico-processual abriu-
se, então, mediante mandados impetrados por movimentos sociais reivindicando soluções
coletivas, a possibilidade de questionamento da individualização dos conflitos (LOPES,
1990). Numa sociedade onde, predominantemente, o controle social se fez pelas classes,
grupos e coalizações dominantes e dirigentes, e onde ressurgiu, após período ditatorial, a
perspectiva de o Estado reconhecer demandas sociais legítimas, é proveitoso realçar
certas experiências políticas articuladas em torno da Constituinte de 1988 e a expressiva
dimensão assumida pelos governos locais na cena política.
28

Trata-se do momento no qual, de modo mais incisivo, a problemática urbana, o


direito à cidade e o enquadramento territorial da ação pública se fazem presente na
agenda pública do Brasil13. A tendência de municipalização das políticas sociais, a
descentralização fiscal e administrativa, a participação democrática e popular (orçamento
participativo, conselhos municipais, audiências públicas, plebiscitos, referendo popular,
etc.) contribuíram para situar os obstáculos no acesso a terra urbanizada, os modos
precários e segregados de moradia, os déficits de cobertura de saneamento ambiental e a
violência como algumas das expressões da questão urbana e gestão pública das cidades
brasileiras: regiões metropolitanas e cidades grandes, médias e pequenas.
Considerem-se também, apesar dos limites históricos próprios aos mecanismos
democráticos de regulação do capital, as sucessivas vitórias nas eleições municipais por
coalizões políticas consideradas de esquerda ou centro-esquerda14, dentre as quais se
destacam as administrações petistas15. Também se ponderem sobre a combinação de
mecanismos da democracia representativa com formas democráticas diretas de
participação que vêm contribuindo para que municípios e governos locais se constituam
em espaços políticos e institucionais importantes quanto à incorporação de propósitos
sociais e critérios democráticos na condução de políticas urbanas e na gestão da cidade.

13 No Brasil, no final da década de 1970, emergiu o Movimento pela Reforma Urbana a partir de iniciativas de setores da
igreja católica, como a CPT. A intenção primeira era a de unificar as diversas lutas sociais urbanas presentes no Brasil.
O processo constituinte, em curso ao longo da década de 1980, e a apresentação de emenda popular subscrita no
mínimo por 30.000 eleitores reforçam a mobilização e a organização em torno da Reforma Urbana. A FNE, a ANSUR, a
Coordenação Nacional dos Mutuários, o MDF e o IAB encorpam as lutas sociais em torno da emenda popular (entregue
no Congresso Nacional com 160.000 assinaturas) que define como objetivos para a Reforma Urbana: (1) Quanto à
propriedade imobiliária urbana: instrumentos de regularização de áreas ocupadas. Captação de valorização imobiliária.
Aplicação da função social da propriedade. Proteções urbanísticas, ambientais e culturais; (2) Quanto à política
habitacional: programas públicos habitacionais com finalidade social. Aluguel ou prestação da casa própria proporcional
à renda familiar. Agência nacional e descentralização na gestão do serviço; (3) Quanto aos transportes e serviços
públicos: natureza pública dos serviços sem lucros, com subsídios. Reajustes das tarifas proporcionais aos reajustes
salariais. Participação dos trabalhadores na gestão do serviço; (4) Quanto à gestão democrática da cidade: conselhos
democráticos, audiências públicas, plebiscitos, referendo popular, iniciativa legislativa e veto às propostas do legislativo.
14 Rauta & Barbosa, (1999, p. 2) discutindo gestão de políticas urbanas e mecanismos de democracia direta observam:

"Existem no Brasil algumas experiência inovadoras de políticas urbanas implementadas por partidos de esquerda, ou de
coalização de centro-esqueda, em cujas plataformas está a adoção de novos critérios de gestão, visando reverter o
quadro de desigualdade reinante no país. Essas forças, embora em pequeno número de municipalidades, vêm
realizando de fato alterações importantes na reorientação de políticas representadas nos governos estadual e federal,
dos quais procede a parte significativa dos recursos que financiam tais políticas"
15 Administrações petistas propuseram estratégias de participação inovadoras, a exemplo do orçamento participativo

(OP). O OP mais que um mecanismo de administração integra as 21 teses para a criação de uma política democrática e
socialista propostas em 1996 por Tarso Genro, então prefeito de Porto Alegre: “O elemento central do poder público é a
peça orçamentária e a sua construção democrática e participativa, ‘via’ uma esfera pública não-estatal, legitimada por
contrato político a partir do governo; e esta construção traduz o momento mais importante de uma co-gestão estatal e
pública não-estatal; estimuladora de consensos majoritários a partir de uma diretriz política irrenunciável: os interesses
‘subalternos’ tendem a se tornar os interesses dominantes e a cidade não pode ser mais uma cidade para poucos, mas
uma cidade para todos” (Jornal Folha de São Paulo de 9 de junho de 1996, Caderno 5, p.3)
29

Há que se enfatizar ainda: Na proposição de discursos sobre a vida e a gestão


urbana, a máquina tagarela do Estado brasileiro tem sido pródiga. Afinal, o jogo
democrático exige discursos e regras institucionais que se articulam a aspectos
particulares da reforma desse Estado e do enquadramento territorial da ação pública.
Dou destaque, nesse quadrante, ao Capítulo II da CFB de 198816, aos estudos e
subsídios à elaboração da Agenda 21 Brasileira, as Conferências da Cidade e ao Estatuto
da Cidade (2001). São discursos que, referenciados na particularidade brasileira, definem
arranjos políticos e institucional-legais, intentando a conciliação entre interesses privado-
mercantis e públicos na constituição das cidades. Sancionam as descentralizações legal,
fiscal e administrativa e criam institutos jurídicos de gestão municipal. Fazem remissão à
função social da cidade e da propriedade. Ocupam-se com a sustentabilidade das
cidades17 apontando para um capitalismo ambientalmente reformado e a justiça
ambiental. Afirmam a ordem ideal e legal apoiando-se no monopólio estatal da justiça e
na suposta objetividade da Lei. Respaldam, então, intervenções estatais em questões de
ordem social, política, judiciária, fiscal, fundiária, urbanística e ambiental nas cidades.
Se junta a tudo isto, uma tendência particular de planejamento - o planejamento
estratégico de cidades - esboçada internacionalmente para preparar às cidades a
responderem a objetivos como nova base econômica, infraestrutura urbana, qualidade de
vida, integração social e governabilidade. Essa modalidade de planejamento e gestão
também envolve a vida urbana prescrevendo minuciosas pautas para governos locais e a
vida nas/das cidades.

16 República Federativa do Brasil, Constituição, 1988, Título VII, Capítulo II - Da Política Urbana. Art. 182. A política do
desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 1 -
O plano diretor aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 2 - A propriedade urbana cumpre sua função
social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. 3 - As
desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia indenização em dinheiro. 4 - É facultado ao Poder Público
municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre propriedade predial e territorial
urbana progressiva no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública.
17 De acordo com Acselrad (2001) a aplicação da noção de sustentabilidade ao debate sobre o desenvolvimento das

cidades exprime um duplo movimento. Por um lado, certo número de atores sociais da cidade passa a incorporar a
temática do meio ambiente, sob o argumento da substancial concentração populacional nas metrópoles, da eclosão de
conflitos entre processos de ocupação urbana e o funcionamento das redes de abastecimento de água, entre a
configuração dos sistemas de transporte e a qualidade do ar, entre outros. Por outro lado, a própria carteira ambiental
dos projetos de agências multilaterais de desenvolvimento como o Banco Mundial, apresenta uma trajetória de
urbanização crescente: o aporte destas agências ao financiamento da infra-estrutura das cidades passa a orientar-se
pelo critério do que se entende por melhoria da “qualidade ambiental da vida urbana”.
30

A questão é: nos modos de apropriação e usos do espaço urbano se vislumbra algo


grande e complexo demais para ser explicado, ultrapassado, superado. A terra,
originalmente um bem natural, produto não mercantil, adquiriu valor de troca com a
incorporação de trabalho social, atingindo patamares cada vez mais elevados, dados os
investimentos públicos nela contidos historicamente. Muitos anos de trabalho social e o
desenvolvimento do papel da cidade de economia de aglomeração foram necessários
para tornar a terra um produto urbano, com valor de troca.
Na realidade, a terra exerce larga e funda determinação nas bases materiais da
produção e nas dinâmicas políticas e culturais da reprodução social. Afinal, até o presente
momento histórico, toda sociedade - pastoril ou a base de caça, estruturada em sistemas
de exploração agrária, assim como organizada em unidades manufatureiras ou industriais
de produção, como também em um todo industrial-informacional complexo, ou ainda
aquela apoiada numa rede de setores, onde há uma abertura, cada vez maior, para a
produção imaterial e o capital financeiro ocupa o lugar mais dinâmico da economia - tem
uma localização espaço-temporal, transformada em território, como base material dos
processos de produção e reprodução social.
Contraditoriamente, a terra urbana, esse bem coletivo que encerra efeitos úteis da
aglomeração e carrega potencialmente valor de uso extensivo a todos os homens, é
apropriado privadamente, segundo a lógica do valor de troca, isto é, do jogo dos
interesses privados que buscam maximizar o retorno da terra sob seu controle 18. A terra
ultrapassando seu caráter de valor de uso, como produto urbano se apresenta no
mercado. Algumas terras mais valorizadas, outras menos ou quase sem valor, em
decorrência do maior ou menor, grau de incorporação dos efeitos úteis formam e
encorpam o mercado de terras. As terras sem valor, ou de valor reduzido, têm se
constituído a alternativa de residência para as frações de menor poder aquisitivo das
classes trabalhadoras urbanas.

18 Harvey (1980, p.135) escreve no texto A justiça social e a cidade: “O solo e suas benfeitorias são, na economia
capitalista contemporânea, mercadorias. Mas, o solo e as benfeitorias não são mercadorias quaisquer: assim, os
conceitos de valor de uso e valor de troca assumem significado em uma situação mais do que especial. O solo e as
benfeitorias não podem deslocar-se livremente, e isso os diferencia de outras mercadorias, tais como trigo, automóvel e
similar. O solo e as benfeitorias têm localização fixa. A localização absoluta confere privilégios de monopólio à pessoa
que tem o direito de determinar o uso nessa localização. O solo e as benfeitorias são mercadorias das quais nenhum
indivíduo pode dispensar. Não posso existir sem ocupar um espaço; não posso trabalhar sem ocupar um lugar e fazer
uso de objetos materiais aí localizados; e não posso viver sem moradia de alguma espécie. È impossível existir sem
alguma quantidade dessas mercadorias”.
31

No entanto, na cidade, a terra nunca é totalmente sem valor, porque de uma


maneira ou de outra, tem sempre incorporado, em estágio maior ou menor, algum efeito
útil associado ao grau de aglomeração espacial dos meios de produção e reprodução
social, ou seja, dos meios de reprodução do capital e da força de trabalho. Na produção
do espaço urbano comparecem, de um lado, atores mais ou menos importantes na
qualidade de empreendedores urbanos, e de outro, os diversos setores demandantes
desta mercadoria, desde as frações mais elevadas da burguesia, passando pelas
camadas médias, indo até os mais vulneráveis, do ponto de vista econômico e político, das
classes trabalhadoras urbanas.
Então, o mercado de terras e de outros imobiliários urbanos, sob o capitalismo, é
sempre segmentado, estabelecendo faixas de imóveis para as classes sociais em suas
diferentes frações e em seus distintos níveis de poder aquisitivo, interesses estéticos e de
distinção social. Em face da lucratividade do capital, particularmente do capital imobiliário,
se definem intermináveis processos de construção, destruição, reconstrução, restauração,
revitalização, que mudam a escala, a velocidade, as estratégias e os mecanismos de
valorização imobiliária, incluindo-se aí as propostas público-estatais e privadas de
revalorização, por exemplo, de áreas urbanas centrais e sítios históricos.
Incidem nesses processos, de modo geral, a posição ocupada pela cidade no
processo ampliado da produção capitalista, os efeitos da divisão e socialização do trabalho
sobre as condições locais e o estágio alcançado pela contradição entre a produção social
da cidade e sua apropriação privada. Sobre os usos e disputas da cidade sobrevém então
o incandescente mundo da política (que revela o estágio das lutas de classes, expresso no
interior do Estado e no âmbito de outros processos organizativos na sociedade civil), onde
ideais liberais, social-democráticos ou democrático-revolucionários, elegendo seus
respectivos desafios, convicções e ações, se sucedem ou se embatem na experiência
sócio-histórica. Fortemente articulados à esfera da ação política, sobre os usos e disputas
das terras urbanas repercutem também saberes, tecnologias e modelos de planejamento
atinentes aos âmbitos do urbanismo, arquitetura, planejamento e administração urbana,
dimensões vinculadas de algum modo ao movimento contraditório da prática social, da
propriedade fundiária e imobiliária, da cultura urbana e aos institutos político-jurídicos de
gestão territorial e patrimonial.
32

Nas dinâmicas sócio-espaciais próprias à cidade do capital nas quais se


materializam a valorização fundiária e a acumulação imobiliária, os modos precários e
segregados de moradia, os impasses para a racionalização e a democratização no uso da
terra e as lutas sociais por moradia (processos localizados nas cidades, mas com
determinações gerais além de suas fronteiras) o Estado, de modo geral, dispõe:
• de instrumentos necessários (econômico-financeiros e ação reguladora) à
instalação das condições gerais da produção capitalista: infra-estruturas,
meios de comunicação e transporte, condições hoje revolucionadas pelo
desenvolvimento eletrônico-informacional, condição fundamental para a
circulação imediata não apenas financeira como de outras informações que
medeiam a produção, a troca e o consumo, assim como as relações entre
espaço econômico e espaço territorial, na sociedade contemporânea;
• da prerrogativa no estabelecimento de leis, tornando a terra disponível para
empreendedores capitalistas, seja concedendo-as (através de diferentes
modalidades, inclusive de aforamento), no caso delas se constituírem em
bens públicos, quase sempre desalojando certas frações da classe
trabalhadora, ou ainda estabelecendo parâmetros para troca, aluguel ou
arrendamento, processos requeridos à metamorfose de seu uso visando à
implantação de indústrias, unidades comerciais, bancárias ou de serviços;
• da possibilidade política de avançar na definição de um novo perfil de
políticas públicas e na gestão democrática da cidade, ampliando, para os
segmentos populares de trabalhadores urbanos, a apropriação e o usufruto
dos bens e benefícios urbanos produzidos socialmente e diminuindo os
índices de dissimilaridade nos modos de morar e viver nas cidades;
• do arsenal político-jurídico e do aparelhamento repressivo, que
complementa o primeiro, para garantir, por exemplo, ações de reintegração
de posse de proprietários ou pretensos proprietários, retirando obstáculos
que impedem o uso capitalista da terra, a efetivação de outras lógicas de
organização sócio-espacial urbana e / ou a afirmação do cânone da
propriedade privada.
33

Há que se pensar, portanto, no lugar ocupado pelo Estado como agente principal
da distribuição social e espacial dos equipamentos urbanos para as diferentes frações de
classe e, em consequência, na transformação da distribuição social da terra e desses
equipamentos entre os setores populares, sabendo-se que tal distribuição manifesta
contradições e lutas sociais geradas na produção e disputas dos valores de uso
urbanos19. Assim, a despeito da atual crise do capital e reforma do Estado que
hierarquizam o Estado-nação no exercício do controle da relação capital/trabalho,
moedas, déficit fiscal, fronteiras e territórios, bem como da crescente presença do capital
na gestão dos meios de transporte e dos equipamentos e serviços coletivos urbanos (via
privatização ou terceirização dos serviços públicos), o direito intervencionista do Estado
na constituição do urbano (LOJKINE, 1981) - permanece, a meu ver, fundamental.
Tal prerrogativa se materializa sobremaneira em duas dimensões: (1) intervenção
jurídica sobre as relações de produção, ao definir as condições (leis urbanas) nas quais
os diferentes agentes podem apropriar-se do direito do solo e quanto ao uso que a ele
pode ser destinado; (2) formulação e efetivação de políticas públicas considerando três
questões que afetam a relação das populações urbanas com o território: a moradia, o
saneamento básico (água, esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e
as questões do transporte da população (mobilidade e trânsito).
Importante: o privilégio que adjudico a esse direito intervencionista não significa
atribuir à esfera estatal plena autonomia em face do momento econômico e das lutas
sociais. Significa reconhecê-la como uma determinação fundamental que opera no
conjunto da sociedade do capital, como pacto político e como materialidade institucional
(POULANTZAS, 1980). Também, parece não ser inoportuno lembrar que tal privilégio não
encerra nenhuma ilusão quanto à intervenção do Estado comportar a radicalização do uso
público do solo urbano, a promoção da justiça ou até a igualdade social.

19A presença do Estado na produção do espaço para permitir novos usos se encontra nos arquétipos da cidade do
capital. Como exemplo clássico tem-se a reconstrução de Paris, sob o governo do prefeito Haussmann. A implantação
de uma vasta rede de bulevares no coração da antiga cidade medieval integrando um amplo sistema de planejamento
que incluía mercados, pontes, sistema de esgotos, fornecimento de água, rede de parques, a ópera e outros
monumentos culturais - eliminou habitações miseráveis, estimulou a expansão de negócios locais, empregou milhares
de trabalhadores, derrubou centenas de antigas construções, deslocou milhares de pessoas, destruiu bairros inteiros.
Contraditoriamente, a cidade se abria a seus habitantes. A partir de então, teses e estratégias políticas como as ruas
pertencem ao povo e / ou nada de rua, nada de povo foram impelidas para além desse tempo e lugar passando a
acompanhar as metamorfoses da cidade do capital. Cf. a respeito, dentre outros, Berman, 1987.
34

Então, no estudo que realizei mais do que a um aumento ou diminuição do papel do


Estado nas transformações, usos e disputas da terra urbana, são às alterações nas
modalidades de sua intervenção e às estratégias econômicas, políticas e institucionais
que as orienta que procurei ficar atenta. Acontece que, o Brasil integrando o chamado
fordismo periférico20 (imitação dos sistemas de produção em massa dos países centrais,
sem a concomitância do emprego pleno, do qual decorre a extensão universal do Estado
de Bem Estar), experimenta o estágio atual do capitalismo monopolista, chamado por
alguns analistas de regime pós-fordista, de maneira especialmente, problemática. Como
ultrapassar o fordismo, se ele, no Brasil, nunca foi plenamente desenvolvido?
Cocco (1995a), por exemplo, considera que as realidades metropolitanas
brasileiras estão entre as mais importantes do planeta. As suas visíveis contradições e
desigualdades sócio-espaciais não impedem que porções de sua população participem de
maneira ativa em processos de integração mundial. Ao contrário. O pós-fordismo se
desenvolve no Brasil de maneira mais fácil que nas sociedades avançadas. As formas de
segmentação do território e da sociedade características do pós-fordismo não encontram
aqui nenhum obstáculo de peso e já se agregam a uma sociedade fragmentada.
Contemporaneamente, a cidade se constitui de forma disseminada, fragmentada,
multicultural, polinucleada. Ao procurar reproduzir no plano do pensamento a ampliação
dos papéis e a extensão dos tecidos urbanos, algumas teses pós-modernas propõem um
conceito de cidade como algo necessariamente fragmentado, um palimpsesto de formas
passadas superpostas umas às outras, uma colagem de usos correntes, muitos dos quais
efêmeros21. Tal análise sugere que o projeto urbano encontrar-se-ia aberto somente às
histórias locais, desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas
arquitetônicas que podem variar de espaços íntimos e personalizados ao esplendor do
espetáculo, passando pela monumentalidade do tradicional.

20Isso, se utilizarmos como referência da análise a Teoria da Regulação (AGLIETTA, 1979).


21 Referenciando-se no campo da arquitetura, Harvey (1992, p.69) considera o pós-modernismo uma ruptura com a
idéia modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala.
Ou seja, projetados com alcance metropolitano, considerados tecnologicamente racionais e eficientes e ainda
sustentados por uma arquitetura absolutamente despojada (as superfícies funcionalistas austeras do modernismo de
estilo internacional). Enquanto os modernistas vêem o espaço como algo a ser moldado para propósitos sociais e,
portanto, sempre subserviente à construção de um projeto social, os pós-modernistas o vêem como coisa independente
e autônoma a ser moldada segundo objetivos e princípios, estéticos que não têm necessariamente nenhuma relação
com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecução da intemporalidade e da beleza desinteressada
como fins em si mesmos.
35

A impossibilidade da reprodução de projetos urbanísticos amplos (apreendido como


fruto da utopia da sociedade e modernidade racionalista) decorre, ainda, segundo os pós-
modernos, dentre outras dimensões: a) de um corpo social diluído na especificidade de
etnias e culturas; b) da diferenciação cidade-campo diluída espacialmente.
No entanto, pelo exposto mais acima, fica claro que os territórios segregados da
cidade formam um domínio (em suas diversas conotações): (1) região, setor da cidade; (2)
campo de estudo; (3) território dominado ou subdomínio, ambos portadores de um
conjunto mais amplo de relações históricas que lhes determina a existência, as
configurações e as mutações. Entendo, assim, como propõe Ramos (1999) que a
segregação sócio-espacial e seus efeitos na vida das populações, somente podem ser
explicados a partir das relações de produção e das estruturas das classes sociais. Ou seja,
ela é resultante das relações capitalistas, ao produzir, com base no direito da propriedade
privada, um acesso desigual aos meios de produção, circulação e troca da riqueza social
e, conseqüentemente, aos meios de consumo coletivos urbanos, dentre eles a moradia.
Na pesquisa das relações mais visíveis entre a constituição do urbano, disputas
territoriais e dinâmicas de segregação e na formulação da tese que ora exponho, tomei
como referência empírica uma cidade brasileira que se mostra prenhe de movimentos,
formas e contradições mediante as quais o território urbano lida com determinantes
históricos e conjunturais de sua morfologia espacial, arquitetônica e urbana e suas
configurações produtivas e político-culturais. A cidade é São Luís do Maranhão, espaço
urbano tão antigo quanto à colonização da América portuguesa, mas, espaço
permanentemente, arrastado na direção de novas relações, configurações, espoliações,
mutações. Estas, por sua vez, não cessam de exigir, promover, ampliar ou manifestar
desigualdades sociais, disputas territoriais e formas de segregação sócio-espacial.
Na abordagem da São Luís colonial levo em consideração a linha analítica proposta
por Oliveira (1984) que se contrapõe à tendência de associar-se o início da urbanização
brasileira à industrialização acelerada a partir dos anos 1930. De fato, a industrialização
redefine a cidade. Esta passa a ser sede do novo aparato produtivo que é a indústria,
transformação da base econômica que se faz acompanhar de importantes deslocamentos
de população, particularmente das áreas rurais para as urbanas.
36

Tal determinação transforma os núcleos urbanos pré-existentes, é certo. Todavia,


desde o Brasil colônia até aproximadamente 1920, várias cidades, dentre elas São Luís,
eram sede do capital comercial que, controlando a produção agro-exportadora de bens
primários integravam essas cidades e seus portos na circulação internacional de
mercadorias. Esse é o caráter tomado pela urbanização antes da fase que Fernandes
(1976) definiu como sendo a de formação e expansão do capitalismo competitivo.
Ainda mais: em São Luís antigas relações políticas e citadinas têm sua maneira de
não desaparecer, pois submetidas às exigências de renovação, substituição ou mutação,
dão à cidade uma história. Nesta, lugares e formas arquitetônicas, práticas de dominação
e exploração, processos de trabalho e iniciativas de resistência de seus moradores,
dinâmicas de integração e segregação, o poder local e ações do governo municipal se
conservam, ao mesmo passo que se alteram no tempo. Ou seja, tendo em vista a
urbanização e suas determinações, nessa cidade radica-se toda uma série histórica de
dados reveladores dos processos através dos quais as forças produtivas, as relações
sociais, as superestruturas (políticas, culturais e jurídicas) e as configurações urbanas não
avançam igualmente, simultâneas, no mesmo tempo histórico.
Os antigos solares dos senhores, com suas sacadas e mirantes, que permanecem
até hoje no desenho arquitetural da cidade, e o poder discricionário do grupo político
oligárquico que, após a década de 1960, passou a controlar o Maranhão, não consentem
morrer traços vitais do período colonial e certas facetas do regime imperial. Não deixa de
ser a cidade crescida a partir de projetos industriais carregados de contradições no
processo dito desenvolvimentista, a exemplo do chamado Grande Projeto Carajás, cuja
principal herança é a de ter reforçado a migração campo-cidade e o crescimento urbano
com graves patamares de desigualdade social e de segregação espacial.
Juntam-se a essas condições sócio-urbanas relações decorrentes de medidas de
reestruturação produtiva. Dentre estas se sobressaem legislações e empreendimentos
ligados ao turismo cultural e à revitalização dos antigos centros. Uma profusão de torres
verticais, expressões tardias da verticalidade das grandes cidades no Brasil, também
compõe a atual metamorfose verificada em São Luis. Tal dinâmica ao se manifestar
espacialmente sedimenta a existência da área central, onde se localiza a cidade antiga, e
outra (o outro lado do Rio Anil) aonde se constrói a chamada nova e moderna cidade.
37

De fato, tendo como mediação a frenética estetização mundial de antigos centros


urbanos (a partir de projetos de revitalização de áreas urbanas centrais e sítios históricos,
em pleno ciclo expansivo) e do urbanismo de resultados22, a velha cidade de São Luís, a
cidade dos azulejos, tornada pela UNESCO Patrimônio histórico e cultural da humanidade,
vem apresentando tendências de transformar-se em mais uma cidade-mercadoria23. Na
busca de produção de uma (nova) imagem para a cidade, são capturados e ampliados
aspectos relacionados à construção da identidade cultural e a instituição de imaginários
sociais sobre o Maranhão24.
Mas, ao largo dos atos que integram a cidade espetáculo (que vai muito além de
práticas discursivas, cenográficas ou imagéticas) como o renovado visual do patrimônio
arquitetônico, das festas e danças populares; a reinvenção das tradições, lendas, contos e
relatos fantásticos; a culinária; o artesanato; a natureza, na atual morfologia urbana de São
Luís, na sua difusa expansão periférica, áreas distantes do antigo centro, sem uso e não
urbanizadas vêm sendo transformadas para uso diferenciado do capital ou ocupadas
mediante lutas sociais por terra para morar.
A essa altura desta Introdução, é necessário realçar que os dados factuais que uso
na análise, relativos à singularidade espacial e sócio-histórica de São Luís, especialmente
àqueles que comparecem viabilizando as relações entre metamorfoses citadinas,
segregação sócio-espacial e a ação estatal sobre a vida urbana foram investigados como
manifestações particulares da produção do espaço sob o capital e suas contradições
necessárias. Assim, mesmo não podendo abdicar do horizonte local e regional que a
marca, não há como desconsiderar que as metamorfoses experimentadas em São Luís
têm relações com o movimento histórico geral das mutações da cidade capitalista. A
explicação da atual metamorfose citadina, na qual reluz a estetização da velha São Luís,
pode então ter valor heurístico, principalmente, para a análise de cidades que, em iguais
condições, surgiram no quadro da colonização da América portuguesa.

22 Ver, dentre outros, Harvey (1992), Arantes (2000) e Vainer (2000).


23 Sobre tal tendência opera a chamada sociedade do espetáculo das imagens. Nesta dá-se a rendição ao brilho, não
exatamente dos objetos, mas da imagem do objeto forjada com a contribuição da estreita ligação entre mercado
(acumulação do capital), políticas culturais e os meios de comunicação de massa (JAMESON, 1986).
24 Costa (2001), priorizando as noções de decadência e tradição na produção do referencial imagético e discursivo a

partir do qual fala e escreve grande parte dos intelectuais do Maranhão, destaca a imagética construída em torno da
poesia das ruas – triste e comovente, – das velhas cidades coloniais, tema recorrente nos discursos locais, em especial
daqueles dedicados às principais cidades da considerada Idade de Ouro do Maranhão: São Luiz e Alcântara.
38

Do ponto de vista das relações entre movimentos do capital e atividade territorial,


mediadas pela dinâmica regional brasileira, percebo que, para além da oposição entre
decadência / prosperidade / decadência25 e da fantasmagoria (COSTA, 2001) e ainda a
despeito das mistificações presentes no projeto político Maranhão Novo (GONÇALVES,
2000), no decorrer do século XX, o Maranhão, experimentou transformações sócio-
econômicas e políticas com fortes repercussões no processo de constituição do urbano em
São Luís.

De maneira geral, essas transformações socioeconômicas, político-culturais e


sócio-espaciais de grande profundidade dizem respeito, pelo menos à (ao):

• crise e desestruturação do parque fabril têxtil, um dos suportes da economia do


estado do Maranhão até a década de 1940-50, aproximadamente;

• ampliação, no período de 1970-80, da abertura de fronteiras agrícolas26, de


problemas agrários e fundiários no campo (terra de negócio - terra de trabalho), da
migração intra-regional e intra-estadual, especialmente da migração campo-cidade,
tudo isso acentuando as disputas pela terra urbana;

• advento, a partir de 1980, de empreendimentos econômicos materializados em


complexos de exploração e beneficiamento de minérios para exportação (articulados
aos circuitos de produção e os círculos de cooperação da CVRD e às funções
portuárias realizadas nos portos de Itaqui e da Madeira), projetos agrícolas
(produção intensa de grãos, especialmente soja) e pecuários.

• definição de políticas econômicas de tipo cultural e infra-estrutural urbana


materializada em empreendimentos turísticos para o consumo cultural, ao mesmo
passo de alterações na acumulação imobiliária e nos modos de acesso a moradia.

25 Segundo Almeida (1982, p.188), é através da noção de decadência da lavoura que “[...] são esboçadas as visões de
conjunto dos problemas que afetam a vida econômica e social da província. Há uma convergência qualquer que seja o
problema econômico da província que se releve, para o denominado estado decadente da agricultura". Para este autor
as origens dessa noção teriam raízes na noção de prosperidade, forma idealizada de uma suposta idade de ouro da
lavoura da província (fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX). Em conseqüência teria se formado uma
visão cíclica da história do Maranhão, apoiada numa dada periodização: um momento de barbárie quando dos princípios
da colonização portuguesa; um período de prosperidade, com a implantação da grande lavoura assentada no trabalho
escravo e nas políticas de fomento articuladas pelo Marques de Pombal e depois um ciclo de decadência, associado a
crise e fim do regime escravista, por provocar a ruína dos grandes proprietários das lavouras. Nestes termos, a ação
oficial obteria legitimidade na medida em que apontasse caminhos para a retomada da prosperidade perdida.
26 Refiro-me aos processos peculiares à abertura das fronteiras agrícolas do Maranhão. Relevo nesse contexto, a Lei n.

2.979 assinada pelo então governador José Sarney que (re) configurou o mercado formal de terras no Maranhão
facilitando o acesso a terra pelos grandes grupos ligados às atividades da agro-indústria e da pecuária.
39

De fato, a partir de 1970, as alterações na morfologia territorial de São Luís


passaram a guardar estreitas relações com a reposição da propriedade fundiária e da
valorização de imobiliários urbanos em termos diferenciais. Modificações nas condições de
operação do setor construtivo (plano de obras e condições de financiamento) e a
construção de estruturas arquitetônicas luxuosas e singulares27, verdadeiros enclaves
fortificados (CALDEIRA, 2000), geralmente assentados em pedaços litorâneos ou
próximos a eles, com imóveis de alto padrão (a partir de 150 mil dólares) predominam nas
tendências estratégicas da dinâmica imobiliária em curso nessa cidade.

O mar e as dunas. Uma vizinhança paradisíaca num empreendimento de


primeiro mundo: New York e New Jersey Residence. O lugar perfeito para
você e sua família desfrutarem as maravilhas de um novo conceito de
moradia: conciliar a exuberância da natureza com a facilidade e a
praticidade dos grandes condomínios residenciais. São dois edifícios, com
todos os apartamentos voltados para o mar, completa área de lazer e
moderno sistema de segurança. Requinte e sofisticação na região mais
valorizada de São Luís porque você sempre sonhou morar no Primeiro
Mundo. (Encarte publicitário distribuído nos principais jornais da cidade de
São Luís nos meses de novembro e dezembro de 2000).

Em São Luís, regras de mercado, apoiadas em mecanismos político-jurídicos de


gestão territorial28, estão a atuar na construção e venda de produtos fundiário-imobiliários,
afirmando a condição do mercado de interferir, decisivamente, nas formas de apropriação
e usos do solo urbano. O mercado imobiliário assume, então, todo seu relevo,
exacerbando a tendência de extensão de processos de valorização fundiária sobre a
cidade inteira.

27 Harvey (1992, p. 79-80) lembra que “[...] a ênfase dos ricos no consumo levou a uma ênfase muito maior na
diferenciação de produtos no projeto urbano. Ao explorarem os domínios dos gostos e preferências estéticas
diferenciadas (fazendo tudo o que podiam para estimular essa tendência) os arquitetos e planejadores urbanos
reenfatizaram um forte aspecto da acumulação do capital: a produção do que Bourdieu chama de capital simbólico, que
pode ser definido como o acúmulo de bens suntuosos que atestam o gosto e a distinção de quem os possui. Esse capital
se transforma, com efeito, em capital-dinheiro, que produz seu efeito próprio quando, e somente quando, oculta o fato de
se originar em formas materiais de capital”.
28 A partir das prerrogativas definidas no Plano Diretor do Município (instrumento normativo e orientador dos processos

de transformação urbana, nos seus aspectos políticos, sociais, físico-ambientais e administrativos prevendo instrumentos
para a sua implantação e execução) a Prefeitura estabelece e regula a implantação das operações urbanas. Na Lei n.
3.254, de 29 de dezembro de 1992, fica entendido como Operação Urbana o procedimento onde a Prefeitura aumenta a
ATME e o gabarito máximo de terrenos particulares no Município de São Luís, a partir de propostas de seus
proprietários, desde que estes se obriguem a financiar infra-estrutura e melhoramentos urbanos, em troca das
modificações destes índices urbanísticos de seus terrenos. A Prefeitura pode modificar a ATME e o Gabarito Máximo de
terrenos municipais abrindo concorrência pública para particulares interessados em empreendimentos, tendo como
contrapartida o financiamento da infra-estrutura e melhoramentos urbanos.
40

A potência desse mercado fica visível na situação do domínio útil ou pleno das
terras da cidade: 20% da União, 16% do estado, 02% do município e 62% de particulares
(SEPLAN-MA, 1993). Essa fantástica força também pode ser percebida nas reservas
dominiais, ou seja, nas grandes áreas vazias, que entremeiam espaços de forte e densa
ocupação produtiva ou demográfica.
Apreendo então, que em São Luís se desenvolve, cada vez mais, uma forma urbana
que não significa apenas a ampliação da cidade, mas um modo histórico novo de
apropriação, domínio, produção e usos da terra e territórios citadinos. Em lugar da forma
compacta, unitária e concentrada de cidade que representava o processo sócio-histórico
em formação há séculos, existe no presente uma população urbana - em torno de um
milhão de habitantes29 - distribuída em territórios contínuos em sua lógica aparente e, ao
mesmo tempo e contraditoriamente, territórios hierárquicos, disjuntivos, segregados.
Em partes desses territórios, a permanência de cortiços e de áreas de palafitas, a
moradia em prédios abandonados e sob o risco de desmoronamento, a falta ou
precariedade da moradia e dos equipamentos e serviços coletivos urbanos nas áreas
periféricas da cidade, as lutas sociais em torno da democratização nos usos da terra
urbana, enfim, o conjunto de efeitos deletérios (objetivos e subjetivos) da segregação
sócio-espacial, permanece como forte e grave expressão de desigualdade social e da
precariedade da produção da existência urbana.
Destaco, mais uma vez: nesse modo de constituição do urbano, a presença e a
força da ocupação de terras (organização coletiva ou ocupação espontânea) são
dimensões reveladoras de um triplo processo: (1) o enfrentamento da Lei pelos chamados
sem-teto com vistas à garantia do acesso à propriedade ou posse fundiária e a (auto)
edificação da moradia; (2) o afastamento das condições de acesso às regras do mercado
imobiliário (formal, legal e cartorial) de partes importantes da população urbana; (3) as
ações eficientes do Estado no sentido de integrar as áreas ocupadas para fins fiscais ao
mesmo passo das limitadas e ineficientes ações para dotá-las de equipamentos e serviços
urbanos básicos.

29 Segundo dados do Censo 2000 (IBGE) o município de São Luís tem 870.028 habitantes, sendo 835.325 na área
urbana e 32.772 na área rural.
41

Face ao exposto, na realização da pesquisa para elucidação de formas pelas quais


metamorfoses citadinas se processaram, ao longo do processo sócio-histórico de
constituição do urbano, associando-se a disputas territoriais e mecanismos político-
jurídicos de gestão da cidade e contribuíram na produção de territórios segregados, tomei
como focos da discussão, especialmente, duas problemáticas, as quais, penso, foram
aprofundadas ao longo da investigação. São elas:

a) A primeira pertinente a atual mutação urbana no âmago da qual se verificam


disputas territoriais pela incorporação nos sobrelucros capitalistas dos efeitos
úteis da aglomeração, a contraditória e rarefeita ação do Estado quanto ao uso
social do território urbano e a expansão e valorização imobiliária, incidindo todas
na constituição da cidade, a exemplo de São Luís. Tais processos reiteram e
potencializam o histórico processo que transformou a terra de bem natural,
produto não mercantil, em negócio a ser explorado sob as condições do
mercado capitalista. Então, a hierarquização do mercado fundiário e imobiliário e
a posse legítima, mas irregular de solos urbanos, tornam mais complexa e
contraditória a constituição dos territórios e espaços urbanos segregados;

b) A segunda diz respeito às disputas territoriais urbanas efetivadas numa zona


intersticial, na qual a generalização das relações mercantis e interesses privados
de classes influi na ação estatal, dela exigindo apoio logístico (investimentos em
infra-estrutura), proteção, reconhecimento político e legal. Parece ficar evidente
que o domínio dos interesses privados de classe, principalmente aqueles
relativos ao mercado fundiário-imobiliário, apoiado numa mescla de estratégias e
mecanismos político-jurídicos, tende a apagar as fronteiras entre os domínios do
público e privado e a contribuir, cada vez mais, na produção de um espaço
citadino formado por territórios segregados. Tal determinação se faz mediada
tanto pelas ações próprias à tendência de valorização de certas dimensões
locais de constituição social e cultural, quanto pelas lutas sociais por moradia e
pela cidade. Essas ações como pólos de um mesmo campo histórico ao se
constituírem, se enfrentarem e se redimensionarem, aumentam as
possibilidades de afirmação ou reversão da segregação sócio-espacial urbana.
42

No presente estudo, a análise da cidade segregada encontra-se implicada numa


postura analítica que procurou incorporar a categoria crítico-dialética da totalidade social,
síntese de múltiplas determinações, unidade de diversos, tal como formulada na teoria
social marxiana30. Tal perspectiva, elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, é retomada
por seus intérpretes, entre os quais Henri Lefebvre31, que percorre esse universo teórico-
metodológico, povoando-o com reflexões particulares e luminosas: a produção do espaço
para o capital, as contradições sociais realizando-se também como contradições espaciais,
a constituição do urbano determiando uma espacialidade plena de articulações,
superposições, contradições e deteriorações.
A pesquisa teórica que realizei intentou extrair da obra desses autores, como
também de outros como Christian Topalov, eixos heurísticos capazes de orientar a análise
dos determinantes e mediações constitutivas da interface entre dinâmicas econômico-
produtivas, intervenção estatal na constituição do urbano, disputas territoriais e
segregação sócio-espacial. A intenção maior foi a de demarcar as marcas e traços
estruturais dos usos e disputas da terra urbana, sob o capital, para não perdê-los de vista
no movimento das complexas e amplas transformações societárias em curso32.

30
Ver Marx (1982 e 1989). Também em Netto (1998, p.30), naquilo que "O procedimento metodológico próprio a esta
teoria consiste em partir do empírico (os "fatos"), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a
sua gênese histórica e seu desenvolvimento histórico e reconstruir, no plano do pensamento, todo este processo. O
circuito investigativo, recorrendo compulsoriamente à abstração, retorna sempre a seu ponto de partida - e a cada
retorno, compreende-o de modo cada vez mais inclusivo e abrangente. Os "fatos", a cada nova abordagem, se
apresentam como produtos de relações históricas crescentemente complexas e mediatizadas, podendo ser
contextualizados de modo concreto e inseridos no movimento maior que os engendra. A pesquisa, portanto, procede por
aproximações sucessivas ao real, agarrando a história dos processos simultaneamente às suas particularidades
internas".
31 Henri Lefebvre (1901-1991), antes de La pensée marxiste et la ville de 1972 (traduzido no Brasil em 1999, sob o título

A cidade do capital), já havia publicado: Le droit à la ville no ano de 1968, em 1970, Du rural à l`urbain e La révolution
urbaine. No ano de 1972, aparece Espace et politique - le droit à la ville II e, em 1974, La production de l` espace.
32 Refiro-me às contemporâneas alterações nas condições técnicas e sociais da produção, do trabalho e do consumo

realizadas sob a orientação das necessidades reprodutivas do capital denominadas, comumente, de reestruturação
produtiva. Sobre estas alterações se fazem diferentes pesquisas, travam-se diversas polêmicas e enfocam-se certos
ângulos de análise. Harvey (1992) tende a considerá-las como pertencentes à transição de um regime de acumulação e
seu correlato modo de regulação política e social, a passagem do fordismo para o regime de acumulação flexível.
Chesnais (1996), destacando inovações nos domínios da produção industrial, da tecnologia, dos serviços, do comércio
internacional e do capital financeiro nos fala da crise estrutural, da mundialização do capital e da financeirização da
economia. Para Jamesom (1986) a pós-modernidade não é senão a lógica cultural do capitalismo tardio. Partindo de
outro referencial, Habermas (1981) diz que subsistemas, regulados e expandidos por intermédio da razão instrumental
(poder, dinheiro, monetarização e burocratização), como senhores coloniais numa sociedade tribal, invadiram o mundo
da vida (razão comunicativa) e o colonizaram. Em contraposição, Lojkine (1995) problematiza a constituição de novas
relações sociais de natureza não mercantil, a partir das novas potencialidades das NTIS, que se desdobram da revolução
informacional, e Negri (1999) discute o papel dos fluxos metropolitanos do trabalho imaterial, das redes de cooperação
produtiva e da figura do empresário político inovando a produção no capitalismo. Têm-se, ainda, como interfaces desses
fenômenos à crise dos modelos socialistas (comunista e social-democrata), a desfiguração do Welfare State, segundo
Fiori (1995) a mais ambiciosa e bem sucedida construção republicana de solidariedade e proteção social.
43

Nesse sentido, cotejei ainda um elenco plural de outras fontes secundárias de


pesquisa, dentre as quais destaco os estudos de David Harvey, Guiseppe Cocco, Milton
Santos, Otília Arantes e Carlos Bernardo Vainer. Tais estudos, cada um ao seu modo, a
meu ver, são pertinentes na análise do atual estágio de desenvolvimento das forças
produtivas e de mundialização da economia e da cultura. Essa determinação se faz
presente nas atuais metamorfoses do urbano em São Luís, exigindo, no plano do território
e da gestão citadina investimentos infra-estruturais e medidas político-legais estratégicos
no sentido de aumentar o dinamismo do campo industrial, da cultura e do turismo.
No decorrer da investigação, outro conjunto de processos sócio-históricos ou
relações temáticas constitutivas do objeto de pesquisa mostrou-se da seguinte maneira:
das suas formas originárias, passando pelo capital industrial competitivo até sua forma de
capital monopolista e financeiro, globalizado, e as diversas e múltiplas mutações que
explicam seu movimento, destaca-se a capacidade do capital e das reservas
organizacionais das classes dominantes e dirigentes de arrefecer e superar obstáculos ao
seu curso expansivo. Isto se faz através de estratégias político-culturais e formal-
institucionais fortemente mediadas pela intervenção do Estado.
Quando, ao longo dos séculos XV e XVI, certas sociedades produziram a
possibilidade de expandir seus domínios, mediante expropriação, exploração e violência,
operações necessárias à acumulação primitiva e ao desenvolvimento da propriedade
burguesa, estrangeiros (re) fundaram territórios. No caso do Brasil, colonizaram-no e
legaram a sociedade que aí se instalou traços históricos que podem ser remetidos à
descolonização incompleta (FERNANDES, 1976). Esta parece estar, sempre, a dizer: tudo
findou, mas ainda permanecemos marcados por esta coisa finda.
Tais traços também podem ser remetidos ao Estado patrimonial brasileiro (FAORO,
1976), cujas origens estão em Portugal, mas para aqui transportado, urdindo um ciclo,
onde a originalidade da expansão do capitalismo, a garantia das estruturas de reprodução
e dominação desse sistema (OLIVEIRA, 1972-2003) e a violência dos donos do poder se
fixam nos acontecimentos da formação colonial e do desenvolvimento político nacional nos
momentos do populismo, do estado ditatorial, da formal democracia e da reforma do
Estado brasileiro que se faz, no presente, predominantemente, a partir de orientações de
cunho neoliberal.
44

Desse modo, foi na particularidade histórica brasileira, nas formas através das quais
ela se entrelaça com o caráter expansivo do capital, suas contradições e crises e a ele
subordina-se mediante relações, padrões e laços políticos peculiares que procurei
apreender certas determinações, mediações e expressões que sustentam metamorfoses e
disputas territoriais33 urbanas no Brasil, representadas pela singularidade registrada em
São Luís.
A descoberta de mediações entre as determinações mais gerais da sociedade
capitalista com a formação histórica brasileira e as dinâmicas aqui processadas no âmbito
da urbanização, privilegiando fontes secundárias de pesquisa, encontra-se apoiada,
relevantemente, nos estudos de Florestan Fernandes, Otávio Ianni, Caio Prado Júnior,
Paul Singer, Lúcio Kowarick, Francisco Oliveira, Milton Santos, Raquel Rolnik, Ermínia
Maricato e Maria Helena Rauta Ramos. A despeito de seus objetos particulares de
pesquisa, esses autores apresentam subsídios nos quais se podem assentar bases para a
compreensão de processos sócio-históricos subjacentes à problemática urbana sob o
capital ou para investigações empíricas sobre tal problemática no Brasil.
O estudo das formas pelas quais disputas territoriais e mecanismos político-jurídicos
de ordenação territorial têm-se associado a metamorfoses urbanas e contribuído para
produzir territórios segregados, ao valorizar dados empíricos próprios à dinâmica urbana
de São Luís, levou a reflexão a privilegiar a pesquisa histórica e documental,
ultrapassando o cunho mais teórico da pesquisa e da exposição. Assim, realizei uma série
de levantamentos de acervos documentais e arquivos compreendendo: (1) Coleção de
Leis, Decretos e Regulamentos federais, estaduais e municipais; (2) Relatórios e Planos
de Governo de Intendentes, Governadores e Prefeitos; (3) Atas da Câmara Municipal de
São Luís; (4) Planos e Projetos de Reforma Urbana; (5) Coleção de Posturas Municipais;
(6) Leis Orgânicas e Planos Diretores do Município.

33 Ao longo da minha argumentação, a utilização do termo territorial se refere às dimensões espaciais de processos
econômicos, políticos e ainda culturais, subsidiando, dessa maneira, a abordagem de experiências sócio-espaciais
diferenciadas: espaço mundial, espaço nacional, regiões, estados, municípios, cidades, áreas dentro da cidade, como
também determinadas formas de apropriação e usos do espaço, a exemplo das ocupações de terras urbanas para fins
de construção da moradia. Tal procedimento, de algum modo, incorpora o reposicionamento feito por Milton Santos
sobre a categoria território, no qual enfatiza sua relevância na ação política (SANTOS e SILVEIRA, 2001), indicando a
adequação do uso do termo espaço territorial para denominar a atuação de um Estado num espaço geográfico e ainda
espaço geográfico como sinônimo de território usado - tanto resultado do processo histórico quanto a base material e
social de novas ações humanas - categoria capaz de favorecer a analise do território, mediante a identificação e a
análise de processos sócio-históricos relevantes presentes na sua constituição.
45

A análise dessas fontes possibilitou a descoberta de certas dimensões da vida


material de São Luís, assim como a identificação de aspectos relevantes da constituição
administrativa e pública da cidade. A ênfase da pesquisa recaiu sobre alguns institutos
político-jurídicos, particularmente os Planos Diretores. Afinal, através destes a ação
estatal, expressando o pacto possível entre interesses públicos e privados, busca o
controle do território, da vida urbana e das contradições sócio-espaciais próprias à cidade
do capital. Isto se faz num quadro político onde a capacidade e a vontade estatal para
responder as necessidades de reprodução da força de trabalho sempre se encontra sub-
rogada pelas necessidades e interesses capitalistas.
Privilegiei, ainda, como fonte de pesquisa, os principais jornais de São Luís
veiculados em períodos nos quais se davam transformações importantes no domínio do
objeto de estudo. A finalidade desse levantamento foi a de demarcar, a partir das ações de
despejos noticiadas, litígios sobre terras urbanas e lutas sociais pela moradia, assim como
identificar a divulgação de investimentos imobiliários residenciais. Além disso, a despeito
dos limites apresentados pela imprensa diária como fonte de pesquisa, foi possível através
desta consulta acompanhar a configuração de expressões da questão urbana em São
Luís, assim como alguns embates políticos importantes à compreensão das relações entre
interesses públicos e privados de classe em disputas pelo controle e usos da cidade.
Ao longo da investigação, busquei também, valorizar expressões visuais do
processo histórico de constituição do urbano, tomando uma série de figuras urbanas
(gravuras, mapas, material publicitário, croquis, plantas e fotografias) como fontes de
informação e ilustração. Como fragmentos que remetem a uma totalidade, essas figuras
urbanas têm, a meu ver, importância além de seu caráter apenas testemunhal, na medida
em que registram e fixam dimensões relevantes dos processos históricos investigados.
No trabalho de pesquisa retomei, ainda, registros de trabalho de campo efetivados,
nos anos de 1981 e 1982, quando do estudo Subsídios para a história dos despejos em
São Luís realizado no âmbito do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal
do Maranhão, pela autora desta tese juntamente com a professora Évila Brito Ribeiro.
Considerei também uma série de levantamentos e registros documentais e fotográficos
efetivados por estudantes do Curso de Serviço Social da UFMA, a propósito de requisitos
curriculares da disciplina Questões Urbanas.
46

O movimento real da constituição do urbano em São Luís indicou elementos para a


explicação do objeto investigado, no círculo da atual mutação urbana experimentada pela
cidade. Nessa mutação se sobressaem políticas econômicas de tipo cultural, as quais se
voltam para a produção ativa de cidades supostamente dotadas de atributos especiais,
convertidos em trunfos na criação de condições favoráveis aos negócios da cidade-
empreendimento. Mas, os resultados da pesquisa indicam ainda que tal mutação pertence
também à cidade, à potência ou fraqueza do seu devir histórico, à maneira particular como
um conjunto de dinâmicas produtivas, políticas, culturais e arquitetônicas se configuram,
se relacionam, se contraditam, passam um pelo outro exibindo sua natureza, determinada
e mutante.
Desse modo, se a investigação se movimentou do presente, de onde iniciei o
trabalho de pesquisa, para o passado, ao qual fui levada a me dirigir, na apresentação de
seus resultados (método de exposição), o tempo e o relato se movimentam do passado na
explicitação das contradições da cidade atual. Afinal, no presente, a vida urbana, mais do
que nunca, parece se valer do passado para justificar projetos de revitalização,
especialmente aqueles propostos para o Centro Antigo da cidade de São Luís.
Realizo essa abordagem a partir da reconstituição de movimentos históricos
concernentes ao domínio do objeto em detrimento de uma lógica historiográfica e de
periodização lineares demais. Isto não significa, no entanto, dissociar o liame dos
acontecimentos históricos que se relacionam uns aos outros ao longo dos séculos, das
décadas, dos anos, dos dias. No decorrer da exposição, procuro então destacar as
relações entre esses acontecimentos, delineando suas determinações gerais e as suas
expressões particulares, identificadas na investigação como facilitadoras à revelação das
mutações urbanas e da segregação sócio-espacial que arrasta em seu movimento.
O primeiro conjunto de acontecimentos históricos, ao qual a natureza da
investigação e do método de exposição adotado me fez recorrer, diz respeito à fundação
de cidades, no caso a de São Luís, nos marcos da colonização da América portuguesa.
Insere-se, por conseguinte, no colonialismo, relação constitutiva das forças propulsoras do
capital (MARX, 1998ab) que se matizariam, de acordo com as condições históricas onde
emergiam ou para onde eram levadas. A exposição dessa linha de investigação está no
primeiro capítulo intitulado - Cidades: espaços estratégicos do Brasil Colônia.
47

O outro conjunto de relações e expressões históricas - núcleo central do objeto de


estudo - que exerce, demanda ou revela fortes impactos na vida urbana de São Luís
(obrigada a se adaptar aos ritmos das forças produtivas, políticas e de urbanização então
em curso), gira em torno do pleno advento das relações capitalistas no Brasil, o qual se
reproduz com uma particularidade em São Luís, no Maranhão.
Assim, cidade capitalista, terra urbana, disputas territoriais, administração da cidade,
modos precários e segregados de moradia, relações temáticas que cortam de modo
transversal à pesquisa realizada aparecem, mais explicitamente, como pilares da
argumentação que exponho no segundo capítulo - o mais extenso - denominado A
mutação do uso urbano: instalação de efeitos úteis da aglomeração capitalista, disputas
territoriais e segregação sócio-espacial.
Ou seja, enraizadas na particularidade da sociedade brasileira, a partir do final do
século XIX, em São Luís, concretizaram-se manifestações da complexa relação entre
capital, trabalho, lutas sociais, oligarquias e Estado, engendrando-se novas contradições
que passaram a incidir nos modos através dos quais disputas territoriais e mecanismos
político-jurídicos de ordenação territorial associando-se à mutação urbana em curso
produziram ou ampliaram processos de segregação sócio-espacial.
A experiência industrial, através das fábricas têxteis em São Luís (1880-1960),
também a implantação, a partir de 1970, de grandes projetos econômicos agro-florestais,
agrícolas empresariais e mínero-metalúrgicos (parte deles articulados a programação do
capital monopolista e internacional visando à implantação de grandes projetos
empresariais e ainda a instalação de condições gerais de produção promovidas pelo
Estado: infra-estruturas, meios de comunicação e transporte), formam o rico repertório das
mutações experimentadas pela cidade. Tomo então o pressuposto de que o Maranhão,
nos marcos do “modelo autocrático-burguês de transformação capitalista” (FERNANDES,
1987) para o Brasil e em particular para a Amazônia, a partir dos anos 1970/1980, tem sua
estrutura político-econômico, sócio-cultural e espacial-territorial fortemente alterada. Tais
processos incidem diretamente nas transformações das relações e condições de trabalho,
das relações entre campo e cidade, dos deslocamentos espaciais de trabalhadores
(migrações) e, especialmente, nas dinâmicas de desestruturação, desagregação,
articulação e reestruturação dos modos de apropriação, usos e gestão da terra urbana.
48

De fato, entre 1960 e 1980 afloraram com forte densidade no espaço citadino de
São Luís: (1) a edificação de pontes, aterros, barragens e terminais ferroviários e
marítimos; (2) a ampliação e saturação da ocupação das áreas alagadiças mediante o
recurso construtivo de palafitas34; (3) as iniciativas estatais voltadas para desapropriação
de áreas e transferência de populações; (4) a construção de grandes conjuntos
habitacionais (SFH/BNH/COHAB); (5) os litígios fundiários urbanos envolvendo lutas
sociais pela moradia (as ocupações) e ações de reintegração de posse (os despejos).
Assim, experiências industriais periféricas, como as que se efetivaram ou têm
efetividade no estado do Maranhão, levaram a cidade de São Luís a experimentar o que
poderia ser chamada de um tipo de urbanização acelerada, anárquica e
desregulamentada. Esta se concretiza como produto e condição da valorização mercantil
da terra, de interesses fundiários e imobiliários, dos rumos da expansão da cidade, das
disputas territoriais e dos modos desiguais de provisão da moradia.
No último conjunto de relações históricas pertinentes ao objeto investigado, busco
abeirar dimensões territoriais da atual reestruturação produtiva que se reproduzem na
cidade, precisamente por sua combinação constitutiva de processos materiais e
representações culturais, tomando as expressões observadas em São Luís como
elementos ilustrativos dessa dinâmica. Assim, no terceiro capítulo - que recebe o título
Cidades no Brasil: espaços estratégicos das atuais realidades produtivas e espaços de
segregação - considero se do ponto de vista teórico e empírico, é possível identificar na
dinâmica urbana de São Luís expressões da atual mutação do espaço capitalista,
principalmente aquelas relacionadas ao chamado pensamento único urbano35 que requer
das cidades que elas se (re) qualifiquem, tendo em vista sua adaptação aos novos
aparatos e interesses do capital e ao seu papel de novo ator político.

34 No ano de 1961, no documento, Maranhão: plano e investimentos -1961, o governador faz a seguinte consideração:
"[...] a cidade de São Luís, na quase totalidade da sua orla marítima, requer obras de saneamento. A precariedade das
condições de drenagem, associada à extraordinária amplitude das variações das marés, torna extremamente insalubre,
largas áreas da Ilha. Dada à localização da cidade entre os Rios Anil e Bacanga, este último na verdade um braço de
mar, habitações, algumas palafitas, foram construídas nos extremos alagados desses rios, nos quais vive significativa
parte da população pobre da cidade". O governo do Estado em abril de 1969 dá conta da proliferação das palafitas,
registrando a existência de 7.000 habitações dessa natureza (MARANHÃO, 1971, p.73).
35 O chamado pensamento único urbano diz respeito aos discursos e planos de ação que defendem as necessidades de

inserção competitiva para levar as cidades a se tornarem espaços de disputas por investimentos nos mercados
internacionalizados. Trata-se ainda de uma espécie de urbanismo de resultados no sentido de que a gestão urbana
deve se voltar para da criação de um ambiente dos negócios através de estratégias de promoção e marketing da
cidade. Cf. a respeito, dentre outros, Arantes (1988), Acselrad (2001) e Vainer (2000).
49

Dá-se que, na atualidade, pressionada pelo contraditório movimento - de


globalização e de fragmentação - uma questão central, para os adeptos da cidade-
mercadoria, reside na contingência das coletividades territoriais tornarem-se empresariais,
ou seja, que as cidades criem ou mobilizem, a partir de suas vantagens competitivas,
redes pró-crescimento e fluxos (materiais, financeiros, informacionais, políticos, culturais,
comunicacionais) num quadro econômico globalizado. Em São Luís, por um lado,
estruturas estão sendo criadas tendo em vista à acomodação de aparatos produtivos e
núcleos de inovação comercial e financeira; por outro lado estão sendo produzidos
equipamentos urbanos voltados para o lazer e o consumo cultural. Como já anotado,
estimulam-se projetos de revitalização de partes da cidade e se promove tradições e
movimentos locais buscando inseri-los na montagem de circuitos multinacionais de
produção e consumo de bens materiais, culturais e simbólicos.

Nem Amazônia, nem nordeste: São Luís é única! Fundada por franceses, é
a mais portuguesa das cidades brasileiras. Chamada Terra dos Palácios de
Porcelana, pela quantidade de prédios de azulejos que possui, é aqui, nesta
Atenas Brasileira, que passado e presente se confundem. Por isso é
Patrimônio da Humanidade! Praias, história e folclore são inspiração de
poetas e romancistas. Pois tudo isto e mais uma estadia tranqüila e afetuosa
o PRAIA MAR HOTEL lhe oferece. A cinco minutos do centro histórico e à
beira mar! Quer mais? O espetáculo diário do pôr do sol é cortesia do hotel.
(Material publicitário do hotel Praia Mar Hotel, 2002).

De fato, o turismo cultural (ampliado pela mística do título Patrimônio Histórico e


Cultural da Humanidade) e algumas iniciativas de democratização dos recentes governos
municipais têm contribuído na produção de novas dinâmicas na vida urbana de São Luís
cuja objetivação tem redundado em benefícios para a cidade36. Mas, porque se fazem
longe de qualquer perspectiva efetivamente democrático-popular, tais iniciativas não
conseguem fazer frente aos condicionamentos históricos da distribuição desigual da
propriedade fundiária, moradia e meios urbanos de consumo coletivos, desigualdade que
atualiza contradições urbanas, dentre elas a segregação sócio-espacial.

36 Relevo aqui, por exemplo, a preocupação de agentes estatais e movimentos sociais no sentido de que a
refuncionalização de certas áreas da cidade, a exemplo do Centro Histórico, não promovam as chamadas práticas de
gentrificação: práticas de reapropriação de espaços pelo mercado através de operações urbanas que lhes conferem
novo valor econômico e simbólico, geralmente orientando-os para o consumo - residencial ou de serviços - das camadas
mediais. Apresentados, para fins mercadológicos, como espaços ‘revitalizados’, neles, a população original vivencia a
‘revitalização’ como mecanismo gerador de expulsão e segregação social. Cf. a respeito Sánchez, 2001.
50

A pesquisa do mais contemporâneo, mediante a reconstituição dos


determinantes e transformações de que a situação atual é herdeira, conduziu-me à
conclusão de que na produção e disputas dos efeitos úteis da aglomeração, o Estado
aparece como mediador, mas sendo, na verdade, protagonista central. Os resultados do
estudo que realizei permite-me também propor que as lutas sociais pelo acesso a terra
para morar, mediante disputas territoriais, mais ou menos violentas, permanecem a
guardar estreitas relações com a estrutura de dominação e legitimação própria das ações
estatais capitalistas, na qual determinadas lutas na sociedade civil e no Estado podem
incidir refreando as exigências do processo de acumulação, domínio e controle da terra
urbana.
Assim, ao finalizar esse esforço de pesquisa, trazendo à tona o antagonismo entre
modos segregados de moradia e a produção de uma pólis democrática e afirmando minha
discordância quanto à tendência atual de tentativa de neutralização da política e de suas
contradições e conflitos mediante a transfiguração de questões políticas em questões
moralistas ou técnico-administrativas, entendo que, no jogo da ação política, lutas pela
terra para morar podem denunciar a segregação sócio-espacial e reivindicar o
fortalecimento da regulação pública dos modos de apropriação e usos da terra urbana.
Assim, mesmo nos balizamentos e limites da luta por direitos e no quadrante de um
Estado que abdica progressivamente da sua possibilidade de desenvolver políticas que
atendam demandas urbanas, tais lutas sociais podem viabilizar momentos históricos
importantes da construção de projetos alternativos de sociedade.
Em face dos processos de segregação sócio-espacial em pleno curso na cidade de
São Luís, o título Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade cumpre então a mesma
desdita dos títulos Atenas Brasileira, Manchester Brasileira e tantos outros que os
senhores dos sobrados, donos de fábricas de tecidos, oligarquias estaduais ou governos
de técnicos criaram ou reforçaram para mistificar as condições reais da dominação na
cidade. São títulos que são crostas. É preciso rompê-las para desvendar a dinâmica real
das relações sociais na cidade e desvelar as contradições e os limites das atuais
tendências políticas e de gestão urbana que postulam poder enfrentar a partir do território
citadino questões mais amplas, complexas e gerais.
51

1 CIDADES: espaços estratégicos do Brasil Colônia

Neste capítulo, apreendo e descrevo o momento inicial da produção do espaço


citadino de São Luís como expressão histórica da fundação de cidades voltadas para
reforçar a estratégia de defesa e ocupação dos territórios conquistados, anexados e
subjugados nos marcos da conformação da América Portuguesa. Na transição de uma
cidadela fortificada a uma praça portuária mercantil, modalidades de apropriação e usos
da terra foram sendo desenhadas entre configurações e questões econômicas, políticas,
jurídicas, comerciais e arquitetônicas, peculiares ao complexo quadro da propriedade
mercantil da terra, da posição social multiétnica e dos (re) ordenamentos da posição
colonial e dependente do Brasil.
Formas históricas singulares de dominação e hierarquia social, da atividade
portuária numa praça mercantil estratégica para a economia colonial, de trabalho escravo
e de tipologias de moradia, todas articuladas, revelaram-se chaves significativas na
elucidação da vida urbana, de expressões da desigualdade social e dos modos de
apropriação e usos do espaço da São Luís colonial. No trato dos processos políticos e
culturais que fundaram movimentos civis ou militares contra os caracteres espoliadores,
autoritários, patrimoniais e escravistas do projeto colonialista português, assim como
contra os poderes do Império, a ênfase da exposição recai sobre a cidade. Mais
precisamente, no lugar por ela ocupado na eclosão dos movimentos de resistência e
contestação e nas práticas de controle e repressão de tais movimentos.
Dessa maneira, duas são as perspectivas que orientam a lógica da exposição
presente neste capítulo: (1) Demarcar se, nessas primeiras experiências urbanas do Brasil
Colônia, há vestígios de segregação sócio-espacial como um dos determinantes
organizadores da experiência citadina de São Luís, cidade portuária importante para que
os vínculos Colônia-Metrópole e suas relações mercantis se realizassem no Brasil. (2)
Encontrar traços sócio-espaciais e culturais que, mediante ações de inovação
arquitetônica, comercial, financeira e urbana, estão sendo arrancados do passado colonial
para se encaixar no presente, apoiando a configuração de políticas econômicas de tipo
cultural. Trata-se de políticas que são próprias aos movimentos de reorganização do
território, da renovação produtiva das cidades e da constituição de patrimônios culturais.
52

1.1 Em nome do rei, donos da terra e capitães-mores demarcam o solo urbano na


constituição da cidade colonial

Século XVI. Monarquias absolutistas procurando manter-se à frente dos


acontecimentos históricos fazem prepostos seus se deslocarem nos mares de então. São
acontecimentos a vencer um dos maiores medos do homem do Ocidente na Idade Média:
o medo do mar e suas tempestades. É a fase do mercantilismo, transição do feudalismo,
que coloca as bases da acumulação primitiva do capital37. Merece destaque na análise de
K. Marx, para além-mar, a função desenvolvida pela brutal pilhagem das colônias
americanas (remessa de ouro e pedras preciosas, madeira, açúcar, borracha, etc.),
propiciadas pelas chamadas viagens de descoberta, episódios marcantes desse momento
histórico. (LÖWY, 1988).
As viagens de descoberta estavam a produzir vertiginoso fluxo de conhecimentos
acerca de um mundo mais amplo a ser conquistado. Por outro lado, a sobrevivência da
corte régia é um sinal claro do quanto essas monarquias ainda se encontravam imersas no
Antigo Regime. Mas, a constituição de certas forças produtivas e de uma cultura
humanista alicerçava o moderno Estado nacional ocidental em formação, e estava a
remover os primeiros obstáculos na formação de novos sujeitos coletivos, transformados
em protagonistas (burguesia e proletariado), no uso, mesmo que de forma contraditória,
das forças propulsoras do capital. (MARX, 1998a).
Assim, em face do horizonte azul do grande atlântico, como se portando a liberdade
e o poder de um mago, brincando com galeões e caravelas, cortando o longo mar com
largas velas, subjugando populações nativas, incorporando novas áreas às suas
possessões territoriais, efetivando, enfim, conquistas e guerras em busca de terras e
riquezas de além-mar, a civilização européia superava os relatos míticos em torno do mar
e prosseguia, num rito prenhe de violência e expropriação, a expansão ultramarina e
colonial iniciada entre os séculos XIV e XV.

37 Marx (1998b, p. 830-831), ao discutir o segredo da acumulação primitiva, afirma: “Marcam época, na história da
acumulação, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles
deslocamentos de grandes massas humanas, súbita, e violentamente privadas de seus meios de subsistência e
lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do
camponês que fica privado de suas terras, constitui a base de todo o processo. A história dessa expropriação assume
matizes diversos nos diferentes países, percorre várias fases em seqüência diversa e em épocas históricas diferentes”.
53

Os alvos dessa expansão, nos mundos além-mar, eram terras e territórios


estratégicos para pilhagem de matérias primas, controle de rotas comerciais e para servir
de bases militares para a dominação e exploração colonialistas. Interessados e
especialistas em tudo que fosse naval - de projetos de navios a artilharia náutica, doenças
do mar e suas curas, cordames e movimento das marés, cálculos de lastro e carga,
mapas38, manobras e portos - os Estados português, espanhol, francês, holandês e inglês
competiam e guerreavam entre si para conquistar terras ou tomar à força territórios já
apropriados39. Cientes da importância dos espaços ultramarinos na disputa pela
hegemonia comercial, esses Estados monárquicos cobiçavam terras e delas apoderavam-
se, num impulso para a expropriação40, operação necessária à acumulação primitiva.
O prodigioso avanço mercantil abalando desde a demografia e a civilização material
até as visões de mundo, desobstruindo as finais resistências feudais - algumas impostas
pela velha ética cristã à usura e à acumulação, contestada pelos movimentos da reforma
protestante - absorvia e articulava tanto nobres (interessados de participar diretamente no
comércio colonial, com seus altos riscos e compensações ainda maiores), quanto
comerciantes, grandes famílias de mercadores e banqueiros, trabalhadores livres,
serviçais e guerreiros, padres e funcionários na concretização do objetivo de vencer a
barreira do Atlântico.
Burguesia mercantil nascente e trabalhadores livres, agentes do sistema produtor
de mercadorias, cada um ao seu modo, numa unidade diversa, em relação a seu vínculo
com a propriedade privada, realizavam a busca de terras e territórios para desterritorializar
produtos, em mercadorias e se reterritorializar sobre os circuitos comerciais.

38
Na abordagem dos temas tempo e espaço no projeto do Iluminismo Harvey (1992) chama atenção para o fato de que
a objetividade na representação espacial veio a ser um atributo valorizado porque a precisão da navegação, a
determinação dos direitos de propriedade da terra (em oposição ao confuso sistema de direitos e obrigações legais que
caracterizava o feudalismo), as fronteiras políticas, os direitos de passagem e de transporte começavam a constituir-se
um imperativo econômico e político. Privados de todos os elementos de fantasia e de crenças religiosa, os mapas tinham
se transformados em sistemas abstratos e estritamente funcionais para a organização factual de fenômenos no espaço.
39 Recorde-se que até o século XVI, a exploração de além-mar estava reservada às duas nações ibéricas, Espanha e

Portugal. Por volta de 1520 dava-se a contestação desse privilégio por parte de outras nações banhadas pelo Atlântico.
França, Inglaterra e Holanda são as nações que intervém na concorrência mercantil rompendo a antiga partilha do novo
mundo entre Portugal e Espanha. A França buscou respaldo no princípio jurídico do uti possideteis (usucapião),
afirmando que a posse da terra só se concretizaria quando a nação reivindicante a ocupasse efetivamente.
40 Referenciando-se em Marx, Fiúza de Mello (1999, p.31) observa: "A acumulação originária - as transformações que

criaram, originariamente na Europa, as condições para o surgimento do trabalho assalariado e o desenvolvimento da


propriedade burguesa - é um processo esculpido pela conquista, pela usurpação, pela rapina, pela violência de toda
ordem".
54

Tal conjunto de relações se desenvolveu, negando e superando o próprio corpo da


ordem feudal e por fim a destruiu, e mesmo nesse estágio embrionário já revelava um dos
seus traços mais marcante: ser um sistema mundial41. A crença era a de que quando os
bens podem circular, eles se multiplicam e as riquezas aumentam. A acumulação de
riquezas, de poder e de capital possuía como suportes o conhecimento e o domínio do
espaço. Propicia-vos o próprio avanço das viagens de descoberta. Era preciso, pois, que
os lugares ficassem vulneráveis a essa lógica global que acabava de se constituir, por
intermédio de mecanismos, os mais diversos e intrincados: expansão do desenvolvimento
do comércio, influxo de novas mercadorias, competição intraterritorial, ação militar.
Tratava-se, de fato, da generalização das relações mercantis atingindo as mais amplas
regiões territoriais explorando e submetendo a natureza e o trabalho.
Ficar à margem da luta que os burgueses travavam para depurar as relações
econômicas das marcas feudais ou lançar-se ao mar para encontrar outras terras, delas
arrancar riquezas e vencer a concorrência pela supremacia do comércio? Eis as duas
opções visualizadas por Portugal, nesse tempo histórico, quando o contato entre nações,
povos, terras e territórios já se tornara fundamental para a superação da fase comercial.
Tal superação se impunha como necessária para alcançar a consolidação do capitalismo,
a ser regido pela produção e circulação da mercadoria, que contém capital agregado, no
seu valor de troca. Diante dos dois caminhos, a monarquia absolutista de Portugal não
hesita. Lança-se ao mar, iniciando um ciclo de navegações mediante complexa e
complicada interdependência política, cultural, patrimonial e financeira na qual se fundem,
misturam-se e contraditam-se interesses mercantis e interesses do Estado.
Objetivamente, o Estado monárquico e patrimonial português, sustentado na união
rei - comerciante, não via mais no mar limite do seu território ou um obstáculo ao seu
projeto. As viagens de descoberta passavam a ser compreendidas como extensão dos
interesses econômicos e políticos que se desenvolviam na terra.

41 Como afirma Fiuza de Mello (1999, p.39): As pré-condições para a explosão da era capitalista, da reprodução
ampliada da acumulação do capital, não decorriam, contudo, apenas das repercussões da revolução agrícola em solo
europeu, a qual com a expropriação dos camponeses preparam o adensamento do proletariado necessário à expansão
da manufatura (e, depois da indústria). Impulsionara a formação de um promissor mercado interno (em cada país), com
troca de mercadorias (matérias primas e produtos manufaturados) entre campo e cidade. O capitalismo quando emerge
em seu primeiro esplendor, no século XVI (e não antes), sob a forma do mercantilismo, já se constituía, então, num
sistema internacional em pleno desenvolvimento que tinha por base as necessidades do novo mercado mundial que
começava a ser criado pelas grandes do final do século XV; o comércio ativo e regular de longa distância como 'ossatura'
da nova onda de trocas - na expressão de Fernando Braudel.
55

Em 1418, já estavam reunidos em Sagres alguns dos melhores e mais experientes


pilotos, astrônomos, matemáticos, cartógrafos, vindos, principalmente de Gênova e
Veneza, ativas cidades comerciais da Itália. Acompanhando a superioridade da ciência
náutica portuguesa, a promulgação de atos de navegação como leis tipicamente mercantis
e a criação de grandes companhias de comércio completaram, mais tarde, a estratégia de
colonização em curso. É no quadrante das viagens nos mares da área do Atlântico, onde
naus e caravelas navegavam semanas a fio sem ver terra que uma nova colônia da
América Portuguesa começava a se constituir, o Brasil. As contradições de uma ação de
desenvolvimento resumindo e condensando, ao mesmo tempo, expropriação, exploração,
dominação e violência tiveram nessa colônia expressão particular.
A monarquia de Portugal, por volta de 1530, compreendia nitidamente os problemas
do projeto colonialista nas terras brasileiras. A vastidão das terras tão próximas do mar da
nova colônia exigia uma particular estratégia de defesa: a ocupação efetiva da terra. As
expedições guarda-costas e os primeiros e acanhados esboços de povoamento já eram
considerados equívocos, enquanto estratégias. Eles se tornaram limitados, residuais,
secundários como formas de defesa e domínio das terras coloniais. Confirmando a
soberania do Estado colonial e patrimonial português, na concessão do domínio da
propriedade fundiária, passaram a ser distribuídas fatias de terra entre donatários,
transformados, assim, em nome do Rei de Portugal, os primeiros donos de terra no Brasil.
A apropriação de terras (donatarias e capitanias hereditárias) pelos portugueses,
como é sabido, reportava-se à tradição medieval da Lei das Sesmarias42. Em dezembro de
1530, partia de Lisboa para o Brasil a primeira expedição colonizadora. Dela faziam parte,
fidalgos, navegadores, padres, trabalhadores de vários ofícios e profissões, todos
comandados pelo capitão-mor da conquista. Os poderes do capitão-mor eram graves e
vastos. Investido do poder do Estado colonial e patrimonial português, através da Carta do
capitão-mor para doar terra de sesmaria, além da autoridade para doar terras, detinha a
prerrogativa de fundar vilas, povoações e de criar mecanismos administrativos, jurídicos,
civis e criminais para regê-las.

42 A base legal era uma resolução de Afonso II, de 1240, que ratificava a perda de terras não ocupadas, prenuncio das
leis agrárias portuguesas inauguradas com a Lei das Sesmarias de Fernando I, em 1375. Portugal, após a Revolução de
Avis, reafirma o domínio monárquico sobre a propriedade da terra. No Brasil, a adoção do Regime das Sesmarias foi
implantada por Martim Afonso de Sousa, a partir do ano de 1530, mediante delegação de D. João III e somente
interrompido em 1822.
56

A terra era distribuída gratuitamente somente àqueles que possuíssem condições


de aproveitá-la e de pagar o dízimo, ou seja, ordens religiosas, amigos do Rei e
funcionários da Câmara. O primeiro capitão mor da conquista fundou a capitania de São
Vicente (a primeira povoação permanente) de modo que, à época da instalação do
Governo Geral (1549), já haviam sido fundados 16 povoados ou vilas no litoral da colônia
brasileira. Muitas são às questões passíveis de serem demarcadas como pertinentes à
efetivação do regime das capitanias hereditárias. Isolamento, dispersão e instabilidade se
constituem algumas delas, que ao se reunirem as tantas outras contradições e desafios
travaram e desfiguraram esse regime de expropriação e apropriação da terra brasileira.
Todavia, determinadas por certas relações sociais e exigências materiais algumas
capitanias prosperaram. As de São Vicente e Pernambuco, aliando estratégias militares e
de povoamento com dinâmicas econômico-mercantis, começaram a produzir alternativas
econômicas para a colônia. Algumas dinâmicas produtivas, sociais, espaciais e políticas
traçando a exploração da riqueza natural e os modos de obtê-la, selaram o caminho na
direção da agricultura. Sobre tal caminho agia uma determinação fundamental: a riqueza
das novas terras interessava para enriquecer a Coroa e não para expandir a Colônia43.
É nesse panorama que a estratégia de um governo centralizado - o Governo Geral
da Colônia - se viabilizou como possibilidade de unificar os recursos para a defesa e
povoamento do território. Em face das ameaças à segurança e à manutenção dos
domínios coloniais tal estratégia configurava-se como capaz de articular as diferentes
frentes do projeto colonialista português. Nesse projeto, natureza, homens, formas de
trabalho, condições materiais de vida, mecanismos da ação política colonizadora e o
caráter descontínuo das povoações, de modo contraditório, se interpenetravam, se
dispersavam e/ou se territorializavam na imensidão das terras coloniais do Brasil.

43 Fernandes (1976, p.22-23) indica alguns móveis capitalistas do comportamento econômico que foram introduzidos,
aqui, conjugados à colonização: (1) a distribuição da renda gerada no Brasil absolutamente de forma desigual, enquanto
a maior parte era remetida para o exterior (Coroa e agentes de financiamento da produção, entre outros) um diminuto
montante era apropriado pelos agentes econômicos locais; entretanto (2) seus ganhos financeiros (agentes
potencialmente econômicos) eram surpreendentes mesmo se comparados à luz dos padrões do capitalismo comercial, e
para garanti-los colocavam em risco suas honrarias e cabedais (no dizer de Weber, de direito estamental, advindos de
sua posição de nobreza e de serviços militares); (3) o suporte institucional desse processo estava em que "[...] o sistema
colonial organizava-se, tanto legal e política, quanto fiscal e financeiramente, para drenar as riquezas de dentro para
fora".
57

Enfrentar a oposição entre os limites do homem e a imponência do mundo natural e


definir mecanismos do poder metropolitano sobre a se constituíram como os desafios do
projeto colonialista do Estado Nacional português em formação. Num emaranhado de
determinações e mediações econômicas, políticas, culturais, demográficas e espaciais,
onde áreas ambientalmente diferenciadas foram postas em contato mercantis, realizou-se
a intensificação da partilha e doação de terras, definiu-se a fundação de vilas e cidades e
efetivou-se a imposição de modelos político-administrativos a esses núcleos urbanos.
Para instruir o primeiro governador geral de sua missão Dom João III, em 17 de
dezembro de 1548, tornou público um regimento. Nesse documento, o Rei declara seu
mais urgente interesse: "fazer uma fortaleza e povoação grande e forte". Para tanto, chega
a definir a localização da construção. Ao cumprir as disposições reais, em nome do Rei, o
governador geral funda, em 1549, a cidade de Salvador.

Vendo eu quanto serviço de Deus e meu é conservar e enobrecer as


capitanias e povoações das terras do Brasil e dar ordem e maneira com
que melhor e mais seguramente se possam ir povoando para exalçamento
da nossa santa fé e proveitos de meus reinos e senhorios e dos naturais
deles, ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e
povoação grande e forte em um lugar conveniente para daí se dar favor e
ajuda às outras povoações e se ministrar justiça e por ser informado que
na Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente, que na dita
Bahia se faça à construção.

Mas, o tempo era de guerras por terras e territórios, partes da base material de que
carece o capital para se desenvolver e se expandir. Como o poder político se fundava,
quase exclusivamente, em atos de violência, através deles terras e territórios foram
disputados e pilhados pelos gigantescos aparelhos nacionais de Estado em vias de
aparecimento. Um desses territórios nos interessa em particular.
De acordo com o estágio até agora atingido pelas pesquisas históricas e
documentais, os dados mais conhecidos apontam que, no ano de 1612, os franceses
iniciaram a constituição de um povoado, numa dada parte do Maranhão. Os portugueses
haviam se apossado dessas terras inicialmente apenas por meio de acordo, feito com a
Espanha, para dividir a América descoberta. João de Barros, dono, em nome do Rei, da
porção de terras ao Norte do Brasil, denominada Capitania do Maranhão havia, por volta
de 1538, fracassado na sua tentativa de ocupação da região.
58

Os franceses traçaram e executaram planos visando à apropriação e usos do


território. Como outras nações colonizadoras se depararam com povos indígenas (nações)
que eram soberanos nos territórios que ocupavam. Mas, o europeu refundou o território e
reterritorializou a terra. Era o estrangeiro subjugando homens e culturas. Isto se fazia em
nome da suposta missão civilizadora europeia e através da ação ativa de uma monarquia
absolutista - trazendo em si o embrião de um Estado nacional - se apropriando, mediante
expropriação, domínio e violência da terra de povos pré-existentes à sua chegada.
A primeira crônica sobre a apropriação dos franceses foi realizada pelo capuchinho
(franciscano) Claude d'Abeville, que integrou a expedição colonizadora comandada por
Daniel de La Ravardiére. Essa crônica do capuchinho faz parte dos muitos documentos
(cartas, diários, memórias, correspondências oficiais, mapas, relatos, paisagens)
elaborados pelos colonizadores e seus cronistas viajantes. Trabalhos propícios à criação
da aura da paisagem do território conquistado. Aura tão ao gosto do público europeu
interessado na exuberante geografia das terras recém-descobertas e no modo de viver de
povos considerados estranhos e “selvagens”. São excepcionais a terra e a gente, disse
Abeville (1975) sobre o Maranhão. Terra, águas, flora, fauna, vida humana, usos e
costumes dessa parte do mundo, em meio a alusões à situação estratégica e a topografia
das terras, são descritos num envolvente discurso geográfico.

[...] Escolheram uma bela praça, muito indicado para esse fim por se
achar numa alta montanha e na ponta de um rochedo inacessível e
mais elevado do que todos os outros e donde se descortina o terreno
a perder de vista; assim entrincheirado, formando um baluarte ao
lado da terra firme, é inconquistável e tanto mais forte quanto cercado
quase por completo por dois rios muitos profundos e largos que
desembocam no mar ao pé do dito rochedo (ABEVILLE, 1975, p.67).

Na bela praça, pelos franceses, um ancoradouro e uma paliçada foram construídos.


Formava-se de certo modo uma fortificação, referência para a fundação da futura cidadela.
Um marco territorial, estratégia primeira, tendo em vista a materialização, segundo alguns
historiadores, da França Equinocial: um empreendimento político-militar que deveria
garantir o controle estratégico da região.
59

No abrigo da precária fortificação, franceses, através de um projeto privado apoiado


pela Corte francesa, em nome de sua realeza a Regente Marie de Médicis, escreveram,
encenaram e impuseram convenções, mediadas por uma política religiosa católica. De
Upaon-Acú, como era chamada pelos índios tupinambás que a habitavam, a ilha passou a
se chamar Saint Louis, em homenagem ao rei de França e Navarra, Luís XIII. Na ilha de
Upaon-açu entre mares, rios e manguezais três anos durou a fortificação Saint Louis,
construída num promontório ao fundo de um golfo e junto a um porto natural44.
No ano de 1615, reafirmando as conquistas ultramarinas de Portugal e se
beneficiando das dificuldades encontradas na consolidação da existência da colônia
francesa nesta parte do mundo, os portugueses expulsaram os franceses. A razão política
é clara: outro Estado Nacional em formação lançou sobre a mesma terra e seus habitantes
o ethos ibérico e suas convenções, provocando novas relações entre o homem, a terra e o
território e descortinando originais modos de usos do espaço e possibilidades de vida
citadina. Outros planos territoriais foram então traçados: devendo ter a capacidade de
expressar e confirmar a autoridade política do Rei de Portugal e a autoridade ideológica e
cultural da Igreja Católica uma cidadela deveria ser erguida, exatamente, no lugar da
paliçada do Fort Saint Louis. A construção desse recorte territorial determinou que São
Luís (o chamado sítio histórico) se formasse empoleirada sobre um promontório no qual,
hoje, toda a parte antiga da cidade parece desafiar o tempo que passa e as mutações
urbanas que ele acarreta.

44 O tema da fundação da cidade de São Luís, ou melhor, a velha dúvida se franceses ou portugueses, permanece,
ainda, em debate. O jornal O Estado do Maranhão de 8 de setembro de 2001, a propósito dos 389 anos de fundação da
cidade, publicou argumentações de três historiadores. Na visão de Maria de Lourdes Launde Lacroix não teria havido
tempo hábil para que os franceses estabelecessem em São Luís uma verdadeira colônia, já que permaneceram nestas
terras apenas de 1612 a 1615. Para a historiadora o termo fundar remete a estabelecer, construir, lançar os alicerces e,
principalmente, dotar o burgo de instituições civis permanentes e os franceses nada disso fizeram. Argumenta que a
colonização francesa é apenas um mito explorado, pela elite decadente do Maranhão, no final do século XIX. Um
passado glorioso teria sido inventado como forma de suportar a decadência que se instaurou nesse momento. Para
Ananias Martins, pela conotação ocupacional que deram de posse, incluindo rituais e estatutos, e o período de ocupação
regular de quase três anos, sem contar os 20 anos de contatos iniciais fazendo escambo com os índios, os franceses,
sem dúvida nenhuma, são os primeiros colonizadores do território que viria a ser a cidade de São Luís. Na análise de
Mário Martins Meireles, um primeiro ponto a ser considerado é a diferença que existe entre um corsário e um pirata. O
pirata é um bandido dos mares, enquanto o corsário é um navegante que leva consigo uma carta de cônsul, ou seja,
viaja com o aval de um monarca. Daniel de La Touche, acusado de pirata pelo primeiro analista, seria um corsário na
opinião deste último. A rainha regente Maria de Médicis havia lhe dado concessão para a colonização de terras ao sul da
linha do Equador. A corte lhe autorizava a tomar posse em seu nome, de cinqüenta léguas de terras a cada banda do
forte a ser construído no Maranhão. A rainha fez questão de enviar uma missão de padres capuchinhos do Convento de
Paris para catequizar os futuros súditos franceses. No dia 8 de setembro de 1612 era fundado o Forte, que deu origem a
Vila São Luís. Tratava-se, pois de uma expedição colonizadora em nada comparável a ações de pirataria. Então,
segundo o historiador o mais correto é dizer São Luís e uma cidade portuguesa que nasceu francesa.
60

O engenheiro militar Francisco Frias de Mesquita (nomeado engenheiro-mor do


Brasil em 1603), comprovando a existência de uma atividade planejadora regular dos sítios
primitivos das povoações coloniais da América portuguesa, traçou um plano para a futura
construção da cidade. O plano condensava uma estratégia militar defensiva e uma
estratégia urbanística45. Para garantir a segurança e a ocupação do território, onde
existiam dois arcos ligados por uma cortina de madeira e terra foi construída outra
fortaleza de pedra e cal que dominava o porto: o Forte São Luís, o primeiro da série de
fortificações artilhadas a se espalharem na cidadela e nos seus arredores.
Nesse prisma, Francisco Frias de Mesquita tem importância mais que meramente
biográfica ou historiográfica. Esse singular protagonista fazia parte do grupo de homens
construtores de cidades fundadas em nome dos Estados metropolitanos. Esses novos
construtores do espaço começavam a arrancar do mestre de obra e do artesão medievais
a realização da atividade urbanística. Redefinição social, cultural, política e técnica
mediante a ampliação de um campo de ação que podia ir do objeto singular ao projeto em
escala urbana ou territorial. Revelando as fortes relações entre vida citadina e razões do
Estado, tais construtores formavam um segmento de funcionários régios especializados: -
os engenheiros militares encarregados do desenho e construção de fortificações, mapas e
cidades.
De fato, os tratados de arquitetura dos séculos XV e XVI estão repletos de cidades
ideais, ou seja, de cidades projetadas segundo critérios puramente racionais e
geométricos. Já se encontrava em plena ebulição claros indícios da ultrapassagem das
cidades do período medievo. À época, a crença na necessidade dessa superação era tão
forte que na Encyclopédie encontra-se registrado tanto o ideário do Iluminismo, quanto às
técnicas operacionais e desenhos construtivos entendidos e propostos como requisitos à
construção da nova cidade.

45
O trabalho Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial (2000) identifica a presença de uma atividade planejadora
urbana nas cidades mais antigas do Brasil. Nesse estudo, propondo uma perspectiva urbana da história brasileira os
pesquisadores chamam atenção para o fato de que a recuperação da história da colonização foi escrita, sobretudo, a
partir de documentos administrativos portugueses. Estes visavam os aspectos relevantes para a dominação colonial e
revelam uma completa indiferença, quando não ignorância, sobre muitos aspectos da vida colonial a exemplo da
presença de alguns setores com intensa vida urbana. Tal fato, talvez seja responsável pelo esquecimento, constatado
mesmo no século XX, da existência de algumas atividades urbanísticas nos séculos XVI e XVII e do intenso trabalho
realizado neste campo durante o século XVIII. Também, chamam atenção para a valorização na literatura brasileira da
política e dos costumes das famílias dos grandes proprietários rurais, estabelecida, principalmente, após a
Independência, sendo essa valorização quase absoluta em relação à vida rural em detrimento da urbana.
61

A cidadela de São Luís estendeu-se pouco a pouco. Ao expandir-se escapava à


visibilidade e irradiava frentes de povoamento em direção ao sertão e a ribeira dos rios. As
edificações, incluindo-se as moradias - ainda rústicas e embrionárias - procuravam
expressar o modo de ver a arquitetura e a carpintaria dos edifícios metropolitanos. Dava-
se que, aproveitando tradições urbanísticas de Portugal, as vilas e cidades do Brasil
colonial apresentavam ruas de aspecto uniforme, com residências construídas sobre o
alinhamento das vias públicas e paredes laterais sobre os limites dos terrenos. As ruas
não possuíam calçamento, com raras exceções, nem eram conhecidos passeios.
Mas, nas Cartas Régias ou em posturas municipais era pretendida a uniformidade
dos partidos arquitetônicos. Exigências de caráter formal, cuja finalidade era, em grande
parte, garantir para as vilas e cidades uma aparência portuguesa 46. Assim, nas cidades
coloniais, seus planejadores e construtores enfrentavam a tensão entre a inspiração
construtiva ligada ao padrão arquitetônico da Metrópole e as limitações ambientais,
técnicas e materiais presentes na Colônia.
Há que se considerar ainda a importância da propriedade santa - as grandes datas
apropriadas pela Igreja Católica, através das ordens religiosas e das confrarias - na
constituição dos primeiros embriões urbanos do Brasil. Por muitas vezes, na falta de
normas civis específicas para a conformação urbana, as leis eclesiásticas tornaram-se
definidoras das atividades e dos caminhos da expansão territorial47.
Todavia, não se pode esquecer que na América portuguesa os processos de
constituição das primeiras cidades se mostram indelevelmente ligados à questão da
defesa e segurança das terras conquistadas. No plano jurídico-formal as vilas coloniais
para obterem o estatuto de cidade necessitavam do crivo papal ou real (ou de seu
representante legal) e da ordem que ele estabelece e garante sobre a terra e o território.
Como assegura Prado Junior (1963, 1965), a economia colonial era um negócio do Rei.
Assim sendo, o estabelecimento de vilas e a fundação de cidades relacionavam-se
também à arrecadação de impostos, dos dízimos e dos foros48.

46 Ver sobre o assunto, dentre outros, Reis Filho (1995).


47 Consultar sobre o assunto Fridman (1999).
48A Carta Régia de 20 de janeiro de 1699, por exemplo, definiu o pagamento do foro, calculado por légua de terra, e

condicionou a distribuição de terras à conveniência do serviço régio. A natureza jurídica desses contratos, assim como
dos arrendamentos, inspirou a discussão entre alguns historiadores e estudiosos, do caráter feudal das propriedades
territoriais na colônia brasileira. Considere-se, por exemplo, a discussão de Sodré (1976, p.14-35).
62

Após a fixação dos portugueses (principalmente açorianos) no Maranhão49,


aumentaram os deslocamentos das frentes de povoamento nessa capitania e o núcleo
urbano construído a partir do Forte de São Luís tornou-se vila em 1621. Segundo Meirelles
(1994, p.260), em 1623, formava uma aglomeração com população estimada em 300
habitantes. Em termos espaciais, a contar do Forte, não se estendia para além da área
atual do Largo do Carmo. Sob o controle do Senado da Câmara, entre praças,
arruamentos e moradias dispostas, quer em partes mais elevadas ou em pequenas
ladeiras, o sítio ocupado estendia-se do Forte de São Felipe (hoje Palácio dos Leões), até
próximo ao Convento do Carmo (hoje Igreja do Carmo), dispondo de cerca de 10 ruas: três
no sentido leste-oeste, da Praia Grande à Rua da Palma, e sete perpendiculares (sentido
norte-sul) do Colégio dos Jesuítas (hoje Igreja da Sé) até o Desterro.
Apesar de possuir apenas uma pequena população fixa, logo desigualdades e
hierarquias sociais e ainda poderes particulares manifestaram-se no espaço citadino. O
Estado, a Igreja, os nobres e senhores, os militares, assim como os homens pobres livres
demarcaram terras e solos. Formaram-se diferentes arranjos sócio-espaciais e
construíram-se diferentes objetos fundiários e arquitetônicos.
Ermidas, igrejas, conventos, escolas, orfanatos, seminários, hospitais projetavam no
espaço a força da Igreja Católica e suas ações fundiárias50, missionárias, caritativas e
assistencialistas. Homens pobres livres ocupavam os lugares que escapavam dos
interesses e atos violentos das classes senhoriais e dos embrionários mecanismos de
ordenação territorial e citadina dominantes à época.

49 Manifestando particulares indicações quanto à determinação de que a História não se faz fora do espaço (SANTOS,
1979), o Estado do Maranhão estabelecido pela Carta Régia de 13 de junho de 1621 abarcava as capitanias do
Maranhão, Grão Pará e Rio Negro. Sucessivas delimitações explicadas pelas diferentes estratégias de defesa e
colonização dessa região se efetivariam, fazendo com que em 1755 as capitanias do norte, Grão-Pará e Maranhão,
malgrado suas autonomias administrativas, formassem um Estado com um governo delegado pela metrópole.
50 A demanda por terras e a construção de prédios da Igreja constituem-se importantes mediações da formação do

espaço urbano de São Luís. As igrejas do Desterro (a mais antiga da cidade), de Santo Antônio (1624), da Sé (1626), do
Carmo (1627), o Convento das Mercês (1654) formam um conjunto de igrejas, capelas e conventos construídos ainda no
século XVII que acompanham, definem e/ou reiteram os caminhos da expansão territorial da cidade. Tal determinação
pode ser observada, por exemplo, a partir da configuração da propriedade imobiliária do atual Convento das Mercês. No
ano de 1654 chegam a São Luís os religiosos da Ordem dos Mercedários para levantar seu convento (convento, igreja,
morada, roçado e fábrica) no lugar da ermida de Nossa Senhora do Desterro e chão a elas pertencentes. A posse tinha
sido obtida dos oficiais da Câmara no ano de 1648. A ermida do Desterro ficava no extremo sul, no alto de uma ponta de
terra que marcava a entrada de um vasto manguezal conhecido como Praia da Olaria. Como nas marés de enchente
esta área era coberta pelas águas do Ibicanga - que avançavam até próximo da depois chamada Fonte das Pedras - o
donatário de Cumã autorizou a Ordem, pelo Alvará de 22 de junho de 1654, a edificar o convento no sítio que lhes
acomodasse sem que ninguém lhes contradissesse. Através de doações o terreno da Ordem alcançaria 4.605 m2 e a
área e a área construída chegaria a 2.062 m2. (MEIRELLES, 1994).
63

A Casa de Câmara e Cadeia aparece como o suporte político e arquitetônico mais


emblemático do poder colonial. Como era regra no Brasil colônia, a Prefeitura continha
originalmente, também, a prisão. Os fidalgos e os militares (sargentos, capitães, alferes e
soldados) seguindo critérios como segurança e existência de água ocuparam parcelas
também estratégicas do espaço citadino, perto dos muros, do mar e do porto.
Assim, devassando terras, abrindo ruas e trilhas e se afastando das bordas do mar
e da marinha os habitantes da vila ampliaram progressivamente os usos da terra e os
modos de construção de suas casas de moradias e sítios. Por volta do ano de 1640, o
núcleo urbano inicial já se precipitava sobre outros rumos. Um caminho, situado entre os
rios Bacanga e Anil, foi sendo transformando no elemento central dessa expansão. O
caminho - denominado Estrada Real, Rua Larga, Caminho Grande e finalmente Rua
Grande - avançou em direção ao interior da Ilha, arrastando a expansão da cidade
praticamente num único feixe viário. Os novos espaços de ocupação, durante longo
período, não foram mais que desdobramentos desse primeiro caminho.
Mas esse tempo histórico continuava a ser de disputas e guerras por vantagens
mercantis, pela terra e suas riquezas e pela supremacia no comércio colonial. Na
seqüência de expedições que ora rumavam para o Pacífico, ora seguiam as indicações
das cartas de marear o Atlântico51, em meio de atividades náuticas (comércio ou
conquista) os holandeses chegaram ao Brasil. Em 1630, após tentativa fracassada na
Bahia, realizaram a conquista das terras açucareiras de Pernambuco, a mais rica colônia
de Portugal e a área de produção de açúcar mais importante do mundo. Na rota do açúcar,
em 1641, procuraram ampliar seus domínios em direção ao Maranhão.
Com claras intenções de posse e conquista, a Holanda tentava retomar sua antiga
hegemonia de distribuidor de açúcar na Europa, o que antes fazia em acordo com
Portugal. No panorama das disputas ultramarinas em curso, os holandeses não teriam no
Norte os resultados obtidos em Pernambuco. Ainda assim, ampliaram a agromanufatura
do açúcar e o número de engenhos já existentes. Após três anos de ocupação, a
população de São Luís sublevada, incentivada por jesuítas e índios, expulsou os
holandeses do Maranhão.

51Cartas baseadas em padrões portugueses, mas incorporadas à gigantesca obra cartográfica que astrônomos,
geógrafos, capitães, pilotos e marinheiros holandeses – ou a serviço Companhia das Índias Ocidentais – realizaram em
relação ao território colonial português.
64

Em 1645, a revolta luso-brasileira agravou a crise do Brasil Holandês, que entre


batalhas campais e negociações diplomáticas ainda se arrastaria até aproximadamente
1703. Os holandeses, lastreados pela riqueza das tradições paisagísticas em voga na
Holanda, produziram paisagens e plantas cartográficas dos momentos iniciais da formação
da cidade de São Luís.

Figura 1
PAISAGEM DA CIDADE DE SÃO LUÍS EM 1641
Fonte: Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial – EDUSP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: 2000
65

Figura 2
PLANTA DA CIDADE DE SÃO LUÍS EM 1641
Fonte: Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial - EDUSP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: 2000
66

As duas figuras mostradas (Paisagem da cidade de São Luís em 1641 e Planta da


cidade de São Luís em 1641) integram um importante conjunto iconográfico de planos,
traçados urbanísticos, imagens e gravuras. Trata-se de materiais documentários que
registram o imaginário cartográfico, as representações do território para fins de uso e
controle, o interesse na construção de cidades coloniais. A ênfase na atividade urbanística
denota também o caráter comercial do projeto holandês nos domínios coloniais de
Portugal. Os holandeses não procuravam intervir na cultura da cana de açúcar, nem no
fabrico do açúcar. Interessava-lhes assegurar o seu comércio. Para tanto, dotar de
infraestrutura material a vida social, através do planejamento e construção de cidades e
portos, se afigurava como estratégia fundamental à circulação das mercadorias52.
Na análise do conjunto de figuras urbanas criadas pelos holandeses cerca de 30
anos após a fundação da cidade de São Luís aparecem indicações importantes quanto
aos usos do espaço e edificações. A Fortaleza de São Luís, na extremidade do local em
que se construiu a cidade, aparece como a edificação mais importante. Ela teria cerca de
200 metros de largura por 300 de comprimento. No seu interior são indicadas 45 unidades,
à semelhança das casas na cidade. Isto permite admitir que, de início, o forte abrigasse
uma parte importante da população. Ao oeste e ao norte da fortaleza vê-se a cidade, com
31 quadras e 14 ruas. Nelas são indicadas por volta de 163 casas, que poderiam abrigar
de 600 a 800 habitantes, além das existentes no interior do forte. No centro da área
urbanizada aparecem a Igreja Matriz, e nas bordas da cidade, na margem oposta do canal,
diversas fortificações.

52 Aspectos do particular desenvolvimento de Recife, no período holandês, são descritos por Josué de Castro nos
seguintes termos: “Começou o novo governador por ir habitar a ilha de Antônio Vaz, sendo, sob sua orientação, traçado
e iniciado um plano urbano da ilha, para levantamento da cidade, que os Conselhos políticos decidiram chamar de
Mauritzstadt, em homenagem ao seu fundador. Antônio Vaz era uma ilha colocada estrategicamente entre os rios - o
Capibaribe e o Beberibe - em cujos vales prosperava maravilhosamente a indústria do açúcar, cujo produto descia em
barcaças por seus leitos navegáveis até o porto. O sistema defensivo da cidade Maurícia, composto do lado que olha
para o continente de um baluarte em alinhamento quebrado, com fossos e paliçadas e com seus bastiões a distâncias
regulares, é absolutamente idêntico ao que se apresentava cercando Amsterdã de 1667. Do lado de fora dessa muralha,
na parte norte da ilha, fez Nassau levantar o seu famoso castelo de Vrijburg (Cidade da Liberdade), com suas duas altas
torres servindo uma de farol que era avistado do mar numa distância de 5 a 6 milhas. Do lado oeste a cidade, voltado
para o continente, levanta Nassau seu outro palácio (o de verão), chamado Castelo da Boa Vista. Ligou também esse
notável administrador a cidade Maurícia ao Recife e ao continente, por meio de duas pontes procurando destarte
solidarizar as diferentes vias de comunicação que convergiam para o porto. Quando os holandeses são expulsos do
Brasil já contava Recife com 2.000 casas e cerca de 8.000 habitantes. Sua grande prosperidade derivava da exportação
de açúcar, que atravessa, na primeira metade do século XVII, seu período de máxima expansão”. (apud SINGER, 1977,
p.273).
67

Se considerarmos as maneiras diversas pelas quais as nações colonialistas, dentre


elas França, Holanda e Portugal, expropriaram e incorporaram terras e fundaram ou
construíram cidadelas, vilas e cidades em várias regiões do mundo, especialmente do
Brasil, fica inevitável concluir que, até por volta de meados do século XVIII, São Luís,
elevada à categoria de cidade no ano de 1677, apresentava um dos menores graus de
crescimento e desenvolvimento citadino dentro dos domínios coloniais. Parte dessa
dinâmica pode ser relacionada à própria legislação colonial, que criava obstáculos para o
desenvolvimento da produção local. Em 1680, o Senado da Câmara de São Luís, em face
da realidade da vida material dos habitantes da cidade, se queixava:

[...] era tal e tanta a miséria, que o geral dos moradores, e ainda os mais
qualificados, andam vestidos de pano de algodão grosso, tinto de preto.

Contra a fatal ruína que ameaça a todos, não só a violência do presente contrato,
mas a que já chorava no absoluto domínio dos missionários da Companhia de Jesus com
a administração dos índios libertos. Estes são pontos explicitados na reivindicação dos
colonos quanto à revogação do monopólio da Companhia de Comércio do Estado do
Maranhão e a expulsão dos jesuítas. Mas, foi vã a contestação e luta dos colonos
(1684/85) para recuperar a mão livre sobre a escravização de índios e as práticas de
comércio. Afirmando o poder do Estado português sobre sua colônia, Manuel Beckman,
chefe de uma das primeiras revoltas coletivas de São Luís, foi enforcado em 12 de
novembro de 1685.
Quanto à saúde da população dessa cidade, as possibilidades de cura, inclusive das
graves epidemias pestilentas, se encontravam referidas mais aos saberes do índio, do
negro e do jesuíta, que ao saber médico. Em 1621, a primeira epidemia de varíola teria
dizimado a população de São Luís, que ainda não excedera de 1.000 habitantes53.

53 Em ofício de 1°/7/1718, a Câmara voltaria à presença da Coroa para dizer que com ansiedade aguardava o médico
prometido, assegurando que havia de pagar-lhe pontualmente os Rs. 50$000 anuais ajustados. Decorrido mais um ano
insistia a Câmara junto ao trono, em data de 26/4/1719, solicitando pelo amor de Deus fossem mandados com urgência,
para o Estado, um médico, um cirurgião e um boticário. O desespero do pedido do governo municipal de São Luís, que já
o fazia apelando para o amor de Deus, compreende-se não só por motivo dos tantos anos em que se estava sem médico
e sem farmacêutico. De fato, o estado sanitário da cidade piorava a cada dia com os sucessivos surtos de varíola
realimentados de quando em vez pelas novas levas de escravos trazidos da África pelos navios tumbeiros e contra o que
pouco valia a ação do juiz da Saúde, em verdade simplesmente um vereador. Cf. a respeito Meirelles (1994).
68

Conta Meireles (1994): Diogo da Costa Machado (1619/22), capitão-mor que


governava a cidade, na falta de recursos, pois que médico e botica não havia, em meio a
uma série de movimentos místicos, rezas e procissões, apelou para tiros de bombardas
com que, do forte para o céu, pretendia defender a cidade, purificando-lhe os ares
empestados, com a fumaça de muita pólvora. Em seu expediente de 9/7/1696, o Senado
da Câmara calculara, para a Coroa, em 2.000 o número de mortos pela última epidemia,
ocorrida no ano anterior, ou seja, em números redondos, dois terços do total da população
estimada para a cidade, em 1690, em apenas 600 famílias.
O tema da sujeira e o correlato zelo com a limpeza da cidade, encargo atribuído a
Câmara Municipal, são recorrentes nos códigos lusos. As Ordenações Filipinas de 1604
focalizavam o controle dos estercos, águas, animais, comércio de alimentos e o porto.
Este era objeto da ação municipal, porque era visto como via de penetração das pestes.
Mas, as ruas estreitas, poeirentas e sujas de São Luís contrastavam com as prescrições
das Ordenações Filipinas que regiam as Câmaras Municipais das cidades de Portugal e
colônias. Segundo Vieira Filho (apud PALHANO, 1988, p.233), os grandes higienistas
eram o vento e as águas das grossas chuvas que lavavam as ruas de São Luís.
Índios, portugueses e africanos conviviam nesse núcleo urbano embrionário com o
perigo da insalubridade e partilhavam formas cotidianas de existência e estratégias de
sobrevivência, concentrados num território atravessado pelas relações de dominação e
poder que encarnavam.
Do ponto de vista das condições da moradia, de modo geral, ter-se-ia nas vilas-
cidades do Brasil certa homogeneidade nas construções urbanas, com casas de tamanho
mais reduzido, nas quais predominavam técnicas construtivas e materiais disponíveis na
região como paus, barro, palha ou pedras54. Em São Luís ou suas proximidades, as
moradias dos homens pobres livres consistiam em pequenas casas com um ou dois
cômodos, nos quais se dormia, cozinhava e, muitas vezes, ainda abrigavam uma pequena
oficina que podia conter rodas de farinha, instrumentos para produzir aguardentes
(molinetes), panos e fios de algodão.

54 As pesquisas de Rolnik (1997, p.29) apontam que “[...] não havia muita diferença entre a planta e os programas das
casas mais ricas e as mais pobres: a diferença residia basicamente no material de construção - sobretudo no piso de
terra batida das residências mais humildes e no assoalho para as casa de maiores posses, no tipo de taipa das paredes
e no número de materiais empregados nas portas e janelas”.
69

Eram se assim for possível tipificar as casas populares urbanas: moradias pequenas
e precárias, mas entulhadas de pessoas (seis, sete, às vezes mais), de instrumentos de
trabalho, de esteiras de palha, de feixes de lenha, de panelas, vasilhas ou caçarolas de
barro e tantos outros elementos reunidos para garantir a subsistência.
As casas dos indivíduos e famílias das classes senhoriais dispunham de mais
aposentos. Fechadas pelas paredes do privado, nessas moradias já se faziam a nítida
separação entre os aposentos de recepção, que davam para a rua, e a cozinha, que se
voltava para o pátio ou quintal. Quanto aos escravos, quando não dispunham de senzala
ou galpão, fugindo ao frio do descampado, esticavam a noite suas esteiras de palha em
qualquer lugar, inclusive na cozinha, próximo ao fogão.
Por todos esses fatos, nas vilas e cidades coloniais do Brasil, a exemplo de São
Luís, os estratos sociais da sociedade estamental (num conjunto de documentos tais
estratos aparecem identificados por diferentes denominações: filhos do reino,
descendentes de europeus, negros da lavoura, livres pobres, antigos donos da terra,
índios, o clero, os colonos, os nativos, os fidalgos, os escravos, os negros, os brancos, a
nobreza, os senhores), as espoliações e agonias manifestadas nas condições de vida e
trabalho de índios e escravos negros, como também de trabalhadores brancos, frações
pobres, apesar de livres, deixam por demais evidentes desigualdades sociais.
Então, poder-se-ia dizer que elementos da segregação social, e talvez sócio-
espacial, já se encontrariam lá (como virtualidades não realizadas plenamente, tendências
em curso), porque envolvendo relações entre senhor e escravos, campo e cidade, colônia
e metrópole, momento no qual a divisão social do trabalho aqui começava a acontecer,
baseada numa organização subalterna de traço colonial, onde as bases da propriedade
privada estavam se assentando mediante, inclusive, da transição de uma economia sem
grande expressividade agrícola ou acúmulo de riqueza para uma economia voltada para o
mercado externo, com a montagem do sistema agro-exportador?
De fato, no processo sócio-histórico dessa cidade nascente constituíram-se
configurações e relações sócio-espaciais particulares, que guardavam nexos profundos
com os modos através dos quais surgiu e se desenvolveu no Maranhão e na totalidade da
colônia, a lavoura mercantil de larga escala assentada no trabalho escravo do negro e
atividades comerciais e portuárias em seus espaços.
70

Da mesma maneira, na constituição desse momento da vida citadina de São Luís


apareceram imbricações orgânicas entre as formas de apropriação e uso da terra, a
estruturação do poder local, as lutas pela garantia da reprodução material, cultural e
subjetiva dos trabalhadores, principalmente daqueles submetidos à escravidão (mão-de-
obra escrava mista, mestiça, indígena e africana) e as ações políticas articuladas em torno
da afirmação ou contestação da Monarquia. Afinal, a constituição dos modos de vida
urbanos envolve, a um só tempo, as bases materiais da produção e as dinâmicas da
reprodução social. A apreensão de momentos dessa constituição deve assentar-se,
portanto, no como e com que meios de trabalho eram produzidos, se distribuíam e se
consumiam os bens e serviços resultantes do trabalho social e coletivo.
Produção mercantil, trabalho escravo, atividades portuárias desenvolvidas no
espaço citadino, mandonismo aberto (apoiado em explícitas práticas patrimoniais) podem
ser demarcados como traços históricos gerais e centrais a partir dos quais se conformou
de modo nítido o primeiro perfil urbano de São Luís: uma ilha do arquipélago urbano-
portuário, que a história da colonização da América portuguesa produziu nas terras
oceânicas do Brasil. Perfil ao qual serão somados outros tantos, sempre como produtos
históricos precários e provisórios do desenvolvimento das forças produtivas e lutas
políticas de sujeitos históricos concretos num contexto social e geográfico determinado.
Vamos aos fatos. Teria sido por volta de 1650 que, no Maranhão, organizaram-se
atividades produtoras de bens agrários para fins comerciais. Inserido na fase, que
Arcangeli (1987) denominou de conquista e povoamento, que vai do início do século XVII
até o início da segunda metade do XVIII, esse estado ainda não se integrava, de forma
direta e substantiva, a economia primário-exportadora da América portuguesa.
Na demarcação dos lugares mais opulentos e povoados do Maranhão, Gaioso
(1970) esboça uma espécie de itinerário da materialização territorial da atividade produtiva
e da concentração espacial da população: - das povoações são as mais importantes, a
cidade de São Luís do Maranhão, a vila de Alcântara e a ribeira do Itapecuru. São Luís
ficava com as repartições administrativas, o comércio da Praia Grande, o corredor de
exportação dos produtos da Baixada, e posteriormente, com um complexo industrial.
Alcântara com as salinas, os canaviais, os pescadores, o comércio, as fazendas. A ribeira
de Itapecuru com os algodoais, os arrozais, as madeiras, os couros, a pecuária.
71

Interditados de produzirem bens manufaturados e compelidos para a intensificação


da lavoura mercantil, ano após anos, mês após mês, dia após dia, na alternância das
estações secas e úmidas, nas lavouras e algodoais, canaviais da região da baixada,
fazendas de gado do sertão, os lavradores (numa alusão aos antigos proprietários de
lavouras assim eram denominados os grandes proprietários de terras, os senhores de
engenho e os fazendeiros de algodão) levavam seus colonos e escravos a uma
exploração predatória e itinerante do solo, fazendo-os se dedicarem, progressivamente, à
produção de um conjunto de cultivos de exportação: açúcar, arroz, algodão.
Trata-se de um processo sócio-econômico não redutível à história do complexo
minerador, cafeicultor ou canavieiro próprio ao Brasil colonial (CORRÊA, 1993). Tal
processo comportava a configuração produtiva de exploração agrária estadual que
conheceu uma hierarquia de cultivos de exportação, dependentes das conjunturas do
mercado internacional. Dessa maneira, o protagonista senhorial da constituição primária
da sociedade maranhense não foi, como em Pernambuco, o latifundiário de canaviais, ao
qual à riqueza do solo, nas palavras de Freire (1992), permitiu “[...] suceder-se no mesmo
engenho, fortalecer, criar raízes nas casas de pedra e cal”.
No Maranhão, a antiguidade do cultivo do açúcar não correspondeu à esperada
eficiência na produção alcançada, nos séculos coloniais, em algumas regiões do Brasil. O
arroz, cultivo de introdução muito posterior, formou com o algodão e o açúcar os principais
produtos da economia maranhense. Em cada um desses cultivos, registram-se diversas
ações necessárias à produção: desmatamento, plantio, colheita, transporte, moagem,
armazenamento. Toda essa atividade produtiva tendo por base o trabalho agrícola, que se
tornava cada vez mais intenso, exigia grande quantidade de trabalhadores e de tempo de
trabalho.
Tal exigência encontrou resposta no universo cruel da escravidão do negro africano.
Acontece que a ocupação e o povoamento e ainda a valorização econômica de certas
áreas da Colônia estavam diretamente atreladas ao estabelecimento de linhas comerciais.
Estas só tornavam-se economicamente viáveis a partir de certo volume de produtos a
serem comercializados. Inicialmente, a dinâmica das trocas comerciais regionais, em
especial, com as cidades de Alcântara e Belém, dava-se através da utilização, como valor
comum de troca, do cravo e do pano de algodão.
72

A proibição régia à atividade manufatureira (exceção feita à fabricação manual de


panos de algodão e lãs) e à circulação de moedas metálicas na região limitava,
drasticamente, os ofícios e as atividades econômicas. Estamos diante da política mercantil
da metrópole, que tinha no regime de minas uma das suas formas mais opressiva e na
proibição de manufatura, salvo para os tecidos de algodão, sua face mais intolerante. O
Estado colonialista português impedia, dessa forma, a possibilidade de realização do
período manufatureiro, o qual, em determinados países europeus já estava a desenvolver,
sobre as tradições sólidas e disciplinares das corporações de ofícios, os primeiros
elementos científicos e técnicos da indústria moderna sob o capital.
Apesar da utilização do trabalho do índio, das artes de guerra das populações
ameríndias, do ímpeto guerreiro, feroz e canibal atribuído aos tupinambás, assim como
das leis portuguesas voltadas para a proteção dos índios55 e da força das pregações
jesuíticas contra a escravização do índio, a nação tupinambá, no século XVIII, já havia sido
praticamente exterminada da costa do Maranhão. Já se tratava da plena incorporação do
trabalho do escravo negro nas dinâmicas produtivas coloniais no Maranhão e do
incremento das atividades portuárias na cidade de São Luís, atividades já inseridas no
comércio ativo e regular do mercado mundial em formação. Com o tráfico negreiro teriam
vindo da África para o Brasil por volta de 18 milhões de escravos (RAMOS, 1946).
De acordo com Meirelles (1994), a informação mais remota quanto à presença de
escravos negros no Maranhão data de 1655 e toma por base o ato do Senado da Câmara
de São Luís ao criar o cargo de Juiz da Saúde: “[...] por haver na cidade muitas moléstias
e para visitar os navios que chegavam com os negros”. Este autor procura destacar que a
escravatura africana já existiria no Maranhão pelo menos cem anos antes da Companhia
Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, cuja ação, apoiada nos privilégios
monopolistas das companhias mercantis, reforçaria o tráfico de escravos e a integração do
Maranhão no grande comércio colonial.

55 Sabe-se que o Regimento (1548) promulgado para orientar o governo geral de Tomé de Souza só permitia a punição
de índios considerados rebeldes. A Carta Régia de 20 de março de 1570 estabelecia o apresamento só por decorrência
de guerra justa. Outras leis promulgadas nos anos de 1605 e 1609 defendem a liberdade dos índios e proíbem o trabalho
forçado (PRADO Jr., 1963). Para Kowarick (1985b), não se pode atribuir a preferência pelo escravo negro ao índio
baseando-se no argumento da chamada índole indígena. Retomando a análise de Marx sobre o papel do tráfico negro na
acumulação primitiva e a de Fernando Novais sobre a dinâmica do sistema colonial, este estudioso ressalta que o
apresamento do índio era um negócio interno, e, como tal, não interessava à Metrópole. Mas, os lucros gerados no
comércio de africanos seguiam para a Metrópole. As vantagens econômicas do tráfico antecederiam, assim, a
escravidão africana na Colônia.
73

Sob o apoio da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão,


consoante com os sistemas econômicos, os arranjos de poder e os jogos de interesses
que compareceram para organizá-la, entre 1757 e 1777, entraram pelo porto de São Luís
12.587 escravos, sendo daí em diante constante o movimento dos chamados navios
negreiros no golfo do Maranhão (MEIRELLES, 1994).
A terra, o índio e o negro iniciavam então particulares e singulares trajetórias como
dimensões cruciais da formação histórica da sociedade brasileira e maranhense. A
dominação por meio da escravização, a brutal exploração dos escravos e dos homens
pobres livres, a posse de terras recebidas por doação do Rei, assim como os privilégios e
regalias advindos de posição de nobreza e da ocupação em serviços militares imprimiram
nas dinâmicas políticas e sócio-culturais coloniais traços fortemente senhoriais.
Esses traços, peculiares a uma sociedade estamental e patrimonial 56 e suas formas
ostensivas de autoridade e domínio, alcançavam a família57 e uma clientela. O
mandonismo aberto dos senhores brotava e se desenvolvia mediante acordo e coação,
cordialidade e servidão. Através da união desses pares que formavam, contraditoriamente,
verdadeiros elos de integração, os colonizadores espoliavam, exploravam e subordinavam
a olônia às exigências de seus interesses, conservação e permanência. É certo que se
tratava de uma colonização moderna58, mas a sociedade colonial ainda movimentava-se
nas engrenagens da corte do Antigo Regime.
Elias (1995), apoiado em Weber, recorda que quando o rei organiza o seu poder
político segundo os princípios do seu poder doméstico estamos diante de uma estrutura
patrimonial do Estado. De modo geral, esse tipo de propriedade alargada, que transita da
esfera do privado para o público, sem peias e obstáculos, faz com que a grandeza do reino
corresponda à grandeza da corte régia. Nessa arquitetura ideológica e político-cultural, os
atos do rei, mesmo os mais privados, assumem o caráter cerimonial de ações do Estado.
Em qualquer ação do Estado se reveste o caráter de uma realização pessoal do rei.

56 As referências ao Brasil Colônia, como uma sociedade estamental e senhorial - sendo sua base material formada pela
fazenda e pelo trabalho escravo, e seu suporte social a dominação patrimonialista - segue a linha de análise
empreendida por FERNANDES (1976).
57 Em Freire (1992) a ascensão e queda da família patriarcal são chaves para a compreensão da história brasileira.
58 Para Mello (1991) trata-se de uma colonização moderna e a mesma, conforme Marx, está contida num processo de

organização muito mais amplo. Ela coloca-se como uma determinante histórica do processo de constituição do modo de
produção capitalista, ou seja, no âmbito de um estatuto colonial e capitalista que se estabelece de modo expansivo.
74

1.2 Senhores, escravos e livres pobres numa praça portuária mercantil:


organização sócio-espacial e condições de moradia

A efetividade da colonização, no Brasil, impunha aos espaços citadinos em


formação, determinações, exigências, desafios. Os habitantes de cada cidade, sua elite
urbana, com negócios no campo, ocupando, como representantes do poder régio
metropolitano, funções na precária estrutura governamental, foram construindo certas
formas de produção político-econômicas e dados formatos sócio-culturais. Cada cidade
realizava singulares movimentos necessários à sua reprodução. Contudo, isto se
concretizava fortemente ligado à posição que ocupavam nas relações sociais do ciclo da
civilização a que se vinculavam: uma cidade colonial de um sistema político-econômico
espoliador e opressor, que contribuía na dinâmica da acumulação primitiva do capital.
No Maranhão, essas determinações históricas gerais, mediadas pela particularidade
da colonização no Brasil e na região, foram convergentes à criação de um verdadeiro
senhoriato. Um estamento coeso de lusitanos, muitos deles investidos do poder real, que
conjugavam: (a) posse de escravos e de terras (muitas delas propriedades que se perdiam
de vista rumo a todos os horizontes), (b) comando da realização de práticas agrárias e
mercantis; (c) influência local e condições políticas para o exercício do mando, e (d) viver
como um nobre. Essa classe senhorial convivia, no espaço citadino colonial e imperial,
com trabalhadores escravizados e ainda com homens livres, mas não senhores.
Expressões da desigualdade social e das diferenças raciais, étnicas e regionais, peculiares
à sociedade brasileira e maranhense, começavam aqui longa e complexa trama.
Na montagem inicial da engrenagem dessa maquinaria destaca-se a criação da
Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (empreendimento que contava
na formação de seu grupo de acionistas com comerciantes portugueses e colonos
maranhenses), cuja existência se circunscreveu aos anos de 1755 e 1778. Como já
anotado, sua política de incentivo à lavoura, ao comércio, ao regime escravista de
trabalho, às atividades portuárias e mesmo a indústria, e ainda a concentração nos
problemas de segurança do território colonial, repercutiram na dinâmica regional e na
organização sócio-espacial da cidade de São Luís.
75

A ampla distribuição de sesmarias, o crédito para a compra de escravos, a


multiplicação das unidades produtivas mediante a ocupação dos vales férteis dos rios e a
formação de espaços para a realização e regulação da atividade comercial se constituíram
pilares importantes do desenvolvimento do sistema agro-exportador que então se formava.
Nas margens dos rios Anil e Bacanga, atingidas pelo movimento das marés, se
formaram territórios que abarcavam as principais atividades laborais de uma cidade
rigidamente estratificada. No rio Bacanga, se encontravam os territórios da Madre Deus,
do Desterro e da Praia Grande. Neste último, o desenvolvimento de substantivas
atividades comerciais, portuárias e imobiliárias demonstrava que São Luís se tornara uma
cidade importante no império ultramarino português. As atividades agrárias no campo
maranhense e as atividades portuário-mercantis na Praia Grande integravam a cidade a
um arquipélago de praças de comércio mediterrâneos e mundiais. Não se tratava mais
apenas de pequenos grupos (fazendeiros, sargentos ou pessoas ligadas ao alto clero)
comerciando boiadas, aguardentes, vinhos ou panos nobres. Tratava-se agora da
formação de um complexo exportador-importador e de um dos mais importantes núcleos
portuários da colônia brasileira. Cidade e porto guardam aqui relações essenciais. A
cidade é o elo principal e o espaço central de articulação entre a atividade portuária e o
mercado colonial. A metáfora geográfica, a imagem de uma cidade confinada pelo mar
apenas estratégica para a defesa do território começava a ser fortemente alterada.
Do ponto de vista urbanístico, até o final do século XVIII, o núcleo central da cidade
de São Luís, abrigando uma população de 17.000 habitantes (SERFHAU, 1970),
apresentava-se, de maneira geral, bastante simples. Mas, ao longo da primeira metade do
século XIX esse núcleo passou a desempenhar papel inédito na dinâmica sócio-espacial
da região. Pelos resultados da pesquisa documental, registram-se obras de calçamento de
ruas com lajes e pedras grandes e de construção de muros de arrimo, galerias
subterrâneas, fontes e poços. Nota-se também o aparecimento de restrições formalizadas
no Código de Posturas da Câmara, a exemplo, da proibição de casas cobertas de palha
dentro da cidade. Apesar desses investimentos e regulamentações, não se tratava de
amplo planejamento do sistema citadino - em face do crescimento populacional e da
criação de necessidades coletivas - que incluísse fornecimento de serviços urbanos de
consumo coletivo para toda a população urbana.
76

O que pode ser identificado como um dos traços mais visíveis da metamorfose
citadina em destaque é a presença de certos bens materiais, simbólicos e públicos que se
cruzavam sem cessar na construção de imobiliários urbanos (prédios de função comercial
e residencial) e na formação do poder, cultura e padrão urbanístico local59. Um forte
contraste, decorrente do modo como às desigualdades sociais e étnico-raciais se
expressavam na polarização entre abundância e carência, assumia progressivamente
formas espaciais, no aspecto da moradia, nos imóveis comerciais, nos largos e praças
públicas, na produção e acessibilidade a recursos infra-estruturais da vida urbana.
Sobre os sobrados urbanos então construídos, Silva F. (1998, p. 37) faz os
seguintes registros:

“A legislação provincial exigia o risco e o desenho exterior da obra e o


emprego global da tipologia testemunha o rigor do postulado urbanístico então
vigente. César Marques registra a presença de vários engenheiros, arquitetos e
construtores que atuaram no Maranhão. Basto Ferrer também cita alguns
portugueses que construíram no Estado principalmente edificações militares.
Contudo, e em que pese à homogeneidade, o rigor de princípios, o esmero técnico,
as preocupações artísticas, os projetos da arquitetura civil ainda são desconhecidos.
Já os proprietários e datas de construção são encontrados nas grades de sacadas
em forma de monogramas, nas vergas das portas e em lápides abertas a cinzel,
como a existente no cunhal de um sobrado na Rua de Nazaré com a Rua da Estrela,
que diz: Caetano José Teixeira fez edficar esta proprede, Em 1807”

As edificações (casas de vivenda, casas comerciais ou prédios públicos muitos


paramentados com azulejos portugueses) construídas, sob a orientação de mestres
pedreiros, que ainda conservavam o título medieval de mestre de obra. Ainda as estruturas
urbanísticas públicas, com seus traçados ortogonais de arruamento e a largura constante
das ruas. Também as fontes e fortificações dão-nos, segundo sua disposição arquitetural
manifesta ainda hoje, favorecem a percepção segura e clara sobre a força dos processos
de enriquecimento das elites senhoriais do Maranhão, assim como sobre a grandeza do
experimento de arquitetura luso-brasileira efetivado nesse estado.

59Importante não esquecer que com a riqueza acumulada pela exportação de matérias-primas regionais, e ainda que
São Luís exercesse controle político e administrativo sobre os espaços citadinos do baixo sertão, outros importantes
experimentos de arquitetura luso-brasileira também se faziam presente, nesse momento, nos territórios de Alcântara,
Viana, Santa Maria do Icatu, Aldeias Altas, dentre outros.
77

Figura 3 - PRAIA GRANDE: MORADIAS COLONIAIS (SÂO LUÍS - MARANHÃO)


Fonte: Centro Histórico de São Luís – Maranhão: patrimônio mundial. São Luís: CPC / SEMCA, 1998.

Em meio a prédios que recebiam denominações como morada e meia, meia morada
e comércio, morada inteira, porta e janela surgiam, para abrigar ricos senhores,
imponentes casarios de até quatro pavimentos, construídos de pedra e cal, com sacadas
de ferro batido, portadas em pedra de Lioz (uma variedade de calcário branco e duro) ou
pedras de cantaria (pedras lavradas e cortadas para serem aplicadas em diferentes parte
de uma edificação), com fachadas revestidas de coloridos azulejos portugueses e
franceses60. Dentro desses casarios, palacetes ou sobrados, em salões atapetados, um
acúmulo de objetos. Camas de dossel, cristaleiras, consoles, lustres, jarros e luxuosas
baixelas de prata e porcelana de procedências diversas (européias ou nacionais)
denotavam e ostentavam a riqueza material de seus donos61.

60 "Casas de azulejos de um lado e de outro, com grades de ferro rendilhadas, vidros coloridos no leque das janelas, um
ou outro portal de pedra". (MONTELLO, 1978).
61 "Pelas janelas escancaradas, espreitava de passagem os grandes retratos nas paredes, os espelhos doirados, as

cadeiras estofadas, os consoles de tampo de mármores com jarros de porcelana, as camas de dossel, o enorme oratório
de jacarandá cheio de santos". (MONTELLO, 1978).
78

Casarios, palacetes ou sobrados formavam quarteirões grandes e regulares com


edificações construídas e agrupadas esteticamente sobre o alinhamento da via pública. A
maioria delas com pátios internos e suas gostosas varandas de trás. Formavam-nas
amplos beirais capazes de evitar ou diminuir os efeitos da intensidade dos raios solares. A
utilização da azulejaria (azulejos importados principalmente de Portugal) procurava
diminuir os efeitos das fortes chuvas de uma região tropical. A busca de aclimatação dos
estratos mais bem aquinhoados da população à região, sem perder a referência européia,
expressava no espaço uno da cidade fortes marcas diferenciais quanto aos modos de
morar. Encontrava-se em curso a produção de projetos e arranjos sócio-espaciais e
residenciais ordenadores do território do ponto de vista material e simbólico.
Acontece que processos crescentes do desenvolvimento econômico e político,
como também identidades étnico-raciais cruzando-se e reforçando-se, atravessavam a
estrutura social da colônia e alimentavam a formação de tipos de moradia suscetíveis de
uma determinação sócio-espacial desigual.
Então, em São Luís, em face da identificação de tipologias de moradia - desde
aquelas ocupadas por nobres, ordens religiosas e senhores rurais às habitações mais
precárias construídas e ocupadas por trabalhadores livres pobres - num espaço citadino
francamente concentrado, eu questiono se, nesse momento histórico, já se explicitavam
formas de segregação sócio-espacial urbana. Essa questão guarda relação com outra
indagação: a localização e os modos desiguais de acesso a serviços coletivos62, parcos à
época, já se insinuavam como mediações da formação dos espaços urbanos segregados
(espaços tipificados, hierarquizados e cindidos socialmente, mas que se interpenetram
sem descanso, na maioria das vezes sutil e vagamente outras intensa e violentamente,
com clara manifestação no território da cidade)?

62 Na São Luís colonial, relatos em jornais e literatura como em algumas pesquisas divulgadas permitem observar que a
intervenção estatal e desigualdades socioespaciais não se separam como dois móveis distintos; embora dissimulada,
muitas vezes, na aparente ação do Estado acima dos interesses estamentais e / ou de classes. A contradição entre a
expansão da cidade e ação seletiva do Estado colonial quanto à produção e localização dos equipamentos e serviços
coletivos se desdobrava continuamente, na medida em que se alteravam as dinâmicas do trabalho e da vida urbana no
Brasil e no Maranhão. Um exemplo: No Contrato Blount, a época uma das peças das várias iniciativas da administração
da cidade visando disciplinar o fornecimento de água potável (encanada) figura a seguinte cláusula: estabelecer como
horário, para a venda da água, das 4 às 21 horas, com exceção do Largo do Carmo, área nobre e coração da cidade,
onde poderia ser vendida por toda a noite. Ou seja, dos seis chafarizes existentes para a venda de água (situados nas
praças do Campo de Ourique, do Mercado, Alegria e do Açougue, e nos largos de Santo Antônio e do Carmo), apenas o
chafariz do Largo do Carmo não tinha restrições quanto ao seu funcionamento. Ver sobre o assunto, dentre outros,
Marques (1867) e Palhano (1988).
79

Responder a tais questões exige demarcar a base objetiva da formação dessas


desigualdades sócio-espaciais. Nas condições históricas da colônia brasileira, nesse
momento de seu desenvolvimento a participar do mais intenso tráfico negreiro das
Américas, o trabalho dos escravos, mediante brutal exploração, se constituiu a grande
força produtiva das fazendas e engenhos do Maranhão. A magnitude dessa presença
pode ser descortinada ainda hoje nos povoados com grande quantidade ou
exclusivamente compostos de negros, as chamadas terras de preto63, territórios formados
a partir de diversas formas de acesso a terra, incluindo-se aí, os quilombos.
Em São Luís, nos tempos coloniais e imperiais, constituindo-se dimensões
essenciais do trabalho urbano numa cidade escravista, os escravos trabalhavam no
transporte, armazenamento, comercialização, embalagem, embarque e desembarque de
cargas, bens e mercadorias que chegavam e saiam do porto; no cultivo de hortas e
pomares; nos meios de transporte de pessoas; na produção de materiais para construção
(pedreiras e olarias, por exemplo); na edificação de casas e casarios. Encontra-se também
aqui a transferência da prática lusitana de utilizar mão-de-obra escravizada em vários
ofícios artesanais e urbanos, desde que autorizado pela Câmara Municipal64.
Ainda que entre as atribuições das Câmaras Coloniais (aforar e distribuir os chãos
urbanos, cobrando foros e laudêmios; estabelecer e coletar taxas municipais; fixar o preço
de certas mercadorias e produtos a serem vendidos; conceder licenças para a construção
de prédios, dentre outras mais) figurasse aquela de construir e manter ruas, estradas,
pontes e obras de serventia pública, no Brasil colonial, também cabia à população, isto é,
aos foreiros, moradores ou instituições religiosas, mediante trabalho escravo, a
responsabilidade pela produção de parte dos serviços públicos: à época, abrir e calçar
ruas e caminhos, aterrar mangues, escavar valas, construir fontes e pontes. Respondia,
portanto, o trabalho escravo à necessidade de dotação da infraestrutura urbana vital ao
funcionamento e desenvolvimento das cidades.

63 Segundo Almeida (1988) as denominadas terras de preto compreendem aqueles domínios doados, entregues,
ocupados ou adquiridos, com ou sem formalização jurídica, às famílias de ex-escravos a partir da desagregação de
grandes propriedades monocultoras. Os descendentes de tais famílias permanecem nessas terras há várias gerações
sem proceder ao formal de partilha e sem delas se apoderarem individualmente. Consultar a respeito o trabalho Terras
de preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento (ALMEIDA, (org), 2002).
64
Não se pode esquecer que, no campo, os donos de terras, em meio a relações permeadas de tensão e violência,
extraindo o máximo rendimento do trabalho escravo se faziam responsáveis pela construção dos caminhos - caminhos
que vadeavam rios, cruzavam planaltos, atravessavam sertões - em direção às propriedades e frentes pastoris e
agrícolas afastadas das povoações, vilas e / ou cidades.
80

Assim, no Maranhão, o trabalho escravo também foi fundamental na execução de


obras públicas urbanas. Em São Luís, um termo de vereação65 de 1691 já indica que o
Caminho Grande (desde 1665, transformado em rua para a passagem de carros de boi,
favorecendo o transporte de cargas do Centro ao Cutim) “[...] era consertado todos os
anos, para o que emprestavam os moradores, os seus escravos reunidos em princípios de
julho no ponto de onde partiam, atrás da Igreja de São João”.
Na produção e sustentação do conforto das famílias, que desfrutavam dos bens que
o desenvolvimento urbano propiciava na base da riqueza do campo, os escravos também
trabalhavam nas casas dos senhores (no campo e na cidade). Registros históricos dão
conta de que mesmo moradores de posse intermediária ou reduzida possuíam escravos.
Às vezes, apenas um ou dois escravos fazia parte dos bens da família 66.
Entre as brumas do cotidiano, do privado, dos cruzamentos étnicos tendentes a
escamotear a realidade das relações sociais implicadas na sua produção, o trabalho dos
escravos garantia o mundo de comodidades que as ricas famílias não prescindiam: a
limpeza e manutenção do imóvel, os cuidados com as crianças, a feitura dos alimentos, as
lavagens de ricas vestimentas, a ida às fontes para encher de água bilhas e potes, o
despejo dos barris de esgoto (os tigres) ou do lixo. Enfim, todo um sistema de trabalho
doméstico apoiado sobre a escravização e a exploração do negro.
O sistema agro-mercantil baseado no trabalho escravo punha a margem um
universo de homens pobres livres, vistos por Prado Júnior nos seguintes termos:

Entre estas duas categorias [senhores e escravos], nitidamente definidas e


entrosadas na obra da colonização, comprime-se o número, que vai
aviltando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados;
indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem
ocupação alguma (PRADO JÚNIOR, 1965, p. 281).

65 Os termos de vereação fazem parte dos livros da Câmara Municipal de São Luís (achados em 1982 e em processo de
recuperação). Escritos à mão, os livros (166 volumes) registram o dia a dia da administração da cidade entre os anos de
1646 e 1900. Os termos se referem às obras de calçamento de ruas, construção e funcionamento de mercados feiras,
fontes, galerias e a outras tantas ações que demandavam a aprovação da Câmara Municipal.
66 Cf. a respeito Mota, Silva e Mantovani (1998).
81

Os livres pobres na busca de condições de vida e trabalho encontravam algumas


soluções nos interstícios da economia, em arranjos pessoais eventuais como agregados,
ou como era costume à época se classificar, na vadiagem.
Parte desses homens ocupava funções vedadas aos escravos, porque esse
desempenho desviaria a mão-de-obra escrava da produção ou comprometeria a reiteração
de seu papel servil. Eles foram feitores, supervisionando trabalhos; capitães do mato,
defendendo os interesses dos senhores; participantes dos contingentes de milícias e
polícias; executores de serviços complementares à produção, como desmatamento,
preparo do solo para plantio, colheita, etc. Cabiam-lhes, no entanto, principalmente
serviços de defesa e coação, inclusive castigos, morte e mando. Isto levou a associação
de suas funções à violência colonial (PRADO JÚNIOR, 1965; SOUSA, 1982).
Mesmo impedidos do acesso à propriedade da terra pode-se afirmar que, na colônia
brasileira, a terra, ainda livre para apossamentos, garantia a subsistência de parte dos
pobres livres e a possibilidade de constituição de pequenos proprietários, posseiros ou
foreiros. No Maranhão, são muitas as referências a proprietários que cediam por muitos
anos braças quadradas de terra para os livres pobres.
Essas situações ocupam lugar importante no longo processo de substituição do
trabalho servil pelo trabalho livre e assalariado. É nesse prisma que Mello (1991)
argumenta: Obter produção mercantil em larga escala significava assalariar a força de
trabalho. Entretanto, como garantir salários suficientemente elevados para compensar, aos
olhos dos colonos, a alternativa da auto-subsistência?
O desenlace histórico se fez claro: o trabalho compulsório, portanto, escravo, era,
ainda, mais rentável que o emprego do trabalho assalariado. Tal determinação, de algum
modo, contribuiu para produzir, no Brasil, uma sociedade inspirada no modelo português,
com certas adaptações. Em vez da oposição portuguesa entre nobres e plebeus, a
contradição fundamental da sociedade local se dava entre uma aristocracia agrária, de tipo
colonial, e escravos negros. E sem grande incidência política e econômica, interesses
divergentes dos trabalhadores livres. Afinal, estes, mesmo de origem e função social
consideradas inferiores, pequena ou nenhuma riqueza, parte deles considerados
desclassificados, indolentes ou vadios, em comparação aos escravos, ocupavam posição
diferenciada, porque brancos e livres.
82

Na relação com os grandes proprietários de terra (os senhores rurais), Ordens da


Igreja, ocupantes dos elevados cargos políticos e militares e livres pobres eram
considerados inferiores, e em relação aos poucos bens que parte deles detinha
encontravam-se também submetidos aos estamentos dominantes de então. Essa divisão
ficaria mais complexa com o crescimento da divisão social do trabalho, fazendo aparecer
mais frações ligadas tanto ao capital como ao trabalho, com desdobramentos para outros
âmbitos da vida social como o político, o cultural e o urbano. A mestiçagem, o crescimento
das alforrias e as formas de resistência e lutas dos escravos também contribuíram para
aumentar as categorias de homens livres. (MATTOSO, 1999).
Expressando particulares relações entre a estrutura e dinâmica do desenvolvimento
econômico com a formação e o crescimento das cidades, na colônia brasileira como um
todo, mediante a intensiva exploração do trabalho escravo do negro e da agricultura de
exportação - algodão, couro, arroz, além do açúcar, café e do tabaco -, as atividades
litorâneas e o comércio marítimo mantinham-se num patamar elevado67. Já em 1796, de
um total de 2.200 contos de algodão exportados pelo Brasil para Portugal, 827 contos
saíram por Recife, que constituía, então, o segundo porto algodoeiro do Brasil, o primeiro
era São Luís, com 846 contos. (SINGER, 1977).
Como já indiquei a mutação efetivada nas condições sócio-espaciais e de moradia
da cidade de São Luís, construída num singular espaço resultante da mistura de mar,
terras e rios, será um dos claros indicadores da alteração na vida urbana efetivada a partir
dos finais do século XVIII. Determinados pela atividade agrária e comercial em fase de
crescimento, senhores, escravos e homens pobres livres, no ano de 1779, formando
diferentes extratos de moradores, produtores e usuários do espaço citadino, compunham,
em São Luís, população estimada de 22.000 habitantes (SERFHAU, 1970). À época, se
expandiam e consolidavam-se a vida urbana, as atividades portuárias e o conjunto
arquitetônico da Praia Grande, do Portinho e do Desterro.

67Recorde-se que no Brasil, no final do século XVIII, mais precisamente desde 1770, a produção de ouro e diamantes já
declinara, após ter sido por mais de meio século o sustentáculo econômico da Metrópole. Tal declínio contribuíra para
reativar os engenhos da região Nordeste, estimular a criação de gado no Sul e abrir novas áreas agrícolas em Minas
Gerais, São Paulo e Bahia. A política econômica da Coroa passa então a dirigir-se para a diversificação da produção
agrícola. Dessa maneira, são incrementados os cultivos de fumo na Bahia, de algodão e arroz no Maranhão e Pará e
também o café é introduzido no Pará. A produção de açúcar no Nordeste é reativada, assim como a extração de cacau
na floresta amazônica, de onde já se obtinha cravo, pimenta e outras especiarias (as chamadas drogas do sertão).
83

As classes senhoriais, sob o aval do Estado colonial e mediante o trabalho de


mestres-de-obras, artífices e escravos, patrocinavam intervenções urbanas, principalmente
de caráter privado, como a construção de prédios comerciais e residenciais, que iriam
formar aquela que se tornaria a maior área de arquitetura colonial portuguesa existente no
Brasil. Consoante ao já sublinhado, a construção de prédios de moldes tipicamente
portugueses fazia aparecer, em São Luís, contrastes que incidiam nas dinâmicas urbanas.
Estes guardavam relações com o modo através do qual a divisão social (ainda mediada
por relações estamentais) se expressava na polarização riqueza/pobreza, senhor/escravo,
proprietários de terra/não proprietários, usufruto de bens de consumo (principalmente
importados) /carência quase absoluta deles.
Este seria o momento em que a opulência estampou-se no casario mais do que no
relicário sacro. Segundo Corrêa (1993), comerciantes e lavradores ricos preferiram o
requinte do casario à suntuosidade dos templos religiosos. As igrejas do Maranhão
colonial são quase franciscanas se comparadas com as mineiras, baianas e
pernambucanas, diz ele.
Nunca os caminhos para os senhores de escravos e terras - barões de engenhos de
açúcar e proprietários de fazendas de algodão, arroz e gado - haviam sido mais largos,
alvissareiros e acolhedores. As excelências da terra e as excepcionalidades da gente
foram, mais uma vez, cantadas. Revestia-se, ideologicamente, a busca de identidade, que,
nos marcos de um projeto colonialista claramente extorsivo, explorador, autoritário e
violento, cimentava o vínculo desigual e a chocante conformidade de São Luís a Lisboa68.
Em São Luís, o local do comércio e o grau de esplendor da habitação pareciam
também precisar dizer do talhe da fortuna e do poder político de mando de seu
proprietário. O Palacete Gentil Braga e o Sobrado Lages&Cia. apresentados a seguir
podem ser tomados como expressões emblemáticas do padrão de edificações que
passava a manifestar, a seu próprio modo, as desigualdades e segmentações sociais e
espaciais presentes na vida urbana da cidade.

68Sobre esse ponto, Correa (1993, p. 48) tece o seguinte argumento: "A reprodução das relações sociais, da ideologia
das excelências da terra e das excepcionalidades da gente, foi conseguida, por conseqüência, como que automática, dos
cronistas viajantes, no exercício mais do que secular de convencer os naturais da terra (e, em especial, os segmentos
minoritários e poderosos da sociedade em questão) de que participam de um espaço físico e humano privilegiado - e, a
um destino de Corte, não poderia um comportamento de Colônia - cabendo aos da terra assumirem uma essência e
pensamento europeus".
84

Figura 4

PALACETE GENTIL BRAGA - (SÃO LUÍS-MARANHÃO) 69


(Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rua grande: um passeio no tempo: 1992)

69O palacete, (erguido na esquina das atuais ruas Grande e Passeio) foi residência do primeiro vice-cônsul inglês sendo
depois comprada por Gentil Braga, tem fachadas assimétricas, revestidas de azulejos portugueses, tem uma planta em
"L", com pátio interno e avarandado rotulado. O prédio possui vãos em arcos ogivais, alguns deles com balcão de
serralharia entalados nas molduras de cantaria (pedras lavradas e cortadas para serem aplicadas em diferentes partes
de uma edificação). Abaixo, correspondendo a cada abertura do teto, olhos de boi (aberturas ou janelas circulares ou
ovais abertas nas empenas, frontões etc., que fornecem iluminação e ventilação) do porão alto.
85

Figura 5
SOBRADO LAGES&CIA. – (SÃO LUÍS-MARANHÃO) 70
(Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rua Grande: um passeio no tempo: 1992).

70 O sobrado Lages&Cia., um prédio de esquina em três pavimentos (edificado à Rua Portugal), apresenta fachadas
simétricas revestidas de azulejos portugueses, balcões sacados no primeiro pavimento e enlatados no segundo, vergas
retas nos dois primeiros andares, emolduradas em pedra de cantaria e arco batido no último pavimento, este com
moldura de massa. O sobrado, situado na área da Praia Grande, foi mandado construir pelo português Joaquim Azevedo
de Almeida, grande exportador de açúcar, tendo em vista fins comerciais, incluindo-se aí, a hospedagem dos fregueses
vindos do interior, em viagens de negócios a capital, à época, um costume das grandes casas comerciais.
86

Na área da Praia Grande, expandida através de aterros e novas construções, a


intensificação das atividades portuárias favorecia a concentração comercial. O porto e as
grandes casas comerciais - armazéns de tecidos, de ferragens, de secos e molhados, lojas
de venda a varejo ou outros ramos comerciais - na cidade onde a especialização dos
espaços começava a aflorar, aparecem como locais privilegiados da realização do trabalho
urbano. Por sua vez, o poder administrativo local (resultado de relações nem sempre
harmoniosas entre oficiais da Câmara e funcionários régios) acompanhava a dinâmica
espacial, construindo o Palácio do Governo, remodelando a antiga Casa de Câmara e
Cadeia e procurando definir, entre os baldios, praias, ruas e marinha, os espaços para o
uso público e serventias comuns.
Mas, ao mesmo passo, ao lado do grande comércio, pelas estreitas ruas que, a
cada dia se ia enchendo de gente, pequenos negócios de trabalhadores por conta própria,
vendedores ambulantes, barracas de peixe e das quitandeiras, também ocupavam,
usavam e produziam o espaço citadino. Nesse espaço, aparentemente banal do cotidiano
da cidade, já se manifestava, de alguma forma, expressões dos dois circuitos de negócios
peculiares à economia urbana das sociedades consideradas subdesenvolvidas71.
Fazer-se vendedor ambulante: uma das estratégias mais antigas e recorrentes dos
trabalhadores urbanos pobres na garantia de sua reprodução. Homens e mulheres se
apropriavam de um pedaço de rua, largo, praça, mercado, feira ou pórtico de prédios,
estendendo um pano sob o chão ou utilizando pequena mesa para expor objetos ou
alimentos à venda. Também, com produtos artisticamente arrumados em varas, tabuleiros
ou cestos, outros trabalhadores andavam pelas ruas a gritar: eram os pregoeiros que, se
espalhavam por todos os cantos da cidade, enchendo as ruas de sons e produtos. A
despeito do controle dos usos do espaço citadino, através desses barulhentos
mercadores, se descobria que, nas cidades cujas condições sócio-espaciais expressam
elevados patamares de desigualdade social, os passeios públicos não se constituem
apenas vias de circulação. São também espaços onde, malgrado sua precariedade e
hostilidade, a sobrevivência dos espoliados urbanos pode ser encontrada e garantida.

71 SANTOS (1978), analisando o trabalho urbano na cidade de Salvador, chama a atenção para a existência de um
circuito inferior constituído por ‘formas de fabricação de não capital intensivo’, pelos serviços não fornecidos ‘a varejo’ e
pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão, composto de pequenos negócios locais, e o superior,
correspondendo a negócios capitalistas abrangendo fluxos distantes.
87

Como a forma urbana é sempre a forma do tempo histórico da cidade, que carrega
no seu interior também a relação com os recursos ambientais72, a profunda relação de São
Luís com o mar e com a navegação, própria do período colonial e imperial, tornava pontos
centrais da administração da cidade: (1) a defesa do território, (2) as condições de
funcionamento e desenvolvimento da atividade portuária e da marinha (área do porto)73.
Investimentos feitos no porto a fim de torná-lo mais acessível a embarcações cada
vez maiores, a lavoura mercantil tocada pelo trabalho escravo e o crescimento das
atividades comercias compunham e espessavam os elos das dinâmicas produtivas e
políticas que havia tornado São Luís uma praça de comércio marítimo. Também, o
transporte de mercadorias do interior do estado e o acesso ao continente, até então só
feito pelo mar e pelos rios, passaram a ser, pois condições gerais necessárias para o
desenvolvimento de um sistema de produção e comercialização mais moderno,
preocupações de sucessivos governadores da ainda Capitania-Geral do Maranhão74.
Além da atividade portuária, cresceu o comércio varejista e introduziram-se
alterações no comércio atacadista e importador, além de surgirem novos tipos de
estabelecimentos, novos métodos de comerciar e novos hábitos de consumo. Tem-se que,
em várias cidades do Brasil, a exemplo de São Luís, guardando fortes relações com a
economia de base agro-mercantil, que lhes serve de solo imediato, desenvolveram-se e
ampliaram-se o comércio e o crédito.

72 A localização da Ilha de São Luís em um golfo, em que desembocam os principais rios do Maranhão (Mearim, Pindaré,
Itapecurú, Munim), e ao norte banhada pelo Oceano Atlântico, favoreceu a cidade de São Luís para que se tornasse o
principal porto maranhense, tanto para a navegação pluvial, quanto da costeira e atlântica.
73 Já em 1699, a Coroa, pela Carta Régia de 15 de janeiro, recomendava, atendendo a que no Maranhão residiam então

três engenheiros que se abrisse em São Luís uma aula de fortificações para três alunos que venceriam enquanto
durasse o curso, uma diária de Rs$ 0,50. Por volta de 1740, reconhecia-se que o porto era prejudicado pelo constante e
progressivo assoreamento resultante da violenta oscilação de suas águas que nas marés altas, atingia a uma cota de
7m15 acima do nível normal. As águas das marés altas faziam da Praia Grande, onde ficavam a Alfândega e o grosso do
comércio, um permanente lamaçal que dificultava o embarque e desembarque das mercadorias, feitos às costas de
negros e escravos. A ausência de depósitos em que elas pudessem ser armazenadas obrigava a que ficassem retidas
nos porões das embarcações, estragando-se, ou permitia a interferência de atravessadores que as adquiriam e
estocavam para revender a preços mais altos.
74 Gonçalo Lobato e Sousa (1753/61), então governador, mandara abrir uma picada até o Estreito dos Mosquitos, onde a

ilha mais se aproxima da terra firme, e aí fizera construir precariamente, a sua custa, um cais, uma rampa e um curral
que acabariam se arruinando. Depois, no Governo de Teles da Silva, houve autorização para prosseguir a obra,
chegando a autorizar o Senado da Câmara, a realizar uma derrama para haver recursos necessários, mais ainda desta
vez malograria a iniciativa. Dom Diogo de Sousa incluiria também este ponto em seus planos de governo. Por ofício de
11/8/1802 comunicou à Coroa que dera a Superintendência das Obras da Estrada da Estiva, com prévia aquiescência da
Câmara, ao Engenheiro e Capitão de Milícias José de Carvalho, o qual conseguiria por fim levá-las a efeito. A estrada,
com catorze palmos de largura e com pontilhões de madeira sobrepostos aos cursos de água, foi aberta em uma
extensão de seis léguas e três quartos e, alcançando o Estreito dos Mosquitos, aí se fizeram uma rampa e um curral de
cada lado, para que ficasse facilitado o transporte de gado vindo do interior (MEIRELLES, 1994).
88

É certo que começaram como atividades de pequeno porte e fortemente controladas


pela metrópole. Todavia, elas estavam lá e se conjugando, favoreceram, sem um
antagonismo absoluto, de forma combinada e complementar, o deslocamento da forte
influência econômica e política, antes cativa dos proprietários rurais, para os grandes
comerciantes situados nas cidades do litoral.
1808: (1) a Corte portuguesa transfere-se para o Brasil; (2) os portos brasileiros,
escapando das restrições econômicas impostas à colônia pelo sistema mercantilista
português, são abertos para trocas comerciais com outras nações metropolitanas. Iniciava-
se a eclosão de um mercado capitalista especificamente moderno, articulada ao início da
crise irreversível do sistema de produção escravista (FERNANDES, 1976). Interesses
econômico-mercantis, ideológicas e institucionais; signos de classe; ideais culturais e
estéticos concorreram para as novas alternativas postas ao comércio e ao consumo em
várias cidades do Brasil. Navios ingleses, franceses, espanhóis, suecos e noruegueses
aportavam em São Luís. A abertura dos portos propiciava, além da comercialização de
bens agrários, a incorporação de outros bens materiais, culturais e simbólicos.
Assim, nesse núcleo urbano litorâneo brasileiro ampliou-se à importação de tudo:
bens de consumo privado capazes de reforçar a diferenciação da condição social de seus
donos (quadros, louças, móveis, perfumes, um mundo de objetos e quinquilharias, enfim);
bens culturais capazes de singularizar patrimônios culturais no quadro de heterogeneidade
social da cidade (companhias teatrais que na cidade vinham se apresentar, em primeira
exibição no Brasil); projetos fabris (estrutura e maquinário fundamentais à formação do
parque têxtil da cidade no final do século XIX).
Convinha, então, aos colonizadores multiplicar os representantes estratégicos de
suas idéias, interesses e privilégios para tentar escamotear através de determinadas
formas de pensar e de agir a base real das relações econômicas e formas de trabalho que
os produziam. Meireles (1994, p.57) assegura que em 1819 os naturalistas Spix e Martius
em viagem pelo Maranhão teriam se perguntado sobre o esmero e o refinamento
presentes nesses confins do Novo Mundo. Certos de terem encontrado a resposta
registraram nos escritos das suas viagens: - “Já desde muito tempo é costume, no
Maranhão, mandar educar em Portugal as jovens das famílias opulentas, os rapazes vão
formar-se em Inglaterra e na França”.
89

Maranhenses portadores de educação universitária européia (principalmente


realizada em Coimbra) se constituíram em importantes agentes sociais da importação
cultural e da educação para mandar. Intelectuais75 que retornando da migração,
multiplicavam os vetores de difusão de ideologias, valores, costumes, atitudes, modismos
e comportamentos tipicamente europeus, em especial lusitanos. Contribuíam, assim, para
formar e manter determinadas maneiras de pensar e o preparo para o exercício do mando.
Em muitas cidades do Brasil, a exemplo de São Luís, na elite urbana socialmente
refinada e culturalmente aprimorada que então se formava, destacavam-se os bacharéis
com pendores para os cargos públicos e políticos, e para as letras e literatura. Em tal
pendor se fazia presente claro descaso pela ciência e pela técnica e pelas atividades de
base manual e mecânica. Trágico espetáculo de aparências e contradições entre a visão
de mundo dos grandes senhores de terra e comerciantes, sedimentada pelas elites
culturais, políticas e administrativas em formação e as formas reais mediante as quais a
exploração e dominação das classes senhoriais transitavam76.
No plano da dinâmica sócio-espacial e arquitetural da cidade e sob a orientação
(nem sempre seguida) de mecanismos político-jurídicos que pretendiam regulamentar o
crescimento do espaço citadino e a vida urbana77, mais palacetes e casarios foram
construídos, aumentando ou adensando os quarteirões da área central da cidade. O
Caminho Grande - indicado na figura Expansão da cidade de São Luís: a Rua Grande
apresentada a seguir - prosseguia na sua condição de espinha dorsal do movimento de
expansão da cidade.

75 Refiro-me ao entendimento de Gramsci (1979, p.3) quanto à formação das diversas categorias de intelectuais. O cerne
da sua argumentação é que “[...] as classes fundamentais criam ao mesmo tempo no terreno do seu surgimento no
mundo da produção econômica, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhes dão
homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no
político". Os intelectuais modernos (orgânicos) e os tradicionais, no sentido formulado por Gramsci, são considerados em
relação às funções que desempenham em determinadas condições e em determinadas relações sociais para manter ou
para modificar uma concepção de mundo, isto é, para promover determinadas maneiras de pensar e de agir.
76 No texto Raízes do Brasil, Holanda (1995) destaca que a colonização portuguesa se fez pelo gosto da aventura, mais

do que por um trabalho planejado. As realizações ocorreram á medida que o colonizador adaptou-se às condições
naturais aqui encontradas. Aliado a esse fato, o escravismo teria contribuído para estigmatizar determinados tipos de
atividades laborais, o que resultou na desqualificação do trabalho, na formação mesmo, de uma antiética do trabalho. Em
contraposição, da tradição lusitana, foram mantidos os gostos pelos aparatos, espetáculos, ostentação, condecorações,
poder e riqueza, traços indeléveis da sociedade brasileira.
77 Vigoram nessa conjuntura histórica regulamentações da Câmara Municipal a respeito, por exemplo, da caiação ou

pintura dos prédios, da venda de água pelas ruas de São Luís, dos locais para descarregar mercadorias, dos nomes de
ruas e praças, da obrigação de murar ou cercar os terrenos adjacentes ao Caminho Grande, do depósito de entulhos,
da limpeza dos quintais.
90

Figura 6
EXPANSÃO DA CIDADE DE SÃO LUÍS: A RUA GRANDE
Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís. Secretaria Municipal de Urbanismo. Rua Grande: um passeio no tempo: 1992.

Conta Corrêa (1993) que os ingleses chegaram inaugurando empresas comerciais


de relevância e fechando-se a contatos profundos com a comunidade local. Segregados
foram vivendo e morrendo em separado - dispunham de bairro residencial, no Caminho
Grande, e de um cemitério, na São Pantaleão. Eram contradições e desigualdades sociais
se materializando, cada vez mais, sem obstáculos, em formas espaciais, se evidenciando
nas tipologias de moradia e nas diversas territorialidades que irrompiam na cidade. Mas,
assumo aqui o ponto de vista de que não se pode falar ainda em segregação sócio-
espacial urbana, aquela que surgirá com a constituição plena das relações entre capital e
trabalho, apropriação privada e “valor de uso” da terra e das contradições sociais, políticas
e urbanas por elas abertas.
Quanto às formas jurídicas de propriedade do patrimônio fundiário da colônia,
incluindo-se aí os chãos das vilas e cidades, começava no Brasil a transição do sistema
sesmarial a mercantilização da terra.
91

Como já assinalado, as vilas coloniais para obterem o estatuto de cidade,


necessitavam do crivo papal ou real ou de seu representante legal na sua fundação.
Demarcava-se o termo e o rossio, local para o pasto e previsto para a ocupação urbana
futura. O termo era distribuído em sesmarias através das Câmaras àqueles que as
requisitassem com a obrigação de ocupá-las. Mas, a posse pura e livre do território
também se realizava nas brechas do sistema das sesmarias. Dava-se então à coexistência
de uma legalidade inscrita na lei - lei dos livros - e uma legitimidade inscrita na prática
social - lei em ação - (ROLNIK, 1997).
As Câmaras das cidades coloniais tinham sido, até o século XVII, independentes no
que se referia às finanças e ao patrimônio, pois, como proprietárias da sesmaria da cidade,
que era aforada, detinham dois terços dos tributos arrecadados. Tal situação mudou com o
surto centralizador por parte das autoridades portuguesas. A partir do final do século XVIII
e durante a primeira metade do XIX, os senhores que demandavam terras devolutas
deveriam comprovar estarem capacitados para a produção e informar sobre o número de
escravos possuídos78.
Mas, passo a passo à dinamização econômica e demográfica das cidades do Brasil,
antigos mecanismos de controle dos modos de apropriação e ocupação da terra foram
alterados pelas Câmaras Municipais. Em São Luís, a partir de 1790, foi instaurada a
cobrança do foro. Contrastando com a prática de cessão de terrenos até então exercida
sem restrições, uma série de exigências de ordem legal passava a mediar às relações
entre o demandante, a terra e os usos dos espaços citadinos79.
No Rio de Janeiro, e logo depois em várias partes do Brasil, após a chegada da
família real intensificou-se a aglomeração urbana, fenômeno que provocou, dentre outros
desdobramentos, a valorização da terra e a introdução de novos padrões ou estilos
arquitetônicos. O desenvolvimento urbano, acompanhando o esforço da Coroa
Portuguesa e dos governos, no sentido de estimularem as atividades econômicas nas
áreas centrais, ocasionou o aumento do foro que, para as novas concessões, atingiu 5%
do preço do terreno.

78Cf. a respeito, dentre outros, os estudos de FRIDMAN (1999).


79É fato que, já no final do século XVII, mais precisamente no ano de 1698, uma carta-régia dirigida ao governador geral
da Bahia definia que “[...] daqui a diante [...] não se dê mais sesmaria de terras junto à Marinha, porque estas se devem
requerer a mim, e dando-se algumas se haverão por nulas a todo o tempo que constar foram dadas sem ordem e graça
especial minha”. Cf. a respeito BICALHO, 2003.
92

Importante considerar que até 1850 a terra da colônia brasileira, que pertencia ao
Rei, não tinha preço. Entretanto, por ser aforada, de modo geral em caráter perpétuo, onde
o domínio útil era do foreiro, possuía a capacidade de produzir renda: o foro ou prazo.
A meu ver, parece ser oportuno lembrar que a expansão das forças produtivas e a
utilização empresarial do homem e da natureza80 foram dois dos processos favoráveis à
desagregação do feudalismo senhorial e a entrada da terra no mundo das mercadorias.
Para tal, a terra precisou ser arrancada da propriedade do tipo tradicional, da estabilidade,
da transmissão patrimonial. Ao estudar o segredo da acumulação primitiva, Marx (1998b)
concluiu que, no século XIX, a relação entre terra comunal e agricultura já estava desfeita
e referendada no plano da lei. Estava formalizada no plano jurídico-político, a liberação da
terra do domínio fundiário feudal81, para que sua utilização pudesse se metamorfosear e
ser produtiva ao capital. A terra deveria doravante receber e agregar valor de troca.
Em grande parte da Europa e da América, nos séculos XVII, XVIII e XIX, tempo de
forte mobilidade dos fatores de produção e da abolição de certos privilégios monárquicos,
foram dados os passos legais efetivos para os modelos burgueses de propriedade da terra
(MARX, 1998; HOBSBAWM, 1982). Em todos os sentidos, estava em curso uma revolução
político-legal contra proprietários fundiários e camponeses tradicionais. Um dos
desenlaces dessa revolução foi à transformação do direito consuetudinário, do direito
titular ao solo em direito de propriedade privada.
No Brasil, o tempo do amplo apossamento das terras devolutas durou, do ponto de
vista formal até a promulgação da Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, que:

80 Na discussão de Marx (1998a, p. 582-583) sobre as relações entre condições naturais e força produtiva social do
trabalho tal determinação aparece nos seguintes termos. Ele diz: “Não é a fertilidade absoluta do solo, mas a sua
diferenciação e a variedade de seus produtos naturais que constituem a base física da divisão social do trabalho e que
incitam o homem, com a diversidade das condições naturais em que vive, a multiplicar suas necessidades, aptidões,
instrumentos e métodos de trabalho. A necessidade de controlar socialmente uma força natural, de apropriar-se dela ou
domá-la por meio de obras em grande escala feitas pelo homem, desempenha o papel mais decisivo na história da
indústria".
81 Recorde-se que, os feudais precisaram perder sua auréola romântica para que a terra se tornasse mais uma

mercadoria. Nas palavras de Lefebvre (1999, p.32): “Na Europa feudal o senhor usa o nome da terra e a terra com ele se
personaliza. O servo é o acessório da terra, mas o herdeiro (o filho mais velho do senhor) pertence também a terra,
pátria local, singularmente limitada, que contém a família senhorial, a linhagem e a vassalagem e sua história. As
relações entre o feudal, de um lado, e os que dependem dele são transparentes. Nada de intermediário obscuro, como o
dinheiro. A situação política tem então um lado sentimental. A condição nobre da propriedade fundiária dá ao senhor uma
auréola romântica"
93

Dispõe sobre as terras devolutas do Império e acerca das que são


possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais,
bem como por simples título de posse mansa e pacífica; e determina que,
medidas e demarcadas as primeiras sejam elas cedidas a título oneroso
assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias
nacionais e de estrangeiros, fica autorizado o governo a promover a
colonização estrangeira na forma que se declara. Artigo 1 - Ficam proibidas
as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra
[...]

A Lei de Terras e o seu regulamento de 1854 definiram legalmente a propriedade


privada, condição necessária à formação de um mercado capitalista de terra. A terra
passou a ter no plano jurídico-político oficializado o seu estatuto de mercadoria82. Novas
doações foram proibidas e as terras devolutas, isto é, aquelas sesmarias cujos foreiros
não preenchessem as condições legais ou que se encontravam vazias seriam vendidas.
No prisma legal e cartorial, outras medidas voltadas para frear os apossamentos informais
e apressar a entrada da terra no universo das relações mercantis se definiram. Sabe-se
que, com exceção dos registros das Sesmarias, exigidos pela Corte junto à Provedoria,
através da Carta Régia de 1699, até, 30 de janeiro de 1854, não havia no Brasil registros
oficiais quanto à propriedade de terras. A partir dessa data o Governo Imperial se volta
para regulamentar a Lei de Terras. Através do decreto nº 1.381 determina no seu art. 91
que “[...] todos os possuidores de terras qualquer que fosse título da sua propriedade ou
possessão [...]” registrassem-nas dentro do prazo definido pelo mesmo Regulamento.
Nesse mesmo artigo, o Império atribuía as paróquias de todo o Brasil à missão de
receberem as declarações e procederem ao registro das terras ligadas às suas freguesias.
O Registro do Vigário (sistema de registro paroquial usado também para registros de
nascimento, casamentos e óbitos) se constituiu a época um importante apoio ao Estado na
busca de controle das terras do Império.

82 Sobre a mercadoria Marx (1998a, p. 109-110-158) observou: "Não é com seus pés que as mercadorias vão ao
mercado, nem se trocam por decisão própria. Temos, portanto, de procurar seus responsáveis, seus donos. As
mercadorias são coisas; portanto inermes diante do homem. Se não é dócil, pode o homem empregar a força, em outras
palavras apoderar-se dela. Para relacionar essas coisas umas com as outras, como mercadorias, têm seus responsáveis
de comportar-se, reciprocamente, como pessoas cuja vontade reside nessas coisas de modo que um se aposse da
mercadoria do outro, eliminando a sua, mediante o consentimento do outro, através de um ato voluntário comum. É
mister que reconheçam um no outro, a qualidade de proprietário privado. Essa relação de direito, que tem o contrato por
forma legalmente desenvolvida, ou não, é uma relação de vontade e dado pela própria relação econômica. As pessoas
aqui, só existem, reciprocamente, na função de representantes de mercadorias e, portanto, de donos de mercadorias [...].
Tendo se pode vender ou comprar [...] No dinheiro desapareceu todas as diferenças qualitativas das mercadorias, e o
dinheiro, nivelador radical, apaga todas as distinções, mas o próprio dinheiro é mercadoria; um objeto externo suscetível
de tornar-se propriedade privada de qualquer indivíduo. Assim, o poder social torna-se o poder privado de particulares”.
94

Com a Lei nº 1.237, de 24 de setembro de 1864, o registro cartorial da propriedade


imobiliária passou a existir no Brasil substituindo então o chamado Registro do Vigário. O
conjunto de leis voltadas para garantir e apressar a entrada da terra no universo das
relações mercantis satisfazia, aparentemente, interesses e objetivos dos senhores rurais e
dos posseiros ao impedir o acesso a esse meio natural de meios de subsistência para uma
grande parcela da população83.
Quanto à produção do espaço urbano, em importantes cidades à arquitetura luso-
brasileira começaram a ser contrapostos estilos classicizantes, trazidos pela missão
artística francesa, que veio ao Rio, em 1816, a convite de D. João VI. A edificação de
muitos edifícios públicos e de palácios e casas das famílias dos estamentos dominantes
passaram a seguir o classicismo francês.
Em São Luís, no ano de 1855, concluíram-se a construção do Cais e a instalação da
Casa das Tulhas (espécie de depósito destinado a regular o comércio de certos produtos),
defronte à Alfândega. Nesse ano, foi também concluído o calçamento da Rua Grande
(SÃO LUÌS, 1992). Na cidade, continuava a ampliação de suas funções portuárias com a
substituição, no campo, do plantio do algodão pela cana-de-açúcar.
Entre 1846-870, quinhentos engenhos de açúcar implantaram-se no Maranhão.
Mas, na visão de Corrêa (1993), desde 1840, na crise do algodão já teria começado o
século maranhense da solidão. Com a desarticulação da estrutura produtiva assentada no
trabalho escravo, 70% dos engenhos e 30% das grandes fazendas deixaram de reunir
condições e perspectivas de funcionamento. São cem anos de possível crise da economia
maranhense, pois eles comportam sinais contraditórios, a exemplo, da instalação do
Parque Fabril Têxtil. Uma expressão rica e original da totalidade de indústrias têxteis que
se implantaram nas capitais litorâneas do nordeste brasileiro.
Assim, a chamada crise ou decadência da lavoura, se não tem valor como padrão
explicativo para o conjunto do processo sócio-econômico do Maranhão (ALMEIDA, 1983),
pode ter validade na elucidação de algumas mediações inerentes ao retrocesso das
atividades mercantis desenvolvidas na cidade de São Luís, especialmente na Praia
Grande.
83 A Lei de Terras favorecendo a transferência da terra do Estado para o proprietário privado mediante pagamento em
dinheiro contribuiu de modo decisivo para o estabelecimento de um modelo agrário calcado na grande propriedade rural.
Quando da abolição da escravatura ampliou-se, sobremaneira, os segmentos da população sem acesso a terra.
95

Foram muitas as tentativas do grande comércio de São Luís, sediado na Praia


Grande, para se adequar às mudanças políticas e econômicas, principalmente as
decorrentes do declínio da atividade agro-exportadora, que repercutiam, diretamente,
sobre as funções urbano-portuárias até então desempenhadas pela cidade.
Ao lado de dinâmicas produtivas e políticas altamente cambiantes, uma certeza
fornecida pelos documentos pesquisados é que, o poder estatal, explicitamente
patrimonial, tornara os serviços coletivos urbanos altamente concentrados do ponto de
vista social e espacial. Quero dizer que em São Luís, constituída sob o colonialismo, a
infraestrutura urbana, de enormes repercussões sanitárias para seus habitantes, como
moradia adequada, recolhimento de lixo e abastecimento de água localizava-se na área
que hoje compreende o Centro Histórico da cidade e aqueles que os possuíam se
encerravam nas elites econômicas e políticas84.

Figura 7

CIDADE DE SÃO LUÍS EM 1863


Fonte: Joseph Leon Righinini. São Luís às Margens do Maranhão – 1863.
Óleo sobre tela. Coleção Alexandre Bayma Archer. Rio de Janeiro.

84 A Lei Provincial 287, de 4 de dezembro daquele ano, dava autorização à Presidência da Província a incorporar uma
Companhia que se encarregasse do encanamento e da distribuição, na Capital, das águas do Rio Anil. Só em 1856, no
entanto, assinou-se o contrato para a constituição da referida empresa, que se chamou Companhia do Anil. Uma
cláusula especial do contrato concedia à Companhia um privilégio de venda da água por 60 anos.
96

Por seu turno, o crescimento urbano sem correspondência na expansão da


infraestrutura tornava as condições de salubridade da cidade francamente hostis à sua
população, atingindo de modo diferenciado a diversidade de grupos étnicos e sociais.
Nesse panorama urbano, em 1867, registrava-se a deterioração das fontes públicas: das
Pedras, do Bispo, do Apicum, do Mamoin e do Ribeirão (PALHANO, 1988).
Um dos desenlaces mais devastadores das precárias condições da vida urbana
dava-se quando uma epidemia abatia-se sobre a cidade. Implacavelmente recorrente, as
epidemias pestilentas - varíola, sarampo, febre amarela, gripe catarral - em razão de seus
repetidos aparecimentos, gerava um estado de medo. Fora dos surtos, persistia um estado
semi-endêmico, inquietante e cotidiano vagando caprichosamente de uma rua ou de um
bairro a outro. Nessas ocasiões, germinavam rumores malsãos, rumores intranqüilizadores
que levavam ao pânico coletivo. Muitos moradores encerravam-se em casa, fechavam
portas e janelas, supondo ter banido a doença e a morte para o lado de fora.
Muitas crônicas e notícias relativas aos surtos e ao morticínio causado pelas
epidemias ressaltam a freqüente negligência das autoridades em tomar as medidas que o
perigo impunha. A despeito da escassez ou precariedade da infraestrutura e da saúde
pública, a ação do Estado colonial português sobre a cidade se voltava, de modo prioritário
e seletivo, para o controle e disciplinamento da população e da vida urbana tendo em vista
a segurança da Colônia. Mas, a segurança da Colônia através da cidade logo se
conjugaria a necessidade de controle das doenças e da chamada pobreza urbana.
Num primeiro momento, a Igreja, através da Irmandade da Misericórdia tomou,
soberanamente, tal controle a seu encargo. Instituída no Maranhão pelo Alvará Régio de 3
de dezembro de 1622, apenas dez anos depois da fundação do Forte de São Luís, a
Irmandade tornou-se instituição crucial no controle da pobreza urbana, a qual não cessou
de expandir-se a revelia do crescimento que a cidade experimentou85.

85A Irmandade da Misericórdia desempenhou papel importante na dinâmica da vida urbana colonial no Brasil. Ela surge
como resposta à existência da pobreza que a Igreja toma ao seu encargo. Meirelles (1994), apresentando subsídios para
a história da Santa Casa de Misericórdia no Maranhão, propõe: Na Colônia: Criação da Irmandade da Misericórdia
(1623), a igreja e o cemitério primitivos; um primeiro hospital provisório (1653); a igreja de São João da Cidade e o
Hospital de São José da Caridade. No Império: os legados que enriquecem a Santa Casa e a disputa dos cargos da
Mesa (1841), o cemitério do Gavião (1855), o Leprosário do Goiabal (1870) e o novo prédio da Santa Casa. Na
República: a Santa Casa principia por se autonomizar da tutela do Estado e da Igreja, o que conclui meio século depois
(1957).
97

Parece ser importante lembrar que no período colonial o trato dos doentes e o
serviço de hospitalização eram atividades assistenciais destinadas, sobretudo, aos
doentes pobres. Assim, os planos de controle das doenças e das refrações das
desigualdades sociais na vida urbana tendiam a ser estritamente correlativos. Cada um
deles, a sua maneira, resultava e contribuía, ao mesmo tempo e contraditoriamente, na
produção de práticas e efeitos de integração ou segmentação social e espacial.
Então, poder-se-ia admitir, mesmo em contraposição à tese que persegue toda a
exposição, reiterando, para aprofundar, questões anteriores, que a segregação sócio-
espacial já se incrustava nesses momentos iniciais da formação de uma cidade como São
Luís? Se sim, indícios dessa presença poderiam ser surpreendidos nos espaços onde se
encontravam submergidos, escondidos, precisando ser recuperados por atalhos,
reconstruídos por conexões a outras singularidades?
A partir dessa perspectiva de análise, as estratégias mediante as quais o poder
colonial, os trabalhadores urbanos não escravos e as revoltas coletivas enfrentavam os
efeitos deletérios da escravização, das doenças e surtos epidêmicos, da ausência ou
escassez da infraestrutura urbana, retratados pelos historiadores e outros estudiosos da
vida urbana local, revelariam aspectos elucidativos da segregação sócio-espacial já em
curso em São Luís?
Afinal, nessa cidade portuária e comercial, a construção de palácios e casarios não
conseguia esconder as desigualdades e precariedade da vida citadina manifestadas, em
especial, no controle social sobre o movimento dos escravos nos espaços públicos e nas
condições das habitações dos pobres da cidade. Pelo contrário, por oposição e contraste,
quanto mais se pavoneavam os senhores e os sobrados apalaçados desses senhores,
mais eles se distanciavam dos homens pobres livres da cidade (brancos e mestiços), se
não se quiser se contrapor com a vida de negros escravos.
Esses todos, então, começaram a se tornar para as classes senhoriais e para os
sucessivos governos da Capitania, e mais tarde da Província, incômodas presenças que
não se diluem nos efeitos do crescimento econômico nem no estatuto de Atenas Brasileira
que as elites senhoriais e seus intelectuais haviam forjado para São Luís.
98

1.3 Crise do universo colonial e escravocrata: movimentos de contestação e


controle da vida urbana

Distúrbios, saques, motins, levantes, sublevações, convicções abolicionistas e


revoltas sempre se manifestaram no Brasil colônia como vagas múltiplas que se erguem e
se abaixam, mas a Monarquia sempre emergia viva, inteira, reiterada. As rebeliões
coloniais teriam sido freqüentemente ações de protesto provocadas pelo excesso de
miséria, pela repressão, pela escravização ou pelo temor do agravamento de situações
econômicas e sociais já insustentáveis. Essas rebeliões quase sempre acabavam
depressa (exceção feita aos quilombos e as rebeliões de senzala), ou porque se
extinguiam suas motivações ou porque eram vencidas pelo poder constituído. Muitas
delas, não eram manifestações espontâneas. Os seus integrantes agiam sob a direção de
um chefe, possivelmente, constituído no interior da luta. Era ele que mostrava aos
liderados os perigos que os ameaçavam, levando-os a um maior engajamento na ação.
De todo modo, apesar das condenações e perseguições sofridas as revoltas
coloniais não continham, até num certo momento, ataque frontal à Coroa portuguesa.
Eram, apesar de respondidas, em alguns casos, com a brutalidade de punições como o
enforcamento ou o suplício do corpo através dos castigos no pelourinho, pode-se dizer do
ponto de vista político, moderadas. Viva o rei, morra o mau governo configurava o
horizonte de muitas ações coletivas de rebeldia de parte dos homens livres e escravos que
povoavam as capitanias do Brasil até, aproximadamente, a primeira metade do século
XVIII. Mas, para o poder constituído essas agitações sociais e políticas continham uma
carga de inquietação que demandava a reorganização da máquina estatal. Afinal, detrás
de cada uma delas já era possível divisar formas de organização fundando a ação política
contra o caráter espoliador, escravista e autoritário do projeto colonialista português86.

86 Ianni (1984, p. 12-13) faz a seguinte observação: "A impressão de que a sociedade, o povo, os grupos sociais, as
pessoas pouco ou nada representavam era negada pelas medidas de controle e repressão que o governo punha em
ação. Diante das forças sociais não representadas no bloco do poder, em face da rebeldia latente ou aberta contra os
interesses dos senhores de escravos, nos engenhos de açúcar e fazendas de café, o poder monárquico agia de forma
repressiva. A força, a sistemática e a preeminência dos interesses dos grupos e camadas dominantes representadas no
aparelho estatal eram de tal porte que alguns intelectuais e políticos imaginavam que a sociedade fosse amorfa e o
Estado organizado; como se este pudesse existir por si só. Não percebiam o protesto do escravo, a insatisfação do
branco pobre no meio rural, as reivindicações de artesãos, empregados e funcionários na cidade".
99

Então, na segunda metade do século XVIII outro plano político começou a ser tecido
nas malhas do estatuto do poder monárquico e colonial português. Tratava-se de eliminar
qualquer indicio de uma vacância do poder, os efeitos desagregadores de um vazio
político, o aparecimento de propagandas antimonarquistas e antiescravistas mais
consistentes. Fazia-se necessário, urgentemente, inventar os meios da autodefesa,
aumentar o controle sobre a Colônia e eliminar os múltiplos inimigos cuja ação era temida.
Para tanto, se definia a imposição de novas exigências, a busca de novos resultados, a
dilatação das esferas de ação do governo. Estratégias alicerçadas em torno do poder
político, do saber militar e do controle da população, dos escravos e da cidade então
proliferam, bifurcam, se chocam, se substituem.
Na questão da segurança da Colônia, duas trajetórias vizinhas articularam a
produção do estado de defesa contra o perigo captado numa dupla dimensão. Numa
dimensão, ele foi considerado externo, vinha pelo mar e ligava-se ao recorrente medo de
invasão por espanhóis e ingleses, do território brasileiro. Na outra dimensão, ele é visto
como interno, provinha de uma população que os estamentos senhoriais reconhecem
como pobre, doente, revoltosa e inquieta. Na idealização e efetivação do plano de defesa
contra esse perigo de dupla via, a cidade ocupava lugar estratégico. Ela é colocada como
parte fundamental da continuidade do domínio colonial na América portuguesa. Estudos e
estratégias políticas da época que se referem ao território e aos homens já contêm uma
percepção da cidade e seus habitantes como campos específicos de produção de saber e
controle político. Assim, homens e territórios, soldados e cidades aparecem
reiteradamente nas instruções e ações dos vice-reis que chegam à Colônia87.

87 Para Machado (1978) o vice-reinado do Marquês do Lavradio (1769-1779) pode ser tomado como exemplo da
preocupação de intervir na cidade para criar segurança. A cidade do Rio de Janeiro, um dos possíveis pontos de ataque
do inimigo, deveria então ter sistemas de defesa. Tratava-se de conhecer as fortalezas existentes, sua localização, sua
construção, seu estado de conservação, sua viabilidade, sua articulação com a cidade. Devia-se, desse modo, não
apenas reparar as fortalezas, mas de torná-las úteis através de uma localização estudada e perfeita, através de um
entendimento entre estes pontos de defesa e entre estes e a cidade, o movimento de tropas, o abastecimento. Tais
procedimentos implicavam conhecer a especificidade do terreno para retirar dele um conhecimento positivo: - uma
cidade específica deve ter um sistema específico de defesa. Neste momento, o saber militar escorava-se, sobremaneira,
em um saber sobre o terreno a defender. Ao lado da questão espacial da defesa focalizava-se também a personagem do
soldado. O Conde da Cunha, em ofício do ano de 1764, expõe a situação afirmando dois motivos para o
desordenamento das tropas: falta de disciplina e falta de homens. Na crítica que faz ao seu antecessor, ele diz: “... os
regimentos tinham muitos mais números, porque conservava como praça neles os velhos e entrevados, os doentes
incuráveis e as crianças de menor idade o que tornava a terça parte da tropa inútil e suposta”. Para o Conde da Cunha
imperfeições difíceis de serem corrigidas porque “[...] rara é a casa que não tem privilégio, como pela ordenação de um
número excessivo de padres ou porque todos se escondem nos matos, razões que impedem o recrutamento, além da
falta de quartéis e de meios”.
100

Todos eles chegavam com instruções a respeito dos aspectos militares do governo.
Suas primeiras providências encontram-se sempre ligadas à defesa da cidade: conservar
as tropas de soldados, guarnecerem a cidade, fortificar os portos e as marinhas. Daí a
preocupação dominante de conhecer os planos gerais de defesa e o estado dos fortes ou
fortalezas que implicam reconstrução, na medida em que são caracterizadas como em
estado de ruína. Consoante a tal atmosfera, em 1804, D. Diogo de Sousa, governante da
Capitania-Geral do Maranhão receberia ordem para mandar ampliar e/ou reforçar as
fortificações da cidade de São Luís e paralisar quaisquer outras obras em construção 88.
O Estado colonial português - o Rei, o Conselho Ultramarino, o Governador Geral,
as Câmaras Municipais - punha a funcionar um tipo de poder onde as disposições
arquitetônicas têm como objetivo responder a questões políticas. Ainda mais: punha a
funcionar um tipo de poder a se exercer através do controle social, político e territorial,
expondo uma problemática própria do território e das territorialidades que aí se formam,
sem abrir mão da brutal repressão. Acontece também que, na colônia brasileira, dado tipo
de oposição entre sertão e cidade começava a ser descortinado. Eram os sertões
brasileiros - com sua geografia grandiloqüente, a necessidade de controlar terras e uma
série de episódios humanos e sociais vividos naquelas matas e mundo tão diverso do
mundo citadino - impondo sua existência aos homens, às classes senhoriais, ao Estado e
às cidades edificadas ao longo do litoral. De acordo com Machado (1978, p. 111) o Rei
não só assinala o problema,

[...] Cruéis e atrozes insultos que nos sertões desta capitania têm cometido
os vadios e os facinorosos que nele vivem como feras, separados da
sociedade civil e do convívio humano [...] O Rei propõe medidas para
resolver a situação: reuni-los obrigatoriamente em povoações civis, providas
de autoridades administrativas como juiz ordinário, vereadores e
procuradores do Conselho.

88 A cidade de São Luís era no período colonial defendida por uma série de fortificações que eram as de São Marcos; de
Santo Antônio no extremo da ponta então chamada de João Dias (hoje Ponta d’Areia) e rigorosamente à entrada da
barra; de São Francisco, à margem direita da foz do Anil e confrontando de muito perto a cidade; e do Baluarte, com os
fortins gêmeos de São Cosme e São Damião, verdadeiramente às portas da cidade, na extremidade do promontório
sobre que fora a mesma fundada. Delas, só duas não fez D. Diogo recuperar: a de São Francisco porque já em 1797 seu
antecessor informara estar completamente arruinado, sem artilharia capaz de fazer fogo; não se trataria no caso, de
recuperação, mas de construção nova. E a de Santo Antônio, porque D. Fernando Noronha já a fizera reconstruir pouco
antes, estando em bom estado, com seus cinco canhões. No ano de 1799, ainda, vamos encontrar o Governador e
Capitão General Diogo de Sousa, conforme comunicação feita à Corte, envolvido com a reconstrução do Forte de São
Marcos, destruído com as chuvas. Erguido numa colina que confronta o oceano, dominando a restinga que lhe
emprestou o nome, esta fortificação, foi sempre de grande valia para a defesa da cidade, pois que dela, por sua altura,
se distinguiam os navios que demandavam o porto, ainda a uma distância de 16 léguas. Cf. a respeito Meirelles, (1994).
101

A intenção do Rei era de impedir que os considerados vadios formassem bandos


armados andarilhos ou se perpetuassem em sua condição de vagamundos. Definia, para
tanto, uma medida aparentemente simples: integração e fixação na cidade. Esta, em
oposição ao sertão, deixava desvelar a sua face de território da lei e da ordem. Afinal, as
vilas e cidades (responsáveis pela articulação dos diversos momentos de realização da
mercadoria derivada da produção colonial-escravista) ofereciam suportes materiais e
institucionais para o exercício do poder da Monarquia, através do Senado da Câmara, das
leis da cidade e das tropas de soldados.
A proposta de trazer os considerados vadios e foras da lei à cidade punha ainda em
evidência a necessidade de conhecimento e controle da população, mecanismos tidos
como possíveis e viáveis quando restritos aos limites da vida urbana. Então, procurando
subjugar o presente e aprisionar o tempo futuro da colônia aos interesses econômicos e
políticos metropolitanos, começaram a se configurar fortes relações entre estratégias de
defesa e o controle social e político nas e pelas cidades.
A reorientação na política administrativa portuguesa se iniciava com a produção de
um discurso abrangente e articulado sobre os diferentes estratos sociais, o trabalho, a
cidade e a defesa, afastando-se das limitadas prescrições das Ordenações Afonsinas
(1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1604). Alguns temas e normas presentes nesses
códigos lusos, retomados quando da (re) definição das estratégias voltadas para o controle
dos subalternos, da cidade e do patrimônio fundiário urbano, dizem respeito: (1) ao raio de
ação e ao sistema de representação indireta do povo no governo municipal, através das
câmaras de vereadores, (2) a definição do regime de propriedade fundiária urbana a
serviço do estamento proprietário, (3) a inquietude médico-sanitária.
A despeito das novas estratégias políticas e de todo aparato de força e repressão do
poder colonial português, movimentos contínuos de agregação de grupos populacionais e
de escravos fundando povoados e movimentos de contestação persistiam nos sertões.
Nas cidades, fugas e rebeliões surgiam ou se redimensionavam como movimentos de
resistência à ordem escravista. Delineava-se também uma crescente onda de infrações às
leis da cidade por parte de certos segmentos sociais urbanos. Os movimentos de
resistência dos escravos urbanos tornavam a preservação da ordem escravista mais
complexa, porque, na cidade, conforme argumenta Pechman
102

[...] O sistema escravista não pode ser pensado fora de um projeto de ordem
urbana, uma vez que diferentemente do campo, a cidade pode, desde que a
desordem urbana leve à desestruturação daquilo que nela sustenta a prática
escravista, converter-se no túmulo desse sistema, que identifico com
sistema urbano. Este é o responsável pela articulação dos diferentes
momentos de realização da mercadoria derivada da produção escrava, seja
no âmbito interno, seja no externo. (Pechman, 2002, p. 238-39).

Ainda mais: a partir dos finais do século XVIII, insatisfação, progressivamente


eloquente, se pôs a romper a geração das cadeias de lealdade política de sustentação da
exploração e soberania de Portugal em relação à colônia brasileira. O alvo das
manifestações não mais se restringia aos aspectos particulares da ação do poder ou
governo local. Através de inéditas formas político-participativas, diversos segmentos da
população colonial começaram a enfrentar a própria forma de organização do poder
dominante: a monarquia.
Nesse panorama, insignificantes acontecimentos89 não eram mais vistos como
fraturas momentâneas. Cada um se desdobrava engendrando retroações, conexões e
novos acontecimentos. Panfletos literários, canções e poemas podiam aparecer como
ataques frontais a Corte, ao Rei e a Lei. Objetivamente, através de ambíguas relações,
marcadas pela submissão e pela revolta, pelo conformismo e pela resistência, invadiam o
pacto colonial germes de desencanto, contradição e dissolução. A difusão da palavra -
escrita, falada, lida, declamada ou cantada - ampliava, nos campos da política e da cultura,
as fronteiras do reconhecimento de tal fato.
Nem poderia ser de outra maneira. Do ponto de vista histórico-político, o momento
era mais tenso ainda porque já houvera no Novo Mundo a independência das treze
colônias inglesas que, na ótica dos burgueses, estavam a formar a mais interessante das
Repúblicas: os Estados Unidos da América estariam surgindo como a forma pura de
sociedade burguesa, expurgada de vestígios pré-burgueses, pré-capitalistas, medievais.

89 D. Fernando Pereira Leite de Foios, terceiro governante da capitania do Maranhão (1787-1792) em ofício datado de
4/1/1790, chegou a ameaçar os vereadores por escrito de contra eles proceder como perturbadores do sossego público e
cabecilhas de rebelião, pelo motivo de não terem ido cumprimentá-lo no dia do aniversário de sua Majestade. Em Ofício
de 5 de maio de 1799, o governador Diogo de Sousa, à propósito de críticas feitas ao Intendente de Marinha Capitão de
Mar e Guerra Pio Antônio dos Santos (primeiro titular desse cargo no Maranhão), comunicaria à Coroa que: "[...] tendo
aqui aparecido uns sonetos injuriosos contra o intendente, expedi logo ordens ao Ouvidor da Comarca para abrir
devassa, não só para o desafrontar como também porque a História ensina que o primeiro indício das revoluções é o
pouco respeito que se presta às pessoas encarregadas de cargo público".
103

Na França, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão fora promulgada e


reunira-se a Assembléia Constituinte francesa. Na cidade de Paris, um movimento político
avassalador fundava nova sociedade, considerada por muitos, livre da decrepitude do
velho mundo90. Estamos diante de algumas expressões da crise geral do Antigo Regime
que se desdobraria nas áreas periféricas do sistema colonial, ainda que se releve a força
histórica dos movimentos libertários, abolicionistas e republicanos no Brasil. De fato, o
universalismo filosófico dos Direitos do Homem, expresso de forma emblemática na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e o ideário liberal constitucional,
irradiavam seus efeitos para além do Velho Mundo, alcançavam à estrutura arcaica do
Brasil e eram readaptados pela ação de sujeitos políticos concretos.
Os novos direitos humanos do tipo Direitos do Homem eram inovadores e
peculiares, porque se relacionavam aos indivíduos concebidos como tais de forma
abstrata, e não na maneira tradicional, como pessoas inseparáveis de sua comunidade ou
de outros contextos social, sendo, portanto, teoricamente universais e iguais91. Como os
homens podiam nascer livres e iguais num lugar e não em outro?
Na América Portuguesa, a ação concreta que despontou foi à sedição, entendendo
por esta, no final do século XVIII, a ação política organizada visando a Independência. Em
1808, a capacidade do Estado monárquico colonial português para preservar a Colônia
brasileira já era duramente testada. Com a transferência da Corte para o Brasil,
redimensionaram-se as forças políticas e sociais da Colônia e deu-se a produção daquela
singularidade, anotada por Prado Júnior (1963): - o próprio governo metropolitano é que
vai, paradoxalmente, lançar as bases da autonomia brasileira com o início da formação do
Estado nacional no Brasil, ampliando, por conseguinte, a crise do sistema colonial.

90 As primeiras repercussões da Revolução Francesa em Portugal levaram a tomada de precauções, sobretudo de


ordem ideológica, no reino e no ultramar. Os súditos - ou cidadãos - daquela nação passaram a ser mais temido nos
portos coloniais pelas suas idéias e máximas do que, como os ingleses e outros europeus, por razões de contravenção
econômica e comercial. Entretanto, os problemas internos ao processo revolucionário evoluíram rapidamente. Sua
projeção para além das fronteiras nacionais – e mais tarde a eclosão da guerra – fizeram ressurgir a ameaça do corso
francês no Atlântico e o fantasma de uma possível invasão, por parte daquela potência, dos domínios coloniais
portugueses. Estes dois perigos deram o tom à política metropolitana ao longo da última década do século XVIII e da
primeira do XIX. Cf. a respeito BICALHO (2003).
91 Os Direitos do Homem, que dão o modelo básico para as Declarações de Direitos Humanos, de fato, não foram

especificamente formulados até a revolução norte-americana, e, especialmente até a francesa, com sua Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão. Tais declarações, portanto, não devem ser confundidas com documentos
revolucionários como a Petição dos Direitos britânica de 1689 ou com a Declaração de Direitos de 1689, petições contra
dificuldades específicas ao invés de formulações de direitos humanos universalmente aplicáveis. HOBSBAWM (1987).
104

Através de singular processo de continuidade e descontinuidade, a chegada da


Corte no Rio de Janeiro se configurou determinante fundamental no redimensionamento
da posição ocupada pelo Brasil nas relações internacionais e das dinâmicas sócio-
espaciais e políticas de algumas cidades. A transferência da Corte trouxe para a América
portuguesa a família real e o governo da Metrópole, sobretudo, boa parte do aparato
administrativo português. Após 1808, personalidades diversas e funcionários régios
continuaram embarcando para o Brasil atrás da Corte, empregos e parentes. Além da
família real, 276 fidalgos e dignitários régios recebiam verba anual de custeio e
representação. Dois mil seria o número de funcionários exercendo funções relacionadas
com a Coroa. Juntem-se ainda os setecentos padres, os quinhentos advogados e
duzentos praticantes de medicina residentes na cidade do Rio de Janeiro92.
Enquanto a Corte se instalava na cidade do Rio de Janeiro, reviravoltas se
processavam no conjunto da Colônia, alterando, mudando o lugar de certas determinações
e mediações históricas. Forças, interesses e articulações internas às sociedades coloniais,
obrigadas a se movimentarem pelas linhas de força do capitalismo em expansão, já
exigiam alternativas para o (re) ordenamento político do universo colonial. Sinais dessas
exigências apareciam através do interesse por novas formas de organização do Estado,
em especial aquelas resultantes das Revoluções Americana e Francesa e da emergência
de nova cultura política onde o Rei não era mais o centro do poder. As transformações que
anunciavam a hegemonia burguesa estavam a penetrar, lenta mais persistentemente, na
vida econômica, social, política e cultural da América lusitana.
Brasil e Portugal ainda formavam um Reino Unido, no entanto, parte da população
(senhores, intelectuais e homens pobres, escravos ou livres) começava a querer o Reino
do Brasil. A sedição foi, então, por excelência, a expressão das rebeliões ou conspirações
voltadas para enfrentar os poderosos instrumentos de legitimação do domínio e controle
social instituídos na América portuguesa. É disso que advinha a força política da sedição: -
ações, atitudes ou gritos sediciosos, muito mais ameaçadores para o poder constituído do
que os violentos motins em nome de viva o rei, morra o mau governo.

92Para Alencastro (1999, p.13), “[...] a parcimônia de dados disponíveis não permite que se meça precisamente o fluxo
migratório em direção à nova corte sul-americana. Mas é possível captar as mudanças comparando os dados dos
censos efetuados na cidade em 1779 e 1831. Entre uma e outra data, a população urbana; excluídas as freguesias rurais
do município, subiu de 43 mil para 79 mil habitantes. Em particular, o contingente de habitantes livres mais que dobrou,
passando de 20 mil para 46 mil indivíduos”.
105

O decurso dos acontecimentos decifrou a contradição. A economia de Portugal,


sólida no período do açúcar, passara a ter prosperidade aparente. Enquanto o ouro foi
abundante, Portugal pode sustentar-se e a região das minas chegou à opulência. No
entanto, assim como a crise da produção do açúcar produzira conflitos entre os antigos
aliados, senhores de engenho e comerciantes (Guerra dos Mascates), o esgotamento das
minas de ouro contribuía para o dilaceramento do pacto colonial. Metrópole e Colônia
supunham-se roubadas, uma pela outra. Rompe-se a aliança de forças. Movimentos de
sedição, como os protagonizados pelos inconfidentes em Minas Gerais e a Conjuração
dos Alfaiates na Bahia (embora violentamente reprimidos e punidos pelo governo da
metrópole) demonstravam o começo do fim da harmonia entre os interesses econômicos,
comerciais e políticos de Portugal e Brasil.
O senhoriato, um dos principais esteios do poder monárquico na colônia, apesar de
ainda demonstrar força e ostentação, já se encontrava afetado pelos acontecimentos
próprios a queda dos produtos coloniais, que abalava os alicerces da produção escravista:
a renda do escravo e o lucro mercantil. Inéditas forças produtivas e movimentos políticos
avassaladores, em escala mundial, estavam a subordinar o capital comercial visando
transformá-lo apenas numa face do capital industrial e a configurar modos e relações de
trabalho; formas políticas e sócio-espaciais mais adequadas à dominação burguesa.
Sob estas condições, somente relações salariais poderiam acarretar mercados mais
amplos e, ao mesmo tempo, produção mercantil complementar em massa 93. Através de
forças produtivas e relações de trabalho cimentadas por processos políticos e culturais
consentâneos a novo processo civilizatório, o capital ia se expandindo e subordinando, a
si, as forças produtivas precedentes e transformando-as para seu uso. O período
transitivo-manufatureiro ao capitalismo industrial já exigia a liquidação da economia
colonial, e expunha, sem clemência, a insanável contradição entre relações capitalistas e
formas de trabalho compulsório94, como a operosidade forçada dos escravos.

93 Nas palavras de Mello (1991, p.44) "[...] o que era solidariedade se transforma em oposição, o que era estímulo se
converte em grilhão. Economia Colonial e Capitalismo passam a guardar, de agora em diante, relações contraditórias".
94 Recorde-se que desde ao redor de 1780, com o surto inaugural da economia industrial em alguns países da Europa já

começara a desenvolver-se um novo perfil de operários das manufaturas e das fábricas, o qual antecipa a relação
salarial moderna sem ainda manifestá-la em sua coerência. Evidentemente, esse perfil não corresponde ao conjunto,
tampouco à maioria dos trabalhadores do início da industrialização, mas representa o núcleo do que vai se tornar à
condição de assalariado dominante na sociedade industrial, encarnada pelos trabalhadores da grande indústria.
(CASTEL, 1998).
106

Como à crise econômica se juntava à crise política que atingia a América


portuguesa e o próprio Antigo Regime em Portugal, no Brasil, a passagem para o período
imperial, já se fez acompanhar pelo anuncio dos ideários abolicionistas e republicanos.
Expressando possibilidades históricas que ainda não se cumpriram plenamente, a
Independência do Brasil seria quase um jogo de cartas marcadas. A frase “Pedro, se o
Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum
aventureiro [...]” dita por João VI, no ano de 1821, pode indicar os limites históricos das
palavras independência ou morte.
Não obstante suas contradições, o ato político da Independência constitui-se marco
central do fim da era colonial95. Para a assembléia instalada em maio de 1823 acorreram
núcleos de resistência e de idéias econômicas e políticas inovadoras. Numa escala
anteriormente desconhecida, o projeto de parte dos constituintes representava vigoroso
esforço mirando a sujeição da vontade imperial ao arbítrio do Legislativo.
Mas o Imperador, como que promulgando um édito real, dissolveu a Constituinte e
nomeou o Conselho de Estado que redigiu a Constituição de 182496. Nesta, a elite agrária
garantiu a continuidade da grande propriedade e do trabalho escravizado, ainda que
abolisse os acoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis. Aqui
se estabelecia relação entre o poder dos senhores sobre seus escravos e o poder do
Estado sobre todos os escravos. Majoritários segmentos da população colonial foram
afastados da política por meio do voto censitário baseado na renda individual.
A partir de 1824, a Confederação do Equador deu início ao ciclo de revoltas que
culminou com a Guerra dos Farrapos e só terminou com a Praieira, em 1848. No
Maranhão, em 1822, a Junta Provisória e Administrativa da Província determinara aos
juízes, em nome dos bons costumes, a imediata prisão dos vadios, vagabundos e ociosos
existentes nos distritos.

95
Para Fernandes (1976, p.31-32), a Independência "[...] aparece como uma revolução social sob dois aspectos
correlatos: como marco histórico definitivo do fim da 'era colonial'; como ponto de referência para a 'época da sociedade
nacional' que com ele se inaugurava [...] É nesta conexão que está o aspecto verdadeiramente revolucionário e que
transcendia aos limites da situação de interesses da casa reinante. Em contraste com o que ocorria sob o estatuto
colonial e, mesmo, sob a ambígua condição de Reino, o poder deixará de se manifestar como imposição de fora para
dentro, para organizar-se a partir de dentro, malgrado as injunções e as contingências que iriam cercar a longa fase do
'predomínio inglês' na vida econômica, política e diplomática da Nação".
96 Em 1824, discutindo a Constituição outorgada por D. Pedro I, Frei Caneca (1976, p.70-72) denunciava o caráter

antidemocrático da instituição que garantia ao Imperador enfeixar tanto poder em suas mãos: - “[...] A atribuição privativa
do executivo de empregar, com bem lhe parece conveniente à segurança e defesa do império, a força armada de mar e
terra, é a coroa do despotismo e a fonte caudal da opressão da nação".
107

A preocupação com a desordem na cidade se explicitava, cada vez mais, nos


mecanismos políticos e jurídicos de constituição da ordem social e urbana do período
imperial. Em 1830, o Código Criminal considerava crimes policiais a prática da vadiagem e
da mendicância. Intentava-se controlar relações entre moradores e os espaços públicos
das cidades, definindo-se, para tanto, padrões de criminalidade. O Código de Posturas
Municipais de 1838 determinou modalidades de usos do espaço citadino, demonstrando
clara preocupação com os perigos da rua para a chamada sociedade culta das cidades.
A agravação das penas aos escravos e as Leis repressivas voltadas para o controle
da vida urbana mostram que os conservadores temiam as forças populares presentes na
sociedade civil em formação e fizeram essas leis como instrumento não só contra os
liberais, mas contra todos insurgentes contra o poder. Eram movimentos autoritários que,
ao mesmo passo e contraditoriamente, conviviam com movimentos políticos em torno da
organização política jurídica nacional orientada pela idéia de construção do público que
deveria substituir a estrutura privada herdada do período colonial. Sobre esses
movimentos próprios do período imperial (1822-1889), Ianni (1984, p.14) observa:

[...] Ocorrerem alguns fatos notáveis, relativos a problemas tais como os


seguintes: lutas de independência, revoltas e guerras populares, lutas
separatistas, fugas e revoltas de escravos, primórdios da sociedade civil,
cidadania, vida partidária, opinião pública e outros aspectos do processo
histórico de formação do Estado Nacional. Nessa época, as campanhas
republicana e abolicionista são expressões muito importantes da sociedade
civil em formação. Ao lado do amplo predomínio do trabalho escravizado,
como base de todo o vasto edifício do poder monárquico (o que limita ou
nega uma verdadeira sociedade civil burguesa) é inegável que vários
acontecimentos ocorridos na época permitem colocar os anos da monarquia
como o tempo das manifestações primordiais da revolução burguesa que se
desenrolará desde 1888-89 em diante.

Num panorama histórico de modos de trabalho e ações políticas altamente


cambiantes, os dois sistemas oligárquicos dominantes, o nordestino, de base latifundiária
e patrimonialista e o paulista, dominado pela burguesia agrário-mercantil, conformando
capacidade de pressão política distintas, já estavam a defrontar-se no cotidiano com o
desenvolvimento das forças produtivas industriais, o alargamento do mercado e os novos
modos de fazer política na esfera da sociedade civil e no âmbito do Estado.
108

O senhor e o escravo, o fazendeiro de café97 e o imigrante, estes dois últimos


considerados figuras gerais e centrais das transformações da época (FERNANDES, 1976),
tanto vão interromper como catalisar modernidade, alimentando e encarnando uma série
de contradições desse momento de crise da América portuguesa.
Interessa-me demarcar que as marinhas (espaços urbanos litorâneos onde os
vínculos Colônia-Metrópole e as suas relações mercantis se realizavam) da região
nordeste do Brasil, a exemplo de São Luís, ao defrontar-se com forças políticas e
econômicas novas retiveram nas suas configurações e dinâmicas muitos atributos das
cidades patrimoniais (MORSE, 1971). A forte subordinação à oligarquia agrária é um
desses atributos. A capacidade de sobrevivência dos traços coloniais, ainda que
remodelados, tinha como uma de suas determinações a força das oligarquias, que
aparecia com particular visibilidade nas políticas do Império e de modo singular no
nordeste brasileiro.
Eram oligarquias fortes e autônomas e se pode dizer que foi o interesse comum
frente às pressões externas favoráveis ao fim da escravidão o elemento responsável pelos
laços de dependência e solidariedade de sustentação da unidade das instituições políticas
imperiais e nacionais (FIORI, 1995). Mas, o potencial desagregador da luta pelo poder
entre famílias comprometia a unificação política, constituindo-se, por isso, numa questão
crucial do Império. No Maranhão, nas relações estabelecidas entre a Coroa, a elite política
imperial e os proprietários de terra, as lutas entre famílias travaram, a até certo momento,
a formação de atores que assumissem a organização e o exercício do poder político.
É certo que grupos políticos regionais procuravam reter em suas mãos a capacidade
e o privilégio de fazer valer seus interesses coletivos. Mas, até então, o Estado não
representava um meio de fazer prevalecer políticas numa determinada direção. Constituía-
se muito mais num patrimônio a ser explorado, um espaço a ser ocupado, gerando, nas
relações políticas maranhenses, uma nefasta tradição: a não separação entre os domínios
do público e do privado.

97 A transformação do café num produto de consumo generalizado; a oferta abundante de terras propícias ao seu plantio
e próximas dos portos de embarque (em particular o vale do rio Paraíba e na região de Vassouras, no Rio de Janeiro); a
liberação dos escravos pela desagregação da economia mineira, a regularização da posse ou da propriedade da terra e
ainda a figura do comissário (agente econômico estratégico na comercialização do café) podem figurar as mediações da
mobilização dos recursos produtivos que deram, no Brasil, forma e vida ao negócio cafeeiro.
109

A natureza intervencionista do Estado Imperial se expressou, claramente, quando,


na década de 1830, foram arquitetadas estratégias de desmobilização da autonomia
municipal, restringindo-se a competência das Câmaras às matérias econômicas locais e
proibindo-se que os vereadores deliberassem sobre temas políticos provinciais ou gerais.
A regionalização instaurada pelo Ato Adicional de1834 criava as assembléias provinciais
na direção da descentralização, mas a tendência antimunicipalista permanece.
O governo central subtraia a autonomia das municipalidades e, sobretudo, a
competência jurídica e policial dos juizes de paz eleitos em cada cidade e dos juizes
municipais indicados pelas Câmaras. O objetivo era estabelecer a unidade nacional
mediante poder executivo forte e estrutura administrativa que pudesse contrapor-se ao
autonomismo municipal e, assim, garantir a política unitária do Império e o triunfo do
princípio federativo.
No campo das estratégias convergentes à centralização do poder - condição para a
unificação da sociedade e da economia brasileira nos marcos do Império - materializou-se,
no Maranhão, ações no sentido da constituição de atores políticos com duas funções
primordiais: (1) a organização das disputas políticas no âmbito regional, aglutinando as
facções e permitindo o funcionamento do jogo partidário, (2) o estabelecimento da
mediação entre o centro (a Corte imperial) e a Província. Tal dinâmica política, a revelia
dos aspectos novos que carregava, não impedia, efetivamente, a existência de sistemas
de poder local, fundados em laços familiares e especialmente na propriedade da terra.
(REIS, 1992).
De todo modo, o exercício do poder por autoridades designadas pelos presidentes
de províncias, ou seja, pelo governo central - em detrimento das autoridades locais
escolhidas pelos proprietários de terras, eleitores qualificados da região - afigurou-se, para
determinados segmentos da população como ameaça à ordem privada, isto é, à ordem em
geral. Tais questões aparecem como mediações da constituição de uma das maiores lutas
sociais ocorridas no campo maranhense. Trata-se da Balaiada (1839-1841), que
guardando fortes relações com a política centralizadora imperial e com o jogo político da
província maranhense, pode ser apreendida como a retomada da Guerra da
Independência, constrangida por D. Pedro I.
110

Mais ainda: Trata-se a Balaiada de luta social que abarca elementos indicativos da
formação do campesinato no Maranhão (índios, escravos e migrantes cearenses), em
meio a tempos de fartura (agricultura, caça e pesca) e a tempos de infortúnio: tempos de
febre (sezão) e tempos de fome (lapada). A fuga pelo mato (correndo do chamado pega,
recrutamento do qual o camponês procurava fugir), a resistência armada, a presença dos
quilombos (o de Dom Cosme teria chegado a reunir 3.000 quilombolas) são algumas das
expressões desse levante popular (ASSUNÇÃO, 1988). Em 1840, a Balaiada - e sua luta
contra a sociedade escravista, a violência dos senhores e as forças da legalidade - foi
derrotada.
Apesar dos conflitos e afrontas civis e populares, o Governo Imperial conseguiu
manter controlar sucessivas crises, principalmente decorrentes dos poderes regionais e
locais, chegando a alcançar certa prosperidade econômica. O caráter patrimonialista do
Estado brasileiro em formação e o poder regional das oligarquias, exacerbado durante o
Império, repercutiram decisivamente na montagem dos mecanismos políticos que
enfatizavam os interesses privados em detrimento dos interesses públicos.
Aqui, como também em vários outros países latino-americanos, após a efetivação
de processos de Independência as relações entre o poder central e o poder local se
converteram em elemento chave na organização e estabilização do Estado. Mas, no caso
brasileiro a extensão territorial, a incomunicabilidade, a estrutura latifundiária e a
segmentação da atividade produtiva voltada para os mercados externos continuaram a
favorecer a formação de oligarquias bastante sólidas98.
Os particularismos locais que levavam os homens a agrupar-se em torno de
pessoas e famílias, e não de ideais e proposições ético-políticas, se desdobraram de
maneira particular e grave no funcionamento das cidades brasileiras. Eles interferiram
diretamente nos processos político-institucionais que punham em funcionamento a coisa
pública, de modo particular à administração da cidade tendo em vista o desenvolvimento
local, o uso público da cidade e a produção de serviços coletivos urbanos, muitos deles
dependentes do erário provincial (mais tarde estadual).

98Fiori (1995, p.142), discutindo os temas do Estado e das oligarquias regionais, considera que, no Brasil, é por essa
razão “[...] que a abolição da escravatura, em 1888, desembocou na imediata proclamação da República em 1889,
recolocando de forma nova e desafiadora o problema do equilíbrio geopolítico do poder entre as várias oligarquias
regionais".
111

Estamos diante de um tipo de dominação, onde a centralização (de recursos


financeiros e políticos) exige a intermediação de grupos políticos que, pelo próprio
exercício de sua função de mediação entre o governo central e o poder local, interesses
privados e o Estado, desfrutam de fonte privilegiada de poder. Essa forma de relação
estatal-política dava o tom da ação política imperial. Estratégia que deixou no Brasil,
especialmente no Maranhão, como já anotado nesta exposição, marcas históricas
indeléveis quanto à particularização das demandas e à individualização dos benefícios.
Aqui, o Estado, numa peculiar dinâmica de centralização autoritária, se enfraquecia, mas,
ao mesmo tempo, retirava a autonomia e a independência dos grupos no momento mesmo
em que lhes favorecia a apropriação de funções, órgãos e rendas públicas.
No Maranhão, por volta de 1860, se deu à transição de um partido de dominação
local (que permitia aos chefes das famílias proprietárias exercerem postos de mando como
função secundária) para a constituição de setores especificamente dedicados à
administração pública e à representação política seguindo um padrão de carreira. Embora
o Estado, nesse momento, ainda tivesse relativamente limitado o seu raio de intervenção
direta nas atividades econômicas ou de serviços, possuía a capacidade de interferir na
dinâmica social e privilegiar determinados interesses através da regulamentação, isenções
fiscais e concessão de favores99.
Como resultado da conjugação de determinantes exógenos e endógenos, na
reprodução política da ordem imperial, a cidade de São Luís ocupou lugar importante. Tal
fato mantém relações com as dificuldades do sistema agro-exportador100 centrado no
algodão e no açúcar e com o enfraquecimento do produtor rural, maior dependência deste
em relação à política estabelecida no meio urbano, além do fortalecimento do
empresariado que passou a ter papel estratégico na sustentação política do estado do
Maranhão. Essa cidade também havia se tornado espaço importante no desenvolvimento
da atividade comercial e do setor de serviços, bem como sede da burocracia provincial.

99 Para Reis (1992, p.42), num sistema no qual se alternavam liberais e conservadores “[...] os grupos políticos
percebiam o Estado como um bem a ser utilizado em favor dos correligionários, quando seu partido estivesse no poder,
desenvolvendo um traço da cultura política que legitimava a utilização clientelista das funções de governo em benefício
dos aliados e como moeda de troca na formação de alianças".
100 Caldeira (1980, p.78) aponta como determinantes da crise na economia agrária maranhense os que seguem:

"Primeiro, por ter se iniciado a entrada de colonos europeus para a cafeicultura, o que iria alterar o curso do 'tráfico
interno' de escravos, reduzindo o volume e o preço destes; segundo porque, despreparada para utilizar-se de imediato,
de outro tipo de mão-de-obra que não a escrava, a 'plantation' no Maranhão teria que, em prazos curtos, criar novas
formas de relações de trabalho que, de imediato, não propiciariam o mesmo volume de lucro quanto o regime servil".
112

Sem as condições históricas necessárias à sustentação das dinâmicas produtivas e


econômicas secularmente apoiadas no trabalho escravizado, no latifúndio, nos interesses
mercantis externos, portanto, francamente vulneráveis às oscilações do mercado
internacional, determinadas expressões da atividade produtiva no Maranhão foram, com já
vimos, fortemente atingidas pela proibição do tráfico de escravos. Afinal, haviam se criados
laços muitos estreitos entre a economia agro-exportadora maranhense e o trabalho
escravo. A condição de vendedores de escravos para fazendas cafeeiras da região sul do
país assumida por proprietários de terras e escravos do Maranhão não teve vida longa.
Segundo Arcangeli (1987) durou de 1851 a 1888.
No Brasil, quando o regime escravista começou a ruir, com a substituição, gradual,
do trabalho escravizado pelo trabalho assalariado, também se deslocaram os indicadores
de aferição de riquezas: da quantidade de escravos a terra passaria a cumprir esse papel
na composição da riqueza. Processo também decorrente, da crise estrutural irreversível do
sistema de produção escravagista (FERNANDES, 1976). Rolnik (1997, p.24) assinala que
se “[...] o principal capital do fazendeiro estava investido na pessoa do escravo, imobilizado
como renda capitalizada, durante a transição o papel de lastro passou para a terra”.
A Lei de Terras, em 1850, oficializou tal deslocamento. A terra, doravante, poderia
ser hipotecada, servindo de garantia para a contratação de empréstimos bancários, em um
momento em que estes se ampliavam como condição da expansão dos cultivos. Com os
investimentos, principalmente estatais, na infraestrutura das cidades, a propriedade
imobiliária urbana apresentou tendência à valorização. Cidade e terra passaram a ter suas
relações mediadas pelos modos como cada cidade se defrontava com a expansão e
consolidação da produção e usos do espaço no Brasil. Esse cenário, de forte desgaste da
ordem político-institucional que o sustentava, comporta também o momento em que, se a
poupança interna se tornava insuficiente para atender à procura de novos capitais, era
necessário que fossem atraídos capitais e bancos estrangeiros (principalmente ingleses).
No plano nacional, ondas de caráter patriótico e manifestações do ideal republicano
atravessavam as províncias assumindo diversas tendências. Proposições denunciando o
poder imperial, a escravatura, o luxo dos aristocratas, o descaso com os sertões e a
miséria do povo impregnavam a atmosfera política e cultural dos últimos anos do Império.
113

Nesse panorama, Castro Alves fazia em versos comícios republicanos, as viagens


de D. Pedro II pareciam fugas de problemas não resolvidos e, no Maranhão, clubes e
diretórios republicanos incentivavam manifestações que davam vivas à República.
Em meio a múltiplos movimentos e lutas sociais brotando na cidade e sertões, sob a
determinação material da exigência de valorização do capital, incluindo-se as demandas
quanto a agregados da infraestrutura urbanos, a inauguração do tempo republicano se fez
num processo de continuidade e descontinuidade, de fusão do velho e do novo, de
máscaras públicas e confissões privadas101.
Em seguida à abolição da escravatura e à queda da monarquia organizou-se novo
bloco agrário que teve forte representação no Estado oligárquico predominante na
Primeira República. Nesse período, de modo tardio, estamos na fase do desenvolvimento
capitalista da sociedade brasileira, caracterizada por Fernandes (1976) como formação e
expansão capitalismo competitivo que tem seu começo na década de 60 do século XIX,
indo até 1950. As características dessa fase compreendem a consolidação e disseminação
do mercado capitalista e por seu financiamento como fator de diferenciação econômica do
sistema econômico e a consolidação da economia urbano-comercial, acompanhada da
primeira transição industrial verdadeiramente importante.
Enraizadas na particularidade da sociedade brasileira, a partir do final do século
XIX, começaram a aparecer em São Luís expressões da complexa relação entre o capital,
o trabalho e o Estado que ao emoldurarem a cidade geraram novas ou ampliaram antigas
necessidades sociais a serem respondidas no âmbito da vida urbana. No curso dessas
relações, engendraram-se transformações e contradições que passaram a configurar
novos modos através dos quais disputas territoriais e mecanismos político-jurídicos de
ordenação territorial associaram-se às mutações urbanas, tendo como um dos seus
produtos, sem nebulosa desta feita, processos de segregação sócio-espacial na realidade
da cidade.

101"Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que pelejam reflexos da vida civilizada, tivemos de improvisar
como herança à República. Ascendemos de chofre, arrebatados no caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra
secular em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimo;
respigando, em faina cega de copistas, tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações, tornamos,
revolucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências de nossa própria nacionalidade, mais fundo o
contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrícios mais estrangeiros nesta terra do que os imigrantes
da Europa. Porque não no-los separa um mar, separam nossos três séculos" (Cunha, 1902).
114

2 A MUTAÇÃO DO USO URBANO: efeitos úteis da aglomeração


capitalista, disputas territoriais e segregação sócio-espacial

O desenvolvimento deste capítulo se volta para a demarcação dos caminhos da


formação da cidade e das disputas territoriais urbanas sob o capitalismo. Na ênfase que
orienta a lógica da exposição, uma questão particular se delineia: ao longo das mutações
experimentadas pela cidade capitalista, a terra, uma das condições vitais da reprodução
social, entra em um novo estágio como fonte de usos, disputas, conflitos e antagonismos,
à medida que o movimento do capital atribui um particular conteúdo econômico e simbólico
ao uso e à propriedade privada da terra urbana.
Tal estágio, resultado necessário da vida produtiva e social das classes e suas
frações, ao materializar-se na cidade através das disputas dos efeitos úteis da
aglomeração, manifestam através de expressões sempre renovadas, a contradição entre a
produção social do espaço urbano e sua apropriação privada. Na cidade de São Luís,
configurar esta contradição significa penetrar em um universo citadino reconstruído à
medida que dois experimentos industriais periféricos - um parque fabril têxtil e um
complexo mínero-metalalúrgico - se implantam e se desagregam, mediados por mutações
do uso urbano que avançam, construindo, misturando, desfazendo, refazendo e
segregando frações de classe, modos de provisão de moradias, territórios e
territorialidades.
O escopo específico da argumentação é, portanto, o de traçar a adaptação da
cidade que se faz necessária ao novo curso de desenvolvimento das forças produtivas,
realçando certas disputas territoriais, dadas manifestações de segregação sócio-espacial e
determinados ângulos político-institucionais da intervenção estatal sobre a distribuição
pública e privada dos complexos valores de uso da terra urbana.
115

2.1 A cidade sob a fase de formação e expansão do capitalismo competitivo:


territórios fabris e crescimento urbano

Um dos traços mais característicos dos finais do século XIX e primeiros anos do
século XX foi o intenso crescimento dos contingentes urbanos da população brasileira 102.
Na série de transformações pelas quais passava o país - se materializavam experimentos
industriais periféricos, se construíam as primeiras ferrovias, se estabelecia uma política
imigratória103, se abolia o regime escravista, se iniciava a organização do trabalho
assalariado, se alterava a estrutura jurídica da propriedade da terra e se constituía, com a
queda do Império, a experiência do regime republicano - essa tendência demográfica, era
o início de um processo que inverteu a distribuição sócio-territorial da população brasileira.
O conjunto de processos próprios às transformações assinaladas reverberava nas
formas e dinâmicas espaciais urbanas herdadas do passado colonial ao mesmo tempo em
que delas retiravam condições de sobrevivência, recriação e expansão. Construção e
ampliação de portos, de oficinas e de fábricas de grandes dimensões, armazéns onde se
acumulam mercadorias, os primeiros arranha-céus, construção de logradouros públicos;
largas avenidas, novos modos de construção de moradias, formação do mercado
imobiliário, trabalhadores cada vez mais separados de seus meios de vida e
segmentações sócio-espaciais são algumas das fortes evidências da tendência
expansionista do capital e das transformações do trabalho, da vida e cultura urbanas na
sociedade brasileira.
Essas transformações também continham e instauravam, ao mesmo tempo, suas
próprias contradições e contracultura, sua crítica, sua dissidência e subversão. Uma série
de contradições e conflitos inéditos se mostrava rapidamente como a contra face
insuperável da ampliação do espaço do campo político aberto pela nova cidade.

102 Dados do recenseamento de 1872 (o primeiro que se fez no Brasil) informam sobre a existência de uma população de
9.930.479 habitantes, em que se computaram 1.510.806 escravos, 3.787.289 brancos e 3.801.782 mulatos e mestiços
de vários graus, dos quais cerca de dois milhões (precisamente 1.854.452) da raça africana e 386.955 da raça ameríndia
(AZEVEDO, 1996).
103 Recorde-se que pouco antes da abolição da escravatura acontece, mediante sistema de trabalho feito por empreitada

e assalariamento, a ampliação do movimento de imigração de origem mediterrânea e germânica em direção,


principalmente, das atuais regiões Sul e Sudeste do Brasil. Exatamente a Lei de Terras de 1850 atesta no plano jurídico-
político as efetivas relações entre terra e trabalho. Nela, em seu artigo 18, encontra-se a autorização do Governo Imperial
para importação de colonos livres para trabalhar no Brasil.
116

As novas dinâmicas produtivas, políticas e urbanas, no bojo do redimensionamento


dos mecanismos de regulação estatal em curso, se fizeram acompanhar de propostas
embrionárias de legislação e políticas públicas. O direito intervencionista estatal sobre o
território, imerso na expansão capitalista na estruturação da morfologia urbana, investindo
sobre velhas fortificações e cidades endêmicas, procurava capacitar às cidades a se
tornarem formas espaciais modernas, consentâneas à sociabilidade capitalista. No plano
da ação política e ideológica, isto se fazia mediado por claros e fortes interesses liberais,
nacionalistas, urbanos.
São Paulo, por exemplo, transformou-se de entreposto comercial escravista, com
pouco mais de 30 mil habitantes em 1873, na sede financeira do negócio cafeeiro, a
primeira experiência de generalização do trabalho assalariado nas fazendas do Brasil 104.
Transformou-se também na sede de iniciativas industriais, que passaram a se confrontar
com setores e interesses pré-existentes na economia e política brasileira. Em 1886,
véspera da abolição oficial da escravidão, a população era de 47.697 habitantes; em 1890
a população já era de 120.775 em 1893. Mas, a explosão demográfica do período por si só
não explica a transformação da cidade: mais do que crescer e aumentar a complexidade
de sua administração, São Paulo se redefiniu territorialmente (ROLNIK, 1997).
Nessa cidade, tendo como determinações gerais à criação ou expansão dos
mercados de capital e de trabalho, condição essencial para o desenvolvimento dos
experimentos industriais, destacavam-se, no plano da construção de edificações de
moradias, as luxuosas residências dos ricos barões do café. Palacetes espalhavam-se por
certas áreas da cidade - Campo Elíseos, Avenida Angélica e Avenida Paulista, dentre
outras. Os palacetes, no mais orgulhoso gosto europeu, ajudavam, em meio a alguns
melhoramentos urbanos nos espaços públicos, a acentuar as graves formas de expressão
da desigualdade social no plano da moradia.

104Segundo Silva (1986, p.43) "[...] a produção brasileira de café cresceu muito rapidamente durante todo o século XIX.
No começo da segunda metade (desse) século, ela tomou proporções importantes: a cifra se aproxima de três milhões
de sacas em média por ano (para) a partir da década de 1870, sobretudo, a partir de 1880, quando a produção média
anual ultrapassa os cinco milhões de sacas por ano, torna-se o centro motor do desenvolvimento do capitalismo no
Brasil". Na visão de Furtado (1959, p. 187) “[...] a economia cafeeira formou-se em condições distintas (das da economia
açucareira). Desde o começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda etapa de
gestação, os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta
que se estende em uma ampla frente: aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da
produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e
econômica”.
117

Nesse panorama urbano, a construção de vilas operárias105, solução apresentada


pelos patrões - donos de fábricas - para resolver o problema da habitação da força de
trabalho assalariada empregada na emergente indústria capitalista, não conseguia
encobrir as fortes disputas territoriais (valorização fundiária) em curso na cidade. Para
frações de classe ricas, bairros considerados elegantes; para certos segmentos de
trabalhadores, vilas operárias a outros, cortiços.
Certamente já se pode usar, com alguma segurança analítica, a expressão
segregação sócio-espacial para apreender uma das principais mudanças que ocorreram
no plano da vida citadina. A partir daí, a segregação sócio-espacial também pode ser
relacionada à alta do preço dos aluguéis e à fixação de elevado valor de troca para a terra
urbana, à medida que esta incorporava trabalho e alguns equipamentos e serviços
coletivos, acompanhada de disputa do espaço pelas classes sociais e suas frações. As
transformações em curso e as contradições urbanas que sustentavam seu movimento
traziam para a sociedade brasileira a questão das relações entre o capital e a cidade: das
necessidades sociais definidas a partir dos interesses mercantis e de valorização do
capital e as necessidades sociais reais dos trabalhadores106.
Há muito é sabido que o entretecimento do modus operandi do capital na produção
do urbano produz um modo peculiar de constituição social - a cidade capitalista - e não
uma mera relação recíproca de um sobre o outro. Porque confere teor contraditório e
problemático à cidade, a instauração do urbano, nos marcos próprios à ordem do capital,
também sob a particularidade da via colonial, se fez eivada de contradições sociais. Afinal,
tratam-se dos processos que tornaram a cidade condição e veículo das novas condições
gerais da produção em torno das quais se organizaram e se aglomeraram,
necessariamente, meios de reprodução do capital e da força de trabalho.

105 Na cidade de São Paulo, as vilas operárias (conjuntos de casas de aluguel) foram construídas por industriais ou
empresários para abrigar famílias de trabalhadores (muitos imigrantes), sobretudo nos bairros do Brás, Mooca,
Belenzinho, Barra Funda, Lapa, redutos industriais. Um exemplo: A Vila Maria Zélia (bairro do Belenzinho), construída
no ano de 1916, pelo industrial Jorge Street, proprietário da Cia. Nacional de Tecidos Juta Belém. Tinha 220 casas,
creche, ambulatório médico e odontológico, centro comercial, igreja e ainda duas escolas (uma para meninos e outra
para meninas). Em 1942, a Lei do Inquilinato decretada pelo então presidente Getúlio Vargas passou a controlar o preço
dos aluguéis e o negócio deixou de ser rentável. A partir daí os industriais passaram a vender as casas e as vilas
rarearam. Outro exemplo: Vila Economizadora (bairro da Luz) construída entre 1908 e 1915 tinha 135 casas e algumas
singularidades, pois se tratava de um empreendimento da Sociedade Mútua Economizadora Paulista voltado para o
aluguel de casa para trabalhadores de diferentes indústrias ou serviços: funcionários da Estrada de Ferro e do Liceu de
Artes e Ofício, operários e trabalhadores do Mercado Municipal.
106 Sobre o tema das necessidades sociais, consultar, dentre outros, HELLER (1978).
118

Quando aspectos mais imediatos da vida, como ofícios, produção mercantil, terra,
moradia, como também costumes, hábitos e tradições, mediados pelo impacto da
aglomeração urbana, tornaram-se drasticamente suscetíveis de se metamorfosearem em
formas diversas, há de serem demarcados, pelo menos, três caracteres que pertencem
por essência ao capital:
• ininterrupta perturbação, interminável incerteza e agitação, traços basilares da
cultura técnica e dos processos produtivos da indústria moderna sob o capital 107
sempre sacudidos ou alterados pela utilização da ciência e a exploração do trabalho
e por crises econômicas, expressões das contradições inerentes ao processo de
acumulação e sociabilidade capitalista;
• dinâmicas produtivas industriais e relações de assalariamento reportando-se a um
trabalhador que não se encontra mais unido aos seus meios de produção, por que
estes foram incorporados e convertidos em capital: o surgimento do trabalho coletivo
e, por isso, do capital, que se transforma em força produtiva social, se faz à custa do
empobrecimento do trabalhador, reduzido à força de trabalho individual;
• dinâmicas políticas e culturais mediadas pelas ideologias da era industrial (católica,
liberal e comunista) forjam espaços de manifestação e representação de diferentes
projetos ou interesses de classe, em constantes processos de mutação. Essas
dinâmicas, impulsionadas pela concentração urbana do operariado e pelo
contraditório movimento de recomposição pelas classes sociais das relações de
hegemonia na sociedade - destacando-se os processos organizativos e lutas sociais
das classes subalternas -, compõem centros de configuração e vibração de
contradições, que acompanham como sombra os movimentos de acumulação e de
recuperação de crises do capital.
O que se revoluciona, portanto, não são apenas os meios de produção, mas
igualmente as condições gerais da produção social para rentabilizar o trabalho, fazendo o
encontro entre cidade e o capital, ser acionado e acionar, ao mesmo tempo, outros tantos
processos, de natureza muito diversa tanto técnica quanto política.

107 De acordo, com Marx (1998a, p.51) "[...] a indústria moderna nunca considera nem trata como definitiva a forma
existente de um processo de produção. Sua base técnica é revolucionária, enquanto todos os outros modos anteriores
de produção eram essencialmente conservadores".
119

Esse movimento, intrínseco às necessidades reprodutivas do capital, (re) organiza,


permanentemente, os domínios dos usos do espaço e da experiência urbana. É o capital
exercendo o seu domínio sobre as fontes originais da riqueza: - a terra e os trabalhadores.
Tal noção, que vem da economia política clássica e acha-se no cerne da obra de Marx e
Engels, é retomada por Lefebvre que povoa com outras dimensões o conceito de forças
produtivas. Para este autor, as bases da produção têm relações vitais com a produção do
espaço, sendo este, também, suporte e dinamismo do processo produtivo. Lefebvre (1974,
p. 388-89) expõe assim a produção do (valor) espaço:

A mobilização do espaço para permitir sua produção tem exigências


severas. Ela começa - é sabido - pelo solo que, de início, precisa ser
arrancado da propriedade do tipo tradicional, da estabilidade, da
transmissão patrimonial, não sem dificuldade e concessões (as rendas
fundiárias). A mobilização se estende a seguir ao espaço, subsolo e volumes
acima do solo. O espaço inteiro deve receber 'valor de troca'. Ora, a troca
implica intercambialidade. A intercambialidade de um bem faz dele uma
mercadoria, análoga a uma quantidade de açúcar ou de carvão; ela exige
que o bem seja comparável a outros bens e mesmo a todos os bens do
mesmo gênero. O 'mundo da mercadoria' com seus traços se estende às
coisas e bens produzidos no espaço e, de suas circulações e fluxos, ao
espaço inteiro que toma assim a realidade autônoma (na aparência) da
coisa, do dinheiro. O valor de troca - Marx depois dos 'clássicos' mostrou-o
para os produtos-coisa - se exprime em dinheiro. Outrora se vendia, se
alugava a terra. Hoje, compra-se e vende-se (mais do que se aluga) um
volume: apartamento, habitações, peças, andares, terraços, equipamento
diversos (piscinas, quadras de tênis, estacionamento). Cada lugar
permutável figura assim no encadeamento das operações mercantis - oferta
e demanda formação de um preço (os preços, aliás, guardando um vínculo
elástico com os 'custos de produção', isto é, com o tempo de trabalho social
médio necessário para a produção). Neste caso, como em outros, diversas
causas perturbam e complica esta relação, notadamente a especulação...
Os preços se afastam dos valores e custos de produção.

Então, Lefebvre (1999, p.51) identifica a cidade como categoria histórica


subordinada à economia e às categorias econômicas, mas a cidade tem a propriedade de
ser materializada por um processo social que reage a si mesmo e a esse processo.

[...] A cidade cobre bem a dupla acepção do termo produzir. Obra ele
mesmo, é o lugar onde se produzem obras diversas, inclusive aquilo que faz
o sentido da produção: necessidades e prazeres. É também o lugar onde
são produzidos e trocados os bens, onde são consumidos. Reúne essas
realidades, essas modalidades do produzir, umas imediatas e outras
mediatas (indiretas).
120

Dadas essas condições, na análise da produção do espaço, sob o capital, é decisivo


não perder de vista, que a configuração espacial de uma cidade, ao incorporar trabalho
social, faz permanecer vestígios desse trabalho, os quais não se revelam prontamente, e
ao aglomerar pessoas, instituições, meios de produção, agregados de infraestrutura,
mercado e lugares de consumo, é ele mesmo um aspecto das forças produtivas, sendo
produzido de forma única, como nenhuma outra mercadoria.
O espaço citadino possui, dessa maneira, simultaneamente, a realidade material e
uma propriedade formal que o capacita a abarcar (numa singularidade que a distingue das
demais) a realidade material de outras mercadorias e suas relações sociais. (LEFEBVRE,
1974,1970b,1999). As territorializações e desterritorializações pressupostas nessas
dinâmicas gerais, inscrevendo-se na cidade, reforçam, perpassam, reiteram ou
ultrapassam relações particulares e modos de vida urbanos construídos historicamente.
Desse ponto de vista, ao estudar a cidade de São Luís, procurei observar que, ao
contrário de outras mercadorias, o espaço citadino - desde a fase colonial, sob o domínio
do capital comercial - recria continuamente relações ou contribui para reproduzi-las,
realizando então a proeza de ser, ao mesmo tempo, objeto material ou produto, o meio de
relações sociais e o reprodutor de objetos materiais e relações sociais, atuando como
força produtiva.
Nessa cidade, tomando as características relativas ao lugar que ocupava na divisão
territorial (nacional) e internacional do trabalho, a experiência industrial através da
implantação de fábricas têxteis (1870-1960) pôs em movimento metamorfoses urbanas
ligadas, em maior ou menor grau, às expectativas quanto ao imperativo industrial e a
modernização urbana de determinados segmentos das classes senhoriais, no Maranhão,
na passagem do século XIX para o XX.
Com as fábricas de tecidos (morins, tecidos de algodão cru e sacaria, tecidos tintos
e brins, riscados e madapolões), suas altas chaminés e seus trabalhadores, a importação
de bens de capital (ferro, aço e maquinário inglês) a cidade de São Luís, a exemplo de
outras capitais litorâneas do nordeste brasileiro, se metamorfoseava, impregnada da
atmosfera industrial que as unidades fabris materializam e simbolizam. Nesse momento,
parecia que o futuro da cidade dependia do prosseguimento da industrialização e da forma
que ela assumiria nos próximos anos.
121

Todavia, o que se constituiu para alguns analistas, pode-se dizer, foram vôos no
vazio. No entanto, certos componentes materiais e ideológicos; políticos e institucionais
desse empreendimento industrial deixaram marcas históricas que, nas suas implicações
territoriais e urbanas vão compor o quadro para a análise das atuais metamorfoses
citadinas em São Luís.
Aconteceu que, nos marcos de condições históricas bastante particulares, as
fábricas do ramo têxtil, formadoras do apreciável parque industrial da cidade de São Luís,
como que vitimadas por um surto epidêmico, começaram a partir de 1950, uma a uma, de
forma lenta e impotente, a cerrar suas portas. Extinguia-se, nesse desenlace, a avidez em
crescer, amadurecer, germinar, explorar, própria dos investimentos capitalistas. Na
seqüência, desapareceram ou refluíram, em meados do século XX, os traços urbano-
industriais e o conjunto de inovações organizacionais peculiares à produção e ao trabalho
fabril que as fábricas de tecidos anunciavam e sustentavam.
De fato, o período que vai de 1870 a 1960 abrigou a implantação, a crise e a
desagregação de um peculiar processo de industrialização e padrão produtivo efetivado
em alguns municípios do Maranhão. No ano de 1895, de um total de vinte e cinco
unidades fabris108, quinze estavam instaladas na cidade de São Luís (logo denominada de
Manchester Brasileira), onde se destacaram as ligadas ao ramo têxtil. Ao captar-se parte
dessa experiência, se compreende porque esta foi qualificada por Viveiros (1954) de
vertigem industrial: associado às atividades comerciais e agro-exportadoras concretizara-
se no Maranhão um parque industrial hipertrofiado para as condições locais.
De todo modo, no processo sócio-econômico do Maranhão, essa experiência
industrial embora tenha apresentado problemas de ordem estrutural que levaram,
posteriormente, tal experiência à crise e falência, foi responsável, combinada ao
desenvolvimento de grandes firmas de importação / exportação, a exemplo da Aniceto
Cruz & Cia e a Machado & Trindade, por período de expressivo crescimento de parte da
economia maranhense.

108Essas unidades fabris estavam assim distribuídas: 10 de fiação e tecidos de algodão, 01 de fiar algodão, 01 de tecido
de cânhamo, 01 de tecido de lã, 01 de meias, 01 de fósforo, 01 de chumbo e pregos, 01 de calçados, 01 de produtos
cerâmicos, 04 de pilar arroz, 2 de pilar arroz e sabão, 01 de sabão, 02 de açúcar e aguardente. (MELO, 1990).O
documento Bens tombados do Maranhão (1987), no entanto, registra 17 empresas, nesse período de desenvolvimento
da indústria têxtil do Maranhão, com parque fabril contando com: 2.336 teares, 71.608 fusos, uma produção anual de
13.974.411 metros de tecidos crus e uma capacidade de empregar 3.557 operários.
122

Nessa linha de análise, o algodão e o açúcar, mediante singulares relações entre a


agricultura realizada no campo e os setores produtivos que se localizavam na cidade,
aparecem como produtos primários importantes quanto à capacidade de parte da
economia maranhense de responder às exigências de expansão e acumulação do capital.
Afinal, em que pese à desarticulação, quase que inteira, do setor algodoeiro, e os
limites da expansão do setor açucareiro109, foi em decorrência do cultivo do algodão e do
açúcar que surgiram duas iniciativas importantes na história sócio-econômica do
Maranhão: a fábrica têxtil e a agroindústria do açúcar. Para colocar a questão em termos
mais precisos, é necessário assinalar que no caso das fábricas de tecidos se tratava da
classe senhorial urbana e rural do Maranhão - personificada ou apoiada: (1) em
incorporadores/financiadores de fábrica; (2) em investimentos em condições gerais da
produção; (3) em dispositivos políticos e jurídicos, e (4) em homens de governo -
procurando enfrentar os obstáculos postos ao desenvolvimento da produção agrícola sem,
no entanto, abdicar das sólidas garantias do passado, favorecidas pela permanente
condição de grandes proprietários fundiários.
Reis (1992) chega a afirmar que, na Primeira República, ao contrário do que ocorria
no plano nacional, no Maranhão, o setor que representava o centro de acumulação não
era o de proprietários rurais e sim de grandes comerciantes, que comandavam um sistema
econômico sustentado pela junção de atividades agrárias e urbanas.
Chegamos assim a particular expressão das intrincadas e ambíguas relações entre
processos de industrialização e seus impactos sobre o território urbano e sobre as
diferentes frações de classe que nele habitam. Nesse panorama, é importante lembrar que
a fábrica, sob o capital, assinalou o seu aparecimento com atos que são tudo, exceto
filantrópicos110.

109 Na visão de Caldeira (1980), a cultura do algodão, por volta do ano de 1840, já entrara em crise. Tal realidade teria
impulsionado o cultivo da cana e a produção de açúcar, setor que entre os anos 1850 e 1880 teria alcançado expressiva
produtividade em razão de inovações tecnológicas. A partir de 1880, teria se iniciado a crise no ciclo açucareiro para a
qual este autor arrola, dentre outros, os seguintes determinantes: alteração do tráfico interno de escravos em face da
entrada de colonos europeus para a cafeicultura; o despreparo para a utilização, de imediato, de outro tipo de força de
trabalho que não a escrava, e para criação de novas relações de trabalho; os encargos financeiros contraídos com a
modernização dos engenhos, transformados em unidades agroindustriais; o êxodo de contingentes populacionais para o
Pará e o Amazonas devido à febre extrativa da borracha; o sistema de transporte fluvial que não favorecia a expansão da
fronteira agrícola.
110 “O látego do feitor de escravos se transforma no regulamento penal do supervisor. Todas as penalidades se reduzem

naturalmente a multas e a descontos salariais, e a sagacidade legislativa desses Licurgos de fábrica torna a transgressão
de suas leis, sempre que possível, mais rendosa que a observância delas”. (MARX, 1998a, p.484).
123

Em termos gerais, à disciplina fabril, tendo por base a mecanização respondendo a


necessidades técnicas e disciplinares, interessava retirar do trabalho vivo, cada vez mais,
tempo excedente não pago; sempre mais instantes disponíveis, e de cada instante sempre
forças sociais mais úteis. Nas regiões onde se dava o encontro entre dinâmicas urbanas e
dinâmicas produtivas industriais sob o capital111, os artesãos acossados pelo
desenvolvimento das forças produtivas e industriais, separados de seus meios de vida,
saíam da solidão da modesta oficina ou das atividades camponesas, em direção às
fábricas: “[...] os fusos e teares antes espalhados pelos campos, agora estão reunidos em
algumas grandes casernas de trabalho, o mesmo ocorrendo com os trabalhadores e a
matéria prima”. (MARX, 1998b, p.859).
Na reunião e atuação simultânea de grande número de trabalhadores e ofícios,
neste momento, concentrados num mesmo local, a fábrica, encontrava-se a cidade.
Através da concentração de instrumentos e trabalhadores nas fábricas e dos progressos
da ciência mecânica às ordens de um capital, se fundava, a partir da cooperação, a força
coletiva apropriada pelo capital: a força produtiva social do trabalho112. Na medida em que
este processo sócio-histórico se desenrola, a atividade industrial se espraia e passa a
guardar fortes relações com a dinâmica da expansão sócio-espacial das cidades.
Na cidade daí oriunda, a exploração do trabalho na fábrica multiplicando a energia
produtiva do homem e as contradições e deterioração das condições de trabalho e da vida
urbana começaram a se encadear como vida e morte. As antigas tradições, ofícios e
habilidades trazidas do campo ou da cidade pré-industrial tornavam-se irrelevantes,
secundárias ou impraticáveis. As dificuldades na garantia dos meios de subsistência física
do trabalhador e no acesso a casas, ruas e serviços levaram à transformação de velhos
bairros em áreas miseráveis.

111 Refiro-me às cidades que abrigaram os processos industriais efetivados, inicialmente na Inglaterra, na fabricação de
tecidos de algodão e lã, na química, na siderurgia e no desenvolvimento da máquina a vapor e depois acolheram as
grandes concentrações industriais. Apreendo-as, portanto, como referentes históricos importantes, na elucidação das
relações entre dinâmicas industriais, movimentos demográficos, mutações urbanas e acesso diferenciado das classes
sociais aos efeitos úteis da aglomeração capitalista, fixados e adensados nos espaços citadinos. Nessas cidades, livres
das restrições das guildas, os empresários fizeram proliferar fábricas mecanizadas para as quais acorriam mais e mais
homens, mulheres e crianças à procura de trabalho. No ano de 1850, na Inglaterra, a fuga do campo para a cidade se
tornara generalizada. Cidades inglesas como Manchester, Leeds e Sheffield tiveram, então, a sua população
quadruplicada, quintuplicada. (HOBSBAWM, 1982).
112 Marx (1998a, p.379) é categórico ao enfatizar: “O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo

trabalho individual, e só seria num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala muito reduzida. Não se trata aqui
da elevação da força produtiva individual através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a saber, a
força coletiva [...] a força produtiva social do trabalho".
124

A construção de moradias baratas, cuja finalidade principal - dada à carência geral


de transporte - era proporcionar de forma menos onerosa possível, a máxima quantidade
de alojamento rudimentar dentro da distância a pé dos centros de produção, inscreveu a
precariedade no modo de morar como um dos traços mais indeléveis da urbanização
capitalista que então se iniciava.
Afinal, aos operários urbanos - agora situados nos fundamentos dos processos
produtivos industriais - não mais poderiam ser fechados os portões tal como se fazia nas
cidades medievais em relação aos trabalhadores que procuravam alimentos, abrigo e
trabalho. Tampouco as corporações de ofícios113 poderiam protegê-los. O sistema
ambulante114, que levava o artesão a vagar pela Inglaterra, já se tornara, muito mais, uma
forma de ajuda do que uma estratégia para encontrar trabalho.
Então, há que se contabilizar nas primeiras cidades industriais, a exemplo de
Londres, o pauperismo115: a pobreza quase absoluta das famílias operárias, amontoadas
nos subúrbios das cidades industriais. Como compreender esses locais de desolação116 se
a filosofia iluminista, através da idéia de que a sociedade podia se transformar através da
cidade, havia concebido a cidade como o palco da experiência moderna; lugar da
emancipação, da civilidade e da virtude?
Seja como for, de algum modo, parte dessa vontade, aqui remetida à vontade
histórica que Gramsci (1980, p.7) descreve “[...] como consciência atuante da necessidade
histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo [...]”, se realizou. Com
suas formas modernas de concentração industrial e de população, especialmente de uma
classe operária organizada, a cidade do capital converteu-se numa das determinações
mais importantes da trajetória e experiências políticas dos movimentos socialistas e
comunistas.

113 "A corporação se defendia zelosamente contra qualquer intrusão do capital mercantil, a única forma livre de capital
com que se confrontava. O comerciante podia comparar todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria"
(MARX, 1998a, p.414).
114 Cf. a respeito HOBSBAWM (1981), especialmente o capítulo O artesão ambulante.
115 Castel (1995, p.186) considera o pauperismo como “[...] uma espécie de condição antropológica nova que se

evidencia, criada pela industrialização: uma espécie de nova barbárie, que é menos o retorno à selvageria de antes da
civilização do que a invenção de um estado de dessocialização próprio da vida moderna especialmente urbana”.
116 Polanyi (1980, p.67) vendo no advento da economia de mercado sua arrogância de alastrar-se por toda a vida social,

fala de moinhos satânicos - um conjunto de forças destruidoras do antigo tecido social, a partir das quais novas tentativas
de integração jamais lograram êxito -, e de lugares de desolação - as primeiras cidades industriais. Diz ele: “Nesse
período, foi ainda o progresso na sua escala mais grandiosa que acarretou uma devastação sem precedentes nas
moradias do povo comum. Antes que o progresso tivesse ido suficientemente longe, os trabalhadores já se amontoavam
em novos locais de desolação, as assim chamadas cidades industriais da Inglaterra”.
125

No plano da vida material das cidades, já envolvidas no amplo processo de


conversão da produção de bens e serviços necessários à vida em portadores materiais de
valores de troca, as habitações congestionadas tinham condições inadequadas de luz e
ventilação, carência de espaços abertos; péssimas instalações sanitárias, como latrinas e
lavatórios (externos e comuns), e despejos de lixo contíguos117. Como descreveu Engels
(1975), a acumulação de excrementos e lixo provocava uma alta incidência de doenças
(tuberculose e surtos de cólera, por exemplo). Diante dessas dramáticas condições da vida
urbana se precipitou a proposição de reformas e leis sanitárias.
O resultado dessa legislação foi tornar certos segmentos da sociedade inglesa, e
logo outras sociedades capitalistas ao redor do mundo conscientes, de algum modo, sobre
a necessidade de melhorar a habitação das famílias operárias. A contradição entre o
prodigioso aumento de produtividade resultante da divisão minuciosa e da especialização
do trabalho - só alcançados a partir do sistema do capital -, e as condições concretas e
cotidianas de vida dos operários industriais urbanos (as camadas miseravelmente pagas
do proletariado industrial inglês) levaram Marx (1998b, p.758) a pontuar:

A fim de esclarecer plenamente as leis da acumulação, é necessário


examinar a situação do trabalhador fora da fábrica, suas condições de
alimentação e de habitação.

Sob este balizamento, o encontro da cidade e da atividade industrial, o primeiro


precedendo o segundo e aparentemente desunidos118, efetiva a capitulação e adaptação
da cidade, dos elementos prontos e dispersos, que a manufatura moderna nela descobre e
incorpora aos cursos e ritmo de desenvolvimento das forças produtivas industriais, que se
faz determinado pela expansão das estruturas e mecanismos da ordem do capital, do
dinamismo industrial e da redefinição do papel do Estado.
117 "[...] O operário terá de se instalar onde o teto for mais barato, em bairros onde a fiscalização sanitária é menos
eficaz, onde há maior deficiência de esgotos, de limpeza, onde a água é escassa e da pior qualidade, e nas cidades
onde há maior carência de luz, de ar. São estes os perigos sanitários a que se expõe inevitavelmente a pobreza quando
esta se acompanha da míngua de alimentos [...]. Estas reflexões são dolorosas principalmente quando verificamos que a
pobreza de que se trata não é a pobreza merecida dos ociosos. É a pobreza de trabalhadores". (Relatório de Pesquisa
sobre a situação de penúria da classe trabalhadora inglesa, apud MARX, 1998, p.762).
118Á este propósito Lojkine (1997, p.160-61) diz: “[...] O que explica a aparente autonomia dos fenômenos urbanos é o

fato deles pertencerem à divisão do trabalho na sociedade e não à divisão do trabalho na unidade de produção: ora, a
divisão social do trabalho – cuja separação cidade – campo é a base fundamental – pertence às formações econômicas
das mais diversas sociedades e não, como a divisão manufatureira ou a fábrica, apenas à formação capitalista. Assim se
explica o fato do fenômeno urbano ter precedido de muito o nascimento do capitalismo e de alguns dos seus traços até
contemporâneos não parecerem provir da acumulação capitalista".
126

As forças produtivas crescem, promovendo deslocamentos de atividades e


populações119, mediante processos que não encontram saciedade, exaustão, plenitude:
conquista-se o campo para a agricultura capitalista, se incorpora terras ao capital e
possibilita-se a liberdade de deslocamento territorial de trabalhadores necessários às
fábricas nas cidades e às novas zonas de fronteira. As cidades passavam, então, a ter a
função de ocupar, dominar e retirar o máximo dos recursos das regiões em que se
inserem. Radica-se aqui uma particular e especial combinação da divisão social do
trabalho entre campo e cidade, que assumiria formas históricas diferenciadas ao se
efetivar no continente latino-americano, especialmente no Brasil.
Nesse prisma, as reflexões de Oliveira (1982) são bastante eloqüentes. Diz ele:

Nós temos um processo, desse ponto de vista, que apresenta polarizações


muito radicais; uma economia que fundada na monocultura em várias
regiões do Brasil, e que, por essa razão, não criou ao estilo da Europa - se
quisermos falar da Europa como uma referência - a imensa cadeia de
aldeias e pequenas vilas. O caráter monocultor da agricultura de exportação
embotou e abortou um processo de urbanização que se verificasse no
entorno das próprias regiões produtoras dos bens primários de exportação.
Ao contrário dessa imensa teia de aldeias de pequenas cidades [...] ele
produziu por outro lado uma extrema polarização, um vasto campo movido
pelo conhecido complexo latifúndio-minifúndio, sobretudo fundado nas
monoculturas, que não gerou uma rede urbana de maior magnitude no
entorno das próprias regiões produtivas, mas que, por outro lado, criou
grandes cidades em termos relativos, evidentemente, desde o princípio
(OLIVEIRA, 1982, p. 38-9).

À medida da expansão industrial cada vez mais ampla resulta daí o crescimento da
população citadina e a valorização acentuada da terra urbana. Como pontua Singer (1977,
p.64), a demanda de terrenos por parte da indústria é acompanhada por uma demanda
suplementar para residências e estabelecimentos comerciais. Afinal, cada novo
estabelecimento industrial provoca aumento do emprego e, além disso, pelo
funcionamento multiplicador enseja uma série de inversões induzidas no setor de serviços.

119Para Hobsbawm (1882, p.207) “[...] a metade do século XIX marca o começo da maior migração dos povos na
História. Seus detalhes exatos mal podem ser medidos, pois as estatísticas oficiais, tais como eram então, são falhas em
capturar todos os movimentos de homens dentro dos países ou entre estados: o êxodo rural em direção às cidades, a
migração entre regiões e de cidades para cidade, o cruzamento de oceanos e penetração em zonas de fronteiras, todo
este fluxo de homens e mulheres movendo-se em todas as direções torna difícil uma especificação".
127

Dinâmicas produtivas industriais sob o capital, quase sempre, significam brusco


declínio da população rural e brusco aumento da população urbana e, quase certamente,
inconsiderado crescimento geral da população. No caso brasileiro, especialmente no que
concerne ao desenvolvimento industrial paulista, logo após a abolição do trabalho escravo,
o Estado brasileiro (primeiramente através do governo federal e em seguida pelos
governos dos estados) executou uma série de iniciativas no sentido de incrementar a vinda
de trabalhadores livres da Europa para o Brasil.
Subvencionar a imigração120 de trabalhadores europeus convertidos em paradigma
do trabalhador ideal em detrimento do trabalho dos escravos recém-libertos se afigurou
então como mecanismo fundamental na garantia da formação e sustentabilidade do
aumento da força de trabalho (o exercito industrial de reserva), requisito fundamental à
instauração de processos industriais, nesse estágio de desenvolvimento das forças
produtivas e das relações sociais sob o capital na particularidade brasileira.
Mas, entre 1890 e 1940, auge da produção fabril têxtil no Maranhão, a cidade de
São Luís a despeito do parque fabril que aí se implantava não apresentou vertiginosos
índices de crescimento populacional. Também não se configuraram mecanismos
institucionais substantivos para incrementar a vinda de mão-de-obra para esse estado,
especialmente, para sua capital, onde se implantavam os estabelecimentos fabris
(indústria de fiação e tecelagem) mais importantes. Sem o trabalho do escravo negro
africano e sem o imigrante europeu (apenas alguns gerentes, mestres, contramestres e
mecânicos vindos, principalmente, da Inglaterra para responder à demanda por
trabalhadores especializados.), a força de trabalho das fábricas de tecidos foi recrutada,
em São Luís, entre a população pobre obrigada a aceitar as relações e condições de
trabalho que os donos de fábricas lhes quisessem impor.
Se considere o conjunto de números reunidos nos quadros Lugar dos tecidos nas
exportações do Maranhão (1926 a 1960) e Crescimento demográfico de São Luís (Finais
do século XVII a 1950), apresentados a seguir.

120Segundo Singer (1977, p. 55) “[...] Entre 1881 e 1917 despendeu o Tesouro Nacional cerca de 137 mil contos com a
imigração estrangeira para todo o país; os gastos maiores foram efetuados entre 1891, quando foram empregados 20
mil contos, e 1896, quando o dispêndio atingiu quase 18 mil contos. Depois desta data, as verbas federais gastas com a
imigração se reduziram notavelmente, somente voltando a atingir certo vulto entre 1908 e 1913. O Estado de São Paulo
gastou com a imigração, entre 1881 e 1917, quase 68 mil contos, além de cerca de 25 mil contos com serviços
complementares. As verbas mais vultosas foram despendidas entre 1895 e 1898, quando os gastos anuais do governo
estadual flutuaram entre 2,7 e 6,2 mil contos”.
128

Quadro 1 - Lugar dos tecidos nas exportações do Maranhão (1926 a 1960)

Ano Quantidade (T) Lugar

1926 1,003 2

1928 1,007 1

1930 0,787 3

1932 1,273 2

1934 0,637 3

1936 0,539 2

1938 0,805 3

1840 1,098 3

1942 1,489 2

1944 1,388 2

1946 1,545 2

1948 1,241 3

1950 1,564 3

1952 1,422 4

1954 1,873 4

1856 1,233 4

1958 1,433 4

1.960 0,828 4

Fontes: Mensagens do Governo Estadual, 1936, 1956/1961


Estatística Geral do Estado do Maranhão, 1942 - 1954.
129

Quadro 2 - Crescimento demográfico de São Luís (Finais do século XVII a 1950)

Tempo histórico População

Fins do séc. XVII 10.000 hab.

Fins do séc. XVIII 17.000 hab.

1820 20.000 hab.

1835 25.000 hab.

1868 30.000 hab.

1872 31.000 hab.

1890 29.308 hab

1900 36.788 hab.

1920 52.929 hab

1940 58.735 hab.

1950 88.425 hab

Fontes: SERFAUH, 1970 e Séries Censitárias IBGE

Segundo Ribeiro Júnior (1999), no período que vai de 1900 a 1920 enquanto a taxa
de crescimento da população de São Luís era de 1,83% as de Fortaleza e Recife eram de
2,45% e 3,81%, respectivamente. Em todo caso, as taxas de crescimento populacional,
que podem ser consideradas irrisórias se comparadas a outras cidades da região, não
significam que o surto industrial do/no Maranhão não se tenha feito acompanhar da
expansão urbana que caracterizam este estágio da produção capitalista.
O período de crescimento industrial fabril, atribuindo papel importante à cidade de
São Luís deu a esse território morfologia e funções novas. Aspectos peculiares dos
momentos iniciais da realidade da urbanização floresciam então com significativa
visibilidade, incluindo-se aí as tentativas de respostas ao desafio de efetivar administração
urbana adequada em face das novas formas de realização da atividade econômica e da
necessidade de preservação e controle da força de trabalho sob o capital.
130

Alguns empreendimentos industriais ao erguerem suas fábricas construíram casas


para seus empregados, mediante aluguel ou comodato121. Ter o emprego significava ter a
moradia, o desemprego significava perdê-la. No quadrante dessas relações e condições
de trabalho, destacam-se as preocupações do Serviço Sanitário com a tuberculose,
chamada de o mal das fábricas. Dá-se, também e principalmente, a formação espontânea
e urbana de aglomerações de trabalhadores, expressões peculiares de territórios
segregados, muitos deles embriões de futuros bairros, a exemplo do território formado em
torno da Fábrica do Rio Anil.
1900. As unidades fabris instaladas em São Luís empregavam, aproximadamente,
19,3% da população. Em 1920 o percentual já alcançava 20,1%, o que conferia ao parque
fabril têxtil expressiva importância na constituição econômica da cidade e na formação da
força de trabalho urbana (MELO, 1990). A concentração dos trabalhadores fabris
favoreceu o desenvolvimento de estratégias coletivas de organização e combatividade em
face das relações de dominação e exploração que protagonizavam. A força da ação
política dos trabalhadores das fábricas de tecidos se explicitaria, em 1931, quando da
fundação o Sindicato de Operários em Fiação e Tecelagem do Maranhão.
No processo de urbanização em curso em São Luís, a especialização do espaço do
trabalho fabril122 - a organização do espaço industrial em projetos racionais - não se
realizou seguindo nítidos processos de dissociação entre zona fabril e zona residencial,
ainda que se possa reconhecer que a implantação das fábricas de tecidos tenha sido
acompanhada de importante atividade imobiliária e certa desconcentração demográfica.

121 A questão da moradia da força de força de trabalho assalariada empregada pela emergente indústria constitui uma
dimensão importante da formação do operariado urbano brasileiro e maranhense na segunda metade do século XII e
primeiras décadas do século XX. Várias empresas, nesse período histórico, se propõem a enfrentar o problema da
moradia dos trabalhadores livres pobres que não têm onde morar através da construção de dormitórios, casas e/ou vilas
operárias. Discursos como uma administração verdadeiramente paternal ou um comportamento de caridade cristã
cercavam essas iniciativas, que do ponto de vista das concretas relações sociais de trabalho, se constituíam, na
verdade, uma forma de remunerar sem despender dinheiro e de prevenir conflitos. Cf. a respeito Blay (1980).
122 Prost (1992, p. 63-64) observa que “[...] a fábrica do século XIX não havia sido objeto de uma organização

sistemática. As oficinas tinham se desenvolvido mais em função dos locais disponíveis do que por uma lógica dos
circuitos de produção... casas foram transformadas em oficinas, e em alguns casos as peças pesadas e volumosas têm
de ser transportadas subindo ou descendo escadas estreitas e tortuosas. O muro, que isola e define claramente a
fábrica, é uma construção tardia. Muitas vezes surge após grandes greves. A reorganização do espaço industrial em
projetos racionais se distribui ao longo do século XX". São movimentos que cortam transversal e seletivamente a cidade.
Num tempo histórico de valorização crescente do valor do trabalho fabril, a fábrica, que (re) cria a cidade para o capital,
dela se isola. À constelação de oficinas dispersas, opuseram seus blocos compactos e novos processos de trabalho: a
grande planta fabril, aglomeração, concentração, centralização e hierarquização.
131

As construções fabris passaram a disputar localizações com os estabelecimentos


comerciais e com a moradia, processo esse polarizado pelo centro da cidade. Nessa
manifestação se podia já observar fortes e irreversíveis alterações na aglomeração urbana
herdada do período colonial, sendo o seu solo componente de disputas entre diferentes
valores de uso (pelo capital industrial e comercial, como também por distintos grupos
sociais na instalação de suas habitações). As fábricas de tecidos com seus blocos
compactos e novos processos de trabalho surgiram em diversos pontos do território,
arrastando a expansão do núcleo urbano em determinadas direções. As fábricas e os
territórios fabris que então se formaram remetem um ao outro e os dois se conjugam, sem
jamais se confundir. Eis dois exemplos:

Figura 8
INDÚSTRIA TÊXTIL NA CIDADE DE SÃO LUÍS: FÁBRICA FABRIL
Fonte não identificada

• Companhia Fabril Maranhense: Situada no Apicum, a Fábrica de Tecidos Santa Izabel S.A
ocupava uma área de 7.000 m2 e determinou o surgimento ou ampliação dos bairros Vila Passos, Floresta,
Monte Castelo. A Fabril, com ficou conhecida, fazendo funcionar 522 teares, 17.212 fusos e 149 máquinas
diversas, tinha uma capacidade de produção de três milhões de metros de panos (brins, riscados, fio para
redes, lonas, sacarias para cereais, etc.). Para tanto, consumia 500 toneladas de algodão anual,
empregando em mão de obra direta, aproximadamente, 600 operários. Além das instalações da fábrica, esse
território fabril, possuía 19 casas para empregados e uma pré-moldada, oriunda da Inglaterra, montada em
São Luís por técnicos ingleses para a moradia do gerente.
132

Figura 9
INDÚSTRIA TÊXTIL NA CIDADE DE SÃO LUÍS: FÁBRICA RIO ANIL
(Fonte: Uma ilha bela por natureza. São Luís: SPHAN/CVRD, 1986)

• Cia. de Fiação e Tecidos Rio Anil: Inaugurada no ano de 1893, movida a caldeiras e vapor, fazia
funcionar 172 teares, 60 máquinas de fiação e 18 branqueadoras. Sua produção alcançava a um milhão de
metros de morins e madapolões por ano, consumindo 100 toneladas de algodão e a força de trabalho de
aproximadamente 600 operários. A Fábrica do Anil, como ficou conhecida, dispunha de amplas instalações
fabris, incrustadas numa grande área de terras. A concentração de trabalhadores e moradias em volta da
Fábrica do Anil logo se fez acompanhar de um conjunto de serviços, atividades e funções urbanas, como
delegacia de polícia, posto fiscal, posto de saúde, escolas públicas, igreja, cinemas, mercados e o sistema
de bonde. Surgia então, nucleado em torno da fábrica, distante do núcleo central nove Km, o primeiro bairro
suburbano da cidade de São Luís, o Anil. A extensa propriedade fundiária na qual se encontrava instalada a
fábrica foi posteriormente dividida para aforamentos ou para indenização de trabalhadores, correspondendo
hoje ao espaço territorial dos bairros do Anil e COHAB-Anil.

Em meio à força dos movimentos sócio-políticos e espaciais mediante os quais a


atividade fabril, as novas condições de propriedade e as estratégias concretas dos
trabalhadores na determinação de seus lugares de moradia se territorilizavam, a
urbanização exibia, em mais uma expressão histórica singular, seu lugar de protagonista.
A cidade de São Luís passou então a adquirir plasticidade própria à adaptação do espaço
aos processos produtivos e urbanos em curso. A enorme e socialmente visível relação da
instalação do parque fabril com o crescimento da cidade, logo explicitaria sua tendência.
133

Começava a configurar-se, de modo mais claro, a hierarquização na distribuição


das frações de classe e grupos sociais nos espaços da cidade, decorrente de sua maior ou
menor capacidade de acesso às áreas residenciais mais valorizadas, do ponto de vista
fundiário e imobiliário123 e melhor servidas quanto à presença de equipamentos e serviços
urbanos públicos ou privados.
No ímpeto da expansão urbana se configuravam, ao mesmo passo, inovações
técnicas voltadas para a redução das barreiras espaciais e os modos desiguais assumidos
pelo atendimento de necessidades sociais, através da organização de alguns serviços
públicos. Também se desenvolveram inéditas formas urbanas, mobilizadas pela fábrica,
pelo trabalho fabril e pelas novas possibilidades de mobilidade e transporte. Bondes
puxados por parelhas de muar faziam a ligação entre a área central da cidade à Madre
Deus, aos Remédios e ao Caminho Grande; locomotivas a vapor se dirigiam a Vila do Anil
e logo chegou o automóvel124. Enfim, toda uma vaga fabril e modernizadora, que parecia
varrer a cidade, passou a estabelecer complexas relações com a questão da moradia, ou
melhor, com os modos cada vez mais desiguais de acesso e condições de habitabilidade.
Nesse momento, o governo municipal tratou da pavimentação da grande avenida
que ligava a área central da cidade com sua zona suburbana, chegando ao Anil. Todavia,
interessa-me enfatizar que tal expansão já apresentava indícios quanto à descentralização
da cidade, mais precisamente, expressava os primeiros momentos da sua extensão
periférica e os efeitos segregadores dela decorrentes, conforme indica a figura Localização
das principais fábricas de tecidos em São Luís (início do século XX) - apresentada a
seguir.

123 Sendo, de modo geral, conforme argumenta Lojkine (1981), uma manifestação da renda fundiária urbana, a
segregação espacial contém na sua constituição outras determinações e/ou relações, as quais por sua vez produzem
uma relação ativa e dinâmica entre os processos de segregação e os preços da terra urbana, na medida em que os
preços do solo, ao mesmo passo que reforçam a segregação, dela podem resultar. Tal questão é retomada no capítulo 3
desta exposição, mais precisamente no item 3.2 intitulado Novo tipo de complexidade espacial, segmentação do
mercado fundiário e lutas sociais por moradia: a cidade segregada (a título de considerações finais).
124 O automóvel chegou á cidade de São Luís no ano de 1905, através de Joaquim Moreira Alves dos Santos, que

regressara à sua terra natal após formação técnica em indústria fabril têxtil, realizada na cidade de Liverpool, na
Inglaterra. Os dois primeiros chauffeurs de São Luís eram empregados da Fábrica Fabril. Em 1908, chegava o primeiro
ônibus importado por uma empresa de transporte coletivo; no ano de 1914 já se ofereciam serviços de aluguel de
automóveis.
134

Figura 10

LOCALIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS FÁBRICAS DE


TECIDOS EM SÃO LUÍS (INÍCIO DO SÉCULO XX)
Fonte: Mapa adaptado
135

Porque os arranjos sócio-espaciais citadinos, de modo geral, se constituem também


forças produtivas, exercendo função dinamizadora maior ou menor, ocorrem intervenções
particulares de sujeitos presentes na cena política, relacionadas a cada momento histórico
de constituição do urbano e da questão urbana. Assim, a ação estatal registra a vontade
política e a prerrogativa jurídica do Estado de intervir, de guiar, de controlar a expansão da
cidade e a dinâmica da vida urbana125. Então, experiências no sentido de submeter os
territórios citadinos aos processos de modernização capitalista cruzam o mundo
assumindo perfis singulares ainda que submetidos a condicionamentos históricos gerais e
comuns. Três exemplos:
• Cidade do Rio de Janeiro126, Capital da República, ano de 1902. Uma das grandes
novidades é a mudança de posicionamento do Estado quanto aos problemas da
cidade. As ações do presidente Rodrigues Alves, do prefeito Pereira Passos e do
sanitarista Oswaldo Cruz integram o amplo espectro das estratégias que
inauguraram facetas novas quanto ao ordenamento da vida citadina no Brasil. Num
cenário urbano onde parte do centro antigo, no contexto de fortes movimentos de
contestação na sociedade civil e sob um fervilhante movimento científico de
controle das doenças127, é destruída para a abertura de largas avenidas,
desenrolava-se um objetivo estatal estratégico: recuperar uma cidade doentia e
epidêmica. Cidade, cujos serviços básicos à vida urbana, diante do crescimento
demográfico e das novas funções produtivas, econômicas e culturais a serem
desempenhadas pela cidade, continuavam extremamente precários e deficientes.

125 Para Ribeiro (1996), entre os anos 1900-1910, a cidade é transformada em objeto global de saber e de intervenção.
As expressões urbanismo, city planning ou ciência da cidade são utilizadas na França, na Inglaterra e nos Estados
Unidos. Período do surgimento da chamada Escola de Chicago. Os países industrializados adotam medidas que
instauram novas modalidades administrativas quanto à gestão da cidade. Na França, a Lei Cornudet define a
obrigatoriedade da elaboração de “Planos de organização, embelezamento e de expansão das cidades”; nos Estados
Unidos, é publicado o “Plano Burnham” para Chicago; na América Latina, nas décadas de 20 e 30, projetos e planos
urbanos são executados nas cidades de Buenos Aires, Havana, Caracas e Rio de Janeiro.
126 Na proposição de Pechaman (2003, p. 307), a cidade do Rio de Janeiro passava a representar por excelência a

imagem da Nação: “O que é novo é o papel que a cidade tem como ‘imago’ da Nação, e por isso mesmo, lugar de
acolhimento das representações do pacto social. Nesse sentido, a cidade se transformava no verdadeiro objeto da
elaboração de um pacto urbano. Assim, as formas de sociabilidade passarão a ter como referência à cidade/capital, que,
por ser o ‘imago’ da Nação é o locus para onde converge o imaginário sobre os destinos do país, o futuro, o progresso e
o cosmopolitismo. A cidade é percebida, então, não só como o lugar do processo civilizatório, mas como componente
fundamental desse processo”.
127 Importante considerar as tentativas de controle das endemias e epidemias pelas autoridades sanitárias brasileiras e

as respostas das populações urbanas às doenças e seu controle, processos realizados em meio a desafios científicos,
contradições e ambigüidades sociais, estatais e administrativas. Consultar a respeito, dentre vários, CHALBOUD (1996).
136

• Cidade de São Paulo, final do século XIX e início do XX. 1886 - 1896 o arquiteto
Ramos de Azevedo refazia o Paço Municipal e projetava os prédios das Secretarias
de Finanças e da Justiça, modificando inteiramente a antigo Largo do Palácio, que,
até então, conservara sua arquitetura colonial. Através do Código Sanitário de
1894, o Poder Municipal reiterava a proibição de instalar cortiços na zona central da
cidade, definida pelas Posturas de 1886, e permitia a construção de Vilas
Higiênicas fora da aglomeração urbana. Em 1911, promulgava-se o novo Código
Sanitário. Nele ficava estabelecido, por exemplo, a proibição da utilização de
porões para moradia. Logo, urbanistas, como Vitor da Silva Freire, preocupado com
o rendimento "adequado" dos terrenos urbanos, adensam os debates sobre o
sentido da intervenção do Estado na produção do urbano.
• Cidade de São Luís, ano de 1902. A despeito da importante atividade comercial
na Praia Grande, dos investimentos na indústria têxtil e do intercâmbio comercial e
cultural128 que mantinham as elites senhoriais e urbanas do Maranhão com parte da
Europa, a cidade crescia suja, mal calçada, fracamente iluminada a bicos de gás,
assolada por varíola e pela febre amarela. Tendo como perspectiva encontrar
respostas para problemas sanitários recorrentes, o relatório Saneamento das
Cidades e sua aplicação à Capital do Maranhão, apresentado ao governo estadual,
abordava, pela primeira vez, de forma técnica os problemas gerais da produção e
gestão dos serviços públicos urbanos em São Luís129. A Lei Estadual nº 358, de 09
de junho de 1904, reforçava a reorganização dos serviços de higiene, definindo
atribuições para Inspetores Sanitários, Delegados e Subdelegados de Higiene. As
visitas domiciliares realizadas por essa polícia sanitária tinham em vista evitar e
corrigir os vícios das habitações, abusos de seus proprietários e procuradores
destes, arrendatários e moradores que possam a comprometer a saúde pública.

128 Importante destacar o recebimento de jornais e revistas estrangeiras; a apresentação de espetáculos de companhias
teatrais estrangeiras no Theatro São Luiz; assim como a expressiva correspondência dos filhos das famílias senhoriais
do Maranhão que estudavam em países como Portugal, França e Inglaterra.
129 Segundo Palhano (1988, p.161-162), este Relatório “[...] teria sido o primeiro a chamar a atenção do poder público

local para a importância do disciplinamento do urbano e para o efeito deletério da escassez de serviços infra-estruturais
para a saúde coletiva. Técnico e erudito ao mesmo tempo, além de ser surpreendentemente atualizado em relação às
questões urbanas da época (trazia para São Luís a experiência das principais cidades européias e norte-americanas) o
Relatório também assumia aquilo que talvez tenha sido o primeiro plano diretor da cidade, na perspectiva de pressupor a
existência de poder público realmente ordenador do desenvolvimento urbano".
137

Cabe então perguntar: Por que o direito intervencionista estatal sobre a cidade
agitava-se no Brasil no final do século XIX e início do XX? Porque, como já indicado,
estava assentando-se a transição para a instituição de novas relações sociais: no plano da
produção, o esgotamento da economia mercantil escravista com a formação e expansão
do capitalismo competitivo (FERNANDES, 1976); no plano político, o final do Império e os
primeiros anos do regime republicano. Sobre a cidade insinuava-se a montagem de novos
mecanismos de poder do Estado no ordenamento econômico e social a se configurar sob o
domínio de outro estágio de desenvolvimento do capital.
Como se faz sabido, na transição em tela, própria de um país que transitava para o
capitalismo só muito tardiamente em virtude de sua condição colonial, modificações no
jogo das determinações e pressões econômicas e nas condições e relações de trabalho se
realizaram e se fizeram acompanhar de forte crescimento demográfico, de novas e
múltiplas formas de subordinação e exploração do trabalho e da multiplicação das riquezas
e das propriedades imobiliária, comercial e industrial. Riquezas e propriedades
concentradas nas mãos de pequenos grupos (a burguesia nacional ascendente) apoiadas
na valorização política, jurídica e moral das relações proprietárias.
Porque o horizonte da sociedade brasileira era a cidade, até porque, a expansão
capitalista no Brasil teve que ser urbana na medida em que essa expansão não podia
apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho130, movimentos civis, a exemplo
do Nacionalismo, declaravam, através de certo ruralismo, clara oposição ao urbanismo
considerado cosmopolita e alienante que então se anunciava. Nessa ótica, para Vianna
(1923, p.23-27) o primeiro dever de um nacionalista seria o de nacionalizar as idéias. Dizia
ele: - “Para nacionalizar a nossa sociedade é preciso, sobretudo, ensiná-la a amar a terra,
a amar o campo, a amar o arado... Se colocar contra a tendência de origem recente, das
classes superiores e dirigentes do país a se concentrarem nas capitais”.

130Como já indicado, sigo a linha de análise de Oliveira (1982, p. 42) que afirma: “[...] quando a industrialização começa
a ser o motor da expansão capitalista no Brasil, ela tem que ser essencialmente urbana porque não pode apoiar-se em
nenhuma pretérita divisão social do trabalho no interior das unidades agrícolas. O nosso camponês, ou semicamponês -
eu preferiria chamar, porque nunca teve a propriedade da terra, senão a posse -, só em raros casos a unidade
camponesa continha dentro de si uma divisão social do trabalho diversificada, o que fez com que, no momento em que
se inicia a industrialização, as relações cidade-campo de novo se mantivessem estanques desse ponto de vista,
caracterizando uma industrialização que forçou um processo de urbanização numa escala realmente sem precedentes.
Noutras palavras, a indústria no Brasil ou seria urbana, ou teria muito poucas condições de nascer. Esse é na verdade o
maior determinante do fato de que a nossa industrialização vai gerar taxas de urbanização muito acima do próprio
crescimento da força de trabalho empregada nas atividades industriais”.
138

Nesse momento, nas realidades sócio-espaciais de distintas cidades do Brasil, a


destruição de antigos ou instauração de usos do solo urbano se fazia através da novidade
de bairros residenciais e suas casas com recuos laterais num dos lados ou edificadas no
centro do terreno. Tal conformação começou a suplantar o sistema do lote urbano colonial
(ou seja, o do prédio construído sobre o alinhamento da via pública). Na cidade de São
Paulo, por exemplo, desde 1831, a Câmara Municipal já havia condicionado à concessão
de novos lotes à elaboração de um plano de arruamento (ROLNIK, 1997).
A demarcação dos limites precisos do terreno passava a ser requisito importante
quando se tratava de atribuir-lhe preço e de registrá-lo como propriedade privada. Na
intensificação da atividade da construção civil se insinuava também o advento de padrões
arquitetônicos que expressavam linguagens novas, em termos técnicos e estéticos. Nessa
realidade urbana fragmentada e de produção do espaço controlado, a delimitação da rua
como espaço exclusivo de meios de circulação se constituiu aspecto peculiar da ação
estatal sobre o território da cidade.
Tem-se aqui a forte relação entre interesses públicos e privados e se vislumbra ou
se percebe claramente o papel que o Estado desempenha na sustentação da vida urbana.
Na necessidade que tem de intervir estrategicamente na vida cotidiana, mediante
transformação nos modos de apropriação e usos do espaço citadino. Outra novidade no
domínio da vida citadina dizia respeito aos movimentos nos quais se mesclavam ou se
conflitavam idéias e práticas da filantropia higiênica, do urbanismo saneador e do
urbanismo modernizador131. Cada um a seu modo, modelos ostensivamente definidores do
espaço urbano, para o capital, e ao mesmo passo, contrários aos interesses dos
trabalhadores urbanos em relação a possibilidades mais igualitárias de apropriação, usos e
usufruto da cidade. Alterações na base produtiva e a chegada de trabalhadores europeus
reforçaram a desvalorização da força de trabalho dos negros e mestiços, que passaram a
enfrentar sérias restrições no mercado de trabalho urbano em formação.

131Limpar o espaço público. Intervir no território da classe pobre trabalhadora. Estes são, na visão de Rolnik (1997), os
dois grandes temas do primeiro conjunto de leis urbanas da cidade de São Paulo. Ao analisar as atas da Câmara
Municipal tal autora identifica no tratamento desses temas um movimento de duplo sentido: (1) retirar o convívio dos
homens de bem da mistura das ruas, criando espaços exclusivos para isso no interior das casas (as salas de visita e os
escritórios); (2) apropriação da rua como espaço destinado ao uso exclusivo de meios de circulação.
139

Todas essas posições e situações históricas incidiram ou reforçaram a construção


de relação tensa e contraditória entre os ideais da modernização urbanística
(modernização sem modernidade) e a condições materiais de vida de segmentos étnico-
raciais e sociais que passaram a formar as classes subalternas no Brasil. Aflorava, então,
uma série nova de interseções e convivências na vida urbana herdada do período colonial:
partilha de bairros e coabitação de moradias coletivas (dormitórios, vilas operárias ou
cortiços), disputa ou compartilhamento de oportunidades de trabalho, fusão de crenças
religiosas e tradições culturais, lutas voltadas para a definição e garantia de direitos
trabalhistas e sociais, bem como para a democratização da intervenção estatal,
particularmente, quanto à produção de equipamentos e serviços públicos urbanos.
Em várias regiões do mundo, a vida citadina com toda a sua complexidade, parte
dela herança de relações sociais anteriores, se confirmava como uma das contradições
mais visíveis, ameaçadoras e dramáticas do conjunto de relações sociais instauradas sob
o capital. Na busca do controle dessas contradições, redimensionaram-se sistemas
disciplinares e de vigilância anteriores e articulou-se o pressuposto de que a nova ordem
social deveria ser engendrada por uma nova ordem urbana: o espaço citadino passava a
ser pensado como organismo no qual cada elemento contribui para a vida de todo o
conjunto. O controle dos modos de morar dos pobres urbanos teve nesses sistemas
legais, disciplinares e de vigilância lugar proeminente.
Eram incidências dos movimentos do capital no seu processo necessário de
procurar recompor a totalidade da produção e a vida social a partir de sua própria
dinâmica. Ampliar o controle dos trabalhadores, movimentos operários, cidades,
habitações populares e doenças. Colocá-los sob a mira da ciência, da Lei e da ação
estatal. A pedagogia da ordem e da disciplina132 não ficaria restrita à fábrica.

132 Sobre a sociedade disciplinar recordem-se os estudos de Foucault. Ele diz: "De uma maneira global pode-se dizer
que as disciplinas são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas. É verdade que não há nisso
nada de excepcional, nem mesmo de característico. A qualquer sistema de poder coloca-se o mesmo problema. Mas, o
que é próprio das disciplinas é que elas tentam definir em relação às multiplicidades uma tática de poder que responde a
três critérios: tornar o exercício do poder menos custoso possível (economicamente, pela parca despesa que acarreta;
politicamente, por sua discrição, sua fraca exteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita),
fazer com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade e estendidos tão longe quanto
possível, sem fracasso, nem lacuna; ligar, enfim, esse crescimento econômico do poder e o rendimento dos aparelhos
nos quais se exerce, em suma, fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do
sistema”. (FOUCAULT, 1977, p.191)
140

Um conjunto bastante amplo de estratégias, intervenções e serviços sociais, ao lado


da ciência do trabalho, que incorpora em seu repertório a disciplina contratual e
científica133 então se definiu. São princípios, escolhas e imposições que, em permanente
deslocamento, passaram a fazer parte das mediações constitutivas da questão social, que
logo começaram a alcançar, cada vez mais, mediante poder exercido pelo saber
classificatório e pela fragmentação do real, outras instituições e espaços públicos ou
privados: famílias, moradias, hospitais, escolas, prisões, quartéis, cemitérios, bordéis,
ruas, bairros, territorialidades.
Estratégias e intervenções sociais articuladas à racionalização capitalista do
processo de trabalho, que se arquitetavam orientadas pela perspectiva da psicologização
das relações sociais. Vistas como dimensões ameaçadoras à ordem e às instituições
liberal-burguesas, refrações da questão social são redimensionadas pela mediação de
formas de regulação social e políticas estatais e transfiguradas em problemas pessoais
privados.
A reversão das barreiras entre o público e o privado é, então, efetivada pelas
instituições que plasmam os serviços sociais, movimento no qual comparecem tanto a
ascensão da proteção social à condição de direito do cidadão e dever do Estado, quanto à
tendência das relações mercantis avançarem em relação à vida social. A expansão dos
serviços sociais, portanto, não elimina o privado, pelo contrário, o reafirma, procurando
reduzi-lo ao terreno estrito do individual. Assim,

[...] um difuso terrorismo psicossocial se destila pelos poros da vida


(Lefebvre, 1968) e se instila em todas as manifestações anímicas e todas as
instâncias que outrora o indivíduo podia reservar como áreas de autonomia
(a constelação familiar, a organização doméstica, a fruição estética, o
erotismo, a criação dos imaginários, a gratuidade do ócio, etc.) convertem-se
em limbos programáveis com áreas de valorização potencial do capitalismo
monopolista. (NETTO, 1992, p.35).

133 Antunes (1999, p.38) observa que, ao longo de várias décadas do século XX, a introdução da organização científica
taylorista do trabalho e sua fusão com o fordismo acabaram por representar a forma mais avançada da racionalização
capitalista do processo de trabalho. Ele diz: “[...] junto com o processo de trabalho taylorista-fordista erigiu-se,
particularmente durante o pós-guerra, um sistema de compromisso e de regulação que, limitado a uma parcela dos
países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva,
duradoura e definitivamente controlada, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo
Estado”.
141

Na confluência da alteração no paradigma político e jurídico orientador das


tradicionais funções do Estado, do redimensionamento das fronteiras do público e do
privado, de um quadro urbano atravessado por inéditos movimentos demográficos e de
concentração de renda e riquezas e da presença, no mesmo território, de forças sociais
desiguais e contraditórias, a (questão da) moradia dos trabalhadores urbanos assumiu
relevo especial. Tal relevo se definiu no amplo espectro de legítimas necessidades sociais
como saneamento básico, facilidades de transportes e comunicação, condições
ambientais, serviços de educação e saúde, oportunidades de lazer.
Mas, a definição da questão da moradia como campo de ação do Estado (uma meta
social definida em planos governamentais134) não significava, no âmbito das relações
urbanas concretas, o enfrentamento direto e cabal da carestia e alta dos aluguéis, da
profusão de formas de habitação insalubres e precárias, da continuada valorização da
terra urbana, da formação do mercado imobiliário e de déficits habitacionais
progressivamente mais amplos. Assim é que, a despeito da definição de novos
mecanismos político-jurídicos de provisão e acesso à habitação, modos desiguais de
acesso à moradia não cessaram de se configurar. Trata-se de processos que
possibilitavam às frações da classe dominante, fortemente apoiado em projetos
urbanísticos de modernização urbana, o controle espacial e segregador da cidade.
Ainda mais: se a cidade tem a particularidade de ser o suporte da produção
capitalista, se é cenário também da realização dos demais ciclos, como as atividades
inerentes ao mercado - armazenagem, circulação e comercialização de mercadorias -, os
espaços citadinos precisavam responder ao processo produtivo oriundo das atividades
industriais. Então, estruturas importantes da divisão espacial de meios de produção,
comunicação e transportes (sistema viário, portos, terminais ferroviários, redes de
telégrafo e telefonia, etc.), objetos técnicos (nas palavras de Milton Santos) foram
acrescidos ao território urbano e articuladas a outros sistemas regionais de atividades
produtivas e reprodutivas135.

134 Recordem-se da Fundação Casa Popular (FCP) e das iniciativas habitacionais dos Institutos de Aposentadoria e
Pensão (IAPs).
135 No Brasil, entre os anos 1900 e 1935, foram construídos 13 portos fluviais e marítimos em diversas regiões e ainda

outras estruturas importantes do sistema de transporte e armazenagem de mercadorias como cais, armazéns e
rodovias. De 16.782 km de estradas de ferro, em 1905, em 1940 passou a contar com 108.594 km de estradas
construídas, principalmente, na região Sudeste do país.
142

Um amplo leque de estratégias ligadas a dispositivos “modernos” quanto aos usos


do ambiente urbano começou a se propagar pelos espaços públicos e privados da cidade.
A tentativa era a de compatibilizar a racionalidade do trabalho fabril e valores urbano-
moderno-burgueses. De fato, arquitetos e urbanistas racionalistas, dentre os quais se
destaca Charles Édourard Jenneret (chamado Le Corbusier), assim como os CIAMs -
realizados entre 1928 e 1936 - desempenharam papel central nas utopias, realizações e
vicissitudes do urbanismo do século XX. Os feitos de Le Corbusier, e de outros mais,
assim como esses eventos, se faziam na trilha dos progressos da engenharia, da
arquitetura e do urbanismo alcançados na segunda metade do século XIX. Inspirava-os a
confiança de realizar a passagem da sociedade tradicional à moderna.
Nos marcos da irrupção do capital na morfologia e vida citadina, em meio à
classificação de funções urbanas e criação de protótipos funcionais, eram apresentadas ao
mundo novas propostas de planejamento, racionalização e administração dos usos dos
espaços citadinos. Le Corbusier, desejando fixar no mundo material da cidade136 as
tendências culturais hegemônicas de uma época, propõe entre 1920 (primeiro esboço) e
1935 (formulação final) a Ville Radieuse. Um modelo que deveria expressar “[...] o jogo
sábio; correto, magnífico dos volumes sob o sol [...]” (apud BALANDIER, 1997, p.245).
Na Cidade Radiante, a sintonia entre o espaço citadino e o mundo moderno
resultaria da ruptura com a herança histórica das antigas cidades (medievais ou coloniais)
que resistiam em desafiar o tempo. Tal proposição tinha por base fortes e duras críticas às
cidades radiocêntricas que estavam a se constituir sob a égide da era industrial. Os novos
prospectos sobre a moderna vida urbana, a distribuição idealmente projetada de
distribuição do território a ser urbanizado, a produção de uma cidade funcional,
ambientalmente adequada e bela, deveriam começar pela casa. Nesse sentido, Le
Corbusier afirma:

136Para Le Corbusier sobre o espaço, em princípio tudo se torna possível, inclusive a concordância entre interesses
particulares, coletivos e privados, efeito da estrita aplicação da nova ciência do espaço urbano. Poderia ser dada então a
resposta mais radical para a necessidade de satisfazer as quatro funções pelas quais se define o homem na coletividade:
morar, trabalhar, circular, se recrear. A segunda e última dessas funções está submetida à planificação de um poder
burocrático responsável por sus máxima realização; a terceira está organizada de modo a prover cada uma das formas
de deslocamento de maior mobilidade; a primeira recebe o tratamento mais original, porque rege as relações sociais.
Pela construção vertical e sobre pilotis, o solo está liberado: o campo penetra na cidade; através da unidade da
habitação, todos os serviços integrados se tornarão acessíveis no interior de um conjunto fechado; pela identidade dos
apartamentos se efetua uma igualdade das condições de vida, ao mesmo tempo, mantendo um espaço privado que
preserva a célula familiar. (BALANDIER,1997, p. 245-46).
143

Se eliminarmos de nossos corações e mentes todos os conceitos mortos a


propósito das casas e examinarmos a questão a partir de um ponto de vista
crítico e objetivo, chegaremos à 'Máquina de Morar', a casa da produção em
série, saudável (também moralmente) e bela como são as ferramentas e os
instrumentos de trabalho que acompanham nossa existência. (apud
FRAMPTON, 2000, p.183).

Nas claras alusões entre o funcionamento ideal da cidade e a fábrica racionalizada,


na qual cada função deve se realizar no lugar adequado e da melhor maneira possível,
propunham-se à organização econômica da cidade como uma espécie de taylorização, um
grande escritório. A implicação era clara: a cidade deveria funcionar com eficiência,
organização e plano, como se fora uma máquina, uma linha de montagem, símbolos
indeléveis da moderna indústria capitalista137. É de se presumir, então, que as cidades do
mundo capitalista se viram obrigadas, em maior ou menor grau, a submeter-se aos novos
padrões de organização urbanística, mediações claras dos projetos e ações de sujeitos
políticos capazes de desenhar, de objetivar no território os seus interesses.
Desde as duas últimas décadas do século XIX, também em São Luís, já se
apresentavam alguns sinais do aparelhamento urbano, pelo qual a cidade passaria, num
ciclo que se completaria a partir de 1920. Para ilustrar essa determinação, em 1881, a
Companhia Ferro Carril inaugurava serviços de bonde de tração animal, primeiro no
Nordeste, ampliado no ano seguinte para o Caminho Grande, chegando até o Anil
(território onde se implantara a Fábrica do Anil). Com o surgimento da eletricidade, os
trilhos e os bondes mudaram a paisagem das principais ruas da cidade (SÃO LUÍS, 1992).

137 Singulares e cabais relações entre o fordismo e a cidade podem ser investigadas, no Brasil, por exemplo, a partir da
implantação de duas company town na Amazônia brasileira: Fordlândia e Belterra. A migração para a Bacia do
Amazonas, no final do século XIX e início do XX, havia transferido grupos populacionais da região Nordeste, em busca
de terras e de trabalho nos seringais. Parte destes grupos passou a ocupar a concessão de 1 milhão de hectares de
propriedade de Henry Ford, às margens do rio Tapajós. A possibilidade de implantação de novas áreas de cultivo da
borracha (a hevea brasiliensis) na América Latina interessava a Ford que buscava, com sua própria fábrica de pneus, a
auto-suficiência de sua produção de automóveis em Dearborn, Michigan (EUA). Muitas questões cercaram a company
town, denominada popularmente de Fordlândia: sua extensão, a concessão de isenção de impostos, seu direito de
jurisdição própria, (uma espécie de república dentro da Velha República Brasileira). Nesse projeto, destaca-se,
sobremaneira, a imagem de modernidade criada com os métodos de trabalho empregados pela Companhia Ford do
Brasil e sua articulação com a criação de cidades empresariais na selva com infra-estruturas urbanas, incluindo sistemas
modernos de captação, distribuição de água, tratamento sanitário e casas de força para a rede de energia. Possuíam
ainda equipamentos de lazer, rede de telefonia, estação de rádio e mais de 70 km de estradas abertos entre as cidades
de Fordlândia e Belterra, além de dois portos, um deles flutuante. Os projetos urbanos dessas cidades expressavam os
diferentes níveis profissionais. O projeto da cidade de Fordlândia discriminava dois espaços habitacionais que, na sua
precisa delimitação, indicavam segregação. Numa forma urbana linear passa-se da área de produção industrial, para a
área de equipamentos urbanos e centro comercial para, só então, chegar à Vila Operária. A cidade devia ser uma
fábrica, não por analogia, mas estruturalmente, como tal. Consultar a respeito VIicentini (1996).
144

Em 1890, à medida que a urbanização prosseguia, a cidade passava a contar com


sistema de telefonia, com 200 aparelhos instalados entre alguns comerciantes. Em 1924,
aconteceram investimentos nos sistemas de água e esgoto. Segundo Palhano (1988), em
São Luís, a modernização efetiva dos serviços públicos urbanos teria se iniciado no
governo Godofredo Viana, mais precisamente em 1924, quando as ações governamentais
apresentaram, apesar do reiterado discurso da falta de recursos para obras públicas,
elementos novos quanto à maneira tradicional de produzir e gerir os serviços de
infraestrutura coletiva.
Um dos focos centrais da administração do prefeito Jayme Tavares (1926-30) foi à
melhoria das condições de comunicação e transporte. Além das primeiras iniciativas para
a construção de um aeroporto, destaca-se o melhoramento de antigas estradas, dentre
elas a São Luís-Anil, a Anil-Olho d’Àgua e a Anil-Maioba, assim como a construção da
estrada Anil-Estiva. O investimento em infraestrutura respondia, em parte, à exigência de
sincronização entre o trabalho fabril e o deslocamento dos trabalhadores no acesso às
fábricas. Quando a eletricidade beneficiou a cidade e os territórios fabris (bairros e
logradouros), as caldeiras das fábricas abastecidas a lenha foram logo substituídas.
A maioria dessas ações, aparentemente desvinculadas das inovações produtivas
em curso, pois configuradas na esfera pública não mercantil, revelam liames indissolúveis
entre tais processos. Portanto, os traços das mudanças no campo dos transportes e dos
serviços coletivos urbanos (públicos ou privados) não são isoláveis. São resultantes da
interação dinâmica entre decisões econômicas e políticas. Com a implantação da indústria
fabril têxtil estavam envolvidos interesses atinentes à necessidade do Estado assumir
intervenções visando à construção de uma (outra) cidade.
Nesse prisma, as observações feitas por Lojkine (1981) sobre a cidade reconstruída
sob o capital são elucidativas. Diz ele:
A aglomeração dos meios de produção e de troca (banco, comércio) não é
a característica específica da cidade capitalista na medida em que o burgo
medieval já reunia - em escala mais restrita, é claro - atividades produtoras
mercantis. O que, a nosso ver, vai caracterizar duplamente a cidade
capitalista é de um lado a concentração crescente dos meios de consumo
coletivos, que vão criar um modo de vida; novas necessidades sociais -;
chegou a se falar de uma civilização urbana -; de outro, o modo de
aglomeração do conjunto dos meios de reprodução (do capital e da força de
trabalho) que vai se tornar, por si mesmo, condição sempre mais
determinante do desenvolvimento econômico. (LOJKINE, 1981, p.146).
145

Ou seja, Lojkine vai acrescentar às condições gerais de produção capitalista, que


segundo Marx é, basicamente, os meios de comunicação e transportes, esses dois novos
conjuntos: meios de consumo coletivos e a modalidade particular de aglomeração dos
meios de reprodução do capital e do trabalho, a qual cria efeitos úteis, apropriados como
força produtiva de capital. A concentração da força de trabalho na cidade e o
deslocamento do capital, também para o setor dos serviços foram justamente os
responsáveis pelo adensamento dessas dimensões, tornando-se características, segundo
Lojkine, da cidade capitalista.
Em São Luís, concretas expressões do novo aparelhamento urbano (principalmente,
equipamentos e serviços coletivos) evoluíram ao longo de iniciativas políticas
complementares e contraditórias, pois a despeito do pequeno incremento populacional, no
período que vai de 1900 a 1930 se delinearam, especialmente nos anos 1920, refrações
da questão social que se constituíam mediadas por problemas tipicamente urbanos.
Essas refrações ampliavam às motivações para a adoção de práticas associativas,
reivindicativas e organizativas por parte dos trabalhadores. Formas de organização na
sociedade civil canalizando manifestações advindas do cotidiano das classes subalternas
se difundiram: Uniões, Ligas, Grêmios e Associações de Trabalhadores e Moradores. Tais
formas de organização representavam estratégias de segmentos de trabalhadores em
instituir modalidades de proteção e de contestação diante das transformações nas suas
condições de vida e de trabalho.
Afinal, estavam determinados pela necessidade de sua reprodução material, que os
obrigava a disputar meios de sobrevivência (moradia, alimentação, trabalho, saúde,
serviços coletivos urbanos) e mobilizados em torno de certas perspectivas que podiam
abarcar em face de sua inscrição no movimento contraditório de reestruturação das bases
político-culturais do movimento social por eles constituído. As diversas estratégias políticas
articuladas contra a discriminação dos interesses dos segmentos espoliados da população
urbana no conjunto da ação pública constituíram-se, também em complexos espaços de
mediação entre interesses privados organizados na sociedade civil e instituições e agentes
estatais.
146

Como a urbanização em curso se caracterizava por deficiente infraestrutura de bens


e serviços públicos, o movimento social, tendo como referência interações microsociais da
vida cotidiana delimitadas territorialmente (a moradia, a rua, o bairro, a moradia), tinha
como um dos móveis centrais da sua ação, os parcos investimentos dos governos
municipal e estadual na provisão ou melhoria da moradia e serviços urbanos, a exemplo
da iluminação pública138. Os obstáculos e os modos desiguais para ter acesso à moradia e
aos recursos da vida citadina tornavam-se, cada vez mais, dimensão agravante na
reprodução dos segmentos mais empobrecidos das classes subalternas urbanas.
Mecanismos de controle, como o Código de Posturas de 1892 que proibia a edificação de
casas cobertas de palhas dentro da cidade e a Lei Sanitária de 1916, procuravam intervir
na pobreza urbana. Esta Lei determinava:

Art. 48 Não é permitida a habitação em porões e sótãos que não sejam


naturalmente bem iluminados e arejados, e não possuam instalações de
aparelhos higiênicos de uso domestico.
§ Único Fica desde já proibida a reocupação dos baixos de sobrados que
forem sendo desocupados (Lei Sanitária; nº 736 de 1916)

Mas, denúncias e queixas quanto a moradias precárias e insalubres apareciam na


imprensa local e sucedia-se no tempo. No jornal A Pacotilha, de 15 de maio de 1920,
registra-se a seguinte nota: O que fica de reserva são os baixos de sobrados, os cortiços
mais ou menos disfarçados que infestam a cidade, as pocilgas e baiúcas de todo o gênero.
Acontece que em São Luís, parte dos segmentos subalternos urbanos, malgrado a
pressão recebida por parte das autoridades sanitárias e policiais, continuava a habitar a
parte térrea dos sobrados ou os sobrados já transformados em cortiços, que se expandiam
indiferentes à medicalização da cidade e ao combate às habitações precárias e insalubres.
Encontra-se também aqui a idéia originada na Inglaterra de associar o pauperismo e os
moradores de locais precários com a noção de classes perigosas. Assim, desocupação
desses locais guardava também fortes relações com o desejado afastamento das
camadas pobres e negras da área central da cidade.

138 Segundo Palhano (1988, p. 342-343): “De tal forma, os serviços públicos se deterioraram ali que, no afã de resolvê-
los da noite para o dia, face à crescente onda de insatisfação popular, sentimento este canalizado pela oposição o poder
público acabou fazendo opção pela Ulen que, por cláusulas favoráveis ao truste norte-americano, imobilizou o governo
ainda mais, levando-o a subordinar a verba pública aos objetivos comerciais de uma única empresa privada”.
147

À medida que aumentavam as precárias formas de habitabilidade, alargavam-se as


campanhas contra os moradores dos baixos dos sobrados e dos cortiços. De fato, as
precárias condições desses modos de morar produziam dejetos que se mostravam no
espaço (público) das ruas. Assim, notas, como as publicadas no Jornal da Manhã e no
jornal A Pacotilha ao longo de 20 anos eram constantes na imprensa local:

[...] Mas não é só lixo que se lança para as ruas. Elas são transformadas em
receptáculo de águas servidas, e até de cousas mais desagradáveis à vista
e ao olfato (Jornal da Manhã de 29 de agosto de 1920).

Algumas famílias residentes à rua da Palma, entre as da Saúde e Direita,


pedem-nos que chamemos a atenção a quem de direito, para os moradores
dos baixos dos sobrados ali existentes, que fazem toda a sorte de
imundícies nas sarjetas, a ponto de não poder se poder chegar às janelas.
(Jornal A Pacotilha de 1 de abril de 1920)

Em face das dificuldades de habitar os baixos dos sobrados, os cortiços e as casas


de cômodos - duas últimas modalidades de habitações coletivas que podem ser
classificadas como rentistas - antigos moradores, juntando-se a outros tantos em busca da
moradia, espalhavam-se, avançando, donos do espaço, pelas áreas em torno das fábricas
de tecidos. Baixinha e Codozinho, por exemplo, formavam áreas sócio-espaciais muito
pobres, em torno da Companhia de Fiação e Tecidos Maranhense. Outras ocupações
acompanhavam as estradas de ferro (como a que originou o Bairro da Vitória) ou se
materializavam em zonas contíguas à área central do espaço citadino.
Noutras áreas da cidade, margens de rios e mangues, ainda livres do excessivo
volume de detritos domésticos e do estágio mais agressivo da degradação ambiental,
eram incorporadas ao cotidiano das famílias e da vida urbana, tornando-se ruas, quintais,
moradia, espaços de lazer e, em muitos casos, de trabalho.
Sobre os mangues surgiram mais palafitas e seu jeito especial de implantar a
moradia no mangue, que garante que ela não seja invadida quando as águas das marés
sobem. Então, em diversos espaços da cidade, se manifestavam as contradições do
processo de constituição do urbano no Brasil e no Maranhão e, pelo mesmo movimento,
ampliavam-se os processos de segregação sócio-espacial em São Luís.
148

Completamente indiferentes aos discursos estatais proferidos através do Serviço de


Saneamento e Profilaxia do Maranhão quanto a insensatezes dessas construções (as
palhoças)139, casinhas enfileiradas, alinhadas ou desalinhadas, compartilhavam muitas
vezes da mesma cobertura, separadas por frágeis paredes ou divisórias. Construídas,
além do barro e da palha, com resíduos materiais das atividades citadinas, como caixotes
de madeira, latas de querosene, folhas de zinco davam abrigo a famílias de trabalhadores.
As habitações populares, que foram se multiplicando nesses locais expressando
modos singulares de moradia em curso no Brasil140, seguiram ou impuseram os traçados
irregulares das ruas e obedeceram às imposições físicas dos terrenos e à disponibilidade
de espaço. A vida cotidiana em pequenos e precários espaços, avessos à reunião de
condições materiais adequadas ao conforto e à proteção da intimidade familiar, se
anunciava e se confirmava como um dos traços mais característicos das moradias das
classes subalternas na cidade, tendo fortes implicações na vida urbana em sua totalidade.
Em São Luís se constituíram, então, expressões singulares de áreas residenciais,
cujos traços mais característicos são a precariedade da habitação e a ausência de
estruturas e serviços coletivos urbanos. São, por conseguinte, exemplos de áreas que
servem de referências materiais para a produção ideológica, na sociedade brasileira, da
idéia de desordem urbana: - o crescimento e a ameaça de uma parte da cidade à própria
cidade. Na realidade, nas primeiras décadas do século XX, em várias cidades do Brasil, a
exemplo de São Luís, a ocupação, expansão e usos da terra urbana para a construção da
moradia empurraram partes significativas dos segmentos subalternos a instalar-se nos
interstícios das cidades.

139
Diz o Relatório do Serviço de Saneamento e Profilaxia do Maranhão: Na construção, acentuam-se as insensatezes.
As paredes são de palha ou feitas a barro-de-sopapo. Algumas, porém, de ínfima categoria, são formadas de bizarros
detritos reclamados até do lixo [...] Com essa arquitetura original difícil de se pintar em todo o seu real colorido sem ar,
sem luz, sem asseio; casas de solo lodacento no inverno; [...] casas que se acaçapam sobre suas vítimas - os operários
que as habitam - esta é a nossa classe pobre com suas moradias.
140 Num padrão que se repete para outras grandes cidades Everardo Backheuster (apud WISSENBACHW, 1998, p.102)

distingue para as classes populares do Rio de Janeiro dos inícios do século, diversas alternativas de se morar: as
habitações coletivas, as casa de cômodos, as estalagens, os cortiços, localizados, sobretudo, nas ruas da Cidade Nova,
na Gamboa, na Saúde, na Frei Caneca. Ao definir a constituição dos cortiços, enuncia traços de sua aparência bem
como de seu interior: "Pequenas casinhas de porta e janela, alinhadas, contornando o pátio, são habitações, separadas,
tendo a sua sala da frente ornada de registros de santos e anúncios de cores gritantes, sala onde se recebem visitas,
onde se come, onde se engoma, onde se costura, onde se maldiz os vizinhos, tendo também a sua alcova quente e
entaipada, separada da sala por um tabique de madeira, tendo mais um quartinho escuro e quente onde o fogão ajuda a
consumir o oxigênio, envenenando o ambiente. Dorme-se em todos os ambientes".
149

Se a cidade colonial e escravista era a cidade da concentração da população e das


atividades laborais num núcleo urbano central, as fábricas têxteis, as epidemias, os riscos
da contaminação, a população escrava liberta, o serviço de bondes, as residências de
famílias ricas afastadas do centro principal141, cada um a seu modo, atuaram sobre o
arranjo territorial e concorreram para a expansão do tecido urbano e a segregação dos
diferentes segmentos de classes presentes na vida citadina de São Luís.
Nesse momento já se faz presente o padrão periférico e segregador de crescimento
urbano peculiar à urbanização brasileira, que se acentuou fortemente em São Luís com os
rumos assumidos pela expansão dessa cidade. A aglomeração desenvolvida precisamente
para gerar a aproximação - a cooperação como força produtiva - começara a gerar
afastamento sócio-espacial.
São muitos, portanto, os indícios da segregação sócio-espacial, fixando-se nas
formas urbanas, na distinção entre a parte da cidade feita de materiais e recursos
arquitetônicos adequados e duráveis; rica de vantagens locacionais, dentre elas a
presença de equipamentos coletivos urbanos e, a outra parte, disputada e habitada por
famílias de trabalhadores subalternos pauperizados. Essa parte, edificada com materiais
impróprios, sem o provimento de infraestrutura e serviços coletivos urbanos, não
correspondia às prescrições ou transformações urbanísticas em pleno curso em certos
espaços da cidade.
Em 1920, na Rua Grande, conforme Lei Municipal era exigida a construção de
platibandas nas edificações; em 1940, na execução do Plano de Reforma Urbanística, na
gestão do interventor Paulo Ramos, o antigo Caminho Grande recebeu magnífica
pavimentação e arborização. Realizava-se ainda a reforma da Praça João Lisboa e a
abertura da Avenida Magalhães de Almeida, demolindo-se, para tanto, algumas casas do
início da Rua Grande (SÃO LUÍS, 1992).

141 Conforme delineado no primeiro capítulo desta exposição, os casarios e palacetes das famílias senhoriais se
concentravam na área da Praia Grande e adjacências, exceção feita a algumas quintas, como a Quinta das Laranjeiras,
a chamada Quinta do Barão. A vida nas fazendas, sítios, chácaras rurais ou engenhos próximos das cidades foi uma
característica do modo de viver urbano, por exemplo, dos senhores nas cidades do Rio de Janeiro e Recife, por exemplo.
Freire (1977, p.45) diz que no ano de 1825, os ingleses que chegaram ao Rio de Janeiro reforçaram esse modo de viver
urbano iniciado pelos portugueses: “[...] do alto de chácaras, em geral situadas em morros e rodeadas de arvoredos; os
mais opulentos dentre aqueles negociantes foram se tornando uma influência renovadora e mesmo revolucionária da
cultura semicolonial do Brasil”.
150

Produto da racionalidade estreitamente ligada às idéias de ordem e progresso e a


um projeto de regeneração que se desejava modernizante, o horizonte, para muitos, era
urbanizar a velha e feia cidade colonial. Uma crônica no Diário do Norte, de 16 de abril de
1937, expressava a aspiração de parte da população de São Luís por transformações
urbanísticas. Diz o cronista:

Levante-se em São Luís construcções modernas, tire-se da nossa cidade


esse ar de ‘colonialismo’ que tanto contrasta com as idéas daquelles que
procuram viver a epocha actual em toda a sua magnífica plenitude. Mas que
esta nova edificação não seja feita da maneira que tem sido adopatada até
hoje. Não se mettam, por amor dos deuses, entre velhos pardieiros e
mocambos medonhos, lindos prédios, que communicam a impressão de
dentes de ouro em dentadura estragada.

A partir do final dos anos 1930, sinais de uma crise ampla e complexa começaram a
despontar no plano da constituição produtiva da cidade. No centro do conflito encontrava-
se o primeiro experimento industrial (principalmente têxtil) maranhense, como se viu um
parque industrial nada desprezível, tratando-se de um país pouco industrializado como o
Brasil. Os processos econômicos, políticos, sociais e territoriais envolvidos nesse
desenlace são amplos e complexos.
A vigência de formas tradicionais de produção e de fazer política parece ter
distanciado ou imobilizado os agentes econômicos do estado do Maranhão, impedindo o
aparecimento de certas expressões capitalistas de organização dos processos de trabalho
que, à época, já se faziam em outras regiões do Brasil. De fato, iniciativas produtivas
industriais capazes de prodigiosa produtividade se sucediam na República Velha (1889-
1930) e, se efetivavam, principalmente, nas regiões sul e sudeste, fenômeno correlato à
divisão territorial do trabalho que concentra ramos particulares da produção em áreas
determinadas de um país. Nesse prisma, de acordo com Fiori (1995, p.143),

[...] Com o avanço do processo de industrialização e de urbanização,


reduziu-se velozmente o poder das oligarquias agrárias da região Centro-Sul
(mais industrializada), mantendo-se, todavia, idêntico em todo o Norte e
Nordeste do País, locais onde se mantiveram intactos enormes contingentes
populacionais e eleitorais, ligados em geral aos setores produtivos mais
atrasados da economia brasileira.
151

Muitos eventos142 condensavam o caráter expansivo do capital. Diversas políticas


públicas, de corte fundamentalmente econômico (cambiais, fiscais, salariais, etc.),
denotavam a presença do Estado como mecanismo de apoio à concentração e
centralização de capital no setor industrial privado. Em 1920, a concentração industrial no
estado de São Paulo, cujos setores líderes eram o de alimentos (40,2%) e o têxtil (27,6%)
era uma realidade incontestável. Nessa conjuntura histórica, o operário brasileiro era
considerado tão hábil quanto os dos Estados Unidos ou Europa, mas o seu salário
correspondia a seis centavos de dólar por dia, o que lhe impunha pior condição de vida do
que a dos colonos colhedores de café. Estava-se diante daquilo que Coriat e Sabóia
(1988), sob a luz da Teoria da Regulação, chamaram de um processo de fordização
forçada e contrariada e Baltar e Dedeca (1992) consideraram o período (1930 a 1950) de
industrialização restringida. Ou seja, injunções econômicas e políticas teriam entravado a
reprodução do autêntico circuito fordiano. Consolidava-se um padrão de industrialização
nos moldes fordistas quanto ao processo de trabalho, todavia a articulação entre os
setores de bens de capital e de bens duráveis de consumo não se sustentou nas formas
tipicamente fordistas de relação salarial, nem promoveu o consumo de massa em
oposição ao que ocorreu nos países capitalistas avançados, após a II Grande Guerra143.

142 São alguns desses eventos: (1) em 1891, no Rio de Janeiro, um grupo de empresários fundava a Associação
Industrial. Esta acusa os latifundiários de pretenderem transformar o Brasil num imenso cafezal. Acusa também os
países desenvolvidos de manter o país dependente e consumidor de suas oficinas; (2) em 1907 organizaram-se os
primeiros sindicatos de trabalhadores e a República aprovou um decreto-lei autorizando a expulsão de estrangeiros,
principalmente dos imigrantes que tinham trazido da Europa experiências de luta sindical; (3) em 1910, foi dado início ao
negócio da família dos Matarazzo, sendo em 1927 implantadas 86 fábricas, com um total de 15 mil operários; (4) em
1914, com a Primeira Grande Guerra, cresceu a indústria de bens de consumo no país, antes limitado à compra de
mercadorias dos países industrializados, voltando então a dinamizar sua produção interna: grupos norte-americanos e
ingleses instalaram-se no país. (5) em 1917, intensificava-se a ação do movimento operário com organizações sindicais
de diferentes correntes ideológicas. Sob a liderança de anarquistas, trabalhadores pararam as fábricas e os transportes
em São Paulo; (6) em 1928 foi fundado o Centro das Indústrias de São Paulo denunciando a miopia dos latifundiários ao
não enxergarem a correlação direta entre civilização, independência de uma nação e industrialização de base sólida; (7)
um ano depois, processou-se uma das crises mundiais do capitalismo e, no Brasil; especialmente, com grande
repercussão, a maior crise do negócio cafeeiro, desmantelando-se, de vez, o modelo agro-exportador.
143Segundo a Teoria da Regulação, com o término da II Guerra, se consolidou nos países capitalistas centrais, um modo
de regulação monopolista que, articulado a um regime de acumulação intensiva, possibilitou a estabilização de um
modelo, denominado de fordismo que se produziu, pela articulação entre um regime de acumulação (taylorista) e um
modo de repartição dos ganhos de produtividade, sustentada na relação salarial. Tinha-se então: (1) um princípio fordista
de organização do trabalho, cujos traços essenciais eram a desqualificação e a desvalorização do trabalho operário e
sua exclusão da definição das normas de produção; (2) um regime de acumulação, pressupondo que os ganhos de
produtividade, provindos da reorganização do processo produtivo, fosse de tal forma distribuídos, que favorecesse uma
certa correspondência entre o crescimento dos investimentos financiados pelos lucros e a elevação do poder de compra
dos trabalhadores assalariados, mantendo um consumo de massa; (3) um modo de regulação constituído de formas
institucionais das quais as mais importantes eram: relação salarial, padrões oligopolistas de concorrência e de fixação de
preços; expansão do dinheiro de crédito; e, papel fundamental do Estado, sobretudo na gestão salarial e da moeda.
Consultar, dentre vários, POSSAS (1988).
152

Na análise de GRAMSCI (1976, p. 376), o fordismo associado às técnicas


organizacionais tayloristas, como elemento de organização da estrutura, constitui “[...]
ponto extremo do processo de tentativas sucessivas da indústria para superar a lei
tendencial da queda da taxa de lucro”. Para Braga (1997, p. 176) representa uma resposta
à necessidade evidente de “[...] superar a perspectiva histórica da emancipação das
classes subalternas, e do período de crise que esse processo inaugura”.
Sob as determinações sócio-históricas até aqui brevemente delineadas, inaugurou-
se outro estágio no desenvolvimento do capitalismo mundial, caracterizado pelo
florescimento de novas economias industriais, com destaque para os Estados Unidos, que
acabaram se transformando numa potência hegemônica no panorama internacional,
iniciando sua trajetória como potência imperial lastreada pela construção de uma base
econômica, militar e tecnológica sem precedentes na história.
A inserção da América Latina e do Brasil, espaços territoriais e sociais “criados”
mediante processos de conquista, expropriação e colonização liderados pelos estados
metropolitanos europeus, começa então a ser (re) elaborada pelas novas relações que
passaram a estabelecer com a Europa e com os Estados Unidos.
Assim, os anos de 1950 a 1960, fortemente marcados pela ideologia
desenvolvimentista modernizadora implementada pelos governos dos presidentes
Juscelino Kubistchek (JK)144 e Jânio Quadros (JQ), abarcaram significativas alterações nas
dinâmicas produtivas, políticas, culturais, territoriais e urbanas da sociedade brasileira. A
perspectiva era dotar o país de uma estrutura produtiva capaz de desenvolver uma
dinâmica autônoma de acumulação. No governo JK, atividades industriais promovidas e/ou
aceleradas a partir de fortes investimentos do Estado prometiam a plena superação da
condição primário-exportadora do Brasil. Nessa conjuntura acrescentaram-se novas
dimensões à experiência da produção do urbano nesse país. Nessa experiência e no
interior da dialética modernidade / modernismo / modernização a cidade é reafirmada
como um mecanismo, um instrumento, um recurso para alcançar e representar uma
sociedade precisamente moderna.

144Sobre o governo JK recorde-se do Plano de Metas, cujo slogan era 50 anos em 5. Tal Plano pretendia transformar a
estrutura econômica, mediante a criação da indústria de base e novas condições de interdependência com o capitalismo
mundial. A respeito dos governos JQ / JQ consultar a respeito, dentre outros, Limoeiro (1975).
153

Arquitetos e engenheiros brasileiros seguidores de Le Corbusier, como Lucio Costa


e Oscar Niemeyer, ganharam, então, expressivo destaque. Através da construção da
cidade de Brasília, esses modernos construtores de cidades levaram a um dado limiar a
relação entre a produção do espaço e os investimentos estatais no território, contribuindo
para fazer do Brasil um dos espaços de desenvolvimento da arquitetura moderna. Ainda
que no quadro de uma espécie de modernidade tardia, isso se fez a partir de um caminho
latino-americano próprio: obras exuberantes, monumentais e integradoras das artes; fortes
alardes estruturais e destacada presença do promotor, no caso o Estado com os técnicos
e as vanguardas que dele faziam parte ou gravitavam em sua órbita145. Trata-se, então,
Brasília, de uma proposição modernizante e universalista de arquitetura que aspirava à
validade internacional.
Arantes (1994) discutindo a revolução nas formas arquitetônicas e urbanísticas no
Brasil articula a seguinte questão: num meio acanhado como o nosso, onde está a base
social que daria sentido à racionalidade arquitetônica desejadas pelos modernos? Ao
responder à sua própria indagação o faz desse modo: - Foi à ausência de uma sociedade
industrial desenvolvida que permitiu a realização dos experimentos por assim dizer totais
de arquitetura e do urbanismo novos, os quais não poderiam ocorrer senão nas condições
autoritárias como as da Índia ou Brasil.
Controle, fragmentação, segregação, produção em série e pré-fabricação mediavam
às abstrações urbanísticas que particularizavam no quadrante que lhes é próprio,
abstrações operadas pela ordem do capital no âmbito das relações sociais. Com isso, a
racionalidade e o ânimo utópico da arquitetura, os novos arranjos do espaço habitado, a
aplicação rigorosa dos princípios do zoneamento, as vias de comunicação com a abertura
de grandes artérias que aceleravam o uso dos transportes automotivos iam deixando em
várias cidades da antiga colônia da América portuguesa, em maior ou menor proporção,
exemplos dos seus traços fortes, contraditórios e impressivos.

145A propósito da construção da cidade de Brasília, Gorelik (1999, p.67-68) argumenta “[...] Nunca antes a modernidade
urbana presidiu de tal modo - de modo tão ideológico e prescritivo - a modernização. E nunca antes o Estado havia
assumido de modo tão completo o conjunto de tarefas culturais para produzir a transformação social: se no fim do
século XIX encontramos um Estado que entrona no ciclo expansivo apesar de si mesmo (a modernidade aparecia ali
como figura de ordem que devia controlar a modernização); e se nos anos trinta a entente vanguarda/Estado se produz
nos fatos (a modernidade vanguardista como construtora de identidade para conduzir a uma modernização nacional
empreendida pelo Estado); no desenvolvimentismo, o Estado vai reunir toda a tradição construtiva; incorporando em
seu seio a pulsão vanguardista: o Estado se torna institucionalmente vanguarda moderna e a cidade, sua picareta
modernizadora”.
154

Mas, na esteira do desenvolvimento desigual e combinado do mundo, no Brasil,


investimentos industriais centralizadores e excludentes privilegiaram, como vimos, a
Região Sudeste, principalmente o estado e a cidade de São Paulo, uma das razões do
princípio de industrialização assentado no parque fabril têxtil em São Luís, resultado em
parte da transferência de capital do setor agrário para a atividade industrial, após um
expressivo período de ascensão ter regredido definitivamente146.
Para os fabrilistas do Maranhão, as crise e falência das fábricas de tecidos
guardaram estreitas relações com os seguintes fatos: retração do crédito e sucessivos
aumentos salariais (destacando-se o salário mínimo de 1959), freqüentes aumentos de
impostos e contribuições sociais, dificuldades quanto à manutenção do maquinário e
acesso a inovações tecnológicas, perda de competitividade no mercado, falta de apoio de
instituições federais, dentre outros.
Na visão de Arcangeli (1987) o modelo de organização agrária tradicional,
impedindo a constituição de um mercado consumidor local foi um dos determinantes do
fim do experimento fabril têxtil no estado do Maranhão.
Melo (1990) destaca que as fábricas de tecidos sobreviveram por mais tempo
apenas em decorrência do isolamento espacial a que estavam submetidas: - a renovação
técnica, condição dos investimentos da moderna indústria capitalista, aqui se fez presente
de modo limitado, precário, intermitente147. Se o progresso técnico é um dos elementos
centrais dos ramos industriais - aumento da produtividade, redução de custos,
competitividade - o atraso do setor deixando as fábricas de tecidos prisioneiras nos
estágios iniciais de um processo de evolução logo faria aparecer contradições irresolutas.
Rangel (1989), por sua vez, associa a falência do parque fabril à grande seca do
ano de 1958 que assolou a região Nordeste e ao crescimento dos meios de transporte em
direção à cidade de São Luís148.

146 Na década de 40, as fábricas, apesar de obsoletas ainda representavam 11% da renda interna do Estado. (Maranhão,
Plano de Governo: 1971-1974).
147 Melo (1990, p. 43), assim se expressa: "A renovação técnica na indústria maranhense foi muito esparsa, aqui e ali

uma máquina foi substituída por outra de concepção e fabricação mais recente [...] Ao findarem os anos 50, observamos
que 100% dos teares em atividade datavam de 1900, assim como, aproximadamente, 75 dos fusos instalados".
148 Rangel (1989, p.17), assim argumenta: "A seca de 1958, no Nordeste, deu um golpe fatal neste parque industrial. Os

caminhões, que vinham buscar o arroz do Mearim, traziam-nos, além de flagelados nordestinos, produtos industriais
competitivos com os supridos por nossas fábricas sobreviventes. O tabuado lançado sobre a ponte ferroviária entre
Teresina e a velha Flores (Timom) foi o golpe de graça".
155

Nos marcos do desenvolvimento do capital, com seus movimentos e contradições, a


desarticulação da experiência fabril têxtil talvez indique que a decisão das classes
senhoriais de investir na industrialização como estratégia para conservar privilégios foi
uma aposta equivocada. Essa aposta, possivelmente, não tenha levado em conta, por
ocasião da instalação do parque fabril, que não havia um amadurecimento das forças
produtivas e relações de produção adequadas ao pleno desenvolvimento desse
empreendimento. Tal desagregação também permite reconhecer que determinantes
históricos e singularidades locais exercem ponderável influência na configuração das
condições técnicas industriais e nas transformações da organização do trabalho, levando-
as a assumirem formas, ritmos e desenlaces que as podem distinguir dos padrões
clássicos de industrialização, bem como de outras experiências levadas a cabo em
diferentes países e mesmo em outras regiões de um mesmo país.
Ou seja, as forças produtivas, as formas de realização da economia e as ações do
Estado se entrelaçam de modos diversos com as regiões, unidades federativas e cidades,
produzindo diferentes ambientes econômico-produtivos e embates políticos e territoriais
entre diferentes escalas (local, estadual, nacional, mundial).
Em 1961, Newton Bello, então governador do Estado, assim se dirigia ao presidente
da República do Brasil:

Ao lado dos numerosos dados aqui sistematicamente expostos, palpitam as


seculares aspirações de um povo que confia no integral atendimento de
suas reivindicações e ver neste seu primeiro encontro com o Presidente
Jânio Quadros o marco inicial de uma nova era de paz, trabalho e progresso
para o Maranhão [...] Sente-se a urgente necessidade de que o Maranhão
reencontre o seu caminho, no setor de uma produção agrária, pois na
realidade, sofremos um retrocesso, tomando-se em consideração aquilo que
tínhamos no passado e o que temos hoje. Apresentávamos, então, uma
sólida estrutura agrária, um bom índice de capital aplicado a terra, traduzido
pelos escravos e bens que integravam a propriedade rural. Dessa forma,
chegamos a ser um dos mais importantes unidades brasileiras da época
colonial e mesmo do Império, e uma Região de considerável importância na
produção agrícola, principalmente no tocante ao algodão e ao arroz. A
abolição da escravatura derrubou todos os suportes dessa economia e a
Província não teve condições de substituí-la por outra pedida pelos novos
tempos. Ainda hoje, esse é o problema que enfrenta o Estado, com sua
produção desorganizada, descapitalizada e com seu homem vivendo
apenas uma liberdade formal quando, na realidade, apresenta-se um
escravo da miséria, da doença, do analfabetismo, da subalimentação.
(Maranhão - Plano e Reivindicações, 1961).
156

No Maranhão, a década de 1950-60149 pode ser marcada pelo (a): (1) declínio do
setor secundário (que a indústria de óleos150não consegue restabelece); (2) perda de peso
das plantas industriais (fábricas de tecidos); (3) aumento da migração nordestina; (4)
ocupação das terras devolutas; (5) alteração do sistema de transporte, dando-se primazia
ao rodoviário; (6) articulação das lutas sociais no campo e na cidade 151; (7) configuração
de programas de ação social junto à populações rurais e urbanas articulados pela Igreja
Católica do Maranhão; (8) diversificação da atividade comercial e perda da importância de
São Luís e do monopólio comercial exercido pela Praia Grande.
As transformações (os revezes, na ótica das frações da classe dominante ligadas à
atividade fabril têxtil) no plano produtivo e econômico se sucederam ao preço de uma forte
mutação nas dinâmicas políticas, territoriais e urbanas do estado do Maranhão. Os
tradicionais comerciantes, industriais e latifundiários muitas vezes combinando as
atividades comercial/industriais com as de pecuária/agricultura garantiram o controle do
Estado ampliando sua influência sobre a produção de serviços infra-estruturais citadinos e
sobre os modos de apropriação e usos da terra urbana.
Como a função da forma espacial depende da redistribuição sobre o espaço da
totalidade das funções que, a cada momento histórico, uma formação social é chamada a
realizar (SANTOS, 1979), São Luís ampliava sua feição administrativa com a ação estatal
tornando-se a principal geradora de rendas e empregos. Era a cidade - como organização
histórica e mediação fundamental da totalidade social e de seus movimentos - procurando
(re) situar à economia no setor de serviços e na atividade comercial, esta última não mais
inserida de forma substantiva nos fluxos mundiais de troca.

149 Arcangeli (1987) situa tal década como pertencente à fase de inserção do Maranhão na divisão nacional do trabalho,
com início na década de 1940 e consolidação na de 1950; destacando: a decadência da indústria têxtil; o surgimento da
indústria de refinamento de óleo babaçu; a estabilização da atividade extrativista do coco babaçu; as áreas de lavoura
temporária, produtoras de alimentos para o mercado nacional; ocupação do oeste do Estado por movimentos migratórios
no Nordeste e avanço da pecuária.
150 No começo do século XIX unidades industriais, como a Fábrica Martins Irmãos & Cia (complexo integrado na

fabricação de óleos vegetais, de algodão, algodão hidrófilo, gelo e sabão) e a Indústria Bessa e Companhia (produção de
óleo de babaçu) pareciam indicar que o óleo vegetal se constituiria o novo campo da atividade industrial em São Luís.
151 Em 1958 estabeleceu-se o Pacto da Unidade Sindical proposto pelos Sindicatos dos Trabalhadores da Construção

Civil, ao qual aderiram entidades representativas dos carpinteiros navais, trabalhadores das indústrias de calçados e da
Marinha Mercante, trabalhadores no comércio, gráficos, jornalistas, trabalhadores das indústrias de curtimento de couro,
trabalhadores têxteis, ferroviários e trabalhadores rurais, através da Associação dos Trabalhadores Agrícolas do
Maranhão - ATAM. O Pacto tinha como propósito "o estudo, a discussão e a luta organizada por melhores condições de
vida". Em dezembro de 1958, do Pacto realizaram a chamada Passeata da Fome, um protesto contra o custo de vida.
157

A despeito das fábricas têxteis não terem absorvido toda a demanda por postos de
trabalho, nem ter gerado uma mudança fundamental na condição social dos trabalhadores
empregados, o abandono dos espaços fabris cujos prédios, destruídos, degradados,
decaídos, ainda hoje impactam com forte presença o território da cidade.

Figura 11
RESTOS MATERIAIS DA FÁBRICA SÃO LUÍS (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Coleção particular de fotografias - 2002

Figura 12
RESTOS MATERIAIS DA FÁBRICA SANTA AMÉLIA – (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Coleção particular de fotografias - 2002
158

A parte mais dinâmica da atividade comercial, com seus novos empreendimentos


varejistas, passava a se fixar no eixo da Rua Grande. A Praia Grande com a perda da
importância portuário-comercial de São Luís assistiu seu vigor comercial declinar e com
ele seu valor fundiário-imobiliário. Antigos proprietários de imóveis na Praia Grande,
senhores impotentes diante das forças de desvalorização imobiliária e da perda de status
e distinção desse modo de morar passaram a vender, alugar ou abandonar seus
imponentes casarios coloniais152.

Figura 13
RESTOS MATERIAIS DE PRÉDIO COLONIAL – (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte: Litania da Velha de Arlete Nogueira da Cruz. São Luís: Lithograf, 1998

152Olhando as ruínas de muitos desses casarios, Arlete Nogueira da Cruz no poema Litania da Velha escreveu, dentre
outros, esses belos e tristes versos: - “O sobrado desaba sob a complacência de quem lhe espreita essa queda”; “A
antiga cidade é uma ilha que se desfaz em salitre”, “As antigas alcovas se abrem em cloacas na incontinência dos
restos”, “O odor dos porões sobe a escadaria exalando nos andares desfeitos”.
159

Entre as décadas 1950-80, novos modos de morar irromperam na vida urbana de


São Luís. Edifícios multifamiliares, como o Caiçara, construído na Rua Grande, e casas153
edificadas na Avenida Beira-Mar, na Rua das Hortas, no Apicum e Monte Castelo
representavam os ideais modernistas presentes na arquitetura e na relação que esta
estabelece com as mudanças social, cultural e urbana, então em voga. Esses indicativos
de reformulação e renovação nos modos de morar e de diversificação da forma espacial
da habitação reforçavam a configuração de formas desiguais nas condições de
habitabilidade e os processos de desvalorização dos antigos prédios coloniais.

Figura 14
CORTIÇO ENTRE A PRAIA GRANDE E O DESTERRO (SÃO LUÍS-MARANHÃO)
Fonte na identificada

153A obra do arquiteto Cleon Furtado se destaca como uma das importantes contribuições à configuração da arquitetura
residencial modernista na cidade de São Luís.
160

Assim, em vários dos antigos sobrados coloniais surgiam novas divisões formando-
se mais cortiços154, a despeito da proibição de construí-los no perímetro urbanos desde a
administração do Intendente de São Luís, Alexandre Collares Moreira Júnior (1913-1915).
Mais famílias neles se alojava através da ocupação ou aluguel. Todavia, para além dos
cortiços da área central da cidade, a precariedade da moradia (ao lado da precariedade
nas relações de trabalho, nas oportunidades de emprego e profissionalização, no acesso à
justiça, no usufruto dos serviços e infra-estrutura urbanos) já se manifestava em outros
espaços distantes da área central da cidade.
Esses novos recortes territoriais eram de modo pleno expressões de parte do que é
feita, tecida e composta a segregação sócio-espacial urbana, processo portador das
contradições mais irredutíveis, das quais não pode libertar-se nem pela aparência, na
ordem burguesa instalada. Essa afirmação não se refere, necessariamente, ao que já
restava de estruturas arquitetônicas fabris remanescentes de um universo produtivo e
mecânico que se tornara anacrônico.
Não se refere, tão pouco, apenas, a partes da área central - notadamente, a Praia
Grande - onde prédios seculares155, restos materiais de momentos efervescentes de
atividades produtivas, políticas, culturais e arquitetônicas, encontravam-se condenados à
ruína, na falta de cuidados dos seus proprietários privados e/ou de políticas públicas que
atribuísse prioridade a sua preservação e recuperação. Ela se refere principalmente à
nova hierarquização na distribuição das diversas frações de classe no espaço da cidade (a
nunca vista antes, concentração espacial da pobreza). Ou seja: as chamadas áreas
residenciais periféricas.
A diferenciação nos usos dos espaços da cidade que começava a ser avassaladora
se manifestava, não mais somente nas tipologias de moradias, mas também nos espaços
residenciais: - áreas de alto valor imobiliário, áreas intermediárias e áreas periféricas.

154 Os cortiços, geralmente, são identificados como tendo se constituído no Brasil no momento em que se desloca a vida
da casa do grande agricultor da economia do açúcar para o sobrado da burguesia urbana; e, no mundo do trabalho, à
passagem das senzalas aos cortiços (MOTA, 2003). Salvo um maior conhecimento sobre pesquisas voltadas para a
reconstituição histórica da questão da habitação na cidade de São Luís, a moradia nos cortiços, a meu ver, ainda carece
de maiores investimentos de pesquisa sobre os momentos iniciais de sua constituição, seus redimensionamentos e
expressões atuais que demarquem o lugar que esse antigo modo de morar ocupou entre os modos precários de
moradia nessa cidade.
155 Já considerados desde 1937 como “[...] sobradões sem pintura, [...] fachadas coloniais que dão uma impressão bem

desagradável a quem os contempla” (Diário do Norte de 16 de abril de 1937).


161

Nesse movimento sócio-espacial se constituíram e/ou ampliaram-se bairros como


Monte Castelo, Matadouro (Liberdade), Cavaco (Fátima), João Paulo, Caratatíua, Jordoa,
Sacavém e Anil. Certos equipamentos ou serviços urbanos como escolas, igrejas, postos
de puericultura156, delegacias, pequenas casas comerciais, paradas de ônibus se
constituíam como pontos fixos das funções e fluxos urbanos, agora não mais,
exclusivamente, adensados na área central da cidade ou imanizados em volta das fábricas
de tecidos. Nas áreas residenciais periféricas (áreas inicialmente desprezadas pelo
mercado imobiliário), muitas moradias abrigavam formas de organização autônoma do
trabalho. Sapateiros, quitandeiros, ferreiros, costureiras (fora do controle do capital sobre a
produção e a atividade laboral) trabalhavam em casa, ou numa pequena oficina, que de
toda maneira não eliminava a mescla entre o trabalho, o local de moradia e a vida familiar.
A ausência ou mau funcionamento de redes de abastecimento de água e
fornecimento de energia elétrica, por exemplo, evidenciava a precária infra-estrutura
urbana de São Luís. Essa precariedade expressava ao seu próprio modo patamares
elevados de desigualdade social e segregação espacial levando certos segmentos de
moradores urbanos a experiências políticas ligadas à organização dos trabalhadores; a
complexas estratégias de sobrevivência, assim como, a complicadas relações de
denúncia, negociação ou barganha com representantes do poder político local ou a
modalidades de ação política (como as organizações de bairros/moradores) que
possibilitavam a discussão dos problemas dos bairros, a distribuição dos recursos da
municipalidade, e ainda da própria política e a forma do poder municipal.
No Jornal do Povo de 19 de abril de 1958 estampa-se, na primeira página, a
manchete Doenças, lama e fome dominam os bairros da Capital: aspectos
desesperadores da crise de governo refletida nos subúrbios de São Luís. A aparição
de dimensões reais da vida urbana na imprensa local logo reverbera no âmbito da ação
estatal. O mesmo jornal, datado de 24 de abril de 1958, apresenta como manchete
Abandono da cidade agita a Câmara Municipal - vereadores criticam o prefeito
Macieira pela instituição do regimento estamos providenciando.

156 No Brasil, as décadas de 1940 e 1950 têm com um dos seus traços mais característicos a criação de grandes
instituições sociais federais, dentre elas a Legião Brasileira de Assistência – LBA. Tal instituição, criada no Maranhão no
ano de 1943, tinha como uma dos seus principais espaços de atuação os postos de puericultura, voltados principalmente
para a assistência à maternidade e a infância, instalados nos bairros da cidade, como João Paulo e Anil.
162

Nos interstícios das relações entre o poder local157 e a cidade, numa sociedade
onde as questões enfrentadas pelas classes trabalhadoras subalternas não se restringiam
ao âmbito da cidade, se (re) inventavam práticas de solidariedade, de contestação, de
resistência e/ou de ação política popular. Para as populações das áreas menos
aquinhoadas de equipamentos e serviços coletivos urbanos, as relações com líderes
políticos locais se afiguravam como um dos caminhos para lhes ter acesso. As
reivindicações (em meio a atividades promocionais, assistenciais, recreativas e esportivas,
religiosas e cívicas) se situavam em torno de melhorias urbanas básicas: abastecimento
de água, iluminação pública, extensão de linhas de ônibus, escolas, asfaltamento, postos
de saúde. Assim, no jornal O Imparcial de 26 de julho de 1962 lê-se a seguinte nota:

Estão sendo procedidos, no bairro de Fátima, os serviços de implantação


de água. Trata-se de alentada aspiração dos moradores, que agora vêem
concretizado seu justificado anseio. O Departamento de Águas e Esgotos
Sanitários, ao que apuramos, efetua referidos serviços em atendimento a
insistentes apelos que foram formulados ao seu diretor, Dr. Henrique Freitas
Diniz Neto, pelo Dr. João Henrique Belo Pereira, Chefe do Gabinete Civil do
Governador e pelo vereador Genival Marinho. A instalação da água
encanada no antigo Cavaco repercutiu da melhor maneira possível no seio
da sua população, que, em reconhecimento tem dado inequívoca prova de
seu apreço aos dois jovens homens públicos que, em boa hora,
conseguiram do DAES a indispensável autorização. A propósito, sabemos
que o Sr. Lourival Tavares, presidente da URBV está propenso a prestar sua
inestimável colaboração em favor das candidaturas do Dr. João Henrique a
Deputado Estadual e do Vereador Genival Marinho à reeleição.

Acontece que no processo de urbanização em curso, o incremento demográfico, as


estratégias empresariais e habitacionais, os negócios imobiliários, os interesses fundiários,
assim como, as ações políticas de frações de classes e do poder local, na disputa da
cidade, passavam a ter, progressivamente, papel decisivo nas formas de apropriação e
uso da terra urbana, no acesso aos pressupostos infra-estruturais da reprodução social,
como também nas expressões políticas e jurídicas do jogo de forças e interesses
presentes na vida urbana de São Luís.

157Na constituição e no exercício do poder local, como sugere Ramos (1997), agem os diversos grupos econômicos que
atuam no município, as diversas instituições (e as forças sociais e políticas ali representadas); as esferas de
concentração e expressão do poder estatal (executivo, legislativo e judiciário); as organizações da sociedade civil
(sindicatos, partidos, lutas urbanas, movimentos de moradores, etc.).
163

Nesse complexo e contraditório quadro citadino então desenhado, a questão


urbana, se manifestava, especialmente, nas condições de trabalho e transformações na
estrutura do emprego e pela falta ou precariedade da habitação, que se fazia acompanhar
da construção de uma infra-estrutura de água e esgoto distribuída de maneira sócio-
espacial desigual e assimétrica.
No Brasil, por volta do ano de 1950 já havia caído para 60% a população
concentrada no setor primário, com a significativa expansão do setor terciário, este já
ocupava 26% da PEA. O emprego industrial já chegava a 14%. (FARIA, 1983, p.146). A
revelia do crescimento do número de trabalhadores assalariados e da diversificação dos
empregos, os salários não respondiam às necessidades de reprodução dos trabalhadores
urbanos. Significativos deslocamentos populacionais de natureza intra-estadual (no
sentido campo-cidade) e das regiões consideradas atrasadas (principalmente do Nordeste
do Brasil para o Centro-Sul) concorriam para reforçar o ritmo acelerado da urbanização.
Este ultrapassava de modo significativo o ritmo da industrialização e contribuía para a
desarticulação de algumas economias regionais, inscrevendo fortes desequilíbrios
regionais e setoriais no território brasileiro.
Quanto à provisão de moradias não se pode perder de vista que, no Brasil, desde o
final dos anos 1940, já se encontrava em formação uma estrutura de provisão de moradia
composta por três segmentos: (1) a produção popular fundada na ocupação, no
loteamento periférico e ainda na autoconstrução de moradia; (2) a produção empresarial,
sob o regime de incorporação imobiliária; e (3) a produção estatal (direta ou indireta). Mas,
muito embora a questão da moradia popular começasse a integrar a agenda política da
administração estatal e dos movimentos sociais, isto não impedia a formação da cidade
ilegal e precária.
Após a desagregação do parque fabril têxtil, em que pese o importante
desempenho alcançado pela cidade de São Luís na produção e exportação de óleo e torta
de babaçu e as ações da Campanha da Produção (1948 -1958), a atrofia das atividades
industriais, expressão e conseqüência da redução das dinâmicas de produção e
circulação, e de produção e reprodução do capital, pode ser descortinada na configuração
da estrutura industrial citadina, explicitada no quadro Atividade industrial em São Luís
(1960 a 1970) -, a seguir.
164

Quadro 3 – Atividade industrial em São Luís (1960 a 1970)

Pessoal Unidades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Ocupado produtivas
1-4 143 15 2 18 1 1 7 9 26 55 2 7
5-9 62 2 5 18 2 2 6 4 12 9 1 1
10 - 19 35 1 1 4 - 5 5 - 8 5 - 6
20 - 49 22 3 - 2 1 5 2 1 2 2 - 4

50 - 99 5 - - - - - - 1 2 - 1 1
100 -249 2 - 1 - - 1 - - - - - -
250 - 499 1 1
500 - 999 1 1
Total 271 21 9 42 4 14 20 17 50 71 4 19
Fonte: Conjuntura Maranhense. SISPLAN/IPEI, 1977.
Gêneros e Grupos de Indústria: 1- Minerais não metálicos; 2- Metalurgia mecânica e material de
transportes; 3- Madeira e mobiliários; 4- Papel, borracha, couros, peles e similares; 5- óleos vegetais
brutos; 6- Produtos farmacêuticos e medicinais, perfumarias, sabões e velas, ceras e química; 7- Têxtil,
vestuário, calçado e artefatos de tecidos; 8-Produtos alimentares; 9- Bebidas; 10- Farinha de
mandioca, pão e produtos semelhantes; 11- Gráfica e diversos.

Nessa estrutura predominavam dois aspectos: a forte presença de pequenos


estabelecimentos industriais e a oposição entre indústrias de bens de consumo, unidades
produtivas industriais ligadas à exportação de matérias-primas e produtos alimentares.
Mas, no Brasil, a segunda metade da década de 1960 e a década de 1970 demarcam
o começo de outros experimentos industriais, que terão no estado do Maranhão exemplos
bastante ilustrativos. A diversificação industrial é não só tema central dessa conjuntura,
mas também clímax e ponto de convergência de significativas alterações nos modos de
trabalho e nos modos de apropriação e uso da terra no campo e nas cidades. Os
caminhos da busca dessa diversificação industrial no Maranhão podem ser considerados
como manifestações claras da irrupção do capitalismo monopolista158 iniciada na década
de 1960, mas somente adquirindo "caráter estrutural posteriormente à 'revolução' de 1964"
(FERNANDES, 1976). A efetividade dessa fase acrescentará traços históricos indeléveis
aos processos de urbanização das cidades do Brasil, a exemplo de São Luís.

158 Fase que se caracteriza pela reorganização do mercado e do sistema da produção através das operações comerciais,
financeiras e industriais da 'grande corporação' (estrangeira, estatal ou mista). Consultar a respeito, dentre outros,
Fernandes (1976) e Netto (1992).
165

2.2 A cidade sob a fase de irrupção do capitalismo monopolista:


disputas da terra urbana, gestão da cidade e segregação sócio-espacial

Entre os anos de 1960 e 1980, cidades do Maranhão, a exemplo de Santa Inês,


Imperatriz e São Luís, tiveram sua população quase duplicada (de 158.229 habitantes no
ano de 1960, a população da cidade de São Luís passa a ser, no ano de 1970, de 270.651
moradores, no ano de 1980 a população já é formada por 460.329 habitantes 159)
fenômenos certamente correlacionados às políticas de modernização da base econômica
do estado, com uma inflexão nas relações capitalistas de produção. Parece ser possível
compreender este ponto de inflexão, a partir das expressões de dois processos
econômico-políticos, com graves repercussões nos usos e disputas territoriais no campo e
nas cidades do Maranhão, especialmente, em São Luís.
O primeiro processo diz respeito às questões que emergiram em face da entrada
das relações capitalistas de produção e mercado no campo maranhense. Já no final dos
anos de 1960, iniciativas governamentais se voltaram, para a denominada ocupação
racional e ordenada de terras, mediante a venda de terras e a implantação de projetos
agropecuários envolvendo grandes e médias empresas rurais. Do ponto de vista de certos
segmentos estatais e empresariais, tal ocupação pretendia harmonizar o crescimento
econômico, pelo esvaziamento das tensões entre os grupos sociais presentes no campo.
A abertura de fronteiras agrícolas do Maranhão (GTDN, 1959) e a Lei n. 2978/69
(Regulamentada pelo Decreto nº 4.028, de 28 de novembro de 1969) aparecem como
pedras de toque das propostas de modernização do campo e das novas ações fundiárias,
incluindo-se aí venda das terras devolutas, que serviram de base à reestruturação do
mercado formal de terras no Maranhão. Facilitava-se o acesso a terra pelos grandes
grupos empresariais ligados a agro-indústria e a pecuária (grupos organizados em
sociedades anônimas), ampliando-se a apropriação privada dos elementos da natureza
(terra e água) e o início da grilagem no Maranhão. Ainda mais: além do plano de ocupação
racional das terras disponíveis ter sido dirigido para favorecer o grande e médio capital ele
se assentava numa dada premissa, a absolutização de um vazio inexistente.

159Fonte: Séries Censitárias, IBGE. Gistelink (1988, p. 33) é categórico ao afirmar: “[...] no período 80/85, ou seja, em
cinco anos, quando se iniciaram as obras da implantação da CVRD e ALUMAR, a população da capital, cresceu 85,5%”.
166

É fato que essas terras, embora do ponto de vista legal e cartorial pertencessem à
União, não se encontravam desabitadas, isentas de aproveitamento econômico e valor de
uso. Tinha sobre essas terras culturas de subsistência (cultivo do milho, arroz, feijão,
mandioca e quebra do coco babaçu, dentre outras) efetivadas por unidades de produção
camponesas que haviam encontrado, herdado ou formado um território agrícola para si. O
governo estadual intervindo diretamente na recomposição dos territórios e dos sistemas
produtivos locais e dispondo dessas áreas para a implantação de projetos agropecuários
ou para a especulação fundiária, mediante uma espécie de enquadramento territorial da
ação estatal, incorreu em duas ações predatórias: (1) nas áreas para onde se deslocava à
fronteira agrícola limitavam a expansão de formas seculares de ocupação espontânea; (2)
nas áreas já ocupadas, ameaçavam a condição camponesa favorecendo a expropriação, a
desterritorialização e a luta pela terra.
As políticas de modernização do campo, aliadas aos processos históricos passados,
trouxeram à tona disputas vinculadas ao uso, à propriedade e ao domínio da terra: - terra
de negócio x terra de trabalho; ocupação real x propriedade legal. Reinventavam-se
formas de subjugação do camponês e reiterava-se, através da avidez pela terra que o
contrato de propriedade tenta regular, a expulsão dos trabalhadores do campo.
O aumento da migração entre regiões e do campo para a cidade exprimia o caráter
expropriador da expansão do capital e afirmava-se como uma das estratégias de
sobrevivência de homens e mulheres que vivem de trabalhar a terra. Assim, trabalhadores
expulsos do campo maranhense iniciaram movimentos migratórios em direção a várias
regiões do país. A migração para São Luís contribuiu para a expansão demográfica da
cidade, sem que a ampliação das condições gerais da produção e do trabalho urbano
permitisse absorver a força de trabalho que as chamadas políticas de modernização do
campo passavam a lhe encaminhar.
O segundo processo diz respeito à implantação, a partir de 1970, igualmente a
diversos centros do país, de grandes projetos industriais ou grandes complexos mínero-
metalúrgicos articulados à programação do capital monopolista e realizados mediante á
forte e decisiva intervenção da ação estatal no território. Esse novo ciclo ao estabelecer
relações com a vida urbana de várias cidades do Maranhão determinou alterações na
escala e na natureza da segregação sócio-espacial urbana até então vigente.
167

Como é sabido, no capitalismo monopolista, funções de regulação passam a


exercer-se, de modo significativo, no âmbito do Estado. Na sociedade do capital, vale
lembrar, o Estado, sob múltiplas formas, nunca esteve eximido de assistir e financiar a
acumulação. A necessidade de sua intervenção é um traço constitutivo do capitalismo, um
pré-requisito do seu modus operandi. No capitalismo concorrencial, ele o fazia do
"exterior", suplementar, pontual e residualmente, premido por reivindicações de grupos
específicos. A auto-regulação do capital engendrava pela utilização de mecanismos
estritamente econômicos a recuperação das crises. Mas, ao ascender à condição de
instância fundamental da sociedade, absorvendo, estrategicamente, o sujeito antagônico,
o Estado amplia as estratégias de consolidação e defesa dos interesses do capital.
No marco dessas determinações gerais, o Estado, em certas conjunturas históricas,
como as que se efetivaram na sociedade brasileira e maranhense, envolver-se-á
diretamente na concretização de grandes programas de investimentos. Se a economia não
pode expandir-se, a ação estatal precisa interferir no seu curso, acelerando-o, mudando a
sua escala, dando-lhe instrumentos de grande poder de difusão. “Sempre com o apoio
direto do Estado e a tolerância, quando não a associação, de interesses privados
nacionais” (TEIXEIRA,1994,p.146) produzem-se torrentes de empreendimentos
econômicos e de legislação econômica e social, nomeadas de planos governamentais
para o desenvolvimento, para a expansão econômica, para o progresso.
Com isso, o Estado fica suscetível, ainda mais, de controlar, em parte, a formação
dos efeitos úteis da aglomeração capitalista (LOJKINE, 1981; TOPALOV, 1984), e ainda, a
formação de empregos, rendas e privilégios. Afinal, como já indicado ao longo desta
exposição, o Estado dispõe dos instrumentos necessários (principalmente econômico-
financeiros) à instalação das condições gerais da produção capitalista: infra-estruturas,
meios de comunicação e transporte, equipamentos e serviços coletivos urbanos.
A instância estatal tem ainda a prerrogativa no estabelecimento de leis, tornando a
terra disponível, seja concedendo-as (sob diferentes modalidades, inclusive de
aforamento), no caso delas se constituírem em bens públicos, ou ainda estabelecendo
parâmetros para a sua troca, aluguel ou arrendamento, processos esses requeridos à
metamorfose de seu uso, visando à implantação de indústrias, unidades comerciais,
bancárias ou de serviços.
168

No Brasil, entre 1955 e 1964, realizaram-se significativas transformações na


estrutura produtiva do país e na sua estrutura de classes, sem que isso implicasse em
fortes alterações no arcabouço institucional herdado do Estado Novo ou em ativo (re)
ordenamento territorial e regional. Mas, a partir de 1964 e por toda a década de 1970, se
configuraram, sob a vigência da ditadura militar, formas institucionais fundamentais do
consumo de massa, instalação da base técnica e econômica de processos modernos de
comunicação e reorganização institucional das comunicações, realização de projetos
setoriais de forte envergadura e a implantação de uma ampla rede de infra-estrutura de
apoio a tais projetos. Tendo como ponto de arranque a necessidade de modernização
capitalista alteravam-se a direção e a natureza do fluxo das mercadorias, dos movimentos
populacionais (migração) e as formas espaciais, territoriais e urbanas pré-existentes.
Trata-se aqui do Estado fundamento e suporte do Brasil Grande Potência, com sua
estratégia de integração nacional e seus projetos de grande escala (complexos de
beneficiamento de recursos minerais e energéticos, refinarias de petróleo, grandes
hidrelétricas, industriais petroquímicas, etc.). Tais projetos constituindo-se em pólos de
cadeias produtivas mobilizam e articulam (nem sempre ao mesmo tempo) capital, força de
trabalho, recursos ambientais e naturais, energia e território sendo assim convergentes à
criação de verdadeiros enclaves nos espaços nos quais se instalam160.
É no horizonte desses determinantes que, no Maranhão, através da SUDEMA161, do
BDM e sua política de fomento e financiamento industrial, da infra-estrutura industrial e
portuária do Distrito Industrial do Itaqui e da implantação do PGC, se pode descortinar o
papel ativo do Estado elaborando planos de desenvolvimento e criando órgãos

160 A este propósito Vainer (1989, p. 7) argumenta: “Eles (os enclaves) são implantados na região, não nascem de seu
processo de desenvolvimento, não expressam as forças – sociais, políticas e econômicas – endógenas. Nesse sentido,
têm-se visto estes empreendimentos como portadores de uma oposição quase irredutível: de um lado, a
extraterritorialidade dos processos de acumulação e decisão de que são parte; de outro lado, a territorialidade
localizadora que os ancora num espaço determinado”.
161 Oficialmente, a questão do desenvolvimento regional do Maranhão aparece na criação da SUDEMA, organismo de

planejamento criado em torno do I Programa de Governo do Estado do Maranhão (1966-1970). Em 1966, o governador
José Sarney, assim discursava: “Este plano de governo, confiado à elaboração de técnicos maranhenses de elevado
gabarito visa à condição da infra-estrutura realizar investimentos sociais que possibilitem ao Maranhão a grande
arrancada de desenvolvimento que resumiremos nos seguintes itens: Reforma Administrativa, visando à moralização e a
eficiência da máquina do governo; Energia e Transportes, Educação e Saúde, Fomento Agropecuário e Industrialização".
(SARNEY, 1970, p.16-17).
169

especializados para ordenar os usos do território urbano visando investimentos em infra-


estruturas e equipamentos de circulação e integração produtiva.
Em 1980, numa área espacial abrangendo o leste e o sul do estado do Pará, o
oeste do Maranhão e o norte de Tocantins - território no qual, há mais de cinco anos,
migrantes da região nordeste e do Maranhão se deslocavam, em busca de terra, trabalho
e melhores condições de vida - o chamado Programa Grande Carajás162 foi implantando.
O depoimento do senador José Sarney sobre a decisão que outorgou a AMZA a
construção da ferrovia Carajás-Itaqui (apoiada em estudos dos diferenciais do porto de
Itaqui, entre eles a possibilidade de criação de um sistema de transportes conjugando
estradas, hidrovias e ferrovias), publicado no Jornal O Estado do Maranhão de 16 de maio
de 1976, é bastante elucidativo. Diz o senador:

A eleição do porto de Itaqui como terminal de exportação do minério de ferro


de Carajás e a construção da ferrovia entre a Serra e São Luís, evidencia a
qualidade de estadista do Presidente Ernesto Geisel ao manter a decisão de
criar nesta região um grande pólo de desenvolvimento e sobrepor os
interesses do país traduzidos na opção técnica, ao particularismo das
polêmicas estaduais que foram tentadas. Devemos orgulhar-nos de que os
destinos do País estejam confiados a mãos tão seguras [...]. Agora o
desenvolvimento do Maranhão ganha nova perspectiva, que há de
consolidar-se com a implantação da siderúrgica junto ao porto de Itaqui. E
sinto-me feliz de ter tido, quando Governador do Maranhão, a percepção da
importância decisiva desse grande ancoradouro para o progresso da nossa
terra e de ter batalhado diuturnamente para assegurar sua construção.

162 O Programa Grande Carajás – PGC foi oficializado em 1980 pelos Decretos-Lei n. 1813 de 24 de novembro e n. 1885
de 22 de dezembro e extinto em março de 1990 mediante a reforma administrativa realizada no Governo Collor. Tinha
como objetivo primordial articular as ações do poder público, voltadas para investimentos em infra-estrutura e indução de
desenvolvimento, mediante a implantação de um novo pólo de desenvolvimento industrial, numa área de 895 mil km2
situada na região Norte do Brasil. Para tanto, foi criado um Conselho Interministerial composto por 11 ministros e os
governadores dos três estados (Maranhão, Pará e Tocantins) envolvidos e presidido pelo ministro-chefe da Secretaria de
Planejamento e Coordenação da Presidência da República. Dispunha de uma Secretaria Executiva e de escritórios
regionais de apoio. No âmbito do PGC, o Projeto Ferro Carajás, sob a responsabilidade da CVRD, voltava-se para
exportação do minério de ferro, extraído da Serra de Carajás, no estado do Pará, transportado pela Ferrovia Carajás, até
o Porto da Madeira, em São Luís, escoados aí por via marítima. A CVRD controla, também, duas reservas florestais, no
Pará e no Maranhão, e o corredor de 40 metros de largura e 890 km de extensão da ferrovia. A Alumar (á época o maoir
investimento privado e multinacional do Brasil) é um consórcio formado pela Alcoa (Aluminium Company of América) e
pela Billington Metais (subsidiária da Shell Brasil, holandesa) de industrialização do alumínio e da alumina, também para
exportação, com fábrica instalada na Ilha de São Luís. No ano de 1985, a empresa estatal Eletronorte inundou 2.430
Km2 para formar o reservatório da usina da Hidrelétrica de Tucuruí. Cerca de 4.300 famílias tiveram suas terras
desapropriadas para dar lugar às águas do reservatório. A energia produzida por Tucuruí abastece Carajás, Belém, São
Luís e outras cidades da região Nordeste. Uma parte considerável da sua energia é vendida a preço subsidiado às
multinacionais do PGC. A Albrás e a Alunorte são consórcios formados inicialmente pela Valenorte Alumínio (subsidiária
da CVRD) e pela Nippon Amazon Aluminium (os sócios japoneses se retiraram do projeto em fevereiro de 1897) para a
produção de alumínio primário na cidade de Barcarena no Pará.
170

Figura 15
Programa Grande Carajás: território de abrangência
Fonte não identificada

Na concretização do PGC, incluindo, a época, o Projeto Ferro Carajás, o Projeto


Alumar a Hidrelétrica de Tucuruí, a Albrás, a Alunorte e o Parque Siderúrgico, o esforço do
Estado brasileiro, nos âmbitos federal e estadual, ao desencadeamento do processo foi
inequívoco e decisivo. Tratava-se de criar uma espécie de atmosfera industrial a partir da
valorização do território, favorecendo as articulações e fornecendo os meios e
instrumentos necessários.
171

Na implantação de programas de desenvolvimento, a exemplo do PGC, percebe-se


a desconsideração de questões como a limitação da cadeia produtiva gerada nesses
programas, na medida em que se trata, sobremaneira, de exportação de matéria prima: - a
cadeia produtiva não completa seu ciclo, o produto não agrega valor, a geração de
empregos é baixa, a arrecadação fiscal é limitada e a demanda por desenvolvimento
tecnológico e trabalhadores qualificados para o trabalho industrial não se amplia. Isto se
efetivou e se efetiva a despeito das iniciativas governamentais no sentido de alargar a
base de unidades industriais no estado do Maranhão163, principalmente em São Luís.
Mas, se se procura a originalidade dos movimentos e expressões do
desenvolvimento do capital através da implantação de grandes programas de
desenvolvimento, a exemplo do PGC, será necessário também perguntar para além das
transformações processadas nas relações capital/trabalho, no poder do Estado, mediador
desta relação, na divisão internacional do trabalho que então se consolida sobre os novos
e abundantes investimentos públicos na renovação produtiva e espacial das cidades.
Retomo aqui, a fecunda hipótese desenvolvida por Lojkine (1981) quando apreende a
intervenção estatal no urbano como a forma mais desenvolvida da resposta capitalista à
necessidade de socialização das forças produtivas.
Na realidade, contribuir para formar espaços, abandoná-los ou para eles voltar
promovendo territorializações, desterritorializações e/ou reterritorializações de populações,
capitais, atividades produtivas, infra-estruturas e equipamentos coletivos é um dos
objetivos da intervenção do Estado nos modos de apropriação e usos do solo urbano. Nas
cidades, às vezes, pouco a pouco, outras vezes, aceleradamente, o solo é posto em obra.
Nele criam-se e recriam-se espaços que dão suporte e continuidade à história da
apropriação, usos e disputas da terra urbana. Afinal, as práticas espaciais adotadas ao
longo dos processos de urbanização, no sentido rigoroso do termo, são expressões
particulares dos padrões societários, instaurados nos diferentes estágios de
desenvolvimento da vida social.

163 Respondendo por 14,7% do PIB estadual, estimado em R$ 10,293 bilhões (Fonte: IBGE – 2001), o setor industrial,
desde a implantação do PGC, de fato, vem sendo alvo de uma série de iniciativas governamentais no sentido de
aumentar a participação da indústria no PIB. A vigência, a quase 10 anos, do SINCOEX e sua política de incentivos à
instalação de indústrias no Maranhão; bem como as projetadas obras de ampliação (construção de novos berços
destinados à movimentação de carga siderúrgica e de combustível) do Porto de Itaqui (recém estadualizado) podem
servir como indicativos dos esforços do governo estadual na atração de investimentos industriais.
172

Assim, na era monopolista, o aumento geral da riqueza, das forças produtivas e o


crescimento demográfico se comprimem e se adensam nos marcos de transformações
irreversíveis - econômicas, sociais, culturais, ambientais, espaciais, urbanas -, processos
inexoráveis, assimétricos e perturbadores, principalmente nos países em desenvolvimento
como o Brasil.
Nas transformações do uso da terra urbana, prioridades podem ser conferidas a
instalação das condições gerais da produção e de reprodução ampliada do capital:
rodovias, túneis, viadutos, portos, aeroportos, estações, linhas de metrô e de trens são
construídos nos espaços urbanos ou a eles articulados. Fortes subsídios estatais são
direcionados a esses investimentos. Em algumas circunstâncias históricas (como no
Brasil), prioridades podem ser dadas à construção de moradias urbanas, tornando-se o
Estado um pressuposto necessário da configuração e dinâmica do setor construtivo
habitacional. Autarquias estatais são criadas para planejar e executar os investimentos e o
sistema de crédito, com uma rede de conexões com empreendedores privados.
Desenha-se então a formação do complexo financeiro-imobiliário. Este complexo
não funciona estritamente segundo as leis do mercado, pois se trata de um sistema
fundado em arranjos formalizados, envolvendo uma variedade de instâncias públicas e
privadas, e de categorias profissionais, que passam a regular as relações de troca no seu
interior, bem como as suas interações com outros setores da economia. (LAGO e
CORRÊA, 1996).
Os usos da terra urbana em função puramente do valor de troca estão em
permanente conflito com o desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade. Uma série de políticas e ações estatais, em resposta a lutas sociais pela
criação de novos direitos, então se configura no sentido de tentar fazer prevalecer às
funções sociais da cidade e da propriedade, assim como o direito à habitação. Esta um
bem que carrega valor de uso essencial, mas que, contraditoriamente se constitui e
persiste como um bem inatingível para expressivas parcelas da população urbana
brasileira. Assim, o desenvolvimento da ação pública (federal, estadual e municipal) na
área da moradia popular guarda estreitas relações com os modos desiguais de acesso à
habitação e os processos de segregação sócio-espacial urbana.
173

No Brasil, e também no Maranhão, o momento da ebulição maior da política


habitacional164 como proposta urbana mais abrangente e da intensa presença estatal na
provisão de moradia remete a meados da década de 1970. Essa política se fez
acompanhar de investimentos em infraestrutura urbana e saneamento, no início, sistemas
de abastecimento de água e esgotos. Temas como urbanização, sistemas ferroviários de
transporte de passageiros, planejamento urbano e habitação popular, denotando um
aumento vigoroso da intervenção do Estado nas cidades, representavam algumas das
áreas estratégicas da política de desenvolvimento urbano do governo federal. Nesse
âmbito insinuava-se a prioridade à habitação popular, sob a promoção das Companhias de
Habitação, envolvendo estados e municípios.
A crise dessa política habitacional, que se consideramos o número de habitações
produzidas apresenta resultados bastante expressivos (4,5 milhões de moradias,
correspondendo aproximadamente a 22% de o incremento domiciliar do país, sendo
48,8% destinadas aos setores médios e 33,5% aos setores populares), se definiu a partir
de 1983. Através da ação de agentes econômicos articulados ao Estado e de novas
formas de relação interpostas, entre os homens e seus direitos à moradia e a cidade, as
bases de uma significativa intervenção estatal nos processos de constituição do urbano se
configuraram em grande parte das cidades brasileiras, dentre elas São Luís.

164 No Brasil, entre 1930 e 1964, a ação estatal relativa à política de habitação efetivou-se através dos Institutos de
Aposentadoria e Pensão (IAPs) e a Fundação Casa Popular (FCP). Com a Ditadura Militar e a entrada plena do Brasil na
era monopolista, foi criado (Lei n. 4.380 de 21 de agosto de 1964) todo um sistema voltado especificamente para essa
função: o BNH e as Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), dentre outros. Desde a sua criação, em 1964, o BNH - Banco Nacional da Habitação - sempre
teve o papel de incentivo à atividade na indústria da construção civil. A essa indústria foram destinados créditos
abundantes. Em meados da década de 70, esse banco, de modalidade tão especial, consolidou a direção de uma
política; em outros termos, o ramo da construção pesada se afirmava frente ao de edificações, a partir de recursos em
obras urbanas e pólos econômicos. Em 1976, 34% das aplicações do BHN foram dirigidas ao saneamento, transportes,
urbanização, equipamentos comunitários, fundos regionais de desenvolvimento urbano e pólos econômicos. O
saneamento básico foi à porta pela qual o BNH começou a aplicar no desenvolvimento urbano; o que já se propunha
pela lei de sua criação. Em 1971, foi criado o Plano Nacional de Saneamento -PLANASA -, e já em 1969, o BNH é
autorizado a aplicar recursos do FGTS nos sistemas de abastecimento de água e esgotos. Em 1973 é criado o programa
denominado Fundos Regionais de Desenvolvimento Urbano. Em 1974 são criados o Financiamento para Urbanização
(FIMURB). O Financiamento para Sistemas Ferroviários de Transporte Urbano de Passageiros (FETREN) e o
Financiamento para o Planejamento Urbano (FIPLAN). Em 1975 é criado o Apoio ao Desenvolvimento de Pólos
Econômicos (PRODEPO). Em 1973, é instituído o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) que reafirma a
prioridade da habitação popular, sob a promoção das Companhias de Habitação. O mercado médio se destaca como
clientela preferencial do BNH, entre 1970-74, por ser este mercado atraente pelos juros mais altos que rendem ao banco,
de até 10% ao ano, enquanto que o mercado popular, além de elevado nível de inadimplência apresentado até então, só
rendia juros de 1 a 3% ao ano. Os investimentos em obras urbanas, racionalizando e centralizando o controle da
produção, ao mesmo tempo, retirando-lhe o caráter de serviços públicos subsidiados e localizados, é componente da
eficiência relativa e dos termos da produção dos grandes conjuntos habitacionais. A crise da grandiloqüência dessa
política se define a partir de 1983. Em novembro de 1986, é extinto o BNH. Consultar a respeito, dentre outros, RIBEIRO
& AZEVEDO (org.) (1966), SILVA (1989) e VILLAÇA (1986).
174

A meu ver, na demarcação desses processos há de se fazer referência ao projeto


Maranhão Novo, mais precisamente aos governos de José Sarney (1966/1970) e de Pedro
Neiva de Santana (1971-1974). O primeiro, saudado pela historiografia oficial como aquele
que rompe com o Maranhão oligárquico, procura lançar uma espécie de ponte na direção
do passado glorioso que supostamente teria tido esse estado. Pondo em ação uma
estratégia que reforça as idéias de crise, decadência e de reversão histórica, os discursos
do então governador José Sarney, conjugando passado e futuro; retórica e teatralidade,
são marcados por exaustivas alusões: ao Maranhão dos franceses, dos holandeses, dos
portugueses; ao Maranhão de Padre Antônio Vieira, ao Velho Maranhão: província maior
de prosperidade econômica165.
A despeito da manipulação política e simbólica peculiar ao projeto Maranhão Novo,
projeto político que originou uma das expressões de poder político mais duradouro do
Brasil, é nos marcos dos governos indicados que um inédito conjunto de discursos e
projetos voltados para a modernização do complexo urbano-portuário de São Luís, contém
e aponta claras correlações entre o estágio de desenvolvimento do capital e os desafios
para o planejamento e efetivação das transformações urbanas necessárias166 de um
quadro citadino descrito em 1961, pelo governo estadual nos seguintes termos:

A cidade de São Luís, na quase totalidade da sua orla marítima, requer


obras de saneamento. A precariedade das condições de drenagem,
associada à extraordinária amplitude das variações das marés, torna
extremamente insalubres largas áreas da Ilha. Dada a localização da cidade
entre os Rios Anil e Bacanga, este último na verdade um braço de mar;
foram construídas habitações, algumas palafitas, nos extremos alagados
desses rios, nos quais vive significativa parte da população pobre da cidade.

Se efetivamente se delinearam novos modos estatais de provisão de moradias, por


outro lado, o incremento das ocupações e a autoconstrução de moradias denotavam a
permanência da reiterada crise nas condições infra-estruturais da cidade, funcionando
como um entrave à plena instauração dos interesses produtivos e políticos então
presentes no processo sócio-econômico do estado do Maranhão.

165 Ver sobre o assunto GONÇALVES (2000).


166 Importante frisar que, a despeito das crises políticas no governo municipal, a exemplo daquelas que
marcaram a administração do Prefeito Epitácio Afonso Pereira Cafeteira (1965-1969), as mudanças observadas em
torno da infra-estrutura da cidade transcendiam formas de intervenção anteriores .
175

Tal permanência aparece claramente explicitada no levantamento realizado pelo


governo estadual em abril de 1969, o qual dá conta da proliferação das palafitas,
registrando a existência de 7.000 habitações dessa natureza. (MARANHÃO, Plano de
Governo, 1971-1974, p.73).
Mas, quero enfatizar que em São Luís, entre finais dos anos 1960 e 1990, novas e
diversas processualidades com marcas no espaço citadino e fortes incidências na vida
urbana se configuraram. Dentre elas se sobressaem: (1) a edificação de pontes, aterros,
barragens e terminais ferroviários e marítimos, (2) a saturação da ocupação das áreas
alagadiças mediante o recurso construtivo de palafitas e ocupação de áreas de terra
firme167, (3) as iniciativas voltadas para desapropriação de áreas e transferência de
populações, (4) a construção de grandes conjuntos habitacionais com o financiamento do
SFH/BNH/COHAB, (5) a retenção de glebas para fins especulativos, e (5) as lutas sociais
por terra para morar.
Se, nessa conjuntura, se reconhece o deslocamento dos cenários em que se
efetivavam as configurações sócio-espaciais da cidade de São Luís, estamos prontos para
compreender certas características das disputas territoriais que irromperam na vida
citadina como produtos históricos contingentes das relações entre instalação de condições
gerais da produção, valorização fundiária, lutas por moradia, produção mercantil de
habitações e políticas públicas urbanas. Determinantes que incidiram sobre a estruturação
territorial e sobre a segregação sócio-espacial urbana.
Aqui, mais uma vez, cabe lembrar certos aspectos do particular confronto entre o
capital e o monopólio da propriedade fundiária. Topalov (1984) o apreende, admitindo que,
o capital, agente principal da transformação do uso do solo - suporte dos
empreendimentos capitalistas - obstaculizado no seu intento pelo proprietário fundiário
precisa ultrapassar a barreira da propriedade privada da terra, constituída ainda sob outra
lógica produtiva, para submetê-la a seu objetivo - a reprodução do capital. A propriedade
fundiária, ao resistir ao uso capitalista, tem como resultado um conjunto de lutas, tensões e
conflitos, que se convencionou chamar de questão fundiária.

167 “Primeiramente, dá-se um processo de saturação dos mangues, seguido da busca de terras firmes da Ilha, sendo
que, com a valorização das terras ocupadas, se intensifica um processo de grilagem ao nível do urbano de São Luís que
é favorecido igualmente pela indefinição legal das terras” (SILVA, 1989, p.9).
176

Daí decorre a renda da terra, correntemente explicada pela lei de oferta e procura
ou pela especulação imobiliária. O preço da terra é fixado através de uma relação social
entre seu proprietário – não capitalista – e o capitalista que dela precisa para valorizar o
seu capital através de um empreendimento.
É travada uma luta na fixação dessa renda, que significa uma antecipação da
distribuição da mais valia que será extraída no empreendimento projetado para aquela
área. Para ser liberada, a terra, autônoma ao capital, precisa da intermediação de
estratégias que se colocando, aparentemente, acima dos interesses em disputa, remova o
obstáculo para o empreendimento capitalista.
Como argumentam Lefebvre (1974), Lojkine (1981) e Topalov (1984) o uso do solo
para a urbanização capitalista não encerra limites intransponíveis. Os obstáculos postos
pelas pequenas parcelas de terra, de propriedade de diferentes frações de classes, não
capitalistas, são removidos no mercado de terras e/ou pela utilização de instrumentos
político-jurídicos de ordenação territorial definidos no âmbito da ação estatal.
Em conseqüência, é no marco das relações entre as transformações no uso do solo
e certos processos produtivos e políticos que a antiga oposição entre o capitalista e o
proprietário fundiário é transformada na urbanização, conforme a iluminadora observação
de Lojkine (1981). Este autor observa que o estágio monopolista é marcado pela fusão do
capital financeiro com a renda fundiária. Tal fusão longe de suprimir a contradição entre
capital e a renda fundiária pode desenvolvê-la, integrando-a a contradição geral que opõe
as tendências parasitárias e especulativas do capital à sua tendência a aumentar a taxa de
mais-valia pelo aumento da produção168.
Hoje, o capital financeiro ou associado ao industrial monopoliza também a
propriedade de grandes extensões de terras urbanas. Dá-se que, de acordo com o que
venho procurando realçar ao longo desta argumentação, no atual estágio de
desenvolvimento do capital a maior parte do obstáculo para que a terra (o solo urbano)
possa se metamorfosear e ser produtiva ao capital, já foi removido.

168Segundo Lojkine (1997, p.88), isto resultou da "[...] passagem que se efetua progressivamente de uma renda fundiária
urbana, fragmentada por uma multidão de pequenas incorporadoras independentes para a renda monopolizada pelos
grandes grupos financeiros internacionais que dominam o mercado fundiário e imobiliário".
177

A articulação entre o mercado imobiliário e a ação estatal torna-se então uma


combinação de estrutura e ação (relações sociais de poder), que adquire complexidade
ascendente, incluindo: - dinâmicas territoriais e imobiliárias; agentes imobiliários, bancos,
investidores, especuladores, empreendedores, escritórios de arquitetura, empresas de
engenharia, agências de financiamento estatais e privadas, assim como, consumidores.
Tem-se aumentada à renda da terra urbana: uma relação que se estabelece entre o capital
e a propriedade fundiária, na qual sucessivas aplicações de capital público, privado e
simbólico169 elevam a renda e, portanto, seu preço. Nas dinâmicas de urbanização e
imobiliária, as relações quase viscerais entre lógica econômica e lógica política podem ser
delineadas nos seguintes termos:

A política pública cria o mercado, assim como o mercado modifica a política


pública numa relação dialética. Não se poderia pensar a formação do
mercado imobiliário desvinculada de uma forte intervenção estatal, como
também não podemos conceber a política desassociada dos
constrangimentos da racionalidade do mercado. (RIBEIRO & AZEVEDO,
1966, p.23-24).

Dessa maneira, um inédito conjunto de produtos fundiários e imobiliários, ao se


constituírem, manifestam as transformações nos usos do solo urbano, trazendo no seu
interior os novos lances da relação entre interesses capitalistas, interesses estatais e
interesses de natureza fundiária e imobiliária; entre ‘valor de troca’ e ‘valor de uso’.
A partir dos finais dos anos 1960, o aumento da aglomeração da força de trabalho
na cidade, a valorização fundiária e lutas por moradia e equipamentos e serviços coletivos
urbanos indicavam, numa nova escala de complexidade, a formação da questão urbana e,
no seu âmbito, da questão da moradia em São Luís. A dinâmica sócio-espacial da cidade
já permitia antever que a provisão da moradia estava a girar em volta de diversas
possibilidades: as relacionadas à incorporação imobiliária (construção realizada pelo setor
privado de modo integral); as relativas à incorporação pública, através das Companhias
Habitacionais; as atinentes à incorporação semipública, através das Cooperativas
Habitacionais, e as ligadas à autoconstrução com recursos próprios.

169Não se pode perder de vista que não se consome apenas a moradia e os serviços urbanos aos quais se tem acesso
pela sua inserção na cidade, mas também se utilizam os símbolos sociais que sustentam estilos de vida singulares. Cf.
a respeito, dentre outros, Harvey (1992).
178

Três iniciativas estatais no controle dos usos da terra e/ou da provisão de moradias
sobressaem-se no início dessa conjuntura histórica: (1) a criação da COHAB-MA (1966),
(2) o Programa de Despalafitação de São Luís (1971), primeira grande ação estatal
(Governo Federal e Prefeitura Municipal de São Luís) no sentido da erradicação das
palafitas e (3) a criação da Sociedade de Melhoramentos e Urbanismo da Capital S. A., a
SURCAP. Tudo isso representando ou articulando-se a investimentos em condições
gerais de produção inscreveram novos efeitos úteis no território.
Ao se apropriar desses efeitos, o capital e seu Estado hierarquizavam, parcelavam e
vendiam terras urbanas, redesenhando antigos ou criando novos espaços que
aumentaram a complexidade dos usos do espaço, das disputas territoriais e da questão
urbana em São Luís. Como parte e, ao mesmo passo, sob o impacto de movimentos
econômicos, políticos e sócio-espaciais e urbanísticos mais amplos, foram construídas
infra-estruturas urbanas que também denotavam o controle do Estado na produção do
espaço citadino, orientando a direção do crescimento urbano e atraindo para certas áreas
novas modalidades de uso; processos de valorização fundiária e promotores imobiliários.
A construção de uma ponte transpondo o rio Anil - que recebeu o nome oficial de
Ponte José Sarney - se tornou rapidamente símbolo dos novos investimentos
governamentais na estruturação e expansão do espaço urbano. A ligação da antiga área
central ao São Francisco (até então considerada área rural) contribuiu na redefinição
territorial da cidade através do deslocamento de residências e atividades mercantis
(comércios e serviços). Tal ligação favoreceu também maior acesso e a ocupação de
áreas praianas: Ponta da Areia, São Marcos, Calhau, Caolho são faixas de terras perto do
mar incluídas entre os bens Imóveis da União170, que passaram a se configurar como tipos
de espaços, sobre o quais incidiriam as ações de um mercado imobiliário de residências
crescentemente valorizado171.

170 A cidade de São Luís ainda hoje, por meio de grande parte dos seus moradores, paga cobrança da taxa de ocupação
(foro) das terras da ilha à Secretaria de Patrimônio da União.
171 Villaça (2001, p. 137), referenciado nos estudos de Homer Hoyt, destaca que as áreas residenciais das camadas de

alta renda apresentam, dentre outras, quatro tendências gerais: (1) progredir em direção a terrenos altos, livres de
riscos de inundações e a se espalhar ao longo das bordas dos lagos, baías, rios ou oceanos, nos locais onde tais
bordas não são ocupadas por indústrias; (2) crescer em direção às áreas que apresentam uma região rural livre e
aberta, afastando-se dos becos sem saída bloqueados por barreiras naturais ou artificiais; (3) permanecer numa mesma
direção, por um longo período de tempo; (4) promotores imobiliários podem desviar a direção de crescimento das áreas
residenciais de alta renda.
179

Em 1972, transformando os limites da cidade que se iniciou nas bordas do mar, a


construção de um anel viário no entorno do Centro Histórico, facilmente congestionável em
ruas projetadas para carruagens e seges, permitiu a viabilização do aumento do fluxo de
transportes automotivos nas proximidades. Unindo-se ao antigo Cais da Sagração,
convertia-se numa estrutura viária às margens do Rio Bacanga, voltada para aperfeiçoar o
domínio ou controle do tempo empregado nos deslocamentos espaciais de mercadorias,
trabalhadores e consumidores. O continuado e progressivo avanço dos meios e vias de
transporte exerceria, ao longo do tempo, forte impacto na configuração do padrão de
segregação sócio-espacial “centro / periferia - suburbana172”.
A construção da Barragem do Bacanga, outra obra que pode ser representativa da
estratégia do Estado brasileiro de procurar articular a localização industrial com o sistema
viário regional e citadino, tinha como objetivo consolidar a área do Porto do Itaqui-
Bacanga. Esse porto, exemplo da busca da modernização do setor portuário pelo projeto
de desenvolvimento nacional num dos seus enclaves implantados no Maranhão, é
construído como uma infra-estrutura terminal, mais precisamente um corredor de
exportações planejadas, afastado da cidade, diferente do antigo porto da Praia Grande173.
No Brasil, o Porto do Itaqui foi mais um porto que deu as costas à cidade. Mais uma
expressão dos chamados portos desterritorializados. Não precisam da cidade e / ou da
proximidade de um mercado de trabalho diversificado. Precisam, sobretudo, de suporte
infra-estrutural e logístico. Trata-se de atividades portuárias que cada vez mais se
mecanizam e não encontram na dinâmica da vida urbana o conjunto dos recursos
empresariais, humanos, sociais e políticos necessários à sua ação; assim como, não
apresentam substantivas articulações com estratégias de desenvolvimento e políticas
urbanas locais, nem com a gestão pública da cidade.

172 Recorde-se que Lojkine (1981) ao discutir os efeitos da política urbana estatal sobre os diversos segmentos da
população citadina demarca três modalidades de segregação social e espacial: uma no âmbito da localização da
moradia, outra no âmbito da distribuição espacial dos equipamentos e serviços urbanos e, por fim, uma outra
modalidade que se define no âmbito do transporte domicílio-trabalho.
173 Silva e Cocco (1999, p.10) enfatizam que, no Brasil "[...] com o desenvolvimentismo, os portos foram como que

'extraídos' dos respectivos tecidos urbanos [...]. Quase que para marcar a ruptura com a era colonial, os portos deram as
costas às cidades. Por um lado, as cidades redesenharam suas relações com o mar: embora muitas delas, e o Rio de
Janeiro, sobretudo, desenvolvessem uma importante e original cultura de praia (uma cultura balneária), as grandes
cidades da costa atlântica brasileira perderam sua identidade marítima. Por outro lado, São Paulo, seus bandeirantes e
suas indústrias tornaram-se o padrão de uma nova relação com o território”.
180

Figura 16
VISTA DO PORTO DE ITAQUI (São Luís - 2003)
(Fonte: Arquivo de Imagens da EMAP)

Deixando de lado, um conjunto de questões sobre as relações entre porto e


cidade174, é importante registrar que o Porto de Itaqui - estrutura portuária cada vez mais
responsável pela circulação de insumos (soja, minérios, fertilizantes, ...) para diferentes
cadeias produtivas - é o terminal mais importante do complexo portuário de São Luís
formado ainda pelo Terminal Marítimo da Ponta da Madeira da CVRD, Porto da
ALUMAR175, Terminal da Ponta da Espera, Porto de São José de Ribamar, Terminal do
Cujupe (Alcântara) e Terminal Pesqueiro.

174No campo das estratégias que privilegiam a integração entre o porto e a cidade, emerge a perspectiva das cidades
portuária a qual: (1) Questiona a sustentabilidade de um espaço de circulação de mercadorias restrito a criação do cais
e sem articulação com estratégias de desenvolvimento e políticas urbanas locais e, em contraposição a tal tendência,
propõe o funcionamento do porto como instrumento de desenvolvimento local; (2) Questiona o caráter privativo dos
terminais portuários e, como alternativa, propõe a rearticulação pública de seus arranjos político-institucionais que
viabilizem o desenvolvimento em bases locais e / ou regionais; (3) Questiona o isolamento do porto como estratégia de
valorização das infra-estruturas de circulação e, em substituição, propõe que a atividade portuária se transforme numa
preocupação da população e das instituições que organizam a vida urbana, mediante o estreitamento dos vínculos entre
a gestão pública da cidade e do porto.
175Em julho de 1980 a ALUMAR inaugurou um complexo portuário próprio (cais, equipamentos de carga e descarga,

pátios, tanques e silos e galpões para armazenagem) na confluência do Estreito dos Coqueiros com o Rio dos
Cachorros para desembarque das matérias-primas e insumos do processo produtivo operado nas fábricas da Refinaria.
181

Na compreensão da implantação desse complexo portuário em São Luís a análise


de Santos (1988) é elucidativa. Este autor considera que, ao longo da história da
formação do território de um país, objetos naturais são substituídos por objetos
fabricados, técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, informacionais. Através desses
objetos (hidrelétricas, fábricas, portos, estradas de ferro, cidades) o espaço é marcado por
estes acréscimos que se definem, hoje, pela sua ubiqüidade, universalidade e tendência à
unificação. Ou seja, os sistemas técnicos dominantes (aqueles que servem aos atores
hegemônicos da economia e da política) tendem a apresentar a mesma composição, em
todos os lugares, funcionando a base das informações recebidas dos centros de
comando, a revelia do lugar onde se encontrarem esses comandos e esses objetos176.
Com a construção da Barragem do Bacanga, a área onde se formava a bacia do rio
Bacanga deixou de ser sujeita a inundações. Como que revelando o reverso de uma
medalha, esse espaço foi sendo ocupado por segmentos da população, que através da
ocupação e da autoconstrução procuravam garantir o acesso e o direito à moradia. Após a
abertura da Avenida Presidente Médici, nas margens desse Rio, o segmento social que
usara a ocupação como forma de apropriação da terra era de aproximadamente 15.000
pessoas, distribuídas em dois espaços da área ocupada: a parte baixa, com pontos
alagados, conforme as variações das marés, e a parte alta chamada Coroadinho de Cima,
de terra seca, mas com constante ameaça de desmoronamento de barreiras.
No ano de 1978, um dos proprietários da área comandou uma violenta ação de
reintegração de posse que incluiu derrubada e incêndio de casas. O chamado despejo do
Coroadinho evidenciava com máxima visibilidade, pelo volume da população envolvida,
que o conflito violento entre ‘valor de uso’ e ‘valor de troca’ e uma forte resistência à
ocupação espontânea passava a expressar novas modalidades de usos, domínio e
controle da terra urbana.

176Na análise das características atuais dos sistemas técnicos e suas relações com a realização histórica Santos (1988,
p. 100-101) enfatiza: - “[...] O espaço se redefine como um conjunto indissociável no qual os sistemas de objetos são
cada vez mais artificiais e os sistemas de ações são, cada vez mais, tendentes a fins estranhos ao lugar. Em outras
palavras, de um ponto de vista do lugar e seus habitantes, a remodelação espacial se constrói a partir de uma vontade
distante e estranha, mas que se impõe à consciência dos que vão praticas essa vontade. [...] Os objetos preexistentes
vêem-se envelhecidos pela aparição dos objetos tecnicamente mais avançados dotados de qualidade operacional
superior. Desse modo, cria-se uma tensão nos objetos do conjunto paralela à tensão que se levanta dentro da
sociedade, entre ações hegemônicas e ações não hegemônicas. [...] Todos esses objetos modernos aparecem com
uma enorme carga de informação, indispensável a que participem das formas de trabalho hegemônico, ao serviço do
capital hegemônico, isto é, do trabalho mais produtivo economicamente”.
182

A partir de então, os conflitos fundiários, os litígios decorrentes das ocupações


coletivas de terra para morar, o medo que as ocupações (no caso, urbanas) provocam no
sistema de propriedade e nas frações do capital imobiliário, enfim, outras formas de
valorização fundiária, disputas territoriais e a produção segregativa de moradias se
inscreviam na constituição (materialidade e processo) da questão urbana em São Luís.
De fato, na maioria das cidades do Brasil, quando áreas urbanas são ocupadas por
trabalhadores de baixo poder aquisitivo, tidas na melhor das hipóteses, como ocupações
irregulares, o Estado é acionado, usando para a desocupação das terras e afirmação do
direito de propriedade, os instrumentos político-jurídicos sobre os quais detém prerrogativa
e ainda, muitas vezes, seu aparelho repressivo.
Configuram-se então os litígios sobre terras urbanas, articuladores ao seu próprio
modo da sobreposição histórica do ‘valor de troca’ ao ‘valor de uso’, da ação de diversos
sujeitos políticos e da Lei177. Parece ser oportuno registrar que, uma situação diferente
(ausência do despejo) quase sempre ocorre quando parcelas de solo são monopolizadas
pelo capital imobiliário e financeiro, que garantidos pela propriedade legal, acumulam
grandes extensões de terra para a especulação fundiária.
O certo é que, no período 1978/1981, os litígios sobre terras em São Luís178,
manifestações claras de relações e contradições históricas e conjunturais entre a Lei, o
poder proprietário e as necessidades sociais (especialmente daquelas derivadas do ínfimo
avanço das conquistas no campo da moradia urbana) assim se manifestaram: - 21 (vinte e
uma) situações de despejos ocorridas em 16 (dezesseis) áreas citadinas, conforme as
indicações do quadro Famílias / moradias envolvidas em litígios de terras urbanas (São
Luís - 1978 a 1981), a seguir delineado:

177
Na sociedade capitalista, não se pode esquecer que: “[...] Ainda que se admitam outras fontes jurídicas, consagra-se,
peremptoriamente, a lei estatal como expressão máxima predominante do Estado-Nação. Tendo presente a
consolidação do modo de produção capitalista e a definição da burguesia como segmento social hegemônico, impõe-se,
a partir de uma arquitetura lógico-formal unitária, o princípio de que toda sociedade tem apenas um único Direito, e que
este ‘verdadeiro’ direito, instrumentalizado por regras positivas postas, só pode ser produzido através de órgãos e de
instituições reconhecidas e / ou oficializadas”. (WOLKMER, 1997, p.54)
178Situações identificadas, no período de 1978 e 1981, mediante ações de despejo noticiadas nos jornais O Estado do

Maranhão, Jornal Pequeno e o Imparcial. Algumas dessas ações foram acompanhadas no local da ocupação. Tal
acompanhamento integrava as atividades do estudo Subsídios para a história dos despejos em São Luís, realizado no
âmbito do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão, pela autora desta Tese juntamente
com a professora Évila Brito Ribeiro.
183

Quadro 4 - Famílias / moradias envolvidas em litígios de terras urbanas


(São Luís - 1978 a 1981)

Áreas citadinas Famílias Moradias


Coroadinho 3060
Sá Viana 111
Rua 5 (São Francisco) 10
Areinha 300
Sítio Pedreira (São 71
Francisco)
Vera Cruz 400
Vila Padre Xavier 150
Vila Gorete 44
Avenida Médici 600
São Bernardo 92
Vila Gardênia 400
Morro do Urubu 500
Anjo da Guarda 50
João de Deus 200
São Cristovão 37
Rua Maria Firmina dos Reis 06
TOTAL 2.335 3.696
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)

Com o aumento populacional, a pressão sobre os terrenos urbanos já submetidos à


forma histórica como o capital subordinou a relação entre os homens e a terra às suas
necessidades reprodutivas e ao mercado, torna-se mais presente. As terras disponíveis
(lugares aonde não habitam pessoas nem se vêm sinais materiais do seu trabalho)
passam a ser disputada em função de interesses distintos: de um lado, os que se movem
apenas pelo ‘valor de uso’ - terra para morar - e, de outro lado, aqueles que, mesmo sem
estarem alheios ao ‘valor de uso’, mas levados pelo ‘valor de troca’, engendram ações
econômicas tornando a terra fonte de rentáveis negócios. Tais dinâmicas se fazem
acompanhar da mobilização de muitos movimentos sociais e populares em torno do
acesso e direito à moradia. São os chamados atores insurgentes (WOLKMER, 1997).
184

Em São Luís, nas ocupações e despejos iniciados ao longo dos anos 1970 nada
mais se encontra que pudesse lembrar certas expressões da ocupação da terra citadina
próprias ao período colonial, quando se registra, por exemplo, a emissão de lotes de
terras doadas a pedreiros, ferreiros, carpinteiros, alfaiates - artífices importantes na cidade
colonial - e algumas cartas de doação emitidas para índios e negros libertos ou forros.
Porque os chãos urbanos ainda não portavam ‘valor de troca’, pois a terra ainda não havia
sido transformada em mercadoria, a Câmara Municipal parece que reconhecia, sem
muitos entraves, apropriações espontâneas, alheias à sua autorização, dando a posse
legal àqueles que tivessem concretizado a ocupação, o trato e o cultivo do terreno.
Na realidade, em São Luís, até determinado momento histórico a ocupação de
certas áreas ainda se fazia sem fortes litígios: Angelim (1935), Sá Viana Velho (1939);
Veneza (1940). Mas, não demorou muito. Logo, a questão da ilegalidade fundiária
revelada nas ações de despejo se inscreveu no cenário urbano: Nova Divinéia (1970), Vila
Nova (1972), Bequimão (1977) e João de Deus (1981). Em alguns casos, a distância entre
o tempo da ocupação e o tempo dos conflitos indica que as ações de reintegração de
posse tinham claras relações com interesses econômico-mercantis e fundiários, com as
forças sociais envolvidas nas disputas de áreas urbanas e com os recursos político-
jurídicos que cada uma delas conseguia lançar mão em face da situação litigiosa.
Como já procurei enfatizar no decorrer desta exposição, os terrenos urbanos
portam valor de troca em face do trabalho social a eles incorporado e de sua localização
em face dos efeitos úteis da aglomeração capitalista. A terra urbana passa por um
processo de produção, com a instalação de recursos infra-estruturais - particularmente
sistemas viários - para depois entrar no mercado capitalista, portando valor de troca, em
cima de seu valor de uso. Nesse sentido, a perspectiva de Topalov (1884) ao procurar
explicar a formação do solo urbano dimensionando a questão fundiária no interior das
relações que fundam o paradoxo da renda fundiária179 se faz clara.

179Engels (1981, p.66), no final do século XIX, assim falava sobre o proprietário fundiário: “O proprietário fundiário não
tem nada a reprovar ao comerciante. Ele rouba ao monopolizar a terra. Ele rouba ao explorar o acréscimo populacional
que aumenta a concorrência e, com isso o valor de sua propriedade fundiária; rouba fazendo daquilo que não é produto
de sua atividade pessoal, e que possui apenas por acaso, a fonte do seu lucro particular. Rouba quando aluga, porque,
no fim das contas, arrogam-se os melhoramentos feitos pelo rendeiro. Aqui reside todo mistério da riqueza sempre
crescente dos grandes proprietários fundiários".
185

Para Topalov (1984) trata-se de reiterar a linha de análise que assevera: - o preço
do solo só adquire significação social na própria dinâmica da valorização do capital, onde
a concentração do capital de incorporação possibilita a compra de vastas áreas,
ampliando a oferta de produtos fundiários e imobiliários.
Na constituição da renda fundiária e na formação do solo urbano destacam-se
como processos que lhes são correlativos: o encarecimento dos preços das habitações, a
punção crescente sobre as despesas públicas de equipamentos, a segregação espacial, o
enriquecimento com base em mais-valias ilegítimas extraídas pelos proprietários
fundiários que não contribuem nem pelo trabalho, nem pelo risco no processo de
crescimento urbano. Assim, a particularidade da terra citadina enreda-se em teias de
contradição.
A terra urbana não abarca trabalho privado, mas incorpora trabalho social
objetivado em termos de instalação de recursos infra-estruturais (condições gerais da
produção capitalista e/ou meios de reprodução da força de trabalho - equipamentos e
serviços coletivos)180. Em conseqüência, no âmbito da questão urbana, os modos
segregados de moradia apontam para a valorização fundiária e as disputas territoriais,
como determinações e mediações cruciais da sua constituição, dinâmica e desenlaces.
Todavia, essas determinações e mediações não são únicas. É necessário a elas
associar a produção e gestão dos equipamentos e serviços coletivos urbanos; assim
como, a própria concepção de público, mecanismo político ativo da questão distributiva da
cidade e de uma das expressões do poder local: - a ação dos governos municipais quanto
às condições materiais e imateriais de vida das frações de classe que habitam a cidade181.

180 Recorde-se que a categoria marxiana de condições gerais da produção diz respeito ao amplo leque de funções
sócio-econômicas que não sendo por si mesmas geradoras de mais valia são essenciais para a realização da mesma e
para a aceleração do ritmo da acumulação.
181 Tal questão assume hoje especial relevo em face da importância estratégica que assume o município como centro de

gestão do global no quadrante das concepções e projetos hegemônicos apresentados e defendidos sistematicamente
pelo Banco Mundial e outras agências internacionais. Considere-se também aqui, conforme propõe Vainer (1986), as
possibililidades de realização de objetivos de um governo local comprometido com os grupos sociais subalternos e
voltado para a construção de alternativas societárias como os que seguem: (a) redução das desigualdades e melhoria
das condições (materiais e imateriais) de vida das classes trabalhadoras; (b) avanço e radicalização de dinâmicas
sociais, políticas, culturais, que propiciem a organização e lutas populares; e (c) enfraquecimento dos grupos e coalizões
dominantes. Retomo essa discussão no capítulo 3 desta exposição, mais precisamente no item 3.1. intitulado
Metamorfoses na constituição produtiva dos territórios urbanos e políticas econômicas de tipo cultural: a cidade
espetáculo.
186

Afinal, o Estado utilizando-se dos fundos originários da tributação social se faz


gestor da coisa pública ao mesmo passo que alimenta a acumulação privada de
segmentos especulativos do capital de promoção imobiliária e outros. Tal contradição
transforma o Estado no sujeito político a ser interpelado quanto à garantia de respostas às
necessidades de investimentos nas condições gerais da produção e quanto à garantia de
respostas que revertam às desigualdades sociais no acesso aos equipamentos e serviços
coletivos urbanos, dentre eles a moradia.
Desse modo, as classes e frações de classe182 ou ainda grupos de interesse que
disputam os usos da cidade estão de forma estratégica sempre buscando influenciar na
materialidade institucional, decisões e intervenções do Estado no urbano.
Ao analisar o que chama o par centro-periferia, Sposito (1999) aborda a
descentralização das cidades e sua extensão periférica, situando como determinações e /
ou mediações desse fenômeno, além do advento e o avanço dos meios de transportes, as
novas lógicas de comportamento espacial das empresas industriais, as novas
configurações de habitat humano e a novas estratégias de localização dos equipamentos
de consumo de mercadorias e serviços. Nessa análise, a autora, chama atenção ainda
para a:

[...] relação estreita entre essas diferentes formas de extensão do tecido


urbano e a prevalência dos interesses fundiários e imobiliários na produção
desses novos espaços, através da lógica do planejamento estatal e privado
que reforça a segregação sócio-espacial.(SPOSITO, 1999, p.91).

Nos litígios fundiários investigados em São Luís a propriedade das parcelas de terra
ocupadas se definia, conforme o quadro Propriedade das terras envolvidas em litígios
(São Luis - 1978 a 1981), indicado a seguir.

182 Considere-se a tese de Oliveira (1982) sobre os estilos privatizados e privatizantes da constituição do urbano no
Brasil, pautados, sobremaneira, pelas classes médias urbanas. Diz ele: “[...] o urbano hoje no Brasil são as classes
médias, isto é, as cidades são por excelência a expansão urbana dessa nova estrutura de classe onde o peso das
classes médias emerge com enorme força, com enorme gravitação, tendo em vista o tipo de organização que o
capitalismo internacional criou ao projetar suas empresas dentro da sociedade brasileira. A enorme gravitação das
classes médias no Brasil vista sobre outro aspecto é uma das bases do autoritarismo na sociedade brasileira. Do ponto
de vista urbano, das relações entre Estado e o urbano, essas classes médias criaram demandas dentro da cidade. E o
Estado, hoje, do ponto de vista de sua relação com o urbano entre outros aspectos importantes, saliento, é em grande
maioria determinado pelas demandas das classes médias dentro da cidade”.
187

Quadro 5 - Propriedade das terras urbanas envolvidas em litígios (São Luís - 1978 a 1981)

Áreas citadinas Privada Pública

Coroadinho ■
Sá Viana ■
Rua 5 ( São Francisco) ■
Areinha ■
Sítio Pedreira (São ■
Francisco)
Vera Cruz ■
Vila Padre Xavier ■
Vila Gorete ■

Avenida. Médici ■
São Bernardo ■
Vila Gardênia ■
Morro do Urubu ■
Anjo da Guarda ■
João de Deus ■
São Cristovão ■
Rua Maria Firmina do Reis ■
TOTAL 9 7
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)

Nas cidades do Brasil, a exemplo de São Luís, as ocupações de solos urbanos, se


embatendo contra as instituídas formas de legalidade que especificam a propriedade da
terra (privada ou pública) e contra a forte concentração fundiária urbana, vêm atribuindo
novas dimensões políticas e legais às interlocuções e enfrentamentos entre proprietários,
Estado e lutas sociais pela moradia. Os despejos de moradores de terras ocupadas para
fins de construção da habitação se afiguram então, ao mesmo passo, como uma
expressão da desigualdade social e arenas de organização e luta política urbana. Trata-se
de arenas de reivindicações e protestos contra os mecanismos e coalizões dominantes,
refratárias à função social da propriedade.
188

As ocupações de solos urbanos - quando homens, mulheres e crianças recortam


um território e constroem casas para morar - encarnam, por conseguinte, acontecimentos
que assinalam uma reviravolta decisiva quanto às possibilidades de acesso à moradia fora
do mercado e das políticas públicas de moradia. Na esfera política, jurídica e territorial, os
movimentos sociais (e seus delitos contra a propriedade) organizados em torno do direito
à moradia, inclusive através da estratégia de juridicização coletiva (BIDARRA, 2000), são
protagonistas. Contudo, no período analisado, nem todas as ocupações se consolidaram,
muitas ações de reintegração de posse se concretizaram.

A cidade viveu ontem um clima de muita agitação, em virtude de um despejo


arbitrário que culminou com uma tentativa de invasão, por parte de vários
desabrigados à Prefeitura Municipal de São Luís. O prefeito Roberto
Macieira, apavorado, mandou chamar a Polícia, mas depois resolveu
receber os moradores. Tudo começou pela manhã, quando várias patrulhas
de choque da PM, com um efetivo aproximado de 100 homens, efetuaram a
derrubada e tocaram fogo em mais de 200 casebres na invasão denominada
‘João de Deus’, situada no bairro do Anil. De posse de ordem judicial para
despejar apenas 9 famílias, um oficial de justiça, determinou aos policiais
que derrubassem todas as casa e tocassem fogo. (Jornal Pequeno de 30 de
julho de 1981).

A notícia acima indica as tensas relações entre ocupantes e agentes envolvidos nas
ações de despejos. Essa notícia também permite descortinar os obstáculos sociais e
políticos no sentido da efetividade do ‘valor de uso’ da terra e da moradia. Possibilita ainda
demarcar arranjos de poder e jogos de interesses presentes na construção da cena do
despejo. Cenas e acontecimentos aparentemente isolados que ao abarcarem
reivindicação, protesto, resistência e enfrentamento transgridem a ordem do imaginário
constituído, fazem cessar a indiferença e alteram os sentidos da ação social, política e
jurídica, trazendo, a possibilidade de desdobramentos políticos em relação ao direito à
moradia.
No levantamento sobre os agentes dos despejos (ações em que a disputa da terra
urbana se exaspera) realizados no período 1978-1981 na cidade de São Luís, estes
aparecem combinando, em muitos casos, as instituições da ordem (forças policiais e o
sistema judiciário) com a segurança privada (seguranças privados e justiça privada),
conforme indicado no quadro Agentes das ações de despejo (São Luis - 1978 a 1981),
apontado a seguir:
189

Quadro 6 - Agentes das ações de despejos (São Luis - 1978 a 1981)

Oficial Polícia Polícia Servidor Suposto


Áreas citadinas de Militar Federal Público proprietário
Justiça
Coroadinho ■ ■ ■ ■

Sá Viana ■ ■ ■ ■
Rua 5 (São Francisco) ■ ■
Areinha ■
Sítio Pedreira (São Francisco)
Vera Cruz ■ ■
Vila Padre Xavier ■ ■ ■
Vila Gorete ■
Avenida Médici ■ ■
São Bernardo ■ ■ ■
Vila Gardênia ■ ■
Morro do Urubu ■ ■ ■
Anjo da Guarda ■ ■
João de Deus ■ ■

São Cristovão ■ ■
Rua Ma. Firmina dos Reis ■
TOTAL 9 12 5 4 4
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)

Porque as lutas pela moradia urbana são essencialmente estratégias políticas de


sobrevivência e resistência, elas se inserem no campo do instituinte, momento produtor de
relações e conflitos ainda não institucionalizados, que encerram a possibilidade da política
desfazer o jogo da dominação, precisamente nas aberturas, nas articulações que
proporciona à ação política no momento em que se realiza. Nessas experiências, a
propriedade privada da terra urbana estritamente econômico-mercantil, contrária à função
social da propriedade, tem sido, de modo progressivo, objeto de interpelação de sujeitos
políticos diversos, cujas intenções, estratégias e formas de ação constituem-se
importantes mediações que, articuladas a outras lutas sociais, incidem na ampliação das
possibilidades de acesso à moradia.
190

Quadro 7 - Sujeitos políticos em defesa do uso da terra para morar


(São Luis -1978 a 1981)

Áreas citadinas Igreja Partidos Movimento Advogados ONGs


Católica Políticos Estudantil
Coroadinho ■ ■ ■ ■
Sá Viana ■ ■ ■ ■
Rua 5 (São Francisco) ■
Areinha ■
Sítio Pedreira (São Francisco) ■
Vera Cruz ■
Vila Padre Xavier ■ ■ ■
Vila Gorete ■
Av. Médici ■
São Bernardo ■ ■ ■ ■
Vila Gardênia ■ ■
Morro do Urubu ■ ■
Anjo da Guarda ■ ■
João de Deus ■ ■ ■ ■
São Cristovão ■
Rua Ma. Firmina dos Reis ■
TOTAL 9 10 4 7 3
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)

O quadro Sujeitos políticos em defesa do uso da terra para morar (São Luis - 1978 a
1981) permite evidenciar sujeitos e forças políticas que se constituíram em defesa do uso
da terra para moradia, instaurando e/ou reforçando liames entre esses sujeitos e essas
forças. A questão é: a insuperável necessidade de moradia e os elementos progressistas
que a lei comprime183 têm potência para afrontar a Lei. Todavia, a Lei, só em certas
circunstâncias históricas, faz-se submissa diante desse poder.

183 Como Gramsci (1984, p.28) sublinhou, a Lei encontra quem a infrinja: "[...] entre os elementos sociais reacionários
que a lei destronou, entre os elementos progressistas que a lei comprime, entre os elementos que não alcançaram o
nível de civilização que a lei pode representar". Mas, Gramsci (1984, p.152) também nos ensinou que o Direito, apesar
da utopia democrática que se desenvolve a partir do século XVIII, “[...] não exprime toda a sociedade [...] mas, a classe
dirigente que impõe a toda sociedade normas de conduta que estão mais ligadas à sua razão de ser e ao seu
desenvolvimento".
191

Acontece que, o tempo civil em que se inscreve a formulação da Lei é o mesmo


para toda uma cidade, entretanto, o tempo e as condições de sua efetiva materialização
têm uma viscosidade diversa para homens situados no mesmo território e no mesmo
tempo histórico. Nas situações de despejos, os discursos, as estratégias e as ações
realizadas no embate desvelam os sujeitos envolvidos: ocupantes, oficiais de justiça,
proprietários legais, policiais, imprensa, membros de instituições ou de movimentos civis.
As estratégias desses sujeitos apontam claramente seus interesses, compromissos
políticos e as forças sociais que representam. Às vezes, as estratégias de cada um desses
sujeitos se fundem em transições sutis, ora chocam-se tão logo vislumbradas.
Os oficiais de justiça se apresentam para lembrar a Lei, garantir a propriedade,
justificar a necessidade de punição: o despejo. Em defesa dos ocupantes, com seus
diferentes instrumentos de combate político, membros da Igreja Católica, do Movimento
Estudantil, assim como do Parlamento (deputados e vereadores progressistas) fazem
protestos contra a injustiça social e o arbítrio transfigurado em Lei. Dona Teresa no
despejo da Vila Padre Xavier definiu como estratégia permanecer, a despeito de qualquer
acontecimento, dentro da morada supostamente conquistada. Diante da força policial, a
ocupante, que havia visto na ocupação a possibilidade de reconstrução da vida na cidade,
sai muito rapidamente, levando consigo apenas pequenos utensílios domésticos e uma
tristeza dilacerante que traduzia privação, melancolia e revolta.
A assimetria entre a justiça armada e a indignação das populações urbanas sem
moradia então confirma: certas expressões da questão social, nas cidades do Brasil, a
exemplo de São Luís, são ainda tratadas como episódios militares. A afirmação de uma
ordem ideal e justa em relação ao direito à moradia é negada pelo movimento histórico
concreto.
A força envolvida nas ações de reintegração de posse, combinando em muitos
casos as instituições da ordem (forças policiais e o sistema judiciário) com a segurança
privada (seguranças privados e justiça privada), pode levar ao paroxismo (agressões,
prisões, mortes, derrubada e queima de casas) e revelar a face mais violenta do Estado e
das ações de despejo, conforme aponta o quadro - A face mais violenta das disputas
territoriais urbanas (São Luis - 1978 a 1981) -, apresentado a seguir.
192

Quadro 8 - A face mais violenta das disputas territoriais urbanas


(São Luis -1978 a 1981)

Derrubada Queima de Destruição Prisão Agressão


Áreas citadinas de casas casas de outros Física
bens
Coroadinho ■ ■ ■ ■ ■
Sá Viana ■ ■ ■ ■
Rua 5 ■
Areinha ■ ■
Sítio Pedreira ■
Vera Cruz ■ ■
Vila Padre Xavier ■ ■ ■
Vila Gorete ■
Avenida Médici ■ ■
São Bernardo ■ ■ ■ ■
Vila Gardênia ■ ■ ■
Morro do Urubu ■ ■ ■ ■ ■
Anjo da Guarda ■ ■
João de Deus ■ ■ ■
São Cristovão ■ ■
R. Ma. Firmina dos Reis ■
TOTAL 16 5 7 5 9
Fonte: Jornais O Imparcial, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno (1978 a 1981)

Nas disputas territoriais urbanas nem sempre a força se mostra imediatamente


visível como nas ações de despejos que impedem que as casas construídas por
movimentos coletivos de luta pela moradia tenham existência durável. Outros recursos
político-jurídicos e institucionais, como aqueles peculiares às práticas de desapropriação
ou de remanejamento de populações, podem ser acionados. Nesses recursos tenta-se
negar à violência contida em qualquer deslocamento espacial e territorial que se faça à
revelia da vontade de um homem, uma família ou de frações de classe.
Acerca dessa violência, que em vão tenta ser negada por segmentos sociais
incrustados tanto no Estado, quanto na sociedade civil, podemos nos instruir recorrendo
ao caso do Boqueirão.
193

Até o ano de 1978, o Boqueirão - pedaço de terra e praia distante cerca de 15 Km


do núcleo urbano central de São Luís formava - a julgar pelos depoimentos dos moradores
recolhidos por Santos (1984) - um território capaz de garantir a aproximadamente 150
famílias respostas a três necessidades vitais: alimentação, moradia e trabalho.

Plantação? Caju, manga, goiaba, murici, tinha a vontade, prá todo mundo
que chegava. Caju, nesse tempo fedia debaixo dos pés. A gente levantava
cinco horas e enchia o bucho dessas frutas, ninguém passava fome [...].
No Boqueirão era melhor, porque a gente estava em casa, e quando
terminava de pescar, vendia logo por lá, e ficava pertinho de casa, não
precisava ficar dando essas caminhadas. Era só sair da maré e estava
dentro de casa.
A gente abastecia aquela Praia Grande de peixe. Ainda hoje é conhecido ali;
todo mundo sabe ali que se abastecia aquela Praia Grande, principalmente
no inverno. Tinha dias que iam duas canoas de peixe para a cidade e ficava
uma no Boqueirão, ou duas ou três. Assim, nós dividíamos, e nunca faltava
o peixe na Praia Grande nem no Boqueirão.

O que aconteceu com esse território que comparece na fala de seus antigos
moradores evocando saudades e perdas, a despeito das dificuldades e desafios com que
se defrontavam para sobreviver e trabalhar?
Um conjunto significativo de acontecimentos e experiências ligados à
desapropriação184 e a transferência de populações, práticas que tendo em vista desfazer e
refazer territórios e apoiadas em elementos político-jurídicos de ordenação territorial tem
força capaz de arrancar o habitante da sua morada. Uma outra face das disputas
territoriais que, no final da década de 1970, no município de São Luís, procurava atribuir a
terra novas causalidades e finalidades ligadas a interesses industriais e econômico-
mercantis.

184No Brasil, em termos jurídicos, a desapropriação urbanística é concebida como um instrumento pelo qual o poder
público determina a transferência da propriedade particular ou pública de entidades menores para seu patrimônio ou de
seus delegados, por utilidade ou necessidade pública, mediante prévia e justa indenização, salvo a exceção
constitucional de pagamento em títulos da dívida pública. O instrumento da desapropriação para a construção ou
ampliação de distritos industriais (Lei 6.602 de 1978) é comentado por Meirelles (apud SILVA, 1997, p.383) nos
seguintes termos: "sem essa possibilidade de desapropriação, urbanização e subseqüente alienação a particulares não
haveria a viabilidade da formação de parques industriais no perímetro indicado pela prefeitura, porque as indústrias que
nele pretendam instalar-se nem sempre conseguirão adquirir dos proprietários particulares as áreas convenientes às
suas atividades. Só através da desapropriação tais áreas poderão passar de um particular a outro para a destinação
industrial estabelecida em lei, e, para tanto, impões-se a urbanização da gleba expropriada para atendimento de sua
nova finalidade, pois é essa urbanização que legitima a transferência de lotes da área expropriada aos particulares que
irão utilizá-los na sua nova destinação urbanística".
194

Trata-se de uma das estratégias através da qual a ação estatal expressa seu papel
decisivo na produção de infra-estruturas exigidas pelos investimentos capitalistas. Trata-se
também de mutações do uso urbano e da questão urbana alcançando territórios nos quais
atividades primárias e rurais ainda sustentam a vida e o trabalho de significativos grupos
populacionais.
No caso do Boqueirão tinha-se um arranjo sócio-espacial onde pescadores
artesanais, através da pesca embarcada ou desembarcada, podiam sair para o mar e ali
permanecer até pescar o desejado. Depois, voltavam para casa e separado o suficiente
para o consumo familiar, o pescado (item importante na alimentação das frações
empobrecidas do litoral ou região lacunares do Maranhão) era comercializado no próprio
local ou na área central da cidade de São Luís.
De fato, definida a peleja entre o Maranhão e o Pará, pela localização do complexo
portuário para escoamento dos minérios de Carajás, a AMZA, no ano de 1973, instalara
seu escritório em São Luís e iniciara o levantamento da situação fundiária da área na qual
a instalação portuária seria construída. Entre 1979 e 1882 uma área de 2.221, 35ha (dois
mil, duzentos e vinte e um hectares e trinta e cinco ares) foi desapropriada pela União
(Decreto n. 82.242, de 11 de setembro de 1978) e destinada a CVRD para a construção
das instalações ferroviárias e de apoio logístico daquilo que formaria, como já indicado, o
complexo: minas, estrada de ferro, Porto de Itaqui, Terminal da Ponta da Madeira,
comercialização do minério de Carajás.
Boqueirão fazia parte dessa grande área desapropriada, desse território para o qual
se voltaram forças e o transformaram tendo em vista novos usos e funções. Para as 120
famílias daí retiradas e assentadas em Montes Pelados (segundo a CVRD o terreno era
favorecido, sobretudo pela sua localização, próximo à área a qual as famílias estavam
sendo removidas e dentro de uma zona destinada ao uso industrial e marítimo (porto),
além do uso urbano do centro da cidade), a remoção, arrancando o habitante do território
e o precipitando numa viagem para outras áreas da cidade, representou um aviltamento da
sua condição de vida.
Sobre esse fato, Santos (1984, p.143) recolheu os seguintes depoimentos:
195

Essa área aqui, antigamente se passava por fora e só se via morro. Aí os


homens da Vale passaram as máquinas e fizeram esse terreno; esse terreno
foi sorteado de lote. Esse terreno não tem árvores, planta, só poeira e lama.
È um terreno muito incerto, muito ruim por que no inverno essas casas aqui
de baixo são inundadas, invadidas pela chuva. Tem gente que recebeu
indenização, mas não quer vir para cá, porque o terreno que a Vale quer dar
é esse aqui, ao lado da minha casa, onde tem esse bueiro. Aqui não se
pode plantar, porque é só pedra e tabatinga.

[...] aqui, eu passei dois dias cavando uma vala pra fazer uma horta, num
pegou um pé de planta, porque a terra que eles deram pra fazer a horta
comunitária, pra cada um fazer nas suas casas, a terra num presta, quando
a gente molha. No lugar de ficar molhada, fica que nem barro.

As desapropriações não se limitaram à área do Boqueirão. Segundo dados da


GRPU e da GEDICT houve a desapropriação (Lei nº 4.057 de 03/07/1979), por interesse
social, de 19.943 ha mil hectares de terras da ilha de São Luís. Só para atender os
objetivos produtivo-econômicos da ALUMAR foram desapropriados 6.722 ha. A USIMAR
foram destinados 3.648 ha. Como já indiquei, em São Luís, as metamorfoses citadinas em
curso nessa conjuntura se expressavam também através da construção de grandes
conjuntos habitacionais edificados, grande parte deles, com recursos oriundos do
mecanismo SFH/BNH/COHAB. Em vários cantos dessa cidade, ampliando a faixa de
proprietários particulares de habitações e manifestando modalidades de segregação sócio-
espacial, os conjuntos habitacionais surgiam, afirmando a produção da moradia em série,
ainda que com diferentes tamanhos e padrões de construção.
A efetiva construção de conjuntos habitacionais na cidade de São Luís passava a
expressar concretamente a presença de políticas nacionais e oficiais de habitação,
destacando-se no plano do discurso estatal a ênfase a ser dada às políticas de habitação
popular. Assim, através dos conjuntos habitacionais se efetivavam formas legais de
apropriação, ainda que limitadas, da terra urbana (terra-casa) pelos setores médios e
populares. Tal construção também indicava, nessa cidade, a força do sistema
SFH/BNH/COHABs, que representava a forte intervenção do Estado na produção e o
consumo da moradia e na própria constituição do urbano no Brasil. Embalados pelo sonho
da casa própria, segmentos médios e populares da classe trabalhadora se deslocaram
pela cidade para habitar as novas áreas residenciais formadas pelos conjuntos
habitacionais.
196

Quadro 9 - Conjuntos habitacionais (SFH/BNH/COHABs) em São Luís (1967- 1988)

Nome do conjunto Ano de construção Nº de unidades

Residencial Caratatiua 1967 58


COHAB Anil I 1968 505
COHAB Anil II 1969 516
COHAB Anil III 1970 1.417
Maranhão Novo 1970 432
IPASE 1971 525
COHEB Sacavém 1972 436
Radional 1973 336
COHAMA 1973 700
COHAB Anil IV 1976 1.111
COHAPA 1977 41
Parque Timbiras 1977 96
COHATRAC I 1978 875
COHAPAM 1978 100
COHAJAP 1978 331
COHAJOLI 1978 78
COHASERMA 1978 364
COHAREV 1979 160
Vinhais 1979 1.627
Bequimão 1979 1.190
Turú I 1979 767
Rio Anil 1979 345
COHAJAP 1979 38
Angelim 1980 654
COHAFUMA 1980 482
Cidade Operária 1987 7.500
COHATRAC IV 1998 389
TOTAL 20.327
Fonte: Levantamentos - Disciplina Questões Urbanas (CSS / DESES / UFMA) 2001.
197

A realização dessa política habitacional ocupou, por muitas vezes, as manchetes


dos jornais locais:
a) “COHAMA (de convênio assinado) acelera para começar em maio as 760
residências”. (Jornal do Dia de 3 de janeiro de 1968)
b) “Radional será entregue este mês”. (Jornal O Estado do Maranhão de 10 de
março de 1973)
c) COHAB: cerca de duas mil casas novas em 1974. (Jornal O Estado do
Maranhão de 1 de janeiro de 1974)
Para as frações de classe de renda média e alta foram construídos, por exemplo, os
conjuntos residenciais BASA, Renascença e São Francisco. Importante demarcar que
diferentes padrões arquitetônicos e construtivos dos conjuntos residenciais manifestam
contradições entre dois objetivos da política habitacional brasileira: sustentar o
crescimento econômico (explorando os efeitos multiplicadores gerados pela construção
civil sobre outros setores econômicos) e responder às demandas habitacionais de certos
as segmentos sociais, a chamada população de baixa renda. Ao priorizar a linhas de
financiamento para segmentos de renda média e alta, preferidos pelos setores
empresariais e bancários, ampliavam-se os limites no atendimento dos setores populares
urbanos185. Assim, a localização e o padrão construtivo dos conjuntos habitacionais
construídos em São Luís, podem ilustrar também os resultados da pesquisa realizada por
Villaça (2001) sobre as localizações das classes sociais na cidade. Tais resultados lhes
permitiram considerar a suburbanização da casa própria popular como uma conseqüência
da ativa intervenção do Estado no território urbano.
Nos conjuntos habitacionais populares, a maioria deles afastados da área central e
de áreas valorizadas ou tendentes à valorização fundiário-imobiliária, milhares de casinhas
foram construídas sem expressivas invenções de projeto no campo da arquitetura.
Somente a repetição de uma determinada forma arquitetônica: um produto do poder do
Estado de intervir nos modos de provisão de moradia impondo uma determinada forma de
habitação.

185Não se pode perder de vista que, nos quadros da urbanização capitalista, o financiamento da habitação aos
segmentos empobrecidos e subalternos e mesmo aos setores médios da população urbana sempre foi acompanhado
de questões como desemprego, arrocho salarial, necessidade de correção real dos débitos, inadimplência sistemática.
198

Depois, aos poucos, cada morador lançando mão, na maioria das vezes, apenas do
saber artesanal e de sua sensibilidade estética, procurava encobrir, remodelar, esquecer a
face original dessas pequenas moradas construídas a partir de subsídios governamentais
através do mecanismo SFH/BNH/COHAB.
Ao longo da década de 1980 esgotava-se, no Brasil, o ciclo de expansão da política
habitacional, principalmente no campo da habitação popular. Numa espécie de últimos
espasmos dessa política (SFH/BNH), foram ainda construídos na cidade de São Luís dois
grandes conjuntos habitacionais para os segmentos populares da população urbana: o
Maiobão (1982) e a Cidade Operária (1987).

Figura 17
PALAFITAS NA LAGOA D'JANSEN (São Luís - 1882)
(Coleção particular de fotografias)

As palafitas, que surpreendem pela precariedade desse modo de habitar a cidade,


continuaram a ocupar a agenda do poder estatal. No início da década de 1980, com o
apoio do BNH, e através da Prefeitura Municipal, a resposta encontrada foi o aterro de
mais uma área de mangues do Rio Bacanga.
199

Delimitada a área, foi separada uma parte para venda em leilão. O restante dos
lotes foi oferecido, através do PROMORAR, às populações pobres, a valores baixos, juros
mínimos e longo prazo. Traçando ruas e aterrando-as, a Prefeitura configurou esses lotes
e lhes deu acesso. Após a compra do lote, o adquirente teria de elevá-lo, com aterro, ao
plano da rua e começar a erguer a sua habitação. Essa área, cujo domínio útil foi cedido
pela União ao Município, ampliou em termos físicos o território da Ilha de São Luís (221
hectares), suprimiu palafitas, mas não foi capaz de evitar a constituição de modos
segregados de moradia num espaço produzido através da intervenção direta do Estado.
Num cenário urbano de forte desigualdade social, onde relações seculares entre
pessoas e territórios podiam ser súbita e dramaticamente interrompidas e aumentavam os
obstáculos para o acesso à moradia, o capital começava a operar, de modo mais
sistemático e agressivo, exercendo forte influência no planejamento territorial da cidade.
Seguindo uma lógica industrial, mediante o incentivo à construção de pólos industriais e
operários, e seguindo uma lógica mercantil objetivando favorecer ganhos fundiários,
compreende-se porque o Governo Municipal considerava o Plano Diretor -1977, elaborado
sob a coordenação do arquiteto russo Vit Olaf Prochnik, como:

[...] um esforço no sentido de fornecer à cidade e à sua área os elementos


básicos para iniciar um processo de planejamento coerente com as
perspectivas que ora se lhe apresentam. O espaço geográfico e a população
de São Luís receberão, sem dúvida, forte impacto nos próximos anos com o
Projeto Carajás e a Siderúrgica de Itaqui. (São Luís. PLANO DIRETOR,
1977).

Importante não se perder de vista que no processo de constituição do urbano,


mecanismos como os Planos Diretores são pontos nodais da ampla tessitura e coalizões
de interesses presentes no planejamento territorial da cidade, nas políticas urbanas e na
ação das administrações municipais. Materializam esses planos momentos da intervenção
do Estado e do poder local nos usos da terra e na questão urbana. Incidindo assim sobre
eles a dinâmica política das classes sociais e suas frações, representadas nas
organizações e/ou corporações civis e estatais, intentando conciliar interesses públicos e
privados em instrumentos de ordenação territorial e na produção e distribuição dos
equipamentos e serviços coletivos urbanos.
200

Nesse prisma, Ramos (1999) argumenta que as políticas urbanas locais abarcam
muito mais que os meios de reprodução da vida do trabalhador. De modo geral, de
competência da municipalidade, essas políticas incluem infra-estruturas urbanas como os
aterros, as vias de comunicação e transporte, etc., e meios de consumo coletivos com
escolas, hospitais, centros recreativos e de lazer, praças, mercados e feiras e outros
recursos comunitários. Atingem diferentes aspectos, aparentemente desconectados, mas
que na verdade são articulados a uma totalidade social que lhes dá significado em âmbitos
distintos: econômico, fundiário, habitacional, de saúde, educacional, cultural e de lazer.
As políticas urbanas constituem-se, portanto, importantes mecanismos nas
sucessivas estratégias da ação estatal para pôr a cidade sob seu controle e sua sanção
legal e, ao mesmo passo e contraditoriamente, representam conquistas em torno de
direitos urbanos e sociais. É claro, porém, que sob o cânone do direito intervencionista do
Estado medidas de políticas urbanas atuam na composição das forças sociais, sendo ao
mesmo tempo delas representantes, que investindo sobre a terra urbana, a submetem,
fazendo dela, objeto, efeito, mediação e condição cruciais das relações entre o mercado
fundiário-imobiliário, as disputas territoriais e a segregação sócio-espacial.
A intervenção público-estatal na cidade e na questão urbana lida com uma
contradição básica, de um lado, a concepção, a materialidade e a institucionalidade do
padrão econômico de produção e reprodução social hegemônicos na sociedade, de outro,
os interesses não hegemônicos que subsistem na esfera estatal - alguns certamente
voltados para a gestão democrática da cidade -, na sociedade civil e/ou nas lutas
efetivadas a partir de interesses democráticos e populares. É nesse campo de relações e
contradições próprias à relação entre o Estado, a sociedade e a cidade, que se pode
vislumbrar a possibilidade de medidas de políticas urbanas efetivamente contribuírem para
a redução das desigualdades e melhoria das condições de vida urbana dos segmentos
subalternos da classe trabalhadora.
Assim, instrumentos político-jurídicos e administrativos como o Plano Diretor (nas
suas sucessivas versões) procuram disciplinar e afirmar na esfera pública, a canalização
de determinado campo de forças capaz de instituir e constituir discursos legais quanto aos
usos da terra urbana. Na cidade de São Luís, o Plano Diretor de 1977 (1977, p.3) definia
para si os seguintes objetivos:
201

(1) Proporcionar a São Luís condições para receber os impactos dos


grandes investimentos programados; estabelecer uma política
adequada de uso da terra: definir as condições de equilíbrio entre a
ocupação e o meio ambiente; (2) indicar hipóteses de
desenvolvimento urbano, de modo a obter uma utilização racional
das diferentes áreas, mesmo fora dos limites municipais; promover a
adequação dos mecanismos da administração municipal ao sistema
de planejamento proposto; estimular a coordenação
intergovernamental para o desenvolvimento das funções urbanas e
regionais de São Luís; (3) Fornecer as diretrizes para o uso da terra e
o zoneamento; definir os parâmetros de proteção do meio-ambiente,
em seus aspectos ecológicos e estéticos; estabelecer as bases de
um plano de transportes; valorizar o patrimônio histórico.

Mas, desde as ordens emanadas das Ordenações Filipinas, passando pelos


Códigos de Posturas, Leis Orgânicas e Planos Diretores - independentemente das
questões que colocam, dos conceitos que manejam, das teorias que testam, dos
interesses que defendem - a minuciosa legislação contida nesses diversos mecanismos
político-jurídicos de ordenação territorial se confrontada à dinâmica concreta da questão
urbana, indica que o Estado se mostra incapaz ou limitado para a administração e controle
das dinâmicas sócio-espaciais urbanas no Brasil: das vilas coloniais, atravessando as
cidades provinciais do Império, alcançando às cidades e metrópoles do tempo republicano.
A ordenação dos usos da terra, a identificação das tendências de crescimento da
cidade, a força disciplinadora da intervenção estatal na constituição do urbano e as
definições de um planejamento físico territorial eram mecanismos objetivados no Plano
Diretor de 1977 na tentativa de controlar a expansão urbana que apresentava fortes sinais
de desintegração. Mas, as condições materiais de vida nos territórios periféricos e as lutas
por moradia atestavam que a segregação sócio-espacial havia se tornado traço
estruturante da questão urbana em São Luís. Ou seja, nos processos de constituição do
urbano, as oposições entre valor de uso e valor de troca produzem tanto um espaço social
de usos, quanto um espaço de segregação.
Nesse quadro, expressando crítica e resistência às metamorfoses citadinas em
curso em São Luís e ampliando o espaço público, quer dizer, o não-estatal, surgiu uma
série de novos movimentos sociais e políticos. A ASSACRE, por exemplo, questionou e
interpelou a ALCOA.
202

Ela exigia da CDI condições para as famílias das áreas desapropriadas se


estabelecerem em outros espaços da Ilha. Em 1981, o Comitê de Defesa da Ilha impetrava
uma ação contra a ALUMAR, o governo do estado do Maranhão e o ex-governador João
Castelo. O móvel dessa ação era o de impedir a negociação de terras para a instalação da
fábrica e a remoção de 20 mil pessoas de 17 povoados. A ação, julgada em 1987, deu
ganho de causa a multinacional e ao governo estadual. Surgiu o MDFP, uma forma de
organização popular que encorpava a luta por moradia e orientava a ação política da
população atingida pelos programas de despalafitação. A essas lutas e organizações se
juntaram entidades como a Cáritas Brasileira, a Comissão Justiça e Paz, a FASE e os
Sindicatos de Trabalhadores Urbanos. Trabalhos de pesquisa e extensão da UFMA186
também contribuem para formar a rica atmosfera política dessa conjuntura histórica.
A pesquisa que realizei sobre metamorfoses citadinas em São Luís também permitiu
descobrir que, ao longo dos anos de 1990, as alterações nos rumos da urbanização não
apontavam nenhuma tendência de reversão dos graves patamares de segregação sócio-
espacial nessa cidade. Ainda mais: a despeito das questões inerentes ao padrão de
urbanização (padrão enredado nas clássicas questões de limites quanto ao crescimento
econômico, moeda instável, miséria estrutural, desemprego ou empregos precários e suas
repercussões sociais, jurídicas e ambientais na acessibilidade ao direito à cidade), o que
se delineava eram os desdobramentos da reforma do Estado brasileiro e a configuração
de políticas econômicas culturais.
De fato, apropriando-se de um conjunto de situações, delas retirando
potencialidades, um leque de investimentos econômicos (públicos e privados) apoiados
em atividades culturais passou a se insinuar na vida urbana. Tais investimentos têm
relações com a crescente absorção do mundo da cultura nos circuitos de valorização do
capital. Outra alteração nos rumos da urbanização refere-se aos usos públicos e privados
do território citadino, que por caminhos complexos e sinuosos passaram a reforçar a
disseminação segregadora da expansão urbana da cidade de São Luís.

186Considero aqui, por exemplo, projetos desenvolvidos no âmbito do DESES/UFMA, destacando dentre eles: Projeto
Boqueirão (Projeto de Extensão); Trabalho junto ao pescador artesanal da Ilha de São Luís (Projeto de Pesquisa e
Extensão); A Política Nacional de Erradicação de Submoradias junto à População Palafitada de São Luís: uma proposta
de investigação-ação (Projeto de Pesquisa e Extensão); Projeto de Extensão Universitária junto às comunidades
urbanas periféricas – Modelo: Bairro Sá Viana; Projeto de Extensão Vila Embratel; O Desenvolvimento Regional e o
Projeto Carajás (Programa de Pesquisa) e A Expansão Capitalista no Maranhão: transformações sócio-econômicas e
ambientais (Projeto de Pesquisa).
203

3 CIDADES NO BRASIL: espaços estratégicos das atuais realidades


produtivas e espaços de segregação

Procuro, nesta parte da exposição, enfatizar as políticas econômicas de tipo cultural,


produzindo cidades-espetáculos, ao mesmo passo em que se ampliam os mecanismos
político-jurídicos de ordenamento do território citadino e agravam-se os processos de
segregação sócio-espacial urbana, como manifestações expressivas e contraditórias da
atual mutação do espaço capitalista. Tal delimitação impõe que se façam considerações
sobre certos determinantes ligados à produção da infra-estrutura adequada às novas
exigências de fluidez do trabalho, do dinheiro e da informação que se distribuem ao longo
das cidades inserindo-as em processos de reorganização produtiva, territorial, política,
cultural.
O enfoque da especificidade de São Luís nesse cenário aponta para as
circunstâncias, contradições, conseqüências e potencialidades abertas pela efetividade de
estratégias de criação e gestão de condições objetivas e subjetivas, voltadas para ampliar
a imagem da cidade como um lugar singular de expressão e acumulação de formas de
vida produtiva, patrimonial, pública e cultural. Tal especificidade aponta também - a partir
da identificação de referências arquitetônicas, produtivas, políticas e culturais - para
temporalidades desencontradas e coexistentes, para as questões regional e estadual, para
as forças do mercado imobiliário e das ocupações de áreas de terra (terra para morar) na
estruturação do espaço citadino, e ainda, para as dificuldades de efetivação de políticas
públicas urbanas que induzam à transformação da lógica fundiária que regula os usos da
terra e a produção da moradia na cidade.
Desse modo, a reflexão aqui delineada tem como norte uma questão básica: -
como, dinâmicas produtivas, políticas, territoriais e culturais, interpretadas como inéditas,
continuam a reiterar, alterar e/ou instaurar, sobre o plano social, antigas e novas formas de
manifestação de segmentações sociais e segregações espaciais urbanas?
204

3.1 Metamorfoses na constituição produtiva dos territórios urbanos e


políticas econômicas de tipo cultural: a cidade espetáculo

Como já abordado, passo a passo à implantação do PGC e seus impactos sociais e


ambientais187 e da lutas sociais em torno do acesso à moradia, a segregação sócio-
espacial urbana ladrilha, povoa e atinge o território de São Luís, pedaço por pedaço, área
por área. Mas, a despeito da questão urbana que se tornara mais complexa, nessa cidade
e em outras tantas do Brasil, novas estratégias produtivas, políticas, territoriais e culturais -
dobradas umas nas outras, na medida em que a configuração de uma relança a outra
instantaneamente - se puseram a viabilizar, a tecer, a enfatizar, a anunciar novas
liberdades produtivas e a possibilidade de se desenvolverem experiências democráticas
de gestão citadina. Tais processos eivados de contradições estão, no presente, a
reverberar sobre a vida e a questão urbana, ao mesmo tempo em que delas retiram
condições de recriação, sobrevivência e expansão.
De fato, a partir de certo momento, mais precisamente no final da década de 1980,
uma miríade de intervenções, relações e/ou estratégias resultante da fusão de políticas
econômicas, políticas culturais e políticas de comunicação e de marketing passou a aderir-
se à constituição do urbano em São Luís. A partir de então, a criação ou os
redimensionamentos de atividades produtivas, culturais, estatais e urbanas, não
separáveis dos usos e disputas da terra que produz, elimina, transforma ou restitui usos
produtivos aos territórios, começaram a desenrolar-se com todo relevo e visibilidade no
espaço e na vida citadina.

187De acordo com as pesquisas realizadas por Feitosa & Ribeiro (1995) entre os anos de 1981 a 1990 foram instaladas
1.037 novas empresas no estado gerando 26,4 mil novos empregos diretos dentre os quais 25% referem-se aos
empregos gerados pelo PGC. Se por um lado houve a ampliação de oferta de empregos e da participação do Maranhão
no Produto Interno Bruto de 0,87 em 1980 para 1,41% em 1990, por outro lado os indicadores demonstram o aumento do
analfabetismo, elevação dos índices de mortalidade infantil, aumento do custo de vida, do déficit habitacional; baixos
salários, e ainda degradação do meio ambiente, além da infra-estrutura insuficiente. Somem-se a este quadro as
dramáticas condições de trabalho das siderúrgicas (instaladas nos municípios de Acailândia, Pindaré-Mirim e Rosário)
que derretem o minério de ferro, para transformá-lo em ferro-gusa mineral para exportação. Tais siderúrgicas têm sido
responsáveis por vários casos de mutilações e de mortes de trabalhadores, pela ampliação do trabalho semi-escravo nas
carvoarias (trabalho através do qual o carvão vegetal é produzido) e pela contribuição à rarefação de bens naturais
através de um processo de pilhagem e dilapidação das florestas nativas, juntamente com as madeireiras e as fazendas.
O Fórum Carajás, movimento na sociedade civil, que acompanha os impactos sociais e ambientais da implantação dos
grandes projetos no Maranhão vem intensificando as denúncias internacionais quanto à destruição das florestas e a
ameaça à ação extrativista na região.
205

Em volta e a propósito desses acontecimentos trava-se como que uma verdadeira


batalha entre interesses muitas vezes contraditórios que disputam os investimentos
públicos e privados na dotação do território e na produção da imagem da cidade:
investimentos infra-estruturais, restauração de bens imobiliários, novos saberes e
pesquisas, cooperação público-privada, formulação de novos símbolos culturais, leis e
regulamentos em torno do espaço citadino e da vida urbana.
São discursos e linhas de ação que persuadem, sobretudo, por imagens, e
guardam, a seu próprio modo, relações com os contemporâneos e mundiais movimentos
de reorganização territorial e política da cidade. Tais movimentos se ligam, não por
acidente, mas por essência e necessariamente, aos novos nichos encontrados pelo capital
no atual estágio de seu desenvolvimento, nos quais se vinculam formas culturais e sócio-
espaciais de um lado e de outro os novos modos de circulação e organização do capital.
Na sedimentação desses vínculos, certas idéias e estratégias funcionam como
verdadeiros agentes de enunciação. Como ilustração, eu invoco as teses, políticas e
estratégias relacionadas à idéia de desenvolvimento sustentável e a toda uma tendência
de planejamento, o planejamento estratégico de cidades (ou mais precisamente uma
modalidade da tradução da gestão empresarial para o setor público (OLIVEIRA, 2001)),
que se esboça internacionalmente, para tentar preparar às cidades a responderem a cinco
tipos de objetivos: nova base econômica, infra-estrutura urbana, qualidade de vida,
integração social e governabilidade.
A idéia e/ou conceito de desenvolvimento sustentável como referência capaz de
imprimir mudanças nos rumos do desenvolvimento global consolidou-se, no plano
diplomático, ao longo da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada
na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Associado às enormes contradições que pretende
resolver e/ou contribuir para resolver o ideário de desenvolvimento sustentável informa
sobre a necessidade de superação do conceito de preservação ambiental, por outro que
condiciona a preservação a um modelo de desenvolvimento da civilização, fundamentado
no uso racional dos recursos naturais, para que estes possam continuar disponíveis às
gerações que ainda virão.
206

A este desenvolvimento, que não esgota, mas conserva e realimenta sua


fonte de recursos naturais, que não inviabiliza a sociedade, mas promove a
repartição justa dos benefícios alcançados, que não é movido apenas por
interesses imediatistas, mas sim baseado no planejamento de sua trajetória
e que, por estas razões, é capaz de manter-se no espaço e no tempo, é que
damos o nome de desenvolvimento sustentável. (BRASIL. Agenda 21...,
2000, p.2).

No vasto emaranhado formado por discursos, compromissos, proposições e


arcabouço legal do universo conceitual e estratégico do desenvolvimento sustentável,
muito dele relacionado a uma cultura de movimentos ambientalistas que centram suas
plataformas políticas no que é produzido e consumido188, destaca-se o tema das cidades
sustentáveis, para as quais se definem as seguintes estratégias:

(1) uso e ocupação do solo, estratégia voltada para regular o uso e a


ocupação do solo urbano e o ordenamento do território, contribuindo para a
melhoria das condições de vida da população, pela promoção da eqüidade,
eficiência e qualidade ambiental; (2) desenvolvimento institucional,
estratégia dirigida à promoção do desenvolvimento institucional e ao
fortalecimento da capacidade de planejamento e gestão democrática da
cidade, incorporando a dimensão ambiental e assegurando a efetiva
participação da sociedade; (3) produção e consumo, estratégia orientada no
sentido de promover mudanças nos padrões de produção e consumo,
reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de
tecnologias urbanas sustentáveis; (4) instrumentos econômicos, estratégia
arquitetada para desenvolver e estimular a aplicação de instrumentos
econômicos no gerenciamento dos recursos naturais, visando a
sustentabilidade urbana (BRASIL. Agenda 21..., 2000).

É importante enfatizar ainda que os debates e ações em torno do planejamento


estratégico, mais precisamente da construção de um Projeto de Cidade, se esboçam em
franca relação com as estratégias de reestruturação produtiva em direção a uma maior
flexibilidade do capital e do trabalho, as imbricações orgânicas entre a elevação da
competitividade de economias abertas e os Estados Nacionais, e especialmente, a
intervenção de várias agências multilaterais189 no âmbito de políticas territoriais e urbanas.

188 De acordo com Bihr (1998, p.132) o “[...] desconhecimento, pelo ecologismo, do enraizamento da crise ecológica nas
relações capitalistas de produção não limita somente a sua crítica no plano teórico. Limita também, com muita
freqüência, a importância prática (política) dos movimentos ecológicos, fazendo-os entrar em uma série de becos-sem-
saída”.
189
Na abordagem de temas como cidades sustentáveis e plano estratégico parece ser importante não perder de vista o
papel coercitivo das agências multilaterais, através, por exemplo, da concepção do Banco Mundial sobre a política
urbana que orienta a concessão de financiamentos aos países em desenvolvimento.
207

No ano de 1986, em Roterdã, a Conferência de Cidades Européias define e/ou


reconhece as cidades como motores do desenvolvimento econômico. Nascia o movimento
Eurocidades, formalizado, em 1989, em Barcelona, reunindo cinqüenta cidades da Europa.
Tal movimento (o exemplo europeu) se tornou referência para o mundo. Na conferência
Habitat 2, realizada em Istambul, em 1996, delegações de Governos, autoridades locais,
ONGs, setores privados, sindicatos, pesquisadores, associações profissionais,
parlamentares e Igreja se reúnem com objetivos de: melhorar a participação da população
na gestão dos assuntos públicos; encontrar formas de satisfazer as necessidades de
moradia e infra-estrutura das cidades, melhorar a economia urbana, reduzir a pobreza e
criar emprego, minimizar o efeito de desastres causados pelo adensamento populacional
nas cidades, criar um banco de dados com cem práticas urbanas bem-sucedidas.
As teses e as estratégias da proposta do planejamento estratégico aparecem, no
meu ponto de vista, claramente configuradas no relatório preparado por Manuel Castells e
Jordi Borja para a Conferência Habitat 2. Nesse relatório, as cidades são apreendidas
como atores políticos, com protagonismo tanto na vida política como na vida econômica,
social, cultural e nos meios de comunicação. Porque personagens conceituais e planos de
ações estão em pressuposição recíproca, o plano estratégico é assim definido:

[...] um Plano Estratégico é a definição de um Projeto de Cidade que


unificam diagnósticos, concretiza atuações públicas e privadas e estabelece
num marco coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais
urbanos... As grandes cidades devem responder a cinco tipos de objetivos:
nova base econômica, infra-estrutura urbana, qualidade de vida, integração
social e governabilidade. Somente gerando uma capacidade de resposta a
estes propósitos poderão, por um lado, ser competitivas para o exterior e
inserir-se nos espaços econômicos globais, por outro, dar garantias a sua
população de um mínimo de bem-estar para que a convivência democrática
possa se consolidar. (CASTELLS & BORJA, 1996, p.152).

Assim, precedidos pelo real que procuram exprimir e/ou enfrentar, os novos
discursos sobre a cidade contemporânea, reunindo saberes e mecanismos sobre (re)
ordenamentos territoriais aceitáveis e passíveis de incorporação, criam e / ou reforçam
uma série de redes sociais e institucionais presentes nas cidades. Isto se faz porque já
foram acionados os dispositivos econômicos, sociais, políticos e culturais que possibilitam
a passagem do discurso instituinte à condição de discurso instituído.
208

Dá-se então a articulação de políticas de caráter transversal, voltadas para gerar um


ambiente urbano propício à ação empreendedora e às atividades produtivas, capazes de
envolver diversas instâncias ou atores públicos e privados (denominados parceiros)190 tais
como: agências multilaterais, governos estaduais e municipais; instituições de apoio
técnico à atividade produtiva, instituições públicas, instituições financeiras, associações
empresariais locais, movimentos sociais.
Dentre os vários perfis urbanos delineados a partir da estreita relação entre o
espaço social e o espaço produtivo, estruturados mediante interação comunicativa e
relacional, o de cidade-espetáculo ganha corpo. A busca de construção desse perfil
aparece nas (re) configurações da infra-estrutura, imagem e gestão urbana próprias às
cidades transformadas em patrimônios históricos e culturais da humanidade. Nessas
cidades, chama a atenção os novos planos da vida urbana que se tecem nas malhas de
antigos planos para formar uma nova axiomática de relações e de fluxos: de capital, de
atividades laborais, de produtos, de informações, de símbolos, de imagens, de
mercadorias, de políticas públicas assumindo formas de políticas culturais, de novos
saberes e discursos sobre a cidade.
É como se o conjunto da vida citadina, principalmente, o patrimônio natural,
arquitetônico e cultural, fosse atravessado, abalado e revestido por uma forte reversão de
significados. Descortinam-se novas percepções, outros interesses, diferentes habilidades
nas esferas do trabalho, da política, da cultura e dos usos do espaço urbano. Diversos
investimentos autorizam novas formas de ação aos agentes econômicos, sociais e
culturais. Formam-se redes de cooperação produtiva, muitas delas apoiadas nos sistemas
técnicos das redes informáticas e de telecomunicações.

190 O projeto Simplesmente Copacabana desenvolvido pela Prefeitura Municipal da cidade do Rio de janeiro pode ser
tomado como um exemplo de estratégias de desenvolvimento econômico e social, a partir da articulação entre sociedade
civil, governo e iniciativa privada. Realizado entre 1995 e 1997 tal projeto objetivava transformar os bairros de
Copacabana e Leme, localizados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, em modelos para trabalhos de revitalização
urbana referenciados na participação publico-privado. As indicações apresentadas a seguir permitem à compreensão das
linhas gerais, das ações e das parcerias efetivadas no projeto Simplesmente Copacabana. CONSELHO: Banco Real /
Prefeitura / Comunidade. COORDENAÇÃO EXECUTIVA: Dialog / Agência 21. ASSESSORIAS: Projetos, Comunicação,
Atendimento e Administrativa. INSTRUMENTOS: (1) Interação - Disque 156 e Pesquisa; (2) Comunicação – Jornal; (3)
Mobilização - Grupo Indutor. PROJETOS: (1) Vetor Cidadania e Educação - Prêmio Escolas e Comitês (Segurança,
Despoluição, Fiscalização (156),) Relacionamento, Saúde e Praças; (2) Vetor urbano - Rio Cidade, Simplesmente Linda
e Simplesmente Limpa; (3) Vetor Comercial: Open Mall, Clube Melhor Idade, Condomínio, Profissionais Liberais e
Turismo; (4) Vetor Cultural: Arte na Rua e Rio Foto Grafite. ATIVIDADES: Promoção do voluntariado como instrumento
basilar de desenvolvimento comunitário, Comitês Temáticos, Disque 156, Juizado de Causas Especiais, Recolhimento e
Encaminhamento de População de Rua, Mapeamento e Fiscalização dos problemas dos bairros, Cadastramento e
Realocação de Camelôs e Pintando o Verde em Copacabana.
209

Nesses movimentos e numa espécie de frêmito pelo passado, partes da cidade se


encaixam no presente, ajudando de algum modo a tornar possível o contemporâneo, no
qual o local e o global, aqui entendidos não como termos opostos, mas complementares
em alguns processos, e contraditórios noutros, se fundem e/ou colidem.
Produto de uma complexa articulação local, nacional e internacional o título
Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, que a UNESCO atribuiu à cidade de São
Luís, constitui-se ponto culminante de um amplo leque de estratégias e investimentos
públicos e privados no sentido de sedimentar o quê passou a ser considerado, por
expressivos segmentos estatais e da sociedade civil, uma vocação da cidade: o turismo. É,
portanto, nos marcos da frenética estetização mundial de antigos centros urbanos191, que
a cidade de São Luís, vem transformando-se numa mercadoria em forma de espetáculo.
Porque a arquitetura conserva, embora, de fato não dure mais que seu suporte e
seus materiais, pedras, azulejos, gradis de ferro, etc., ela produz objetos, dentre eles
formas arquitetônicas urbanas (a exemplo dos centros e edifícios históricos das cidades).
Muitas vezes, essas formas, verdadeiros objetos fundiário-imobiliários, excedem às
dinâmicas econômicas, políticas, territoriais e sócio-culturais que as construíram em seus
momentos seminais, porque foram protegidas, de algum modo, por ideários e ações
preservacionistas. Assim, o traço de cidade espetáculo que se expressa em São Luís tem
como principal suporte material e patrimonial um conjunto de edificações com feição
arquitetônica colonial civil portuguesa, adaptada ao clima equatorial, com sua tipologia
tradicional de sobrados, palacetes, solares e mirantes, algumas edificações nada mais que
escombros, outras, objeto de festejadas obras de restauração192. Tudo isso identifica algo
singular: o maior conjunto arquitetônico e ambiental de tradição colonial portuguesa na
América.

191 A revitalização de espaços públicos - seja através de obras de embelezamento, da promoção do espetáculo, ou do
resgate do patrimônio cultural e histórico - integra, na visão de Harvey (1992) o marketing urbano, um elemento chave
da atual competição entre cidades.
192 “E conto que fui, nestes dias, ao Portinho comprar uma barra de gelo à Rua da Manga, quando um susto de

encantamento me envolveu. A rua que conheci toda a vida enlameada, com água eterna a correr está - não só ela, mas
também as suas transversais - enxuta, de calçamento novo, casario pintado de fresco. As ruelas estreitas e tortuosas
que descem da Igreja do Desterro e vêm dar à Praça do Pescador (limpa e de quiosques novos) estão também
recuperadas. Tomada pelo clima da novidade, me deu uma vontade estrangeira de andar como turista pelo resto do
bairro. Subi uma daquelas ruazinhas rumo à Igreja e fui a pé até o Convento das Mercês. Aquele trecho final da Rua da
Palma regurgitava de moradores indo e vindo, sentados em cadeiras nas calçadas ou postados nas janelas. Percebi-lhes
nos rostos o orgulho de suas casas pintadas, das calçadas novas, dos lampiões e a dignidade que tudo isso dá.
Compartilhei desse sentimento e cheguei a sentir saudades de ter uma casinha ali”. Trecho da crônica O Centro Histórico
e as boas notícias, de Ceres Costa Fernandes, publicada no jornal O Estado do Maranhão, de 5 de agosto de 2001.
210

De acordo com o ICOMOS foram três os quesitos técnicos que fizeram de São Luís,
Patrimônio Cultural da Humanidade. São eles: (1) Testemunho excepcional de tradição
cultural. Esse quesito se refere à grande preservação do casario colonial no centro
histórico de São Luís, considerado como retrato preservado da presença portuguesa na
América nos século XVIII e início do XIX; (2) Exemplo destacado de conjunto arquitetônico
e paisagem urbana que ilustra um momento significativo da história da humanidade. O
centro histórico de São Luís é considerado a maior área de arquitetura colonial portuguesa
existente no Brasil; (3) Exemplo importante de um assentamento humano tradicional, que
também é representativo de uma cultura e de uma época. A ausência de modificações ao
longo do tempo na área central da cidade preservou um conjunto muito homogêneo
apesar da grande extensão, cerca de 3.500 prédios históricos.
Esse espaço particular, em que diversas temporalidades históricas, apesar de suas
oposições, estão a se entrosar, é a antiga área central de São Luís, cidade cujo primeiro
perfil urbano - conforme explicitado no primeiro capítulo desta exposição - considerei
expressão histórica cabal da fundação de cidades como estratégia de defesa e
povoamento de terras e territórios conquistados, anexados e subjugados nos marcos dos
processos históricos de constituição e consolidação da América portuguesa.
Trata-se da área espacial em que, por volta de 1800, os senhores do Maranhão
promoveram intervenções urbanas, principalmente de caráter privado, com a construção
de pontos comerciais e residenciais, a maioria deles abrigados em verdadeiros palacetes
coloniais. Trata-se, mais precisamente, o perímetro em referência da Praia Grande, que a
partir de 1960, com a perda da importância portuário-comercial da cidade assistiu seu
vigor comercial declinar. Numa conjuntura histórica na qual nação, consumo e
modernização (contrapondo-se às teorias do imperialismo e da dependência cultural) se
orientaram para o cosmopolitismo, em São Luís, negando a cidade colonial, o ideal da
cidade moderna, apesar de não ter conseguido produzir nenhum programa de renovação
urbana nos moldes de Pereira Passos, desvalorizou a área do ponto de vista fundiário-
imobiliário e levou as elites a outros modos de morar. É esse o espaço principal a servir de
base para a produção de um novo território no qual o passado e o presente da cidade,
conjugados, não merecem condenação, mas exaltação, (re) valorização. Os prédios e/ou
escombros da cidade colonial deixam, então, de serem considerados estorvos.
211

Figura 18
MATERIAL PUBLICITÁRIO SOBRE A PRAIA GRANDE (2002)
(Prefeitura Municipal de São Luís)
212

Como modalidades de representações alegóricas da história (JAMESON, 1986),


articuladas a formas mercantilizadas de cultura numa gama bastante variada de material
publicitário (recursos multimídia), expressão de parte de um discurso institucionalmente
permitido ou autorizado, São Luís é recoberta de títulos e representações; clichês e
imagens, atualizando-se assim uma antiga tradição da cidade193. Como um momento
dessa tradição infinitamente redobrada, a cidade é retratada como um paraíso: sensual,
alegre, multiétnica, libertária, misteriosa.

Conheça São Luís nas férias. A cidade reluz com os raios de sol e o cair da
tarde é um convite para um passeio pelo Centro Histórico. Por isso, a
Prefeitura de São Luís, através da Fundação Municipal de Turismo –
FUMTUR convida você para conhecer um pouco da nossa história e de
nossas lendas, contadas entre becos, mirantes e sacadas, num passeio a pé
pelo bairro onde nasceu São Luís. (Material Publicitário da FUMTUR, 2002).

Em São Luís, cada sobrado guarda um mistério, cada ladeira uma história e
as lendas passeiam entre becos e ruas de boca em boca, sabedoria do
povo, que conserva por séculos a marca da miscigenação. Fundada por
franceses, de quem herdou o charme, para mais tarde se tornar portuguesa,
São Luís é uma cidade mágica de cores, beleza e gente hospitaleira. De
uma pulsação frenética vive uma festa de ritmos o ano inteiro: janeiro,
fevereiro e março dançam pela música de suas bandas, blocos tradicionais,
tambor de crioula, no maior Carnaval de rua do país. Junho é tempo de São
João, São Pedro e São Marçal, o ritmo é do bumba-meu-boi com seus
vários sotaques (matracas, zabumbas e orquestras); outubro é o mês da
Micareta, e o resto do ano o som vem das 'pedras de responsa', que
transformam a Ilha da Capital Brasileira do Reggae. De um litoral magnífico,
possui baías, ilhotas e uma imensa extensão de praias servidas por bares e
restaurantes que oferecem pratos da cozinha maranhense de paladar
inigualável para ninguém botar defeito. São Luís registra em cada pedaço do
seu traçado urbano e arquitetônico a sua imagem de Cidade Patrimônio
Cultural da Humanidade. (Material publicitário do Hotel SESC, 2002).

193 Numa espécie de inventário dos títulos atribuídos à cidade de São Luís, a Revista Caminhos do Maranhão identifica
os seguintes: (1) Upaon -Açu, como os índios tupinambás, seus primeiros habitantes, chamavam esta região do
Maranhão; (2) França Equinocial, denominação dada pelos franceses quando da ocupação do território em 1612; (3)
Sant Louis, nome dado pelos franceses à área do forte construído em 1622; (4) Ilha dos Azulejos, pelo expressivo uso de
azulejos coloridos que passaram a revestir as fachadas dos sobrados e casarios coloniais a partir do século XVIII; (5) Ilha
do Amor, numa alusão a poemas de poetas românticos como Gonçalves Dias, Sousândade, Maria Firmina dos Reis -
aos quais a cidade de São Luís serviu como fonte de inspiração, (6) Athenas Brasileira, pela decantada vocação a
Literatura e a Poesia dos moradores da cidade; (7) Ilha Rebelde, pelos episódios de luta e resistência da população da
cidade contra desmandos governamentais e injustiças sociais; (8) Ilha de Todos os Ritmos, referência aos vários
tambores, ritmos, sotaques, danças, estilos; (9) Terra do Boi de Matraca, referência a um dos sotaques do Bumba-meu-
boi; (10) Arraial do Brasil, alusão aos festejos juninos onde dançam grupos de bumba-meu-boi e outras danças como
Cacuriá, Lêlê, Caroço, Boiadeiro, Quadrilhas, etc.; (11) Jamaica Brasileira, faz remissão a acolhida do reggae jamaicano,
(12) Patrimônio Cultural da Humanidade, título concedido pela UNESCO no ano de 1997.
213

A cidade se dá a si própria em espetáculo através desses fragmentos de discursos.


São indícios da enorme dilatação da esfera da cultura operando na produção de
estratégias no sentido de tornarem determinados espaços atraentes para investimentos
capitalistas, hoje altamente móveis; e para consumidores. São exemplos de imagens e
representações que fazem parte da produção ativa de lugares supostamente dotados de
qualidades especiais se constituindo num trunfo na competição entre cidades, regiões,
estados, nações. A produção dessas imagens se faz acompanhar da criação dos
chamados novos lugares da memória. Neles são formados e reorganizados acervos
patrimoniais e museológicos locais, que também podem ser apreciados em programações
especiais das redes de televisão locais e nacionais ou no território eletrônico da Internet.
Nesse panorama, atualizando suas formas de intervenção na constituição do
urbano, o Estado194 vem tendo papel decisivo, incluindo-se alternativas de política
macroeconômica e atuação diplomática, nas definições e competição das cidades em
torno de investimentos econômicos. Assim, ao mesmo tempo em que protagoniza a
desarticulação dos padrões de seguridade social vigentes no Brasil através da reforma do
Estado195 - e seus processos de privatização, publicização e terceirização -, a ação estatal
brasileira vem assumindo papel estratégico na produção de climas favoráveis aos
negócios da cidade-empreendimento. Tendo por base a geração de múltiplos mecanismos
de cooperação econômica, social e de participação (cooperação público-privado), o Estado
converte-se, então, numa mediação crucial à montagem dos circuitos multiculturais tendo
em vista a produção e consumo de bens materiais e simbólicos.

194
Considere-se, dentre outras, a análise de Lefebvre (1974) no que concerne às teses e estratégias políticas e
institucionais neoliberais voltadas para retirar o Estado da prestação de serviços públicos. Para este pensador, tal
desenlace não supõe alterar o lugar decisivo da ação estatal na reprodução das relações de dominação. Trata-se,
portanto, de um momento peculiar do trabalho político, à medida que, as formas contratuais, que tomam as relações de
equivalência continuam fundamentais. Se os contratantes, considerados iguais são sempre desiguais, a coerção é assim
inerente ao contrato e a presença do Estado é necessária para garantir tanto a validade e a execução dos trabalhos
como a igualdade jurídica das partes envolvidas no Contrato.
195 No Brasil, tal reforma assenta-se, resumidamente, numa compreensão da crise estatal nos seguintes termos: uma

crise fiscal caracterizada pela crescente perda de crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna
negativa; o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o
Estado do bem-estar nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importação do Terceiro Mundo e o
estatismo nos países comunistas; e a superação da forma de administrar o estado, isto é a superação da administração
pública burocrática. Neste sentido, são consideradas inadiáveis medidas como: (1) o ajustamento fiscal duradouro; (2)
reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam
a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; (3) a reforma da
previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo
melhor qualidade para os serviços sociais; e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua
governança, ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas. (BRASIL, Presidência...,
1995).
214

Com efeito, em São Luís, vem ampliando-se e redimensionando-se a investida


estatal sobre as normas públicas e os usos privados do território urbano e espaços
citadinos particulares. A partir dos anos 1970, acompanhando à tendência nacional e
mundial de preservar formas urbanas do passado, o controle do patrimônio histórico
começou a ganhar instrumentos político-jurídicos sucessivos.
▀ Em 1970, o Instituto de Patrimônio Histórico Nacional, após estudos técnicos,
inscreve no Livro do Tombo Brasileiro os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Largo
da Igreja do Desterro, da Praça Benedito Leite, da Praça João Lisboa e da Praça
Gonçalves Dias, completado em 1974, com a inclusão das áreas espaciais da Praia
Grande, Desterro e Ribeirão.
▀ Em 1973 o arquiteto Viana de Lima, a serviço da UNESCO, elaborou um Plano de
Preservação para São Luís e Alcântara. Em 1986, o governo estadual realizou o
tombamento do maior conjunto do patrimônio histórico da cidade, na área do zoneamento
que a Lei Municipal n. 2.527 de 1981 já determinara como de interesse histórico.
▀ Concebido desde 1979, pelo governo estadual, através da Secretaria de Cultura o
Projeto Reviver196 - ação estatal de produção e gestão de estratégias e ações que
promovem a celebração entre o passado colonial e a diversidade cultural da cidade - se
desdobra, em 1988, no Projeto Praia Grande, experiência de restauração e revitalização
de conjunto histórico da Praia Grande. A intenção era a de dotar de sentido cultural um
espaço que surgira com vocação comercial, tendo em vista, prioritariamente, a
implantação de atividades voltadas ao turismo e ao lazer cultural.
▀ Com base na Lei 3.999, de 3 de dezembro de 1978, que dispõe sobre o
Patrimônio Histórico e Artístico do Maranhão, o governo estadual decretou o tombamento,
em março de 1986, da área do Centro Histórico de São Luís, definida na Lei de Uso do
Solo e Zoneamento, de julho de 1981, como Zona Especial e que, até então, contara
apenas com a regulamentação municipal para sua proteção. O Decreto 10.089 confirma o
tombamento integral da área caracterizada por acervo predominantemente de valor
histórico-cultural, uma vez que o tombamento federal anterior se limitara às áreas do
Ribeirão, Praia Grande, Desterro e Portinho.
196O Projeto Reviver também atuou em áreas contíguas ao território da Praia Grande e em outros sítios históricos da
cidade de São Luís. Dentre intervenções dessa natureza destacam-se a obras de restauração do Teatro Arthur Azevedo,
nas Fábricas do Anil e Cânhamo e no Sítio do Físico.
215

Figura 19
MATERIAL PUBLICITÁRIO SOBRE SÃO LUÍS (2002)
(Fonte: Prefeitura Municipal de São Luís)
216

O raio da ação estatal, de certo modo incorporando a capacidade do empresariado-


político local de antecipar e acelerar uma metamorfose em gestação, passou a priorizar a
produção da imagem da cidade. Tal estratégia tem com alvo conferir importância
estratégica aos serviços peculiares ao consumo cultural. Visando à concretização de
ações dessa natureza o desenvolvimento de atividades imateriais (pesquisa, comunicação,
marketing, design, gestão empresarial, parcerias) e de serviços (entretenimentos e
hotelaria, por exemplo) destacam-se sobremaneira.
O Plano Maior de Turismo do governo do estado do Maranhão (financiamento Banco
Mundial/PRODETUR) no qual a cidade de São Luís integra o pólo dedicado ao turismo
cultural é uma ilustração cabal dessa tendência. De modo geral, as estratégias e ações
voltadas para a apresentação da cidade como um lugar dotado de qualidades especiais,
se fazem, ao mesmo passo, de outras tantas estratégias e/ou macro-projetos
governamentais e empresariais dirigidos à promoção turística de outras áreas do
Maranhão (Alcântara, cidade monumento; São José de Ribamar, devoção e fé no santo
padroeiro; Lençóis Maranhenses, um deserto forrado de piscinas); assim como às
potencialidades desse estado para a implantação de indústrias de transformação197.
Em São Luís, as intervenções que remontam ao Projeto Reviver, assim como a
construção da Avenida Litorânea e as obras de urbanização na Lagoa da Jansen, podem
ilustrar a política investimentos urbanos para áreas citadinas estratégicas. São projetos
que parecem seguir à risca as seguintes indicações:

O papel promotor e a liderança local podem assim concretizar-se na


definição das grandes obras públicas financiadas pelo Estado; na
recuperação das áreas obsoletas [...]; na definição de novas figuras de
planejamento que o vinculem à execução de projetos; na possibilidade de
criar 'boldins', consórcios ou empresas mistas; na execução conjunta, com
outras administrações e com agentes privados, de grandes operações de
desenvolvimento urbano; reabilitação de centros antigos, planos de uso, etc.
(CASTELSS & BORJA, 1996, p.162).

197Sucessivos governos estaduais têm procurado, a todo custo, identificar e descrever as vantagens comparativas que o
Maranhão teria a oferecer ao investidor privado, nacional e estrangeiro. No documento Infra-estrutura de longo alcance
para o desenvolvimento sustentável (SEPLAN, 1999), por exemplo, são enfatizadas expressivas vantagens que este
estado apresentaria, por exemplo, em logística inter-oceânica e terrestre. O documento assinala, ainda, o potencial do
Maranhão no desenvolvimento de indústrias de transformação com base, especialmente, na metalurgia do ferro, cobre e
ouro, cujos minérios se encontram na grande reserva de Carajás. Enumera, também, vantagens no agribusiness, com
base na agricultura florestal e de grão (soja, milho, arroz, carnes, etc.).
217

No campo do planejamento e gestão da cidade merece também destaque as


iniciativas do governo municipal em torno do chamado planejamento estratégico. Dois
grandes eventos promovidos pela Prefeitura Municipal de São Luís, o I Seminário do PEC:
Planejamento Estratégico da Cidade, realizado no período de 5 a 7 de dezembro de 2001
e o II Seminário do PEC : Pensar a Cidade, realizado no período de 25 a 26 de julho de
2002, atestam à importância conferida ao planejamento estratégico como capaz de
contribuir na mobilização social em torno da cidade. No primeiro Seminário, o presidente
do IPLAM teceu a seguinte argumentação:

Buscamos nesse processo um alinhamento, uma aproximação com aquilo


que se movimenta por conta própria e não apenas uma unidade de ação,
algo que seria inapropriado para o desenvolvimento da cidade, pois essa já
tem uma história e um modo de se fazer, um modo diversificado e com
várias lógicas. Linguagens e interesses distintos segundo cada um de seus
atores e na correlação de forças existentes entre elas. È importante a
construção de uma rede para o desenvolvimento da cidade, articulada não
em um, mas em diversos fóruns populares e temáticos realizados de forma
periódica, mobilizadores, para pensar e propor ações estratégicas a serem
discutidas num grande congresso. (SÃO LUÍS, 2002, p.18).

No texto - Documento Preliminar Planejamento Estratégico de São Luís - MA: 2001,


as temáticas do desenvolvimento sustentável e da boa governança comparecem
plenamente articuladas. O planejamento estratégico pensado para a cidade diz pretender
construir um pacto local que, para além da perspectiva social, indique as opções
urbanísticas e as bases de um novo modelo de desenvolvimento para São Luís: o
desenvolvimento sustentável. Para tanto, apontam-se os seguintes objetivos: (a) Renovar
a identidade de São Luís; (b) Garantir a modernização e a coesão da cidade; (c) Projetar a
dimensão nacional e internacional de São Luís; (d) Potenciar o exercício de uma cidadania
ampla; (e) Determinar metas para que a cidade ganhe competitividade e melhor qualidade
de vida em médio prazo; e (f) Estimular a convergência das estratégias dos agentes locais,
com capacidade e recursos organizacionais, humanos e financeiros, para realizar um
projeto possível de cidade desejada.
A propósito das dinâmicas urbanas onde se mesclam os discursos e as estratégias
relacionadas à cidade competitiva e a cidade sustentável, Sanchez (2001, p. 162) faz a
seguinte observação:
218

A revitalização e a renovação urbanas, quando tornados espetáculos da


cidade que se apresenta em sintonia com os impulsos globais, constroem a
referência simbólica de uma possível convivência e complementaridade
entre a cidade competitiva e a cidade sustentável. Os novos espaços
representam emblemas, sínteses eloqüentes de uma nova maneira de fazer
a cidade: a cultura e o lazer mercantilizados, os pólos de atratividade
turística geradores de renda, os projetos ecológicos de recuperação de rios
e fundos de vale e a criação de parque; associados a grandes imobiliárias
de condomínios de alto padrão. (SANCHEZ, 2001, p. 162).

De fato, no âmbito da questão urbana (real, efetiva) as estratégias voltadas para


melhorar a imagem da cidade não conseguem escamotear a histórica e contraditória
relação entre valorização fundiária, investimentos públicos em infra-estrutura urbana e
modos segregados de moradia. Salta aos olhos a confirmação das contradições que se
manifestam na dimensão espacial do desenvolvimento econômico e social e na
necessidade permanente de atualização do controle sobre os modos de apropriação e
usos198 do espaço citadino.
Porque esses processos são inseparáveis, quando se concluíram as obras de
urbanização em volta da Lagoa da Jansen, por exemplo, logo começou a aflorar uma de
suas conseqüências mais previsíveis: a valorização das casas e terrenos localizados
próximos à Lagoa. No dia 6 de janeiro de 2002, o jornal O Estado do Maranhão sublinhava
a relação entre investimentos públicos e valorização fundiária Valorização às margens da
Lagoa. Preço de imóveis e terrenos na área da Jansen deve subir mais de 100% com
a instalação de novos empreendimentos.
Efeitos redistributivos de decisões tomadas no âmbito estatal de um sistema
urbano? Sim e não. As vantagens dos efeitos úteis da aglomeração, como já abordado ao
longo desta exposição, são apropriadas desigualmente pela população urbana. Ainda
mais: Mudanças nas formas espaciais da cidade que provocam alterações, em valor, nos
direitos de propriedade, e em conseqüência na renda da terra, mediante valorização
fundiária e imobiliária, são acompanhadas de significados culturais e simbólicos que
abalam, ou não, a segurança da propriedade.

198 Os usos são aqui entendidos como o conjunto de atividades realizadas no território citadino. Ao tratar desse tema, a
Lei 3.523, de 29 de dezembro de 1992 que Dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano,
lista a seguinte categoria de usos: (1) Uso comercial em geral, (2) Serviços, (3) Uso institucional, (4) Usos especiais, (5)
Uso residencial em geral e (6) Uso agrícola e pecuário.
219

Tais significados são, portanto, importantes mediações da organização territorial, da


configuração de modos segregados de moradia ou ainda da emergência de inéditos
conflitos advindos da coabitação de zonas sociais de enriquecimento em meio a antigas
áreas periféricas. Minha casa não combina com a beleza da Lagoa da Jansen e não tenho
dinheiro para recuperá-la, por essa razão quero vendê-la, diz uma moradora não afetada
pelos programas estatais de remanejamento de populações, articulados no sentido de
retirar antigos moradores da área da Lagoa.

Figura 20
COHABITAÇÃO DE CONDOMÍNIOS E ANTIGAS MORADIAS (LAGOA D'JANSEN - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias
220

Dentre as expressões das metamorfoses citadinas convergentes à produção da


Cidade-Espetáculo199 quero enfatizar ainda aquelas relacionadas ao mundo do trabalho.
No presente, um movimento sinuoso articula e/ou opõe políticas que combinam certas
exigências da economia globalizada e os quadros de desemprego e/ou precarização que
atinge o trabalho e os trabalhadores em São Luís. Nessa cidade, na qual desde os tempos
coloniais, certos ofícios ou profissões - sapateiros, ferreiros, carpinteiros, alfaiates e
costureiros, pedreiros e mestres de obras, ceramistas, pescadores, mascates e
vendedores ambulantes, etc. - nunca deixaram de responder pela reprodução de parte da
população, o incremento da produção e venda de artesanatos, agora orientados pela
ampliação e/ou sofisticação das linhas de artigos para o uso decorativo dos produtos,
confirma-se como possibilidade de acesso a rendimentos. A atividade artesanal já tornada
como que um apagado decalque de um vigoroso e autônomo modo de realizar ofícios e
produzir bens utilitários (jacá, tapiti, sacola, tarrafa, corda, rede, vassoura, chapéu, etc.)
ganha ou volta a ganhar importância.
Casarios, ruas, becos, mirantes, azulejos, soleiras e beirais, assim como os festejos
do bumba-meu-boi inspiram pinturas em óleo ou aquarela. Saltam para camisetas, bonés,
sacolas, correndo o mundo em formas de imagens e recordações. Os participantes de
manifestações culturais locais como o bumba-meu-boi e os pregoeiros (sobreviventes da
cidade colonial), com toda sua riqueza cromática, ora são lembrados em pequeninas
figuras feitas de fragmentos de arame, pano, rendas, tules, linhas, fitas e paetês; ora em
quadros, talhas de madeira e alumínio. São poucos exemplos dos inúmeros produtos
surgidos da fusão entre trabalho artesanal e as tradições culturais e arquitetônicas da
cidade, dimensões que se entrelaçam, cada vez mais, com o mundo das mercadorias.
Assim se gesta a revalorização do trabalho e produtos do trabalho do artesão e, sobre ele,
o ideal de uma relação orgânica entre determinadas modalidades de trabalho e
modalidades de cidadania.

199Adoto aqui o termo usado por Sanchez (1997) quando faz referência a aspiração de tornar a cidade competitiva: ao
movimento de transformar as cidades em produtos para o mercado. Aspiração perseguida por hábeis gestores do city
marketing que pretendem também como que produzir uma nova cidadania, um novo modo de ser e viver na cidade.
Esse modus vivendi articula-se a processos de socialização com pautas de vida estimuladas pelos meios de
comunicação. Para fora, a imagem da cidade (a mercadoria-cidade) serve para vendê-la mediante estratégias que
incremental seu atrativo comercial, turístico e cultural, procurando atrair investimentos. Para dentro a mercadotecnia
urbana engendra uma participação que supõe, fundamentalmente, coesão, cooperação. Forma-se, então, a cidade-
pátria nos termos sugeridos por Vainer (2000), onde qualquer resistência, ação ou pensamento não consensuado pode
ser considerado como desamor à cidade.
221

Como uma das estratégias de incremento do atrativo comercial, turístico e cultural


da cidade encontra-se a criação de espaços especiais para produção e comercialização de
artesanatos locais. Nada mais ilustrativo das metamorfoses citadinas em curso na cidade
de São Luís e dessa estratégia do que a criação do CEPRAMA exatamente no prédio
construído originariamente para abrigar uma das mais importantes unidades fabris têxteis
do Maranhão: a fábrica Cânhamo. A atividade artesanal - agora inserida num espaço
territorial ampliado virtualmente por redes de cooperação produtiva - é que desperta o
antigo prédio fabril e relança-o numa outra dinâmica produtiva, territorial, urbana.
Mesmo que imersas num quadro (local e nacional) de drásticos limites de acesso ao
mercado formal de trabalho, a valorização do artesão e a criação de pequenos
empreendimentos200 e de cooperativas de trabalho se fazem cercada por toda uma
retórica de retomada do poder de criação e de negociação que supostamente teriam sido
negados pela racionalização científica da produção e pela rigidez das relações salariais.
Dessa maneira, nas cidades do Brasil, a exemplo de São Luís, inúmeras políticas e
mecanismos institucionais articulados na estratégia crédito e capacitação no combate à
pobreza ajudam a dar concretude a tal retórica201. Contudo, as atividades artesanais
realizadas em pequenas oficinas empregadoras de força de trabalho não submetida à
relação salarial formal, inseridas, portanto, no que se convencionou denominar economia
informal e as especializações do trabalho e funções de baixa remuneração ligadas ao
turismo, limpeza, eventos culturais parecem não ser capaz de alterar a questão do
emprego em São Luís.
Muitas atividades artesanais, na verdade, somente reforçam a precariedade do
trabalho urbano, a exemplo daquele desenvolvido pelos camelôs. Segundo o Relatório de
estudo exploratório sobre o comércio informal do centro de São Luís (1997, p.26-27) o
ganho obtido pela maioria dos trabalhadores do comércio ambulante é “[...] deveras baixo,
de modo que 86,54% destes trabalhadores só obtêm um lucro mensal de até dois salários
mínimos e destes, 15,61 só obtêm um lucro mensal de menos de um salário mínimo”.

200 De acordo com dados do IBGE (PNAD, 1999) existiriam no Brasil 19,5 milhões de microemprendimentos dessa
natureza dos quais 6,5 milhões localizados no Nordeste.
201 Tome-se como exemplo o programa Crediamigo do Banco do Nordeste, agente e instituição do governo federal para

o desenvolvimento da região que investe na capacitação como um produto complementar ao crédito.


222

Acontece que as implicações sociais das reiteradas crises econômicas,


independentemente das questões regionais, sempre se manifestaram no Brasil lastreadas
por taxas médias de crescimento do emprego abaixo da expansão da população urbana.
Mesmo com os impactos das transformações ocorridas entre a Segunda Guerra e o final
dos anos 1970 na estrutura do emprego, na renda e na ocupação espacial urbana, as
taxas ascendentes de crescimento do emprego (4,31% nos anos 50, 4,63% nos anos 60 e
6,42% nos anos 70) sempre estiveram aquém do crescimento da PEA. Apesar da
ampliação do trabalho formal e registrado, as atividades informais (formas alternativas de
renda familiar) passaram a fazer parte da vida de amplos segmentos de trabalhadores
urbanos, ao mesmo passo do aumento de mulheres e crianças trabalhadoras202.
Na cidade de São Luís, no campo das transformações do trabalho destaca-se ainda
um conjunto de ações estatais e privadas voltadas para a qualificação ou requalificação da
força de trabalho urbana203. Um exemplo: Os Cursos de sensibilização turística para
taxistas promovidos pela FUMTUR, no contexto do Planejamento Estratégico do Turismo.
Os taxistas participam de treinamentos e oficinas sobre os atrativos culturais, históricos e
naturais da cidade, ministrados, quase sempre, por um representante da ABBTUR. Ações
dessa natureza fazem parte do projeto São Luís, Cidade Anfitriã204 que procura sensibilizar
profissionais da linha de frente do turismo. São ações realizadas para fortalecer a
chamada hospitalidade ludovicense.
Por tudo o que já foi exposto e sem perder de vista que a cidade sempre foi decisiva
na formação e dinâmica de diversos movimentos culturais, comungo do ponto de vista
quanto à presença de elementos novos no cenário da vida urbana contemporânea. Muitos
desses elementos dizem respeito a uma modificação substantiva da própria esfera cultural,
ou melhor, a uma aceleração da capacidade do capital de criar mercadorias culturais.

202 Ver sobre o assunto, dentre vários, CACCIAMALI (1991).


203
É importante não perder de vista o surgimento (Governo FHC) no Brasil do Plano Nacional de Qualificação do
Trabalhador (PLANFOR), coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) como um dos pilares das
chamadas políticas de “mercado de trabalho”, expressando a consideração (tendência internacional) da educação
profissional como forma de combate ao desemprego.
204 O projeto, iniciado no ano de 2001, promoveu no primeiro ano atividades de sensibilização com 98 atendentes de

hotéis e de locadoras de veículos. No ano de 2002 mais de 80 trabalhadores de empreendimentos turísticos já


participaram das atividades. Ações dirigidas à sensibilização turística se voltam para sensibilizar os moradores da cidade
quanto à importância do Patrimônio Cultural e Natural de São Luís são articuladas numa série de projetos: Turismo
educativo; Conheça São Luís nas férias, São Luís - pólo de língua e cultura, Informantes jovens, Barracão cultural,
Turismo no Ar, Praia Grande Cultural, Memória da cidade, São Luís e você, São Luís é um palco. (Planejamento
Estratégico do Turismo, FUMTUR, São Luís: 2001).
223

Em face da impossibilidade histórica da produção de um mundo cultural totalmente


novo, essa aceleração produz e se vale da (re) valorização de certas expressões da
cultura local e do entusiasmo de certos segmentos sociais quanto às perspectivas do
desenvolvimento urbano apoiado em políticas econômicas de tipo cultural e na presença
de novas lógicas mercantis na vida social.
Em São Luís, o incentivo a antigas tradições locais205, como as festas de carnaval
(principalmente o carnaval de rua) e os festejos em honra de Santo Antônio, São João e
São Pedro, nos quais praças, ruas, travessas e becos se transformam em arraiais, onde
numa mistura que pouco diferencia o religioso do profano, cantam e dançam brincantes e
devotos nos autos de bumba-meu-boi, nas quadrilhas e lelês, nos tambores de mina e de
crioula, é um dos objetivos de vários projetos relacionados a políticas econômicas de tipo
cultural. O projeto São Luís é um palco realizado pela PMSL, através da FUMTUR, pode
ilustrar a realização de ações dessa natureza.
Assim, empresários culturais (fração de classe produtora e fornecedora de bens e
serviços simbólicos, cuja trajetória ascendente é reveladora da expansão das políticas
econômicas de tipo cultural), governos estadual e municipal e os meios de comunicação
locais lançam-se ao desenvolvimento do turismo cultural e investem sobre o terreno do
patrimônio cultural e simbólico.
É como se a demanda de produtos culturais canalizasse uma criatividade dispersa,
estabelecendo novas relações entre a cultura material e simbólica. De um lado, produtos
culturais recatalogados; plasmando ordenações culturais e simbólicas com claras ligações
à linguagem e às práticas de comércio e da mercadoria, práticas próprias da cultura
capitalista contemporânea; de outro lado, refratárias à plenitude artificial peculiar à
indústria cultural, manifestações humanas e sociais dão continuidade a práticas culturais
imemoriais206 ligadas ao cotidiano de vida, trabalho e resistência de vários grupos sociais.

205 Ao discutir o tema das indústrias culturais Canclini (1999) observa que as políticas que promovem tradições locais
conservam adesões, e podem contribuir para que se mantenham perfis históricos que distinguem os habitantes de uma
cidade. Para ele, os imaginários urbanos continuam sendo constituídos pela memória de cada cidade e de alguns bairros
emblemáticos, por circuitos e cenários idealizados, rituais em que os habitantes se apropriam do território urbano,
narrativas singulares que o consagram.
206 Refiro-me aqui à produção de festas populares e/ou rituais religiosos de matriz africana, portuguesa e indígena que

expressam a extraordinária diversidade cultural do Maranhão. Neste prisma se destacam o Pastor e o festejo de Reis
(celebrações maranhenses do ciclo natalino); o Carnaval; os festejos do Divino Espírito Santo (realizado principalmente
nas casas de culto africano); o ciclo da festa do Bumba-meu-boi; as festas dos santos (São José de Ribamar; São
Raimundo dos Mulunduns; Nossa Senhora da Conceição, São Pedro, etc.) e o tambor de crioula, dentre outros.
224

Cabe ainda ao governo local a promoção interna à cidade para dotarem


seus habitantes de patriotismo cívico, de sentido de pertencimento, de
vontade coletiva de participação e de confiança e crença no futuro da urbe.
Esta promoção interna deve apoiar-se em obras e serviços visíveis, tanto os
que têm um caráter monumental ou simbólico como os dirigidos a melhorar
a qualidade dos espaços públicos e o bem-estar da população. (CASTELSS
& BORJA, 1996, p.160).

Casa do Maranhão207, Museu de História Natural e Arqueologia, Mercado das Artes,


Morada dos Artistas. Tal como indicado nas proposições gerais de Castelss e Borja (1996)
para o Plano Estratégico, nos capítulos das grandes obras públicas e da oferta cultural, o
Governo do Estado do Maranhão vem marcando a sua ação através da inauguração de
novos espaços (que ampliam o roteiro de museus da cidade) voltados para a preservação
e divulgação dos acervos históricos de São Luís e do Maranhão.
A Prefeitura Municipal de São Luís, por sua vez, anunciou à cidade, na data de 22
de março de 2002, através do intenso uso de meios de comunicação e informação, a
realização de 10 obras urbanas, denominadas Patrimônios de São Luís208, a serem
construídas com recursos orçamentários do município, do BNDS e Caixa Econômica
Federal. São projetos pensados para manifestar espacialmente os novos modos de
construir à cidade e de realizar a gestão urbana. Trata-se, na verdade, de espaços
voltados para reforçar o consumo de serviços, eventos recreativos e circuitos culturais e de
lazer.

207 Instalada no território da Praia Grande num grande casarão, onde, no período colonial, funcionou a alfândega do
Maranhão e, posteriormente, Secretaria Estadual de Fazenda, a antiga Casa do Maranhão é agora um centro de
informação turística, que conta ainda com um pavimento inteiramente dedicado ao maior símbolo do folclore
maranhense: o bumba-meu-boi. Logo na entrada o visitante se depara com um espaço reservado à comercialização de
livros e CDs de manifestações folclóricas e cantores da terra, além de produtos artesanais e guloseimas da culinária
maranhense. Percorrer os ambientes do casarão é fazer uma viagem virtual através de cores, ritmos, sons e imagens. A
viagem começa por um ambiente denominado Centro de Interpretação. Nesse ambiente, por meio de telões e som
ambiente, o visitante pode obter informações sobre a cidade de São Luís. A herança africana das nações angolas,
gêges, fanti ashantis e bantos são uma atração à parte e recebe destaque juntamente com imagens de tribos indígenas,
a exemplo dos guajajara, canela e krikati.
208 Dentre as 10 (dez) obras denominadas Patrimônios de São Luís, eu destaco: (1) Memorial do Bumba-meu-boi -

segundo projeto, uma praça de 687 metros quadrados para apresentações, além de restaurante, área de exposições e
biblioteca especializada compõe o memorial a ser construído próximo ao prédio no qual funciona a Câmara Municipal, na
Praia Grande. (1) Memorial da Raça Negra - com a intenção de preservar a influência trazida pelos negros, a Prefeitura
pretende erguer o memorial, como parte do projeto da nova urbanização do Mercado Central. O memorial deverá possuir
auditório, biblioteca especializada e pátios para apresentações; (2) Fábrica Cidade da Cultura - localizada na Madre
Deus, segundo a Prefeitura, vai se transformar no maior e mais moderno complexo cultural do Norte Nordeste do Brasil.
Será um espaço reservado para produção artística popular. Segundo seu projeto, o local terá centro de convenções para
1.700 pessoas, anfiteatro para 2.500 pessoas, 2 teatros, 4 cinemas, Circo Escola, escola de danças, escola de artes
visuais, escola de cinema, teatro e TV, oficinas, sala de exposições, biblioteca, memorial do índio, além de restaurantes,
bares e lojas; (4) Mirante da Cidade - um mirante contemplativo com 15 metros de altura será construído na Ponta do
Bonfim próximo à Praia da Guia, no Anjo da Guarda. O mirante deverá oferecer uma vista panorâmica da cidade.
225

Os projetos do governo estadual, denominados de Moradas da história e da cultura


do Maranhão e as obras Patrimônios de São Luís, sob a chancela do governo municipal,
cujas ênfases recaem sobre a construção de espaços culturais e educativos, bem como de
recuperação arquitetônicas e ambientais, confirmam a demarcação de um terreno de
intervenção em que peculiaridades do mundo da cultura, especialmente, das
manifestações e expressões culturais populares são absorvidas, cada vez mais, pela
indústria cultural, pela infra-estrutura turística e pela ação estatal no território urbano.
Assim, sob a orientação de transformar a própria cidade em espetáculo, soma-se ao
palco principal - a antiga área central - outros palcos menores, alguns deles construídos
em áreas urbanas precárias e irregulares do ponto de vista fundiário e urbanístico. Tem-se
que, sobre determinadas expressões culturais, arrancadas da essência pluralista do
mundo da cultura, vem sendo criada uma visibilidade pontual que ilumina, por intermédio
de mecanismos variados (promoção de eventos, programas de apoio econômico,
subsídios, publicidade (recursos multimídia), renovação e construção de espaços físicos),
zonas de interesse no amplo espectro da produção de bens tendo em vista o consumo
cultural articulado em torno de circuitos socioculturais209, nos quais as integrações locais,
regionais, nacionais e transnacionais operam de maneiras diferentes.
Na tessitura dessas integrações, as ações do mercado, do Estado e dos promotores
culturais recobrem espaços descontínuos, ora iluminados ora relegados à sombra, em
função dos interesses e agenciamentos em jogo. Pode-se então argumentar: - em cidades
como São Luís, está montada uma espécie de grande caleidoscópio que mediante planos
e cortes superpostos, inseridos uns nos outros, ampliados ou reduzidos - com um mundo
de incrustações na linguagem televisiva ou através de imagens eletrônicas de websites -
veiculam exaustivamente certas dimensões da vida cultural citadina.

209 Canclini (1999, p.61-62) distingue quatro circuitos socioculturais: "O histórico-territorial, ou seja, o conjunto de
saberes, costumes e experiências organizadas ao longo de várias épocas em relação com territórios étnicos, regionais e
nacionais, e que se manifesta, sobretudo, no patrimônio histórico e na cultura popular tradicional. O da cultura de elites,
constituído pela produção simbólica escrita e visual (literatura, artes plásticas). Historicamente, este setor faz parte do
patrimônio pelo qual se define e elabora o próprio de cada nação, mas convém distingui-lo do circuito anterior porque
abrange as obras representativas das classes altas e médias com maior nível educativo, porque não é conhecido nem
dominado pelo conjunto de cada sociedade e, nas últimas décadas, integrou-se aos mercados e processos de
valorização internacionais. O da comunicação de massa dedicado aos grandes espetáculos de entretenimento (rádio,
cinema, televisão, vídeo). O dos sistemas restritos de informação e comunicação (satélite, fax, telefones celulares e
computadores.)".
226

Escolhidas no domínio das relações entre o homem, o trabalho e a cultura,


mediadas pela interação criativa e cooperativa da vida urbana, essas imagens-alvo, ao
criarem uma ilusão de objetividade, parecem fazer desaparecer a unidade histórica e
contraditória da formação da cidade e da questão urbana.
Outra das expressões mais visíveis das transformações operadas na cidade de São
Luís, ao lado das políticas econômicas de tipo cultural, mas se influenciando mutuamente,
de modo profundo, é o atual repertório de mecanismos político-jurídicos de ordenação e
gestão territorial. São mecanismos cujos conteúdos são intercambiáveis e se definem pelo
lugar que ocupam na rede de relações sustentadoras do direito intervencionista do Estado
no urbano, especialmente através dos governos locais.
No conjunto de textos legais federais, estaduais e municipais sobressaem às
legislações dirigidas para o (re) ordenamento e controle dos usos do território e do
patrimônio cultural. Assim, no plano federal podem ser destacados os seguintes textos:
▀ a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro
de 1888, especialmente, os Capítulos II, DA POLÍTICA URBANA; e a Seção II, Da Cultura,
do Capítulo III, DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO. Invocando a tese de
que os municípios, e neles as cidades, podem ser promotores de cidadania alterando, por
conseguinte, a lógica e o diagrama das contradições urbanas210, a Constituição Federal de
1988, especialmente no capítulo sobre Política Urbana211 referendou no plano formal-
institucional, a criação de mecanismos - plano diretor municipal, usucapião urbano, novas
formas de zoneamento, conselhos municipais, dentre outros; entendidos como textos
capazes de respaldar a produção de uma nova gestão urbana para as cidades brasileiras,
incluindo-se aí a criação de espaços públicos autônomos e o controle social do poder
municipal.

210
Dentre os argumentos da tese "Municipalização e Cidadania, sobressaem-se os que seguem": (a) no processo de
descentralização do poder público a municipalização é indispensável na construção da cidadania e do desenvolvimento
sustentável no Brasil; (b) o princípio da municipalização tem estado, nos últimos anos, permanentemente na pauta das
discussões sobre possibilidades de superação das crises econômica e social brasileira; (3) quanto à ação estatal, ao
invés de estruturas centralizadas e fortemente burocratizadas, inacessíveis à influência da cidadania, estruturas
municipalizadas, transparentes, abertas à fiscalização e a participação da sociedade civil. Isto significa garantir ao
município o status de centro administrativo autônomo, com capacidade de planejamento e execução de políticas públicas
urbanas.
211 No texto constitucional (Capítulo II do Título VII) a Política Urbana é definida como um conjunto de ações e

instrumentos, executados pelo Poder Público Municipal, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
227

▀ a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de


responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências;
▀ a Lei n. 0.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente;
▀ o Decreto n. 3.551, de 4 de agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais
de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências.
Certos discursos contemporâneos sobre a cidade - o da competitividade urbana, o
da nova gestão urbana e o da cidade sustentável - do ponto de vista social, econômico e
ambiental desempenham papel importante nos mecanismos de ordenação urbana
ressoam em Constituições Estaduais e Leis Orgânicas; bem como nos Planos Diretores
dos Municípios. Nesses discursos destacam-se muitos traços, inclusive por força de Lei,
da Constituição Federal Brasileira de 1988. Assim, no plano das leis promulgadas pelo
estado do Maranhão, podem ser assinaladas:
▀ a Constituição do Estado do Maranhão especialmente, os Capítulos II, DA
POLÍTICA URBANA; e a Seção II, Da Cultura, do Capítulo III, DA EDUCAÇÃO, DA
CULTURA E DO DESPORTO;
▀ a Lei n. 5.082 de 20 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do patrimônio
cultural do Estado do Maranhão e dá outras providências.
Sendo o poder local obrigado a lidar mais de perto com a produção do espaço
citadino, logo com as disputas e a repartição dos benefícios da constituição do território, é
no âmbito do poder municipal que os discursos de ordenação da vida urbana mais se
acumulam. Como já indiquei, ao pretender delimitar, controlar usos públicos e privados,
esses discursos acompanham a constituição da cidade, as mutações e as disputas sociais;
as relações entre o campo da gestão e dos movimentos sociais, procurando ser
suficientemente precisos, para que modalidades de acesso e usufruto do direito à cidade,
nesse território determinado, venham encontrar lugar, selecionando diversos interesses,
claramente presentes neles. Estabelece-se então entre a multiplicidade dos discursos
político-jurídicos e a realidade contraditória da urbanização relação complexa e tensa.
228

Um exame dos atuais textos legais do governo municipal de São Luís mostra bem
as tentativas de propor, disciplinar e controlar: - os modos de apropriação e usos do
território; as relações entre serviços públicos e empresas privadas; as articulações e as
estratégias para propiciar novas condições de governabilidade; a realização de políticas
econômicas de tipo cultural e a apropriação dos efeitos úteis da aglomeração, destacando-
se aqueles decorrentes da valorização fundiária e imobiliária.
Dentre esses textos podem ser sublinhados:
▀ a Lei Orgânica do Município de São Luís. Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de
1992. Dispõe sobre a instituição do Plano Diretor do Município de São Luís e dá outras
providências;
▀ a Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre o zoneamento,
parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.255, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre a criação de zonas de
interesse social - ZIS para as quais estabelece normas especiais de parcelamento, uso e
ocupação do solo e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.376, de 29 de dezembro de 1994. Isenta de pagamento do Imposto
Predial e Territorial Urbano – IPTU os imóveis do Centro Histórico de São Luís, tombados
pela união, estados ou Municípios, e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.392, de 04 de julho de 1995. Dispõe sobre a proteção do patrimônio
cultural do Município de São Luís e dá outras providências;
▀ a Lei n. 3.700 de 22 de abril de 1997. Dispõe sobre incentivo fiscal para a
realização de projetos culturais no âmbito do Município de São Luís e dá outras
providências.
Sob a determinação da capacidade do capitalismo transformar em mercadorias as
práticas culturais e, ao mesmo passo, expressão de uma construção de coalizões entre
interesses e forças das frações de classe envolvidas no seu processo de efetivação, a Lei
n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992 que Dispõe sobre a instituição do Plano Diretor do
município de São Luís, no Título VI, Do patrimônio cultural (Artigos 44, 45, 46 e 47)
explicita:
229

A política de valorização do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar


a proteção e disciplinar à preservação do acervo de bens existentes, cuja
expressão tenha significado para o Patrimônio Cultural do Município de São
Luís. A proteção do patrimônio fica incorporada ao processo permanente de
planejamento e ordenação do território.

Fazem parte da política de valorização do Patrimônio Cultural do Município: (I)


Definição de critérios de intervenção para áreas de proteção e conjuntos urbanos de
interesse; (II) Elaboração de projetos e normas edílicas especiais para a reciclagem e
recuperação dos conjuntos tombados ou bens tombados isoladamente; (III) Inventário,
classificação e cadastramento do patrimônio cultural e sua atualização permanente; (IV)
Definição de critérios para a instalação de mobiliário urbano, de vinculação publicitária,
anúncios indicativos, artefatos e equipamentos de uso público.
No Plano Diretor do município de São Luís de 1992, em vigência, considera-se bem
cultural passível de preservação aquele que atenda a alguma das seguintes exigências:

(a) seja parte integrante de um conjunto de bens de valor cultural; (b)


apresente características morfológicas e de ocupação típica de uma
determinada época; (c) constitua-se em testemunho de uma etapa da
evolução histórica e arquitetônica da área na qual está inserido; (d) possua
inequívoco valor afetivo coletivo ou se constitua em marco na história da
comunidade.

Através da Lei n. 4.038 de 15 de janeiro de 2002 da Prefeitura de São Luís foi


alterado o art. 3 da Lei n. 3.609 de 17 de julho de 1997 que passou a ter o seguinte teor:

O conselho Municipal de Turismo, criado em caráter permanente pelo art. 9


dos Atos das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Município de São
Luís, é órgão deliberativo, consultivo, normativo e orientador das ações
pertinentes às políticas de turismo do Município de São Luís e será
constituído por membros da sociedade civil e representantes do Poder
Público, de forma paritária.

A instituição do Conselho Municipal de Turismo, mesclando estratégias político-


jurídicas e participação democrática, pode então ser considerada a pedra de toque do
atual governo da cidade no que concerne à construção da imagem da cidade (o desejo de
uma nova cidade) e da infra-estrutura urbana e de serviços exigidas pela atividade do
turismo.
230

Na composição do Conselho Municipal de Turismo, os interesses em articulação e


os sujeitos sociais em movimento em torno da atividade turística ficam evidentes. São 8
representantes do poder público - 6 indicados pelo chefe do Executivo Municipal, 1 (um)
indicado pelo Chefe do Legislativo Municipal, 1 (um) indicado pelo órgão estadual
responsável pelo turismo - e 8 (oito) representantes da sociedade civil. As vagas podem
ser disputadas por instituições representativas de agências de viagem e empresas de
turismo; de segmentos de hotéis, bares, restaurantes e similares; do sistema de transporte
de passageiro (terrestre, aéreo e marítimo), do ensino técnico e científico ligado ao
turismo, de profissionais ligados ao turismo, instituições; de setores comercial e industrial;
organizações não-governamentais e organizações populares de caráter comunitário;
agências públicas ou privadas de financiamento.
Até aqui, as atuais metamorfoses citadinas que se expressam em São Luís
sustentadas, impulsionadas e/ou mediadas por inéditos movimentos de interação entre
economia, cultura, território e alterações no padrão da ação pública municipal, foram
situadas em torno de três dimensões:
■ alterações na constituição produtiva da cidade onde se destaca
a tendência de subordinação da produção de bens materiais às
atividades imateriais e culturais; especialmente pela incorporação
da cidade e seus bens culturais tradicionais nos circuitos
massivos da comunicação e da atividade turística;
■investimentos públicos e privados, mediante obras de
revitalização urbana na antiga área central e obras dirigidas para
a modernização da infra-estrutura e espaços públicos urbanos;
■ ampliação ou introdução de novos mecanismos político-
jurídicos de ordenação territorial e de gestão da cidade.
Ora, sabe-se que é especialmente problemática a integração produtiva das cidades,
particularmente daquelas situadas nos países periféricos e dependentes. Afinal tal
integração guarda relação direta com a capacidade instalada nos territórios e a capacidade
técnica e política dos gestores urbanos em controlar as forças que acompanham a atual
crise do capital e a mutação do Estado, as dinâmicas produtivas chamadas, por alguns,
pós-fordistas, a fragmentação globalizada e a concentração territorial da pobreza.
231

Como participar da integração competitiva e de mercados, cada vez mais,


imprevisíveis sem realizar alterações na organização dos processos produtivos, nos
paradigmas tecnológicos, nas dinâmicas das comunicações e nas dimensões territoriais da
atual reestruturação produtiva? Sabe-se que sem modificar as bases de competitividade
econômica e tecnológica não há como garantir e ganhar espaço num regime de
acumulação, onde um conjunto de funções complexas de um processo de concepção-
inovação altamente socializado desempenha, cada vez mais, papel central. Então, como
as cidades não constituem efeitos em si, é imperativo demarcar, ainda que aos largos
traços, certos determinantes encarnados na atual mutação urbana. Afinal, qualquer que
seja o papel determinante e/ou mediador do conjunto das mutações citadinas até aqui
cotejadas, elas não devem levar-nos a relegar as tendências gerais, explicáveis elas
mesmas por determinações gerais.
A questão é: De onde resultam essas dimensões sociais, produtivas, políticas e
territoriais que alteram a vida urbana e a própria dinâmica da escala dita local, esboçando
novas singularidades em relação a outras mais antigas, à medida que reagindo sobre elas,
redistribuem-nas de modo diferente, atribuindo-lhes outros conteúdos extensões e efeitos.
Ou seja: de onde provêm efeitos tão vastos?
A meu ver, o estudo das cidades como espaços estratégicos da nova mobilização
do espaço212 capitalista onde a Cidade-Espetáculo, a permanência da desigual distribuição
do direito à cidade e a segregação social no espaço ganham corpo, supõe dois
movimentos:

212 Na atualidade, no plano mundial, Los Angeles, e não mais Chicago, é a cidade que expressa o lugar privilegiado do
novo paradigma urbano. Tal deslocamento é um exemplo da reverberação dos contemporâneos processos de
reorganização do território nos debates sobre a cidade, marcados por tal mudança. Nesses debates são as cidades
miméticas e mutantes como Los Angeles tendentes a se tornarem, cada vez mais, abrigos para a justaposição de vários
lugares e temporalidades históricas, para micro-atividades industriais e de serviços (formais e informais), para processos
de segregação sócio-espacial, hoje reatulizados, e para a hibridação cultural que destituíram Chicago, protótipo da
grande metrópole industrial, da condição de paradigma do desenvolvimento urbano. Para observar as novas
configurações sociais, políticas, produtivas e urbanas de Los Angeles, os estudos de Blanquart, Soja e Gottidiener
apresentam indicações relevantes. Blanquart (1997, p.155) diz: A estrutura de Los Angeles pode ser "... comparada a um
microprocessador, ou seja, a uma trama complexa feita de espaços de transferência e de armazenagem, sobre a qual
viajam, a grandes velocidades, informações que vão colocando-se em pequenos imóveis". Para Soja (1993, p. 235) "...
existem em Los Angeles uma Boston, uma Baixa Manhattan e um Sul do Bronx, uma São Paulo e uma Singapura.
Gottidiener (1996, p.28) discutindo a multicentralidade regional considera que “a modalidade de expansão urbana não
pode ser considerada um fenômeno inteiramente novo, mas como previsível lógica de um traço inerente a urbanização
capitalista, que já se avizinhava no período de desenvolvimento. A novidade é uma forma de metropolização expandida
formada por estruturas relevantemente urbanas, suburbanizadas e policêntricas que renegam o modelo da cidade
européia e adotam Los Angeles como modelo de primeira grandeza’.
232

1) de um lado, considerar as dimensões da atual reestruturação produtiva que têm


como alvo o controle de impasses provocados pela crise do taylorismo-fordismo213 e do
compromisso social-democrático, tendo em vista a reorganização do ciclo de reprodução e
formas de dominação próprias ao capital; 2) de outro lado, reconhecer a presença de
indícios quanto à presença de formas de socialização da produção - trabalho imaterial,
intelectual e intelecto geral (LAZZARATO, 1993; HARDT&NEGRI, 2001) - que abrem as
fronteiras do espaço produtivo para a esfera da vida social como um todo, tornando as
cidades o território por excelência das novas bases das relações sociais produtivas.
Assim, particularizando tais determinações em relação à situação urbana brasileira,
na compreensão das atuais metamorfoses citadinas, sigo uma linha interpretativa que se
organiza, de modo geral, a partir de (4) quatro ênfases analíticas.
Primeira. Ao considerar as transformações na natureza da produção industrial,
autores como Veltz (1997) e Cocco (2000) elaboram um plano de análise no qual a
desvalorização do trabalho fabril guarda relação com o fato de que o local de produção é
cada vez menos capaz de concentrar o conjunto das funções complexas de um processo
integrado de concepção-inovação-criação-produção e consumo amplamente socializado. A
fábrica continua a exercer papel importante na produção material, mas fica subordinada a
uma rede técnico-científica, ainda que continuem a prevalecer em algumas indústrias
modelos estandartizados e de produção em grande escala. A lógica de comando mercantil
própria da revolução industrial apresenta a tendência de ser alterada, introduzindo
relações baseadas em novos “estatutos, ritmos, formas jurídicas e materiais do trabalho” e
modificando as características do trabalho coletivo.

213 Ao centrar sua análise nos fatores que limitavam a produtividade Lipietez (1988) afirma que não seria convincente
uma explicação a partir da teoria das ondas longas de invenções. Por que? Porque esta identificaria na raiz da crise um
declínio no surto de inovações tecnológicas, argumento frágil e absurdo, tendo em vista os avanços já alcançados pela
informática, pela eletrônica e pela robótica. Lipietez prefere acreditar que os princípios tayloristas e fordistas de
organização, responsáveis pelo boom dos anos 50 e 60, haviam atingido seus limites, como propulsores dos ganhos de
produtividade, baseados na intensificação do trabalho vivo. Partilhando da mesma idéia, Coriat enfatiza os limites sociais
e técnicos do processo de trabalho taylorista-fordista, expressos, respectivamente, na resistência dos coletivos operários
a uma crescente intensificação dos ritmos de trabalho. Tal intensificação, na maioria das vezes, se faz acompanhar de
uma deterioração das condições de trabalho e na elevação dos tempos mortos ou improdutivos empregados em técnicas
complexas de balanceamento das cadeias de produção cada vez mais sofisticadas. Braga (1997) quando procura
desvelar relações entre o esgotamento do fordismo e a crise mundial do capitalismo na atualidade, conclui que a crise
que ensejou tal esgotamento emerge, com mais força no final dos anos 1960, se constituindo o produto mais evidente do
amadurecimento consciente das contradições inscritas num contexto histórico determinado pelo acirramento do
progresso das lutas de classes em âmbito nacional. Nas palavras de Braga (1997, p.154) se coloca como "... produto da
lógica contraditória imanente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista, para muito além da fixação de um
aspecto entendido como responsável pela produção do conjunto, quer seja o esgotamento do paradigma produtivo, da
relação salarial fordista ou dos mercados de consumo de massa".
233

Na ótica de Veltz (1997, p. 218) “[...] as arquiteturas logísticas do espaço das


operações são em grande parte modeladas por redes e serviços informacionais, os quais
acompanham e guiam os fluxos físicos”. Para Cocco (1995b), as redes de
telecomunicações se constituem cada vez mais como força produtiva, aproximando
produção, circulação e consumo, tornando esses últimos ciclos imediatamente produtivos
e fazendo do trabalho intelectual o fundamento da produção de mercadorias.
Nessa linha interpretativa, as superinfovias - decorrência e condição dos modos de
trabalho informáticos - concorrem para a deslocalização e a disseminação, cada vez mais
aceleradas, de espaços produtivos para dentro das cidades, anteriormente quase
exclusivos em grandes plantas fabris, hoje exteriorizadas para o conjunto da vida social.
Também são deslocalizadas, de forma extensiva, para as cidades, funções de concepção
baseadas nas tecnologias de informação, as quais permitem aglomerar e articular
competências de diversos continentes, contribuindo para que competências regionais
participem de uma produção global (Baudouin apud COCCO & SILVA, 1999, p.29-30).
Ou seja, as performances das empresas dependem cada vez mais do território
entendido como meio socioprodutivo determinado214. No plano mundial, uma nova
centralidade urbana estaria desempenhando papel fundamental na emergência de um
território de redes de cooperação produtiva - um espaço público produtivo -, que
ultrapassaria o espaço funcional fordista. Na visão de Cocco (2000, p.129-130), esse
'retorno à cidade' não se deve a nenhum, movimento cíclico ou pendular da história, mas a
uma transmutação da cidade e do trabalho.

[...] o trabalho ao invés de se encolher, se expande à sociedade e à


vida como um todo através de novas atividades, novos serviços que não
têm a ver com a volta dos territórios e das dimensões locais, mas com a
transformação qualitativa da substância desses. Voltamos aos territórios,
mas a territórios diferentes. E voltamos exatamente na medida em que
estes perdem as características funcionais e operacionais da época
industrial. Por causa disso, esse retorno coincide com a volta a cidade, ou
seja, ao território mais humanizado, ao espaço das inter-relações
comunicacionais mais intensas (COCCO, 2000, p.107-145).

214 Segundo Cocco (2000, p. 87) "[...] o paradigma pós-fordista é, antes de tudo, um paradigma social e qualifica-se pela
integração dos consumidores como produtores, pois eles participam da produção, desde o momento da concepção, em
dois níveis: pela integração em tempo real dos comportamentos de consumo; e pela proliferação disseminada dos atos
criativos, lingüísticos e comunicativos".
234

É nessa direção que, segundo Veltz (2001, p. 140), analisar o papel das cidades na
expansão da economia é atualizar a enorme gama de recursos coletivos e sociais - mais
precisamente relacionais - que não pertencem à esfera mercantil, mas sem os quais a
economia mercantil não poderá funcionar. É também sublinhar o paradoxo segundo o qual
esses recursos não mercantis não vêem seu papel diminuir, mas ao contrário, se afirmar e
se estender nas economias avançadas, mediante as novas forças que remodelam a
atividade econômica, as formas da concorrência, a evolução das maneiras de produzir, de
trocar, de consumir e a organização espacial metropolitana.
Segunda. Tendo sob a mira as metamorfoses não apenas produtivas, mas societais,
autores como Lojkine (1995) fazem uma recorrência à Revolução Informacional. Na ótica
deste autor para a apreensão dos novos laços entre produção material, saberes e
habilidades, homens e máquinas informacionais, que esta revolução tece é preciso
considerar dois elementos chaves do complexo de forças produtivas (dentre o qual
também se situa a aglomeração urbana); que vem contribuindo para alterações
significativas nas relações de trabalho, que se expandem para o conjunto da vida social.
São eles: a organização estrutural da empresa e as relações entre os trabalhadores da
produção e da informação215.
Para sublinhar a diferença dinâmica que então se exprime Lojkine (1995) argumenta
que do mesmo modo que as condições gerais da produção pré-capitalista não puderam
satisfazer o processo produtivo oriundo da revolução industrial, sendo necessário o
surgimento de novos meios de comunicação e transporte (as ferrovias, as vias de
transportes aéreos, as redes de telégrafo e telefonia e inda, posteriormente, a afirmação
econômico-financeira de grandes firmas do setor de telecomunicações), estes estariam
sendo na atualidade metamorfoseados em decorrência da revolução informacional. A partir
desta, não são apenas as condições de trabalho no interior da fábrica que se
revolucionam, mas todas as condições do trabalho ampliado. Esse plano analítico articula
então sob novas determinações atores sociais, mediações institucionais e estratégias de
comunicação, no qual a relevância das mercadorias ditas cognitivas não pode ser negada.

215Lojkine assim se expressa (1995, p.72): “Trata-se, de uma parte, da organização estrutural da empresa (a divisão das
funções, as relações de pode), conectada à revolução dos meios de comunicação (telemática); de outra parte, trata-se
das novas relações, dentro e fora da empresa, entre trabalhadores da produção e trabalhadores da informação (em
sentido amplo)”.
235

Enquanto os meios de circulação materiais, desenvolvidos sob a revolução


industrial, contribuíam para a centralização de funções produtivas e segregação urbana,
sob a revolução informacional, os meios de circulação materiais e imateriais
(informacionais), propiciando a constituição de redes de cooperação produtiva, se
assentam na descentralização e nos processos interativos, propiciadas e baseadas em
redes telemáticas, transformando e mobilizando os territórios, agora dotados de novas
condições que potencializam seus efeitos produtivos: aquelas relacionadas ao
desenvolvimento das NTIC - que vêm alterando consideravelmente o processo produtivo,
tanto no aspecto do próprio trabalho, quanto da gestão empresarial, enquanto produtos de
sofisticados processos de P&D – pesquisa e desenvolvimento.
A lógica da revolução informacional parece dar uma nova dinâmica à aglomeração
urbana proveniente da revolução industrial. Enquanto no passado recente, os efeitos úteis
da aglomeração capitalista eram, fundamentalmente, apropriados pelo capital, hoje, com o
desenvolvimento das NTIC, aparece um barateamento no seu acesso, com “... o
crescimento dos descontos, a queda dos custos nas transmissões dos dados, de sons e
de imagens”. (LOJKINE, 1995). Podem então dos efeitos úteis se apropriar micro-
empreendedores e trabalhadores por conta própria, que se autonomizam, de forma relativa
e contraditória, do domínio do capital. Mas, Lojkine procura demonstrar que a mutação
maior em que vivemos nada tem a ver com o fim do confronto homem - natureza. Para ele,
a objetivação crescente das funções intelectuais, não suprime seu caráter de forças
produtivas: as relações dialéticas entre o homem, seus meios de trabalho e a natureza.
Terceira. Arantes (1988, 2000) e Vainer (2000) analisam o florescimento cultural
urbano contemporâneo a partir, dentre outras, de duas premissas centrais: (1) a
proliferação urbano-caótica mundial seria a contra prova da falência da idéia de
planificação global da cidade (considerada pelos modernos a mais acabada expressão de
organização racional do espaço habitado coletivo, a um só tempo triunfo da modernidade
capitalista e prefiguração da socialização que ela parecia antecipar); (2) a ideologia do
plano estaria sendo substituída por uma outra, a ideologia da diversidade, das identidades
locais, em que os conflitos seriam escamoteados por uma espécie de estetização do
heterogêneo, logo recobertos pela transformação da superfície desencantada das cidades
em cenários fascinantes de uma sociabilidade viva que há muito teria deixado de existir.
236

Na discussão sobre processos de restauração e revitalização das antigas áreas


centrais das cidades os argumentos de Arantes (1992, p.6-10) são elucidativos:

[...] os centros restaurados acabam se convertendo em cenários para


uma vida urbana impossível de ressuscitar. Imagens de uma cidade dita
comunicante, onde a pluralidade nada mais é que décor cultural. Assim, a
reabilitação de certos bairros, especialmente dos centros urbanos, não
passa de uma verdadeira consagração da eternidade da cena – bem
polida, limpa, enfeitada, transformada ela mesma em museu. Temos
exemplo de sobra disso. E quando a discrepância entre o que se pretende
encenar e o que de fato ocorre começa a dar demais na vista, a fraseologia
alternativa vira pura e simples desfaçatez demagógica. Não ignoro que por
toda parte – e até no Brasil – ainda há exemplos isolados da boa vontade
progressista de alinhar essas intervenções no desenho urbano com uma
possível instauração da cidadania (recomposição in extremis de um tecido
social coerente); mas é tal a força de contaminação inerente a essas
iniciativas cenográficas, que ficamos pensando se não se trata na verdade
de um ensaio a mais de uma representação futura.

Para Arantes (2000, p.13) a animação urbana se expressa na convergência entre


governantes, burocratas e urbanistas em torno de uma espécie de teorema-padrão: "...
que as cidades só se tornarão protagonistas privilegiadas, como a Idade da Informação
lhes promete, se, e somente se, forem devidamente dotadas de um Plano Estratégico
capaz de gerar respostas competitivas aos desafios da globalização". Vainer (2000, p.76)
por sua vez constata:

Se durante largo período o debate acerca da questão urbana remetia


entre outros, a temas como crescimento desordenado, reprodução da força
de trabalho, equipamentos de consumo coletivos, movimentos sociais
urbanos, racionalização do uso do solo, a nova questão urbana teria,
agora, como nexo central à problemática da competitividade urbana.

Arantes e Vainer trabalham com o argumento de que se no modelo modernista de


planejamento o que teria no mundo empresarial seduzido, encantado e referenciado os
urbanistas foi à unidade de produção, levando-os a transporem os princípios de
organização da produção para o plano urbano, agora os neoplanejadores, muitos deles
adotando elementos do discurso ambiental, se espelham na empresa enquanto unidade
de gestão de negócios.
237

Assim ver a cidade como empresa significa, essencialmente,


concebê-la e instaurá-la como agente econômico que atua no contexto de
um mercado e que encontra neste mercado a ‘regra’ e o ‘modelo’ do
planejamento e execução de suas ações. Agir estrategicamente, agir
empresarialmente significa, antes de qualquer coisa, ter como horizonte o
mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas geradas no
e pelo mercado. É o próprio sentido do plano, e não apenas seus princípios
abstratos, que vem do mundo da empresa privada. (VAINER, 2000, p.145).

Quarta. Santos & Silveira (2001) com base no conceito território utilizado, conceito
esse que articula meio natural e meio técnico-científico-informacional, o qual, mediante
nexos indissolúveis entre ciência-técnica-informação renova a materialidade do território,
dando um novo papel à informação e ao conhecimento e inova círculos de cooperação e
fluxos empreendidos, identificam novas desigualdades territoriais, novas lógicas centro-
periferia e a existência de quatro Brasis: uma região concentrada formada pelo Sudeste e
pelo Sul, o Brasil do Nordeste, o Centro-Oeste e a Amazônia fazendo da cidade de São
Paulo, o pólo nacional.
A noção de meio-técnico-informacionacional em suas articulações com o território
emerge então como indispensável à análise dos processos contemporâneos de produção
e concentração de riquezas, e em conseqüência das novas desigualdades sociais e
territoriais brasileiras e à compreensão das diferenciações regionais e urbanas.
Para Santos & Silveira (2001, p.268-269) se a cidade de São Paulo “[...] perde
relativamente o seu poder industrial, aumenta o seu papel de regulação graças à
concentração da informação, dos serviços e da tomada de decisões”. Neste sentido é que,
para Santos (1999, p. 92-93), na atualidade,

[...] na superfície da terra, na crosta de um país, no domínio de uma


região, nos limites de um lugar - seja ele a cidade - reorganiza-se o espaço,
recriam-se as regiões, redefinem-se as diferenciações regionais. É dessa
maneira que se estabelecem novas dinâmicas regionais, criando, sobretudo
nos países onde as desigualdades sociais são grandes, aquelas áreas que
são apenas regiões do fazer, do fazer sem o reger. O fundamento
etimológico da palavra região é perdido, na medida em que há regiões que
são apenas regiões do fazer, sem nenhuma capacidade de comando.
238

Isto significa que os territórios citadinos, no complexo quadro da generalização de


áreas de mercado e seus impactos sobre o território, definem seus lugares na competição
entre cidades e na rede urbana - quer seja no plano regional, nacional ou internacional - a
partir das condições objetivas que detenham para impor-se como pólo: (1) de produção de
atividades e bens materiais e imateriais; (2) de circulação de mercadorias; (3) de
formulação de instrumento de marketing territorial; (4) de um conjunto de qualificações e
externalidades (competências, parceiros, patrimônios).
É nesse campo de determinações, contradições e questões mais acima apontadas
que se deve procurar apreender o esforço de certos segmentos urbanos, para forjar uma
imagem distintiva e criar uma atmosfera de lugar (ou de não lugares216) e de tradição que
aja como atrativo tanto para o capital como para determinados faixas de consumidores.
Estratégia de cunho mundial que ao se efetivar no Brasil, particularmente na cidade de
São Luís, incorpora na sua efetividade traços peculiares do processo da vida urbana
mundial, nacional, regional e local.
A questão é pensar a realização histórica dos movimentos e dinâmicas até aqui
delineadas no quadrante do Brasil urbano. Se o espaço citadino brasileiro se abre para
forças produtivas, político-culturais e territoriais novas é preciso lembrar uma vez mais, e
não será a última, a natureza desigual e patrimonialista da sociedade brasileira. Ou seja,
para além dos embates entre forças produtivas velhas e novas, entre trabalho material e
imaterial, entre antigas formas de planejar e administrar a cidade e os novos planos
estratégicos de gestão urbana (incluindo-se aí as intenções de construção de uma base
econômica favorável ao desenvolvimento fundado na compreensão ambiental e na justiça
social); nesses movimentos e metamorfoses atualizam-se, também, expressões,
antagonismos e disputas de interesses alimentadores da questão social, das disparidades
regionais e da questão urbana.

216Segundo Silva (1999, p.72) são os espaços produzidos pela indústria do turismo. “Um espaço destinado ao consumo
que se transforma num espaço presente sem espessura, quer dizer, sem história, sem identidade: o espaço do vazio, da
ausência, que se realiza através de signos". Boyer (Apud HARVEY,1992, p.226) por sua vez considera que inúmeras são
as implicações das políticas e estratégias criadas no sentido de aumentar às condições de competitividade de um país,
um estado, uma região, uma cidade. Uma delas: na medida em que essa competição abre as cidades a sistemas de
acumulação multinacionais, acaba sendo produzida uma monotonia serial e recursiva. A partir de certos padrões ou
moldes já conhecidos são produzidos lugares quase idênticos em termos de ambientes em diferentes cidades.
239

Na consideração das dimensões territoriais desses processos, há que não se perder


de vista as particularidades das regiões brasileiras, mais precisamente das regiões Norte e
Nordeste217. Araújo (1997), na análise que realiza sobre a região Nordeste, demarca
somente sete pólos dinâmicos com capacidade de inserção competitiva na economia
globalizada: o complexo petroquímico de Camaçari, na Bahia; o complexo mínero-
metalúrgico de Carajás, no Maranhão; o pólo agro-industrial de Petrolina e Juazeiro, com
base na agricultura irrigada do submédio do rio São Francisco; as áreas de agricultura de
grãos, estendendo-se dos cerrados baianos ao sul do Maranhão e Piauí; o pólo de
fruticultura do Rio Grande do Norte, com base na agricultura irrigada do Vale do Açu e os
diversos pólos turísticos, implantados nas principais cidades litorâneas do Nordeste.
A rigor, na sua atividade econômica, o Maranhão - como outros estados da região
Nordeste - vem tendo espaços específicos configurados como pólos de desenvolvimento,
inseridos na atual ordem do capital. Na ótica desses interesses são pólos competitivos: o
complexo mínero-metalúrgico de Carajás, as áreas de moderna agricultura de soja, na
região dos Gerais de Balsas, no sul do Maranhão e a indústria de papel e celulose,
apoiada na produção maranhense de eucalipto218 e os pólos turísticos, em fase de
implantação na cidade de São Luís e na área dos Lençóis Maranhenses.
Assim, no estado do Maranhão, em função de suas contradições, potencialidades e
problemáticas específicas no plano econômico, político-social e territorial, muitas delas
decorrentes de projetos peculiares ao desenvolvimentismo autoritário, convivem pólos
dinâmicos, modernos, com capacidade de inserção competitiva no estágio atual da
economia mundializada com pólos, áreas e ou atividades econômicas estagnadas, não
competitivas.

217 Não interessam muito quais dados ou séries estatísticas se privilegie. Todos eles retratam a Região Nordeste como a
que manifesta as mais fortes e deletérias expressões das desigualdades sociais no Brasil. Considerando os Indicadores
de Desenvolvimento Humano, (indicadores construídos pelo PNDU, a partir de variáveis básicas como: renda per capta,
longevidade, alfabetização combinada com a taxa de escolaridade, tendo em vista à classificação dos 174 países do
mundo dentro de um ranking), o Brasil, em 1998, ficaria colocado em 70º lugar, em 1999 alcançaria a 79ª posição, e em
2001, segundo documento publicado no site www.fase.org.br, ocuparia o 74º lugar. No entanto, quando o mesmo
indicador é aplicado segundo referências territoriais, se constata, uma vez mais, as disparidades entre as Unidades da
Federação, através da identificação de 14 estados com IDH inferior à mediana do país: Acre, Alagoas, Bahia, Ceará,
Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins. Nesses
estados foram identificados 1.298 municípios, muitos com IDH em graus comparáveis aos de países como Serra Leoa,
no continente africano. De acordo com o Relatório PNDUD/98, o Maranhão está situado entre os Estados de baixo
desenvolvimento humano (IDH menor que O,50), sendo o último índice divulgado, de 0,456, ocupando a pior posição em
relação aos demais estados da Região e do País.
218 Consultar a respeito, dentre outros, FEITOSA (1998).
240

Trata-se de pólos constituídos de pares antinômicos, mas complementares;


justaposições aparentemente paradoxais, todavia funcionalmente interdependentes. Eles
expressam as contradições de um país, uma região e um estado, divididos. A lógica
baseia-se na seguinte composição: a) de um lado uma economia e sociedade moderna,
internacionalizada, competitiva no mercado mundial e ostentando padrão elevado de vida,
de outro; b) de outro, uma economia e sociedade segmentada em territórios de pobreza
que se fazem notar desde as favelas, áreas palafitadas e cortiços até as imensas periferias
urbanas e os povoados de diversas áreas rurais.
Se na análise das condições da vida urbana e suas possibilidades de gestão
democrática o enfoque for dado à questão da moradia, os números do Governo Federal,
apresentados na III Conferência das Cidades (BRASIL, 2001) apontam para um déficit
quantitativo ao qual se associa a necessidade de construção de novas unidades
habitacionais, da ordem de 6,6 milhões de moradias. Ao lado desse número, encontram-se
mais de 10 milhões de domicílios com carência de infra-estrutura básica, mais de dois
milhões com adensamento excessivo e mais de 1,5 milhões com problemas de
inadequação fundiária. Tal realidade indica um déficit habitacional que o Estado brasileiro
(em vão) diz sempre se esforçar por recuperar, mas indica, sobretudo, a persistência de
disputas e confrontos em relação ao acesso a moradia; entre valor de uso e valor de troca,
contradições não resolvidas ao longo dos atos de produzir e trocar mercadorias,
absolutamente generalizados sob o capitalismo.
Nessas circunstâncias, certas mediações da constituição produtiva das cidades e das
ações público-estatais no território urbano continuam a ter ponderável importância. Essas
mediações dizem respeito aos novos usos, disputas, apropriação e produção do espaço
citadino, assim como as modalidades de gestão e lutas sociais no meio urbano
contemporâneo, que não cessa de reiterar antigas ou produzir novas expressões de
segregação sócio-espacial. Dizem respeito também essas mediações à existência de
contradições e componentes que anunciariam tendências, movimentos possíveis de serem
construídos quanto à reversão do processo de segregação sócio-espacial, constituído
irremediavelmente sob a lógica da acumulação capitalista.
241

Dessa forma, mesmo sem perder de vista o potencial de articulações peculiares à


urbanidade - às dimensões que escapam, em certa medida, do fenômeno linear dos
processos globalizadores da economia e da cultura - cumpre considerar que o destino
territorial dos capitais, que se deslocam, progressivamente, com menos constrangimentos
e restrições, continua sendo traçado por disponibilidades, essencialmente, metropolitanas:
- mercados de trabalho, mercados para produtos e serviços, contingentes de talento e
inovação, redes pró-crescimento. Na luta por mercados e investimentos, vantagens se
estabelecem para os territórios, cuja história produtiva lhes possibilita avançar, em maior
grau, na modernização conservadora alcançando mais prematuramente um cenário
macroeconômico atrativo aos interesses do capital219.
O modo como esses interesses e dinâmicas se conformam nas economias centrais
e periféricas e alcançam metrópoles, cidades de porte médio e/ou pequenas cidades se
convertem em determinantes insuperáveis das condições por intermédio das quais, a vida
urbana junta e articula as dimensões territoriais e políticas da reestruturação produtiva; o
crescimento demográfico; o poder local, neste destacando-se a ação pública municipal e
as políticas urbanas; as expressões culturais locais; as disputas territoriais e a questão
ambiental.

219 LIPIETEZ (1996), por exemplo, considera que a crise do padrão fordista/keynesiano de produção e regulação estatal
e as possíveis saídas dessa crise apresentadas pelo capital (solução flexível-liberal ou mobilização dos recursos
humanos) envolvem a cidade e esbarram nos padrões de urbanidade articulados no período de dominação do paradigma
industrial. O fordismo central teria conseguido organizar circuitos de ramos industriais inter-regionais otimizando a
implantação de centros de concepção e de produção. Nos países do Sul, teria se desenvolvido um fordismo periférico,
onde salários muitos baixos e megapolização (isto é o crescimento explosivo de uma ou duas metrópoles por país)
seriam regra geral. LIPIETEZ (1996) ainda enfatiza, no horizonte e efetividade desses processos, os movimentos de
migração em direção às grandes e médias cidades de certas regiões do mundo capitalista. Por seu turno, tais
movimentos migratórios precisam ser remetidos a certas mediações espaço-temporais constitutivas das estratégias
empresariais, nacionais ou estrangeiras, à procura de mão-de-obra abundante e barata. Estratégias gerais que reforçam
as estratégias dos migrantes em busca de trabalho onde o mercado de trabalho é mais ativo. Cidade do México, São
Paulo, Bombaim, Cairo ou Jacarta seriam exemplos notáveis da ação desses processos diversos, mas solidários. A crise
do fordismo teria tido, de modo geral, esse comportamento de megapolização aleatória nos países que optaram pela
solução flexível-liberal. Nova York, Los Angeles, Paris e Londres, por exemplo, recomeçaram a crescer tanto em
população quanto no produto nacional bruto. Mas, tais megapólos parecem-se, cada vez mais, com aqueles do Sul:
crises urbanas, sociais e ecológicas configuram-se e/ou agrava-se sem perspectiva de controle. A diferenciação entre
bairros ricos e pobres se amplia, abrindo-se para novos e mais complexos processos segregativos urbanos. Nos
territórios pobres, relevantemente, renascem fenômenos típicos dos países do Sul e do século XIX europeu: rebeliões,
consumo de drogas, alcoolismo, doenças de insalubridade, dentre outros. Ainda, segundo LIPIETZ (1996) países que
optaram pela mobilização negociada e a qualificação de seus recursos humanos abarcariam o florescimento de regiões
ganhadoras, metrópoles médias e/ou regiões onde fecundas relações entre dinâmicas produtivas e urbanas têm efeito.
Frankfurt, a metrópole econômica e financeira da Europa, de menos de um milhão de habitantes, seria, para o autor
exemplo de uma cidade polinodal, integrada entre o campo e a floresta. O Raustad, conurbação do delta do Reno e da
Meuse, apresenta-se como uma articulação das cidades (Roterdã, Amsterdã, etc...) deixando lugar a uma agricultura
intensiva e próspera. Munique e Milão não ultrapassam os quatro milhões de habitantes e encabeçam a rede de cidades
que se estendem sobre toda a Alemanha do Sul ou a Itália do Norte
242

Trata-se, portanto, de um conjunto amplo de expressões da vida sociopolítica e


urbana, determinadas e mediadas por relações entre o ideário neoliberal que coloca o
mercado como sendo a instância que melhor promove a coordenação social e exige a
reconstrução do Estado, a aceleração dos processos de mundialização ou de globalização
e seu contraponto a revalorização das dimensões locais de constituição social e produtiva.
Desse modo, no âmbito da pesquisa que realizei, procurei privilegiar como os interesses
econômicos e dinâmicas políticas hegemônicas incidem sobre as categorias de usos e
tipos de construção expressas ao longo da ocupação e produção social do urbano.
Categorias de uso aqui entendidas, tal como o faz Topalov (1984), em duas
dimensões: uma constituída pelo conjunto de edificações destinado à moradia - local de
residência com valor de uso, espaço privilegiado do consumo individual e reposição da
força de trabalho; e a outra formada pelo conjunto de edificações para uso capitalista,
como meio de produção de valor - construções industriais - ou de realização de valor -
locais de comércio, escritórios, ou seja, as edificações construídas para abrigarem e se
ocuparem particularmente da produção e circulação de riquezas, tendo em mira gerar,
capturar ou fazer circular valor.
Recordo que uma das minhas questões centrais de pesquisa era saber como a
transformação da substância do território acelera, pela agregação de elementos novos, o
fenômeno da concentração-descentralização de uma cidade e sua extensão periférica e
segredadora. Afinal, mais do que nunca, os processos produtivos e a população não
precisam mais se concentrar numa área compacta e adensada com se fazia necessário na
cidade colonial e/ou na cidade centralizada, arraigada aos sistemas fabris de produção.
De fato, a cidade de São Luis, tomada como referência empírica fundamental da
minha análise, vem manifestando contornos do que pode ser chamado de um território de
intensidades. Um território de zonas especializadas de produção e consumo confirmadas
e/ou alteradas mediante a fusão de fluxos materiais e imateriais no interior das condições
gerais da produção e reprodução social, bem como dos mecanismos político-institucionais
que promovem ou contestam essas condições. Tais fluxos, manifestando-se como linhas
de circulação de pessoas, mas também de informações, mercadorias, serviços, idéias,
laços sociais, culturais e políticos passam a exercer fortes impactos na estruturação,
expansão e/ou (re) organização da vida urbana e do espaço citadino.
243

Um dos problemas substantivos, no âmbito das preocupações do estudo que


efetivei, consistia em determinar congruências e oposições entre interesses de diferentes
segmentos de classe, a ênfase das políticas urbanas em projetos econômico-culturais
multifacéticos220 e os efeitos deletérios da questão social nos processos de constituição do
urbano. Como já se faz saber, a organização e manifestação espacial da desigualdade
social, guardam relação direta com os impactos necessários e irreversíveis das disputas
travadas cotidianamente pelo trabalho, emprego e renda, pela justiça, pelos usos dos
serviços públicos e equipamentos coletivos urbanos, dentre eles, a moradia.
A densidade dessa determinação fica mais evidente se lembramos que desde o
Brasil Colônia a vida urbana, a exemplo da que se manifesta em São Luís, é cortada
transversalmente pela tensão entre a livre apropriação do espaço para propósitos
individuais e sociais e o domínio do espaço por meio da propriedade privada, do Estado e
de outras formas de poder de classe e social, bem como pela disseminação da mancha
urbana e crescimento da população citadina num ritmo sempre muito mais veloz do que a
produção e expansão do trabalho e emprego, dos equipamentos e serviços coletivos e de
alternativas adequadas de provisão de moradia para o conjunto da população.
Assim, no plano da vida urbana permanecem a ter expressões graves expressões
da questão social, dentre elas a explosiva informalização do trabalho221, o acirramento das
disputas territoriais e a ampliação dos modos segregados e precários de moradia. Ou seja,
questões atinentes ao não reconhecimento da moradia como direito fundamental; a
regressão da responsabilidade do Estado para prover recursos para a habitação, às
dificuldades na adoção de soluções não litigiosas para as disputas de terra para morar
continuam presentes no processo de constituição do urbano que se singulariza na cidade
de São Luís.
220 Em relação à questão da afirmação de identidades dependentes de lugar (presente em vários projetos econômico-
culturais em realização na cidade de São Luís) HARVEY (1992, p. 273) tece o seguinte argumento: “ [...] A busca de
raízes termina, na pior das hipóteses, sendo produzida e vendida como imagem, como um simulacro ou pastiche
[...]. A fotografia, o documento, a vista e a reprodução se tornam história exatamente devida à sua presença
avassaladora. O problema, com efeito, é que nenhuma destas coisas está imune à distorção ou à falsificação pura e
simples para propósitos presentes. Na melhor das hipóteses, a tradição histórica é reorganizada como uma cultura de
museu, não necessariamente de alta arte modernista, mas de história local, de produção local, do modo como as coisas
um dia foram feitas, vendidas, consumidas e integradas numa vida cotidiana há muito perdida e com freqüência
romantizada (vida de que todos os vestígios de relações opressivas podem ser expurgados). Por meio da apresentação
de um passado parcialmente ilusório, torna-se possível dar alguma significação à identidade local, talvez com algum
lucro”.
221 Sobre a explosiva informalização do trabalho e seus nexos com a exploração do capital, consultar, dentre outros,

TAVARES (2002).
244

Afinal, estamos nos movimentando numa sociedade e numa cidade, nas quais,
desde a Coroa, tradicional soberano das terras distribuídas aos donatários, ao moderno
Estado republicano, a possibilidade do Estado promover políticas de integração com
vocação universalista e contribuir para a efetivação de alternativas libertadoras do controle
e da monopolização da terra urbana, nunca se fez realidade, a despeito da permanente
luta política por direitos sociais e urbanos. A unidade histórica e contraditória da cidade se
revela então plenamente se emaranhando com fenômenos e processos macroscópicos da
reprodução da vida social que não deixam esconder ou dissimular, de modo pleno, a
dimensão concreta de cidade segregada que São Luís expressa de forma cabal.
Não há, portanto, como postular uma significação adjetiva para as atividades
culturais, relacionais e comunicativas, dimensões imateriais da atividade produtiva, bem
como para a política cultural e turística levada a efeito pela cooperação público-privado em
São Luís. Ao contrário: trata-se de inserir as políticas econômicas de tipo cultural nos
processos históricos concretos das contemporâneas metamorfoses urbanas, que reiteram
a desigualdade no acesso à cidade. Isto não significa desconhecer a existência de
iniciativas político-culturais mundiais inovadoras - a exemplo, do Fórum Social Mundial - e
de mecanismos de controle social do poder público municipal - a exemplo do Orçamento
Participativo, expressões do movimento social que repercutem na luta contra a
desigualdade social.
Ao requerimento de abordar as dimensões da cidade espetáculo, tal como elas se
constituem na cidade de São Luís, simultaneamente aos problemas candentes da vida
material e política da população urbana, especialmente dos habitantes dos territórios
periféricos dessa cidade, pretende responder a reflexão que faço a seguir. Enfatizando as
formas atuais da segregação sócio-espacial em São Luís, nos termos da exposição
delineada neste documento, essa reflexão explicita as minhas considerações finais sobre
os modos através dos quais disputas territoriais e mecanismos político-jurídicos de
ordenação territorial se associam as metamorfoses urbanas e contribuem na (re) produção
de territórios segregados, objeto de pesquisa construído e abordado através do esforço de
compreender o surgimento e à configuração do mais contemporâneo reconstruindo o
conjunto de relações de que a situação presente é herdeira.
245

3.2 Novo tipo de complexidade espacial, segmentação do mercado


fundiário e lutas sociais por moradia: a cidade segregada (a título de
considerações finais)

Demarcar relações entre interesses fundiários, dinâmica da produção imobiliária,


mecanismos de ordenação territorial e modos segregados de moradia com um dado tipo
de organização sócio-espacial citadina, visando pensar as tendências de segregação
(auto-segregação das frações de classe proprietárias e dirigentes e segregação
compulsória das frações de classe dos trabalhadores subalternos) em São Luís, se
constitui o interesse central deste momento final da exposição. Afinal, em lugar da forma
urbana compacta e adensada - que expressava um processo histórico em formação há
séculos222 - e das formas assumidas pela expansão da cidade e pela segregação sócio-
espacial, até aproximadamente 1970, tem-se, no presente, uma população distribuída e
organizada em múltiplos territórios articulados pelo espaço local.
São territórios, contraditoriamente, contínuos, no sentido de que se configuram no
espaço uno da cidade e, ao mesmo tempo, claramente tipificados, hierárquicos,
disjuntivos. Formam, portanto, um espaço territorial que combina concentração,
descentralização, segmentação e segregação. O padrão de desconcentração que então se
realiza, não se constitui tão somente uma negação da aglomeração anterior, mas uma
forma nova de apropriação, domínio e usos da terra urbana que se impõe como exigência
e resposta às novas lógicas da produção do espaço do capital; e se relaciona aos modos
desiguais pelos quais se faz o acesso à moradia e aos equipamentos e serviços públicos
urbanos.
Dessa forma, os exemplos indicados a seguir, configurando áreas sócio-espaciais
demarcadas a partir de modos peculiares de acesso a terra, de provisão de moradias e de
dotação de infra-estruturas e serviços urbanos privados e públicos, podem ilustrar a
atualização de formas históricas de segregação sócio-espacial na cidade de São Luís. Eis
os exemplos:

222 Conforme delineado no primeiro capítulo desta exposição; os usos da terra urbana, as desigualdades e
heterogeneidades sociais alicerçadas em práticas patrimoniais e estamentais explícitas, próprias ao Brasil colônia,
mostram-se, na cidade de São Luís, principalmente, através de tipos diferenciados de moradia: - casas nobres e
sobrados; residências populares e cortiços, mas ainda não é possível se falar de segregação sócio-espacial.
246

Figura 21
Vista do Renascença (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção pa/r/ticular de fotografias

• Ponta d' Areia e Renascença223: áreas nobres, próximas à praia da Ponta d' Areia
e a Lagoa da Jansen, nas quais, desde o começo da década de 1990, a dinâmica
imobiliária tem se caracterizado pela construção de imóveis com linhas arquitetônicas de
forte impacto visual e estético. A maioria, prédios de apartamentos e ou flats de alto
padrão construtivo. Verdadeiras torres verticais, controladas por mecanismos de
segurança privada, adensadas nos terrenos começam a formar uma espécie de cidade
vertical. Nessas áreas se concentram, ainda, empreendimentos imobiliários hoteleiros,
bancários, educacionais e comerciais. Trata-se, portanto, de exemplos de espaços
urbanos que estão a possibilitar a alguns poucos promotores imobiliários a captura de
substantivas mais-valias imobiliárias.

223Segundo o presidente do SINDUSCON, José Orlando Leite, em entrevista dada ao Jornal O Imparcial de 3 de
novembro de 2002, o bairro que concentra maior número de empreendimentos é o Renascença, onde se encontraria o
metro quadrado de terra mais caro da cidade de São Luís – entre R$ 1.1 mil a R$ 1,4 mil.
247

Figura 22
Vista do Maranhão Novo (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção pa/r/ticular de fotografias

• Vinhais e Maranhão Novo224: áreas intermediárias, formadas a partir de


conjuntos habitacionais construídos com recursos do SFH/BHH/COHAB, cujo entorno
ou espaços, ainda vazios, são alvos de fortes investimentos imobiliários mediante a
construção de casas e/ou prédios de apartamentos de médio ou baixo padrão
construtivo. Causa e resultado a valorização fundiária dessa região da cidade, um
conjunto amplo de investimentos em infra-estruturas urbanas (melhoria nas condições
da malha viária, por exemplo) e a eclosão de pequenos negócios (muitos deles,
associando no mesmo espaço trabalho e vida privada) se apresentam como uma das
características marcantes dessas áreas espaciais, originariamente residenciais.

224 A expressiva valorização imobiliária dessas áreas pode ser registrada a partir da ocupação Canudos/Terra Livre,
ocorrida no ano de 1997, em área de terra próxima ao bairro Maranhão Novo. A valorizada propriedade imobiliária, após
fortes litígios foi recuperada pela Construtora CIMA (declarada proprietária da área) e as famílias transferidas, mediante
decisão resultante de uma ação impetrada pelos ocupantes junto a PGR, para uma outra área da cidade.
248

Figura 23
Área do Sol e Mar (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias

• Sol e Mar e Vila São Luís: áreas periféricas ocupadas durante a década de 1990,
através de lutas coletivas pela terra para morar. São espaços que fazem parte de uma
dinâmica sócio-territorial, onde grandes áreas periféricas avançam em toda direção.
Algumas delas já alcançam Paço do Lumiar e São José de Ribamar, dois outros
municípios da Ilha de São Luís. Nas chamadas áreas periféricas, as moradias, casas às
vezes tão pequenas que onde está uma, estão todas, são construídas, quase sempre,
pelos próprios moradores com escassos e precários recursos materiais e construtivos. São
áreas residenciais que podem atestar à ausente, precária e/ou seletiva ação
governamental no campo da moradia e da produção e alocação dos equipamentos e
serviços infra-estruturais urbanos, considerando três questões que afetam as populações
urbanas e que estão relacionadas ao território: a moradia, o saneamento básico (água,
esgoto, drenagem e coleta e destinação de resíduos sólidos) e as questões do transporte
da população.
249

• No Centro Histórico, especialmente na área da Praia Grande, edifícios


históricos de propriedade estatal ou privada e passeios públicos estão sendo
restaurados tendo em vista responderem às atuais funções exigidas e definidas para
este território: moradia, comércio, serviços e lazer. Trata-se da produção uma área
sócio-espacial singular, mediante investimentos públicos225 e privados; tendente a
reunir características tanto das áreas centrais, intermediárias, quanto periféricas.

Figura 24
Área da Praia Grande (São Luís - 2003)
Fonte: Coleção particular de fotografias

225No final do ano de 2001, se encontravam, no Centro Histórico, sob a responsabilidade do Governo estadual às
seguintes obras: novas redes elétrica e telefônica (subterrâneas); transferência da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Estadual do Maranhão do campus universitário para o prédio da antiga Central Elétrica do Maranhão;
Criação da Casa do Maranhão, que funcionará como posto de informações aos turistas; construção da Casa do Artista,
com moradia e ateliê; Casa do Artesão, que contará também com espaço para comercialização dos produtos artesanais;
pousada do Largo do Comércio, destinada à hospedagem de turistas; restauração do Teatro João do Vale;
Coordenadoria do Patrimônio Histórico, área de referência do Centro Histórico, Restauração da Igreja e da Praça do
Desterro e nova rede de esgotamento sanitário. Prédios coloniais situados nas ruas da Estrela, do Giz, João Gualberto e
da Palma, pertencentes ao governo do Estado s estão sendo transformados para moradia. Em média cada prédio
disporá de 12 apartamentos, com uma área de 50 m².
250

Nos movimentos de alteração das formas espaciais da cidade de São Luís, assim
como na (re) definição dos mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial urbana
repercutem ao seu próprio modo, forças gerais que, efetivando-se, agem sobre outras
forças e resistem a outras mais tendendo a estender-se até o limite, irradiando potência
quanto à redefinição das formas de apropriação e usos da terra e das rendas fundiárias
urbanas. Como já abordado, uma relação que se estabelece, entre o capital e a
propriedade fundiária, onde sucessivos investimentos públicos e privados elevam o preço
da terra, segmentando o mercado estruturado para vendê-la e comprá-la.
As alterações sócio-espaciais aqui enfatizadas são geradas na produção e disputas
dos efeitos úteis da aglomeração, nas quais qual já se insinua, inclusive, a entrada de
capitais internacionais no mercado imobiliário local, pela hierarquização espaço-temporal
da estrutura de produção e consumo e pelas relações contraditórias entre interesses e
serviços públicos e privados no âmbito da constituição do urbano. Essas alterações, de
modo geral, dizem respeito às atuais:
• diversidade das formas de assentamento humano, destacando-se os condomínios
residenciais fechados horizontais e verticais226; mobilidade espacial e/ou
concentração de segmentos de classes em determinadas áreas da cidade;
• estratégias de localização dos equipamentos de consumo e serviços como
shoppings, centros empresariais e hotéis; cada um expressando ou tendendo a
expressar formas institucionalizadas de segregação social e espacial. Nas áreas
intermediárias, destaca-se a proliferação de pequenos e médios empreendimentos
(comércio e serviços) que se espalham como cintas em torno das áreas residenciais
ou ocupam as principais avenidas da malha viária da cidade;

226 Caldeira (2000), privilegiando a cidade São Paulo no seu estudo sobre a segregação, considera que as
transformações recentes estão gerando espaços nos quais diferentes grupos se encontram, muitas vezes, próximos,
contudo separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O
principal instrumento desse novo padrão de segregação é denominado, pela autora em tela, de enclaves fortificados:
trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. Podem ser
shopping centers, conjuntos comerciais e empresariais, ou condomínios residenciais, espaços que atraem aqueles que
temem a heterogeneidade social dos bairros urbanos mais antigos e preferem abandoná-los para os pobres, os
marginais, os sem-teto. Por serem espaços fechados, cujo acesso é controlado privadamente, ainda que tenha um uso
coletivo e semipúblico, eles transformam profundamente o caráter do espaço público. Cocco (1995b, p.23) considera que
“[...] há muito tempo que uma parte cada vez mais importante das classes média e média-alta do Rio de Janeiro
passaram a morar em condomínios fechados, fazer compara em ‘shopping centers’, praticar esportes em academias
particulares, preferir o ar condicionado ao ar livre”.
251

• estratégias de produção e melhoria das condições da malha viária, dos transportes


e dos equipamentos e serviços coletivos urbanos (públicos, privados ou
semipúblicos) decorrentes de alterações produtivas, demográficas e residenciais e
seus impactos sobre a cidade, mas, também da maior ou menor incorporação de
critérios político-democráticos e propósitos sociais da ação pública municipal;
• estratégias de revitalização voltadas principalmente para o chamado Centro
Histórico mediante a valorização de certos marcos históricos e simbólicos tendo em
vista adaptar a cidade ao turismo e lazer cultural. Destaca-se aqui a restauração de
prédios e calçamentos; o incentivo à moradia em sítios históricos; a construção ou
restauro de teatros, museus, cinemas, bares, restaurantes, pousadas e hotéis;
• recrudescimento da ação estatal no campo da moradia (se tomarmos como
referência a Política Habitacional baseada no tripé SFH/BNH/COHABs efetivada
no Brasil e no Maranhão durante as décadas 1960-70-80)227 ainda que se
considere as inovações no âmbito dos mecanismos político-jurídicos de gestão
territorial e das políticas públicas urbanas, exemplo do promulgação do Estatuto
da Cidade e da criação do Ministério das Cidades, órgão que ocupou um vazio
institucional, garantindo a formulação de marcos institucionais ou regulatórios para
as políticas setoriais urbanas nas áreas de saneamento, habitação e transporte.

227 Considerem-se os limites das políticas de moradia no âmbito estadual quando prioridades são conferidas aos projetos
habitacionais voltados para o funcionalismo público. O mais abrangente foi o programa “Minha Casa” do governo do
estado do Maranhão, desenvolvido nos últimos três anos e que beneficiou cerca de 2.000 famílias de funcionários
públicos em cinco conjuntos de apartamentos. O programa entra agora numa nova fase e passa a contar com recursos
do Governo Federal através do PAR. Considerem-se, no âmbito federal, os limitados impactos dos programas estatais
alternativos de produção de habitação popular. Tome-se como exemplo o PAIH lançado no Brasil em maio de 1990, sob
a coordenação geral do Ministério de Ação Social/Secretaria Nacional de Habitação e apresentado como uma medida de
caráter emergencial em face da crise da moradia. Com a proposta de financiar, em 180 dias, aproximadamente 245 mil
habitações, o Plano, totalmente financiado com recursos do FGTS, com juros reais de 3,5 ao ano, tinha como população
alvo famílias com renda média até cinco salários mínimos e possuía três vertentes: “programas de moradias populares”
(unidades acabadas), “programa de lotes urbanizados” (com ou sem cesta básica de materiais) e programas de ação
municipal para habitação popular (unidades acabadas e lotes urbanizados). Para a efetivação das duas primeiras
vertentes agentes promotores variados (COHABS, Cooperativas, Entidades de Previdência, Carteiras militares, etc.) para
a última à responsabilidade cabe apenas ao governo municipal. No campo da produção da habitação popular
considerem-se ainda programas lançados pelo Governo Federal a partir de 1994, como “Habitar Brasil” voltado para
municípios de mais de 50 mil habitantes, e o “Morar município”, destinado aos municípios de menor porte. Sobre a
questão da habitação popular no Brasil Rauta Ramos e Sá (2003, p. 158) argumentam: “O que talvez pareça
‘desregulamentação’ ou ‘falta de plano e programas de moradia popular’, por parte do governo federal, revela, ao
contrário, as prioridades e os grupos aos quais essas medidas interessam, ou seja, as forças sociais atendidas pela
drenagem grandiosa de recursos públicos para salvaguarda do sistema financeiro r bancário que aderiram à globalização
ao mesmo tempo em que se tornaram mais vulneráveis por força das novas relações de dependência e por efeito das
crises internacionais”.
252

• ocupações de vazios urbanos mediante lutas sociais pela moradia e garantia de


direitos de propriedade por meio da regularização fundiária de áreas ocupadas;
• revalorização de dimensões locais de constituição produtiva, territorial e cultural;
• taxas de crescimento que podem ser reveladoras da acelerada tendência de
preponderância da população urbana sobre a rural e do fluxo contínuo de migrantes
em direção aos centros urbanos, especialmente São Luís, conforme apontam os
quadros População urbana e rural do Maranhão (1960 a 2000) e Dinâmica
demográfica do Maranhão e de São Luís (1960 a 2000) delineados a seguir:

Quadro 10 - População urbana e rural do Maranhão (1960 a 2000)

Anos População Total: População urbana: População Rural:


população residente e população residente e população residente e
taxa de crescimento taxa de crescimento taxa de crescimento%
(%)
1960 2.469.447 436.624 2.032.823

1970 2.992.686 – 1,94 752.027 – 5,59 2.240.659 – 0,98

1980 3.996.404 – 2,93 1.255.156 – 5,26 2.741.248 – 2,04

1991 4.930.253 – 1,93 1.972.421 – 4,19 2.957.832 – 0,69

2000 5.638.381 – 1,53 3.355.577 – 6,14 2.282.804 - 2,86

Fontes: IBGE. Censo Demográfico 1991, Situação Demográfica, Social e Econômica: Primeiras
Considerações - Estado do Maranhão e Dados Preliminares do Censo Demográfico, 2000.

Quadro 11 - Dinâmica demográfica do Maranhão e de São Luís (1960 a 2000)

Anos População do População da


Maranhão Cidade de São Luís
1960 2.469.447 158.292

1970 2.992.686 265.486

1980 3.996.404 449.877

1991 4.930.253 695.199

2000 5.638.381 870.028

Fontes: IBGE. Censo Demográfico 199, Situação Demográfica, Social e Econômica:


Primeiras Considerações - Estado do Maranhão e Dados Preliminares do Censo Demográfico, 2000.
253

A inauguração de modalidades intensivas de crescimento vertical - um dos meios de


reversão do caráter inelástico da oferta do solo urbano - sempre pode ilustrar o complexo
jogo das estratégias dos agentes produtores do espaço e da gestão estatal no sentido de
ampliar a valorização do capital privado e do sistema proprietário. O Jornal O Imparcial de
3 de novembro de 2002 assim iniciava o editorial do Caderno Especial intitulado A cidade
se verticaliza.

São Luís consolida, aos poucos, sua modernização arquitetônica,


através de construções verticais. Essa tendência vai alterar,
definitivamente, o perfil físico da parte jovem da cidade, determinando a
ocupação do solo urbano das áreas mais nobres em novas bases. O setor
de construção está aquecido e as estimativas apontam investimentos de
R$200 milhões nos últimos dois anos. A maioria dos 60 empreendimentos
lançados ou a serem lançados no período se concentram nos bairros
Renascença, Ponta do Farol, São Marcos e Calhau.

Mas, há que se considerar também que entre os anos de 1995 e 1998, numa
espécie de contraponto a pressão imobiliária pela verticalização, uma excessiva
horizontalização se expressa no surgimento de novas áreas residenciais periféricas:
Bonfim, D. Luís, Vila Conceição, Vila Funil, Vila São João, Vila Forquilha, Brisa do Mar, Sol
e Mar, Ayrton Sena, Santa Efigênia, Vila Vitória, Argola e Tambor, Parque Roseana
Sarney, Canudos-Terra Livre, Vila dos Frades, Vila Zeni, Mãe Andrezza, Vila Natal, Cidade
Olímpica, Vila Cascavel, dentre outras. A formação dessas áreas, mediante lutas por
moradia, articuladas por entidades como o Fórum Permanente de Luta por Moradia,
indicam a exclusão de uma parte significativa da população urbana do mercado fundiário-
imobiliário e a permanência das ocupações/lutas por moradia como mediações históricas
decisivas da constituição do urbano em de São Luís.
Nessa cidade, a complexidade das relações entre a estrutura social e a forma
espacial urbana, assinalando a busca de novas estratégias nos modos de apropriação e
usos do solo urbano, reverbera nos padrões de intervenção pública na cidade e nos
mecanismos de ordenação territorial. Através da Lei n. 3.252, de 29 de dezembro de 1992
que Dispõe sobre o zoneamento, parcelamento, uso e ocupação do solo urbano e dá
outras providências, o governo municipal diz pretender:
254

(1) Orientar e estimular o desenvolvimento urbano; (2) Minimizar a


existência de conflitos entre as áreas residenciais e outras atividades
sociais e econômicas; (3) Permitir o desenvolvimento racional e integrado
do aglomerado urbano; (4) Assegurar concentração urbana equilibrada,
mediante o controle do uso e do aproveitamento do solo; (4) Assegurar a
reserva de espaços necessários à expansão disciplinada da cidade.

A redefinição de mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial, seguindo os


eixos da reorganização econômica e política do território, da dinâmica e dos preços
fundiário-imobiliários, das disputas territoriais e das ocupações urbanas responde à
necessidade de dividir e distribuir o espaço citadino com rigor, para melhor controla-lo.
Para tanto, o governo municipal lança mão do zoneamento, em termos gerais, uma das
primeiras formas de regulação pública dos usos do solo urbano. O resultado do
zoneamento é uma série de definições que permite classificar, formar categorias, fixar
normas para os usos do espaço urbano e representar de forma ordenada o território.
Graças a tal mecanismo, novos recortes do fato espacial citadino são
representados, segundo a ótica do saber e do poder do Estado, através da administração
municipal. Isto se faz sobre o conjunto de manifestações humanas e materiais peculiares à
vida citadina e sobre o conjunto das edificações destinado à moradia (local de residência
com valor de uso, espaço privilegiado do consumo individual e reposição da força de
trabalho) e das edificações para uso capitalista como meio de produção de valor (a
exemplo das construções industriais) ou de realização de valor (a exemplo dos locais de
comércio, escritórios, ou seja, edificações construídas para se ocuparem particularmente
da produção e circulação de riquezas) (TOPALOV, 1984).
Assim, expressando um espaço administrativo e político, articulado a arrumação
espacial de dinâmicas produtivas, demográficas, imobiliárias e segregacionais (dinâmicas
que têm suas próprias exigências) o município de São Luís foi dividido em 38 (trinta e oito)
zonas, agrupadas em torno das categorias Zonas Residenciais, Zonas Turísticas, Zona
Administrativa, Zona Central, Zona de Preservação Histórica, Zona de Proteção Ambiental,
Zona de Segurança do Aeroporto, Zona de Reserva Florestal, Zona de Interesse Social,
Zona Industrial, Corredor Primário, Corredores Secundários e Zona Rural.
255

Porque a cidade expressa e sustenta, de modo irremediável, o processo de


formação do urbano e as formas segregadas de moradia que este processo arrasta em
seu movimento de constituição, quero enfatizar, nos termos da argumentação que
desenvolvo nesta tese, que as tendências de segregação sócio-espacial em curso em São
Luís, sintetizando determinações históricas e contradições sócio-espaciais desse
processo, respondem principalmente a interesses fundiários e imobiliários mediados pelo
Estado, na produção e localização dos investimentos produtivos, infra-estruturas urbanas e
assentamentos humanos residenciais.
Cabe aqui, mais uma vez, reiterar a força da presença das elites fundiárias na
configuração de grandes loteamentos que dão continuidade à repartição da terra e
encorpam o seu preço no mercado formal ou informal de terras. Assim, uma parte
importante da população urbana se vê constrangida a aderir à informalidade, ainda que, no
âmbito do mercado.
Dessa maneira, um forte, diversificado e segmentado mercado de terras e
habitações e o incremento dos movimentos coletivos de acesso a terra para morar,
agrega-se a esse complexo, e assegura a efetividade de um elevado grau de disputas em
torno territoriais. Então, as características da disseminação da mancha urbana na cidade
de São Luís passam a guardar, cada vez mais, estreitas relações com a hierarquização e
segmentação do mercado imobiliário e com a força política e organizativa dos movimentos
sociais em torno da garantia dos valores de uso da terra urbana e da cidade.
Hierarquização, na qual o status sócio-econômico de uma determinada área
espacial encontra-se associado com modalidades de segregação social e espacial. É
através delas que frações determinadas de classe vêm realizando movimentos de
significativa concentração em certas áreas da cidade228. Isto se faz, repito, com a forte
influência do mercado de terras e de outros imóveis urbanos, mercado que se diversifica e
segmenta-se segundo os usos dados às construções, pela intervenção do operador
capitalista, responsável por esta metamorfose.

228 Segundo Harvey (1980, p.56) “[...] A forma mutável da cidade, e o contínuo processo de destilação, renovação e
criação de recursos dentro dela, afetarão a distribuição de rendas, e poderão constituir-se em um mecanismo básico de
redistribuição de renda real. A maior parte da atividade política da cidade é um modo de lutar e barganhar pelo uso e
controle dos mecanismos ocultos dessa distribuição”.
256

Ribeiro (2002) discutindo relações entre auto-segregação e acumulação imobiliária


nas cidades do Brasil identifica três segmentos de mercado:
a) Infranormal - cuja característica é se organizar em razão da escassez
absoluta de solo urbano e de crédito imobiliário. Constitui o submercado
formado pela expansão das periferias urbanas e metropolitanas; por meio
das práticas dos loteamentos, muitos clandestinos e irregulares,
associadas ao regime de autoconstrução da moradia. Nessas áreas, as
transações (compra, venda ou aluguel) tendem a ser de pouca monta e
resultam na forte tendência à formação de preços de monopólio, isto é,
preços não regulados pela oferta de moradia;
b) Normal - constituído pela maior parte do que é ofertado na cidade. Nele
prevalecem formas híbridas de produção, tais como a produção por
encomenda, a construção de casas nos fundos dos terrenos dos próprios
proprietários, a construção de pequenos conjuntos de casas para aluguel
por micros empreendedores. A demanda desse submercado normal é
formada pelos segmentos médios da estrutura social, portanto os que têm
capacidade de custear o aluguel.
c) Superior - As moradias são produzidas de forma empresarial nas áreas
onde vigora a escassez relativa do solo urbano. Ou seja, as partes
privilegiadas em matéria de quantidade e qualidade do solo urbano, e em
matéria do acesso às amenidades naturais, em decorrência, por exemplo,
da proximidade da praia. Por conseguinte, são áreas com baixo grau de
substitubilidade, na medida em que os preços são superiores aos
praticados nos submercado normal e altamente diferenciados internamente
segundo situações de microlocalização. A produção de moradia se efetiva
sob o comando do capital de incorporação cuja função é obter o terreno -
por compra ou permuta e associação com o proprietário - e viabilizar
técnica e financeiramente o empreendimento.
257

Figura 25
ÁREA DA PONTA D’AREIA EM 1975
Fonte: Plano Diretor de 1977. PMSL. São Luís: 1997

Figura 27
ÁREA DA PONTA D'AREIA EM 2002
Fonte: Coleção particular de fotografias
258

Ainda que já tenha sido afirmado, nunca é demais repetir que nas disputas e usos
da terra urbana e na segmentação do mercado imobiliário comparecem como mediações
que lhes são constitutivas, dentre outras: o grau de transformação da terra (a rural para se
transformar em urbana exige além de dispositivos legais, investimentos que determinam
um custo de produção), a escassez (a terra urbana, ao contrário da terra em geral, é
escassa, o que implica procura intensa e valorização permanente), a fixidez do capital
investido (o trabalho e o risco do empreendedor absorvido pela terra), os usos limitados
pelos mecanismos político-jurídicos de ordenação territorial, que contribuem na definição
de mercados locais para a terra urbana e influenciam o preço do terreno de acordo com
sua localização.
Por isso, num padrão de desenvolvimento urbano francamente submetido à
preeminência das relações mercantis, dentre outros tantos objetos, obras e mercadorias,
encontram-se os produtos imobiliários e fundiários tendentes à (re) produção de territórios
diferenciados no espaço uno da cidade. Para tanto, convergem estratégicas ações
seletivas das vantagens locacionais disponíveis que, de modo geral, dizem respeito a
setores viários, valorização da terra e investimentos infra-estruturais. A partir dessas
vantagens, escolhem-se determinadas áreas, aproveitam-se ou reúnem-se condições
infra-estruturais, projetos arquitetônicos e bases jurídico-legais que possibilitam, num curto
espaço de tempo, à produção de mercadorias fundiário-imobiliárias singulares.

Chegou Village du Soleil, um condomínio de casas DIFERENTE. O


CONDOMÍNIO: o Village du Soleil é DIFERENTE de tudo que você
conhece porque é um projeto requintado, com 29 casas (duplex)
construídas em TERRENO PRÓPRIO, valorizado por um projeto
paisagístico especial, para você e sua família. O LAZER: aqui, ampla área
de lazer com piscina, churrasqueira, playgrounds, pista de cooper
arborizada é um convite para que você possa aproveitar os bons
momentos da vida na companhia de familiares e amigos. A
LOCALIZAÇÃO: a localização, na Av. dos Holandeses, Quadra. R,
Loteamento Jardim Paulista, bairro Olho d'Água, é perfeita, pertinho de
tudo o que você precisa: supermercados, postos de gasolina, clubes e a
praia do Olho d'Água. A SEGURANÇA: sinta-se seguro porque o Village du
Soleil é um condomínio fechado, com sistema de segurança eletrônico
(cerca elétrica) e guarita, garantindo-lhe e à sua família a tranqüilidade que
merecem. (Encarte publicitário distribuído nos shoppings de São Luís:
2001).
259

Figura 29
NEW YORK E NEW JERSEY: CONDOMÍNIOS EM CONSTRUÇÃO EM SÃO LUÍS (2002)
(Material publicitário)
260

Palazzo da Renascença. Os melhores 1.320m² de frente para o mar.


Piscinas (adulto e infantil) com área coberta. Bar externo com
churrasqueira. Sauna. Salão de festas. Salão de ginástica com aparelhos e
bar. Quadra poliesportiva. Monitoração eletrônica e circuito fechado de TV.
348,75m² com alto padrão de conforto: Hall social privativo. Salão de estar.
Sala de jantar. Varanda de 63m² com piscina privativa. Suíte master com
hodromassagem. 3 suítes com varandas. Suíte de empregada e despensa.
Espaço para adega e rouparia. Qualidade. Piso em granito nas áreas
social e íntima. Banheiro em granito e revestimentos especiais. Varandas
em granito e decks em madeira de ipê. Cozinha em cerâmica especial.
Jardineiras em todas as varandas. Sistema de água quente central.
(Material publicitário divulgado no Jornal O Imparcial de 3 de novembro de
2002)

Por contraste, revelando fortes descontinuidades na estrutura espacial da cidade,


em São Luís, as ocupações de terrenos se fazem através do apossamento informal e de
práticas sociais coletivas de luta pela moradia urbana. As lutas bem sucedidas ampliam o
número de territórios periféricos na cidade, a despeito de ainda serem consideradas por
certos segmentos sociais como práticas espúrias e de violação do bem patrimonial de
outrem. O Quadro 12 - Territórios periféricos de formação recente (São Luís - 2001) -
apresentado a seguir, pode indicar a continuidade da segregação compulsória de frações
da classe trabalhadora, menos aquinhoada no poder aquisitivo, em todas as regiões
citadinas.

Quadro 12 - Territórios periféricos de formação recente (São Luís - 2001)

Regiões Territórios
citadinas
Região Norte Jaracaty, Menino Jesus de Praga, Nova Divinéia, Sol e Mar, Novo Angelim,
Isabel Cafeteira, João Rebelo, Santos Dumont, Vila Palmeira, Invasão do Ipase,
Vila Luiz, Matadouro, Vila Padre Xavier
Região Leste Vila Brasil, Vila Alegria, Vila Izabel, Vila Pavão Filho, Vila Sarney, Santa Clara,
São Bernardo, João de Deus, Santa Cruz, Vera Cruz, Vila Pirapora
Região Oeste Vila Nova, Vila Maranhão, Vila Embratel, Vila Mauro Fecury I e II, Alto da
Esperança, Vila Bacanga
Região Sul Vila dos Frades, Bom Jesus, Vila Lobão.

Fonte: SEMTURB – Prefeitura Municipal de São Luís: 2001.


261

Segundo dados divulgados pela SEMTHURB existem cerca de 300 ocupações


(algumas em processo de regularização fundiária) e 52% da população de São Luís vive
hoje em moradias subhabitáveis. Assim, espalhados por todas as regiões da cidade, fora
dos domínios dos programas oficiais públicos ou privados voltados para a provisão de
moradias, os cortiços, as casas de cômodos, os loteamentos de periferia, a
autoconstrução, as palafitas, e principalmente, as ocupações irregulares de terras urbanas
permanecem - além das pontes, viadutos, buracos, calçadas e outros locais improvisados
utilizados pelos moradores de rua - como modos de acesso à moradia para as populações
subalternas citadinas.
As áreas espaciais conquistadas, desprovidas de recursos infra-estruturais da vida
urbana, espalham-se e expandem-se, avançando pelas margens, pelos espaços vazios,
escoando para além da cidade espetáculo, da gestão municipal dita democrática, dos
novos instrumentos urbanísticos e ambientais e das iniciativas de controle social do
Estado. Tem-se então, um emaranhado de relações, crescentemente mais complexas,
onde as frações de classe tendem a se concentrar em certas regiões da cidade
constituindo, por sua vez, territórios particulares, relacionados aos usos da terra urbana e
modos segregados de moradia. A configuração dessas áreas guarda também relações
com a questão do transporte urbano de passageiro. Este reforça a ocupação urbana nas
áreas acessíveis ou potencialmente acessíveis.
No campo das transformações da intervenção pública nos regimes de posse e usos
do solo citadino destacam-se os programas de regularização fundiária - legalização da
permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas irregularmente para
fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias ambientais e urbanísticas nos
assentamentos -, que, ao seu próprio modo, representam uma fissura no caráter
autoritário, patrimonial e rentista peculiar à sociedade brasileira. Todavia, se a
regularização não se fizer acompanhar de investimentos em urbanização há que se
considerar a permanência de uma série de dificuldades e desafios, ligados às esferas da
existência material e cotidiana vivida no espaço da moradia, no seu entorno e na cidade.
Acontece que o reconhecimento do direito da posse/propriedade não interfere diretamente
nas condições de habitabilidade das moradias pequenas, inacabadas, improvisadas,
construídas com precários recursos construtivos.
262

Afinal, trata-se de moradias geralmente localizadas em áreas em que nenhum


caminho ou usos do espaço é de antemão determinado; situadas distantes de escolas,
hospitais, postos de segurança e pontos de transporte coletivo; aglomeradas em ruas
tortuosas, labirínticas, algumas se estreitando até definirem espaços onde carros
automotivos não podem chegar. Ainda mais: se instabilidade, precariedade e insegurança
são condições do terreno e da moradia, trata-se de uma mercadoria com baixo valor. Ao
defrontar-se com o mercado, a venda deste bem, aos quais, em muitos casos, se chega
através de caminhos emaranhados, de passagens quase secretas não permite a
recuperação dos investimentos feitos na compra do terreno e construção da moradia.
Na cidade de São Luís, formas claras de segregação sócio-espacial que se
encontram, um pouco ou muito, por todas as regiões citadinas, são indicativas de um
processo de constituição do urbano que tem como forma modelar uma intensa
periferização. O conceito de periferia aparece aqui remetido, tal como feito por Topalov
(1984), a espaços territoriais caracterizados, principalmente, por restarem como a principal
alternativa de moradia de certos segmentos de trabalhadores urbanos (empregados ou
mesmo desempregados) e pela ausência ou presença deficitária de equipamentos e
serviços coletivos urbanos. Esses traços sócio-espaciais são reveladores do baixo
patamar de qualidade de vida de seus moradores, processo de certo modo hoje indiferente
à questão da distância em relação ao núcleo central e histórico da cidade.
Há muito é sabido que no âmbito das relações entre espacializações e processos de
reprodução social, cada território periférico poderá ter suas condições de irregularidade,
instabilidade, precariedade e insegurança alterada ou esmaecida a partir do que consiga
arrancar das intervenções público-estatais, em termos da repartição dos benefícios sociais
e econômicos, especialmente, dos equipamentos e serviços coletivos urbanos. A propósito
dessas intervenções, Ramos (2002, p.4) argumenta:

Na sua ação contraditória, o Estado, dizendo-se representante do


interesse geral, atua nesse conflito enquanto parceiro privilegiado do capital
(o que pode ser observado nas estratégias de sua política ‘econômica’ e,
particularmente, na distribuição dos recursos financeiros por ele capturados,
e, manifestadas localmente). No entanto a depender das lutas sociais, uma
parte de seu orçamento pode ser alocada em políticas urbanas, que venha
favorecer a elevação da qualidade de vida (em espaços urbanos onde estão
concentradas as camadas mais empobrecidas das classes trabalhadoras).
263

Daí porque nas cidades do Brasil a questão da moradia logo desliza para a questão
urbana, fazendo com que políticas de urbanização e de melhorias habitacionais, ou ainda
investimentos em saneamento e transporte público, desempenhem papel importante tanto
quanto políticas de financiamento, construção de novas unidades habitacionais ou
programas de regularização fundiária. Afinal, necessidades sociais urbanas não
respondidas, constituindo expressões territoriais de desigualdades sociais, se acumulam
de modo cada vez mais espesso e complexo nas cidades brasileiras, a exemplo de São
Luís. Tais necessidades, de modo geral, dizem respeito a:

• Serviços infra-estruturais urbanos: abastecimento de água e esgotamento


sanitário, drenagem pluvial, energia e iluminação pública, comunicações e sistema
viário;

• Equipamentos sociais e serviços urbanos: distribuição no território e condições de


acessibilidade das ações saúde e controle sanitário (pronto-socorros, postos de
saúde, maternidades, hospitais, vacinação, controle de epidemias recorrentes),
habitação de interesse social, educação e cultura, lazer;

• Serviços urbanos: limpeza pública, transporte coletivo (a expansão das áreas


territoriais periféricas exige a extensão dos serviços de transporte, necessidade que
se amplia pela disjunção entre a localização da moradia e as oportunidades de
emprego), defesa civil e segurança pública, telecomunicações e serviço postal.
Nos territórios periféricos de São Luís, principalmente naqueles resultantes de
conquistas de lutas coletivas pela moradia, as iníquas respostas as necessidades infra-
estruturais da vida urbana são patentemente óbvias. Assim, seus moradores, no meio das
agruras da miséria material, (re) constroem suas casas e efetivam práticas urbanas,
(mediante formas privadas de urbanização, como autoprodução, mutirões, gambiarras),
promovem ações de solidariedade intraclasse e travam limitadas relações com o Estado.
São estratégias de inserção na cidade que permanecem a demonstrar que a segregação
sócio-espacial urbana não precisa de mais tempo para que mostre sua reiteração como
uma das expressões mais graves da questão social, jamais enfrentada de modo cabal pela
sociedade brasileira e maranhense.
264

Em 1972, ao refletir sobre a expansão sócio-econômica do capitalismo no Brasil e a


questão da moradia dos trabalhadores urbanos, Oliveira (1972, p.31) já pontuava:

Uma não insignificante porcentagem das residências das classes


trabalhadoras foi construída pelos próprios proprietários, utilizando dias de
folga, fins de semana e formas de cooperação como o mutirão. Ora, a
habitação, bem resultante desta operação, se produz por trabalho não-pago,
isto é, supertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja
desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a
taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa –
reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força – de que
gastos com a habitação são um componente importante – e para deprimir os
salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é, na
aparência, uma sobrevivência de práticas de economia natural dentro das
cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão
capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa
exploração da força de trabalho.

Porque nessa dimensão da vida urbana brasileira pouca coisa mudou, em meio a
processos de valorização fundiária e imobiliária, dois conjuntos de movimentos se chocam
constantemente: o aumento dos modos segregados e precários de moradia de um lado; do
outro a ampliação e renovação de mecanismos político-jurídicos dirigidos à apropriação
privada e à ordenação do território citadino.
Em São Luís, a reposição da segregação sócio-espacial em patamares cada vez
mais amplos e mais complexos permite indicar que o processo de constituição do urbano
se faz mediante uma dinâmica citadina distante do ideário da Reforma Urbana, que se (re)
constrói no Brasil desde o final dos anos 1970, da aposta feita na Constituição Federal
Brasileira de 1988 quanto ao avanço da democracia fundado nos princípios da
descentralização229, da participação e do controle popular, assim como dos elementos
inovadores contidos no Estatuto da Cidade, promulgado em 2001. Também tal reposição
se realiza distante dos discursos sobre Cidades Sustentáveis, nos quais a regularização
fundiária também se mostra como proposta estratégica, conforme o fragmento de discurso
destacado a seguir:

229 A este propósito Cardoso (2002, p. 113) faz a seguinte observação: “Seja pela redefinição institucional promovida
pela nova Constituição, seja pela iniciativa dos novos governos locais eleitos na década de 1980, seja ainda, como
reflexo das políticas federais, a literatura constata um efetivo processo de descentralização e municipalização das
políticas habitacionais a partir de meados dos anos 1980. Esse processo é visto de uma forma positiva pela literatura
especializada, que ressalta o potencial da gestão local em ampliar a eficácia, a eficiência e a democratização das
políticas”.
265

[...] Combater a produção irregular e ilegal de lotes urbanos e o


crescimento desnecessário da área de expansão urbana das cidades, pela
aplicação efetiva de instrumentos de regulação do solo – urbano e rural – e
da adoção de mecanismos de controle e fiscalização eficazes; Dar
prioridades às políticas e às ações que visem agilizar/facilitar o acesso a
terra e a regularização fundiária, que sejam potencializadoras das políticas e
programas habitacionais a serem implementados pelas três esferas de
governo com a finalidade de reduzir o déficit habitacional concentrado nos
segmentos populacionais de menor renda; Promover a regularização
fundiária das áreas e assentamentos informais e loteamentos irregulares,
em conformidade com os dispositivos constitucionais e com a legislação
federal, estadual e municipal pertinente visando assegurar a função social
da propriedade, as condições de sustentabilidade social, econômica e
ambiental da habitação e o direito de acesso à moradia adequada para
todos. (Agenda 21... 2000, p.143-144).

De fato, na complexa tessitura das relações entre o estatuto imperativo de morar, o


poder local e a legalidade urbana, a regularização fundiária, a exemplo do que é feito no
plano nacional, também ocupa a agenda do governo da cidade. Assim, o Art. 48 do Título
VII da Lei n. 3.252 de 29 de dezembro de 1992 que Dispõe sobre a instituição do Plano
Diretor do Município de São Luís, e dá outras providências define a seguinte estratégia:

(1) Utilização racional do espaço através do controle institucional do


solo urbano, reprimindo a ação especulativa sobre a terra, para garantir à
população acesso à moradia com infra-estrutura urbana, transporte,
equipamentos de educação, saúde, lazer e qualidade ambiental; (2)
Relocalização prioritária das populações assentadas em áreas de risco, com
sua recuperação e utilização imediata e adequada; 3) Urbanização e
regularização fundiária de favelas e invasões, palafitas e loteamentos de
baixa renda; e (4) Implantação de lotes urbanizados e de moradias
populares.

É importante pontuar, como o faz Rolnik (1977), que nos modos de apropriação e
usos da terra urbana, o legal e o ilegal não materializam uma contraposição absoluta. A
ordem jurídica formal nunca está totalmente ausente, mesmo no mais ilícito dos espaços.
No mínimo, apresenta-se como referente sendo freqüentemente mobilizada nas
negociações entre moradores/ocupantes irregulares e as autoridades estatais. Também,
nos espaços construídos de acordo com as leis urbanísticas, existe uma infinidade de
transgressões, fruto muitas vezes da própria valorização das regiões ultra-regulamentadas
da cidade.
266

Além de explicitada no campo da legalidade urbana, a questão da moradia aparece,


por exemplo, no Plano Plurianual 2002-2005 da Prefeitura Municipal de São Luís, dentre
os macro-objetivos articulados para efetivar o Programa Inclusão Social / Exercício da
Cidadania e seu objetivo estratégico230 de Inclusão Social / Exercício da Cidadania. Assim,
acompanhando o objetivo de “desenvolver uma política de inclusão social e exercício da
cidadania, possibilitando à plena defesa dos direitos humanos e o combate as
desigualdades sociais” (São Luís, 2001.p.3); encontra-se o objetivo de “promover e
incentivar a ampliação de moradias populares, bem como fortalecer a solidariedade social
para combater a carência de habitação no município” (São Luís, 2001.p.3).
As estratégias de enfrentamento da questão da moradia pelo governo municipal se
explicitam também através de um conjunto de programas que circunscrevem certos
objetivos operacionais. Dentre esses programas, destaco:
■ o Programa Assentamento Humano de Interesse Social com o objetivo
de assentar às populações sem moradia, excluídas dos programas
oficiais de habitação, promovendo a melhoria das condições de vida de
famílias que residirão em zonas de interesse social do município;
■ o Programa Boa Morada com o objetivo de melhorar as condições de
habitações em áreas de interesse social;
■ o Programa de Regularização Fundiária com o objetivo de regularizar a
ocupação em áreas de interesse social, garantindo segurança ao
ocupante para investir na construção/melhoria de sua moradia;
■ o Programa Saneamento Básico e Urbanização de Bairros e Favelas
com o objetivo de promover a melhoria urbanística, paisagística e das
condições de habitabilidade de São Luís.

230 No Plano Plurianual do Município de São Luís para o quadriênio 2002-2005 constam ainda três objetivos
estratégicos: (1) Desenvolvimento Econômico, Produção, Trabalho e Renda no sentido de promover o
desenvolvimento econômico do município, incentivando programas de fomento à produção, trabalho, renda e turismo,
resgatando vocações locais, inserindo milhares de famílias nas cadeias produtivas e de serviços no município; (2) Infra-
estrutura Urbana, Transporte e Meio Ambiente no sentido de Ampliar e modernizar a infra-estrutura e o sistema de
transportes urbanos do município, bem como intensificar as ações de preservação do meio ambiente natural e
construído da cidade; (3) Desenvolvimento Organizacional e Modernização da Gestão Pública no sentido de
promover ações de planejamento, desenvolvimento organizacional e a modernização da administração, assegurando a
eficácia, a otimização dos recursos, a transparência das ações, a participação popular e o controle da gestão municipal.
267

Nos termos da argumentação que desenvolvo nesta tese, parece ser necessário
ainda assinalar que as proposições, traços diagramáticos e programas de regularização
fundiária assim como outras modalidades de intervenção estatal, dirigidas à facilitação do
acesso a terra pelos segmentos populares, confirmam, de um lado, a magnitude e
recorrência da informalidade nas cidades do Brasil e, de outro lado, demarcam que
políticas de regularização de assentamentos informais, apesar de cruciais para a
população residente, não impacta, de modo decisivo, as possibilidades de reversão, da
segregação sócio-espacial urbana.
Assim, por tudo que já foi exposto, posso afirmar que são muitas as questões e os
desafios que envolvem os atuais discursos, textos legais e intervenções da ação pública
(federal, estadual e municipal) sobre a cidade. Vários caminhos apontados para a
diminuição da desigualdade social na vida urbana esbarram nos interesses privados e
mercantis, empresarialmente organizados (como os que conseguem garantir a
manutenção de um estoque de terrenos sem uso e a inexistência de uma política fiscal
sobre o valor da terra urbanizada). Esses caminhos esbarram também nos limites da
esfera público-estatal231 e dos mecanismos de democracia que a efetividade dos novos
discursos sobre a cidade pressupõe necessariamente.
Ainda mais: no âmbito da reforma do Estado brasileiro, o deslocamento para o
mercado e empresas privadas de funções originariamente público-estatais
(desdobramento da configuração do neoliberalismo como forma política modelar do
Estado) tem forçado a retração do investimento e do gasto público em moradia e infra-
estrutura, principalmente, nas áreas urbanas periféricas. Então as iniciativas de gestão
democrática da cidade e de construção de articulações entre o campo da gestão e das
lutas sociais urbanas232 se fazem acompanhar da desconfiada percepção quanto à
capacidade do sistema democrático brasileiro resolver questões urbanas fundamentais.

231 Relevo aqui a multiplicidade de canais institucionalizados (esfera pública), alguns com força de Lei, como Conselhos
Municipais/Estaduais/Federais (paritários), Conselhos Escolares, Comissões, Conferências, Comitês de Gestão,
Consórcios Municipais, Audiências Públicas, Fóruns cuja viabilidade encontra apoio em órgãos públicos como a
Ouvidoria Pública, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Contas.
232 Sobre a desregulamentação dos serviços públicos Lojkine (2003, p. 22) observa: “[...] A instituição municipal

desempenhe um papel crucial, na medida em que está diretamente em contato simultâneo com a mundialização do
capital, através das sociedades privadas que dirigem atualmente os serviços urbanos e com as demandas das
populações mais deserdadas das grandes metrópoles urbanas. A gestão do abastecimento de água, da coleta de lixo,
das redes de transportes públicos, de saúde, de energia elétrica e das telecomunicações, coloca as equipes municipais
no cerne das contradições que opõem as estratégias dos grandes grupos mundiais, às das populações urbanas”.
268

Na cidade de São Luís, como sucessivos governos não foram capazes de favorecer
conquistas amplas no acesso à moradia adequada, as lutas sociais por moradia expressas
nas ocupações de solos urbanos se intensificaram ao longo da década de 1990233: - de um
lado, ampliaram-se as associações civis ou movimentos organizados para defender o
direito à moradia e a cidade, a exemplo do Fórum Maranhense de Defesa da Moradia e da
União Estadual por Moradia Popular; de outro lado, avolumaram-se as denúncias contra a
existência de uma suposta indústria de invasões.
O jornal O Estado do Maranhão de 05 de agosto de 2001, estampou, no Caderno
Cidade, a seguinte manchete: Invasão torna-se negócio rentável - Líderes
comunitários lucram com a venda de lotes a carentes nada têm que garanta a posse
legal da área. Mas, o que me parece importante demarcar é que, a existência de
possíveis agenciamentos com interesses mercantis no âmbito das ocupações de vazios
urbanos, não elide ou torna secundária a real necessidade de moradia e a reprodução da
lógica segregadora que acompanha as metamorfoses citadinas em São Luís.
Muito ao contrário, esses possíveis agenciamentos também dizem das
desigualdades nas condições de acesso a terra para a construção da moradia, logo, dizem
de questões muito desconfortáveis e desafiadoras tanto para os poderes constituídos,
quanto para os movimentos sociais de moradia. Trata-se, portanto, de sinais de algo que
não se vê e, no entanto, neles está contido: disputas particulares e necessariamente
conflitantes em torno da apropriação e usos das vantagens dos efeitos úteis da
aglomeração, entre valores de uso e valores de troca.
Desse modo, na particularidade do processo de constituição do urbano em São
Luís, as disputas em torno da terra urbana aparecem imersas no interior de profundas e
contraditórias relações entre investimentos em condições gerais de produção, interesses
econômico-mercantis de natureza fundiário-imobiliária e lutas sociais pela moradia. Se tal
é o estado de coisas, no movimento real da constituição da segregação sócio-espacial
urbana, estas relações comparecem entrelaçadas, não apenas por um nó a ser desatado,
mas organicamente, com teias e sustentáculos de natureza estrutural.

233 Registrem-se, ainda, dois fatos novos delineados ao longo da década de 1990: (1) as ocupações de prédios e
conjuntos habitacionais, a exemplo da ocupação do Parque das Mangueiras, no São Cristóvão em 1996 e, (2) o
significativo número de pessoas envolvidas nas lutas sociais por moradia, a exemplo da ocupação, denominada Cidade
Olímpica que envolveu, aproximadamente, 15 famílias, também no ano de 1996.
269

Certamente, continuando a tecer uma trama que parece não ter fim, o processo de
urbanização desigual efetivado em São Luís passa a comprometer o uso sustentável do
ambiente estuarino - ecossistema desenvolvido a partir do encontro das águas do rio com
águas salinas. Dá-se que, conforme já abordado ao longo desta exposição, esse ambiente
vem sendo secularmente usado como fonte de subsistência por segmentos de
trabalhadores urbanos empobrecidos, como pescadores artesanais e catadores e/ou
vendedores de peixes, crustáceos e moluscos.
Um dado a mais: os obstáculos naturais postos pelos manguezais nunca foram
empecilhos em face da necessidade de moradia dos espoliados urbanos da cidade de São
Luís. No panorama das estratégias possíveis de acesso à moradia, construção de palafitas
nos mangues, há muito tempo fazem parte do cotidiano de expressivos segmentos da
população urbana que ali moram, trabalha e/ou circula.
A degradação ambiental dessas áreas passa a se constituir, então, mais uma
contradição que atualiza, ao seu próprio modo, antigos conflitos e contradições existentes
entre interesses econômicos, necessidade social de moradia e gerenciamento ambiental,
entre vida social e meio-ambiente, entre território e cidade. Questão que não pode ser
considerada somente como um problema de formas de consumo ou ausência de uma
cultura da limpeza urbana, pois se trata aqui do fato de que essas formas são resultados
do padrão de urbanização em curso no Brasil e no Maranhão, especialmente, no que diz
respeito à falta ou precariedade da provisão da infra-estrutura necessária à vida na cidade.
Trata-se, por conseguinte, de dinâmicas que transformam a escala, a natureza e o grau de
complexidade da segregação sócio-espacial urbana.
Afinal, as cidades são complexidades sócio-históricas assentadas espacialmente,
cujas formas e conteúdos estão continuamente ameaçados na sua relação com as
contradições próprias da urbanização capitalista234.

234 No tocante às trocas orgânicas entre sociedade e natureza Lefebvre (1999, p.178) nos diz: “O controle da natureza
ligado às técnicas e ao crescimento das forças produtivas, submetido unicamente às exigências do lucro conduz à
destruição da natureza. O fluxo das trocas orgânicas entre a sociedade e a terra, esse fluxo, do qual Marx, a propósito da
cidade, observa a importância, se não é rompido é, pelo menos, perigosamente perturbado. Pode-se perguntar se a
destruição da natureza não faz parte' integrante' de uma autodestruição da sociedade voltando contra ela mesma suas
forças e sua potência, com a manutenção do modo de produção capitalista".
270

Na cidade de São Luís, segundo pesquisas235 do Labohidro e do Departamento de


Oceanografia da Universidade Federal do Maranhão, a bacia do Rio Anil, inserida no
centro urbano da capital, é uma das mais prejudicadas.

Figura 28

CAMBOA: TERRITÓRIO DE PALAFITAS NAS MARGENS DO RIO ANIL (São Luís – 2002)
(Fonte: Coleção particular de fotografias)

Esgotos, deposição de lixo, aterros e o corte da vegetação de mangues são alguns


tensores responsáveis pela alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das
águas do Anil. Cerca de 56% dos moradores, de uma parte desse ambiente estuarino, a
exemplo daqueles que habitam as palafitas registradas na figura Território de palafitas nas
margens do rio Anil já reconhece a degradação ambiental. "A poluição está tomando conta
do rio" dizem os moradores da área de palafitas da Camboa.

235 As pesquisas, ligadas ao projeto Subsídios para uso econômico sustentável da bacia do rio Anil, na ilha se São Luís,
avaliaram as características físicas, químicas e microbiológicas das águas do Rio Anil e a percepção ambiental de seus
usuários. As análises físicas e químicas indicam que a concentração de amônia nas águas é alta em conseqüência do
despejo de esgotos domésticos os quais ocasionam também, devido à quantidade de materiais orgânicos presentes,
problemas de déficit de oxigênio e de elevados níveis de coliformes fecais. Isso acarreta um significativo aumento dos
riscos de proliferação de doenças de veiculação hídrica. Segundo os pesquisadores, apesar das agressões ambientais,
este ecossistema ainda conserva uma importante biodiversidade, responsável pelo suprimento gratuito de proteína, além
de proporcionar fonte de renda complementar ás famílias que habitam ou recorrem às áreas de mangue.
271

Assim, na cidade, sob a aparente solidez e perenidade do ambiente natural e


construído, conexões entre os mundos natural e social encontram-se ou esbarram em
composições que nunca se encerram em formas e limites demarcáveis de uma vez por
todas, pois estão envolvidas, permanentemente, no jogo valorização, desvalorização,
construção, destruição, reconstrução, restauração, revitalização, reciclagem do espaço.
Jogo interminável para vencer os limites que o uso dos bens sociais e naturais,
dentre eles a terra urbana impõem a lucratividade do capital, particularmente, do capital
imobiliário. No entanto, limites maiores são impostos a determinados segmentos do
trabalho na sua luta pelo direito à cidade e à moradia, logo a uma luta travada pelo
exercício de um controle social efetivo sobre a ação do Estado no urbano e contra os
interesses econômico-mercantis que se fazem hegemônicos na dinâmica da vida citadina.
Tais determinações, relações e/ou mediações levam as formas sócio-espaciais
urbanas a guardarem fortes e profundas relações com a acumulação imobiliária e com os
mecanismos legais e coercivos utilizados para promovê-los. Esses mecanismos, por sua
vez, desdobram-se, como partes e efeitos dos compromissos políticos e legal-normativos
do Estado com a propriedade privada, condição histórica que inibe o uso público do
espaço, porque, ao contrário favorece sua apropriação privada, assim como favorecem,
crescentemente, a mercantilização e/ou a transferência para a sociedade civil, (redução
dos investimentos do Estado, captação de recursos junto aos usuários, diminuição dos
custos através da precarização) dos serviços públicos, dentre eles os serviços coletivos
urbanos.
Desse modo, as evidências de que disponho, resultados da pesquisa que realizei,
indicam que a questão urbana em curso em São Luís manifesta, sob novas determinações
e formas de expressão, um padrão de usos da terra urbana bem mais complexo e
desigual. Nesse padrão se encontram redimensionados modos antigos e novos de
segregação sócio-espacial, determinados e alimentados pela inserção desigual das
classes sociais e suas frações nos mecanismos de apropriação, usos e gestão do território
e seus ecossistemas. Modalidades de apropriação, de usos e controle do solo que por sua
vez pressupõem e acionam uma série de mediações que levam a mais forte intensidade
os antagonismos e conflitos entre a distribuição pública e privada de valores de uso da
terra urbana.
272

Mas, os resultados da pesquisa realizada também permitem argumentar que na


esfera política sempre resta à possibilidade de explicitação de ideários e lutas propondo
horizontes e fronteiras para a ação política, que reverberem na (re) definição da figura do
Estado capitalista ou na construção de alternativas de sociedade 236. Isto se faz à revelia,
ou, contraditoriamente, como derivações de impasses e contradições de cada conjuntura
histórica que abarca mutações urbanas de São Luís, e de (re) configurações da ação do
Estado, ainda que este retenha no seu interior, remodelando-o, os traços patrimonial e
oligárquico próprios às sociedades brasileira e maranhense.
Porque a vida urbana se faz fortemente mediada por formas políticas de existir,
desde as lutas operárias às lutas populares, passando pelas atuais estratégias (nem
sempre bem-sucedidas) de exercício do controle social sobre os governos municipais;
parece ser possível também, mais uma vez, sustentar a tese de que as lutas sociais
urbanas por moradia e as experiências de gestão democrática da cidade possa se
constituir em duas importantes estratégias no enfrentamento das desigualdades sociais no
âmbito da vida citadina, na medida em que aglutinem e adensem ações políticas que
privilegiem o direito à cidade para todos e (re) afirmem os legítimos interesses das
populações urbanas segregadas compulsoriamente.
De onde podem surgir tão vastos efeitos? Das contradições e possibilidades
presentes na cidade contemporânea, cada vez mais o centro das relações entre meios de
produção e agentes produtivos. Das lutas sociais e da organização de segmentos de
trabalhadores e subalternos; de setores populares organizados, progressistas e
democráticos que sempre podem ressurgir e erguer-se novamente, e, como uma força que
recorta o caos e o enfrenta, podem avançar sobre o direito intervencionista do Estado
dirigido ao uso do solo urbano, denunciando a segregação e reivindicando a definição e
mecanismos de controle do uso da terra que façam prevalecer à função social da
propriedade e a produção de uma cidade (urbe, polis e civitas) não segregada.

236 Entendo ser mister reforçar que me referenciando destacadamente em Gramsci reconheço a primazia da esfera
econômica, sem, no entanto, relegar a política a um plano longínquo da superestrurura, como um simples reflexo. Neste
sentido, a estou apreendendo, tal como Gramsci, como uma dimensão essencial do movimento dialético entre infra-
estrutura e superestrutura. Afinal, é na esfera da política, no processo real do desenvolvimento histórico-político, que se
dá o reconhecimento recíproco entre as classes como grupos sociais diferenciados pela posição, na esfera da produção.
(GRAMSCI, 1984).
273

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São Luís Diário de São Luiz, 1920-1926.
São Luís - O Combate, 1925-1930.
São Luís – Jornal do Povo, 1956-1958.
São Luís - Imparcial, 1962-1964; 1978-1981; 1999-2002.
São Luís - O Estado do Maranhão, 1978-1981; 1999-2002.

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