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I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA

SEMAGEO UFF - NITERÓI


Distopias geográficas: desafios e estratégias
frente à ruptura do Estado de direito

ANAIS
Aline Rozenthal de Souza Cruz
Guido Cruz de Assis
Organizadores

ISSN: 2763-8596
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTODE GEOCIÊNCIAS – IGEO/CAMPUS PRAIA VERMELHA
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
DIRETÓRIO ACADÊMICO TELMA REGINA

ANAIS DA I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA - UFF NITERÓI

Comissão Organizadora

Amanda de Araújo Vargas


(Geografia – UFF) Thaís da Silva Matos
(Geografia – UFF)
Gabriel Fornaciari Grabois
(Geografia – UFF) Thomás Oliveira de Magalhães Medeiros
(Geografia – UFF)
Guido Cruz de Assis
(Geografia – UFF) Vinícius Martins da Silva
(Geografia – UFF)
Lai Bronzi Rocha
(Geografia – UFF)

Organização e edição dos anais


Ma. Aline Rozenthal de Souza Cruz (PosGeo – UFF)

Guido Cruz de Assis (Geografia – UFF)

Comunicação Visual: Lai Bronzi Rocha (Geografia – UFF)

Apoio: Coordenação de Geografia (Bacharel e Licenciatura), Departamento de Geografia,


Programa de Pós-Graduação em Geografia e Revista Ensaios de Geografia, todos da
Universidade Federal Fluminense

Publicação eletrônica: https://saggeouff.wixsite.com/semageouff

Contato: sag.geouff@gmail.com

Anais da I Semana Acadêmica de Geografia – SEMAGEO UFF Niterói


Diretório Acadêmico Telma Regina (DATER) – Universidade Federal Fluminense (UFF)
Organização: Aline Rozenthal de Souza Cruz e Guido Cruz de Assis
Niterói, 2019, 175 páginas. ISSN: 2763-8569. 21 a 25 de outubro de 2019
I SEMAGEO – UFF NITERÓI

O ano de 2019 inaugurou a I Semana Acadêmica de Geografia. Organizada

pelos membros do Diretório Acadêmico Telma Regina, a SEMAGEO contou com


o apoio da Coordenação do curso, do Departamento de Geografia e do Programa

de Pós-Graduação em Geografia, todos da Universidade Federal Fluminense –


Campus Niterói.

O evento aconteceu de 21 a 25 de outubro de 2019 no Instituto de

Geociências, localizado no Campus Praia Vermelha da referida instituição. A


programação foi composta por uma homenagem ao ex-aluno Prof. Dr. Andrelino

Campos, Mesas Redondas, exposição de arte e cultura, e 4 Grupos de Trabalho


para discussão de pesquisas, que deveriam abarcar o tema proposto: Distopias

geográficas: desafios e estratégias frente à ruptura do Estado de direito.


As distopias geográficas encerram a instituição do discurso ideológico do

atraso, dos territórios considerados incivilizados, periféricos e atrasados.


Procuram evidenciar a modernização racialista e escravocrata característica da

formação territorial brasileira, e que se traduz, por exemplo, na urbanização


precária, nos conflitos fundiários do campo e na destruição de biomas.

A modernização distópica do território anuncia mais um capítulo das geo-

grafias do país, na qual se abrem novos campos de luta em defesa dos direitos
humanos, do meio ambiente, das liberdades individuais e contra a expansão das

desigualdades da distribuição de renda.


Os trabalhos publicados no presente anal correspondem aos seguintes

eixos temáticos:
1 - Geo-grafias e Distopias (Urbana, Agrária e Política): este GT visou

abarcar trabalhos que se debruçassem acerca da estruturação capitalista do


espaço geográfico, em sua face conservadora, autoritária e subalternizante, que
oprime, espolia e explora as comunidades tradicionais, o operariado urbano, os

pequenos produtores agrícolas.


2 - Estudo de Impactos Ambientais: este eixo abordou os conflitos

ambientais, os planos de manejo ecológico, as vulnerabilidades socioambientais,


como eventos extremos, erosão costeira e enchentes urbanas.

3 – Insterseccionalidades: este Grupo de Trabalho abordou as relações


étnico-raciais, culturais, de sexualidade e gênero, permitindo a discussão de suas

identidades e desigualdades socioespaciais. O eixo procurou evidenciar as

estratégias de resistência e superação de distintos sujeitos socialmente


marginalizados.

4 - Educação e Geografia: este eixo buscou uma discussão sobre o sistema


educacional brasileiro, e, em especial, no que concerne ao Ensino de Geografia,

enquanto uma forma potente de leitura de mundo e desenvolvimento do


pensamento espacial.

A Comissão Organizadora do evento e dos Anais agradece a participação

e colaboração de todos os envolvidos, e deseja uma boa leitura dos instigantes


trabalhos aqui presentes.
SUMÁRIO

1 - GEO-GRAFIAS E DISTOPIAS
A FÁBRICA BHERING NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO: reflexões sobre o fenômeno de
“gentrificação” no âmbito do projeto Porto Maravilha
Gabriel Figueiró Santos Gomes, Vicente Brêtas Gomes dos Santos e João Carlos Carvalhaes dos
Santos Monteiro ............................................................................................................................... p. 6-11

A ATUAÇÃO DOS FUNDOS DE PENSÃO BRASILEIROS NO MERCADO IMOBILIÁRIO COMERCIAL


EM UM CENÁRIO DE CRESCENTE FINANCEIRIZAÇÃO
Guilherme de Almeida Muniz Filho ............................................................................................................. p.12-18

O PAPEL DO NEOLIBERALISMO NA REDUÇÃO DO REGIME DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS NO


ESTADO BRASILEIRO
Lucas Ferreira Javarys e Lucas da Silva Costa .......................................................................................... p.19-27

TERRITÓRIOS OCUPADOS: a Biblioteca Engenho do Mato


Luísa Marques Dias ........................................................................................................................................... p. 28-37

EXPANSÃO IMOBILIÁRIA NO SUBÚRBIO CARIOCA: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara
Pedro Henrique Pereira Leite dos Santos ................................................................................................ p. 38-47

AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS NEOCAPITALISTAS NO VIDIGAL


Renato Garcia F. S. Pinto ................................................................................................................................ p. 48-54

A DISTOPIA DO FUNK CARIOCA: ascensão do 150 bpm, violência nas favelas e as evidências de
uma cidade dividida
Thais da Silva Matos e Carlos Eduardo Cesário Lemos ..................................................................... p. 55-63

A ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO SOB O OLHAR DA MÍDIA: representação e produção


do espaço urbano
Vicente Brêtas Gomes dos Santos, Gabriel Figueiró Santos Gomes e João Carlos Carvalhaes dos
Santos Monteiro ................................................................................................................................................ p. 64-72

NOTAS DA RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E POVOS INDÍGENAS


Vinícius Martins da Silva e Pedro Catanzaro da Rocha Leão ........................................................... p.73-83

O HABITAR COMO SEGURANÇA ONTOLÓGICA: um estudo de caso sobre a Igreja de São José
Operário na Vila Autódromo
Yago Evangelista ................................................................................................................................................ p.84-91
2 – ESTUDO DE IMPACTOS AMBIENTAIS
INVASÃO E OCUPAÇÃO IRREGULAR EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: o exemplo do Parque
Estadual da Costa do Sol (PECS) – RJ
Karina Costa de Almeida, Jéssica Conceição da Silva e Thaís Baptista da Rocha ...................p.92-101

BREJOS CONSTRUÍDOS: uma abordagem integrativa


João Pedro Alvares Simões Wreden e Sarah Farias dos Santos Lisbôa Borges .................... p. 102-111

AVALIAÇÃO DA VULNERABILIDADE E SUSCETIBILIDADE À EROSÃO COSTEIRA ENTRE A FOZ DO


RIO SÃO JOÃO E A FOZ DO RIO UNA – (Cabo Frio, RJ)
Leonardo Quintanilha de Castro, Beatriz Abreu Machado e Thaís Baptista da Rocha ...... p. 112-120

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE: o caso do setor elétrico no brasil


Letícia de Souza Blanco ............................................................................................................................ p. 121-131

O PROCESSO DE AFUNDAMENTO DE MORADIAS CONSTRUÍDAS EM SOLO INSTÁVEL NA FAVELA


DE RIO DAS PEDRAS, RIO DE JANEIRO – RJ
Thayanne Patricia Vergilio e Felipe de Noronha Andrade ......................................................... p. 132-144

3 – INTERSECCIONALIDADES
O ESGOTO É MEU QUINTAL: O PROCESSO DE OCUPAÇÃO E OS DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE NA FAVELA DE RIO DAS PEDRAS
Matheus Edson R. da Silva ........................................................................................................................ p. 145-150

AS CONTRIBUIÇÕES DO ECOFEMINISMO PARA UMA COMPREENSÃO INTERSECCIONAL DOS


CONFLITOS CONTRA AS MONOCULTURAS DA MENTE¹ NO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO
Victoria Ferreira Oliva ............................................................................................................................... p. 151-158

4 – EDUCAÇÃO E GEOGRAFIA
DUALIDADE ESTRUTURAL DA EDUCAÇÃO: análise sobre sua história e as novas tendências
neoliberais
Bruna Machado da Rocha e Marcos Thiago da Costa Souza ...................................................... p. 159-166

NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA: possibilidades e conjuntura atual


Filipe Patrizi .................................................................................................................................................... p. 167-175
GT – 1: Geo-grafias e Distopias

A FÁBRICA BHERING NA ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO:


reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto
Porto Maravilha

Gabriel Figueiró Santos Gomes1


Universidade Federal Fluminense
gabrielfigueiro@id.uff.br

Vicente Brêtas Gomes dos Santos2


Universidade Federal Fluminense
vicente.bretas@gmail.com

João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro3


Universidade Federal Fluminense
joaocarlosmonteiro@gmail.com

RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo analisar, dentro do escopo do projeto Porto Maravilha,
a questão da gentrificação a partir do estudo de caso da Fábrica Bhering. Como aponta Smith
(2006), a refuncionalização com foco na cultura é elemento central na atração de uma nova
população, com perfil de renda mais alto, para as antigas zonas urbanas revitalizadas.
Buscamos compreender as dinâmicas espaciais estabelecidas entre a Bhering e seus arredores
e analisar se o incentivo, por parte do poder público municipal, à permanência de ateliês na
estrutura da antiga fábrica impulsionou a gentrificação da área.

Palavras-chave: Porto Maravilha; Fábrica Bhering; Gentrificação.

1
Graduando em Geografia na UFF.
2
Graduando em Geografia na UFF.
3
Doutorando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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1. INTRODUÇÃO

O projeto de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, denominado Porto


Maravilha (2009), possui o elemento cultural como um dos carro-chefe. Inserido num contexto
neoliberal de produção do espaço urbano, se inspira em propostas urbanísticas como de
Barcelona, Buenos Aires e Nova Iorque no estabelecimento de um parceria público-privada
para revalorizar áreas negligenciadas pelo poder público.

Neste trabalho, observamos a antiga Fábrica Bhering, como um dos empreendimentos


culturais do Porto Maravilha, com o propósito de atrair o interesse de um público de classe
média-alta para a zona portuária. Aliada aos Museus de Arte do Rio e do Amanhã, o Aquário
do Rio e uma Roda Gigante,4 a Bhering tem como objetivo a ativação de um novo polo cultural
de lazer/consumo e, por fim, atração do mercado imobiliário e turístico. O mercado imobiliário
absorveria esse público que ocuparia as novas residências a serem construídas no porto.
Processo, este, que poderia levar a gentrificação da área.

No curso da realização desta pesquisa,5 duas visitas foram feitas à Bhering em ocasião
do evento no qual locatários exibem, mensalmente, suas obras e produtos ao público. Durante
as visitações, realizadas em 4 de maio e 6 de abril de 2019, foram aplicados, de forma anônima,
questionários com artistas residentes e visitantes do evento. Buscamos compreender de que
maneira as dinâmicas que se desenrolam no interior das instalações da fábrica se relacionam
com seus arredores.

2. A ESTRATÉGIA DE GENTRIFICAÇÃO

4
Jornal O Globo. “Roda-gigante de 90 metros já ganha forma na Zona Portuária”. Johanns Eller, 28/05/2019.
Acesso em 29/09/19.
5
Pesquisa “Urbanização neoliberal, revalorização e refuncionalização da área central do Rio de Janeiro”,
financiada pelo CNPq na modalidade Iniciação Científica, com bolsa outorgada ao estudante Vicente Brêtas, e
pesquisa “Transformações recentes na área central da cidade do Rio de Janeiro: reflexões críticas sobre a produção
do espaço urbano em um contexto de neoliberalização”, financiada pela Faperj na modalidade Iniciação Científica,
com bolsa outorgada ao estudante Gabriel Figueiró. Ambos os projetos são supervisionados pela Profa. Dra. Ester
Limonad (PPGEO-UFF) em colaboração com o doutorando João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro
(PPGEO-UFF).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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Se nos reportamos a Neil Smith (2006) e ao debate que o autor levanta acerca da
gentrificação, veremos que, por definição, este é um fenômeno que se dá através da substituição
de populações residentes em certos bairros por outras, de poder de compra mais elevado.
Ocorre que este processo, primeiramente observado nas metrópoles do capitalismo central,
como Londres e Nova York, se configurou como “estratégia urbana global” após a década de
1980 (Smith, 2006), inserindo-se no bojo dos empreendimentos de retorno aos centros e de
suas propostas de “regeneração” da cidade (Silva, 2006). A alteração do perfil social dos
moradores, neste sentido, se dá geralmente em função da especulação e do aumento
significativo do custo de vida nos bairros gentrificados.

O processo de instalação da gentrificação em Nova York se deu, segundo Neil Smith,


em três estágios: no primeiro, ocorrido entre os anos 50 e início dos 70, edifícios industriais
em bairros empobrecidos de Manhattan, como o Soho e o Lower East Side, passaram a ser
habitados principalmente por artistas e indivíduos da classe média branca americana; a partir
do fim dos anos 70, com a reorganização urbana frente às transformações na geografia
econômica capitalista, a gentrificação deixa de lado seu caráter espontâneo e residual,
tornando-se artimanha atrativa para a prefeitura nova iorquina e para o setor imobiliário, o que
significou a consolidação de seus efeitos na cidade; o terceiro estágio se dá a partir de 1994 e
o autor o caracteriza pela generalização setorial da gentrificação em Nova York, isso pois, a
partir desta nova fase, “o componente residencial [da gentrificação] não poderia ser
racionalmente dissociado das transformações das paisagens, do emprego, do lazer e do
consumo” (Smith, 2006).

Não se defende aqui a ideia de que o desenvolvimento do processo em Nova York


constitua um modelo através do qual a gentrificação invariavelmente se expressará em outras
cidades ao redor do mundo. Mas sua análise fornece um clássico retrato das duas formas pelas
quais o fenômeno geralmente se instala: pela demanda, quando a chegada de novos moradores
de poder aquisitivo maior à áreas empobrecidas se dá de maneira espontânea, e pela oferta,
quando a ação conjunta das municipalidades e setores privados é responsável por atrair estes
novos moradores. Ter em mente tal distinção pode auxiliar na identificação de mecanismos
pelos quais processos gentrificadores iniciam seu afloramento na composição social de outros
centros metropolitanos, como os brasileiros.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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3. O CASO BHERING

No Rio de Janeiro, a fábrica da Bhering, localizada no bairro do Santo Cristo, é


testemunha das dinâmicas que se estabelecem entre formas, funções e processos no espaço
urbano carioca. Inaugurada na década de 30, funcionou até a paralisação de suas atividades em
meados dos 90. Nos anos seguintes, a estrutura esvaziada passou a ser ocupada por artistas que
alugavam espaços dentro das dependências da fábrica, instalando ali ateliês. Bordenave (2018),
divide a chegada destes artistas em duas grandes levas: uma primeira, espontânea e pouco
expressiva, entre 2005 e 2009, e outra, mais volumosa, entre 2009 e 2012. Esta segunda leva
teria sido endossada em função do projeto de revitalização e refuncionalização da região
portuária da cidade. Em meados de 2012, a Bhering já era reconhecida como reduto artístico
da cidade e 88 locatários alugavam espaços em seu interior (Bordenave, op. cit). Em 2012, os
proprietários da fábrica decidiram por leiloar o edifício, pondo a permanência dos ateliês em
risco. A prefeitura de Eduardo Paes decidiu por tombar a Bhering, embargando o processo de
venda e garantindo a continuidade das atividades pelos artistas. Muitos perceberam neste
movimento, um aceno da gestão Paes em relação à criação de um novo polo cultural no
perímetro do Projeto Porto Maravilha (Bordenave, op. cit, p. 53).

A partir das entrevistas, demonstrou-se sensível o fato de que, dos 10 artistas


relacionados, apenas três estariam dispostos a morar na Região Portuária. Esta discrepância
parece apontar para o fato de que o que se desenrola na Bhering, apesar das muitas
similaridades aparentes com os primeiros estágios da gentrificação nova iorquina (na qual,
como anteriormente citado, edifícios industriais em bairros pobres nos arredores de Manhattan
passaram a ser ocupados por artistas), não configura um estágio primal de gentrificação — ao
menos não em sua acepção mais comumente aceita, de substituição residencial. O caráter da
alteração do perfil geral dos moradores das regiões atravessadas pelas dinâmicas
gentrificadores é uma tônica recorrente do fenômeno em questão, mesmo que suas expressões
localizadas em diferentes cidades se diferenciem por conta de elementos de ordem
sociocultural, geográfica, etc. (Bidou-Zachariasen, 2006). O que ocorre nos arredores da
Bhering, segundo pode ser constatado, está longe de configurar substituição de população

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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residente por outra de maior poder aquisitivo; os artistas, em sua maioria, não veem a Região
Portuária a partir da perspectiva do estabelecimento residencial, apropriando-se do espaço no
Santo Cristo apenas para fins de ofício/ocupação.

Isso não significa que a Região Portuária do Rio de Janeiro, na qual a Bhering está
inserida, não tenha sido objeto de interesses por parte de agentes gentrificadores, públicos e
privados: tudo indica, na realidade, que o intento final do Projeto Porto Maravilha consistia na
profunda alteração da composição social dos moradores que tradicionalmente habitavam os
bairros da Gamboa, Santo Cristo e Saúde e na atração de novos residentes, das classes médias
e altas, para a região. Entretanto, a atração desta nova população residente jamais vingou.

Assim como feito com os artistas, foi perguntado aos visitantes da Bhering se estes se
interessariam em morar na Região Portuária. De um total de 25 questionários aplicados junto
aos visitantes, apenas em 4 a resposta para essa pergunta foi positiva; em um único caso, as
entrevistadas já residiam na área do porto; 80% dos visitantes entrevistados afirmou que não
moraria na região. Neste caso, as justificativas gravitavam especialmente em torno de questões
como precarização, insegurança e abandono. Foram citadas ruas desertas, falta de escolas,
“ambiência asséptica”, presença de favelas, etc. Vale citar que a média de renda salarial dos
frequentadores entrevistados é de 7.9 salários mínimos e uma grande parcela destes (12) mora
na Zona Sul da cidade. Os demais residiam em outras áreas das zonas norte e oeste, com
destaque para a Tijuca (5).

Outra questão levantada junto aos visitantes da fábrica buscou descobrir quais pontos
da Zona Portuária eles frequentam. As respostas deste ponto atestam, sem muitas surpresas,
que os entornos da Praça Mauá, com os Museus de Arte do Rio e do Amanhã e o Boulevard
Olímpico, configuram-se enquanto os principais polos de atração (ao menos no que se refere
ao lazer e ao turismo) da região do porto — 18 das respostas citavam a localidade. Quando
perguntados se frequentavam os entornos da Bhering, de um total de 25, apenas uma resposta
foi afirmativa. Isto parece apontar para uma seletividade espacial dos investimentos no Projeto
Porto Maravilha, que, aglomerados em certas partes específicas da Área de Especial Interesse
Urbanístico do Porto, impelem os fluxos de frequentadores apenas para estes recortes
reduzidos. Isto implica na estruturação de quadro curioso no que se refere à Bhering enquanto

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
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polo cultural, de lazer e de consumo na região: são pouquíssimas as relações que se estabelecem
entre as atividades que ocorrem no interior do edifício, tanto no cotidiano dos artistas quando
nos eventos mensais abertos ao público, e a comunidade do entorno. Diferentemente dos
equipamentos culturais da Praça Mauá, que contam como toda uma infraestrutura de apoio em
seus arredores, a Bhering constitui um ponto isolado, quase como um enclave inserido na
comunidade do Santo Cristo.

4. CONCLUSÕES

O Porto Maravilha Cultural representa um dos elementos mais característico de projetos


de revitalização, a cultura, que, além de validar as ações na cidade, atrai o público que consome
moradia e os serviços fabricados. Enquanto nos projetos novaiorquinos houve uma substituição
da população local, arrochada pelo aumento significativo do custo de vida, por uma classe
média e alta jovem, no curso da gentrificação; no Rio, as propostas culturais, esmorecidas pelo
fraco desempenho do projeto, se tornam enclaves no território, não contribuindo
significativamente com a ocupação da região.

A compreensão do processo de reestruturação espacial do centro do Rio de Janeiro, nas


últimas décadas, exige uma análise multiescalar e espaço-temporal. Para que seja possível
interpretar os interesses de agentes locais, regionais e globais na produção de um espaço
vendável, é necessário apropriarmos da análise político-econômica e conceitos que
correspondem à um cenário global pós-keynesiano; visto que, no Brasil, o capital privado se
amálgama ao estado quase que por definição. Ao passo que os produtores locais da cidade
preservam a lógica higienista do enfrentamento ao atraso, espoliando cada elemento da cidade,
abrindo portas de novos mercados ao capital financeiro, extremamente pulverizado e
impessoal, alheio a um sentido justo de cidadania. A dinâmica centro-periferia, de explosão e
implosão da cidade, é requalificada sob a luz do Projeto Porto Maravilha que aspira a
construção de um novo polo socioeconômico e cultural aprazível as camadas mais abastadas

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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da sociedade, utilizando-se da apropriação espetacularizada de formas e estruturas históricas
abrandecidas.

5. REFERÊNCIAS

BORDENAVE, Geisa. A" antiga fábrica da Bhering" e o projeto de" revitalização" da Zona
Portuária do Rio de Janeiro. Revista Intratextos, v. 9, n. 1, p. 47-62, 2018.

GIANNELLA, Letícia de Carvalho. A produção histórica do espaço portuário da cidade do


Rio de Janeiro e o projeto Porto Maravilha. Correspondência entre os grandes ciclos de
acumulação capitalista e as morfologias urbanas. Espaço e Economia, n. 3, 2013.

HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração


urbana no capitalismo tardio. Espaço & debates, v. 16, n. 39, p. 48-64, 1996.

MONTEIRO, João Carlos; ANDRADE, Júlia. Porto Maravilha a contrapelo: disputas


soterradas pelo grande projeto urbano. e-metropolis, v. 3, n. 8, p. 21-31, 2012.

MÈRCHER, Leonardo. Museu de Arte do Rio e Museu do Amanhã: duas ferramentas à


paradiplomacia cultural do Rio de Janeiro. Anais do VI Seminário Nacional de Pesquisa
em Arte e Cultura Visual, v. 2316, p. 6479, 2013.

GIANELLA, Letícia de Carvalho. Financeirização e produção do espaço urbano no Porto


Maravilha, Rio de Janeiro/RJ: neoliberalismo às avessas? Anais do XVIII ENANPUR,
2019.

SÁNCHEZ, Fernanda. A cidade-mercadoria: produção do espaço e lógica cultural nos


processos de renovação urbana. In: SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para
um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.

SMITH, Neil. A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à “regeneração” urbana


como estratégia urbana global. In: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine (Org.). De volta à
cidade. Dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros
urbanos. São Paulo: Annablume, 2006.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


GOMES, Gabriel Figueiró Santos; SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A Fábrica Bhering
na zona portuária do Rio de Janeiro: reflexões sobre o fenômeno de “gentrificação” no âmbito do Projeto Porto Maravilha. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 6-12.
ISSN: 2763-8596

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GT- 1: Geo-grafias e Distopias

A ATUAÇÃO DOS FUNDOS DE PENSÃO BRASILEIROS NO


MERCADO IMOBILIÁRIO COMERCIAL EM UM CENÁRIO DE
CRESCENTE FINANCEIRIZAÇÃO

Guilherme de Almeida Muniz Filho1


Universidade Federal Fluminense
guilhermefilho@id.uff.br

RESUMO:
Os fundos de pensão brasileiros atuam no mercado imobiliário através de investimentos
que podem assumir natureza direta, através da compra do imóvel, ou indireta, através da
compra de veículos financeiros “lastreados” na terra e na produção imobiliária. Apesar
de serem reconhecidos internacionalmente pelo seu papel no capitalismo contemporâneo
(CLARK, 1998, 2000; DATZ, 2013, 2014), atualmente há pouco conhecimento
produzido acerca de como os objetivos financeiros modificaram a formação e as
estratégias de investimento desses investidores institucionais e como isso afeta o espaço
urbano construído (VAN LOON & AALBERS, 2017).

Palavras-chave: Fundos de pensão; Financeirização; Setor imobiliário comercial.

1
Graduando em Geografia. Atualmente é bolsista do Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPq) no âmbito do grupo de pesquisa “Economia, território e urbanização”.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


FILHO, Guilherme de Almeida Muniz. A atuação dos fundos de pensão brasileiros no mercado imobiliário comercial em um cenário
de crescente financeirização. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 12-18.
ISSN: 2763-8596
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1 - INTRODUÇÃO

Os fundos de pensão, apesar de serem protagonistas importantes do capitalismo


contemporâneo e da produção urbana, como mostram Gordon Clark (1998; 2000) e Giselle
Datz (2013; 2014). Há pouco conhecimento produzido acerca de como os objetivos
financeiros vieram a dominar e modificar as estratégias de investimento desses
investidores institucionais e como isso afeta o espaço urbano construído (VAN LOON &
AALBERS, 2017). É justamente no intuito de compreender a evolução dos investimentos
dos fundos de pensão no mercado imobiliário comercial que essa pesquisa, em estágio
inicial de realização, e os demais trabalhos que estão sendo desenvolvidos no grupo de
pesquisa “Economia, território e urbanização” se inserem. Para tanto, será priorizado neste
trabalho uma sucinta discussão sobre a atuação dos fundos de pensão no mercado
imobiliário comercial, assim como uma breve revisão bibliográfica sobre o contexto de
financeirização que atinge os investidores institucionais, dentre eles os fundos de pensão
brasileiros.

2 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ASCENÇÃO DA LÓGICA DAS FINANÇAS


NA ATUAÇÃO DOS FUNDOS DE PENSÃO NO MERCADO IMOBILIÁRIO
COMERCIAL

As Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs), comumente


reconhecidas como fundos de pensão, funcionam com base no regime de previdência por
capitalização. A partir de mudanças jurídicas que ocorreram nos regimes de previdência,
nas décadas de 1980 e 1990, os fundos de pensão emergiram como relevantes “players”
do mercado financeiro. Essas instituições possuem como função principal administrar as
poupanças individuais, resultantes do empenho patronal ou salarial, dos empregados de
determinadas empresas, estatais ou privadas. Nesse sentido, essas reservas são investidas
no mercado financeiro, através de instrumentos financeirizados (SAUVIAT, 2015). No
âmbito desse trabalho, se faz importante mencionar que os fundos de pensão também
direcionam parte de suas reservas para a realização de investimentos em mercado
imobiliário comercial, sendo que, esse investimento é considerado estratégico no ponto
de vista da formação da carteira de investimentos.

13
Essa pesquisa dialoga com os estudos já existentes ao se voltar para investigar o
papel dos fundos de pensão no mercado imobiliário comercial. Os fundos de pensão
podem ser considerados agentes importantes na produção do espaço das cidades
brasileiras já que parte de seu capital, que chega hoje em cerca de 790 bilhões de reais
(cerca de 12,8% do PIB Brasileiro) (ABRAPP, 2017), é destinada para o mercado
imobiliário comercial, diferindo somente na forma de aplicação: direta, através da compra
de imóveis, ou indireta, através da compra de veículos e papéis financeiros que encontram
como “lastro” a terra e a produção imobiliária, tais como, as Letras de Créditos
Imobiliário (LCI), os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os fundos de
investimento imobiliários (FII). Conforme aponta a literatura internacional, a direção que
esses investidores tomam para minimizar os riscos associados com a gestão de ativos
atuariais e maximizar o retorno na propriedade imobiliária tem resultado em ambos
diversificação (entre setores e localizações) e seletividade (de tipos particulares de
propriedades e lugares), criando novas geografias de investimento e remodelando cidades
e regiões (HALBERT et al., 2014; SANFELICI, 2018).
Nos últimos anos, uma literatura interdisciplinar tem investigado como a
aproximação do mercado imobiliário com o mercado financeiro vem transformando a
morfologia e as dinâmicas que caracterizam a produção das cidades (AALBERS, 2008;
RUFINO & PEREIRA, 2011; SHIMBO, 2012; HALBERT et al, 2014; SANFELICI &
HALBERT, 2016; KLINK & BARCELLOS, 2017). Parte dessa literatura tem se
empenhado em compreender o papel dos fundos de pensão como importantes agentes do
mercado imobiliário a luz do fenômeno da financeirização, que pode ser compreendida
como:

A crescente dominância de agentes, mercados, práticas, métricas e


narrativas financeiros, nas múltiplas escalas, o que tem gerado uma
transformação estrutural das economias, das corporações (incluindo
instituições financeiras), dos Estados e das famílias (AALBERS, 2015
apud KLINK & BARCELLOS DE SOUZA, 2017).

Essa definição de financeirização proposta por Manuel Aalbers deixa evidente que
este fenômeno atingiu diversos atores da sociedade, desde o próprio mercado financeiro,
instituições, até mesmo as famílias e indivíduos (ASENCIO, 2019). Dessa forma, a
financeirização repercutiu também na forma como os investidores institucionais (como
os fundos de pensão) lidam com o mercado imobiliário comercial o que, por sua vez, gera

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


FILHO, Guilherme de Almeida Muniz. A atuação dos fundos de pensão brasileiros no mercado imobiliário comercial em um cenário
de crescente financeirização. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 12-18.
ISSN: 2763-8596
14
transformações na produção do espaço das cidades brasileiras. Nessa perspectiva, e em
consonância com os escritos do geógrafo britânico, David Harvey, constata-se que a
financeirização é um fenômeno profundamente espacial.
A temática da financeirização ganhou relevância à medida que os mercados
financeiros foram adquirindo maior proeminência na intermediação entre poupança e
investimento na esteira do processo de liberalização financeira iniciado na década de 1980
nos países desenvolvidos. Utilizamos como referencial teórico desse trabalho quatro
vertentes de estudos que iluminaram as consequências do fortalecimento dos vínculos
entre capital financeiro e produção imobiliária: (1) estudos que examinaram o problema
das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos e suas implicações para as cidades, como a
concentração dos despejos em bairros de renda média e baixa e de minorias étnico-raciais
(NEWMAN, 2009; DYMSKI, 2009); (2) estudos que focalizaram a mudança na dinâmica
do setor imobiliário como resultado dos vínculos que se forjaram entre empresas do setor
e os seus acionistas, na maior parte dos casos fundos financeiros que operam segundo uma
lógica de obtenção de resultados no curto prazo (FIX, 2011; SHIMBO, 2012; RUFINO,
2013; SANFELICI & HALBERT, 2016); (3) estudos que dirigiram atenção aos projetos
de renovação urbana que se valem, cada vez mais, de recursos provenientes de investidores
financeiros, como fundos de pensão, e que muitas vezes tem exigido adaptação dos
projetos para atender expectativas de rendimentos desses investidores (WEBER, 2010;
GUIRONNET et al, 2016); (4) estudos que examinam como os mercados imobiliários
residencial e comercial têm se alterado à medida que investidores institucionais, como
fundos imobiliários, fundos de private equity e fundos de pensão, passaram a direcionar
recursos para empreendimentos imobiliários diversos, difundindo uma racionalidade mais
agressiva a fim de extrair rendimentos dos ativos imobiliários (FIELDS & UFFER, 2016;
VAN LOON & AALBERS, 2017; SANFELICI & HALBERT, 2019).

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do conteúdo brevemente apresentado acima e da relevância atual de se


compreender a evolução dos investimentos (diretos e indiretos) dos fundos de pensão
brasileiros no mercado imobiliário comercial e as mudanças regulatórias e conjunturais
que afetam as decisões de alocação no setor imobiliário, a fim de analisar seus impactos
urbanos, é de fundamental importância realizar as seguintes etapas no desenvolvimento da
pesquisa de Iniciação Científica: coletar, sistematizar, analisar e mapear dados referentes
aos investimentos no mercado imobiliário comercial realizados nos últimos dez anos pelos

15
dez maiores fundos de pensão; sistematizar e examinar a evolução das normativas da
PREVIC e regulações do Conselho Monetário Nacional (CMN) referentes à aplicação da
carteira dos fundos de pensão em imóveis; organizar as publicações realizadas por
entidades especializadas como a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de
Previdência Complementar (ABRAPP).
No rol das recentes mudanças regulatórias experimentadas pelos fundos de pensão
brasileiros destaca-se a entrada em vigor da resolução CMN nº 4.661 de 25 de maio de
2018. A partir desta resolução os fundos de pensão nacionais foram proibidos de investir
diretamente em imóveis, sendo permitido somente a realização de investimentos
imobiliários através de veículos financeirizados lastreados em imóveis (como CRIs, FIIs
e CCIs). Ademais, os imóveis frutos de investimentos diretos já presentes nas carteiras
das entidades, segundo a resolução, devem ser alienados ou incorporados a FIIs até 2030.
Nessa perspectiva, através de uma análise parcialmente realizada das publicações da
ABRAPP e matérias de jornais especializados no setor financeiro e imobiliário foi
possível perceber, dentre outros aspectos, que a agenda da resolução do CMN Nº
4.661/2018 não foi bem aceita pelos fundos de pensão e continua sendo intensamente
debatida em reuniões e eventos do setor. Desta forma, procuraremos investigar, em
consonância com os outros projetos que compõe o grupo de pesquisa, de que forma os
investimentos imobiliários presentes no portfólio dessas entidades evoluíram ao longo do
tempo e se alteraram graças às imposições legais. Preliminarmente, sugere-se que não
houveram grandes alterações no que diz respeito ao investimento imobiliário, ou seja, que
o padrão espacial seletivo continua sendo seguido por essas entidades no momento do
investimento.

4 - REFERÊNCIAS

AALBERS, M. The Financialization of Home and the Mortgage Market


Crisis. Competition & Change, 12(2), 148-166, 2008.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


FILHO, Guilherme de Almeida Muniz. A atuação dos fundos de pensão brasileiros no mercado imobiliário comercial em um cenário
de crescente financeirização. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 12-18.
ISSN: 2763-8596
16
ASENCIO, Maira. Os fundos de pensão como agentes da produção do espaço: um olhar
a partir da literatura internacional. Espaço e Economia, V.14, n.14, 2019.

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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


FILHO, Guilherme de Almeida Muniz. A atuação dos fundos de pensão brasileiros no mercado imobiliário comercial em um cenário
de crescente financeirização. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 12-18.
ISSN: 2763-8596
18
GT – 1: Geo-grafias e Distopias

O PAPEL DO NEOLIBERALISMO NA REDUÇÃO DO REGIME


DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS NO ESTADO BRASILEIRO

Lucas Ferreira Javarys1


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
lucasjavarys@gmail.com

Lucas da Silva Costa2


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
lucasgeomusic@gmail.com

RESUMO:
O presente trabalho procura apresentar os impactos das políticas econômicas de caráter
neoliberal a partir dos anos de 1970 até os dias atuais, na formulação de políticas sociais
públicas e na redução da gerência do assistencialismo através do Estado, focando no caso
brasileiro. Será abordado também como o Estado é gerido, segundo Antonio Gramsci
(2007), pela articulação entre sociedade civil e sociedade política, e como essa articulação
impacta na construção hegemônica do sistema capitalista que, estrategicamente,
constitui-se de poderes verticalizados, que regulam materialmente a realidade econômica,
política, jurídica e social de um país.

Palavras-chave: Neoliberalismo; Estado; Assistencialismo.

1
Graduando em Geografia na UFRRJ.
2
Graduando em Geografia na UFRRJ.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
19
1 – INTRODUÇÃO

No final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, com a crise das políticas
públicas do Estado Keynesiano, conhecidas também como “capitalismo democrático” 3

(STREECK, 2012), há o surgimento de uma nova doutrina econômica denominada


neoliberalismo (ou novo liberalismo). A era neoliberal têm início nos EUA com Ronald
Reagan e no Reino Unido com Margaret Thatcher, a partir do abandono das políticas do
capitalismo democrático. Vale destacar que o Estado Keynesiano iniciou sua decadência
a partir dos anos 1960, principalmente, nos EUA e Europa Ocidental, devido a
incapacidade do modo de produção capitalista industrial, que tinha o modelo produtivo
fordista como base, para se manter.

A perspectiva do “Estado de bem-estar social” que anteriormente era garantida


pelo capitalismo democrático, propunha a mediação dos conflitos de interesses entre o
mercado e os direitos sociais. Entretanto, para melhor compreender a trajetória das
políticas sociais no sistema neoliberal, é pertinente contextualizar a essência dessas
políticas em cada momento histórico, tendo em vista uma visão aprofundada do que se
trata de políticas públicas em cada sistema político-econômico. Afinal, diante das faces
do capitalismo, seja ele democrático ou neoliberal, é importante destacar quais seriam os
motivos, que, não só o Estado, mas também os industriais e empregadores teriam para
reduzir ou ampliar seus regimes assistencialistas.

É importante deixar claro que o texto não realiza um esforço


teórico/epistemológico para definir o que é o Estado de fato, mas sim sobre a sua atual
forma de atuação em escala global e posteriormente no Brasil, passando desde o
“capitalismo democrático” no pós Segunda Guerra Mundial, suas subsequentes crises e a
ascensão do regime de acumulação flexível.

3
Segundo Wolfang Streeck (2012), o capitalismo democrático constitui-se na mediação do conflito entre
mercados capitalistas e políticas democráticas sociais, de forma que o mercado não deixe de garantir sua
lucratividade a partir do livre comércio de seus capitais e que os trabalhadores consigam garantir seus
direitos sociais básicos, como direito à habitação, educação e etc.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
20
2 – DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL

Nos Estados que adotaram uma política intervencionista keynesiana, como os


EUA e parte da Europa Ocidental, por um lado, uma parte dos trabalhadores tinham
assegurados os seus direitos trabalhistas, como salário mínimo, previdência social,
habitação, educação e saúde com um bom nível qualitativo, além dos demais serviços
públicos com determinado grau de eficácia. Todos esses direitos sociais eram ofertados a
fim de manter a seguridade social da população, para que a política vigente do Estado,
em conjunto com o mercado, pudesse se manter.

Vale ressaltar que, todos esses direitos foram conquistados através das lutas
sindicais por melhores condições de trabalho e assistência social. Em contrapartida, o
mercado conseguia manter sua lucratividade através do consumo, que era incentivado
inclusive pelo Estado, devido à classe trabalhadora da época ter ao menos um poder de
compra razoável. Além, é claro, de os Estados assumirem dívidas privadas de bancos e
empresas tanto nacionais quanto estrangeiras, transformando-as em dívida pública.
(STREECK, 2012).

No texto “As Crises do Capitalismo Democrático” de Streeck (2012), é explicado


que o mesmo processo inflacionário gerado pelos estados keynesianos que anteriormente
tinham como objetivo garantir o pleno emprego, bons salários e direitos para seus
trabalhadores, acabaram por causar graves consequências para essa mesma classe
trabalhadora, como desemprego e reformas nos direitos trabalhistas por exemplo. Nesse
momento, já no início dos anos de 1970, os Estados geridos pelo capitalismo democrático
passam a sofrer pressões tanto dos mercados nacionais quanto internacionais para
abandonarem as políticas de reajustes salariais redistributivos.

Dentre as principais razões para o enfraquecimento do fordismo, o geógrafo David


Harvey explica no seu livro “A condição pós moderna” que:

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
21
O período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade
do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao
capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor
apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com rigidez dos
investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em
sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de
planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de
consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na
alocação e nos contratos de trabalho (HARVEY, p. 135, 1989).

No entanto, podemos salientar que no contexto histórico do capitalismo


democrático, as políticas sociais públicas que tinham como sinônimo a governabilidade,
partindo do ponto em que o Estado oferecia equilíbrio entre o mercado e os direitos
sociais. Quando o poder de barganha entre o governo e os trabalhadores chega ao limite,
há também uma nova configuração na organização da economia política, no qual o Estado
deixa ser o mediador entre os conflitos citados, para então passar a ser o mercado como
o centro regulador da política. Ou seja, na medida em que o mercado passa a reger as leis
econômicas, políticas e jurídicas de um país, ele também passa a definir o direcionamento
das políticas públicas sociais (STREECK, 2012).

Partindo do prisma geográfico, o novo molde econômico, político e jurídico,


engendrado no neoliberalismo, podem ser também caracterizados por dinâmicas espaciais
essenciais para seu funcionamento. Uma delas são os reajustes espaciais, tendo em
evidência a nova configuração geopolítica do trabalho, onde os processos de produção
são descentralizados, ou seja, a produção deixa de ser verticalizada. Enquanto antes uma
corporação comandava todos os setores de produção, após os anos de 1970, tem-se uma
horizontalização do trabalho, no qual a produção passa a ser compartilhada por diferentes
empresas (terceirizadas) em diferentes lugares (HARVEY, 1992).

A flexibilidade dessas empresas e outros seguimentos se consistem no modelo e


serviços terceirizados que trazem uma nova dinâmica para o modelo socioeconômico que
outrora se caracterizava como rígido. Sendo assim, na medida em que o trabalhador é
obrigado a se adaptar a condições de trabalho flexíveis e geograficamente móveis, perde-

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
22
se o vínculo com o local de trabalho, tendo em vista que o modelo de terceirização
prescreve uma estratégia política, o que acentua o enfraquecimento sindical.

Assim, para além da estratégia de redução de custos ou técnica de


organização de produção, a terceirização é, como temos salientado, uma
arma política de luta de classes que visa reestruturar coletivos do
trabalho, criando as bases para processos de “captura” de subjetividade
do homem que trabalha (ALVES, 2000). Ao fragilizar a representação
sindical e política dos trabalhadores assalariados, a terceirização é um
dos elementos impulsionadores, em sua materialidade específica, da
crise do sindicalismo cuja estrutura corporativa historicamente
verticalizada não consegue (ou tem dificuldade) em lidar com a nova
materialidade do capital (ALVES, p. 411, 2011).

Esse processo se enquadra no que Harvey (1992), na obra “A condição pós


moderna”, chama de acumulação flexível, no qual o capitalismo neoliberal reconfigura
os seus mecanismos de acumulação diante do advento das crises do capitalismo
democrático.

3 – NEGOCIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO BRASILEIRO

Tomando como base o que foi dito anteriormente, a influência do neoliberalismo


no regime de assistência social, nos dias de hoje, passa pela orientação dos chamados
organismos multilaterais, sendo eles o FMI, Banco Mundial, BIRD, UNESCO, ONU e
etc. Segundo o texto “Um Novo Senhor da Educação ? A Política Educacional do Banco
Mundial para a Periferia do Capitalismo” de Leher (1999), busca-se mostrar como que as
políticas públicas, e em especial a educação, de acordo com o texto, fazem parte das
reformas estruturais indicadas por esses organismos. Leher (1999) argumenta que no
período da Guerra Fria, os governos dos países do bloco capitalista como os EUA e parte
da Europa Ocidental tinham uma grande preocupação com os movimentos da chamada
“contra insurgência” que surgia nos países subdesenvolvidos da América Latina, África
e parte da Ásia. Essas mobilizações contra insurgentes caracterizavam-se por serem
ligadas aos setores políticos mais “a esquerda” (progressistas), incluindo movimentos
sindicais, estudantis, de trabalhadores rurais, por direitos civis como os movimentos
negros e feministas, dentre outras articulações.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
23
Esse movimento era visto com maus olhos pelos governos do bloco capitalista,
principalmente os EUA, porque havia um temor de que os países subdesenvolvidos se
alinhassem com a maior potência socialista da época, a URSS, e isso dificultaria suas
ações político-econômicas nessas nações, o que seria um grande obstáculo para a
mundialização do mercado neoliberal. Toda essa articulação era focada no binômio
“governabilidade-segurança” como aponta Leher (1999). A partir disso, os estados
capitalistas em parceria com os organismos multilaterais, com destaque para o Banco
Mundial e o FMI, começam a propor diretrizes básicas para o desenvolvimento
econômico das nações da periferia do capitalismo.

Vale destacar também que, um importante ponto para as ações desses organismos
multilaterais de caráter neoliberal, foi a criação do Consenso de Washington em 1989, na
capital dos EUA. Como citado por Leher (1999), o consenso contou com a participação
de economistas e políticos neoliberais, representantes do FMI, Banco Mundial e
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Esse encontro constituiu-se na realização
de uma série de recomendações econômicas, com vistas ao desenvolvimento do
neoliberalismo nos países ditos subdesenvolvidos, em especial, da América Latina.
Algumas orientações para os governos latino-americanos visavam as privatizações de
empresas estatais, maior abertura comercial e econômica diminuindo o protecionismo do
mercado nacional, reformas fiscais e tributárias com reformulação nos sistemas de
arrecadação de impostos, dentre outras medidas.

Em relação ao gerenciamento interno das políticas públicas, o italiano Antonio


Gramsci (2007) apresenta que o Estado capitalista ocidental é gerido pelo conjunto de
sociedade civil e sociedade política, tornando-se assim, capaz de articular um consenso
entre diversos sujeitos coletivos organizados junto aos aparelhos privados de hegemonia
(mídia, instituições, igreja, etc.).

Tomando como exemplo a influência dos já citados “movimentos de contra


insurgência”, na produção de políticas públicas no Brasil, essa articulação pode ser vista
no início das atividades do Partido dos Trabalhadores. Em 1989, o PT se une a algumas
entidades como a UNE, CUT e o MST. Essas entidades possuíam determinadas diretrizes

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
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políticas e sociais de cunho consideradas progressistas, como por exemplo, a luta por
direitos trabalhistas, por reforma agrária e por uma expansão universal de acesso à
educação pública. Entretanto, no ano de 2002, pouco antes do PT vencer as eleições e
iniciar seu governo com o presidente Lula em 2003, parte dessas políticas sociais públicas
não seriam “efetivadas” sem que o governo petista realizasse um consenso com outras
entidades não tão próximas ideologicamente, como alguns partidos políticos a exemplo
do PMDB, PR e PP e também de outros aparelhos hegemônicos antagônicos como a
FIESP e CNI. Ou seja, segundo essa linha teórica de como se organiza o Estado brasileiro,
os conflitos da sociedade civil é que vão guiar as perspectivas e as políticas do Estado.

É importante destacar que, antes do início dos governos do Partido dos


Trabalhadores, as políticas neoliberais já se manifestavam a todo vapor no país desde o
governo de Fernando Henrique Cardoso em 1995. O governo FHC promoveu o
“enxugamento” dos gastos do Estado através da diminuição do assistencialismo nos
campos da educação, saúde, assistência social, etc. Assim, as famílias brasileiras
passaram a arcar com as despesas que deveriam ser tidas como obrigatoriedade do Estado.
Ou seja, retira-se o crédito da estrutura pública e injeta-se na estrutura privada. O governo
FHC realiza, assim, uma reforma do Estado para que o mesmo tenha pouca interferência
no mercado

Dentro dessa conceituação, o Estado brasileiro passa a ser considerado ineficiente


no que tange a sua atuação nas políticas públicas. Isso abre margem para a lógica
neoliberal de produção de políticas sociais, ou seja, os serviços básicos que o Estado
deveria ofertar passam a serem demandados por instituições privadas. Vale destacar que
o desmonte do Estado para com as políticas públicas é respaldado pelos próprios
governantes devido as suas alianças, como dito anteriormente, entre setores da sociedade
civil.

Em relação às políticas educacionais, por exemplo, o governo petista conseguiu


alinhar interesses que, até então, eram ideologicamente antagônicos. Podemos perceber
que houve uma política de expansão educacional, ainda que excludente, no ramo
principalmente do ensino superior, como é o caso do REUNI, que atendia as demandas

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
ISSN: 2763-8596
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de algumas entidades como a UNE. Em contrapartida, houve uma forte política de
incentivo às empresas privadas do setor educacional, um bom exemplo são as políticas
de financiamento estudantil (FIES) e o sistema de bolsas pagas pelo governo federal como
o PROUNI. Desse modo, mostra-se que o governo brasileiro naquele momento garantia
sua concessão a entidades de interesses alinhados a FIESP, por exemplo, ao mesmo tempo
em que “garantia” políticas assistencialistas para a classe trabalhadora.

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ideário neoliberal mostra-se como um modelo econômico em que o Estado


passa a reduzir suas obrigações vitais para a manutenção do bem-estar de seus cidadãos.
Isso reflete-se nos cortes dos orçamentos dos serviços públicos com o passar do tempo.
Tomando como um breve exemplo a educação, é perceptível que, ao longo dos anos, a
política de austeridade econômica se faz presente, apontando que as reformas neoliberais
do Estado brasileiro não são um “ponto fora da curva” que surgiram num ou outro
governo, mas sim que essas reformas têm continuidade desde, no mínimo, dos anos 1990,
permanecendo até os dias atuais. Não basta pensar, por exemplo, que somente as verbas
destinadas a área educacional estão sendo reduzidas, mas que também há um projeto de
precarização da profissão docente e do currículo escolar, a fim de criar uma educação
voltada para uma formação não-crítica do cidadão, com base nos moldes técnicos-
produtivistas do capitalismo atual. Uma educação orientada a partir da competitividade e
da meritocracia, com a finalidade de transformar sujeitos com grande potencial intelectual
em mão de obra barata para o mercado de trabalho.

O Estado, no sistema econômico capitalista, se flexiona tanto no campo


conservador como no campo progressista. Não é possível mudar o Estado de fora para
dentro. Só o Estado pode mudar o Estado. Por isso, a representatividade no campo político
(na lógica burguesa), não possui sua eficiência garantida, fazendo-se necessário um
contínuo consenso entre os setores da sociedade civil para que os governos vigentes
possam garantir a suas respectivas governabilidades. Assim, conclui-se que, os ditames
do capital para a manutenção ou desmonte das políticas públicas perpassam tanto os

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
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interesses das potências capitalistas externas, quanto do seio da sociedade civil interna.
Já não é mais possível pensar as políticas e as reformas neoliberais de maneira separada
da conjuntura econômica atual do mundo.

5 – REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni Antonio Pinto. Terceirização e acumulação flexível do capital:


notas teórico-críticas sobre as mutações orgânicas da produção capitalista. Estudos
de Sociologia, v. 16, n. 31, 2011 Dossiê trabalho e sindicato.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. 3ª edição. Maquiavel: Notas
Sobre o Estado e a Política. Edição Carlos Nelson Coutinho - com Marcos Aurélio
Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2007.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. LOYOLA, 1992.
LEHER, Roberto. Um novo senhor da educação? A política educacional do Banco
Mundial para a periferia do capitalismo. Revista Outubro: Edição 3.
STREECK, Wolfang. As crises do capitalismo democrático. Dossiê Crise Global.
Novos estudos: Março de 2012.
SILVA, M. E. B. R. O Estado em Marx e a Teoria Ampliada do Estado em
Gramsci. Departamento de Educação. Mestrado em Ciências Sociais. 1999.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 1999.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


JAVARYS, Lucas Ferreira; COSTA, Lucas da Silva. O papel do neoliberalismo na redução do regime de políticas sociais públicas
do Estado brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p. 19-27.
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GT – 1 Geo-grafias e Distopias

TERRITÓRIOS OCUPADOS: a Biblioteca Engenho do Mato

Luísa Marques Dias1


Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Luisa.mgeo@gmail.com

RESUMO:

Esta pesquisa tem como objetivo investigar o processo de ocupação da Biblioteca


Engenho do Mato (BEM), localizada no município de Niterói-RJ, e seus impactos na
escala local. O intuito é discutir a importância dos movimentos sociais organizados pela
comunidade do entorno e seus efeitos. Faremos um debate que perpassa pelo direito à
cidade e os usos dos espaços públicos, em um contexto contemporâneo que avança na
questão do pertencimento e identidade dos moradores do arranjo territorial da região.
Dessa maneira, compreender os processos e as intervenções que tornaram a BEM hoje
um espaço cultural de ensino e aprendizagem.

Palavras-chave: Movimento social; Ativismos sociais; Ocupação.

1 Graduadaem Licenciatura plena em Geografia (UERJ/FFP). Mestranda no programa de pós-graduação


em Geografia (UERJ/FFP)

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como objetivo compreender o início do movimento de
ocupação da Biblioteca Engenho do Mato (BEM) e seus efeitos na escala local, localizada
no bairro do Engenho do Mato, na cidade de Niterói. Busca ainda, considerar identidades
múltiplas, isto é, as expressões socioespaciais coletivas que, ao inovar arranjos do espaço
público, re-significam o lugar, enfatizando a questão geradora de pertencimento e
identidade aos moradores, no arranjo territorial da região. Por outro ângulo de observação,
considerando os atores, busca analisar um movimento social contra hegemônico, local,
bairrista, que apresenta novo uso para uma Biblioteca a partir da formação de redes de
relações identitárias. É um trabalho investigativo a respeito das possibilidades que, o
processo de ocupação de uma biblioteca por meio de ação social, tem caráter
transformador na comunidade.
No contexto do bairro do Engenho do Mato, existia um prédio público, que
funcionava desde 1993 uma Biblioteca Comunitária pertencente ao CIEP 448 – Ruy
Frazão Soares. A partir de um declínio por parte do governo, em meados de 2003 o local
foi fechado e permaneceu abandonado por dez anos, o que nos faz refletir sobre o direito
de usar a cidade, direito à vida urbana, já que a cidade também é um lugar de encontros,
e trocas (LEFEBVRE, 2001).
Procuro discutir como a BEM pode vir a ser um movimento social, através de
apropriação cultural e social pelos moradores. Há uma certa confusão acerca da definição
do que vem a ser um movimento social, isso se dá pela abrangência na diversidade das
pautas e pela transformação do próprio movimento. Concordamos com Melucci quando
o autor considera que eles não são estáticos, e sim flexíveis, ele enfatiza que “[...] um
movimento social como forma de ação coletiva baseada na solidariedade, desenvolvendo
um conflito, rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação.” (MELUCCI, 1989,
p.57). O processo de ocupação pode ser visto como ação embrionária de movimento
social, que luta pela afirmação de uma identidade territorializada (ainda em construção),
promovida pela dimensão política e cultural, afirmando um cenário de pertencimento dos
moradores com o local em questão, já que a ocupação de um território pode ser
considerado também como gerador de raízes e identidade (SOUZA, 1995, p. 84), onde o

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DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
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indivíduo pode se conectar com o ambiente ao seu redor, e compreender seu lugar no
mundo e na sociedade.

2. A BIBLIOTECA ENGENHO DO MATO2

A Biblioteca Engenho do Mato (BEM), localizada na Rua 50 s/nº em frente à


Praça Irênio de Mattos Pereira (Praça do Engenho do Mato) teve de início a sua ocupação
no ano de 2013 em parceria com a Roda Cultural do Engenho do Mato (RCEM), onde
aconteciam a Batalha de Mc`s e Rodas de rima com enfoque no RAP (Rhythm And
Poetry), seguidas da apresentação de bandas locais, palco aberto para conhecer novos
talentos, e outras atividades culturais. Os voluntários da BEM contribuíam nestas rodas
culturais com arrecadação e distribuição gratuita de livros em forma de biblioteca
comunitária itinerante (PROJETO BEM - SITE)3.
A iniciativa da Roda Cultural nasceu por um grupo de amigos e vizinhos,
moradores do bairro do Engenho do Mato. Eventos com essa característica de “batalhas
do conhecimento” que são competições de ritmo e poesia de rima improvisada com base
em temas sugeridos pelo público, já aconteciam na cidade do Rio de Janeiro, então esse
pequeno grupo de amigos resolveu se inspirar nas Rodas Culturais da cidade Rio e trazer
para a região movimentos como esse, desenvolvendo atividades culturais e práticas
artísticas. Acreditamos que a rima é um grande aliado para despertar interesse nos jovens
pela literatura, além de ter estrita relação com a oralidade e a capacidade de promover um
discurso crítico.
De acordo com o conceito de Roda Cultural desenvolvido por Gonçalves (2014):
“Determina os seguintes critérios para absorver uma Roda Cultural: ocupação semanal
do espaço público; revitalização do mesmo; intervenção social no bairro”
(GONÇALVES, 2014, p.442). Percebemos esses elementos na dinâmica do bairro em
questão. Assim, através da ação coletiva e consistência organizacional, percebemos a

2
Cabe enfatizar que este trabalho deriva da pesquisa de monografia de conclusão de curso de Licenciatura
Plena em Geografia pela FFP, sob orientação do Dr. Mário Pires Simão.
3
Encontrado em: https://amaphiko.redbull.com/pt-BR/projects/bem-biblioteca-engenho-do-mato

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DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
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construção de experiências de resistências. Notamos a transformação da geografia local
por meio da apropriação socioespacial que territorializa a luta, fortalecendo o movimento.
Portanto, em um primeiro momento a Biblioteca Comunitária era móvel, não
possuindo um espaço físico delimitado. No âmbito da iniciativa local, sua primeira
ocupação se deu em abril de 2013 na Praça Irênio de Mattos Pereira, mais conhecida
como Praça do Engenho do Mato. Situada em frente à praça, existia uma Biblioteca
desativada, do CIEP 448 - Ruy Frazão Soares, que funcionava como forma de extensão à
escola e estava abandonada por cerca de dez anos. Segundo os integrantes da RCEM, era
incoerente existir um projeto de Biblioteca móvel na praça, e em frente existir um espaço
público abandonado, específico para livros.
O visível descaso da gestão pública estadual, durante esses dez anos, levou a perda
do acervo e, consequentemente, do sentido da existência da biblioteca. O espaço estava
totalmente deteriorado, foi invadido e vandalizado. O lixo era jogado no local, sujeira,
proliferação de mosquitos, infiltração, portas e vidros estavam quebrados e grande parte
do acervo foi perdido. Mesmo com todas as dificuldades, a comunidade do entorno
juntamente com a Roda Cultural enxergou um potencial no lugar, e resolveu mudar a
situação com o objetivo de reativar o espaço.
Logo, a comunidade organizada, junto com os alunos do CIEP e integrantes da
RCEM fizeram diversos mutirões na área e na limpeza do local, além de obras estruturais
em parceria com a direção do CIEP. Com isso, o lugar foi limpo, reformado, pintado e
grafitado por alguns artistas da região durante vários mutirões comunitários, de forma a
estimular positivamente o pertencimento ao local por parte dos moradores do bairro.
Esses mutirões eram tanto de limpeza, como culturais, pois algumas edições da Roda
Cultural foram feitas no local da Biblioteca para chamar a atenção do público. Além disso
fizeram cartazes com as crianças e estudantes do CIEP propondo o que eles queriam e
sonhavam para aquele espaço, limpando-o e ressignificando-o de alguma maneira,
estimulando algum tipo de laço afetivo com aquele novo lugar, criando identidades
individuais e coletivas. Tinham o intuito de promover melhorias através da cultura e gerar
interesse pelos livros, além de tornar um ambiente permanente de estudos. Um
movimento orgânico, que surgiu da comunidade para a comunidade.
O funcionamento de uma biblioteca tradicional não era suficiente, a força do
encontro para os mutirões espontâneos oferecia o que podia, esse poder comunitário e

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DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
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cultural se manifestava na forma de aulas de dança, capoeira, grafite, fotografia e pintura,
na criação de um afeto pelo espaço. Atualmente a BEM tem seis anos de ocupação e está
a pleno vapor, com atividades totalmente gratuitas, além do seguimento do pré-vestibular
universitário, aulas de percussão, meditação, consultoria de advocacia popular e artes
marciais. O conceito de autogestão foi chegando aos poucos com novos voluntários que
traziam diferentes conhecimentos de saber, pensar e construir, acreditando que uma nova
forma de educação é possível.

3. A PRODUÇÃO DE TERRITORIALIDADES

Podemos entender que o conjunto de iniciativas e as ações promovidas pelos


voluntários da BEM, a partir da recuperação e produção de novos significados para o
lugar, nos remete aos processos de apropriação socioespacial que constituem a vida.
Dessa maneira, a sociedade constrói para si espaços de vivência dos quais se apropriam,
nos quais produzem e aos quais dão significado, produzindo suas múltiplas
territorialidades advindas de sujeitos singulares complexos, considerando ainda o papel
da espacialidade na produção e reprodução da vida em sociedade (HAESBAERT, 2011).
Entendemos que o poder político está em toda a forma de organização. No caso,
o movimento em atuação na BEM é mobilizado por trabalho voluntário e ativistas sociais
em um modelo horizontal de autogestão. Desse modo, podemos pensar a partir dimensões
relacionadas à questão do poder, como a dimensão cultural, social e econômica, que estão
ligadas através da circulação e dos fluxos. Assim, podemos identificar a produção de
territorialidades que são atravessadas por relações de poder, depositando energia e
informação dentro de um determinado espaço, agregando um conjunto de relações sociais
(RAFFESTIN, 1993). A produção de um território pode estar conectada ao modo como
as pessoas utilizam a terra, à forma como se organizam no espaço, aos significados que
dão ao lugar e ao modo como nos relacionamos com o local em que vivemos.
O autor Raúl Zibechi nos mostra que, em sua grande maioria, os movimentos
sociais não funcionam seguindo uma teorização específica de definição de movimento,
mas conseguem de fato, exercer um papel importante como fator de mudança social.
Diversos autores tentam conceituar os movimentos sociais, mas dentro de cada um existe

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
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suas especificidades. Sua conceituação serve como obstáculo quando tentamos
classificar, ou observar sua forma organizacional “segundo seus objetivos, o
pertencimento estrutural de seus integrantes, as características da mobilização, os
momentos e os motivos pelo qual irrompem” (ZIBECHI, 2015, p. 35). Principalmente
quando estamos no contexto histórico da América Latina, com conflitos completamente
particulares e distintos. “O conceito de ‘movimento societal’ procura dar conta das
peculiaridades latino-americanas, conformadas por relações sociais diferentes que
existem, se reproduzem e crescem ao lado das relações dominantes.” (ZIBECHI, 2015,
p. 37)
O autor ainda nos mostra que é preciso mudar a frente do debate sobre a teoria
dos movimentos sociais de forma a descolonizar o pensamento crítico tradicional. Elucida
que mais importante do que analisar os movimentos sociais conforme sua estrutura
organizacional, é perceber as relações sociais que são estabelecidas com o território no
cotidiano
Alguns dos movimentos sociais mais recentes uniram-se por meio de conexões e
pautas em comum: desemprego, acesso à moradia, criminalização dos pobres, ou o
subúrbio deixado de lado. Como propõe Harvey, “os movimentos pelo direito à cidade
(apesar de sua diversidade de sua orientação) encontram-se em plena atividade em
dezenas de cidades de todo o mundo” (HARVEY, 2014, p. 15). Ou seja, lutam para
defender seu direito à cidade e nascem nas ruas e bairros “doentes”, sob o ponto de vista
social. Nessa emergência de lutas e a construção de suas territorialidades, Renato
Emerson dos Santos dos ajuda na compreensão quando:

Estamos aludindo a um número crescente de lutas que vêm emergindo


na cena pública nos últimos tempos que apontam como referência
territórios e territorialidades. Quanto utilizamos o termo “referência”,
pretendemos chamar a atenção para a existência de distintas formas de
relação entre estes movimentos, seus territórios e suas territorialidades:
movimentos são fundados por territorialidades, no sentido de que têm
nelas as relações e os embates sociais que constroem os atores, suas
identidades e sua condição de existência (SANTOS, 2006, p. 162).

Existe um conjunto de ações aplicadas no cotidiano da Biblioteca que concretizam


sua existência como movimento social, tendo seu caráter de luta social em forma de

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DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
ISSN: 2763-8596
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pequenas e grandes atitudes através da reinvenção do local. Além de uma relação forte
com o espaço vivido, através da organização popular e a participação solidária e cidadã,
percebemos a materialização do território, pois como relata Santos, são observadas:
“vivências cotidianas específicas que produzem novas territorialidades” (SANTOS, 2008,
p. 64). Ou seja, trazendo um sentido de pertencimento através do poder envolvido pelo
laço territorial, além de enaltecer o sentido de coletividade
Evidentemente existem muitas formas de conceber o território, mas sobretudo a
visão de seu caráter relacional é fundamental para considerar o papel da espacialidade na
produção e reprodução social da vida em sociedade (SOUZA, 1995). Nesta perspectiva
relacional o território supõe processos que tem uma base material, física, mas também se
constituem a partir da trama sócio-histórica que marca as relações sociais.

O espaço social, delimitado e apropriado politicamente enquanto


território de um grupo, é suporte material da existência e, mais ou
menos fortemente, catalisador cultural simbólico e nessa qualidade,
indispensável fator da autonomia (SOUZA, 1995, p. 108).

Desse modo, podemos destacar uma comunidade local corporificada que forneceu
mudanças naquele local. Uma forte relação com seu ambiente de vivência por meio de
valores simbólicos, coletivos e afetivos, afirmando o poder do laço territorial. Bem como,
“todo o espaço definido e delimitado por e a partir das relações de poder, é um território”
(SOUZA, 1995, p. 111), por meio da autogestão, o poder é horizontal e não hierárquico.
Buscam uma sociedade com menos desigualdade e mais autonomia perante o Estado.
Em suma, podemos verificar a dimensão política que a BEM oferece para seus
participantes, sempre em constante articulação com o CIEP, como estudantes e corpo
docente, com o princípio de atender ao público da escola. Observamos como suas práticas
espaciais estão em constante diálogo com as escolas da região promovendo exibição de
filmes, roda de ciranda e contação de histórias por exemplo, levando uma nova forma de
educação popular diferente da tradicional, quebrando com estereótipos de uma Biblioteca
padronizada.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em contrapartida a toda uma lógica referente à acumulação e reprodução do


capital que vem embutido em um discurso excludente e colonizador, os movimentos
sociais de oposição surgem em diversas partes do globo. A disposição do direito à cidade
deveria ser de todos e para todos, por isso esse debate perpassa pelas concepções que
deveriam garantir acesso aos espaços públicos. Alguns desses movimentos reivindicam a
melhoria dos serviços públicos básicos, propõem a reformulação do sistema capitalista,
assim como uma mudança imediata nas estruturas sociais. Em destaque para este trabalho
para o movimento social de ocupação comunitária da Biblioteca do Engenho do Mato
A experiência que a pesquisa identificou no bairro do Engenho do Mato, em torno
da Roda Cultural, da movimentação na praça e, posteriormente, da ocupação da biblioteca
abandonada é reveladora de um processo de organização social pautada na mobilização
de sujeitos comuns e na busca de maior autonomia em relação ao Estado. Esse movimento
de ocupação, que ocorreu em um primeiro momento na praça pelos integrantes da Roda
Cultural, trazendo incentivo à cultura e a leitura, e posteriormente ocupando a biblioteca
abandonada, nos mostra um arranjo social e espacial feito por um grupo de pessoas
mobilizadas a partir do apoio mútuo e coletivo. Sujeitos, individuais e coletivos,
engajados para modificar as bases territoriais tradicionais, além de tornar acessível os
espaços comuns, da rua, da praça, englobando toda a comunidade em um sistema
articulado em rede.
A partir dessa experiência de ocupação, podemos observar a importância de suas
práticas para a formação de sujeitos críticos, baseadas na articulação de movimentos
socais e de pessoas dispostas a tornar o acesso à cultura e educação pública de qualidade.
Nós, geógrafos, vemos o espaço geográfico por meio de um conjunto de relações
dinâmicas, que estão conectadas por fluxos e redes. O lugar em questão é visto como
encontro de multiplicidades e das heterogeneidades em evidência. Como educadores,
conseguimos elevar a emancipação da comunidade e de sua autonomia enquanto sujeitos
políticos e sociais.
A articulação da BEM como movimento social urbano, culminou em experiências
únicas naquela região. A ação da comunidade, agindo por meio de uma ocupação de um

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
ISSN: 2763-8596
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espaço público abandonado, transformou e ressignificou o antigo local em um novo lugar
de trocas de experiências e conhecimentos. Aproximou as pessoas pelo cuidado com a
localidade, valorizando os sentimentos de afeto e pertencimento. Se identificando com o
lugar em questão, gerador de “raízes”, onde o indivíduo pode se conectar com o ambiente
ao seu redor, compreender seu lugar no mundo, e na sociedade. Experiencias como esta,
nos fazem perceber que é possível existir um modelo diferente do tradicional, o não
hierárquico.
O que percebemos, sobretudo é a Biblioteca Engenho do Mato como um espaço
de experimentação política, social e ambiental na escala micro, onde pessoas da sociedade
civil estão empenhadas em transformar o bairro em um lugar melhor, a partir de uma
organização horizontal, comunitária, viva e espontânea, orgânica e em movimento.
Experiencias como esta alertam para o desafio de pensarmos os movimentos sociais em
seu potencial efetivo de alteração do quadro geral dos modelos dominantes num mundo
de acumulação infinita de capital.

5. REFERÊNCIAS

GONÇALVES, R. A. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro – n.8,


p.441-450, 2014.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à


multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

HARVEY, D. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo:


Martins Fontes – Selo Martins, 2014.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 105-137.

MELUCCI, A. Um objetivo para os movimentos sociais? Lua Nova, n.17, junho de


1989.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França. São
Paulo: Ática, 1993.

SANTOS, R. C. B. Movimentos sociais urbanos no Brasil. 1ª ed. São Paulo: Editora


da Unesp, 2008.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
ISSN: 2763-8596
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SANTOS, R. E. dos. Agendas e agências: a espacialidade dos movimentos sociais a
partir do Pré-Vestibular para Negros e Carentes. Tese, 2006.

SOUZA, M. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:


CASTRO, I.E., GOMES, P. C. C. e CORRÊA, R. L. (Orgs.) Geografia: conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

ZIBECHI, R. Territórios em resistência: cartografia política das periferias urbanas


latinoamericana. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2015

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


DIAS, Luísa Marques. Territórios ocupados: a Biblioteca de Engenho do Mato. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA
DA UFF, 1, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.28-37.
ISSN: 2763-8596
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GT – 1: Geo-grafias e Distopias

EXPANSÃO IMOBILIÁRIA NO SUBÚRBIO CARIOCA:


um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder Câmara

Pedro Henrique Pereira Leite dos Santos1


Universidade Federal Fluminense
pedropleite@protonmail.com

RESUMO:

Nos últimos dois decênios, os lançamentos imobiliários aumentaram subitamente no subúrbio da


Zona Norte carioca. O investimento em imóveis, concentrado nas áreas nobres do Rio de Janeiro,
expande-se para localidades antes tidas como subvalorizadas. Este estudo permite levantar uma
série de fatores que estimularam a mudança da estrutura residencial na Avenida Dom Hélder
Câmara. O caso dessa via, uma das mais relevantes do subúrbio, chama atenção pela
concentração de comércio, serviços e transportes. O aumento da atividade construtiva será
examinado aqui entre os anos de 2000 a 2016.

Palavras-chave: Mercado imobiliário; Produção do espaço urbano; Financeirização.

1
Graduando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO

Este texto possui alguns propósitos. Fornecer noções básicas para formulação de soluções
que freiem a especulação imobiliária e seus efeitos negativos na periferia. Compreender os padrões da
produção de moradia brasileira e carioca. E, posteriormente, contribuir para a memória suburbana do
Rio de Janeiro2. É imprescindível, portanto, perceber a cidade para além de seu cartão-postal.
A estrutura habitacional do subúrbio da Zona Norte carioca passou por transformações
radicais na urgência do século XXI. As razões para a expansão imobiliária ali ocorrida são
múltiplas: a passagem do fordismo para a acumulação flexível, o crescimento acelerado do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, uma sequência de Mega Eventos no Rio de Janeiro. Esses
serão alguns dos fatores em que me embasarei para examinar parte da capital fluminense.
A Avenida Dom Hélder Câmara (Av. DHC), especificamente, é o recorte espacial
escolhido. A via possui relevância por ser localizada em uma área reconhecida por ser violenta e
subvalorizada. O que se percebe como fenômeno desde 2007 é uma quantidade avassaladora de
lançamentos imobiliários. Nesse cenário, a questão que se coloca é como uma área antes
considerada repulsiva passa a ser atrativa para a atividade construtiva.
Assim, como recorte temporal, serão comparados dois períodos distintos. O primeiro de
2000 a 2006 e o segundo de 2007 até 2016. Os dados utilizados foram extraídos da Associação
de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI), Secretaria Municipal de
Urbanismo (SMU) e Data.rio. Através do ArcMap, ferramenta de geoprocessamento, pude
compor os mapas aqui presentes.
Como ponto de partida, podemos identificar três tipos de delimitação para contextualizar a Av.
DHC. Subúrbio carioca, Zona Norte e Área de Planejamento 3 (AP3). A primeira, isenta de sentido
histórico e espacial, é determinada pela sua classe social3. No imaginário da cidade, o suburbano
possui teor pejorativo, sinônimo da malandragem. Seu uso é desassociado do significado literal, ou
seja, “vizinhança da cidade ou de qualquer povoação”4. Já Abreu (1987) aponta como o termo se
refere aos bairros populares e ferroviários dentro do perímetro urbano. Zona Norte, tradicionalmente,
utiliza-se para expor as contradições em relação a Zona Sul. Guarda parte da carga negativa

2
Aqui estão reunidas informações coletadas para o projeto “Expansão imobiliária e desconcentração industrial: análise
e estudo espacial da Avenida Dom Hélder Câmara”. Uma Iniciação Científica oferecida pela FAPERJ com conclusão
em 2020/1.
3
FERNANDES, 2011.
4
DICIONÁRIO MICHAELIS, 1998, p.1179.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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empregada aos suburbanos. Contudo, sua extensão e heterogeneidade dificulta o uso como parâmetro
de pesquisa. A última, Área de Planejamento 3 (AP3) faz parte da Macrozona de Ocupação
Incentivada, como orienta o Plano Diretor (PPDUS)5 do Município do Rio de Janeiro. As implicações
desse incentivo fazem questionar a ausência do Estado. Os setores públicos e privados se articulam
em distintas escalas. Promovem juntos a expansão imobiliária em áreas historicamente pouco atrativas
para a produção imobiliária formal. Por conta disso, focarei nas transformações nessa delimitação. De
todo modo, os termos subúrbio e Zona Norte também serão adotados, tendo em mente o recorte da
AP3. Não há intenção de tomá-los como espaço isento de pluralidades.
Sobre a dinâmica imobiliária, assumirei que a demanda por moradia no meio urbano
segue a lógica da distinção por vantagens locacionais. Com isso, a estrutura residencial é
interpretada
como fruto da dinâmica de valorização/desvalorização intraurbana, empreendida pelos
investimentos imobiliários, que regulam o mercado imobiliário e modificam o estoque
residencial e a estrutura de preços. Desse modo, as estratégias locacionais do capital
imobiliário incidem em mudanças nas características das áreas da cidade, produzindo
efeitos atrativos e repulsivos, deslocando a demanda (ABRAMO & FARIA, 2000,
p.421).

Enfim, ficam algumas questões para examinar. Como se organiza o setor imobiliário? O
que faz com que certas localidades sejam preteridas em detrimento de outras?
Corrêa (1992) cita as funções de incorporação, financiamento, estudos técnicos, atividade
construtiva e a venda dos imóveis. O caso estudado por Shimbo (2011) revela que as empresas podem
possuir mais de uma atribuição, senão todas elas. No Brasil, as incorporadoras, responsáveis pela
concepção dos projetos e da organização da construção, são absorvidas pelo modelo
financeirizado da produção habitacional. Passam a arrecadar fundos por meios sofisticados e
diversificam seus capitais por todo território nacional.6 Veremos em breve os impactos desse
fenômeno na produção de moradia do país.
Vale lembrar da submissão do solo urbano às regras do jogo capitalista. Singer (1979)
aponta que a origem da valorização do capital imobiliário está na propriedade privada da terra. O
direito exclusivo a este bem imobilizado oferece a possibilidade de seu dono manipular o preço
de acordo com que a “demanda estiver disposta a pagar”7. O autor busca frisar a característica

5
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável (PDDUS) – Lei Complementar 111/2011.
6
SHIMBO, 2011; SANFELICI & HALBERT, 2016.
7
Ibid, p.23.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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especulativa do mercado imobiliário mostrando que a procura pelo solo urbano se modifica com
frequência, fazendo o seu preço oscilar regularmente. Assim sendo, partirei da hipótese de que a
demanda pelo solo urbano e a flutuação dos preços possuem origens e escalas distintas. Nos
parágrafos a seguir, traçarei um arranjo escalar com o intuito de esclarecer parte dos estímulos para a
expansão imobiliária do nível global, nacional até o local.

2. MUDANÇAS RECENTES NA ESTRUTURA DO CAPITALISMO

Primeiramente, trarei um esboço da mudança do paradigma capitalista. Na década de 1970, as


economias centrais passaram a perceber a perda de fôlego do fordismo. Quer dizer, a fórmula de
acumulação baseada em produção e consumo em massa já não se sustentava mais. A flexibilização das
relações de trabalho. Novos hábitos de consumo. Aalta mobilidade geográfica. São alguns exemplos que
Harvey (1989) usa para descrever a acumulação flexível, resultado da superação da rigidez fordista.
Nesse contexto, a inclusão da América Latina na divisão internacional do trabalho ocorre,
sobretudo, pelas vias do autoritarismo militar8. Milton Santos demonstrou que “a população
aumentada, a classe média ampliada, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado
por sistemas extensivos de crédito [serviu] de impulsão à expansão industrial”9. Todavia, ofordismo
no Brasil não se desenvolveu de forma efetiva como nos países ricos. A prova disso está na
reestruturação produtiva e desindustrialização ocorrida no país a partir da década de 199010.
Não menos importante, a questão da financeirização merece destaque. Afinal, é uma das
principais marcas do abandono do regime industrial para o modo de produção flexível. Após a crise
financeira global em 2008, inúmeras pesquisas se mobilizaram no sentido de esclarecer a fluidez
entre o mercado de finanças e o de imóveis. Dessa discussão, destaco a distinção entre o modelo
estadunidense e dos países ditos emergentes11. Sanfelici e Halbert (2016) descrevem alguns
resultados sobre o caso. México e Índia, por exemplo, tiveram não apenas a estratégia de
investimento imobiliário rearranjado, assim como a geografia do espaço construído.

8
SANTOS, 2005.
9
Ibid, p.39.
10
BARROS, 2019; CANO, 2012.
11
SANTOS & SANFELICI, 2015.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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O caso brasileiro não foi diferente. Se deu “no âmbito de uma relação direta entre as
incorporadoras e o mercado de capitais”12. A motivação política de capitalizar o setor imobiliário
ficou clara com a nova Política Nacional de Habitação (PNH) de 2004. Procurava-se expandir o
mercado privado para a classe média e liberar os recursos federais para as faixas de renda abaixo de
5 salários mínimos “onde se concentra 92% do déficit habitacional e a grande maioria da população
brasileira”13. As empresas imobiliárias privadas puderam abrir seus capitais com segurança a partir
de uma série de marcos regulatórios que culminaram na PNH. Desse modo, constata-se que a esfera
federal passa a promover as medidas necessárias para crescimento definitivo da atividade
construtiva em solo nacional.

3. MERCADO FINANCEIRO E IMOBILIÁRIO NO BRASIL

Desde a chegada do século XXI, a população brasileira percebeu a economia tomar


novos rumos. Entre 2000 e 2014, a média de crescimento do PIB no período foi de 3,4%, segundo
os dados do IBGE. Shimbo (2011) investiga de perto uma empresa imobiliária para retratar o
processo. Conclui que a política habitacional atual é baseada na interdependência entre o setor
privado e público. Segundo a autora, o primeiro possui autonomia suficiente para a idealização e
construção de habitações. Mas, depende do Estado para obter segurança jurídica e financeira. Ela
sugere as seguintes razões para o aquecimento desse nicho de mercado:

Seja pela entrada de recursos provenientes de financiamento habitacional, pela


institucionalização de novos marcos regulatórios que favoreceram a incorporação privada,
pela injeção de recursos de investidores estrangeiros, pela tendência de crescimento e de
concentração de capital no setor imobiliário, a atuação das empresas construtoras e
incorporadoras de capital aberto foi potencializada a partir de 2005. Além disso, a tendência
de ampliação das faixas de renda atendidas pelo mercado, incluindo as camadas de renda
média e média baixa, foi bastante acentuada (Ibid, p.46).

O ano de 2008, contudo, é marcado por uma forte crise financeira de nível global. O
governo Lula, como reação, lança o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no ano

12
SANTOS & SANFELICI, 2015, p.6.
13
MARICATO, 2005, p.1.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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seguinte. O projeto procurava resolver dois problemas. Reverter o cenário de déficit habitacional
e oferecer uma resposta rápida à crise mundial14. O incentivo a construção civil serviu como
medida econômica anticíclica. Isso é, “empregar uma grande quantidade de trabalhadores a baixo
salário”15 para impulsionar a economia.
O que chama atenção, porém, é o caráter controverso do PMCMV. A abertura de um
novo campo de investimento fomentou a disputa entre as incorporadoras pela terra para se
construir. Dessa forma, a iniciativa que buscava ampliar o acesso à moradia para as camadas de
baixa renda, gerou maior demanda pelo solo urbano incitando a subida dos preços. Conclui-se,
então, que as políticas habitacionais implementadas nos últimos 10 anos conduziram a atividade
construtiva no país. O caso do Rio de Janeiro é um bom exemplo para a última condição apresentada.
A cidade, além dos estímulos do governo federal, foi palco dos Mega Eventos. Os efeitos e as
transformações sobre a espaço urbano carioca serão levantados a seguir.

4. MEGA EVENTOS NO RIO DE JANEIRO

No nível local, o mercado imobiliário passa a atuar em áreas inéditas. Em comparação


com as áreas nobres, o subúrbio carioca permanecia pouco valorizado. No entanto, a partir de
2007 o quadro se altera. Os ares olímpicos que rondavam a Cidade Maravilhosa impulsionaram
a construção civil. No Mapa 1 e Mapa 2 é perceptível com o número de empreendimentos
lançados acompanha o investimento em infraestrutura. Vejamos os detalhes das mudanças
ocorridas no Rio de Janeiro e, mais precisamente, na Av. DHC (Mapa 1).

14
SILVA, 2019.
15
Ibid, p.84.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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MAPA 1 – Lançamentos entre 2000 e 2006

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da ADEMI e SMU.

As novas leis urbanísticas revelam as intenções da esfera municipal. O PDDUS determina o


macrozoneamento da cidade e destina a cada um deles um tipo diferente de ocupação. Isso posto, a
Av.DHC recebe atenção diferenciada de dois modos. O primeiro, através da Macrozona de Ocupação

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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Incentivada, “onde o adensamento populacional, a intensidade construtiva e o incremento das
atividades econômicas e equipamentos de grande porte serão estimulados”16. E o outro, a partir da
AEIU Engenhão17.O PDDUS é mais recente, porém, a expansão imobiliária já vinha sendo robusta
desde 200718. AAv. DHC está próxima do Engenhão e dentro do macrozoneamento citado.
O que se pode notar para além do aumento considerável de atividade construtiva é a presença
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). O Rio de Janeiro convive com a insegurança e violência
urbana19. Disputas territoriais do narcotráfico nas favelas e o grande número de assaltos habitam os
noticiários no cotidiano do carioca. Com o discurso da ordem, o Governo do Estado do Rio inaugura
o formato de ocupação territorial através da Polícia Militar. Além das 15 UPPs marcadas no mapa, a
Cidade da Polícia representa a política de segurança pública para a AP3. Os investidores imobiliários
se interessaram pelo clima festivo e seguro da cidade20. Já a percepção é outra quando apreciada a
perspectiva dos moradores das favelas ocupadas. O projeto teve como consequência “uma remoção
econômica à população com menor poder aquisitivo, que vai sendo aos poucos afastada da cidade”21
(Mapa 2).

MAPA 2 – Lançamentos entre 2007 e 2015

16
PDDUS, 2011, p.15.
17
Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU), segundo informa a SMU, é aquela destinada a projetos específicos
de estruturação ou reestruturação, renovação e revitalização urbana.
18
Além dos demais estímulos vistos, tivemos os Jogos Pan Americanos (2007), a Copa do Mundo (2007) e os Jogos
Olímpicos (2016).
19
“Violência afeta setor imobiliário do Rio” - Valor Econômico – 06/10/2017 -
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2017/10/06/violencia-afeta-setor-imobiliario-do-rio.ghtml.
20
“UPP faz preço de imóveis disparar no Rio” – Folha de SP – 15/03/2011.
21
FRANCO, 2014, p.84.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
ISSN: 2763-8596
45
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da ADEMI e SMU.

Além disso, os shoppings, ambos marcados no mapa, são tanto beneficiados quanto
estimuladores do setor imobiliário da região. O vice-presidente da RJZ/Cyrela chegou ao ponto de dizer
que “O Norte Shopping está para a Zona Norte como a praia para a Zona Sul”22 O maior número de
lançamentos está nos arredores desses centros comerciais. O transporte também é uma informação
recorrente na publicidade imobiliária. A Av. DHC, em sua extensão, é cortada tanto pelo metrô
quanto pelo trem. A concentração dos empregos no Centro da cidade e os engarrafamentos
aumentam o tempo de trajeto dos suburbanos. A mobilidade, portanto, é um critério igualmente
demandado na escolha do local de moradia. A concentração de investimento na Av. DHC é de
chamar atenção. Pode-se constar da mesma forma como a distribuição é desigual ao longo da via.
A atual estrutura residencial no subúrbio confirma como os recursos não são partilhados de forma
a garantir o acesso à moradia.

22
“Os segredos de Del Castilho”. Disponível em:
http://www.ademi.org.br/article.php3?id_article=21933&var_recherche=norte+shopping.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
ISSN: 2763-8596
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que a junção de inúmeros fatores proporcionou a expansão imobiliária na Av.


DHC. Seja por conta da mudança do padrão de acumulação do capitalismo. Pela inserção da
política habitacional do país na lógica financeirizada. Pelos investimentos trazidos pelos Mega
Eventos no Rio. O fato é que, não somente o subúrbio, a cidade se reformulou. Então, este texto
teve o intuito de contribuir para a discussão sobre as novas formas de se produzir o urbano no
Brasil e, mais precisamente, no subúrbio carioca.
Sem esgotar o assunto, ainda há múltiplas óticas disponíveis para observar o recorte
espacial aqui analisado. Para além das dicotomias Zona Norte e Zona Sul, centro e periferia, o
Rio de Janeiro é repleto de contradições e desigualdades a se revelar. Para chegarmos a uma
imagem mais diversa da cidade, resta olharmos para áreas que fogem aos pontos turísticos.

6. REFERÊNCIAS

ABRAMO, P.; FARIA, T. C. Mobilidade residencial na cidade do Rio de Janeiro:


considerações sobre os setores formal e informal do mercado imobiliário. Anais do “XI
Encontro Nacional de Estudos Populacionais (Ebep)”, p. 421-456, 1998.
ABREU, M. DE A. A Periferia de Ontem: o processo de construção do espaço suburbano do
Rio de Janeiro (1870-1930). Revista Espaço & Debates, ano VII, v.1, no 21, 1987.

BARROS, S. F. DE S. A produção do espaço urbano nos diferentes padrões de acumulação: o


fordismo e a acumulação flexível em perspectiva. Espaço e Economia, 28 jun. 2019.

CANO, W.A desindustrialização no Brasil. Economia e Sociedade, p. 831–851, dez. 2012.

CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 1989.

FERNANDES, N. DA N. O rapto ideológico da categoria subúrbio: Rio de Janeiro, 1858-


1945. Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.

FRANCO, M. UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança
pública do estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado - Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2014.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
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47
MARICATO, E. A nova política nacional de habitação. O Valor, São Paulo, 24 nov. 2005.

MICHAELIS. Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

SANFELICI, D.; HALBERT, L. Financial markets, developers and the geographies of housing
in Brazil: A supply-side account. Urban Studies, v. 53, n. 7, p. 1465–1485, maio 2016.

SANTOS, C. R. S.; SANFELICI, D. Caminhos da produção financeirizada do espaço urbano: a


versão brasileira como contraponto a um modelo. Revista Cidades, v. 12, n. 20, 2015.

SANTOS, M. A urbanização brasileira. Edusp, 2005.

SHIMBO, L. Z. Empresas construtoras, capital financeiro e a constituição da habitação social de


mercado. In: MENDONÇA, J. G.; COSTA, H. S. M. Estado e capital imobiliário:
convergências atuais na produção do espaço urbano brasileiro. Belo Horizonte: C/Arte, 2011.

SILVA, R. A. DA. Subúrbio S/A: reestruturação imobiliária e reconfiguração do urbano


carioca sob domínio do capital financeiro no século XXI. Dissertação de Mestrado -
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2019.

SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Erminia (Org.). A
produção capitalista da casa e da cidade no Brasil industrial. São Paulo: Alpha-omega,
1979.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Pedro Henrique Leite dos. Expansão imobiliária no subúrbio carioca: um estudo de caso sobre a Avenida Dom Hélder
Câmara. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF,
2021. p.38-47.
ISSN: 2763-8596
48
GT – 1: Geo-grafias e Distopias

AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS NEOCAPITALISTAS


NO VIDIGAL

Renato Garcia F. S. Pinto1


Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Faculdade de Formação de Professores
renatogarciafsp@gmail.com

RESUMO:
O presente artigo busca compreender por meio do método materialista histórico e
dialético e da teoria da produção capitalista do espaço, os processos e agentes que atuam
e impactam no processo recente de transformação espacial da Favela do Vidigal. Através
da analise dos contextos e programas de urbanização que culminam no atual processo de
turistificação evidenciaremos o papel do Estado e da iniciativa privada, que no atual
cenário do neocapitalismo contemporâneo, é responsável direta pelas consequências que
vão além das transformações estruturais, impactando também no cotidiano da favela e na
vida do morador.

Palavras-chave: Espaço; Neocapitalismo; Vidigal.

1
Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UERJ/FFP.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
ISSN: 2763-8596
48
1. INTRODUÇÃO

O processo de produção do espaço urbano no capitalismo é responsável por


diversos fenômenos urbanos que na cidade contemporânea têm cada vez mais se
adensado. Tais fenômenos se apresentam como reflexos e condicionantes da relação de
exploração e precarização das condições de trabalho, que inseridas no processo de
acumulação de capital, vêm se reproduzindo materialmente e espacialmente nas cidades,
através do que Davis (2006) chama de “superurbanização”, visto e categorizado no Rio
de Janeiro também pelo processo de favelização. Esses processos estão associados ao
acelerado crescimento populacional, que segundo Santos (2013), faz com que o país
conheça, a partir da segunda metade do século XX, um grande surto de adensamento
urbano, potencializado pelo surgimento e expansão da atividade industrial, que ao mesmo
tempo em que é produto, é também produtor da transição e transformação urbana que
ocorre nesse mesmo contexto. Esse crescimento urbano e populacional que trazem a tona
novos modelos de ocupação urbana na cidade, se caracteriza também por uma série de
transformações socioculturais pautadas nas relações sociais entre classes e instituições.

Esse novo cenário surge, segundo Abreu (2013), pelo não acompanhamento entre
o crescimento populacional e o aumento de ofertas de moradia e transporte, afetando
principalmente a parcela mais pobre da população, que impossibilitada de competir
financeiramente pelo espaço com as demais parcelas da sociedade, passa a se colocar nos
entornos e/ou locais não ocupados até então, que desde então passam a ser popularmente
conhecidos como favelas. Essa realidade, iniciada no fim do século XIX chega ao século
XXI com, de acordo com o IBGE/Censo 2010, com cerca de 1.500.000 de habitantes em
cerca de 750 favelas, equivalendo aproximadamente a ¼ da população carioca.

O surgimento desse tipo de moradia no Rio de Janeiro traz consigo novos agentes
e relações dentro do processo de produção do espaço, pois é a partir desse momento que
o Estado, compreendido como relação social que se materializa a partir da interação dos
poderes entre os agentes e grupos que o compõem, passa a ser um agente ativo do
processo. Essa mudança de status do Estado pode ser vista e evidenciada através da
análise da atuação do poder público, que associado ao capital privado, desde o século
XIX e principalmente durante a primeira metade do século XX, foi o responsável e
principal produtor do espaço. Essa atuação, feita através de políticas higienistas e grandes

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
ISSN: 2763-8596
49
cirurgias urbanas se estabeleciam no intuito de criar e beneficiar áreas de expansão do
capital e de uma dita sociedade ‘’nobre’’, tais como a Zona Sul e o combate à favela fazia
jus a tais propósitos.

O papel do Estado em relação à favela de acordo com Abreu (2013), ao longo de


grande parte do século XX, teve como principal foco a erradicação através do caráter
sanitário-higienista, sendo posteriormente mesclado e substituído por uma espécie de
funcionalismo, que tendo como base a remoção, combatia a favela através da pretensa
necessidade de mobilidade e funcionamento do espaço urbano. Entretanto, ao longo dos
últimos anos é possível notar uma mudança na atuação do Estado em relação a algumas
favelas, que devido a diversos fatores, como a articulação de movimentos associativos,
mudanças políticas e crises econômicas, dão a determinadas favelas, principalmente
aquelas localizadas na Zona Sul, tais como o Vidigal, a condição de área de atração, não
apenas de moradores, mas também de investimentos privados e externos. Esse contexto,
potencializado pelo movimento neoliberal, faz com que as cidades passem a competir
pelo investimento, no que Harvey (2005) chama conceitualiza como empresariamento
(ou empreendedorismo) urbano, que no caso específico do Rio de Janeiro, foi amplamente
potencializado pelos mega-eventos esportivos. Esse movimento promove por si só
intensas mudanças no espaço, tanto por meio de grandes obras como de forma simbólica,
que nas favelas, tem a capacidade de afetar diretamente e de diversas formas a vida dos
moradores, intensificando os processos de competição interna. Essa realidade atual se dá
através da transformação dos espaços, que por meio de obras de embelezamento ou até
mesmo em infraestrutura, os coloca na mira do grande capital, que os vê como espaços
atrativos ao retorno financeiro de investimentos privados, principalmente naqueles
relacionados ao setor imobiliário, assim como ao turismo e ao lazer.

A escolha da favela do Vidigal como exemplo desse processo de reestruturação


do espaço urbano no cenário neocapitalista busca demonstrar através da análise específica
das ações e agentes nesse espaço, a intensa complexidade de relações e processos deles
originados, buscando dessa forma compreender os impactos e as possíveis saídas para
uma produção do espaço que envolva todos seus agentes e que tenha maior participação
dos principais interessados, os moradores.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
ISSN: 2763-8596
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2. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAS DO VIDIGAL

O surgimento da Favela do Vidigal no início dos anos 1940 e seu subsequente


processo de crescimento populacional e adensamento urbano são considerados no âmbito
desse trabalho como marcos na relação Estado, favela e classes sociais no Rio de Janeiro.
Essa classificação se explica inicialmente pela sua localização, na encosta do Morro Dois
Irmãos, entre os bairros, de São Conrado e Leblon, vistos como uma expansão dos bairros
de Copacabana e Ipanema, destinados à elite carioca. Além disso, essa favela se destaca
no cenário também por sua história em particular, já que desde sua origem têm sido alvo
de intensas disputas relacionadas à posse de seu terreno e produção de seu espaço,
principalmente por parte da iniciativa privada associada ao turismo. O Vidigal, além de
alvo de tais disputas, exemplifica também a relação conflituosa e contraditória entre
bairros ‘’nobres’’ e favelas vista também em outros pontos da cidade, pois sua
localização, além de naturalmente privilegiada e consequentemente alvo de interesses, se
situa também às bordas da Avenida Niemeyer, grande marco da engenharia carioca, que
conecta os bairros criados e destinados à elite carioca à Barra da Tijuca, área de atual
expansão da cidade. Entretanto, apesar de considerada uma espécie de intrusa na região,
a mesma se tornou, assim como as demais favelas da cidade, um reduto dos trabalhadores
da região, que impossibilitados financeiramente de se locomover no espaço urbano da
cidade, precisavam estar próximos ao Leblon, Ipanema e Gávea para trabalhar para essa
mesma elite.

Esse contexto de disputas coloca o Vidigal no centro do debate sobre a produção


do espaço urbano e a relação do Estado com a favela, pois além do já citado, ela foi ainda
uma das únicas favelas a resistir aos violentos ataques da chamada ‘’era das remoções’’
(Brum, 2011). Além de ser um marco dos movimentos associativos e da luta por
permanência, o Vidigal se transforma também, logo em seguida, em uma das primeiras
favelas a receber investimentos públicos e privados associados ao modelo de
reestruturação urbana que se iniciava nos anos 1980, tanto através de programas como o
‘’Mutirão’’ (1981-1989), como pela visita do Papa João Paulo II (1980), que foi
responsável por diversas melhorias estruturais na favela, como de investimentos privados.
Esse novo modelo de política pública de “urbanização de favelas’’ se estabelece
efetivamente como base de política pública através do Programa Favela Bairro (1994-

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
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2008), que a partir dos anos 1990, modifica a lógica remocionista que ainda perdurava,
dotando as favelas de algumas melhorias, mas também as colocando como campo de
atuação do grande capital, que poderia, através da reestruturação urbana, ampliar seu
processo de acumulação através do que Harvey (2005) chama de diminuição do tempo de
giro.

Esse panorama de transformações políticas associadas ao espaço urbano e mais


propriamente da favela está inserido segundo Harvey (2005) no contexto do
neocapitalismo, que de acordo com Miller (1975) se refere à mistura europeia de extensos
programas de bem-estar social mediados pela intervenção seletiva do governo e empresas
privadas expansivas, que buscam através desses, realizar seu lucro.

Para compreender esse contexto de reestruturação urbana da cidade do Rio de


Janeiro e mais propriamente as consequências desse processo no Vidigal, precisamos
analisar mais a fundo os programas de urbanização feitos por meio de parcerias público-
privadas, para relacioná-los a entrada de capital privado na favela e suas subsequentes
transformações. Esse processo de chegada de capital externo no Vidigal se demonstra
cíclico, pois está associado diretamente às intervenções do Estado, que a cada nova
intervenção/programa amplia a capacidade atrativa da favela, modificando a dinâmica
urbana local. O ‘’Mutirão’’, a visita do Papa, o Programa Favela Bairro e os outros
programas, como já citados, além de mudanças estruturais, trouxeram também outras
transformações importantes para o Vidigal, como a cessão de títulos de propriedade, que
além de ampliarem o crescimento da comunidade, deram início a um processo de
regularização, que não ateve apenas ao mercado fundiário, se ampliando para o comércio
e demais estabelecimentos, aumentando também o interesse de classes sociais mais
abastadas nesse espaço.

Essas políticas associadas à urbanização se somam também ao contexto de


crescimento populacional das mesmas, que de acordo com Leitão (2009), se adicionam
aos processos já descritos ao longo das últimas décadas do século XX, inclusive no
Vidigal. Para Leitão (2009), a modernização do campo, que retoma e acentua o êxodo
rural existente no período de industrialização, somando-se também às crises financeiras
no Brasil nos anos 1980 e 1990, fez com que as favelas recebessem grandes quantidades
de novos moradores oriundos da cidade ‘’formal’’. Essa retomada de crescimento iniciada

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
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a partir dos anos 80, que no Vidigal significou cerca de 40%2, se soma à histórica luta dos
moradores e faz com que aos poucos o grande capital, intermediado pelo Estado, mude a
abordagem em relação às favelas, já que desde então, se iniciavam em todo mundo
globalizado, alguns processos que visavam incluir as periferias aos circuitos de giro do
capital. No caso específico da cidade do Rio de Janeiro, essa inclusão pressupunha, além
de um processo de reconstrução da infraestrutura, uma ressignificação da imagem das
favelas, para que essas pudessem posteriormente ser inseridas no contexto de
reestruturação do espaço urbano, visto nesse contexto do capitalismo não apenas com
meio pela qual se dá o processo de acumulação, mas como o objeto de tal processo.

Ao final dos anos 2000, após os modelos de reestruturação, é possível ver uma
nova tendência surgir no processo de ‘’urbanização’’ das favelas, sendo essa associada
majoritariamente à questão de segurança, que ao longo de todos os anos 1990 e início de
2000 vinha ganhando peso no processo de discussão do modelo de produção da cidade.
A entrada do capital nesse contexto ficaria condicionada a tais questões, pois ficava
evidente para os gestores e principalmente para a iniciativa privada, que para que o capital
pudesse entrar nas comunidades seria necessário transformar não apenas as estruturas
urbanas, como já vinha sendo proposto, mas também o imaginário relacionado às favelas,
que ao longo dos anos vinha sendo quase que unicamente associado à violência. Essa
necessidade de segurança, além de se originar da crescente pressão pública, ganha força
também devido aos grandes eventos que ocorreriam na cidade entre meados de 2000 e
2016.

Os projetos de urbanização já retratados, somados ao programa das Unidades de


Polícia Pacificadora (UPP) são os principais marcos da transformação retratada no
Vidigal, pois criam as condições estruturais para o crescimento e entrada de capital
externo na favela, sendo complementados e ampliados pela ideia de retomada territorial
e de ‘’pacificação’’, complementando a chamada abertura da favela para o asfalto,
ampliando também, a transformação e as representações associadas à diversidade e
cultural local, que ao serem transformados em ativos econômicos, potencializam o
processo de turistificação que ao mesmo tempo se estabelece. A UPP do Vidigal,

2
Entre os anos de 1980 e 2000 o Vidigal passou de 9.696 para 13.719 habitantes (IBGE), um crescimento
muito maior que o da cidade, que na mesma época, passa de 5.183.992 habitantes para 5.851.914 (12%).

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PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
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inaugurada em 2012, marca o início dessa nova onda de transformações, pois de forma
direta e indireta, tanto na produção do espaço físico como na criação de condições
subjetivas associadas principalmente a segurança, essa possibilita a entrada de
investimentos externos, que rapidamente criam um impacto no preço do m2 do Vidigal,
que de acordo Lacerda (2013, pág. 123), salta mais 200% nos meses seguintes. Essa alta
do preço do m2 se dá principalmente pela chegada de grandes investidores privados
externos, que movidos pela possibilidade de retornos financeiros associados à alta do
mercado imobiliário na região, passam a comprar residências no interior da favela,
construir complexos turísticos e de lazer, inflacionando o preço do m2,3. Esse processo de
entrada de investidores e de consequente alta, segundo Lacerda (2013, pág. 113) é
relatado também por agentes internos, que auxiliavam nesse processo de compra4, que de
acordo com representantes da AMVV (Associação dos Moradores da Vila do Vidigal)5
impactou diretamente na vida de diversos moradores mais pobres, que impossibilitados
de competir com esse mercado interno em ascensão, se viram forçados a vender seus
imóveis e migrarem, tanto para as áreas de expansão urbana da cidade, como a Zona
Oeste, quanto para áreas de risco dentro da própria favela.

Esse processo de inserção da favela no circuito do capital não pode ser encarado
como algo de mão única, pois esse está associado também a um gama de processos
internos, como a mudança de perfil do morador citada por Leitão (2009), que junto com
tais mudanças estruturais, vão ser responsáveis também por ampliar o mercado interno,
através de pequenos comércios, que ajudam a transformar algumas das representações e
generalizações históricas associadas à favela. Essa transformação simbólica e sua relação
com a valorização em questão se dá também pela mídia, que aos poucos, principalmente
após as coberturas midiáticas da ”retomada do território” e das mudanças posteriores,
eleva o Vidigal a categoria de favela ”cool”, “point” dos jovens cariocas, centro de
produção cultural (funk, samba, rap, entre outros), que ao passar a contracenar com a

3
Reportagem Estadão - https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,alemao-monta-complexo-turistico-no-
vidigal,331501.
4
Entrevista concedida ao autor no dia 28/05/2019 por José Neguinho, principal articulador do investidor
alemão Rolf Glaser, que entre novembro de 2008 e fevereiro de 2009 adquirira 37 propriedades, anunciando
a construção de hotéis e etc.
5
Entrevista concedida ao autor no dia 09/05/2019 por André Maurício Pogsi, Diretor Cultural e Social da
Associação dos Moradores da Vila do Vidigal (AMVV).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
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classe média e alta, nas novelas e filmes, além de compor mais um ponto na rota turística
carioca, se torna uma área de expansão do capital. Esse processo de transformação
interna, pautada pela transformação da atuação do Estado no atual cenário neocapitalista
tem impacto direto na favela do Vidigal, pois a é partir dos programas de reestruturação
urbana e também dos programas associados à segurança que podemos ver um “boom”
interno, tanto no surgimento de estabelecimentos, como no fluxo interno de mercadorias
e serviços, que de acordo com Pinto (2019), entre os anos de 2012 e 2017, como mostra
o levantamento cartográfico ”Vidigal 100 fronteiras” da agência Vidigalo6, tem elevado
crescimento nas áreas próximas as ruas principais. Esse crescimento rápido acaba
provocando congestionamentos e diversos problemas relacionados a abastecimento de
água, luz e recolhimento de lixo, pois ao mesmo tempo em que tais mudanças se
estruturam visando o mercado, alguns dos direitos básicos são colocados de lado.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contextualização de tais transformações urbanas nesse cenário de


neocapitalismo nos possibilitam correlacionar e aprofundar toda a teoria e o processo de
produção do espaço urbano, exemplificando o processo de produção da cidade a partir do
espaço do Vidigal, que nesse contexto, passa a receber diferentes novos agentes, de
escalas distintas, que influenciam diretamente no processo de produção do espaço. Essas
novas relações entre o Estado, capital privado, externo e interno e suas vertentes
imobiliário, comercial, turístico, assim como o movimento associativo, se estabelecem
como importantes fatores no atual processo de transformação da favela, pois estimulam
e propiciam uma grande mudança associada às representações que potencializam ainda
mais a chegada de novos agentes externos, privados e públicos, dando origem a novas e
diferentes relações, com escalas de interação espaciais distintas, que modificam, tanto
estruturalmente, como no âmbito da vida cotidiana, a favela. A transformação dos padrões
de atuação do poder público nas favelas cariocas, principalmente no Vidigal, marcaram
tais espaços de distintas maneiras, possibilitando as cada vez mais constantes ações

6
A agência Vidigalo, do idealizador André Koller distribuiu e divulga um projeto chamado “Vidigal 100
fronteiras”, que além de funcionar como uma revista interna para o morador nas redes sociais, também
produziu mapas entre 2012 e 2017.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
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privadas, que nesse contexto, tem cada vez mais se tornado as principais gestoras do
processo de produção do espaço, evidenciando que, ao propiciar basicamente
infraestrutura e ”segurança”, tais políticas públicas, na verdade, abre o espaço para o
mercado imobiliário e para a iniciativa privada, criando um mercado interno de gestão
externa, que gradativamente tira das mãos do morador, o curso do processo de produção
do espaço. Devido a todos esses processos, o Vidigal é hoje tido como um espaço de
encontro e embate entre classes, que da mesma forma que dinamiza e gera benefícios para
essa localidade, traz à baila novas relações, que além de modificaram a dinâmica interna,
expõe os mais vulneráveis. Essa chegada de recursos, além de adensar e trazer à baila
problemas estruturais da favela é responsável por modificar certas relações constituintes,
aumentando a competição interna, que somada aos processos já descritos, também é
responsável direta pela intensa transformação que ocorre na favela, tanto em relação ao
seu morador, quanto aos estabelecimentos comerciais e serviços oferecidos.

Portanto, é importante identificar esse processo no Vidigal, que devido às novas


conjunturas, dá origem a novos espaços, evidenciada principalmente pelo poder
aquisitivo dos novos agentes, que chegam com cada vez mais força na favela, implicando
em novas relações que se associam ao intenso processo de competição pelo espaço. Essas
novas conjunturas, que dão o mercado o papel predominante no processo de produção do
espaço traz à tona também questionamentos em relação ao novo papel do Estado, que
nesse modelo se transforma em um agente avalista dos interesses do capital. Esse cenário
traz à tona o questionamento sobre o sentimento do morador em relação a tais processos,
nos permitindo aferir que, por mais que tal processo traga de certa forma desenvolvimento
econômico, existe também, por parte do morador um sentimento de invasão, pautado no
rapto e nas transformações das práticas e riquezas locais em benefício primeiro do agente
externo, seja turista ou empresário.

Essa percepção nos leva a conclusão de que a atual dinâmica do Vidigal, que em
muitas vezes é mais atrativa aos que vem de fora do que para os moradores, intensificando
o processo de competição e disputa em curso. Esse processo faz com que os mesmos
tenham seu direito à cidade reprimido, o que cria cada vez mais questionamentos no
Vidigal, que busca assim como fez em 1978, através de uma organização associativa
exercer o tal direito, pautado por Harvey (2015) como sendo muito mais que a liberdade

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
ISSN: 2763-8596
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individual para acessar os recursos urbanos, sendo o direito de mudar a si mesmos por
mudar a cidade, um direito coletivo e humano, que depende do exercício do poder
coletivo, dando forma ao processo de urbanização, que faz e refaz nossas cidades e a nós
mesmos.

4. REFERÊNCIAS

ABREU, M. de A. Evolução Urbana do Rio de janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2013.

BRUM, M. S. I. Cidade Alta – História, memórias e estigma de favela num


conjunto habitacional do Rio de Janeiro. 2011. Tese (Doutorado). Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Ciência Humanas e Filosofia, Departamento de
História: Niterói, RJ.

DAVIS, M. Planeta Favela. São Paulo: Editora Boitempo, 2006.

HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005.

. O Novo Imperialismo. 2ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

. O espaço como palavra-chave. Rio de Janeiro: Em Pauta, n. 35, v. 13, p. 126


– 152, 2015. 31p.

LACERDA, L. G. Conflitos e disputas pela mercantilização de territórios


populares: o caso da favela do Vidigal. 2016. Dissertação (Mestrado em Planejamento
Urbano e Regional) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional, Programa de Pós Graduação em Planejamento
Urbano e Regional. Rio de Janeiro, 2016.

LEITÃO, G. Reconhecendo a diversidade das favelas cariocas. In: SILVA, Jailson


Souza e (Org.). O que é favela, afinal? Rio de Janeiro: Observatório de Favelas do Rio
de Janeiro, 2009, p.36-45.

MILLER, Michael S. Notes on Neo-Capitalism. Theory and Society, Springer, v. 2,


n.1, 1975.

PINTO, R. A produção do espaço do Vidigal: os diferentes papéis na transformação


da favela - do Estado aos agentes microlocais. 2019. Dissertação (Mestrado em
Geografia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP, São Gonçalo, 2019.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PINTO, Renato Garcia F. S. As transformações socioespaciais neocapitalistas no Vidigal. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.48-54.
ISSN: 2763-8596
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GT – 1: Geo-grafias e Distopias

A DISTOPIA DO FUNK CARIOCA:


ascensão do 150 bpm, violência nas favelas e as evidências de uma
cidade dividida

Thais da Silva Matos1


Universidade Federal Fluminense
thaismatos092@gmail.com

Carlos Eduardo Cesário Lemos2


Universidade Federal Fluminense
carlosclemos@gmail.com

RESUMO:
Neste trabalho iniciaremos uma análise do processo antagônico por meio do qual o Funk
Carioca se firma como um dos principais ritmos brasileiros contemporâneos. Enquanto o
funk, principalmente as batidas a 150 bpm, ganha notoriedade nacional e internacional,
em paralelo a isso, as favelas são alvo de crescente repressão do Estado. A partir dessa
dicotomia, buscamos entender o papel da marginalização e repressão das favelas e de suas
manifestações culturais na produção de uma cidade dividida por uma fronteira simbólica
que não reconhece a favela e suas produções como parte integrante da sociedade.

Palavras-chave: Rio de Janeiro; Funk Carioca; Favela.

1
Graduanda em Geografia na UFF.
2
Graduando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
55
1. INTRODUÇÃO

O Funk Carioca, gênero musical advindo das favelas do Rio de Janeiro, assim
como suas manifestações culturais, não são fenômenos recentes. Apesar de terem
assumido grande notoriedade na mídia somente nos últimos anos, esses movimentos
resistem na cultura brasileira desde a década de 90 e refletem os processos e
transformações que a favela experimentou enquanto território.
Por um lado, temos o funk se afirmando como um dos principais ritmos
brasileiros. Por outro, a perversa intervenção do Estado nas favelas, caracterizada pela
extrema violência e pelo extermínio da população marginalizada e dos corpos negros. Tal
abordagem é apoiada por discursos que elaboram a favela enquanto um território a ser
controlado e civilizado. Esse imaginário negligencia as complexas relações que se
desenvolvem nas favelas através de atores diversos, além de não reconhecer a capacidade
de produção de saberes dos seus moradores e ignorar, quando se supõe necessário, seu
status de cidadania.
A construção da favela enquanto espaço não reconhecido pela sociedade remonta
a produção racista do espaço urbano do Rio de Janeiro. A situação enfrentada pelos negros
no Brasil do século XX é herança de uma sociedade escravocrata que, mesmo após a
abolição, manteve estruturas sociais racistas, condicionando os afro-brasileiros a
categoria de sub-humanidade, sem possibilidade de ascensão social. A falta de assistência
a essa população resultou no surgimento de moradias precárias e “irregulares” nas áreas
centrais da cidade que ao longo dos anos se multiplicaram.
Todos esses processos vão de encontro com a marginalização e perseguição que
o funk, enquanto gênero musical, vem sofrendo ao longo dos anos e assim como a
contradição em sua ascensão como um dos gêneros mais populares do país e que ganha
notoriedade do mercado mainstream internacional. Com isso, nossa pesquisa busca
apresentar tais contradições, além de contextualizar os fatos que nos trouxeram até o
panorama atual e as políticas públicas de intervenção e perseguição à população mais
pobre e negra, que se localizam nas periferias do espaço urbano.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
56
2. FAVELA X ASFALTO

O adensamento populacional nas favelas no Rio de Janeiro foi intensificado pelas


grandes Políticas Públicas de urbanização e modernização da cidade, a partir de 1890. O
que fica explícito nas grandes reformas, quando analisamos atualmente, é a tentativa de
expulsão das populações “indesejáveis” da área central ou de áreas valorizadas da cidade,
abrindo espaço para um projeto de desenvolvimento capitalista e eurocêntrico. O
empreendimento tinha como objetivo remover os cortiços: habitações “irregulares” que
abrigavam as massas marginalizadas que, por sua vez, demonstravam as desigualdades
sociais que se agravavam na sociedade brasileira e, sobretudo, na cidade do Rio de
Janeiro. As favelas tornam-se a única solução de moradia para as populações
marginalizadas e negligenciadas pelo Estado (ABREU, 1994). Com a expansão do tecido
urbano e a intensificação das suas crises, esse espaço vai se constituindo como um
território cada vez mais emblemático, marcado pelo descaso do poder público e pelo olhar
alienado da sociedade, confinado numa fronteira simbólica que ressalta a dicotomia
“favela X sociedade”.
Essa configuração “inicial” das favelas já nos demonstra um dos mais importantes
elementos que vai constituir o Rio de Janeiro como a cidade dos contrastes, como bem
pontua Maurício de Abreu:

Abrigo da marginalidade urbana, mas também residência do trabalhador


honesto, “chaga” da cidade, mas igualmente “berço do samba”; solução
urbanística desprezada e, ao mesmo tempo, elogiada; as imagens das favelas
impuseram-se no decorrer do século XX e já se incorporaram no imaginário
coletivo da cidade (ABREU, 1994, p. 34).

A violência extrema sempre foi uma marca na relação da favela com o Estado,
que se apoia na produção de um imaginário racista profundamente enraizado na sociedade
brasileira e que não tolera assimilação dos favelados a cidadania urbana, para dar
continuidade ao projeto de embranquecimento da população e da cultura, através do
genocídio das pessoas pretas desse país. Hoje, tal abordagem é justificada pela guerra às
drogas; mas antes mesmo da ocupação pelas facções criminosas, reconhecemos ações
brutais por parte do Estado, oprimindo atividades e manifestações culturais de favela,

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
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apoiado pela sociedade civil. Não podemos deixar de citar aqui o caso do Samba que,
antes de ser apropriado pela branquitude e higienizado sob a forma da Bossa Nova, sofria
com incursões policiais violentas para acabar com suas festas e rodas nas favelas cariocas.
Isso nos ajuda a entender que a fronteira simbólica que enclausura a favela é
progressivamente construída pelo Estado e pela mídia para proporcionar um maior
controle dos seus componentes e da sua produção.
Na década de 90 se consolida o processo de entrada das facções criminosas e, a
partir disso, as favelas são associadas exclusivamente a territórios controlados por
traficantes e apontados como causa da violência e da insegurança observadas na cidade
(OLIVEIRA, 2014). A partir da consolidação desse imaginário específico de
criminalização, as cicatrizes de uma cidade rachada se aprofundam ainda mais. O que
observamos, principalmente a partir de 2007, com a criação do BOPE, é que o Estado
vive em guerra não declarada com as favelas, matando dezenas de jovens,
majoritariamente negros, todos os dias. A violência da força policial não se traduziu em
melhorias na segurança pública, mas pelo contrário, fez emergir nessa dinâmica novos
atores que tensionam ainda mais a relação Estado-sociedade-favela, como é o caso das
milícias e sua atuação problemática nessas comunidades.
Principalmente após os empreendimentos de “pacificação” em 2008, as favelas
vêm sofrendo grandes transformações. O Estado, as milícias e os narcotraficantes são,
frequentemente, apontados como os únicos atores disputando por aquele território;
esquecemos, porém, que ele também vem sendo disputado pelos próprios favelados
enquanto espaço de resistência das suas próprias vidas e da sua produção social,
intelectual e artística. A experiência do favelado é narrada, atualmente, principalmente
através do funk e demonstra que mesmo diante do violento controle e da intensa vigilância
do Estado, o território favela continua a produzir identidades e territorialidades.

3. A TRAJETÓRIA DO FUNK CARIOCA, SUA ASCENSÃO E


CONSTANTE PERSEGUIÇÃO

Não é novidade alguma que o processo de consolidação do funk enquanto gênero


musical e manifestação cultural, assim como o samba, passou também por um processo

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
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de perseguição, desde o seu surgimento até os dias atuais. Para entendermos melhor esse
desenvolvimento, podemos dividir a trajetória do funk carioca em três momentos
principais. O primeiro momento dá-se a partir dos anos 1970, quando, ainda nos
chamados Baile Black, com forte influência do hip-hop e da música negra estadunidense,
o funk brasileiro começa a dar os seus primeiros sinais de surgimento, ainda sem uma
caraterística própria. Já no segundo momento, dos anos 1980 aos de 1990, o gênero
começa a adquirir suas particularidades sonoras e status de movimento artístico-cultural,
junto da chegada do Miami Bass e a incorporação de elementos eletrônicos na música. É
nesse momento também que o funk passa pela sua primeira criminalização e ganha maior
notoriedade da mídia, a partir dos movimentos denominados de “arrastões”. Isso porque
os agentes dessas atividades começam a ser relacionados aos funkeiros. O terceiro e
último momento nos remonta ao panorama atual, dos anos 2000 à década de 2010.
Novamente, ao passo que o gênero ascende enquanto produto cultural, revestido com o
fenômeno do 150 bpm, passa também por uma forte repressão, especialmente em relação
ao seu principal ambiente de reprodução: o baile de favela.
Rememorando o primeiro momento do funk, que tem sua gênese na década de
1970, é importante ressaltar que sua origem está na junção das tradições musicais
afrodescendentes brasileiras e estadunidenses. Entretanto, não se trata de uma importação
dos ritmos estrangeiros, mas sim de uma releitura de um tipo de música ligado à diáspora
africana (FANCINA, 2009). Esse período é marcado pelo crescimento dos bailes black,
ainda restrito ao público que os frequentava nos subúrbios do Rio de Janeiro, sem a
notoriedade da grande mídia e muito menos do público da classe média da Zona Sul
carioca. O momento é marcado pela conscientização e demonstração do orgulho da
população negra que frequentava essa manifestação cultural. A partir da década de 1980,
há a chegada do Miami Bass, o hip-hop produzido em Miami, que incorpora novas
técnicas e tecnologias ao que mais tarde seria conhecido como o funk carioca, além das
tradições musicais que sempre se faziam presentes para a população pobre da cidade,
como o samba, o jongo e o pagode. Paralelamente, no cenário nacional, havia a ascensão
do rock que contagiava a juventude que se reunia nos outros espaços da cidade,
evidenciando a geograficidade das manifestações culturais e de seus adeptos.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
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Mas é na década de 1990 que os funkeiros começam a receber a notoriedade da
mídia, infelizmente, de forma negativa e pejorativa. Isso porque é nessa parte da trajetória
que os arrastões, assim chamados os movimentos que se popularizaram principalmente
nas praias da zona sul carioca, ganham destaque e os holofotes recaem para a
criminalidade que os envolvia, como os assaltos que ocorriam. Os participantes dessa
atividade começam a ser relacionados ao funk quando o termo “funkeiro” começa a ser
substituído na mídia pelo termo “pivete”. Logo, a criminalidade passa a ser relacionada
ao universo funk e estigmatiza a juventude “perigosa” das favelas e periferias da cidade.
(HERSCHMANN, 2006). É importante também relembrar que a cor da pele e a classe
social dos envolvidos era um ponto crucial para evidenciar estereótipos e dividir a
sociedade. Com isso, os bailes black que aconteciam nos asfaltos, agora associados a
criminalidade e ao tráfico de drogas ilícitas, se vê obrigado a ocupar novos espaços, com
os fechamentos de muitos clubes que enfrentavam dificuldades financeiras devido a dada
situação. Ao mesmo tempo, a partir de meados da década de 90, os artistas começam a
ganhar espaços na televisão e na indústria fonográfica, ao mesmo passo em que a favela
e os produtos dessa manifestação são criminalizados e condenados à ilegalidade. Seja
pela desculpa das falas polêmicas dos “proibidões”, vertente do funk que enaltece o sexo,
ou pela “apologia ao crime organizado”, o gênero é visto com maus olhos e sempre
associado àquilo que “não presta”.
Chegamos, então, a década de 2000 e aos anos 2010, terceiro momento de difusão
do funk, onde o gênero novamente se reinventa por meio da incorporação do que ficou
conhecido como funk 150 bpm (batidas por minuto). O funk se torna a nova sensação e a
sua crescente ascensão é notória, tanto nas rádios como nas plataformas de streamings,
assim como alcançando novos públicos, nas chopadas universitárias e entre as festas das
classes alta e média. Entretanto, ao mesmo tempo a favela, lugar originário dessa
manifestação cultural, é acompanhada a uma repressão por parte das políticas públicas de
intervenções policiais nas favelas, marcadas pelos megaeventos e pelo advento das UPPs,
bem como de políticas públicas mais recentes que são impulsionadas pelas esferas
federais, estaduais e municipais. O famigerado Baile da Gaiola, que acontece na Vila
Cruzeiro, Zona Norte do Rio de Janeiro, foi a mais recente vítima desse processo
distópico pelo qual passa a progressiva ascensão do funk carioca. O DJ Rennan da Penha,

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
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idealizador do baile, foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio, pois servia, segundo
a acusação, da função de “olheiro”. O artista está preso há mais de 6 meses, condenado
em segunda instância por associação ao tráfico de drogas. As provas de sua condenação
são baseadas em mensagens enviadas por meio de um aplicativo de mensagens
instantâneas. Em um grupo no aplicativo do qual os moradores fazem parte, Rennan avisa
da entrada de um “Caveirão”, nome popular dado ao carro blindado da Polícia Militar
para operações especiais, na comunidade (ZUAZO; GUIMARÃES, 2019).
Esse fato é a principal fonte de contraste para a atual situação em que se encontra
o funk, pois, ao mesmo tempo que o maior expoente do gênero da música contemporânea
brasileira está preso, a difusão do funk carioca toma proporções que extrapolam as
fronteiras nacionais, ganhando mercados e prestígios internacionais. A apropriação da
indústria fonográfica para fins de mercantilização do gênero proporciona o esvaziamento
dos seus significados que são oriundos do seu processo de formação, com potencial
transgressor e de um ponto de vista de quem mora e já experimentou das intervenções do
Estado na favela. O efeito dessa apropriação fica muito explícito quando observamos as
narrativas dos funk-pop tocados nas rádios com letras mais “politicamente corretas”, e as
narrativas do Funk de Favela que relata a experiência favelada com mais realidade, como
é o caso dos proibidões.
Recentemente, o DJ Rennan da Penha foi indicado ao Grammy Latino, maior
premiação musical da América Latina, ao lado do cantor Nego do Borel, pelo clipe da
música “Me Solta”. Muitas outras figuras se sobressaem nesse nicho musical que chama
progressivamente a atenção da indústria fonográfica. É o caso da cantora Anitta, que
esteve presente numa das canções do último álbum da consolidada carreira da cantora
Madonna, numa faixa cantada tanto em inglês quanto em português, com a presença das
batidas de funk ao fundo. A cantora Ludmilla também alcançou recentemente a façanha
de ter uma de suas músicas protagonizando o desfile da nova marca de lingeries da
mundialmente aclamada cantora Rihanna.

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MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise efetuada, nosso trabalho buscou evidenciar as contradições


encontradas na ascensão do funk carioca frente às políticas de repressão que as favelas,
de onde nasce esse gênero musical, vem passando desde o seu surgimento. Ao mesmo
tempo que o funk é incorporado pelo mercado mainstream e pela indústria fonográfica,
transpassando as fronteiras nacionais, existem evidências de como os produtores originais
desse gênero são perseguidos pelo Estado durante as suas operações policiais.
Esse processo de apagamento não se trata somente da eliminação dos seres sociais
“indesejáveis”, mas também da apropriação das suas formas culturais. O caso do samba,
já conhecido pelos estudiosos que não se negam a considerar a dimensão racial dos
fenômenos, se repete no Brasil contemporâneo com o funk 150bpm. O processo de
consolidação do funk, assim como do samba, deve-se muito aos povos que originaram e
praticavam essas manifestações culturais em seus primórdios, pobres, negros e excluídos,
que mesmo ainda não possuindo papéis de destaque nos processos produtivos e políticos,
foram e são peças fundamentais para internacionalização e reconhecimento da música
brasileira.
Portanto, do surgimento das favelas até os dias de hoje, é possível identificar os
mecanismos pelos quais o Estado operou a construção de uma fronteira invisível que
divide aquela cidade que vai parar nos cartões postais daquela que deve desaparecer. A
favela representa, pelas pessoas que nela habitam, um passado que o Rio de Janeiro tenta
apagar sistematicamente há décadas, mas que é fundamental para sua história e para sua
centralidade enquanto Metrópole cultural: a presença de pessoas negras e a produção do
espaço urbano carioca pelas suas manifestações culturais e suas narrativas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, M. de A. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das


favelas no Rio de Janeiro. Espaço & Debates, Rio de Janeiro, n. 37. p. 34-46, 1994.

FACINA, A. “Não me bate doutor”: funk e a criminalização da pobreza. In: V Encontro


de Estudos Multiciplinares em Cultura. Anais… Salvador: UFBA, 2009. Disponível
em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19190.pdf>

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
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FACINA, A.; PALOMBINI, C. O patrão e a padroeira: momentos de perigo na Penha,
Rio de Janeiro. MANA, Rio de Janeiro, v. 23, n 2. p. 341-370, 2017. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/1678-49442017v23n2p341>.

HERSCHMANN, M. O funk e o hip-hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Editora da


UFRJ, 2006.

LOPES, A. Funk-se quem quiser: no batidão negro da cidade carioca. 1 ed. Rio de
Janeiro: Bom Texto: FAPERJ, 2011.

NOVAES, Dennis. Funk proibidão: música e poder nas favelas cariocas. 2016. 137f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2016.

OLIVEIRA, João. Pacificação e tutela militar na gestão de populações e territórios.


MANA, Rio de Janeiro, v. 20, p.125-161, 2014.

ZUAZO, Pedro; GUIMARÃES, Hellen. Justiça manda prender DJ Rennan da


Penha, idealizador do ‘Baile da Gaiola’, por associação para o tráfico. Disponível
em:<https://oglobo.globo.com/rio/justica-manda-prender-dj-rennan-da-penha-
idealizador-do-baile-da-gaiola-por-associacao-para-trafico-23544737>. Acesso em: 26
de outubro de 2019.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


MATOS, Thaís da Silva; LEMOS, Carlos Eduardo Cesário. A distopia do funk carioca: ascensão do 150bpm, violência nas favelas e
as evidências de uma cidade dividida. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.55-63.
ISSN: 2763-8596
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GT – 1: Geo-grafias e Distopias

A ZONA PORTUÁRIA DO RIO DE JANEIRO SOB O OLHAR DA MÍDIA:


representação e produção do espaço urbano

Vicente Brêtas Gomes dos Santos1


Universidade Federal Fluminense
vicente.bretas@gmail.com

Gabriel Figueiró Santos Gomes2


Universidade Federal Fluminense
gabrielfigueiro@id.uff.br

João Carlos Carvalhaes dos Santos Monteiro3


Universidade Federal Fluminense
joaocarlosmonteiro@gmail.com

RESUMO:
O artigo busca estabelecer relações entre a cobertura midiática do Projeto Porto Maravilha e
a produção do espaço urbano carioca no contexto do planejamento estratégico. Tendo em
mente que “representação e ação se encontram relacionadas no movimento de produção do
espaço” (Sánchez, 2003), a mobilização, pela grande mídia, de preconceitos coletivos
territorialmente referenciados parece ter tido papel central no empreendimento de adaptação
da Zona Portuária do Rio de Janeiro — região historicamente invisibilizada da cidade — a
demandas estéticas e organizativas do capital global. O processo se materializa na violação
de direitos da população local e na mercantilização do espaço público.
Palavras-chave: Porto Maravilha; Mídia; Representação.

1
Graduando em Geografia na UFF.
2
Graduando em Geografia na UFF.
3
Doutorando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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1. INTRODUÇÃO

A mídia possui um papel fundamental na construção e reprodução de identidades,


memórias e representações sociais. O presente trabalho surge do interesse dos autores em
investigar como foi construída a imagem da zona portuária do Rio de Janeiro para o público
de leitores de veículos de comunicação de grande circulação.

A partir de 2009, com o lançamento do projeto Porto Maravilha, a zona portuária


carioca ganha lugar de destaque no debate público e é possível observar um aumento no
número de matérias jornalísticas acerca da proposta de intervenção na área. Interessa-nos
compreender, a partir de uma análise desses artigos de imprensa, quais elementos e
representações foram selecionados e quais foram silenciados na construção da imagem da
zona portuária pela grande mídia.

Por tratar-se de um universo extenso de material coletado, primeiramente foram


priorizadas matérias publicadas pelo Jornal O Globo, maior veículo midiático do Rio de
Janeiro, entre os anos de 2009 e 2019. Da mesma maneira, interessava-nos compreender
quais eram as representações sobre a zona portuária em um momento anterior ao lançamento
do projeto Porto Maravilha, de modo a identificarmos (1) transformações nas narrativas da
mídia sobre esse setor da cidade e (2) as interseções entre representação e ação material na
dinâmica de produção do espaço. As matérias foram coletadas em seu formato eletrônico
utilizando-se “zona portuária”, “região do porto” e “Porto Maravilha” como palavras-chave.

Ressalta-se que não há uma pretensão estatística dos autores, trata-se de um


levantamento de caráter exclusivamente qualitativo. A pesquisa faz parte de um estudo mais
amplo sobre as transformações da zona portuária do Rio de Janeiro no âmbito do projeto
Porto Maravilha.4

4
Pesquisa “Urbanização neoliberal, revalorização e refuncionalização da área central do Rio de Janeiro”,
financiada pelo CNPq na modalidade Iniciação Científica, com bolsa outorgada ao estudante Vicente Brêtas, e
pesquisa “Transformações recentes na área central da cidade do Rio de Janeiro: reflexões críticas sobre a

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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2. A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DA ZONA PORTUÁRIA CARIOCA

Os bairros da chamada área central do Rio de Janeiro atravessaram um vigoroso


processo de esvaziamento demográfico, popularização e degradação do ambiente construído
a partir da segunda metade do século XX. A ação do poder público alinhada aos interesses
do capital imobiliário recrudesceu esse processo ao incentivar a expansão da fronteira urbana
da cidade e ao eleger o centro como o espaço nevrálgico do projeto rodoviarista em curso
(ABREU, 2006). A migração de uma ampla parcela da classe média para os novos bairros é
coincidente ao incremento de estratos de baixa renda na área central carioca, uma população
que se apropria do espaço construído – tornado obsoleto ou inutilizável para as novas
necessidades do circuito superior da economia (SANTOS, 1979) – para sua reprodução
social. Legislações e zoneamentos que incompatibilizavam a mistura de usos e a diversidade
funcional, aliados ao desinteresse do capital imobiliário em investir na área, completaram o
cenário que no último quartel do século XX seria caracterizado, pela mídia e pelo poder
público, como de “crise”, “degradação” e “declínio” (MONTEIRO, 2015).

Este conjunto de processos parece ter cristalizado, no imaginário coletivo carioca, um


estigma territorialmente referenciado em relação à zona portuária e seus moradores. Na
construção deste estigma, os bairros da zona portuária passam a configurar “territórios das
margens”, degradados e marcados pela presença de sociabilidades e atividades malvistas pela
sociedade (BROUDEHOUX e MONTEIRO, 2017). A dimensão simbólica das
diferenciações geográficas produzidas pela urbanização carioca ao longo dos anos se torna
sensível quando analisamos o discurso midiático em relação à zona portuária, em especial a
partir dos anos 1970. Muitas das matérias jornalísticas acerca dos bairros da Saúde, Gamboa

produção do espaço urbano em um contexto de neoliberalização”, financiada pela Faperj na modalidade


Iniciação Científica, com bolsa outorgada ao estudante Gabriel Figueiró. Ambos os projetos são
supervisionados pela Profa. Dra. Ester Limonad (PPGEO-UFF) em colaboração com o doutorando João Carlos
Carvalhaes dos Santos Monteiro (PPGEO-UFF).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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e Santo Cristo endossaram e reforçam o imaginário social acerca da região (Figuras 1, 2 e
3).5

5
Destaques e manchetes de matérias publicadas pelo Jornal O Globo tratando de questões acerca dos bairros
da zona portuária carioca. Figura 1: edição de 23 de junho 1991 (a Barão de Angra é uma rua no bairro do Santo
Cristo); Figura 2: 21 de setembro de 1990; Figura 3: edição 28 de outubro de 1973.

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SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
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3. O PROJETO PORTO MARAVILHA E A REINVENÇÃO DA ZONA
PORTUÁRIA PELA MÍDIA

A produção do espaço urbano se apoia na dimensão simbólica da representação


(SÁNCHEZ, 2003). Megaprojetos de revitalização de áreas centrais e/ou portuárias de
grandes cidades tem importante lastro na mobilização e instrumentalização de preconceitos
territoriais coletivos, como os que foram historicamente construídos em relação à zona
portuária carioca (BROUDEHOUX e MONTEIRO, 2017).

A partir do lançamento da operação Porto Maravilha pela gestão do prefeito Eduardo


Paes, em 2009, a grande mídia passa a pautar a importância do “renascimento” da zona
portuária, estabelecendo um vínculo entre a execução do empreendimento, o
desenvolvimento econômico da cidade e o “resgate da autoestima carioca”. Buscando atrair
investidores/moradores em potencial, foram mobilizados uma série de recursos simbólicos
com o objetivo de modificar as representações sociais acerca dos bairros da zona portuária.
É interessante notar as concepções de desenvolvimento que permeiam a narrativa construída
pelas matérias analisadas: o modelo de cidade veiculado é marcado pela predominância do
setor privado e pelo primado do consumo; alternativas mercantilizadas e financeirizadas de
gestão urbana são vendidas como sendo as mais ajustadas às necessidades da cidade e da
população. As Figuras 3, 4 e 5 exemplificam a inclinação favorável do Grupo Globo em
relação ao projeto.6

6
Manchetes e destaques retirados de reportagens do Jornal O Globo. Figura 4: edição de 22 de março de
2010; Figura 5: edição de 6 de janeiro de 2011; Figura 6: edição 3 de abril de 2011.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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No bojo do alvoroço ocasionado pela escolha do Rio de Janeiro como sede das
Olimpíadas de 2016, a costura do Projeto Porto Maravilha refletiu um excepcional cenário
de alinhamento entre os governos federal, estadual e municipal e a grande mídia nacional.
Entretanto, a partir de 2016, denúncias de corrupção na engenharia financeira do projeto no
contexto da Operação Lava Jato passam a ser veiculadas com maior frequência no O Globo.
Após as eleições municipais e a posse de Marcelo Crivella, em 2017, o tom do jornal em
relação à zona portuária se altera radicalmente: passa-se a chamar a atenção do público para
adversidades financeiras e para o risco de abandono do empreendimento, passando uma
representação de falta de interesse e até mesmo de abandono por parte do poder público em
relação ao prosseguimento do projeto (Figuras 7, 8 e 9).7

7
Manchetes retiradas de reportagens do Jornal O Globo. Figura 7: edição 19 de junho 2018; Figura 8: edição
18 de junho 2017; Figura 9: edição 5 de junho 2017.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na esteira dos primeiros anos de elaboração e execução do Projeto Porto Maravilha,


a narrativa construída pela linha editorial do O Globo teve papel central no ajuste da opinião
pública em torno do projeto e, portanto, na garantia de sua implementação. O interesse
particular que o jornal tinha em veicular notícias positivas sobre o empreendimento não
parece ter sido algo trivial: o Grupo Globo se insere a complexa rede de atores implicados
no projeto da revitalização da zona portuária carioca visto que, via Fundação Roberto
Marinho, encarregou-se da gestão de duas das maiores âncoras do Porto Maravilha: o Museu
do Amanhã e o Museu de Arte do Rio (MAR).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
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Nos últimos dois anos, o tom atual das reportagens do O Globo referencia o abandono
do projeto, trazendo ao primeiro plano o acirramento de ânimos existente entre o
conglomerado midiático e o atual prefeito, ligado à Record TV e à Igreja Universal. A crise
que se abateu sobre o Porto Maravilha - apesar de seu óbvio lastro na insustentabilidade
financeira do projeto (Giannella, 2019) - não se desvencilha das disputas políticas que tem a
cidade como objeto e expõe de que maneira a produção hegemônica do espaço urbano se
atrela a alianças e embates no campo do simbólico, como aponta Sánchez (2003).

O que se demonstra de maneira evidente após o exercício de análise da construção


narrativa do Porto Maravilha pelas matérias do Jornal O Globo é que as concepções que
orientam o modelo de cidade proposto/imposto se baseiam em noções completamente
apartados dos nexos populares e cotidianos. O ideário subentendido nas matérias analisadas
prima pela atração dos fluxos de capital e a produção de localidades voltadas ao consumo
generalizado do espaço. Estes princípios traduzem a noção de progresso adotada pelos atores
hegemônicos e suscitam certos questionamentos: o projeto não se ajusta às demandas mais
básicas da população dos bairros portuários, historicamente precarizados e fragilizados pelas
lógicas da urbanização excludente da cidade do Rio de Janeiro.

5. REFERÊNCIAS

ABREU, M. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPP, 2006.


BROUDEHOUX, A.; MONTEIRO, J. C. C. dos S. Reinventing Rio de Janeiro’s old port:
territorial stigmatization, symbolic re-signification, and planned repopulation in Porto
Maravilha. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 19, n. 3, p. 493-512,
2017.
GIANNELLA, L. de C. Financeirização e produção do espaço urbano no Porto Maravilha,
Rio de Janeiro/RJ: neoliberalismo às avessas? Anais do XVIII ENANPUR, 2019.
MONTEIRO, J. C. C. dos S. Habitação de interesse social em cenários de revalorização
urbana: considerações a partir da experiência carioca. Cadernos Metrópole, vol. 34, n. 17,
p. 441-459, 2015.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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SÁNCHEZ, F. A cidade-mercadoria: produção do espaço e lógica cultural nos processos de
renovação urbana. In: SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado
mundial. Chapecó: Argos, 2003.
SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países
subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Ferreira Alves, 1979.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SANTOS, Vicente Brêtas Gomes dos; GOMES, Gabriel Figueiró Santos MONTEIRO, João Carlos Carvalhaes dos Santos. A zona portuária
do Rio de Janeiro sob o olhar da mídia: representação e produção do espaço. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF,
1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF. p.64-72.
ISSN: 2763-8596

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GT – 01: Geo-grafias e distopias

NOTAS DA RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E POVOS


INDÍGENAS

Vinícius Martins da Silva1


PET – Projeto de Extensão Tutorial
vinitda.97@gmail.com

Pedro Catanzaro da Rocha Leão2


LEMTO – Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades
Pedroleao0498@gmail.com

RESUMO
O presente texto se propõe a refletir acerca da elaboração e execução de políticas públicas
voltadas aos povos indígenas, apoiando-se sobre a investigação da relação de violência
historicamente constituída pelo Estado brasileiro sobre os povos originários. Objetivando
assim construir outros sentidos de políticas públicas relacionados aos povos indígenas,
apoiamo-nos na análise dos conceitos de cidadania e de território frente a este debate.

Palavras-chave: Povos indígenas; Políticas públicas; Território.

1
Graduando em Geografia da UFF. Integrante do PET – Programa de Extensão Tutorial.
2
Graduando em Geografia da UFF. Integrante do LEMTO – Laboratório de Estudos e Movimentos Sociais
e Territorialidades.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
p.73-83.
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1. INTRODUÇÃO

O debate sobre políticas públicas tem uma longa trajetória nas ciências que têm
como preocupação a sociedade, as relações sociais de poder e o papel do Estado. Nesse
sentido, através de um enfoque geográfico, é importante retomarmos um debate acerca
da própria organização territorial do Estado moderno e situarmos os processos de
descentralização política pelos quais o país vem passando desde as últimas décadas do
século XX, haja vista as inconsistências estruturais na garantia de acesso a políticas
públicas pela sociedade desigual que é a brasileira.
Segundo Castro (2005), a centralidade territorial do poder político é marco de
nascimento do Estado moderno, cuja razão de sucesso está na construção de uma máquina
administrativa eficiente e funcional. Se a centralidade territorial do poder político só foi
possível pela submissão e o controle do território, a racionalização do direito apoiada em
uma burocracia administrativa impessoal e uma força militar profissional e permanente
são características fundantes do Estado Moderno (CASTRO, 2005).
Neste sentido, a estrutura administrativa aparece enquanto aparelho de gestão de
poder sobre a sociedade e sobre o território. Ademais, no decorrer do espaço-tempo, a
organização social e a relativa ampliação da participação política desencadearam em
processos de emancipação dos indivíduos e a racionalização da burocracia estatal
(CASTRO, 2005).
No tocante às funções administrativas, a promoção de políticas públicas é
primordial, pois age na prestação de bens e serviços às coletividades e aos seus territórios,
como na manutenção da ordem, regulamentação do trabalho, assistência social, saúde e
educação. Segundo Castro (2005), tanto a organização do corpo político como a do seu
aparato administrativo são moldadas no território submetido pelo Estado e condicionadas
pelo processo histórico de cada sociedade. Assim, no território, a atividade a função, as
sedes, a acessibilidade e provisão do serviço administrativo são elementos-chave na
correlação espacial da geografia com a administração (CASTRO, 2005).
Portanto, a distribuição espacial dos aparatos institucionais vinculados à
administração pública e o fornecimento de políticas públicas deveria ser o mais igualitária
possível. No Brasil, Estado Federativo (moderno), através da Constituição Federal de
1988, opera-se um sistema de administração pública que reduziu a esfera do local, do

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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município, aparatos institucionais capazes de tomar decisões e efetuar políticas públicas.
O exercício de poder sobre o território é responsabilidade compartilhada entre União
(poder central), os Estados (unidades da federação) e os municípios (poder local).
Dessa forma, novas atribuições definidas para escala local da política nacional e
as exigências de organizações sociais em torno do direito da cidadania deram maior
visibilidade à escala municipal, o que, em teoria, daria maior representatividade aos
interesses da população. Como veremos adiante, na prática muitos problemas aparecem
como consequência deste processo. No caso da demarcação de terras indígenas por
exemplo, com base na CF de 1988, o Poder Executivo concentra o poder de decretar ou
não a demarcação, o que faz, dentre outras coisas, com que a execução desta política
pública esteja muitas vezes descolada dos reais interesses dos povos indígenas.
Buscando desenvolver uma discussão acerca da pertinência de análise de políticas
públicas pela Geografia, é fundamental considerarmos a questão da cidadania. Sua
dimensão espacial nos permite entender que, apesar de conquistada através da lei geral,
esta é vivenciada no cotidiano do território (CASTRO, 2005). Nesse sentido, se a
cidadania é constituída por um conjunto de direitos e deveres garantidos pela lei, mas que
se realizam necessariamente nas práticas do cotidiano social inscritas no tempo e no
espaço, a disponibilidade de recursos institucionais acessíveis aos espaços do cotidiano
do cidadão é um campo de investigação que amplia a perspectiva geográfica sobre a
natureza dos processos que presidem o exercício dos direitos sociais e políticos
(CASTRO, 2005). Se no Brasil tanto os direitos civis como os políticos e sociais são
garantidos por lei, e inscritos na Constituição, estes são exercidos em um território
nacional atravessado por imensas desigualdades sociais e econômicas, políticas e
territoriais.
Ainda apoiados em Castro (2005), apontamos que a cidadania se concretiza
baseada na rede institucional no território. Assim, os direitos assegurados pela população
só serão usufruídos com base infra estrutural do Estado. É esta rede institucional que
garante a cidadania através dos direitos fundamentais do cidadão. No caso brasileiro, a
cidadania tem sido uma conquista, pois o espaço é desigual também em relação à
disponibilidade de equipamentos e às características dos espaços políticos que reúnem as
condições essenciais para que a cidadania seja exercida.

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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Dada a problemática da cidadania e as dificuldades de exercê-la, haja vista as
contradições inerentes ao estado moderno e sua forma de organização territorial, as
políticas públicas aparecem enquanto forma de acesso à cidadania. Ao discutir sobre as
funções do Estado, Rodrigues (2014), avalia que ao mesmo cabe assegurar o acesso aos
bens e serviços públicos essenciais para o exercício de seus direitos. Nesse sentido, as
políticas públicas devem orientar-se para a garantia das funções do Estado para com a
sociedade. A todos e todas, indistintamente.

2. POVOS INDÍGENAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Assim, acreditamos que a reflexão em torno dos conceitos de cidadania e do


caráter público das políticas se impõe como ponto de inflexão primordial para refletir
acerca da relação entre as políticas públicas e os povos indígenas. Isto porque estes dois
conceitos nos oferecem um repertório, frequentemente acionado por cientistas políticos,
a partir do qual podemos indagar criticamente a relação entre o Estado e os povos
indígenas.
A partir da reflexão de Castro (2005), se a noção de cidadania se produz na
vivência cotidiana do território em base local, ao observarmos a relação histórica entre o
Estado-nação brasileiro e os povos indígenas verifica-se a configuração de um status
próximo a anti-cidadania aos últimos, especialmente no que diz respeito à parcela destes
que teimam em permanecer em seus territórios ancestrais. A partir da geografia
mobilizada historicamente pelo Estado frente aos indígenas, percebe-se, considerando
que tanto a organização do corpo político como a do seu aparato administrativo são
moldadas no território (CASTRO, 2005), a existência de uma tradição na história das
políticas públicas voltadas aos povos indígenas baseada na política de violência, de morte
e de invasão dos territórios originários.
Isto posto, decerto os conceitos de cidadania e de público precisam ser revistos,
senão transvistos, ao tratar-se da relação entre povos indígenas, Estado brasileiro e
políticas públicas. Pensando o conceito de cidadania, entendemos enquanto rico o resgate
de sua etimologia para os fins aqui pretendidos. Cidadão, i.e., aquele que se considera e
é considerado pertencente a uma determinada civilização (do latim civitas). Na

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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modernidade, a tradução institucional e territorial de uma civilização é, também, o
Estado-nação. Ser cidadão no Brasil é reconhecer-se enquanto brasileiro, e logo
reconhecer-se enquanto registrado, representado, assistido e controlado, em alguma
medida, pelo Estado-nação Brasil.
A respeito da noção de público, esta também pode ser profanada mediante esforço
de exercitar um olhar a partir dos povos originários. Advinda do termo publicus (relativo
ao povo), e este vindo por sua vez de populus (povo), seu breve resgate parece-nos
suscitar a pergunta: em algum período ao longo da história da colonização e ocupação do
hoje território brasileiro os indígenas foram vistos ou tratados enquanto pertencentes ao
povo? Se sim, quando, como e por que?
O momento histórico que marca uma postura de possibilidade do Estado frente a
conferência de uma cidadania aos “índios” é marcado institucionalmente pela fundação,
em 1910, período da República Velha, do SPITLN (Serviço de Proteção aos Índios e
Localização dos Trabalhadores Nacionais), que em 1918 viria a se chamar SPI (Serviço
de Proteção ao Índios). A sigla SPITLN por si só já nos revela qual cidadania é concedida
aos “índios”, bem como o porquê de sua concessão. A transformação dos povos e
indivíduos indígenas em trabalhadores sempre foi, dadas as devidas diferenças naturais
ao desenvolvimento histórico da sociedade brasileira, o horizonte de futuro destinado aos
“índios” planejado pelos poderosos, seja sob a égide da colônia, do Império ou da
República.
Tal objetivo de transformação traz em seu bojo duas racionalidades distintas que,
salvo um breve período pós invasão portuguesa, entraram em guerra declarada, e também
dissimulada, desde o séc. XVI até a contemporaneidade. Compreendida na esfera de
conflito entre racionalidades e projetos de civilização encontra-se também uma relação
conflituosa no que diz respeito ao significado mobilizado a noção de trabalho. E é claro
que os indígenas pré-cabralinos já trabalhavam, levando em conta que, a partir de sua
cosmogonia outra em relação a nossa, esta noção parte de pressupostos completamente
distintos daqueles que regem nosso entendimento capitalista-moderno-industrial de
trabalho.
Podemos dizer que, em última instância, o desejo de transformação do “índio” em
trabalhador, submetido primeiro à lógica do mercantilismo, depois à lógica do progresso

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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e do desenvolvimento, nos demonstra com clareza o projeto de extermínio e apagamento
dos modos de ser presentes originariamente na terra que hoje ocupamos, legitimado
legalmente pelo Estado soberano do território brasileiro, sob suas várias formas
assumidas ao longo da história. Projeto este que, é necessário dizer, nem sempre culmina
no extermínio do corpo daquele que se pretende dizimar. Muitas vezes este extermínio
trabalha em outros campos da relação de poder e dominação, como p. ex. na
transformação do índio em trabalhador e, relacionalmente, em pobre. Este projeto é
substancial do próprio desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo no qual, sob
sua lógica colonial e sua expansão/invasão territorial, os povos e comunidades
tradicionais e os movimentos sociais de comunidades rurais que lutam por terra e
território são encarados como obstáculos ao desenvolvimento e questões a serem
resolvidas (PEREIRA, 2017).
Entretanto, ainda que trabalhe em dimensões várias, a expansão do projeto
capitalista-moderno-colonial de desenvolvimento se materializa mais veementemente
através da política de morte e da política de expansão/expropriação territorial
empreendida, dentre outros povos, sobre os povos originários. Não por acaso, se
objetivamos tratar da efetividade de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, há
de se entender como central a questão dos direitos territoriais desses povos. Esta questão
antecede todas as outras no tocante às políticas públicas (p. ex. educação, saúde, cultura,
meio ambiente, etc.) visto que somente através de sua garantia é que se torna possível
promover a soberania dos povos indígenas sobre suas condições de reprodução de vida e
de re-conhecimento.
Neste sentido, há um episódio em particular na história da recente “democracia”
brasileira que marca em termos jurídico-institucionais e políticos o status legal do direito
dos povos originários sobre seu território, bem como estabelece que a manutenção de suas
condições de existência é de responsabilidade do Estado brasileiro. Trata-se da
promulgação da Constituição de 1988.
A CF de 1988 estabelece logo em seu artigo 21, inciso XIV, que as populações
indígenas são de responsabilidade da União. Isso significa firmar, constitucionalmente, a
responsabilidade legal que o Estado guarda em relação a manutenção das condições de
vida dos povos indígenas. Responsabilidade esta que se traduz na elaboração e execução

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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de políticas públicas indigenistas, voltadas para as demandas desses povos, seja na área
da saúde, educação ou assistência social.
Além disso, não menos importante são as diretrizes marcadas no capítulo VIII da
CF, que estabelece em seu Art. 231, § 2º que “As terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” e continua, em seu § 6º,
oficializando que ”São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo,
ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes,
ressalvado relevante interesse público da União”. Ora, a qualquer um que nutra algum
interesse sobre a questão indígena no Brasil, lhe é de conhecimento que uma das grandes
violências que esses povos enfrentam é a invasão e colonização de suas terras por
empresas monoculturas, fazendeiros e mineradoras. Mesmo em terras já tituladas e
demarcadas, não é incomum, muito pelo contrário, que hajam invasões acompanhadas de
ameaças de morte e, muitas vezes, da consumação de assassinatos.
Haja visto, apenas a título de exemplo, a invasão noticiada, em 2015, de uma
“organização criminosa de extração de ouro” em território Yanomami, que movimentou
cerca de um bilhão de reais nos últimos dois anos. O esquema tinha a participação de
servidores públicos locais — entre eles funcionários da Funai —, intermediação de
joalherias das grandes cidades da Amazônia, e financiamento por “empresários do ramo
localizados, principalmente, em São Paulo (CASTRO, 2015).
Contudo, a CF de 1988, conhecida como “constituição cidadã”, continua sendo
um documento histórico em relação ao reconhecimento da causa e dos direitos dos povos
indígenas, haja visto que esta marca um período no qual o Estado passa a reconhecer o
chamado direito originário desses povos sobre suas terras. Reconhecimento este que,
levando em conta a estrutura, a dinâmica e os atores históricos do Estado brasileiro,
encontra-se em uma condição no mínimo contraditória, porém não menos necessária. Um
sintoma desta condição se observa legalmente em torno da questão da soberania territorial
dos povos indígenas. Ao mesmo passo a que a CF reconhece em texto a soberania dos
povos indígenas sobre seus territórios, esta não deixa de classificar o status jurídico-

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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político das terras ocupadas pelos povos indígenas como bens da União, o que confere
aos índios a posse permanente, mas não autônoma, de suas terras.
Acreditamos que, esta aparente contradição, ilustra com precisão a situação
contraditória e conflitante em que se encontra a relação entre Estado e povos indígenas.
Não poderíamos deixar de observar que esta relação é marcada por uma ambiguidade
ontologicamente insuperável, pois assim como o Estado brasileiro é a instituição que
historicamente praticou e legitimou (e ainda continua a fazê-lo) o genocídio e o etnocídio
em nome de sua guisa ao progresso e ao desenvolvimento, é este mesmo Estado que se
encontra legalmente encarregado por garantir os direitos fundamentais das várias
populações indígenas que habitam o território nacional.
Entretanto, em uma espécie de movimento desigual e combinado, esse
acolhimento dos índios como uma categoria sociocultural diferenciada de pleno e
permanente direito dentro da nação suscitou uma feroz determinação retaliativa por parte
do sistema do latifúndio, que hoje ocupa vários ministérios, controla o Congresso e possui
uma legião de serviçais no Judiciário. Chovem, de todas as instâncias e níveis dos poderes
constituídos, tentativas de desfigurar a Constituição que os constituiu, por meio de
projetos legislativos, portarias executivas e decisões tribunalícias que convergem no
propósito de extinguir o espírito dos artigos da Lei Maior que garantem os direitos
indígenas (CASTRO, 2015).
Logo, como bem define Barbosa (2010), a reflexão em torno da elaboração e
execução de políticas públicas entende-as como um campo das relações de poder, uma
vez que as ações e intenções dos sujeitos e instituições sociais possuem a sua vivência
real em espaços/tempos demarcados. Quando aplicamos esta leitura a relação dos povos
indígenas com o Estado, constatamos a abissal assimetria nas relações de poder que
determinam a efetivação, ou não, de políticas indigenistas por parte do poder público.
Tanto o é que, no tocante a participação dos povos indígenas enquanto agentes na
elaboração e execução de políticas públicas voltadas a si próprios, percebemos que esta é
demasiado tímida. Ainda que a FUNAI conte com 39 coordenações regionais e 240
coordenações técnicas locais espalhadas pelo Brasil que, em tese, serviriam enquanto
espaço público de debate e proposição de políticas para os povos e a partir dos povos, a
voz dos povos originários nesse processo é quase que tida como inexistente, como

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SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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denunciam muitas lideranças indígenas. Seja pelas distâncias das coordenações em
relação às aldeias, seja pela falta de recursos para transporte até os Conselhos Regionais
ou, atravessando todos esses fatores, pela sabotagem intencional e coordenada a
participação dos povos indígenas nessas instâncias, o que se verifica no Estado brasileiro
é o projeto de alienação dos povos indígenas das rédeas de seu próprio destino.
Dessa forma, com esse cenário explicitado, se pretendemos encarar esse debate a
partir da contemporaneidade e dos novos desenhos políticos na conjuntura nacional
brasileira, havemos de tomar como pedra angular o reconhecimento de que, a partir da
ótica dos povos indígenas, desde 1500 pouco mudou com a promulgação da CF de 1988.
Como Marx não permite esquecer, as ideias dominantes numa determinada sociedade são
as ideias das classes dominantes. Sendo assim, em matéria de Brasil, observa-se
claramente que as classes, e famílias, dominantes não se alteraram desde que o projeto
moderno-colonial teve início, com a chegada dos portugueses em Pindorama (nome dado
ao atual território brasileiro pelos povos tupi-guarani). E são essas que exercem de fato
sua territorialidade e seu domínio territorial sobre todos os outros territórios e
territorialidades fagocitados pelo Estado-nação brasileiro.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da atual conjuntura política em que se encontra a sociedade e a República


brasileira, pode parecer um grande delírio encarar o campo das políticas públicas voltadas
aos povos indígenas enquanto um campo de possibilidades positivo para estes povos.
Hoje, as terras/territórios indígenas demarcados quantificam cerca de 110 milhões de
hectares, e não obstante cerca de 54% destas se localizam nas terras que compreendem a
Amazônia. Não por acaso observamos o ataque sistemático aos povos indígenas em todas
esferas da vida pública por parte do (des)governo Bolsonaro.
Além disso, a saber, segundo dados do Caderno de Conflitos no Campo - CPT,
elaborado pelo LEMTO - UFF, há uma transformação no padrão de conflitividade no
campo brasileiro no tocante às categorias sociais envolvidas em conflito. No período entre
2008-2015, verifica-se o registro de 59% dos conflitos por terra no campo brasileiro
enquanto envolvendo as chamadas comunidades tradicionais, compreendidas entre elas

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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os povos indígenas, além de quilombolas, ribeirinhos, geraizeiros, caiçaras etc. Isto nos
indica, além de um complexo processo de re-conhecimento identitário sócio-político
envolvendo as comunidades tradicionais, o Estado e a academia, que a fronteira agrícola
se expande cada vez mais em direção ao território dos povos originários, que em sua
maioria localizam-se na Amazônia. Logo, em última análise, a fronteira da produção
capitalista se expande como nunca Amazônia adentro através do mecanismo da violência
e da expulsão, atingindo principalmente os povos indígenas e outras comunidades
tradicionais. Ademais, a fins de ilustração deste cenário apocalíptico, somente até
setembro de 2019, segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), já ocorreram 160
casos de invasão em 153 terras indígenas, enquanto ao longo de todo ano de 2018 esse
número foi de 111 casos distribuídos em 76 terras indígenas.
Este cenário se impõe dolorosamente sob nossos olhares. Diante dele, concluímos
que a principal política pública mobilizada em direção aos povos indígenas é a política
de expulsão, exploração e morte. No entanto, uma reflexão do líder e militante indígena
Ailton Krenak parece pavimentar os horizontes de futuro. Ailton disse que “este Governo
é terrível, mas a gente está preocupada com vocês, brancos, porque nós, índios, estamos
vivendo isso há 500 anos, estamos acostumados, vocês é que não estavam, coitados.
Estamos solidários com vocês, com pena dos brancos bons, mas a gente vai escapar desta,
passámos 500 anos escapando disso.” Sem dúvida se faz necessário um outro léxico
teórico-político para pautar as lutas por soberania, por direito, por dignidade e por
território dos povos tradicionais e originários na América Latina. Como nos alerta Porto-
Gonçalves (2015), a experiência das duas grandes marchas em “Defesa da Vida, da
Dignidade e do Território”, na Bolívia e no Equador, bem como a “Aliança dos Povos da
Floresta”, com os camponeses da Amazônia brasileira aliados aos povos indígenas, p. ex.,
nos oferecem um enorme legado teórico-político para pensar outros horizontes políticos
a partir dos saberes indígenas.

4. REFERÊNCIAS

CASTRO, E. V. de. O recado da mata. A Queda do Céu - Palavras de um Xamã


Yanomami. Ed. Companhia das Letras, 2015.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
p.73-83.
ISSN: 2763-8596
82
CASTRO, I. E. de. Geografia e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, cap. 3,
p.124-137.

CASTRO, I. E. de. A cidadania como problema para a Geografia. In: Geografia e


Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, cap. 5, p. 199-212.

BARBOSA, J. L. Política pública, gestão municipal e participação social na construção


de uma agenda de direitos à cidade. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y
Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2010, vol.XIV,
nº 331 (51).

MIGNOLO, W. D. Desobediência Epistêmica: a opção descolonial e o significado de


identidade em política. In: Revista Gragoatá, nº 22, p. 11-41, 1º sem. 2007.

PORTO-GONÇALVES, C. W. Pela vida, pela dignidade e pelo território: um novo


léxico teórico político desde as lutas sociais na América Latina/Abya Yala/Quilombola.
In: Polis, nº 41, 2015.

RODRIGUES, J. N. Políticas Públicas e Geografia: retomada de um debate. Geousp:


espaço e tempo. São Paulo, vol. 18, n. 1, pp. 152-164.

PEREIRA, Carolina de Freitas. As Agroestratégias Ruralistas de


Desterritorialização de Povos Indígenas e Quilombolas: (re)definindo marcos legais
e usos territoriais (p. 212-299). Tese de doutorado submetida e aprovada pelo Programa
de Pós-graduação em Geografia da UFF, Niterói, 2018.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Vinícius Martins da; LEÃO, Pedro Catanzaro da Rocha. Notas da relação entre políticas públicas e povos indígenas. In: I
SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021.
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GT – 1 Geo-grafias e distopias

O HABITAR COMO SEGURANÇA ONTOLÓGICA:


um estudo de caso sobre a Igreja de São José Operário na Vila Autódromo

Yago Evangelista1
Universidade Federal Fluminense
souzayt3@gmail.com

RESUMO:
Aqui trataremos o habitar como uma questão ontológica e fenomenológica em ocupações
urbanas, focando no caso da Vila Autódromo e, especialmente, na Igreja de São José
Operário. Utilizaremos de base conceitual Henri Lefebvre e Martin Heidegger.

Palavras-chave: Vila Autódromo; Habitar; Geografia Urbana.

1
Estudante de Licenciatura em Geografia.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.84-91.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO

O presente texto faz parte de uma pesquisa acadêmica e científica, inscrita no


campo da geografia humana, mais especificamente da geografia urbana. Aqui
utilizaremos o conceito de habitar, o qual Lefebvre (1972) aponta, já na década de 70,
que carece de estudos e melhor compreensão por arquitetos, urbanistas e sociólogos.
Além disso, diz que esse trabalho se dá basicamente com a poética, e nos aponta três
autores que trabalham com o tema: o primeiro deles, o Heidegger; o segundo, Nietzsche
– e aqui Lefebvre especifica o livro “Assim falou Zaratustra”; e, por último Bachelard,
na poética do espaço. Esses autores trabalharemos a frente. Esse conceito apresenta um
debate crescente na geografia, apesar de desde a década de 70, e mais recentemente com
o genial trabalho de Werther (1997), e de outros geógrafos, esse campo tem ganhado cada
vez mais corpo teórico e sido mais debatido e expandido, dentro da fenomenologia que
visa expandir essa área de estudo.

O habitar, como aponta Barbosa (2016, p. 103), quando trabalhado por geógrafos,
é um tema normalmente reduzido ao direito a habitação, e isso é um erro, pois além da
necessidade de um abrigo por excelência e de uma casa ser uma construção vital para a
reprodução humana, quando convivemos com grupos que lutam pelo direito à moradia o
que percebemos é que quando falamos de casa não estamos falando somente do abrigo
individual e monofamiliar, estamos falando da morada – ou como trabalharemos aqui o
habitar, que é uma experiência territorial corpórea, que se dá em determinados grupos que
são unidos por suas proximidades de práticas, valores, vivências, memórias e posição
social, a partir da junção das qualidades materiais e simbólicas produzidas, que são
mobilizadas pelos seus membros em um processo de atribuir significado a sua existência.

O que esse trabalho procura investigar é a construção habitar como uma


construção de segurança ontológica (GIDDENS, 1991) em ocupações urbanas, em
especial, na Vila Autódromo. Muitos trabalhos foram realizados na região na época do
processo de remoção, mas, como podemos comprovar, entrando no acervo do Museu das
Remoções, existem poucas pesquisas do processo pós-remoção e da situação atual dos
moradores e a maior parte delas é pesquisa museológica sobre o Museu das Remoções.
Mas, cabe pontuar o esforço e situação atual dos moradores. Esse trabalho pretende ser
uma delas.
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.84-91.
ISSN: 2763-8596
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Esse trabalho é qualitativo, pois tem como base uma série de sete visitas de campo
realizadas no ano de 2019, bem como na participação de duas oficinas produzidas pelo
Museu das Remoções sobre memória.

Na primeira parte traremos uma breve história da Vila Autódromo, que passará
sua origem até os atuais. Fazendo uma revisão bibliográfica do assunto, bem como relatos
de moradores sobre as violações que ocorreram na época do processo de remoção, depois
abordaremos o caso da Igreja de São José Operário.

2. HISTÓRICO DA VILA AUTÓDROMO

A comunidade da Vila Autódromo tem seu marco inicial entre as décadas de 1960
e 1970, como uma vila de pescadores que se instalaram às margens da Lagoa de
Jacarepaguá. Na mesma época, o crescimento da cidade do Rio de Janeiro vai em direção
à região da Barra da Tijuca, o bairro em que a Vila se encontra.

A Vila retoma o crescimento na década de 1980, com a construção do Autódromo


Nelson Piquet, a ocupação se expande com a permanência dos funcionários que
trabalharam na obra do Autódromo. Quando os primeiros moradores ocuparam a área,
que era destituída de infraestrutura, e, através da organização popular, promovem
melhorias que, progressivamente, conferiram ao aglomerado habitacional algumas das
características de um bairro urbano popular, que lembravam bastante as favelas, como
ruas estreitas, casas não pintadas etc.

A década de 1990 chega com diversas ameaças de remoção por parte do governo
municipal, sob o comando de Cesar Maia, que alegava que a comunidade causava dano
estético e ambiental, e com a concessão de direito real de uso2 por noventa e nove anos
dado pelo Governo do Estado, do Lionel Brizola, que já demonstrava um claro conflito
de interesses sobre a região. A Vila Autódromo foi demarcada em parte como Área de
Especial Interesse Social pela Câmara Municipal em 2005. A Vila Autódromo recebeu

2
Através desse instrumento disponibiliza a posse de bens públicos imóveis a terceiros, visando dar
efetividade à sua competência de definição e implantação das políticas locais.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.84-91.
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moradores que já tinham sofrido processos de remoção, como moradores da favela
Cardoso Fontes.

Como aponta Vainer et al. (2013), a região da Vila Autódromo corresponde a área
do município que mais cresceu em população nos últimos anos. Ela teve um crescimento
de 73% do número de moradores entre 2000 e 2010. De acordo com Censo 2010 (IBGE,
2011), 1.252 habitantes residiam na Vila, e, segundo relatos de moradores, pouco antes
do processo de remoção em 2016, havia cerca de 3.000 habitantes organizados em 700
núcleos familiares.

A remoção como um todo dura mais de 20 anos, mas teve seu período mais
violento no período pré-olimpíadas, quando, os moradores da Vila souberam do processo
de remoção pelo Jornal O GLOBO no dia 4 de outubro de 2011, pois até então não tinham
sido avisados do processo, e então no dia seguinte o secretário de habitação do Rio de
Janeiro vai à Vila e tenta convencer os moradores que se retirem, mas falha.

A remoção na Vila Autódromo – cuja maioria dos lotes era regular e os moradores
detinham o título de Concessão de Direito Real de Uso – é apresentada como necessária
para a construção do Parque Olímpico, acionando argumentos de preservação ambiental.
Tal justificativa não se sustenta, uma vez que há condições de permanência dos moradores
com qualidade ambiental através de urbanização.

Com a chegada das olimpíadas, de diversos outros megaeventos e a implantação


do Parque Olímpico no Autódromo, as ameaças de remoção foram acirradas. As
alegações que eram de dano estético e ambiental, se transformaram e começaram a ser
que a Vila era um entrave ao processo de desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro, que
impedia a passagem da via que liga a Transcarioca à Transolímpica.

Assim, iniciou-se a construção do Plano Popular da Vila Autódromo (PPVA), com


o objetivo de dar uma alternativa técnica ao plano apresentado pela prefeitura, e que tinha
como objetivo a permanência das famílias na comunidade. O PPVA levou em conta as
diferentes tipologias e assentamentos em que as famílias se enquadraram. O PPVA foi
apresentado à prefeitura, sob o comando de Eduardo Paes, em 2013, e foram realizadas
reuniões com secretários e técnicos municipais de um lado, e de outro as lideranças da
Vila Autódromo, com assessoria da Defensoria Pública e do Plano Popular para discutir

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
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sua aplicabilidade. As reuniões, que deveriam ser de negociação, foram encerradas sem
que nenhuma proposta do Plano Popular fosse acatada, mas a prefeitura fez uma nova
proposta mais à frente no mesmo ano, no qual os moradores receberiam o valor de
mercado das casas e ofereceu ainda apartamentos no conjunto habitacional Parque
Carioca, e, ao mesmo tempo disse que as famílias que quisessem poderiam permanecer.

Em levantamento realizado pelo PPVA (2012) se constatou que 187 núcleos


familiares, ou cerca de 596 pessoas, desejavam permanecer no Vila, mas com o violento
processo de remoção do Vila e as ofertas da prefeitura, diversas famílias desistiram das
casas. Ao ponto que a Defensoria Pública recomendou que caso se desejasse ficar era
necessário que permanecessem pelo menos dez famílias, se não se tornaria inviável a
defesa de permanência delas. Hoje permanecem cerca de 20 famílias na Vila.

É importante dizer que o processo de remoção se deu de maneira violenta em


vários níveis diferentes. Não só no simbólico onde se tem o processo de perda da moradia,
uma construção que foi feita por toda a vida das pessoas, e que, sem dúvidas deixa marcas,
mas também na violência objetiva. O Estado agrediu moradores, retirou postes de luz sem
seguir os devidos ritos legais para tal, sem recolher o entulho, sem limpar o local,
deixando os escombros no meio das ruas e junto às moradias dos que ficaram, se
formaram viveiros de mosquitos Aedes Aegypt e moradores contraíram doenças como
dengue, os moradores ainda relatam que por conta do estresse da remoção, muitos idosos
que ali moravam vieram a falecer.

3. IGREJA DE SÃO JOSÉ OPERÁRIO

A Igreja de São José Operário é um pilar dentro da Vila Autódromo. Ela é hoje,
por falta de uma Associação de Moradores, o lugar onde se recebe as visitas de grupos
que venham de fora conhecer a história da ocupação, se projeta filmes e slides, e se faz
palestras sobre o processo de remoção, bem como onde se guarda uma grande parte do
acervo do Museu das Remoções, além de ser uma peça do mesmo – o museu é um
instrumento de resistência e luta, ele tem um alcance nacional, ele busca interagir e
orientar comunidades que sofrem ou sofreram com processos de remoções e práticas
especulativas. Além de ser um espaço a céu aberto que demarca o processo de remoção
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
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através de um circuito pelos “escombros” das casas que restaram ali, e de exposições de
esculturas. Quando perguntado sobre o fato de a igreja ser uma peça central para o museu,
um dos nossos entrevistados disse “espero que Deus me perdoe por fazer essas coisas
aqui, mas não tem outro lugar”. Até mesmo antes da Associação de Moradores ser extinta
a Igreja de São José Operário já era um ponto de encontro, devido a associação não
comportar mais de 50 pessoas de uma vez.

Antes da construção da Igreja de São José dos Operários pelos moradores, e do


início da celebração de missas no espaço a partir da década de 1980, cultos eram
realizados em um templo ecumênico, localizado na parte de trás da Associação de
Moradores. Entretanto, com a recente eleição de uma nova presidente para a associação,
quem possui convicções religiosas distintas do catolicismo, as missas tiveram sua
ocorrência impedida.

Nos primeiros anos de funcionamento da capela devido às dificuldades estruturais,


as atividades aconteciam alternadamente entre casas das famílias e a capela. As casas
assim acabavam representando a extensão da capela. O ponto positivo dos encontros nas
casas, além da união social e descontração que proporcionavam, era o acolhimento de
membros familiares que não costumavam participar das práticas promovidas diretamente
na igreja e muitos desses encontros geravam mais encontros, um dos projetos
mencionados por nossos entrevistados era o de levar os jovens da comunidade para os
pontos turísticos do Rio de Janeiro, isso expandia e fortalecia as redes.

A igreja que hoje é uma das duas construções que se mantiveram mesmo após os
processos de remoção, tem a sua história intimamente ligada a história da Vila
Autódromo. Ela passou junto com a Vila por todos os processos de remoção desde a
década de 90 quando Cesar Maia ameaçava remover a comunidade, a igreja também foi
ameaçada, mas permaneceu.

Com as novas ameaças nos anos 2000, a igreja foi ameaçada de remoção por
diversas vezes, e, durante o período pré-olimpiadas com a construção do condomínio Rio
2 e por consequência, por demanda popular, uma igreja dentro dele. Acreditava-se que a
igreja ali seria retirada, pois simultaneamente muitas famílias deixavam a comunidade.
Logo, foi marcada uma reunião com o Arcebispo do Rio de Janeiro, Don Orani Tempesta

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para que se discutisse a questão, os moradores estavam tensos já que o mesmo não tem
um histórico progressista com as questões sociais, mas chegando na reunião o Arcebispo
garantiu que a igreja se manteria lá até que tivesse pelo menos uma família católica na
comunidade.

Com o começo das remoções, após um episódio em que o então prefeito se recusou
a entregar as chaves dos novos apartamentos para os moradores da Vila, mesmo após ter
exigido que eles se retirassem das casas, os moradores decidiram que não confiariam mais
nas promessas do prefeito e decidiram ficar na comunidade mesmo durante as obras na
região. Para isso foi exigido a colocação de moradias temporárias em contêineres, o
processo de remoção não foi parado então alguns moradores utilizaram a igreja como
habitação temporária, para não morarem na rua.

Mesmo após o processo de remoção a igreja ainda é uma centralidade que une as
pessoas que migraram e as que se mantiveram na Vila Autódromo. Em trabalho anterior
se constatou, que uma moradora que se mudou da Vila decidiu comemorar o seu
aniversário na igreja, bem como o velório de antigos moradores, o que mostra a
importância que esse espaço ainda carrega.

A hipótese que gostaria de apresentar nessa parte do texto é que a igreja é um


ambiente em que os moradores da Vila construíram um sentimento de habitar e não
simplesmente pelo fato de já terem, literalmente, residido na igreja durante um período.
Por dois motivos centrais: o primeiro deles é que a igreja é um ponto em que une a
quadratura heideggeriana, um dos requisitos impostos por Heidegger para a construção
do habitar, formando assim uma relação supranatural com o espaço ali produzido; o
segundo deles é que esse é um ponto de permanência em meio as mudanças, e um ponto
de afirmação de identidade do ser, logo uma questão de segurança ontológica (GIDDENS,
1991). Quando os moradores da Vila dormiam na igreja, estavam mais do que pondo seus
corpos em segurança, eles estavam mantendo em segurança questões fundantes sobre o
que eles são, mantendo uma continuidade em meio a tantas mudanças.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.84-91.
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4. REFERÊNCIAS

BARBOSA, J. L. Da habitação como direito ao Direito à Morada: um debate


propositivo sobre a regulamentação fundiária das favelas da cidade do Rio de Janeiro.
In: BARBOSA, J. L.; LIMONAD, Ester (Orgs.). Ordenamento Territorial e
Ambiental. Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2016.
CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características da população e dos domicílios:
resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.
GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
HEIDEGGER, M. Conferências e escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo:
Vozes, 2002.
HOLZER, W. A Geografia Humanista: uma revisão. Espaço e cultura, n. 3, p. 8-19,
1997.
LEFEBVRE, H. Urbanose. Academia do cinema canadense. 1972.

VAINER, C. B. ; BIENENSTEIN, R. ; TANAKA, G. et al. O Plano Popular da Vila


Autódromo: uma experiência de planejamento conflitual. In: XV Enanpur, 2013,
Recife. Anais do XV Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós Graduação em
Planejamento Urbano.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


EVANGELISTA, Yago. O habitar como segurança ontológica: um estudo de caso sobre Igreja de São José Operário na Vila
Autódromo. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
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GT - 2: Estudos de Impactos Ambientais

INVASÃO E OCUPAÇÃO IRREGULAR EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:


o exemplo do Parque Estadual da Costa do Sol (PECS) - RJ

Karina Costa de Almeida1


Universidade Federal Fluminense
karinacosta@id.uff.br

Jéssica Conceição da Silva2


Universidade Federal Fluminense
silvajessica@id.uff.br

Thaís Baptista da Rocha3


Universidade Federal Fluminense
thaisbaptista@id.uff.br

RESUMO

Esse trabalho tem como objetivo mapear o comportamento da ocupação em Monte Alto
e Figueira (Arraial do Cabo - RJ) no interior do Núcleo Atalaia-Dama Branca do Parque
Estadual da Costa do Sol de 2005 a 2019. Os mapeamentos foram feitos através do
ArcGIS 10.4, utilizando ortofotos, imagens de satélite e um ortomosaico. Os resultados
mostram que as edificações estão avançando sobre a restinga, pondo em risco a
existência da Geodiversidade e Biodiversidade local e os serviços por elas prestados. É
necessário que haja constante fiscalização do setor público, sendo as imagens de satélite
e produtos frutos de aerolevantamento ferramentas que auxiliam nesse monitoramento.

Palavras-chave: Restinga; Edificações; Geodiversidade.

1
Graduanda em Geografia na UFF.
2
Graduanda em Geografia na UFF.
3
Prof.ª Dr.ª do curso de Geografia da UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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1. INTRODUÇÃO

A Região Administrativa das Baixadas Litorâneas do estado do Rio de Janeiro


é detentora de várias Unidades de Conservação (UCs). Nesta área fica localizado o
Parque Estadual da Costa do Sol (PECS), uma UC com oitenta e três fragmentos
distribuídos entre os municípios de Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo,
Cabo Frio, São Pedro da Aldeia e Saquarema (INEA, 2019). Além disso, o PECS é
dividido em quatro núcleos: Atalaia-Dama Branca (NADM), Massambaba, Pau-Brasil
e Sapiatiba (INEA, 2019).

No Brasil, as UCs fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de


Conservação (SNUC), instituído pela lei 9.985/2000. O SNUC (2000) divide essas
unidades em dois grupos: Unidade de Proteção Integral e Unidade de Uso Sustentável.
As UCs de Uso Sustentável permitem o uso direto de parcela dos recursos naturais,
desde que, conforme seu próprio nome já informa, de maneira sustentável. As UCs de
Proteção Integral permitem apenas o uso indireto dos recursos naturais. São exemplos
de usos indiretos a prática de atividades turísticas, educação ambiental e pesquisa
científica. O PECS está inserido nesse grupo, na categoria Parque Estadual, permitindo
a ocorrência das atividades mencionadas (SNUC, 2000).

Dentro dos limites do PECS existe uma grande Diversidade Natural que,
segundo Serrano e Ruíz-Flaño (2007), engloba a Biodiversidade e a Geodiversidade.
De acordo com Wilson (1992), o conceito Biodiversidade significa a variedade de
organismos vivos. Serrano e Ruíz-Flaño (2007) afirmam que a Organização das Nações
Unidas (ONU), em 1993, aprimorou a mencionada definição incluindo a diversidade
entre espécies, dentro de uma mesma espécie e de ecossistemas. Sobre a
Geodiversidade uma das definições clássicas é aquela cunhada por Gray em 2004 e
aprimorada em 2013. Para o autor, Geodiversidade é a variedade dos elementos
abióticos, ou seja, componentes geológicos (rocha, minerais e fósseis),
geomorfológicos (formas de relevo, topografia e processos físicos associados),

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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pedológicos e hidrológicos, além de suas assembleias, estruturas, sistemas e
contribuições para paisagem (GRAY, 2013).

Toda essa riqueza está protegida pela lei, mas vem sofrendo pressões
antrópicas. De acordo com o Plano de Manejo do PECS, no que tange a Diversidade
Natural do parque, uma das principais ameaças sofridas é a invasão e ocupação
irregular (INEA, 2019). No Município de Arraial do Cabo (RJ) elas ocorrem de forma
recorrente sobre o NADM, mais precisamente nos distritos de Monte Alto e Figueira.
Esse processo é explicado pelo crescimento desordenado e o foco do setor imobiliário
em casas de veraneio (mais caras) provocando especulação imobiliária. A especulação,
por sua vez, dificulta o acesso da população mais pobre à moradia regular e, ao mesmo
tempo, facilita o avanço da ocupação irregular sobre a restinga da Massambaba (RIO
DE JANEIRO, 2017).

Tanto em Monte Alto como em Figueira, as construções são erguidas sobre


Barreiras Arenosas Costeiras, que são feições formadas por sedimentos desprendidos,
estreitas e alongadas desenvolvidas durante o Quaternário por meio das oscilações do
nível médio do mar (LEATHERMAN, 1979; FIGUEIREDO et al., 2018). Sobre esse
elemento da Geodiversidade, podem se formar outros elementos abióticos como praias,
dunas frontais e leques de transposição (OTVOS, 2012). De fato, sobre a planície
costeira de Monte Alto essas formas se fazem presentes. Os leques e terraços de
transposição encontrados na área por Martins & Fernandez (2018) são resultados do
processo de transposição de ondas (FIGUEIREDO et al., 2018; MARTINS e
FERNANDEZ, 2018). Esse processo funciona como regulador de estoque sedimentar
das dunas frontais da área, que são formadas de forma peculiar, através de ventos
bidirecionais (SILVA e ROCHA, 2018). Já em Figueira, conforme mapeamento de
Figueiredo et al. (2018), as dunas frontais sobre a barreira são retrabalhadas pelo vento
deixando como registro os cortes eólicos.

Desta forma, foi construído um cenário no qual a área do NADM contém vários
elementos representantes da Geodiversidade, mas também sofre com invasões e

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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ocupações irregulares. Isso tudo em uma UC que permite apenas o uso indireto dos
recursos naturais e que tem como propósito proteger e recuperar seu patrimônio
natural, além de impedir a expansão imobiliária (SNUC, 2000; INEA, 2019). Assim, o
presente trabalho tem como objetivo mapear o comportamento da ocupação em Monte
Alto e Figueira no interior do NADM do PECS (Figura 1).

Figura 1 – Mapa da área de estudo

Fonte: Elaborado pelas autoras.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Para a criação dos mapas utilizou-se o método indicado em Almeida, Silva e


Rocha (no prelo). Primeiramente, foi preciso montar um banco de dados e utilizá-los
em ambiente SIG. O banco de dados foi composto por ortofotos de 2005, imagens de

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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satélite dos anos 2007, 2010, 2011, 2014 e 2018, um ortomosaico de 2019 e um
shapefile com os limites do PECS. As ortofotos foram produzidas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e as imagens de satélite foram obtidas a
partir do Google Earth. Já o ortomosaico pertence ao acervo do Laboratório de
Geografia Física (LAGEF-UFF) e foi gerado através de um levantamento com
Aeronave Remotamente Pilotada (ARP). Por fim, o shapefile foi desenvolvido pelo
Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e todos os dados foram trabalhados no
programa ArcGIS 10.4.
A metodologia para elaboração dos mapas seguiu cinco etapas, sendo elas: 1)
georreferenciamento das imagens do Google Earth tendo por base as ortofotos do
IBGE; 2) criação de shapefiles para cada ano (2005, 2007, 2010, 2011, 2014, 2018 e
2019) contendo todas as edificações da área de estudo; 4) Obtenção da quantidade de
edificações através da tabela de atributos; 5) Criação de mapas (modo layout)
mostrando a evolução do número de edificações dentro do parque.
Os mapeamentos das edificações dos anos de 2005, 2007, 2010, 2011, 2014 e
2018 foram feitos em uma escala de 1:1.000 e com o auxílio do Google Earth. Já no
mapeamento de 2019, utilizando do ortomosaico, a escala de mapeamento foi 1:1.500.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Como resultado, foram gerados dois mapas. Neles ficou evidente o avanço das
construções irregulares sobre o NADM e sua Diversidade Natural. Durante a série
histórica trabalhada, ficou perceptível um constante aumento do número de edificações
adentrando o parque. Em 2005, havia 250 delas no interior desse núcleo do PECS. Em
2018, houve um aumento de 210,4%, chegando a 776 edificações (Figura 2).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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Figura 2 - Aumento do número de edificações do interior do PECS entre 2005 e 2018

Fonte: Elaborado por Karina Costa de Almeida.

O espraiamento das invasões sobre o PECS ocorreu em períodos diferentes


nos distritos. Enquanto em Monte Alto o mapeamento mostrou o avanço contínuo
da ocupação sobre o NADM ao longo dos anos, Figueira manteve um crescimento
reduzido do número de edificações dentro do parque. Entre 2005 e 2018, ocorreu a
adição de apenas 17 edificações na área (Figura 3B). Em 2019, foi constatado um
novo núcleo de edificações irregulares (Figura 3A). Foi nesse ano que houve o
acréscimo mais significativo no número de construções do distrito dentro do
NADM, onde existiam 35 edificações irregulares em julho de 2018 e passou a ter
81 em maio de 2019, ou seja, em menos de um ano ocorreu aumento de 131,4%.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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Figura 3A - Ocupações irregulares no distrito de Figueira (2019).
Figura 3B - Avanço das edificações de Figueira sobre os limites do PECS, entre 2005
e 2019.

Fonte: Elaborado por Karina Costa de Almeida.

Através da análise dos mapas, é possível observar a degradação da vegetação


de restinga do fragmento gerada pela invasão e ocupação irregular da UC. Também
houve descaracterização de parte da Geodiversidade do local, mais precisamente das
feições eólicas desenvolvidas sobre as barreiras arenosas costeiras. A gravidade desse
avanço pode ser explicada através dos serviços ecossistêmicos prestados por esses
elementos. As dunas frontais, por exemplo, prestam um serviço de regulação ao evitar
o processo de erosão costeira, sendo um estoque de sedimentos para a praia (GRAY,
2018). Além disso, segundo Almeida, Silva e Rocha (no prelo), 137 edificações de
Monte Alto presentes nessas barreiras se encontram em área de risco, devido à
dinâmica de transposição de ondas característica da área.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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A problemática gerada pela pressão antrópica sobre os limites do PECS tem
sido tratada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e o INEA. Visando a
recuperação das áreas, que têm sofrido com incêndios e poluição por esgoto, após
audiências e requerimentos, são efetuadas demolições (MPRJ, 2019). No dia 15 de
agosto foram demolidas 148 construções ilegais no distrito de Monte Alto (MPRJ,
2019) (G1, 2019) e logo depois, no dia 29 de agosto, 53 edificações foram postas a
baixo em Figueira (PORTAL G1, 2019).
O distrito de Monte Alto é abordado como um caso à parte no Plano de Manejo.
Entre 2016 e 2017, o INEA discutiu internamente a possibilidade de alterar os limites
do PECS, depois de pedidos do conselho consultivo, proprietários da região e
comunidade científica. Inclusive, existe um projeto de lei visando à desafetação da
área. Entretanto, o MP proibiu a divulgação de qualquer pesquisa sobre esse tema por
parte do INEA até a publicação do Plano de Manejo. Dessa forma, ficou acordado que
seria criado um projeto específico para nova delimitação do PECS priorizando Monte
Alto. Ao longo do texto que indica diretrizes para esse projeto fica explicitada a
necessidade de tratar com cuidado a questão da desafetação, pois poderia se tornar um
incentivo a novas ocupações visando novas desafetações (INEA, 2019).
Os mapas mostram que apenas a criação do parque não freia o avanço da
ocupação, já que o mesmo foi criado em 2011 e em 2019 é visível o aumento do número
de construções em seu interior. Os limites do PECS precisam de fiscalização constante
devido à rapidez das invasões e dos estragos por elas causados. A utilização de imagens
de satélite e ortomosaicos gerados por ARP para monitoramento das UCs permite o
reconhecimento das atividades praticadas nesses locais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O PECS é um exemplo de como as UCs sofrem com impactos negativos das


atividades humanas e como é difícil contê-los. O fato de ser um parque fragmentado
dificulta o monitoramento de suas áreas, que além do problema explicitado neste artigo,

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
ISSN: 2763-8596

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sofre com atividades turísticas desordenadas, tráfego de veículos sobre dunas e
vegetação, queimadas, poluição, vandalismo entre outros.
Esse avanço das edificações sobre o PECS tem causado destruição tanto de
recursos bióticos quanto abióticos, mas no caso da ocupação das dunas, há uma
descaracterização de suas funções ecossistêmicas, interferindo nos processos
dinâmicos da linha de costa. Isso torna a ocupação de Monte Alto suscetível a
inundações. Assim, é recomendável que o Plano de Proteção e Monitoramento
Ambiental, previsto pelo Plano de Manejo, saia o mais rápido possível, além da
utilização de Sensores Remotos e seus produtos como ferramenta para o
monitoramento do interior do PECS.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, K.C; SILVA, J.C.; ROCHA, T.B. O avanço da ocupação de Monte Alto
sobre a restinga do parque estadual da costa do sol (PECSOL) - RJ: considerações
sobre risco à inundação e a perda de geodiversidade. In: Geografia Física e as
Mudanças Globais. 1ª Ed. Fortaleza (CE), No prelo, 2019.

BRASIL. 2000. Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades de


Conservação da Natureza-SNUC. Lei n° 9.985 de 18 de julho de 2000; decreto n°
4.340, de 22 agosto 2002. Brasília; MMA/SBF.

FIGUEIREDO, M. S.; ROCHA, T. B.; FERNANDEZ, G. B. Geomorfologia e


arquitetura deposicional interna da barreira costeira holocênica da massambaba,
litoral do estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 19,
2018.

GRAY, M. Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. Wiley Blackwell,


Chichester,2013.

, M. The confused position of the geosciences within the “natural capital”


and“ecosystem services” approaches. Ecosystem Services. v.34, 2018. 106–112p.

PORTAL G1. Operação para demolir casas em área irregular é realizada em


Arraial do Cabo, no RJ. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em:

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
ISSN: 2763-8596

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<https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/2019/08/29/operacao-para-demolir-
casas-em-area-irregular-e realizada-em-arraial-do-cabo-no-rj.ghtml>. Acesso em: 28
set. 2019.

INEA. 2019. Plano de Manejo do Parque Estadual da Costa do Sol - Anita Mureb
(PECS). Rio de Janeiro: Instituto Estadual do Ambiente, 2019.

LEATHERMAN, S. P. Barrier Island Handbook. Boston: National Park Service,


1979.

MARTINS, C. A.; FERNANDEZ, G.B. Caracterização morfológica de depósitos


gerados por transposição ocorridos em junho de 2017 na parte oriental da barreira da
Massambaba - RJ. In: XII SINAGEO, 2018, Crato, CE. Anais do XII SINAGEO,
2018.

OTVOS, E. G. Coastal barriers: Nomenclature, processes, and classification issues.


Geomorphology, 2012.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO DE JANEIRO. MPRJ realiza operação para


demolir casas no Parque Estadual da Costa do Sol, em Arraial do Cabo, Rio de
Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/home/-/detalhe-
noticia/visualizar/75203. Acesso em: 28 set. 2019.

RIO DE JANEIRO (2017). Plano Municipal de Conservação e Recuperação da


Mata Atlântica de Arraial do Cabo. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado do
Ambiente, 2017.

SERRANO E.C.; RUIZ-FLAÑO, P. Geodiversidad: Concepto, evaluacion y aplicación


territorial. El caso de Tiermes Caracena (Soria). B Asoc Geogr Esp. 45, p. 79-98,
2007.

SILVA, J. C.; ROCHA, T. B. Geodiversidade Geomorfológica e Identificação de


possíveis geomorfossítios no Núcleo Atalaia-Dama Branca do Parque Estadual da Costa
do Sol (PECSOL) - RJ. In: XII Simpósio Nacional de Geomorfologia, 2018, Crato -
CE.

WILSON, E.O. The diversity of life. Cambridge, Mass Belknap Press, 1992.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ALMEIDA, Karina Costa de; SILVA, Jéssica Conceição da; ROCHA, Thaís Baptista da. Invasão e ocupação irregular em Unidades
de Conservação: o exemplo do Parque Estadual Costa do Sol (PECS) - RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA
UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.92-101.
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GT 2: Estudos de Impactos Ambientais

BREJOS CONSTRUÍDOS: uma abordagem integrativa

João Pedro Alvares Simões Wreden1


Universidade Federal Fluminense
wredenjoao@id.uff.br

Sarah Farias dos Santos Lisbôa Borges2


Universidade Federal Fluminense
sarahborges@id.uff.br

RESUMO
O seguinte artigo foi elaborado com o objetivo de analisar como é tratado o esgoto nas
cidades assim como elucidar o novo Sistema de Tratamento de Esgoto Wetlands (Brejos
Construídos) e seus benefícios ecológicos e econômicos. Observando a necessidade de
um novo modelo energético analisamos um método alternativo que a partir da reutilização
de águas residuais é capaz de complementar e, consequentemente, reduzir a utilização de
outras substâncias mais nocivas ao meio ambiente como os fertilizantes à base de
nitrogênio, carvão e o petróleo.

Palavras-chave: Esgoto; Sustentabilidade; Wetlands.

1
Graduando em Geografia na UFF.
2
Graduanda em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO

A crescente ação do homem no meio ambiente, bem como o crescimento da


cidade, a utilização e a depredação dos recursos naturais vêm ao longo das últimas
décadas esgotando a capacidade da natureza processar toda essa demanda por águas, terra
e combustíveis.
Um dos problemas da lógica da cidade é a distância dos processos de tratamento
do esgoto em relação ao meio urbano, em razão disso pouco se fala sobre como essas
questões são resolvidas de maneira não sustentável, gerando consequências negativas ao
meio ambiente.
Dentre as inúmeras demandas da atualidade, os Sistemas de Tratamento de Esgoto
Wetland (Figura 1) surgem como uma nova alternativa para solucionar o problema do uso
intensivo da água, o tratamento das águas residuais e também pode ser um novo caminho
para o uso de biocombustíveis como forma de redução da grande emissão de poluentes
decorrente dos processos de combustão.

Figura 1 - Sistema Wetlands; Estação de Tratamento de Esgoto Ponte dos Leites,


Araruama, Rio de Janeiro

Fonte: Vídeo Institucional ETE Águas de Juturnaíba.

2. METODOLOGIA

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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O presente artigo foi desenvolvido utilizando como fonte primária de pesquisa um
artigo da Revista Nature Climate Change, volume 2, de 2012: “Constructed wetlands as
biofuel production systems”, visando à divulgação desse modelo de Estação

de Tratamento de Esgoto. Para complementar o assunto utilizamos o capítulo oito do livro


“Desastres: múltiplas abordagens e desafios”, de 2017, e que aborda o tema das mudanças
climáticas e as projeções de clima futuro. O seguinte texto também conta com dados
quantitativos e qualitativos extraídos e adaptados do artigo para o português, assim como
matérias de jornal e de audiovisual complementares para facilitar o compreendimento
tanto da estrutura física quanto do funcionamento das Estações Wetlands.

3. O DESTINO DO ESGOTO NA CIDADE

Atualmente o fluxo d'água retorna das cidades, após uso humano, para as Estações
de Tratamento de Esgoto (ETEs) e podemos ver os processos que ocorrem na figura 2.
As ETEs são unidades operacionais de águas residuais, que removem, através de
processos físicos (gradeamento), químicos (floculação) ou biológicos (processos
aeróbios) dejetos e impurezas dessas águas, devolvendo-as, ao final desse processo para
o ambiente.
A água captada pela rede urbana passa por uma fase de gradeamento onde os
maiores resíduos são removidos. Em seguida, é direcionada para outro reservatório onde
será retirada a areia que depois será decantada. Na parte final do tratamento ocorre a
aeração do tanque onde os microrganismos se multiplicarão usando os substratos da água
para se reproduzir e, consequentemente, limpá-la. Por último, esse corpo hídrico seguirá
para uma decantação secundária e subsequente despejo em rios ou reutilização para
limpar a cidade.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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Figura 2 - Estação de Tratamento de Esgoto Tradicional

Fonte: Elaboração própria utilizando a plataforma Canvas.

2.1. INOVAÇÃO

Algumas Estações de Tratamento de Água e Esgoto estão inserindo uma nova


tecnologia chamada Estações de Wetland ou Brejos Construídos. Essas estações são
sistemas naturais, construídas artificialmente, que utilizam as plantas macrófitas e
microrganismos aeróbios, os quais através de um processo natural são capazes de filtrar
os poluentes orgânicos, entre eles Nitrogênio (N) e Fósforo (P), das águas residuais. No

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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estado do Rio de Janeiro possuímos a primeira estação desse novo modelo implementada
no Brasil e que também é a maior estação da América Latina, a ETE Ponte dos Leites 3,
localizada no Município de Araruama como podemos observar na figura 3 abaixo.

Figura 3 - Localização da ETE Ponte dos Leites, Município de Araruama

Fonte: <https://ecoandoblog.wordpress.com/2016/05/27/sistema-de-saneamento-por-wetland-no-rio-de-
janeiro/>.

Essa estação começou a operar em 2005 e passou por reformas em 2009 para
atender o aumento da demanda da cidade. Atualmente é capaz de tratar 200l de esgoto
por segundo e atende a uma população de 144.000 habitantes. Além de toda a importância
para o funcionamento da cidade a ETE Ponte dos Leites ainda reaproveita os resíduos de
seus processos para um projeto socioambiental que os utiliza na produção de artigos
artesanais que a própria empresa (Concessionária Águas de Juturnaíba S.A.)
comercializa. Outra parte dos resíduos é utilizada para a compostagem, o que acrescenta
valor a esses materiais, e essas reutilizações são responsáveis por uma economia de

3
Vídeo Institucional ETE Águas de Jurtunaíba. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=GrjukwSxj1o>. O vídeo auxilia o compreendimento da estrutura e
como funciona o Sistema Wetlands, além de mostrar suas possibilidades econômicas.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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R$390.000,00 que seriam destinados ao despejo desses em aterros sanitários assim como
da redução de 547 toneladas anuais de resíduo que iriam para esses aterros4.

2.2. COMO FUNCIONAM

O Sistema Wetlands é um reservatório alagado preenchido por camadas de areia


grossa, continuada de duas camadas de cascalho que ficam mais grossos à medida que a
profundidade aumenta. Suas plantas, localizadas no topo (como na figura 4), crescerão a
partir da retirada de Nitrogênio (N) e Fósforo (P) das águas residuais, resultando na sua
limpeza. A produção energética ocorre de duas maneiras: através do fluxo hídrico que
passa pelas camadas de cascalhos e areia (que também ajudam a filtrar a água) e o grande
diferencial é que esse modelo utiliza essas plantas, com excesso de N e P, como fonte
energética (biocombustíveis), além de ser uma iniciativa que forma ecossistemas capazes
de atuar no estímulo à biodiversidade.
Esses são importantes, pois se mostraram excelentes sequestradores de carbono
(atuantes na retirada de CO2 da atmosfera) assim como conservadores da biodiversidade
e consequente paisagismo ecológico. Apesar da sua capacidade de fixar carbono esses
ecossistemas artificiais são os ambientes de produção de biocombustíveis que mais
emitem CO2 em comparação com outros exemplos atuais de produção de biocombustível
como o milho, soja e microalgas, porém, são capazes de sequestrar uma quantidade ainda
maior, os deixando na primeira posição de redução dos gases de efeito estufa.

Figura 4 - Esquema simplificado da estrutura do Sistema Wetlands

4
Prêmio Firjan de Ação Ambiental 2016. Disponível em: <https://www.firjan.com.br/seminario-acao-
ambiental-2016/premio.htm>. Acesso em: 20 out. 2019.

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WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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Fonte: Elaboração própria utilizando a plataforma Canvas.

2.3. A IMPORTÂNCIA DOS BREJOS

Os brejos naturais são ecossistemas localizados próximos a regiões de secas


marcadas pelo clima tropical úmido ou subúmido fresco de elevada altitude. No Brasil
observamos a sua presença na Região Nordeste na área do Planalto da Borborema, por
exemplo. Esse planalto é uma barreira orográfica para a passagem das massas de ar que
geram o sistema de chuvas orográficas na região de barlavento que receberá muito mais
umidade, possibilitando a existência desse ecossistema ao lado de uma região tão seca.

Esses ecossistemas são importantes porque contribuem para a preservação da flora


e servem de habitat para algumas espécies e microorganismos além de auxiliar a
conservação do balanço hídrico, a proteção do solo contra a erosão por interceptação e
retenção de água proveniente de chuvas. Os brejos artificiais que abordamos no artigo são
responsáveis por exercer também esses papéis ecológicos.

2.4. DOIS EM UM

Como havíamos falado acima sobre os benefícios da reutilização dos rejeitos no


caso da ETE Ponte dos Leites, uma parte do subproduto dessas estações pode ser utilizado
como substrato para reflorestamento e também como matéria prima para um

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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biocombustível chamado de Biocombustível Celulósico, que é um biocombustível
produzido através de matéria orgânica (milho, soja, resíduos florestais).
Apesar desse biocombustível emitir grandes quantidades de gases de efeito estufa
eles possuem um intenso mecanismo de sequestro de carbono, ou seja, consomem mais
CO2 do que emitem, resultando numa válvula de escape para esses gases. Se
compararmos com biocombustíveis produzidos a partir de outras plantas podemos
observar que o custo-benefício das Zonas Wetlands é expressivamente maior que os
demais, como na tabela 1 a seguir. Toda sua potencialidade econômica é ressaltada porque
no Brasil em 2017, até fevereiro, o biodiesel teve uma ascensão de 13,2%5.

Tabela 1 - Fontes de biocombustíveis e suas características

Fonte: Adaptado do artigo “Constructed wetlands as biofuel production systems” publicado na revista
Nature Climate Change, volume 2, p. 190-194, 2012.

Como foi possível observar ao longo desse material, o sistema de Tratamento de


Esgoto Wetland é uma alternativa economicamente viável e sustentável para o tratamento
das águas que também contribui positivamente para os dois dos maiores desafios do
desenvolvimento sustentável: a crise de energia e o aquecimento global.
Autores como Tércio Ambrizzi e Victor Magaña exploram as mudanças
climáticas e descrevem que inicialmente o aumento das emissões de gases de efeito estufa
(GEE) tem aumentado sistematicamente desde a era pré-industrial, devido ao crescimento
populacional e econômico. Essa mudança, provavelmente, é o que tem causado extremos

5
SILVEIRA, Daniel. Consumo de combustíveis aumenta 0.4% no Brasil, aponta ANP. Disponível em:
<https://g1.globo.com/economia/noticia/consumo-de-combustiveis-aumenta-04-no-brasil-aponta-
anp.ghtml>. Acesso em: 18 out. 2019.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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climáticos6 e aumento no nível dos mares, no entanto, ainda há um grau de incerteza
devido a uma série de fatores, como a falta de dados, influências regionais ou a ação direta
do homem mudando o meio ambiente.
Em escala global esses eventos foram avaliados pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e suas conclusões, em relatórios com dados desde
1950, nos dizem que o número de dias e noites frias tem diminuído em quanto os dias
quentes têm aumentado, especialmente nos continentes; o número de eventos de chuva
forte também aumentou significativamente em quantidade de dias. No Brasil, esses dados
foram confirmados a partir do primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel
Brasileiro de Mudança Climática (PBMC) no Paraná, Santa Catarina e no Rio Grande do
Sul. Um dos fatores para tal acontecimento está relacionado às ilhas de calor urbano
(ICU), que se expandem à medida que as metrópoles se espraiam e ficam cada vez mais
altas.
Ainda que alguns obstáculos estejam no caminho desse progresso, como por
exemplo, o problema do transporte do material residual para a produção de
biocombustíveis, a adaptação das plantas em diferentes áreas do globo e como o processo
de filtragem natural pode ser alterado por determinadas temperaturas, eles são pequenos
frente às mudanças positivas que essa nova lógica sustentável poderá trazer ao futuro do
planeta.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão do desenvolvimento sustentável e a abordagem de questões ambientais,


ainda que frequentemente abordada, é desconsiderada por diversos projetos atuais do
governo. O artigo desenvolvido é capaz de elucidar a questão ambiental sobre o
tratamento das águas residuais urbanas e o novo sistema complementar de Brejos

6
Ambrizzi e Magaña definem “extremo de tempo ou clima como a ocorrência de um valor de uma variável
de tempo ou clima que esteja acima (ou abaixo) de um valor próximo do limite superior (ou inferior) de um
conjunto de valores observados desta variável” (AMBRIZZI e MAGANÃ, p. 116).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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Construídos (Wetlands) e também seus benefícios ecológicos e econômicos frente ao
aquecimento global e a produção energética.
Observamos ao longo do artigo que esse sistema de tratamento de esgoto é uma
alternativa econômica e social sustentável que possibilita também a redução do uso de
outros combustíveis fósseis mais nocivos ao meio ambiente. A união desses fatores pode
contribuir para a questão do saneamento básico e saúde em muitas regiões do Brasil e do
mundo assim como promover empregos e renda para a população local.

4 - REFERÊNCIAS

DONG, L. ; XU, W.; JIE, C.; BAOJING, G.; YONG, M. et al. Constructed wetlands as
biofuel production systems. Nature Climate Change, volume 2, p. 190-194, 2012.

AMBRIZZI, T.; MAGAÑA, V. Mudanças climáticas e projeções futuras de eventos


extremos. In: GHÜNTER, W. M. R.; CICCOTI, L.; RODRIGUES, A. C. Desastres:
múltiplas abordagens e desafios. São Paulo: CEPED/USP, 2017, p. 115-131.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


WREDEN, João Alvares Simões; BORGES, Sarah Faria dos Santos. Brejos construídos: uma abordagem integrativa. In: I SEMANA
ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.102-111.
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GT 2 - Estudo de Impactos Ambientais

AVALIAÇÃO DA VULNERABILIDADE E SUSCETIBILIDADE À


EROSÃO COSTEIRA ENTRE A FOZ DO
RIO SÃO JOÃO E A FOZ DO RIO UNA (Cabo Frio, RJ)

Leonardo Quintanilha de Castro1


Universidade Federal Fluminense
leonardoquintanilha@id.uff.br

Beatriz Abreu Machado2


Universidade Federal Fluminense
abreu_Beatriz@id.uff.br

Thaís Baptista da Rocha3


Universidade Federal Fluminense
thaisbaptista@id.uff.br

RESUMO:

O presente trabalho apresenta um mapeamento da vulnerabilidade e suscetibilidade física


da orla à erosão costeira através do uso de geoindicadores, assim como um mapeamento
da linha de costa do arco praial compreendido entre a foz do rio São João e a foz do rio
Una em Cabo Frio (RJ). Utilizou-se, também, imagens de satélite e fotografias aéreas de
alta resolução espacial, georreferenciadas, visando constatar o posicionamento da linha
de costa. Devido à ocorrência de eventos erosivos em meio às possíveis alterações no
clima, os ambientes costeiros demandam estudos que embasem os seus planejamentos de
ocupação e gestão devido a sua variabilidade morfodinâmica ao longo do tempo.

Palavras-chave: Linha de costa; Vulnerabilidade; Susceptibilidade.

1
Graduando em Geografia na UFF.
2
Mestranda em Geografia na UFF.
3
Prof.ª Dr.ª do Departamento de Geografia da UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
ISSN: 2763-8596
112
1. INTRODUÇÃO

Praias arenosas são ambientes dinâmicos que estão em constante mudança por
uma série de processos, tais como energia das ondas, transporte litorâneo, marés, variação
do nível do mar e fatores antrópicos, os quais podem alterar o balanço sedimentar do
sistema praial, podendo ocasionar processos de erosão costeira ou acreção notáveis em
escalas de eventos, histórica e até geológica (STIVE et al., 2002). A linha de costa mostra-
se como uma feição sensível a essas mudanças, respondendo as alterações no balanço
sedimentar no ambiente praial, sendo definida por Boakand Turner (2005) como linha de
interseção entre o mar e o continente.
A susceptibilidade de um ambiente representa uma área potencial a ser afetada
por algum fenômeno natural (no caso da zona costeira, a erosão costeira, por exemplo),
sem que aqui se analise a probabilidade de sua ocorrência, sua frequência e as
consequências de seu impacto (JULIÃO et al., 2009 in MAGALHÃES, 2018). A
definição de vulnerabilidade a ser utilizada é referente à desenvolvida pela ISDR
(International Strategy for Disaster Reduction) que considera esta como “um conjunto de
condições e processos resultado de fatores físicos, ambientais, sociais e econômicos, que
aumentam a suscetibilidade de uma comunidade ao impacto do perigo” (ISDR, 2009 in
MAGALHÃES, 2018).
O presente trabalho teve por objetivo realizar um mapeamento da vulnerabilidade
e susceptibilidade à erosão costeira para dois pontos analisados no arco praial entre a foz
do rio São João e a foz do rio Una, assim como mapear a linha de costa para os anos de
1970, 2005 e 2018, visto que recentemente o setor norte deste arco praial vem sofrido
com eventos de ressaca com características erosivas. A área de estudo localiza-se no
município de Cabo Frio, ao sul de Rio das Ostras e norte de Búzios, a qual se insere,
segundo Muehe et al. (2006) no Macro Compartimento da Bacia de Campos (Litoral
Oriental do Rio de Janeiro), mais precisamente no compartimento do rio Macaé ao
embaiamento do rio São João.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Objetivando mapear a propensão de uma área ser afetada pela erosão costeira,

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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utilizou-se critérios de quantificação dos processos. Os geoindicadores utilizados para
avaliar os fatores de predisposição à erosão costeira, baseados em Magalhães (2018),
foram: (1) grau de exposição da praia, (2) vegetação, (3) altura das dunas frontais, (4)
largura da berma, (5) escarpas, (6) exumação de arenito ou beach rock e (7) estruturas
danificadas ou de proteção. Por fim, Esses geoindicadores foram organizados no quadro
1, com informações qualitativas que correspondem a três classes relacionadas ao grau de
suscetibilidade: alto, médio e baixo.

Quadro 1 - Geoindicadores de susceptibilidade e vulnerabilidade à erosão costeira

Fonte: Adaptado de Magalhães (2018).

Para a identificação das áreas mais vulneráveis à erosão costeira foram acrecidos
aos geoindicadores de susceptibilidade 3 novos geoindicadores, sendo eles: (8) a posição

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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das edificações, (9) o nível de artificialização da orla, e (10) o tipo de uso ocupação da
orla (10), desta forma, correspondendo aos geoindicadores de vulnerabilidade, como
também demonstra o quadro 1. Sendo observado a posição das edificações em relação a
distância do perfil dinâmico praial, através das imagens de satélite de alta resolução
espacial, as edificações que se encontraram na berma ou no topo da escarpa de pós-praia
ou topo da barreira, foram classificadas como alta vulnerabilidade, uma vez que quanto
mais próximo da dinâmica da praia, maiores podem ser os impactos e prejuízos
decorrentes da erosão costeira. Edificações que estivessem a 20 metros do topo da barreira
ou escarpa; e edificações que estivessem a mais de 20 metros das mesmas, foram
enquadradas nas classes de média e baixa vulnerabilidade, respectivamente. Essa
classificação tem como base as distâncias estabelecidas por Lins-de-Barros (2005).
Ambos os quadros foram preenchidos nos dois pontos de análise em um trabalho
de campo realizado na área de estudo no ano de 2017. Cabe destacar que, a facilidade de
levantamento desses dados faz dos geoindicadores uma ferramenta de gestão importante
para avaliações rápidas e de baixo-custo de suscetibilidade e vulnerabilidade (BUSH et
al., 1999 apud MAGALHÃES, 2018).
Para transformar o dado qualitativo em dado quantitativo foram dados pesos às
classes dos geoindicadores, de maneira que as classes referentes a suscetibilidade ou
vulnerabilidade consideradas baixas tivessem peso 1; assim como as classes médias, peso
2; e as classes de consideradas altas, peso 3.
Para definir a amplitude das classes, foi utilizada a seguinte equação:
𝑎=𝐿𝑠−𝐿i
𝑘
Onde:
𝑎: Amplitude das classes
Ls: Limite superior
Li: Limite inferior
k: Número de classes

Para o mapeamento da linha de costa foram utilizadas fotografias aéreas do ano


de 1970, obtidas junto ao DRM, e, imagens de satélite do ano de 2018, da plataforma
Google Earth Pro (Digital Globe), ambas com alta resolução espacial (entre 0,75 à 1,0
metro), as quais foram devidamente georreferenciadas através do software de sistema de

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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informações geográficas ArcGis 10.4, em sua interface ArcMap, obtendo um erro residual
de até 1 metro e utilizando como base as Ortofotos do ano de 2005, disponibilizadas pelo
IBGE, para posterior vetorização da linha de costa para os anos em questão. Por fim,
visando a obtenção da linha de costa, foi necessário escolher um indicador que atendesse
as especificidades fisiográficas e morfodinâmicas da área, sendo este um recurso utilizado
como um proxy para representar a real posição da linha de costa. Para este trabalho optou-
se pela utilização do limite da vegetação, e, na sua ausência, o limite das construções
antrópicas, pois ambos foram facilmente identificados nas imagens. Estes indicadores são
enquadrados na primeira categoria de acordo com o exposto por Boak & Turner (2005),
como características costeiras visualmente discerníveis e não associados a datum vertical.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

No mapa comparativo entre os pontos 1 e 2 (Figura 2), da área de estudo do


presente trabalho, podemos notar que: tanto a vulnerabilidade quanto a susceptibilidade
obtiveram a classificação como alta no ponto 1, ao norte, e baixa no ponto 2, ao sul. Sendo
notável o grande adensamento de construções próximas ao perfil dinâmico praial no ponto
1, suprimindo a vegetação, e, no ponto 2, uma grande presença de vegetação e ampla
distância de construções em relação ao perfil dinâmico praial.

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CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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Figura 2 – Mapa de Vulnerabilidade/Susceptibilidade e o afastamento das linhas
de costa mapeadas para os anos de 1970, 2005 e 2018 comparados ao gráfico de
evolução histórica adaptado de Luijendijk et al. (2018)

Fonte: Elaborado pelos autores.

A linha de costa no ponto 1 se mostrou com um afastamento de 12 metros entre a


linha de 2005 em relação com as demais, de 1970 e 2018, sugerindo uma progradação da
linha de costa de 1970 até 2005, devido ao aumento da vegetação para este período e uma
retrogradação de 2005 até 2018 para uma posição muito próxima à inicial de 1970.
Luijendijk et al. (2018), através de imagens de satélites disponíveis gratuitamente
desde 1984 e métodos de analise sofisticados, apresentaram uma avaliação da ocorrência
de praias arenosas e as taxas de mudanças no posicionamento da linha de costa até o ano
de 2016, acumulando um total de 33 anos de tempo de análise. No gráfico elaborado por
Luijendijk et al. (2018), para o ponto 1 da área de estudo do presente trabalho, podemos
notar que seus dados sugerem uma taxa de variação de -0.2m a +-0.1m por ano e que ao
longo do período de 33 anos avaliados há uma tendência retrogradante nesta área,
atingindo um total superiror a -5 metros.

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CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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Por outro lado, no ponto 2, a linha de costa obteve um afastamento de 11 metros
quando comparamos os anos de 1970 e 2005, sugerindo uma retrogradação para este
período de tempo analisado, em contrapartida, quando analisamos o posicionamento da
linha de costa do ano de 2005 com a de 2018, podemos notar uma recuperação da
vegetação de restinga atingindo novamente, em determinado ponto, a posição da linha de
costa para o ano de 1970. Tal variação obteve uma amplitude entorno de 11 metros e
quando comparamos aos dados do gráfico elaborado por Luijendijk et al. (2018) podemos
notar uma tendência progradante, com taxas de 0.5m a +-0.1m ao ano e um acumulo total
superiror a 10 metros para o período de 33 anos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O embaiamento do rio São João constitui um segmento bem individualizado,


dominado a partir da desembocadura do rio São João em direção ao cabo Búzios, local
da área de estudo, pela deposição de sedimentos finos de origem fluvial, diminuindo
substancialmente a declividade da antepraia e definindo o estado morfodinâmico do arco
praial que, de refletivo a norte, passa a dissipativo ao sul da desembocadura
(FERNANDEZ e MUEHE, 1998).
Desta forma, a alta vulnerabilidade e susceptibilidade à erosão costeira no ponto
1 está possivelmente sendo corroborado pelo padrão morfodinâmico ainda refletivo na
parte emersa da praia, como exposto por Fernandez e Muehe (1998). Esse padrão
morfodinâmico acarreta em uma faixa de areia mais estreita e íngrime neste ponto que
associado ao alto padrão de ocupação próximo ao perfil dinâmico praial, confere na
supreção da vegetação de restinga ali existente. No mais, associado a esses fatores,
observa-se uma tendência retrogradante deste setor, apontado por Luijendijk et al. (2018).
Os dados de geoindicadores sugerem que no ponto 2 há uma baixa vulnerabilidade
e susceptibilidade à erosão costeira, o que pode ser corroborado pelo padrão
morfodinâmico dissipativo e pela deposição de sedimentos finos de origem fluvial como
apontam Fernandez e Muehe (1998), ocasionando uma suavização do perfil praial a
medida em que se desloca ao sul. Também no setor sul, o padrão de ocupação se torna
mais afastado do perfil dinâmico praial em função dos processos de progradação de linha
de costa, como apontado por Luijendijk et al. (2018). Em ambos os pontos a mobilidade
no posicionamento da linha de costa, ao longo de 48 anos, foi da ordem de dezenas de
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CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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metros, atingindo 11 metros no ponto 1 e 12 mestros no ponto 2, porém, devido a riqueza
de dados para diversos anos, a amplitude de variação vista nos dados de Luijendijk et al.
(2018) para um período de 33 anos chegam a 20 metros no ponto 1, sugerindo até um
padrão de redução destas amplitudes a medida em que se avança no tempo do grafico para
o respectivo ponto.
Por fim, entende-se que a zona costeira brasileira é reconhecida como Patrimônio
Nacional na Constituição Federal, e corresponde ao espaço geográfico de interação entre
ar, mar e terra (incluindo seus recursos), abrangendo uma faixa marítima e uma faixa
terrestre. O desenvolvimento de prioridades para as ações de ordenamento e gestão de
zonas costeiras se dá pelas três esferas governamentais e do poder e de participação da
sociedade civil organizada. Sendo o setor mais ao norte uma área prioritária para
ordenamento e gestão, pois de acordo com os dados aqui abordados, este setor possui um
alto grau de vulnerabilidade e susceptibilidade à erosão costeira e edificações próximas
ao perfil dinâmico praial, o que possivelmente pode vir a interferir nas formas naturais de
como o perfil dinâmico se comporta.
Logo, propostas de mitigação, preservação da vegetação de restinga, fiscalização
e o cumprimento da lei para que se mantenha uma distância segura das edificações em
relação ao perfil dinâmico praial, assim como um programa de monitoramento da linha
de costa e determinação da resiliência praial, podem ser considerados como algumas das
formas de se evitar os prejuízos à sociedade proveniente de eventos de ressacas nesta
localidade.

5. REFERÊNCIAS

BOAK, E. H.; TURNER, I. L. Shoreline definition and detection: a review. Journal of

Coastal Research, vol. 21, n° 4, 2005.

FERNANDEZ, G.B.; MUEHE D. A influência de sedimentos fluviais na morfologia da


praia e antepraia no embaiamento de Rio das Ostras – Cabo Búzios – (RJ). Geosul, v.
14, n. 27, pp. 201- 207, 1998.

FERNANDES, D. O Processo Erosivo na Praia das Tartarugas - Rio das Ostras /


Estado do Rio de Janeiro: Dinâmica Sedimentar e Controle Ambiental. Dissertação de
Mestrado em Geologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ,

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
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Brasil. 2010.

LINS-DE-BARROS, F. M. Risco, Vulnerabilidade Física à Erosão Costeira e Impactos


Sócio econômicos na Orla Urbanizada do Município de Maricá, Rio de Janeiro. Revista
Brasileira de Geomorfologia. Ano 6, nº 2, pp. 83-90, 2005.

LUIJENDIJK, A.; HAGENAARS, G.; RANASINGHE, R.; BAART, F.; DONCHYTS,


G.; AARNINKHOF, S. The State of the World’s Beaches. Nature, Scientific Reports,
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MAGALHÃES, B. L. Avaliação da erosão costeira em Rio das Ostras (RJ) através da


análise de linha de costa entre 2005 e 2016. ENANPEGE 2017. Anais... Disponível em:
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MAGALHÂES, B. L. Dinâmica da linha de costa e vulnerabilidade à erosão


costeira nos arcos de praia da Tartaruga e de Costa Azul (Rio das Ostras, RJ), 2018.

MUEHE, D. Critérios morfodinâmicos para o estabelecimento de limites da orla


costeira para fins de gerenciamento. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.2, n. 1,
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, D. (Org). Erosão e progradação no litoral brasileiro. Brasília: MMA, 2006.

, D. Levantamento do Perfil da Antepraia (Shoreface) com uso de Ecobatímetro


Portátil e Caiaque. Revista da Gestão Costeira Integrada, 2012.

MUEHE, D.; LINS-DE-BAROS, F.; OLIVEIRA, J.F.; KLUMB-OLIVEIRA, L. Pulsos


erosivos e resposta morfodinâmica associada a eventos extremos na costa leste do
estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.16, n.3, pp. 369-386,
2015.

STIVE, M.J.F; AARNINKHOF, S.G.J.; HAMM, L.; HANSON, H.; LARSON, M.;
WIJNBERG, K.M.; NICHOLLS, R.J.; CAPOBIANCO, M. Variability of shore and
shoreline evolution. Coastal Engineering, v. 47, pp.211-235, 2002.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


CASTRO, Leonardo Quintanilha de; MACHADO, Beatriz Abreu; ROCHA, Thaís Baptista da. Avaliação da vulnerabilidade e
suscetibilidade à erosão costeira entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una (Cabo Frio, RJ). In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.112-120.
ISSN: 2763-8596
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GT – 2: Estudo de Impactos Ambientais

DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE:
o caso do setor elétrico no Brasil

Letícia de Souza Blanco1


Universidade Federal Fluminense
leticia.blanco802@gmail.com

RESUMO

O desenvolvimento sustentável é um tipo de desenvolvimento que se caracteriza


principalmente pela tomada de decisões e ações que levem em consideração
características ambientais e sociais de modo a promover o desenvolvimento econômico
com responsabilidade com o ecossistema como um todo, com os elementos naturais e o
com ser humano e o meio ambiente. O objetivo deste artigo é compreender como o
desenvolvimento sustentável vem sendo aplicado pelas empresas do setor elétrico no
Brasil. Trata-se de pesquisa exploratória seguida de estudo de caso, cujo objeto empírico
é a empresa Eletrobras.

Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável. Setor elétrico. Brasil

1
Aluna do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Federal Fluminense.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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1. INTRODUÇÃO

No Brasil, a preservação e a conservação do meio ambiente passaram a ser direito


do cidadão com a promulgação da Constituição de 1988, que em seu Art.225 destaca que:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL,
1988).
A questão legal ampliou a temática ambiental, colocando-a como um direito
difuso, fazendo com que o meio ambiente equilibrado passasse a ser um direito do
cidadão, tornando-se pauta das agendas dos Estados nacionais e de suas empresas.
O objetivo do artigo é analisar as estratégias e eventos adotados para se alcançar
o desenvolvimento sustentável, e entender como o contexto socioeconômico contribuiu
para o avanço deste tipo de política e o significado econômico e social de tais ações.
A metodologia utilizada é estudo exploratório por meio de revisão de literatura,
seguida de estudo de caso, tendo como objeto de análise as ações de sustentabilidade
ambiental promovidas pela empresa Eletrobras. Primeira etapa: pesquisa em base de
dados: Scielo e CAPES; levantamento de referências e leitura de artigos sobre o tema.
Segunda etapa: levantamento de dados sobre desenvolvimento sustentável nos manuais e
relatórios da Eletrobras (anos 2007, 2010,2018).

2. A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO

A Conferência de Estocolmo ocorreu na Suécia em 1972, e foi à primeira


conferência mundial que abarcava a questão ambiental. Através dela foram estipuladas
políticas ambientais rígidas que exigiam uma administração mais consciente por parte
dos gestores das empresas acerca do impacto ambiental de seus empreendimentos.
O que se almejava com a Conferência de Estocolmo era que os Estados-Nações
adotassem iniciativas conservacionistas de modo a minimizar impacto ambiental de seus

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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negócios, atuando de forma sustentável. Segundo Passos (2009, p 12) a Conferência
marcou uma etapa muito importante na ecopolítica mundial, resultando em
questionamentos que influenciaram as relações entre os atores internacionais,
colaborando para a notável evolução da temática ambiental.
A emergência de preocupação com o meio ambiente também foi motivada pela
forma excessiva de consumir que o sistema capitalista instiga inspirado na ideologia
American Way Life em que o consumo em massa é protagonista. O consumo exagerado
por parte da população faz com que os recursos naturais sofram uma escassez acelerada,
já que eles são usados intensivamente no sistema produtivo. Assim, da certeza da finitude
dos recursos naturais da Terra surge à necessidade, emergente, de se atentar para a questão
ambiental de modo a garantir a sustentabilidade do sistema econômico em nível mundial.
Contudo, o econômico não se restringe à produção de bens e serviços, mas envolve toda
a cadeia produtiva, o meio físico e social, os insumos, o ecossistema e todos os seres
vivos.
Na Conferência de Estocolmo, além da racionalização dos recursos naturais,
outros fatores foram destacados, como a urgência de redução da poluição atmosférica e
marinha, os quais passaram a ser pontuados nas legislações ambientais dos Estados-
Nações que se encontravam presentes na Conferência (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE HUMANO, 1972).
As orientações da Declaração de Estocolmo passaram a ser observadas pelas
nações que, paulatinamente, começaram a realizar ações sustentáveis com vista a
minimizar os impactos ambientais. De acordo com Dias (2017), foi a partir da
Conferência de Estocolmo que a questão ambiental ganhou maior destaque, atingindo a
grande mídia internacional e direcionando políticas e programas ambientais por vários
países, inclusive o Brasil.

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BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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3. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A sustentabilidade empresarial ocorre em empresas que conseguem resolver este


“impasse” entre economia e meio ambiente e que aplicam o desenvolvimento sustentável.
Este se caracteriza pela preocupação com o meio ambiente e com os recursos naturais
presentes nele, atentando-se para preservação e conservação ambiental por meio da
análise de impactos que poderiam ser fomentados. Consumidores que compartilham
princípios conservacionistas encontram nas empresas sustentáveis o seu refúgio de
consumo consciente.
O termo desenvolvimento sustentável surgiu na década de 1980, mas só ganhou
mais adeptos com o passar dos anos, estando hoje presente na missão da maioria das
empresas, inclusive no ramo energético. Como aponta Cabral (2009) o primeiro
pensamento sustentável no ramo energético surgiu com a construção da infraestrutura
conhecida como “escada para peixes” nas hidrelétricas. Ela tinha como principal objetivo
fazer com que os peixes migratórios que atravessassem as barragens pudessem chegar às
nascentes onde se reproduzem mantendo-se o ciclo biológico. Estima-se que foram
construídas 35 escadas para peixes até a década de 1980 no Brasil.
A escada para peixes foi o início do desenvolvimento sustentável no ramo
energético, mas o marco legal foi à criação do Código de Águas em 1934. Essa norma
legal estabelecia que todas as quedas d’água seriam de posse da União e não mais dos
setores privados (CABRAL, 2009), cabendo ao Estado proteger e regulamentar o seu uso.
Neste código consta que para haver aproveitamento de energia nas quedas d’água seria
necessário cumprir alguns requisitos como: salubridade pública, proteção contra
inundações e cumprimento das necessidades dos ribeirinhos, população tradicional que
vive nas margens dos rios. Dessa forma, procurava-se mitigar os impactos
socioambientais que a hidrelétrica poderia gerar.
Outro documento importante foi o Código da Pesca estabelecido em 1938. Essa
norma legal estabelecia a conservação da fauna fluvial para que a dinâmica de reprodução
dos peixes não fosse afetada. Derivado desse código surgiu a Lei da Pesca em 1967 que

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BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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exigiu do proprietário das represas a proteção da fauna e a exploração sustentável deste
recurso (CABRAL, 2009).
Apesar das leis de proteção nota-se no período de 1950-1970 um aumento da
exploração dos recursos naturais. Para alguns setores da economia, com o agrário e o
industrial, a questão ambiental passou a ser vista como atraso para autonomia econômica
do Brasil em relação aos demais países (CABRAL, 2009).
O que mudou o rumo dessa história foi a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente realizada em Estocolmo em 1972. Da Conferência surgiu o documento
conhecido como Declaração de Estocolmo que defendia a preservação dos recursos
naturais e proteção dos ecossistemas naturais por parte das empresas. Ademais, órgãos de
financiamento como o Banco Mundial foram influenciados pela Conferência, exigindo a
partir desse momento a proteção do meio ambiente como requisito para concessão de
empréstimos para empresas produtoras de energia hidrelétrica (CABRAL, 2009). Apesar
de os bancos exigirem cuidado ambiental das empresas de energia, o não cumprimento
desses critérios não impedia a concessão dos empréstimos, conforme nos relata Cabral
(2009, p. 91): “[...] tanto no Banco Mundial quanto no BID as questões ambientais não
impediam a concessão de empréstimos. Os impactos no meio ambiente ocupavam uma
posição apenas marginal entre as preocupações dos bancos [...]”.
Em 1979 o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE)
estipulou que “[...] aspectos ambientais fossem incluídos nos requisitos para a apropriação
do relatório de viabilidade de todos os projetos hidrelétricos” (CABRAL, 2009, p. 106).
Assim, passou-se a ser exigido um relatório, como uma licença, para que a obra fosse
feita e concluída. Este relatório permitia que o órgão tivesse maior controle sobre os
problemas socioambientais que a hidrelétrica poderia gerar no espaço e em seu entorno.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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3.1. ELETROBRAS: O ESFORÇO EM PROL DA SUSTENTABILIDADE

A Eletrobras é hoje uma empresa brasileira de capital misto criada em 1962 no


governo de João Goulart. No Brasil a empresa foi a responsável pela política do meio
ambiente no setor elétrico e pela criação de normas ambientais para as demais empresas.
(CABRAL, 2009).
A empresa apresenta como um dos seus valores e princípios norteadores de suas
ações a sustentabilidade. Ela possui uma Política de Sustentabilidade que direciona
práticas conservacionistas. O principal objetivo dessa política é estimular o
desenvolvimento sustentável, ou seja, que atinja de forma mínima a qualidade de vida da
população e ao meio ambiente. Na Política de Sustentabilidade das empresas Eletrobras
é enfatizado conceito de desenvolvimento sustentável que é:

Na visão empresarial significa fazer negócios promovendo a


inclusão social (com respeito à diversidade cultural e aos
interesses de todos os públicos envolvidos no negócio direta ou
indiretamente), reduzindo – ou otimizando – o uso de recursos
naturais e o impacto sobre o meio ambiente, preservando a
integridade do planeta para as futuras gerações, sem desprezar a
rentabilidade econômico-financeira do negócio (ELETROBRAS,
2010, p.10).

Ou seja, a sustentabilidade não está apenas relacionada à questão ambiental, ela é


algo bem mais amplo. O desenvolvimento sustentável está intrinsecamente ligado à
conservação de práticas culturais tradicionais e ao uso racional dos recursos naturais
disponibilizados pela natureza. Logo, o que se espera é que a empresa beneficie a
sociedade, gerando desenvolvimento econômico, mas também preservação de riquezas
naturais que podem entrar em extinção.
De acordo com seus relatórios anuais, vemos que a Eletrobras se compromete a
seguir parâmetros mais sustentáveis. Considerando, assim, o capital humano, natural e
social. Logo, suas ações antes de serem realizadas são discutidas e estudadas por

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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especialistas de tal forma que se reduza o impacto ambiental que pode ser gerado.
Segundo Saldanha (2012, p. 147), para tornar-se uma empresa sustentável é “[...]
imprescindível à adoção de um modelo de desenvolvimento econômico que inclua em
seus projetos a variante do meio ambiente, analisando os impactos que serão causados à
natureza em decorrência de uma ou outra atividade”.
No âmbito das empresas Eletrobras, essa preocupação está ancorada nos seguintes
objetivos: “promover o uso racional de recursos naturais; priorizar a produção de energia
limpa e renovável; investir na pesquisa e na utilização de novas tecnologias, ambiental e
socialmente responsáveis” (ELETROBRAS, 2010a, p.11), de modo a potencializar os
impactos ambientais e sociais positivos, e minimizar os impactos negativos decorrentes
de suas atividades
Assim, todo o planejamento deve ser voltado à mitigação dos impactos
socioambientais. Além do planejamento, os projetos e as políticas que orientam a conduta
da empresa, que se enquadra no patamar de desenvolvimento sustentável, também devem
ter um cunho ambiental, sempre se atentando à questão de conservação e preservação dos
recursos naturais.
A preocupação com os impactos socioambientais iniciou-se em 1997 quando a
variável ambiental começou a integrar os estudos de inventário que já ocorriam desde a
década de 1950 nas empresas Eletrobras. A Avaliação Ambiental Integrada (AAI), que
hoje se encontra nestes estudos, surgiu em 2003 no âmbito federal (CAMPOS, 2012). Ela
ocorre somente na última etapa e é aplicada à alternativa hidroelétrica selecionada de
acordo com ICB2 e o IA3. Como podemos ver a AAI e os estudos de inventário, além de
surgir em tempos diferentes, possuem sentidos distintos, a saber:

Enquanto nos Estudos de Inventário o foco está voltado para a


comparação e seleção da melhor alternativa de aproveitamento do
potencial hidroelétrico da bacia, nos Estudos de Avaliação
2
Índice Custo-Benefício energético que é produto da razão entre o seu custo total anual e o seu benefício
energético.
3
Índice socioambiental negativo de uma alternativa de divisão de queda, expressa a intensidade do impacto
negativo sobre a área de estudo do conjunto dos aproveitamentos que a compõem.

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BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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Ambiental Integrada procura-se avaliar as condições de suporte
dos meios natural e antrópico, do ponto de vista de sua capacidade
para receber o conjunto dos aproveitamentos hidrelétricos que
compõem a alternativa de divisão de queda selecionada
(ELETROBRAS, 2007, p. 597).

Apesar de hoje a AAI fazer parte nos Estudos de inventário, percebe-se que estes
últimos têm como preocupação central a questão da seleção da alternativa de maior
potencial energético, enquanto a AAI preocupa-se com as questões socioambientais que
o aproveitamento hidroelétrico pode fomentar no espaço em que se encontra. Ou seja:
“[o]s estudos de AAI têm seu foco principal na situação ambiental da bacia hidrográfica
em consequência da implantação do conjunto de aproveitamentos existentes ou
planejados” (BRASIL, 2007, p.597). Por meio destes estudos são analisados alguns
indicadores como: ecossistemas aquáticos, ecossistemas terrestres, modos de vida,
organização territorial, base econômica e populações indígenas/ tradicionais.

Tabela 1 - Pesos dos componentes-sínteses para cálculo do IA

Fonte: Estudo de Inventário da UHE Garambi-Panambi (2010).

Como vemos (Tabela 1), os componentes-sínteses atuam como referência para se


calcular o Índice de Impacto Negativo sobre o Sistema Ambiental (IA) que mensura o
grau de impacto sobre a área de estudo do conjunto de aproveitamentos que a compõe,
mostrando as alterações ambientais e tendo como base os seis componentes-sínteses.

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Estes componentes apresentam pesos como vemos na tabela, sendo os de maior
relevância, no caso da hidrelétrica Garambi-Panambi, aqueles relacionados à proteção
dos ecossistemas terrestres e aquáticos e ao modo de vida das comunidades ribeirinhas.

O fator de ponderação dos Componentes-síntese corresponde ao


peso atribuído aos mesmos, normalizado em uma escala de 0
(zero) a 1 (um), segundo a importância que assume na
interrelação com os demais componentes. A atribuição dos pesos
foi definida pelas informações contidas na caracterização de cada
componente-síntese e por meio de discussões entre os técnicos
das diversas áreas temáticas, buscando obter um consenso nos
pesos que reflitam as inter-relações vigentes, traduzidas em uma
hierarquia dos componentes-sínteses no contexto do quadro
socioambiental (ELETROBRAS, 2010, p.166).

Dessa maneira, vemos que o peso dos componentes-sínteses varia de acordo com
a relevância que possui na interação com os demais componentes. Este peso é atribuído
por uma equipe técnica multidisciplinar que precisa hierarquizar estes componentes de
acordo com sua importância socioambiental em determinada área.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Conferência de Estocolmo mostrou aos Estados-Nações que participaram do


evento e ao mundo que era possível minimizar a ação predatória do capitalismo sobre o
meio ambiente por meio de uma ação conjunta e coletiva de vários países com vista ao
desenvolvimento sustentável.
A forma capitalista de consumir exageradamente faz com que a sustentabilidade
seja um tema emergencial a ser tratado pelas grandes empresas exigindo que estas
alinhem seu sistema produtivo às demandas ambientais, de modo a garantir a conservação
dos recursos naturais fundamentais para a existência das espécies, inclusive a humana.

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O contexto socioeconômico contribuiu para a consolidação da sustentabilidade
empresarial no ramo energético brasileiro, começando com os bancos internacionais que
passaram a exigir cuidados ambientais para a concessão de empréstimos; regulamentação
das empresas e sua adequação à legislação ambiental e programas de conservação,
monitoramento e avaliação. Nessa direção, a AAI tem se mostrado como uma estratégia
de monitoramento extremamente relevante no sentido que leva em conta em suas
diretrizes e indicadores variáveis de ordem ambiental e social. Como vimos, AAI tem
como principal objetivo ressaltar os efeitos cumulativos e sinérgicos resultantes dos
impactos socioambientais negativos e positivos ocasionados pelo conjunto de
aproveitamentos que compõem a alternativa selecionada nos estudos finais
(ELETROBRAS, 2007, p.46).
Dessa forma, nota-se um avanço do ramo energético em direção à sustentabilidade
e à conservação de recursos naturais. Este fato ocorre, atendendo a uma gestão mais
ecológica exigida pela sociedade e pelo mundo que sofre com a escassez de recursos.
Esse pensamento sustentável é necessário para que o sistema produtivo se mantenha em
funcionamento superando as contradições de ter que gerar bem estar social e crescimento
econômico, mantendo o equilíbrio ambiental.

REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
CABRAL, L. M. M. O meio ambiente e o setor de energia elétrico brasileiro. Rio de
Janeiro: Centro de Memória da Eletricidade no Brasil, 2009.
CAMPOS, D.V. de A. O uso de indicadores ambientais do meio físico e ecossistemas
terrestres na Avaliação Ambiental Integrada de empreendimento hidrelétrico em
bacias hidrográficas no Brasil. São Paulo, 2012. Monografia (Especialização em
Gestão Ambiental). USP. Instituto de Eletrotécnica e Energia, 2012.
CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE HUMANO.
Estocolmo, 1972. Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano. Nova
York: ONU, 1972.

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BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
ISSN: 2763-8596
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DIAS, E. dos S. Os (des)encontros internacionais sobre meio ambiente: da conferência
de Estocolmo à rio+20 - expectativas e contradições. Caderno Prudentino de
Geografia, Presidente Prudente, SP, v.1, n. 39, p.6-33, jan./jun. 2017.
ELETROBRAS. Manual de inventário hidroelétrico de bacias hidrográficas. Rio de
Janeiro: Eletrobras, 2007.
ELETROBRAS. Relatório anual. Rio de Janeiro: Eletrobras, 2018.
ELETROBRAS. Relatório dos estudos de inventário: (versão final). Rio de Janeiro:
Eletrobras, 2010.
ELETROBRAS. Políticas de sustentabilidade das empresas Eletrobras. Rio Janeiro,
2010a.
PASSOS, P. N. C. de. A conferência de Estocolmo como ponto de partida para a
proteção internacional do meio ambiente. Direitos Fundamentais e Democracia.
Curitiba, v.6, p. 1-25, 2009.
SALDANHA, M. M. Energia elétrica e meio ambiente: um novo paradigma para o
desenvolvimento. Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Ciências Sociais
da Unijuí. Ijuí (RS), n.38, p.138-150, jul./dez 2012.

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BLANCO, Letícia de Souza. Desenvolvimento e sustentabilidade: o caso do setor elétrico no Brasil. In: I SEMANA ACADÊMICA
DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.121-131.
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GT – 2: Estudo de Impactos Ambientais

O PROCESSO DE AFUNDAMENTO DE MORADIAS


CONSTRUÍDAS EM SOLO INSTÁVEL NA FAVELA DE RIO DAS
PEDRAS, RIO DE JANEIRO - RJ

Thayanne Patricia Vergilio1


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
tayanne_pv94@outlook.com

Felipe de Noronha Andrade2


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
felipenoronha@puc-rio.br

RESUMO
O presente trabalho relata as problemáticas relacionadas ao processo de afundamento dos
solos na favela de Rio das Pedras. O objetivo do trabalho é analisar se a interação entre
as características físicas do local e o processo de ocupação potencializou esses eventos.
Foram realizados trabalhos de campo na área de estudo e entrevistas com os moradores,
que em seu conjunto, evidenciam que essa problemática vai além dos aspectos físicos,
mas abrange também as questões sociais da população e da negligência do poder público
referente ao processo de afundamento das moradias.

Palavras-chave: Afundamento de moradias; Solo instável; Políticas de habitação.

1
Bolsista do PET do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio.
2
Professor Agregado do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio.

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VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
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1. INTRODUÇÃO

A invasão de terras não adequadas para a ocupação é frequente na cidade do Rio


de Janeiro, já que a população pobre se defronta com a falta de alternativas para a
habitação, acaba se fixando em favelas e grande parte em áreas ambientalmente sensíveis.
Os movimentos de ocupação de áreas impróprias à moradia, de acordo com Teixeira
(2010), tornaram-se fator preocupante para a sociedade por dois motivos principais. O
primeiro deles pelo avanço das populações de baixa renda, desassistidas de políticas
públicas que garantam o direito a uma moradia digna, sobre áreas que não atendem as
condições mínimas para a habitação. E o segundo fator é a questão dos impactos
ambientais sobre esses sítios que não estão preparados para receber essas casas, o que
gera problemas e desastres como deslizamentos, alagamento e poluição de cursos de água
por essa população que ocupa de maneira irregular esses solos. A favela de Rio das Pedras
é um bom exemplo dessa problemática. Considerada uma das maiores aglomerações
populacionais do Brasil de acordo com o Censo do IBGE (2010), boa parte da sua
população ocupou suas terras a partir de invasões, principalmente em áreas não adequadas
para construções, que por falta de alternativas de habitação, se estabeleceram em
ambientes propícios ao afundamento de suas casas. Além disso, as políticas públicas
implantadas em favelas, como no caso de Rio das Pedras, muitas vezes não levam em
consideração as informações técnicas existentes nos planos setoriais que poderiam
contribuir com ações mais adequadas à resolução dos problemas ambientais e sociais
vividos ali, como por exemplo, a alta susceptibilidade desses solos em sofrer inundação
e sua baixa capacidade de sustentar a altas cargas impostas por casas e edificações.

2. METODOLOGIA

Para contextualização da área de estudo e discussão dos resultados foram realizadas


análises espaciais e mapas temáticos de pedologia, habitação, densidade demográfica, uso
e ocupação do solo. Para uma melhor percepção do que vêm ocorrendo em Rio das Pedras
foram feitos trabalhos de campo, com a finalidade de se conhecer as particularidades da

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VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
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área de estudo, fazer as entrevistas com os moradores e identificar o afundamento de
moradias localizadas no trecho de Rio das Pedras conhecido como Pantanal.

Para o entendimento da percepção do morador frente a problemática relacionada


aos afundamentos em Rio das Pedras foi elaborado questionário composto por 19
perguntas, dividido em quatro blocos: 1° identificação do entrevistado; 2° sobre o
processo de ocupação de Rio das Pedras; 3° sobre o afundamento do solo e 4° sobre as
ações e atores do poder público. Para a identificação do entrevistado foram necessárias
informações como: local da entrevista; a data; o código (os entrevistados foram
identificados por código, garantindo assim o anonimato); idade e ocupação do morador.
As perguntas sobre o processo de ocupação tinham intuito de entender como se
desenvolveu Rio das Pedras na visão dos moradores, e por esse motivo, foram
relacionadas a forma e os motivos pelo qual o morador se estabeleceu na favela. As
perguntas sobre o afundamento das moradias buscaram trazer a visão do entrevistado com
relação ao processo de afundamento e qual foi sua postura diante desta problemática. Já
as perguntas sobre as ações e atores do poder público, tiveram a intenção de identificar
se algum órgão tomou atitudes frente ao afundamento das casas. Foram entrevistados 50
moradores, com faixa etária entre 22 e 63 anos, e o tempo de cada entrevista durou
aproximadamente 20 minutos ao longo de 4 dias (25/07; 28/07; 01/08 e 02/08/2019).

3. ÁREA DE ESTUDO

Localizada na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, a favela de Rio das Pedras
é considerada a segunda maior favela da cidade, que de acordo com o Censo Demográfico
de 2010, possui 54.793 de habitantes. Além disso, “a favela de Rio das Pedras é um dos
locais mais nordestinos do Rio de Janeiro, reconhecida pela grande concentração do
comércio local, cuja economia gira em torno de 60% dentro da própria região” (Secretaria
Municipal de Urbanismo, 2013). Rio das Pedras abriga uma população crescente,
caracterizada pelas diferenças sociais identificadas na ocupação das diversas localidades.

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VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
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A figura 1 apresenta, em laranja, a área foco do presente estudo, tida como a mais
afetada por essa problemática de afundamento, localizada próximo às margens da Lagoa
da Tijuca, em ambiente alagado e brejoso, conhecida como Pantanal.

Figura 1 - Mapa de localização da área de estudo

Fonte: Elaborado por Stephany Silva e Thayanne Vergilio em agosto de 2019.

O solo da área de estudo, classificado por Lumbreras & Gomes (2004) como
Organossolo Tiomórfico hêmico, aparenta ser suscetível a afundamentos, como ilustra a
figura 2, que mostra a distribuição dessa classe de solo justamente na área onde o processo
de afundamento é mais evidente. Essa classe de solo é encontrada em zonas úmidas da
orla marítima, sendo mal e muito mal drenados, em brejos e áreas próximas aos mangues.

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Os Organossolos são conhecidos como solos “moles” que, por serem saturados, são
instáveis e suscetíveis ao processo de afundamento.

Figura 2 - Mapa de caracterização dos solos de Rio das Pedras

Fonte: Elaborado por Stephany Silva e Thayanne Vergilio em agosto de 2019.

Como a área de estudo localiza-se na planície de inundação do Rio das Pedras na


altura da sua desembocadura na Lagoa da Tijuca, naturalmente essa região é mais
suscetível à alagamento. Essa problemática precariza as condições na favela de Rio das
Pedras, e os afundamentos acabam se tornando frequentes e claramente visíveis nas casas
construídas sobre esses solos moles, conforme mostra a figura 3.

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na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
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Figura 3 - Afundamento de uma rua em Rio das Pedras

Fonte: Fabiano Rocha - Jornal Extra.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As entrevistas realizadas com moradores da favela de Rio das Pedras tiveram como
objetivo trazer a percepção do morador sobre as problemáticas enfrentadas em seu
cotidiano, principalmente aquelas relacionados às fragilidades do solo.

Em relação à origem dos moradores, constatou-se que a maioria dos entrevistados


(78%) são nordestinos e apenas 22% nasceram na região sudeste, como mostra o gráfico
1. Isso evidencia o quanto a favela de Rio das Pedras é um dos locais mais nordestinos
do Rio de Janeiro, sendo assim, um local predominantemente de migrantes. A tabela 1
mostra que a maioria dos entrevistados mora há bastante tempo em Rio das Pedras.

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Gráfico 1 - Origem dos entrevistados

Fonte: Elaborado pelos autores.

Tabela 1 - Tempo de moradia dos entrevistados

Fonte: Elaborado pelos autores.

A tabela 2 apresenta o resultado dos entrevistados que foram questionados sobre


os motivos que influenciaram a ir morar em Rio das Pedras. As pessoas que responderam
que vieram atrás de melhores condições de vida, relataram que no local onde moravam
não havia empregos e viviam miseravelmente. A maioria respondeu que vieram por causa
de familiares. Essa resposta foi respondida principalmente por mulheres que relataram a

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vinda do marido para o Rio de Janeiro atrás de trabalho, e após se estabelecerem na favela,
vieram em seguida. Os entrevistados que responderam pelos valores acessíveis das
moradias, relataram que na época em que foram para o local, os preços eram bem menores
em relação a outros lugares. Mas o mais surpreendente foi que grande quantidade de
pessoas respondeu que foram para Rio das Pedras por ser um local menos violento em
relação às outras favelas do Rio de Janeiro, pois não possui tráfico e nem bandidos
(evidenciando que Rio das Pedras é comandado por milícia), mas totalmente cegos dos
outros tipos de violência em que o morador sofre no dia a dia.

Tabela 2 - Motivos que os entrevistados se estabeleceram em Rio das Pedras

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quando questionados sobre os maiores problemas que enfrentam no seu dia a dia
em Rio das Pedras a maioria dos entrevistados respondeu que são as inundações, chuvas
e enchentes (tabela 3). Entende-se que ao relatarem que os maiores problemas estão
relacionados aos eventos naturais, não percebem que as condições do local onde moram
são propícias a essas problemáticas, e que infelizmente serão recorrentes já que as ações
políticas para a prevenção de riscos e de gestão do território são negligentes. Outro grande
problema reconhecido pelos moradores é a ausência de saneamento básico, pois além de
esgotamento sanitário também não há tratamentos e coletas frequentes de lixo, o que
expõe ainda mais a população às vulnerabilidades relacionadas à saúde pública. Outros

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problemas relatados foram a mobilidade, diante do congestionamento constante do
trânsito ou por ser um local longe do trabalho, e também sobre a densidade populacional,
pois relatam o quanto a favela cresceu e como isso afetou o seu dia a dia.

Tabela 3 - Problemas que os entrevistados enfrentam no seu dia a dia

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quanto ao quesito sobre o afundamento das moradias, o gráfico 2 mostra que 94%
dos entrevistados disseram que estão cientes que o solo é instável para habitação, e apenas
6% não acham o solo instável. A tabela 4 esclarece que após o afundamento das moradias,
a maioria das pessoas continuaram em suas casas, e ao serem questionados pelo motivo
da permanência, relataram que permaneceram por falta de opção, já que não possuem
condições financeiras, nem outro local para morar. 18% dos entrevistados recorreram a
abrigos, mas não permaneceram por muito tempo nesses locais e 16% se mudaram de
suas casas. Um entrevistado não quis responder.

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VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 132-144.
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Gráfico 2 - Consciência referente ao solo

Fonte: Elaborado pelos autores.

Tabela 4 - Atitude dos moradores após o afundamento

Fonte: Elaborado pelos autores.

Em relação ao posicionamento do poder público frente aos afundamentos de


moradias, 68% dos entrevistados disseram que quando houve a abertura da rua inteira, a
defesa civil se posicionou e foi até o local, mas 32% disseram que nenhum órgão público
se posicionou frente ao afundamento (gráfico 3). Ao serem questionados sobre as
providências tomadas pelo poder público após o ocorrido, 62% dos entrevistados

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VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 132-144.
ISSN: 2763-8596

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disseram que a defesa civil interditou as casas e 38% relataram que não houve
providências vindas do poder público, e sim dos moradores, como por exemplo, aterrar a
rua que sofreu o afundamento (gráfico 4). Vale ressaltar que 100% dos entrevistados
relataram que os moradores não receberam e nem estão recebendo qualquer tipo de
assistência por parte do poder público referente ao afundamento de suas casas,
evidenciando-se a negligência do poder público com os moradores de Rio das Pedras, que
em suas falas deixam bem claro a revolta frente a esse esquecimento.

Gráfico 3 - Posicionamento do órgão público

Fonte: Elaborado pelos autores.

Gráfico 4 - Ação da Defesa Civil

Fonte: Elaborado pelos autores.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 132-144.
ISSN: 2763-8596

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Grande parte da população que habita as regiões metropolitanas reside em favelas


e grande parte dessa ocupação ocorre em áreas ambientalmente sensíveis. Castro (2017)
afirma que os problemas ambientais atingem o espaço urbano de forma desigual, sendo
mais latentes em espaços físicos sem infraestrutura e ordenamento ambiental, em áreas
insalubres, ocupadas geralmente pela população mais pobre, como no caso de Rio das
Pedras. O desenvolvimento do trabalho até então evidencia que o desencadeamento do
processo de afundamento do solo é derivado de um conjunto de problemáticas.
Primeiramente, a favela de Rio das Pedras possui um ambiente em que sua localização,
atrelada às suas características físicas do solo, não são adequados para a ocupação. Há
também a negligência do poder público em implementar efetivamente políticas de
habitação e um planejamento adequado para a construção de moradias. E a população que
diante da falta de alternativa, acaba se fixando nesse ambiente instável, não levando em
consideração a capacidade de suporte do solo, adotando práticas não adequadas para a
instalação de moradias. Portanto, é importante esclarecer que os problemas relacionados
aos afundamentos em Rio das Pedras vão além dos aspectos físicos do local, mas
abrangem também as questões sociais e as negligências que a população sofre dia a dia.

6. REFERÊNCIAS

CASTRO, A. O. C. Impactos da urbanização nas condições geomorfológicas da bacia


hidrográfica do Rio das Pedras - Jacarepaguá - RJ. Dissertação (Mestrado em
Geografia). Universidade Federal Fluminense, 2017.

EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. 5ª edição revista e ampliada.


Brasília, 2018.

LUMBRERAS, J.F. & GOMES, J.B.V. Mapeamento Pedológico e Interpretações


Úteis ao Planejamento Ambiental do Município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
EMBRAPA SOLOS. 2004.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 132-144.
ISSN: 2763-8596

143
RIO DE JANEIRO, Prefeitura da cidade do: SMU, Secretaria Municipal de Urbanismo.
Diagnóstico Urbanístico e Ambiental: POUSO RIO DAS PEDRAS. Rio de Janeiro:
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, 2013.

TEIXEIRA. J. R. Processo de Favelização e Impactos Ambientais na Zona Sul de


Porto Alegre: Caso da Vila Mato Grosso. Trabalho de Conclusão do Curso de Geografia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Geociências. Porto Alegre. 2010.

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Localização


Intraurbana das Favelas Brasileiras: o papel dos fatores geográficos. Texto para
discussão/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Ipea, 2018.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


VERGILIO, Thayanne Patricia; ANDRADE, Felipe de Noronha. O processo de afundamento de moradias construídas em solo instável
na favela de Rio das Pedras, Rio de Janeiro-RJ. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ.
Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p. 132-144.
ISSN: 2763-8596

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GT – 3: Insterseccionalidades

O ESGOTO É MEU QUINTAL:


o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela
de Rio das Pedras

Matheus Edson R. da Silva1


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
mathedsonn@gmail.com

RESUMO
O Rio de Janeiro sofreu diversas modificações na paisagem de acordo com as grandes
urbanizações na cidade, principalmente na formação das primeiras favelas e periferias.
As primeiras favelas do Rio de Janeiro se deram ao longo da década de 1890 quando os
antigos cortiços localizados no centro do Rio receberam novos moradores vindo da guerra
dos canudos e escravos libertos, intensificando assim, a formação de diversos barracos,
ocupados por uma população com uma vulnerabilidade social, Abreu e Vaz (1991). Ao
longo dos séculos XX e XXI a pobreza, o déficit habitacional, o êxodo rural e as grandes
migrações nordestinas ampliaram o número de pessoas ocupando as favelas, vivendo em
situações precárias e de abandono. Levando-se em consideração esses aspectos, este
artigo que se encontra em fase inicial, tem como o principal objetivo compreender o
impacto do processo de ocupação de Rio das Pedras na saúde de seus moradores, com o
conceito de saúde ampliada. Onde não se relaciona somente com o processo de adquirir
alguma doença, mas sim, quais as condições de ter uma vida saudável em Rio das Pedras,
principalmente com a falta de saneamento básico na região e como isso implica na vida
cotidiana destes moradores.

Palavras-chaves: Determinantes sociais da saúde; Saneamento; Favela.

1 Graduando em Geografia na PUC-RJ.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO

Com o constante crescimento do Rio de Janeiro, determinados bairros ganharam


grandes proporções, fazendo com que o território fosse cada vez mais transformado e
valorizado. Dessa forma, vale ressaltar o bairro da Barra da Tijuca, localizado em uma
área de grande crescimento e expansão da cidade. Por conta do Capital fundiário-
imobiliário, a Barra da Tijuca se estruturou como uma nova área de negócios, alocando
uma parte da população de classes mais altas da cidade, shoppings e empresas que
atraíram consequentemente uma população de renda mais baixa, com objetivo de
empregabilidade. Por conta desta demanda de trabalho, intensificou o processo de
ocupação na favela de Rio das Pedras, onde se destaca a presença de migrantes
nordestinos, desde a sua formação, em busca de novas oportunidades, principalmente na
Barra da Tijuca onde se concentra grandes investimentos imobiliários.

Por conseguinte, vale ressaltar as condições de vida na favela de Rio das Pedras
na zona oeste do Rio, onde diversas pessoas vivem expostas ao perigo causado pela falta
de saneamento básico, que é um fator bastante comum na maioria das favelas do Rio.
Levando em consideração as lutas cotidianas frutos da desigualdade, fez com que os
moradores convivessem cada vez mais com as situações precárias e expostos a riscos de
saúde ao se deslocarem de suas residências.

2. OBJETIVOS
A presente pesquisa busca compreender a vida cotidiana dos moradores do Rio
das Pedras e como se deu o processo de ocupação no Território. Consequentemente, é
importante analisar as relações sociais em que a população vive, dentre elas as lutas que
enfrentam diariamente, principalmente com a falta de saneamento básico na região. É
notório os problemas em que a população é submetida, principalmente pela questão do
esgoto a céu aberto e as grandes enchentes e inundações. Com isso, o interesse pelo tema,
analisando as preocupações em relação aos fatores que regem os Determinantes Sociais

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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da Saúde. MARCHIORI & PELLEGRINI, aborda o conceito dos Determinantes Sociais
da Saúde em “A Saúde e seus Determinantes Sociais”.
Para a Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os
DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e
comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de
risco na população. A comissão homônima da Organização Mundial da Saúde (OMS)
adota uma definição mais curta, são as condições sociais em que as pessoas vivem e
trabalham (MARCHIORI & PELLEGRINI, 2007, p.2).
Portanto, é notório que, ao falar de saúde, estamos abarcando uma concepção mais
ampla, ou seja, não nos detemos ao fato de alguém estar doente, mas também, os
questionamentos sociais de onde os indivíduos estão inseridos. Em meio a esse contexto,
essa pesquisa analisa também, os riscos que a falta de saneamento básico pode causar no
cotidiano dos moradores ao realizar seus trajetos e tarefas cotidianas.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No primeiro momento, a pesquisa abordará um levantamento de referências
bibliográficas que contextualizam o processo histórico de ocupação e urbanização da
cidade, tendo como foco a favela de Rio das Pedras e o bairro da Barra da Tijuca. Logo
após, serão construídos questionários semiabertos na forma física e online para
compreender a dinâmica social dos moradores de Rio das Pedras e qual a realidade acerca
dos marcadores sociais os mesmos estão sujeitos, para assim, gerar os dados quantitativos
da pesquisa. Também serão utilizadas fotografias de diferentes processos de
transformações no território de Rio das Pedras, levantamento hemerográfica relacionado
ao processo de ocupação e aos problemas abordados pela falta de saneamento básico
(figuras 1, 2 e 3).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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Figura 1 - Mapa da favela de Rio das Pedras, Zona oeste do Rio

Organização: Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU). Fonte: UFF (2018).

Figura 2 - Esgoto a céu aberto, Rio das Pedras

Fonte: Acervo pessoal.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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Figura 3 - Esgoto a céu aberto, Rio das Pedras

Fonte: Acervo pessoal.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em virtude dos fatos mencionados, a presente pesquisa é essencial para


compreender e buscar soluções para os moradores da favela, que na maioria das vezes,
são silenciados e vivem em uma realidade totalmente distintas dos bairros com maiores
investimentos imobiliários e empresariais como a Barra da Tijuca, que foi construída
majoritariamente por operários da imigração nordestina, em que muitos
residiram/residem em Rio das Pedras. Por conseguinte, através das primeiras conclusões
foi possível observar as condições de saúde na região, com a ideia de saúde ampliada
(BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007), não se reservando somente ao processo saúde-
doença, mas sim, as condições que levam a ter uma vida digna e saudável nos territórios
socialmente vulnerabilizados.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, M. A.; VAZ, L. Sobre as origens da favela. Anais do IV Encontro Nacional


da ANPUR, 1991.

BURGOS, M. (Org.). A Utopia da Comunidade: Rio das Pedras, uma Favela Carioca.
2ª edição. Rio de Janeiro: PUC-Rio: Loyola, 2002.

BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A. A saúde e seus determinantes sociais. Physis


[online]. vol.17, n.1, pp.77-9, 2007.

CORRÊA, R. L. O Espaço Urbano. 4ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1999.

REDAÇÃO PORTAL DAS PEDRAS. O surgimento e a expansão de Rio das


Pedras, Rio de Janeiro. Portal das Pedras. Disponível em:
<http://portaldaspedras.herokuapp.com/o-surgimento-e-a-expansao-de-rio-das-pedras>.
Acesso em: 20 set. 2019.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


SILVA, Matheus Edson R. da. O esgoto é meu quintal: o processo de ocupação e os determinantes sociais da saúde na favela de Rio
das Pedras. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF, 2021. p.145-150.
ISSN: 2763-8596
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GT – 3: Interseccionalidades

AS CONTRIBUIÇÕES DO ECOFEMINISMO PARA UMA


COMPREENSÃO INTERSECCIONAL DOS CONFLITOS CONTRA AS
MONOCULTURAS DA MENTE NO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO

Victoria Ferreira Oliva1


Universidade Federal Fluminense
victoriafo@id.uff.br

RESUMO

A questão agrária brasileira apresenta-se multifacetada quanto aos personagens que são
expostos a processos de opressão, espoliação e, consequentemente, de resistência. Dessa
forma, as contribuições dos ecofeminismos para o estudo geográfico do espaço agrário
brasileiro fomenta e visibiliza a discussão da centralidade da mulher nesse território – com
destaque ao seu papel nos movimentos agroecológicos -, assim como levanta o
questionamento sobre como as mulheres são as primeiras vítimas deste espólio.

Palavras-chave: Ecofeminismo; Espoliação; Terras.

1
Graduanda em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
ISSN: 2763-8596
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1. INTRODUÇÃO

Shiva (2003) define como monoculturas da mente um sistema de colonização


epistemológica e ontológica em que o saber dominante é dotado de uma cultura
ultradominadora e colonizadora, que institui sobre os demais sistemas de saber (e de viver)
uma homogeneização. O debate acerca da biodiversidade, desse modo, se torna essencial
para contrapor a noção das monoculturas da mente, demonstrando que em um mundo em que
o meio técnico-científico-informacional tende a comprimir e reduzir as relações, os sistemas
de resistência garantem a manutenção da biodiversidade.
Para Bertha Becker (2001), o conceito biodiversidade não pode ser reduzido em algo
puramente físico-biológico, mas deve ser reconhecido e definido pela sua complexidade. É
um conceito, não abstrato, mas puramente humano, visto que a biodiversidade se constitui
em uma localização geográfica precisa, relacionando-se com variadas formas de interação
entre a sociedade e a natureza, formas de comportamento e de funcionamento. Por isso, as
redes de resistência no espaço agrário brasileiro se constituem como ferramentas essenciais
para a garantia da biodiversidade do viver, do pensar, do agir e do cultivar, se pondo em
contraponto de um sistema de financeirização das propriedades rurais em que essas relações
orgânicas com a natureza são perdidas.
Nesse processo, os saberes-periféricos, tais quais os desenvolvidos por comunidades
tradicionais no espaço agrário brasileiro, perdem espaço para um crescente processo de
tecnolatria (PUELO, 2019), em que o modelo hegemônico não respeita as relações
sociedade-natureza estabelecidas por essas populações, estigmatizando-as como atrasadas e
rudimentares, ao passo em que a ciência passa a ser vista como um conjunto de técnicas
dignas de idolatria cega. É neste devir das estigmatizações em que os agentes do Estado
brasileiro, assim como os setores privados, agem como um rolo compressor de
neoliberalização do espaço agrário brasileiro, sujeitando, através de suas agro-minero-
estratégias (ALMEIDA, 2010), os personagens da resistência a se configurarem como os
problemáticos.
Por isso, através desse processo de tecnificação da natureza e da naturalização das
monoculturas dos saberes no tecido social brasileiro, a questão agrária do nosso país se
compõe - cada vez mais - por um complexo mosaico permeado pelos processos de
acumulação via espoliação (HARVEY, 2009) e mercados pela colonialidade do poder e do
saber (QUIJANO, 2005). Essa dupla funciona como uma espécie de dispositivo de controle
socioespacial que detém a capacidade de capturar e reorientar territorialidades, que se
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
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refletem na consolidação do modelo neoliberal da produção do espaço agrário brasileiro e do
modelo de agronegócio moderno-colonial.
Em um país profundamente marcado por essas heranças, pelo epistemicídio cultural
e pelo genocídio, torna-se essencial elucidar, de maneira interseccional, o papel dos
ecofeminismos e das reflexões trazidas pelo conceito de território-corpo-terra, para a
produção de uma reflexão sobre as questões territoriais brasileiras. Dessa forma, nota-se que
o processo de formação do capitalismo se sustentou - e ainda se sustenta - por uma lógica
dicotômica de dominação, em que as mulheres, assim como os povos indígenas, quilombolas,
ribeirinhos e outros povos do campo, são vistos como sistemas de racionalidade inferior e,
portanto, mais próximos a natureza.

2. PENSAR A PARTIR DO FEMININO: OS ECOFEMINISMOS

A teoria ecofeminista é vista como um processo em construção. Ainda que muito


criticada por possuir uma perspectiva fortemente embranquecida e norte-americanizada, hoje
o processo ativo de elaboração da teoria encontra-se com os caminhos trilhados pelo
feminismo coletivo e pelo feminismo descolonial. Dessa forma, o ecofeminismo se sustenta
como uma derivação do feminismo ainda pouco conhecida e bastante estigmatizada, porém
o conceito apresenta aspectos políticos e filosóficos que trazem contribuições contundentes
para os estudos sobre o espaço agrário brasileiro.
Para Mellor (1997), o ecofeminismo se sustenta como “um movimento que busca a
conexão entre a exploração e a degradação do mundo natural e a subordinação e opressão
das mulheres”. Essas articulações, entretanto, devem ser entendidas a partir da hierarquização
de poderes sustentadas pela racionalidade dominante, fortemente inspiradas pela lógica
cartesiana, em que as categorias de dominação são bem definidas, sendo o homem, branco,
urbano e heteronormativo, munido de racionalidade e, por isso, enxergado em aproximação
com a ciência – e digno de idolatria. Nessa narrativa, portanto, esse é o personagem que
institui as monoculturas da mente.
Por outro lado, as mulheres, principalmente as que compõem as camadas sociais
antagônicas a esse sujeito modelo, são destituídas da sua racionalidade e, por isso, são vistas
como conectadas a natureza (PUELO, 2019). Sendo assim, os sujeitos invisibilizados - no
caso, as mulheres e a natureza - são interpretadas como fontes passivas de recursos,
inferiorizadas e marginalizadas (SHIVA, 2014), o que evidencia o movimento simultâneo e
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
ISSN: 2763-8596
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contínuo de dominação e posicionamento das mulheres e da natureza em algo parecido com
a linha do não ser, de Fanon (2008), que resgata o mecanismo de fronteira para lidar com a
dominação ontológica racial. No caso brasileiro, os personagens que compõem essa região
são multifacetados, sendo compostos por diversas comunidades subalternizadas que possuem
em comum a sua relação não cosmopolita de lidar com a natureza, com o tempo e com a
produção e reprodução do capital.
Embora existam muitas críticas dentro do movimento feminista à aproximação entre
mulher e natureza como algo inerente às estruturas sociais, o ecofeminismo em questão
entende que a relação constituída entre ambas é fruto de um sistema de dominação mútuo,
em que para o capitalismo se desenvolver, foi preciso cercear a natureza e transformá-la em
propriedade privada, assim como invadir o corpo-território feminino, no sentido de
enfraquecer os movimentos contra hegemônicos de resistência à acumulação
primitiva (FEDERICI, 2017).
Dessa forma, em diversos recortes, o espaço agrário brasileiro se mostra rico ao
demonstrar a potência que existe na relação entre as mulheres e a terra, sendo a terra o espaço
coletivo de sustento e reprodução da vida das comunidades, e as mulheres personagens
essenciais para a manutenção da biodiversidade. A terra se sustenta como território de luta,
em que se promove a resistência, a re-existência e o desenvolvimento de uma identidade
coletiva que denuncia o modelo monocultor (do espaço e da mente), de uma “agricultura
produtivista e patriarcal, que enxerga a terra apenas como um solo, uma superfície de manejo
que pode ser manipulada, explorada e exaurida” (NORONHA, FRAGA, 2017) em
detrimento de uma cosmovisão orgânica entre a terra, o corpo e a vida.

3. A AGROECOLOGIA EM QUESTÃO: AS MULHERES SEMENTES

É essencialmente emblemático quando na Carta das Mulheres do III ENA (Encontro


Nacional de Agroecologia) realizado em 2014 na cidade de Juazeiro, na Bahia, a declaração
“as mulheres inventaram a agroecologia” é posta. Como é evidenciado por Costa (2019), essa
declaração não se traduz somente em um marco político, como também evidencia a relação
em que as mulheres delineiam com seus territórios. A noção de território-corpo-terra é
cunhado por Cabnal (2015), feminista comunitária indígena da Guatemala que defende uma
relação orgânica entre a ecologia e os corpos: faz-se necessário o entendimento de que “a
relação dos corpos com a natureza é uma relação recíproca, é uma relação que faz a vida, que
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
ISSN: 2763-8596
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tece a vida, portanto, os corpos não tem poder sobre a natureza e a natureza não tem poder
sobre os corpos.” (CABNAL, 2015).
Dessa forma, a ecologia política defendida pela autora busca desmantelar, a partir de
uma ecologia dos saberes, a tradição moderna que insiste em separar o corpo, a terra e as
relações com a natureza, insistindo na desvinculação entre a existência, a subsistência e o
meio natural, a partir de uma tecnificação do olhar. Por isso, a autora infere que enquanto
forem espaços de disputa e processos espoliativos, o corpo e a terra serão territórios de defesa
para as mulheres e que, “nenhuma proposta feminista será politicamente sustentável se não
ligar a emancipação dos corpos a emancipação da natureza”.
No caso brasileiro, o rolo compressor da privatização e financeirização de terras não
só excluiu as mulheres do acesso aos recursos, mas também dificultou seu trabalho
reprodutivo. Isso faz com que, segundo Korol (2016), o processo de concentração de terras
seja uma continuação do processo de colonização, em que a imposição de nexos estranhos as
comunidades locais, baseadas na uniformização e manipulação das culturas sob o imperativo
da produtividade, implica na dominação de territórios e a subordinação da população
tradicional. Por isso, o debate do acesso à terra pelas mulheres é envolto de heranças
coloniais, perpetuando relações de poder que foram estabelecidas através da imposição de
uma lógica cultural capitalista e patriarcal, que “atravessa as ideologias, sentidos e formas de
compreensão do mundo dos setores populares” (KOROL, 2016. Tradução de NORONHA,
et al.).
Nesse âmbito, o pensar na agroecologia se edifica a partir do espaço e protagonismo
que as mulheres vêm conquistando nos movimentos agroecológicos, se consolidando como
um lugar em que as vozes das mulheres são ouvidas dentro das teias de divergências e
conflitos que compõem o espaço agrário brasileiro. A agroecologia e a proximidade com o
manejo da terra e com as sementes crioulas, se transformam em espaços de potencialidade e
de aprendizagem, em que o desenvolvimento da capacidade de gestão e da solidariedade gera
uma noção de coletividade. Por isso, a agroecologia se constitui como um modelo de
resistência às monoculturas do espaço agrário brasileiro, em que os processos de erosão
genética, de empobrecimento do solo, de redução da biodiversidade são constantes. Além
disso, o movimento agroecológico de luta pela terra também se traduz a luta pela vida e pela
própria existência, levando em consideração as heranças culturais, ancestrais e de identidade
que permeiam a dimensão do espaço vivido.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
ISSN: 2763-8596
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O protagonismo das mulheres e sua relação território-corpo-terra promovem uma luta
de demandas e reinvindicações claras, que assolam de maneira dupla a vida dessas mulheres:
a luta constante pela terra e pela subsistência, visto o processo de financeirização do espaço
agrário brasileiro - que coloca em risco a existência de suas comunidades e a existência de
um uso não comercial dos recursos provenientes da terra; assim como a luta pelos seus corpos
e sua existência, visto que a sua reprodução e a sua cultura pressupõe as relações com a
natureza que materializam, muitas vezes, uma temporalidade em que o relógio é enxergado
pelo céu e o tempo não é o tempo do dinheiro (BRANDÃO, 2009).
A questão ecofeminista no espaço agrário brasileiro, portanto, se consolida como
conceito fundamental à reprodução de uma ecologia política em que as noções de soberania
alimentar, reforma agrária, agroecologia, economia solidária e relações de cuidado são postas
em pauta. A preservação de conhecimentos ancestrais e proteção do meio ambiente em busca
de uma lógica alternativa ao desenvolvimento dialogam em função de propiciar o
desenvolvimento de um sistema colaborativo entre a sociedade e a natureza, em que a
dominação patriarcal marcada pela colonialidade (QUIJANO, 2005), seja fragilizada.

4. CONCLUSÃO

Os processos de acumulação expandida do capital que tornam o campo brasileiro um


campo minado de forças e agentes hegemônicos, e torna o proprietário de terras uma pessoa
sem rosto, um mercado financeiro amplo e acelerado, são acompanhados por processos de
resistência e afirmação de outras racionalidades. Racionalidades, estas, compostas por
cosmovisões em que a natureza ainda é vista de forma sagrada, de forma íntima no
desenvolvimento das comunidades.
As mulheres sementes, ou seja, as mulheres que compõem um dos quadros de resistência
do espaço agrário brasileiro, são personagens essenciais para o desenvolvimento de redes de
resistência ao modelo neoliberal de produção do espaço. Essas mulheres, as primeiras
afetadas pelos conflitos fundiários e pela perda de segurança alimentar, são postas em uma
configuração de dominação mútua, em que são usurpadas, através de processos espoliativos,
do direito à terra, do direito a sua subsistência e do direito a sua existência e reprodução.
Por isso, os ecofeminismos se justificam como uma abordagem do feminismo que se faz
presente na luta dessas personagens, ao passo que o lugar da mulher e o lugar da natureza –
vistos de forma homogêneas pelo poder da monocultura – apresentam papeis fundamentais
AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:
OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
ISSN: 2763-8596
156
para a soberania alimentar, a manutenção da biodiversidade e dos gêneros de vida não
tecnolatras.

5. REFERÊNCIAS

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étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios. In: ALMEIDA, A. W. et al.
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MULHERES DO ENA. Sem feminismo não há agroecologia! Carta das Mulheres do ENA.
Disponível em: <https://marchadasmulheres.wordpress.com/2014/05/19/sem-feminismo-
nao-ha-agroecologia-carta-das-mulheres-no-ena>. Acesso em: 02 de out. de 2019.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
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AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


OLIVA, Victória Ferreira. As contribuições do ecofeminismo para uma compreensão interseccional dos conflitos contra as monoculturas da
mente no espaço agrário brasileiro. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO.
Niterói: Repositório UFF, 2021. p.151-158.
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GT – 4: Educação e Geografia

DUALIDADE ESTRUTURAL DA EDUCAÇÃO:


análise sobre sua história e as novas tendências neoliberais

Bruna Machado da Rocha1


Universidade Federal Fluminense
brunamr@id.uff.br

Marcos Thiago da Costa Souza2


Universidade Federal Fluminense
mthiago@id.uff.br

RESUMO

Acerca de debates sobre a construção da educação ao longo de sua história, de sua incorporação
para o processo de humanização, sua implementação através do colonialismo e colonialidade
com caráter civilizatório, junto aos protagonismos do papel do Estado, das instituições
religiosas e das escolas frente às tendências neoliberais e convergências mundiais para a
educação, uma dualidade estrutural se concretiza reafirmando desigualdades sociais e
estabelecendo novo caráter ao espaço escolar, aos professores e aos alunos, frutos de um ensino
que se divide entre propedêutico e profissional. O objetivo deste artigo é traçar a historicidade
da organização educacional demonstrando as consequências do neoliberalismo econômico e do
neoconservadorismo político nas decisões no âmbito da educação.

Palavras-chave: Educação; Políticas Educacionais; Dualidade Estrutural.

1
Graduanda em Geografia na UFF.
2
Graduando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
ISSN: 2763-8596

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1. INTRODUÇÃO: o ato de educar, endoculturação e a estruturação de
desigualdades

Debater sobre educação requer entendimento da sua dimensão e do que ela tem como
objetivo em seus contextos, sejam eles em comunidades tradicionais, em escolas com pouca
infraestrutura no interior, na catequese, na escola pública da cidade, no colégio particular das
elites. As práticas que “humanizaram” muitos dos historicamente ditos inferiores ou
subalternos a partir do eurocentrismo, se concebe pela possibilidade que a educação tem de
conceber o que é ser humano, a educação pelo ato de humanizar (SCHELER, 1986).
A endoculturação foi responsável pelo epistemicídio de muitos povos que deveriam
ser educados à civilização, por meio desse processo de aquisição/produção de cultura que se
sustenta na imposição externa ao longo da história, no pleno domínio linguagem matriz da
reprodução de conhecimentos, baseada na violência simbólica e física. O sistema educacional
deve ser analisado partindo da sua esfera histórica, da herança cultural, econômica e política,
sendo determinante no que define o âmbito da memória e dos consensos. A realidade brasileira
se ampara historicamente na colonização, na estratificação social, na concentração do poder
político e na importação de moldes culturais. A educação e a escola passam a ter potencial em
reforçar as desigualdades, naturalizando as relações hierárquicas e estabelecendo status. A
dependência econômica do país nos deixa à mercê das tecnologias externas, estigmatizando o
trabalho manual e consagrando a educação brasileira com conservadora frente ao
desenvolvimento técnico industrial.
O padrão europeu educacional dos jesuítas consagrou a ampliação dos poderes
temporais, espirituais, estabeleceu o “profano” e o “sagrado”, agindo através da pedagogia
cristã, da oralidade, linguagem, imagens, representações, cantos e danças em combate à
"animalidade" dos indígenas. As medidas jesuítas se configuram por novos hábitos e valores
que não pertenciam aos nativos, como a proibição da nudez, abstinência sexual, incentivo à
monogamia e sujeição à vida cristã e suas regras políticas e culturais. Salienta-se que “é próprio
de elites separadas do trabalho produtivo — ou dos intelectuais que pensam o mundo por elas,
e para elas — propor como educação a formação da personalidade humana através do conselho

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
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sistemático e da direção espiritual” (BRANDÃO, 1981). O que se constata é a continuação
dessa visão e desse posicionamento em relação à educação, por mais que outras ideologias e
valores sejam incorporados às relações sociais, econômicas, políticas e espaciais.
É imprescindível dizer que essa lógica da pedagogia cristã esteve nas políticas
educacionais para as favelas. Com suporte da leitura de Valla (1986), foi possível entender o
cenário da entrada da “educação legítima” nas favelas, os seus objetivos, o protagonismo da
Igreja Católica e do Estado impactando o processo educativo dos favelados e o reordenamento
espacial das favelas numa perspectiva centro-periferia. Os ideais de ensino mostram-se nítidos,
passando pelo reconhecimento da “população favelada como uma população que precisa ser
“educada”, que precisa de ser “elevada” em seu nível cultural, ou seja, uma população sobre a
qual deveria ser exercido um controle de outra qualidade”, adaptando o favelado à vida urbana
e nacional, concretizada pelas remoções e na destruição da autoconstrução e ensinamento da
autoajuda.

2. A DISPUTA PELA EDUCAÇÃO - PAPÉIS DO ESTADO E LÓGICAS


IDEOLÓGICAS NO CONTEXTO EDUCACIONAL

O capitalismo, como um agente histórico, modifica os espaços, as relações, as


produções, as formas de vida, as ações, os investimentos, a partir de sua tendência, sua
ideologia, e de sua reprodução em espaços temporais distintos, nos permitindo analisar de
forma crítica suas marcas na sociedade, que está incluída dentro dessa lógica de alcance
mundial que teve resultados de formação de desigualdades sociais, desigualdades espaciais,
desigualdades de desenvolvimento e formação, contudo, de uma hegemonia que reproduz
privilégios em parcelas transversais nas relações de poder que perpassam das relações sociais
no seu cotidiano até às relações estatais entre países. As formas de reprodução política-
ideológicas (sejam elas de um Estado de Bem Estar Social ou de um Estado neoliberal) deixam
marcas na educação, com um novo espraiamento do capital que alcança níveis de direitos
individuais, fazendo transformações nas políticas públicas educacionais, de transformação de

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ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
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currículos, homogeneização do conhecimento, silenciamento de saberes, a partir de seus
interesses que afeta as classes sociais de maneiras distintas.
Compreender a figura do Estado mediante às tensões acerca da educação nos faz olhar
também para outras entidades que estão cada vez mais centrais nas diretrizes educacionais.

Quando políticos e cientistas começaram a chamar a “mudança” de


"desenvolvimento" (desenvolvimento social, socioeconômico,
nacional, regional, de comunidades, etc.), é que foi lembrado que a
educação deveria associar-se a ele também. (...) Antes de se inventarem
políticas de desenvolvimento, educação era prescrita como um direito
da pessoa, ou como uma exigência da sociedade, mas nunca como um
investimento. (...) educação deixa finalmente de ser vista como um
privilégio, um direito apenas (...) "Investimento", "mão-de-obra",
"preparação para o trabalho", "capacidades técnicas adequadas"... são
os nomes que denunciam o momento em que os interesses políticos de
emprego de uma força de trabalho "adequadamente qualificada"
misturam a educação antiga da oficina com a da escola, reduzem o seu
compromisso aristocrata com a "pura" formação da personalidade e
inscrevem o ato de educar entre as práticas político-econômicas das
"arrancadas para o desenvolvimento” (BRANDÃO, 1981).

As revoluções do capital visam a sua reprodução atravessando as políticas


educacionais. A educação acaba sendo incorporada, modificada, idealizada, e sua essência
passa a ter uma ressignificação, sendo vista hoje, a partir das tendências do capital, como um
serviço. Ao analisarmos o resultado das relações hegemônicas que afetam o espaço escolar, na
sua criação e epistemologia, percebemos uma relação entre formação de indivíduos
escolarizados de forma que forme um cidadão voltado a atender as demandas do capital, um
indivíduo como ferramenta, engrenagem do sistema-mundo. O cidadão seria a mão de obra que
atende um mercado dirigido, destinado a um trabalho alienado, simplificado, com uma divisão
aprofundada da relação ciência-trabalho, que afeta, principalmente, as camadas marginalizadas,
camadas não hegemônicas e não privilegiadas da sociedade, construindo desigualdades entre
camadas sociais, provando a existência de uma dualidade.
A análise histórica nos traz um diagnóstico de diferenças, diferenças essas expressadas
no tratamento entre a camada subalternizada e a camada detentora de poderes e privilegiados
na criação de oportunidades de ensino/aprendizagem diferentes para ambas as classes. A

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ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
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educação é mudada, é aplicada de outra forma, na expectativa de conceder diversas partes das
disciplinas, experiências, formas de linguagem, de ser abrangente, que se dá de forma
propedêutica, para as camadas detentoras dos privilégios, e que se mantém nessa posição das
relações de poder, onde conseguem ter acesso a uma forma de educação diferenciada, mais
democrática, mais política onde se apresenta para menos pessoas, privilegiadas, favorecidas
pelo sistema-mundo da modernidade colonial, nas diversas esferas das camadas sociais.
Está posto que o neoliberalismo econômico e o neoconservadorismo político estão
com unhas e dentes na educação. Esse contexto mais recente expõe ameaças às conquistas
históricas, viabilizando a ação das iniciativas privadas junto a redução substancial dos gastos
com as políticas públicas e sociais, fazendo com que a escola pública não seja mais uma
obrigação do Estado democrático. A perda da centralidade do Estado enquanto instância de
regulação social nacional caminha junto ao grande protagonismo do mercado e grande
globalização econômica e cultural que se alia às pressões externas (intermédio de agências
internacionais e de organizações supranacionais). A escola pública se constitui como um lugar
e tempo privilegiados para incutir e promover em todos os indivíduos os valores e visões do
mundo dominantes, e o neoliberalismo age com o intuito de esvaziamento da escola,
revalorizando o ensino privado e “mecanismos de mercado” para a educação (AFONSO, 2003).

3. DUALIDADE ESTRUTURAL: os tipos de ensino e seu impacto na vida das


pessoas

Uma dicotomia se constitui no que se diz respeito a direitos e ser cidadão na


perspectiva de Milton Santos:

Ser cidadão, perdoem-me os que cultuam o direito, é ser como o estado,


é ser um indivíduo dotado de direitos que lhe permitem não só se
defrontar com o estado, mas afrontar o estado. [...]. É nesse sentido que
me pergunto se a classe média é formada de cidadãos. Eu digo que não.
Em todo o caso, no Brasil não o é, porque não é preocupada com
direitos, mas com privilégios. Os processos de desnaturação da
democracia ampliam a prerrogativa da classe média, ao preço de
impedir a difusão de direitos fundamentais para a totalidade da

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ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
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população. E o fato de que a classe média goze de privilégios, não de
direitos, que impede aos outros brasileiros ter direitos. E é por isso que
no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos,
que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos, que são
todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o
por ciência própria. Não importa a festa que me façam aqui ou ali, o
cotidiano me indica que não sou cidadão neste país” (SANTOS, 1996).

Esta contribuição de Santos é um bom começo para analisarmos a dualidade estrutural


da educação que está posta historicamente e que se revigora às novas tendências, pois concebe
dois atores que vivem a educação de maneiras distintas, a classe média privilegiada e os demais
pela luta de direitos.
Sob respaldo de Acácia Kuenzer (1997), consegue-se compreender a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (1996), caracterizada pelo acúmulo das lutas sociais em defesa
da educação pública e pela ideia do sistema educacional como “totalidade” (educação unitária),
como parte das relações sociais. O Sistema Nacional de Educação (SNE) articula os níveis de
ensino, produzindo cidadania e divisão entre trabalho braçal e intelectual, resultando no que
seria a universalização e qualidade da educação básica para todos junto à educação profissional
que gera mão de obra barata sem senso crítico. A dualidade estrutural se reafirma já que passa
a existir cursos profissionalizantes direcionados e o ensino básico formador de mão de obra
barata. Com base teórica em Gramsci, Kuenzer traz o “princípio educativo” relacionado aos
interesses sociais em disputa, existindo então a formação de dirigentes a partir do ensino
propedêutico e de dirigidos a partir do ensino que forma especialistas, profissionais. O caráter
homogeneizador da Base Nacional Comum Curricular se reflete nas avaliações nacionais
externas como demonstra Souza (2003)

as avaliações externas e em larga escala, tanto nacionais como


internacionais, “têm sido uma das forças motrizes das estratégias de
regulação dos currículos na Educação Básica” (SCHNEIDER, 2013, p.
18). Atualmente é possível perceber reflexos dessa força motriz, nas
discussões e implantação da nova Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), ora em curso no Brasil (SOUZA, 2003 apud JOLANDEK et
al., 2018, p.391).

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
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Aponta-se, porém, uma contradição pois quanto mais simples as atividades (mais
simples também será essa educação), mais complexa são as formas de gerenciamento (controle
do trabalho), já que essa constante especialização do trabalhador promove maior fragmentação
dos conhecimentos e consequentemente das atividades. Esse cenário põe os dirigidos na divisão
social do trabalho e os dirigentes na ciência, como intelectuais. Com essas questões postas
convergentes ao posicionamento internacional e estatal, o Brasil se caracteriza como incapaz
de alcançar o desenvolvimento científico e tecnológico dos EUA, Europa e Japão. A educação
brasileira está pautada na separação entre ciência e tecnologia, configurando um retrato real das
desigualdades sociais a partir do momento que amplia as hierarquias e estabelece quem se
preocupa com direitos, de quem se preocupa com os privilégios.

4. CONCLUSÕES

Todo esse debate de contextualização da dualidade estrutural só é possível se


transversalizar a estruturalidade e institucionalidade das opressões com recortes raciais, de
gênero, de classe, espaciais. Sabe-se quem são os que mais sofrem com a raiz da colonização e
da colonialidade, com o capitalismo e seus modelos econômicos e com a dualidade estrutural
abordada. O processo educacional aos indígenas, aos favelados, aos negros, às mulheres e aos
pobres foi o tempo todo adaptado às demandas da lógica capitalistas com o intuito de incorporá-
los de forma a manter os privilégios hegemônicos e conceber o lugar subalterno
incessantemente a esses grupos.
Faz-se necessário também salientar a importância do tripé da universidade (ensino -
pesquisa - extensão) para o menor aprofundamento e ampliação de desigualdades que essa
dualidade estrutural emite; e por consequência, faz-se necessário também a valorização das
universidades públicas diante do contexto aterrorizante no que diz respeito à educação, à
direitos conquistados e na ideia falsa sobre esses espaços que vem se construindo com a onda
neoliberal-neoconservadora.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
ISSN: 2763-8596

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5. REFERÊNCIAS

BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.

KUENZER, A. Ensino médio e profissional: as políticas do Estado neoliberal. São Paulo:


Cortez, 1997.

SCHELER, M. Visão filosófica do mundo. São Paulo: Perspectiva, 1986.

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Estado, 1996.

SOUSA, S. M. Z. Possíveis impactos das políticas de avaliação no currículo escolar. Cadernos


de Pesquisa, n. 119, p. 175-190, jul. 2003.

VALLA, V. V. (Org.). Educação e favela. Políticas para as favelas do Rio de Janeiro, 1940-
1985. Petrópolis em co-edição com Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva (ABRASCO), 1986.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


ROCHA, Bruna Machado da; SOUZA, Marcos Thiago da Costa. Dualidade estrutural da educação: análise sobre sua história e as novas
tendências neoliberais. In: I SEMANA ACADÊMICA DE GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói:
Repositório UFF. p.159-166.
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GT - 4: Educação e Geografia

NOVAS TECNOLOGIAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA:


possibilidades e conjuntura atual

Filipe Patrizi1
Universidade Federal Fluminense
filipepatrizi@id.uff.br

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo discutir como as novas tecnologias podem ser usadas no
ensino de geografia. Trabalha-se a concepção de que as tecnologias podem ser
ferramentas para que o professor possa deixar uma aula de geografia mais inclusiva e
atraente aos seus discentes. Aborda-se também os desafios e a atual conjuntura do uso
das novas tecnologias, bem como das necessidades tanto de investimentos em
infraestruturas, como de preparação em incentivo aos professores.

Palavras – chaves: Tecnologias; Ensino; Aprendizagem.

1
Graduando em Geografia na UFF.

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PATRIZI, Filipe. Novas tecnologias no ensino de geografia: possibilidades e conjuntura atual. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
ISSN: 2763-8596
167
1. INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo, as chamadas novas tecnologias se tornam itens cada


vez mais comuns em diferentes espaços. A cena das pessoas mexendo no celular, do
pagamento rápido em diferentes estabelecimentos ou mesmo no transporte público,
televisores de última geração anunciando novos produtos ou mesmo o “velho”
computador, que continua a ser usado para diferentes tarefas do dia-a-dia é bem comum.
O fato é que as novas tecnologias estão cada vez mais presentes nos espaços e entram na
vida dos seres humanos cada vez mais cedo, muitas vezes em idade ainda não aconselhada
pelos pediatras e pedagogos. Outro fator, é que na atual fase do sistema capitalista, esta
tecnologia tem sempre procurado se atualizar, ou melhor, as empresas têm sempre
procurado inventar novas funções para seus produtos para que os consumidores não
parem de comprar. Rapidamente uma tecnologia inovadora e avançada se torna obsoleta.
Apesar de toda crítica que é possível em relação a esse sistema, este trabalho tem como
objetivo avaliar como as novas tecnologias, presentes nesse mundo tecnológico e em
constante mudança, podem ser usadas para o ensino de geografia.
Apesar de tanta tecnologia presente no mundo atual, é evidente o quanto essa
ainda não é muito utilizada em sala de aula, ou outras formas de ensino. De fato, a
tecnologia tem sido utilizada para possibilitar a aberturas de ensino a distância,
principalmente em cursos superiores de instituições privadas. No entanto, existem
diversas críticas a esse processo, devido a substituição da aula presencial por aulas online,
ou mesmo aulas em que o próprio aluno tenha que se guiar. Essa é uma discussão
extremamente complexa, onde especialistas defendem que esta modalidade propicia uma
precarização do ensino, enquanto outros defendem que ela democratiza o ensino. Neste
trabalho, o foco é o uso das novas tecnologias em sala de aula para o ensino de geografia.
Esta visão de uso das novas tecnologias não foca na substituição de uma aula presencial
por uma aula online. Essa tem como objetivo a integração em sala de aula, em que seja
usada para despertar o interesse do aluno e auxiliar o professor nas suas atividades. “O
uso da tecnologia com finalidade pedagógica visa principalmente a integração dos alunos
e professores, buscando compreender e interpretar fenômenos socioculturais bem como

AO CITAR ESTE TRABALHO, UTILIZE A SEGUINTE REFERÊNCIA:


PATRIZI, Filipe. Novas tecnologias no ensino de geografia: possibilidades e conjuntura atual. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
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o envolvimento em atividades sociais relevantes” (CORREA, FERNANDES e PAINI,
2010).
É evidente que as novas tecnologias podem ser uma excelente ferramenta no
ensino de geografia. Porém, muitos professores e intelectuais ainda se mostram céticos
quanto ao seu uso. Devido a isso, quando as ferramentas tecnológicas estão presentes e
disponíveis as vezes não chegam nem a ser usadas pelos professores, outras vezes os
professores não sabem como utilizá-las ou as usam de uma forma extremamente defasada,
sem explorar diversas funções disponíveis com os alunos. Essa forma de uso é a que
Cysneiros (1999) chama de “inovação conservadora”. Este conservadorismo é derivado
do fato do professor utilizar uma nova tecnologia, porém sem adentrar em suas funções.
Por exemplo, ao utilizar um slide para passar uma aula expositiva, o professor pode fazer
uso dessa tecnologia, mas preservando a função de expor a aula que antes era do quadro
negro. Sendo assim, muda-se a ferramenta, mas não se inova nas funções. Exposto isso,
é necessário refletir sobre porque o uso de novas tecnologias em sala de aula poderia ser
tão proveitoso, principalmente para a geografia que é a disciplina do espaço. Além disso,
é necessário pensar em como essas tecnologias podem ser utilizadas.

2. MOTIVOS PARA A UTILIZAÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

Segundo Freire (1968), o velho modelo de ensinar tende a encarar os educandos


como depósitos de conhecimento. Evidentemente, não é a simples utilização da
tecnologia que mudará esse quadro e fará com que a educação passe a ser mais interativa
entre educador e educando Dependendo da forma que a tecnologia for utilizada, pode-se
agravar ainda mais o problema e perpetuar a visão de educação estática, em que existe
apenas uma verdade. No entanto, dependendo da forma que for utilizada, pode ser uma
excelente ferramenta para um professor humanista. Ainda Segundo Paulo Freire:

Sua ação (do educador) identificando-se, desde logo cedo, com a


dos educandos, deve orientar-se no sentido de humanização de
ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da

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PATRIZI, Filipe. Novas tecnologias no ensino de geografia: possibilidades e conjuntura atual. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
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entrega do saber. Sua ação deve estar infundida da profunda
crença dos homens (FREIRE, 1968).

Evidentemente que quando Paulo Freire escreveu essas palavras, não se tinha todo
o aparato tecnológico que se tem nos tempos contemporâneos. Mais evidente ainda é o
fato de que não é apenas o uso da tecnologia que magicamente propiciará uma aula mais
inclusiva com os alunos e um aprendizado autônomo da ciência geográfica. Óbvio
também que muitos professores conseguem propiciar aproximações com os alunos sem o
uso das ferramentas tecnológicas. No entanto, não é possível ignorar o quanto as novas
tecnologias podem ser úteis para possibilitar aos educandos um pensar geográfico
autêntico, que fuja da velha concepção bancária, que tem a memorização de saberes como
regra.
Além disso, os alunos têm maior facilidade de aprender um novo conhecimento,
e posteriormente ter autonomia até mesmo para a criação de mais conhecimento, através
do uso de signos, ou objetos. “Quando o aluno vê o globo terrestre, na realidade ele está
vendo a Terra (conceito de Terra), formando uma representação do mundo” (CORREA,
FERNANDES e PAINI, 2010). Infere-se, com isso, que para a conceituação adequada é
necessário o uso de objetos que remetam aquele conceito. A geografia já trabalha desta
forma desde sua concepção. O mapa, além de uma ferramenta, é um signo, que ao fazer
uso do mesmo, consegue visualizar os diferentes espaços, as diferentes regiões, ou mesmo
os diferentes territórios, dependendo de qual mapa seja e também a sua escala. Imagina o
quão complicado seria explicar esses conceitos, sem a utilização de um mapa ou globo
terrestre.
As novas tecnologias, e nesse caso principalmente as geotecnologias, tem como
objetivo serem ferramentas e signos para auxílio dessa aprendizagem. Atualmente,
programas de imagens espaciais como o Google Maps ou Google Earth já estão
disponíveis para serem utilizados nos mais simples aparelhos de smartphones. Estes
aplicativos, além de mapas, são programas intuitivos que mudam a escala num simples
deslizar da tela. Não só a escala espacial como a escala temporal podem ser alteradas
nesses aplicativos, o que possibilita que o usuário se debruce sobre uma infinidade de
possibilidades. Esse tanto de possibilidade pode ser utilizado para despertar no aluno o

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GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
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interesse pela geografia e também para que ele a explore por conta própria. O aluno pode
comparar o seu bairro, sua cidade, seu estado com diferentes áreas do globo.

A tecnologia ela deve ser usada como objeto que possibilite ao


aluno a criação do conhecimento, que ele descubra novas
informações enquanto pesquisa, que ele conecte aquilo a sua
realidade e a coisas que despertem seu interesse. A tecnologia
deve ser inserida nas escolas, não sendo vista como um fim,
acabado, imposto e inalterável, mas como um meio, que visa
desvendar, incrementar, analisar e vivenciar a prática do
professor em sala de aula, com um único objetivo, o de fornecer
e despertar o interesse do aluno pelo conhecimento científico
(CORREA, FERNANDES e PAINI, 2010).

O professor, enquanto no seu papel de educador, pode realizar aulas interativas


com várias abordagens críticas que podem ser visualizadas com a ajuda desse programa.
Utilizando-se de uma tecnologia mais antiga, a fotografia, professores de geografia
costumam fazer a comparação entre áreas da cidade que tem um planejamento territorial
urbano adequado, consideradas áreas nobres onde residem as classes médias e altas e
áreas esquecidas pelo poder público no que tange ao planejamento urbano, muitas vezes
com construções irregulares. A fotografia é um ótimo recurso para fazer uma reflexão
junto a turma, porém, imagine a utilização de um aplicativo onde é possível verificar que
muitas casas estão próximas a encostas perigosas, juntando a questão da geografia física
com a humana, ou explicar o desmatamento de uma região utilizando-se da escala
temporal, ou mesmo explicar os problemas de alagamento fazendo uma visualização da
bacia hidrográfica, junto com a falta de planejamento urbano que levasse em conta as
dinâmicas naturais. São muitas as possibilidades. O fato é que as novas tecnologias não
devem ser usadas com o objetivo de substituir o professor, mas sim como um auxílio ao
mesmo para que ele consiga transmitir seu conhecimento, mas de uma forma que seja
interessante ao aluno, que desperte nele o interesse pela ciência geográfica e pelas
questões sociais, humanas e ambientais do mundo atual.

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PATRIZI, Filipe. Novas tecnologias no ensino de geografia: possibilidades e conjuntura atual. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
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3. PROBLEMAS E REFLEXÕES SOBRE A ATUAL CONJUNTURA DO USO
DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

Segundo Valente e Santos (2015) existe uma dimensão, que Kant chama de
imaginativa, que é essencial para resolução de problemas. Segundo esses autores, as
novas tecnologias podem ser extremamente eficazes na promoção dessa dimensão, do
lado imaginativo do ser humano. Em especial, ao falarem sobre o uso da Realidade
Virtual, eles explicam como os alunos podem vivenciar situações que seriam
praticamente impossíveis numa aula tradicional. Utilizando o Street View junto aos óculos
VR, os alunos conseguem ter a sensação, ao menos visualmente, de estarem nos mais
diferentes lugares do mundo, sendo a livre escolha dos mesmos os locais que visitam,
indo desde um bairro próximo até as pirâmides do Egito ou a torre Eifel.
É fato que esse exemplo dos autores, exige uma infraestrutura mais sofisticada.
Mesmo no modelo mais barato de óculos, seria necessário gasto com equipamentos de
computação que a maioria das escolas brasileiras não tem ainda. Segundo Calado (2012),
observa-se que muitas escolas ainda não tem os mais simples dos aparelhos tecnológicos
para auxílio do professor, como um projetor de imagens. Algumas ainda não tem sequer
acesso a livros didáticos ou uma infraestrutura adequada para que alunos e professores
tenham aula. Isso é um problema que não pode ser ignorado e é constante nas escolas
públicas e privadas do Brasil. No entanto, mesmo quando a tecnologia é dada, esta tende
a não ser utilizada pelos docentes, devido aos mais diversos problemas enfrentados por
essa categoria, que vai desde a superlotação de salas de aula a sobrecarga de trabalho.
Além disso, as possibilidades que a nova tecnologia tem para ser usada em sala de aula
não é sequer apresentada ao professor pelos superiores responsáveis. Em alguns casos, os
professores utilizam a tecnologia, mas da mesma forma que utilizavam ferramentas de
tecnologias mais antigas, como o quadro negro. Cysneiros (1999) chama essa utilização
da tecnologia de “inovação conservadora”.
Ademais, percebe-se que na maior parte das vezes em que uma ação política
voltada para a incorporação tecnológica em sala de aula é feita, a mesma está mais ligada
a um plano de governo do que de Estado. Logo, não se tem uma preocupação em
transformar e orientar os professores a como utilizar aquela tecnologia. Antes, é dado a

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tecnologia sem uma orientação aos professores ou alunos, o que a torna praticamente
inutilizável para fins pedagógicos. Um exemplo interessante, foi a entrega de netbooks
para crianças do Ensino Fundamental II da rede pública da Prefeitura de Maricá em 2011.
Na reportagem onde fala-se sobre o início do programa, em nenhum momento é
mencionado uma formação continuada para os professores a respeito dos usos dos
aparelhos em sala. Posteriormente, apenas duas reuniões são organizadas para falar sobre
os benefícios do programa, mas novamente sem focar em como os professores de
diferentes disciplinas podem utilizar os aparelhos em suas aulas. Percebe-se que se foca
muito mais nas entregas dos aparelhos, como se eles fossem um prêmio dado aos alunos,
do que em alguma função pedagógica que possa ser dada a eles.
Ações como a da Prefeitura de Maricá são importantes para uma utilização das
ferramentas pedagógicas em sala de aula e no ensino de geografia. No entanto, o
esquecimento de que essas tecnologias precisam integradas a uma preparação do
professor é algo constante. No fim, percebe-se que os professores não mudam seu modo
de dar aula apenas por ter a tecnologia disponível.
Outro fator extremamente incoerente são as leis que buscam proibir o uso de
smartphones nas escolas. A lei 5022/08 do Estado do Rio de Janeiro, proíbe de forma
arbitrária o uso do celular nas salas de aula das escolas estaduais. Essa visão acaba
antagonizando tecnologia e ensino, difundindo o discurso de que um não é compatível
com o outro. Conforme já abordado, são inúmeros os aplicativos que hoje permitem a
visualização de diversos conceitos geográficos. Tal lei, coloca em xeque o professor que
queira fazer uso desses aplicativos para enriquecer sua aula. Pois, conforme já explicitado,
a infraestrutura tecnológica das escolas ainda deixa muito a desejar. No entanto, a maioria
dos adolescentes e às vezes até algumas crianças, já possuem smartphones e com
frequência os levam para a escola, fazendo com que a aula do professor compita com o
smartphone pela atenção dos estudantes. Segundo essa lei, o professor deveria
simplesmente proibir o uso desses aparelhos durante a aula, porém, isso não é uma tarefa
simples, devido a uma grande possibilidade de criar um afastamento entre os discentes e
o docente. Ou seja, essa lei se torna um obstáculo ao professor, pois mais atrapalha do
que ajuda, visto que o mesmo não pode fazer uso de uma tecnologia sem infringi-la. No
fim, as escolas não têm uma infraestrutura adequada e as políticas educacionais acabam

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dificultando que o docente ache alternativas a essa falta de infraestrutura para o uso da
tecnologia. Tudo isso acaba sendo cruel especialmente com o professor de geografia, que
muitas vezes não conta com auxílios de ferramentas simples, como mapas, atlas ou globo
terrestre e não pode fazer uso de programas que ajudariam o aluno a ter uma visão
geográfica adequada, que só é possível quando são usados instrumentos pedagógicos,
além do velho quadro negro.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infere-se, portanto, que as novas tecnologias podem ser excelentes ferramentas


para o ensino de geografia. As tecnologias não devem ser vistas como substitutas dos
professores ou das aulas presenciais. Não é possível definir uma concepção de educação
tecnológica, como se ao utilizar a tecnologia, automaticamente o docente vá assumir um
modelo de aula que dê autonomia aos estudantes. Devido a isso, existe a possibilidade de
o professor utilizar as tecnologias para reproduzir velhas práticas de ensino, como
também existe a possibilidade de o docente fazer uso das tecnologias para estabelecer
uma educação diferenciada.
A tecnologia pode propiciar diversas formas de experimentação para os discentes.
Dentro do ensino de geografia, particularmente, acaba sendo extremamente útil. A
visualização de diferentes espaços, diferentes relevos, diferentes cidades, climas, entre
outros, possibilita que se trabalhe com os alunos além da velha concepção bancária de
decorar e reproduzir. Ademais, o estudante tende a querer pesquisar e aprender sobre
aquilo que lhe chama atenção, que lhe desperta vontade e curiosidade, devido a forma
intuitiva e fácil que ele pode visualizar o espaço. Com a orientação do professor, esse
estudante tende a não apenas reproduzir conhecimento, mas sim criar conhecimento.
É óbvio que o cenário ideal para que a tecnologia possa ser utilizada no ensino de
geografia ainda está longe. Ainda é preciso muitas discussões dentro dos meios
acadêmicos, para alinhar seu uso com um ensino crítico da geografia. Além disso, ficou
claro que as políticas públicas e educacionais atuais ainda não investem no uso da
tecnologia que possibilite uma integração para o ensino-aprendizagem. Portanto, é

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necessário que as políticas educacionais tenham em mente que o mundo atual está
conectado, e que não se deve tentar separar a escola desse mundo, pois os alunos já levam
esse mundo conectado para escola. Além disso, o investimento em infraestrutura faz-se
extremamente necessário, para que se possibilite um ambiente adequado para a
aprendizagem e pesquisa.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 1968.

PREFEITURA. Prefeitura de Maricá. Alunos começam a receber os laptops em


Maricá. Disponível em: <https://www.marica.rj.gov.br/2011/09/26/alunos-comecam-a-
receber-os-laptops-em-marica/>. Acesso em: 03 out. 2019.

JUNIOR, J. Uso de celular na sala de aula, proibido? Jusbrasil. Disponível em:


<https://rgrupos.jusbrasil.com.br/artigos/175670223/uso-de-celular-na-sala-de-aula-
proibido>. Acesso em: 03 out. 2019.

CORREA, M. G. G.; FERNANDES R. R.; PAINI, L. D. Os avanços tecnológicos na


educação: o uso das geotecnologias no ensino de geografia, os desafios e a realidade
escolar. Acta Scientiarum. Humanand Social Sciences, Maringá, v. 32, n. 1. p. 91 -
96, 2010. Disponível em: <http://files.profricardoferreira.webnode.com/200000013-
8d1bd8e154/artigoGPS_UEM.pdf>. Acesso em: 02 out. 2019.

CALADO, F. M. O ensino de geografia e o uso dos recursos didáticos e tecnológicos.


Geosaberes, Fortaleza, v. 3, n. 5. p. 12 - 20, 2012. Disponível em:
<https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5547975.pdf>. Acesso em: 02 out. 2019.

CYSNEIROS, P. G. Novas tecnologias na sala de aula: melhoria do ensino ou inovação


conservadora? Informática Educativa, Uniandes, v. 12, n. 1. p. 11 - 24, 1999.
Disponível em: <http://www.pucrs.br/ciencias/viali/doutorado/ptic/textos/articles-
106213_archivo.pdf>. Acesso em: 02 out. 2019.

VALENTE, P. SANTOS. K. S. Realidade virtual e geografia: o caso do


googlecardboardglasses para o ensino. Revista Tamoios, São Gonçalo, ano. 11, n. 2. p.
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publicacoes.uerj.br/index.php/tamoios/article/view/19925>. Acesso em: 02 out. 2019.

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PATRIZI, Filipe. Novas tecnologias no ensino de geografia: possibilidades e conjuntura atual. In: I SEMANA ACADÊMICA DE
GEOGRAFIA DA UFF, 1, 2019, Niterói, RJ. Anais da I SEMAGEO. Niterói: Repositório UFF, 2021. p.167-175.
ISSN: 2763-8596
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