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Leituras em COMITÊ CIENTÍFICO
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo central, discutir a trajetória acadêmica de
Denis Cosgrove (1948/ 2008), um dos expoentes da escola anglo-saxônica da
Geografia Cultural contemporânea e, paralelamente, colocar em evidência o
seu legado nas produções científicas recentes, sobretudo, aquelas desenvolvidas
no Brasil (em livros, capítulos de livros, teses, dissertações e artigos em perió-
dicos científicos, produzidos de 1995 a 2019); inclusive aqueles trabalhos que
discutem as interdigitações entre Paisagem e Memória e que se dedicam ao
estudo da memória e da formação das imagens representacionais na cultura
humana (CARVALHO, 2017; COSTA, 2008).
Os procedimentos metodológicos adotados para a operacionalização do
trabalho compreenderam: pesquisa bibliográfica (reunindo e retrabalhando
contribuições de geógrafos, historiadores, turismólogos…), sistematização
dos dados e informações obtidos, problematização e reflexão crítica sobre as
questões contempladas na obra do prestigiado pesquisador.
O geógrafo “Denis Cosgrove nasceu em Liverpool1 , em 1948, em uma família
católica. Entre 1959 e 1966 estudou em uma escola de jesuítas e obteve o seu
bacharelado em 1969. Em 1971 obteve o mestrado em Toronto, Canadá, e em
1976 o seu doutorado em Oxford” (CORRÊA, 2014, p. 39)2. Sua formação
1 Reino Unido
2 Sua tese intitulou-se: Palladian Landscape: Geographical Change and its Cultural
Representations in 16th Century- Italy.
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O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
criação de significados culturais e geográficos. A paisagem da região do Vêneto3
(e particularmente da Veneza do século XVI) objeto da sua tese de Doutorado,
constitui a referência essencial do seu interesse sobre a Paisagem (CORRÊA
2014; TOWNSEND, 2015).
Os interesses de Cosgrove como pesquisador que se concentravam, de início,
nos significados da Paisagem na Geografia Humana (e particularmente, na
Geografia Cultural) – especialmente na Europa Ocidental a partir do século
XV, evoluíram para uma conceituação mais ampla do papel das imagens es-
paciais e das representações na construção e comunicação do Conhecimento.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
Ressalte-se que as preocupações de Cosgrove giravam inicialmente em torno
da definição de uma “geografia cultural radical”, com base no materialismo
histórico, calcada nas paisagens simbólicas e no conceito de formação socio-
econômica. Mas ao contrário de outros materialistas históricos que também
utilizaram o conceito, o autor não incorria em um determinismo econômico
(NAME, 2010). Cosgrove & Jackson (2003, p. 135), a propósito, reportam que
“o interesse pela Geografia Cultural renovou-se na década de 1970, com o
surgimento de diversas novas perspectivas”.
Os autores inclusive pontuaram “que uma possível definição desta nova
geografia cultural seria: contemporânea e histórica (mas sempre contextu-
alizada e apoiada na teoria); social e espacial (mas não reduzida a aspectos
da Paisagem definidos de forma restrita); urbana e rural; atenta à natureza
3 Região do nordeste da Itália, o Vêneto, depois de ter constituído, por muito tempo,
uma região agrícola, pobre e de emigração (foi, inclusive, a região de onde se ori-
ginou o maior número de imigrantes italianos que vieram para o Brasil, na época
da imigração europeia ocorrida entre o final do século XIX e o começo do século
XX), tornou-se uma das regiões mais ricas do país; e foi a indústria a atividade eco-
nômica que mais contribuiu para o desenvolvimento regional. É uma região com
grande geodiversidade, caracterizada por uma planície fértil e paisagens tranquilas,
com muitos lagos e vista dos Alpes. Culturalmente, caracteriza-se por ser uma região
de tradição fortemente católica, que detém uma das mais ricas heranças do país em
termos históricos, paisagísticos, artísticos, culturais, musicais e culinários. É também
o principal destino turístico da Itália, tendo atraído em 2018, quase 70 milhões de
turistas. A capital é a mundialmente famosa cidade de Veneza, de passado glorioso.
Verona, Pádua, Treviso, são outras cidades aí situadas. Trata-se de região repleta de
belezas naturais, expressões artísticas que fascinam e vasto acervo arquitetônico com
museus, galerias de arte, igrejas e monumentos, únicos e singulares.
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O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
(CORRÊA, 2014, p. 41/ 42). Em trabalho originalmente publicado em 1983,
Cosgrove (1998, p. 28) inclusive propôs uma abordagem da Geografia Cultural
direcionada no sentido de examinar as formas emergentes de organização
espacial e da Paisagem, tendo como objetivo principal dissecar “as paisagens
alienadas do Capitalismo atual”… A Paisagem pode ser interpretada como
mapa, teatro, espetáculo e texto, ou ainda como paisagem da classe dominante,
paisagem residual, emergente e excluída. Ela teria assim, um sentido político,
constituindo poderoso meio através do qual sentimentos, ideias e valores são
expressos e modelam esses mesmos sentimentos, ideias e valores.
Para o avanço da Geografia Cultural radical, as relações entre culturas do-
minantes (das elites) e subordinadas (populares) constituiriam um tema-chave
(COSGROVE; JACKSON, 2003; NAME, 2010). Cosgrove (2012) empreendeu
assim, na perspectiva da Cultura como Poder, uma diferenciação entre culturas
dominantes, residuais, emergentes e excluídas, cada uma das quais tendo gerado
um impacto diferente sobre a paisagem humana. Quando define sua noção
de poder, Cosgrove (2012) se refere ao grupo ou classe cuja dominação sobre
outros está baseada no controle dos meios de vida: terra, Capital, matérias primas
e força de trabalho. Para o autor, um grupo dominante procurará impor sua
própria experiência de mundo como objetiva e válida para todos.
Quanto às culturas alternativas, Cosgrove (2012) localiza como elemento
residual mais presente na paisagem europeia, o edifício da igreja medieval.
Como cultura emergente, apesar de transitória, Cosgrove (2012) elenca a
cultura hippie dos anos 604 ; e define como manifestação de culturas excluídas,
as que são suprimidas, de forma ativa ou não e que destacam os símbolos de
grupos como mulheres, crianças, ciganos, mendigos, gangues de rua, gays5 e
prostitutas, codificados na paisagem da vida cotidiana e ainda aguardando
estudos geográficos mais detalhados e profundos.
Segundo Corrêa (1995, p. 291), trata-se “de paisagens próprias, muitas vezes,
imperceptíveis aos olhos da cultura dominante, mas rica de símbolos e signi-
ficados para o grupo excluído”. Para Cosgrove (2012) há, portanto, culturas
dominantes (as que exercem uma hegemonia cultural) e subdominantes ou
4 Movimento coletivo de contracultura do final do século XX. Contestava, de forma
pacifica, os valores tradicionais da classe média americana e das economias capitalis-
tas. Levanta-se a hipótese de que a liberdade sexual, a redução na discriminação das
minorias, o ambientalismo e o misticismo atual são, em certa medida, produto da
contestação hippie ao establishment.
5 Autodenominados, mais recentemente e de forma mais abrangente como LGBTs: lésbi-
cas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros (CASTRO, DEUS & SILVA, 2019).
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6 Silva e Deus (2017, p. 68) vão apontar, por exemplo, o exercício de protagonismo
político dos índios Krenak do Rio Doce (remanescentes dos “botocudos”- impor-
tante família etnolinguística do tronco Macro-Jê, domiciliada na Área Cultural Leste/
Nordeste-, e domiciliados em Resplendor/ MG), como acoplado à “luta pela ob-
tenção de medidas de compensação pelos danos morais e ambientais causados à sua
comunidade pela implantação de grandes empreendimentos, como a Estrada de Ferro
Vitória-Minas e a Usina Hidrelétrica de Energia de Aimorés”. Já Deus, Barbosa &
Tubaldini (2011) vão identificá-lo no comportamento assertivo dos índios Suruí Paiter
de Cacoal/ RO, que receberam em outubro de 2008, em Genebra (Suiça), prêmio da
Sociedade Internacional de Direitos Humanos pela denúncia feita por suas lideranças,
de exploração ilegal de madeira nas terras indígenas da Amazônia Meridional.
7 Graffiti.Tipo de manifestação artística surgida em Nova York, nos Estados Unidos
da América. Consiste num movimento organizado nas artes plásticas, em que o
artista cria uma linguagem intencional para interferir na cidade, aproveitando seus
espaços públicos para a crítica social. No Brasil, o grafite chegou ao final dos anos
70 (século XX), em São Paulo. Hoje o estilo desenvolvido pelos grafiteiros brasileiros
é reconhecido entre os melhores do mundo.
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O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
simbolismo das Paisagens é muito mais amplo do que no passado, pontuando
ainda que esta apropriação simbólica do mundo produzisse estilos de vida (gens
de vie) e paisagens distintas, com uma especificidade histórica e geográfica.
E a tarefa da Geografia Cultural seria tentar apreender e compreender esta
dimensão da interação humana com a Natureza e seu papel na ordenação
do espaço. O autor também pontua, contudo que,
apesar de toda a divergência teórica, metodológica e de material perceptível
em seus textos, os geógrafos culturais compartilham o mesmo objetivo de
descrever e entender as relações entre a vida humana coletiva e o mundo
natural, as transformações produzidas por nossa existência no mundo da
natureza e, sobretudo, os significados que a cultura atribui à sua existência
e às suas relações com o mundo natural (COSGROVE, 2000, p. 34).
Cosgrove vai se interessar ainda por temas abrangentes como a iconografia da
paisagem e a imaginação em relação à Paisagem (NAME, 2010). Para ele, as ima-
gens são construídas pelo geógrafo que, a partir de sua visão de mundo, constrói
representações sobre dado aspecto da realidade, destacando se que a imaginação
desempenha papel crucial na formação desta sua visão de mundo (CORRÊA,
2011). É bastante sugestivo observar, por outro lado, que “como geógrafo, Cosgrove
tinha nas imagens, enquanto representações iconográficas, cartográficas, por meio
de pinturas, fotografias e imagens de satélite, assim como da paisagem cultural,
verdadeiras e ricas fontes de pesquisa e reflexão”. Ele visualizava os mapas como
“representações impregnadas de valores” (CORRÊA, 2011, p. 10).
Os geógrafos sempre reconheceram a centralidade de um profundo e
íntimo conhecimento da área de estudo. E os dois caminhos para isso são a
realização de trabalhos de campo e a interpretação de mapas (COSGROVE,
2012). E porque a Cultura, como qualquer atividade física e social, é tanto
espacialmente estruturada como geograficamente expressa, é que o mapa
permanece como um poderoso modo de visualizar e representar os aspectos
espaciais de como as culturas se formam, interagem e se transformam.
E é pertinente notar que os mapas não se limitam às representações com base
em dados estatísticos, constituindo-os também representações gráficas de tudo
aquilo que é lembrado, imaginado e contemplado em termos materiais e ima-
teriais; do que é real ou desejado, do todo ou da parte, vivenciado ou projetado.
Observamos, portanto que Cosgrove:
realizou, através das suas obras de referência, uma renovação epistemológica
na ciência da Geografia, mais especificamente pelos seus estudos voltados à
categoria de paisagem, reformulada categorialmente em sua obra também nas
dimensões iconográficas, iconológicas e simbólicas (CARVALHO, 2017, p. 87).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
José Antônio Souza de Deus
O LEGADO DE COSGROVE DISCUTIDO EM PRODUÇÕES CIENTÍFICAS RECENTES: UMA CONTRIBUIçÃO AO DEBATE SOBRE AS IDEIAS DO AUTOR
Ciências Sociais, as quais sustentam o amplo campo dos estudos culturais”
(COSGROVE, 1999, p. 17).
Para Scott Hoefle, Cosgrove poderia ser caracterizado como um pesquisador
“bastante consistente filosoficamente através dos anos na sua migração inte-
lectual do Marxismo Cultural ao Pós-Modernismo” (HOEFLE, 1999, p. 83).
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