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CUIABÁ, MT.
NOVEMBRO, 2013.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CUIABÁ, MT.
NOVEMBRO, 2013.
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
Bibliografia: f. 105-114
Catalogação na fonte: Maurício S.de Oliveira CRB/1-1860.
FOLHA DE APROVAÇÃO
_________________________________________________
Prof. Dr. Luiz da Rosa Garcia Netto – Orientador
Universidade Federal de Mato Grosso
__________________________________________________
Prof. Dr. Cornélio Silvano Vilarinho Neto – Examinador Interno
Universidade Federal de Mato Grosso
__________________________________________________
Prof. Dr. Geovany Jessé Alexandre da Silva – Examinador Externo
Universidade Federal da Paraíba
__________________________________________________
Profª. Dra. Cleusa Aparecida Gonçalves Pereira Zamparoni – Suplente
Universidade Federal de Mato Grosso
À minha filha Alice: razão da minha vida.
Que me ensina a ser mãe e a ser criança de novo.
Que me ensina, a cada dia, o significado do amor e da paciência.
Que coloca mais cor na vida.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador e amigo Luiz da Rosa Garcia Netto, por todos os ensinamentos que
me permitiram crescer a cada diálogo e que fez despertar em mim o desejo pela docência.
Ao Prof. Cornélio Silvano Vilarinho Neto, por ter aceitado o convite de fazer parte da
minha banca de mestrado e por toda a experiência profissional e apontamentos feitos que
deram mais qualidade à dissertação.
Ao Prof. Geovany Jessé Alexandre da Silva, por também ter aceitado o convite de
fazer parte da minha banca de mestrado e que fez sugestões e análises de extrema relevância
ao estudo proposto.
Às professoras Giseli Dalla Nora e Amli Paula Miranda por todas as manifestações de
incentivo na minha caminhada enquanto mestranda.
Aos colegas de mestrado com quem pude compartilhar valiosos momentos de debate
acadêmico que certamente acrescentaram conteúdo e amizade na essência de cada um de nós.
À minha mãe Marta Maria Cançado Nogueira de quem herdei a perseverança, o prazer
pelo estudo e a garra para superar as adversidades da vida. Por ser também o meu maior
exemplo de ser humano, de mãe e de mulher.
À Deus, por ter me mostrado, em cada etapa da vida, que eu sou capaz e por me dar
forças diariamente para atingir os meus objetivos.
Muito obrigada!
“Durante a Idade Média a fronteira não era mais do que uma ficção. Como poderia ser
diferente, se faltava toda instrumentação cartográfica de precisão. Foi a Renascença
que, ao criar o mapa geográfico, provocou a projeção material da idéia. O espírito
de simplificação traço manifesto da civilização moderna, introduz traçados visíveis e
precisos – fronteira linear, fronteira natural. Mais tarde, a Revolução Francesa
introduziu o conceito de Nação no vocabulário político, invocando uma noção que,
não sendo mais instável, pelo menos é mais subjetiva, a fronteira espiritual”.
Jacques Ancel, “Geographie des Frontieres” – 1938
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO................................................................................................................12
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................105
RESUMO
The process of integrating economic, social and cultural brought by globalization and the
trend of formation of economic blocs brought out the cliché of a borderless world, down trade
barriers, free movement of goods, services, capital and people, with the bureaucracy of the
right to come and go. In this perspective, the border was once seen as the cutting line, limit
national sovereignty, is perceived as a place of contact, coexistence and cooperation. From the
concept of viability of Rota Pantanal Pacific, but also because of the impossibility of studying
all boundaries described in its route, the border zone Caceres / Brazil and San Matías / Bolivia
was chosen as the study area in order to demonstrate that neighboring countries, with different
laws, however, with great tourism potential, can enhance cooperation and cross-border
integration, from the economic activity of tourism. From the standpoint of theory and method,
analyzes were based, especially from three geographical categories, namely: the territory, the
landscape and the border. The Comparative Law was also a method of analysis, based on
which it sought to interpret and harmonize legislation focused on tourism, in order to facilitate
the integration process. The dissertation is eminently conceptual and have not been made
questionnaires or interviews. From the bibliography elected and information gathered
integrationist proposals were prepared, aiming to integrate the border zone Caceres / Brazil
and San Matías / Bolivia, to intensify cross-border tourism. At the end, we intend to promote
a reflection on the concept of the border as well as understand the process of
“refunctionalization” showed that the permeability and flexibility for these regions. The topic
is of importance as it integrates matogrossense regional context and discusses relevant subject
for Geography. Furthermore, the survey allows an interdisciplinary dialogue between two
social sciences, geography and law and has been the subject of frequent debate in national and
international events, as well as being a concern from government which has provided the
creation of development programs in borders.
INTRODUÇÃO
FONTE: PARIS, Osvaldo A., 2013. / Org. PARIS, Marcela C. N., 2013.
Ademais disso, a pesquisa faz parte também de um dos trabalhos desenvolvidos pelo
Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrado (GEEPI), que é composto por
docentes e discentes da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), bem como de outras
instituições de ensino superior, e que desde a 1ª viagem expedicionária coordena atividades e
estudos relacionados à Rota Pantanal Pacífico.
Entretanto, no presente estudo, a referida Rota funcionou como um pano de fundo
capaz de proporcionar uma discussão a respeito de países fronteiriços que a integram.
Certamente, seria inexequível um projeto de pesquisa, em nível de mestrado, que se
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propusesse a estudar todas as fronteiras que delineiam a Rota Pantanal Pacífico, razão pela
qual o estudo necessitava de um recorte pontual.
Nesse sentido, o estudo põe sua lente de aumento sob a zona de fronteira Cáceres, no
Brasil e San Matias, na Bolívia, ainda que em alguns momentos a escala de abordagem
internacional ou nacional seja chamada a elucidar pontos específicos da Rota Panantal
Pacífico.
Diante do desafio interdisciplinar e da tendência cada vez mais assumida do fim dos
limites rígidos entre as disciplinas, especialmente as ciências sociais, foi desenvolvida essa
proposta: estudar a zona de fronteira Cáceres – San Matias, tendo como pano de fundo o
turismo, enquanto atividade econômica e o desafio de compreender e tentar equacionar
legislações distintas. Ambos os municípios integrantes da Rota Pantanal Pacífico e do estudo
de viabilidade desta Rota, desenvolvido em Dissertação de Mestrado, no ano de 2008, no
Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso, pela
turismóloga Vanilde Alves de Carvalho, que foi a primeira Diretora do Instituto Pantanal
Pacífico – IPP.
É cediço que o estudo acerca das fronteiras assume grande importância no Brasil que
possui uma extensa faixa territorial de fronteira com diversos países, além da questão
estratégica de política internacional e econômica, como o Mercosul. Ademais, além de
estabelecer um diálogo interdisciplinar entre diferentes áreas do saber, ainda promove e
divulga um maior conhecimento das áreas fronteiriças traçadas pela referida Rota Pantanal
Pacífico.
No âmbito da ciência, o tema das fronteiras passou a ser objeto de debate em eventos
como o FRONTUR – Seminário Internacional de Turismo de Fronteira, que em 2010
completou sua sétima edição, e ainda, na esfera governamental tem fomentado programas de
desenvolvimento para o turismo de fronteira, por meio dos Ministérios de Integração Nacional
e do Turismo, no Brasil.
A Portaria nº 162, de 26 de agosto de 2011, publicado no Diário Oficial da União
(DOU), deu ao Frontur o status de programa do governo federal, com vistas a incrementar e
fomentar o turismo de fronteira. Contudo, o Frontur que apresentava três grandes focos de
discussão, a saber: o acadêmico, o empresarial e o político, perdeu o caráter de estudo e hoje
se encontra limitado ao rótulo de programa de governo, tendo perdido a essência dos debates
que envolviam diferentes profissionais e ciências.
O objetivo central desta dissertação é demonstrar que países fronteiriços, a exemplo de
Brasil e Bolívia, especificamente na zona de fronteira Cáceres e San Matias - apresentam
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Na etapa seguinte, de posse do aporte teórico necessário, foi feita a análise dos dados e
informações coletados. Considerando que a pesquisa tem caráter eminentemente conceitual,
não foram aplicados questionários ou entrevistas, em razão da impossibilidade de
deslocamento até a fronteira. Para tanto, foram analisados relatos de viagens expedicionárias
que tiveram a zona de fronteira Cáceres – San Matias como destino.
Propor uma reflexão teórica baseada na abordagem da fronteira fez com que clássicos
consagrados ajudassem na criação e estruturação do referencial teórico. Foi desta forma que
importantes conceitos epistemológicos foram buscados em Raffestin, na obra “Por uma
geografia do poder”, em Edward Soja, em “Geografias Pós-Modernas” e em Milton Santos,
nas obras “Por uma geografia nova”, o “Espaço Dividido” e no documentário “O mundo
global visto do lado de cá”.
É certo que outros autores deram suporte teórico ao entendimento das categorias
geográficas de análise eleitas, auxiliando assim tanto na compreensão, como na interrelação
entre as categorias território, paisagem e fronteira.
Considerando a dificuldade de encontrar literatura especializada sobre o tema,
especialmente acerca de San Matias, na Bolívia, e o acesso a periódicos já esgotados, a
internet foi uma ferramenta de extrema relevância para a consulta de artigos científicos e
periódicos jurídicos e geográficos.
De posse do aporte teórico necessário, foi utilizado o método de análise do Direito
Comparado, a fim de estudar legislações de países distintos, sob um mesmo aspecto. De outro
lado, em razão da impossibilidade de pesquisa in loco e diante da proposta de elaboração de
uma dissertação voltada para um viés mais conceitual do que empírico, foram analisados
relatos de viagens expedicionárias ocorridas entre 2006 a 2010, no percurso da RPP.
Esses relatos de viagens serviram para dar mais realismo a um estudo que envolve não
somente leis e territórios, mas pessoas que vão e vem, esporádica ou cotidianamente. O fluxo
de pessoas e o direito de ir e vir está amparado, portanto, nas concepções científicas e nas
experiências vividas na zona de fronteira.
Feito o desenho metodológico do estudo, cumpre apontar uma ferramenta
indispensável, adotada como referência, pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UFMT, para a elaboração e normalização da dissertação que foi o manual desenvolvido pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ – que reúne as normas da Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – destinadas a orientar e padronizar a produção
acadêmica.
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Por último, espera-se que o presente estudo possa servir como um roteiro de passagem
para aqueles que pretendam debater a atividade econômica e legal do turismo, sob a ótica da
Geografia, bem como abrir caminho para uma futura discussão em nível de doutorado.
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1.1 O TERRITÓRIO:
A primeira noção que se deve ter de território é que o mesmo não equivale a espaço,
mas sim um recorte do mesmo. E a partir daí, entender que ele é definido e delimitado a partir
das relações de poder. Logo, sujeito a uma ação de dominação política.
Se uma linha cronológica imaginária fosse traçada para o estudo do território, o
primeiro expoente a trazer importantes contribuições para sua discussão seria Raffestin
(1993). Em sua clássica obra “Por uma Geografia do Poder”, o espaço é visto como um palco
pré-existente ao território, sendo este de caráter eminentemente político. E acrescenta:
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se
forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático (ator que realiza um programa em qualquer nível). Ao se apropriar de
um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, por representação), o ator
“territorializa” o espaço. (p. 143)
cultural, atrelada a ideia de identidade social; e, ainda, uma econômica, sob a ótica das classes
sociais e do binômio capital-trabalho.
...esses três elementos não são mutuamente excludentes, mas integrados num mesmo
conjunto de relações sócio-espaciais, ou seja, compõem efetivamente uma
territorialidade ou uma espacialidade complexa, somente apreendida através da
justaposição dessas três noções ou da construção de conceitos “híbridos” como o
território-rede.
Há que se concordar com o autor, pois essas três dimensões retratariam os chamados
territórios-zona, territórios-rede e aglomerados de exclusão que se fundem como explica o
próprio autor. Souza (2001) apud Bordo (2001, p. 03) comunga deste mesmo entendimento de
que, mais do que relação de poder, o território detém uma dimensão culturalista, marcada por
conflitos em razão das diferenças culturais. Enquanto para Saquet (2007, p. 04), a natureza é
mais um viés de análise a ser considerado no estudo do território.
Todavia, a ênfase político-administrativa dada ao território, enquanto espaço “físico”
onde se localiza uma nação e onde se delimita uma ordem jurídica e política vem ao encontro
da concepção de território compreendida pela ciência jurídica.
O conceito de território, como componente do Estado, somente aparece com o Estado
Moderno. Entretanto, não há que se falar que os Estados Antigos, Grego, Romano e Medieval
não tivessem território. O que ocorre é que a concepção do termo surge no Estado Moderno,
com uma leitura pertinente ao contexto da época.
Para a ciência jurídica, os elementos do Estado são: o povo, o território e o governo
soberano, em que pesem as divergências doutrinárias que pairam sob este último elemento.
Nas palavras de Silva (2002, p. 98): “Território é o limite espacial dentro do qual o
Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens.”
Já na concepção de Kelsen (1998, p. 22) território é o âmbito de validez da ordenação
jurídica que se chama Estado:
O que se depreende da leitura é que tanto para Silva quanto para Kelsen, o território
representa o limite dentro do qual o Estado pode praticar o denominado jus imperi, ou seja,
onde é permitido exercer a autoridade, governar, aplicar atos coercitivos e o poder
jurisdicional.
Meireles (2012) comunga da mesma linha de entendimento, para quem o território é
um dos elementos originários e indissociáveis do Estado. Trata-se da base física, onde ocorre
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a validade da sua ordem jurídica, ou seja, é o espaço certo e delimitado onde se exerce o
poder de governo sobre os indivíduos. Por fim, Meireles conclui que o conceito possui
conteúdo de natureza política, não se reduzindo ao significado geográfico.
Para efeito jurídico, o território compreende a superfície terrestre, o solo, o subsolo e o
mar territorial, onde as leis são aplicadas visando o interesse público e o bem estar social.
A partir daí, torna-se palpável perceber que a concepção de território tratada por
Raffestin, que revela relações marcadas pelo poder, não se distanciou muito do que a ciência
jurídica até hoje entende como sendo território. Poder e território são elementos autônomos,
mas relacionais.
Ademais, a complexidade do estudo sobre território e sua detecção são importantes
para diversos contextos, tais como: criação e aplicação de políticas públicas, serviços
públicos, dentre outros. Para Raffestin (1993), o espaço é a “prisão original”, enquanto o
território é a prisão que os homens constroem para si, ou seja, locais de possibilidades e de
relações efetivas.
Diante da imensidão e das diferentes abordagens acerca do conceito de território, faz-
se oportuno apresentar o Quadro 01, numa espécie de síntese, em ordem cronológica, de todas
as ideias expostas, com um breve apontamento dos elementos considerados em cada análise.
KELSEN (1998) ...o território é o espaço dentro do qual é Limite para o exercício da norma
permitido que os atos do Estado e, em jurídica.
especial, os seus atos coercitivos, sejam
efetuados, é o espaço dentro do qual o - Relação contínua entre Estado e
Estado, e isso significa, os seus órgãos, Território
estão autorizados pelo Direito
Internacional a executar a ordem jurídica
nacional”. Assim para que isso possa
ocorrer é necessário que exista uma
relação entre o Estado e o Território.
ROGÉRIO Esses três elementos não são mutuamente - Três dimensões de análise que se
HAESBAERT (1997) excludentes, mas integrados num mesmo justapõem: jurídico política, cultural e
conjunto de relações sócio-espaciais, ou social.
seja, compõem efetivamente uma
territorialidade ou uma espacialidade
complexa, somente apreendida através da
justaposição dessas três noções ou da
construção de conceitos “híbridos” como o
território-rede.
SAQUET (2007) A natureza é mais um viés de análise a ser Importância da natureza (espaço físico)
considerado no estudo do território.
JOSÉ AFONSO DA Território é o limite espacial dentro do Limite para exercício do jus imperi
SILVA (2002) qual o Estado exerce de modo efetivo e
exclusivo o poder de império sobre
pessoas e bens. Ou, como expressa Kelsen:
é o âmbito de validez da ordenação
jurídica chamada Estado.
MEIRELLES (2012) Para quem o território é um dos elementos Território é elemento indissociável do
originários e indissociáveis do Estado. Estado
Trata-se da base física, onde ocorre a
validade da sua ordem jurídica, ou seja, é o Base física – validade da norma
espaço certo e delimitado onde se exerce o
Limite para exercício do poder de
poder de governo sobre os indivíduos. Por
governo
fim, Meireles conclui que o conceito
possui conteúdo de natureza política, não Conteúdo de natureza política
se reduzindo ao significado geográfico.
1.2. A FRONTEIRA:
Raffestin (Op. cit. p.153) destacou que toda tessitura implica a noção de limite e
ressaltou que definir, caracterizar, distinguir, classificar, decidir, agir, induzem a noção de
limite: é preciso delimitar. De fato, os limites acompanham o surgimento do homem e seus
significados variam no decorrer do tempo e dos contextos econômicos e políticos, cabendo-
nos compreender que a todo o tempo somos e seremos confrontados com os limites. Ou os
traçamos ou esbarramos neles.
Para complementar a noção de limite, Higa (2008) afirma que a palavra, de origem
latina, foi criada para designar o fim daquilo que mantém coesa uma unidade político-
territorial, ou seja, sua ligação interna.
Neste contexto, faz-se pertinente ainda tecer algumas considerações acerca da zona de
fronteira ou faixa de fronteira que constitui uma expressão de legalidade, associada aos
limites territoriais do poder do Estado. A faixa de fronteira é a área que envolve as faixas de
terras limítrofes de dois países que, no Brasil, corresponde a 150 km de largura e 16.886
quilômetros de comprimento (IBGE, 2010). No mapa, corresponde a uma fita que começa no
Oiapoque e termina no Chuí, abraçando as vertentes setentrional, oriental e meridional deste
“continente” que chamamos Brasil.
A noção de faixa de fronteira nasce no Brasil – Império, mais exatamente de uma lei
de 1850 que correspondia a 10 léguas de sesmarias, ou seja, a 66 quilômetros. Nas palavras do
General Jorge Armando Félix, no Seminário Perspectivas para a Faixa de Fronteira, realizado
em Brasília, em 2011, provavelmente, a legislação refletia receios históricos da pátria mãe
portuguesa, cercada pela grande Espanha.
Com a evolução da tecnologia militar, a Constituição brasileira de 1937 ampliou a
faixa de segurança nacional para 150 quilômetros, mantida até hoje pela Constituição Federal
de 1988, sendo descrita como fundamental para a defesa do território nacional, em seu art. 20,
§ 2º.
A faixa de fronteira aponta para um espaço de interação, uma paisagem específica,
com espaço social transitivo e composto por diferenças oriundas da presença do limite
internacional. Vale acrescentar que nem todos os países adotam a faixa de fronteira, como é o
caso do Chile, na América do Sul. A Argentina, por sua vez, não tem um instrumento legal
que defina a área de fronteira, apesar de considerá-la.
Do ponto de vista acadêmico, a faixa de fronteira é sempre próxima a linha limítrofe
que não pode ser ignorada, não só por ser instância burocrática administrativa, mas também
por representar um marco significativo na história dos países envolvidos
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A fisionomia dos lugares que integram o roteiro proposto da Rota Pantanal Pacífico,
expressa unidades de paisagens que vão do interior do Continente Sul-Americano,
Cordilheira dos Andes e Litoral da área tropical do mesmo. Pela variedade de
fatores, dentre os quais se destaca a variação do relevo, tem-se uma composição de
destacados contrastes das diversas paisagens que compõem o quadro natural, no
contexto mais amplo, da América do Sul.
Nas palavras de Carvalho (2008, p.35), idealizadora da Rota Pantanal Pacífico:
1.3. A PAISAGEM:
Não cabe falar de turismo, enquanto atividade econômica, sem abordar esta categoria
analítica que é utilizada como produto de integração de países e de consumo para os turistas.
Para Bertrand (1971), a paisagem é uma certa porção do espaço, resultante da
interação dinâmica e instável de atributos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo
dialeticamente uns sobre os outros, fazem dela um conjunto indissociável.
Com efeito, não seria a simples junção de elementos geográficos que caracterizariam
uma paisagem, mas uma combinação dinâmica e instável dos elementos físicos, biológicos e
antrópicos, vez que a paisagem é total, é fruto da interação homem-natureza.
A leitura da paisagem no estudo do turismo, segundo Rodrigues (1999, p. 45) é uma
abordagem centrada no sujeito: “há pelo menos duas formas de entender o espaço geográfico.
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A primeira delas, clássica e mais usual, é observar sua expressão fisionômica – a paisagem.”
E acrescenta:
Todas as definições de paisagem partem do ponto de vista de quem a contempla e a
analisa, como se a paisagem não existisse sem alguém que a observasse. Desde que
o observador é um sujeito, o conceito de paisagem é impregnado de conotações
culturais e ideológicas. Mesmo que se trate de uma foto e, portanto, de um quadro
estático, vários elementos podem interferir na captação da imagem, tais como o
ângulo escolhido, a incidência da luz, o jogo de luz e sombra, a distância, realçando
ou escondendo detalhes.
Em que pese a RPP seja apenas o pano de fundo deste estudo, uma vez que o foco da
pesquisa concentra-se na fronteira Cáceres/Brasil e San Matías/Bolívia, é sempre válido
apresentar a sua escala maior, de dimensão internacional, a fim de contextualizar as suas
origens. Assim sendo, a Rota Pantanal Pacífico passa por cinco países, Brasil, Bolívia, Peru,
Chile e o norte da Argentina, conformados no entorno dos eixos centrais das rodovias
Interoceânica, Bioceânica e Pan-americana. Nos artigos de Carvalho (2008), a localização e a
proximidade dos atrativos, estrategicamente posicionados próximos uns dos outros, a uma
distância que justifica a proposição da rota. E acrescenta (p. 29):
dimensão culturalista, vez que a RPP está permeada por grande diversidade turística e
cultural.
No intuito de compreender melhor os países que compõem o objeto de estudo e seus
recursos naturais, passíveis de integração de uma rota turística, foi criado um quadro, com
base nas informações reunidas por Carvalho (2008). Senão, veja o Quadro 02, a seguir:
• Lago Titicaca
• Copacabana
• Ilhas do Sol e da Lua
• Cumbre de Chacaltaya
• Vale dos Yungas
• Vale da Lua
• Sitio Arquiológico de Tiahuanaco
• Parque Nacional de Madidi
Oruro:
• Zona Franca
• Carnaval de Oruro
• Lago Poopo
• Sítios Coloniais
Departamento de Potosí:
• Lagoas Coloridas
• Vale encantado de Tupiza
Tarija:
• Vinhos de Camargo
• Pomares de Tomatitas
• Festivais Folclóricos de Tarija
• Vales
Departamento de Chuquisaca:
• Cidade de Sucre
• Centro Colonial
• Palácio de la Glorieta
• Cemitério Cental
Departamento de Cochabamba:
• Vila Tunari
• Cristo de la Concórdia
• Sítios Naturais
• Rotas Eco turísticas
• Pés dos Andes
FONTE: Dissertação de Mestrado de Vanilde Alves de Carvalho, 2008 – Análise da viabilidade de implantação
da Rota Pantanal – Pacífico (Brasil, Bolívia, Peru, Chile e Argentina), p. 21-28.
Org.: PARIS, Marcela C. N., 2013.
da preocupação dos governantes em povoar e conquistar essa área que segundo o Tratado de
Tordesilhas pertencia aos espanhóis (JANUÁRIO, 2004).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), Cáceres
possui uma população de 87.942 habitantes, numa extensão territorial de 24.351,408km2. A
altitude é de 118m acima do nível do mar e coordenada 16º11’42” de Latitude Sul e
57º40’51” de Longitude Oeste de Gr., distante 209,70km da capital do Estado de Mato
Grosso, Cuiabá (JANUÁRIO, 2004).
O município faz fronteira com a Bolívia, conforme Figura 02, sendo sua maioria
fronteira seca e em linha geodésica, e por razões de defesa da soberania e segurança, foram
criados ao longo da faixa lindeira uma série de destacamentos e subdestacamentos que
funcionam como bases de apoio.
FONTE: PARIS, Osvaldo A., 2013. / Org. PARIS, Marcela C. N., 2013.
De acordo com a Figura 03, o município de Cáceres está inserido na Amazônia Legal
que corresponde a 59% (cinquenta e nove por cento) do território brasileiro e engloba a
totalidade de oito Estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima
e Tocantins) e parte do Estado do Maranhão (a oeste do meridiano de 44ºW), perfazendo 5
milhões de km2. O conceito da Amazônia Legal foi instituído em 06 de janeiro de 1953, por
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FONTE: PARIS, Osvaldo A., 2013. / Org. PARIS, Marcela C. N., 2013.
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Ainda sobre Cáceres, o município é banhado pelo rio Paraguai que fornece aos
moradores e apreciadores, o turismo de pesca esportivo e o maior Festival Internacional de
Pesca do mundo em águas fluviais. A Bacia Hidrográfica do município é a Bacia do Prata e o
clima é caracterizado como tropical, quente e úmido, com temperatura média anual de 22ºC e
26º. A cobertura vegetal do caracteriza-se pelo predomínio dos cerrados e do pantanal, onde é
possível apreciar uma rica e variada fauna e flora (JANUÁRIO, 2004).
É extremamente válido considerar que a distância de Cáceres até a linha de fronteira é
de 90km em estrada asfaltada e as cidades bolivianas, situadas ao longo da fronteira que
possuem contato com Cáceres são: San Matias a 100km; San Ignácio de Velasco a 380km e
San Rafael e San Miguel a 420km (HIGA, 2008). Estas cidades fazem parte do Circuito das
Missões Jesuíticas que é patrimônio da humanidade e pertence ao rol das potencialidades
turísticas da Rota Pantanal Pacífico.
Por sua vez, a Bolívia é dividida em 9 departamentos, 112 províncias, 312 municípios
e 1.384 subdistritos. Sobre esta divisão, Carvalho esclarece (2008, p. 23):
E por isso foi feito a caracterização de seus departamentos individualmente, porque
cada um deles tem uma função específica, que é a de construir a relação com os
territórios fronteiriços com os países vizinhos, ou de servir de elo e de conectividade
bilateral.
- Agricultura (subsistência)
FONTE: Censo 2010, IBGE. Disponível em: < http//www.ibge.com.br/cidades> / Atlas Estadístico de
Municípios da Bolívia, INE, 2013. Disponível em: < http://www.ine.gob.bo>. / Org. PARIS, Marcela C. N.,
2013.
O que esses dois autores destacam é a riqueza cultural das missões jesuíticas, sendo
que a zona de fronteira Cáceres/Brasil e San Matías/Bolívia é a porta de entrada para conhecer
um pouco mais dessa cultura que é declarada patrimônio da humanidade pela UNESCO.
E por falar em relações criadas na fronteira, o processo de globalização e a formação
dos blocos econômicos estruturados na América do Sul, especialmente o Mercosul que,
visando a facilitação dos deslocamentos humanos instituiu regras para desburocratizar o
trânsito e o acesso de turistas nos países membros e associados. Um novo ordenamento dos
espaços se fez.
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2.1.PARA O INDIVÍDUO
Interessante é a explicação dada por Montoro (1984, p. 301) quanto a proteção aos
demais objetos de regulamentação jurídica:
É certo que existem leis de proteção aos animais, a plantas, a lugares e edifícios
históricos, etc. Mas, na realidade, tais elementos são “objeto” da regulamentação
jurídica e não “sujeito” ou titular de direitos. O que se tem em vista em tais casos é a
conservação desses objetos, prédios, plantas ou animais, por serem úteis ao homem
ou à sociedade. E, em certos casos, procura-se reprimir a manifestação de crueldade
e selvageria, por serem sentimentos anti-sociais. Da mesma forma, quando falamos
dos direitos de um prédio, como a servidão, na verdade estamos usando uma
expressão figurada, pois o direito, no caso, pertence ao proprietário do prédio e não
ao próprio prédio.
Nas palavras de Carvalho (2012, p.06), “não basta a pretensão de querer conhecer o
direito e a sociedade que o cria e o aplica; é preciso também querer conhecer-se.” É
necessário conhecer o indivíduo que cria, ordena, normatiza e é representado pelo Estado e
pelas leis. O mesmo autor ainda acrescenta (p. 06):
de personalidade jurídica e, portanto, dotado de aptidão genérica para buscar seus direitos e
contrair obrigações.
Assim sendo, o indivíduo, enquanto pessoa, deve ser o primeiro elemento de análise
no estudo da fronteira. Nesse sentido, a doutrina civil brasileira entende majoritariamente que
pessoa é todo ente físico ou jurídico suscetível de direitos e obrigações, (DINIZ, 2011). Por
sua vez, pessoa natural ou física é o ser humano considerado como sujeito de direitos e
deveres. O Código Civil Brasileiro, de 2002, preceitua em seu artigo 1º que toda pessoa é
capaz de direitos e deveres na ordem civil. Leite e Strauss (2012) esclarece que pessoa é
alguém que pode exigir seus direitos, mas em caso de violação dos deveres, pode ser punido.
Gagliano e Pamplona Filho (2009) acrescentam que o Código Civil Brasileiro de
2002, por sua vez, entende que o conceito de personalidade jurídica é moldado em primeiro
plano pela psicologia, no entanto, para o Direito, personalidade é a aptidão genética para se
titularizar direitos e contrair obrigações na ordem jurídica, ou seja, é a qualidade para ser
sujeito de direito.
Em seguida, pode-se indagar: mas em que momento a pessoa física adquire a
personalidade jurídica? O Código Civil Brasileiro adotou a Teoria Natalista, segundo a qual, a
personalidade jurídica começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a
concepção os direitos do nascituro.
Neste momento, faz-se prudente dois esclarecimentos: o que se considera nascimento
com vida e o que vem a ser o nascituro. O Direito socorreu-se da Resolução nº 01/1988, do
Conselho Nacional de Saúde, que estabelece que nascimento com vida significa o
funcionamento do aparelho cárdiorespiratório, com a consequente separação da mãe. Vale
destacar que o Brasil adotou posição diferente do Código da Espanha que à luz da dignidade
humana entende que a aquisição da personalidade jurídica não exige forma humana nem
tempo mínimo de sobrevida.
Interessante apontar que, em relação ao natimorto, há projeto de lei em trâmite na
Câmara dos Deputados (Projeto-Lei nº 5171/13) que visa estender aos natimortos o direito de
incluir na certidão de nascimento o nome e o sobrenome, uma vez que, atualmente, constam
na certidão apenas o nome dos pais e a data de óbito. (IBDFAM, 2013). A referida proposta
visa preencher uma lacuna existente na Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015/73.
O nascituro é o ente concebido, mas ainda não nascido, ou seja, ainda não é
considerado pessoa, goza apenas de expectativa de direitos. A pessoa, por sua vez, é dotada de
direitos decorrentes da personalidade, dentre eles, o direito à vida, à liberdade, à saúde, à
honra, à imagem, à integridade física e intelectual, à privacidade, à intimidade.
40
Direitos Humanos são direitos de todos e é válido asseverar o valor jurídico da referida
Declaração. A Corte Internacional de Justiça reconheceu como sendo um costume
internacional, vinculando assim, todos os Estados.
Contudo, não há unanimidade se o indivíduo é sujeito do Direito Internacional.
Durante o Workshop “Cidadania e Nacionalidade no Direito Internacional”, Lima (2009)
41
ressaltou o impasse: “num direito composto por Estados, o indivíduo tem papel secundário:
não é sujeito do direito das gentes.” Mas para os defensores dos Direitos Humanos, a resposta
será oposta: “não se pode excluir a subjetividade jurídica do indivíduo no plano
internacional.”
A doutrina, por sua vez, quando questionada se o indivíduo é sujeito de direito
internacional, se divide em duas correntes de entendimento. A primeira entende que somente
os Estados e organizações internacionais são sujeitos de direito internacional, vez que podem
celebrar tratados e criar normas. A segunda corrente entende que o indivíduo tem aptidão de
exercer direitos em determinadas áreas de direito internacional e contrair obrigações, tal como
ser imputada responsabilidade penal.
No plano internacional, a doutrina acrescenta mais um elemento, não bastando que o
indivíduo seja sujeito de direitos e obrigações, mas deve ter capacidade para exercê-los. Lima
(2009) ilustra:
O direito internacional clássico, formulado principalmente no século XVIII -XIX e
início do XX, não concede ao indivíduo essa capacidade. Para esses doutrinadores, e
principalmente para aqueles de cunho mais positivista como é o caso de Triepel e
Dionísio Anzilotti, como sujeitos de direito internacional figuram apenas os Estados,
soberanos e absolutos no criar e atuar sob as normas internacionais. Este é um
posicionamento que vai ao encontro da prática internacional do período. Para estes
autores, onde também figuram Rolando Quadri e NOME Sereni, os indivíduos são
equiparados a barcos, aeronaves ou fronteiras, como se o direito internacional
simplesmente versasse sobre eles. Dentro desta concepção cabe ao Estado a
representação jurídica de seus nacionais no plano internacional, sobretudo através da
representação diplomática.
É nesta dialética exposta pelo referido autor que o estudo da fronteira deve-se pautar:
perceber o indivíduo como o primeiro elemento integrador de qualquer política pública, como
a força motriz que faz surgir todo e qualquer estudo de turismo fronteiriço, envolvendo tanto
quem atravessa a fronteira, como aquele que ali reside, que ali trabalha que ali estabelece
relações fronteiriças. São também os ritos e costumes dos indivíduos que tornam a fronteira
fascinante e não somente suas problemáticas.
Para Costa, Cisne e Oliveira, (2010, p. 06), o sujeito deve ser analisado ainda sob a
ótica da atividade turística, aonde o “eu” viajante relaciona-se com o “outro”. E assim
propaga:
A fronteira proporciona não só aos turistas, mas também aos moradores desse
espaço a (con)vivência e a possibilidade de contato/encontro. Essa vivência e
convivência nesses espaços ambíguos garantiriam aos seus sujeitos a possibilidade
de trânsito – físico e cultural – transfronteiriço, consagrando-lhes certas
especificidades que representariam a condição fronteiriça. Esta pode ser entendida
como um savoir passer (saber passar), adquirido pelos habitantes das áreas de
fronteira, acostumados a acionar diferenças e semelhanças nacionais, lingüísticas,
jurídicas, étnicas, econômicas, religiosas, que ora apresentam vantagens, ora o
cerceamento de trânsitos e direitos (DORFMAN, 2009). Nesse sentido, a
experiência da vida na fronteira forneceria aos seus habitantes os instrumentos
necessários para articular as diferenças identitárias, propiciando-os tornarem-se,
simultaneamente, portadores e passadores de bens simbólicos ou materiais que
expressam as contradições e diferenças manifestas no lugar fronteira.
2.2.PARA O ESTADO:
da realidade fronteiriça e para quem a segurança é palavra de ordem. Afinal, em que pese os
indivíduos sejam os atores reais da fronteira e quem traça e esbarra nos limites criados, é o
Estado soberano quem dita formalmente as regras do jogo e, para quem a segurança é sempre
a palavra de ordem.
Ramalho Júnior e Oliveira (2006, p. 03) acentuam esta posição:
Com a criação do Estado-Nação, e o consequente surgimento da modernidade, a
ótica do poder central sempre caminhou em direção de uma unidade, das forças
armadas, território, língua e leis que estivessem de acordo com uma lógica nacional.
(...)
Por sua vez, Milton Santos destacou, por ocasião do documentário “O mundo global
visto do lado de cá”, um filme de Silvio Tendler (2011), que a globalização deve ser
compreendida sob três enfoques distintos. Primeiro, a globalização como fábula, que é a visão
romântica que nos fizeram acreditar, que uniria países, pessoas e culturas. Num segundo
momento, a globalização como perversidade, que é o mundo como ele de fato é. A realidade
que estabeleceu fronteiras econômicas e sociais ainda maiores. E, por fim, a figura de outra
globalização, num mundo como ele poderia ser, onde a globalização e o território devem ser
matrizes da vida econômica, política e social.
Por falar em globalização, a sociedade moderna se estruturou na forma de Estados
que, de acordo com a concepção clássica, à grosso modo, quer dizer nações politicamente
organizadas.
Para entender o Estado é necessário recorrer às suas origens. De acordo com Lopes
(2010, p.03):
sobre todas as demais instituições. Põe sob seu domínio todas as formas de atividade
cujo controle ele julgue conveniente.
O Estado pode coercitivamente impor sua vontade a todos que habitam seu
território, pois, seus objetivos são os de ordem e defesa social para realizar o
bem público. Por isso e para isso o Estado tem autoridade e dispõe de poder, cuja
manifestação concreta é a força por meio da qual se faz obedecer. Assim, Estado é a
organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem
público/comum, com governo próprio e território determinado.
O Turismo de Fronteira, a princípio, parece ser difícil por que temos dificuldades em
romper os limites do território e trabalharmos com os não-limites do espaço de
fronteira. Os fronteiriços o fazem com a maior desenvoltura. Na realidade, a
46
burocracia com que os Estados, ditos soberanos, lidam com os limites, parece ser a
maior dificuldade para as fronteiras, enquanto entre lugares, fortalecerem a
identidade de lugares turísticos!
Por sua vez, Banducci Júnior (2011, p. 12) descreve a peculiaridade do turismo
fronteiriço, mas não deixa de lado a informalidade e ilegalidade que permeia estes espaços.
O que os citados autores trazem à tona é a burocracia instituída nas fronteiras e ainda
as relações estabelecidas nesse espaço que podem ser institucionalizadas ou ilegais, sendo o
papel do Estado decisivo. E não poderia ser diferente, vez que além de ser o regulamentador
daquela porção territorial, a ele cabe a normatização harmônica entre os Estados envolvidos
quando a intenção é promover a integração.
Ora, em que pese a existência de uma ordem jurídica e um poder político central,
cruzar a fronteira é um ato de liberdade, de necessidade de se arriscar e conhecer a diferença,
como poeticamente expôs Silveira (2005, p.13). Mas diante da dinâmica espacial das
fronteiras, tal movimento tem implicações, acima de tudo, jurídicas que devem ser bem
definidas, a fim de evitar entraves desnecessários e rusgas entre os Estados fronteiriços.
Por último, em análise acerca do homem e do Estado, Maluf (1988, p. 325) destaca a
necessidade de se equacionar os dois termos, não podendo o Estado desrespeitar as
prerrogativas naturais da pessoa humana tampouco o homem prescindir da autoridade estatal.
mencionado autor completa que criado para estabelecer fronteiras, relações comerciais e as
condições para a paz entre os Estados, novos atores surgiram no espaço internacional, novas
relações se formaram e uma nova leitura deve ser posta em prática, a fim de se debruçar sobre
o mundo de hoje. A partir daí, indaga-se, estamos, de fato, na era do direito global? Como
ficam as fronteiras diante deste panorama que se descortina?
Para Staffen (2013), os processos de globalização criaram uma nova ordem
supranacional, permitindo a livre circulação de capital, mercadoria, bens e serviços. E
arremata:
O declínio do Estado Constitucional nacional e a ascensão de um paradigma global
de Direito decorre, substancialmente, da penetração de critérios econômicos
privados nos assuntos e políticas públicas dos Estados, logisticamente apoiado pelos
avanços tecnológicos. A globalização econômica produz um processo de
globalização jurídica por via reflexa, bem como a globalização também dos
comportamentos jurídicos, tal qual a opção pessoal e facultativa por precedentes na
tradição do civil law entre outros “costumes”.
E assim temos visto. Cada fronteira é uma fronteira, dentro das suas singularidades e
complexidades. E assim temos feito. O Brasil tem procurado celebrar acordos com os países
vizinhos, a fim de minimizar os impactos negativos, decorrentes especialmente de condutas
criminosas. É fato que enquanto o sistema doméstico ainda se debruça demasiadamente para
solucionar os problemas decorrentes da segurança, o Direito Global estende-se para além das
fronteiras do Estado Nacional. A respeito do direito doméstico e global, respectivamente,
Sundfeld ( 2001, p. 01) sinaliza:
Tomo por direito doméstico aquele enclausurado nos limites do Estado Nacional,
isto é, cujas fontes encontram-se nesse Estado (em sua Constituição, em suas leis,
em seus regulamentos...), cujos mecanismos de aplicação e proteção são operados
exclusivamente por seus órgãos (é dizer: por sua Administração e seu Judiciário) e
cujo conteúdo, se não foge à influência externa — afinal, idéias e interesses
econômicos jamais foram contidos pelos mapas — é basicamente construído em
função das necessidades de organização da vida econômica, social e política
internas ao País.
E acrescenta ainda:
48
Como se vê, de acordo com Sundfeld (2001), dois fatores internacionais tomam corpo:
a internacionalização dos direitos humanos e a integração regional. Com relação ao primeiro,
é necessário recorrer a Bobbio (1992) que destaca que o grande problema dos direitos
fundamentais hoje não é o seu reconhecimento, mas a sua proteção. Ou seja, o problema é de
cunho jurídico e não filosófico, uma vez que não se discute mais quais são os direitos, a sua
relativização se decorre de conquista histórica ou natural. Discute-se quais os meios para
proteger e fazer valer os direitos humanos.
Cabe, neste momento, uma análise da fronteira. Um cidadão que viaja, para fazer
turismo na Bolívia, pode ser coagido na fronteira, a pretexto de revista, documentação
irregular ou qualquer outro motivo que vai contra aos seus direitos.
No que pertine à integração regional, cabe ao Estado atuar em diferentes escalas, não
só local, mas especialmente regional, fronteiriça e global. São mudanças pontuais no ambiente
normativo que podem resultar em mudanças efetivas, assim como a quebra do paradigma
estadocêntrico da segurança. Nas palavras de Abreu (2004, p.11):
Durante décadas, houve a predominância do paradigma realista de segurança,
expresso da seguinte forma: a segurança está diretamente relacionada ao poder do
Estado, que se protege contra perigos externos. Esta definição estadocêntrica de
segurança delimita a fronteira entre “ordem” doméstica e “anarquia” internacional.
Isso resulta em um dilema de segurança, pois o que pode ser justificado por um
Estado como medidas legítimas de aumento de segurança, provavelmente será
percebido por outros como o surgimento de uma ameaça militar. No entanto, o foco
na dimensão militar de segurança das grandes potências, típico do período da Guerra
Fria, tem sido reexaminado; assim como a definição de segurança vem sendo revista
para abranger outras dimensões como a diminuição da pobreza e o desenvolvimento
sustentável.
As palavras de Abreu trazem à tona um assunto inadiável e que nos permite refletir:
qual seria o momento da ruptura do paradigma da segurança para a fronteira enquanto região
de oportunidades.
Em consonância com este entendimento, em 2012, Sprandel realizou uma busca
acerca das propostas envolvendo a faixa de fronteira no Senado Federal e na Câmara dos
Deputados, no Brasil, conforme demonstra o Quadro 05. A conclusão a que se chegou é que a
faixa de fronteira da forma como foi pensada pela Constituição Federal de 1988 não condiz
com o momento em que o discurso internacional versa sobre a integração regional e
globalização.
49
O que se depreende dessa leitura é que na zona de fronteira está a maior fragilidade
para aplicar a dinâmica do mundo globalizante, da tendência integracionista, sendo necessária
uma “ressignificação” da concepção de fronteira, que levará naturalmente a necessária
mudança de paradigmas, atrelando-se não somente a proteção da soberania nacional, mas uma
abertura efetiva ao desenvolvimento regional.
É válido demonstrar que a PEC 49/2006 foi proposta em 23/11/2006 e desde o dia
22/03/2011 aguarda inclusão na pauta para julgamento.
Por sua vez, a PEC nº 006/2009, que dispõe acerca da criação do Fundo de
Desenvolvimento dos Municípios de Fronteira, tem o objetivo de reduzir as desigualdades
regionais e promover a melhoria das condições de vida da população dos municípios da
região de fronteira do Brasil. Tal como a PEC nº 49/2006, a de nº 006/2009 também aguarda
inclusão na pauta para julgamento, desde 23/02/2011.
De acordo com o Ministério da Integração Regional, a região fronteiriça brasileira
abrange 15.719km de linha divisória terrestre, em 11 unidades da Federação e abriga cerca de
10 milhões de habitantes. E como justificativa, o referido projeto expôs:
Essa citação traz uma reflexão importante acerca da relação entre fronteira e terras
indígenas no Brasil, uma vez que grandes porções territoriais indígenas localizam-se em
regiões próximas à fronteira do País, o que faz com que a discussão ganhe contornos de
defesa da soberania nacional.
Portanto, a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios cabe à União,
de acordo com o artigo 231, da Constituição Federal vigente e compete ao Presidente da
República a homologação de referida demarcação administrativa.
Nesse sentido, a título de curiosidade, eventual conflito armado entre índios e
posseiros, por exemplo, como o caso da Terra Indígena Raposa do Sol, converte-se em
51
Ou seja, a antiquada visão de que a fronteira era vista enfaticamente pura e somente
como assunto de segurança nacional. A nova proposta, elaborada por um grupo de
pesquisadores e estudiosos renomados do País, dentre eles, Lia Osório Machado, Rebeca
Steiman e Rogério Haesbaert, que tentou estabelecer um elo entre a rigidez acadêmica e as
vicissitudes que circundam a realidade fronteiriça.
À época, o então Ministro da Integração, Ciro Gomes, destacou a importância de
superar a visão da fronteira como um “espaço problema” em favor de uma concepção que
privilegia a região como “um espaço pleno de oportunidades de desenvolvimento”, de união
com os nossos vizinhos e de valorização da cidadania.
52
(...)
Para tanto, o Brasil tem desenvolvido ações nas regiões fronteiriças, visando o seu
desenvolvimento, a sua proteção, bem como a integração com os países vizinhos. Tais ações
envolvem diferentes abordagens e, consequentemente, trouxeram à tona dificuldades
particulares das suas respectivas áreas de atuação. Contudo, não deixa de ser um marco
significativo e propulsor da integração fronteiriça, sob diferentes aspectos. Senão, veja o
Quadro 06 abaixo:
CADASTUR - Sistema
de Cadastro de
Prestadores de
Serviços Turísticos:
55
sistema de
Cadastro do Ministério
do Turismo (Cadastur)
ao Sistema de
Certificação da Agência
Nacional
de Transportes
Terrestres. A intenção é
unificar as informações
e criar um selo a ser
afixado nos
veículos, que
possibilitará ao agente
fiscalizador fácil
percepção da a
regularidade do
transportador turístico.
Áreas de Livre Ministério de Na Região Norte, várias
Comércio – ALCs Desenvolvimento ações vem sendo
Indústria e Comércio realizadas para apoiar
Exterior – (MDIC) –, projetos de produção,
Superintendência da infraestrutura
Zona Franca de Manaus econômica, pesquisa e
(SUFRAMA) desenvolvimento,
capacitação de recursos
humanos e promoção
do turismo.
FONTE: Bases para uma Proposta de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira – Grupo de
Trabalho Interfederativo da Integração Fronteiriça, 2010, p. 34 a 39. Disponível em:
<http://www.integração.gov.br>.
Org. PARIS, Marcela C. N., 2013.
serão concentradas em quatro deles: Mato Grosso e Amazonas, considerando que estes são
Estados-Sede da Copa do Mundo FIFA-2014; no Acre, em razão da Carreteira Interoceânica,
que fará a ligação entre Rio Branco e Lima; e, ainda, no Amapá, em razão da integração
Brasil-França.
Por último, o outro programa do Ministério do Turismo que envolve as regiões
fronteiriças é o CADASTUR - Sistema de Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos –
seja pessoa física ou jurídica, que atuem na cadeia produtiva do turismo, executada pelo
Ministério do Turismo, em parceria com órgãos oficiais de turismo de qualquer unidade da
federação. O referido programa foi criado para promover a ordem e a formalização dos
prestadores de serviços no Brasil, por meio do instrumento do cadastro, criando um banco de
dados que visa facilidade de acesso e maior confiabilidade nas informações dadas aos turistas.
Esta ferramenta funciona no Brasil, mas foi cedida, por exemplo, ao Paraguai, com vistas à
criação de um cadastro geral dos prestadores de serviços turísticos da América do Sul, o que
na prática ainda não ocorreu.
Por sua vez, o SIMITUR – Seminário Internacional de Migração e Turismo, parceria
entre os Ministérios do Turismo e da Justiça, talvez o projeto que teve menos repercussão em
termos práticos, visa repassar aos agentes da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal,
localizados nas fronteiras do Brasil, informações sobre a importância do turismo para a
economia brasileira. De acordo com o site do Ministério do Turismo, em linhas gerais o
projeto retrata:
A ideia surgiu como uma das alternativas para melhorar o fluxo de turistas nas
fronteiras, depois de constatada a inviabilidade de investimentos brasileiros em
reformas nas Áreas de Controle Integrado, cujos centros de turistas ficam do outro
lado da fronteira brasileira, conforme o Acordo de Recife, de 1993.
Brasil, sendo que em pesquisa virtual acerca do SIMITUR, a busca configura-se inócua, vez
que nenhuma informação atualizada é possível de ser encontrada, senão notícias
desatualizadas.
Assim sendo, a discussão acerca da fronteira a partir do tripé – indivíduo, Estado e
Direito, bem como os projetos brasileiros em trâmite que envolvem a faixa de fronteira
permitem a elaboração de uma reflexão relevante, qual seja: o momento da ruptura do
paradigma da segurança para a fronteira enquanto região de oportunidades.
O dilema da segurança nas fronteiras sempre esteve presente nos planos de governo,
sendo assunto recorrente em razão dos delitos transnacionais, especialmente o contrabando e
o tráfico de drogas que fizeram surgir ações em rede entre órgãos de segurança pública.
Contudo, os programas propostos no Quadro 06, veem demonstrar que, especialmente,
a partir do século XX, os planos de governo desenvolveram um novo olhar sob a fronteira,
como região de oportunidades, de atividade turística, de integração de povos e culturas.
Em consonância com esse entendimento é que foi criado o tripé indivíduo – Estado –
Direito, sob o argumento de que não é possível estudar a fronteira com o foco apenas no
Estado, com os olhos voltados para a segurança e a soberania. Para discutir a fronteira, faz-se
necessário observar o indivíduo, o fluxo de pessoas, o ir e vir constante. É preciso normatizar
a segurança, mas não se esquecer da troca que essa relação fronteiriça pode proporcionar.
Nesse sentido, houve, de fato, uma quebra de paradigma e os projetos governamentais
e as parcerias regionais começaram a vislumbrar melhorias no serviço de saúde, educação e
turismo na fronteira, além de passar a perceber que ali não existiam somente delinquentes,
mas trabalhadores de zona fronteiriça e cidadãos.
Em razão da dificuldade de contato e de acesso a projetos bolivianos que
supostamente envolvam a fronteira, não foi possível estabelecer uma análise sobre a mudança
ou não de visão dos bolivianos acerca da fronteira.
59
fruição de seus bens, quer nas relações de indivíduo, quer nas relações do indivíduo com o
Estado”.
Contudo, como os fatos sociais não são estanques e modificam-se constantemente, o
Direito passou a tutelar os interesses difusos e coletivos, a fim de preencher as lacunas
existentes. Este ramo caracteriza-se pela tutela dos interesses da sociedade, enquanto
coletividade ou grupo social. (PINTO NIETO, 2001, p. 19)
Por sua vez, o Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, fundamental à
organização, ao funcionamento e à configuração política do Estado. Exerce papel de direito
público fundamental, estabelecendo a estrutura do Estado, a organização das instituições e
órgãos, o modo de aquisição e exercício do poder, bem com a limitação desse poder, por meio
dos direitos e garantias fundamentais (PAULO; ALEXANDRINO, 2009, p. 03). Neste
sentido, os autores complementam:
mais uma necessidade para o bem estar humano”, razão pela qual o legislador não se limitou a
tratar do lazer, mas dispôs sobre o turismo também.
O artigo 24, inciso VII da Constituição Federal disciplina que:
Art.24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
(...)
Numa primeira análise é de ver-se que o legislador constituinte tratou o turismo como
atividade econômica vital para o desenvolvimento da nação. E, num segundo momento, cabe
observar os princípios expostos, a saber: o princípio da promoção ao turismo, o princípio do
incentivo ao turismo e o princípio do desenvolvimento do turismo. É necessário compreender
cada eixo norteador, vez que todos eles refletem no tratamento jurídico infraconstitucional do
turismo e dos atores envolvidos neste contexto, Badaró (2006).
Nas palavras de Pinto Nieto (2001, p. 44), promover uma atividade significa dar o
impulso a ela, fazê-la avançar. O papel do Estado no turismo, portanto, é criar condições para
que ela cresça, detectando suas necessidades e fornecendo meios para que ela se realize. Quer
62
O autor traz à tona o fato de que diante da escassez de recursos para a saúde, a
educação e a segurança, sem sombra de dúvida, o lazer fica comprometido, sendo que diante
das dificuldades de arrecadação e aplicação de recursos, o incentivo estatal ao turismo torna-
se reduzido.
Por fim, depreende-se que a promoção e o incentivo ao turismo são elementares para
alcançar o último princípio: o desenvolvimento do turismo. Badaró (2006, p.21) aduz:
Nas palavras do autor, o que a Constituição Federal vigente fez, foi estabelecer um rol
de princípios capazes de orientar os agentes políticos no que se refere ao turismo, uma vez
que a atividade foi destacada como fator de desenvolvimento, em razão dos postos de
emprego e arrecadação de receitas que proporciona.
Feito isto, a priori, vale ressaltar que, no plano das ideias, o Direito Internacional
deriva do Direito Natural – jus gentium -, ou direito das gentes (NUNES, 2011, p.54). Para
Pimenta Bueno (1863) apud Accioly (2000, p. 01/02) assim se faz a compreensão:
... o direito internacional público ou das gentes, jus gentium publicum ou jus
publicum intergentes, é o complexo dos princípios, normas, máximas, atos, ou usos
reconhecidos como reguladores das relações de nação a nação, ou de Estado a
63
Estado, como tais, regulamentadores que devem ser atendidos tanto por justiça como
para segurança e bem-ser comum dos povos.
Em breves linhas, o Direito Internacional é um ramo da ciência jurídica que, por meio
de normas e princípios próprios regula as relações entre os Estados, embora a teoria e a
prática também considerem como atores, as organizações internacionais. Ademais, pode ser
dividido em Direito Internacional Público e Privado. O primeiro reúne o conjunto de normas
aplicáveis nas relações entre países, entre os entes estatais e públicos, enquanto o segundo lida
com situações entre entes privados ou ainda que públicos, que figurem na condição de
particulares. (MARA, 2011).
Não foi somente o Direito que ampliou os seus horizontes de estudo. A Geografia
também o fez. Um dos trabalhos mais antigos, onde foi usada a expressão “Geografia do
Turismo”, data de 1905, escrito na cidade austríaca de Graz, por J. Stradner, citado por
A.L.Gómez (1988:46) apud Rodrigues (1999, p.40):
Os primeiros trabalhos acerca do referido tema apontavam para uma reflexão acerca
do ócio, conforme fez menção o autor supracitado. Mas a expressão “Geografia do Turismo”
foi usada pela primeira vez na década de sessenta, no estudo pioneiro de W. Christaller, na
obra “Some considerations of tourism location in Europe”.
No Brasil, a primeira manifestação do tema ocorreu a partir da tese “O turismo interno
no Brasil”, apresentada no concurso de livre-docência do departamento de Geografia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), por Kleber M.B. Assis, em 1976,
conforme informação de Galvão Filho (2005). A partir daí, foi aberta a porta para a produção
de novos trabalhos que, apesar de ainda tímidos, encararam o terreno árido.
Em razão do capitalismo e do acelerado desenvolvimento do turismo, ligado à
prosperidade econômica que o estudo do turismo no âmbito da Geografia começou a tomar
forma consistente. (RODRIGUES, 1999, p.40) Ademais disso, o citado autor ainda acrescenta
a importância de uma abordagem multidisciplinar e da dificuldade em definir o fenômeno
turístico. No primeiro caso, destaca:
64
Assim pensando, creio não ter sentido defender os estudos do turismo em Geografia
sob o rótulo de Geografia do Turismo e, muitos menos, de Geografia Turística. Os
estudos de Milton Santos demonstram, cada vez mais, uma forma de pensar o
espaço que dispensa adjetivações.
Por sua vez, Castro (2006) apud Grizio (2011, p. 99) relaciona o turismo às categorias
geográficas de análise.
... diante da espacialidade da prática turística, observa-se a necessidade da inclusão
de uma abordagem geográfica do turismo na formação do geógrafo. A autora
destaca que a atividade turística se desenvolve sob o esteio do território, da
paisagem e do lugar, categorias que “imprimem identidade ao conhecimento
geográfico, permitindo a interpretação de fenômenos com dimensão espacial.
Grande contribuição também é exposta por Beni (2001) apud Grizio (2011, p.99)
acerca da pluralidade conceitual do turismo diante das variadas análises pertinentes feitas
pelas diversas ciências.
Em suma, o fato de o turismo encontrar-se ligado, praticamente, a quase todos os
setores da atividade social humana é a principal causa da grande variedade de
conceitos, todos eles válidos enquanto se circunscrevem aos campos em que é
estudado. Não se pode dizer que esse ou aquele conceito é errôneo ou inadequado
quando se pretende conceituar o turismo sob uma ótica diferente, já que isso levaria
a discussões estéreis. Estas poriam justamente em evidencia as limitações
conceituais existentes sobre o fenômeno
O turismo nas zonas de fronteiras permite o contato dos turistas com os moradores
fronteiriços, possibilita a troca de experiências dos que vão e vem e daqueles que assistem o
fluxo de pessoas. De certo, todos são ávidos consumidores de conhecimento e o
enriquecimento é mútuo.
Assim sendo, a atividade turística guarda estreito interesse à ciência geográfica. Numa
análise interessante, Coriolano (2005, p. 18) exalta a narrativa Divina Comédia, de Dante
Alighieri, a partir daqueles que acompanhavam os visitantes, numa comparação ao atual guia
de turismo. Por fim, a referida autora destaca que é preciso compreender os lugares e interagir
com as culturas visitadas para que a fala e o discurso obtenham valor e significado entre os
ouvintes.
E, justamente, por ser a Geografia uma ciência que estuda a Terra enquanto morada do
homem (CONTI (2002) apud CORIOLANO (2005, p. 21)) é que cabe a essa ciência refletir
acerca de toda interferência espacial, bem como qualquer interação estabelecida entre homem
- natureza. Ademais, a denominada “Geografia do Turismo” nada mais representa que o
pensamento geográfico está atenta aos desdobramentos que a atividade turística gera na
sociedade e no estudo das categorias geográficas.
Assim como foi exposto por ocasião da Geografia do Turismo, o Direito do Turismo
também não se trata de uma nova ciência jurídica, mas de um novo olhar dessa ciência a
respeito do turismo enquanto atividade econômica capaz de refletir nas relações sociais e na
normatização do setor.
Já para Badaró (2006, p. 17), duas características marcantes descrevem essa vertente
do Direito, a saber: a maleabilidade e a transcendentalidade. A primeira reflete um ramo
jurídico com conceitos, regras e teorias menos rígidas, menos categóricas, menos fixas, em
razão da própria dinâmica do turismo. A segunda surge em decorrência da maleabilidade e
reflete uma abordagem transversal e integrada de todos os outros ramos do direito, superando
as barreiras do público e do privado.
Surge aqui o Direito do Turismo, ramo jurídico autônomo, maleável e heterogêneo,
que teve como berço a Europa, na segunda metade do século XX, mais especificamente, na
França. Para o supracitado autor trata-se de um ramo jurídico que busca estabelecer as
medidas jurídicas cabíveis e solucionar conflitos oriundos desse campo de atividade.
O conceito de liberdade humana, segundo Rivero (1973) apud Silva (2002, p. 232) é
“um poder de autodeterminação, em virtude do qual o homem escolhe por si mesmo seu
comportamento pessoal.” Um pouco mais além, Silva (2002, p. 232) acrescenta que
“liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à
realização da felicidade pessoal”.
Há que adotar os dois conceitos apontados acima, vez que eles vão ao encontro da
atividade turística que é feita conscientemente, sob os auspícios da liberdade individual.
Liberdade esta que foi conquistada aos poucos pelo homem. Como bem destacou Silva (2002,
p. 231) é válido afirmar “que a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal,
ilegítima e imoral” e, portanto, todas as leis que limitem este exercício devem estar
fundamentalmente descritas, sem abuso de autoridade.
Outro dado interessante decorre da maneira como os franceses fatiam o conteúdo da
liberdade, a partir de três prerrogativas: a liberdade de ir e vir, a segurança individual e a
liberdade de intimidade. Contudo, para nós, brasileiros, as formas de expressão da liberdade
da pessoa física se revelam sob duas modalidades, a saber: a de locomoção e a de circulação,
sendo essa manifestação da primeira (Silva, 2002, p. 236). E ainda acrescenta:
administração pública zele por esses espaços, impondo limites ao turismo, enquanto
atividade consumidora, e que, ao mesmo tempo, estabeleça garantias para ele.
turística, visando facilitar a circulação de turistas e uma maior integração do setor público e
da iniciativa privada, com a elaboração de ações conjuntas e políticas públicas voltadas para o
turismo.
Nesta linha de raciocínio, os procedimentos administrativos para o cruzamento de
fronteira, como é o caso da Rota Pantanal Pacífico, devem prever acordos internacionais que
adaptem as formalidades legais, sanitárias e alfandegárias, facilitando a liberdade de viajar e o
acesso do maior número de pessoas ao turismo internacional. Badaró (2005, p. 143)
acrescenta:
Os acordos entre grupos de países visando harmonizar e simplificar tais
procedimentos devem ser encorajados. Os impostos e os encargos específicos que
penalizem a indústria turística e atentem contra sua competitividade devem ser
progressivamente eliminados ou reduzidos.
Seguindo este raciocínio é que se propõe uma análise da fronteira não somente sob o
enfoque da segurança pública, mas sob a ótica do turismo fronteiriço que também envolve
cooperação, integração e planejamento.
Em consonância com a Lei Geral de Turismo (Lei Federal nº 11.771/2008) e suas
teorias, os territórios fronteiriços podem ser analisados sob os mais variados aspectos e essa
riqueza deve ser vista como uma ferramenta capaz de quebrar paradigmas que envolvem a
fronteira. As atividades relacionadas ao turismo, talvez sejam capazes de sugerir um
desenvolvimento, a partir do planejamento integrado e ordenamento jurídico harmônico.
Neste contexto, Paixão (2006, p. 71) estabelece, ainda, nuances de turismo,
apresentando a diferença entre turismo pela fronteira, turismo na fronteira e turismo de
fronteira. Esse último, na linha do pensamento proposto, Yázigi (2009) parafraseia:
(...) é aquele onde, apesar de possíveis semelhanças com as duas tipologias
anteriores (paisagens, valores culturais etc), ocorrem nuances: esses elementos
podem ser apreendidos sob a territorialidade de países ou de seus fracionamentos
administrativos , mascarando realidades. Para Roberto Paixão, mesmo cidades
afastadas por pequenas distâncias podem entrar no mesmo circuito turístico
valorizado por suas comunidades. Daí que tende a ser uno em sua reprodução,
especialmente quando há conurbações – mas, na sua existência depende de
entendimentos bilaterais, organização e divisão de calendários de eventos etc.
que é um processo que tende a estabelecer uma série de decisões com um alto grau
de racionalização.
Por sua vez, o planejamento não deve ser considerado e coordenado apenas para
adotar políticas de segurança pública na fronteira, mas também para tratar do turismo que vive
silencioso e tímido nessas regiões.
Com relação ao turismo transfronteiriço e a importância da cooperação entre Estados é
que, no final do século XX surge um novo ramo do Direito Internacional, o Direito
Internacional ao Desenvolvimento que, segundo especialistas, é fruto das próprias
contradições vividas no mundo contemporâneo (MEDEIROS, 2013). Ainda para a
mencionada autora, “a cooperação passou a ser vista como um direito essencial que buscava
realizar o desenvolvimento econômico, social, finalista, teleológico e político, de todos os
povos.”
Finalmente, conclui-se que todas estas novas leituras proporcionadas pela ciência
geográfica e pelo Direito permitem uma releitura das relações internacionais entre os países,
permitindo uma nova significação do fluxo de pessoas, de bens e serviços, razão pela qual o
turismo de fronteira pode buscar no direito fundamento para o seu desenvolvimento, mas o
Estado sempre deve fazer parte destes projetos, não apenas promovendo a segurança pública,
mas fomentando a integração e a cooperação a partir da cultura e das potencialidades
turísticas existentes.
73
A discussão sobre fronteira ganha espaço na mídia e nas ciências. São diferentes
abordagens como também diferentes pesquisadores que se debruçam no estudo das fronteiras
sob ângulos distintos. A temática tem tamanha importância e influência não só para as
pessoas, individualmente consideradas, mas também para os Estados soberanos.
Para adentrar numa análise a respeito das reais possibilidades e fragilidades da
integração do turismo de fronteira, envolvendo Brasil e Bolívia, tendo como pano de fundo a
Rota Pantanal Pacífico, faz-se necessária uma análise preliminar acerca de três pontos
fundamentais: o Direito Comparado, bem como as Faixas e Zonas de Fronteira.
O Direito Comparado é o ramo da ciência jurídica que estuda as diferenças e as
semelhanças entre os ordenamentos jurídicos de diferentes Estados. A rigor, não é uma
ciência, mas um método descritivo que auxilia no estudo de diversos ramos do Direito (Paulo
e Alexandrino (2009, p. 03).
Nas palavras de Godoy (2008), a essência do direito comparado é a comparação e a
asserção não é tautológica, ou seja, redundante e acrescenta:
Percepções de qualidade não podem sugerir que se indiquem direitos melhores ou
piores. Os direitos são apenas diferentes. O estudioso do direito comparado deve
estar preparado para a armadilha que a disciplina lhe põe a todo o momento. O
exercício da comparação não se fundamenta, necessariamente, em orientação que
exija montagem de planisfério qualitativo. Em princípio, direitos não são melhores
nem piores, mais ou menos avançados, mais ou menos iluminados. Os direitos são
diversos. (...)
Multiplique-se o problema para os vários modelos jurídicos que há. Nosso sistema
normativo não é universal, nossas instituições não existem em todos os direitos.
Muito mais do que metáforas, rodeios de linguagem ou explicações alongadas, o
direito comparado subsume problema de domínio de língua que afasta da disciplina
monoglotas e juristas que não se dispõem a entender além das fronteiras do direito
que pretensamente dominam.
É fato que sempre existiu, de alguma forma a comparação, a gente sempre olha o que
o outro está fazendo para aplicar e interpretar os nossos direitos. Portanto, o Direito
Comparado não visa à busca pelo ‘melhor direito’, pois isso levaria em conta culturas e
hábitos, mas visa ser uma ferramenta de aproximação entre os países, auxiliando no sentido
de compreender melhor como outros países lidam com um mesmo assunto ou como podem
vir a fazê-lo.
Vale dizer que há certa tradição brasileira de utilização do método de Direito
Comparado, assim como outros países da América do Sul, a fim de repetir argumentações
desenvolvidas por legislações estrangeiras ou até mesmo a citação de autores de outros países,
auxiliando na interpretação do Direito doméstico e nas relações com outros países.
Além da função de servir como ferramenta de aproximação, quando se compara
experiências jurídicas ou busca-se a harmonização, os países envolvidos passam a ter certa
clareza de modelos jurídicos que podem dar certo.
Não há, contudo, um consenso acerca da natureza do direito comparado: se é ciência
ou se é método. Silva apud Vergani (2007, p.30), constitucionalista, defende o
posicionamento de que o Direito Comparado é um método de estudos jurídicos de vários
ordenamentos estrangeiros em confronto metódico. Para o referido autor, não é uma ciência
jurídica em sentido técnico, porque não é um ramo da ciência jurídica, como o Direito
Constitucional ou o Direito Administrativo. Não faz parte do direito positivo, vez que não
elabora regras de conduta humana e, se há alguma regra, ela tem apenas a natureza de modo
de conduzir-se no método comparativo.
De outro lado, há quem defenda que a comparação jurídica é uma ciência autônoma.
Nas palavras de Ivo Dantas (2000, p. 56), trata-se de estudo científico:
Mesmo que um grande número de estudiosos entenda que o Direito comparado é,
simplesmente, método – o método comparativo aplicado às Ciências jurídicas –
assim não pensamos, inclusive porque, conforme raciocínio de QUIRINO RIBEIRO
aplicado à Educação Comparada, “o fato de a disciplina se utilizar,
obrigatoriamente, do método comparativo, não a reduz a este, até porque a
comparação é o ato final de um estudo comparativo. Antes de alcançá-lo deve, o
comparatista, coletar e interpretar fatos e, para tanto, utilizar-se-á de outros métodos,
advindos de outros campos científicos.
A Zona de Fronteira, por sua vez, aponta para um conceito de interação, uma
paisagem específica, com espaço social transitivo e composto pelas diferenças oriundas do
próprio limite internacional. Trata-se de área que envolve as faixas de terras limítrofes dos
dois países, como é o caso das cidades-gêmeas. Neste sentido, Garcia Netto (2009, p. 27) diz:
Nesse sentido, a concepção de zona ou faixa de fronteira, de acordo com o que dispõe
o artigo 20, § 2º, da Constituição Federal, é a faixa de até cento e cinquenta quilômetros de
largura, ao longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para a defesa do território
nacional. A ocupação e utilização desta área são regulamentadas por lei. Portanto, a zona de
fronteira é a porção do território nacional que, em razão da proximidade com a fronteira,
merece atenção especial.
O Brasil apresenta aproximadamente 15.719km (quinze mil setecentos e dezenove
quilômetros) de extensão fronteiriça, sendo que ao longo da faixa de fronteira estão cerca de
588 municípios brasileiros, onde vivem cerca de 10 milhões de habitantes (PUCCI, 2010, p.
31). De acordo com o IBGE (2013), há 25 (vinte e cinco) municípios fronteiriços no Estado
de Mato Grosso. Já maior fronteira que o Brasil faz é com a Bolívia, sendo 3.423km (três mil
quatrocentos e vinte e três quilômetros) de extensão.
Na América do Sul, cinco países reconhecem a Faixa ou a Zona de Fronteira como
uma unidade espacial distinta e sujeita à legislação específica, conforme apresenta o Quadro
07 abaixo:
77
FONTE: PUCCI, Adriano S., 2010. / Org. PARIS, Marcela C. N., 2013.
País localizado na parte central da América do Sul, sem saída para o mar. Tem
fronteiras com o Brasil, Paraguai, Argentina, Chile e Peru. O topônimo Bolívia foi
cunhado a partir do nome de Simón Bolívar, militar venezuelano, responsável pela
independência da sua Venezuela e também da Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.
No Século XVI, foi descoberta uma verdadeira montanha de prata em Potosi. Até o
início do Século XIX, essa foi a mina mais famosa e mais rica do mundo.
A partir dali, diversos caudilhos ocuparam o governo boliviano. O país passou por
diversas convulsões, incluindo guerras contra o Chile (1879-1883) e o Paraguai
(1932-1935). No Século XX, golpes militares destituíram presidentes para
instalarem outros no poder, que, por sua vez, eram também destituídos pelo golpe
seguinte. Esse cenário durou até 1980, quando a normalidade democrática chegou à
Bolívia e lá permanece até hoje. Atualmente, o país é governado por Evo Morales,
ex-líder cocalero, descendente de índios bolivianos.
Sob a ótica do turismo, no ano de 2010, o Brasil recebeu 5.161.000 turistas contra
807.000 turistas recebidos na Bolívia no mesmo ano, segundo dados do The World Bank
(IBGE, 2010). Em que pese a riqueza cultural e natural da República Boliviana, é o país que
pior recebe turistas no mundo inteiro, descrito no Relatório de Competitividade em Viagem e
Turismo, de acordo com o Fórum Econômico Mundial (2013).
Considerando a escassez de estudos sobre regiões de fronteira internacional, em
decorrência da situação duplamente marginal que as tem caracterizado, vez que grande parte
destas regiões está isolada dos centros nacionais de seus respectivos estados, quer pela
ausência de redes de transporte e comunicação, quer pelo menor peso político e econômico
que possuem, a respeito das fronteiras da Rota Pantanal Pacífico, Garcia Netto destaca ( 2009,
p. 27):
Uma das características da maioria das fronteiras da Rota, exceto pela fronteira
chilena e peruana localidade no eixo da Rodovia Panamericana, entre as cidades de
Tacna, no Peru, e Arica, no Chile; as demais estão longe dos grandes centros e não
contam com assistência efetiva dos órgãos que as regem. Uma das mais isoladas
socialmente é a fronteira Chile – Bolívia na região de Tambo Queimado; no Brasil
entre Cáceres e San Ignácio de Velasco. Referente à assistência pública no que diz
79
De fato, considerando a realidade das cidades fronteiriças, Cáceres pode ser tratada
como município privilegiado, especialmente, em razão da sua localização geográfica que
permite o fluxo de pessoas e mercadorias. Todavia, seguindo a linha de entendimento do
mesmo autor, ainda há três sub-eixos potenciais para o estreitamento das relações
socioeconômicas na fronteira do Brasil com a Bolívia, sem passar necessariamente por
Cáceres. São três as opções, a saber:
E acrescenta:
...até 1985 a principal via de comunicação entre San Ignácio de Velasco e Cáceres
era via Porto Espiridião, através do trecho que vai de Ponta do Aterro rumo ao leste,
80
O que todas essas citações retratam é a precariedade dos sub-eixos levantados por
Alves. Ora, todos eles representam ‘opções de acesso’, mas não concorrem com o trajeto
Cáceres – San Matías, que, apesar das dificuldades de acesso, possui o potencial para
integração econômica e turística, além de apresentar melhores condições de pavimentação e
consolidação fronteiriça.
Seguindo essa esteira de entendimento, Paris (2011, p.33) relatou a precariedade da
locomoção e hospedagem no trajeto Cáceres – San Ignácio de Velasco, acrescentando que o
alto índice de tráfico de drogas e roubo de veículo tornam a travessia burocrática, sendo
necessária uma boa dose de disposição e coragem para ultrapassar essas barreiras e desfrutar
das belezas naturais e culturais que permeiam a zona de fronteira.
A fim de tornar o trajeto mais palpável, Paris (2011, p.34) faz um relato descritivo,
elencando as dificuldades observadas:
(...) o turista brasileiro necessita ter um perfil aventureiro para abdicar do conforto e
da segurança para percorrer os 550 Km do trajeto Cuiabá - San Ignácio, seja de carro
particular ou transporte coletivo.
(...) A opção mais confortável para a realização desse trajeto é através de veículo
próprio, uma vez que não há linha de ônibus que faça esse percurso de uma única
vez.
(...)
Diante da experiência relatada por Paris, eis uma importante observação levantada por
Garcia Netto (2009, p. 28) em relação ao produto turístico, que “é produzido no mesmo lugar
onde é consumido”, ou seja, há de se ter uma preocupação com a circulação de pessoas, bens
81
e serviços, não bastando a atração dos turistas, mas a oferta de um produto a ser consolidado a
partir da satisfação daqueles que o experimentam.
As informações mais precisas acerca dos povos chiquitanos é trazida pelo major
Frederico Rondon e exposta por Silva (2008) apud Paris (2011, p. 16):
Os Chiquitos constituem o agrupamento indígena mais numeroso do Pantanal.
Vivem disseminados, nos Municípios de São Luiz de Cáceres e Mato-Grosso, em
cujas fazendas e usinas se empregam como vaqueiros ou lavradores. A maior parte,
porém, vive na zona de fronteira com a Bolívia, em rancharias de cinco a dez
moradores isolados, fazendo pequena lavoura ou caçando animais silvestres para o
comércio de peles. Vestem-se como os nossos sertanejos. O traje das mulheres é
mais simples que o de nossas caboclas.
O estabelecimento de tais relações abrange também o turismo, uma vez que o próprio
Pantanal Boliviano ainda conta com a parceria do município de Cáceres, conforme dispôs
Paris (2011, p. 30):
Ainda tratando do turismo, enquanto atividade econômica, o município de San
Matias abriga toda a parte norte do Pantanal Boliviano, com possibilidades
para desenvolver o ecoturismo e o turismo de aventura, mas atualmente, a
infraestrutura hoteleira que atende a sua demanda turística também está
instalada na cidade de Cáceres. Desta forma, apesar das desconfianças e
preconceitos existentes em função das diferenças culturais inerentes a brasileiros e
bolivianos, faz-se sentir a forte “presença” de cidadãos bolivianos em Cáceres, de
modo que, no cotidiano das duas cidades, são dispensados os procedimentos de
identificação e registro dos cidadãos estrangeiros. (grifo nosso)
Ademais disso, nas palavras da referida autora, a fronteira da Bolívia com o Brasil é
um exemplo da ambivalência de separação e união que envolve os espaços vizinhos, uma vez
que dependendo do nosso olhar, a fronteira pode ser ponte ou barreira, Bruslé (2011, p. 48).
O grande paradoxo é que na formação da República Boliviana, as fronteiras sempre
foram débeis e isoladas, além da perda de grandes poções territoriais em embates com países
vizinhos, inclusive com o Brasil, no que se refere ao atual Estado do Acre, a partir do Tratado
de Petrópolis, firmado em 17 de novembro de 1903. Foi exatamente a partir desse documento
que ficou definitivamente estabelecida a fronteira entre Brasil e Bolívia.
A este respeito, Bruslé destaca (2011, p. 53):
En un país que perdió en el primer siglo de su vida independiente más de la mitad de
su territorio, ese poder de las fronteras es primordial. Lo paradójico es que esas
fronteras demostraron sus debilidades durante toda la historia de Bolivia (siempre se
han retirado) cuando su papel era el de asegurar la permanencia de Bolivia. Todo el
pensamiento geopolítico de Bolivia, que se transmite a los niños, radica en el
axioma que dice que Bolivia seguirá existiendo mientras tenga un territorio. El
problema es que, desde su nacimiento, todo era dudoso en Bolivia: la legitimidad de
su creación, la existencia de su nación y sobre todo su porvenir.
Ainda sobre a República da Bolívia, Chiavenato (1981) apud Vilarino (2005, p.07),
nos conta que:
...de 1870 a 1935, a Bolívia teria perdido 56,5% de seu território. Na primeira data, o
país possuía 2.243.000 Km2. Perdeu 120.000 km2 para o Chile, incluindo todo o seu
litoral, em 1879. Para o Brasil, foram 490.437 Km2, em territórios do Acre e faixas
no Mato Grosso. Para a Argentina, 170.000 Km2 no Chaco Central e na cordilheira
do Atacama, e, com a Guerra do Chaco, 250.000 Km2 para o Paraguai, totalizando a
perda de 1.265.437 Km2.
Em que pese às legislações distintas dos países em análise, muitos acordos já foram
celebrados. O primeiro deles foi em 1958 e foi denominado Acordo de Roboré, assinado em
cidade de mesmo nome. Em verdade, o referido acordo incluía 31 instrumentos diplomáticos
que versavam sobre a exploração do petróleo da Bolívia, a ferrovia Corumbá – Santa Cruz de
La Sierra e a circulação de mercadorias bolivianas.
Em apertada síntese, é possível apresentar um esboço das relações bilaterais
estabelecidas entre Brasil e Bolívia, com amparo nos dados fornecidos pelo Ministério das
Relações Exteriores, de acordo com o Quadro 08 abaixo:
1825 Mato Grosso incorpora a província de Chiquitos. D. Pedro I declara o ato nulo.
Tratado de La Paz de Ayacucho estabelece linha Madeira-Javari como
1867 fronteira comum. – Tratado da Amizade
Chile e Bolívia rompem relações diplomáticas. Brasil representa Bolívia em
1872 Santiago.
1879 Início da Guerra do Pacífico. O Brasil permanece neutro.
1887 Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, que todavia não é aprovado.
1899 Ex-diplomata espanhol Luís Galvez R. Arias proclama a independência do
Acre.
1902 Revolução Acreana de Plácido de Castro (60 mil brasileiros opõem-se ao
Governo boliviano e arrendamento ao norte-americano Bolivian Syndicate).
1903 Modus vivendi sobre o Acre é assinado com a Bolívia para cessação das
hostilidades.
1903 Tratado de Petrópolis. Acre é incorporado ao Brasil, que paga indenização de
2 milhões de libras à Bolívia e se compromete a construir ferrovia Madeira-
Mamoré.
1912 Inaugurada a ferrovia Madeira-Mamoré
1958 Acordos do Roboré (exploração de petróleo, obras ferroviárias e cooperação
econômica)
1969 Tratado da Bacia do Prata (Argentina, Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai)
1973 Acordo para construir gasoduto entre Santa Cruz de la Sierra e a refinaria de
Paulínia - SP
1984 Presidente Figueiredo vai a Santa Cruz, em 1ª viagem de um Presidente
brasileiro à Bolívia
1992 Acordo de Compra de Gás Natural Boliviano. Construção de gasoduto de 3
mil km
1996 Área de Livre Comércio entre o Mercosul e Bolívia
85
Conforme apontado pelo referido autor, é preciso trazer à baila que as fronteiras
também permitem viver um espaço de integração, amparado pelo turismo, capaz de funcionar
88
como uma ponte entre povos, culturas e riquezas naturais, como é o caso de Cáceres e San
Matías que integram a Rota Pantanal Pacífico.
Nessa linha de entendimento, assim como o Brasil, a Bolívia também possui um Lei
Geral de Turismo, aprovada em 25/09/2012 e denominada “Bolivia te espera” nº 292/2012. A
atividade turística invoca os princípios da inclusão, redistribuição, equidade, igualdade,
responsabilidade, solidariedade e complementaridade.
Por sua vez, a Lei Geral do Turismo do Brasil, fruto do projeto de Lei nº 3.118/2008,
deu origem à Lei nº 11.771/2008. A lei apresenta 47 artigos, divididos em seis capítulos,
assim denominados: Disposições preliminares; Da política, do plano e do sistema nacional de
turismo; Da coordenação e integração de decisões e ações no plano federal; Do fomento à
atividade turística; Dos prestadores de serviços turísticos e Das disposições finais.
O primeiro capítulo traz o elemento finalístico da lei, define a atuação do Ministério
do Turismo e apresenta um conceito de turismo, para fins legais que é exatamente o fornecido
pela Organização Mundial de Turismo (OMT, 2001), qual seja:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se turismo as atividades realizadas por
pessoas físicas durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno
habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou
outras.
Oliveira (2009) escreveu uma artigo bastante esclarecedor no que tange a Lei Geral do
Turismo e, em apertada síntese, apresentou uma visão macro a respeito da norma em vigor.
Dentre as análises apresentadas, há pontos e contrapontos de extrema importância, senão
vejamos:
a) A regulamentação proposta constitui verdadeiro avanço em se tratando de
planejamento turístico e, consequentemente, implementação de políticas públicas
por parte do Estado brasileiro;
b) Em que pese a importância do tema, a regulamentação da matéria está na
contramão da tendência mundial de desregulamentação do setor, uma vez que a
regulamentação excessiva pode burocratizar demais uma atividade essencialmente
privada;
c) A lei preferiu deixar de lado questões polêmicas como a finalidade do turismo, por
exemplo, se saúde ou negócios seriam motivos de viagem turística;
d) No capítulo que trata da política do turismo, a lei faz verdadeira promessa de que o
desenvolvimento do turismo gerará empregos e distribuição de renda, em que pese
a realidade não seja assim tão matemática;
89
Para a autora, estes objetivos somente serão alcançados se todos os órgãos, entidades e
pessoas responsáveis pelo turismo não conseguirem sanar o problema de falta de paridade das
políticas federais em nível estadual e municipal.
Em análise oposta e pouco menos otimista, Ferraz (2008, p. 02) entende que “a lei
reguladora desse papel público deveria detalhar o exercício dessas funções de promoção e
incentivo, o que não parece ser o caso da Lei n. 11.771/2008, que dá preferência, ao menos
quantitativa, à função fiscalizadora.”
Por último, o referido autor define a lei como tímida, óbvia e repetitiva (p. 02):
Óbvio é dizer que a Política Nacional de Turismo é composta por leis e normas
voltadas ao planejamento e ordenamento do setor, e — não poderia ser diferente —
observará princípios constitucionais (art. 4º).
Seja como for, óbvia ou repetitiva, otimista ou tímida, o que resta nítido é que a Lei
Geral de Turismo do Brasil apresenta avanços e falhas. Não caracteriza um retrocesso, ao
contrário. De fato, há instrumentos que não foram regulamentados, deixando lacunas, o que
pode possibilitar um planejamento turístico consistente, visando o desenvolvimento de
políticas públicas para o setor, inclusive para o turismo internacional (OLIVEIRA, 2009).
E talvez este seja um dos modos em que a fronteira se torne permeável e flexível,
aparentemente, sem atritos, por meio do turismo, por meio de um planejamento turíst ico
90
integrado que vise o desenvolvimento das potencialidades turísticas fronteiriças e com vistas
ao fomento das culturas e costumes na fronteira.
Afinal, a dinâmica das fronteiras pode ter a interpretação e o olhar de cada observador.
Em reunião do Comitê de Integração Bilateral, o Secretário de Estado de Meio Ambiente de
Mato Grosso, José de Lacerda Filho destacou que enquanto estão discutindo moeda única na
Europa, sob o viés da integração, por que a América do Sul precisa considerar a fronteira
como área de risco (OBSERVATÓRIO DA FRONTEIRA, 2013)?
Não se pretende aqui comparar o tratamento que se dá ao turismo na América do Sul
com o modelo europeu adotado. Primeiramente, porque o processo de colonização e
formação, respectivamente, obedeceram tempos e espaços distintos. De fato, a disparidade
social e econômica gerou cenários institucionais distintos e, consequentemente, a
normatização a que o povo é submetido também.
O que se deseja abordar é a plausibilidade de invocar a fronteira sob o viés da
integração, dentro do cenário em que a América do Sul está inserida. Assim como o Direito
Comparado auxilia no sentido de compreender melhor como outros países lidam com
determinado assunto, a visão e o tratamento dado à fronteira na Europa podem servir para
uma (re)significação de conceito.
A propósito, o Comitê de Fronteira já refletia uma mudança de paradigmas. Criado por
Acordo por troca de Notas em La Paz, em 11 de março de 1997, constituem foros bilaterais
para o tratamento de temas de interesse comum da região fronteiriça, sob a jurisdição das
repartições consulares do Brasil e da Bolívia.
Contudo, com a inatividade e estagnação dos ditos Comitês desde 2005, em março de
2011 ficou acordada a implantação do Comitê de Integração Bilateral Cáceres/San Matías,
cujo objetivo maior é promover a integração política, econômica, social, física e cultural entre
as duas cidades. Este Comitê foi oficializado em 25/04/2013.
Em que pese os conflitos legais existentes, a cooperação transfronteiriça não é uma
utopia. É a busca pela valorização de um espaço de fixos e fluxos de pessoas, como descreveu
Costa, Cisne, Oliveira (2012, p. 01):
Para além do limite político, estabelecem-se múltiplos limites, neste espaço de fixos,
mas principalmente de fluxos, criando certas especificidades que garantem aos seus
sujeitos a possibilidade de trânsito físico e cultural transfronteiriço, e garantem aos
turistas a experiência da onipresença, de estar ao mesmo tempo em dois países.
muito intenso e obriga o governo de Mato Grosso, em alguns casos, a tratar dos assuntos mais
variados, diretamente com o governo boliviano (GATO, 2013).
Nesse aspecto, Mato Grosso e Bolívia já celebraram algumas parcerias, tais como o
combate à febre aftosa e o GEFron. No primeiro caso, a relação com a Bolívia foi substancial
para criação de um cordão fito-sanitário que vacinava e fiscalizava a fronteira. No segundo
caso, o foco era a segurança e o combate ao tráfico, armas e furto de veículos. (GATO, 2013).
Para o referido autor, a respeito da atividade do GEFron (2013, p. 09):
Outra ação realizada na fronteira com a Bolivia, por MT, tinha foco na segurança. O
Grupo Especial de Fronteira (GEFron) previa o trabalho integrado da Polícia Militar,
Civil e o Corpo de Bombeiros, em uma região de 980 Km de extensão, sendo 750
Km de limite seco e 230 Km de limite aquático, constituída de 25 municípios e uma
população de 240.000 habitantes, com uma economia pujante na produção de grãos
e criação de gado.
O GEFron tem como objetivos a integração das ações policiais, redução de ameaças
e riscos para produtores rurais e condutores de veículos, diminuição da participação
de policiais com o crime, predominância da legalidade nas atividades desenvolvidas
na região, redução da criminalidade em Mato Grosso e em outros estados da
Federação e a interação policial com a comunidade.
Cabe destacar que qualquer política neste sentido deve levar em conta as
desigualdades intra e inter-regionais, as transações formais e informais realizadas entre as
cidades de fronteira, bem como a diversidade socioeconômica e cultural, a fim de criar ações
para todos e não um turismo excludente.
Vale ressaltar que o termo política é utilizado em sentido amplo, podendo ser
compreendido como ações que visem à promoção turística, tais como: a criação de feiras
internacionais de turismo, pacotes turísticos específicos para a Rota Pantanal Pacífico, dentre
outros. A ideia abrange, inclusive, a desburocratização nos procedimentos de cruzamento de
fronteira. O que se propõe é uma adaptação das exigências legais, facilitando ao máximo a
liberdade de viajar e aumentando, consequentemente, o turismo internacional.
95
para a consolidação do tema, vez que norteia o cidadão comum. Além disso, uma legislação
esparsa a respeito de determinado tema dificulta a compreensão e a harmonização dos
ordenamentos jurídicos, uma vez que envolve culturas, povos e legislações distintas.
A última proposta apresentada, talvez, seja a única que não se amolda como uma
diretriz de ação propriamente dita. A proposta de (re) leitura do conceito de fronteira à luz do
turismo deve ser a consequência de um processo de compreensão e estudo da fronteira, a fim
de promover mudanças na formulação de políticas públicas e privadas, na codificação do
Direito do Turismo e, até mesmo, na interpretação dos princípios constitucionais voltados ao
turismo.
... fronteira significa uma área onde ocorre a justaposição de culturas, por onde
circulam não apenas mercadorias, ideias, sonhos, mas silêncios que só quem vivem
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a/na fronteira consegue escutar. Para outros, fronteira tem um sentido linear, o de
limite, de linha divisória, de cercamento onde as possibilidades se fazem
dependendo das porosidades na qual estas barreiras se apresentam. Fronteira é limite
e ao mesmo tempo desafio em passar os seus limites. (CASTROGIOVANNI, p. 01)
Por sua vez, Januário (2004, p.94 e 95), em estudo expedicionário em Cáceres/MT,
apresenta a noção de fronteira sob três olhares de quem lá vive: os militares, os moradores e
os responsáveis pela educação. Senão, veja:
Para os militares, eles são os “guardiões da fronteira”, são eles quem mantém o
ordenamento desse espaço, tido como um local perigoso, que precisa ser
constantemente vigiado a fim de manter a soberania nacional. Revelam uma postura
paternalista, de poder e dominação. Essa área de limite entre os países seria território
deles, local de combate, de treinamento, de alerta permanente, de relatórios
constantes. A fronteira é percebida como um espaço que tem que estar sob o
controle da corporação... “(...)se não fosse a gente aqui esse lugar seria uma terra
de ninguém”, enfatiza um militar destacado na região. (grifo nosso)
A noção de fronteira para o morador local é bem distinta da noção do militar, das
instituições oficiais e de boa parte da população do estado de Mato Grosso. Para os
moradores locais, a fronteira não se configura em um espaço concreto, em linhas e
limites estabelecidos. Ela é como se fosse transparente, etérea. É como se não
existisse. As pessoas transitam de um lado para outro como se vai na casa do vizinho
do outro lado da rua.
Não existe, para os moradores das comunidades locais esta distinção entre “cá” e
“lá”, entre estou no Brasil e estou na Bolívia. Estar lá, na Bolívia, significa para eles
estar em San Matias. Para os militares, estar lá, na Bolívia, é estar do outro lado do
córrego, é estar a um passo depois dos marcos da fronteira.
A impressão que mais se sobressaiu nessa viagem foi me dar conta de quanto as
fronteiras nacionais europeias são divisões artificiais. Reparei que língua, os
costumes e as características físicas das pessoas não mudam de madeira abrupta nas
fronteiras, e sim gradual, e notei que as pessoas de ambos os lados das divisas
frequentemente tinham muito mais em comum umas com as outras do que, digamos,
com os habitantes da capital de seu país.
Diante desses diferentes olhares, Januário (2004) lança aquela concepção mais
acadêmica, a qual adotou para pensar a fronteira, qual seja, o ponto de encontro e
proximidade das diferenças, como passagem entre mundos, como comunicação entre
diferentes culturas, etnias e ambientes, enfim, “a fronteira deve ser pensada como espaço em
movimento, um espaço em permanente ressignificação, um universo dinâmico que mantém a
sua originalidade e especificidade”. E assevera: “Compreender que não existe apenas ‘a
fronteira’, mas sim, ‘várias fronteiras’ inseridas nesse espaço de vivências”.
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O que todos os autores supracitados trazem são os novos olhares que pairam sob a
fronteira e o turismo surge como um mecanismo integrador de zonas fronteiriças com
imensurável riqueza natural, com potencialidades turísticas capazes de promover uma
atividade consolidada desde que focada nos princípios que regem o setor.
Portanto, a relação que se pretende estabelecer entre a “refuncionalização” da
fronteira e as propostas integracionistas é que ambas são diretrizes a serem implementadas, a
fim de potencializar o modelo de funcionamento e porque não sugerir, de comportamento que
se instaurou nas fronteiras.
Dessa forma, são sugeridas propostas de aplicação viável na zona de fronteira Cáceres
– San Matías, bem como estabelecidos critérios de análise geográfica e jurídica. No caso de
eleição do critério geográfico, a ideia foi aliar a proposta às categorias geográficas de análise
discutidas no presente trabalho. No caso do critério jurídico, a intenção foi apresentar qual
ramo do Direito ou interpretação deve nortear a proposta, conforme exposto no Quadro 09, a
seguir:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação à pesquisa propriamente dita, a constatação primeira é que as fontes não
eram tão volumosas, mas exigiu uma garimpagem cautelosa sobre o tema. Se fez presente a
necessidade por aquisição de livros, a consulta a periódicos, a visita frequente à bibliotecas
universitárias, bem como uma pesquisa meticulosa pela internet que deu acesso a diversos
artigos científicos, teses e dissertações de mestrado, mas também exigiu diligência para não
dar crédito a materiais desprovidos de autoria e embasamento científico.
Estudar a fronteira sob a ótica geográfica não bastava, era preciso ir além e adotar a
atividade econômica que serviria de base de estudo, ocasião em que o turismo, ou melhor, a
atividade turística foi eleita, vez que está relacionada com as condições geográficas e o ir e vir
das pessoas que vivem na fronteira. E, incorpora ainda o valor paisagístico, cultural, territorial
e histórico, a fim de transformar-se em espaço de consumo a ser regulamentado pelo Direito.
Toda e qualquer relação prescinde de normatização legislativa. Não seria diferente na
fronteira. A particularidade desta porção territorial é a necessidade latente de harmonização
normativa, por envolver países distintos, com culturas e costumes diferentes.
A partir deste contexto, a pesquisa procurou apresentar as categorias geográficas
fundamentais para análise da fronteira. A importância do conceito de território, definição esta
que, historicamente, sempre foi alvo de disputas, inclusive nas relações internacionais entre
Brasil e Bolívia, no caso do Estado do Acre. Também foi criada uma tríplice dimensão de
análise da fronteira, amparada pelo tripé sujeito-Estado-Direito, vez que todos estes elementos
interagem diuturnamente na zona de fronteira, chocam-se e buscam integração, apesar de
muitas vezes não falarem a mesma língua.
Contudo, compreender as categorias geográficas e estabelecer uma tríplice dimensão
da fronteira não responderiam as indagações preliminares. Era preciso considerar a
globalização, a abertura de mercados, o fluxo de capitais e de pessoas, que buscam exercer o
seu direito de ir e vir. O Mercosul suavizou a burocracia na fronteira, mas a segurança sempre
foi a abordagem recorrente nos planos de governo e nas estratégias impostas à fronteira.
Em que pese a visão negativa da fronteira como espaço de contrabando, tráfico de
drogas, roubo e furto de veículos, a fronteira incorporou uma nova vertente, além daquela de
limite, de espaço de tensão, de área de conflito, conforme caminhou por séculos. A fronteira
passou a ser vista como possibilidade de contato e intercâmbio cultural, como possibilidade
de sobrevivência para aquele povo que vive, que atravessa a fronteira todos os dias, seja para
trabalhar, seja para cuidar da saúde, seja para levar o filho na escola.
A propósito, no decurso da pesquisa, ficou latente a relevância do objeto de estudo e a
necessidade de entender e estudar a fronteira de modo interdisciplinar, razão pela qual a
103
Há, de fato, uma mudança de paradigma na concepção da fronteira. Elas não deixaram
de existir e, provavelmente, nunca deixarão. Sempre haverá um mecanismo de proteção,
submetido a novas ou velhas relações de poder. O que ocorre é um processo de (re) definição,
de (re) leitura da fronteira diante do rearranjo pelo qual o mundo passou com a dita
globalização. Certo é que as fronteiras ainda se apresentam frágeis, mas a consolidação de
uma rota turística com cooperação e atuação política bilateral poderia auxiliar no
desenvolvimento de territórios dito abandonados, além de permitir uma discussão acadêmica
salutar para a América do Sul, com a valorização humana e social.
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