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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL


Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

ÂNDREA FRANCINE BATISTA

MOVIMENTO CAMPONÊS E CONSCIÊNCIA DE CLASSE:


A práxis Organizativa da Via Campesina Internacional na América Latina

Rio de Janeiro
Maio de 2019
1
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social

ÂNDREA FRANCINE BATISTA

MOVIMENTO CAMPONÊS E CONSCIÊNCIA DE CLASSE:


A práxis Organizativa da Via Campesina Internacional na América Latina

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Serviço Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – Escola de Serviço Social – ESS (Campus
Praia Vermelha) como requisito parcial de avaliação
para obtenção de Título de Doutorado em Serviço
Social.
Orientação: Prof. Dr. Mauro Luis Iasi

Área de Concentração: Teoria Social, Formação


Social e Serviço Social.
Linha de Pesquisa: Estado, Classes e Políticas Sociais

Rio de Janeiro
Maio de 2019

2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

B326 Batista, Andrea Francine.


Movimento camponês e consciência de classe: a práxis
organizativa da Via Campesina Internacional na América Latina /
Andrea Francine Batista. Rio de Janeiro, 2019.
330 f. : il.

Orientador: Mauro Luís Iasi.

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,


Escola de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social, 2019.

1. Movimentos sociais. 2. Camponeses. 3. Trabalhadores


rurais – Atividades políticas. Iasi, Mauro Luís. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Escola de Serviço Social
CDD: 331.88

Elaborada por Adriana Almeida Campos CRB-7 4.081

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ÂNDREA FRANCINE BATISTA

MOVIMENTO CAMPONÊS E CONSCIÊNCIA DE CLASSE:


A práxis Organizativa da Via Campesina Internacional na América Latina

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
Escola de Serviço Social – ESS (Campus Praia Vermelha) como requisito parcial de avaliação para obtenção de
Título de Doutorado em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
ORIENTADOR: Prof. Dr. Mauro Luis Iasi (UFRJ)

__________________________________ ____________________________________
Prof. Dra. Maristela Dal Moro (UFRJ) Prof. Dra. Maria Orlanda Pinassi (UNESP/Campus
Araraquara/SP)

_____________________________________ _____________________________________
Prof. Dra. Leile Silvia Candido Teixeira (UFRJ) Prof. Dr. Ademar Bogo (FASB/BA)

Professores Suplentes:

Prof. Prof. Dra. Gláucia Lelis Alves (UFRJ)


Prof. Dr. Adelar João Pizetta (UFES/São Mateus/ES)

Rio de Janeiro - RJ, 26 de abril de 2019


Local e Data de Aprovação

4
DEDICAMOS

À Via Campesina, vozes e ventos de abril,


À classe trabalhadora, vozes e ventos de maio,
Às vozes e ventos de março em abril e maio.

Para quem:

“[...] faz da insegurança a sua força


e do risco de morrer, seu alimento.
Por isso me parece imagem justa
para quem vive e canta no mau tempo”.1

1
Trecho de Poema na Música “Dona do Raio: o Vento” de Maria Bethania. Música disponível em:
https://youtu.be/Fxzh75jdaPE . Acesso em janeiro de 2019.
2
AGRADECEMOS

Nossos agradecimentos e reconhecimento a cada professor e professora que analisou, aportou


e instigou questões-chave para este estudo, e que com seu engajamento numa perspectiva da
emancipação humana faz de sua vida uma centelha para que a chama revolucionária
mantenha-se acesa. À Mauro Iasi, Ademar Bogo, Adelar Pizetta, Cristina Simões Bezerra,
Gláucia Lélis Alves, Leile Silvia Candido Teixeira, Maria Orlanda Pinassi, Maristela Dal
Moro, e Marcelo Braz Moraes dos Reis.

Um agradecimento especialmente ao professor orientador Mauro Luis Iasi, que faz de sua
poesia um encontro com o que há de mais humano, uma sinapse que conecta nossos
fragmentos, tempestades e inquietações em busca do devir histórico.

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e à CLOC - Via Campesina por me
ensinar, nas árduas e diárias batalhas, a convicção socialista.

A cada entrevistado e entrevistada que através de sua práxis militante na CLOC, na Via
Campesina, e em organizações aliadas, contribuíram com opiniões, posicionamentos e
análises aqui expressas.

À Sergio e Cecília, que me ensinaram as fortalezas da vida.

3
LA TEMPESTAD

Grande la tormenta, que no se anima a escampar


En el suelo están los troncos más severos
Anegada la sabana, se hizo río el manantial
Tanta lluvia que ha borrado los senderos

Viejo mapa que no nos dirá cómo llegar


Adelante solo reina un gran fanguero
Se adelanta un caminante y algunos salen detrás
Tras los pasos del añoso del sombrero
¿Acaso tú sabes la ruta?
¿Acaso ya pasaste antes?
¿Sabes de atajos y grutas?
Cuéntanos todo lo importante
Cuéntanos todo lo que sabes

S.R.: Vengo de un tiempo de plagas y sequías


Pero a sangre y sudor se hizo cosecha
Más lo que se pudo que lo que se quería
Y heme aquí, latiendo aún esta fecha
No me sé el camino, solo tiran de mí
Los anhelos, de posibles maravillas
Salgo a caminar pues no aprendí a dormir
Mientras en el zurrón, mientras en el zurrón
Mientras en el zurrón queden semillas

Dime tú, cuéntame, cuéntame


Dime del sueño que acunas
Con cuál fe llenarás tu templo
Del dulzor que tendrán tus uvas
Cuenta tú que tendrás más tiempo
Cuéntame, que tienes más tiempo

Que el naufragio se parezca al capitán


Que el poeta se parezca a su cantar
Y la rueda a los caminos
La vela a la oscuridad
Haz que se parezca a ti la tempestad

(Buena Fé e Silvio Rodriguez. La Tempestad)2

2
A Música La Tempestad é de autoria de Israel Rojas do grupo musical cubano Buena Fé, gravando-a junto com
Silvio Rodriguez em outubro de 2016 e faz parte do disco Sobreviviente. O vídeo clip é uma produção do
diretor de cine Marcel Beltrán produzido na Escola Internacional de Cine e Televisão de San Antonio de los
Baños. Uma homenagem ao aniversário de 164 anos do nascimento de José Martí. Segundo o autor, a música
é uma metáfora destes tempos, e a necessária busca de diálogo e intercambio entre gerações na busca da
capacidade de sonhar, “preferencialmente com os pés na terra”. Informações e música disponível em:
http://www.cubadebate.cu/noticias/2017/01/28/estreno-de-cubadebate-video-de-la-tempestad-con-
buena-fe-y-silvio-rodriguez/#.XFpQdix7nIU . Acesso em janeiro de 2019.
4
RESUMO

A presente tese de doutorado, intitulada Movimento Camponês e Consciência de Classe teve como
objetivo estudar a práxis organizativa da Coordenadora Latino-Americana de Organizações do Campo
– Via Campesina e sua relação com os processos de consciência de classe, bem como as perspectivas
políticas de superação do capitalismo e emancipação humana que as lutas particulares apontam.
O Movimento Camponês Internacional teve sua gênese no início da década de 1990 num contexto de
lutas antiglobalização neoliberal, especialmente contra avanço do capital no campo na forma do
agronegócio, hidronegócio e da mineração. Diante de uma crise estrutural do capital, as grandes
corporações transnacionais, associadas a burguesias nacionais atuou intensamente na geopolítica dos
recursos naturais, provocando a expropriação de comunidades camponesas, indígenas e quilombolas,
destruindo a natureza, e suscitando a iminente aniquilação de espécies de vida neste planeta.
As lutas desses trabalhadores do campo pelo acesso à terra, água, sementes e território; pela reforma
agrária integral e popular; por justiça climática e ambiental; pelos direitos de camponeses e
camponesas; pela agroecologia e Soberania Alimentar, foram forjando sua identidade de classe - de
classe em si. Um processo que se dá especialmente por suas ações de enfrentamento, mas
fundamentalmente através de sua organização política de caráter internacional, fortalecida por
processos de formação de seus integrantes e pelo feminismo camponês e popular. A articulação de
suas pautas particulares a um horizonte socialista, leva consigo temas de potencialidade universal para
a classe trabalhadora como um todo. É o caso da soberania alimentar como elemento estratégico.
Entretanto, a transformação estrutural da sociedade exige um pouco mais do que classe em si.
Sozinhos, os camponeses não farão as mudanças estruturais necessárias na sociedade, mesmo
radicalizando suas pautas, tampouco, sem estes, elas ocorrerão. Entre os muitos impasses da
atualidade, seria um caminho a recriação de um intelectual coletivo internacional que aglutine as
diferentes classes em si convergindo ações, debatendo concepções, afinando estratégias? É inegável o
papel do instrumento organizativo para forjar uma práxis revolucionária.

Palavras Chaves: Movimento Camponês; Consciência de Classe; CLOC-Via Campesina.

5
ABSTRACT

This doctorate thesis, named Peasants Movement and Class Consciousness had as object of study
the organizational praxis of the Latin American Coordinator of Field Organizations-Via Campesina
and its relation with the class consciousness process, the political perspectives of overcoming
capitalism, along with the human emancipation aimed by the particular struggles.
The International Peasants Movement had its genesis in the beginning of the 1990‟s decade, in a
context of anti-neoliberal globalization movement, especially against the capital enlargement in the
field, in the form of the agribusiness, water business and the mining. In face of a structural crisis of the
capital, the largest transnationals corporations- associated with the national bourgeoisie - acted
intensively in the geopolitics of the natural resources, causing the expropriation of peasant
communities, indigenous people, quilombolas and the destruction of the nature. Therefore, promoting
the imminent annihilation of the life species on this planet.
The farmworkers struggle for land access, water, seeds and territory; the integral and popular agrarian
reform; climatic and environmental justice; the rights of the peasants; the agroecology and Food
Sovereignty, forged their class identity - of the class in itself. A process that occurs, in special, by its
own actions of confrontation, yet fundamentally through the international political organization,
strengthened by the processes of instruction of its members, also by the popular peasant feminism. The
articulation of their particular goals into a socialist horizon carries the potentiality to be a universal
theme for the working class as whole, thus, it is the case of the food sovereignty as a strategic element
of this horizon.
Nevertheless, the structural transformation of the society demands a bit more than simply the class in
itself. Alone, the peasants will not make the fundamental needed changes in the society, even if they
radicalize their goals, either will the society change without them. Among many current impasses,
would it be a path, the creation of an international collective intellectual that unites the different
classes in itself converging in actions, discussing conceptions, tuning strategies? It is undeniable the
role of the organizational instrument in order to forge a revolutionary praxis.

Key Words: Peasants Movement; Class Consciousness; CLOC-Via Campesina.

6
RESUMÉ

La présente thèse de doctorat, intitulée Mouvement Paysan et Conscience de Classe avait comme
but l‟étude de la praxis organisationnelle de la Coordination Latino-américaine des organisations
rurales -Via Campesina et sa relation avec les processus de conscience de classe, ainsi que ses
perspectives politiques de surmonter le capitalisme et d‟atteindre l‟émancipation humaine que les
luttes particulières visent.
Le Mouvement Paysan International a connu sa genèse au début des années 1990 dans un contexte de
luttes anti globalisation néolibérale, mais surtout contre l‟avancée du capital dans les secteurs de
l‟agro-industrie, l‟hydro-industrie et de l‟exploitation minière. En face d‟une crise structurale du
capital, les grandes firmes transnationales, associées aux bourgeoisies nationales, ont joué un rôle dans
le géopolitique des ressources naturelles, en causant l‟expropriation des communautés paysannes,
autochtones et quilombolas,la dévastation de la nature, qui, par conséquent encouragent l‟imminente
annihilation de la vie dans cette planète.
Les luttes des travailleurs agricoles pour l‟accès à terre, l‟eau, les graines et les territoires ; pour la
réforme agraire intégrale et populaire ; pour la justice environnementale et climatique ; pour les droits
des paysans et paysannes ; pour l‟agroécologie et la SouverainetéAlimentaire ont forgé leur identité de
classe - de classe en soi. Un processus qui se passe,tout spécialement, pour ses actions d‟affrontement,
mais fondamentalement à traversson organisation politique internationale, renforcées par les processus
de formation des leurs intégrants et par le féminisme paysan et populaire. L‟articulation de ses agendas
particuliers vers un horizon socialiste, apporte les thèmes de potentialités universelles pour la classe
ouvrière dans son ensemble. C‟est le cas de la souverainetéalimentaire comme un élément stratégique.
Toutefois, la transformation structurale de la société demande un peu plus que la classe en soi. Seuls,
les paysans n‟élaboreront pas les changements structurauxdont la société a besoin, et même s‟ils
radicalisent leurs agendas, sans ces changements, ceux-ci ne se produiront pas non plus. Parmi les
nombreuses impasses de l‟actualité,un chemin serait-il possible via la création d‟un intellectuel
collectif international qui réunit les différentes classes sociales en soi, faisant converger les actions,
faisant débattre de conceptions, et peaufinant des stratégies ? Le rôle de l‟instrument organisationnel
est indéniable afin de construire une praxis révolutionnaire.

Mots Clés: Mouvement Paysan; Conscience de Classe; CLOC-Via Campesina

7
RESUMEN

La presente tesis de doctorado, titulada Movimiento Campesino y Conciencia de Clase tuvo como
objetivo estudiar la praxis organizativa de la Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del
Campo - Vía Campesina y su relación con los procesos de conciencia de clase, así como las
perspectivas políticas de superación del capitalismo y emancipación humana que las luchas
particulares apuntan.
El Movimiento Campesino Internacional tuvo su génesis a principios de la década de 1990 en un
contexto de luchas antiglobalización neoliberal, especialmente contra el avance del capital en el campo
en la forma del agronegocio, el hidronegocio y la minería. Frente a una crisis estructural del capital,
las grandes corporaciones transnacionales, asociadas a las burguesías nacionales actuó intensamente
en la geopolítica de los recursos naturales, provocando la expropiación de comunidades campesinas,
indígenas y palenques, destruyendo la naturaleza, y suscitando la inminente aniquilación de especies
de vida en este planeta.
Las luchas de esos trabajadores del campo por el acceso a la tierra, agua, semillas y territorio; por la
reforma agraria integral y popular; por la justicia climática y ambiental; por los derechos de
campesinos y campesinas; por la agroecología y Soberanía Alimentaria, fueron forjando su identidad
de clase - de clase en sí. Un proceso que se da especialmente por sus acciones de enfrentamiento, pero
fundamentalmente a través de su organización política de carácter internacional, fortalecida por
procesos de formación de sus integrantes y por el feminismo campesino y popular. La articulación de
sus pautas particulares a un horizonte socialista, lleva consigo temas de potencialidad universal para la
clase trabajadora como un todo. Es el caso de la soberanía alimentaria como elemento estratégico.
Sin embargo, la transformación estructural de la sociedad exige un poco más que clase en sí. Sólo los
campesinos no harán los cambios estructurales necesarios en la sociedad, incluso radicalizando sus
pautas, tampoco, sin éstos, ellas ocurrirá. Entre los muchos impasses de la actualidad, sería un camino
la recreación de un intelectual colectivo internacional que aglutine las diferentes clases en sí
convergiendo acciones, debatiendo concepciones, afinando estrategias? Es innegable el papel del
instrumento organizativo para forjar una praxis revolucionaria.

Palabras Claves: Movimiento Campesino, Conciencia de Clase, CLOC-La Vía Campesina

8
LISTA DE MAPAS

Mapa 01 - Presença da Odebrecht no Continente em relação à IIRSA ..................... 44


Mapa 02 - Localização da Via Campesina no Mundo .............................................. 130
Mapa 03 - Organizações Sociais que compõe a VC – Europa .................................. 132
Mapa 04 - Organizações Sociais que compõe a VC – África Central e Oeste ......... 133
Mapa 05 - Organizações Sociais que compõe a VC – África Sul e Leste ................. 134
Mapa 06 - Organizações Sociais que compõe a VC – Ásia Sul ................................ 135
Mapa 07 - Organizações Sociais que compõe a VC – Ásia Sudeste e Leste ............ 136
Mapa 08 - Organizações Sociais que compõe a VC - América do Norte ................ 139
Mapa 09 - Organizações Sociais que compõe a CLOC-VC América Central e Caribe 139
Mapa 10 - Organizações Sociais que compõe a CLOC-VC - América do Sul ........ 140
Mapa 13 - Governos Populares e Progressistas na América Latina (2009-2013) .... 226
Mapa 14 - Governos Populares e Progressistas na América Latina (2016-2017) .... 227
Mapa 15 - Governos na América Latina (2018-2019) .............................................. 230

9
LISTA DE TABELAS

Tabela 01 - Caracterização das Entrevistas com Organizações Aliadas a VCI ........ 23


Tabela 02 - Caracterização das Entrevistas com Organizações da VCI ................... 23
Tabela 03 - Legislações que Favorecem o Neo-extrativismo na América Latina ..... 48
Tabela 04 - Ranking de Empresas que atuam na América Latina ............................. 77
Tabela 05 - Ranking das Empresas Originalmente Brasileiras ou com Sede no Brasil 78
Tabela 06 - Ranking das Empresas que atuam no Agronegócio no Brasil ............... 80
Tabela 07 - Número de organizações que compõe a Via Campesina Internacional . 131
Tabela 08 - Organizações Sociais que compõe a África Central e Oeste ................. 323
Tabela 09 - Organizações Sociais que compõe a África (Sul e Leste) ..................... 324
Tabela 10 - Organizações Sociais que compõe a Ásia do Sul .................................. 325
Tabela 11 - Organizações Sociais que compõe a Ásia (Sudeste e Leste) ................. 326
Tabela 12 - Organizações Sociais que compõe a Europa .......................................... 327
Tabela 13 - Organizações Sociais que compõe as Regiões Emergentes ................... 329
Tabela 14 - Organizações Sociais que compõe a América do Norte na Via Campesina 141
Tabela 15 - Organizações Sociais que compõe a América Central (CLOC-VC) ...... 142
Tabela 16 - Organizações Sociais que compõe a Regional Caribe (CLOC-VC) ...... 144
Tabela 17 - Organizações Sociais que compõe América do Sul (CLOC-VC) .......... 145
Tabela 18 - Linha do Tempo CLOC-VC .................................................................. 330

10
LISTA DE SIGLAS3

AGP - Ação Global dos Povos


ALCA – Acordo de Livre Comércio das Américas
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Mundial
CCI – Comissão Coordenadora Internacional
CLOC – Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo
CONAIE – Confederação de Nacionalidades Indígenas de Equador
EUA - Estados Unidos da América
FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura,
FMI - Fundo Monetário Internacional
FSM - Fórum Social Mundial
GATT - Acordo Geral sobre as Tarifas de Comércio
IFAP - International Federation of Agricultural Producers
IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul Americana
MERCOSUL - Mercado Comum do Sul
NAFTA - Acordo de Livre Comércio da América do Norte
NFFC - National family farm coalition (Coalizão Nacional de agricultores familiares), NFU -
National Farmers Union (Sindicato Nacional dos agricultores do Canadá)
OEA - Organização dos Estados Americanos
OGM – Organismos Geneticamente Modificados
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONG - Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PDVSA - Petróleos de Venezuela S.A.
PEMEX – Petróleos Mexicanos
PFS - Paulo Freire Stichting (ONG holandesa)

3
As siglas abaixo foram as mais utilizadas no corpo do texto. No que se refere às siglas de cada organização
social partícipe da Via Campesina e CLOC encontram-se nos anexos por grande região.
11
TEEB - Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade (em inglês)
TISA - Trade in Services Agreement
TLCAN - Tratado de Livre Comércio de América do Norte
TTIP - Transatlantic Trade and Investment Partnership
TTP - Tratado Trans-Pacífico
UNAG - Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos e Nicaragua
UNASUR – União das Nações Sul-Americanas
UNORCA - Unión Nacional de Organizaciones Regionales Campesinas Autónomas
(México)
VC - Via Campesina
VCI - Via Campesina Internacional

12
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 01

INTRODUÇÃO 02
a. Da Organização Internacional Campesina 04
b. Do Problema de Pesquisa 18
c. Dos Objetivos e Metodologia da Pesquisa 21
d. Da Apresentação dos Capítulos 24

1. CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O CAMPO NA AMÉRICA 26


LATINA
1.1 OS FUNDAMENTOS DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O 34
PAPEL DA AMÉRICA LATINA
1.2 GEOPOLÍTICA DOS RECURSOS ESTRATÉGICOS NA AMÉRICA 42
LATINA
1.2.1 A Terra 49
1.2.2 Água e Energia como Mercadorias 56
1.2.3 Da Mineração, Petróleo e Gás Natural 61
1.2.4 Das Florestas, Biodiversidade e Oxigênio 69
1.2.5 Das Sementes e Alimentação 72
1.3 TRANSNACIONAIS QUE ATUAM SOBRE OS RECURSOS 76
ESTRATÉGICOS NA AMERICA LATINA

2. PADRÕES DE DOMINAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E A 83


MOVIMENTAÇÃO DAS CLASSES TRABALHADORAS DO
CAMPO
2.1 DOS PADRÕES DE DOMINAÇÃO CAPITALISTA NA AMÉRICA 84
LATINA
2.2 BREVE TRAJETÓRIA DA LUTA DE CLASSES NO CAMPO 87
2.2.1 Abya Yala e as Marcas da Colonização 88
2.2.2 Dos Jacobinos Negros à Pátria Grande – Nuestra América 93
2.2.3 Das Resistências e Lutas Libertárias 100
2.2.4 Das Resistências e Lutas de Caráter Socialista 108
2.3 DAS LIÇÕES HISTÓRICAS DA LUTA DE CLASSES NO CAMPO 119

13
3. MOVIMENTO CAMPONES INTERNACIONAL E 122
RESISTENCIA: BREVE INVENTARIO DA CLOC-VC
3.1 A CLOC-VIA CAMPESINA COMO MOVIMENTO CAMPONÊS 127
INTERNACIONAL
3.2 A CLOC-VIA CAMPESINA NOS MARCOS DA LUTA 155
ANTIGLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL
3.2.1 Do Nascimento do Movimento Camponês Internacional 157
3.2.2 Globalizando a Luta e a Esperança de Outro Mundo Possível e 169
Necessário
3.2.3 O Movimento Camponês Internacional na Intensificação da Crise 185
Capitalista

4. BALANÇO HISTÓRICO DA CLOC-VC: CONSCIÊNCIA DE 201


CLASSE e ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
4.1 O QUE ENFRENTA A CLOC-VC 208
4.2 A CLOC-VC E AS INICIATIVAS POPULARES DE GOVERNOS 225
PROGRESSISTAS
4.3 A CLOC-VC NA LUTA DE CLASSES 234
4.3.1 Da Consciência de Classe em Si 236
4.3.2 A Luta pelos Direitos Camponeses e a Consciência Social 254
4.3.3 Do Programa Estratégico da CLOC-VC 261
4.3.3.1 A Soberania Alimentar 266
4.3.3.2 A Luta pela Soberania Alimentar 271
4.3.3.3 A Soberania Alimentar e o Horizonte Socialista 276
4.3.4 A Forma da Organização Política: Seus Desafios e Fortalezas 279
4.3.4.1 Internacionalismo no Movimento Camponês 284
4.3.4.2 Política de Formação da CLOC-VC 289
4.3.4.3 Feminismo Camponês e Popular. 292
4.4 DOS ASPECTOS PRINCIPAIS DESTE BALANÇO 299

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Consciência de Classe e os Desafios de 302


seu Tempo Histórico

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 312

ANEXOS 323

14
APRESENTAÇÃO

O estudo que por hora apresentamos é resultado do doutoramente realizado junto à Escola de
Serviço social da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizado entre os anos de 2015 e
2019.
O tema que aqui debatemos surge como fruto de inquietações vindas de uma prática militante
no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Mas também como continuidade de pesquisa
realizada em mestrado, entre os anos de 2011 e 2013, sobre a Política de Formação da Via
Campesina Sudamérica como parte da territorialização de resistência do movimento
camponês internacional. Sobre esta, trazemos uma breve síntese na Introdução desse trabalho
com o intuito de explicitar melhor o acúmulo de discussões que envolveram a elaboração do
problema que conduziu a fundo a investigação que aqui registramos.
Neste estudo, fundamentado em análise documental, pesquisa de campo e bibliográfica,
trouxemos também elaborações teóricas realizadas por outros militantes e dirigentes
orgânicos da Via Campesina que a partir de sua práxis diária ousou sistematizar discussões
coletivas ao passo que contribuir com as elaborações e formulações apresentadas.
O corpo deste trabalho está estruturado da seguinte forma: uma longa introdução recuperando
as análises e reflexões já realizadas, ponto de partida da investigação no doutorado; uma
apresentação das principais características do desenvolvimento do capital no campo na
América Latina e suas estratégias de expansão diante de uma crise de caráter estrutural – chão
da luta de classes no campo; a identificação dos traços e padrões de dominação capitalista na
América Latina e a trajetória da luta de classes no campo; um breve inventário do movimento
camponês internacional diante de um contexto de efervescência antiglobalização neoliberal e
da “Campanha: 500 anos de resistência indígena, negra e popular” como síntese da trajetória
histórica de luta territorial - a Coordenadora Latino-Americana de Organizações do Campo
(CLOC) e a Via Campesina; e, por fim o ensaio de um balanço político deste movimento e
seu papel na luta de classes.
Pretendemos, modestamente, que as reflexões aqui esboçadas possam contribuir com este
movimento internacional de camponeses que assume arduamente sua tarefa coletiva na luta de
classes. Que os elementos aqui apontados possam ser analisados e submetidos à crítica de sua
prática histórica
1
INTRODUÇÃO

[...] vale a pena provocar a imaginação com um breve exercício de polêmica: nosso
– dos revolucionários – déficit não é teórico, é organizacional. [...] (PAULO
NETTO, 2010, on-line).

Iniciar esta introdução com a inquietante provocação de José Paulo Netto nos parece
imprescindível no que tange às reflexões substanciais da temática proposta para esta pesquisa,
pois são categorias centrais a organização, a consciência e a práxis, que a permeiam numa
perspectiva de construção da emancipação humana. Continua o autor que mesmo que haja
“lacunas teóricas [...] indiscutíveis”, há também algumas “assimetrias” entre a teoria da
organização, o conhecimento da realidade e da própria teoria revolucionária, e, a práxis
política.
Parece haver uma tensão constante entre teoria da organização e prática organizativa a cada
novo ciclo de luta. E não à toa, pois estas não são estáticas. A especificidade da prática
cotidiana abre questões que são sistematizadas e elaboradas, ao mesmo tempo em que essas
sistematizações apontam caminhos e análises que seguiram. De fato como afirma Paulo Netto
(2010) uma não se reduz a outra e suas correlações “não são unívocas nem diretas”. É certo
que o tempo da teoria não é o mesmo do tempo da ação política no que se refere à sua
maturação, uma está condicionada pela emergência das respostas e acometimentos da luta,
enquanto a outra requer tempo maior reflexão, análise e elaboração. Distinção essa que não
exime de maneira alguma sua correspondência necessária com os desafios que pulsam na
atualidade para a construção de uma práxis revolucionária.
Neste caso, dar um sobrepeso à ação cotidiana, à prática, subestimando o “conhecimento
teórico na intervenção política revolucionária”, é um equívoco de conseqüências nefastas no
que se refere à dimensão da totalidade da trajetória de esquerda percorrida até então. Muito
embora possa haver também problemas no método do conhecimento teórico, onde se buscam
abstrações desconectadas de seus tempos históricos e de suas condições objetivas – desde
parâmetros positivistas, na busca de implementar “modelos acabados” sem uma análise
concreta e crítica da situação concreta e do movimento real onde se atua.

2
A polêmica proposta por Paulo Netto (2010) nos remete a pensar o papel do conhecimento
(crítico) da teoria, o papel da consciência na ação histórica contra o capital, mas ao mesmo
tempo nos indica que esta consciência, essa análise crítica da teoria não garante a mudança
das condições objetivas em que se atua. Inscreve-nos também a pensar sobre a forma da
organização política e sua correspondência com os desafios emergentes deste tempo histórico
particular, que possa superar as condições em que foram constituídas as consciências das
massas dos últimos anos, carregadas de manipulação ideológica e transformações na
reprodução da vida cotidiana e imediata dos seres humanos.
Uma chave importante que o autor aponta é que a reivenção de um novo padrão político-
organizacional que corresponda aos desafios desse tempo será resultado de uma elaboração
coletiva que seja “capaz de incorporar a massa crítica de que já dispomos sobre o capitalismo
contemporâneo e de apreender as/responder às formas atuais da sociabilidade”.
Diante destes desassossegos brevemente mencionados acima, e entre tantas questões e
preocupações levantadas pelo pensamento crítico da sociedade capitalista, destacamos neste
trabalho a investigação dos aspectos da tomada de consciência por parte das classes em
posição subalternas e de sua organização política para a luta por transformação social.
Buscando entender esta temática desde uma perspectiva marxiana, tomamos num primeiro
momento da análise, a premissa que indicava Lenin (1905) em seu texto denominado “A
situação revolucionaria” sobre a relação instrínseca entre condições objetivas e subjetivas. O
autor aponta que diante de uma conjuntura adversa a possibilidade de avançar para uma
transformação radical da sociedade, estaria relacionada não somente ao agravamento da
miséria, mas também a outros fatores imprescindíveis: a fragmentação da classe dominante
em crise, e, a não mais sujeição das classes dominadas a se manterem nesta condição.
Acrescenta o autor que essas condições objetivas poderiam abrir possibilidades, mas que por
si só não desencadeariam um processo revolucionário. Seriam necessárias para isto, as
condições subjetivas, ou a organização dos trabalhadores e sua consciência de classe.
Os elementos apontados por Lênin contribuem para refletir sobre a complexidade de um
processo de transformação radical da sociedade, que para além das determinações materiais
da estrutura capitalista, os elementos da política, da consciência, da organização dos
trabalhadores e da ideologia, são chaves históricas para compreender a dinâmica das
transformações sociais.

3
a. Da Organização Internacional Campesina4
É a partir destas provocações iniciais supracitadas que olhamos oportunamente para a Via
Campesina Internacional (VCI), sua articulação regional denominada Coordenadora Latino-
americana de Organizações Campesinas (CLOC), e, o processo de consciencia, buscando
compreender suas características, formas, desafios e contribuições para a luta de classes
contemporânea.
A Via Campesina é um movimento internacional que aglutina organizações sociais do campo
dos vários continentes. Têm como base movimentos sociais camponeses, organizações de
trabalhadores assalariados, movimentos indígenas, movimentos de resistência afro-
descendentes como quilombos ou palenques, movimentos de pescadores, e movimentos de
mulheres camponesas e indígenas.
A articulação destes diferentes movimentos identitários em nível internacional estrutura-se
fundamentalmente por razões similares, baseado nos longos processos de expropriação e
desterritorialização destas identidades coletivas, ou ainda a falta de políticas públicas que
abarquem melhoria das condições de vida no campo. Os conflitos agrários derivados destas
condições têm características particulares em cada país ou região, mas têm uma questão que
lhes é singular – a luta pela terra como condição de sobrevivência.
Sobre a questão agrária, chão das reflexões e análises neste trabalho, é fato que há uma
territorialização5 hegemônica do capital no campo, e, em se tratando de América Latina com
algumas características particulares que a inscrevem numa posição na geoeconomia e na
geopolítica mundial.
Nesta posição, diante da divisão internacional do trabalho, cabe aos países latino-americanos
a produção de commodities, e matérias primas em geral (minerais e agrícolas), onde a
expropriação e a exploração de recursos naturais sob a forma capitalista foi nos últimos anos
transformando os latifúndios, outrora improdutivos, em propriedades com alto nível de
tecnologia e produtividade. À frente desse processo, empresas transnacionais dominam em
sua grande maioria uma ou várias cadeias de produção – o chamado agribusines6.

4
Os elementos que apresentamos neste item, estão descritos com maior detalhamento em nossa dissertação:
BATISTA, Ândrea Francine. Consciência e territorialização contra-hegemônica: uma análise das políticas de
formação da Via Campesina América do Sul. UNESP, Presidente Prudente: [s.n], 2013. 276f.
5
Entendemos por território / territorialização, uma categoria de análise que contempla as características
geográfico-históricas as relações sociais de produção em suas dimensões material (condições econômicas) e
imaterial (condições superestruturais). Desde uma leitura marxista na área da geografia, a abordagem
territorial se fortalece com teóricos como Giuseppe Dematteis, Claude Rafesttin, Henri Lefebvre, Máximo
Quaini e David Harvey.
6
O termo agribusiness, ou agronegócio, é utilizado num primeiro momento na década de 1950 desde os Estados
Unidos, que desde então vem aprimorando crescentemente a integração de atividades da produção agrícola,
agropecuária, processamento, maquinaria e implementos agrícolas – inclusive os agroquímicos, a produção
4
O agronegócio se caracteriza por uma aliança sólida entre burguesias agrárias nacionais e
empresas transnacionais, com suporte político e financeiro dos Estados Nacionais, além de
amplamente divulgado e prestigiado por canais midiáticos, e por escolas rurais. Na América
Latina tem centrado na produção de soja, milho, etanol, pinus e eucalipto para celulose, frutas,
carne bovina e de frango, pesca, entre outros. Algumas destas produções com altíssima
demanda de água e energia.
Desde 2012 empresas como a Cargill (de controle norte americano), Bunge (de controle
Holandês), JBS e BRF (Brasil Foods), de controle Brasileiro, Unilever (de controle Anglo-
Holandês), Suzano (controle brasileiro), Coopersucar e Coamo (de controle brasileiro)
estiveram entre as maiores e mais lucrativas empresas na América do Sul. Destas, a Bunge,
por exemplo, está instalada além do Brasil, no Uruguai, Paraguai e Argentina; a Unilever,
além do Brasil tem instalações no Chile, Argentina e Colômbia; a JBS, com instalações
também no Uruguai, Chile, Paraguai e Argentina; e a BRF atuando no Brasil e Argentina.
Somente na produção mundial de pesticidas e sementes, aponta a reportagem de Theresa
Krinninger7, que apenas sete empresas dominam o setor. Entre elas, a Bayer (grupo alemão), a
DuPont e Chemical (norte-americanas), e a Syngenta (chinesa). Neste ramo, os últimos anos
foram marcados por constantes “megafusões” entre grandes empresas.
Além da questão da extensão territorial agricultável, também faz parte da territorialização do
capital no campo a questão da mineração e do hidronegócio. O Observatorio
Latinoamericano de Geopolítica, localizado no México8, têm buscado produzir e sistematizar
resultados de pesquisas que demonstram conflitos agrários, a atuação de empresas
transnacionais, os processos de militarização, e quais recursos naturais estão em jogo neste
período histórico.
Em mapas produzidos pelo observatório é possível identificar as grandes regiões de interesse
estratégico do capital, que segue sua corrida em busca de água, minérios, petróleo e gás,
biodiversidade, assim como em projetos de infra-estrutura para a circulação de mercadorias.
A extração de recursos minerais como matéria prima para indústrias metalúrgicas e
siderúrgicas, petroquímica, e da construção civil são também comandadas por grandes

de sementes (híbridas ou geneticamente modificadas), assim como a circulação (comercialização) das


mercadorias.
7
Reportagem: KRINNINGER, Theresa. Quais empresas controlam o que comemos? PCB online. SP: PCB
online, 16/01/2017. Disponível em: https://pcb.org.br/portal2/13292 . Acesso em 20/01/2017. Também
disponível em: http://www.dw.com/pt-br/quais-empresas-controlam-o-que-comemos/a-37126983 . Acesso
em janeiro de 2018.
8
Observatorio Latinoamericano de Geopolítica (OLAG) – UNAM (Universidade Nacional Autônoma do
México têm produzido vários mapeamentos referente aos recursos naturais, aos projetos de infra-estrutura, e
a atuação das grandes empresas transnacionais na América Latina. Site: http://www.geopolitica.ws/inicio
5
transnacionais. Podemos citar brevemente algumas delas localizadas na América do Sul:
Odebrecht (que foi considerada uma das principais construtoras de obras de integração e
infra-estrutura na America Latina), a Ecopetrol, Basf, Petroperu, Petrobrás, entre outras.
Recentemente foi construído no Brasil, pela empresa Camargo Correia, um dos maiores
minerodutos do mundo situado no percurso Sistema Rio-Minas ligando unidades de Anglo
Ferrous Brasil em Minas Gerais a Porto Açu no Rio de Janeiro que são de beneficiamento de
minério de ferro – um investimento da mineradora Anglo American9. Com cerca de 520 km de
extensão atravessa 32 (trinta e dois) municípios na região.
A mineração, além de causadora de grande impacto ambiental, utiliza uma quantidade
gigantesca de água, deixando também resíduos poluentes nas bacias hidrográficas.
O hidronegócio (THOMAZ JUNIOR, 2010), como um conceito construído para expressar as
formas de expropriação da água como mercadoria, além de envolver amplamente processos
de mineração e de produção agroindustrial, está vinculada também a produção de água
engarrafada e energia por hidrelétricas. No caso do engarrafamento de água, segundo
reportagem veiculada no site da Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais
(ABINAM)10, o Brasil é considerado o 4º maior produtor de água engarrafada no mundo entre
os anos de 2006 2007, um negócio que vem crescendo cerca de 10% nos últimos anos.
Especialmente na America do Sul existem duas grandes reservas de água doce subterrâneas: o
aqüífero guarani, o maior aqüífero do mundo com superfície de quase 1,2 milhões de Km,
abarcando países como Brasil, Paraguai, Uruguai, e Argentina; e o Aquífero Alter do Chão,
ou Sistema Aqüífero Grande Amazônia, considerado o mais volumoso do mundo, com 86,4
quatrilhões de litros de água potável subterrânea, localizado no Brasil (estados do Amazonas,
Amapá e Pará).
Grandes hidrelétricas estão localizadas sobre estes aqüíferos, como o caso da Binacional
Itaipu (Brasil-Paraguai), e da Usina de Belo Monte, localizada no estado do Pará (Brasil), a
Usina Hidrelétrica de Tucuruí no estado do Tocantins, Hidrelétrica Guri localizada no rio
Caroni (Venezuela), entre outras. Segundo reportagem no site Opinião e Notícia11, a China
tem investido em construção de hidrelétricas na América Latina por razões geopolíticas,

9
PORTAL MET@LICA. Sistema Minas-Rio: Maior Mineroduto do Mundo está sendo construído no Brasil.
Portal Met@lica Construção Civil. SP: Portal Met@lica Construção Civil online, [2008?]. Disponível em:
http://wwwo.metalica.com.br/sistema-minas-rio-maior-mineroduto-do-mundo-no-brasil/ .Acesso em janeiro
de 2017.
10
FRASÃ, Lucas. O mercado de 7bi de litros. Jornal Estadão. SP: Jornal Estadão, 21/03/2009. Disponível em:
http://www.abinam.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=71 . Acesso em Janeiro de 2017.
11
OPINIÃO & NOTÍCIA. China investe pesado em hidrelétricas na América Latina. Opinião & Notícia. [S.I.]:
Opinião & Notícia, 06/01/2014. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/economia/negocios/china-
investe-pesado-em-hidreletricas-na-america-latina/ . Acesso em Janeiro de 2017
6
sendo que em 2014 já contava com 22 projetos. Dez destas, já prontas ou em construção,
estão localizadas no Equador, Belize, Costa Rica e Honduras, e outros tantos projetos em
Costa Ria, Equador, Guiana, Honduras, Peru e Argentina.
Somados ao agrohidronegócio e a mineração, grandes projetos de integração e
desenvolvimento investiram em infra-estrutura (sejam hidrovias, ferrovias ou rodovias) para a
circulação de mercadorias, como o caso da Integração da Infraestrutura Regional Sul-
Americana (IIRSA). São exemplos destes projetos: Hidrovia Paraguai-Paraná; o Eixo Inter-
oceânico Central (Brasil-Paraguai-Bolívia); o Eixo Amazônico; o Escudo Guayanes
(Venezuela-Brasil-Guyana-Suriname); o Eixo Andino; o Eixo Capricórnio (Porto Alegre-
Assunción-Jujuy-Anfogasta); entre outros.
Terra (e a renda da terra), água, minérios, e biodiversidade como mercadoria, recursos
naturais como propriedades negociáveis no mercado internacional são dentro da questão
agrária o chão no qual se mobilizam as diferentes identidades de trabalhadores do campo, já
acima citados. E embora apareçam como elementos meramente da esfera econômica,
compõem também a esfera política e ideológica. Sua expressão está justamente em que
funções governamentais locais ou nacionais estão ocupadas por grandes empresários, assim
como o financiamento de pesquisas tecnológicas (inclusive em universidade públicas);
projetos ideo-políticos juntos às escolas rurais, e o uso dos recursos midiáticos para promover
sua propaganda e defesa.
São bases também de determinadas relações de produção que como conseqüência produz a
expropriação das condições objetivas de sobrevivência do trabalhador do campo, assim como
a exploração assalariada de trabalhadores sazonais ou não.
É necessário apontar também que nos últimos períodos vem crescendo processos de
integração dos pequenos produtores camponeses às grandes agroindústrias, como no caso do
leite, fumo, e produção de aves de corte. Neste caso, camponeses, possuidores de pequenas
propriedades de terra são integrados ao processo agroindustrial de grandes empresas,
produzindo e entregando a matéria prima nos moldes e padrões exigidos internacionalmente.
Quando algum problema ocorre nesta produção, o pequeno agricultor quebra, perdendo a terra
por endividamentos junto ao banco.
Outro aspecto destas relações de produção que atingem diretamente o camponês é a
subsunção de formas não capitalistas de produção à ordem geral do capital. Se o camponês
produzisse tudo o que é necessário à sua subsistência possivelmente o grau de subsunção do
seu ser social seria menor, no entanto, a produção campesina além de produzir alguns itens de
sua sobrevivência, produz outros para venda em mercados locais (essencialmente gêneros
7
alimentícios). Neste caso, o preço destas mercadorias é estabelecido no mercado em geral,
que também é o norteador do que se deve plantar. Um exemplo dos últimos tempos foi a
produção de tomate que passou por um momento de alta nos preços, e logo em seguida, por
uma superprodução, tornando-se maior o custo de sua colheita e venda do que sua utilização
como adubo.
Estas relações de produção estabelecidas em maior ou menor grau segundo a região, espaço e
temporalidade, atingem os diferentes trabalhadores do campo, sejam eles camponeses,
indígenas, assalariados, ou ainda comunidades tradicionais.
Uma das inquietações que perpassa este trabalho está em compreender como a crise estrutural
do sistema de capital atinge o campo, que de maneira impetuosa busca reconstruir um padrão
de acumulação muito mais agressivo com novas fontes de mercadoria, como é o caso da
biodiversidade e do crédito de carbono. Esta crise, permanente e global, embora haja
alternância em seu epicentro, além de econômica, se expressa também nas dimensões política
e ambiental, exteriorizando seus limites absolutos. (MÉSZÁROS, 2009a)
Cabe aqui retomar uma citação de Milton Santos (2003) mencionada em nossa dissertação 12
que nos parece expressar o pano de fundo das reflexões realizadas acima sobre a crise do
capital:

O processo da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas. Na verdade,


trata-se de uma crise global, cuja evidencia tanto se faz por meio de fenômenos
globais como de manifestações particulares, neste ou naquele país, neste ou naquele
momento, mas para produzir o novo estagio de crise. […]. A tirania do dinheiro e a
tirania da informação são pilares da produção da historia atual do capitalismo
globalizado. [...]. A associação entre a tirania do dinheiro e a tirania da informação
conduz desse modo, à aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo
pensamento único, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se
adaptam passiva ou ativamente, tornando-se hegemonizados. Em outras palavras, os
processos não-hegemônicos tendem a desaparecer fisicamente, seja a permanecer,
mas de forma subordinada, exceto em algumas áreas da vida social e em certas
frações do território onde podem manter-se relativamente autônomos, isto é capazes
de uma reprodução própria. [...] Na verdade, porém, a única crise que os
responsáveis desejam afastar é a crise financeira e não qualquer outra. Aí, está, na
verdade, uma causa para mais aprofundamento da crise real – econômica, social,
política, moral – que caracteriza o nosso tempo. (SANTOS, 2003, p.35-36)

Das palavras de Milton Santos, talvez usaríamos em vez de tirania do dinheiro, a tirania da
produção de mercadoria, pois esta expressa a raiz dos problemas mencionados acima, e não
somente sua aparência.

12
BATISTA, Ândrea Francine. Consciência e territorialização contra-hegemônica: uma análise das políticas de
formação da Via Campesina América do Sul. UNESP, Presidente Prudente: [s.n], 2013. 276f. Disponível em:
http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108672/000762970.pdf?sequence=1 Acesso em julho de
2018
8
No que se refere aos movimentos sociais do campo e sua práxis de resistência às condições
acima explicitadas, germina na década de 1990 a Via Campesina Internacional combatendo o
avanço da política neoliberal no campo. Com a realização de sua primeira conferencia oficial
no ano de 1993, é forjada sob a influência dos processos revolucionários como o de Cuba e
Nicarágua que promoviam a articulação internacional através de encontros para debate,
estudo, reuniões e intercambio de experiências na América Latina. Assim, o nascimento da
CLOC (Coordenadora Latinoamerica de Organizações Camponesas) foi o que pressupôs o
nascimento da VCI (Via Campesina Internacional), sendo a CLOC atualmente sua articulação
continental13.
Sua base é composta por trabalhadores camponeses, indígenas, organizações de resistência
afro-descendentes, movimentos de mulheres camponesas e indígenas, sindicatos de
trabalhadores assalariados, pescadores artesanais, comunidades tradicionais, entre outros. E
sua luta está fundada num programa que defende a reforma agrária, a luta pela terra e pelos
recursos naturais (como água e sementes), a biodiversidade, a agroecologia, a soberania
alimentar, a luta pela igualdade de gênero e pelos direitos humanos no campo.
A partir de 2005 mais incisivamente, a Via Campesina voltou seu olhar para a necessidade de
intensificar processos de formação política e técnico-profissional de sua militância e
dirigentes. A agroecologia foi o mote da criação de várias escolas latino-americanas para a
juventude de sua base, assim como o fortalecimento de escolas e curso de formação política
de seus quadros, como, por exemplo, podemos citar a Escola Nacional Florestan Fernandes do
MST, que cediou em junho de 2007, o I Seminário sobre Formação Política da Via
Campesina Internacional no intuito de intercambiar experiências de educação popular. A
formação política torna-va parte da estratégia da organização internacional.
Assim, foram sendo construídas várias experiências de formação política, organizadas
principalmente a partir da iniciativa da CLOC-VC, ou ainda a partir da iniciativa de uma ou
outra organização membra. Embora anterior a esse processo já houvesse uma experiência de
formação internacional que se realizava desde a década de 1990 – o Curso Cone-Sul. A
trajetória destas experiências foi ao longo do tempo constituindo alguns elementos comuns
que de certa maneira apontam para uma política de formação da Via Campesina que se
expressa em diversos cursos, campanhas, encontros e ações de caráter formativo na

13
Sobre a sistematização da história da Via Campesina, já existem duas obras as quais nos referenciamos: A Via
Campesina de Annette Aurélie Desmarais, e Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo
sobre internacionalismos e a Via Campesina de Flávia Braga Vieira. Também documentos e cartilhas da Via
e artigos de autores como Peter Rosset.
9
perspectiva de forjar militantes e quadros que atuem em suas organizações particulares e em
sua articulação internacional.
Destas atividades formativas, para efeito de sistematização, podemos considerar grandes
grupos por características afins. São elas: cursos livres ou informais e atividades de formação
política; cursos livres ou informais e atividades de formação política-profissional; e, escolas e
institutos de formação política-profissional em agroecologia. Cada um destes grandes grupos
se desdobra numa gama de atividades. Na seqüência fazemos um breve resumo, pois as
mesmas estão descritas com maiores detalhes na dissertação construída no ano de 201314.

a. Cursos livres ou informais e atividades de formação política: São cursos, escolas


itinerantes, acampamentos de juventude, e campanhas, que se distinguem por serem
essencialmente de formação sócio-política possibilitando estudo de temas
estruturantes para a leitura e análise desta formação societária (filosofia, história,
econômica, política) e a questão agrária. Não estão vinculados a processos de
escolarização ou educação formal. São ações com este perfil:
 Curso para militantes de Base Cono Sur: o primeiro curso a ser desenvolvido
(desde o ano de 1998) inicialmente com movimentos do Brasil e Paraguai, e
posteriormente ampliando para movimentos de outros países. Ocorre de
maneira itinerante, perpassando por vários países, ocorrendo em centros de
formação dos movimentos locais. Tem duração de não mais de 40 dias.
 Escola de formação de militantes de base da região Andina, ou Escola Andina
da CLOC-VC. Organizada pelos movimentos dos países andinos, participando
Venezuela, Equador, Peru, Bolívia. Também com caráter itinerante com a
intencionalidade de fortalecer coletivos e processos de formações locais.
 Escola de formação de dirigentes Egídio Brunetto. Itinerante, leva o nome de
um dirigente do Movimento Sem Terra – Brasil, que foi um dos precursores da
organização da CLOC - Via Campesina. Uma escola voltada para dirigentes
que estão atuando nas instâncias da articulação internacional ou nas próprias
organizações locais.
 Cursos Latino-americanos da Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF
(MST Brasil): Com dois cursos que ocorrem uma vez por ano: Curso de
formação de formadores da América Latina com duração de cerca de 40 dias, e

14
BATISTA, Ândrea Francine. Consciência e territorialização contra-hegemônica: uma análise das políticas de
formação da Via Campesina América do Sul. UNESP, Presidente Prudente: [s.n], 2013. 276f.
10
Curso de Teoria Política Latino-americana com duração de cerca de três
meses. Também fazem parte as Brigadas Internacionais de solidariedade, onde
coletivos de militantes vão em missões para outros países com o objetivo de
contribuir em processos organizativos como forma de intercambio, atividades
de trabalho de base, atividades de produção entre outras. Ainda como cursos
da ENFF com caráter latino-americano, destacam-se dois outros que se
caracterizam por serem cursos de formação política, mas com a dimensão da
escolarização, ou educação formal, ou seja, são parcerias da ENFF com outras
instituições universitárias em cursos de especialização e mestrado: Curso de
Especialização em Estudos Latino-americanos (com a Universidade Federal de
Juiz de Fora-MG) e o Curso de Mestrado em Desenvolvimento Territorial na
América Latina e Caribe (com a UNESP- Presidente Prudente)
 Escola de Formação e Mulheres. Igualmente itinerante se desdobra em Escola
Continental, Escola Andina e Escola região Cono Sur. Nasce com a finalidade
de impulsionar e fortalecer a participação política das mulheres nas instâncias e
nas instâncias da CLOC-VC e em suas organizações. Geralmente com duração
de 15 a 20 dias.
 Acampamento da Juventude latino-americana da VCI. Ocorre anualmente na
Argentina buscando recuperar o legado de Chê Guevara, ocorre no mês de
outubro com duração de cerca de uma semana. Um espaço de intercambio,
debate, e cultura de resistência com a participação de movimentos da VCI e de
organizações urbanas.
 Campanhas da Via Campesina Internacional. Atividades permanentes buscam
estabelecer o diálogo interno e com a sociedade, divulgando temas que são
vitais para a estratégia da organização. São exemplos de campanhas:
Campanha global pela Reforma Agrária com o lema “Pela terra, água,
território e soberania alimentar, reforma agrária já; Campanha contra os
agrotóxicos e pela alimentação saudável – “Agrotóxicos matam”; Campanha
pelas sementes crioulas – “Sementes, patrimônio dos povos á serviço da
humanidade”; Campanha basta de violência contra as mulheres – “As
camponesas e camponeses da Via Campesina dizemos: Basta de Violência
contra a Mulher”.

11
b. Cursos livres ou informais e atividades de formação político-profissional: com cursos
e ações de formação político-profissional ou técnica, mesmo não estando voltados à
escolarização. São cursos voltados a comunicadores populares (Escola latino-
americana de Comunicação Popular da CLOC-VC), ou à agroecologia. Nesta área
podemos citar o método de trabalho de base “Campesino a Campesino” que surge na
década de 60, mas é incorporado pela VC; os cursos e oficinas realizados em centros
de formação locais; e os encontros de formadores em agroecologia

c. Escolas e Institutos de formação político-profissional (ou técnica) em agroecologia.


Estas realizadas em parcerias com instituições de educação formal se caracterizam por
serem processos de escolarização. Cursos de tecnólogo, engenharia, ou especialização
em Agroecologia. São elas: Escola latino-america de Agroecologia – ELAA,
localizada no estado do Paraná - Brasil, dentro de um assentamento do MST; Instituto
de Agroecologia Latino-americano – IALA Paulo Freire (tecnólogo m agroecologia),
localizados no estado de Barinas – Venezuela (engenharia em agroecologia); Instituto
de Agroecologia Latino-americano – IALA Guaraní, localizado no Paraguai num
assentamento na região de Curiguaty (tecnólogo m agroecologia); Instituto de
Agroecologia Latino-americano – IALA Amazônico, localizado no estado do Pará
num assentamento do MST (especialização em agroecologia). Ainda em processo de
implementação o Instituto de Agroecologia Latino-americano – IALA Nicarágua;
Instituto de Agroecologia Latino-americano – IALA Haiti; Instituto de Agroecologia
Latino-americano – IALA Colômbia.
Parte ainda deste grupo, a Universidade Campesina SURI – Sistemas Universitários
Rurais Indocampesinos, localizada em Ojo d‟água, Santiago de Estero, Argentina; e a
Escola Nacional de Agroecologia do Equador – ENA.

Estas experiências fazem parte da política de formação da CLOC-Via Campesina como parte
de suas linhas estratégicas contra a hegemonia do capital no campo.
Com os elementos postos até então, afirma-se que essa articulação internacional - desde sua
forma organizativa, seus elementos estratégicos expressos nas linhas gerais do seu programa,
sua política de formação de militantes / quadros, e suas ações de luta – se desdobra num

12
processo de territorialização contra-hegemônica15, forjando a consciência de sua própria
classe.
A pesquisa de BATISTA (2013)16 realizada ano de 2013 afirma que a política de formação
da CLOC-Via Campesina é parte essencial no fortalecimento e territorialização das
organizações e movimentos sociais do campo, e de sua articulação internacional, mas não o
único elemento. No que diz respeito ao processo de consciência destes trabalhadores
organizados, muito mais além do que as diversas ações pedagógicas de formação, a
organização política e sua construção estratégica poderiam expressar as formas de
consciência, seus choques, embates e avanços. Nesse sentido, a questão que se fazia,
eminentemente a partir destas reflexões, era de que se a Via Campesina Internacional poderia
ser caracterizada como “intelectual coletivo”.
Remeter-se ao conceito de “intelectual coletivo” decorre dos estudos do pensamento de
Antonio Gramsci (1967; 1976; 1982; 1987; 2000) sobre a relação entre o “intelectual
orgânico” - o papel do dirigente em uma organização social e das formas de organização dos
trabalhadores. Guardadas as diferentes proporções espaciais e temporais de sua análise, alguns
destes conceitos contribuíram para alumbrar as inquietações subseqüentes - a relação entre
organização política e consciência.
Para o autor, a necessidade de superação da espontaneidade na luta estava intrinsecamente
vinculada ao elemento da organização e da consciência, da compreensão não mecânica das
condições da luta, da correlação de forças e do papel da própria organização. Muito
semelhante ao pensamento de Lênin, Gramsci (1976) afirma que a organização é como um
intelectual coletivo que possibilitava o avanço de consciência dos trabalhadores. Entretanto
não poderia ser qualquer organização. Para Gramsci, a organização política deveria carregar
algumas premissas fundamentais para assim assumir essa natureza.
O intelectual coletivo para este autor caracterizava-se por seu papel de superação do viés
corporativo e econômico da organização, que tem sua importância, mas insuficiente no que
diz respeito ao avanço da luta política mais ampla, a macro-política, a luta por uma nova

15
O termo contra-hegemonia que por várias vezes usamos nesse trabalho se refere à construção de resistências à
hegemonia do capital. Antônio Gramsci, pensador italiano, desenvolve o conceito de hegemonia analisando
as diferentes dimensões de dominação do sistema capitalista. Para ele, a luta dos trabalhadores deveria ser
pela conquista da hegemonia ou ainda pela construção de uma nova hegemonia. É importante ressaltar que o
conceito de contra-hegemonia não existe em Gramsci, mas usado por analogia ao processo de construção de
uma nova hegemonia à ordem capitalista.
16
BATISTA, Ândrea Francine. Consciência e territorialização contra-hegemônica: uma análise das políticas de
formação da Via Campesina América do Sul. UNESP, Presidente Prudente: [s.n], 2013. 276f. Disponível em:
http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108672/000762970.pdf?sequence=1 . Acesso em julho de
2018
13
hegemonia. Ou seja, a dimensão política da práxis dos trabalhadores perpassa pela capacidade
de diferenciar e analisar organicamente aspectos conjunturais (imediatos e ocasionais) dos
aspectos permanentes da luta.
Outro aspecto deste intelectual coletivo era a necessária e efetiva aliança entre operários,
camponeses e intelectuais que possibilitasse a superação da luta imediata, estritamente
econômica, e, portanto, espontânea, passando do momento corporativo e sindical da
organização para a representação de interesses mais amplos da classe trabalhadora em geral,
na defesa de um projeto “ético-político”. A isto, Gramsci (1995) chamou “catarsis” ou
catarse. “A fixação do momento „catártico‟, torna-se assim, creio, o ponto de partida de toda a
filosofia da práxis; o processo catártico coincide com a cadeia de sínteses que resulta do
desenvolvimento dialético”. (GRAMSCI, 1995, p. 53)
O momento da catarse parece aproximar com a árdua superação da “consciência em si” para a
“consciência para si”, e somente assim possibilitando as condições subjetivas para a conquista
a hegemonia da sociedade e da emancipação humana.
Assim, os comitês de fábrica por serem órgãos reais de exercício de poder e da democracia
operaria a partir de seus locais de trabalho, forjam certa consciência, entretanto ainda
insuficiente para a construção de uma hegemonia dos trabalhadores, pois era necessária a
vinculação dessas lutas particulares e locais com as lutas da classe trabalhadora como um todo
– o partido. Portanto, o intelectual coletivo para Gramsci (1976) era o partido, um instrumento
que pudesse unificar ação e o pensamento da totalidade social, e que deveria constituir-se do
mais alto nível de consciência dirigindo o movimento espontâneo. Embora o movimento
espontâneo não o seja assim puramente, pois contêm elementos de direção consciente, sua
maneira dispersa e fragmentada não permite uma visão articulada, coerente e unitária de uma
construção societária que supere a vigente. Para o autor (2000), há que distinguir também os
instrumentos que adotam a espontaneísmo como método parte da transformação histórica e os
que o sustentam como método da política.
O partido assim deveria forjar novos dirigentes, os intelectuais orgânicos, numa relação
orgânica com as massas (e sua espontaneidade), e que ao mesmo tempo pudessem surgir das
massas e delas não perder o vínculo. Também, deve combater a burocracia que enrijece
mecanicamente as relações e fluxos de decisões dentro do instrumento, podendo torná-lo
anacrônico e esvaziado “de seu conteúdo social” (GRAMSCI, 1976, p. 56). Um intelectual
orgânico pode ser considerado um organizador / educador das massas.

14
Dentre as mediações existentes entre o intelectual orgânico da classe trabalhadora e o
intelectual coletivo, destacamos no oportunamente a questão do método do trabalho
organizativo, e o processo de consciência.
Compreender o papel da consciência na transformação social, ou ainda no próprio trabalho
organizativo, assim como quais são as determinações e mediações que envolvem o processo
de consciência são inquietações básicas que martelam constantemente na busca de
compreender o papel da Via Campesina na construção da consciência de classe. Assim como,
compreender quais as características que envolvem a consciência de classe camponesa que
vem se forjando nos últimos anos.
Nos estudos realizados sobre o pensamento de Gramsci destes temas, destacamos outros
temas que são co-relacionados ao “intelectual coletivo” os quais abordamos a seguir.
Uma primeira questão que urge apontar é de que para conhecer os mecanismos de uma
consciência coletiva é necessário conhecer o conjunto das relações existentes naquele
momento histórico, mas também e essencialmente a própria história destas relações, um
inventário destas. Nas palavras do autor: “importa conhecê-los geneticamente, em seu
movimento de formação, já que todo o individuo é não somente a síntese das relações
existentes, mas também da historia destas relações, isto é, o resumo de todo o passado”.
(GRAMSCI, 1995, p. 40).
Um segundo elemento é que a passagem da forma de consciência dos “homens-massa”
(fragmentada, desagregada) para a consciência de “homens-coletivo” (unitária e coerente)
perpassa essencialmente pela “filosofia da práxis17” que provoca uma atitude polêmica e
crítica diante da vivência concreta e suas contradições. Essa superação seria possibilitada por
um conjunto de condicionantes, dos quais um deles é o contato das massas com os intelectuais
orgânicos. Mas, afirma o autor, esta condicionante “está bem longe de ser decisiva; ela pode ser
decisiva apenas secundariamente, quando determinada pessoa já se encontra em crise intelectual,
oscila entre o velho e o novo, perdeu a confiança no velho e ainda não se decidiu pelo novo”.
(GRAMSCI, 1995, p. 25 e 27).
Desenvolver esta forma de consciência, de “homens-coletivo”, ou ainda a superação da
espontaneidade, exige inventariar as diferentes concepções que emergem das ações e discursos
cotidianos e que aparecem de forma fragmentada e anacrônica, tal qual são as relações sociais de
produção. Com maiores detalhes nos explica o autor que:

17
Em Gramsci, quando se referia à filosofia da práxis, estava se referindo ao método de análise materialismo
histórico dialético.
15
O homem ativo da massa atua praticamente, mas não tem clara consciência teórica
desta sua ação, que não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o
transforma. Pode ocorrer, inclusive, que a sua consciência teórica esteja
historicamente em contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem
duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma implícita na sua
ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação pratica
da realidade; e outra superficialmente explicita ou verbal, que ele herdou do passado
e acolheu sem crítica. Todavia, esta concepção verbal não é inconseqüente: ela liga a
um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da
vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode, inclusive, atingir um
ponto no qual contraditoriamente da consciência não permita ação, nenhuma escolha
e produza um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si
mesmo é obtida, portanto através de uma luta de „hegemonias‟ políticas, de direções
contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo,
finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência do
fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a
primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e pratica
finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática não é um fato
mecânico, mas um devir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no senso
de „distinção‟ e „separação‟, de independência apenas instintiva, e progride até a
possessão real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. E por
isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do
conceito de hegemonia representa – alem do progresso político prático – um grande
progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade
intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso-
comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos.
(GRAMSCI, 1995, p. 20-21).

Estas palavras do autor apontam chaves importantes no que se refere ao papel da organização
e da prática política nos mais diferentes processos de catarse.
É fundamental também como terceiro elemento referimo-nos ao papel da formação política
dos trabalhadores. Para o autor (1995) esta pode ser definida como “ações pedagógicas”
desenvolvidas pelos instrumentos da classe e que podem possibilitar um avanço de
consciência para além da “realidade empírica”. Estas ações pedagógicas não se reduzem
somente a uma relação escolar, muito embora o autor aponte a importância de criação de
escolas de formação política e técnica (1982)18, mas é uma relação social - “entre intelectuais
e não intelectuais, entre governantes e governados [...], entre dirigentes e dirigidos [...]”- na
busca da construção de uma nova hegemonia. Segue ainda o autor no mesmo parágrafo dessa
citação que:

18
GRAMSCI (1982). Descreve o autor nesta obra a importância de constituir escolas criadoras que indicassem:
um método de investigação de conhecimentos que possam desenvolver a “auto-disciplina intelectual” e a
“autonomia moral”; que possibilitem uma relação orgânica entre a formação político-profissional, marcando
“novas relações entre o trabalho intelectual e o trabalho industrial”; e que possam produzir uma nova cultura
a partir da “vida coletiva” (GRAMSCI, 1982, p 123 a 125). O autor chama-as de Escolas Unitárias ou Únicas
e aponta também a necessidade de criar universidades populares que unificassem o “trabalho das academias e
universidades com as necessidades da cultura científica das massas nacionais populares, reunindo teoria e
prática [...]” (GRAMSCI, 1982, p. 155)
16
[...] Toda relação de „hegemonia‟ é necessariamente uma relação pedagógica, que se
verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõe,
mas em todo campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações
nacionais e continentais. (GRAMSCI, 1995, p. 37).

Assim, com os apontamentos realizados até o momento é possível afirmar que há um papel
político-pedagógico da Via Campesina na luta de classes no campo e na territorialização da
resistência anticapitalista, quando olhamos desde a perspectiva da organização internacional e
a articulação das diferentes organizações – embora ainda restringida aos segmentos de
trabalhadores do campo, assim como o papel que cumpre sua política de formação na
construção da unidade internacional e na construção de uma compreensão mais ampla da
questão agrária em nível mundial.
A articulação e correlação entre os diferentes trabalhadores do campo (assalariados,
camponeses, indígenas, comunidades de resistência afro-descendentes, pescadores, etc.)
possibilitam uma consciência dos problemas comuns vivenciados por cada um destes para
além de sua específica identidade de sujeito particular. Uma correlação de tensionamentos e
contradições entre concepções de mundo e de luta, de diferentes formas político-
organizativas, de diferentes métodos de trabalho, e diferentes perspectivas estratégicas, pois
cada organização em particular se constrói a partir da imediaticidade que lhe atinge, a partir
da particularidade do desenvolvimento do capital naquela região.
O papel da articulação internacional proporciona a percepção das escalas de luta (local,
nacional, internacional), assim como a construção de uma leitura dos aspectos singulares do
desenvolvimento do capital no campo e de uma plataforma de lutas comum que possa dar
conta das conseqüências do capital nas suas mais variadas expressões locais, do mesmo modo
que pode possibilitar uma projeção estratégica que possa construir uma alternativa societária
de nova hegemônica na espacialidade do campo.
Embora o projeto estratégico da Via Campesina como um todo não tenha um caráter de luta
socialista19, mas anti-neoliberal e antiimperialista20, carrega a possibilidade da aprendizagem
coletiva para tal e a resignificação de suas linhas estratégicas abrindo a possibilidade de uma
práxis que contribua com os caminhos para uma mudança estrutural deste sistema. Esta,
indubitavelmente se dá na colaboração entre as diversas classes de trabalhadores com a
reinvenção de instrumentos organizativos que possibilitem a derradeira catarse, a de
consciência para si.

19
Entretanto, muitas organizações partícipes desta articulação internacional tensionam o debate nesta perspectiva
estratégica.
20
À excessão, sua organização regional – CLOC-VC declara abertamente seu horizonte socialista.
17
Gramsci (1987) discutindo a questão agrária em seu momento histórico aponta a insuficiência
de uma pauta camponesa apenas pela distribuição de terras improdutivas, pois o sistema se
encarregaria de realizar novos processos de desterritorialização, reafirma da necessidade da
aliança operário-camponesa inserindo camponeses numa luta anticapitalista unificando a
construção da luta socialista.
Para além desta dimensão pedagógica interna numa perspectiva de consciência de classe, a
CLOC-Via Campesina apresenta uma dimensão político-pedagógica externa, junto à
sociedade, na medida em que visibiliza os conflitos agrários e os sujeitos que nele
historicamente foram se tornando desapercebidos, na medida em que coloca temas que não
são particulares propriamente dos trabalhadores do campo, mas de toda a sociedade, como o
caso da Soberania Alimentar. Neste caso sua territorialização contra-hegemônica, de
resistência anti-capitalista se materializa a partir de suas linhas estratégicas - a saber,
soberania alimentar, a agroecologia, biodiversidade, que extrapolam o corporativismo do
campo.
Aqui, neste momento da análise, vem à tona uma a seguinte questão: Seria possível então
considerar a Via Campesina, especialmente a CLOC, pelo seu caráter internacional, por sua
política de formação, e por su trajetória de unidade entre as identidades, um intelectual
coletivo? Olhando para o significado do intelectual coletivo (instrumento organizativo)
apontado por Gramsci, caberia caracterizar a CLOC-Via Campesina como um instrumento
que cumpra esta função de catarsis na consciência de classe?

d. Do Problema de Pesquisa
Daqui, deste ponto, é que partimos para construir a proposição de tema para a investigação a
ser realizada no doutorado. Partimos da interrogante se seria a Via Campesina Internacional
um instrumento com a necessária função de intelectual coletivo?
Compreendendo que as características do intelectual coletivo estejam vinculadas à superação
de todo e qualquer corporativismo, do imediatismo e esponteísmo da luta (seja no programa,
na estratégia ou no método de fazer política). Compreendendo que um instrumento com estas
características deveria possibilitar a superação, ou a catarse de uma forma de consciência
coletiva para outra: da “consciência em si” para a “consciência para si”. Compreendendo este
instrumento não como a única, mas como uma das mediações necessárias para esta passagem.
Compreendendo que este intelectual coletivo seja orientado não por uma relação simples e
burocrática entre seus membros, mas que contemple um método de trabalho complexo e de
18
fluidez nas decisões que convergem na estratégia. Seria possível visualizar na práxis
organizativa internacional dos camponeses a possibilidade de uma consciência para si?
Este problema contempla no mínimo duas dimensões: a dimensão da luta concreta, e a
dimensão da teoria da organização.
Sobre a primeira, sem desdobram um mundo de preocupações emergentes, como por
exemplo: a busca de entender o porquê diante de uma crise estrutural do capital parece haver
uma ampla passividade e consentimento das massas em geral, um quadro visível de alienação
profunda. O movimento de massas que poderiam orientar a ação coletiva para estratégias mais
contundentes na luta revolucionaria, encontra-se em refluxo. E as formas organizativas que
temos encontram-se fragmentadas. Diante disso, qual seria o papel da organização
internacional camponesa na construção de uma nova estrutura societária?
Quanto à sua segunda dimensão - a da teoria, poderíamos dizer que este problema coteja com
os temas da consciência e ideologia; das classes sociais e do sujeito revolucionário; da
estratégia e do caráter da revolução; entre outros. Caberiam questões como, por exemplo:
quais as mediações que possibilitam o surgimento da consciência para si, ou consciência
revolucionária? Quais as mediações que determinam a particularidade da consciência de
classe camponesa? Que aspectos da ideologia dominante podem estar presentes ainda
consciência em si, e conseqüentemente em seus instrumentos organizativos? A estratégia de
uma organização representaria o máximo de sua consciência coletiva possível?
Estas questões estiveram latentes na busca de entender a práxis organizativa da CLOC-VC e a
forma de sua consciência coletiva. Sem resolver-las todas, buscamos nos aproximar delas em
várias das reflexões contidas neste trabalho.
Das duas hipóteses que tínhamos uma era de que em gérmen, essa forma organizativa de
caráter internacional e de perspectiva socialista, possibilitaria o avanço em consciência para
si. E nesta suposição, mesmo que considerada um movimento de classe em si, de
trabalhadores do campo em suas diversas expressões haveria a possibilidade desse
instrumento cumprir com a função de intelectual coletivo projetando suas lutas para uma
dimensão revolucionária. Ainda nesta perspectiva, a aposta para tal feito, estava
fundamentada no seu caráter internacional, no papel da formação política como elemento
estratégico; na identificação de pautas que ultrapassam sua condição corporativa contribuindo
para a projeção de uma nova estrutura societária – o caso da agroecologia e da soberania
alimentar.
Esta primeira hipótese em síntese tem basicamente a linha de raciocínio percorrida na
pesquisa realizada no mestrado, na qual tinha uma intenção inicial de compreender o papel da
19
formação política na Via Campesina (Sudamérica) como parte de um processo de
territorialização contra-hegemônica. No decorrer da pesquisa, identifica-se que não somente a
formação, mas a organização (forma organizativa), o programa de luta e a própria luta, e a
forma de produzir (agroecologicamente), contribuem como aspectos subjetivos e objetivos de
uma territorialização contra a hegemonia do capital. Mesmo que ainda uma territorialização
contra-hegemônica de resistência. O pano de fundo agora seria identificar que outras
mediações possibilitariam o avanço da consciência de classe para além da resistência.
Uma segunda hipótese nasce fruto de debates realizados durante Mesa “Ideologia e
Consciência de Classe” no Encontro do NIEP-Marx (2015)21, em reflexões realizadas durante
o curso das disciplinas do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFRJ, e em
diálogo com o orientador.
A provocação que urge aí é que uma consciência de classe em si não se supera em si mesma,
na classe em particular, ela depende de outras mediações que evidenciem seus conflitos e
contradições internas e a provocam sua superação. Neste caso, um instrumento organizativo
da classe camponesa não possibilitaria por si só e pelos seus movimentos internos apenas, o
avanço de uma “consciência em si” para uma “consciência de classe para além de si”. Neste
caso o papel do “intelectual coletivo” se restringiria somente à possibilidade de uma
consciência de classe em particular (camponesa), caso não tivesse relações orgânicas com
outras classes particulares. Portanto, estaria essa superação atrelada à relação entre
instrumentos organizativos de diversos setores da classe trabalhadora em geral, e não no
próprio instrumento?
Aqui, outra provocação se fez necessária, a de como organizações de identidades distintas se
articulam num movimento internacional denominado de camponês. Os indígenas,
comunidades de resistência afro-descendentes, camponeses, trabalhadores assalariados do
campo, trabalhadores sazonais, pescadores e comunidades tradicionais, unificam-se neste
movimento pelas condições objetivas e similares que vivenciam diariamente, e nele enxergam
a possibilidade de fortalecer-se em suas lutas particulares.
Não se pode negar que neste tempo histórico há maior ressonância a organização por direitos
particulares, a organização identitária. O problema da fragmentação da classe trabalhadora
como um todo em suas particularidades, em suas identidades tem sua raiz essencialmente na
forma do próprio capitalismo que se desenvolve de maneira desigual e combinada. Este,

21
Evento organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (NIEP-
Marx), da UFF (Universidade Federal Fluminense) com o chamado “Marx e Marxismo 2015: insurreições,
passado e presente, realizado entre os dias 24 e 28 de agosto de 2015, no Campus de Gragoatá.
20
mesmo sendo geral, segmenta a classe trabalhadora a partir relações de trabalho, dos seus
interesses mercadológicos que modificam em determinadas regiões - seja pelos recursos
naturais, seja pela taxa de mais valia, ou motivos similares. E são estas as condições concretas
que se move a classe, ou segmentos de classe. É na verdade a base material onde se forjam as
formas de consciência coletiva e seus processos organizativos.

e. Dos Objetivos e Metodologia da Pesquisa


Com estes apontamentos, destacamos que não é intenção neste trabalho contemplar estas
tantas questões em profundidade, elas são apenas algumas das mediações que nos indica a
visão do tema em questão sob uma relação mais ampla, e que de uma ou outra maneira
apontam direções de estudo. Neste caso, apresentamos a seguir os objetivos, metodologia e
planejamento para a realização desta pesquisa.

 Objetivo Geral
Estudar a práxis organizativa da Via Campesina Latino-americana (CLOC-VC) e sua relação
com a formação da consciência de classe dos sujeitos envolvidos, bem como as perspectivas
políticas de superação do capitalismo e emancipação humana que as lutas particulares
apontam.

 Objetivos Específicos
 Relacionar a crise estrutural do sistema capitalista às suas estratégias de sobrevivência
na América Latina;
 Inventariar as lutas e organização camponesa nos marcos do desenvolvimento do
capitalismo na América Latina, tomando em conta seus aspectos estratégicos,
programáticos e de lutas.
 Identificar elementos que expressam as características da consciência coletiva que se
apresenta na materialidade da estratégia, programa, e lutas traçadas pela CLOC-VC;
 Discutir as categorias de análise: classe, consciência, camponês e teoria da
organização política;

O método que pretensamente percorremos para a realização desta pesquisa está fundamentado
nos pressupostos da teoria marxiana, o Materialismo Histórico Dialético. Muito embora este
21
método exija um exercício constante de superação de aspectos positivistas que estruturam a
forma de pensar predominante de nossa época, buscamos apreender as principais
determinações do tema em questão em seu movimento histórico-territorial, assim como suas
potencialidades, suas possibilidades, seu devir.
Considerando que o caráter da pesquisa foi de investigação participante, destacamos os
procedimentos da pesquisa utilizados: pesquisa bibliográfica; pesquisa de campo através da
participação em atividades desenvolvidas pela CLOC-VC e coleta de dados junto à
integrantes de movimentos partícipes desta articulação; pesquisa documental em revistas e nas
elaborações e formulações da CLOC-Via Campesina plasmadas em relatórios, declarações,
cadernos e cartilhas; entrevistas como instrumento de coleta de opiniões que foram realizadas
no contexto de algumas das experiências de formação da CLOC-VC onde reuniram-se
militantes e dirigentes de organizações partícipes desta articulação.
Quanto às entrevistas, foram realizadas no período de fevereiro a dezembro de 2017 a partir
de três formas.
A primeira, sob a forma de entrevista estruturada (questionário fechado), quando havia
dificuldade de tempo para estabelecer um diálogo aberto a partir das questões geradoras (23
ao total). A segunda, na forma de entrevistas semi-estruturada (abertas), sendo três (3) ao
total. E a terceira foi a realização de um grupo focal com a participação com a participação de
cinco (5) militantes de diferentes organizações e países (Brasil, Paraguai, Colômbia e
Equador).
As diferentes formas de entrevista foram realizadas a partir das mesmas questões geradoras, e
tiveram o objetivo de buscar temas chaves e disparadores que conduziriam a sistematização e
análise da CLOC-VC.
Ao total participaram, nas modalidades acima descritas, 23 militantes/dirigentes de
organizações sociais que compõe a CLOC-Via Campesina, e 4 militantes/dirigentes que
compõe outras regionais da Via Campesina Internacional (Sul da Ásia, África e Regiões
Emergentes). Outras 4 entrevistas foram realizadas com movimentos sociais parceiros da Via
Campesina Internacional, é o caso do Movimento de Trabalhadores Excluídos (TEM) Rural
(Argentina), da Marcha Mundial de Mulheres (Brasil), Rede de educadores y educadoras
populares (Cuba), e EKTA PARISHAD da Índia, somando um total de 31 entrevistados.
Segue abaixo uma tabela síntese dos dados que apresentamos:

22
Tabela 01 – Caracterização das Entrevistas com Organizações Aliadas a VCI
Regional País Número de Organização / Movimento Social de origem dos
da V.C. Entrevistados entrevistados
Argentina 1 Movimento de Trabalhadores Excluídos (TEM) Rural
América (organização parceira da CLOC-VC)
do Sul Brasil 1 Marcha Mundial e Mulheres (MMM) – (organização parceira
da CLOC-VC)

Caribe Cuba 1 Rede de Educadores y Educadoras Populares (organização


parceira da CLOC-VC)

Ásia India 1 EKTA PARISHAD (organização parceira da VCI)


(Sul)
Total 4

Tabela 02 - Caracterização das Entrevistas com Organizações da VCI


Regional País Número de Organizações e Movimentos Sociais de origem dos
da V.C. Entrevistados entrevistados
Argentina 1 Movimiento Nacional Campesino Indígena (MNCI)
Bolívia 1 Confederación de Mujeres Campesinas e Indígenas de Bolívia
- Bartolina Sisa (FNMCB)
América Brasil 8 (2) Movimento de Pequenos Agricultores (MPA)
do Sul (4) Movimento Sem Terra (MST)
(2) Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Chile 3 (1) Asociación Nacional de Mujeres Rurales e Indígenas
(ANAMURI)
(1) Consejo Nacional e Produtores de Chile (CONAPROCH)
(1) Federación Red Apícola Nacional (RAN-FG);
Colômbia 4 (1) Asociación Nacional de Zonas y Reserva Campesina
(ANZORC)
(2) Coordinación Nacional Agraria (CNA)
(1) Asociación Campesina y Popular (ASOCAMPO)
Venezuela 1 Frente Nacional Campesino Ezequiel Zamora (FNCEZ)
Paraguai 1 Coordenadora Nacional de Organizaciones de Mujeres
Trabajadoras Rurales e Indígenas (CONAMURI)
Equador 1 Federación Nacional de Trabajadores Agroindustriales,
Campesinos e Indígenas Libres del Ecuador (FENACLE)

América Guatemala 1 Coordenadora Nacional de Viudas e Guatemala –


Central Honduras 1 La Via Campesina - LVC Honduras
Nicarágua 1 Asociación de Trabajadores del Campo – ATC
23
Ásia Sri Lanka 1 Movement for National Land and Agricultural Reform
(Sul) (MONLAR)
Nepal 1 All Nepal Peasant´s Federation

África (Sul Zimbabwe 1 Zimbabwe Smallhulder Organic Farmer´s Forum (ZIMSOFF)


e Leste)

Regiões Tunísia 1 Million Rrual Womens (Milhões de Mulheres Rurais


Emergentes
(MENA)
Total 27

23
Quanto ao perfil dos participantes, identificamos três critérios: tempo de movimento; funções
que desempenhavam em seus movimentos no período da entrevista; e gênero.
Em relação ao tempo de movimento identificamos cinco grupos, dos quais: a) até 4 anos: 14
entrevistados; b) entre 5 a 9 anos: 7 entrevistados; c) entre 10 e 15 anos: 6 entrevistados; d)
entre 16 e 20 anos: 2 entrevistados; e) mais de 20 anos: 2 entrevistados.
Em relação às funções desempenhadas dentro de suas organizações de base encontram-se:
coordenação nacional, direção nacional, secretarias operativas, e, coletivos mais específicos
como: o caso de Coletivo de Formação, de Juventude, de Comunicação, de Agitação e
Propaganda, de Gênero, e Produção. Destes, sete dos entrevistados (as) são quadros
dirigentes, cinco deles (as) da CLOC-VC. E, em relação a gênero foram entrevistados (as) 10
do gênero masculino, 19 do gênero feminino, e 2 se auto-identificaram LGBT.

f. Da Apresentação dos Capítulos


O trabalho encontra-se estruturado em quatro grandes capítulos que buscam encadear
argumentos, conceitos e categorias de análise na perspectiva de buscar as várias mediações
identificadas no tema. Desta forma, os capítulos se configuram da seguinte maneira:
No primeiro capítulo, denominado “Crise Estrutural do Capital e o Campo na América
Latina”, buscamos abordar as condições objetivas econômico-sociais (relações sociais de
produção) que sob a hegemonia do capital se estrutura o movimento camponês internacional.
Ou seja, as inter-relações existentes entre a crise estrutural do sistema capitalista e o
desenvolvimento o capital no campo, especialmente na America Latina que assume um
determinado papel na geopolítica e geoeconomia mundial. A proposição da análise perpassa
pela idéia de que os recursos naturais assumem importante papel na busca de novas fontes de
mercadoria e de sobrevivência do capital em meio a sua crise estrutural. Essas condições são
chaves que apontam inclusive as bases das condições concretas nas quais se formam novas
formas de trabalho e de exploração, assim como a configuração dos diferentes trabalhadores
do campo (camponeses, trabalhadores do campo assalariados, indígenas, pescadores,
comunidades de resistência afro-descendentes) que hoje em grande medida compõe a
articulação internacional dos camponeses.
Este capítulo pretende assim apontar quais os principais elementos das condições objetivas
onde atua a Via Campesina Internacional, especialmente a CLOC, na particularidade deste
tempo histórico.
24
No segundo capítulo, denominado “Padrões de Dominação e a Movimentação das Classes
Trabalhadoras do Campo na América Latina”, buscamos assinalar muito brevemente algumas
raízes do processo de dominação das classes trabalhadoras peculiarmente da formação sócio,
política e econômica neste continente, assim como as características principais das
movilizações e lutas nas quais atuaram: indígenas, negros e camponeses. Mencionamos
brevemente as lutas no período colonial, as lutas independitistas, as lutas de cunho libertário e
as de caráter socialista. Todas estas, intensas e fervorosas, mas que demonstraram limitações
e dificuldades. A CLOC-VC surge nos marcos da Campanha: 500 anos de Resistência
Indígena, Negra e Popular, buscando alçar a voz da continuidade destas lutas.
O terceiro capítulo denomina-se “Movimento Camponês Internacional e Resistência: Breve
Inventário da CLOC-VC”. Neste capítulo, traçamos os principais aspectos do nascimento e da
formação desta organização, suas características, sua composição, suas pautas de luta e suas
linhas estratégicas. Seria impossível traçar esses elementos da organização de maneira
isolada, e nesse sentido fizemos um esforço de apresentá-la no contexto das lutas sociais de
cada momento. Destacamos três grandes momentos: Do Nascimento do Movimento
Camponês Internacional; Globalizando a luta e a Esperança de outro mundo possível e
necessário; O Movimento Campones Internacional na Intensificação da Crise Capitalista.
O quarto e último capítulo, denominado “Balanço Histórico da CLOC-VC: Consciência de
Classe e Organização Política”, busca refletir a fundo como alguns dos elementos da Teoria
da Organização são vivenciados em sua práxis. Em especial a questão da classe em si, da luta
por direitos, da ideologia dominante, da questão das alianças, do projeto estratégico, e dos
pilares que dinamizam a forma organizativa – o internacionalismo, a política de formação e o
feminismo camponês e popular. Analisam-se aqui os aspectos de sua luta que potencialmente
são universais dentro de um horizonte socialista, assim como os avanços e limitações da
forma da consciência coletiva.
Por fim, é necessário assinalar que várias das referências consultadas pontualmente
(principalmente as jornalísticas), assim como a indicação da documentação digital utilizada,
encontram-se registradas nas notas de rodapé. As obras, documentos e reportagens de maior
análise para este estudo encontram-se no item Referencias Bibliográficas.

25
CAPÍTULO 1
CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O CAMPO NA AMÉRICA LATINA

Sou, eu sou o que sobrou. Sou todo o resto do que roubaram


Um povo escondido no topo
Minha pele é de couro, por isso agüenta qualquer clima
Eu sou uma fábrica de fumaça
Mão de obra camponesa, para o seu consumo [...]
Sou o desenvolvimento em carne viva
Um discurso político sem saliva [...]
Sou a fotografia de um desaparecido
O sangue em suas veias
Sou um pedaço de terra que vale a pena [...]
Sou América latina, um povo sem pernas, mas que caminha
[...] O suco da minha luta não é artificial
Porque o adubo de minha terra é natural
[...] Você não pode comprar o vento
Você não pode comprar o sol. Você não pode comprar chuva
Você não pode comprar o calor. Você não pode comprar as nuvens
Você não pode comprar as cores. Você não pode comprar minha alegria
Você não pode comprar as minhas dores [...]
Vamos caminhando. No riso e no amor.
Vamos caminhando. No pranto e na dor
Vamos desenhando o caminho.
Não se pode comprar a minha vida
Vamos caminhando. A terra não se vende [...]
Vamos caminhando. Aqui se respira luta [...]
(Latino-america. Calle 13)22

Iniciar as reflexões sobre as múltiplas relações entre a crise do sistema capitalista e o campo
na América Latina com trechos da canção acima, simbolicamente parece-nos apresentar um
ponto de convergência e propulsão entre a arte da resistência cotidiana dos trabalhadores e as
conseqüências nefastas da lógica capitalista; entre as históricas lutas travadas pela terra, pela
água, pela biodiversidade, pela forma comunitária de produção da vida e cultura latino-
americana, e, a forma de acumulação de capital - da colonial à neoliberal. Entre os fragmentos
do desenvolvimento desigual e combinado da exploração em cada país, em cada território em

22
Trechos da Música “Latinoamerica” da banda porto-riquenha Calle 13. A música, lançada em 2011, conta com
a participação das Cantoras Susana Baca (Peru), Totó La Momposina (Colômbia) e Maria Rita (Brasil). O
clip da música, sob a direção de Jorge Carmona y Milovan Radovic junto a um grupo de jovens cineastas, foi
gravado no Peru com imagens que o próprio grupo fez numa viagem pela América Latina, iniciando com um
locutor indígena que apresenta a música e a banda em quechua. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=DkFJE8ZdeG8 . Acesso em abril/2019.
26
cada povo, e o pulsar da terra, da unidade latino-americana, e da transformação radical da
sociedade. A poesia da vida em tempos inóspitos.
O processo de acumulação primitiva do capital através da espoliação, da expropriação das
populações rurais articuladas a uma “legislação sanguinária” no final do século XV na Europa
foi analisada por Marx (2011) em sua obra denominada O Capital. A partir de uma minuciosa
e ardente análise sobre o círculo vicioso de acumulação capitalista que compreende por um
lado capital e força de trabalho nas mãos de uns, e por outro, a extração de mais valor sobre o
tempo da força de trabalho que produz a mercadoria, o autor destaca que houve a necessidade
de um embrião que deu origem às inversões iniciais – a chamada acumulação primitiva. “O
processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de separação entre o
trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho”, um processo que
“transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção”, como o caso da
questão da terra, e ao mesmo tempo “converte os produtores diretos em trabalhadores
assalariados”. (MARX, 2011, p. 961)
É, portanto, o processo de separação entre o produtor e os meios de produção que marca a
“pré-história” da acumulação capitalista e a subjugação do trabalhador dá margem para a
origem “tanto do trabalhador assalariado como ao capitalista”. (MARX, 2011, p. 962)
Analisando o caso da Inglaterra, como uma forma clássica de expropriação, Marx (2011)
aponta importantes pistas de como o capital irá, em diversos momentos da história e em
vários espaços geográficos, atuar para com os camponeses. A expropriação violenta da terra e
dos meios de subsistência constitui as bases da acumulação originária, lançando uma massa
de trabalhadores livres no “mercado” que por hora iriam empregar seu tempo trabalhando
para os grandes proprietários. A partir de relatos sobre ocorridos no século XV, o autor faz
menção a estudos que descrevem a forma que as habitações dos camponeses eram
violentamente demolidas ou abandonadas às ruínas, assim como as queixas da transformação
de lavouras em grandes extensões de pastagens, das terras comunais, que usurpadas eram
transformadas em pastagens. (MARX, 2011, p.965)
O autor ainda menciona que no século XVI, houve uma nova onda de expropriação violenta
das massas a partir da Reforma da Igreja, que grande proprietária feudal, a partir da supressão
destas terras, lança seus moradores, antigos vassalos, no mundo proletário. (MARX, 2011, p.
968 e 971).
A acumulação originária de capital também foi acompanhada de uma severa legislação que
estabelecia a obrigatoriedade do “trabalho livre” para os novos proprietários. Como exemplo,
o estatuto do primeiro reinado de Eduardo VI (1547) que os forçava a “qualquer trabalho,
27
mesmo o mais repugnante, por meio de açoites e agrilhoamento”, assim como a condenação
daqueles considerados “vadios” e fugitivos como escravos perpétuos (queimados a ferro com
a letra S na testa) ou com a sua execução. Ainda indica que os “juízes de paz”, ao identificar
“vadios” vagando por um período de dias, que os encaminhasse à sua terra natal, e com a letra
V a ferro em brasa no peito, deveriam ser forçados a trabalhar nas estradas ou como escravos
de proprietários a base de comida e água. (MARX, 2011, p. 981-982)
Outro exemplo que o autor destaca, é o do período de Elizabete (1572), onde indigentes com
mais de 14 anos que não tivessem licença para mendigar deveriam ser açoitados e ter a
“orelha esquerda marcada a ferro”, ou ainda “executados sem misericórdia como traidores do
Estado”. Estes, entre tantos outros exemplos de disposições legais (algumas destas legislações
perdurando até o século XVIII) somada às expropriações em massa, colocavam aos
camponeses duas possibilidades - a de trabalhador livre que venderia sua força de trabalho, ou
como “vagabundo” que deveria ser escravizado ou executado. (MARX, 2011, p. 982).
Não por coincidência, os processos de colonização em diferentes países, e em especial na
América Latina, ocorreram com métodos similares de expropriação, subjugação e
escravização dos povos originários que ali viviam, ou de povos africanos capturados e
enviados às colônias destes países “metrópoles” – componentes essenciais na acumulação de
capital.
Os processos colonizatórios serviram não somente como parte da acumulação primitiva de
capital, mas também como componente permanente da acumulação capitalista. Uma
importante análise realizada por Rosa Luxemburgo (1970) sobre o desenvolvimento do
capitalismo aponta que este em sua constituição e desenvolvimento não apenas expropria
violentamente como estudado por Marx (2011), mas também vive das formações não-
capitalistas absorvendo-as por completo à sua lógica. Analisa Luxemburgo que:

O capitalismo necessita, para sua própria existência e desenvolvimento, estar


cercado por formas de produção não capitalistas. Não se trata, porém de qualquer
forma. Necessita de camadas sociais não-capitalistas, como mercado para colocar
sua mais-valia, como fonte de meios de produção e como reservatórios de mão-de-
obra para seu sistema assalariado. (LUXEMBURGO, 1970, p. 317)

A pensadora ainda afirma que a tendência apontada por Marx (2011) explica em especial a
acumulação originária, mas que quando a acumulação progride – o processo de acumulação
permanente de capital, exige que este abarque formas não capitalistas de produção, seja para
sua supressão ou ainda para sua subjugação, resultando em “complicadas” relações, onde cada

28
um pode realizar acumulação parcialmente autônoma e independente do outro, mas que ao
mesmo tempo se cruzam e interligam continuamente. (LUXEMBURGO, 1970)
E continua ainda suas reflexões salientando que outro aspecto que faz parte da trajetória
histórica da acumulação capitalista são os métodos da política colonial. Estes se baseiam num
sistema de empréstimos internacionais, numa política de influencias e na guerra. É
escancarada a opressão, a violência, a fraude e a pilhagem, onde a violência política é apenas
um “veículo do processo econômico” para a produção e reprodução capitalista, configurando
assim o mundo inteiro como seu palco. (LUXEMBURGO, 1970)
No caso da colonização na América Latina, as formações não-capitalistas dos povos
originários foram em grande medida dizimadas, exterminadas sob a lógica da acumulação das
metrópoles. Mas também subsistiu com formações econômicas de produção que sobreviveu
sob a condição da subsunção no decorrer do tempo. O conceito de subsunção, trabalhado por
Armando Bartra (1982) em sua obra “A exploração do trabalho campesino pelo capital” nos
aponta indícios fundamentais para compreender a existência de formas de trabalho não
capitalista sobrevivendo à lógica devastadora de expropriação pelo capital. Conceito esse que
contribui enormemente para a análise da luta de classes no campo.
O problema agrário persiste insistentemente no desenvolvimento da acumulação capitalista na
América Latina. Ademais da expropriação da terra, de sua compra e venda, e do
assalariamento do trabalho no campo, é também sustentada na renda da terra, onde há
rendimento através de contrato que demarca apenas o uso da propriedade pelo capitalista. A
taxa de lucro que dela se extrai depende de que nível de tecnologia é implantado, mas também
das condições e natureza da própria terra (relevo, clima, etc.)
A pergunta de Bartra (1982) que dá origem às suas análises é: como ocorre a existência e
reprodução do campesinato dentro da lógica de reprodução do capital? Ele busca a explicação
da possibilidade de sua existência dentro do sistema capitalistas, a partir das formulações
marxianas, da acumulação originária, buscando repelir interpretações mecânicas. Identifica
primeiramente que a acumulação originária se refere a um período de transição na imposição
do capital sobre outras lógicas de produção da vida no campo. E aponta também que tanto
Marx como Lênin analisam que esta tendência se impôs de diferentes formas, entre elas as
vias históricas: Via Inglesa, Via Junker ou Alemã, a Via Farmer ou norte-americana. No caso
do desenvolvimento capitalista na América Latina, as formas da plantation e da hacienda, que
com características diferentes se unem sob as mesmas bases da expropriação e da produção
monopolista para exportação.

29
A relação de exploração capitalista produz e reproduz o proletariado que vende sua força de
trabalho, mas esse processo não é automático, existem mecanismos econômicos que garantem
a “retenção do trabalho necessário”, ao operário com sua força de trabalho, e ao campesino na
venda de sua produção “inclusive quando os preços não garantem a reprodução de sua
economia”. (BARTRA, 1982, p. 41-46)
Para o autor, tanto o camponês como o proletário somente se reproduz dentro do sistema
circunscrito em suas batalhas pelo pagamento de “preço justo”. No caso do camponês não
pela sua força de trabalho na forma de assalariamento, mas do produto de seu trabalho,
especialmente o alimento. Entretanto essa existência está condicionada pela sua subsunção,
um conceito também desenvolvido por Marx e que está co-relacionado com o conceito de
valorização de capital.
A valorização do capital se dá basicamente pela existência da propriedade privada dos meios
de produção e pela existência de produtores expropriados que vendem sua força de trabalho. E
a essência da subsunção está em que todos os valores de uso adquirem valor de troca que ao
mesmo tempo se impõe sobre os valores de uso, e necessitam responder constantemente a
valorização do capital. Uma inversão que se constitui como fator decisivo na transformação
da força de trabalho em mercadoria. (BARTRA, 1982, p. 52-53)
Assim, a subsunção pressupõe que de maneira geral haja uma forma de produção de
mercadoria dominante que submeta todas as outras formas não capitalistas de produção aos
seus determinantes. Sem a subsução do trabalho pelo capital de maneira global a serviço do
processo global de valorização, o modo de produção capitalista não pode se impor. Bartra
(1982) assim analisa:

La subsunción real del trabajo por el capital global significa que en una sociedad
capitalista el capital ocupa el papel dirigente y conductor, que todo proceso de
trabajo es al mismo tempo un proceso de explotación y que todo excedente
expropiado y se transforma en capital, con ello se cumplen las condiciones formales.
Pero además es necesario que la organización social de los procesos laborales esté al
servicio de la valorización del capital global, lo que significa que las diferentes
ramas de la producción (que se distinguen por el tipo de valores de uso que lanzan al
mercado) deben estar al servicio permanente de la ampliación de la producción, […]
el sector dirigente es la industria que produce bienes de producción y en particular
las empresas que produce maquinas para producir maquinas, que constituyen el
corazón del sistema al que se someten todos los demás procesos e trabajo. En otras
palabras, la subsunción real del trabajo por el capital global significa no solo que
todos los procesos de trabajo deben estar al servicio de la valorización del capital,
sino también una determinada organización y división social del trabajo, en la que
los diferentes ramas adoptan proporciones adecuadas a las necesidades de la
reproducción en escala ampliada del capital y a la máxima acumulación global.
(BARTRA, 1982, p. 59-60)

30
A dominação pela subsunção ocorre na medida em que o capital desenvolve os ramos chaves
da indústria, e dos meios de produção proletarizando a força de trabalho, e submetendo forças
campesinas, ou de produção comunal à sua lógica geral. A tecnologia de produção, a
regulamentação dos preços dos gêneros produzidos pelo campesino no mercado, que tipo de
produção é mais rentável em determinado momento, todos esses elementos estão submetidos
à lógica geral capitalista de produção.
A lógica da subsunção geral do trabalho e da reprodução do sistema capitalista explica assim
a existência contínua do campesinato no interior do modo de produção capitalista. A produção
campesina apresenta uma relativa autonomia “frente al proceso de valorización del capital”,
assim como o processo de trabalho camponês só se constitui através de uma série de
mediações que o condicionam como força submetida e controlada pela lógica geral capitalista
de exploração, que somente se consuma quando a produção camponesa entra nas relações da
circulação capitalista. (BARTRA, 1982, p. 80)
A produção excedente, gerada pela forma de trabalho camponesa, no momento que entra na
esfera da circulação é transferida, como valor de troca, para a dinâmica geral da circulação de
mercadorias e determinação de preços segundo a produção geral daquele produto. Uma forma
de exploração do trabalho campesino pela lógica geral de funcionamento do capitalismo e o
processo de valorização do valor de uso, enfim onde a economia camponesa é recriada nas
condições de exploração. Nas palavras de Bartra, “la explotación del campesino se consuma
en el mercado de cambiar de manos el excedente, pero la base de esta explotación se
encuentra en las condiciones internas del proceso de producción campesino”, seja na
precariedade dos meios de produção, seja na tecnologia empregada, seja no tempo e esforço
dispendido para a produção. (BARTRA, 1982, p.88)
Essa unidade contraditória entre a forma de produção capitalista e formas não-capitalistas de
produção se materializa no processo de circulação capitalista. As bases tecnológicas da
produção, o manejo dos instrumentos de produção, o produto final no mercado, a conversão
de dinheiro da venda de produtos em capital, todos esses elementos são condicionados pela
lógica mais ampla de funcionamento da sociedade capitalista. Assim, podemos afirmar
contundentemente que o trabalho e a produção camponesa, quilombola e indígena com suas
formas comunitárias, encontram-se subsumidas.
A subsunção também ocorre em processos de integração, onde os pequenos camponeses
produzem desde formas não capitalistas, mas realizam a entrega dos seus produtos para as
grandes empresas ou indústrias do ramo através de contratos pré-definidos. Contratos estes
que determinam as condições e características as quais o produto deve ser entregue, como
31
tamanho, peso, tempo, etc. É exemplo desse processo, a produção integrada de frangos, ou
ainda de fumo.
É necessário mencionar que também existem formas híbridas de produção, onde integrantes
dessas comunidades (camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, etc), pelas condições
de subsistência determinadas pela sua subsunção, trabalham como assalariados em empresas
agrícolas, não agrícolas ou setor de serviços nos centros urbanos, e empregam seus salários
nas melhorias das condições de produção familiar para sua sobrevivência e permanência no
campo.
Thomaz Junior (2006) nesta perspectiva destaca que há certa aceitação “paradoxal por parte
do capital do ser camponês” que regrada ao padrão hegemônico do desenvolvimento do
capital no campo, determina “a adoção de formas de produção, insumos, tecnologias, de
rotinas e de relações de produção, que não respondem historicamente aos anseios da
autonomia e da preponderância da organização familiar do trabalho”. O autor ainda afirma
que essa base material indica um impasse de classe aos camponeses: negar o modo camponês
de produção e reprodução social adotando a racionalidade capitalista e a forma empresarial,
ou ainda se proletarizar. (THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 137)
Agora, “se camponês, se operário”, o autor aponta que a reestruturação produtiva do capital é
que determina a “plasticidade do trabalho” em suas expressões e formas, assim como os
diferentes recortes de “identificação de classe” que como trabalhadores se mobilizam diante
das conseqüências do capital em sua forma particular. Esses trabalhadores em luta na
circunscrição de sua particularidade, transformando-se em “seres em si”, podem encontrar-se
“distanciados da totalidade”, o que os impõe certos limites para alcançar a emancipação
humana “do metabolismo do capital”. (THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 138-139)
A concentração fundiária e a reestruturação produtiva do capital vão assim produzindo “novas
fragmentações no interior de classe”, e em conseqüência, “novas identidades do trabalho
estranhado” que vão para além das formas clássicas do assalariamento, e do campesinato.
(THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 146)
Neste sentido, as formas de trabalho, inclusive as subsumidas, são expressões do
desenvolvimento do capitalismo, e segmentadas, condicionam também as identidades
fragmentadas da classe trabalhadora. Essas diferentes classes e fragmentos de classe,
exploradas diretamente ou subsumidas, são arraigadas nas diferentes condições de exploração,
mas combinadas, dentre as quais: expropriação da terra e recursos naturais, o não controle dos
meios de produção, e a determinação capitalista na esfera da circulação de mercadorias.

32
A teoria do “desenvolvimento desigual e combinado” (LOWY, 1995), nos ajuda nesta
análise23. O capitalismo se territorializa de diferentes maneiras em diferentes territórios, a
partir das condições objetivas, políticas e culturais da localidade. Estas envolvem recursos
naturais disponíveis, tecnologias, força de trabalho e suas formas de exploração e subsunção.
No caso do desenvolvimento do capitalismo na América Latina, é marcado pela desigualdade
de ritmos de desenvolvimento e pela combinação de suas distintas fases amalgamando as
diferentes formas sob a direção do capitalismo em geral. Neste tempo histórico, pelo capital
imperialista.
Perguntamos-nos a essa altura, se as condições objetivas de exploração e subsunção podem
trazer implicações específicas nas formas de consciência dos trabalhadores do campo,
mobilizados ou não. Além do indicativo de Thomaz Junior (2006) sobre a relação
reestruturação produtiva do capital - fragmentação da classe - identidade de classe, a condição
da subsunção implicaria também nestas formas de consciência?
Independente das transformações morfológicas fica evidente a centralidade ontológica do
trabalho quando se trata da reprodução ou da transformação da ordem societária. E neste caso,
tanto os proletários como os camponeses sob as condições mencionadas acima, marcam sua
movimentação e construção de resistências frente ao desenvolvimento capitalista e suas
conseqüências.
Destacamos acima apenas alguns apontamentos sobre os principais aspectos que a nosso ver
são chaves para a compreensão do desenvolvimento do capitalismo no campo, e em especial
na América Latina. Compreender o metabolismo social do capital e seu sistema de mediações
entre as particularidades e totalidades é fundante e tem implicações políticas na interpretação
do caráter das transformações sociais, ou ainda, mais precisamente no caráter da revolução
latino-americana.
E no que diz respeito às lutas dos trabalhadores do campo em resistência neste território, em
especial a CLOC-Via Campesina (uma organização que articula camponeses, indígenas,
quilombolas, assalariados, pescadores artesanais, entre tantos outros), buscar compreender as
condições objetivas nas quais atuam, e identificar suas contribuições para a transformação da
sociedade em geral, tarefa da classe trabalhadora como um todo.

23
Michel Lowy para a escrita desse artigo se referenciou em León Trotsky que elaborou a teoria do
desenvolvimento desigual e combinado especialmente em suas obras História da Revolução Russa e Revolução
Permanente.
33
1.1. OS FUNDAMENTOS DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O PAPEL DA
AMÉRICA LATINA:
As análises de Quaini (2002) em seus estudos sobre as obras O Capital e os Grundrisses de
Marx, apontam que a acumulação primitiva e a forma da produção da mercadoria levaram a
separação do trabalhador (produtor) dos meios de produção, assim como o ser humano da
natureza. Desde a perspectiva da geografia, essa questão se apresenta como a progressiva
dissociação do homem em relação ao território, e a transformação do território como valor de
uso para valor de troca. (QUAINI, 2002, p.66).
A separação do trabalhador dos meios de produção (instrumentos de trabalho, natureza e
matéria prima) é uma das premissas centrais que acompanhou a história do desenvolvimento
capitalista na América Latina desde o processo de colonização. Na atualidade, essa
dissociação entre ser humano e natureza, entre o ser humano e território manifesta-se
essencialmente na expropriação ou na restrição do acesso à terra, à água, às sementes, à
biodiversidade, aos minerais, às tecnologias de produção, que junto à condição da subsunção,
forma articuladamente as bases objetivas da atual forma de desenvolvimento capitalista no
campo - o Agronegócio, Hidronegócio e Mineronegócio. Estas bases objetivas condicionam
em primeira instancia o surgimento das atuais classes e fragmentos da classe trabalhadora do
campo. Referimo-nos aqui não somente aos pequenos camponeses e aos trabalhadores
assalariados, mas também aos pescadores artesanais, aos ribeirinhos, povos das florestas, aos
indígenas, e às comunidades de resistência afro-descendentes. Esses trabalhadores do campo
são hoje em grande medida sujeitos coletivos que mobilizados compõe a Coordenadora
Latino-americana de Organizações do Campo (CLOC) - Via Campesina.
Assim, partimos da análise de que sob essas condições, a América Latina encontra-se marcada
por uma política econômica voltada à produção de commodities e de bens primários para o
mercado mundial, onde o campo assume uma função fundamental na busca de novas fontes
de mercadoria e de reestruturação do capital em meio a sua crise.
A crise do sistema capitalista, que em sua lógica destrutiva assola os tempos atuais, coloca em
alerta a humanidade e a própria existência nesse planeta pelo estágio em que se encontra a
exploração dos recursos naturais e a devastação longa e processual das condições da vida.
Notícias sobre o aquecimento global; a destruição e extinção de espécies de vida; os desastres
ambientais provocados pela ambição do maior lucro; pelo trato com imigrantes que buscam
sobrevivência e seus naufrágios em embarcações superlotadas; pelas ameaças e acidentes
nucleares; todas essas demonstram algumas das tensões frequentemente vividas como parte
das conseqüências do modo de produzir capitalista.
34
Lenin (1916) em sua obra “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, analisando o
momento de desenvolvimento o capital, afirma que as crises de toda a espécie, mas, sobretudo
as econômicas aumentam a tendência de concentração e criação de monopólios nos ramos de
produção. Monopólios que se constituem em cartéis na busca de solucionar suas crises. Esta
lógica de funcionamento, articulada ao papel dos bancos, à exportação de capitais (para além
da exportação de mercadorias), e à partilha do mundo entre as grandes potências conformam a
fase imperialista do capitalismo. O que não o exime de suas crises.
Muitas são as análises marxianas sobre a crise do sistema capitalista na atualidade. Partimos
da premissa que o caráter desta crise é “sistêmica”, e que embora tenha escancarado suas
incongruências nas últimas décadas com o estopim da bolha imobiliária nos EUA em 2007-
2008, tem início ainda na década de 70. Este colapso na dinâmica da especulação financeira
imobiliária, em termos de dimensão de crise, pode ser comparado à chamada Grande
Depressão de 1929, uma crise de superprodução (onde havia mais mercadorias do que
consumidores), e que teve efeitos mundiais. Entretanto esta última carrega dimensões
estruturais diferenciadas, aparecendo num primeiro momento como crise financeira.
A crise financeira de 2008, expressa o resultado do padrão de funcionamento do capitalismo
monopolista imperialista em sua forma atual, o assim chamado “neoliberalismo”, que é
implementado a partir do final da década de 1960 como uma forma de resolver aspectos
essenciais das crises cíclicas do sistema de capital (em seus limites relativos). Na América
Latina, esta reconfiguração econômica de fundo “coincidentemente” está associada ao marco
das reformas implementadas no Chile após o Golpe Militar de 1973 encabeçado por Augusto
Pinochet.
Caracterizado por um conjunto de medidas políticas e econômicas que se expandem
especialmente a partir desse período no continente, o “neoliberalismo” funda-se
essencialmente no incentivo a ação de privatização dos principais serviços públicos que são
desmantelados sistematicamente, e na composição de governos com maior intervenção
econômica internacional abrindo-se aos mercados transnacionais. Acompanhadas da
precarização dos direitos laborais, Ibarra (2011) afirma que a região Latino-Americana na
década de 90, a cada três empregos, dois era do setor informal.
As políticas neoliberais, fomentadas pela hegemonia do grande capital são adotadas pelos
Estados Nacionais na América Latina em todos os níveis e setores, muito embora para
Carcanholo (2011), o discurso neoliberal da liberdade de atuação dos mercados não se
transfigurou numa efetiva redução do papel do Estado na economia, apenas uma modificação
em sua forma de atuação. No caso do campo, sua atuação veio acompanhada com muita
35
freqüência pela violência. Na Colômbia e México com o emprego das forças armadas, com a
atuação de milícias armadas no caso do Equador, Paraguai e da Colômbia, e no caso do Brasil
com a atuação de pistoleiros. (THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 140).
As implicações dessas políticas para o campo em nível internacional revelaram-se
determinadas a: sufocar as resistências camponesas, indígenas, de assalariados rurais,
comunidades pescadoras e atingidas por barragem, recriando-os e sujeitando-os ainda mais à
lógica capitalista; blindar todas as formas de acesso a terra que não fosse através do mercado;
precarizar as condições de trabalho, intensificando as jornadas e rebaixando salários;
fragilizar relações de trabalho formais; intensificar práticas de terceirização e cooperativas de
trabalho; entre outros. (THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 140).
Através da violência e dessas políticas econômicas houve um crescimento na concentração de
terra, dos recursos naturais e da renda. Thomaz Junior (2006) aponta alguns dados que revela
as conseqüências desta drástica relação: 48% as empresas são estadunidenses; 1,2 milhões de
pessoas vivem com US$1,00/ dia; em 1960, 20% dos mais ricos ganhavam 3 vezes mais que
os 20% dos mais pobres, em 1990 essa proporção passou para 60 vezes e, em 1997 saltou
para 74 vezes; quase 60% dos habitantes do planeta vivem nas áreas rurais (3,1 bilhões),
sendo que nessas áreas se concentram 70% da pobreza mundial, onde 800 milhões passam
fome. (THOMAZ JUNIOR, 2006, p. 141)
As políticas neoliberais coincidem também com a transnacionalização de empresas
capitalistas de atuação no campo. Com maior incidência a partir da década de 90, o chamado
agronegócio vai tomando corpo, e atualmente configura-se numa estreita aliança das classes
dominantes através da articulação de empresas transnacionais com setores nacionais,
geralmente representantes governamentais que desde o Estado aprovam políticas para seu
desenvolvimento e fortalecimento. Outro aspecto importante que caracteriza a hegemonia do
agronegócio, especialmente nos países sudamericanos e no México, é o da comunicação. No
caso o Brasil, além de canais televisivos próprios, a intensidade de propagandas veiculadas
em meios de comunicação de massa enaltessem o agronegócio como responsável pela
produção da riqueza no país. Não por acaso é também na década de 1990, pelas condições
agravantes da vida no campo que surge uma articulação internacional de movimentos
camponeses, indígenas e comunidades tradicionais, a CLOC-Via Campesina.
A incidência dessas políticas econômicas neoliberais em nível mundial articuladas à
financeirização da economia, à crescente precarização do trabalho e a lógica da produção
destrutiva (desde a obsolescência programada à destruição irremediável da natureza), vão

36
desembocar nos limites absolutos do sistema de capital, condições características de sua crise
estrutural.
O pensador húngaro István Mészáros (2011a; 2011c) caminha por essa análise, anunciando
que as anteriores crises cíclicas próprias do sistema capitalista configuram-se neste período
histórico como uma “crise estrutural do capital”, que se torna cada vez mais profunda
atingindo a todos “os domínios de nossa vida social, econômica e cultural”, e que se manifesta
pela articulação de seu caráter universal (não restrita a um setor ou esfera particular da
produção), verdadeiramente global (não se limitando a um único ou a um conjunto de países),
numa escala contínua, permanente, e de maneira gradual com convulsões mais violentas.
Estes aspectos fazem da crise severas fraturas no “sistema orgânico” capitalista em sua
totalidade, incidindo na produção e reprodução do seu “metabolismo” societário. Em uma
palestra proferida no ano de 2011 no Brasil, o autor afirma que:

Em termos mais simples e gerais, uma crise estrutural age na totalidade de um


complexo social, em todas as suas relações com suas partes constituintes ou sub-
complexas, assim como com outros complexos aos quais está vinculada. Ao
contrário, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas partes do complexo em
questão, e assim não importando o quão grave ela possa ser no que se refere às
partes afetadas não pode por em risco a sobrevivência contínua da estrutura global.
(MÉSZÁROS, 2011a, p. 4)

Uma crise que apesar dos inúmeros sintomas, não apresenta indícios de declínio ou de
paralisia, pelo contrário caracteriza-se pela necessidade de se expandir, e de forma cada vez
mais brutal, e que inclusive não apresenta concretamente nenhuma possibilidade de “declínio
dos Estados Unidos como potencia hegemônica”, país que se mantém e continua a fortalecer
sua posição diante do sistema mundial. (MÉSZÁROS, 2011c)
O autor ainda afirma que uma das implicações catastróficas nesta fase do desenvolvimento do
capital é o da produção destrutiva. A produção militar, em sua função de acumulação e
expansão do capital, é uma de suas manifestações, o que já havia sido apontado
historicamente por Rosa Luxemburgo. Ela consolida-se como um ponto de convergência entre
consumo-destruição e demonstra escancaradamente este aspecto da realização capitalista.
(MÉSZÁROS, 2011c). Nas palavras de Rosa Luxemburgo,

O militarismo tem uma função determinada na história do capital. Acompanha todas


as fases históricas da acumulação. No período da chamada acumulação primitiva,
isto é, no começo do capitalismo europeu, o militarismo desempenhou um papel
determinante na conquista do Novo Mundo e dos países produtores de especiarias,
como a Índia; mais tarde serviu para conquistar as colônias modernas, para destruir
as organizações sociais das sociedades primitivas, para apropriar-se de seus meios
de produção, para impor o comércio de mercadorias em países cuja estrutura social é
37
um obstáculo para a economia de mercado, para proletarizar violentamente os
indígenas e impor o trabalho assalariado nas colônias. Ajudou a criar e ampliar
esferas de interesses do capital europeu em territórios não-europeus e extorquir
concessões de estradas de ferros em países atrasados e a defender os direitos do
capital europeu nos empréstimos internacionais. Enfim, o militarismo é uma arma na
concorrência dos países capitalistas, em luta pelo domínio dos territórios de
civilização não-capitalista.
[...] O capital utiliza-se mais energicamente do militarismo para assimilar através do
colonialismo e da política mundial, os meios de produção e as forças de trabalho dos
países ou das camadas não capitalistas. Ao mesmo tempo, nos países capitalistas
esse mesmo militarismo trabalha no sentido de privar as camadas não capitalistas de
seu poder de compra, isto é, os representantes da produção de mercadorias simples,
assim como os operários; isso para restringir o nível de via desta última camada e
aumentar em grandes proporções, à custa de ambos, a acumulação de capital. [...]
(LUXEMBURGO, 1970, p. 399 e 411)

No caso do momento histórico atual, é evidente a incitação à guerra aberta e sanguinária


como no caso do Oriente Médio, assim como guerras indiretas sob “benevolente intenção” de
interceder pela democracia como ocorre na Venezuela e na histórica situação de embargo
econômico com Cuba. As formas de incitação à violência como recentemente vivenciado no
Brasil também são contra-sensos da militarização e criminalização de formas de resistência ao
capital.
Entretanto não é só de guerras que a produção destrutiva como parte da realização capitalista
se efetiva. Aliás, conforme Mészáros (2011c), pela primeira vez na historia o capitalismo
confronta-se com limites que não são resolvidos no plano militar. Embora essa seja ainda uma
ameaça constante, a obsolescência programada é outra manifestação da ânsia de realização da
mercadoria demarcando um desperdício generalizado e de produção de lixo, através do
crescente consumo de necessidades reais ou de necessidades historicamente criadas, na
condição de produtos descartáveis, de pouca duração. Processo esse que implica na extração
de recursos materiais que são finitos, impactando fortemente na natureza.
O ciclo de extração de mais valia do trabalhador que se inicia no processo produtivo, só é
completada na esfera da circulação da mercadoria, da realização da mercadoria. Se não
houver sua realização, o seu consumo, o capitalista definha diante da produção global de
mercadoria. Neste caso a contradição vivenciada por ele na relação produção-consumo
cotidiana de mercadoria, só é resolvida diante de um sistema de produção destrutiva e de
circulação rápida de novas mercadorias.
Para tanto, a administração das crises de superprodução com o obstáculo de pouca circulação,
assim como da “auto-destruição reprodutiva” é parte do sócio-metabolismo global do capital,
onde inclusive o Estado assume uma função de permanecer nos propósitos do sistema
intervindo “em todos os planos a vida social, promovendo e dirigindo ativamente o consumo

38
destrutivo e a dissipação da riqueza em escala monumental”, uma intervenção direta contínua
que mantém o capitalismo contemporâneo. (MÉSZÁROS, 2011c, p. 699-700)
Para manter este estágio do capitalismo, e sua diligência em aumentar as taxas de lucro, é
necessário insistir num padrão de produção de mercadorias e sua realização através do
consumo acelerado, tanto das necessidades reais e objetivas da existência e da sobrevivência
(como a alimentação, habitação, transporte, comunicação, etc), como as necessidades criadas
e do espírito (a tecnologia atualizada, massificada e rapidamente obsoleta, a arte, a felicidade).
A produção e sua realização – o consumo de mercadorias que se auto-destróem rapidamente
para estimular nova produção e nova circulação, exige maior extração de recursos da natureza
e sua conseqüente sua concentração nas mãos do capitalista. São estes recursos limitados. A
natureza é limitada para os padrões do capitalismo contemporâneo, e sua extração em massa
faz mudar rapidamente seus padrões de movimento causando várias das catástrofes
ambientais vivenciadas na atualidade. O metabolismo da produção destrutiva.
Neste sentido, uma conseqüência drástica da produção destrutiva é a “transgressão ecológica
global” (MÉSZÁROS, 2011c), que se caracteriza pela devastação da natureza e seus recursos
que são finitos sob a lógica da mercadoria, como os minérios, água, a biodiversidade, e a
própria terra.
Em se tratando de recursos naturais, a América Latina é um território extremamente rico, e se
analisamos sua função na economia mundial de produção de matéria prima e produtos
primários para a exportação, prontamente é possível fazer a relação de seu papel no
capitalismo contemporâneo que busca incessantemente de superar essa crise. Assim, a
expressão da crise estrutural na America Latina, para além das conseqüências no PIB e no
desenvolvimento das economias nacionais, é preciso destacar seu papel primordial como
território em disputa na busca de novas fontes de matéria prima, ou ainda de aceleração de
extração em fontes já exploradas.
Desta forma, partimos da análise que o campo na América Latina, assim como na África ou
Índia, tem um papel chave no que concerne à busca de novas fontes de mercadoria e sua
conseqüente extração de mais valor para a expansão capitalista. Isso não significa ausência de
alto grau de industrialização no continente. Pelo contrário, de maneira desigual, alguns países
com baixa industrialização, outros com média industrialização e outros ainda com alto grau de
industrialização (o que significa a produção industrial de meios de produção – maquinários).
Curiosamente, os países latino-americanos, como periferia do sistema, sem deixar de ser
agrário, se industrializou de maneira desigual (como o caso das diferenças entre Brasil e

39
Bolívia, por exemplo), mas de maneira geral uma industrialização sob a direção de produção
de bens primários para exportação.
Estes aspectos demonstram o papel determinante da geoeconomia na consolidação de
políticas nos governos nacionais na periferia. Recentemente, pudemos presenciar um
momento histórico de governos “progressistas” que como afirma Gudynas (2011) para o
investimento em políticas sociais para a população se pautaram no “novo extrativismo
progressista”. Onde as burguesias nacionais se desenvolveram especialmente sob a custa de
uma ampla extração de recursos naturais para o mercado mundial, subordinadas à demanda do
capital internacional, e subsumidas às políticas imperialistas de desenvolvimento. Podemos
citar no caso do Brasil, a Odebrecht, a Camargo Correia, entre outras. Paralelamente, os
últimos anos foram marcados pela grande incidência de atuação de empresas transnacionais
no ramo do agronegócio, do hidronegócio e da mineração nos países latino-americanos.
Desta forma, na geoeconomia e na geopolítica mundial, diante da crise estrutural do capital, a
América Latina assume um novo/velho papel no que diz respeito ao uso de recursos naturais
estratégicos para a acumulação. Nesse caminho, articulam-se políticas intensas de
deslocamento, expropriação e criminalização de comunidades camponesas, indígenas,
comunidades afro-descendentes, e outras formas tradicionais de organização da vida, dos
espaços e dos territórios de resistência à lógica geral capitalista.
Santos (2009), afirma que para compreender a produção do espaço e sua natureza, é
fundamental conceber a noção de totalidade. Partir da totalidade e como ela se apresenta neste
período de globalização para poder analisar sua relação com as particularidades dos lugares –
dos territórios específicos, e num caminho de vice-versa buscando identificar o papel da
divisão social do trabalho e dos grandes eventos. Para o autor “cada coisa nada mais é que a
parte da unidade, do todo, mas a totalidade não é uma simples soma das partes. As partes que
formam a totalidade não bastam para explicá-la. Ao contrário, é a totalidade que explica as
partes” (SANTOS, 2009, p. 115)
Assim, o espaço é uma parte do todo social, uma particularidade da sociedade global, da
sociedade em geral, “cuja historicidade, isto é, cuja realização concreta somente pode dar-se
no espaço”, e a sua atualidade, a dinâmica atual do espaço “deve ser vista como realização do
interesse objetivo do todo através de fins particulares” (SANTOS, 2009, p. 120-121). Neste
sentido, é possível analisar a função da América Latina na geoeconomia e na geopolítica
nestes tempos de crise estrutural do capital como uma re-significação de sua função no
processo colonizatório. O território imediato une historia-atualidade, e lugar-totalidade, e

40
nesse caso, esse territorio expressa hoje um papel na divisão mundial do trabalho como parte
de um longo processo de exploração e expropriação. (SANTOS, 2009)
Podemos afirmar assim, que há uma ligação direta entre a formação social, histórica e
econômica da América Latina com seu papel na atualidade em termos geo-econômicos e
geopolíticos. As funções de acumulação de capital na formação colonial, analisados por Rosa
Luxemburgo (1970), se reapresentam em tempos atuais em meio à crise estrutural do sistema
capitalista e sua ânsia por superá-la.
Neste sentido, o campo assume uma função muito precisa em meio à crise capitalista, a de
expropriação e despossessão de recursos naturais considerados estratégicos para este
momento. O depoimento coletado em entrevista com um dirigente campesino demonstra a
partir da análise de seu país, a dimensão deste impacto:

Eso ha permitido que el neoliberalismo se fortalezca en el campo y se halla generado


una ofensiva. Es decir, en Colombia vivimos una ofensiva del capital, es decir,
mientras que se dice que el capital está en crisis en el mundo entero, […], en
Colombia lo que uno ve es un re fortalecimiento del sistema capitalista, del sistema
neoliberal apoderándose del campo a como dé lugar. Apoderándose de las tierras,
expulsando la gente y saqueando todos los recursos naturales, entonces una de las
principales estrategias de ellos es el petróleo, sacar todo el petróleo y sacar los
minerales y apoderarse del agua. […] Entonces, eso es una cosa grave, una cosa
bastante difícil! (G.A., ASOCAMPO, Colômbia, Coordenação Nacional. Entrevista
realizada em setembro de 2017)

A crise para o capital, portanto, é retratada na busca por maior desenvolvimento. Como afirma
Carcanholo (2011), seria uma interpretação fatalista a de que uma crise estrutural seria uma
crise terminal. Sua expressão em 2007/2008 provocou efeitos nas “economias periféricas”
provocando redução de preços dos produtos exportados, assim como a desaceleração das
exportações nos países latino-americanos, o que coincidiu com um momento de ascensão dos
chamados governos progressitas. Uma “coincidência” que viria a ser fatal para a continuidade
dos mesmos, pois a base da política governamental, fundada no extrativismo e na produção de
comoditties, seria gravemente atingida.
Entre as formas que o capitalismo buscou sair da crise, segundo Carcanholo (2011) conjugam
três elementos que estão cada vez mais evidentes e caracterizam-se como o aprofundamento
das reformas neoliberais em busca de aumentar a taxa de mais-valia na dinâmica interna de
cada país: o aumento da exploração do trabalho acompanhado de redução de direitos
trabalhistas, arrocho salarial e prolongamento da jornada de trabalho sem correspondência
salarial; uma maior reforma do Estado com redução de gastos públicos e sociais (como a

41
reforma previdenciária), associada à privatização; e por fim, canalização de orçamentos
públicos para atuação no mercado financeiro e “salvamento” de instituições financeiras.
Enquanto isso, no campo, a expropriação de terras com interesses minerários, o aumento da
concentração de terra para a produção de comoditties agrícolas, a criminalização de
movimentos sociais que lutam pela reforma agrária, e a destruição da biodiversidade.
Assim, de modo geral, a “saída” proposta em curso ocasiona maior taxa de desemprego e
exploração do trabalho, a precarização ainda maior dos serviços públicos, e a
desterritorialização de indígenas, quilombolas, e camponeses e outras formas comunitárias de
vida no campo.

1.2. GEOPOLÍTICA DOS RECURSOS ESTRATÉGICOS NA AMÉRICA LATINA


Partimos do pressuposto que são considerados recursos naturais estratégicos para o capital: a
terra, a água, os minérios, petróleo e gás natural, as florestas, a biodiversidade, o oxigênio e as
sementes.
Para Ceceña (2009) a crise sistêmica do capitalismo exige uma mudança de estratégia no
modo de dominação e que “abarca todas las dimensiones de la organización social, territorial
y política del sistema”, sobretudo no que diz respeito as condições de valorização do capital.
É, portanto, parte da estratégia do poder hegemônico a construção de uma infra-estrutura
continental de comunicação, geração de energia, e de circulação ágil de mercadorias que
permita integrar as economias regionais ao mercado mundial. Projeto este relacionado à
mercantilização total da natureza em dimensão planetária de exploração. (CECEÑA, 2009)
Um exemplo é o caso do ritmo acelerado de extração de minério de ferro realizado pela
empresa Vale do Rio Doce, que através de linhas férreas de alta tecnologia, carrega para fora
do país toneladas de matéria prima a cada ano. O nível de exploração do território Latino-
americano sob a demanda mundial do capital e sua multiplicação de lucro, está muito acima
da necessidade real da população do mundo, mas pela lógica do capital o saqueio dos recursos
estratégicos presentes neste território são acelerados por rotas de integração como o caso do
Plan Puebla Panamá (entre América Central e o sul do México), e da Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IRSA). (CECEÑA, 2009)

42
A IIRSA, criada oficialmente no ano de 2000, produziu centenas de projetos buscando
integrar os setores de transporte, comunicação e energia24, envolvendo governos dos países
sudamericanos articulados ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a
Coorporação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da
Bacia do Rio da Prata (FONPLATA), o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), entre
outras instituições.
Dentre os eixos de integração e “desenvolvimento”, Ceceña (2009) aponta que 44 projetos
estavam destinados à região amazônica, 21 são destinados a obras fluviais, 12 a estradas, 3
marítimos, 5 para transporte aéreo, 1 para adequações fronteiriças e 2 para interconexão
energética a partir do Rio Madeira, afluente do Rio Amazonas.
Petróleo, gás, minerais dos mais diversos, pedras preciosas, biodiversidade, mata nativa, água
doce em formas de rios e reservas, “ar puro”, produção agrícola e agropecuária em escala
industrial, produção de commodities, produção química. Todos estes, visados pelas rotas da
IIRSA, na busca de assegurar a extração em cada uma das regiões de maneira articulada,
vinculando interesses locais, nacionais e transnacionais, articulando governos e empresas.
No caso do Brasil podemos citar algumas empresas que tem forte envolvimento com projetos
de integração como o IIRSA. São elas: Odebrecht, Petrobrás, Andrade Gutiérrez, Companhia
Vale do Rio Doce, América Latina Logística (ALL), e General Eletric (GE). Estas, vinculadas
na construção de rodovias, ferrovias, hidrovias, represas entre outras.
Segundo Ceceña (2009) a empresa mais favorecida pela IIRSA neste período foi a Odebrecht,
uma empresa de engenharia e construção. Neste ano, a empresa tinha investimentos nos
seguintes países: Brasil, México, República Dominicana, Costa Rica, Panamá, Venezuela,
Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Destacamos abaixo um mapa produzido pelo Observatório Latino-americano de Geopolítica25
que demarca a presença da Odebrecht no continente em relação à IIRSA (CECEÑA, 2009).

24
Informações retiradas do site da IIRSA. Disponível em: http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=108
Acesso em outubro de 2018.
25
O Observatório Latino-americano de Geopolítica é localizado México. Disponível em:
http://www.geopolitica.ws/ Acesso em fevereiro de 2018
43
Mapa 01 - Presença da Odebrecht no Continente em relação à IIRSA26

Mapa produzido por Ana Esther Ceceña e Rodrigo Yedra no Observatório Latino-americano de Geopolítica
em novembro de 2012

As empresas Odebrecht, Aracruz Celulose e Votorantim, originalmente brasileiras, estão entre


as 500 maiores do mundo segundo reportagens nas revistas “América Economia”27, “Revista
Fortune”28 e a Revista Exame.
Ainda, como rota de transporte de mercadorias é importante mencionar a construção do Canal
de Nicarágua ligando os oceanos Pacífico e Atlântico como uma alternativa mais moderna
que o Canal do Panamá (1914). O primeiro com cerca de 30 metros de profundidade e 230 a
520 metros de largura usando o grande lago de Nicarágua, e o segundo já com 13, 7 metros de
profundidade, e 90 a 300 metros de largura. O projeto, sob financiamento Chinês (empresário
Wang Jing), provocaria imensos problemas ambientais e territoriais pela necessidade de
desapropriação de imensa quantidade de terras. Daniel, Ortega presidente da Nicarágua,
renovou em abril do ano de 2017 a licença ambiental para a efetivação da ligação
interoceânica, embora as obras ainda não tenham sido iniciadas.

26
Neste mapa, além de apontar os projetos de inversão da Empresa Odebrecht são também identificadas as rotas
da IIRSA com as cores verde, azul e lilás. Sobre estas rotas, há maior detalhamento em CECEÑA (2007).
27
A América Economia on-line encontra-se Disponível em:
https://www.americaeconomia.com/search/mayores%20empresas%20de%20america%20latina . Acesso em
setembro 2018.
28
A Revista Fortune on-line (espanhol) encontra-se disponível em: https://www.fortuneenespanol.com/ ; e em
inglês disponível em: http://fortune.com/ Acesso em 2018.
44
No caso da extração de petróleo e gás, segundo Ceceña (2009) as principais empresas são:
Exxon, Royal Dutch, British Petroleum, Chevron, CONOCO-Phillips, ENI, Petrobras,
Repsol-YPF, SK, Occidental Petroleum, Lukoil, EnCana y Oil and Natural Gás. Empresas
estas que se encontram em todas as regiões do Continente e demandam de projetos de
integração para a circulação das mercadorias.
E, muito embora o projeto IIRSA já esteja em decadência a partir de novos projetos
extrativistas imperialistas bem mais agressivos, essas empresas continuam em vigor. Algumas
delas, beneficiárias dos processos de integração, precisavam ser retiradas do jogo na
concorrência imperialista mundial. Podemos dizer que o caso da Odebrecht, e mais
atualmente da exploração do Pré-Sal da Petrobrás são emblemáticos.
Os projetos de integração na América do Sul como IIRSA intensificado durante os governos
populares e progressitas são substituídos por Transatlantic Trade and Investment Partnership
(TTIP) e Tratado Trans-Pacífico (TTP), acompanhados do Trade in Services Agreement
(TISA), que “impõe regras internacionalistas, com hegemonia absoluta dos Estados Unidos”.
(PINASSI; DUARTE, 2016)29
Diante da ameaça à hegeomonia geopolítica estadunidense pelos BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), EUA com a finalidade de manter sua posição é um dos
principais articuladores dos três tratados comerciais, com negociações que vão para além da
das reduções tarifárias, com cláusulas confidenciais e com a presença de representantes das
grandes multinacionais. Uma “injeção de neoliberalismo. Segundo Parra (2015)30, o Chile tem
sido membro impulsionador do TTP e TISA, apesar dos alertas dos prejuízos. Estes incluem
propriedade intelecutal, biotecnologia, produtos farmacêuticos, etc. Informações que só
vieram a público com as revelações de Wikileaks em 2015.
Nascimento (2017)31 afirma que as negociações do TISA iniciaram formalmente em 2013, e
que foram constituindo-se como um espaço paralelo à OMC, afim de agilizar acordos não
apenas no setor de serviço como o TISA mas como em bens (TTIP), e de criar um quadro de

29
PINASSI, Maria Orlanda; DUARTE, Felipe Augusto. Expansão do capital e crise estrutural no Brasil
Reflexões sobre a reestruturação política e a crise social. Herramienta: Revista de Debate e Crítica
Marxista. Buenos Aires, Argentina: Herramienta, 12 de maio de 2016. Disponível em:
https://herramienta.com.ar/articulo.php?id=2535 Acesso em fevereiro de 2018. Artigo também disponível
em: http://passapalavra.info/2016/05/108248/
30
PARRA, Francisco. TPP, TTIP, TISA: A estratégia dos EUA para manter sua hegemonia sobre o mundo.
Tradução de Victor Farinelli. Revista Carta Maior. On-line: 08/10/2015. Disponível em:
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/TPP-TTIP-TISA-A-estrategia-dos-EUA-para-
manter-sua-hegemonia-sobre-o-mundo/6/34686 . Acesso em fevereiro de 2019
31
NASCIMENTO, Dimitri Felix do. TISA/TTIP/TPP and the Exclusion of the BRICS: The possibles impacts in
Brazil TISA/TTIP/TPP y la exclusión de los BRICS: Los posibles impactos en Brasil. Contexto
Internacional. Año 17. N. 43. Junho. Dezembro de 2017. P. 13 a 22.
45
desregulamentação contínua de tarifas e fortalecimento de empresas mais competitivas,
transporte marítimo internacional, serviços de telecomunicações, etc – aspectos importantes
para o comércio internacional. A eleição de Donald Trump faz do futuro da TTIP e TTP um
mistério, podendo até sair do acordo. O Brasil com o empeachment de Dilma Roussef tem se
alinhado ao bloco EUA/União Européia. Um quadro muito mais incisivo de neoliberalismo.
No ano de 2010, das 500 maiores empresas da América Latina, 226 eram de capital
originalmente brasileiro (14 a mais que em 2008), representando 45% do total de corporações,
e obtendo um aumento de 42% em venda. Em relação às petrolíferas, desde 2010, a brasileira
Petrobrás com seus US$105.000 milhões de venda foi oficialmente a maior empresa da
América Latina, superando a PEMEX (Mexicana) e PDVSA (venezuelana)32.
Em relação aos minerais que formam parte da estrutura básica de vários processos produtivos,
a América Latina é um dos territórios que contempla maior diversidade e abundância. A
mineração em larga escala neste continente é gerenciada por empresas como Anglo American,
BHP Billinton, Río Tinto, Vale do Rio Doce, Xstrata y Nippon Mining Holdings. (CECEÑA,
2009).
Outras tantas empresas transnacionais atuam em diferentes áreas como, por exemplo, agro-
combustíveis e de áreas florestais (produção de celulose), abrem novos caminhos para o neo-
extrativismo e domínio dos recursos naturais estratégicos na América Latina, impulsionando a
mercantilização e exploração desenfreada da natureza.
Carvajal (2016) realiza um importante estudo sobre os impactos do extrativismo na vida das
mulheres latino-americanas, especialmente as indígenas e afro-descendentes. Entre os muitos
impactos, destaca a precarização do trabalho, a perda da autonomia econômica, a violência
intra-familiar, a violência sexual, o fortalecimento de redes de prostituição e escravidão
sexual, vulnerabilidade em relação ao direito à terra, à água e ao direito à alimentação, a perda
da soberania alimentar, a vulnerabilidade dos direitos à saúde e de participação em assuntos
do meio ambiente.
As explorações de maneira geral são levadas por empresas privadas transnacionais que
demandam alto índice de abastecimento energético e hídrico, contaminação de solos e fontes
hídricas causando a perda da biodiversidade. Além disso, as fontes de trabalhos assalariado
nesses processos são ocasionais, reduzidos e temporais (CARVAJAL, 2016, p. 10-12)

32
Essas informações encontram-se na Revista América Economia. Disponível em:
https://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/muito-obrigado-brasil-domina-el-ranking-de-las-
mayores-empresas-de-america-latin Acesso em outubro de 2018.
46
O agronegócio tomou uma avassaladora força a partir dos anos 2000, estendendo-se
especialmente no cultivo de soja, e agrocombustíveis através de transnacionais. Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai foram alvos desta investida articulados a o impulso em escala
mundial de um pacote tecnológico de sementes transgênicas, de herbicidas, e pesticidas (em
geral todos controlados pela mesma empresa). No ano de 2013, Colômbia, somente atrás do
Brasil era a segunda colocada na America Latina como exportadora de agrocombustíveis.
(CARVAJAL, 2016, p. 20)
Todos estes processos são acompanhados pela reconfiguração dos marcos jurídicos que
facilitam os investimentos na exploração dos recursos naturais estratégicos, como o caso de
leis de mineração, códigos florestais entre outros. Assim como de projetos de militarização
para controle do território que vão desde a implantação de bases militares estadunidenses em
diversos pontos estratégicos do continente, até as relações cotidianas entre empresas e grupos
paramilitares, como o caso de Ecopetrol, Pacific Rubiales, Metapetroleum, Glencore y
Amerisur Exploraciones Colombia. (CARVAJAL, 2016, p. 29)
Situações estas que marcam a vulnerabilidade dos direitos humanos como, por exemplo:
prisões ilegais e massivas; violência sexual contra as mulheres presas, às mulheres das
comunidades e ativistas; despejos violentos; agressões e perseguições a ativistas; violação ao
direito de protesto e livre expressão; desaparição forçada, massacres, entre outros.
(CARVAJAL, 2016, p. 29)
Carvajal (2016) organiza um importante quadro a respeito de legislação que facilita o neo-
extrativismo às empresas transnacionais e por outro lado apresenta uma maior incidência do
controle militar destes territórios. Segue Abaixo:

47
Tabela 03 – Legislações que Favorecem o Neo-extrativismo na América Latina
País Instrumento Implicações
Colômbia Lei 1453 de 2011 Cria o delito de obstrução de vias públicas que afetam a ordem pública.
Dá campo a judicialização em contextos de protestos pacíficos.
Bolívia Lei 357 de 2013 Contra “avassallamientos mineros”. Penaliza até 8 anos de prisão a
quem impedir a exploração de minérios.
Lei de Mineração e Penaliza as ações coletivas de indivíduos que impeçam a atividade
Metalurgia de 2014 mineira
Paraguai 2009 Se recrudesce a criminalização de protestos campesinos com o
aumento de penas de 2 a 5 anos por delito de invasão em propriedades
alheias
Guatemala Lei de Ordem Pública Permite a declaração de estado de prevenção, sítio e exceção
(Decreto 7-1965)
Lei de Túmulos de Pretende a proibição de protestos pacíficos, especialmente de povos
2014 indígenas e contra a mineração.
México Promulgação de 4 Recorte de direitos a liberdade de expressão e reunião, a protestos
leis e, 2014 sociais. Outorga faculdades extraordinárias as autoridades para impedir
e reprimir manifestações
Peru Lei 30151 Absolve as forças armadas frente a agressões físicas e vítimas mortais
em contextos de protesto social

Fonte: (CARVAJAL, 2016, p. 27)

No caso do Brasil podemos citar o novo código florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de
2012), reduzindo faixas mínimas de preservação previstas pelas Áreas de Preservação
Permanente, assim como as medidas provisórias a partir que a partir de 2017 incidem no
código minerário.
Quanto às bases militares estadunidenses, Ceceña (2013) identifica 39 bases militares fixas e
mais 46 bases militares itinerantes dos EUA, ademais de tentativas de Golpe de Estado,
ameaças de intervenção estadunidense, e acordos bilaterais em matéria de defesa. A autora
afirma que o Golpe de Estado em Honduras no ano de 2009 permitiu travar os avanços
logrados até então pela Alternativa Bolivariana para los pueblos de Nuestra América (ALBA),
protagonizado por Hugo Chavez na Venezuela, como também realocou Honduras como
“epicentro de las actividades estadunidenses en la región Centro América” (CECEÑA, 2013,
p. 18). Ainda há que recordar o Golpe de Estado no Paraguai no ano de 2012 que ocorre
proximamente ao massacre de camponeses em Curuguaty33. A autora chama essas ações de
militarização da América Latina.
Depois de uma seqüência de governos populares e progressistas eleitos, como o caso de Hugo
Chavez na Venezuela (1998), Lula da Silva no Brasil (2002), Evo Morales na Bolívia (2005),
Manuel Zelaya em Honduras (2005), Rafael Correa no Equador (2006), Fernando Lugo

33
Em 15 de junho de 2012 ocorre um confronto entre policiais e camponeses mediante conflito por terra.
Morreram 17 pessoas, sendo 11 camponeses e 6 policiais. Franco-atirados iniciam os disparos.

48
(2009), uma leva de tentativas de desestabilização desses governos ocorre. Como foi o caso
da: tentativa de golpe contra Hugo Chávez (2002), derivado de uma greve de trabalhadores da
PDVSA, opositora ao governo – que dá margem a sua posterior nacionalização; a tentativa de
golpe de estado na Bolívia (2008) articulada por um grupo de separatistas da região de Santa
Cruz, Tarija, Beni e Pando; a destituição de Manuel Zelaya em Honduras (2009); destituição
de Fernando Lugo no Paraguai em junho de 2012 mediante um golpe parlamentário; a
incidência maior de grupos de oposição na Venezuela com a finalidade de desestabilizar o
país atrás da morte de Hugo Chavez e a eleição de Nicolás Maduro; o golpe no Brasil em
2016, com o impeachment da Presidenta Dilma Roussef e ações impetradas pelo judiciário.
Processos esses que constituíram novos campos de batalhas. O que foi se constituindo como
um conjunto de governos com políticas neodesenvolvimentistas, calcadas no neo-extrativismo
para o desenvolvimento de políticas sociais de combate ao desemprego e à pobreza, torna-se
agora um entrave para a aceleração de acumulação de capital em tempos de estopim da crise
estrutural do sistema.
As intervenções em países latino-americanos ocorrem já há mais de 150 anos por parte dos
EUA, e nos últimos anos provocaram confrontações geopolíticas com os evidentes objetivos
de: frear a consolidação de organismos regionais como UNASUR, ALBA, Petrocaribe, Banco
del Sur; frear governos latino-americanos que buscavam recuperar as demandas indígenas,
campesinas e de urbanos pobres; e promover a desinformação e a desestabilização na região
através de meios de comunicação privados. (YEDRA In ALAI, 2014, p. 18-19)
Com estas considerações introdutórias, organizamos abaixo uma breve compilação de
informações e análises a respeito dos conflitos por recursos estratégicos para o sistema de
capital na América Latina.

1.2.1 A Terra
A propriedade da terra, como direito sagrado, é um dos recursos estratégicos que de longa
data é parte de guerras e conflitos. Nos diferentes modos de produção se constitui como
sinônimo de poder e de dominação. Nos marcos do sistema capitalista, os processos de
expropriação, despossessão, renda fundiária, concentração da terra, do mercado de terras até
suas formas mais atuais como a estrangeirização, configura-se motivação de intermináveis
conflitos entre camponeses, indígenas e demais comunidades tradicionais que resistem, e por
outro lado, latifundiários, empresas nacionais e transnacionais articuladas às políticas
governamentais de financiamento.
49
Impossibilitados de ter acesso aos meios de subsistência e da reprodução a vida estes
trabalhadores que vivem no e do campo, com a intensificação das políticas neoliberais a partir
da década de 1990, sofreram impactos que agravaram sua situação de pobreza rural.
Para VAN DAM (1999), a questão o mercado de terras que a partir da década de 1990 foi
liderada pelas políticas do Banco Mundial, favoreceu sua concentração, a expulsão de
camponeses e a depredação ambiental. Sobre a tenencia de la tierra na América Latina, uma
sistematização realizada entre as décadas de 60 e 80 registra quatro grandes categorias: as
públicas que se configuram como áreas de segurança nacional, áreas protegidas, terras fiscais,
terras urbanas ou de infra-estrutura; as terras privadas que se configuram como latifúndios,
empresas agropecuárias, inversões imobiliárias, pequenos produtores, camponeses de
subsistência; as terras comunais que se configuram como comunidades campesinas,
cooperativas agrárias e territórios indígenas; e os sem terra conformado pelos pequenos
arrendatários, parceiros, meeiros, ocupantes “ilegais”, jornaleros ou diaristas, entre outros.
(VAN DAM, 1999)
Os conflitos agrários na América Latina se intensificam com o controle das grandes empresas
gerenciando os processos produtivos que agora deveriam buscar alta rentabilidade no menor
espaço de tempo possível. O mercado de terras, numa visão hegemônica no continente,
permitiria criar a “segurança quanto aos direitos de propriedade” e reatribuir a terra um papel
de investimento no mercado financeiro, processo esse que influenciou nos preços e nas
políticas de crédito para produção nos diferentes países. (VAN DAM, 1999)
As políticas de reforma agrária impulsadas pelos ajustes macro-econômicos do FMI e Banco
Mundial na América Latina previram entre outras questões a titulação da terra (onde os
direitos sobre ela permitiriam sua reinserção no mercado, sendo compradas novamente pelos
grandes investidores), e os impostos sobre a propriedade, onde não raro pequenos camponeses
precisaram vendê-la ou parte dela pra pagamento de impostos. (VAN DAM, 1999)
Tragicamente as terras comunais cambaleando na ambigüidade da escassez de recursos e
créditos para a sobrevivência, e, uma crescente debilidade de organização frente às
imposições econômico-políticas do capital, as fazem vivenciar situações bastante
contraditórias, como por exemplo, casos de comunidades tradicionais quilombolas no Brasil
que arrendam parte de suas terras para grandes transnacionais de celulose. Ou ainda a
constante ameaça de reconfiguração de terras indígenas e quilombolas revendo ou atrasando
processos de demarcação destes territórios.
As áreas de “proteção ambiental” sob um conceito de conservação da natureza sem gente
impedem a coexistência de comunidades tradicionais que se utilizam do manejo das florestas
50
para sua subsistência de maneira ecológica. Esse processo submete vários ecossistemas a
projetos de privatização, que são cercados em forma de parques ambientais que cobram a
visitação pontual. Muitas comunidades quilombolas ou pescadoras nas regiões litorâneas são
atingidas por esse processo, inclusive com integrantes levados à prisão quando circulando em
área de “reserva ambiental”. A contradição é escancarada nos casos em que estas
comunidades são impedidas de produzir nestas áreas (em pequena escala, geralmente para sua
própria subsistência) por um lado, e por outro, a venda e concessão de uso do Estado para
grandes empresas de infra-estrutura com a finalidade de abrir estradas e portos para circulação
de mercadorias.
PEREIRA (2017) realiza um importante estudo sobre as políticas do Banco Mundial para a
América Latina a partir da década de 80. Nele, apresenta dados sobre os empréstimos
realizados aos diferentes países do continente para o ajuste estrutural e impulsionamento da
liberalização das economias nacionais através de uma agenda comum batizada de “Pós-
Consenso e Washington”. Sua ênfase ocorre a partir crise da dívida externa de 1982 com o
endividamento de bancos americanos, que passam a organizar uma série de mecanismos e
políticas econômicas aos países devedores. Quando México declara moratória da dívida
externa, em 1982, os bancos internacionais privados interrompem “linhas de créditos aos
países latino-americanos.
Nesta agenda, a liberalização do comércio alinhado ao mercado internacional necessitava da
diminuição das tarifas de proteção; “promover a especialização produtiva” expandindo as
exportações primárias; corte de gastos da máquina administrativa estatal; redução e
eliminação de subsídios ao consumo popular; “reorientação da política social para saúde e
educação”; entre outras. (PEREIRA, 2017, p. 404)
Em meados da década de 1990, com os níveis crescentes de desemprego, pauperização e
concentração, revela-se uma alta de Organizações não Governamentais (ONGs) que
assumiam funções antes desempenhadas essencialmente pelo Estado, assim como uma
“internalização do combate à pobreza”. E após o “11 de setembro de 2001”, o governo
estadunidense organiza uma agenda de segurança internacional pautada na guerra preventiva
“contra o terrorismo” e na “promoção de democracias de mercado”. (PEREIRA, 2017, p. 406)
Na sistematização preparada por Pereira (2017) sobre os empréstimos do Banco Mundial
realizados entre os anos de 1992 e 2014, na maioria dos anos a região da América Latina e
Caribe está num percentual acima de 20, visivelmente maior que outras regiões do Mundo.
No que se refere aos empréstimos por setor, entre os anos de 1993 e 2014 os recursos

51
estratégicos que estiveram na mira foram: gestão de naturais e ambientais; desenvolvimento
rural; agricultura, pesca e florestas; energia e mineração; e, transportes. (PEREIRA, 2017)
Sobre as políticas de Reforma Agrária de Mercado impulsionada pelo Banco Mundial, Pereira
e Farjado (2015) realçam importantes análises, especialmente entre os anos de 1995 e 1998,
que consistia na liberalização dos mercados de trabalho, terra e crédito, por meio de mudanças
nas legislações vigentes. Visava a mercantilização total no acesso a terra, com a finalidade de
elevar a sua produtividade, atrair o capital privado e favorecer o “livre fluxo da força de
trabalho no campo”. O Banco passou a publicar documentos que embasariam a formulação de
políticas agrárias, articular apoio político e financeiro de agências bilaterais e articular em
diversos países, como no caso de Brasil, Guatemala e Colômbia, seminários com grupos de
pesquisadores, integrantes do governo, diretores de ONGs e lideranças sindicais com o
objetivo de pautar a gestão da política agrária. (PEREIRA; FARJADO, 2015).
Política esta que orientava para os seguintes objetivos: estimular o arrendamento de terras;
potencializar a compra e venda; acelerar a privatização de terras públicas e comunais,
estimulando assim o capital privado para a economia rural e o fortalecimento de mercados
financeiros rurais. A Reforma Agrária de Mercado (RAM) buscava assim substituir as
reformas agrárias distributivas fundadas nas desapropriações de terras que não cumpriam com
a função social, o que certamente não buscou resolver a exploração e a pauperização dos
sujeitos coletivos trabalhadores do campo. (PEREIRA; FARJADO, 2015). Os autores
resgatam um relatório do Banco Mundial, publicado em 2003 que sistematiza as reflexões
sobre os motivos desta política agrária:

[...] a criação de mecanismos voltados para evitar ou reduzir o impacto de disputas


sobre a posse e a propriedade da terra rural, argumentando não apenas que muitos
dos conflitos políticos mais importantes vividos por diversas sociedades no século
XX tiveram raízes em lutas por terra (por exemplo, Guatemala, Colômbia e El
Salvador), mas também que a resolução de conflitos agrários havia sido crucial para
viabilizar os acordos de paz que puseram fim a longas guerras civis (por exemplo,
Moçambique, Etiópia, Camboja e Nicarágua. (PEREIRA; FARJADO, 2015, p. 3)

Ainda no que diz respeito ao mercado de terra, intensificaram-se as estrangeirizações ou


acaparamiento, assim como a ação de empresas transnacionais no continente.
A estrangeirização de terras ou acaparamiento configura-se pela aquisição de terras por
estrangeiros. Segundo Oliveira (2010), no Brasil, a partir da ditadura civil-militar que abortara
o projeto de reforma agrária de João Goulart, foi intensificada a estrangeirização de terras no
país – processo esse que derivou na CPI da aquisição de terras por estrangeiros plasmada no
Relatório Velloso. Relatório esse que indica um intenso processo de corrupção entre 1964 e
52
1970, e comprovando o envolvimento de inúmeros brasileiros funcionários das instituições
em aquisição de terras por estrangeiros, especialmente na Amazônia, mas também nos estados
de Goiás, Maranhão, Pará, Bahia, Mato Grosso e Roraima. Mais de “20 milhões de hectares
de terras brasileiras, a maioria na Amazônia (mais de 15 milhões de hectares) estavam
transacionados com grupos estrangeiros. (OLIVEIRA, 2010, p. 10)
O “Relatório Velloso” aponta também os métodos e processos de aquisição de terras por
estrangeiros em três tipos diferentes: compra a antigos proprietários ou posseiros; requisição
de terras devolutas aos governos estaduais; e a grilagem. Um caso expoente foi o Projeto Jari,
um dos maiores proprietários estrangeiros da Amazônia e que teve o Major Heitor de Aquino
Ferreira como diretor da empresa. Ou ainda como o caso veiculado em matéria de jornal que
alinhavava uma série de fatos do envolvimento governamental com a equipe "Bureau of
Reclamation", órgão do Departamento do Interior dos EUA, que pela solicitação da Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e da Comissão
Interestadual dos Vales do Araguaia e Tocantins (CIVAT), contava com um grande acervo
aerofotogramétrico para uso secreto do governo brasileiro, mas aberto aos norte-americanos.
(OLIVEIRA, 2010, p. 11-13)
Ainda no caso do Brasil, a legislação que vigora sobre a aquisição de terras por estrangeiros é
a Lei n. 5709 de 07/10/1971, indicando que a soma dos imóveis rurais de propriedade de
estrangeiros “não pode ultrapassar a quarta parte da superfície de um município e, uma
mesma nacionalidade tem limitada o acesso à terra em 10% da área de um município”.
Somada ao plano neoliberal encabeçado por Fernando Henrique Cardoso que removeu todos
os “preceitos legais” que permitiram a livre circulação de capital mundial, revoga o artigo 171
da Emenda Constitucional n. 06 da Constituição Federal de 1988 abrindo ao entendimento de
que “pessoa jurídica brasileira cujo capital societário, mesmo que participe pessoa estrangeira,
com qualquer percentual, seja física ou jurídica, não necessita requerer autorização para
adquirir imóveis rurais no território nacional”. Um parecer que vigorou até 2010 quando pela
substituição do “Parecer CGU/AGU Nº 01/2008-RVJ/10” passa ao INCRA o controle de
terras adquiridas por estrangeiros. (OLIVEIRA, 2010, p. 18)
De todas as formas, com os dados de 2008, indicavam a existência de 33.219 imóveis de
propriedade de estrangeiros, sendo que numa redistribuição regional “a Amazônia Legal ficou
com 35,4% da área ocupada por esses imóveis; a região Norte 14,0%; Nordeste 13,8%;
Centro-Oeste 37,2%; Sudeste 23,1%; e Sul 11,9%”. (OLIVEIRA, 2010, p. 21)
O caso do acaparamiento de terras, também é bastante evidente em outros países da América
Latina. Com empresários brasileiros comprando terras principalmente na Bolívia, Colômbia e
53
Paraguai, estreitamente vinculados à produção de soja e grãos (trigo), bio-combustíveis (cana-
de-açúcar), produtos de exportação tradicionais como açúcar, café e frutas tropicais, produtos
florestais (matéria prima para madeira e celulose). (BAQUERO; GÓMEZ, 2014). Como
afirmam os autores, o acaparamiento de terra ocorre em diferentes regimes de propriedade
(privada, estatal e comunal):

En muchos casos, la concentración no está ligada a la concentración de la tenencia


de la tierra, sino más bien al uso de la misma. Si bien en algunos países se observan
grandes transacciones de tierra, en muchos casos la concentración está más ligada al
uso de tierra que a la transferencia de títulos. Los productores se convierten en
arrendatarios de las grandes empresas, o practican agricultura de contrato. Ejemplos
de este fenómeno son los “pools” de maquinaria en la Argentina y la producción
pecuaria en el Brasil. Otro caso notable es México, donde existen fuertes
restricciones para el mercado de tierras. Sin embargo, hay una concentración
importante en algunos rubros, como fruta o café, dominados por pocas empresas de
capitales extranjeras.
Problemas asociados con los fenómenos de concentración y extranjerización en la
región. Hay un creciente consenso de que los fenómenos de concentración y
extranjerización de la tierra generan problemas en los países de la región en varias
dimensiones: en lo político, económico, ambiental y social. (BAQUERO; GÓMEZ,
2014, p. 12-13).

Segundo a sistematização realizada por BAQUERO e GÓMEZ (2014) os países latino-


americanos com elevado investimento estrangeiro em terras recentemente são: Argentina,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, México, Nicarágua,
República Dominicana e Guiana. Dentre estes, apenas Argentina e Brasil há maior evidencia
de acaparamiento de terras por parte de estrangeiros que em geral dedicam-se ao setor de
soja, gado, cana-de-açúcar, trigo, fruta e aves. Ainda, destacam-se outros países latino-
americanos com grandes investimentos em terras de outros países da região. É o caso do já
mencionado Brasil, da Argentina, Chile, Colômbia, Panamá, México e Costa Rica.
(BAQUERO; GÓMEZ, 2014)
O acamparamiento de terras, assim como a (re) concentração da terra se dá e dois grandes
setores: commodities e setores não alimentários, aos quais de maneira geral a América Latina
vem respondendo às demandas mundiais. Também o aumento de demandas minerais e outras
matérias primas básicas como a madeira. Estudos mostram um aumento de superfície
destinada ao cultivo de soja, cana-de-acúcar e palma azeiteira entre os anos e 1994 a 2009.
(BAQUERO; GÓMEZ, 2014, p. 32-44)
Em gráfico sobre a estrangeirização da produção agropecuária no Paraguai em 2011, percebe-
se que quanto maior a propriedade em hectares, o investimento brasileiro em produção de

54
soja, milho e gado são maiores que dos empresários do próprio Paraguai. (BAQUERO;
GÓMEZ, 2014, p. 144)
Em gráficos produzidos por Land Matrix no ano de 2016, (ANDRADE e SOUSA; LEITE In
EI, 2017) apresentam que da totalidade de produção agrícola em contratos transnacionais na
África: 44% era produção não alimentícia, apenas 8% de produção alimentícia, 12 % de grãos
flex, e 36% para múltiplos usos. Outro dado interessante é que entre os principais países
investidores em 2017 em acaparamiento de terra são: Estados Unidos em primeiro lugar com
138 contratos totalizando uma área de 9.908.600 hectares; em quarto lugar o Reino Unido
com 125 contratos totalizando 2.335.163 hectares; e em quinto lugar o Brasil com 40
contratos totalizando 2.325.542 hectares. (ANDRADE e SOUSA; LEITE In EI, 2017, p. 21 e
22)
O caso brasileiro da região MATOPIBA (formada pelos Estados do Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia) como uma nova fronteira agrícola da soja que já atingia Bahia e Maranhão no
final da década de 90, chega de maneira muito mais aprofundada até o Piauí e Tocantins.
Nela, aponta o alto e privilegiado investimento de diversas transnacionais após a crise de
2008, pelo baixo custo de formação de fazendas através dos processos de grilagem de terras e
a alta do preço da terra nos últimos anos. Fatos esses que fomentaram a alta procura por
transnacionais para a produção de commodities. Segundo os autores, a crise econômica de
2008 gerou uma mudança no perfil do agronegócio no Brasil com aumento considerável de
empresas transnacionais nos vários setores, não somente agrícolas, mas também financeiros.
(PITTA In EI, 2017, p. 155-175)
Para Raul Ornelas (2010) as empresas transnacionais são pilares da hegemonia estadunidense,
e também “de manera descarada” raiz de muitos conflitos sociais pelo seu papel orientador de
acumulação de capital. Segundo estudos do autor mais de 78 mil empresas transnacionais
neste período contam com 780 mil filiais em todo o mundo, aumentando gradativamente entre
1982 e 2006 os ingressos e exportações. As empresas transacionais foram responsáveis por
5,5 do PIB mundial no ano de 1982, 6,8% no ano de 1990, 4,8% no ano de 1995 e de 10,1%
no ano de 2006. (ORNELAS, 2010, p. 108.)
Os dados compilados pela UNAM34 sobre as empresas transnacionais indicam que entre os
anos de 1994 e 2014, num percurso de 10 anos, houve um aumento de lucro nos setores de
Alimentação/Produção de 20,673 milhões de dólares para 65,031 milhões de dólares, e na
mineração/petróleo cru, de 819 milhões de dólares para 27,049 milhões de dólares. Quanto ao

34
Dados encontrados no site: http://estadisticas.let.iiec.unam.mx/actividades/ingreso . Acesso em 02 de março de
2018
55
número de empresas transnacionais por atividades houve uma diminuição entre 1994 e 2014
de 22 para 16, o que revela uma concentração nos monopólios do ramo. Vale ressaltar
também que quanto aos bancos transnacionais houve uma diminuição de 61 para 55 no
mesmo período. Em contrapartida, na Mineração e petróleo cru um aumento de 2 para 25.
Aranda (2017)35 afirma que, a partir de pesquisas realizadas pela ONG Internacional Oxfam, a
América Latina é a região de maior desigualdade no mundo em termos de distribuição de
terra, processo esse que tem relação com avanço da mineração, da extração do petróleo, do
agronegócio e agroflorestal, o que tem ocasionado uma “crise de direitos humanos na região”.
Entre os países do continente, a Colômbia é apontada como país de maior desigualdade, com
0,4% das explorações agropecuárias dominando 68% das terras no país. E afirma que:

Sigue Perú, donde el 77 por ciento de la tierra está en manos del 1 por ciento de
estancias. Le siguen Chile (74 por ciento) y Paraguay (71). En Bolivia el 1 por
ciento de las chacras maneja el 66 por ciento de la tierra, y en México el 56 por
ciento. En Brasil, el 44 por ciento del territorio agrícola es para el 1 por ciento de las
fincas. En Argentina, el 36 por ciento está en manos de esa mínima porción de
estancieros y pooles de siembra. (ARANDA, 2017, on-line)

Isto se deve pelo fato de que governos têm constituído um ordenamento territorial a partir dos
interesses das grandes transnacionais, como o caso da produção de soja, os países Paraguai,
Argentina, Uruguai, Brasil e Bolívia produzem mais da metade da soja mundial. Ao mesmo
tempo em que ocorre um crescimento da perseguição e assassinatos de lideranças e ativistas
indígenas e camponeses, com certeira impunidade. (ARANDA, 2017)

1.2.2 Água e Energia como Mercadorias:


No ano de 1863, Alphonse Granier, fundou a “Société de l’Etablissement Thermal des Eaux
Minérale de Vergezé”, e juntamente com seu sócio Louis Perrier, passou a engarrafar e vender
água existente em sua propriedade. O sucesso da venda da água francesa incita o mercado de
águas termais e minerais sob o discurso de benefícios a saúde. (TAVARES, 2018)36
Nos últimos anos a água, o chamado ouro branco, vem crescentemente tornando-se uma
mercadoria. A consigna “Água e Energia não são mercadorias” pronunciada nas mobilizações
de movimentos sociais camponesas de atingidos por barragens, busca denunciar além as

35
ARANDA, Dario. La distribuición de tierras em Latinoamérica es la peor en el mundo. Página 12. Argentina:
Pagina 12 online, Janeiro de 2017. Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/14484-lo-primero-es-la-
desigualdad . Acesso em agosto de 2018.
36
TAVARES, Elaine. Água como mercadoria. Instituto de Estudos Latino-americanos. SC: Instituto de
Estudos Latino-americanos da UFSC, Março de 2018.
56
conseqüências da construção de grandes hidrelétricas (a sua expulsão de terras de
subsistência), a alta taxa de lucro que empresas do ramo abocanham canalizando um recurso
natural transformado pela própria natureza, e nas altas taxas da distribuição da energia.
O professor Dorival Gonçalves Junior da Universidade Federal do Mato Grosso em entrevista
ao Jornal Brasil de Fato revela como ocorre disputa pelas fontes e controle de excedente no
setor energético. Ele afirma que a partir do processo de privatização do setor elétrico
brasileiro (1990), ocorre uma disputa para obter o maior excedente neste setor, e que
subordina toda a cadeia produtiva de eletricidade aos interesses do sistema financeiro. A
energia é vista como algo objetivo da natureza, e nesse sentido a indústria energética coloca-
se na dinâmica dos recursos naturais, mas a energia na verdade, só foi desenvolvida dentro de
um contexto de sociedade capitalista que em busca de maior lucro aumenta sua produtividade
através da especialização dos trabalhadores, de formas de organização do trabalho, pela
inovação tecnológica, e pelo domínio dos recursos naturais. Sendo assim, a mercadoria
energia elétrica se estabelece entre as de maior lucratividade no país. (LIMA, 2008.)37
Para esse professor a internacionalização da indústria da eletricidade leva os capitalistas a
vender esta mercadoria baseada em preços internacionais de combustíveis fósseis. Como no
caso do Brasil, 90% da energia têm origem em recursos hídricos, a lucratividade desta
indústria vem especialmente da utilização deste recurso natural. (LIMA, 2008). As
hidrelétricas acabam tornando-se fábricas de produção de eletricidade com alta lucratividade.
(IHU, 2013)38.
Na América latina, segundo Caravajal (2016), cerca de 50% da eletricidade é gerada a partir
da hidroenergia. A autora continua:

Mientras que en los países europeos crece el movimiento para suspender las represas
más nocivas, se adelantan hoy en día proyectos para construir 450 barreras en las
cuencas de los ríos Amazonas (América), Congo (África) y Mekong (Asia), lo que
pondría a un tercio de los peces de río del mundo en riesgo de desaparecer. Lejos de
responder a necesidades energéticas o de gestión de agua locales, los proyectos
hidroeléctricos surgen para satisfacer la demanda de consorcios empresariales
transnacionales. Estos emprendimientos se legitiman como alternativas a la crisis
energética y ambiental provocada por la dependencia de los combustibles fósiles.
[…] La represa de Belo Monte, adelantada por la empresa Norte Energía sobre el río
Xingú, en la Amazonía brasilera, constituye un caso emblemático de violaciones a
derechos humanos en el marco de la hidroenergia. En diciembre de 2015 la

37
LIMA, Eduardo Sales. A exploração do trabalho embutida no preço da energia. Jornal Brasil de Fato. SP:
Jornal Brasil de Fato, julho de 2008. Disponível em: http://www.ilumina.org.br/tese-a-exploracao-do-
trabalho-embutida-no-preco-da-energia/ Acesso em fevereiro de 2018.
38
IHU. Eletricidade: um negócio rentável no Brasil. Entrevista especial com Dorival Gonçalves Júnior. Revista
IHU - online. Adital. RS: Instituto Humanitas Unisinos, 2013. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/517180-eletricidade-um-negocio-rentavel-no-brasil-entrevista-
especial-com-dorival-goncal . Acesso em outubro de 2018.
57
Comisión Interamericana de Derechos Humanos dio trámite al caso presentado
contra Brasil en 2011 por organizaciones de la sociedad civil. Se acusa al Estado
brasilero por otorgar la licencia de operación y permitir el llenado del embalse, aun
cuando la empresa no satisfacía los requerimientos ambientales. También por
incumplir con las medidas cautelares colectivas otorgadas por el mismo organismo
internacional a la población indígena afectada por el proyecto (CARAVAJAL,
2016, p. 22)

A América latina conta com três dos países com maior volume de recursos hídricos (água
potável) no mundo. O Brasil encontra-se em primeiro lugar com 5,661 bilhões de metros
cúbicos, a Colômbia em sexto lugar com 2,145 bilhões de metros cúbicos, e Peru em oitavo
lugar com 1,641 bilhões de metros cúbicos. Dois dos maiores aqüíferos do mundo perpassam
pelo Brasil: o Sistema Aqüífero Grande Amazônia (SAGA) com reservas hídricas de
162.520km3 posicionado nas bacias do Marajó (PA), Amazonas e Solimões (AM) e Acre,
perpassando pelas bacias andinas; e o Aqüífero Guarani com cerca de 40 mil km3, numa
extensão de 1,2 milhões de km2 de extensão territorial perpassando no Brasil (225.000km2),
Argentina (85.000km2), Paraguai (70.000km2) e Uruguai (45.000km2).
No Brasil, perpassa pelos estados de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, e, na Argentina perpassa pelos estados
Missiones e Corrientes, onde a maior parte de sua superfície pertence a proprietários privados
nacionais e estrangeiros. No caso da Argentina, o empresário investidor em terras na região
Douglas Tompkins, já adquiriu cerca de 600 mil hectares, que de acordo com um projeto das
Nações Unidas ARG02035 de 2012, a primeira vista tem um caráter imobiliário e
conservacionista, mas que logo se revela como uma fachada para o manejo e acesso aos
recursos hídricos39. Em termos de regiões em território latino-americano, além da Amazônia e
do Cone Sul com o Aqüífero Guarani, também a região de Orinoco (incluindo os llanos
colombianos e venezuelanos), é rica neste recurso da natureza.
Empresários da indústria de água mineral, tanto nacionais como transnacionais como a Pepsi,
a Ambev, a Coca Cola e Nestlé, também tem lucrado milhões de dólares anualmente. O site
oficial da Nestlé a coloca como líder mundial em vendas no mundo. No ano de 2013 veiculou
intensamente uma declaração do então presidente da Nestlé Peter Brabeck de que a água
deveria ser tratada como qualquer outro bem alimentício e ter um valor de mercado baseada
nas leis do mercado (oferta e procura), pois somente nessa situação seria limitado seu

39
Estas informações encontram-se nos vídeos documentários: La liga. Acuífero guaraní. La reserva de agua
más grande del mundo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Jglkpkl43Ac Acesso em outubro
de 2018; e no documentário El Magnífico Acuífero Guaraní. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=iKHbf1qb8qY . Acesso em outubro de 2018.
58
consumo excessivo nos momentos atuais. Com um setor que representa 8% de seu capital, no
ano de 2011 totalizou cerca de 68,5 bilhões de euros. (ABADIA, 2013)40
Muitas críticas foram realizadas à declaração deste empresário, que voltou a se posicionar na
imprensa afirmando que a água sim era um direito humano, e propunha que as pessoas
deveriam ter acesso livre a 30 litros de água por dia, pagando apenas o uso adicional. Nada
mais nada menos, essas declarações representavam os interesses mercantis da transnacional.
No ano de 1994, Helmut Maucher, em entrevista a New York Times afirma que “as nascentes
são como o petróleo e ficarão escassas”. Em reportagem no Jornal Tribuna, aponta, dentre os
vários processos jurídicos para obtenção de lucro nos EUA, a empresa chegou a pagar o
Serviço Florestal dos EUA na Califórnia para extrair cerca de “30 milhões de galões mesmo
durante as secas”. (TRIBUNA, 2008)41
Em reportagem de março de 2018, o Jornal Valor Econômico42 anuncia a venda do “negócio
da água no Brasil” pela Nestlé para o Grupo Edson Queiroz, dono das Águas minerais
engarrafadas Indaiá e Minalba. Como parte da operação (assessoradas pelos bancos Bradesco
e Santander), inclui-se a licença para a produção e distribuição da marca Nestlé Pureza Vital.
A decisão da Nestlé, segundo a referida reportagem está na priorização da empresa em manter
o negócio em países que tem posição de liderança. No caso do Brasil, a liderança no mercado
é o Grupo Edson Queiroz (10,7%), em seguida a Coca Cola (3,5%), a Pepsico (3%), a Danone
(2%) e a Nestlé tinha apenas 1.9% das vendas. O negócio foi realizado uma semana após o
Fórum Mundial das Águas em Brasília, onde em palestra a Nestlé e Coca-Cola declararam
não estar interessada na privatização do aqüífero guarani, muito embora o governo de Michel
Temer houvesse iniciado reuniões programadas com multinacionais para delinear a
exploração do recurso em concessões que durariam mais de 100 anos. (ADACHI; BOUÇAS,
2018)
A água nestes parâmetros vem tornando-se uma commoditie nas mãos de grandes corporações
que manejam este recurso natural, ou ainda das empresas de mineração, agricultura,
aqüicultura, e pesca em escala industrial, restringindo o abastecimento deste bem comum às
populações e produzindo vários processos de crise hídrica e ambiental.

40
ABADIA Digital. Presidente da Nestlé diz que água deve ser privatizada. Jornal Brasil de Fato. José
Francisco Neto (Tradução). SP: Abadia Digital, 2013. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/node/12746/ . Acesso em agosto de 2013.
41
TRIBUNA. Quase de graça – os bilhões de água da Nestlé. Jornal Tribuna. Sul de Minas. Minas Gerais:
Tribuna, 2018. Disponível em https://tribunasuldeminas.com.br/quase-de-graca-os-bilhoes-de-garrafas-de-
agua-da-nestle-3384 Acesso em agosto de 2018.
42
ADACHI, Vanessa; BOUÇAS, Cibelle. Nestlé vende negócio de água no Brasil. Valor Econômico. SP: Valor
Econômico, 29/03/2018
59
Os diferentes empreendimentos realizados nos últimos anos em relação aos recursos hídricos,
como a construção e usinas hidrelétricas, a industrialização da água mineral, a privatização de
aqüíferos, tem causado fortes impactos sócio-ambientais junto às comunidades rurais
camponesas e tradicionais (indígenas, afro-descendentes, pescadoras, etc.). Citamos nessa
ocasião o caso da Guerra da Água na Bolívia que ocorreu em Cochabamba (a terceira maior
cidade do país) entre os meses de janeiro e abril de 2000, com uma revolta popular contra a
privatização do sistema municipal de gestão da água assim que dobraram as tarifas cobradas
pela empresa Águas del Tunari - filial de um grupo norte-americano Bechtel43. A situação de
conflitos chegou ao ponto do então presidente Hugo Banzer decretar estado de sítio, onde
várias lideranças foram presas. Com essas lutas, foi revogada a lei 2029 sobre a privatização
da água.
Outra situação que apresentamos como exemplo são os casos das lutas indígenas contra as
grandes obras hidrelétricas. O caso emblemático é da Usina de Belo Monte com impacto
sócio-ambiental irreversível na região amazônica, na vida e sobrevivência dos indígenas da
etnia Xingu, na biodiversidade da região.
Além de Belo Monte no Brasil, o projeto hidroelétrico de HydroAysén no Chile tem
enfrentado fortes questionamentos, segundo a revista América Economia44, pelos danos
ambientais que um complexo de cinco centrais hidrelétricas nos Rios Backer e Páscua
causariam. O projeto foi insistentemente colocado em pauta depois de reprovado em 2014, até
que em 2017 se anunciou o seu cancelamento definitivo.
O trecho de depoimento coletado em entrevista que reproduzimos abaixo demonstra a
brutalidade de conflitos entre comunidades camponesa-indígenas e empresas hidroelétricas no
Chile.

Las empresas hidrohétrica que se instalaron en las comunidades para pasar por en
cima de las comunidades mapuches, han matado, han pagado sicários que mataron a
las mujeres mapuches y dejaron los hijos. Y cuando llegaron los ninos a la casa y
encontraron su madre colgada… (A.M.T. Anamuri, Chile, Direção Nacional.
Entrevista realizada em setembro de 2017)

A reportagem da Revista América Economia sobre as 500 maiores empresas de América


Latina no ano de 2011, também aponta que 45 são empresas do setor de energia, e que 5 das

43
O Grupo norteamericano Betchtel é uma empresa de engenharia, construção e gerenciamento de projetos. Em
termos de Infra-estrutura, atua também com transporte, portos, instalação de hidroelétricas, energia fóssil,
entre outros.
44
Reportagem completa “500. Las mayores empresas de América Latina. Sector de Energia. 2011”. Encontra-se
disponível em: https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-grandes-de-america-
latina/energia.php Acesso em agosto de 2018.
60
primeiras 100 são brasileiras. Aponta também que quanto ao consumo da energia, o ano de
2011 aponta que 69% da eletricidade produzida na América Latina vêm de fontes renováveis,
sendo que no Chile, 15% da matriz elétrica é consumida pela Mineradora Estatal Codelco, e,
no México, 53% do consumo é correspondente ao setor industrial. Ainda neste período, a
revista informa que em relação à transmissão de energia, na Bolívia, Evo Morales
nacionalizou a empresa espanhola Transportadora de Eletricidade SA.
Entre as empresas do setor da energia que mais venderam no ano de 2011, destacam-se a
mexicana Comisión Federal de Electricidad (CFE) em primeiro lugar, a brasileira Eletrobrás
em segundo e a chilena Enersis em terceiro. Ainda entre as 10 primeiras no raking de 2011,
seis são brasileiras. Fora a Petrobrás, a Cemig, CPFL Energia, Eletropaulo, Neoenergia, e
Rede Energia.
Outro caso nesta linha é denunciado pela CONAIE (Confederação de Nacionalidades
Indígenas do Equador) em seu Boletim Interno45, onde o povo originário de nacionalidade
quéchua de Cantón del Santa Clara, através da organização PONAKICSC rejeita a presença
da hidroelétrica GENEFRAN S.A. nas terras amazônicas de Piatua, assim como as concessões
de projetos hidroelétricos, mineiros, petroleiros, e de qualquer forma de extrativismo, pois
consideram que os mesmos afetam a “integridad de la vida de los pueblos y nacionalidades”.
O manifesto vem acompanhado de um chamado a não criminalização e perseguição daqueles
que defendem os territórios ancestrais, as “fuentes de agua, derechos colectivos, derechos de
la naturaleza y derechos humanos”, além de convocar a unidade dos povos e nacionalidades,
do “sector oprimido y explotado del campo y la ciudad” para a luta social por direitos e defesa
do território. (CONAIE, 2018)

1.2.3 Da Mineração, Petróleo e Gás Natural


A reportagem de VILLELA46 (2018) revela que em estudos realizados pela Price Water house
Coopers (PWC), empresa de consultoria e prestação de serviços, as quarenta (40) maiores
mineradoras do mundo tiveram um lucro de 126%, chegando a um crescimento financeiro de
600 bilhões de dólares no ano de 2017. A Companhia Vale do Rio Doce está entre essas
companhias globais que passou de seu lucro de 3,9 bilhões de dólares em 2016, para 5,5

45
CONAIE. CONAIE rechaza presencia de proyecto hidroeléctrico Piatua en territorio ancestral. Boletín
de Prensa. Quito, Equador: CONAIE Boletines, junho de 2018.
46
VILLELA, Marcelo. 40 Maiores mineradoras no mundo tiveram aumento de 23% em 2017 diz PWC.
Panorama Minero. Minas Gerais: Mining.com. InfoMine online, julho de 2018.. Disponível em:
http://noticiasmineracao.mining.com/2018/07/10/40-maiores-mineradoras-no-mundo-tiveram-aumento-de-
23-em-2017-diz-pwc/ . Acesso em agosto de 2018
61
bilhões de dólares em 2017. (VILLELA, 2017). A exploração do minério realizado pela
empresa no entorno de Carajás (Estado do Pará, Brasil) vem acompanhada de aumento da
violência, da exploração sexual, entre vários outros problemas sócio-ambientais.
Das 500 maiores empresas na America Latina no ano de 2011, quarenta e quatro (44) são
empresas mineiras47. Destas em valor de vendas, seis (6) são chilenas (CODELCO,
Escondida, Antofagasta PLC, CODELCO Chuquicamata, Collahuasi, Los Pelambres) duas
(2) são de capital originalmente brasileiro (Vale, e Samarco Mineração) e duas (2) são
mexicanas (Grupo México e Industriales Peñoles). A Companhia Vale do Rio Doce neste ano
disparou em primeiro lugar em valores de vendas com US$55.014,1 milhões de dólares, a
chilena CODELCO em segundo lugar com US$17.515.3 milhões de dólares, e em terceiro
lugar a Grupo México com US$9.296.4 milhões de dólares. Outro dado importante
apresentado pela revista é de que cerca de 200.000 pessoas vivem de mineração artesanal no
Perú.
O setor mineiro do Canadá representa 4% do PIB do país, concentrando investimentos em
mais de 66% no continente americano. Cerca de 80% das mais de 100 empresas que operam
na região são canadenses e estão concentradas especialmente no México, Chile e EUA. Os
projetos de mineração, neste caso os das empresas canadenses, são responsáveis pela
constante violação de direitos humanos. Podemos citar como exemplo o Projeto Binacional
Pascua Lama (Argentina-Chile), o Projeto Bajo de la Alumbrera (Argentina), e os Projetos
Frontino (Antióquia) e Mazmorras (Nariño), ambos na Colômbia (CARVAJAL, 2016, p. 15)
Um dos exemplos mais recentes destas violações refere-se à condenação de uma liderança
indígena aymara do Peru que defendia a terra diante da mina a céu aberto de Santa Ana da
empresa canadense Bear Creek48. Denunciando os riscos de contaminação da água e
ilegalidade do projeto durante um levantamento popular em 2011, a liderança indígena Walter
Aduviri é presa por “incitar atos ilícitos.” Essa situação no Perú não é um caso isolado, pois
freqüentemente há repressões violentas e violação dos direitos humanos. (YÁÑEZ, 2018)
Segundo Carvajal (2016), entre os anos de 2005 e 2014, China investiu cerca de U$1190.000
milhões de dólares em toda a região latino-americana, sendo que 47% do investimento chinês
se concentrou na Venezuela, com mais de U$56 milhões de dólares voltadas à exploração do

47
Reportagem completa “500. Las mayores empresas de América Latina. Sector de Minería. 2011”. Encontra-se
disponível em https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-grandes-de-america-
latina/mineria.php Acesso em agosto e 2018.
48
YÁÑEZ, Luis Ángel. Perú: Condenan a líder indígena por defender la tierra ante minera canadiense. El
Ciuadano. Santiago do Chile: El Ciudadano online, Agosto de 2018. Disponível em:
https://www.elciudadano.cl/peru/peru-condenan-a-lider-indigena-por-defender-la-tierra-ante-minera-
canadiense/08/16/ Acesso em setembro de 2018.
62
petróleo, cobre e ouro. No Peru, os investimentos chineses correspondem a 30% de todos os
investimentos no país. E no Brasil foram assinados 35 acordos de cooperação no ano de 2015
para financiar áreas de energia, ciência, agricultura, transporte, e financiamento da Petrobrás.
(CARVAJAL, 2016, p. 16)
Ainda segundo Carvajal (2016), o Observatório de Conflitos Mineiros na América Latina
(OCMAL) registrou até o ano de publicação deste material, 209 casos, entre os quais México,
Peru, Chile, Argentina e Colômbia são os que têm maior incidência. Os 219 projetos mineiros
na região afetam diretamente 314 comunidades.
Um dos casos mais emblemáticos foi a ruptura de um dique de contenção da Mineradora
Samarco no Município de Mariana (Minas Gerais, Brasil), propriedade da empresa Vale e
Anglo- australiana BHP Billiton. Um desastre ambiental que praticamente soterrou o
município e comunidades rurais vizinhas, com onze mortos, doze desaparecidos, e a
destruição do Rio Doce com uma lama tóxica chegando às praias do Estado do Espírito Santo
(CARVAJAL, 2016, p. 17). Outro caso ainda mais recente foi o da ruptura de dique de
contenção na barragem de Córrego do Feijão da Companhia Vale do Rio Doce no Município
de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, em 25 de
janeiro de 2019. Em meio à lama tóxica que encobriu várias comunidades, as buscas e
resgates chegaram ao mês de fevereiro/2019 com mais e 200 mortes confirmadas, e 100
pessoas desaparecidas. Praticamente ocorreu a morte do Rio Paraopebas, afluente localizado
na Bacia do Rio São Francisco. No dia 14 de fevereiro o presidente de Vale, Fabio
Schvartsman anuncia um termo de cooperação com a Agência Americana US Corps of
Engineers, que será responsável por revisar todas as barragens da mineradora.
CORDEIRO e GARATTONI (2017) afirmam em reportagem jornalística49 que o nióbio é o
metal polêmico na atualidade. Aumenta a resistência e maleabilidade se misturada ao aço, e
pode ser usada em diferentes produtos como o caso de carros, pontes, turbinas de avião,
mísseis, usinas nucleares, e foguetes como, por exemplo, os construídos pela empresa
americana SpaceX. Descoberto inicialmente em 1801, somente na década de 1930 é que se
desenvolvem pesquisas mais apuradas do componente químico em mistura com o ferro. Das
reservas mundiais de nióbio encontradas até o momento, 98,2% estão no Brasil, o que
equivale a cerca de 842 milhões de toneladas.

49
CORDEIRO, Tiago; GARATTONI, Bruno. A verdade sobre o Nióbio. Superinteressante. [S.I.]: [s.n], 23 de
outubro de 2017. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/a-verdade-sobre-o-niobio/ Acesso em
setembro de 2018.
63
No Brasil em 1960, foi descoberta a primeira grande reserva em Araxá, há cerca de 360 km de
Belo Horizonte. A exploração do componente se deu com a nascente Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração (CBMM), que desde então se transformou numa empresa
controladora do produto, um dos negócios da família Moreira Salles (dona do Banco Itaú). No
estado de Goiás, em Catalão, a reserva de Nióbio é explorada pela Empresa Anglo American
Brazil. Há também pesquisas de nióbio na Amazônia, mas ainda não começou a ser minerado.
(CORDEIRO; GARATTONI, 2017)
Segundo ainda os autores, as reservas Brasileiras são suficientes para abastecer o mundo por
cerca de dois séculos. Atualmente, dos 55 minerais que o Brasil exporta, o nióbio é o terceiro
maior em valor financeiro, mas o país exporta somente o nióbio na forma bruta, não
fabricando produtos derivados dele, e não agregando valor ao mesmo. (CORDEIRO;
GARATTONI, 2017).
No Brasil, podemos ainda citar os exemplos mencionados por Andrade (2017) em artigo
jornalístico, como o caso de Conceição de Mato Dentro (MG) onde comunidades inteiras que
viviam do trabalho na terra, foram remanejadas pelos desígnios da empresa multinacional
Anglo American. Além do deslocamento compulsório, outro risco eminente de processos
mineratórios é a situação de vulnerabilidade da água, que é usada em abundância
independente da escala de mineração. No caso da extração industrial de ferro e bauxita o
consumo de água é ainda maior. Em Caetité (BA) a única mina de extração de urânio no país
pela Estatal “Indústrias Nucleares do Brasil” (INB) admitiu em seus laudos a presença de
urânio em poços de água acima do nível permitido na região, uma região semiárida com
longos períodos de seca. (ANDRADE, 2017)
No caso do Equador, citamos a situação vivenciada pelos indígenas de nacionalidade Shuar 50,
um povo que resistiu historicamente à colonização espanhola que buscavam ouro na região, e
que agora é atingido pelo projetor Mirador, um projeto de mineração a céu aberto em grande
escala em Tundayme. Um empreendimento da empresa chinesa Ecuacorriente que teve,
contraditoriamente, um grande avanço durante a Revolución Ciudadana impetrada por Rafael
Correa em seus governos. O caso de Tundayme é o de maior violência ente os anos de 2013 e
2015, com registros de destruição de escolas, igrejas, expulsão das famílias e o assassinato da
liderança José Tendentza. Um caso de desterritorialização forçada das comunidades

50
COLECTIVO DE GEOGRAFÍA CRÍTICA DE ECUADOR. Manifiesto en defensa del Territorio Shuar.
Equador: Colectivo de Geografía Crítica e Ecuador, 18 de dezembro de 2016. Disponível em:
http://geografiacriticaecuador.org/2016/12/18/manifiesto-en-defensa-del-territorio-shuar . Acesso e agosto de
2018.
64
indígenas, levado a cabo pelos órgãos de repressão do Estado. (COLECTIVO DE
GEOGRAFÍA CRÍTICA DE ECUADOR, 2016)
Estes dados exemplificam como a mineração, numa etapa avançada de acumulação de capital,
através da espoliação e da despossessão, somada à exportação de minério bruto (em sua
grande maioria), vem provocando desastres sócio-ambientais a fim de gerar maiores taxas de
lucro para o capital. Processos esses que vem acompanhado de alto índice de agressão e
assassinato de ativistas de diversas organizações em defesa em defesa do território e dos
recursos naturais. Carvajal (2016) lembra que entre os anos de 1994 e 2016, houve 23
assassinatos de mulheres (México, El Salvador, Costa Rica, Honduras, Guatemala, Colômbia
e Brasil) envolvidas em movimentos e organizações defensoras dos direitos humanos, de luta
pelo território e recursos naturais. Destes países, somente em Honduras, foram 7 assassinatos
de mulheres entre 1995 e 2016, especialmente no ano de 2014 com 3 mortes. Em março de
2016, foi assassinada Berta Cárceres, uma liderança indígena e feminista integrante da
COPINH (Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras). Militante
que liderou a defesa do Rio Gualcarque, em Rio Blanco, diante da construção da Represa de
Água Zarca. (CARVAJAL 2016)
Traçando paralelos em relação à mineração na América Latina e África do Sul, trazemos
presente uma série de informações que evidenciam diferentes dimensões sobre a questão
mineral.
Segundo ZONTA (2018), a mineração tem ganhado fôlego nos últimos anos na África do Sul,
um território que contempla grandes reservas mundiais de cromo, vanádio, manganês, carvão,
petróleo, ouro e diamante. Somente no ano de 2017 a mineração representou cerca de 60%
das exportações do país que ao mesmo tempo traz a “pobreza econômica de seu povo,
sobretudo negros” (79,0% da população). Cerca de 60% dos trabalhadores da mineração
moram em favelas na África do Sul. É neste país que ocorreu um dos massacres mais
sangrentos no campo da mineração – o episódio de Marikana, em 16 de agosto de 2012 na
região noroeste do país. O massacre iniciou com a greve numa mina de propriedade de
Lonmin (empresa britânica) puxada por membros do Sindicato Nacional dos Mineiros
(NUM). Com 78 feridos e 10 pessoas mortes.
Uma das maiores empresas mundiais de mineração é a britânica Anglo American, que através
da super-exploração da mão de obra negra por um lado, pois os brancos “só ocupam, até hoje,
cargos de chefia”, e por outro com “a renda extraordinária da natureza”, lucra absurdamente
conforme afirma o historiador sul-africano Ralfh Mupalang. (ZONTA, 2018)

65
Esse processo, desde 2013, conta com a construção de novas estratégias para ampliar a
aceitação social das comunidades rurais e urbanas dos projetos de mineração – a tentativa de
cooptação de igrejas, que busca aproveitar do “poder de espacialização e formadora de
opinião”. Conforme denúncias de religiosos, através do “Dia de Reflexão” reúnem-se as
“cúpulas da igreja católica, metodista e anglicana” juntamente com representantes de
mineradoras e da ONG Oxfam América, e organizam visitas de religiosos às minas,
especialmente na África e América Latina. De um desses encontros surgiu um “projeto
chamado Mineração em Parceria que contém uma articulação denominada Iniciativa de
Reflexão, Mineração e Fé”. Essa problemática foi levada ao Vaticano em julho de 2015 num
encontro com o Papa Francisco, que prontamente pronunciou-se contra as mazelas
provocadas pelas mineradoras às populações locais que permanecem pobres. Em decorrente
movimentação das mineradoras, é lançado um manifesto chamada “A igreja não está à venda”
que denuncia os processos de cooptação. (ZONTA, 2018)
Matthews Hlabane do Movimento Unitário de Comunidades Afetadas pela Mineração
(MACUA) denuncia as condições a que são submetidos os trabalhadores “ilegais” das minas.
Os Zama Zama, que em zulu (um dos onze idiomas oficiais da África do Sul), significa
“Tente, Tente”, assim são chamados os garimpeiros ilegais que trabalham na primeira mina de
ouro da África do Sul e fechada oficialmente há décadas. O pouco de ouro que conseguem
extrair de lá é submetido ao mercado paralelo com valores muito baixos. (ZONTA, 2018)
Em entrevista realizada com o diretor do Centro de Informação e Desenvolvimento
Alternativo da África do Sul (AIDC), Brian Ashley, Zonta (2018) questiona se em nível
mundial a mineração tem “salvado o capitalismo em momento de crise”. Em resposta Ashley
afirma que:

Dois países conseguiram minimante administrar a crise global: Estados Unidos e


China. Em termos de mineração, parte do dinheiro acumulado outrora pela
economia chinesa desenvolveu um grande plano massivo de moradias. Pra construir
essas cidades, a China gastou três anos a quantidade de concreto que os EUA
utilizaram e cem anos Para isso, demandou de bens naturais da mineração de África
e da América Latina, influenciando no valor dessas commodities, que passou a
determinar diretamente na nossa economia e nos proporcionar na divisão
internacional do trabalho como meros produtores de matéria-prima. (Entrevista com
Brian Ashley, In ZONTA, 2018)

No caso da América Latina, estima-se que cerca 2% do PIB é gasto com infra-estrutura
(materiais de construção). Das empresas do setor de engenharia e construção, destacam-se
Brasil, México e Chile de acordo com o raking das 500 maiores empresas na América

66
Latina51 no ano de 2011. Na Bolívia, constatou-se um crescimento de 153,31% de acesso a
créditos para construção entre os anos de 2005-2011. Ainda segundo a reportagem, entre as
10 primeiras empresas (em valor de vendas), oito são brasileiras, entre elas Odebrecht, Grupo
OAS, Camargo Correia, Andrade Gutierrez e MRV, uma mexicana (Empresas ICA) e uma
chilena (Sigdo Koppers). As empresas Norberto Odebrecht e Construtora Norberto Odebrecht
disparam em primeiro e segundo lugar em valor de vendas neste ano, com um total de US$
15.954,0 milhões de dólares.
Outros recursos estratégicos são os hidrocarburetos líquidos (petróleo ou óleo mineral) e os
gasosos (gás natural), importantes fontes de combustível (gasolina e gás de cozinha) e outros
derivados como o caso do plástico, da pintura, da cera, lubrificantes, asfalto, fertilizantes
químicos, entre outros.
Entre as fontes de gás natural, é importante mencionar o papel estratégico do gasoduto Brasil-
Bolívia (GASBOL) na geopolítica da América Latina. Este representa 3150 km de extensão
entre Santa Cruz de La Sierra (BO) e Porto Alegre (BR), sendo sua maior parte em território
brasileiro passando pelos estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. Um projeto que iniciou em 1974, quando o presidente brasileiro General
Ernesto Geisel visita o presidente General Hugo Banzer na Bolívia e firma um acordo dando
início à sua construção. Acordo que vai sendo re-configurado por várias vezes, inclusive em
1988, com José Sarney e Paz Estensoro. A Petrobrás entre os anos de 1997 e 2005 investiu
US$ 1,5 bilhão na Bolívia, chegando representar 18% do PIB boliviano, até o momento que
sob o Governo de Evo Morales em 2006, no dia 01 de maio se nacionaliza o setor de gás e
petrolífero do país através do decreto n. 29701.52
No caso da nacionalização da empresa distribuidora de energia (espanhola), retoma-se de
certo modo a soberania, onde as inversões estatais permanecem a nível nacional
redirecionando a alta rentabilidade que era destinada às empresas estrangeiras. Estas tinham
pouco investimento e alta lucratividade a partir da lógica especulativa na produção.
Quanto à extração de petróleo, a reportagem da revista América Economia53 sinaliza três das
maiores que atuam no continente, no raking de 2010. Em primeiro lugar encontra-se a

51
Reportagem completa “500. Las mayores empresas de América Latina. Sector de Ingeñería y Construcción.
2011”. Encontra-se disponível em https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-
grandes-de-america-latina/ingenieria_contruccion.php . Acesso em agosto de 2018.
52
Informações retiradas da reportagem de DAVILA, Ana Paula Iacovino. Itaipu e Gasoduto Brasil- Bolívia:
Estratégias geopolíticas na América Latina? Portal da América Latina. [S.I.]: [s.n.], (2007?). Disponível
em: http://www.americalatina.org.br/internas.php?noticias=&interna=22140 Acesso em outubro de 2018
53
AMÉRICA ECONOMIA. A Toda Maquina. As maiores empresas da América Latina. Revista América
Economia. Chile: América Economia online, 2011. Disponível em:
https://rankings.americaeconomia.com/2011/500/a_toda_maquina.php Acesso em agosto e 2018.
67
brasileira Petrobrás (semi-estatal)54, em segundo a mexicana Pemex, e em terceiro a
venezuelana PDVSA, as duas estatais. Estas, com uma crescente em valores de venda de 1991
a 2010, especialmente nos últimos 4 anos deste período. Outras petroleiras ainda assumem
liderança duplicando seus valores de venda neste período, como o caso da brasileira Ipiranga
Produtos de Petróleo (em décimo primeiro lugar), a petroleira colombiana Pacific Rubiales
que assume o lugar de Nº 34, e a mineradora brasileira Samarco Mineração que neste ano
estava no lugar de número Nª 144. A revista ainda aponta que entre 2005 e 2010 o setor de
petróleo e gás, sobre todos os outros, incluso o de mineração, energia elétrica, alimentos, e
celulose, são as que mais venderam (em milhões de dólares), chegando a ser o dobro do
segundo locado – o setor de comércios.
Em reportagem da mesma revista no ano de 2012, sobre o raking 2011 quanto ao setor de
petróleo55, entre as 10 maiores em venda, encontram-se 4 de capital originalmente brasileiro
(Petrobrás; Petrobrás distribuidora, Ultrapar, Ipiranga Produtos de Petróleo), 1 venezuelana
(PDVSA), 1 mexicana (PEMEX), 1 colombiana (Ecopetrol), 1 argentina (YPF) e 2 chilenas
(Enap e COPEC Combustibles). Em primeiro lugar encontra-se a Petrobrás com
US$138.171,7 milhões de dólares, em segundo a PDVSA com US$124.754,0 milhões de
dólares, e em terceiro lugar a PEMEX com US$111.734,6 milhões de dólares.
Na Amazônia Equatoriana, a Chevron, uma multinacional petroleira havia sido condenada por
tribunais equatorianos pela contaminação do Lago Agrio56, a pagar US$9,5 bilhões de dólares
por crime ambiental e reparação de danos ambientais e materiais a população local,
entretanto, foi absolvida na Corte Internacional de Justiça (Corte de Haia), órgão judiciário da
ONU (Organização das Nações Unidas) com sede em Haia (Holanda), e ainda determina que
o “Estado equatoriano pague indenização à empresa”. A extração do “ouro negro” iniciada em
1972 pela multinacional estadunidense – a então Texaco, apontava já em 1993 denúncias
judiciais, mas a condenação ocorreu apenas no ano de 2011. (THOMAZ, 2018)
A ação de 2011 acusa a companhia de despejar “68 bilhões de litros de água tóxica e 64
milhões de litros de óleo cru na região onde operou” afetando “diretamente mais de 30 mil
pessoas”, e causando danos gravíssimos a biodiversidade local e afetando comunidades

54
No ano de 2004, com os investimentos na Petrobrás realizados durante o governo Lula, aprofunda-se o estudo
de tecnologias para exploração de petróleo em alto mar, descobrindo-se o Pré-Sal.
55
Reportagem completa “500. Las mayores empresas de América Latina. Sector de Petróleo. 2011”. Disponível
em: https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-grandes-de-america-
latina/petroleo.php . Acesso em agosto de 2018.
56
Reportagem completa: THOMAZ, Rogério. Chevron é absolvida na Corte de Haia e segue impune por
contaminação na Amazônia. Jornal Brasil de Fato. SP: Brasil de Fato online / Blog de Rogério Thomaz, 12
de setembro de 2018. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/09/12/chevron-e-absolvida-na-
corte-de-haia-e-segue-impune-por-contaminacao-na-amazonia/ . Acesso em outubro de 2018.
68
indígenas que viviam de “agricultura e extrativismo” como os “Siekopai, Sionas, Kofanes,
Tetetes, Shuar, Kichwas e Sansahuari”. A estimativa é de que mais de 1500 pessoas morreram
por problemas de saúde derivadas da contaminação “dos recursos hídricos e da floresta”.
(THOMAZ, 2018)
Os principais argumentos dos advogados da empresa e que prevaleceram na Corte foi de que:
o julgamento que levou a sua condenação foi sob corrupção e suborno; que em 1990 a Texaco
investiu UR$40 milhões para despoluir o lago; que em 1998 a empresa havia feito um acordo
com o governo liberando-a de posteriores responsabilidades. (THOMAZ, 2018)
Das 500 maiores empresas no ano de 2011, sete (7) são empresas petroquímicas, das quais
cinco (5) são de capital originariamente brasileiro. O Setor de petroquímica, que geralmente
busca integração com o abastecimento de matérias primas, segundo reportagem da Revista
América Economia57 aponta a BRASKEM disparada em valor de venda (17.686,4 milhões de
dólares) no ano de 2011, em segundo e terceiro lugar encontra-se a ALPEK e MEXICHEN, e
entre o quarto e sétimo lugar outras empresas de capital mojoritariamente brasileiro.

1.2.4 Das Florestas, Biodiversidade e Oxigênio


Os cultivos florestais do agronegócio, os chamados desertos verdes, levam à concentração e
ao acaparamiento de grandes extensões de terra; a contaminação de fontes hídricas, do solo e
do ar (pela alta incidência de agrotóxico); a perda da biodiversidade pelos altos índices de
desflorestamento e inserção de transgênicos no ramo da madeira; e, a perda de cultivos
originários articulados ao manejo da floresta de maneira ecológica. (CARVAJAL, 2016, p.
21)
Os Estados Nacionais na América Latina, que geralmente são proprietários de terras
florestais, e delas fazem áreas protegidas, ou áreas de colonização, ou demarcação indígena,
ou ainda concessão de uso a comunidades camponesas e indígenas, tem nos últimos anos,
priorizado projetos de concessão para empresas privadas de exploração madeireira (legal ou
ilegalmente) que tem depredado bosques “como ningún outro sector” – a silvicultura mineira.
(VAN DAM, 1999)
Ceceña (2009) afirma que a apropriação das florestas, sejam elas naturais ou geradas
artificialmente, tratam também de capitais de grande envergadura na América Latina.

57
Reportagem completa “500. Las mayores empresas de América Latina. Sector de Petroquímica. 2011”.
Encontra-se disponível em: https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-500-empresas-mas-grandes-de-
america-latina/petroquimica.php Acesso em agosto de 2018.
69
Vinculadas principalmente à produção de papel e celulose, empresas como Stora Enzo,
Weyerhauser, Aracruz Celulose, Votorantim Celulose, Kablin, Suzano Papel e Celulosa, e
com investimentos no sul do Chile a CELCO y CMPC, vem lucrando com o negócio.
Apenas como exemplo, a empresa Fibria, do ramo da celulose, registrou um lucro líquido em
2016 de R$1,65 bilhões – um aumento de 384% em relação a 2015. (CARRANÇA, 2017)58.
Paralelamente ao problema da devastação de matas nativas por empresas madeireiras e a
criação de florestas artificiais, chamadas de “desertos verdes”, a questão da biodiversidade é
um tema em alerta. As grandes extensões de plantio de pinus e eucalipto provocam a morte da
biodiversidade local provocando um desequilíbrio ecológico na região. Espécies animais,
vegetais e microbiotas que conviviam em relação, são agora modificadas pelas grandes
extensões de monocultivos. Processo esse que também ocorre a partir do monocultivo de
tantos outros produtos como a soja e o milho.
Além desse processo, a própria biodiversidade tem nos últimos anos se tornado negócio. Petry
(2010)59 destaca em reportagem que ao 10ª Conferência das Partes (COP) que ocorrera em
outubro de 2010 no Japão tornou-se um grande evento de “promoção da biodiversidade
enquanto negócio”. Sobre o nobre objetivo de “salvar a biodiversidade”, um dos instrumentos
de mercado apresentados como alternativa foi a Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade
(TEEB) em inglês, produzido por um grupo de especialistas do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (UNEP). Atrás do nobre objetivo, uma série de recursos promove a
“tributação dos serviços ambientais prestados pela natureza e estabelece um preço para eles
sejam gerenciados através de mecanismos de financiamento inovadores.” Processos esses
estimulados não apenas por empresas, mas também por governos e organizações
conservacionistas. (PETRY, 2010)
A autora ainda afirma que a biodiversidade:

[...] tem sido definida como um bem que deve ser reconhecido seu valor monetário,
como forma não só de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também
como instrumento de desenvolvimento de comunidades locais e com a capacidade
de proporcionar ganhos extras para governos e empresas. (PETRY, 2010, on-line)

Várias organizações da sociedade civil como no caso do Brasil a Terra de Direitos, Amigos da
Terra, e CBD Alliance, têm criticado a promoção do TEEB, considerando-o uma afronta à

58
CARRANÇA. Thais. Fibria tem lucro de R$1,65 bi em 2016. Valor Econômico. SP: Valor econômico, 31 de
janeiro de 2017.
59
PETRY, Sabrina. A biodiversidade como Negócio. Heinrich Böll Stiftung Brasil. Rio de Janeiro: Fundação
Heinrich Böll, 27 de outubro de 2010. Disponível em: http://br.boell.org/pt-br/2010/10/27/biodiversidade-
como-negocio Acesso em agosto de 2018.
70
própria biodiversidade. Os manifestos expressam que “uso sustentável” da mesma só se
realiza com a garantia do direito a terra, ao território, ao uso e manejo da biodiversidade por
comunidades locais.
Em setembro de 2010, ocorreu em Curitiba no Estado do Paraná, Brasil, o lançamento do
Relatório “A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade” (TEEB) para a criação de
políticas locais e regionais, no caso do contexto da América Latina e Caribe 60.
Simultaneamente, o evento ocorre na Bélgica, Índia, Japão e África do Sul com o argumento
de impulsionar serviços “multi-trilionários dos ecossistemas do planeta” na economia local.
São citados como exemplos de envolvimento dos ecossistemas nos planejamentos: a cidade
de Curitiba e sua área verde; o Fundo de Água de Quito (Equador), onde os consumidores
pagam para o fundo a água potável que recebem que por sua vez investe na conservação de
florestas, lagos e rios; a Biosfera de Mbaracayu no Paraguai combinando a conservação com a
“mitigação de alterações climáticas”, onde se destacaram a exploração sustentável de madeira,
a bioprospecção de produtos farmacêuticos e o armazenamento de carbono.
Outro recurso natural de fundamental importância é o oxigênio, o “ar puro”. Devido aos altos
níveis de poluentes atmosféricos pela acelerada industrialização, e que provocam o efeito
estufa e o aquecimento global, no ano de 2000 realiza-se um acordo internacional – Protocolo
de Kyoto com países que haviam se comprometido em reduzir emissão de gás carbônico no
ambiente. Colada a esta ação surgem os créditos de carbono. Cada crédito de carbono
equivale a uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que não é emitida na atmosfera e que
são usados como moedas. Ou seja, uma tonelada de CO2 não emitida na atmosfera gera um
crédito de carbono que pode ser trocado junto à bolsa de valores.
O mercado do crédito de carbono é regulado pelo Conselho Executivo do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), que realiza as transações comerciais entre países que
produzem mais ou menos quantidades de CO2. As empresas podem inclusive usar estes
créditos de carbono como investimento, vendendo-os quando os preços forem maiores, ou
ainda para compensar um excesso de emissão realizado durante determinado período. Ou seja,
as transações podem ser realizadas entre países, mas também entre empresas, em leilões da
BM&FBovespa61.

60
Reportagem disponível em: https://nacoesunidas.org/relatorio-a-economia-dos-ecossistemas-e-da-
biodiversidade-teeb-para-politicas-locais-e-regionais-sera-lancado-em-curitiba/ . Acesso em agosto de 2018.
61
Informações disponíveis em: http://www.bmfbovespa.com.br/pt_br/servicos/leiloes/credito-de-carbono/ .
Acesso em agosto de 2018.
71
Em reportagem do Jornal Folha de São Paulo, Rolli (2017)62 relata que as empresas Natura e
Itaú anunciaram a “primeira plataforma pública” que auxiliaria no mapeamento das emissões
e acesso a projetos que permitem a sua compensação. As empresas pretendiam adquirir “500
mil toneladas de CO2, o equivalente a emissões de 70 mil habitantes por um ano”. Inscrevera-
se 147 projetos na área de energia, agricultura, floresta e tratamento de resíduos, e “o
potencial de créditos atingiu 3,7 milhões de toneladas de CO2”, nos quais seriam selecionados
10 a 15 projetos que permitiriam a redução de emissões. (ROLLI, 2017)
Em termos de América Latina, a empresa criou o “Programa Carbono Neutro” que apóia seis
(6) projetos no continente, e outros vinte e nove (29) especialmente no Brasil. Um deles
chama-se “Fogões Eficientes”, que instala câmaras de combustão nos fogões a lenha
(caseiros), reduzindo o uso de madeira e produção de fumaça. Ou ainda o exemplo de um
projeto de uma pequena olaria apoiada pelo Itaú em Iranduba, no Amazonas, que substitui a
madeira por outras fontes de energia renovável, o que gerou “venda de créditos de carbono e
recursos à comunidade”. (ROLLI, 2017)
Interessantemente, os dois projetos citados estão relacionados a pequenas comunidades, que
com certeza emitem um número de dióxido de carbono na atmosfera muito aquém das
grandes empresas e transnacionais que usam o carvão para geração de eletricidade, ou
transformação de produtos. Rolli (2017) cita algumas grandes empresas que já se utilizam do
crédito de carbono, como o caso da Fíbria (celulose).

1.2.5 Das Sementes e Alimentação


Ultimamente, algumas narrativas cinematográficas hollywoodianas, através da ficção
científica demonstram a incessante busca de possibilidade de vida em outros planetas. Da
corrida espacial desde os tempos da guerra fria, agora com expedições a Marte, e a preparação
de assentamentos humanos no planeta que agrupa condições de vida mais próximas às da
Terra neste sistema solar, já que a possibilidade de destruição das condições de vida humana
por aqui é iminente.
“Se a vida imita a arte ou a arte imita a vida”, o fato é que uma empresa holandesa chamada
Mars One, criada pelo engenheiro Bas Lansdorp, iniciou um projeto em 2011 para a
instalação de uma colônia humana a partir de 2025 em Marte. Financiado através da

62
ROLLI, Claudia. Novas plataformas on-line negociam créditos de carbono. Jornal Folha de São Paulo. SP:
Jornal Folha de São Paulo, 30 de outubro de 2017. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1931009-novas-plataformas-on-line-negociam-creditos-de-
carbono.shtml Acesso em outubro de 2018.
72
exploração da expedição pela mídia (na forma de um reality show), busca realizar “o sonho de
expansão da humanidade no espaço”. Por um lado, com muitas críticas científicas sobre sua
viabilidade, e por outro com custo bilionário, outras companhias privadas e inclusive da
NASA têm desenvolvido pesquisas e projetos de propulsão espacial que visam o mapeamento
dos sistemas solares, e o envio de satélites que na órbita da terra propiciam a propagação e
monitoramento de informações.
Vale lembrar que a ciência sob a lógica capitalista de produção, corporifica os interesses da
lucratividade, e carrega uma mensagem subliminar sobre as perspectivas futuras do
desenvolvimento do planeta, e em partes, carrega aspectos da consciência dominante na qual
podemos com uma análise mais aprofundada identificar seus disparadores.
Assim como a ciência em geral, o desenvolvimento da tecnologia sob o discurso da
sustentabilidade, também carrega uma posição de classe quando vinculado ao objetivo maior
de produção de novas mercadorias, de extração de lucro, e de acumulação de capital em
detrimento da produção das condições da vida e da existência humana.
Podemos citar aqui alguns exemplos de tecnologias relacionadas à precarização da vida dos
trabalhadores do campo em países com produção majoritariamente de bens primários, como é
o caso: do uso excessivo de agrotóxico na produção de alimentos e outros produtos
agroindustriais; da criação das sementes transgênicas e terminator; das tecnologias de
extração mineral desenfreada; e do patenteamento privado de espécies da natureza. Situações
estas que geram condições gravíssimas de subsistência dos trabalhadores do campo, que
desprovidos ou com parcas condições dos meios de produção, sobrevivem às intempéries da
exploração e da subsunção capitalista.
O caso das sementes transgênicas ou Organismos Geneticamente Modificados (OGM) -
sementes que têm seu código genético modificado - é um tema bastante polêmico que divide
opiniões. Proibida em vários dos países da Europa é amplamente desenvolvida nos países da
América Latina. Uma das questões que acompanha o desenvolvimento de sementes
transgências, para além das várias pesquisas que apontam suas conseqüências para o meio
ambiente, para a saúde, agricultura e alimentação, é o seu caráter de pantenteamento. Ou seja,
o cultivo de sementes transgênicas, geralmente associado a insumos agrícolas produzidos
pelas mesmas empresas está condicionado a sua não reprodução, contrapondo uma prática
milenar desenvolvida na história da própria agricultura.
A modificação genética das sementes também carrega em muitos casos a condição
Terminator. Ou seja, o plantio de sementes oriundas da produção das sementes geneticamente
modificadas não se realiza, não vinga, morre na terra. A divulgação deste produto aparece
73
para os pequenos agricultores como sementes de maior resistência a insetos, fungos e
bactérias, entretanto elas vêm acompanhadas de um pacote de agrotóxicos, pesticidas e
fertilizantes, que em sua grande maioria são vendidos pela mesma empresa, como é o caso das
empresas Monsanto (agora adquirida pela Bayer), Syngenta e Dupont. Atualmente, a soja, o
milho e o algodão transgênicos são produtos que já tem a inserção em vários países da
América Latina.
Assim, os transgênicos, as patentes e a condição terminator são formas de privatização e
monopolização das sementes.
O pesquisador boliviano Enrique Castañón da Fundação Terra, aponta em entrevista 63 que no
ano de 2000, as sementes transgênicas de soja já cobriam metade da superfície semeada na
Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia (região cone sul), e que a referida expansão
está relacionada intrinsecamente com o aumento da importação de alimentos. Essa produção
massiva na América Latina, especialmente nos governos populares e progressistas, está
relacionada às economias fortemente dependentes de exportação de matéria-prima, sendo as
commodities agrícolas uma solução para geração de divisas. (FACHIN; SANTOS, 2015)
O pesquisador ainda afirma que a transgenia pode até aumentar o lucro na produção agrícola,
mas com ela leva a dependência da tecnologia. A coincidência temporal entre a introdução de
sementes transgênicas e a maior incidência das políticas neoliberais para o campo tem como
ponto de encontro o agronegócio, onde a concentração dos meios de produção, inclusive de
sementes e insumos agrícolas é controlada pelas grandes transnacionais. No caso das
empresas transnacionais que dominam o mercado da soja (ADM, Cargill, Bungue, Louis
Dreyfus e Syngenta), ano após ano encontram-se no topo do raking das maiores do setor. Essa
incidência subordina cada vez mais a produção de alimentos à dinâmica da maior
lucratividade. E nesse caso, tanto a produção massiva de transgênicos relacionada como a
diminuição na produção de alimentos desemboca na mesma conseqüência: a fragilidade ou
destruição da pequena agricultura e da produção diversificada de alimentos - incidindo
diretamente na Soberania Alimentar. (FACHIN; SANTOS, 2015).
O conceito de Soberania Alimentar foi desenvolvido pela Via Campesina Internacional,
indicando que para sua efetivação, é iprescindível que o controle da terra, da água e da
biodiversidade esteja nas mãos dos camponeses. Diferentemente de “segurança alimentar”
que se caracteriza apenas pela “disponibilidade e acesso de alimentos”, a soberania alimentar

63
FACHIN, Patrícia; SANTOS, João Vitor. Expansão dos Transgênicos aumenta importações e alimentos. IHU
online. SP: Brasil de Fato online, 24 de fevereiro de 2015. Disponível em:
http://www.mst.org.br/2015/02/24/a-transgenia-e-a-ilusao-de-desenvolvimento-agricola-da-america-do-
sul.html . Acesso em agosto de 2018.
74
emerge da perspetiva de que o alimento é um bem e um direito essencial dos povos. Trata-se
de produzir para todos, e sem detruição da natureza, uma alimentação saudável e diversificada
garantindo nutrientes necessários para a reposição de energia ao ser humano. A Soberania
Alimentar exige essencialmente soberania territorial, hídrica, energética e genética.
(ANDRADE, 2017)
Nesse sentido, não é estranho que FAO se pronuncie em favor das grandes empresas,
afirmando no ano de 2011 que “la seguridad alimentaria dependerá de las grandes
empresas”64, muito embora Carlos Mendonza, o representante venezuelano na FAO afirmasse
a necessidade de maior investimento na Agricultura Familiar, com a finalidade de enfrentar
um acréscimo de 40% nos preços que tiveram os alimentos na América Latina. Em sua
argumentação não se coloca a favor de substituir os cultivos altamente tecnologizados
(biotecnologia), mas que esses sejam balanceados com as formas de cultivo tradicionais.
Afirma como argumento que o que segurou a crise de 2008 junto aos pobres na dimensão
alimentar foi agricultura familiar.
Das sementes à alimentação, outros passos obnublados. A forma da alimentação sob este
modelo agroindustrial (com alta incidência de agrotóxicos, transgênicos, e sob a lógica da
monocultura) tem consolidado a má nutrição e a obesidade. Grande parte da alimentação,
inclusive bebida industrial é derivada ou contém soja, ou ainda com altos índices de açúcar.
A diversidade de produtos alimentícios tem diminuído cada vez mais. Segundo estudo
denominado “Aumentando a homogeneidade nas cadeias alimentares globais e as implicações
na segurança alimentar”65, alimentos como a soja, que até pouco tempo atrás era irrelevante
na dieta alimentar global, converte-se em um dos itens indispensáveis. O arroz e o trigo hoje
são consumidos hoje por cerca de 90% da população mundial. Além de ingerir atualmente
uma alimentação menos variada, se consome mais calorias, proteínas e graxas que há 50 anos.
(VIVAS, 2014)
Uma dinâmica de homogeinização dos hábitos alimentares, que não se trata de escolher ou
não a mudança. Trata-se da constituição e consolidação de mercados alimentares mais
evidentes para a dinâmica de “produção-distribuição-consumo globalizados” se sobrepondo às
necessidades nutricionais e energéticas para a reprodução da vida humana, gerando problemas
de diabetes, coração e alguns tipos de câncer que estão ligadas diretamente ao tipo de
alimento ingerido. (VIVAS, 2014)

64
Reportagem completa disponível em: https://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/fao-dice-que-
la-seguridad-alimentaria-dependera-de-las-grandes-empresas Acesso em agosto de 2018.
65
VIVAS, Esther Vivas. Alimentação global tem cada vez menos diversidade, afirma estudo. Cáritas
Brasileira. Organismo da CNBB. Brasília: Cáritas Brasileira online, 21 de março de 2014
75
1.3 TRANSNACIONAIS QUE ATUAM SOBRE OS RECURSOS ESTRATÉGICOS
NA AMÉRICA LATINA
Como mencionamos acima, vários são os recursos naturais considerados estratégicos pelo
capital, no que diz respeito à sua busca incontrolável de resolver sua crise estrutural. Uma
crise que pelas suas dimensões e caráter altamente destrutivo cria as condições que
caracterizam os limites absolutos de sua lógica de funcionamento. Sob o domínio de grandes
transnacionais, esses recursos naturais estratégicos são extraídos, expropriados e explorados
de maneira devastadora, enquanto lucram valores absurdamente altos.
Comparando alguns dados apresentados nas revistas América Economia e Exame é possível
identificar alguns padrões em relação aos rankings de várias empresas na América Latina
quanto ao seu valor de vendas (em milhões de dólares) e ao lucro que elas têm aquirido. Nas
tabelas que seguem (Tabelas 04, 05, e 06) identificamos prioritariamente as 50 empresas
consideradas maiores no período nos últimos anos.
Observando a tabela 04 é possível identificar que as dez (10) primeiras empresas que estão no
topo do ranking 2018, assim a estiveram entre os anos de 2010 e 2011, e 2016 a 2018, salvo a
Comisión Federal de Eletrecidad – Mexicana que se encontrava entre as vinte (20) primeiras
nestes anos. Observa-se também que os anos de 2012 e 2013, através dos dados conseguidos
há uma quebra do padrão que vinha ocorrendo. Padrão esse que deixava entre as dez (10)
primeiras, quatro (4) empresas de petróleo e gás, uma (1) de mineração, uma (1) do
agronegócio, uma (1) de telecomunicações, uma (1) de energia elétrica e uma (1) de
comércio. Destas, cinco (5) são brasileiras, quatro (4) mexicanas, e uma (1) venezuelana.
Se visualizarmos a totalidade das cinqüenta (50) é possível observar que algumas têm sede no
país identificado (a sede que se encontra classificada no ranking), mas o capital majoritário é
europeu ou norte-americano, como o caso da Walmart, Volksvagem, Nissan, General Motors,
Carrefour e outras.
Das cinqüenta (50) ainda é possível identificar que a grande maioria se refere a petróleo e gás,
agronegócio e comércio. São elas: 11 são do setor de petróleo e gás; três (3) de mineração e
quatro (4) de química e petroquímica; oito (8) do agronegócio (produção de commodities
agrícolas e bio combustíveis); três (3) de energia elétrica; quatro (4) de bebidas; duas (2) de
siderurgia e metalúrgica; três (3) de automotriz; três (3) de telecomunicações e sete (7) de
comércio. Se considerarmos que apenas o setor de comércio e telecomunicações não está
vinculado diretamente aos recursos naturais estratégicos que mencionamos neste capítulo, são
quarenta (40) as empresas envolvidas.
76
Tabela 04 - Ranking das Empresas que atuam na América Latina
Ordem por Receita Líquida (Vendas em Milhões de US$) Empresa País Setor
2010 2011 2012 2013 2016 2017 2018
1 1 17 22 1 1 1 Petrobrás Bra Petróleo / Gás
2 3 --- --- 3 4 2 PEMEX Mex Petróleo / Gás
5 5 16 24 5 3 América Móvil Mex Telecomunicações
7 9 1 2 6 3 4 JBS Friboi Bra Agronegócio
4 4 8 15 8 6 5 Vale Bra Mineração
3 2 41 52 2 2 6 PDVSA Vem Petróleo / Gás
9 10 --- --- 6 8 7 Walmart (Méx. e Centro America) Mex Comércio
6 6 --- --- 7 7 8 Petrobrás Distribuidora Bra Petróleo / Gás
13 16 --- --- 16 16 9 CEF – Comisión Federal de Eletrec. Mex Energia Elétrica
10 11 --- --- 9 9 10 Ultrapar Bra Petróleo / Gás
26 25 53 49 15 13 11 FEMSA Méx Bebidas
--- --- --- --- 17 10 12 Raízen Combustiveis Bra Bio Energia
33 15 --- --- 14 17 13 Empresas Copec Chi Multisetor
--- --- --- --- 35 15 14 Almacenes Exito Col Comércio
--- --- --- --- 10 12 15 Nissan México Mex Automotriz
15 13 --- --- 12 22 16 Techint Arg Siderurgia/Metalúrgica
31 40 --- --- 20 20 17 General Motors (México) Méx Automotriz
12 8 --- --- 18 19 18 Ecopetrol Col Petróleo / Gás
29 26 29 27 19 21 19 CENCOSUD Chi Comércio
35 31 7 5 21 24 20 Grupo Alfa Mex Multisetor
39 35 --- --- 22 18 21 Cosan Bra Agronegócio
11 14 --- --- 13 11 22 Ipiranga Bra Petróleo / Gás
23 22 --- --- 29 23 23 Carrefour Bra Comércio
21 18 --- --- --- --- 24 Braskem Bra Petroquímica
20 20 --- --- 30 33 25 Codelco Chi Mineração
22 27 --- --- 24 25 26 Ambev Bra Bebidas
--- --- --- --- 37 36 27 COPEC Combustiveis Chi Petróleo/Gás
48 50 13 12 26 29 28 Grupo Bimbo Méx Alimentos
14 12 --- --- 11 28 29 GPA-Grupos Pão de Açúcar Bra Comércio
--- --- 44 37 32 31 30 Falabella Chi Comércio
36 30 --- --- 28 26 31 YPF Arg Petróleo / Gás
24 29 4 1 25 30 32 CEMEX Mex Cimento
--- --- --- --- 31 27 33 Telefônica Brasil Bra Telecomunicações
--- --- --- --- --- --- 34 KELLOG Méx Alimentos
--- --- --- --- --- --- 35 Servgás – Distribuidora de Gás Bra Petróleo/Gás
37 34 --- --- 34 34 36 Bunge Alimentos Bra Agronegócio
17 19 --- --- 42 14 37 Eletrobrás Bra Energia Elétrica
16 17 9 13 30 32 38 Gerdau Bra Siderurgia/Metalurgia
--- --- --- --- 36 41 39 Volksvagem México Méx Automotriz
--- --- --- --- 47 47 40 Coca-Cola – México Mex Bebidas
58 46 --- --- ? ? 41 Cargill Bra Agronegócio
27 28 26 32 43 35 42 BRF Bra Alimentos
54 43 --- --- --- --- 43 Grupo Bal Mex Multisetor
43 42 --- --- 33 37 44 Coca-Cola Brasil Bra Bebidas
--- --- --- --- --- --- 45 Grupo México Mex Mineração
--- --- --- --- 145 142 46 Claro Telecom Bra Telecomunicações
--- --- --- --- --- --- 47 Bodega Aurrera Méx Comércio
--- --- --- --- --- --- 48 Latam Airlines Group Chi/Bra Aerotransporte
--- --- --- --- 58 58 49 Enel Americas Chi Energia Eletrica
--- --- --- --- 40 50 50 Petroecuador Que Petróleo/Gás
8 7 12 11 --- --- --- Odebrecht Bra Multisetor

Tabela Organizada pela autora com informações da Revista América Economia 66

66
A identificação do item país na tabela acima se refere ao de capital majoritário na Empresa.
Os dados referentes a 2010 e 2018 estão disponíveis em: https://rankings.americaeconomia.com/2012/las-
500-empresas-mas-grandes-de-america-latina/ranking-500-america-latina-1-50.php . Acesso em outubro de
2018. Dados referentes a 2012 e 2013, disponíveis em:
https://rankings.americaeconomia.com/2013/ranking_multilatinas_2013/ranking.php . Acesso em outubro de
2018. Dados de 2016 e 2017, disponíveis em: https://www.americaeconomia.com/negocios-
industrias/conozca-las-500-empresas-mas-grandes-de-america-latina . Acesso em outubro de 2018. Dados de
2017 disponível em: https://www.americaeconomia.com/negocios-industrias/conozca-las-500-empresas-
mas-grandes-de-latinoamerica-2018 . Acesso em outubro de 2018.
77
Ao voltarmos o olhar para as empresas de capital originalmente brasileiro ou as que têm sede
no Brasil é possível identificar que num período de 2009 a 2018, a Petrobrás - empresa estatal
esteve no topo quanto ao valor de vendas e lucro líquido. Se somado com a Petrobrás
Distribuidora (segundo lugar no ranking) teve um total de vendas no ano de 2018 de
US$95753,2 milhões de dólares. A mineradora Vale esteve no ano de 2018, posicionada em
quarto lugar no ranking com um lucro líquido de US$5.251,3 milhões de dólares.
Importante mencionar ainda que das cinqüenta (50) maiores do ranking da revista Exame no
ano de 2018, doze (12) são do campo do agronegócio, incluindo a petroquímica (agrotóxicos
e fertilizantes); quatro (4) vinculadas à produção e distribuição de combustíveis; cinco (5) de
energia elétrica (produção e distribuição); e uma (1 de bebida). Curiosamente, em vigésimo
lugar, com um crescimento de cinco vezes mais desde 2009, encontra-se a Amil, empresa de
serviços de saúde.

Tabela 05 – Ranking das Empresas Originalmente Brasileiras ou com Sede no Brasil


Ordem por receita líquida Vendas líquidas Lucro líquido em
2009 2010 2017 2018 Empresa/ Sede Setor em 2018 2018
(Milhões de US$) (Milhões de (US$)
1 1 1 1 Petrobras (RJ, RJ) Energia 69.965,6 973.2
2 2 2 2 Petrobrás distribuidora (RJ,RJ) Atacado 25.787,6 339,9
20 4 3 3 Ipiranga (RJ, RJ) Atacado 20.574,9 378,6
4 3 5 4 Vale (RJ,RJ) Mineração 19653,9 5.251,3
--- --- 4 5 Raízen Combustíveis (SP, SP) Atacado 18.673,7 505,2
9 11 6 6 Telefônica (SP, SP) Telecomunicações 12075,2 1440,5
14 10 9 7 Braskem (Camaçari, BA) Química e Petroquímic 11.196,8 1326,6
22 20 7 8 Cargill Agrícola (SP, SP) Bens de Consumo 10485,0 160,5
123 34 20 9 Atacadão (SP, SP) Atacado 9.555,5 480,0
25 26 8 10 Claro (SP,SP) Telecomunicações 9347,7 -278,2
15 17 11 11 Bunge (Gaspar, SC) Bens de Consumo 8.934,6 107,6
--- --- 15 12 FCA Automóveis (Betim, MG) Autoindustria 8153,9 NI
--- --- 13 13 GPA (SP, SP) Varejo 7976,7177,8
26 32 10 14 BRF (Itajaí, SC) Bens de Consumo 7.843,1 -322,8
61 30 12 15 JBS (SP, SP) Bens de Consumo 7173,6 150,9
5 7 14 16 Cervejaria Ambev (SP, SP) Bens de Consumo 6.669,4 2018,1
--- --- 17 17 Via Varejo (São Caetano do Sul, SP) Varejo 6477,8 52,0
56 49 18 18 Samsung (Manaus,AM) Eletroeletrônicos 5724,0 NI
19 16 25 19 Arcellor Mittal Brasil (BH, MG) Siderurgia e Metalurg 5714,4 31,2
113 102 22 20 Amil (SP, SP) Serviços de Saúde 5713,9 -31,4
110 114 27 21 Sendas (São João de Meriti, RJ) Varejo 5691,4 158,4
63 46 30 22 ADM (Vitória, ES) Bens de Consumo 5388,5 NI
--- --- 19 23 JBS-Foods (SP, SP) Bens de Consumo 5362,8 NI
--- --- 24 24 Correios (Brasilia, DF) Serviços 5321,0 250,9
3 5 31 25 Wolksvagen (São Bernardo do Autoindústria 5117,2 NI
Campo, SP)
75 76 31 26 Louis Dreyfus Company (SP,SP) Produção 4982,4 103,1
Agropecuária
12 13 26 27 Tim cellular (SP,SP) Telecomunicações 4847,6 377,7
--- --- 28 CBRS (Jaguariúna, SP) Bens de Consumo 47757,3 -412,3
(Bebidas)
48 40 28 29 Sabesp (SP, SP) Infra-estrutura 4483,5 867,3

78
18 18 32 30 Walmart- Brasil (Barueru, SP) Varejo 4235,4 NI
52 53 23 31 Embraer (São José dos Campos, SP) Autoindústria 4045,4 220,6
--- --- 39 32 Eletropaulo (Barueri, SP) Energia 4041,6 -237,8
40 38 29 33 Toyota (São Bernardo do Campo, SP) Autoindustria 4020,6 NI
--- --- 38 34 Coopersucar – Cooperativa (SP, SP) Produção Agropec 4001,4 -0,6
7 25 35 35 Carrefour (SP, SP) Varejo 3951,5 NI
95 138 44 36 Amaggi Commodities (Cuiabá, MT) Atacado 3910,0 90,8
--- --- 41 37 RD (SP, SP) Varejo 3900,2 151,2
35 37 43 38 Cemig Distribuição (BH, MG) Energia 3778,8 0,7
60 75 37 39 Itaipu Binacional (BSB, DF) Energia 3740,4 NI
--- --- 52 40 Magazine Luíza (Franca, SP) Varejo 3621,3 120,1
59 51 54 41 Renault (São José dos Pinhais, PR) Autoindústria 3449,2 118,2
49 61 36 42 ALE (Natal, RN) Atacado 3437,2 9,9
--- --- 45 43 Lojas Americanas (RJ, RJ) Varejo 3376,1 70,0
37 36 40 44 Tam (SP, SP) Transporte 3253,3 NI
32 28 50 45 CSN (SP, SP) Siderurgia e Metalurg 3187,9 21,8
81 90 42 46 Coamo (Campo Mourão, PR) Produção agropecuária 3177,3 211,7
--- --- 48 47 BG Brasil (RJ, RJ) Energia 3145,9 NI
30 19 72 48 Usiminas (BH, MG) Siderurgia e Metalurg 3062,3 59,5
42 42 59 49 Lght Sesa, RJ,RJ Energia 3008,2 38,0
57 56 46 50 Globo, RJ, RJ Comunicações 3001,6 507,6

Tabela Organizada pela autora com informações da Revista Exame 67.

Apresentamos também, no que se referem às empresas transnacionais que atuam no


agronegócio no Brasil, algumas de capital majoritariamente brasileiro, e outras européias ou
norte-americanas. Observa-se que a atenção especial deste setor se dá na produção de
derivados de soja, carnes bovinas, aves, madeira e celulose, açúcar e álcool, e, sementes.
Muitas destas empresas mantêm operações em vários países da América Latina, como é o
caso da Bunge (Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Peru e Venezuela); da
Unilever (Brasil, Argentina, Chile e Colômbia); da Copersucar-Cooperativa (Trinidad
Tobago, Venezuela, Colombia, Peru, Chile, Argentina e Uruguai); o grupo JBS (Brasil,
Argentina, Paraguai e Chile); ADM (Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai); BRF (Brasil e
Argentina), entre outras. (BATISTA, 2013)
Segue abaixo tabela síntese com o ranking das empresas que atuam no Agronegócio no Brasil
e suas posições entre os anos de 2009 e 2018.

67
Dados compilados da Revista Exame. Referenncias: EXAME. Revista Exame. Melhores & Maiores do
Brasil. Edição Especial. SP: Editora Abril: Julho de 2011. E, EXAME. Revista Exame. Melhores & Maiores
do Brasil. Edição Especial. SP: Editora Abril: Agosto de 2018. (p.330)
79
Tabela 06 – Ranking das Empresas que atuam no Agronegócio no Brasil
Ordem por receita líquida Vendas Lucro líquido
Empresa/ Sede Segmento líquidas 2017 em 2017
2009 2010 2011 2012 2017 2018 (Milhões de (Milhões de
US$) (US$)
2 2 2 1 1 1 Cargil Agricola (SP, SP) Óleo, farinhas e conserv. 10485 160,5
1 1 1 2 3 2 Bunge (Gaspar,SC) Óleo, farinhas e conserv. 7843,1 107,6
5 5 5 4 2 3 BRF (Itajaí, SC) Aves e suínos 7843,1 -322,8
8 4 3 3 4 4 JBS (SP, SP) Carne bovina 7173,6 150,9
10 8 6 5 6 5 ADM (Vitoria, ES) Algodão e grãos 5388,5 NI
--- --- --- --- 5 6 JBS Foods (SP, SP) Aves e suínos 5362,8 Ni
13 12 9 7 7 7 Louis Dreyfus Company (SP, Óleo, farinhas e conserv. 4982,4 103,1
SP)
7 9 7 6 8 8 Coopersucar-Cooperativa, (SP, Açucar e álcool 4001,4 -0,6
SP)
18 30 20 12 10 9 Amaggi Commodities (Cuiabá, Algodão e grãos 3910,0 90,8
MT)
15 16 11 9 9 10 Coamo (Campo Mourão, PR) Atacado e comercio 3177,3 211,7
exterior
17 15 14 18 12 11 Suzano Papel e Celulose Madeira e Celulose 2884,3 606,5
(Salvador, BA)
33 46 34 29 11 12 Yara Brasil (Porto Alegre, RS) Adubos e defensives 2854,3 Ni
38 22 21 22 14 13 Coopersucar (SP, SP) Açúcar e álcool 2599,2 76,2
20 17 22 25 20 14 Klabin (SP, SP) Madeira e celulose 2576,1 206, 6
--- --- --- --- 25 15 Cofco Brasil (SP, SP) Algodão e grãos 2551,0 22,5
6 7 8 --- 13 16 Unilever Brasil (SP, SP) Óleo, farinhas e conserv. 2470,7 Ni
27 31 25 24 17 17 Aurora Alimentos, (Chapecó, Aves, Suínos 2470,6 89,2
SC)
12 11 10 10 15 18 Basf (SP, SP) Adubos e defensives 2466,1 -94,8
26 18 17 21 26 19 Mafring (SP, SP) Carne bovina 2332,5 23,1
21 25 23 17 18 20 Syngenta (SP, SP) Adubos e defensives 2209,8 Ni
36 33 35 33 22 21 C. Vale (Palotina, PR) Aves e suínos 2096,0 23,4
39 40 29 30 21 22 Mosaic (SP, SP) Adubos e Defensivos 2036,7 21,0
--- --- 27 28 24 23 Minerva Foods (Barretos, SP) Carne Bovina 2012,4 -78,0
--- --- --- --- --- 24 SHB (Itajaí, SC) Aves e Suínos 1999,8 Ni
19 19 19 13 16 25 Bayer (SP,SP) Adubos e defensives 1920,7 -139,1
29 34 37 15 23 26 Raízen Energia (SP, SP) Açúcar e álcool 1919,8 408,9
(Consan) (Consan) (Consan)

50 52 49 --- 29 27 M. Dias Branco (Eusébio, CE) Óleo, farinhas e conserv. 1654,9 Ni


---- --- --- --- 28 28 Mosaic P&K, (Uberlandia,MG) Adubos e defensivos 1654,9 Ni
3 3 12 21 27 29 Souza Cruz ( RJ, RJ) Fumo 1605,2 Ni
--- --- --- --- 19 30 Nidera Sementes (Patos de 1589,1 -95,4
Minas, MG)
30 20 24 26 31 31 Fibria (SP, SP) Madeira e celulose 1561,5 314,0
55 55 48 42 33 32 Lar (Medianeira, PR) Aves e suinos 1521,1 33,2
--- --- --- --- 47 33 Gavilon do Brasil (SP, SP) Atacado, comercio ext 1506,5 Ni
23 23 15 14 30 34 Heringer (Viana, ES) Adubos e defensives 1470,0 -36,4
9 10 13 20 32 35 Nestlé (SP, SP) Leite e derivados 1353,5 Ni
--- --- --- --- 41 36 Glencore (RJ, RJ) Atacado e com. Exterior 1349,7 20,9
--- --- --- 27 34 37 Mondeléz Brasil (Curitiba, PR) Óleo, farinhas e conserv. 1166,3 Ni
52 48 32 44 35 38 Cooxupé (Guaxupé, MG) Café 1117,2 19,8
25 24 28 23 38 39 DuPont (Barueri, SP) Sementes 1073,3 -3,0
--- --- --- 50 51 40 Biosev Bioenergia, Açúcar e álcool 1061,0 -50,9
(Sertãozinho, SP)
44 50 --- --- 37 41 Monsanto (SP, SP) Sementes 1058,9 Ni
63 59 47 43 43 42 Cocamar (Maringá, PR) Óleo, farinhas e conserv. 1051,3 36,9
35 41 41 36 43 Caramuru Alimentos Óleo, farinhas e conserv. 1046,8 9,3
(Itumbiara, GO)
--- --- --- --- 48 44 Embrapa (Brasilia,DF) Genética, tecnologia e 1026,1 -103,0
Pesquisa
83 81 --- --- 39 45 Camil (SP, SP) Algodão e grãos 1019,0 70,5
--- --- --- --- 49 46 Copacol (Cafelâncdia, PR) Aves e suínos 989,7 50,3
60 68 -- 45 40 47 Comigo (Rio Verde, GO) Algodão e Graos 981,0 32,5
59 63 50 --- 44 48 Bianchini (Porto Alegre, RS) Óleo, farinhas e conserv. 976,9 15,9
24 29 36 --- 46 49 Seara Agro-Pecuários Atacado E comercio 976,0 Ni
(Sertanópolis, PR) exterior
--- --- --- --- 59 50 Eldorado Brasil (SP, SP) Madeira e Celulose 973,1 248,0

Tabela organizada pela autora com dados da Revista Exame. Maiores e Melhores.68

68
Os dados têm origem da Revista Exame que identifica anualmente os rakings das maiores empresas em lucro,
vendas e outros quesitos, além de análises comparativas a respeito dos dados. Referencias: EXAME. Revista
80
Os dados acima mencionados demonstram a tamanha lucratividade que estas empresas têm
sobre a natureza, que se desdobra em diferentes recursos estratégicos para a expansão do
capitalismo imperialista cada vez mais brutal em tempos de crise. O que demonstra
nitidamente o caráter auto-destrutivo do modo de produção capitalista, que buscando superar
sua crise através do desenvolvimento impetuoso, aponta a iminente da aniquilação das
espécies de vida neste planeta, inclusive a humana.
Um iminente colpaso ambiental se aproxima se não houver um rompimento do ciclo de
produção e acumulação capitalista. O autor Marques Filho (2016) analisa de maneira
aprofundada esse aspecto e afirma que “não é possível um colpaso ambiental desvinculado de
um colpaso social”, pois as rupturas dos ecossistemas desencadeariam ao mesmo tempo
problemas ambientais e sociais que podem ser irreversíveis. O todo destas relações é atingido,
pois o conjunto das interações e comportamentos é completamente interligado. E mesmo que
haja uma variação de tempo, localidade e extensão geográfica, as diferentes catástrofes
ambientais (como desertificação, inundação, tempestades), implicam diretamente nos
processos sociais, como por exemplo, o alto índice de migração, epidemieas, entre outros.
Estamos, portanto, na iminência de um colpaso sócio-ambiental, fruto de um processo
destrutivo. (MARQUES FILHO, 2016, p. 513)
Os sistemas vivos, quanto mais degradados, mais demoradamente conseguem ser restaurados,
e com esse ritmo de destruição, mais rapidamente se aproximam as crises, ou mais
rapidamente ao ponto crítico de crises. Neste caso, ocorrendo certo acúmulo de crises parciais
ou locais podem chegar aos “limites da resiliência” causando falência de suas estruturas de
sustentação – um colpaso. É certo que não é a primeira vez que se apresenta na consciência
histórica a idéia de “colpaso socioambiental”, mas a possibilidade iminente de ocorrer um, é o
primeiro da história que “avança conscientemente, sem que, contudo possa, ao menos até
agora, deter a engrenagem sócio-economica que nos impulsiona em sua direção”.
(MARQUES FILHO, 2016, p. 520)
Essa destruição da natureza irremediavelmente leva à barbárie, se não houver uma necessária
revolução social. No prefácio da obra Para a Crítica da Economia Política escrito em janeiro
de 1859, Karl Marx salienta que é o choque abrupto entre as forças produtivas - condições
materiais da existência (que se transformam em grilhões das mesmas) e as relações sociais de

Exame. Melhores & Maiores do Brasil. Edição Especial. SP: Editora Abril: Julho de 2011. EXAME. Revista
Exame. Melhores & Maiores do Brasil. SP: Editora Abril: abril de 2012. EXAME. Revista Exame.
Melhores & Maiores do Brasil. Edição Especial 40 anos. SP: Editora Abril: Julho de 2013. EXAME. Revista
Exame. Melhores & Maiores do Brasil. Edição Especial. SP: Editora Abril: Agosto de 2018. (p.330)
81
produção é que podem provocar um revolucionamento na formação social, muito embora,
uma época social não se dissolve se não estiverem desenvolvidas todas as forças produtivas
materiais.
São essas relações materiais (econômicas e superestruturais) que forjam o ser social, e que
determinam as formas de consciência social. As contradições entre as forças produtivas
materiais (para sua existência) e as relações sociais de produção é que explicam as formas de
consciência. Aqui não se trata de consciência individual, mas da consciência coletiva das
diferentes classes trabalhadoras. E é por isso que a humanidade se coloca apenas as tarefas
que pode resolver.
Diante deste capitalismo monopolista e imperialista em sua forma atual, o então chamado
“neoliberalismo”, marcado pela financeirização, pela transnacionalização, pela produção
altamente destrutiva, e pela crescente precarização do trabalho, a lógica de funcionamento do
sistema de capital encontra seus limites marcadamente numa crise estrutural, e que leva a
cabo o agravamento das condições de existência da classe trabalhadora e da autodestruição
humana e planetária. As políticas econômicas neoliberais que se desdobraram através dos
diferentes governos desde sua origem, inclusive nos governos populares e progressitas sob a
forma do neodesenvolvimentismo, chegam atualmente num estágio muito mais ofensivo em
plena crise estrutural - o ultraneoliberalismo. Nesse sentido, consideramos importante olhar
para a movimentação das classes e fragmentos das classes trabalhadoras, especialmente as do
campo, e sua perspicácia quanto aos desafios históricos que lhes são incubidos no que diz
respeito à emancipação humana.

82
CAPÍTULO II
PADRÕES DE DOMINAÇÃO NA AMÉRICA LATINA E A MOVIMENTAÇÃO DAS
CLASSES TRABALHADORAS DO CAMPO

Pongo estos seis versos en mi botella al mar


con el secreto designio de que algún día
llegue a una playa casi desierta
y un niño la encuentre y la destape
y en lugar de versos extraiga piedritas
y socorros y alertas y caracoles.
(Mario benedetti)

Mészáros (2009a, 2011a), afirma que num tempo de crise estrutural do sistema capitalista,
uma transformação estrutural da sociedade se faz uma necessidade histórica, necessita de
“remédios estruturais abrangentes”. Esta formulação pauta com tamanha intensidade a
transformação radical e global desta sociedade como em nenhum outro momento da história
da luta de classes nos marcos do capitalismo.
Mas, como essa transformação não é um ato único e mecânico, buscamos imergir na chave
histórica da luta das classes que se faz na medida em que classes sociais se colocam em
movimento, e se posicionam frontalmente uma à outra.
Abordamos anteriormente algumas das condições objetivas que podem provocar a
movimentação dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, mas tampouco esse é um ato
inevitável. Existe um universo de questões que podem influenciar se estes trabalhadores se
colocam ou não em movimento, e ainda, se constituem ou não como classe. Podemos aqui
fazer menção ao papel da ideologia dominante e seus tentáculos que pode direcionar na
consciência desses trabalhadores uma postura de conformismo ou de fatalismo, especialmente
no âmbito da alienação, da reificação, mas também na dimensão da consciência social e em
seus próprios instrumentos de organização política, que arduamente vivenciam as
contradições da luta concreto.
Classes sociais, portanto, não são se constituem no vácuo, ou mecanicamente a partir das
relações com os meios de produção (as condições objetivas). Mas tornam-se efetivamente
classe na medida em que lutam consolidando um programa consciente ou em gérmem que se

83
contraponha ao concreto vivido. Ao mesmo tempo são as bases concretas da consciência
social que vai se forjando.
Portanto, consideramos que classe se constitui no seu movimento de classe, e toma
consciência de si na medida em que constrói o próprio movimento da classe - a luta de
classes. É nela que a consciência de classe se revela, se contrapõe, se contradiz, e toma
ciência dos limites de sua luta e de seu tempo. É nela que as condições objetivas da produção
e reprodução da vida humana podem ser modificadas. E é nela que uma organização política
popular pode dar um sentido diretivo para este movimento, ou para a espontaneidade da luta.
Como mencionado anteriormente, a crise estrutural do sistema de capital nos marcos da fase
imperialista em sua dinâmica neoliberal, busca fôlego no impulso de acumulação artroz,
desenfreada. No caso do campo, articulando a exploração direta, a despossessão, a subsunção
total de formas não capitalistas de produção, e a extração desenfreada de recursos estratégicos
na natureza. Parece repetir continuamente a dinâmica da acumulação originária como
afirmava Luxemburgo (1970) na busca de efetivar altíssimas taxas de lucro, logicamente
guardadas as proporções temporais e territoriais.
A questão que se faz presente é em que medida estas condições objetivas estão evidentes para
as classes trabalhadoras que se encontram em luta. O que provoca a identidade de classe no
campo diante da reconfiguração do capital nos últimos anos? São reconhecidas as profundas
rachaduras provocadas pela crise atual? Ou ainda, como se move a consciência das classes
trabalhadoras em luta, especialmente as do campo, diante desta materialidade que ameaça a
existência da vida humana e da natureza? Seria a Via Campesina um instrumento político de
organização de classe que se movimenta diante das conseqüências do desenvolvimento do
capital no campo? Estas muitas questões se apresentam aqui como articuladoras das reflexões
que desmembramos nesse estudo.
Como parte destas reflexões, consideramos importante destacar aspectos que conformam um
padrão de dominação na formação sócio-econômica da América Latina, bem como as
históricas lutas das classes trabalhadoras do campo. Estes elementos serão tratados neste
capítulo.

2.1 DOS PADRÕES DE DOMINAÇÃO CAPITALISTA NA AMERICA LATINA


Afirmamos anteriormente que o capitalismo monopolista e imperialista em sua forma atual,
tem incidido no campo de maneira bárbara, expandindo-se e desenvolvendo-se dentro de um
ciclo de crise estrutural. É vital para ele nesse momento intensificar processos de
84
expropriação, despossessão, de extração e manejo de recursos naturais em alta escala
provocando sua destruição.
Esse processo está associado à especificidade da formação econômica e sócio-política na
América Latina – a do desenvolvimento de um capitalismo dependente, que perfila inclusive
um padrão de ação das classes dominantes em seus países. Segundo Fernandes (1975), as
nações latino-americanas, produto do colonialismo, adquirem formas mais complexas após os
processos de emancipação nacional, absorvendo as características da organização capitalista
da economia em decorrência da natureza do capitalismo nos países centrais. Um processo que
se defronta com dois problemas componentes da “dinâmica colonial e da subserviência” aos
fins econômicos controlados a partir de fora: o imperialismo a partir da hegemonia
estadunidense; e, o enfrentamento às empresas corporativas com dominação implacável por
parte dos EUA.
Um dos padrões de dominação externa surge com a desagregação do sistema colonial, onde a
Europa conquista o controle dos negócios de exportação e importação da América Latina
constituindo uma forma neocolonial. A partir da revolução industrial na Europa, uma
importante função dinamizadora atinge as diversas dimensões da economia e da cultura
(inclusive a partir de padrões de consumo e propaganda de massa) que através de mecanismos
indiretos de mercado mundial, forja um padrão de dominação imperialista e de capitalismo
dependente, onde as revoluções burguesas nacionais não foram aceleradas. (FERNANDES,
1975)
Ainda, outro padrão de dominação externa surge mais recentemente com a expansão das
empresas corporativas nos países da América Latina, representando o capitalismo
corporativista monopolista, onde os EUA em parceria com alguns países europeus menos
dotados de hegemonia configuram um imperialismo total, subsumindo os Estados e
economias nacionais à lógica do desenvolvimento de um capitalismo dependente. Os países
que passaram por todas essas formas de dominação externa citadas pelo autor foram: Brasil,
Argentina, Uruguai, Chile e México. (FERNANDES, 1975)
Para Florestan o desafio da América Latina “não é tanto como produzir riqueza, mas de como
retê-la e distribui-la para criar pelo menos uma verdadeira economia capitalista moderna”. O
padrão de hegemonia imperialista com traços coloniais, associado ao fato que as burguesias
nacionais e as elites do poder não são submetidas às pressões democráticas, torna-se
destrutivo para o desenvolvimento interno desses países do continente. (FERNANDES 1975,
p. 20-23).

85
A hegemonia dos EUA entre as nações latino-americanas se constitui essencialmente pela
presença da segurança das fronteiras econômicas e por sua ação conjunta com as burguesias
nacionais contra mudanças de caráter revolucionário, ou ainda, contra as simples melhorias
das condições de vida dos trabalhadores dentro da ordem capitalista. Para Fernandes (1975) o
dilema latino-americano consiste justamente na combinação de dois aspectos da áspera
realidade: por um lado uma estrutura econômica e sociocultural de países que absorvem as
transformações do capitalismo, inibindo o desenvolvimento autônomo; e por outro uma
dominação externa que estimula a modernização, mas impede a revolução nacional com real
autonomia. Neste caso, a dependencia articulada ao subdesenvolvimento tem aspectos
positivos tanto para o imperialismo como para as burguesias nacionais que conseguem manter
seus privilégios.
Florestan Fernandes (1975) ainda aponta que as classes sociais na América Latina se
manifestam a partir dessa formação histórico-social, e pela forma como o capitalismo se
objetiva e se irradia estruturalmente. Sendo assim, a pergunta que move as reflexões do autor
é: diante dessa situação é possível para os países latino-americanos atingir uma autonomia
econômica e sócio-cultural através do capitalismo? Suas considerações caminham em direção
à análise do papel desempenhado pela classe burguesa que para preservar e intensificar seus
previlégios são intolerantes quanto às transições e revoluções mesmo dentro da ordem,
bloqueando qualquer possibilidade de transformação – um padrão de dominação autocrático-
burguês.
Sobre este padrão de dominação, Fernandes (1976) afirma que as classes dominantes tanto as
dos países capitalistas centrais e hegemônicos, como as burguesias nacionais tem interesses
semelhantes centrados em manter a ordem, salvar e fortalecer o capitalismo impedindo a
deterioração do controle burguês sobre o Estado. Estes interesses fazem com que o caráter do
capitalismo dependente aceite inclusive formas abertas e sistemáticas de ditadura da classe
dominante. O “atraso da revolução burguesa” nos países dependentes é fundamentado no
papel que as classes dominantes desempenham simultaneamente de sobrevivência delas
mesmas e do próprio capitalismo de maneira inflexível. No caso do Brasil, o autor assinala
que a ditadura civil-militar de 1964, sela esse caráter da Revolução Burguesa Nacional, e do
papel dependente desta burguesia.
A consciência social das burguesias nacionais se constituiu na ambígua e contraditória relação
de sujeição aos interesses imperialistas, acomodando-se a situações de bem estar e certo poder
interno no país de origem. Compulsoriamente investiu em processos produtivos para extração
de mais valia ou ainda na expropriação de bens da natureza para enfim aprovisionar os
86
interesses imperialistas, que representa na verdade o que gostaria de ser – a sublimação de seu
ser subserviente e dependente.
Fernandes (1975) aponta que entre as contradições essenciais do capitalismo dependente
latino-americano estão: a relação democracia e desenvolvimento econômico capitalista rápido
nas condições permanentes de capitalistmo dependente; a relação entre o imperialismo e
revoluções autocrático-burguesas, onde o crescimento econômico ocorre sob as condições de
agravamento das desigualdades econômicas e políticas; a revitalização e criação de novos
privilégios neocoloniais; o controle de classes sobre o enrijecimento da opressão como arma
de controle; e os limites do caráter da revolução burguesa, que consolidam as burguesias
nacionais sob o capitalismo dependente.
Assim, o desenvolvimento do capitalismo na América Latina, para Fernandes (1975) envolve
ao mesmo tempo uma ruptura e uma conciliação com o antigo regime, “a descolonização
nunca pode ser completa, porque o complexo colonial sempre é necessário à modernização e
sempre alienta formas de acumulação de capital que seriam impraticáveis de outra maneira”
(FERNANDES, 1975, p.54). O funcionamento da sociedade de classes sob o capitalismo
dependente revela, portanto, uma natureza autocrática e intolerante com qualquer
possibilidade de questionamento ou mudança desta dinâmica interna.
Ao observar as históricas lutas das classes trabalhadoras na América Latina é possível
perceber com bastante nitidez o fio condutor do caráter dependente, conciliatório e violento
das classes dominantes que massacrou levantamentos e processos revolucionários de
diferentes maneiras que ameçaram em algum momento sua existência plena.
Trazemos a seguir alguns elementos da trajetória de resistência no que diz respeito à luta de
classes no campo, que sob as marcas da colonização e da dominação imperialista, percorreram
um longo e tempestuoso caminho que entrelaça processos de consciência e mobilização de
classe.

2.2 BREVE TRAJETÓRIA DA LUTA DE CLASSES NO CAMPO


Muitas foram às lutas que desde o processo de colonização luso-espanhola-inglesa,
manifestaram-se em rebeliões, levantamentos, resistências e revoluções contra a ordem
dominante em cada momento histórico. No intuito de caracterização do perfil, dos traços
singulares e dos desafios temporais, as agrupamos em quatro grandes momentos: Abya Yala e
as marcas da colonização, onde abordamos a resistência indígena e negra neste continente;
Dos jacobinos negros à Pátria Grande – Nuestra América, quanto aos processos de
87
independência, as contradições do trabalhador livre e das emancipações nacionais; Das
resistências e lutas libertárias; e, Das resistências e lutas de caráter socialista.
A práxis destas lutas aponta traços comuns que marcam a forma e os processos de consciência
em cada um destes momentos históricos.

2.2.1 Abya Yala e as marcas da colonização


A colonização em terras de Abya Yala69 dizimou e reduziu drasticamente os diferentes grupos
étnicos que habitavam o continente. Foram Mayas, Astecas, Mixtecas e Zapotecas na região
entre o México e Guatemala; os kunas, Caraíbas, Arawakes e Miskitos na América Central e
Caribe, os Aymaras, Quéchuas e Mapuches na região andina, e os Guaranis, Tapuias,
Tupikinins, Kaiapós, Tikuna, Terena, Karajás, Yanomamis, Xavantes, Kaigangs, Xetás na
América do Sul, entre tantos outros.
Dentre estes tantos povos, os Caraíbas e Arawaks na América Central - região de Dominica,
foram os primeiros a ter o contato com colonizadores espanhóis em outubro de 1492 que
chegaram a busca do metal precioso. Na medida em que se instalavam, as resistências
espontâneas eram eliminadas através do aprisionamento, esquartejamento, da queima de
indígenas como forma de purificação pelo fogo, e violação sexual de mulheres. A primeira
resistência indígena organizada teve como liderança Hatuey70, um cacique Taíno (etnia
indígena na região) nascido em Quisqueya no Haiti (Ayiti, "terra das altas montanhas", um
nome taíno dado à ilha), e que mobiliza os indígenas numa resistência que duraria cerca de
dois anos na região leste de Cuba. Quando capturado foi torturado e queimado vivo em
fevereiro de 1512 na região de Granma, num povoado chamado Yara, Cuba.
Processo que se repetiu incansavelmente através do papel assumido por Colombo e Hernán
Cortez junto aos astecas e demais povos no México a partir de 1519; Francisco Pizarro com
os Incas na região andina a partir da captura e morte de Athaualpa em 1532; e Pedro Álvares

69
Abya Ayala na língua Kuna significa “Terra Madura”, “Terra do Florescimento”, “Terra Viva”. O povo Kuna
vivia na região onde atualmente localiza-se entre o norte da Colômbia e Panamá e designava este território de
Abya Ayala, enquanto os colonizadores de América. Cada povo originário que vivia neste continente
nominava este território de maneira diferente. Como por exemplo, os povos de língua quéchua designavam o
imenso território Inca de Tawantinsuyu que significa “Quatro Terras” (Tawantin expressa o número 4, e suyu
expressa terra); ou ainda, na região onde hoje é o México, Anáhuac na língua náhuatl, que significa “Terra
rodeada das grandes águas”; ou ainda Pindorama que significa que “Terra de Palmeiras”, denominado pelos
povos Tupi-Guaranis que viviam na costa da América do Sul quando os colonizadores portugueses
chegaram.
70
A história de Hatuey é tratada no filme “Y También la Lluvia” (no Brasil é lançado como A Guerra da Água).
Uma coprodução entre Espanha, México e França, lançada em 2010 sob a direção de Icíar Bollaín, que busca
realizar um paralelo da historia e Hatuey com a Guerra da Água que aconteceu em Cochabamba, Bolívia no
ano de ano de 2000.
88
Cabral com indígenas no Brasil. Processos de dominação marcados por intensos conflitos e
resistência armada, como foi o caso dirigido pela Cacica Gaitana (também conhecida como
Guaitipan), entre os anos de 1539 e 1540, na região de Huila (Colômbia) próximo ao rio
Magdalena.
Galeano (1996) registra sob a forma literária, aspectos do método de colonização no que diz
respeito à dominação das mulheres indígenas a partir da experiência ocorrida no Paraguai.
Elas eram “os troféus das rodas de dados, ou de baralho, presa das expedições da selva”.
Estupradas, frequentemente se matavam “enforcando-se, ou comendo terra, e tem as que
frequentemente negam o seu peito a seus filhos recém-nascidos”. Numa destas noites de
abuso, Índia Juliana mata o colonizador Nuño de Cabrera, com uma faca, incitando as outras
mulheres a fazer o mesmo. (GALEANO, 1996, p. 157-158)
Parte do método da colonização empregada pelos espanhóis e pelos portugueses era o uso de
mulheres indígenas para o prazer, a servidão, e a procriação de “mestiços”. Ao mesmo tempo,
a destruição de formas de sobrevivência e produção da vida material (seja da experiência
andina, ou da experiência tupi-guarani), e a imposição de novas relações de trabalho e
produção sobre o domínio colonizatório em favor da acumulação nos países centrais.
Referimos-nos aqui aos sistemas plantation e hacienda como forma da organização e
dominação a partir da prorpiedade da terra colonizada.
Quanto à forma de organização do trabalho, a América Espanhola se utilizou da mão de obra
indígena através de formas contratuais chamadas de mita ou encomienda. Formas estas, onde
o colonizador garante o direito de exploração cedido pelo reinado, com o uso da mão de obra
local. Tanto na mita como na encomienda houve a captura de indígenas que eram obrigados a
ceder parte de seu trabalho ao dono da propriedade concedida - uma relação de
obrigatoriedade com formas análogas à servidão e à escravidão. Na encomienda, aquele que
tinha os direitos de concessão da propriedade, encomendava trabalhos às comunidades
indígenas que poderiam levar meses, e em troca deveriam instruí-los ao catoliscismo, ao
mesmo tempo em que pagar um tributo à metrópole. (CORREA, 2015)
Na América de colonização portuguesa, a forma de organização do trabalho esteve pautada
nas relações de escravidão, inicialmente dos povos indígenas - sociedades que não tinham
desenvolvido a noção de propriedade, muito menos a de propriedade individual, e, logo em
seguida dos povos africanos através do tráfico negreiro e baixo à lei do açoite. O tráfico de
escravizados e as relações de produção escravistas estão relacionados à acumulação de
capital. E nesse caso, o escravismo africano era mais rentável que o escravismo indígena
diante da economia mundial.
89
No Continente Americano o tráfico negreiro gerava lucro para além de seu próprio trabalho
escravizado nas colônias. Os navios negreiros realizavam o chamado “comércio triangular”,
onde o lucro se estabelecia nos três vértices. Na saída da Europa eram levadas armas, tabaco,
rum, cavalos, ferro, e outros produtos para na África com a finalidade de trocar por escravos e
marfim. Essa troca era chamada de escambo. Em seguida os negros capturados eram vendidos
como instrumentos de trabalho (peças) na América gerando novo lucro. E como último
percurso do ciclo, a matéria prima e os minérios saqueados deste continente eram levados
para a Europa. Assim, o negro, como parte fundamental, completava o elo triangular ao ser
vendido como mercadoria nas Américas.
Os registros do “Banco de Dados do Tráfico Transatlântico de escravos”71 apontam
informações sobre cerca de 36.000 viagens negreiras, onde cerca de 12,5 milhões de africanos
(de várias etnias) embarcaram à força para as Américas entre os séculos XVI e XIX. Estes
registros indicam que a grande maioria era homens, mas com uma porcentagem considerável
de mulheres – chegando a 1/3 do total. Também é importante ressalatar que cerca de 1/3
desses registros eram de crianças de até 14 anos de idade (meninos e meninas).
O primeiro documento de uma viagem negreira direta da África para as Américas consta em
1525, sendo que no caso do Brasil, a partir de 1560 registra-se o início do tráfico contínuo de
escravizados. Outra informação que destacamos é que no Brasil entre os anos de 1676 e 1700
entrou 297.272 negros, que vendidos como “peças” compunham a principal força de trabalho
para a produção de riqueza. Importante lembrar que ao final do século XVII inicia o ciclo de
extração de ouro em Minas Gerais. As principais bandeiras do tráfico de escravos foram
Espanha-Uruguai e Portugal-Brasil, sendo que a última viagem transatlântica negreira
documentada chegando às Américas foi em 1866.
Assim, os países da América Latina se desenvolveram articulando uma economia de
subsitência da própria força de trabalho, com a exportação da produção de excedente para a
metrópole. Excedente este produzido sob as bases do trabalho escravo negro-indígena, e de
relações análogas à servidão junto aos povos originários. Essa marca colonizadora se
estenderá ao longo dos anos, reafirmando-se a cada novo ciclo da economia mundial, com
uma caricatura diferente.
Esta caracterização influenciou enormemente as primeiras formulações estratégicas das lutas
socialistas no início do século XX no continente. Numa leitura de que a América Latina

71
Informações retiradas do sitio eletrônico Voyages, que reúne vários dados e registros de embarques e
desembarques de negros para a escravidão. Disponível em: http://www.slavevoyages.org/ . Acesso em julho
de 2018.
90
vivenciou a partir dos processos colonizatórios um sistema feudal que não se concluíra, era
necessário construir as condições para o desenvolvimento das bases capitalistas sob a
hegemonia de relações de produção assalariadas, constituindo assim um sujeito revolucionário
operário que conduziria as transformações socialistas.72
Entretanto, essa análise baseada na existência de relações de produção feudal na América
Latina, pode ser confrontada nos dias atuais com uma importante determinação - o seu papel
nas relações macro-econômicas de produção de riqueza para as metrópoles. Desde o primeiro
momento da colonização, a América Latina estava circunscrita nos marcos do
desenvolvimento capitalista, especialmente Europeu. A exportação das mercadorias
produzidas e expropriadas das colônias diretamente para a metrópole, somada à relação de
dependência e subsunção da coroa real no que tange às relações comerciais, marca outra
forma de análise da formação econômico-política da América latina, onde a mesmo vivenciou
um capitalismo colonial. (CORREA, 2015)
Mesmo que na organização interna do trabalho houve em cada país relações de produção
análogas à servidão, isso não determina que suas relações econômicas e políticas no período
colonial foram feudalistas. O que determina é sua relação com a totalidade do sistema
econômico mundial e sua subserviência ao desenvolvimento máximo do capitalismo europeu.
As relações capitalistas na Europa, assimilando formas se escravização e servidão em suas
colônias produziam as condições objetivas para a acumulação de capitais e o desenvolvimento
das Revoluções Industriais. Ou seja, seu vínculo condicionado ao mercado externo é que
marca os traços do capitalismo na América Latina.
Cabe aqui trazer presente as análises de Rosa Luxemburgo (1970) em relação à função das
Colônias no capitalismo global. No capítulo “A reprodução do capital e seu meio” da obra “A
Acumulação do Capital”, Rosa recupera as questões trabalhadas por Marx no capítulo XXIV
do Capital (volume I) onde descreve a transformação do campesinato em proletariado
industrial, e identifica o processo de “pilhagem” que ocorre nos países coloniais por parte do
capital europeu. Afirma que Marx trata aí apenas da gênese do capital e de sua busca pela
eliminação dos resquícios feudais, mas que em seu desenvolvimento:

[...] o capitalismo está ligado, em seu pleno amadurecimento, à existência coetânea


de camadas e sociedades não-capitalistas. [...] O capital não pode desenvolver-se

72
Essa interpretação foi base fundamental da construção de uma Estratégia Democrático Nacional para a
transição socialista desenvolvida especialmente entre as décadas de 1920 e 1960 nos diferentes países da
América Latina. Sob a influência da Revolução Russa (1917) e da III Internacional (1919), constituíram-se
Partidos Comunistas em todo o mundo. No caso do Brasil, as primeiras formulações foram desenvolvidas por
Octávio Brandão e Astrogildo Pereira, fundadores do Partido Comunista no Brasil.
91
sem os meios de produção e forças de trabalho existentes no mundo inteiro. Para
estender, sem obstáculos, o movimento de acumulação, necessita dos tesouros
naturais e das forças de trabalho existentes na superfície terrestre. Mas como estas se
encontram, de fato, em sua grande maioria, acorrentadas a formas de produção pré-
capitalistas – [...] o meio histórico da acumulação de capital – surge, então, o
impulso irresistível do capital de apoderar-se daqueles territórios e sociedades. [...]
O fato de que dominem organizações sociais não-capitalistas nos países onde
existem aqueles ramos de produção faz que o capital se veja obrigado a subjugar
aqueles países e sociedades, nos quais, por outro lado, o primitivismo das condições
permite que a acumulação se desenvolva com uma violênca e rapidez
extraordinárias, que não seriam possíveis em sociedades de tipo capitalistas.
(LUXEMBURGO, 1970, p. 314-315)

É certo que para o desenvolvimento do capital é necessário uma substituição da forma de


produção comunal pela forma da exploração e do assalariamento. Mas, abarcar grandes
territórios que se encontram sob as forças de outras formações sociais não “inclinadas ao
comércio de mercadorias” ou que “não oferecem os meios de produção mais importantes para
o capital”, podem tornar-se obstáculos ao seu desenvolvimento. Assim, esperar a
desintegração “interna dessas estruturas econômicas” seria o mesmo que “renunciar às forças
produtivas daqueles territórios”, e por isso a necessidade de passar por uma “apropriação
violenta”. (LUXEMBURGO, 1970, p 318-319)
Neste sentido, é fato que o capital estabeleceu uma “apropriação violenta dos principais meios
de produção” nos diferentes países colonizados. Pois os povos originários desse continente
abriram trincheiras em defesa de suas sociedades, e para enfrentá-los, foi utilizado o método
violento da “destruição e o aniquilamento sistemáticos das estruturas sociais não-capitalistas,
com que tropeça em sua expansão”. Assim, o que foi inicialmente um processo de
acumulação primitiva de capital, é agora “um método permanente da acumulação de capital
no processo histórico”, que se expande até os tempos atuais. Enquanto que, para estas
sociedades não-capitalistas trata-se “de uma questão de vida ou morte, e como não há outra
saída, resiste e luta até o seu total esgotamento ou extinção.” (LUXEMBURGO, 1970, p 319-
320)
Parecem-nos que o termo resistência, e de luta pela sobrevivência, expressa o sentido das
incansáveis lutas que ocorreram no período colonial. Onde o que estava em pauta era a
sobrevivência de suas formas societárias, a luta por seus territórios, suas terras comunais, e a
negação das relações de servidão e escravização. Lutas estas que se expressaram na
resistência indígena e negra.
Um processo ímpar nesta trajetória foi a criação das comunidades de resistência chamadas
Quilombos. Nelas reuniam-se negros escravizados que se refugiavam das constantes torturas e
exaustivo trabalho, vindos de uma fuga pontual ou grandes rebeliões por eles organizadas nas

92
senzalas. Em muitos casos, estes quilombos também abrigavam indígenas e mestiços pobres.
Quilombo é uma palavra originária da língua banto (Kilombó) que significa sociedades
guerreiras, e, portanto quilombola tornou-se a identidade de mulheres e homens negros
insubordinados ao sistema colonial.
Foram instituídos vários quilombos na América Latina, que nos países de colonização
espanhola eram chamados de Palenques, territórios de Cimarrones (escravos rebeldes).
Podemos citar aqui os exemplos do: Palenque La Matuna, na Colômbia, próximo ao Rio
Magdalena (devastado pela repressão em 1619); do Palenque em Barquesimeto (Venezuela),
próximo ao Rio Buri, instituído no final de 1552 sob a liderança de Negro Miguel; do
Palenque às margens do Golfo de São Miguel (Panamá) onde Felipillo organizou uma
guerrilha na selva panamenha (1540); o Quilombo de Palmares (1624-1710) no Estado de
Alagoas, Brasil, sob a liderança de Ganga Zumba, Zumbi e Dandara; do Quilombo de
Quariterê (1730-1795) no Estado do Mato Grosso, fronteira entre Brasil e Bolívia, sob a
liderança de Tereza de Benguela até 1770, entre tantos outros. (GARCÍA VALDES, 2015).
Essa resistência ocorria em várias situações numa estreita relação entre os “cimarrones” ou
quilombolas e as comunidades indígenas. Processos estes que se estenderam até os momentos
anteriores das independências nacionais. Podemos aqui citar os exemplos dos levantamentos
indígenas quéchuas e aymaras, comandados por Tupac Amaru II e Micaela Bastidas na região
do Peru (1780), e as de Tupac Katari e Bartolina Sisa no Alto Peru, Bolívia (1781),
respectivamente.
As lutas pela independência e abolição da escravatura marcaram o final do século XVIII e
durante o século XIX na América Latina. De um lado, movimentando as grandes massas de
indígenas e negros que, massacrados pelos diferentes tributos e pela escravização, buscavam a
libertação destas formas de opressão; e, por outro lado sob a influência do liberalismo político
e econômico na Europa (revoluções burguesas), mobilizou ensejos e ações de latino-
americanos, mestiços ou não, sob os ideais da construção da igualdade, liberdade e da
república.

2.2.2 Dos jacobinos negros à Pátria Grande – Nuestra América


A primeira independência que ocorre na América Latina é no Haiti em 1791 decorrente de
rebeliões escravas sob a liderança de Toussaint L´Ouverture e Dessalines - os chamados

93
jacobinos negros73. É considerada a primeira nação negra independente da América Latina.
Para Gorender (2004), Toussaint, teve duas linhas centrais de ação. A primeira delas era uma
busca insistente pela confiança de Bonaparte para estabelecer uma “aliança entre a Revolução
Antilhana e a Revolução Francesa”, não percebendo a inflexão desta última em “relação à
escravidão nas colônias”. A segunda consistiu na decisão de manter a colônia como produtora
de açúcar que em certa medida era justificada pela prosperidade econômica, mas em
contrapartida não lhe coube outra alternativa que “obrigar os ex-escravos”, já livres do ponto
de vista político, a “retornar ao trabalho compulsório nas fazendas” no cultivo da cana e sob
as mesmas condições anteriores – trabalho exaustivo para proprietários brancos. Estas ações
debilitaram a Toussainte, e Moïse (seu sobrinho) organizou uma revolta contra sua liderança.
Foi aprisionado e fusilado.
Gilo Pontecorvo, dirigindo o filme ítalo-francês “Queimada” de 1969, tem um enredo
inspirado na história de Haiti e numa mescla de situações semelhantes que ocorreram nos
países colonizados. De maneira muito interessante busca abordar entre as várias questões, o
movimento de consciência dos escravizados em luta pela libertação e contra a opressão do
homem branco, que representado na figura de José Dolores vai de maneira perspicaz
compreendendo as relações de opressão, organizando as revoltas, e compreendendo os limites
do sistema que se estabelecia.
As provocações expressas no decorrer do filme marcam a genialidade de Gilo Pontecorvo em
abordar questões que representam a singularidade das contradições do processo de
colonização e ao mesmo tempo o gérmen de um novo ciclo de desenvolvimento do
capitalismo com novas formas de opressão. Questões como: o que seria mais rentável, um
escravo ou um trabalhor livre? Como evitar que as rebeliões contra a escravidão não se
transformassem em revolucionamentos de uma época? E como a liberade de comércio exigia
uma reconfiguração da dominação colonial da América Latina.
José Dolores representando um escravizado que vai tomando consciência da opressão e de sua
negação, primeiramente toma consciência de sua identidade coletiva e da resistência coletiva.
Num salto para a consciência da luta contra a escravidão e de sua abolição, vive as
contradições de governar seu povo numa lógica de independência colonial, sob as bases da

73
A principal obra sobre este episódio da história de Haiti é narrada por Cyril Lionel Robert James na obra
“Jacobinos Negros: Toussaint L´Ouverture e a Revolução de Santo Domingo. Publicação pela Boitempo no
ano de 2000. O autor, nascido na Ilha de Trinidade em 1901, viveu na Inglaterra onde filiou-se ao Partido
Trabalhista Independente e à IV Internacional. Uma obra influenciada pela leitura marxista e pela leitura da
“Teoria da Revolução Permanente” de Trotsky. Na publicação da obra realizada no Brasil, o prefácio escrito
por Jacob Gorender marca uma crítica ao preâmbulo escrito pelo autor, datado de 1980, liganda as rebeliões
escravas no Haiti com as lutas operárias do Século XX.
94
liberdade dos seus e sob a pressão do mercado internacional do açúcar pressionando uma
forma de organização interna da produção. Adiante, com a produção sob o domínio da
empresa Companhia Real do Açúcar, e sob a governança dos ingleses, o trabalho livre
assalariado (pago por hora) deu corpo a uma grande massa de ex-escravos livres despossuídos
de terra e dos meios de produção vivendo na miserabilidade. Esta situação marca um novo
momento da luta política e da consciência na representação de José Dolores, uma forma de
consciência que captura a mensagem subliminar: na nova forma de produção há os que detêm
a terra e as plantações e aqueles que detêm o facão para cortar a cana para os donos – é assim,
necessário “cortar cabeças e não cana”, cortar a forma da dominação que substituiu e ao
mesmo tempo subsistiu a esravidão.
“É melhor saber para onde ir e não saber como, do que saber ir e não saber para onde [...]”
Essa expressão dita por um maroon delinea uma passagem importante no movimento de
consciência expressa no levante contra a ordem dominante. Marca a superação de uma forma
de consciencia onde o pão e a fome faz movimentar os trabalhadores para uma forma de
identidade coletiva que luta por objetivos mais amplos – uma forma de consciência social
com flashs de uma consciência revolucionária. Mais marcante ainda seria essa expressão se
apontasse além da imporância do saber para onde, a urgência do saber como ir, pois os
métodos, os caminhos também são princípios que podem ou não possibilitar o avanço da
consciência coletiva.
Outros processos históricos de lutas pela independência foram marcados pela intencionalidade
de construir uma integração latino-americana. Podemos aqui mencionar as lutas encadeadas
por Simón Bolívar (1783-1830, Venezuela/Colômbia), Juana Azurduy (1780-1862, Bolívia) e
Manuela Saenz (1795-1856, Equador/ Peru) na constituição da Grande Pátria, bem como as
lutas de José Martí (1853-1895, Cuba) na construção de Nuestra América, decretadamente
antiimperialismo estadunidense.
Em 1822, Simon Bolívar, atuando na libertação da Bolívia, Colômbia e Equador, encontrou-
se na importante Conferência de Guayanquil74 com José de San Martin (1778-1850,
Argentina) que atuava nas independências de Argentina, Chile e Peru. Constroem um
primeiro projeto de integração sul-americana, e se tornam os mais influentes na construção da

74
A Conferência de Guayanquil ocorreu em 26 de julho de 1822 em Santiago de Guayanquil no Equador. Uma
reunião que colocou em contato Simón Bolívar e San Martín para construir acordos sobre a libertação do
Peru. Os diferentes registros disponíveis a respeito apontam que as partes não conseguiram entrar em acordo,
pois tinham opiniões bastante diferentes, embora respeitosas, em relação a forma de organizar os governos.
Bolívar com uma perspectiva de construir várias repúblicas e San Martín com uma perspectiva de entregar o
governo a uma monarquia. Ao final, San Martín que havia proclamado a Independência um ano antes,
disponibiliza suas forças a Bolívar que fortalece a libertação do Perú numa perspectiva republicana.
95
concepção da Pátria Grande, juntamente com Manuela Saenz e Rosa Campuzano (1796-1851,
Equador) que atuavam em atividades clandestinas, recorrendo informações de interesse aos
revolucionarios.
Das “Libertadoras”, em muitas ocasiões suas casas eram pontos de reuniões e conspiração, ou
para ocultar os chamados “desertores”. Campuzano, atuando em Lima no Peru, foi presa por
alguns dias e denunciada à inquisão (1818) pelas atividades que desenvolvida e por ter “livros
proibidos”. Por suas influencias conseguiu libertar-se. Conheceu Manuela Saenz em Lima
tornando-se amigas e cúmplices das diferentes tarefas que demandava o movimento. Saenz,
filha de um nobre com uma crioula, também lutou junto a Antonio José de Sucre na batalha
de Ayacucho fazendo-se membro do Estado Maior do Exército de Libertação. Após a morte
de Bolívar (el libertador), em 1935 foi exilada ao retornar para o Equador. Assim como
Campuzano, viveu os últimos anos de sua vida na miséria. Em seu exílio recebeu visitas de
Simón Rodriguez (1769-1854, Venezuela/Peru) e Giuseppe Garibaldi (1807-1882,
França/Itália).
Na América do Norte Miguel Hidalgo (1753-1811, México), iniciou um movimento de
insurgência contra os espanhóis junto aos indígenas, mestiços e crioulos. Era comum realizar
grupos de discussão em sua casa abordando temas e acontecimento históricos. A proposta do
movimento independitista surge dessas discussões. Hidalgo redige importantes documentos
históricos que retratavam a luta dessa época, entre eles o Manifesto de dezembro de 1810, que
afirmava a necessidade de unidade na luta contra os espanhóis: “Unánomos, pues, todos los
que hemos nacido en este dichoso suelo, veamos desde hoy como estranjeros y enemigos de
nuestras prerrogativas a todos los que no son americanos”, e por fim propõe estabelecer um
Congresso com “representantes de todas las ciudades, villas y lugares de este reino”
(ROMERO, 1988b, p.43)
A importância da articulação da Pátria Grande é retratada em alguns dos documentos
produzidos por Simón Bolívar e José Martí. Para Bolívar, esta Grande Pátria deveria ser
constituída de nações livres, fora do domínio das metrópoles, serem independentes econômica
e politicamente, e para isso, era essencial a unidade dos povos. Alguns anos mais tarde, José
Martí voltaria a recuperar a idéia da unidade na luta pela libertação dos povos de Nuestra
América.
Nascido em Cuba, Martí foi um dos criadores do Partido Revolucionário Cubano em 1892,
que com um programa de caráter antioligárquico e antiimperialista propunha a libertação de
Cuba e Puerto Rico. Foi organizador da Guerra de 1895 que culminou com a Independência
de Cuba. Poeta, teórico e ativista, engajado na resolução dos problemas de seu tempo, torna-
96
se um dos líderes na luta pela libertação cubana. Passou por muitos países, entre eles, no
México (1876) onde contribui com o Jornal “El Socialista” de grande circulação obrera, e nos
EUA entre os anos de 1880 e 1895. Lá escreve em 1891 o ensaio “Nuestra América”, um
texto poético precioso que indica a necessidade de brotar a unidade latino-americana para as
trasnformações necessárias: entre os “povos que não se conhecem devem ter pressa em se
conhecer, como aqueles que vão lutar juntos”, pois se aproxima a hora em que “deveremos
marchar bem unidos, como a prata nas raízes dos Andes”. A “atual geração leva às costas,
pelo caminho adubado por seus pais sublimes, a América trabalhadora” espalhando a semente
da “América Nova”. (MARTÍ, 1983, p.194-201)
Em “Nuestra América”, também aponta e necessidade de conhecer os problemas para resolvê-
los, conhecer a história das Américas como parte do processo de libertação da tirania,
porquanto a “revolução triunfante com a alma da terra” padece pelo “cansaço da acomodação
entre os elementos discordantes e hostis, herdados de um colonizador” aonde “as idéias e
formas importadas” vieram retardando as lutas de seu povo. Para Martí, “O problema da
independência não era uma mudança de forma, mas uma mudança de espírito”. (MARTÍ,
1983, p.194-201). Essas considerações nos fazem remeter às preocupações que precingem o
tema da consciência. Indica a preocupação com a incidência da ideologia do colonizador
impregnada nas formas políticas de governança e na consciência das massas.
Cuba, que outrora enterrava “Hatuey” agora enterrava José Marti em combate.
No Brasil, os levantamentos anti-escravistas e independitistas do período envolveram
personalidades como Maria Quitéria, Joana de Angelis de Jesus, e, José Inácio de Abreu e
Lima, entre tantos outros. Entre as mobilizações pel independência, uma delas foi a chamada
Revolução Pernambucana em 1817 organizada por um movimento emancipacionista da
monarquia portuguesa buscando a construção de um regime republicano. Considerado o único
movimento que conseguiu passar a fase da conspiração atingindo a ação revolucionária e
tomada do poder. A grande seca que havia atingido a região provocou uma queda na produção
do açúcar e do algodão acentuando a miséria, o que levou a participação de escravizados e
indígenas. Mas, o movimento teve também o protagonismo de comerciantes e padres, entre
eles o Padre Roma, pai de José Ignácio Abreu e Lima que foi posteriormente um dos generais
do exército libertador de Simón Bolívar. As mobilizações se alastraram por outras regiões do
nordeste, entretanto foi dizimado pelas tropas portuguesas.
Os movimentos de Libertação da América Hispânica e do Brasil indicaram a influência do
pensamento liberal. Os chamados libertadores e libertadoras vinham da aristocracia, com
exceção de Dom Pedro I e Maria Leopoldina que eram nobres, que em contradição com suas
97
origens defendiam a independência, a república, a liberdade econômica e política. Entretanto,
muitos deles eram proprietários de escravos, o que demonstra também a lentidão no processo
de abolição de escravatura nos países latino-americanos. Este movimento representou, junto
às lutas sociais anti-escravistas, a contradição do surgimento do “trabalhador livre”.
Qual o papel dos indígenas, negros, afro-americanos (crioulos) - mestiços sem posses, e
pequenos camponeses nas lutas independitistas e pela abolição da escravatura - as lutas de
emancipação política? Parece-nos evidente que em sua grande maioria estavam combatendo
junto, pois o que os unificava era a perspectiva de ruptura com as formas de servidão e
escravião realizadas junto aos índios e negros nas grandes haciendas ou plantations, mas com
interesses distintos.
Um belíssimo texto de Eduardo Galeano chamado “La Primera Reforma Agrária de América
Latina: um siglo y medio de derrotas para José Artigas”75 da obra As Veias Abertas da
América Latina, reafirma que os despossuídos, que realmente lutaram nas batalhas da
Independência não foram recompensados, pois os donos de terra e grandes mercadores
aumentaram suas fortunas. A idéia de nação estava habitada por uma clientela mercantil e
financeira do império britânico, com os latifúndios na retaguarda, uma legião de parasitários
conformando a burguesia nacional, respaudando suas constituições no liberalismo econômico.
(GALEANO, 2012)
Não havia interesse em resolver a questão agrária, se não sob a conveniência dos agora
dominantes. Mesmo assim, ainda é importante ressaltar as grandes iniciativas como as de
Simon Bolívar com o Decreto de Trujillo buscando a protenção dos indígenas, as de Hidalgo
e Morelos no México, e de José Artigas (1754-1850, Uruguai/Paraguai) encarnando uma
revolução agrária em 1815 no Uruguai. Ali se constituía o primeiro código agrário da
América Latina, que sob seu regulmento buscava uma “resposta revolucionária à necessidade
nacional de recuperação econômica e justiça social”, decretando a expropriação e o reparto de
terras sem indenização, onde os indígenas teriam o principal direito. Acompanhava Artigas
nas lutas independitistas os “paisanos pobres”, os índios, e os escravos libertos. Logicamente
a intervenção estrangeira “vingou-se” desconhecendo as doações de terras realizadas por
Artigas, desalojando-os a tiros. (GALEANO, 2012)
Um estudo realizado por Figallo (1994) aponta que três decretos de Bolívar se remetem ao
grave problema da terra e dos indígenas. São eles: o de Cudinamarca em 20 de maio de 1820,
o de Trujillo em 8 de abril de 1824, e o de Chiquisaca em 14 de dezembro de 1825. Estes

75
Este texto completo encontra-se disponível também no link:
http://www.quehacer.com.uy/Uruguay/la_primera_reforma_agraria_de.htm Acesso em setembro de 2018.
98
decretos genericamente apontavam ordens de devolução das terras aos seus “naturais” ou
povos orginários.
No Equador, segundo Acosta (2006) a maioria dos índios e campesinos estavam atados às
fazendas pelos sistemas de dívidas. Outros ainda dependiam de uma pequena propriedade
agrícola sob as diversas formas de “relación pré-capitalista” como os “huasipungueros,
yanperos, arrendatários, aparceros, partidários, huasicamas”. (ACOSTA, 2006, p.30) Muitos
escravizados libertos a cambio de uma indenização, se concentravam como artesãos, e
trabalhadores. Na serra, os terratenientes desenvolveram um sistema de concertaje, que se
tratava de vincular índios sem terra, através do trabalho livre, a relações de trabalho vitalícias
com determinados fazendeiros, o que envolvia toda sua família em atividades agrícolas e
serviços domésticos pelo usfruto de um pedaço de terra. Mantinham-se numa precária
existência e “presos pelas dívidas”. Esta relação de trabalho e de exploração extrema foi
suprimida apenas em 1918.
Na Venezuela, Ezequiel Zamora (1817-1860, Venezuela), sob a consigna “Tierra y hombres
livres!”, lidera rebeliões camponesas contra as oligarquias e por uma revolução camponesa
que transformasse as estruturas agrárias do país. (FIGUEROA In NEGRIN, 2004). Embora
Zamora fosse proprietário de escravos, participou de debates institucionais sobre a abolição da
escravidão em 1854 propondo a distribuição de terras produtivas – posição essa rechazada
pela maioria do Congresso que aprovou a indenização por cada escravizado liberto.
A contradição emancipação política - trabalhador livre nos marcos das lutas independitistas,
demarcaram certa preocupação com as populações negras e indígenas, bem como a
necessidade de abolição da escravidão e da servidumbre, mas isso em essência significava
uma nova forma de trabalho subjulgado à lógica da propriedade privada e da liberdade de
compra e venda da força de trabalho. São tensões e impasses percebidos, que vão desde a
concepção do sujeito histórico que constitui a América Latina, às formas de governo
(república ou monarquia) e de organização econômica. Tensões estas que têm como pano de
fundo os embates entre os fundamentos do positivismo e os fundamentos da emancipação
política.
O positivista Alcides Arguedas (1879-1946, Bolívia), por exemplo, afirmava que a raça
indígena é quem impedia a Bolívia de incorporar-se à civilização. Outros positivistas
apontarão que somente a educação apoioada no positivismo poderá trasnformar a índole dos
povos que pareciam ter nascido para perder. (ZEA, 1980, p. XV). Num esforço por fazer
possível aquilo que “os libertadores haviam fracassado”, partiram de uma visão pessimista de

99
que a realidade era ingovernável pelos conflitos de raças desunidas, e que era necessário
limpar a America para que esta pudesse salvar-se.
Contrariamente a este pensamento, Simón Bolívar, mais realista do que os positivistas,
considerava a contradição servidão x libertação e buscava compreender sobre que base
deveria ser construída o processo de libertação, já que as experiências anteriores eram
calcadas na servidão imersa numa realidade colonial. Para ele, somente a “unidade seria
possível para que a tranformação pudesse ocorrer além do que somente a mudança de
senhores ou amos”. (ZEA, 1980, p. XVII-XVIII).
Romero (1988a/b) faz um importante trabalho de resgatar aspectos do pensamento latino-
americano de emancipação neste período. Importante frizar que aqui se refere estritamente à
emancipação política, chave histórica deste tempo. Mais tarde Marx em “A Questão Judaica”,
problematizará os meandros da emancipação política, suas argúrias e tensões, anunciando
assim o prelúdio da emancipação humana.
O fato é que os processos independitistas e a abolição da escravatura foram efetivados, em
alguns países mais tardiamente que outros. Processos esses que consolidaram uma nova fase
do desenvolvimento capitalista neste continente, alicerçada na expropriação e na concentração
da terra, e respaldada na exploração do “trabalhador livre” e despossuído.

2.2.3 Das resistências e lutas libertárias


A década de 1840 na América Latina é também marcada pela entrada das idéias do socialismo
utópico, assim como pelas primeiras experiências organizativas nesta persepctiva. Entre as
diversas experiências desenvolvidas, podemos citar: as edições do jornal O Socialista no Rio
de Janeiro (Brasil); a criação da Sociedade de Artesãos (de tipo mutualista), em Santiago do
Chile, os clubes socialistas na Colômbia, e o Clube Progressista em Lima (Peru); a presença
de socialistas utópicos na Revolução Praieira em Pernambuco (Brasil); a instalação da
comunidade de Icaria com operários socialistas franceses, espanhóis e austríacos na fronteira
México-EUA (Texas); a criação de falanstérios fourieristas76, como o de Palmetar em Santa
Catarina e a Colônia Cecília no Paraná (Brasil).

76
Charles Fourieu (1772-1837, França), foi um socialista francês (socialismo libertário) que buscava combater o
liberalismo e defender processos de cooperação, e de igualdade de gênero. Na obra “O Manifesto Comunista
de Karl Marx e Fredreich Engels (1848), os autores ao destacarem as diversas concepções de socialismo, o
caracteriza como socialista utópico.
100
Como parte dos conflitos e da repressão aos socialistas utópicos nos países latino-americanos,
ocorreu inclusive situações de queima de livros em praça pública – obras de Flora Tristan no
Peru e de Francisco Bilbao no Chile.
Rama (1977) também destaca que na década de 1850 foram destaques: a criação do
Falanstério La Reunión no Texas (EUA-México) com Victor Considérant (1808-1893,
França); a primeira greve operária no Peru; a primeira constituição política na Argentina
inspirada em Juan Bautista Alberdi (1810-1884, Argentina); e a obra do brasileiro Abreu e
Lima intitulada “O Socialismo”, obra esta considerada a “mas grande del utopismo
latinoamericano” (RAMA, 1977)
As lutas de caráter libertário e socialista se estendem até o final do século XIX, e contribuem
enormemente para a organização dos trabalhadores e trabalhadoras na América Latina. No
campo, um emaranhado de lutas de caráter socialista, de caráter anarquista, e outras ainda de
caráter messiânico, vão alicerçar as resistências de maneira avassaladora. Carlos Rama (1977)
num trabalho muito interessante faz um inventário do socialismo utópico na América Latina
no período de 1830 a 1893. Neste trabalho resgata textos de Flora Tristán, José Ignácio Abreu
e Lima, Estevan Echeverría, além de resgatar os projetos utópicos desenvolvidos na América
Latina como por exempo: a Colônia Cecília, uma comuna socialista implementada no Estado
do Paraná (Município de Palmeiras) em 1890; e a de Topolobampo em Sinaloa no México
construída juntamente com Albert Kimsey Owen (1847-1916), um anarquista estadunidense.
O autor ainda afirma que as sublevações camponesas na segunda metade do século XIX
mesclam o utopismo socialista e o anarquismo, plasmadas nas rebeliões messiânicas. Eram
caracterizadas pela autonomia comunal e democracia agrária, e em muitas das experiências
abertamente antiimperialistas. Rama (1977) também cita rebeliões do utopismo socialista,
como as de “Planes de la Barranca y de Sierra Gorda en los estados de Guanajuato,
Querétano y San Luis de Potosí”, e do episódio da rebelião indígena-camponesa em Chalco
no México. Em Chalco se havia instalado uma escola chamada “Escuela del Rayo y del
Socialismo”, que, fundada por Rhodakanaty (socialista utópico), alfabetizava crianças e
camponeses miseráveis ao mesmo tempo em que difundia idéias socialistas. Esta escola
influenciou enormemente a Julio López Chavez (1840-1868, México), uma das lideranças da
rebelião indígena e camponesa na luta pela terra em 1868. (RAMA, 1977, p.XIX - XV)
Como importante influencia do utopismo socialista em vários dos movimentos camponeses, e
no movimento operário pela redução da jornada de trabalho a final do século XIX, é
importante relembrar a entrada massiva de socialistas franceses que se refugiaram na América

101
Latina com a derrota da Comuna de Paris, e que atuaram organicamente nestas lutas. (RAMA,
1977)
A instalação de comunidades utópicas é um episódio que se concretiza com a grande marcha
da migração transatlântica de famílias que viviam na miséria econômica de vários países
europeus e vieram trabalhar nos campos e nas cidades (indústria).
É importante delinear que nesse momento, a formação dos trabalhadores do campo era
composta por: indígenas expropriados e submetidos ao trabalho servil; negros escravizados
sob condições deploráveis de subsitência; mestiços e crioulos de pouca posse; e imigrantes
pobres da Europa que neste continente buscavam condições de vida e subsistência, ou ainda a
esperança das comunidades autônomas e utópicas. Seria essa a formação genérica do
camponês latino-americano? Dos trabalhadores do campo na América Latina? Consideramos
aqui os trabalhadores não somente os assalariados, mas todos os sujeitos que vivem de seu
trabalho para a subistencia, seja assalariado, seja pequeno camponês, seja o indígena ou
quilombola subjulgado e subsumido à lógica geral do sistema capitalista.
A Revolução Mexicana (1910) abre o século XX como um dos movimentos políticos
emancipatórios mais importantes do continente. Fruto de uma confluência de condições
objetivas e subjetivas anteriores influenciará indubitavelmente em outras movimentações pela
América Latina.
Neste período, México era o quarto produtor mundial de prata, mas 97% das minas estavam
sob o domínio de americanos, franceses e ingleses. Cerca de 70% da população se alimentava
das tradicionais tortilhas de milho. Para Zarcone (2006), a drástica situação agrária estava
estruturada num contingente de aproximadamente 12 milhões de camponeses sem terra, ao
passo que as grandes propriedades rurais com latifundiários donos de armazéns forçavam os
camponeses, através da Tienda de Raya, a endividar-se com a compra de mercadorias de
subsistência, impossibilitando sua saída das fazendas sem o devido pagamento. Outro aspecto
tocante às relações trabalho nesse período era a existência da Ley de fuga, que permitia o dono
matar ou castigar camponeses que porventura fugissem. As mulheres camponesas (filhas)
diante dessa situação deviam inclusive servir à cama dos terratenientes.
Para Piñeda (2015), a Revolução Mexicana teve a influência da corrente anarquista dos
irmãos Flores Magón, e a influência da Comuna de Paris, expressa, por exemplo, na palavra
de ordem “Terra para quem nela trabalha”. Expressão essa que vinha do hino “A
Internacional”- composição de um operário anarquista, comunero, em sua versão mexicana.
Cappelletti (1990) analisa que as idéias anarquistas chegam efetivamente na América Latina
ao final do século XIX e se concretizam em ações orgânicas no continente. Nas Antilhas
102
francesas foram fundadas seções da Internacional; no México se difundiram as idéias de
Proudhon e Bakunin, surgindo as primeiras organizações estudantis, operárias e camponesas
de caráter libertário; no Chile, Peru e Brasil como precursor das lutas da classe operária; no
Cone sul da América do Sul (Argentina e Uruguai) através dos núcleos anarquistas e dos dos
sindicatos e sociedades de resistência, aorganzando operários. Muitas vezes manifestando-se
na forma de anarcosindicalismo.
Segundo o autor, o anarquismo tem uma ampla e intensa história na América latina, rica de
lutas “pacíficas y violentas, em manifestaciones de heroísmo individual y colectivo, en
esfuerzos organizativos, en propaganda oral, escrita y prática, en obras libertárias, en
experimentos teatrales, pedagógicos cooperativo, comunitários, etc” (CAPPELLETTI, 1990,
p. IX-X)
Na América Latina os ideais anarquistas se desenvolvem sob várias perspectivas. Por um lado
é possivel identificar certa sintonia no encontro das experiências anarquistas e as experiências
indígenas na América Latina, especialmente no que se refere aos ayllus; e por outro, no caso
da Argentina, Uruguai, Brasil e México, com o apoio dos anarquistas à vitória da Revolução
Bolchevique (1917), identificando-se como partiários de Lenin (corrente que se dizimou com
sua morte e com a ascensão de Stalin).
No caso do México, a presença anarquista este no processo revolucionário de 1910 (através
dos irmãos Flores Magón), bem como na constituição da Casa del Obrero Mundial fundada
em 1912 no intuito de organizar e fortalecer sindicatos, associações operárias, e de se
estabelecer como um espaço cultural e educativo da classe trabalhadora. (CAPPELLETTI,
1990, p. XI-XII)
Nos anos de 1875 e 1910, a ditadura de Porfírio Dias (México) reprimiu fortemente a
propaganda e a experiência do socialismo utópico. Mas isso não limitou o trabalho dos
militantes e intelectuais orgânicos da época. Os irmãos Ricardo Flores Magón (1874-1922) e
Jesus Flores Magon (1971-1930) inspirados pelas idéias de Bakunin, Marx e Kroptkin,
fundaram o jornal libertário Regeneración, e o Partido Liberal Mexicano77. Defensores da
autonomia e do senso comuntário existente nos povos indígenas, fizeram enfrentamentos ao
latifúndio e à ditadura de Porfírio Dias. (ZARCONE, 2006)

77
Para Zarcone (2006), o Partido Liberal Mexicano (PLM), criado em 1905, “estava constituído inicialmente
em torno de um programa burguês muito radical”. (ZARCONEM 2006, p.26)
103
Ricardo Flores Magón escreveu diversos artigos jornalísticos neste jornal.78 Entre os temas
que ele tratava: a questão da terra; a revolução; o espírito das massas e da rebeldia; a
construção do partido liberal; a libertação da opressão da mulher; entre outros. Em relação ao
tema agrário era incisivo na afirmação de que a “la tierra es de todos”, e que “la propiedad
territorial se basa en el crimen”, fonte dos males que aflige o ser humano. Afirmava também
que da imensa massa – “el rebaño humano, inconsciente de su derecho a la vida”, submetidos
às freqüentes injustiças, “surgen los rebeldes”. (MAGÓN, 01/10/1910, Regeneración. n. 5)
Há registros que houve troca de correspondências, especialmente em 1912, entre Ricardo
Flores Magón e Emiliano Zapata. O encarregado de circular estas cartas entre eles era José
Maria Rangel [18-- / 19--], um militante liberal. Em uma destas cartas79, Magón, desde a
Junta do Partido Liberal Mexicano, felicita a Zapata pelos triunfos alcançados pelos
defensores do Plano de Ayala, e em janeiro de 2015 afirma que:

[…] Conocidos como son de usted los ideales por los cuales hemos venido luchando
desde hace muchos años, ideales que, en cuanto a la expropiación de la tierra, son
idénticos a los de Usted, aunque nuestro radicalismo nos lleva a sostener que
también es necesaria la expropiación de los instrumentos de trabajo y los de
transporte, mucho confiamos en que atenderá las confidencias que de palabra le haga
nuestro representante, confidencias que por nuestra parte no tienden sino a hacer
efectivo el ideal de la Revolución, el hacer terminar para siempre en toda la
extensión de la República la explotación en la persona del peón del campo y del
obrero de la fábrica para beneficio del Capitalismo. […] (MAGÓN, 1915.)

Zarcone (2006) destaca que Emiliano Zapata não era “formalmente anarquista”, embora suas
idéias e objetivos fossem muito próximos, expressadas na bandeira que também era
magonista “Tierra y Libertad”. O programa que movia a Revolução Mexicana pode ser
plasmada no Plano de Ayala, e estava calcado na expropriação dos monopólios da agricultura
e da indústria do açúcar, na confiscação e nacionalização da terra e do que há abaixo dela - o
petróleo. Buscava derrotar num só golpe a “clase híbrida del terrateniente-industrial”.
(PIÑEDA, 2011)
Algumas fazendas tornaram-se fábricas nacionais no decorrer do processo revolucionário. Por
exemplo, a ex-fazenda de Calderón (Morelos) se tornou a Fábrica Nacional 22, e lá instituiu
uma Escola Militar do Exército Libertador (1915) com cursos sobre o manejo de armas,
reparação de materiais, noções de trigonometria e topografia aos jovens de Morelos, Guerrero,

78
Os trechos abaixo citados são de artigos de Ricardo Magón. Várias de suas obras, artigos jornalísticos e cartas,
inclusive os citados neste trabalho, encontram-se disponíveis no site: http://archivomagon.net/obras-
completas/manifiestos-y-circulares/manifiestos-1918/ Acesso em agosto de 2018.
79
Carta completa disponível em: http://archivomagon.net/obras-completas/manifiestos-y-circulares/manifiestos-
1918/ Acesso e julho de 2018
104
Puebla, Distrito Federal e Oaxaca. Em outra fazenda estabeleceu-se também uma fábrica de
munição. (PIÑEDA, 2011, p. 68-69)
O Plan de Ayala tornou-se um pólo atraente de revolucionários, especialmente entre 1913 e
1915, um pólo que na perspectiva de Zapata deveria ser descentralizado, onde se primava pela
organização e combate desde o local de origem de seus integrantes.
A Revolução Mexicana também sinaliza importantes passos no apoio à luta das mulheres pela
emancipação. A fundação de um Centro Feminista na Cidade do México (1915) organizado
pela professora Dolores Jimenez jimoro, levantava as bandeiras do direito ao divórcio, contra
os abusos masculinos, e pela emancipação feminina. (PIÑEDA, 2015)
Outro passo importante foi o ardente trabalho internacional de articulação de lutas,
informações, e divulgação da Revolução Mexicana, realizado especialmente por Solorzano e
Amezcua. Octávio Paz Solorzano (1883-1935, México)80 foi representante de Emiliano
Zapata nos EUA (até 1919 com sua morte), e Genaro Amezcua (1887-1949, México)81 se
estabeleceu em Cuba de onde enviava recortes e reportagens sobre a Revolução Bolchevique
de 1917 para Zapata. Sob esta circunstância, o próprio Zapata pede a Amezcua que divulgue
entre os “propagandistas obreros” soviéticos a necessidade de fazer um trabalho conjunto com
os camponeses, do contrário os inimigos trabalhariam com eles. (PIÑEDA, 2015)
Importante também destacar a articulação dos campesinos e indígenas durante a Revolução
Mexicana, que se revela especialmente no Manifiesto al Puelbo Mexicano82 (na língua
Nahuatl) redigida por Zapata aos povos indígenas em 23 de abril de 1918 desde Morelos. Este
manifesto declara que a luta pela terra é a luta pelo país ao mesmo tempo, ou seja, a luta pela
terra como uma causa social é ao mesmo tempo uma luta nacional. (PIÑEDA, 2015)
Emiliano Zapata é assassinado em 10 de abril de 1919, há 100 anos. A dissolução do Exército
Libertador do Sul ocorre lentamente, onde permanecem algumas lideranças zapatistas, mas de
maneira desarticulada. Seu legado encontra-se especialmente: na construção de um plano
social de convergência dos povos do campo e da cidade; na luta pela terra que não se limita
somente à superfície, mas também de seu subsolo, por isso a proposta de nacionalização do
petróleo; e, na importância de uma política de alianças entre campesinos, indígenas, mulheres

80
Pai do poeta Octávio Paz Solorzano. Escreve uma das primeiras biografias de Emiliano Zapata.
81
Carta completa de Emiliano Zapata para Genaro Amezcua (com uma missão em Cuba) retratando sua visão
internacionalista. Disponível em:
http://www.biblioteca.tv/artman2/publish/1918_207/Carta_de_Emiliano_Zapata_a_Genaro_Amezcua_602.sh
tml . Acesso em setembro de 2018.
82
Documento completo disponível em: http://www.bibliotecas.tv/zapata/1918/z23abr18.htm . Acesso em julho
de 2018

105
e operários. Como proposta programática, os zapatistas indicavam a substituição o
presidencialismo pelo parlamentarismo. (PIÑEDA, 2015)
Logicamente, os ideiais zapatistas não se efetivaram. Ao contrário, forjaram-se governos
apaziguadores articulados aos interesses internacionais do capital, e violentos com a
radicalidade da proposta zapatista. A questão do Estado e sua função no sistema capitalista
mundial, e na expressão particular do México, não foram desveladas a tempo do calor
revolucionário, ou talvez não tenha sido priorizada como um espaço a ser transformado. A
forma organizativa desses trabalhadores, impulsionadas pelo espírito do comum (da vida
comunitária), do internacionalismo, da justiça social, da terra e liberdade, desenvolveu-se de
maneira descentralizada e desconsiderando um campo importante para a luta dos
trabalhadores, o Estado.
Em Bustos (2008), Mauro Iasi na introdução da obra, destaca aspectos universais na
Revolução Mexicana, colocando-a “no âmbito das históricas experiências de emancipação da
classe trabalhadora do século XX”. O autor refere-se à questão do Estado e às contradições
relacionadas à “capacidade da classe revolucionária em alterar as relações sociais de produção
e as formas de propriedade a elas ligada”. (IASI In BUSTOS, 2008, p. 10)
De todas as formas, é certo que a Revolução Mexicana produziu um enorme impacto na
América Latina despertando sentimentos revolucionários através das bandeiras da terra, da
reforma agrária, da reivindicação nacional, e da nacionalização do petróleo. Vários
levantamentos inspirados no proceso mexicano ocorreram no início do século XX, onde as
bandeiras da reforma agrária e da expropriação das empresas extrangeiras estiveram
presentes. Podemos citar como exemplo as lutas de Augusto César Sandino (1895-1934) na
Nicarágua (1927-1934) e de Farabundo Martí (1893-1932)83 em El Salvador (1932).
Também influenciou militantes, refugiados e perseguidos políticos como o cubano Julio
Antonio Mella (1903-1929) e do líder estudantil peruano Victor Raul Haya de La Torre
(1895-1979) que fundou em 1924 a Aliança Popular Revolucionaria Americana (APRA).
Vilaboy (2014) recupera o pronunciamento de Haya de La Torre sobre o papel da Revolução
Mexicana na história da luta de classes destacando-a como “el primero esfuerzo victorioso de
um pueblo indoamericano contra la doble opresión feudal e imperialista”. Um processo que
também influenciou os muralistas mexicanos Diego Rivera (1886-1957), Clemente Orozco
(1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974), bem como o pensador marxista peruano

83
Farabundo Martí foi fundador do Partido Comunista Salvadorenho em 1930, e delegado da III Internacional.
Também atuou juntamente com Augusto César Sandino na Nicarágua combatendo a ocupação estadunidense
na primeira metade do século XX.
106
José Carlos Mariátegui (1894-1930) que reconhecia a questão mestiça e indígena como parte
essencial da formação nacional da América Latina. A própria experiência de tendência
socialista de Yucatán, se destacou pelo reparto das terras entre os campesinos, o trabalho
voluntário na construção de caminhos, a educação popular laica e a formação de novos
professores. (VILABOY, 2014)
Outro fato de grande relevância que ocorreu ainda na primeira metade do século XX foi a
Revolução Boliviana de 1952. Diante da tentativa de construir um Estado-Nação fundado no
reconhecimento das terras comunais, e do indígena como cidadão, um levantamento
ferovoroso com o povo em armas se desenvolve até a captura do poder.
As condições objetivas que a antecederam estavam calcadas na extrema exploração dos
trabalhadores através das empresas mineiras controladas pelo Estado boliviano, e na grande
quantidade de latifúndios que se constituíram atravé da expropriação das terras comunais
indígenas. A “Guerra del Chaco”, entre Bolívia e Paraguai (1932-1935), pode ser também
considerado um antecedente desencadeador, pois muitos indígenas vão tomando consciencia
dos direitos, da política, ao mesmo tempo em que aprendendo a manejar as armas de fogo.
Bolívia, nesta guerra, é derrotada.
Em 1951, Paz Estenssoro vence as eleições presidências pelo MNR (Movimento Nacionalista
Revolucionário), mas prontamente foi repudiado por um golpe militar. Em resposta, as forças
partidárias do MNR, no dia 9 de abril de 1952, tomam o palácio presidencial e algumas
cidades estratégicas como La Paz e Oruro. Respaudado pelos combates nas ruas e pela
resistência popular (rebeldes dos bairros, mineiros, e camponeses), a ação foi vitoriosa. Era
um momento em que a população desejava respostas rápidas para as reivindicações pelas
quais haviam batalhado, entre elas: “a distribuição e terras, a nacionalização da mineração do
país, o fim definitivo do exército, o direito de todos votarem” (ANDRADE In QUINTEROS,
2016, p. 258-259).
Dias depois dessa vitória, os operários e camponeses fundam a Central Operária Boliviana
(COB) que, sob a liderança de sindicatos mineiros, defendia “a ocupação das fábricas e das
minas pelos trabalhadores”, assim como a “nacionalização das minas sem indenização e sob o
controle operário”. (ANDRADE In QUINTEROS, 2016, p. 260). Uma importante conquista
neste período foi a nacionalização das minas de estanho, mesmo sobre as constantes pressões
e ameaças estadunidenses em não comprar minérios bolivianos caso esta se efetivasse.
Em agosto de 1953 inicia-se o processo de reforma agrária a partir de um grande comício
realizado em Cochabamba, um dos centros das rebeliões camponesas. Mas a “distribuição de
terras atendeu apenas parte dos camponeses”. Grandes fazendas improdutivas não foram
107
tocadas, e os direitos das terras indígenas usurpadas foram esquecidos. O conteúdo da
Reforma Agrária consagrou mais bem uma visão de “desenvolvimentismo capitalista que
incentivava a grande empresa agrícola e reconhecia [...] o pleno direito a propriedade”.
(ANDRADE In QUINTEROS, 2016, p. 265)
A Revolução Boliviana demonstrou o papel dos mineiros, camponeses e indígenas na política,
assim como as fragilidades de um projeto desenvolvimentista sobrepondo as bandeiras mais
radicais de uma revolução social. René Zavaleta Mercado (1935-1984), um importante
intelectual boliviano, aponta que mal ou bem as tarefas democráticas e nacionais foram
cumpridas de alguma maneira nesse momento84.

2.2.4 Das resistências e lutas de caráter socialista


Entre Zapata e a Revolução Cubana (1959), muitas foram as agitações na América Latina que
rumavam a unidade contraditória das revoluções nacionais e as melhorias de condições de
vida dos trabalhadores.
A Revolução Cubana demarcou o fim de uma longa intervenção estadunidense econômica e
política na Ilha. Buscou resolver os problemas da grande massa rural que incluía camponeses
proletarizados pelo rápido desenvolvimento industrial canvieiro. Os empresários
estadunidenses seriam proprietários de mais de 90% de outros serviços na Ilha, como o caso
do setor elétrico, ferrovias, bancos, etc. Segundo Fortunato (1978), o ano de 1958 era macardo
pela concentração de terras nas mãos de 28 corporações de companhias industriais
açucareiras, entre elas a United Fruit Company (FORTUNATO, 1978, p. 18). E diante destas
condições, o papel da burguesia cubana não foi o de construir uma independência político-
econômica, mas de restringir-se no investimento em imóveis e construções ligadas à indústria
turística. Dependente, era incapaz de assumir seu papel “tradicional” da burguesia nacional. A
Revolução Cubana vem então romper com este ciclo. (WOLF, 1984)
Fortunato (1978) em sua obra “Os Camponeses Cubanos e a Revolução” relata a trajetória das
lutas camponesas em Cuba, passando por massacres, assassinatos, a criação das Ligas
Camponesas entre os trabalhadores rurais, e pela organização do Movimento 26 de julho que,
desde a Sierra Maestra, mobilizava as massas urbanas e rurais através de uma rede de contatos
e articulações com forças apoiadoras.

84
Esta afirmativa é realizada por René Zavaleta Mercado no artigo El Proletario Minero em Bolívia de 1978.
Disponível em: http://escuelanacionaldeformacion.blogspot.com/2017/08/la-tesis-de-la-central-obrera-
boliviana.html Acesso em setembro e 2018.
108
A Rádio Rebelde transmitia diariamente, e de maneira clandestina, os fatos que ocorriam em
Sierra Maestra, especialmente entre fevereiro de 1958 e janeiro de 1959. Segundo Pasqualino
(2016), alguns relatos apontam que as pessoas ouviam com volume muito baixo para não
alardear soldados e apoiadores de Batista. A Rádio Rebelde, a partir do uso de ondas curtas,
teve uma repercurssão internacional propagandeando a conjuntura e as lutas revolucionárias
de Cuba. Desde janeiro de 1959 funciona então de maneira aberta. (PASQUALINO, 2016)85
Em suas transmissões radiofônicas apresentava-se também o grupo musical chamado
“Quinteto Rebelde” (formado por um grupo de camponeses) que por iniciativa de Fidel Castro
e Célia Sanchez tocava durante as programações uma música combativa e de caráter político.
Segundo depoimentos de Eugênio Medina Muñoz, um dos integrantes do grupo, todos eram
analfabetos e tocavam empiricamente com a “tecnica de la canción satírica frente al
enemigo”. Participavam de combates com armas e instrumentos. Medina relata que:

[…] a nosotros nos parecía duro y difícil estar en la guerra con aquellas armas, que
eran la guitarra y los instrumentos de percusión; pero se convirtieron en verdaderos
fusiles, porque cantábamos canciones de guerra, revolucionarias, desde el primer
territorio libre de Cuba, en las montañas de Oriente, allí donde vivíamos. [...]
Fuimos capaces de interpretar algunos números musicales que desmoralizaron al
ejército batistiano, y a la vez alegraban y daban ánimo a los rebeldes. (MUNÕZ,
apud PINARES, 2008, on-line)86

Mesmo diante destas iniciativas, a articulação junto aos camponeses ocorreu de maneira
muito lenta. O primeiro combatente vindo da população rural foi Guillermo Garcia Frías
(1928), negociante de gado da área de base onde os rebeldes fizeram sua base. Promovido a
capitão em maio de 1957, encarrega-se de todos os camponeses que aderiram à luta,
especialmente após uma força tarefa promovida por Frank País Garcia (1934-1957), que em
meses conseguiu enviar para a base na Serra Maestra cerca de cinqüenta combatentes armados
entre operários e proletários rurais. (WOLF, 1984)
Wolf (1984) assinala em sua obra que as populações camponesas que viviam na redondeza de
Sierra Maestra eram bem diferentes dos camponeses que viviam em regiões de agricultura
semi-mecanizada (larga escala) e do proletariado rural (a maior parte em Cuba). A Sierra
Maestra era um local “refúgio” de camponeses que lutavam contra o latifúndio e por um

85
PASQUALINO, Beatriz. Conheça a rádio clandestina criada por Che e Fidel na guerrilha. A Rádio Rebelde
foi fundada em 1958 e transmitia direto da Sierra Maestra no período pré-revolucionário. Jornal Brasil de
Fato. SP: edição digital, 26 de nvoembro de 2016. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2016/11/26/conheca-a-radio-clandestina-criada-por-che-e-fidel-na-
guerrilha/ . Acesso em janeiro de 2018
86
PINARES, Miozotis Fabelo. 50 años de Historia: El Quinteto Rebelde. In: Rádio Rebelde: al ritmo de la
vida. Cuba: Radio Rebelde, 14 de maio de 2008. Disponível em:
http://www.radiorebelde.com.cu/noticias/cultural/cultural%201-140508.html .Acesso em Dezembro de 2018.
109
pedaço de terra – o que na verdade era o que os movia. Mas na medida em que os camponeses
reconheciam a guerrilha começaram a aderir ao exército combatente com ações de apoio.
Somente com este apoio o exército consegue arraigar-se em zona rural.
O texto de Ernesto Guevara de 26 de julho de 1959, denominado “Guerra e População
Campesina”, faz uma breve análise da espantosa situação na qual viviam os campesinos na
região da Serra, bem como da repressão brutal e do assassinato em massa de campesinos
como parte da reação das tropas de Batista à guerrilha.
Abaixo, destacamos um trecho deste documento que relata o envolvimento dos camponeses
na luta revolucionária:

El vivir continuado en estado de guerra crea en la conciencia del pueblo una actitud
mental para adaptarse a ese fenómeno nuevo. […] Los campesinos volvieron con
una decisión inquebrantable de luchar hasta vencer o morir, rebeldes hasta la muerte
o la libertad. […] Cuando la población campesina lo comprendió, inició las tareas
para afrontar las circunstancias adversas que se presentaron. Los campesinos
volvieron a sus conucos abandonados, suspendieron el sacrificio de sus animales
guardándolos para épocas peores y se adaptaron también a los metrallamientos
salvajes, creando cada familia su propio refugio individual.
Cuando se inició el reparto de reses para luchar contra el cerco alimenticio de la
dictadura, cuidaron sus animales con amorosa solicitud y trabajaron en grupos,
estableciendo de hecho cooperativas para trasladar el ganado a lugar seguro,
donando también sus potreros, y sus animales de carga al esfuerzo común.
[…] Pero hay un milagro más grande. Es el reencuentro del campesino cubano con
su alegría habitual, dentro de las zonas liberadas. Quien ha sido testigo de los
apocados cuchicheos con que nuestras fuerzas eran recibidas en cada casa
campesina, nota con orgullo el clamor despreocupado, la carcajada alegre del nuevo
habitante de la Sierra. Ese es el reflejo de la seguridad en si mismo que la conciencia
de su propia fuerza ha dado a los habitantes de nuestra porción liberada. Esa es
nuestra tarea futura: hacer retornar al pueblo de Cuba el concepto de su propia
fuerza, de la seguridad absoluta en que sus derechos individuales, respaldados por la
87
Constitución, son su mayor tesoro. […] (GUEVARA, 1972, p. 199-202).

A guerrilha nas montanhas constituia-se mais forte que as tentativas de insurreições nas
planícies e as tentativas de greves.
Para Fortunado (1978), a partir de abril de 1958, inicia-se uma reorganização do movimento
camponês em apoio ao Exército Rebelde na segunda Frente Oriental Frank País, o que se deu
nessa região essencialmente pela tradição de luta de muitos quadros do destacamento marxista
da classe operária, como por exemplo, a luta de Realengo 18. A aglutinação dos dirigentes
camponeses mais destacatos encaminhou-se para a criação de uma comissão que organizaria
um congresso camponês da Segunda Frente. O Congresso Camponês da Segunda Frente
Oriental Frank País ocorreu no dia 21 de setembro de 1958 em Soledad de Mayarí Arriba e,

87
GUEVARA, Ernesto. Guerra y Población Campesina. 26/07/1959. Retirado da obra Escritos y discursos,
tomo 1, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana 1972, páginas 199-202. Texto completo disponível em:
http://www.pctargentina.org/guerra_campesina.html . Acesso em julho de 2018.
110
sob a comandância de Raul Castro, promulga: a Lei de Reforma Agrária; um plano
educacional para eliminação do analfabetismo no campo; uma política de atenção médica aos
camponeses; e a contribuição de 10% das vendas das colheitas para a luta. (FORTUNATO,
1978, p. 26-27).
Depois deste Cogresso, a comandância do Exército Rebelde decreta em 10 de outubro de
1958 a Lei n.3 onde anunciou o direito dos camponeses à terra, e por consequência
determinou “a sua entrega em todas as zonas liberadas do país. Assumiu-se também o
compromisso de que o futuro governo da Revolução expediria uma completa legislação
agrária”. (FORTUNATO, 1978, p. 28)
Com a vitória da Revolução, uma das primeiras ações do novo governo foi a de promulgação
da Lei de Reforma Agrária em 17 de maio de 1959, homenagendo o campesino
revolucionário Niceto Perez (1908-1946). Na celebração do Dia do Camponês fixou as áreas
máximas de posse de terra em todo o país e uma política de assistência efetiva aos
camponeses trabalhadores.
O ano de 1961 culminou com a organização da Associação Nacional de Pequenos
Agricultores – ANAP88, e com ela a tarefa de conceder créditos aos pequenos produtores.
Realizada de maneira revolucionária simplificou os trâmites e a burocracia do acesso,
descentralizou e criou comissões de créditos nas bases camponesas, estabelecendo uma
política de créditos de caráter massivo. (FORTUNATO, 1978, p. 44-45)
Em 3 de outubro de 1963 foi promulgada a Segunda Lei de Reforma Agrária, essa sim
liquidando todos os resíduos da propriedade latifundiária. Limitou a 67,7 hectares o máximo
de superfície que se poderia possuir – ação essa que concretou uma política agrária
revolucionária garantindo os interesses dos trabalhadores, pequenos agricultores e
revolucionários. (FORTUNATO, 1978, p. 40)
Entre os artigos que regulamentam o funcionamento da ANAP estão: defender a soberania
nacional e a independência da pátria dos imperialistas; orientar e digirir os pequenos
agricultores na política agrária e nos planos da revolução socialista; trabalhar em coodenação
com os organismos da revolução; elevar o nível cultural e político dos camponeses e seus
familiares; trabalhar pela incorporação de novas técnicas de mecanização na produção
camponesa; fomentar e desenvolver a cooperação entre os camponeses mediante as Brigadas
de Ajuda Mútua e as Brigadas FMC-ANAP (Frente de Mujeres Campesinas da ANAP);
impulsionar a especialização de culturas e a integração nos diferentes planos de

88
Organização Social partícipe da CLOC-Via Campesina na atualidade.
111
desenvolvimento agropecuário do país, respeitando o princípio da voluntariedade; trabalhar
pelo fortalecimento da aliança operário-camponesa; desenvolver a solidariedade dos
camponeses cubanos junto às lutas dos povos da América Latina e do mundo contra o
imperialismo. (FORTUNATO, 1978, p. 46-47)
Hobsbawn (2016) aponta que entre as conseqüências da Revolução Cubana, uma irá incidir
em todo o continente - as ações de caráter “anticomunista”. Mesmo antes de Fidel e a própria
revolução descobrirem-se socialistas, os EUA já os tratava como tal organizando diferentes
ações para a destruição do novo governo e do novo regime. Um exemplo emblemático foi a
tentativa de invasão na Baía dos Porcos sob a coordenação da CIA (Agência Central de
Inteligência) durante o governo Kenedy, invasão essa que fracassou. Fidel inspirou muitos
intelectuais militantes da América Latina, e Chê Guevara inspirava e instivaga a revolução
latino-americana através da criação de vários focos de luta para a libertação das massas.
(HOBSBAWN, 2016)
A política estadunidense frente à Revolução Cubana se estendeu através de um longo
bloqueio econômico, da propaganda internacional contra-revolucionaria e anticomunista, de
processos de sabotagens, infiltração de espiões, e tentativas de assassinato. Evitar “novas
Cubas” era um objetivo trilhado através da “Aliança para o Progresso”. Esta, previa ações nos
diferentes países da América Latina, entre elas: o apoio militar; a criação de unidades contra-
guerrilheiras; a capacitação contra-guerrilheira dos exércitos nacionais; e a reconfiguração da
Escola das Américas que a partir de 1961 passa a caracterizar-se pela formação contra-
insurgente e anticomunista. Ainda, é importante ressaltar o apoio irrestrito a Golpes de Estado
contra governos democráticos, como já em 1954 com o governo guatemalteco de Jacob
Arbenz, o caso de João Goulart no Brasil (1964), e na Bolívia contra o governo de Victor Paz
Estensoro (1964).
Outras ditaduras militares instigadas e articuladas pelos EUA, mas também desejadas e
incitadas por classes e frações das classes dominantes nacionais, tiveram a finalidade de
contragestar a possibilidade de novas revoluções socialistas. Entre elas, citamos: Paraguai
(1954), Argentina (1962), Peru (1968), Chile e Uruguai (1973).
Com tantos exílios, desaparecimentos e perseguidos políticos a Operação Condor, como
iniciativa do governo Pinhochet, articulava uma poderosa comunicação em rede entre
governos ditatoriais da América do Sul e os EUA. O governo ditatorial de Augusto Pinochet
(1915-2006) pode ser caracterizado como um dos mais sangrentos da América Latina,
consolidando-se a partir do ano de 1973 quando a Casa de la Moneda em Santiago do Chile é

112
bombardeada, e ocorre a morte do então Presidente Salvador Allende (1908-1973). Foram
cerca de 3000 mortos ou desaparecidos num período de 17 anos.
Para Ribeiro (2007), nenhum outro episódio teve tanto impacto na América do Norte quanto a
Revolução Cubana, nem mesmo a I e a II Guerra Mundial. Enquanto o processo
revolucionário chileno durante o governo de Allende se constituiu “a mais complexa e
singular” experiência.
A eleição de Salvador Allende em 1970 para a presidência se deu a partir um intenso trabalho
organizativo e de construção da “Unidade Popular”, uma frente que articulou partidos
marxistas, o reformismo cristão, posições centristas, e campesinos que buscavam uma
redistribuição de terras. (RIBEIRO, 2007, p. 352) Entre as primeiras medidas de Allende,
destacamos a nacionalização das minas e de setores estratégicos da indústria, tal como a
expropriação de grandes latifúndios. Medidas estas, articuladas à perspectiva da “transição
pacífica ao socialismo”, a via chilena da revolução.
Luiz Corvalán (1916-2010), um dos membros do Partido Comunista de Chile, foi um dos
principais defensores da construção da Unidade Popular desde 1969, do mesmo jeito que o
socialismo Chileno pela via pacífica. Entre 1961-1967, como Senador realizou vários
discursos em defesa da Reforma Agrária no Congresso. Um deles, denominado “O último
negócio dos latifundistas”89 (1961), onde assinala que as premissas para uma verdadeira
reforma agrária, que ponha fim ao monopólio da terra, deve estar dentro de um processo de
“integración nacional”, e que compreenda muitas outras tarefas, como a nacionalização de
todas as empresas imperialistas ou monopolizadoras, e que priorize uma reestruturação
agrária em detrimento da propriedade individual. Um reforma agrária baseada na
voluntaridade dos próprios campesinos no que se refere ao caminho da coletivização.
Em outros documentos aponta que a organização e a luta dos campesinos é que possibilitaria a
reforma agrária em meio a outras transformações, aponta também a necessidade de
fortalecimento dos conselhos camponeses, e a necessidade de eliminar travas burocráticas
para a viabilização de créditos. (CORVALAN, 1966)
Elementos como estes, serão recuperados num discurso de Salvador Allende, em 23 de agosto
de 1971 por ocasião da realização da Conferencia Latinoamericana pela Reforma Agrária e
dos Direitos Sindicais e Sociais dos Trabalhadores do Campo (Chile), patrocinada por
organizações sociais campesinas, entre elas a Confederação Campesino-Indígena Ranquil,

89
Texto completo disponível em:
https://www.bcn.cl/historiapolitica/resenas_parlamentarias/wiki/Luis_Corval%C3%A1n_Lepe Acesso em
julho de 2018.
113
hoje integrante da CLOC-Via Campesina. No discurso Allende assinala que a Reforma
Agrária, como parte do processo de desenvolvimento econômico do país, não se trata somente
de uma mudança de propriedade da terra, mas a possibilidade de uma mudança de vida e
existência do campesino.
A reforma agrária no Chile é um processo que se inicia a partir de 1962, mas é no governo de
Allende (1970-1973) que ela se aprofunda, chegando a algumas regiões quase desaparecer o
latifúndio. Fruto de uma longa trajetória de luta pela terra, destacamos no início da década de
1920 o surgimento das primeiras organizações sindicais campesinas – mapuches.
Organizações estas que pautavam de maneira geral a aplicação de um código de trabalho no
campo, e o reconhecimento de organizações sindicais campesinas que na época não existia.
Hernandez (2016) afirma que em dezembro de 1970, a partir da vitória de Allende, é
aprovavado o decreto 481, que criava o Conselho Nacional Campesino (CNC) e que tinha
como perspectiva otimizar a aplicação da Reforma Agrária que havia começado nos governos
anteriores. Os debates sobre o tema da questão agrária foram intensos, dado que havia
diferenças de concepções programáticas entre a Unidade Popular que defendia uma reforma
dentro da legalidade estabelecida e o Movimento Esquerda Revolucionária (MIR) a
radicalização camponesa.
Em setembro de 1970 funda-se o Movimento Campesino Revolucionário (MCR), e as
ocupações de terras se tornaram massivas. Os estudos de Hernandez (2016) apontam que
ocupação da área Tres Hijuelas (480 hectares) se converteu em um símbolo forte da luta de
camponesa e mapuche pela terra. Ela transformou-se no Acampamento Lautaro, uma
homenagem à liderança indígena que lutou contra os invasores espanhóis. Este acampamento
tornou-se um dos bastiones do MIR, e seu braço camponês - o MCR. As comunidades
indígenas relacionadas ao MCR, com suas reivindicações territoriais instalavam-se sob uma
base de propriedade coletiva. (HERNANDEZ, 2016)
A criação do Conselho Nacional Campesino (CNC) possibilitou a organização de base dos
campesinos através dos Conselhos Comunais Campesinos (CCC), 186 ao todo. Intensificou-
se o confronto entre as visões distintas de reforma agrária, especialmente entre MIR e o
Partido Comunista sobre o tema da legalidade. Os CCC(s) incluíam comitês de trabalhadores,
sindicatos, comunas, pequenos proprietários mapuches. Sob a direção do MCR-MIR, foram
se constituindo CCC em diferentes comunas na província de Cautín. A experiência mais
exitosa de organização popular foi a do CCC de Cunco propôs uma forma revolucionária de
trabalhar a terra. Em uma de suas declarações aponta a necessidade de articulação entre a
Reforma Agrária e as indústrias, dirigidas pelos próprios trabalhadores, pois estava nas mãos
114
destes “impulsar las tareas econômicas en la región”. Era também uma tarefa organizativa dos
campesinos que “ya concientes y organizados” tinham para com aqueles que ainda não
haviam abraçado o projeto. “Con la participación conciente de la clase trabajadora llevaremos
adelante este proceso revolucionário”90. (HERNANDEZ, 2016)
Os Conselhos Comunais Campesinos foram duramente reprimidos com o golpe de 1973.
Paralelamente a intensidade da organização popular (campesina e operária) vai sendo gestada
a contra revolução articulada por empresários nacionais e militares conservadores através do
financiamento estadunidense.
A contra-revolução buscava construir uma base de insegurança econômica a partir das
dificuldades de abastecimento, boicotes empresariais e “hostilidade de pequenos comerciantes
a um governo de orientação socialista”. O uso de campanhas “jornalísticas parlamentares em
tom sensacionalista” sobre ocupações de fazendas e empresas por seus trabalhadores como
atos subversivos foram também algumas das ações de uma direita que desesperadamente
buscava sobreviver. (RIBEIRO, 2007, p. 354-357)
Entre as muitas análises sobre a derrota do processo revolucionário chileno, destacamos aqui
alguns aspectos apontados por Rui Mauro Marini (1976), que vivenciou parte deste processo
em exílio no Chile por conta do golpe civil-militar de 1964 no Brasil. Entre suas análises,
aponta que o Partido Comunista Chileno nesta época, com o propósito em abrir caminho para
o socialismo, se baseava na concepção de revolução por etapas, onde completando a
revolução burguesa com a reforma das estruturas sócio-econômicas e ampliando a influencia
do estado sobre o setor privado, poderia avançar em pautas populares. Esta posição divergia
radicalmente da posição do MIR, que analisando uma crise do sistema, prefigurava uma
situação revolucionaria que deveria ser assumida em sua plenitude. Pressionava Allende na
constituição de um governo somente de trabalhadores indicando a necessidade de aceleração
da decomposição do domínio burguês. Estas divergências produziram uma ruptura em 1972
entre as duas forças políticas, e predominou definitivamente a hegemonia da concepção do
Partido Comunista. (MARINI, 1976)
Outro ponto que salienta o autor é o problema da composição de alianças com concepções
táticas e políticas divergentes. Esta tensão determinou a atitude do governo frente ao
movimento de massa, especialmente com o surgimento dos “cordones industriales” e dos
“comandos comunais”. A pequena burguesia, parte da composição da Unidade Popular,

90
Trechos da Ata do CCC de Cunco e Assembléias Setoriais de Los Laureles, Melipeuco, Cuneo y Quecherehue,
em abril de 1971. Esta ata encontra-se em Hernandez (2016).

115
demonstrando seu oportunismo político e horror ao enfrentamento aberto, inicia uma contra-
ofensiva que vai desembocar na contra-revolução de setembro de 1973 – uma resposta da
burguesia e do imperialismo frente ao “ousado” avanço das pautas populares, que a partir da
nacionalização do cobre e estatização de indústrias, favoreceu o crescimento industrial, elevou
o nível de consumo das massas e o lucro de setores empresariais. (MARINI, 1976)
O autor também afirma que o golpe militar não foi um ato único, mas o estopim de um
contexto que envolvia a derrota política da Unidade Popular e o avanço a Democracia Cristã.
O golpe em si teve a função da desorganização do movimento popular, golpeando partidos e
quadros avançados que nesta trajetória haviam se formado. O facismo usado pelo movimento
reacionário para agudizar as contradições de classes e favorecer o militarismo para manter os
interesses imperialistas constituiu-se como parte do regime. (MARINI, 1976)
Enquanto isso na Nicarágua se partia “otro hierro caliente”. A Frente Sandinista de
Libertação Nacional chegava ao poder em 1979 derrotando a ditadura de Anastácio Somoza.
O campo neste período era marcado por pobreza e desnutrição como singelamente retrata a
canção María Rural91 de Arlen Siu Bermúdez - militante da FSLN morta em combate aos 20
anos de idade. Ou ainda a canção do Grupo Pancasán chamada “Son estas mismas manos”92,
que anunciava a consigna das lutas daquele tempo: “Son estas mismas manos las que queren
que la tierra sean de quien a trabaja, las mismas que ahora quieren que naszca el hombre
nuevo”.
Outra canção-testemunho do Grupo Pancasán, “Ahí está la cosa”, e “Mujeres de Cua” de
Carlos Mejía Godoy93 descrevem a pressão e repressão aos camponeses pela guarda nacional
na busca de informações sobre militantes sindicalistas, da mesma maneira que os conflitos
que se desenvolviam nas montanhas:

Voy a hablarles companeros de las mujeres del Cua que bajaron de los cerros por
orden del general. De la Maria Venancia y de la Amanda Aguilar dos hijas de la
montana que no quisieron hablar. Ay, ay a nadie vimos pasar. La noche negra se
traga aquel llanto torrencial. Ay, ay, la patria llorando está. Parecen gritos de parto
los que se oyen por alla. (Mujeres de Cua. Carlos Mejía Godoy)

91
Esta canção trata em especial das condições de vida da mulher camponesa. Letra da Música disponível em:
https://lyricstranslate.com/es/arlen-siu-mar%C3%ADa-rural-lyrics.html . Canta o Grupo de Música folclórica
Pancasán, um grupo que fez parte do movimiento Nova Canção Latinoamericana entre os anos de 1970 e
1990. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nA2-ouDrMzU Acesso em outubro de 2018.
92
Música completa disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Xm19UdIUBIM Acesso em setembro
de 2018.
93
A Música Mujeres de Cua é um poema de Ernesto Cardenal musicalizado por Carlos Mejía Godoy.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uSMwYYk2E2k Acesso em agosto de 2018.
116
Baltodano (2008), afirma que muitas foram as vítimas camponesas durante a repressão
Somozista, entre elas Maria Venancia e Amanda Aguilar, mulheres lutadoras camponesas que
passaram por multiplas violações nas montanhas, entre elas a tortura e o estupro. O
movimento cristão (teologia da libertação) realizava “mucho trabalho em comunidades
urbanas e rurales”, especialmente depois do terremoto de 1972. Deste se forjara a militante
Arlen Siu. (BALTODANO, 2008)
Marquez (2014) aponta que durante a ditadura da família Somoza, a mesma converteu-se em
uma das principais famílias latifundiárias e burguesas do país, contrastando com a imensa
pobreza de operários e camponeses. Proprietários de dezenas de grandes empresas, estimava-
se que também eram donos de 30% de las tierras cultivables”, com uma fortuna que cresceu a
“650 millones de dólares, más del triple del presupuesto nacional evaluado en 200 millones de
dólares”. A partir da década de 1950 com o cutivo do algodão ocorreu um processo de
“proletarización en el campo”, e já na década de 1970 cerca de “90% de la superficie
algodonera pertenecía a grandes latifundistas”. (MARQUEZ, 2014)
A Frente Sandinista de Libertação Nacional iniciou suas atividades na região montanhosa ao
norte de Matagalpa, pouco povoada, mas com a presença de uma população indígena. Havia
certa tentativa de inserir o campesinato nas atividades guerrilheiras, mas houve dificuldades.
(MARQUEZ, 2014).
Segundo informações veiculadas na Revista Mensual Envío em 14 de junho de 1985, o
governo sandinista distribuiu terra a mais de 29% das famílias rurais, legalizando com o título
da terra outros 39% propriedades camponeses. Mas a lei agrária sandinista estipulou a
desapropriação apenas das terras ociosas. A equipe editorial da revista faz uma contundente
crítica a ese processo:

En todas las otras Reformas Agrarias contemporáneas llevadas a cabo en América


Latina (Chile, Perú, El Salvador), las leyes de Reforma Agraria expropiaron a todos
los productores que tenían más tierra que la fijada por una cifra arbitraria establecida
en la ley. En Chile fueron expropiados todos los productores con más de 115
manzanas de tierra. En El Salvador se expropió a todos los dueños con más de 715
manzanas en 1981, mientras que la segunda etapa proponía la expropiación de todos
los que tuvieran entre 215 y 715 manzanas. En las reformas agrarias históricas de
México, la Unión Soviética, China y Bolivia, los campesinos invadieron las tierras
de los patrones y los gobiernos revolucionarios apoyaron la parcelización de la tierra
entre ellos. En términos comparativos, la Reforma Agraria nicaragüense ha sido la
más conservadora y la más respetuosa con los empresarios agrícolas de todas las
reformas agrarias que realmente han beneficiado al campesinado. (EQUIPO ENVÍO,
1985, on-line)

117
Ao mesmo tempo, a equipe afirma que os latifundiários que tiveram suas terras confiscadas,
desenvolveram a partir de 1983 uma intensa guerra contra-revolucionária. (EQUIPO ENVÍO,
1985). O bloqueio econômico iniciado em 1981 por EUA faz com que Nicarágua se
aproximasse do Bloco Socialista. Paralelamente, integrantes da guarda nacional que haviam
se instalado em Miami recebendo apoio estadunidense, instituem a contra-revolução nacional
fragilizando a economia interna e ameaçando constantemente uma invasão militar no país. Os
freqüentes processos eleitorais para reafirmação do governo revolucionário perdem força
nesta conjuntura, e em 1990, Violeta Chamarro ganha as eleições com 54.74% contra o
partido da FSLN que havia conseguido 40.82% dos votos.
Marquez (2014) reitera que a Revolução Sandinista foi nitidamente uma revolução operário-
camponesa, com um forte pivô operário, que estabeleceu uma aliança pública junto à
burguesia, a partir da Frente Amplio Opositor. Para o autor, a revolução não havia tomado
todas as medidas para sua defesa, como por exemplo, a nacionalização da economia e a
destruição do “estado burguês sustituyéndolo por uno obrero”. O respeito à legalidade
burguesa e a propriedade enfraqueceu sua posição, enquanto a burguesia aplicava diversas
ações contra-revolucionárias como o boicote econômico, a “política de tierra quemada y
sabotaje”. (MARQUEZ, 2014)

Neste breve relato da trajetória da luta de classes no campo na América Latina, buscamos
destacar alguns dos aspectos centrais no que concerne às perspectivas de transformação, à
organização política dos trabalhadores e aos desafios enfrentados a cada momento histórico.
Ciente de que os elementos e processos apontados acima apenas tateiam essa longa trajetória,
buscamos considerar questões-chave que poderiam nos remeter à compreensão dos processos
de consciência vivenciados pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo ao longo dessa
história.
As contradições vivenciadas em cada situação indicam um movimento pulsar da consciência
oscilando entre: encontros e dissociação, agrupamentos e desagregação, unificação e dipersão,
de consciência social e fragmentação. A cada tempo, a cada processo, a cada território,
mensagens capturadas, e parafraseando Mário Benedetti, lançadas o mar podem remeter ao
tempo presente tornando-se pedras, alertas, pedidos de socorro e caracóis.
Algumas dessas mensagens são reavivadas na construção da CLOC-Via Campesinas, outras
ainda em aprendizagem.

118
2.3 DAS LIÇÕES HISTÓRICAS DA LUTA DE CLASSES NO CAMPO
Os tempos que vivemos hoje não têm as mesmas condições objetivas dos ciclos anteriores. A
luta de classes encontra-se ainda mais complexificada por se tratar de um tempo de crise
estrutural do sistema capital e de tamanha intensidade da ideologia dominante. Mas essas
experiências de lutas náufragas nos deixam várias mensagens de cunho estratégico. Algumas
delas são levantadas pelas mãos da CLOC-Via Campesina como síntese de toda essa
trajetória, mas mergulhadas na ebulição da luta de classes neste tempo, outras, em processo de
aprendizagem.
Abaixo destacamos seis dos possíveis versos na garrafa ao mar que a CLOC-Via Campesina
carrega em suas mãos:
a. Do Programa Agrário: A luta pela terra não deve caracterizar-se somente pela posse da
terra, mas no contexto de uma dinâmica territorial na qual carrega novas relações entre
os seres humanos e a natureza. A água, a terra, a biodiversidade, o que está abaixo da
terra, os pés que nela caminham produzindo a própria existência, a cultura e a história
de um povo devem conectar-se em sinergia na construção de novas relações de
produção da vida social. Lutar pela terra é, portanto, lutar por território e por
soberania.
Entre as consignas dos indígenas guaranis e o pronunciamento de Tiarajú, “Essa terra
é nossa”; ou a crítica e Hatuey sobre o deus dos espanhóis – o ouro; ou a de Ezequiel
Zamora, “Terra e hombres livres”; ou a consigna da revolução zapatista “Terra para
quem nela trabalha”. Todas estavam carregadas de um arcabouço de significados que
envolvem a defesa territorial, e dos trabalhadores que nela/dela vivem.
As relações de exploração através da servidumbre, da escravização, do assalariamento,
e da subsunção são próprias do desenvolvimento do capitalismo na America Latina,
que através da dinâmica colonizatória, caracteriza-se por um capitalismo dependente.
Um capitalismo que abdica de sua autonomia na geoconomia mundial (com o papel de
produção para a exportação), em detrimento de manter privilégios de uma elite
dominante e autocrática.
As disputas internacionais por poder e pela acumulação permanente de capital têm a
terra como um dos pivôs centrais. Quando não pela invasão e expropriação, pela
especulação no mercado de terra internacional. A constituição do Haiti de 1804 já
apontava a recusa de propriedades estrangeiras em terras haitianas.
A Luta pela terra, portanto, é luta por território, por novas relações sociais e com a
natureza para a produção da vida material. Um programa agrário diante da construção
119
de uma nova forma societária necessita, portanto, incoporar-se na totalidade das
mediações que projetam esta nova sociedade, e nesse caso incorporar a necessidade
imediata dos trabalhadores do campo (terra, crédito, água, moradia, saúde, etc) a uma
dimensão política mais agrangente;
b. A busca da unidade entre os povos contra um inimigo comum maior, responsável pelo
encadeamento das misérias, destaca-se nas diversas fases da luta de classes
vivenciadas no continente. Desde as lutas indígenas travadas com os colonizadores, à
idealização da Pátria Grande, de Nuestra América nas lutas anticoloniais,
antimperialistas, até a construção do internacionalismo de classe.
c. A intolerância da classe dominante de cada período contra levantamentos e rebeldia
das classes subaternas que se manifestaram em prisões, assassinatos,
esquartejamentos, queima de corpos em praça pública e decapitação, e nas formas
mais sutis de manipulação e cooptação. Situações estas, que não impediram o
reaparecimento de novas resistências;
d. Das formas organizativas de resistência, destacamos as formas comunitárias e
coletivas da produção da vida e das decisões políticas. Num rápido exercício de
memória, podemos citar as experiências dos quilombos ou palenques, dos falanstérios,
das comunas, dos conselhos comunais, entre outras. Várias dessas resistências, embora
tenham possibilitado o avanço da consciência e a construção de identidades, foram
marcadas pela fragilidade na consolidação como uma classe coesa mesmo que diversa.
Tensionamentos de toda ordem vivificaram fragmentação de classe, que muitas vezes
se encontravam em batalhas decisivas, mas que se dissipavam em suas
particularidades tanto geográfica, como étnica, ou política, o que de alguma maneira
as fragilizou diante da totalidade da dominação;
e. O papel destas das mulheres indígenas, negras e camponesas nas sociedades coloniais
foi definida pela peculiar forma de dominação baseada no estupro, e no controle dos
corpos para a reprodução da força de trabalho. Não é por acaso que estiveram sempre
à frente das resistências, pois foram corriqueiramente atingidas por uma tripla
opressão que articulava em diferentes expressões classe, gênero e raça, de maneira
latente ou escancarada. Foram elas estrategistas, educadoras, produtoras de alimento,
enfermeiras, cozinheiras, e, combatentes. Lideranças campesinas, indígenas e negras
que abraçaram as lutas pela terra, território, por autonomia, e pelos direitos da mulher.
f. O papel que a América Latina desempenha na geoconomia e na geopolítica mundial
desde o processo de colonização, subsumida incialmente às metrópoles espanhola e
120
portuguesa, e posteriormente ao imperialismo estadunidenses, condicionou as formas
de exploração, da produção e distribuição de riqueza. A marca do capitalismo
dependente também se expressa na organização de um Estado e uma política
dependente, que com raízes oligárquicas e latifundiárias, posiciona-se num papel de
subserviência e integração às políticas internacionais voltadas ao grande capital.
Frequentemente seu aparato de coerção garantia a constância desses projetos, através
de assassinatos, massacres e golpes de Estado. Importante recordar que houve muitas
lutas de resistência fora do plano institucional, mas a direção coercitiva das mais
diferentes formas de Estado fizeram-se presente nos momentos decisivos da luta de
classes.

Os tensionamentos vivenciados pelos trabalhadores do campo em todos esses períodos


históricos demonstram sua gênese econômica e sócio-política na América Latina, ao mesmo
tempo em que configura seu papel na construção das resistências e processos revolucionários.
As resistências particulares dos indígenas, negros e camponeses, e, sua inserção em lutas mais
amplas por transformações societárias, demonstraram que as condições objetivas a que foram
submetidos possibilitou um terrerno fértil para sua identificação como classe trabalhadora,
mas sua consciência de classe se fez na medida em que seus passos posicionavam-se ao lado
dos despossuídos, marginalizados, expropriados. As lutas e suas organizações políticas foram
objetivando-as como tal em diversos momentos da história, muito embora, repleta de
fragmentações e inconstâncias, que em grande medida serão retomadas a partir da década de
1990 na tentativa de resolvê-las, pela organização internacional de camponeses.
A CLOC - Via Campesina carrega algumas lições desta trajetória de lutas em suas mãos, e
outras aprende e reaprende em sua práxis diária. Reivindicando-se como fruto desta história,
emergem justamente num momento em que se realizava uma campanha continental chamada
“500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular”, nos marcos da luta antiglobalização
neoliberal e de seus efeitos catastróficos.
Poderia ser a CLOC - Via Campesina uma síntese histórica da lutas de classes no campo de
Nuestra América? Observemo-as mais de perto.

121
CAPÍTULO 3
MOVIMENTO CAMPONES INTERNACIONAL E RESISTENCIA:
BREVE INVENTARIO DA CLOC-VC

A revolução de que se tornaram porta-vozes e militantes não brotou das formas


intelectuais da consciência – ela emergiu do próprio curso da história. Se o
radicalismo de ambos lhes permitia compreender esta revolução no seu íntimo e
incorporá-la a seu modo profundo de ser, de pensar, de agir, eles não a inventaram,
nem a criaram. Como eles testemunham de maneira eloqüente, serviram-na.
Serviram-na com todo o ardor e sem desfalecimento – mesmo e principalmente
quando a sorte se mostrou por demais severa, e os fatos pareciam contrariar todas as
esperanças revolucionárias. (FERNANDES, 2012, p.30)

Das resistências e revoluções que antecederam, Fernandes (2012) nos deixa uma mensagem
subliminar de que as condições objetivas e subjetivas para um processo revolucionário se
encontram e se forjam no curso da história. Assim como as contradições do tempo de cada um
desses processos forjaram a movimentação da classe trabalhadora, as contradições deste
tempo percebidas mais ou menos rapidamente pelo pensamento humano forjam a
movimentação das classes trabalhadoras, que se fazem classe em si e classe para si nas lutas
cotidianas.
Como traçado anteriormente a crise estrutural do capitalismo em escala mundial atinge cada
país de maneira desigual, entretanto combinada e conduzida sob a égide imperialista. Nos
diferentes países da América Latina esta crise desatina com maior ou menor intensidade em
diferentes anos. Os dados que apontamos anteriormente demonstram que na geopolítica e na
geoeconomia mundial, a natureza (terra, água, minérios, biodiversidade, etc) são consideradas
reservas estratégicas fundamentais para este novo período de acumulação de capital, o que faz
os olhares mais atentos das grandes corporações transnacionais.
Esse processo tem implicações diretas na vida cotidina dos territórios das comunidades
indígenas, quilombolas, camponesas, ribeirinhas, pescadoras entre tantas outras nas suas
diferentes dimensões, que ao mesmo tempo em que resistem, vivem situações que as
submergem, as engolem e as reconfiguram.
As condições objetivas que configura este tempo histórico têm suas raízes na própria
formação histórico-econômica e social da América Latina, e, que de certa forma incidem na

122
caracterização e na formação das classes sociais trabalhadoras que no campo residem e dele
vivem. Entre estas raízes destacamos como condições históricas:
a) O processo de colonização da América (e outros continentes) se dá nos marcos de
desenvolvimento e expansão de acumulação primitiva de capital na Europa;
b) A conformação de uma classe dominante na América Latina se dá nos marcos da
exportação de matérias primas e da dependência, primeiramente à sua metrópole e num
segundo momento sob a égide do imperialismo estadunidense. O que e como deveria ser
produzido se consolidava sob os interesses e necessidades do mercado mundial. Como
exemplo, podemos citar o próprio tráfico negreiro como um negócio altamente rentável além
da forma das relações sociais da produção escravista, e que posteriormente passou para a
necessidade da formação do “trabalhador livre” como uma nova fase da acumulação. A
dependência como característica chave desta classe dominante se reconfigura na formação das
burguesias nacionais;
c) A intolerâcia das classes dominantes às mínimas possibilidades de redução de seus
privilégios ou ainda da melhoria de condições de vida das classes populares. Uma intolerância
que na sua origem é marcada por uma postura de opressão de classe, raça e gênero. O
genocídio com os povos indígenas, as atrocidades com as populações africanas, a opressão e
inferiorização do gênero feminino, e o desprezo à pobreza são constituintes do caráter da
classe dominante na América Latina. O momento recente mais crítico e de conflito aberto
foram as ditaduras civis-militares que ocorreram neste continente.
Diante destas condições econômicas e políticas, as resistências históricas dos explorados
foram forjando as classes trabalhadoras na América Latina. Resistências essas que
consolidaram identidades na medida em que negavam o outro em sua condição de explorador
e/ou opressor para afirmar-se como resistência e busca da sobrevivência. Estas identidades
fortalecidas nas suas próprias resistências negavam o seu contrário, mas ao mesmo tempo se
encontravam estreitamente vinculadas às condições objetivas da dominação, que
determinadas mundialmente, subsumem todas outras formas de reprodução da vida à sua
lógica.
Em linhas gerais é possível identificar três grandes momentos que caracterizam essa histórica
resistência:
a) a resistência indígena e negra contra o processo colonizatório e à escravização, reafirmando
seus territórios, suas culturas, suas formas de produzir a vida, ou ainda construindo territórios
de resistência como o caso dos palenques e quilombos;

123
b) as lutas pela independência e abolição da escravatura reuniam por um lado indígenas,
escravizados, afroamericanos, e, por outro, progressistas influenciados pelo liberalismo
político e econômico na Europa, que afrontavam as grandes metrópoles em nome da
autonomia. A perspectiva da Grande Pátria de Bolívar, ou ainda de Nuestra América de José
Martí fez parte de um ciclo de lutas que tinha também como pauta o fim das formas de
servidão e escravidão nas “haciendas” e “plantations”. Um período que finda com as
independências das metrópoles e abolições realizadas, mas com uma grande massa de
despossuídos que foram escanteados na consolidação dos grandes latifúndios e na formação
do trabalhador agora livre, tanto no campo, como nos centros urbanos;
c) O terceiro momento é marcado por um novo ciclo de migração, desta vez européia. Vieram
com estes, as idéias anaquistas e socialistas e foram tomando corpo na construção das lutas de
resistência, mas também em processos revolucionários. Da formação de comunas utópicas ou
de resistência anarcosindicalista à Revolução Mexicana, Revolução Cubana, Revolução
Chilena e Revolução Nicaraguense, buscavam concretizar o princípio da autonomia e auto-
gestão dos povos frente ao crescente imperialismo estadunidense na perspectiva de resolver as
contradições vividas pela classe trabalhadora.
Entre os processos revolucionários, todos tinham em suas pautas o tema da terra. E sob o lema
“Terra para quem nela Trabalha” conseguiram, com maior ou menor êxito, reconfigurar
aspectos da estrutura agrária. Alguns desses processos foram ao longo do tempo revertidos
pelo avanço do capital no campo e por ações contra-revolucionárias.
Um novo ciclo de lutas se desenvolve a partir da década de 1980 e início de 1990. Depois de
duas guerras mundiais, o estouro da primeira revolução socialista da história (Revolução
Russa), e a massificação de Partidos Socialistas e Partidos Comunistas, que influenciaram
enormemente as resistências e revoluções na América Latina, dois acontecimentos
provocaram certo abalo e desarticulação da esquerda mundial: a abertura dos arquivos
soviéticos e o expurgo da divergencia no período de Stalin (1956); e a Queda do Muro de
Berlim (1989). Inicia-se uma tendência mundial de construir movimentos sociais, que se
forjavam a partir da identidade dos seus pares pela forma particular de opressão que lhes
atingia.
Bogo (2010), aponta que a década de 1980 inaugura no campo brasileiro o surgimento de
diversos movimentos sociais abrangendo as distintas particularidades da opressão de
trabalhadores. Como o caso de atingidos por barragens, dos movimentos quilombolas, dos
pequenos agricultores, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, indígenas, todos sob o
“espectro da luta pela terra”, caminhando “para o andamento da formação de classe”, mas que
124
ainda esbarravam nos aspectos corporativos de suas lutas. Para o autor, a Via Campesina seria
o primeiro passo para a reunião destas forças, e o movimento do capital os obrigaria a cada
vez mais aprofundar isto.
Neste sentido, continua Bogo (2010), que é possível considerar que se constituíram dois tipos
de movimentos sociais que surgem neste período. Aqueles que considerados populares se
estruturam em torno de pautas e objetivos táticos, e na medida em que se resolvem, ou em
partes ou totalmente, se desfazem em sua identidade. E por outro lado aqueles que têm uma
diferença imprescindível, que articulam objetivos táticos e estratégicos e caminham “para
formar a organização política de sua força e a constituição de sua classe social”,
configurando-se no longo processo de construção da identidade de classe. São os movimentos
sociais de classe. (BOGO, 2010, p. 100)
Neste caso, em algumas situações, movimento sociais de classe, mesmo autônomos,
permaneceram vinculados em maior ou menor grau à estruturas partidárias de esquerda que
projetavam a transformação societária. Em outros casos, o movimento social, deslocando a
articulação de sua pauta particular à transformação societária em geral, reafirmavam que as
transformações se dariam na medida em que surgisse o maior número de movimentos
corporativos em suas pautas particulares, e que esse seria o caminho para minar a exploração
e opressão da sociedade. Negava-se aqui uma perspectiva, por estes denominada de
“totalitária”, argumentando que as experiências de revoluções socialistas não vingaram por
negar a diversidade e particularidade dos sujeitos. Havia neste caso um deslocamento da
função partidária, historicamente construída pela esquerda, para o movimento social.
Este novo ciclo de lutas que se inicia entre as décadas de 1980 e 1990 foram forjadas diante
de um condicionante econômico-social: o impacto da globalização e das agendas neoliberais
que foram sendo desenvolvidas pelos governos da América Latina e do mundo. O
neliberalismo, defendendo o livre mercado e o Estado mínimo, atingia as mais diferentes
dimensões da economia mundial com o argumento de ser o caminho para resolver a crise
cíclica do capitalismo que vinha se arrastando desde a década de 1970, inclusive no âmbito da
agricultura.
Conforme indica Anette Desmarais (2013), militante e intelectual orgânica da organização
canadense National Farmers Union (NFU) - partícipe da Via Campesina, a crise desdobrava-
se desde a década de 1970 e desde aí já refletia fortemente na agricultura. Em 1974 foi
realizada a Conferência Mundial de Alimentação da ONU, marcada pela preocupação de
“iminente escassez de alimentos”. Não obstante, é importante lembrar que para o aumento da

125
produção defendia-se o pacote da chamada “Revolução Verde”, com o uso de fertilizantes e
agrotóxicos em produções de larga escala. (DESMARAIS, 2013, p. 52-53)
A efetivação da Revolução Verde junto ao aumento da concentração de terras e ao uso de
maquinários nos monocultivos de grandes extensões provocam uma reconfiguração na
estrutura agrária, e expulsão de centenas de famílias camponesas de suas terras. Segundo a
Enciclopédia Latino-Americana94 nos últimos 70 anos a América Latina sofre uma
transformação demográfica que marcará em certa medida o caráter de algumas das lutas
travadas na história. Nos referimos à população rural que desde a década de 1950 reduziu
progressivamente de 58,7% para 35,69% no ano de 1980, e na sequência reduzindo para
29.5% em 1990, em 24,7% no ano 2000, e em 21,56% no ano de 2010. Processo esse que se
desenvolve ao passo da implementação de políticas neoliberais (a globalização do livre
comércio).
Para DESMARAIS (2013), o impacto da globalização na agricultura se expressou também no
estabelecimento de leis de modernização na agricultura, na compra e venda de terras
(facilitando a aquisição para o setor corporativo nacional e estrangeiro), e, no aumento do
limite da propriedade da terra. Honduras, México, Equador, além da Índia e Canadá são
exemplos de aplicação destas leis.
Também, parte dos impactos da globalização na agricultura se deve a um dos principais
pilares do Acordo Sobre Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC) 95 que
fomentava o comércio para exportação nivelando “a concorrência de modo que todos os
produtores do mundo pudessem competir efetivamente no mercado internacional”. Esse
processo impulsionou um aumento no comércio e produção de comoditties, ao mesmo tempo
em que interferindo drasticamente na cadeia de produção agroalimentar. (DESMARAIS,
2013, p. 85-86)
Diante da globalização neoliberal, a resistência se constituía com maior incidência sob uma
nova forma organizativa - os movimentos sociais. Muito embora, em cada país as estruturas
partidárias de esquerda não haviam sido abandonadas, pelo contrário, se reconfiguravam

94
SADER, Emir (Coord). Enciclopédia Contemporânea de América Latina e do Caribe. Rio de Janeiro:
Boitempo Editorial; LPP-UERJ, 2006. Os dados aos quais nos referimos tem referência às fontes da ONU -
World Population Prospects: The 2004 Revision Population Database. Disponível em:
http://latinoamericana.wiki.br/america-latina-em-numeros . Acesso em novembro de 2018.
95
A partir da II Guerra Mundial se construiu um consenso que somente com a prática do livre comércio
contribuiria para o desenvolvimento. Nesse contexto surge o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT), em inglês General Agreement on Tariff in Trade, que regulava o comércio internacional. No ano de
1995, na mesma perspectiva, mas com algumas modificações é consolidada a Organização Mundial do
Comércio (OMC). O Acordo sobre Agricultura da OMC buscava maior liberalização do comércio para
exportação, porém com a redução de um suporte nacional à agricultura.
126
desde a década de 1980, em partidos de massa em sua grande maioria, como o caso do Partido
dos Trabalhadores (PT) no Brasil. Surgiam movimentos sociais de luta contra a opressão de
raça, movimentos sociais de luta pela igualdade de gênero, movimentos sociais de luta pela
terra, de luta por moradia, movimentos sociais ecologistas, entre tantos outros.
Neste novo ciclo, entre a globalização neoliberal e a forma da resistência o problema da terra
permanecia.

3.1 A CLOC - VIA CAMPESINA COMO MOVIMENTO CAMPONÊS


INTERNACIONAL

Un hombre del pueblo de Neguá, en la costa de Colombia, pudo subir al alto cielo.
A la vuelta contó. Dijo que había contemplado, desde allá arriba, la vida humana. Y
dijo que somos un mar de fueguitos. El mundo es eso - reveló. Un montón de gente,
un mar de fueguitos. Cada persona brilla con luz propia entre todos los demás. No
hay dos fuegos iguales. Hay fuegos grandes y fuegos chicos y fuegos de todos
colores. Hay gente de fuego sereno que ni se entera del viento, y gente de fuego loco
que llena el aire de chispas. Algunos fuegos, fuegos bobos no alumbran ni queman;
pero otros arden la vida con tantas ganas que no se puede mirarlos sin parpadear, y
quien se acerca, se enciende. (Eduardo Galeano. El Mundo)

O movimento camponês internacional nasce na década de 1990 em meio às lutas


antiglobalização e antineoliberalismo que ocorriam em nível mundial. Iniciativa que ocorria
paralelamente à construção de uma articulação latino-americana de movimentos sociais em
meio à “Campanha: 500 Anos de Resistência Indígena, Negra e Popular”, depois se
consolidando como região membro da Via Campesina Mundial.
A Via Campesina é caracterizada como um movimento social internacional que articula
organizações sociais de camponeses, pequenos e médios agricultores, “sem-terras”, indígenas,
afrodescendentes, migrantes, trabalhadores agrícolas assalariados, povos tradicionais,
migrantes, juventude do campo, mulheres camponesas e indígenas, afetados pela mineração
em larga escala de todo o mundo. São movimentos sociais de caráter sindical e corporativo
que em sua maioria buscam articular suas bandeiras particulares a uma luta por transformação
social. Algumas organizações, em especial da CLOC-VC, são movimentos, associações, ou
ainda articulações de organizações gremiais locais. Não se trata apenas de uma somatória de
movimentos, mas de sua articulação na forma de movimento social.

127
Enfrentam o agronegócio e as grandes corporações transnacionais que atuam no campo como
expressões atuais do capitalismo patriarcal internacional e do livre comércio.
Sua luta é por soberania alimentar, territorial e energética; pela terra, água; pela agroecologia
e sementes campesinas; pela justiça climática e ambiental; e, pelos direitos dos camponeses e
camponesas. Sobre o princípio da solidariedade internacionalista, estas bandeiras são em
síntese as principais lutas desenvolvidas pelas organizações de base que compõe a VCI.
As entrevistas realizadas com representantes de movimentos partícipes da VCI destacaram
que os principais objetivos de suas lutas estão circunscritas na: terra, água, reforma agrária,
geração de renda e trabalho, produção agroecológica e uma justa comercialização, pela
democracia real e pela democratização dos direitos básicos, por novas relações sociais de
gênero e raça, por direitos dos camponeses (as) e indígenas, por justiça social e climática, por
educação de qualidade para o campo. Lutas estas que convergem na perspectiva de construção
de um projeto popular anti-globalização neoliberal, e para alguns desses movimentos,
diretamente associada a luta de caráter socialista e anti-imperialista.
Na visão da Via Campesina, a Soberania Alimentar é uma de suas das linhas estratégicas, que
é princípio, mas também caminho para deter o processo neoliberal destrutivo. Esta envolve a
realização de: reformas agrárias integrais que mudariam radicalmente a estrutura agrária;
envolve a concepção da terra como bem comum a serviço dos povos e não da lógica de
exploração; a agricultura camponesa, familiar e cooperativa; o respeito à biodiversidade e os
bens naturais do planeta (ecossistemas, culturas e conhecimentos acumulados historicamente
pelos povos originários e do campo); as sementes como patrimônio dos povos a serviço da
humanidade; envolve o papel ativo de mulheres e jovens na produção de alimentos e na
tomada de decisões; envolve direitos humanos para os camponeses; e uma justa produção,
processamento e distribuição controlada pelo agricultor e suas formas de cooperação. (LA
VIA CAMPESINA, 2009b)
A Via Campesina aposta na Soberania Alimentar como caminho para a resolução da crise
alimentaria, climática, e energética a qual assola o planeta. Em sua análise, uma das causas
principais do efeito estufa e das mudanças climáticas corresponde ao desenvolvimento da
produção industrial em larga escala, com intensidade de uso de grotóxicos, largas linhas de
transporte, e altos níveis de mecanização, somadas ao elevado uso de energias fósseis. E para
isso, propõe a agricultura camponesa baseada nos recursos locais, na agroecologia e na
biodiversidade da produção. (LA VIA CAMPESINA, 2009b)
Entre as diversas formas de luta, contundentes e radicais, prima pelo caráter não violento e o
respeito à integridade das pessoas. As entrevistas realizadas, especialmente com
128
representantes da CLOC-VC, nos apontam que as formas de luta têm um caráter externo e um
caráter interno.
As de caráter externo (e que também incidem internamente) são as: mobilizações;
manifestações; greves gerais; marchas; bloqueios de estradas onde as populações locais são
mais afetadas; ocupações de terras, espaços públicos e outros; feiras de agroecologia; jornadas
culturais; campanhas sejam com a finalidade de denúncia e /ou reivindicações; a comunicação
popular também instrumento político de articulação interna e com outras forças; a agitação e
propaganda com técnicas de arte e cultura na construção das lutas e trabalho de base. Todas
essas formas são acompanhadas de declarações e comunicações.
Algumas organizações apontaram ainda a importância da luta institucional participando de
cargos públicos, onde podemos citar como caso mais emblemático a construção do poder
popular na Venezuela. Outras buscam sua referência em Gandhi para organizar as lutas, como
no caso de uma organização aliada da VCI (Ekta Parishad da Índia). O representante desta
organização afirma: “acreditamos que através da luta não violenta as comunidades rurais da
Índia podem se proteger” e que “uma sociedade auto-suficiente só é possível quando os laços
comunitários são fortalecidos e através do respeito mútuo e da equidade social”. (M.K., Ekta
Parishad, Índia. Entrevista realizada em julho de 2017).
As entrevistas também apontam que há uma dimensão interna da luta, que está voltada para o
fortalecimento das organizações de base e de suas articulações. Essa dimensão endógena tem
seus alicerces especialmente na: organização de grupos de bases e comunitários (trabalho de
base); nos processos de formação política através de cursos, seminários, e escolas com
“pedagogia própria”; na implementação de formas de produção agroecológica e cooperativa;
assim como o exercício de poder popular através da forma organizativa e dos métodos de
direção.
Existem algumas datas importantes que já marcam a trajetória da Via Campesina e da CLOC.
Entre elas citamos: 8 de março como Dia Internacional das Mulheres; 17 de abril como Dia
internacional da Luta Camponesa; 22 de abril como Dia da Madre Tierra; 05 de Junho como
Dia Mundial do Meio Ambiente; 10 de setembro como Dia Internacional de Luta contra a
OMC; 12 de outubro como Mobilização Global contra o Sistema Capitalista; 15 de outubro
como dia Dia da Mulher Rural, 16 de outubro como Dia da Soberania Alimentar – luta contra
as transnacionais; 25 de novembro como Dia de Combate à Violência Contra a Mulher, e 3 de
dezembro como Campanha contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Para o movimento internacional campesino, a construção de uma nova sociedade só é possivel
com a: construção de alianças campo-cidade; a solidariedade e unidade entre organizações
129
sociais respeitando a diversidade; um massivo processo de formação e educação; ações
mobilizadoras; apoio incondicional a migrantes que em sua maioria provém de zonas rurais; a
democratização das instituições internacionais como espaços que estabeleçam marcos aos
governos nacionais e locais em respostas às necessidades de seu povo e contra as ações
destrutivas de empresas transnacionais; o combate a todas as formas de discriminação de
gênero, etnia, casta, idade, cor ou religião. (LA VIA CAMPESINA, 2009b)
Seu nascimento é marcado pela composição de 5 regiões, com 30 organizações sociais do
campo, das quais 19 eram latino-americanas (que vinham de uma iniciativa de articulação
continental). Mas, crescendo progressivamente, chegou ao ano de 2013 com nove (9) regiões,
74 países, e 165 organizações membras da Via Campesina Internacional.
Hoje, em 2019, já se encontram consolidadas dez (10) regiões com 79 países (se contando
com as Ilhas Windiward, são 82) e 182 organizações sociais do campo, envolvendo cerca de
200.000.000 de camponeses segundo informações apresentadas no site da Via campesina
Internacional96.

Mapa 02 – Localização da Via Campesina no Mundo

96
Informações disponíveis em: https://viacampesina.org/es/quienes-somos/que-es-la-via-campesina/ e
https://viacampesina.org/es/quienes-somos/regiones/america-del-sur/ Acesso em outubro de 2018.
130
A tabela abaixo demonstra de maneira resumida a atualidade dos dados com relação à sua
composição. Destacamos que as regiões com maior número de organizações sociais são:
América do Sul, Europa, América Central e Ásia (Sul):

Tabela 07 - Número de organizações que compõe a Via Campesina Internacional


Região Países Número de
Organizações
África Burkina Faso, Congo Brazzaville, Gâmbia, Ghana, Guiné 9
(Central e Oeste) Bissau, Mali, Nigéria, Senegal, Togo

África África do Sul, Angola, Magadascar, Moçambique, 9


(Sul e Leste) República Democrática do Congo, Tanzânia, Uganda,
Zimbabwe
Ásia (Sul) Bangadlesh, Índia, Nepal, Paquistão, Sri Lanka 23
Ásia Cambodja, Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia, Japão, 13
(Sudeste e Leste) Malásia, Tailândia, Taiwan, Timor Leste, Vietnã
América do Norte Canadá, EUA, México 10
América do Sul Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, 47
Paraguai, Peru, Uruguai,Venezuela
América Central Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicaragua, 27
Panamá
Caribe Cuba, Haiti, Ilhas Windiward (Granada, Dominica, Santa 13
Lúcia e São Vicente), Porto Rio, República Dominicana
Europa Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Escócia, Espanha, 28
Euskal Herria, Finlândia, França, Geórgia, Itália, Noruega,
Países Baixos (Holanda), Portugal, România, Royaume-Uni,
Suécia, Suíça, Turquia
Regiões Marrocos, Palestina, Tunísia 3
Emergentes
(Middle Est and North
Africa - MENA)
10 regiões 79 países (82 contanto as Windiward) 182 organizações

Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina. Dados de 2018.

A grande maioria das organizações e movimentos sociais partícipes da Via Campesina são de
base camponesa, muito embora haja uma grande variedade de identidades coletivas que
organizadas vivem no/do campo ou nele trabalham, e por conseqüência atingidos pelas
políticas econômicas do capitalismo neoliberal.
Na sequência destacamos alguns mapas que demonstram a incidência da Via Campesina nos
países por grande região: África (Central e Oeste), África (Sul e Leste), Ásia (Sul), Ásia
(Sudeste e Leste), e Europa.

131
Mapa 03 – Organizações Sociais que compõe a VC - Europa

132
Mapa 04 – Organizações Sociais que compõe a VC – África Central e Oeste

133
Mapa 05 – Organizações Sociais que compõe a VC – África Sul e Leste

134
Mapa 06 – Organizações Sociais que compõe a VC – Ásia Sul

135
Mapa 07 – Organizações Sociais que compõe a VC – Ásia Sudeste e Leste

136
Em anexo, encontram-se as tabelas (08, 09, 10, 11, 12 e 13) que especificam com maior
detalhamento o nome das organizações sociais que participam em cada uma das regiões que
compõe a Via Campesina: África (Central e Oeste), África (Sul e Leste), Ásia (Sul), Ásia
(Sudeste e Leste), Europa e Regiões Emergentes ou MENA (Middle Est and North Africa).
Quanto às Américas consideramos abaixo um maior detalhamento, pois tem relação com o
surgimento da Coordenadora Latino-americana de Organizações do Campo – CLOC.
A CLOC nasce paralelamente à Via Campesina nos marcos da “Campanha: 500 anos de
Resistência Indígena Negra e Popular” realizada no início da década de 1990. Nasce na
perspectiva de construir uma articulação internacional de movimentos sociais do campo para
fortalecer a luta continental contra as políticas neoliberais na agricultura. Imediatamente em
seus primeiros passos conecta-se à Via Campesina Internacional, a qual hoje, forma parte da
grande regional “Américas”, chamada CLOC-VC.
A CLOC-VC é caracterizada por ser um movimento internacionalista anticapitalista,
antineoliberal, antiimperialista e antipatriarcal. Carrega consigo os princípios: de permanente
solidariedade a Cuba e seu processo revolucionário; de mobilização e luta de massas,
entendendo-as como um processo participativo, autônomo, formativo e permanente; de apoio
e sustentação às organizações sociais nacionais; da luta feminista; e do compromisso
permanente com a construção do socialismo na América e no mundo.
Sua composição social representa movimentos camponeses, de trabalhadores assalarariados
do campo, indígenas, afrodescendentes, e pescadores. Todos atingidos diretamente pelas
políticas neoliberais na agricultura. Junto à Via Campesina luta pela: Reforma Agrária
Integral e Popular; pela Soberania Alimentar; pelos direitos dos camponeses; pela preservação
da biodiversidade e recursos naturais; por uma agricultura camponesa e sustentável; pela
solidariedade e unidade na diversidade entre organizações membras; e, contra qualquer forma
de discriminação de gênero, idade, cor ou etnia.
Também tem construído ações, embora com muitos desafios, que integram as mulheres e a
juventude nas tomadas de decisões e instâncias organizativas, bem como de solidariedade a
migrantes e de alianças com organizações sociais urbanas.
Entre as formas de luta, desenvolvem marchas, ocupações, greves, manifestações em geral,
além de campanhas que tem um caráter pedagógico junto à sociedade. Das campanhas que
estão em andamento, mencionamos: a Campanha Basta de Violência contra as Mulheres; a
Campanha contra os Agrotóxicos e pela Vida; a Campanha Mundial pela Reforma Agrária;
Campanha Sementes como Patrimônio dos Povos e a serviço da Humanidade; e a Campanha
de Solidariedade Permenanente.
137
Entre as linhas de ação estratégica, além de Soberania Alimentar e da Agroecologia, a CLOC-
VC também afirma contundentemente: o combate ao agronegócio e ao modelo de produção
excludente; o rechaço à criminalização das lutas sociais; a resistência contra a militarização
do continente, inclusive às bases militares estadunidenses nos territórios; a defesa da pequena
agricultura; o apoio aos processos de integração dos povos; a formulação de respostas às
mudanças climáticas; a defesa da biodiversidade e da agrobiodiversidade camponesa
garantindo as sementes como patrimônio da humanidade; o impulso de processos
permanentes de formação política das bases sociais de seu movimento; a construção de
formas de comunicação interna e externa popular; e, a contribuição na construção de formas
de desenvolvimento regional alternativo e anti-hegemônico incorporando elementos da
cosmovisão indígena97.
No que se refere aos movimentos sociais que compõe a Coordenadora Latino-Americana de
Organizações do Campo – CLOC, a grande maioria das organizações e movimentos sociais
são de camponeses, pequenos agricultores, indígenas, mulheres do campo, movimentos de
atingidos pela mineração, por barragens, movimentos afrodescendentes, pescadores
artesanais, trabalhadores assalariados do campo, ou ainda organizações mistas. São 25 países
(considerando as ilhas Windiward), e 88 das 182 organizações que compõe a Via Campesina
Internacional.
Importante mencionar que como regiões dentro da Via Campesina, o continente americano se
divide em América do Norte, América Central, Caribe, e América do Sul. No que se refere à
América do Norte é importante considerar que somente o México compõe a CLOC-Via
Campesina.

97
Informações disponívels no site da CLOC. Disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/i-asamblea-
continental-cloc-vc/v-congreso-de-la-cloc . Acesso em setembro e 2018.
138
Mapa 08 – Organizações Sociais que compõe a VC - América do Norte

Mapa 09 – Organizações Sociais que compõe a CLOC-VC - América Central e Caribe

139
Mapa 10 – Organizações Sociais que compõe a CLOC-VC - América do Sul

140
Seguem abaixo tabelas (14, 15, 16 e 17) que demonstram o detalhamento destes dados:

Tabela 14 – Organizações Sociais que compõe a América do Norte na Via Campesina


País Organização Site Bandeira
National Farmers Union (NFU) http://www.nfu.ca/
Canadá
http://www.nfu.ca/blog

Union Paysanne unionpaysanne.com

EUA Border Farm Workers Project – Unión de


Trabajadores Agricolas Fronterizos (BAWP) ----

Family Farm Defenders (FFD) ---- ----


Farmworkers Association of Florida –
Assocación Campesina de Florida (FWAF) ----

Rural Coalition (RC)


----

Federation of Southern Cooperatives (FSC) ---- ----


National Family Farm Coalition (NFFC)
----

Organización en California de Líderes ---- ----


Campesinas (OCLC)
México Union Nacional de Organizaciones
Regionales Campesinas Autonomas
(Compõe a (UNORCA)
CLOC-VC)

Total 10
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina. Dados de 2018.

141
Tabela 15 – Organizações Sociais que compõe a América Central (CLOC-VC)
País Organização Site Bandeira
Mesa Nacional Campesina de Costa ---- ----
Costa Rica Rica (MNC-CR)
Unión Nacional de Productores ---- ----
Agropecuários Costarricense (UNAG)

Asociación Campesina para el ---- ----


Desarrollo de el Salvador (ACADESE)
Asociación de Mujeres Campesinas ---- ----
El (ANDEMUCA)
Salvador Asociación Nacional de Trabajadores
Agropecuários (ANTA) ----

Asociación de Veteranos de la Guerrilla ---- ----


Salvadoreña (AVEGSAL)
Federación Nacional de Asociaciones de
Cooperativas de Producción ---- ----
Agropecuarias (FENACOPAZ)
Federación de Cooperativas de la
Reforma Agraria Región Central ----
(FECORACEN de R.L.)

Fundación de Promotora de
Cooperativas (FUNPROCOP) ----

Movimiento Vida y Equipad Campesina ---- ----


(MVEC)
Pueblos Originarios ---- ----

Comité de Unidad Campesina (CUC)


----
Guatemala

Coordinadora Nacional de Viudas de


Guatemala (CONAVIGUA) ---- ----

Asociación Nacional de Campesinas de ---- ----


Honduras (ANACH)
Honduras Consejo para el Desarrollo Integral de la
Mujer Campesina (CODIMCA) http://codimca.org.hn/

Central Nacional de Trabajadores del ---- ----


Campo (CNTC)
Unión Campesina e Indigena de
Honduras (UCIH) ----

142
Asociación de Trabajadores del Campo
(ATC) ----
Nicarágua

Asociación de Uniones Nacionales ---- ----


Agropecuarios de
Productores Asociados (UNAPA)
Asociación Resistencia Nicaragüense ---- ----
Israel Galeano (ARNIG)
Coordinadora Nacional de Oficiales en ---- ----
Retiro (CNOR)
Mesa Agropecuaria y Forestal (MAF)
----

Asociación Campesina de Panamá ---- ----


Oeste (ACPO)
Panamá Organización Campesina CIOCESANA ---- ----
15 de Mayo (EMBALSES) –
Organización Campesina contra los ---- ----
Embalses y la Mineria de cocle y colón
(CLOCLESANA) - Membro da UCP
Unión Campesina Panameña (UCP) ----

Union Indigena y Campesina (UIC) – ---- ----


Membro da UCP
Total 27
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina. Dados de 2018.

143
Tabela 16 – Organizações Sociais que compõe a Regional Caribe (CLOC-VC)
País Organização Site Bandeira
Cuba Asociación Nacional de Agricultores
Pequeños (ANAP) ----

Asociacion Central de Agricultores Luz y ---- ----


Esperanza de Nagua (ACALEN)
República Confederacion de Organizaciones ---- ----
Dominica Campesinas y Barriales del Sur (RETOÑO)
na Confederación Nacional de Mujeres Confederación
Campesinas (CONAMUCA) Nacional de Mujeres
Campesinas
(CONAMUCA)
Federacion de Caficultores del Sur ---- ----
(FEDECARES)
Federacion de Campesinos Independientes ---- ----
Mamá Tingó (FECAIMAT )
Federacion de Productores del Bosque Seco
(FEPROBOSUR) ----

Movimiento de Campesinos Trabajadores ---- ----


Las Comunidades Unidas (MCCU )

Mouvement Paysan de Papaye (MPP)


https://www.faceboo
Haiti k.com/MPPHaiti/

Mouvman Peyizan Nasyonal Kongre Papay ---- ----


(MPNKP)
Tet Kole ti Peyizan Ayisyen (TK) ----

Association of Caribbean Farmers (WINFA)


Windiwar ----
d - Cane Farmers Association, (Grenada)
- WINFA Dominica Local Branch
(Dominica)
- National Farmers Association (St. Lucia)
- National Farmers Union (St. Vincent)

Organización Boricuá de Agricultura Eco-


Porto Rico Organica (BORICUÁ) ----

Total 13
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina. Dados de 2018.

144
Tabela 17 – Organizações Sociais que compõe América do Sul (CLOC-VC)
País Organização Site Bandeira
Asociación de Pequeños Productores del ---- ----
Noreste de Córdoba (APENOC)
Argentina Consejo Asesor Indígena (CAI) ----

Movimiento Campesino de Santiago del http://www.mocase.o


Estero (MOCASE) rg.ar/

Movimiento Nacional Campesino Indigena www.mnci.org.ar


(MNCI)

Confederación Nacional de Mujeres


Campesinas de Bolivia “Bartolina Sisa” ----
Bolívia (FNMCB)

Confederación Sindical Única de http://www.csutcb.or


Trabajadores Campesinos de Bolivia g/
(CSUTCB)

Confederación Sindical de Comunidades


Interculturales de Bolivia (CSCIB) ----

Movimiento de Trabajadores Sin http://www.mstbolivi


Tierra (MST) a.org/

Confederación Sindical de Mujeres


Interculturales de ---- ----
Bolivia (CSMCIB)

Coordenaçao Nacional das comunidades http://quilomboscona


quilombolas (CONAQ) q.blogspot.com.br/

Brasil
Movimento de Atingidos por Barragens www.mabnacional.or
(MAB) g.br

145
Movimento de Mulheres Camponesas www.mmcbrasil.com
(MMC) .br

Movimento dos Pequenos Agricultores www.mpabrasil.org.b


(MPA) r

Movimento de Pescadores e Pescadoras http://mpppeloterritor ---


Artesanais (MPP) io.blogspot.com.br/
Movimento pela Soberania Popular na http://mamnacional.o
Mineração rg.br/

Movimiento de Trabajadores sin www.mst.org.br


Tierra (MST)

Pastoral da Juventude Rural (PJR) http://www.pjr.org.br


/teste/

Asamblea Nacional Mapuches de Izquierda


----
Chile

Asociación Nacional de Mujeres Rurales e www.anamuri.cl


Indígenas (ANAMURI)

Confederacion Ranquil
----

Consejo Nacional de Productores de Chile ---- ----


(CONAPROCH)
Red Apícola ---- ----

Asociación Campesina del Valle del Rio ----


Cimitarra (ACVC) ----
Asociación de Pequeños y Medianos ---- ----
Colômbia Cafeteros (APEMECAFE)
Asociación Campesina y Popular ---- ----
(ASOCAMPO)
Asociación Nacional de Zonas de Reservas ---- ----
Campesinas (ANZORC)

146
Coordinador Nacional Agrario (CNA)
----

Federación Nacional de Cooperativas ---- ----


Agropecuarias (FENACOA)
Federación Nacional Sindical Unitaria http://fensuagro.org/
Agropecuaria (FENSUAGRO-CUT)

Proceso Comunidades Negras (PCN) ---- ----

Confederación de Pueblos, Organizaciones


indígenas Campesinas del Ecuador (FEI) ----
Equador

Confederación Nacional de Organizaciones


Campesinas, Indígenas y Negras http://www.fenocin.o
(FENOCIN) rg/

Confederación Única de Afiliados al Seguro


Social Campesino de Ecuador ---- ----
(CONFEUNASSCE)
Coordinadora Nacional Campesina Eloy
Alfaro (CNC) ----

Federación Nacional de Trabajadores


Agroindustriales, Campesinos e Indígenas ----
Libres del Ecuador (FENACLE)

Federación Nacional Campesina (FNC) ---- ----


Coordinadora Nacional de Organizaciones https://www.conamur
Paraguai de Mujeres Trabajadoras Rurales e i.org ----
Indígenas (CONAMURI)
Mesa Coordinadora de Organizaciones
Campesinas (MCNOC) ----

Movimiento Agrario y Popular (MAP) ---- ----


Movimiento Campesino Paraguayo (MCP)
----

Organización de Lucha por la Tierra (OLT)


----

Organizacion Nacional de Aborigenes e ---- ----


Indigenas de Paraguay (ONAI)

147
Confederación Campesina del Perú (CCP)
----
Perú
Confederación Nacional Agraria (CNA) http://www.cna.org.p
e/

Federación Nacional de Mujeres


Campesinas , Indigenas, Nativas y ----
Asalariadas de Peru (FENMUCARINAP)

Uruguai Red de Mujeres Rurales de Uruguay


(RMRU) ----

Venezuela Frente Nacional Campesina Ezequiel


Zamora (FNCEZ) ----

Total: 47
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina. Dados de 2018.

Inicialmente, a Via Campesina nasce como uma articulação de organizações sociais do


campo, mas no decorrer de seus anos de existência, fora se constituindo como movimento
social. Um movimento social que articula suas organizações partícipes de base. Esta
caracterização se deve à sua forma orgânica de existir e construir suas definições, a sua
estrutura organizativa, a forma de articulação de suas mobilizações em torno de uma pauta
comum, assim como, pelos processos de formação política e trabalho de base como parte do
avanço de consciência de suas organizações sociais. O depoimento abaixo citado demonstra
os aspectos desta forma de sua caracterização:

Na verdade a Via Campesina Internacional nasce como uma articulação de


movimentos [...] da América Latina e da Europa, se encontram, e se reúnem
refletindo o momento histórico na necessidade de ter uma articulação internacional
[...] que fosse a voz dos movimentos, que pudesse somar no sentido de denunciar
toda a ofensiva do capital, do neoliberalismo no campo, [...] as consequências para
os povos [...]. E, ao mesmo tempo ser também essa voz de anunciar um novo projeto
de agricultura, resignificar os camponeses e o campo. Enfim, é nesse sentido que
muito rapidamente essa articulação que nasce vai [...] se constituindo nesse caráter
de movimento internacional. Por sua dinâmica, por sua necessidade de ser essa voz
dos povos do campo e dos movimentos organizados vai adquirindo essa
característica de movimento, propondo, anunciando, coordenando jornadas de luta
internacional, representando os interesses dos povos do campo frente [...] a eventos
internacionais, perante a FAO, a ONU. E então com isso vai assumindo, e isso é
muito interessante né... uma articulação que nasce, mas no seu desenvolvimento vai
assumindo o caráter de movimento, e isso não é contraditório me parece. Não deixa
de ser uma articulação que junta, mas essa articulação tem um caráter de

148
movimento, porque além de fazer o debate, de elaborar, de pensar projeto, de
propor, coordena, convoca lutas e representa [...]. (I.M., MST, Brasil. Comissão de
Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Ainda sobre o caráter e a forma da organização, houve alguns conflitos internos, pois alguns
integrantes preferiam que a mesma fosse do tipo Federação Internacional, com uma estrutura
organizativa mais vertical, mas a grande maioria definiu por uma forma colegida e
democrática. Uma organização que pudesse ir além da luta por condições de trabalho. Em
entrevista relizada por Vieira (2011) em março de 2007, Egídio Brunetto afirma que “a
construção vem a partir do que você aporta de baixo para cima. É a contribuição da luta no
país e compreensão de que temos que sair da luta coporativa local para aquilo que eles
fizeram no século retrasado e passado, que são as lutas internacionais” (Entrevista com Egídio
Brunetto, MST-BR, em março de 2007 apud VIEIRA, 2011, p. 203)
O debate da forma da organização interna ocorre em vários momentos, mas especialmente no
ano de 2004 em sua Conferência de Itaici (São Paulo), o tema é aprofundado. É assim,
identificada como parte da estratégia da VCI o fortalecimento das organizações de base, e
atenção para o fluxo organizativo em suas dimensões locais, regionais e internacional.
A estrutura organizativa da Via campesina é delineada atualmente pelas seguintes instâncias:
a. Conferência Internacional, realizada a cada 4 anos com a reunião da militância das
diferentes organizações que compõe a VC. Espaço onde são assinaladas as linhas
políticas de ação e definições gerais para os próximos anos;
b. Conferencia Intermediária, realizada a cada 2 anos;
c. Organização por região, descritas na tabela 07. Estas definem uma coordenação
regional composta por um homem e uma mulher dirigentes e que representam duas
organizações da região;
d. Comitê Coordenador Internacional (CCI): composta pelas coordenações regionais
acima descritas. Tem a função de zelar pelas linhas políticas e acompanhar as
comissões de trabalho das diferentes áreas estratégicas do movimento. Reúne-se a
cada 3 meses para avaliação, reflexão e planejamento, facilitadas pelas secretarias
regionais e secretaria internacional;
e. Secretaria Operativa Internacional (SOI), articulada às secretarias das regiões com o
papel de contribuir e facilitar o processo de comunicação necessária para a dinâmica
interna do movimento. É itinerante, e a cada período de 4 ou 5 anos muda de região;
f. Comissões e Campanhas que tem funções específicas diante de cada tema estratégico.
São elas: Comissão de Mulheres; Comissão de Jovens; Comissão de Soberania

149
Alimentar, agricultura camponesa e bens naturais; Comissão de Reforma Agrária,
terra e território; Comissão de Direitos Humanos; Comissão de Educação e Formação;
Comissão de Comunicação; Comissão de Migração e Assalariados Agrícolas;
Comissão de Povos Originários, Comunidades Tradicionais e Afrodescendentes.

O fortalecimento da unidade entre as diferentes organizações locais, ou em nível nacional é


fundamental para que possam fluir as discussões e definições em sua dimensão regional e
mundial. As regiões são articulações dos movimentos sociais entre países. Como mencionado
acima, a VCI hoje é conformada por 10 regiões (ver tabela 7), das quais 9 encontram-se
consolidadas, e uma delas, a Middle Est and North Africa (MENA), composta por Marrocos,
Palestina e Tunísia, é recente - uma região com grande “potencial histórico das lutas
camponesas, da defesa da terra”. O papel que desempenham as regiões é a de “fortalecer os
movimentos nos territórios”. Elas se organizam da maneira que mais lhe for representativa, e
com dinâmica própria realizam seus encontros, ações, lutas, processos de formação, e
mecanismos de consulta em nível internacional. (I.M., MST, Brasil. Comissão de Formação
da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)
Construir a dinâmica de funcionamento da Via Campesina é considerado um “processo de
aprendizado”, e ao mesmo tempo um “tremendo desafio”, que exige superar várias barreiras,
inclusive da língua. Embora as comunicações oficiais ocorram em três línguas (espanhol,
francês e ingês), existem países que falam apenas sua língua materna. Este aspecto demanda
um esforço permanente “para que de fato as reflexões, debates e linhas políticas cheguem em
todas as organizações membras e sejam assumidas pelo conjunto.” (I.M., MST, Brasil.
Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

No continente América, a CLOC-VC tem uma estrutura bastante similiar. E como princípio e
definição da CLOC, todas as organizações que pretendem fazer parte da Via Campesina
Internacional devem necessariamente fazer parte da CLOC, pois “não podia se imaginar que
alguém entrasse num processo internacional sem estar articulado em nosso continente”. (I.M.,
MST, Brasil. Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de
2017)
Este princípio é levado a cabo até os dias atuais. E nos debates realizados nos congressos da
CLOC, estimula-se permanentemente a construção da unidade entre organizações dentro de
cada país através da articulação nacional. No caso do Brasil, é chamada Via Campesina
Brasil.
150
Assim, a CLOC como parte da VC tem a seguinte estrutura organizativa:
a. Congresso Latino-americano: ocorre a cada 4 anos, onde são debatidas e planificadas
as linhas políticas de ação para o período;
b. Assembléia Intermediária: ocorre a cada 2 anos para avaliação, formação, e
planejamento, sendo que a primeira ocorreu somente em 2012 na Nicarágua;
c. Comissão Política da CLOC-VC: que é composta pelos dois dirigentes representantes
da CCI, mais 1 representante por região da Via Campesina do Continente Americano.
Também faz parte da comissão representantes da articulação de mulheres e a
articulação de jovens da CLOC;
d. Secretaria Operativa da CLOC-VC;
e. Comissões de trabalho. São elas: Comissão de Mulheres; Comissão de Jovens;
Comissão de Soberania Alimentar, agricultura camponesa e bens naturais; Comissão
de Reforma Agrária, terra e território; Comissão de Direitos Humanos; Comissão de
Educação e Formação; Comissão de Comunicação; Comissão de Migração e
Assalariados Agrícolas; Comissão de Povos Originários, Comunidades Tradicionais e
Afrodescendentes.

Os documentos da CLOC-VC apontam que a representação nestas instâncias não deve ser
considerada cargos insitucionais, mas como tarefas políticas na construção da unidade
internacional.
A CLOC e a Via Campesina são processos gestados paralelamente no mesmo período
histórico, mas há uma importante diferença nas raízes de seu surgimento. Os movimentos
sociais da América Latina vinham numa trajetória anterior de interelação a partir da
“Campanha dos 500 anos de Resistência, Indígena, Negra e Popular”, um processo que trouxe
aprendizagens e acúmulos na articulação das lutas e debates em nível internacional. O
depoimento abaixo explica a diferença do processo de nascimento da CLOC e sua relação
com a Via Campesina:

A diferença é que na nossa região, no nosso continente os movimentos do campo


vinham de um importante processo histórico de aprendizado, de tirar lições, que foi
a Campanha dos 500 anos de Resistência Indígena, Negra, Campesina e Popular.
Esse processo deixou um ensinamento importante do ponto de vista da organização,
[...] de uma consciência vamos dizer assim da luta, um pouco mais hegemônica na
análise, e enfim, nessa necessidade de articular as lutas. [...] As organizações que
fazem parte desse processo são as que se somam na construção da Via Internacional,
e já levam consigo todo esse acumulado, e com muita mística da necessidade de
construir uma articulação internacional. (I.M., MST, Brasil. Comissão de Formação
da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

151
Mas também a relação entre a CLOC e a Via Campesina em sua dinâmica interna teve
momentos de tensionamento. No âmbito da organicidade interna, as estruturas de
funcionamento de cada uma tinham dinâmicas distintas. Esses tensionamentos duraram
alguns anos até que em uma das reuniões da CLOC, realizada em 2009, o tema foi debatido
com profundidade. Diante da análise das tarefas e necessidades do movimento camponês
naquele momento histórico estes conflitos deveriam ser superados, definiu-se então que “na
América Latina, somos CLOC-VC”. Nesta reunião decidiu-se por unificar as estruturas de
funcionamento no intuito de que uma poderia fortalecer a outra em termos de unidade e força
para enfrentar os inimigos comuns. Citamos abaixo trechos de depoimento que relata como
foi se construindo a articulação orgânica entre as duas estruturas no movimento camponês
internacional:

No processo, durante muito tempo, tivemos o que nós chamamos uma duplicidade
vamos dizer assim... É como que cada coisa fosse uma coisa né. A CLOC com a sua
dinâmica e sua estrutura de funcionamento do continente e a VC com sua dinâmica
internacional. Muitas vezes as organizações que assumiam a responsabiliade na
CLOC não eram as mesmas que assumiam a nível de VCI . E isso na verdade foi
gerando muitos tensionamentos porque afinal de contas as duas articulações e
movimentos têm características e objetivos que se complementam e se fortalecem e
para nada tem divisões e separações.
Então essas tensões eram realmente tensões, reflexões, que sempre vinham mesa
[...], e com o tempo, percebendo como isso poderia ser melhorado, como que em
nosso continente poderíamos manter algumas particularidades do nosso
aprendizado, a mística latinoamericana [...] Aí se buscou unificar a nossa estrutura
de funcionamento, e as mesmas organizações que estavam na coordenação
internacional da Via. A sua base de atuação tinha que ser a nossa articulação, a nossa
comissão política continental, regional. [...] É claro que uma definição por si só ela
não dissipa num primeiro momento, só que essa reflexão foi se amadurecendo me
parece, até no sentido de a gente ir unificando, entendendo o papel e funções [...]
com isso [...] vamos potencializano as nossas ações – CLOC e VC. (I.M., MST,
Brasil. Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de
2017)

Este depoimento é fortemente marcado pelo sentido da longa aprendizagem, e que a


intencionalidade das ações enquanto CLOC-VC fortaleceram-se no processo. O acúmulo que
a CLOC construiu tinha uma responsabilidade histórica em fortalecer a internacionalização
das lutas para além do continente. Abaixo, continuamos com o testemunho militante de quem
vivenciou esse processo.

Obviamente entendemos que como CLOC, a gente tem esse acumulado. Como
CLOC-VC, temos uma responsabilidade histórica pelas características do nosso
continente, dos momentos que vivemos, sempre tivemos uma postura importante de
fortalecer a VC [...]. Entendemos que como CLOC-VC das Américas temos tido um
papel importante ao longo desses anos na construção desse grande movimento.

152
(I.M., MST, Brasil. Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em
setembro de 2017)

A dinâmica interna da Via Campesina procura articular diferentes aspectos entre


organizações, desde o local ao regional e mundial. Uma dinâmica que, como vimos
anteriormente, não está isenta de conflitos e contradições, mas que prima essencialmente pela
construção da “unidade na diversidade”. As diferentes concepções, diferentes formas
organizativas, diferentes culturas, diferentes métodos organizativos buscam confluir em torno
de objetivos comuns. Talvez esse aspecto seja um dos mais difíceis e um dos mais intrigantes
desta construção.
A definição de processos representativos bem articulados, de uma estrutura de distribuição de
funções e responsabilidades entre as organizações camponesas, assim como a construção de
mecanismos de consulta são as chaves da dinâmica interna e dos processos democráticos
dentro da Via Campesina. Isto depende de organizações locais e nacionais fortes - por isso a
ênfase na linha estratégica de fortalecimento das organizações de base, pois muitas destas
passam por numerosos problemas financeiros, disputas regionais, “encolhimento ou
inatividade da base ou ainda cooptação por governos e Ongs”. (DESMARAIS, 2013, p. 35-
36; 204)
O fortalecimento das organizações de base em nível local (nacional) é fundamental para o
desenvolvimento da luta em outras dimensões (regional ou mundial), visto que de alguma
forma os conflitos que ocorrem na base acabam interferindo em outras instancias. Um dos
casos citados por Desmarais (2013) foi o da divisão interna da organização Kilusanf
Magbubukid ng Pilipnas no final de 1993 que ocorreu no contexto de grandes rupturas na
esquerda em Filipinas. Estes conflitos estenderam-se e não foram resolvidos. As organizações
sociais não conseguiram trabalhar junto, o que impediu a preparação da II Conferência
Internacional da VC, levando ao adiamento e sua transferência para o México.
Ou ainda, o caso da crise interna da Karnataka Rajya Ryota Sangha (KRRS) da Índia no ano
de 2000, quando a partir das diferenças existentes entre os ativistas indianos e suas facções
influenciou enormemente na mobilização para participação em atividade internacional que
acabou divindo-se em duas (Tribunal Internacional das Sementes e a III Conferência
Internacional da VC a qual focaria na proteção e preservação dos recursos genéticos).
(DESMARAIS, 2013, p. 225)
É nesse sentido, que um dos objetivos que perpassa a VCI é o fortalecimento da unidade de
suas organizações membras, e como linha política não interferir nos conflitos internos dentro
de cada país, pois é papel das próprias bases nacionais em resolver. O papel transformador da
153
VC encontra-se justamente na maneira como “dirige suas açõe em todos os níveis, local,
nacional, regional e internacional”, tendo um impacto concreto na medida em que as
organizações engajando-se em ações coletivas, vão percebendo na materialidade destas ações,
que estão conectadas em nível mundial, e que suas ações interferem em escala planetária.
(DESMARAIS, 2013, p. 228)
Questões como estas, influenciaram enormemente na construção estratégica da relação local-
internacional. “Enraizadas localmente – trabalhando globalmente”: este é um dos princípios
que regem sua forma organizativa. Pois o “trabalho internacional das organizações agrícolas
só é possivel se e quando essas organizações são fortes e consolidadas nos níveis local e
nacional”. E quando uma organização deseja vincular-se a VCI, os membros da região
avaliam sua candidatura para aprovação e informam a CCI que reconhece provisioriamente
até a realização das Conferências Internacionais onde são efetivados oficialmente os
ingressos. Estes mecanismos contribuem para impedir a entrada de movimentos que poderiam
prejudicar o caráter do movimento internacional. (DESMARAIS, 2013, p. 242; 275)
Além do aspecto organizativo como elemento estratégico fundamental, a Via Campesina
busca consolidar alianças com outros setores sociais como parte do desenvolvimento da
“batalha de idéias” sobre os temas de importância para o movimento camponês internacional.
A Conferência de Itaici em 2004 apontou a necessidade de estabelecer alianças estratégicas
com organismos internacionais, como a ONU, para levantar os debates sobre os princípios e
os planos programáticos no que diz respeito à Soberania Alimentar, a biotecnologia, a
proteção das sementes, e a agricultura camponesa. Também apontou a necessidade de estreitar
relações com outros grandes movimentos mundiais como a Marcha Mundial de Mulheres e o
Movimento Mundial de Pescadores. Os espaços organizados pelo Forum Social Mundial
(FSM) foram fundamentais para o desenrolar destas ações.
Parte ainda da discussão sobre as alianças, a VCI afirma que somente a luta camponesa não é
suficiente para realizar as mudanças necessárias, que é necessário a unidade com os
trabalhadores urbanos e com demais camponeses que não fazem parte da VCI. Estas alianças
precisam ser regidas sob alguns critérios, e um deles é a afinidade na postura política diante
da luta anti-gobalização neoliberal, e seus organismos representantes como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), e o Banco
Mundial (BM).
Para a Via Campesina Internacional, essas ações estratégicas deveriam estar organicamente
articuladas a um forte movimento de massas para que de fato se efetive como um instrumento
de luta internacional, um movimento social camponês internacional. Entre as conclusões dos
154
grupos de trabalho que debateram o tema na Conferência de Itaici, relatava-se: “Todas estas
estrategias tienen que expresarse como movimiento de masas, en compromisos más profundos
con nuestras ideas y principios; que movilicen nuestra conciencia para que la VC se convierta
en un verdadero instrumento de lucha” (LA VIA CAMPESINA, 2014, online)98
É importante recordar que a Via Campesina não é a primeira forma de organização
internacional de trabalhadores. Historicamente a classe trabalhadora se articulou
internacionalmente sob as bases da solidariedade, da fraternidade, da construção das lutas e
programas comuns, e da articulação estratégica. Muito embora, seja a primeira a organizar
especialmente as diferentes as classes e identidades trabalhadoras do campo por um tempo tão
longo, 26 anos. Trajetória que percorreremos nas próximas páginas.

3.2 A CLOC-VIA CAMPESINA NOS MARCOS DA LUTA ANTIGLOBALIZAÇÃO


NEOLIBERAL
A década de 1990 é marcada mundialmente por uma política de ajustes neoliberais
fundamentados pelo Consenso de Washington (1989) que impulsionou grandes
transformações econômicas nos diferentes países. Basicamente o princípio que regeu esta
política adotada pelos diferentes Estados era a do livre comércio associado à orientação
macroeconômica.
Este princípio se desdobrou em várias ações práticas como, por exemplo: a redução do papel
do Estado na economia; a reforma tributária (aumentando impostos); o controle da taxa de
juros e taxa de cambios pelo mercado; uma política comercial orientada para o exterior
fortalecendo a competição internacional; a privatização de empresas estatais por serem mais
“eficientes” que as empresas públicas; e por fim, a garantia do direito à propriedade.
Respaudando estes princípios, no âmbito internacional efetivaram-se acordos de livre
comércio, entre eles o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), ou Tratado
de Livre Comércio de América do Norte (TLCAN), e o Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL).
O MERCOSUL, instituído em março de 1991 pelos países Brasil, Argentina, Paraguai e
Uruguai, tinha por objetivo desenvolver a circulação de bens e serviços eliminando as tarifas
de comércio e coordenando-as com as políticas macroeconômicas.

98
LA VIA CAMPESINA. La Clave de la Estrategia de la Via Campesina: Fortalecer las Organizaciones y
Consolidar Alianzas. LA VIA CAMPESINA on-line. SP: 12 de junho de 2004. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/la-clave-de-la-estrategia-de-via-campesina-fortalecer-las-organizaciones-y-
consolidar-alianzas/ . Acesso em setembro de 2018.
155
O NAFTA, assinado em 7 de outubro de 1992 entre Canadá, México e EUA, mas entrando
em vigor apenas em 1994, estabeleceu uma zona de livre comércio, eliminando tarifas e
barreiras comerciais entre os países. No caso das relações comerciais externas, mais de 70%,
tanto do Canadá como do México eram com os EUA. E, como parte da expansão deste
acordo, na intenção de consolidar uma única área livre de comércio no continente, propõe-se
o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) na I Cúpula das Américas realizada em
dezembro de 1994 em Maiami (EUA).
A Carta de Princípios e o Plano de Ação da Cúpula de Miami (1994) indicavam que a
intenção constitutiva da ALCA era eliminar progressivamente as tarifas e barreiras comerciais
entre os países. Ações que se desdobraram em quatro (4) grandes pontos: a) preservação e
fortalecimento das democracias das Américas com o combate a corrupção, ao problema de
drogas ilícitas e crimes conexos, e promoção de direitos humanos, entre outras questões; b) a
promoção da prosperidade por meio da integração econômica e do livre comércio com
cooperação no campo da energia, ciência e tecnologia, com o desenvolvimento da infra-
estrutura hemisférica incluindo telecomunicações, informações, e com a liberação dos
mercados de capitais; c) a erradicação da pobreza e da discriminação no hemisfério,
estimulando o acesso à educação, saúde, à pequena empresa, assim como o fortlecimento do
papel da mulher na sociedade; d) Garantia do desenvolvimento sustentável e da conservação
da natureza para gerações futuras no que diz respeito ao uso sustentável da energia,
biodiversidade, e prevenção da poluição.99
Estes quatro (4) grandes pontos foram temas de todas oito conferências realizadas até o ano de
2018, com maior ou menor ênfase em um ou outro ponto.
As primeiras negociações da ALCA foram lançadas na II Cúpula das Américas (Chile, abril
de 1998)100, que ressaltava inicialmente a Educação como “chave para o Progresso”,
buscando desenvolver ações de cooperação técnica e financeira junto ao Banco Mundial e ao
Banco Interamericano de Desenvolvimeno (BID). Entre outras questões, mencionamos
também que dentro do item preservação e fortalecimento da democracia, justiça e direitos
humanos, sugere-se o fortalecimento do sistema jurídico e dos órgãos judiciais, onde seriam
realizadas reuniões periódicas dos Ministros da Justiça e procuradoes gerais do continente no
âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos).

99
Informações veiculadas no site: http://www.summit-americas.org/defaults.htm e http://www.ftaa-
alca.org/Summits_p.asp . Acesso em dezembro de 2018
100
Informações veiculadas no site: http://www.summit-americas.org/defaults.htm e http://www.ftaa-
alca.org/Summits_p.asp . Acesso em dezembro de 2018
156
Entre as tantas outras questões discutidas, sobre os direitos dos trabalhadores recomendava-se
a implementação de normas trabalhistas fundamentais como parte essencial do trabalho
produtivo e das relações entre trabalhadores e empregados. E, sobre as populações indígenas
indicava-se o desenvolvimento de ações educativas que pudessem ampliar a participação
destas na sociedade fortalecendo sua identidade, e, em cooperação com ONGS realizar
projetos produtivos.

3.2.1 Do nascimento do Movimento Camponês Internacional


Diante deste cenário de avanço neoliberal, no início da década de 1990 a América Latina
vivencia importantes contribuições que vão desembocar no surgimento de articulações entre
movimentos e organizações sociais do campo em nível internacional.
Depois de um longo processo de governos ditatoriais, vários países iniciam a
redemocratização e o retorno de militantes exilados. Ainda na década de 1980, são retomadas
as lutas pela terra, onde camponeses sem terra e assalariados agrícolas se organizaram para
reivindicar seus direitos. Os exemplos mais emblemáticos são o Movimento Campesino
(Costa Rica), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil (MST), a fundação
do Conselho Nacional de Coordenação de Nacionalidades Indígenas (CONAIE) no Equador,
e a fundação do Movimento Campesino Paraguaio (MCP).
Anterior a esse processo, no final da década de 1970 ocorrem os primeiros Conselhos
Episcopais da América Latina – CELAM (1978 em Medellín-Colômbia, e 1979 em Puebla-
México) onde por influencia da Teologia da Libertação, define-se o apoio às organizações
sindicais rurais e a criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Materialmente, esta
definição possibilitou as condições para a criação e o fortalecimento de organizações sociais
de luta pela terra no período da década de 1980.
Nesta década desenvolve-se a experiência revolucionária sandinista na Nicarágua que por
razões diversas é derrotada pela vitória eleitoral de Violeta Chamorro (1990), entre elas a
forte incidência da contra-revolução financiada pelos Estados Unidos. Durante esse processo
revolucionário foi realizada I Conferência Continental de Reforma Agrária e Movimentos
Campesinos realizada em Manágua no ano de 1981, fundamentada nos processos de reforma
agrária realizado no país. Este evento possibilitou um espaço para articulações e integração
entre os movimentos sociais do campo na América Latina.

157
Em 1986, em Punta del Leste no Uruguai, ocorre uma rodada de negociações do Acordo
Geral sobre as Tarifas de Comércio (GATT)101, que define aspectos do livre comércio sobre
produtos agrícolas. Nesta rodada participou a International Federation of Agricultural
Producers (IFAP)102 representanto organizações de agricultores efetivando uma postura de
apoio às negociações. (DESMARAIS, 2013; VIEIRA, 2011). No mesmo ano, ocorria na
Bolívia uma marcha de mineiros despedidos, a “Marcha por la Vida”, que foi cercada e
fortemente repreendida por militares e policiais em Calamarca, cerca de 57 km da cidade de
Oruro. (GUZMÁN, 2012)
Ao final da década de 1980 constituiu-se internacionalmente uma Campanha denominada
“500 anos de Resistencia Indígena, Negra e Popular” (1989-1995) que tinha como finalidade
organizar lutas e atividades reflexivas que contrapunham a concepção do “descobrimento” do
continente, evidenciando-a como invasão colonial. Esta campanha se desenvolveu como um
centro articulador de organizações sociais que já há algum tempo mantinha lutas conjuntas
pontuais.
Os intercâmbios pontuais buscando articular experiências sob o princípio da unidade latino-
americana vinham crescendo e podem ser evidenciados numa edição do Jornal Sem Terra de
1988 que retrata algumas entrevistas com representantes de organizações sociais do campo do
Chile, Paraguai e El Salvador. Quando interrogados sobre a solidariedade entre os
trabalhadores latino-americanos, cada qual aponta alguns caminhos possíveis, que mais tarde
se tornariam alguns dos fundamentos da práxis internacionalista da CLOC-VC:

Além do intercambio a nível organizativo e de técnicos, considero importante a


construção de alianças que funcionarão nos momentos das lutas. (Idelfonso
Santamaria, Confederação de Associações Cooperativas de El Salvador – COACES,
El Salvador)
Acho que é necessário implementar as visitas de modo que os companheiros
salvadoreños conheçam a realidade brasileira e os brasileiros conheçam a realidade
salvadorenha. Outro aspecto importante é implementar as denúncias das atrocidades
que se cometem contra os camponeses. (Carlos Rodrigues, Unidade Nacional dos
Trabalhadores Salvadorenhos - UNTS, El Salvador)
Somos um grupo muito jovem, criado no Paraguai recentemente e que precisa da
solidariedade internacional para conseguir sobreviver dentro de um regime
ditatorial. Mas daqui levaremos o relato das experiências que ouvimos e de como se
desenvolve as formas de luta. (Maguiorina Balbuena, Movimento Camponês
Paraguaio – MCP, Paraguai)
Acho que é importante para implementarmos uma solidariedade concreta, retomar o
trabalho que era feito anteriormente no Chile, com as conferencias dos camponeses e
trabalhadores do cone sul. Esses encontros são importantes para se discutir, de forma

101
O GATT (sigla em inglês de General Agreement on Tariff in Trade), mais tarde (1995), com algumas
modificações transforma-se em Organização Mundial do Comércio (OMC).
102
A IFAP (International Federation of Agricultural Producers) foi fundada em 1946 inicialmente para
construir alternativas e evitar a escassez de alimentos “como as que ocorreram durante a depressão de 1930 e
a segunda guerra mundial” (DESMARAIS, 2013, p. 122)
158
conjunta, nossa atuação diante dos problemas que afligem os trabalhadores latino-
americanos como, por exemplo, nossa postura diante da dívida externa, do
imperialismo, etc. (Hugo Dias Tápia, Confederação Nacional Camponesa e Indígena
El Surco, Chile)103

Outro exemplo é o da participação de mulheres do Movimento Sem Terra (MST) no I


Encontro Nacional da Mulher Rural, realizado em Puntal de Tralca, próximo a Santiago do
Chile no ano de 1986. Um encontro que reuniu cerca de 250 lavradoras, em sua maioria com
seus filhos e esposos assassinados pela ditadura de Pinochet104.
O início da década de 1990 é marcado pelo surgimento de outros movimentos camponeses,
assim como intensas mobilizações indígenas. É o caso do nascimento do Movimento
Campesino de Santiago de Estero (MOCASE) na Argentina (1990), e os Levantamentos
indígenas no Equador e na Bolívia (1990).
Na Bolívia, ocorre a “Marcha por Território e Dignidade” com 600km de caminhada de
Trinidad a La Paz durante mais de sessenta (60) dias. (GUZMÁN, 2012). No Equador,
conhecido por “Levantamento del Inti Raymi”105, nasce em torno da luta reivindicativa pela
terra e reforma agrária, mas num processo de fortalecimento da consciencia idenditária, busca
a construção de um projeto político que envolve a melhoria das condições das comunidades
indígenas, o reconhecimento de suas diferenças, assim como a mudança do sistema sócio
político e econômico vigente. Este levante ocorre a partir da convocatória da CONAIE para
uma assembléia nacional que estabeleceria as futuras mobilizações com a consigna “Mandato
por la defensa de la vida y los derechos de las nacionalidades indígenas”. Mobilizações estas
que rechazaram as políticas do FMI, reivindicaram a oficialidade das línguas indígenas pelo
Estado, exigiram a suspensão dos despojos territoriais na Amazônia, e o respaudo à
“Campanha 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular”.

103
Entrevistas realizadas por ocasião do IV Encontro Nacional do MST (1988). Trechos de entrevistas
veiculadas no: JORNAL SEM TERRA. Unir a América Latina. Jornal Sem Terra, N. 70. SP: Jornal Sem
Terra, janeiro de 1988. Página. 14
104
O Encontro foi organizado pela CNA (Comissão Nacional Camponesa), formado por 6 organizações
camponesas de várias tendências. Os temas discutidos foram as intercafaces da mulher-trabalho-familia-
política-organização e mobilização. O encontro foi tambem marcado pela solidariedade internacional com as
causas da mulher e do campesinato chileno, assim como, ao povo da Nicarágua ameçado por intervenção
norte-americana. Reportagem veiculada no JORNAL SEM TERRA. Mulheres na Luta. Encontro de
Camponesas teve participação de representantes dos sem terra. Jornal Sem Terra, n. 55. SP: Jornal Sem
Terra, agosto de 1986. Página 15.
105
Informações encontradas em: MACAS, Luis. Diez años del Levantamiento el Inti Raymi de junio de 1990.
Un balance provisional. Boletin ICCI “Rimay”. Publicação Mensal do Instituto Científico de Culturas
Indígenas. Ano 2, n. 15. On-line: junio de 2000. Disponível em
http://icci.nativeweb.org/boletin/15/macas.html . Acesso em dezembro de 2018. E, CAGUANA, Adriana
Rodríguez. Ecuador. 25 años del Primer Levantamiento Indígena. Marcha. On-line: 04 de junho de 2015.
Disponível em: http://www.marcha.org.ar/ecuador-25-anos-del-primer-levantamiento-indigena/ . Acesso em
dezembro de 2018.
159
Nesta campanha foram organizados quatro (4) Encontros Continentais que ocorreram em:
Bogotá, Colômbia (1989); Xelaju, Guatemala (1991); Manágua, Nicarágua (1992) e São
Paulo, Brasil (1995). Em 1992, também ocorreu um em caráter preparatório que tinha como
objetivo a construção de uma interveção na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento106, conhecida como Rio-92, ou Cúpula da Terra. No mês de
abril de 1992, dois meses antes da Conferência, reuniram-se em Vitória - Espírito Santo,
Brasil, e decidiram pela criação de uma organização continental de camponeses. Dois (2) anos
depois é consolidada a Coordenadoria de Organizações Latino-americanas do Campo
(CLOC). (VIEIRA, 2011, p. 184)
No mês de maio de 1992, um mês após a reunião preparatória, ocorre em Manágua
(Nicarágua) o “II Congreso de la Unión de Agricultores y Ganaderos” (UNAG). Neste
Congresso, representantes de oito (8) organizações da América Latina, Europa, Canadá e
EUA constroem as bases para estabelecer um vínculo internacional entre organizações de
agricultores de todo o mundo na perspectiva de somar esforços e construir alternativas ao
neoliberalismo. É redigido um documento que expressa essa perspectiva condenando as
negociações do GATT sobre a agricultura e o impacto da dívida externa nos países pobres - a
Declaração de Manágua. (DESMARAIS, 2013; VIEIRA, 2011)
Ainda em julho de 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, é realizado o I
Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, onde é instituído o dia 25
de julho como Dia da Mulher Afro-latinoamericana e Caribenha - data que destaca a
resistência de mulheres negras em toda a América Latina na luta contra o racismo e o
machismo.
É, portanto, em meio à Campanha “500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular” que
nasce a iniciativa de construir uma organização continental de campesinos, indígenas, e
comunidade de resistência afrodescendentes. E, mediados por uma série de contatos anteriores
e reuniões internacionais de movimentos sociais campesinos, nasce um mês após, a iniciativa
da construção de uma articulação mundial de camponeses. Este momento histórico nos parece
uma síntese da intensidade dos debates, das análises e das ações concretas de luta do período.

106
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ocorreu entre 3 a 14 de
junho de 1992 com a participação de chefes de Estado de diversos países. Cediada no Rio de Janeiro, Brasil,
tinha como objetivo debater os problemas ambientais do mundo. Entre os temas abordados estavam:
mudanças climáticas e o efeito estufa; a questão do ar e água; ecoturismo; e reciclagem de lixo. Como
resultado da Conferência foi produzida a Carta da Terra, a Declaração de Princípios sobre Florestas, e a
Agenda 21 (programa de ação que inclui a proteção ambiental). Em 1997, Kyoto, numa nova conferencia
sobre a Convenção das Mudanças Climáticas, o tema esbarrava na mudança da matriz energética, o que fez a
famosa decalaração do Presidente estadunidense George W. Bush afirmar que não iria submeter o avanço da
economia norte-americana aos sacrifícios das medidas propostas, não ratificando o protocolo.
160
Uma síntese que impulsionou as condições subjetivas para a formação de uma classe
camponesa em articulação continental e mundial. A decisão confluía com o histórico discurso
de Fidel Castro (Cuba) realizado na Conferência Rio 92:

[...] É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis


pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles
coloniais e de políticas imperiais que, pela sua vez, engendraram o atraso e a
pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20% da
população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três
quartas partes da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios,
contaminaram o ar, [...]. Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição,
teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias
disponíveis no planeta. [...] Desapareça a fome e não o homem [...]. (CASTRO,
1992)107

O ano seguinte (1993) foi intenso no que se refere aos primeiros passos da organização
internacional. Com a Declaração de Manágua em mãos, as lideranças camponesas reuniram-
se em Mons (Bélgica) junto a outras organizações que pela primeira vez se inseriam neste
debate. Estavam presentes 55 organizações de 36 países (das quais 20% das representações
eram mulheres). O Encontro ocorre em Mons devido à participação da ONG holandesa Paulo
Freire Stichting (PFS) no II Congresso da UNAG na Nicarágua, e sua disponibilidade em dar
o suporte que facilitaria o contato entre as organizações que assinaram a Declaração de
Manágua, assim como ser a instituição promotora do encontro. (VIEIRA, 2011;
DESMARAIS, 2013)
Ocorre então, entre os dias 15 e 16 de maio de 1993, mediante muitas tensões e conflitos a
fundação da Via Campesina Internacional. O primeiro conflito estava relacionado à intenção
da ONG quanto ao desfecho da reunião que divergia da proposição incial estabelecida na
Nicarágua. (DESMARAIS, 2013, p. 108). Enquanto para as organizações camponesas a Via
era um espaço político de enfrentamento ao neoliberalismo, a proposta da ONG Paulo Freire
propunha um fórum de debate sem posicionar-se politicamente (VIEIRA, 2011).
As tensões chegaram ao ponto em que representantes da PFS “abandonaram a reunião
enfurecidos”, e as lideranças camponesas assumiram o direncionamento do encontro
“passando a discutir aquelas questões que eles consideravam mais críticas e a definirem
coletivamente o propósito, a estrutura e os modos de trabalho do recém formado movimento
internacional de agricultores camponeses”. (DESMARAIS, 2011, p. 138)

107
CASTRO, Fidel. Discurso pronunciado no Rio de Janeiro pelo Comandante em Chefe na Conferência das
Nações Unidas sobre Medio Ambiente e Desenvolvimento. Desacato. On-line: 12 de junho de 1992.
Disponível em: http://desacato.info/memoria-discurso-de-fidel-na-eco-92/ . Acesso em ddezembro e 2018.
161
Os questionamentos realizados à PFS quanto à sua postura expressava uma posição que
muitas das organizações camponesas estavam vivenciando em seus países junto a algumas
ONGs, que com freqüência tinham uma postura paternalista, buscando representar e falar em
nome dos camponeses e seus interesses, ou ainda ganhando fundos valiosos ao associar-se a
essas organizações, mas canalizando-os para objetivos próprios em detrimento das
necessidades locais. Um caso que parecia se repetir neste evento. Neste sentido, os conflitos
ali vivenciados caracterizaram a afirmação de um movimento camponês internacional
distinto, autônomo e independente de ONGS, que tivesse representação, responsabilidade e
legitimidade própria, caracterizando-se com objetivos e métodos de trabalho distintos.
(DESMARAIS, 2013, p.132-133)
Estes conflitos permaneceram nos primeiros anos de conformação da Via Campesina, pois
ainda houve a tentativa de um papel diretivo da PFS desde a função assumida de secretariado
técnico. Diante desse fato, uma importante reunião ocorre entre representantes da Via
Campesina e a PFS para definir o papel da secretaria e o papel das ONGs nas relações com as
organizações camponesas. Esta batalha era pela construção de uma organização autônoma –
questão esta que foi detalhada e aprofundada por Desmarais (2013).
O nascimento da Via Campesina também é marcado por tensões diretamente com a IFAP,
organização social com representação de agricultores que trabalhavam de maneira integrada
às políticas dominantes. Houve a discussão sobre a integração da IFAP na Via Campesina,
proposta pela UNAG e pela ONG Paulo Freire, mas a maioria dos movimentos sociais
participantes não identificou nela uma representação de legitimamente camponesa. O fato de
consolidar uma aliança de caráter progressista definou notadamente um afastamento da
organização IFAP. A Via Campesina seria uma alternativa radical a IFAP. (DESMARAIS,
2013, p. 126-129). Este importante passo do movimento camponês reafirma o caráter da
organização desde seu início, uma organização conformada pela classe trabalhadora
camponesa forjando sua consciência de classe em si, ao mesmo tempo em que repudiava o
projeto de liberalização e globalização na agricultura.
Anette Desmarais (2013) afirma que o nascimento da Via Campesina é definido pela
diferenciação de um “movimento de agricultores reformistas ou conformistas”, como era a
IFAP. Com perspectivas e estratégias distintas “representam bases e interesses diferentes”. A
IFAP estava mais inclinada a “aceitar a premissa básica da globalização”, muito embora
discordasse da “velocidade e intensidade da liberalização”. (DESMARAIS, 2013, p. 28)
O encontro de Mons também amplia os acordos de Manágua definindo “os elementos básicos
de uma política agrícola progressista” – contraposição à política neoliberal na agricultura. E,
162
alguns meses mais tarde, em dezembro, a Via Campesina já reunia cinco mil manifestantes
em marcha por ocasião de uma reunião do GATT em Genebra. (DESMARAIS, 2013, p. 108)
A Declaração de Mons108 analisava o aprofundamento da pobreza e a agudização da crise do
campesinato, além do aumento da repressão a lideranças de organizações camponesas,
indígenas e ambientais como fruto da política agrária de desenvolvimento neoliberal sob a
lógica produtivista e exportadora. Em resposta, propunha-se a viabilização de um
“desenvolvimento agrícola ecologicamente sustentável e socialmente justo e que permita ao
produtor um real acesso à riqueza” gerada cotidianamente. Reivindicava também o direito dos
camponeses e camponesas à organização social, à agricultura diversificada, e ao auto-
abastecimento alimentar saudável para os povos do mundo. Para isso seria imprescindível o
acesso do campesino a terra, e o respeito ao meio ambiente. No momento decidia-se
compartilhar conhecimento, perspectivas e experiências caminhando para uma formulação
estratégica do desenvolvimento campesino-indigena. Das trinta (30) organizações que
assinam a declaração, dezenove (19) eram latino-americanas e caribenhas.
Forjava-se então uma organização camponesa internacional de caráter autônomo, e com uma
posição de classe frente ao projeto neoliberal para a agricultura. Segundo pesquisas realizadas
por Vieira (2011) isso se consolidou devido à experiência de autonomia e independência
como classe das organizações latino-americanas e européias. O próprio nome Via Campesina
se constituiu porque foi gestada na America Latina, e, em Mons a maior parte dos
movimentos eram deste continente.
O encontro de Mons estabeleceu uma estrutura organizativa com representação de 5 regiões
que conformariam uma equipe coordenadora: América o Sul; América Central, Caribe e
América do Norte; Europa Oriental, Ásia; e Europa Ocidental. Algum tempo mais tarde os
laços entre as Américas e o Caribe fortaleceram-se na criação da Coordenadora Latino-
americana de Organizações Camponesas – CLOC.
Em entrevista Rafael Alegria de Honduras, dirigente da Via Campesina no período, relata à
pesquisadora Desmarais (2013) que o nascimento do movimento camponês internacional se
deu a partir dos problemas comuns e do confronto diário com o sistema capitalista
internacional que uniu estas organizações, assim como as grandes aspirações de justiça social.
Em suas palavras, "O que nos une é um espírito de luta e transformação [...] Aspiramos um
mundo melhor, um mundo mais justo, mais humano [...]. Essas aspirações e a solidariedade

108
VIA CAMPESINA. Declaracion de Mons. On-line. Disponível em: https://viacampesina.org/es/mons-
declaration-may-1993/ Acesso em setembro de 2018.
163
nas lutas no campo mantêm-nos unidos na Via Campesina” (Depoimento de Rafael Alegria,
200? apud DESMARAIS, 2013, p.1)
Vieira (2011) destaca que muitos dirigentes que fundaram VC vinham de uma larga trajetória
de formação e participação em partidos de esquerda na década de 1950 e 1960. Outros sob a
forte influência da Revolução Sandinista, das Frentes de Libertação Nacional na América
Central realizadas pelas, e da Revolução Cubana que convidava movimentos sociais de
esquerda na América Latina para participar de eventos “que eram organizados pela união de
trabalhadores agrícolas, braço rural da Federação Sindical Mundial”. (Entrevista com João
Pedro Stédile, MST, BR, em março de 2007 apud VIEIRA, 2011, p. 183)
Em janeiro de 1994 ocorre em Chiapas (México) um levante indígena organizado pelo
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), não por coincidência no mesmo ano que
entra em vigor o TLCAN ou NAFTA. A insurgência carregava a pauta da denúncia da
globalização neoliberal e sob uma estrutura organizativa guerrilheira defendia a autonomia
local indígena. A fundação do EZLN ocorre no início da década 1980 e desde então, havia
passado por várias fases organizativas até o momento desta insurreição e publicação da
declaração de janeiro de 1994 – a I Declaração de la Selva Lacandona109. O documento inicia
com a auto-reivindicação de ser “produto de 500 anos de luta” e no corpo de suas linhas
aponta que seus objetivos são por trabalho, terra, teto, alimentação, saúde, educação,
independência, liberdade, democracia, justiça e paz, exigindo entre outras questões a
suspensão do saqueio das riquezas naturais nos territórios controlados pelo EZLN.
Este ano também foi marcado pela assinatura do GATT no Uruguai estabelecendo mudanças
profundas na economia agrícola com sérias implicações para o campesinato. Ao passo,
ocorria a marcha dos campesinos cocaleiros na Bolívia, a chamada “Marcha por la vida, la
coca y la Soberania Nacional”, e a fundação da Coordenadora Latinoamericana de
Organizaciones del Campo (CLOC) no mês de fevereiro de 1994 em Lima (Peru). Com a
“presença de 84 organizações de 18 países da América Latina e Caribe”, oficializa-se, no I
Congresso da CLOC, a organização continental de movimentos camponeses, indígenas e
afrodescendentes, desenvolvendo-se paralelamente e integradamente à Via Campesina
Internacional. (VIEIRA, 2011, p. 185)
O Congresso discutiu temas como: a situação política econômica da América Latina e os
efeitos de neoliberalismo; a situação das organizações camponesas em suas relações com

109
EZLN. I Declaración de la Selva Lacandona. 1 de janeiro e 1994. Documento disponível em:
http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1994/01/01/primera-declaracion-de-la-selva-lacandona/ Acesso em
dezembro de 2018.
164
partidos políticos e ONGS; a reforma agrária e luta pela terra; a nacionalidade, diversidade
étnica e seus direitos; o desenvolvimento e modernização do campo; o meio ambiente,
agricultura orgânica e recursos naturais; os direitos humanos e solidariedade; as formas de
auto-gestão e cooperação na organização da produção; a educação e saúde no campo; mulher
juventude e infância; comunicação e informação.
A declaração final do I Congresso110, com 238 delegados de 84 organizações, procedentes de
18 países de América latina e 3 países da Europa, afirma que sob o “espírito de unidade na
diversidade” o congresso tinha como objetivos intercambiar experiências e construir formas
de coordenação e ações conjuntas entre as organizações campesino-indígenas.
Suas resoluções foram a respeito de temas como: a reforma agrária “dentro de uma estratégia
de poder alternativo e popular”; a questão da diversidade étnica e seus direitos; a
autodeterminação dos povos indígenas; sobre o desenvolvimento de uma agricultura orgânica;
sobre o ambiente, florestas e recursos naturais; direitos humanos; educação e saúde no campo;
sobre o tema da coca; e a participação da mulher.
O congresso reafirma a necessidade de fortalecer a autonomia das organizações camponesas
frente às ONGs, mas também frente a partidos políticos, igrejas e Estado. Sinaliza a
necessidade de “readequar” as formas de organização e luta tendo em vista as mudanças
econômicas e sócio-políticas impostas pelo neoliberalismo. Segue abaixo um trecho desta
declaração:

Tendo em conta os diversos aspectos trabalhados no I Congresso Latino-americano


de Organizações de Campo fazemos um chamado para a unidão de nossas forças e
experiências acumuladas, readequando nossas formas de luta e renovando nossas
propostas organizativas e programáticas, conforme os novos tempos. [...] Devemos
gerar consciência de que a questão agrária na América Latina é um problema que
compete a toda a sociedade e como tal, devemos abordá-la dentro de uma estratégia
de poder alternativo e popular. Nesse sentido, chamamos a todas as organizações
sociais, os pesquisadores, os meios de comunicação e as igrejas, para que apóiem
todos os esforços no sentido de conseguir a unidade duradoura dos camponeses
indígenas do continente (JORNAL SEM TERRA. Declaração Final do Congresso de
Lima. Jornal Sem Terra, N. 134. SP: Jornal Sem Terra, março de 1994, página 14.

No ultimo dia do Congresso foi definida a forma organizativa que daria segmento à
articulação camponesa latino-americana. Neste sentido é aprovada a proposta de manter uma
coordenação executiva com membros de dois países por região (Sul, Andina, Caribe, América

110
Documento disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/i-congreso . Acesso em setembro de
2018
165
Central e Norte) que a representariam. A Secretaria Operativa da articulação foi sediada no
Brasil111.
No ano de 1995, a Via Campesina participa da Assembléia Mundial sobre Segurança
Alimentar que ocorreu em Quebec (Canadá). A National Farmers Union (NFU), organização
da Via Campesina do Canadá, construiu espaço para que lideranças pudessem participar em
diversos espaços da assembléia e expor a posição do recente movimento internacional sobre a
situação no campo. (VIEIRA, 2011, p. 193)
Um ano após (1996), ocorre entre os dias 18 e 21 de abril a II Conferência Internacional da
Via Campesina em Tlaxcala, México. Um dia antes do início da atividade ocorreu no Brasil o
“Massacre de Eldorado os Carajás” com o assassinato de 19 camponeses integrantes do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na conferência, com a presença de
69 organizações sociais de 33 países, a Via Campesina articula várias ações de denúncia, uma
marcha até a embaixada do Brasil, e em homenagem a esses declara o dia 17 de abril como
Dia Internacional da Luta Camponesa. (VIEIRA, 2011; DESMARAIS, 2013)
O tema da participação das mulheres na organização política surgiu nesta conferência com
grande intensidade. As poucas mulheres representantes dos movimentos sociais do campo
defendiam a importancia estratégica de aumentar sua participação, inclusive com funções de
coordenação. Como resultado dos tensionamentos internos, consolida-se uma comissão de
mulheres da Via Campesina que realizou uma primeira reunião de trabalho em San Salvador
(El Salvador) logo em seguida. Das participantes dessa reunião, várias delas tiveram ali um
primeiro contato com a própria organização internacional. (DESMARAIS, 2013, p. 247)
No ano de 1997, mês de novembro, ocorre o II Congresso da CLOC em Brasília, Brasil. Este
foi precedido pela I Assembléia de Mulheres da CLOC que teve como objetivo discutir linhas
gerais para a ampliação da participação política e organizativa das mulheres em nível
internacional
No mesmo ano ocorreram o “I Encontro Intercontinental contra o neoliberalismo e pela
humanidade” em Chiapas, México (Encontro Intergalático), a vitória eleitoral de Hugo
Chavez para presidencia da Venezuela, e uma nova participação da Via Campesina na Cúpula
Mundial sobre Alimentação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), Roma. Nesta participação, a partir de discussões nacionais, regional e

111
Informações veiculadas em: JORNAL SEM TERRA. I Congresso Latino-Americano de Organizações do
Campo reafirma a unidade e a luta. América Latina. Jornal Sem Terra, N. 134. SP: Jornal Sem Terra, março
de 1994, p.13.
166
internacional, a Via Campesina propunha uma nova perspectiva para a discussão do problema
da fome e da pobreza no mundo, o da Soberania Alimentar. (DESMARAIS, 2013, p. 148)
Nos anos seguintes, intensificaram-se as manifestações diante das reuniões da cúpula do G8,
das conferencias ministeriais da OMC, das reuniões do Banco Mundial e do FMI. Estas
haviam sido convocadas pela Ação Global dos Povos (AGP), um movimento social que
propunha campanhas e ações diretas em resistência ao capitalismo e suas conseqüências
ambientais. A Via Campesina participou de várias destas mobilizações, inclusive na liderança
de marchas contra a globalização neoliberal e seus impactos na agricultura (VIEIRA, 2011),
bem como na articulação do lançamento da Campanha Mundial pela Reforma Agrária que
tinha como lema “Alimento, Terra e Liberdade”. (DESMARAIS, 2013, p. 231)
Paralelamente continuavam as trágicas articulações das políticas neoliberais, como o caso da
privatização da Companhia Vale do Rio Doce no Brasil (1997) no governo de Fernando
Henrique Cardoso, e a realização da II Cúpula das Américas no Chile (1998) para afinar a
articulação e implantação da ALCA. Em decorrência destas políticas na produção agrícola,
um episódio marca profundamente conjuntura do período, o suicídio de mais 400 agricultores
na Índia por meio de pesticidas (DESMARAIS, 2013).
A década de 1990, na América Latina, finaliza com uma população de 507.306 milhões de
pessoas, das quais uma média perentual de 40.8 em situação de pobreza ou de extrema
pobreza segundo dados da CEPAL (2000)112. Ao mesmo tempo, é marcada por grandes
manifestações internacionais em repúdio ao neoliberalismo e ao imperialismo norte-
americano, como foi o caso de Seatle (novembro de 1999), Washington (abril de 2000), e
Praga (setembro de 2000), que pautavam a contraposição às políticas do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e à Organização Mundial do Comércio (OMC).
A mobilização de Seatle (EUA) em novembro de 1999 ocorre por ocasião da III Reunião
Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) que pretendia realizar uma nova
rodada de liberalização do comércio mundial. Impactante, teve a presença de cerca de 100 mil
manifestantes, sendo estes ecologistas, anarquistas, pacifistas, ONGs e trabalhadores
sindicalizados, sem declarar qualquer esfera partidária. Os protestos negavam a política
neoliberal e pautavam a educação, saúde, distribuição de renda, direitos humanos e medidas
que barrassem a degradação ambiental. Alguns cartazes indicavam os lemas da manifestação:
“O Trabalho diz: OMC acaba com a democracia”; e “Resistência à Tirania Corporativa”.

112
CEPAL. Anuario Estadístico de América Latina y el Caribe 1999. Editorial: CEPAL, fevereiro de 2000.
Disponível em: https://www.cepal.org/es/publicaciones/913-anuario-estadistico-america-latina-caribe-1999-
statistical-yearbook-latin-america Acesso em dezembro de 2018.
167
Os diferentes grupos participantes da manifestação, apesar de terem objetivos análogos,
divergiram quanto à forma da manifestação. Alguns, pacificistas, outros, com atitudes
incisivas como os Black Blocks (Máscaras Negras). Nesta mobilização houve a prisão de
mais de 600 manifestantes, entretanto, provocou grandes tumultos na efetivação da reunião.
Chamada de Batalha de Seatle é considerada um marco no nascimento do movimento
antilgobalização de força internacional.
Conforme estudos realizados por Vieira (2011), a Via Campesina participou não somente da
Mobilização de Seatle “contribuindo para o desmantelamento da Conferência Ministerial da
OMC”, mas também em sua preparação, relizando no mês anterior às manifestações diversas
reuniões com organizações de pequenos e médios agricutores dos EUA que compareceram no
protesto. (VIEIRA, 2011, p. 215)
Um ano após, em abril de 2000, por ocasião de reunião do Banco Mundial (BIRD) e da
Organização Mundial do Comércio (OMC) em Washington, novas manifestações ocorrem,
dessa vez resultando em cerca de 1500 prisões. Em setembro, na reunião destas instituições
programada para ocorrer em Praga, outros protestos fizeram-na terminar um dia antes.
Por ocasião da Conferência do G8 em julho 2001 em Gênova (Itália), as manifestações
reuniram cerca de 300 mil pessoas de toda a Europa durante três dias. A repressão organizada
pelo governo de Berlusconi foi a mais violenta de todas. A polícia atirou num jovem (Carlo
Guiliano Ragazzo) e passou com seu veículo por cima. Na noite deste episódio, vários
carabineiros invadiram uma escola onde dormiam parte dos manifestantes agredindo centenas
de ativistas. Neste mesmo ano, outra iniciativa internacional dá os primeiros passos, o I
Fórum Social Mundial realizado em janeiro de 2001 em Porto Alegre (Brasil).
Depois de três anos de intenso movimento antiglobalização, a rodada de liberalização do
comércio foi aprovada em novembro de 2001 na Conferencia da OMC em Doha (Catar),
negociando a abertura de mercados agrícolas e industriais. Os protestos durante essa reunião
foram menos incisivos devido ao custo elevado e o isolamento do país durante esses dias,
onde até mesmo turistas não puderam entrar. Os poucos representantes de ONGs autorizados
a ingressar no país eram vigiados constantemente pela polícia.
Seatle é considerada a “origem do movimento antiglobalização” neoliberal em dimensão
internacional. Conforme alguns estudiosos caracterizado como iniciativa das massas que se
expressaram através de manifestações, conferências, fóruns continentais, fóruns mundiais e
campanhas, como as “contra a ALCA, contra a dívida externa, ou a campanha contra a
OMC”. (VIEIRA, 2011, p. 108-111).

168
Estima-se que esse ciclo de manifestações reuniu cerca de 10 milhões de pessoas em todo o
mundo, incluindo as manifestações na Europa contra guerra e a invasão o Iraque nos anos de
2002 e 2003.

3.2.2 Globalizando a Luta e a Esperança de outro mundo possível e necessário


No ano de 2001, mesmo ano que ocorreu nos EUA o ataque ao World Trade Center, é
realizada em Quebec a III Conferência da Cúpula das Américas113. Nela apresenta-se maior
detalhamento do Plano de Ação em relação à implementação da ALCA. Na discussão sobre o
fortalecimento da democracia, afirma a necessidade de: fortalecer as tecnologias nos
processos eleitorais; examinar o registro e acesso de partidos políticos ao financiamento de
campanhas (com apoio da OEA e do BID); transparência e boa gestão governamental;
intensificar o papel da mídia e comunições no desenvolvimento da cultura democrática;
promover a luta contra a corrupção em coooperação com organizações e bancos multilaterais
e organizações da sociedade civil através do “Programa Interamericano de Cooperação na
Luta contra a Corrupção”.
Ainda nessa conferência apontava-se, entre outras questões, no quesito Justiça e Estado de
Direito, a necessidade de resolver e reprimir o tráfico ilícito de migrantes, mulheres e armas
de fogo; de implementar obrigações internacionais com relação aos direitos humanos; assim
como o apoiar a luta contra o terrorismo e a independência do setor judiciário realizando
encontros de ministros da justiça do continente.
A respeito do comércio, investimento e estabilidade financeira, apontava-se a importância de
garantir a conclusão das negociações do acordo ALCA, assegurando a plena participação de
todos os países. Reconhecem como fundamental o papel das empresas na criação da
“prosperidade” e apontam a regulamentação da infra – estrutura em telecomunicações,
transportes, energia. Também reafirmam o compromisso de implementar os acordos
ambientais multilaterais como o caso da “Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 1992”.
No que tange ao tema da questão agrícola, destaca-se seu papel no sistema sócio-economico e
seu potencial sob a lógica do “desenvolvimento sustentável”. Fez parte do plano de ação
apoiar e desenvolver esforços nacionais para fortalecer as empresas rurais, especialmente as
de médio e pequeno porte, promovendo um ambiente favorável para o agronegócio, além de

113
Informações veiculadas no site: http://www.summit-americas.org/defaults.htm e http://www.ftaa-
alca.org/Summits_p.asp . Acesso em dezembro de 2018
169
incentivar o mercado de produtos obtidos dos recursos naturais, e implementar a
modernização de instituições de ensino profissionalizante nesse setor. Parte desse processo
era desenvolver novos produtos incentivados por cooperativas de crédito (parcerias do setor
público e privado) tanto para áreas rurais como urbanas.
Sobre o tema da educação, fez parte do plano de ação confiar à OEA e ao Conselho
Interamericano de Desenvolvimento Integral (CIDI) uma reunião de ministros da educação no
Uruguai para garantir a implementação de iniciativas neste âmbito e estabelecer um
cronograma de ação incentivando a participação de outros setores da sociedade para
consensuar políticas de distribuição de recursos.
Também foram tratados temas como direitos dos trabalhadores, questões de saúde, igualdade
de gênero, diversidade cultural e populações indígenas. Sobre este último houve a indicação
de incentivar agências doadoras, o setor privado, governos e bancos multilateriais a realizar
conferências e encontros que pudessem compartilhar experiências de caráter sócio-cultural e
econômico entre povos indígenas. Aqui, reconhecer a sua diversidade estava atrelado ao
desenvolvimento de programas relacionados ao uso da terra e dos recursos naturais, assim
como o acesso a serviços e educação para as populações indígenas.
Durante a III Cúpula das Américas (2001) realizada em Quebec (Canadá), realizou-se uma
mobilização de cerca de 20 mil manifestantes que resultou na prisão de 400 pessoas e de 40
feridos. Nesta mobilização inicia-se a construção de propostas alternativas à globalização. O
próprio governo canadense patrocinou a Conferencia dos Povos da América com a
participação de organizações não governamentais e grupos antiglobalização que construíram
um documento contrário a ALCA.
No ano de 2004 foi realizada em Monterey (México) uma reunião extraordinária no intuito de
avançar na implementação de medidas do plano de ação da Cúpula das Américas. Nela,
afirma-se que o bem estar dos povos do continente requer a consecução de 3 objetivos
vinculados e interdependentes: o crecimento econômico com equidade (para reduzir a
pobreza); o desenvolvimento social; e a governabilidade democrática. Declaram que as
políticas econômicas e sociais coordenadas e integradas contribuem para o combate a
desigualdade de oportunidades e para a edificação de uma sociedade mais justa, com trabalho,
emprego e renda. Também reafirmam entre outras questões, o compromisso de
impelementação de governabilidades democráticas ratificando a decisão de coodenar ações
imediatas quando a democracia representativa correr perigo.
A IV Cumbre de las Américas ocorre em Mar del Plata (Argentina) em novembro de 2005. A
V Cumbre foi realizada em Puerto España (Trinidad Tobago) em abril de 2009. E a VI
170
Cumbre foi realizada em Cartagena (Colômbia) em abril de 2012. Nesta, circula uma
declaração dos chefes de Estado em apoio à estratégia de segurança na America Central
devido à violência e criminalidade a partir de redes de trafico na região. Todas elas discutindo
ações em torno dos mesmos eixos apontados na primeira reunião.
No campo, a primeira década do Século XXI é marcada por uma crescente expansão de
fronteiras agrícolas ou agricultáveis, essencialmente para a produção de comoditties (celulose,
agrocombustíveis, soja ou frutas) associados ao aumento dos preços das terras, ao crescimento
de acaparamiento ou estrangeirização de terras, aos investimentos estrangeiros diretos, e, ao
consumo de agrotóxicos.
Segundo dados da CEPAL (2000; 2006; 2012)114, o consumo de agrotóxicos passa de
12.287.492 milhões de toneladas no ano de 2000 para 15.278.819 milhões de toneladas em
2006, e ainda para 27,2 toneladas para cada 1000 hectares em 2012.
Os estudos de SAUER e LEITE (2012)115 apontam que no caso do Brasil entre os anos de
2007 e 2008, estrangeiros adquiriam em torno de 1533 imóveis rurais totalizando uma área de
226.920ha. Apontam também várias recomendações do Banco Mundial (BIRD) em promover
investimentos devido à crescente demanda por terra.
Esses processos somados à progressiva liberação de sementes transgênicas vão consolidando
o caráter do desenvolvimento capitalista no campo através de políticas de globalização
neoliberal – o chamado agronegócio.
Em contrapartida, como continuidade das ações mundiais de resistência à globalização
neoliberal, a década é marcada pela realização do Fórum Social Mundial, que sintentizava
neste período a necessidade de socializar e construir alternativas junto às manifestações que
vinham ocorrendo. Este, realizado paralelamente ao Fórum Econômico Mundial realizado em
Davos (Suíça) desenvolveu-se ao longo dos anos 2000, período também em que a insatisfação
da população se refletiu nos processos eleitorais, elegendo assim vários governos
progressistas ou populares na América Latina.
O Fórum Social Mundial surge como um espaço alternativo que reunia lideranças políticas
nacionais, organizações sociais das mais diferentes orientações, intelectuais e jornalistas, no
intuito de “construir uma pauta paralela” à política de globalização neoliberal. Ficou
mundialmente conhecido com o lema “Um outro mundo é possível”. (VEIRA, 2011, p. 112)

114
Anuarios Estatísticos da CEPAL dos anos de 2000, 2006 e 2012 encontram-se disponíveis em:
https://www.cepal.org/es/publicaciones/ae Acesso em dezembro de 2018.
115
SAUER, Sérgio; LEITE, Sérgio Pereira. A expansão agrícola, preços e apropriação de terra por estrangeiros
no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural. Vol 50, n. 3. Brasília: Julho/setembro de 2012
171
As primeiras versões do Fórum ocorreram no Brasil em 2001, 2002, 2003 e 2005 na cidade de
Porto Alegre (Rio Grande do Sul, Brasil), chegando a reunir cerca de 300 mil pessoas em
algumas edições (como a de 2003). No ano de 2004 ocorreu em Mumbai na Índia, e em 2006
de maneira descentralizada com atividades em Mali (África), Venezuela (América do Sul) e
Paquistão (Ásia). No ano de 2007 acontece em Quenia (África) e no ano de 2008 foi expressa
através de um dia de mobilização para visibilidade mundial (26 de janeiro de 2008). Sua
forma organizativa “não tem uma estrutura formal de direção e presidência ou executiva”
apenas uma secretaria e um conselho internacional organizada por território onde participam
representantes que apresentam um “histórico de envolvimento com o processo”. (VIEIRA,
2011, p. 113-114)
O FSM de 2009 ocorre na Amazônia, em Belém do Pará (Brasil), reunindo cerca de 120 mil
pessoas. A décima edição (2010) novamente descentraliza-se em pelo menos 27 eventos
espalhados pelo mundo, e a décima primeira (2011) ocorre em Dakar (Senegal) com 75 mil
pessoas. Neste, a Via Campesina participou com cerca de 70 representantes sob o lema
“Parar el acaparamiento de tierras, defender la soberania alimentaria”, e impulsionando a
Campanha “No a la violência contra las mujeres”116. Embora o FSM tenha ocorrido
anualmente, teve uma progressiva redução no número de participantes nas edições que
ocorreram de maneira centralizada.
A publicação da Carta de Princípios do Fórum Social Mundial117 em 2001, por ocasião da
intenção de continuidade da iniciativa, expõe aspectos de seu caráter, perspectivas e forma
organizativa. A carta aponta que o FSM define-se como um espaço para reflexão, debate,
intercambio de experiências e formulação de propostas por entidades e movimentos sociais
que se opõe ao imperialismo e à globalização neoliberal comandada pelas grandes
corporações multinacionais, governos e instituições internacionais. Caracteriza-se por ser um
espaço democrático, internacional, articulador, plural e diversificado, não governamental, não
partidário, articulando-se de forma descentralizada, opondo-se a visões totalitárias e ao uso de
violência como controle do Estado. Não tem instância representativa ou caráter deliberativo,
muito embora apóie declarações e moções de repúdio ou apoio.
O FSM é acompanhado desde seu início por fóruns sociais regionais e/ou temáticos. Sob a
bandeira “Um outro Mundo é Possível” diversos foram os eixos temáticos transversais. Entre
eles podemos citar: globalização imperialista e crise capitalista; desenvolvimento sustentável;

116
Notícia completa disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/noticias/la-campesina-en-el-foro-social-
mundial-de-dakar . Acesso em dezembro de 2018
117
Carta disponível em: https://wsf2018.org/carta-de-principios-do-forum-social-mundial/ Acesso em dezembro
de 2018
172
paz, guerra e militarismo; democracia; direitos humanos, justiça social e ambiental;
patriarcado, gênero, diversidade e igualdade; raça; comunicação e mídia alternativa; acesso
universal aos bens de consumo e à natureza; construção de uma nova sociedade baseada na
soberania e autodeterminação dos povos118.
De alguma maneira estas temáticas representam as questões sociais mais emergentes que
atinge as diferentes sociedades imersas numa globalização neoliberal e imperialista.
Representa também a necessidade de transversalidade destes temas na construção de uma
nova forma societária, outro mundo possível. Mas também expressa uma perspectiva política
estratégica desta nova sociedade. Sobre os limites desta, é um tema urgente a ser discutido.
Apesar de o Fórum Social Mundial surgir numa perspectiva de construção alternativa, ele foi
aos poucos tomando outro caráter. Para Vieira (2011) os fóruns destacaram-se como um
grande encontro de movimentos e organizações antiglobalização possibilitando um
intercâmbio de experiências, opiniões e análises sobre a situação mundial. Entretanto, havia a
“ausência de uma pauta política mais propositiva” que superasse essa dimensão. (VIEIRA,
2011, p. 116) Algumas críticas apontavam que este espaço foi tornando-se gradativamente
num evento de caráter acadêmico.
Como anunciamos acima, a primeira década do século XXI é também marcada pela eleição de
governos progresistas ou populares na America Latina119. Em geral, suas pautas políticas
estiveram baseadas numa perspectiva desenvolvimentista, com ações que estimulavam o
crescimento da burguesia nacional (industrial e/ou agrária) e ao mesmo tempo políticas
públicas que promoviam melhores condições para as classes mais pobres. Alguns, com uma
evidente perspectiva de construir a transição para uma sociedade socialista (Venezuela),
outros sem uma perspectiva de radicalização das mudanças sociais num curto espaço de
tempo.
O fenômeno da crescente eleição de governos com este perfil na América Latina ocorre no
período de 2004 a 2016, tendo seu momento ápice entre 2010 e 2013. Entre eles, podemos
citar: Venezuela com Hugo Chavez (1999-2013) e Nicolás Maduro (2013-2019); Brasil com
Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Roussef (2010-2016); Bolivia com Evo Morales (2006-
2019); Equador com Rafael Correa (2007-2012); Nicarágua com Daniel Ortega (2007-2012);
Argentina com Cristina Kirchner (2007-2011); Guatemala com Alvaro Colón (2008-2012);

118
Um maior detalhamento sobre as temáticas as características e as memórias de cada fórum encontra-se
disponível em: http://forumsocialportoalegre.org.br/forum-social-mundial/ Acesso em dezembro de 2018.
119
Consideramos como progressistas ou populares os governos que desenvolveram políticas sociais direcionadas
às classes mais pobres. Independente de seu posicionamento político (esquerda, ou centro esquerda) e seu
grau de radicalidade, perceptível especialmente na Venezuela e Bolívia.
173
Paraguai com Fernando Lugo (2008-2013); e Uruguai com José Mujica (2010-2015). Grande
parte desses governos assumiu em seu discurso, realizando ou não, as pautas dos movimentos
antiglobalização neoliberal.
Cuba, uma excessão histórica, desde a revolução de 1959 vem passando por várias
dificuldades diante do extenso embargo econômico provocado a este país. Entretanto, mesmo
com algumas mudanças internas não abandona a perspectiva revolucionária socialista.
Algumas iniciativas desses governos foram contundentemente internacionalistas como o caso
da proposição de Hugo Chavez para a construção da Aliança Bolivariana para os Povos de
nossa América (ALBA), tornando-se mais adiante Alternativa Bolivariana para as Américas.
Alba, em espanhol também significa nascer do sol, e esta nascia como contraposição à ALCA.
A proposição ocorreu no contexto da III Cúpula de Chefes de Estado da Associação de
Estados do Caribe na Venezuela, Ilha de Margarida (2001). Mas foi efetivar-se somente em
dezembro de 2004 a partir de uma Declaração120 assinada por Hugo Chavez e Fidel Castro
anunciando o objetivo de criar um bloco de integração política e econômica que fosse baseado
na solidariedade, cooperação e vontade comum para avançar no desenvolvimento e satisfazer
as necessidades dos países latino-americanos preservando sua soberania e identidade.
Esta declaração se materializou inicialmente num acordo de cooperação onde médicos
cubanos dirigiam-se para Venezuela para fortalecer os programas de saúde popular, enquanto
Venzuela aportava com petróleo para o abastecimento de Cuba.
Dois anos após o presidente Evo Morales da Bolívia somou-se a ALBA a partir do Tratado de
Comércio dos Povos. A sigla passou então a ser ALBA – TCP. Atualmente, compõe a ALBA,
além de Venezuela, Cuba e Bolívia, Nicarágua, São Vicente, Granadinhas, Dominica, Antigua
e Barbado. Durante o período do governo de Rafael Correa no Equador, houve também uma
aproximação do país à aliança, entretanto, retirou-se oficialmente no ano de 2018.
Outras ações que buscabam articular governos populares da América do Sul foram a
construção do Tratado da União das Nações Sudamericanas (UNASUR) e a Comunidade de
Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC). Entre os objetivos específicos da
UNASUR encontra-se a integração para o fortalecimento do diálogo político entre as nações,
o desenvolvimento social e humano, a erradicação do analfabetismo, a integração energética,
proteção da biodiersidade e o desenvolvimento de infra-estrutura para interconexão na região,
entre outros. A CELAC, fundada em 2011 (Caracas, Venezuela), abordava também um
projeto de unidade política, econômica e cultural. Foi considerada por Hugo Chavez em seu

120
Declaração completa disponível em: http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/2004/esp/d141204e.html Acesso
em dezembro de 2018.
174
discurso na I Cumbre da Comunidade de Estados Latinoamericanos y Caribeños (2013),
como a efetivação do projeto libertador de Simon Bolívar:

Los sagrados propósitos, las relaciones fraternas y los intereses comunes […] de
nuestra America Latino Caribeña, tienen en la CELAC una base fundamental no
solo para garantizar la estabilidad de los goviernos de nuestros pueblos que se ha
dado, sino la solerania […]. La gran política tiene en la CELAC un solido espacio
para su realización. Se ha puesto elocuentemente de manifesto que nuestra America
Latino Caribeña es capaz de verse y pensarse a si misma y al amundo con plena
autonomía y de actuar conjuntamente. (CHAVEZ, Hugo apud APORREA, 2013)121

Quanto às lutas travadas no campo, o ano de 2000 foi intenso. Ocorreu a I Cumbre
Continental de Povos e Nacionalidades Indígenas no México, e também as lutas da CONAIE
no Equador que sucederam na destituição de Jamil Mahuad como presidente. Em
Cochabamba na Bolívia, a “Guerra del Agua” – revolta popular contra a privatização do
sistema municipal de gestão da água, e aumento das tarifas cobradas pela Empresa Águas del
Tunari (filial de um grupo estadunidense).
Em relação à Via Campesina, entre os anos de 2000 e 2004, houve um crescimento de mais de
41% de integrantes de acordo com DESMARAIS (2013). Período em que as lutas em escala
mundial colocaram esta internacional camponesa em destaque. Sua participação em protestos
como o de Praga e Gênova (2001), também impulsionou a articulação com novos movimentos
sociais. (VIEIRA, 2011).
Em outubro de 2000 ocorreu a III Conferência da Via Campesina em Bangalores na Índia. É
nesta que se constrói a palavra de ordem “Globalizemos a Luta, Globalizemos a Esperança”.
Em entrevista com Egídio Brunetto realizada em março de 2007 por Vieira (2011), ele afirma
que o lema indicava “a esperança e a idéia de um projeto alternativo” que percorria a
organização. (Entrevista com Egídio Brunetto, MST, BR, em março de 2007 apud VIEIRA,
2011, p. 196)
Com cerca de 1000 delegados e delegadas, a conferência publica a Declaração de
Bangalores122, onde analisa as consequências do neoliberalismo no campo e aponta o
compromisso da Via Campesina em construir alianças fortes e duradouras que possibilitem

121
CHAVEZ, Hugo. Mensage del Presidente de la Reública Bolivariana de Venezuela a la I Cumbre de la
Comunidade de Estados Latinoamericanos y Caribeños. APORREA. CONSULADO DE BELÉM DO
PARÁ. Chávez: La Celac es el proyecto de unión más importatente de nuestra história contemporánea.
On-line. 31 e janeiro de 2013. Disponível em:
http://belemdopara.consulado.gob.ve/index.php?option=com_content&view=article&id=298%3Achavezq-la-
celac-es-el-proyecto-de-union-mas-importante-de-nuestra-historia-contemporaneaq&catid=8%3Anoticias-
actualidad&Itemid=64&lang=pt Acesso em dezembro e 2018.
122
Documento disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracion-de-bangalore-de-la-via-campesina/
Acesso em setembro de 2018.
175
mudar a direção da ordem econômica na perspectiva de proteger e desenvolver a agricultura
camponesa. Para isso reafirmam a necessidade de acesso a terra e o direito de produzir seu
próprio alimento. Comprometem-se também em lograr a Soberania Alimentar envolvendo-se
numa campanha mundial contra as importações de alimentos a baixo preço; a continuar sua
luta por justiça junto às ações coletivas mundiais; a utilizar estratégias mais efetivas e não
violentas nas lutas cotidianas.
Outro aspecto importante diz respeito à auto-organização das mulheres para participação
política na Via Campesina. Com o respaudo da CCI, a comissão de mulheres passa a
organizar imediatamete antes do começo de cada Conferencia, a I Assembléia Internacional
de Mulheres. Esta primeira assembléia construiu as seguintes definições: manter e fortalecer a
comissão de mulheres; assegurar que os documentos da organização não fossem construídos
sob uma linguagem machista e sexista; e por fim, a de que todas as atividades e espaços de
decisão da VC deveriam ter a participação de 50% de mulheres - paridade de gênero,
definição esta que possibilitou consolidar passos significativos numa construção organizativa
mais consistente. (DESMARAIS, 2013, p. 259-260)
Em 2001 a VC junto a outros movimentos sociais globais chama à mobilização lançando o
lema “O mundo não está á venda: OMC encolha-se ou recolha-se!” As mobilizações foram
organizadas local e nacionalmente no mesmo período das reuniões em Doha. Tinham o intuito
pedagógico de discutir com a sociedade questões em torno da OMC. Entre os pontos de pauta
estavam: direitos sociais básicos e sustentabilidade ambiental; soberania alimentar; não ao
protecionismo corporativo das patentes. Este é um momento em que a VC estreita laços com
o Fórum Mundial de Pescadores Artesanais. (DESMARAIS, 2013, p. 185-187)
Neste ano também ocorre o III Congresso da CLOC em Tlaplan (México) com a presença de
320 delegados e delegadas. A Declaração Final do Congresso123 anuncia a definição política
de lutar por uma Reforma Agrária Integral e participativa, rechazando energicamente o uso
abusivo de agroquímicos, produtos transgênicos e sementes “terminator”. Apontava também
o rechazo aos tratados de Livre Comércio que estavam em andamento no contienente afetando
a soberania e autonomia dos países latino-americanos, como o caso do “Plan Colombia” e
“Plan Puebla-Panamá”.
Ainda como parte da declaração, o III Congresso da CLOC também destaca a necessidade de
impulsionar um projeto alternativo contra o neoliberalismo com a participação social do meio
rural e urbano, baseado em atividades produtivas que garantissem o cuidado com a

123
Documento completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/iii-congreso Acesso em
setembro e 2018.
176
biodiversidade e recursos genéticos como patrimônio da humanidade. Um projeto que
buscasse consolidar um poder popular inclusivo e democrático.
O III Congresso também se propunha a construir ações coletivas de massa em datas
simbólicas para a luta internacional como o caso do: 8 de março como dia internacional da
mulher; 17 de abril como dia mundial da luta camponesa; 01 de maio como dia internacional
dos trabalhadores; 12 de outubro como o Grito dos Excluídos em contraposição à concepção
de “Descobrimento as Américas”; e o dia 16 de outubro como dia mundial da alimentação.
Este congresso foi antecedido pela II Assembléia das Mulheres Latino-Americanas, e, pela I
Assembléia da Juventude da CLOC124 com o objetivo de delinear estratégias que permitissem
sua articulação a nível continental para discutir os efeitos do sistema neoliberal imperialista
para a juventude do campo.
O ano de 2002 inicia com uma tentativa de Golpe de Estado na Venezuela. No dia 11 de abril,
por 47 horas, Hugo Chavez é detido ilegalmente por militares enquanto a Assembléia
Nacional e o Supremo Tribunal foram dissolvidos. Esse processo levou a um levante popular
e a retomada do Palácio de Miraflores pela guarda presidencial em defesa de Chavez.
Ainda nesse mês, as ações do dia 17 de abril tomam as manchetes em nível mundial apoiados
por organizações urbanas e ambientalistas. Um dos temas centrais na América Latina foi
“sementes”, através de uma campanha continental contra os organismos geneticamente
modificados (OGMs) muito motivada pela notítica de contaminação das sementes de milho
no México. (DESMARAIS, 2013, p. 236-237)
Um mês antes, em março, uma delegação da Via Campesina formada por Paul Nicholson (por
Euskal Herriko Nekazarien Elkartasuna - EHNE/CPE), Dóris Gutierrez de Hernandez
(secretaria operacional da VC), José Bové (Confederation Paysane), e Mario Lill (MST)
visita a Palestina motivada pelo interesse de organizações árabes em participar dessa
articulação internacional. Neste país, o dia 30 de março é considerado o Dia Internacional da
Terra e esta delegação participou de uma mobilização com cerca de 5000 pessoas contra a
expulsão de agricultores palestinos de suas terras. A mobilização se estendeu na participação
desta delegação junto a um grupo de 40 pacifistas internacionais que atuaram como escudo
humano na cidade de Ramallah para deter os ataques israelenses ao quartel general de Yasser
Arafat (DESMARAIS, 2013, p. 34-35).
Ainda neste ano, a VC trabalhou junto a Organização Roppa Réseau des Paysannes et de
producteurs Agricolas de Áfrique de l´Quest, no planejamento do Fórum de Soberania

124
Documento completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/declaracion-de-la-
juventud-rural-latinoamericana-de-la-cloc Acesso em setembro de 2018.
177
Alimentar das ONGs e Sociedade Civil que ocorreu em Roma no mês de agosto.
(DESMARAIS, 2013, p. 33)
As manifestações contra a invasão no Iraque marcam o início de 2003. E em outubro na
Bolívia inicia-se a Guerra do Gás, um conflito ocorrido em Tarija entre Bolívia, EUA e
México devido à exploração do gás natural (a segunda maior fonte da América do Sul). A luta
colocava em cheque a decisão de exportação do produto a preços baixos sem abastecer o
mercado interno, enquanto famílias necessitavam cozinhar a lenha.
Durante a V Conferência Ministerial da OMC realizada em Cancun no México, cerca de
15000 manifestantes, dos quais indígenas, pescadores, sindicalistas, zapatistas, camponeses
organizados pela Via Campesina realizam uma marcha pelas ruas da cidade em direção ao
local onde se realizava a reunião. Exigia-se a retirada do tema da agricultura da OMC.
Durante o protexto um camponês coreano, Lee Kyung Hae125, carregando um cartaz escrito
“A OMC mata agricultores” sobe em uma grade que separava os empresários negociadores
dos manifestantes e tira sua vida com uma faca cravando-a no coração. O dia da mobilização
era o Chusok, uma data coreana para honrar seus mortos. Em homenagem à Lee Kyung Hae,
o dia 10 de setembro foi declarado Dia Internacional de Protesto contra a OMC, o
Neoliberalismo e pela Soberania Alimentar.
Diante das manifestações e dos desacordos entre os países ricos e pobres sobre a abertura de
mercados, subsídeos às exportações e adoção de regras de investimento de empresas
transnacionais nos países em desenvolvimento, a pauta não foi bem sucedida.
Em junho de 2004, ocorre em Itaici (São Paulo, Brasil) a IV Conferência da Via Campesina.
Com a presença de 400 delegados e delegadas de 76 países sob o lema “Organizar a Luta:
terra, alimento, dignidade e vida”, a conferência declarava que a posição da FAO frente aos
OGMs era prejudicial à agricultura camponesa, assim como anunciava sua total oposição às
políticas neoliberais. Nesse momento, a internacional camponesa lançava a “Campanha:
Sementes como Patrimônio da Humanidade”.
A organização desta conferência estava sob a responsabilidade de movimentos sociais do
campo no Brasil, entre eles o MST, MAB, MMC, MPA, CPT e a FEAB. A Declaração

125
Lee Kyung Hae era uma liderança campesina coreana ativa na luta pelos direitos dos camponeses e
pescadores durante a década de 80. A partir dos acordos do GATT na rodada do Uruguai sobre o livre
comércio, a Corea abre as portas ao comercio de arroz e gado entre outros produtos. Os preços caíram e os
pequenos agricultores começaram a sofrer as conseqüências, com endividamentos. Em poucos anos a Coreia
passava de 6,6 milhões de camponeses para 3,5 milhões. Lee foi um destes agricultores que perdeu tudo.
Suas terras ficaram com os bancos para quitar suas dívidas. Realizou várias greves de fome e participou
ativamente nas mobilizações mundiais contra a globalização neoliberal. Outras informações disponíveis em:
https://viacampesina.org/es/en-memoria-de-lee-kyung-hae-historia-de-un-campesino/ . Acesso em setembro
de 2018.
178
Final126 apontava uma síntese das discussões e preocupações referente à estratégia e à forma
organizativa. Sob a análise de que os tratados de livre comércio, juntamente com os aparatos
jurídicos estavam destruindo os princípios básicos dos direitos humanos e sociais,
assegurando somente os lucros das empresas transnacionais com os processos de privatização
e destruição dos mercados locais, a VC aponta a prioridade da luta contra as causas da
crescente migração e pelos direitos camponeses do mundo exigindo políticas públicas a
serviço da agricultura camponesa, da reforma agrária, das sementes e da soberania alimentar.
Também aponta a necessidade de fortalecer a articulação das lutas construindo alianças desde
o local ao global.
O compromisso de impulsionar a luta pelos Direitos projetou a escrita da “Carta Internacional
dos Direitos Camponeses”. Sob a liderança da Federação dos Sindicatos Rurais da Indonésia
(FPI) concretizou-se uma petição à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos
para desenvolver um estatuto ou convenção especialmente para os trabalhadores do campo.
(DESMARAIS, 2013, p.7). Mais tarde, em dezembro do ano de 2018 é aprovada na ONU a
Declaração dos Direitos Camponeses.
Alguns dias antes da Conferencia, ocorre a II Assembléia de Mulheres. Em sua Declaração
Final127 afirmava que a paridade de gênero formal não bastava e que era necessário assegurar
uma igualdade na participação das mulheres cotidianamente. Propõe-se ali a defesa, o
fortalecimento, a ampliação das organizações e movimentos sociais na luta contra o modelo
neoliberal, pela soberania alimentar, terra e território, por reformas agrárias integrais, na
defesa das sementes, pela soberania econômica das mulheres, pela igualdade de gênero e
soberania dos povos.
Ocorreu também a I Assembléia Mundial da Juventude Camponesa que discutiu a questão da
terra, trabalho e soberania alimentar, além das estratégias de permanência da juventude no
campo. A juventude se propôs a dar continuidade ao intercambio de experiências
organizativas na perspectiva de fortalecer as organizações de base e definir um plano de ação.
O ano de 2005 é marcado por mobilizações no campo em vários países. No Chile, as
mobilizações contra as minas a céu aberto; na Guatemala, mais de 700 mil indígenas mayas
contra os megaprojetos de mineração no país; no Uruguai se ganha o referendo pelo direito à
água; no Brasil realiza-se a grande marcha pela Reforma Agrária e mudança do modelo
econômico, ano em que ocorre o assassinato da missionára norte-americana de Doroty Stang

126
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracie-la-iv-conferencia-de-la-via-
campesina/ . Acesso em setembro de 2018.
127
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracie-la-ii-asamblea-internacional-de-
mujeres-rurales/ . Acesso em setembro de 2018.
179
em Anapu (Pará); no México iniciou a mobilização popular convocada pelo EZLN chamada
“La otra Campaña” que buscava escutar as demandas do povo, organizados ou não, “desde
abajo y de la izquierda” para a construção de um Programa Nacional de Luta com princípios
anticapitalistas e de organização horizontal.
Ocorre em outubro deste ano, em Iximulew (Guatemala) o IV Congresso da CLOC
juntamente com a III Assembléia de Mulheres e a II Assembléia da Juventude. Com a
participação de 178 delegados e delegadas de 88 organizações campesino-indígenas e
afrodescendentes de 25 países do continente se reuniam com o objetivo de identificar e
analisar a estratégia do sistema capitalista neoliberal, e, de coordenar linhas de ação para a
resistência da CLOC-VC. Declaram em seu documento final128 que a imposição do modelo
agro-exportador transnacional encontrava-se num estágio de crescente militarização do
campo, impodo a repressão e criminalização das lutas camponesas justificado-as como parte
do combate ao terrorismo ou narcotráfico, inclusive com a implantação de bases militares
estrangeiras de controle territorial – o caso do Plan Colombia e Plan Puebla-Panamá.
Contra a venda de terras e territórios, recursos energéticos, biodiversidade e conhecimentos
historicamente acumulados sob o interesse do capital, a CLOC-VC declara sua oposição sem
trégua ao capitalismo neoliberal opondo-se à privatização e defendendo a agricultura
camponesa baseada em práticas produtivas solidárias, coletivas. Declara também somar-se à
ALBA contribuindo com sua formulação, desenvolvimento e aplicação.
No ano seguinte, novos acontecimentos vão fortalecendo o combate ao projeto neoliberal. Na
Bolívia ganha as eleições presidenciais o dirigente campesino cocalero Evo Morales
impulsionando a nacionalização dos hidrocarburos. Na Colômbia, ocorre uma Minga indígena
social e popular organizando uma marcha até a capital em protesto contra o governo de Uribe.
No México o levantamento popular de Oaxaca em torno do conflito magistral. No Equador, a
partir de uma sublevação popular Rafael Correa ganha as eleições. Na Venezuela, Chavez
reeleito impulsiona a criação do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). E no Chile
uma forte mobilização estudantil chamada “Revolución de los Pinguinos” reivindicava ao
governo de Michelle Bachelet (inclusive com rechazo às propostas do governo) o fim na
municipalização da educação, a gratuidade da seleção universitária e o pase escolar gratuito.
No Brasil, um importante passo da mobilização camponesa marca as lutas da Via Campesina
Brasil. Referimos-nos à ação das mulheres da Via Campesina na empresa Aracruz Celulose,
contra o monocultivo de eucalipto, que sob o lema “Não comemos eucalipto” e “Não ao

128
Documento completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/iv-congreso Acesso em
setembro de 2018.
180
Deserto Verde” reuniu cerca de 1800 mulheres no dia 08 de março ocupando o viveiro
florestal da empresa no Município de Barra do Ribeiro em Porto Alegre. A destruição de
estufas e mudas de eucalipto provocou grande repercurssão e ampliação do debate sobre o
monocultivo, bem como seus malefícios à biodiversidade e à produção de alimentos.
Entre os conflitos nos territórios mapuches do Chile, as mobilizações contra a TLC em Costa
Rica e El Salvador, e, o Massacre de Pando na Bolívia com 18 campesino-indígenas mortos
pela repressão, os anos de 2007/2008 transcorrem sob algumas conquistas. Entre elas, na
Bolívia a promulgação de nova constituição declarando-se um Estado Plurinacional,
democrático e participativo; na Guatemala a III Cumbre de Povos e Nacionalidades
Indígenas; no Equador, a promulgação de nova constituição que reconhecia os “direitos da
natureza” a partir da proposta da Revolução Cidadã129; e no Paraguai, a vitória eleitoral de
Fernando Lugo.
No ano de 2008, enquanto o Presidente do Conselho de Estado e Conselho de Ministros de
Cuba - Fidel Castro deixa o cargo para assumir Raul Castro, nos EUA, em agosto, inicia-se o
colapso dos mercados financeiros a partir da bolha imobiliária e a crise das hipotecas, uma
crise que se estenderia por todo o mundo.
Considerada a maior depressão desde a II Guerra Mundial, esta crise gerou nos meses que se
seguiram a perda de 8,7 milhões de empregos, cortes de salário e redução da jornada de
trabalho no país. No Brasil, sua influência data uma desaceleração da economia por conta da
redução da demanda externa de comoditties. Na Europa a quebra do euro, e na Grécia a crise
financeira gerou diversos protestos contra as medidas de controle dos gastos públicos que
reduziam benefícios como a aposentadoria, salários, demissões em massa dos órgãos públicos
e aumento de impostos.
A V Conferência da Via Campesina ocorre em Maputo, capital de Moçambique, em outubro
de 2008 com o lema “Agricultura Campesina e Soberania Alimentar frente à Crise Global”.
Segundo Egídio Brunetto (MST e membro da Comissão Coordenadora da Via Campesina) em
entrevista realizada durante a conferência, esta “se desenvolve no marco de um processo de

129
Rafael Correa assume a presidência do Equador com uma proposa antineoliberal – um Projeto do Socialismo
do Século XXI, ou Revolução Cidadã que se alinhava à integração bolivariana. Cerca de 5000 indígenas
marcham no início de 2007, incluindo a CONAIE, exigindo o fechamento do Congresso Nacional corrupto e
uma assembléia constituinte. Uma nova constituição deveria reafirmar um Estado Plurinacional,
reconhecendo as línguas indígenas originárias e a proteção dos territórios indígenas. A luta também exigia a
nacionalização dos hidrocarburos e o desenvolvimento de um projeto soberano, ecológico, igualitário,
comunitário e solidário – El Buen Vivir, ou Sumak Kawsay (viver em plenitude). O preâmbulo da nova
Constituição reconhece as raízes milenárias de distintos povos, celebra a natureza e a pacha mama (mãe
terra). Informações disponíveis: MENON, Gustavo. A Revolução Cidadã: o governo de Rafael Correa e os
movimentos sociais no Equador. REBELA. Revista Brasileira de Estuos Latino-americanos. Volume 2, n;1,
jun 2012.
181
aglutinar as forças camponesas num momento de múltiplas crises do sistema, o qual favorece
a luta pela soberania alimentar, que é a solução ante as mesmas”.130
Os debates desta conferência analisaram o avanço do capial financeiro e das empresas
transnacionais na agricultura e na produção alimentar em todos os países que frequentemente
passavam pela privatização das sementes, aumento do uso de agrotóxicos, assim como a
intensificação do monocultivo de agrocombustíveis (falsamente justificado pela crise
energética e climática). Propõe como contraponto a soberania alimentar; a disseminação de
um sistema alimentário local não fundamentado na agricultura industrial; a reforma agrária
integral; a defesa do território indígena; a agricultura camponesa agroecológica; o direito às
sementes e à água; a não criminalização do protesto social. Negando-se a desaparecer, os
camponeses e indígenas do mundo empunham a palavra de ordem: “Soberania Alimentar Já!
Com luta e unidade dos povos!”
A Declaração Final131 inicia relatando os principais logros dos últimos quatro anos na
construção desta organização internacional de camponeses, e em seguida analisa a realidade
temporal e seus desafios. Entre eles, o de que a ofensiva do capital no campo encontra-se num
contexto global de “crise múltipla” (alimentária, climática, energética, e financeira). Uma
crise que é do sistema capitalista impulsionada pelas políticas neoliberais. Uma crise que
atinge a agricultura e os bens naturais sob o falso pretexto de que a resolução da crise
climática e energética se daria através da produção de agrocombustíveis. Uma crise que se
traduz no despojo, na prisão e assassinatos de povos campesinos e indígenas.
O documento também aponta a Declaração dos Direitos Camponeses na ONU como uma
ferramenta importante para fortalecer a posição do campesinato no mundo. Indica a soberania
alimentar como a única alternativa que possa responder a crise alimentária, climática e
energética, na medida em que se contrapõe às principais fontes de emissão de gases na
atmosfera (grandes extensões de monoculturas e produção de carne bovina), assim como a
especulação dos preços dos alimentos diante do mercado mundial. Propõe incisivamente a
promoção ciclos locais de produção de consumo, e assumem que as empresas multinacionais
e financeiras são os inimigos comuns mais importantes.
Destacaram também como desafios: o avanço das mulheres camponesas como parte do
avanço da própria VC; a necessidade de fortalecer e construir alianças com movimentos e
organizações que compartem da mesma visão; a plena inserção e participação criativa dos

130
Reportagem disponível em: https://viacampesina.org/es/el-contexto-de-mples-crisis-favorece-la-lucha-por-la-
soberanalimentaria/ . Acesso em dezembro de 2018.
131
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracie-maputo-v-conferencia-
internacional-de-la-vcampesina/ . Acesso em setembro de 2018.
182
jovens em todos os níveis de luta; a formação política como espaço para fortalecer e aumentar
a capacidade coletiva de análise, articulação e transformação; a diversidade na unidade para a
luta em defesa da agricultura camponesa.
Por fim, a década finaliza com um golpe de Estado em Honduras onde o seqüestro e a
deposição do presidente Manuel Zelaya levou à fundação da Frente Nacional de Resistência
Popular, e também, com a reeleição de Rafael Correa em meio às mobilizações indígenas
contra a Ley de Água e uma tentativa de Golpe de Estado que não vingou. Mas, ao mesmo
tempo, outros passos fortaleciam o caminho escolhido para as transformações no continente -
a eleição de novos de presidentes com perspectivas populares como o caso de Carlos
Maurício Cartagena da Frente Farabundo Martí em El Salvador, e do combatente tupamaro
José Mujica no Uruguai.
Protestos indígenas no Chile reivindicavam as terras ancestrais, e a Marcha de la
Confederación de los Pueblos Indígenas de Bolívia (COOB) o reconhecimento do auto-
governo. Em Costa Rica e Puerto Rico despontavam mobilizações estudantis contra o corte de
orçamentos públicos para a educação e contra a mineração a céu aberto. No Haiti, um
terremoto deixa cerca de 200 mil pessoas mortas e mais de 3 milhões de desabrigados. A
CLOC-VC fortalece uma brigada de solidariedade que já se encontrava no país, para apoiar as
organizações sociais do campo.
No final da década também aconteceu o V Congresso da CLOC-VC (outubro de 2010),
iniciando com uma marcha em Quito, Equador. Sob o lema “Contra el saqueo del Capital y
del Império, por la tierra y la Soberania de Nuestros Pueblos, América Lucha” o congresso foi
acompanhando da IV Assembléia de Mulheres e a III Assembléia de Jovens estabelecendo
defender o planeta, a agricultura camponesa, a dignidade e o buen vivir dos povos.
As notas preparatórias do congresso afirmavam a importância deste espaço para fomentar e
fortalecer de alianças estratégicas campo e cidade, a integração de novas organizações
nacionais nas grandes regiões, fortalecer o internacionalismo, vigorar a articulação com
intelectuais orgânicos, e reafirmar a Campanha “No violencia contra las mujeres”.
Participou da abertura do Congresso o Presidente Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa
(Equador). Evo Morales em seu discurso destaca o papel relevante na luta pela defesa da mãe
terra e pelos direitos dos povos que nela habitam, e na medida em que expressa solidariedade
a Rafael Correa pelas tentativas de desestabilização de seu governo convoca o congresso a
debater com profundidade a origem das “tentativas de golpes de Estado na América Latina e
sua relação com os interesses do capital e o império” na região. Também afirma que a tarefa
dos “governos progressistas e movimentos sociais é fortalecer a capacidade dos povos para
183
dizer não ao saque de nossos recursos”, de “transformar radicalmente a institucionalidade de
nossos países” e de ir muito além da resistência. “Da rebelião à revolução, e da revolução à
descolonização da América Latina”. (Evo Morales por ocasião da abertura do V Congresso da
CLOC-VC).132
A Declaração Final do Congresso133 analisa que a agricultura, a água, alimentação e a
natureza são centrais para o capital financeiro mediante grandes inversões, e isso resulta na
massiva expulsão de povos originários e campesinos, a extrangeirização das terras, a perda da
soberania nacional e popular. Destaca que a crise climática é produzida a partir do modelo de
produção da sociedade de consumo, e nesse sentido:

Terminar con el capitalismo pasa a ser no sólo un objetivo social, sino un paso
necesario para la sobrevivencia de la humanidad y el planeta. Necesitamos acabar
con el modelo agrícola industrial, agroexportador e hiperconcentrado, responsable
principal de la crisis climática. Nos comprometemos a levantar e impulsar con
fuerza la posición de la Via Campesina, en cuanto a que la agricultura campesina es
la vía más segura y efectiva para enfriar el planeta y reconstituir los equilibrios
naturales. (CLOC, 2010)134

O documento sinaliza que a investigação científica tem progressivamente ficado sob o


domínio do capital com tecnologias destrutivas da natureza e do seres humanos (como o caso
das sementes terminator, dos cultivos transgênicos, da biologia sintética), ignorando os
saberes, técnicas populares e agroecológicas. Situação esta que marca a necessidade da defesa
das sementes contra a privatização e a defesa da Soberania Alimentar a partir de uma Reforma
Agrária Integral.
No ano de 2010 também ocorreu o III Encuentro Internacional de Afectados por Represas no
México135. Participaram cerca de 300 representantes de organizações e movimentos sociais de
todo o mundo, discutindo o atual modelo energético e construindo estratégias coletivas para
fortalecer o movimento internacional de luta contra as barragens.

132
CLOC-VC. Evo Morales e Rafael Correa presentes na abertura do V congresso da CLOC. In CLOC on-
line:14/10/2010. Disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/portugues/evo-morales-e-rafael-correa-
presentes-na-abertura-do-v-congresso-da-cloc . Acesso em dezembro de 2018.
133
CLOC. Congreso de la CLOC: Declaración de Quito: 18/10/2010. Documento completo disponível em:
https://viacampesina.org/es/congreso-de-la-cloc-declaracion-de-quito/ . Acesso em dezembro de 2018.
134
CLOC. Congreso de la CLOC: Declaración de Quito: 18/10/2010. Documento completo disponível em:
https://viacampesina.org/es/congreso-de-la-cloc-declaracion-de-quito/ . Acesso em dezembro de 2018
135
CLOC. Afectados por Represas de Varios Países se Reúnen en México contra el Actual Modelo Energético.
CLOC on-line: 30 de setembro de 2010. Disponível em: http://www.cloc-
viacampesina.net/noticias/afectados-por-represas-de-varios-paises-se-reunen-en-mexico-contra-el-actual-
modelo . Acesso em dezembro de 2018.
184
Em termos de Via Campesina, o ano de 2012 finda com 149 organizações sociais, sendo que
sua maior parte (104) são organizações da América Latina e Caribe, África e Ásia, “onde vive
a maior parte dos camponeses do mundo”. (DESMARAIS, 2013, p. 4)

3.2.3 O Movimento Camponês Internacional na Intensificação da Crise Capitalista


As reuniões da Cúpula das Américas seguem ocorrendo. A VII Cumbre de las Américas
ocorre no Panamá em abril de 2015 e a VIII Cumbre é realizada em Lima, Peru, no mês de
abril de 2018. Nesta última os chefes de Estado se comprometeram a: fortalecer a
governabilidade democrática frente à corrupção outorgando às autoridades competentes as
garantias necessárias; fortalecer a autonomia e a independência judicial; promover uma
iniciativa continental de educação com enfoque em educação cívica dirigida pela organização
dos estados americanos (OEA) com fortalecimento de valores democráticos e cívicos nos
diverentes níveis educacionais, bem como de programas de educação continuada, campanhas
de conscientização sobre a participação cidadã, prevenção da corrupção e impunidade;
reconhecer a contribuição dos povos indígenas e comunidades afrodescendentes para a melhor
eficiência da adminitração pública em favor da luta contra a corrupção; e incentivar a
participação do setor privado nas políticas de prevenção e combate à corrupção.
Concretamente, estas reuniões foram fortalecendo as políticas neoliberais nos mais diferentes
países. Alguns governos implementando rapidamente o programa, outros circunscritos nos
marcos de neo-desenvolvimentismo; outros ainda buscando frear estas políticas. As pautas
apontadas nestas últimas cúpulas estranhamente têm similitudes na argumentação de fundo
para a realização de Golpes de Estado junto a este bloco governos populares e progressistas
que se alinhavam na perspectiva da integração latino-americana.
O mapa político de governos progressistas crescia buscando demarcar uma agenda política de
soberania e maior independência. Contrariamente a este processo, foram acontecendo vários
golpes de estado na América Latina.
Golpes estes, com características diferentes dos anteriores – os civis-militares. Os primeiros
representando uma articulação do empresariado nacional com os anseios norte-americanos e
os militares nacionalistas. Os atuais representam o interrompimento de governos
democraticamente eleitos caracterizando-se como golpes políticos-jurídico-parlamentares
articulando os interesses da burguesia nacional, do imperialismo e não raro militar. O
interessante é identificar que estão estreitamente vinculados ao interesses do

185
reestabelecimento das condições mais abruptas de exploração centro - periferia, a partir da
restauração de forças conservadoras.
A tentantiva frustrada de golpe na Venezuela em 11 de abril de 2002 com o seqüestro de
Chavez é retomado sobre outra forma nos últimos dois anos com o Presidente Nicolás
Maduro. Este, reeleito em 2018, é confrontado pela oposição interna em aliança com EUA
através de uma campanha contínua de desastabilização da “Revolução Bolivariana de
Venezuela”136 a partir de uma guerra econômica, claramente vinculada a interesses em seus
recursos naturais (minerais e energéticos) do qual Venezuela e Brasil (com o pré-sal) são
grandes produtores.
O golpe de Honduras, o primeiro efetivado deste novo ciclo, ocorre com a prisão do
presidente Manuel Zelaya em 28 de junho de 2009 sob a justificativa de desobediência
constitucional. No ano de 2010 a tentativa de golpe no Equador não foi bem sucedida. Em
2012 no Paraguai Fernando Lugo é acusado pelo judiciário por “incapacidade administrativa”
e num processo relâmpago é declarado seu impedimento em 22 de junho de 2012. Em
entrevista ao Jornal Brasil de Fato, Lugo afirma que seu impeachment foi impulsionado por
setores do agronegócio em contraposição à possibilidade de Reforma Agrária e pela
participação do Paraguai em processos de integração latino-americana como a Unasur. Um
golpe judiciário-paramentar. Lugo afirma que:

[...] os golpes que foram aplicados em Honduras, Paraguai e Brasil não são golpes
isolados. A América Latina, com as ditaduras militares, e depois com as
pseudodemocracias, sempre foi um território colonial dominado pela política
exterior norte-americana. [...] E este esforço de governos progressistas de que
pudessem pensar por si próprios um modelo diferente, falar de uma segunda
independência, de soberania em termos políticos mais fortes, é muito difícil
acontecer diante da ingerência de governos internacionais e das multinacionais, de
governos poderosos como os do norte, que tem tanta influência nos países do
sul. [...] Então eu creio que em contraposição vem esta onda de golpes, em
Honduras, Paraguai, Brasil, em alguma medida na Argentina, tentativas de golpe
como na Bolívia e no Equador, que fracassaram e o que está muito vigente é essa
campanha de romper os governos progressistas que poderiam crescer. (LUGO In
ESTRADA, 2018, on-line)137

136
Segundo uma investigação jornalística veiculada no Jornal New York Times, representantes dos EUA
reuniram-se com dissidentes venezuelanos para planejar um Golpe em 2017. Com a eleição de Trump, o
mesmo declara haver uma opção militar para a Venezuela. FERNANDES, Vivian. (Edição). Governo Trump
planejou um golpe contra a Venezuela em 2017, reporta New York Times. Brasil de Fato. On-line São Paulo
(SP): 10 de Setembro de 2018. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2018/09/10/governo-trump-
planejou-um-golpe-contra-a-venezuela-em-2017-reporta-new-york-times/ Acesso em dezembro de 2018.
137
ESTRADA, Paola. Fernando Lugo: O golpe do Paraguai foi contra a integração da América Latina. Brasil de
Fato on-line. SP: Brasil: 25 de junho de 2018. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2018/06/25/fernando-lugo-o-golpe-do-paraguai-foi-contra-a-integracao-da-
america-latina/ . Acesso em novembro de 2018.
186
É importante lembrar das recentes iniciativas de grupos de direita e extrema direita,
caracterizando-se como movimentos sociais da sociedade civil, que têm realizado ações
contundentes contra políticas populares e /ou progressistas. No caso do Brasil, podemos citar
o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Movimento Vem para Rua (MVR) criados em 2014
com posturas conservadoras liberais e ultraliberais. Estes, em articulação latino-americana e
mundial junto ao Atlas Network buscam divulgar e articular interesses ultraliberais138.
Outra situação que ocorre nesta perspectiva de destruição da dinâmica popular e progressita
que se construía é a ocorrida no Brasil. Em 31 de agosto de 2016 consolida-se o impeachment
de Dilma Roussef com a justificativa das “pedaladas fiscais” a partir da aceitação de denúncia
de “crime de responsabilidade” em dezembro de 2015, por parte da presidência da Câmara
dos Deputados Eduardo Cunha. E em 07 de abril de 2018 a prisão de Lula da Silva (que
concorreria à eleição em 2018) sob a justificativa de corrupção. São estes casos típicos de
Lawfare139. Processos que selam visivelmente a tentativa desesperada de impor medidas mais
abruptas do neoliberalismo para uma “recuperação” da crise econômica.
Interessantemente, o tema da corrupção e do judiciário foi discutido exaustivamente nas
últimas Cúpulas das Américas, que notadamente apresentam medidas cada vez mais
intensivas de liberalização de mercados, da financeirização, das privatizações, e de redução
dos direitos trabalhistas.
Nos últimos anos, em vários países na América Latina vem sendo implementadas reformas
trabalhistas e previdenciárias aumentando a margem de lucros empresariais. No campo,

138
Com os discursos “movimento sem partido” ou “escola sem partido”, fazem crítica direta à esquerda, ao
chamado marxismo cultural (com o lema “Menos Marx, mais Mises” nas mobilizações de 2013), ao
socialismo, e no caso do Brasil ao Partido dos Trabalhadores. Segundo Baggio (2016), movimentos como o
MBL, são vinculados à uma rede internacional ultraliberal vinculadas ao Think Tank - Atlas Network, antigo
Atlas Economic Research Foudation, que nasce em 1981 propagando concepções da direita ultraliberal.
O Atlas Network tem organizações parceiras na América Latina e no mundo. Entre os países latino-
americanos, os que tem maior número de organizações são: Argentina com 12; Brasil com 11; Chile com 10;
Peru com 8; Costa Rica e México com 5 cada uma; Bolívia, Uruguai e Venezuela com 4 cada uma;
Guatemala, Equador, El Salvador, e República Dominicana com 2 cada uma; Bahamas, Colombia, Honduras,
Jamaica, Panamá e Parguai com uma organização cada. No caso do Brasil as doações para suas “filiais”
excederam a 20 mil dolares entre 2015 e 2016.
No Brasil a Rede Liberdade é uma entidade que reune os think tanks articulando os interesses ultraliberais
dos EUA ao Brasil e aos paises latinoamericanos. Nela, estão também o Movimento Endireita Brasil (MEB)
e o MBL. Informações coletadas no artigo de: BAGGIO, Kátia Gerab. Conexões ultraliberais nas Américas:
o Think tank norte-americano Atlas Network e suas vinculações com organizações latino-americanas. Anais
do XVII Encontro Internacional da ANPHLAC. Campo Grande, MS: ANPHLAC, 2016. Disponível em:
http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/Katia%20Gerab%20Baggio%20_Anais%20do%20
XII%20Encontro%20Internacional%20da%20ANPHLAC.pdf . Acesso em dezembro de 2018.
139
Lawfare: Law (lei), warfare (guerra). Consiste em uso estratégico de processos judiciais visando criar
impedimento político. Combina 3 dimensões: a) geográfica (escolha de jurisdição que melhor desenvolva o
caso a partir do objetivo); b) uso de lei específica para aquela guerra; c) externalidade, com o uso da mídia na
intensão de destruir a imagem pública e antecipar uma sentença junto às massas. Informações disponíveis
em: https://www.youtube.com/watch?v=RZjVCzDda-g&feature=youtu.be e http://lawfareinstitute.com/
Acesso em janeiro de 2019
187
associadas às reformas de códigos florestais e ambientais, empenham um ataque ferrenho às
Terras Indígenas e Comunidades Quilombolas, sob a argumentação de que é preciso avançar
economicamente na exploração dos recursos naturais.
Por outro lado, as contradições dos governos populares e progressitas que engajaram seus
programas numa perspectiva neodesenvolvimentista começavam a agudizar-se,
principalmente no que se refere às populações camponesas indígenas e afrodescendentes. Isso,
porque seus programas de governo, calcados na exploração cada vez mais acentuada da terra,
recursos energéticos e minerários, fazia juz à função da América Latina na economia mundial
desde o processo de colonização – a exportação de bens primários. Na geopolítica e
geoconomia a América Latina manteve-se numa perspectiva de produção para exportação e o
aumento dela poderia desenvolver nacionalmente estes países gerando maior nível econômico
e de consumo das populações. O neodesenvolvimentismo tem esses traços em sua dinâmica.
Exemplos dessas contradições foram: a não efetivação do Plano de Reforma Agrária no
Brasil; e as mobilizações no Equador em março de 2012 aglutinando indígenas, camponeses,
trabalhadores urbanos, professores e estudantes na “Marcha Plurinacional por el Agua, por la
Vida y la Dignidad de los Pueblos del Ecuador” em defesa da Amazônia e pela mudança do
modelo mineiro-extrativista para a construção do Buen Vivir, ou Sumak Kawsay.
Mesmo que estes governos fossem considerados aliados quanto às perspectivas de
transformação dos movimentos antiglobalização, e da própria CLOC-Via Campesina, essas
contradições se intensificavam, limites do próprio caminho traçado. Caminho este, não como
escolha aleatória, mas como parte do que historicamente a classe trabalhadora como um todo
foi capaz de construir.
O Fórum Social Mundial, continou ocorrendo anualmente. Em 2012, 2014 e 2016 ocorrem
em Porto Alegre - Brasil discutindo os temas da Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental,
Democracia e Direitos dos Povos. Em 2013 e 2015 na Tunísia, em 2017 em Montreal no
Canadá, e no ano de 2018 em Salvador (Bahia, Brasil) com o lema “Resistir e criar, resistir é
transformar”.
Em Brasília (Brasil), no mês agosto 2012, depois de 50 anos, ocorre o II Encontro Unitário de
Trabalhadores do Campo, das Águas e Florestas140. Um importante passo na construção da
unidade das lutas e organizações sociais do campo e de fortalecimento da Via Campesina
Brasil.

140
Declaração final do Encontro disponível em:
http://www.reformaagrariaemdados.org.br/sites/default/files/Declara%C3%A7ao_do_Encontro_Nacional_U
nitario_2012.pdf . Acesso em setembro de 2018.
188
No ano seguinte (julho de 2013), realiza-se em Yakarta (Indonésia) a VI Conferência da Via
Campesina Egídio Brunetto141 com a participação de 150 organizações de 70 países
celebrando 20 anos de existência.
Em suas declarações e moções finais142 destacamos seu chamado urgente à unidade entre as
organizações sociais do campo e da cidade “para participar activa, propositiva y
decididamente en la construcción de una nueva sociedad, basada en la soberania alimentaria,
la justicia y la igualdad”. Com a consigna “Outro mundo urgente e necessário”, fazia-se uma
contraposição à situação de destruição do mundo, da superexploração, despossessão dos
povos, e apropriação dos bens naturais, causadores da crise climática e das desigualdades.
Destacamos também seu comprometimento em dar visibilidade às lutas locais em nível
internacional, envolvendo-as no grande movimento pela Soberania Alimentar, mudanças
sociais e autodeterminação dos povos. Nesta perspectiva, as lutas sociais projetadas para os
anos que seguiriam foram: Soberania Alimentar, como eixo central de um projeto de justiça
social; a agricultura camponesa com base na agroecologia; a luta permanente contra as
coorporações transnacionais e suas práticas de exploração; a luta contra formas de
discriminação e violência contra a mulher, promovendo a igualdade entre homens e mulheres;
a luta pela paz, desmilitarização e contra a criminalização da resistência; pela reforma agrária
integral; pelas sementes, água e bens comuns como patrimônio dos povos a serviço da
humanidade; rechaço ao capitalismo e seu agressivo momento de capital financeiro
especulativo em relação à agricultura, à terra e à natureza buscando reiterar-se diante de uma
crise sistêmica.
O trecho abaixo da canção “Cuando Será” do grupo musical Che Sudaka, construída em
homenagem à Via Campesina (2013), destaca o papel da luta camponesa a serviço da
humanidade:

Las manos llenas de tierra armadas con un machete


Alimentan a las familias del político que promete
Del policía que los somete y de todos los que olvidamos […]
¿hasta cuando nuestros hermanos de la tierra perdiendo su nido?
¿hasta cuando los campesinos seguirán en el olvido?
Morirán las semillas y el agua con la mina y el monocultivo
Y en las manos del mal gobierno el alimento de nuestros hijos

141
Nominada Egídio Brunetto em homenagem a histórica liderança do MST que contribuiu com a construção
dessa organização internacional desde seus primeiros passos. Faleceu num acidente de trânsito em 28 de
novembro de 2011. Durante a Conferência da Via Campesina no México em 1996, diante da notícia do
Massacre de Eldorado dos Carajás, Egídio propõe à Conferencia que 17 de abril fosse marcado como Dia
Internacional da Luta Camponesa.
142
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/llamamiento-de-yakarta/ Acesso em setebro
de 2018
189
ay ya yay ¡Cuando será! Que sangre inocente no corra más
ay ya yay ¡Cuando será! Que el poder del pueblo, llegué a reinar
Vendiendo veneno a la humanidad, provocan el cáncer semilla del mal
Veneno transgénico todos están ciegos.
Ciegos de poder destruyen el campo y la tierra también
Como se puede atentar a la vida. Como se puede alterar la comida
Cuida a tus hijos y a tu familia de la destrucción, de los herbicidas
El ser humano colmo la paciencia. Perdió la razón y provoca tristeza
Muchas personas no tienen conciencia y no respetan la naturaleza
Cántalo mi hermano que quede grabado. Estamos viviendo un peligro real
Unámonos todos para no olvidar. Que hay que destruir la semilla del mal.
(Grupo Musical Che Sudaka)143

A declaração final de Yakarta também assinala que uma das maiores fortalezas da Via
Campesina é “crear y mantener unidad en la diversidad” entorno da transformação da
sociedade e proteção da “mãe terra”. E para continuar fortalecendo esses princípios destaca a
importância de continuar com as seguintes ações: mobilizações populares internacionais
articuladas ao compromisso com as bases locais; construção de alianças com organizações
urbanas e das periferias; multiplicar processos de formação política, educação e comunicação
construindo, fortalecendo escolas e a educação das bases; criação de espaços que
potencializem a participação da juventude na organização.
Em abril de 2015 ocorre na Argentina a VI Conferência da CLOC. Junto a ela a V Assembléia
de Mulheres, a IV Assembléia de Jovens e o I Congresito Continental “Somos semillas de
Maíz”.
O Congressito Continental144 foi a primeira experiência da CLOC-VC na construção de um
espaço educativo para a infância, filhos e filhas que acompanharam seus pais na participação
do Congresso Internacional. Procurou desenvolver atividades em que as crianças
reconhecessem inicialmente de onde vem e pudessem compreender outras conjunturas e
contextos sociais. Apatir da questão da terra e da simbologia das sementes de maiz, o espaço
educativo buscou construir bases para a identidade de território.

143
O grupo musical Che Sudaka (argentino-colombiano) dedica a Canção “Cuando Será” a La Via Campesina
em sua luta pela Soberania Alimentar. A canção foi inspirada nas mobilizações realizadas na Colombia no
ano de 2013, o “Paro Nacional Agrário”, que teve a presença de organizações camponesas, mineiros
artesanais, trabalhadores da saúde e da educação, centrais sindicais, estudantes, entre outros. A manifestação
se colocava em crítica ao Tratado de Livre Comércio (TLC) e ao controle das sementes pelas multinacionais.
A repressão às mobilizações levaram a 8 mortes, mais de 400 feridos. O videoclip da canção foi produzido
por 4K Audiovisual SAS (Colombia), e dirigido por Jeffersn Monroy. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=JwB0PXM8NMg Acesso em janeiro de 2019
144
CLOC. I Congresito. CLOC on-line: 10 de abril de 2015. Disponível em: http://www.cloc-
viacampesina.net/congresos/i-congresito Acesso em setembro de 2018.
190
A Assembléia da Juventude145 destacou entre seus compromissos: a construção do
internacionalismo avançando nas articulações e lutas unitárias entre os jovens do campo e da
cidade; fortalecer a implementação da agroeocologia como base da Soberania Alimentar;
apropriar-se de espaços de formação política e técnica; fortalecer mecanismos de
comunicação dentro de suas organizações e para fora delas; e, impulsionar uma campanha
contra a violência do capital junto à juventude que inclui o extermínio, a violência de gênero e
a opressão contra a diversidade. Assim, a construção de acampamentos regionais e
continentais da juventude da CLOC foi destacada como espaço político pedagógico para
fortalecer e fomentar esses compromissos. O dia 8 de outubro, em homenagem a Ernesto Che
Guevara, é reafirmado como o Dia de Luta Continental da Juventude.
A Assembléia de Mulheres146 declara que “sem o feminismo não é possível construir o
socialismo” e que, portanto os dois fazem parte do horizonte estratégico de transformação.
Tendo em vista as várias concepções de feminismo, as mulheres indígenas, camponesas e
afordescendentes afirmam que sua perspectiva se trata de um “feminismo campesino y
popular”, insubmisso, socialista e que “cuestiona las concepciones patriarcales y burguesas
que son funcionales a las políticas de explotación”. Neste sentido o feminismo construído na
CLOC-VC está estreitamente vinculado a processos político-organizativos que possibilitem e
incentivem a participação da mulher, bem como a sua formação política, e, às lutas concretas
que vão contribuindo com as mudanças necessárias para a classe trabalhadora, e, em
particular para as mulheres.
O congresso se pronuncia em solidariedade aos trabalhadores atingidos pelo Massacre de
Marina Kue em Curuguaty147 que ocorrera em junho de 2012 diante da recuperação de terras
reconhecidas pelo Estado como usurpadas por empresas. Também se pronuncia em
solidariedade à criminalização das lutas camponesas na Colômbia, constantemente ameaçadas

145
Documento completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/iv-asamblea-de-jovenes
Acesso em setembro de 2018.
146
Documento completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/congresos/v-asamblea-de-mujeres
Acesso em setembro de 2018.
147
Curuguaty é um distrito do Paraguai. O Massacre que ocorre em junho de 2012, onde 17 pessoas perderam a
vida, sendo destes 11 camponeses e 6 policiais. Ocorre devido a uma tentativa de reitengração de posse de
terra pública que era destinada à Reforma Agrária. A operação envolveu 324 politicias e tropas de elite
treinadas pelo exército dos EUA contra 60 trabalhadores sem terra, entre mulheres e crianças. Os
negociadores de ambos os lados foram vítimas de franco-atiradores com tiros na cabeça, o que levou ao
confronto. ¡Marina kue, pueblo mba'e!¡ Um caso que derivou o julgamente político do então presidente da
república, legitimando um golpe de estado jurídico-parlamentar. (SEVERO, Leonardo. Wexell. 5 anos de
massacre de Curuguaty: paraguaios exigem libertação de preseos políticos. In: Brasil de Fato on-line: 9 de
junho de 2017. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/06/09/5-anos-do-massacre-de-
curuguaty-paraguaios-exigem-libertacao-dos-presos-politicos/ . Acesso em setembro de 2018)
191
pelo agronegócio e mega-projetos de mineração através de assassiantos por grupos
paramilitares.
Em sua Declaração Final148, com o lema “Contra o Capitalismo, pela Soberania de Nuestros
Pueblos, América Unida sigue em Lucha”, a CLOC reafirma ser uma “expressão organizada
de camponeses e camponesas, povos originários, afrodescendentes, assalariados e assalariados
do agro”, e que unindo experiências de luta constroem “propostas organizativas e
programáticas”, entendendo que a questão agrária é de responsabilidade de toda a sociedade, e
“como tal deve ser abordada dentro de uma estratégia de poder alternativo e popular”.
Destaca também que as ofensivas do capital para impedir os governos populares e
progressitas no continente e eliminar os povos que lutam são fundadas em estratégias
desestabilizadoras e golpistas usando-se da aliança empresário-midiático com o capital
financeiro, além de fomentar e conspirar guerras. Ao passo, reconhece as iniciativas de
integração latino-americana ALBA, UNASUR, CELAC e o MERCOSUR, como parte do
confronto contra o imperialismo.
O documento levanta a bandeira do Feminismo Camponês e Popular como parte do
“horizonte estratégico de transformação socialista”, rechazando toda a forma de discriminação
patriarcal, racista, sexista e homofóbica, ao mesmo tempo em que se compromete com o
fortalecimento da participação da juventude nas organizações sociais nacionais.
A bandeira da reforma agrária integral e popular baseada na agricultura camponesa e indígena
com base agroecológica é apontada como parte fundamental do caminho para a Soberania
Alimentar e “enfriamiento del planeta”, carregando o potencial de combater a crise climática,
alimentária e energética. Para tanto, é fundamental o reconhecimento da função social da
terra, da água e das sementes, contrapondo-se ao agronegócio que se funda nas grandes
corporações e capital financeiro, nos monocultivos transgênicos, no uso massivo de
agrotóxico, nos projetos estrativistas e de mega-mineração, acarretando na expulsão de
populações camponesas e indígenas.
A declaração anuncia que o I Congresito carregou uma mensagem de cuidado com a “mãe
terra” e de paz, e, que o vigor da força da juventude destacou importantes ferramentas para
fortalecer as mudanças necessárias. Entre estas ferramentas, destacaram-se a formação,
educação, a comunicação, que intrinscicamente vinculados às mobilizações de massas podem
fortalecer as alianças necessárias com os diversos setores da classe trabalhadora. A declaração
também anuncia o socialismo “como el único sistema capaz de alcanzar la soberanía de

148
Documento completo disponível em: http://cptalagoas.blogspot.com/2015/04/declaracao-final-do-vi-
congreso-da-cloc.html Acesso em dezembro de 2018.
192
nuestras naciones, resaltando los valores de la solidaridad, el internacionalismo y la
cooperación entre nuestros pueblos”.
Assim, o VI Congresso da CLOC-VC termina com uma marcha nas ruas de Buenas Aires
aglutinando cerca de 1200 camponeses de movimentos de distintos países somados às
organizações camponesa-indígenas da Argentina – um total de cerca de 3000 pessoas em
mobilização no Dia Internacional da Luta Camponesa, 17 de abril.
No ano de 2016 a repressão e as múltiplas formas de criminalização das lutas sociais e de
projetos populares intensificam-se. Destacamos entre tantas, o assassinato de Berta Cárceres
em Honduras, a invasão à Escola Nacional Florestan Fernandes149 pela polícia, e como
mencionado anteriormente, a concretização do impeachment de Dilma Roussef.
Berta Isabel Cárceres Flores, assassinada em 2 de março de 2016, era coordenadora do
Conselho de Populares e Organizações Indígenas de Honduras (COPINH)150, e conduzia
campanhas e lutas contra a construção de uma série de barragens no Rio Gualcarque que se
efetivava sem a consulta da população local. Assassinada em sua casa depois de várias
ameaças contra sua vida, seu nome fazia parte de uma lista de pessoas ameaçadas durante o
Golpe de Estado Hondurenho de 2009. Berta deveria estar sobre “medidas de precaução” que
haviam sido recomendadas pela Comissão Internamericana de Direitos Humanos, em defesa
de sua vida. O ambientalista Gustavo Castro Soto, que estava em sua casa no momento, foi
ferido com tiros no rosto e na mão. O crime dava sequência a uma série de homicídios de
defensores ambientais no ano de 2014 naquele país.
Berta, além de incansável lutadora dos povos indígenas e pela natureza como bem comum,
também fazia uma série de denúncias da participação estadunidense no Golpe de 2009.
Somente em setembro de 2018, os acusados de seu assassinato vão a julgamento151. Entre os
acusados encontram-se pistoleiros, militares, e, representantes da Empresa Hondurenha
“Desarrollos Energéticos S.A.” (DESA) criada em 2008, responsável pelo Projeto

149
A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) é uma escola de formação de quadros do MST que realiza
cursos e atividades de formação política nacional e internacional. A reportagem a respeito da situação de
repressão encontra-se em: CLOC. Brasil: El MST demanda más Reforma Agraria y el fin de la
criminalización del movimiento. CLOC-Via Campesina. CLOC on-line: 7 de novembro de 2016.
Disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/noticias/brasil-el-mst-demanda-mas-reforma-agraria-y-el-
fin-de-la-criminalizacion-del-movimiento Acesso em dezembro e 2018.
150
Organização social que nasce entre 1992 e 1993 inicialmente como organização que defenderia florestas , e
que toma corpo com a manifestão de comunidades indígenas, assumindo a discussão de como o capitalismo e
o racismo marginalizam as comunidades indígenas expropriando seus territórios. A COPINH não participa da
CLOC-VC.
151
MANÇANO, Luiza; FERNANDES, Vivian (trad.). Após 2 anos do assassinato de Berta Cárceres, acusados
vão a julgamento. Brasil de Fato. Brsil de Fato on-line: 10 de setembro de 2018. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2018/09/10/apos-2-anos-do-assassinato-de-berta-caceres-acusados-vao-a-
julgamento/ . Acesso em setembro de 2018.
193
Hidrelétrico Agua Zarca. A empresa possui concessões de territórios indígenas por seu
vínculo com governantes que aprovaram medidas legislativas em benefício da mesma.
Em julho de 2017 ocorre a VII Conferência Internacional da Via Campesina. Realizada e
Dério (Euskal Herria), País Basco, Europa. Teve a presença de 298 delegados e delegadas de
78 países, dos quais 103 eram jovens e 156 mulheres. Participaram 72 organizações aliadas, e
mais de 450 voluntários locais numa Conferência onde se falou 19 línguas distintas. Com o
lema “Alimentamos nuestros pueblos y construimos movimiento para cambiar el mundo!”, o
encontro terminou numa marcha com cerca de 1500 pessoas. (LA VIA CAMPESINA, 2017,
p.2).
Segundo dados publicados num folheto informativo da Via Campesina-Europa152, este grande
território é marcado pela existência de 25 milhões de pessoas que trabalham no setor agrário,
das quais a maioria é pequeno agricultor. Entretanto, as políticas públicas para o campo
benefeciam as grandes exportações industriais, fazendo com que os camponeses vão
desaparecendo e a terra se concentrando cada vez mais. Diante destas políticas agrícolas os
mais prejudicados são os assalariados, jovens, migrantes e mulheres.
O folheto informativo ainda destaca que na União Européia, quase 500 mil empregos
temporários são para migrantes. No caso da Espanha, cerca de 80%, e na Alemanha 90%. A
maioria dos migrantes é oriunda da Europa central e oriental, norte da África e América
Latina. O trabalho temporário destes migrantes é uma tendência que dificulta a construção de
alianças com os camponeses.
Um informe publicado pela Via Campesina (2017) retrata alguns dos temas discutidos durante
a conferência. São eles: agroecologia e sementes; feminismo camponês e popular; terra, água,
territórios e reforma agrária; justiça climática e ambiental; trabalhadores migrantes e
assalariados; políticas públicas; direitos camponeses e solidariedade.
Quanto ao processo organizativo foi definido novo comitê coordenador internacional que
seguirá com suas funções até o ano de 2021, período esperado para nova Conferência.
Também houve a proposição da juventude da VC em participar com representantes na CCI, a
qual segue avaliando a proposição.
A Conferência também organizou grupos de trabalho para discutir e construir propostas sobre
os temas da formação, da comunicação, das alianças e da inserção de novos membros. A
síntese destes debates foi encaminhada às comissões de trabalho que estariam aprofundando
os debates e encaminhamentos após a conferência.

152
Disponível em: https://viacampesina.org/es/wp-content/uploads/sites/3/2017/07/ECVC_ES_10-datos-sobre-
la-agricultura-campesina-en-Europa.pdf . Acesso em setembro de 2018.
194
Sobre os aspectos da formação, destacou-se a necessidade de continuar fortalecendo as
iniciativas autônomas, embora fossem fundamentais as parcerias com instituições acadêmicas.
Destacou-se também a importância do método “Campesino a Campesino” para a
democratização de processos educativos nas bases dos movimentos, assim como a
necessidade de vínculo orgânico dos participantes indicados para as escolas e cursos em
andamento. Como parte dos princípios dos processos formativos indicou-se que a política de
formação da VC deveria levar em conta: a importância de serem massivos; a necessidade de
atingir mulheres e jovens; a busca de articular metodologias de aprendizagem calcadas na
experiência concreta organizativa e dos temas que dela emergem; a realização de
intercâmbios, ações diretas e lutas populares.
Em relação à comunicação, destacou-se como perspectivas construir uma comunicação direta
com as organizações sociais e suas estruturas populares de base, seja através de rádio, meios
audiovisuais, ou teatro popular, combatendo o monopólio da informação, do conhecimento e
da terra.
Sobre as alianças o informe da VII Conferência da Via Campesina (2017) aponta que, sendo
estratégicas ou táticas devem, sobretudo, ser guiadas pelo princípio do fortalecimento da
organização assegurando o respeito a sua autonomia e não a levando à alienação. Essas
alianças devem ser espaços que possam fortalecer local, regional e internacionalmente as lutas
camponesas. Indica-se ainda que as alianças estratégicas devem ser reafirmadas com as
classes trabalhadoras (do campo e das cidades) e movimentos sociais, inclusive os feministas,
de pescadores e grupos ecologistas. Sobre as alianças com instituições acadêmicas, indica-se
que devem superar as posturas nas quais os movimentos são simples objetos de estudo.
A VII Conferência também foi marcada pela sua expansão territorial com a inserção de 29
novas organizações membras, atingindo um total de 182 distribuídas em 81 países. Uma nova
região se estabelece no processo organizativo, a MENA (Middle Est and North Africa), com
organizações da Palestina, Tunísia, Marrocos, Argélia e Egito.
A Declaração Final de Euskal Herria153 destacou que os participantes da conferência
(camponeses, trabalhadores rurais, sem terra, povos indígenas, pastoralistas, pescadores
artesanais, mulheres camponesas e outros povos que trabalham no campo) constataram que as
megafusões concentram e dominam cada vez mais o sistema alimentar, e que algo novo
destaca-se no neoliberalismo - os discursos de ódio (étnico, religioso e migratório) articulados
à concentração de riqueza. Uma violência sem tamanho em relação aos direitos humanos, com

153
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/vii-conferencia-internacional-la-via-
campesina-declaracion-euskal-herria/ . Acesso em setembro de 2018.
195
militantes assassinados, presos, ameaçados e torturados em todo o mundo. Junto às formas de
exploração, acaparamiento e privatização dos bens comuns, cada vez mais bombardeios,
ocupações militares e medidas econômicas genocidas.
A declaração afirma que o sistema capitalista e patriarcal não é capaz de reverter a crise em
que vive a humanidade e seguirá destruindo o planeta. Neste sentido, a Via Campesina ratifica
sua luta pela Soberania Alimentar baseada numa produção camponesa agroecológica, na
recuperação e conservação das variedades de sementes como parte do conhecimento ancestral
e popular historicamente acumulado por gerações de campesinos e indígenas, ao mesmo
tempo em que rechaza qualquer forma de cooptação da agroecologia pelo agronegócio.
Também afirma de maneira contundente que a construção do movimento internacional
enfrenta grandes desafios. Entre eles, a luta de massas como coração da organização, e, o
trabalho de base que fortalece e integra outros trabalhadores do campo, camponeses,
indígenas, imigrantes, enfim, afetados pelo sistema agro-hidro-extrativista.
A declaração final aponta que frente à barbárie deste sistema é urgente construir outro futuro
para a humanidade, um mundo fraterno e solidário entre os povos. Como Via Campesina, sua
luta pela transformação e pela paz no mundo encontra-se especialmente na luta pela Soberania
Alimentar.
Somado a esta declaração, a V Assembléia de Mulheres 154 ratifica seu compromisso para a
construção da resistência no campo a partir de sua participação plena nas organizações
sociais, nos processos políticos e decisivos, bem como na batalha diária contra todas as
formas de violência estrutural contra a mulher. Identifica como desafio a busca do
reconhecimento do trabalho da mulher, propondo a organização coletiva do trabalho cotidiano
de reprodução da vida (o trabalho doméstico) como condição material da participação política
plena da mulher.
Estabelece a construção do Feminismo Camponês e Popular (que surge da identidade
camponesa, popular, e, da diversidade cultural) como um aporte fundamental às organizações
sociais que participam da Via Campesina numa perspectiva de emancipação social de homens
e mulheres. Uma construção que surge das ações e reflexões contra o capital e o patriarcado,
um feminismo transformador, insubmisso e solidário com as lutas de todas as mulheres e
povos.

154
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracion-politica-v-asamblea-de-
mujeres-de-la-via-campesina/ Acesso em dezembro de 2018.
196
A VII Conferência da Via Campesina é também marcada pelo primeiro debate interno sobre o
tema da diversidade de gênero e orientação sexual no movimento155. Este debate ocorreu de
maneira auto-gestionada num espaço informal durante a Conferência. Cerca de 50 pessoas,
membros da Via Campesina e de organizações aliadas, discutiram e construíram propostas
para que este debate pudesse se expandir e enraizar no movimento camponês internacional na
perspectiva de construir uma posição política em apoio aos integrantes LGBTIs. A própria
Declaração Final de Euskal Herria afirma seu compromisso em criar ambientes que
favoreçam a compreensão da identidade de gênero.
A IV Assembléia da Juventude156 enfatiza que seus desafios para o próximo período giram em
torno da: luta pela democratização em seus países; em consolidar sua participação nos
processos políticos e tomada de decisões dentro de suas organizações construindo e
desenvolvendo a capacidade de liderança; e, em trabalhar para reduzir as diferenças entre a
juventude rural e urbana, pois “los retos a los que nos enfrentamos, aunque puedan parecer
diferentes, son el resultado de las mismas fuerzas opresoras del capital global y de poder”.
Em 17 de dezembro de 2018, a Via Campesina conquista um importante passo diante de suas
perspectivas. É aprovada a “Declaração sobre os Direitos Campesinos” na seção 73 da
Assembléia Geral das Nações Unidas em Nova York, com 121 votos a favor, 8 votos contra, e
52 abstenções - fórum representado por 193 estados membros. É considerada uma vitoria pelo
movimento campesino internacional depois de um largo processo de 17 anos de lutas e
debates. Abaixo, citamos trecho do depoimento de uma dirigente da Via Campesina na África
sobre a importância deste documento:

Esta declaración es una herramienta importante que debe garantizar y ayudar a


realizar los derechos de los campesinos y otros trabajadores en las zonas
rurales. Instamos a todos los estados a implementar la declaración
con escrupulosidad y transparencia, garantizando a los campesinos y comunidades
rurales el aceso y control sobre la tierra, semillas campesinas, el agua y otros
recursos naturales. Como campesinos necesitamos la protección y el respeto
por nuestros valores y nuestro papel en la sociedad para lograr la soberanía
alimentaria. (Declaração de Elizabeth Mpofu do Zimbabue) 157.

155
A equipe de comunicação da Via Campesina realiza uma reportagem sobre este debate. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/campesinxs-la-via-campesina-inician-debate-la-diversidad-genero-orientacion-
sexual-movimiento/ Acesso em dezembro de 2018.
156
Documento completo disponível em: https://viacampesina.org/es/declaracion-politica-iv-asamblea-juventud/
cesso em dezembro de 2018.
157
Representante da Coordenação Geral da Via Campesina na reportagem: LA VIA CAMPESINA. Histórica
victoria campesina: La Asamblea General de la ONU adopta la Declaración sobre los Derechos Campesinos,
ahora el foco está en su implementación. La Via Campesina. Publicação On-line: 18 de dezembro de 2018.
Disponível em: https://viacampesina.org/es/historica-victoria-campesina-la-asamblea-general-de-la-onu-
adopta-la-declaracion-sobre-los-derechos-campesinos-ahora-el-foco-esta-en-su-
implementacion/?fbclid=IwAR3DWJq1yABJRpF7F4oHacTmMIixfPmFADboo_7MghubsNT07Q6jatGtvR
Y . Acesso em dezembro de 2018.
197
Para o movimento camponês internacional, a aprovação da Declaração deverá contribuir na
mobilização e luta política contra a violência aos direitos camponeses através do despejo
forçado, do acaparamiento de terras, da discriminação de gênero, da falta de proteção social,
e da criminalização dos movimentos sociais do campo. Condições estas que são citadas no
documento básico que impulsionou a discussão dos direitos camponeses. Abaixo, um trecho
do documento:

Millones de campesinas y campesinos han sido forzados a abandonar sus tierras de


cultivo debido a usurpaciones de tierra propiciadas por políticas nacionales o por
fuerzas militares. Se quita la tierra al campesinado para el desarrollo de industrias,
minas o grandes proyectos de infraestructuras, centros turísticos, zonas económicas
especiales, supermercados, plantaciones para cultivos comerciales…. El resultado es
que la tierra se concentra cada vez más en unas pocas manos. (LA VIA
CAMPESINA, 2009, p. 2)

O acirramento dos conflitos no campo nos últimos anos é evidente nas declarações das
Conferências da Via Campesina Internacional e Congressos da CLOC. É também envidente a
construção cada vez mais sistematizada e coletiva da análise da realidade no campo, de suas
linhas estratégicas e suas ações políticas.
Guardadas as distintas particularidades do desenvolvimento do capital e da luta de classes em
cada região, é importante considerar que a postura da CLOC como articulação regional da Via
Campesina frente ao horizonte estratégico tem uma postura mais contudente em relação a que
tipo de transformação se pretende realizar diante do cenário de crise estrutural do capitalismo.
A perspectiva socialista é desde os primeiros momentos de seu nascimento bastante forte,
enquanto no movimento mundial de camponeses não há menções em relação a esta
perspectiva. Há sim, de uma transformação social antiglobalização neoliberal, e
principalmente nas últimas conferências, a análise de que o sistema capitalista não é capaz de
resolver as diferentes expressões da crise. Mas, como parte das definições coletivas, os
documentos e declarações retratam somente o que se torna consenso dentre as organizações
que participam deste movimento internacional.
É fato então que a perspectiva socialista não é consenso em nível mundial, muito embora se
perceba de maneira contundente como horizonte de muitas das organizações que dela fazem
parte, em especial a CLOC e organizações da África.

Enfim, neste breve inventário da CLOC e da Via Campesina, buscamos trazer presente sua
trajetória inserida na dinâmica internacional, especialmente a do Continente.
198
Por um lado percebemos que a Cúpula das Américas em grande medida foi um espaço de
articulação política e econômica do neoliberalismo, impulsionando no continente diferentes
ações que aparentavam pontuais e isoladas, mas que orquestradas, implantavam a passos
largos as condições de sua existência. Inclusive na relutância frente ao ascenso dos governos
populares e progressitas, e, de organismos internacionais de cooperação entre esses países.
Por outro lado, uma dinâmica intensa de resistência à globalização neoliberal passou por
mobilizações mundiais confrontando os organismos representantes do capital monopolista
(FMI, OMC, entre outros); por campanhas e fóruns que provocaram debates, instigaram
análises e carregavam a perspectiva de mudança além de propagandear os limites e
conseqüências desse sistema; pelo surgimento de movimentos sociais e articulações
internacionais; pela luta institucional expressando-se na consolidação de governos populares e
progressitas; pela articulação latino-americana desses governos em organismos internacionais
de cooperação e desenvolvimento como o caso da ALBA, UNASUR, e CELAC.
As ações, decisões e caminhos percorridos pela CLOC-VC fizeram parte da dinâmica da luta
de classes neste período. Neste capítulo detalhamos suas interpretações, linhas políticas, suas
formulações e ações realizadas a cada momento histórico, a cada grande ciclo perfilado pela
incidência de características conjunturais comuns: do nascimento do Movimento Camponês
Internacional; Globalizando a luta e a esperança de outro mundo possível e necessário; e o
Movimento Camponês na intensificação da crise capitalista. Para melhor visualização desta
trajetória, segue em anexo uma linha do tempo dos Congressos da CLOC, Conferências da
Via Campesina, Assembléias de Mulheres e da Juventude (Anexo 07), onde se busca retratar
a totalidade destas ações até o momento.
É fato, no entanto, que um novo ciclo se avizinha para o movimento camponês internacional.
O acirramento da crise estrutural do capitalismo, uma crise que se retroalimenta na busca de
novas fontes de mercadoria e em formas mais gritantes de expropriação dos povos do campo
para a continuidade da acumulação capitalista, toma um patamar abertamente mais violento e
militarizado, onde a criminalização das lutas sociais, o assassinato aberto, a prisão de
lideranças e a morte massiva por meio de desastres sócio-ambientais (especialmente na
mineração) vem acompanhada de discursos de ódio quanto às diferenças étnicas, raciais, de
gênero e classe.
A conjuntura tempestuosa na política e na economia empurra este movimento camponês
internacional para novos desafios quanto à interpretação do tempo histórico, quanto à forma
da organização, e quanto ao seu papel na dinâmica geral da luta de classes.

199
Um cenário que exige analisar para além dos logros e avanços conquistados, qual seria o
papel histórico da Via Campesina na luta de classes em nível mundial. Quais os principais
desafios que necessita superar para seguir avançando? E, o que a luta de resistência
antiglobalização neoliberal tem a dizer para este tempo?
Essas perguntas nos remetem a necessidade de sistematizar as principais lições de sua
trajetória, um breve balanço histórico político de sua caminhada, parte dela realizada pela
própria organização, parte como questões levantadas pela autora. Uma caminhada imersa na
práxis histórica da luta da classe trabalhadora.

200
CAPÍTULO 04
BALANÇO HISTÓRICO DA CLOC-VC:
CONSCIÊNCIA DE CLASSE e ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

A CLOC-VC nasce num contexto de incidência de políticas neoliberais que buscavam


resolver uma crise capitalista que se arrastava desde a década de 1970. Situa-se como
resistência a estas políticas articulando-se ao movimento mundial antiglobalização neoliberal
que se expressou de diversas formas na década de 1990 e início do século XXI. Entre os
movimentos e lutas nestes marcos, podemos citar a Ação Global dos Povos (1998), a Batalha
de Seatle (1999), o Fórum Social Mundial (2001), o Exército Zapatista de Libertação
Nacional (1994), e a Marcha Mundial de Mulheres (2000).
Diante das conseqüências destas políticas neoliberais, da insatisfação popular e da
abrangência da denúncia destes movimentos, a partir dos anos 2000 na América Latina ocorre
uma onda de eleição de governos populares e progressistas que buscaram desde a
institucionalidade do Estado construir alternativas para redução da pobreza, e distribuição de
renda. Alguns deles numa perspectiva de construção das bases de uma sociedade socialista,
outros não.
Neste contexto turbulento, a CLOC-VC nasce e se solidifica. Com suas lutas em torno da
soberania alimentar, terra, reforma agrária integral e popular, da agroecologia, da
biodiversidade, e dos direitos campesinos, buscou construir alianças entre campo e cidade nas
lutas antiglobalização neoliberal, e com os governos progressistas que despontaram em
especial na America Latina, mas também em outros continentes. Fez o enfrentamento direto a
organismos internacionais do capital como a OMC, FMI, BM e buscou estabelecer relações
de diálogo com a FAO e a ONU.
Recentemente, a retomada de governos conservadores numa perspectiva ultraneoliberal e uma
crescente debilidade do movimento mundial antiglobalização demarcam um novo momento
histórico. A dificuldade destas ações mundiais antiglobalização (Ação Global dos Povos e
Fórum Social Mundial) em construir alternativas mais contundentes ao sistema, provocou
certa dispersão dos movimentos e organizações que a compunham.

201
Na dispersão desta movimentação mundial, permaneceram articulações setoriais específicas
como, por exemplo, o EZLN, a CLOC-Via Campesina e a Marcha Mundial de Mulheres, que
se fortaleceram organicamente e mantiveram suas pautas dinamizadas nas lutas cotidianas.
Neste sentido, evidentemente a CLOC-VC ao consolidar-se como um movimento social
internacional que articula os diversos sujeitos coletivos do campo atingidos pelas mais
variadas formas de desenvolvimento do capital no campo, cumpre um papel fundamental na
luta de classes como um todo. Sua trajetória até então, repleta de discussões, debates,
conflitos internos, experiências de cooperação e formação política, de brigadas
internacionalistas de solidariedade, de organização social, e do levante de bandeiras
consideradas estratégicas como a Soberania Alimentar, a Agroecologia e o Feminismo
Camponês e Popular, buscou consolidar as lutas políticas e econômicas de seu tempo numa
perspectiva de transformação societária. Desde o campo, pautou junto à sociedade temas que
questionavam a dinâmica do desenvolvimento do capital globalizado neoliberal e suas
conseqüências para a humanidade, mesmo que de maneira circunscrita à particularidade de
suas lutas.
Na atualidade, diante da arrebatadora aproximação de um novo ciclo ainda mais brutal de
desenvolvimento capitalista, novos desafios ainda mais intensos envolvem a CLOC-VC no
conjunto da luta de classes. Um tempo histórico que exige, conforme mencionado
anteriormente, uma transformação estrutural da forma societária em que vivemos. Um
momento onde a trajetória da humanidade encontra-se diante de uma encruzilhada que conduz
a muitos caminhos, em sua maioria fantasiando soluções rápidas para problemas pontuais,
mas que em sua centralidade o que está em jogo é o mergulho ou não na barbárie e na
destruição planetária.
Uma transformação como esta, exige para além das condições objetivas de sua mutação e
dimensões que talvez ainda não estejam visíveis aos olhos dos que lutam, as certeiras
condições subjetivas que possam conduzir para o rumo da emancipação humana.
Previamente, considerávamos que entre as condições subjetivas, a organização política e a
consciência de classe são chaves históricas.
Portanto, buscaremos refletir nesse capítulo sobre as principais contribuições da CLOC-VC
na luta de classes e de seus desafios mais intensos neste período histórico.
Preliminarmente, é importante relembrar que esse estudo iniciou considerando a possibilidade
de que Via Campesina Internacional pudesse em sua práxis política assumir um papel de
intelectual coletivo. Como conceito gramsciano, intelectual coletivo refere-se a um
instrumento político-organizativo que possa conduzir a superação de todo e qualquer
202
corporativismo, imediatismo e espontaneísmo na luta política. Que possa provocar as
necessárias catarses no processo de consciência, impulsionando um salto da consciência
social (consciência em si) que se caracteriza materialmente na luta por direitos e pelas “pautas
democráticas” (dentro da ordem), para a consciência de classe revolucionária (consciência
para si) buscando a superação da ordem do capital.
Assim, o intelectual coletivo carrega consigo um projeto político de transformação societária
para além dos interesses corporativos, que na dinâmica da luta de classes e das elaborações
teóricas constrói transformações de caráter revolucionário. O intelectual coletivo é para
Gramsci (1976; 1987) o partido político, mas não qualquer partido. Em suas análises, o
partido que continha todas as condições de caracterizar-se como intelectual coletivo naquele
momento histórico, era o comunista.
A hipótese inicial, em gérmen, de que a Via Campesina poderia ser considerada um
intelectual coletivo a partir da característica internacionalista, da forma organizativa, da
importância dada à formação política de seus integrantes, e de algumas de suas pautas que
superariam sua condição corporativa, foi provocada constantemente no que se refere às
condições objetivas e subjetivas para a superação da classe e consciência de classe em si –
que é em síntese pano de fundo da questão.
Entre estas provocações, a de que a consciência social (classe em si), não se supera nela
mesma, ainda que sua amplitude seja em escala de organização internacional. A superação de
uma consciência de classe particular (camponesa) exige uma relação orgânica com outras
classes trabalhadoras em particular, especialmente o proletariado urbano. Mas aqui é
importante considerar que essa relação deve superar uma política de alianças apenas entre
movimentos populares sindicais (sejam urbanos ou do campo), muito embora seja ela o
caminho mais concreto. Tampouco se refere à consolidação de alianças formais entre
movimentos populares e partidos políticos. Trata-se de neste momento de construir algo novo
rumo à perspectiva da emancipação humana.
A consciência social pode dar passos significativos numa política de alianças entre
movimentos populares sindicais na medida em que constrói, sob tensões e lutas, suas pautas
comuns. Provoca de maneira mais concreta uma identificação entre os diversos segmentos da
classe trabalhadora na medida em que estas vão se posicionando e aprendendo coletivamente
a respeito do “inimigo”, sobre as embaçadas relações do Estado Capitalista, e sobre os limites
dos direitos humanos nesta sociedade. Entretanto, esses processos catárticos entre as classes
em particular podem permanecer fragmentados se não vinculados a um projeto mais amplo

203
que suas próprias pautas corporativas, permanecendo assim na estreita luta pela emancipação
política.
Quanto às alianças entre movimentos populares de caráter sindical e partidos políticos,
tensões de outro caráter podem ocorrer, especialmente no que diz respeito aos ensejos
particulares das bases e o projeto político macro. A consciência coletiva expressa em
movimentos populares tem especificidades e emergências distintas da consciência coletiva
expressa na forma organizativa partido. Resolver estas tensões exige uma prática política
imbricando constantemente a necessidade coletiva imediata num patamar mais amplo da luta
política, ao passo que os objetivos estratégicos da classe traballhadora como um todo possam
incorporar as particularidades de cada luta identitária consolidada.
É importante também considerar que a estratégia assumida pelo instrumento partidário conduz
de certo modo o rumo da luta de massas e a articulação de suas lutas particulares. E que
muitas das vezes a dimensão estratégica extrapola o instrumento partidário, e representa na
verdade a consciência política de uma época. Tema que buscaremos tatear mais adiante.
Outra provocação a respeito da superação da consciência social e da classe em si diz respeito
à dimensão territorial da organização. A superação da particularidade da consciência social
não se refere somente aos limites de uma localidade ou país, como no caso das lutas
internacionalistas, mas também a superação da dicotomia campo e cidade. O risco de
comensurar que as transformações sociais neste momento da historia se dêem no nível do
território particular, onde apenas construindo resistência particular conseguir-se-ia superar o
modo de produção capitalista, pode incorrer num limite. As lutas particulares atuam sim em
resistência, mas ainda subsumidas à lógica geral do capital. Há, portanto uma relação
intrínseca entre território particular e totalidade do território. E embora as lutas se efetivem
exatamente nas localidades elas precisam coexistir entre pautas particulares e as pautas
universais.
Subescrevemos que aqui também entra em jogo a existência da humanidade co-habitando
com outras espécies de vida no planeta. A “dominação” da natureza pelo ser humano, assim
como a “dominação” de outro ser humano pelo ser humano foi marca na história das
sociedades. A superação dessa dinâmica é urgente, estabelecendo outras formas de relação
para a existência.
A forma territorial da organização, em suas diferentes dimensões e escalas (localidade-
totalidade) poderia assim ser um caminho de superação dessas e de outras dicotomias na
construção de um novo tipo de sociedade, como por exemplo, a aliança operário-camponesa.
A luta de classes na atualidade indica que são territórios que estão em jogo, assim como as
204
relações de trabalho que o produzem. É territorialmente que o capitalismo se instala, e é pelas
relações de trabalho que o capitalismo se organiza e reorganiza constantemente. Neste caso a
dimensão territorial da luta de classes é um forte componente no que diz respeito à
transformação societária, e a superação da consciência em si.
Ao afirmarmos que consciência de classe em si não pode superar-se nela mesmo, e que as
alianças são importantes caminhos, e que a dinâmica territorial tem potencialidade em
convergir as diferentes classes trabalhadoras em defesa de seus direitos e da própria natureza.
Ainda assim, se não estiver vinculado a um projeto político que aponte o rumo das
transformações societárias em sua totalidade as forças impulsivas das mudanças estariam
travadas.
Historicamente, a classe operária é considerada o sujeito que converge todas as condições de
ser o agente revolucionário de uma transformação radicalizada, pois este se encontra no “olho
do furacão” da forma capitalista de produção. Aqui podemos levar em conta também os
assalariados agrícolas que desprovidos de todos os meios de produção, tem em sua força de
trabalho a única possibilidade de produzir a sua existência proletária. Mas a forma degradante
da exploração articulada a políticas estatais que buscaram conter o gérmen revolucionário
dessa classe foram desgastando-a ao longo dos últimos anos. Sua força organizativa neste
tempo histórico encontra-se em descenso, assim como as grandes mobilizações de massa, que
vez ou outra reaparecem, mas no momento seguinte pulsam inversamente. Aqui se encontra
uma importante questão.
Se a possibilidade da superação da classe e da consciência em si da organização camponesa
está fora de si mesmo, e se o caminho poderia ser na relação com o sujeito revolucionário
construindo uma transformação estrutural, e se esse sujeito revolucionário da história
encontra-se num refluxo de sua movimentação, quais caminhos poderiam indicar
objetivamente um rumo para a classe e consciência de classe para si?
A organização política em sua dinâmica interna e seu método, embora uma mediação
fundamental, não é responsável imediato pela superação de uma classe em si mesmo, pois a
superação da consciência de classe e si não se encontra no próprio instrumento. Nem mesmo
na formação política de maneira contínua, muito embora seja também uma mediação fundante
para seu avanço. A articulação entre organização e processos de formação política dinamiza a
luta de classes objetiva e subjetivamente, mas sua vida latente encontra-se justamente nos
enfrentamentos realizados (em todas suas dimensões) entre a forma das relações de produção
e a forma das forças produtivas. É somente na dinâmica desta práxis que as duas mediações
que acima mencionamos efetuam um papel similar ao de um intelectual orgânico, mas de
205
caráter coletivo, e podem conduzir a superação da consciência social na medida em que
constrói a transformação social.
Em sua origem, um instrumento como intelectual coletivo carrega consigo um projeto político
de transformação societária radical, mas ele em si não possibilita a superação de uma forma
de consciência. Falta o chão para que essas condições subjetivas de transformação sejam de
caráter revolucionário – a dinâmica da luta de classes.
Olhemos para a CLOC-VC. Ela congrega movimentos e organizações populares que tem
como bandeira central as condições para a sobrevivência imediata no campo articulando-as a
um projeto de transformação social socialista. O instrumento organizativo em si, mesmo que
com abrangência internacional, mesmo que priorizando processos de formação política para o
fortalecimento de suas lutas, mesmo que articulando as diferentes expressões das classes
sociais no campo, ele ainda assim é um instrumento de organização particularmente
camponesa. Neste caso, em termos de intelectual coletivo, analisados por Gramsci (1967;
1976; 1982; 1987; 2000), ou melhor, em seu potencial de possibilitar a catarse para a
superação de sua particularidade, a CLOC-VC em si mesmo não teria essas condições.
Para cumprir este papel ela necessitaria estar em articulação com outras organizações sociais
nas lutas da classe em geral. O que ocorreu nos últimos 20 anos de história é que
materialmente dois espaços que convocavam mundialmente as lutas da classe trabalhadora em
geral entraram em refluxo. A Ação Global dos Povos158, anticapitalista e antiimperialista teve
uma drástica redução de poder convocatório, e o Fórum Social Mundial não conseguiu
construir alternativas contundentes ao “neoliberalismo”. De todas as maneiras, nenhuma das
duas assumiu claramente um horizonte socialista, e de certa maneira estes dois espaços
celebravam a articulação das lutas particulares e espontâneas, evidenciando o papel dos
movimentos sociais em detrimento do instrumento partido.
Nesse caso, o espaço para tal catarse se deslocou para as alianças, que no calor da luta até
poderiam oportunizar as condições subjetivas para a superação das consciências em
particular, e na luta de classes tornarem-se classe para si. Uma transformação que estaria
especialmente na aliança com a classe pontecialmente revolucionária, a classe proletária. Mas,
as alianças de classe, por serem estratégicas, não podem ocorrer pontualmente como
comumente ocorre em alianças táticas. Elas exigem um espaço orgânico em que as classes
possam interatuar, debater, divergir e convergir nas ações concretas. O que os espaços que

158
Os princípios da AGP foram atualizados pela última vez em 2001, numa conferência em Cochabamba,
Bolívia. Informação Disponível em: https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/agp/03principiosagp.htm e
https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/agp/04orgagp.htm . Acesso em janeiro de 2019
206
acima citamos não conseguiram efetivar. Em dimensão nacional, as Frentes Populares
buscaram ser esse espaço nos diferentes países da América Latina, mas aqui seria necessário
analisar mais profundamente seu papel, seus limites e possibilidades em cada situação.
Embora nos últimos anos, as condições materiais para a superação da consciência social e da
particularidade da classe em si não foram tão favoráveis, a CLOC-Via Campesina cumpriu
um papel fundamental na luta contra o capital em todas suas expressões no campo,
possibilitando um avanço na consciência coletiva em si.
A CLOC-VC, apesar de lutar pelos direitos básicos dos trabalhadores do campo – luta de
caráter corporativo, construiu também bandeiras potencialmente de interesse universal. É o
caso da: Soberania Alimentar, onde o ato de alimentar se transforma cada vez mais num ato
político; da Agroecologia, onde a forma de produzir alimentos é também um ato político; e,
do feminismo, onde reconstruir novas relações de gênero são ações políticas fundamentais no
que se refere ao caminho para a emancipação humana. Especialmente para a CLOC, estas são
bandeiras estratégicas na construção do socialismo.
O caráter de movimento desta organização internacional camponesa imprime uma dinâmica
um tanto diferente das Associações Internacionais construídas anteriormente pela classe
trabalhadora. Embora baseado nos mesmos preceitos, é uma organização apenas de
trabalhadores do campo, sejam eles, camponeses, assalariados, indígenas, pescadores,
afrodescendentes. Assim como as internacionais anteriores foram marcadas por
tensionamentos nas concepções e formulações estratégicas diante dos desafios que lhes eram
colocados159, a Via Campesina, longe de ser a continuidade destas, mas uma organização
internacional setorial, também carrega impasses. Um deles com certeza perpassa pela
assunção da perspectiva socialista.
Com estes elementos introdutórios, buscaremos na sequência refletir sobre aspectos que
consideramos essenciais para um balanço histórico do papel da CLOC-VC na luta de classes
em geral. Visto que, em se tratando de um instrumento organizativo com caráter de
movimento social (considerado meritório neste tempo histórico), que não converge sozinho as
condições para tornar-se um intelectual coletivo (tão necessário na urgência das
transformações estruturais), mas que como instrumento impulsionou o avanço da consciência
social entre as diversas lutas identitárias do campo, discutir quais os desafios mais recentes na
organização política e na construção da consciência de classe superando suas particularidades

159
Referimo-nos aqui aos longos e intensos debates entre o anarquismo e o socialismo (I Internacional), entre o
reformismo ou revisionismo e a perspectiva revolucionária (II Internacional), e os conflitos em torno do
“Socialismo num só país” e a internacionalização de um “modelo” de luta socialista (III Internacional).
207
é fundamental neste momento histórico que exige a assunção de uma perspectiva
revolucionaria.

4.1 O QUE ENFRENTA A CLOC-VC


Os últimos 40 anos foram marcados mundialmente pela progressiva instalação de políticas
neoliberais visando restaurar perdas na acumulação de capital na década de 1970, resolvendo
assim aspectos parciais da crise capitalista. Como um conjunto de medidas para dar fôlego ao
imperialismo, a “globalização neoliberal” vai aprimorando processos de acumulação por
espoliação articulada à abertura de mercados em nível global e redução do papel do Estado na
garantia do chamado “bem estar social”. Isso vem se expressando ultimamente no
aminguamento dos direitos trabalhistas, na privatização de serviços públicos como saúde,
educação, e, numa estrutura agrária cada vez mais concentrada baseada na produção de
comodities agrícolas, energéticas e minerais, e na especulação financeira em torno dos preços
de produtos alimentícios.
Em relação à posição dos movimentos que compõe a CLOC-VC e que confrontam esse
sistema, os caminhos para a construção de uma nova forma societária perpassam
necessariamente pela Reforma Agrária Integral e Popular (para além da terra), pelo direito à
alimentação saudável a partir da produção agroecológica, pelos direitos camponeses, pelos
direitos das mulheres (feminismo camponês e popular) e populações LGBTs, pois “a
construção de uma sociedade socialista” exige “organizar as demandas dos diversos sujeitos,
das várias contradições”, opressões e formas de dominação que o sistema apresenta. (T.T.P.,
MST, Coletivo de Juventude. Entrevista realizada em fevereiro de 2017). A luta por esses
direitos são aqui estratégicos na construção de uma nova sociedade e desmantelamento do
sistema de capital.
Os depoimentos de representantes dos movimentos sociais membros da Via Campesina
Internacional apontam uma dramática situação de polarização entre o projeto do capital e as
perspectivas dessas organizações sociais. Também indicam a importância de conseguir
realizar uma leitura coletiva mais aprofundada sobre o agronegócio e o desenvolvimento do
capitalismo no campo, que por hora não mais se baseia num latifúndio arcaico, mas em
latifúndio altamente produtivos sob a liderança de transnacionais. Os interesses geopolíticos e
geoeconômicos na exploração dos recursos naturais acirraram a militarização e a
criminalização de movimentos sociais com assassinatos, prisões, e leis antiterroristas para
repreender as lutas. No plano institucional a realização de golpes, tentativas de golpes,
208
bloqueios econômicos, e ameaças às soberanias nacionais com a finalidade de continuar e
acelerar o lucro extraordinário.
A análise do período histórico e o papel do Estado junto às políticas imperialistas em sua fase
neoliberal são retratados por um representante da organização MRW da Tunísia:

O estado cedeu completamente seu papel protetor sobre o setor agrícola,


transformando nossas fronteiras em uma travessia usada para importar frutas e
produtos agrícolas diferentes, com os quais os agricultores locais não podem
competir devido à sua difícil situação financeira e devido a seus dispendiosos
métodos primitivos de produção. O setor agrícola está sofrendo de uma privatização
selvagem como resultado da adoção de um modelo liberal de economia e
desenvolvimento. Este modelo foi imposto por ambos, pelos países imperialistas que
foram os pioneiros da colonização indireta, e por pilhar órgãos como o Banco
Mundial, o FMI e a OMC. (N.H., MRW, Tunísia. Comunicador Social. Entrevista
realizada em julho de 2017)

A entrevista com integrante da organização ZIMSOF, do Zimbabwe, aponta que parte dos
problemas vivenciados na realidade atual decorre de processos de cooptação de movimentos
sociais, do papel progressivo das igrejas na despolitização de movimentos, e, dos altos índices
de corrupção nos diferentes países.
No caso da América Latina, mencionamos abaixo dois casos emblemáticos. O caso da
Colômbia, com histórico de governos inteiramente aliados aos ensejos do grande capital
imperialista, e o caso da Venezuela, com um governo que desde o final da década de 1990
vem combatendo os efeitos da política neoliberal numa transição para uma sociedade
socialista. Ambas atingidas enormemente pela dinâmica da macro-economia imperialista
neoliberal.
Dois entrevistados de Colômbia apontam certa relação entre o avanço das transnacionais e no
campo, a ação de paramilitares, e a guerra. Vejamos abaixo parte de um dos depoimentos:

Nosotros vemos que Colombia es un país productor de materia prima para las
transnacionales y multinacionales que se han tomado el campo. Entonces el proceso
de violencia e de guerra en los últimos años que se ha dado en Colombia, ha sido,
nada más y nada menos para que las multinacionales y transnacionales se tomen el
campo por asalta. Pa' eso se ha construido un ejército que llamamos nosotros de
paramilitares, no legalizados por el gobierno, pero que es por integrantes del ejército
y de la policía.
Eso ha llevado también a que la clase de gobernantes en el país, sea una clase más
voraz pero cínica. La guerra es el principal medio para fortalecer y aumentar las
riquezas, no es ni siquiera el saqueo, la guerra es la que les deja botín a ellos, porque
con la guerra consigue tierra sin comprarla, consiguen lo que está sobre la tierra y
además, pues ahí están las minas y de una vez explotan las minas sin que les cueste
un peso. Entonces la guerra es el mejor negocio. Y la guerra se hace, pues matando a
los que estén ahí. Entonces, la idea no es desplazar la gente a la ciudad a que vayan
a decir "que me desplazaron y que me robaron, que me quitaron", sino matarla para

209
que no exista más. Entonces […] frente a eso, que hacemos? (G.A., ASOCAMPO,
Colômbia, Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

A titulação da terra é também abordada como parte orgânica dos conflitos, das guerras e
avanço das transnacionais no campo. Segundo A.B.B., da CNA e Congreso de los Pueblos
(Colômbia), em entrevista realizada em fevereiro de 2017, uma terra pode ter três ou quatro
donos comprovando-a, situação essa que se dá por meio da guerra e pelo desplazamiento.
Nesse caso, a titulação da terra seria um processo jurídico que favoreceria as multinacionais
na compra das grandes, mas também das terras campesinas no intuito de gerar um mercado de
terras mais definido já que atualmente encontra-se bastante localizado pela influencia dos
territórios controlados pelas guerrilhas (FARCs e ELN). Os acordos de paz propostos pelo
governo têm a intenção de retirar as guerrilhas desses territórios para implantação de projetos
neo-extrativistas. Parte da Amazônia Colombiana que esteve durante um longo tempo sob a
“retaguarda das FARCs, tem hoje mais de 8.000ha de desmatamento”. Um projeto que
pretende não somente desarmar as guerrilhas, mas de consolidar a inviabilidade da vida
camponesa.
O entrevistado ainda aponta que a resistência tem ocorrido a partir dos “territórios
camponeses agroalimentarios”, algo parecido com os assentamentos do MST, porém com
titulação. Essa resistência tem confrontado o neo-extrativismo e a mineração em larga escala
que têm destruído a produção agroalimentar.
No caso da Venezuela, a dependência petroleira e a dificuldade em constituir uma soberania
alimentar são relatadas por integrante da FNCEZ no ano de 2017:

Hoy día el campo venezolano atraviesa una crisis generada a consecuencia del
rentismo petrolero que ocasionó una alta dependencia al momento de producir (en
cuanto a insumo, semilla, maquinaria). En la actualidad, producto de la guerra
económica y el bloqueo que vive el país, se recrudece el desabastecimiento de
alimentos que si bien es muy cierto desde el gobierno se ha cubierto gran parte de la
alimentación del pueblo a través de la importación, pero que es necesario activar en
su totalidad la producción de alimentos que apunte a avanzar en términos de
soberanía. Un aspecto importante a resaltar es que durante estos tempos difíciles que
ha vivido Venezuela los últimos 3 años, han servido para despertar nuevamente la
cultura de producir y sobre todo la necesidad de rescatar la agroecologia como una
forma sana de producir alimentos y de liberar a las familias de la dependencia. Para
esto, desde el gobierno nacional se vienen poniendo esfuerzos en materia de
financiamiento y mejoramiento de las condiciones de vida en el campo. La comuna
ha sido fundamental para generar los procesos organizativos en el campo. (Z.V.,
FNCEZ. Venezuela. Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de
2017)

Sobre os processos de militarização e criminalização de lideranças e movimentos sociais que


lutam e resistem em suas comunidades, registramos aqui o caso do Chile onde se relata a
210
participação hostil de paramilitares vinculados às grandes corporações, neste cenário, a
hidroelétrica:

Tu sabes que en las comunidades Mapuches, en el sur están todas militarizadas, ahí
no hay una comunidad donde no tenga 4 o 5 carros militares […] y no se puede
vivir. Pero más allá de eso, la empresa eléctrica que se estaba instalando en un rio al
interior de una comunidad Mapuche, la gente se opuso porque el cableado pasaba
por encima de la casa, el cableado de la hidroeléctrica. Y se levantó la comunidad en
lucha y se opusieron. Hubo muchas movilizaciones y el dueño de la hidroeléctrica
mandó matar a las mujeres. Mató a la principal dirigenta, jovencita, mamá de 3
niños y el sicario que la fue a matar, la dejo colgada en la viga de la casa. Y cuando
llega el niñito, ve a su mamá colgada, muerta en la viga. Así son de crueles […].
Entonces a otras mujeres Mapuches les quemaron sus casas, les quemaron sus casas!
Vimos puras cenizas. Nosotros hicimos todo un recorrido para ver a las mujeres, las
que están vivas, las que están presas, entre ellas una mártir […] Magdalena Valdez
[…] la compañera que mataron en la propia comunidad. [...] (A.M.T. ANAMURI.
Chile. Direção Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Na América Latina, com o imperialismo “mais de perto”, a Cúpula das Américas cumpriu um
papel fundamental na articulação das políticas neoliberais em nível continental associada à
implantação de bases militares em pontos estratégicos. Os temas que acompanharam suas
reuniões desde o início (1994) arquitetaram, de maneira aparentemente pulverizada, a
implantação gradual e incisiva dos interesses imperialistas em relação ao livre mercado
globalizado.
Recentemente, esses interesses imperialistas são acompanhados pela propagação de uma
concepção ultraneoliberal através da rede internacional Think-Tank-Atlas Network,
mencionada anteriormente.
Sob o comando dessa política-econômica do capital imperialista, o que aparece na vida
cotidiana das populações, em especial das classes trabalhadoras, são problemas pontuais que
as atingem de maneira dispersiva e pulverizada, porém coordenada. São exemplos desses
problemas: acesso a saúde pública; acesso a educação pública; redução os direitos
trabalhistas; congelamento de salários; fome e pobreza; expropriação de pequenos
camponeses; êxodo da juventude do campo; expropriação e extermínio de comunidades
quilombolas/ palenques e indígenas; o controle dos preços de produtos alimentício em cadeia
mundial baseado nas flutuações das comoditties agrícolas; desastres ambientais provocados
pelas grandes corporações do minério e energia, assim como pelas mudanças climáticas;
intolerância e discriminação racial, étnica, religiosa, de classe e gênero; ameaças à democracia
representativa; criminalização de militantes e movimentos sociais por parte do Estado (com
aplicação de leis antiterrorismo) e dos meios de comunicação dominantes; e violação aos
direitos humanos básicos.

211
Essa aparente “dispersão de problemas” que atinge as classes trabalhadoras, para alguns com
maior intensidade que outros (a parte que lhes cabe das conseqüências do desenvolvimento
capitalista em sua totalidade), é indubitavelmente intrínseca a ideologia neoliberal que se
expressa primeiramente nas relações sociais de produção da vida, e por conseqüência nas
dimensões políticas, jurídicas e de consciência social. Uma ideologia que ofusca num
primeiro momento a verdadeira essência do problema vivido.
Assim, ao enfrentar as forças materiais de dominação capitalista no campo, a CLOC-VC
também necessita enfrentar a dominação política, jurídica e ideológica, as idéias da classe
dominante. Um enfrentamento que ocorrer em diversas dimensões.
A premissa marxiana de que as idéias da classe dominante são em todas as épocas as idéias
dominantes é chave para a análise do papel da ideologia na dominação de classes.

As idéias da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes, ou


seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o
seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a
produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção
espiritual [...] As idéias dominantes não são mais do que a expressão ideal as
relações dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias,
portanto das relações que precisamente tornam dominantes uma classe, portanto as
idéias dominantes. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm,
entre outras coisas, consciência, e daí que pensem; na medida, portanto, em que
dominam como classe e determinam todo o seu conteúdo de uma época histórica, é
evidente que [...] dominam também como pensadores, como produtores de idéias,
regulam a produção e a distribuição de idéias de seu tempo [...] (MARX; ENGELS,
2002, p. 56-57)

As idéias da classe dominante, a consciência da classe dominante é imposta (consensual ou


coercitivamente) estabelecendo conexões com os significantes e referências já existentes na
memória do ser social que batalha diariamente pela sua existência. É, portanto, nesta relação
intrínseca entre a dimensão econômica e a dimensão ideo-política que se estabelece a
dominação de um estamento sobre outros. Assim, a formação do ser social e da consciência
social, carrega uma difícil equação, onde compreender o papel da ideologia dominante no
amortecimento dos impactos brutais do capital em todas as dimensões da vida trabalhadora é
essencial para estabelecer determinadas batalhas na luta de classes, inclusive nas que são
travadas no campo.
Para compreender um pouco mais sobre o processo de consciência, vejamos mais alguns
aspectos desde a perspectiva marxiana.
Não são as grandes idéias que movem o mundo, ou a consciência do “espírito do tempo” que
move a história, e embora seja através do pensamento que se captam as contradições da vida

212
material, elas desconectadas de uma ação concreta na realidade, são somente elucubrações. A
força motriz da história é a práxis humana, como demonstra o fragmento abaixo:

[...] a história não termina resolvendo-se na consciência em si como “espírito do


espírito”, mas que nela, em todos os estágios, se encontra um resultado material,
uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza
e os indivíduos uns com os outros, que cada geração é transmitida pela sua
predecessora [...] – mostra, portanto, que as circunstâncias fazem os homens assim
como os homens fazem as circunstâncias. (MARX e ENGELS, 2002, p. 49)

Na busca pela sua sobrevivência ou de sua existência os seres humanos se relacionam entre si
e com a natureza numa práxis imediata. Mas sua relação de ser social com a natureza tornou-
se alienada como ato histórico, produziu-se historicamente uma práxis alienada da natureza,
uma cisão entre ser humano-natureza.
Esta decorre em outras cisões, como por exemplo, entre a produção material da vida e a
consciência. A consciência em determinado momento pode encontrar-se alienada da práxis
cotidiana da existência humana – uma práxis reificada, onde se refletem na ação cotidiana as
idéias dominantes na estrutura do pensamento. Neste sentido, se a história da humanidade é a
história da luta das classes, o é por uma força material que envolve o domínio e concentração
dos recursos naturais, dos meios de produção, cerceando a existência de grande parte dos
seres humanos. Mas esta forma de domínio nua e crua gera contradições gritantes junto à
classe dominada, quando não suavizadas pela força material que as idéias dominantes podem
ter na construção de um ser social reificado, alienado, subsumido aos interesses da classe
dominante.
Para uma transformação social, Marx (2008) afirma que é necessário distinguir as
especificidades das condições econômicas (que podem inclusive ser “verificadas” pelas
ciências naturais e físicas), das formas jurídicas, políticas, filosóficas e religiosas, “as formas
ideológicas” pelas quais os seres humanos tomam consciência dos conflitos materiais e o
“levam até o fim” através de uma revolução.
Neste sentido, talvez um leitor parcial de Marx pudesse afirmar então, que bastaria a tomada
de consciência dos motivos reais de sua situação material, para que as classes dominadas
possam promover alguma transformação. Seria então a consciência da história (da práxis
humana na história) a chave mestra para uma transformação social?
No texto “Prefácio a Critica à Economia Política”, Marx (2008) afirma que nenhuma
formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela
contém, assim como novas relações de trabalho e de produção não surgem enquanto não

213
estiverem esgotadas todas as possibilidades de manter-se como tal. Sob essas condições
objetivas, onde há o acirramento da contradição entre as relações de produção e o
desenvolvimento das forças produtivas é que se abre a possibilidade de uma revolução social.
Ou seja, para os autores do Manifesto Comunista (2001), é dentro da velha sociedade, de suas
contradições quanto às condições materiais de existência e suas idéias enebriantes é que se
forma uma nova sociedade. Diante disso, a consciência da história incide na práxis humana
que busca compreender e atuar na dinâmica dos conflitos antagônicos em prol de uma
transformação.
Segundo IASI (1999; 2007), o processo de consciência pode ser obervado com maior precisão
em suas fases, ou formas. A primeira forma é a alienação. Nela habita e se alimenta de
maneira parasitária a ideologia dominante, reificando, coisificando os seres humanos que
vivem num estado de subsunção total à classe dominante. Uma segunda forma é chamada de
consciência em si ou consciência social onde as contradições vividas na materialidade da vida
colocam em xeque alguns aspectos da dominação ideológica provocando questionamentos e a
necessidade de agrupamentos entre os vivenciam situações e injustiças semelhantes. Nesse
momento os iguais se juntam na luta por direitos, o que evidencia essa fase como uma forma
de consciência coletiva. Por fim, a terceira forma de consciência, também chamada de
consciência para si ou consciência revolucionária passa por uma dupla negação. A negação da
opressão sui generis, e a negação da opressão em sua universalidade. Nega-se o agrupamento
particular que luta por um direito circunscrito ao que lhe atinge, para a assunção da luta da
classe trabalhadora como um todo.
Com base nesses estudos, a ideologia nesse sentido, não pode ser considerada o mesmo que
alienação. Esta é primeira forma de consciência que abriga e cultiva a ideologia dominante,
que age “sobre essa base” de “fora para dentro” e encontra no ser humano individualizado
“um suporte para estabelecer-se subjetivamente” (IASI, 2007, p.20). Torna-se assim, singular
na consciência das massas, e a partir delas cotidianamente atuam na reprodução da ordem
capitalista. É importante ressaltar que aspectos da ideologia dominante podem se estender e
presenciar todas as formas de consciência, embora tenham maior plenitude na forma
alienação. Pode estar presente mesmo nas formas de consciência que lutam contra o próprio
sistema que as dominam, expressando-se de maneira ininterrupta ao mesmo tempo em que
desagregada, fragmentada e contraditória. Pois a ideologia dominante tem uma base material
de dominação que cotidianamente e insistentemente abarca todas as dimensões da vida
humana.

214
Nessa acepção, a consciência não é linear em seu desenvolvimento, muito menos uma
condição vitalícia. Ela pode avançar, retroceder, paralisar, cristalizar-se, e/ou ainda
burocratizar-se sob justificações de cunho ideológico, mantendo aspectos de subsução à
dominação.
Nas palavras de IASI:

O movimento da consciência se expressa, em um primeiro instante, na consciência


dos seres submetidos ao estranhamento [...]. Se a consciência se move é porque há
contradição e a contradição que move a consciência é aquela que se expressa, neste
momento do movimento, entre a necessidade da sobrevivência (aqui em um sentido
mais amplo que apenas a sobrevivência física do ser social) e a função do organismo
humano como parte fragmentada do processo de trabalho do capital na valorização
do valor, o que não é senão a mediação prática concreta da contradição entre o
avanço das forças produtivas materiais e as relações de produção. (IASI, 2006, p.
116)

Em suas formulações, o autor aponta que há contradições e mediações entre essas formas de
consciencia que podem fazê-las estagnar, retroceder e/ou avançar. Nesse sentido uma
premissa fundamental para entender consciência é vê-la como processo – ela não É, ela esta
sempre SENDO. Não se configura como uma disposição estática que provém única e
reflexamente da posição nas relações sociais de produção, embora esta seja uma determinação
importante. Ela tem um vínculo direto com a materialidade da vida, mas não é linearmente
conseqüência estática desta – até porque é dinâmica a estrutura social, repleta de contradições,
relevâncias e irrelevâncias que de alguma maneira é captada pelo pensamento e influencia
cotidianamente a ação de indivíduos e sujeitos coletivos na dinâmica social. Consciência é,
portanto, processo, e em constante movimentação. (IASI, 1999; 2007)
A ideologia assim, sustentada na base das relações sociais de produção, é na verdade a
expressão ideal dessas relações que se manifesta nas diferentes formas de consciência, de
diferentes formas, e nos mais diversos tensionamentos que a contradição destas relações possa
apresentar. No caso da América Latina, sem sombra de dúvida o processo colonizatório
entranhou fortes traços da discriminação racial, étnica e de gênero na formação histórica da
consciência das classes dominantes, que, por conseguinte são reproduzidas não somente na
alienação das massas, mas também em outras formas de consciência.
Konder (2002) realiza um importante trabalho de mapear as diferentes concepções e conceitos
empregados à ideologia entre os próprios marxistas, como por exemplo, Georgy Lukács,
Teodor W. Adorno, Antonio Gramsci, Mikhail Bakthin, Walter Benjamim, entre outros. É
considerada uma categoria de análise polissêmica e que de maneira geral caminha para dois
campos. O primeiro numa acepção neutra, referindo-se a um conjunto de idéias, valores e
215
crenças políticas que orientam comportamentos coletivos. O segundo, caracterizando-se como
um significado crítico e negativo, que fundamentado na obra de Marx a afirma como uma
distorção do conhecimento, uma percepção deformadora, um ponto cego que sujeita e
subjulga o “espírito humano”.160
Cada uma delas tem implicações imediatas na análise da realidade e na construção de
estratégias políticas. Podemos citar como exemplo, as implicações da ideologia dominante na
vertente reformista que se desenvolveu na II Internacional, onde ao invés de ruptura,
concebia-se a transformação social como uma “transição negociada” e gradual,
fundamentalmente baseada no evolucionismo darwiniano e no determinismo econômico.
O autor ainda ressalta que Marx “estava convencido de que, sem ir à raiz da alienação, era
impossível encaminhar eficazmente a luta para superá-la”. Aparecem em sua análise dois
aspectos ontológicos da formação humana que são inerentes na relação alienação – ideologia:
a forma do trabalho e a forma da filosofia. A origem da ideologia estaria na forma da divisão
social do trabalho e da propriedade privada e se desdobra no uso histórico das idéias. Instala-
se e se alimenta da alienação, muito embora seja maior que esta. Incorpora conhecimentos
verdadeiros, movidos pela alienação. (KONDER, 2012, p. 35; 40-49)
No campo da percepção, a ideologia pode encontrar-se com muitos disparadores que são
suporte da alienação, e nesse sentido conectar-se tanto a posturas de ódio e fascistas, como a
de solidariedade e coletividade. Perguntamos-nos, por exemplo, como o resultado das eleições
no ano de 2018 no Brasil pode ter conectado sentimentos de ódio, discriminação e submissão
do negro, da mulher e LGBTs, às políticas ultraneoliberais. Estariam as massas conectadas
com esse programa de governo? Estas conexões revelam as consciências das massas?
Observamos que em muitas das situações, o voto nesse programa não estava tão relacionado a
estes valores, mas da negação à corrupção e ao que o Partido dos Trabalhadores representava
através do incansável trabalho midiático e jurídico de sua desconstrução diante das massas.
A ideologia dominante e globalizada se define pela forma de acumulação capitalista e formas
dominações políticas, expressando-se de maneira fragmentada e dispersiva nas situações e
fatos cotidianamente vivenciados. Entretanto, somente pode ser percebida em suas
contradições quando os seres em relação vivenciam situações de conflito aberto, e entra em
choque a noção básica entranhada que rege sua vida individual e a materialidade vivenciada.
(IASI, 2007). Ainda assim, é possível que a percepção da contradição ideologia-vida concreta

160
Sempre que utilizamos o termo ideologia neste trabalho, referimo-nos a este segundo campo de interpretação.
216
possa ser percebida apenas parcialmente, e não em sua totalidade, como comumente ocorre
nos processos de consciência em si.
Podemos caracterizar algumas noções que estabelecem as margens da ideologia capitalista em
sua fase “neoliberal”. Algumas delas são fundantes da sociedade de classes e vem
consolidando-se nos diferentes modos de produção como o caso da propriedade privada, e do
poder sobre o outro/outra (inclusive ao gênero feminino). Outras, desenvolvidas de maneira
primorosa no modo de produção capitalista, como as noções de indivíduo e de liberdade
(princípio da revolução francesa), articuladas ao antropocentrismo161.
No que se refere às noções entranhadas à ideologia neoliberal, podemos afirmar que há um
metabolismo baseado nas noções de propriedade privada, antropocentrismo, liberdade e
indivíduo, fortemente articulados aos seguintes aspectos: a) compreensão fragmentada e a-
histórica da realidade, onde imediatismo e o empirismo regem a ação humana; b) a
padronização e negação ou subsunção da diversidade, seja da vida humana, de gênero,
biológica, ou da própria natureza que é constantemente destruída e modificada pelos padrões
de produção em larga escala. Estes aspectos são como “herbicidas” que atuam nas formas de
consciência impedindo-as de avançar para uma consciência da totalidade das contradições que
regem a sociedade capitalista.
Estas noções margeiam a ideologia dominante e a definem orientando materialmente as ações
humanas. E neste caso não é exatamente o indivíduo que se posiciona e age, mas a construção
social e histórica que se expressa na individualidade, que se manifesta no indivíduo. Muito
embora, é a partir dele que se reproduzem determinadas práticas através do cotidiano.

161
Antropocentrismo, palavra que vem do grego anthropos significando humano, e kentron significando centro.
Em termos práticos significa que o ser humano é o centro do universo, onde todas as demais espécies de vida,
assim como a natureza, devem servi-lo. Surge na contradição com o teocentrismo (Deus como centro do
universo) decorrente do período medieval/feudal.
Parece-nos aqui que no desenvolvimento capitalista, esta contradição não é resolvida, embora haja uma maior
incidência no antropocentrismo. A noção de poder para além do entendimento que antes estava destinada aos
fenômenos da natureza, passa posteriormente a um ou vários seres superiores fora da matéria, fora do planeta
(teocentrismo), e por fim passa ao poder de um ser humano sobre o outro e a natureza, por meio da
propriedade privada e da reafirmação do individuo que busca liberdade para poder ser o que queira ser, e o
que queira ter.
Logicamente não são esses processos estanques e lineares. É possível identificar na atualidade uma relação
conivente e de sobreposição desses “poderes”, onde o direito de felicidade e justiça estão numa vida após a
morte, o paraíso (atribuídos a um poder superior de ordem divina), e na vida terrena encontra-se a justiça dos
homens e o fetiche da mercadoria como mediadora da felicidade através do consumismo. No sistema
capitalista há um turvo deslocamento do poder de decisão e controle das ações humanas e do planeta, em
meio à obnubilada compreensão humana, para a relação divindade (quanto ao espírito) e consumo (para
questões mundanas).
Certamente esses comentários são superficiais mediante a profundidade do tema - noções que fundamentam a
ideologia dominante no decorrer da história. O que pretendemos destacar aqui é que a noção antropocêntrica
que rege o modo de produção capitalista é aquela em que tudo (inclusive a natureza) e todos devem servir ao
ser humano, e neste caso, aquele dotado de propriedade e poder, aquele que detém o capital.
217
É possível destacar que estas noções intrínsecas na ideologia dominante são polissêmicas ao
conversar com o senso comum presente no dia a dia das pessoas, mas também na academia,
na ciência, e em situações da própria organização da resistência. Isso não se deve a uma
“postura politicamente incorreta”, mas pelo condicionante material vivenciado diariamente o
qual se materializa também na estrutura do pensamento. Mészáros (1993) nos indica que:

O que interessa diretamente é o papel específico da ideologia nesse processo de


ajustamentos estruturais, pois a reprodução bem sucedida das condições de
dominação não pode ocorrer sem a mais ativa intervenção de poderosos fatores
ideológicos, paralelamente à manutenção da ordem vigente. [...] Deve-se enfatizar
que o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo
esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição
das classes dominantes, mas sim, porque esse poder ideológico só pode prevalecer
graças à posição de supremacia da mistificação, através da qual os receptores
potenciais podem ser induzidos a endossar, „consensualmente‟, valores e diretrizes
práticas que são, na realidade, totalmente adversas a seus interesses vitais.
(MÉSZÁROS, 1993, p.9)

E nesta perspectiva, consideramos que o enfrentamento realizado pela CLOC-VC às


condições objetivas da exploração, expropriação e subsunção dos trabalhadores em suas
diversas expressões, como analisado nos capítulos um e três, se dá também no campo
ideológico. Nas manifestações ideológicas que mantém a dominação da sociedade como um
todo, as quais podem ser exemplificadas na criminalização da luta social (vagabundos que não
trabalham), ou nas empresas do agroengócio como geradoras de riqueza para os países, ou na
naturalização da violência contra a mulher, ou ainda na necessidade de ampla comercialização
da água e das sementes para que estas sejam valorizadas. Mas, há também uma luta contra-
ideológica que é quase imperceptíviel aos olhos de quem luta, aquela que é personificada na
própria classe em si na medida em que carrega aspectos da fragmentação e da serialidade da
consciência expressas no corporativismo, nos vícios e desvios organizativos. Estas se tornam
visíveis somente na práxis da luta da classe em si.
HEDGES (2018)162 afirma que a disseminação da ideologia neoliberal foi altamente
organizada através da imprensa e do financiamento de universidades. E, escondendo sua
natureza predatória forçou alianças entre o liberalismo econômico e as demagogias de direita
que “usam táticas de racismo, homofobia, fanatismo para canalizar as frustrações, enquanto
eles aceleram a pilhagem pelas elites globais”. Portanto, a globalização neoliberal

162
HEDGES, Chris. Neoliberalismo como caminho tenebroso para o fascismo. PCB. PCB on-line: 6 de
dezembro 2018. Disponível em https://pcb.org.br/portal2/21555/neoliberalismo-o-caminho-tenebroso-para-o-
fascismo/ Acesso em dezembro de 2018.
218
materializada no âmbito econômico e na ideologia dominante, atua em consonância para a
efetivação de políticas que busquem resolver a crise capitalista.
Recentemente, com a crise estrutural do capital e sua não resolução através da condução das
políticas neoliberais, algumas mudanças se avizinham. A eleição de Donald Trump nos EUA
(2016) e de Jair Bolsonaro no Brasil (2018) em torno de uma pauta “ultraneoliberal”
representam essa polarização entre os segmentos da classe dominante.
Donald John Trump, empresário com patrimônio líquido de 4,5 bilhões de dólares, torna-se
presidente dos EUA nas eleições de novembro de 2016. Fundador da Trump Entertainment
Resorts (hotéis e cassinos) e apresentador de programas de Reality Show em cadeia nacional
de televisão, sua campanha foi baseada em propostas de renegociação de acordos comerciais
com a China, oposição a acordos comerciais bilaterais como o NAFTA, a saída de seu país
Acordo de Paris sobre o aquecimento global, e leis rígidas sobre a imigração.
No final de 2018, os EUA, com o suporte destas leis migratórias, reforça a iniciativa de
construção de um muro em sua fronteira com o México, ao mesmo tempo em que toma
atitudes truculentas de prisão e uso de tropas militares para impedir que migrantes centro-
americanos entrassem no país. Somente o mês de outubro de 2018, mais de 7 mil imigrantes
centro-americanos saindo de Honduras (que nos últimos 9 anos teve um aumento de 10% no
índice de pobreza), Guatemala e El Salvador, marcharam em direção aos EUA. Segundo
análises reportadas no Jornal Brasil de Fato163, o destino final destes imigrantes tem relação
com a própria postura do país causador da destruição de recursos naturais e da instauração de
governos neoliberais que oferecem facilidades às empresas transnacionais. A miséria e a
vulnerabilidade têm levado populações à migração forçada em busca do “paraíso”.
Em relação ao Brasil, as eleições de 2018 ocorrem sob vários tensionamentos. Um deles
refere-se à prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores) que havia
anunciado sua candidatura. As diferentes manobras do judiciário mostraram-se envidentes na
intencionalidade de retirará-lo do cenário político. A vitória de Jair Bolsonaro (Partido Social
Liberal) em outubro de 2018, marcou já nos primeiros momentos de governo a extinção do
Ministério do Trabalho, a reforma da previdência, o desmonte da educação pública, a redução
das normativas ambientais para que os empresários possam desenvolver seus projetos com
maior facilidade, a redução de terras indígenas e quilombolas.

163
MANÇANO, Luiza. Por que a Caravana de migrantes da América Central tem como destino os EUA? Jornal
Brasil de Fato – Edição Telesur. on-line. 8 de novembro de 2018. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2018/11/08/por-que-a-caravana-de-migrantes-da-america-central-tem-
como-destino-os-eua/ Acesso em novembro de 2018.
219
Liberal no âmbito econômico compõe um governo com o maior número de representantes
militares desde a ditadura civil militar de 1964, associado fortemente a setores evangélicos
conservadores. Tem articulado a ultraliberalização da economia, enquanto instiga pautas
reacionárias envolvendo a desqualificação da política da esquerda e suas pautas históricas. A
desinformação, o discurso de ódio e a criminalização de movimentos populares intensificam-
se sob a bandeira da “Escola Sem Partido”.
Com o indicativo de tornar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como
organização terrorista, a argumentação de autodefesa e defesa da propriedade, assina o
decreto de porte de arma em janeiro de 2019.
Baseado num visível alinhamento com a atual política estadunidense, busca consolidar um
projeto de submissão e subsunção às suas demandas assumindo paralelamente uma atitude
repressiva a qualquer forma de resistência interna. Seu discurso no Fórum Econômico
Mundial de Davos (Suíça) em 22 de janeiro de 2019 reafirma as linhas estratégicas de seu
governo: o combate à corrupção; o investimento na área de segurança para estimular ainda
mais o turismo; a produção de comoditties para alimentar o mundo; a preservação do meio
ambiente e da biodiversidade com desenvolvimento econômico, “interdependentes e
indissociáveis”; a integração do Brasil ao mundo através de uma reforma da OMC garantindo
a segurança jurídica nas trocas comerciais internacionais; a defesa da família, dos direitos
humanos e da propriedade privada; e, uma educação voltada ao processo de industrialização.
Todo o discurso pautado em atrair “grandes negócios” para o Brasil e desenvolver o chamado
“progresso para todos”.
Que momento é esse que se avizinha? Que fase o desenvolvimento capitalista entra na
perspectiva de resolver sua crise? Há um debate em vigor que se refere à caracterização desse
período no âmbito da política. Alguns o denominam como fascismo, outros como
neofascismo. Atílio Borón, cientista político da Faculdade de Ciências Sociais da
Universidade e Buenos Aires, Argentina, aponta que seria um erro caracterizar como
fascismo, visto que como “categoria histórica” há características que não lhes cabe neste
tempo, muito embora haja líderes governamentais com atitudes fascistas164.
Para o autor, como categoria histórica, o fascismo não pode ser definido por atitudes ou
personalidades de líderes políticos, mas por uma forma de estado que articula a burguesia
nacional como seu principal protagonista à mobilização de massa das camadas médias na

164
BORON, Atílio. Caracterizar o governo de Jair Bolsonaro como "fascista" é um erro grave. MANÇANO,
Luiza (Edição). Página 12. Jornal Brasil de Fato on-line: 02 de janeiro de 2019. Disponível em:
https://www.brasildefato.com.br/2019/01/02/artigo-or-caracterizar-o-governo-de-jair-bolsonaro-como-
fascista-e-um-erro-grave/ Acesso em janeiro de 2019.
220
efetivação de um estado nacionalista que faria sua disputa no mercado em nível mundial.
Diferentemente do período de ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália,
estamos numa era de transnacionalização e financeirização do capital, com mega-corporações
comandadas por uma burguesia imperialista que define suas estratégias globais de
“acumulação capitalista e dominação política” em Davos. E desse modo, o autor coloca a
burguesia nacional num patamar de “velhas classes dominantes”.
Seria arrebatador entrar nesta polêmica, que deixa de ser apenas um conceito estático, para ser
um tema vivo que influencia inclusive na construção das linhas estratégicas de ação
transformadora. Por exemplo, situar a burguesia nacional nos jazigos das classes dominantes,
poderia indicar a necessidade de uma aliança entre os segmentos da classe trabalhadora com a
mesma para combater a burguesia imperialista. Mas, haveria realmente uma fragmentação na
unidade burguesia nacional - burguesia imperialista, ou apenas a continuidade de uma
subsução consentida? Independente desta polêmica, o fato é que o autor trás um debate
provocante e que com certeza incide na necessidade de uma leitura mais aprofundada desse
momento histórico e dos desafios das lutas anticapitalistas - questão que infelizmente não
conseguiremos aprimorar neste estudo.
Por certo, é que diante de iminente barbárie, a crise estrutural do sistema de capital tem ainda
muito fôlego nos processos de acumulação e de dominação política. Quando conveniente
através dos “consensos”, e quando não, com ações repressivas e de caráter fascista, ações de
“coerção” como Gramsci nos apontava. As lideranças governamentais das quais nos referimos
acima, por representarem direta e indiretamente uma classe social, a burguesia imperialista,
carregam em si e na composição de seus governos a expressão mais fina e contraditória de seu
papel nesta fase do desenvolvimento capitalista.
Em termos de articulação continental dessas forças, é importante citar que os deputados
federais brasileiros Eduardo Bolsonaro (SP) e Fernando Francischini (PR), ambos do Partido
Social Liberal (PSL) promoveram em dezembro de 2018 a “I Cúpula Conservadora das
Américas” na tríplice fronteira (Foz do Iguaçú, PR).165 Com a consigna “Um novo rumo”,
reuniu lideranças e economistas liberais da América Latina para debater os problemas da
atualidade. Sob os objetivos do extermínio da esquerda, derrotar o marxismo cultural, e
derrubar as ditaduras livrando a America Latina do comunismo, a Cumbre discutiu temas
como cultura, segurança, economia e política.

165
Informações oficiais a respeito desta Cumbre encontram-se disponíveis em:
http://www.cupulaconservadora.com.br/ . A respeito das análises realizadas sobre a Cumbre, seu perfil e
conseqüências, encontram-se disponíveis em: https://www.celag.org/cumbre-conservadora-americas-dichos-
impacto/ . Acesso em dezembro de 2018
221
Entre os convidados estavam Olavo de Carvalho (autoproclamado filósofo), Álvaro Uribe
(ex-presidente colombiano), Jorge Cueller (comandante de operações contra as FARC na
Colômbia), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (que se reivindica herdeiro do trono da
família imperial que governou o Brasil até 1889), representantes cubanos exilados nos EUA,
Miguel Martí (candidato ultradireitista das eleições do Chile em 2018), políticos e acadêmicos
do Chile, Paraguai e Venezuela. Abaixo segue trecho de um dos discursos durante a Cumbre:

La riqueza mal administrada […] como hace generalmente la izquierda produce


corrupción y produce abusos. Y nosotros queremos que los países tengan riquezas,
pero las prioridades no sean los abuso y la corrupción, pero que sea una economía
fuerte y que cresca. Que sea una política social basada en la justicia, y que sea una
política electoral basada en la libertad. Doy un salto a lo que fue la Reforma Agrária
y a lo que fue la guerra fría, donde todos nuestros países tmbien fueron un
laboratorio de esta izquierda anterior a la caída del muro. […] En Chile, esta tensión
social terminó el año 70 como un presidente, como Salvador Allende, pero que
quería instalar el marxismo por la via democrática, e aí tenemos um presidente
mostrando un arma, pero no era un arma para defender el pueblo del terrorismo, de
la deliquencia, sino que era un arma para amenazar a los chilenos de buena voluntad,
a los chilenos del orden. […] Y como en todos los países, Cuba vino y se instaló en
Chile con elementos paramilitares y con armas. [...] Las consecuencias de mil años
de marxismo fueron [...] hambre, como ocurre hora en Venezuela […] Allende fue
derrocado por el pueblo que lo exigió a los militares derrocar un presidente que
había sido instalado fuera de la constitución por el poder legislativo. Los militares
recibieron la orden de su pueblo para liberar al Chile de marxismo. [...] Apesar de
que quieren pasar leyes em Chile que el que diga esto vá tener cárcel. Y yo les digo,
aquí estoy. Vengan por mi. Porque cairé yo, pero se llevantaron milles. Porque hay
que reescribir nosotros, desde nuestra posición, la historia. (Discurso José Antonio
Kast, líder político sem partido, e do Movimento de Direita Ação Republicana no
166
Chile, na I Cumbre Conservadora das Américas)

Termina seu discurso ressaltando que os princípios do Movimento Ação Republicana são:
Deus, pátria e família. E segue afirmando “Creemos en el Estado de Derecho, en el esfuerzo
individual, en una competencia justa” que possa enfrentar: a ameaça contra a vida; a
corrupção; a ideologia de gênero e os ativistas do amor gay; um Estado gigante que abusa dos
mais pobres; a imposição da educação pelo Estado, pois os primeiros educadores são os pais;
a imigração ilegal; e as organizações internacionais que tratam de “colonizar nuestros países”
(referindo-se às organizações de integração latino-americana encabeçada no período de
ascensão de governos populares e progressistas). Diretamente afirma a necessidade de libertar
Venezuela, Cuba, e Nicarágua.
Recentemente, em março de 2019, diante de freqüentes ameças de invasão estadunidense na
Venezuela pelo motivo do petróleo, é realizada no Chile uma reunião entre chefes de Estado
para discutir o futuro da região. Entre tantos outros participaram Mauricio Macri (Argentina),
166
Discurso completo disponível em: e https://www.youtube.com/watch?v=ZOwaJDG-gOI Acesso em janeiro
de 2019.
222
Martín Vizcarra (Peru), Ivan Duque Marquez (Colombia), Mario Abdo Benítez (Paraguai). A
reunião foi considerada pela imprensa brasileira como o enterro da UNASUR, e a criação de
outro processo de articulação regional denominada de PROSUL, ampliando o isolamento a
Nicolás Maduro e impulsionando relações bilaterais entre os países.
Este episódio é apenas mais um que demonstra o estágio da articulação ultraneoliberal no
continente. Processo este que se dá nas dimensões econômica, política, cultural e ideológica
na busca de resolver a crise do capital.
Enquanto isso, o ano de 2019 inicia desvelando duramente a barbárie contida na dinâmica que
envolve a crise estrutural do sistem de capital. No dia 25 de janeiro deste ano sucede um
gigantesco desastre sócio-ambiental, o rompimento de uma barragem de dejetos de mineração
da Companhia Vale do Rio Doce no Estado de Minas Gerais (Brasil), superando o desastre
ocorrido em 2015167. Uma grande quantidade de lama tóxica encobriu a comunidade Córrego
do Feijão na cidade de Brumadinho-MG, atingindo centenas de famílias na região, inclusive
as camponesas. Findava o mês fevereiro calculando mais de 200 mortos e cerca de 100
desaparecidos.
No mesmo período, ocorreu no México a explosão de um ducto da empresa Pemex (Petroléo)
matando cerca de 130 pessoas.
Um novo ciclo se avizinha, e se olharmos com atenção para a última década, houve um
acirramento da crise capitalista ao mesmo tempo em que uma crescente inflexão das lutas
articuladas internacionalmente antiglobalização neoliberal. A existência de articulações
internacionais contrapondo-se a este projeto se polarizou setorialmente, ou melhor, nas formas
particulares de organização da classe. Talvez na tentativa de construir proposições mais
contundentes superando a esfera apenas da denúncia e da crítica. Mas agora, com a
tempestade que se desenha ante a configuração de Estados totalitários e a destruição dos
parcos direitos sociais conquistados (dos trabalhadores, da natureza), os movimentos sociais
que se apresentaram como protagonistas das lutas sociais nas últimas décadas deslizam hoje
na terra empapuçada da luta de classes.
Esses movimentos sociais construídos até então, sejam eles nacionais ou internacionalmente
articulados, caracterizam-se em sua essência pelas lutas corporativas e reivindicação de
direitos sociais específicos, muito embora, vários deles carreguem junto a bandeira da
transformação social, especificamente pelo socialismo. Nesta formulação, a transição
socialista exige a mobilização e a organização popular das mais diversas categorias, que nas

167
No município de Mariana, Estado de Minas Gerais (Brasil), o rompimento de uma barragem de dejetos de
mineração da Empresa Samarco destruiu a comunidade Bento Rodrigues, chegando a 19 mortos.
223
lutas “democráticas” - dentro da ordem como afirmava Fernandes (1976), poderia numa
situação de acirramento, transformar-se em lutas revolucionárias (fora da ordem), sob a
condução de um instrumento partidário.
A tempestade a que nos referíamos está justamente no acirramento da luta de classes em nível
mundial, onde o Estado já não mais aportará sobre os direitos fundamentais - temas de
reivindicação dos movimentos sociais. A superação da ordem do capital exige aqui novos
desafios, para além da centralidade reivindicativa que regeu o último período em detrimento
da transição socialista. Permitir a recomposição de um Estado de Direitos não está no
horizonte do sistema de capital que bradeja em resolver suas crises.
Mas como respostas a este momento, ainda despontam movimentos populares de natureza
espontânea. Podemos citar como exemplo, os “Coletes Amarelos” em Paris (França), que em
sua composição agrega trabalhadores pobres e setores médios. O estopim para seu surgimento
ocorreu num contexto de aumento de impostos sobre combustíveis pelo governo de Macron,
mas pode ser considerado resultado da crise de 2008 que, influenciando mundialmente a
economia, neste país estagnou a renda da população associado ao crescente aumento no preço
dos bens de consumo. Enquanto o desemprego subia, no campo intensificavam-se os
empregos temporários e precarizados. Segundo Ruy Braga (2018) 168, o movimento sem
vínculo partidário ou sindical lista 42 reivindicações que de maneira geral buscam regular as
condições de vida dos trabalhadores. Entre elas, propõe mudanças institucionais, salários,
teto, investimentos em serviços públicos, e a regulação da migração. Esta última, uma
reivindicação populista e de ultradireita, coloca a migração num patamar de conflitos entre
trabalhadores em busca das migalhas das condições mínimas de sua sobrevivência.
É evidente aqui, que neste período muito mais agressivo de desenvolvimento do sistema de
capital, um dos desafios centrais é o instrumento organizativo. A centralidade de um mesmo
instrumento (movimentos sociais, que em essência são reivindicativos), para enfrentar a
brutalidade deste tempo, pode incorrer na dificuldade em construir as condições subjetivas
para uma transformação societária.
Aqui, mais do que nunca, é fundamental para a resistência à ordem dominante perguntar o que
poderia frear essa avassaladora racionalidade destrutiva. Quais meios, formas, métodos e
instrumentos organizativos poderiam conter essa destruição e conduzir a uma nova forma de
sociedade.

168
Ruy braga . O colete amarelo de E.P. Thompson. Blog da Boitempo: on-line, 10.12.2018. Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2018/12/10/o-colete-amarelo-de-e-p-thompson/ . Acesso em dezembro e
2018.
224
Portanto, o que enfrenta atualmente a CLOC-VC configura-se num cenário, onde por um lado
encontra-se a massiva destruição da natureza e espurgo dos direitos e garantias sociais
fundamentais dos trabalhadores (sejam eles urbanos ou do campo), e por outro lado, a
fragmentação identitária da classe trabalhadora. Também não há dúvidas que uma das
polarizações da luta de classes nesse momento histórico encontra-se no campo, e não à toa,
pois é espaço de recriação do capital através da acumulação extraordinária.
Até esse momento, a CLOC-VC tem apostado suas fichas na soberania alimentar, na
agroecologia, no feminismo camponês e popular, como elementos estratégicos fundamentais
para a construção dessa nova sociedade. E como parte cotidiana de sua efetivação, empreende
seus esforços na: luta pelos direitos camponeses; na defesa da natureza e da biodiversidade
como patrimônio da humanidade a serviço dos povos; na cooperação como forma de
produção; na formação política de seus integrantes como espaço de fortalecimento
organizativo e desconstrução da ideologia dominante. Para o movimento camponês
internacional, esse caminho pode fortalecer a luta política dos trabalhadores em geral, criar
novos valores, novas referências e novas contradições que contrapõe a dominação material e
imaterial do capitalismo.

4.2 A CLOC-VC E AS INICIATIVAS POPULARES DE GOVERNOS


PROGRESSITAS
Diante da incidência de políticas neoliberais e o crescente acirramento das lutas sociais a
partir do final da década de 1990, houve um período de ascensão de governos populares e
progressistas da América Latina, alguns mais radicais que outros. Desenvolvendo políticas
sociais de combate a pobreza, distribuição de renda, redução da desigualdade, e
fortalecimento da economia interna incorporando o conceito de economia solidária,
problematizaram alguns elementos da economia dominante e visibilizaram a possibilidade de
mudanças políticas, entretanto, com muitos desafios, ainda mais quando a perspectiva era de
construção socialista.
Como países exportadores de produção agro-mineral, o investimento nestas áreas de alguma
maneira contribuiu para o desenvolvimento interno, gerando maior renda e condições de
intensificar serviços públicos básicos para as populações desassistidas, mas, ao mesmo tempo
inflando a acumulação capitalista nacional ou transnacional – característica fundamental do
neodesenvolvimentismo. De maneira geral a política desses países se pautou em programas

225
fundados no neodesenvolvimentismo, ou na perspectiva do Socialismo Bolivariano
(Socialismo do Século XXI)
Na sequência, os mapas demonstram a territorialização de um período auge e um período de
refluxo destes governos populares e progressistas na América Latina.

Mapa 13 - Governos Populares e Progressistas na América Latina (2009-2013)

226
Mapa 14 - Governos Populares e Progressistas na América Latina (2016-2017)

O mapa 14 indica um período de refluxo destes governos e da retomada de governos do


campo da direita, ou conservadores. No caso do Brasil, o Golpe (2016) inicia com a
consolidação do impeachment da Presidenta Dilma Roussef.

227
Segundo dados da CEPAL (2018)169, entre os anos de 2002 e 2017 houve uma redução do
índice de desigualdade no continente. No caso do Brasil esta redução transcorreu até 2014,
voltando a crescer a partir de 2017. A porcentagem da pobreza e extrema pobreza diminuíram
significativamente entre os anos de 2002 e 2018. Os dados sistematizados acusam que de 226
milhões de pessoas em situação de pobreza no ano de 2002 passou para 184 milhões de
pessoas no ano de 2017, e, no mesmo período de 57 milhões de pessoas em situação de
extrema pobreza para 62 milhões de pessoas. Em média a situação de extrema pobreza
aumentou drasticamente a partir de 2015, depois de uma redução significativa até 2014. Este
indicador está relacionado ao aumento de investimentos públicos com proteção social, saúde,
educação, habitação e serviços comunitários entre os anos de 2009 e 2015(170). Investimentos
estes, realizados especialmente por governos populares e progressistas que chegaram ao poder
através de processos eleitorais.
Esse período também é marcado pelas iniciativas de Integração Latino-Americana para o
desenvolvimento regional como a ALBA, UNASUR e CELAC. Todas buscavam, para além
da economia, a associação e a cooperação para o fortalecimento do Estado-Nação. Uma
articulação solidária continental compondo um bloco histórico que buscava incorporar pautas
antineoliberais, mas dentro dos marcos do desenvolvimento capitalista. Os únicos países
declaradamente socialistas são Cuba e Venezuela, cada um ao seu modo.
Venezuela, buscando consolidar o Socialismo Bolivariano, ou Socialismo do Século XXI,
construiu uma riqueza de experiências na construção de poder popular, bem como no acesso à
saúde pública, educação pública, moradia e produção, fortalecendo as instituições sob a
perspectiva de criar condições objetivas para a transição socialista.
Em depoimento coletado em entrevista, a FNCEZ, organização da CLOC-VC de Venezuela,
reitera que sob a inspiração de Simón Bolívar e de Ezequiel Zamora, tem o papel de junto
com eles fortalecer a Revolução Bolivariana e construir poder popular. Tem como objetivos:

La guerra al latifundio como mecanismo para romper los restos del modelo feudal
capitalista de dominación sobre la producción y el pueblo pobre campesino;
Organización del campesinado sin tierra para una distribución justa de la misma, que
brinde las condiciones necesarias para una vida digna; La construcción del poder
popular como base de nuestro qué hacer diario; La batalla de las ideas es para el
Frente Nacional Campesino Ezequiel Zamora la lucha inclaudicable por ganarse el
corazón y la mente de nuestros paisanos, és el campo de batalla más decisivo, en la
que tendremos que combatirlas y los revolucionarios venezolanos para poder

169
CEPAL. Documento Informativo. 2018. CEPAL. Cepal: on-line, 2018. Disponível em:
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/44338/1/S1801133_pt.pdf Acesso em janeiro de 2019.
170
Dados disponíveis em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/44412/1/S1801085_pt.pdf .
Acesso em janeiro de 2019.
228
concretar el sueño Bolivariano; Asumir la organización, formación y movilización
del pueblo en esta lucha por construir conciencia social, por construir hegemonía
revolucionaria; Luchar por la eficiencia, calidad del Gobierno y sus programas ya
que esto se traduce en la mayor suma de felicidad posible para el pueblo, en salud,
vivienda, educación, entre otras; Acelerar la revolución científica técnica y la
revolución agrícola; La lucha a muerte contra la corrupción y el burocratismo; La
igualdad de género como principio revolucionario. (Z.V. FNCEZ, Venezuela,
Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Cuba, uma referência histórica na resistência e no horizonte socialista, buscando resistir e se


reconstruir diante de um embargo econômico, comercial e financeiro comandado pelos EUA
que provocou enormes prejuízos humanos e econômicos desde outubro de 1960 até o
momento atual. Com alguns ensaios de cessação em dezembro de 2014 sob o governo de
Barack Obama, o bloqueio é retomado com brutal intensidade no governo de Donald Trump.
Outros países apresentaram propostas um tanto mais genéricas em relação à melhoria das
condições das classes trabalhadoras como condições para transformações sociais. Podemos
citar como exemplo, o Equador com o programa da Revolução Cidadã a partir do Movimento
Político Aliança País, e, a Bolívia através do Movimiento al Socialismo (MAS), caracterizado
pela forte presença indígena, a discussão do Buen Vivir e a construção de um Estado
Plurinacional.
Na Nicarágua (Daniel Ortega) e El Salvador (Salvador Sánchez Ceres) com a eleição de
representantes de Frentes Nacionais de Libertação, onde atuaram em outros tempos via luta
armada. No Paraguai (Fernando Lugo) com a Frente Guasú, e no Uruguai (Pepe Mujica) com
a “Frente Amplio”, organizando uma coligação de diferentes organizações de esquerda para a
disputa eleitoral. No Brasil, Chile e Argentina através de partidos político populares: Partido
dos Trabalhadores, Partido Socialista do Chile, e Partido Unidade Cidadã, respetivamente.
As respostas desses governos populares ao avanço da globalização neoliberal na América
Latina foram na contra-roda da história, desenvolvendo políticas sociais para as populações
menos favorecidas e estabelecendo alianças com movimentos populares de massa. Mas aqui,
algo de errado passaria e sem dúvida envolveu o papel das burguesias nacionais e das classes
médias neste tabuleiro.
Fatores da geoconomia e da geopolítica mundial acabaram afetando enormemente a base
econômica das políticas desses governos diante da crise mundial desencaderada em 2008. É o
caso da queda do preço do petróleo, ou, a quebra das comoditties agrícolas com aumento do
preço de grãos no mercado mundial. Estas situações influenciaram na estagnação ou na
redução das políticas sociais para as populações pobres, ao mesmo tempo em que se abriu um
período de voracidade contra estas políticas.

229
Um novo ciclo de governos de direita e ultradireita vão se estabelecendo, minando os espaços
e acordos de integração já estabelecidos. Agora com uma proposição muito mais
conservadora em todas as dimensões do que os governos na década de 1990. Diante do
impasse em resolver a crise mundial, governos “autocráticos” vão se estabelecendo, como
demonstram os mapas abaixo:

Mapa 15 – Governos na América Latina (2018-2019)

230
Os anos de 2018 e 2019 retratam a guinada em nível continental dos governos e programas
antipopulares.
Seria fundamental sistematizar as experiências destes governos populares e progressistas em
suas estratégias, lições, os equívocos e os desafios. Analisar com profundidade os motivos da
derrota em suas múltiplas determinações é uma tarefa não somente de quem estava à frente
desses processos, mas de toda a esquerda continental. Entender os porquês das “Forças
Populares” (em toda sua diversidade de concepções) construídas até então conseguiram
edificar apenas processos como esse, que nem tão radical fora. Entender quais estratégias
foram desenvolvidas neste período anterior e em que elas foram absorvidas pela estrutura do
sistema capitalista. Entender as contradições existentes entre esses governos e os movimentos
sociais do campo.
A base neoextrativista mineraria e energética, e de produção de comoditties agrícolas das
políticas neodesenvolvimentistas não deixou de evidenciar a contradição junto aos
trabalhadores do campo, pois o fortalecimento destas incidia diretamente na vida do
camponês, dos povos indígenas, quilombolas/palenques, dos ribeirinhos e comunidades
tradicionais.
Outro aspecto importante a ser analisado é a questão das alianças destes governos populares e
progressistas com os movimentos sociais populares. No caso da posição política da CLOC-
VC a respeito das alianças, percebemos que é indispensável a articulação com outros
movimentos populares do campo e urbanos que tenham afinidade de projetos em torno da
Soberania Alimentar. Mas também, com ONGs progressistas, governos populares eleitos nos
diferentes países do continente, e com as alianças de integração construídas por estes
governos como a ALBA, através da ALBA Movimientos171.
Num balanço histórico realizado na V Conferencia da Via Campesina em Maputo172 (2008) a
o movimento internacional camponês avaliou a situação deste diante de governos que se
encontravam mais abertos às propostas da Via Campesina, como o caso da Bolívia,
Venezuela, Nepal, Mali e Indonésia, entre outros. A definição era de construir possibilidades
de cooperação e estabelecer alianças estratégicas com os mesmos, sobre o insistente princípio
de absoluta autonomia, embora com enormes tensões.
171
ALBA Movimientos é uma plataforma de movimentos e organizações sociais e populares hacia el ALBA na
construção de um projeto político continental com perspectiva anticapitalista, antiimperialista, antiracista,
feminista, ecologista e por um socialismo indo-afro nuestro americano. Maiores informações estão
disponíveis em: https://www.albamovimientos.org/ . Acesso em abril de 2019.
172
LA VIA CAMPESINA. Evaluación del Trabajo hecho por la Vía Campesina. In. Documentos Políticos de la
Via Campesina. Jakarta: Secretaria operativa Internacional de la Via Campesina, mayo de 2009. Disponível
em: Documentos Políticos da Via Campesina seguem disponíveis em: https://viacampesina.org/es/wp-
content/uploads/sites/3/2010/03/COMBINED-SP-5-FINAL-min.pdf Acesso em agosto de 2018.
231
Essas tensões podem ser percebidas num depoimento coletado em entrevista com H.P.M.R,
representante do coletivo de juventude da FENACLE (Equador) realizada em fevereiro de
2017, que reconhece a contradição existente nas alianças da CLOC-VC com governos
progressistas, e seus projetos neoextrativistas. Relata que houve vários tensionamentos entre
os movimentos indígenas e as cinco (5) organizações que fazem parte da Via Campesina no
Equador na medida em que a aliança com o governo da “Revolución Ciudadana” significava
o apoio ao neoextrativismo e à mineração, afetando justamente as populações indígenas.
Neste país, apenas uma organização indígena faz parte da CLOC-VC, pois esses conflitos
ainda não resolvidos têm impedido a entrada oficial de outras.
O entrevistado apontava a todo o momento que o fato de que “ahora somos gobierno”
carregava enormes contradições para os movimentos sociais.
Uma interessante síntese da extensa discussão sobre o tema esteve presente na exposição de
Luiz Andrago por ocasião da abertura do V Congresso no Equador:

[…] Las victorias electorales en América Latina de gobiernos ha significado el


inicio de la derrota del proyecto de las élites y de los organismos internacionales, la
inclusión en las plataformas de estos gobiernos de varios elementos de nuestras
luchas, esto les compromete (a los gobiernos), nos compromete (a las
organizaciones y movimientos sociales) y nos exige una mayor participación, pero
una participación con absoluta autonomía, manteniendo nuestro rol como
organizaciones y movimientos sociales. También es necesario que estos gobiernos
den pasos en torno a una verdadera transformación política, social y económica.
173
(Luiz Andrago, 2010, Equador)

Alguns anos mais tarde, num balanço político realizado por “LA VÍA CAMPESINA” (2013),
um texto de Carlos Vicente, representante de uma organização aliada, afirma que há grandes
desafios sobre a questão das alianças com governos progressistas, pois “las diferentes alianzas
que construímos con gobiernos „amigos‟ son las corporacionas las que tienen finalmente la
ultima palavra”. E continua:

Las contradicciones que estamos enfrentando en América Latina son hoy evidentes
y deben servirnos para reflexionar y avanzar en construcciones que no sacrifiquen
nuestra autonomía, nuestra capacidad de actuar y nuestra posibilidad de seguir
ejerciendo la resistencia. (VICENTE In LA VIA CAMPESINA, 2013, p. 3)

A discussão em nível internacional da autonomia do movimento frente às diferentes parcerias,


de alguma maneira tensionou as organizações sociais de base a refletirem sobre situações
vivenciadas em seus países e os possíveis riscos na relação com estes governos, mesmo que
173
Discurso completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/i-asamblea-continental-cloc-
vc/discurso-de-luis-andrango-en-apertura-del-v-congreso-de-la-cloc . Acesso em dezembro de 2018.
232
populares e progressistas, mesmo que com projetos políticos semelhantes ou consensuados.
Aqui nos referimos ao papel da estrutura do Estado numa sociedade capitalista e as mudanças
endógenas que necessitam ser realizadas na perspectiva de construção de uma nova forma
societária.
Percebemos que nestes documentos e debates elaborados pela CLOC e pela Via Campesina, a
preocupação central na questão das alianças com governos progressistas e populares, é a
autonomia do movimento. Sabemos que muitos de seus integrantes em diferentes países
participaram ativamente do Estado buscando contribuir no desenvolvimento do programa e
das políticas sociais propostas. E que nas alianças muitas atividades foram desenvolvidas no
intuito de afinar as pautas da classe trabalhadora do campo. Em alguns casos, pequenos
avanços, em outros, somente o eco das palavras de ordem nas ruas.
Muitos movimentos sociais partícipes da CLOC-VC carregavam a expectativa de que a
pressão social junto aos governos progressistas poderia acarretar mudanças significativas e
estruturais, possibilitando um salto de qualidade em seus programas e tornando-os
essencialmente populares, para além de sua dinâmica neodesenvolvimentista. Mas essas
mudanças estruturais não chegaram. Com excessão da especificidade de Cuba, da Venezuela,
e em vários aspectos na Bolívia, que traçaram caminhos mais contundentes de mudanças
significativas.
A expectativa de que a articulação entre mobilização popular e a implementação de medidas
governamentais populares favorecessem as classes trabalhadoras, marcando o ritmo das
transformações na medida em que os conflitos fossem se acirrando, não vingou como
esperado. Parecia ser necessária maior sagacidade no que diz respeito à modificação das
estruturas institucionais de poder popular, assim como, o aprofundamento da construção de
um projeto ético-político alternativo ao capital e de base socialista, que se desagregasse de
soluções meramente reformistas. Mas como isso poderia se concretizar diante das amarras que
concretavam o caminho traçado? Algumas análises diriam que era necessário construir
melhores condições para o salto desejado que ainda não estava dado, outras diriam que esses
governos foram desviados de sua trajetória original.
Os últimos acontecimentos que demarcam a conjuntura política e econômica da América
Latina apontam a necessidade de um olhar mais atento e crítico para esta questão: responder
com neodesenvolvimentismo o “neoliberalismo”, aglutinando as forças populares na
perspectiva de mudanças sociais gradativas.
Um olhar mais atento para como o movimento camponês internacional foi se consolidando
nesta conjuntura tumultada, cheia de trilhas e estradas que se encontravam e desencontravam-
233
se, indica a necessidade de analisar outros elementos que compõe um balanço político do
papel que a CLOC-VC assumiu até o momento na luta de classes em nível mundial.

4.3 A CLOC-VC NA LUTA DE CLASSES


As lutas insurgentes e de resistência desde a década de 1990 carregaram a bandeira da luta
antiglobalização neoliberal. Entre as organizações e movimentos sociais que atuaram
intensamente neste período, muitas carregavam a bandeira do socialismo, muitas com uma
perspectiva libertária, e outras ainda circunscritas em suas bandeiras identitárias pontuais. O
EZLN, a CLOC-VC, e a Ação Global dos Povos levantando a bandeira abertamente
anticapitalista e antiimperialista.
Um breve balanço realizado por BRINGEL e MUÑOZ (2010)174 sobre os movimentos
mundiais anti-globalização desde a Batalha da Seatle, passando pelas mobilizações contra a
guerra do Iraque e os protestos contra a implementação da ALCA, aponta um certo
esgotamento, “uma etapa de crise como ator” já na primeira década do século XXI. Para os
autores esse esgotamento não apagou seu legado, que tem sido recuperado e assumido em
uma nova fase da luta mundial.
Sobre as possíveis causas desta crise dos movimentos antiglobalização, os autores apontam a
heterogeneidade na perspectiva política, seja referente ao posicionamento perante o Estado
(anarquistas, socialistas e social-democratas), assim como uma crescente debilidade nas
convocatórias globais que envolviam importantes debates sobre o desmascaramento do
modelo neoliberal e suas conseqüências. Outro aspecto refere-se à dificuldade em construir
proposições mais contundentes e articular respostas duradouras frente à crise global do
capital. A dependência de visibilidade de suas ações na grande mídia foi aos poucos diluindo
sua cobertura.
O Fórum Social Mundial, com o lema “Outro Mundo é Possível”, caracterizou-se numa forte
participação de instituições e ONGs (essencialmente pela busca de justiça global). Construiu
importantes reflexões críticas sobre a globalização neoliberal, constituiu-se num espaço de
intercambio e conexões, mas restringiu-se a esta dimensão. Já a Ação Global dos Povos
caracterizava-se como instrumento de coordenação dos movimentos de base em todos os
continentes com o lema “Nossa resistência será tão global como o capital”. Esta, com maior

174
BRINGEL, Breno; MUÑOZ, Enara Echart. Dez anos de Seatle, o movimento antiglobalização e a ação
coletiva transnacional. Revista Ciências Sociais Unisinos. São Leopoldo, Vol. 46, N. 1, p. 28-36, jan/abr
2010. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/ciencias_sociais/article/viewFile/168/38 Acesso
em janeiro de 2019.
234
participação de movimento sociais de base, se posicionou abertamente contra o capitalismo e
suas estruturas dominantes. Uma importante diferença estratégica havia entre estas duas
organizações, embora as duas estivessem buscando construir as possibilidades de resolução da
crescente desigualdade. (BRINGEL; MUÑOZ, 2010).
A debilidade destes processos fez com que as lutas se diluíssem em protestos particulares e
setoriais, como por exemplo, a Via Campesina, ou a Marcha Mundial de Mulheres. As
próprias “plataformas dinamizadoras” FSM e Ação Global dos Povos descentralizaram suas
atividades coletivas. Esta debilidade na coordenação global da luta tem relação com a
dificuldade de manter a “alta intensidade de conflito” durante um longo tempo, mas em certos
casos também ocorreu devido à absorção total ou parcialmente de pautas antiglobalização
pela agenda política neoliberal. Neste caso, movimentos reivindicativos que tiveram
incorporadas suas demandas políticas tiveram um esvaziamento crítico, foi o caso de algumas
agendas ambientalistas com base no capitalismo verde. (BRINGEL; MUÑOZ, 2010)
Num balanço histórico realizado em Maputo (2008)175, a Via Campesina demonstra
preocupação com estes movimentos sociais aliados que tinham certa debilidade em nível
internacional, faltando inclusive coordenação de suas ações. Analisa também que o Fórum
Social Mundial não conseguiu aumentar seu impacto pela falta de um enfoque político, que
ele deveria ser um espaço de definição das lutas contra inimigos comuns, não somente uma
plataforma de intercambio de idéias e experiências. Nessa lógica, analisam a importância de
voltar a atenção para suas organizações de base na tentativa de fortalecer e consolidar uma
plataforma propositiva comum.
Em depoimentos coletados em entrevista, é possível identificar a busca de da CLOC-VC em
fortalecer duas novas plataformas de articulação internacional da luta para a construção da
unidade campo e cidade, especialmente no continente. Uma delas é a ALBA Movimentos, e a
outra, ainda mais recente, a Articulação Internacional da Juventude em Luta.
É neste contexto geral que a CLOC-VC vai se consolidando. Destacamos abaixo algumas
reflexões em torno de quatro aspectos que consideramos centrais para a análise de sua atuação
junto à luta de classes como um todo: a) da consciência de classe em si; b) a luta pelos direitos
camponeses; c) o seu programa político estratégico, e d) sua forma organizativa.

175
LA VIA CAMPESINA. Evaluación del Trabajo hecho por la Vía Campesina. In. Documentos Políticos de la
Via Campesina. Jakarta: Secretaria operativa Internacional de la Via Campesina, mayo de 2009. Disponível
em: Documentos Políticos da Via Campesina seguem disponíveis em: https://viacampesina.org/es/wp-
content/uploads/sites/3/2010/03/COMBINED-SP-5-FINAL-min.pdf Acesso em agosto de 2018.
235
4.3.1 Da Consciência de Classe em si:
No primeiro dia da VII Conferência da Via Campesina em Dério, um camponês basco explica
as origens do movimento internacional:

La Vía Campesina nació para dar voz a quienes no tenían voz, para activar el papel
de liderazgo de los movimientos campesinos. En ese momento, se trataba de algo
intuitivo: sabíamos que queríamos tener nuestra propia voz. El primer paso fue
juntar a todos los movimientos que se oponían a las políticas neoliberales, construir
una cultura campesina de solidaridad, crear una conciencia de clase como
campesinas/os. Decidimos construir una identidad de abajo arriba que no se basara
en el patriarcado. Queríamos tener un movimiento autónomo, libre de poderes
políticos y económicos. Queríamos estar en las negociaciones internacionales que
tratan sobre las políticas alimentarias y agrícolas. En ese momento, ya éramos un
movimiento diverso y queríamos ser diversos en todos los sentidos. Fue un
momento único. Los tratados de libre comercio estaban bien vistos, incluso por gran
parte de la izquierda; nadie se oponía al libre comercio. Sin embargo entendíamos
que el libre comercio era el principal instrumento de violencia contra nuestro modo
de vida campesino. El primer debate que tuvo lugar trató sobre la Organización
Mundial del Comercio. Comenzamos a luchar con audacia. Comenzamos a romper
el discurso de «no hay alternativa» que emplean las grandes empresas cuando se
refieren a la modernidad, a la tecnología y a la productividad. Ya estaba claro en ese
momento, en el año 1993, que la crisis en la agricultura campesina había comenzado
a generar pobreza y olas migratorias. Este fue el contexto de la lucha ideológica;
desafiamos el monopolio del pensamiento. Antes de esto sólo existía una única voz
en los debates que trataban sobre la agricultura: la de las empresas y los grandes
terratenientes. Hoy somos muchos más movimientos sociales luchando contra este
modelo. Hoy luchamos como una sola voz contra las grandes empresas. (LA VIA
176
CAMPESINA, 2017, p. 1)

O relato acima destaca a importância desta articulação de movimentos sociais contra as


políticas neoliberais em dimensão internacional para a construção da própria consciência de
classe dos camponeses, de uma identidade de classe que deveria expressar-se de maneira
autônoma frente aos poderes políticos e econômicos.
Sabemos que o tema da consciência de classe está imbricado à formação das próprias classes,
e como apontava Fernandes (1975), a formação histórico-social e a forma como o capitalismo
se objetiva na América Latina indicam como vão se manifestando essas classes sociais.
A primeira premissa, portanto, que indica a formação das classes é a posição nas relações
sociais da produção capitalista. O acesso ou não aos meios de produção que medeiam a
relação ser humana-natureza para fazer acontecer a própria existência é um fator central na
composição da classe. De maneira muito genérica as duas classes antagônicas nesse sistema
(burguesia e trabalhadores), assim o são em primeira instância porque uns detém e

176
LA VIA CAMPESINA. Informe de la VII Conferencia Internacional. La via Campesina. Euskal
Herria/Pais Basco: La Via Campesina, dezembro de 2017. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/informe-vii-conferencia-internacional-de-la-via-campesina/ Acesso em
setembro de 2018.
236
concentram os meios de produção, e outros apenas a força de trabalho, ou ainda parcas
condições de acesso para sua subsistência. Como comentado anteriormente, o sistema
capitalista, desenvolvendo-se de maneira desigual e combinada, movimenta também as
condições objetivas nas quais asseguram a exploração ou ainda a subsunção de trabalhadores
aos seus interesses. Assim, essas condições objetivas da formação e da existência da classe
trabalhadora estão em constante movimento.
Entretando, classe social não se define somente pela sua posição formal nestas relações de
produção. Ela carrega uma segunda premissa tão importante quanto a primeira que é a
consciência de classe. A classe em sua posição somente se torna classe quando se coloca em
movimento por seus interesses. Mas consciência de classe também não é um ato único. Como
mencionamos anteriormente, ela é processo que envolve avanços, retrocessos, paralisias e
burocratizações, envolve a questão da alienação, da ideologia, da mobilização, da
organização, da particularidade e da universalidade, da consciência em si (consciência social)
e da consciência para si (consciência revolucionária).
Iasi (2006) analisando o conceito de classe busca situá-la no momento do movimento em que
ela se constitui diante da totalidade. Para o autor, os determinantes que a caracterizam o ser
social da classe passam pela: a) posição mediante os meios e as relações de produção, o que a
situa historicamente, mas que é insuficiente para caracterizá-la; b) sua posição diante da
“contradição histórica entre o avanço das forças produtivas e as antigas relações sociais de
produção; c) a ação concreta da classe a partir da sua organização coletiva que busca
materializar suas pautas no chão da história tornando-a classe - “é somente na ação” que as
contradições da classe podem ser superadas; d) na consciência da classe que se expressa em
sua posição política mediante os conflitos e contradições existentes e na “difícil passagem de
uma classe em si para uma “classe portadora de uma alternativa societaria para além desta
ordem determinada”. (IASI, 2006. p. 336-340)
O principal determinante que objetiva a classe é sua ação. Nela se expressa a síntese mais
concreta do que ela é e do que pode tornar-se. Todavia é necessário considerar que um
instrumento organizativo pode constituir-se numa importante força motriz atuando como
dirigente da classe e pedagogicamente para os avanços da consciência de classe.
A questão central que perpassa as discussões desse estudo é a necessidade emergente da
superação da consciência social para uma consciência revolucionária, dos vários segmentos
identitários de classe consolidar-se como classe trabalhadora para si. Mas, identificamos que
nesses últimos anos perceptivelmente a consciência em si predominou na forma da
organização política movimentos sociais, mesmo que internacionalmente. Os instrumentos
237
organizativos que devem conduzir a luta em seus diversos patamares e possibilitar o avanço
da consciência foram predominantemente em si, e os instrumentos partidários com uma
função mais abrangente, estiveram envolvidos numa estratégia que buscava articular as lutas
democrático-populares à construção do socialismo.
Na América Latina, ao passo que as classes dominantes nacionais consolidavam-se sob o
perfil da dependência, da subserviência ao imperialismo e da autocracia, os vários segmentos
da classe trabalhadora foram, especialmente nos últimos anos, fragmentando-se em lutas
identitárias, algumas com identidade de classe, outras com identidade em si mesmo.
No campo, as condições objetivas da formação social das classes trabalhadoras estão cada vez
mais ríspidas conforme demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho. A intensidade da
expropriação, exploração e subsunção dos sujeitos coletivos que vivem no campo cada vez
mais brutal. E no quesito consciência de classe, que consolidaria as classes trabalhadoras do
campo, encontra-se num momento de múltiplas identidades expressas em seus movimentos
sociais: movimentos camponeses, indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, atingidos
por barragens ou pela mineração, povos das florestas. Todos imersos na crise estrutural do
sistema de capital que os alcançam de maneira desigual e combinada.
Perguntamos-nos nesse momento se a CLOC-VC, buscando articular toda essa diversidade
existente, poderia conduzir à consolidação de uma classe em si, visto que é um instrumento
que tem constribuído enormemente no avanço da consciência de classe (das classes
trabalhadoras do campo). Embora esta questão exija um aprofundamento cuidadoso do
estudo, o que por ora podemos destacar é que uma classe social se forma na luta contra seu
adversário. Para este movimento internacional, o adversário comum é o capitalismo e o
imperialismo, que no campo se expressa através dos projetos minerários, extrativistas e do
agrohidronegócio, o que possibilita de antemão a organização dessas classes apreendendo-se
como classes.
Uma das características centrais da CLOC-VC é que se configura como um instrumento
organizativo que agrupa as diferentes identidades do campo, a diversidade em nível
internacional. Neste sentido, podemos afirmar previamente que essa característica pode ser
um momento do movimento das classes trabalhadoras do campo assumindo-se como classe
em si.
A construção da consciência de classe em si deste movimento camponês internacional foi
constituindo-se nos seus enfrentamentos e posicionamentos diante dos adversários que a cada
passo tornavam-se mais evidentes.

238
Num primeiro momento de sua constituição a Via Campesina busca consolidar-se como uma
da articulação/movimento autônomo em sua representação, declaradamente em oposição à
globalização neoliberal e suas conseqüências para a agricultura. Para isso foi necessário fazer
o enfrentamento ao papel das ONGs junto aos movimentos sociais do campo. Outro aspecto
que marca sua consolidação é sua perspectiva progressista de luta, diferenciando radicalmente
do posicionamento da organização internacional de agricultores – a IFAP. Esta última, como
organização corporativa do campo em geral (grandes e pequenos produtores agrícolas),
assumia uma postura claramente conformista para com o sistema dominante. Marcava-se aqui
uma posição de classe camponesa, não de um movimento de agricultores em geral do campo.
Essas definições deliberadas na Conferência de fundação da Via Campesina foram retomadas
em vários momentos que seguiram para resolver conflitos internos que se arrastaram nos
primeiros anos de sua trajetória.
A premissa apontada por Bogo (2010) de que o processo organizativo forja uma classe,
sinaliza que qualquer iniciativa educativa ou de assistência técnica desvinculadas dele
“estacionam na esfera assistencial, burocrática, que tende a ajudar o Estado a oferecer
serviços que o capital ainda permite”, dissimulando a luta de classes. O ponto de partida da
formação de uma classe social, que é o lugar que ocupa na produção, não é suficiente para
explicar o seu nascimento, mas fundamentalmente a organização dos “indivíduos dispersos”
que assimilam idéias e constroem propostas de uma nova forma de existência, que participam
dos conflitos e deles constroem uma “compreensão coletiva que se forma da realidade”. O
autor ainda afirma que a causa pelo que se luta (como consciência das contradições) é
educadora na construção da identidade de classe. (BOGO, 2010, p. 141-149)
Lambert (1975), um camponês da França que atuou no Partido Socialista Unificado, escreve
uma obra interessante a partir de sua trajetória. O primeiro destaque que gostaríamos de fazer
é seu relato de que apenas quando pequenos e médios camponeses começaram a discutir e
organizar-se, identificaram os conflitos de interesses que existiam entre os grandes e pequenos
produtores. Esta descoberta se deu através da prática política e na construção de um programa
agrícola que levasse em conta o controle de preços de produtos. Seu conseqüente fracasso
evidenciou que uma política de mercado possibilitava vantagem econômica para alguns e para
outros endividamentos. A herança corporativa, independente de classes sociais do campo, se
desfez. Uma herança, que segundo o autor, se efetivou no momento da separação campo e
cidade, especialmente no século XIX onde o desenvolvimento das cidades provocou a
constituição de uma espécie de sociedade do campo baseada na propriedade da terra.

239
O autor também busca desconstruir outra herança atribuída ao camponês como categoria
conservadora nos processos e transformação, a herança do compromisso com a burguesia.
Lambert (1975) afirma que qualificar de capitalista qualquer agricultor é uma atitude
simplista que não contribui para a tomada de “consciência revolucionária em bases
proletárias”, e representa uma maneira demagógica de conduzir a discussão e análise,
tornando-se uma “má pedagogia revolucionária”. (LAMBERT, 1975, p. 75)
Esse tema está relacionado com as condições materiais nas quais se conforma a base da classe
camponesa. Na França, esse processo se deu numa tripla direção: pauperização do camponês
geograficamente mal alocado; a proletarização daqueles camponeses desprovidos de capitais
próprios que aceitam a dependência econômica e estreita relação com a indústria agrícola; e, o
desenvolvimento de um setor capitalista no campo. (LAMBERT, 1975, p. 88-99)
Ao olhar para a base material de composição dos sujeitos que compõe a Via Campesina, e em
especial da CLOC, podemos identificar: pequenos e médios camponeses que embora tenham
a propriedade da terra vivem em precárias condições de acesso à tecnologia e créditos para a
produção, inclusive em territórios mais inóspitos; trabalhadores que perderam suas terras por
endividamentos (sem-terras); assalariados rurais; e, indígenas, comunidades tradicionais,
afrodescendentes que resistem constantemente em territórios de disputa pelo capital para fins
de exploração dos recursos naturais.
Essas condições materiais para fazer acontecer à vida no campo o colocam inicialmente em
oposição direta ao capitalista. Mas isso não basta para a consolidação das classes
trabalhadoras do campo. Elas se constituem no fazer-se enquanto classe, na medida em que
toma consciência de si.
Os documentos da CLOC-VC apontam que o movimento identifica-se como uma organização
de trabalhadores do campo, a partir de uma concepção de que é trabalhador aquele que vive
do trabalho para sobreviver, seja ele indígena, negro, camponês ou assalariado. A forte
incidência indígena e toda sua “cosmovisão”, mesmo com características tão peculiares,
indentificam-se neste movimento internacional por serem atingidos pelos mesmos problemas.
A identidade indígena, tão quanto a identidade de comunidades quilombolas/palenques parece
não se diluir na indentidade de um movimento internacional de organizações que se
denominam camponesa. Pelo contrário, percebe-se que há uma necessidade de expressar todas
estas identidades dentro da organização internacional. Isso fica muito evidente nos momentos
místicos, na conformação das mesas de debate durante os congressos e conferências, e
também na forma organizativa que busca contemplar toda essa diversidade.

240
Neste sentido é possível dizer há uma consolidação de identidade de classe no que se refere à
construção das lutas e resistência antiglobalização neoliberal, que se apresenta como
camponesa, mas emerge de uma multitude de formas de produzir a vida trabalhadora do
campo. Foi no decorrer das lutas e enfrentamentos, nos debates internos, no aprimoramento
da forma organizativa, e na definição das linhas estratégicas que esta afirmação identitária de
classe se deu, forjando a consciência de classe em si.
Como afirmado em uma das entrevistas realizadas:

Então, eu acho que pela primeira vez na história, eu falo com essa ousadia, nós
temos um movimento camponês que com a sua clareza que a luta, a luta do campo,
não são lutas apenas dos povos do campo. Mas não é possível pensar outro projeto
de sociedade sem você re-significar o campo, o papel da soberania popular, o papel
da soberania nacional, o papel da produção dos alimentos, o papel como guardiãs e
guardiões da terra e da biodiversidade e dos bens da natureza. (I.M., MST, Brasil.
Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Outro aspecto importante no processo de construção da identidade de classe refere-se a seus


objetivos, sua perspectiva de futuro, de seu horizonte estratégico. Vejamos a questão da
seguinte maneira. A Via Campesina como um todo, tal qual sua organização regional, a
CLOC, se constituem a partir de objetivos e lutas, a saber: soberania alimentar; luta pela terra
e pela reforma agrária integral; agroecologia; direitos camponeses e contra a criminalização
das lutas sociais. Estes objetivos demarcam sua perspectiva de futuro para a agricultura e para
o campo. O que por si só demonstram resistência e enfrentamento ao estágio do
desenvolvimento do capital no campo e suas conseqüências.
Com isso podemos dizer que a Via Campesina é anticapitalista? A questão é um pouco mais
complexa. Em suas declarações, fica muito mais evidente o caráter anticapitalista na sua
última Conferência, quando no documento final afirma-se “que o sistema capitalista e
patriarcal não é capaz de reverter a crise em que vive a humanidade e seguirá destruindo o
planeta”.
Diferentemente, a CLOC, como parte da Via Campesina, defende abertamente seu caráter
anticapitalista desde os primeiros momentos de seu surgimento, na medida em que analisa o
papel do imperialismo diante das Américas, declara apoio e solidariedade à Revolução
Cubana, e afirma como seu horizonte histórico a construção do socialismo. As consignas do
IV Congresso, na Guatemala, “Sem feminismo não há socialismo”, e “Contra o saqueio do
capital e do império, América Luta”, ou o lema do VI Congresso (Argentina) “Contra o
capitalismo e pela soberania de nossos povos, América unida segue e Luta”, evidenciam
fortemente esta perspectiva.
241
Declarar-se anticapitalista, não necessariamente faz a Via Campesina construir um programa
de caráter socialista. De fato, não aparece como horizonte histórico deste movimento
camponês internacional, mas aparece de maneira bem contundente na sua organização
regional – a CLOC. Há tensionamentos internos com relação a esta perspectiva, inclusive no
que diz respeito à negação do socialismo ou ao questionamento de “qual socialismo estamos
falando” por organizações européias. Isso se deve provavelmente às experiências históricas ali
desenvolvidas, embora nos pareça muito simplista abordar esta questão apenas desta forma.
Seria importante compreender a fundo os motivos que levam à negação ou questionamento de
tal perspectiva, e mais, além da CLOC-VC, que outras regionais construíram ou
potencialmente podem construir esta perspectiva estratégica.
Perguntamo-nos se diante do avanço da crise estrutural do capital e de suas formas cada vez
mais duras de expropriação dos trabalhadores e destruição da natureza, haveria as condições
internas para aprofundar o debate de uma perspectiva socialista.
Bogo (2010) realiza uma análise em sua obra Identidade e Luta de Classes que nos parece
fundamental. Aponta que a resistência camponesa buscando alternativas constitui movimentos
populares e movimentos de classe. O que diferencia cada um encontra-se nos seus “objetivos
táticos e estratégicos” que “caminham para organização política de sua força”. Os
movimentos populares podem estar centrados somente em objetivos táticos e na medida em
que resolvidos completamente ou parcialmente podem dissolver-se. Mas na medida em que
transforma suas lutas de resistência para uma identidade de projeto assume um novo patamar
na luta de classes, onde mesmo sobre as bases de uma classe em si, com consciência de si, se
avizinha, pontualmente elementos da com consciência para si.
Evidentemente aqui, nos referimos a um projeto que contemple a emancipação humana, a
mudança radical das estruturas de dominação e exploração da sociedade capitalista que de
maneira desigual e combinada atinge toda a classe trabalhadora em suas diversas expressões.
Pois, como afirma Bogo (2011), a enorme energia na luta pela resistência com ausência da
compreensão do que se quer (o projeto), faz com que haja uma redundância às estruturas já
consolidadas da sociedade e torne suas fileiras como “meros cidadãos da ordem” - “é a
negação da negação que não conseguiu negar o necessário”, e assim não supera as
contradições necessárias. É o que acontece também com as resistências camponesas que
apenas servem à construção da “identidade arcaica de pequenos proprietários”, não
abrangendo assim a totalidade da transformação societária. (BOGO, 2010, p. 120-122)
Ao olhar para o projeto estratégico da CLOC-VC, observamos que a Soberania Alimentar é a
essência de sua proposta, que vinculada às demandas da terra, da água, das sementes, da
242
reforma agrária integral, da agroecologia/ biodiversidade, da cooperação e dos direitos
camponeses, possibilitariam uma mudança na estrutura agrária. É indubitável que na
perspectiva desta organização, estes temas também incidem numa mudança social. Entretanto,
é importante aqui fazer uma provocação. Seriam estes genuinamente anticapitalistas? Haveria
a possibilidade de um “capitalismo humanizado” absorver estas pautas? Muito embora, neste
tempo de crise estrutural seja remota a possibilidade de um “capitalismo humanizado”.
Temas como: justiça climática; agroecologia; direitos camponeses e indígenas; soberania
alimentar são temas passíveis de serem adaptados dentro da ordem capitalista? Possivelmente.
Há já um alerta na Declaração Final da VCI de Dério (2017) com a posição de “rechazar
qualquer forma de cooptação da agroecologia pelo agronegócio.”
O que distinguiria aqui seria justamente um projeto contundente pela emancipação humana.
Se essas pautas não estiverem vinculadas a um projeto revolucionário, podem fatalmente não
cumprir a tarefa camponesa na luta pela emancipação humana.
Nesta acepção, a perspectiva socialista do projeto estratégico da CLOC-VC é que faz a
diferença, aproximando um pouco mais a consciência social (com identidade de classe) de
uma consciência revolucionária. Mais uma vez recorremos às análises de Bogo (2010):

Essa é a verdadeira relação que a luta por resistência deve ter com a identidade de
projeto de classe, em que as pessoas que marcham reconheçam que estão fazendo as
duas coisas interligadas: a solução dos problemas imediatos e a transformação das
estruturas sociais e políticas, em que todas as carências de todos os que sofrem serão
sanadas (BOGO, 2010, p.123)

Mas construir um projeto de classe não é imediato. A construção da identidade do projeto


estratégico não é imediata. Exige que os ciclos, círculos, e espirais existentes nas contradições
internas ao movimento de resistência possam dialogar, confrontar, construir, analisar,
planejar, avaliar, e reconstruir suas ações coletivas (econômico e políticas) em combate às
formas de exploração capitalista. E isso não é trabalho de apenas uma geração, mas uma
tarefa histórica da qual as classes trabalhadoras que vivem neste tempo histórico, necessitam
dar continuidade.
Bogo (2010) afirma:

Mas a identidade de projeto de classe é um longo processo de construção e


reconstrução, que carrega em si muitas contradições, seja na vida social, na atividade
política, nos princípios e métodos organizativos, que influem na formulação
estratégica da tomada de poder e da construção da sociedade socialista, mas sempre
quer ir além no sentido e superação dos limites e obstáculos colocados pelo projeto
oposto. (BOGO, 2010, p. 124)

243
Há por exemplo, um embate histórico que envolve o pensamento reformista. Lambert (1975),
afirma que há uma mitificação na perspectiva “reformista” de transformação a qual
unicamente tem o objetivo de “integração ao modo de produção capitalista”, mesmo
apresentando-se com a pretensão de “transformar progressivamente a sociedade”. O autor faz
esta crítica na medida em que analisa situações onde camponesas (médios, pequenos e pobres)
se movem apenas pelo êxito pessoal e pelo acúmulo progressivamente de capital. Assim,
“dirigentes saídos desta corrente”, acabam celebrando “compromissos com a burguesia
querendo integrar-se ao sistema para beneficiar-se dele traindo a maioria dos camponeses
arruinados ou proletarizados pela economia capitalista”. (LAMBERT, 1975, p. 100-101)
O autor continua sua análise na qual o reformismo abrange um conjunto de interesses
individualistas sob um discurso genérico e vazio baseado em exigências impostas pela
economia, e isso conduz a atitudes políticas bastante precisas como a análise de que
manifestações populares são perigosas.
A mensagem que Lambert (1975) insiste em passar é que na luta de classes, os camponeses
devem atentar-se aos possíveis “encantamentos” de projetos reformistas, que não alterem a
fundo a estrutura social e busquem adaptar-se à ordem estabelecida em troca de pequenos
benefícios. Isso se efetiva na medida em que o movimento camponês deixa de “raciocinar”
sobre a propriedade da terra, a agricultura de mercado e mecanismos de distribuição alimentar
(meramente aspectos do sistema capitalista), e se atenta na organização do trabalho (principal
riqueza do camponês). Na medida em que constrói um novo tipo de programa superando a
consigna “terra para quem nela trabalha”, e fundamentando-se na apropriação coletiva da
terra. (LAMBERT, 1975)
Iasi (2006) afirma que o movimento da consciência expressa o movimento da própria classe,
carregando as mais diversas mediações que ligam “as determinações particulares e genéricas
que compõe o movimento que constiui o ser social”. O desafio de este ser social (da classe
trabalhadora) em superar suas amarras e formas anteriores de consciência encontra-se
justamente no movimento que o leva de sua “expressão cotidiana” ao “sujeito histórico”. Um
processo que se dá essencialmente pela ação coletiva da classe, pela ação que nega a
fragmentação, a serialidade, e recupera o ser social. (IASI, 2006, p. 25; 75; 117)
Para o autor, atribuir uma forma de consciência (se revolucionária ou se reformista) ao ser
social da classe trabalhadora é um equívoco, pois há no ser social como um todo, e em
especial no ser social de classe um movimento constante que aglutina determinações
particulares e também determinações universais que se chocam. É nesse sentido que podemos
afirmar o movimento constante da classe e da consciência de classe, pode diante de uma
244
infinidade de contradições, transitar entre aspectos de formas particulares de consciência em
si, e aspectos de formas universais da consciência para si. A chave deste movimento encontra-
se, portanto na contradição, ou ainda nas múltiplas contradições que venham ser evidenciadas.
(IASI, 2006, p. 119; 231)
Se voltarmos nosso olhar para a CLOC-VC é possível considerar que ela carrega a negação da
serialiedade individual e das múltiplas identidades de agrupamentos no campo (assalariados,
camponeses, sem terra, indígenas, etc) para assumir uma identidade comum de classe. Esta
negação não significa a eliminação, ou subsunção destas identidades, mas uma negação de
micro-particularidades grupais para a assunção de um luta comum com identidade de classe.
Tanto é que assumir-se como tal, o faz reafirmando as diferenças que nela se completam. O
que unifica aqui não é exatamente a classe camponesa em particular, mas as condições
objetivas de exploração, expropriação e subsunção que todas essas identidades vivenciam pela
voracidade e universalidade do sistema capitalista. O que também não significa que não haja
tensionamentos, mas a ação político-organizativa comum consolida essa diversidade de
trabalhadores do campo como consciência de classe em si.
Neste sentido, a classe que se coloca em movimento e confronto com o que a limita, com o
que a restringe, coloca em andamento uma nova proposta, constituindo sua própria identidade.
Ainda assim, caberia aqui recuperar uma provocação de Iasi (2006) que tomamos para refletir
as limitações da consciência em si. Em certa altura de sua obra ele apresenta a seguinte
questão: por que ao tentar “superar uma certa materialidade acabamos por reproduzi-la”?
(IASI, 2006, P. 310)
Observamos que a consciencia em si, nega aspectos particulares do sistema capitalista,
especialmente aqueles que as atinge diretamente, por exemplo, salários baixos, condições
insalubres de trabalho, a concentração da terra, acesso a crédito para a pequena agricultura, a
privação de acesso à água ou às sementes. E embora seja exatamente nessas particularidades
que este sistema se explicita, ele é hegemonicamente universal e concatenado. Dessa maneira,
na medida em que a ação concreta de luta se restringe apenas nas partes sintomáticas do
sistema, é bem possível que ocorra a reprodução de outros dos seus aspectos. Por isso, a
consciência em si, a consciência social tende a carregar ainda certa fragmentação, certa
serialiedade, na medida em que combate apenas aspectos particulares.
Esse é um impasse difícil de ser resolvido em si mesmo, visto que são nas expressões
particulares que a classe em si atua cotidianamente e nesta atuação desenvolve uma
consciência de si mesma, no entanto, o desafio da transformação estrutural da sociedade não

245
se dará nas pequenas mudanças, no combate ou controle dos sintomas, e por assim dizer
exigirá algo a mais.
Iasi (2006) aponta que uma chave fundamental para esse impasse é a necessidade de
identificarmos a “classe particular que tem a possibilidade de se converter em universal, assim
como as circunstancias em que esta fusão de classe” torne possível a superação deste tempo
histórico. Trata-se de encontrar a singularidade, ou de uma particularidade que apresente em
si bandeiras universais. (IASI, 2006, p. 323).
Sem dúvida, a classe que carrega a possibibilidade universal da transformação, é a proletária.
Mas como já comentamos, há uma dificuldade atual de assunção de sua tarefa histórica, não
porque não haja condições objetivas ou instrumentos que permitam elaborações, formulações
e ações que atinjam a estrutura do sistema, mas por uma confluência de razões diversas que a
fragilizaram nos últimos tempos. A questão aqui ainda se torna mais difícil.
Na oportunidade desta análise voltamos o olhar para o tema de nosso estudo, a CLOC-VC, e
nos perguntamos se haveria então a possibilidade de encontrar elementos universais em suas
lutas particulares que pudessem convergir para um projeto de mudança estrutural.
Consideramos que o movimento camponês internacional evidentemente carrega bandeiras
potencialmente universais, que na medida em que confrontam a dimensão particular do capital
que lhe atinge, carrega o gérmen de sua estrutura mais profunda.
Quais seriam os elementos estratégicos do progama da CLOC-VC que potencialmente seriam
universais, que se conectam a luta da classe trabalhadora pela emancipação humana? Não há
dúvida aqui, que o tema Soberania Alimentar transcende a pauta corporativa da reforma
agrária e dos direitos camponeses, muito embora sem estes, é impossível consolidar-la.
Podemos assim, considerar que este tema é uma das grandes contribuições do movimento
camponês internacional para além de si na atualidade da luta de classes. Pode ser um ponto de
convergência entre a consciência das massas despossuídas e as formas de consciências mais
avançadas neste tempo histórico.
Mas aqui há uma provocação importante. Haveria aspectos da ideologia entranhada na forma
da consciência de classe em si, ou consciência social? O que há de ideologia presente nas
formulações estratégicas para a transformação social? É importante considerarmos que a
ideologia tem sua raiz e se alimenta do mundo material, na forma de produção da vida, na
forma das relações sociais de produção, objetivando-se. Mundo esse no qual os sujeitos
assumindo-se históricos e agentes do processo de transformação social, o fazem neste
território, nesta materialidade e, portanto com a materialidade da ideologia e suas
contradições nas formas de compreensão do mundo.
246
Por este ângulo, aspectos da ideologia estão presentes na consciência da classe em si na
medida em as ações de luta se restrinjam aos sintomas da forma capitalista de produção. São
expressas inevitavelmente na própria fragmentação da classe, em suas pautas e seu projeto
fragmentado. Ela não está acoplada somente na forma de consciência alienada, mas na forma
particular da consciência de classe em si e quizás nos tensionamentos de uma consciência
forjando-se para si.
Não deveria ser motivo de espanto o fato da consciência social, ou consciência em si de um
tempo histórico, movendo-se dentro das velhas formas e de suas contradições, expressar as
contradições deste tempo, e elementos da ideologia dominante, pois as velhas formas de
consciência e seus resquícios se dissolvem completamente somente com o desaparecimento
do antagonismo de classes. Na medida em que novas relações de produção vão se efetivando,
outras questões entram em ação.
Portanto, a consciência da possibilidade de transformação social transita na práxis da vida
social, nas contradições da vida material e suas tendências, pressionando também as
mudanças na vida objetiva. Em nota marginal da obra Ideologia Alemã, Marx afirma que “Os
homens têm historia porque tem de produzir a sua vida [...]: isto é dado pela sua organização
física, tal como o é a sua consciência” (MARX e ENGELS, 2002, p.33).
Neste sentido, a história como premissa da existência humana, se produz no encontro
contraditório das relações sociais de produção-reprodução da vida humana, e, das formas de
consciência desta relação. É a história da luta das classes (na dimensão econômica e
ideopolítica), que possibilita a consciência de uma transformação societária, a mesma
consciência que simultaneamente e contraditoriamente encontra-se presa ao seu tempo
histórico e em todos os conflitos que nele estão latentes.
Tomemos como exemplo a questão da luta pela terra, quando é negado veementemente o
grande latifúndio ao mesmo tempo em que reafirmada a propriedade em pequena escala (seja
individual ou coletiva) para a existência camponesa. A propriedade ou a posse da terra é um
condicionante deste tempo histórico para sua sobrevivência e para a produção alimentar,
mesmo que na luta pela emancipação humana ela não seja um fim. O desafio de transformá-la
em propriedade coletiva interfere consideravelmente nas formas de consciência. Em tese
somente com a reconfiguração radical da estrutura de propriedade é possível atingir condições
objetivas para uma alteração significativa nas formas na consciência, embora sejam as
decisões conscientes que levariam as tensões ao seu limite para a realização dessas mudanças.
A consciência revolucionária da história (consciência para si), em verdade se faz na luta
política revolucionária. Pressupõe um movimento revolucionário que atuando nas fraturas do
247
sistema, fomenta e conduz as transformações necessárias. Talvez aqui coubesse a pergunta se
há um processo revolucionário em curso diante da crise estrutural do capital, se há um
movimento político revolucionário atuante diante da imensa fragmentação da classe
trabalhadora.
Fragmentação essa que se expressa nas diferentes organizações e suas lutas coorporativas,
como, por exemplo, a particularidade da luta pela terra, da luta pela moradia, da luta dos
desempregados, ou por direitos trabalhistas, da luta pela igualdade de gênero, contra a
discriminação racial, da luta pela educação pública, da luta pela preservação ambiental, ou da
luta pela água, enfim de lutas de caráter sindical. E também não podemos deixar de mencionar
sobre a difícil convergência entre partidos que contestam o sistema vigente.
A fragmentação condicionada pela estrutura e estágio do desenvolvimento capitalista teria a
possibilidade de unificar-se fora de uma situação revolucionária? Consideramos que uma
premissa incontestável é a própria necessidade de unificar essas fragmentações sob um
projeto político comum, onde diante de seus conflitos internos, poderá fazer surgir a
superação da consciência em si. Mas o que poderia unificar esses interesses corporativos a um
projeto estratégico revolucionário? Talvez a única questão que pudesse unificar de maneira
acelerada, ao passo que a crise do capital se aprofunda, fosse o risco iminente da existência
humana.
O gérmen do movimento político revolucionário encontra-se num enigma que envolve o
impasse da existência humana como abertura de uma situação revolucionária, e a consciência
revolucionária, porque da luta apenas pela sobrevivência já não mais seria a alternativa.
A divisão social e internacional do trabalho promoveu historicamente a reificação das classes
trabalhadoras em sua totalidade. É pelo desenvolvimento do capital, de maneira desigual e
combinada em nível mundial, que se forjam as bases materiais para as fragmentadas e
particulares formas de consciência. A organização particular dos diferentes fragmentos da
classe trabalhadora, portanto não é uma opção, mas advém da materialidade da vida dos
trabalhadores que se reconhecem e se organizam como classe em si a partir das situações que
vivenciam de maneira mais contundente. Somam-se a estas condições objetivas, as
divergências de análise conjuntural e/ou estrutural do capital, as divergências de programa e
estratégia, as divergências de método organizativo, ou ainda de concepção de revolução.
O fato é que um desafio imenso na atualidade se refere à superação da particularidade da
classe para a assunção da perspectiva universal de humanidade.
Ao analisarmos a CLOC-VC como movimento internacional de consciência social, mesmo
articulado a um projeto societário socialista, necessita para sua superação alguns
248
condicionantes que a impulsionariam: a situação revolucionária e um instrumento
organizativo revolucionário. O movimento pode conter um gérmen desta consciência
revolucionária, mas ela não nascerá de maneira coletiva se não estiver em relação com outras
classes sociais trabalhadoras em torno de um projeto revolucionário. Especialmente no que
diz respeito ao gérmen do proletariado, que carrega em si todas as condições objetivas para a
superação desta forma societária.
O que nos parece é que esse horizonte não se encontra em curto prazo. Há uma forte
incidência da ideologia mesmo no movimento de classe em si que impede e atrasa sua própria
superação.
Em relação à especificidade da consciência de classe em si - camponesa, Lambert (1975)
afirma que existem algumas alienações que tem eco na consciência e comportamento dos
camponeses. São “alienações segregadas pela própria sociedade burguesa e de que são vítimas
os próprios explorados” as quais não podem ser ignoradas nem recusadas, pois não
contribuiria para transformar as “estruturas intelectuais que o condicionam”. (LAMBERT,
1975, p. 27-28).
Entre estas alienações, o pontua: a ideologia do corporativismo, o mito da propriedade da
terra, o modo de vida baseado na exploração familiar, a marca duradoura da alienação
religiosa, o problema das formas escolares de dominação, e a intoxicação dos meios de
comunicação. O que o autor aponta como alienações, são na verdade expressões da ideologia
dominante que pode atingir o próprio campesinato organizado em classe. Isso indica que a
ideologia não é um todo compacto, mas se expressa particularmente em cada classe. Algumas
dessas expressões podem ser universais como, por exemplo, o corporativismo.
No que se tange ao corporativismo “do campo”, a Via Campesina rompe na medida em que se
posiciona e se distancia da IFAP, como mencionado anteriormente. Entretanto, a ruptura com
a representação dos interesses das classes dominantes do campo em nível internacional não
significou o rompimento do corporativismo como classe em si. É necessário um segundo
movimento que negue seus fragmentos de classe em particular para assunção da classe
trabalhadora em geral. Mas esta negação não significa a eliminação da existência da classe
camponesa em si, ou das identidades indígenas, pescadoras, quilombolas, e sim uma
reconstrução de sua identidade de classe dentro da totalidade da classe trabalhadora. É sensato
analisar de que esse processo não se dá apenas no âmbito da consciência, mas como
reafirmado em vários momentos no movimento da classe em si articulado com outras classes
em si na construção de um projeto societário revolucionário.

249
Em relação ao mito da propriedade da terra, o autor aponta que historicamente a propriedade
individual permitiu que camponeses se libertassem das tutelas senhoriais. Mas que dentro da
sociedade capitalista, as imposições de preço e da vivaz concorrência entre si, impulsionam a
criar um clima de individualismo na corrida pela eliminação das condições de pobreza,
inclusive da ambição de tornar-se um empreendedor na agricultura. (LAMBERT, 1975, p. 31-
32).
Dentro da ordem capitalista neste estágio de seu desenvolvimento, a reivindicação do direito à
terra é apenas um passo para a existência camponesa e para a produção de alimentos, mas de
maneira alguma significa uma “libertação” dos jugos da dominação. Já mencionamos o papel
da subsunção no controle da produção e da própria existência do campensinato. Trata-se de
uma fase de sua emancipação que não se encerra em si mesmo. Se a perspectiva de reforma
agrária integral defendida pela CLOC-Via Campesina não estiver articulada a um projeto
societário de transformação radical da totalidade do sistema, certamente a mesma estará
fadada a continuidade de sua subsunção ao inteiro comando do capital imperialista.
Sobre a questão do modo de vida baseado na exploração familiar, o autor analisa que as
formas artesanais de produção intensificam a jornada de trabalho da própria família na
unidade econômica em até 12 a 16 horas de trabalho por dia. Esse processo é conduzido pelo
sistema capitalista que explora duplamente, onde por um lado diminui as condições de vida
para obrigar a venda da mão de obra desses integrantes, mesmo que sazonalmente, e por outro
lado reforça tendências individualistas e patriarcais quando reafirma a exploração familiar na
unidade produtiva como um caminho para sua reprodução. A função da mulher nessas
unidades reforça um papel historicamente construído que a impedindo de participar de
organizações sindicais. Trata-se, portanto, de combater a forma societária em sua totalidade
que se manifesta de diversas maneiras para manter as relações de dominação. E nesse caso a
exploração da unidade familiar mantida sob relações de dependência é “um obstáculo a
tomada de consciência socialista”. (LAMBERT, 1975, p. 32-36)
As formas de cooperação e associação entre camponeses pobres, sem uma perspectiva de
projeto global transformador, não tem o poder de modificar o sistema capitalista, acaba por
tornar-se “capitalismo coletivo”. A tendência de encontrar nesses processos a solução para os
problemas desta classe, ainda não compreendeu a totalidade da dominação, mas, “a tomada de
consciência coletiva resulta de uma prática quotidiana e a agricultura de grupo é importante
nesse plano”. Práticas de solidariedade cotidianas fazem parte da pedagogia da consciência de
classe. Segundo o autor, a “marcha para o socialismo passa, imperativamente por uma
mudança nas mentalidades, nos comportamentos do dia a dia”, e, a questão da cooperação, da
250
solidariedade, da libertação das mulheres, é parte orgânica dessa caminhada. (LAMBERT,
1975, p.37-38)
A CLOC-VC tem marcadamente desde seu início buscado construir debates, reflexões, e
ações coletivas que coloquem em xeque a opressão da mulher na unidade familiar produtiva e
estimule sua participação política pela emancipação. Mais recentemente a formulação do
Feminismo Camponês e Popular toma corpo e integra-se como elemento estratégico da
organização, o que é considerado um avanço e um desafio ao mesmo tempo.
Quanto à marca duradoura da alienação religiosa, Lambert (1975) aponta que há uma dupla
questão. A religião ao mesmo tempo em que marca profundamente mentalidades baseadas nos
valores de solidariedade, fé, dedicação e coerência, também caminha em inculcar uma visão
maniqueísta do mundo. Confunde-se o “direito à propriedade”, arduamente defendido pelo
sistema econômico, com a liberdade, a concepção patriarcal de família e a desconfiança para
com a classe operária. (LAMBERT, 1975, p. 39-44)
O papel da escola, comparado ao da religião, impulsionou o respeito à ordem social
estabelecida, harmonizando as “relações sociais de trabalho construídas sobre a exploração do
trabalho pelos detentores do capital”. E embora a escola possa ter aberto o caminho para os
livros, seus programas e métodos pedagógicos conduziram os camponeses à subordinação,
ignorando seu conhecimento empírico, sua lingüística, suas experiências e abstrações. Para o
autor “a batalha escolar e universitária faz parte da luta de classes”, e deve assim ser assumida
pela classe trabalhadora em sua totalidade, inclusive pelos camponeses. (LAMBERT, 1975, p.
48-53)
Os meios de informação intoxicam quando veiculados pelos interesses dominantes. Estes
devem ser analisados friamente pela militância na busca de meios para combatê-los, bem
como a presença física no campo, na vida cotidiana das comunidades “é determinante para
favorecer a evolução dos espíritos”. A informação vinculada ao interesse dominante desde o
local à dimensão nacional deve ser trabalhada, questionada, ao mesmo tempo em que devem
ser potencializadas as informações críticas e desveladas. (LAMBERT, 1975, p. 54)
A CLOC-VC tem buscado construir escolas, espaços de formação política, e espaços de
comunicação popular que possam desenvolver a consciência crítica em oposição às suas
funções tradicionais de dominação e irradiação da ideologia dominante no sistema capitalista.
Busca fortalecer em seus espaços organizativos os valores difundidos pelas religiões
questionando seus aspectos deterministas e maniqueístas.

251
A construção de alternativas a essas expressões da ideologia dominante junto aos camponeses,
pode aqui constituir-se numa trava em longo prazo, quando não encaminhados num duplo
caminho, na perspectiva de Gramsci177.
O primeiro refere-se à socialização de conhecimentos críticos com um papel de construir uma
concepção de mundo baseada na unidade e coerência interna, e possibilitando assim a
passagem de “homens massa” para “homens coletivos”. A segunda é de que esse processo não
se dá numa dinâmica de substituição de uma forma de educação, ou uma concepção, ou uma
informação por outra, mas na árdua função de atuar nas contradições existentes nos aspectos
da ideologia dominante que se encontram na forma da consciência em si. Ou seja, a crítica da
própria consciência, da própria atuação da classe em particular, questionando os
conformismos que ali existem, conhecendo a si mesmo como produto de um processo
histórico que deixou uma “infinidade de traços acolhidos sem análise crítica”. Para o autor,
esse duplo caminho pode, no contexto da luta de classes, incidir na desconstrução da
ideologia dominante impregnada nas formas de consciência de classe em si.
A contribuição de Lambert (1975) a respeito do papel do camponês na luta de classes também
indica pistas para a luta socialista no campo. Entre as questões que são minuciosamente
detalhadas, destacamos as ações a serem desenvolvidas encontram-se a necessidade de
articular as conquistas parciais para sobrevivência com um projeto político mais amplo e de
caráter socialista. Entretanto, devem ser recusadas: a perspectiva reformista como caminho ao
socialismo que tem um caráter evolutivo e pode “petrificar a historia”; e qualquer forma de
socialismo autoritário e “vindo de cima”, onde apenas substitui o poder do capital por um
aparelho onipotente. A luta socialista deve fundamentar-se na democracia cooperativa
(LAMBERT, 1975, p.114)
A superação do “espontaneísmo sistemático” através da elaboração de um programa junto
com as massas e da criação de um partido de massas onde seja vital dar prioridade à
formação, à reflexão e ações políticas coletivas. Onde a militância possa, “na pedagogia das
expressões coletivas, violentas ou não, na escolha de alianças”, saber dar significado político
mais amplo às “lutas parciais, mas essenciais”. Este programa não deve bastar-se a si próprio,
ao mesmo tempo em que deve inserir-se nas preocupações de base, pois somente assim pode
ter um caráter mobilizador. (LAMBERT, 1975, p. 115-117). Aqui não se trata de construir um

177
GRAMSCI, Antonio. Todo Homem é Filósofo. In Cadernos do Cárcere. MIA on-line: Arquivo Marxista na
Internet, 1931. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/gramsci/ano/mes/pontos.htm . Acesso em
janeiro de 2019.
252
partido de massas camponês, mas um partido que seja a expressão do projeto político de
sociedade congregando as mais diversas fragmentações de classe.
A luta precisa ser direta contra o regime capitalista, onde o elemento concreto da vida
camponesa, a terra, é o primeiro passo juntamente para o desenvolvimento de uma
consciência coletiva através de sua organização comunal. Deve ser contra as empresas
privadas, território comum de ação entre camponeses e operários, e estabelecer um leque de
alianças que alarguem frente de lutas contra o capital. Mas as alianças não são aleatórias, não
obstante são definidas pelos eixos da luta de classes. A aliança camponesa – operária nesse
caso não é uma escolha é uma condição para o avanço da pautas e da classe camponesa.
Deve-se dar às lutas cotidianas à verdadeira dimensão internacional, pois a materialidade da
exploração capitalista no campo já existe através das grandes empresas e corporações
internacionais. A planificação socialista da produção internacional pressupõe a participação
ampla, coletiva e real, somente dessa maneira podem ser justas. (LAMBERT, 1975)
Essas contribuições do autor são fundamentadas em sua trajetória e dos instrumentos políticos
aos quais participou. Traz reflexões importantes no que diz respeito ao movimento da
consciência na consolidação da classe camponesa em si, e da própria superação de sua
particularidade.
Se nos referimos a CLOC e a Via Campesina como instrumentos fundamentais na
consolidação da consciência de classe, mesmo que contendo em si uma diversidade de outras
identidades, é porque neste momento histórico as condições objetivas de existência destas se
encontraram numa encruzilhada onde forjar a resistência necessariamente passava pela
unidade internacional. A constituição de um movimento com identidade de classe, de classe
em si, carrega elementos que podem vir a ser universais mediante a luta revolucionária e
podem consolidar a consciência do seu papel histórico na existência da humanidade.
Mas esse não é um processo que se realiza no plano das idéias, conquanto neste plano também
o seja. Somente na práxis cotidiana da luta de classes é que se forjam as condições objetivas e
subjetivas para tal. Neste ponto de vista, um dos maiores desafios que a CLOC-VC tem nesse
momento é o contribuir na construção de um instrumento internacional com perspectiva
estratégica socialista que possa envolver as diferentes expressões ou segmentos da classe
trabalhadora em geral, que possa provocar as condições para a superação de sua classe em
particular para assumir-se então como parte da classe trabalhadora universal. Ao mesmo
tempo carrega um desafio intrínseco que é também tensionar, refletir, e discutir a direção do
programa estratégico da Via Campesina como um todo, em seu caráter anticapitalista,
antiimperialista e de construção socialista.
253
O papel que a CLOC-VC tem desempenhado na luta de classes atualmente traz contribuições
fundamentais na consolidação deste rumo. A consciência coletiva forjada em sua luta traz
aspectos que colocam a histórica luta pela terra num outro patamar. E mesmo que seu
programa estratégico não seja a expressão de uma transformação social em sua totalidade,
tarefa que a priori seria partidária – de um intelectual coletivo nos termos de Gramsci (1976),
carrega questões que são potencialmente universais quando se tem como mira a própria
existência da humanidade. O que a CLOC-VC carrega de mais universal está circunscrito na
potencialidade da Soberania Alimentar, da Agroecologia, do Feminismo Camponês e Popular,
que numa perspectiva socialista poderiam contribuir na luta pela emancipação humana.

4.3.2 A Luta pelos Direitos Camponeses e a Consciência Social


Uma das batalhas internacionais da Via Campesina foi pautar na ONU os Direitos
Camponeses com a finalidade de construir uma declaração comum que pudesse ser
instrumento e ferramenta de orientação mundial para construir políticas públicas em favor dos
direitos das populações do campo. O texto, escrito em suas bases, busca sintetizar os
principais aspectos do direito e da existência camponesa. Somente depois de dezessete (17)
anos de batalhas com diferentes ações junto aos organismos internacionais, e exigindo uma
“proteção global de seus direitos”, em dezembro de 2018 a declaração é votada. Foram 121
votos a favor, 8 votos contra e 54 abstenções.
A declaração reconhece o papel estratégico dos camponeses na produção de alimentos e em
sua luta contra a fome. Responsáveis por cerca de 70% da produção alimentar mundial, indica
a reforma agrária integral e popular como parte das políticas públicas que possam garantir e
fortalecer sua existência.
A Declaração dos Direitos Camponeses aprovada na ONU178 é considerada pela Via
Campesina uma ferramenta importante que conecta as resistências locais à construção de
melhores condições para a vida dos camponeses e outras populações que vivem no campo,
assim como fortalecer a bandeira de luta pela Soberania Alimentar.
Suas principais cláusulas convocam os Estados a respeitar e garantir seus direitos, elaborando
e adotando medidas que os garantam. Entre elas: o direito à vida e a um nível de vida
adequado; direito à terra e ao território; direito às sementes e à agricultura tradicional; direito

178
Maiores informações disponíveis em: https://mailchi.mp/2ddcecd31f26/la-va-campesina-boletn-electrnico-
especial-derechos-campesinos e https://viacampesina.org/es/wp-
content/uploads/sites/3/2018/11/Resoluci%C3%B3n-no.-AC.373L.30..pdf .Acesso em janeiro de 2019
254
aos meios de produção agrícola; direito à informação; a diversidade biológica e preservação
do meio ambiente; a liberdade de associação, opinião e expressão; o direito ao acesso à
justiça; e a liberdade para determinar o preço e o mercado para a produção agrícola.
A declaração dos direitos camponeses busca garantir a proteção das diversas populações que
do/no campo vivem (camponeses, pescadores artesanais, trabalhadores dos bosques, nômades,
trabalhadores agrícolas e povos indígenas), bem como procura fortalecer, em tese, as formas
de agricultura camponesa.
Em síntese a declaração conecta-se aos objetivos da Via Campesina, a saber: a luta pela terra,
por território, pela Reforma Agrária Integral, pela biodiversidade, pelas sementes, por créditos
e meios de produção, pela saúde, pela educação, por infra-estrutura no campo para
escoamento da produção, e no combate a qualquer forma violência contra a mulher do campo.
É importante aqui considerar que as massas se movem inicialmente na luta pelas condições
básicas de sua existência, de sua reafirmação. Elas inicialmente não se movem numa
perspectiva de projeto revolucionário porque ainda não está em seu horizonte. Sua luta inicia
no âmbito dos direitos básicos que em sua ausência atingem profundamente sua existência.
Cabe aqui, o papel do instrumento organizativo, ou da consciência coletiva, vincular estas
lutas pontuais (que sozinhas podem ser amortecedoras em determinado tempo), às lutas mais
amplas, à grande política, às transformações estruturais, sem as quais, qualquer uma das lutas
imediatas podem se diluir no todo da ordem dominante. Somente os direitos particulares são
ambíguos diante da forma dominante da produção capitalista.
Compreender o direito sob a determinação das relações de produção capitalista requer
necessariamente uma compreensão da totalidade do fenômeno social, e suas múltiplas
relações de subsunção à ordem dominante. A “imensa coleção” de normas jurídicas sob o
comando da sociedade burguesa aparece, num primeiro momento, de maneira “impessoal,
universal e genérica” (SARTORI, 2011, p. 170) para as classes que se reivindicam “sujeito de
direitos”. Como afirma Vasquez (2016) só é possível compreender o direito dentro da relação
social burguesa, pois o direito não nasce como uma relação jurídica em si, mas como uma
relação mercantil. Um sujeito de direito tem o direito à habitação, mas a sua viabilidade é
através da compra ou o aluguel, e para isso precisa vender sua força de trabalho. Os direitos e
os sujeitos de direitos são alienados, reificados. A forma jurídica, portanto é eminentemente a
forma social burguesa.
E por ser carregado de ideologia, o direito não pode desvelar as reais contradições sociais sob
a qual se funda, mas atua para “camuflar as injustiças estruturais por meio de normas
aparentemente justas no que tange à sua forma” (MASCARO, 2013, p. 30). Segundo o autor a
255
ideologia não é apenas uma máscara que esconde as reais relações de produção. Elas operam
na própria constituição da forma das relações sociais, sendo assim, parte do metabolismo da
forma social de produção capitalista.
As relações jurídicas que aparecem como neutras e desvinculadas da estrutura econômica, são
na realidade parte da engrenagem da própria ordem. É em Sartori (2011) que identificamos
uma expressão concisa que resume o sentido do direito na sociedade capitalista: “Com auxilio
do direito, a apropriação privada é naturalizada e vista como evidente”. (SARTORI, 2011,
p.181)
O direito na sociedade capitalista se apresenta na aparência como um conjunto de normas e
leis externas que regulam a sociedade em nome da justiça, nada mais é que uma inversão de
sua real função. E, para além de um conjunto de normas, é em sua forma parte integrante das
relações de produção, visto que se tomarmos por base a generalização da forma mercadoria
(em sua circulação e produção), o mesmo se revela como suporte, como um selo vedando as
fissuras que surgem das contradições da própria forma de produção da mercadoria.
Assim, a luta por direitos na sociedade capitalista, ao mesmo tempo em que possibilita passos
importantes na consolidação da classe em si, e de sua consciência social, também a aprisiona
nas entranhas da reprodução da ordem capitalista. Como se o direito de acesso à terra, à
educação, a créditos para a produção por si só pudessem garantir a sua existência. O que não é
mais que atuar nos sintomas (as desigualdades de direitos dentro da ordem), mantendo a
classe camponesa subsumida aos cordões umbilicais do sistema capitalista em sua totalidade,
o qual ditará a dinâmica de sua produção, e mesmo de seu acesso a terra.
Diante do problema aqui exposto, não se trata de minimizar a luta por direitos e toda a sua
importância. Mas de reconhecer os limites da forma direito dentro da sociedade capitalista. A
luta por eles, o que mais diretamente e imediatamente atingem as classes trabalhadoras, deve
vincular-se diretamente à transformação societária estrutural que os guie. Pois somente assim,
os direitos básicos podem se tornar de fato passos largos rumo à emancipação humana.
Freqüentemente, a história da América Latina demonstrou uma brutal intolerância das
burguesias nacionais subsumidas às burguesias imperialistas à luta das populações pelos seus
direitos mínimos, básicos, mesmo que circunscritos na ordem capitalista. Truculentas formas
repressivas, associadas à forte ideologia dominante foram instituindo processos repressivos de
diferentes maneiras, sejam nas ditaduras civil-militares, sejam em embargos econômicos,
sejam em guerras frias, sejam nos processos de criminalização dos movimentos sociais – por
atentar contra a sagrada propriedade privada. Por exemplo, as iniciativas de reforma agrária
na América Latina foram motivações de acirramento de processos repressivos e militarizados.
256
A luta pelos direitos camponeses neste continente estaria então fadada ao fracasso? Mais uma
vez afirmamos aqui que não se trata da luta por direitos em si, que são as aspirações mais
imediatas das formas de consciência que se mobilizam por eles. Trata-se de manter a luta
política em toda sua complexidade, e identificar quais as mediações conectam os direitos
particulares à luta mais ampla que possa superar esta forma de direito. Mediações que possam
irremediavelmente colocar o direito básico num outro patamar de luta.
A luta por direito, mesmo que na forma direito do capital, é uma mediação entre classe em si
e sua consciência social, uma mediação que permite construir identidades, mas que também
carrega todas as contradições desta ordem social. Esse processo faz parte do caminho de
tomada de consciência dos conflitos em que se vive, bem como dos sintomas desses conflitos
e suas causas mais profundas. Mas este processo não é um ato linear e mecânico, é parte de
uma complexidade de relações tempo-espaço, ação-reflexão, contradição-superação que
podem provocar saltos significativos ou paralisias profundas nas necessárias superações da
consciência e da classe em si.
Parece-nos assim que a organização da classe por direitos imediatos é nada mais nada menos
que um momento concreto da consciência coletiva necessário para a superação de seu estágio
anterior, e carrega consigo todas as contradições de sua superação e/ou paralisia.
O próprio desenvolvimento capitalista de maneira desigual e combinada produz formas
particulares de exploração e expropriação que condiciona o trabalhador à imersão numa
determinada particularidade, e nos problemas conseqüentes desta forma de trabalho.
É na vivencia imediata destas conseqüências que se desenvolvem formas de resistência
imediata. É nesta vivência imediata das contradições capital-trabalho que se produz formas de
consciência alienadas da totalidade do sistema e seus problemas e conseqüências. O problema
imediato desta ou daquela particularidade nas relações de trabalho aparece na forma de luta
particular por direitos particulares na medida em que a consciência social vai tomando a
dimensão de coletividade, ainda que uma coletividade parcial, de uma determinada categoria
de trabalhadores. Ainda sem compreender a totalidade do sistema capitalista, a totalidade do
sistema de opressão na forma de produção capitalista179.
Há também um processo de desmembramento da luta corporativa e sindical, que no geral
buscam melhores condições de trabalho, em outras organizações sociais com especificidades
ainda mais particulares. É o caso de movimentos de luta por moradia, movimento de

179
Muito embora seja importante mencionar aqui de que o processo de consciência não se trata somente de um
problema de compreensão da totalidade do sistema capitalista. Até pode existir o entendimento de suas linhas
gerais, mas o que pode ser determinante nos parece ser o vinculo imediato com a forma de trabalho na
sociedade capitalista.
257
trabalhadores desempregados, movimentos de luta pela saúde pública, movimentos pelo
transporte público, entre tantos outros.
Entretanto, essa pulverização de diferentes resistências particulares no momento histórico em
que vivemos não vem somente de pautas de raízes econômicas e das necessidades básicas de
vida. Há ainda outras lutas especificas que poderiam ser consideradas transversais às pautas
econômicas. Por exemplo, movimentos de mulheres, movimentos negros, movimentos
indígenas, movimento LGBT, que em suma articulam em grande medida pautas de direitos
relacionados à dimensão econômica, mas ao mesmo tempo outras dimensões da opressão
dominante. Cabe lembrar aqui, que se os vemos somente na sua particularidade em si,
podemos ser simplistas na análise dos condicionamentos que fazem surgir estes movimentos.
Para além da forma de exploração direta, a opressão é constituída também na forma de
padronização de comportamentos que excluem o divergente, e subsume o considerado
inferior. No caso da opressão da mulher na sociedade de classes, não podemos esquecer a
particularidade do trabalho doméstico, ou da violência doméstica.
Aqui caberiam algumas indagações que nos remeteriam a outras reflexões. Que
determinações e mediações fazem essa pulverização de lutas por direitos particulares?
Estariam fundadas na alienação do ser humano? Na compreensão de “sujeito de direitos”
calcada na forma direito capitalista?
As condições concretas em que se movem as classes e suas formas de consciência coletiva
estão repletas de fetiches. O fetiche do Estado, o fetiche da mercadoria, o fetiche do direito,
uma epistemologia fetichizada, uma teleologia fetichizada, ou ainda uma ontologia
fetichizada, o que irremediavelmente as conduz para um duplo aprisionamento: aos limites do
direito pelos quais lutam na ordem dominante, e, aos limites da forma Estado ao qual dirigem
suas reivindicações (o Estado de bem estar social).
Na medida em estes trabalhadores, em processo de “desalienação” tomam consciência de si e
da particularidade do problema vivido de maneira mais sistemática, se mobilizam em sua
categoria. Mas esta consciência encontra-se fragmentada, não por uma opção ou um desejo da
categoria em permanecer na sua particularidade, mas pelas condições objetivas que fazem
essa consciência parcial dos problemas e contradições sociais e ocultam sua verdadeira
essência. Leia-se para condições objetivas: as contradições vividas na relação capital-trabalho,
ou a especificidade da opressão subsumida à lógica capitalista de exploração.

258
Esta luta por direitos está circunscrita na busca da emancipação política, o que em Marx
(2009)180, se encontra nos marcos da revolução burguesa, nos limites da ordem social via
direitos, via Estado, limitada a própria ordem. Contudo, ela é fundamentalmente necessária,
pois é somente na vivência concreta dos limites desta forma de luta que se abre a
possibilidade para sua ruptura rumo à emancipação humana.
O que expressa o limite de uma emancipação política é a própria estrutura social cindida em
particularismos na relação de produção, cindida por direitos particulares, mas calcados na
universalidade da propriedade privada. É necessário, portanto, para a própria emancipação
humana, superar os particularismos da emancipação política, ou da luta por direitos
particulares, ou ainda da consciência em si.
A imensa fragmentação das forças de esquerda tem uma materialidade concreta de base
econômica, jurídica e política. Pois o sistema capitalista em sua chave universal (o caso da
propriedade) aparece de maneira fragmentada, particularizada, quando é em essência
universal.
Pensando na necessidade emergente da emancipação humana, ao espectar este quadro de
pulverização das lutas por direitos como compensações particulares, podemos nos perguntar
se há, e o que há, de universal em cada uma delas que as conectam? Ou ainda que aspectos
destas lutas particulares possam ter dimensão universal? Que aspectos da luta camponesa
internacional podem ter uma dimensão universal?
Em tese, se o impasse da crise estrutural do capital é universal, a saída deveria ser universal,
na ruptura deste sistema. Mas a consciência coletiva do impasse estrutural está nos marcos da
consciência imediata, que é reificada. Como resolver esta contradição? Certamente, ela não se
resolverá numa classe em particular, mas numa relação de classes e fragmentos da classe
trabalhadora em unidade. Entretanto, essa unidade não é uma simples somatória de lutas
particulares. Ela precisaria transcender a simples junção de particularismos, precisa
transcender essa forma direito, precisa transcender o sujeito de direito vigente em seus limites.
Estaria aqui a velha questão do instrumento político organizativo como possibilidade para o
avanço da consciência histórica e revolucionária, o intelectual coletivo.
A unidade dos fragmentos de classe, se não está na somatória destes, estaria no encontro do
que há de universal em todas estas lutas particulares? Ou estaria num fragmento de classes
que desde sua natureza e posição (centralidade no processo produtivo) possa dissolver todos
os outros fragmentos?

180
MARX, Karl. A Questão Judaica. SP: Expressão Popular, 2009.
259
Retomamos aqui uma importante reflexão feita por Marx realizada no livro “A Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel” que contribui para esta análise:

[...] Onde existe então, na Alemanha, a possibilidade positiva da emancipação?


Eis nossa resposta: Na formação de uma classe que tenha cadeias radicais de uma
classe na sociedade civil que não seja uma classe da sociedade civil, de um
estamento que seja a dissolução de todos os estamentos, de uma esfera que possua
caráter universal porque os seus sofrimentos são universais e que não exige uma
reparação particular porque o mal que lhe é feito não é um mal particular, mas o mal
em geral que já se possa exigir um título histórico, mas apenas o título humano; de
uma esfera que não se oponha as conseqüências particulares, mas que se oponha
totalmente aos pressupostos do sistema político alemão; por fim, de uma esfera que
não pode emancipar-se a si mesma nem se emancipar de todas as outras esferas da
sociedade sem emancipá-las a todas – o que é, em suma, a perda total da
humanidade, portanto, só pode redimir-se a si mesma por uma redenção total do
homem. A dissolução da sociedade, como classe particular, é o proletariado.
(MARX, 2005, p.151-156)

Esta reflexão sobre a especificidade da Alemanha indica uma chave histórica para
compreender a universalidade da classe e a dissolução de suas particularidades. Mas o
problema da fragmentação da classe, dispersas em formas organizativas particulares é uma
incógnita que só pode ser refletida na relação destes fragmentos de classe com sua classe
antagônica, a burguesia.
Na mesma obra o autor (2005) analisa o significado que tomou a nobreza e o clero como
“negativo-universal”, em correlação à burguesia que assumia num determinado momento o
significado “positivo-universal”. Observemos suas reflexões, mas não como transposição
direta do que poderia ser o papel da classe trabalhadora no antagonismo de classes:

Nenhuma classe da sociedade civil pode desempenhar esse papel sem despertar, em
si e nas massas, um momento de entusiasmo em que ela se confraternize e misture
com a sociedade em geral, confunda-se com ela, seja sentida e reconhecida como
sua representante universal; um momento em que suas exigências e direitos sejam,
na verdade, exigências e direitos da sociedade, em que ela seja efetivamente o
cérebro e o coração sociais. Só em nome dos interesses universais da sociedade é
que uma classe particular pode reivindicar o domínio universal. [...] Para que a
revolução de um povo e a emancipação de uma classe particular da sociedade civil
coincidam, para que um estamento [Stand] se afirme como um estamento de toda a
sociedade, é necessário que, inversamente, todos os defeitos da sociedade sejam
concentrados numa outra classe, que um determinado estamento seja o do escândalo
universal, a incorporação das barreiras universais; é necessário que uma esfera social
particular se afirme como o crime notório de toda a sociedade, de modo que a
libertação dessa esfera apareça como uma autolibertação universal. Para que um
estamento seja par excellence o estamento da libertação é necessário, inversamente,
que um outro estamento seja o estamento inequívoco da opressão. (MARX, 2005,
p.154)

260
Este problema nos parece ser, para além de uma questão acadêmica sociológica, um problema
da luta histórica de nosso tempo. A luta por direitos e a consciência social que dela emerge e
ao mesmo tempo deriva é sem dúvida alguma um salto de qualidade do processo de alienação,
mas não significa que a alienação esteja por toda e completamente liquidada. Há ainda outros
elementos da alienação que articulados à ideologia dominante fazem a luta por direitos dentro
do sistema capitalista apenas amenizar ou regular o grau da exploração e opressão. A
emancipação humana, portanto, precisa enfrentar este outro patamar de alienação, a alienação
da sua universalidade, e ainda exatamente num período histórico que parece emergir com
força a necessidade de encontrar saídas estruturais a este sistema em crise.

4.3.3 Do Programa Estratégico da CLOC-VC


Um programa estratégico busca articular as ações políticas (pontuais e constantes) ao destino
que se pretende, conduzindo o rumo das transformações almejadas. Na história da luta de
classes, a resistência às formas de dominação (com mobilizações espontâneas, artesanais ou
organizadas) desenhou no calor dos enfrentamentos seus programas estratégicos. Essas
mobilizações que marcaram os passos do que poderia se tornar o futuro, forjando ao mesmo
tempo as consciências que se apropriavam dos conflitos através do pensamento.
Nos tempos modernos, pela primeira vez são engendradas as bases sociais de um projeto
estratégico que vise a emancipação humana para além da emancipação política. E desde
então, as diversas experiências que caminharam por este rumo tem trazido lições que
necessitam ser assimiladas pelos que levantam a mesma bandeira neste tempo histórico.
Estudar, analisar, refletir e debater coletivamente essas lições possibilita o encontro de
sínteses possíveis para a condução das lutas sociais no instante momento quando o olhamos
para a história da humanidade. Faz-se necessário a sistematização das estratégias adotadas
pela classe trabalhadora até então, e a construção de estratégias que caminhem junto aos
desafios e à práxis da humanidade em busca da superação de seus dilemas.
Mas estratégia181, nos termos da política, não se refere a uma seqüência linear e simultânea de
atos que se articulam rumo a um objetivo final, nem a um modelo estático e mecânico de
condução da luta política. Ela se constitui mediante o estágio temporal e espacial que se
encontra a luta de classes e se territorializa a partir das respostas e antecipações, da análise das
condições objetivas e subjetivas, direcionando-as ao rumo que se tem perspectiva. É processo

181
As principais referências bibliográficas utilizadas para o estudo dos conceitos de estratégia e tática foram:
CLAUSEWITZ (2002); SUN TZU (2006); e MARX; ENGELS (1850).
261
e se efetiva na análise da realidade em sua estrutura e conjuntura que se apresentam; na
construção de um programa independente; nas alianças estabelecidas junto a outros setores
preservando sua autonomia; na forma organizativa dos trabalhadores; nas dinâmicas dos
combates táticos; e na identificação do sujeito revolucionário em potencial, que com
consciência coletiva de si, de suas limitações e possibilidades leva a cabo suas lutas até as
últimas conseqüências182.
Pode carregar as limitações de uma consciência em si, quando apenas circunda objetivos
imediatos. Pode expressar, junto aos objetivos imediatos, os objetivos para além de si. Pode
articular o limite da consciência possível de um determinado tempo histórico com uma
perspectiva futura que em gérmen já se encontra nela. Pode carregar estratagemas (intenções
ocultas) como modo de operar e persuadir no conjunto das batalhas. O fato é que a
materialidade das estratégias de transformação social encontra-se na efetividade das táticas
que a constituem e exige, na sua construção orgânica, a distinção constante de ações que são
pontuais das que têm função em longo prazo, quais são caminhos de defesa e resistência, e
quais levam diretamente ao fortalecimento o objetivo estratégico ou a sua finalidade. Há,
portanto, uma relação intrínseca entre táticas (combates) e estratégia.
No caso da América Latina, a participação de indígenas, camponeses e afro-descendentes em
projetos estratégicos de cada tempo histórico se deu em quatro grandes linhas:
a. Da estratégia anti-colonização que prefigurou a determinação de luta pela terra
como sinônimo de existência de indígenas, afro-descendentes e de trabalhadores
livres, buscando a ruptura com as formas de servidão e escravidão do trabalho;
b. Da estratégia da luta independitista, onde visivelmente se articulavam as lutas pela
abolição da escravatura e o pensamento liberal para a consolidação de uma
emancipação política dos diferentes países;
c. Da estratégia libertária, onde a centralidade estava em libertar a terra dos domínios
oligárquicos e entregá-las aos campesinos e indígenas que organizariam através de
comunas e formas de produção autônoma, processos auto-gestionários. Os casos

182
Estes elementos que aqui apontamos estão fundamentados no texto Mensagem do Comitê Central à Liga os
Comunistas, escrita por Marx e Engels em março de 1850, quando após o fracasso do movimento
revolucionário de 1848-1949, os autores realizam uma avaliação dos caminhos seguidos pelo movimento
operário, apresentando concomitantemente elementos fundamentais para uma composição estratégica. Os
elementos estratégicos defendido pelos autores nesse momento são autonomia do movimento revolucionário
e do programa, desenvolvendo ações conjuntas com a pequena burguesia na derrubada da fração de classe
cuja derrota é interesse do partido operário, e marchar contra ela nos casos em que queira consolidar-se numa
posição de proveito próprio. Deve marchar em direção a não reforma da propriedade privada, mas de sua
abolição. E deve fundamentar-se na revolução permanente, onde a forma da organização é
concomitantemente legal e secreta, com movimentos táticos flexíveis e firmeza estratégica. (MARX;
ENGELS, 1850)
262
emblemáticos foram a Revolução Zapatista (embora esta não fosse declaradamente
libertária, mas uma confluência desta perspectiva com os interesses campesinos), e,
das colônias agrícolas do final do século XIX onde especialmente migrantes europeus
se instalaram em países da América Latina;
d. Da inserção na luta socialista e estratégias de transição ao comunismo baseadas na
experiência da Revolução Soviética. Sobre a influência da III Internacional podemos
destacar a estratégia democrático-nacional que se propagou na América Latina com
grande peso até a década de 1970, onde a leitura era da necessidade do
desenvolvimento capitalista nos países coloniais para a criação das condições objetivas
de uma sociedade capitalista. Aqui a aliança com as “burguesias nacionais” nas lutas
antiimperialistas eram imprescindíveis.
A partir da década de 1980 foi se consolidando outra formulação estratégica de
transição ao socialismo, a estratégia democrático-popular. Em síntese tem como base a
premissa de que pela raiz colonizatória, e, o caráter autocrático e intolerante das
burguesias nacionais que comodamente em sua posição dependente não se propunham
a realização de tarefas democráticas básicas do capitalismo (o Estado de bem estar
social), seria necessário, portanto, que a classe trabalhadora assumisse essas tarefas em
sua própria luta projetando-as para um patamar de transformação radical da sociedade.

Quanto às estratégias de transição ao socialismo que denominamos acima, a primeira


demonstrou em vários momentos a subsunção da classe trabalhadora aos interesses das
burguesias nacionais em nome de preparar as condições para o socialismo com o surgimento e
fortalecimento do sujeito revolucionário – a classe operária. Podemos perceber traços desta
perspectiva na história de cada país da América Latina em momentos distintos.
Essa perspectiva estratégica demonstrou seus freqüentes fracassos. Guardando as
peculiaridades de cada qual, podemos exemplificar as situações plasmadas nos governos de
Paz Estensoro na Bolívia (1952-1956 e 1960-1964), Jacob Arbenz na Guatemala (1951-1954),
e João Goulart no Brasil (1961-1964), onde na medida em que os governos “populares”
iniciavam algumas reformas, inclusive a reforma agrária, eram derrubados, especialmente
través de golpes civis-militares.
Analisando as condições e características da transição socialista na América Latina,
gostaríamos de destacar três textos escritos entre as décadas de 60 e 70 que analisam o
período em que viviam, indicando elementos que farão parte da nova formulação estratégica,
a democrático-popular.
263
O primeiro deles é de Guevara (1968), originalmente publicado em 1962, sobre as táticas e
estratégia da Revolução Latino-Americana. Nele o autor discute o dilema da forma de tomada
do poder do Estado como parte fundamental da transição para uma nova socedade, e aponta
que neste continente, não seria possível pela via pacífica. Isto pelas características da
formação de sua burguesia nacional que é diretamente submissa ao capital estrangeiro,
aliando-se freqüentemente a ele. Assim, o trânsito via eleição, ou via pacífica para as
transformações necessárias ao socialismo seriam impetuosamente combatidos pela ordem
vigente. O caminho nesse caso seria o da instauração do poder socialista, com a ressalva de
que nem todas as forças progressistas teriam que iniciar uma revolução pelo caminho armado,
e, deveriam se utilizar do caminho da luta legal (dentro da ordem burguesa), até o último
momento. Desse modo, as forças progressistas latino-americanas deveriam atentar-se para não
confundir objetivos táticos e estratégicos, pois marcadamente caíam na ilusão de que posições
táticas poderiam vir a ser estratégicas.
Outro aspecto importante destacado pelo autor é que devido ao panorama latino-americano,
dificilmente se lograria uma vitória socialista num país isolado, e para isso era necessário unir
internacionalmente as forças populares.
O segundo texto é de Salvador Allende (1971), que num discurso ao Congresso Chileno,
registra os caminhos da Via Chilena ao Socialismo. A tese central era de que ratificados pela
eleição da Unidade Popular, era possível pela via institucional, com um novo modelo de
Estado, economia e sociedade, realizar as mudanças necessárias transitando ao socialismo.
Por este caminho era necessário romper com o subdesenvolvimento, alçado pela edificação
progressista de uma estrutura institucional centrada nos interesses da maioria; no princípio da
legalidade e das normativas jurídicas, respeitando o Estado de Direito; e através de uma
constituição de orientação socialista. Com o avanço de políticas públicas e populares, em
1973 efetiva-se o Golpe de Estado articulando interesses imperialistas aos da burguesia
nacional e com apoio das forças armadas.
O terceiro texto é de Marini (1976), originalmente publicado em 1974, que analisa um ano
após o golpe no Chile, o embate entre duas estratégias no processo chileno. O primeiro
aspecto levantado é a ilusão com relação à burguesia nacional e suas contradições
interburguesas com o imperialismo, não apenas industrial como também no campo. Durante o
agravamento da luta de classes e a realização da reforma agrária, conflitavam os
posicionamentos da radicalização do movimento camponês, e do seu apaziguamento (através
do partido democrata-cristão) que propunha a consolidação de uma classe média no campo.

264
As duas estratégias que atuavam no processo chileno eram incompatíveis. Por um lado a
Unidade Popular buscando consolidar pela via institucional as reformas e o apoio da
Democracia-Cristã, e, por outro, o Movimiento Izquierda Revolucionária (MIR) tensionava a
luta de classes ao máximo diante da crise que se instalava para provocar uma mudança
significativa no governo em direção ao socialismo. A análise do MIR era de que a situação
revolucionária deveria ser assumida em sua plenitude, pois do contrário derivaria numa
contra-revolução. As tentativas de construir unidade entre essas duas linhas na esquerda
chilena não foram levadas a cabo. E por fim, importantes contingentes da pequena burguesia
passaram ao campo do fascismo.
O que gostaríamos de destacar nesses três textos, são as análises que se fazem do caminho
estratégico à transição socialista. Logicamente, cada uma das experiências apontadas tem
características peculiares que levaram a estas formulações. Mas também carregam elementos
que se apresentam como parte da totalidade da formação social latino-americana. Uma delas é
o papel desempenhado pelas burguesias nacionais em subordinação aos interesses
imperialistas para manter seus privilégios diante de possíveis revoluções. Esta questão é
central na formulação da estratégia democrático-popular que a partir da década de 1980 até os
momentos atuais tem predominância.
Nosso palpite é que a CLOC-VC, com sua natureza reivindicativa e de movimento social,
articula suas bandeiras da luta imediata ao horizonte socialista através da estratégia
democrático-popular, na qual em linhas gerais, concerne ao alargamento da luta democrática
pelos direitos básicos da população a partir de sua participação política através de
movimentos sociais que pressionam o Estado a exercer tal papel. Um processo que acirraria o
choque de interesses com as classes dominantes nacionais levando à necessidade de
impulsionar a luta por direitos básicos para um patamar socialista.
Em trabalho de campo realizado no ano de 2017, muitos militantes de movimentos sociais
partícipes da CLOC-VC apontaram a necessidade de realizar um balanço dos governos
populares e progressistas nos últimos anos, que em síntese representaram de diferentes
maneiras aspectos desta estratégia. Indicaram também a importância de realizar uma
autocrítica contundente nos movimentos sociais e estruturas partidárias do período vivido.
Apontaram que o dilema da burguesia nacional está justamente em sua prisão ao imperialismo
ao mesmo tempo em que se torna descartável quando conveniente.
As entrevistas também indicaram que mesmo diante das contradições do período, o tema da
Reforma Agrária de caráter integral e popular é uma tarefa democrática estratégica, pois
possibilita uma alteração na estrutura da concentração de terras e por conseqüência do
265
agronegócio. Consideraram também como princípios estratégicos do movimento camponês
para este momento, o internacionalismo desde as bases e a solidariedade de classe.
Sabemos que na complexidade da organização política da esquerda em geral, existem
posições divergentes em relação à estratégia democrático-popular. Especialmente no Brasil,
gostaríamos de mencionar genericamente duas interpretações. A primeira delas analisa que
houve problemas em sua implantação através dos governos “populares e/ou progressistas”,
que a estratégia perdeu o rumo através de crescentes processos de esgotamento e de cooptação
na medida em que militantes de esquerda entravam na estrutura institucional Estado para de lá
efetivarem as mudanças necessárias. Outra analisa que esta estratégia definha na medida em
que esses governos populares e progressistas são superados justamente nos impasses da
transição ao socialismo. Esta afirmativa aponta a abertura da possibilidade de uma estratégia
socialista.
O fato é que, sem entrar no mérito de cada uma destas análises, nos parece que na América
Latina essa estratégia ainda parece ser hegemônica. O que salta como emergente é o
indicativo de realização de um balanço histórico a ser realizado de maneira coletiva pelos
movimentos e partidos políticos que nela se engajaram em construir.
O horizonte estratégico da CLOC-VC é a construção do socialismo como necessidade de
sobrevivência histórica da humanidade e da própria natureza em sua biodiversidade. Como
um movimento internacional que aglutina especificamente os trabalhadores e trabalhadoras do
campo em suas diversas expressões, a CLOC-VC levanta a bandeira da Soberania Alimentar
como pilar de seu programa estratégico como constribuição na construção de uma nova forma
societária em nível mundial.

4.3.3.1 A Soberania Alimentar


Esta bandeira, por si só, exige uma modificação profunda na estrutura agrária, questão crucial
para os países da América Latina. Os dados sistematizados por KOROL (2016) apontam que
neste território:

[…] el 80,1% de las unidades agrícolas son campesinas o indígenas y ocupan sólo el
19,3% de las tierras. Además, el estudio indica que casi la mitad de la población
mundial, unos 3 mil millones de personas, son campesinas e indígenas y producen
alrededor del 70% de los alimentos. Sin embargo, el 80% de la gente con hambre a
nivel mundial, se concentra en áreas rurales, y muchos de ellxs son agricultorxs o
trabajadorxs agrícolas sin tierra. (KOROL, 2016, p.45)

266
Como conceito, a expressão Soberania Alimentar surge em 1996 na contraposição à
Segurança Alimentar desenvolvida pela FAO, ONU e outros organismos internacionais. Aqui,
debater o conceito implicaria fortemente no debate de concepção em torno da questão agrária,
mas também influiria fortemente nas lutas táticas e estratégicas do movimento internacional
camponês.
Segundo Korol (2016) e Zanotto (2017), a FAO e a maioria dos governos defendem a
Segurança Alimentar como acesso aos alimentos básicos, não importando as condições da
produção, desde que detenha a fome. Aqui, solucionar o problema da alimentação está
vinculado à ampliação da escala e na especialização da produção. O que por conseqüência
preserva os interesses das grandes corporações no mercado mundial de alimentos.
Já a Soberania Alimentar, um conceito ainda em construção, desafia a todos os movimentos
populares a sintetizar uma alternativa política ao agronegócio, fundamentada na faculdade de
cada povo “definir sus proprias politicas agrarias y alimentarias, el tipo de alimentos que
consome, el modo de producción y el origen”. Está vinculada à necessidade de resolver o
problema da fome não apenas na ampliação da produção de alimentos, mas que estes sejam
saudáveis. Está concectada a uma série de mudanças estruturais necessárias para que as
camadas pobres tenham acesso ao trabalho, a saúde, a moradia, à terra, e à vida digna. Isto
exige a valorização da agricultura camponesa não somente para a sobrevivência destes, mas
para constituir a “soberania sobre la producción”. (KOROL 2016, p. 148; 152)
Enquanto o primeiro está fundamentado na produção de monocultivos em larga escala, na
produção de comodittie para o mercado internacional, no uso excessivo de agrotóxicos, e no
controle da cadeia produtiva por grandes corporações transnacionais, a Soberania Alimentar
está fundada na perspectiva do direito aos alimentos básicos e saudáveis para toda a
população como fonte de energia para a existência humana poder desenvolver suas múltiplas
dimensões. Esta é calcada no respeito à diversidade biológica e cultural, no fortalecimento do
território e dos camponeses que a produzem. (ZANOTTO, 2017)
Está estreitamente vinculada ao acesso à terra, à água, às sementes, à fontes de energia em
pequena escala, assim como ao fortalecimento da agricultura familiar ou formas comunitárias
de produção embasadas no respeito à biodiversidade, na agroecologia, e na diversidade como
equilíbrio da vida. A soberania alimentar, portanto, configura-se como um processo sócio-
territorial de luta e resistência. (ZANOTTO, 2017), e está intrinsecamente ligada à soberania
energética, genética, mineral183, a soberania territorial – que é a base para a produção da vida.

183
As organizações sociais da VCI, oriundas de países com alto índice de mineração, propõe a mineração em
pequena escala em oposição à larga escala de sua exploração.
267
O fortalecimento desta perspectiva vai se dando também nos debates entre a Via Campesina e
outros setores da Sociedade. Por exemplo, no ano de 2001 foi marcado pela realização do
Fórum Mundial “Soberania Alimentar: pelo direito dos povos a produzir, alimentar-se e a
exercer sua soberania alimentar”. Realizado em Cuba, apontava em sua declaração final que a
Soberania Alimentar está estreitamente ligada à soberania política de um país. E, em abril de
2007, realizado em Mali, e denominado como Forum de Nyeléni, afirma que a alimentação é
um direito básico que só é possível ser alcançado com um sistema social onde a soberania
alimentar seja garantida, o que está estreitamente ligado ao “direito de alimentar os povos do
mundo a partir de sua historia”. (ZANOTTO, 2017, p. 72-75)
Sob o alicerce da consigna “Alimentar-se é um ato político”, a Via Campesina aponta a
necessidade de que estes sejam nutritivos, culturalmente adequados para os povos e
suficientes para toda a população. E que sua produção, realizada por pequenos agricultores,
povos indígenas e pescadores artesanais, habitantes de bosques e trabalhadores agrícolas,
homens e mulheres, não deve ser subestimada através de pequenas políticas assistencialistas
promovidas pelos governos, ao mesmo tempo em que realiza ações de desplazamiento.
Observemos um trecho de documento da Via Campesina que aborda o significado da
Soberania Alimentar, inclusive em sua interface com o papel das mulheres na produção de
alimentos:

É o direito dos povos de definir o seu próprio sistema alimentar e as políticas e


alimentação no seu país, sem qualquer intervenção. O objetivo principal é que as
pessoas tenham controle sobre a produção, o processamento e a comercialização de
alimentos [...] Soberania Alimentar significa que a camponesa e o camponês tem
direito à suas terras. Soberania alimentar assegura que nossas terras, água, sementes
e biodiversidade fiquem nas mãos de quem com elas trabalha, as camponesas e os
camponeses. Ela não aceita discriminação de gênero. Soberania Alimentar respeita o
papel das mulheres na produção de alimentos dentro de suas comunidades. (LA VIA
CAMPESINA, 2010, p. 02)184

Korol (2016) afirma que são precisamente as mulheres camponesas que têm impulsionado
com maior energia a proposta da Soberania Alimentar como resposta à crise alimentar
mundial. A Declaração da IV Assembléia de Mulheres em Yakarta185 (2013) aponta
claramente o papel histórico desempenhado por elas quanto à produção de alimentos, cuidado
com a biodiversidade, recursos genéticos e a proteção das sementes como pilares

184
LA VIA CAMPESINA. Soberania Alimentar. Via Campesina. Moçambique: [s.n], 26 a 29 de julho de 2010.
(Documento xerografado para discussão junto às lideranças femininas sobre o tema)
185
LA VIA CAMPESINA. Manifiesto Internacional de las Mujeres de la Vía Campesina. IV Asamblea de
las mujeres. Yakarta: LA VIA CAMPESINA, Junio de 2013. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/manifiesto-internacional-de-las-mujeres-de-la-via-campesina-2/ . Acesso em
dezembro de 2018
268
fundamentais da agricultura camponesa e indígena para a Soberania Alimentar. O que as
colocam em oposição frontal contra os organismos geneticamente modificados (transgênicos),
contra os agrotóxicos, contra a propriedade intelectual, as regras de certificação, e contra as
grandes corporações transnacionais. Assim como colocam em xeque a divisão sexual do
trabalho na vida cotidiana questionando profundamente a opressão patriarcal, e, destacando a
necessidade de valorização de sua contribuição na economia.
Sob os pressupostos elencados acima, a Soberania Alimentar não pode se efetivar sem a
realização de uma Reforma Agrária Integral e Popular que tenha os seguintes pilares: a
democratização da terra e da natureza (bosque, água, minérios, plantas, sementes) como
direito à vida e ao trabalho; a organização da produção agrícola de alimentos saudáveis e sua
comercialização baseada em formas de cooperação; a soberania energética nos territórios;
uma matriz tecnológica de produção e distribuição de riqueza na agricultura; participação
efetiva de camponeses na formulação de políticas públicas para a agricultura; e, acesso a
educação pública e de qualidade. Uma Reforma Agrária Integral e Popular constitui assim, a
reorientação das economias nacionais e latino-americanas sob a base de interesses não
somente de camponeses, mas dos povos (KOROL, 2016). No primeiro, terceiro e quinto
Congresso da CLOC-VC aponta-se notadamente que a perspectiva da Reforma Agrária
encontra-se dentro de uma estratégia democático-popular.
Na Reforma Agrária Integral, as mulheres camponesas tensionam a equidade de gênero, onde
possam ter acesso a terra (títulos de posse), assistência técnica, e financiamento para poder
desenvolver projetos produtivos cooperativos e agroecológicos, saindo do limitante trabalho
doméstico camponês. Esse processo aportaria para sua autonomia financeira (que tem
significado ímpar no que diz respeito às condições objetivas da opressão da mulher), bem
como potencializaria sua participação na construção orgânica do movimento social e de uma
nova sociedade, impulsionando a formação de mulheres militantes e dirigentes.
Além da Reforma Agrária Integral, a Soberania Alimentar tem como pressuposto a
agroecologia, onde comunidades camponesas e indígenas buscam recuperar a ciência
“ancestral” da produção (como conhecimento acumulado da humanidade) articulando-as com
a produção de tecnologias que tenham como princípio o respeito à terra, à biodiversidade, à
natureza, às sementes como patrimônio dos povos a serviço da humanidade, e as formas
coletivas de produção. Nas formulações da Via Campesina Internacional, a agricultura
camponesa agroecológica pode resolver a crise alimentar e climática que a humanidade
enfrenta. Em contraposição ao modelo industrial de produção de monocultivos em larga

269
escala e controlado pelas grandes corporações transnacionais, atua de maneira “sustentável” e
inteligente no manejo da biodiversidade na produção alimentar.
No documento publicado por ocasião do Fórum Internacional de Agroecologia que ocorreu
em Nyéléni (Mali) indica que:

La agroecología es modo de vivir y es lenguaje de la naturaleza que aprendemos


siendo sus hijos. No es una mera propuesta de tecnologías o prácticas e producción.
No puede aplicarse de la misma manera en todos los territorios. Se basa por el
contrario en principios que si bien puedan compartir similitudes en la diversidad de
nuestros territorios, se practican de muchas formas diferentes en las que cada sector
contribuye con los colores de su realidad local y cultural respetando siempre la
madre tierra y nuestros valores comunes y compartidos […]. Los diversos saberes y
las formas de conocimiento de nuestros pueblos son parte fundamental de la
agroecología. Desarrollamos nuestros conocimientos a través del dialogo de saberes.
Nuestros procesos de aprendizaje son horizontales y entre iguales, basados en la
educación popular. […] La agroecología es política, nos exige desafiar y transformar
las estructuras de poder en la sociedad. Debemos poner en manos de los pueblos que
alimental el mundo el control de las semillas, la biodiversidad, la tierra y los
territorios, el agua, los saberes, la cultura y los bienes comunes. (LA VIA
CAMPESINA, 2015, p. 60-61)186

O mesmo documento aponta que a promoção da agroecologia, mesmos dentro das próprias
organizações que compõe a Via Campesina Internacional deve essencialmente: realizar a
produção agroecológica; intercambiar saberes e sementes; fortalecer as economias locais;
“reconhecer o papel central da mulher”; divulgar sua concepção de agroecologia; construir
alianças para fortalecer a produção agroecológica; “proteger as biodiversidade e recursos
genéticos”; e, denunciar, “lutar contra a apropriação corporativa institucional da
agroecologia”. (LA VIA CAMPESINA, 2015, p.62-65)
Como parte constitutiva do conceito de Soberania Alimentar, a Via Campesina defende uma
produção descentralizada, ou seja, cada população deve produzir seus próprios alimentos a
partir de sua cultura e de maneira diversificada, com os agricultores produzindo a totalidade
dos alimentos necessários aquele país. (VIEIRA, 2011, p. 226).
A descentralização na produção de alimentos indica que o controle da produção deve ser
territorial e nele a proteção das sementes187 e dos bens comuns. O respeito aos ciclos da
natureza são métodos que beneficiam os ecossistemas e carregam o propósito de evitar a
privatização da biodiversidade. Nesse sentido, em contraposição à agricultura em larga escala,
a Via Campesina aposta na Soberania Alimentar para resolver a crise ambiental, e a crise

186
LA VIA CAMPESINA. Agroecología Campesina. Por la Soberanía Alimentaria y la Madre Tierra.
Experiências de La Vía Campesina. Cadernos de a Via Campesina. N.7. Zimbabwe: La Via Campesina,
Secretariado Internacional, Abril 2015
187
Segundo a FAO (1999), a humanidade já tinha perdido ao longo do século XX cerca de “75% dos recursos
fitogenéticos” (KOROL, 2016, p. 158)
270
climática, com a consigna de que esta pode “esfriar o planeta”, já que os monocultivos e as
explorações ganaderas em larga escala são em parte responsáveis pelas mudanças climáticas.
(KOROL, 2016)
Como diretriz central do programa estratégico da Via Campesina, a Soberania Alimentar
exige incondicionalmente uma Reforma Agrária Integral, a produção agroecológica e a
proteção das sementes como patrimônio dos povos a serviço da humanidade, e, não menos
importante, a participação das mulheres. Soberania Alimentar, portanto, exige Soberania
Energética, Genética, Mineral e Soberania Territorial.
Como desdobramentos desta diretriz estratégica primam-se pelo: fortalecimento da
organicidade interna do movimento social; a participação de mulheres e da juventude nos
espaços de decisão; uma política de formação crítica de seus integrantes; o aprimoramento da
comunicação popular interna e externa; assim como as Campanhas permanentes e estruturais
da Via Campesina que são nexos de diálogo no interior dos movimentos e também com a
sociedade.

4.3.3.2 A Luta pela Soberania Alimentar:


Conforme destaca Stedile (2011), a luta pela Soberania Alimentar em cada país deve conduzir
à produção de alimentos sadios e o impedimento da concentração da propriedade da terra
(garantindo a posse, o uso e a legalização de todos os territórios indígenas e tradicionais,
proibindo a estrangeirização das terras), das águas e das florestas (inclusive o seu
desmatamento). Ao mesmo tempo devem ser adotados sistemas de produção de alimentos
baseados na diversificação da agricultura e na adoção de técnicas de produção que aumentem
a produtividade respeitando a biodiversidade da natureza ao passo que reduzam o grau de
esforço físico do trabalho no campo.
Também deve desenvolver: a organização e a planificação de agroindústrias em pequena e
média escala, onde a produção seja controlada pelas forças do próprio país (sejam governos,
trabalhadores, ou empresas nacionais); preservar, multiplicar e difundir as sementes nativas e
melhoradas; implementar um projeto energético popular nos países que possa inclusive
assegurar a água como direito de todos e todas; desenvolver políticas públicas que por meio
do Estado possam garantir a produção de alimentos no país, assim como a seguridade social
para a população do campo; rever o modelo de transporte individual que é altamente poluente
e envolve a produção de agro-combustíveis; consolidar a educação no/do campo para todos e
todas, do primário ao nível universitário; assim como, modificar os acordos internacionais da
271
OMC, União Européia e ONU, que defendem somente os interesses do capital internacional.
(STEDILE, 2011)
De maneira geral as entrevistas com as organizações sociais da CLOC-VC apontaram
genericamente elementos considerados táticos e estratégicos, que parecem ter conexões
profundas com a luta pela Soberania Alimentar. Entre elas destacamos: a construção e
fortalecimento da aliança camponesa e operária; o fortalecimento do diálogo interno entre as
organizações partícipes da CLOC-VC; a formação política de seus integrantes; o trabalho de
base como parte da dinâmica interna organizativa; o fortalecimento da auto-organização
comunitária; a produção agroecológica e camponesa para resistência; a luta pela reforma
agrária e pela educação do campo; o fortalecimento do que há de melhor na cultura
camponesa; a consolidação de uma economia popular solidária; a transformação da luta pela
terra em luta por território; o feminismo camponês e popular; a construção do poder popular e
a luta por justiça climática.
Destacamos abaixo alguns depoimentos coletados em entrevistas que apontam estes aspectos
desde a luta e a conjuntura em seus países, onde é possível perceber uma identidade de
questões, temas e táticas comuns, muito embora as formas de expressão e linguagem utilizada
difiram.
O primeiro destaque que fazemos é depoimento da representação de um movimento indiano,
que indica além da Reforma Agrária, a Revolução Agrária como parte de um projeto
estratégico. E de maneira pontual, correlaciona uma série de temas que se integram, alguns
táticos, outros estratégicos, outros ainda tático-estratégicos:

Revolução Agrária e reforma agrária; soberania alimentar e direito à comida;


profissionalização nas técnicas de agricultura; industrialização da agricultura - do
cultivo; mudanças climáticas; direitos dos camponeses; desenvolvimento rural
integrado; movimento cooperativo; envolvimento de jovens mulheres, dalits e
grupos indígenas, sustentação e vida no meio rural; acesso e controle dos
camponeses dos bens naturais; reestruturamento do Estado; movimento contra o
neoliberalismo e a OMC na agricultura; biodiversidade baseado na agroecologia.
(R.S.D., All Nepal Peasant´s Federation. Membro do Comitê Central. Entrevista
realizada em julho de 2017)

Nas entrevistadas realizadas com integrantes da CLOC-VC, destacamos que duas


organizações da Colômbia (ANZOARC-FENSUAGRO e CNA) indicam a luta pelos direitos
camponeses (Declaração da ONU)188 como fundamentais para incidir na elaboração de

188
A Declaração dos Direitos Camponeses foi aprovada na ONU em dezembro de 2018 como já mencionado
anteriormente.
272
políticas públicas que fortaleçam a agricultura camponesa, o acesso à terra, os serviços
básicos de infra-estrutura, saúde e educação no campo. Vejamos abaixo o trecho de uma
destas entrevistas:

Actualmente nuestra estrategia esta puesta em: a) construcción de territorios


campesinos agroalimentarios: con el objetivo de garantizar el acceso a la tierra,
bienes y servicios básicos como la educación y la salud. Los territorios campesinos
se piensan como espacios de donde hombres y mujeres construimos nuestras
relaciones sociales y comunitarias, teniendo una relación directa y espacial con la
tierra y la naturaleza. Se caracterizan por la identidad campesina y un territorio
determinado. Son una alternativa para el gobierno territorial popular, vida digna y
resistencia. b) reconocimiento del campesinato como sujeto de derechos: es que a
los campesinos no se les reconocen sus derechos políticos, económicos, sociales y
actuales para la defensa y protección del territorio, así como de la cultura, la
identidad y la vida campesina. Es una lucha legal y jurídica que busca que a través
de leyes y decretos se reconozcan los derechos del campesinato colombiano […]
(C.L.U.M., CNA, Colômbia. Comissão de organização e formação. Entrevista
realizada em setembro de 2017)

Essa entrevista segue apontando muitos outros aspectos que dizem respeito às linhas
estratégicas de sua organização, as quais já foram abordadas anteriormente.
Gostaríamos também de destacar o papel das alianças e da construção da unidade popular na
perspectiva de construção de um projeto socialista de sociedade. As entrevistas realizadas
destacaram a importância da CLOC-VC como instrumento político construir ações de
denúncia das conseqüências do capitalismo neoliberal no campo, mas essencialmente de
construir outro projeto de sociedade, visto que esse sistema não responderá as necessidades
básicas da humanidade. E neste caso as lutas que a CLOC-VC devem desenvolver tem que
acumular para uma transformação societária em sua totalidade.
Algumas das entrevistas (ASOCAMPO, Colômbia e CONAVIGUA, Guatemala) apontaram a
importância estratégica da educação popular e da formação política de sujeitos críticos, em
que possibilitem a apropriação de uma teoria política de vanguarda que contribua com o
aprofundamento da análise da realidade e a construção do poder popular. Processos estes que
levem em conta a ampliação da formação de mulheres lideranças e que estejam
intrinsecamente articulados com as mobilizações de massa. Ainda nessa perspectiva, uma
organização de Cuba aliada à CLOC-VC, Rede de Educadores e Educadoras Populares, indica
que sua função numa dimensão estratégica é contribuir com a construção efetivamente
consciente do poder popular, assim como “contribuir a la lucha de los movimientos de
izquierda de América Latina y el mundo”. (B.C.F, Rede de Educadores e Educadoras

273
Populares [organização aliada a CLOC-VC], Cuba. Coordenadora. Entrevista realizada em
setembro de 2017)
Quanto ao tema da Reforma Agrária, Integral e popular como parte de seu programa político,
uma das entrevistas afirma contundentemente que ela não é possível nesta sociedade, visto
que estamos numa correlação de forças desfavorável e que este é um período drástico de
contra-reformas no continente e no mundo. Por isso, se ela não fizer parte de um projeto
político maior, não poderá ser realizada, não poderá sobreviver. Neste caso, as lutas devem ir
“acumulando para a construção e um projeto socialista”, e em conseqüência estabelecer
profundos diálogos entre campo e cidade, entre camponeses e operários, entre os diferentes
instrumentos organizativos da classe trabalhadora que indiquem para este horizonte. (I.M.,
MST, Brasil. Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de
2017). Vejamos abaixo esta reflexão em depoimento coletado:

E com dialogo muito forte, com essa clareza, da necessidade da política de aliança
com outros setores da sociedade. Porque os temas que nos mobilizam não são temas
apenas de quem vive no campo. São temas que envolvem o conjunto da sociedade.
[...] Então, assim a gente costuma dizer, as batalhas contra os inimigos são comuns –
contra as transnacionais, tanto do agronegócio, da mineração, do hidronegócio [...],
porque é lá no campo é que estão atacando nossos territórios. Estão lá posicionadas.
Mas essa guerra a gente ganha é na cidade, com debate na sociedade, para poder
denunciar e, para, ao mesmo tempo, buscar o apoio. Que o conjunto da sociedade
entenda, vamos dizer assim, que o agronegócio, que o mineronegócio, que o
hidronegócio são daninhos à sociedade, ao meio ambiente, aos seres humanos.
Então, não estamos dizendo que somos contra a mineração. Mas que tipo, que
projeto de mineração, que projeto energético, que projeto de produção de alimentos.
[...] Então, a questão é de essência de projetos e de modelos de produção e de
consumo. Esse modelo de produção e consumo historicamente assumido e
desenvolvido pelo capital não serve aos povos de nenhuma parte do mundo, ao
contrário é uma ameaça ao nosso planeta [...] (I.M., MST, Brasil. Comissão de
Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

A essência das alianças neste sentido deve ser entre os pobres do campo e os pobres da
cidade, construindo um bloco nacional popular que “nos permita llegar al poder político y que
nos permita construir poder popular desde la base”. (G.A., ASOCAMPO, Colômbia,
Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)
Como parte do balanço realizado pela Via Campesina em 2004, considerou-se um avanço o
fortalecimento de alianças a partir de um projeto político comum (Soberania Alimentar). Estas
têm aglutinado forças no que diz respeito à produção e ao consumo de alimentos saudáveis, e
articula movimentos populares do campo e da cidade, ambientalistas e algumas ONGs com
perfil progressista. Entretanto, mesmo com estes avanços, permanece o desafio do

274
fortalecimento das alianças em torno de uma agenda política comum que se estenda em longo
prazo e permita diálogos mais diretos entre os principais movimentos populares. (LA VIA
CAMPESINA, 2009)
Também são considerados desafios: melhorar a articulação interna entre organizações em
nível local, no país, região e internacional, para inclusive fortalecer as alianças e espaços que
dinamizem e concretizem um vínculo maior com movimentos sociais que não fazem parte da
Via Campesina; potencializar as alianças locais na realização das mobilizações; construir
alianças mais consolidadas com movimento movimentos de trabalhadores urbanos,
imigrantes, jovens, ambientalistas, mulheres, pescadores e indígenas; construir metodologias
que superem as alianças pontuais onde a centralidade é buscar “apoyo para nuestra lucha”,
para uma dinâmica de apoio mútuo e construção coletiva. (LA VIA CAMPESINA, 2009)
Dado que os desafios supracitados encontram-se num documento de 2009, possivelmente
alguns já foram superados, outros não, e outros ainda foram se delineando.
A representação da organização chilena ANAMURI demonstra em sua análise grande
preocupação com a divisão e dispersão da esquerda em pequenos grupos na atualidade.
Também sinaliza apreensão quanto à inconsistência política de algumas organizações desde o
ponto de vista de posição de classe. Sinaliza que há uma necessidade de fortalecimento dos
espaços de diálogos com estas organizações para o avanço coletivo da própria esquerda.
(A.M.T. ANAMURI. Chile. Direção Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)
Representante de outra organização chilena destaca a relação estratégica que existe entre a
constituição de um movimento campesino de classe em nível internacional, o fortalecimento
das organizações de base, e o horizonte político socialista. Em suas palavras:

[…] creemos hoy que la principal tarea estratégica para el actual periodo de la lucha
de clases, tiene relación con la constitución primero de un movimiento campesino de
clase y un movimiento popular que aglutine a todas las clases populares, el cual
debe tener como horizonte político el socialismo. En ese sentido, se hace
fundamental en lo táctico, fortalecer las organizaciones de base y avanzar en
experiencias de acumulación de una fuerza social campesina y la acción de estás en
la lucha de sus propias reivindicaciones a través de plataformas de lucha en común,
tanto con otras organizaciones campesinas, como en alianza con la clase obrera.
(C.A.R.F., CONAPROCH, Chile. Comissão de Formação. Entrevista realizada em
setembro de 2017)

É possível perceber que os diferentes aspectos levantados pelos movimentos sociais que
compõe a CLOC-VC são, na luta pela soberania alimentar, caminhos para a consolidação de
um projeto político mais amplo e de horizonte socialista.

275
4.3.3.3 A Soberania Alimentar e o horizonte socialista:
Se a Soberania Alimentar é uma diretriz do programa estratégico da CLOC-VC, e se sua
perspectiva de transformação social é o socialismo, quais são as mediações que os relacionam
no caminho percorrido da estratégia democrático popular? Caberia aqui compreender melhor
a proposição da Soberania Alimentar como parte da estratégia da construção socialista, tema
que apenas tatearemos nesse trabalho.
Iniciamos a reflexão com um depoimento que apresenta pistas importantes sobre os
fundamentos da relação Soberania Alimentar e Socialismo:

E vamos construindo o conceito - que hoje nós entendemos que mais do que um
conceito é um princípio dos povos, como guardiões da terra, da biodiversidade, dos
bens da natureza - que é o conceito e o princípio da soberania alimentar; como nosso
direito humano dos povos à alimentação, ao território. [...] a soberania alimentar é a
necessidade de uma aliança campo e cidade. (I.M., MST, Brasil. Comissão de
Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Soberania alimentar é considerada um princípio dos povos e da natureza, onde o direito


humano à alimentação transcorre o direito humano ao território, e o respeito à biodiversidade,
expressando a necessidade de aliança entre os trabalhadores do campo e da cidade. Alimentar-
se aqui, torna-se um ato também de posição política.
O socialismo como horizonte estratégico não é consensuado na Via Campesina como um
todo, entretanto, não haja dúvidas quanto a este horizonte quando nos referimos à CLOC-VC.
O depoimento abaixo, coletado em entrevista relata este posicionamento:

[...] Há uma afinidade em torno do projeto socialista. Não aparece dúvidas em


relação a isso. O que aparece são os desafios atuais para a construção do socialismo,
que isso muda né... Os nossos movimentos devem dar conta dos desafios. Na
Assembléia de preparação da conferencia da VCI apareceu o debate de como a gente
incide com esses elementos dos desafios da construção do socialismo na VCI como
um todo. Apesar de entender a diversidade colocada no mundo, mas como vamos
conseguir influir dando unidade na construção da VC com esta perspectiva. (T.T.P,
MST, Brasil. Coletivo de Juventude. Entrevista realizada através de grupo focal em
fevereiro de 2017)

Quanto à perspectiva socialista discutida na CLOC-VC nos parece que é uma construção em
processo. Mas já é possível destacar elementos que estão presentes nos debates quando
abordado a questão do projeto de sociedade que se pretende, onde sua edificação depende da
concomitante resolução de problemas imediatos na medida em que se consolida o caminho
para esta nova sociedade.

276
Como afirma um entrevistado da Colômbia, construir as bases da futura sociedade desde
agora, desde o bairro, desde o campo, desde o colégio, desde a universidade. A construção do
poder popular ocorre na medida em que vamos construindo a soberania alimentar, outro modo
de produção, uma economia própria das comunidades indígenas, negras e camponesas que
foram historicamente subjulgadas. (G.A., ASOCAMPO, Colômbia, Coordenação Nacional.
Entrevista realizada em setembro de 2017)
Os movimentos indígenas do altiplano têm contribuído com a discussão desde a perspectiva
do Sumak Kawsai, ou buen vivir, numa perspectiva que reconhece e enfatiza a diversidade dos
povos e sua integração. No discurso de abertura do V Congresso da CLOC (Equador, 2010),
Luiz Andrango afirma a necessidade da construção de um “projeto político popular,
revolucionário, inspirado na concepção de Sumak Kwsay para o socialismo, que resolva os
problemas sociais da América Latina e do Mundo”189.
A questão que aí está posta é relação natureza-ser humano, ou, natureza-história humana que
foram apartadas na forma capitalista de produção, inclusive fragmentadas como ciência,
alienadas. Como se a natureza não fizesse parte da história humana, e houvesse entre elas um
antagonismo. A unidade destas ciências (ciências da natureza e ciências da história) se dá
essencialmente no ato histórico onde a relação entre seres humanos com a natureza para
produzir a vida, fazem a própria humanização. Dessa forma, a ciência da história é vinculada
à produção material da vida e conseqüentemente a consciência da própria vida, a consciência
do mundo vivido. (MARX, 2002, 2015).
É neste sentido que a CLOC-VC ao debater o tema do socialismo, o coloca como condição
necessária para a existência da biodiversidade e preservação da natureza como parte da
própria vida humana, da própria história humana. Aqui nos parece que a consigna “Sementes:
patrimônio dos povos a serviço da humanidade” acabaria se estendendo à terra, à água, ao
minério, à biodiversidade. Seria parte do processo de superação dos bens da natureza como
mercadoria.
Outra questão fundamental na discussão do socialismo dentro da CLOC-VC refere-se ao tema
do feminismo que é indubitavelmente intrínseco a ele. A superação de uma sociedade
capitalista que carrega em sua estrutura o patriarcado necessita incorporar a problemática
específica da violência e da opressão de gênero. Busca-se que este tema esteja no programa
das organizações sociais e faça parte do projeto revolucionário socialista. Desse modo, a
concepção de socialismo perpassa pela construção antipatriarcal e feminista para tornar-se

189
Discurso completo disponível em: http://www.cloc-viacampesina.net/i-asamblea-continental-cloc-
vc/discurso-de-luis-andrango-en-apertura-del-v-congreso-de-la-cloc . Acesso em dezembro de 2018.
277
uma experiência emancipadora em todos os sentidos, que transforme as relações sociais de
produção, mas também as relações sociais de gênero, incorporando as diferentes identidades.
O socialismo para a CLOC-VC tem como pressuposto a construção de poder popular, de uma
nova forma de relação social entre os seres humanos e a natureza, novas relações de gênero,
articuladas à Soberania Alimentar.
O socialismo aqui representa um modo para que a sociedade realize transformações
necessárias: da propriedade privada para a propriedade social, eliminando toda e qualquer
forma de exploração entre seres humanos; a consolidação do poder popular através da
democracia participativa; o exercício do direito de decidir o destino da humanidade retirando-
o o controle das empresas e exploradores capitalistas; e que ao mesmo tempo também se
ocupe de transformar os valores egoístas e individualistas da sociedade capitalista, para
valores solidários e comunitários. (BOGO In LA VIA CAMPESINA, 2013)
No que tange ao caminho para a construção socialista fica bastante evidente que para a
CLOC-VC, o caráter da luta é antiimperialista, realizando enfrentamento à hegemonia
estadunidense.
É também fundamental que o caminho percorrido construa o poder popular nas diversas
formas de organização política da classe trabalhadora e também entre elas, onde a unidade dos
princípios e valores socialistas esteja acima das formas. Que os instrumentos organizativos
penetrem e mobilizem a sociedade civil elevando a consciência de classe tanto das populações
urbanas como do campo, e integrando seus interesses e objetivos. Que a luta de massas
articule as pautas de bem estar diário com as pautas de mudança profunda da sociedade. Que
incida em processos de formação política que articulados a luta de massas pode fazer avançar
a consciência de um “outro mundo necessário”. Que carregue a defesa da igualdade de
direitos, e da continuidade de processos comunitários e solidários. “De modo que a luta para
superar o capitalismo e organizar um novo modo de produção se converta numa necessidade
imediata para a humanidade” (BOGO In LA VIA CAMPESINA, 2013)
Postulamos aqui que como caminho de condução ao horizonte estratégico do socialismo, a
CLOC-VC, bem como muitos outros instrumentos organizativos e governos populares e
progressistas, traçaram seus passos nesse período sob uma estratégia democrático-popular se
apresentando marcadamente socialista, anticapitalista, antiimperialista, antiglobalização
neoliberal, anti-neocolonialista, anti-racista e antipatriarcal. Nesta perspectiva, a soberania
alimentar teria um potencial massificador na medida em que conseguisse dialogar e
estabelecer as sínteses necessárias com todas as expressões possíveis das classes
trabalhadoras.
278
É importante ressaltar aqui, que a Soberania Alimentar e a agroecologia não são por si só
revolucionários, mas tornam-se bandeiras universais na medida em que estão articulados a um
projeto de transformação societária. E nesse caso, tornam-se caminhos de sua efetivação.
Ao que parece a Soberania Alimentar ainda é uma construção em processo, que por um lado
evidentemente se estreita com a luta antiglobalização neoliberal, mas que por outro, necessita
de maiores elaborações a respeito de suas mediações com relação ao caráter anticapitalista e o
projeto socialista.

4.3.4 A forma da organização política: Seus desafios e fortalezas


A necessidade de fortalecimento interno do instrumento organizativo é intensificada a partir
dos resultados da IV Conferência realizada em Itaici, São Paulo. Como movimento social
amplo, ativo e de estrutura descentralizada, caracteriza-se como movimento de massa que se
legitima a partir de suas organizações sociais de base. Sua dinâmica interna flui a partir de
alguns princípios organizativos que rege as ações, consultas e definições.
Em entrevista com dirigente que atua há anos na construção desse instrumento, observamos a
ênfase no caráter de movimento e do papel da organização a luta em suas várias dimensões:

Então olha a importância histórica que tem esse instrumento político que nasce num
primeiro momento como articulação, digamos assim, uma necessidade de articular
as organizações, os povos, a nível regional, a nível continental e a nível
internacional. E vai se construindo no caminho muito mais do que uma articulação.
Sem tirar a autonomia dos movimentos, dos movimentos membros, mas vai se
transformando com característica de movimento; de um movimento internacional,
[...], com essa capacidade [...] de articular; de tirar linhas comuns; de organizar a
luta; de pensar a formação e discutir participação política das mulheres; de ter esse
olhar sobre o papel e a importância da juventude. Vai olhando a necessidade de
articular a luta do campo com a luta das cidades. [...] Então esse movimento que vai
sendo construído não é uma voz só de denuncia, mas uma voz que denuncia e que
combate as políticas neoliberais. Mas, acima de tudo, é uma voz que organiza, que
constrói [...] que vai re-significando e pautando com muita força a solidariedade de
classe, o internacionalismo (I.M., MST, Brasil. Comissão de Formação da CLOC-
VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Num dos documentos consultados da CLOC-VC190 no final do ano de 2012 sistematizava-se


um balanço da organização apontando a necessidade de construir uma Carta Orgânica da
CLOC. Esta, de maneira alguma seria um estatuto interno, mas linhas políticas e princípios
que orientariam a organização diante de um horizonte de solidariedade de classe,
internacionalismo, luta contra o capital, solidariedade à Cuba.
190
CLOC-VC. Sistematização de Reunião Orgânica da CLOC-VC-Sudamérica. [S.I]: [s.n], 29 de novembro
01 de dezembro de 2012.
279
Entre estes princípios organizativos construídos até então, mencionamos:
 A construção da unidade a partir da imensa diversidade de movimentos, formas
organizativas, culturas, perspectivas;
 A flexibilidade como dinâmica interna do movimento fomentando mecanismos
horizontais para a integração de pessoas aumentando a capacidade organizativa de
ações e mobilizações (LA VIA CAMPESINA, 2009, p. 62);
 A descentralização do poder nas regiões garantindo que as lutas se desenvolvam a
partir da particularidade de cada uma, ao mesmo tempo em que as características
peculiares de cada uma enriqueçam os debates em nível mundial;
 A preocupação em fortalecer as organizações sociais de base em cada país e a própria
articulação entre elas, num primeiro momento no país de origem e num segundo
momento em nível regional. Fortalecer a organização regional e nacional com
reuniões regulares para a realização do trabalho político, das consultas e da
participação nas atividades internacionais foi incisivamente debatido nestes últimos
anos;
 A formação de novas lideranças que assumirem responsabilidades dentro do
movimento, integrando processos de formação política e luta de massas;
 Atenção aos métodos de trabalho (de direção e condução dos processos político-
organizativos), evitando “mecanismos de tipo ONG”. (LA VIA CAMPESINA, 2009,
p. 62). Uma das questões essenciais em relação à preocupação do método está
plasmada na distribuição de tarefas em diferentes comissões de trabalho e campanhas
internacionais, onde estas funções possam ser assumidas como tarefas políticas e não
como cargos;
 A participação ativa das mulheres e da juventude nos espaços de debate, e definições;

Estes princípios dinamizam e pulsam na relação local, regional e mundial, onde as


organizações de base se fortalecem na medida em que participam do movimento
internacional, e, a consciência dos problemas comuns, das distintas formas organizativas, das
distintas análises da realidade e concepções, se amplia em escala internacional. Processo este
que gera também muitas contradições, sejam de formas metodológicas, sejam de concepções,
de perspectivas e na construção do projeto, do programa. Entretanto, para nada estas
contradições travam a dinâmica organizativa, e carregam um potencial de construir sínteses,
consensos, “catarses” na persepctiva de Gramsci (1995).

280
Sua força organizativa internacional demonstrou vitórias em importantes batalhas como: o
caso da Soberania Alimentar; da paralização de negociações na jornada de lutas contra a
OMC no México; o fortalecimento da participação política e organizativa das mulheres; a
auto-organização da juventude em nível internacional191, e a aprovação da Declaração dos
Direitos Camponeses na ONU.
Mas esta força organizativa internacional evidentemente exige constância na busca da unidade
nas diversas escalas a qual a VC se articula (nacional, regional, e ainda mais arduamente a
nível mundial). O trecho da entrevista abaixo, que tratava especialmente da construção da
unidade dentro de um país, nos aponta um mapa das iniciativas e tensionamentos:

Hacia afuera, nosotros trabajamos uno, es el tema de la unidad, de cómo nos


relacionamos con otros procesos y cómo vamos llenando como los desacuerdos, las
cosas en las que no estamos de acuerdo, como le vamos trabajando a eso para ir
buscando en que estamos de acuerdo y cómo vamos solucionando la parte en que
no estamos de acuerdo. Ese es un elemento, eso también incluye que hay que hacer
encuentros, que hay que hacer reuniones, que hay que hacer talleres, que hay que
hacer eventos, que hay que hacer no se qué! y que también gasta uno también
tiempo, gasta uno en esta cuestión. Y lo otro es ya en las luchas, en la movilización.
La movilización pues es una escuela, nosotros vamos formando, […]. Siempre lo
hacemos pues porque van otros procesos y se movilizan […] no importa si nosotros
no aparecemos allá con la camiseta, no importa si el nombre de nosotros no aparece,
eso no es el problema de nosotros. Nosotros consideramos que es importante
participar ahí porque tenemos que contribuir al proceso, contribuir a avanzar en este
proceso. No importa […] si aparecemos, si no aparecemos lo importante es estar ahí,
hacer presencia, ganar experiencia y aportar. Esa es como la visión que nosotros
tenemos pues frente a la lucha. (G.A., ASOCAMPO, Colômbia, Coordenação
Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

O critério da unidade entre as organizações é bastante árduo na construção cotidiana. Não se


dá por decreto. Necessita de um esforço de despreendimento corporativo rumo à construção
de um horizonte mais amplo para além das necessidades imediatas, mesmo que ainda seja
entre movimentos distintos que organizam a mesma base camponesa para os interesses de
classe em si. Pois conflitos entre organizações se dão para além dos interesses comuns, eles
carregam concepções e projeções distintas (às vezes nem tanto) e formas de trabalho distintas.
Necessita de processos de superação da auto-afirmação particular de uma organização
específica para a busca de sínteses possíveis dentro da imensidade de organizações, necessita
parelhar as convicções e evidenciar as que não são consenso em busca de consolidar a
unidade. Necessita cada vez mais construir espaços de construção de ações comuns, pois

191
LA VIA CAMPESINA. Evaluación del Trabalho hecho por la Vía Campesina. In. Documentos Políticos de
la Via Campesina. Jakarta: Secretaria operatia Internacional de la Via Campesina, mayo de 2009.
Disponível em: https://viacampesina.org/es/wp-content/uploads/sites/3/2010/03/COMBINED-SP-5-FINAL-
min.pdf Acesso em agosto de 2018.
281
questões de unidade somente se efetivam em ações concretas, para além dos debates e
prospecções intermináveis.
Citamos mais um trecho de depoimento coletado em entrevista que relata essa busca:

Nosotros siempre nacimos con un criterio de unidad popular, entonces nos interesa
ser amigos de los demás procesos aunque no estemos de acuerdo, aunque no
compartamos con la política de los otros, siempre queremos ser amigos de ellos y
siempre darles la mano en el momento que lo necesiten. Entonces […] casi en todos
los espacios de unidad pues Asocampo es una organización que está ahí presente. Y
no se rechaza porque se sabe que tiene una política pues de unidad y de respeto
hacia lo que son las otras organizaciones. (G.A., ASOCAMPO, Colômbia,
Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

E continua a análise referente à importância da CLOC-VC para o fortalecimento das


organizações sociais dentro de um mesmo país:

[…] nosotros queremos hacer de la CLOC realmente un espacio importante, un


espacio políticamente importante y que ayude a fortalecer las organizaciones y que
ayude a fortalecer los procesos que hay en el país, eso es lo que queremos, estamos
en ese reto, no es fácil pero queremos trabajar hacia allá. (G.A., ASOCAMPO,
Colômbia, Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Estes tensionamentos ocorrem ainda mais entre organizações de bases e interesses distintos.
Referimos-nos, por exemplo, à aliança estratégica campo e cidade e sua infinidade de relações
e particularidades.
Outro aspecto importante da dinâmica organizativa é a busca de interligar a todo o momento
os temas e tarefas estratégicas, como por exemplo, a participação de mulheres e juventude na
construção da soberania alimentar; ou os processos de formação política organizativa que
devem abranger também dimensões técnicas da agroecologia, e ainda contemplar a equidade
de gênero.
Vários foram os relatos que indicavam o papel do movimento internacional e das articulações
regionais no fortalecimento de suas organizações de base, seja para tensionar temas que antes
não eram identificados, seja para estimular processos e formas organizativas mais dinâmicas,
seja articular pautas com maior fortaleza e profundidade, seja para a compreensão mais ampla
e mais complexa da totalidade da questão agrária na atualidade. Segue abaixo o trecho de
outro depoimento coletado em entrevista que demonstram a importância do movimento
internacional nas organizações de base:

Y en la verdad es que las organizaciones están se fortaleciendo a partir de esta


sociedad que nosotros tenemos que es la CLOC-Vía Campesina [...] porque las
políticas de La Vía Campesina los llevamos a los territorios y empezamos a trabajar.
El tema de la recuperación de las semillas criollas, el tema de la lucha por la tierra

282
[…]. (A.M.T. ANAMURI, Chile, Direção Nacional. Entrevista realizada em
setembro de 2017)

É interessante analisar nesse sentido como o instrumento organizativo internacional


possibilita ao longo do tempo o conhecimento da totalidade concreta da questão agrária em
nível mundial, da situação dos povos do campo, e das perspectivas que estes carregam. A
discussão da realidade do campo em suas mais distintas particularidades, a busca constante de
elementos comuns para a elaboração da convergência de pautas, indica aspectos de uma
forma de consciência coletiva em construção. A dinâmica das lutas particulares se encontra
nas conferências internacionais e nas reuniões das comissões buscando conhecer e elaborar
temas que se tornam totalidades na luta política.
Kosik (2002) faz uma reflexão bem interessante sobre o processo de conhecimento. Ele
afirma que o todo somente pode ser conhecido através das partes, e as partes só podem ser
conhecidas através do todo, mas o conhecimento concreto da totalidade exige algo mais além
destes dois aspectos, o de “reconhecer o movimento conjunto do todo e das partes, através do
processo de totalização”. Assim como em cada novo processo de totalização cria-se novos
seres humanos, às velhas coisas vão constituindo-se novos conteúdos, conduzindo a velha à
nova sociedade na medida em que estas metamorfoses vão tornando-se existência. No âmbito
da relação indivíduo e totalidade, o autor estima que “cada indivíduo é apenas um modo de
totalidade, uma maneira de ser: ele reproduz o todo e só tem existência real em relação ao
todo” (KOSIK, 2002, p. 120-122)
Estes aspectos argumentados pelo autor traçam paralelos com o tipo de relação entre as
organizações sociais particulares num movimento internacional de camponeses. Cada síntese
produzida nos debates e encontros é de alguma maneira conexão com a particularidade das
organizações de base, ou do país, ou da peculiaridade da região, e, a totalidade do movimento.
O tema da Soberania Alimentar, por exemplo, ou ainda a agroecologia, da reforma agrária
integral, das sementes, dos direitos camponeses, todos estes são sínteses produzidas que
conectam estas organizações, e, em maior ou menor grau convergem como condensação e
como irradiação para as bases destas organizações, materializando-se localmente em ações
concretas.
O internacionalismo, portanto, além de ser uma necessidade histórica da classe trabalhadora,
no caso aqui estudado dos povos do campo, converte-se também num princípio pedagógico
para o avanço da consciência desta classe. Mas por si só este princípio pode ser esvaziado, ou
tornar-se apenas uma abstração se não instigado e conduzido cotidianamente por um
instrumento organizativo e por uma dinâmica que o materialize, que movimente as “zonas de
283
conforto” das próprias organizações que dele fazem parte. Esse é um dos papéis históricos do
internacionalismo, e que pode gerar uma mudança qualitativa na luta de classes no campo no
próximo período.
Mesmo que no caso da CLOC-VC seja um movimento internacional que carrega uma
consciência social marcada pelos limites do ser em si, a dinâmica atual da luta de classes com
o aprofundamento da destruição da natureza e dos processos de expropriação feroz do capital
na busca de resolver suas crises através da super acumulação, podem tensionar suas bases às
contradições próprias da natureza de sua forma de consciência. Contradições estas que estão
circunscritas na forma reivindicação. Reinvindicar terra e Reforma Agrária, ou direitos
camponeses, por exemplo, encontra-se nos limites da reivindicação ao Estado. Um Estado que
em todas as dimensões esconde sua natureza no grau de fetichização em que se encontra.
As experiências de governos populares e progressistas demonstraram em certa medida como é
inconstante o seu papel, por sua própria natureza, quando transformações mais ou menos
profundas eram encabeçadas. De maneira alguma isso significa que o papel do Estado para as
transformações sociais deva ser abandonado, mas aqui queremos afirmar que a classe em si só
poderá perceber as contradições e limites que a circundam na práxis de sua própria luta, e na
dinâmica da luta de classes em geral que pode escancarar com maior precisão todas as
contradições de seu tempo.
O interessante é perceber que ao mesmo tempo em que o caráter reivindicativo da CLOC-VC
marca sua existência, o fato de estar articulada a um horizonte de transformação socialista,
força-o a construir linhas políticas internas que conectem este instrumento ao objetivo mais
amplo. Nesse caso a construção do poder popular desde a dinâmica interna de sua organização
é um exercício de antecipação do novo na vivencias das contradições da velha sociedade. E
ainda, como afirmamos anteriormente, o próprio projeto político da Soberania Alimentar a
partir da Reforma Agrária Integral e da agroecologia, conectam este movimento internacional
camponês com a totalidade da existência humana e do planeta.

4.3.4.1 Internacionalismo no movimento camponês:


Como afirma um representante da organização MONLAR, Sri Lanka, “o internacionalismo é
um dos resultados da luta contra o imperialismo”. (R.M.U.P.R. MONLAR, Sri Lanka.
Coordenação. Entrevista realizada em julho de 2017)
O internacionalismo encontra-se na gênese da CLOC e da Via Campesina, e constitui-se
como uma de suas principais fortalezas. Concretamente o internacionalismo vai se
284
territorializando nos processos de: integração e intercâmbio de experiências e construção
coletiva de Congressos, Assembléias, Fóruns e Conferências; na construção das análises
políticas, definições, objetivos e linhas de ação conjuntas; no exercício das tarefas diárias das
comissões e campanhas; nos processos de formação política de caráter internacional; na
comunicação continental através do Boletim Terra, do programa Voz Campesina, e Boletim
Niéleni (com outras redes de comunicação); nas brigadas internacionalistas de solidariedade,
como o caso de Haiti, Colômbia, Palestina, ou ainda nos casos do Tsunami no Oceano índico
que destruiu parte da Indonésia, Índia, Sri Lanka e Tailandia em 2004, e dos furacões na
América Central, Caribe e EUA192
A CLOC-VC carrega consigo um internacionalismo antiimperialista e anticapitalista que se
baseia na solidariedade da classe trabalhadora mundial, que com um esforço tremendo busca
realizar e potencializar ações concretas que se efetivem sob o intercâmbio entre movimentos e
países, mas também sob uma interlocução política de construção da unidade.
As organizações entrevistadas indicam que o internacionalismo na atualidade perpassa por
gerar instancias de participação internacional que permitam intercambiar experiências, gerar
alianças, fortalecer as lutas, construir solidariedade, denúncias, mobilizações. Uma fortaleza
estrategicamente necessária para o triunfo de toda a classe trabalhadora.
É considerada parte da estratégia “para o fortalecimento da luta contra o capital e contra o
imperialismo”, mas também de compartilhamento de experiências e conhecimentos, e de
construção efetiva de ações numa “perspectiva de transformação do mundo”. (M.E.S.B, PJR,
Brasil. Secretaria Operativa de Projetos. Entrevista realizada em maio de 2017). Tem como
objetivo “lograr la emancipación de la clase obrera, campesina, de pueblos indígenas, mujeres
y futuras generaciones”, criando vínculos orgânicos através da comunicação e da organização
de ações que fortaleçam e visibilizem as lutas nacionais. (L.P.I.P.T, CONAVIGUA,
Guatemala. Grupo de Jovens Mayas. Entrevista realizada em setembro de 2017). E para a
organização camponesa chilena, referindo-se à CLOC-VC, afirma que ser um encontro
programático, que exige um grande esforço para se materializar em práticas concretas.
(C.A.R.F. CONAPROCH, Chile. Comissão de Formação. Entrevista realizada e, setembro de
2017)

192
LA VIA CAMPESINA. Evaluación del Trabalho hecho por la Vía Campesina. In. Documentos Políticos de
la Via Campesina. Jakarta: Secretaria operatia Internacional de la Via Campesina, mayo de 2009.
Disponível em: Documentos Políticos da Via Campesina seguem disponíveis em:
https://viacampesina.org/es/wp-content/uploads/sites/3/2010/03/COMBINED-SP-5-FINAL-min.pdf Acesso
em agosto de 2018.
285
O aspecto da visibilidade dos problemas e conflitos nacionais através do internacionalismo foi
citado também por uma organização colombiana. Situações como “despojo” e criminalização
do movimento social na medida em tomam o cenário internacional permite construir laços de
hermanamiento e identidade internacional entre os que lutam por um “modelo econômico y
político socialista”. (C.L.E.M., CNA, Colômbia. Comissão Organização e Formação.
Entrevista realizada em setembro de 2017).
Outro movimento social camponês colombiano reconhece que a CLOC-VC tem cumprido um
papel de coordenação de espaços de unidade “con conciencia de clase”, onde se encontram
“organizaciones campesinas clasistas” que procuraram a unidade “para una misma lucha”.
(E.U.M. ANZORC-FENSUAGRO, Colômbia. Entrevista realizada em setembro de 2017)
Segundo depoimento de representante de uma organização camponesa nicaragüense, o
internacionalismo se traduz através da solidariedade do movimento com as lutas que ocorrem
mundialmente pela reforma agrária, e deve acompanhar todas as lutas sociais. Em suas
palavras, “formar nuestros militantes en el conocimiento del internacionalismo” é
fundamental “para generar solidariedad combativa”. (C.M.T.R., ATC, Nicarágua.
Comunicação Popular. Entrevista realizada em setembro de 2017).
Sob a ótica de representante de uma organização boliviana, é essencialmente uma
“cooperación política e econômica” entre organizações nacionais para o “benefício mútuo”, é
em síntese “unir nuestras fuerzas”. (E.G. Confederación de Mujeres Campesinas e Originárias
de Bolívia – Bartolina Sisa, Bolívia. Secretaria da Juventude. Entrevista realizada em
setembro de 2017)
A PJR, Brasil destaca a importância de a juventude camponesa participar em experiências de
luta, de produção e de formação em dimensão internacional. Neste tema é importante
considerar que internacionalizar a luta e as experiências possibilita à juventude um processo
conscientização sob um novo patamar. Mas também é importante considerar que se não
houver constância as experiências pontuais podem ser engolidas pela dinâmica cotidiana da
localidade.
Isto leva a um importante dilema, que foi apontado por algumas organizações no trabalho de
campo, entre elas a FENACLE (Equador). O princípio do internacionalismo necessita
enraizar-se nas bases de nossas organizações, pois sua dinâmica pode pontencializar questões
que ainda não são evidentes na organização internacional de camponeses. É um desafio
construir ações locais que sejam de caráter permanentemente internacionalista, e que possam
superar as participações pontuais em encontros, cursos ou escolas de formação, congressos e
conferências. Estes cumprem um importante papel de vivificar esta dimensão da luta, mas as
286
ações cotidianas com certeza trariam à tona novas contradições a serem discutidas e
analisadas. A potencialidade das Escolas Latino-Americanas de Agroecologia promovidas
pela CLOC-VC é marcante neste sentido, Pois no tempo de dois (2) a quatro (4) anos que seus
participantes convivem, criam laços mais duradouros, e os conflitos re-configuram as relações
pessoais e entre organizações a cada instante.
O princípio do internacionalismo foi constituindo-se ao longo do tempo numa “forte
consciência de classe dos povos do campo”. Da consigna “Globalizemos a luta, globalizemos
a esperança” para “Internacionalizemos a Luta”, indica que mais que globalizar era necessário
internacionalizar a esperança, a luta, a resistência avançando “do ponto de vista da nossa
construção da emancipação humana, do respeito aos seres humanos e à natureza”. (I.M.,
MST, Brasil. Comissão de Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de
2017)
Esse caráter de classe do internacionalismo da CLOC-VC não é um processo que passa
apenas pela racionalidade, ela move sentidos e valores, conectando os que dela fazem parte à
memória de seus povos, a cultura popular, a projeção e perspectiva de uma nova forma de
sociedade para além da iminente barbárie, à mística revolucionária. As reflexões apontadas
em uma das entrevistas indicam que há um avanço da consciência de classe sobre o princípio
do internacionalismo e o instrumento organizativo, e que envolvem todos os aspectos
supracitados. Vejamos através de suas palavras:

[...] articulados na via através do processo da formação, de ir construindo uma


mística revolucionária, uma mística que resgate a auto-estima dos povos, sua
historia, sua fortaleza. E isso é bastante importante, a construção da solidariedade de
classes em ação concreta a nível internacional frente às agressões sofridas [...] o
desenvolvimento de missões internacionais [...] levar solidariedade, de fazer a
denuncia internacional. Enfim, de modos que podemos dizer que há uma
consciência, um avanço da consciência na medida que os movimentos vão tendo
cada vez mais clareza e uma leitura mais unificada do momento histórico que
estamos vivendo do avanço do capital, do império sobre nossos povos [...] Todo esse
momento que vivemos de barbárie, já podendo dizer que de barbárie. Um momento
que as forças vivas se articulam, se organizam, buscam construir aliança entre
campo e cidade na perspectiva de resistir e de avançar na construção de um projeto
de sociedade, num projeto de agricultura que de fato respeite os seres humanos e a
natureza e onde de fato todos possam ver a justiça e a dignidade prosperar. Com isso
eu penso que é essa possibilidade, é esse movimento da luta internacional que vai
possibilitando esse avanço da consciência na medida em que há toda uma
intencionalidade de formação, de informação, de intercâmbio, de povos, de culturas,
de culinária, isso vai dando uma dimensão muito mais forte essa diversidade e desse
potencial que são os povos em todo o mundo. (I.M., MST, Brasil. Comissão de
Formação da CLOC-VC. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Percebemos nestas poucas linhas que o internacionalismo que está na gênese da CLOC e da
VC, ademais de resultado é de necessidade de co-existência dos trabalhadores e trabalhadoras
287
do campo em suas diversas expressões através da solidariedade, de valores de humanidade, de
cooperação, de ações concretas de apoio mútuo e de visibilização das atrocidades que
ocorrem em cada rincão deste mundo. Mas é acima de tudo, um encontro programático, um
encontro de projetos que é forjado a ferro e fogo na luta contra o capital, e por seu horizonte
estratégico dá passos importantes no avanço da consciência coletiva e em suas contribuições
para a grande obra necessária da humanidade – a superação do tempo histórico do capital.
Mas, diante da fase em que vivemos onde a truculência do poder e da acumulação, da
brutalidade do sistema operando para manter-se vivo, e de sua violenta expansão, poderá a
CLOC-VC dar um salto qualitativo necessário para enfrentar esse tempo?
Com certeza esse dilema não se trata apenas da CLOC-VC, mas de como andará a luta de
classes em sua totalidade, de como caminharão as classes trabalhadoras como um todo em
seus próprios escombros, em como cada uma delas aportará para a superação dessa sociedade.
O que é certo é que sua contribuição como organização internacional camponesa tem
construído aportes de fundo para uma nova forma societária: como parte da existência
humana (alimentação saudável), do planeta (numa relação de equilíbrio com a natureza), e de
novas relações sociais de gênero (feminismo).
Quanto às transições, como em todas as internacionais já construídas pela classe trabalhadora,
essa também guarda polêmicas. Algumas delas permanecem neste tempo histórico, mesmo
que as internacionais tenham sido desmembradas. Não é porque elas tenham sido superadas
como organização internacional, que suas polêmicas viraram cinzas, pelo contrário, ainda
estão lá no seio da classe trabalhadora, mais vivas que nunca, somente dispersas. A polêmica
entre socialismo e anarquismo; a polêmica entre reforma ou revolução; a polêmica sobre o
sujeito revolucionário; a polêmica sobre o papel do camponês numa revolução; a polêmica da
vanguarda e da forma do instrumento; a polêmica da dinâmica organizativa e os métodos de
direção; e, da forma da produção social da vida; todas estas estão latentes neste tempo e se
tornarão cada vez mais na medida em que se aproximarem situações revolucionárias.
Esses elementos que foram intensamente refletidos e analisados na teoria da organização, o
foram pela práxis cotidiana das suas lutas, e embora façam parte da consciência possível de
seus tempos históricos, não são letras mortas nos papéis amarelados pelos anos. Elas pulsam
como acúmulo histórico da classe, e podem guiar a ação transformadora e revolucionária de
nossos tempos, sendo recriadas na práxis inventiva das classes trabalhadoras.

288
4.3.4.2 Política de formação da CLOC-VC
Como parte do processo de fortalecimento interno das organizações de base, assim como da
articulação internacional do movimento camponês, a política de formação da CLOC-VC
contribui em diferentes dimensões. Das ações pedagógicas realizadas podemos citar os cursos
de formação política para militantes e dirigentes, cursos de formação de formadores latino-
americanos, escola de mulheres da CLOC-VC, curso de teoria política latino-americana,
cursos de especialização em estudos latino-americanos, acampamentos de juventude, Escolas
latino-americanas de Agroecologia, e as campanhas permanentes da Via Campesina
(BATISTA, 2013)193.
A CLOC-VC busca através de uma política de formação: criar espaços de desconstrução das
múltiplas facetas da ideologia dominante que atua inclusive entre aqueles a aquelas que se
colocam em resistência; consolidar espaços de convivência mais duradouras em nível
internacional para além de conferências, congressos, fóruns e assembléias, forjando um
cotidiano de organização coletivo entre os diferentes movimentos; realizar debates e análises
das contradições e avanços da luta político-economica, da luta de classes como um todo e em
seu próprio país, desde sua própria organização; estudar aprofundadamente questões da
geopolítica e geoeconomia, filosofia, história, sociologia, e da ciência política, além de temas
mais específicos como comunicação popular, agroecologia, e outros.
Em documento interno194, a CLOC-VC aponta que a formação política necessita responder as
necessidades do tempo histórico, extraindo lições antepassadas e refletindo sobre a prática,
socializando e produzindo novos conhecimentos que impulsem o avanço das lutas na América
Latina e mundo. Também deve possibilitar espaços concretos de construção da unidade de
classe e de organização da classe anticapitalista e na construção do socialismo. Para isso é
necessário que seja ampla, sistemática e inacabada.
O documento ainda aponta que a política de formação da CLOC-VC abarca ações formativas,
organizativas e de lutas, sendo assim uma relação que permanentemente ativa o avanço da
consciência de seus integrantes, sejam militantes, dirigentes ou quadros. Sua perspectiva é
fundamentada no marxismo como teoria e método de análise da realidade, rechaçando-a como
dogma ou receita, o que indubitavelmente exige o seu aprofundamento.

193
Neste estudo apontam-se de maneira geral as grandes linhas da Política de Formação realizada pela CLOC.
Mesmo que a partir de 2013 (ano de seu registro) tenham se ampliado várias das ações, que a ênfase dada foi
apenas na região Sudamérica, a essência do trabalho realizado e de seu papel na territorialização contra-
hegemônica encontra-se aí descrito.
194
CLOC. Concepción y líneas políticas de la formación de la CLOC-VC. [S.I.]: [s.n.]. 201?. (Documento
Xerografado para discussão no coletivo de formação da CLOC-VC)
289
Como linhas políticas de sua condução podemos destacar as preocupações com metodologias
que permitam o desenvolvimento da consciência, ao mesmo tempo em que possa ampliar a
escolarização de seus integrantes, sendo prioritário manter a autonomia política e de
concepção junto as alianças realizadas com o Estado ou com ONGs parceiras. Consolidar
métodos que possibilitem a constante reflexão e análise da realidade, que materialize
cotidianamente novas relações sociais (e com a natureza) de coletividade e cooperação, de
valores socialistas e da perspectiva revolucionária. Que impulsionem a participação das
mulheres. Que estimule a auto-organização, a investigação e o debate de idéias, tornando-se
assim parte orgânica do próprio movimento.
Conforme este documento que citamos acima, os principais desafios da política de formação
da CLOC-VC estão na busca de compreender mais a fundo os temas centrais da teoria da
organização para que possam contribuir na práxis política da organização. Temas como: o
funcionamento do capitalismo e suas manifestações particulares; o papel da ideologia
dominante fetichizando instituições e valores; a compreensão da natureza do Estado burguês e
seu papel junto aos governos progressitas e partidos políticos; a relação entre o programa
mínimo e o projeto popular estratégico; política de alianças; a relação entre dominação de
classe, gênero e raça; e o papel dos camponeses na atualidade, são temas considerados de
fundamental importância para a práxis política da organização internacional camponesa.
A efetivação de uma política de formação, mesmo com seus desafios, tem contribuído para o
fortalecimento este movimento internacional, mas também para o fortalecimento de suas
organizações membras, e para a relação entre elas em nível nacional e regional. O depoimento
de representante da organização ANAMURI, aponta a tamanha incidência que processos de
formação em nível internacional têm em suas bases:

Entonces esto ayudó mucho que las mujeres crecieron rápido y creo que nosotros
tenemos un contingente de varias mujeres dirigentas que han ido creciendo y
participando [...]. Ayer llegaron dos al intercambio del IALAS […] dos que están
empezando, pero están entusiasmadas […] están muy atentas porque […] venir aquí
a esta escuela es un premio para las mujeres, porque las mujeres cuando vivimos en
el campo en los últimos rincones nos es fácil salir de allá, […] es un sueño. Entonces
son esas cosas que les hacen crecer a las mujeres. Una de las cosas es que las
políticas de la CLOC-VC han sido certeras, han sido justas, y que nosotros estamos
teniendo incidencia tanto a nivel de gobierno con nuestras posiciones, con nuestra
soberanía alimentaria, con nuestra semillas. (A.M.T. ANAMURI, Chile, Direção
Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Para KOROL (2016) as experiências dos IALAS (Escolas Latino-Americanas de


Agroecologia) distribuídas em vários países do continente, são processos de formação política
e acadêmica que, fundamentadas nas experiências acumuladas de suas organizações, no
290
princípio do internacionalismo, e em novas relações sociais de produção entre seres humanos
e natureza, tornam-se iniciativas político-pedagógicas contra a hegemonia do capital no
campo. Retoma os saberes da luta indígena, negra, camponesa, feminista, anticolonial e
antiimperialista, articulando-os à busca de novas tecnologias que permitam concretizar o
princípio de uma relação de equilíbrio entre seres humanos e natureza neste tempo histórico.
Além dos processos de formação internacional, cada organização, ou em cada país se
consolidam cada vez mais iniciativas com o objetivo do fortalecimento interno, desde a base
até quadros dirigentes. Como afirma a entrevista abaixo, a formação faz parte de um processo
de “liberación”, é a dimensão interna da luta:

Nosotros tenemos una escuela itinerante, nosotros llamamos la Escuela Popular


Asocampo, entonces la Escuela Popular Asocampo lo que hace es establecer como
tres tipos de niveles de formación. Uno es formación para las personas que se
acercan a la organización, una formación para las personas que se vinculan a la
organización y otra formación para las que ya están, para la militancia. […]
Entonces, frente a eso nosotros consideramos que la formación hace parte de la
lucha por la liberación pero también nosotros decimos, tenemos que construir una
lucha hacia adentro de la organización y una hacia afuera. [...] Lo otro, tener gente
formada que contribuya no solamente al crecimiento de la organización sino que
contribuya al proceso de transformación de la sociedad. (G.A., ASOCAMPO,
Colômbia, Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro de 2017)

Dimensão interna essa que cabe tanto para as organizações de base quanto para a articulação
internacional. É certo, portanto, que nas experiências onde a política de formação está
vinculada organicamente à luta de massas e à construção da organização política de base e
internacional, contribui enormemente para o avanço da consciência coletiva de si enquanto
classe. Vejamos que na seqüência o depoimento coletado em entrevista há uma perspectiva de
formação política integrada a processos orgânicos concretos:

Hacia adentro nosotros nos proponemos la construcción de territorios campesinos


agroalimentarios, es decir establecer unos territorios a onde halla organización,
onde halla una forma de producción, al menos si no es agroecológica que vaya en
tránsito de lo convencional a lo agroecológico pero que también vaya generando una
economía para los que la realizan, pero también un poquito para la organización, me
hago entender? Eso nos va permitiendo, como ir haciendo realidad el asunto de la
soberanía alimentaria es decir, que la soberanía alimentaria no se nos quede en el
discurso, sino que también vaya ganando una materialidad. Pero que también en esa
medida vayamos construyendo como un poder de campesinos, un poder popular, un
poder del pueblo. Un poder popular que nos permita a nosotros ir ganando como un
avance en el espacio territorial. Porque la lucha no es solamente política, sino la
lucha también es por la apropiación del territorio, entonces, construir un territorio y
el territorio pues no es solo tierra, sino gente también. Gente y territorio es la
producción. Ese es uno de los trabajos que hacemos hacia adentro […]. (G.A.,
ASOCAMPO, Colômbia, Coordenação Nacional. Entrevista realizada em setembro
de 2017)

291
É certo também que o tema do Trabalho de Base é uma preocupação constante para o
fortalecimento organizativo, o que implica a discussão de método, seja de direção ou do
trabalho coletivo com as bases propriamente dita. Uma expressão exitosa desse processo é
“Campesino a Campesino”, que inaugurado no processo revolucionário cubano é assuido pela
CLOC-VC como um método de trabalho educativo e de organização interna. Não obstante,
esse é considerado um desafio permanente do movimento internacional camponês, pois
entram em jogo a questão das escalas organizativas e da dinâmica e fluidez de informações,
conhecimentos, análises e decisões entre base, militantes e dirigentes. O que não é uma
equação fácil de resolver, pois exige a recriação constante de métodos, caminhos, táticas e
estratégias que sintetizem os movimentos e ensejos da base de cada organização membra da
Via Campesina, e a perspectiva de um projeto político de transformação societária.
Portanto, o que podemos afirmar no momento é que o trabalho de base é uma tática
estratégica para a dinâmica da organização e para a superação da consciência em si na medida
em que se aproximam situações revolucionárias.

4.3.4.3 Feminismo Camponês e Popular


Segundo dados da CEPAL195, ao menos 2.795 Mulheres foram vitimas de feminicídio em 23
países da America latina e Caribe no ano de 2017. O Brasil liderou com 1.133 vítimas
confirmadas nesse ano, com taxas maiores que 2 casos a cada 100.000 mulheres relatados nos
países de Honduras, El salvador, Guatemala, República Dominicana, Bolívia, e somente
inferior, a 1 caso para cada 100.000 mulheres nos países Panamá, Peru, e Venezuela. Com
certeza muitos dos casos não registrados encontram-se escondidos no campo.
A situação de violência não é a única questão que define a opressão da mulher, é apenas a
mais extrema. A opressão do gênero feminino se expressa em várias dimensões, seja na
violência psicológica, no assédio, seja na diferenciação de salário por igual emprego, seja na
sobrecarga do trabalho doméstico não compartilhado, seja na renda familiar, seja na
dificuldade de sua participação política. Como afirma uma camponesa do Sri Lanka, as
mulheres “cuidamos de nosso gado e ajudamos aos nossos maridos e a nossa família a

195
Dados veiculados num comunicado de imprensa de 15 de novembro de 2018. Disponível em:
https://www.cepal.org/es/comunicados/cepal-al-menos-2795-mujeres-fueron-victimas-feminicidio-23-paises-
america-latina-caribe . Acesso em janeiro de 2019.
292
cultivar. Mas não temos ainda nenhum direito de acesso à terra e os bens comuns.” (Anuka de
Silva, Sri Lanka, Movement for Land and Agriculture Reform)196
Vejamos abaixo outro depoimento de uma camponesa africana da UNAC, coletado no site da
VCI, sobre a situação real das mulheres:

En Mozambique nos educan para proteger a los hombres, y a pesar de ser nosotras
las que producimos los alimentos, no tenemos ningún poder de decisión. No hay
equilibrio, no hay igualdad ni paridad, son los hombres los que ocupan lugares de
poder. Nos casamos muy jóvenes para que nuestros padres tengan más dinero, pues
les pagan cuando nos vamos con los maridos, somos moneda de cambio, por eso nos
cansamos siempre. Es importante concienciar a las mujeres de la importancia de su
alfabetización, para formarlas y educarlas para que tengan la valentía de denunciar
lo que les ocurre. (Ana Paula, UNAC, Moçambique)197

Historicamente, as mulheres, dentro das organizações sociais combativas, mesmo dentro das
internacionais construídas pela classe trabalhadora, lutaram por sua participação política. A
trajetória da elaboração do feminismo socialista teve a contribuição de grandes mulheres que
a partir de sua práxis cotidiana colocaram em xeque questões cruciais para a emancipação
humana. Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin, Alexandra Kolontain, Emma Goldman, Flora
Tristán, Concha Michel, Dolores Jiménez y Muro, Tina Modotti, Frida Kahlo, Blanca
Canales, Célia Sanchez, Haydée Santamaría, Vilma Spín, Tânia (Tamara Bunke), Maria
Cano, Irmãs Mirabal, Gabriela Mistral, Violeta Parra, Arlen Siu, Nora Astorga, Pagu, Soledad
Barret Viedma, Dirce Machado, Leila Gonzalez, Dorcelina Folador, Domitila Chúngara,
Dolores Cacuango, Rigoberta Menchú, o Pelotón Mariana Grajales em Cuba, Las Mariposas
de Chile, as mulheres Black Panthers, entre tantas outras.
As mulheres da Via Campesina, como relatado em capítulo anterior, desde o início da
organização internacional têm buscando construir as condições de sua participação política
efetiva para todas. As assembléias de mulheres anteriores às conferências e congressos; as
escolas de formação política para mulheres; a ênfase em projetos produtivos agroecológicos
onde a mulher possa adquirir autonomia financeira; a dinâmica organizativa que busca
equidade de gênero para efetivar concretamente a participação das mulheres em espaços de
liderança e coordenação, assim como nos processos de escolarização e formação; a Campanha
de Combate à violência da mulher no campo; todos estes espaços são conquistas da luta

196
FEMINISMO Campesino Popular y la Agroecologia. Produção de La Via Campesina, ANAP. Cuba: Koman
Ilel, 2018. On-line (16:09‟). Disponível em: https://vimeo.com/285197126 Acesso em 27 de novembro de
2018.
197
Depoimento disponível em: https://viacampesina.org/es/yakarta-voces-y-miradas-con-m-de-mujer-campesina/
Acesso em dezembro de 2018.

293
interna das mulheres no movimento camponês internacional, mas ao mesmo tempo desafios
que elevam suas lutas para outro patamar, com novas contradições.
Nesta trajetória encontraram-se movimentos e organizações especificamente de mulheres,
sejam camponesas, indígenas ou afrodescendentes, e, mulheres de organizações mistas, que
de maneira constante buscam fazer o debate interno em suas organizações sobre a questão de
gênero, da participação e emancipação da mulher.
O depoimento de A.M.T., da ANAMURI, Chile, relata como foi o processo de constituição de
uma organização somente de mulheres. Ela descreve a reação dos homens no contexto de uma
organização mista “Los compañeros no estuviron muy contentos, se enojaron porque no podía
ser, como se van ir las mujeres de la organización. Quieren la dividir”, e descreve também a
argumentação das próprias mulheres neste momento de tensão: “Tampoco, no queremos a
dividir, nosotros queremos sumar al movimiento sindical [...]. Y para eso tenemos que sumar
mujeres trabajadoras, campesinas, indígenas, negras. Todo lo que la consigna dice nosotros
queremos hacer en realidad”.
A intensidade de seu relato demonstra que a intenção aqui era de fortalecer participação das
mulheres e colocá-las num patamar de protagonistas de suas lutas. De organizar as mulheres
que durante o período da ditadura de Pinochet arduamente batalharam pela sua sobrevivência,
quando seus filhos e maridos estiveram presos e desaparecidos. E, onde o trabalho político
neste momento era em “función de las demandas específicas de las mujeres”. Assim surge
ANAMURI, que se consolida em junho de 1998, “una organización que se constituyó donde
las mujeres estaban de verdad”. (A.M.T., ANAMURI, Chile. Entrevista realizada em
setembro de 2017)
A necessidade de qualificar o debate interno sobre a igualdade de gênero, e sobre a
importância da participação da mulher do campo em todos os níveis organizativos, levou à
formulação do que se tem chamado “Feminismo Camponês e Popular”. Uma elaboração
bastante recente e em processo de construção, mas que em suma prefigura seus fundamentos
calcados num feminismo de classe, num feminismo socialista, anticapitalista, que discute e
potencializa as particularidades da luta camponesa, negra e indígena sob o horizonte histórico
do socialismo.
O Feminismo Camponês e Popular acaba sendo uma síntese da trajetória da luta interna
dessas mulheres na CLOC-VC que inicia pela pauta da igualdade de gênero, pela valorização
do papel da mulher na luta produção agroecológica, pelo acesso a terra e a créditos, pela
participação na tomada das decisões política e econômica de suas próprias organizações e no
movimento internacional. Uma síntese da busca constante de estabelecer seu protagonismo na
294
luta de classes no campo. Uma síntese que pulsa ainda em construção e que dinamiza o debate
no interior das organizações. Uma síntese que se conecta com a construção de um projeto
político de uma nova sociedade e, portanto, estratégico por se tratar de profundas e
necessárias mudanças no processo de emancipação humana.
Para Seibert (2018)198, as mulheres camponesas, indígenas e afro-descendentes, no decorrer
de sua trajetória vão se dando conta de que existem muitos feminismos, com os quais não se
identificavam, entre eles, o feminismo liberal. Nesse sentido era necessário construir uma
elaboração que dialogasse com as especificidades das bases do movimento camponês
internacional e que fosse profundamente coletiva. Uma construção coletiva própria que
apontasse as demandas, lutas e perspectivas dessas mulheres. Um feminismo que falasse de
uma nova relação entre seres humanos e natureza, que pudesse desconstruir as relações
hierárquicas e patriarcais entre homens e mulheres, que pudesse questionar a sociedade de
classes apontando os percalços do trabalho reprodutivo no campo199, que pudesse valorizar o
trabalho das mulheres na reprodução das sementes crioulas, no reconhecimento das plantas
medicinais e da saúde integral, na produção alimentar.
Korol (2016) afirma que materializar o Feminismo Camponês e Popular exige: igualdade no
trabalho para homens e mulheres; igualdade no trabalho produtivo-reprodutivo; e melhor
distribuição de tempo e forma de trabalho entre mulheres e homens.
O Feminismo Camponês e Popular, portanto, caracteriza-se por sua identidade de classe, das
classes trabalhadoras do campo e que carrega como horizonte estratégico a construção
socialista, pois suas demandas são incompatíveis com esta sociedade capitalista.
As palavras de uma camponesa paraguaia revelam essa perspectiva:

Solamente caminando hacia la supresión de la represión de un género sobre otro


podremos avanzar hacia una sociedad más justa e igualitaria. Hay que derrotar el
capitalismo y las transnacionales para avanzar en la consecución de las conquistas

198
SEIBERT, Iridiane Graciele. Feminismo Campesino e Popular: uma propuesta de las campesinas para el
mundo. Brasil: MMC, CLOC-VC, 13 de março de 2018. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/feminismo-campesino-y-popular-una-propuesta-de-las-campesinas-para-el-
mundo/ Acesso em dezembro de 2018.
199
Referimos-nos aqui ao trabalho doméstico no campo que tem características distintas do trabalho doméstico
nas cidades. E que de alguma maneira está relacionado à manutenção da família no que diz respeito à
produção de alimentos, ao cuidado com a saúde, com os filhos, com os anciãos, e com a vida doméstica.
Neste caso, na divisão sexual do trabalho no campo, o homem está sempre à frente do trabalho produtivo
para a comercialização, e no controle das finanças da unidade familiar. Isso não significa que a mulher
também não realize o trabalho produtivo, mas são consideradas apenas ajudantes. O debate que se encontra
em efervescência é que o trabalho reprodutivo neste caso também é trabalho produtivo e gera riqueza, mas
que numa sociedade capitalista encontra-se subsumido a tal.
295
de las mujeres campesinas y afrodescendientes. (Lídia Ruiz, Paraguai, Via
Campesina Suramérica).200

Há, portanto, um crescimento do posicionamento político e do protagonismo das mulheres do


movimento que parte das discussões e lutas pela equidade de gênero, e se revela muito mais
elaborado na Consigna “Sem Feminismo, não há Socialismo”.
Entretanto este não é um debate consensuado dentro das organizações. Em entrevista
realizada no trabalho de campo, um dirigente camponês de um movimento da América do Sul
afirma que sua organização não assume o feminismo, porque sua base marxista vê a luta
como uma visão mais integrada e nesse caso deve ser por acabar com todo o tipo de opressão,
seja contra qualquer homem ou qualquer mulher. A partir dessa premissa, assumem a luta
pela defesa dos direitos da mulher e sua participação nas instâncias organizativas, pois a luta
deve ser “ombro a ombro” entre homens e mulheres, que juntos construirão as transformações
necessárias.
A análise deste camponês representa um posicionamento que reincidentemente reaparece nas
discussões sobre o tema, e em síntese afirma que a consigna acima mencionada está inversa,
devendo ser: “Sem socialismo, não há feminismo”. É importante mencionar aqui que este
dilema também esteve presente nos debates promovidos por Clara Zetkin e Alexandra
Kolontain na II Internacional, onde buscavam tensionar a importância do direito ao voto e a
participação feminina nesta organização. Estranhamente um dos posicionamentos neste
período era em essência o mesmo deste dirigente camponês, que aqui carrega não uma
posição individual, mas uma forma de compreender a dinâmica da luta de classes, o que a
nosso ver erroneamente se justifica numa base marxista.
O argumento que fundamenta essa consigna defendido contundentemente pelas mulheres da
CLOC-VC, é em essência que uma transformação social não se dá por decreto, que ela é
processo. E por ser processo, exige que ao mesmo tempo em que se luta por uma
transformação social, há temas de fundo estratégico vinculando-se diretamente ao objetivo
final e que precisam ser trabalhados no decorrer da luta. Nesse caso, a superação da opressão
de gênero não se dará somente numa sociedade socialista, ou depois da “tomada do poder”.
Da mesma forma em que a superação da propriedade da terra e meios de produção são
estratégicos para um projeto político socialista, a superação da opressão de gênero e de raça
também o é quando nos referimos à emancipação humana. A emancipação humana neste

200
Depoimento disponível em: https://viacampesina.org/es/yakarta-voces-y-miradas-con-m-de-mujer-campesina/
. Acesso em dezembro de 2018.
296
sentido tem múltiplas determinações que lhes são estratégicas, e, exige que sejam trabalhadas
desde o instante momento, mesmo que nas limitações do “aqui-agora”.
Vejamos que incidentemente as mulheres do movimento camponês internacional têm
contribuído na discussão e elaboração da Soberania Alimentar e da Agroecologia articulando-
os ao Feminismo Camponês e Popular. O que aponta que sua contribuição na construção do
projeto estratégico é fundamental. Dois depoimentos coletados em documentário sobre a
relação entre o Feminismo Camponês e Popular e a Agroecologia descrevem com precisão
esse processo.
O primeiro, de um movimento indígena mapuche do Chile:

A mulher é um sujeito político que tem um papel e um rol fundamental na


implementação dos processos agroecológicos. Dentro de nossa cosmovisão, a
mulher, o rol e o papel da mulher são fundamentais. O colonialismo foi um
retrocesso na evolução da mulher, na projeção, no reconhecimento do trabalho que
realizamos no campo. O desenvolvimento da agroecologia nos permite retomar esse
valor fundamental que temos as mulheres no processo de construção de uma
sociedade centrada nos valores humanos. A produção de alimentos sanos e
produzidos para alimentação da sociedade faz todo o sentido para nós como
mulheres militantes de um movimento mapuche. Sentimos que de certo a forma, em
outra linguagem é o que fizemos ancestralmente com respeito ao trabalho da terra.
(Miriam Hualquilao Nahual, Asamblea Nacional Mapuches de Izquierda, Chile) 201

O segundo, de uma dirigente do Movimento Sem Terra:

Nós do movimento camponês não podemos deixar este tema como algo para as
mulheres ou de menos importância. Falar de uma necessidade de construção de
novas relações de gênero é tão quão importante que falar das práticas e da
construção da agroecologia e da soberania alimentar [...] Então estamos falando de
um processo de emancipação. Temos que enfrentar todo o sistema de opressão do
capital. E desde a Via Campesina temos discutido que o feminismo é para nós toda
uma luta política não só da emancipação das mulheres, como de emancipação
humana. As mulheres, somos parte histórica da luta em defesa da vida, em defesa do
campo, na construção da Via Campesina, e ser feminista não é apenas algo
restringido às mulheres. As mulheres e os homens revolucionários, comprometidos
com um processo de liberação têm que se afirmar na sua prática, na sua vida, ser
feminista. De modo que somos arquitetas também de nosso destino, do povo do
campo e de construir um mundo sem violência. Um mundo de respeito, um mundo
onde todos, homens e mulheres, possamos nos desenvolver plenamente com todas
nossas possibilidades humanas. (Itelvina Masioli, MST, Brasil)202

As primeiras formulações deste feminismo e sua estrutura fundamental de sua análise parte da
CLOC-VC, e que carrega consigo a peculiaridade desta região, mas que vão sendo discutidas
e resignificadas em nível mundial através das especificidades de cada região. Parte de um

201
FEMINISMO Campesino Popular y la Agroecologia. Produção de La Via Campesina, ANAP. Cuba: Koman
Ilel, 2018. On-line (16:09‟). Disponível em: https://vimeo.com/285197126 Acesso em 27 de novembro de
2018.
202
Ibidem.
297
projeto político extraordinário, que busca combater a cada momento o senso comum que
insiste em afirmar que o feminismo é o reverso do machismo. Este feminismo posiciona-se
frontalmente na luta contra o capital, o patriarcado e o racismo, não contra os homens.
Vejamos abaixo o depoimento de uma camponesa da Índia que indica a necessidade de
“educar” ao homem do campo sobre o feminismo:

La violencia hacia la mujer en la India empieza el día que nace: en las zonas rurales
un niño es considerado un activo, y una niña un pasivo, pues se la considera una
carga, sobretodo por la obligación de tener que acarrear con los gastos del
casamiento impuesto. Como resultado, contamos con una alta tasa de lo que
llamamos feticidio femenino; los abortos que se deciden en función del sexo. La
niña en las áreas rurales empieza a trabajar a los 6, y termina a los 66 años. La
violencia doméstica es muy común, hasta tal punto que la mujer que más violencia
tolera se gana el respeto de los demás. Todo esto conlleva problemas de salud a
muchas mujeres en la India. No solamente hay que educar a las mujeres en el
campo, también y, sobre todo, a los hombres para que traten a las mujeres como a un
ser humano. (Nandini Singagowda, Índia)203

Uma reportagem produzida pela equipe de comunicação da Via Campesina Internacional204


indica que a Conferência Internacional de Bangalore no ano de 2000 foi chave para ocorrer
um salto de qualidade organizacional, pois teve uma participação equitativa entre camponeses
e camponesas, um marco que possibilitou decisões importantes na estrutura organizativa de
composição com paridade de gênero (um homem e uma mulher) nas reuniões internacionais
do movimento. Decisões que são reiteradas e aprofundadas nas conferências internacionais
que seguiram.
Outro salto importante é dado na Conferencia de Euskal Herria em 2017, onde se questiona
para além da opressão do gênero feminino, a opressão quanto à diversidade de identidade de
gênero. Retrata-se aqui um crescente apoio aos direitos das populações LGBTs do campo, e a
busca de melhor compreensão e aceitação, expressadas na Declaração de Euskal Herria.
Não podemos deixar de mencionar aqui, que as mulheres camponesas, indígenas e afro-
descendentes da CLOC-VC vão demarcando suas posições expressas na síntese do
Feminismo Camponês e Popular (que deveras, ainda em construção), não somente nas tensões
dadas no interior do movimento internacional camponês, mas em sua relação com outras
organizações aliadas, temperadas pela construção das Jornadas de Lutas do Dia Internacional

203
Depoimento disponível em: https://viacampesina.org/es/yakarta-voces-y-miradas-con-m-de-mujer-campesina/
. Acesso em dezembro de 2018.
204
EQUIPO DE COMUNICACIÓN DE LA VIA CAMPESINA. Comprender el feminismo en la lucha
campesina. Dério: La Via Campesina, 1 agosto 2017. Disponível em:
https://viacampesina.org/es/comprender-feminismo-la-lucha-campesina/ . Acesso em dezembro de 2018.
298
da Mulher (8 de março). Uma das alianças fundamentais nesse processo é a Marcha Mundial
de Mulheres.

Quanto à forma organizativa destacamos três aspectos que nos parecem dinamizadores de
suas ações internas e externas: o internacionalismo, a formação política e o feminismo
camponês e popular. Mas é evidente que não têm uma função apenas interna na fortaleza
desta organização, elas tornam-se princípios da forma organizativa na medida em que se
enraízam dentro dela e se conectam para além do instrumento, diretamente com o objetivo
estratégico. Como se fossem fios condutores de alta tensão que energizam a organização e as
movimentações que ela faz no contexto social.
Se mais a fundo ainda, são canais entre as lutas antepassadas, as atuais e os objetivos
estratégicos que fazem pulsar o movimento interno da própria organização internacional. São
fortalezas organizativas, mas ao mesmo tempo seus preciosos desafios.

4.4 DOS ASPECTOS PRINCIPAIS DESTE BALANÇO


Neste capítulo, como ensaio de um balanço político do movimento camponês internacional,
buscamos apontar questões que nos parecem de fundo quanto ao seu papel na luta de classes.
Foram elas: o que enfrenta a CLOC-VC nos aspectos econômicos, políticos e ideológicos; as
alianças realizadas entre a CLOC-VC e os governos populares progressistas entre seus
conflitos e avanços diante de um ambiente internacional de lutas antiglobalização neolibertal;
e o papel da CLOC-VC na luta de classes.
Em relação a este papel destacamos sua consciência de classe em si numa dimensão
internacional. Temperada pela negação do corporativismo agrário (independente de classes), e
pela reafirmação de sua autonomia na construção de suas lutas e pautas, consolidam-se no
âmbito de uma identidade de classe que une em sua base, camponeses, assalariados rurais,
indígenas, pescadores, comunidades afrodescendentes, trabalhadores das florestas, entre
outros segmentos, a partir da materialidade da exploração capitalista na atualidade. Parece-nos
que estas classes trabalhadoras do campo, despossuídas não perdem e não negam suas
identidades particulares ao identificar-se num movimento de base camponesa. E está aí toda a
diversidade, toda riqueza cultural, e não menos, todas as tensões possíveis como parte da
construção da unidade.
Como parte das contribuições da CLOC-VC na luta de classes, mencionamos a luta pelos
direitos camponeses, que mais bem são lutas de fortalecimento da existência e da identidade
299
camponesa, muito embora, o resultado disso seja a produção de alimentos para a sociedade
como um todo. É fato que a produção agroalimentar camponesa é responsável pela produção
de cerca de 70 % da alimentação mundial, ocorrendo de maneira descentralizada nos
territórios locais. As grandes corporações transnacionais que produzem as comoditties acabam
regulando de maneira internacional o preço dos alimentos básicos à população.
A luta por direitos camponeses é fundamental no âmbito de fortalecer sua própria existência,
mas a forma desses direitos na sociedade do capital os subsumem na lógica da dominação
geral desse sistema, e em certa medida torna-se uma algema na dinâmica da reprodução da
ordem capitalista.
O papel da CLOC-VC foi o de colocar suas lutas por direitos num outro patamar. E embora
ainda em construção é evidente que seu programa político o direciona para uma luta frontal e
anti-capitalista como um todo. Seu horizonte socialista, o faz construir linhas estratégicas que
articulem uma luta particular (a terra, água, reforma agrária, comércio justo) a um projeto
societário transformador. E nesse caso a ligação entre o “sujeito coletivo em si” e um possível
e futuro movimento para o “sujeito coletivo para si”, encontra-se especialmente na Soberania
Alimentar e na Agroecologia que carregam em si uma profunda mudança na estrutura agrária,
envolvendo a terra, a água, a biodiversidade, minério e recursos energéticos.
Mas a potencialidade da Soberania Alimentar e da Agroecologia como “sínteses” que
conectam a luta particular da classe camponesa a uma luta por transformação radical da
sociedade não são em si mesmas revolucionárias. Em si mesmas podem tornar-se apêndices
integrantes da forma de produção capitalista. Elas necessitam constantemente projetar-se
estrategicamente numa nova forma societária, divulgar e socializar a possibilidade dessa nova
forma societária, dialogar com outros setores sociais e serem radicalizadas ao máximo. Os
conteúdos destas diretrizes estratégicas nunca podem perder-se da transformação estrutural da
sociedade vigente.
Esses temas envolvem as necessidades básicas da vida humana e do planeta. Uma
alimentação saudável e acessível a toda a população, produzida em equilíbrio com a
biodiversidade do planeta, carregam no fundo a negação da barbárie, o combate às crises
climáticas e às crises ambientais. Temas que colocam a CLOC-VC em oposição frontal ao
capitalismo e seu estágio de desenvolvimento na atualidade.
Mas a condução da transformação societária não se efetivará somente com estes desígnios.
Ela exige uma confluência que envolva todos os segmentos da classe trabalhadora articulados
a projeto genuinamente transformador, que estremeça as estruturas da sociedade vigente e

300
aponte para a direção da emancipação humana. Exige uma estreita e orgânica aliança entre o
proletariado e campesinato.
Nesta acepção o projeto estratégico transformador precisa de um instrumento organizativo
abrangente, mais do que nunca internacional, que atue como intelectual coletivo na superação
das consciências coletivas particulares para a assunção de uma consciência revolucionária.
Este desafio, diante do cenário tempestuoso que se avizinha, não é somente da CLOC-VC,
embora seja também dela, e de todas as forças políticas que pretendem a superação da ordem
do capital.
O internacionalismo, a formação política e o feminismo como pilares fundamentais da forma
organizativa do movimento camponês internacional, podem ser contribuições importantes na
construção deste intelectual coletivo e na dinâmica da luta de classes deste período.

301
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Consciência de Classe e os Desafios de seu Tempo Histórico

[…] Yo quiero seguir jugando a lo perdido


Yo quiero ser a la zurda más que diestro
Yo quiero hacer un congreso del unido
Yo quiero rezar a fondo un hijo nuestro
Dirán que pasó de moda la locura
Dirán que la gente es mala y no merece
Más yo partiré soñando travesuras
(Acaso multiplicar panes y peces) […]
(Silvio Rodriguez. El Nécio.)205

O ano de 2019 nasce com o sabor amargo de seqüentes derrotas da classe trabalhadora.
Marcando 150 anos da primeira edição da Obra O Capital (1869), 100 anos da Internacional
Comunista (1919), 100 anos do assassinato de Emiliano Zapata (1919), e 50 anos do
assassinato de Chê Guevara (1969), “Nuestra América” segue com desafios ainda maiores no
que diz respeito à luta anticapitalista.
O ciclo de lutas antiglobalização neoliberal dos últimos trinta anos perdeu forças.
Caracterizado pela eclosão de múltiplos movimentos sociais articulados ou não a instrumentos
partidários, realizavam a crítica ao “socialismo real” e buscavam desde o critério da
autonomia e da representação de seus objetivos particulares, apresentar-se como alternativa de
mobilização contra as diferentes formas de opressão. Constituiram-se nessa perspectiva
espaços e instrumentos mundiais de luta antiglobalização neoliberal.
O Fórum Social Mundial e a Ação Global dos Povos que materializaram passos importantes
de discussão, denúncia e luta nesse período foram esmorecendo. Os espaços de integração

205
A Música de Silvio Rodriguez “El Necio” foi escrita em 1991 e publicada em 1992 no Álbum “Silvio”. Uma
declaração de princípios e de sua postura política diante da Revolução Cubana que passava por um “período
especial” (após a queda da União Soviética) e por uma avassaladora atuação do embargo econômico. Em
depoimento a uma emissora Venezuelana, o cantaoutor afirma que esta canção foi escrita pensando em Fidel
e numa situação de agressividade que ele mesmo vivenciou num aeroporto de Miami em escala para Puerto
Rico: “me rompieron la guitarra. Le saltaron encima unos cubanos que trabajaban em el aeropuerto. Culpa
mía, creo yo, porque tenía una pegatina de Fidel y una bandera cubana, y no me dio la gana de quitarlas”.
Conta Silvio que ao chegar ao destino final ouviu num programa de rádio sobre o ocorrido que a “contra-
revolução” andava decaída, e que “en otra época nos hubieran arrastrado, hubieran limpiado las calles con
nosotros”. Ao que representa a Revolução Cubana e a perspectiva socialista para a humanidade, El Necio.
Informações disponíveis em:
https://www.ecured.cu/El_necio_(canci%C3%B3n_de_Silvio_Rodr%C3%ADguez) . Acesso em abril de
2019.
302
internacional promovidos pelos governos populares e progressitas na América Latina, como a
ALBA, UNASUR e CELAC, que consubstanciaram a perspectiva das pautas democráticas, na
atualidade são duramente atacadas.
Tanto os movimentos sociais como os partidos de esquerda não conseguiram neste período
consolidar um projeto societário alternativo, embora com muitos avanços em experiências
organizativas de base (consciência de classe em si); avanços em algumas pautas democráticas
a partir de lutas sociais e/ou iniciativas de governos populares e progressitas (dentro da
ordem); e ainda, em alentar a necessária unidade das mais diferentes expressões da classe
trabalhadora e a inevitável relação classe, gênero e raça na luta política.
Mas, ao analisar a luta de classes como um todo neste período, é notório e estarrecedor que o
conjunto das ações e mobilizações não conseguiram construir uma mudança estrutural, ou
ainda alternativas duradouras e contundentes na resistência ao “neoliberalismo”. À excessão
de Cuba, Venezuela e Bolívia que, cada qual a sua maneira, inegavelmente incidiram através
de governos progressistas em transformações mais incisivas.
Simultaneamente, a dinâmica internacional do sistema de capital em crise vem devastando
brutalmente os direitos trabalhistas básicos em nível mundial e criminalizando violentamente
as lutas sociais pelos direitos sociais básicos. No campo, vem espoliando, militarizando e
despojando populações indígenas, comunidades quilombolas/palenques, pescadoras e
camponesas no intuito de estabelecer a máxima acumulação de capital possível.
Abriu-se no campo político um caminho de forte articulação do ultraneoliberalismo, que
busca enterrar essas experiências anteriormente construídas e consolidar novas articulações
entre países sob uma perspectiva liberal na economia e conservadora na dimensão política,
cultural, na ciência e nos costumes.
A CLOC e a Via Campesina, que nasceram diante das consequencias drásticas do
neoliberalismo e do avanço do capital no campo, entram nesse momento num ciclo de novos
desafios. Um movimento camponês internacional que articulando organizações sociais do
campo em todas as partes do mundo, territorializou-se como forma unificada de resistência
através de suas lutas, campanhas, sua política de formação e forma organizativa. E mesmo
numa composição de imensa diversidade (sujeitos coletivos, culturas, concepções, projetos
políticos), possibilitou neste instrumento organizativo, o encontro de perspectivas e lutas
antiglobalização neoliberal no campo.
Com os objetivos da Reforma Agrária Integral e Popular; da luta pela terra, biodiversidade e
água; por políticas públicas que viabilizem a agricultura camponesa; pelos direitos de
camponeses e de camponesas; realizaram ações em diversas partes do mundo tanto em suas
303
pautas particulares, como junto aos movimentos mundiais antiglobalização em alianças
estratégicas com organizações sociais urbanas, ONGs progressistas e governos populares.
A questão que motivou este estudo circundava o papel histórico da CLOC-VC na luta de
classes. Partindo da premissa que uma transformação social se efetiva a partir de uma
“situação revolucionária” (LENIN, 1905), e que esta ocorre a partir da confluência de
condições objetivas e de condições subjetivas, nos detivemos aqui no papel das condições
subjetivas (a organização dos trabalhadores e sua consciência de classe). Neste sentido, a
pergunta que fazíamos era se havia possibilidade de considerar este movimento internacional
de camponeses (CLOC-VC), pela sua forma organizativa, sua dimensão além das fronteiras
nacionais, e pela contundente formação política de seus integrantes, um instrumento com
função de “intelectual coletivo” (GRAMSCI, 1976; 1987; 1995; 2000).
Esta pergunta nos levou a aprofundar quais seriam as determinações que indicavam um
intelectual coletivo, que na perspectiva Gramsciana está relacionado à composição de um
instrumento que pudesse unificar ação imediata à totalidade social, que pudesse construir a
superação do corporativismo e da luta espontânea, que pudesse promover catarses
revolucionárias na materialidade da classe e da consciência da classe trabalhadora,
produzindo a direção consciente de uma transformação estrutural da sociedade.
A primeira contradição de nosso problema vinha á tona, quando observado que a Via
Campesina como um todo não carrega um projeto socialista como caminho para
transformação social, embora não seja esse um consenso. Em contrapartida, a sua organização
regional latino-americana (CLOC) demonstra desde seu nascimento que é guiada por este
horizonte.
Voltamos então nosso olhar para a CLOC-VC, e o que se evidenciava era de que não bastava
que fosse internacionalista e que tivesse uma política de formação articulada à sua práxis
social para caracterizá-la ou torná-la um intelectual coletivo em sua essência. Cada vez mais
compreendíamos que o intelectual coletivo estaria vinculado à consciência revolucionária da
história, e à organização da “classe para si”, o que o coloca num patamar de instrumento
político partidário que pudesse superar a luta imediata e espontânea (dentro da ordem),
incorporando-as numa perspectiva de transformação para fora da ordem capitalista.
O que ocorre é que a CLOC-VC como instrumento organizativo é um movimento social, que
embora represente uma identidade de classe, por sua determinação e natureza, é de
consciência de classe em si, camponesa. E neste caso, os intelectuais coletivos que atuaram na
América Latina nos últimos anos foram em geral partidos que, carregando em gérmen a

304
“consciência para si”, contruíram hegemonicamente a estratégia democrático-popular para o
socialismo.
Uma estratégia que envolve a luta das classes trabalhadoras organizadas em movimentos
sociais pelas pautas democráticas e populares (“dentro da ordem”), que tensionadas ao limite,
dado ao caráter dependente e subserviente da burguesia nacional ao imperialismo, poderia
transformar-se numa luta “fora da ordem” (FERNANDES, 1975;1976). E para isso o partido,
deveria conduzir através da “direção coletiva consciente”, as mudanças necessárias. Uma
estratégia da qual a CLOC-VC faz parte e se embrenhou em construir.
Neste sentido, se a CLOC-VC não pode ser considerada um intelectual coletivo em sua
acepção orginária, buscamos estudar sua práxis organizativa em relação ao processo de
consciencia de classe, bem como a abrangência de suas lutas particulares em direção à
emancipação humana.
E, olhando mais tentamente para suas pautas e suas formulações, observamos que mesmo em
suas lutas particulares e por direitos (consciência em si), ela carrega algumas preciosidades
que vão para além de si mesmas, e que vinculadas a um programa estratégico socialista,
teriam a potencialidade de superar o caráter imediato e corporativo de suas lutas.
A questão da Soberania Alimentar, da agroecologia, do feminismo camponês e popular, temas
levantados pela CLOC-VC, podem transcender a luta dos trabalhadores do campo desde que
instrinsicamente vinculados à luta pela emancipação humana, pois são pautas que não
encontram-se dissociadas de outras formas de vida que nesta casa cohabitam. Carregam,
portanto, a potencialidade de materializar aspectos universais da continuidade da existência
humana nesse planeta.
Mas, essa superação logicamente não ocorre no instrumento em si mesmo. Inevitavelmente
seu potencial é ativado na práxis organizativa da classe trabalhadora como um todo, e na
relação com outros segmentos organizados, especialmente o proletariado, podem produzir o
intelectual coletivo que conduza as superações necessárias em direção à transformação da
sociedade.
A CLOC-VC, com suas dinâmicas internas, lutas e perspectivas, encontra-se num momento
do movimento da consciência de classes que é o da consolidação da classe em si,
centralmente camponesa, mas que aglutina neste instrumento outras identidades de classe que
assim se fazem na medida em que sumariamente são atingidas pela dinâmica do capital no
campo. Uma consciência em si que assume seu papel histórico na luta de classes e com ela
aprende. Uma consciência de classe que não é homogênea, e que carrega em si todas as

305
possibilidades e contradições como qualquer outra em movimento neste tempo histórico – um
tempo predominantemente de consciência coletiva em si.
Como parte do balanço histórico do movimento camponês internacional, buscamos analisá-lo
diante de um contexto de enfrentamento antiglobalização neoliberal, de par em passo com
outros movimentos e articulações mundiais, assim como nas alianças com governos populares
e progressistas. Buscamos levantar e problematizar questões que demarcaram sua existência,
seus desafios, e seus aportes para a luta de classes em sua totalidade.
Um movimento internacional que desenvolve uma consciência social (consciência em si), na
medida em que negando as conseqüências do capital no campo busca reafirma-se em sua
existência, reivindicando seus direitos de acesso à terra, às condições de produção de sua
existência, à educação do campo, à saúde, à moradia, à alimentação saudável, direito de
acesso à água, à biodiversidade, à infra-estrutura no campo, aos direitos da mulher. Pautas
essas articuladas a um projeto de transformação estrutural dessa sociedade.
Quando as massas se envolvem numa luta coletiva, não o fazem pelo objetivo político maior
(o socialismo), nem mesmo pelo caminho estratégico para atingí-lo. Aliás, dificilmente as
massas têm clareza da estratégia na qual se envolvem, num primeiro momento. Elas
vinculam-se especialmente pela particularidade destes direitos que poderiam melhorar sua
existência. O caráter desse envolvimento se deve à resolução dos problemas imediatos, ao que
podem dar identidade a um agrupamento de indivíduos que são atingidos por um mesmo
problema.
O papel da organização política aqui é fundamental para articular necessidades imediatas a
objetivos estratégicos. A forma da organização política, suas prioridades, sua dinâmica interna
é que viabilizam a sistematização e a simbologia que relacionam estas demandas. E sua ação
coletiva é que colocando à prova suas convicções, materializa os passos da luta de classes. A
classe em si vai se forjando, e em sua práxis vivenciando suas limitações, e as contradições de
suas elaborações.
A CLOC-VC como movimento social, ao mesmo tempo em que se reafirma na luta por
direitos, articula em seu programa reivindicativo temas de caráter universal, os tornando
potencialmente estratégicos na construção de uma nova forma societária em direção à
emancipação humana.
A determinação de seu horizonte socialista tensiona suas pautas específicas e sua forma
organizativa dinamizando a relação entre: a luta pelo direito à terra, à água, à semente e contra
a violência doméstica; com a luta pela Soberania Alimentar, a Agroecologia, biodiversidade, e
o Feminismo Camponês e Popular – temas os quais consideramos, em termos de elaboração
306
coletiva do movimento internacional camponês, as principais contribuições para a luta de
classes em geral.
Estes temas, embora ainda em construção no que diz respeito à materialidade de suas
mediações com o horizonte socialista, buscam re-estabelecer a ligação entre a natureza,
relações sociais e a produção social da história humana. Fazer-se humanidade e encerrar sua
pré-história é um horizonte que exige a convergência entre novas relações sociais e de
produção da existência, e novas relações com a natureza em sua biodiversidade.
Portanto, a tarefa de fundo a que se propõem os camponeses na construção de uma nova
sociedade é antagônica às formas brutais de super-acumulação e destruição da natureza e dos
seres humanos conduzidas pelo capital nos últimos tempos. O que inscreve a CLOC-VC,
mesmo em suas lutas particulares, no âmbito da luta estrutural anticapitalista, aportando assim
para uma mudança de caráter estrutural.
Em termos organizativos, sua principal contribuição na luta de classes como um todo,
encontra-se na incansável preocupação com processos de formação política de seus
integrantes, bem como na dinâmica e fluxo de participação coletiva de suas bases em
dimensão internacional.
Aqui uma nova pergunta se faz presente: Diante deste novo ciclo avizinhando-se na luta de
classes, que de maneira tempestuosa vem destruindo os parcos direitos sociais dos
trabalhadores e a natureza, haveria uma tendência de radicalização das ações e do programa
da CLOC-VC rumo à direção socialista?
A difícil incógnita é que sozinhos, os camponeses não farão as mudanças estruturais
necessárias da sociedade, e que tampouco estas ocorrerão sem eles, sem a sua participação.
Mas se voltamos o olhar para a classe trabalhadora em geral a veremos fragmentada,
fragilizada e dispersa no que diz respeito aos instrumentos organizativos que possam aglutinar
as massas inconformadas em dimensão internacional.
As iniciativas do movimento internacional antiglobalização neoliberal no final da década de
1990 e início dos anos 2000, setorizaram-se a partir de suas demandas específicas. O que
também foi uma dinâmica importante para o fortalecimento dos mesmos. Entretanto, a
transformação estrutural não ocorrerá de forma particularizada. A não ser que esse setor, ou
essa classe em si consiga aglutinar em sua pauta todos os anseios e identidades particulares de
cada classe em si. Nesse caso o papel da vanguarda é evidente.
Outro aspecto desta incógnita refere-se ao partido político como intelectual coletivo, como
portador da consciência de classe, ou melhor, da convergência das consciências de classe em
si. Historicamente foi um instrumento que teve um papel fundamental nos processos
307
revolucionários mundiais, mas nos últimos anos sofreu crises que abalaram o seu sentido
prioritário na luta de classes. O esvaziamento de sua importância na atualidade, de maneira
alguma, deve ser motivo de seu descarte, pelo contrário, sua recriação coletiva é mais que
urgente e necessária, pois uma classe em si não consegue superar-se em si mesmo, ela
depende do movimento da totalidade das classes e nada melhor que um instrumento que
aglutine as classes em si, que possa convergir ações, debater concepções, afinar estratégias.
Evidentemente, sob uma dimensão internacional desse instrumento, que é fundante como
princípio e urgente como ação.
Em suma, a CLOC-VC, mesmo que se radicalizando ao máximo em suas pautas, em seu
projeto político, não conseguirá sozinha tornar-se classe para si, ela depende de um
“intelectual coletivo”, ou Partido Político, nos termos de Gramsci, no qual possa materializar-
se um espaço de produção de “catarses”, ou de sínteses necessárias para a condução
consciente da transformação societária em sua totalidade.
Este caminho poderia possibilitar uma transformação da consciência de classe, superando
suas particularidades no processo de assunção de classe para si, onde negar a sua
particularidade não significa negar sua identidade, mas seu interesse apenas particular para
assumir um interesse da emancipação de toda a humanidade.
O fato é que não temos esse instrumento de caráter massivo e de dimensão internacional, esse
intelectual coletivo que poderia ser a mediação necessária para um efetivo salto de qualidade
na luta de classes.
Outro aspecto importante para a análise refere-se à estratégia hegemônicamente construída
pelas esquerdas latino-americanas, a estratégia-democrático popular, que se materializou em
distintas experiências em cada país desse continente, e de certo modo de maneira
internacional através de movimentos sociais e iniciativas de integração regional como a
ALBA.
Os tensionamentos das pautas democráticas (dentro da ordem), já previstos de alguma
maneira, revelaram a fragilidade organizativa da classe trabalhadora como um todo em
radicalizar suas ações diante das situações de Golpe de Estado (Honduras, Paraguai, Brasil).
Também reveleram as incongruências e debilidades das pautas democráticas num contexto
neodesenvolvimentista. Revelaram com maior precisão, o caráter das classes dominantes
dependentes e autocráticas sob a égide do imperialismo diante de um momento de crise
estrutural do sistema de capital. Revelaram a fragilidade dos instrumentos partidários em
conduzir o tensionamentos das pautas democráticas para uma luta fora da ordem.

308
É fundamental, portanto, um balanço deste período histórico quanto à práxis das classes
trabalhadoras. O que envolve diferentes elementos da teoria da organização política:
instrumentos organizativos; estratégia e táticas; Estado; classes e identidades de classe; o
processo de consciência; a ideologia; entre tantos outros;
Em tempos de necessidade imediata de mudança estrutural, quais seriam, portanto, as
mediações206 concretas que temos para avançar? Quais seriam as mediações a serem
construídas? E se o caminho fosse reunir o que há de mais universal em cada classe em si
num instrumento internacional que as articulasse? Neste caso as alianças estratégicas
precisariam dar um salto gigantesco de qualidade. Mas o decorrer da luta de classe demonstra
de maneira impiedosa nossas limitações e cercos deste tempo.
Se uma crise estrutural conduzisse naturalmente à mudança estrutural, e fosse certeira, não a
barbárie, mas a emancipação humana seria bastante simples – bastaria esperar e assistir a
derrocada automática do capital. Mas a resposta não está aí, o acirramento da crise estrutural
pode provocar situações revolucionárias, ou oportunidades para tamanhas mudanças, que, por
conseguinte exigem que as condições subjetivas (da organização e da consciência de classe)
estivejam à altura. Do contrário, as situações e oportunidades sem encerram ou estreitam
impossibilitando as transformações.
Mészáros (2011) indica pistas importantes que a nosso ver estão relacionadas às condições
subjetivas de sua materialização. Uma delas é a ideologia, que atua como uma das restrições
estruturais da consciência social tornano-a contingente. Esta, como ponto de convergência
entre a dimensão estrutural e supraestrutural, tem uma base material forte e espessa.
Materializa-se a partir das determinações estruturais objetivas, mas também atua na
consciência do indivíduo, paralisando as “potencialidades positivas” sobre “condições
históricas em desdobramento”. A ideologia dominante torna-se, portanto, vital na dinâmica da
continuidade da dominação, minimizando as contradições perceptíveis da vida material pela
consciência. (MÉSZÁROS, 2011b, p. 145-146)
Assim, identificar os mecanismos constituintes da deformação e da contingência da
consciência em si requer ir além dos seus sintomas, mas em suas causas. E nesse sentido,
“todos os problemas (que parecem escapar do controle humano) implicam a necessidade de
totalização”, mas a consciência da totalidade dos processos não ocorre individualmente. É
problemático se considerarmos a “limitada teleologia da consciência individual” que é

206
Para Mészáros (2009), como aspecto metodológico, a mediação numa época de transição histórica “é a
categoria mais importante, tanto teórica quanto pratica”. Pois o desafio a ser enfrentado exige uma
concepção e uma prática coerente e “verdadeiramente abrangente”, para a tomada de decisões apropriadas
(MÉSZÁROS, 2009, P. 277-278)
309
incapaz de lidar com os desafios globais. Somente a verdadeira consciência coletiva pode
avançar na compreensão da totalidade, mas irremediavelmente a consciência social, a
consciência em si, está imersa num mundo materialmente e ideologicamente dominante. É
inquietante a pergunta que o autor faz: “Como é possível minimizar a dimensão negativa da
consciência social na base de uma história radicalmente aberta?” (MÉSZÁROS, 2011b, p. 63-
64)
O que está em jogo para o autor é a relação existente entre condições materiais e subjetivas,
ou seja, um instrumento organizativo não inerte, que articule as condições da totalização
coletiva consciente (do conhecimento da totalidade), onde a “consciência social ativa possa
intervir na transformação societária”. (MÉSZÁROS, 2011b, p. 64)
O autor aponta alguns princípios chaves para construção das condições subjetivas, ou do
instrumento organizativo, os quais consideram fortalezas historicamente construídas no bojo
das experiências antepassadas: o horizonte socialista, os valores socialistas, o planejamento
socialista, a solidariedade internacional, a autocrítica, a forma de organização e produção
comunal, e o princípio da igualdade substantiva, que é um componente central e necessário ao
socialismo. (MÉSZÁROS, 2011b)
Caberia um profundo exame de nossas experiências organizativas dos últimos anos na busca
destas fortalezas, para que a recriação do tempo presente possa trazer consigo a superação de
todo e qualquer corporativismo, seja temporal, territorial ou de identidade particularizada. A
criação deste novo instrumento é algo extremamente novo, e necessita recuperar o que foi
essencial em nossa trajetória até o momento, para que incorporado nesse tempo, possa forjar
as condições subjetivas para a transformação social. Seria uma nova organização
internacional de caráter revolucionário que possa convergir as classes trabalhadoras
organizadas e insubmissas?
Não se trata aqui de afirmar que o instrumento organizativo seria a derradeira solução para
combater o capital. Trata-se de apontar a sua importância e necessidade urgente para
consolidar as condições subjetivas que se farão revolucionárias no decorrer de um processo
revolucionário. A derrocada daquele dependerá dos caminhos percorridos na luta de classes.
A consciência revolucionária da história se forjará na convergência destas fragmentadas
classes em si e suas consciências que a ordem societária vigente nos condicionou, e sendo
temperada no bojo das situações conflito, que forjará a práxis revolucionária. Essas condições
abririam a possibilidade para um verdadeiro intelectual coletivo atuante.
O engodo aqui é que no calor da história, o tempo da análise mais precisa e cuidadosa com
todas as dimensões do processo de transformação é assimétrico ao tempo das necessárias
310
respostas imediatas. E nessa efervescência que exige respostas imediatas a problemas
imediatos ao mesmo tempo em que respostas ou ações arquitetadas estrategicamente é que
residem as mediações a serem desveladas.

[…] Será que la necedad parió conmigo


La necedad de lo que hoy resulta necio
La necedad de asumir al enemigo
La necedad de vivir sin tener precio
Yo no se lo que es el destino
Caminando fui lo que fui
Allá Dios, que será divino
Yo me muero como viví.
(Silvio Rodriguez. El Nécio)

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322
ANEXOS

ANEXO 01

Tabela 08 – Organizações Sociais que compõe a África Central e Oeste


País Movimentos Sociais Link Bandeira
Burkina Syndicat des Travailleurs de l'Agropastorale ---- ----
Faso (SYNTAP)
Congo Concertation Nationale des Organisations
Brazzaville Paysannes et des Producteurs Agricoles du ----
Congo (CNOP-Congo)

Gambia National Coordinating Organisation of


Farmer Associations Gambia (NACOFAG) ----

Ghana Ecumenical association for sustainable www.ecasardghana.o


agriculture and rural development rg
(ECASARD)

Guiné Cadre national des organisations paysannes


Bissau et de producteurs agricoles de la Guinée ---- ----
Bissau
Mali Coordination Nationale des Organisations www.cnop-mali.org
Paysannes (CNOP)

Nigéria Plateforme Paysanne du Niger (PFPN) www.pfpniger.org

Senegal Conseil National de Concertation et de www.cncr.org


Cooperation des Ruraux (CNCR)

Togo Coordination Togolaise des Organisations http://www.ctoptogo


Paysannes (CTOP) .org

9
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina

323
ANEXO 02

Tabela 09 – Organizações Sociais que compõe a África (Sul e Leste)


País Movimentos Sociais Link Bandeira
África do Landless Peoples Movement (LPM)
Sul ----

Angola União Nacional das Associações de ---- ----


Camponeses Angolanos
Magadasca Coalition Paysanne de Madagascar (CPM)
r ---- ----
Moçambiq União Nacional de Camponeses (UNAC)
ue ----

República Confédération Paysanne du Congo


Democráti (COPACO/PRP) ---- ----
ca do Agrarian Reform for Food Sovereignty ---- ----
Congo Campaign (FSC)
Tanzânia Mtandao wa Vikundi vya Wakulima
Tanzania (MVIWATA)

Uganda East and Southern Africa Small-scale


Farmer Forum (ESAFF-Uganda) ---- ----
Zimbabwe Zimbabwe Smallholder Farmer Forum
(ZIMSOFF) ----

9
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina

324
ANEXO 03

Tabela 10 – Organizações Sociais que compõe a Ásia do Sul


País Movimentos Sociais Link Bandeira
Bangladesh Adivasi Samithy (BAS) ---- ----
Bangladesh Agriculture Farm Labourers ---- ----
Bangadles Federation (BAFLF)
h Bangladesh Kishani Sabha (BKS) http://bkf- ----
bks.blogspot.in/
Bangladesh Krishok Federation (BKF) http://www.krishok.
org/

Adivasi Gothra Mahasabha ---- ----


Bharatiya Kisan Union (BKU), Haryana http://www.bhartiya
India kisanunion.org/

Bharatiya Kisan Union (BKU), Madhya ---- ----


Pradesh
Bharatiya Kisan Union (BKU), Maharshtra ---- ----
Bharatiya Kisan Union (BKU), New Delhi ---- ----
Bharatiya Kisan Union (BKU), Punjab ---- ----
Bharatiya Kisan Union (BKU), Rajasthan ---- ----
Bharatiya Kisan Union (BKU), Uttaranchal ---- ----
Bharatiya Kisan Union (BKU), Uttar ---- ----
Pradesh
Karnataka Rajya Ryota Sangha (KRRS) ---- ----
Kerala Coconut Farmers Association ---- ----
Nandya Raita Samakya ---- ----
Tamil Nadu Farmers Association
---- ----

All Nepal Peasants‟ Federation (ANPFA)


----
Nepal

Nepal Agricultural Labor Association ---- ----


Nepal National Fish Farmers Association ---- ----
Nepal National Peasants Women‟s ---- ----
Association

Paquistão Pakistan Kissan Rabta Committee (PKRC) ---- ----

Sri Lanka Movement for National Land and http://monlar.lk


Agricultural Reform (Monlar)

23
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina

325
ANEXO 04

Tabela 11 – Organizações Sociais que compõe a Ásia (Sudeste e Leste)


País Movimentos Sociais Link Bandeira
Cambodja Farmer and Nature Network (FNN) http://www.fnn.org.k
h/

Korean Peasant League (KPL) http://ijunnong.net/e


Coréia do n/
Sul

Korea Women Peasant Association (KWPA) http://www.kwpa.or


g/index.php

Kilusang Magbubukid ng Pilipinas (KMP) http://kilusangmagb


Filipinas ubukidngpilipinas.co
m/

Pagkakaisa para sa Tunay na Repormang


Agraryo at Kaunlarang Pangkanayunan ----
(PARAGOS)

Indonésia Indonesian Peasant Union (SPI) http://www.spi.or.id/

Japão Nouminren (Japan Family Farmers http://www.nouminr


Movement) en.ne.jp/en/

Malásia Borneo Indigenous Peoples Movement ---- ----


(PANGGAU)
Northern Peasant Federation (NPF)
----
Tailândia

Assembly of the Poor (AOP)


----

Taiwan Taiwan Farmers Union


----

Timor Movimentu Kamponezes Timor Leste ---- ----


Leste (MOKATIL)
Vietña Vietnam National Farmers Union (VNFU) http://vietnamfarme
runion.vn/SitePages/
TrangChu.aspx

13
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina

326
ANEXO 05

Tabela 12 – Organizações Sociais que compõe a Europa


País Movimentos Sociais Link Bandeira
Alemanha Arbeitgemeinschaft bäuerliche http://www.abl-
Landwirtschaft (AbL) ev.de
Facebook
Áustria Österreichische Bergbauernvereinigung http://www.viacamp
esina.at/cm3/

Mouvement Action Paysanne (MAP) www.lemap.be/


Belgica

Fédération unie des groupements des www.fugea.be/


éleveurs et agriculteurs (FUGEA)

Mouvement International de Jeunesse http://www.mijarc.in


Agricole Catholique fo

Dinamarca Frie Bøender www.levende-


land.dk

Euskal http://www.elikaherr
Herria Euskal Herriko nekazarien Elkartasuna ia.eus
(EHNE Bizkaia)
Escócia Scottish Crofting Federation http://www.crofting.
org/

Sindicatos de Obreros del Campo (SOC)- https://socalmeria.w


Andalucía ordpress.com/
Espanha

Coordinadora de Organizaciones de http://www.coag.org


Agricultores y Ganaderos (COAG)

Sindicato Labrego Galego (SLG) – Galicia www.sindicatolabreg


o.com

Finlandia Esvy-ry www.esvy.fi/

Confédération nationale des syndicats des


França exploitants familiaux (MODEF)

327
Confédération Paysanne www.confederationp
aysanne.fr

Geórgia Biological Farming Association Elkana www.elkana.org.ge/

Associazione Italiana per l‟Agricoltura www.aiab.it/


Itália Biologica (AIAB)

Associazione Rurale Italiana (ARI) http://wordpress.ass


orurale.it/

Associazione Lavoratori Produttori


Agroalimentari ---- ----
(ALPA)
Noruega Norske bonde-og Smabrukarlag (NBS) www.smabrukarlaget
.no/

Toekomstboeren toekomstboeren.nl/
Países
Baixos
(Holanda) Nederlandse Akkerbouw Vakbond (NAV) http://www.nav.nl/

Portugal Confederacao Nacional da Agricultura www.cna.pt/


(CNA)

Romania Ecoruralis www.ecoruralis.ro/

Royaume- Land worker‟s alliance http://landworkersall


Uni iance.org.uk/

Suécia Nordbruk
----

Uniterre www.uniterre.ch/ind
Suíça ex.php/fr/

L‟ autre syndicat http://www.lautresy


ndicat.ch/

Turquia Çiftçi Sendikalari Konfederasyonu


----

28
Tabela Organizada pela autora a partir de dados oficiais da CLOC-Via Campesina
328
ANEXO 06

Tabela 13 – Organizações Sociais que compõe as Regiões Emergentes (MENA)


País Movimentos Sociais Link Bandeira
Palestina Union Of Agricultural Work Committees http://www.uawc-
(UAWC) pal.org/

Marrocos Fédération Nationale du Secteur Agricole ---- ----


(FNSA)
Tunísia Million Rural Women (MRW) ---- ----
3

329
ANEXO 07

Linha do Tempo: Trajetória da CLOC-VC

330

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