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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA DO ENTORNO DO ESTÁDIO “VERDÃO” FACE À


COPA DO MUNDO DE 2014

FRANKES MÁRCIO BATISTA SIQUEIRA

Cuiabá - MT
2012
FRANKES MÁRCIO BATISTA SIQUEIRA

VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA DO ENTORNO DO ESTÁDIO “VERDÃO” EM


FACE DA COPA DO MUNDO DE 2014

Dissertação apresentada a UFMT– Universidade


Federal de Mato Grosso para obtenção de título de
Mestre em Geografia.

Área de concentração: Ambiente e


desenvolvimento regional. Orientador: Prof. Dr.
Cornélio Silvano Vilarinho Neto.

Cuiabá - MT
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

S618v Siqueira, Frankes Márcio Batista


Valorização imobiliária no entorno do estádio “verdão” face à copa do
mundo de 2014 / Frankes Márcio Batista Siqueira. -- Cuiabá, 2012.
xiii, 114f. : il. color. ; 30 cm. (incluem figuras e tabelas).

Orientador: Cornélio Silvano Vilarinho Neto


Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Faculdade de Geografia,
Programa de Pós-graduação em Geografia, 2012.

1. Cuiabá – Organização do espaço. 2. Especulação imobiliária. 3.


Copa do mundo. I.título.

CDU 911.3:332.76 (817.2)

Catalogação: Maurício Silva de Oliveira.Bibliotecário – CRB1/1860


É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma
impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente
para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a identificação do
autor, título, instituição e ano da dissertação.
6

Esta dissertação é dedicada a minha esposa Lucimery, ao meus


filhos Gabriel e Calebe, e aos meus irmãos Francioly, Franciley,
Francisney e Françoises que sempre me incentivaram e nos
momentos difíceis foram e continuarão sendo meu porto seguro.
Estou aqui para mais uma conquista da nossa jornada.
7

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente e acima de tudo a Deus, pela vida, pela saúde e pela
oportunidade de escrever um trabalho científico, ainda que tenham aqueles que discordam da
relação do supremo Deus com a academia científica, acredito que há a total relação, pois é o
criador e formador de tudo o que existe e do nosso laboratório de estudos, o universo, a
natureza, a cidade...
Aos meus pais, que hoje descansam no Senhor, a quem devo todas as conquistas até
hoje alcançadas, pois sempre me ensinaram a perseverar diante das adversidades e que me
estimularam a ser um vencedor.
À minha esposa Lucimery e meus filhos Gabriel e Calebe, pelo carinho, amor, afeto,
compreensão e companheirismo nesta caminhada.
Ao meu irmão Francioly Marcos, aos meus amigos Cleyton Normando e Mauro
Sérgio que me incentivaram a pleitear um espaço no programa de mestrado.
Aos meus irmãos Francisley, Francisney, Françoises pelas palavras de incentivo
quando as coisas emperram nas nossas vidas.
Ao Prof. Dr. Cornélio Vilarinho Neto, que além de ser um excepcional professor é
uma magnífica pessoa que nos incentiva através do seu exemplo e conduta. Muito obrigado
por ter me aceitado e me acolhido, me orientando e incentivando na buscar da compreensão e
aprofundamento no temas abordados.
As Profª. Drª. Cleusa Zamparoni e a Profª. Drª. Sônia Romancini que sempre me
incentivaram e confiaram no meu potencial. A essas duas pessoas meu profundo respeito e
admiração.
Gostaria também de fazer menção aos meus amigos e colegas de profissão,
professores que não medem esforços para mudar a sociedade com seus conhecimentos, que
sempre estão dispostos a nos orientar e dirimir as eventuais dúvidas.
Por fim, agradeço aos colegas do Mestrado pelo incentivo nos momentos de
dificuldades e pelas amizades conquistadas. A todos um grande abraço.
"Não temas porque eu sou contigo, não te assombres porque eu
sou teu Deus, eu te fortaleço, eu te ajudo, eu te sustento com a
minha destra fiel”. (Isaías 41:10)

(Bíblia Sagrada)
RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo analisar as ações e estratégias dos agentes
sociais transformadores do espaço urbano, principalmente o Estado e os incorporadores
imobiliários que influem e/ou determinam a valorização dos terrenos e imóveis nas áreas
circunvizinhas do Estádio Verdão, atual Arena Pantanal, na cidade de Cuiabá. Avalia-se aqui
o impacto desse fenômeno na apropriação do espaço pela sociedade. Parte-se do pressuposto
que as muitas dimensões da valorização imobiliária impactam no uso e apropriar do espaço,
também vistas como dimensões desse cotidiano. A recente reestruturação imobiliária em
Cuiabá tem produzido um novo tipo de espaço como resultado da preparação para a Copa do
Mundo de 2014. Uma grande quantidade de investimento público e privado tem sido alocado
em megaprojetos. Este estudo investiga a experiência de viver em uma cidade durante o
período de produção e valorização de propriedade imobiliária. O tema busca analisar e
entender o processo de apropriação da área e suas consequências. O estudo também apresenta
as categorias de análises de produção e valorização do espaço. As ações e estratégias contidas
nos planos e projetos, valores de tributos e preços de imóveis, as leis de acesso ao solo e a
publicidade dos empreendimentos imobiliários são importantes para compreensão do processo
de valorização empreendido na área. O resultado deste processo de valorização e especulação
imobiliária é uma acentuada segregação residencial e social que vão de encontro à proposta de
justiça social e “direito à cidade” como condições para se democratizar o ambiente urbano.

Palavras-chave: Cuiabá; organização do espaço; valorização do espaço; especulação


imobiliária; Copa do Mundo.
ABSTRACT

The aim of the present work is to analyze both the strategies and the actions of the
social agents that transform the urban space, in particular the State and real estate corporations
that influence and/or determine the valorization of the surrounding area of the Verdão
Stadium, which was renamed as Arena Pantanal, in the city of Cuiabá. It was evaluated the
impact of this phenomenon on the social appropriation of space. It was supposed that many
aspects of the real state market valorization influence the use and the appropriation of space,
that are considered as aspects of the city's daily life. The recent real estate reestructuring in
Cuiabá has produced a new type of space as a result of the preparation for the 2014 World
Cup. A great amout of public and private capital has been invested in megaprojects. This
study investigates the experience of living in a city during the time of property production and
appreciation. The theme seeks to analise and understand the process of the area appropriation
and its consequences. The study also presents the cathegories of analysis of the space
production and appreciation. The actions and strategies expressed by the plans and projects,
the tax values, the price of properties, the laws concerning land appropriation and the
publicity concerning the real state enterprises are all important to comprehend the valuation
process of the above mentioned area. The result of this process of valorization and speculation
carried on by the real state market is a marked housing and social segregation that conflicts
with the ideas of social justice and "right to the city" as being conditions to democratize the
urban ambient.

Key words: Cuiabá, space organization; valorization organization; speculation carried;


World Cup.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACRIMAT - Associação dos Criadores de Mato Grosso

AGECOPA - Agência Estadual de Execução dos Projetos da Copa do Mundo do Pantanal

AI - Ato Institucional

BACEN - Banco Central do Brasil

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BRT - Bus Rapid Transit

COI - Comitê Olímpico Internacional

FIFA - Federation International de Football Association ou Federação Internacional


de Futebol Associado

GPUs - Grandes Projetos Urbanos

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPDU - Intituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano

ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Intervivos

IPTU - Imposto Predial Territorial Urbano

SECOPA - Secretaria Extraordinária para a Copa do Mundo em Mato Grosso

SECOVI - Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de


Imóveis

SEPLAN - Secretaria Estadual de Planejamento

SUDAM - Superintendência de desenvolvimento da Amazônia

VLT - Veículo Leve Sobre Trilho


LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS, FÓRMULA E QUADROS

 Gráfico 01 - Situação dos imóveis do bairro 72


 Gráfico 02 - Espécie de domicílios 73
 Gráfico 03 - Inflação e Valorização imobiliária no entorno do Verdão
entre 2009 a 2011 100
 Tabela 01 - Evolução populacional de Cuiabá, de Mato Grosso e do
Brasil 48
 Tabela02 - População da área metropolitana de Cuiabá 49
 Tabela 03 -Evolução do Perímetro urbano de Cuiabá 53
 Tabela 04 - Renda salarial do bairro Cidade Alta 65
 Tabela 05 - Custo dos principais Megaeventos 80
 Tabela 09 - Atividades que irão carrear mais investimentos devido
a realização da Copa do Mundo 81
 Tabela 10 - Investimentos anunciados pela cidades-sede 82
 Tabela 11 - Valor do metro quadrado por padrão de rua 93
 Tabela 12 - Fator de Influência da Situação do Terreno 95
 Tabela 13 - Fator de Influência das Características do Terreno 95
 Tabela 14 - Fator de melhorias públicas 96
 Tabela 15 - Valor de metro quadrado em relação ao tipo de
acabamento em imóveis residenciais 97
 Tabela 16 - Valor de metro quadrado em relação ao tipo de
acabamento em imóveis não residenciais 97
 Quadro 01 - Desmembramentos do município de Cuiabá 56
 Fórmula 01 - Fórmula para cálculo do valor do imóvel 93
LISTA DE FIGURAS E FÓRMULAS

 Figura 01 -Localização do Brasil, Mato Grosso, município de Cuiabá


e o perímetro urbano da cidade 46
 Figura 02 - Evolução do Perímetro Urbano de Cuiabá 54
 Figura 03 -Divisão regional do espaço urbano de Cuiabá 55
 Figura 04 - Divisão do abairramento de Cuiabá 56
 Figura 05 - Localização da região Oeste de Cuiabá e do estádio
Verdão 58
 Figura 06 - Localização do estádio de futebol 59
 Figura 07 - vista parcial do entorno do estádio, mostrando torres,
edifícios residenciais 60
 Figura 08 - Imóveis comerciais na avenida Agrícola Paes de Barros 61
 Figura 09 - Imóvel a venda nas proximidades do estádio de futebol 62
 Figura 10 - Imóvel residencial comercializado e demolido 63
 Figura 11 - Espaços comerciais na proximidade do estádio 64
 Figura 12 - Mapa de uso do solo do entorno do estádio 67
 Figura 13 - Fases da implementação dos Megaeventos 75
 Figura 14 - Principais áreas de valorização no entorno do estádio 99
 Fórmula 01 - Fórmula para cálculo do valor do imóvel 93
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................................. 9
ABSTRACT ........................................................................................................................ 10
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ........................................................................... 11
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15
1 A VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA, A MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO .................. 22
2 O PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO ................................. 27
2.1 O PAPEL DO ESTADO ........................................................................................ 29
2.2 OS PROMOTORES IMOBILIÁRIOS ................................................................. 32
3 O CAPITAL IMOBILIÁRIO E A CIDADE ............................................................... 35
3.1 O VALOR E A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO ................................................. 38
3.2 SOBRE A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA ........................................................ 43
3.3 OS INCORPORADORES IMOBILIÁRIOS: AGENTE PRODUTOR DO ESPAÇO
NA TRILHA DA ESPECULAÇÃO. ................................................................................ 45
4 AS TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ E A
LEGISLAÇÃO DAS CIDADES .......................................................................................... 48
4.1. A LEGISLAÇÃO URBANA E SUA INTERFERÊNCIA NO PROCESSO DE
OCUPAÇÃO DE CUIABÁ.............................................................................................. 52
4.2 O PERÍMETRO URBANO DE CUIABÁ: ............................................................ 55
4.3 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO CIDADE ALTA .......................... 59
5 MEGA EVENTO ESPORTIVO ................................................................................. 71
5.1 MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E A CIDADE .................................................. 71
5.2 GRANDES PROJETOS URBANOS ...................................................................... 74
5.3 FASES DE IMPLEMENTAÇÃO DO MEGAEVENTO ESPORTIVO.................. 75
6 BRASIL - A BOLA DA VEZ .................................................................................... 79
7 CUIABÁ E OS PROJETOS ESTRUTURAIS PARA A COPA DO MUNDO DE 2014 .. 85
8 A EVOLUÇÃO DOS PREÇOS E DA VALORIZAÇÃO DE IMÓVEIS NA CIDADE DE
CUIABÁ.............................................................................................................................. 92
8.1 O PREÇO DOS TERRENOS ................................................................................... 92
8.2 ASPECTOS DA VALORIZAÇÃO DAS HABITAÇÕES ................................... 101
8.3 REFLETINDO SOBRE OS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO
ESPAÇO EM CUIABÁ ................................................................................................. 102
8.4 REFLETINDO O PROCESSO NO ENTORNO DO ESTÁDIO ARENA
PANTANAL .................................................................................................................. 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 111
15

INTRODUÇÃO

O propósito desta dissertação é compreender a produção da cidade e as estratégias dos


seus agentes sociais para produzir e valorizar uma determinada fração do espaço. A
abordagem, para efeito de estudo, foi dirigida a uma porção do espaço localizado em uma área
da região oeste da cidade de Cuiabá, no bairro Cidade Alta, no loteamento Verdão. Tenta-se,
assim, construir uma análise sobre a produção do espaço promovida por seus agentes sociais e
a implicação dessa produção na valorização imobiliária de suas margens e áreas adjacentes.
Parte-se do pressuposto que a cidade é um produto social, fruto de um processo de
produção dominantemente capitalista, mas também imbuída de um sentido de uso imanente à
necessidade de produzir e reproduzir a vida, numa dualidade revelada em conflitos,
estratégias e interesses.
Aqui entendemos que a produção do espaço transcende a produção econômica e se
amplia nas possibilidades de (re) produzir a existência humana e social em múltiplos sentidos.
Desta forma a nova construção do estádio de futebol Governador José Fragelli
denominado “Verdão”, que passou a se chamar “Arena Pantanal”, está articulada a uma nova
centralidade da cidade, para onde se deslocam estabelecimentos comerciais e prestadoras de
serviços.
Hoje a área tem reservas de terrenos ociosos para ocupação, levando-se em
consideração a crescente criação de uma artificial “escassez” de terrenos na cidade. Logo a
área no entorno da nova arena esportiva se insere na lógica capitalista da especulação
imobiliária, e, por conseguinte, na valorização e elevação dos preços de imóveis e
supervalorização dos preços dos terrenos adjacentes decorrentes dessa possível escassez.
Insere-se também no patamar do conflito onde os desejos e necessidades humanas se chocam
e permeiam as estratégias para a produção do espaço.
Cuiabá, Centro Geodésico da América do Sul, também está no centro das discussões
sobre a dialética da produção do espaço, em especial da produção formal de habitações. A
cidade passou por acentuado processo de descentralização urbana, com grande espalhamento
da sua população ocorrido a partir do final da década de1970, com a “Marcha para o Oeste”,
quando a área do estádio surgiu representando um importante marco deste processo de
desenvolvimento e crescimento urbano. O erguimento do estádio de futebol denominado à
época Estádio Governador José Fragelli, popularmente chamada de estádio “Verdão” foi
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edificado neste período de aumento do perímetro urbano da cidade, com a lei municipal
número 1.346 de 12 de março de 1974, atendendo à demanda de melhoria da circulação e
ocupação de uma área até então “ociosa” obedecendo a um movimento de expansão da
cidade. As obras do estádio foram iniciadas no ano de 1973 e, concomitantemente, alguns
conjuntos habitacionais financiados pelo Estado foram construídos nas áreas adjacentes.
Na década de 1960, o perímetro urbano de Cuiabá perfazia 4,5 km² pulando para 48,45
Km² com a nova lei da expansão urbana de 1974. A população total do município até 1960
mantinha-se em aproximadamente 50 mil habitantes, chegando a 100.880 habitantes em 1970,
segundo o IBGE continuando a se incrementar com levas de migrantes durante as décadas de
1970 e 1980. Em 1980 a população chegou a 212.984, em 1991 segundo o IBGE chegou à
marca de 402.813 habitantes, em 2000 o censo divulgou uma população de 483.346. O censo
2010 do IBGE afirmou que Cuiabá tinha um total de 551.350 habitantes.
A partir de então, estruturou-se ao longo de três décadas um mercado imobiliário
“agressivo”, segregador e com estratégias imbuídas de um discurso que coloca o entorno do
estádio como um dos metros quadrados mais rentáveis da cidade atualmente.
Neste contexto, fica difícil imaginar que numa cidade ainda com consideráveis
reservas de terrenos solváveis, ou seja, terrenos teoricamente baratos – principalmente ao
longo do eixo em questão – tenha uma supervalorização do espaço, principalmente com o
argumento de “escassez do espaço”. Enquanto isso, uma considerável fatia de terrenos da
cidade permanece como reserva de valor, favorecendo a estruturação de uma especulação
imobiliária que eleva o preço dos terrenos.
Todos esses fenômenos aqui relacionados deixam reflexões para pensar os agentes
produtores de espaço como podemos citar como exemplos: o Estado, os grandes grupos
imobiliários e a população residente que atuam na transformação espacial da cidade,
produzindo espaço, refletindo-se num processo de valorização acentuada dos terrenos e
imóveis dessas áreas. Nesse ínterim, surge o conflito, porque o espaço como condição para
realizar a vida encontra restrições de uso, com a predominância nessas relações do valor de
troca, orientadas principalmente pelas práticas de dominação do espaço na cidade de hoje?
A materialidade do estádio reflete as contradições e estratégias dos agentes que
produzem o espaço, principalmente o poder do Estado capitalista. Com a Copa do Mundo de
Futebol de 2014 e as mudanças previstas para o perímetro urbano da cidade, ocorre uma
supervalorização do espaço, fugindo à racionalidade dos preços de mercado, o que torna
evidente a mudança que reestrutura o acesso a terra na cidade. A partir da dialética entre uso e
17

troca é que podemos tecer conceitos e ideias mais sólidas e abrangentes sobre a produção do
espaço. Na problemática aqui explicitada é que se estrutura a presente dissertação.
Na perspectiva de um estudo sobre a valorização do espaço urbano é que a pesquisa se
volta para a produção deste espaço, elo entre sociedade e natureza, exemplificada aqui com
um recorte espaço-temporal da Cuiabá contemporânea, em sua área de ocupação e valorização
mais recente: a Construção da Arena Pantanal no espaço que abrigava o antigo “Estádio
Verdão”.
O trabalho aborda problemas fundamentais com a finalidade de conhecer a dinâmica
espacial da cidade, a partir de sua produção em relação ao fenômeno de expansão e ocupação
dos seus terrenos ociosos e sua consequente reprodução, consumo e uso pela sociedade.
A relevância deste trabalho está na contribuição para os estudos da geografia urbana
brasileira, dos fenômenos de valorização fundiária e imobiliária do espaço, decorrentes do
processo de produção da cidade fomentadas principalmente pelos agentes de transformação
do espaço urbano.
A Arena Pantanal está se tornando o novo eixo da modernidade da cidade. Junto à
complexidade da dinâmica de fluxos da Região Metropolitana, surge a necessidade de se
compreender a reprodução capitalista no espaço urbano, que se reflete no acesso a terra e na
valorização diferenciada em relação às outras áreas da cidade, tentando compreender e
analisar a ação dos agentes que legitimam este processo geral de acumulação do capital. Nela
encontramos também a segregação, fruto do conflito entre uso e troca, produção e reprodução
do espaço, que é também da vida, já que entendemos o espaço – a natureza transformada –
para existência humana. São esses processos implícitos e especializados que validam uma
investigação científica a respeito do tema.
A relevância social está na compreensão de como a aplicação de um planejamento
diferenciado pelo Estado, incorporando os anseios de agentes como os incorporadores
imobiliários podem provocar tensões sociais, forjar uma valorização distinta na área deste
estudo e segregar ainda mais o espaço já tão fracionado de uma cidade. A intenção deste
estudo é conhecer os processos que levam às tensões socioespaciais, próprias do processo de
produção do espaço, para no futuro possibilitar ações no sentido de equacioná-las,
principalmente nas áreas de expansão e supervalorização urbana.
Entre os objetivos gerais e específicos que se procura alcançar com o desenvolvimento
deste trabalho destacam-se:
*analisar a ação e as estratégias dos agentes sociais transformadores do espaço urbano,
principalmente o Estado e os incorporadores imobiliários que influem e/ou determinam a
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valorização dos terrenos e imóveis nas áreas adjacentes ao estádio “Arena Pantanal”,
avaliando o impacto dessa produção na apropriação do espaço pela sociedade, revelada na
dialética entre valor de uso e de troca;
*avaliar as dimensões da valorização imobiliária no cotidiano da sociedade, ou seja,
como se comportam o valor de uso e de troca nesse “apropriar o espaço”;
*caracterizar o processo de produção do espaço, principalmente no que tange a
influência do Estado e das corporações imobiliárias na valorização distinta dessa área de
expansão da cidade;
*estudar o papel dos agentes produtores do espaço urbano;
*identificar as consequências da valorização deste espaço na reprodução de terrenos
para expansão de Cuiabá;
*avaliar o custos de sediar um Megaevento esportivo e suas consequências para o
espaço urbano.
Este trabalho prioriza algumas ações para atingir os objetivos gerais e específicos,
utilizando como procedimentos metodológicos um levantamento documental e cartográfico da
área estudada. A escala de análise definida para o estudo contribui para a compreensão do
fenômeno proposto, que é a produção e supervalorização dos terrenos e imóveis adjacentes à
Arena Pantanal.
Inicialmente foi realizado um levantamento documental sobre a formação da expansão
urbana de Cuiabá, principalmente a respeito das ações dos agentes sociais – Estado e
incorporadores imobiliários, que fomentaram a ocupação da área, para, a partir de então,
tecer uma análise sobre o processo de apropriação desse espaço. A investigação documental
prossegue para entender as mudanças na legislação municipal quanto ao uso e ocupação do
solo que permitiu a estruturação e dinamização de um mercado imobiliário, que hoje tem um
papel decisivo no processo de supervalorização da área. As reconstituições das determinantes
e os fatos que nos permitem entender melhor os processos de produção e valorização recente.
Os itens discutidos no decorrer deste estudo fornecem importantes subsídios para a
compreensão de conceitos como produção e supervalorização do espaço e a ação dos agentes
sociais transformadores da cidade como também são fundamentais para elaborar um amplo
panorama que contribuí para entender os fenômenos aqui pesquisados. Esses elementos e
categorias de análise revelam o viés científico e metodológico do trabalho, assim como os
próprios métodos de análise aqui empregados.
A reflexão sobre o tema “supervalorização imobiliária”, o ato de habitar a cidade,
entre sua produção e valorização, dá-se com a utilização das categorias e conceitos-chave que
19

permitem uma análise do processo de apropriação do espaço e seus consequentes


desdobramentos. As categorias de análise são produção e supervalorização do espaço bem
como o que se prefere aqui chamar de conceitos satélites: cotidiano, valor de uso e valor de
troca, especulação imobiliária e discurso competente. Portanto é necessário um detalhamento
e aprofundamento desta base teórico-conceitual, para tornar mais claros os propósitos e
caminhos a serem seguidos no decorrer da elaboração desta dissertação, com a finalidade de
aprofundar mais o caminho escolhido para analisar os fenômenos urbanos.
Os critérios para delimitação da área de estudo são bem complexos, pois sediar um
evento como Copa do Mundo envolve uma transformação não só da arena esportiva, como
também de toda a Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá. Para abrigar alguns jogos da
Copa do Mundo, serão necessárias grandes e profundas transformações no perímetro urbano
da cidade, a fim de que haja um maior dinamismo na mobilidade urbana. No entanto, o nosso
estudo limitou-se a considerar a supervalorização apenas do entorno do estádio, embora se
reconheça que os jogos supervalorizam também outros espaços urbanos.
A identificação das propriedades e da estrutura fundiária do entorno do estádio
permite conhecer a atual configuração espacial. Esses dados foram espacializados
cartograficamente, com as técnicas disponíveis no software Arcview 10.1, de 2010 e
fomentam aqui uma discussão e análise do processo de produção dessa nova área de
expansão. Além dos cartogramas, tabelas e gráficos completam a sistematização das
informações para efeito de análise.
Outro importante passo foi levantar dados oficiais e interpretações sobre a produção e
venda de imóveis no mercado formal, bem como variáveis significativas que permitissem
conhecer as características do “habitar” em questão. Os relatórios existentes no cartório que
abrange a região oeste da cidade, assim como uma pesquisa junto à Prefeitura Municipal de
Cuiabá para obtenção de dados relativos ao ITBI (Imposto de Transmissão de Bens
Intervivos), como também o levantamento junto a incorporadores imobiliários permitiram
conhecer de forma profunda a produção de habitação em Cuiabá, com dados quantitativos e
qualitativos que subsidiaram um conhecimento mais detalhado sobre o comportamento desse
mercado na última década.
Uma importante variável utilizada, a fim de investigar a crescente supervalorização do
entorno, parte da avaliação da evolução do preço médio do metro quadrado na área, aplicado
pelo Estado através do poder público municipal, identificando as diferenciações de valor em
relação a outras áreas importantes da cidade. Os dados concernentes ao valor médio do metro
quadrado foram coletados na Secretaria da Fazenda do Município em forma de IPTU
20

(Imposto Predial Territorial Urbano), utilizado para efeito de cálculo de tributação e cobrança
de impostos, bem como através de levantamento de arquivos de classificados de jornais de
grande circulação local, para coletar informações a respeito de ofertas, produção, preço médio
e características de imóveis anunciados também ao longo do período de 2007 a 2011,
buscando sistematizar esses dados e informações com o rigor científico com que eles
deveriam ser trabalhados.
Os dados sobre os preços de imóveis apresentam deficiências: os registros sobre
compra e venda são realizados em cartórios, que não dispõem de uma infraestrutura de
informação para torna-los publicáveis e disponíveis para pesquisas dessa natureza. Em visita
aos cartórios cuiabanos, percebemos pouca vontade de disponibilizar tais dados, sendo
recorrente o argumento que as informações não existem no sistema cartorário de Mato
Grosso. Outra deficiência encontrada nas nossas pesquisas é o valor mensurado da transação
financeira, pois para fins de cartório e prefeitura são comuns os valores declarados serem
inferiores ao realizado, porque, segundo as partes envolvidas, isso diminui a cota de impostos
a pagar. Contou-se, nesta dissertação, com os dados da Prefeitura - preço de metro quadrado
por logradouro - e com os classificados de ofertas de vendas de jornais impressos para
registrar o valor pretendido por um imóvel. Cabe lembrar que nem todos os imóveis
continham a informação de preço – em média 60% dos anúncios continham esta informação –
mas ainda assim foi possível observar genericamente a evolução do valor de imóveis na área.
Além destas informações aqui descritas, foram feitas pesquisas formais e informais
junto aos agentes imobiliários a fim de buscar dados mais concretos e fidedignos para
embasamento desta pesquisa. Foi feita ainda a leitura da paisagem e a observação dos
fenômenos acerca da produção do espaço nessa área durante o período desta pesquisa, sendo
realizadas visitas ao entorno do estádio semanalmente para a busca de imóveis e terrenos a
serem negociados e sua supervalorização à medida que avançam as obras da arena
futebolística. Definiu-se isso como instrumento e técnica de análise importante para realizar
este estudo e compor um quadro significativo sobre o tema aqui proposto.
Nossa pesquisa começa com os estudos do pensamento geográfico do século XIX,
passando por várias outras linhas de pensamento, até desencadear, no inicio do século XXI, na
assim denominada Geografia Pós-Moderna. Repassando pela rede epistemológica de cada
escola, buscaremos as diferentes formas de análise para o estudo da região e a evolução da
ocupação urbana. Destaca-se a importância da Ciência Geográfica na construção das cidades,
onde utilizaremos tanto elementos da geografia crítica, como elementos da concepção pós-
moderna.
21

Este trabalho está composto por nove capítulos onde se procurou demonstrar a
importância dos megaeventos e a atuação do Estado como agente fomentador da dinâmica
urbana, sendo que esta pesquisa continuará disponível a fim de captarmos os dados após as
obras de Copa do Mundo 2014 e suas consequências para o perímetro urbano da cidade de
Cuiabá.
22

1 A VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA, A MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO

O estudo do espaço é de suma importância para a análise geográfica. E esse estudo


tem se mostrado de grande valia na história do pensamento geográfico. Diante disso, não é
nossa pretensão fazer um aprofundamento dessa evolução do pensamento geográfico, mas sim
obter através delas subsídios a fim de desenvolvermos a temática relacionada ao conceito de
região e a produção e reprodução do espaço geográfico resultado da valorização e especulação
imobiliária da região oeste de Cuiabá, motivada pela construção da Arena Pantanal.
Dando destaque aos processos de valorização e especulação imobiliária, que para
Saboya (2008) é caracterizada pela distribuição coletiva dos custos através da implantação de
melhorias, como infraestrutura e acessibilidade, ao mesmo tempo em que há uma apropriação
privada dos lucros provenientes dessas benfeitorias, essas melhorias ao serem executadas em
torno de um terreno lhe conferem mais valor, assim como a implantação de um
empreendimento comercial passa também a contribuir para o aumento do preço do solo.
Becker (1995) observa que a partir da Segunda Guerra Mundial a ciência e a
tecnologia passaram a constituir o fundamento do poder valorizando o espaço a partir de suas
diferenças. Este processo, representado pelas redes transnacionais de circulação e
comunicação, permite tanto a globalização como a diferenciação espacial, induzidas tanto
pela lógica da acumulação como pela lógica cultural.
O mundo cada vez mais globalizado e com uma maior internacionalização do capital
tem provocado uma maior dinâmica socioespacial e isto tem fomentado grandes
transformações no ambiente urbano. O processo contínuo e ágil da dinâmica capitalista tem
provocado uma ruptura das estruturas logísticas e culturais preexistentes. No caso específico
de Cuiabá, essa transformação urbana e seus impactos são de grande valia para a ciência
geográfica, o que é um desafio para a referida ciência a fim de procurar políticas públicas
efetivas para minimizar a exclusão social da população local.
A reflexão sobre o tema abordado, habitar a cidade entre sua produção e valorização,
foi realizado baseado no debate acerca de categorias e conceitos-chave que subsidiam e
fomentam a construção de uma análise que permita compreender o processo de apropriação
do espaço e os consequentes desdobramentos propostos por este estudo. Assim, aqui se
discute as categorias de análise, produção e valorização do espaço, bem como o que se prefere
aqui chamar de conceitos satélites: cotidiano, valor de uso e valor de troca e a provável
especulação imobiliária.
23

Cuiabá, assim como os demais centros urbanos da região Centro-Oeste, tem sentido,
neste início do século XXI, uma transformação no seu espaço regional, produzindo um novo
ordenamento territorial e acirrando com isso a competição no mercado imobiliário, que
procura impor seus interesses nas transformações arquitetônicas e de infraestrutura do espaço
regional.
A escolha de Cuiabá como cidade sede da copa do Mundo de 2014 tem tornado essas
transformações mais latentes do que outras áreas também dinâmicas do Centro-oeste do
Brasil. A possibilidade de maior aplicação de recursos públicos e recursos internacionais na
cidade tem possibilitado o surgimento de mais atividades econômicas e mais
empreendimentos imobiliários, o que proporciona um adensamento e uma intensificação do
uso de determinadas áreas, enquanto a evasão de atividades econômicas e de população
ocasiona o abandono e a degradação de outras. Assim, como as transformações do espaço, o
pensamento geográfico também sofreu com essas rupturas, o que são caracterizadas por Capel
(1981) como “mudanças de paradigmas”. Essas mudanças enriquecem o debate, citando
novamente as palavras de Capel (1981, p.251): “A ciência progrediria mediante uma evolução
truncada e não linear em que cada uma das fases representa uma ruptura a respeito do saber
anterior”. Na progressão do estudo buscamos, o caminho da evolução da geografia a partir da
sistematização do conhecimento geográfico. Para isso fizemos um recorte temporal que se
estende do final do século XIX, com a geografia clássica, passando pela escola da Nova
Geografia, pelas correntes críticas marxistas, até o inicio do século XXI, com a denominada
geografia pós-moderna. Diante do exposto, este estudo pretende mostrar a importância da
ciência geográfica na construção pós-moderna das cidades.
Sendo a cidade uma mistura complexa, A aparência dela e o modo como os seus
espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e
realizar uma série de possíveis sensações e práticas sociais. Carlos (2001) defende que o
processo de reprodução do espaço se realiza criando novas contradições, tomando em seu
estudo a contradição da “raridade do espaço”. Segundo ela, o fenômeno da raridade se
concretiza pela articulação de três elementos indissociáveis: a existência da propriedade
privada do solo urbano, a centralidade da área e o grau de ocupação (índice de construção) da
área no conjunto do espaço da metrópole.
Nos últimos anos, o espaço urbano tem sido alvo de uma série de ações do setor
público e dos diversos agentes afins, acentuando sua centralidade. A interferência humana no
espaço tem provocado alterações socioeconômicas em grandes áreas construídas. É o que
ocorre nos grandes centros urbanos, como no caso da Grande Cuiabá, aqui entendida como
24

toda a região metropolitana do Vale do Rio Cuiabá, englobando Cuiabá, Várzea Grande,
Santo Antônio do Leverger e Nossa Senhora do Livramento. O crescimento horizontal e
vertical da aglomeração urbana, em especial entre Cuiabá e Várzea Grande, provocou a
elevação dos preços das áreas construídas e proporcionou a abertura de novas áreas. A
especulação imobiliária no entorno da área urbana, a intensa urbanização e a possibilidade de
Cuiabá sediar alguns jogos da copa do Mundo de 2014 provocaram a alteração no valor
imobiliário de vários pontos da cidade, em especial nos arredores do estádio “Arena
Pantanal”.
A ocupação do espaço das cidades sofre as influências da legislação. Ainda que os
incorporadores utilizem de estratégias a fim de viabilizar seus interesses e desejos, as normas
existem e devem ser seguidas. Com isso, pretendemos uma leitura mais atenta da legislação
em vigor, ressaltando a importância do poder público frente aos diversos interesses,
principalmente dos demais agentes e classes sociais envolvidas. Corrêa (1999) sugeriu que o
conhecimento sobre o papel do Estado como agente de atuação no espaço urbano seja
aprofundado, contribuindo para o entendimento do Estado enquanto agente modelador do
espaço urbano capitalista.
Dessa forma, pretende-se também discutir se a atual configuração da ocupação do
espaço segue os parâmetros de uso, ocupação do solo, os Códigos de Obras e Posturas
vigentes. Caracterizar se, numa postura estatal rígida em Cuiabá, o Estado
manipulava/manipula o mercado ou vice-versa. Para isso, alguns questionamentos ganham
destaque: até que ponto pode-se dizer que a valorização imobiliária foi uma atividade
meramente de mercado? Ou ainda, em que intensidade o Estado, por meio da construção de
um estádio de futebol para o evento Copa do Mundo de 2014, interferiu e interfere no
processo? Qual o papel do Estado nesse processo? Quais as estratégias e ações da
incorporação imobiliária quando se deparam com situações adversas a seus interesses? Que
mecanismos utilizam? Quais os parâmetros de ocupação e uso do solo que nortearam o
processo de ocupação de Cuiabá?
Tais elucidações se fazem necessário, pois David Harvey trata deste novo processo de
acumulação flexível segundo três perspectivas, a saber: a do trabalho, da produção e do
Estado.
Harvey (1993, p. 140) relaciona tais processos ao pós-modernismo ao dizer que este:
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica
e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos
25

padrões do desenvolvimento desigual, movimento no emprego no chamado


“setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos
em regiões até então subdesenvolvidas [...] Ele também envolve um novo
movimento que chamarei de “compressão do espaço-tempo” [...] no mundo
capitalista, os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública
se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de
transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões
num espaço cada vez mais amplo e variado.

As palavras de Harvey acima descrevem perfeitamente a atual dinâmica capitalista, em


que a dinamização do tempo é amplamente difundida pelo acesso as novas tecnologias
capitalistas, o que provoca um aumento da especulação do espaço.
O processo especulativo do espaço provoca, nas palavras de Haesbaert (1995, p.166),
vastas áreas do globo terrestre, que apresentam sérias sequelas desse processo modernizador
sob a forma da existência de “uma massa de despossuídos sem as menores condições de
acesso a essas redes e sem a menor autonomia para definir seus “circuitos de vida”.
Deste modo, as propostas de discussões entorno deste trabalho é compreender a
produção da cidade e as estratégias dos seus agentes sociais para produzir e valorizar uma
determinada fração do espaço. A abordagem, para efeito de estudo, foi dirigida a uma porção
do espaço localizado em uma área de expansão urbana no entorno do estádio abrangendo os
seguintes bairros: Cidade Alta, Santa Isabel, Jardim Araçá, Flamboyant, Jardim Santa Amália,
Santa Rosa, Jardim Independência, Jardim Primavera, Jardim Cuiabá, Porto, Cidade Verde,
Novo Terceiro e Coophamil, em um raio de três quilômetros do estádio denominado de
“Arena Pantanal”. Tenta-se, assim, construir uma ideia sobre a produção do espaço
promovida por seus agentes sociais e a implicação dessa produção na valorização imobiliária
de suas margens e áreas adjacentes.
Partindo do pressuposto que a cidade é um produto social, fruto de um processo de
produção capitalista, mas também imbuída, numa ótica pós-moderna, de um sentido de uso de
necessidade de produzir e reproduzir a vida, numa dualidade revelada nos conflitos,
estratégias e interesses. Dessa maneira, investigar as várias formas de ocupação do espaço na
Grande Cuiabá e buscar suas relações, principalmente após a confirmação de Cuiabá como
uma das sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014, com a supervalorização e especulação
imobiliária é relevante não apenas para o planejamento urbano consciente desta cidade, mas
também por oferecer material considerável para as discussões entorno das configurações
espaciais urbanas pós-modernas.
Os desdobramentos das várias abordagens que permitem pensar a região e a
organização do espaço, nos diversos contextos, possibilitam-nos afirmar que as correntes de
26

pensamento em geral não se revelam como verdadeiras, nem falsas. Todas deram as suas
parcelas de contribuição para o estudo regional, para a Geografia e procuraram atender a
sociedade, e obviamente o Estado. Naquilo que lhe foi ou é proposto, cada uma teve e/ou tem
sua eficiência. A grande maioria das correntes de pensamento geográfico com seus métodos e
teorias representam a projeção na crença de se fazer ciência nos moldes daquela exigida pela
modernidade – mesmo aquelas que a contestavam. Atualmente, numa “condição pós-
moderna”, para lembrar Harvey (1999), não nos obrigamos a escolher um determinado
caminho para afirmarmos uma leitura real sobre as categorias espaço, região, território,
paisagem, lugar. Os novos tempos nos permitem a flexibilidade de aproveitar ou não daquilo
que a modernidade foi eficiente e somar com a novidade dos tempos atuais.
Milton Santos ainda em A Natureza do Espaço assume uma postura bem definida na
construção da sua noção de valor olhando para cidade, ao dizer que, as diversas frações da
cidade se distinguem pelas diferenças das respectivas densidades técnicas e informacionais.
Os objetos técnicos, de alguma forma, são os fundamentos dos valores de uso e dos valores de
trocas dos diversos pedaços da cidade. Pode-se dizer que, consideradas em sua realidade
técnica e em seus regulamentos de uso, as infraestruturas “regulam” comportamentos, e desse
modo “escolhem”, “selecionam” os atores possíveis. Certos espaços da produção da
circulação e do consumo são áreas de exercício dos atores “racionais”, enquanto os demais
atores se contentam com as frações urbanas menos equipadas. A ação humana é, desta forma,
compartimentada segundo níveis de racionalidade da matéria. Sendo assim, a valorização do
espaço urbano proporciona uma exclusão social que faz aumentar a mancha urbana, com a
periferização da mão de obra. Cuiabá tem sentido essas consequências, principalmente após o
anúncio de ser uma das sedes da Copa do Mundo de Futebol de 2014.
Cabendo destacar que vários estudos no Estado de Mato Grosso foram feitos para
investigar o processo de urbanização e suas consequências destacando-se, entre outros,
VilarinhoNeto (2002) e Romancini (2008). Sendo assim, as ideias propostas neste trabalho
visam a contribuir para o estudo dos diferentes métodos e correntes geográficas que
contemplem as transformações do espaço urbano motivado pelas obras que deverão ser feitas
para receber a Copa 2014 e seus “benefícios” para a cidade de Cuiabá.
Aproveitemos a possibilidade do nosso tempo, tido como pós-moderno, para
encararmos um debate que é nosso, na empreitada de atualizá-lo mediante os novos arranjos
espaciais redefinidos pela globalização.
27

2 O PLANEJAMENTO E PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

Com a nova fase de internacionalização do capital a dinâmica socioespacial das


cidades sofreu grandes alterações. O permanente processo de reconstrução criou novas bases
espaciais de produção através da substituição, renovação e ruptura das estruturas
preexistentes. No caso de Cuiabá, essa possibilidade de renovação urbana - e seus impactos -
está tendo grande importância para os urbanistas, desafiando-os a fornecer subsídios para a
criação de políticas públicas mais efetivas.
As intervenções urbanas necessárias para abrigar o megaevento Copa do Mundo de
2014 reforçam a necessidade de uma reestruturação socioespacial na cidade de Cuiabá, o que
tem produzido um novo ordenamento territorial e acirrando as exigências competitivas do
mercado imobiliário, que procurou impor seus interesses nas transformações urbanísticas,
arquitetônicas e de infraestrutura na área objeto de intervenção. O raciocínio desenvolvido
neste trabalho, parte do pressuposto de que as relações sociais se realizam, concretamente, na
qualidade de relações espaciais – constituindo-se enquanto atividade prática. Nessa direção,
citamos Carlos (2011, p. 64), quando afirma:
No plano da realidade, a produção do espaço é anterior ao capitalismo e se
perde numa história de longa duração iniciada no momento em que o homem
deixou de ser coletor e caçador e criou condições de, através de seu trabalho,
transformar efetivamente a natureza (dominando-a). O espaço como
produção emerge da história da relação do homem com a natureza, processo
do qual o homem se produz enquanto ser genérico numa natureza apropriada
e condição de uma nova produção.

Assim, o sentido e a finalidade da cidade diz respeito à produção do homem e à sua


realização, e aponta para suas práticas socioespaciais, portanto segundo a autora acima citada,
a produção do espaço é anterior ao sistema capitalista, proporcionando suas contradições no
processo de reprodução das relações sociais.
Podemos adiantar que a análise da produção do espaço deve captar o processo em
movimento e, no mundo moderno, esta orientação sinaliza a articulação indissociável de três
planos: o econômico (a cidade produzida como condição de realização da produção do capital
- convém não esquecer que a reprodução das frações de capital se realizam através da
produção do espaço), o político (a cidade produzida como espaço de dominação pelo Estado
na medida em que este domina a sociedade através da produção de um espaço normatizado); e
o social (a cidade produzida como prática sócio-espacial, isto é, elemento central da
reprodução da vida humana).(CARLOS 2011, p. 74 - 77)
28

A partir destes três planos, estudaremos os agentes envolvidos no processo de


valorização do espaço urbano de Cuiabá. Onde o espaço natural é reduzido e transformado em
um produto social, que sofre valorização ou desvalorização através dos seus agentes que são
indissociáveis.
Vivemos hoje um momento do processo de reprodução em que a propriedade privada
do solo urbano – condição da reprodução da cidade no capitalismo - passa a ser um limite
para expansão econômica capitalista. Isto é, diante das necessidades impostas pela reprodução
do capital, o espaço produzido socialmente - e tornado mercadoria durante o processo de
produção - é apropriado privativamente, criando limites à sua própria reprodução. Nesse
momento, o espaço, produto da reprodução da sociedade, entra em contradição com as
necessidades do desenvolvimento do próprio capital, o que significa dizer que a “raridade” é
produto do próprio processo de produção do espaço ao mesmo tempo a sua limitação, o que se
configura como uma contradição do espaço (inerente ao seu processo de reprodução).
Nesta condição, o espaço, produzido enquanto mercadoria, entra no circuito da troca,
atraindo capitais que migram de um setor da economia para outro, de modo a viabilizar a
reprodução e as possibilidades de ocupar o espaço que são sempre crescentes. Isso explica a
emergência de uma nova lógica associada a uma nova forma de dominação do espaço que se
reproduz ordenando e direcionando a ocupação, fragmentando e tornando os espaços
trocáveis a partir de operações que se realizam no mercado. Deste modo, o espaço é
produzido e reproduzido enquanto mercadoria reprodutível.
A produção do espaço se realiza sob a égide da propriedade privada do solo urbano,
onde o espaço fragmentado é vendido em pedaços, tornando-se intercambiável a partir de
operações que se realizam através do mercado. Tendencialmente produzido como mercadoria,
o espaço entra no circuito da troca, generalizando-se na sua dimensão de mercadoria. Neste
contexto, o espaço é fragmentado, explorado, e as possibilidades de ocupá-lo se redefinem
constantemente, em função da contradição crescente entre a abundância e escassez, o que
explica a emergência de uma nova lógica associada, e uma nova forma de dominação do
espaço, que se reproduz ordenando e direcionando a ocupação a partir da interferência do
Estado. Deste modo, o espaço é produzido e reproduzido, de um lado, enquanto espaço de
dominação - como estratégia do Estado, portanto política - e de outro, como mercadoria
reprodutível. Neste contexto, o uso do espaço na cidade subordina-se cada vez mais à troca e
a reprodução do valor de troca, submetendo o uso às necessidades do mercado imobiliário.
Cabe lembrar ainda que, na sociedade capitalista, a cidade e o espaço não pertencem a
seus habitantes e não são modelados em função de seus interesses, mas de acordo com os
29

interesses de uma série de agentes: os proprietários dos meios de produção; os proprietários


do solo; os promotores imobiliários; as empresas de construção; os órgãos públicos, entre
outros agentes. Esses agentes são chamados de agentes produtores do espaço, cujas ações de
alguns (promotores imobiliários e o Estado) serão estudados a seguir. Já os demais agentes,
ou seja, os proprietários fundiários, os proprietários dos meios de produção e os grupos
sociais excluídos não são integrantes diretos deste trabalho, embora pertencentes também ao
processo urbano, pois também produzem a cidade. As análises mais aprofundadas desses
grupos serão estudadas em outra oportunidade.

2.1 O PAPEL DO ESTADO

A discussão do papel do Estado está inserida nesta pesquisa, para tanto buscou-se o
referencial no seguinte paradoxo, no que se refere à sua atuação frente à produção do espaço
urbano: de um lado, remetendo-se à ideia do Estado como controlador, produtor e (re)
produtor do espaço urbano, por meio de suas estratégias, ações e ferramentas, tais como, por
exemplo, a legislação urbanística, sendo considerado de suma relevância para a configuração
das cidades e para a produção do espaço social e, de outro, um Estado submisso, não neutro,
controlado por uma determinada elite social, que, de modo geral, intervém no espaço urbano
de acordo com seus interesses, demonstrando a ineficácia do aparelho estatal, enquanto agente
espacial. Ou seja, em ambos os casos, as relações sociais, de alguma maneira, distribuem os
espaços, fragmentando-os.
Percebe-se que é evidenciado nitidamente que o Estado é apenas mais um agente que
produz o espaço social, ainda que, na essência de sua atuação, há o comando dirigente de
determinada classe que detém o poder, sendo o espaço material construído pelo produto de
atividades privadas, como os promotores e incorporadores imobiliários (SERPA. 2011, pág.
42) . Novamente se tem um paradoxo: de um lado é apontado que as atividades que se
arrolam no espaço, “as atividades privadas que nele se desenrolam” se inscrevem em
condições sempre já dadas, herdadas do passado, ou seja, sobre o prisma das inscrições do
urbanismo, das leis que regem a cidade, tendo como o coadjuvante do processo o Estado. De
outro lado, há a “aparência inversa”, designando que tudo que é material, produto no/do
espaço é produto de atividades privadas, ou seja, dos demais agentes que produzem a cidade.
As mudanças espaciais na cidade muitas vezes ocorrem de forma violenta, em um
ritmo acelerado como decorrência da mudança constante das direções de fluxo, do traçado ou
do alagamento de ruas e avenidas, como uma necessidade imposta pelo escoamento do
30

trânsito, resultado das tendências do mercado imobiliário, das mudanças da lei de


zoneamento, notadamente como decorrência das mudanças de função dos lugares do espaço
metropolitano. São transformações, decorrentes da ação do Estado, algumas delas sob a forma
de renovações urbanas que não transformam uniformemente toda a cidade, mas, partes desta,
mesmo assim, iluminam o que acontece aos usos e ao sentido do espaço para a reprodução da
vida, já que com a mudança da morfologia há também uma mudança de sua função. Com isso
redefinem-se, constantemente, os lugares dentro da cidade.
Assim, sob a forma da renovação urbana, as transformações necessárias para a
reprodução do capital aparecem travestidas de necessidade social imposta pelo Estado
enquanto “interesse público“, criando a representação necessária capaz de dissimular os
conflitos de interesses. Este é o sentido do discurso da “modernização necessária ao
crescimento”, a partir do qual se estabelece a lógica que sustenta o consenso em torno do
deslocamento das favelas, expulsando-se a população residente e destruindo-se bairros
inteiros da cidade. O discurso do urbanismo e da modernização da cidade são constantemente
usados pelo Estado para modificação das áreas de interesse do capital. É assim que o processo
de mercantilização do espaço, como condição da reprodução do capital só pode se realizar em
um determinado momento do processo de urbanização, pela mediação do Estado, feita através
de mecanismos de gestão. O Estado exerce, assim, papel central no processo de reprodução
espacial, não apenas redefinindo usos e função do espaço, mas alterando, substancialmente, a
prática espaço temporal.
Lefebvre (1973, p. 77), em sua obra “re-produção das relações de produção”, quando
da análise da perspectiva marxista estrutural-funcionalista, aponta que o poder redutor
pertence ao Estado, ou seja, ele intervém como instância que acarreta a redução (ou resolução
parcial) dos conflitos segundo os interesses da fração hegemônica da burguesia e do capital.
“Os interesses próprios da fração hegemônica, originariamente econômicos, transformam-se
por isso em interesses políticos e gerais (aparentemente os do país, do povo, da nação).
Apoiamo-nos no mesmo autor para afirmar que o Estado é o agente regulador do
espaço e costumeiramente age em favor das forças econômicas, ou seja, em favor da elite
social que, deste modo, produz e reproduz o espaço.
Segundo Corrêa (1999, p. 24) na sociedade capitalista o Estado atua :
Diretamente como grande industrial, consumidor do espaço e de localizações
específicas, proprietário fundiário e promotor imobiliário, sem deixar de ser
também um agente de regulação do uso do solo e o alvo dos chamados
movimentos sociais urbanos.
31

Sendo assim, como observamos no texto acima, o Estado é o grande propulsor da


especulação imobiliária, pois dinamiza as áreas de seu interesse, favorecendo ou não os
agentes imobiliários locais.
Uma segunda questão sobre a atuação do Estado, é que além destes atributos citados
acima por Corrêa, para caracterizá-lo como produtor do espaço urbano, o mesmo autor aponta
que é por intermédio da implantação dos serviços públicos, como calçamento, sistema viário,
água, esgotos, iluminação pública, parques, coleta de lixo, entre outras atividades,
“interessantes tanto às empresas como à população em geral, que a atuação do Estado se faz
de modo mais corrente e esperado” (CORRÊA, 1999, p.24). Neste sentido, para caracterizá-lo
como regulador do espaço, o autor ainda complementa que “a elaboração de leis e normas
vinculadas ao uso do solo, entre outras as normas de zoneamento e o código de obras,
constitui outro atributo do Estado no que se refere ao espaço urbano” (CORRÊA, 1999, p.24).
O Estado atua não só fora dos lotes, mas também no interior dos lotes privados, pois é ele que
concede:
a) direito de desapropriação e precedência na compra de terras;
b) regulamentação do uso do solo;
c) controle e limitação dos preços de terras;
d) limitação da superfície da terra de que cada um pode se apropriar;
e) impostos fundiários e imobiliários que podem variar segundo a dimensão do
imóvel, uso da terra e localização;
f) taxação de terrenos livres, levando a uma utilização mais completa do espaço
urbano;
g) mobilização de reservas fundiárias públicas, afetando o preço da terra e orientando
espacialmente a ocupação do espaço;
h) investimento público na produção do espaço, através de obras de drenagem,
desmontes, aterros e implantação da infraestrutura;
i) organização de mecanismos de credito à habitação;
j) pesquisas, operações-teste sobre materiais e procedimentos de construção, bem
como o controle de produção e do mercado deste material (CORRÊA, 1999, p.25).
Atualmente ainda podemos identificar o Estado como agente fomentador do espaço,
pois é o agente facilitador de crédito imobiliário, incentivando com isso a ocupação de novos
espaços pela população não solvente.
32

2.2 OS PROMOTORES IMOBILIÁRIOS

Entende-se um conjunto de agentes que realizam, parcialmente ou totalmente, as


seguintes operações: incorporação, financiamento, estudo técnico, construção ou produção
física do imóvel e comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-
dinheiro, agora acrescido de lucro (CORRÊA, 1999). O autor destaca ainda que as estratégias
e ações dos promotores imobiliários são as seguintes:
(a) Incorporação, que é a operação-chave da promoção imobiliária; o incorporador
realiza a gestão do capital-dinheiro na fase de sua transformação em mercadoria, em imóvel.
A localização, o tamanho das unidades e a qualidade do prédio a ser construído são definidos
na incorporação, assim como as decisões de quem vai construí-lo, além da propaganda e a
venda das unidades;
(b) financiamento, ou seja, a partir da formação de recursos monetários provenientes
de pessoas físicas e jurídicas, verificando-se, de acordo com o incorporador, o investimento
visando à compra do terreno e à construção do imóvel;
(c) estudo técnico, realizado por economistas e arquitetos, visando a verificar a
viabilidade técnica da obra dentro de parâmetros definidos anteriormente e à luz do código de
obras;
(d) construção ou produção física do imóvel, que se verifica pela atuação de firmas
especializadas nas mais diversas etapas do processo produtivo. A força de trabalho está
vinculada às firmas construtoras;
(e) comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro,
agora acrescido de lucros. Os corretores, os planejadores de vendas e os profissionais de
propagandas são os responsáveis por esta operação.
Esses promotores tem, como estratégia, produzir habitações com inovações em relação
às antigas construções, pois com isso obtêm-se uma super valorização dos imóveis. No
entanto essa super valorização proporciona uma exclusão cada vez maior das camadas de
menor poder aquisitivo.
De fato, a ação dos promotores se faz correlacionada a preço elevado da terra de auto-
status do bairro, acessibilidade, eficiência e segurança dos meios de transporte, amenidades
naturais ou socialmente produzidas e esgotamento dos terrenos para a construção e as
condições físicas dos imóveis anteriormente produzidos. A atuação espacial dos promotores
se faz de modo desigual, criando e reforçando a segregação residencial que caracteriza a
33

cidade capitalista. Na medida em que os outros setores do espaço produzem conjuntos


habitacionais populares, a segregação é ratificada.
A “escassez do espaço” nas proximidades do centro requer a liberação de amplas
parcelas do espaço ocupadas – na sua área de expansão - visando à criação de uma “área
livre“ para os novos usos necessários à expansão da atividade econômica, bem como a
supressão dos direitos conferidos aos proprietários urbanos pela existência do estatuto jurídico
da propriedade privada. Nesse contexto, para que o desenvolvimento do ciclo do capital
continue, ele precisa associar-se ao poder político, na medida em que só ele pode “colocar em
suspensão” o estatuto da propriedade privada do solo urbano e, assim, liberar as áreas
ocupadas para novas atividades. Somente ele pode atuar em grandes extensões do espaço,
produzindo a infraestrutura necessária à reprodução das novas atividades econômicas, o que
significa a criação de novas estratégias entre as várias formas de capital (financeiro,
industrial) e o Estado.
No caso em questão, há uma aliança de interesses entre o mercado imobiliário e o
setor produtivo voltada para a construção do “novo espaço”. De um lado o setor imobiliário,
para continuar se reproduzindo, necessita sempre de novas estratégias capazes de permitir sua
reprodução, de outro o setor produtivo vê-se diante de novas necessidades quanto ao espaço
construído, mas ambos necessitam de uma infraestrutura moderna. A tendência à escassez do
solo urbano entorno dos centros econômico-financeiros da metrópole gera a necessidade de
novas estratégias capazes de permitir a reprodução do capital, assegurada através da
possibilidade de se contornar o problema do espaço urbano enquanto mercadoria tornada rara
em decorrência da intensificação do processo de urbanização. A interferência do Estado,
acionando o processo de desapropriação do solo urbano, mudando a legislação capaz de
permitir transformações na lei de zoneamento, criando mecanismos que permitam o
remembramento de terrenos urbanos, aumentando o coeficiente edificável (que permite a
verticalização) vai criar mudanças significativas na metrópole.
A esse processo político a ação do Estado no espaço vai produzir também a
infraestrutura necessária à concretização desta nova atividade produtiva e é assim que se
abrem novas avenidas cortando bairros antigos, ampliando-se a malha viária, assegurando o
fluxo contínuo no espaço. É deste modo que o espaço revela, em seu processo de produção,
interesses divergentes que encontram uma “unidade“ no Estado, que tem função de comando,
posto que há em seu cargo a produção de grandes conjuntos e obras de infraestrutura que, para
além de nomear e qualificar espaços, redefinem o seu sentido.
34

A renovação urbana se inscreve, assim, em um conjunto de estratégias políticas,


imobiliárias e financeiras com orientação significativa no processo de reprodução espacial, o
qual converge para o aprofundamento da segregação e hierarquização espacial a partir da
destruição da morfologia de áreas da metrópole, que ameaça e transforma a vida urbana na
medida em que reorienta usos e funções dos lugares da cidade, expulsa a população para a
periferia ou, para quem pode pagar, para bairros próximos ao centro.
35

3 O CAPITAL IMOBILIÁRIO E A CIDADE

O propósito deste capítulo é compreender a produção da cidade e as estratégias dos


seus agentes sociais para produzir e valorizar uma determinada fração do espaço. Tenta-se,
assim, analisar a produção do espaço promovida pelos agentes sociais e a implicação dessa
produção na super valorização imobiliária de suas margens e áreas adjacentes.
Parte-se do pressuposto de que a cidade é um produto social, fruto de um processo de
produção capitalista, mas também é imbuída de um sentido de uso imanente à necessidade de
produzir e reproduzir a vida, numa dualidade revelada em conflitos, estratégias e interesses.
Desta forma a construção de um novo estádio de futebol em Cuiabá está articulando
para a formação de um novo centro dinâmico da cidade, com a estrutura criada pelo poder
público a fim de atender os visitantes do estádio de futebol.
Hoje a área tem uma das várias reservas de terrenos ociosos para ocupação, levando-se
em consideração a crescente criação de uma artificial “escassez” de terrenos na cidade. Logo
a área no entorno do estádio se insere na lógica capitalista da especulação imobiliária e, por
conseguinte, na super valorização e elevação dos preços de imóveis e terrenos adjacentes
decorrentes dessa possível escassez. Insere-se também no patamar do conflito, onde os
desejos e necessidades humanas se chocam e permeiam também as estratégias para a
produção do espaço.
O desenvolvimento do tema apoia-se na grande relevância da mercantilização, que
dificulta a apropriação do espaço, ocorrendo uma expropriação da população local e
apropriação do solo urbano pelos agentes de mercado, o que proporciona uma excessiva
valorização do espaço urbano de Cuiabá.
Neste contexto o acesso ao espaço urbano foi gradativamente sendo valorizado. O
capital imobiliário urbano é uma categoria de análise de suma importância para o estudo da
produção do espaço urbano. Souza (1988, p. 66) já propunha que o estudo do urbano
considere, entre as categorias analíticas, “o capital e sua estratégia de reprodução, coisificada
no espaço”. A mesma autora ainda especifica que o capital se apresenta de várias maneiras no
processo de construção e apropriação do espaço urbano (fundiário, produtivo, financeiro e
imobiliário). Do ponto de vista aqui desenvolvido, trata a transformação do espaço numa
mercadoria auferindo-lhe valor (CARLOS, 2011, p. 91).
Quando se fala de produção do espaço, aborda-se a produção econômica e o que está
além: uma produção que realiza a essência da própria existência da vida. Uma produção que
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realiza a existência humana, permeada de ações que revelam a necessidade de se apropriar do


espaço.
Considerando a cidade a partir da rede de lugares, que revela a produção do espaço
pelo homem, ampliamos os horizontes e as discussões, e, passamos a entender o ato de
produzir a partir de cada agente. Não se entende aqui somente a cidade revelada pelo trabalho
social, mas também a cidade que surge de outras dimensões da produção do espaço e
cotidiano. Os lugares incorporam assim símbolos que podem ou não agregar ao seu valor de
troca e é por esse caminho que a presente investigação segue ao tentar entender as estratégias
que irão permear a construção do ambiente urbano.
Na produção capitalista do espaço, o solo é elevado à condição máxima de
mercadoria, em que se verifica a sobreposição da mais-valia e maximização dos lucros.
Um processo de valorização, inserido numa lógica que cria conflitos e barreiras para a
reprodução da própria vida. Como afirma Carlos (2011, p. 92):
Assim, do ponto de vista da análise, a produção/ reprodução do espaço faz
dele uma obra civilizatória, a qual sob o capitalismo, toma também a forma
de mercadoria. Obra e produto tornam-se, portanto, indissociáveis do
movimento de reprodução do espaço. Assumindo, sob o capitalismo, a forma
mercadoria, a cidade é nessa condição fonte de valor ( de uso e de troca.)

Na cidade encontramos os agentes sociais transformadores do espaço, que são


múltiplos e agem na execução de sua produção. Dentre estes os que mais se destacam são o
Estado, os diversos grupos sociais e os incorporadores imobiliários, estruturados em torno de
mercado nos moldes que se conhece atualmente.
O termo incorporadoras é bastante amplo, Souza (1991, p.7-8) nos diz que o termo
abrange não apenas o incorporador, mais também o comprador e o construtor. Esses três
agentes são assim definidos pela autora:
-“o comprador”, que é o agente indispensável para que haja, no mínimo, o
mercado;
- (...) “incorporador”, é quem incorpora quem em realidade promove o
empreendimento, quem cria o espaço vertical. O que significa incorporar?
Significa fabricar o solo – processo que vai desde a compra do terreno até a
venda para o consumidor final, da mercadoria produzida. O incorporador é o
que desmembra o terreno em “frações ideais”, portanto, é quem cria o solo;
-“o construtor”, é identificado através de concorrência. É escolhido aquele
que certamente atenderá a uma série de requisitos propostos pelo
incorporador. (“O construtor não corre riscos, o incorporador é quem os
corre”, dizem aqueles do meio”)

A autora faz referência aos principais agentes e os define muito bem. Conhecermos o
papel de cada um é importante a fim de conhecermos melhor os agentes do espaço urbano. Se
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consultarmos a lei federal n.º 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que trata das questões do
condomínio, encontramos a seguinte definição de incorporador:
Artigo 29 – Considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física,
comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromissa e
efetiva a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais
frações a unidades autônomas, a edificações a serem construídas ou em
construção sob o regime condominial, ou que meramente aceite a proposta
para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a
incorporação e responsabilizando-se conforme o caso, pela entrega em curto
prazo, preço e determinadas condições das obras concluídas.

Consideram-se assim os incorporadores imobiliários, atuando em seu mercado, como


um dos principais representantes dos agentes sociais e que têm papel fundamental na
transformação do espaço urbano na sociedade capitalista. Esse mercado envolve proprietários
fundiários e incorporadores que agem também aliados ao Poder Público e causam impacto
sobre a produção do espaço e o cotidiano da cidade.
Santos (1994, p. 95) reflete que a urbanização atual é corporativa, ou seja, responde
aos interesses das grandes firmas. A malha urbana tem um conteúdo social ocupando-a e a
organização hierárquica do seu tecido baseia-se no poder aquisitivo de seus moradores. Tudo
isso fomenta a segregação residencial que nada mais é que um espelho da divisão social do
espaço (segregação social). Ribeiro (2003, p.11) nos diz:
A divisão social da cidade pode, contudo, expressar não apenas a
espacialização da diferenciação social, mas também da segmentação da
sociedade. Esta ocorre quando existem barreiras que impedem a mobilidade
social dos indivíduos entre as categorias. Neste caso, a segmentação social
implicará na existência da segmentação espacial na medida em que estas
barreiras bloqueiem a mobilidade territorial. Estamos próximos da divisão
social da cidade transformada em segregação residencial. Devemos, porém,
reservar a utilização deste termo para designar a situação na qual a
segmentação da sociedade estiver fundada na crença compartilhada
coletivamente sobre a necessidade da manutenção – ou mesmo aumento –
das barreiras que bloqueiam a livre circulação dos indivíduos entre as
categorias e, consequentemente, entre as localizações espaciais.

A moradia, diante do atual estágio do sistema capitalista, é um produto – produto no


sentido stricto sensu - e imprime uma marca importante na estrutura da cidade, pois, como
vimos na citação acima, a cidade é fragmentada social e espacialmente.
Sendo a moradia um produto, a lógica imobiliária possui uma interdependência da
demanda real da sociedade, ou melhor, tem autonomia em relação a ela.
38

Uma das formas de influência do mercado sobre a demanda se dá através do discurso


competente, com a veiculação por técnicas publicitárias, que contém aspectos subjetivos e
questões simbólicas sobre habitação e localização.
Outra figura importante no processo de valorização do espaço é o promotor
imobiliário que, segundo Corrêa (1999), aponta que por promotores imobiliários entende-se
um conjunto de agentes, que realizam, parcial ou totalmente, as seguintes operações: 1.
incorporação; 2. financiamento; 3. estudo técnico; 4. construção ou produção física do imóvel
e 5. comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro. Assim, os
promotores imobiliários são agentes que realizam individualmente ou por meio de alianças
com outras empresas no ramo da construção civil, a produção de habitações.

3.1 O VALOR E A VALORIZAÇÃO DO ESPAÇO

O processo de crescimento das cidades pode ocorrer em duas formas: pelo


adensamento das áreas já consolidadas ou pela incorporação de áreas destinadas ao uso rural,
por exemplo. Nesse ínterim, os incorporadores imobiliários se apropriam dos investimentos
públicos para revertê-lo na super valorização de suas terras, obtendo por um lado lucro e
ampliando o capital, mas também ampliando a segregação e a desigualdade.
Dessa forma podemos entender que existe uma tênue linha entre o poder
institucionalizado e a valorização do capital, conforme Santos (1996, p. 251) :
O endurecimento da cidade é paralelo à ampliação da intencionalidade na
produção dos lugares, atribuindo-lhes valores específicos e mais precisos,
diante dos usos preestabelecidos. Esses lugares, que transmitem valor às
atividades que aí se localizam, dão margem a uma nova modalidade de
criação de escassez, e uma nova segregação. Esse é o resultado final do
exercício combinado da ciência e da técnica e do capital e do poder, na
reprodução da cidade.

O lucro capitalista é formado pelo trabalho livre, condicionado a um mercado


particular, uma acumulação prévia de capital materializada nos meios de produção, à
privatização das terras, uma substanciosa população e padrões de generalização de produção e
circulação. É para entender a relação capital e cidade que trazemos à luz deste estudo a
discussão de categorias e conceitos que desta forma vêm a esclarecer melhor a produção e
valorização do espaço em si.
O método marxista coloca a categoria de análise-valor como central para elaboração
de um pensamento e corpo teórico próprio a essa corrente do pensamento científico-filosófico.
Embora não seja a intenção deste trabalho trilhar o método marxista de análise – ainda que
39

seja possível de ser encontrado em partes na pesquisa, como nas inúmeras referências a
autores marxistas – escolhemos estas reflexões para compor um painel mais próximo do
nosso pensamento sobre a cidade e os processos urbanos.
Para captar a essência da categoria e valorização do espaço, mostra-se necessário
explicar a origem do valor, porém a partir de como a riqueza é produzida e transformada.
Esclarecendo esta categoria de análise termina-se sempre tangenciando aos conceitos de
renda, juros e lucro.
Quando pensamos em valor pensamos em preço, que poderíamos dizer ser a sua
projeção numérica. Mas o preço como conhecemos é um “preço arbitrário”, como diria os
economistas clássicos. O valor real é o “preço natural”, que poderíamos dizer que é
determinado pela quantidade de trabalho necessário à produção de um determinado bem mais
a variação desse valor. O avanço acerca da noção de valor dada pela economia mostra um
aprimoramento nesse pensamento. Para Adam Smith o valor que nos interessa é o valor de
troca de uma mercadoria, que é dada pelo trabalho que ela contém.
Seguindo a evolução do pensamento sobre valor chegamos a Marx que vem a ser o
primeiro a destacar o valor do lugar. E segundo seu pensamento, é dado por características
como fertilidade do solo, entre outros.
Em Marx o valor é antes de tudo uma categoria social. Não há valor sem trabalho.
Essa noção tem duplo significado: é valor de uso, mas também valor de troca.
A primeira forma expressa seu fundamento material, a utilidade do objeto para
satisfação das necessidades humanas, o trabalho do homem materializado. A medida real
desse valor será dada pela quantidade de trabalho socialmente necessário para sua obtenção.
O valor de troca, assim, reorientaria as práticas sociais para o fragmento do espaço
(pelas estratégias) e da sociedade (pelo poder do consumo), possibilitando o surgimento de
uma nova urbanidade, caracterizada pela predominância dos objetos, em detrimento às
relações sociais e pela emergência de um individualismo de massa, em que a mercadoria é
contemplada por seus signos, redefinindo as relações sociais. Por esse ângulo o valor de troca
predomina em nossas relações.
Tal fato pode ser observado nos bairros da região oeste da cidade de Cuiabá, onde
moradores antigos e tradicionais dessa região da cidade têm sido “atacados” pelos agentes de
mercado, que propõem a compra desses imóveis que, pelo advento da Copa do Mundo de
2014, tornaram-se espaços preciosos no contexto do espaço urbano local. Alguns desses
imóveis são adquiridos como permuta, onde o dono do imóvel passa a titulação do imóvel
para a empresa a fim de que haja uma construção de condomínio vertical ou horizontal e
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recebe em troca um imóvel novo no mesmo lugar, quando o empreendimento estiver pronto.
Desse modo muitas famílias tem trocado seus extensos terrenos, com mais de mil metros
quadrados onde, as famílias educaram seus filhos, tendo as mesmas grandes quintais repletos
de árvores frutíferas, por uma casa ou apartamento onde observamos grande restrição na
circulação de pessoas.
A produção do espaço tem como essência o processo de agregação de valor. Desta
forma se manifesta em todas as formas de renda fundiária, seja nas transações de compra e
venda, no aluguel ou sob a forma de arrendamentos. Em ambos os casos, cobra-se pelo
simples direito de ocupação de uma fração do espaço, seja para sua produção, ou apenas para
existência. O espaço não é só recurso, é fator para circulação.
Nesse percurso, descobrimos que a sociedade relaciona-se com o seu material e todas
as coisas que ele contém, através de um permanente processo de valorização. O homem, com
seu trabalho cria e transfere valores. Partes desses valores se agregam ao espaço e vão
condicionar, assim como os recursos da primeira natureza, processos futuros. (MORAES;
COSTA, 1999, p. 119)
Poderíamos dizer ainda, segundo Moraes e Costa (1999), que para ampliar nosso
conceito de valorização do espaço temos que entender dois dos seus principais processos
complementares, mas distintos quanto à finalidade: o valor do espaço e o valor no espaço. O
primeiro é o valor concreto e mercantil do espaço; o segundo é virtual, ou seja, reserva-se à
virtualidade da circulação e a uma imanência do espaço real.
Carlos (2004) considera que na dialética do valor de uso e troca cabe ainda ressaltar
uma orientação sobre seus possíveis usos: o uso produtivo (econômico stricto sensu) que
realiza na cidade uma segregação orientada pelo sentimento de “raridade” e “escassez”, que
agrega ao valor de troca – muito peculiar à valorização imobiliária que se vê nas cidades.
Outro uso seria o uso improdutivo (ou não econômico), centrado na vida e no cotidiano em
que realiza a segregação espontânea. O uso improdutivo é revelado pelo corpo e pela
atividade humana, que, em movimento pelos sentimentos, revelam a essência do espaço. É o
plano da produção da vida. É o plano do habitar, imbuído do plano do vivido e cotidiano que
está na base do sentido do ser humano. Embora não se encontrem dissociados, é importante
frisar que ocorrem imbuídos de sentimentos antagônicos.
Quando o indivíduo compra uma casa, pensa em si, no conforto, na segurança e nas
possibilidades de ali realizar sua vida de forma satisfatória. Junto a tudo isso estaria a sua
disposição em possuir também um bem valorizado, que lhe fornecesse status e segurança
financeira perante a sociedade e que se agregasse desta forma ao seu patrimônio. O primeiro
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sentimento está relacionado ao uso improdutivo, o segundo pelo uso produtivo. Assim como
foi descrito nos eventos acima, o uso é um sentimento ambíguo e permeia nosso cotidiano.
Interpretando a relação sociedade-espaço como um processo de valorização, se
percebe assim que este é de permanente criação de valores. O espaço, embora seja objeto de
valorização, não tem a mesma essência dos objetos de produção material imediata. Isso
porque ele não é apenas um produto, mas condição fundamental para produção e existência
humana.
A espacialidade é uma condição que se manifesta no valor final. A quantidade de valor
produzido no espaço retroage no valor agregado ao espaço. A apropriação no tecido urbano de
localizações diferenciadas gera lugares mais ou menos valorizados de acordo com sua
disposição aos elementos estruturantes do espaço. Este é um momento prévio e necessário à
valorização. Com o “caminhar” da sociedade podemos constatar que pode haver inúmeros
processos de apropriação ou dominação de dada fração do espaço, que decorre desses
diferentes fenômenos, num movimento constante de dominação, desapropriação, redominação
e/ou reapropriação (LEFEBVRE, 2001).
O capitalismo engendra no seu processo de valorização a sua continuidade ou
depreciação futura. Quando nos apropriamos do lugar, nos apropriamos dessas variáveis
também. A valorização pode ser transitória, quando ocorre em uma área de exploração
esporádica, ou perene, se o trabalho acumulado amplia seus potenciais técnicos.
Mas e quando adicionamos investimentos e construímos “solo urbano” a partir das
edificações? Esses novos valores, criados, e superpostos a terra, tornam-se capital porque são
investimentos, e, assim, transformam matéria-prima (um bem natural) em mercadoria, ou seja,
ativo num mercado de troca. Somam-se a isso algumas reflexões a cerca da paisagem que
ganha contornos de mercadoria também.
O processo de urbanização tanto em áreas periféricas, quanto em áreas consolidadas –
introduzindo novos usos a áreas degradadas – implicam na mudança de funções urbanas. O
detentor do poder, ou melhor, de sua “apropriação monopolista”, insere-se no processo de
apropriação da mais-valia.
A renda absoluta de uma área pode aumentar em decorrência da escassez, ou da sua
simulação, como ocorre com o objeto deste estudo. Essa escassez pode ser forjada pelo
discurso que tem como prerrogativa a terra como bem não produzido. Mas se atentarmos para
a produção imobiliária recente, podemos nos arriscar a dizer que é possível produzir
paisagens semelhantes a exemplo dos condomínios fechados e assim haveria, além dos
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atributos relacionados aqui, outros como a marca comercial que indica um padrão de
qualidade do produto agregando ao seu valor final.
Dentre as estratégias do mercado imobiliário, destaca-se o discurso de “um novo
modo de viver”, utilizando-se do verde, da paz e da segurança, frente ao aumento do caos
urbano. Por isso mesmo as edificações não possuem preço uniforme no mercado, mesmo
quando se destinam a funções semelhantes. O preço de venda estará atrelado a sua
localização, que indica sua posição em relação aos elementos estruturantes do espaço urbano.
O local vale por seus atributos e características, entre eles podemos citar como exemplos: a
acessibilidade, características paisagísticas (novamente aqui imbuídas do discurso
competente), montantes de investimentos públicos, as funções e os usos que agregam valor ao
espaço.
A área de nosso estudo é o espaço que mais receberá investimento público dentro da
cidade de Cuiabá com o advento do Mundial de Seleções em 2014, pois além dos
investimentos na construção do estádio de futebol, estão previstas obras de mobilidade urbana
como o melhoramento do calçamento de pedestres, asfalto de boa qualidade nas ruas e
acessos ao estádio, melhoria na sinalização turística e de veículos, facilidade no escoamento
de veículos, além da principal obra de mobilidade que é a construção do Veículo Leve sobre
Trilho (VLT), obras urbanísticas de convivência social além de criação de uma infraestrutura
de prestação de serviços. Essas obras somadas darão à região um investimento público
superior a 1,5 bilhão de Reais. Sendo que a previsão inicial para todas as demais obras em
Cuiabá e Várzea Grande girava em torno de 3 bilhões de Reais. Baseado nesses dados,
podemos deduzir que nossa área de estudo perfaz 50% do valor do investimento inicial
previsto para toda a cidade de Cuiabá e Várzea Grande.
Essa previsão de investimentos tem atraído os agentes imobiliários que adquirem a
qualquer custo os terrenos e casas das ruas e avenidas que darão acesso ao estádio de futebol.
Isso tem gerado uma supervalorização do espaço elevando os valores dos terrenos a preços
astronômicos e irreais. O metro quadrado de terra sem nenhuma edificação tem sido
negociado a R$500,00 (quinhentos Reais), muito acima do metro quadrado de bairros nobres
ou ambientes comerciais de outras áreas da cidade.
Desta forma, a especulação imobiliária surge com o aumento na apropriação de
parcelas da mais-valia produzidas pelos diferentes agentes. Nesse período de reprodução
ampliada do capital, a terra, que sob a ótica marxista não é capital, passa a ter acentuada
especulação no espaço urbano e é manipulada como tal quando a vemos destinada a se tornar
43

reserva de valor, portanto se transforma em uma das mercadorias mais caras do mercado de
compra e venda.
Como o espaço é produzido e o espaço urbano é produto desse processo, vivemos na
cidade o paradoxo do consumo e da circulação do imóvel (terra e benfeitoria).
Poderíamos então considerar que a valorização do solo se dá de acordo com os
seguintes fatores: acesso, coeficiente de aproveitamento e proximidade a equipamentos e
serviços urbanos; investimentos, principalmente do poder público; a virtualidade do poder de
troca que sua posse traria: mais status, condição paisagística, entre outros.

3.2 SOBRE A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Este é um termo muito utilizado em praticamente todas as considerações sobre os


problemas das cidades atualmente. Na Maioria dos casos, elas associam o termo à construção
de prédios em altura e, mais especificamente, a uma intensa ocupação do solo urbano. Se
recorrermos a Campos filho (2001, pág. 48) encontramos a seguinte definição para
especulação imobiliária:
[...] Uma forma pela qual os proprietários de terra recebem uma renda
transferida dos outros setores produtivos da economia, especialmente através
de investimentos públicos na infraestrutura e serviços urbanos [...] .

A especulação imobiliária, portanto, caracteriza-se pela distribuição coletiva dos


custos de melhoria das localizações, ao mesmo tempo em que há uma apropriação privada dos
lucros provenientes dessas melhorias.
Cabe ressaltar que, na lógica capitalista, existe o fenômeno chamado de “lotes de
engorda”, ou seja, “vazios urbanos” que teriam uma valorização na medida em que recebem
infraestrutura pública ou privada, tornando-se inacessíveis para grande parcela da população.
Na cidade, o reflexo da especulação está na divisão social, no consumo de lugares
pela classe dominante, em que possam reproduzir modos de vida tidos aqui como discurso
competente: com qualidade de vida, área verde, infraestrutura, boa localização, tranquilidade,
prestígio social, tudo isso tema de propagandas. Essa seletividade do espaço o valoriza
diferenciadamente.
Para que a especulação ocorra são necessárias três premissas básicas: sendo a primeira
a propriedade da terra (condição dada pelo modelo capitalista), a segunda deve-se forjar uma
escassez que não é do bem econômico, mas sim dos “atrativos do espaço” e de suas
qualidades físicas, promovendo vultosos ganhos de capital; e como terceira premissa a
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consolidação de um mercado de terras pelo mercado imobiliário que permitirá uma maior
liquidez do bem.
Hoje a especulação pode ser tida como uma das maiores segregadoras de classes no
núcleo urbano. Ela impõe uma “fratura” no espaço por vezes intransponível. Só ganha fôlego
e vida graças ao Poder Público. Mm bom exemplo é que ela não ocorre somente em terrenos
que recebem investimentos públicos e permanecem ociosos. Ela ocorre também em áreas já
degradadas que passam por requalificação urbana, como os centros antigos. Esses espaços
servem como verdadeiras “grifes” do mercado imobiliário (SERPA, 2011, p. 26).
Sendo assim Santos aponta que a especulação é “O resultado das formas pelas quais se
realiza a acumulação do capital na produção imobiliária. Não é possível separar valorização
das terras da valorização capitalista do meio urbano.” (apud GONÇALVES 2002, p.55).
A terra, como produto do capital, possui um valor de uso (advindo da estrutura física,
que implica nas possibilidades dos usos possíveis de serem realizados) e um valor de troca (a
possibilidade de ganhos futuros dada pela posse e domínio pleno). Só se torna um produto em
função da propriedade privada (como produto torna-se propriedade) e a mercantilização das
relações sociais negociadas pela lógica da circulação (fluxos), através de instrumentos
jurídicos. Como produto, seu valor é dado pelo trabalho – que pode ser investimentos estatais
e/ou investimentos particulares – e através do tempo incita a permanente criação de valor.
A especulação ganha nova cara também graças às informações privilegiadas e trocas
de favores nos órgão públicos, parte da burocratização. Assim ocorreu na área em questão, a
região do entorno da futura Arena Pantanal, quando da confirmação por parte da FIFA
(Federation Internacional Football Association), de Cuiabá como uma das subsedes da Copa
do Mundo 2014. Aliada a isso surgem projetos por parte do poder público de empreendidos
que estão criando um novo dinamismo econômico na região da cidade, com isso forjam sua
especulação.
Como o investimento público é um elemento chave nesse processo, as informações
privilegiadas se antecipam e garantem a sobreposição de mais-valia à mercadoria.
Esses investimentos sociais tornam-se instrumentos de valorização de terras urbanas.
A localização da classe trabalhadora segue os interesses do capital imobiliário, culminando
em sua segregação: “a construção do espaço em nossos dias não resulta unicamente da
atividade direta e imediata, mas também das expectativas de valorização.” (SANTOS, 2004,
p. 169).
45

No mercado de terras, o título de propriedade é submetido à troca e ao comércio pelo


conjunto de agentes sociais. Ele é cambiável por moeda e deve auferir lucros sobre seu valor.
Cada porção de solo expressa monetariamente o processo de valorização que o espaço sofre.
A demanda por terra tem uma característica que vale ser ressaltada: tem forte liquidez,
já que é utilizada como reserva de capital, fugindo um pouco às regras gerais dos demais.
Embora isso ocorra na prática, a especulação deve ser combatida como está explícito no plano
diretor da cidade de Cuiabá no seu artigo 90:
Art.90 Constituem diretrizes gerais do desenvolvimento Estratégico do
Município, cabendo à Prefeitura Municipal de Cuiabá: (...) XV- “promover o
ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano, de forma a combater e evitar:
(...) d) o uso especulativo da terra como reserva de valor, de modo a
assegurar o cumprimento da função social da propriedade...

Percebe-se que o próprio plano diretor foi escrito para combater o uso especulativo, o
que colabora com os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. Apesar da lei, o que
percebemos na realidade é o fim especulativo dos imóveis urbanos da cidade.
As demandas são por terrenos com algumas características básicas de
construtibilidade. Uma delas é a localização que deve receber infraestrutura pública de
urbanização. Seu preço pode se alterar pelas mudanças na política econômica e fundiária.
Pode também ser alterado quando a forma de uso é alterada ou pelas possibilidades
(virtualidade) de investimentos em planejamentos urbanos.

3.3 OS INCORPORADORES IMOBILIÁRIOS

Os incorporadores imobiliários posicionam-se em um papel central na transformação


do espaço urbano na sociedade capitalista, como um dos seus principais agentes.
Atuam em um mercado que, ao produzir e consumir espaço, reorganiza-o num
processo que incorpora novas áreas e densifica a ocupação em áreas já existentes.
Esse mercado envolve, como já foi dito, proprietários fundiários e incorporadores,
que, aliados ao Estado, atuam no que chamamos de espaço urbano: lugar e cotidiano da
população.
A diferenciação da paisagem urbana capitalista é marcada por essa ocupação,
construída no cotidiano da sociedade, traduzindo assim as formas e o conteúdo social de cada
fração da cidade. Santos (1994, p. 95) em sua obra “A Urbanização Brasileira” chama o
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mercado dominado por tais agentes de “urbanização corporativa”, que a seu ver é
empreendido no comando dos interesses das grandes firmas. A expansão da cidade, como
mostra este trabalho, é caracterizada pela ocupação ao longo dos anos de superfícies repletas
de “vazios”, onde as especulações fundiária e imobiliária destacam-se.
Além disso, a especulação se fortalece com o crescimento intensivo das cidades,
consequente déficit de residências e a expulsão da população mais pobre para as periferias. O
Estado, para completar o quadro, tende a ser um investidor das áreas de urbanização
corporativa.
Tudo isso tende a diferenciar ainda mais a cidade em áreas divididas socialmente, o
que acaba marcando profundamente a estrutura do espaço intra-urbano.
Porém o que ocorre é que as estratégias do capital hoje são apoiadas em publicidade e
em uma ampla divulgação midiática, fomentada pelo discurso competente que cria
“necessidades” que envolvem questões simbólicas e subjetivas relacionadas ao lugar e ao
indivíduo.
O marketing imobiliário termina por incentivar a população a deslocar-se para áreas
não ocupadas do tecido urbano, obrigando o poder público a investir em infraestrutura básica.
Cria e recria espaços, alterando a paisagem e incorporando-a à lógica do modo capitalista.
A proposta aceita pela FIFA de trazer a copa para áreas pantaneiras fez com que as
incorporadoras adquirissem grandes espaços ociosos, ou ocupados pela população local no
entorno do estádio, a fim de construir seus empreendimentos voltados para a super
valorização do espaço proporcionado pela possibilidade do evento Copa do Mundo de 2014.
Podemos concluir que o capital imobiliário é uma categoria de análise de suma
importância para o estudo da produção do espaço urbano. O capital se apresenta de várias
maneiras no processo de construção e apropriação deste espaço, do qual podem ser citadas a
função fundiária, produtiva, financeira e imobiliária.
Nosso estudo evidencia o processo de urbanização que, no caso da cidade de Cuiabá,
foi motivado pela migração intensa a partir dos anos de 1970. Esse processo de urbanização
sempre se mostrou excludente, com as forças produtivas e as relações de produção
estabelecidas conduzindo o processo. As relações de produção referem-se às relações
construídas socialmente entre os próprios homens, a exemplo da forma de propriedade e das
relações de trabalho e as forças produtivas equivalem às relações entre o homem e a natureza,
dadas pela força de trabalho e pelos meios de produção, os objetos (a terra) e instrumentos de
trabalho.
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A lógica do modo capitalista de produção evidencia-se com a apropriação privada do


espaço total socialmente construído, que repercute numa intensa segregação socioespacial. A
divisão social da cidade está refletida nos espaços desiguais e fracionadas da cidade
contemporânea.
No espaço urbano esse processo é maximizado, sendo revelado na paisagem urbana.
As formas espaciais revelam o conteúdo dessa conjuntura socioeconômica e o Estado
legitima-a com os seus instrumentos institucionalizados (leis, regulamentos, normas e
sanções). No caso específico da cidade de Cuiabá o exemplo é a construção do estádio de
futebol “Arena Pantanal”, em que o solo urbano evidencia-se como uma mercadoria integrada
à lógica da reprodução do capital.
Enquanto mercadoria, o solo urbano se expressará tanto como valor de uso, quanto
valor de troca. Cuiabá configura-se como área de convergência da ação intensiva do capital e
da mobilidade espacial da população.
O estudo realizado demonstra que a produção do espaço urbano em Cuiabá
corresponde ao processo de mercantilização do solo, da moradia, dos meios de transporte
coletivo e demais serviços urbanos. Esse processo constitui um negócio lucrativo para os
empreendedores imobiliários.
A valorização do espaço em toda a cidade de Cuiabá é inegável, no entorno do estádio
que abrigará os jogos da Copa do Mundo de 2014 é surpreendente e está acima da média da
valorização nas demais partes da cidade. Essa vitalidade econômica surpreende até aos
agentes empreendedores e incorporadores que sempre atuaram no município, isso leva
naturalmente a uma mudança no perfil socioeconômico do entorno que certamente será
sentida a partir de nova coleta de dados pelo IBGE. Essa mudança ocorre porque as pessoas
são atraídas pelas propostas de melhoria de infraestrutura possibilitadas pela nova “Arena
Pantanal”.
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4 AS TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO URBANO DA CIDADE DE CUIABÁ E A


LEGISLAÇÃO DAS CIDADES

Para entender o fenômeno da expansão da cidade é preciso entender a gênese de sua


formação e transformação no espaço. Nesta perspectiva, é possível mostrar uma leitura da
cidade a partir de sua própria produção, revelada pela formação do lugar, feita de movimento
e trabalho acumulado. A seguir faremos um contextualização das mudanças no espaço urbano
cidade de Cuiabá.
Centro Geodésico da América do Sul, Cuiabá tem como coordenadas geográficas: 15
35’56” de Latitude Sul e 5606’01” de Longitude Oeste, apresentando, na área urbana,
altitudes que variam de 146 a 259 metros (CUIABÁ, 2010). A origem de sua ocupação está
na exploração bandeirante do século XVIII, sendo sua fundação datada do ano de 1719.
Segundo Azevedo (1957), a fundação de Cuiabá no século XVIII, assim como muitos
exemplos de cidades que surgiram nessa época, ocorreu devido às expedições bandeirantes
em busca de índios. Porém, em 1722 descobriram ouro, apesar de não haver convergência
sobre o assunto, historiadores acreditam que isto ocorreu nas Lavras do Sutil, correspondendo
aos dias de hoje à espinha dorsal da cidade, a Avenida da Prainha próxima a igreja do
Rosário.
A criação da Capitania de Mato Grosso ocorreu em 1748. Já em 1752, Dom António
Rolim de Moura, primeiro capitão-general de Mato Grosso, funda Vila Bela da Santíssima
Trindade, transformando-a na primeira capital da província, ocorrendo então o primeiro
desmembramento no território de Cuiabá na capitania de Mato Grosso. A designação de Vila
Bela da Santíssima Trindade como a primeira capital da capitania aconteceu por razões
estratégicas da coroa portuguesa a fim de conter o avanço de espanhóis vindos da Bolívia.
Cabe lembrar que até aquela data ainda vigorava o tratado de Tordesilhas, mesmo com o
tratado de Madri assinado em 1750, que garantiu oficialmente essa porção de terra para
Portugal.
Com as descobertas de novas áreas auríferas, são fundados os municípios de
Diamantino (1820) e Poconé (1931).
49

Figura 01: Localização do Brasil, Mato Grosso, município de Cuiabá e o perímetro urbano da
cidade

Figura 01 - elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira (2011)
Organização: Siqueira(2012)
50

É importante ressaltar que só em 1835 Cuiabá tornou-se capital da província, sendo


que, à época, possuía apenas sete mil habitantes. O declínio da exploração de ouro de aluvião
provocou um “esvaziamento” da capital, que só chegou aos cinquenta mil habitantes em
meados do século XX. Apesar do declínio aurífero, vários municípios foram surgindo no
período: Cáceres (1850), Rosário Oeste (1861), Nossa Senhora do Livramento (1883), Santo
Antônio do Leverger (1899), Barra do Garças (1913), Poxoréu (1938) e Várzea Grande
(1948). Já na segunda metade do século XX, os municípios de Acorizal (1953), Chapada dos
Guimarães (1953) e Nortelândia (1953), recentemente, na década de 1980, Cuiabá passou por
novos desmembramentos em seu território, com a criação dos municípios de Novo São
Joaquim e Primavera do Leste (1986) e Campo Verde (1988), conforme mostra a tabela 01
com dados do IPDU 2007.

Quadro 01- Desmembramentos do Município de Cuiabá

Atos de criação Data Municípios


1726 Cuiabá*
Provisão Régia 05/08/1746 Vila Bela da Santíssima Trindade
Alvará 25/11/1820 Diamantino
Decreto Geral 25/10/1831 Poconé
Lei Prov. n°8 28/06/1850 Cáceres
Lei Prov. n°8 25/06/1861 Rosário Oeste
Lei Prov. n°593 21/05/1883 Nossa Senhora do Livramento
Lei n°211 10/03/1899 Santo Antônio do Leverger
Lei n°636 08/07/1913 Barra do Garças
Decreto Lei
n°145 29/03/1938 Poxoréu
Lei n°126 23/09/1948 Várzea Grande
Lei n°691 12/12/1953 Acorizal
Lei n°701 15/12/1953 Chapada dos Guimarães
Lei n°1.188 20/12/1958 Jaciara
Lei n°5.007 13/05/1986 Novo São Joaquim
Lei n°5.014 13/05/1986 Primavera do Leste
Lei n°5.314 04/07/1988 Campo Verde
Dados: Seplan, Anuário estatístico de 1990
*fundação do Arraial é elevado a categoria de Vila.
Em 01/01/1727 o Arraial é elevado a categoria de Vila.
51

09/05/1748 com a criação da Capitania de Mato Grosso, Cuiabá desmembra-se da Capitania


de São Paulo.
Fonte: Siqueira – 2011
Organização: Siqueira - 2012

A construção de Brasília a partir da década de 1950 impulsionou a migração para o


Centro-Oeste, no entanto os reflexos na cidade de Cuiabá começaram somente a partir da
década de 1970 no governo militar que tinha como lema “integrar para não entregar”, ou seja,
integrar a Amazônia ao Centro-Sul do País. Cuiabá, como porta de entrada para a Amazônia,
viu sua população crescer vertiginosamente a partir de então, pois muitos dos migrantes que
buscavam a Amazônia viam em Cuiabá a possibilidade de ascensão social. A população
urbana que era de 88.254 habitantes em 1970, atingiu 198.086 em 1980, 395.662 em 1991 e
551.350 habitantes em 2010, como podemos visualizar na tabela 02 baseado no IBGE, 2011.

Tabela 01: Evolução da população total de Cuiabá, de Mato Grosso e do Brasil


crescimento
Unidade 1970 1980 1991 2000 2010 %(1970/2010)
Cuiabá 100.880 212.984 402.813 483.346 551.350 546%
Mato Grosso 598.879 1.138.806 2.027.391 2.504.353 3.001.692 501%
Brasil 93.139.037 119.002.706 146.823.475 169.799.200 191.430.630 205%
dados: IBGE 2011
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Para evidenciar esse aspecto, buscou-se apoio em Neto 2002, p.286 que afirma:
[...] após a construção de Brasília, que provocou um forte impulso
desenvolvimentista a toda a região Centro-Oeste, Cuiabá, como a Capital do
Estado e com localização estratégica, despontou como centro de capacitação
de recursos para a ampliação da área agrícola, e expansão da pecuária. A
partir da segunda metade da década de 60, o Estado de Mato Grosso é
incorporado ao processo de expansão do capital nacional na Amazônia e, ai,
a cidade de Cuiabá integra-se efetivamente ao processo produtivo nacional,
sendo denominada de “Portal da Amazônia” e transformada, de acordo com
os defensores do capital, em polo de desenvolvimento [...].

Esse processo migratório tem provocado um crescimento intensivo de Cuiabá que


passa por um processo de conurbação com Várzea Grande, tendo como função urbana a
prestação de serviços para atender esse crescente processo migratório. Desse processo
resultou a formação do Aglomerado Urbano Cuiabá/Várzea Grande, criado através da Lei
52

Complementar 083 de 18 de maio de 2001, que praticamente não saiu do papel, ou seja, não
foi posto em prática pelos dirigentes das duas cidades.
Já no ano de 2009, através da Lei estadual 359/2009, foi criada a primeira região
metropolitana do Estado de Mato Grosso, sendo composta pelos municípios de Cuiabá,
Várzea Grande, Santo Antônio do Leverger e Nossa Senhora de Livramento. Do ponto de
vista formal, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 25, dá competência aos estados da
Federação a prerrogativa mediante a lei complementar a criação dessas regiões
metropolitanas. Assim afirma o texto constitucional:
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por
agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Cabe ressaltar que apesar da lei estadual instituir a região metropolitana desde 2009,
Mato Grosso não possui nenhuma cidade considerada como metrópole de acordo com o
IBGE, pois a cidade de Cuiabá sozinha segundo o instituto não pode ser considerada como
tal, no entanto o processo de metropolização dá-se devido a junção com os outros municípios
que se limitam a Cuiabá.

Tabela 02: População total da área metropolitana


Município População
Cuiabá 551.350
Nossa Senhora do
Livramento 11.592
Santo Antônio do Leverger 18.409
Várzea Grande 252.709
Dados: IBGE 2010
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

4.1. O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DE CUIABÁ

A partir dos procedimentos teóricos realizados até aqui, aponta-se que a morfologia, a
estrutura, a função, entre outras características da cidade, são oriundas de estratégias e ações
dos diversos agentes que produzem o espaço. Sabe-se também que o Estado é um agente que
tem estratégias particulares como também alianças com outros agentes. Também é conhecido
que há uma gama de instrumentos que são utilizados pelo próprio Estado para a realização de
suas ações nas transformações do espaço urbano. Dessa forma, no decorrer deste trabalho,
53

vários termos e conceitos do urbanismo serão discutidos, tais como planejamento urbano,
plano diretor e, dentro ou fora deste, o zoneamento, o uso do solo, o coeficiente de construção
ou coeficiente de aproveitamento, o código de obras e posturas, outorga onerosa do direito de
construir no solo criado, entre outros. Sendo assim, trataremos da fundamentação dada pela
legislação no âmbito federal, estadual e municipal, no que tange a ocupação do solo urbano.
Durante o século XX no Brasil, houve uma tentativa de consolidar uma República
Federativa de fato, com a representatividade de estados e municípios. A constituição de 1934
assegurou independência financeira aos municípios, permitindo a cobrança e arrecadação de
impostos, liberando-o, assim, parcialmente, da tutela do Estado.
Em 1937, com o Estado Novo, a legislação restringiu novamente a autonomia
municipal. A legislação sobre o bem imóvel – terras e edificações – permanecia na tutela da
União. Já a Constituição de 1946 assegurou ao município autonomia em 3 (três) níveis:
político, com eleição direta para prefeito e vereador, administrativo, para organizar o serviço
público local e financeiro, para efeito de arrecadação tributária. Com o golpe militar de 1964,
através de atos institucionais e emendas constitucionais consolidadas em 1967, ou seja, com a
outorga da constituição de 24 de janeiro de 1967, essa autonomia conseguida na Carta de
1946 foi restrita. O AI (Ato Institucional) n° 5 de 1968 e outros que se seguiram, introduziram
alterações que acabaram por destinar funções meramente administrativas aos municípios e as
aplicações de recursos da União estavam contingenciados aos programas federais, numa
tentativa de perpetuação dessa forma de poder vigente.
Esse processo leva em consideração um momento político e econômico delicados, em
que a crescente produção de bens duráveis implicou em uma necessidade de concentração de
renda em nível nacional que condizia com a integração física do País, fazendo com que o
município perdesse sua autonomia. Essa crescente redução de autonomia estadual e municipal
foi uma pré-condição para orientar os investimentos na esfera federal. Essa perda de
autonomia jurídica e econômica expressou-se politicamente, limitando as classes populares –
base da industrialização que garantiu o chamado “Milagre Brasileiro” – de expressarem-se
politicamente. Os projetos regionais de desenvolvimento passaram a ser ditados pelo Governo
Federal, num claro movimento de centralização política. Desta forma, Cuiabá recebeu
projetos como o Poloamazônia e Polonoroeste, com a ideia central de ocupar a Amazônia
através das rodovias federais as BRs 163 e 364.
A Constituição Federal de 1988 no seu artigo 182, quando trata do ordenamento feito
pelo poder público municipal com respeito à política urbana nos diz:
54

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para


cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social, quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

No tratamento do artigo 182 da Constituição Federal, podemos mensurar nossa


discórdia, pois só se torna obrigatório o plano diretor a partir de 20 mil habitantes. No nosso
pensar, o plano diretor é importante para todas as cidades, independente da quantidade de
habitantes. Sendo assim, a obrigatoriedade deveria ser estendida a todas as cidades.
Em 2001 com a aprovação da lei 10.257/01, que corresponde ao Estatuto das Cidades,
foi regulada a função social da propriedade e da cidade. O artigo 02 deixa claro “a política
urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana...”

Já a constituição do Estado de Mato Grosso fala sobre a mesma temática no seu artigo
181. “A Lei Orgânica Municipal, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias
e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, observará
todos os preceitos do Art. 29 da Constituição Federal.”
A partir dos artigos consultados recorremos a Lei orgânica do Município de Cuiabá
onde encontramos o Art. 191: “Os objetivos da Política de Desenvolvimento Urbano
serão os de garantir plenamente as funções sociais da cidade e o bem- estar dos habitantes.”
Os artigos das leis acima citadas nos deixam a clara intenção que o solo urbano tem a
função social para garantir a moradia digna aos seus cidadãos e o bem-estar a todos os
munícipes. A legislação urbana de Cuiabá de 2004 deixa ainda mais transparente essa
intenção ao dizer em seu preâmbulo:
A política de desenvolvimento urbano de Cuiabá deve ordenar as funções
sociais da cidade, isto é, assegurar as condições favoráveis ao
desenvolvimento da produção econômica e a plena realização dos direitos
dos cidadãos. A propriedade urbana, o uso e a ocupação do solo devem
sujeitar-se às exigências da sociedade, ao Plano Diretor e a instrumentação
legal decorrente.

Assim, ao discorrermos pela Constituição Federal, Estadual, Lei Orgânica do


Município, Lei Complementar e Plano diretor do Município, podemos afirmar que apesar do
esforço dos legisladores em proporcionar uma moradia digna a todos, não podemos afirmar
que tais leis são cumpridas na íntegra, pois o solo urbano é loteado, servindo a especulação
imobiliária, seja no âmbito local ou regional.
55

A partir dessa base legal, começamos a analisar tais leis em conjunto com a evolução
do perímetro urbano de Cuiabá. Podemos resumir na tabela 03 sobre a evolução do perímetro
urbano da cidade de Cuiabá.

Tabela 03: Evolução do perímetro urbano de Cuiabá


Área Acréscimo Variação População Variação Densidade
Ano Lei n° (Km²) (Km²) (%) Urbana (%) (hab/ha)
jul/38 Ato 176 2,59
jul/60 534 4,5 1,91 73,75 45.875 101,94
mar/74 1.346 48,45 43,95 976,67 122.284 166,56 25,24
abr/78 1.537 104,98 56,53 116,68 164.896 34,85 15,71
nov/82 2.023 153,06 48,08 45,8 222.303 34,81 14,52
dez/94 3.412 251,94 98,88 64,6 420.044 88,95 16,67
dez/03 4.485 256,31 4,37 1,73 517.193 23,13 20,18
jul/04 4.598 252,58 -3,73 -1,46 531.504 2,77 21,04
dez/04 4.719 254,57 1,99 0,79 531.504 0 20,88
Dados: Leis Municipais. Organização IPDU com base nos censos Demográficos/IBGE
Fonte: Siqueira (2011)
Organização: Siqueira 2012

4.2 O PERÍMETRO URBANO DE CUIABÁ:

Desde a sua fundação até 2011, o município de Cuiabá passou por nove
regulamentações do seu perímetro urbano. A primeira aconteceu no ano de 1938. O
fortalecimento das políticas de ocupação do governo Militar com a criação da SUDAM
(Superintendência de desenvolvimento da Amazônia) e, por consequência, a ocupação do
norte de Mato Grosso por grandes empresas agropecuárias consolidou a capital de Mato
Grosso como portal da Amazônia. Para que essa consolidação fosse efetivada, novos espaços
foram sendo transformados dentro do perímetro urbano da cidade de Cuiabá, dotando a
cidade de uma multiplicidade de equipamentos urbanos. Parte desses migrantes, que tinham
como destino a “Amazônia Legal”, fixaram residência em Cuiabá. Desta forma, abruptamente
foram inseridas novas áreas ao espaço urbano da cidade, como podemos observar na figura
02:
56

Figura 02 - Evolução do Perímetro Urbano de Cuiabá

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira (2011)
Organizado: Siqueira(2012)
Anteriormente a estas ampliações do perímetro urbano, a cidade de Cuiabá já
dispunha de grande número de lotes não edificados em loteamentos já dotados de
infraestrutura, em grande parte aguardando a valorização imobiliária. E ainda, com os
sucessivos acréscimos, à área urbana foram incorporadas grandes áreas não edificadas e
ociosas, acarretando uma densidade demográfica urbana baixíssima de 20,88 hab./ha no ano
de 2004 CUIBÁ, 2010).
Estes fatos ocasionam maior custo-cidade, visto que cabe ao poder público municipal
prover e manter rede de infraestrutura urbana, como serviços de saneamento, pavimentação
viária, equipamentos urbanos e ainda serviços públicos, como o transporte coletivo e a coleta
de lixo, além de outros.
57

Diante da realidade, o Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá


consolidado na Lei Complementar n.º 0150, de janeiro de 2007, sancionada pelo prefeito
Wilson Santos, determinou em seu artigo 89 a proibição da ampliação do perímetro urbano
pelo período de 10 (dez) anos, a partir da aprovação da lei, salvo em situação de calamidade
pública.
Até o início dos anos 1970 o perímetro urbano de Cuiabá quase não transpunha o anel
viário, chamada de perimetral (Avenida Miguel Sutil). A Lei Municipal de n.º 1315, de agosto
de 1973, mostrada na figura acima que criou, delimitou e nomeou quinze Bairros na Capital:
Centro-Sul, Centro-Norte, Terceiro, Dom Aquino, Poção, Bandeirantes, Araés, Quilombo,
Duque de Caxias, Goiabeira, Jardim Cuiabá, Cidade Alta, Porto, Areão e Lixeira. Em 1988,
mais dois Bairros foram criados: o Popular e o do Baú.
Sendo assim, a cidade de Cuiabá está dividida em quatro regiões administrativas:
Leste, Oeste, Norte e Sul, conforme mostra a figura 03:

Figura 03 – Divisão regional do espaço urbano de Cuiabá

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira (2011)
Organizado: Siqueira(2012)
58

Cuiabá destacou-se como uma das capitais brasileiras que mais cresceram nas últimas
décadas, o que se deu através de loteamentos residenciais, conjuntos habitacionais e outras
formas de ocupação urbana através do processo de ocupação ilegal. Devido essa rápida
expansão urbana, Cuiabá conta atualmente com 118 bairros conforme mostra o figura 04 a
seguir:
Figura 04: Divisão do abairramento de Cuiabá

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira (2011)
Organizado: Siqueira (2011)

Desta forma, o processo de urbanização e metropolização da cidade de Cuiabá segue a


tendência brasileira, podendo ser considerado um processo espoliativo, que se revela pelo
modelo de organização socioespacial centro/periferia, contrariando as diretrizes do plano
diretor de desenvolvimento estratégico de Cuiabá, que nos diz no seu artigo 50:
59

Art. 50- O Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá rege-se


pelos seguintes princípios: (...) IV:direito à Cidade para todos,
compreendendo o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao
trabalho e ao lazer; (...) VII - direito universal à moradia digna.

Novamente podemos perceber que a ideia do legislador em tornar a cidade mais social
é excelente, no entanto a prática não é observada, pois existem grupos de excluídos sem
acesso a terra urbana

4.3 O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO CIDADE ALTA

Como visto nos parágrafos expostos no texto anteriormente, o Bairro Cidade Alta faz
parte da história da cidade de Cuiabá, sendo um dos bairros mais antigos, regulamentado
oficialmente no ano de 1974 pela lei municipal número 1346. Ressaltamos ainda que esse
bairro é composto principalmente por moradores nascidos no município, ou nos municípios
adjacentes. A construção do estádio ajudou a alavancar a ocupação do bairro no inicio da
década de 1970.
O Estádio “Governador José Fragelli”, popularmente chamado de “Verdão”, tem sua
construção iniciada em 1973, fruto de uma tentativa de alavancar a economia do estado que
estava em um período recessivo. Ressalta-se ainda que nessa época a área com maior
percentual de arrecadação estava na região sul do estado, área essa que viria a desmembrar-se,
fundando o atual estado de Mato Grosso do Sul. Assim, era necessário alavancar a economia
de Cuiabá e a construção do estádio de futebol colaborou para reduzir os efeitos da recessão
econômica que era global, devido a crise do petróleo no Oriente Médio.
A figura 05 mostra vista aérea do antigo estádio e da região oeste da cidade, tendo
uma área de abrangência de 3 km, a partir do estádio.
60

Figura 05: localização da região Oeste de Cuiabá e do Estádio Verdão

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira ( 2011)
Organizado por: Siqueira(2012)
O processo de ocupação do entorno do estádio é alavancado, recebendo novos
moradores para o bairro Cidade Alta, formando assim o loteamento “Verdão”, que foi
regulamentado através da lei municipal 1.346 de 1974, com a expansão do perímetro urbano
da cidade de Cuiabá, conforme mostrado na figura 02.
A expansão dessa área da cidade foi contínua, no entanto essa região não é o espaço
mais densamente povoado na cidade de Cuiabá, pois são inúmeros os lotes não edificados na
região.
Podemos visualizar na figura 06 a seguir a ocupação do entorno do estádio, já no ano
de 2010.
61

Figura 06: localização do estádio de futebol

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira(2011)
Organizado por: Siqueira(2012)
O Loteamento Verdão pertence ao bairro Cidade Alta, está localizado na região Oeste
da Cidade, tem sua ocupação anterior a construção do estádio. É um bairro pouco
verticalizado, composto por dois condomínios desse tipo, a saber: Ilhas do Sul, composto de
três torres e o condomínio Ilha dos Açores, composto de duas torres. Consideramos aqui os
condomínios com mais de quatro andares. Sendo assim, é um bairro composto de construções
residenciais, onde dominantemente são habitados por cuiabanos, conforme pesquisa informal
feita por nós nas adjacências do estádio de futebol .
62

Figura 07: vista parcial do entorno do estádio, mostrando torres, edifícios residenciais

Foto: Siqueira (2011)


Organização: Siqueira (2012)

O Brasil foi escolhido pela FIFA (Fédération Internacionale de Football Association)


como País sede da Copa do Mundo de 2014. Diante disso vários Estados brasileiros se
propuseram a sediar jogos desse evento. Mato Grosso junto com outros onze estados foi
escolhido pela FIFA para sediar alguns desses jogos. Essa escolha foi motivada pela grande
biodiversidade do Estado e pela pujança econômica alavancada principalmente pelo
agronegócio, vivida por Mato Grosso nas últimas décadas. Para sediar esses jogos, o Estado
de Mato Grosso propôs-se a fazer uma reestruturação na mobilidade urbana, expansão da rede
hoteleira com capitais privados e incentivos governamentais a fim de adequar-se as exigências
da FIFA, além da melhoria da estrutura turística para aproveitar as belezas naturais contidas
no Estado. Essa possibilidade só se tornou viável, graças ao comprometimento por parte do
setor público de Mato Grosso em reconstruir o estádio Governador José Fragelli, “Verdão”,
que será, a partir de agora, denominado “Arena Pantanal”. A escolha das cidades sede ocorreu
em maio de 2009 e a partir daí percebemos mudanças no comportamento e dinâmica de
diversos bairros da cidade de Cuiabá.
A construção da Arena Pantanal no bairro, tem proporcionado profundas mudanças
nas características do bairro. A principal rua do bairro, que é a avenida Dr. Agrícola Paes de
Barros, que foi planejada para arruamento residencial, está se tornando uma nova centralidade
63

com grande diversidade de estabelecimentos comerciais, onde se destacam: três farmácias,


que pertencem as maiores redes do setor no Estado, várias empresas de comercialização de
materiais para construção, inclusive a maior rede desse setor que está aplicando mais de R$ 3
milhões de Reais em uma nova loja do grupo, segundo informações obtidas em uma
entrevista informal com o mesmo. A rua é composta ainda por um quartel do corpo de
bombeiros, policlínica municipal, mais de uma dezena de restaurantes pequenos e grandes
empreendedores no ramo de alimentação rápida, além de distribuidoras de bebidas, oficinas
mecânicas, escola de ensino fundamental e outras empresas prestadoras de serviços. Além dos
empreendimentos comerciais no perímetro citado, encontramos três templos religiosos. Sendo
assim, restam apenas poucos imóveis residenciais, e alguns estão em processo de venda ou
aluguel, como observado na figura 08 abaixo:
Figura 08: Imóveis comerciais na avenida Agrícola Paes de Barros

Foto: Siqueira (2011)


Organização: Siqueira (2011)
Fica claro o momento crucial em que se transforma o entorno da Arena Pantanal em
“objeto de desejo” do capital urbano, responsável pelo porte e característica que hoje
apresenta e que se reorganiza para que possa funcionar segundo uma nova lógica.
Novamente nos alicerçamos no plano diretor que nos diz:
Art.90 Constituem diretrizes gerais do desenvolvimento Estratégico do
Município, cabendo à Prefeitura Municipal de Cuiabá: (...) XV- “promover o
ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do
64

parcelamento e da ocupação do solo urbano, de forma a combater e evitar:


(...) d) o uso especulativo da terra como reserva de valor, de modo a
assegurar o cumprimento da função social da propriedade...

Esse artigo com certeza não está sendo cumprido a risca, pois o uso especulativo é
comum na área urbana de Cuiabá. A foto a seguir, figura 09, deixa explicito o objetivo da
venda do proprietário, em que, junto ao anúncio da venda está a logomarca da copa do mundo
de 2014. A possibilidade desse Megaevento esportivo tem valorizado abruptamente os preços
dos imóveis. Deixamos a fachada do imóvel encoberto para maior discrição.

Figura 09: Imóvel a venda nas proximidades do estádio de futebol

Foto: Siqueira (2011)


Organização: Siqueira (2012)

Vários imóveis estão sendo comercializados e rapidamente demolidos com intuito de


transformarem-se em estabelecimentos comerciais, a foto a seguir, figura 10, exemplifica isso.
65

Figura 10: Imóvel residencial comercializado e demolido

Foto: Siqueira (2011)


Organização: Siqueira (2012)

Os espaços residenciais são rapidamente transformados em ambientes comerciais, e


essa frenética busca pelos imóveis do entorno da Arena Pantanal, tem supervalorizado o
espaço na região. Os novos empreendimentos dão uma nova feição ao arruamento local, como
mostra a foto a seguir, figura 11, em outro ponto da avenida.
66

Figura 11: espaços comerciais na proximidade do estádio

Foto: Siqueira (2011)


Organização: Siqueira (2012)
Segundo dados levantados junto a prefeitura municipal de Cuiabá, o metro quadrado
ao longo da avenida Dr. Agrícola Paes de Barros varia entre R$270,00 a R$450,00 sendo que
os valores aumentam a medida que se aproxima o término da construção do estádio.
O bairro é de renda média para média baixa, a partir do critério adotado pelo IBGE,
sendo que mais de 30% dos moradores do bairro possuem uma renda de até dois salários
mínimos. No entanto também é um bairro de desigualdades sociais pois ¼ dos moradores do
bairro possuem renda maior que 10 salários mínimos. (IBGE/IPDU 2007), conforme mostra a
tabela a seguir.
67

Tabela 04: Renda salarial do bairro Cidade Alta


faixa salarial % de moradores
sem rendimentos 5,37%
até 2 salários mínimos 27,18%
2 a 3 salários mínimos 9,30%
3 a 5 salários mínimos 13,39%
5 a 10 salários mínimos 19,71%
10 a 20 salários mínimos 15,43%
mais de 20 salários
mínimos 9,62%
Dados: IPDU 2007
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Os domicílios particulares permanentes por condição de ocupação, podem ser


divididos, segundo o IBGE, da seguinte forma: no bairro existiam 2.687 domicílios, dos quais
1.665 eram próprios já quitados e 233 em aquisição, 602 eram alugados, 166 eram cedidos e
21 de outra condição de ocupação (IBGE/IPDU 2007). Esses dados podem ser mais bem
visualizados no gráfico da tabela 06:

Gráfico 01: situação dos imóveis do bairro

situação dos imóveis


próprios e quitados em aquisição alugados cedidos ocupação

1%
6%
22%

9% 62%

Dados: (IBGE/IPDU 2007)


Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira (2012)
68

Já se adotarmos o critério dos moradores segundo a espécie do domicílio, teremos: do


total de 10.484 pessoas, 9.162 moravam em casas, 1.086 em apartamentos, 192 em cômodos,
18 em domicílios improvisados e 26 em domicílios em coletivos (IBGE/IPDU 2007). Isso é
nítido no gráfico abaixo, a tabela 06:
Gráfico 02: espécie de domicílios

casas
apartamentos
cômodos
improvisados
coletivos

Dados: (IBGE/IPDU 2007)


Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira (2012)

O bairro Cidade Alta, e, por consequência, o loteamento Verdão são espaços


meramente residenciais onde o número de estabelecimentos comerciais é diminuto, como nos
mostra o mapa da figura 12. No entanto, com a construção da Arena Pantanal tem mudado
gradativamente o seu referido espaço:
69

Figura 12: Mapa de uso do solo do entorno do estádio

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira ( 2011)
Organizado por: Siqueira(2012)

O processo de crescimento das cidades pode ocorrer de duas formas: pelo


adensamento das áreas já consolidadas ou pela incorporação de áreas destinadas ao uso rural,
por exemplo. No caso específico estudado a construção da Arena Pantanal tem possibilitado
um adensamento das áreas consolidadas. Nesse ínterim os incorporadores imobiliários
apropriam-se dos investimentos públicos para revertê-lo na valorização de suas terras,
obtendo por um lado lucro e ampliando o capital, mas também ampliando a segregação e a
desigualdade social. Dessa forma, podemos entender que existe uma tênue linha entre o poder
institucionalizado e a valorização do capital. Sobre isso Santos (1996, p. 251) argumenta:
O endurecimento da cidade é paralelo à ampliação da intencionalidade na
produção dos lugares, atribuindo-lhes valores específicos e mais precisos,
diante dos usos preestabelecidos. Esses lugares, que transmitem valor às
atividades que aí se localizam, dão margem a uma nova modalidade de
criação de escassez, e uma nova segregação. Esse é o resultado final do
exercício combinado da ciência e da técnica e do capital e do poder, na
reprodução da cidade
70

As palavras de Milton Santos, acima citadas, cabem perfeitamente no caso da nova


arena esportiva, pois a propagação da escassez do espaço é um dos grandes argumentos para a
super valorização do espaço do entorno do estádio. Essa valorização também tem gerado uma
maior segregação do espaço ao redor, pois os moradores são seduzidos pelos preços ofertados
pelos agentes imobiliários, vendendo seus imóveis e proporcionando um deslocamento cada
vez mais célere a partir da proximidade da Copa do Mundo de 2014.
71

5 MEGA EVENTO ESPORTIVO

Muitos são os gestores de grandes centros urbanos que buscam promover o


desenvolvimento de suas cidades por meio da implementação de megaeventos esportivos.
Versões regionais de eventos multiesportivos, Jogos Olímpicos, além de grandes torneios de
futebol figuram entre os megaeventos cobiçados por empreendedores urbanos. Sediar estes
Jogos requer um planejamento urbano específico, que considere a espacialidade e
temporalidade próprias à organização de um evento datado. Jogos Mundiais Militares (2011),
Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos de Verão (2016)
fazem parte dessa agenda brasileira.
O dia 31 de maio de 2009 tornou-se uma data comemorativa pelos mato-grossenses,
em especial pelos cuiabanos. Nessa data foi feito o anúncio oficial das cidades que seriam
sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014, na qual a cidade de Cuiabá-MT está incluída.
Dessa forma, esta pesquisa também analisa a categorização das intervenções urbanas
empreendidas em Cuiabá, bem como a formulação de um instrumental de análise que sirva
para a compreensão das diversas fases das políticas que viabilizam a realização dos eventos.

5.1 MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E A CIDADE

A promoção de eventos tem sido uma das principais estratégias utilizadas pelos
gestores urbanos na busca de maior atração de capitais. Esses eventos podem ser de diferentes
naturezas, organizados por distintos atores e instituições que desempenham as mais diversas
atividades na sociedade. Há uma predileção especial dos gestores empreendedores pelos
eventos com repercussão internacional, uma vez que tais eventos poderão conferir uma
imagem “mais qualificada” para a cidade sede. Além disso, os eventos internacionais podem
significar a circulação de turistas com alto poder aquisitivo, dispostos a consumir os serviços
e bens comercializados localmente. Para abrigar esses eventos, a cidade sede deve apresentar
alguns equipamentos diretamente relacionados com o evento em si, como centro de
convenções e hotéis, além de amenidades culturais e uma adequada infraestrutura de
transportes que permita o deslocamento rápido dos participantes ao evento. Em relação à
temática dos transportes, destaca-se a proximidade de aeroportos, além de outras modalidades
que permitam os deslocamentos rápidos e seguros entre os principais locais de circulação dos
participantes dos eventos.
72

Nesse sentido, logo após o anúncio oficial da FIFA que Cuiabá iria sediar um evento
de tamanha grandeza, começaram as especulações nos diversos espaços da cidade, com a
possível transformação do perímetro urbano de Cuiabá. Essas especulações não se limitaram a
Cuiabá, mais sim a toda a região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá e seu entorno. A
capital vibrou com a possibilidade de abrigar os centros de treinamento, que acarretariam em
mais investimento e, por consequência, em um maior desenvolvimento local.
Para conquistar o direito de se tornar provisoriamente grandes “Centros Midiáticos
Globais” (MASCARENHAS, 2011, p. 17), países e cidades esmeram-se na construção de
projetos fabulosos. O Brasil vem se firmando como nação capaz de abrigar grandes eventos
esportivos.
A Copa do Mundo da Alemanha em 2006, Os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro
em 2007, a Olimpíada de verão em Pequim 2008, a Copa do Mundo da África do Sul em
2010, As Olimpíadas militares no Rio de Janeiro em 2011, a Copa do Mundo de 2014 e as
Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2016 apresentam investimentos eminentemente públicos
que são calculados em bilhões de dólares. Parte destes recursos financeiros é utilizada apenas
para a realização do espetáculo esportivo em si, sem embargo, outra parte significativa do
bolo orçamentário é utilizada na construção de equipamentos e estruturas que modificam o
tecido urbano.
A primeira pergunta diante desses investimentos públicos é: quais foram ou serão os
efeitos urbanísticos, ambientais, sociais e econômicos nas cidades sedes?
Os megaeventos esportivos têm tamanha envergadura, que são capazes de redefinir
centralidades, constituindo com isso verdadeiros marcos na evolução urbana.
O uso de eventos para a atração de investimentos não é propriamente uma novidade,
no entanto esse recurso passou a ser mais utilizado a partir de mudanças na política urbana e
do acirramento da competição global. Reconhece-se que desde os anos 1980 houve um corte
dos investimentos do governo central nas cidades, e isso não é uma particularidade brasileira,
pois também ocorreu na maior parte dos países ocidentais. Sendo assim, os políticos de
algumas administrações locais começaram a adotar um posicionamento empreendedor na
gestão de seu território.
Os palcos esportivos e as acomodações eram bem modestas até a II Guerra Mundial,
pois os jogos eram basicamente amadores. No entanto, uma nova fase se inicia com a
olimpíada de Roma 1960, pois os países começaram a superar as dificuldades financeiras
impostas pela Segunda Grande Guerra e, contando ainda com receitas oriundas das
transmissões televisivas, os Jogos passaram a dispor de generosos aportes de recursos para
73

construção, não somente de equipamentos esportivos, mas também para infraestruturas


urbanas que viabilizam a mobilidade e a comunicação entre arenas, vilas, hotéis e aeroportos.
Vultosos investimentos foram aportados na reconstrução de áreas degradadas dessas
cidades. Considerada por muitos pesquisadores como o caso de maior sucesso no
desenvolvimento urbano associado aos megaeventos, Barcelona, em 1992, foi privilegiada por
decisões locacionais coerentes com os desafios que enfrentava. Contando com um adequado
de planejamento urbano, a cidade catalã se serviu dos Jogos Olímpicos para promover as
transformações de forma a fortalecer as potencialidades turísticas e reduzir as fragilidades
sociais existentes. É tomada hoje como referência para as intervenções orientadas na
realização de megaeventos esportivos, pois recuperou e valorizou áreas degradas da cidade
Catalã. Embora seja considerado como modelo de Megaevento Barcelona não está imune as
criticas pois para a transformação da cidade foi necessário um endividamento muito grande
para o poder público alem da necessidade de deslocamento da população local a fim de
abrigar as novas estruturas para o evento.
Na contra mão a Barcelona, a olimpíada de Atlanta 1996, não proporcionou grandes
mudanças na cidade, pois esse megaevento foi baseado nas parcerias público-privada, focando
apenas na estratégia de revitalização urbana. Desta maneira, pouco deixou de legado o
megaevento de Atlanta. Os jogos Olímpicos de Atlanta são conhecidos no mundo esportivo
como “Jogos Coca-Cola”.
As cidades que financiam os megaeventos enfrentam problemas com a manutenção de
equipamentos esportivos subutilizados após as disputas esportivas. Tal problema repetiu-se
em Sydney (2000), Seul (2002), Atenas (2004), assim como em Pequim (2008) e África do
Sul (2010), sendo mais difícil a solução para Atenas considerando a crise econômica atual.
Esses dados são amplamente divulgados pela mídia global. Inclusive existem estudos que
relacionam a atual crise econômica daquele país, com o grande investimento estatal para os
jogos olímpicos de 2004.
As próximas edições dos Jogos globais, Londres 2012, Brasil 2014 e Rio 2016, se
deparam com desafios semelhantes àqueles enfrentados pelas edições anteriores, com
destaque para os temas da sustentabilidade e do legado. Realizar o evento com permanente
preocupação ambiental desde a construção das instalações até a adoção de soluções de
mobilidade com baixo carbono tem sido a grande temática para os jogos mundiais.
Por outro lado, há um intenso debate sobre o uso futuro das arenas esportivas, levando
seus planejadores a redimensionar escalas ou até mesmo propor alterações nas decisões
locacionais firmadas nos “Cadernos de Encargos” apresentados aos comitês organizadores.
74

5.2 GRANDES PROJETOS URBANOS

É cada vez mais comum a realização de grandes intervenções urbanas com diferentes
dimensões e impactos sobre os territórios. Trata-se de um fenômeno que guarda relação com
novos ordenamentos associados à globalização e à redefinição de posicionamentos dos
gestores urbanos. Os ajustes espaciais nas cidades estão sendo realizados de forma cada vez
mais acelerada e com transformações territoriais que promovem novos significados para
governos, empresas e cidadãos, especialmente nos países centrais. Novas territorialidades são
conformadas a partir do movimento de atores que detêm a hegemonia dos processos
decisórios voltados para os investimentos em projetos urbanos.
Nas palavras de Mascarenhas (2011, p. 37):
O planejamento urbano tradicional, modernista, sistêmico-funcional e
integrador, do ponto de vista físico-territorial ( o master plan), vem sendo
mundialmente substituído por um novo paradigma de planejamento e gestão
das cidades, no contexto internacional de afirmação do neoliberalismo.

Nesse contexto, e conforme o autor acima, os megaeventos esportivos podem ser


abordados enquanto Grandes Projetos Urbanos (GPUs) que orientam o ordenamento
territorial das cidades sedes. Uma grande intervenção urbana não se caracteriza apenas por
uma única operação. Ela pode se dar a partir de pequenas ou médias ações concatenadas que
são orientadas para a transformação de um determinado recorte espacial urbano. Esses
grandes projetos têm criado profundas modificações nas cidades, com grande impacto aos
moradores das cidades envolvidas.
Em relação à Copa do Mundo de 2014 todas as 12 áreas metropolitanas das cidades
sede sofrerão ou já estão sofrendo essas transformações. Dentre os projetos entregues a FIFA
pelas cidades e pelo Governo Federal podemos identificar: reconstrução das arenas de futebol,
recuperação de centros históricos, construção ou ampliação no sistema de transporte de massa
com implantação de BRTs (Bus Rapid Transit) e/ou VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos) nas
cidades, revitalização de áreas degradadas, deslocamento de bairros com a construção de
novas habitações em outras áreas, criação e ampliação do potencial turístico das cidades.
Esse novo paradigma, que atualmente é mais conhecido como planejamento
estratégico, estrutura-se em aberta parceria com o capital privado, ao que se chama de
“empresariamento urbano” ( HARVEY, 1996)
Segundo Sánches (2001, p. 33)
A transformação das cidades em mercadorias vem indicar que o processo de
mercantilização do espaço atinge outro patamar, produto do
75

desenvolvimento do mundo da mercadoria, da realização do capitalismo e do


processo de globalização em sua fase atual. A existência de um mercado de
cidades, como um fenômeno recente, mostra a importância cada vez maior
do espaço no capitalismo – a orientação estratégica para a conquista do
espaço, que agora alcança cidades como um todo, postas em circulação num
mercado mundial – evidencia a produção global do espaço social.

As cidades, neste contexto do pensamento de Sánchez, se tornam locais propícios à


realização de vultosos investimentos de capital para a construção de grandes eventos
esportivos, dentre os quais destacam-se os megaeventos internacionais como a Copa do
Mundo de Futebol, as Olimpíadas e os Jogos Pan-americanos.
Os GPUs podem estimular transformações urbanas imediatas que são capazes de
afetar o valor do solo, e, por conseguinte, seus usos em grandes escalas urbanas. Os GPUs
direcionam os investimentos que irão proporcionar novas centralidades, estabelecendo novas
funções às áreas beneficiadas. Há uma grande complexidade na implantação dos GPUs que
pode dar origem a novos movimentos sociais, redefinir oportunidades econômicas, alterar
papéis de atores urbanos, alterarem as finanças locais e ampliar a arena política.
A especulação em torno da atração desses investimentos torna-se muito grande, pois
os mesmos são aplicados em diversos setores da economia, gerando algumas oportunidades
para determinados grupos sociais, inclusive movimentando o próprio mercado informal e
aqueles que prestam serviços.
Notadamente nossa pesquisa tem debruçado os estudos sobre o empreendedorismo
urbano nos setores imobiliário e de transportes enquanto estruturas estrategicamente viáveis
para a competição entre as cidades globais no mercado da economia internacional, através dos
investimentos captados pelos eventos esportivos.

5.3 FASES DE IMPLEMENTAÇÃO DO MEGAEVENTO ESPORTIVO

Na contemporaneidade, presenciamos um emaranhado de relações que se materializam


no espaço através dos serviços que se proliferam com intensa rapidez e com imenso poderio
tecnológico, midiatizados pelo acelerado processo de globalização.
O que presenciamos atualmente é a realocação dos recursos públicos para os
Megaeventos, esquecendo-se de outras questões básicas para a sobrevivência do trabalhador,
como educação, saúde, moradia e segurança.
Este quadro de exploração da classe trabalhadora, associada à inoperância do Estado
reflete-se diretamente no cotidiano da população. O discurso governamental propaga que para
76

existir melhorias é preciso haver recursos e esses são facilmente captados quando se há
grandes eventos que dinamizam as cidades. Por isso, há uma disputa política entre os lugares
para sediarem os megaeventos, sobretudo aqueles relacionados aos esportes, uma vez que
estes trazem consigo grandes investimentos financeiros e fomentam o empreendedorismo
urbano.
Como recurso ilustrativo das fases de implementação dos Jogos, foi esboçado o
diagrama da figura 13. Cada um dos estágios representados (candidatura, preparação, jogos e
legados) tem especificidades que merecem ser detalhadas com o fito de aprofundar a
compreensão sobre o objeto empírico em análise.
Na primeira fase, a da candidatura, há muitas expectativas sobre as intervenções que
serão realizadas na Cidade. Muitas vezes estas expectativas ofuscam o planejamento das
transformações urbanas que é consolidado nos Cadernos de Encargos. Estes Cadernos
funcionam como contratos com as organizações responsáveis pelos Jogos (FIFA, COI, etc.)
que registram as decisões locacionais delineadas por grupos seletos. A oficialização das
candidaturas ocorre em períodos entre 2 e 4 anos. No entanto, a FIFA já escolheu a Rússia
para a Copa 2018 e o Catar para a Copa de 2022.
Quanto à etapa da preparação, esta compreende o período entre a escolha da cidade
que sediará os Jogos pelo Comitê responsável e o início das atividades esportivas do evento.
O período dessa fase varia entre 5 e 7 anos que antecedem o megaevento, podendo ser um
tempo menos extenso para eventos com níveis de complexidade inferiores. É nessa etapa que
as intervenções necessárias para a realização do evento ocorrem, com obras de reforma ou
construção de arenas esportivas, vilas de atletas e de mídia, bem como de estruturas de
transporte.
77

Figura 13: Fases da implementação dos Megaeventos

Dados: FIFA
Fonte: Siqueira(2011)
Organização: Siqueira (2012)

A fase dos Jogos é a mais efêmera de todas, contudo é em razão dela que todas as
outras existem. Trata-se da fase realização do megaevento propriamente dito com as
competições esportivas ocorrendo nas arenas preparadas na fase anterior. Com duração que
pode variar entre 15 e 60 dias, esta etapa é caracterizada por uma visibilidade intensa da
cidade sede dos Jogos. Essa etapa marca data limite para que todas as intervenções planejadas
e executadas estejam finalizadas. Essa é uma característica que distingue as políticas públicas,
realizadas em função dos megaeventos, das demais.
Muito anunciada pelos organizadores dos Jogos, com o intuito de legitimá-los junto
aos cidadãos, a fase dos legados tem duração indefinida. Todo o conjunto de intervenções
permanentes realizadas em função dos Jogos é, após o término destes, apropriada de
diferentes maneiras pelos citadinos. Como legados mais significativos para a Cidade se
destacam as estruturas de transporte, dentre as quais se exemplificam: a ampliação de
aeroportos, construção de novas vias, ampliação da rede viária. Novos usos e processos são
inaugurados nas arenas e vilas implantadas na malha urbana.
Vale registrar o entendimento de que a modernidade é portadora não só de novas
expectativas e transformações sociais, mas também traz grandes transformações na
78

espacialidade urbana, destruindo, segundo Lefebvre (1991), velhas urbanidades e as


substituindo por novos formatos.
Em cada uma das fases assinaladas, há relações espaciais específicas comandadas
pelas autoridades responsáveis pela implementação dos megaeventos. Com o fito de
reconhecer estas especificidades se propõem uma tipificação, a saber: (1) práticas espaciais na
fase de preparação; (2) eventos espaciais na etapa dos Jogos; (3) processos espaciais nos
legados. A caracterização destas relações espaciais é o desdobramento da linha de pesquisa
apresentada aqui e que deverá ser exposta em outra oportunidade.
Entretanto, para um lugar, uma cidade, um país ser selecionado é necessário que haja
uma infraestrutura favorável para que este evento esportivo venha se realizar, atendendo á
rigorosos critérios exigidos pelas federações ou comissões organizadoras.
Um destes critérios de maior repercussão se refere à acessibilidade dos participantes
do evento, cujo local deve ser provido de um bom sistema de transportes, capaz de garantir
segurança, comodidade e rapidez na locomoção dos usuários sem causar maiores transtornos
no trânsito.
O detalhe é que em país em desenvolvimento como o Brasil, o transporte público é
precário. Sendo assim, os turistas que para aqui se deslocam optam em utilizar os táxis pela
comodidade e agilidade. Entretanto eventos como a Copa do Mundo possuem uma gama
muito maior de deslocamento de pessoas, o que torna necessário as mudanças nos aeroportos,
portos e vias urbanas, a fim de dar maior comodidade aos turistas e dignidade aos
trabalhadores locais que ficaram com o chamado “legado da copa”.
Desse modo, para sediar os megaeventos esportivos fazem-se necessárias inúmeras
medidas infra- estruturais emergenciais, conhecidas como verdadeiras “operações urbanas”,
em que o tempo de duração das obras configura-se num grande desafio, uma vez que todas as
cidades brasileiras selecionadas possuem ressalvas que devem ser consideradas, conforme as
exigências da FIFA.
79

6 BRASIL - A BOLA DA VEZ

Os megaeventos esportivos mundiais, que passaram a integrar a agenda de grande


parte dos governos ao redor do mundo, constituem-se em elementos catalisadores de
oportunidades, tanto para empresas, quanto para investidores, ao influenciar diretamente o
desempenho econômico, político e social de um país.
O Brasil sediará esses megaeventos nos próximos anos: Copa do Mundo da FIFA em
2014 e Jogos Olímpicos em 2016. Ao hospedar um grande evento, nosso País começará a
experimentar rapidamente uma ampla gama de temas e atividades que não serão vivenciados
em tempos normais. De fato, os megaeventos têm a qualidade de congregar as pessoas em um
objetivo comum, como também de conduzir a realização de programas e projetos que
levariam décadas para serem concebidos e concluídos.
Além disso, as iniciativas são incentivadas a serem realizadas de forma eficiente
diante das exigências estabelecidas pelos organizadores dos eventos e até mesmo por conta da
demanda local e estrangeira.
A realização de grandes eventos também promove a colaboração entre os setores
públicos e privado, entre estes e as comunidades envolvidas. Eles flexibilizam e estimulam as
relações entre os vários níveis de governo e melhoram sua eficiência, além de introduzirem
novas ideias e comportamentos, tais como os relacionados à sustentabilidade ambiental e à
diversidade, entre outros. Adicionalmente, os megaeventos são ambiciosos, altamente
desafiadores e extremamente dependentes da capacidade de planejamento e execução em suas
diversas fases, durante sua vida útil e em seus legados.
Portanto, não se trata de uma simples adequação espacial, mas de intervenções de
caráter público nos espaços que sediarão esse evento, cujos jogos serão realizados em 12
subsedes: Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, Brasília-DF, Porto Alegre-RS, Belo Horizonte-
MG, Salvador-BA, Recife-PE, Fortaleza-CE, Natal-RN, Manaus-AM, Curitiba-PR e Cuiabá -
MT . Estas cidades foram escolhidas a partir das propostas de criação e de ampliação dos
estádios que as mesmas já possuem para contemplar a dimensão do evento. E, aliada a
construção das novas arenas esportivas, também o processo de mobilidade urbana.
A realização de megaeventos abrange desde as receitas e os custos específicos dos
jogos, até uma série de outros fatores, como novas formas de financiamento, aceleração do
desenvolvimento e renovação urbana, o que envolve centros de convenções, instalações
culturais, parques temáticos – entre outras combinações – nas cidades e nos países
organizadores. Portanto, o “legado” decorrente desses eventos também encontra-se
80

firmemente associado a resultados não esportivos, sendo importantes fontes de legitimidade


para o recebimento dos próprios jogos, com impacto social e cultural dentro das comunidades.
A realização de uma competição como a Copa do Mundo demanda investimentos
vultosos, tanto da iniciativa privada quanto do governo, a fim de adequar as cidades-sede às
exigências estabelecidas pela FIFA. Nos últimos 20 anos, os megaprojetos esportivos
sofreram grandes mudanças, ampliando e recrudescendo as exigências para que as cidades e
os países pudessem sediar tais eventos.
Um país que abriga um evento desse porte guarda por muitos anos a marca de sua
realização. Uma série de transformações são impostas para a realização do evento e estes
acabam sendo responsáveis pela geração de novas formas de pensar e agir. São essas
transformações que fazem o país desenvolver características de crescimento em vários
aspectos. Antes, durante e depois da realização do megaevento, existe envolvimento de muitas
pessoas com novas atribuições e responsabilidades, com novos afazeres, diferentes
perspectivas de trabalho e renda, pois o país inteiro é envolvido nesse processo em busca da
acolhida aos jogadores e turistas (AMARAL, 2007).
A FIFA exige que as próprias cidades-sede possuam infraestrutura adequada para o
evento, o que envolve estádios esportivos, mobilidade urbana, aeroportos, portos, hotelaria,
segurança pública, saneamento, telecomunicações, energia, sistema de saúde e muito mais.
Daí a necessidade de um planejamento e um monitoramento muito detalhado das ações a
serem desenvolvidas nas cidades-sede. Em projetos como estes, não há espaço para
improvisos, pois podem resultar em gastos adicionais altíssimos para as cidades corrigirem
erros ocorridos e prazos ultrapassados. A tabela 05 a seguir mostra os custos financeiros dos
principais megaeventos a partir dos dados divulgados pelos países junto a FIFA.
81

Tabela 05: Custo dos principais Megaeventos

VALORES EM
RELAÇÃO DE EVENTOS
BILHÕES DE R$
Olimpíada de Atlanta - EUA 1996 5
Copa do Mundo da França - 1998 3,6
Olimpíada de Sydney - Austrália - 2000 11,8
Copa do Mundo da Coréia do Sul e Japão -
2002 16
Olimpíada de Atenas - Grécia - 2004 21,3
Copa do Mundo da Alemanha - 2006 6
Olimpíada de Pequim - China - 2008 40
Copa do Mundo da África do Sul - 2010 30
Olimpíada de Londres - Inglaterra - 2012 * 19
Copa do Mundo do Brasil - 2014 * 40
Olimpíada do Rio de Janeiro - Brasil - 2016 * 15

Dados: FIFA e comitê organizador dos eventos


* Projeção da organização do evento
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Sediar grandes eventos esportivos como os Jogos Olímpicos, Paraolímpicos e a Copa


do Mundo de Futebol está se tornando cada vez mais atraente para os países emergentes.
Historicamente recepcionados apenas por nações com economias desenvolvidas, tais eventos
podem elevar a importância do país-sede no contexto mundial e acelerar o seu
desenvolvimento econômico, político e social.
O Brasil entrou definitivamente na rota dos megaeventos esportivos com a realização
dos Jogos Pan-Americanos em 2007, a confirmação da Copa do Mundo da FIFA de 2014 e a
dos Jogos Olímpicos de 2016. A possibilidade de acolher um grande evento esportivo traz
oportunidades e desafios às cidades candidatas, que englobam tempo, dinheiro e esforço para
investir até fatores como liderança, propostas unificadas e credibilidade, entre tantos outros. A
tabela 06 mostra as atividades que estão previstas e que irão carrear maiores investimentos
para os jogos de futebol.
82

Tabela 06: Atividades que irão carrear mais investimentos devido a


realização da Copa do Mundo

ATIVIDADES ECONÔMICAS COM MAIOR POSSIBILIDADE DE


RECEBER INVESTIMENTOS DEVIDO AOS MEGAEVENTOS %
Indústria da construção 65
Turismo, hotelaria e lazer 55
Transporte aéreo e infraestrutura aeroportuária 53
Infraestrutura urbana (água, saneamento básico e outros) 26
Atividades esportivas 25
Transporte ferroviário e metroviário 21
Transporte e infraestrutura rodoviária 13
Publicidade e propaganda 11
Infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação
(TIC) 10
Energia elétrica 9
Serviços públicos e privados de segurança 7

Dados: Instituto Brasileiro de Relação com Investimentos


Obs.: respostas múltiplas
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Os dados acima citados referem-se aos investimentos previstos pelo Estado, assim
como os investimentos previstos pelo capital privado no âmbito nacional e transnacional.
Esses dados são apenas para uma mensuração genérica do tamanho do investimento previsto
para os Megaeventos.
Os eventos esportivos são vantajosos para os países que os promovem desde que
também sejam aproveitadas as oportunidades para reverter os benefícios dos Jogos para as
cidades e as comunidades.
É neste contexto que os entrevistados indicam a necessidade de modernização dos
aeroportos, serviços aeroportuários, o desenvolvimento da infra- estrutura e da construção
como atividades a serem potencializadas pelos investimentos. Os jogos podem fomentar o
turismo local, no entanto a infraestrutura criada possibilita uma vida melhor para os habitantes
da cidade, com a melhoria da logística urbana da região. Veja a tabela 07, onde estão
previstos os investimentos das Cidades-Sede.
83

Tabela 07: Investimentos anunciados pela cidades-sede

Orçamentos totais
Cidades- Sede da copa Orçamento para os Estádios estimados em bilhões
2014 ( em milhões de reais) de reais
Rio de Janeiro * 430 11
Salvador 550 1,5
Recife 500 5
Manaus 580 1,5
Cuiabá 430 3
Fortaleza 400 9,4
Natal 300 3,5
São Paulo * 450 33,4
Brasília 600 3,5
Belo Horizonte 650 1,5
Porto Alegre 130 5
Curitiba 138 4,5

Dados: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e governos estaduais e municipais


( informações divulgadas pelo jornal Valor Econômico , em novembro de 2009).
* Para o Rio de Janeiro e São Paulo os Valores expostos são para todo o estado. Para os demais é o valor
apenas na cidade- sede
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Cabe ressaltar que, no caso da Copa do Mundo de 2014, a estimativa de R$ 40 bilhões


é apenas de investimentos públicos, pois se somarmos os investimentos privados os valores
chegam a cifra de R$ 82,8 bilhões de reais. Cabe ressaltar ainda que, a medida que vai se
exaurindo o tempo para o evento esportivo e as etapas das obras não são terminadas ou são
modificadas, o custo final da obra tende a aumentar, possibilitando mudanças nos contratos
junto as empreiteiras. E, infelizmente, isso já vem ocorrendo em várias cidades que irão sediar
os eventos. Deste jeito, o custo final das obras deverão ser revistos para cima.
As cidades devem adiantar o planejamento da infraestrutura, levando em consideração
a amplitude das necessidades e não apenas as obras relacionadas aos eventos. Estádios e
outras grandes instalações esportivas são exigências óbvias e, geralmente, acabam por serem
realizados mais rapidamente. No entanto, questões estruturais, tais como as de transporte,
muitas vezes são adiadas e finalizadas no último momento. Na verdade, como a data do início
84

do evento nunca muda, os atrasos e a falta de controle dos custos podem comprometer a
qualidade do evento em si.
Portanto, o planejamento da infraestrutura ajuda a garantir um evento de sucesso.
Ainda mais importante, ele fornece a base para um legado duradouro. Anfitriões que planejam
cuidadosamente seus eventos integrando-os aos planos existentes para os transportes e outras
infraestruturas se destacam daqueles que, sem tempo, acabam criando estruturas que só
atendem aos requisitos mínimos do evento. Por exemplo, acabam por construir uma estrada
que só serve para o acesso aos estádios, em vez de investir a mesma quantia de dinheiro em
projetos que também atendam às exigências do evento e de toda a sociedade, ao melhorar a
sua rede de transportes em geral.
Diante de tantos investimentos, tanto o poder público quanto o privado não tem
poupado esforços publicitários pregando a coesão social, deixando a percepção dos próprios
cidadãos de que não haveria futuro nem esperança para a cidade sem a implantação de
grandes projetos para os eventos esportivos. Sediar a copa significa “um salto de
modernização, de capacidade de organização, força econômica para captar investimentos e se
tornar um grande destino turístico” (PORTAL 2014, 2010). É a oportunidade de se mostrar
para o mundo.
No entanto a construção da infraestrutura para os megaeventos, proporciona suas
consequências. Dos estádios construídos para a Copa da Coréia do Sul em 2002 e África do
sul em 2010, a maior parte se transformou em verdadeiros “elefantes brancos”, pois são
subutilizados ou estão simplesmente abandonados demonstrando um verdadeiro desperdício
dos escassos recursos públicos.
Um bom exemplo de gastos exorbitantes e pouco investimento social foram o Pan no
Rio de Janeiro em 2007, pois os projetos iniciais projetavam um custo de infraestrutura em
torno de R$ 500 milhões de reais. O custo final chegou a R$ 3,7 bilhões de reais, sendo que
parte da estrutura criada está inutilizada ou precisando de novas adequações.
85

7 CUIABÁ E OS PROJETOS ESTRUTURAIS PARA A COPA DO MUNDO DE 2014

Futebol e eventos possuem uma estreita relação há mais de sete décadas, por
proporcionarem lazer e diversão para todas as pessoas de todas as faixas etárias. Diversos
países adoram o futebol e são movidos por paixões que movimentam milhões de dólares em
função desse esporte. A paixão gera o consumo de produtos e movimenta as pessoas na busca
pela realização dos seus desejos.
O turismo de eventos é um segmento que vem crescendo muito nos últimos anos por
ter a característica de utilizar os recursos e serviços de uma região, gerar empregos diretos e
indiretos, divulgar a localidade receptora e contribuir para o desenvolvimento do turismo em
âmbito local, regional nacional e internacional. Esses fatores são conhecidos como efeito
multiplicador do turismo, pois a atividade possui a capacidade de gerar impactos em todos os
setores da economia.
Durante o período de candidatura, os países/cidades procuram se destacar em relação
aos seus concorrentes, mostrando seus atrativos turísticos, tanto culturais como naturais, pois
acreditam que sediar esses megaeventos é a oportunidade de destacar e projetar sua imagem
internacionalmente. Atrair investimento é o principal objetivo, mesmo que para atingi-lo seja
necessário ignorar direitos sociais fundamentais, como, por exemplo, desapropriação da
população local, a fim de adequar os espaços para facilitar a mobilidade urbana.
Com a cidade de Cuiabá não foi diferente, uma vez que foi exortada como pontos
positivos da candidatura as diferentes manifestações culturais encontradas em Cuiabá e
cidades próximas, sua rica biodiversidade, sendo a localização geográfica privilegiada, pois se
situa no bioma do Cerrado, no limiar do bioma do Pantanal, sendo que o bioma do Pantanal o
principal cartão postal da candidatura de Cuiabá, foi preponderante, pois o governo brasileiro
queria a que a Copa do Mundo 2014 fosse para o Pantanal, sendo chamada de “Copa do
Pantanal”. Os atributos econômicos também foram exortados com os discursos de que Mato
Grosso tem tido um crescimento econômico acima da média nacional, estando entre os
principais produtores agrícolas do Brasil e um dos maiores exportadores dentre os estados
brasileiros, processo este denominado de agronegócio. Devido a essa pujança econômica,
Cuiabá teria condições de arcar com os custos oriundos das exigidas transformações impostas
pela organização do referido evento.
Com o discurso ambiental afinado, aliado a prosperidade econômica do Estado,
Cuiabá venceu a disputa regional com a cidade de Campo Grande, revivendo as rusgas
86

proporcionadas pela fragmentação do Estado segundo a lei Federal número 31 de 11 de


outubro de 1977.
Passada a euforia, começaram as especulações: o que de fato seria feito, quem faria o
quê e quais seriam as fontes oriundas de recurso? Quais as responsabilidades dos governos
Federal, Estadual e Municipal, para fazer de Cuiabá uma cidade digna de receber um
megaevento com a transmissão para todos os continentes com mais de um bilhão de
expectadores, segundo a previsão da FIFA, baseado na audiência da Copa do Mundo de 2010
na África do Sul porém, não foi discutido para quem, de fato, as mudanças previstas na
reestruturação do espaço urbano serão benéficas, ou ainda, quem, de fato, irá usufruir dessas
“melhorias”. Desenvolvimento do quê e para quem? O custo social do evento nunca esteve
em foco. Sendo focada apenas a possibilidade de grandes seleções, com grandes jogadores,
desfilando nos gramados de Mato Grosso.
O discurso oficial é de que a oportunidade de realização de uma Copa do Mundo trará
benefícios incalculáveis para a cidade e para seus residentes, cujo legado em infraestruturas
reduzirá os problemas no trânsito. O argumento central é que “os transtornos são
passageiros, mas os benefícios vieram para ficar”. Além disso, é forte a propaganda
ideológica da geração de emprego e renda, visto que as obras demandam grande número de
trabalhadores. Só na construção da arena, onde serão realizados os jogos, estão sendo
empregados mais de seiscentos trabalhadores. Entretanto os empregos gerados são
temporários e amenizam provisoriamente a questão do desemprego no setor da construção
civil, cujas ocupações são efêmeras permeadas pelo serviço de empreiteiras e incorporadoras.
É importante destacar que a realização de um megaevento esportivo evidencia a ação
do Estado na produção do espaço urbano, pois, além de planejar e executar as mudanças
efetuadas na produção e reestruturação do espaço urbano, cabe ao Estado igualmente o papel
de regulador legal. Sobre o papel do Estado é preciso destacar que: o Estado não é, de modo
algum, um poder de fora, imposto sobre a sociedade, assim como não é “a realidade de ideia
moral”, a “imagem e a realidade da ideia moral”, “a imagem e a realidade da razão”, como
sustenta Hegel (2000, pág. 119). Em vez disso, o Estado é o produto da sociedade num
estágio específico do seu desenvolvimento; é o reconhecimento de que essa sociedade se
envolveu numa auto-contradição insolúvel, e está rachada em antagonismos irreconciliáveis,
incapazes de ser exorcizados. No entanto, para que esses antagonismos não destruam as
classes com interesses econômicos conflitantes e a sociedade, um poder, aparentemente
situado acima da sociedade, tornou-se necessário para moderar o conflito e mantê-lo nos
87

limites da “ordem”; e esse poder, nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e,
progressivamente, alienando-se dela, é o Estado (ENGELS apud HARVEY, 2006, p. 80).
Percebe-se que ação do Estado não é neutra e diante de situações antagônicas se faz
necessário assumir posições e ao mesmo tempo evitar confrontos. É fato que os interesses
capitalistas são antagônicos a interesses sociais e os megaeventos esportivos podem servir
como justificativa para intervenções que contemplem prioritariamente a interesses do capital.
As obras públicas favorecem a dinâmica do mercado capitalista através do
planejamento urbano estratégico que, por sua vez, favorece os valores coletivos. Entretanto,
suprimem a coletividade da classe trabalhadora, cuja demanda é maior, em detrimento do
conjunto de bens coletivos destinados às classes dominantes, caracterizadas essencialmente
como abastadas. Ou seja, o Estado não só gerencia, mas germina a segregação espacial.
Logo após a confirmação de Cuiabá como sede, foi anunciada a criação da AGECOPA
(Agência Estadual de execução dos Projetos da Copa do Mundo), com o objetivo de criar e
acompanhar os projetos de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014 e
acompanhamento da criação das estruturas necessárias para a ocorrência do Megaevento. Essa
autarquia tinha ligação e intervenção direta com o governo estadual.

A AGECOPA passou a se chamar SECOPA- MT ( Secretaria Extraordinária para a


Copa em Mato Grosso), devido a disputas políticas internas na antiga autarquia estadual, e a
atual secretaria estruturou vários projetos englobando Cuiabá e Várzea Grande para a
“transformação “ das duas cidades a fim de se preparar para a Copa 2014. Dentre os vários
projetos destacam-se:
- Rodoanel – Anel Viário Norte Senador Jonas Pinheiro;
- Rodoanel – Anel Viário Sul Rodovia dos Imigrantes;
- Avenida das Torres (Leste) – Professora Edna Affi (VEAT/L);
- Avenida das Torres (Sul) – VEAT/S – Via Estrutural Av. das Torres Sul;
- Av. Beira Rio (Sul) – VEBR/S – Via Estrutural Beira Rio / Sul;
- Marginal São Gonçalo – VEMSG – Via Estrutural Marginal São Gonçalo;
- Ampliação, Adequação e Construção de Vias (Regional Oeste);
- Via Estrutural Várzea Grande Norte (VEVN);
- Via Estrutural Beira Rio Norte;
- Via Estrutural Leste;
- Via Estrutural Circular Norte (VECI-N);
- Adequação Viária em Vias Existentes;
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- Duplicação da Rodovia Mário Andreazza;


- Duplicação da Ponte Mário Andreazza;
- Duplicação da Estrada da Guarita;
- Corredor Avenida 8 de Abril;
- Construção de Vários viadutos em Cuiabá e Várzea Grande;
- Construção de trincheiras em várias vias urbanas;
- Adequações de rotatórias;
- Ampliação da Ponte Nova;
Ao todo estão previstas mais de 30 obras de desbloqueio em todo o perímetro urbano
de Cuiabá e Várzea Grande. Paralelamente a essas obras, tem-se uma promessa pública de
recuperação asfáltica nos diferentes bairros que compõem a cidade. O custo divulgado pelo
governo estadual para tais obras são:
- mobilidade no entorno da Arena – R$ 140 milhões e reais, empréstimo junto ao
BNDES
- corredores do transporte coletivo - R$ 1,1 bilhão de reais, empréstimo junto a Caixa
Econômica Federal
- travessia urbana entre Cuiabá e Várzea Grande – R$ 360 milhões de reais, recursos
da Caixa Econômica federal
- rodovia Mario Andreazza – R$ 32 milhões de reais, fonte do BNDES
- contrapartida – R$ 250 milhões de reais, recursos do governo estadual
Essas obras estão provocando uma corrida desenfreada aos imóveis, pois favorecem
ao capital especulativo exercido pelos diferentes agentes na cidade.
Além das obras de mobilidade, também estão também previstas:
- A reforma e ampliação do Aeroporto Internacional Marechal Rondon para atender o
aumento do fluxo de passageiros, aeroporto este que comporta um atendimento anual de 1,7
milhão de passageiros/ano com as obras de adequação a previsão do governo que esse número
seja duplicado.
- A construção do Fan Fest. O Fan Fest transmitirá gratuitamente em alta definição os
64 jogos do mundial de futebol ao vivo, em parceria com a rede Globo de televisão. Durante
os 30 dias do evento, o local contará com estacionamento, praça de alimentação, lojas oficiais
da FIFA e uma extensa programação de shows, incluindo grupos musicais locais e as
principais manifestações da cultura local. Como legado para depois da Copa do Mundo de
2014, o projeto prevê a construção de um teatro municipal com capacidade para 1.500
pessoas, um planetário e um museu que contará a história do futebol. O local previsto para a
89

Fan Fest é onde atualmente se encontra o parque de exposições da cidade, a Acrimat


(associação dos criadores de Mato Grosso). Uma recomendação da entidade é que o lugar
tenha uma identificação com a cidade, característica que no caso de Cuiabá se manifesta pela
proximidade com a orla do rio Cuiabá e relativamente próximo ao estádio onde serão
realizados os jogos; apesar dessa exigência da FIFA o governo estadual está pleiteando a
mudança do local para uma região próximo ao bairro Morada do Ouro, a fim de diminuir os
custos de implantação dessa obrigatoriedade imposta pela instituição organizadora do evento.
- Implantação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos ). Esse modal de transporte entrou
em substituição do BRT (Bus Rapid Transit), por ser considerado mais moderno embora o
custo de implantação seja muito mais oneroso aos cofres públicos. O VLT vai redesenhar o
tráfego nas principais avenidas de Cuiabá e de Várzea Grande. A Secopa tem pregado a
ideologia que será um salto de qualidade e segurança no trânsito das duas maiores cidades
mato-grossenses. O modal será implantado no canteiro central nos itinerários CPA-Aeroporto
Marechal Rondon e Coxipó-Centro. O volume de ônibus que circulam pelas avenidas será
reduzido quando o novo modal entrar em operação. Os veículos alimentarão o sistema de
VLT, trazendo os passageiros dos bairros até uma das 30 estações do metrô de superfície, que
ficarão ao lado dos trilhos no canteiro central.
- Construção do complexo esportivo “Arena Pantanal”. Considerado pela FIFA como
principal obra da Copa do Mundo de 2014. O estádio irá comportar segundo o projeto um
total de 42.000 lugares sentados. Parte dessa estrutura será desmontada no final do evento, e o
estádio passará a contar com 22.000 assentos. O complexo contará ainda com: museu do
pantanal, palácio das artes marciais, parque ambiental com lago, heliporto, hotel com
restaurantes e centro comercial, estacionamento externo para mais 7 mil Veículos de Passeio
e 100 Ônibus de Turismo.
Todas as obras foram orçadas em 2009, sendo que o governo estadual previa um
investimento de três bilhões de reais nas obras citadas. No entanto a demora nos projetos e as
constantes mudanças dos mesmos têm feito com que as previsões mudem para cima, com um
investimento refeito no ano de 2011, para uma soma superior a quatro bilhões de reais.
Portanto, o papel do Estado se firma através do processo de dominação e interventor e
para isso ordena, organiza, estrutura e reestrutura o espaço para facilitar a produção e a
circulação de capital. Desta forma, há um confronto dialético entre o valor de uso e o valor de
troca, entre o espaço abstrato a partir das intervenções de expropriação por parte dos
interesses privados e públicos e o espaço social produzido por vários agentes e classes sociais
90

no cotidiano. “Na sociedade moderna, o Estado subordina a si os seus elementos e materiais,


entre os quais a Cidade”. (LEFEBVRE, 2001, p. 32).
Declarar que a cidade define-se como rede de circulação e de consumo, como centro
de informações e de decisões é uma ideologia absoluta; esta ideologia, que procede de uma
redução-extrapolação particularmente arbitrária e perigosa, oferece-se como verdade total e
dogma, utilizando meios terroristas. Leva ao urbanismo dos canos, da limpeza pública, dos
medidores, que se pretende impor em nome da ciência e do rigor científico (LEFEBVRE,
2001, p. 43).
Assim, os problemas reais que a cidade vivencia fazem parte de um aparato ideológico
projetado num modelo urbanístico de objetos e de objetividades. Transformar a cidade para
um evento leva à transformação excludente, pois a maior parte da população poderá
provavelmente não usufruir do legado da Copa do Mundo.
Há uma ratificação do seu real sentido, das suas significações em detrimento da lógica
racionalista do espaço. Por isso a cidade se constitui num local onde se confrontam o desejo e
a necessidade. E a mobilidade no consumo dos espaços coorporativos da cidade para que haja
a dinâmica dos fluidos entre a produção, o consumo e a satisfação.
Buscou-se até aqui demonstrar que a oportunidade de sediar megaeventos esportivos
pode representar a promoção de transformações urbanas significativas. Tais eventos se
apresentam com frequência cada vez maior enquanto grandes projetos de desenvolvimento
urbano. É possível reconhecer nos discursos dos planejadores urbanos dos megaeventos a
preocupação com a geração de legados duradouros para as cidades sedes. Tais legados se
materializam a partir de intervenções urbanas planejadas na perspectiva de superar os desafios
postos para cada uma das cidades. É neste sentido que se pode afirmar que os Jogos devem
estar a serviço das cidades sedes, sendo a realização desses uma oportunidade de mobilizar
vultosos recursos que poderão beneficiar amplamente os citadinos. Constata-se que esta
oportunidade de ouro foi aproveitada em sedes que, anteriormente à própria candidatura aos
Jogos, detinham um claro plano sobre as necessidades de transformação de seus tecidos
urbanos. É este o fenômeno que se verifica na edição de maior sucesso na ótica do urbanismo
olímpico: Barcelona 1992. Os gestores da próxima edição dos Jogos, Londres 2012, parecem
estar movidos por este mesmo espírito. No entanto, até aqui não podemos observar o mesmo
empenho nos organizadores da Copa do Mundo 2014 e nas Olimpíadas 2016 que serão
realizados no Brasil.
Além disso, cabe destacar que dentre as demais preocupações com a organização dos
Jogos, ganha relevo o dimensionamento das arenas para os usos posteriores ao megaevento.
91

Neste caso, busca-se evitar a criação de “elefantes brancos” com dimensões monumentais e
custos de manutenção astronômicos. Pois o mundo comprovou a partir da observação de
edições pretéritas como Copa do Mundo da África do Sul em 2010, Olimpíada de Pequim
2008, Olimpíada de Atenas 2004 e, Copa do Mundo no Japão e Coréia do Sul em 2002, que
as obras mal planejadas e mal orçadas podem levar as cidades e os países sede dos
megaeventos em grandes dificuldades financeiras. Os mato-grossenses, assim como os
brasileiros, esperam os megaeventos com ansiedade, não só pelo acontecimento, mas
pretendem que as promessas de cidades melhores e mais organizadas sejam verdadeiras e
proporcionem um viver melhor para seus citadinos.
92

8 A EVOLUÇÃO DOS PREÇOS E DA VALORIZAÇÃO DE IMÓVEIS NA CIDADE


DE CUIABÁ

Para esta etapa do trabalho buscou-se os dados junto à Prefeitura de Cuiabá que tem
uma classificação de valor venal do terreno por metro quadrado para efeito de cobranças de
impostos, consideramos o valor até o período cobrado no ano de 2011. A busca dos dados
também ocorreu no cartório do sétimo ofício da cidade que é o responsável pelo registro dos
imóveis na área estudada, bem com dados relacionados à oferta de imóveis colhidos nos
classificados dos jornais de circulação regional como os jornais: A Gazeta, A Folha do Estado
e o Diário de Cuiabá no período compreendido entre os anos de 2008 a 2011. Foram feitas
três consultas mensais em cada um dos jornais, onde se buscou em dias aleatórios tais
informações. Cabe ressaltar que devido a gama de informações obtidas a partir das datas que
foram escolhidas, procurava-se eliminar os anúncios do mesmo imóvel que estava contido em
mais de um jornal no dia selecionado.
Os dados sobre os preços de imóveis têm algumas deficiências. Os registros sobre
compra e venda da cidade são realizados em cartórios, que não dispõem de uma infraestrutura
de informação para tornar esses dados publicáveis e disponíveis para trabalhos dessa natureza.
Além do mais, ainda existe a prática de declarar no cartório o preço a menor do que realmente
foi negociado, pois é a partir desse preço que se arbitram os impostos e taxas cobradas.
Contamos apenas com os dados da Prefeitura quando se trata de preço de metro quadrado por
logradouro e com os classificados de ofertas de vendas para registrar principalmente o valor
que se pretende por um imóvel, além de outras variáveis subjetivas.

8.1 O PREÇO DOS TERRENOS

A planta de valores da prefeitura de Cuiabá nos indica a referência para o lançamento


do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. Para se apurar o valor
por metro quadrado são levadas em consideração alguns critérios segundo a Prefeitura
Municipal. A partir desses critérios é possível mensurar o valor do imóvel.
Para fins do nosso estudo foi elaborada uma tabela, analisando apenas os índices
coletados junto à prefeitura, que vão ao encontro ao nosso campo de estudo. Para conhecer o
valor do imóvel construímos a seguinte fórmula, conforme o quadro a seguir:
93

Fórmula 01: Fórmula para cálculo do valor do imóvel


VVT= At x Vm x Fst x Fct x (1+ Fmp)
Obs.:desenvolvida através de dados da prefeitura de Cuiabá
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Onde temos:
VVT = Valor venal do terreno
At = Area do terreno
Vm = Valor do metro quadrado por padrão de rua (tabela 11).
Fst = Fator de influencia da situação do terreno (tabela 12).
Fct = Fator das Características do terreno ( tabela 13)
Fmp = Fator de melhorias publicas (tabela 14).

Obs: Quando um imóvel possui duas frentes, ou seja, frente voltada para duas ruas,
considera-se o valor a partir do arruamento mais valorizado, que é o mesmo critério utilizado
pela prefeitura.

Tabela 08: Valor do metro quadrado por padrão de rua


PADRÃO PADRÃO VALOR DO PADRÃO
DE RUA VALOR DO M² DE RUA M² DE RUA VALOR DO M²
1 R$ 0,50 47 R$ 210,00 93 R$ 920,00
2 R$ 1,00 48 R$ 220,00 94 R$ 940,00
3 R$ 3,00 49 R$ 230,00 95 R$ 950,00
4 R$ 5,00 50 R$ 240,00 96 R$ 960,00
5 R$ 8,00 51 R$ 250,00 97 R$ 980,00
6 R$ 10,00 52 R$ 260,00 98 R$ 1.000,00
7 R$ 12,00 53 R$ 270,00 99 R$ 1.050,00
8 R$ 15,00 54 R$ 280,00 100 R$ 1.100,00
9 R$ 18,00 55 R$ 290,00 101 R$ 1.150,00
10 R$ 20,00 56 R$ 300,00 102 R$ 1.200,00
11 R$ 25,00 57 R$ 320,00 103 R$ 1.250,00
12 R$ 30,00 58 R$ 340,00 104 R$ 1.300,00
13 R$ 35,00 59 R$ 350,00 105 R$ 1.350,00
14 R$ 40,00 60 R$ 360,00 106 R$ 1.400,00
15 R$ 45,00 61 R$ 380,00 107 R$ 1.450,00
16 R$ 50,00 62 R$ 400,00 108 R$ 1.500,00
17 R$ 55,00 63 R$ 420,00 109 R$ 1.550,00
18 R$ 60,00 64 R$ 440,00 110 R$ 1.600,00
19 R$ 65,00 65 R$ 450,00 111 R$ 1.650,00
94

20 R$ 70,00 66 R$ 460,00 112 R$ 1.700,00


21 R$ 75,00 67 R$ 480,00 113 R$ 1.750,00
22 R$ 80,00 68 R$ 500,00 114 R$ 1.800,00
23 R$ 85,00 69 R$ 520,00 115 R$ 1.850,00
24 R$ 90,00 70 R$ 540,00 116 R$ 1.900,00
25 R$ 95,00 71 R$ 550,00 117 R$ 1.950,00
26 R$ 100,00 72 R$ 560,00 118 R$ 2.000,00
27 R$ 105,00 73 R$ 580,00 119 R$ 2.100,00
28 R$ 110,00 74 R$ 600,00 120 R$ 2.200,00
29 R$ 115,00 75 R$ 620,00 121 R$ 2.300,00
30 R$ 120,00 76 R$ 640,00 122 R$ 2.400,00
31 R$ 125,00 77 R$ 650,00 123 R$ 2.500,00
32 R$ 130,00 78 R$ 660,00 124 R$ 2.600,00
33 R$ 135,00 79 R$ 680,00 125 R$ 2.700,00
34 R$ 140,00 80 R$ 700,00 126 R$ 2.800,00
35 R$ 145,00 81 R$ 720,00 127 R$ 2.900,00
36 R$ 150,00 82 R$ 740,00 128 R$ 3.000,00
37 R$ 155,00 83 R$ 750,00 129 R$ 3.100,00
38 R$ 160,00 84 R$ 760,00 130 R$ 3.200,00
39 R$ 165,00 85 R$ 780,00 131 R$ 3.300,00
40 R$ 170,00 86 R$ 800,00 132 R$ 3.400,00
41 R$ 175,00 87 R$ 820,00 133 R$ 3.500,00
42 R$ 180,00 88 R$ 840,00 134 R$ 3.600,00
43 R$ 185,00 89 R$ 850,00 135 R$ 3.700,00
44 R$ 190,00 90 R$ 860,00 136 R$ 3.800,00
45 R$ 195,00 91 R$ 880,00 137 R$ 3.900,00
46 R$ 200,00 92 R$ 900,00 138 R$ 4.000,00
dados: Prefeitura de Cuiabá – 2011
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Como é um bairro popular, a prefeitura sempre considerou o entorno do estádio com


ruas que estão contidas entre o referencial 10 ao 56, ou seja, no valor em reais de R$20,00 a
R$300,00 da tabela acima. Isto não se refere ao valor do imóvel, isto significa que o
arruamento pesa entre R$20,00 a R$300,00 para mensuração do Valor Venal do Imóvel.
As tabelas seguintes: 09, 10 e 11 são índices de referência para que possamos
construir o valor de cada imóvel do entorno onde será realizado o Megaevento.
95

Tabela 09: Fator de Influência da Situação do Terreno

Fst - Fator de
influência da situação
do Terreno
Ordem Discriminação Índice
0 Uma ou duas frentes 1,00
1 Encracado 0,80
2 Vila 0,90
Dados: Prefeitura de Cuiabá – 2011
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Tabela 10: Fator de Influência das Características do Terreno


Fct - Fator de influência das características do
Terreno
Ordem Discriminação Índice
0 Normal 1,00
1 Alagado parcialmente 0,60
2 Inundável 0,70
3 Rochoso 0,90
4 Aclive/ declive moderado 0,95
5 Aclive/declive acentuado 0,90
6 Desnível alto 0,80
7 Desnível baixo 0,95
*no caso de mais de uma característica optar pela de
menor índice

Dados: Prefeitura de Cuiabá – 2011


Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012
96

Tabela 11: Fator de melhorias públicas


Fmp - Fator de Melhorias
públicas
Ordem Discriminação Índice
1 Pavimentação 0,30
2 Rede de água 0,15
3 Rede de esgoto 0,10
4 Iluminação pública 0,10
5 Guias e sarjetas 0,10
6 Rede telefônica 0,05
7 Coleta de lixo 0,15
Conservação de
8 logradouro 0,05

Fonte: Prefeitura de Cuiabá – 2011


Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Esta fórmula é valida para os imóveis edificados, no entanto o entorno do estádio,


onde será realizado o Megaevento, é composto também de terrenos não edificados, o que
baseado novamente nos dados da prefeitura consideramos para efeito de tributação. São
considerados não edificados os imóveis que se enquadrem em uma das seguintes situações:
a) Sem construção ou benfeitorias;
b) Em que houver construção paralisada ou em andamento, bem como aquelas em
ruínas, em demolição, condenadas ou interditadas;
c) Quando a edificação for temporária ou provisória, ou possa ser movida sem
destruição, alteração ou modificação;
d) Cuja edificação possua valor igual ou inferior a vinte por cento do valor venal do
terreno e área da sua edificação seja igual ou inferior a vigésima parte da área do terreno, que
não possua calçada e muro frontal.
Na situação de imóveis não edificados, segundo os dados cadastrados junto à
Prefeitura de Cuiabá, o entorno tem 112 imóveis nesta situação. Isto não quer dizer que são
terrenos abandonados, pelo contrário, esses imóveis receberam e estão recebendo grande
assédio imobiliário, pois os investidores foram ágeis e ávidos na busca desses
empreendimentos, pois vários deles agora possuem localização privilegiada em relação ao
novo estádio e a nova estrutura prevista para o local.
97

Outra variante a ser considerada pelo valor do imóvel é o tipo de acabamento dos
edifícios, sendo necessária novamente uma pesquisa na prefeitura para que pudéssemos
conhecer o referencial utilizado pelo poder público. Diante disso, encontramos a tabela 12 e a
tabela 13 em relação aos imóveis residenciais e comerciais do município como um todo.

Tabela 12: Valor de metro quadrado em relação ao tipo de acabamento em imóveis


residenciais
HORIZONTAL -
RESIDENCIAL
TIPO ACABAMENTO PADRÃO CLASSE VALOR DO M² EM R$
Luxo A R$ 1.800,00
Fino B R$ 1.300,00
Alto C R$ 1.000,00
Normal D R$ 820,00
Baixo E R$ 600,00
Popular F R$ 450,00
Modesto G R$ 220,00
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012

Tabela 13: Valor de metro quadrado em relação ao tipo de acabamento em imóveis não
residenciais

HORIZONTAL - NÃO RESIDENCIAL


VALOR DO M² EM
TIPO ACABAMENTO PADRÃO CLASSE
R$
Luxo A R$ 1.900,00
Fino B R$ 1.400,00
Alto C R$ 1.100,00
Normal D R$ 850,00
Baixo E R$ 650,00
Popular F R$ 350,00
Fonte: Prefeitura Municipal de Cuiabá
Fonte: Siqueira 2011
Organização: Siqueira 2012
Para fins de enquadramento, buscamos os dados do Valor Venal junto a prefeitura
local a fim de mensurar o valor dos imóveis a sua possível ou não super valorização em
relação às obras da Copa do Mundo de 2014. Não foram levadas em consideração
98

características físicas do terreno, como declividade, entre outros, considerando assim apenas o
“valor-localização”. Em pesquisa informal junto a sete imobiliárias que atuam nessa região,
esse valor corresponde em média a 70% do valor de mercado (imobiliário), ou seja, a
localização é o fator primordial para comercialização de um imóvel. Esse fator também é
utilizado para o cálculo do imposto urbano – o IPTU.
Desta forma, podemos utilizar os valores para efeito de comparação entre os
logradouros no período pertinente a esta análise. Ainda neste ponto, podemos compreender a
percepção do Poder Público quando se observa a valorização de determinada área em
comparação a outras.
Com uma nova pesquisa junto aos dados cadastrais da prefeitura de Cuiabá, buscamos,
para nossa análise, as ruas e avenidas mais valorizadas próximas ao estádio de futebol, pois a
partir delas já podemos verificar os dados que fundamentam este trabalho. A seguir listamos o
valor de cada uma das ruas e avenidas mais valorizadas do entorno que foram analisadas em
nosso trabalho. A localização exata dos pontos a seguir listados se encontra na figura 14 logo
abaixo:
- Rua Barão de Melgaço – padrão da rua é de R$ 200,00 (duzentos reais) o metro
quadrado. O trecho considerado está entre a Avenida Senador Metello a Avenida Miguel
Sutil.
- Rua Comandante Costa – padrão de rua é de R$ 150,00 ( cento e cinquenta reais) o
metro quadrado. O trecho considerado entre a Avenida Senador Metello a Avenida Oito de
Abril.
- Avenida São Sebastião – entre a Senador Metello e a Avenida Agrícola Paes de
Barros o padrão é de R$ 200,00 ( duzentos reais) o metro quadrado. Entre a Avenida Agrícola
Paes de Barros a rua jornalista Alves de Oliveira o padrão é de R$ 100,00 ( cem reais) o metro
quadrado.
- Avenida Senador Metello – entre a rua Barão de Melgaço a Avenida Oito de Abril o
padrão é de R$ 200,00 ( duzentos reais ) o metro quadrado. No perímetro entre a Oito de
Abril e a rua das Tulipas o valor altera para R$ 350,00 ( trezentos e cinquenta reais ) o metro
quadrado.
- Avenida Ipiranga – entre a Senador Metello a Avenida Agrícola Paes de Barros o
padrão é de R$ 170,00 ( cento e setenta reais ) o metro quadrado. Entre a Avenida Agrícola
Paes de Barros e a rua Jornalista Alves de Oliveira o valor é de R$ 140,00 ( cento e quarenta
reais ) o metro quadrado.
99

- Avenida doutor Agrícola Paes de Barros – entre a rua Barão de Melgaço e a Avenida
São Sebastião o valor é de R$ 270,00 ( duzentos e setenta reais ) o metro quadrado. E entre a
Avenida São Sebastião e a Avenida Miguel Sutil o valor é de R$ 450,00 ( quatrocentos e
cinquenta reais ) o metro quadrado.
- Avenida Oito de Abril – entre a rua Barão de Melgaço a Avenida Ipiranga o valor é
de R$ 150,00 ( cento e cinquenta reais ) o metro quadrado. E Entre a Avenida Ipiranga a
Avenida Senador Metello o valor de referência é de R$ 170,00 ( cento e setenta reais ) o
metro quadrado.

Figura 14: Principais áreas de valorização no entorno do estádio

Mapa elaborado a partir dos dados cartográficos do SIG- Cuiabá com recursos técnicos do Argis
Fonte: Siqueira(2011)
Organização: Siqueira (2012)

Esses valores acima citados serviram de base para o cálculo do IPTU 2011 da
localidade. Cabe ressaltar que se buscarmos o valor de referência de 2009, que estão 30%
menores em média. No entanto, se considerarmos a inflação no período, o valor acumulado
100

entre 2009 a 2011, segundo o Banco Central – BACEN, é de 16,7%. O gráfico abaixo,
mostrado como figura 17, exemplifica bem tal situação.

Gráfico 03: Inflação e Valorização imobiliária no entorno do estádio entre 2009 a 2011

valor acumulado entre 2009 a 2011

reajuste no valor dos


imóveis

valor acumulado entre


2009 a 2011
Inflação

0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0%

Dados: Bacen e Prefeitura de Cuiabá


Fonte: Siqueira (2011)
Organização (2012)

O argumento oficial para essa majoração no imposto foi a valorização natural da área
e afirma ainda que toda a cidade também sofreu tal valoração. Aprofundando um pouco mais
nossos estudos e comparando o valor lançado do IPTU das principais ruas que dão acesso a
nova Arena de Futebol, podemos observar áreas que foram valorizadas com mais de 70%,
chegando a um caso extremo de 83%, conforme pesquisa que fizemos junto aos moradores da
região. Estamos nos referindo a imóveis que não sofreram adequações no período, pois
existem edifícios que sofreram maiores valorações, no entanto são imóveis que foram muito
modificados, o que impossibilita tal comparação.
Quando se observam as áreas de expansão urbana da cidade de Cuiabá, compreende-se
melhor a estratégia de ocupação da cidade. A expansão horizontal de uma localidade urbana,
por seu sítio, quase sempre se deu em vetores – chamados também de vetores de expansão – e
que podem acumular em seu caminho diferenciações contidas também na divisão social da
cidade.
Assim no período de 2009 a 2011, foi possível observar uma significativa mudança
nas intenções do Poder Público de “adequar” o valor venal dos imóveis à demanda e às
101

intenções verificadas nos seus projetos, tanto no âmbito do capital imobiliário, quanto no
âmbito do Estado como agente produtor e transformador do espaço urbano.

8.2 ASPECTOS DA VALORIZAÇÃO DAS HABITAÇÕES

Na pesquisa realizada em classificados dos jornais A Gazeta, O Diário de Cuiabá e a


Folha do Estado, em suas edições de domingo, pois nesse dia ocorrem mais anúncios,
selecionadas no período de 2009 a 2011, foram observadas algumas variáveis: tipologia do
imóvel, número de dormitórios, localidades anunciadas como “próximo ao estádio” e preço,
que não reflete um valor definitivo para venda dos imóveis, visto que se referem apenas às
ofertas de vendas do mercado imobiliário, tanto os imóveis produzidos no mercado formal,
quanto os que foram produzidos no mercado informal. Dessas ofertas, nem todas por sua vez
continham a informação de preço. Em média 60% dos anúncios não continham esta
informação.
Em relação aos imóveis anunciados observamos que se identificavam como parte da
região do Verdão. Seu raio de influência contribui para a definição de determinadas
localidades na oferta de venda, como sendo integrantes do seu “raio de influência”,
principalmente por critério do mercado.
Como a proximidade, desponta também como “área valorizada”, inclusive nos
discursos oficiais do Poder Público. A população vê despertado seu interesse de conseguir
agregar valor em seus imóveis, com o chamado valor-localização. Os produtos urbanos não
seriam as benfeitorias dos imóveis em si, mas as localizações advindas da estruturação e
composição do que é um elemento estruturante do espaço na cidade, concordamos com
Villaça (1998, p. 24), quando diz que:
A produção dos objetos urbanos só podem ser entendidas e explicadas se
forem consideradas suas localizações. “A localização é ela própria, também
um produto do trabalho e é ela que especifica o espaço intraurbano.

Se o Estado age em conformidade com interesses particulares, durante muito tempo,


para uma valorização progressiva da área, nos conflitos e limites do habitar, há uma
valorização “subjetiva” do imóvel. Na outra ponta, está, por vezes, o habitante que incorpora
as intenções do Estado e do mercado, aumento o valor do seu imóvel muito acima do mercado
real.
Nas pesquisas realizadas no entorno do estádio junto aos moradores, podemos
identificar o fator “Copa” como sendo o grande propulsor da valorização imobiliária local.
102

Se, como já dissemos acima, o valor venal imposto pelo poder público para a região foi muito
acima da inflação, ao pesquisarmos os anúncios de jornais, ou pesquisando junto aos
moradores, ficamos ainda mais estarrecidos, pois imóveis residenciais com padrões populares
de construção, estão sendo ofertados a R$1.000,00 (mil reais) o metro quadrado. Em conversa
informal com os moradores dessa área, o argumento é unânime que a proximidade do estádio,
onde se realizará a Copa do Mundo de 2014, fez com que houvesse essa supervalorização.
Apenas para efeito de analogia, buscamos junto ao mercado imobiliário os valores do espaço
nos condomínios fechados mais valorizados da cidade, que são os condomínios Florais
Cuiabá e Alphaville. Nesses locais, o metro quadrado do espaço sem construção pode ser
encontrado a R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais), desprezando a taxa de condomínio cobrado
nesses empreendimentos. Consideramos o espaço nos condomínios sem construção, pois os
imóveis comercializados nas proximidades do estádio são demolidos para que sejam erguidos
novos empreendimentos com um padrão de construção muito mais elevado. Portanto se
considerarmos essa analogia podemos concluir que o espaço no entorno da Arena Pantanal
está mais valorizado que as áreas consideradas mais nobres da cidade.

8.3 REFLETINDO SOBRE OS PROCESSOS DE PRODUÇÃO E VALORIZAÇÃO DO


ESPAÇO EM CUIABÁ

A produção do espaço em uma determinada fração da cidade de Cuiabá foi aqui


estudada para representar processos que se generalizam em qualquer grande metrópole, com
maior ou menor intensidade, mas com contradições que terminam por segregar ainda mais a
sociedade.
No caso da área da construção da Arena Pantanal, há grandes investimentos públicos a
partir da escolha da cidade de Cuiabá como um dos locais que irá sediar a Copa do Mundo de
Futebol em 2014. Hoje os interesses públicos e privados convergem principalmente para essa
fração do espaço. A abordagem deste trabalho tem como prerrogativa resgatar a gênese dos
processos e seu desenvolvimento ao longo do tempo, a fim de tecer uma análise dos fatos e
entender os processos urbanos que terminaram por imprimir à cidade uma divisão social a
partir de seus próprios espaços segregados.
A ação do Estado para transformar uma área pouco dinâmica em uma área povoada, a
especulação imobiliária forjada na própria escassez e, por fim, a legislação, garantindo a
mercantilização da paisagem e limitando o seu uso para grande parcela da população
garantem o “mosaico” de espaços em que Cuiabá tem se transformado nos últimos anos. A
103

valorização do espaço não pode ser explicada por si só, mas no contexto da produção da
cidade pelos instrumentos jurídicos e administrativos de regulação da sociedade urbana e que
servem ao processo de especulação imobiliária. “Esse raciocínio sugere ser preciso considerar
a reprodução da sociedade, em sua totalidade, realizando-se através da produção/reprodução
do espaço”. (CARLOS, 2011, p. 53).
O fator principal da valorização de terrenos e imóveis urbanos é dado por uma
conjuntura maior, mas pode-se dizer que o agente fundamental dessa transformação é o
Estado, que, investindo na produção da cidade, com recursos vultosos que deveriam estar
voltados para equalizar as desigualdades sociais, implicam sobremaneira na valorização
imobiliária das áreas onde atua. O Poder Público como veículo da “organização e
manutenção” da unidade urbana, em seu desempenho intervencionista, influi justamente numa
dialética desigual da produção do espaço. É o setor público que viabiliza as ações do setor
privado, e o que parecia estar nitidamente separado em duas esferas e que, na verdade, as
fazem caminhar juntas.
Por isso, o processo de produção do espaço urbano não se dissocia de seu processo de
super valorização. A propriedade da terra, inserida na lógica do mercado, passa a ser objeto de
troca e tem um preço que representa assim uma proporção da riqueza social criada. Mais
tarde, a supervalorização dos recursos naturais acaba por contribuir ainda mais com a
especulação do solo privado, transformando-se em mercadoria de alto valor financeiro.
Esses investimentos culminam em criar também as localizações, importante variável
para compreensão do valor imobiliário urbano. A partir dos valores de uso e troca são que os
lugares acabam se definindo pela classe dominante e o espaço ganha a condição de objeto
como espaço-mercadoria. Recorremos novamente a Carlos (2011, p. 61) para melhor
fundamentar nossas ideias:
A nós, ao contrário, cumpre entender que o mundo da mercadoria se
desenvolve sob novas formas (a reprodução do espaço como mercadoria),
produz uma contradição (que vai aparecer de forma definitiva e dramática na
prática socioespacial) entre valor de troca e valor de uso, como consequência
do movimento da história que transformou o espaço em mercadoria. Esse
movimento é necessário para compreender os novos conteúdos da produção
do espaço bem como os novos sujeitos que interferem em sua produção

A expressão formal desse fenômeno é o preço da terra e de suas benfeitorias, que se


concretiza como capital. O processo de valorização perpassa o Estado e sua “máquina”, que
capitalizam de forma privada os investimentos públicos.
104

8.4 REFLETINDO O PROCESSO NO ENTORNO DO ESTÁDIO ARENA PANTANAL

Pode-se dizer que desde a construção do estádio de futebol na década de 1970 o agente
Estado teve um papel importante. Nesse período, coube aos incorporadores imobiliários a
especulação e os ganhos futuros com o investimento maciço do Estado.
No atual momento, em que se expectam um grande evento mundial e a visibilidade do
Estado de Mato Grosso de sua Capital Cuiabá deverão ser transmitidas para mais de dois
bilhões de habitantes da Terra, as ações do Estado e seus agentes tornam-se muito mais
visíveis.
O primeiro passo, a fase de projetos e candidatura para sediar os jogos, já foi superada.
Agora estamos na fase de operacionalização das estruturas a serem criadas e o reordenamento
do espaço urbano. O processo requer um “discurso competente” junto à população local de
que os transtornos são momentâneos para seus cidadãos, mas os benefícios serão para
“sempre” na cidade. Isso tem culminando com a grande valorização do espaço, condição que
agrega ainda mais valor à localização. Isso culminou por subjugar a terra urbana ainda mais
aos ditames das incorporações imobiliárias.
O crescimento populacional da grande Cuiabá, além do seu processo de
metropolização, induziu a cidade em uma expansão segregada e, consequentemente, à
necessidade do Estado em garantir e subsidiar essas transformações que se faziam e se fazem
necessárias no perímetro urbano.
Sob a “imperiosa” necessidade de progredir, reestruturar a cidade e prepará-la para o
Megaevento, os terrenos são vendidos a preço muito acima do valor de mercado.
Desta forma, a especulação pode ocorreu de forma plena e, aliada aos interesses do
Estado, garantiu a possibilidade de estruturar uma área com crescente valorização imobiliária,
principalmente nos últimos anos. Toda essa mudança ocorre em uma época que a cidade sofre
com graves problemas habitacionais, proporcionado uma corrida ao sonho da casa própria. É
uma época em que os proprietários e empreendedores imobiliários que adquiriram terrenos a
preço vil para a especulação futura têm conseguido, com a infraestrutura que está sendo
criada, agregar valor com o passar do tempo, possibilitando se construir um padrão de
habitação só conseguido com um investimento de grandes incorporadores. Ao mesmo tempo,
uma expressiva parcela da população local está se deslocando para outras áreas da cidade.
Como foi dito, a forma como as esferas pública e privada tornam-se híbridas e
convergem para o mesmo caminho está explicitado através da construção da “Arena
105

Pantanal”. A previsão é que o empreendimento não só da Arena, mas de toda uma


infraestrutura, através de um consórcio imobiliário, transformem o entorno do estádio em uma
região privilegiada e sofisticada, com a valorização da qualidade de vida e dos elementos
naturais e paisagísticos da área.
Os papéis do Estado e do capital imobiliário parecem, portanto, conjugarem-se pelo
interesse em valorizar certas áreas em detrimento de outras. Isso é revelado pelas estratégias e
ações contidas em planos e projetos que, a principio, deveriam equalizar as tensões sociais.
Os imóveis construídos na área, com poucas exceções, não continham a sofisticação.
Na área predominaram, até os primeiros anos do século XXI, moradias voltadas para uma
classe média menos abastada, composta por servidores públicos, profissionais liberais, entre
outros. Agora o entorno recebe empreendimentos que seguem tendências “globalizadas”, com
um rigoroso padrão de qualidade que caracteriza o novo habitar, voltado para o
comportamento de segmentos sociais que podem comprá-lo.
O preço também demonstra a valorização imobiliária, quando tratamos de terrenos e
casas cujos valores utilizados pela própria prefeitura municipal tem- se valorizado acima da
média dos demais eixos de expansão urbana. O índice de reajuste superou a inflação do
período. Na própria Avenida Doutor Agrícola Paes de Barros, principal rua de acesso ao
estádio, o metro quadrado correspondia a R$ 65,34 (sessenta e cinco reais e trinta e quatro
centavos) em 2005 e atualmente é de R$ 1.000 (mil reais), superando até mesmo os espaços
mais nobres da cidade.
Os imóveis, no bojo dos investimentos do Poder Público, se valorizaram sobremaneira
e os terrenos que permaneciam ociosos, favorecendo a especulação, começaram a ser
cobiçados, com valores que acompanham a “bolha imobiliária” que se instituiu na área.
Constata-se, através deste trabalho, que os preços do mercado imobiliário estão acima de seu
real valor, mas isso não inibe a ação dos compradores, criando assim um ciclo de especulação
sem fim, cuja ameaça consiste em uma rápida queda geral dos preços, esperada por muitos
após o megaevento Copa do Mundo.
Os imóveis hoje, em algumas áreas em que realizamos a pesquisa deste trabalho,
chegam a ser ofertados por preços entre quatro e cinco vezes mais do que aqueles ofertados há
dez anos. Os planos e projetos, que beneficiaram muitas vezes somente o eixo principal, como
o tratamento do canteiro central e novos empreendimentos, terminam por super valorizar
virtualmente toda área ao redor. Em pesquisa de classificados, constatou-se que mais de
quarenta localidades se identificam como “próximo ao Estádio Verdão”, face ao caráter
especulativo e super valorizado que o entorno ganhou nos dois anos.
106

A tendência é que a “bolha imobiliária” cresça ainda mais, ante as características dos
novos empreendimentos que estão surgindo. Pois, dominantemente, surgem empreendimentos
comerciais em um bairro residencial, o que poderá proporcionar para o futuro uma nova
centralidade da cidade.
Casos, como os que foram registrados acima, geram o que chamamos de “segregação
urbana” - que significa desenvolvimento separado - imposto pelo Estado e capital imobiliário
e acaba por segregar mais e mais a sociedade, favorecendo a emergência de conflitos
imanentes à própria produção do espaço. A periferização é a consequência mais comum.
107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção do espaço geográfico iniciou-se com a apropriação, dominação e


transformação da natureza pelo homem como estratégia de reprodução para sua existência.
Assim, organizado em sociedade, o homem vem criando instrumentos e desenvolvendo
técnicas para a realização do trabalho que se materializa no espaço através dos objetos
geográficos incorporados. E como diz Milton Santos (1996): “o ato de produzir equivale ao
ato de produzir espaço”.
São as forças produtivas e as relações de produção estabelecidas que irão conduzir este
processo. As relações de produção referem-se às relações construídas socialmente entre os
próprios homens, a exemplo da forma de propriedade e das relações de trabalho. As forças
produtivas equivalem às relações entre o homem e a natureza, dadas pela força de trabalho e
pelos meios de produção - os objetos (a terra) e instrumentos de trabalho.
A lógica do modo capitalista de produção se evidencia com a apropriação privada do
espaço total, socialmente construído, que repercute numa intensa segregação socioespacial.
As divisões sociais da cidade estão refletidos nos espaços desiguais e fracionados da cidade
contemporânea.
No espaço urbano, este processo é maximizado, sendo revelado na paisagem urbana.
As formas espaciais revelam o conteúdo desta conjuntura socioeconômica e o
Estado legitima-a com os seus instrumentos institucionalizados (leis, regulamentos,
normas e sanções), pelo qual o solo urbano se evidencia como uma mercadoria integrada à
lógica de reprodução do capital.
Enquanto mercadoria o solo urbano se expressará “ora como “valor de uso”
(exprimindo a sua utilidade para a reprodução da existência humana), ora como “valor de
troca” (mediando a ação da especulação imobiliária)” (VIEIRA JUNIOR; FREITAS, 2005).
Cuiabá configura-se como área de convergência da ação intensiva do capital e da mobilidade
espacial da população.
É assim que, longe de finalizar a discussão, apresenta-se aqui uma proposta: a cidade
antes de se realizar nas estratégias de planos e projetos (sejam ambientais ou não), traz,
imanente à produção, o direito ao seu uso, que só pode ser entendido no plano do habitar
(viver), plano este que nega o valor de troca. A cidade pode ser entendida e apropriada
plenamente com a ruptura das estruturas existentes, através do que Carlos (2004, p.154)
108

chama de “crítica radical do existente”. Só assim será possível fomentar a realização plena do
cidadão como homem-natureza.
A valorização do espaço pressupõe em sua evolução a ampliação crescente da mais-
valia. Isso porque a apropriação privada dos meios de produção implica na “privatização do
espaço”, um processo histórico onde porções da superfície da Terra e tudo que ela contém são
privatizadas (MORAES; COSTA 1999, p.159-160). As paisagens são únicas, dotadas de
universalidade e singularidade, permitindo uma valorização também singular e constante
quando avaliamos o espaço como objeto e mercadoria, a partir de seus atributos.
O marketing imobiliário termina por induzir setores da população a se deslocar para
áreas não ocupadas da cidade, forçando o Poder Público a investir na sua infraestrutura
básica. Cria e recria espaços, alterando a paisagem e incorporando-a à lógica capitalista,
agravando a crise da escassez artificial do solo.
No caso de Cuiabá, o déficit habitacional faz com que o imóvel seja produto ainda
mais valorizado. O espaço como bem finito é condição para existência e produção da vida.
Em oposição as suas limitações a população cresce e junto com ela vêm as necessidades de
abrigá-la para dar sustento às condições imanentes ao homem.
Somente o desenvolvimento tecnológico permite o acesso, a apropriação, o domínio e
a perenização da produção do espaço (MORAES; COSTA, 1999, p.178).
Mas, até o momento, a racionalização técnica do espaço tem sido utilizada em massa
para segregar, trazendo como consequência o antagonismo de classes, a agregação seletiva de
valor à terra, a criação das localizações, as apropriações e o consumo pelo capital. A
valorização imobiliária, da forma com que se realiza, termina por segregar ainda mais a
sociedade.
As soluções para evitar os efeitos nocivos da especulação imobiliária estão em
mudanças efetivas nas relações urbanas. Nesse sentido, uma ampla reforma urbana se faz
necessária. E os instrumentos para realizá-la estão contidos no Estatuto da Cidade
(lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), que em seu corpo tenta promover a inclusão
territorial e social nas cidades do país.
O Estatuto contém as diretrizes gerais de uma política urbana, como o direito as
cidades sustentáveis, à gestão democrática, à ordenação e controle do uso do solo para evitar a
retenção especulativa do imóvel, além da regularização fundiária e a urbanização de áreas de
ocupação de baixa renda.
Especificamente com relação à valorização e à segregação provocada pelo “boom
imobiliário” da última década, existem instrumentos na legislação que asseguram a função
109

social da propriedade urbana, como o Plano Diretor, o parcelamento e edificação compulsória


de áreas e imóveis urbanos, IPTU progressivo no tempo para áreas sem utilização e
desapropriação para fins de reforma urbana, além da regularização fundiária.
O IPTU progressivo é outro importante instrumento para inibir a especulação
imobiliária e democratizar o acesso à cidade. Sua finalidade não seria a arrecadação fiscal,
mas a indução para que o proprietário cumpra a função social da propriedade, seja parcelando,
edificando ou utilizando a propriedade urbana.
Caso tenha se passado cinco anos sem que o proprietário tenha dado um destino legal
à propriedade o imóvel seria desapropriado, sendo seu pagamento efetuado com títulos da
dívida pública, resgatáveis em dez anos. Assim o imóvel passaria a ser utilizado na reforma
urbana.
Como percebemos aqui, instrumentos existem na forma da lei e regulamentam um
direito previsto na Constituição Brasileira. O que falta é vontade política dos gestores
públicos para aplicá-la.
Após a confirmação de Cuiabá como sede da Copa do Mundo 2014 A “reforma
urbana” é pregada pelos gestores a fim de “democratizar a cidade” segundo o discurso oficial.
O Estado deve cumprir a sua função, mediando os conflitos sociais, garantindo a
dignidade humana através de programas de interesse social com a redução gradual do déficit
habitacional. Mutirões de autoconstrução, acesso a material para construção de qualidade
com baixo custo e financiamento oficial revelam-se como caminhos alternativos.
O espaço deve definitivamente ser encarado a partir do princípio que ele não é apenas
um produto, mas condição fundamental para produção e existência humanas, assim como o
próprio corpo para fazer uma alusão ao seu traço “fundamental”. Esse princípio é que norteia
o conceito de função social da propriedade e garante o avanço de uma reforma urbana.
A valorização imobiliária beneficia apenas um pequeno grupo. As elites criam para si
uma valorização ilusória em forma de “bolha” que, a qualquer tempo, pode romper.
O capital imobiliário é uma categoria de análise de suma importância para o estudo da
produção do espaço urbano. Este capital se apresenta de várias maneiras no processo de
construção e apropriação do espaço urbano, sendo que podemos citar: a função fundiária,
produtiva, financeira e imobiliária.
Nosso estudo evidenciou o processo de urbanização que, no caso de Cuiabá, foi
motivado pela migração intensa a partir dos anos 70. Esse processo de urbanização sempre se
mostrou excludente com as forças produtivas e as relações de produção estabelecidas que
conduzem esse processo. As relações de produção referem-se às relações construídas
110

socialmente entre os próprios homens, a exemplo da forma de propriedade e das relações de


trabalho e as forças produtivas equivalem às relações entre o homem e a natureza dadas pela
força de trabalho e pelos meios de produção - os objetos (a terra) e instrumentos de trabalho.
A lógica do modo capitalista de produção se evidencia com a apropriação privada do
espaço total, socialmente construído, que repercute numa intensa segregação socioespacial. A
divisão social da cidade está refletida nos espaços desiguais e fracionada da cidade
contemporânea.
No espaço urbano este processo é maximizado, sendo revelado na paisagem urbana.
As formas espaciais revelam o conteúdo desta conjuntura socioeconômica e o Estado
legitima-a com os seus instrumentos institucionalizados (leis, regulamentos, normas e
sanções). No caso específico de Cuiabá, isto se deu pela construção do estádio de futebol
“Arena Pantanal”, no qual o solo urbano evidencia-se como uma mercadoria integrada à
lógica de reprodução do capital.
Enquanto mercadoria, o solo urbano se expressará tanto como valor de uso, como
valor de troca. Cuiabá configura-se como área de convergência da ação intensiva do capital e
da mobilidade espacial da população.
O estudo realizado demonstra que a produção do espaço urbano em Cuiabá
corresponde ao processo de mercantilização do solo, da moradia, dos meios de transporte
coletivo e demais serviços urbanos. Esse processo constitui um negócio lucrativo para os
empreendedores imobiliários.
A valorização do espaço em toda a cidade de Cuiabá é inegável, no entorno do estádio
que abrigará os jogos da Copa de 2014 é surpreendente, e está acima da média da valorização
nas demais partes da cidade, essa vitalidade econômica, surpreende até aos agentes
empreendedores e incorporadores que sempre atuaram no município. Isso leva naturalmente a
uma mudança no perfil socioeconômico do entorno que, certamente, será sentida a partir de
nova coleta de dados pelo IBGE. Essa mudança ocorre porque as pessoas são atraídas pelas
propostas de melhoria de infraestrutura possibilitadas pela nova “Arena Pantanal”.
O sentido da função social da propriedade urbana deve ter o “apropriar” como ação
última do espaço para realização da existência humana. A paisagem apropriada, não
dominada. A cidade usada, não vendida.
111

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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