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META-

MOR-
FOSES
POSSÍVEIS
COMPARTILHADAS
Leituras em COMITÊ CIENTÍFICO

Geografia Cultural
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS)
Amélia Regina Aguiar Batista (UFAM)
Ângelo Szaniecki Perret Serpa (UFBA)
Benhur Pinos da Costa (UFSM)
Christian Dennys Monteiro de Oliveira (UFCE)
Claudia Luisa Zeferino Pires (UFRGS)
Dario de Araújo Lima (UFRGS)
Gilmar Mascarenhas de Jesus (UERJ)
ORGANIZADORES Icleia Albuquerque de Vargas (UFMS)
Jânio Roque Barros de Castro (UNEB)
Alexandre Magno Alves Diniz (PUCMinas) Jean Carlos Rodrigues (UFTO)
Jorn Seemann (Ball State University)
Ana Márcia Moreira Alvim (PUCMinas) Joseli Maria Silva (UEPG)
Josué da Costa Silva (UNIR)
Doralice Barros Pereira (IGC-UFMG) Marcos Alberto Torres (UFPR)
Maria das Gracas Silva (UNIR)
José Antônio SOUZA de Deus (IGC-UFMG) Maria Geralda de Almeida (UFG)
Letícia Pádua (UFVJM) Nelson Rego (UFRGS)
Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC MINAS)
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M587 Metamorfoses possíveis compartilhadas: leituras em Geografia


Cultural / organizado por Alexandre Magno Alves Diniz ... [et al.]. -
Belo Horizonte : Letramento, 2019.
546 p. ; 15,5cm x 22,5cm.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-9530-308-9

1. Geografia. 2. Geografia cultural. I. Diniz, Alexandre Magno Alves.


II. Alvim, Ana Márcia Moreira. III. Pereira, Doralice Barros. IV. Deus,
José Antônio Souza de. V. Pádua, Letícia. VI. Título.

CDD 910
2019-1289 CDU 91

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O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM


José Antônio Souza de Deus

PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES:


UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE
SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
JOSÉ ANTÔNIO SOUZA DE DEUS
PROF. ASSOCIADO IV
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS (IGC)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG)

INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo central, discutir a trajetória acadêmica de
Denis Cosgrove (1948/ 2008), um dos expoentes da escola anglo-saxônica da
Geografia Cultural contemporânea e, paralelamente, colocar em evidência o
seu legado nas produções científicas recentes, sobretudo, aquelas desenvolvidas
no Brasil (em livros, capítulos de livros, teses, dissertações e artigos em perió-
dicos científicos, produzidos de 1995 a 2019); inclusive aqueles trabalhos que
discutem as interdigitações entre Paisagem e Memória e que se dedicam ao
estudo da memória e da formação das imagens representacionais na cultura
humana (CARVALHO, 2017; COSTA, 2008).
Os procedimentos metodológicos adotados para a operacionalização do
trabalho compreenderam: pesquisa bibliográfica (reunindo e retrabalhando
contribuições de geógrafos, historiadores, turismólogos…), sistematização
dos dados e informações obtidos, problematização e reflexão crítica sobre as
questões contempladas na obra do prestigiado pesquisador.
O geógrafo “Denis Cosgrove nasceu em Liverpool1 , em 1948, em uma família
católica. Entre 1959 e 1966 estudou em uma escola de jesuítas e obteve o seu
bacharelado em 1969. Em 1971 obteve o mestrado em Toronto, Canadá, e em
1976 o seu doutorado em Oxford” (CORRÊA, 2014, p. 39)2. Sua formação

1 Reino Unido
2 Sua tese intitulou-se: Palladian Landscape: Geographical Change and its Cultural
Representations in 16th Century- Italy.
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católica o teria levado a estudar as formas simbólicas do Catolicismo, sobretu-


do, aquelas do norte da Itália, procurando ver o papel que desempenharam na

O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
criação de significados culturais e geográficos. A paisagem da região do Vêneto3
(e particularmente da Veneza do século XVI) objeto da sua tese de Doutorado,
constitui a referência essencial do seu interesse sobre a Paisagem (CORRÊA
2014; TOWNSEND, 2015).
Os interesses de Cosgrove como pesquisador que se concentravam, de início,
nos significados da Paisagem na Geografia Humana (e particularmente, na
Geografia Cultural) – especialmente na Europa Ocidental a partir do século
XV, evoluíram para uma conceituação mais ampla do papel das imagens es-
paciais e das representações na construção e comunicação do Conhecimento.

DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
Ressalte-se que as preocupações de Cosgrove giravam inicialmente em torno
da definição de uma “geografia cultural radical”, com base no materialismo
histórico, calcada nas paisagens simbólicas e no conceito de formação socio-
econômica. Mas ao contrário de outros materialistas históricos que também
utilizaram o conceito, o autor não incorria em um determinismo econômico
(NAME, 2010). Cosgrove & Jackson (2003, p. 135), a propósito, reportam que
“o interesse pela Geografia Cultural renovou-se na década de 1970, com o
surgimento de diversas novas perspectivas”.
Os autores inclusive pontuaram “que uma possível definição desta nova
geografia cultural seria: contemporânea e histórica (mas sempre contextu-
alizada e apoiada na teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos
da Paisagem definidos de forma restrita); urbana e rural; atenta à natureza

3 Região do nordeste da Itália, o Vêneto, depois de ter constituído, por muito tempo,
uma região agrícola, pobre e de emigração (foi, inclusive, a região de onde se ori-
ginou o maior número de imigrantes italianos que vieram para o Brasil, na época
da imigração europeia ocorrida entre o final do século XIX e o começo do século
XX), tornou-se uma das regiões mais ricas do país; e foi a indústria a atividade eco-
nômica que mais contribuiu para o desenvolvimento regional. É uma região com
grande geodiversidade, caracterizada por uma planície fértil e paisagens tranquilas,
com muitos lagos e vista dos Alpes. Culturalmente, caracteriza-se por ser uma região
de tradição fortemente católica, que detém uma das mais ricas heranças do país em
termos históricos, paisagísticos, artísticos, culturais, musicais e culinários. É também
o principal destino turístico da Itália, tendo atraído em 2018, quase 70 milhões de
turistas. A capital é a mundialmente famosa cidade de Veneza, de passado glorioso.
Verona, Pádua, Treviso, são outras cidades aí situadas. Trata-se de região repleta de
belezas naturais, expressões artísticas que fascinam e vasto acervo arquitetônico com
museus, galerias de arte, igrejas e monumentos, únicos e singulares.
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contingente da cultura, às ideologias dominantes e às formas de resistência”…


“Para esta nova geografia, a Cultura não é uma categoria residual, mas o
José Antônio Souza de Deus

meio pelo qual a mudança social é experienciada, contestada e constituída”


(COSGROVE & JACKSON, 2003, p. 136).
Para os autores,“em termos de espaço, a geografia das formas culturais é muito
mais do que mero reflexo passivo das forças históricas que a moldaram”; a estrutura
espacial constituindo “parte ativa da constituição histórica das formas culturais”
(COSGROVE & JACKSON, 2003, p. 142).“Significados, contexto e inúmeras
possibilidades de evolução caracterizavam, aliás, o conceito de Cultura adotado
por Cosgrove” (CORRÊA, 2014, p. 40).
Cosgrove & Jackson (2003, p. 137) salientaram ainda que a linha interpretativa
dentro da Geografia Cultural recente desenvolve a metáfora da paisagem como
texto “a ser lido e interpretado como documento social” (COSGROVE &
JACKSON, 2003, p. 137). O mundo seria “um conjunto desses textos justa-
postos” e caberia “ao cientista lê-los e interpretá-los” de uma forma que jamais
será imparcial (NAME, 2010, p. 178). Metodologicamente, o ponto de partida
desse procedimento seria considerar as obras de arte e a Paisagem como textos
codificados a serem decifrados por aqueles que conhecem, com precisão, a
Cultura do lugar onde tais obras foram produzidas (CORRÊA, 2011).
Para Mikesell (2000, p. 94), contudo, “se a passagem da descrição morfo-
lógica para a interpretação simbólica pode ser considerada um prenúncio
de progresso” no estudo da Paisagem (p. 94), causa perplexidade a ideia em
voga de que as paisagens possam ser “lidas como textos” (MIKESELL, 200,
p. 85), uma vez que, nessa perspectiva, o único limite para a quantidade de
leituras plausíveis seria “o número de leitores potenciais”.
A Paisagem, segundo Cosgrove, constituiria poderoso meio através do qual,
sentimentos, ideias e valores são expressos.Tratar-se-ia de uma forma simbólica
impregnada de valores. Seriam os seus significados que lhe dariam sentido. Para
o autor, a capacidade imaginativa deveria ser reconhecida como importante
fonte de inspiração para a interpretação da Paisagem. Ela reelaboraria metafo-
ricamente, aquilo que os sentidos capturam, atribuindo-lhe novos significados
(CORRÊA, 2003; 2011; TOWNSEND 2015).
A tese central do livro Social Formation and Symbolic Landscape (publicado
em 1998) é que a Paisagem constituiria um discurso através do qual os grupos
sociais, historicamente constituídos, moldariam a si mesmos e às suas relações
com os outros grupos, bem como com a Terra (TONWNSEND, 2015). Para
Cosgrove, a Paisagem poderia ser vista como uma síntese pictórica externa,
que representa esteticamente as relações entre a vida humana e a Natureza.
Mas esta síntese é sujeita à polivocalidade, podendo ser interpretada de acordo
com diferentes olhares.
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A Paisagem foi por ele interpretada, por exemplo, como “paisagem do


consumo” quando o autor analisou a ocupação suburbana do sul da Califórnia

O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
(CORRÊA, 2014, p. 41/ 42). Em trabalho originalmente publicado em 1983,
Cosgrove (1998, p. 28) inclusive propôs uma abordagem da Geografia Cultural
direcionada no sentido de examinar as formas emergentes de organização
espacial e da Paisagem, tendo como objetivo principal dissecar “as paisagens
alienadas do Capitalismo atual”… A Paisagem pode ser interpretada como
mapa, teatro, espetáculo e texto, ou ainda como paisagem da classe dominante,
paisagem residual, emergente e excluída. Ela teria assim, um sentido político,
constituindo poderoso meio através do qual sentimentos, ideias e valores são
expressos e modelam esses mesmos sentimentos, ideias e valores.
Para o avanço da Geografia Cultural radical, as relações entre culturas do-
minantes (das elites) e subordinadas (populares) constituiriam um tema-chave
(COSGROVE; JACKSON, 2003; NAME, 2010). Cosgrove (2012) empreendeu
assim, na perspectiva da Cultura como Poder, uma diferenciação entre culturas
dominantes, residuais, emergentes e excluídas, cada uma das quais tendo gerado
um impacto diferente sobre a paisagem humana. Quando define sua noção
de poder, Cosgrove (2012) se refere ao grupo ou classe cuja dominação sobre
outros está baseada no controle dos meios de vida: terra, Capital, matérias primas
e força de trabalho. Para o autor, um grupo dominante procurará impor sua
própria experiência de mundo como objetiva e válida para todos.
Quanto às culturas alternativas, Cosgrove (2012) localiza como elemento
residual mais presente na paisagem europeia, o edifício da igreja medieval.
Como cultura emergente, apesar de transitória, Cosgrove (2012) elenca a
cultura hippie dos anos 604 ; e define como manifestação de culturas excluídas,
as que são suprimidas, de forma ativa ou não e que destacam os símbolos de
grupos como mulheres, crianças, ciganos, mendigos, gangues de rua, gays5 e
prostitutas, codificados na paisagem da vida cotidiana e ainda aguardando
estudos geográficos mais detalhados e profundos.
Segundo Corrêa (1995, p. 291), trata-se “de paisagens próprias, muitas vezes,
imperceptíveis aos olhos da cultura dominante, mas rica de símbolos e signi-
ficados para o grupo excluído”. Para Cosgrove (2012) há, portanto, culturas
dominantes (as que exercem uma hegemonia cultural) e subdominantes ou
4 Movimento coletivo de contracultura do final do século XX. Contestava, de forma
pacifica, os valores tradicionais da classe média americana e das economias capitalis-
tas. Levanta-se a hipótese de que a liberdade sexual, a redução na discriminação das
minorias, o ambientalismo e o misticismo atual são, em certa medida, produto da
contestação hippie ao establishment.
5 Autodenominados, mais recentemente e de forma mais abrangente como LGBTs: lésbi-
cas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros (CASTRO, DEUS & SILVA, 2019).
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alternativas, não apenas no sentido político, mas também em termos de sexo,


faixa etária e etnicidade. E segundo o pesquisador estaria nitidamente na
José Antônio Souza de Deus

natureza de uma cultura emergente oferecer um desafio à cultura dominante,


uma visão de futuros alternativos possíveis.
Contextualizando as postulações de Cosgrove no Brasil, Corrêa (1995,
p. 06) classifica os acampamentos de sem-terra no Brasil como “paisagens
emergentes, portadoras de uma nova mensagem social”, podendo elas ser
caracterizadas ainda como acopladas ao exercício de protagonismo etnopolí-
tico recente de índios e quilombolas (DEUS, 2011, 2012, 2016)6, envolvidos/
engajados em nítidos processos de reterritorialização, tal como os visualiza
Rogério Haesbaert (HAESBAERT, 2013).
Já Shishito (2017, p. 15) “considerando o grafite7 como potencial trans-
formador no espaço urbano, busca desenvolver a análise desse elemento
como proposta de entendimento das noções de paisagens dominantes e
alternativas, discutidas por Denis Cosgrove na corrente da Nova Geografia
Cultural” (SHISHITO, 2017, p. 16), podendo o grafite ser entendido, nesse
contexto, “como materialidade simbólica e cultural de paisagens emergentes”
(SHISHITO, 2017, p. 22).
E autores como Batista (2003), Castro & Deus (2011) e Deus (2016) (re)
interpretam como paisagens residuais (acopladas a culturas historicamente
constituídas que desapareceram ou estão em processo de fragilização), aquelas
imbricadas com o patrimônio histórico-cultural barroco ligado à saga da
mineração nos estados de Minas Gerais e Goiás.

6 Silva e Deus (2017, p. 68) vão apontar, por exemplo, o exercício de protagonismo
político dos índios Krenak do Rio Doce (remanescentes dos “botocudos”- impor-
tante família etnolinguística do tronco Macro-Jê, domiciliada na Área Cultural Leste/
Nordeste-, e domiciliados em Resplendor/ MG), como acoplado à “luta pela ob-
tenção de medidas de compensação pelos danos morais e ambientais causados à sua
comunidade pela implantação de grandes empreendimentos, como a Estrada de Ferro
Vitória-Minas e a Usina Hidrelétrica de Energia de Aimorés”. Já Deus, Barbosa &
Tubaldini (2011) vão identificá-lo no comportamento assertivo dos índios Suruí Paiter
de Cacoal/ RO, que receberam em outubro de 2008, em Genebra (Suiça), prêmio da
Sociedade Internacional de Direitos Humanos pela denúncia feita por suas lideranças,
de exploração ilegal de madeira nas terras indígenas da Amazônia Meridional.
7 Graffiti.Tipo de manifestação artística surgida em Nova York, nos Estados Unidos
da América. Consiste num movimento organizado nas artes plásticas, em que o
artista cria uma linguagem intencional para interferir na cidade, aproveitando seus
espaços públicos para a crítica social. No Brasil, o grafite chegou ao final dos anos
70 (século XX), em São Paulo. Hoje o estilo desenvolvido pelos grafiteiros brasileiros
é reconhecido entre os melhores do mundo.
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Cosgrove (2012) também estabeleceu, em texto inicialmente editado em


1989 que o tipo de evidência que os geógrafos usam agora para interpretar o

O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
simbolismo das Paisagens é muito mais amplo do que no passado, pontuando
ainda que esta apropriação simbólica do mundo produzisse estilos de vida (gens
de vie) e paisagens distintas, com uma especificidade histórica e geográfica.
E a tarefa da Geografia Cultural seria tentar apreender e compreender esta
dimensão da interação humana com a Natureza e seu papel na ordenação
do espaço. O autor também pontua, contudo que,
apesar de toda a divergência teórica, metodológica e de material perceptível
em seus textos, os geógrafos culturais compartilham o mesmo objetivo de
descrever e entender as relações entre a vida humana coletiva e o mundo
natural, as transformações produzidas por nossa existência no mundo da
natureza e, sobretudo, os significados que a cultura atribui à sua existência
e às suas relações com o mundo natural (COSGROVE, 2000, p. 34).
Cosgrove vai se interessar ainda por temas abrangentes como a iconografia da
paisagem e a imaginação em relação à Paisagem (NAME, 2010). Para ele, as ima-
gens são construídas pelo geógrafo que, a partir de sua visão de mundo, constrói
representações sobre dado aspecto da realidade, destacando se que a imaginação
desempenha papel crucial na formação desta sua visão de mundo (CORRÊA,
2011). É bastante sugestivo observar, por outro lado, que “como geógrafo, Cosgrove
tinha nas imagens, enquanto representações iconográficas, cartográficas, por meio
de pinturas, fotografias e imagens de satélite, assim como da paisagem cultural,
verdadeiras e ricas fontes de pesquisa e reflexão”. Ele visualizava os mapas como
“representações impregnadas de valores” (CORRÊA, 2011, p. 10).
Os geógrafos sempre reconheceram a centralidade de um profundo e
íntimo conhecimento da área de estudo. E os dois caminhos para isso são a
realização de trabalhos de campo e a interpretação de mapas (COSGROVE,
2012). E porque a Cultura, como qualquer atividade física e social, é tanto
espacialmente estruturada como geograficamente expressa, é que o mapa
permanece como um poderoso modo de visualizar e representar os aspectos
espaciais de como as culturas se formam, interagem e se transformam.
E é pertinente notar que os mapas não se limitam às representações com base
em dados estatísticos, constituindo-os também representações gráficas de tudo
aquilo que é lembrado, imaginado e contemplado em termos materiais e ima-
teriais; do que é real ou desejado, do todo ou da parte, vivenciado ou projetado.
Observamos, portanto que Cosgrove:
realizou, através das suas obras de referência, uma renovação epistemológica
na ciência da Geografia, mais especificamente pelos seus estudos voltados à
categoria de paisagem, reformulada categorialmente em sua obra também nas
dimensões iconográficas, iconológicas e simbólicas (CARVALHO, 2017, p. 87).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
José Antônio Souza de Deus

Consideramos instigantes e singulares, as contribuições de Cosgrove para


o desenvolvimento e consolidação das categorias conceituais de análise e
paradigmas de interpretação da Geografia cultural contemporânea, tanto que
coordenamos projetos de pesquisa8 (patrocinados pela FAPEMIG9) e orien-
tamos teses e dissertações no Programa de Pós-Graduação em Geografia do
Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais– IGC/
UFMG, de 2010 a 2019, que utilizaram, direta ou indiretamente, as concep-
ções e postulados do autor, sobretudo no que concerne à caracterização de
paisagens culturais dominantes e alternativas- as quais, fundamentaram-se
na realização de trabalhos de campo continuados e sistemáticos e geraram
produções acadêmicas como livros, capítulos de livros e artigos em periódicos
científicos recentes (CASTRO & DEUS, 2011; DEUS, 2010, 2011, 2012,
2016; DEUS et al., 2018 a/ b; DEUS & CASTRO, 2014; SILVA & DEUS,
2017; LACERDA et al., 2011).
Gostaríamos de demarcar que referendamos avaliações da obra deste
prestigiado e eminente pesquisador da Geografia Cultural no século XX,
explicitados na literatura científica nacional e internacional, como o regis-
tro de Roberto Lobato Corrêa de que “a Geografia produzida por Denis
Cosgrove está magistralmente inscrita na história do pensamento geográfico”
(CORRÊA, 2011, p. 11).
Vale ressaltar, por outro lado, que para a geógrafa californiana Stacie
Townsend, o autor era um verdadeiro humanista e um forte defensor do
expressivo papel que deveriam assumir as Humanidades nas abordagens inter-
disciplinares desenvolvidas pela Geografia (TONWNSEND, 2015). O livro “A
Iconografia da Paisagem”10, de Cosgrove, aliás, propiciou uma compreensão
de como a construção de uma síntese entre Geografia, História, Literatura e
Arte poderia explicitar-se como uma proposição intelectualmente coerente
e consequente (TOWNSEND, 2015). E é relevante assinalar que “muitos
dos estímulos para a nova geografia cultural [à qual nos remetemos ante-

8 “Etnogeografia, Etnossustentabilidade e a Organização e Gestão do Território de


Comunidades Tradicionais e Indígenas no Estado de Minas Gerais” (desenvolvido de
novembro de 2009 a novembro de 2011, no Vale do Rio Doce/ MG) e “Etnogeografia,
Paisagens Culturais e Gestão do Território em Comunidades Tradicionais do Vale
do Jequitinhonha/ MG” (desenvolvido de fevereiro de 2014 a fevereiro de 2016, na
Mesorregião do Jequitinhonha).
9 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
10 The Iconography of Landscape
35

riormente] vieram da convergência teórica e metodológica entre disciplinas


humanísticas tais como a História, a Filosofia, e do estudo das Línguas e das

O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
Ciências Sociais, as quais sustentam o amplo campo dos estudos culturais”
(COSGROVE, 1999, p. 17).
Para Scott Hoefle, Cosgrove poderia ser caracterizado como um pesquisador
“bastante consistente filosoficamente através dos anos na sua migração inte-
lectual do Marxismo Cultural ao Pós-Modernismo” (HOEFLE, 1999, p. 83).

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