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TURBILHÃO DE VENTANIAS

E FARRAPOS, ENTRE BRISAS


E ESPERANÇARES

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Comissão científica

Prof.ª Dr.ª Araceli Serantes Pazos


Universidade da Coruña – UDC (Galícia, Espanha)
Prof.ª Dr.ª Bárbara Yadira Mellado Pérez
Universidad do Oriente – UO (Cuba)
Prof. Dr. Celso Sánchez-Pereira
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio
Prof. Dr. Edgar Gonzales
Universidad Veracruzeana – UV (México)
Prof.ª Dr.ª Elni Elisa Willms
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Prof.ª Dr.ª Fátima Elisabeti Marcomin
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL
Prof.ª Dr.ª Giseli Dalla-Nora
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Prof.ª Dr.ª Giselly Rodrigues das Neves Silva Gomes
Secretaria de Estado de Educação – SEDUC
Prof. Dr. Heitor Medeiros
Universidade Católica Dom Bosco – UCDB
Prof. Dr. Irineu Tamaio
Universidade de Brasília – UnB
Prof. Dr. Marcos Sorrentino
Universidade de São Paulo – USP (ESALQ)
Prof.ª Dr.ª Michèle Sato
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT
Prof. Dr. Pablo Meira
Universidade de Santiago de Compostela – USC (Galícia, Espanha)
Prof.ª Dr.ª Rachel Trajber
Centro de Controle e Monitoramento de Acidentes e Desastres Naturais – CEMADEN
Prof. Dr. Ramiro Valera Camacho
Universidade de Estado do Rio Grande do Norte – UERN
Prof.ª Dr.ª Regina Silva
Universidade Federal de Rondonópolis – UFR
Prof. Dr. Ronaldo Eustáquio Feitoza Senra
Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT
Prof.ª Dr.ª Solange Ikeda
Universidade de Estado de Mato Grosso – UNEMAT
Prof. Dr. Victor Marchezini
Centro de Controle e Monitoramento de Acidentes e Desastres Naturais – CEMADEN

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Michèle Sato
Giseli Dalla Nora
(Organizadoras)

TURBILHÃO DE VENTANIAS
E FARRAPOS, ENTRE BRISAS
E ESPERANÇARES

Cuiabá - MT
2021

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Copyright © 2021 Michèle Sato, Giseli Dalla Nora (organizadoras).
Os autores são expressamente responsáveis pelo conteúdo textual e imagens desta publicação.
A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº9.610/98.
Publicação do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental Comunicação e Arte – GPEA.

Ficha Catalográfica
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária: Elizabete Luciano/CRB1-2103

S253t Sato, Michèle.

Turbilhão de Ventanias e Farrapos, entre Brisas e Esperançares. Michèle Sato;


Giseli Dalla Nora (organizadoras.). Cuiabá MT: Editora Sustentável, 2021.
(Formato Impresso).
520p.
ISBN: 978-65-87418-17-9

1.Educação Ambiental. 2.Aurora e Crepúsculo do Capitaloceno. 3.Educação para Construir


Sociedades do Bem Viver. 4.Liu Arruda e o Teatro: contribuições à educação ambiental e à justiça
climática. 5.Injustiça Ambiental e Climática no Quilombo de Mata Cavalo e Comunidade do
Chumbo, Mato Grosso – Brasil. 6.A seca e a enchente: Educação Ambiental de base comunitária
e Justiça Climática no Vale do Jequitinhonha.
CDU 37:504

Produção Executiva
GFK Comunicação
Produção Editorial
Editora Sustentável
www.gfk.com.br
Design Editorial
Téo de Miranda
Obra da Capa
Eichwaldmond (Áustria), “Gênese na água”
Revisão www.editorasustentavel.com.br
Cirlene Ferreira

Apoio Realização

REAJA

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Sumário

Aurora e Crepúsculo do Capitaloceno........................................................ 9


Michèle Sato

Formação e Comunicação no Contexto do Colapso Climático............... 18

Educação para construir Sociedades do Bem Viver............................... 19


Ivo Poletto
De la alfabetización climática a la necesidad de la educación para
el cambio climático: Estado actual y retos en el alumnado de la
Universidad de Santiago de Compostela............................................... 39
Pablo Ángel Meira Cartea
Antonio García Vinuesa
A percepção dos alunos do PIBIC/EM sobre as Mudanças Climáticas:
Reflexões sobre o papel da escola frente aos problemas ambientais
contemporâneos..................................................................................... 86
Alexandre Fagundes Cesário
Giseli Dalla-Nora
Débora E. Pedrotti-Mansilla
Aprendizaje social y educación ambiental desde la promoción de salud
como práctica educativa: Estudios de caso en escuelas de Brasil y Cuba....97
Bárbara Yadira Mellado Pérez
Pedro Roberto Jacobi
Maria Aparecida Pimentel Toloza Ribas
Compreensões de Justiça Climática na formação de professores:
Estudo de caso na Estação Ecológica de Águas Emendadas,
Planaltina - Distrito Federal................................................................... 128
Irineu Tamaio
Roberta Fabline da Silva Barros
Contribuições para a reflexão e debate sobre Mudanças Climáticas
e Justiça Ambiental: Os saberes de estudantes da EJA em um
assentamento rural do Sudeste mato-grossense................................. 164
Lindalva Maria Novaes Garske
Lucimara Afonso Castilho
Crisnaiara Cândido

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Justiça Climática e MST: Aproximações de uma educação ambiental
campesina no Assentamento Egídio Brunetto..................................... 189
Dionisio Garcia de Souza
Ronaldo E. Feitoza Senra
Heitor Queiroz de Medeiros
Mudanças Climáticas nas percepções de
caminhantes de longas travessias......................................................... 211
Júlio Resende
Michèle Sato
Araceli Serantes Pazos
Brisas e vendavais em Mata Cavalo:
os colapsos climáticos em antíteses....................................................230
Thiago Cury Luiz
Michèle Sato
Liu Arruda e o Teatro:
Contribuições à Educação Ambiental e à Justiça Climática... 251
Ivan Correa do Belém
Michèle Sato

Colapso e Justiça Climática...................................................................... 269

Educação Ambiental Popular e Mudanças Climáticas:


Exclusão, Vulnerabilidade, Resistência e Rebelião na
Construção de Sociedades Sustentáveis.............................................. 270
Marcos Sorrentino
Simone Portugal
MichèleSato
Educação ambiental, mudanças do clima e redução de riscos de
desastres: Esperanças e vida em tempos de Capitaloceno.................. 292
Rachel Trajber
Injustiça ambiental e climática no Quilombo de Mata Cavalo e
Comunidade do Chumbo, Mato Grosso - Brasil.................................. 331
Déborah Luiza Moreira
Michelle Jaber-Silva
Michèle Sato
Jakeline M. A. Fachin
Regina Silva

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Mudanças Climáticas e os desafios da restauração ecológica de área
degradada pela agricultura no semiárido............................................. 351
José Laércio Bezerra de Medeiros
Ramiro Gustavo Valera Camacho
A seca e a enchente: Educação Ambiental de Base Comunitária e
Justiça Climática no Vale do Jequitinhonha......................................... 361
Daniel Renaud Camargo
Celso Sánchez
Percepção de moradores de comunidades rurais do
Pantanal mato-grossense sobre as Mudanças Climáticas e
sua relação com a escassez de água.................................................... 396
Nayara Ferreira
Solange Kimie Ikeda Castrillon
João Ivo Puhl
Alessandra Morini
(In)visibilidades acerca das vulnerabilidades das Pessoas com
Deficiência Visual frente a desastres e mudanças ambientais globais:
Um estudo de caso em Cuiabá, Mato Grosso-Brasil............................ 414
Giselly Gomes
Victor Marchezini
Michèle Sato
Vulnerabilidade e Mudanças Climáticas: Percepções sobre algumas
comunidades tradicionais no Brasil e Espanha..................................... 441
Giseli Dalla-Nora
Michèle Sato
Araceli Serantes Pazos
Aprendizagens em tempos emergentes: a crise climática, a água e a
justiça climática na vivência pedagógica de educação ambiental das
escolas públicas em Planaltina, Distrito Federal................................... 451
Irineu Tamaio
Michèle Sato

Autores e Autoras..................................................................................... 518

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Eichwaldmond, “Berço da vida”.
Apresentação do pintor da capa

EICHWALDMOND
(Pseudônimo, em português:
Lua Acima da Floresta)
Pintor - autodidata
Ele é uma “alma da natureza” e já sofreu as primeiras fraturas drásticas no contraste da
crescente cidade de Viena. Ele viu o impacto dramático do meio ambiente desde que
era um menino. E desde sua infância, luta com a força arte para proteger a natureza.
A incompreensão e o escárnio sobre sua forma crítica de lutar pela natureza nunca
puderam pará-lo – porque ele está profundamente ligado no coração do Cacique
Raoni e de todos os povos indígenas.
Hoje, sua pintura tem foco na “Amazônia” mais do que nunca, que revela - tão
claro como em nenhum outro lugar - todas as valas profundas entre a natureza
primordial e os danos da natureza - e o direito humano que está se espalhando
globalmente como uma teia de aranha.
Incompreensão e escárnio se perdem em medos e manifestações globais. Com seu
passado como trampolim, com a lua em suas costas e os velhos carvalhos como amigos,
seus anos restantes serão um sorriso e uma pintura à natureza.

http://www.eichwaldmond.at/
Tradução para o Português: Michèle Sato

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Aurora e Crepúsculo do Capitaloceno
Dawn and Twilight of the Capitalocene
Amanecer y Crepúsculo del Capitalocene
Michèle Sato1

Os primeiros passos de pesquisa sobre o clima, pelo Grupo


Pesquisador de Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA),
foram construídos por meio de um projeto internacional, com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq) à formação e construção do Instituto Nacional
das Áreas Úmidas (INAU, 2010-2015), que também tinha apoio do
Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (na época, a sigla era
MCTI). Neste projeto, aprendemos a comunicar o clima por meio
dos diálogos entre a escola e seu entorno, construindo alguns Projetos
Ambientais Escolares Comunitários (PAEC) nas comunidades de São
Pedro de Joselândia (Pantanal) e do quilombo Mata Cavalo (Cerrado).
Depois disso, tivemos financiamento do CNPq em 2016, na
formação de uma rede internacional entre os organismos governamentais,
não governamentais e 7 universidades do Brasil, México e Espanha.
Ampliamos o local de atuação e pesquisa, considerando outras regiões
brasileiras e cenários internacionais. Optamos pela “Justiça Climática
e Educação Ambiental”, e muitos de nós reconhecem que o termo
“Mudança” Climática pode gerar certo desconforto pelo discurso
negacionista em desconsiderar a ação humana intervindo no ambiente.
Sob o mesmo princípio, em 2018 concorremos ao edital da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), que
estimulava a criação de uma rede de pesquisadores internacionais.
Nosso projeto aprovado intitula-se “Rede Internacional de Educação
Ambiental e Justiça Climática (REAJA)” e tivemos acréscimo de
outros países e entidades: Hoje somos Brasil, Cuba, México, Espanha e
Portugal. Com 23 entidades, na sua maioria de universidades, o projeto

1 Professora e pesquisadora do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e


Arte (GPEA) da UFMT <https://gpeaufmt.blogspot.com>.

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teve atrasos e acabou sendo prorrogado até 2021. Cada qual com os
seus objetivos específicos, pessoas participando da pesquisa, métodos e
contribuições ao debate que parece estar politicamente invisibilizado no
mundo, ainda que, provavelmente pelo sensacionalismo das imagens,
os desastres e as catástrofes climática apareçam em quantidade alta nas
redes sociais.
Nossos objetos transcendem a pesquisa, acolhendo vivências
comunitárias, processos formativos, divulgação científica e contribuição
às políticas públicas no âmbito da justiça climática e educação ambiental.
São cinco objetivos gerais:
a. PESQUISA: a construção epistemológica e praxiológica sobre
a educação ambiental com foco na justiça climática, abarcando
teorias consagradas como a geologia, ou meteorologia, mas também
na inovação pós-crítica de pensamentos mais contemporâneos das
ciências humanas e sociais.
b. FORMAÇÃO: a promoção de diversas atividades formativas,
inclusive na autoformação da equipe e de diversos grupos envolvidos
durante as pesquisas, nos 5 países.
c. COMUNICAÇÃO: a importância da divulgação científica por
meio da vivência comunitária que reinventa as mídias para dar
visibilidade ao colapso climático, fazendo com que cada qual
consiga ser mídia (narrativas de transmídia);
d. CULTURA: a valorização dos grupos sociais, dos riscos, dos
mecanismos de adaptação, nas táticas de resistência e, sobremaneira,
na epistemologia popular;
e. POLÍTICAS: a contribuição axiomática de nossas teorias e
vivências que fortaleçam as políticas públicas no âmbito do clima e
suas interrelações. Revelamos nossas escolhas, cidadania e posição
frente ao mundo.
O debate sobre o clima relaciona a uma nova etapa geológica, o
Antropoceno, proposta pelo neerlandês Paul Crutzen2, que não é uma
homenagem ao humano, mas sim uma reprovação à destruição rápida
e generalizadas da natureza, desde a época da revolução industrial. Se

2 CRUTZEN, Paul. Geology of mankind. Nature, v. 415, p. 23, january, 2002.

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a teoria do Antropoceno foi importante por responsabilizar o humano
na destruição, haverá a consequente necessidade de identificar se somos
igualmente responsáveis por este aniquilamento socioambiental.
Para Crutzen3, a origem do Homo sapiens data de 10 milhões de
anos (ou mais) e nos marcos essenciais desta espécie, a descoberta do
fogo foi essencial na maneira de se alimentar. O processo migratório
que hoje se apresenta como fenômeno massivo principalmente por
causa das catástrofes climáticas, foi outro ponto de gigante constituição
de idiomas, características fenotípicas ou intrínsecas. É possível que a
extinção da megafauna tenha contribuído com profundas transformações
terrestres. Mas é no paleolítico, quando o ser humano passa de nômade
para agricultor que originam as primeiras perturbações no solo. As
navegações e os regimes colonizadores expressam que a fome do poder
e do mercado é insaciável.
Para lidar com este apetite monstruoso, os pensadores segregaram
o humano da natureza, criando hierarquias e admitindo que o humano
fosse o centro planetário - tudo era possível ser destruído em nome
da “ordem e do progresso”. A primeira fase do Antropoceno inicia
na Revolução industrial, por volta dos finais dos anos 1700, quando
o advento da indústria e da produção mecanizada, representadas
pela invenção da máquina a vapor por James Watt (1760), soltava as
fumaças pelos ares. O requintado era morar na urbe poluída, longe do
antiquado campo.
Um dos quadros mais populares no mundo contemporâneo é
do alemão Caspar Friedrich, intitulado “Andarilho sobre o mar de
nevoeiro” (1819). A tela tem o humano hierarquicamente acima da
natureza, e distante dela. Pelas roupas, não é um camponês submisso,
mas podemos considerar que ostenta um indício burguês, provavelmente
um opulento dono de uma empresa industrial.

3 CRUTZEN, Paul. The Anthropocene: the current human-dominated geological era.


Pontifical Academy of Sciences, Acta 18, Vatican City, 199-293, 2006 [http://www.
casinapioiv.va/content/dam/accademia/pdf/acta18/acta18-crutzen.pdf ].

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Figura 1: Andarilho sobre o mar de nevoeiro” (1819)

Caspar David Friedrich - Wanderer above the Sea of Fog, 1819.

Poder! Desenvolvimento! Dinheiro! O desenrolar do holocausto e


campos de concentração dos judeus, e as duas bombas de Hiroshima e
Nagasaki perfazem um retrato sórdido da II Guerra Mundial, ocasião
que se dá a segunda fase do Antropoceno. É considerada a época da
grande aceleração, cujos países destroçados pela guerra alavancam
extrema dedicação para erguer as suas sociedades.
A terceira e atual fase do Antropoceno, segundo Crutzen4,
caracteriza-se pela emissão dos gases de efeito estufa (GEE) e a dramática
crise climática com 3 cenários futuros (Figura 2):
a. manteremos o status quo da destruição socioambiental a favor do
capital, até porque a Terra já foi condenada por vários cientistas
(aumento da temperatura em até 6º C);
b. poderemos diminuir a redução dos gases de efeito estufa (GEE)
aos níveis toleráveis por meio da tecnologia limpa (aumento da
temperatura em até 4º C);

4 Ibidem, p. 223.

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c. ou por meio da educação ambiental, poderemos mudar o sistema,
com alternativas populares e, sobremaneira, pelo cuidado ético à
dinâmica ecológica da Terra (aumento da temperatura em até 2º C).
Figura 2: limites planetários

Inspirado em Crutzen, 2006.

A REAJA sustenta a hipótese de que os mais ricos são os maiores


emissores de Gases do Efeito Estufa (GEE), mas as consequências
mais dramáticas atingem aqueles economicamente desamparados.
Em outras palavras, vivemos o período geológico do Capitaloceno5
que destrói a natureza visando o lucro da minoria, em um regime
de autocracia. Diversas outras propostas geológicas surgiram desde
Crutzen, desde uma abordagem de gênero (Ginoceno), passando
pela crise do petróleo (Naftaceno), pela alimentação e a opção de
vida vegana (Plantaceno), ou pelos seres sobrenaturais da literatura de
Lovecraft, como o Cthulhuceno6.

5 MOORE, Jason (Ed.). Anthropocene or Capitalocene? Oakland: PM Press, 2016.


6 HARAWAY, Donna. Anthropocene, Capitalocene, Plantionocene, Cthulhucene: making
kin. Environmental humanities, v. 6, p.159-165, 2015. Retrieved on 17/07/2017 <https://
environmentalhumanities.org/arch/vol6/6.7.pdf>.

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O termo “Capitaloceno” parece ser mais abrangente para
caracterizar as 5 dimensões da crise climática:
a. O aquecimento global e derretimento rápido das geleiras com
somente 0,4º Celsius, trazendo inúmeros problemas como
aumento do nível do mar, morte de seres marinhos e desastres
nas zonas costeiras.
b. A escassez da água potável, com aridez da terra, desertificação e
perda das vidas humanas e não humanas e prejuízos ecológicos
de enorme envergadura;
c. O aumento das pragas na agricultura, o desmatamento
em função do agronegócio e a disseminação de epidemias e
pandemias a exemplo da Covid-19 (Corona Virus Disease)7;
d. O surgimento mais frequente de terremotos, tsunami e
enchentes. É notável o número de vídeos amadores postados
nas redes sociais sobre as enchentes de diversos locais do
mundo, nos últimos 2 anos.
e. A intensificação e magnificação de tornados, furacões, tufões
ou ciclones, inclusive em países que quase não sofriam destes
fenômenos.

Estes colapsos atingirão todo planeta, mas o Capitaloceno não


é democrático, uma vez que os efeitos são diferentes em escala,
proporção, velocidade e situação financeira. Em outras palavras,
as pessoas mais afetadas serão aquelas pertencentes aos grupos em
situação de vulnerabilidade, economicamente desprivilegiados, ou
em condições frágeis de defesa, como testemunhamos nas mortes
trágicas que expõe o Brasil como modelo de pior direção governa-
mental de uma pandemia.
Sustento a teoria que a Covid-19 não é uma crise sanitária
pontual, não foi um fenômeno ao acaso, e nem foi fabricada nos
laboratórios de Wuhan: trata-se de uma crise ambiental processual
ao longo destes anos, que teve origem na revolução industrial,
e foi fortificado pelo mercado, na segregação entre humano e natureza.

7 SATO, Michèle et al. Os condenados da pandemia. Cuiabá: Ed. Sustentável, 2020.


<https://editorasustentavel.com.br/os-condenados-da-pandemia/>.

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Hoje, o capitalismo é tonificado pelo agronegócio, que atualmente
ocupa 41% da terra utilizável por todo globo. E com certeza, a próxima
pandemia virá do abusivo agronegócio8.
Pela ausência de ética, o capitalismo promove as piores in-
justiças, forjando um abismo socioeconômico impiedoso.
Compreendemos que a JUSTIÇA CLIMÁTICA é uma abordagem
que estuda os fenômenos climáticos, desde os conceitos geológi-
cos, físicos, biológicos ou de saúde, que trazem consequências mais
atrozes à camada pobre. Por isso, é também um estudo da reação
social, principalmente dos grupos expostos e de riscos, e de como
estes grupos lidam com os desastres, quais são seus mecanismos
de advocacia, de que maneira conseguem se resguardar e como
devem ser protegidos pelas políticas públicas, sem as violações dos
direitos humanos.
A justiça climática adotada pelo coletivo GPEA busca aban-
donar as metanarrativas dominantes do antropocentrismo, pois
considera também os direitos da Terra, e não apenas das vidas sel-
vagens, mas também das porções de água, terra, fogo ou ar (Figura
3), que não existem à mercê da vida humana, mas que se entra-
nham e se conectam intrinsecamente com o planeta.

8 WALLACE, Rob. Pandemia e agronegócio. Trad. Allan Silva. São Paulo: Elefante, 2020.

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Figura 3: Mosaico dos elementos água, terra, fogo e ar

Fonte: Eichwaldmond (Áustria).

É, desta maneira, uma postura ética de complexidade, sem ter


que hierarquizar ou privilegiar as existências na Terra. Não se trata
de um olhar mecanicista e ingênuo do naturalismo, mas de olhares
ecofenomenológicos que buscam compreender para além do pensamento
da humanidade9. Aqui talvez justifique minha única crítica à Greta
Thunberg (sem retirar a grandeza): ela clama pelo futuro dos jovens!
Mantendo minha admiração pela eloquência de sua luta, acredito que
ela seria mais formidável se incluísse o futuro do planeta Terra.

9 SATO, Michèle. Ecofenomenologia: uma janela para o mundo. Rev. Eletrônica Mestr.
Educação Ambiental. Ed especial, julho, p.10 – 27, julho/2016.

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Dividido em dois grandes eixos, este livro fomenta a discussão sobre
a emergência climática: são pesquisas, vivências e estudos realizados
no âmbito do projeto REAJA que ora se apresenta em conjunto para
dar mais visibilidade a este triste Capitaloceno e o colapso climático.
A primeira parte abrange os processos formativos, tão essenciais à
visibilidade do colapso climático! Permanente e processual, para muito
além de propostas de 10 anos chamadas “objetivos do milênio”, a
comunicação é outra grandeza essencial. A segunda parte está mais
direcionada aos âmbitos da emergência e justiça climática, em diversos
territórios e com abordagens substanciais.
A educação ambiental não é uma varinha mágica positivista que
veio para resolver os problemas da Terra – será necessário um esforço de
todos, de todos os setores, coletivos ou segmentos, para que o planeta
azul se revele no espaço como um pálido foco de luz, emanando a força
para acreditar que a poética do esperançar e a ética do cuidado, serão
sempre as aliadas das nossas existências.
Talvez não haja melhor demonstração da loucura dos
conceitos humanos do que esta imagem distante de
nosso minúsculo mundo. Para mim, isso ressalta nossa
responsabilidade de tratarmos com mais cuidado e
preservar e valorizar o ponto azul claro, o único lar que
conhecemos (SAGAN10, 1994, p. 13 – tradução livre).

10 SAGAN, Carl. Pale Blue Dot: A Vision of the Human Future in Space. New Yok: Randon
House, 1994. [There is perhaps no better demonstration of the folly of human conceits than this
distant image of our tiny world. To me, it underscores our responsibility to deal more kindly with
one another, and to preserve and cherish the pale blue dot, the only home we’ve ever known].

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Formação e Comunicação no
Contexto do Colapso Climático

Eichwaldmond, “Sentir”.

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Educação para construir
Sociedades do Bem Viver
Education to build Good Living Societies
Educación para construir sociedades de buena vida
Ivo Poletto1

INTRODUÇÃO
As práticas de educação e educomunicação referidas neste texto
não são ligadas a instituições acadêmicas. O Fórum Mudanças
Climáticas e Justiça Social (FMCJS), em que o autor milita como
assessor nacional, é uma articulação de movimentos e pastorais sociais e
entidades da sociedade civil. Tem o objetivo de criar espaços de reflexão
crítica visando uma compreensão da realidade que inclua a dimensão
ambiental, marcada (de modo especial nas últimas décadas) pelo
aumento constante do aquecimento global da Terra e pelo consequente
agravamento dos eventos climáticos, configurando o que é denominado
mudanças climáticas. Mais ainda, faz parte dos seus objetivos contribuir
para que as entidades que o constituem e outras que se tornam suas
parceiras incorporem a dimensão ambiental em todas as suas práticas
sociopolíticas e culturais, dando a elas a qualidade de serem práticas
socioambientais.
As entidades do FMCJS atuam junto a pessoas, comunidades e
povos marcados por processos históricos de negação de direitos, de
marginalização, de exploração. Por isso, a reflexão crítica com incorporação
da dimensão ambiental da realidade em que vivem significa dar-se conta e
buscar caminhos de superação do agravamento das injustiças que marcam
sua vida. Trata-se de um cuidado para que as diferentes dimensões da

1 Ivo Poletto é filósofo, teólogo e cientista social. Foi o primeiro Secretário Executivo da Comissão
Pastoral da Terra. Atuou na Cáritas Brasileira, na Equipe de Mobilização Social do Programa
Fome Zero. Assessorou as Pastorais Sociais da CNBB. Nos últimos anos assessora em âmbito
nacional o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social (FMCJS). É autor do livro Brasil,
oportunidades perdidas, Ed. Garamond, 2005, e do livro Biomas do Brasil – da exploração à
convivência, disponível em www.famclimaticas.org.br. E-mail: ivopoletto@uol.com.br.

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realidade histórica não sejam encaradas separadamente. De forma correta,
o Papa Francisco, em sua Laudato Sí’, reconhece que seria um equívoco
identificar duas crises, uma ecológica e outra social. Na verdade, há uma
só crise, que tem caráter socioambiental e será superada quando o sistema
econômico dominante for transformado em suas estruturas, já que ele
explora e leva ao estresse e ao desequilíbrio da Terra e gera e aprofunda a
pobreza que marca a vida da maior parte da humanidade2.
Serão destacados neste estudo algumas práticas do FMCJS junto aos
agentes sociais de suas entidades membros e duas outras que ampliaram
seu trabalho educativo através de parcerias. Uma provocou a adesão da
Igreja Católica ao processo de educação social ampla sobre os efeitos do
aquecimento global e das mudanças climáticas na vida do povo brasileiro.
A outra abriu a possibilidade de lutar com maior eficácia em favor de uma
nova matriz energética para o Brasil. Como complemento serão oferecidas
informações sobre o processo de Formação Continuada e Multiplicadora,
um programa que está em seu primeiro tempo de execução.

SUPERAR A EDUCAÇÃO CONTRA A NATUREZA


Os movimentos sociais, as pastorais sociais e algumas das entidades
que estão na origem do FMCJS não tinham a dimensão ambiental
que têm hoje. Vivenciaram um processo de mudança que perpassou
a teoria, a prática, a espiritualidade. Mas, no início, as reações foram
significativas. Lembro que uma das reclamações era: “Isso é perda de
tempo, coisa de quem não tem as necessidades do povo com quem
trabalhamos”. Vejamos:

O Brasil que queremos a partir dos biomas


Os textos publicados com o título “O Brasil que queremos”
são frutos de trabalho coletivo da 4ª Semana Social Brasileira e da
Assembleia Popular que nasceu a partir dela3. Os integrantes desses
processos participativos amplos, de alcance nacional, desejavam ser

2 PAPA FRANCISCO. Laudato Si’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum. Brasília: CNBB, 2015.
3 Realizada entre 2004 e 2006, teve como tema Mutirão por um Novo Brasil. Conferir: www.
alainet.org/es/node/110321 e www.consciencia.net/2006/1120-semana_cnbb.html.

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atores na definição das opções políticas visando à construção de um
país para todas as pessoas, construído por todos e todas. Estamos nos
anos em que o intenso trabalho de base criou condições para que a
maioria absoluta dos eleitores confiasse, pela primeira vez, o exercício
da Presidência da República a um cidadão não pertencente às classes
tradicionalmente dominantes, o nordestino e operário Lula da Silva4.
O exercício de sistematizar um projeto de nação a partir das
práticas, das reflexões sobre a realidade e das propostas elaboradas na
perspectiva de que a democracia só existe quando todos os direitos para
todas as pessoas são reconhecidos e garantidos, foi realizado em duas
diferentes visões políticas. O primeiro foi até certo ponto tradicional,
explicitando o que se deveria implementar em relação à economia,
à educação, à agricultura, à saúde, ao trabalho, à cultura, ao lazer, à
mobilidade urbana etc. Tendo, de certa forma, a prática dos ministérios
de um governo federal como referência. Mesmo saudado como passo
importante, não respondeu às expectativas, tanto que um segundo
processo participativo de elaboração foi colocado em prática.
O desafio inovador foi propor um debate e uma elaboração de
propostas do Brasil que o povo quer, a partir dos diferentes biomas
existentes no território nacional – a saber: Amazônia, Cerrado, Caatinga,
Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, reconhecendo e levando em conta
as áreas de transição entre eles. Não foi um exercício fácil, porque se
tratava de partir do que a Terra criou e ofereceu ao ser humano e demais
seres vivos; de relativizar as divisões políticas dos estados; de relativizar a
divisão do país em grandes regiões em função do que se propunha como
“desenvolvimento regional”. Tratava-se, especialmente, de não partir
do ser humano e sim das potencialidades e limites de cada bioma, de
perguntar à Terra o que se poderia ou não fazer neles para não colocar
a vida em perigo5.
Este foi, com certeza, o primeiro grande choque cultural vivenciado
em Assembleias Populares locais, regionais e nacional. Esta contou
com presença de mais de oito mil pessoas membros dos movimentos

4 O autor participou da Equipe de Mobilização Social do Programa Fome Zero e, depois de


sair dele, publicou o livro Brasil – oportunidades perdidas (Garamond, 2005).
5 ASSEMBLEIA Popular Mutirão por um Novo Brasil. O Brasil que Queremos. São Paulo: Ed.
Expressão Popular, 2015.

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populares e de educação popular e foi realizada em Brasília em 2005.
Nas locais e regionais, a pergunta se concretizava: Que Brasil queremos
no bioma Amazônia, no Cerrado, na Caatinga, no Pampa, Na Mata
Atlântica, no Pantanal? Esta foi a prática política que introduziu a
“natureza”, depois reconhecida como Mãe Terra, como protagonista
na definição do tipo de sociedade que se desejava ser no Brasil, como
condicionante do que seria mais correto fazer, por exemplo, no campo
de produção do que se precisa para viver. Foi também a tomada de
consciência de que não se podia mais fazer a mesma coisa em todo lado,
de que cada bioma exige que se planeje a convivência com a natureza,
tendo presente as suas características.
Esse processo de mudança na compreensão crítica da realidade,
em que se reconhece a diversidade nas condições ambientais
socioambientais, ainda não foi concluído. Mas o exercício de 2005 foi
um passo germinal, que se fará presente em muitas práticas políticas,
sociais, econômicas, culturais e espirituais populares. Por isso, foi um
tempo de intenso processo educativo.
Vale destacar como, até esse momento crítico, a educação
dominante era a de que o homem seria um ser superior, dotado de
razão, inteligência, liberdade e capaz, por esta razão, de assenhorear-
se e dominar a natureza, colocando-a a seu serviço. Mesmo entre os
pobres – assim como entre padres, bispos, pastores – esta era a visão
dominante. Uma visão que articulada a outra característica da educação
dominante (a de que liberdade era confundida com livre iniciativa
econômica, e por isso todo tipo de propriedade devia ser respeitado
como se respeita a pessoa) serviu como uma luva para manter e tornar
cultural a existência de desigualdades e discriminações, da “casa grande”
e a “senzala”, do senhor e os escravos, dos patrões e os empregados, da
oligarquia e os cidadãos de segunda classe.
Mais grave ainda do que isso, foi a separação entre corpo e espírito.
Mesmo entre os seres humanos, alguns eram “espírito”, enquanto a
maioria não passava de “corpo”, matéria, algo inferior. O trabalho
material foi destinado aos que não eram portadores de espírito, enquanto
a administração dos negócios e todo tipo de ocupação intelectual era visto
como algo superior. Não foram necessários muitos passos para se chegar à
obviedade de que só os portadores de espírito seriam os que deveriam ser
proprietários, já que os demais (indivíduos, comunidades e povos) seriam

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seres limitados, incapazes de responder pelo governo de uma fazenda.
Foi isso que fundamentou o decreto de extermínio dos povos
indígenas que não admitissem serem incorporados à civilização ocidental
europeia como escravos, decreto que tornou todos os seus territórios
domínio do rei de Portugal. E igualmente fundamentou os mais de 300
anos de escravidão, reduzindo as pessoas a objetos de compra e venda, a
incapazes de assumir contratos, até mesmo os de matrimônio.
Encurtando a história, essa visão antropocêntrica e capitalista
tem tudo a ver com a apropriação da maior parte do país por poucos
grandes proprietários e com o que se tem feito nos biomas brasileiros,
destruindo o que a Terra levou milhões de anos para gerar, abrindo
rapidamente tempos de crise hídrica e de desertificação. E tem a ver
até mesmo com a constituição do Estado brasileiro, controlado por
poucos como uma “casa grande” garantidora dos negócios dos poucos
civilizados, homens superiores.

Uma Igreja aberta aos gritos da Terra


A crise provocada com a entrada dos biomas nos processos de
educação popular levou a Igreja Católica e também outras igrejas cristãs
a refletirem criticamente sobre sua missão na realidade brasileira. Vale a
pena resgatar alguns desses passos.
Em algum momento da história surgiu a pergunta: Não deveríamos
propor que a CNBB incorpore em seu discurso e em sua prática pastoral
a informação de que a Terra está em processo de aquecimento por causa
de ações de seres humanos? E, também, que o agravamento dos eventos
climáticos, como enchentes, secas, vendavais que afetam de forma
diferente os biomas brasileiros, tem tudo a ver com esse aquecimento?
Lembro que a dúvida em relação à possibilidade de a CNBB assumir
essa dimensão da realidade foi quase vitoriosa. Tendo presente, contudo,
a sua potencialidade de levar informação e gerar consciência em parte
importante da população do país, a decisão foi a de fazer a tentativa.
Foi elaborado um texto, contendo as principais conclusões do quarto
relatório do IPCC e sua ligação com a realidade brasileira e uma reflexão
de caráter bíblico e teológico visando fundamentar a decisão pastoral de
incorporar essa nova visão nos documentos e práticas pastorais. Ele foi
entregue ao Secretário junto com a proposta de destinar um tempo para

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esse debate na seguinte Assembleia Geral da CNBB. Texto e proposta
foram acolhidos com aparente interesse, mas foi preciso insistir muito
para que, finalmente, fosse destinada uma hora e meia para a temática.
Essa concessão foi assumida como uma abertura importante. O passo
seguinte foi o de buscar uma assessoria técnica competente, que no caso foi
do Professor Paulo Artaxo (da USP e membro do IPCC), e a escolha de uma
das pessoas envolvidas em trabalho das pastorais sociais para apresentar o
que esta nova visão trazia como desafios para a missão de uma Igreja Cristã.
A acolhida da Assembleia em 2009 foi surpreendentemente
positiva, com agradecimento por trazer esse conhecimento e a reflexão
sobre a responsabilidade da Igreja no enfrentamento das causas do
aquecimento, sempre tendo presente que as mudanças climáticas afetam
mais as pessoas que já se encontram na pobreza e na marginalização
sociopolítica.
Na Assembleia seguinte (em 2010) o setor de Pastorais Sociais
disponibilizou aos bispos um pequeno livro intitulado “Profecia da
Terra”6. Foi elaborado coletivamente pelas pastorais e isso significou
um processo de formação dos seus agentes em relação a essa nova
compreensão da realidade. Foi surpreendente o interesse dos bispos e
isso levou a colocar em prática outra proposta elaborada em conjunto:
solicitar a assinatura dos bispos em favor da realização de uma Campanha
da Fraternidade (CF) sobre a Vida no Planeta Terra. Mais uma surpresa:
a adesão de mais da metade dos bispos. Isso significou que na reunião
em que se decide a temática da CF seguinte, a proposta foi aprovada
praticamente por unanimidade.
A CF, com o tema Fraternidade e Vida no Planeta e com o lema A
Terra grita em dores de parto, foi realizada no período da Quaresma e
Páscoa de 2011. O texto base foi elaborado com contribuições dos que
já trabalhavam a temática. Partindo da realidade em que se manifestam
os sinais do aquecimento, das mudanças climáticas e suas consequências
na vida das pessoas e de todos os seres vivos, o texto contou com uma
reflexão crítica de caráter sociopolítico e um aprofundamento bíblico
e teológico voltado para perceber como Deus deseja que as pessoas
assumam o cuidado com tudo que faz parte do ambiente da vida.

6 PASTORAIS Sociais CNBB. Profecia da Terra – Mudanças Climáticas Provocadas pelo


Aquecimento Global. Brasília: CNBB, 2009.

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E, consequentemente, para fundamentar as mudanças de visão, de
práticas pessoais e comunitárias, bem como as mudanças em relação
à responsabilidade política dos seguidores de Jesus, denunciando tudo
que causa as mudanças climáticas e anunciando a decisão de caminhar
com os que cuidam de forma adequada da vida no e do Planeta Terra.
Na parte final, estímulos em favor de práticas concretas em defesa e
como promoção de iniciativas de convivência com a Mãe Terra.
É visível que a Igreja poderia ter feito muito mais, levando à prática
de forma mais coerente e com envolvimento de todas as igrejas locais e as
sugestões de ação. Mas não há dúvida de que a partir de 2011, praticamente,
não há documentos e textos de planejamento e propostas de ação pastoral
que não incluam (de alguma forma) essa dimensão da realidade. E como
prova disso, ela promoveu diversas Campanhas da Fraternidade com temas
ligados à temática, com destaque para a de 2016 que foi ecumênica, ani-
mada pelo CONIC, com o tema Casa Comum, Nossa Responsabilidade;
e a de 2017, sobre Fraternidade e Biomas do Brasil.
Mesmo reconhecendo limites e até contradições internas, o fato de
a Igreja Católica e as Igrejas do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
(CONIC) terem assumido e trabalhado essas temáticas em anos
sucessivos tem muito a ver com mudanças constatadas em levantamentos
de opinião pública sobre o aquecimento e as mudanças climáticas: a
maioria das pessoas ouvidas estão preocupadas com essas mudanças e
querem que se cuide melhor dos ambientes favoráveis à vida. Há ainda
muito mais ações locais, comunitárias e esse trabalho de informação,
diálogo e debates sobre o que está provocando essas mudanças está
capacitando mais pessoas para o compromisso de reforçar mobilizações
políticas em favor de mudanças mais profundas, estruturais.

Cultivar ou dominar a Terra?


Na perspectiva analisada anteriormente, a do antropocentrismo, as
mudanças no discurso religioso cristão são muito importantes. Como
reconhece o Papa Francisco, interpretações fundamentalistas dos textos
iniciais da Bíblia levaram à falsa ideia de que o ser humano teria como
missão “dominar a Terra”. Sem contextualizar a realidade em que foi
elaborado esse poema da criação, é mais difícil perceber a mensagem
religiosa contida nele.

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Não são textos narrativos de uma história, com as características
da historiografia moderna. Os “dias” são referidos à semana apenas
para destacar que o “sétimo” é o dia em que até o Criador descansou
e deve ser, então, “dia do Senhor”, destinado ao repouso geral, dos
seres humanos (que não devem trabalhar) e da própria natureza.
No mais, cada dia se refere aos processos sucessivos em que a Terra,
movida pelo Espírito criador de Deus, foi gerando os diferentes
seres que vão dando forma a um jardim. Um dos muitos jardins,
na verdade, entregue àquele casal que dá origem a um povo. Outros
foram entregues a outros casais e povos e nem todos tiveram a mesma
história que a vivida pelos autores do Gênesis, pois, eles, inspirados
por Deus, queriam lembrar que as situações difíceis enfrentadas
pelo povo de Israel eram responsabilidade dos que preferiram seguir
seus impulsos e introduziram as divisões, o desejo de apropriação, a
inveja, as mortes violentas.
Em nosso caso, temos nos povos de Bem Viver a história vivida com
valores que estão mais próximos dos desejados pelo Criador – e pela
Pachamama: mantiveram o princípio da comunidade de seres humanos
convivendo harmoniosamente com a grande comunidade da vida da
Mãe Terra.
Para que haja novo céu e nova terra, como prometido no último livro
bíblico, o Apocalipse7, será preciso que os cristãos se deixem questionar
e se sintam atraídos pelos povos que, com sua vida, são profetas do
anúncio de que é possível, sim, toda a humanidade viver num tempo
pós-capitalista. Se derem este passo, haverá a multiplicação de sementes
e de práticas de sociedades de Bem Viver8.
De toda forma, para que os seres humanos sejam imagem e
semelhança de Deus precisam ser apaixonadamente criadores amorosos
como Ele e desapegados, generosos como Ele, colocando tudo que
forem capazes de criar à disposição de todos os homens e mulheres,
bem como de todos os seres vivos, para que vivam felizes. Tomara que
os ambientes sejam jardins, para que a fartura se complete com a beleza
e a felicidade seja integral, alcançando todas as dimensões da vida.

7 Apocalipse, 21,1.
8 ACOSTA, Alberto. O Bem Viver – uma oportunidade para imaginar outros mundos. São
Paulo: Autonomia Literária; Ed. Elefanta, 2016.

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A ENERGIA E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Quem leva a sério as informações que a ciência conseguiu sistematizar
em relação às alterações da composição da atmosfera, demonstrando que
o aumento constante dos gases de efeito estufa é com certeza muito alta,
um dos causantes do aquecimento global da Terra, logo percebe que
uma das prioridades para enfrentar esse grave desequilíbrio é encontrar
fontes renováveis e menos poluentes para produzir energia. Afinal, em
sua maior parte, o que fez que esses gases passassem de 280 ppm, antes
da revolução industrial, para 410 ppm nos dias de hoje foi o uso cada
vez maior de fontes fósseis na produção de energia.
É claro que esta informação traz consigo a pergunta: Quem levou
a humanidade a usar as fontes fósseis de energia e mesmo a entrar
numa total dependência delas? A primeira aproximação nos leva aos
interesses corporativos das grandes empresas privadas de extração,
industrialização e distribuição de petróleo, gás e carvão. Elas são
responsáveis até por informação falsa, uma vez que eram detentoras de
pesquisas que demonstravam que o seu uso e em quantidade crescente
causariam mudanças climáticas e provocariam doenças nos seres
humanos. Mas são principalmente responsáveis pela criação do que se
denominou “civilização do petróleo”, disseminando seu uso em quase
tudo, desde produtos químicos usados na agricultura do agronegócio
até o plástico de cada dia, passando por roupas e até remédios. Elas
reforçaram seu poder econômico com o uso direto e indireto da grande
mídia, idolatrando o uso de automóveis, por exemplo. E mantêm esse
poder ainda hoje através da continuidade de apoios governamentais
e do pagamento a cientistas e formadores de opinião para que
mantenham a dúvida sobre a relação direta entre queima de fontes
fósseis e aquecimento global.
O Fórum MCJS (desde o início de sua atuação) deu-se conta de
que a promoção de fontes renováveis, junto com o questionamento
da matriz energética nacional, deveria ser uma de suas prioridades. E
ela deveria andar em duas direções: ir demonstrando que o potencial
solar é imenso, quase infinito, no Brasil; e ir revelando criticamente
que a política energética governamental não avança nessa direção por
sua submissão aos grandes interesses do pool de empresas ligadas à
hidroeletricidade, à termoeletricidade e à energia nuclear.

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Havia, portanto, um trabalho de informação e de mobilização social
em favor de um “não” à política e à matriz energética, tendo consciência
que isso significava confrontar-se com grandes grupos privados nacionais
e internacionais do hidronegócio e do uso do petróleo, gás e carvão, e
com grandes financiadores de partidos políticos e de candidatos aos
governos e outros cargos públicos.
Tendo consciência desse poder, a opção foi priorizar a difusão
de informações e a promoção, na medida do possível, de pequenas
iniciativas locais de energia com fontes renováveis, com destaque para a
fonte mais universal e potente no país, o Sol.

A construção da Frente por uma


Nova Política Energética para o Brasil
Inicialmente, o FMCJS pensou em lançar uma campanha sozinho.
Mas, a partir dos contatos já existentes com algumas redes que também
lutavam no amplo campo da energia, a decisão foi a de encaminhar uma
consulta sobre o interesse dessas redes de participarem de uma reunião
em que se dialogaria sobre as diferentes práticas e sobre a possibilidade
de uma campanha comum em favor de uma nova política energética
para o país. A resposta foi imediata e grande o interesse.
Na primeira reunião foi dado o passo de colocar em comum as lutas,
as dificuldades e as possibilidades das redes que atuavam contra a energia
nuclear, contra o pré-sal, contra as hidrelétricas nos rios da Amazônia,
contra as empresas de energia eólica com torres de grande tamanho e a
favor da energia solar e de outras fontes renováveis descentralizadas, nos
telhados e espaços comuns das comunidades. A reflexão levou a perceber
que havia mais iniciativas contra, pelo não, do que iniciativas ligadas às
alternativas possíveis. Como o Brasil é um país solar, o FMCJS propôs
que, junto com o apoio de todas as redes às diferentes lutas, fosse lançada
em conjunto uma campanha em favor da energia com fontes renováveis,
especialmente o Sol, com dois objetivos: anunciar que isso é possível e
que a conquista de uma nova matriz energética ajudaria a enfrentar o que
está provocando aquecimento e mudanças climáticas e, junto com isso,
reforçar as lutas contra as fontes poluentes e ameaçadoras com o anúncio
de que elas não são necessárias, uma vez que há potencial imenso de
geração de energia com fontes renováveis.

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Como primeira prática de conjunto, foi assumida a proposta de
organizar um Fórum Social Temático Energia, que foi realizado na
UNB nos dias 7 a 9 de agosto de 2014. Como provocação, os que
aderiram e participaram foram convidados a refletir sobre essas
perguntas: “Energia: para quê? para quem? como?” Entre as atividades
realizadas em conjunto, vale destacar duas: 1) o debate com candidatos
ao governo do Distrito Federal e à Presidência da República – a quem
já se havia enviado Carta consultando sobre suas propostas em relação à
política energética e às fontes alternativas de energia; e 2) o lançamento
da Frente por uma Nova Política Energética por parte das redes e
entidades que participaram dos diálogos anteriores e haviam decidido
dar esse passo de atuação em conjunto.
Em relação à primeira, é imperioso reconhecer que das candidaturas
dos grandes partidos, só houve uma resposta. Do PT. E que depois,
mesmo buscando cobrar insistentemente sua efetivação, solicitando
audiência com a Presidente eleita, cobrando e só conseguindo ensaios de
diálogo com o Ministério de Minas e Energia, não produziu frutos. Já do
Distrito Federal, o candidato que (depois) foi eleito governador enviou
uma carta, indicando sua decisão de investir na inovação em matéria
de energia, especialmente na energia solar. Logo depois da sua posse, os
contatos feitos resultaram na participação do FMCJS e da Frente por
uma Nova Política Energética para o Brasil na comissão que recebeu do
governador a tarefa de elaborar o projeto Brasília Solar, coordenada pela
Secretaria do Meio Ambiente. Como fruto, o DF já conta com um bom
projeto e com pesquisas que demonstram sua viabilidade, mas pouco de
efetivo foi encaminhado. Um sinal positivo foi dado pela empresa que
administra o Metrô, inaugurando (em outubro de 2017) um sistema de
energia solar fotovoltaica numa das estações e anunciando que outras
também se tornarão autônomas em relação à energia.
Como se percebe, a Frente por uma Nova Política Energética
para o Brasil tornou-se efetiva e continua em campo até a atualidade.
Atua em várias frentes, mas a que menos avançou foi a de influir
sobre a formulação da política estatal de energia, insistindo sobre a
necessidade de mudar a matriz, diversificando-a, abrindo prioridade
para a energia solar descentralizada, para outras fontes renováveis,
diminuindo progressivamente a dependência da hidroeletricidade e da
termoeletricidade.

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De toda forma, trata-se de uma Frente e um dos seus méritos tem
sido atrair diferentes organizações da sociedade civil para uma ação em
conjunto, possibilitando o reforço das lutas específicas de cada rede. Aos
poucos, firma-se a perspectiva de que é possível e até necessário avançar
na produção descentralizada de energia, já que se trata de prática que,
ao mesmo tempo, reforça a autonomia das comunidades, diminui
o desperdício de energia, utiliza melhor as fontes de cada região e
localidade e, especialmente, diminui a emissão de gases de efeito estufa.

A energia e a transformação social


Um belo dia, uma pessoa não conhecida entrou em contato para
convidar o FMCJS para colaborar na organização de um seminário
sobre a energia solar no Semiárido brasileiro. Ele insistia que não era
possível que se continuasse falando do Sol como castigo, responsável
pelos sofrimentos das pessoas nos tempos de seca. E como tinha ouvido
falar que o FMCJS estava promovendo a energia solar fotovoltaica
descentralizada como uma de suas prioridades, precisava de seu apoio e
presença para deslanchar práticas novas em relação ao Sol no Sertão do
estado da Paraíba. É evidente que o convite foi aceito.
Como se tratava de um primeiro passo, a expectativa era reunir-
se com um pequeno grupo de pessoas. Em vez disso, o seminário
foi realizado no campus da Universidade Federal em Pombal, o que
já indicava a construção de uma parceria importante, e o público
participante não coube no salão nobre da instituição. Foi preciso
projetar as falas e debates através de painéis em outras salas.
Outra surpresa: havia participantes de diversos municípios. Além de
Pombal, havia pessoas de Sousa, Cajazeiras, Aparecida, Patos. Junto com
professores universitários e alunos, havia movimentos sociais e culturais,
agentes pastorais, prefeitos, bispo. Em outras palavras, uma mobilização
surpreendente. E a julgar pelo documento final, denominado Carta de
Pombal, de gente com vontade de se comprometer numa série de ações
que conquistassem para a região, e na perspectiva de alcançar todo o
grande território do Semiárido, uma nova relação com o Sol, fazendo
que ele (como diz a canção) seja “o mesmo sol que nos dá vida”, foram
constituídas comissões com tarefas específicas e uma coordenação que
garantisse a continuidade, denominada Comitê de Energia Renovável
do Semiárido da Paraíba (CERSA).

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Olhando esta iniciativa com o olhar de hoje, é impressionante o
quanto ela foi germinal. Já existem frentes de atuação em todos os
municípios da região, alguns deles já com leis e programas municipais
de promoção da energia com fontes renováveis; já há uma paróquia
dando início ao que, em diálogo com a diocese de Cajazeiras, pretende
ser um programa de “Igreja Solar”; cresce o número de famílias que
instalaram painéis em seus telhados; através de diálogos com um
deputado da região, o governo da Paraíba já conta com um programa
de promoção da energia solar. E está em execução o projeto “Semiárido
Solar”, como será detalhado a seguir.

Uma Parceria Internacional


O parceiro responsável da relação entre o FMCJS e MISEREOR,
um organismo de cooperação internacional da Igreja Católica da
Alemanha, enviou a seguinte informação: há recursos disponíveis para
projetos de energia solar em comunidades populares: vocês têm algum
já pronto? Havia pouco tempo para apresentar o projeto. Diante disso,
depois de consultas, foi decidido apresentar (com participação local)
um projeto educativo e mobilizador em favor das fontes renováveis de
energia renovável em três municípios em que o CERSA estava atuando:
Patos, Pombal e Sousa. Em 30 meses deveriam ser implantados
projetos-piloto em parceria com diferentes instituições locais, desde
uma Associação de Economia Solidária até Prefeituras, com o objetivo
de: abrir o debate sobre o possível uso dessas fontes; capacitar as pessoas
que farão a instalação e sua manutenção; mobilizar as comunidades
em favor de políticas públicas de energia nos municípios, no bioma
semiárido da Caatinga e no país.
Está criado um ambiente favorável à conquista de políticas públicas
de energia solar fotovoltaica descentralizada, assim como está crescendo
o interesse direto de famílias para produzir a sua própria energia. E há
também melhor conhecimento, gente capacitada para assessorar tecnica-
mente as famílias ou comunidades que desejarem produzir biogás e adubo
orgânico, utilizando excrementos de animais, assim como há a possibili-
dade de diminuir a queima de madeira por meio dos fogões ecológicos.
Os projetos-piloto foram implantados em iluminação de praça
pública, em solarização de escolas, em residências, em comunidades

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agrícolas, em padaria de uma associação de mulheres. Sempre com o
objetivo de demonstrar como é possível avançar nessa direção com a
participação popular. Como se diz, criando apetite e desejo de que
todas as casas – e por que não todo o Semiárido? – venham a contar
com energia descentralizada para melhorar suas condições de vida.

MUDAR O SISTEMA, NÃO O CLIMA


Na mais recente rodada de seminários regionais, organizados pelo
FMCJS e suas entidades membros e parceiras (em 2016), da qual
nasceu o vídeo “O Mapa das Mudanças Climáticas no Brasil”9, o que se
procurou levantar foi o que mudou depois de 2012. Ano em que foram
realizados nove seminários regionais com o objetivo de levantar o que
estava acontecendo, qual a consciência popular e o que estava sendo
feito em relação às mudanças climáticas10. A constatação foi unânime:
aumentou muito o calor, diminuíram as chuvas, mas, ao mesmo
tempo, aumentaram os temporais e enchentes. Em outras palavras, o
desequilíbrio do clima criado na Terra nas diferentes regiões e biomas
está aumentando.
A palavra que melhor revela o sentimento das pessoas em todas as
regiões é perplexidade. E por dois motivos principais: as pessoas não
sabem o que fazer frente às mudanças climáticas; e pior, não sabem o
que fazer frente à indiferença com o que está acontecendo por parte dos
empresários do agronegócio, da mineração, da hidroeletricidade, das
usinas térmicas e nucleares, do transporte de pessoas e de mercadorias;
não sabem o que fazer frente os recuos políticos e legais promovidos por
governos e legislativos. Resumindo, não se sabe o que fazer para manter
a esperança de que serão enfrentadas as causas das mudanças climáticas.
A reflexão crítica, nascida da análise da realidade sociopolítica e das
práticas populares, está confirmando com segurança que é preciso mudar
o sistema e não o clima. Quem deseja enfrentar as mudanças climáticas
mudando o clima são as empresas que acham ser possível retirar da
atmosfera quantidades grandes de gases de efeito estufa, guardando-os
no subsolo ou aumentando a capacidade das águas do mar de absorver

9 Ver em: www.youtube.com/watch?v=KO-ZM1Y1duE.


10 Ver referências em: www.fmclimaticas.org.br.

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parte deles; que acham ser possível evitar os raios solares através de uso
de espelhos no espaço; que acham que multiplicar negócios com as
florestas que absorvem CO2 seria uma forma eficiente de desculpar as
empresas que emitem dióxido de carbono demais. Enfim, são empresas
e bancos que só querem fazer novos negócios com os desequilíbrios
criados por eles, sem colocá-los em questão.
Não, o clima foi mudado pelo funcionamento do sistema
produtivista e consumista promovido pelos detentores do capital e pelos
governos que os apoiaram e continuam financiando. E ele só voltará a
ser equilibrado e favorável à vida quando este sistema for mudado.
Nessa perspectiva, todo processo de formação promovido pelo
FMCJS e, especialmente, o implementado em parceria com o Grupo
Carta de Belém, tem procurado contribuir para que os povos da floresta
tenham conhecimento do que está escondido por trás das aparentes
belas propostas de contratos de REDD e REDD+ e de Pagamento por
Serviços Ambientais (PSA). Trata-se de programas do capital financeiro
globalizado que visam dar caráter e “valor” financeiro aos bens comuns,
criando novas frentes de especulação, tendo como base o carbono. Em
encontros deste setor do capital já se desenha a perspectiva de ter como
moeda de referência o carbono e não mais o dólar e as expectativas de
“remuneração dos investimentos” estão na escala de dezenas de trilhões
de dólares. Isso, evidentemente, “se”, com esses negócios assentados sobre
falsas soluções do processo de aquecimento e mudanças climáticas, não
levarem a Terra a não conseguir mais manter o clima favorável à vida.

CONSTRUIR SOCIEDADES DO BEM VIVER


Junto com a contribuição no sentido de que as pessoas e entidades
tenham uma visão da realidade a partir do princípio de que tudo está
interligado e, de modo especial, que o ser humano é parte da Terra
e do Cosmos e (por isso) a possibilidade de sua vida ter futuro está
sendo decidida por suas formas de relação com tudo que constitui
os ambientes vivos e fontes de vida, o FMCJS carrega em todo seu
trabalho o compromisso de não deixar cair a esperança. O modo de
ser e a palavra de Jesus de Nazaré estimulam quem o deseja seguir a
encarar com todo realismo a realidade sociopolítica e, em nosso caso,
a realidade socioambiental, mas ao mesmo tempo estimula a prestar

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atenção às práticas de solidariedade existentes entre os pobres como
sinal da presença e amor de Deus por seus filhos e filhas. Esse estímulo,
presente também em outras religiões, nos levou a acolher a boa notícia
presente no Bem Viver dos povos indígenas e de outras comunidades
tradicionais.
A primeira percepção do que significam as práticas do Bem Viver
é dar-se conta de que muitos desses povos vivem em seu território há
mais de doze mil anos e, mesmo assim, são áreas preservadas. E não
são preservadas porque não sabem cultivá-las. O fundamento de sua
relação com tudo que constitui o ambiente natural é a consciência,
celebrada de forma cultual todo o tempo, de que eles (mulheres e
homens, crianças, jovens, adultos e idosos) todos são parte do próprio
ambiente. Precisam, por isso, cuidar dele como cuidam de sua vida.
Eles repetem, em diferentes línguas e diferentes expressões religiosas:
a Terra existe antes de nós. Então, somos nós que precisamos dela e
precisamos, assim, estar em paz com ela. Além disso, repetem: ela é um
grande ser vivo e mãe de todas as formas de vida, inclusive a nossa.
A segunda percepção do significado do seu Bem Viver se dá a partir da
história de suas relações com as sociedades que nasceram da colonização
iniciada há pouco mais de cinco séculos. Os povos existentes hoje
são sobreviventes de um decreto de extermínio de mais de 500 anos.
Foi decretado que os povos que viviam nos continentes apropriados
pelos reinos europeus tinham que deixar de ser povos. Podiam viver,
mas passando a ser escravos ou, mais recentemente, brasileiros – em
nosso caso – ou argentinos, chilenos, peruanos, o decreto foi este: não
podem existir povos Asteca, Guarani, Tupinambá, Goiá, Maia. Não
podem porque queremos seus territórios – e sem seu território, cada
povo indígena deixa de ser – e porque sua forma de vida é incômoda
e denuncia que o sistema de vida dos colonizadores contraria a Mãe
Terra e Deus criador, reconhecido com diferentes nomes. O diferente,
o modo de vida diferente, saudável e feliz, sem propriedade, sem
exploração das pessoas e da natureza, sem desejo de enriquecimento,
não pode existir junto com o nascente sistema de vida subordinado e a
serviço do capital.
Acolhida dessa forma, como uma profecia de povos que resistiram
ao sistema de vida e à civilização europeia durante mais de 500 anos, de
povos que mantiveram vivas suas formas de relação entre as pessoas, das

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pessoas com os demais seres vivos e com toda a Mãe Terra, das relações
com os espíritos dos ancestrais e com o Criador, a proposta do Bem
Viver se apresenta como um desafio e como um convite para todas as
pessoas, comunidades, movimentos e organizações que desejam e se
articulam para construir um outro mundo não e pós-capitalista possível.
Não se trata de uma modelo único, pronto para ser copiado,
repetido. Há diferenças entre o Bem Viver de cada povo, já que cada
povo tem sua história, sua cultura, seus valores identitários, sua tradição
de organização política e de prática da justiça, sua língua e sua religião.
São diferentes os povos do Bem Viver, mas eles têm bases, fundamentos
comuns. Todos são povos com estas características constitutivas:
ninguém é proprietário, pois a Terra foi destinada por Deus como
o território do povo; só se vive bem quando há cooperação entre os
membros da comunidade e do povo, e de intercâmbio entre os povos;
só se vive bem quando há relações harmônicas com tudo que constitui
a vida da Mãe Terra.
É isso que fundamenta a definição da Bolívia e do Equador como
Estados Plurinacionais e que está na base dos direitos da natureza, da
Pachamama, incorporados no capítulo VII da Constituição do Equador,
presentes também na Constituição da Bolívia. A Terra é ser vivo anterior
a nós e nós dependemos dela para viver. Por isso, ela tem direito a tudo
que criou para que a vida pudesse existir e os seres humanos devem
respeitá-los e garantir sua vigência sob pena de provocar dificuldades e
até impossibilidade de continuar vivendo nela.
O Papa Francisco, reconhecendo a dificuldade de mudar o estilo
de vida e de exigir mudanças estruturais no sistema que mata, lembra
que todas as pessoas precisam de inspiração e energia que vem pela
espiritualidade. E o que os povos indígenas nos apresentam como práticas
de Bem Viver é inspiração, demonstração de que pode ser difícil, mas é
possível construir formas de vida em harmonia com a Terra.
Por outro lado, é evidente que cabe a nós (humanos) – que criamos
cidades, destruímos florestas para produzir mercadorias, contaminamos
as águas – responder com ideias, práticas e criatividade a essa pergunta:
como construiremos sociedades de Bem Viver aqui? As respostas
deverão ser diferentes, para começar porque já não se vive em florestas
e porque, por outro lado, em todas as regiões e localidades será preciso
encontrar o rumo da recriação das condições para que possa haver

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vida, entre elas a recriação de florestas, a agroecologia, os cuidados com
a água. Em cada bioma, tendo presente suas características, também
as cidades deverão ser diferentes, também elas buscando a convivência
harmoniosa com a Terra.

FORMAÇÃO CONTINUADA E MULTIPLICADORA


A presença e atuação do FMCJS se dá em âmbito nacional e
as práticas locais e regionais são realizadas com as suas entidades
membros que atuam nelas. Com elas foram realizados os seminários
regionais em 2016. E no seminário nacional, com participação de
representantes das entidades membros e dos seminários regionais
foram sugeridas algumas prioridades, com destaque para Formação,
Água e Comunicação.
Na situação sociopolítica e socioambiental em que nos
encontramos, já não é suficiente a formação realizada nas reuniões
formais de cada rede e entidade, insistiram os participantes. O que se
necessita é “formação continuada” e aberta a outras pessoas que sentem
essa necessidade. Dos diálogos durante o seminário e depois com o
Grupo Executivo, foi amadurecendo e sendo assumida a proposta da
promoção de um processo de formação continuada e multiplicadora,
garantindo sempre a dimensão participativa.
Esse processo está em andamento, sempre com a metodologia de
aprender fazendo e melhorar com a ajuda da prática. Para ser formação
multiplicadora foi preciso descobrir pessoas que aceitassem a tarefa de
multiplicadores/as em seu estado. E que elas, depois de participar de
um encontro nacional de construção coletiva do processo de formação,
organizassem em seu estado um grupo de 10 pessoas que desejassem
entrar nesse processo e se tornassem animadoras das dinâmicas de sua
formação, contando com o apoio de materiais pedagógicos elaborados
por assessores nacionais. Foi assim que em 2017 foi nascendo o grupo
de vinte multiplicadores/as que, por sua vez, atraíram para o processo
perto de outras duzentas pessoas.
Mas havia a necessidade de definir quais as temáticas e questões mais
urgentes a serem desenvolvidas na formação. Pois, foram os multiplicadores/
as, junto com assessores nacionais, que definiram esses temas no seminário
nacional. Depois de diversas hipóteses e muito diálogo, foram definidas

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três temáticas para 2017: Biomas, Mudanças Climáticas e Água. Para cada
um deles deveriam ser preparados (por assessores nacionais) dois tipos de
materiais pedagógicos básicos: um texto e um ou mais vídeos.
Descentralizado, mas articulado nacionalmente, esse processo
usa uma plataforma de educação à distância em âmbito nacional e
diversificadas atividades presenciais nos estados. É isso que torna
possível o processo de educomunicação: a “tarefa” dos participantes
dos grupos – denominados multiplicandos, por serem pessoas que
se tornarão multiplicadores – pode ser individual ou coletiva, mas
sempre definida coletivamente, e não é mediação para aprovação ou
não e sim é realizada com o objetivo de gerar material de informação
sobre a temática em estudo de cada estado, localidade, região, bioma.
Os textos, vídeos, poesias, fotos, entrevistas etc. se tornam informação
para todos os demais participantes dos outros estados, depois de passar
por cuidados da equipe nacional de comunicação. Além disso, muitos
desses materiais se tornam informação de qualidade para um público
mais amplo, através de portais de notícias e das mídias sociais.
Haverá uma primeira avaliação nacional em novembro de 2017 e, a
depender do que for confirmado e das novas sugestões de metodologia,
o processo pode multiplicar o número de participantes. Afinal, se dois
dos atuais multiplicandos passarem a atuar como multiplicadores,
poderemos ter algo entre 300 e 400 novos membros de grupos deste
processo de Formação Continuada e Multiplicadora. Os atuais e novos
multiplicadores/as terão uma programação de formação com novas
temáticas, que serão em seguida trabalhadas por elas e eles com os
novos participantes dos grupos. Só assim o processo de formação será,
ao mesmo tempo, continuado e multiplicador.

CONCLUINDO
Lembro mais uma vez o Papa Francisco, mas o faço porque seu
sentimento é o de muitas outras pessoas, de diferentes religiões e
culturas: a situação em que nós e a Terra nos encontramos é tão grave
que não se pode e nem se deve dispensar a contribuição da ciência, das
religiões, da poesia e da arte, dos povos que sobreviveram a séculos de
decreto de extermínio, das mulheres, das crianças, dos idosos11.

11 PAPA FRANCISCO. Laudato Sí – Sobre o Cuidado da Casa Comum. Brasília: CNBB, 2015. p. 63.

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Não o FMCJS em si, mas as relações que ele possibilita e articula
têm certamente um potencial de educação ambiental profunda e
transformadora. Uma transformação que é pessoal, mas não se fecha no
individualismo e menos ainda no moralismo. Uma transformação que é
local, comunitária, recuperando o seu rio, a sua vegetação, a sua beleza,
produzindo seus alimentos a partir do que é característico de seu bioma,
usando conhecimentos e técnicas industriais sem agredir o ambiente e
sem usar produtos contaminantes. Mas é também e eminentemente
política porque ninguém se salvará isoladamente, já que os processos
de aquecimento e mudanças climáticas são globais. E por ser e para ser
global, precisa mais ainda ter base nas localidades, nas comunidades e
povos do Bem Viver.

REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. O Bem Viver – uma oportunidade para imaginar outros
mundos. São Paulo: Autonomia Literária; Ed. Elefanta, 2016.
ASSEMBLEIA Popular Mutirão por um Novo Brasil. O Brasil que
Queremos. São Paulo: Ed. Expressão Popular, 2015.
PAPA FRANCISCO. Laudato Sí’ – Sobre o Cuidado da Casa Comum.
Brasília: CNBB, 2015.
PASTORAIS Sociais CNBB. Profecia da Terra – Mudanças Climáticas
Provocadas pelo Aquecimento Global. Brasília: CNBB, 2009.

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De la alfabetización climática a la necesidad de la
educación para el cambio climático:
Estado actual y retos en el alumnado de la
Universidad de Santiago de Compostela
Da alfabetização climática à necessidade de educação para
as mudanças climáticas: situação atual e desafios para os
estudantes da Universidade de Santiago de Compostela
From climate literacy to the need for
education for climate change: Current status and challenges
for students at the University of Santiago de Compostela
Pablo Ángel Meira Cartea1
Antonio García Vinuesa2

INTRODUCCIÓN
El concepto de alfabetización climática comenzó a ser utilizado
hace menos de 20 años como un derivado temático de la alfabetización
científica. La crisis climática ha centrado la atención en este constructo
como un posible pilar para diseñar intervenciones socioeducativas que
faciliten la aceptación pública de las políticas de mitigación del cambio
climático y de adaptación a sus consecuencias ya inevitables. Surgen así
dos retos complementarios: uno generado por la necesidad de conocer y
comprender el estado actual de la alfabetización de la sociedad en clave
climática, como un conocimiento que puede ser clave para la toma
de decisiones informadas que permitan afrontar el problema en todas
sus dimensiones; y otro, que consiste en prescribir, si fuera pertinente,
como debe de ser la alfabetización climática universal, de forma que se

1 Grupo de Investigación en Pedagoxía Social e Educación Ambiental; Universidade de


Santiago de Compostela. E-mail: pablo.meira@usc.es.
2 Grupo de Investigación en Pedagoxía Social e Educación Ambiental; Universidade de
Santiago de Compostela. E-mail: antoniogvinuesa@gmail.com.

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identifiquen contenidos y formas operativas para planificar y aplicar
actuaciones educativas eficaces para incorporar la cuestión climática en
todas sus dimensiones – biofísicas y socio-culturales – en los currículos
de los diferentes niveles del sistema educativo y en espacios educativos
no institucionalizados.
La alfabetización científica, como germen de la alfabetización
climática, surgió inicialmente como un concepto relacionado con
objetivos curriculares. Entendida como la difusión sistemática de
conocimientos y competencias generadas en el campo de la ciencia tiene
una larga trayectoria3 desde su aparición en la literatura dedicada a la
educación científica a finales de los años 50. Paul Hurd fue el primero en
hacer referencia al concepto en una publicación de 1958 titulada Science
Literacy: Its Meaning for American Schools (Laugksch, 2000). Un año
después – debido, entre otras cosas, al éxito de la Unión Soviética por el
lanzamiento del primer satélite artificial Sputnik (1957) – un grupo de
profesionales de la educación científica crearon el Science Manpower
Project en la Universidad de Columbia (Roberts, 2007). El proyecto
fue avalado por una treintena de instituciones y en él participaron
profesionales de la educación, tanto del nivel universitario como de la
educación primaria y secundaria. Su preocupación de partida era que
“a principios de los años 50, el flujo prospectivo de personal científico a
través de las escuelas y las universidades no había sido el adecuado para
satisfacer las necesidades de la industria, del gobierno, del programa de
defensa, de la educación y de otros agentes de la economía nacional”
(FITZPATRICK, 1959, p. 121). En lo que respecta a las principales
razones para su inclusión en el currículo tuvieron su fundamento,
por un lado, en la valoración como inadecuada de la formación de los
científicos, los técnicos y los profesionales dedicados a la enseñanza
de las ciencias, y por otro, en la frecuencia creciente con que un
gran número de personalidades públicas tenían que tomar decisiones
políticas en las que existían variables científicas, pero cuya cultura
científica era prácticamente nula. La identificación de estos déficits
justificaba la necesidad de extender la alfabetización científica al público
en general, es decir, que “la ciudadanía necesita entender la forma en

3 La búsqueda en la base de datos de Scopus en el campo “título del artículo” con los conceptos
“science literacy” OR “scientific literacy”, ofrece 644 documentos desde 1963 hasta 2017.

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que funciona la ciencia, cómo esta es importante en la comprensión
de los acontecimientos de la vida cotidiana y otros aspectos similares
implicados en el conocimiento científico” (ROBERTS, 2007, p. 10).
A pesar de que “la alfabetización científica parece ser un concepto
mal definido y difuso —y por lo tanto controvertido—” (LAUGKSCH,
2000, p.74), su conceptualización y los modelos para su incorporación
a los currículos escolares suelen fluctuar entre dos enfoques, que Roberts
(2007) identifica como Vision I y Vision II, y que fueron el resultado de
buscar una mayor precisión en la definición de alfabetización científica
para establecer el qué hacer, cómo planificar y cómo conducir los
procesos de enseñanza-aprendizaje ligados a ella.
El primer enfoque, que surge con el propio concepto de alfabetización
científica, enfatiza la necesidad de orientar los procesos de enseñanza-
aprendizaje hacia la difusión de contenidos científicos, entendida esta
difusión como el trasvase riguroso de los conocimientos generados en
el campo científico al conjunto de la sociedad. Este enfoque parte del
supuesto de que si una persona adquiere conocimientos científicos
amplios los aplicará en su vida diaria para resolver racionalmente
aquellos problemas que, de alguna manera, están relacionados con
aspectos científicos y asumiendo que este conocimiento acumulado
influye directamente en las decisiones y los comportamientos personales.
Este enfoque suele ignorar el papel que juegan un conjunto de variables
personales (actitudes, valores, motivaciones, emociones, intereses, etc.)
y contextuales (representaciones y roles sociales, estereotipos y formas de
cognición cultural, relaciones, factores situacionales e identitarios, etc.),
en cómo las personas interpretan el mundo y orientan su actuación
en él (BYBEE; MCCRAE, 2011). Los enfoques que ignoran esta
complejidad asumen muchos de los supuestos de la teoría del déficit de
información (KOLLMUSS; AGYEMAN, 2002).
El segundo enfoque empezó a tener presencia en la década de los 80 con
movimientos como el STS (Ciencia, Tecnología y Sociedad) que centran la
atención educativa menos sobre los contenidos y más sobre las complejas
relaciones que se establecen entre ciencia, tecnología, medio ambiente y
salud. Este enfoque apuesta por centrar la acción educativa en situaciones
y problemáticas significativas de la vida cotidiana, en las que la ciencia
aparece como una forma de saber significativa que puede aportar claves
para su comprensión y para la toma de decisiones informadas y cualificadas.

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En línea con esta dicotomía conceptual, Azevedo y Marques (2017)
evocan la brecha entre la cultura científica y la humanista denunciada
por Snow en 1959 (SNOW, 1987), para entender la complejidad
cultural del concepto de alfabetización, indicando que:
Hay una brecha en el campo de los estudios de
alfabetización, en otras palabras, entre aquellos que
abordan la alfabetización con una práctica gobernada
por relaciones de causa y efecto y aquellos que
ven la alfabetización como un evento humano de
comunicación, lo que significa hacer e interpretar.
En el campo de la educación científica, el enfoque
parece ser la transmisión y adquisición de algo –
conocimientos, habilidades y disposiciones- ayudando
a alguien a capacitarse para vivir en nuestras complejas
sociedades modernas. Por otro lado, en el área de la
comunicación de la ciencia, el énfasis recae ahora en
la persona, como sujeto de acción y responsabilidad,
de prácticas, de formas de hacer y ser, como prácticas
culturales, prácticas políticas, prácticas profesionales,
etc. (AZEVEDO; MARQUES, 2017, p. 2).

Tratando de superar esta dialéctica, el Programa para la Evaluación


Internacional de Alumnos (PISA, de su acrónimo en inglés) realizó en 2006
un intento por combinar ambos enfoques, al ensayar la incorporación la
dimensión actitudinal en la evaluación de la alfabetización científica. Desde
este punto de vista, la OCDE define la alfabetización científica como “la
capacidad para emplear el conocimiento científico, identificar preguntas
y obtener conclusiones basadas en pruebas, con el fin de comprender
y ayudar a tomar decisiones sobre el mundo natural y los cambios que
la actividad humana produce en él” (CAÑO; LUNA, 2011, p. 7). Esta
capacidad funcional, según algunos autores, tendría cuatro componentes
(SCHLEICHER; ZIMMER; EVANS; CLEMENTS, 2009):
1. Los conocimientos científicos y su uso para producir nuevos
conocimientos, comprender los fenómenos naturales y ofrecer
conclusiones basadas en pruebas científicas –contenidos–;
2. Comprender los rasgos característicos de la ciencia como forma de cono-
cimiento humano con una metodología y unas reglas de construcción y
validación especificas –metaciencia o dimensión epistemológica–;

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3. Ser consciente de cómo la ciencia y la tecnología pueden transformar
los entornos materiales, culturales e intelectuales –dimensión cultural–;
4. Y, la disposición para involucrarse en tareas científicas y como
esta implicación se relaciona con las virtudes de un ciudadano
comprometido, constructivo y reflexivo –dimensión social y
política–.
La prueba PISA, a su vez, pretende incorporar cuatro dimensiones
interrelacionadas orientadas a una evaluación integrada de los niveles
de alfabetización científica de la población escolar:
1. La contextual, basada en el reconocimiento de situaciones cotidianas
que incluyan la ciencia y la tecnología;
2. La dimensión relacionada con los conocimientos, donde se encuadra
el conocimiento del mundo natural y de la propia ciencia;
3. Una dimensión competencial, que encuadra procesos de
identificación y explicación de cuestiones relacionadas con la ciencia
y el uso de las bases científicas para la argumentación, la obtención
de conclusiones y la toma de decisiones;
4. Y una dimensión actitudinal, relacionada con el interés y la
motivación por cuestiones científicas.
La evaluación de estas dimensiones se realiza a través de una prueba
donde se formulan preguntas relacionadas con situaciones cotidianas
que implican en su resolución el uso de la ciencia y la tecnología a través
de contenidos científicos (conocimiento “de” y “sobre” la ciencia) y de
la expresión de actitudes (interés, apoyo a la investigación y sentido de
la responsabilidad).
Sin embargo, a pesar del giro dado por la OCDE hacia aun enfoque
más actitudinal en la valoración de la competencia científica, González-
Gaudiano (2012) cuestiona la idea de que introducir contenidos
científicos en la educación, en busca de una alfabetización científica,
sea la solución al reto climático, ya que “la información científica sobre
el cambio climático es necesaria, pero no suficiente para inducir la
acción social” (p. 1039). Apoya su argumentación en un artículo de
la propia OCDE (OCDE, 2009) que constata que los adolescentes de
15 años que mejor conocen los temas ambientales en la prueba PISA,
y que son capaces de explicarlos y transferirlos a otros contextos de su

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vida cotidiana, no presentan la supuesta “correspondencia” actitudinal
y de responsabilidad en la mitigación y adaptación al cambio
climático que se pretende con la alfabetización científica (en este caso
climática), confirmando la “triste paradoja” de que los ciudadanos y las
sociedades con un nivel educativo mayor suelen ser las que producen
mayor impacto relativo y absoluto sobre en el ambiente global. Estos
argumentos son defendidos por varios autores en relación al cambio
climático. Kahan et al. (2012) y Stevenson et al (2014) sugieren que la
preocupación por el cambio climático no está directamente relacionada
con el nivel de conocimientos científicos que las personas manejan,
y defienden argumentos similares con respecto a otros sectores de la
sociedad al afirmar que “las personalidades públicas con un mayor nivel
de alfabetización científica y mejor capacidad de razonamiento técnico
no son los que más preocupación muestran por el cambio climático”
(KAHAN et al., 2012, p. 732), atribuyendo este hecho a posibles
conflictos de intereses.
Con todo, y a pesar de que la relación entre los componentes
cognitivos, afectivos y comportamentales es muy compleja en cualquier
proceso de aprendizaje, estudios sobre alfabetización ambiental, como
los de Bradley, Waliczek y Zajicek (1999) o McMillan, Wright y
Beazley (2004), sugieren que un mejor conocimiento sobre el medio
ambiente correlaciona con una actitud más proambiental y con mejores
comportamientos al respecto, lo que sugiere la necesidad de buscar un
equilibrio entre los tres componentes: el conceptual, el actitudinal-
afectivo-valorativo y el comportamental. Roberts (2007, p. 11) utiliza
argumentos similares cuando afirma que:
todo el mundo está de acuerdo en que los estudiantes
no pueden ser científicamente alfabetos sin conocer
alguna ciencia, y todos están de acuerdo en que el
concepto [alfabetización científica] necesita incluir
algunos otros tipos de comprensión acerca de la
ciencia. Las diferencias en la definición tienen que ver
exactamente con qué, cuánto, para quién y en qué tipo
de equilibrio conceptual.

Otros autores (BUSCH; ROMÁN, 2017; KLEIMAN; SOARES


apud SASSERON; DE CARVALHO, 2011; NORRIS; PHILIPS,
2003) centran sus argumentos en transferir al campo de la difusión

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y divulgación científica el significado estricto de alfabetizar, “enseñar
a alguien a leer y escribir” (RAE, 2014). Estos autores defienden que
la finalidad fundamental de la alfabetización científica es enseñar y
aprender a producir, interpretar y evaluar productos científicos, de
manera que desarrollando estas competencias un ciudadano alfabeto
científicamente debería ser capaz de discriminar los contenidos sesgados
o erróneos de los correctos, y de ofrecer argumentos para sustentar su
grado de acuerdo o desacuerdo con la información recibida, para ser
capaces de tomar decisiones informadas y responsables. Esto supone un
reto pedagógico y didáctico de enorme complejidad debido, en primer
lugar, a que los textos científicos difieren de otros tipos de textos en tres
elementos esenciales que dificultan su lectura comprensiva por personas
legas: los tecnicismos, el alto nivel de abstracción y la densidad léxica
en un lenguaje especializado. Y, en segundo lugar, a que no es posible
como ya se avanzó, aislar la formación o la información científica
recibida de otros componentes psicológicos o sociales que intervienen
en la situación de asimilación y la condicionan. Por otra parte, resulta
extremadamente difícil que, salvo en situaciones muy puntuales y
excepcionales, se puedan aplicar en el marco de la vida cotidiana los
estrictos requerimientos epistemológicos asociados al método científico,
siendo en la cultura común – a través de procesos culturales poco
conocidos como la construcción de representaciones sociales y teorías
profanas, conceptos acuñados por Moscovici – donde “la naturalización
[del objeto científico] confiere a la representación social una categoría
de evidencia. No es solo un doble de la ciencia, también se convierte en
una teoría profana autónoma” (MOSCOVICI, 1979, p. 89). Una vez
vertida la información científica (conceptos, teorías, imágenes, datos,
abstracciones, etc.) en el campo de la cultura común, esta se convierte
en un marco interpretativo y pragmático poderoso, siempre presente y
activo, incluso en aquellas personas que tienen un acceso privilegiado a
la ciencia y a los códigos epistémicos de la ciencia.
Al igual que ocurre con la alfabetización científica, el concepto de
alfabetización climática, como derivada temática de la anterior, no está
exento de controversias, especialmente intensas en Estados Unidos.
Esta descomposición del campo más genérico de la alfabetización
científica en múltiples alfabetizaciones específicas (energética,
climática, ecológica, ambiental, alimentaria, sanitaria, etc.) obedece a

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la creciente importancia social de la ciencia para entender y dotar de
sentido al mundo contemporáneo y a los principales problemas que
le afectan. Moscovici (1979) ya advertía en los años sesenta del siglo
pasado de la creciente importancia que estaba adquiriendo la ciencia en
la construcción del “sentido común” en las sociedades contemporáneas:

Sea cual fuera el porvenir de las ciencias siempre


tendrán que sufrir transformaciones para convertirse
en parte de la vida cotidiana de la sociedad humana.
(…) Corresponden a necesidades y prácticas que se
podrían calificar de profesionales, como la ciencia, la
técnica, el arte, la religión, y tiene una contrapartida
en las necesidades y las prácticas profesionales de los
científicos, ingenieros, artistas, sacerdotes. Queremos
hablar de estas profesiones, cuyos miembros son
‘representantes’ y cuyo trabajo consiste en participar
en la creación de representaciones. ¿Qué son los
‘divulgadores científicos’, los ‘animadores culturales’,
los ‘formadores de adultos’, etc. sino representantes
de la ciencia, de la cultura, de la técnica frente al
público y del público, en la medida de lo posible,
frente a los grupos creadores de ciencia, de cultura,
de técnica? ¿Qué otra cosa hacen, desgraciadamente
a menudo sin quererlo y sin saberlo, que participar
en la constitución de Representaciones Sociales? En la
evolución general de la sociedad estas profesiones se
multiplicarán. Será forzoso reconocer la especificidad
de su práctica (MOSCOVICI, 1979 [1971], p. 28).

Dupigny-Giroux (2010, p. 1203) destaca que desde el año 2000 “la


alfabetización geo-científica ha surgido como un área de especial interés
y preocupación dentro del marco más amplio de la alfabetización
científica”. La “alfabetización geo-científica” se desglosaría, a su vez, en
otras “alfabetizaciones” que dan cuenta de problemáticas específicas,
como el cambio climático, cuya relevancia social las proyecta sobre
otros ámbitos de interés. Así, se habla de alfabetización oceánica, de
alfabetización en las ciencias de la tierra, de alfabetización en ciencias
atmosféricas y de alfabetización climática. En este panorama, el
concepto de alfabetización climática aparece como un subconjunto
diferenciable dentro de la alfabetización científica, centrado, como su
propio nombre indica, en la difusión social de las ciencias del clima,

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de sus dinámicas y relaciones con la atmósfera, los sistemas terrestres y
oceánicos a diferentes escalas espaciales y temporales, entre otros aspectos
del fenómeno. Esta perspectiva apela a la promoción de una cultura
científica en clave climática, a partir de la cual las instituciones educativas
han buscado la trasposición de la ciencia del clima al currículum, en
una versión actualizada de la ciencia surgida del positivismo lógico
– la denominada, por Roberts (2007), visión I de la alfabetización
científica – que entiende la alfabetización como una difusión los más
éticamente neutral y aséptica de los contenidos científicos; una difusión
que tiene como principal vehículo de transmisión al currículum escolar
y que da prioridad en la transposición a los contenidos de las ciencias
fisicoquímicas (GONZÁLEZ-GAUDIANO; MEIRA, 2009). Con esto
no se pretende desvalorizar o deslegitimizar la alfabetización científica
– o climática – como una misión constituyente e importante que debe
tener cabida en el currículum; no obstante, esta visión restringida de
la alfabetización tiende a ignorar e infravalorar las dimensiones socio-
culturales, éticas, políticas y económicas que interaccionan y resignifican
estos contenidos científicos cuando afectan a temáticas o problemáticas
socialmente controvertidas. En el caso del cambio climático, una visión
restrictiva (o positivista) de la alfabetización sesga y limita la eficacia
de las actuaciones educativas para responder a estas problemáticas. Es
decir, limita el alcance transformador, en la línea de la adaptación y
la mitigación a través de la descarbonización de nuestras sociedades,
que se pretende con un enfoque más comprensivo y multidimensional,
que aquí denominamos como Educación para el Cambio Climático.
Dicho de otro modo, la difusión de contenidos científicos rigurosos
sobre el CC, utilizando la mediación del currículum o de otros medios
de difusión, puede producirse sin que estos contenidos den lugar a
procesos significativos de aprendizaje en los que se tome conciencia, se
valore el potencial de amenaza que el CC supone para el ser humano
y se desarrollen competencias individuales y colectivas para participar
en la construcción de las soluciones individuales y colectivas que
precisamos en términos de mitigación de las causas y de adaptación a
sus consecuencias, muchas ya inevitables en el presente y a medio plazo.
Como defienden algunos autores (STEVENSON; NICHOLLS;
WHITEHOUSE, 2017), es preciso enfrentar el reto – y la evidencia
– de un conocimiento científico incompleto sin que esto merme la

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imperiosa necesidad de que educadores y educandos, en cualquier
contexto formativo, se involucren y co-aprendan para pensar y actuar
sobre y en la transición hacia un futuro realmente sostenible, bajo en
carbono y por una eco-ciudadanía global. Desde esta perspectiva, la
alfabetización climática, transformada en educación climática o, mejor,
en Educación para el Cambio Climático, debería ocuparse también, y,
sobre todo, del papel que ejercen las sociedades humanas en la alteración
del clima y de su capacidad para actuar en consecuencia, integrando los
conocimientos y las representaciones científicas con otro tipo de saberes
y representaciones sociales y culturales disponibles. En todo caso, es
evidente que definiciones de “alfabetización climática” como la sugerida
por Dupigny-Giroux (2010), que se reproduce a continuación, sitúan
el listón a un nivel inasequible para la mayoría de la población:
Las personas que son alfabetas climáticas saben
que la ciencia del clima puede informar nuestras
decisiones para mejorar la calidad de vida. Tienen
una comprensión básica del sistema climático,
incluyendo los factores naturales y los causados por
el ser humano que lo afectan. Los individuos con
conocimientos de ciencias del clima entienden cómo
las observaciones y los registros climáticos, así como el
modelado informático, contribuyen al conocimiento
científico sobre el clima. Son conscientes de la relación
fundamental entre el clima y la vida humana y las
muchas formas en las que el clima siempre ha jugado
un papel en la salud humana. Tienen la capacidad de
evaluar la validez de los argumentos científicos sobre
el clima y de utilizar esa información para apoyar sus
decisiones (GIROUX, 2010, p. 1204).

Dado que la tarea educativa se focaliza casi exclusivamente en la


trasposición de la representación científica, con la expectativa ingenua de
transformar a cada persona en un agente altamente cualificado que sepa
“evaluar la validez de los argumentos científicos sobre el clima”, el cambio
o los cambios necesarios para responder a la crisis climática habrían de
esperar a la configuración de una sociedad integrada por personas con un
alto nivel de alfabetización científica, algo altamente improbable siquiera
en aquellas comunidades con mayores niveles de instrucción y con más
recursos para acceder a las representaciones científicas.

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Las disquisiciones sobre el término alfabetización climática no
son nuevas en la búsqueda de cierta claridad conceptual y, sobre todo,
funcional, en torno al concepto matriz de “alfabetización científica” y a
los derivados a los que ha dado lugar. Las mismas dificultades aprecian
Sara Pe’er, Daphne Goldman y Bela Yavetz (2007) al intentar definir
el concepto de alfabetización ambiental. Las autoras identifican tres
componentes fundamentales que se relacionan entre sí de manera
compleja para dar sentido al término: el conocimiento ambiental, que
incluye la comprensión de los principios ecológicos básicos para entender
como el ser humano puede influir en los ecosistemas; la interrelación
entre sistemas sociales y naturales y los problemas ambientales que
surgen de esta relación; y, las estrategias (o competencias) para la
acción ambiental que incluyen la habilidad para identificar y evaluar
críticamente las posibles soluciones. Como se puede constatar, esta
propuesta parte también de una visión tridimensional que integra
conocimientos conceptuales, actitudinales (e, indirectamente, éticos) y
procedimentales (o comportamentales), si bien ignora los componentes
emocionales o los ligados a la cognición cultural y a las dinámicas
de representación social, aunque puedan suponerse implícitos en la
segunda componente.
Más allá de la clarificación conceptual, Dupigny-Giroux (2010), de
forma más realista, indica la necesidad de que la alfabetización climática
sea un objetivo de la educación a lo largo de toda la vida y para todos
los ciudadanos, identificando 6 retos que debe afrontar su desarrollo,
algunos de los cuales coinciden con las apreciaciones de Busch y
Román (2017) sobre la complejidad para interpretar y comprender las
representaciones científicas:
• El primer reto es la dificultad del lenguaje especializado de las
ciencias del clima, que entorpece su comprensión y que se agrava
por el uso de algunas metáforas “contraproducentes” dado que
pueden originar ideas erróneas.
• El segundo reto es el que plantean las concepciones alternativas
o ideas erróneas que existen en la cultura común, que pueden
obstaculizar la comprensión de los procesos del cambio climático y
la identificación de sus posibles soluciones.

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• El tercer reto es la necesidad de adoptar una perspectiva que
contemple un “currículo” accesible para todas las personas. El
carácter complejo de las ciencias del clima hace que no todo el
alumnado de la enseñanza obligatoria y, ya no digamos, la mayor
parte de la población, pueda acceder de forma comprensible a ellas.
• El cuarto reto apunta a la necesidad de prestar atención a los
diferentes estilos de aprendizaje para favorecer la transposición de
conocimientos teóricos en prácticas cotidianas.
• El quinto reto destaca la importancia de atender a los conocimientos
y las prácticas de los educadores con la finalidad de evitar la
reproducción y mantenimiento de ideas erróneas y de contrarrestar
la proliferación de representaciones generadas por las corrientes
negacionistas.
• Y el sexto reto destaca el papel de la experiencia vital de cada persona,
resaltando el cómo y el dónde accede a la información al respecto.
También en Estados Unidos, en 2009, varias agencias
gubernamentales (National Oceanic and Atmospheric Administration
y la National Science Foundation) y no gubernamentales (American
Association for the Advancement of Science), junto con científicos y
educadores, crearon un protocolo educativo denominado The essential
Principles of Climate Science Literacy (Busch y Román, 2017), que
propone 7 contenidos fundamentales que la población debe dominar
para tomar decisiones fundamentadas sobre el clima:
1. El sol es la principal fuente de energía para el
sistema climático de la tierra.
2. El clima está regulado por interacciones complejas
entre los componentes del sistema terrestre.
3. La vida en la tierra depende del clima, es modelada
por él y lo afecta.
4. El clima varía en el espacio y el tiempo a través de
procesos naturales y antropogénicos.
5. La comprensión del sistema climático mejora a
través de observaciones, estudios teóricos y estudios
de modelización.

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6. Las actividades humanas están impactando el
sistema climático.
7. El cambio climático tendrá consecuencias para el
sistema de la tierra y las vidas humanas (USGCRP,
2009, p. 9-16).

No deja de sorprender la versión oficial en castellano de este


documento, que traduce el término “literacy”, alfabetización en
inglés, por “conocimiento”: Conocimiento climático: Los Principios
esenciales de la Ciencia Climática. Esta traducción, que contribuye a
identificar la alfabetización con la transmisión de conocimientos, se
mantiene en todo el documento y muestra la dificultad para definir
el constructo “alfabetización” de manera universal y transcender los
enfoques reduccionistas asociados a la teoría del déficit de información
que convergen en la visión I. Esta dificultad semántica la encuentran
igualmente investigadoras en lengua portuguesa llegando a utilizar hasta
tres términos distintos para identificar el concepto de alfabetización
científica: letramento, alfabetização y enculturação, teniendo cada
uno de ellos distintas connotaciones (SASSERON; DE CARVALHO,
2011). Por otro lado, el documento también utiliza la terminología
“climate science literacy”, asumiendo que la alfabetización climática es
un subconjunto de la alfabetización científica ocupada de la difusión de
las ciencias del clima (DUPIGNY-GIROUX, 2010).
Así, el USGCRP (United States Global Change Research
Program) comienza definiendo la alfabetización climática como “la
comprensión de tu influencia en el clima y la influencia del clima sobre
ti y sobre la sociedad” (USGCRP, 2009, p. 4). Esta conceptualización
es enormemente sugerente y abre la posibilidad de un enfoque
más complejo de las prácticas educativas que la desarrollen, con la
posibilidad de ir más allá de la simple trasposición de conocimientos.
Sin embargo, la concreción de esta definición retoma la senda de la
difusión de información científica. Así, el mismo documento especifica
que una persona climáticamente alfabeta sería aquella que:

- Entiende los principios esenciales del sistema


climático de la Tierra.

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- Conoce cómo evaluar información científicamente
creíble acerca del clima.
- Comunica sus conocimientos acerca del clima y el
cambio climático de una manera significativa, y
- Es capaz de tomar decisiones informadas y
responsables con respecto a acciones que podrían
afectar al clima (USGCRP, 2009, p. 4)

Estas cuatro competencias remiten a la definición de alfabetización


antes utilizada, entendida como enseñar a alguien a interpretar las
ciencias del clima y a generar discursos científicos sobre ellas, objetivo
que, de alcanzarse, debería facilitar, presuntamente, el desarrollo de
prácticas responsables ante amenazas como el cambio climático.
En este texto proponemos un concepto todavía por perfilar y
acotar: el de Educación para el Cambio Climático, que puede integrar
objetivos y procesos asociados con la alfabetización climática, pero que
hace referencia al desarrollo de las diferentes competencias, habilidades
y capacidades conceptuales, procedimentales y actitudinales necesarias
para que la población, científicamente cultivada o lega, tome conciencia
y actúe ante la amenaza del cambio climático a distintos niveles y
en distintos contextos socioculturales. El objetivo principal no es
cultivar científicamente a la población, sino hacer viables las políticas
de mitigación y adaptación que permitan evitar los peores escenarios
ambientales y sociales posibles que pronostican las ciencias del clima.
La alfabetización climática, tal y como suele ser definida, puede formar
parte del proceso, principalmente para trabajar con algunos públicos y
en determinados marcos institucionales (p.e.: en la educación secundaria
o en la formación superior), pero no debe ser el único vector educativo
que se ponga en marcha para responder a la crisis climática. La gravedad
de la amenaza y la misma inercia de nuestras sociedades y del propio
sistema climático impiden esperar el tiempo necesario para cultivar una
población que sea mayoritariamente alfabeta con respecto al clima y al
cambio climático, si es que este pudiese ser un objetivo factible para la
mayor parte de las sociedades del planeta. La variable tiempo, el timing
de la crisis climática y la urgencia de actuar exige una respuesta educativa
que vaya más allá de los cambios curriculares normalizados.

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Las ciencias del clima son uno de los recursos más valiosos para
comprender el complejo sistema climático, sus rápidos cambios y
las consecuencias más probables de su alteración por su interacción
con los sistemas humanos. Permiten generar una base empírica
metodológicamente legitimada sobre la que construir socialmente el
problema del cambio climático, pero el simple trasvase al público de
los conocimientos que se generan en el campo científico “no implica
que la alfabetización climática del conjunto social vaya a propiciar el
cambio de comportamientos, hábitos y valores en la vida cotidiana de
las personas” (GONZÁLEZ-GAUDIANO; MEIRA, 2009, p. 12).
Además de enfrentarse a las dificultades para su conceptualización,
la respuesta educativa a la crisis ambiental, desde la alfabetización
climática a la Educación para el Cambio Climático, ha de superar otras
limitaciones. Al contrario que la alfabetización ambiental, que tiene
entre sus fines centrales el de “empoderar a las personas para que crean
en su habilidad para contribuir en soluciones ambientales a través de sus
comportamientos personales” (PE’ER, GOLDMAN; YAVETZ, 2007,
p. 47), con resultados que pueden ser visibles a corto o medio plazo a
través de diversas acciones de cuidado, protección o conservación del
medio ambiente, las respuestas educativas al cambio climático han de
enfrentar un problema global y abstracto en el que es difícil identificar
cómo los cambios y las acciones individuales contribuyen realmente a
la articulación de soluciones, debilitando la percepción de autoeficacia
y reforzando la indefensión aprendida. Por otro lado, existen estudios
(HORNSEY et al., 2016; KAHAN et al., 2012) que relacionan
directamente las creencias, ideologías y visiones del mundo, en este
caso individualistas y jerárquicas, con posturas negacionistas. Estos
estudios no pretenden cuestionar la necesidad de educar o alfabetizar
climáticamente a la ciudadanía, sino que aportan información para
comprender el impacto que estas intervenciones pueden tener sobre
la comprensión del problema, sobre la aceptación de medidas de
mitigación y adaptación y sobre la valoración de las amenazas y riesgos
que comporta el cambio climático.
Para finalizar este apartado de fundamentación, retomamos las
reflexiones de Douglas A. Roberts (2007), en la introducción al Linné
Scientific Literacy Symposium, Promoting Scientific Literacy: Science
Education Research in Transaction celebrado en la Universidad de

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Upsala en 2007. Valorando algunos aspectos de las comunicaciones
presentadas en dicho simposio, Roberts resalta la importancia que
los estudiantes conceden a que los procesos de enseñanza-aprendizaje
de las ciencias sean relevantes y significativos - coincidiendo con las
conclusiones del estudio de Monroe et al. (2017) sobre prácticas
educativas eficaces para trabajar el cambio climático - ; destaca también
la necesidad de explorar nuevos formatos y enfoques para la enseñanza
de las ciencias fundamentados en la visión II, como los propuestos
por Burch y Harris (2014); y la exploración de nuevas metodologías
de investigación bajo el slogan de que “diferentes tipos de preguntas
requieren diferentes metodologías de investigación, y diferentes tipos
de preguntas preceden a los cambios en la política y la práctica”
(ROBERTS, 2007, p. 16); por último, hace hincapié en que existe una
notable expansión de las perspectivas teóricas aceptables y aceptadas
por la comunidad investigadora de la educación científica, como es el
caso de la Teoría de las Representaciones Sociales.
Estas indicaciones, junto a otros aportes expuestos en este
texto (GONZÁLEZ-GAUDIANO, 2012; KAHAN et al., 2012;
GONZÁLEZ-GAUDIANO; MEIRA, 2009; STEVENSON;
NICHOLLS; WHITEHOUSE, 2017, entre otros) ofrecen algunas
sugerencias sobre y para la evolución de los constructos alfabetización y
educación científica, que desde nuestra perspectiva se pueden extender
a los conceptos y planteamientos de la alfabetización y la educación
con respecto al clima y a la crisis climática en todas sus dimensiones
(formal, informal, no formal; social; a lo largo de la vida; de adultos;
etc.) con el propósito de construir las bases heurísticas y ontológicas de
una Educación para el Cambio Climático:
• Tanto en los procesos de comunicación como de educación para el CC es
indispensable buscar la significatividad de la información y de las activi-
dades al respecto conforme al perfil y a la vinculación con el problema del
público diana (responsabilidades, vulnerabilidades, cultura, etc.).
• Es necesaria la colaboración entre la Universidad, los centros
educativos y las instituciones públicas donde se toman las
decisiones, de forma que los nuevos descubrimientos en el ámbito
de la educación y de la ciencia converjan en la búsqueda y creación
de programas educativos acordes a la magnitud y globalidad de la

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crisis climática, bajo los pilares de la mitigación y la adaptación
al CC. Son necesarios estrategias, programas y actividades que
superen la Visión I y su carácter reduccionista, e incluso vayan un
paso más allá de la visión II, para establecerse como una educación
a lo largo de toda la vida, con una perspectiva glocal que dote de
significatividad a las prácticas educativas en la esfera personal y
comunitaria y que también permita comprender el reto que es el
CC para toda la familia humana con el objetivo de conseguir una
acción necesariamente global.
• En las conclusiones del informe PISA sobre la formación en Ciencias
Medioambientales y Geociencias del alumnado de 15 años se indica
que:

los niños de 15 años de los países de la OCDE tienen


acceso a grandes cantidades de información sobre el
entorno y su estudio científico. No sólo las escuelas,
sino también los medios de comunicación e Internet,
se han convertido en ricas fuentes de material de
los que los estudiantes pueden aprender y aplicar su
alfabetización científica (OCED, 2009, p. 68).

Sin embargo, a pesar de esta facilidad de acceso, son los gobiernos,


las sociedades y los estilos de vida que se cultivan los que mayor
impacto e influencia tienen en las decisiones sobre las emisiones de
GEI, creándose una clara brecha entre conocimientos (alfabetización) y
prácticas socio-ambientales.
• Las diferentes concepciones sobre el propio constructo de
alfabetización científica, y por consiguiente sobre el de alfabetización
climática, dificultan el camino a seguir para alcanzar los objetivos
de cambio social y cultural en clave climática. De hecho, desde que
apareciera por primera vez el concepto en Estados Unidos a inicios
de 1950, la discusión sobre su definición perdura hasta hoy en día
(AZEVEDO Y MARQUES, 2017; LAUGKSCH, 2000).
Con todo esto, y sin intención de minusvalorar la importancia de la
alfabetización científica en las sociedades del siglo XXI y, por extensión,
su presencia en los currículos educativos, la emergencia de la actual
crisis ambiental no deja tiempo para mantener un debate terminológico
continuo, por más productivo y necesario que este pueda ser, por lo

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que las propuestas que defendemos en este texto, y desde el proyecto
Resclima y el grupo de investigación SEPA – interea de la Universidade
de Santiago de Compostela – , para superar la distancia que suele
haber entre los enfoques de la alfabetización climática (entendida
principalmente como transposición de la representación científica del
cambio climático), las representaciones y valoraciones que se desarrollan
en la cultura común con respecto a la crisis climática y las políticas de
mitigación y adaptación al CC. En este sentido, abogamos por establecer
un Currículo de Emergencia y una Educación para el Cambio Climático
que sitúe la crisis climática como principal reto educativo en una triple
perspectiva: científica, social y política. La finalidad primordial de una
Educación para el Cambio Climático dentro del currículum – y en la
esfera de la educación no formal – no sería la alfabetización científica de
la población escolar o de la población en general, sino la conversión del
CC en un objeto social relevante y significativo ante el que es preciso
adoptar respuestas urgentes que implican asumir responsabilidades y
compromisos micro- (a escala personal y comunitaria) y macro- a escala
estatal, regional y global.
En esta línea, la Teoría de las Representaciones Sociales ofrece un
marco heurístico para comprender cómo el conocimiento científico,
a través de la interacción social y los diferentes medios de difusión y
divulgación, es apropiado y reconstruido por el conocimiento común
para crear las representaciones sociales que guían la comprensión del
mundo y la acción en él en las esferas de la vida cotidiana. La forma en
que las personas reaccionen a la amenaza del CC, tanto individual como
colectivamente, va a estar más condicionada por cómo se represente
socialmente esta problemática que por lo que las ciencias del clima sean
capaces de explicar y predecir.
Al igual que la preocupación generada en Estados Unidos en la
década de los 70 por el desarrollo económico en Japón y otras naciones
del Pacífico – que amenazaban la competitividad de su economía
(LAUGKSCH, 2000) – fue uno de los detonantes para la inclusión
de la alfabetización científica en el currículo escolar estadounidense,
el Cambio Climático antropogénico, como reto global incuestionable
y urgente puede convertirse en un eje de cambio educativo y cultural
en los Estado-Nación del mundo, para que todas las sociedades
comprendan y valoren su influencia en el clima (personal y colectiva),

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y como éste afecta y afectará como una variable determinante a todas
las dimensiones de la vida social (económica, demográfica, ambiental,
sanitaria, seguridad, etc.) condicionando su evolución hacia escenarios
inciertos que pueden ser aceptables si conseguimos reducir las emisiones
de GEI a niveles admisibles hacia mediados y finales de siglo, o
invivibles si las tendencias actuales se mantienen. Conviene no olvidar
que el cumplimiento del Acuerdo de París para situar el aumento de la
temperatura media del planeta al final de este siglo por debajo de 2oC
o, mejor, de 1,5oC, requerirá pasar de unas emisiones globales de GEI
equivalentes a 40 GT CO2/año en la actualidad, a 5 GT CO2/año en
2050 y a emisiones netas de 0 o negativas en 2100 (FIGUERES et
al., 2017; ROCKSTRÖM et al., 2017). Esta trayectoria de reducción
no va a ser posible exclusivamente con respuestas tecnológicas o de
regulación económica, será preciso impulsar un cambio cultural a
escala global que ha de ser más exigente y ambicioso en las sociedades
más desarrolladas en la medida en que las bases de su bienestar se han
construido, en gran parte, sobre la disponibilidad y el uso intensivo de
combustibles fósiles. Para que la ciudadanía de estos países demande,
acepte participar y asuma responsabilidades y obligaciones en los
procesos de descarbonización que será necesario impulsar para que la
transición a sociedades bajas en carbono sea factible, la Educación para
el Cambio Climático ha de jugar un papel fundamental.

LA DIMENSIÓN COGNITIVA DE LA EDUCACIÓN PARA EL CAMBIO


CLIMÁTICO: LA ALFABETIZACIÓN CLIMÁTICA DE PÚBLICOS
CIENTÍFICAMENTE ALFABETOS
Para analizar los niveles de conocimiento sobre el cambio climático
y su relación con los procesos sociales de toma de conciencia sobre
esta problemática hemos realizado una investigación con estudiantes
de la Universidad de Santiago de Compostela. El estudio explora los
conocimientos de los estudiantes sobre 4 aspectos del CC: sus causas,
los procesos implicados, sus consecuencias y las alternativas. El diseño
muestral adoptado ha permitido comparar los resultados de estudiantes
en base a dos variables de estratificación interna de la muestra: estudiantes
que están iniciando sus estudios frente a quienes los están finalizando,

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por una parte y, por otra, estudiantes que cursan titulaciones del campo
de las Ciencias Naturales y las Ingenierías (CNI, en adelante) frente a
estudiantes que cursan titulaciones del ámbito de las Ciencias Sociales
y las Humanidades (CSH, en adelante). Con este diseño se aborda
la dimensión científica de la Educación para el Cambio Climático
-la alfabetización climática del alumnado universitario- tratando de
valorar su competencia científica respecto a un cuestionario construido
con enunciados que se refieren a conocimientos sobre las causas, los
procesos, las consecuencias y las respuestas a la amenaza climática. Con
este enfoque se pretende:
• Explorar el nivel de la alfabetización climática en el estudiantado
universitario de la Universidad de Santiago de Compostela,
suponiendo que quienes cursan titulaciones de CNI y quienes
están finalizando sus estudios, habrían de conseguir mayores
puntuaciones que quienes están cursando titulaciones del ámbito
de las CSH y quienes están comenzando sus estudios superiores,
respectivamente.
• Valorar la incidencia de la formación sobre el cambio climático recibida
en el sistema educativo por estos estudiantes, fundamentalmente
en la Educación Secundaria, así como la influencia que ha podido
tener su paso por la universidad, y finalmente
• Ponderar cómo puede influir el sistema educativo en la alfabetización
climática de quienes pasan por él, con respecto a la posible
influencia de otros procesos informales de socialización y difusión
del conocimiento científico y para-científico4; es decir, obtener
pistas sobre cómo interaccionan la cultura científica y la cultura
común tomando como referencia un colectivo social – estudiantes
universitarios- al que se le supone un alto nivel de alfabetización
científica o, al menos, una mayor posibilidad para acceder a los
conocimientos científicos y metodológicos para adoptar una
“representación científica” del objeto “cambio climático”.

4 Por conocimiento para-científico entendemos aquella información de distinto tipo


(conceptos, creencias, teorías pseudo-científicas y profanas, imágenes etc.) que llegan a la
cultura común a través de procesos de difusión y propagación desde el campo de la ciencia.

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El cuestionario
El cuestionario utilizado fue diseñado ex profeso para este estudio y
consta de tres secciones:
1ª. La primera sección registra la información básica de la persona
encuestada: género, edad, titulación y el curso académico.
2ª. La segunda consta de 32 ítems ideados para explorar la cultura
científica de los estudiantes a través de su competencia para acertar la
veracidad o falsedad científica de los enunciados que se presentan. Los
enunciados se clasifican en cuatro bloques de conocimiento relacionados
con los 2 primeros principios generales de la alfabetización climática
según el US Global Change Research Program (2009):
• Bloque 1. Procesos físicos relacionados con el CC (8 ítems).
• Bloque 2. Consecuencias del CC (10 ítems)
• Bloque 3. Causas del CC (10 ítems)
• Bloque 4. Respuestas al CC (4 ítems).
Los ítems son de tipo cerrado y no aparecen ordenados según los
distintos bloques para no condicionar las respuestas. El cuestionario
presenta un índice de fiabilidad media de 0,67 calculado a través del
índice de fiabilidad de Cronbach y fue validado por expertos del ámbito
de la educación de varias universidades españolas. Después de realizar
un ensayo piloto con estudiantes universitarios se suprimieron algunos
ítems dado que no discriminaban las respuestas adecuadamente.
3ª. La tercera sección consta de 13 preguntas destinadas a conocer
apreciaciones personales y creencias generales del estudiantado
universitario con relación al cambio climático. En este bloque se
combinan ítems en diferentes formatos: dicotómicos de “si” o “no” (2),
escala Lickert de 4 elementos (4) y escala Lickert de 10 elementos (7).
En este texto no se analizan los resultados de esta sección.
Los resultados que se exponen y valoran en este texto provienen
de la segunda sección del cuestionario. Como ya se comentó, esta
sección fue diseñada para explorar la competencia científica de los
y las estudiantes para acertar la veracidad o falsedad de una serie de
enunciados relacionados con el CC. Cada enunciado tiene una posible
respuesta en base a una escala Lickert de 4 elementos: “Totalmente
verdadero” (TV), “Probablemente verdadero”, “Probablemente falso”

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y “Totalmente falso” (TF), siendo las respuestas correctas de todos
los enunciados o totalmente verdaderas o totalmente falsas. Los ítems
reproducen enunciados sobre el CC que se pueden encontrar en la
literatura de divulgación científica y en los medios de comunicación.
En esta sección se evitó la respuesta NS/NC con la intención de no
facilitar una respuesta poco reflexiva o evasiva. Para obtener un valor
representativo de las respuestas se ha tenido en cuenta el valor 4
como máxima corrección a la hora de acertar la veracidad o falsedad
(científica) de los enunciados.

Los participantes (la muestra)


En el momento de aplicar el cuestionario, 300 de los estudian-
tes cursaban el 1er curso y 19 el 2º curso de sus respectivos grados
(agrupados como variable inicio de estudios, IE, en adelante), y 42
cursaban el 3er curso y 277 el 4º curso (agrupados como variable final
de estudios, FE, en adelante)5 (Gráfica 1). Los datos pertenecientes
al estudiantado de 2º curso (19), se codificaron con los de 1er curso
(300) para componer la submuestra de alumnado que están en el inicio
de sus estudios (IE), quedando un NIE=319, el 49,5% de la muestra
total. Los de 3er curso (42) se sumaron con los de 4º (277) para com-
poner la submuestra de alumnado que están finalizando sus estudios,
quedando un NFE=319, el 49,5% de la muestra total.

5 Por regla general, en el sistema universitario español los grados universitarios tienen una
duración de 4 cursos. En este estudio, todas las titulaciones que cursan los estudiantes
encuestados tienen esta duración.

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Gráfico 1 – Porcentajes de los/as participantes según su curso académico

Fonte: Cuestionario.

Con respecto a las titulaciones que cursaban los participantes la


muestra se distribuye de la siguiente forma (Gráfica 2): Biología (99),
Pedagogía (96), Derecho (121), Economía (105), Ingeniería Forestal y
Medio Natural (44), Ingeniería Agrícola y Alimentaria (42), Ingeniería
Química (61) e Historia (76). Los datos de las diferentes titulaciones se
agruparon para generar dos nuevas variables: estudiantes de titulaciones
relacionadas con las CNI, por una parte, y de titulaciones de CSH, por
otra, componiendo dos submuestras de NCNI=246 casos y NCSH=398
casos. Si bien la variable CSH es mayor que la CNI, el tamaño de esta
última permite la comparación estadística. La muestra total resultante
es de N=644 estudiantes.

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Gráfico 2 – Porcentajes de los/as participantes según su titulación.

Fonte: Cuestionario.

Descripción de los datos generales


En la gráfica 3 se ofrecen los resultados generales de la muestra
completa (N=644) referidos a la 2ª sección del cuestionario. En cada
ítem se podían obtener valores que van de 1 a 4, representando el
valor 1 una mínima corrección científica y el valor 4 una máxima
corrección científica. En todos los bloques de conocimiento se obtiene
una puntuación media superior a 2,5 (Tablas 1, 2, 3 y 4), que es
el umbral que delimitaremos como nivel de alfabetización climática
media-baja. El establecimiento de este umbral se justifica en los
valores de la mediana asociados a estos ítems: si se observan los datos
de las tablas 1, 2 y 3 se puede comprobar que todos los enunciados en
que la puntuación es menor de 2,5, su mediana es de 2. Esto indica
que, como mínimo, la mitad de los encuestados no superaron este
valor que corresponde con respuestas incorrectas.
La puntuación más baja se obtuvo en el bloque 1 (procesos físicos
relacionados con el CC) con una media de M1=2,641, lo que concuerda

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con las dificultades que identifican Busch y Román (2017) entre el
estudiantado para interpretar y valorar textos científicos que describen
los procesos físico-químicos implicados en el CC. En el bloque 2
(consecuencias del CC) se obtuvo una media de M2=2,852; en el bloque
3 (causas del CC) de M3=2,793 y en el bloque 4 (Respuestas al CC)
de M4=3,005. A pesar de que estos resultados se corresponden con un
perfil de puntuación medio-alto, en 4 enunciados la media no superó
el valor 2: ME4=1,613; ME6=1,844; ME8=1,987; y ME14=1,913
(destacados en negrita en las tablas 1, 2 y 3).

Gráfica 3 – Valores medios de la muestra

Fonte: Cuestionario.

Los resultados medios generales muestran que en el 30% de los ítems


los estudiantes encuestados obtienen un nivel medio-bajo de corrección
científica, mientras que en más del 60% de los ítems alcanzan un alto
nivel de corrección científica (M>3). La distribución de las respuestas
ofrece una línea con valores máximos y mínimos alternados (Gráfica 3),
exceptuando el caso de las preguntas relacionadas con el bloque 4, de
respuestas al CC, que muestran un comportamiento más homogéneo.
Como se indicó, las tablas 1, 2, 3 y 4 ofrecen los valores medios
obtenidos para el total de la muestra. En los ítems que corresponden
con valores medios superiores a 3, que denotan un nivel alto de
corrección científica, se puede comprobar que, a su vez, ofrecen valores
de mediana iguales o mayores a 3. Del mismo modo, en los valores

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medios inferiores a 2,5 – asociados a niveles medios-bajos de corrección
científica y que se resaltan en negrita – se constata que las medianas son
iguales o inferiores a 2, como ya se destacó anteriormente.

Tabla 1 – Resultados generales del cuestionario en el bloque 1

Bloque de conocimiento / Enunciado Resp. M S Me

B.1. Procesos físicos relacionados con el CC 2,641

4. El agujero polar del ozono provoca el


TF 1,613 0,787 1
deshielo de los polos.

7. La lluvia ácida es una de las causas del


TF 2,171 1,047 2
cambio climático.

12. De no ser por el efecto invernadero no


TV 2,816 1,071 3
existiría la vida tal y como la conocemos.

16. El cambio climático es consecuencia del


TF 2,414 0,921 2
agujero en la capa de ozono.

19. El efecto invernadero se produce


cuando los gases retienen parte de la TV 3,448 0,715 4
radiación reflejada por la superficie terrestre.

20. El nivel del mar está aumentando


debido a la dilatación del agua por el TV 2,941 1,089 3
ascenso de la temperatura.

27. El CO2 provoca la destrucción de la capa


TF 2,132 0,969 2
de ozono.

29. Según el historial climático de la


Tierra, se han producido oscilaciones entre TV 3,593 0,565 4
períodos más fríos y más cálidos.

Nota: Resp.: corrección con la cultura científica; TV: totalmente verdadero; TF: totalmente falso;
M: Media. S: desviación típica. Me: Mediana; En negrita se presentan los resultados con M<2.
Fonte: Cuestionario.

En el primer bloque (Tabla 1), sobre los procesos físicos relacionados


con el CC, el 50% de los ítems registran un nivel de corrección
científica medio-bajo. Estos ítems coinciden con los enunciados que
vinculan fenómenos físico-químicos en los que no existe una relación
causal con el CC: enunciados que sitúan erróneamente la lluvia ácida
y la destrucción de la capa de ozono como fenómenos consecuentes o

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causales del CC. La presencia de estas concepciones alternativas ha sido
ampliamente detectada en múltiples estudios realizados en distintos
países y con diferentes grupos de población (CORDERO et al., 2008;
DUPIGNY-GIROUX, 2010; ESCOZ et al, 2017; FORTNER, 2001;
LEISEROWITZ, 2005; 2006; LEISEROWITZ; SMITH; MARLON,
2010; MEIRA, 2013; SEPHARDSON et al., 2011; WACHHOLZ
et al., MEIRA, 2015). Esta prevalencia, que no parece remitir con el
tiempo, muestra la capacidad de la cultura común para imponer su
propia lógica a los “objetos” que provienen, como el CC, de la esfera
científica. Capacidad de imposición que se manifiesta de forma
significativa incluso entre aquellos que tienen un acceso privilegiado a la
ciencia. Este estudio constata la permanencia de estas representaciones
legas entre los estudiantes universitarios de Santiago de Compostela,
interfiriendo claramente en su representación científica del CC.
En el bloque 2 (Tabla 2), sobre las consecuencias del CC, el
alumnado universitario muestra un alto nivel de corrección científica en
el 60% de los enunciados y un nivel medio-bajo en el 30%. Como en el
bloque anterior, los niveles medios-bajos de puntuación media vuelven
a coincidir con fenómenos físicos que no están relacionados con el CC,
como el incremento de tsunamis y terremotos, el agujero de la capa de
ozono, − relacionado en el enunciado 6 con los cánceres de piel − y la
confusión entre los conceptos de efecto invernadero (fenómeno natural
y necesario para el desarrollo de la vida tal y como la conocemos) y de
CC antropogénico.

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Tabla 2 – Resultados generales del cuestionario en el bloque 2

Bloque de conocimiento / Enunciado Resp. M S Me


B.2. Consecuencias del CC 2,852
2. Un planeta más cálido ampliará el
área de incidencia de las enfermedades TV 3,063 0,657 3
tropicales.
3. El incremento de las temperaturas
favorecerá la concurrencia de fenómenos
TV 3,431 0,600 3
atmosféricos extremos (ciclones,
huracanes, inundaciones, etc.).
6. Los cánceres de piel se incrementarán
TF 1,844 0,763 2
como resultado del cambio climático.
10. Todos los países sufrirán el cambio
TV 3,6 0,603 4
climático.
14. El efecto invernadero pone en riesgo
TF 1,913 0,966 2
la vida en la Tierra.
15. El cambio climático aumentará el
TF 2,124 0,923 2
número de terremotos y tsunamis.
21. El cambio climático disminuirá la
TV 2,582 0,829 3
pluviosidad en mi país.
22. La subida de las temperaturas
afectará a todas las regiones del planeta TF 3,007 0,859 3
por igual.
25. El cambio climático agudizará los
problemas de desertificación en la TV 3,371 0,653 3
Península Ibérica.
30. Muchas islas y zonas zonas costeras
quedarán sumergidas debido al cambio TV 3,585 0,587 4
climático.

Nota: Resp.: corrección con la cultura científica; TV: totalmente verdadero; TF: totalmente falso;
M: Media. S: desviación típica. Me: Mediana; En negrita se presentan los resultados con M<2.
Fonte: Cuestionario.

La Tabla 3 muestra los resultados del bloque 3, sobre las causas del
CC. En este bloque, las personas encuestadas obtienen niveles altos de
corrección científica en el 50% de los enunciados frente a un 30% en
los que este nivel se puede valorar como medio-bajo. Cabe destacar el
comportamiento en cuatro enunciados cuyo contenido está estrechamente
relacionado pero que, sin embargo, obtienen puntuaciones medias dispares:

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los enunciados 8 y 31, con bajos niveles de corrección, y los enunciados 9
y 23, con altos niveles de corrección. Son ítems muy similares, en los que
entran en juego diferentes conceptos científicos interrelacionados: “gases”,
“CO2”, “atmósfera”, “efecto invernadero”, “actividad humana” y “fuentes
naturales”. Los enunciados se refieren a ideas y fenómenos similares, pero
las respuestas son opuestas. Este comportamiento es un ejemplo de como
las representaciones sociales actúan, por utilizar una analogía, como “pilotos
automáticos” para interpretar la realidad: aun poseyendo y demostrando
ciertos conocimientos científicos básicos, como puede ser que el CO2
es el principal gas responsable del CC (ME9=3,06) y que, a su vez, es
un componente natural de la atmósfera (ME23=3,45), la representación
social se manifiesta al relacionar directamente un fenómeno natural como
el efecto invernadero (ME8=1,98) con la actividad humana (ME31=2,08).
Tabla 3 – Resultados generales del cuestionario en el bloque 3

Bloque de conocimiento / Enunciado Resp. M S Me

B.3. Causas del CC 2,793


1. El efecto invernadero es un fenómeno
TV 2,656 1,179 3
natural.
8. La mayor parte de los gases de efecto
invernadero presentes en la atmósfera TV 1,987 0,856 2
provienen de fuentes naturales.
9. El CO2 es el principal gas responsable del
TV 3,063 0,944 2
cambio climático.
11. El incremento en el consumo de carne
TV 2,201 0,944 2
contribuye al cambio climático.
13. Cada vez que se utiliza carbón, petróleo o
TV 3,503 0,641 4
gas contribuimos al cambio climático.
17. El cambio climático está ocasionado por la
TV 3,265 0,796 3
actividad humana.
18. El cambio climático es el resultado de la
TF 2,697 0,895 3
variabilidad climática natural.
23. El CO2 es un componente natural de la
TV 3,453 0,786 4
atmósfera.
28. Existe consenso científico al considerar la
actividad humana como causa principal del TV 3,021 0,828 3
cambio climático.
31. El efecto invernadero está ocasionado por la
TF 2,083 0,970 2
actividad humana.

Nota: Resp.: corrección con la cultura científica; TV: totalmente verdadero; TF: totalmente falso;
M: Media. S: desviación típica. Me: Mediana; En negrita se presentan los resultados con M<2.
Fonte: Cuestionario.

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Los resultados con respecto al enunciado 9 merecen un comentario
más detallado. Al observar los datos la tabla 3 se comprueba que, a
pesar de que la media se corresponde con niveles altos de corrección
científica (ME9=3,06), la mediana es 2, lo que implica que más de la
mitad de los encuestados erraron la respuesta y sugiere que existe una
polaridad significativa en la muestra en cuanto a la identificación del
CO2 como principal gas responsable del cambio climático.
Finalmente, en el bloque 4 se encuentran los ítems referidos a las
alternativas frente al CC (Tabla 4). Los participantes obtuvieron pun-
tuaciones elevadas en todos los enunciados (niveles altos de corrección
científica) tanto en su media como en su mediana. Los resultados sugie-
ren que, a pesar de existir entre el alumnado universitario concepciones
científicamente erróneas sobre la etiología y los procesos implicados en
el CC, éste reconoce qué acciones y qué comportamientos pueden ser
efectivos para su mitigación. Sin embargo, es necesario reforzar el co-
nocimiento sobre otros hábitos y comportamientos cotidianos sobre los
que se puede actuar personalmente pero que aparecen desconectados del
CC y de las emisiones de GEI asociadas. Este es el caso, por ejemplo, de
la dieta, a la que se refiere el enunciado 11 (ME11=2,2). Esta aparente
contradicción conecta con la idea de Stevenson, Nicholls y Whitehouse
(2017) que plantean la necesidad de enfrentar el reto de un conocimien-
to incompleto sin que se debilite el propósito de reflexionar y actuar
en la transición hacia un futuro realmente sostenible o, como indican
Azevedo y Marques (2017, p. 9), “nuestro objetivo es el cambio de con-
ductas hacia el desarrollo y la adopción de soluciones de adaptación y mi-
tigación, aunque reconocemos que el conocimiento no será suficiente”.
La perspectiva de una Educación para el Cambio Climático que supere
las visiones instrumentalistas y del déficit de información a través de la
mera transmisión de conocimientos científicos, debería tener en cuenta
un gran abanico de posibilidades de acción, tanto desde una visión lo-
cal (promoción de hábitos, costumbres, relaciones sociales, tradiciones,
etc. que apuesten por una desconexión de los combustibles fósiles) como
desde una más global (trazabilidad, mercado global, producción, etc.),
para cultivar una ecociudadanía reflexiva y activa que también puede en-
contrar en el conocimiento científico un pilar, pero sólo uno más, para
asumir y enfrentar los retos de una sociedad cada vez más descarbonizada.

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Tabla 4 – Resultados generales del cuestionario en el bloque 4

Bloque de conocimiento / Enunciado Resp. M S Me

B.4. Respuestas al CC 3,005


5. Si dejamos de emitir gases de efecto
TF 2,972 0,762 3
invernadero no nos afectará el cambio climático.
24. Si dejamos de emitir gases de efecto
invernadero seremos menos vulnerables al TV 3,099 0,776 3
cambio climático.
26. El cambio climático se reduciría si
TV 2,818 0,794 3
plantásemos más árboles.

32. Sustituir el transporte privado por el público


es una de las medidas más eficaces para afrontar TV 3,133 0,787 3
el cambio climático.

Nota: Resp.: corrección con la cultura científica; TV: totalmente verdadero; TF: totalmente
falso; M: Media. S: desviación típica. Me: Mediana.
Fonte: Cuestionario.

Alfabetización climática del alumnado universitario de


titulaciones relacionadas con las Ciencias Naturales e Ingenierías vs.
las Ciencias Sociales y Humanidades
Este apartado describe los resultados comparados de las respuestas del
estudiantado según el ámbito científico de las titulaciones que cursan. La
muestra general se ha desagregado en base a dos variables: por un lado,
estudiantes que cursan estudios relacionados con las CNI, que engloba
a las titulaciones de Biología (99), Ingeniería Forestal y Medio Natural
(44), Ingeniería Agrícola y Alimentaria (42) e Ingeniería Química (61),
con una muestra total de NCNI=246. Por otro, estudiantes que cursan
titulaciones asociadas al ámbito de las CSH, que contemplan los grados
de Pedagogía (96), Derecho (121), Historia (76) y Económicas (105), con
una muestra total de NCSH=398. Con esta aproximación se pretende
verificar o refutar una de las hipótesis en el origen de este estudio:
Los y las estudiantes de Grado cuyas titulaciones están vinculadas a las
Ciencias Naturales y las Ingenierías obtendrán mejores resultados en sus
niveles de corrección científica que los estudiantes que cursan Grados del
ámbito de las Ciencias Sociales y las Humanidades.

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Esta hipótesis se basa en el supuesto de que los y las estudiantes que
cursan titulaciones vinculadas al ámbito de las CNI tienen o han tenido
un acceso privilegiado a contenidos clave para entender la problemática
del CC – ya sea a lo largo de su recorrido universitario y/o en la
especialidad de Bachillerato que permite el acceso a estas titulaciones –,
al contrario que los estudiantes del ámbito de las CSH, cuyo contacto
académico con el CC y las ciencias del clima es probable que sea
más superficial y anecdótico. Según este supuesto, serían esperables
unas puntuaciones significativamente mayores por parte de aquellos
estudiantes que cursan titulaciones universitarias en cuyos currículos se
integran, o deberían integrar, muchos de los conocimientos académicos
básicos que constituyen las llamadas ciencias del clima y que son
indispensables para el dominio de la representación científica del CC.
La Tabla 5 recoge los resultados generales por bloques de conocimiento y
por variables. Como se puede observar, la variable CNI registra mejores
resultados que la variable CSH en todos los bloques, con diferencias
favorables del 3%, 1,75%, 4,25% y 2,75%, respectivamente, sin que en
el cómputo global por bloques exista significación estadística.

Tabla 5 – Puntuación media por áreas académicas CNI vs CSH.


Desviación típica y significación estadística

Bloque de conocimiento Grupo M S α t642


B1. Procesos físicos relacionados con
CNI 2,71 0,4
el CC
0,283 3,621
B1. Procesos físicos relacionados con
CSH 2,59 0,39
el CC
B2. Consecuencias del CC CNI 2,89 0,27
0,082 3,056
B2. Consecuencias del CC CSH 2,83 0,25
B3. Causas del CC CNI 2,89 0,34
0,072 6,721
B3. Causas del CC CSH 2,73 0,28
B4. Respuestas al CC CNI 3,07 0,41
0,673 3,327
B4. Respuestas al CC CSH 2,96 0,41

Nota: N=644; NCN= 246; NCS = 298; Media en una escala de 1 a 4, donde 4 es la máxima
corrección científica. M: media. S: desviación típica. gl = 642. p=q=0,5, error máximo a nivel
global de ±3,94 y un nivel de significación de α<0,05.
Fonte: Cuestionario.

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En la gráfica 4, se presentan los resultados de ambas variables en cada
uno de los enunciados que conforman los bloques de conocimientos.
Como se puede apreciar, el comportamiento de ambas define un dibujo
muy similar, obteniendo mejores resultados los estudiantes de CNI
en 25 de los 32 enunciados. Esto equivale a que en el 78,12% de los
enunciados el alumnado que cursa titulaciones relacionadas con las
CNI han obtenido puntuaciones medias más altas que quienes cursan
titulaciones vinculadas con las CSH. De estos 25 enunciados, en 14 de
ellos se aprecia significación estadística (del total de 15 donde aparece).
A la luz de estos datos se puede afirmar que en 4 de cada 10 de los
enunciados del cuestionario, los y las estudiantes de las titulaciones
relacionadas con las CNI obtienen puntuaciones que indican un mayor
nivel de competencia científica. Los enunciados en los que se detectan
diferencias estadísticamente significativas se distribuyen de forma
heterogénea en los cuatro bloques conforme los siguientes porcentajes:
• En el bloque 1, aparecen en el 37,5% de los enunciados
MCNI>MCSH
• En el bloque 2, en el 40% de los enunciados MCNI>MCSH
• En el bloque 3, en el 60% de los enunciados MCNI>MCSH
• Y en el bloque 4, en el 25% de los enunciados MCNI>MCSH

Gráfica 4 – Valores medios de las variables Ciencias Naturales e Ingenierías (CNI) y


Ciencias Sociales y Humanidades (CSH)

Fonte: Cuestionario.

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En el bloque 3, que agrupa los ítems sobre las causas del CC,
es en el que se registra un mayor número de enunciados (60%) con
significación estadística a favor del grupo CNI, lo que sugiere un mayor
nivel de alfabetización climática con respecto a los estudiantes de CSH.
No obstante, no deja de sorprender el hecho de que en el enunciado
20, El nivel del mar está aumentando debido a la dilatación del agua
por el ascenso de la temperatura, cuya comprensión requiere el dominio
de conocimientos físico-químicos de cierta complejidad (contenidos
relacionados con la transferencia de temperatura entre la atmosfera
y la hidrosfera y con la dilatación térmica de las masas oceánicas, en
contraste con la creencia generalizada que atribuye la subida del nivel
del mar exclusivamente al derretimiento de los hielos continentales),
presente una diferencia estadísticamente significativa en favor del grupo
de CSH, cuya media es 3,02 frente a 2,81 del grupo de CNI.
Pese a existir una tendencia de acierto ligeramente favorable a los
estudiantes de CNI frente a los estudiantes de CSH, la diferencia entre
ambos grupos no presenta la escala que cabría esperar. No obstante, con el
objetivo de ajustar más las conclusiones, las respuestas se agruparon en dos
grupos, por un lado, las alternativas de respuesta “Totalmente verdadero”
y “Probablemente verdadero” y, por otro, las alternativas de respuesta
“Totalmente falso” y “Probablemente falso”. Con este reajuste se busca un
nuevo indicador de corrección científica que identifique el acierto total o
el error total. Los resultados porcentuales se revelan en las Gráficas 5 y 6.
Gráfica 5 – Error y acierto total por ítem de la variable CNI (Ciencias Naturales e Ingenierías)

Fonte: Cuestionario.

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Gráfica 6 – Error y acierto total por ítem de la variable CSH (Ciencias Sociales y
Humanidades)

Fonte: Cuestionario.

Una simple apreciación visual permite comprobar hasta que punto


ambas gráficas dibujan un patrón similar. Estos datos apuntan a que
los conocimientos científicos sobre el CC, requeridos para identificar
la veracidad o falsedad de los enunciados analizados, a los que ha
podido acceder el estudiantado universitario en niveles educativos
inferiores o a través de procesos informales de divulgación científica,
además de en su formación superior, no varían significativamente. Y
tampoco resultan significativamente alterados por el hecho de haber
optado por cursar grados universitarios de una u otra rama académica,
CNI o CSH. Es más, este panorama sugiere que buena parte de los
conocimientos, correctos o incorrectos desde una óptica científica, que
utilizan los estudiantes universitarios son adquiridos por experiencias
de socialización y aprendizaje fuera del sistema educativo, a través de
los procesos de circulación de información e interacción social que
construyen la cultura común, junto, posiblemente, con la experiencia
formativa en la Educación Secundaria. La posible influencia de los
procesos informales y de la formación científica adquirida en la
educación secundaria sobre la alfabetización climática de los estudiantes
universitarios puede valorarse mejor en el siguiente apartado.

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La competencia científica con respecto al CC del alumnado universitario
que está iniciando sus estudios de Grado y del que los está finalizando
En este apartado se comparan y analizan los resultados de las dos
variables conformadas por estudiantes que están comenzando a cursar
sus titulaciones (identificados como IE, inicio de estudios universitarios,
que engloba 1er y 2º curso) con una muestra NIE=319 casos y por
estudiantes que están en el tramo final de las mismas titulaciones
(identificados como FE, final de estudios universitarios, que engloba a
3er y 4º curso) con una muestra de NFE=319 casos. Con este diseño se
pretende responder a la segunda hipótesis:
El alumnado que está finalizando sus estudios universitarios
de Grado presenta mayores niveles de corrección y, por lo tanto, de
acierto, que el alumnado que está comenzando sus estudios, al señalar la
veracidad o falsedad científica de una serie de enunciados relacionados
con el Cambio Climático.
Tabla 6 – Puntuación media por bloques de conocimiento del
cuestionario con respecto al estudiantado de inicio y final de estudios.
Desviación típica y significación estadística

Bloque de conocimiento Grupo M S Α t636

B1. Procesos físicos relacionados


Inicio 2,61 0,377
con el CC
0,016 -1,805
B1. Procesos físicos relacionados
Final 2,66 0,432
con el CC
B2. Consecuencias del CC Inicio 2,84 0,250
0,427 -0,288
B2. Consecuencias del CC Final 2,85 0,260

B3. Causas del CC Inicio 2,77 0,300


0,090 -1,093
B3. Causas del CC Final 2,8 0,330

B4. Respuestas al CC Inicio 3,03 0,400


0,509 1,451
B4. Respuestas al CC Final 2,9 0,420

Nota: N= 644; NIE=319; NFE=319; Npérdidas = 6; Escala de 1 a 4, donde 4 es la máxima


corrección. M: Media. S: desviación típica. gl=636; resultados negativos en t indican mayor
puntuación del alumnado de FE respecto al de IE. p=q=0,5, error máximo a nivel global de
±3,94 y un nivel de significación de α<0,05.
Fonte: Cuestionario.

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Al igual que en el apartado anterior, y según la hipótesis planteada,
cabría esperar unas puntuaciones significativamente mejores en los
promedios de respuesta de los estudiantes que están en el tramo final
de sus estudios debido a la mayor oportunidad que han tenido de
acceder a aprendizajes asociados a las bases científicas del CC en su
trayectoria universitaria. Sin embargo, los datos presentados en la Tabla
6 permiten apreciar pocas diferencias entre ambas variables, obteniendo
el grupo FE una puntuación media general superior al grupo de IE en
los siguientes porcentajes 1,25%, 0,25% y 0,75% sobre el total en los
bloques 1, 2 y 3, respectivamente, siendo superior la media general del
grupo de IE al grupo FE en el bloque 4 en un 1%.
En este caso, la variable FE presenta significación estadística a su
favor en el bloque 1 sobre procesos físicos relacionados con el CC. Un
análisis más detallado de los ítems constata que sólo existe significación
estadística en 5 enunciados: E11, E21, E24, E27 y E32.

Gráfica 7 – Valores medios de las variables Inicio de Estudios (IE) y Final de Estudios (FE).

Fonte: Cuestionario.

La Gráfica 7 permite visualizar que la línea que dibujan los


resultados es prácticamente idéntica para las variables IE y FE,
exceptuando 5 enunciados (E11, E20, E24, E27 y E32), siendo 4
de ellos los que presentan significación estadística. Al igual que en el
caso anterior, la línea alterna puntuaciones altas y bajas a lo largo de
todo el cuestionario, quedando alejada de lo que podría ser una línea
recta. Este comportamiento de la muestra sugiere que existen vacíos de

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conocimiento considerables que se expresan en dudas e inseguridades
con respecto a la veracidad o falsedad de algunos enunciados y a los
conocimientos científicos a los que hacen referencia.
Como en el apartado anterior, las Gráficas 8 y 9 muestran el acierto
y el error absoluto de las respuestas con el fin de aportar más indicadores
con los que matizar las posibles interpretaciones.

Gráfica 8 – Error y acierto totales de la variable Inicio de Estudios Universitarios (FE)

Fonte: Cuestionario.

Gráfica 9 – Error y acierto totales de la variable Final de Estudios Universitarios (FE)

Fonte: Cuestionario.

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De nuevo se puede apreciar una clara similitud en la distribución
del acierto/error total en las gráficas de barras. A la vista de estos
resultados, similares en ambas variables, se puede afirmar que tanto los
y las estudiantes que están iniciando sus estudios universitarios como
quienes los están finalizando presentan un nivel de alfabetización
climática similar. Dicho de otro modo, su competencia para resolver
la veracidad o falsedad de los enunciados del cuestionario no parece
aumentar de forma significativa en la etapa final de sus estudios
universitarios. Con respecto a la influencia de la formación superior
en su representación científica del CC se puede afirmar que entran
como salen, o que salen como entran.
Estas consideraciones, junto a las conclusiones obtenidas en el
apartado anterior, refuerzan la idea de que los conocimientos que
el estudiantado universitario utiliza para elaborar su representación
del CC provienen más del ámbito de la cultura común que de su
experiencia académica en la educación superior, siendo captados y
resignificados más fuera que dentro de la experiencia académica, ya
sea a través de la rutina personal, a través del contacto con los medios
de comunicación y/o de las interacciones con otras personas en
contextos informales, o también a través del encuentro, suponemos
que más superficial, con las ciencias del clima en su paso por la
enseñanza secundaria.
La refutación de este segundo supuesto refuerza las conclusiones
del apartado anterior. El hecho de que los resultados de ambas
variables sean similares sugiere que a lo largo de la formación
universitaria el estudiantado no accede a conocimientos, información
y/o actividades o prácticas relevantes y significativas que conlleven
una mejora significativa de su nivel de alfabetización climática. En su
trayectoria formativa universitaria no se transforman o evolucionan
sus representaciones del CC hacia otras más coherentes con el
conocimiento científico disponible, reforzando la idea de que entre
los estudiantes universitarios -un colectivo que difícilmente podría
considerarse analfabeto desde el punto de vista científico- también la
cultura común ofrece más elementos para construir la representación
del CC que la cultura científica.

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CONCLUSIONES
Las derivaciones de este estudio refuerzan las valoraciones de que un
enfoque educativo o alfabetizador frente al CC centrado en el supuesto
del déficit de información (GONZÁLEZ-GAUDIANO, 2012) no
resulta demasiado eficaz, ni si quiera entre quienes tienen un acceso
privilegiado a la cultura científica. Los resultados alcanzados muestran
como algunas concepciones erróneas establecidas en la cultura común
sobre las causas, los procesos o las consecuencias del CC se repiten a
pesar de la formación científica a la que tienen acceso los estudiantes
universitarios encuestados (DUPIGNY-GIROUX, 2010; GIORDAN,
1989). La Teoría de las Representaciones Sociales ofrece un marco
interpretativo útil para entender esta aparente contradicción y para
guiar líneas de investigación que indaguen en las complejas relaciones
que se establecen entre la cultura científica y la cultura común
cuando se abordan desde una u otra perspectiva “objetos” complejos
y socialmente controvertidos como el CC. Los conocimientos sobre el
clima y sobre su alteración por la intervención humana que provienen
del campo de la ciencia se integran en las representaciones del CC que
la cultura común está desarrollando en las sociedades contemporáneas.
Esta integración no sigue un canon científico, ni se produce por simple
proceso de trasposición y acumulación. Al contrario, la construcción
de la representación social del CC obedece a procesos de interpretación
y resignificación cuya lógica obedece a lo que se puede identificar
como una “epistemología del sentido común” que da lugar a teorías
profanas que permiten apropiarse del objeto CC, pero que distorsionan
la misma ciencia del CC o son claramente erróneas desde el punto de
vista científico. Como se comprueba en este estudio, el estudiantado
universitario, en general, y tampoco quienes cursan titulaciones cuyos
contenidos científicos son más afines al campo de las ciencias del clima,
no es inmune a estos errores o distorsiones de la cultura común, que
convive en ellos y ellas con la cultura científica.
El hecho de que las representaciones sociales se construyan a través
de procesos de interacción social y que evolucionen con el paso del
tiempo, sugiere, dada la urgencia de actuar ante la crisis climática, la
necesidad de incrementar los estudios sobre esta cuestión en diferentes
grupos sociales. El análisis transcultural de la percepción social del CC

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puede ayudar a construir respuestas socioeducativas más específicas
y adaptadas, que tengan en cuenta las representaciones sociales de la
amenaza ya construidas o en proceso de construcción en el seno de
cada grupo o contexto social. Investigaciones realizadas en el marco del
proyecto Resclima, como la iniciativa Descarboniza! Qué non é pouco,
desarrollada en Centros Socioculturales de la ciudad de Santiago
de Compostela, ofrecen resultados interesantes para avanzar en la
comprensión de los procesos de construcción de las representaciones
sociales y en las posibilidades que ofrece la intervención educativa sobre
dichos procesos. Es este caso concreto se comprobó cómo colectivos
senior no poseían, de hecho, una representación del cambio climático.
Con lo ya sabido sobre las representaciones sociales del CC y su
construcción, no es consecuente pensar que la respuesta educativa a esta
amenaza se pueda limitar a fomentar la divulgación y trasposición de la
cultura científica a la población a través de procesos de alfabetización,
como un remedio casi automático para que ésta comprenda la
amenaza, capte su gravedad y actúe en consecuencia. Urge que esta
reflexión sea considerada en la toma de decisiones sobre las políticas
educativas y ambientales, considerando la especificidad que tienen las
representaciones sociales del CC en su dependencia de los contextos
sociales, culturales e históricos en los que se producen y reproducen.
Por otro lado, uno de los obstáculos más importantes para una
representación social más ajustada a las necesidades de respuesta ante
la amenaza del CC es la incertidumbre que rodea a este fenómeno.
Por una parte, la duda no deja de ser un componente del método
científico, máxime cuando los objetos de representación científica son
tan complejos como el clima o el cambio climático; en este sentido,
se puede hablar de una incertidumbre epistémica, derivada de las
lagunas de conocimiento que aún persisten y de la posibilidad de que se
produzcan respuestas del sistema climático ante la interferencia humana
que ahora la ciencia no puede prever. La proyección de la incertidumbre
epistémica a la sociedad, en un afán de rigor científico justificable por
parte de quienes divulgan las ciencias del clima, puede generar dudas
en la población. En el contexto de la cultura común la incertidumbre
epistémica se puede convertir en incerteza siendo interpretada como
un indicio de ignorancia. No se debe olvidar que, etimológicamente,
lo “incierto” es algo “que no es cierto” (HERAS; MEIRA, 2014). Al

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efecto indeseado de la incertidumbre epistémica se puede sumar la
incertidumbre que alimentan las campañas de comunicación de signo
negacionista, cuyos diseñadores aprovechan los puntos débiles de las
representaciones sociales del CC para sembrar la duda, bien para negar
la amenaza o para minimizar su gravedad y demorar las respuestas.
El nivel de incertidumbre, epistémica o socialmente construida,
asociada al CC entorpece su asimilación social y personal. Como
indican González-Gaudiano y Meira (2009), “la economía de esfuerzos
que rige la vida cotidiana encuentra en la incertidumbre una excusa
para aplazar la toma de decisiones” (p. 18). A este respecto, Kahan et
al. (2012) indican que estudios psicológicos recientes identifican dos
sistemas para el procesamiento de información, en este caso respecto
a la percepción de riesgo del CC: uno que engloba juicios viscerales
rápidos que se manifiestan en diversas formas de toma de decisiones
para la solución de problemas, y un segundo sistema más sofisticado
que requiere de una reflexión consciente y de un cálculo o planificación.
Su investigación sugiere que los líderes y los gestores públicos utilizan
principalmente el primer sistema, que requiere de menos esfuerzos,
para realizar sus intervenciones comunicativas e igualmente en el
momento de tomar decisiones al respecto. Esta reacción primaria enlaza
perfectamente con el rol que las representaciones sociales juegan como
atajos cognitivos para interpretar y actuar en la realidad. Conviene
no olvidar que la universidad es, supuestamente, una institución que
tiene entre sus misiones la formación de los cuadros de ciudadanos
y ciudadanas destinados a actuar como líderes en todas las esferas de
la sociedad: económicas, políticas, sociales, educativas, tecnológicas,
científicas, culturales, etc.
En esta línea, los resultados también sugieren que, a pesar de
que la crisis climática es un problema ambiental y social de una
transcendencia y proyección incuestionable, la universidad como
principal institución generadora y difusora de conocimiento, no
parece estar influyendo de manera significativa en la forma en que
esta amenaza es comprendida y representada por quienes se forman
en ella. El trabajo realizado por el grupo SEPA – interea a través del
Proyecto Resclima, puede servir de ejemplo para ofrecer propuestas
socioeducativas que se materialicen en una Educación para el Cambio
Climático a lo largo de toda la vida orientada a implicar a la población

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en las políticas de mitigación y adaptación al CC. Comprender como
el fenómeno está siendo integrado en el imaginario universitario es un
paso hacia este fin. Pero es necesario, dada la urgencia de la situación,
que las instancias donde se toman las decisiones programáticas y de
gestión sobre la enseñanza superior lleven adelante actuaciones e
intervenciones destinadas a situar el CC en el centro de los programas
curriculares, tanto en las Ciencias Naturales y las Ingenierías como en
las Ciencias Sociales y las Humanidades. Y también destinadas a situar
el CC en el centro de la organización y la vida cotidiana de los campus
universitarios, para que estos sirvan de modelo a toda la sociedad para
explorar alternativas de descarbonización y adaptación basadas en el
conocimiento científico y social, que permitan mejorar la forma en
que nuestras sociedades y comunidades enfrenten el futuro incierto
de un clima profundamente alterado.

NOTA
Esta publicación se enmarca en el Proyecto Resclima-Edu, financiado
por el Ministerio de Economía y Competitividad del Gobierno de
España y el Fondo Europeo de Desarrollo Regional (FEDER), Ref.
EDU15-63572P (www.resclima.info).

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A percepção dos alunos do PIBIC/EM
sobre as Mudanças Climáticas:
Reflexões sobre o papel da escola frente aos
problemas ambientais contemporâneos
The students’ perception of PIBIC / EM on Climate Change:
Reflections on the role of the school in the face of
contemporary environmental problems
La percepción de los estudiantes de PIBIC / EM sobre el
cambio climático: reflexiones sobre el papel de la escuela
frente a los problemas ambientales contemporâneos

Alexandre Fagundes Cesário1


Giseli Dalla-Nora2
Débora E. Pedrotti-Mansilla3

INTRODUÇÃO
Os problemas ambientais são inúmeros e vários excedem os limites
territoriais dos países em que são gerados (PORTO-GONÇALVES,
1989). Nesse contexto, as mudanças climáticas, bem como os
problemas ambientais são antigos. Mas somente nas últimas décadas
do século XX se começou a pensar na gravidade desses problemas e
da necessidade de repensar a relação sociedade-natureza. A crise dos
problemas ambientais provoca a necessidade de construção de políticas

1 Professor do Instituto Federal de Educação/Campus Primavera do Leste-MT, mestrando do


Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais da Universidade Federal do
Mato Grosso (UFMT/GPEA).
2 Professora Doutora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso
(IGHD/UFMT/GPEA).
3 Professora Doutora do Departamento de Biologia e Zoologia da Universidade Federal do
Mato Grosso (UFMT/GPEA).

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internacionais. Entretanto, as discrepâncias e entendimentos frente
às ações necessárias para a redução de seus impactos são complexas
em cada país. São gritantes os agravos que se referem às mudanças
climáticas globais e muitos estudos apontam a gravidade da situação,
todavia existe uma espécie de “paralisia global”, como se não afetasse
as diversas formas de vida na terra. Assim, compreender como cada
país pode reduzir seus impactos sobre o ambiente natural são discussões
pertinentes em todas as esferas mundiais.
Este texto se insere no bojo da Rede Internacional de Pesquisadores
em Justiça Climática e Educação Ambiental (REAJA) por meio da
participação e da coordenação do Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA), credenciado no Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE). A Rede busca o diálogo entre
as instituições e pesquisadores parceiros no fortalecimento das políticas
públicas em justiça climática, tendo como linhas de atuação a pesquisa,
a formação e a comunicação. Iniciativas como as da REAJA podem e
devem fomentar o diálogo internacional sobre a urgência da pauta.
Ao compreender a comunicação como um dos pontos primordiais
da agenda das discussões sobre as mudanças climáticas e justiça climática,
se sugere a escola como território de diálogo e comunicação. A escola é
um espaço de construção de aprendizagens e baseados na premissa que a
escola forma os estudantes na dimensão trazida por Paulo Freire (2000,
p. 127) – “o ato político é pedagógico e o pedagógico é político” –, o
ambiente escolar é permeado pelas questões políticas do seu entorno.
Neste sentido, evocamos a educação ambiental de forma a inserirmos
a necessária discussão sobre as justiças climáticas no currículo desse
ambiente educativo. Buscamos transcender somente o debate sobre
as mudanças climáticas que atingirão a todos. Contudo, atingirão
diferentemente em grupos sociais, em situação de vulnerabilidade, em
escala, proporção e injustiças.
Desse modo, objetivamos compreender como os estudantes
percebem as mudanças climáticas e quais são as fontes de informação
utilizadas por eles. Na tentativa de evidenciar como a escola vem
formando os estudantes para a compreensão do fenômeno das
mudanças climáticas e se esses conhecimentos são construídos por
meio do currículo escolar ou não, no sentido trazido por Sato, Moreira
e Cury-Luiz (2017, p. 39): “diante da complexidade e importância

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apresentadas pelo meio ambiente, até como fundamento político e
preservação e aprimoramento da democracia, o meio ambiente requer
cuidado especial”.
De forma a respondermos ao objetivo da pesquisa, nos ancoramos
na abordagem qualitativa e participante, pois, a escolha dos sujeitos da
pesquisa se deu no bojo das ações do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica Ensino Médio (PIBIC/EM), uma vez que somos
orientadoras desses estudantes. Este Programa tem por objetivo despertar
a vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes do
ensino médio da Rede Pública, mediante sua participação em atividades de
pesquisa científica ou tecnológica, orientadas por pesquisador qualificado,
em instituições de ensino superior ou institutos/centros de pesquisas.
Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o Programa
é coordenado pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PROPEq) e vem sendo
desenvolvido por docentes dos Cursos de Licenciatura em Geografia
e Ciências Biológicas na Escola Estadual André Avelino, localizada no
bairro CPA I no município de Cuiabá/Mato Grosso.
A escolha dos estudantes para participarem das entrevistas ocorreu
porque os estudantes estão no programa PIBIC/EM há mais de um
ano, em diferentes projetos de Pesquisa que a escola tem em parceria
com a UFMT, o da Geografia e o da Biologia, ambos voltados para a
iniciação científica de estudantes do ensino médio.
No corpo do texto apresentamos uma discussão inicial sobre as
mudanças climáticas no contexto contemporâneo. Logo após um
diálogo com os nossos sujeitos, vamos discutir o desafio da inserção da
discussão sobre as mudanças climáticas frente ao currículo da escola por
meio da educação ambiental e a formação dos professores, no sentido
de que, quando se fala na formação do educador, é preciso clarear bem a
questão, pois, não se trata apenas da sua habilitação técnica, da aquisição
e do domínio de um conjunto de informações e de habilidades didáticas.
Impõe-se ter em mente a formação no sentido da formação humana em
sua integridade (MAGALHÃES; AZEVEDO, 2015, p. 27).
O papel da escola, bem como o papel dos professores frente às
discussões sobre as mudanças climáticas são de extrema importância
para a construção de conhecimentos além de subsidiar ações conjuntas.
Há muito se considera a escola como local essencial de
aprendizagens e mudanças. No contexto da escola, atribui-se aos

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professores uma responsabilidade que é injusta, se considerarmos que a
educação não é uma ilha isolada de um continente em crise. Para além
das aprendizagens escolares, outros setores da sociedade necessitam
considerar que as mudanças climáticas não são estudos meramente
físicos, mas essencialmente políticos, porque mexe nas cicatrizes de
uma sociedade consumista, irresponsável do ponto de vista ambiental e
injusta do ponto de vista social.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS
As mudanças climáticas atingem e atingirão a humanidade em graus,
escalas e modos diferentes e um dos grandes agravos será a escassez de
água potável que já se expressa em diversas regiões do globo.
Com efeito, se é verdade que o problema ocasionado pelo
aquecimento global no âmbito do clima planetário vincula-se a uma
escala temporal profunda e a muitas incertezas, também é verdade que
os efeitos que já se fazem sentir em decorrência das mudanças do clima
são extremamente injustos, por atingirem de forma muito mais intensa
àqueles que menos contribuem para o problema. Portanto, mesmo
para os que se filiam à corrente dos céticos das mudanças climáticas,
uma questão é irrefutável: as injustiças socioambientais decorrentes
das alterações do clima são uma realidade. Enfrentá-las por meio de
políticas públicas adequadas é, portanto, uma questão de justiça e de
solidariedade humana (RAMME, 2012, p.14).
Os estudos do Painel Intergovenamental de Mudanças Climáticas
(IPCC) sobre as mudanças climáticas são importantes no contexto
Mundial. O IPCC é uma entidade vinculada à Organização das Nações
Unidas (ONU), é um grupo internacional de especialistas que desde o ano
de 1988 debate o estado de conhecimentos técnicos e socioeconômicos
das mudanças climáticas, indagando suas causas e consequências.
O IPCC compreende também que:
O aquecimento global vem ocorrendo num ritmo
cada vez mais acelerado. Além do aumento das
temperaturas médias globais do ar e dos oceanos,
verifica-se o derretimento generalizado de neve
e gelo e a elevação do nível médio global do mar
(IPCC, 2007, p. 8).

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Barros e Pinheiro (2017) consideram que as pesquisas científicas
desenvolvidas pelo IPCC apontam como as ações humanas no ambiente
e também em diversos outros aspectos das relações dos seres humanos –
tais como psicológicos, econômicos e sociais – caracterizam as Mudanças
Climáticas Globais (MCGs) como um campo interdisciplinar de
pesquisa e têm contribuído para o agravamento e o aumento dessas
alterações, principalmente na atualidade.
As Mudanças Climáticas Globais (MCGs) (BARROS; PINHEIRO,
2017) têm alcançado através da mídia (e também na agenda política)
um grande destaque, principalmente através da assinatura de acordos
políticos bilaterais que visam reduzir as emissões de gases do efeito
estufa e a mitigação de ações que impactam diretamente no ambiente,
provocando alterações climáticas em distintas partes do planeta,
atingindo principalmente as populações mais vulneráveis a essas
alterações, devido à sua condição socioeconômica.
Brasil (2009) pondera que os “gases de efeito estufa são constituintes
gasosos da atmosfera, naturais e antrópicos, que absorvem e reemitem
radiação infravermelha”. Tais gases são responsáveis por armazenar
calor e com as interferências das atividades humanas houve aumento na
quantidade desses gases, provocando o aquecimento global. Marengo
(2009, p. 409) aponta que “há evidências de que o clima da Terra está
sofrendo uma transformação dramática em razão das atividades humanas”.
Ao estudar os cenários das mudanças climáticas no Brasil, percebe-
se que os cenários são de incertezas. Mas, de acordo com os estudos de
Marengo (2009, p. 409), “o Brasil é vulnerável às mudanças climáticas
atuais e mais ainda às que se projetam para o futuro, especialmente
quanto aos eventos climáticos extremos”.
Para esse estudioso, as áreas mais vulneráveis do território brasileiro
são a Amazônia e o Nordeste, com possíveis impactos oscilando no
aumento de temperatura em torno de 3° a 5º C mais quente, provocando
a perda de biodiversidade, processos de desertificação entre outros
efeitos que se acentuam como a escassez de chuvas e chuvas irregulares.
Já nos estudos que indicam os cenários identificados para Mato
Grosso, a previsão é de 3° a 6º C mais quente com o aumento de eventos
extremos de chuvas intensas e irregulares. Sem contar também com os
impactos que afetam o Cerrado e o Pantanal, com expressiva escassez de
água nesses territórios (MARENGO, 2009, p. 419).

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No panorama colocado, trazer a discussão sobre as mudanças
climáticas e seus impactos é tarefa necessária, no sentido de sensibilizar
as pessoas frente aos desafios vindouros e refletir sobre formas de
mitigar e diminuir esses impactos, pois, pesquisa realizada na escola
do quilombo de Mata Cavalo revelou alguns aspectos dos conflitos
socioambientais e das injustiças em um território onde a Escola (por
meio da articulação entre contexto sociocultural e processos educativos)
tem tido papel central na formação das juventudes e na constituição da
resistência.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS, O CURRÍCULO ESCOLAR E O DESAFIO DA


FORMAÇÃO DE PROFESSORES
No viés desta pesquisa relacionaremos os conceitos referentes às
mudanças climáticas e como os investigados se familiarizaram com eles
e a atuação na escola frente esta problemática. Cabe destacar que as
discussões apresentadas aqui se baseiam na transcrição e no olhar dos
pesquisadores frente as entrevistas com os estudantes e conhecimento
da realidade escolar estudada.
O diálogo com os entrevistados (entrevistas) começou consultando
onde eles ouviram falar e aprenderam algo relacionado às mudanças
climáticas. Nas respostas foram identificados diferentes espaços, dentre
eles: os meios de comunicação aparecem com bastante intensidade,
sendo os programas de televisão, jornais e rádio os que têm maior
amplitude entre os entrevistados; as mídias sociais e a internet também
são muito citadas pelos estudantes, até consideram que as mudanças
climáticas devem ser um assunto importante, pois, está em evidência
constante na internet e nos meios de comunicação. Verificamos também
que alguns dos estudantes participantes desta pesquisa não têm uma
visão ingênua dos meios de comunicação e da internet e que têm clareza
que estes mostram nos conteúdos apresentados os assuntos que, embora
não comumente comentados e tratados, são de importância mundial.
Contudo, a escola permanece ainda como o local onde ocorrem
as aprendizagens relacionadas às mudanças climáticas. Os autores
deste artigo, em uma das hipóteses dialogadas antes da realização da
pesquisa, idealizaram que as redes sociais, os meios de comunicação
e a internet seriam identificados pelos estudantes como os principais

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locais onde aprenderiam sobre as mudanças climáticas. Porém, eles não
negaram que estes são os instrumentos de informação sobre o assunto.
Entretanto, ficou evidenciado o currículo escolar como o lócus com
maior amplitude para a construção dos conceitos que inicialmente são
somente inter-relacionados ao arcabouço das mudanças climáticas.
Quando perguntados sobre como eles conceituariam as mudanças
climáticas, os estudantes tiveram dificuldade, mas a maioria
correlacionou com alguns conceitos como clima, temperatura, período
de chuvas e as ações antrópicas. Citaram as indústrias como responsáveis
pelo aquecimento global, destacaram também o efeito estufa e o
próprio sistema econômico que visa o lucro sem pensar e refletir sobre
o cuidado necessário que devemos ter na questão da conservação e
preservação ambiental, as respostas coadunam com o entendimento
que o desequilíbrio ecológico do ambiente, na sua maioria provocado
por ações antropogênicas, acarreta inúmeras situações que equivalem
a verdadeiras recusas à dignidade de certos indivíduos e comunidades
humanas, sobretudo quando em situação de pobreza ou vulnerabilidade
social. Percebe-se, portanto, a estreita relação entre direitos humanos e
justiça ambiental, decorrente da também estreita relação entre equilíbrio
ecológico e dignidade humana (RAMMÊ, 2013).
Quando os estudantes trazem os conceitos já por eles construídos
no campo das mudanças climáticas, eles o fazem no contexto escolar
dos componentes curriculares da Geografia, da Física e da Biologia. Tal
fato nos leva à reflexão da importância da formação dos professores, no
sentido da busca também pelas atualizações e mudanças conceituais
que por vezes se apresentam na sua área de atuação. Assim, a
Nossa defesa é a de que a formação continuada, ine-
rente a todo profissional, não importando a área de
atuação, é parte do processo de formação ao longo
da carreira, na medida em que acompanhar pesqui-
sas, produções teóricas do campo, realizar novos
cursos, inovar práticas pedagógicas, a partir do con-
texto em que atuam os professores, constituem pro-
cedimentos que complementam a formação inicial.
Esta deveria estar presente quer em cursos formais,
quer em informais, suprindo distanciamentos teó-
rico/práticos/metodológicos, advindos da produção
de novos conhecimentos nas mais diversas áreas,

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em resposta às demandas econômica, social, tecno-
lógica e cultural da humanidade (MAGALHÃES;
AZEVEDO, 2015, p. 32).

Como já comprovado cientificamente, alguns elementos que


compõem as mudanças climáticas são causados por meios naturais. No
contexto dos entrevistados, de forma geral, os estudantes concordam
com essa tese. No entanto, já conseguem compreender, principalmente
por influência dos meios de comunicação, que as mudanças acontecem
também de forma não natural (informação essa advinda, principalmente,
por meio dos meios de comunicação e das mídias digitais).
Contudo, a aprendizagem construída na escola, revelada por eles,
somente diz respeito às mudanças climáticas que ocorrem de forma
natural, revelando assim que a temática sobre as mudanças climáticas
causadas pela ação antrópica ainda não chegou no currículo da escola.
As mudanças climáticas afetam e afetaram a todos os seres vivos,
mas de diferentes formas. Os entrevistados fazem essa afirmação, porém
a grande maioria ainda atribui os prejuízos só para a espécie humana,
com mais ênfase para as populações que vivem nas regiões costeiras,
mas também para os seres humanos que têm sua sobrevivência
atrelada diretamente ao uso dos recursos naturais, como pescadores e
comunidades ribeirinhas. Na discussão sobre as injustiças climáticas,
apenas um estudante fez referência a outras espécies de vida e enfatizou
que nenhum ser humano irá se preocupar com as outras formas de vida.
Trabalhos como o de Stürmer, Trevisol e Botton (2010)
encontraram resultados semelhantes, onde também se destacam
nas repostas o fato de os estudantes considerarem que nem todas as
pessoas serão atingidas da mesma forma pelos efeitos do aquecimento
global. E, de acordo com o desenvolvimento econômico do país, as
consequências poderão ser sentidas de forma mais direta (STÜRMER;
TREVISOL; BOTTON, 2010).
A importância da presença e centralidade da escola nessas discussões
se justifica, principalmente, pelo público com o qual a escola lida
diariamente, devido à sua idade (principalmente adolescentes), e por
serem estes sujeitos que herdaram todas as relações com o planeta, que
estão sendo construídas pela geração atual com todos os seus problemas
(BARROS; PINHEIRO, 2017). Entretanto, se considerarmos a formação
dos professores, há que se considerar que grande parte desses profissionais

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não tiveram discussões importantes como essa na sua formação inicial e
assim é imprescindível a busca pela formação na temática.
A defesa pela formação continuada para todos os profissionais
se baseia no fato de que a discussão das mudanças climáticas deve
ser realizada por meio da educação ambiental e trabalhada de forma
interdisciplinar. Construção confirmada pelos estudantes entrevistados
como já demonstrado e também por entender que:
Existem caminhos por onde aquele “aprender a dizer
a sua palavra” deixa ser uma fantasia de cultura e se
converte em uma forma de poder. Um momento
em que, de fato, conquistar o poder da palavra pode
significar o poder de redizer a ordem do mundo e
transformá-lo (BRANDÃO, 1985, p.158).

Neste sentido, todos os componentes curriculares devem e podem


contribuir para essa discussão que não é de uma área isolada, mas se insere
em contextos plurais que devem permear o currículo (MAGALHÃES;
AZEVEDO, 2015, p. 20).

CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

Os estudantes, mesmo tendo acesso às informações através dos


meios de comunicação e da internet, demonstram que as aprendizagens
relativas a conceitos que podem auxiliar no entendimento e na
mudança de postura em relação às mudanças climáticas acontecem
na escola, o que traz a solidez do papel da escola na formação crítica
dos estudantes por meio da construção dos conhecimentos escolares.
Nesse sentido, é fundamental entendermos a importância da
escola como instituição formadora, e de atendimento à construção
de saberes sobre as temáticas da contemporaneidade, e apresentar
ao currículo escolar elementos que levem a comunidade escolar a
refletir sobre o assunto, construindo assim conhecimentos escolares
sobre a temática.
Quando discutimos as mudanças climáticas com a comunidade
escolar, observamos que os conceitos já consolidados – que auxiliam
na compreensão sobre o arcabouço e a complexidade sobre as
Mudanças Climáticas – foram construídos por meio de aprendizagens

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em sala de aula, às vezes até no contexto do livro didático, mas ainda
se configuram em conteúdo específico dos componentes curriculares
como Geografia, Física e Biologia.
Todavia, para que o professor ensine, ele tem que ter uma base
epistemológica que sustente o seu fazer. Frente a complexidade
ambiental e as inúmeras nuances das Mudanças Climáticas, os
profissionais da educação precisam de processo de formação continuada
sobre a temática e esta deve ser ofertada pelos Sistemas de Ensino e ser
buscada pelo próprio profissional, tendo assim o compromisso ético
com o cuidado com sua profissão e com o ambiente.
Esta pesquisa traz dados iniciais e tem sua continuidade nas ações da
Rede Internacional de Pesquisadores em Justiça Climática e Educação
Ambiental (REAJA), por meio da participação dos pesquisadores no
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
(GPEA), no Mestrado em Ensino de Ciências Naturais (IF/UFMT) e
Projeto PIBIC Ensino Médio (Geografia e Biologia).
“Educação tem a ver com a medida que damos aos homens e
mulheres, tem a ver com os sonhos que alimentamos em relação à
sociedade” (STRECK, 2005, p. 7) – e inserimos na construção teórica
apresentada, a medida que damos as outras formas de vida e aos
sonhos por uma sociedade justa e sustentável.

REFERÊNCIAS
BARROS, H.; PINHEIRO, J. D. Q. Mudanças climáticas globais e
o cuidado ambiental na percepção de adolescentes: uma aproximação
possível. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 40, n. 1, p.
189-206, 2017.
BRANDÃO, C. R. Educação Popular. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
IPCC - Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Mudança do
Clima 2007: a Base das Ciências Físicas. Sumário para os Formuladores de
Políticas e Contribuição do Grupo de Trabalho I para o Quarto Relatório
de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, 2007.
Disponível em: www.mct.gov.br/upd_blob/0015/15130.pdf. Acesso em:
14 jun. 2014.

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MAGALHÃES, Lígia Karam Corrêa de; AZEVEDO, Leny Cristina Soares
Souza. Formação continuada e suas implicações Cad. Cedes, Campinas, v.
35, n. 95, p. 15-36, jan.-abr., 2015.
MOREIRA, Déborah Luíza. Território, luta e educação: dimensões
pulsantes nos enfrentamentos dos conflitos socioambientais mapeados
no Quilombo de Mata Cavalo. Cuiabá, 2017. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso.
SATO, Michèle; SANTOS, José Eduardo. Tendências nas pesquisas em
educação ambiental. In: NOAL, F.; BARCELOS, V. (Orgs.) Educação
ambiental e cidadania: cenários brasileiros. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
2003.
SATO, Michèle; MOREIRA, Benedito Dielcio; CURY LUIZ, Thiago.
Educação Ambiental e Narrativa Transmídia: Pedagogia Popular e
Fenomenologia Recriando o Espaço Escolar. Revista Momento: diálogos
em educação, v. 26, n. 2, 2017.
STRECK, Danilo Romeu. Correntes Pedagógicas. Petrópolis-RJ: Vozes,
2005.
STÜRMER, A.; TREVISOL, J.; BOTTON, E. Aquecimento global:
percepções dos estudantes do ensino médio. Unoesc & Ciência – ACHS,
Joaçaba, v. 1, n. 1, p. 21-28, jan./jun. 2010.
RAMMÊ, Rogério Santos. A justiça ambiental e sua contribuição para uma
abordagem ecológica dos direitos humanos. Revista de Direito Ambiental,
v. 1, n. 69, p. 85, 2013.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Os (des)caminhos do meio
ambiente. São Paulo: Editora Contexto, 1989.

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Aprendizaje social y educación ambiental desde
la promoción de salud como práctica educativa:
Estudios de caso en escuelas de Brasil y Cuba1
Aprendizagem social e educação ambiental desde a
promoção de saúde como prática educativa:
Estudo de caso em escolas de Brasil e Cuba
Social learning and environmental education from health
promotion as an educational practice:
Case study in schools in Brazil and Cuba

Bárbara Yadira Mellado Pérez2


Pedro Roberto Jacobi3
Maria Aparecida Pimentel Toloza Ribas4

INTRODUCCIÓN
La escuela del siglo XXI enfrenta desafíos que transforman de forma
rápida los procesos reconocidos como formación y socialización de
niños y jóvenes. La coexistencia en contextos globalizados de cultura,
ideología, política, y obviamente concepciones de comunidad que
redefinen roles de grupos, de impacto de los medios de comunicación,
y nuevas dinámicas urbanas y rurales. Esa reflexión coloca la atención
en nuevos procesos de aprendizaje. Los procesos que no son suficientes

1 Este análisis forma parte de los Resultados de Investigación de un Proyecto de investigación


Posdoctoral en la USP, financiado por CAPES/Brasil en el marco del Programa Ciencias sim
Fronteiras, en la modalidad Bolsista Jovem Talento CsF-BJT (2015-2018).
2 Profesora Titular del Departamento de Sociología en Universidad de la Habana, Cuba.
Profesora Substituta del Instituto de Educación de la UFMT. Pos Doctora de la Universidad
de São Paulo. E-mail: yadira_mellado@yahoo.com
3 Professor Titular del Programa de Pós Graduación en Ciência Ambiental de la Universidade
de São Paulo. Coordenador del Grupo de Pesquisa GovAgua USP. São Paulo, Brasil. E-mail:
prjacobi@gmail.com
4 Doctora por la FE-USP Facultad de Educación em la USP. E-mail: ribasibiuna@gmail.com

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si quedan en planos individuales, en la creación de capacidades técnico-
profesionales, sin repercutir en la sociedad, o en el desarrollo de la vida
y las relaciones humanas de los individuos.
La diversidad de problemas asociados a conflictos socioeducativos
que inciden en el desarrollo humano, la calidad de vida, la prevención
de enfermedades y la promoción de salud, tienen mucho en común
con expresiones de exclusión en diversas formas. Manisfestaciones de
bulling escolar, de desigualdad y discriminación de sexos, raza, nivel
adquisitivo, entre otras que trascienden los espacios escolares, hoy se
convierten en prácticas de vida, con consecuencias para la convivencia,
la armonía y tolerancias en la sociedad diversa en que vivimos.
Esas consideraciones son más enfáticas en el contexto de América
Latina, sustentado en una historia de colonización, y visiones del
mundo eurocéntricas. A decir de Giroux (1997)5,
(…) la emergencia histórica de “nuevos” escenarios
para la Pedagogía, sobrepasando los tradicionales
linderos escolares que la monopolizaban, se
remonta a los años sesenta en Latinoamérica con las
experiencias educativas lideradas por comunidades e
instituciones, con ideales liberacionistas en contextos
de marginación, explotación económica y dominación
política.

Cambios notables, modificaciones de prácticas y currículo,


dinamizan el concepto de aprender. Dejando de ser por definición una
función solo de la escuela. Ahora son parte las tecnologías, los e-books,
los profesores virtuales, cualquier edad es adecuada para hacer un curso,
y en particular los profesores no tienen más la palabra final. Su rol se
desplaza a mediadores de un proceso de enseñanza-aprendizaje que no
es unilateral.
Este fenómeno que toma forma en la actualidad
recuerda que antes de existir la forma “escuela”, las
sociedades aprendían y se socializaban por medio de
otras agencias culturales, como la familia, las cofradías,
los gremios de artesanos donde se transmitía el saber

5 GIROUX, H. Cruzando límites. Trabajadores culturales, y políticas educativas. Barcelona:


Paidós, 1997.

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de los oficios a las nuevas generaciones, la comunidad
local con sus tradiciones y la parroquial, entre otras
(DUARTE, 2003, p. 97-113)6.

Entre esos desafíos la pedagogía está llamada a incorporar dinámicas


y didácticas, que desarrollen prácticas y aprendizajes para contextos
escolares y no escolares. Debates sobre género, sexualidad, religiosidad,
crisis migratorias, raza y desigualdades, por mencionar algunos. Sin
embargo, varios de estos temas reciben abordajes que “naturalizan” y
terminan en reducciones que no contribuyen a un pensamiento crítico.
Un ejemplo, es la educación ambiental presentada en muchos escenarios
como conocimiento sobre ecología en un sentido casi caricaturesco,
refiriendo conocer la Naturaleza, desde aspectos geográficos como los ríos,
montañas, etc., evadiendo un análisis sobre ambiente comprometido, y
claro de la realidad que hoy presentan contextos, territorios y regiones
como resultado de los impactos y crisis climáticos.
El debate sobre la justicia ambiental también debe incluir el debate
acerca del ambiente escolar, sobre las condiciones de trabajo en la escuela
y sobre las propias condiciones de aprendizaje derivadas, en parte, de las
condiciones de infraestructura existentes en las instituciones escolares.
No puede haber justicia ambiental si no hay justicia
social y viceversa. Esto nos interpela como educadores,
(…) en ciertas concepciones de la educación ambiental
hay un desplazamiento del discurso hacia un énfasis
excesivo en las conductas individuales y un llamado
a las actitudes individualistas, como respuesta a la
crisis ambiental. Esto despolitiza el debate y también
despolitiza la educación ambiental. Bastaría con
cambiar nuestras actitudes o nuestro estilo de vida para
que, mediante la suma de los esfuerzos individuales,
el mundo cambie. Claro que el esfuerzo individual es
importante, pero el problema es más complejo7.
Considerando esos argumentos, el análisis de la Escuela Promotora

6 DUARTE, J. Ambientes de aprendizaje: una aproximacion conceptual. Estud. pedagóg.


Valdivia, n. 29, p. 97-113, 2003. Disponible en Scielo.
7 GENTILY, Pablo. Contrapuntos. El País. Justicia social, justicia ambiental y educación - Un
diálogo con Moacir Gadotti sobre el Foro Social de Porto Alegre. Disponible en: https://
elpais.com/elpais/2012/01/30/contrapuntos/1327887533_132788.html

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de Salud, modificaciones aceleradas de patrones de alimentación, de
comunicación, de convivencias. Nuevas enfermedades, impactos
notables en la reproducción de dolencias prevenibles atentan contra
la calidad de vida. Los niños y niñas en edad escolar deberían tener
derecho a asistir a escuelas que puedan contribuir en gran medida a
la salud y al bienestar presente y futuro. Sin embargo, relacionar
ambientes de aprendizaje, prácticas escolares, para una promoción de
salud y educación ambiental que posibiliten mayor calidad de vida, no
es una expresión fácil de identificar en contextos educativos.
El movimiento de iniciativas internacionales que encabezan la
Organización Mundial de la Salud (OMS), UNICEF, UNESCO,
y otras oficinas nacionales que monitorean el comportamiento de
enfermedades en edad escolar, han evolucionado. Hoy se cuenta con
estrategias y programas que, aunque sus nombres se modifican de un
país a otro, coinciden esencialmente en la necesidad de una escuela
con enfoque integral en la formación, reconociendo que la vida de
la comunidad escolar en todos los aspectos, son potencialmente
importantes para la promoción de la salud.
El asunto de promover salud, y modificar estilos de vida,
trasladando una comprensión adecuada de la concepción de salud, no
admite acciones desconectadas, sin integración. La existencia en las
escuelas de programas integrados, holísticos y de largo plazo tienen
más probabilidades de lograr buenos resultados académicos y mejorar
la salud que aquellos basados en la transmisión de información que
se lleva a cabo en las aulas. Este análisis nos conduce a pensar en ese
proceso que por excelencia puede tener lugar en el ámbito escolar: el
aprendizaje Social.
Abrir un estimulante espacio para desarrollar procesos
de articulación de acciones que tienen como premisa
la noción de “aprender de conjunto para manejar y
decidir conjuntamente los cambios y la gestión” está
entre los desafíos de la escuela promotora de salud
(JACOBI, 2008)8.

Generar prácticas y comportamientos responsables, comprometidos

8 JACOBI, P. R. Governança da Água e Aprendizagem Social no Brasil. Sociedad Hoy,


Concepción, n. 15, p. 25-44, 2008.

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con desafíos ambientales, de salud, culturas y contextos que expresen
un aprendizaje social que transmitan una herencia para una calidad de
vida, acontecen en la dinámica de relaciones que se establecen entre
promoción de salud y aprendizaje social en una escuela. Ese es el objetivo
de este trabajo que pretende responder cómo establecer relaciones entre
aprendizaje social, las prácticas educativas innovadoras y la calidad de vida
socioambiental. La finalidad es identificar las dimensiones y especificidades
de los programas de salud escolar, y de la escuela promotora de salud en
análisis de contexto de dos realidades, en escuelas de municipios peri-
urbano de la region metropolitana de São Paulo en Brasil y de municipios
periféricos de La Habana, capital de Cuba.

Metodología
El predominio de la estrategia de triangulación metodológica,
utilizados en la elaboración de los diagnósticos y caracterización, y
diversas técnicas participativas y de consenso para trabajo en grupo,
permitió combinar perspectivas de análisis metodológicas cualitativos
y cuantitativos. El tiempo disponible y la movilidad de un contexto
nacional a otro, fue un desafío teórico y práctico. Sin pretensión de
establecer un estudio comparado, aproximaciones metodológicas
y contextuales permitieron resultados y conclusiones de valor
y generalización. Se identificaron dimensiones, regularidades e
interacciones de los contextos escolares estudiados en Cuba y Brasil.
Se presentan prácticas educativas que defienden dialogo entre
saberes, especialmente cuando inciden en concepción y comprensión de
realidades que impactan la vida y sobrevivencia humanas. La búsqueda
del diálogo cambio climático, ambiente, salud, calidad de vida y
educación se inscribe como una pos-normalidad y requiere innovar en
currículo, dinámica, didáctica y evaluación del proceso de formación.
No va a acontecer un milagro, sin considerar el nivel de preparación
de docentes, la concepción de aprendizajes en ambientes más allá del
espacio escolar, y las políticas educativas que integren acciones de
crecimiento y desarrollo humano, en armonía con la naturaleza.
El estudio desarrollado en escuelas y ambientes escolares en
contextos sociales comunitarios seleccionados intencionalmente, en el
caso de La Habana/Cuba, fueron dos escuelas en zona periurbana en

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los municipios Arroyo Naranjo, Barrio El Eléctrico. Y en el municipio
Playa, Barrio Buena Vista. Y para el caso São Paulo/Brasil, las dos
escuelas ubicadas en el municipio Ibiúna, ubicadas en zona periurbana/
rural en los barrios Vargem do Salto e Lageado, Los criterios de selección
muestral procuraron escuelas que las comunidades beneficiadas fueran
contextos socioeconómicos con vulnerabilidades sociales, y explícitas
dificultades para el acceso al agua. En los dos países coinciden ser de la
zona periurbana a las grandes metrópolis, Habana y São Paulo.
Las preguntas motivadoras del estudio se elaboraron en aras de
conseguir objetivos como:
• Analizar, describir, comprender y explicar la promoción y acción de
salud escolar a partir del dominio y contribuciones del maestro en
la escuela;
• Caracterizar la Escuela de estudio, a partir de las relaciones y
condicionantes del territorio y su contexto;
• Identificar los principales problemas de salud escolar y calidad de
vida socioambiental relacionados con el que dependen del acceso y
uso del agua, relaciones con las desigualdades de género y territorio;
• Implementar prácticas educativas innovadoras para integrar conceptos,
conocimientos, participación, gestión y solución a problemas de
salud escolar identificados y asociados a los ejes de análisis.
Fue conveniente la combinación de técnicas cualitativas y
cuantitativas, aplicándose: Observación no participante, Entrevista,
Cuestionario auto-suministrado y Grupo de discusión, identificando
como tipo de Investigación la Exploratoria-Correlacional. Con una
Muestra Poblacional en el caso de Cuba dos escuelas, de nivel de
enseñanza primaria, niños desde 6 hasta 11 años, con un equipo de
profesores con nivel universitario de formación. Los datos en ese caso
corresponden a 24 profesores, y 276 niños. En el caso de Brasil dos
escuelas (RIBAS, 2010)9, de nivel de enseñanza fundamental (primaria).
Los datos en ese caso corresponden a 16 profesores, y 216 niños.

9 RIBAS, M. A. P. T. (Coord.). Medidas e ações educacionais no controle das parasitoses intestinais e na


preservação do meio ambiente em comunidade rural sub-bacia Ribeirão Vargem do Salto Ibiúna/SP –
2010. Ibiúna: Ação da Cidadania – Comitê Ibiúna, 2010a. (Projeto FEHIDRO 2010 SMT 203)

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Al identificar especificidades del contexto de estudio para cada caso,
se siguieron criterios para entender salud escolar en el ámbito de las
normativas y regulaciones de cada país, y en qué forma se conciben
las estrategias nacionales, locales y escolares en su conexión con la
escuela promotora de salud. Por ejemplo, la salud escolar, en el sistema
de trabajo metodológico de la escuela cubana, está concebida como
un Programa Director de Promoción y Educación para la Salud en
el Sistema Educacional, el cual tiene como propósito: “Contribuir a
fomentar una cultura en salud que se refleje en estilos de vida más sanos
de niños, adolescentes, jóvenes y trabajadores en el Sistema Nacional de
Educación” (MINED/MINSAP, 1999)10.

DESARROLLO
El aprendizaje social

El aprendizaje es motivo de innumerables estudios basados en teorías


psicológicas, pedagógicas, biológicas y otras que provienen de abordajes
sociológicos, antropológicos y filosóficos. El concepto de “Aprendizaje
Social” remite a la Psicología, siendo el término propuesto por Bandura
(citado por Glasser (2007, p. 49)) para referirse “al proceso de desarrollo
cognitivo (aprendizaje) de los individuos en el contexto social”
(JACOBI, 2008)11. Ese abordaje integra las relaciones entre las esferas
subjetivas e intersubjetivas, ampliadas a las posibilidades de constituir
identidades colectivas en espacios de convivencia y debates. Esta idea
abre los caminos para incrementar el potencial de fortalecer espacios de
diálogos horizontales, de aprendizaje y del ejercicio de la democracia
participativa, mediando experiencias de diferentes sujetos autores/
actores sociales locales en la construcción de proyectos de intervención
colectivos (JIGGINS; RÖLING; SLOBBE, 2007, p. 419-433)12.

10 MINED-MINSAP. Colectivo de autores. Programa Director de Promoción y Educación


para la Salud en el Sistema Nacional de Educación. Cuba: Impreso por Molinos Trade, 1999.
11 JACOBI, P. R. Governança da Água e Aprendizagem Social no Brasil. Sociedad Hoy,
Concepción, n. 15, p. 25-44, 2008.
12 JIGGINS, J.; RÖLING, N.; VAN SLOBBE, E. Social learning in situations of competing
claims on water use. In: WALS, A. Social Learning - towards a sustainable world. Wageningen:
Wageningen Academic Editors, 2007. p. 419-433. (traducción autores)

103

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Para este estudio asumimos la concepción de Aprendizaje Social,
como ese aprender conjunto, para manejar decisiones y enfrentar
desafíos y cambios en la gestión. Su alcance se fortalece con el
objetivo de pensar la escuela promotora de salud en su relación con el
aprendizaje social. Este abordaje se vuelve posible cuando se entrega
a la pedagogía diferentes conocimientos e interdisciplinariedad,
para entender estrategias normativas y regulaciones, los contextos y
dinámica social que condicionan la vida, los actores, los contenidos y
desafíos a enfrentar.
Diversos estudios defienden el carácter interdisciplinar o
multirreferencial de la educación (ROJAS SORIANO, 2000, p. 29,
ZEMELMAN 1998, TORRES SANTONMÉ, 2000, p. 68). La
complejidad que envuelve la realidad a estudiar se debe concebir en
la idea de articulación disciplinaria, “en la medida en que nos coloca
frente a una realidad que va más allá de los contenidos [o límites]
disciplinarios” (ZEMELMAN, 1998, p. 94), donde esta articulación
da lugar a un pensar histórico como capacidad del hombre para influir
sobre la realidad o construirla13.
La posibilidad de formular modelos de investigación integra-
dores; hacer coincidir aportes de todas las especialidades posibles
de integrarse en un equipo de trabajo, facilitará diseñar una pro-
puesta metodológica más consistente desde el punto de vista teórico
para el análisis e interpretación de los fenómenos sociales (ROJAS
SORIANO, 2000, p. 29) y de lo educativo; y articular especialida-
des, van a contribuir a un conocimiento troncal (ZEMELMAN,
1998, p. 100). 4) que va a rescatar el excedente de realidad que
escapa a lo unidisciplinar14.
Pensar el aprendizaje social remite a prácticas educativas de carácter
complejo. Esencias colaborativas y participativas, para la concepción
de escuelas promotoras de salud, construir una cultura de dialogo, es un
paso determinante solo a través de interdisciplinaridad desde enfoques
sistémicos y complejos de conocimiento. También implica que los

13 ZEMELMAN, Hugo. Acerca del problema de los límites disciplinarios. Encrucijadas


metodológicas en ciencias sociales. México: UAM/Xochimilco, 1998.
14 CACHÓN, R. Jorge. Educación, Interdisciplinariedad y Pedagogía. Disponible en: www.
comie.org.mx/congreso/memoriaelectronica/v09/ponencias/at08/PRE1178838372.pdf.
Consultado en: 23 jun. 2018.

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participantes acepten la diversidad de intereses, de argumentos, de
conocimientos, y que perciban que un problema tan complejo como
la salud humana puede ser resuelto a través de prácticas colectivas,
que se sustentan en la diseminación de información, conocimiento y
actividades en redes (WALS, 2007, p. 18-19)15.
La lógica conceptual que tomamos como referencia sostiene que
el aprendizaje conjunto es fundamental para que las tareas comunes
y la construcción de consensos considere cada contexto y sus
resultados; siendo posible lleven al entendimiento de la complejidad
de las cuestiones comunitarias, locales y ambientales que precisan
ser decididas (HARMONICOP, 2003a; 2003b). Ello presupone la
contribución de diferentes conocimientos, interdisciplinaridad y
transversalidad16.

LA ESCUELA PROMOTORA DE SALUD Y


LA CONCEPCIÓN DE SALUD
La escuela entre sus funciones tiene el desafío de afrontar la
búsqueda constante de una calidad de vida superior. No son sólo
suficientes los intentos de transmitir contenidos y habilidades. Ya
Delors desde 1996 en “Los cuatro pilares de la educación” declaraba
sobre la necesidad de que la escuela ofreciera un conocimiento
para: aprender a conocer, es decir, adquirir los instrumentos de la
comprensión; aprender a hacer, para poder influir sobre el propio
entorno; aprender a vivir juntos, para participar y cooperar con los
demás en todas las actividades humanas; por último, aprender a ser,
un proceso fundamental que recoge elementos de los tres anteriores17.

15 WALS, A. Social Learning - towards a sustainable world. Wageningen, Holland: Wageningen


Academic Publishers, 2007. (traducción autores)
16 HARMONICOP. Public participation and the European Water Framework directive. Role of
Information and Communication Tools. Work Package 3 report of the HarmoniCOP project.
P. Maurel, ed. K.U. Leuven – Centre for Organizational and Personnel Psychology, 2003a.
HARMONICOP. Social Learning Pool of questions. HarmoniCOP combined WP2/WP3
deliverable. K.U. Leuven – Centre for Organizational and Personnel Psychology, 2003b.
17 DELORS, J. Los cuatro pilares de la educación. Informe a la UNESCO de la Comisión internacional
sobre la educación para el siglo XXI. Madrid: Santillana/UNESCO, 1996. p. 91-103.

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La OMS en su informe de 2007 alertaba que: se debe involucrar
a la comunidad escolar en las decisiones sobre la combinación de
estrategias más relevante, las políticas escolares, y las formas de mejorar
los ambientes físicos y sociales de éstos. Enriquecer las relaciones entre
la escuela, los padres y la comunidad local constituye un desafío.
En la actualidad en esta organización, trabajan la estrategia mundial
sobre régimen alimentario, actividad física y salud; y son interesantes
los resultados de la Encuesta Mundial de Salud a Escolares (GSHS),
instrumento para la vigilancia del proyecto de colaboración diseñado
para ayudar a los países a medir y evaluar el comportamiento de los
factores de riesgo y factores protectores en 10 áreas clave que impactan
los escolares, especialmente adolescentes: Consumo de alcohol,
Comportamiento alimentario, Consumo de drogas, Higiene, Salud
mental, Actividad física, Factores de protección, Comportamientos
sexuales, Consumo de tabaco, y Violencia y lesiones no intencionales18.
Esas estrategias y áreas claves constituyen base de los programas de
salud escolar. La necesidad de implementar programas comunitarios
para el desarrollo local, la salud escolar, el cuidado medioambiental y
la promoción cultural, se convierten en ejes para pensar acciones que
permitan mitigar las desventajas socio- económicas que se muestran
en diferentes regiones y comunidades, instituciones escolare y de
salud, medioambiental, y otras; a fin de promover la equidad.
De ahí la relevancia de seguir acompañando el modelo de las
escuelas como promotoras de salud, que como se conoce buscó integrar
una tradición histórica (los programas de salud escolar, orientados a la
prevención y protección) con una serie de enfoques complementarios
que incluían:
• Educación para la salud con base en metodologías activas de
enseñanza aprendizaje;
• Servicios de salud en el contexto de los programas de salud escolar y
enfatizando en la detección temprana de los problemas más frecuentes;

18 OMS. Disponible en: www.who.int/ncds/surveillance/gshs/es/. Consultado en: 23 jun. 2018.

106

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• Políticas escolares saludables y mejoramiento del ambiente escolar;
• Activa participación de los niños, sus familias y la comunidad
para incrementar la conciencia acerca del vínculo que une salud y
educación con el ambiente y los estilos de vida de quienes “trabajan,
aprenden y viven en la escuela”.
Estos enfoques se mantienen en la actualidad, sumando otros
esfuerzos innovadores, un perfeccionamiento de los currículos, mayor
capacitación de profesores y una educación ambiental que de cuentas
de esfuerzos interdisciplinares. La oportunidad de declarar una escuela
promotora de salud, y conectar con la situación de salud escolar, permite
como plantea la declaración de Vancouver fortalecer el vínculo entre
salud, educación y desarrollo, y se mencionan como ejes19:
• Construir evidencia y experiencia o Fortalecer los procesos de
implementación;
• Mitigar las desventajas sociales y económicas promoviendo la
equidad;
• Aprovechar la influencia de los medios de comunicación;
• Mejorar las alianzas entre diferentes sectores y organizaciones.

Esa iniciativa de Escuelas Promotoras de Salud, iniciada en 1995,


propone la convergencia de conceptos renovados del vínculo entre
salud y educación y con el ideario de promoción social y participación
comunitaria que emergió en la Carta de Ottawa, hace ya más de 20
años (OMS, 1986)20.
Entre las tareas más complejas se destaca la introducción de la
comprensión de salud, ya sea individual, organizacional o de un grupo
determinado. Para la escuela implicó asumir una concepción y definición
que promovió la Organización Mundial de la Salud (OMS) en 1946,

19 OPS-OMS. Promoción de salud, escuela y comunidad: el laberinto de la implementación Notas


y aprendizajes desde la experiencia Iberoamericana. Education Development Center (EDC),
Centro Colaborador (OPS-OMS), 2007. Disponivle en: http://escpromotorasdesalud.
weebly.com/uploads/1/3/9/4/13940309/lab1.pdf.
20 OPS/OMS. Escuelas Promotoras de la Salud. Entornos saludables y mejor salud para las
generaciones futuras. Comunicación para la Salud Número 13. Carta de Ottawa para la
Promoción de la Salud. Washington: OMS, 1986.

107

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desde su fundación. Definiendo salud como “…un completo estado de
bienestar físico, mental y social, y no solamente la ausencia de afecciones o
enfermedades” (TORRES, 2013, p. 17)21. Y es a partir de esta definición,
el momento en que se legitima el componente social de la salud desde
las instituciones internacionales. Legado que asumió la Organización
Panamericana de la Salud (OPS), el Programa de las Naciones Unidas
para el Desarrollo (PNUD) expresado anualmente en sus Informes de
Desarrollo Humano (IDH), constituyendo variable esencial la salud.
Al definir salud como partida de un enfoque integrador, se revela que el
sector de salud no puede actuar en solitario, porque la mayoría de los factores
determinantes de la salud provienen del contexto social. Sumado a lo antes
expuesto permite la creación de un enfoque intersectorial, o interdisciplinar.
Farinas (2005) afirma que la salud no es un estado estático y absoluto,
es un fenómeno psico - biológico y social dinámico, relativo, muy variable
en la especie humana. Corresponde a un estado ecológico-fisiológico-
social de equilibrio y adaptación de todas las posibilidades del organismo
humano frente a la complejidad del ambiente social22.
Asumiendo esa concepción de salud, como esencia de la escuela
promotora, resulta relevante desde el punto de vista investigativo para
establecer una relación con el Aprendizaje Social. Tratase de un proceso
que tiene sus especificidades y que asociamos a las prácticas educativas e
innovadoras que deben caracterizar las acciones de la escuela. Sostenemos
la cuestión de promoción de salud y calidad de vida socioambiental en el
ámbito escolar, no puede ser efectiva sin participación, sin colaboración,
sin aprendizaje social.
La existencia del Programa de Salud Escolar aparece como el conjunto
de estrategias y definiciones que regularizan las acciones de esa promoción
de salud, varían de un país a otro, pero en la revisión de estos se expresa
la voluntad política de los gobiernos, las prioridades y preocupaciones
esenciales, así como los principios y marcos normativos para definir la
función de la escuela, en su vinculo con la sociedad y las instituciones
correspondientes.

21 TORRES CUETO, Gloria María. Promoción de la Salud en Sistemas Educativos. La Habana-


Cuba: OPS/OMS, 2013.
22 FARIÑAS, T. La evolución de la Epidemiología en Cuba: una reflexión. 1995. Módulo de
epidemiología y Salud Publica. Escuela nacional de Salud Pública, 2005.

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INNOVACIÓN Y PRÁCTICAS EDUCATIVAS EN EL
APRENDIZAJE SOCIAL PARA PROMOVER SALUD
Asociar promoción de salud y aprendizaje social, puede ser
un ejercicio obvio. Considerando dimensiones de participación,
concientización y promoción en la búsqueda de propuestas
transformadoras para determinados contextos.
El acercamiento y descripción del Programa de Salud Escolar,
interpretando las estrategias nacionales y locales, ofreció diversas
rupturas en la intención de llegar a nuestro objeto. Asi surge la
necesidad de sumar dimensiones en el análisis, para lo cual enfocamos
en las practicas educativas innovadoras que desenvuelve la escuela,
asociadas a la promoción de salud y de construcción colectiva de
calidad de vida socioambiental.
Los temas sensibles, demandan situaciones de aprendizaje
innovadores, dentro de un aprendizaje planteado como un proceso
sistemático e intencionado que requiere del conocimiento y
utilización de diversas estrategias. La innovación dentro de la
práctica docente, el dialogo entre disciplinas, contextos, tipos de
saberes, exige reducir el esfuerzo entre los docentes de diversas áreas
de conocimiento para aumentar la rapidez en obtener resultados, y
conseguir responder a demandas de la sociedad.
Una práctica intencionada para producir modificaciones
profundas en el sistema de generación y transferencia de
conocimientos, habilidades, actitudes y valores, con la articulación
de la participación de los agentes y que mejora la calidad de algún
aspecto significativo del hecho educativo, se reconoce como
innovación. Innovación es
[…] un proceso encaminado a la solución de problemas
de calidad, cobertura, eficiencia y efectividad en el ámbi-
to educativo. Es el resultado de un proceso participativo
de planificación, que surge desde la práctica educativa del
profesorado y que confronta las creencias de docentes y
administrativos, y plantea formas alternativas de enseñar,
aprender y gestionar (BLANCO; MESSINA, 2000)23.

23 BLANCO, R.; MESSINA, G. Estado del arte sobre las innovaciones educativas en América
Latina. Colombia: Convenio Andrés Bello; UNESCO, 2000.

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Esto puede ser desarrollado dentro de una lógica conceptual del
aprendizaje social al establecer una relación que constituyen desafío
en la intención de observar la salud, y las formas en que la escuela
promueve una cultura, una comprensión, unas prácticas que impliquen
responsabilidad y conocimientos, en busca de transformación, de
formas innovadoras.

CALIDAD DE VIDA SOCIOAMBIENTAL, EL CAMBIO CLIMÁTICO,


Y LA SALUD ESCOLAR
Según la OMS, la calidad de vida es
la percepción que un individuo tiene de su lugar en la
existencia, en el contexto de la cultura y del sistema de
valores en los que vive y en relación con sus objetivos,
sus expectativas, sus normas, sus inquietudes. Se trata
de un concepto muy amplio que está influido de
modo complejo por la salud física del sujeto, su estado
psicológico, su nivel de independencia, sus relaciones
sociales, así como su relación con los elementos
esenciales de su entorno (REAL, 2012)24.

Ese concepto, resulta ser muy polémico, y se asocia a diversas


condiciones de vida que hoy viven muchos seres humanos.25
No es cuestionable, el consenso de que el medio ambiente en el
que vivimos ejerce una clara influencia en nuestro estado de salud. El
aire que respiramos, la alimentación que llevamos, nuestros hábitos
de vida, nuestras prácticas, todos constituyen factores determinantes.
La calidad de vida está influenciada por la salud y otros factores de
la realidad cotidiana. No es fácil identificar niveles, índices, etc.
su componente subjetivo y fenomenológico, pero es esencial para
cualquier estudio de todos los factores condicionantes.
En este sentido es ineficiente que la escuela no promueva
entender el medio ambiente, a partir de identificar los niveles de

24 REAL, F. G. Calidad de vida, medio ambiente, sostenibilidad y ciudadanía ¿construimos


juntos el futuro. Revista NEJ - Electrónica, v. 17,n. 3, p. 305-326, set./dec. 2012.
25 BURGUI, M. Medio ambiente y calidad de vida. Cuadernos de bioética: Revista oficial de la
Asociación Española de Bioética y Ética Médica. Cuad. Bioét., v. 19, 2008. Disponible en:
www.researchgate.net/publication/28312586_Medio_ambiente_y_calidad_de_vida.

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contaminación física, química, biológica, psicosocial y sociocultural, a
los que estamos expuestos los seres humanos. La ausencia de enfoques
interdisciplinares, la minimización de la complejidad del tema,
abordajes sin integralidad tanto dentro como fuera del currículo escolar,
y profesores que cuentan con escasos conocimientos, son limitaciones
que el sistema escolar enfrenta en el mundo, para el abordaje objetivo
de esta problemática. Al desconocer la influencia del medio ambiente,
se desconoce el entorno en que nacemos y nos desenvolvemos, y esa
falta de conciencia básica constituye un obstáculo que no consigue
asociar la realidad ambiental en que vivimos con la situación de salud
de una comunidad.
Las consecuencias del cambio climático, manifestado en la
variabilidad de temperaturas, incremento de pérdidas y lesiones a
la vida humana en inundaciones, tormentas, y otras contingencias
meteorológicas, que tras su paso alteran la presencia de vectores
transmisores de enfermedades, y afectan la calidad de agua, aire y
disponibilidad de los alimentos que garantizan la vida, provocan
alteraciones cada vez más evidentes.
El impacto real en la salud dependerá mucho de las
condiciones ambientales locales y las circunstancias
socioeconómicas, así como de las diversas
adaptaciones sociales, institucionales, tecnológicas
y comportamentales orientadas a reducir todo el
conjunto de amenazas para la salud (IPCC, 2001)26.

Amartya Sen, afirma que la oportunidad de participar en procesos


democráticos que mejoran la propia calidad de vida, y es uno de los
factores más importantes en el desarrollo humano27. En América Latina
y en el Caribe, las Escuelas Promotoras de Salud han proporcionado a
muchas personas esa oportunidad. Las redes de Escuelas Promotoras
de Salud en los países y las regiones, a pesar de las dificultades que
enfrentan en la comprensión de su misión, demuestran ser un
mecanismo que es valioso y que contribuye a que varios profesionales

26 IPCC. Synthesis Report, Third Assessment Report. Cambridge University Press, 2001.
27 MERESMAN, Sergio; OPS. Prólogo a Promoción de salud, escuela y comunidad: el laberinto de
la implementación. Washington D.C., 2009. Monografia em Espanhol. OPS; REPIDISCA.
ID: rep-178251.

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tengan la posibilidad de aprender unos de otros, obtener ideas prácticas
y lo que es más importante, rodearse del apoyo que necesitan para
enfrentar barreras y retos.
Los esfuerzos interdisciplinares en el ámbito escolar hoy enfrentan
la existencia de procesos de aprendizajes desligados del uso de las nuevas
tecnologías, de lógicas de enseñanza sin interacción con la práctica y
realidad cognoscible, que implican límites para desempeños pedagógicos
de inclusión, de respeto mutuo, de diversidad e interculturalidad.
Al abordar la cuestión del agua, la salud escolar y la escuela
promotora de salud y calidad de vida socioambiental, además del
común denominador, sobre atender los niveles de participación,
se demandan necesarias transformaciones en la forma de trasladar
mensajes. Por tanto, su presentación en espacios escolares y
comunitarios, serían totalmente ineficaces sin considerar prácticas
innovadoras, integradoras e interdisciplinares. El estudio de caso
enfoca en la cuestión del agua, como elemento que condiciona
comportamientos de salud, y que da oportunidad para desenvolver
acciones que van desde lo educativo, cultural a sistematizar prácticas
pedagógicas innovadoras de promoción de salud, y de cuidado del
medio ambiente (MELLADO, 2018)28.
Para delimitar las dimensiones metodológicas de una propuesta
innovadora que tome en cuenta aprendizaje social, escuela promotora
de salud y concepción de salud, y calidad de vida socioambiental puede
expresarse conforme Jacobi (2007)29 al considerar en los procesos de
integración:
• Formación de redes cooperativas. La identificación del problema
y el presupuesto para que los actores comiencen a dividir su
comprensión sobre el mismo, explorando las posibilidades de
perspectivas para a intervención.
• Desarrollo para la conexión de diferentes tipos de comprensión
del problema, creando diálogos intersectoriales e interdisciplinares,
como base del fortalecimiento de lógicas de cooperación.

28 MELLADO. Escuela Promotora de Salud, el programa de salud escolar y la Responsabilidad


Social. Dialogo de urgencia en la escuela cubana (…), 2018, inedito.
29 JACOBI, P. R. Governança da Água e Aprendizagem Social no Brasil. Sociedad Hoy,
Concepción, n. 15, p. 25-44, 2008.

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• Facilitar el convencimiento y participación de los líderes es esencial
para la construcción y mantenimiento del compromiso de los
actores involucrados directa o indirectamente
Al contrario de estrategias de control; existe la necesidad de cambios,
flexibles y adaptativos al gerenciamiento, y formas de articulación que
sean imprescindibles para el desarrollo cooperativo de las actividades
propuestas

EL CASO DE ESTUDIO EN ESCUELAS DE BRASIL Y CUBA

a) La partida: el diagnóstico y caracterización

El punto de partida fue basado en elementos que posibilitaron


elaborar un Diagnóstico de salud escolar para la calidad de vida
socioambiental, y se identificaron como objeto de estudio y para cada
caso implicó, con el auxilio de diversas técnicas:
• Caracterizar la Escuela
• Identificar la situación de salud escolar
• Conocer el contexto social y sus vulnerabilidades
• Movilizar, coordinar y acompañar acciones de Educación y Salud
promovidas por la escuela.
• Identificar Dimensiones y convergencias da salud escolar y calidad
de vida socioambiental.
• Elaborar acciones basadas en prácticas pedagógicas innovadoras.

Considerando la complejidad de la problemática de estudio,


fue identificada la necesidad de establecer interfases innovadoras
durante todo el proceso. Las interfases implican en asistencia técnica
(conocimientos, habilidades, herramientas), acompañamiento, difusión,
promoción de aprendizajes y sistematización. También, en desarrollo
de materiales, asesoría, investigación, monitoreo, evaluación y puesta
en red de experiencias. Para lo cual es adecuado sean antecedidas por un
nivel de organización, que implica movilización y coordinación entre
sectores e instituciones. Y esto da paso a un nivel operativo, diseñado

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para la movilización y participación de la escuela y la comunidad, en
todo el proceso.
De esta forma se identifica una serie de factores que pueden
considerarse como determinantes en el proceso de implementación
y transformación de políticas y prácticas de salud escolar, promoción
de salud y calidad de vida socioambiental. En la revisión de trabajos
(WHITMAN, 2005; MERESMAN, 2007; MORALES, 2007) se
observa y coincide en que estos factores son relativamente constantes, y
no importa el país de análisis, o el escenario, si bien el “peso específico”
de cada uno de ellos varía en función del contexto de implementación.
Y también la revisión de los programas de salud escolar, y la
concepción de escuela promotora de salud, deriva tres dimensiones
complementarias de análisis, procurando explorar aspectos que
consideramos de especial interés para examinar la experiencia de
implementación en el contexto latinoamericano. Estas dimensiones de
análisis y sus fundamentos son:
• la estrategia de alianzas seguida por las escuelas,
• el carácter innovador y de sustentabilidad de las acciones y prácticas
emprendidas,
• los aspectos de complejidad que intervienen en todo el proceso.

La principal finalidad de la Escuela Promotora de Salud es contribuir


para el desarrollo de la salud y la educación, para la salud de sus
alumnos y de la comunidad donde viven. La innovación se expresa en
esa perspectiva de facilitar una educación para la salud, una educación
ambiental, servicios de salud escolar, elaborar proyectos escuela-
comunidad, contar con programas de promoción de salud, pensados
para la nutrición y alimentación saludable, actividades deportivas para
la educación física, programas de apoyo social y de salud mental, de
forma que la escuela implemente políticas y prácticas que respeten y
proporcione calidad y bienestar de vida.
Una escuela promotora de salud se caracteriza como una Institución
que promueve un estilo de vida, de aprendizaje y de trabajo propicio al
desarrollo de la salud. Según Navarro (1999)30 las escuelas para seguir

30 MERESMAN, S. Escuelas Promotoras de Salud en el laberinto: del modelo a la implementación. Red

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la filosofía y prácticas de las Escuela Promotoras de Salud (EPS) deben
promover cambios en las siguientes dimensiones: Curricular, Psico-
social, Ecológica, Comunitaria y Organizacional.

b) Aproximaciones: la concepción sobre salud escolar

La salud escolar, se establece a través de las vías curricular y


extracurricular, persiguen transmitir conocimientos, hábitos, habilidades,
convicciones y valores, relacionados con la promoción y educación para
el cuidado de la salud tanto individual como colectiva. La concepción
del trabajo de la salud en el sistema educacional cubano tiene una
base ideológica, jurídica, pedagógica, científica y tecnológica, que en
las condiciones actuales de la escuela cubana plantea exigencias en el
trabajo docente, y acciones intersectoriales. Son necesarios para cada
caso, precisar los contenidos que se asumen como punto de partida para
ordenar, articular y fortalecer las acciones de Promoción y de Educación
para la Salud en el sistema de trabajo metodológico. Así como, definir
prácticas innovadoras para incentivar, movilizar y participar.
Para el caso brasileño, las Escuelas Promotoras de Salud hacen
una abierta critica a la tendencia de marcado carácter higienista, que
caracterizaron por varias décadas las acciones de salud escolar. Las
propuestas más innovadoras se sustentan en incorporar prácticas
que consideren aspectos como territorio, comunidad, salud como
proceso social, para poder entender y proponer integración y acción
intersectorial, como una necesaria exigencia para intervenir en las
diversas determinantes sociales de salud (SILVA, 1997)31.
En ese caso la Política de Atención Básica (2012) define que el
Programa de Salud en la Escuela según el Decreto Presidencial nº6.286
de 5 de diciembre de 2007, surge como una política intersectorial
entre los Ministerios de Salud y Educación, en la perspectiva de una
atención integral que debe incluir (promoción, prevención, diagnóstico
y recuperación de salud y formación) la salud de niños, adolescentes

Latinoamericana de Escuelas Promotoras de Salud, 2007. Disponible en: http://blog.irepsboletin.cl/.


31 BRASIL. Política Nacional de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 110 p. Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf. Acesso em: 6 jun. 2015.

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y jóvenes del sistema de enseñanza pública básica, en el ámbito de las
escuelas y unidades básicas de salud, realizada por los equipos de salud
y de atención básicos y una educación de forma integrada, por medio
de acciones y prácticas de:
i. Evaluación clínica y psicosocial que objetivan identificar necesidades
de salud y garantizar la atención integral de las mismas en la rede de
atención de salud;
ii. Promoción y prevención que articulen prácticas innovadoras de
formación, educativas y de salud, con vistas a promoción de una
alimentación saludable, a promoción de prácticas corporales y
actividades físicas em las escuelas, a educación para la salud sexual y
reproductiva, la prevención y uso de alcohol, tabaco y otras drogas,
la promoción de una cultura de paz y prevención de violencias, y la
promoción de la salud ambiental y el desarrollo sustentables.
iii. Educación permanente para la calidad en la actuación de los
profesionales de la educación y de la salud y formación de jóvenes
(BRASIL, 2012, p. 75)32.

RESULTADOS

Las prácticas educativas para la integración, intersectorialidad


y participación son identificadas considerando diversos aspectos.
Las manifestaciones y especificidades para cada caso de estudio,
en la intencionalidad de observar la interacción educación-salud-
ambiente en el desempeño de la escuela promotora de salud, permiten
consideraciones como:
• Referente a la existencia de programas de salud escolar, para los
dos casos están formalmente diseñados, con predominio de bajo
impacto referentes al conocimiento de éste, y en su implementación
y aplicación asociado a realidades del contexto local.

32 BRASIL. Política Nacional de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento


de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 110 p. Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf. Acesso em: 6 jun. 2015.

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• Sobre el predominio de alianzas intersectoriales formales, en el
caso cubano tienen expresiones desde el nivel local hasta nacional.
Para el caso de Brasil son inexistentes, teniendo lugar sólo desde
iniciativas espontáneas por voluntad individual de profesionales.
Ofreciendo poca efectividad en las actividades de prevención-
promoción, activadas solo ante circunstancias extremas de epidemias,
contingencias climáticas, o indicaciones gubernamentales. O ante la
llegada de un proyecto o acción externa.
• La inexistencia de diagnósticos y caracterizaciones sobre problemáticas
de salud locales, condicionantes sociales en salud, relación de
enfermedades con el ambiente, análisis disciplinares y reduccionistas
que no estimulan integración, intersectorialidad y participación, son
expresión para el contexto brasileño. Siendo otra la realidad de Cuba,
por encontrarse como parte del sistema nacional de salud pública,
que se basa en la prevención de salud
• Referente a las prácticas pedagógicas convencionales para
problemáticas que superan comprensiones limitadas de fenómenos
de carácter global, son limitadas las acciones para los dos estudios de
caso. Asociadas a falta de orientación, como parte de la verticalidad
del sistema educacional cubano, y el desconocimiento y falta de
motivación en el caso brasileño.
• Predomina el desconocimiento del valor de la innovación en la
práctica educativa para trasmitir conocimientos, relacionados con
temáticas referentes a la relación ambiente-salud-aprendizaje.
• El falso mito de asociar y depender de la existencia de grandes
recursos tecnológicos para introducir modificaciones en las prácticas
pedagógicas. Ausencia de uso de audiovisuales, experiencias de
utilización de las redes sociales para conocer y revelar la realidad de
las comunidades, y espacios ambientales locales y territoriales.
• En los estudios de caso, se correlaciona la cuestión del consumo,
hábitos, prácticas de higienización, y limitaciones severas de acceso
al agua para desarrollar actividades cotidianas, con las enfermedades
que predominan.

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• Las enfermedades predominantes en el caso cubano son: EDA
(Enfermedad diarreica aguda), ERA (Enfermedad respiratoria aguda),
CAAB (Crisis aguda de asma bronquial), S. Febril (Síndrome Febril).
• En el caso brasileño se insistió en la relación salud – clima y su
asociación con predominio de enfermedades provocadas por el
ambiente. Entre varias demandas, se contó con la colaboración,
asistencia, e iniciativa del Instituto Adolfo Lutz – Laboratorio de
Sorocaba. De los 109 exámenes realizados, 30 resultaron positivo
por la presencia de enteroparasita, 7 casos de multiparasitismo.
• En la investigación sobre las cuestiones de saneamiento, los
resultados son que: 87% de los casos positivos tienen pozo “caipira”
campesino, como origen del agua para consumo, y 13% de mina
de agua.
• Para el consumo de agua, 63% consumen directo de pozo, 20%
filtrada, 10% comprada e 7% directo de la mina.
• Con relación a los residuos domiciliares, en muchos casos se utilizan
de más de una forma, siendo el que predomina la colecta con
camión y tanque, ocurriendo quema y lanzamiento al área verde,
en 30% de los casos.
• Con relación al agua de lluvia fue constatado que la mitad de las
calles donde viven los alumnos están inundadas y el 20% de ellas el
agua entra en la residencia.
• En relación con las obras de saneamiento en la región, 60% de los
alumnos tienen conocimiento, pero no saben cómo serán atendidos,
si con redes de agua, redes de colecta de alcantarillado o con ambas.
Ese análisis, desarrollado con un rigor metodológico y teórico descrito
en el proyecto de investigación que referimos, permitió diagnosticar y
caracterizar la urgencia en que la escuela necesita introducir prácticas
innovadoras como acciones de prevención y promoción de salud y
calidad de vida socioambiental, asociadas a las realidades contextuales.
La interacción con las familias, la oportunidad de un escenario
de participación e integración de saberes, abrió una ventana de
encuentro entre expertos de diferentes instituciones y sectores, con
comunidades y familias responsables.También con profesores que
reciben ideas desconectadas de un trabajo que solo puede ser efectivo

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de forma integrada y a través de prácticas que elimine muros, silencios,
preconceptos, hábitos tóxicos y relacionamientos con el ambiente
marcadas por incomprensiones o referencias externas, ajenas, al
desarrollo pleno de bienestar y capacidades de los seres humanos.
Para muchos alumnos, el único escenario de dialogo, transmisión
de dudas, encuentro de respuestas y explicaciones a situaciones
que generan malestar en la vida cotidiana, fue identificado sería el
escenario escolar. Las dinámicas grupales con la familia, la interacción
de profesores-familia-alumnos en el diseño de acciones para promover
salud, enriqueció la comprensión de múltiples problemas con los que
convive el ambiente escolar. La evaluación y devolución de aceptación
fue positiva.
En cuatro niveles diseñamos el flujo de acciones que garantizan
participación y concientización en todo el programa de acciones
expresadas en un proceso de aprendizaje continuo. El primero, parte de
las prácticas educativas innovadoras, entiéndase profesores, currículo,
métodos y metodologías de enseñanza, asi como la identificación
certera de demandas y fortalezas del contexto local. El segundo,
permite elaborar, y alinear el programa de salud escolar y de la escuela
promotora de salud, partiendo de realidades objetivas, caracterizando
la situación escolar y sus vulnerabilidades asociadas al contexto local
y desarrollo social. El tercer nivel, permite aproximar una concepción
de calidad de vida socioambiental, obtenida de un trabajo conjunto.
Todos esos niveles acompañados transversalmente de un aprendizaje
social continuo donde se manifiestan la participación, conciencia, y
resiliencias correspondientes con las características y condicionantes de
la realidad y ámbito escolar. Ver Figura 1:

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Figura 1 – Aprendizaje Social

Fuente: Os autores.

Las prácticas educativas diseñadas y su relación con las acciones


innovadoras se planificaron de forma que los profesores consiguieran
identificar modificaciones necesarias en la búsqueda de objetivos que
resultaron de las practicas participativas de diagnóstico y participación
en el proceso de investigación.
Obsérvese en el cuadro siguiente (Tabla 1) las introducciones que
permitieron incorporar prácticas participativas y de inclusión en la
toma de decisiones:

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Tabla 1 – Practicas Educativas innovadoras/modificaciones

Prácticas educativas inovadoras/ Modificaciones

Construido desde la participación e


Planificación y definición de acciones.
integración

Inserción de familia, actores


comunitarios, sectores e
Procesos de aseguramiento y organización instituciones en debates grupales,
de acciones. construyendo mapas, diagnósticos, y
planos de devolución grupal.

Estímulos a que todos contribuyen,


Ejecución y puesta en práctica de acciones. comprenden y transforman una
realidad conocida.

Retomar, actualizar, interpretar


y poner en práctica a partir
de necesidades y demandas
identificadas en trabajo grupal. Se
El programa de salud escolar puede
elaboran diagnósticos y análisis
desencadenar y promover nuevos hábitos
del contexto real de vida. Y se
y comportamientos, reconociendo la
incentiva comprender la necesidad
necesidad de cambio de actitud em
de cambio a prácticas saludables,
relación al saneamiento y el medio
dinámicas inclusivas, diálogos más
ambiente, identificando su relación con la
constructivos con la naturaleza,
salud humana
reconocimiento del contexto, por
tanto, prevención y promoción
asociadas a situaciones de vida de la
comunidad.

Desde un diseño de prácticas pedagógicas innovadoras inducidas, se presentaron 4


ejes para ordenar ideas, promover la iniciativa integradora, y estimular desarrollo de
un Festival de Salud Escolar, como practica de acciones que colabora con la visibilidad
al tema, propiciando acciones organizadas y pensadas para la promoción de salud,
extendida a padres, comunidad, e instituciones.

Los 4 ejes de acciones y prácticas innovadoras para dar sentido a las prácticas
pedagógicas interdisciplinares fueron: 1 - Cómo me alimento, 2 - Cómo me cuido,
3 - Cómo soy, y 4 - Cómo vivo. Motivo que generó, oficinas, talleres, presentaciones
teóricas y prácticas para cada uno.

Se derivaron ideas innovadoras, siendo empleadas las TIC, técnicas de participación


y cohesión para trabajo grupal, elaboración de banco de datos, fotografías, videos,
producciones que revelan la realidad local, su necesidad de divulgarla, y la emergencia
en asociar con los temas que movilizaron el estudio.

Fuente: Os autores.

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Las contribuciones y el desafío
Presentar los estudios de caso desarrollados, pretende destacar y
sistematizar aspectos que se revelan para diagnosticar y promover salud
escolar para una mayor calidad de vida socioambiental. Colocando
para ello, a la escuela promotora de salud, como agente facilitador
de ese objetivo. Por tanto, se identificaron conocimientos sobre salud
escolar, comprensiones sobre escuela promotora de salud, características
contextuales y vulnerabilidades que condicionan el acceso al agua, y
revelar consecuencias. De manera que las escuelas objeto de estudio,
consiguieran acumular resultados y caracterizaciones, para trazar planes
de acción de promoción de salud que ofrezcan mejores indicadores
de salud escolar y calidad de vida socioambiental. Acompañados de
prácticas educativas innovadoras. Ver Figura 2:

Figura 2 – Flujo salud

Fuente: Os autores.

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Éstas posibilitan en el escenario escolar identificar, diagnosticar,
caracterizar, proyectar, gestionar y evaluar acciones que permiten
dinamizar, y propiciar diálogos inclusivos para todos los actores de la
escuela, y de la comunidad beneficiada. Fue esencial sistematizar las
dimensiones que se sugieren incluir para la labor de promoción de
salud en la escuela, en el caso de América Latina:
• la estrategia de alianzas seguida por las escuelas,
• el carácter de sostenibilidad de las acciones emprendidas, y
• los aspectos de complejidad que intervienen en todo el proceso.
Cada una decisivas en el análisis, porque si bien el caso de Cuba
muestra una realidad en la salud escolar, que ofrece el diferencial
del beneficio de un sistema universal de salud, y de educación, en el
orden de las estrategias de alianzas, la sostenibilidad de acciones y la
complejidad del proceso de promoción de salud, dejan mucho que
desear, en la creatividad y las oportunidades de implementación de
políticas diseñadas ministerialmente.
Por su parte, Brasil presenta numerosas reservas frente a las
dimensiones mencionadas, observando la desigualdad social, las
políticas públicas de educación y salud, y las estructuras básicas
del funcionamiento de las instituciones en los contextos, donde
predominan distanciamientos y desconocimientos del papel de la
escuela y su responsabilidad en la necesaria integración con otras
instituciones en los contextos que son imprescindibles para ofrecer
otras alternativas de vida.
El escenario escolar puede significar un espacio excepcional de
interacciones y acciones, que quiebren preconceptos, estigmas,
y cuestiones de orden social y cultural referente a los cuidados de
la salud humana, y su relación con el espacio socio ambiental en
que se vive. Asi convergen en objetivos similares los propósitos
de la Escuela Promotora de Salud y la búsqueda de mayor calidad
de vida socioambiental. Sin embargo, ausencias de estrategias
interdisciplinares, desconocimiento de prácticas innovadoras, son un
límite que no contribuye a pensar unas acciones de mayor alcance y
efectividad, limitan el alcance de un aprendizaje social para mayor
calidad de vida socioambiental.

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CONCLUSIONES
El análisis problematiza, reforzando la necesidad de aprendizaje
social, como consecuencias de las acciones previstas para la promoción
de salud y calidad de vida socioambiental. Se argumenta que en futuros
estudios se pueden diseñar estrategias e indicadores que pueden ser
empleados en investigaciones que vinculen agua- salud escolar- calidad
de vida socioambiental desde las prácticas que defienden las escuelas
promotoras de salud.
Se muestra la importancia de reconocer la existencia de convergencias
de la escuela promotora de salud y sus objetivos que inciden en la
construcción y educación de asumir una nueva concepción de calidad
de vida socioambiental. En ese resultado se validan prácticas educativas
innovadoras que consiguen dialogar con problemas que están marcados
por condicionantes sociales de salud, educación y ambiente, y que deben
ser atendidas, y consideradas por la escuela para promover cambios
en las dimensiones: curricular, psico-social, ecológica, comunitaria y
organizacional.
El desarrollo del trabajo de campo realizado en dos contextos
nacionales diferentes, condicionados por vulnerabilidades semejantes
de uso y acceso al agua potable, demuestra similares impactos en la salud
escolar y la calidad de vida socioambiental. De forma intencionada se
enfatiza en el examen de la contribución de la promoción de la salud
no solo a la mejora de la salud y la equidad sanitaria, sino para la
calidad de vida socioambiental, y se utiliza una metodología de trabajo,
que identifica dimensiones y prácticas de demostrada eficacia, que
demandan la necesidad de participación y concientización conseguidas
en un proceso de aprendizaje de convergencias.
Las prácticas educativas innovadoras serán determinantes en el
cumplimiento de los Objetivos de Desarrollo Sostenible del Milenio
(ODS), y están pensadas en:
• renovar la misión de la promoción de la salud,
• explicitar y optimizar la función y los logros de la promoción de la
salud,
• proporcionar orientaciones a los países sobre la aplicación práctica
de los conceptos y métodos de la promoción de la salud,

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• potenciar el compromiso político con el enfoque de la salud para
todos,
• posibilitar que las personas, los gobiernos y la sociedad civil aborden
los determinantes sociales de la salud y que las personas tomen
control de sus vidas,
• intercambiar experiencias nacionales en el ámbito de la mejora
de los conocimientos sobre salud, la intensificación de la acción
intersectorial y la movilización social, y la creación de ciudades,
comunidades y asentamientos humanos saludables.
Esos alcances estimulan el dialogo innovador, participativo y
concientizador para conectar temas socioambientales, de salud y educación
no deja espacio a dudas sobre su contribución a un aprendizaje social, que
requiere innovar en currículo, dinámica, didáctica y evaluación del proceso
de formación. Al establecer las dimensiones sugeridas, de estrategia de
alianzas, de acciones sustentables, capacidad de entender la complejidad
que interviene, se contribuye en un proceso que pretende contribuir a la
salud escolar y la calidad de vida socioambiental. Esto demanda un contexto
global de desafíos permanentes demanda y precisa nuevas herramientas
para incentivar y conseguir ampliar su alcance en aras de una vida mejor.

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Compreensões de Justiça Climática na formação
de professores: Estudo de caso na Estação
Ecológica de Águas Emendadas,
Planaltina - Distrito Federal
Comprensiones de la justicia climática en la formación de
profesores: Estudio de caso en la Estación Ecológica de
Aguas Enmendadas, Planaltina, Distrito Federal
Understandings of Climate Justice in Teacher Education: Case
Study at “Amended waters” Ecological Station, Planaltina –
Federal District

Irineu Tamaio1
Roberta Fabline da Silva Barros2

INTRODUÇÃO
Uma questão desafiadora na atualidade é o fenômeno das Mudanças
do Clima e as suas consequências sobre a sociedade e o meio ambiente.
Partindo de vários conceitos e interesses, as Mudanças do Clima se
tornam um assunto complexo e multidisciplinar, que envolve discussões
globais e também setoriais, valores econômicos, interesses específicos,
posicionamentos políticos, igualdades de direitos e oportunidades
usufruídas pela sociedade (SEMA, 2016; BARBIERI, 2013; TAMAIO,
2013; REIS, 2013; JACOBI et al., 2011).
Atualmente, o Brasil é o sétimo maior emissor global de gases de
efeito estufa (GEE), e as principais causas para o aumento do GEE

1 Professor Doutor da Universidade de Brasília (UnB) – Campus Planaltina e pesquisador


no Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) - UFMT.
Membro da Rede Internacional de Pesquisadores em Educação Ambiental e Justiça Climática
(REAJA) – e.mail: irineu.tamaio@gmail.com
2 Graduada em Gestão Ambiental pela Universidade de Brasília (UnB) - Campus Planaltina –
e-mail: fabline4@gmail.com

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são o desmatamento e a queima da vegetação, ou seja, a conversão
de florestas para pastagens e agricultura. Nesse sentido, a vegetação
nativa pode representar indiscutível oportunidade de mitigação
desses problemas no País (RIBEIRO, BORGO e MARANHO 2013;
UNESCO, 2008; MACHADO, 2005). Ribeiro, Borgo e Maranho
(2013) chama a atenção para a importância da existência e manutenção
das Unidades de Conservação como mais uma ação mitigadora dos
impactos climáticos. Além de atuarem como sumidouros naturais de
carbono, essas áreas naturais podem interagir de forma mitigadora com
os eventos climáticos cada vez mais frequentes como: tempestades,
inundações, deslizamentos de terras, proteção da biodiversidade local,
proteção de nascentes, produção de água doce, controle de erosão
e enxurradas, controle da poluição hídrica, atmosférica e sonora,
regulação microclimática e mitigação do efeito das ilhas de calor, que
faz com que as cidades sejam significativamente mais quentes do que
seus entornos (TRZYNA, 2017; PELLIN e GUIMARÃES, 2016).
Além desses aspectos biológicos, essas áreas naturais possuem
importância social, histórica e cultural por abrigar, em seu entorno,
comunidades tradicionais, periferias urbanas, populações tradicionais
extrativistas, agricultores familiares, grupos indígenas e quilombolas
que detém e compartilham conhecimentos sobre a sociobiodiversidade.
No entanto, quando se trata de debater e formular ações e políticas
públicas relacionadas ao impacto, planos de mitigação e adaptação às
Mudanças do Clima, pouco se tem adotado para reduzir os possíveis
impactos junto aos grupos sociais desfavorecidos economicamente.
De acordo com Milanez e Fonseca (2010), esses grupos sociais estão
em maiores condições de vulnerabilidade a eventos que tendem a
ser mais frequentes como as enchentes, as secas prolongadas, a falta
de disponibilidade hídrica, a variação na quantidade e no preço dos
alimentos e nas dinâmicas de acesso aos ambientes naturais.
Assim, essa desigualdade em relação aos impactos dos eventos
extremos é reconhecida como uma questão de Justiça Climática, cuja
ideia central é que as Mudanças do Clima, mais do que uma questão de
cunho ambiental e climático, são um problema de direitos humanos.
Associado a essa questão, observa-se, no Cerrado, a expansão do
agronegócio e o rápido crescimento das cidades como fatores que
mais contribuem para a intensa degradação das áreas naturais. Esses

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fatores somam e se intensificam aos efeitos das Mudanças do Clima à
medida que a fragmentação e a perda de biodiversidade do Cerrado vão
acontecendo. De acordo com Maury (2002), essa extensa transformação
antrópica do Cerrado tem o potencial de produzir grandes perdas
de biodiversidade, especialmente, em vista das limitações das áreas
protegidas, pequenas em número e concentradas em poucas regiões.
Diante dessa situação complexa, as ações de Educação Ambiental
(EA) desenvolvidas na Estação Ecológica de Águas Emendadas
(ESECAE), em Planaltina, no Distrito Federal (DF), visam estimular
junto à população que habita a sua região de entorno, por intermédio
dos educadores das escolas públicas, o senso de pertencimento, a
relação de identificação, a valorização e o cuidado com a Unidade de
Conservação e, principalmente, problematizar e destacar a importância
da ESECAE para as potenciais mitigações dos efeitos extremos do clima
para a população de Planaltina, sobretudo para os grupos sociais em
condições de maior vulnerabilidade socioeconômica.
Com esse propósito, a ESECAE possui um curso anual de formação
em Educação Ambiental para educadores da região do entorno com
carga horária de 180 horas. Essa formação vem acontecendo desde
2003 e é ofertada prioritariamente aos educadores da Secretaria de
Estado de Educação (SEE) do Distrito Federal e aos representantes de
movimentos socioambientais da comunidade do entorno da Estação
Ecológica. Esse curso de formação e o relato de 19 educadores que
participaram da formação no ano de 2016 são o objeto de estudo desta
pesquisa.
Entre os vários temas apresentados e debatidos no conteúdo desse
curso a Justiça Climática e as Mudanças do Clima se destacam como
eixos principais. Para o desenvolvimento desta pesquisa, colocaram-se
as seguintes indagações: qual a compreensão de Justiça Climática por
educadores do ensino fundamental das escolas públicas do entorno da
ESECAE? Esses educadores possuem conhecimentos da importância da
Unidade de Conservação para as mitigações das Mudanças do Clima
na região? Esses educadores promovem reflexões pedagógicas com os
seus educandos sobre os impactos do clima junto às populações em
condições de vulnerabilidade vizinhas à unidade escolar?
Diante dessas questões, o estudo teve como objetivo geral: analisar e
problematizar de que forma os educadores do ensino fundamental, que

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participaram do curso de formação em 2016, compreendem a relação
entre a Estação Ecológica de Águas Emendadas e a Justiça Climática
para a região de Planaltina/DF e como é feita a abordagem desses temas
em sala de aula.
E com essa preocupação, estabeleceram os seguintes objetivos
específicos:
• Mapear e analisar como os conceitos de Mudança do Clima e Justiça
Climática são abordados e compreendidos pelos educadores;
• Identificar se os educadores, em suas práticas pedagógicas,
estabelecem a relação entre a Mudança do Clima e a Estação
Ecológica;
• Analisar se a ESECAE é vista como um campo importante para o
debate das causas e consequências das Mudanças do Clima para às
populações vulneráveis do entorno.

MUDANÇAS DO CLIMA E O CENÁRIO NO DISTRITO FEDERAL


Em decorrência das discussões em torno da crise climática, Lima
e Layrargues (2014) apontam a alta complexidade que existe entre os
vários grupos de interesse, tornando, assim, uma crise multidisciplinar,
cujas interações são muitas vezes conflituosas, pois envolvem questões
políticas, econômicas, sociais, ecológicas, educacionais, tecnológicas,
comunicativas, ético-culturais e epistemológicas. Além de incertezas
sobre o tema, soma-se ainda a pouca intervenção política em assumir
compromissos e soluções que sejam realmente efetivos.
Os estudiosos da Ciência do Clima (NOBRE et al., 2011;
MARENGO, 2007) manifestam preocupações com os impactos
climáticos que ocorrerão em pelo menos cinco setores no Brasil: 1)
Agricultura e segurança alimentar; 2) Crise hídrica e energética; 3)
Elevação do nível dos oceanos e desastres climáticos; 4) Alteração da
biodiversidade e 5) Saúde humana. Porém, esses impactos não atingirão
da mesma forma todas as regiões e grupos sociais, alguns serão mais
afetados que outros.
No setor agrícola, Mendonça (2006) afirma que algumas culturas não
serão mais viáveis em certas regiões e as variações nos regimes de chuva
e temperatura exigirão mudanças nos sistemas de irrigação, adubação

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e controle de pragas. Altos investimentos serão exigidos trazendo
dificuldades para a agricultura familiar e os assentamentos rurais.
As secas têm afetado drasticamente o abastecimento de água
de várias cidades do País. As variações das chuvas e distribuições de
água acontecerão de forma diferenciada. Em algumas regiões haverá
aumento nos volumes de água, intensificados por chuvas torrenciais,
enchentes e deslizamentos, podendo comprometer a água potável
e afetar as condições de habitação da população marginalizada
economicamente. Em outras regiões, ocorrerá redução no regime de
chuvas tornando o solo árido, afetando a qualidade e a quantidade da
água para o abastecimento humano (MENDONÇA, 2006). Com a
matriz energética centrada em hidrelétricas, o setor energético estará
bastante comprometido.
Com o aumento da temperatura global, os níveis dos oceanos poderão
subir rapidamente, causando preocupação com as cidades litorâneas
e as populações presentes que terão que migrar para as cidades mais
altas. Cerca de um bilhão de pessoas vivem ao nível do mar ou apenas
alguns metros acima dele, e muitas cidades do mundo estão situadas em
planícies costeiras. A preocupação é quanto ao deslocamento geográfico
(migração) e o assentamento dessas pessoas (TRZYNA, 2017).
Os impactos nos biomas ou ecossistemas causam mudanças na
composição de espécies ou surgimento de novas espécies dominantes
em determinadas áreas. Essas mudanças podem ocorrer ao longo de
décadas ou séculos e causar um empobrecimento em vários ecossistemas
e, consequentemente, perdas severas de biodiversidade.
Quanto à saúde humana, os sistemas públicos de saúde terão de lidar
com aumento de doenças como a dengue, a malária, a leishmaniose,
a febre amarela, entre outras. Também haverá aumento de problemas
de desnutrição oriunda de carência alimentar, casos de diarreias e
desidratação. Nos centros urbanos, alergias e problemas respiratórios
serão agravados (MARENGO, 2007; MENDONÇA, 2006).
Esses impactos não ocorrerão de forma independente e isolada,
haverá interação dos processos sociais, econômicos e ecológicos,
tornando-se necessário o aprofundamento de estudos regionais para
entender melhor a forma que os impactos das Mudanças do Clima
atingirão em âmbito local, sobretudo, as populações em condições de
vulnerabilidade.

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O Distrito Federal também será afetado, principalmente a população
que vive na periferia, como a região de Planaltina. A Secretaria de Meio
Ambiente do DF (SEMA) apresentou, em 2016, uma compilação de
estudos científicos dos cenários futuros para a região. Podem ser citados
o aumento de ondas de calor nos últimos anos e extremos de chuva,
os verões mais quentes e invernos mais secos. Essa situação favoreceu
maior propagação de incêndios na região de Cerrado contribuindo para
a escassez hídrica, a perda de biodiversidade, a emissão de gases de efeito
estufa, além do aumento nos casos de alergia e doenças respiratórias
(SEMA, 2016).

MOVIMENTO POR JUSTIÇA CLIMÁTICA


Como desdobramento da Justiça Ambiental, um novo conceito vem
ganhando espaço no âmbito das Mudanças do Clima quando se trata de
pensar sobre a desigualdade dos impactos climáticos e a vulnerabilidade
dos grupos sociais com menor poder econômico e político. O
movimento por Justiça Climática, como assim ficou denominado,
parte do princípio de que, embora os impactos das Mudanças do Clima
afetem a todos, “a intensidade desses impactos e a capacidade dos
indivíduos e dos grupos sociais em lidar com as consequências de tais
mudanças são diferenciadas” (MILANEZ e FONSECA, 2010, p.5).
As Mudanças do Clima representam a mais significativa questão
de Justiça Ambiental do século XXI. A busca de soluções para as
Mudanças do Clima é uma das áreas que desesperadamente necessita
de participação e contribuição cidadã das populações mais prováveis
de serem negativamente afetadas, as pessoas pobres dos países em
desenvolvimento do sul do Planeta e as pessoas negras e pobres dos países
do norte (ACSELRAD, 2010; ACSELRAD, MELLO e BEZERRA
2009; ACSELRAD, H; HERCULANO, S. e PÁDUA, J. A., 2004).
A Justiça Climática se relaciona a direitos humanos e à
sustentabilidade ecológica. No âmbito internacional, movimentos
sociais vêm utilizando o conceito e princípios da Justiça Climática para
denunciar os cenários das emissões e negociações apresentados que
indicam que os países periféricos, mesmo que eles tenham contribuído
menos para emissões de gases de efeito estufa, irão arcar com os maiores
impactos das Mudanças do Clima, tendo em vista o seu estado de

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vulnerabilidade, enquanto os países centrais tenderão a se adaptar mais
facilmente ao novo contexto climático (MILANEZ e FONSECA,
2010; ACSELRAD, H; HERCULANO, S. e PÁDUA, J. A., 2004).
Também nessa mesma abordagem, Sato (2013, p.41) concebe
Justiça Climática como “o direito ao acesso justo e equitativo aos
ambientes naturais, assim como a garantia de que nenhum grupo social
suporte uma parcela desproporcional da degradação ambiental”.
Assim, alguns fatores como a indisponibilidade de água, as secas
prolongadas, as enchentes e os desmoronamentos, são eventos que
provocam o emergir das “Injustiças Climáticas”, como é o caso das
populações que são obrigadas a migrarem gerando ondas de “refugiados
ambientais do clima”. Elas partem para outras regiões, deixando para
trás sua cultura e hábitos de vida, colaborando para o aumento dos
problemas sociais das grandes cidades (MARENGO, 2008).
O desafio é ainda maior em relação às cidades. Segundo Nobre et
al (2011), é nas cidades onde grande parcela da população irá sentir os
impactos das Mudanças do Clima.
Os impactos já podem ser verificados no número
maior de vítimas de enchentes causadas por chuvas
intensas e tempestades, bem como aumento do
número de mortes e doenças provocadas por ondas de
calor e períodos de seca. Muitos desses fenômenos vêm
ocorrendo (ou são acentuados) em decorrência direta
do próprio processo de urbanização e se acentuam
com os efeitos do Clima [...] Mesmo as regiões com
maior capacidade de adaptação econômica e social
como a Região Metropolitana de São Paulo, podem
ser fortemente impactadas pelas variações observadas
e as projeções futuras de extremos climáticos,
especialmente nas áreas mais pobres das cidades
(NOBRE et al., 2011, p. 16).

Embora os eventos extremos também afetem as camadas mais ricas da


população, estas possuem maiores condições materiais de infraestrutura
e renda capazes de promover alternativas de adaptação e de resistência
a seus impactos. Isso lhes possibilita vantagens em relação aos grupos
vulneráveis, ao enfrentar provável escassez de água, aumento de preços
dos recursos naturais e dos alimentos, bem como o maior acesso à
tecnologia e à assistência à saúde (MILANEZ e FONSECA, 2010).

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Conforme o estudo de Milanez e Fonseca (2010), eventos de Injustiça
Climática já estão ocorrendo no Brasil e, nos últimos anos, importantes
cidades passaram por experiências de eventos extremos, como a escassez
hídrica em São Paulo e Brasília, as enchentes e deslizamentos em São
Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde dezenas de
pessoas perderam suas vidas, em sua maioria, grupos vulneráveis que
habitavam áreas de risco e cujo padrão de consumo contribuía muito
pouco para o aumento da concentração de GEE na atmosfera.
Nesse mesmo estudo, os autores se propuseram a investigar nos
jornais locais, possíveis associações entre as consequências graves
do evento e a Injustiça Climática e constataram que o conceito de
Justiça Climática ainda não foi incorporado pela sociedade brasileira
(MILANEZ e FONSECA, 2010).
Com a mesma preocupação, Acselrad, Herculano e Pádua,
(2004) e Rammê (2012) consideram que externalidades ambientais
como: compactação dos solos, redução dos nutrientes, alteração do
microclima, extinção da biodiversidade animal e vegetal, abastecimento
de água, entre outros, têm atingido em particular os grupos mais
pobres da sociedade como os moradores das periferias urbanas, as
populações tradicionais extrativistas, os agricultores familiares, os
povos tradicionais, os indígenas e os quilombolas. Os autores mostram
que esses grupos sociais são mais suscetíveis de se tornarem vítimas de
processos de alterações do clima.
Contudo, apesar do movimento por Justiça Climática ainda ser
inicial no Brasil, Milanêz e Fonseca (2010, p. 2) citam que “incorporar
o debate sobre Justiça Climática às demandas sociais das comunidades
atingidas é fundamental para a construção de uma sociedade menos
desigual e adaptada às Mudanças do Clima”.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E JUSTIÇA CLIMÁTICA NO


CONTEXTO ESCOLAR
As discussões sobre as Mudanças do Clima não podem se restringir
apenas a negociações e acordos intergovernamentais, nem ficar somente
na produção e disseminação de conhecimento científico, precisam
também ser inseridas de forma crítica nas ações educativas que ajudem
as pessoas a se darem conta de que a Mudança do Clima está relacionada

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com elas (TAMAIO, 2013). De acordo com Jacobi (2014), todas
as possibilidades que se referem às Mudanças do Clima requerem a
participação efetiva e o reconhecimento de toda a sociedade.
Nesse cenário de injustiças e conflitos socioambientais,
vários autores (JACOBI, 2014; SORRENTINO, 2006; SATO e
CARVALHO, 2005) consideram o processo educativo e a participação
dos movimentos sociais como caminhos possíveis para mudanças no
atual modelo societário capitalista, e chamam atenção para que essa
ação educativa não seja concebida como uma ação prescritiva, com uma
visão conteudista de repasse de conhecimento voltado para mudança
comportamental e práticas individuais enfatizando a redução de GEE.
Dessa forma, o olhar da Educação Ambiental, quando se dirige
para a solução dos problemas das Mudanças do Clima, deve ir além
das abordagens técnico-científicas e mercadológicas e apontar outros
caminhos com enfoque crítico histórico, principalmente, na mudança
radical do modelo sócio cultural (TAMAIO, 2013).
Atualmente, o grande desafio para a mobilização da sociedade
diante do fenômeno das Mudanças do Clima está na não percepção das
conexões existentes entre nossas ações cotidianas e a emissão de gases de
efeito estufa (JACOBI et al, 2011; GAUDIANO e CARTEA, 2009).
De acordo com Tamaio (2013), essa tem sido uma das razões da não
incorporação dos graves problemas climáticos no cotidiano e do pouco
engajamento da sociedade de forma geral. Ao se tratar de conflito em
relação às Mudanças do Clima, existe uma tendência em perceber o
conflito como um problema abstrato, longe no tempo e deslocado no
espaço, ao mesmo tempo em que existe tanta confusão quanto aos
conceitos, dificultando ainda mais a compreensão por parte das pessoas
(TAMAIO, 2013; GAUDIANO e CARTEA, 2009).
Dessa forma, a escola passa a ser considerada como mais um
espaço importante e pode contribuir para a transformação rumo a
uma sociedade de baixa produção de carbono. Contudo, é essencial
que os processos educativos compreendam a abordagem científica das
Mudanças do Clima, mas essa por si só não contribui para transformação
dos modelos econômicos e culturais (TAMAIO, 2013). É necessária
uma abordagem complexa, que mantenha rigor científico, porém de
maneira clara, gerando conhecimento que não fique apenas no campo
da ciência e da tecnologia, e que não seja abordado evidenciando apenas

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as causas ecológicas e naturais e as consequências das Mudanças do
Clima (JACOBI, 2014).
Como alternativa pedagógica, o educador deve buscar uma
educação reflexiva que dialogue com os conhecimentos práticos
ancestrais, que problematize as ameaças socioambientais em suas
causas e efeitos. Uma educação que permita ao educando compreender
a relação que se estabelece entre a sociedade, as formas de dominação
do sistema produtor de mercadorias e o meio ambiente em suas
múltiplas dimensões. A relação entre o contexto escolar e extraescolar,
considerando atividades que promovam encontros e alianças
político-pedagógicas com grupos sociais da comunidade, tais como:
educadores, ambientalistas, movimentos sociais, organizações não-
governamentais (ONGs), agroecologistas, comunidades tradicionais,
comunidades quilombolas, povos indígenas, catadores de materiais
recicláveis, entre outros.
A EA, por meio das práticas educativas, pode contribuir para uma
reflexão profunda junto à sociedade e ao governo ao problematizar as
causas antrópicas da crise climática e ao priorizar a sua atuação com
os grupos sociais em condições vulneráveis. Problematizar e priorizar
ajudariam refletir e provocar questionamentos sobre o atual modelo
societário hegemônico produtor de carbono e a crise civilizatória e, assim,
promover a construção de alternativas viáveis por meio da participação
cidadã junto ao enfrentamento dos impactos (TAMAIO, 2013).

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO:


PLANALTINA E A ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE ÁGUAS EMENDADAS
Planaltina é uma cidade histórica vinculada ao início da
interiorização da Capital Federal. Vários registros deixados por viajantes
no período das primeiras sesmarias e bandeiras fazem referência à Vila
Mestre d’Armas, antigo nome de Planaltina, e as riquezas da região.
Hoje a cidade é citada no contexto do Distrito Federal por seu potencial
turístico, paisagens, suas construções antigas, teatro, os costumes e as
festas tradicionais (FONSECA, 2008).
A cidade fica situada a nordeste do Distrito Federal a
aproximadamente 45 quilômetros da área central da cidade de
Brasília.

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Figura 1- Mapa de localização do Distrito Federal
(destacado em vermelho a região de Planaltina)

Fonte: Roberta Fabline S. Barros, 2018.

De acordo com os dados da Pesquisa Distrital por Amostras em


Domicílio (PDAD), realizada pela Companhia de Planejamento do
Distrito Federal (CODEPLAN), em 2015, Planaltina abriga uma
população urbana estimada em 189.412 habitantes. Os dados ainda
revelam que, desse total de habitantes, 48% se encontram na faixa
etária de 25 a 59 anos. Crianças, de zero a 14 anos, somam-se 22%, e
os idosos representam a parcela de 11%.
Quanto ao nível de escolaridade, o PDAD aponta que um pouco mais
de 39% da população não concluiu o ensino fundamental. Entretanto,
ao comparar com os dados de 2013, percebe-se que houve um pequeno
aumento do percentual da população com escolaridade de nível superior,
ou seja, registrou-se um ganho na área social considerando ainda uma
queda da taxa de analfabetismo da população (CODEPLAN, 2015).
Dentre outras regiões do DF, Planaltina é considerada uma região
administrativa de renda baixa segundo dados da CODEPLAN (2015).
De acordo com Tamaio e Layrargues (2014), a cidade possui diversas
carências como áreas de lazer, saúde e educação de qualidade, habitação e
mobilidade. Ainda, segundo a CODEPLAN (2015), possui altos índices

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de violência urbana. Destaca-se, também, a precariedade do saneamento
básico principalmente no que diz respeito à gestão dos resíduos sólidos.
Ressalta-se o fato de que Planaltina é considerada uma cidade “dormitório”
onde parte da população se desloca diariamente para trabalhar no centro
de Brasília retornando às suas residências apenas ao final do dia.
É em Planaltina que está situada a Estação Ecológica de Águas
Emendadas representando uma importante Unidade de Conservação
(UC) do Brasil Central. É composta por dois polígonos cortados pela
rodovia DF-128. No polígono menor, com acesso pelo Condomínio
Mestre d’Armas, situado às margens da BR-020, é possível acessar o
Centro de Informação Ambiental da ESECAE. No polígono maior,
está localizada a sede administrativa da UC e também é onde ocorre
o fenômeno que dá nome a Unidade, onde dois córregos, Brejinho e
Vereda Grande, compartilham a mesma nascente e vertem águas em
direções opostas seguindo a inclinação do terreno para ambos os lados
(FONSECA, 2008).
Figura 2 – Mapa de localização da Estação Ecológica de Águas Emendadas

Fonte: Adaptado de Fonseca (2008).

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Águas Emendadas possui uma área de 10.547 hectares e é categorizada
como uma Estação Ecológica (ESEC) pelo Decreto nº 11.137/98,
possibilitando a realização de pesquisa científica e o desenvolvimento
de atividades de Educação Ambiental. Possui plano de manejo e sua
gestão é de responsabilidade do órgão do Distrito Federal, denominado
Instituto Brasília Ambiental (IBRAM).
No contexto atual, o crescente aumento da população na região
acentuou o aumento da pressão ambiental e os conflitos regionais. Dessa
forma, o processo de ocupação do entorno exerce uma forte pressão
sobre a ESECAE pela expansão urbana, pelas práticas de monocultura
de soja (com o uso de insumos e agrotóxicos), pelo parcelamento de
terras e especulação imobiliária, pelos vários assentamentos rurais, pelos
chacareiros, pelos conflitos relacionados à água e pela fragmentação da
área, pois os limites da UC estão cercados por rodovias onde não há
corredores ecológicos que permitam a transição da fauna local.
Diante das alterações climáticas, com eventos extremos mais
frequentes e intensos, é importante destacar o valor que essas áreas
protegidas têm para as cidades prestando diversos serviços ecossistêmicos,
tais como: proteção de cursos d’água, nascentes e produção de água
doce, controle de erosão e enxurradas, proteção de ecossistemas e
biodiversidade associada, controle da poluição hídrica, atmosférica e
sonora, regulação microclimática e mitigação do efeito das ilhas de calor,
que fazem com que as cidades sejam significativamente mais quentes do
que seus entornos (TRZYNA, 2017; PELLIN e GUIMARÃES, 2016).
A ESECAE, além de ser uma região de captação de parte da água
potável que abastece a população de Planaltina, desempenha um papel
importante no enfrentamento das consequências das Mudanças do
Clima para a região proporcionando absorção natural de dióxido de
carbono (CO2), conforto climático, produção de água para a agricultura
familiar e qualidade de vida para as comunidades do entorno.

CURSO DE FORMAÇÃO PERMANENTE DE EDUCADORES AMBIENTAIS NA


ESTAÇÃO ECOLÓGICA

O Curso de Educação Ambiental é uma formação que vem


acontecendo desde 2003 de forma continuada. Essa formação é
destinada prioritariamente aos educadores da rede pública de ensino

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do DF, de todas as modalidades e áreas do conhecimento de toda
comunidade escolar e comunidades do entorno da ESECAE. A carga
horária do curso compreende 180 (cento e oitenta) horas, das quais 90
(noventa) horas são feitas presencialmente com um encontro semanal
no Centro de Informação Ambiental da ESECAE, geralmente no dia
de coordenação coletiva do professor. As outras 90 (noventa) horas são
cumpridas indiretamente através de um projeto desenvolvido na escola.
São vários temas, dentre eles, Mudanças do Clima e Justiça Climática
com dois encontros de 4 horas cada.

Figura 3 – Grupo de educadores em atividade em grupo - 2016

Fonte: Arquivo da ESECAE. Foto: Roberta Fabline S. Barros, 2016.

A formação desses educadores é feita em conjunto com os


estudantes. Eles desenvolvem um projeto de pesquisa na escola
relacionado a alguma problemática ambiental na comunidade escolar
que tenham interesse de pesquisar, promovendo ações que buscam a
transformação do ambiente escolar e da comunidade. Entre os anos de
2004 e 2016, foram realizados 118 projetos com a temática ambiental,
e 236 educadores da rede pública do ensino do DF e representantes das
comunidades concluíram o Curso.
A metodologia do Curso está fundamentada em elementos da Pedagogia
Crítica Freiriana, na qual são criadas situações de ensino e aprendizagem

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conectadas aos problemas socioambientais da região, acompanhadas pela
ecologia humana que trabalha com o cuidado corporal, aprimoramento
de habilidades individuais e em grupo. A ação metodológica está centrada
também em processos de criação de coletivos de educadores e estudantes na
escola voltados para a problematização das questões socioambientais locais.
Oferece também ao educador novas aprendizagens que se confrontam com
os modelos já adquiridos ao longo de sua trajetória, ao mesmo tempo em
que abre possibilidades de questionamentos, tanto de sua identidade, o
papel social educativo, quanto da sua atuação em sala de aula.

Figura 5 – Trabalho corporal e de interação com alunos do entorno da ESECAE

Fonte: Arquivo da ESECAE. Foto: Evando Lopes, 2016.

O grupo de educadores se envolve em um ciclo de formação com


outros saberes acadêmicos e tradicionais, os quais abordam diversos
temas socioambientais da região. Dentre esses temas, as Mudanças do
Clima e a Justiça Climática são apresentadas e refletidas aos educadores de
forma abrangente. As abordagens relacionam de que maneira a Educação
Ambiental pode dialogar com as Mudanças do Clima e com a Justiça
Climática. Esse ciclo de oficinas, palestras e reflexões socioambientais
despertam no educador desejo e curiosidade de aprofundar seu
conhecimento para incorporá-lo às suas práticas pedagógicas.

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Os educadores, que participam do Curso, junto com seus estudantes,
mantêm contato direto com o bioma Cerrado. Não se trata apenas
de conhecer a Estação Ecológica, a valorização das áreas protegidas
de Cerrado, mas de desencadear uma relação de pertencimento da
comunidade local com a UC e sua importância para Planaltina.

Figura 6 – Grupo de Educadores observando a Unidade e a paisagem local

Fonte: Arquivo da ESECAE. Foto: Evando Lopes, 2016.

Ao final do Curso, o educador apresenta um portfólio com o


registro escrito e fotográfico de todas as etapas do projeto para fins de
registro da experiência, trocas de aprendizados e certificação, contando
a sua experiência social durante o desenvolvimento do projeto junto
a seus estudantes. A culminância do projeto é um congresso local
chamado Congresso de Educação Ambiental da ESECAE, que se
caracteriza como um espaço de intercâmbio e compartilhamento
de experiências onde os estudantes atuam como protagonistas,
organizando e apresentando de forma livre o trabalho feito por eles
na escola durante todo o Curso.

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Figura 7 – Estudantes apresentando os projetos desenvolvidos nas escolas

Fonte: Arquivo da ESECAE. Foto: Roberta Fabline S. Barros, 2016.

Figura 8 – Apresentação dos projetos de EA no Congresso

Fonte: Arquivo da ESECAE. Foto: Evando Lopes, 2016.

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PASSOS METODOLÓGICOS
No campo metodológico, esta pesquisa é classificada como analítico-
exploratória que busca desenvolver e esclarecer conceitos e ideias a partir
de um problema específico: neste caso, a relação entre Justiça Climática
e a ESECAE, uma temática pouco estudada e que abre possibilidade
para novos estudos futuros.
No ano de 2016, o Curso de formação em EA, ofertado
prioritariamente a professores da Secretaria de Estado de Educação
do DF e aberto a toda comunidade do entorno, foi acompanhado
diretamente por Irineu Tamaio e Roberta Fabline da Silva Barros. Esse
Curso foi realizado na Estação Ecológica de Águas Emendadas tendo
um encontro a cada semana, no período entre abril e novembro de 2016.
Nesse ano, o grupo foi composto por 16 professores, de diferentes áreas
do conhecimento e das modalidades de Ensino Fundamental I e II.
Nesse Curso, participaram, ainda, três representantes da comunidade
que trabalhavam com o público escolar e que, durante o ano de 2016,
desenvolveram projetos em escolas. Dessa forma, o grupo foi composto
por 19 pessoas que colaboraram para esta pesquisa acontecer.
A maioria dos educadores envolvidos nesse estudo pertence à região
do entorno da ESECAE.

COLETA DE DADOS

Os procedimentos adotados para a coleta de dados foram feitos em


duas etapas:
I) Coleta de dados secundários, por meio de levantamento
bibliográfico como livros, revistas, artigos e dissertações, a fim de
contextualizar as discussões já existentes sobre os temas: Justiça
Climática, Mudanças do Clima e Educação Ambiental. O conteúdo,
a metodologia e a produção do Curso de Educação Ambiental da
ESECAE foram objetos de estudo para esta pesquisa. Também foram
levantadas informações em livros, bancos de dados, reportagens em
jornais locais que caracterizassem a área do DF, a região de Planaltina
e a ESECAE.
II) Coleta de dados primários, realizada por intermédio da
aplicação de três questionários, com perguntas abertas, a fim de obter

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as compreensões ambientais da amostra dos educadores aqui estudada.
Os questionários foram aplicados entre os meses de abril e novembro de
2016, no início, meio e fim do Curso de formação.
O primeiro questionário foi aplicado no primeiro dia do Curso de
formação em Educação Ambiental. Esse questionário foi composto por
três perguntas abertas e teve a intenção de coletar, de forma mais ampla,
as compreensões de Mudanças do Clima e de Justiça Climática que o
educador trazia consigo ao ingressar no Curso, e ainda buscou saber a
possibilidade de o educador abordar os temas - Mudanças do Clima,
ESECAE e Justiça Climática - nas práticas pedagógicas.
O segundo questionário teve aplicação após as 40 horas presenciais
do Curso (metade do Curso) e teve a intenção de identificar se esse perí-
odo de curso possibilitou ao educador alguma compreensão sobre Justiça
Climática e a relação com a ESECAE e os grupos sociais do entorno.
O terceiro questionário, elaborado a partir de perguntas mais
específicas com a intenção de obter informações mais pontuais dos
educadores, foi aplicado no penúltimo dia do Curso e contou com 16
participantes. O objetivo foi identificar se os educadores desenvolveram
algum projeto pedagógico em suas escolas, durante o ano de 2016,
sobre a relação da ESECAE com a Justiça Climática e como foi feito.
Também procurou compreender de que forma as reflexões feitas no
Curso permitiram trabalhar a temática Mudanças do Clima e ESECAE
na escola, e qual foi a aprendizagem obtida para o educador.

ANÁLISE E DISCUSSÕES
Essa parte do estudo visa problematizar a reflexão de Justiça
Climática, Justiça Ambiental e Mudanças do Clima nos processos de
aprendizagem dos educadores que participaram do curso na ESECAE.
Para diferenciação dos sujeitos, que, nesse caso, são os educadores,
optou-se por identificá-los por sua área de conhecimento na escola,
apenas para não expor seus nomes nas narrativas. As interpretações
das compreensões dos educadores ocorreram a partir das narrativas
obtidas nos questionários, as quais, com o propósito de destacá-las,
estarão em negrito.
Foi possível categorizar as compreensões dos educadores em três
blocos: I) Compreensões de Justiça Climática e Justiça Ambiental pelos

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educadores; II) A Estação Ecológica e a sua relação com a Mudanças
do Clima e; III) Ações e reflexões sobre Justiça Climática nas práticas
pedagógicas.

AS COMPREENSÕES CONCEITUAIS E POSSÍVEIS SIGNIFICAÇÕES

Existem várias leituras e compreensões sociais do conceito de


Mudanças do Clima e muitas delas são conceitos científicos adquiridos
a partir de referenciais na mídia e meios de comunicação que muitas
vezes são de difícil compreensão. Nesse sentido, as pessoas não possuem
muitas informações sobre a complexidade desses temas, nem a
interdisciplinaridade que a temática envolve.
Gaudiano e Cartea (2009) apontam que o conceito científico de
Mudanças do Clima é muito difícil para a maioria da população, pois
não propõe e nem estabelece vínculo emotivo com as pessoas. Há uma
tendência em perceber esse conceito como um problema abstrato e
distante, longe no tempo e deslocado no espaço.
Aqui, neste estudo, essa observação pode ser notada também em
relação ao conceito de Justiça Climática, a partir da interpretação de
algumas compreensões dos educadores, obtidas nos questionários
aplicados, as quais se mostraram confusas e fazem referência a outros
conceitos como aquecimento global, efeito estufa e ao próprio conceito
de Mudanças do Clima, como se poderá notar nas narrativas seguintes,
ao expressarem o que compreendiam por Justiça Climática.
“Agora vivemos um momento de muitas queimadas
que refletem diretamente no aumento da
temperatura, sensação de estarmos em uma estufa.”
(Educador - Séries iniciais).

“Justiça Climática são mudanças ocorridas no


clima pela ação do homem.” (Educador - Ciências).

“Acredito que seja a ação humana interferindo na


natureza, nas mudanças do clima.” (Educador -
História).

Observa-se que, independente da área de atuação desses educadores,


os conceitos se confundem e essas respostas apenas reforçam que esses

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conceitos científicos são compreendidos e utilizados por muitos como
se fossem sinônimos. Entretanto, isso não significa que os educadores
não possuam nenhum conhecimento teórico sobre esses assuntos,
apenas demonstra a necessidade de mais aprofundamento do estudo dos
fenômenos Mudanças do Clima e Justiça Climática por meio de uma
abordagem complexa, gerando conhecimento que não fique apenas no
campo da ciência e da tecnologia.
Ao ser indagado sobre o significado de Justiça Climática, a maioria
dos educadores arriscaram suas opiniões e concepções sobre o assunto,
porém, dois relatos chamaram atenção ao assumirem que “não”
compreendiam do que se tratava. Esses educadores desconhecem o
significado.
Como afirmam Gaudiano e Cartea (2009), é esse desconhecimento,
juntamente com a sensação de algo que se mantém distante do dia a
dia das pessoas, que talvez seja o motivo do pouco envolvimento da
sociedade com a questão do Clima. Um dos requisitos essenciais para o
enfrentamento de um dos grandes desafios deste tempo é compreender
minimamente o fenômeno das Mudanças do Clima e, sobretudo, situar-
se e reconhecer as complexidades quando se trata das vulnerabilidades e
conflitos socioambientais (TAMAIO, 2013).
Melhor explanação dos significados e compreensões, pelos
educadores, sobre a Justiça Climática e a Justiça Ambiental e suas
relações são observadas nos próximos tópicos.

COMPREENSÕES DE JUSTIÇA CLIMÁTICA PELOS EDUCADORES

Os impactos associados ao clima são visíveis no Distrito Federal


e foram apresentados no relatório técnico pela Secretaria do Meio
Ambiente, em 2016, como o aumento de ondas de calor nos últimos
anos e extremos de chuva, com verões mais quentes e invernos mais
secos. Essa situação favorece maior propagação de incêndios na região
de Cerrado ajudando a provocar escassez hídrica, aumento dos casos
de alergia e doenças respiratórias além de alterações nos ecossistemas,
acentuando as injustiças climáticas.
Segundo o relatório SEMA (2016), os bairros periféricos do
Distrito Federal sofrerão de maneira mais intensa esses impactos, como
é o caso de Planaltina, uma cidade dormitório marcada pela segregação

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sócio-territorial, pela violência e pela desigualdade social, com uma
população altamente dependente dos recursos hídricos oriundos da
ESECAE para o abastecimento humano, e com regiões ocupadas de
maneira desordenada, tornando-as vulneráveis aos eventos extremos,
sobretudo à escassez hídrica.
Nesse cenário complexo, esse estudo buscou identificar no grupo de
educadores, que atuam nessa região periférica, como eles compreendiam
o conceito de Justiça Climática. Alguns dos depoimentos foram:
“Ações voltadas para conscientização e mobilização
em torno das questões ambientais mais
especificamente as mudanças climáticas” (Educador
- Pedagogia).

“Maneira de se preservar o nosso clima, coisas que


não está acontecendo- queimadas, desmatamento,
excesso de CO2 no ambiente.” (Educador-
Matemática).

“Justiça climática seria um modo de regular o


clima para que haja condições harmônicas entre
o ser humano e o meio ambiente.” (Educador -
Geografia).

Pode-se interpretar, nesses depoimentos, que os educadores mostram


uma concepção de Justiça Climática sem a presença do conflito e dos
grupos sociais em situação de vulnerabilidade. Nota-se que as leituras
de Justiça Climática, apresentadas nesses relatos, não expõem nem
destacam aquilo que Milanêz e Fonseca (2010) chamam de demandas
sociais das comunidades atingidas, aqui, nesse caso, a do entorno da
ESECAE, fundamental para a construção de uma sociedade menos
desigual e adaptada às Mudanças do Clima.
Outro depoimento relata que “o clima é cíclico e age de forma
independente e sem relação com justiça” (Educador - EA), o que
pode ser entendido como uma visão cientificista mostrando que não
existe interação entre o clima e outros fatores sociopolíticos, atuando de
forma isolada e independente. Também se observa, no relato seguinte,
outra forma de abordagem sobre como a natureza é vista de forma
vingativa e que dá a resposta às ações do homem, “É o retorno do clima
após as ações do homem. Reflexo!” (Educador - Português).

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Assim, é possível notar, nas compreensões desses educadores, que
eles não atribuem nenhuma relação entre a Justiça Climática e os eventos
extremos que ocorreram nos últimos anos em Planaltina, como, por
exemplo, a escassez hídrica no DF que tornou crítico o abastecimento
da região de Planaltina, com vários dias de racionamento por falta de
água, as queimadas constantes, as estiagens prolongadas e as chuvas
concentradas numa escala temporal mais curta que o normal.
Cabe aqui resgatar o que diz Marengo (2008), ao considerar que os
fatores como disponibilidade de água e secas prolongadas contribuem
para a origem das Injustiças Climáticas. Mesmo diante dessa situação,
os sujeitos pesquisados não mostraram nenhuma relação entre esses
fatos e a questão da Justiça Climática. Essas situações de Injustiça
Climática ainda não foram incorporadas pela sociedade brasileira,
como é abordado por Milanez e Fonseca (2010), o mesmo também
parece refletir na prática dos educadores que fizeram esse Curso de
Educação Ambiental e atuam em escolas públicas situadas em regiões
com situações de vulnerabilidade.
Os depoimentos mostraram que a maioria dos educadores, ao
ser indagada sobre o conceito de Justiça Climática, não considera ou
estabelece relação com os aspectos sociais e com os grupos em situação
de vulnerabilidade.
Apenas um dos educadores trouxe em sua resposta uma abordagem
social apresentada em seguida:
“A injustiça! Vivemos em uma sociedade muito
desigual e quando penso em termos ambientais
vejo que os prejuízos são marcantes e muitas vezes
desconsiderados pela sociedade, em função de
outros problemas sociais que também devem ser
melhorados” (Educador - História).

A compreensão desse educador problematiza as desigualdades


e a disputa das questões ambientais que se pautam nas injustiças
socioambientais. O não reconhecimento dos grupos em situação de
vulnerabilidade pelos educadores reforça a ideia de Herculano (2002)
de que existe a necessidade da participação dos cidadãos nas iniciativas
por Justiça Ambiental, o que vale também para os movimentos por
Justiça Climática, sobretudo dos grupos que são diretamente afetados
por injustiças socioambientais.

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Os depoimentos mostraram que as compreensões de Justiça
Climática pelos educadores se limitam às causas ambientais e não são
abordadas as pessoas e os grupos sociais em situação de vulnerabilidade.
Os conteúdos dos relatos permitem compreender que os educadores
possuem limitações em conhecer o conceito de Justiça Climática. Assim,
a pesquisa mostrou que os educadores entrevistados não relacionam esse
fenômeno ao modelo de produção capitalista predatório e responsável
pelas emissões de Gases de Efeito Estufa.

A ESTAÇÃO ECOLÓGICA SOB OS OLHARES DOS EDUCADORES

Um dos objetivos da pesquisa foi analisar se a Estação Ecológica


de Águas Emendadas é vista pelos educadores como um campo
importante para o debate das causas e consequências das Mudanças do
Clima, sobretudo, junto às populações em situação de vulnerabilidade
que habitam o seu entorno. Para atender a essa indagação, buscou-se
primeiro identificar qual o significado da Estação Ecológica de Águas
Emendadas para os educadores.
As narrativas obtidas nos questionários mostraram uma visão mais
técnica e conceitual sobre o que é uma Unidade de Conservação, como
descritos em seguida:
“Um lugar de preservação. Pouco divulgado.
Poderiam fazer mais para torna-lo mais conhecido
e reconhecido.” (Educador - História).

“Espaço ambiental com pessoas capacitadas que


atuam para conservar, ou melhor, preservar o lado
ecológico como plantas, árvores, animais e recursos
hídricos, que sirva também como visitação direta
com a natureza.” (Educador - Português).

“Uma reserva de grande importância na preservação


do nosso Cerrado”. (Educador - Ciências).

“Uma área de preservação pertencente a União...”


(Educador - Geografia).

Essas narrativas enfatizam características do meio natural mantendo-


se distante a atuação do ser humano, como se a natureza fosse intocável

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e sua relação de envolvimento ficasse distante. Essa visão de grande
parte dos educadores do Curso caracteriza um olhar dicotômico do
ser humano – natureza, contribuindo para o distanciamento e não
pertencimento da ESECAE junto à sua população do entorno.

A ESTAÇÃO ECOLÓGICA E A SUA RELAÇÃO COM AS MUDANÇAS DO CLIMA

Considerando a importância das áreas protegidas e o seu potencial


favorável no enfrentamento dos impactos das Mudanças do Clima, este
trabalho buscou compreender junto aos educadores se esses conseguiam
visualizar alguma relação entre a ESECAE e a questão da Mudança do
Clima/Justiça Climática. Caso a resposta fosse positiva, os educadores
poderiam dizer de que forma conseguiam visualizar essa relação.
De acordo com o conteúdo das narrativas obtidas, a maioria
concorda que existe uma relação entre a ESECAE e Mudanças do
Clima e, ao descrevê-la, suas compreensões fazem referências às causas
e aos efeitos do Clima, como podem ser observados nos depoimentos
seguintes:
“A emissão de CO2, as queimadas, a ocupação
desordenada do espaço, são agravantes para
manterem-se os direitos ambientais mínimos.”
(Educador - Biologia).

“Sim. Pode se observar quando acontecem as


queimadas, alterações do clima.” (Educador -
Pedagogia).

“Agora vivemos um momento de muitas queimadas


que refletem diretamente no aumento da
temperatura, sensação de estarmos em uma estufa.”
(Educador - Séries iniciais).

Essas falas apresentam características que relacionam os impactos


das Mudanças do Clima com as queimadas e liberação de CO2 na
atmosfera e com as pressões antrópicas sobre o ecossistema local. Essa
situação é bastante recorrente na Estação Ecológica por se tratar de uma
área de Cerrado que se encontra isolada, e que enfrenta forte pressão
do agronegócio e conflitos regionais devido ao crescente interesse
econômico imobiliário e ao aumento da população na região.

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Em outras narrativas, ao serem indagados sobre a relação entre a UC
e a Mudança do Clima, os educadores compreenderam e identificaram
a ESECAE como um fator positivo para a regulação da temperatura
contribuindo para o microclima da região, como mostram os relatos
seguintes:
“Sim, pois a estação proporciona um balanço no
microclima regional tornando o clima do entorno
mais úmido e fresco para as regiões vizinhas.”
(Educador - Geografia).

“Sim. Áreas de preservação contribuem


positivamente para estabilidade climática.”
(Educador - Ensino especial).

“Sim. É sensível perceber na cidade e quando


chega na ESECAE, a diferença de temperatura.”
(Educador - EA).

Essas compreensões possuem consonâncias com as abordagens de


Trzyna (2017) e Pellin e Guimarães (2016), os quais consideram as
Unidades de Conservação como agentes importantes com capacidade
de regulação microclimática e mitigação do efeito das ilhas de calor.
Essa regulação faz com que as cidades sejam significativamente mais
quentes do que seus entornos.
Na compreensão de Acselrad, Herculano e Pádua (2004), as
alterações microclimáticas de uma região são consideradas como
externalidades ambientais e atingem de forma mais direta os moradores
das periferias urbanas, populações tradicionais extrativistas, pequenos
agricultores familiares, grupos indígenas e quilombolas.
Isso leva à reflexão sobre o potencial que a ESECAE tem de
problematizar e discutir o seu papel crucial no enfrentamento das
consequências de eventos climáticos junto aos grupos sociais em situação
de vulnerabilidade aos eventos extremos que vivem no seu entorno.
Em oposição às abordagens apresentadas, ao ser questionado se
visualiza relação entre Estação Ecológica e as Mudanças do Clima,
outro tipo de compreensão é identificado, como mostra essa narrativa:
“Não. Poderia ter relação com o ciclo de carbono e da água por ser
uma UC.” (Educador - EA). Verifica-se que o educador não reconhece
a relação entre a Unidade de Conservação e as Mudanças do Clima,

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reconhecendo apenas as interações naturais do clima e do ciclo do
carbono, o que torna mais complexa ainda essa leitura, pois esses dois
elementos (água e ciclo do carbono, por ele citado) estão presentes na
ESECAE, portanto, Clima e ESECAE possui relação, contradizendo a
sua negação inicial.

UMA VISÃO QUE NÃO IDENTIFICA OS GRUPOS EM SITUAÇÃO DE


VULNERABILIDADE DO ENTORNO

De acordo com os depoimentos dos educadores aqui pesquisados


as compreensões de Mudanças do Clima se limitam a uma questão
ambiental relacionada apenas aos sistemas ecológicos. Em nenhum
momento, são apresentadas pelos educadores outras dimensões de
Mudanças do Clima como aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais. Essas compreensões permitem inferir que as abordagens
feitas por esses educadores ainda são fortemente marcadas por uma
visão cientificista do fenômeno.
Na concepção de vários autores (TAMAIO, 2013; JACOBI et
al, 2011; GAUDIANO e CARTEA, 2009) essa visão não contribui
para a transformação de novos modelos societários e reflexões. O
educador em sua prática social deve ir além dessas abordagens e não
restringir o debate apenas ao campo da ciência e da tecnologia. Por
se tratar de um assunto multidisciplinar, Lima e Layrargues (2014)
propõem uma abordagem mais abrangente, sobretudo considerando
os riscos climáticos, em especial para as populações em situação de
vulnerabilidade social.
Percebe-se nas respostas dos educadores uma dificuldade em
relacionar conceitualmente Mudanças do Clima, Justiça Ambiental
e Unidade de Conservação. Em suas narrativas, os educadores não
apontam os grupos sociais do
Esses resultados permitem compreender que os educadores
podem até ter dimensão básica do conceito de Mudanças do Clima,
mas a descrevem a partir de uma lógica racional, considerando apenas
as causas e consequências, enfatizando assim os aspectos técnico-
científicos, sem problematizar o modelo capitalista consumidor
atrelado à poderosa fonte energética dos combustíveis fósseis.

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COMO A ESCOLA PODE CONTRIBUIR PARA A VISÃO DOS EDUCADORES.

Nos três questionários aplicados, buscou-se identificar como o


educador pode contribuir, por meio das práticas pedagógicas, para
enfrentar as drásticas consequências das Mudanças do Clima na
região de Planaltina, sobretudo com os grupos sociais em situação de
vulnerabilidade.
No primeiro questionário, aplicado no início do curso, foi indagado
aos participantes se é possível, ao desenvolverem projetos de Educação
Ambiental na escola, abordar os temas: mudanças do clima- Estação
Ecológica – Justiça Climática? Se sim, como você faria isso? Emergiram
as seguintes falas:
“Sim. Por meio das saídas de campo e sensibilização
teórica...” (Educador - História).

“Sim. Buscaria criar condições para tornar o


assunto atrativo...” (Educador - História).

“Sim. Com aulas expositivas e visitas práticas...”


(Educador - Ciências).

“É possível com um espaço aberto de discussões,


debates, apresentação dos temas...” (Educador -
Alfabetização).

“Sim. É possível com a proposta de protagonismo


coletivo... dando suporte aos alunos para que
possam ter oportunidades de construírem
seus olhares sobre esses temas.” (Educador -
Alfabetização).

Alguns aspectos das compreensões desses educadores fazem


referência à transmissão de conteúdos e conceitos de cunho científico.
Observa-se, na última narrativa apresentada, uma leitura que pode
abranger o campo da Justiça Climática como uma proposta de
protagonismo coletivo para construção de novas práticas e abordagens.
Nesse sentido, Tamaio (2013) problematiza a necessidade da reflexão
e de novas aberturas e questionamentos sobre a atual crise civilizatória
para a construção de alternativas viáveis, por meio da participação
cidadã para enfrentamento dos impactos das Mudanças do Clima.

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No terceiro questionário, procurando identificar se houve alguma
mudança de compreensão após o curso de formação, foi indagado aos
educadores: Agora que o curso está encerrando, na sua concepção, como o
educador pode contribuir, a partir da escola, para enfrentar as drásticas
consequências das mudanças do clima em nossa região, sobretudo com os
grupos sociais mais vulneráveis? Emergiram as seguintes compreensões:
“A informação é a chave para a sensibilização dos
alunos.” (Educador - EA).

“O educador deve sair da sua zona de conforto,


sair do sistema classificatório e conteudista e
vislumbrar uma pedagogia mais interdisciplinar e
social, abraçar de fato os aspectos qualitativos como
uma resiliência social a pedagogia tradicional.”
(Educador - Geografia).

Essas ideias podem ser interpretadas como um processo de reco-


nhecimento e de construção de acordos e de parcerias que fortaleçam
a articulação dos diferentes atores sociais e de sua capacidade de exer-
cer ações educativas, desempenhar gestão territorial sustentável, for-
mar educadores ambientais, produzir e ampliar ações de educomuni-
cação socioambiental e outras estratégias que promovam a Educação
Ambiental Crítica (LIMA e LAYRARGUES, 2014; SATO, 2002;
GUIMARÃES, 2000).
Percebe-se que, ao comparar as narrativas dos educadores
apresentadas no início e no final do curso de formação, as compreensões
permaneceram sem destacar e citar os grupos em situação de
vulnerabilidade da região. Porém, nessas duas narrativas anteriores,
os educadores apresentaram uma visão que pode ser entendida como
uma abordagem mais crítica relacionada às suas práticas pedagógicas
e às dimensões sociais das Mudanças do Clima.
Também, nas respostas dos educadores, foi possível perceber
que a maioria desenvolveu trabalhos apontando a relação ESECAE
- Mudanças do Clima, mas, ao descrever suas práticas, observa-se que
se limitaram aos projetos de Educação Ambiental desenvolvidos du-
rante o curso de formação. Talvez esses questionamentos não tenham
ficado tão claros para os educadores. Porém, em suas narrativas, os
temas conservação da natureza, reciclagem, fauna e flora do Cerrado

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e queimadas, foram abordadas como atividades pedagógicas relacio-
nadas às Mudanças do Clima.

PARA ALÉM DA CONSCIENTIZAÇÃO: ABORDAGENS DE JUSTIÇA CLIMÁTICA

Nas narrativas dos educadores, quando questionados de que forma


a escola poderia contribuir para enfrentar os impactos das Mudanças
do Clima junto aos grupos sociais em situação de vulnerabilidade
que viviam no entorno, o termo “conscientização” surge em várias
expressões.
Foi possível identificar que, nesses depoimentos em que citam a
palavra “conscientização”, sem explicitarem o que significa isso, os
educadores se referem apenas aos estudantes como um ser isolado, não
incluindo os grupos em situação de vulnerabilidade do entorno e até
mesmo a sua própria atuação nesse processo. Essas leituras podem ser
observadas nas seguintes narrativas:
“O educador pode contribuir conscientizando
seus alunos sobre a importância da conservação
e preservação da natureza e suas consequências
climáticas no meio.” (Educador - História).

“É preciso fazer conscientização e é claro, traba-


lhos realísticos compatíveis a situação que vivem.
Exemplo: trabalhando com o lixo, reciclando, reutili-
zando, plantio de árvores, etc.” (Educador - EA).

Pode-se interpretar que as visões aqui relatadas atribuem à escola o


papel de ser também uma instituição social do “fazer a conscientização”,
sem uma reflexão sobre esse papel, mostrando um olhar conservacionista,
em contraposição ao que cita Guimarães (2000) que orienta a trabalhar
EA com a perspectiva de mudanças de valores e atitudes buscando uma
transformação social e uma nova ética cidadã.
Jacobi e Luzzi (2004) também orientam que os processos educativos
sejam responsáveis por gerar um “pensamento complexo e aberto
às indeterminações, às mudanças, à diversidade, à possibilidade de
construir e reconstruir em um processo de novas leituras e interpretações
do já pensado”, o que pode ser compreendido como o extrapolar essa
abordagem reducionista de conscientização ambiental.

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Outro educador do grupo pesquisado relata que “socializando o
conhecimento nas áreas de atuação em que temos acesso, no caso
a escola, promovendo espaços de discussões e conhecimento do
espaço em que moramos.” (Educador - Pedagogia). Nessa fala, pode-
se entender que as Mudanças do Clima e a Justiça Climática são um
processo interno à escola.
É possível observar que a escola que alguns educadores trazem
em suas narrativas é uma escola fechada, sem a participação das
comunidades e sem o diálogo com os grupos sociais em situação mais
vulneráveis do seu entorno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os impactos das Mudanças do Clima não são vinculados apenas
aos sistemas naturais, envolvem também aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais o que o torna um assunto mais complexo ainda.
E, ao tratar do enfrentamento dos eventos extremos, é fundamental
considerar a questão da Justiça Climática e suas implicações.
Um grande desafio da sociedade é a compreensão dos principais
significados que o tema Mudanças do Clima utiliza e das novas
abordagens que envolvem o campo social, nesse caso a Justiça Climática.
Dessa forma, os processos educativos podem ampliar a compreensão
dos fenômenos das Mudanças do Clima e da Justiça Climática com
ações pedagógicas comprometidas com os direitos sociais dos grupos
em situação mais vulneráveis.
O Curso de Formação em Educação Ambiental da ESECAE possui
uma abordagem que problematiza as Mudanças do Clima e a Justiça
Climática, permitindo que o educador tenha o primeiro contato com o
tema, despertando-o para o interesse em aprofundar os aspectos teóricos
e metodológicos em sala de aula, contribuindo para desenvolver o
senso de pertencimento em relação à Unidade de Conservação e a sua
importância para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa.
Os resultados desse estudo mostraram que os educadores do ensino
fundamental de escolas públicas do entorno da ESECAE possuem
dificuldades para compreender e identificar os grupos socialmente em
situação de vulnerabilidade da região. As narrativas ainda permitiram
conceber que os educadores apresentam limitações para compreender

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o conceito de Justiça Climática. Esse fato é justificável uma vez que o
tema é complexo e ainda é pouco divulgado e debatido nas escolas e
nas mídias.
Ao debaterem a Justiça Climática, a escola tem a oportunidade de
aprendizagens sociais e de contribuir para extrapolar as concepções
que se restringem apenas a causas e consequências a partir de fatores
biológicos e científicos das Mudanças do Clima. As ações pedagógicas
que problematizam o modelo social e o sistema produtor de mercadorias
e consumo como razões fundamentais das emissões de GEE vêm
acontecendo como um processo lento no cotidiano das escolas.
A pesquisa mostrou também que os educadores detêm conceitos
básicos de Mudanças do Clima, mas são abordados de maneira
exclusivamente cientificista. Eles compreendem os problemas
socioambientais regionais, mas têm dificuldade para relacionar a
Unidade de Conservação com as Mudanças do Clima e com a Justiça
Climática. São tratadas pela maioria como conceitos isolados.
Para os educadores é mais fácil trabalhar pedagogicamente com os
temas água, queimadas, biodiversidade e reciclagem. E compreendem
que isso é Mudança do Clima, já que esses temas estão presentes de
forma empírica, pode-se ver e tocar. Entretanto, a Mudança do Clima
é algo abstrato para as pessoas.
O estudo também demonstrou que existe uma dificuldade
metodológica para trabalhar os temas - Mudanças do Clima e Justiça
Climática - em sala de aula e, quando os desenvolvem, é a partir de um
olhar científico, abordando apenas as relações de causas e consequências
das Mudanças do Clima, sem problematizar o sistema capitalista
hegemônico de produção e consumo pautado na emissão de GEE.
Isso mostra a necessidade de mais processos formativos em
Educação Ambiental com abordagens multidisciplinares, que
trabalhem, problematizem e ajudem nas reflexões junto às sociedades
sobre a complexidade que a Mudança do Clima envolve. Nesse sentido,
a Educação Ambiental é vista como um agente importante que pode
contribuir para pensar estratégias que facilitem as compreensões
dos educadores e dos diferentes grupos sociais, facilitando assim o
engajamento social.
Essa pesquisa evidencia a importância do investimento em processos
formativos com os educadores das escolas do entorno da Estação

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Ecológica, na medida em que contribui para fortalecer o diálogo sobre
as Mudanças do Clima e Justiça Climática entre a ESECAE e os grupos
e, situação de vulnerabilidade que margeiam essa área protegida. Este
trabalho pode ajudar a estimular novos desdobramentos que aprofundem
os métodos, o engajamento político e as práticas pedagógicas com o
tema da Justiça Climática junto aos grupos sociais em situação de mais
vulnerabilidade da região de Planaltina.

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globais: reflexões sobre alternativas de futuro. Brasília: UNESCO,
IBECC, 2008.

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Contribuições para a reflexão e debate sobre
Mudanças Climáticas e Justiça Ambiental:
Os saberes de estudantes da EJA em um
assentamento rural do Sudeste mato-grossense
Contributions to the reflection and debate about climate
changes and environmental justice: the knowledge of the
students of youth and adult education (EJA) in a rural
settlement in the southeast of Mato Grosso
Contribuciones para la reflexión y el debate
sobre los cambios climáticos y la justicia ambiental:
los saberes de estudiantes de la EJA en un asentamiento
rural del sudeste del Mato Grosso

Lindalva Maria Novaes Garske1


Lucimara Afonso Castilho2
Crisnaiara Cândido3

INTRODUÇÃO
Dentre os impactos ambientais causados pelas atividades humanas,
as alterações do clima, sem sombra de dúvida, estão no topo das mais
alarmantes, pois, apontam para uma questão complexa, que é o fato
de que nosso modo de vida ou nosso modo de produção precisa ser
repensado e reestruturado. Nas últimas décadas, por meio de acordos
internacionais, quase todos os países e repúblicas do planeta assumiram
compromissos para diminuir as emissões de gases causadores do efeito

1 CUR/PPGEdu, Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). E-mail: lindalvanovaes@


gmail.com.
2 CUR/PPGEdu, Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). E-mail: luaffonso3@
gmail.com.
3 CUR/PPGEdu, Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). E-mail: biocric@msn.com.

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estufa, relacionados à indústria, transporte e desmatamento, com
a intenção de contribuir para a diminuição ou o não aumento da
temperatura do planeta.
Contudo, ainda falta muito para que essa situação seja mitigada e,
com isso, emergem preocupações com as populações economicamente
desfavorecidas, em função de que essas são mais vulneráveis às
mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. No bojo
dos grupos considerados vulneráveis está o homem do campo, que
pode sofrer visivelmente as consequências da degradação e impactos
ambientais negativos, em virtude de que seu modo de subsistência está
diretamente relacionado ao meio ambiente – e ao contrário dos grandes
produtores ou latifundiários, os pequenos agricultores, para além de
outros intervenientes, não possuem recursos ou facilidade de acesso a
créditos para a recuperação dos prejuízos.
Dessa forma, sobre o contexto em que se deu a pesquisa, é
preciso considerar as idiossincrasias do homem do campo, já que os
participantes são estudantes adultos, do período noturno, da Educação
de Jovens e Adultos, de uma escola do campo constituída no seio dos
movimentos sociais de luta pela reforma agrária. Esses estudantes são
também moradores do assentamento Carlos Marighella e representam
os pequenos produtores rurais que tiram seu sustento da terra com o
plantio principal de mandioca e produção de leite.
Essas comunidades constituem relações e saberes diversos em
função do constante e profundo contato com o meio ambiente rural,
que se encontra bem menos alterado pelo ser humano do que os
ambientes urbanos, pois, ainda conserva parte da vegetação nativa, não
tem pavimentação asfáltica e sistemas de saneamento, por exemplo. Isto
posto, queremos enfatizar que esse coletivo de estudantes e pequenos
agricultores fazem parte dos grupos vulneráveis, em função de sua
interdependência direta da terra, do clima e da água para o plantio
e para a sua sobrevivência, além da falta de condições materiais para
buscar alternativas diante de situações adversas.
Vinculada a essas considerações sobre as mudanças climáticas
e grupos vulneráveis, Layrargues (2009) ressalta a necessidade de
mudanças profundas nos modelos de produção no campo e na
indústria, como também nas posturas ambientais de cada ser humano
e da sociedade como um todo. Nesse caminho, a educação ambiental

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insere-se como um dos pilares que podem fornecer sustentação para a
construção deste novo paradigma. Conforme o autor,
fazer educação ambiental com compromisso social
significa reestruturar a compreensão de educação
ambiental para estabelecer a conexão entre justiça
ambiental, desigualdade e transformação social. Justiça
e desigualdade ambiental despontam como conceitos
centrais para a educação ambiental com compromisso
social, são os elementos que permitem ver com clareza
a conexão entre as questões sociais e ambientais. E
no campo da educação ambiental, trabalhar com
processos pedagógicos vinculados à expansão da
fronteira desenvolvimentista com os grupos sociais
em condições de risco e vulnerabilidade ambiental
permite a abordagem contextualizadora, complexa e
crítica (LAYRARGUES, 2009, p. 27).

A questão da pesquisa se deu relativamente a quais saberes


estudantes da EJA de uma escola do campo possuem sobre as mudanças
climáticas e vulnerabilidade ambiental. E nesse sentido, o objetivo foi
analisar os discursos de estudantes da EJA de uma escola do campo
na perspectiva de compreender seus saberes a respeito das mudanças
climáticas e, por meio da comunicação dialógica, promover a reflexão
e o debate sobre suas causas e consequências, como também discutir a
questão da vulnerabilidade ambiental, com o propósito de reconstrução
de entendimentos.
Para a realização da pesquisa empírica foi utilizada a Metodologia
da Investigação Comunicativa, numa abordagem qualitativa, com o
intuito de promover relações horizontalizadas e dialógicas com to-
dos os participantes e, desse modo, estimular a reflexão e o deba-
te sobre os temas propostos. Os pressupostos teóricos dessa meto-
dologia se fundamentam na teoria do agir comunicativo de Jürgen
Habermas e na teoria da dialogicidade de Paulo Freire. Utilizamos
como instrumentos de investigação observações in loco, análise do
Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, entrevistas e o Grupo de
Discussão Comunicativo. Conforme o método, as entrevistas visam
captar as concepções pré-teóricas a respeito do tema investigado e os
grupos de discussão comunicativos objetivam alcançar reconstruções,
entendimentos comuns ou consensos por meio do debate.

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Este texto está dividido em três partes. A primeira discute a
intersecção da educação ambiental com a educação do campo e sua
relação com os princípios ecológicos estabelecidos pelos movimentos
sociais rurais. A segunda parte faz um recorte das principais pesquisas no
âmbito das mudanças climáticas e vulnerabilidade ambiental. E a última
parte dedica-se a analisar as concepções dos estudantes e pequenos
agricultores acerca das questões ambientais relacionadas ao clima.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, ESCOLA E MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS


A discussão acerca das questões ambientais, na perspectiva dos
diferentes contextos rurais, mostra-se cada vez mais necessária e
pertinente, uma vez que muitos dos problemas ambientais, a nível
global, refletem diretamente na vida de populações que vivem no/do
campo, ou advém de práticas agropecuárias predatórias e da exploração
abusiva e inadequada dos recursos naturais para enriquecimento de
uma pequena parcela da população, composta pelos maiores detentores
do poder e do capital econômico mundial.
Segundo os resultados de uma análise realizada por pesquisadores
de todo contexto brasileiro, vinculados ao Projeto MapBiomas4 e
publicada em maio deste ano, o Brasil perdeu cerca de 190.000
quilômetros quadrados de área verde entre 2000 a 2016. Essa realidade
traz à tona um dos problemas ambientais mais preocupantes e que tem
colocado o país entre os principais emissores de gases de efeito estufa do
mundo, o desmatamento.
Cumpre salientar que as atividades de monocultura intrinsecamente
ligadas à agricultura capitalista estão entre as principais causas de
desmatamento no Brasil. A agricultura camponesa, em contrapartida,
rompe com essa lógica de produtivismo e exploração do trabalho
e caracteriza-se pela policultura de subsistência a partir de práticas
agroecológicas e sustentáveis.

4 O Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas) é uma


iniciativa do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório
do Clima (SEEG/OC) composta por universidades, ONGs e empresas de tecnologia que,
por meio de softwares altamente desenvolvidos, busca contribuir para o entendimento das
transformações do território brasileiro a partir do mapeamento anual da cobertura e do uso
de solos no Brasil.

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Movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra têm se dedicado, sobretudo nos últimos anos, ao estudo e
ao debate da agroecologia como caminho possível para um desenvol-
vimento sustentável do campo. Altieri (2004) aponta a agroecologia
como “uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos,
ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito
das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um
todo” (p. 23).
Nesse novo paradigma, como sustenta Caporal (2009, p. 9), os
princípios e bases epistemológicas assentam-se na certeza de que
[...] é possível reorientar o curso alterado dos processos
de uso e manejo dos recursos naturais, de forma a
ampliar a inclusão social, reduzir os danos ambientais
e fortalecer a segurança alimentar e nutricional, com
a oferta de alimentos sadios para todos os brasileiros.

A agroecologia é (assim) um novo modo de se pensar e de se fazer


agricultura que integra o conhecimento tradicional dos agricultores
camponeses e o conhecimento científico, de modo a possibilitar a
superação dos problemas de produtividade, o respeito ao meio am-
biente e a participação ativa das comunidades, por meio da agricul-
tura familiar.
Essa perspectiva de uma agricultura mais sustentável e mais
humana em detrimento à agricultura capitalista e seus impactos na
biodiversidade, solo e clima do planeta, constitui-se hoje como uma
das principais bandeiras de luta da reforma agrária idealizada pelo
MST, sendo as questões ambientais, elementos centrais do debate nos
diferentes espaços educativos dos assentamentos.
Cabe destacar aqui, o importante papel das escolas do campo que,
ao investir no debate da educação ambiental, contribuem de forma
significativa, tanto para o entendimento dessa dinâmica da natureza,
em relação à produção agrícola, como para construção de uma
consciência ambiental crítica nos estudantes e trabalhadores do campo.
Para Loureiro (2002, p. 69), a Educação Ambiental,
[...] é uma práxis educativa e social que tem por fina-
lidade a construção de valores, conceitos, habilidades
e atitudes que possibilitem o entendimento da reali-

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dade de vida e a atuação lúcida e responsável de ato-
res sociais individuais e coletivos no ambiente. Nesse
sentido, contribui para a tentativa de implementação
de um padrão civilizacional e societário distinto do
vigente, pautado numa nova ética da relação socieda-
de-natureza.

Em se tratando do meio rural, podemos dizer que a educação


ambiental, além de um caráter sistêmico e multidimensional, tem
também sua própria especificidade, considerando que o campo possui
uma realidade diversa e heterogênea. Para Zakrzevski (2007, p. 201), a
educação ambiental nas escolas do campo
[...] deve estar vinculada às causas, aos desafios, aos
sonhos e à cultura dos povos que vivem no campo.
Em outras palavras, que veicule um saber significativo,
crítico, contextualizado, do qual se extraem
indicadores para a ação, reforçando um projeto
político-pedagógico vinculado a uma cultura política
libertária, baseada em valores como a solidariedade,
igualdade, diversidade.

Isso significa dizer que as escolas do campo precisam de uma


educação ambiental crítica, mas ao mesmo tempo própria e diferenciada,
adequada as suas reais necessidades e interesses, que contemple objetivos
coletivos e que considere os diferentes contextos sociais, culturais e
ambientais dos povos que ali vivem e trabalham.
Importa aqui destacar que no contexto da pesquisa, os trabalhos
desenvolvidos na área de Educação Ambiental na Escola Franklin
Cassiano e no Assentamento Carlos Marighella buscam trazer para
discussão os problemas ambientais mais relevantes do local, a fim de
que sejam pensadas, em processos coletivos, ações para preservação e
mitigação das situações que põem em risco o equilíbrio dos ecossistemas
e degradam o meio ambiente.
Um dos trabalhos desenvolvidos pela escola, que merece destaque,
é o projeto realizado em parceria com a Comissão Pastoral da Terra de
Mato Grosso (CPT-MT), intitulado Educação do Campo e Produção
na Agroecologia, anexo ao PPP da escola. Nele são desenvolvidos
diversos trabalhos que buscam entre outros objetivos a valorização da
cultura local, o crescimento produtivo nas atividades agroecológicas

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na comunidade e o fortalecimento econômico e social das famílias
envolvidas (MATO GROSSO, 2017). O projeto integra ainda ações
que visam a recuperação de nascentes e áreas degradadas, conservação
da mata ciliar e das reservas legais.
Além dessa parceria com a CPT, a escola também desenvolve outras
ações em conjunto com a Universidade Federal do Mato Grosso e a
SEMA, que por meio de palestras e minicursos objetivam integrar o
conhecimento teórico e prático nas atividades camponesas, respeitando
os recursos naturais e o meio ambiente como um todo.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS: CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E TRATADOS


A percepção de que a dinâmica do clima do nosso planeta foi e
está sendo alterada em função de ações antrópicas está em evidência
desde a década de 1970, quando cientistas revelaram resultados de
pesquisas meteorológicas que relacionam os gases de efeito estufa e o
aquecimento global.
Após a segunda Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente
realizada pela Organização das Nações Unidas em 1982, foi instituído
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),
em parceria com a Organização Mundial de Meteorologia (OMM)
em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC)5, que é o principal órgão internacional para a avaliação das
mudanças climáticas.
O IPCC analisa e avalia as informações técnicas e socioeconômicas
e produz relatórios de acordo com três grupos de trabalho relacionados
aos aspectos científicos, vulnerabilidades dos sistemas humanos
e potencial para mitigar as alterações climáticas. Muitas são as
contribuições dos relatórios do IPCC, que conta com a contribuição
de cientistas de mais de 130 países. A Organização Mundial de
Meteorologia continua responsável pelas pesquisas técnicas sobre o
clima e suas alterações.
Por meio de tais pesquisas e avaliações foi possível calcular que a
temperatura do nosso planeta já ficou mais quente. De acordo com

5 A sigla IPCC corresponde ao termo em inglês Intergovernmental Panel on


Climate Change.

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relatório The Global Climate in 2011-2015, publicado em 2016 pela
Organização Meteorológica Mundial, o órgão afirma que – fazendo
comparações com o início das medições com termômetros que se deu
em 1880 – as temperaturas dos últimos cinco anos foram 0,57 ºC mais
altas do que a média entre 1961 e 1990 (WORLD METEOROLOGIA
ORGANIZATION, 2016).
Outra abordagem investigativa sobre as mudanças climáticas ocorre
com os testemunhos de dióxido de carbono (CO2) armazenado nas
geleiras polares. De acordo com o Instituto de Mudanças do Clima da
Universidade do Maine, EUA:
[...] a comparação entre as reconstruções de
temperatura pelos testemunhos de gelo revelam que
o período glacial (mais frio) coincide com baixa
concentração de CO2, enquanto o interglacial (mais
quente) está relacionado com alta concentração de
CO2 (MORAES, 2014, p. 5).

As causas das mudanças climáticas estão relacionadas com o cha-


mado aquecimento global, causado pelo “efeito estufa” em que, devi-
do ao excesso de gás carbônico e gás metano acumulados na atmosfera
terrestre, impede que ondas da radiação solar que incidem sobre o
planeta sejam refletidas, em sua maioria, como acontece em locais
onde não há acúmulo desses gases. As atividades humanas mais pro-
dutoras de gases do efeito estufa (GEE) são a queima de combustíveis
fósseis, as queimadas de florestas e a pecuária para produção de car-
ne e leite. Segundo o relatório do IPCC, há 90% de certeza de que
as alterações climáticas vêm sendo causadas por atividades humanas.
(IPCC, 2014).
A partir desses dados, cientistas criaram modelos que simulam o
aumento progressivo da temperatura, caso não paremos de aumentar a
temperatura planetária. As previsões são de cataclismos ambientais como
o derretimento de geleiras, aumento do nível do mar e modificações
nos padrões do clima em todas as partes do globo terrestre.
As previsões são tão sérias que durante a terceira Conferência
Mundial sobre o Meio Ambiente, realizada em 1992 no Brasil, Rio
de Janeiro, foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças do Clima, cuja sigla UNFCCC refere-se ao termo em inglês
United Nations Framework Convention on Climate Change. De todas

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as ações promovidas pela Convenção-Quadro, em 1997, uma que se
destaca é a criação do Protocolo de Quioto, cujas metas passaram a
entrar em vigor em 2005. Este primeiro acordo internacional, que foi
ratificado por 37 países e a União Europeia, estabeleceu metas para
que os países industrializados reduzissem as emissões de gases de efeito
estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990.
Já o Acordo de Paris, mais recente tratado internacional sobre o
clima, promovido pela Conferência das Partes (COP21) da UNFCCC,
foi assinado por 195 países industrializados e em desenvolvimento, dos
quais os EUA é uma exceção. O objetivo é fortalecer a resposta global à
ameaça da mudança do clima e de reforçar a capacidade dos países para
lidar com os impactos decorrentes dessas mudanças, no contexto do
desenvolvimento sustentável. O compromisso é limitar o aumento da
temperatura em 1,5 ºC (BRASIL, 2017).
Há quem defenda que o aquecimento global faça parte do ciclo
natural do planeta, mas o fato é que desde meados do século XIX, início
da Revolução Industrial, o ser humano tem alterado a composição
química da atmosfera. Desse período para cá, a população mundial saltou
de um bilhão para sete bilhões de seres humanos (JACQUARD, 1998),
que fez extrapolar a demanda por recursos naturais. Vale lembrar que
a maioria dos processos industriais utilizam como fontes de energia, o
carvão, o gás natural e o petróleo, cujas combustões resultam em imensos
depósitos de CO2 na atmosfera. Pari passu com a industrialização e com
o desenvolvimento, a urbanização e outras atividades econômicas, como
a pecuária, por exemplo, promovem o desmatamento, diminuindo
as áreas verdes que são imprescindíveis na captação e ciclagem do gás
carbônico. Nessa conta ainda tem os outros gases causadores de efeito
estufa e outras situações que são crimes ambientais, como queimadas,
decomposição de lixo a céu aberto, entre outros.
Considerando esse cenário, o efeito estufa e o aquecimento global
vão muito além de nossa percepção térmica, pois, além da atmosfera
também afetam as correntes de ar quente que circulam sobre os oceanos,
alteram as correntes marítimas, modificam o padrão anteriormente
existente nos ciclos das chuvas, nas alternâncias das estações, nos
microclimas regionais, na manutenção de corpos d’água superficiais
e subterrâneos, na persistência de vegetações nativas e cultivadas, na
sobrevivência dos animais.

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Vinculado a esta concepção, já existem registros, inclusive no Brasil,
de que as mudanças climáticas não só alteram a temperatura, mas
também alteram a oferta de água em biomas que estiveram estáveis por
milhões de anos, causando desequilíbrio ambiental, como períodos de
secas prolongadas, desertificações e o desaparecimento de ecossistemas
inteiros. Esses impactos ambientais profundos, somados com falta de
conhecimentos sobre prevenção, adaptação ou mitigação das mudanças
climáticas aumentam a vulnerabilidade das comunidades carentes,
conjuntura que faz crescer também as injustiças sociais.
Nesse sentido, entendemos por populações vulneráveis as
comunidades economicamente desfavorecidas, que devido à falta de
recursos e carência de políticas públicas eficientes na área da saúde,
educação, meio ambiente, trabalho e renda, são mais desprotegidas
e desprovidas do direito ao exercício da cidadania e do bem-estar
social em situações comuns, como também em situações de impactos
ou catástrofes ambientais, como as mudanças climáticas. Entre eles
estão os pequenos agricultores que sofrem com a seca ou excesso de
chuvas em períodos antes improváveis, pois, perdem a lavoura e ficam
desassistidos.
A justiça climática inclui-se no escopo das lutas por superação das
desigualdades sociais, seu conceito “surge como um desdobramento do
paradigma da justiça ambiental e da percepção de que os impactos das
mudanças climáticas atingem de forma e intensidade diferentes grupos
sociais distintos” (MILANEZ; FONSECA, 2011, p. 3).

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE SABERES SOBRE MUDANÇAS


CLIMÁTICAS E VULNERABILIDADE AMBIENTAL
É com entendimento do que discutimos nas partes anteriores que
observamos e analisamos as informações obtidas com os participantes
da pesquisa. Vale lembrar que, por se tratar de meio ambiente rural,
no local não há sistemas de saneamento básico, como tratamento de
água, esgoto e resíduos sólidos domésticos. Por outro lado, também não
existem muitas formas de poluição atmosférica, como aquelas emitidas
por veículos e chaminés de indústrias, mais comuns nos meios urbanos.
Todavia, mesmo com essas características, é necessário ressaltar que
o ambiente desse assentamento apresenta problemas de degradação

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ambiental relacionados ao desmatamento, queimadas, uso irregular das
minas d’água, mas sua população manteve a reserva legal e a mata ciliar.
Considerando esse contexto, as análises foram subdivididas em três
categorias que correspondem às principais questões levantadas junto aos
participantes, nesta sequência: Saberes dos estudantes sobre mudanças
climáticas, suas causas e consequências; Percepções dos estudantes6 sobre
sua situação de vulnerabilidade em relação às mudanças climáticas;
Reconstruções dos saberes a partir das reflexões e debates.
Ressalta-se que a primeira e a segunda categoria de análise evidenciam
os saberes apresentados pelos estudantes durante as entrevistas, isto é,
saberes do mundo da vida7. E o terceiro tópico realizado com questões
semelhantes apresenta as reconstruções desses saberes a partir dos
debates promovidos no Grupo de Discussão Comunicativo.

Saberes sobre Mudanças Climáticas, suas causas e consequências


O aquecimento do planeta é uma realidade e se nada for feito
poderá trazer sérias consequências para a biodiversidade e ao próprio ser
humano. Nesse sentido, quanto mais simplificado ou inadequado for
o entendimento acerca da concepção de mudanças climáticas, de suas
causas e efeitos, maior será a dificuldade de avaliação dos problemas
apresentados e da busca de resolução para tais problemas. Os saberes
que os estudantes, participantes desta pesquisa, apresentaram sobre os
termos específicos (efeito estufa e aquecimento global) revelam certa
dificuldade na compreensão do ponto de vista conceitual, até porque
quando questionados, poucos afirmaram que já tinham ouvido falar
sobre este assunto e a formulação de algumas definições se deu de forma
bastante simplificada.
Como causas das mudanças climáticas a maioria apontou, com
firmeza em suas respostas, fatores provocados pelo próprio ser humano,

6 Cabe ressaltar que com o intuito de resguardar a privacidade e evitar a


identificação, em conjunto com os participantes que concederam as entrevistas e
também participaram do Grupo de Discussão Comunicativo, foram escolhidos
nomes fictícios para registrar suas falas.
7 O mundo da vida compreende as intersubjetividades de sujeitos que se encontram inseridos
em situações concretas de vida, constituindo-se o pano de fundo sobre o qual ocorrem as
ações (HABERMAS, 2012).

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como o desmatamento, as queimadas e a emissão de gases dos veículos e
usinas. Reconhecem que as consequências das mudanças climáticas não
são positivas e as relacionam com o aumento do calor e da seca, com a
diminuição do período de frio, com a redução do volume de água das
minas e dos rios e com as perdas que eles vêm sofrendo na produção
nos últimos anos.
Selecionamos alguns trechos das entrevistas que evidenciam os
saberes dos estudantes relacionados às mudanças climáticas, causas e
consequências, como pode ser visto a seguir.
A participante Maria informa que já ouviu falar sobre efeito
estufa e aquecimento global, mas não foi na escola. Não sabe explicar
tecnicamente, embora tenha conhecimento de que as causas estejam
relacionadas às queimadas.
É, cada ano que passa vai ficando mais quente a
temperatura, né? A pessoa vai desmatando, vai
acabando, né, aí cada ano que passa vai sendo
mais judiado ainda. Vai demorar muito ainda para
conscientizar o mundo inteiro, o Brasil inteiro para o
reflorestamento, né? O pessoal vai e destrói mata, essas
coisas (Maria, julho/2017).

Outros entrevistados, como Regina, esclarecem que nunca ouvi-


ram falar sobre os termos efeito estufa e aquecimento global, mas já
ouviram falar que o clima está mudando e sentem as mudanças climá-
ticas no seu cotidiano.
Lá no Ceará era muito seco, demais, sofrimento sem água,
sem nada. Nós viemos de lá para cá, porque disseram que
aqui no Mato Grosso era muito bom. E o mesmo clima
que eu estou achando aqui, é o mesmo clima de lá, tudo
é uma coisa só. (Risos). [...] Eu digo: aqui está igual no
Ceará [...]. Todo mundo doido para trabalhar e não acha
para trabalhar, povo todo saindo daqui, o sofrimento
aqui também está feio (Regina, julho/2017).

Ah, menina, eu estou achando o clima é muito é


quente. Quente demais! Quente, quente, quente! E a
gente está vendo as minas aí tudo secando [...] Hoje
eu andei para uma banda ali, eu me admirei, cheguei
e vi: a lagoa secou, fulano. Um sofrimento (Regina,
julho/2017).

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A entrevistada estabelece uma relação direta entre as mudanças
climáticas e a seca, dando a ideia de que o elemento provocador do
fenômeno da seca são as mudanças climáticas. É preciso entender
que embora a seca possa ser caracterizada como uma resposta às
mudanças climáticas, não ocorre somente por isso, que há outros
fatores determinantes como desmatamento e erosão que afetam
negativamente a capacidade da terra para capturar e reter a água,
provocar secas.
A participante Clarice relata que já ouviu falar sobre efeito estufa
e aquecimento global. Porém, quando questionada relacionou com
as estufas para plantas e não com o processo físico na atmosfera.
Já com relação às causas e consequências das mudanças climáticas,
a estudante demonstrou mais coerência nas respostas. Afirmou que
esse assunto já foi discutido na escola.

Para mim o efeito estufa é aquele que a gente faz para


conservar as plantas, não é? Você planta lá naquele...
vidro (Clarice, julho/2017).

A vegetação mudou. Diminuiu até a água do rio. [...]


Não teve mais enchente, lá tinha antigamente. Agora
o rio está baixo. Não chega no nível alto que chegava
antes (Clarice, julho/2017).

A participante Edna também declara que já ouviu falar sobre os


termos, mas não foi na escola. Não consegue explicá-los, mas reconhece
que o clima tem mudado, pois percebe as alterações nos ciclos de chuva.

Já ouvi falar de aquecimento global e efeito estufa, mas


aqui na escola mesmo, não. Já ouvi falar na televisão.
[...] teve uns 2 a 3 anos, foi muita seca, né? Mas esse
ano foi bom de chuva (Edna, julho/2017).

Outro participante, o Jorge, relaciona o aquecimento global ao


desmatamento e também reconhece que perdeu a lavoura por causa de
seca, consequência das mudanças climáticas.
Assim, aquecimento global, no meu ponto de vista,
é, por exemplo, desmatamento, que a pessoa desmata
e chega a destampar muito as coisas, né? Aí, no

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meu ponto de vista, seria isso. [...] as pessoas vão
desmatando demais [...] eu falo isso: ‘mas isso aí [...] os
culpados somos nós mesmos, que estamos acabando
com tudo’ (Jorge, julho/2017).

Já, eu já perdi. Assim, uma vez eu perdi um plantio


de milho, que eu era de costume de plantar e, naquela
época, ia colher e eu plantei, naquele ano eu plantei
o ano retrasado, eu plantei e não choveu o suficiente
para eu colher (Jorge, julho/2017).

Esses posicionamentos levam à compreensão de que embora as


mudanças climáticas se constituam como uma discussão de grande
repercussão na imprensa nacional e internacional, que de certo modo
tem favorecido uma crescente conscientização por parte de cada
cidadão de que os problemas ambientais são de grande importância
e exigem respostas a uma série de desafios, essa conscientização
não tem sido o suficiente para provocar mudanças substanciais de
comportamento, frente às questões defrontadas.

Percepções dos estudantes sobre sua situação de vulnerabilidade


em relação às Mudanças Climáticas

Nesta pesquisa, em se tratando da questão da vulnerabilidade em


relação às consequências das mudanças climáticas, os participantes
foram questionados de forma direta, como mostra a questão:
Quem está mais vulnerável para as consequências das mudanças
climáticas?
As respostas para tal questão demonstram que os assentados,
a maioria orientados por uma consciência de classe, respondem
claramente que são os pequenos produtores, em função de que os
grandes fazendeiros ou latifundiários têm condições de conseguir
contornar a situação utilizando seus recursos ou seus créditos.
O trecho da fala da participante Maria demonstra este fato:

Nós. O pequeno produtor sofre bem mais, porque


ele não tem condições de furar um poço, um poço
artesiano, né? Porque para furar um poço, tem

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que ter dinheiro, muito dinheiro. E o grande, o
fazendeiro, vai lá e contrata uma empresa, né, e fura
o poço. Lá, que não pode, né? O poço até passa
do lençol lá para baixo. Consegue, né? Aí quem vai
sofrer mais é nós, é o pequeno. O pequeno e aquela
pessoa que mora na cidade também, né? (Maria,
julho/2017).

Todo mundo vai sofrer, porque tudo depende da


água e a água, se nós não cuidarmos dela aqui, lá na
cidade vai sofrer mais ainda. Porque lá na cidade,
se nós não cuidarmos aqui, não vai ter lá. Aí nós
temos que zelar e cuidar aqui, igual produção: se
você tiver uma produção... se você parar de produzir
aqui e o pessoal da cidade, como é que vai ficar?
Tudo depende do produtor (Maria, julho/2017).

Sobre a situação de vulnerabilidade ambiental, autores inferem


que tanto no campo quanto na cidade, as populações de baixa
renda estão mais expostas aos riscos de possíveis eventos climáticos
extremos, como é o caso de enchentes ou secas prolongadas, que já
vem acontecendo no Brasil, de modo que,
É consenso, hoje, que populações de baixo índice
de desenvolvimento humano, que já convivem com
uma situação socioeconômica desfavorável, são as
mais expostas a impactos de eventos climáticos
extremos, apesar de a vulnerabilidade ambiental
não ser exclusivamente devida à pobreza (MALUF;
ROSA, 2011, p. 6).

O conceito de vulnerabilidade social de uma população tem sido


utilizado para a caracterização de grupos sociais que são mais afetados
por problemas de natureza ambiental, inclusive aqueles ligados ao
clima. O estudo da vulnerabilidade social e ambiental das populações
sujeitas aos efeitos dos impactos climáticos na sua integridade física e
bem-estar é de fundamental importância para a orientação de ações
preventivas.

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Reconstruções dos saberes a partir das reflexões e debates promovidos
no Grupo de Discussão Comunicativo
O Grupo de Discussão Comunicativo (GDC), utilizou uma das
técnicas usuais da Metodologia da Investigação Comunicativa, após
as entrevistas, de forma que em um primeiro momento os estudantes
assistiram ao documentário “Mudanças do Clima, Mudanças de Vidas”
da Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace. Para iniciar
o debate lançamos para o grupo o seguinte questionamento: Quem já
tinha ouvido falar em efeito estufa, aquecimento global ou mudanças
climáticas, antes de assistir a este documentário?
Dos vinte participantes do GDC, apenas uma estudante respondeu
que sim, mas não se lembrou de onde tinha ouvido falar sobre
aquecimento global e efeito estufa, mostrou-se tímida e optou por
não formular explicações sobre o que sabe a respeito. Sua resposta foi
sucinta:
Eu já ouvi falar. Mas, não lembro aonde (Joelma,
julho/2017).

Conclui-se aqui que este assunto, embora não seja muito recente
e esteja em evidência em vários meios de comunicação, nem todas as
comunidades brasileiras estão centralizando atenção e diálogo sobre ele.
Os estudantes têm noções a respeito das mudanças climáticas, mas não
sabem explicar com termos técnicos.
Seguimos o debate com outra questão, se eles já haviam percebido
alguma mudança no clima, dos últimos anos para cá. Com relação às
mudanças no clima, a maioria comentou e expôs suas opiniões, como
mostram os trechos em destaque:
Muita (Eder, julho/2017).

Bastante (Antônio, julho/2017).

Cada ano que passa fica mais quente, né (Isabel,


julho/2017).

Muito calor, vixe Maria! Está sapecando, não tem


nem o que falar, não. Aqui é coisa de doido, a noite é

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mais frio um pouco, mas de dia sapeca mais do que na
cidade! (Lucas, julho/2017).

No início da década de 2000, junho, julho fazia


era dias de frio aqui e hoje não faz mais nada (Ivan,
julho/2017).

Era uma, duas semanas de frio. Hoje, esse ano não teve
um dia (Elena, julho/2017).

O pessoal de hoje acha que isso é frio, se fosse naquela


época... (Jorge, julho/2017).

Nós fazia até fogueira dentro de casa para esquentar.


Era muito frio (Cleuza, julho/2017).

É... naquela época o clima não tinha isso aqui,


entendeu? O clima era menos, você não tinha esse
sufoco igual está agora. E hoje se você for trabalhar
na roça, num dia inteiro você estafa, porque não
aguenta. Não aguenta de jeito nenhum. E naquela
época aguentava trabalhar o dia inteiro, o Sol era mais
brando, né? (Damião, julho/2017).

A maioria dos participantes do GDC foi categórica em afirmar


que perceberam que, comparando com o final dos anos 1990 para cá
quando chegaram ao assentamento, ou seja, nos últimos vinte anos
aproximadamente, houve mudanças no clima. Segundo as perspectivas
dos participantes da pesquisa, no inverno não faz mais tanto frio, no
verão o calor é muito mais intenso, o período de chuvas mudou e
diminuiu a quantidade de precipitação, que deixou o clima mais seco.
Dando continuidade ao assunto, perguntamos se eles já haviam
identificado alguma consequência neste meio ambiente rural relacionada
às mudanças climáticas. Muitos dos participantes manifestaram que sim,
expressaram-se afirmativamente acenando a cabeça, houve momento
de intensa participação no grupo, sendo que vários declararam que já
perderam plantação por causa da seca, da alteração do início do período
de chuvas. Para representar tais afirmações, selecionamos alguns trechos
dos discursos dos participantes:
Porque eu, eu senti isso, para trás chovia, dava fartura,
dava tudo. Hoje em dia para poder dar uma fartura

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você tem que pôr veneno para poder se sair um pouco.
Hoje não é igual naquela época (Damião, julho/2017).

Sim. A gente fez um trabalho ano passado e perdeu a


lavoura inteirinha de milho, 180 hectares de milho e
não colheu nenhum grão. Por causa de falta de chuva,
né (Lucas, julho/2017).

Tem muitas minas aqui no assentamento que estão


secando (Ivan, julho/2017).

Já perdi plantação por causa de seca também (Jorge,


julho/2017).

Nós aqui do Pontal do Areia, não vou nem muito


longe, eu na minha casa, eu não tenho falta, graças
a Deus ainda não, mas aqui nessa região aqui tem
muitas pessoas aqui que está passando necessidade de
água (Jorge, julho/2017).

No assentamento, as consequências das mudanças climáticas


percebidas e pontuadas pelos participantes foram relacionadas à falta de
chuva, seca, perda de lavouras, baixa dos rios locais, areia e vermelho,
diminuição das águas das minas jorrantes.
Outro ponto debatido foi com relação às causas das mudanças
climáticas, em que solicitamos ao grupo que eles expusessem seus
saberes sobre o porquê de o clima estar ficando mais quente. Dentre
todos os comentários destacamos alguns trechos:
Desmatamento, aquecimento global, usinas e mais
umas coisinhas aí (Carlos, julho/2017).

Queimadas, né (Cleuza, julho/2017).

[...] Desmataram muito, essa vertente também puxa


muito as coisas, né? Vamos dizer, matou muito e
também dá nisso aí (Lucas, julho/2017).

[...] É porque a gente está aqui em um assentamento


igual a esse aqui de 166 família, foi desmatando,
chegou aqui cada um foi desmatar, porque daí precisa
desmatar, porque para poder fazer pasto, para criar
gado, essas coisas (Jorge, julho/2017).

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Diante do exposto, observa-se o processo reconstrutivo dos
entendimentos, uma vez que a maioria dos estudantes estabelece
relação entre atividades humanas causadoras de degradações ambientais
(como desmatamento, queimadas e usinas) com o aquecimento global
e mudanças climáticas.
Contudo, identificamos no discurso de um estudante de mais idade
a influência dos ensinamentos bíblicos apocalípticos em suas noções
sobre as causas do aquecimento global, conforme o trecho abaixo:
Mas, eu suponho assim ó: eu conheço um pouco do
tempo que eu fui criança, eu tenho 76 anos, aqui eu
acho que não tem nenhum da minha idade, né? Então
eu ouvia falar demais que no fim da Era ia ser muito
quente e muito pasto e pouco rastro. E no fim da Era
ia ser muito quente, ia esquentando, esquentando até
pegar fogo. Isso aí eu ouvi falar quando eu era menino
pequeno já ouvia falar disso. [...] Quem diz isso são
os mais antigos, aquelas pessoas de idade. Velho falava
isso aí ó, estudavam muito a Bíblia, estudavam muito,
aquelas pessoas contavam isso aí (Damião, julho/2017).

É importante refletirmos sobre a profunda influência das religiões


na formação dos cidadãos, que ocorre não só no Brasil mas no mundo.
Sabe-se que a escolarização para todos no Brasil só chegou a ser difundida
a partir da década de 1990, com a democratização do ensino construída
a partir da Constituição Federal de 1988 e depois com a nova Lei de
Diretrizes e Bases de 1996. Assim, muitas pessoas que nasceram antes
das décadas de 1950, 1960, sobretudo da zona rural, não tiveram acesso
nem à alfabetização. Nesse sentido, o acesso às igrejas por meio das
participações em missas, cultos e pregações propiciou para essas pessoas
uma leitura de mundo, ainda que unilateral voltada para interpretações
da bíblia.
Quando esses cidadãos retornam para a escola, geralmente por
meio dos supletivos ou EJA, passam a ter acesso à visão da ciência
sobre os fenômenos que nos rodeiam. No entanto, é muito comum
tais estudantes expressarem suas representações de mundo ou de meio
ambiente, a partir de sua compreensão religiosa.
Com relação à vulnerabilidade ambiental a que as camadas sociais
com menor poder aquisitivo estão sujeitas, os estudantes/pequenos

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agricultores demonstraram que possuem plena consciência de sua
situação, conforme o trecho destacado,
[...] nós precisamos é de uma força do governo, que nós
não temos. Ninguém dá força para o pequeno produtor,
porque quando é um grande, um grande produtor, se
ele perder o banco chega nele lá e ele vai penhorar
alguma coisa, ele vai empurrar com a barriga, fica dois,
três anos devendo para o banco e não vai atingir nada.
Eu? Se eu chegar a fazer um financiamento igual eu
faço para plantar, porque eu planto dez alqueires de
mandioca, eu tenho 10 alqueires de terra. Nas minhas
terras eu tenho dez alqueires de mandioca plantado e
eu não tenho nem como fazer um financiamento, se
eu chegar a perder, eu vou para a lona, eu vou para a
lona (Jorge, julho/2017).

Argumentos como esses nos possibilitam ter uma noção do grau


de consciência dos assentados sobre sua vulnerabilidade e a falta de
políticas públicas para valorização dos pequenos agricultores, que seria
um ponto de partida para a instauração de justiça socioambiental no
campo.
Em conformidade com os discursos dos estudantes, os maiores
problemas ambientais presentes neste assentamento estão relacionados
às minas d’água ou nascentes, à questão do desmatamento e à utilização
de veneno nas plantações.
Nesse contexto, os moradores do assentamento têm acesso à
educação ambiental por intermédio da escola e dos parceiros como a
CPT/MT e desenvolvem projetos e ações para a proteção e conservação
das nascentes, como exposto nas falas abaixo.
Cercando as minas, plantando árvore onde for tirar
(Lucas, julho/2017).

No início desse ano o grupo da Comissão Pastoral da


Terra veio, aí reuniu um grupo de pessoas e iniciamos
a recuperação de nascentes (Ivan, julho/2017).

São muito significativos os trabalhos já desencadeados no assen-


tamento, relacionados à recuperação das nascentes. Contudo, o as-
sentamento carece ainda de trabalhos voltados para o reflorestamento

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das áreas degradadas, diminuição da realização de queimadas e ma-
nejo adequado do lixo rural, por exemplo. Por meio de manifestações
dos participantes da pesquisa, foi possível obter uma ideia da riqueza
dos saberes destes homens e mulheres do campo sobre meio ambien-
te, mudanças climáticas e vulnerabilidade ambiental dentro de uma
perspectiva de resiliência e adaptação. A partir das reflexões e debates
promovidos nos Grupos de Discussão Comunicativos, os saberes de-
monstrados pelos estudantes sinalizam para uma compreensão mais
ampla a respeito das causas, efeitos e vulnerabilidade ambiental das
mudanças climáticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos as considerações finais deste texto nos valendo das


falas de dois participantes da pesquisa que ilustram bem a atmosfera
da construção de consciência sobre as mudanças climáticas, a
compreensão de suas causas e a importância da coletividade nos
debates e tomada de decisões para a adaptação e mitigação das
consequências.
Porque a natureza cobra depois, ela cobra da gente,
né? (Maria, julho/2017).

Estou para dizer para você que sozinho nós não


conseguimos chegar em lugar nenhum [...] (Jorge,
julho/2017).

Sim, a natureza cobra. Não há nada que façamos no meio ambiente


que esteja imune a terceira lei de Newton ou à lei do universo, que
é a da ação e reação. Viver gera impactos ambientais e tais impactos
retornam para nós, provocam mudanças em nossos modos de vida.
Sabendo disso, é inteligente concretizarmos formas de minimizar
esses impactos ambientais, de torná-los suportáveis para o planeta e
para os seres que nele vivem. E o primeiro passo, nesse sentido, é a
construção de uma educação ambiental com respeito às comunidades
locais, fundamentada na ética e na coletividade.
A pesquisa, com o cunho de promover a reflexão e o debate sobre
mudanças climáticas, buscou trilhar o caminho de contribuir para

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fortalecer os saberes do homem do campo e propiciar reconstruções
de entendimentos. Compreendemos que a empreitada teve sucesso,
pois, tanto na colaboração durante as entrevistas quanto nos Grupos
de Discussão Comunicativos, os participantes demonstraram
envolvimento e disponibilidade tanto para a reflexão, quanto para o
debate a respeito da temática proposta.
Assim, de forma geral, podemos afirmar que, embora os estudantes
não tenham conseguido explicar com termos técnico-científicos os
fenômenos de efeito estufa e aquecimento global, eles apontam com
clareza que as causas das mudanças climáticas estão relacionadas às
queimadas, desmatamento, emissão de gases por automóveis e usinas.
Eles percebem que as alterações no clima já estão acontecendo
e são evidenciadas por meio do aumento sensível das temperaturas,
da diminuição da pluviosidade, do aumento do período de seca, da
redução do nível de água dos rios e das minas, fenômenos observados
por eles no próprio assentamento.
Externam que possuem bastante ciência de que, como pequenos
produtores rurais, são mais vulneráveis aos efeitos nocivos das
mudanças climáticas do que os grandes agropecuaristas, devido
à carência de recursos e políticas públicas para auxiliá-los na
implementação de planos que respondam às mudanças do clima.
A partir dos discursos foi possível perceber que os participantes
valorizam bastante o papel da educação ambiental que a escola tem
buscado promover, por meio de palestras e ações junto a ONGs e
outras associações, no sentido da conscientização e construção de
conhecimentos sobre meio ambiente e sustentabilidade. Reconhecem
que ainda precisam melhorar com relação ao uso de veneno,
queimadas, manejo dos resíduos sólidos rurais.
Assim, destacamos que após a promoção da reflexão, diálogo
e debates, os participantes da pesquisa evidenciaram saberes mais
amplos sobre os temas propostos, em comparação com as respostas das
entrevistas. Demonstraram, sobretudo, que estão abertos a aprender
mais sobre sustentabilidade no meio rural e sobre como minimizar
as causas e os efeitos das mudanças climáticas e vulnerabilidade
ambiental.

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Justiça Climática e MST: Aproximações de uma
educação ambiental campesina no
Assentamento Egídio Brunetto
Climate Justice and MST: Approaches to peasant
environmental education in the Egídio Brunetto Settlement
Justicia climática y MST: enfoques para la educación
ambiental campesina en el asentamiento Egídio Brunetto

Dionisio Garcia de Souza1


Ronaldo E. Feitoza Senra2
Heitor Queiroz de Medeiros3

PENSANDO SOBRE UM ASSENTAMENTO DO MST


O presente trabalho tem como lócus de pesquisa o Assentamento
Egídio Brunetto/MST, localizado entre os municípios de Juscimeira
e Jaciara no Estado de Mato Grosso-Brasil. Este assentamento foi
proveniente do acampamento denominado Mutum, que estava
localizado no município de Dom Aquino-MT, organizado pelo
Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem-Terra (MST) no qual
assentou 72 famílias.
Este artigo é parte dos resultados da pesquisa de mestrado sob título
(provisório) “O que nos ensinam os/as camponeses/as sobre Justiça
Climática: Um estudo de caso do Assentamento Egídio Brunetto/MST”.
A pesquisa faz parte do Projeto de Pesquisa: “Educação Ambiental
Campesina e Justiça Climática em territórios mato-grossenses”4, que

1 Bolsista CAPES-PPGEn/IFMT. E-mail: dionisiogarciadesouza@gmail.com


2 Bolsista PNPD/CAPES-PPGE/UCDB, Docente PPGEn/IFMT. E-mail: bolinhasenra@
yahoo.com.br
3 Docente - PPGE/UCDB. E-mail: heitor.medeiros@ucdb.br
4 Projeto aprovado com recursos do Edital nº36/2017 PROPES/IFMT e no qual faz parte
a pesquisa de pós-doutoramento do Orientador e conta com o apoio do PNPD/CAPES-
PPGE/UCDB.

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por sua vez integra a Rede de Pesquisadores em Educação Ambiental e
Justiça Climática (REAJA).
Iremos trazer os resultados prévios de um prognóstico realizado no
assentamento, sabendo que o objetivo geral da pesquisa é descrever sobre
a percepção de como o MST está abordando a temática das mudanças
climáticas. Além disto, compreender quais são as formas de resistência
que os/as camponeses/as nos ensinam sobre este fenômeno, podendo
assim fortalecer uma Educação Ambiental Campesina.
A metodologia adotada foi o estudo de caso e utilizamos como
procedimentos metodológicos um prognóstico da realidade do
assentamento, entrevistas semiestruturadas, idas a campo e a observação
participativa. Este método faz com que o pesquisador desfaça a linha
tênue que o afasta do seu objetivo principal, que é o contato direto com
a comunidade a ser pesquisada, esta aproximação conduz o pesquisador
a uma visão diferenciada da pesquisa como um todo, pois, se cria uma
relação entre as partes (GIL, 2002; BRANDÃO, 1984).
Uma comunidade tem seus costumes, valores e tradições e,
portanto, são fontes culturais que dão origem a saberes, construindo
seus caminhos dentro da sociedade, esses saberes devem ser respeitados
pelo pesquisador. Neste contexto, a pesquisa nos conduz à construção
de um conhecimento totalmente novo, articulado da junção do
conhecimento científico e popular, tendo como objetivo transformar
aquela comunidade pesquisada (BRANDÃO; BORGES 2007).
As entrevistas semiestruturadas foram elaboradas e direcionadas a
um grupo de assentados, todos da coordenação do assentamento e que
estão envolvidos na luta pela terra e são lideranças do movimento. As
entrevistas foram guiadas por uma série de perguntas: Sobre as suas
trajetórias dentro do MST: O por quê de terem entrado no movimento?
Qual foi o caminho tomado para que houvesse a construção do
acampamento até o momento do assentamento? Quais são as
dificuldades enfrentadas ainda hoje? As perguntas estão articuladas
com as pesquisas que demonstram que a posse da terra não significa
o término da luta (CALDART, 2000; COELHO, BORELLI, 1991).
Estas são questões que nos impulsionam a conhecer a estrutura
que envolve o assentamento, sendo importante conhecermos a
comunidade. O aspecto que se procura em uma comunidade ou grupo

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de indivíduos com a pesquisa é sem dúvida a interação para que se possa
ter um prospecto das dificuldades enfrentadas, e a partir daí identificar
as necessidades e problemas enfrentados (STEDILE; FERNANDES,
2005).
Questionou-se também sobre as mudanças climáticas e como isso
afeta os assentados, principalmente no que tange à produção agrícola
do assentamento, e quais métodos de resistência e enfrentamento que
existe dentro do MST e no assentamento.
O MST é um movimento que visa assentar homens e mulheres
na terra através da reforma agrária popular e por meio da luta pela
terra, o movimento busca realizar o sonho de uma sociedade igualitária,
com ideais de justiça social e política, buscando a solução de problemas
relacionados a uma sociedade que não respeita os direitos de qualquer
que sejam as classes nela alocadas (STEDILE; FERNANDES, 2005).
Dessa forma, o MST participa de várias lutas sociais que buscam
soluções para a desigualdade social, racial, etimológica, de gênero e da
exploração das classes trabalhadoras pelas ditas “superiores”, bem como
apoia e participa de organizações, que através de eventos e mobilização
das classes trabalhadoras tentam consolidar a ideia da sociedade mais
justa (CALDART; PALUDO; DOLL, 2006; COELHO; BORELLI,
1991).
Pautados nestes princípios, o assentamento Egídio Brunetto
busca, em seu curto período de existência (03 anos), consolidar (além
dos ideais propostos) a agricultura familiar sustentável, através da
produção orgânica e livre de agrotóxicos, porém acaba por se deparar
com outros fatores socioambientais, consequências das degradações
do território quando era o latifúndio5, como a grande incidência
de insetos, solo deteriorado (devido aos longos anos de exploração
pecuária), problemas deixados pela exploração inadequada do ambiente
(nascentes deterioradas, desmatamentos além do limite exigido por lei)
entre outros.
Dentre os fatores citados ainda tem-se: os problemas de alta ou
baixa incidência de chuvas, ou secas prolongadas – ou seja, problemas

5 Uma das consequências para um latifúndio se tornar área/território para a reforma agrária é
ser um local improdutivo, não cumprindo com a função social da terra, ou mesmo possuir
graves passivos/degradações socioambientais, como multa etc.

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advindos dos fatores climáticos são comuns em nossa região que tem
na pequena produção a maior fonte de produção de alimentos, e estas
variações climáticas estão cada vez mais perceptíveis pelos camponeses.
Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária: “a
atividade agrícola é fortemente marcada por uma especificidade que
a diferencia da produção da indústria e do setor de serviços: a forte
dependência dos recursos naturais (como terra, clima e solo) e dos
processos Biológicos” (EMBRAPA, 2018, p. 97). Podemos concordar
com as inúmeras dependências de diversos fatores bióticos e abióticos
na produção agrícola. Todavia, discordamos da visão utilitarista da
empresa que percebe o ambiente, a natureza e os territórios rurais
apenas como “recurso natural” para ser usado pelo ser humano, isto
é, reproduz-se o antropocentrismo tão combatido nas vertentes do
movimento socioambientalista.

DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS À JUSTIÇA CLIMÁTICA


Historicamente, as mudanças climáticas de ordem natural
ocorreram no planeta várias vezes, aquecendo e resfriando o sistema
em várias ocasiões, causando mudanças severas nos hábitos e forçando
os habitantes a se adaptarem ao novo tipo de clima. Por causa deste
fenômeno houve vários agravantes, entre eles a extinção de várias
espécies de animais e plantas e incidência de várias eras glaciais
(HARARI, 2016).
Entretanto, é inegável que muitos cientistas concordam que estamos
vivendo uma nova era geológica, que é agravada pela interferência do
ser humano no sistema planetário que é o Antropoceno. Michel Lowy
(2017) define que este termo é o “mais utilizado para designar essa
nova época, caracterizada por profundas mudanças no sistema-terra,
resultante da atividade humana”.
Mudanças climáticas seriam (então) as alterações sentidas nos
vários climas que compõem o sistema climático global e advêm de
diversos fatores naturais e humanos, havendo uma interligação entre
o aquecimento global, as mudanças climáticas e o efeito estufa.
Embora sejam fenômenos incipientes um ao outro, têm origem e
conceitos diferentes, porém causam problemas em ordem global (e
local), sendo o fator antrópico considerado por muitos como a causa

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maior da aceleração destes fenômenos ocorridos no sistema (SILVA;
PAULA, 2009).
Estudos sobre as mudanças climáticas estão sendo realizados ao
redor do mundo e deixam cada vez mais evidente que os problemas
sociais têm também relação estreita com a degradação ambiental, o que
a vertente do socioambientalismo já preconizava desde os anos 1980,
ou mesmo a reivindicação da ecologia política.
De acordo com Tilio Neto (2010), os estudos direcionados às
mudanças climáticas não naturais ganharam força, devido ao fato de
que nas últimas cinco décadas a ação do ser humano tem contribuído
para o aumento da temperatura. O autor trata a ação antrópica como
causa secundária, mas analisa o fenômeno do aquecimento global
como preocupante, acarretando fenômenos no clima como a incidência
maior de furacões, secas e enchentes, causando estragos significativos na
agricultura e nas comunidades humanas.
As mudanças climáticas envolvem paradigmas essenciais ao
desenvolvimento e à sobrevivência humana na terra, envolvendo,
principalmente aspectos sociais e políticos. Discordamos do autor,
no quesito de que a interferência humana é um fator secundário
e acreditamos sim que estamos vivendo no Antropoceno, no qual
“entender que la crisis climática es producto del propio capitalismo”
(HAZLEWOOD, 2010, p. 83). Ou seja, da ação efetiva do ser humano
no sistema-mundo vigente, assim o slogam do movimento ambientalista
“mudar o sistema e não o clima” corrobora com esta afirmação.
Nos contextos sociais e políticos, vários aspectos são analisados, a
fim de que se possa entender como as mudanças climáticas atingem as
populações e o quanto esses impactos são prejudiciais a elas, em estado de
vulnerabilidade. Nesse sentido e pensando exatamente nessas questões
socioambientais e as relações com esses grupos sociais, o movimento
por Justiça climática advêm do movimento por Justiça Ambiental.
Este movimento de Justiça Ambiental, que em suas premissas
voltava-se para as populações atingidas por descarte de resíduos tóxicos
nos Estados Unidos, que usavam as comunidades mais pobres em
regiões distantes e esquecidas pelo poder público, visava algo diferente
do que se reivindicava nos movimentos convencionais, que geralmente
acabava por ignorar os malefícios causados nas classes menos favorecidas
(CARTIER et al., 2009; BALIM et al., 2014; BULLARD, 2004).

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Se historicamente nos anos de 1960-1970 a questão ambiental
era vista com um viés mais conservacionista e se preocupava com a
degradação do meio ambiente, após os anos de 1980 com a corrente
epistemológica do socioambientalismo e a ecologia política, as injustiças
ocorridas pelas degradações ambientais começam a fazer parte da pauta
de luta do movimento ambientalista e ecologista.
Acselrad et al. (2009) relatam que a injustiça ambiental nasce da
desigualdade de distribuição dos recursos naturais e dos impactos
neles causados pelas grandes indústrias e por políticas públicas que
agem a favor destas. Sendo assim, temos na sociedade desigualdades
sociopolíticas permitindo que as classes sociais mais vulneráveis arquem
com a maior parte dos danos ambientais. Serão afetadas então as
populações de baixa renda, geralmente da periferia ou de países em
desenvolvimento.
Com o memorando do Banco Mundial isto fica notório
(memorando este de responsabilidade de Lawrence Summers, na época
presidente do banco), que escandalosamente tenta justificar o porquê
das indústrias poluidoras se instalarem em países não desenvolvidos.
Neste documento, Summers deixa explícito que as populações de países
ditos subdesenvolvidos vivem menos, isso faria com que não fossem
afetados pela poluição, uma vez que seu tempo de vida é curto e que se
morrem o custo deste fato tem menor impacto econômico que em um
país desenvolvido, argumenta também que a questão ambiental nestes
países é puramente estética e por isso infundada (ACSELRAD et al.,
2009; BALIM et al., 2014).
Na mesma linha de raciocínio surgem as indagações sobre os efeitos
que as mudanças climáticas têm neste cenário, tanto ambiental quanto
social, assim como a Justiça Ambiental mensura seus critérios de avalição
quanto aos problemas causados pela degradação do sistema natural na
sociedade. A Justiça Climática procura mensurar o que é justo e injusto
pelos efeitos que as mudanças climáticas têm na sociedade como um
todo, ou seja, seus efeitos também são sentidos de modo geral, mas no
que tange à carga de consequências, as classes menos favorecidas são as
mais penalizadas (JUMPA, 2012).
Podemos entender que os impactos gerados pelas mudanças
climáticas afetam desproporcionalmente e com intensidade maior as
classes sociais em estado de maior vulnerabilidade. Mudanças climáticas

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com efeitos em longo prazo como secas, avanço de desertos em terras
agricultáveis e os considerados eventos extremos como por exemplo
ondas de calor intensas, precipitações em intensidades fora do normal,
doenças e pragas em lavouras, se tornaram cada vez mais comuns com
estes fenômenos (MILANEZ; FONSECA, 2011; JUMPA, 2012).
O Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC) relata que
as mudanças climáticas trarão impactos significativos em toda extensão
da América do Sul e atingirá o Brasil, impactando áreas agricultáveis e
de floresta, incluindo partes da região Nordeste e da região Amazônica.
As projeções atuais são a nível global, não sendo possível prever ainda
como será o impacto no meio ambiente e no ecossistema nos níveis
locais e regionais (EMBRAPA, 2018).
A REAJA busca, através das inúmeras pesquisas realizadas na
rede, compreender sobre o fenômeno das mudanças climáticas,
principalmente pelo viés da Justiça Climática. Ousando o diálogo entre
conhecimento científico e popular, para além das políticas públicas
de adaptação, mitigação e resiliência (DALLA-NORA, 2018), a
rede busca táticas de resistência perante as injustiças climáticas. Suas
premissas se baseiam no fato de que o modelo de desenvolvimento
posto pela sociedade capitalista é insustentável, gerando problemas
socioambientais que afetarão sem dúvida nenhuma os grupos que são
vulnerabilizados ou estão em estado de vulnerabilidade.
As mudanças climáticas atingirão a produção agrícola de forma
generalizada, causando prejuízos na produção de um modo geral.
Tanto o agronegócio quanto a agricultura familiar camponesa sofrerão
as consequências dos efeitos dessas mudanças. Segundo alguns
autores, as culturas do agronegócio, ou as monoculturas (soja, milho,
algodão, trigo) serão as mais atingidas tendo suas produções afetadas
(ACSELRAD et al., 2009; EMBRAPA, 2018).
Contudo, acreditamos que a agricultura familiar camponesa será
efetivamente a mais atingida e que sofrerá com o maior impacto das
mudanças climáticas. Os impactos, efeitos dos eventos extremos até
poderão ser generalizados para a agricultura, mas nunca será de forma
equitativa ou igualitária. O que se percebe pelas pesquisas sobre a
agricultura familiar camponesa, é que haverá muito mais injustiças
climáticas, ao nos referirmos a este grupo social, e que precisamos nos
aprofundar cada vez mais nesta temática.

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Na lei do Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC)
(BRASIL, 2008), a vulnerabilidade, segundo Obemaier e Rosa (2013)
inclui explicitamente:
‘variabilidade climática e os eventos extremos’,
a discussão dos impactos e efeitos adversos está
vinculada a tais eventos, mas não a vulnerabilidades
socioeconômicas existentes fora do contexto da
mudança climática [...] os documentos têm foco em
medidas de mitigação e em preocupações ambientais,
como a redução do desmatamento na Amazônia ou
questões ligadas à eficiência e fontes alternativas no
setor de energia (p.160).

O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNAMC)


(BRASIL, 2016) e suas diretrizes trazem: o desenvolvimento de
tecnologias adequadas para cada realidade, foco na mitigação dos gases
do efeito estufa, mapeamento de vulnerabilidades e oportunidades e/
ou investimentos de acordo com o perfil de cada região. Apesar de citar
o segmento da agricultura familiar como prioridade de atuação, o foco
central adapta-se ao fenômeno mudanças climáticas e tem uma ênfase
muito forte na tecnologia e políticas públicas para o setor agrícola, o
que dificilmente chega à agricultura familiar camponesa.
Ao refletir sobre a soberania alimentar e os impactos socioambientais
e consequentemente as injustiças climáticas em torno de duas
comunidades tradicionais do Pantanal Mato-Grossense, Valles (2018)
evidencia os antagonismos dos dois projetos para o campo (agronegócio
e agricultura familiar camponesa).
Temos, portanto, um campo de disputa entre modelos
ideológicos diferentes no que tange à produção de
alimentos. Temos por um lado o agronegócio, com
todo seu aparato tecnológico que tem sua base de
produção no sistema de monocultura (p. 14).

E o foco central deste modelo é o da produção de commodities


e não de alimentos. E o outro projeto de campo é “a agricultura
camponesa, que se baseia nos saberes acumulados pelos povos do
campo e das florestas, com seu sistema de produção diversificada, e
defendem a comercialização mais regionalizada” (VALLES, 2018,

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p. 15). O autor ainda reforça a importância deste tipo de produção,
considerando os fatores naturais e ambientais para sua produção com
relação intrínseca com a questão cultural de cada região. No caso da sua
pesquisa, a extração do cumbaru, uma castanha do cerrado com forte
valor nutricional e energético.
Neste cenário, o camponês tende a ser o mais atingido, uma vez que
a grande propriedade e os grandes produtores têm mais proteção das
políticas públicas, tornando-se uma questão de vários tipos de injustiça
ambiental, climática, política e principalmente social. “Os determinantes
de vulnerabilidade de agricultores familiares podem depender de um
conjunto de fatores entre os quais falta de acesso (incluindo recursos,
tecnologia ou redes sociais)” (OBEMAIER; ROSA, 2013, p. 157).
Se por um lado o discurso oficial das políticas públicas é adaptação,
mitigação e resiliência (BRASIL, 2008) perante este fenômeno,
acreditaram que diante deste quadro de injustiças é necessário reagir
e encontrar formas de resistência perante as questões das mudanças
climáticas.
Estudos de risco-perigo são característicos para
questões técnicas ligadas à gestão de desastres e ligadas
à relação causal entre evento de perigo e resposta
adversa no sistema [...] Porém, têm pouca capacidade
de esclarecer como os processos de adaptação se
realizam em diferentes escalas e explicar porque grupos
ou indivíduos são vulneráveis ou não. [...] Na última
década a ênfase em estudos de impacto mudou o
conceito de impacto (como exposição e sensibilidade
de um sistema) para uma visão mais ampla de
vulnerabilidade (incluindo capacidades adaptativas
e questões como acesso a recursos ou processos de
aprendizagem (OBEMAIER; ROSA, 2013, p. 162).

Muito mais do que conceber uma Educação Ambiental que “ensina”


quais formas de resistência perante o Antropoceno, acreditamos
exatamente que são os/as camponeses/as que nos demonstram práxis de
vida, de produção e táticas de resistência perante as mudanças no clima
e um modo de “bem viver”6.

6 Aqui colocamos a palavra bem viver entre aspas, pois sabemos que se origina dos povos
indígenas e dos modos de vida de um povo campesino e sua propositura em um modo de

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Acreditamos que a convivência pedagógica com outras
referências epistemológicas, como das cosmovisões
ancestrais de sociedades indígenas, tem uma grande
potencialidade neste momento de crise, em que
precisamos nos fertilizar e semear outras formas de
viver entre nós e com a natureza (GUIMARÃES;
MEDEIROS, 2016, p. 54).

Por isso, a Justiça Climática e a Educação Ambiental Campesina são


eixos suleares da pesquisa, trazendo a discussão desses aspectos políticos,
sociais e fomentando a discussão de que os problemas ambientais não
são frutos apenas de ordem ambiental, mas interligados às desigualdades
geradas por políticas públicas falhas e por um sistema de produção
baseado nas premissas dos grandes latifúndios e na monocultura
predatória, sendo extremamente capitalista e excludente (MILANEZ;
FONSECA, 2011; ACSELRAD et al., 2009).

JUSTIÇA CLIMÁTICA E O ASSENTAMENTO EGÍDIO BRUNETTO/MST


Nossa atuação dentro do assentamento ocorre pela realização de
dois projetos de pesquisa: um que se desdobrou no principal projeto
de pesquisa “Educação Ambiental Campesina e Justiça Climática em
territórios mato-grossenses”, e o outro projeto “Educação Ambiental e
viveiro educador: recuperação da mata ciliar do Assentamento Egídio
Brunetto”. Com isso, a parceria com o MST foi estabelecida para realizar
as pesquisas e algumas atividades de educação ambiental e de produção
de mudas para plantio na área degradada da “Cachoeira do Prata”, um
dos principais pontos turísticos da região com abundância de água,
pinturas rupestres e que está no centro da área do assentamento.
O Assentamento Egídio Brunetto/MST existe há três anos. Sendo
um Projeto de Assentamento-PA recente, ele abrange 72 famílias
assentadas e como já dito fica entre os municípios de Jaciara-MT e
Juscimeira-MT, sendo sua maior parte neste último município, no qual
temos o acesso, que fica distante da cidade uns 25 km.

viver e lidar com a vida para além da dualidade capitalismo/socialismo. Acreditamos que
precisamos aprofundar nos estudos de sua origem, para além de um slogan simplesmente
adotado pelo movimento ambientalista e fazer o seu uso em uma perspectiva política e
decolonial.

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Aqui cabe destacar a importância do MST e sua função social e com-
promisso com uma reforma agrária popular. Os lotes do assentamento
foram cortados e delimitados com 14 hectares em média, o que é muito
diferente dos projetos de assentamentos nas regiões do estado, que ocor-
rem em média de 70 hectares, conforme o módulo fiscal da região.
Essa decisão política foi tomada para que houvesse um maior
número de famílias assentadas na área. E atualmente ele se organiza
em 05 núcleos de base que servem para se pensar os projetos do
assentamento no quesito da produção, da agroecologia, da educação e
todas as bandeiras de luta que o movimento carrega em si.
Durante nossas incursões e pelo prognóstico realizado, observamos
que as trajetórias de vida dos assentados do Egidio Brunetto não são
diferentes dos relatos narrados por Coelho e Borelli (1991), no qual
“todos os assentados têm uma história muito parecida, ou seja, se
afastaram das suas origens camponesas por não concordarem com o
modelo proposto de exploração de mão de obra”, ou se aproximaram
por se identificar com a ideologia proposta pelo movimento.
Tornam-se parte de uma luta que praticamente definiu suas
vidas como pessoas e como cidadãos dentro da sociedade, levando-
os à conclusão de que alguns fatos que ocorrem na sociedade não são
condizentes com a realidade (CALDART, 2001).
Então, se rebelar contra o sistema seria uma forma de resistência
ao que este modelo impõe. “Entrar no mundo da militância foi para
todos a forma de tentar mudar a realidade em que estava inserida”
(CALDART, 2001). Durante o processo de transição a que passaram
de moradores urbanos, acampados e depois assentados, todos são
categóricos ao afirmar que durante suas vidas, o “deixar para trás” foi
uma constante, migrar de uma região para outra, com ou sem a família,
trouxe à tona o porquê de lutar pela sua independência, não uma
independência financeira ou familiar, mas de quebrar as correntes do
sistema que oprime e sufoca todo e qualquer sonho de liberdade.
Estar no movimento, fazer parte dele, viver como acampados e
posteriormente como assentados fez com que novos horizontes fossem
abertos e espaços vazios fossem aos poucos sendo preenchidos, tornando-
os mais fortes e unidos (CALDART; PALUDO; DOLL, 2006).
Outro ponto importante na formação do MST está relacionado
com a influência da Comissão Pastoral da Terra (CPT). No começo

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da organização do movimento, os trabalhos de base promovidos pela
organização religiosa, pertencente à Igreja Católica, tornaram possível a
conscientização dos trabalhadores rurais, organizando-os em sindicatos,
em grupos políticos, apoiando a reforma agrária e mesmo integrando
trabalhadores ao MST, partindo do pressuposto de que o governo
não trata com justiça as classes menos favorecidas, não apoiando a
falsidade ideológica governamentista de que a reforma agrária estaria
funcionando adequadamente, mesmo que isso significasse ser oposição
ao governo vigente (STEDILE; FERNANDES, 2005).
O apoio dado pela CPT desde o início tem refletido no movimento
de forma positiva, atualmente temos muitos religiosos que apoiam
e fazem história se juntando à causa, seja apoiando o movimento,
fazendo ponte para negociações, ou mesmo auxiliando na organização
e manutenção de assentamentos já instalados. No caso do assentamento
Egídio Brunetto, a entidade religiosa de Juscimeira, através dos padres,
auxiliou na distribuição de água nos lotes através da construção de
poços artesianos.
Muitos dos assentados iniciaram sua militância fazendo parte das
comunidades eclesiais de base, participando ainda jovens de grupos que
procuravam valorizar suas origens, ou seja, os grupos eram formados a
partir da cultura e das origens de uma comunidade ou etnia (COELHO;
BORELLI, 1991).
Esse fator é muito importante para formação do militante, pois,
através do rebuscamento de suas origens fica clara sua posição dentro da
sociedade, seja como cidadão, pessoa ou ser social, é de suma importância
saber suas origens e entender que não somos subalternos de um modelo
fixo e sim livres para escolher nossos caminhos – e quebrar as correntes
hegemônicas que oprimem o ser cultural é o primeiro passo que garante
requerer nossos direitos (FREIRE, 1987).
Os desafios encontrados muitas vezes fazem coincidir as histórias
do antes e depois. Stedile e Fernandes (2005) nos remetem à gênese
do movimento que continua perpetuando até os dias de hoje. No
entendimento dos autores, todo trabalho desenvolvido almejando a
terra, organizado pelo MST, é uma continuidade dos acontecimentos
que ocorrem desde o descobrimento. Não há dúvidas que tudo que se
almeja hoje com os ideais do movimento são reflexos de um sistema que
traz em suas premissas resquícios da colonização imperial, que ainda

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hoje (mesmo depois do país se tornar república) as questões agrárias
ainda são tratadas com os mesmos moldes excludentes de outrora
(STEDILE; FERNANDES, 2005).
Na perspectiva de luta por direitos sociais de igualdade e justiça, o
MST acaba por se destacar no Brasil por sua importância tanto no âmbito
social quanto no educacional, visando uma educação que promova
nos seus integrantes uma consciência organizacional, autônoma e
também que preze os princípios do movimento para que os futuros
integrantes possam ser militantes ativos, tendo em vista as lideranças
que continuaram com os propósitos do movimento (CORREIA, 2012;
ARROYO, 2007).
Ao pensar um projeto de desenvolvimento rural sustentável
(SCHMIDT; LIMA; SECHIM, 2010), como preconiza o Projovem
Campo, é imprescindível que os assentamentos não repitam apenas a
lógica do agronegócio e possam repensar um projeto de campo que
tenha vida e outras dimensões da relação ser humano e natureza.
Os estudos de colonialidade/modernidade nos auxiliam na
compreensão de que muitos conceitos estão imersos na relação de
uma Colonialidade do poder (QUIJANO, 2013) e no caso mais
especificamente, acreditamos que ao adotar o conceito hegemônico do
desenvolvimento sustentável, os próprios movimentos sociais do campo
ainda estão à mercê das relações de poder e dessa colonialidade que se
“refere à interação entre formas modernas de exploração e dominação”
(MALDONADO-TORRES, 2007, p. 130).
Ao reproduzir um saber hegemônico como o conceito de desen-
volvimento sustentável, que já é consenso em um viés da Educação
Ambiental Crítica e da Ecologia Política, que “este conceito não nos
serve” e que advém de políticas dominantes do Banco Mundial ou da
UNESCO, apenas para se manter o status quo, talvez esteja realmente
havendo uma perpetuação de uma colonialidade do saber, na qual “a
colonialidade do saber tem a ver com o rol da epistemologia e as tarefas
gerais da produção do conhecimento na reprodução de regimes de pen-
samentos coloniais” (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 129-130).
Ao discutir conceitos como: sociedades sustentáveis e
desenvolvimento sustentável, nos seus aspectos curriculares, conceituais
e metodológicos, representando um avanço no que diz respeito a outros
setores educacionais; e ao trazer a pauta da questão ambiental, os

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próprios movimentos sociais ligados ao campo já estão demonstrando
claramente a luta contra o agronegócio, que é o grande estandarte do
capitalismo mundial, reivindicando para si uma educação ambiental
específica, campesina.
Tanto o Caderno Pedagógico do Projovem Campo (SCHMIDT;
LIMA; SECHIM, 2010) quanto o Movimento Sem-Terra no seu
Programa Agrário (MST, 2013) adotam o conceito de “desenvolvimento
sustentável”, porque que na visão de uma educação ambiental crítica, é
preciso problematizar essa postura da Educação do Campo. É preciso
reafirmar e demarcar o território conceitual, os princípios e as bandeiras
de lutas dos movimentos sociais (ambientais, ecologistas e campesinos),
para que conceito como “sustentabilidade” na institucionalização da
Educação do Campo e Educação Ambiental não se torne um conceito
homogêneo, hegemônico e que privilegie apenas um projeto de vida, de
sociedade (SENRA, 2014).
Ao reivindicar uma nova concepção e novos cuidados para as
questões ambientais, os movimentos do campo estão buscando
alternativas para este modelo de exploração da terra, que mais do que
nunca vem demonstrando que está levando o planeta ao aquecimento
global, à degradação e às mudanças climáticas. A perpetuação deste
padrão de modernidade, segundo Guimarães e Medeiros (2016,
p. 52), só traz a degradação que situa-se nas relações instituintes de
dominação e exploração. Relações que provocadas e que provocam uma
dicotomização excludente da diversidade, pois, afirma pelas relações de
poder a primazia de determinadas posições como sendo as verdades e
caminhos únicos, em que quaisquer outros são colocados à margem da
realidade social que se constitui hegemonicamente (p. 52).
Por isso, a agroecologia é apontada como uma dessas alternativas
do uso da terra, indo na contralógica da exploração da monocultura e
do latifúndio. Nesta perspectiva, a Educação do Campo deve aprender
com a Educação Ambiental Crítica, e adotar como “slogan” (princípio
e bandeira de luta) o termo sustentabilidade, e defender a constru-
ção de sociedades sustentáveis e não de desenvolvimento sustentável
(SENRA, 2014).
Somente poderemos reverter esta lógica da “epistemologia científica da
modernidade” (GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016) se pensarmos uma
educação ambiental campesina em um processo educativo-intercultural

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condizente com as matrizes pedagógicas em contextos biorregionais dos
povos camponeses.
Os discursos da educação do campo no Brasil
como discursos que produzem um conhecimento
instrumental contra-hegemônico, protagonizado pelas
vozes dos excluídos, dos sem-terra e sem-teto [...] Tais
discursos são centrados na perspectiva da inclusão
desigual e marginal [...] são legítimos representantes
destes, intérpretes no sentido de que são presentes,
constroem junto o conhecimento, reivindicam, lutam
e falam juntos com (ARAÚJO, 2010, p. 237).

Na perspectiva desse lutar e caminhar juntos é que foi realizado


um Prognóstico, no sentido de compreender o processo da condição
camponesa dos assentados/as do Egídio Brunetto. A realização dessa
atividade ocorreu entre abril/maio de 2018 e foi realizada com cerca
de 30 famílias/sítios. No caso alguns questionários foram respondidos
apenas por um membro da família ou do sítio, representando um total
de 40% em média do total de 72 famílias assentadas.
A maioria dos assentados/as (29 entrevistados) tem sua produção
agrícola voltada para a subsistência. A produção está pautada na
ideologia do não-uso de agrotóxicos, ou seja, na produção orgânica e
agroecológica. No assentamento se produz uma enorme diversidade
de espécies de alimentos. O carro chefe dos produtos é sem dúvida
a mandioca, que está presente na maioria dos sítios, fruto da ideia de
trabalharem futuramente com a produção de farinha.
Já que a produção de alimentos está correlacionada com as variações
no clima como: o aumento da temperatura, incidência de radiação
solar, baixa incidência de chuvas, tempestades fora de época e ao
desequilíbrio dos fatores que influenciam o solo, pela dependência maior
aos fatores climatológicos e do tempo, estas mudanças prejudicarão
exponencialmente os camponeses e sua produção e o que ocorrerá nos
próximos anos é um decréscimo na produção agrícola.
Corroborando com a defesa de um campo para a vida e para a
produção de alimentos sustentáveis em uma perspectiva da Educação
do Campo, Dalla-Nora (2018) afirma que “as roças de mandioca são
as principais existentes em muitas comunidades. [...] a mandioca é o
alimento mais consumido e dela derivam outros tipos de produtos

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de importante valor energético para a alimentação de muitos grupos
sociais” (p.114).
Ao refletir sobre os efeitos e impactos das mudanças climáticas
sobre a produção da mandioca, um produto tipicamente da agricultura
familiar camponesa, a autora consegue demonstrar que é urgente
um repensar sobre as políticas públicas vigentes, Plano Nacional de
Mudanças Climáticas, Plano Nacional de Adaptação às Mudanças
Climáticas e ter um olhar sobre os grupos em estado de vulnerabilidade
ou que são vulnerabilizados.
Compreendo que as políticas públicas devem ser para
todos, entretanto, esse plano abarca mais questões
relacionadas à economia e muito pouco sobre os povos
do Cerrado, sobre as pessoas de baixo poder aquisitivo
que vivem nesse bioma. Por isso, nossa crítica e nosso
trabalho de singularizar a comunidade quilombola de
Mata Cavalo, pois, não é possível permitir que olhem
para essas comunidades com os mesmos olhares
que para os grandes produtores de commodities e
coloquem que os impactos serão semelhantes, pois,
não serão! As respectivas capacidades de respostas
são distintas e será totalmente injustiça se forem
comparadas (DALLA-NORA, 2018, p.107).

Outros produtos que se destacam é a batata doce, a pimenta, o aba-


caxi, o mamão, que são produzidos com intuito de atender o mercado
local. Alguns sítios são autossuficientes, sendo que nesses há uma diversi-
ficação de produtos, além dos já mencionados, como a produção de leite,
queijos e gado de corte. Desse modo aproveita-se áreas que possuem pas-
tagens e ainda há produção de porcos e galinhas semicaipiras.
Mesmo assim, tendo contato com a diversidade da produção do
campo, dos 30 sítios entrevistados, somente 11 afirmaram viver apenas
da renda do sítio, seja porque já são aposentados, seja porque possuem
outra fonte de renda. Isto é, 19 famílias/assentados ainda têm que
prestar serviços fora do seu sítio (diárias para vizinhos, prestação de
serviços em fazendas da região, ou atividades na cidade) para obterem
algum tipo de renda.
Ao abordar o seu Programa Agrário (MST, 2013) fica evidenciado
que quem está causando as mudanças climáticas no campo é de fato o
modelo do agronegócio e todo o seu pacote tecnológico e de práticas

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insustentáveis na relação com o ambiente. Da mesma forma, ao serem
questionados sobre isso, diversos assentados afirmam que: “a produção
sem agrotóxicos em si já é uma forma de resistência às mudanças do
clima. Pois, o modelo agrícola vigente contribui para que o aquecimento
global aumente e, consequentemente, para que o clima mude”.
A agricultura industrial não tem na sua essência o
objetivo de solucionar o problema da fome (produção
de alimentos), visto que segue a lógica do mercado
internacional que se pauta na acumulação de riqueza
e consequentemente no que atrai mais lucro. Um
exemplo é a destinação de grandes extensões de áreas
agricultáveis para a produção de ração e biodiesel, além
do comércio de commodities. Este mesmo modelo
que atualmente se coloca como o principal responsável
por estar “solucionando” o problema da segurança
alimentar mundial, utilizando de práticas totalmente
insustentáveis, está na verdade impactando diretamente
na vida do planeta, colocando em risco a soberania
alimentar atual e futura (VALLES, 2018, p. 47).

Para os assentados, ainda não é possível mensurar quais são os


efeitos que as mudanças climáticas causarão na sua produção, dado que
como estão há pouco tempo no assentamento, não perceberam nas suas
colheitas graus de perda que possam quantificar. O que relatam é que
percebem mudanças na temperatura e nas quantidades de chuvas, mas
muitos não sabem especificar se isso é fruto de mudanças no clima.
Quando se refere às mudanças climáticas tem-se a falsa impressão
de que estão ligadas apenas ao derretimento de geleiras, aumento dos
níveis dos oceanos e aumento gradativo da temperatura mundial,
como se os efeitos das mudanças climáticas estivessem distantes dos
problemas locais. Outro problema é concluir que todos serão atingidos
de forma igualitária, pois, as mudanças climáticas afetam de forma mais
direta as populações mais vulneráveis e são estas populações que, além
de residir em áreas de risco, são mais desprovidas de condições técnicas
e financeiras (VALLES, 2018, p. 50).
Diante deste cenário, enquanto pesquisa inicial (prognóstico), é
preciso um maior aprofundamento sobre a percepção dos assentados
sobre as mudanças climáticas. Outra problemática e limitação nossa
é como, de fato, aprofundar essas questões em territórios iniciais (é

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um assentamento criado recentemente) ou em territórios temporários
quando se tratar de acampamentos do MST.
As respostas apresentadas inicialmente são vagas – o que requer um
aprofundamento nas entrevistas semiestruturadas e com os indivíduos,
muito mais do que com o contexto global do sítio/família. Mas em
sua maioria eles acreditam que as mudanças climáticas não afetam sua
produção de forma alguma.
É compreensível que os assentados tenham essa visão, porque sua
produção ainda é pequena, mais voltada para o consumo familiar e
alguns podem e fazem uso de algum tipo de microirrigação – embora a
água seja pouca e mais voltada para o consumo, há uma parte utilizada
para esse fim.
Outro fato que chama a atenção é sobre a palavra mudança
climática. Parece que, embora eles sintam algumas mudanças no clima
ou as variações no tempo, cerca de 18 entrevistados nunca ouviram falar
sobre mudanças climáticas, alguns já ouviram, mas não sabem explicar
ou só ouviram pela TV. Este prognóstico inicial foi fundamental para
demonstrar que o campesinato está desprovido de informações, recursos,
tecnologias e de assistência das políticas públicas. Neste sentido, a autora
Dalla-Nora (2018) destaca os principais tipos de vulnerabilidade:

O primeiro aspecto refere-se à vulnerabilidade


científica e pedagógica pela falta de conhecimento
sobre os impactos das mudanças climáticas em suas
comunidades e os efeitos que advêm destas. O se-
gundo aspecto de vulnerabilidade pelas condições
físicas e ambientais, pois, retrata a vulnerabilidade
pela escassez ou acesso à água, aumento de tempe-
raturas e mudanças no regime das chuvas. E, por
último, a vulnerabilidade pelas políticas públicas,
pois, as mesmas geram exclusão e inacessibilidade
(p.135-136).

As respostas ficam mais evidentes quando provocadas acerca das


quantidades de chuvas, ou se produziu mais determinado produto, ou
mesmo se a época de plantio foi alterada. Muitos percebem sobre as
variações (tempo/clima): “mudanças na produção relativas à quantidade
de chuvas e que o ano de 2018 está chovendo mais que o ano anterior”.
Entretanto, o fenômeno das mudanças climáticas ainda parece estar

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muito abstrato e “fora do real” para as vivências e cotidiano dos/as
camponeses/as, acarretando nessas venerabilidades.
Se a Educação do Campo na perspectiva institucionalizada
(acadêmica) é recente, a busca da identidade e dos conceitos pode
ser via Educação Ambiental em uma atitude dialógica permanente.
Quem sabe, assim, possa-se construir uma proposta de uma Educação
Ambiental Campesina (SATO, 2011) que para além de emanar-se,
possa caminhar/peregrinar juntas (SENRA, 2014), este é nosso desejo
de um giro decolonial do campo.

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Mudanças Climáticas nas percepções de
caminhantes de longas travessias
Climate Changes in the perceptions of long-distance walkers
Cambios climáticos en las percepciones de
los caminantes de larga distancia.
Júlio Resende1
Michèle Sato2
Araceli Serantes Pazos3

APRESENTAÇÃO
Durante as travessias nas montanhas, o caminhante dorme em
barraca que balança com o vento e a chuva durante toda a noite. Pela
manhã, com a temperatura por volta dos cinco graus, o chá quente
esquenta o corpo, enquanto a neblina se esvai lentamente, revelando
as escarpas rochosas. Com Sol a pino, depois de horas em trilha acima,
o corpo-mente está cansado, cheio de dores nas pernas e a sede parece
chamar mais atenção do que qualquer beleza da paisagem. A íngreme
subida demanda um movimento integrado das pernas, do tórax e dos
membros, que manejam o cajado para proporcionar mais equilíbrio
e força ao movimento. No alto do cume, com o suor escorrendo e o
coração batendo fortemente, o vento frio refresca a face, enquanto
os andarilhos retiram as pesadas mochilas para o descanso com uma
vista com mais de quarenta quilômetros de serras entrecortadas. Ao
final da tarde, o banho na cachoeira de águas escuras, em um primeiro
momento, proporciona a sensação de que milhares de agulhas de
acupuntura entram ao mesmo tempo no corpo-mente por causa da
baixa temperatura das águas. Depois de alguns minutos, o caminhante

1 Prof. Me IFMT – Brasil; Doutor em Educação pelo Grupo Pesquisador em Educação


Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA). E-mail: julio.resende@cba.ifmt.edu.br
2 Profa. Dra. UFMT/GPEA – Brasil. E-mail: michelesato@gmail.com
3 Profa. Dra. Universidade da Coruña – España. E-mail: boli@udc.es

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inteiro vibra com o revigorante mergulho. Pela noite, o frio volta e a
refeição alimenta, enquanto a fogueira esquenta e a conversa com os
amigos gera alegria e sorrisos. O céu estrelado é a motivação final para
a noite de descanso e de sonhos e devaneios.

Figura 1 – Caminhantes no Vale do travessão – Parque Nacional da Serra do Cipó

Fotografia: Resende-Duarte (2014).

Algumas semanas depois, este mesmo caminhante acorda em seu


quarto, levanta-se de sua cama macia, desliga o ar condicionado e toma
um banho quente. Para ir ao trabalho, utiliza seu carro, sempre com os
vidros fechados, o som tocando sua música favorita e o ar condicionado
ligado. Em seu escritório, cercado por paredes e vidros, ele se concentra
nas infinitas tarefas e metas da semana, sentindo-se sempre com a
constante sensação de que está perdendo a corrida para a sua agenda.
Pela noite, em casa, muito cansado, pede uma pizza, toma uma cerveja
e dorme em sua cama cheirosa.
Por mais que durante a travessia o caminhante tenha muito pouco
controle sobre as variáveis ambientais e esteja muito exposto a elas, suas

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experiências são relatadas com tanto entusiasmo durante as entrevistas que
parece que todo seu corpo-mente está revivendo aquelas sensações enquanto
narra as vivências. Não houve uma única entrevista em que as pessoas não
tenham falado de seus planos para suas próximas longas caminhadas a pé.
Entretanto, durante o cotidiano, estas mesmas variáveis são controladas
porque elas passam a maior parte do tempo nestas ‘bolhas’ de proteção,
mesmo que este controle não proporcione o mesmo bem-estar das travessias.
Apesar de um certo conforto, estas ‘bolhas’ criam isolamentos do mundo
que as cerca. É exatamente este estilo de vida que também contribui para a
invisibilização das mudanças climáticas porque o isolamento empobrece a
percepção que por sua vez empobrece o aprendizado.
Este breve relato que fizemos sobre a religação caminhante-
paisagem e o isolamento que as pessoas vivenciam de seu entorno no seu
cotidiano nos serve aqui como contextualização para um dos desafios
que a educação ambiental tem com relação às mudanças climáticas.
Concordamos com o Intergovernmental Panel on Climate Change
(IPCC) que os desequilíbrios no clima do Planeta Terra estão sendo
causados diretamente pelo comportamento humano e que sua origem
é política e advém deste modelo de desenvolvimento econômico voraz,
opressor e excludente. Diante deste contexto, este artigo busca investigar
as percepções dos caminhantes sobre as mudanças climáticas, bem como
refletir sobre contribuições filosóficas e pedagógicas dessas travessias
a pé para a educação ambiental e seus desafios ligados ao clima. Para
isso, realizamos a seguir um breve debate sobre a influência do cogito
cartesiano na vida contemporânea, reforçando o isolamento das pessoas
em relação ao seu entorno, empobrecendo assim suas percepções
e aprendizados sobre as mudanças climáticas. Em seguida, sob a
perspectiva da fenomenologia da percepção, interpretamos experiências,
relatos e percepções de caminhantes sobre as mudanças climáticas.

UM CAMINHAR METODOLÓGICO
Esta investigação foi realizada por meio de uma metodologia feno-
menológica. Partindo desta perspectiva, o conhecimento científico não
pode ser pensado sem a subjetividade de quem o produz. Esta corrente
filosófica é chamada fenomenologia e nossa referência principal aqui é
Merleau-Ponty (1971). Por esta visão, a percepção dos pesquisadores

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é parte integral da construção científica, uma vez que não é possível
pensar uma separação clara entre o eu-outro-mundo. A compreensão
da primazia da percepção e da ontologia da carne proposta por este
filósofo nos aponta as fragilidades do cogito cartesiano, bem como nos
apresenta outros caminhos possíveis, filosóficos e metodológicos.
Por meio deste olhar, foi realizada uma abordagem investigativa
chamada de participação observante, sob a inspiração do psicanalista
Erich Fromm (1960), que considera a relação entre analista e paciente
como uma relação sujeito-sujeito e não como sujeito-objeto. O
analista não pode se considerar separado do paciente no processo de
cura. Da mesma forma, os pesquisadores não podem estar separados
do fenômeno investigado e seus sujeitos. Assim, sendo necessária a
assunção de sua voz na construção do conhecimento científico. Sob esta
interpretação, Fromm propõe a participação observante como forma
de compreensão de uma determinada realidade. O fazer científico por
meio deste olhar exige inclusive a aceitação de suas implicações éticas
e políticas, que são indissociáveis de nossas próprias percepções. Por
meio desta compreensão fenomenológica, a ciência necessita manter o
rigor metodológico, mas precisa reconhecer a subjetividade implícita na
construção do conhecimento.
Diante desta compreensão, este artigo foi escrito a partir de
um conjunto de investigações realizadas sobre as experiências dos
caminhantes em grandes travessias a pé. Para isso, foi necessário colocar
o pé na estrada, a mochila nas costas e caminhar pelo mundo. Nossa
experiência com longas caminhadas começou há treze anos, quando
foi realizada a primeira travessia chamada Lubrina, na Serra do
Espinhaço, em Minas Gerais no Brasil, por alguns amigos. Desde lá,
foram percorridos (ao todo) aproximadamente mil quilômetros nestas
montanhas mineiras. Ainda como forma de enriquecimento desta
investigação, foi realizado um trecho do caminho francês do Caminho
de Santiago de Compostela em terras espanholas. Lá foram percorridos,
em agosto de 2017, cerca de 500 quilômetros, durante 30 dias, desde
a cidade de Burgos até a igreja onde está o túmulo do apóstolo. Ao
longo dessas caminhadas, trinta e três pessoas foram entrevistadas, pois,
todas essas travessias são parte integrante de uma tese de doutoramento,
ainda em maturação. Neste artigo, foram utilizados quatro relatos de
caminhantes que foram aqui interpretados fenomenologicamente

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pelos autores. Essas vivências foram escolhidas porque apresentam
argumentos relevantes e aprofundados ao debate das percepções dos
caminhantes e dos desafios da educação ambiental em relação ao clima.
Do ponto de vista de uma metodologia fenomenológica, o que define o
rigor metodológico não é exatamente a quantidade de entrevistas, mas
a imersão nos fenômenos, em diálogo com a filosofia e o estado da arte
da ciência. Dessa forma, a nossa imersão se revelou uma participação
observante, mas também uma participação caminhante. As discussões
apresentadas a seguir são, portanto, fruto de profundas imersões neste
rico fenômeno que é o caminhar pelo mundo.
Ao longo das travessias pela Serra do Espinhaço e pelo Caminho
de Santiago de Compostela, foram feitas anotações diárias em um
caderno de campo, além do registro por meio de fotografias e a
gravação de vídeos. Caminhamos por horas e dias lado a lado com
outros caminhantes e peregrinos. Este caminhar gerou oportunidades
para a realização de entrevistas longas e aprofundadas com grande
empatia, abertura e motivação por parte dos entrevistados. Uma
parte dessas conversas foram registradas em gravador de áudio. Neste
artigo, além das percepções dos caminhantes, a vivência nas travessias
e as interpretações dos próprios autores foram também relevantes
para os resultados aqui debatidos. Vale ressaltar que a redação deste
texto foi feita prioritariamente em primeira pessoa do plural por ser
fenomenológica e ser uma construção coletiva. No entanto, em alguns
momentos, utilizamos a primeira pessoa do singular para expor uma
percepção direta de experiências específicas.

ISOLAMENTO DO EU, OUTRO E O MUNDO?


O estilo de vida contemporâneo, principalmente nos grandes
centros urbanos, é marcado por um isolamento das pessoas com relação
ao seu redor. Em geral, elas passam a maior parte de seu tempo em
‘bolhas’ de proteção em que as sensações de seu corpo-mente podem ser
parcialmente controladas. Em um automóvel, em um ônibus, em um
escritório ou em uma sala de aula é possível controlar a luminosidade,
os odores e até mesmo a temperatura por meio de ventilador ou ar
condicionado. Enquanto muitos pais já não mais permitem que seus
filhos brinquem na chuva, as escolas concentram seus estudantes quase

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a totalidade de seu tempo dentro da sala de aula. Na medida em que os
jovens crescem e se tornam adultos, maior é o tempo em que passam
protegidos por essas ‘bolhas’ de clima controlado. Esse estilo de vida
faz com que as pessoas percam sabedorias como perceber a chegada
das chuvas por meio do comportamento de pequenos animais como
as mariposas. O próprio corpo-mente parece agora mais fragilizado
no que diz respeito às relações com seu entorno. Tomar um banho de
chuva se tornou um risco eminente à saúde das crianças e dos adultos.
Esse isolamento é uma forma de empobrecimento da percepção
com relação a alguns aspectos da realidade, mas também da própria
percepção de Si. Somadas as essas barreiras físicas, há também os filtros
ideológicos amplamente difundidos pela pedagogia bancária (FREIRE,
1978) e (também) de forma massiva pelos meios de comunicação. A
ideologia do progresso que orienta as pessoas a buscarem sua felicidade
apenas na produção e no consumo de bens e serviços é tão opressora
que, por vezes, amortece as vozes que brotam do interior do Ser.
Reflita (algumas vezes) sobre o inquietante fato de que
a maior parte das afirmações que você faz sobre suas
próprias opiniões e esperanças, bem como sobre seus
gostos, atos, desejos e temores, são afirmações sobre
alguém que não está presente. Quando você diz ‘eu
acho’, frequentemente não é você quem acha, são ‘eles’
– é a autoridade anônima da coletividade falando por
meio da máscara ‘você’... Quer dizer, só está querendo
aquilo que fizeram você querer (MERTON, 2007, p. 7).

Entretanto, esse isolamento não é somente físico, mas também


filosófico e pedagógico. O cogito cartesiano apresentou um mundo em
que haveria uma separação precisa entre as pessoas e a natureza que
as cerca. Ao passar tudo pelo seu funil da dúvida, Descartes (1996)
concluiu que nada poderia ser verificado diretamente, uma vez que
nem os cinco sentidos poderiam ser confiados. A única certeza que lhe
restaria seriam seus pensamentos, aprisionados dentro de seu corpo,
que estaria separado de tudo que há no seu entorno. Essa compreensão
filosófica dos dualismos cartesianos influenciou e continua a influenciar
amplamente as ciências e as sociedades até os dias atuais. A educação,
por exemplo, ao priorizar a maior parte do tempo dos estudantes para
a compreensão da realidade de dentro de uma sala de aula, entende

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o mundo cartesianamente como se eles, por meio dos pensamentos,
aprendessem sobre esta realidade majoritariamente pensando sobre ela.
Essa pedagogia bancária é, dessa forma, cartesiana, pois, compreende
filosoficamente que aprender é pensar sobre o outro e sobre o mundo e
não em diálogo com o outro no mundo.
É exatamente por causa dessa característica filosófica que faz
com que a educação dialógica no mundo, que acontece nos mais
diversos momentos da vida, assim como nos ensina Brandão (2005),
seja subvalorizada pela pedagogia bancária. Do ponto de vista da
fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty (1971; 2003), é
fundamental para o fazer filosófico e científico o retorno ao mundo das
experiências dos fenômenos para que o conhecimento seja um fruto
interdependente tanto da reflexão quanto da pré-reflexão. Neste sentido,
a aprendizagem precisa também retornar ao mundo dos fenômenos
do qual todo conhecimento emerge. Ainda para este filósofo, “todo
saber se instala nos horizontes abertos pela percepção” (MERLEAU-
PONTY, 1971, p. 214). Com essa afirmação, ele ressalta a importância
das maneiras como percebemos o mundo, como relevantes influências
nas formas como aprendemos. Em sua visão, a fenomenologia poderia
ser o “[...] ensaio de uma descrição direta de nossa experiência tal como
ela é, sem nenhuma consideração com sua gênese psicológica e com as
explicações causais que o sábio, o historiador ou o sociólogo podem
fornecer dela” (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 5).
Caminhar por mais de 500 quilômetros para atravessar quase toda
a Península Ibérica, durante trinta dias, gera aprendizados intensos
sobre o corpo-mente, bem como sobre caminho-caminhante-paisagem.
Logicamente, ler livros sobre a história, a geografia, a cultura, a política
e a peregrinação na Espanha também gera aprendizados, mas com
perspectivas diferentes. O caminhar imprime os aprendizados no
corpo-mente como tatuagens, deixando marcas profundas na memória
de cada célula. Assim, as caminhadas, compreendidas por meio de um
olhar fenomenológico, apontam para um retorno do aprendizado ao
mundo e um rompimento com esta sociedade do progresso e a pedagogia
bancária, que são amplamente influenciadas pelo cogito cartesiano.
Consideramos importante reiterar a intencionalidade política desses
isolamentos que empobrecem tanto a percepção quanto o aprendizado.
Debatemos anteriormente que as ‘bolhas’ de proteção, presentes no

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estilo de vida contemporâneo nos centros urbanos, contribuem para
um empobrecimento do aprendizado de certos aspectos da realidade,
ao mesmo tempo em que são também importantes para a manutenção
desse mesmo sistema político que, por um lado, prioriza o crescimento
econômico e a concentração de renda e poder, enquanto, por outro, é
responsável direto pelas mudanças climáticas.
Diante desse cenário, a educação ambiental deve (em nossa
visão) reafirmar seu compromisso com a necessária resistência a
esse contexto opressor. É nesse sentido que o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
(1992) estabelece princípios para a educação, assim como um
plano de ação para orientar os educadores e as instituições nessa
construção coletiva. Para além de uma educação desproblematizada,
o tratado incorpora um caráter político, ao afirmar que a “[...] A
educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato político
baseado em valores para a transformação social” (MEC, 1992, p.
2). Corroborando com esta compreensão, Sato (2003, p. 3) defende
que “a EA deve se configurar como uma luta política, compreendida
em seu nível mais poderoso de transformação”. Acreditamos (assim)
haver uma confluência a respeito de sua dimensão política, a da
necessária educação para a cidadania.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E ALGUMAS PERCEPÇÕES DOS


CAMINHANTES
O tema das mudanças climáticas está presente na pauta de todos os
educadores ambientais porque elas estão causando danos às sociedades
e ao planeta. O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change),
formado por cientistas das mais diversas áreas, pesquisa e monitora as
mudanças climáticas, além de propor prognósticos, políticas e ações
para a transformação desse contexto que assusta. Suas investigações
abrangem as descobertas das ciências físicas em relação ao clima e
em relação aos impactos desses desequilíbrios, possíveis adaptações e
vulnerabilidades sociais. Um terceiro grande grupo investiga ainda a
mitigação das mudanças climáticas. Já na introdução de um relatório
recente (IPCC, 2014), esses cientistas não deixam dúvidas sobre as
mudanças climáticas, suas causas e consequências.

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A influência humana no sistema climático é clara
e as recentes emissões antropogênicas de gases de
efeito estufa são as mais altas da história. Mudanças
climáticas recentes tiveram impactos generalizados nos
sistemas humanos e naturais (IPCC, 2014, p. 2).

Para além da confirmação de que os humanos são responsáveis por


essas mudanças, é importante constatar que esses desequilíbrios estão
relacionados ao modelo de desenvolvimento e às sociedades do progresso.
A busca incessante pelo crescimento econômico gera concentração de
riqueza por uma minoria e condições de vida precárias para a maioria,
bem como os graves desastres ambientais. A partir desse contexto é
que surge o conceito de justiça ambiental, considerando que grupos
sociais distintos têm responsabilidade diferenciada sobre o consumo
dos recursos naturais e, mais ainda, a desigualdade social define o grau
de exposição dos grupos sociais aos riscos ambientais (ACSELRAD,
2009). Sociedades enriquecidas e mais bem estruturadas conseguem
proteger e dar assistência à sua população com maior qualidade diante
dos desastres ambientais. É por esse motivo que um tsunami no Japão
mata uma quantidade muito menor de pessoas do que no Haiti.
É diante desse desafio que os educadores ambientais precisam liderar
processos de ensino-aprendizagem que dialoguem sobre as mudanças
climáticas, sensibilizando as pessoas de suas corresponsabilidades e
criando formas de adaptação, de resistência e de possíveis transformações
em seus estilos de vida, nas instituições e nas sociedades.
Em pesquisa sobre como os livros didáticos abordam os desequilíbrios
do clima, Pazos (2017) concluiu que suas linhas editoriais ocultam a
gravidade da crise ecológica e fogem da problematização de suas causas
e suas relações com o modelo de desenvolvimento hegemônico. Eles
também apresentam conceitos isolados, de forma dissociada de suas
relações com as atitudes das pessoas. Toda comunicação e educação
distorcidas sobre os desequilíbrios apresentam um viés ideológico
e “constituyen una forma de dominación y de desmovilización
(PAZOS, 2017, p. 84). O caso dos livros didáticos é especialmente
grave do ponto de vista da educação ambiental, pois, eles tendem a ser
considerados como fontes rigorosas da ciência do clima. Falar desses
desequilíbrios não é interessante do ponto de vista de grandes grupos
financeiros, da indústria do petróleo e de líderes políticos que mais

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atuam como lobistas do que como representantes coletivos, uma vez
que, se beneficiam diretamente desse progresso que é causa direta das
mudanças climáticas.
Notamos a dificuldade em comunicar e educar sobre as mudanças
climáticas, principalmente no que concerne à compreensão de que
o local está intimamente imbricado no global. Ainda é insipiente o
reconhecimento que as atitudes das pessoas, das instituições e das
sociedades são causadoras diretas dos desequilíbrios. Por meio de
uma abordagem fenomenológica, a pesquisadora Dalla-Nora (2018)
investigou as mudanças climáticas e seus impactos relacionados à
água em escalas locais. Sua pesquisa se concentrou em três territórios
geográficos diferentes, pantanal e cerrado mato-grossense e as costas
da Galícia, na Espanha. Ao entrelaçar a educação ambiental e a justiça
climática, sua tese evidenciou níveis de vulnerabilidade a que esses
locais estão expostos diante das mudanças climáticas.
Enquanto Pazos (2017) ressaltou uma posição ideológica nos li-
vros didáticos espanhóis, Dalla-Nora (2018) conseguiu conectar o
global ao local, além de apontar a necessidade de resistência às socie-
dades do progresso. Do ponto de vista da fenomenologia da percepção
(MERLEAU-PONTY, 1971), é fundamental para o fazer filosófico e
científico o retorno ao mundo das experiências dos fenômenos para
que o conhecimento seja um fruto interdependente tanto da reflexão
quanto da pré-reflexão. Em outras palavras, perceber, educar e pesqui-
sar o clima dentro de laboratórios e escritórios climatizados por ar con-
dicionado gera resultados diferentes de uma abordagem em imersão no
mundo. Este é também nosso posicionamento enquanto educadores
ambientais. Um dos possíveis empecilhos para a compreensão dessas
questões globais é o isolamento das pessoas de seu entorno, não apenas
do seu corpo-mente que vive constantemente protegido por telhados
e vidros, mas também do ponto de vista da comunicação e da educa-
ção, carregadas dessa ideologia do progresso. Esse retorno ao mundo
dos fenômenos é, portanto, necessário, como forma de contribuir para
tornar visível a invisibilidade das mudanças climáticas.
O Caminhar pelas paisagens é uma forma de ruptura com esses
isolamentos. Além das botas, das roupas, da mochila, do cajado e da capa
de chuva não há nada mais que nos isole do entorno. A experiência do
fenômeno é direta porque enquanto caminhamos não são necessárias

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as intermediações de livros, meios de comunicação ou professores.
Contudo, ressaltamos que não buscamos uma re-hierarquização dos
saberes, em que a experiência direta esteja numa posição superior em
relação às interpretações posteriores, sejam elas científicas ou filosóficas.
Nossa intenção é tão somente ressaltar a importância da experiência no
mundo como parte da construção do conhecimento e do aprendizado.
Nas travessias, caminhantes se religam ao caminho, percebendo tudo
por meio de corpo-mente-na-paisagem.
A seguir, interpretamos quatro relatos de experiências de caminhantes
que apontam suas percepções intensas sobre as mudanças climáticas.
A primeira vivência dos caminhantes sobre suas percepções
do clima se deu durante uma travessia na Serra do Espinhaço, em
Minas Gerais. Ao longo da caminhada realizada em 2011, os seis
amigos chegaram a uma cachoeira pela qual já tinham passado
em anos anteriores para descansar e tomar banho, mas foram
surpreendidos pela ausência de água. Normalmente, no inverno,
quando realizam suas travessias, o período é mesmo de seca e os
rios diminuem consideravelmente seu volume. Entretanto, essas
cachoeiras da região permanecem fluindo, mantendo a queda de
água e o poço para o banho. A surpresa foi chegar ao local e ver tudo
seco. Lucas contou que não havia nenhuma gota escorrendo pelas
rochas e nenhuma água represada entre as pedras. No dia seguinte,
ao passar pelo povoado próximo, os caminhantes conversaram com
os moradores da região que contaram que nunca presenciaram
uma seca tão forte e relataram que estavam tendo que construir
novas cisternas para captação de água, pois, muitas tinham secado.
Nesse ano, os amigos tiveram que caminhar sempre com uma
quantidade extra de água para beber e para cozinhar, porque a
serra estava passando por um ano diferente em termos climáticos.
A experiência de mais de treze anos de travessias pelas serras torna
possível a interpretação de que aquela região está sendo afetada
pelas mudanças climáticas, tendo ainda a corroboração dos relatos
dos moradores daquelas montanhas.
Uma segunda experiência relevante sobre a percepção do clima
nessas montanhas mineiras aconteceu em 2014. Os caminhantes
acamparam no alto de uma serra, para no dia seguinte adentrarem o
Vale do Travessão, onde passariam alguns dias até chegarem ao povoado

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de Cabeça de Boi, ao final desse cânion4. Comumente, em julho (assim
como relatado anteriormente) não há chuvas nessa região. Foi por isso
que essa época foi escolhida, pois, este local oferece um risco muito
grande de tromba d’água quando há precipitações nos entremeios das
serras. Não há locais de segurança para acampamento ou para qualquer
tipo de escape. Entretanto, para a surpresa de todos, os caminhantes
tiveram que permanecer mais um dia e meio acampados no alto,
esperando passar uma espessa chuva que caiu durante um dia inteiro.
Raphael contou que era possível ouvir o forte ruído das águas descendo
pelas encostas de pedras, o que deixou todos preocupados, ao ponto de
pensarem numa mudança de rota. Entretanto, já na segunda noite no
local, a chuva parou, as nuvens se foram e as estrelas apareceram. Nos
dias que se seguiram, o céu se manteve sempre azul, com Sol brilhando,
apesar do frio intenso. A partir da longa experiência nessas montanhas,
interpretamos esse episódio como mais um desequilíbrio do clima que
demonstra as mudanças climáticas em escala local.
Uma outra experiência relativa à percepção do clima aconteceu
comigo enquanto caminhante-investigador, acompanhado por minha
esposa e meus dois filhos. Durante os trinta dias no Caminho de
Santiago, sentimos muito calor e sede, mas também frio pelas manhãs
e ao longo de alguns dias chuvosos. Segundo Le Breton (2015, p. 30),
esta é “a diferencia de los viajes en tren o en coche, que potencian la
pasividad del cuerpo y el alejamiento del mundo”. Nossa imersão nas
experiências gerou percepções aprofundadas sobre o clima.
Um episódio dessa travessia me ajudou a compreender a importância
desse retorno ao mundo das experiências como contribuição à percepção
das mudanças climáticas. O meu filho Alan ficou doente no décimo dia
de caminhada. Desde Burgos até pouco depois de León, o Caminho
atravessa a meseta, situada na região central no Norte da Espanha,
percorrendo pouco mais de duzentos quilômetros. Por ser um planalto,
a região é bastante árida e relativamente plana. Tradicionalmente, é
um trecho que amedrontou peregrinos ao longo dos séculos, pois, é
quente e tem poucas sombras para o descanso, além de ser considerado
entediante pelas poucas transformações na paisagem.

4 A fotografia apresentada aqui anteriormente mostra longitudinalmente todo este vale.

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Figura 2 - A nossa família no caminho de Santiago de Compostela

Fotografia: Resende-Duarte (2017).

Alan é uma criança com muita energia e gosta muito do brincar ao


ar livre e da prática de esportes. Para ele, acordar bem cedo nunca foi
problema, desde que seu dia fosse cheio dessas atividades. Entretanto,
duas de suas maiores virtudes, que são sua energia e motivação para
a vida, se tornaram também um desafio e um aprendizado durante
a travessia. Sempre que parávamos para descansar, ele continuava
brincando, conversando com os outros peregrinos e explorando as
redondezas. Apesar de nossa insistência, mesmo depois de terminar
o dia de caminhada, ele tinha dificuldades em parar para descansar.
Passava toda a tarde brincando nas árvores ou nas praças. Se não o
proibíssemos, ele sairia “a todo vapor” com sua bicicleta até o horário
de descanso. À noite, já no horário de dormir, sempre queria conversar
com os outros peregrinos das camas vizinhas. Sem dúvida, Alex e ele se
tornaram as crianças mais conhecidas do Caminho naquele agosto de
2017. Entretanto, por não saber dosar a energia, Alan foi se cansando

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ao longo dos dias, o que influenciou no seu humor e na sua estabilidade
emocional. No nono dia, já cansado, mas ainda sem compreender a
dinâmica do caminhar e descansar, seu pneu furou, apesar de nossos
pedidos para que ele não pedalasse por meio dos arbustos espinhosos.
Ainda faltavam aproximadamente seis quilômetros para o local onde
dormiríamos, o Sol estava forte, o clima seco e a temperatura acima dos
trinta graus. Nesse momento, eu e Joci estávamos impacientes e bravos
por sua teimosia. Decidimos que ele deveria assumir as consequências
de suas atitudes e empurrar a bicicleta. Ele assim o fez ao longo da
seguinte hora e meia aproximadamente. Em alguns momentos, minha
esposa, deixando seu coração de mãe falar mais alto, o ajudou para que
ele compreendesse também que éramos uma família-equipe em que a
colaboração e a solidariedade são fundamentais. À tarde, já depois do
almoço, do banho e das coisas arrumadas no albergue, nos deitamos no
jardim para descansar. Mais uma vez, mesmo diante do cansaço e da
experiência negativa do dia, Alan não conseguiu parar de brincar, correr
e pular. Ao final do dia, seus olhos estavam avermelhados e ele passou
a reclamar de sede. No dia seguinte teve dificuldades para acordar e
reclamou de dores de cabeça. Diante dos sintomas, resolvemos tirar
dois dias de folga em Mansilla de las Mulas. Fomos até a farmácia e
compramos hidratantes e remédio para os sintomas. Voltamos a caminhar
e, depois de mais alguns dias, deixamos a meseta para trás, para subir a
Sierra de la Cruz de Hierro. A paisagem mudou completamente. Tudo
ficou mais verde e as árvores mais altas. As cidades e os pueblos também
mudaram suas características arquitetônicas. Nesses dias passamos pela
imponente León, com seus casarões e palacetes de pedra, bem como
pelas charmosas Hospital de Órbigo e Astorga. As trilhas passaram a
circundar os morros e vales até tornarem uma íngreme subida de dois
dias até a Cruz de Ferro. Alan tinha melhorado, mas ainda não havia
compreendido a necessidade do descanso. No último dia de subida, as
bicicletas dos dois foram enviadas por empresas de transportes e eles
caminharam ao nosso lado, saltitantes pela trilha de pedras. Saímos às
sete da manhã, atingimos o ponto mais alto de todo o caminho por
volta das onze horas e chegamos à vila El Acebo às treze horas, sob
Sol forte. Pela tarde, Alan apresentou febre e passou o resto do dia
deitado. Na manhã seguinte, conseguimos um médico que o examinou
e receitou anti-inflamatório para a garganta. Paramos novamente por

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dois dias até que nosso filho melhorou e continuamos o Caminho sem
outros problemas de saúde até a chegada a Santiago de Compostela.

Desnudo ante el mundo, al contrario que los


automovilistas o los usuarios del transporte público, el
caminante se siente responsable de sus actos, está a la
altura del ser humano y difícilmente puede olvidar su
humanidad más elemental (LE BRETON, 2015, p. 29).

Retornar ao mundo dos fenômenos por meio da experiência do


caminhar significa romper os isolamentos do cotidiano como as casas,
os carros, os escritórios e as salas de aula. Vivenciar o mundo por meio
dos próprios sentidos significa compreendê-lo em um nível profundo
de aprendizado. Assim como nos aponta Breton, é também uma forma
de se sentir responsável pelos próprios atos, algo que os seres humanos
deverão compreender também em relação às mudanças climáticas. É fato
que estudar sobre as altas temperaturas da meseta no mês mais quente
do ano é uma forma de aprender ‘sobre o clima’ e seus desequilíbrios.
No entanto, atravessar a pé esse planalto durante quatorze dias é uma
maneira intensa de aprendizado e que traz uma outra perspectiva
sobre o aprender em imersão ‘no clima’. Todo o corpo-mente aprende
durante o constante movimento pelas paisagens, seja pela sede de água,
pela secura na pele, pelo cansaço das pernas, pelo cheiro dos rios e pelo
amarelo dos infinitos campos de girassol que há na região. A imersão
nesse tipo de experiência gera aprendizados pré-reflexivos e reflexivos.
O pneu furado, a febre do Alan, a subida da Serra, a cerveja gelada,
o sorriso das crianças e a nossa satisfação são agora como tatuagens
em nossa biografia. Nas palavras de Le Breton (2015, p. 42), “caminar
reduce la inmensidad del mundo a las proporciones del cuerpo”. E
assim, as mudanças climáticas globais são sentidas em cada músculo e
órgão do corpo-mente.
Todos os entrevistados do Caminho reconheciam, de forma
unânime, as mudanças climáticas como um problema global e
mostravam preocupação, assim como apontou Meira (2008). No
entanto, quando perguntados sobre se a tomada de consciência por parte
deles foi seguida de mudança de comportamento, apenas as professoras
responderam que sim. Eles tampouco sabiam aprofundar o debate
sobre os impactos de seus estilos de vida no clima como a utilização de

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automóvel, o consumo de carne, a calefação da residência e o consumo
de produtos industrializados. Ficou claro que eles têm conhecimento
sobre a gravidade dos desequilíbrios ambientais, mas ainda em um
nível superficial, ao ponto de não terem mobilizado quase nenhuma
transformação em suas condutas diárias. Por outro lado, os relatos de
dificuldade diante das condições climáticas adversas ao atravessar a
meseta foram unânimes. O interessante é que essas perguntas foram
feitas durante o percurso, enquanto suávamos e sentíamos sede debaixo
do Sol de meio-dia.
Sentimos aqui a necessidade de contar ainda parte da vivência
da Elizabeth, uma professora irlandesa de quarenta e dois anos, para
quem o Caminho não foi exatamente o que ela esperava. Nós nos
encontramos pela primeira vez em Calzadilla de la Cueza, também na
região da meseta. Ela já estava caminhando havia cerca de vinte dias,
desde a fronteira da França, enquanto eu estava em meu sexto dia.
Caminhamos lado a lado por muitas horas e nos encontramos ao longo
de vários dias. O ritmo de nossos passos era parecido e nossa empatia foi
grande por compartilharmos a profissão e alguns sonhos educacionais.
Ela é professora de língua francesa em uma escola na Irlanda e sente,
assim como eu, que há uma falência generalizada na educação bancária.
Ela relatou que se permite inovar em sua práxis levando os estudantes ao
parque para a declamação de poesias, dentre outras práticas pedagógicas.
Em uma ocasião, para citar um exemplo, criou coragem, fez uma
parceria com outra professora e levou um grupo de estudantes do ensino
médio para a França. Entretanto, relatou sofrer muitas críticas de seus
colegas professores por se permitir métodos mais criativos. Enquanto
seus estudantes a admiram, ao mesmo tempo em que a consideram “um
pouco louca”, de acordo com suas próprias palavras. Parte dessa fama
vem de suas viagens eloquentes à África, à Oceania e outros recantos da
Terra. Ao longo de nossos diálogos, conversamos sobre a vida, o futuro
da educação, a felicidade e os sofrimentos de cada um. Ao caminhar,
ela estava sentindo fortes dores na cabeça e, frequentemente, uma forte
indisposição no corpo-mente. Alguns dias depois do nosso primeiro
encontro, desmaiou em um vilarejo e precisou de atendimento médico,
que diagnosticou forte desidratação. Estávamos na meseta, essa mesma
região que deixou meu filho Alan com febre por causa das altas
temperaturas e do Sol forte. Após descansar uns dias, ela continuou sua

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travessia. Nos encontramos novamente em um outro albergue. Mas,
nesse dia, estava abalada, chorando compulsivamente porque teria de
desistir da travessia. O médico a havia proibido de continuar porque sua
saúde não havia resistido ao clima quente e árido. Ela deveria voltar ao
seu país e descansar em repouso absoluto para se recuperar. Dias antes,
ela, de forma criativa, durante a entrevista, havia sugerido que os líderes
políticos deveriam fazer o Caminho para que tomassem suas decisões
sentindo na pele as dificuldades do aquecimento global. Essa sugestão
me ajudou a compreender que o retorno ao mundo das experiências,
seja ele filosófico, científico ou pedagógico, é fundamental para uma
percepção aprofundada dos fenômenos relacionados às mudanças
climáticas. Caminhar oferece possibilidades intensas de aprender
sobre o relevo, os animais, as plantas, o clima e a cultura. Vale a pena,
portanto, reiterar a sugestão da professora e cobrar dos líderes políticos
que organizem as cúpulas do clima em locais quentes, empobrecidos,
com fortes injustiças sociais e ambientais. É relativamente simples
discutir a redução das emissões no inverno de Paris ou de Copenhagen.
Eles deveriam agendar essas reuniões para os locais onde há mais
vulnerabilidade ou, quem sabe, vale aqui me arriscar no devaneio de
sugerir a eles debater essas medidas cruciais enquanto atravessam a
meseta espanhola a pé.

CONCLUSÃO: CAMINHAR É PRECISO


Diante das dificuldades encontradas pelos educadores ambientais
na comunicação e na educação sobre as mudanças climáticas, as
caminhadas se apresentam como uma alternativa entre outras que
possibilitam uma vivência direta do mundo, gerando aprendizados
intensos e percepções sobre a gravidade dessa crise climática. Esses
quatro relatos aqui interpretados nos servem como experiências que
demonstram a importância desse retorno filosófico do aprender
dialógico no mundo. Tanto a primeira quanto a segunda vivência
nas montanhas mineiras trazem a possibilidade de comparação das
mudanças climáticas ao longo dos anos, por meio das experiências dos
caminhantes, além do endosso dos relatos dos próprios moradores das
montanhas. O terceiro e o quarto relatos não nos possibilitam esse
tipo de comparação ao longo do tempo, mas ressaltam a intensidade

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do aprendizado de um corpo-mente em movimento indissociável na
paisagem. Esse retorno do aprender aos fenômenos pode seguramente
contribuir para tornar visível, por meio da percepção intensa dos
caminhantes, as invisibilidades das mudanças climáticas.
É também por meio desse retorno ao mundo que (em nossa opinião)
é possível pensar alternativas pedagógicas para a superação das graves
e complexas crises que formam essa grande encruzilhada civilizatória.
Acreditamos que o desafio de criar sociedades sustentáveis precisa ser
assumido como forma de posicionamento político no mundo, em
busca das necessárias transformações sociais, principalmente do nosso
projeto coletivo de humanidade. A Terra, fenomenologicamente,
não é somente nossa casa comum, mas é nossa própria carne. Nós,
indissociáveis dos outros, dos animais, das plantas e das pedras, somos
o próprio planeta. Nesse sentido, caminhar pelo Caminho de Santiago,
pela Serra do Espinhaço ou por qualquer outra paisagem, é compreender
essa interdependência, aceitar o movimento incessante da vida e mover-
se com ela. Caminhar é estar no mundo e aprender no mundo. É neste
sentido que compreendemos que caminhar é preciso e, seguramente,
não recusamos essa travessia.
As caminhadas e a educação ambiental do caminhar podem,
portanto, contribuir como uma possível alternativa pedagógica, dentre
outras, para essa necessária educação para a compreensão das mudanças
climáticas e suas causas políticas. Entendemos que nossa perspectiva,
enquanto educadores e investigadores, deve ser a de resistência. Ao
debater as dificuldades de nossa práxis em relação à hegemonia da
educação bancária, Sato e Meira (2005, p.4) se referem ao ditado galego
que representa nossa compreensão diante da sociedade do progresso:
“Só os peixes mortos não conseguem nadar contra a correnteza”. A
maior parte das pessoas vive suas vidas de uma forma automatizada.
Seguramente não estão mortas, mas sua passividade é tão grande que
não conseguem nadar rio acima, apenas são arrastadas pelo turbilhão
de águas. Entretanto, compreendemos que as travessias, assim como
a educação ambiental devem e podem ser resistências e proporcionar
transformações na forma de pensar, sentir e agir no mundo.

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REFERÊNCIAS
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FERRARO JÚNIOR, Luiz Antônio (Org.). Encontros e Caminhos:
formação de educadoras (es) e coletivos educadores. Brasília, MMA,
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e responsabilidade global. Brasília: MEC, 1992. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/tratado.pdf.
DALLA-NORA, Giseli. A água e a cartografia do imaginário nos climas
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Educação) –Universidade Federal de Mato Grosso.
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LE BRETON, David. Elogio del Caminar. Madrid: Siruela, 2015.
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SATO, Michèle; MEIRA, Pablo; Só os peixes mortos não conseguem nadar
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Brisas e vendavais em Mata Cavalo:
os colapsos climáticos em antíteses
Breezes and gales in Mata Cavalo:
climate collapses in antitheses
Brisas y vendavales en Mata Cavalo:
el colapso del clima en antítesis
Thiago Cury Luiz1
Michèle Sato2

De tarde quero descansar


Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora
[Trecho da canção Vento no litoral, da Legião Urbana]

VENTOS INICIAIS
O fenomenólogo Gaston Bachelard é caracterizado pela sua
filosofia dialética e pelo enaltecimento à imaginação como forma
de buscar o conhecimento. Combinando tais vetores, o pensador
francês redigiu O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do
movimento. A segunda edição da Editora Martins Fontes, publicada
em 2001 e traduzida por Antonio de Pádua Danesi, foi a escolhida
por nós para uma tentativa de compreender as impressões do autor
acerca da epistemologia.

1 Professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato


Grosso, Doutor em Educacao e pesquisador GPEA, PPGE. E-mail: thcluiz@gmail.com.
2 Membro do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA).

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Tendo a imaginação como ponta de lança para compreender
o mundo da vida, é importante, para Bachelard (2001), tomar
entendimento de que a construção do imaginário tem relevância nas
descobertas epistemológicas. Porém, ao contrário do conterrâneo
Maurice Merleau-Ponty (2015), para quem a percepção é fatia
principal de quem anseia o conhecimento, Bachelard não rechaça
as outras instâncias, quais sejam: razão e percepção. Isso porque a
imaginação, em vez de formar imagens, deforma-as, desconstruindo
o que a capacidade perceptiva oferece, numa tentativa de desmantelar
as imagens de primeira mão.
Por isso, não é exagero afirmar que o imaginário, termo tão caro a
Bachelard, é a capacidade de desdobramento da imagem contida em
cada indivíduo cognoscente. “Pela imaginação abandonamos o curso
ordinário das coisas. Perceber e imaginar são tão antiéticos quanto
presença e ausência. Imaginar é ausentar-se, é lançar-se a uma vida
nova (BACHELARD, 2001, p. 3).
Com evidência, quando o mundo exterior é assimilado por
meio dos sentidos que possuímos, ocorre “variação ontológica”
(BACHLARD, 2001, p. 191). De modo inverso, a imaginação está
apta a projetar na realidade a intimidade de quem com ela interage.
Dizemos, então, que na busca pelo conhecimento, quanto mais o ser
humano trafegar entre o real e o irreal, mais bem-sucedido será. Tal
procedimento, Bachelard nomeia de “sublimação total” e “viagem
extrema” (Ibidem, p. 196).
Em razão disso, o autor (2001, p. 7) fala em “filiação regular do
real ao imaginário”, e, assim como nas outras três obras que vinculam
elementos da natureza, traz no bojo do livro atual as metáforas relativas
ao ar. “Toda metáfora contém em si um poder de reversibilidade; os
dois polos de uma metáfora podem alternadamente desempenhar o
papel real ou ideal” (BACHELARD, 2001, p. 55).
Partindo dessas premissas, pretendemos apresentar neste artigo
uma reflexão a partir dos conceitos trazidos por Bachelard na obra
O ar e os sonhos, além de expor a nossa experiência no quilombo
Mata Cavalo, na zona rural de Nossa Senhora do Livramento, com
a realização, em 2018, de processo formativo e seus resultados por
meio de oficina junto à comunidade.

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UM VENDAVAL ONÍRICO DE IMAGENS
Relacionada ao ar, a primeira imagem traçada por Bachelard (2001)
é o voo. Entende-se que para se chegar ao conhecimento é necessário
lançar a imaginação a viagens oníricas, pois só razão e percepção
não são suficientes para cumprir o itinerário epistemológico. “A
imaginação, mais que a razão, é a força de unidade da alma humana”
(BACHELARD, 2001, p. 153).
Por isso, o eixo vertical é preponderante às viagens do ser
humano nos anseios epistemológicos. A subida ao patamar cósmico
é a ilustração metafórica que Bachelard (2001) utiliza para explicar o
valor das imagens nos processos cognitivos, algo que, evidentemente,
não é palpável. E se o céu, bem como o conhecimento, não tem
limite, o indivíduo é quase que induzido à subida. Ou, levando ao pé
da letra, à sanha do conhecimento. Assim, “o céu descolorido, ainda
mais azul, espelho sem aço de infinita transparência, é doravante o
objeto suficiente do sujeito sonhante. Totaliza as impressões contrárias
de presença e afastamento” (BACHELARD, 2001, p. 168-169 – grifo
do autor). Talvez por isso, o autor atribuía à altura uma certa virtude
moral, lembrando também que o voo onírico só ocorre quando
impulsionado pela felicidade.

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Figura 1: Sentido da realidade

René Magritte: Meaning of reality 1963 [Official Catalogue no. 968]


Fotografia: Michèle Sato.

O belga René Magritte (Figura 1) elucida esta viagem no ar, na


levitação e transparência típicas das obras surrealistas. Desafiando
a gravidade, o absurdo torna-se real nas brisas da imaginação. A
suavidade da nuvem toca a dureza da rocha, como se a Terra à deriva
ainda mantivesse seus sonhos aprisionados. Por mais que o colapso
bata nas nossas portas, a chave lacra o sonho, como se nada, nem
ninguém, tivesse o direito de retirar nossa esperança.

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Essa verticalidade pauta o movimento da nossa existência
nas travessias epistemológicas. Se para baixo ou para os lados
há impedimentos aos deslocamentos, acima não existe qualquer
empecilho. Não por outra razão, Bachelard (2001) atribui à imaginação
– ilimitada por excelência – a principal instância responsável por
obter os entendimentos da realidade. Essas transições constantes são
exemplificadas pelo sonho.
O sonho não é instrumental, não se serve de
meios, vive diretamente no reino dos fins; imagina
diretamente os elementos e vive diretamente sua
vida elementar. Em nossos sonhos flutuamos sem
batel, sem jangada, sem nos darmos ao trabalho de
escavar a canos no tronco das árvores; no sonho,
o tronco das árvores é sempre escavado; o tronco
das árvores está sempre pronto a receber-nos para
dormirmos estendidos, num longo sono, certos de
um vigoroso e jovem despertar (BACHELARD,
2001, p. 210 – grifo do autor).

Como tudo aquilo que sobe, cai, a metáfora da queda fará a


antítese com a ascensão. Como o conhecimento se dá por meio de
deslocamentos alternados da nossa existência, voo vertical e descida
ilustram o percurso realizado pela nossa mente que concatena
imaginação, percepção e razão a serviço da epistemologia. Isso explica
a valorização que Gaston Bachelard dá ao lúdico, uma vez que os
nossos sonhos nos definem como agentes no mundo.
O voo onírico de que fala o pensador francês se refere àquele que
fazemos sem sair de onde estamos. A arte é uma forma de conduzir o
indivíduo a viagens existenciais que farão dele alguém mais preparado
para compreender a realidade em que vive. Isso explica o apelo de
Bachelard à arte para demonstrar a força da imaginação cuja finalidade
é conhecer.
Se, como acreditamos, o ser que medita é primeiro
o ser que sonha, toda uma metafísica do devaneio
aéreo poderá inspirar-se na página eluardiana. Nela
o devaneio encontra-se integrado em seu justo lugar:
antes da representação; o mundo imaginado está
justamente colocado antes do mundo representado,
o objeto está colocado exatamente antes do objeto.

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O conhecimento poético do mundo precede, como
convém, o conhecimento racional dos objetos. O
mundo é belo antes de ser verdadeiro. O mundo é
admirado antes de ser verificado. Toda primitividade
é onirismo puro (BACHELARD, 2001, p. 169 –
grifo nosso).

Ao longo do texto, o autor recorre em boa medida a dois filósofos


consagrados da história do pensamento: Platão e Nietzsche. Relativo
ao primeiro, faz menção às reminiscências. Estas, de acordo com o
grego, é a instância pela qual todos os indivíduos passam antes de
nascer, de modo que todo o conhecimento que se dá em vida é pura
e simplesmente uma lembrança do que vivenciou no mundo das
reminiscências. Para Bachelard (2001), esse encontro se desenrolava
no sonho, que nada mais é do que uma viagem aérea, “uma espécie
de luto antes da felicidade” (BACHELARD, 2001, p. 102), já que
as reminiscências são um estágio de vida morta, antecedente ao
nascimento. “O sonho de voo é, para alguns, uma reminiscência
platônica de um sono antiquíssimo, de uma leveza antiquíssima.
Não os encontraremos senão em sonhos pacientes e infinitos”
(BACHELARD, 2001, p. 143-144 – grifo nosso).
O sonho apontado por Bachelard é a metáfora para processos
imaginativos, que, para que sejam bem-sucedidos, devem se
desenrolar com lentidão, de maneira alongada. Por isso, está embutida
na fenomenologia bachelardiana do devaneio a noite, posto que é o
momento do dia em que sonhamos e no qual tudo se desenrola de
forma mais morosa e menos opressora. O percurso onírico permite
ao ser humano pôr a imaginação em movimento, ensejando a
transformação íntima do sujeito. Dessa forma, trafegando em vias
de expansão e profundidade da existência, chega-se ao conhecimento
pelo esforço imputado ao imaginário.
O outro filósofo, este até com maior recorrência, é Friedrich
Nietzsche, o primeiro a reverter a tendência racionalista da Filosofia
e responsável por asfaltar o caminho da fenomenologia inaugurada
por Husserl. O pensador alemão, no que tange aos quatro elementos,
aloca o ar no topo da hierarquia. Para ele, justamente por não viabilizar
nada a nós, o ar, “uma substância sem qualidades substanciais”
(BACHELARD, 2001, p. 136), liberta-nos de tudo e promove o devir.

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Nesse aspecto, a fenomenologia do imaginário bachelardiana
ressignifica o movimento contínuo da existência proposto pelos
filósofos pré-socráticos e recuperado por Nietzsche. Por esse
argumento, o instante passa a ser representativo de cada momento
e lugar, sem que a preocupação em universalizar, em generalizar
conclusões seja relevante. Embora a temporalidade seja um conceito
longe de estar finalizado, o aprisionamento do INSTANTE de vitória
pode ser uma revanche contra a ETERNIDADE do sofrimento. Num
momento pandêmico de sofrimentos, de negacionismos, de políticas
de ultradireita e catástrofes climáticas, uma gota de orvalho pode
trazer um frescor na estação do aquecimento global.
Assim, é possível chancelar que a filosofia bachelardiana rompe
com a lógica racionalista inaugurada por Descartes. O “algo pensa em
mim” (NIETZSCHE, 2001, p. 21) tira do indivíduo o controle sobre
o próprio pensamento, ou seja, o sujeito está submetido a uma força
que não é controlada por ele. Isso atesta que o que pensamos surge sem
qualquer premeditação. “(...) um pensamento ocorre apenas quando
quer e não quando ‘eu’ quero, de modo que é falsear os fatos dizer
que o sujeito ‘eu’ é determinante na conjugação do verbo ‘pensar’”
(Ibidem, p. 26).

BRISAS QUILOMBOLAS:
O IMAGINÁRIO DE MATA CAVALO SOBRE O AR
No primeiro semestre de 2018, o Grupo Pesquisador em Educação
Ambiental, Comunicação e Arte (Gpea) foi até o Quilombo Mata
Cavalo desenvolver uma série de processos formativos junto à
comunidade. Calcada na troca de saberes, a proposta era situar os
elementos bachelardianos na crise climática que afetava o território
quilombola. A dinâmica foi desenvolvida no espaço da Escola Estadual
Professora Tereza Conceição de Arruda, situada no quilombo, e
envolveu estudantes, docentes e habitantes de Mata Cavalo.

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Figura 2 – Pátio da Escola Estadual Tereza Conceição de Arruda

Foto: Michèle Sato.

A formação é iniciada chamando a atenção para alguns elementos


importantes relacionados ao ar. Na comunicação, por exemplo,
usamos as palavras falada e escrita. Mas não é apenas assim que as
pessoas se comunicam: ambientação dos espaços, ou seja, elementos
como figuras, toalhas, recortes, objetos, também “falam”. No próprio
âmbito da escola, há pinturas, letras recortadas, costuras. As imagens,
então, dizem coisas importantes, tanto quanto a fala e a escrita. De
que forma tudo isso pode nos mudar, tendo consciência de que quanto
mais conhecimento temos, melhor nos colocamos diante da vida? Eis
o primeiro questionamento feito pelas formadoras aos participantes.
Na comunicação verbal e na postura corporal, o ar é relevante.
Precisamos dele para falar, pois é o ar que nos permite a oralidade. Do
ponto de vista da respiração, a postura é importante para que a inspiração
e expiração sejam corretas. Além disso, não é só o ser no ar, mas o inverso.
A pergunta é: como nos relacionamos com o ar para a comunicação, para
possuir uma saúde plena? Recorrendo a Bachelard (2001, p. 116),

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A imaginação se designa como uma atividade direta,
imediata, unitária. É a faculdade em que o ser psíquico
tem mais unidade e sobretudo em que ele conserva
realmente o princípio de sua unidade. Em particular, a
imaginação domina a vida sentimental. Acreditamos,
de nossa parte, que a vida sentimental tem uma
verdadeira fome de imagens.

Na primeira atividade, como ar é movimento, a proposta é para que


os participantes leiam textos escritos e imagéticos disponibilizados em
cartazes e varal. A leitura é individual e silenciosa, pois o texto vai dizer
algo para cada um, cuja interpretação deve vir a partir do silêncio.
Escrita e imagem sensibilizam, tanto que ambas estão presentes
no material didático usado na escola, pois são elementos de ensino e
aprendizagem. Trazer essas questões de forma poética tem a proposta
de tocar a sensibilidade de cada participante da oficina. Este é um dos
objetivos da atividade. O outro objetivo é com relação à percepção.
Para isso, os sentidos do corpo contribuem: visão, audição, tato, olfato
e paladar. Como escrita e imagem comunicam, a visão se torna muito
relevante. Os que não têm a visão, se guiam pelos cheiros e sons.
Uma das virtudes na fenomenologia é deixar vazar as sensações da
existência. Como o espelho narcísico, a imagem exterior que se forma
vem de dentro, misturando com o café (Figura 3) adocicado preparado
pela merendeira na cozinha, que deixa rastros da cultura no cheiro
da gastronomia. Sementes, pó, memórias e essências desempenham a
performance da especiaria culinária que o discurso não captura, senão a
linguagem odorífera invisível que toma imensidão existencial tão visível.

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Figura 3: Café

Candido Portinari: Café, 1935


Fotografia: Michèle Sato.

Na sequência, um pano preto é entregue aos participantes para


que vendem os olhos. Porque, de olhos cobertos, descobrem-se coisas
que não seriam descobertas com os olhos abertos. Sendo assim,
há ampliação do conhecimento. Em silêncio, os participantes vão
caminhar pelo ambiente, para que a percepção do ar possa ser mais
ingênua, sem que a visão esteja em atividade. A proposta é sentir o
ar, tendo atenção à respiração. O exercício é importante para que se
experimente a situação de pessoas que não enxergam ou têm a visão
limitada, para que entendamos qual é a relação daquelas pessoas com
o ar. A partir das duas atividades, cada um recolheu determinadas
informações sobre o ar. Essas informações foram solicitadas ao final
da oficina.
O momento seguinte é de leitura de uma poesia composta pela
professora Michèle Sato e a estudante Jenyffer Rondon sobre o clima e
a sua relação com os quatro elementos da natureza:

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AR – aquele que respiro
Principal em minha vida
Mexe minha alma
Equilibra meu corpo

Dá vida a todo ser vivo


Canta na água
Pinta na terra
Dança no fogo
Emoldura no ar

Aquele transparente
Que faz as asas baterem
Os cabelos levantarem
Com força e com delicadeza

Aquele responsável
Pelo equilíbrio dos corpos
Em movimento e repouso

Aquele que faz todos viver,


Mas que nem todos conseguem ver

O clima e os fenômenos
Exigem cuidados
Sem desmatamento da natureza,
Sem poluição das águas,
Sem destruição dos humanos

Vamos cuidar da Terra


Contra os dragões do vento
Nas brisas da esperança.

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Depois, cada integrante da oficina leu trechos de poemas de Manoel
de Barros, que foram entregues em forma de marca-páginas, como em
um dos exemplos: “Se a gente enfiar uma faca no vento, ele nem faz ‘ui’”.
A emergência climática não é percebida pelas pessoas. Nós causamos
as alterações no clima, e os impactos serão muito graves no futuro.
A ciência sabe que o planeta está ameaçado, mas poucas pessoas se
atentam a isso. Essas oficinas têm o intuito de sensibilizar as pessoas,
conforme relato da professora Michèle Sato.
Porém, os efeitos serão sentidos de formas diferentes. Dois
terremotos em 2010, no Haiti e no Japão, com índice de 6.8 e 9 graus,
respectivamente, na Escala Richter. Enquanto no Haiti o número de
mortos se aproximou de 90 mil, no Japão menos de dez mil pessoas
morreram, comprovando que os efeitos das crises climáticas serão
distintos, de acordo com o poder aquisitivo de cada grupo.
Este conceito é utilizado para se referir a disparidades
em termos de impactos sofridos e responsabilidades
no que tange aos efeitos e às causas das mudanças do
clima. Os defensores da Justiça Climática argumentam
que aqueles que são os menos responsáveis pelas
emissões de gases de efeito estufa serão aqueles
que mais sofrerão com os impactos das mudanças
climáticas (FONSECA; MILANEZ, 2011, p. 87).

É possível, então, comunicar este drama por meio da arte? Como


isso deve ser comunicado? Qual a melhor forma? A professora Michèle
alerta que o continente africano, por exemplo, está se dividindo em dois:
uma fissura de 400km na Etiópia, como resultado do colapso climático.
Trata-se de um fenômeno natural como os vulcões, mas ultimamente
todos os eventos “ditos naturais” magnificam-se e intensificam-se em
função das ações humanas em várias ordens. O terremoto do Japão em
2011 ultrapassou a escala Richter, atingindo a magnitude de 9, 3, num
total de 9. Em 2005, o furacão Katrina ultrapassou a escala Simpson
de 5, numa velocidade de 5,6. Embora a tecnologia e os avanços
científicos consigam reduzir as mortes em acidentes, a WMO (2021)
alerta que os desastres estão se magnificando cada vez mais. No Brasil
que era “abençoado por Deus”, intensificam-se os ciclones, trazendo
inúmeros desastres (CATRACA LIVRE, 2020), que não são “naturais”,
mas são provocados pelas atividades capitalistas intensas de alteração

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da Terra pela emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). Os estados de
Rio Grande Sul e Santa Catarina são os estados mais atingidos, com
inúmeros casos de ciclones, trombas de água, tempestades, ventanias e
outros eventos climáticos (Figura 4).

Figura 4: Ciclone em Santa Catarina, BR

Foto: Defesa Civil, Palmitos, SC, 2020. Fonte: Redação da Catraca Livre, 2020
https://catracalivre.com.br/cidadania/ciclone-bomba-causa-panico-e-mortes-em-sc-
fenomeno-deve-chegar-a-sp/

A professora Giseli Dalla Nora lembra que, sem a circulação de


ar – massas de ar frio e quente –, não há as chuvas, e elas só ocorrem
em função dos oceanos, que estão sofrendo elevação da temperatura,
por causa do aquecimento global. Este, por sua vez, ocorre pela ação
humana no planeta. A professora Michèle completa, dizendo que essas
alterações no clima devem gerar grandes fluxos de migração no mundo
todo – migração climática –, uma vez que as pessoas buscarão sobreviver.
Na sequência, é apresentado um trecho do filme “Planeta em Fúria”,
em que a terra começa a ceder a inúmeros vulcões que vão se formando
na cidade, num processo muito semelhante ao que aconteceu no Havaí
à época, mostrado também em um vídeo posterior. Ainda relacionado ao
filme, em outro ponto do planeta, mais especificamente na Ásia, ocorre o

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inverso: uma chuva de pedras de gelo acomete uma cidade. Enquanto isso,
na praia de Copacabana, no Brasil, uma onda de ar frio congela o mar e as
pessoas nas proximidades da costa. Em outros lugares do mundo, furacões
e tempestades de raio se incumbem de destruir as construções e aterrorizar
os seres humanos. Tsunamis em diversos lugares engolem as cidades,
numa clara ilustração dos efeitos catastróficos das mudanças climáticas. A
professora Michèle explica que as alterações do clima são ambivalentes: elas
provocam o aquecimento global e congelamento também.
A metáfora do deslocamento aéreo sintetiza o ir e vir do imaginário,
tão valorizado pela fenomenologia bachelardiana (1997; 2001; 2008a;
2008b; 2013).
Em seu voo onírico, se voltamos ao chão, uma nova
impulsão nos devolve imediatamente a liberdade
aérea. Não experimentamos, a este respeito, nenhuma
ansiedade. Sentimos bem que uma força está em nós
e conhecemos o segredo que a desencadeia. A volta
à terra não é uma queda, pois temos a certeza da
elasticidade. Todo sonhador do voo onírico possui esse
conhecimento da elasticidade (BACHELARD, 2001,
p. 29 – grifo nosso).

A seguir, é apresentada uma série de notícias sobre o clima


veiculadas pela Globo ao longo de cinco anos: enchentes, chuva de
gelo, derretimento da calota polar, ciclones, tornados, seca, barragens
rompidas, queimadas, nevascas, numa menção à ambivalência tão
retratada por Bachelard e já exposta pela professora Michèle. Todas essas
mudanças são causadas pela intervenção humana: consumo, indústria,
agronegócio, atividades que emitem gás carbônico e mudam o clima.
Na atividade prática da oficina, algumas perguntas são direcionadas
aos participantes: O que vocês entendem por justiça climática? Os
desastres poderão ser mais dramáticos porque a população desconhece
as mudanças? Como cada grupo comunicaria? A arte ajuda na formação
do público sobre mudança climática? Por quê? Por fim, cada um deveria
expressar uma mensagem de esperança sobre justiça climática, que será
colada em quatro nuvens dispostas no ambiente da escola.
O primeiro grupo verificou que não existe a justiça climática, o
que existe é a injustiça. Quem mais cuida da terra será afetado pelos
fenômenos da natureza, que já estão ocorrendo. Em segundo, poucas

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pessoas possuem as informações da mídia. Além de pouca quantidade,
ela é distorcida: atribui o problema ao clima e esquece da ação humana.
O grupo entende que o clima alterado é uma reação da intervenção
humana na natureza. No terceiro ponto, a arte-educação ambiental
contribui, mas ela não chega a todo mundo. O problema do acesso à
internet e ao funcionamento da telefonia dificulta o povo do quilombo
nesse acesso. Por fim, o grupo apresenta um desenho (Figura 5): de um
lado o cenário ideal (sol e capim com flores); do outro, a realidade (muita
chuva, apodrecimento da raiz da planta e flores que não se abrem).

Figura 5 – Desenho ambivalente feito por quilombolas

Foto: Michèle Sato

A segunda equipe compreende que justiça climática é a “lei do


retorno”: a natureza devolve para o povo o tratamento que lhe é dado.
Há desrespeito (lixo), além das cidades mal planejadas (esgotos).
Segundo, para mudar o cenário é preciso conscientização, prevenção e

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respeito. A contribuição de cada indivíduo é pequena, mas os principais
responsáveis são as grandes empresas. A resposta para o último
questionamento é que a arte-educação ambiental contribui para haver
justiça climática, pois faz o ser humano refletir.
O grupo 3 julga que precisa ter um olhar voltado para a base. Por
isso, o registro das mãos (em tinta) de alguns participantes e o desenho
dos olhos, ambos em cartolina. Justificam o desenho, pois as mudanças já
chegaram ao quilombo, principalmente no que se relaciona à água. Em
outra ilustração, a comunicação dos problemas seria feita pela educação e
escola, representada por uma boca acompanhada de algumas mensagens:
soberania alimentar, vulcão, tsunami, economia solidária, terremoto,
justiça climática e aquecimento global. A propagação conscientizada deve
ser voltada para o combate de alguns problemas apontados anteriormente.
No outro desenho (Figura 6), arte, tecnologia e escola contribuem na
divulgação sobre os problemas gerados pelas mudanças do clima. Assim,
o planeta é apresentado no centro e, em volta, torre de sinal de TV, escola,
celular e computador como elementos comunicadores.

Figura 6 – Comunicando o colapso climático

Foto: Michèle Sato

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O quarto grupo, formado por estudantes da escola, entende justiça
climática como consciência, responsabilidade, preservação, cuidado e
respeito. O justo seria apenas os causadores sofrerem os efeitos e que
nem todo o planeta sucumbisse. Para comunicar os conflitos, o desenho
de um vulcão em atividade com a mensagem: o mundo paga pela ação
da humanidade. Por fim, apresentam o poema “Vida”:

Não é o clima que está louco,


Nós que estamos acabando com ele aos poucos
Ele não tem culpa
É apenas uma vítima da imprudência do ser
Sem consciência,
Que acaba com o mundo, acaba com a vida,
Engole o planeta e mata a alma.

Ao final da oficina, todos os participantes escreveram uma men-


sagem de esperança ante a emergência climática. As palavras que apa-
receram e que exprimem as angústias do quilombo, compondo o seu
imaginário: ações amorosas; resistência; fé, solidariedade, perseverança;
educação; justiça social, persistência; respeito à vida; luta, empatia, afe-
to; é preciso esperançar; pensar, sentir, agir; seja como um pássaro: voe
e seja livre; herança; cuidado, bom senso; a humanidade amar uns aos
outros como Deus nos amou; não sobrevivemos sem o equilíbrio na na-
tureza; paz, respeito, educação; gratidão; respeito à natureza; acreditar;
educação e respeito; mais políticas públicas desenvolvidas na Educação
Ambiental; respeito; amor, paz, esperança, felicidade para todos, somos
iguais, mais educação; viver e não ter a vergonha de ser feliz; respon-
sabilidade, sonhos; paz, alegria, amor, fé, solidariedade; da mesma for-
ma que a água acolhe abraça a terra, nós devemos abraçar e acolher o
mundo. Devemos ter mais amor e cuidado com algo que nos oferece
muito mais que vida; respeito, amor, paz; arte-educação ambiental; paz,
educação, paz, educação; amor, espiritualidade; amor; reflorestamento.
Conhecíamos a história de Mata Cavalo porque atuamos no quilombo
há 15 anos. E esperávamos que as frases e palavras trariam conotações
religiosas, tendo São Benedito como padroeiro e algumas manifestações
da Umbanda, ainda que velada pela maioria. Contudo, foi uma inesperada
quantidade de 85% das expressões relacionadas com a fé, religião e

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espiritualidade (Figura 7). Não eram palavras ao vento que se esvaem, ou
promessas que jamais serão cumpridas. Mas eram expressões que dançavam
ao movimento do ar, num inusitado dia de brisas que suavizavam o calor
habitual daquele lugar. Sentimos uma emoção de que fé, política e ecologia
são ingredientes intrínsecos à educação ambiental popular.

Figura 7: Palavras dançantes

Foto: Michèle Sato

RESPIRANDO AR FRESCO
A fenomenologia Gaston Bachelard (2001) recorre ao onirismo como
forma conveniada à experiência e à razão para que o indivíduo atinja o
conhecimento. Segundo o pensador francês, sem o funcionamento do
imaginário, antecedente às outras duas movimentações da existência,
consumar o processo epistemológico torna-se uma prática prejudicada.
Assim, o autor pontua diferentes imagens relacionadas ao elemento
“ar”, mostrando como as metáforas dialéticas, ou seja, os itinerários

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opostos simbolizam o tráfego que a nossa existência executa para
desvendarmos a realidade que nos circunda. O caminho do conhecimento
não é um traço uno e linear, de modo que a fenomenologia, a nosso ver,
merece um diálogo teórico e a sua apropriação como metodologia das
incursões que fazemos em campo.
Como Bachelard (2001) propõe uma teoria sobre a episteme,
apropriamo-nos do elemento “ar” para trabalhá-lo no contexto da
educação ambiental e do colapso climático que tem assolado o mundo
neste momento de crise civilizatória. Como a alteração no clima afetará
– e isso já ocorre – os grupos socioeconômicos de forma desigual,
ponderamos ser importante identificar como um agrupamento em
situação de vulnerabilidade avalia o ambiente em que vive.
Para tanto, o Grupo Pesquisador em Educação Ambiental,
Comunicação e Arte (Gpea) realizou processos formativos junto à
comunidade Mata Cavalo, localizada na zona rural de Nossa Senhora
do Livramento, município distante em 50km da capital mato-
grossense, Cuiabá. O processo formativo era um dos objetivos do
projeto internacional “Rede Internacional de Pesquisa em Educação
Ambiental e Justiça Climática (REAJA)”, conjuntamente com os eixos
da comunicação e da investigação científica.
Em comunhão com estudantes, professores e professoras e
habitantes do quilombo, identificamos algumas pistas daquilo que
consideramos o núcleo duro das discussões acerca do clima. Foi
uma vivência da Cartografia do Imaginário (SATO, 2011), que
sem fixar um itinerário a ser seguido, nos convidava a ressignificar
uma fenomenologia da criatividade. Possivelmente entre desacertos
e sabedorias, na dualidade bachelardiana que possibilitava que a
universidade e a comunidade reinventassem trilhas e paradas para que
o imaginário cartografasse nossos desejos de justiça climática.
Depois de apresentados os conceitos sobre mudanças e justiça
climáticas, além da apresentação de vídeos – cinema e jornalismo –
sobre o clima no Brasil e no restante do mundo, os participantes da
oficina foram divididos em quatro grupos e a eles foram propostas
atividades, com a pretensão de expor o imaginário quilombola sobre a
questão climática que envolve o cotidiano da comunidade.
Houve consenso entre os grupos de que as crises climáticas já
chegaram ao quilombo, tendo como maior problema a questão da água.

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Outro ponto levantado pelos participantes é que a alteração no clima tem
o ser humano como responsável direto pela forma como age no mundo.
As equipes entendem que a comunicação e a arte têm papel importante
nos alertas que devem ser feitos para resistir ao colapso que está em curso.
Na última atividade, os integrantes do processo formativo, pelos vínculos
diversos à religião, apoiam-se na crença metafísica de que o cenário pode
melhorar, além de julgarem que uma relação mais amorosa e respeitosa
entre as pessoas e a natureza e a educação como forma de mobilizar os
indivíduos essenciais ao combate às injustiças climáticas.
Mata Cavalo pertence ao rol de mestres que nos ensinam sobre a
educação ambiental popular. A lua surge até durante o dia à estética
singular de um quilombo (Figura 8). É um território que quase não
segrega escola e comunidade, pois os comunitários são estudantes,
professores e funcionários, além de constantes visitas dos moradores
para celebração de festas, reuniões das associações e local sagrado de
aprendizagens, esperançares e educação ambiental.
Figura 8: Lua do Dia

Foto: Michèle Sato

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Referências
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matéria. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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Danesi. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.
BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. Tradução: Paulo Neves. 3.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2008a.
BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a
imaginação das forças. Tradução: Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão.
4.ed. São Paulo: WMF Editora Martins Fontes, 2013.
BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do
movimento. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. 2.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
CATRACA Livre. Ciclone bomba causa pânico e mortes em SC, e deve
chegar a SP. São Paulo: Redação, Catraca Livre Portal e Comunicação LTDA,
01/07/2020. Acesso em 01/07/2020 <https://catracalivre.com.br/cidadania/
ciclone-bomba-causa-panico-e-mortes-em-sc-fenomeno-deve-chegar-a-sp/>.
FONSECA, Igor Ferraz da; MILANEZ, Bruno. Justiça climáticas e eventos
climáticos extremos: uma análise da percepção social no Brasil. Terceiro
Incluído, v. 1, n. 2, jul./dez. 2011. Disponível em: <https://revistas.ufg.br/teri/
article/download/17842/10673>. Acesso em: 04 nov. 2021.
LEGIÃO Urbana. Vento no litoral. Disponível em: <https://www.letras.mus.
br/legiao-urbana/22505/>. Acesso em 04 nov. 2021.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução:
Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 4.ed. São Paulo: Editora WMF Martins
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NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Disponível em: <https://
neppec.fe.ufg.br/up/4/o/Al__m_do__Bem_e_do_Mal.pdf>. Acesso em: 04
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SATO, Michèle. Cartografia do imaginário no mundo da pesquisa. ABÍLIO,
Francisco (Org.) Educação ambiental para o semiárido. João Pessoa: EdUFPB,
539-569, 2011.
WORLD Meteorological Organization. Weather-related disasters increase
over past 50 years, causing more damage but fewer deaths. UN: WMO, 31
August 2021. Retrieved on 31/08/21 <https://public.wmo.int/en/media/press-
release/weather-related-disasters-increase-over-past-50-years-causing-more-
damage-fewer>.

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Liu Arruda e o Teatro:
Contribuições à Educação Ambiental e
à Justiça Climática
Liu Arruda and the Theater:
Contributions to Environmental Education and Climate Justice
Liu Arruda y el Teatro:
Contribuciones a la Educación Ambiental y la Justicia Climática
Ivan Correa do Belém1
Michèle Sato2

INTRODUÇÃO
Objetiva-se neste texto, descrever aspectos culturais referentes
ao teatro praticado por Liu Arruda nos anos 1980, em Cuiabá-MT,
e apontar suas contribuições para a Educação ambiental, que sob
qualquer temática, mas essencialmente sobre a emergência climática,
pode dialogar com as artes cênicas à melhor compreensão e participação
de políticas. Tomamos como ponto de referência o teatro vivenciado
por Liu Arruda, cujas intervenções política e artística, apoiadas em
Augusto Boal, ocasionaram forte impacto na população cuiabana. Liu
Arruda e o Grupo Gambiarra foram importantes para que a cuiabania
enfrentasse e superasse o problema de comprometimento da sua
identidade, ajudando-a a recuperar sua autoestima, passando a sentir
orgulho do seu pertencimento.
O problema que se coloca diante desta pesquisa é descobrir e
anunciar como o teatro interviu sobre a realidade de Cuiabá na década
de 1980, quando se vivenciou, em escala global, um acirramento
da homogeneização com repercussão em todas as instâncias da vida
individual e coletiva, notadamente na cultura e no meio ambiente.

1 Doutor em educação, ator e teatrólogo. E-mail: ivanbelem@gmail.com


2 Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: mchelesato@gmail.com.

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A pergunta de fundo que direciona as análises é: Como o teatro
aliado à educação pode contribuir para o exercício da cidadania e na
construção de um mundo mais justo, fraterno e sustentável?
Diante disso, nos debruçamos sobre a trajetória artística do falecido
ator cuiabano Liu Arruda, um dos líderes do Grupo Gambiarra, que
viveu em Cuiabá-MT, e que, na década de 1980, atuou intensamente
na cena teatral local, seja coletivamente com o Gambiarra, em dupla
ou em espetáculos solos. Sua atuação no teatro fez dele ícone de um
período de inovações artísticas teatrais ocorridas na cidade, sendo,
por isso, o protagonista que deu ensejo a esta pesquisa.
Queremos assim, reconhecer e reafirmar a necessidade do teatro
enquanto elemento indispensável não apenas ao espírito humano,
como também demonstrar que historicamente essa expressão artística
tem atendido a fins ou interesses os mais variados, dependendo
das necessidades de cada sociedade em diferentes contextos ou
temporalidades. Daí ser uma arte em constante transformação,
endereçada a públicos específicos e com fins determinados, seja para
deleite do espírito, mero entretenimento ou ainda para fins políticos
ou educacionais.
Para a leitura das informações de campo, trazemos como arsenal
teórico a Fenomenologia com sustentação em Gaston Bachelard,
a qual afina-se à concebida por Sato e Passos (2006), pois afasta-
se da concepção positivista, que ao visar a obtenção de resultados
quantificáveis e claros, com alguma utilidade, sacrificam a condição
humana. Observam que, no entanto, nossos olhos e sentidos se
voltam à ambiguidade, à precariedade, à criatividade, principalmente
por estarmos inscritos no universo da arte, particularmente o teatro,
buscando criar laços solidários por um ambiente mais justo e
sustentável, sem que para isso tenhamos que nos abdicar da esperança
e da poesia e lembrando sempre que a felicidade implica não
apenas o eu, mas também o outro. Trata-se de pensar o ser humano
integralmente, incorporando ciência e poesia, não com a pretensão
de atingir uma finalidade utilitária e imediata, mas ciente de que este
é um processo de formação que poderemos sofrer se não ousarmos
uma transformação.

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PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa adotou a metodologia da pesquisa participante.
Marques et al. (2006) esclarecem que a pesquisa participante é um tipo
de pesquisa qualitativa, aplicada nas investigações etnográficas e socio-
educacionais, com participação plena do pesquisador na comunidade
pesquisada, geralmente populações empobrecidas e marginalizadas.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Brandão e Borges (2007) acentuam
que este é um instrumento ou um método de ação científica para o
qual não há um modelo único ou uma metodologia específica, mas
apontam que, de modo geral, traz marcado o envolvimento e o mútuo
compromisso social, colocando frente a frente eruditos e populares, ou
seja, portadores de conhecimentos acadêmicos e pessoas da comuni-
dade, considerados polos de atores sociais, agentes de envolvimento,
interatividade e participação.
O pesquisador se coloca como um ser político, social e ideológico
comprometido com a comunidade, pessoas ou grupos e com suas causas,
assumindo claramente a sua presença, participação e comprometimento,
considerando que não há neutralidade científica. Revelam que há
sempre uma dimensão histórica no intuito de reconstruir um passado
próximo, com um olhar entre o presente e o futuro e que não está em
pauta a resolução de problemas locais imediatos, mas sim uma ênfase na
formação de pessoas para que transformem os cenários de suas próprias
vidas e destinos, daí a sua vocação educativa e politicamente formadora.
Para Brandão e Borges (2007), a pesquisa participante é tida como um
instrumento pedagógico de aprendizagem partilhada. Esses autores
observam ainda que esta metodologia possui uma abertura aos mais
variados campos sociais, notadamente os de cunho ambientalista, por
conceber que a vida e a cultura estão entrelaçadas com o mundo, do
qual somos parte e partilhamos e interagimos dialogicamente.
Quanto aos procedimentos metodológicos adotados pela pesquisa
participante, Brandão e Borges (2007) denotam que estes são definidos
a partir das questões e desafios impostos pelas ações sociais, abarcando
inclusive novas ideias e novos paradigmas que possam dialogar e
interagir com antigos métodos, ressaltando que uma das principais
características deste modelo de investigação social é a diferenciação, não
havendo uma tendência única ou dominante.

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O método indica o caminho a ser percorrido pelo pesquisador para
alcançar seus objetivos. Assim a nossa opção foi pela entrevista. Leite
(2008) expressa que a entrevista é uma técnica comumente utilizada na
pesquisa participante e trata-se de um diálogo orientado, cujas informações
serão incorporadas à pesquisa, sendo utilizada quando o pesquisador
necessita de informações que não são encontradas em registros e fontes
documentais, mas que podem ser encontradas por pessoas.
Marconi e Lakatos (1990, p. 85) revelam que as entrevistas
despadronizadas ou não estruturadas estão ainda divididas em algumas
modalidades, tendo eu optado pela “Não dirigida”, pois nela: “Há
liberdade total por parte do entrevistado, que poderá expressar suas
opiniões e sentimentos. A função do entrevistador é de incentivo,
levando o informante a falar sobre determinado assunto, sem entretanto,
forçá-lo a responder.”
Para as entrevistas, optei pelo roteiro aberto que, na definição de
Marques et al. (2006), se constitui em uma característica da pesquisa
qualitativa, e de caráter semiestruturado, porque, segundo esses autores,
um roteiro assim deixa margens às perguntas que poderão surgir no
decorrer da conversa, atingindo a subjetividade dos entrevistados.
Encontrar respostas às minhas perguntas requer, conforme Bachelard
(1996a), um espírito científico que permita ao pesquisador sair da
contemplação de si para ir ao encontro do outro, a fim de poder melhor
questionar, sendo fundamental para isso derrubar obstáculos arraigados
pelo cotidiano, realizar uma catarse intelectual e afetiva, manter a cultura
científica em permanente estado de mobilização, substituir o saber
fechado e estático pelo conhecimento aberto e dinâmico. No entender
do autor, a ciência constrói seu objeto, nunca o encontrando pronto e,
ao encontrá-lo, encontra o sujeito: “O estanho é uma matéria fosca que,
de repente, lança belos reflexos. Basta para isso um raio bem colocado,
uma gentileza da luz, e ele se revela” (BACHELARD, 1996b, p. 64).

TEATRO, CULTURA CUIABANA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL


Edificada no século XVIII, em território Bororo, por conta das
descobertas auríferas, Cuiabá é a capital de Mato Grosso, estado
brasileiro localizado no centro da América do Sul, compreendendo os
biomas: Amazônia, Cerrado e Pantanal, ambos historicamente afetados

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pelas pastagens, monoculturas, pesca predatória, garimpo, mineração.
O nome da cidade, que é também o nome do rio, tem suas origens
entre os indígenas. Dentre as inúmeras versões que tentam explicar a
origem do seu nome, a mais comum é que este advenha de “Ykuiapá”,
expressão de origem Bororo para designar “[...] o lugar onde se pesca
com flecha-arpão”. Mais recentemente encontramos a versão de Costa
e Silva (2007), para quem o nome da cidade seria derivado de uma
corruptela fonética da expressão guarani “Kuyaverá”, ou seja, “lontra
brilhante”, uma referência a essa espécie comumente ali encontrada.
No entanto, Cuiabá só veio a experimentar um intenso processo de
urbanização a partir da segunda metade do século XX, a exemplo do que
ocorreu em outras cidades do mundo. Considerando o fenômeno das
cidades ocidentais no século XX, Secchi (2009, p. 32) conclui que “A
angústia acompanha o século, e a cidade parece ser um dos lugares onde
ela é delineada de maneira mais evidente”. Observa que a ocupação das
cidades se deu de forma tal que ocasionou uma mudança radical em
territórios inteiros, com ênfase na difusão da periferia. Destaca também
que houve um intenso movimento de pessoas, ideias e informações,
marcado também por relações impessoais, anônimas e instáveis.
Hoje, toda cidade, ou todo campo, sofre mutações pelas catástrofes
climáticas. Nos últimos anos, as enchentes no Brasil preenchem as redes
sociais com inúmeras transformações. Os estados da região sul e sudeste
estão sofrendo bastante com ciclones, frio e mudança na paisagem. Faz
tanto frio em Santa Catarina, que há visitas inesperadas de baleias.
O comércio se aproveita do fenômeno promovendo o turismo de
contemplação destes enormes mamíferos3. O teatro pode também
exercer a pedagogia da simulação, aproveitando-se destes fenômenos
para educar, divulgar e comunicar o clima.
Também, Sevcenko (2007) observa que o século XX se distingue
dos demais precedentes por uma contínua e acelerada mudança
tecnológica, cujos efeitos impactaram praticamente todos os setores da
vida no planeta. De tal forma que:

Se somássemos todas as descobertas científicas, in-


venções e inovações técnicas realizadas pelos seres

3 https://casadoturista.com.br/observacao-de-baleias-francas-em-santa-catarina/

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humanos desde as origens da nossa espécie até hoje,
chegaríamos à espantosa conclusão de que mais de
oitenta por cento de todas elas se deram nos últi-
mos cem anos. Dessas, mais de dois terços ocor-
reram concentradamente após a Segunda Guerra.
(SEVCENKO, 2007, p.24).

A década de 1980, período que nos interessa mais de perto, iniciou-


se no Brasil ainda sob o regime autoritário, mas também foi nesta década
que o país teve o seu último presidente militar, na figura do general João
Batista de Figueiredo, cujo mandato se deu entre 1979 a 1985.
O Brasil adentrava, assim, na chamada “Nova república”, que
começou em 15 de março de 1985. Apesar de suas origens conser-
vadoras, possibilitou a instalação de um clima de maior liberdade e
respeito pela cidadania, fazendo ressurgir na sociedade a esperança
por reformas econômicas, sociais e políticas, logo, porém, esvaziada
com o agravamento da crise econômica que se seguiu entre os anos de
1985 e 1986.
Esse mesmo autor denota também que à degradação política,
econômica e social, devesse acrescentar a degradação ambiental. A
Amazônia e a Mata Atlântica sofreram altos índices de queimadas. A
saúde da população das grandes cidades se via ameaçada pelos esgotos
e resíduos industriais que contaminaram as águas dos rios. O uso de
agrotóxicos, muitos dos quais importados e proibidos nos países de
origens, colocaram em risco a saúde da população, obrigada a conviver
com água e atmosfera contaminadas.
Nesse período, mais que o “inchamento” da cidade e a consequente
degradação dos serviços urbanos e da qualidade de vida, os cuiabanos
passaram a enfrentar também profundas mudanças em seu modo de
vida. As inúmeras e profundas transformações ocorridas no cenário
mundial na década de 1980 repercutiram diretamente em Cuiabá,
causando grande impacto sobre a identidade de seus habitantes,
ameaçando sua noção de pertencimento. Trata-se de um fenômeno
mundial” [...] em que as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como
um sujeito unificado” (HALL, 2006, p.7). Havia em curso uma série
de fatos forçando uma ruptura dos cuiabanos e mato-grossenses com

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antigos e sólidos modos de vida, criando rivalidade entre as identidades
ocupantes de um mesmo espaço geográfico.
Vivendo num ambiente globalizado, os cuiabanos experimentam,
de acordo com expressões de Bauman (1999), uma progressiva
segregação espacial e exclusão. Observo que, se anteriormente era quase
imperceptível a distinção entre pobres e ricos, em Cuiabá, essas linhas,
porém, passaram a ser bem demarcadas espacialmente. A especulação
imobiliária empurrou para a periferia os habitantes do centro da
cidade, expondo as desigualdades sociais, a degradação humana. Sem
oportunidade de escolha, viram-se diante de um ambiente novo, repleto
de hostilidade, morando em locais distante do trabalho e de estudos,
sem infraestrutura e com transporte público deficiente. Vizinhos de
muitos anos e parentes próximos dispersaram-se. Não vivenciavam
mais a cidade: passavam por ela. Expulsos e excluídos passaram a viver
fora da cidade, num clima de insegurança e medo.
Não bastasse tudo isso, os cuiabanos ainda eram vistos pelos imigran-
tes como seres estranhos, recebendo, por parte deles, tratamentos hostis
e escarnecedores. Vistos como alienígenas, eram incompreendidos em
seus modos de agir e, sobretudo, de falar em seu próprio território. Um
povo outrora considerado hospitaleiro, se fechou, então, ao contato com
o outro, pois o hábito de receber bem um estranho passou a ser conside-
rado como ingenuidade, provincianismo. Diante disso, alguns passaram
a camuflar características culturais mais evidentes do seu pertencimento,
como o sotaque e expressões idiomáticas, num processo de invisibilidade,
para não se tornar alvo de chacotas, em flagrante atitude defensiva.
Com as redes sociais e a crise civilizatória, percebemo-nos hostis,
caindo por terra a velha teoria do brasileiro simpático e hospitaleiro.
Agressivo e por vezes invasivo, o número de violências revela, com
bastante lucidez, de que a humanidade está em crise!
É então, a partir desse momento, durante da década de 1980, que surgiu
o Grupo Gambiarra fazendo o enfrentamento dessa problemática com uma
proposta de teatro de cunho político, inspirado no Teatro do Oprimido de
Augusto Boal. O criador desse método teatral argumenta que:
Entre os humanos, a luta pelo espaço é luta por todos
os espaços: físico, intelectual, amoroso, histórico,
geográfico, social, esportivo, político... Há que se
inventar seu antídoto: a Ética da Solidariedade, cuja

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construção terá que ser obra da incessante luta dos
próprios oprimidos, e não dádiva celeste: do céu, cai
chuva, neve e gelo, eventualmente, bombas e foguetes,
mas não mágicas soluções. Estamos entregues a nós
mesmos e temos que aceitar a nossa condição com
a cabeça nas alturas, os pés no chão e mãos à obra.
(BOAL, 2009, p. 16).

Aliás, segundo Paredes (2008, p. 176), “O teatro tem uma longa


história em Cuiabá”, tendo forte presença desde o surgimento do seu
povoamento. Recorrendo a essa tradição, mas dando-lhe um enfoque
político e progressista, os artistas cuiabanos utilizaram o teatro para
responder às questões de seu tempo, às voltas com uma política
desenvolvimentista que não mobilizou a educação e a sustentabilidade
para um convívio mais amigável e desconsiderando usos, costumes,
tradições, línguas e crenças, gerou um clima de inferioridade, autoestima
baixa, temor e perplexidade entre os nativos. Para os recém-chegados,
os cuiabanos eram seres preguiçosos, lentos, passivos e sem ambição.
A ocupação da Amazônia, impregnada desse desejo moderno de
dominar a natureza para dela extrair recursos financeiros, trouxe junto a
crise climática e o aniquilamento de culturas. Paredes (2008) considera
ainda que esse modelo de desenvolvimento estava pautado no crescimento
da riqueza, aumento da concentração de renda, aprofundamento da
degradação ambiental, além de legitimar a destruição de culturas.
Desse modo, a cuiabania enquanto um modo de ser e de se estar
no mundo, estava ameaçada de desaparecer. A busca pela posse da
terra estava, dessa maneira, dissociada de seu papel social, pois não
havia a mínima preocupação de proteger o ambiente natural e nem as
culturas a ele conectadas. O cuiabano, que sempre teve a fama de ser
um povo hospitaleiro, sentiu na pele que o convívio com os imigrantes
não era de respeito mútuo. Cox (2008) afirma que os imigrantes que
chegaram em Cuiabá, chegaram sedentos da profecia emissária do
ocidente, para cultivar não só a natureza selvagem, mas também a
presumida barbárie que era a cultura mato-grossense. Com esse espírito
missionário, interpretam a língua local como uma língua estropiada,
e, bem-intencionados, desejam corrigi-la. Enfim, a convivência entre
os mato-grossenses de chapa e cruz e os paus-rodados é marcada por
embates culturais de toda ordem.

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A autora afirma ainda que o cenário linguístico mato-grossen-
se, até então aparentemente homogêneo, tornou-se absolutamente
heterogêneo com o intenso fluxo migratório desse período, receben-
do uma leva de gaúchos, paranaenses, mineiros, catarinenses, pau-
listas, nordestinos, entre outros. Ela diz ainda que os recém-chega-
dos consideravam a fala cuiabana “horrível”, “esquisita”, “estranha”,
“caipira”, entre outros adjetivos pejorativos, fazendo-os sentirem-se
envergonhados por expressarem a sua língua materna: “[...] cuiaba-
nos enunciam o sentimento de massacre, agressão, desrespeito, me-
nosprezo, ridicularização, estigmatização em relação à sua alteridade
linguística, vivido por eles no encontro com o colonizador” (COX,
2008, p. 36).
Carvalho (2014) anuncia que, por cerca de dois séculos e meio,
partiu de Cuiabá a influência cultural que se espalhou por todo o
Mato Grosso, sendo que quando aqui se implantou o colonizador,
havia uma língua geral, “[...] uma mistura grosseira do português
seiscentista com expressões do tupi-guarani" (p.6), mesclando-se com
expressões indígenas e uma variedade de castelhano, posteriormente
incorporando contribuições africanas. Para o autor, ainda hoje se
encontra em Cuiabá uma fala de influência seiscentista e que o jeito
particular de nossa fala, longe de ser um vício de linguagem ou uma
linguagem marginal, deve ser visto como marca da nossa identidade,
resultado de um longo processo histórico.
Esclarece também que a perda do sotaque cuiabano não se deu em
decorrência de uma necessidade de comunicação, ou por uma possível
dificuldade no entendimento do discurso, mas por uma imposição da
modernidade, ressaltando que essa imposição muitas vezes é acolhida
por muitos dos próprios falantes, movidos por um sentimento de in-
ferioridade. Observa, porém, que, embora tenha suas especificidades,
o falar cuiabano não deixa de estar ligado a uma construção linguística
nacional, pois faz a diferença dentro da unidade.
O teatro, um patrimônio da humanidade, com longa tradição
na cidade, foi a linguagem escolhida por um grupo de artistas locais
engajados para intervir nesse contexto em Cuiabá, inspirados por um
teatro de cunho político com o intuito de fazer intervenções sociais,
seguindo uma tradição artística que remonta ao século XIX.

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LIU ARRUDA, SEU TEATRO E CONTRIBUIÇÕES PARA
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Na década de 1980, o teatro profissional brasileiro se concentrou
exclusivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, e vivenciou uma de
suas maiores crises. O crítico Fernando Peixoto (1986) observou que se
tratava de uma crise econômica e ideológica com interpenetrações tanto
no público quanto nos atores e demais profissionais da área. O público
não se sentia atraído pelos espetáculos, cujo estilo de interpretação
seguia o padrão televisivo. Quanto aos artistas, encontravam-se
insatisfeitos e entediados diante de um panorama teatral monótono,
repetitivo, cansado e cansativo, sem contar o medo da falência, uma
vez que a inflação elevou o preço dos ingressos para além dos limites.
O crítico observou também que apesar da censura ainda existir, perdeu
sua força de humilhar e castrar os artistas, mas surpreendentemente o
teatro profissional perdeu o vigor de contestação, não mais levantando
e discutindo os problemas do país.
No entanto, à margem desse teatro profissional, o crítico detectou
não apenas nas periferias do Rio de Janeiro e São Paulo, mas nos demais
estados brasileiros, um movimento, embora desorganizado e confuso,
de pessoas fazendo um teatro estimulante e politizado. Enfim:

Sintetizando um panorama, 80 pareceu mostrar a


vitalidade dos grupos jovens, o esforço entusiástico
e muitas vezes surpreendente de experiências de
comunidades de bairros e associações de periferia,
a busca incessante de um teatro que recusa o
profissionalismo e se dirige às camadas menos
favorecidas da população. (PEIXOTO, 1986, p. 210).

Em Cuiabá, durante a década dos anos 80, o Grupo Gambiarra,


do qual Liu Arruda foi um dos líderes, cumpriu bem esse papel, ao que
o autor supra se refere, fazendo intervenções por meio de um teatro
político, inspirado em Augusto Boal, pautado num humor ácido,
escrachando as autoridades locais. Num momento de acirramento das
lutas sociais, o Gambiarra se manifestou como uma das poucas vozes de
resistência e rebeldia, expressando os anseios, os sonhos, as críticas e os
protestos das vozes populares, tendo a rua como palco.

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O Grupo Gambiarra era formado por jovens com pouco mais de
vinte anos de idade, com formação acadêmica ou cursando faculdade,
todos cuiabanos. No princípio dos anos 1980, Liu Arruda e Meire
Pedroso ao retornarem a Cuiabá, depois de alguns anos estudando fora,
se uniram aos conterrâneos: Mara Ferraz, Wagton Douglas, Claudete
Jaudy, Augusto Prócoro, Vital Siqueira e a este pesquisador, em torno
de um projeto cênico. Maria Teresa Prá Buzignani e Roberto Villas Boas
eram os únicos não cuiabanos do elenco. Todos os artistas do grupo
vinham de experiências com o teatro convencional, embora tivessem
vivências com as expressões populares cuiabanas, e simpatia pela arte
circense, mas tinham o desejo de realizar um teatro mais engajado e
popular, com ênfase na produção coletiva. Queriam ousar mais, tanto
no formato das peças quanto na produção delas e no gerenciamento do
próprio grupo, sem hierarquia entre as funções e as responsabilidades.
Esta foi oportunidade que esses jovens atores e atrizes tiveram para
experimentar uma prática comum a muitos grupos de teatro brasileiros
que, desde os anos 1960, vinham tentando encontrar modos diferentes
de fazer e atuar cenicamente.
Dedicando-se ao teatro de rua, esse grupo subvertia a ordem sob
diversos aspectos. Raramente era o espectador que se deslocava para
assisti-lo. Eram os atores que se deslocavam para onde estava o público.
As praças centrais da cidade com seu frenético movimento de vai e
vem nos horários comerciais, eram invadidas por um bando de atores
com figurinos espalhafatosos, usando maquiagens coloridas, às vezes
acompanhados por uma banda de música. Em algumas ocasiões,
homens vestiam-se de mulheres e vice-versa. Chegavam cantando e
dançando. Logo estava formada a grande roda, composta por atores e
transeuntes que, em sua maioria, jamais tinham assistido a uma peça de
teatro, pois nunca tiveram a oportunidade de frequentar uma sala de
espetáculos. Durante o tempo em que durava a encenação, cerca de 40
minutos, executivos, office-boys, donas de casa, cobradores, vendedores
ambulantes, dentre outras categorias de trabalhadores, interrompiam
suas atividades e paravam para assistir ao teatro.
No Grupo Gambiarra não havia um diretor. Todos se dirigiam. Mas
à frente estavam, além do pesquisador, Liu Arruda e Meire Pedroso. Os
textos encenados eram sempre escritos ora pelo trio, ora por autores
regionais, sendo Luiz Carlos Ribeiro, dramaturgo, ator e diretor mato-

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grossense, o colaborador mais assíduo. E abordavam assuntos pertinentes
ao universo daquela plateia, transmitidos em linguagem simples, com forte
apelo ao sotaque cuiabano e às expressões linguísticas locais. Dessa forma,
estava garantida uma plateia maciça para suas peças, nas quais os políticos
e as personalidades locais e até nacionais eram ridicularizados, graças a
um gênero teatral de essência genuinamente mato-grossense, filiado à
comédia. Era um teatro engajado de forte apelo popular, pois inspirado no
linguajar cuiabano. Praticava-se um humor ora cáustico, ora escrachado,
para tratar de questões daquele período. Eram peças teatrais apresentadas
geralmente em espaços alternativos, como bares, boates e praças, sem
abandonar as salas de espetáculos tradicionais. Nos períodos de campanhas
eleitorais, satirizavam os candidatos e suas plataformas apresentadas na
televisão durante o Horário Eleitoral Gratuito, em espetáculos geralmente
apresentados em bares, obtendo grande repercussão na sociedade.
E assim, personalidades políticas locais e nacionais eram quase
sempre personagens centrais nas encenações. Revelando suas atitudes
corruptas e desprezíveis, eram ridicularizadas em praças públicas,
fossem em apresentações espontâneas ou datas comemorativas, como
Dia da Mulher, ou ainda em greves, movimentos populares, como
Diretas Já, ocasiões às quais o grupo sempre se fazia presente, atraindo
multidões muitas das quais nunca tiveram a oportunidade de assistir a
uma peça de teatro.
Foi por intermédio do teatro levado às ruas pelo Grupo Gambiarra
que a multidão, dispersa e apressada, encontrou meios de vivenciar as
questões relevantes para a cidade de Cuiabá, apropriando-se dos seus
espaços e sentindo-se pertencente a eles. Transeunte algum conseguia
ficar indiferente. O centro nervoso da cidade parava por alguns instantes
para assistir as apresentações, debaixo de um calor de quase 40 graus.
A intervenção artística de resistência, crítica e de denúncia, possibilitou
que a multidão deixasse de se sentir isolada, passando a perceber que
estamos todos juntos. A apatia cedeu lugar à tomada de consciência
e ao pertencimento. E o teatro faz-se agente da compreensão de que
“Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de
forma neutra” (FREIRE, 2007, p. 77).
Com o teatro o Grupo Gambiarra pôde demonstrar também toda
sua capacidade de indignação e mobilização social, sensibilizando e
influenciando as massas. Houve uma reapropriação e recriação da

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tradição. Estava-se em um período de teatro de grupos da criação
coletiva, em que se rejeitava o personalismo, ou os talentos individuais.
O importante era sobressair o grupo e não um ator ou uma atriz, e
havia sempre uma causa a ser defendida.
O ator cuiabano Liu Arruda surgiu nesse período, tornando-se,
mais tarde, um símbolo da chamada cuiabania e desse movimento,
pois interpretava inúmeros personagens com acentuadas características
locais. Mas Liu Arruda não pode ser visto de forma isolada. Podemos
dizer que ele fazia parte de uma rede e tornou-se um ícone dela. E essa
rede fazia oposição à hegemonia, pelo caminho do sensível, ou seja, por
meio do teatro. Era uma rede informal, mas intencional.
Essa rede da qual Liu Arruda participava reunia, além de atores,
cenógrafos, figurinistas, bailarinos, dramaturgos, compositores,
músicos, produtores culturais, artistas plásticos, bailarinos, enfim,
artistas e animadores culturais, todos cuiabanos ou com longos anos de
vivência na capital de Mato Grosso, tendo, portanto, identidade com
ela e, consequentemente, com o grupo. Essas pessoas possuíam uma
convivência estreita entre elas.
Esse grupo estaria, no entanto, gestando o que eu chamo de
Movimento Tchapa e Cruz, como resposta ou tática de enfrentamento
da homogeneização ameaçadora da identidade cuiabana em um
período de mudanças bruscas e radicais, valorizando e defendendo o
patrimônio cultural local. Diante de uma nova realidade, clamando por
novos enfoques capazes de contribuir para a transformação social, foi o
teatro que possibilitou uma forma nova de ação coletiva e engajamento,
além de propiciar a emergência de novos atores sociais e seus respectivos
empoderamentos. E, desse modo, se construiu a cidadania e se fortaleceu
a democracia, por meio da participação.
O teatro problematizou os conflitos e os dualismos, possibilitando
uma convivência mais saudável entre os diferentes culturalmente, na
qual o outro deixou de ser visto como uma ameaça à sua identidade.
O desafio passou a ser o mesmo que imposto à toda a humanidade:
enxergar-se como pertencentes à mesma raça, a humana, partilhando
o mesmo planeta, habitando a mesma casa, onde todos assumam o
compromisso de zelar por ela, já que temos todos um destino comum,
onde todos possam ter o compromisso de mudar o rumo de destruição
para o qual todos os indícios nos levam a crer.

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O teatro enquanto instrumento de transformação, que não é
valorizado pela educação e nem tampouco pelo movimento ambiental,
foi usado pelo Grupo Gambiarra para tentar romper com esse projeto
homogeneizador, defendendo seu direito à diferença, resistindo. Para
Boal (1977), o teatro deve responder sempre a necessidades sociais
bem determinadas e a momentos precisos, além de falar diretamente
à consciência do povo. Embora pregue que o teatro deva ir onde o
povo está, ou seja, nas ruas, não significa, porém, que o povo não deva
frequentar as confortáveis salas de espetáculos. O mais importante
de tudo é que: “O teatro deve modificar o espectador, dando-lhe
consciência do mundo em que vive e do movimento desse mundo. O
teatro dá ao espectador a consciência da realidade; é ao espectador que
cabe modificá-la” (BOAL, 1977, p. 22).
E, dessa forma, o Grupo Gambiarra criou táticas para reagir a essa
onda de descaracterização cultural de Cuiabá, que impactou negativamen-
te sobre a sua identidade, causando mudanças em seus hábitos e com-
portamentos. Abordava as mazelas sociais sempre com humor cáustico,
devastador, fortemente pautado na identidade de sua gente. O teatro em-
preendido por esse grupo de jovens artistas cuiabanos, contribuiu para
que a população pudesse olhar e vivenciar toda essa problemática de for-
ma crítica. Era político sem ser panfletário, era rebelde, não queria passar
uma mensagem, nem ensinamentos ou doutrinas. O que pretendia era
desestruturar uma ordem, contestá-la. Não almejava um teatro correto,
arrumado, elegante. Ao contrário, flertava com a estética da feiura, ao
usar abundantemente o sotaque cuiabano num contexto em que este era
desprestigiado, não economizava nos palavrões e nem na maquiagem, ho-
mens se vestiam de mulher, mas não queriam parecer mulher, não faziam
questão de se apresentar em salas de espetáculos, embora não o abando-
nassem totalmente. Elegeram a rua como palco.
Reunindo esses ingredientes, o Gambiarra implantou o novo e, assim,
tornou-se vanguarda no teatro mato-grossense. Tomando como ponto de
partida a tradição popular e mesclando-a às referências do teatro mundial,
mesclou linguagens diversas. Não copiou, nem citou, mas se reapropriou
dessa tradição, fazendo uma releitura, criando um teatro engajado, no qual
se estabeleceu estreita relação entre arte, política e vida. E, dessa forma, se
aproximou do outro, porque falou aquilo que ele gostaria de dizer, mas
não encontrava audiência. Era impossível ao espectador ficar passivo, pois

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era provocado o tempo todo. A relação entre artista-espectador tornou-
se, por isso, muito próxima, e aí desapareceram as fronteiras entre arte,
política e vida. A vida foi vista de forma reinventada, porque recebeu um
tratamento estético, momento em que produziu sensações. O público
certamente entendia que não se tratava de uma representação fiel do
mundo, pois sabia que era teatro, um teatro que remetia à sua realidade,
ao seu mundo, mas que, ao mesmo tempo, questionava essas fronteiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prestes a completar 300 anos de fundação, Cuiabá enfrentou sérios
e gigantescos problemas que comumente atingem as grandes cidades
brasileiras, cujos impactos recaem de forma desigual, com maior agravo
sobre a parcela empobrecida da população, em decorrência da forma
perversa em que tem se dado o uso e a ocupação do seu território,
ocasionado pelo processo de profundas transformações agrárias
ocorridas na segunda metade do século XX.
Hoje a ameaça do aumento da temperatura, numa capital famosa
pelo calor escaldante, não ameaça apenas a cultura local, senão sua
própria morte. A queima global trará inúmeros prejuízos, inclusive
econômicos, que é a raiz do problema climático. Apresenta também,
outros migrantes climáticos, originários de países como o Haiti,
que teve um terremoto que desestruturou a economia. Embora os
migrantes latinos não percebam a crise climática, os migrantes asiáticos,
como vietnamitas ou indonésios enxergam o colapso climático porque
sofreram estas catástrofes em seus países.
Essa massa de imigrantes encontrou em Mato Grosso, uma
realidade socioambiental repleta de conflitos e mortes por disputa de
terra e água para a manutenção de monoculturas, sendo uma constante
a ameaça à vida pelo uso abusivo de inseticidas, fungicidas e herbicidas,
que contaminam o ar, a terra, a água e os alimentos, além da grande
incidência de trabalho escravo. Deslocando-se para Cuiabá em busca
de melhores condições de vida, a população imigrante não consegue
ser absorvida pelo mercado de trabalho, e passa a viver na periferia, em
áreas degradadas, no mais das vezes sem rede de esgoto e nem coleta
de lixo, além da água contaminada, ausência de lazer e saúde, enfim
exposta a todo tipo de violência.

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Diversos autores aqui estudados são unânimes em defender que a
superação da problemática socioambiental passa necessariamente por
profundas mudanças na organização do conhecimento que, pautado na
razão e opondo ostensivamente seres humanos e natureza, não conseguiu
impedir e nem tampouco superar o avanço da injustiça e a real ameaça de
colapso do planeta. Permanecer nesse modelo epistemológico fragmentador
equivale a praticar um comportamento morto, conforme o conceito de
Boal, no qual passivamente se repete e se reproduz infinitamente, sem
criatividade e, portanto, com pouca chance de transformação.
Não há que se temer a complexidade e o movimento. Eles são
inerentes à vida e à construção do conhecimento. É preciso ousar para
revertermos a situação a que chegou o planeta. O processo de construção
do conhecimento não deve se limitar ao cérebro, mas envolver o corpo
todo, com todos os seus sentidos, emoções, criatividade, e prazer em
jogar e criar, por intermédio de vivências, dinâmicas e oficinas. Fazer
teatro é experimentar, jogar, saborear, se envolver com o mundo,
com as causas do mundo. É inquietar-se com o que acontece ao seu
redor, é também indignar-se e movimentar-se para que este seja outro
mundo. É apreender o mundo, explorá-lo com outro suporte que não
o tradicional ato de leitura e escrita. É um mundo de possibilidades
que se abre às descobertas de si mesmo, do seu corpo, da sua voz e
também de descoberta do outro. Sem cobranças do tipo comum às salas
de aula, o teatro é um jogo, sem competições e sem concorrências. É
um mundo provocativo, às vezes, tenso. Mas o que move os envolvidos
é o processo criativo e lúdico de se desenhar o mundo que queremos
construir. Juntos. Fundamentalmente juntos.
Tais fatores, além de nos levar à necessidade de uma profunda reflexão
sobre o papel exercido pela pesquisa e pela educação, apontam para a
urgência de religar o ser humano à natureza, à arte e à vida, mediada
pela educação, contemplando todos os saberes. E, assim, ciência,
arte, ser humano e ambiente se complementam, enriquecendo nossas
reflexões, estimulando ações militantes e ideológicas, sensibilizando,
possibilitando que expressemos nossas emoções, oferecendo táticas para
lutarmos pelo nosso direito ao sonho.
A trajetória artística de Liu Arruda e do Grupo Gambiarra evidencia
que o teatro é uma poderosa linguagem que possibilita a ampliação e
participação, capaz de gerar transformações individuais e sociais, nas

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quais as pessoas se sintam pertencentes à sua comunidade e recuperem
sua identidade de cidadãos e cidadãs planetários, assumindo o compro-
misso, a responsabilidade e o cuidado com todas as formas de vida.
Estamos diante de um saber que não adveio da escola, mas
conquistado coletivamente no seio de um grupo de jovens sonhadores,
reunidos em nome do teatro, com as bênçãos de Dioniso. Certamente
foi por intermédio desse olhar sensível e afetuoso que brotou o sentido
do cuidado e da responsabilidade, cujos exemplos nos foram dados por
Liu Arruda e o Grupo Gambiarra. Cuidado e responsabilidade com a
sua comunidade, lugar onde viveram seus antepassados, onde viveram
e vivem esses artistas e onde, possivelmente, viverão as novas gerações,
num ambiente sustentável, onde reine a paz e a justiça socioambiental.

REFERÊNCIAS
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uma psicanálise do conhecimento. 2. ed. Tradução de Estela dos Santos
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Colapso e Justiça Climática

Eichwaldmond, “Rio Xingu”.

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Educação Ambiental Popular e Mudanças Climáticas:
Exclusão, Vulnerabilidade, Resistência e Rebelião
na Construção de Sociedades Sustentáveis
Popular Environmental Education and Climate Change:
Exclusion, Vulnerability, Resistance and Rebellion in Building
Sustainable Societies
Educación ambiental popular y cambio climático:
exclusión, vulnerabilidad, resistencia y rebelión en la
construcción de sociedades sostenibles

Marcos Sorrentino1
Simone Portugal2
MichèleSato3

O pintor social crê ser o intérprete do povo, mensageiro de seus


sentimentos.
É aquele que deseja a paz, a justiça, a liberdade.
É aquele que crê que os homens possam
participar dos prazeres do universo.
Ouvir o canto dos pássaros.
Ver as águas dos rios que correm fecundando a terra.
Ver o céu estrelado e respirar o ar das manhãs sem nuvens.
Sem nenhum outro pensamento senão o de fraternidade e paz.
Homens vivendo em clima de justiça.
Onde não haja meninos famintos.
Onde não haja homens sem direitos.
Onde não haja mães chorando e velhos morrendo ao desabrigo. (Portinari)

1 Prof. Dr. Sênior Oca/USP e visitante na UFBA. E-mail: sorrentino.ea@gmail.com


2 Mestrado em Educação pela Universidade de Brasília. E-mail: siportugal.51@gmail.com.
3 Profa. Dra. UFMT/GPEA – Brasil. E-mail: michelesato@gmail.com

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Que seria deste mundo sem militantes? Como seria a condição humana
se não houvesse militantes? Não porque os militantes sejam perfeitos,
porque tenham sempre a razão, porque sejam super-homens e não se
equivoquem…Não, não é isso. É que os militantes não vêm buscar a
sua, eles vêm deixar a própria alma em troca de um punhado de sonhos.
Porque, ao fim e ao cabo, o progresso da condição humana requer,
inapelavelmente, que existam pessoas que se sintam no fundo felizes em
gastar sua vida a serviço do progresso humano. Porque ser militante não
é carregar uma cruz de sacrifício, é viver a glória interior de lutar pela
liberdade no sentido transcendente. (Mujica).

Utopia ecológica, realista e democrática. É realista porque se assenta em


um princípio de realidade que é crescentemente compartilhado (...).
Por outro lado, a utopia ecológica é utópica, porque para sua realização
pressupõe a transformação global não só dos modos de produção, mas
também do conhecimento científico, dos quadros de vida, das formas
de sociabilidade e dos universos simbólicos e pressupõe, acima de
tudo, uma nova relação paradigmática com a natureza, que substitua
a relação paradigmática moderna. É uma utopia democrática porque
a transformação a que aspira pressupõe a repolitização da realidade e o
exercício radical da cidadania individual e coletiva, incluindo nela a carta
dos direitos humanos da natureza. É uma utopia caótica, porque não tem
um sujeito histórico privilegiado (...). (Boaventura de S. Santos)

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IDADE ETERNIDADE DIVERSIDADE
TRANQUILIDADE HUMANIDADE

FLORESCER
FLOR E SER
ALVORESCER
ÁRVORE
FLOR
SER
T
E
R
N
A

Marcos Sorrentino

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DIAS EM SEGUIDA
Marcos Sorretino

estoit il lors temps de moy taire?


françois villon

vida — a que me convidas?


aos becos sem saída,
às noites mal dormidas,
à esperança perdida,
ao dano dos inseticidas,
à brasília podrida,
à fé de n. s. aparecida,
às ideias traídas,
às poesias reunidas,
às migalhas do rei midas,
às verdades não vividas,
aos dias em seguida?

vida — a que me condenas?


à retribuição das penas,
ao riso das hienas,
aos banqueiros da onzena,
ao assassino de viena,
à boa alma de mecenas,
ao remorso de madalena,
ao socorro da sirena,
ao torpor das cantilenas,
à calvície de melena,
ao destino das antenas,
a morrer apenas?
(Régis Bonvicino)

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INTRODUÇÃO
As epígrafes e a foto com a poética que inicialmente acompanham
este texto remetem para o fio condutor do presente artigo: as diversas
formas de exclusão social e sua relação com as distintas situações de
vulnerabilidade, inclusive as decorrentes das mudanças climáticas
e socioambientais globais. Objetiva-se incentivar o diálogo sobre o
potencial papel da Educação Ambiental (EA) de impulsionar a busca
por sentidos existenciais que propiciem a resistência e a rebelião na
construção de Sociedades Sustentáveis.
Notícias sobre aquecimento do clima e sobre mudanças
socioambientais globais têm causado um sentimento de perplexidade
em diferentes setores da sociedade. Percebe-se a importância da questão,
mas não se visualiza canais de ação, individuais e coletivos, que possam
efetivamente contribuir para evitar os desastres alardeados.
Analistas apontam que os impactos das mudanças climáticas
serão fortemente sentidos, especialmente entre as populações mais
vulneráveis, por habitarem áreas nas quais os riscos de eventos climáticos
extremos são maiores – fundos de vale, encostas de morros, regiões
áridas e semiáridas, por exemplo – e por terem menores condições
econômicas, educacionais, institucionais e políticas para se adaptarem
e/ou mitigarem os impactos de tais mudanças.
Ao mesmo tempo, há grupos econômicos mapeando as
oportunidades das mudanças climáticas, por exemplo comprando terras
geladas na Groenlândia, que se tornarão aptas à produção agropecuária
ou para outras atividades econômicas liberadas com o degelo. Enormes
parcelas das sociedades desconhecem as causas e consequências das
mudanças climáticas e ignoram as ações que podem ser realizadas para
que suas vidas não sejam varridas do mapa ou comprometidas pela dor
das perdas humanas e materiais – relações e patrimônios construídos
com muitos esforços.
Aqueles e aquelas que compreendem a importância da questão e
não querem “varrer para baixo do tapete” a urgência de agir, muitas
vezes sentem-se impotentes para ações coletivas e para incidir nas arenas
públicas com a perspectiva da elaboração e implantação de políticas
públicas que permitam, para além das necessárias medidas de adaptação
e mitigação, fortalecer as capacidades de resiliência de indivíduos e

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comunidades e incentivar a resistência para enfrentar as causas dessa
situação para que, ao serem superadas, levem à melhoria das condições
existenciais e ao Bem Viver/Teko Porã (ACOSTA, 2016).
Como transformar a chamada crise ambiental contemporânea
em resistência ativa a todas as formas de degradação socioambiental e
em oportunidades de aprendizados para uma Humanidade que busca
aprimoramento espiritual e felicidade no existir? Como contribuir
para forjar sociedades sustentáveis que ofereçam ricas possibilidades de
vida para todos os humanos e não humanos que venham a habitar este
“pequeno e ainda belo Planeta” (BRASIL, 1992). Como pensar e agir
global e localmente, trabalhando-se interiormente, na perspectiva da
sustentabilidade socioambiental?
Em busca de trilhas para responder a estas e outras perguntas e
fomentar a atuação coordenada e cooperativa, ou pelo menos solidária,
de pesquisadores e pesquisadoras, educadores e educadoras que
atuam no campo da educação ambiental e das mudanças climáticas,
foi articulada a Rede Internacional de Pesquisadores em Educação
Ambiental e Justiça Climática (REAJA).
A REAJA pode ser compreendida como uma rede global que articula,
inicialmente no âmbito ibero-latino-americano, pessoas que atuam
global e localmente a partir de seus locais de trabalho e vida cotidiana,
construindo, pesquisando e fomentando alternativas educadoras e de
políticas públicas para enfrentar as causas mais profundas da degradação
socioambiental e uma das suas mais desafiadoras consequências – o
aquecimento global. Alguns desafios que precisa enfrentar para ampliar
a sua capacidade de realizar seus objetivos, são:
• Pactuar estratégias voltadas à construção de Sociedades Sustentáveis. Um
primeiro ponto desse pacto é definir os contornos dessa utopia. Seria ela
pautada pelo ideário ecossocialista e do Bem Viver? Qual poderia ser
o papel de bandeiras eleitas como comuns, como por exemplo a dos
Municípios Agroecológicos Educadores Sustentáveis (MAES)?
• Fomentar a formação continuada de educadoras e educadores que
contribuam para a formação de mais educadoras e educadores,
num processo circular e sem fim, permanente, continuado e
articulado de autoformação, que busca incidir em políticas públicas
comprometidas com uma perspectiva de educação ambiental crítica
e emancipatória;

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• Promover estudos, pesquisas e ações voltadas ao constante
aprimoramento de pedagogias e políticas públicas comprometidas
com a efetividade de processos educadores e ambientalistas da
totalidade da população de cada território, nomeados ou não
como EA;
• Ampliar a capacidade de incidência dos grupos envolvidos na Rede
e daqueles com os quais os seus componentes conseguem trabalhar,
em processos de formulação, implantação e avaliação de políticas
públicas de transição para sociedades sustentáveis;
• Realizar, incentivar e apoiar a realização de pesquisa-intervenção edu-
cadora ambientalista compartilhada (autopesquisa, em rede, diversa,
multirreferencial, participativa, articulada na diversidade, militante,
sociopoética), promovendo convergências entre pesquisa, formação
e comunicação, por meio de uma pedagogia da resistência proativa
(mitigação, resiliência, adaptação, transformação e rebelião), integra-
da, aprofundada, crítica, política, holística e amorosa;
• Compartilhar toda a produção dos participantes por meio de meios
eletrônicos e de encontros presenciais e intercâmbios diversos,
incentivando publicações comuns e pesquisas solidárias.
Algumas perguntas já foram colocadas às educadoras e aos educadores
ambientais da REAJA e de outras articulações na área. Perguntas como:
Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis? Ecologia,
ecologismo ou ambientalismo? Economia verde e novas tecnologias
ou outros valores, culturas, modos de produção e de consumo? Elas
possibilitaram enunciar um firme compromisso de pessoas e redes com a
educação ambiental emancipatória, voltada à construção de sociedades
sustentáveis, fundamentada no emergente ideário nomeado por alguns como
ambientalista (McCORMICK, 1992; CASTELLS, 1999), ou ecologista
conforme a definição de outros autores (BOFF, 1996; ACOT, 1990), ou
ainda como naturalista (MOSCOVICI, 2007) ou verde (BEUYS, 2010).
Essas referências possibilitam afirmar a insuficiência do otimismo
tecnológico com as propostas de “infraestruturas e tecnologias verdes”,
ou de pequenas adaptações no modo hegemônico de produção e
consumo que não questionam as necessidades materiais simbólicas,
muito menos procuram promover mudanças nos valores e formas de
ser e estar da humanidade e suas sociedades no planeta Terra.

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Os diálogos no campo da EA comprometida com o enfrentamento
das causas e consequências das mudanças climáticas buscam respostas a
perguntas do tipo: Qual é o papel dos processos educadores nas transfor-
mações sociais, organizacionais e pessoais? Como formar pessoas com-
prometidas com transformações direcionadas à sustentabilidade socio-
ambiental? Como planejar e implantar políticas públicas sustentabilistas,
ambientalistas, educadoras e transversais? Quais os papéis e os limites da
responsabilidade dos governos e de outros atores sociais?
Buscamos fazer emergir algumas reflexões que auxiliem a refletir
sobre as perguntas anteriormente citadas e sobre as seguintes questões:
1. A pesquisa-intervenção educadora ambientalista promove ou pode
contribuir para promover a formação de educadoras e educadores
ambientais críticos, amorosos, emancipados e transformadores?
2. Como propiciar a formação de educadoras e educadores na
construção de Municípios Agroecológicos Educadores Sustentáveis
(MAES)?
3. A formação de Comunidades de Aprendizagem Participativa, que
se desafiam a construir os melhores caminhos para sua própria
formação, por meio do agir potencializador da formação (do
Eu e do Outro) e da transformação da sociedade, em direção à
sustentabilidade socioambiental, com seres humanos felizes, ativos
e emancipados, seria um caminho adequado para tais processos de
formação, no campo da EA Popular e do enfrentamento dos riscos
das mudanças climáticas?
4. Qual pode ser o papel de processos educadores comprometidos
com o autoconhecimento, a “arqueologia virtual do presente”
(PROFEA, 2006; SANTOS, 1997), a busca de si próprio e de
seus propósitos existenciais (RUSSELL, 2012), a autoanálise e a
autogestão (BAREMBLITT, 2002)?
5. Qual é a conexão entre esses procedimentos e as propostas
de cuidados com a Terra e com os demais seres com os quais a
compartilhamos (BOFF, 1996; MORIN, 2000)?
6. Qual é a conexão desses cuidados com as propostas de ética animal
e do veganismo (CASTELLANO, SORRENTINO, 2015)? Quais
seriam os constructos racionais para estabelecer pontes com os
diálogos e propostas advindas de vários campos da religiosidade e
da espiritualidade (NEPOMUCENO, 2015; GARAUDY, 1981)?

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EXCLUSÃO SOCIAL E VULNERABILIDADE
Aqui estamos na avenida, pelas ruas, pela vida,
marchando com o cortejo que flui horizontalmente,
manifestando o desejo de uma cidade includente e
uma nação cidadã traduzida numa canção, numa
sentença, num mantra num grito ou numa oração.
(...) E proclamamos que não se exclua ninguém
senão a exclusão. (...) Por todo defensor da natureza
e todo ambientalista ameaçado; e cada vítima de
bullying indefesa; e cada transexual crucificado; e
cada puta, cada travesti; e cada louco e cada craqueiro;
e cada imigrante do Haiti; e cada quilombola e
beiradeiro; pelo trabalhador sem moradia, pelo sem-
terra e pelo sem-trabalho; pelos que passam séculos
ao dia em conduções que cansam pra caralho...
(MANIFESTAÇÃO, 2018).

Os versos acima compõem o videoclipe Manifestação4, cantado por


artistas brasileiros(as) de diferentes idades e estilos, em comemoração
aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao
aniversário de 57 anos do movimento Global Anistia Internacional e
expressa um grande desafio que se coloca para as sociedades humanas:
excluir a exclusão!
Os diferentes tipos de exclusão – racial, de gênero, por opção sexual,
de classe social, religiosa, por padrões de beleza, indumentária, hábitos
alimentares, dentre tantas outras mais que encontram acolhida em
sociedades que as naturalizam, transformando o que está fora da norma
dominante como aberração e motivo de ódios diversos que buscam
eliminar a divergência.
Na história da humanidade exemplos não faltam, de guerras e
massacres que se utilizaram dessas diferenças para justificá-los, mas
muitas vezes para acobertar interesses econômicos gananciosos, por
apoderarem-se de bens naturais ou mesmo de trabalhos humanos
escravizados.
Para não deixar de citar alguns fatos marcantes na história recente,

4 Manifestação: letra de Carlos Rennó e música de Russo Passapusso, Rincon Sapiência e Xuxa
Levy. Com informações de: http://justificando.cartacapital.com.br/2018/06/06/anistia-
internacional-lanca-clipe-manifesto-com-chico-buarque-ludmilla-rincon-sapiencia-e-mais-
30-artistas. Disponível em: https://youtu.be/ofHuXukO5y0.

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documentados em vídeos e livros, pode-se lembrar das guerras pela
posse da água, de petróleo, ouro, diamantes e outros minerais, ou para
escravizar humanos da África para trabalharem nas terras colonizadas
pelos europeus nas Américas e no próprio continente africano. Ou
ainda, as guerras colonialistas em busca de bens desenvolvidos por
culturas altamente sofisticadas como as da Índia, China e de diversas
outras partes da Ásia e dos povos nativos do continente americano.
É importante consultar as diferentes comissões de Direitos
Humanos, principalmente porque os relatórios das Organizações das
Nações Unidas (ONU) ou dos governos federal ou estadual passam
pelo crivo da censura de seus chefes ou diretores. Alguns organismos
atuam de forma voluntária, no sobrevoo militante de quem busca dar
visibilidade às diversas violações de direitos humanos e também da
Terra, como são os casos da Plataforma Dhesca (Brasil)5 e do Fórum de
Direitos Humanos e da Terra (MT)6.
Vale mencionar outras formas de exclusão que se renovam na
atualidade, com a maior mobilidade de pessoas em todo o Planeta. As
xenofobias diversas, que buscam excluir o “estranho”, o “estrangeiro”.
O exemplo mais visível disso são os barcos de refugiados sírios, líbios,
sudaneses, nigerianos, paquistaneses e de outras regiões da África e da
Ásia, mas também pode-se mencionar outras diásporas de povos que
foram muito mal recebidos em seus portos de chegada. Mianmar é um
dos casos mais dramáticos dessa discriminação, que também sofreram
os ciganos, judeus, nordestinos em sua migração para o Sul do Brasil
ou mesmo os italianos, japoneses, turcos, sírios, chineses, bolivianos e
haitianos, alguns dos quais tiveram sua saga registrada em filmes como
Gaijin, os caminhos da liberdade (1980), Caminhos de Pedra – Tempo e
Memória na Linha Palmeiro (2008), e livros como Anarquistas, Graças a
Deus, de Zélia Gattai (1979) e Dois irmãos, de Milton Hatoum (2000).
Se historicamente o fluxo das migrações seguiu um fluxo exploratório
(evolução), ou econômico, doravante os processos migratórios seguirão
majoritariamente pelas dramáticas situações climáticas, como revelam
os relatórios da International Organisation for Migration (IOM)7.

5 Disponível em: www.plataformadh.org.br.


6 Disponível em: https://direitoshumanosmt.blogspot.com/p/relatorios-fdht.html.
7 Disponível em: www.environmentalmigration.iom.int.

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As dificuldades enfrentadas por uma mulher que se assume ateia
podem ser conferidas no filme, baseado em fatos reais, A mulher mais
odiada do mundo (2017). As relativas à discriminação na infância
e adolescência, por meio dos famosos “bullying”, estão presentes
em filmes como Extraordinário (2017). Outras formas de exclusão e
discriminação podem ser conferidas em filmes e documentários, mas
para estabelecer pontes entre elas e as mudanças climáticas pode-se
conhecer os apresentados nas mostras de cinema ambiental FICA,
“Ecofalante”, Circuito Tela Verde e no International Film Festival and
Forum on Human Rights in Geneva (FIFDH)8.
Certamente a leitora e o leitor lembram-se de outros filmes, livros,
músicas, obras de arte, peças teatrais e outras manifestações artísticas
que expressam com profundidade e sensibilidade a importância da
problemática da exclusão e sua estreita conexão com a vulnerabilidade
humana e de assentamentos humanos que ocasionam a fuga e o pedido
de socorro, de refúgio, de compreensão e acolhida em outros territórios
distintos daquele no qual nasceu e/ou cresceu, com todas as dificuldades
do distanciamento dos vínculos familiares, de amigos e paisagens.
Deixamos o convite para acessarem tais materiais e utilizá-los
didaticamente em seus locais de atuação profissional, familiar e
cidadã, para contribuir na desnaturalização de todas as formas de
exclusão e no seu possível enfrentamento, pois, acreditamos que elas,
as exclusões, estejam na base da cadeia de nexos de causalidade da
qual decorrerão as legiões de refugiados do clima ou das guerras ou
refugiados por motivos diversos, mas que certamente têm ou terão
relação com as mudanças climáticas.
Para finalizar, destacam-se aqui algumas exclusões que ocorrem no
campo do Brasil, na luta pela posse da terra. Terras que eram habitadas
por povos nativos diversos e em números que ainda são motivos de muitas
controvérsias, mas que certamente quando da chegada do europeu
eram milhões e foram dizimados e reduzidos a aproximadamente
200 mil no final dos anos 80 do século passado (CUNHA, 1992;
SCHWARCZ; STARLING, 2015) e hoje são aproximadamente
896.900 que se autodeclaram como indígenas, em 375 etnias e 274

8 Disponível em: https://reliefweb.int/report/world/debate-climate-change-and-migration-


international-film-festival-and-forum-human-rights.

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idiomas (IBGE, 2010). A divisão colonial das terras para os nobres
portugueses, ignorando e depois massacrando ou subjugando os seus
moradores tradicionais, foi apenas a ponta do iceberg de uma história
de apropriação violenta que foi sendo naturalizada pelo registro de
posse, muitas vezes falso (grilado), que depois foi sendo legitimado por
sucessivas vendas e registros em cartórios.
Revoltas, revoluções e territórios de resistência no Brasil estão
registrados em livros como Brasil: Uma Biografia, de Lilia M. Schwarcz e
Heloisa M. Starling (2015); A Elite do Atraso, de Jessé de Souza (2017);
Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1963), e filmes como Vida Maria
(2017) e Uma história de Amor e Fúria (2013), mas permanecem distantes
do amplo conhecimento público e de diálogos sobre como nos redimir
desses crimes históricos. Muito pelo contrário, continua-se promovendo
e tolerando a violência no campo e ignorando-se a necessidade da reforma
agrária, de reformas urbanas e mecanismos de inclusão social, que
ajudem a superar uma história de discriminações que continua gerando
ressentimentos e ódios, mas pode ser equacionada por meio de diálogo
sincero que gere políticas de assentamentos humanos e inclusão social.
Talvez o principal elemento para promover tal diálogo nacional seja
o do direito ao uso e usufruto da terra por quem nela trabalha. Torna-
se necessária uma profunda reforma agrária e agrícola que propicie a
quem quiser, e puder trabalhar e viver da terra, que a isto se dedique.
Mas a questão da reforma agrária faz parte de uma problemática
muito mais profunda e importante para superar as exclusões no país.
Ela diz respeito a todos os usos da terra. É necessário dialogar sobre
a utilização sustentável da terra, para que as demais espécies com as
quais compartilhamos o Planeta tenham também os seus direitos a
uma vida plena. E os povos tradicionais, com as suas diversas formas de
ocupação comunal e compartilhada também devem ser contemplados.
E a capacidade de suporte de cada tipo de solo, e de vegetação, e
das águas que acolhem também deve ser equacionada em termos de
sustentabilidade e de adequada oferta para as populações urbanas.
Um país com 850 milhões de hectares certamente muito pode
contribuir para alimentar o mundo com uma produção segura e de
qualidade, assentar toda a população apta e disposta a trabalhar com
a terra e ainda cuidar da terra, das águas e da biodiversidade por meio
de um adequado planejamento territorial e de desenvolvimento rural

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e urbano e seus desdobramentos em medidas como a demarcação das
terras indígenas, quilombolas e de unidades de conservação, as reformas
agrária e agrícola, dentre outras.
Neste diálogo certamente deve-se incluir as questões urbanas, desde
a necessária presença de áreas verdes e paisagens para a contemplação
até as relativas a moradias, saneamento básico e infraestrutura adequada
para todos. Agricultura urbana e outras formas de gerar trabalho e renda,
a partir de agroindústrias e valorização de trabalhos que agreguem valor
aos bens naturais, serão a complementação necessária para se responder
ao desafio colocado pelo Papa Francisco, expresso em Terra, Teto e
Trabalho para todos.
Atendidas tais demandas, certamente teremos número menor
pessoas em situação de exclusão, ocupando lugares nos quais estão
mais vulneráveis aos diferentes tipos de riscos – das enchentes e
escorregamentos de morros nas periferias urbanas, às secas, inundações
e pragas, da falta de saneamento básico, submoradias e violência urbana
ao tráfico de drogas e estresse nos deslocamentos urbanos intermináveis.
Mas ainda será fundamental uma ousada e continuada política
pública voltada à promoção de mudanças culturais, que propicie o
questionamento das necessidades materiais simbólicas e a compreensão
de felicidade com sinônimo de posse e acúmulo de bens materiais, do
totalitarismo e invasividade do mercado tornado óbvio no corredor dos
aeroportos, nos quais somos obrigados a passar por dentro de lojas,
sentindo seus cheiros, cores e imagens, ou nas ruas comerciais com
vendedores que insistem em consumirmos as suas mercadorias, ou
ainda pelos meios de comunicação que impõem suas belas propagandas
no meio do motivo pelo qual o procuramos.
O pressuposto aqui é: a superação das diferentes formas de exclusão
é o melhor caminho para diminuir a existência de pessoas e populações
vulneráveis aos riscos das mudanças climáticas e a outras formas de
riscos agravados por elas.

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ENFRENTAR AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SOCIOAMBIENTAIS GLOBAIS

Figura 1 – The New York Times

Fonte: imagem acessada a partir do WhatsApp da Rede Internacional de Pesquisadores em


Educação Ambiental e Justiça Climática, em 22/07/2018.

A notícia acima pode servir como exemplo a ser extrapolado para a


diversidade de impactos ocasionados pelas mudanças climáticas globais
nas condições de vida locais. Cedros e outras árvores provavelmente
essenciais para a economia e para a identidade local, assim como espécies
animais e lavouras deixam de ser viáveis em seus territórios tradicionais

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ou são extintas, ocasionando uma cadeia de repercussões negativas no
modo de vida e na sobrevivência de muitos humanos que acabam sendo
forçados a se deslocar.
Ao se deslocarem vivenciam tensões junto aos habitantes e
ao ambiente do novo assentamento, muitas vezes resultando em
conflitos. É possível relatar casos recentes de deslocamentos humanos
relacionados com mudanças climáticas nas regiões semiáridas no Norte
da África, na zona de transição entre o deserto do Sahara e a savana
sudanesa ao Sul, e outras no Sul da Ásia. Os pastoralistas do Sudão do
Norte, devido à seca, migraram para o Sul e lá enfrentaram a resistência
violenta de etnias locais que os expulsaram, então criaram um novo país
– o Sudão do Sul. As secas do Nordeste do Brasil também implicaram
em migrações massivas para periferias das grandes cidades, criando
assentamentos precários em margens de córregos, encostas de morros
e outras áreas de riscos ambientais e sociais. As desigualdades sociais
extremas no campo, com perseguições e massacres de populações que
lutam pelo uso da floresta e da terra e seus bens naturais, também
têm sido responsáveis por deslocamentos humanos que vão agravar o
quadro de riscos e vulnerabilidades aos eventos extremos decorrentes
das mudanças climáticas.
Como escreve Luiz Marques (2018):
O quadro presente e futuro da humanidade é, de
fato, sombrio. Pesam sobre ela ameaças mais graves
e iminentes que quaisquer outras em todo o arco de
sua história e pré-história. Cinco crises tomam de
assalto seu presente e se avolumam em seu futuro
imediato: 1. As mudanças climáticas; 2. A aniquilação
da biodiversidade, com remoção e degradação das
florestas e consequente defaunação, impulsionadas
pela expansão do agronegócio global e por um
sistema alimentar baseado no carnivorismo; 3. A
crescente escassez de água doce, limpa e acessível; 4. A
intoxicação dos organismos pela poluição industrial do
ar, do solo e da água; 5. A desigualdade social extrema
e a concentração nas mãos de algumas centenas de
corporações e de indivíduos que as controlam, de um
poder econômico exorbitante e tentacular, incompatível
com as formas tradicionais de representatividade
política. Essa quinta crise é, ao mesmo tempo, a

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principal causa das quatro precedentes e o principal
obstáculo a toda ação política concertada susceptível
de desviar as sociedades contemporâneas de sua atual
trajetória. Cada uma dessas crises, isoladamente, é
potencialmente catastrófica para a humanidade e para
a biosfera. Mas nosso futuro imediato mostra-se tanto
mais sombrio porque essas crises agem em sinergia,
vale dizer, interagem, reforçam-se e aceleram-se
reciprocamente, aumentando assim exponencialmente
a probabilidade em prazos cada vez mais próximos de
um colapso socioambiental global, capaz de inviabilizar
a sobrevivência de qualquer sociedade organizada e
mesmo, no limite, de nossa espécie.

Ampliar a resiliência das comunidades humanas, incentivado-as


à resistência e à rebelião por sociedades sustentáveis, pode ser o mote
de uma educação ambiental comprometida com a transmutação da
crise ambiental, que ganha maior visibilidade com a constatação do
aquecimento global e de suas consequências, em oportunidade de
enfrentamento de suas causas mais profundas, que são provavelmente
as mesmas de outras formas de degradação ambiental, social e humana,
presentes na modernidade, especialmente no pós segunda guerra mundial.
Rebelião que se coloque em pelo menos quatro dimensões:
1. A das bandeiras imediatas a serem levantadas por uma questão
minimamente de dignidade, de enfrentamento da impotência em
relação a tantas cenas cotidianas que nos deprimem e provocam
úlceras. “Luta e prazer” e não focar apenas no resultado, na conquista,
no orgasmo, para não ter insônia, depressão e doenças resultantes
da somatização de frustrações diversas. Tornar o processo fonte de
felicidade e gratidão pela oportunidade de existir e de aprender,
como diziam os libertários de um jornal, “O Inimigo do Rei”, da
mídia alternativa nos anos 70 do século passado. Hoje, no Brasil, é
de extrema urgência levantar-se bandeiras como Lula Livre, Marielle
Presente, Demarcação Já! Não é possível dormir ou ficar calado
diante dos retrocessos na democracia e nos direitos trabalhistas e
humanos que estão ocorrendo após o golpe parlamentar-jurídico-
midiático-empresarial de 2016, comprometido com interesses
internacionais relacionados à reprimarização e subalternização da
economia do país;

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2. A da reivindicação e construção de novos pactos sociais, que
sejam registrados inclusive em uma nova constituição, focada na
repactuação política, que permita a superação da crise de legitimidade
do sistema representativo, da política e dos políticos. Uma
assembleia nacional constituinte, democrática, soberana e focada
na reforma política, formada por constituintes que não possam se
candidatar a cargos eletivos nos próximos 30 anos, de forma que não
legislem em causa própria. Novos pactos que permitam também o
enfrentamento das três outras figuras de subjetividade, além desta
do representado, que deprimem o nosso cotidiano – midiatizado,
securitizado, endividado, conforme escrevem Hardt e Negri (2014),
para expressar as declarações sobre o que as sociedades humanas
querem superar em direção à construção de um manifesto pelo bem
comum;
3. A das ações voltadas às conquistas de direitos básicos, como os já
mencionados pelo Papa Francisco e reproduzidos anteriormente
neste artigo – Terra, Teto e Trabalho para todos e todas. E
ainda outros que podem ser considerados como estruturantes no
enfrentamento de todas as formas de exclusão, sintetizados por
meio da expressão de outras duas trilogias que dialogam com a
anterior: Educação, Saúde e Natureza, expressam antigas lutas
dos setores comprometidos com a construção de um estado de
bem-estar social que minimamente garanta oportunidades iguais
para todos ao fornecer, independentemente do poder aquisitivo
de cada pessoa, a possibilidade de que ela, com saúde e educação
pública e de qualidade, possa construir a sua própria história de
vida. Natureza como o elemento novo, fruto da (re)descoberta
sobre a sua essencialidade para o bem-viver. O acesso à natureza
no cotidiano, por meio de áreas verdes de parques e jardins e do
convívio com a arborização nas cidades. O desfrute das paisagens
dos horizontes abertos e das unidades de conservação. As práticas de
agricultura/jardinagem urbana e escolar. O fomento a uma cultura
de valorização do campo e de desalienação em relação aos alimentos
e sua cadeia produtiva, propiciada, por exemplo, pelo incentivo
às pessoas, desde crianças, aprenderem a preparar os seus próprios
alimentos. Participação, Comunicação e Espiritualidade, todas
elas compreendidas como “a gente não quer só comida, a gente quer

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diversão e arte” como direitos e oportunidades que engrandeçam
o existir. Participação como direito e como dever de cidadania em
sociedades complexas nas quais é essencial o controle do estado e do
mercado feito por mecanismos de empoderamento da sociedade e
de cada pessoa. Comunicação numa perspectiva educomunicadora,
interativa, a qual o receptor também possa e seja incentivado a ser
o emissor, comunicando a sua própria realidade, necessidades e
desejos. Comunicação que propicie o aprendizado e não seja vista
apenas como veículo de incentivo ao consumo ou de venda de ideias
de quem tem o poder. E, por fim, espiritualidade dos cuidados
com a vida em toda sua diversidade e formas de manifestação.
Espiritualidade laica, compartilhada por ateus, agnósticos e
religiosos de todas as filiações. Espiritualidade comprometida com
o mergulho em si próprio em busca dos seus propósitos existenciais
mais profundos. Em busca de objetivos e não apenas de metas,
como escreve Schumacher (1977) no belo livro “O negócio é ser
pequeno” (Small is beautiful);
4. A das mudanças culturais. Nos rebelarmos em relação a um tipo
de sociedade que naturaliza as necessidades materiais de consumo
de todo um “kit civilização” como fala Ailton Krenak em suas
palestras, tornando óbvia sua necessidade para sermos felizes.
Transformam-se em necessidades simbólicas, mas não respondem
às buscas mais essenciais de felicidade que estão muito além dos
bens materiais e podem estar relacionadas à amizade, comunidade,
diálogo e potência de agir (SORRENTINO et al., 2013; OCA,
2016). Mudanças culturais que priorizem o ser em relação ao
ter e incentivem o estar junto, o aprender a fazer e o aprender a
aprender (DELORS, 2016). Mudanças culturais que coloquem na
ordem do dia o aprendizado da observação e da contemplação, do
compromisso com o conhecimento e com a busca da verdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final da introdução deste artigo foram apresentadas quatro
perguntas, para as quais as autoras e o autor convidavam as leitoras e
os leitores a buscarem juntos as respostas, ou pelo menos adensarem
reflexões sobre caminhos para políticas públicas comprometidas com a

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resistência às mudanças climáticas, por meio da melhoria das condições
existenciais de toda a humanidade na Terra.
Ele chega ao fim sem respostas mas com uma proposta-desafio
direcionada à superação do estado atual de apatia e alienação das massas,
impotentes para (re)agirem diante das forças sistêmicas promotoras das
mudanças socioambientais globais e das diversas formas de degradação
da vida. Um desafio para caminhadas de transição – transição educadora
para sociedades sustentáveis –, aproximar forças de resistência e rebelião
em relação a todas as formas de exclusão, em ações cooperativas voltadas
à formulação e implantação de cursos de formação de educadoras e
educadores ambientais, ativistas de transformações socioculturais e
ambientais em direção a sociedades sustentáveis; cursos, processos
educadores coordenados orientados à formação de educadoras e
educadores, cidadãs e cidadãos, ativistas, que realizem ações diretas
relativas à conservação ambiental e à melhoria da qualidade de vida
desde seus cotidianos e que articulem-se para estudar e refletir
sobre a realidade glocal, tomando os sonhos individuais e coletivos
como parâmetro para realizar pesquisas-intervenções educadoras
ambientalistas para a formação de uma cidadania comprometida com
a criação e/ou fortalecimento de Comunidades de Aprendizagem
Participativa.
A conexão colaborativa entre cursos e entre as Comunidades de
Aprendizagem Participativa na base de todo o tecido social pode ser um
caminho adequado para a resistência e rebelião democrática, não pautada
pelo centralismo com potencialidade autoritária. O enfrentamento das
mudanças climáticas pela via das melhorias das condições existenciais
de toda a humanidade, e dos cuidados cotidianos com a Terra, e com
todos os seres com os quais a compartilhamos, pode ser um importante
exercício de mudança cultural, que auxilie no fortalecimento de uma
musculatura potente para novas formas de organização política e
econômica planetária.
Diversas pesquisas e publicações na área buscam contribuir para
criação e apoio a essas Comunidades, como círculos de cultura e de
ação ambientalista. Algumas delas podem ser encontradas nos sítios
eletrônicos do Laboratório de Educação e Política Ambiental – Oca9 e

9 Disponível em: https://ocaesalq.wordpress.com/producoes-oca/dissertacoes-e-teses-2.

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do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte –
(GPEA/UFMT)10, bem como no endereço do Curso de Especialização da
Oca “Educação Ambiental e Transição para Sociedades Sustentáveis”11.
Essas e outras experiências e publicações já realizadas podem auxiliar
na formulação de uma proposta de mestrado profissional ou especialização
em rede, coordenado pela REAJA e oferecido pelas Instituições que dela
participam. Seu foco seria a formação de profissionais com competência
para planejar e implantar processos educadores que impactem de forma
permanente, continuada e articulada a totalidade de cada território,
fomentando a formação de educadoras e educadores populares, capazes
de compreender e enfrentar as possíveis causas mais substantivas das
mudanças climáticas e socioambientais planetárias, transformando-as
em potencializadoras de um mundo melhor para todos os seres que
aqui habitam ou por aqui ainda passarão.

REFERÊNCIAS
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ACOT, P. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990.
BAREMBLITT, G. F. Compêndio de Análise Institucional e outras
correntes: teoria e prática. Belo Horizonte, MG: Instituto Félix Guattari, 2002.
BEUYS, J. A revolução somos nós. São Paulo: SESC Pompéia e Associação
Cultural Videobrasil, 2010.
BOOF, L. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo: Editora Ática
S.A., 1996.
BRASIL. ProFEA. Programa Nacional de Formação de Educadoras(es)
Ambientais: por um Brasil educado e educando ambientalmente para a
sustentabilidade. Série Documentos Técnicos 8. Brasília: Órgão Gestor da
Política Nacional de Educação Ambiental, 2006.
BRASIL. Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e
responsabilidade global. Brasília, MMA, finalizado em 1992. Disponível em:
www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/trat_ea.pdf. Acesso em: jul. 2018.

10 Disponível em: https://gpeaufmt.blogspot.com.


11 Disponível em: http://ocausp.wixsite.com/cursos.

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CASTELLANO, M.; SORRENTINO, M.. Devemos aproximar questões
sobre ética e direitos animais à educação ambiental? O que pensam educadores
ambientais brasileiros sobre esse tema. Pesquisa em Educação Ambiental, v.
10, n. 1, p. 88-103, 2015.
CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura – trilogia
O poder da identidade. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CUNHA, M. C. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; Fapesp, 1992.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1998.
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Educação ambiental,
mudanças do clima e redução de riscos de desastres:
Esperanças e vida em tempos de Capitaloceno
Environmental education, climate change and disaster risk
reduction: Hopes and life in times of the Capitalocene
Educación ambiental,
cambio climático y reducción del riesgo de desastres:
esperanzas y vida en tiempos del capitaloceno

Rachel Trajber1

INTRODUÇÃO

Como signatária do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades


Sustentáveis e Responsabilidade Global (RIO-92, reafirmado na
Rio+20), juntamente com pessoas de todas as partes do mundo, me
comprometi
com a proteção da vida na terra, reconhecemos o papel
central da educação na formação de valores e na ação
social. (...) com o processo educativo transformador
através de envolvimento pessoal, das comunidades e
nações para criar sociedades sustentáveis e equitativas
(incluí resilientes). Assim, tentamos trazer novas
esperanças e vida para nosso pequeno, tumultuado,
mas ainda assim belo planeta.

Confesso que está difícil avançar na resistência. Recentemente,


em uma palestra para educadores, um jovem professor me perguntou:

1 Agradeço à Débora Olivato, Patrícia Mie Matsuo, Carolina Tosetto Pimentel, Maria
Francisca Velloso e Andrea Luz: construímos juntas o Cemaden Educação. E ao CNPq
pela Bolsa PCI – Especialista.

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“Qual a razão da ausência da educação ambiental, das mudanças
do clima e da educação em redução de riscos de desastres na Base
Nacional Comum Curricular?”2.
Essa pergunta remeteu a reflexões sobre a nova era humana, o
Antropoceno, um conceito formulado pelos cientistas Paul Crutzen
e Eugene Stoermer em 2000. O Antropoceno veio da constatação de
que a atividade humana no planeta transformou a biosfera e o tempo
geológico. Embora seja um fenômeno recente em escala geológica,
a atividade antrópica influenciou profundamente na composição e
funcionamento do sistema terrestre, com base em considerações
eminentemente ecológicas – a extinção acelerada de espécies, a
redução progressiva na disponibilidade de combustíveis fósseis, a
poluição da teia de sustentação da vida e o aumento das emissões de
gases de efeito estufa.
Entretanto, vários intelectuais engajados, acadêmicos ativistas do
campo das Ciências Sociais e Humanas – TT Demo, Jason W. Moore,
Naomi Klein – trouxeram à tona o ‘não-dito’, os sentidos ocultos, da
tese do Antropoceno. Eles criticam a universalização de um tipo de
ser humano causador da crise civilizatória e ignoram os humanos que
resistiram bravamente (e continuam na resistência) ao capitalismo,
colonialismo, patriarcado, modelo de desenvolvimento neoliberal,
à tecnociência, entre outros, e defendem um termo mais preciso: o
Capitaloceno.
Apoiados por dados indiscutíveis do quadro descritivo que gerou
o Antropoceno, esses autores alegam que o conceito se concentra
apenas nos efeitos da degradação ecológica, negligenciando a análise
das causas profundas (root causes) e valores em jogo dessa deterioração.
Isso dificulta a identificação de responsabilidades pela
​​ crise ecológica e

2 A Lei nº 13.415/2017 de reorganização do ensino médio revogou o artigo 29 da Lei


nº 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), uma conquista que alterou
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 9.394/1996, artigo 26,
parágrafo 7º) ao determinar a inclusão dos princípios da proteção e defesa civil e a educação
ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios, nos currículos dos ensinos fundamental
e médio. A determinação foi substituída por um texto genérico de ‘temas transversais’, que
remete à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “§ 7o A integralização curricular
poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas
transversais de que trata o caput”. A temática de desastres vinculada à educação ambiental foi
ignorada e delega a responsabilidade aos sistemas de ensino.

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a busca de transformações sociopolíticas e jurídicas (MOORE, 2018).
Portanto, para chegar à raiz da questão, reconhecemos que o capitalismo
se tornou um sistema dominante, hegemônico e excludente no mundo
e que preda irreparavelmente sobre os sistemas humanos e ecológicos.
Segundo, Jason Moore (2018), o impulso do capitalismo para a
insustentabilidade socioambiental pode ser visto como inerente à
organização do trabalho, subordinado à acumulação ilimitada e à
concentração de poder e recursos nas mãos de poucos. Lembra o
discurso proferido em 1854 pelo chefe das tribos indígenas, Suquamish,
e Duwamish em Seattle, “tudo o que acontece à Terra – acontece aos
filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente
um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo”.
Então, em resposta ao professor, a BNCC jamais abordaria conflitos
socioambientais que atingissem o lucro, os privilégios ou os interesses
econômicos das elites no poder. Nas palavras da jornalista e ativista
canadense Naomi Klein:
estamos presos porque as ações que nos dariam
a oportunidade de reverter a catástrofe – e que
beneficiariam a maioria – são extremamente
ameaçadoras para uma elite minoritária que tem
controle sobre nossa economia, nossos processos
políticos e sobre a grande parte dos meios de
comunicação.

Neste contexto, o objetivo do presente texto é abordar a Educação


Ambiental (EA) e a Educação em Redução de Riscos de Desastres
(ERRD) na perspectiva da Insustentabilidade e dos conflitos gerados
no Capitaloceno, em tempos de mudanças climáticas. A primeira parte
trata de uma equação de riscos de desastres socioambientais, a partir
da qual discutem-se conceitos de justiça climática, vulnerabilidade,
sustentabilidade e resiliência. Uma pesquisa quantitativa desvela a
vulnerabilidade das comunidades escolares e provoca algumas ações
para uma cultura de percepção e prevenção de riscos. Na segunda
parte apresenta-se uma proposta baseada no acúmulo da práxis de
Educação Ambiental, em sua abordagem crítica e participativa, tem
densidade para se inserir na prevenção, autoproteção, proteção das
mudanças climáticas, resiliência e de resistência que estão ao alcance das
escolas e comunidades: escolas sustentáveis e resilientes nas dimensões

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das edificações, da gestão e do currículo. Isso se dá a partir de uma
plataforma que provoca o diálogo de conhecimentos e saberes científicos
e da tradição e memória frente a situações de desastres. Em seguida,
para além da crítica e de conceitos, o texto aponta alguns caminhos e
recomendações para subsidiar políticas públicas da ERRD no sistema
educacional brasileiro.

DESASTRES DISCRIMINAM COMO AS


SOCIEDADES DISCRIMINAM AS PESSOAS3
Desde os anos 1970, Cientistas Sociais europeus da “sociedade de
risco” constataram que a sociedade moderna com base industrial torna-
se cada vez mais saturada de riscos – sociais, políticos, econômicos,
ambientais e individuais –, que trazem imponderações e efeitos não
intencionados e escapam ao controle das instituições para proteção da
sociedade. O mundo encontra-se hoje em uma disposição de perigo
que se expressa, por exemplo, nas mudanças climáticas: a disposição de
perigo atinge potencialmente todo o mundo.
Para esses autores, os riscos são globais (BECK, 1986 apud
BRÜSEKE, 2007) e relativizam as posições de classe, ‘estamos todos
na mesma nave espacial’, argumentam. Segundo eles, ricos e pobres,
empresários e assalariados sofrem ou podem sofrer, por exemplo, as
consequências da poluição. No entanto, a Justiça Climática critica
tal postura, pois, não ‘estamos no mesmo camarote’, aqueles menos
responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE), são os
que mais sofrem e sofrerão com os impactos das mudanças climáticas
(MILANEZ, 2011; ACSELRAD, 2006).
A vida moderna é caracterizada por um novo perfil de riscos,
molda nosso imaginário com incertezas e constantemente precisamos
calcular riscos ocasionados pelas consequências do desenvolvimento
socioeconômico desigual. Os riscos são o perigo percebido e vivido
pelas sociedades, pois, sem seres humanos não há riscos (VEYRET,
2011). Nesse sentido, há uma relação direta entre a percepção de riscos,
a vulnerabilidade e o empowerment das comunidades.

3 Disponível em: http://blogs.worldbank.org/sustainablecities/why-engaging-women-and-


children-disaster-risk-management-matters-and-how-it-makes-difference.

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É importante que pessoas de fora possam compre-
ender ambos os lados que produzem a percepção de
risco dos povos locais, em vez de analisar e medir a
sua vulnerabilidade com critérios externos. Pode-se
considerar duas famílias que vivem em condições
semelhantes, igualmente vulneráveis. No entanto,
elas podem perceber o risco de maneiras diferen-
tes e, em consequência, preferir medidas diferen-
tes de redução de riscos (HEIJMANS, 2004 apud
OLIVATO, 2014).

Pode-se notar situação semelhante com os termos emergência e


desastre.
A palavra risco aparece em diferentes contextos discursivos que
alertam para as consequências futuras negativas de uma variedade,
praticamente ilimitada, de fenômenos e processos (BRÜSEKE,
2007). O discurso do risco é dialógico e dinâmico. O risco pode ser
concebido como a probabilidade de que um evento – esperado ou
não esperado – se torne realidade (DAGNINO; CARPI JUNIOR,
2007, p. 50) e conforme a Sociologia do Risco e Incerteza, como um
fenômeno real e também uma construção social (DI GIULIO, 2012).
Portanto, os riscos de desastres resultam da associação entre os
riscos (não) naturais (unnatural) decorrentes de processos agravados
pela atividade humana, sua alta densidade demográfica, os processos
produtivos, sociedade de consumismo e a ocupação urbana dos
territórios de vida. Optamos por utilizar o termo sintético risco
socioambiental. O termo traz o entendimento de que as situações de
risco se vinculam ao seu entorno – o ambiente, em seu sentido natural
ou construído (social e tecnológico).
Redução de Riscos de Desastres (RRD) é um conceito relativamente
novo, que também encontra diferentes definições técnicas, mas
implica na confluência de “um amplo desenvolvimento de políticas,
estratégias e práticas com foco na minimização de vulnerabilidades
socioeconômicas e dos riscos de desastres com a participação de toda a
sociedade. Sua abordagem abrange a identificação, avaliação e redução
de riscos de desastres, a partir do ambiente e de outras ameaças que
os desencadeiam, incluindo o processo de assistência humanitária
(WISNER, 2006).

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Injustiça socioambiental e climática
Os desastres têm várias origens que em geral se misturam: naturais
(terremotos, inundações, vulcanismos etc.), tecnológicos (riscos
afetando as usinas químicas, por exemplo), econômicos (as grandes crises
econômicas etc.), sociais (desigualdades, violência, miséria). Riscos às
pessoas sempre existiram, mas de forma radicalmente diferentes dos
riscos que a modernidade traz consigo (BECK, 1986 apud BRÜSEKE,
2007; MARCHEZINI, 2014).
Os perigos ambientais que compõem parte integrante de nossa
sociedade contemporânea têm origens híbridas. São produtos de
fenômenos socioeconômicos, naturais, tecnológicos e quasi-naturais,
como deslizamentos de massas, enchentes, contaminação de solos,
poluição atmosférica entre outros (HOGAN, 2012; MARANDOLA
JR., 2007). Quando pensamos em desastre, geralmente relacionamos
à destruição, seja de qual origem for, o resultado da combinação
de ameaças/perigo, condições de vulnerabilidade e da insuficiente
capacidade ou medidas para reduzir as consequências negativas e
potenciais do risco. Em outras palavras, um desastre traz perdas e danos
às pessoas, ao meio ambiente (fontes de alimentação, água, saúde) e à
infraestrutura (moradias, transportes, hospitais) devido ao impacto de
um perigo (ameaça) que ultrapassa a capacidade local de responder e
atender às consequências com eficácia.
As cidades estão mais vulneráveis aos perigos que o campo, em razão
da densidade demográfica e das transformações do território (VEYRET,
2011) e as populações urbanas pobres, vítimas das desigualdades sociais,
são obrigadas a morar em áreas periféricas, degradadas e perigosas
(inundáveis, próximas a indústrias, lixões), sem ter meios de partir em
situações de crise (ACSELRAD, 2006). No entanto, esta afirmação
pode ser contestada por um quadro de profunda injustiça climática,
pois, apesar de os povos tradicionais serem os grandes responsáveis
pela conservação das florestas, eles também são os mais vulneráveis às
mudanças climáticas, em decorrência de suas estreitas relações com
os recursos naturais (Eliane Moreira, da UFPA e do MPE/PA apud
RAMMÊ, 2012).
O movimento por Justiça Climática evidencia o fato de que as
populações mais vulneráveis, que menos consomem, menos geram

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lixo e CO2 e menos se beneficiam do atual modelo econômico de
desenvolvimento, são as que mais diretamente suportam os riscos
gerados pela degradação ambiental e mudança do clima. Ele mostra,
portanto, que a lógica econômica dominante ignora por completo a
ideia de equidade na repartição das externalidades negativas do processo
produtivo. Ademais, tanto os pobres urbanos quanto as comunidades
tradicionais do campo e da floresta são excluídos dos processos de
discussão e das políticas públicas concernentes ao tema.
Menciona-se três dimensões da justiça climática (PAAVOLA, 2005;
PAAVOLA et al., 2006): reconhecimento: aceitação de perspectivas
minoritárias nos processos de planejamento e tomada de decisão, o que
implica no reconhecimento dos pontos de vista e aspirações dos mais
marginalizados e vulneráveis; participação: acesso ao conhecimento para
que todas as partes afetadas possam formular pontos de vista informados
e serem envolvidas no processo de tomada de decisão, envolvimento vai
de consulta pública à autonomia local; distribuição: se refere a quem
detém e usa o poder para assegurar a igualdade de participação e o
reconhecimento dos mais fracos no processo de tomada de decisão.

Vulnerabilidades e desigualdades

No centro de tantas incertezas e discussões políticas e científicas


contemporâneas emerge um conceito: a vulnerabilidade. O conceito de
vulnerabilidade é entendido como a capacidade de resposta de grupos ou
indivíduos às situações de risco ou perigo (HOGAN; MARANDOLA
JR., 2007).
A vulnerabilidade é uma noção relativa – está
normalmente associada à exposição aos riscos e designa
a maior ou menor susceptibilidade de pessoas, lugares,
infraestruturas ou ecossistemas sofrerem algum tipo
particular de agravo (ACSELRAD, 2006).
Ou como a definem outros autores, vulnerabilidade é o grau em que
a situação de risco foi cultural e socialmente construída – em termos
de papéis sociais, responsabilidades, direitos, deveres e expectativas
de comportamento – influencia tanto o impacto dos riscos quanto os
processos sociais que levaram à tal situação de maneira diferenciada e os
mantém (WISNER et al., 2011, p. 19).

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Uma fórmula mnemônica, não matemática, proposta por Wisner,
Gaillard e Kelman trata o risco de desastre com mais dinamismo e
complexidade que a tradicional:
R = A x [(V/C) - M], onde se lê: Risco (R) é a probabilidade de
acontecer um desastre. Indica as condições latentes que anunciam
um desastre futuro (Lavell) e depende das variáveis – A ameaça (A) se
multiplica quanto maior a Vulnerabilidade (V) e menor a Capacidade
individual e comunitária de enfrentá-la (C) e quanto menos houver
ações de Mitigação (M) em larga escala.
Em outras palavras, riscos são probabilidades complexas de
fenômenos multifatoriais que podem ser definidos a partir da relação
entre ameaça(s), vulnerabilidade(s), capacidade(s) individuais e
políticas públicas (WISNER et al., 2011). A mitigação de riscos envolve
uma perspectiva cultural, de redução das desigualdades e respeito às
diferenças, devendo ser desenvolvida em todas as políticas e práticas,
em especial para o nosso caso, nas políticas públicas de educação.

Figura 1 – Desatres?

Fonte: Google 2017.

A charge do cartunista Gilmar Mendes é emblemática para entender


a fórmula na construção social do desastre. As ameaças são um cenário
de risco, sem gestão de ocupação do solo urbano nem proteção da
população, do qual uma nuvem carregada de chuva se aproxima e irá
provavelmente desencadear o desastre.

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Tais ameaças multiplicam a vulnerabilidade e ao personagem
só resta assoprar. Ele está ciente do risco de sua situação de extrema
pobreza e exclusão social, sem direitos e baixa capacidade de resistir ao
risco, falta de moradia, de trabalho, sem acesso aos serviços públicos
básicos, à educação, saúde, sem perspectiva de futuro.
Estudos que analisam o impacto de desastres revelaram que mulheres
e crianças têm maiores riscos para sua sobrevivência e recuperação após
desastres naturais (UNICEF, 2012), o que é agravado por outros fatores de
discriminação, como raça, pobreza e incapacidades. Portanto, a Mitigação
(M) só pode se dar com políticas públicas que enfrentem as pressões ge-
radoras das vulnerabilidades, como a pífia distribuição de poder e renda.
É possível fazer um paralelo entre as causas profundas (root causes)
produtoras da desigualdade e da vulnerabilidade. Ambas decorrem do
modelo socioeconômico cultural e político predatório sobre as bases
de sustentação da vida e que foi construído historicamente. Ambas se
revelam em inúmeros processos e manifestações que perpetuam as causas
profundas, sem questioná-las ao enfrentar as desigualdades (não só a
pobreza) e as reais causas dos riscos, como por exemplo: a degradação
ambiental, as políticas assistencialistas ou de ajuda humanitária no pós-
desastre, a falta de moradia digna para milhões de pessoas.
Cabe então aqui lembrar do slogan: change the system, not the climate,
ou mude o sistema, não o clima.

EDUCAÇÃO NA PROMOÇÃO DA CULTURA DE


SUSTENTABILIDADE E RESILIÊNCIA
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental
(Resolução CNE nº 02/2012), esvaziadas neste momento, também
apontam para a importância de “contribuir para [...] o estabelecimento
das relações entre as mudanças do clima e o atual modelo de produção,
consumo, organização social, visando à prevenção de desastres
ambientais e a proteção das comunidades” (BRASIL, 2012). Assim,
a educação ambiental atua criticamente na superação de padrões
predatórios da vida e dos modos de vida insustentáveis.
(...) o reconhecimento do papel transformador e
emancipatório da Educação Ambiental torna-se cada
vez mais visível diante do atual contexto nacional e

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mundial, em que a preocupação com as mudanças
climáticas, a degradação da natureza, a redução da
biodiversidade, os riscos socioambientais locais e
globais, as necessidades planetárias evidenciam-se na
prática social (BRASIL, 2012).

Sustentabilidade talvez seja um dos conceitos mais disputados da


agenda contemporânea4. A concepção aqui adotada envolve a noção
de sociedades sustentáveis, um todo complexo de natureza-sociedade-
cultura, em suas dimensões multifacetadas, sempre em movimento
dinâmico de interdependência e diversidade: econômica, ecológica,
ambiental, demográfica, além da social, cultural, política, estética,
espiritual.
Tais dimensões são complementares e se constituem mutuamente
a partir de fluxos e processos em equilíbrio (sempre instável, posto
que humano), que se organizam e se integram sem fragmentações ou
isolamento, e principalmente sem que uma pretenda a hegemonia ou
a dominação sobre as demais. Essas sociedades são capazes de garantir
o bem-viver das pessoas, o equilíbrio ecológico, a cidadania e a justiça
distributiva, para as atuais e as futuras gerações.
A grande maioria dos desastres ocorrem devido às características
insustentáveis do modelo de desenvolvimento:
A base de um pensamento crítico fundamentado no
entendimento de risco e, mediante isso, de desastre,
sob a noção de risco contínuo, sustenta-se na
interpretação de que o desenvolvimento, levado de
forma insustentável, desigual, excludente, marginal e
crescentemente transnacional, globalizado, constitui-
se na base da construção do risco na sociedade
(LAVELL, 2017, p. 23).

Resiliência é uma ideia que surgiu ligada à engenharia dos materiais


e à física, há 40 anos, depois foi adotada pela ecologia (1973) e pela
psicologia de traumas (1974). Existem também várias definições de

4 Sustentabilidade: desde que começou a se difundir, na década de 1980, como parte da


expressão “desenvolvimento sustentável”. Para se ter uma dimensão dessa disputa, existe
uma centena de definições para desenvolvimento sustentável, que se baseiam no enunciado
clássico do Relatório Brundtland, segundo o qual a expressão trata do “desenvolvimento que
satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades”.

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resiliência, várias delas voltadas especificamente para a gestão de riscos
de desastres no setor educacional. A mais conhecida e conservadora é
“the ability of a social or ecological system to absorb disturbances while
retaining the same basic structure and ways of functioning, the capacity
for self-organization, and the capacity to adapt to stress and change”
(IPCC, 2008, p. 880).
No campo de desastres, o conceito tem sido utilizado de forma
acrítica e tecnicista para fundamentar a adaptação e a convivência
com os riscos dos eventos extremos e às mudanças climáticas. Segundo
Sulaiman e Aledo (2016, p. 15), “nesse contexto, o desenvolvimento
sustentável e a resiliência tornam-se uma adaptação às ‘externalidades’
do desenvolvimento da sociedade moderna e não uma transformação
frente às causas produtoras do risco, mantendo a ‘inquestionabilidade
do risco’” (aspas no original). De fato, a apropriação espúria do conceito
de resiliência – bem como de outros termos como sustentabilidade,
vulnerabilidade, resistência, riscos... – serve para encobrir as contradições
e injustiças sociais e ambientais subjacentes ao modelo socioeconômico
(MACIAS, 2015).
Entretanto, conforme pondera Mark Pelling (2011), há uma
gama de escolhas que se apresenta envolvendo resiliência ao se tratar
de mudança social. O nível mais baixo e comumente usado é o de
retorno à estabilidade (coping), de voltar à situação anterior ao desastre.
Em seguida se trata de transição (adapting), ou seja, mudanças sociais
incrementais e o exercício dos direitos humanos existentes. E o mais
alto é a transformação, a demanda por novos direitos e mudança no
regime político e no sistema econômico, com base na consciência crítica
freireana. Cada forma de resiliência pode incluir mudanças de valores,
instituições, comportamento e ativos, de modo que deve ser o âmbito
e o alcance da mudança, em vez da profundidade, que diferencia cada
forma adaptativa.
Entendendo que a resiliência pode também significar uma
forte ênfase na construção de sociedades sustentáveis e no que as
comunidades podem fazer para fortalecer suas capacidades, antes de
“concentrar-se em sua vulnerabilidade ao desastre, nos seus impactos e
tensões, ou em suas necessidades durante uma emergência” (TWIGG,
2009, p. 8). Podemos (então) considerar que as ações de educação,
ao promoverem a sustentabilidade em suas múltiplas dimensões,

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contribuem para fortalecer a capacidade das escolas e comunidades de
se protegerem. A produção dialógica de conhecimentos científicos com
os locais e originários pode contribuir para gerar a compreensão das
vulnerabilidades, construindo caminhos de sustentabilidade juntamente
com a redução de riscos de desastres.
Assim, a escolha para educação é o nível transformador e assumimos
que, apesar do desgaste semântico devido à apropriação do discurso
hegemônico, esses termos e conceitos podem ser produtivos por
seu potencial transformador de mudança de valores que devem ser
resgatados.
As comunidades dependem do acesso a informações e a conceitos
como esses para fundamentarem suas escolhas no médio e longo prazo.
E, obviamente, da compreensão de que é possível promover a geração
de renda com qualidade de vida socioambiental e a prevenção de
desastres. Isso permitirá planejar suas ações para reduzir os impactos
das mudanças climáticas e aumentar a capacidade de resistência a este
novo cenário.
Zygmunt Bauman5, em uma entrevista, disse:
Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A pri-
meira é a forte sensação de que o mundo não está fun-
cionando adequadamente e deve ter seus fundamentos
revistos [...] A segunda condição é a existência de uma
confiança no potencial humano à altura da tarefa de re-
formar o mundo e a crença de que ‘nós, seres humanos,
podemos fazê-lo’ [...com] força e coragem.

COLOCAR EM PRÁTICA CONHECIMENTOS E SABERES: EA E ERRD


Diante dos desafios, atuais e futuros, apresentados pela conjunção
entre o aumento das vulnerabilidades e dos eventos extremos, torna-
se fundamental investir em concepções de educação e ciência que
potencializem as estratégias de conservar a natureza, monitorar os riscos
e promover pesquisa científica para a sustentabilidade.

5 ‘Para que a utopia renasça, é preciso confiar no potencial humano de reformar o mundo’.
Entrevista dada por Zygmunt Bauman ao Prof. Dennis de Oliveira na Revista CULT.
Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2017/01/bauman-para-que-a-utopia-
renasca-e-preciso-confiar-no-potencial-humano-de-reformar-o-mundo.

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O paradigma da ciência pós-normal (FUNTOWICS; RAVETZ,
2000)6 em gestão de riscos enfatiza a relação entre a limitação do
conhecimento científico e a potencialidade da inclusão de diferentes
saberes e atores sociais, numa perspectiva compartilhada de governança.
Esse novo paradigma científico traz três questões fundamentais para a
avaliação dos riscos: a administração das incertezas, os procedimentos e a
participação e os problemas de governança. Isto tem reflexos profundos
no âmbito da práxis educativa.
Educação e ciência têm um papel imprescindível nesse labirinto de
incertezas. Nas palavras de Edgar Morin (2000, p. 35), “aprender a viver
é o objeto da educação, e essa aprendizagem necessita transformar a
informação em conhecimento, os conhecimentos em saberes (sabedoria
e ciência) e incorporar a sabedoria na vida”.
Internacionalmente, a educação para a prevenção de desastres foi
considerada uma prioridade desde o Marco de Ação de Hyogo (2005-
2015) – usar o conhecimento, a inovação e a educação para construir
uma cultura de segurança e resiliência em todos os níveis (UNISDR,
2005). A ideia foi aprofundada no Marco de Ação de Sendai (2016-
2030), que explicita a necessidade e urgência do trabalho conjunto
entre diferentes atores sociais, apoiado numa abordagem multirriscos,
na troca de experiências, no compartilhamento de informações do
campo da ciência complementadas pelo conhecimento tradicional,
assim como a construção de conhecimento por meio de processos de
formação e educação baseados em aprendizagem entre pares.
Sendai retoma a educação formal: “crianças e jovens são agentes
de mudança e devem ter espaço e formas de contribuir para a redução
do risco de desastres, de acordo com a legislação, práticas e currículos
da educação nacional” (UNISDR, 2015). Em uma perspectiva focada
na gestão de desastres, por meio de conscientização, motivação para a
autoproteção e de modificar a percepção de riscos, no Brasil se preconiza
que medidas adaptativas e preventivas para a minimização ou redução
do impacto dos desastres podem ser estruturais e não estruturais.

6 Novo paradigma científico, chamado “ciência pós-normal”, criado para atuar frente
aos males do sistema industrial global baseado na segurança e controle sobre o mundo
natural. Passamos das certezas para as possibilidades. A ciência pós-normal busca superar a
resolução de problemas da ciência cartesiana e positivista, integrando novos atores à pesquisa
(FUNTOWICS; RAVETZ, 2000).

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Enquanto as medidas estruturais, como obras de engenharia
(diques, pontes, muros de contenção etc.) são vistas como paliativas e
caras, podendo mesmo gerar outros impactos ambientais e uma falsa
sensação de segurança, as não-estruturais integram conhecimentos
científicos com várias políticas públicas (plano diretor, zoneamentos
ambientais, legislação, educação ambiental etc.) e são de caráter
educativo. Apesar dos resultados a médio e longo prazo, são de
baixo custo e permitem uma correta percepção do risco. Tudo isso,
sem alarme ou medo, que podem causar imobilismo e apatia diante
do inevitável, mas proporcionando motivação, conhecimentos,
prevenção e, em especial, potência para agir (MARCELINO, 2007;
TOMINAGA; SANTORO; AMARAL, 2009).
A pedido da Action Aid, Ben Wiesner enumerou três estratégias
prioritárias para a Educação em Redução de Riscos de Desastres no
mundo todo (WIESNER, 2006, p. 74-75):
• Ensinar sobre os riscos e a redução de riscos: promover a
aprendizagem sobre os riscos localmente significativos em todas as
escolas primárias e secundárias e o que pode ser feito para reduzir
os riscos;
• Transformar as escolas em centros de redução do risco de desastres
na comunidade, usando instrumentos participativos de avaliação
de vulnerabilidade. As escolas se tornam referências de como a
comunidade do entorno pode mapear seus próprios perigos, avaliar
a sua vulnerabilidade e ser capaz de enfrentá-los fazendo seus planos
de ação;
• Proteger as escolas adotando medidas para avaliar e resolver os
riscos das escolas, de preferência com uma abordagem multirriscos
que pode incluir, dependendo de cada caso, danos causados por
terremotos, ventos fortes, enchentes, deslizamentos de terra,
tempestade costeira, tsunami etc. Novas escolas devem ser
projetadas e construídas (localização, manutenção de edifícios,
design, métodos e materiais de construção) tendo segurança,
proteção e os perigos localmente relevantes em mente (WIESNER,
2006). Escolas antigas, localizadas em municípios mais vulneráveis
a desastres devem ser reforçadas, passar por manutenções periódicas
e, eventualmente, mudar de endereço.

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A educação ambiental (EA) e a educação para redução de desastres
(ERRD) possuem campos de práticas em todas as áreas acima, apesar
de demandarem estratégias e metodologias específicas, obviamente
adaptadas aos diferentes contextos de ameaças e vulnerabilidades. As
políticas públicas de educação ambiental seguem uma lógica de relação
com os territórios, sendo estruturadas e atuantes nesses territórios
(SORRENTINO et al., 2005).
Embora existam esforços na educação relativos às mudanças
climáticas e prevenção de riscos de desastres nas Universidades, ONGs,
Ministério da Educação, Defesa Civil, os dados apontam para um
universo institucional ainda bastante frágil. O foco fica na gestão da
informação técnico-científica sobre desastres, voltado para a adaptação
e convivência com os riscos (SULAIMAN; ALEDO, 2016). As
iniciativas são insuficientes, ou mesmo inconsistentes, com perspectiva
conformista sem intenção de contestar as bases sociais de produção dos
riscos e da vulnerabilidade.
Mas a educação precisa ir muito além disso. A EA brasileira tem que
ser constituída em um campo de formação crítica e participativa, bem
como de práticas educativas que incluam sua inserção de forma multi,
inter e transdisciplinar nos sistemas de ensino. Ela atua na superação de
padrões predatórios da vida e na busca de modos de vida sustentáveis,
em uma perspectiva crítica-transformadora7. Como processo político
de apropriação reflexiva e ativa da realidade, a EA convida a uma
revisão ética, de valores, de atitudes e de responsabilidades individuais
e coletivas. Este campo de atuação encontra oportunidade para uma
forte expansão em novas frentes de ação emancipatórias: mudanças
climáticas, a geração de uma cultura de sustentabilidade e resiliência,
prevenção de desastres socioambientais, entre outras.
Verifica-se, no entanto, que o tratamento dessas temáticas, dentro e
fora da escola, além de escasso, tende a reproduzir sem questionamentos
a sociedade do Capitaloceno. Um estudo com educadores na Irlanda
observou a falta de crítica dos professores pesquisados aos valores
da sociedade, apresentando soluções tecnocráticas para a mudança

7 TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Temas ambientais como “temas geradores”:


contribuições para uma metodologia educativa ambiental crítica, transformadora e
emancipatória. Educar em Revista v. 22, n. 27, 2006. Disponível em: www.redalyc.org/
articulo.oa?id=155013354007. Acesso em: 16 nov. 2017.

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climática, com base na ação individual. Há uma tendência a permanecer
“no terreno seguro da educação ambiental (conservacionista), de
atividades orientadas e inócuas” (KAVANAGH et al., 2012). Tal postura,
segundo a pesquisa, limita a capacidade das crianças se vislumbrarem
como parte de um coletivo, como atores políticos. A implementação de
uma abordagem complexa, crítica e transformadora do atual modelo de
crescimento local e global exigiria dos professores um desenvolvimento
profissional considerável.
Como mencionado acima, este momento de retrocesso na
abordagem de diferentes matizes da educação na contemporaneidade
retirou a obrigatoriedade do ensino da sociologia, filosofia, artes,
educação física e música, da cultura afro-brasileira, da prevenção de
desastres e educação ambiental. Isso exige novos esforços para superar
grandes barreiras ideológicas e recolocar a educação ambiental na pauta
das políticas públicas, reconfigurando a questão da sustentabilidade e
da redução de riscos de desastres de forma integrada. É fundamental
envolver os educadores e educadoras no debate sobre escolas que
educam para a sustentabilidade, a resiliência, a diversidade e a justiça
social, sendo referências em suas comunidades.

Uma rede de escolas e comunidades na prevenção de desastres


O Cemaden Educação, implantado em 2014 pelo Cemaden/MCTIC8,
atua em escolas de ensino médio localizadas em cidades com áreas de riscos
de desastres socioambientais. Três escolas do projeto piloto iniciaram
em março/ 2015 a constituir turmas e testar as atividades (linguagem,
adequação curricular, formato, interfaces e aplicativos). O projeto foi
reconhecido como prática inspiradora pela Convenção das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas (UNFCC) e pela Rede Global das Organizações
da Sociedade Civil para a Redução de Desastres (GNDR).
O Cemaden Educação tem como objetivo contribuir para a geração

8 O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) foi criado


em 2011 para “promover a estruturação de sistema de suporte a decisões e alertas de desastres
naturais”, cuja principal tarefa é “aumentar gradativamente o monitoramento e a previsão da
probabilidade da ocorrência de desastres naturais, até alcançar a maior parte dos municípios
classificados com risco alto ou muito alto de ocorrência de desastres e procurando reduzir o
número de vítimas humanas decorrentes” (BRASIL, 2012, p. 106).

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de uma cultura da percepção de riscos de desastres, no amplo contexto
da educação ambiental e da construção de sociedades sustentáveis
e resilientes9. Uma metáfora facilita a compreensão: cada escola
participante se torna um Cemaden microlocal, um espaço para realizar
pesquisas, monitorar ambiente e o clima, compartilhar conhecimentos
e saberes, entender e emitir alertas de desastres. Além de fazer a gestão
participativa de intervenções com suas comunidades. Ele se diferencia
daquelas práticas consideradas comportamentais, que preconizam
a sensibilização para a natureza, ou mesmo vinculam-se à mera
transmissão de informações técnicas e científicas sobre o ambiente.
Um exemplo vivo de Cemaden microlocal acontece há três anos na
Escola Estadual Paulo Virgínio em Cunha/SP. O município foi cenário
de fortes enchentes e escorregamentos durante os desastres na região
do Vale do Paraíba do Sul em 2010. Durante o ano letivo, o corpo
docente orientado pela coordenação pedagógica envolveu mais de 900
alunos e alunas das 17 classes do ensino médio em grupos de pesquisas,
a partir de sugestões de atividades elaboradas pelo Cemaden Educação
em conjunto com a escola.

Vamos transformar, transformando com ciência cidadã e Com-VidAção


Segundo Morin (2000),
(...) para que o conhecimento seja pertinente, a
educação deve levar em conta o contexto, o global,
o multidimensional e o complexo, com isso estará
possibilitando a promoção da inteligência geral.
Propõe a reforma do pensamento por meio da
transdisciplinaridade, isto é, que se rompa com a
forma fragmentada, compartimentada e disciplinar do
conhecimento.

Conforme sugere Tamaio (2013, p. 59),


(...) ante o desafio dessa complexidade do mundo real,
todo o conhecimento da Educação Ambiental tem hoje
a necessidade de problematizar, refletir, reconhecer e,

9 Fazem parte do Cemaden Educação, Defesas Civis, escolas e universidades, ONGs, centros
de educação, grupos de escoteiros dos estados do AC, SP, MG, RJ, MS, CE e RS nesta fase
inicial, e paulatinamente se amplia para todo o país.

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sobretudo, situar-se diante dessa crise civilizatória. Um
ponto inicial para esse desafio é a compreensão dos
principais signos que o tema utiliza frequentemente,
onde quase todos são conceitos científicos.

Mas é preciso frisar que o conhecimento científico na escola não


pode ser visto de forma ingênua, como um instrumento da educação
voltado para resolver os problemas ambientais do planeta.
As propostas práticas oferecidas por Irineu Tamaio para o Ministério
do Meio Ambiente contribuíram para a perspectiva adotada no projeto
CEMADEN Educação:
• Identificar e visualizar as conexões do fenômeno com o dia a dia
das pessoas e criar, de forma coletiva, possibilidades concretas e
realizáveis de mudança, pois, isso pode aumentar a predisposição e
a capacidade para a ação individual e coletiva;
• adotar as distintas modalidades de ensino/aprendizagem e a
utilização de métodos e técnicas que promovam a participação, a
pesquisa e o aprender fazendo solidariamente;
• estimular e propor a elaboração de materiais educativos que
abordem o tema pela perspectiva sócio-histórica cultural, ou seja,
que questione a raiz do problema já que as Mudanças Climáticas
são complexas e requerem visões múltiplas;
• referenciar o conteúdo programático nos processos de formação e de
informação na problemática global, mas que esteja em consonância
com os problemas locais e regionais, que possa disponibilizar
conhecimento científico em linguagem adequada, que considere a
história dos grupos, a dimensão individual e coletiva, a conexão
local/global, as relações de produção, consumo e descarte dos
resíduos do modelo capitalista estabelecendo conexões com as
questões climáticas (BRASIL. TAMAIO, 2013).
Diante de tantas demandas, quais metodologias podem ser aplicadas
para responder a:
Como gerar referências socioeducativas e transformadoras que
potencializem medidas de mitigação das mudanças climáticas, além de
reduzir a crescente vulnerabilidade socioambiental?
Como pessoas vulneráveis ​​podem se tornar poderosos agentes de
mudança?

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Para tentar responder a essas indagações, criamos dois eixos
complementares, o pedagógico com a Ciência Cidadã e o social com a
Com-VidAção:
• Ciência cidadã – realização de pesquisas, coletas de dados locais,
análise e disponibilização/partilha dos resultados em rede (pré-
iniciação científica).
Na última década surgiu o conceito de Ciência Cidadã (Citizen
Science), definido grosso modo como o envolvimento de voluntários
em Ciência com o uso de TICs – Tecnologias da Informação e
Comunicação (ROY et al., 2012). Ciência Cidadã Extrema (Extreme
Citizen Science, www.ucl.ac.uk/excites), sediada na University College
London, é uma prática interdisciplinar, bottom-up que se concentra
em atividades de sensoriamento participativo, monitoramento e
modelagem, com as comunidades para a subsequente tomada de
decisões e ações transformadoras. O objetivo é alterar o estado atual
da arte através do desenvolvimento de tecnologias que permitam aos
leigos compreender e gerenciar seu ambiente com métodos e modelos
científicos. Considerada como uma mudança paradigmática na ciência
pós-normal, pois, envolve uma multidão de pesquisadores populares
e uma revolução de dados. A ciência cidadã, complementada pelo
crowdsourcing, desafia bases tradicionais de produção, propriedade
e centralização do conhecimento. Essas duas práticas, embora
diferentes, têm em comum a participação de amadores, em oposição
aos cientistas profissionais, o engajamento de colaboradores anônimos,
número elevado de colaboradores envolvidos, característica inerente
ao crowdsourcing/ internet/ciberespaço (TESCHENHAUSEN, 2015).
Pode-se acrescentar dois fatores importantes: a transparência nos dados,
informações e conhecimentos compartilhados.
No caso do Cemaden Educação, os conhecimentos deverão ser
coletados pelas escolas por diversas metodologias das ciências naturais,
sociais e humanas e compartilhadas tanto por metodologias ortodoxas
como heterodoxas. A busca de conhecimentos se estruturará em torno
de perguntas: O que são desastres socioambientais? Ou: O que são as
mudanças climáticas? Ou (então) de grandes perguntas metafísicas:
Como se originou a vida no planeta? Em geral as perguntas serão
aplicadas à solução de problemas práticos da realidade social ou natural:
Como reduzir a vulnerabilidade aos riscos de desastres? Ou: Como

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impedir a erosão nos loteamentos? Ou: Como tornar a comunidade
mais resiliente? E, como viabilizar sociedades sustentáveis em suas
múltiplas dimensões desenvolvendo formas inovadoras de viver no
nosso planeta?
Se a aprendizagem não for considerada pelos adolescentes como alvo
de seu interesse, ou significativo, o aprendizado será efêmero e pouco
eficaz. Se conseguirmos mostrar que a verdadeira motivação pela ciência é
a descoberta do mundo como parte de uma comunidade de aprendizagem,
na qual as pessoas compartilham os conhecimentos, teremos estudantes
mais engajados em aprender a aprender. Construir o conhecimento
significativo que permita acessar formas de pensamento complexas, a
partir de centros de interesse, aprendizagem colaborativa, a autonomia.
As pesquisas buscam provocar a reflexão e a interatividade entre
as escolas da mesma bacia hidrográfica e (também) de outras regiões,
incentivando a aprendizagem contínua e permanente, tendo como
abordagem o estudo das relações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade-
Ambiente. O compartilhamento se dá por meio de um sistema
colaborativo (crowdsourcing) com as escolas participantes via site:
http://educacao.cemaden.gov.br e pelo aplicativo de celular – o APP
Cemaden na sociedade v(nome provisório e em fase de teste). O
APP será aberto para qualquer usuário participar. Os estudantes são
interlocutores e editores de conhecimentos voltados para a proteção
das comunidades. As linhas de pesquisa, com sugestões de adequação
curricular, visam provocar a reflexão e a interatividade entre os
integrantes da escola, da bacia hidrográfica e de outras regiões do
país, incentivando a aprendizagem em rede, de forma continuada e
permanente em resposta aos desafios políticos e sociais de prevenção e
enfrentamento de desastres socioambientais.
• Com-VidAção – Comissão de Prevenção de Desastres e Proteção
da Vida, envolvendo escola, comunidade, Defesa Civil entre outros
atores sociais para a gestão participativa de riscos e intervenções na
comunidade.
Ela traz o eixo social de intervenções. É importante se pensar
em formas de organização da comunidade escolar voltadas para sua
autoproteção, ampliando sua capacidade de realizar ações coletivas de
intervenção para ampliar os cuidados fundamentais de preservação
da vida. Trata-se da necessidade de se constituir espaços de gestão e

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planejamento participativo das ações que envolvam diversos atores
sociais locais na discussão dos principais problemas que geram desastres
e em compromissos para solucioná-los a curto, médio e longo prazo.
Com o objetivo de promover a gestão participativa para intervenções
transformadoras nas comunidades locais, a partir da integração dos
conhecimentos trabalhados no eixo pedagógico com as pesquisas. Assim,
há um incentivo da participação da comunidade escolar motivada a
atuar nas dimensões da pesquisa-ação-participativa, mobilização, gestão
democrática e do controle social.
A Com-VidAção é baseada na Com-Vida (Comissão de Meio
Ambiente e Qualidade de Vida na Escola), uma tecnologia social
implantada pelo MEC/SECADI/Coordenação Geral de Educação
Ambiental desde 2004 no Ensino Fundamental. Ambas as organizações,
tanto nas escolas do Ensino Fundamental ou Médio, incentivam a
organização de uma ação estruturante que colabora, aporta sentidos
socioambientais e, principalmente, não compete com o Grêmio Escolar.
Em sua origem, se articulam os Círculos de Aprendizagem e Cultura
que, segundo o educador Paulo Freire, deveriam existir em cada quarteirão
de uma cidade. Estes se constituem em espaços e tempos horizontais
onde: “todos têm a palavra, onde todos leem e escrevem o mundo. É um
espaço de trabalho, pesquisa, exposição de práticas, dinâmicas, vivências
que possibilitam a construção coletiva do conhecimento”. Esta foi uma
deliberação dos adolescentes delegados da 1ª Conferência Nacional
Infantojuvenil pelo Meio Ambiente (2003) oriunda de seu contato com
os CJ (Coletivos Jovens) nos estados, compostos para a fase preparatória
(mobilização e composição das delegações estaduais) e de facilitação na
Conferência sob os princípios: Jovem educa Jovem. Jovem escolhe jovem.
Uma geração aprende com a outra.
Uma simples pesquisa no Google para Com-Vida na Escola traz
mais de um milhão de itens relacionados, incluindo a existência de
Com-Vida em países de língua portuguesa, escolas de todo o país e
em políticas municipais. Desde 2009 a Com-Vida se tornou uma das
exigências para a conquista do Selo UNICEF (www.selounicef.org.
br) para as regiões Norte e regiões Nordeste, um indicador de Gestão
de Políticas públicas municipais. Segundo o guia, a Com-Vida é uma
“estratégia para atingir os objetivos relacionados com os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio” (UNICEF, 2009).

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Destaca-se que os dados disponíveis sobre a Com-Vida, a partir de
dissertações acadêmicas, artigos, relatórios e estudos de caso, abordados
sob uma visão crítica, trazem resultados complicados por várias razões.
Os grandes números em nível nacional mostram que existe uma oferta
de Com-Vida estimulada pelo MEC (cursos à distância, Conferências
Infantojuvenis, escolas sustentáveis e educação integral). Em estudos
regionais a imagem é de que as Com-Vida, quando existentes, são
organizações incipientes e superficiais, bem abaixo das expectativas
(MOHEDANO, 2010; GARCIA, 2010). Enquanto os estudos de caso
focados localmente, em apenas uma escola, consideram que Com-Vida
tem impactado positivamente o desempenho educacional, pois, pode
ser um catalisador de avanços conceituais e políticas processuais em EA,
trabalhada em uma perspectiva transformadora com um componente
importante de participação e utopia (TORO-TONISSI, 2014,
CAMBOIM, 2012; GARCIA, 2010). E um estudo aponta para o fato
de muitas organizações locais, redes e ações coletivas terem surgido a
partir da Com-Vidas (MOHEDANO, 2010).
Entre as dificuldades encontradas para o sucesso da iniciativa, de
acordo com todos os artigos, estão a alta rotatividade de professores,
cargos de diretoria e coordenação pedagógica das escolas, bem como
de se tratar de alunos ainda imaturos, dos anos finais do ensino
fundamental. Além da EA não ser uma disciplina do currículo, ela
tende a ser tratada como projetos pontuais ou descontextualizados, que
com o tempo são esquecidos.
As Diretrizes Curriculares de Educação Ambiental (BRASIL, 2012)
propõem às escolas o
trabalho de comissões, grupos ou outras formas de
atuação coletiva favoráveis à promoção de educação
entre pares, para participação no planejamento,
execução, avaliação e gestão de projetos de intervenção
e ações de sustentabilidade socioambiental na
instituição educacional e na comunidade, com foco
na prevenção de riscos, na proteção e preservação do
meio ambiente e da saúde humana e na construção de
sociedades sustentáveis.

A Com-VidAção se diferencia da Com-Vida por várias razões:


envolve um conjunto de ações diferenciadas, como o uso de um

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sistema colaborativo que permite aprendizagens mútuas a partir das
experiências de outras escolas; se trata de proteção de desastres em
municípios vulneráveis, diretamente interessados nos debates e ações
de prevenção de desastres; atua junto a jovens do ensino médio em
condições mais adequadas de exercitarem a corresponsabilidade pelo
meio em que vivem, além de passarem por atividades de iniciação
científica com inserção curricular; tem o apoio e conta com esforços
agregados de novos parceiros, atores e instituições de proteção social e
cidadania para sua constante reinvenção, como por exemplo: agentes
da Defesa Civil, Nudecs/Condecs, integrantes de ONGs, servidores de
Unidades de Conservação, entre outros arranjos locais e regionais. Esses
atores podem fornecer orientações, simulações e informações técnicas
preventivas, além de criarem canais de comunicação direta em situações
de alerta e perigo.

Mandala da escola sustentável e resiliente


A Figura 2 abaixo é uma estratégia para realizar as transformações
para a sustentabilidade e resiliência – dois lados da mesma moeda
(TWIGG, 2009). Ela parte da proposta original do Programa Nacional
de Escolas Sustentáveis10, mas foi transformada e ampliada para
incorporar também as dimensões de mudanças climáticas e a redução
de riscos de desastres.

10 Programa Nacional de Escolas Sustentáveis - PNES (Coordenação-Geral de Educação


Ambiental/MEC) Versão preliminar 02/06/2014. Em 2014, o PNES estava em processo
de consulta pública, que foi abortado pelo impeachment e a mudança governamental,
encontrando-se atualmente parado. Disponível em: https://drive.google.com/file/
d/0B0W7JKEkeDaSYzFHS3JNZzhFZEU/edit. Acesso em: 20 mar. 2017.

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Figura 2 – Mandala da escola sustentável e resiliente

Fonte: Adaptada de MEC/Cgea (2014) por Tereza Moreira e Rachel Trajber.

Compõem a figura, quatro dimensões indissociáveis para as escolas


sustentáveis e resilientes, com definições baseadas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais de Educação Ambiental:
i. Espaço escolar (edificação) – além dos itens de sustentabilidade,
outras adequações precisam ser incorporadas na construção de
novas escolas, reduzindo assim a situação de vulnerabilidade.
Ressalta-se ainda que escolas e hospitais são definidos pela ONU
como possíveis abrigos da comunidade em situação de desastres.
Em ações emergenciais ela se torna um oásis para a comunidade e
tem condições de entrar em funcionamento logo após desastres. Tais
adequações são também pensadas como elementos constitutivos
das futuras instalações de escolas em situação de vulnerabilidade;
ii. Gestão democrática – a revisão de práticas escolares fragmentadas
e o estabelecimento das relações entre as mudanças do clima

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e o atual modelo de produção, consumo, organização social,
visando à prevenção de desastres socioambientais e a proteção das
comunidades;
iii. Currículo – ações pedagógicas que permitam aos sujeitos a
compreensão crítica da dimensão ética e política das questões
socioambientais, situadas na esfera individual e pública. Foram
desenvolvidas sugestões de atividades de pesquisa, com inserção trans
e interdisciplinar, voltadas para a iniciação científica no ensino médio,
nos âmbitos de aprendizagem significativa e socialmente útil;
iv. Relação escola-comunidade – reflexão sobre as desigualdades
socioeconômicas e seus impactos ambientais, que recaem
principalmente sobre os grupos vulneráveis, visando à conquista da
justiça ambiental e climática. Inovação mantendo vínculos com o
currículo do ensino médio: comunicação e participação/ ciência e
saberes. Experiências que contemplem a produção de conhecimentos
científicos socioambientalmente responsáveis, a interação, o
cuidado, a prevenção e o conhecimento da sociobiodiversidade, da
sustentabilidade da vida na Terra e da proteção das comunidades.
Em um estudo comparativo sobre redução de risco de desastres
nos currículos escolares, em sistemas de educação formal de 30 países
(UNICEF; UNESCO, 2012), foram levantadas as diversas abordagens
utilizadas, bem como as vantagens e desvantagens de cada uma delas.
A pesquisa virtual na literatura e em documentos sobre experiências
aponta que prevalece a abordagem do tema inserido em disciplinas de
ciências físicas e naturais. Segundo o estudo, há pouca evidência de
trabalho com interdisciplinaridade e casos isolados de criação de uma
nova disciplina.
Ainda segundo o estudo, a RRD foi incorporada à educação
ambiental em países da América Latina, onde há uma forte tradição
nesse sentido, como no caso do Brasil, onde ela é fruto de um processo
social e histórico de internalização do debate e da preocupação
ambiental. Em sua práxis pedagógica, a EA envolve a percepção de uma
educação cidadã, responsável, crítica, participativa, onde cada sujeito
aprende com o conhecimento científico e o reconhecimento dos saberes
tradicionais, possibilitando a tomada de decisões transformadoras a
partir do meio ambiente natural ou social no qual se insere.

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O projeto Cemaden Educação optou por iniciar suas atividades no
ensino médio, mas por demanda de algumas Secretarias Municipais
de Educação, se ampliou o escopo, contando com a criatividade de
adaptação das atividades para o ensino fundamental. Os jovens acima
dos 15 anos têm oportunidade de trabalhar com iniciação científica,
mais liberdade para fazer pesquisas preventivas, maior capacidade para
monitorar a situação e reconhecer riscos, podendo inclusive atuar na
ajuda às crianças menores (crianças estão mais sujeitas a se tornarem
vítimas de desastres), idosos e pessoas com deficiência, se necessário,
além de capacidade de tomada de decisão sobre as causas dos desastres
e a intervenção (CARTEA, 2009).

Figura 3 – Educação

Fonte: CEMADEN.

Para aproximar ainda mais os jovens, foi criada uma História em


Quadrinhos “Educação + Participação: uma equação para a redução de
riscos de desastres” em parceria com a UNESP/Engenharia Ambiental,
na oportunidade da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia 2017, que
tinha o tema ‘A matemática está em tudo’. Ela sintetiza todos os esforços

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do Cemaden Educação em oito páginas emocionantes que interligam
desastre/ educação/ aventura/ romance. A narrativa se baseia em duas
escolas-piloto do projeto: Cunha e São Luiz do Paraitinga, uma a montante
e a outra a jusante da mesma bacia hidrográfica que passaram por um grave
desastre (enchente do Rio Paraitinga) em 2010. O perfil e imagem dos
personagens têm diversidade de gênero, raça, diálogos intergeracionais,
inclusão e parceiros importantes para o projeto de ERRD em qualquer
município: comunidade escolar, Defesa Civil, Cemaden e a Universidade.

Figura 4 – Convida

Fonte: CEMANDEN.

O roteiro tem um 1º desastre: estão todos despreparados, a professora


propõe aos estudantes que eles devem pesquisar, monitorar, mapear
e planejar. 2º desastre: comunicação entre duas escolas. Ficam alertas e
agem para proteger a comunidade do desastre que acontece. Quando estão
prontos para reconstruir, a professora chama a comunidade, os estudantes,
a Defesa Civil para criar a Com-VidAção. Agora um plano para que não
aconteça mais. Na porta da sala, um selo com a frase: mude o sistema, não
o clima. E no quadro, o convite para a reunião da Com-VidAção.
Segundo avaliação de professores, o Cemaden Educação contribui
para reduzir o desinteresse dos jovens pela escola por meio da
aprendizagem significativa. Isso em um contexto mundial de desinteresse
dos adolescentes pela escola, conforme mostra um estudo do UNICEF:

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Independentemente do lugar, a relação dos adolescentes
com a escola é muito parecida. Os obstáculos também
são semelhantes. Alguns deles estão relacionados com
o contexto socioeconômico, como o trabalho precoce,
a gravidez e a violência familiar e no entorno da
escola. Outros estão vinculados a questões ligadas à
organização da escola, como os conteúdos distantes da
realidade dos alunos; à falta de diálogo entre alunos,
professores e a gestão da escola; a desmotivação e as
condições de trabalho dos professores; a violência
do cotidiano escolar; e a infraestrutura precária dos
estabelecimentos (UNICEF, 2014, p. 6).
A crença de que a escola se basta em seu currículo está ficando cada
vez mais distante. Existem debates teóricos sobre o ensino médio que
redefinem suas especificidades, em especial a relação com a educação
profissional, e que demarcam uma educação científico-tecnológica que
não instrumentalize e inclua relações sociológicas, políticas, econômicas,
ambientais, e valorativas associadas à ciência e à tecnologia. Existem
propostas para tentar modificar a situação, com a elaboração de um
modelo de currículo mais flexível e diversificado, capaz de se adequar
aos distintos interesses dos jovens, e se questiona o impacto das políticas
curriculares formuladas nacionalmente nos sistemas de ensino e nas
escolas locais (MOEHLECKE, 2012; CARVALHO et al., 2009).
O que caracteriza a ciência é seu método. Assim como a EA e o
currículo, a ciência não é neutra. Contudo, sendo crítica desde sua
origem, a ciência oferece como base metodológica a busca de elementos
para o julgamento de verdades. O método científico pode ser aplicado
para criticar o que se tem como verdades sobre fatos do mundo,
inicialmente do mundo natural, passando, aos poucos, ao mundo
social. A metodologia de pesquisa científica exige rigor ao descrever o
caminho percorrido para a produção dos saberes, de modo que outros
possam trilhar percursos semelhantes, comparando com seus próprios
resultados e ampliando os conhecimentos existentes sobre o assunto.
Entretanto, os fatos nem sempre podem ser “medidos ou pesados”,
segundo os preceitos da ciência clássica. Ao contrário, as relações
sociais e humanas com o meio ambiente não podem ser medidas nem
pesadas, mas podem também ser observadas, mapeadas, cartografadas,
narradas. São os acontecimentos diários que tecem redes de valores,
saberes e fazeres em constante tensão com as práticas de poder. Valores,

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saberes e fazeres são inerentes aos “modos de vida”, e os modos de vida,
em sua complexa rede de interações cotidianas, produzem a cultura
(MAFFESOLI, 2005 apud TRISTÃO, 2013), como lugar praticado.
Pode-se também perguntar sobre a existência de outros saberes,
que coexistem com os conhecimentos científicos, a escola se torna um
espaço que propicia o diálogo de saberes. Em cada local há pessoas
que observam e monitoram os processos da natureza no cotidiano,
retratam e narram de maneira encantadora sobre a sua realidade. O
conhecimento popular oferece narrativas e riquezas fundamentais para o
conhecimento científico, que ao serem compartilhados e comunicados,
contribuem para o crescimento de todos.

Mobilização: mapear, acessar e avaliar as iniciativas

Figura 5 – Aprender para Previnir

Fonte: CEMADEN.

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A Campanha #AprenderParaPrevenir, uma ação de mobilização do
Cemaden Educação, está em sua 3ª edição em 2018. Em lembrança ao
Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres (13 de outubro),
a iniciativa é uma oportunidade de envolver as comunidades escolares
em intervenções, espaços de diálogo e construção de conhecimentos
sobre a temática de ERRD para a sociedade brasileira.
A iniciativa permite mapear e compartilhar propostas e práticas
pedagógicas desenvolvidas pelas escolas, Defesas Civis e programas
de extensão das instituições de ensino superior do Brasil. Assim, o
compartilhamento de experiências educacionais para a prevenção de
riscos de desastres nas diferentes modalidades da educação formal e não
formal e informal é fundamental para iniciar debates metodológicos.
A Campanha teve início em 2016 com escolas de ensino
fundamental (6º a 9º ano) e ensino médio. No ano seguinte incluiu as
Defesas Civis estaduais e municipais e em 2018 participam também as
instituições de ensino superior, com projetos de extensão envolvendo
a temática de ERRD.
Apesar de se tratar de uma temática nova e desafiadora para o
universo escolar, a participação na campanha cresce a cada ano. Cresce
também a diversidade e criatividade das experiências e boas práticas,
apresentadas por meio de fotos e vídeos disponíveis para o público11.
Como a Campanha tem como princípio não ser competitiva, ao
final de cada edição são sorteados pluviômetros semiautomáticos,
além de kits de material educativo para as escolas participantes.
Em 22 de abril de 2018, Dia da Terra, o Cemaden Educação
lançou a 3ª edição da Campanha com o tema: Água [D+ ou D-]
= Desastre?12. Sabemos que a maioria dos desastres registrados nas
cidades brasileiras está relacionada com a falta ou o excesso de água,
como seca, enxurradas, inundações e os deslizamentos. Muita água
pode causar inundação, alagamento, enchente, ressaca e deslizamento

11 Disponível em: http://educacao.cemaden.gov.br/aprenderparaprevenir.


12 Guia de Orientações. Este ano a Campanha conta com a divulgação de parceiros como
Conselho Nacional de Gestores Estaduais de Proteção e Defesa Civil (CONGEPDEC),
Conselho de Secretarias Estaduais de Educação (CONSED), União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação (UNDIME) e Fórum de Pró-reitores de Extensão das Instituições
Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX), para citar alguns. Disponível
em: http://educacao.cemaden.gov.br/aprenderparaprevenir2018.

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de terra. Sem chuva, tudo seca e as florestas podem queimar.
O desafio proposto neste Ano Internacional da Água se encontra no
ponto de interrogação ao final da equação. Será que é a água, ou a chuva
que gera tantos desastres? Apenas o excesso ou a falta de água podem
causar desastres? Está certo “culpar” a água pelos desastres? De fato,
o meio ambiente está tão reordenado pela vida sociocultural humana
que nenhum desastre pode ser chamado com certeza de “natural”.
E assim, a Campanha também educa para o questionamento das
consequências de ações humanas com desenvolvimento insustentável.

DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO DE
VULNERABILIDADE DAS ESCOLAS
Uma pesquisa quantitativa realizada pelo Cemaden utilizou dados
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP, 2012) para mapear as escolas vulneráveis aos desastres
no Brasil (MARCHEZINI; AGUILAR; TRAJBER, 2018). Para este
trabalho, o banco de dados, que conta com 125.321 registros de
escolas de ensino fundamental e médio, foi cruzado unicamente para
os 957 municípios atualmente monitorados pelo Centro Nacional de
Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), com as
áreas de risco mapeadas pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM,
2012). As escolas foram georreferenciadas (latitude/longitude) para
este cruzamento de dados, que se restringiu a estes municípios, que
representam 17% dos existentes no Brasil dos atuais 5.570 municípios
brasileiros (Figura 6).

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Figura 6 – Municípios monitorados pelo CEMADEN e Escolas registradas no INEP

Nota: No mapa à direita, de 2016, as escolas identificadas em área de risco hidrológico (ARH)
e geológico (ARG) estão localizadas nos 957 municípios monitorados pelo Cemaden. O
número de escolas expostas ao risco tende a aumentar.
Fonte: Elaborado pelas autoras.

Esse cruzamento cartográfico identificou 2443 escolas em área


de risco: 729 escolas em área de risco hidrológico (ARH), sendo 533
públicas e 196 privadas; e 1714 escolas em área de risco geológico
(ARG), sendo 1265 públicas e 449 privadas. Novos estudos poderão
explicar a razão de se ter um maior número de escolas em ARG. É
provável que este seja um indicativo de limitações do mapeamento
atual disponível de ARH com cobertura nacional.
Um resultado dessa pesquisa foi identificar os estados com maior
número de escolas em situação de vulnerabilidade.

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Figura 7 – Distribuição de escolas em aréas de risco.

Fonte: CEMADEN.

O Cemaden está em processo de parceria – Acordos de Cooperação


Técnica – com as Secretarias de Estado de Educação e as Coordenações
Estaduais de Defesa Civil de Minas Gerais e Pernambuco. É neste sentido
e no contexto Minas Gerais, uma região com grande dinamismo nos
aspectos que condicionam o risco, além de ter passado por talvez o maior
e mais grave desastre tecnológico do mundo, que a sustentabilidade e
resiliência – com profundas transformações – são fundamentais13.

CONCLUSÃO
Políticas públicas de educação ambiental, de mudanças climáticas
para a prevenção de riscos de desastres nos âmbitos formal (sistemas
de ensino), não formal (instituições que educam fora do ambiente
escolar – como ONGs) e informal (veículos de comunicação e mídia)
demandam urgência na articulação institucional, um consenso de

13 Em novembro deste ano acontecerá em Belo Horizonte um Seminário de Formação de


Escolas Sustentáveis e Resilientes com um coordenador pedagógico e um estudante do ensino
médio de 150 escolas, em parceria com a CEDEC, COPASA, CEMIG, Universidade Federal
de São João Del Rei, Coletivo Jovem de Meio Ambiente e apoio da Fundação Renova.

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valores e princípios com responsabilidade e empenho para a construção
de escolas e comunidades sustentáveis e resilientes.
Um eventual aumento na frequência ou intensidade dos riscos
devido às mudanças climáticas trariam maiores benefícios se as políticas e
medidas adotadas fossem projetadas para dar conta da mudança climática
e das incertezas que criam. Por essa razão, é fundamental a promoção
de sinergias entre as instituições, o que permitiria o desenvolvimento
de políticas públicas de educação em resposta aos desafios individuais,
comunitários e sociais de enfrentamento de desastres. Isso implica uma
ação integrada e integradora dos diversos setores com ela relacionados.
Voltamos para a ausência da educação ambiental, mudanças
climáticas, redução de riscos de desastres na BNCC. Estamos paralisados
em uma impotência institucional que trava qualquer tentativa de
mudança. Tal impasse se explica pelos interesses econômicos daqueles
que lucram com as dinâmicas do sistema e que, portanto, “dificultam
qualquer chance de transformação” (DOWBOR, 2017, p. 27).
Este texto termina com uma afirmação de Naomi Klein que clama
por transformações profundas das causas do colapso civilizatório:
Não há nada de essencial nos humanos sobre viver
sob o capitalismo; nós humanos somos capazes de
nos organizar em diferentes tipos de ordens sociais,
incluindo sociedades com horizontes temporais
muito maiores e muito mais respeito pelos sistemas
naturais de suporte à vida. De fato, humanos viveram
dessa forma durante a maior parte de nossa história e
diversas culturas indígenas mantiveram vivas até hoje
cosmologias centradas na terra. O capitalismo é apenas
um pontinho na história coletiva de nossa espécie.

Devemos seguir resistindo. Um exemplo da busca de novas formas


de convivialidade com a Terra foi a decisão de construir uma nova
forma de convivência cidadã na América Latina. Nas últimas décadas,
surgiram profundas propostas de mudança que se apresentam como
caminhos para uma transformação civilizatória. As mobilizações e
rebeliões populares – especialmente a partir dos mundos indígenas
equatoriano e boliviano, caldeirões de longos processos históricos,
culturais e sociais – formam a base do que conhecemos como Buen
Vivir, no Equador, ou Vivir Bien, na Bolívia. Nestes países andinos

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e amazônicos, propostas revolucionárias ganharam força política
e se moldaram em suas constituições, sem que (por isso) tenham se
cristalizado em ações concretas. O Buen Vivir ou sumak kawsay
recorreu às experiências, visões e propostas de povos com uma história
de lutas de resistência a um colonialismo que dura mais de quinhentos
anos. Agora o Bem Viver contribui com os grandes debates globais para
um futuro diferente.

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Injustiça ambiental e climática no Quilombo de
Mata Cavalo e Comunidade do Chumbo,
Mato Grosso - Brasil
Environmental and climatic injustice in Quilombo de Mata
Cavalo and Comunidade do Chumbo, Mato Grosso – Brazil
Injusticia ambiental y climática en Quilombo de Mata Cavalo y
Comunidade do Chumbo, Mato Grosso – Brasil

Déborah Luiza Moreira1


Michelle Jaber-Silva2
Michèle Sato3
Jakeline M. A. Fachin4
Regina Silva5
INTRODUÇÃO
Em Mato Grosso o desumanizante processo de ocultamento da
diversidade social ocorreu concomitantemente à degradação dos com-
ponentes naturais. A colonização que marcou o latifúndio de terras
no país, simultaneamente iniciou a formação do latifúndio do saber.
Conhecer esses fatos históricos é imprescindível para entender as de-
sigualdades sociais brasileiras e as injustiças ambientais que afetam os
grupos sociais vulneráveis aos quais nos dedicamos pesquisar, pois a
colonialidade persiste.

1 Doutoranda em educação da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: demoreiranx@


gmail.com
2 Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: michellejaber@
gmail.com.
3 Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: mchelesato@
gmail.com.
4 Mestre em educação pela Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: jake.fachin@
gmail.com
5 Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: rasbio@gmail.com..

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A colonialidade possui pelo menos quatro eixos que a estruturam: a
colonialidade do poder “refere-se ao estabelecimento de um sistema de
classificação social baseada na hierarquia racial e sexual [...]” (WALSH,
2008, p. 135); a colonialidade do saber, referente ao “[...] posicionamento
de eurocentrismo como a perspectiva única de conhecimento [...]”
(p. 137); a colonialidade do ser, “exercida através da inferiorização,
subalternização e desumanização [...] de negros e indígenas” (p. 138);
a colonialidade da natureza, que “[...] encontra a sua base na divisão
binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a
relação milenar entre mundos biofísicos, humanos e espirituais [...]”
(p. 138). Estes quatro eixos sustentam a colonialidade e contribuem
para naturalização das desigualdades sociais e injustiças ambientais e
climáticas em nosso país. A injustiça ambiental e climática é entendida
aqui como a desigualdade de distribuição dos danos ambientais e
climáticos, resultantes do modo capitalista e antropocêntrico dos seres
humanos se relacionarem com os componentes ambientais.
A chegada dos colonizadores europeus ao Brasil veio acompanhada
de ciclos de degradação ambiental e social. Pádua (2002, p. 72), por
meio do estudo de cerca de 158 documentos históricos, escritos na
época do Brasil Colônia, destaca que para os colonizadores a “[...]
exploração direta da natureza seria o principal eixo de busca por
riquezas nessa parte da América. A vontade de explorá-la da maneira
mais agressiva que fosse possível marcou o nascimento do Brasil”. Ao
lado da devastação ambiental, sustentada pela mão de obra escrava, foi
estabelecida a colonialidade e a desumanização de indígenas e negros,
que passaram a ser tratados como objetos, provavelmente tem-se aí
a gênese da naturalização das desigualdades sociais que resultou no
“pensamento abissal”. Segundo Santos e Menezes (2009, p. 11):

Este pensamento opera pela definição unilateral


de linhas que dividem as experiências, os saberes e
os atores sociais entre os que são úteis, inteligíveis
e visíveis (os que ficam do lado de cá da linha) e os
que são inúteis ou perigosos, ininteligíveis, objetos de
supressão ou esquecimento.

O Brasil Colonial, assentado sobre o pensamento abissal que separou o


mundo em dois – de um lado nós, os “humanos”, “brancos”, “civilizados”

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e “cultos”, na outra extremidade os outros, subumanos, incivilizados,
incultos e inexistentes (ARROYO, 2012) – teve seu desenvolvimento
pautado na lógica da superexploração que ocasionou inúmeras alterações
ambientais e, por conseguinte, climáticas. A brutal pedagogia da
inferiorização, com violentos mecanismos de controle e punição dos/
das escravos/as, somada à terra farta, levou à degradação socioambiental,
tornando a destruição um “[...] elemento constitutivo da própria lógica
de ocupação colonial do Brasil” (PÁDUA, 2002, p. 79).
A degradação ambiental, iniciada no país com a colonização
europeia, perpassou os períodos: Colonial, Imperial e República,
estando fortemente relacionada com o “[...] desenvolvimento
econômico, no contexto da colonialidade e do capitalismo, que se
sustenta na exploração da natureza e da força de trabalho empregada por
determinados segmentos da sociedade [...]” (BARROZO; SÁNCHEZ,
2015, p. 4), sistema que acarreta cada vez mais desigualdades raciais e
conflitos socioambientais. Agrava esse contexto o alarmante número de
conservadores ligados ao agronegócio, que atualmente ocupam cadeiras
no Congresso Nacional (ACCIOLY; SÁNCHEZ, 2011).
A partir dessa perspectiva, compreendemos com facilidade a raiz
de muitas desigualdades sociais e injustiças ambientais e climáticas
que os grupos em condição de vulnerabilidades estão expostos. Ao
olhar a história do país pelo viés da ocupação territorial percebe-se a
manutenção da lógica colonial com a preservação do latifúndio, pautado
no desmatamento, nos monocultivos, na pecuária, na mineração, na
negação de direitos e na tentativa de extermínio de grupos sociais que
não tenham suas relações regidas pela lógica capitalista.
Dentre os diversos grupos em situação de vulnerabilidade de
Mato Grosso, neste capítulo daremos destaque a duas comunidades
quilombolas: Mata Cavalo, que têm vivenciado desde 1889 conflitos
em função da expropriação de suas terras, da omissão e ineficiência do
estado burocrático; e Nossa Senhora Aparecida do Chumbo que
também vivencia situação de conflitos gerados pelos danos causados
pela monocultura de soja que se instalou muito próximo às suas terras.
Importante destacar que muitos desses conflitos têm como força motriz
os impactos ambientais causados pela ação dos fazendeiros, que por
sua vez contribuem para alterações ambientais e climáticas acelerando a
situação de injustiça climática.

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DESENVOLVIMENTO
Quilombo Mata Cavalo

A Sesmaria Mata Cavalo pertenceu à Dona Ana da Silva, que por


meio de testamento doou para os/as negros/as escravizados parte das
terras de Mata Cavalo. Após a morte de Dona Ana da Silva Tavares
(1989), os/as moradores/as foram vítimas de vários grupos que, sob
a lógica capitalista, interessados no lucro que poderiam obter com
a exploração dessa terra, desrespeitaram, ameaçaram e expulsaram
inúmeros negros/as da Sesmaria. Desde então houve um forte e
constante processo de expropriação com a participação de fazendeiros,
garimpeiros e grileiros legitimados por políticas desenvolvimentistas.
O complexo quilombola de Mata Cavalo, localizado na Zona Rural
de Nossa Senhora do Livramento, está distante aproximadamente 60
Km da capital. Situado em área de transição entre o Cerrado e Pantanal,
com rica biodiversidade e jazidas auríferas, o território quilombola foi
alvo da ganância de fazendeiros, grileiros e garimpeiros.
A história dos moradores do quilombo tem aspectos bonitos, como
o da luta e da resistência, mas é (sobretudo) marcada pela opressão
e violação de diversos direitos. Violências que o Estado burocrático
incentivou por meio de políticas de ocupação dos ditos “espaços vazios”
e continua a legitimar com a morosidade em regularizar a situação
fundiária da terra quilombola.
A violência sofrida pelos/as ex-escravizados/as e seus/suas
descendentes perpassa um período de mais de 125 anos, com três
momentos marcados por “[...] violência extrema: a década de 40 com
Getúlio Vargas, a década de 70 com revalorização da terra e expansão
da fronteira agrícola, e a década de 90, quando eles reivindicam os
direitos [...]” (BARROS, 2007, p. 139). Este último momento de
violência extrema perdurou até 2011, período marcado por constantes
despejos, violências físicas e ameaças de morte. A partir de 2011, em
função da liminar judicial que resguarda aos quilombolas o direito de
viver em parte do território enquanto aguardam o final do processo
de desapropriação dos fazendeiros, os conflitos entre os/as moradores
de Mata Cavalo e os expropriadores de suas terras tornaram-se menos
tensos com diminuição da violência física. Contudo, vivenciam violência

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simbólica por não poderem – em função da degradação ambiental e
das alterações climáticas, resultantes dos desmatamentos, garimpagem
de ouro, pecuária e queimadas – manter alguns aspectos culturais que
dependem da conservação ambiental.
Vítimas da política desenvolvimentista e de violentos processos
de expropriação, muitos/as moradores/as da Sesmaria Boa Vida Mata
Cavalo foram expulsos/as, sendo obrigados/as a migrar para outras áreas
rurais, principalmente para as periferias das cidades de Nossa Senhora
do Livramento, Poconé, Cáceres, Várzea Grande e Cuiabá (BARROS,
2007; CASTILHOS, 2011).
O ano 1996 é um marco histórico para a comunidade, foi o início
da “[...] mobilização política em favor dos direitos de trabalhadores/as
negros/as rurais do complexo Mata Cavalo em relação ao acesso à terra”
(SATO, 2010, p. 14), e o retorno de vários/as negros/as em comboio para
Sesmaria (MANFRINATE, 2011; SATO et al., 2010; BARROS, 2007).

Comunidade Nossa Senhora Aparecida do Chumbo


A comunidade que se formou há mais de 100 anos hoje abriga cerca
de 300 famílias, distribuídas em aproximadamente 70 hectares de terra.
Segundo relato de moradores, a terra foi recebida como herança por seu
Manoel Metelo de Campos, que veio trazido como escravo de Minas
Gerais para trabalhar em Mato Grosso e fugiu depois de ser negado sua
carta de alforria em um acordo feito com o fazendeiro. Passados alguns
anos, seu Metelo com ajuda de outro fazendeiro conseguiu sua liberdade
e começou a trabalhar na fazenda Guanandi, que mais tarde se tornaria
na Comunidade do Chumbo, por meio da compra de terras que seu
Metelo adquiriu com seu trabalho. Em 1900 seu Metelo adquiriu
250 hectares de terras que aos poucos foi aumentando seu território e
passando por várias transformações com o decorrer dos tempos.
Uma dessas transformações foi perder sua configuração original de
comunidade rural, apresentando características de uma comunidade
urbana. Segundo o Relatório de Atividades do INCRA6, essa

6 Esse relatório de atividades faz parte do levantamento de dados e informações sobre


as comunidades Quilombolas do Município de Poconé-MT, realizado de 16 a 29 de
maio de 2007.

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transformação se deu pela instalação (no ano de 1984) de uma Usina de
açúcar, álcool e biodiesel – Alcopan – instalada no distrito do Chumbo.
Diante disso, muitos migrantes se instalaram em suas terras, aumentando
demograficamente o território, tornando-se um distrito municipal.
Em 2011 a usina fechou por denúncias de trabalho escravo, dando
lugar a uma imensa plantação de soja e ocasionando evasão populacional
e desemprego.

METODOLOGIA
Na práxis investigativa, a metodologia privilegiada para mapear
os conflitos socioambientais foi o Mapa Social (SILVA, 2011).
Dentre as diversas metodologias usadas na cartografia social, esta
permite a participação de diferentes grupos em um mesmo processo
de mapeamento, podendo ser realizado por meio de oficinas ou
entrevistas. Essa metodologia, centrada nas autonarrativas dos
sujeitos, oferece um leque de possibilidades, servindo ao mapeamento
de identidades, dos conflitos e impactos socioambientais e das táticas
de resistência (SILVA, 2011). O Mapa Social (SILVA, 2011) possui
um forte caráter político e nasceu do desejo de dar visibilidade ao
outro negado, de modo que “[...] tornou-se uma plataforma de luta
na inclusão de identidades em seus territórios [...]” (JABER-SILVA;
SATO, 2012, p. 11).
Ao olharmos a história de ocupação das terras no Brasil
percebemos claramente o forte vínculo entre mapas e poder. “[...] Os
mapas, enquanto forma manipulada do saber [...]” (HARLEY, 2009,
p. 2), contribuem desde a colonização para legitimar o latifúndio.
A comunidade quilombola de Mata Cavalo é exemplo de como
os poderosos legitimados pelo modelo latifundiário de ocupação
da terra usaram o poder dos mapas para “legalizar” o roubo das
terras quilombolas. Desse modo, o mapeamento do quilombo feito
COM e PELOS/AS os/as quilombolas é uma forma de fortalecer a
territorialização e a cultura.
O mapeamento participativo em uma comunidade que desde 1889
luta pelo território, como é o caso de Mata de Cavalo, vem fortalecer
a resistência por meio do debate político sobre a apropriação material
e simbólica do território.

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Utilizamos imagens de satélite da área do quilombo e mapas da
terra quilombola para que os/as participantes registrassem nos mapas
os conflitos socioambientais e impactos ambientais que contribuem
para alterações climáticas.
Ressaltamos que esta pesquisa foi submetida à Plataforma Brasil
e autorizada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em Mata Cavalo, após o processo diaspórico, iniciado em 1889,
narrado nas páginas anteriores, a luta pelo território foi rearticulada
a partir da década de 1990, quando muitos/as ex-moradores/as que
haviam sido expulsos em décadas passadas retornaram em comboio
para o quilombo (JABER-SILVA, 2012; MANFRINATE, 2011;
BARROS, 2007).
São anos de conflitos e disputas entre os/as quilombolas e os
fazendeiros expropriadores, marcados por violência física e simbólica.
Somente no século XXI, depois de muita luta, resistência e com o
reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares (FCP) que o estado
interveio por meio de liminar judicial e amenizou as constantes
violências físicas sofridas pela população.
Os moradores denunciam que as atividades realizadas pelos
expropriadores têm degradado o Cerrado e levado à perda significativa
de espécies do bioma, o que contribui para alterações ambientais
e climáticas e interfere diretamente na cultura deste grupo. Para
Camenietzki (2013, p. 4), “os conflitos instaurados pelas disputas
dos elementos naturais e territórios também configuram um contexto
devastador para as populações que possuem práticas tradicionais [...]”
de uso dos bens naturais.
As principais atividades econômicas desenvolvidas pelos
expropriadores no território quilombola foram a pecuária e
garimpagem de ouro, estas, por sua vez, geraram alteração da
paisagem e impactos ambientais que, como dito anteriormente, lesam
a natureza e a humanidade.
Para desenvolver a pecuária, os fazendeiros desmataram extensas
áreas e plantaram capim braquiaria, ocasionando perda nas interações

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ecológicas e queda na biodiversidade.
Outro impacto ambiental que tem afetado os/as quilombolas
e contribuído para degradação ambiental é a queimada ilegal, que
ocorre principalmente nos meses de agosto a novembro, no período
de estiagem. As queimadas, além do empobrecimento do solo, afetam
a fauna local e trazem graves problemas de saúde à população.
A morosidade na regularização fundiária, o descaso do estado
de Mato Grosso e o abandono pelo Poder Municipal se traduzem
em precarização das condições de vida no quilombo. Inações que
somadas às ações dos fazendeiros e garimpeiros contribuíram para
gerar e agravar situação de insegurança e instabilidade, afetando a
qualidade de vida, agravando os conflitos.
Causados principalmente pelos expropriadores, os desmatamentos
geram conflitos porque alteram as paisagens, degradam o solo, causam
perdas de biodiversidade, contribuem para assoreamentos dos corpos
d’água, alteram o regime de chuvas e comprometem os ecossistemas,
contribuindo para aumentar a vulnerabilidade desta população.
Na comunidade do Chumbo, o processo não é muito diferente.
Os conflitos e disputas têm marcado a história da formação da
comunidade. A maioria da população que lá vive é negra e luta para
a regularização do território quilombola. No ano de 2005 receberam
a certidão de autorreconhecimento da Fundação Cultural Palmares,
porém não foi expedido o título de suas terras, situação que gera
insegurança porque o direito ao território não está garantido.
Apesar da luta para o reconhecimento da comunidade enquanto
quilombolas, alguns moradores não se reconhecem como tal, gerando
conflito entre os próprios moradores da comunidade.
No mapeamento participativo que realizamos, tanto no Quilombo
de Mata Cavalo quanto na Comunidade do Chumbo, foram
registradas várias causas propulsoras de conflitos socioambientais.
Neste capítulo traremos somente as que têm relação direta com as
alterações climáticas e injustiças ambientais.

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Desmatamentos

Os desmatamentos são promovidos principalmente por fazendeiros


que praticam a pecuária e por garimpeiros que criminosamente
realizam a extração de ouro (Figura 1). Essa atividade gera impactos
socioambientais e agrava os conflitos entre os/as quilombolas e os
sujeitos que as promovem.
O desflorestamento leva à degradação ambiental e ocasiona
alterações climáticas, assoreamento dos corpos d’água, alterações no
ciclo hidrológico, diminuição da disponibilidade de água, além de
perdas nas interações ecológicas com consequente perda de espécies,
populações, comunidades e ecossistemas.
A expansão do cultivo de soja que se aproxima do território
quilombola é uma atividade que potencialmente pode aumentar os
desmatamentos no quilombo, caso os fazendeiros/expropriadores que
estão na área decidam iniciar o cultivo desta espécie. Até 2009 a região
de transição entre Cerrado e Pantanal era considerada inóspita para
o seu plantio, contudo, o cultivo desta cultura vem se expandindo
também para essa região.
Em Poconé, município que faz divisa com Nossa Senhora do
Livramento, o cultivo de soja vem se consolidando e avança em direção
ao quilombo. Também verificamos que uma fazenda localizada em
Nossa Senhora do Livramento, que faz divisa com território quilombola,
cultivou uma pequena área em 2016.
Na comunidade do Chumbo essa é uma realidade que já está presente
na vida dos moradores. Com o fechamento da usina de álcool em 2011,
desde 2014 a população vem sofrendo com a expansão da soja e a
comunidade local paga um alto preço em nome do “desenvolvimento”
e do “progresso”. Os prejuízos trazidos são imensos, além da dificuldade
para viver da pesca e da produção agrícola. O agrotóxico utilizado nas
monoculturas envenena o ar, o solo, a água e os seres vivos e humanos
(SCHLESINGER, 2014). Além dos prejuízos causados ao meio
ambiente, para a população também não traz nenhum benefício, pois,
a mão de obra é toda trazida de fora.

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Pecuária

A pecuária é a principal atividade econômica desenvolvida pelos


fazendeiros/expropriadores que estão no território quilombola, sendo
necessárias extensas áreas para a criação de gado, o que leva à perda da
biodiversidade em função do desmatamento, além da degradação do
solo e prejuízo de seu banco de sementes por meio do pisoteio. Todas
essas características da pecuária contribuem para gerar conflitos entre
os quilombolas e os expropriadores (Figura 1).
O estado de Mato Grosso detém o maior rebanho bovino do
Brasil, com 40% do território ocupado pela pecuária é também um
dos campeões de desmatamento (BRASIL, 2015; 2016). Os grandes
criadores de gado contribuem para manutenção do latifúndio,
precarização da vida no campo e para o aumento da violência e dos
conflitos.
Os danos causados pela expansão do latifúndio têm atingido a
biodiversidade e representado uma ameaça ao modo de vida desses grupos
sociais, aumentando a quantidade de conflitos ambientais nessa região.
Importante destacar que conflitos ambientais aqui são compreendidos de
acordo com a elaboração de Henri Acselrad, como sendo:
[...] os conflitos que envolvem grupos sociais
com modos diferenciados de apropriação, uso e
significação do território, tendo origem quando
pelo menos um dos grupos tem a continuidade
das formas sociais de apropriação ameaçada por
impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água,
ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das
práticas de outros grupos (2004, p. 26).

Disputa por Água

No mundo, 70% da água potável vai para o agronegócio e apenas


4% para o consumo humano. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas
estão privadas do direito à água potável. “[...] Em outubro de 2013, a

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ONU já advertia que em 2030 pelo menos 40% da humanidade sofrerá
escassez de água” (FERNANDES, 2015, p. 112).
A população de Mata Cavalo também enfrenta dificuldades
para acesso à água potável e, embora o território seja rico em
corpos d’água, o acesso à água não é fácil, a população padece sem
rede de distribuição. Além disso, os desmatamentos promovidos
principalmente em função da pecuária e da garimpagem levaram à
degradação ambiental e consequente diminuição na disponibilidade
deste componente natural. Os assoreamentos das nascentes, córregos
e rios, a poluição pelo uso de mercúrio (garimpo) e a dominação
particular dos locais de acesso à água têm agravado os conflitos por
disputa por água (Figura 1).
Na comunidade do Chumbo a situação não é diferente, o volume
das águas tem diminuído drasticamente, resultado do desmatamento
nas áreas das nascentes, e a contaminação do solo e das águas por
agrotóxico, que é utilizado na soja e se espalha por toda comunidade
e contamina o alimento produzido. A população sofre com a falta de
água, chegando a ficar dias sem receber água em suas casas.
Se considerarmos que Mato Grosso, estado promissor para o
agronegócio, possui o maior rebanho bovino do país, é o maior
produtor de soja, milho e algodão, além de ser o maior consumidor
de agrotóxicos no Brasil (CARNEIRO, 2015), perceberemos que os
conflitos em função das disputas por água tendem a se agravar em todo
o estado, principalmente em função da expansão do hidronegócio
(empreendimentos energéticos e hidrovias). As mudanças climáticas
e as alterações no ciclo hidrológico devem contribuir ainda mais
para o agravamento.
Neste cenário caótico, são os povos indígenas, as populações
quilombolas, camponesas e as chamadas minorias que mais
sofrerão e ficarão expostas aos riscos e impactos deste modelo de
desenvolvimento desigual.

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Queimadas

Tanto em Mata Cavalo quanto na comunidade do Chumbo


há predomínio da vegetação de Cerrado e nos meses de agosto
a outubro as populações sofrem com o aumento das queimadas,
prática comum usada para “renovar” o pasto (Figura 1).
Esta atividade compromete e afeta as diversas formas de vida,
contribuindo para a degradação do solo, perda da biodiversidade,
além de contribuir para o agravamento do calor, alterações climáticas
e ocasionar queda na qualidade de vida.
Os moradores do Chumbo enfrentaram por um longo período
sérios problemas por conta das queimadas diárias produzidas pela
usina de açúcar, álcool e biodiesel instalada em frente à comunidade.
A fuligem e fumaça produzida pela queima do bagaço da cana-de-
açúcar causavam principalmente doenças respiratórias e nos olhos
dos moradores.
As queimadas ilegais geram conflitos principalmente por serem
realizadas sem o devido controle e atingir vários lotes, queimando os
roçados e afetando também a saúde dos/as moradores/as.

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Figura 1 – Mapa temático dos conflitos e impactos socioambientais, Quilombo de
Mata Cavalo, Mato Grosso (2017)

Fonte: Organização de Cristiane Almeida e Déborah Moreira (2017) e arte de Cristiane Almeida.

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O mapa acima reafirma o que temos visto historicamente, ou seja, os
grupos sociais, cujo modo de vida tem profunda relação com o ambiente
circundante, vivem em situação de tensão em função de um sistema
que transforma tudo em mercadoria: terra, água e biodiversidade. Essa
lógica moderna monoculturalista intensifica as situações de injustiça
ambiental, ameaça culturas e existências de diversos grupos, colocando
em situação de vulnerabilidade socioambiental grande quantidade de
pessoas que na disputa por seus territórios lutam para poder existir
(STORTTI; MENEZES; SÁNCHEZ, 2014).
Esse sistema capitalista “[...] assentado na exploração da força
de trabalho e no desrespeito aos diferentes modos de produção de
vida é a força motriz dos conflitos socioambientais [...]” (JABER-
SILVA, 2012, p. 111), acompanhados da degradação humana, sobre
sua lógica desenvolvimentista, degrada-se também toda biosfera, as
plantas e os animais são domesticados e modificados geneticamente,
os ecossistemas transformados, as florestas, derrubadas, as terras aradas,
os rios represados, as paisagens destruídas para plantar desertos verdes
e os climas modificados – atividades humanas que degradam e poluem
terra, água e ar (HARVEY, 2011, p. 152).
Em consequência desse desenvolvimento iníquo que leva à “[...]
expropriação, exploração e acumulação privada vampiresca do suor e
sangue de todo outro [...]” (PASSOS, 2015, p. 3) ocorre o movimento
forçado dos grupos vulneráveis. aesbaert (2009) entende como próprio
da reprodução do capital, alimentar constantemente o movimento,
seja pelos “[...] processos de acumulação, com a aceleração do ciclo
produtivo [...], seja pela dinâmica de exclusão que joga uma massa
enorme de pessoas em circuito de mobilidade compulsória na luta pela
sobrevivência cotidiana” (HAESBAERT, 2009, p. 22).
A busca por aumentar o capital7 somada à herança da colonialidade,
marcada pela dominação étnica e racial, gera disputas e agrava os
conflitos, colocando em condições desumanas os grupos historicamente
marginalizados (OLIVEIRA; SÁNCHEZ, 2016). Destarte, entendemos
que as injustiças climáticas, longe de serem meros problemas de ordem
econômica, são problemas políticos e de poder.

7 “O capital é o sangue que flui através do corpo político de todas as sociedades que chamamos
de capitalistas, espalhando-se, às vezes como um filete e outras vezes como uma inundação
[...]” (HARVEY, 2011, p. 7).

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Quando observamos a forma como a temática “mudanças climáticas”
vem sendo tratada, percebemos que impera o “[...] desenvolvimento
capitalista, a noção de progresso deixa de envolver a sociedade e o
ambiente, focando apenas na economia [...]” (SATO, 2013, p. 11). O
modelo hegemônico impõe os danos e riscos ambientais e climáticos
resultantes de suas atividades econômicas aos grupos historicamente
inferiorizados como negros, indígenas e camponeses.
Para Carneiro (2011, s/p.) “[...] se algumas pessoas são consolidadas
no imaginário social como portadoras de humanidade incompleta,
torna-se natural que não participem, igualmente, do gozo pleno de
direitos humanos”. Destarte, para pensar nas injustiças ambientais e
climáticas é necessário considerar o processo histórico de colonização
que deu origem a essa sociedade eurocêntrica e racista.
No Caso de Mata Cavalo, ousamos afirmar que as violações de
direitos que as/os quilombolas vivenciam desde 1890 configuram
um complexo quadro de racismo. Esse grupo étnico-racial, cuja luta
está fortemente relacionada com a questão territorial, sofre com a
ineficiência do governo brasileiro em regularizar a situação fundiária e
com os impactos ambientais resultantes principalmente das atividades
de fazendeiros e garimpeiros que degradaram e ainda degradam os
ecossistemas, contribuindo muitíssimo para alterações climáticas,
aumentando a vulnerabilidade do grupo que sofre com as alterações
nos ciclos naturais, afetando substancialmente o plantio das roças e as
atividades de extrativismo vegetal. Por entendermos que as injustiças
sociais, ambientais e climáticas recaem de forma desproporcional sobre
os quilombolas de Mata Cavalo – por se tratar de uma população
majoritariamente negra e pobre e tendo em vista que a negação desta
situação conduz à perpetuação da situação de injustiça – adotaremos
no trabalho o conceito de injustiça climática, devido à sua dimensão
política, que alia a luta contra a desigualdade social à ambientalista pela
construção de uma sociedade equânime.
Neste contexto, destacamos que o termo justiça climática foi
adaptado no conceito de justiça ambiental, que se refere “[...] ao
tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais,
independente de sua origem ou renda, nas decisões sobre o acesso,
ocupação e uso dos bens naturais em seus territórios” (PORTO;
PACHECO; LEROY, 2013, p. 19).

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Os fazendeiros/expropriadores continuam a viver e praticar
atividades econômicas na terra, mesmo com laudo antropológico
(BARROS, 2007) comprovando que o território pertence aos ante-
passados dos quilombolas. Concretamente os quilombolas estão na
terra sem título legal e, portanto, podem ser decretados como sem
território ou inexistentes. “Nessa lógica de produção dos outros e
dos espaços, territórios se pressupõem uma impossibilidade de co-
presença entre territórios, espaços de existência, legais e da inexis-
tência, ilegais” (ARROYO, 2012, p. 202). Inexistentes, porque sem
documento de posse efetiva da terra, sofrem com conflitos socioam-
bientais agravados em função da disputa por terra e da omissão do
Estado burocrático brasileiro.
As denúncias de negações de direitos dão pistas do caráter defor-
mador da expropriação, que é também uma tentativa de desenraiza-
mento cultural. Neste contexto de violações, as ações táticas encon-
tradas nas brechas são centrais para ações de resistência – é também,
no nosso entendimento, uma forma de romper com a inferiorização
racial que ainda povoa o imaginário de alguns indivíduos.
Os/as quilombolas, desumanizados pelo processo diaspórico vi-
venciado a partir da expropriação de suas terras, buscam recuperar
sua humanidade quando se rearticulam para retomar o território e
o ocupam, cobrando do estado outras políticas, reconhecendo-se
como sujeitos políticos e de políticas, iniciando também um pro-
cesso de humanização dos seus opressores. Freire (1987, p. 30), em
Pedagogia do Oprimido, compreende que esta é “a grande tarefa
humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos seus
opressores”.
Compreendendo a força da legalidade neste processo, todas as
seis comunidades que formam o complexo do Quilombo de Mata
Cavalo estão organizadas em associação de produtores rurais, uma
tentativa de mostrar sua existência, “lutam por lugares de pertenci-
mento político e cidadão. Contra segregação espaço-político-racial
e lutam contra o colonialismo interno que continua na República e
na democracia” (ARROYO, 2012, p. 205).

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CONCLUSÃO
Os/as quilombolas de Mata Cavalo e Chumbo denunciam e anunciam
como querem viver quando lutam contra o racismo da sociedade,
contra o racismo institucional e corrosivo das instituições públicas e
contra o racismo ambiental. A população tem sido obrigada a suportar
uma carga desproporcional dos danos e prejuízos ambientais, oriundos
da ação dos expropriadores que geram os conflitos socioambientais. As
ações de fazendeiros e garimpeiros degradam o ambiente e ameaçam
diretamente os seus modos de vida e sua cultura, que estão intimamente
relacionados com a natureza e a conservação dos bens naturais. Sofrem
com as injustiças ambientais que são potencializadas pela omissão e
ineficiência do estado burocratizado. O racismo institucionalizado em
algumas instituições do estado tem protelado a regularização fundiária
e dificultado o acesso às políticas destinadas à população quilombola.
Os/as moradores dessas comunidades, por meio de formação política
popular vivenciada na união tática entre escola e comunidade, nos
encontros mensais das associações quilombolas, e através da reinvenção
da educação na escola, repolitizam a luta por território e, por educação,
pressionam o estado com suas tímidas políticas de reconhecimento de
direitos e, de certo modo, contribuem para deslocar as linhas abissais
em que foram pensados como inferiores.
Este capítulo denuncia uma pequena parte da situação de
vulnerabilidade ambiental e climática a que a população de Mata
Cavalo e comunidade do Chumbo estão expostas e busca contribuir
para o aumento da audiência destes grupos. Coadunamos com Pedro
Casaldáliga: “Outra é a nossa terra”, não queremos e não podemos
admitir que seja natural e justa a concentração de terras nas mãos da elite
latifundiária que tem promovido violações de Direitos Humanos e da
Terra e agravado a situação de vulnerabilidade dos grupos socialmente
menos favorecidos. Entre tantas vertentes relevantes sustentadas
por arcabouços conceituais e práticas consistentes, damos relevo ao
caráter político da educação ambiental e nos posicionamos contra o
desenvolvimento hegemônico, antropocêntrico e meritocrata que polui
ecossistemas, devasta paisagens naturais e expulsam pessoas do campo,
asseverando o quadro de injustiças ambientais e climáticas e formando
nas periferias das cidades verdadeiras zonas de sacrifício humano.

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Mudanças Climáticas e os desafios da
restauração ecológica de área degradada pela
agricultura no semiárido
Climate change and the challenges of ecological restoration
of degraded areas by agriculture in the semiarid region
El cambio climático y los desafíos de la
restauración ecológica de áreas degradadas por la
agricultura en la región semiárida

José Laércio Bezerra de Medeiros1


Ramiro Gustavo Valera Camacho2

SEMIÁRIDO POTIGUAR FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS


O uso dos recursos naturais na região semiárida vem acarretando
intenso processo de degradação ambiental, ocasionado pelo
desenvolvimento das atividades humanas, principalmente pela extração
madeireira, a pecuária, agricultura, entre outras. O desenvolvimento
dessas atividades aliado aos fatores climáticos e socioeconômicos, se
não cuidados a tempo, podem levar a consequências mais drásticas
da desertificação (LIMA, 2004). Segundo Sales (2008), a causa dos
problemas do semiárido há muito tempo tem sido atribuída às secas,
em vez de atribuir esta responsabilidade ao manejo inadequado da
vegetação.
Segundo o IBAMA (1990): “a degradação de uma área ocorre
quando a vegetação nativa e a fauna forem destruídas, removidas ou
expulsas; a camada fértil do solo for perdida, removida ou enterrada;
e a qualidade e regime de vazão do sistema hídrico forem alterados”.
O manejo florestal é uma ferramenta de planejamento, ainda pouco

1 Mestre em Ciências Naturais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
2 Prof. Dr. Adjunto do Dep. de Ciências Biológicas- DECB/UERN Campus Universitário
Central. E-mail: ramirogustavovc@gmail.com.

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utilizada na Caatinga, incorporando atividades de produção e
conservação de ecossistemas, podendo ser utilizada para restauração ou
recuperação de áreas degradadas.
A legislação brasileira, por meio da Lei Federal nº 9.985/00, que
instituiu o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação),
traz entre seus objetivos a recuperação e restauração dos ecossistemas
degradados (Art. 4º, Inciso IX). No artigo 2º o SNUC define: XIII
– recuperação: restituição de um ecossistema ou de uma população
silvestre degradada a uma condição não degradada, que pode ser
diferente de sua condição original. XIV – restauração: restituição de um
ecossistema ou de uma população silvestre degradada o mais próximo
da sua condição original (BRASIL, 2000).
Quando um ecossistema está degradado, no qual o solo esteja
completamente destruído, ou seja, não apresenta banco de sementes e
possui sérias restrições na chegada de propágulos através da dispersão,
necessita de ações antrópicas para sua recomposição (CARVALHEIRA,
2007). Tais ações são realizadas através de técnicas de restauração e
recuperação, seja por meio do plantio de mudas ou sementes florestais.
A semeadura direta de acordo com Kageyama e Gandara (2001)
deve ser utilizada quando houver grande disponibilidade de sementes
de espécies pioneiras e secundárias iniciais. Além disso, é fundamental
o conhecimento ecológico das espécies semeadas, como a quebra da
dormência, forma da semeadura (enterrada ou lançada), devendo
também ser levado em consideração os aspectos edáficos e climáticos
do local (BUSATO et al., 2012).
Independente da técnica utilizada no processo de restauração
de uma área degradada, uma etapa necessária para o sucesso do projeto
de restauração é o monitoramento e avaliação dos parâmetros de
monitoramento que permitam avaliar se as ações implantadas em uma
determinada área estão efetivamente promovendo a recuperação da
vegetação natural ou cobertura florestal, não apenas fisionomicamente,
mas também dos seus processos mantenedores (NBL; TNC, 2013).
Portanto, este trabalho teve como objetivo avaliar uma área de 4,5
hectares em processo de restauração por meio do sistema agroflorestal,
no Assentamento Moacir Lucena, município de Apodi-RN, por meio
de levantamento fitossociológico e socioeconômico.

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CENÁRIO DA PARCERIA COM A AGRICULTURA FAMILIAR
A região do estudo fica localizada no Assentamento Rural Moacir
Lucena, cerca de 20 km do centro do município de Apodi-RN. A
área de estudo localiza-se nas coordenadas geográficas 5º33’14.51”
Sul e 37º53’23.35” Oeste, com altitude média de 130 m (Figura 1).
O clima dominante na região de Apodi é o semiárido,
segundo a classificação de W. Koeppen, possui médias anuais de
temperaturas em torno de 28,5 ºC., a pluviosidade entre as isoietas
de 500 a 750 mm (BRASIL, 1971). A região possui precipitação
pluviométrica irregular, com possibilidades do período chuvoso se
estender de fevereiro a maio, sendo os meses de março e abril os
de maior precipitação e os demais praticamente secos (ERNESTO
SOBRINHO et al., 1983).

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo, no Assentamento Moacir Lucena,


Apodi, Rio Grande do Norte

Fonte: Núcleo de Estudos Socioambientais e Territoriais – NESAT/UERN (2017).

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O Assentamento Rural Moacir Lucena teve seu Ato de Criação
publicado no Diário Oficial da União em vinte e sete de abril de 1998
com vinte famílias beneficiadas numa área total de 527,5 ha (BRASIL,
2013). A área total do Assentamento Moacir Lucena está subdividida
em 20 lotes de 19,5 ha, a reserva legal com 110ha e mais 60ha de
área coletiva. De acordo com informações coletadas no local, por meio
de conversas informais, o histórico de uso da área é de agricultura
extensiva com o plantio de milho, feijão e principalmente o algodão.
Parte dos assentados já trabalhavam para o antigo proprietário da área
desapropriada e transformada no Assentamento Moacir Lucena.
As vinte famílias do Assentamento Moacir Lucena sobrevivem das
rendas geradas pelas culturas consorciadas de feijão, milho, sorgo, algodão,
gergelim, abóbora e melancia. Além de outras fontes como produção
de polpa de frutas, com até sete variedades, ovinocaprinocultura,
apicultura, bovinocultura, avicultura e suinocultura, desenvolvendo
suas atividades num sistema agroecológico.
Outra atividade que alguns assentados passaram a desenvolver foi o
manejo sustentável da Caatinga, iniciado no ano de 2003, para recuperar
as áreas anteriormente degradadas pela monocultura do algodão
do sistema convencional. Para desenvolver essa fase, inicialmente
providenciaram o plantio de mudas com espécies nativas da Caatinga.
A partir de então, o Sr. Irapuã Ângelo, um dos assentados, observando
que a maioria das mudas plantadas estavam morrendo, passou a utilizar
a semeadura direta numa parte de sua área com 4,5 ha. Dessa forma,
ele passou a utilizar o conhecimento que adquiriu na vivência com o
semiárido e com a vegetação de Caatinga. As sementes, ele coletava na
área de reserva legal e plantava após as primeiras chuvas.
O nosso principal parceiro do trabalho, o proprietário, Sr. Irapuã
Ângelo, possui renda familiar de um salário mínimo por mês, obtido
através do desenvolvimento das atividades na área de manejo florestal,
como criação de caprinos, ovinos, galinhas, produção de polpa de
frutas, coleta e venda de mel, entre outras.
Ainda segundo Irapuã Ângelo, no Assentamento Moacir Lucena as
famílias só vendem o excedente de sua produção, visto que a segurança
alimentar da família está em primeiro lugar. O excedente da produção é
vendido por meio da Cooperativa Potiguar de Apicultura (COOPAPI),
localizada na zona urbana de Apodi-RN.

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O método utilizado para o levantamento de dados quantitativos
foi o levantamento fitossociológico. Para isso, foram demarcadas
4 parcelas medindo 10 m x 20 m na área de 4,5 ha, entrepassadas a
cada 50 metros. Como critérios de inclusão, foram medidos todos os
indivíduos arbustivo-arbóreo vivos ou mortos com Diâmetro Altura
da Base (DAB) maior que 3 centímetros e altura mínima de 1 metro.
Esta metodologia de coleta de dados fitossociológicos tem sido bastante
utilizada por pesquisadores (MÜELLER-DOMBOIS; ELLEMBERG,
1974; RODAL, 1992; CAMACHO, 2001; ALCOFORADO-FILHO
et al., 2003) (Figura 2).

Figura 2 – Coleta de dados do levantamento fitossociológico da vegetação na área de


manejo florestal, Assentamento Moacir Lucena, Apodi, Rio Grande do Norte

Fonte: Elaborado pelos autores (Dados da pesquisa, 2016).

As espécies foram identificadas inicialmente pelo nome popular e


posteriormente foi feita a identificação pela nomenclatura científica, de
acordo com o sistema de classificação espécies APG IV (Angiosperm
Phylogeny Group IV System). Com os dados coletados, foram feitos
os cálculos através do programa FITOPAC 1.6 (SHEPHERD, 2006)

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para os seguintes parâmetros fitossociológicos: densidade relativa,
frequência relativa, índices de valor de importância, área basal e índice
de diversidade (Shannon-Wiener).

IMPRESSÕES DA CAATINGA OBSERVADA


No levantamento fitossociológico foram amostrados 157 indivíduos,
representando 11 espécies de 8 famílias taxonômicas. Resultados de
levantamentos fitossociológicos semelhantes para a região de Caatinga
foram encontrados por Moreira et al. (2007) no município de Caraúbas-
RN, no qual foram encontradas 11 espécies distribuídas em 7 famílias.
As famílias de maior riqueza foram Boraginaceae, Fabaceae e
Euphorbiaceae que juntas representaram 90% do total dos indivíduos.
Em relação às espécies que mais se destacaram em número de indivíduos,
destacaram-se a Cordia oncocalyx Allemão (110), Poincianella
bracteosa (Tul.) L.P. Queiroz (20) e o Croton blanchetianus Baill
(12). O índice de diversidade de Shannon-Wiener foi de 1,11. Este
valor é considerado baixo e, segundo Mota et al. (2013), valores
baixos representam comunidades com poucas espécies e/ou com forte
dominância de determinada espécie e, certamente, foi o que ocorreu, já
que a Cordia oncocalyx Allemão obteve os maiores valores de densidade
relativa (70,06) e para índice de valor de importância (138,24) (Tabela
1). Em estudo realizado por Mota et al. (2013) na região de Caatinga
de Sobral-CE, também em área de manejo, observou-se o maior valor
de densidade relativa (52,50) para a espécie Cordia oncocalyx Allemão.

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Tabela 1 – Resultados dos parâmetros fitossociológicos da vegetação amostrada na
área de manejo florestal no Assentamento Moacir Lucena, Apodi, Rio Grande do
Norte, em ordem alfabética pela Família. N – Número de Indivíduos Amostrad os; FA
– Frequência Absoluta; AB – Área Basal Absoluta m²; AM – Altura Média por Espécies
em m; DR – Densidade Relativa (%); FR – Frequência Relativa (%); DoR – Dominância
Relativa (%); IVI – Índice de Valor de Importância
Nome
Família/Espécie N FA AB AM DR FR DoR IVI
Popular
ANACARDIACEAE
Myracrodruon Aroeira 3 1 0,0406 8,43 1,91 5,26 2,16
urundeuva 9,33
Allemao
BORAGINACEAE
Cordia oncocalyx Pau branco 110 4 0,8834 4,73 70,06 21,05 47,13
138,24
Allemão
CACTACEAE
Pilosocereus Xique-xique 1 1 0,0072 4,00 0,64 5,26 0,38
6,28
polygonus
COMBRETACEAE
Combretum Mofumbo 1 1 0,0140 4,20 0,64 5,26 0,75
6,65
leprosum Mart
EUPHORBIACEAE
Croton Marmeleiro 12 1 0,0179 4,54 7,64 5,26 0,95
blanchetianus 13,85
Baill.
FABACEAE
Mimosa
caesalpiniifolia Sabiá
3 2 0,2990 5,27 1,91 10,53 15,95 28,39
Benth. Calumbi
1 1 0,0042 4,30 0,64 5,26 0,22 6,12
Minosa invisa
Mart. Ex Colla Jurema
4 3 0,1088 4,38 2,55 15,79 5,81 24,15
Mimosa tenuiflora preta
(Willd) Poir.
20 3 0,1542 6,04 12,74 15,79 8,23 36,76
Poincianella Catingueira
bracteosa (Tul.)
L.P.Queiroz
MALVACEAE
Pseudobombax 0,3428 4,50
Imbiratanha 1 1 0,64 5,26 18,29 24,19
simplicifolium A.
Royns
RHAMNACEAE
0,0023
Ziziphus joazeiro Juazeiro 1 1 4,30 0,64 5,26 0,12 6,02
Mart
TOTAL 157 4 1,8745 4,97 100,00 100,00 100,00 300,00

Nota: Das 11 espécies registradas para este levantamento, Cordia oncocalyx, Poincianella
bracteosa, Mimosa caesalpiniifolia, e Ziziphus joazeiro, são classificadas como endêmicas da
Caatinga de acordo com a classificação de Giulietti et al. (2002).
Fonte: Elaborado pelos autores.

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SABERES POPULARES E CONHECIMENTO ACADÊMICO
Os resultados do levantamento fitossociológico mostraram que
também é possível utilizar a semeadura direta em região de Caatinga,
principalmente, em áreas de assentamentos rurais onde há disponi-
bilidade de grandes quantidades de sementes nas áreas de reservas
legais. Por meio da técnica agroflorestal é possível restaurar uma área
degradada pela agricultura, desde que haja um comprometimento dos
atores envolvidos no processo, especialmente o agricultor e a assistên-
cia técnica.
De acordo com o Sr. Irapuã Ângelo, percebe-se que a restauração
de um ambiente degradado, aliado ao manejo e agroecologia, pode
trazer benefícios sociais e econômicos para as propriedades rurais de
agricultores familiares, proporcionando melhorias na qualidade de
vida. Uma ressalva do agricultor é referente à indisponibilidade de
crédito dos órgãos financiadores para restauração de outras áreas do
assentamento, que segundo ele, o órgão financiador oferece emprésti-
mo apenas para desmatar e não para restaurar a vegetação de Caatinga.

AGRADECIMENTOS
À comunidade do Assentamento Rural Moacir Lucena, na pes-
soa do Sr. Irapuã Ângelo e família, que compartiram o seu lote, as
informações, os conhecimentos populares, as deliciosas refeições de
galinha caipira e carneiro guisado típicos e com esse temperinho po-
tiguar, nosso enorme agradecimento e gratidão de toda equipe do
Laboratório de Ecologia e Sistemática Vegetal LESV/UERN.

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A seca e a enchente:
Educação Ambiental de Base Comunitária e
Justiça Climática no Vale do Jequitinhonha
Drought and flood: Community-based Environmental
Education and Climate Justice in the Jequitinhonha Valley
Sequías e inundaciones: educación ambiental comunitaria y
justicia climática en el valle de Jequitinhonha

Daniel Renaud Camargo1


Celso Sánchez2

INTRODUÇÃO

Em um contexto de Mudanças Climáticas, o clima torna-se cada


vez mais instável e eventos climáticos extremos, tais como secas e
enchentes, tendem a ocorrer com maior frequência (MARENGO,
2009). Exemplos recentes têm mostrado alguns dos efeitos concretos
das mudanças climáticas sobre padrões de climas, seja no verão
europeu ou inverno do hemisfério Sul, com derretimentos recordes
de calotas polares. As previsões dos cientistas do IPCC infelizmente
vêm se confirmando. A ciência tem previsto que a condição das
alterações climáticas planetárias tende a confirmar o que vem se
chamando de antropoceno (ZALASIEWICZ, 2008). Tais alterações
no clima acabam por ocasionar desastres ambientais que atingem
com mais intensidade as comunidades que estabelecem relações de
maior proximidade e dependência do meio natural, tais como povos

1 Doutorando do programa de Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS-


UFRJ), Bacharel em Ciências Ambientais e mestre em Educação. Pesquisador do Grupo de
Estudos em Educação Ambiental Desde El Sur (GEASur-UNIRIO) e do Laboratório de
Memórias e Ocupações Rastros Sensíveis (LABMEMS-UFRJ). E-mail:danielrenaud_22@
hotmail.com
2 Doutor em Educação. Professor da Escola de Educação da UNIRIO e coordenador do
Grupo de Estudos em Educação Ambiental Desde El Sur (GEASur-UNIRIO).

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tradicionais e comunidades rurais que, inúmeras vezes, se encontram
em situações de vulnerabilidade diante dessas situações de desastres
(BARBIER, 2011; MALUF; ROSA, 2011; BARBIER; HOCHARD,
2018), que muitas das vezes tornam-se verdadeiras tragédias naturais.
Por outro lado, é preciso destacar que, além de tais populações se
encontrarem em posições de vulnerabilidade diante das Mudanças
Climáticas, em muitos casos não se veem representadas nos debates
e estudos acerca das transformações ambientais vivenciadas em seus
territórios (BARBIERIA, 2011; MALUF, ROSA, 2011; ABREU,
2013; SCANDRETT, 2016), sobretudo, nos casos das populações mais
pobres, isoladas, em áreas rurais etc. O fato dessas populações (povos
indígenas, pescadores, ribeirinhos, quilombolas, comunidades rurais,
comunidades em contextos de periferias urbanas, povos de terreiros,
caiçaras etc.) serem muitas das vezes as mais afetadas por questões
ambientais acabou por fomentar um Movimento Global por Justiça
Ambiental (MOHAI; PELLOW; ROBERTS, 2009; ACSELRAD,
2010) e um movimento por Justiça Climática (MARTINEZ-ALIER,
2015; SCANDRETT, 2016).
Foco da discussão deste capítulo, o município de Chapada do
Norte (MG), localizado no Vale do Jequitinhonha, encontra-se
em uma área do semiárido mineiro caracterizada por um clima de
extremos, apresentando prolongados períodos de seca; e, por outro
lado, durante o período úmido as comunidades tendem a ser afetadas
pelas fortes chuvas. As populações locais desenvolveram conhecimentos
e práticas no sentido de auxiliar na sobrevivência em meio a tais eventos
climáticos, aprendendo a lidar com o clima e desenvolvendo estratégias
para superar os traumas causados por desastres naturais, que ficaram
registrados na memória da população local. Desse modo, as memórias
dos moradores da região guardam detalhes sobre as relações estabelecidas
entre as culturas locais e a natureza, representando as bases culturais e
ecológicas que constituem parte da identidade cultural desses grupos
e que, portanto, podem ser entendidas como Memórias Bioculturais
(TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015).
O Vale do rio Jequitinhonha, ou simplesmente Vale do
Jequitinhonha, recebe seu nome devido ao rio que nasce na Serra do
Espinhaço e deságua no Sul da Bahia. Trata-se de uma região do sertão
que muitas vezes é retratada como um território de grandes contrastes.

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De um lado é tida como uma das regiões mais pobres do país, e de outro
apresenta uma enorme riqueza natural e cultural, com um subsolo que
desperta o interesse internacional por seus minérios e pedras preciosas,
uma rica biodiversidade de uma região de transição entre os biomas,
bem como uma cultura nativa moldada pelos sincretismos e que se
adaptou às especificidades da vida sertaneja.
A história da penetração e ocupação do território do Jequitinhonha
pelo projeto colonizador remete sobretudo às expedições que vieram
a ficar conhecidas como entradas e bandeiras, sendo um movimento
que ocorreu através das margens dos córregos e rios, pelas bordas, onde
as vilas e comunidades foram se estabelecendo, sempre próximas aos
corpos d’água (RIBEIRO, 1984). A história da ocupação da região
onde hoje se encontra o município de Chapada do Norte remonta ao
tempo da expedição do bandeirante Sebastião Leme do Prado, que
chegou nesta localidade atraído pela notícia de ouro nas margens do rio
Capivari (AMARAL, 1988; RIBEIRO, 1984). Leme do Prado funda
a Vila do Fanado (atual cidade de Minas Novas), impulsionando a
exploração do ouro na região.
A fundação da Vila do Fanado deslocou grande contingente de
população escravizada para a região, empregados sobretudo como mão de
obra na extração do ouro e pedras preciosas. No final da década de 1720,
uma grande seca afetou a produção de alimentos da região, gerando
fome na Vila do Fanado, em especial entre os pobres e escravos, que se
viram obrigados a fugir em busca de sobrevivência (RIBEIRO, 1984).
Os sobreviventes migraram pelas margens do Capivari chegando numa
região de terras férteis onde fundaram um povoado, que com o tempo
veio a ser chamado de Santa Cruz da Chapada (AMARAL, 1988).
No livro “Lembranças da Terra, Histórias do Mucuri e
Jequitinhonha”, Eduardo Magalhães Ribeiro (1984) aponta que já no
final do século XIX chegaram ao Vale do Jequitinhonha grandes levas de
refugiados climáticos vindos do Norte, em especial moradores de outras
cidades do Vale e nordestinos, fugidos da terrível “seca dos noventinha”,
que castigou o Nordeste na década de 1890. Na mesma obra o autor
ressalta como historicamente a ocupação do Vale sempre se deu de
maneira predatória, de modo que o mau uso do solo, as queimadas e a
derrubada da vegetação nativa para dar lugar a plantações, criações de
gado e, mais recentemente, florestas de eucalipto, acabaram por gerar

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uma série de consequências ambientais para a região. Desse modo,
hoje, diante de um ambiente alterado, considerando uma região que
naturalmente é sujeita a eventos climáticos extremos, e somando a
isso os problemas sociais que assolam este território, temos um quadro
complexo que coloca tais comunidades em situação de vulnerabilidade
diante das mudanças climáticas e da crise hídrica do sertão mineiro.
Assim, essas comunidades que se encontram em situações de
vulnerabilidade socioambiental são as mesmas que detêm um rico
arcabouço de conhecimentos acerca do território, conhecimento
este armazenado na forma de memórias bioculturais (TOLEDO;
BARRERA-BASSOLS, 2015). Dessa maneira, por entendermos que
tais comunidades são detentoras de conhecimentos sobre o ambiente
e as relações desempenhadas entre as culturas locais e a natureza,
bem como que tais comunidades precisam refletir sobre suas histórias
para entenderem seus papéis enquanto sujeitos históricos (FREIRE,
2015), propomos uma perspectiva de Educação Ambiental de Base
Comunitária, pensada nos moldes de uma Pesquisa Participante
(FALS BORDA; STRECK; BRANDÂO). Neste sentido, a pesquisa
participante tem sido usada na Educação Ambiental já há algum tempo.
Citamos como exemplo os trabalhos do GPEA, da UFMT.
Sobre os conhecimentos específicos dessas comunidades localizadas
na região do Vale do Jequitinhonha onde se encontra o município de
Chapada do Norte, Ribeiro (1984) destaca que tais saberes locais foram
produzidos a partir da relação com a terra, sobretudo por meio dos
chamados agricultores dos “capões”, ou seja, aqueles que praticavam
agricultura nas regiões de mata alta e isolada, cercada por campos e
cerrado, sobre esta relação de tais agricultores com o território Ribeiro
destaca que:
Os agricultores dos capões organizaram seu
conhecimento do meio, regularam a vida pelo que
o ambiente fornecia, transformaram a escassez em
base de convívio, ajustaram suas lavouras aos tempos
naturais. Aprenderam o quê, como, quando e quanto
aquelas terras podiam produzir. Regularam o uso dos
capões, descobriram o que se podia tirar das grotas,
submeteram a natureza a um exame rigoroso e então
aprenderam a extrair constantemente aquele pouco
que a natureza avarenta do cerrado podia oferecer.

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Por isso os camponeses do Vale do Jequitinhonha
conhecem plantas e matos, conseguem sobreviver à
falta de chuva, à sazonalidade do trabalho agrícola, à
tristeza das saídas definitivas e à angústia das saídas
temporárias. (RIBEIRO, 1984, p. 31).

Segundo dados do site da Prefeitura de Chapada do Norte


(consultado em julho de 2015), o município se encontra a
aproximadamente 555 km de Belo Horizonte, possui uma área total
de 830km², apresenta população estimada de 15.675 habitantes
(IBGE, 2017), densidade demográfica de 18,93 hab/km², as principais
atividades econômicas são a agropecuária e o comércio. Segundo
dados do censo demográfico do IBGE (2010), quando o município
apresentava 15.189 habitantes, 9.495 indivíduos residiam em áreas
rurais e 5.694 em áreas urbanas.
Com relação à Hidrografia, o município de Chapada do Norte se
encontra na Bacia do Rio Jequitinhonha, sendo os principais rios da
região o Araçuaí, o Capivari, o Fanado e o Setúbal, todos três afluentes
do rio Jequitinhonha. A região se caracteriza pela presença de rios
e córregos intermitentes (periódicos) que muitas vezes desaparecem
por completo nos períodos secos e transbordam chegando a gerar
inundações nos períodos chuvosos. O solo da região, classificado
como Latossolo vermelho escuro, apresenta coloração intensa, num
tom de vermelho alaranjado marcante. O terreno torna-se facilmente
lamacento durante as chuvas e levanta muita poeira durante os
períodos de seca.
Baseado na observação deste município que se caracteriza por
apresentar um clima de extremos, este trabalho vai procurar entender
como a Educação Ambiental de Base Comunitária pode ajudar a
promover reflexões críticas sobre as desigualdades distributivas dos
efeitos das mudanças climáticas, corroborando com o estabelecimento
de estratégias de promoção da Justiça Ambiental e da Justiça Climática.
A partir de um uma Ecologia de Saberes (SANTOS, 2010), este
trabalho intenciona promover a escuta sensível dos saberes tradicionais
(SANCHEZ; MONTEIRO; MONTEIRO, 2010) para uma
abordagem da Educação Ambiental contextualizada às realidades locais.
A seguir discutimos a importância dos saberes das comunidades para a
compreensão do território.

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MEMÓRIA BIOCULTURAL, SABERES LOCAIS E HISTÓRIA AMBIENTAL
Memória Biocultural pode ser entendida como a memória relativa à
relação ser humano-natureza, uma memória cognitiva que revela detalhes
acerca da coevolução entre culturas e o meio ambiente, uma memória
que ensinou aos seres humanos como sobreviverem em determinadas
condições ambientais, aprendendo a lidar com os elementos de seu en-
torno e conhecendo a fundo os ciclos naturais para, assim, produzirem
conhecimentos acerca do território, abrangendo toda a diversidade nele
contida (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2015). Esta visão de Victor
Toledo e Narciso Barrera-Bassols corrobora a perspectiva de que a memó-
ria consiste em uma forma de conhecimento e que representa parte do pa-
trimônio imaterial de determinada cultura (ABREU; CHAGAS, 2009).
Desse modo, a memória biocultural pode ser compreendida como sendo
uma memória da espécie que resulta do encontro entre a dimensão cul-
tural e a dimensão biológica do território, trata-se de uma memória que
“[...] vem sendo seriamente ameaçada por fenômenos da modernidade:
principalmente pelos processos técnicos e econômicos, mas também por
fatores ligados à informática e ao âmbito social e político” (TOLEDO;
BARRERA-BASSOLS, 2015, p. 24). Com relação à importância da me-
mória, Toledo e Barrera-Bassols (2015) destacam que:
A memória permite que os indivíduos se lembrem
de eventos do passado. Assim como os indivíduos, as
sociedades têm uma memória coletiva, uma memória
social. Em ambos os casos, a capacidade de se lembrar
é fundamental porque ajuda a compreender o presente
e, portanto, fornece elementos para o planejamento
do futuro, bem como serve para reconstituir eventos
semelhantes que ocorreram anteriormente e até
mesmo eventos inesperados. Da mesma forma que
os indivíduos e os povos, a espécie humana tem uma
memória, que nesse caso permite revelar as relações
que a humanidade tem estabelecido com a natureza,
sua base de sustentação e referencial de sua existência
ao longo da história (p. 23).

Além disso, Victor Toledo e Narciso Barrera-Bassols (2015) vão


além, ao comentar a interação exercida entre as culturas locais com seus
territórios específicos, afirmando que:

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Cada cultura local interage com seu próprio
ecossistema local e com a combinação de paisagens e
as respectivas biodiversidades nelas contidas, de forma
que o resultado é uma ampla e complexa gama de
interações finas e específicas (p. 40).

Neste capítulo os saberes locais estão sendo entendidos como


elementos culturais específicos de determinada localidade que podem
refletir uma relação cultura-natureza estabelecida nestes territórios
(DIEGUES, 2000; TOLEDO & BARRERA-BASSOLS, 2015).
Assim, tais saberes exprimem uma vasta gama de informações sobre
o meio natural, como se evidencia nas palavras de Toledo & Barrera-
Bassols (2015):
[...] [O] saber local abrange conhecimentos
detalhados de caráter taxonômico sobre constelações,
plantas, animais, fungos, rochas, neves, águas, solos,
paisagens e vegetações, ou sobre processos geofísicos,
biológicos e ecológicos, tais como os movimentos
da terra, ciclos climáticos ou hidrológicos, ciclos de
vida, períodos de floração, frutificação, germinação,
cio ou nidação, e fenômenos de recuperação de
ecossistemas (sucessão ecológica) e manejo de
paisagens (p. 97).

Diante das relações desempenhadas entre as sociedades e as


naturezas, estabelecidas pelos homens no processo de interação com o
território, entendemos que as populações humanas exercem um efeito
direto sobre as paisagens, como já ficou evidenciado anteriormente.
Porém, não obstante os autores entendem que: “A espécie humana
tem uma memória, que nesse caso permite revelar as relações que a
humanidade tem estabelecido com a natureza, sua base de sustentação
e referencial de sua existência ao longo da história” (TOLEDO;
BARRERA-BASSOLS, 2015, p. 23).
A relação desempenhada entre as culturas e o meio ambiente, e
em especial com a biodiversidade, produzem memórias bioculturais.
Ou seja, memórias que condensam informações sobre as relações
estabelecidas entre culturas e naturezas. Ainda sobre a memória, os
autores Toledo, Barrera-Bassols (2015) ressaltam que esta se trata de
um elemento que permite que os indivíduos recordem o passado para

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auxiliar na compreensão do presente e no planejamento do futuro. De
acordo com Toledo e Barrera-Bassols (2015, p. 19):
A memória da espécie humana é, pelo menos, tripla:
genética, linguística e cognitiva, e se expressa na
variedade de genes, línguas e saberes. As memórias
genéticas e linguísticas guardam o registro da expansão
dos seres humanos pelos diferentes habitats do planeta
[...]. A memória cognitiva, a menos explorada, revela
maneiras como as sociedades humanas foram se
adaptando a cada uma das condições desses habitats.
Essa memória é biocultural e vem sendo mantida
pelos 7000 povos tradicionais, indígenas e originários
que hoje existem, subsistem e persistem.

Uma importante característica dos conhecimentos tradicionais, que


muitas vezes contrasta com o saber científico, diz respeito à integralidade
do conhecimento, ou seja, o saber popular/local/tradicional não se
encontra fragmentado pelo processo de hiperespecialização, a exemplo
do que ocorre com o saber científico. Neste sentido, Luciana Silva, Wirna
Cardoso, Eliane Moreira e Gysele Amanajás (2006, p. 6) apontam que:
O modo pelo qual os conhecimentos tradicionais
são criados se insere numa perspectiva integralizada,
ou seja, não se observa uma fragmentação dos
conhecimentos, revelam-se como um todo organizado,
no qual se produz qualidades e propriedades que não
existem nas partes tomadas isoladamente. Trata-se de
algo enraizado com a vivência dos povos, devido, em
parte, aos sistemas que regulam sua criação. [...] São
os conhecimentos tradicionais, passados de maneira
informal, e através do elemento sistemático – não
explicitamente articulado, ou seja, evidenciando o
aspecto do costume, da cultura em si, o que, por não
ser formal, não significa perda do seu valor e sim,
dando ênfase ao contexto no qual é criada, bem como
a necessidade por elementos deste contexto cultural.

Sobre a existência de culturas brasileiras no sentido plural e sobre a


seletividade do ensino formal em reconhecer essa pluralidade, Alfredo
Bosi (1991) ressalta uma separação entre uma cultura erudita, que se
transmite pelos sistemas formais de ensino, e uma cultura popular, que
se revela nos cotidianos das classes populares, o autor destaca que:

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Se pelo termo cultura entendemos uma herança
de valores e objetos compartilhados por um grupo
humano relativamente coeso, poderíamos falar em
uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema
educacional (e principalmente nas universidades),
e uma cultura popular, basicamente iletrada, que
corresponde aos mores materiais e simbólicos do
homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem
pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas
estruturas simbólicas da cidade moderna (p. 1).

Neste capítulo, parte-se da perspectiva de que os saberes locais e as


memórias ancestrais das comunidades representam o que Paulo Freire
(2014, 2015) entende por saberes de experiência ou saberes prévios das
comunidades, que são saberes construídos nos cotidianos, que permitem
auxiliar no processo de contextualização das práticas educativas ao
aproximar e adaptar as discussões e atividades às singularidades das
realidades das comunidades, promovendo o diálogo com o povo para
pensar uma proposta destinada ao povo. Dessa forma, a educação,
numa perspectiva freireana, poderia estimular o diálogo entre o saber
erudito e o popular. Portanto, considera-se que o aporte de Paulo
Freire é fundamental para pensar este compromisso com o diálogo
entre diferentes saberes e reconhecer a cultura popular como elemento
fundamental para produzir pedagogias atentas às especificidades locais.
Diante dessa concepção de que as comunidades locais se
constituíram com a natureza local, vivenciando as transformações
ambientais ao longo do tempo, presenciando os eventos climáticos
extremos, a ação do homem sobre a natureza e da natureza sobre o
homem, entendemos que a oralidade, por meio do acesso às memórias,
pode nos possibilitar uma chance de reconstruir um panorama que
nos permita conhecer a história ambiental dessa região através das
lembranças dos moradores locais, ou em outras palavras, nos dirige à
“compreensão de como os seres humanos têm sido, através dos tempos,
afetados pelo seu ambiente natural e, inversamente, como e com que
resultados eles afetaram esse ambiente” (FRANCO et al., 2012, p.
11). Assim, os objetivos de desvelar a história ambiental da região
reflete uma tentativa de “entender como e em que medida ambiente e
sociedade se influenciam mutuamente” (FRANCO et al., 2012, p.11).
A História Ambiental, na perspectiva que estamos adotando,

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corrobora com o alerta de Chimamanda Nigozi, proferido durante
conferência em 2009 para a Organização Não Governamental TED,
sobre o risco da História Única. Portanto, como forma de superar o
que Vandana Shiva (1993) chama de Monocultura da Mente e que
Boaventura de Sousa Santos (2010) se refere como Monocultura do
Conhecimento, estamos entendendo que para além de uma Ecologia
de Saberes (SANTOS, 2010), é preciso conhecer as outras histórias
que constituem os territórios. A história ambiental é, então, uma via
de acesso a outros saberes. Assim, a tal seria uma forma de superar
o risco de uma história única e da monocultura da mente/do saber,
possibilitando a percepção de outras racionalidades. Neste sentido, um
olhar crítico sobre a história ambiental permite evidenciar as situações
de injustiças ambientais e climáticas.

DIÁLOGO DE SABERES, EPISTEMOLOGIAS DO SUL E A


DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO
No livro “Epistemologias do Sul”, Boaventura de Sousa Santos
(2010) aponta o pensamento moderno ocidental enquanto um
pensamento abissal. Para o autor, o pensamento abissal cria uma linha
imaginária que separa a realidade em dois universos distintos, e “a
característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade
de copresença dos dois lados da linha” (SANTOS, 2010, p. 32), ou seja,
o pensamento abissal consiste em um pensamento unidimensional,
uma verdade única que se impõe sobre as demais racionalidades,
invisibilizando-as ou eliminando-as, num processo que Boaventura
chamou de epistemicídio (SANTOS, 2010). Neste sentido, Santos
afirma que ao se estabelecer como a única forma válida de se explicar
e interpretar a realidade, a racionalidade científica-moderna-ocidental
cria uma Monocultura do conhecimento que, para o autor, precisa
ser superada para dar origem a uma nova forma de pensamento, um
pensamento pós-abissal, com aptidão para o diálogo, num movimento
que o autor denominou como Ecologia de Saberes. Neste sentido, o
autor ressalta que:
O pensamento pós-abissal pode ser sumariado
como um aprender com o Sul usando uma

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epistemologia do Sul. Confronta a monocultura da
ciência moderna com uma ecologia de saberes. É
uma ecologia, porque se baseia no reconhecimento
da pluralidade de conhecimentos heterogêneos
(sendo um deles a ciência moderna) e em interações
sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer
a sua autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na
ideia de que o conhecimento é interconhecimento
(SANTOS, 2010, p. 52).

Para Boaventura a crise ambiental apresenta um papel central


para a construção de uma argumentação a favor de uma Ecologia de
Saberes. Assim, o autor destaca que:
A preocupação com a preservação da biodiversidade
pode levar a uma ecologia entre o saber científico e o
saber camponês ou indígena. A preocupação da luta
contra a discriminação pode conduzir a uma ecologia
entre saberes produzidos por diferentes movimentos
sociais: feministas, antirracistas, de orientação sexual,
direitos humanos, indígenas, afrodescendentes etc.
etc. A preocupação com a dimensão espiritual da
transformação social pode levar a ecologias de saberes
religiosos e seculares, entre ciência e misticismos,
entre teologias da libertação (feministas, pós-
coloniais) e filosofias ocidentais, orientais, indígenas,
africanas etc. (SANTOS, 2010, p. 546).

Sobre a concepção de uma Epistemologia do Sul, João Arriscado


Nunes (2010) destaca que:
O projeto de uma epistemologia do Sul é indissociável
de um contexto histórico em que emergem com
particular visibilidade e vigor novos atores históricos
no Sul global, sujeitos coletivos de outras formas
de saber e de conhecimento que, a partir do
cânone epistemológico ocidental, foram ignorados,
silenciados, marginalizados, desqualificados ou
simplesmente eliminados, vítimas de epistemicídios,
tantas vezes perpetrados em nome da razão, das luzes
e do Progresso. Nesta perspectiva, o que conta como
conhecimento é muito mais do que a epistemologia
convencional – e a sua crítica, mesmo a ‘naturalista’
– admite. O reconhecimento da diversidade das

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formas de conhecer – uma diversidade cujos
limites são impossíveis de estabelecer previamente
ao envolvimento ativo com essas formas – obriga
a redefinir as condições de emergência, de
desenvolvimento e de validade de cada uma dessas
formas, incluindo a ciência moderna, que passa assim
a ser objeto de uma avaliação situada que obriga à
“simetrização” radical de todos os saberes (NUNES,
2010, p. 280).

PESQUISA PARTICIPANTE, EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO


AMBIENTAL CRÍTICA TRANSFORMADORA: PRODUZINDO DIÁLOGOS
COM AS VOZES DO TERRITÓRIO
Aproveitando as palavras de Eduardo Galeano, poderíamos dizer
que embora a América Latina possa ter uma história de “veias que
foram abertas”, também tem (por outro lado) uma história de lutas,
de resistência e de esperança. Trata-se de uma terra onde os oprimidos
muitas vezes se organizaram em torno de suas causas numa busca
por um mundo mais justo. E, assim, das lutas dos setores populares e
sobretudo da ação dos movimentos sociais da América Latina emergiu
um Legado que se somou ao pensamento de intelectuais nativos
deste território para constituir uma base ideal, para pensar processos
democráticos-coletivos-dialógicos, capazes de promover uma escuta
sensível para a realidade local e para as vozes das comunidades. Dessa
maneira, enquanto parte deste legado, destacamos aqui a pesquisa
participante, a educação popular e o pensamento freireano. Essa ideia
de um Legado da América Latina nos é trazida pelo intelectual afro-
colombiano, professor da Universidade Andina Simon Bolivar, no
Equador, um dos primeiros alunos do chamado grupo modernidade-
colonialidade, responsável pela proposição do campo dos estudos
decoloniais, ex-orientando de Catherine Walsh, Santiago Arboleda
Quiñones, quem propõe também o conceito de Suficiências Íntimas,
que é entendido como o conjunto de saberes constitutivos dos
sujeitos em um determinado território, a partir de sua relação com
a ancestralidade e a natureza, ou seja, os saberes e fazeres necessários
para garantir a permanência e autonomia das comunidades locais em
seus territórios (ARBOLEDA, 2011).

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Aqui abordamos a perspectiva de Pesquisa Participante desenvolvida
na América Latina, defendida por autores como Orlando Fals Borda,
Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Danilo Streck entre outros. É
preciso destacar que o termo aqui assumido muitas vezes é confundido
com terminologias semelhantes tais como “Pesquisa Ação Participante”
ou “Investigação Ação Participante”, mas a escolha se deve ao fato de
que no Brasil, o termo comumente empregado costuma ser Pesquisa
Participante, que é entendido como sinônimo dos outros dois citados
(STRECK; BRANDÃO, 2006). Por outro lado, o termo Pesquisa Ação
(THIOLLENT, 1996) se difere da pesquisa participante na medida
em que a segunda obrigatoriamente envolve a participação ativa das
comunidades em diferentes etapas do projeto (CENDALES; TORRES;
TORRES, 2006). Embora existam distintas abordagens de Pesquisa
Participante, Danilo Streck e Carlos Rodrigues Brandão (2006, p. 11)
entendem que “o que se sonha e se pretende entre os diferentes estilos
da pesquisa participante é tornar também a investigação científica e
social uma forma solidária de participação”. Os autores (STRECK;
BRANDÃO, 2006, p. 12) continuam, apontando que:

A pesquisa participante deve ser compreendida como


um repertório mútuo e diferenciado de experiências de
criação coletiva de conhecimentos destinados a superar
a oposição sujeito/objeto no interior de processos
que geram saberes e na sequência das ações que
aspiram gerar transformações, a partir também desses
conhecimentos. Experiências que sonham substituir
o antigo monótono eixo: pesquisador/pesquisado,
conhecedor/conhecido, cientista/cientificado, pela
aventura perigosa, mas historicamente urgente e
inevitável, da criação de redes, teias e tramas formadas
por diferentes categorias entre iguais/diferentes
sabedores solidários do que de fato importa saber.

O sociólogo colombiano Orlando Fals Borda (1991) destaca que


a perspectiva de Pesquisa Ação Participante considera não somente a
dimensão do processo de construção da pesquisa, mas (por uma questão
ética) também abrange uma dimensão educativa, assim como uma ação
sociopolítica. Além disso, o autor reforça que as principais metas da
Pesquisa Ação Participante consistem em: “to enable the opressed groups

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and classes to adquire suficiente creative and transforming leverage as
expressed in specific projects, acts and struggles; and to produce and
develop sociopolitical thought process with popular bases can identify”
(BORDA, 1991, p. 4). Rahman (1991, p. 15), por sua vez, destaca
como principais objetivos da Pesquisa Ação Participante:
Return to the people the legitimancy of the lnowledge
they are capable of producing through their own
verification systems, as fully scientific, and the
right to use this knowledge – including any other
knowledge, but not dictated by it – as a guide in
their own action. This Immediate objective is na
integral and indispensible part of the objective of dual
social transformation – in the relations of material
production and in the relations of knowledge.

No contexto da América latina se desenvolve a educação popular,


que influencia de forma significativa a educação ambiental. Segundo
Barbosa (2002), houve um movimento de aproximação entre a
Educação Ambiental e a Educação Popular durante a segunda metade
da década de 1980. Afinal, o povo possui conhecimentos sobre o meio
ambiente em que habita e tais conhecimentos podem ser empregados
na formulação de propostas educativas. Sobre esta aproximação entre a
Educação Ambiental e a Educação Popular, Marubayashi & Giometti
(2013, p. 2) apontam que:

A educação ambiental popular vem como um


contraponto à educação alienadora, ela vem com
uma práxis de reflexão-ação que considera todas as
dimensões da sociedade, integrando e unificando um
mundo tão fragmentado e setorizado como o nosso.

Ainda sobre a articulação entre a Educação Ambiental e a Educação


Popular, entendemos que tal aproximação visa romper com o paradigma
apontado por Mia Couto (2009), o paradigma da “Arrogância
Messiânica da Educação Ambiental”, uma visão redentora da Educação
Ambiental em que especialistas chegam às comunidades ditando as
regras do que é certo e do que é errado no que diz respeito às relações
com o Meio Ambiente, desconsiderando as tradições, os saberes e as
memórias de tais comunidades. Assim, a Educação Ambiental Popular,

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ou de Base Comunitária, estabelece uma escuta sensível para construir
suas práticas e ações com as comunidades.
Educação popular3 é aquela que considera os conhecimentos da
comunidade como matéria-prima para a construção de estratégias
pedagógicas, estratégias estas muitas vezes destinadas a solucionar
problemas reais vivenciados no cotidiano da comunidade (FREIRE,
2014; BRANDÃO, 2006; STRECK, 2015). É uma forma de
Educação que parte do pressuposto que o educando possui saberes
válidos que podem ser empregados como parte da proposta educativa
(FREIRE, 2014). Tem como uma das metas aprender a partir dos
conhecimentos dos sujeitos e ensinar a partir de temas e palavras
geradores que emergem do cotidiano das comunidades (op. cit.). É
uma educação que visa valorizar os saberes prévios e a cultura das
comunidades e empregar tais saberes na construção de propostas
pedagógicas atentas às especificidades da realidade local (FREIRE,
2014; CAMARGO, 2014). É uma forma de educação que estimula
o diálogo e a participação comunitária, permitindo uma aproximação
da visão do pesquisador com os anseios e percepções das comunidades,
promovendo uma melhor compreensão de diferentes dimensões4. No
verbete sobre Educação Popular do dicionário Paulo Freire, Paludo
(2016, p. 141) indica que:
Em síntese, para Freire, a expressão educação
popular designa a educação feita com o povo, com
os oprimidos ou com as classes populares, a partir de
uma determinada concepção de educação: a educação
libertadora, que é, ao mesmo tempo, gnosiológica,
política, ética e estética (FREIRE, 1997). Esta
educação, orientada para a transformação da

3 No livro “O que é Educação Popular?”, de Carlos Rodrigues Brandão (2006), o autor apresenta
quatro diferentes concepções de educação popular: 1) educação anterior à divisão do poder
social, associada à transmissão de saberes em sociedades consideradas primitivas; 2) educação
do ensino público, que consiste em uma educação para as massas, uma educação, muitas vezes
de caráter homogeneizante, voltada para um grande público; 3) educação de classes populares,
corresponde a uma educação direcionada a setores específicos da sociedade, em geral associada
a grupos marginalizados e excluídos; 4) educação para a construção de sociedades igualitárias,
neste sentido consistiria em um modelo de ensino destinado a reconhecer as diferenças.
Entendo que este projeto se enquadra na quarta concepção, pois, propõe um diálogo de saberes,
empreendendo um esforço para o reconhecimento das diferenças.
4 Social, Ambiental, Econômica, Histórica, Política etc.

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sociedade, exige que se parta do contexto concreto/
vivido para se chegar ao contexto teórico, o que requer
a curiosidade epistemológica, a problematização, a
rigorosidade, a criatividade, o diálogo, a vivência da
práxis e o protagonismo dos sujeitos.

Outro importante exemplo da influência de Freire nesta proposta


diz respeito à intenção final de uma proposta de educação crítica e
libertária, que representa a formação do que o autor chamou de sujeito
crítico-transformador. No livro “Educação Ambiental: Dialogando
com Paulo Freire”, as autoras Torres, Ferrari e Maestrelli (2014), com
base nos trabalhos de Freire, definem o sujeito crítico transformador
como:
[...] [o] sujeito consciente das relações existentes
entre sociedade, cultura e natureza, entre homens e
mundo, entre sujeito e objeto, porque se reconhece
como parte de uma totalidade e como sujeito ativo
no processo de transformações sócio-histórico-
culturais (p. 15).

Sobre a perspectiva de Educação Ambiental a ser adotada,


pretende-se ter por base a concepção de Educação Ambiental Crítica
e transformadora, conforme defendida por Mauro Guimarães, que
aponta como objetivos desta vertente:
A Educação Ambiental Crítica objetiva promover
ambientes educativos de mobilização desses processos
de intervenção sobre a realidade e seus problemas
socioambientais, para que possamos nestes ambientes
superar as armadilhas paradigmáticas e propiciar
um processo educativo, em que nesse exercício,
estejamos, educandos e educadores, nos formando e
contribuindo, pelo exercício de uma cidadania ativa,
na transformação da grave crise socioambiental que
vivemos todos (2004, p. 30-31).

Ao partir de uma articulação entre a Pesquisa Participante, a


Educação Popular e a Educação Ambiental Crítica Transformadora, a
Educação Ambiental de Base Comunitária que estamos propondo se
desenvolve através de um compromisso ético com as classes populares,

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especificamente com a produção de conhecimento democrático e
popular, sendo capaz de reconhecer as vozes dos territórios, suas
histórias e cotidianos e sendo destinada a promover a transformação
social (e ambiental) da realidade dessas populações. Sobre a ideia de
compromisso aqui defendida, partimos da concepção revelada por
Freire em Educação e Mudança, quando este diz:
Impedidos de atuar, de refletir, os homens encontram-
se profundamente feridos em si mesmos, como seres
do compromisso. Compromisso com o mundo,
que deve ser humanizado para a humanização dos
homens, responsabilidade com estes, com a história.
Este compromisso com a humanização do homem,
que implica uma responsabilidade histórica, não pode
realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra
forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde
se encontram os homens concretos. O compromisso,
próprio da existência humana, só existe no engajamento
com a realidade, de cujas ‘águas’ os homens
verdadeiramente comprometidos ficam ‘molhados’,
ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro.
Ao experienciá-lo, num ato que necessariamente é
corajoso, decidido e consciente, os homens já não se
dizem neutros [...] (FREIRE, 1982, p. 19, grifos nossos).

É interessante destacar que essa visão de Freire sobre o compromisso em


muito se assemelha ao conceito revelado por Orlando Fals Borda (2015)
sobre o ato de se construir uma pesquisa Sentipensante, uma investigação
capaz de se envolver com a realidade social, de senti-la, para então, uma
vez “molhado” nas “águas” desta realidade, refletir/pensar sobre a mesma,
produzindo, portanto, uma reflexão contextualizada e sentipensante.

CAMINHOS E DESCOBERTAS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE BASE


COMUNITÁRIA NO VALE DO JEQUITINHONHA
A pesquisa aqui descrita apresenta alguns resultados da dissertação
de mestrado “Lendas, Rezas e Garrafadas: Educação Ambiental de
Base Comunitária e os Saberes Locais no Vale do Jequitinhonha”
(CAMARGO, 2017), defendida no programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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(PPGEDU-UNIRIO), e da monografia “Educação Ambiental Popular
como Estratégia de Proteção dos Saberes Locais” (CAMARGO, 2014)
apresentada para a conclusão do Curso de Bacharelado em Ciências
Ambientais, apresentado na mesma instituição.
O percurso metodológico que orientou a prática desta pesquisa
foi a abordagem de Temas Geradores de Paulo Freire. Descritas em
Pedagogia do Oprimido (2014), as etapas da chamada abordagem
temática freireana foram sistematizadas por Demetrio Delizoicov
(1982), que visava a aplicação desta metodologia no processo de
contextualização de práticas de ensino de ciências e, mais recentemente,
Torres, Ferrari e Maestrelli (2014) e Saito, Figueiredo e Vargas (2014)
discutem a apropriação desta metodologia pelo campo da Educação
Ambiental.
Segundo a sistematização de Delizoicov (1982) tal metodologia
compreende 5 etapas: 1) um momento inicial de investigação
preliminar onde entra-se em contato com a realidade da comunidade,
empregando-se diferentes técnicas de coletas de dados (incluindo
observação participante, entrevistas, rodas de conversa, círculos de
cultura etc.) para descobrir detalhes sobre as peculiaridades culturais
e ambientais da região, bem como para identificar os potenciais
participantes e seus respectivos saberes; 2) análise das situações
e escolha das codificações é o momento posterior à investigação
preliminar, onde, a partir da percepção de situações conflituosas ou
contraditórias relacionadas ao cotidiano das comunidades reveladas
na etapa anterior, apresenta-se tais situações para as comunidades
partindo de diferentes releituras, codificando-as, ou seja, apresentando
em diferentes linguagens (ou códigos); 3) diálogos Descodificadores
consistem em momentos de discussão dos códigos com as comunidades
para ver como estes reagem; 4) redução Temática representa o processo
de identificação das dimensões disciplinares dentro das situações
codificadas e descodificadas; e 5) círculo de Cultura compreende uma
roda de conversa mediada pelo pesquisador-educador.

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Figura 1 – Esquema Organizativo do Percurso Metodológico da Pesquisa

Fonte: Adaptada pelos autores de Camargo (2017, p. 102).

A seleção dos participantes se deu a partir de conversas informais com


moradores, indicações da própria comunidade (reconhecimento social)
e da técnica da bola-de-neve, onde a comunidade e os próprios sujeitos
participantes indicaram outros mestres dos saberes locais. Para esta
pesquisa considerou-se como mestres dos saberes locais, os moradores,
em especial os mais antigos, que presenciaram as transformações e
eventos de secas e cheias no Município de Chapada do Norte.
Uma das ações desenvolvidas durante o projeto de pesquisa foi
estimular os professores, a partir de encontros como cursos, oficinas
e palestras, a discutir com os alunos questões relacionadas aos ciclos
hidrológicos e/ou ao clima, abordando a história ambiental e debatendo
sobre os efeitos das secas e chuvas na vida das comunidades.

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NARRATIVAS SOBRE A HISTÓRIA AMBIENTAL E MEMÓRIA
BIOCULTURAL DAS COMUNIDADES DE CHAPADA DO NORTE
Segundo relatos de moradores dos três distritos pesquisados, a
ocupação dos territórios das comunidades ocorreu em torno de corpos
hídricos. No caso da comunidade do distrito de Cachoeira do Norte, se
deu ao redor dos córregos e da Cachoeira. No distrito de Santa Rita do
Araçuaí, se deu às margens do rio Araçuaí e os córregos afluentes. Já a
comunidade de São Sebastião da Boa Vista se desenvolveu em torno de
córregos e da chamada “Cacimba do Jambreiro”, um poço criado pelo
próprio fundador da comunidade no encontro de morros, que segundo
relatos dos moradores mais antigos “não seca nem com as piores cheias”
(Dª S., São Sebastião da Boa Vista)5.
Os moradores destacaram também a existência de anos de secas
extremas. Entre as datas apontadas pelos moradores se encontra o
mítico “ano dos nove”. Segundo relatos de moradores antigos, seus pais
e avós sempre comentaram sobre o “ano dos nove”, o ano de 1909 no
qual ocorreu uma seca muito forte que gerou grandes perdas à região.
Segundo relatos, neste ano o rio Araçuaí praticamente secou, restando
apenas poças onde as pessoas lutavam com animais para apanhar a
água. Quando os jovens são contrastados com essa informação,
simplesmente declaram que não acreditam na possibilidade de o rio
Araçuaí secar. Além disso, os relatos apontam que a seca também se
estabelece como um motivador para ocupação do Vale, assim como
indica Ribeiro (1986), afirmando que sobretudo nordestinos, e em
especial baianos, seguiram rumo ao Vale do Jequitinhonha fugindo
da seca da década de 1890.
A penitência para pedir chuva trata-se de um ritual no qual as
comunidades caminhavam até o córrego cantando uma reza, ao
chegarem ao córrego pegavam uma pedra de dentro da água, enchiam
um recipiente com um pouco d’água e seguiam cantando uma segunda
reza, em direção a uma localidade, presente em todas as comunidades,
onde se hasteava uma cruz de madeira que é chamada de cruzeiro.

5 Optamos por manter o sigilo dos nomes dos entrevistados sendo referidos apenas pelas
iniciais do nome ou apelido, além de informar o distrito e idade, sendo diferenciado o gênero
do informante a partir da inclusão do termo “D.ª” para as mulheres e “Seu” para os homens.

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Essa mística evidencia a centralidade da água na distribuição das
populações, bem como a conexão da espiritualidade com a água e o
sincretismo que se manifesta em uma prática social que coletiviza as
crenças, dá unidade às comunidades e estabelece códigos de coesão
social em torno da cultura, da espiritualidade e da água.
Ao chegar aos cruzeiros, os penitentes cantavam uma terceira reza.
Neste momento, as pedras eram depositadas cuidadosamente aos
pés da cruz e por fim molhavam as pedras com a água guardada no
recipiente. Essa prática costumava ser realizada durante sete dias. No
oitavo, retornavam ao cruzeiro onde pegavam sete pedras e devolviam
ao córrego. No dia seguinte (nono), segundo os relatos, a chuva vinha.
A penitência representa a relação estreita das questões ambientais com
a cultura local e religiosidade da comunidade, uma tentativa de recorrer
ao sagrado em nome de uma solução para o problema da seca. Em todas
as comunidades visitadas, esta prática foi interrompida, deixando de
ocorrer há cerca de 20/30 anos, em virtude do falecimento da pessoa
responsável pela memória dos cantos. Mas é preciso destacar que houve
tentativas recentes de recriar tal ritual diante das secas que ocorreram
nos últimos anos.
Além da prática da penitência, também foram observadas rezas,
simpatias e crendices para espantar ou atrair as chuvas. Como exemplo
é possível citar: sabão oferecido para Santa Clara afastar tempestades;
orações para Santa Bárbara contra raios, chuvas e ventos fortes; orações
a São Jerônimo pedindo proteção contra situações climáticas; jogar
ovos, farinha e sal no telhado para espantar chuvas etc.
Como consequências da seca, os moradores relataram: a morte
da lavoura, morte de plantas e animais (incluindo nativos), maiores
incidências de incêndios, impossibilidade de dar continuidade às práticas
econômicas de geração de renda, como o garimpo, poeira excessiva
(ocasionando maior incidência de problemas respiratórios) etc.
Como algumas consequências das enxurradas foi relatado: a morte
da lavoura, perda de plantas e animais, queda de barreiras e barrancos,
as estradas ficam lamacentas, com risco de formação de atoleiros, queda
de pontes e edificações, acidentes etc.
A chegada das chuvas altera a paisagem, gerando floradas de diversas
espécies vegetais, dando início ao trabalho de insetos, como as abelhas,
que atualmente vêm se tornando uma nova alternativa de renda para os

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moradores da região, através da apicultura. Segundo relatos, em situações
de secas extremas, quando todas as plantas têm dificuldade para produzir
suas flores, há uma planta característica do Cerrado que se beneficia dessa
condição climática, o Paratudo (Tabebuia sp). Nessas ocasiões, as abelhas
produzem o mel utilizando somente o pólen do Paratudo, produzindo
assim um mel amargo utilizado para fins medicinais.
A partir das narrativas dos moradores sobre a história ambiental da
região e, especificamente, em torno dos eventos climáticos extremos, foi
possível mapear as principais secas e enchentes vivenciadas localmente,
de modo a esboçar uma linha do tempo que pode ser observada a seguir,
que revela tais momentos dramáticos na vida dessas comunidades.

Figura 2 – Linha do Tempo da História Climática da região

Fonte: Camargo (2017, p. 208).

Na linha do tempo destacam-se sobretudo as principais secas, enchentes


e os chamados “dilúvios”, que são a maneira como as comunidades se referem
às chuvas mais intensas, que causam grandes danos à vida dos habitantes.
A primeira data registrada na linha do tempo, o chamado dilúvio de 1929
teria sido responsável pela destruição da primeira igrejinha da comunidade
de Santa Rita do Araçuaí, além de danificar outras construções na região.
Dez anos depois, no ano de 1939, uma enchente seguida de uma seca
gerou uma grande crise na produção de alimentos, e esta ocasião veio a ficar
conhecida como a “seca do mucunã”, pois, muitas pessoas, diante desta
situação desesperadora da seca, recorreram a uma batata que brota nas

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beiras dos rios e córregos da região, um tubérculo chamado Mucunã, que
segundo os moradores locais é tóxico se não for lavado da forma correta,
mas se preparado corretamente serve para fazer um mingau que ajudou a
salvar muitas pessoas da fome. Em 1955 o volume do Rio Araçuaí subiu e
ocorreu uma enchente, porém de pequenas proporções. Em 1959 houve
uma forte seca, assim como em 1961, quando ocorreu a chamada “Seca
do Fubá”, ocasião em que acabaram-se os alimentos, com exceção do fubá
que havia sido armazenado no ano anterior. Na passagem de 1963 para
1964 as comunidades foram atingidas pela praga da lagarta do cartucho
(Spodoptera frugiperda) que devastou as lavouras e gerou sérios prejuízos
e dificuldades para a população local. Esta mesma situação se repetiu no
ano de 1967, que ficou conhecido como o “2º ano da lagarta”. Em 1969
e 1976 os moradores relataram fortes secas e, então, no ano de 1979 teria
ocorrido o “2º dilúvio” que segundo relatos teria sido o maior de todos e
que deixou a comunidade de Santa Rita do Araçuaí ilhada por muitos dias
diante da elevação abrupta do nível do rio. Além disso, destaca-se também
o fato de que tal dilúvio teria arrasado as lavouras afetando drasticamente a
produção de alimentos, chegando a gerar fome na região. Em 1983 a região
foi atingida por uma forte seca. Em 1987 uma forte chuva com ventos
provocou prejuízos, tais como derrubada de construções e destelhamento
de casas. Os moradores relataram ainda que do ano de 1996 a 1999 a região
novamente sofreu com a seca. Em 2004 uma nova enchente, assim como
em 2009 que também registrou uma enchente, porém, dessa vez também
uma forte seca teria ocorrido no mesmo ano. Em 2013 um novo “dilúvio”
fez subir o volume do rio Araçuaí a ponto de cobrir a ponte e danificar a
estrutura da mesma, que precisou ser restaurada. Em 2015 novamente as
comunidades presenciaram uma seca e em 2016 uma nova enchente.
É interessante ressaltar que as comunidades desenvolveram uma
superstição com o número nove, pois, acreditam que anos terminados com
este número muitas vezes são anos de desastres. Coincidentemente, muitos
dos casos em que foram relatadas situações de eventos climáticos extremos
ocorreram nestes anos, como na ocasião dos dilúvios de 1929 e 1979, as
secas de 1939, 1959, 1969, 1999 e 2009 e ainda as enchentes de 1939 e
2009. Neste sentido, os moradores locais muitas vezes afirmam que “ano
terminado em nove num é bom”. Além disso, também chama a atenção o
fato de que alguns anos concentraram eventos climáticos extremos, tanto
associados a fortes secas quanto a fortes chuvas, de modo que as populações

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locais foram obrigadas a se adaptarem a uma realidade ambiental complexa
que vai de um extremo a outro dentro de um mesmo ano.
As narrativas de memórias bioculturais também revelaram que as
comunidades possuem conhecimentos sobre os sinais da natureza, tais
como o comportamento de determinadas plantas e animais, que indicam
a chegada de secas ou chuvas. A seguir trazemos um quadro com alguns
exemplos de organismos e o que eles indicam segundo os moradores das
comunidades.

Quadro 1 – Lista de Organismos Indicadores de Secas e Chuvas

Organismo INDICADOR

Formigas e “Se o cupim ou formiga tiver transportando os ovos, as larvas e


Cupins rainha para local mais alto é sinal de chuva forte.”

“Se saiu cupim demais é inverno, chuva mesmo,


Cupins
chuva de noite e dia.”
Tanajura “Quando tanajura sai é sinal de chuva.”

“Quando vai chover o Zabelê canta,


Zabelê
mas hoje ocê num vê mais Zabelê.”

“Quando ocê vê cobra, rastro de cobra que andou dum lado pro
outro no meio da estrada é sinal de chuva, quando é tarde e ocê
Cobras
vê os rastro, ocê pode esperar que se num chover naquele
dia no outro ela chega.”

“Correição advinha chuva, é uma formiga braba pra desgraçada,


Correição
quando ocê vê o carreiro em boca de noite,
(formiga)
cê pode esperar a chuva.”

Guaxu “Se o guaxu faz ninho alto é sinal de enchente.”

“Quando delas tá avoano de um lado pro otro que o povo diz


Andorinhas
que elas tá ‘fazenu’ verão é sinar di chuva.”

“Quando a mangueira não dá fruta pra todo lado, pra baixo, pra
cima e pros lados, é sinal que as águas é pouca, quando vinga
Mangueira
muito, que dá fruta pra todo lado é que as chuva vai ser boa,
muita água, invernada.”

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Organismo INDICADOR

“O peixe frito canta ‘peixe frito’, ‘peixe frito’, isso é sinal de


chuva. É um pássaro pequeno, ele é mais pequeno que um sabiá,
Peixe-frito
ele canta todo dia de noite e quando vai chover ele canta de dia
e de noite.”

“Quando dá bastante sapinho na beira do córrego mais cedo,


Sapo
antes da hora, é sinal de chuva.”

“O gado sente quando vai chover e sobe os morro, eles não


Gado gosta de durmi na lama, ocê pode ver que quando vai chover
eles vai durmi lá nos alto.”

Sabiá “O Sabiá chora quando vai chover, mas sabiá chega a chorar.”

“A saracura canta e chora, chora que faz gosto e chora também


Saracura
de madrugada, chora no correr do dia.”
“Ocê pode ver que pronde o João de Barro faz a porta da casa é
d’onde vem as chuva de vento, que o João de barro é o melhor
João-de-Barro
pedreiro desse mundo, na casa dele num tem
goteira e num mólha.”

“Ocê pode chegar no rio agora que os peixe tá tudo quietinho,


assim que dá as chuvas os peixes fica alegre festejando, ocê pode
Peixes
tacar uma rede que vai tirar muito peixe, porque os peixes ficam
nadando e festejando.”

“A cigarra quando vai chover chora até estourar na terra, ela


Cigarra canta mais cedo e fica cantando até estourar e a gente acha as
cascas delas na terra.”

Comixi “É um pássaro preto que chora que faz dó quando vai chover.”

“O Aracom é um pássaro grande, tipo uma galinha, mais ou


Aracom menos do tamanho duma seriema. Quando vai chover o bicho
assanha, canta vixi.”

Fonte: Camargo (2017, p. 206-207).

Os relatos acerca do passado das comunidades também revelaram


uma certa previsibilidade no clima, previsibilidade esta que é
exemplificada nas narrativas que falam sobre chuvas específicas, as
chuvas com nomes. Trata-se de chuvas que ocorriam em datas específicas
e que se repetiam naquela mesma data todos os anos, permitindo
que as comunidades planejassem determinadas atividades com base
em tais fenômenos climáticos. Por exemplo, no mês de maio, que é

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considerado o primeiro mês da estação seca (que vai até setembro), em
determinado momento ocorria a chuva do Meloso, uma chuva que
indicava que estava na hora de colher as sementes do capim meloso
para poder plantá-las novamente no ano seguinte. No dia 24 de julho,
dia de São João, costumava ocorrer uma pequena garoa, que por isso
recebeu o nome de “Garoa de São João”, e no dia 29 do mesmo mês
costumava ocorrer sempre uma neblina que era chamada “Serração de
São Pedro”, em homenagem ao santo do dia. Em setembro, o último
mês do período seco, ocorre a chamada “chuva de broto”, que tem um
papel fundamental para o planejamento da agricultura local e, por fim,
já no dia 12 de outubro, costumava sempre ocorrer a chamada “Chuva
de Nossa Senhora Aparecida”, uma chuva que dava início ao período
“das águas” e na sequência trazia a chamada “Chuva de Planta”, que é
aquela que fortalece as plantas após um longo período seco.

Figura 3 – Calendário das Chuvas

Fonte: Camargo (2017, p. 205).

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Os relatos destacam ainda uma relação direta entre a seca e a
Migração sazonal, típica dessa localidade, sobretudo rumo ao corte de
cana, colheita de café e de laranja, que ocorrem na época seca, quando
os moradores vão sobretudo para São Paulo, Paraná ou para a Região
Nordeste. Assim, percebe-se que a seca acaba por estimular tais ondas
migratórias justamente num período em que a terra não produz devido
à falta d’água, retornando posteriormente no período das chuvas para
trabalhar em suas próprias terras (RIBEIRO, 1983; AMARAL, 1988).
Com relação aos rios e córregos dos distritos pesquisados, é
importante ressaltar a característica de apresentarem leitos rochosos,
em geral situados em meio a vales extensos. Destaca-se ainda que
muitos trechos dos rios e córregos da região apresentam vegetação de
entorno alterada ou desmatada. Segundo relatos dos moradores mais
antigos, grande parte das terras das comunidades era composta por
mata fechada que com o tempo foi sendo cortada ou queimada, dando
origem a casas, sendo substituída por pastos para o gado, pelas roças,
ou sendo vendidas.
Algumas lendas da região ressaltam a relação da cultura local com os
recursos hídricos. Os Caboclos d’água, pequenas criaturas semelhantes
a anões de pele escura, que vivem no rio Jequitinhonha e seus afluentes
(incluindo o Araçuaí)6, costumam assustar lavadeiras e quando
perseguidos desaparecem rapidamente entre as lapas ou na correnteza. A
cobra gigante do rio Araçuaí conta a história de uma cobra amaldiçoada
pelos escravos, que além de não morrer cresce mais a cada ano, vivendo
numa região do rio chamada pinguela, onde protege um tacho repleto
de ouro que os escravos desviavam dos senhores. Segundo os habitantes
da região, tal cobra gigante ataca enlaçando suas vítimas, esmagando-as
e levando-as para o fundo do rio.
Durante as Palestras de Educação Ambiental Popular foi discutida
a relação das comunidades com os recursos hídricos, destacando as
situações de enchentes e secas. Uma das atividades desenvolvidas
consistiu em uma campanha contra a dengue, realizada a partir de
uma visita ao córrego da comunidade de Cachoeira do Norte. Neste
local, a falta de chuvas e o represamento da nascente produziram

6 É interessante destacar que esta mesma lenda também é associada às águas do Rio São
Francisco.

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uma enorme quantidade de poças onde a proliferação de mosquitos
é alarmante. Além disso, a pouca água do córrego se encontra poluída
pelo lançamento de água de fossa (água cinza), além da decomposição
de matéria orgânica (folhas, galhos, corpos de animais etc.), essas
cenas foram filmadas e posteriormente exibidas durante as palestras
realizadas com os professores e moradores das comunidades que ficaram
comovidos com a situação.
Entre os relatos que ressaltam as relações estabelecidas entre as
comunidades e os recursos hídricos da região destacamos algumas: “(...)
Ô moço, antigamente era do mesmo jeito, um tempo da seca e um
tempo das chuvas, mas só que antes tinha sempre uma chuvinha pra
molhar a terra. Chovia muito, agora que não chove mais, o volume do
rio hoje está pela metade” (D.ª N, 78 anos, Santa Rita do Araçuaí); “(...)
Antes chovia bastante, hoje chove pouco... Está mais quente porque
tem menas árvore... A seca agora tá muito braba, o Sol tá esquentando
demais e matando as pranta” (D.ª V, 73 anos, Cachoeira do Norte);
“(...) Antes chovia bem mais... Não tem mais nascente hoje, o povo
desmatou muito, tem uns pau, mas acabou as árvore” (Seu J G, 75
anos, Cachoeira do Norte). Perguntado se já plantou alguma árvore,
o mesmo entrevistado respondeu: “Ô moço, eu tô com 75 anos e só
comecei a plantá árvore de uns ano pra cá, antes não tinha muito essas
ideia, plantava mais é coisa de roça pra comê”; “(...) Sempre teve seca
aqui, mas antes não secava tanto” (Seu S C, 72 anos, Santa Rita do
Araçuaí); “(...) Deve ter mais de 50 anos que começô a secar os córrego,
antes não faltava chuva, os córrego era lotado de água” (Dª C, 75 anos,
Cachoeira do Norte). A mesma entrevistada, questionada sobre os
motivos que acredita terem ocasionado a seca dos córregos, afirmou
que: “Antes tinha muito mato e muita árvore, acho que a destruição das
matas diminuiu a água”. E completou: “Enquanto uns plantam, outros
tão desmatando, tem uns 15 anos que não dá pra produzir direito por
conta da seca”; “(...) Antes parece que era mais frio, de certo porque
chovia mais e chovia em época certa” (D.ª A de P, 47 anos, Cachoeira
do Norte). A mesma entrevistada destacou: “Antes chovia a partir de
setembro e ia até janeiro ou fevereiro, hoje só ta começano a chuvê a
partir de novembro/dezembro e vai até janeiro”; “Acho que o clima era a
mesma coisa, só que chovia mais, mas antes os rios tavam sempre cheio
e tinha mais mina d’água” (Seu L, 71 anos, Santa Rita do Araçuaí);

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“(...) Ultimamente parece que tem chovido menos, o tempo parece que
mudô não tá choveno direito... Antigamente chovia bem mais” (D.ª N,
56 anos, Cachoeira do Norte). Esta mesma pessoa, quando interpelada
sobre sua percepção acerca da disponibilidade de água nos relata que:
“Talvez pelo próprio desmatamento, antigamente tinha mais mata,
mas o povo cortou muita árvore”. “Aqui começou com os Jorge, fazia
plantação de cana, tinha tanta água que o engenho era movido pela
correnteza. Lembro daqui com 5 casas, hoje não consigo mais contar”
(Seu S, 49 anos, Cachoeira do Norte).
Sobre mudanças nos volumes de rios e córregos, um entrevistado
comentou: “Os córregos tinham mais água, antes também secava,
mas a água durava muito mais tempo. De 1979 em diante ficou cinco
anos sem os córrego secar, depois, de um tempo pra cá, passou a secar
tudo” (Seu S, 49 anos, Cachoeira do Norte). Tal relato demonstra
uma clara percepção das comunidades acerca das mudanças climáticas
vivenciadas localmente.
Sobre os impactos socioambientais na região destacamos a fala de uma
senhora de 78 anos, nascida e criada no distrito de Santa Rita do Araçuaí,
que conhece como ninguém a história ambiental da região e destaca que:
“(...) O eucalipto acabou com a Flora e com a Fauna, nem passarinho
fica, os animais não aguentam aquele cheiro... As indústrias são muito
poderosas, são muito dominantes e não vão deixar acabar o eucalipto que
é a fonte da riqueza” (D.ª N, 78 anos, Santa Rita do Araçuaí).
Na fala acima está presente a percepção de um conflito socioambiental
e de uma disputa territorial pela posse da região, onde as grandes
empresas produtoras de celulose avançam sobre o Cerrado, plantando
eucalipto, passando por cima de comunidades, secando córregos, rios e
nascentes, além de afetar a qualidade do solo e acabar com a Fauna e a
Flora, produzindo verdadeiros desertos verdes.
Segundo os entrevistados, na época que o corte das árvores
era liberado, costumavam derrubar muitas árvores e não existia a
preocupação de replantar, pois, as matas eram extensas e os recursos
pareciam ser praticamente inesgotáveis. Além disso, de acordo com um
entrevistado: “Antes parece que tinha mais queimada, tanto natural
quanto provocada” (Seu S, 49 anos, Cachoeira do Norte).
Os cursos, oficinas e palestras foram realizados com professores,
moradores e estudantes dos três distritos. As atividades foram pensadas

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em dois momentos: Um primeiro, tendo como base a Cultura Popular
como elemento para contextualização da Educação Ambiental. Neste caso
os elementos revelados pelos mestres dos saberes locais eram relacionados
com a ecologia e biodiversidade da região. Foi incentivada a criação de
parcerias entre a escola e os sábios locais com o objetivo de apresentar
mais sobre a cultura local para as novas gerações. Para tal foi sugerido aos
professores que incluíssem nas atividades escolares visitas didáticas às casas
dos mestres, convite aos sábios para realizar palestras nas escolas, aulas-
passeio guiadas por erveiros e raizeiros, entre outras sugestões. No segundo
momento das atividades foram realizadas discussões sobre as demandas e
percepções identificadas nos diálogos com professores e participantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho permitiu perceber através da escuta de moradores
do Vale do Jequitinhonha – considerando entrevistas, observações e
rodas de conversa – , em uma localidade caracterizada por um clima de
extremos, as percepções acerca das mudanças climáticas e sua intrínseca
conexão com as memórias bioculturais e com a história ambiental
local. Tais conexões ajudam a perceber as relações das pessoas com o
território a partir da cultura local, incluindo o imaginário, a relação
com a espiritualidade e as práticas do cotidiano.
Os relatos ressaltam que atualmente o clima não é mais
previsível como era antigamente, destacando que os regimes de
chuvas estão alterados, tendo aumentado os extremos climáticos e,
consequentemente, o risco de desastres ambientais. Neste sentido, as
memórias bioculturais e a história ambiental se constituem elementos
essenciais para a compreensão das transformações socioambientais
vivenciadas localmente. Destaca-se ainda um aumento da ocorrência de
tais desastres ao longo do tempo, o que pode revelar um agravamento
dos eventos climáticos extremos. Cabe ressaltar que a percepção das
mudanças climáticas dos moradores aponta que as comunidades
enxergam tais mudanças como sendo provocadas, ou agravadas, por
práticas locais. Considerando, desse modo que as transformações
ambientais e climáticas são percebidas somente em nível local.
O trabalho destaca ainda a relação entre a água e o clima, a
ocupação do território e os movimentos migratórios da população local.

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Neste sentido, a seca influencia as migrações de diferentes formas: na
ocupação do território pelos refugiados climáticos vindos de outras
regiões; nos processos migratórios sazonais de parte da população
rumo sobretudo ao corte de cana e colheita de café e laranja; bem
como de migrações definitivas de moradores que decidem fugir “das
secas e enchentes” da região e acabam se mudando das comunidades
representando, portanto, novas gerações de refugiados climáticos.
Desse modo, a partir deste trabalho é possível perceber que a dimensão
da migração e dos refugiados climáticos compreendem uma temática
de extrema relevância para pensar uma Educação Ambiental de Base
Comunitária atenta às Mudanças Climáticas.
O trabalho revela ainda a importância da valorização da memória
e da oralidade enquanto elementos estruturantes para pensar uma
Educação Ambiental contextualizada, que dessa maneira compreende
uma perspectiva de Base Comunitária. Assim, este estudo destaca a
possibilidade de reconhecer a memória e as narrativas dos moradores
locais como fonte de informações válidas e relevantes sobre o clima e o
regime hídrico da região.

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Percepção de moradores de comunidades rurais
do Pantanal mato-grossense sobre as Mudanças
Climáticas e sua relação com a escassez de água
Perception of residents of rural communities in the Pantanal
of Mato Grosso about Climate Change and its relationship
with water scarcity
Percepción de los residentes de las comunidades rurales
del Pantanal de Mato Grosso sobre el cambio climático y su
relación con la escasez de agua.

Nayara Ferreira1
Solange Kimie Ikeda Castrillon 2
João Ivo Puhl3
Alessandra Morini4

INTRODUÇÃO
A pressão do ser humano sobre os sistemas naturais do planeta é algo
sem precedentes. Há séculos a influência humana vem modificando e
alterando os ecossistemas. Tudo isso ocorre devido a atividades como o
extrativismo, a agropecuária, a industrialização, o crescimento popula-
cional e a urbanização acelerada. O crescente consumo de recursos natu-
rais exerce grande pressão sobre o ambiente, causando diversos impactos
e alterações socioambientais. Esses fatores têm contribuído de forma
isolada ou conjuntamente, por meio das atividades econômicas da so-
ciedade, para a depredação de recursos naturais (FIGUEIRAS, 2009).

1 Enfermeira. Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade do Estado do Mato


Grosso-UNEMAT. Professora da Universidade do Estado do Mato Grosso, Campus Tangará
da Serra. E-mail: nayferreira_go@hotmail.com.
2 Bióloga. Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: ikedac@gmail.com.
3 Historiador. Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: jivopuhl@gmail.com.
4 Bióloga. Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso. E-mail: aetmorini@gmail.com.

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Devido à complexidade dos processos envolvidos, as mudanças
ambientais globais constituem importante questão socioambiental,
levando em conta a magnitude dos impactos delas decorrentes,
podendo alterar os envoltórios do sistema terrestre e, dessa forma, são
experimentadas globalmente (CONFALONIERI et al., 2002).
Pesquisas apontam que as mudanças ambientais globais, principal-
mente as mudanças climáticas, têm colocado o nosso planeta em risco.
Esses dados foram apresentados no V relatório do painel intergovernamen-
tal sobre mudanças climáticas (IPCC), desenvolvido com base na revisão
de pesquisas científicas realizadas nos últimos cinco anos (IPCC, 2013).
O IPCC define as mudanças climáticas como “qualquer mudança
do clima, ao longo do tempo, que deriva de uma variabilidade natural
ou em decorrência de ações antrópicas” (2007). O IPCC ao longo
da elaboração de cinco relatórios aponta que o clima na terra poderá,
dependendo da região, aquecer de 2 a 4 graus Celsius. Baseado nessa
estimativa, o grupo de cientistas formulou também possíveis cenários
globais como resultados desse aquecimento (IPCC, 2013).
As mudanças climáticas promoverão impactos na economia, na
sociedade, na política e no meio ambiente. O aumento da temperatura
poderá causar a extinção de várias espécies da biodiversidade, ampliar
o contraste entre precipitações de regiões úmidas e secas, intensificar o
impacto das ondas de calor, de inundações, provocando assim mudanças
no ciclo global da água (SEIXAS et al., 2011).
Outra preocupação em relação às mudanças climáticas diz respeito à
saúde humana, que pode ocorrer de forma direta ou indireta, causando
a expansão das áreas de transmissão de doenças que têm como vetores
a crise da água. Poderá crescer a incidência de doenças de veiculação
hídrica e potencialização do efeito da poluição atmosférica sobre as
doenças respiratórias. Essa previsão foi considerada pela Organização
Mundial de Saúde como uma prioridade para o século, que demandará
do setor inúmeras ações e adaptação (SILVA et al., 2010).
Neste cenário de impactos das mudanças climáticas citamos,
igualmente, os fortes impactos sociais que afetarão de forma mais
intensa as comunidades mais pobres que dependem diretamente da
natureza para sobreviver. Serão mais afetadas, portanto, as comunidades
que têm alto grau de vulnerabilidade frente às mudanças climáticas
(IPCC, 2011).

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No tocante às consequências das mudanças climáticas sobre
os aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais e de saúde, as
situações das comunidades rurais que já sofrem impactos ambientais
relacionados à escassez hídrica tendem a piorar, agravando assim a
situação de injustiça ambiental5 em que se encontram.
Em consequência das mudanças climáticas, as disputas por água
tendem a piorar, considerando que algumas pessoas dentro das
comunidades e das famílias rurais são mais vulneráveis. Este é o caso
das mulheres que exercem, em seu dia a dia, diversas atividades tanto
domésticas quanto profissionais ligadas à água. Na situação de escassez
de água, a mulher será a principal atingida e nesses casos se torna
importante levar em consideração a singularidade de cada pessoa, as
características da comunidade e os saberes locais.
Consideramos que a realização de estudos de percepção sobre
o tema mudanças climáticas pode tornar-se uma ferramenta
importante de gestão, quando os participantes do estudo não
só contribuem para o trabalho do pesquisador, mas também se
sensibilizam para o tema ambiental. A mudança de percepção e de
atitude pode contribuir para a redução de impactos ambientais na
esfera individual/local/global. O estudo de percepção ambiental
também permite identificar grupos da população mais sensíveis
a determinadas ações de mitigação e/ou prevenção de mudanças
ambientais locais e/ou globais.
Esta pesquisa faz parte do projeto da Rede de Educação Ambiental
e Justiça Climática (REAJA) coordenado pela professora Michèle Sato
que, por meio de diálogos locais, nacionais e internacionais, reconhece
que os efeitos drásticos das mudanças climáticas afetarão toda a
humanidade, contudo não de forma e proporção iguais. Haverá diversas
injustiças socioambientais e violações da vida, humanas e não humanas.
A escolha deste objeto de pesquisa também está atrelada ao que se
propõe no Observatório Clima e Saúde da Fiocruz e a Rede Clima,
quando salientam que é importante a participação dos pesquisadores,

5 Entende-se por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de
vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento
às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais,
aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Disponível em: https://
redejusticaambiental.wordpress.com.

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dos gestores e da sociedade civil. Deve haver uma troca de informações,
de forma recíproca, para difundir os conhecimentos empíricos e
acadêmicos acerca dos fenômenos climáticos, contribuindo para
responder aos desafios representados pelas causas e efeitos das mudanças
climáticas globais.
Dada a importância dos impactos das mudanças climáticas, o
presente estudo teve como objetivo investigar a percepção de mulheres
de duas comunidades rurais do Pantanal mato-grossense sobre as
mudanças climáticas e sua relação com a escassez hídrica.
Entender como as comunidades assentadas reagem frente à
questão das mudanças climáticas e da falta de água consiste em
pontos fundamentais na busca da qualidade de vida da comunidade,
na promoção da saúde, na conservação dos recursos naturais e na
sensibilização em relação aos problemas ambientais da região.
Foi importante pesquisar formas de resistência e de adaptação frente
a esses problemas, não apenas no âmbito tecnológico, mas a partir de
uma melhor compreensão das particularidades da cultura local e das
percepções dos indivíduos e suas comunidades que estão na linha da
vulnerabilidade.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO DA


VULNERABILIDADE AMBIENTAL
A disponibilidade de água no Brasil depende em grande parte do clima.
Recentemente, a mudança climática tem sido observada como possível
causa de problemas que podem afetar a variabilidade e a disponibilidade
na qualidade e quantidade da água. Mudanças nos extremos climáticos e
hidrológicos têm sido observadas nos últimos cinquenta anos e projeções
de modelos climáticos apresentam um panorama sombrio em grandes
áreas da região tropical (MARENGO, 2008).
Segundo o Relatório IPCC, as mudanças climáticas ocorrem em
decorrência de alterações internas no sistema climático ou nas interações
entre seus elementos – e ainda podem ser causadas por forças externas,
como fatores naturais e ações antrópicas (IPCC, 1995).
Os países da América Latina, África e Sul da Ásia são mencionados
pelo IPCC como os mais vulneráveis e que podem sofrer mais
consequências com as mudanças climáticas. O Brasil é citado como um

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país que pode ser intensamente afetado pelas mudanças climáticas, uma
vez que sua economia depende fortemente dos recursos naturais (NAE,
2005). Essa vulnerabilidade se manifesta de diversas formas, entre elas
no aumento da intensidade e frequência de secas e/ou enchentes.
A avaliação do painel intergovernamental sobre a mudança do
clima (IPCC, 2007; 2013), em seu quarto e quinto relatório, apresenta
os impactos projetados para este século, dentre os quais estão citados
abaixo apenas os que atingem o Brasil:
• Recursos hídricos: Até a metade do século XXI, o escoamento médio
anual dos rios e a disponibilidade das águas poderão ser reduzidos em
10-30% nos trópicos secos. As zonas afetadas pela seca provavelmente
aumentarão em extensão e o risco de enchentes será maior devido aos
fortes eventos de precipitação.
• Ecossistemas: As mudanças climáticas – aliadas a outras mudanças
globais, como a poluição e a sobreposição de recursos – irão
comprometer a resiliência dos ecossistemas de forma sem precedentes,
fazendo com que de 20 a 30% das espécies de plantas e animais entrem
em risco de extinção.
• Segurança alimentar: As mudanças climáticas podem afetar todos os
aspectos da segurança alimentar, incluindo o acesso aos alimentos, a
utilização e a estabilidade dos preços. Um aumento nas temperaturas
globais de aproximadamente 4°C em relação aos índices do final do
século 20, aliado ao aumento da demanda por alimentos, colocaria
a segurança alimentar regional e global em alto risco e esse risco é
ainda maior em áreas de baixa latitude. Nas regiões secas e tropicais, a
produtividade dos cultivos irá diminuir mesmo num cenário de pouco
aumento da temperatura (1-2°C). Além disso, as secas e enchentes irão
afetar, principalmente, a produção agrícola dos setores de subsistência.
• Zonas rurais: Grandes impactos são esperados para as áreas rurais por
meio de alterações na disponibilidade e no abastecimento de água,
segurança alimentar, renda agrícola, incluindo mudanças nas áreas de
produção de cultura de alimentos e de outros produtos. Esses impactos
podem afetar de forma desproporcional as regiões rurais mais pobres,
como as propriedades lideradas por mulheres e aquelas com acesso
limitado à terra, às tecnologias agrícolas, infraestrutura e educação.
Todos esses impactos devem estar associados ao conceito de
vulnerabilidade ambiental que para o IPCC pode ser definido como:

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O grau em que um sistema é susceptível, ou incapaz
de fazer face a efeitos adversos da mudança climática,
incluindo variabilidade climática e extremos.
Vulnerabilidade é a função do carácter, magnitude
e graduação da variação climática a que um sistema
está exposto, a sua sensibilidade e a sua capacidade
adaptativa (IPCC, 2007).

Diante dos conceitos e aportes apresentados, é imprescindível


reconhecer que diante de um cenário globalizado, fortemente
caracterizado pela instabilidade do clima e pelo aquecimento global,
tem-se a capacidade de revelar um cenário de injustiça ambiental.

JUSTIÇA AMBIENTAL, INJUSTIÇA CLIMÁTICA E JUSTIÇA CLIMÁTICA


A Injustiça Ambiental pode ser entendida como
o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto
de vista econômico e social, destinam a maior carga dos
danos ambientais do desenvolvimento às populações
de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos
povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às
populações marginalizadas e vulneráveis.

Ao contrário, a Justiça Ambiental pode ser definida como:


(...) o conjunto de princípios e práticas que: a) assegura
que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou
de classe, suporte uma parcela desproporcional das
consequências ambientais negativas de operações
econômicas, de decisões de políticas e de programas
federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou
omissão de tais políticas; b) asseguram acesso justo e
equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais
do país; c) asseguram amplo acesso às informações
relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, bem
como processos democráticos e participativos na
definição de políticas, planos, programas e projetos
que lhes dizem respeito; d) favorecem a constituição
de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais
e organizações populares para serem protagonistas
na construção de modelos alternativos de

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desenvolvimento, que assegurem a democratização
do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade
do seu uso (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA
AMBIENTAL).

Frente às mudanças climáticas o conceito de justiça ambiental


também está relacionado com o conceito de justiça climática, que
pode ser entendida como o fato de que nenhum grupo deva suportar
uma carga maior de sofrimentos advindos dos fenômenos extremos
como seca, cheias, fome, calor intenso, por pertencer a grupos que
têm suas vidas ligadas ao meio ambiente e por não disporem dos
avanços tecnológicos necessários para a adaptação a esses fenômenos
(ACSELRAD et al., 2005).
A Justiça Climática é utilizada para se referir a disparidades em
termos de impactos sofridos e responsabilidades no que tange aos
efeitos e às causas das mudanças do clima. Os defensores da Justiça
Climática argumentam que aqueles que são os menos responsáveis
pelas emissões de gases de efeito estufa serão aqueles que mais sofrerão
com os impactos das mudanças climáticas (MILANEZ; FONSECA,
2011). Desse modo, a injustiça climática está relacionada às formas
e à intensidade como as mudanças climáticas afetam distantes grupos
sociais diferentes. Assim, alguns casos de injustiça climática encontram
relação aos efeitos de processo de desertificação, de eventos climáticos
extremos (chuvas intensas, ondas de calor etc.), do aumento do nível
do mar, entre outros.
As diferenças das consequências das mudanças climáticas entre países
e entre grupos sociais dentro do país são o reflexo do descompromisso
do sistema de implementação de políticas públicas que contemple o
acesso a todos. Além disso, Milanez e Fonseca (2011) citam as condições
precárias de acesso à renda e a serviços básicos de cidadania, como
saúde, segurança, educação e infraestrutura, como fator que influencia
na desigualdade dos riscos climáticos entre grupos e classes sociais.

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METODOLOGIA: TIPO E ÁREA DE ESTUDO
Este artigo resultou de uma pesquisa do tipo qualitativa, de caráter
exploratório. Em relação ao objetivo, esta pesquisa também pode ser
classificada como descritiva, porque teve como objetivos a descrição de
características de determinada população ou fenômeno ou as relações
estabelecidas entre os seus componentes. Assim, “são incluídas neste
grupo as pesquisas que têm por objetivo levantar as opiniões, atitudes e
crenças de uma população” (GIL, 2009).
As duas áreas de estudo se localizam no município de Cáceres em
Mato Grosso. Uma das áreas que foi estudada compõe um conjunto de
assentamentos rurais, situados à margem direita do rio Jauru e a divisa
seca com a Bolívia6 (Figura 1).
Do total de assentamentos rurais implantados no município
de Cáceres-MT, verifica-se que na região da fronteira Brasil-Bolívia
existem atualmente sete assentamentos rurais. Todos estão devidamente
catalogados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). Cada um tem suas especificidades e está em diferentes
estágios de desenvolvimento. São eles: Corixinha, Katira, Jatobá, Nova
Esperança, Rancho da Saudade, Bom Sucesso e Sapiquá.
A área territorial dos 7 assentamentos rurais no município de
Cáceres, região de faixa de fronteira Brasil-Bolívia, é de 11.992,00
hectares, ocupados por aproximadamente 300 famílias, distribuídas em
lotes parcelados e de diferentes tamanhos. Esses assentamentos estão
localizados a uma distância de aproximadamente 70 km da cidade
de Cáceres-MT e a pouco mais de 20 km de San Matias, da Bolívia,
situação que estimula as relações comerciais com o país vizinho (SILVA;
BINZSTOK, 2013).
A outra área estudada foi o Assentamento Laranjeiras I, também
localizado no município de Cáceres - MT, ocupando uma área territorial
de 22,401 km², ou seja, de 2.240,166 hectares (figura 1). A unidade
geomorfológica da área é a Província Serrana, com destaque para as
formas da Serra do Bocainão e suas diversas nascentes de cursos d’água
(CASTRILLON et al., 2017).

6 A fronteira Brasil-Bolívia compreende uma faixa de aproximadamente 3423,2 km de


extensão, dos quais 250 km de território brasileiro estão dentro do município de Cáceres, sob
a guarnição do 2º Batalhão de Fronteira (JANUÁRIO, 2004).

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A área está inserida na Bacia do Alto Paraguai (BAP), sendo
abastecida pelas nascentes, que convergem principalmente da serra
do Bocainão, e dois cursos d’água, que deságuam na Baía Grande no
Pantanal mato-grossense e situa-se a 80 km da sede do município de
Cáceres (CASTRILLON et al., 2017).

Figura 1 – Área dos assentamentos da região de fronteira Brasil/Bolívia

Fonte: Os autores.

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Figura 2 – Carta imagem dos limites do Assentamento Laranjeira I e área da
microbacia com a indicação da rede hidrográfica e diversas nascentes na região do
assentamento, no município de Cáceres-MT

Fonte: Castrillon et al. (2016).

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O procedimento norteador para a obtenção de dados foi a
pesquisa qualitativa, aplicada por meio de questionários, entrevistas
semiestruturadas e observações dos locais de estudo, seguidas de
anotações em um diário de campo com o intuito de compreender
melhor a realidade em questão.
Em pesquisas realizadas anteriormente no Assentamento Laranjeiras
I foi possível verificar a importância fundamental das mulheres e crianças
na busca de soluções para a falta de água (LEÃO et al., 2017). A partir
desta constatação, neste trabalho foram entrevistadas 20 moradoras da
área de estudo no período de 04 de novembro de 2017 a 21 de fevereiro
de 2018.
A coleta de dados foi iniciada somente após a aprovação do projeto
pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o Parecer nº: 2.290.691
em 21 de setembro de 2017, e mediante a assinatura do Termo de
Compromisso das Instituições Envolvidas no estudo e do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) daquelas que concordaram
em participar, conforme determinação da Resolução CNS (Conselho
Nacional de Saúde) 466 de 12 de dezembro de 2012 do Ministério da
Saúde.
O primeiro passo no processo de investigação foi a realização da
entrevista piloto. Posteriormente, escolheu-se a roda de conversa por
se tratar de uma técnica metodológica que propicia uma comunicação
dinâmica e produtiva entre comunidade e pesquisadores. A escolha dessa
técnica (Roda de Conversa) ocorreu principalmente por sua característica
de permitir que os participantes expressem, concomitantemente, suas
impressões, conceitos, opiniões e concepções sobre o tema proposto
(MELO; CRUZ, 2014).
Como método de condução das entrevistas semiestruturadas,
foi utilizado a abordagem da Entrevista Compreensiva desenvolvida
pelo sociólogo francês Jean-Claude Kaufmann, o qual orienta que na
condução da pesquisa seja possibilitado uma boa sociabilidade entre
pesquisador e participante com ambiência favorável em campo, bem
como permite uma maior aproximação entre a produção da teoria e a
pesquisa empírica, destacando a relação dialógica com o entrevistado.
Após a aplicação da entrevista compreensiva, deu-se início à análise
dos dados através do momento de escuta e da transcrição das gravações.
Posteriormente, as informações foram agrupadas por categorias de

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análise conforme cada objetivo proposto e realizadas as discussões
pertinentes com base nas teorias relativas ao assunto.
Para manter resguardados os direitos de privacidade e proteção da
identidade (anonimato), confidencialidade das informações e evitar
assim qualquer forma de exposição ou constrangimento, os participantes
da pesquisa foram identificados por nomes fictícios, utilizando como
pseudônimos nomes de flores.
Em função de sua natureza individual e pessoal, a pesquisa
qualitativa levanta uma série de questões éticas, mas a maioria delas
deve ser tratada antes do início da análise dos dados. Mesmo assim,
é importante garantir a preservação do anonimato (se foi declarada
essa garantia) e que os entrevistados saibam o destino dos dados que
fornecem (GIBBS, 2009, p. 24).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa partiu da hipótese de que as mudanças climáticas
afetarão de forma diferente aquelas comunidades que têm sua vida ligada
diretamente à natureza e que serão, portanto, as que mais sofrerão com
esse fenômeno, justificando assim a escolha desta temática.
As duas comunidades estudadas já sofrem com alterações no
ciclo da água e esta situação da escassez hídrica nos assentamentos foi
o ponto de partida para o processo de investigação acerca de como
estas comunidades percebem as alterações no clima e na água, como
convivem com esta realidade e como a elas se adaptam.
As populações mais vulneráveis, como é o caso do universo
pesquisado neste estudo, sofrem e relatam problemas socioambientais,
em especial quando mencionam que a água está diminuindo e que a
situação piora no período da estiagem, quando a coleta de água, pelas
mulheres do assentamento, é intensificada.
O questionário utilizado como roteiro nas entrevistas perguntou
sobre o ambiente em que vivem, potencialidades e fragilidades de sua
região, o que entendem sobre as mudanças climáticas. O tema foi
abordado através de situações que seriam amplamente conhecidas,
como: a uniformidade das chuvas, os motivos da falta de água, se já
houve perdas nas produções, como as mudanças climáticas acontecem
e o que podem causar.

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Todas as entrevistadas foram do sexo feminino, com uma idade média
de 45 anos. Deste universo, a maioria (60 %) tem ensino médio completo.
Informaram que 85% das famílias sobrevivem com renda familiar de 1 a
2 salários mínimos, tendo como chefe de família o homem.
Seis entrevistadas atuam na área da educação escolar como
professoras, sete se reconheceram como agricultoras e sete como do
lar, que é uma característica típica de muitas famílias de comunidades
rurais. O tempo médio de residência destas mulheres nos assentamentos
foi de 12 anos.
Em relação à questão das chuvas: aproximadamente 80%
responderam que está cada vez chovendo menos nas épocas de chuva;
10% disseram que estava chovendo mais; 6% disseram que estava
chovendo a mesma coisa; e 4% não souberam responder.
Quanto à falta de água na região e o que poderia ser a causa,
obtivemos os seguintes relatos: “Ah! eu acho que é o clima que está
diferente, por isso não chove e por isso não tem água (...)” (Begônia,
Assentamento Rancho da Saudade). Ela afirma que o clima mudou, por
isso não chove e falta água. Porém, não explica porque o clima mudou.
Outra falou: “O tempo está mais quente, a falta de árvores, o povo
fura muito buraco, muito poço e há pouca chuva, o ano passado choveu
muito pouco (...)” (Rosa, Assentamento Nova Esperança). No relato,
a falta de árvores pode ser atribuída ao desmatamento e à falta de água
porque muitos moradores furaram poços ou buracos na terra para
obterem a água que a chuva não trouxe, que já indica uma estratégia
de adaptação à situação. Assim, representa como consequências da ação
humana: clima mais quente e seco. Percebe que as mudanças climáticas
foram provocadas pela ação antrópica.
A explicação da falta de água ainda foi atribuída ao calor: “O tempo
anda muito quente (...) Lá na minha casa, não chovia, não chovia,
não chovia de jeito nenhum, tive que alugar pasto (...)” (Violeta,
Assentamento Katira). Esta resposta indica uma estratégia de adaptação
à situação da falta de pasto em consequência do calor e da seca porque
não choveu o suficiente no período das chuvas.
A afirmação de que houve um aumento do calor indica que as
mulheres perceberam que o clima mudou e isso influiu na quantidade de
água disponível: “A gente sente que o tempo está mais quente (...) Antes
a represa era cheia, hoje secou (...)” (Lírio, Assentamento Sapicuá).

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A partir desses relatos foi possível identificar que as mulheres das
duas comunidades sentem as alterações climáticas na região e fazem uma
associação da relação entre as mudanças climáticas com a falta de água.
Esta constatação foi relatada por Dalla-Nora e Sato (2015) em
comunidades tradicionais, onde os moradores da comunidade de São
Pedro de Joselândia informam que pouco sabem sobre o que são as
mudanças climáticas, em sua perspectiva teórica e conceitual, mas têm
percepção climática, pois, sentem alterações no clima como aumento da
temperatura e mudança no regime das chuvas.
Em outro estudo a percepção das mulheres sobre as mudanças
climáticas no Assentamento Laranjeiras I foi relatada, conforme Leão
(2013, p. 56):
Época onde normalmente ocorria a chuva, não ocorre
mais, está impreciso o período da chuva, está muito
mal distribuída. Não se tem uma precisão do período
do frio, está acontecendo alguma coisa na região que
está alterando o clima.

As mudanças no regime e na oferta de água provocam consequências


diretas em seus meios de subsistência, requerendo estratégias de adaptação
por parte das pessoas e famílias das comunidades do campo.
Foi possível identificar que as duas comunidades estudadas já
adotaram medidas e estratégias para conviver ou superar a falta de água.
Pode-se dizer que essa atitude se deu a partir do momento que essas
mulheres e essas comunidades começaram a sentir os efeitos advindos
das mudanças climáticas e seus efeitos sobre o ciclo da água.
Quando questionadas sobre as estratégias que geralmente adotam para
conviver ou superar a falta de água, foi possível identificar que as famílias
realizam a coleta e captação da água da chuva em barragens, açudes,
cisternas ou caixas d’água. Esse tipo de tecnologia tem sido utilizado como
tentativa de amenizar o problema da escassez de água de minas, fontes,
corrixas e córregos, porque o lençol freático fica a grande profundidade
para obter água em poços. Reconhecem inúmeras as vantagens da captação
e aproveitamento da água da chuva, pois, representa uma fonte alternativa
de água com qualidade razoável para vários usos.
A prática da captação da água da chuva pelos assentados, porém, deve
ser investigada com relação ao método utilizado e seu gerenciamento. Ela

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requer assessoria e capacitação técnica, de forma frequente. As soluções
alternativas não necessariamente estão sob controle do poder público,
ou seja, a solução para o abastecimento de água nesses casos é construída
pela própria população, em geral, a mais carente.
Outro ponto descoberto foi que todas as entrevistadas utilizam
tambores e garrafas pet para o armazenamento da água. Essa prática
merece atenção redobrada sobre as condições desses reservatórios
alternativos, uma vez que podem ser fontes de contaminação para a
saúde humana, se a água não for armazenada corretamente.
A falta de água potável e de tratamento adequado das águas tem
como principal impacto a saúde das famílias, pois, quando pessoas
não dispõem de água de qualidade para o consumo, se desencadeia um
processo perigoso: são forçadas a ingerir água contaminada imprópria
para consumo humano, ficando expostas às doenças de veiculação hídrica
e comprometendo a saúde de suas famílias (CORDEIRO et al., 2015).
Em uma das comunidades observa-se que os impactos das mudanças
climáticas sobre o regime das águas provocam também conflitos e disputas
pela água. A redução da disponibilidade de água intensificará, ainda mais,
a disputa por ela entre os seus usuários. Neste cenário conflitivo pode-se
incluir inúmeras atividades humanas como a agropecuária, a manutenção
de ecossistemas, assentamentos humanos, a indústria e a produção
de energia. Isso poderá comprometer os recursos hídricos regionais,
a segurança energética e alimentar, e potencialmente a segurança
geopolítica, provocando migrações em várias escalas (UNESCO, 2016).
Ressalta-se que a vulnerabilidade da população rural tem uma nítida
relação com a exclusão do acesso às políticas públicas, o que não implica
desconsiderar a riqueza cultural, ambiental e de alternativas criativamente
produzidas nessas regiões (SORRENTINO, 2006).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressalta-se que já existem evidências científicas documentadas e
projeções de cenários futuros mostrando as alterações climáticas presentes
e as que estão por vir. No entanto, uma peça que frequentemente falta
na discussão é: qual público essas mudanças mais afetam e de que
maneiras? Essa discussão é levantada e defendida pela corrente do
movimento de Justiça Climática.

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As mudanças climáticas desafiam às sociedades, considerando a
desigualdade socioambiental no planeta/mundo em que as comunidades
mais vulneráveis acabarão pagando a parte maior do preço das
consequências das mudanças climáticas, mesmo sem terem colaborado
para que elas ocorressem.
Os processos adaptativos precisam ser pensados de acordo com os
valores, culturas, memórias e práticas dessas comunidades e não como
sobreposições.
A sociedade civil e os cidadãos necessitam de espaços para discussões
mais densas, não só na área de mudanças climáticas, mas também
nas questões hídricas, biodiversidade, saúde humana e questões
socioeconômicas, enfatizando de forma interdisciplinar as suas inter-
relações com o clima e a natureza.
A educação ambiental pode ser esse espaço de construção do saber e
de outras compreensões do mundo, da natureza, da vida e do indivíduo
em sua subjetividade ou coletividade.
Por fim, reafirma-se a necessidade do fortalecimento do movimento
por justiça climática e o reconhecimento de que “mudanças climáticas”
é uma questão complexa de justiça social e não apenas de um problema
ambiental. Esse processo deve enfatizar a importância da necessidade
de envolver as comunidades na organização de suas próprias ações e nas
decisões sobre seus próprios futuros.

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413

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(In)visibilidades acerca das vulnerabilidades
das Pessoas com Deficiência Visual frente a
desastres e mudanças ambientais globais:
Um estudo de caso em Cuiabá, Mato Grosso-Brasil
(In) visibilities about the vulnerabilities of Visually Impaired
People in the face of disasters and global environmental
changes: A case study in Cuiabá, Mato Grosso-Brazil
(In) Visibilidades sobre las vulnerabilidades de las personas con discapacidad
visual ante desastres y cambios ambientales globales: un estudio de caso en
Cuiabá, Mato Grosso-Brasil

Giselly Gomes1
Victor Marchezini2
Michèle Sato3

INTRODUÇÃO
Eu sou um intelectual que não tem medo de ser
amoroso. Amo as gentes e amo o mundo. E é porque
amo as pessoas e amo o mundo que eu brigo para que
a justiça se implante antes da caridade. (Paulo Freire).

Ao iniciarmos a construção deste capítulo, pensamos em estru-


turá-lo partindo de uma questão que nos tem chegado com certa fre-
quência: Por que relacionar as pessoas com deficiência às discussões/
estudos sobre as mudanças climáticas? E o questionamento ganha
mais expressividade quando se delimita a especificidade da defici-
ência visual no campo das PcD. Com o desafio de promover essa

1 Doutora pela Universidade Federal de Mato Grosso (PPGE/UFMT). E-mail: gomes.giselly@


gmail.com.
2 CEMADEN/MCTIC. E-mail: victor.marchezini@gmail.com.
3 Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: michelesato@gmail.com.

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discussão que é muito incipiente na literatura internacional e na-
cional (WOLBRING, 2009; RONOH; GAILLARD; MARLOWE,
2017), inicialmente contextualizamos brevemente o cenário das
mudanças ambientais globais e os riscos de desastres ao grupo social
em questão.
A alteração climática é uma das maiores ameaças deste século e
as injustiças climáticas se expressarão concretamente diante da (in)
capacidade de alguns grupos sociais em lidarem com eventos extre-
mos associados a secas prolongadas, ondas de calor, chuvas intensas,
vendavais, inundações, enxurradas, deslizamentos, tornados, incên-
dios florestais etc. (FORZIERI et al., 2017).
Diante das evidências científicas (IPCC, 2013), não há dúvi-
das de que estamos todos(as) em situação de exposição frente às
mudanças climáticas, porém, são os grupos sociais mais pobres os
mais vulneráveis e prejudicados (MILANEZ; FONSECA, 2011) e,
dentre estes, destacam-se os subgrupos das pessoas com deficiência
(GERALDI, 2009).
De acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência, produ-
zido em conjunto com a Organização Mundial de Saúde (OMS) e
o Banco Mundial (2012), as crescentes taxas de deficiência estão as-
sociadas a um aumento dos problemas crônicos de saúde – diabetes,
doenças cardiovasculares, complicações mentais, câncer e doenças
respiratórias – lesões, e o envelhecimento global. O documento ain-
da destaca que a escassez de alimentos e de água também contribui
para o aumento das taxas de desnutrição e más condições de saúde
que levam a um maior risco de adquirir uma deficiência relacionada
à saúde, de modo que as causas e consequências das deficiências
estão relacionadas às condições de pobreza, revelando que mais de
80% das pessoas com deficiência vivem em países de baixa e média
renda, sendo muito provável que essas pessoas e suas famílias enfren-
tem ainda mais desvantagens diante das mudanças climáticas e do
crescente aumento no número de desastres, que já tendem a regis-
trar maior número de mortes em países pobres e em desenvolvimen-
to, sobretudo em razão de suas vulnerabilidades sociais, econômicas,
institucionais e políticas (WILCHES-CHAUX, 1993; LAVELL,
1993; UNITED NATIONS INTERNATIONAL STRATEGY
FOR DISASTER REDUCTION, 2015; MARCHEZINI, 2015).

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Neste mundo de intensas mudanças, Wisner e Gaillard (2009, p.
151) nos lembram da necessidade de uma “[...] reavaliação sobre o
porquê de alguns sofrimentos humanos e distúrbios sociais receberem
atenção de autoridades, pesquisadores e da mídia, enquanto outros
não”. E ao mesmo tempo em que se evidencia que a questão das
deficiências está fortemente relacionada às mudanças ambientais
globais, a “cultura da negligência” (WOLBRING, 2009) no campo
político e científico sobre as mudanças climáticas e as pessoas com
deficiência ainda persiste. Esta invisibilidade se dissemina nos
organismos internacionais que veiculam os marcos internacionais e
acordos sobre o assunto, a exemplo do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas não identifica as vulnerabilidades das
pessoas com deficiência (Idem, 2009).
Diante deste momento histórico de mudanças ambientais globais e
aumento de vulnerabilidades sociais, políticas e econômicas, é urgente
e necessária uma “reforma do pensamento” para que mudemos a
maneira de (con)viver neste planeta (MORIN, 2015), buscando uma
nova ética que recupere a humanidade perdida nesses tempos cada
vez mais sombrios, em que a perda do direito a ter direitos é cada vez
mais latente (ARENDT, 1987). Compreender algumas dimensões da
vulnerabilidade entre pessoas com deficiência visual frente a desastres e
mudanças ambientais globais é um tema importante não somente para
o meio acadêmico, mas também político.
Apesar do cenário de invisibilidade das pessoas com deficiência,
mais de 1 bilhão de pessoas vivem com alguma deficiência no mundo
(OMS, 2012) e há quase uma década as informações do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) indicam que 23,9%
da população – cerca de 45,6 milhões de pessoas – possuem algum
tipo de deficiência. Dentre essas, 6,5 milhões de pessoas apresentam
deficiência visual em diferentes graus de severidade, sendo mais de 528
mil cegos e 6 milhões com baixa visão.
Com um pouco mais de 3 milhões de habitantes, o estado de Mato
Grosso possui 549.731 (18,1%) de PcDV. Em Cuiabá, a capital do
Estado, 105.598 (19,15%) possuem deficiência visual, e 1.460 (0,26%)
não conseguem enxergar (Cegas), 15.889 (2,88%) apresentam grande
dificuldade de enxergar, e 88.249 (16,01%) com alguma dificuldade de
enxergar (Tabela 1) (IBGE, 2010a;b).

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Tabela 1 – Estimativa das Pessoas com Deficiência Visual (PcDV) no Brasil,
Mato Grosso e Cuiabá

Brasil Mato Grosso Cuiabá


Tipo de
População: População: População:
Deficiência
190.755.766 3.035.122 551.098

*Deficiência visual
528.624 5.276 1.460
(não consegue de
(0.28%) (0.17%) (0.26%)
modo algum)

*Deficiência visual 6.056.684 91.404 15.889


(grande dificuldade) (3.18%) (3.01%) (2.88%)

*Deficiência visual 29.206.180 453.051 88.249


(alguma dificuldade) (15.31%) (14.93%) (16.01%)

35.791.488 549.731 105.598


TOTAL
(18.77%) (18.11%) (19.15%)

Fonte: IBGE (2010), adaptado por Giselly R. N. S. Gomes (2017).

Em relação aos tipos de deficiência visual apresentados na Tabela


1, interpretamos como sendo pessoas cegas, onde consta “deficiência
visual” (não consegue de modo algum); e pessoas com baixa visão, onde
consta “deficiência visual” (grande dificuldade). As demais constituem
o grupo de pessoas que declararam alguma dificuldade de enxergar,
ainda que usando óculos ou lentes. Desse modo, a perda total ou
parcial, congênita ou adquirida da visão, cujo nível de acuidade visual
pode variar, determina os dois grupos de deficiência visual de especial
interesse nesta pesquisa:
Cegueira: quando há perda total da visão ou pouquíssima
capacidade de enxergar, o que leva a pessoa a necessitar do Sistema Braille
como meio de leitura e escrita. A alteração afeta de modo irremediável
a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou
movimento em um campo mais ou menos abrangente, podendo ocorrer
desde o nascimento (cegueira congênita), ou posteriormente (cegueira
adventícia, usualmente conhecida como adquirida) em decorrência de
causas orgânicas ou acidentais.
Baixa visão (ambliopia, visão subnormal ou visão residual):
a definição é complexa devido à variedade e à intensidade de comprome-
timentos das funções visuais. Caracteriza-se pelo comprometimento do
funcionamento visual dos olhos, mesmo após tratamento ou correção,

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podendo apresentar 30% ou menos de visão no melhor olho, após todos
os procedimentos clínicos, cirúrgicos e correção com óculos comuns. As
pessoas com baixa visão podem ler textos impressos ampliados ou com
uso de recursos óticos especiais, e apresentam dificuldades de ver detalhes
no dia a dia como por exemplo, veem as pessoas mas não reconhecem a
feição; as crianças enxergam a lousa, porém, não identificam as palavras;
no ponto de ônibus, não reconhecem os letreiros, dentre outros.
Ainda que a questão da deficiência visual não se constitua o foco
deste trabalho, não deixamos de destacar a nossa compreensão acerca
do conceito de pessoa com deficiência, a qual coaduna ao que se
apresenta no artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (CDPD),
Pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2012,
p. 26).

Conforme o Preâmbulo da CDPD, trata-se de “um conceito


em evolução” e a condição da deficiência “resulta da interação entre
pessoas com deficiência e barreiras comportamentais e ambientais
que impedem sua participação plena e eficaz na sociedade de forma
igualitária” (BRASIL, 2012, p. 22).
Apesar do grupo de pessoas com deficiência visual aparecer como sendo
a maioria dentre as pessoas com deficiência no Brasil (Tabela 1), esta não foi
a motivação principal que nos conduziu a considerá-lo nesta pesquisa. Mas
sim o desejo de lhes conceder audiência, superando o que têm encontrado
na sociedade: “[…] um ‘mundo de silêncio e trevas’, um ‘não lugar’ na
vida, na poesia, na paixão” (SOUSA, 2015, p. 2). Portanto, é um desafio
que demanda não só a compreensão das dimensões de vulnerabilidade,
mas também sua superação, inclusive a de conceitos estigmatizantes sobre
as pessoas com deficiência que impedem a sua participação na sociedade.
A vulnerabilidade, por exemplo, não é natural mas é criada socialmente.
No que se refere às PcDV, “[…] não é o limite individual que determina
a deficiência, mas sim as barreiras existentes nos espaços, no meio físico,

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no transporte, na informação, na comunicação e nos serviços”, tal qual
preconiza a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(BRASIL, 2012, p. 9) e o Relatório Mundial sobre a Deficiência (2012).
Dessa outra interpretação sobre as causas da vulnerabilidade decorre outro
desafio: desfazer o estigma de considerar o outro como vítima e incapaz,
fortalecendo sua capacidade de sujeito, de ter o direito à participação
social nos processos de formulação e implementação de políticas públicas
de gestão de risco de desastres, resguardando a necessidade de reconhecer
as suas especificidades, conforme preconiza o Marco de Sendai para a
Redução do Risco de Desastres 2015-2030 (2015).
O capítulo está estruturado em três seções, além da introdução.
Na seção seguinte apresentamos o percurso metodológico da pesquisa,
caracterizando o local do estudo e os procedimentos adotados, com ênfase
ao trabalho de georreferenciamento da exposição e da vulnerabilidade
das pessoas com deficiência visual frente ao risco de inundação e
enchente em Cuiabá. Em seguida, a partir da identificação das barreiras
incapacitantes e das dimensões de vulnerabilidade presentes entre as
pessoas cegas e com baixa visão, destaca-se o papel da educação como
forma de superação de algumas dessas vulnerabilidades. Por fim, nas
conclusões e recomendações, apontamos alguns caminhos que podem
subsidiar políticas públicas voltadas à redução da vulnerabilidade do
grupo das pessoas com deficiência visual frente aos riscos de desastres e
às mudanças climáticas.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO
A fim de compreender as vulnerabilidades de um grupo de pessoas
cegas e com baixa visão, atuante na Associação Mato-grossense de
Cegos (AMC), que residem em Cuiabá, optamos por uma abordagem
qualitativa, que está muito além da quantificação de pessoas expostas
em uma dada área considerada suscetível a fenômenos ambientais como
inundações e deslizamentos. Neste sentido, adotamos o estudo de caso,
campo investigativo que busca estudar poucos fenômenos, porém,
permite o seu conhecimento amplo e detalhado (GIL, 2009).
A definição da metodologia perpassou um momento de exploração
do “universo” das pessoas com deficiência e as mudanças climáticas, de
modo que a pesquisa exploratória, como primeiro passo de um trabalho

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científico (ANDRADE, 2009), permitiu-nos uma aproximação inicial
em torno da temática, por meio das bibliografias e documentos,
além das informações e dados disponibilizados pelas instituições
visitadas. Dentre estas, o Núcleo de Proteção e Defesa Civil de
Cuiabá (NUPDEC), além das instituições que atendem pessoas com
deficiência visual em Cuiabá: Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da
Educação Especial (CASIES), Instituto dos Cegos do Estado de Mato
Grosso (ICEMAT), e a Associação Mato-grossense de Cegos (AMC).
Figura 1 – Vista frontal da AMC, CASIES e ICEMAT, localizadas em Cuiabá-MT

Fonte: Giselly Gomes (2017).

Nesta vertente, os procedimentos metodológicos basearam-se em en-


trevistas semiestruturadas junto a 06 PcDV, que protagonizam o espaço
da Associação Mato-grossense de Cegos (AMC). No roteiro de entrevista
semiestruturado, elaboramos perguntas em torno das mudanças climáti-
cas, risco de desastres, situação de vulnerabilidade e o papel da educação.
Em se tratando do campo das pesquisas em educação ambiental, os
contextos fenomenológicos estão muito presentes, já que a ciência é um
campo inconclusivo, que está sempre sujeito à transmutação (SATO et
al., 2013). Portanto, as interpretações aqui apresentadas, bem como os
conceitos e conclusões, não negam outras formas de compreensão, mas
convidam a outras contribuições.
Para melhor esclarecimento do percurso metodológico, descrevemos
o local, bem como o processo de elaboração do mapeamento das áreas
de risco e as PcDV.

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Do local do estudo

Localizada no centro geodésico da América do Sul, Cuiabá é a


capital de Mato Grosso, com uma área de 3.495,424 km² (IBGE, 2010),
nos limites com os municípios de Chapada dos Guimarães, Acorizal,
Jangada, Várzea Grande, Santo Antônio do Leverger e Campo Verde
(Figura 2). Segundo o IBGE (2010), sua população era de 551.098 mil
pessoas, sendo estimada 590.118 mil pessoas para 2017.

Figura 2 – Localização do município de Cuiabá-MT, Brasil

Fonte: IBGE (2010). Elaborado pelos autores.

Com 299 anos de existência, o município possui problemas de


infraestrutura, os quais são reflexos do processo histórico de ocupação
humana em áreas de preservação permanente. A maior parte das áreas
sujeitas a enchentes está nas margens do rio Cuiabá, que drena a área urbana
da capital juntamente com seus afluentes, Rio Coxipó e inúmeros córregos,
tais como: Córrego da Prainha, Ribeirão da Ponte, Manoel Pinto, Moinho,
Barbados, Gambá e São Gonçalo. A intensa ocupação desses locais e
adjacências, por grilos, invasões, propriedades sem documentação legalizada
junto aos órgãos de planejamento do município, somada à ineficiência
de políticas públicas de preservação da rede hídrica, de investimentos em

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saneamento e coleta de lixo, provocam aumento significativo de episódios de
inundações, principalmente nos bairros situados às margens do rio Cuiabá,
onde residem grande parte da população de baixa renda (ZAMPARONI,
2012). Um mapeamento construído pelo Núcleo de Proteção e Defesa
Civil de Cuiabá (NUPDEC) confirma e evidencia as áreas de risco de
enchente e inundações no município de Cuiabá-MT (Figura 3).

Figura 3 – Áreas de risco de inundação e enchente em Cuiabá

Fonte: NUPDEC (2017).

Figura 4 – Legenda ampliada, conforme Figura 2

Fonte: NUPDEC (2017).

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Do mapeamento das áreas de risco e
as Pessoas com Deficiência Visual

Partindo do mapa elaborado pelo NUPDEC de Cuiabá (Figura


3), buscamos também informações junto ao Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), posto que
Cuiabá é município monitorado. Também tivemos o relatório “Setorização
de Áreas de Risco em Alto e Muito Alto Risco Geológico na Área Urbana
do Município de Cuiabá” e o shapefile das áreas mapeadas, elaborados em
2014 pela Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), órgão
ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME). O relatório reúne os
dados obtidos em 08 setores da capital, relacionados a escorregamento/
queda de bloco, à erosão continental e à tipologia de inundação associada
à erosão fluvial. O relatório observa uma tendência de ocorrência de
fenômenos hídricos graves, embora exista também uma susceptibilidade
dos terrenos cuiabanos associada ao grupo geológico, subgrupos erosão
e movimentos de massa. E destaca que as áreas de risco de Cuiabá estão
principalmente associadas às drenagens perenes, intermitentes e efêmeras
que drenam o solo urbano. Entretanto, o relatório não considera os
aspectos de vulnerabilidade das pessoas (CABRAL; PEIXOTO, 2014).
Com embasamento das informações do NUPDEC e da CPRM,
buscamos saber se as PcDV estariam residindo naquelas áreas, por meio
do georreferenciamento de seus endereços.
Inicialmente, realizamos o georreferenciamento das residências das
06 pessoas entrevistadas para esta pesquisa e diante da oportunidade
de conhecer outros espaços de atendimentos à PcDV, decidimos
georreferenciar outros 15 endereços de pessoas que frequentam o Instituto
dos Cegos do Estado de Mato Grosso (ICEMAT). Para este procedimento,
percorremos os endereços dessas pessoas e, utilizando de um aplicativo de
celular do tipo My GPS Coordinates, obtivemos os dados de localização
(latitude, longitude), que foram alocados ao mapa fornecido pelo
NUPDEC (Figura 3). Esclarecemos que o georreferenciamento dos(as)
estudantes do Icemat foi viabilizado mediante autorização dos dirigentes
da instituição, permitindo que se acompanhasse este grupo até as suas
residências, via transporte escolar que presta serviço ao Instituto. Na
ocasião, não excluímos do mapeamento os dados de localização de 07
estudantes que residem no município de Várzea Grande, ainda que esta
localidade não se constitua na área de interesse desse trabalho (Figura 5).

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Figura 5 – Localização de algumas PcDV e as áreas de risco à inundação e/ou
alagamento na região metropolitana de Cuiabá

Fonte: Elaborado pelos autores, a partir de dados levantados em campo e obtidos junto a
CPRM/MME (CABRAL; PEIXOTO, 2014) e NUPDEC (2017).

É importante destacar que este trabalho se apresenta em fase inicial


de construção da metodologia, além de requerer atualizações ao longo
do tempo, haja visto o caráter dinâmico da construção social dos riscos
e da vida social das pessoas. Além disso, pretende-se dar continuidade
ao mapeamento junto à equipe técnica da defesa civil, pesquisadores e,
especialmente, ampliar a participação social das PcDV, das entidades
que atendem essas pessoas. O mapa pode subsidiar as políticas públicas
voltadas à gestão ao risco de desastre e ao mesmo tempo aumentar
o conhecimento da população em torno dos processos que criam as
condições de vulnerabilidade a que estão sujeitas. Quiçá possa ser
incluído outros grupos de PcD em futuras análises e estudos.

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RESULTADOS PRELIMINARES DE UM
ESTUDO DE CASO EM CUIABÁ-MT
Embora os dados estatísticos revelem um expressivo contingente
populacional de pessoas com deficiência no mundo (OMS, 2012),
estas ainda estão invisibilizadas, tanto socialmente quanto no campo
científico.
No Brasil, somos uma nação com 45,6 milhões de pessoas com
deficiência, a maioria com deficiência visual (IBGE, 2010; Tabela 1).
Mesmo assim, a ciência parece não enxergá-las, ainda que algumas
pesquisas e documentos apontem importantes fatores que potencializam
as vulnerabilidades desse grupo (GERALDI, 2009; RONOH;
GAILLARD; MARLOWE, 2017).
Estas estatísticas somam-se às outras inquietações que têm
conduzido este trabalho, que sinalizam a necessidade de um amplo e
inclusivo debate com as PcDV e suas famílias, visto que compreender as
vulnerabilidades desse grupo implica entender por que algumas pessoas
são mais vulneráveis do que outras quando expostas a uma ameaça,
como inundações (MARCHEZINI et al., 2017).
Ao observarmos a Figura 5, percebemos algumas PcDV residindo
nas proximidades de áreas sujeitas à inundação (por exemplo, indivíduo
nº 9), mas também de instalações comunitárias expostas a esta ameaça,
como a própria sede da AMC (nº 20). Destaca-se que a AMC, localizada
no tradicional bairro do Porto, encontra-se em uma área que foi palco
das enchentes de 1942, 1974, 1995 e 2001 (ZAMPARONI, 2012).
Além da exposição à inundação, é importante considerar outras
dimensões importantes para a análise de vulnerabilidade. Quanto
ao perfil do grupo de PcDV entrevistado, apresentamos algumas
características: apresentam idade entre 33 e 50 anos, um deles é cego
e os demais tem baixa visão. Apenas um não nasceu em Mato Grosso,
porém, reside em Cuiabá há 33 anos. Conforme o mapa (Figura 5), as
06 PcDV podem ser identificadas pelos números 1, 2, 3, 4, 5, 6, sendo
03 homens e 03 mulheres. Em relação ao estado civil, 04 são casados(as)
e têm filhos. Quanto ao grau de escolaridade, apenas uma pessoa tem
ensino médio completo e as demais têm nível superior em áreas como
Educação (Pedagogia e Música), Comunicação Social (Radialismo) e
Tecnologia da Informação (Análise e Desenvolvimento de Sistemas).

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Ao mesmo tempo que o grau de deficiência visual pode ser importante
para definir a vulnerabilidade, também existem capacidades importantes
que poderiam ser utilizadas nas estratégias de autoproteção frente aos
riscos socioambientais. Poder-se-ia, por exemplo, utilizar as habilidades
de comunicação social (radialismo) e tecnologia da informação para
promover, a partir das contribuições do(a) pedagoga(o), uma campanha
sobre pessoas com deficiência e prevenção de desastres. Para subsidiar
essas e outras iniciativas no tema, é importante ouvir e interpretar o
que as pessoas têm a dizer sobre Mudanças Climáticas, Vulnerabilidade,
Riscos a Desastres e a Educação. Nas próximas seções abordaremos esses
tópicos. Importante ressaltar que em cumprimento ao que rege o comitê
de ética em pesquisa envolvendo seres humanos, os(as) entrevistados(as)
são aqui identificados(as) por codinomes atribuídos por eles(as), idade e
a especificidade da deficiência visual.

A vulnerabilização das Pessoas com Deficiência Visual frente aos


riscos de desastres e mudanças climáticas

Afirmar que alguns grupos sociais se encontram em situação de


vulnerabilidade frente às mudanças climáticas, significa dizer que essas
pessoas podem sair dessa condição, desde que algo seja feito em seu
benefício.
A nossa compreensão sobre vulnerabilidade considera a complexi-
dade conceitual do termo e o fato de que envolve muitas características
de pessoas e grupos que estão circunscritos a condições socioambientais
e econômicas que os expõem desigualmente a danos, limitando sua ca-
pacidade de antecipar, lidar e se recuperar deles. Em outras palavras, as
condições de vulnerabilidade não são relacionadas somente às especifi-
cidades dos indivíduos sendo essencial compreender as dimensões so-
ciais, econômicas, ambientais, políticas, técnicas e institucionais e como
elas se alteram em diferentes escalas espaço-temporais (MARCHEZINI
et al., 2017). Nessa abordagem, a situação de vulnerabilidade não é
natural, mas sim o resultado de processos sociais, de decisões políti-
cas e econômicas sobre uma dada base territorial (ACSELRAD, 2006;
VALENCIO, 2012; MARCHEZINI, 2015; WISNER, 2016).
A discussão sobre a vulnerabilização das PcDV se correlaciona ao
contexto de luta das pessoas com deficiência pela participação social,

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que é fortemente impactada por barreiras incapacitantes, definidas
pelo Relatório Mundial sobre a Deficiência (OMS, 2012, p. 270)
como sendo fatores ambientais que restringem a participação deste
grupo na sociedade. Dentre as quais, destacam-se: políticas e padrões
inadequados que nem sempre levam em conta as necessidades das pessoas
com deficiência e/ou não são cumpridos como, por exemplo a falta de
uma política clara de educação inclusiva, a falta de padrões de acesso
obrigatórios em ambientes físicos e a baixa prioridade dada à reabilitação;
atitudes negativas, como crenças, preconceitos, estigmas; problemas
relativos à falta e/ou oferta de serviços; financiamento inadequado; falta
de acesso nos ambientes (incluindo as instalações públicas) e sistemas
de transporte frequentemente inacessíveis, além das necessidades de
comunicação e acesso às informações em formato acessível; falta de
consulta e envolvimento nos processos decisórios de assuntos que afetam
diretamente suas vidas; falta de dados rigorosos e comparáveis sobre a
deficiência, e de evidências de programas que funcionem (Idem).
Ainda que tenhamos consideráveis avanços em relação aos
direitos das PcD no contexto brasileiro, as notificações de casos de
violência contra essas pessoas evidenciam um preocupante cenário de
vulnerabilidade social.
Um levantamento do Sinan (Sistema de Informação de Agravos
de Notificação), do Ministério da Saúde aponta que em cinco anos
o número de pessoas com deficiência estupradas quase dobrou no
Brasil, passando de 941 (em 2011) para 1.803 (em 2016). Os casos
representam quase 8% dos estupros atendidos pelos serviços de saúde,
que totalizaram 22.991 no ano de 2017. Para o Ministério, esses
números não significam que estejam ocorrendo mais casos de estupro,
mas sim que os municípios passaram a notificar mais esse tipo de
ocorrência (COLLUCCI, 2017).
Frente aos riscos de desastres e mudanças ambientais globais e com
recorte explícito às pessoas com deficiência visual, indagamos: Como as
mudanças do clima afetarão suas vidas? Essas mudanças são percebidas
por essas pessoas? A vulnerabilidade das pessoas cegas e com baixa
aumentaria? O que poderia ser feito a favor delas, especialmente em
situações de desastres?
Com base nos dados e informações até aqui apresentados, buscamos
identificar como a mudança climática está inserida na vida dos(as)

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entrevistados(as) e quais vulnerabilidades estariam mais associadas às
PcVD frente aos riscos de desastres. Não obstante, buscamos identificar
narrativas que representem “[...] a esperança, do verbo esperançar”
(CORTELLA, 2014)4, de modo a apontar outros caminhos ao
enfrentamento deste cenário.
Guiados por nossas inquietações e com o foco no contexto
das mudanças climáticas, destacamos algumas das perguntas que
conduziram o momento da entrevista: Você já ouviu falar em mudanças
climáticas? O que lhe vem à cabeça ao ouvir sobre este assunto? Você
considera que todos os desastres são naturais? Você já se imaginou
sendo vítima de um desastre? O que você faria em uma situação dessa?
Você se considera vulnerável? Por que? Diante de um desastre, a sua
vulnerabilidade aumentaria? Como?
As narrativas identificaram o aquecimento global, desmatamento
e queimadas como agentes causadores das mudanças climáticas e
apontaram situações de desastres enquanto efeitos das mudanças
climáticas, reconhecendo a ação humana como a principal responsável
pelas mudanças ambientais globais.
[...] O culpado pelas mudanças climáticas é a própria
demanda da sociedade. É o preço do progresso... A
questão de desmatamento, descarte inadequado de
lixo no ambiente, contaminação por agrotóxico...
(MARCONI, 50 anos, baixa visão).
[...] Muitas vezes sabemos de algum tipo de desastre,
que fica sutil perceber que aquilo é resultado da
ação humana. Mas como a gente não tem todo esse
conhecimento científico pra perceber claramente, às
vezes passa por perceber como consequência da própria
natureza. Por exemplo, uma tempestade incomum,
ou outro fenômeno da natureza incomum... de certa
forma, passa batido para a maioria das pessoas que
compreende como um evento da natureza apenas
(MURDOCK, 33 anos, cego).

De modo geral, percebe-se a compreensão sobre as causas dos


desastres sob o aspecto dos fenômenos da natureza, responsabilizando,

4 Acesse a entrevista Esperança do verbo esperançar”, com Mário Sergio Cortella em: www.
youtube.com/watch?v=YdqfH3EShCk.

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por exemplo, a chuva. Daí o entendimento por desastre “natural”.
Ao mesmo tempo, também são compreendidos como não naturais,
associando à ação humana. Citam como exemplos, o rompimento da
barragem de Fundão, na unidade de Germano, em Mariana (MG),
operada pela Samarco, e ainda a construção da usina de Manso, em
Mato Grosso.
[...] Se a barreira da usina de Manso estourar, dizem
que pode alagar Cuiabá... (MARCONI, 50 anos,
baixa visão).

Mais do que uma compreensão superficial, ou mesmo equivocada


em torno das mudanças climáticas e os desastres, interpretamos as
respostas das entrevistas como uma confirmação de que, “[...] um
dos desafios de hoje na pauta científica é como dar audiência destes
fenômenos que ameaçam as vidas, mas cujo clima é um ar invisível que
ninguém consegue enxergar” (FERREIRA; SATO, 2018, p. 23). Dada
a importância da educação e dos meios de comunicação, refletimos
sobre a qualidade e a acessibilidade das informações que chegam até as
PcDV neste contexto.
[...] Se a natureza projetou para suportar um certo
peso e vão lá e constroem, aquilo vai desabar. Então é
um desastre natural, e não ao mesmo tempo, não é...
(FILHO DA LUA, 37 anos, baixa visão).

Interessante notar a importância da memória social sobre os


desastres. Alagamentos das ruas de muitos bairros cuiabanos e a
memória da grande enchente ocorrida em 1974 em Cuiabá, que
inundou bairros localizados às margens de rio, foram lembrados, com
destaque ao tradicional bairro do Porto, onde, inclusive, localiza-se a
AMC (Figura 5).
Considerando um cenário de chuvas, independentemente de seu
volume, todas as pessoas podem estar expostas, mas possuírem condições
diferentes de enfrentamento da situação, bem como de vivência de
transtornos e perdas. Porém, a população com deficiência visual, que já
enfrenta uma série de barreiras diariamente, encontra tais situações em
maiores proporções e podem precisar de ajuda especial, principalmente
dos profissionais da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros, dentre

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outros. E sobre esse aspecto, as entrevistas detalharam o efeito de
algumas barreiras incapacitantes (OMS, 2012), relacionadas à falta de
políticas públicas e à falta de acesso à informação com acessibilidade.

[...] vulnerabilidade é um ponto de fraqueza que não


depende do meu controle, ou que muitas vezes não
está sob o meu controle. E esse controle teria que ser
feito por outras áreas que vão fechar esses pontos de
vulnerabilidade... independentemente de um dado
local ser suscetível a riscos de desastres, ao menos o
conhecimento sobre isso é fundamental a todas pessoas
com deficiência, da mesma forma que é fundamental
que a equipe técnica da defesa civil, por exemplo, seja
preparada para o atendimento de uma pessoa com
deficiência... E deveria ser obrigatório que todas as
instituições tivessem um setor de estudo focado nas
deficiências em geral (MURDOCK, 33 anos, cego).

A narrativa deixa evidente a importância do caráter inclusivo como


forma de garantir a participação social da PcDV, contribuindo tanto com
os formuladores de políticas públicas, gestores públicos, quanto com o
próprio grupo que conclama por mais acesso às informações. Sobre as
demandas identificadas na narrativa, relembramo-nos ao menos de duas
dimensões de vulnerabilidade enunciadas por Wilches-Chaux (1993):
vulnerabilidade educacional, definida como a
ausência de programas de educação no tema, grau de
preparação da população para enfrentar situações de
desastre etc.; e a vulnerabilidade institucional, definida
como aquela que se reflete na obsolescência e rigidez
das instituições, na prevalência de decisões políticas
sobre critérios técnico-científicos, no predomínio de
critérios personalistas na tomada de decisão etc.

Em geral, as defesas civis no Brasil ainda não estão preparadas


para um trabalho estrutural de inclusão das PcDV nas políticas de
prevenção de desastres, sobretudo porque a atividade da defesa civil não
é reconhecida como uma carreira, os cargos são de indicação política
e geralmente se alternam a cada eleição. Frente a essa vulnerabilidade
institucional, é preciso que outros setores governamentais e sociais,
incluindo os que têm ações no campo da educação e da assistência social,

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possam se envolver com o tema de prevenção de riscos e de desastres,
bem como se envolver com a agenda das mudanças ambientais globais.
Interessante notar que as 06 pessoas entrevistadas reportam situações
de risco que vivenciaram, ao enfatizarem as barreiras arquitetônicas que
acabam potencializando o risco de acidentes, principalmente durante
as chuvas.
[...] Eu falo por mim, que já caí várias vezes na rua
depois de chuvas... as calçadas esburacadas no meu
bairro ficam cobertas por poças de água e causa
quedas... (SORRIDENTE, 35 anos, baixa visão).

Durante as entrevistas, percebemos que a noção de prevenção


de risco de desastre é concebida como algo inevitável na vida das
pessoas, sobretudo porque cotidianamente já enfrentam uma série
de barreiras incapacitantes. Como estratégia, procuram estar sempre
junto de outras pessoas e, muitas vezes, não conseguem identificar
como reduzir algumas dessas barreiras. Esta constatação incide
na proposição de “[...]uma educação para a prevenção de natureza
emancipadora e crítica que permitisse o questionamento coletivo das
causas sociais produtoras de risco” (SULAIMAN; ALEDO, 2016).

[...] seja durante o dia ou de noite, a gente procura


estar sempre junto de outras pessoas... Se ocorrer um
desastre, a maioria das pessoas estarão no ambiente
de trabalho, na escola, com outras pessoas...No meu
caso, por exemplo, se acontecer alguma coisa durante
o dia, estarei aqui na AMC... Se tiver um incêndio,
vai disparar o alarme e vamos sair pra fora, um junto
do outro... Não vejo como ser criado algo específico
para nós deficientes visuais, mas tomara que tenha...
(MARCONI, 50 anos, baixa visão).

Se a situação atual já coloca uma série de barreiras incapacitantes,


intensificadas em circunstâncias de chuvas, o aumento de eventos
extremos associados às mudanças climáticas implicará novos desafios,
talvez maiores do que aqueles vivenciados na inundação de 1974 em
Cuiabá-MG. Face ao exposto, é preciso compreender criticamente o
problema, de modo que a educação e os meios de comunicação são
fundamentais neste processo. Mas será que a escola que você frequenta

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(ou frequentou) tem discutido sobre as mudanças climáticas? E de
que maneira? Você acha importante que a escola promova esse debate?
Como ela poderia contribuir?

O PAPEL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PREVENÇÃO/REDUÇÃO


DE RISCO DE DESASTRE: SUBSÍDIOS A PARTIR DA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
No amplo contexto das questões relativas às mudanças climáticas e às
PcD, tão importante quanto a qualidade e acessibilidade da informação,
é garantir audiência a essas pessoas, reconhecendo e compreendendo
suas especificidades e identificando (com elas) possíveis táticas para
redução de riscos.
As narrativas confirmam a inquestionável contribuição da educação
e destacam não apenas a relevância do tema das mudanças climáticas
ser assunto presente no currículo, como também o papel da educação
ambiental na problematização do tema.
[...] Como professora, considero que a escola trabalha
de forma muito superficial sobre as mudanças
climáticas... A informação é transmitida, porém
precisa ser problematizada. E as universidades também
têm esse papel. Mas quando eu fiz a graduação, tive
apenas um módulo de educação ambiental durante
os 04 anos do curso de Pedagogia... Acredito que
seja um assunto que deveria ser mais enfatizado nas
universidades (SORRIDENTE, 35 anos, baixa visão).

[...] É importante que as pessoas com deficiência


visual estejam inseridas no campo de discussão sobre
as mudanças climáticas e riscos de desastres, sendo a
escola e os meios de comunicação de massa importantes
espaços para levar informação... Assuntos como educação
ambiental e sustentabilidade devem estar mais presentes
nas escolas e associações (MURDOCK, 33 anos, cego).

Ao pensarmos sobre a escola, podemos suscitar iniciativas que se


convertam em práticas pedagógicas inclusivas, mas sobretudo sejam
reveladoras de um currículo ético do ponto de vista do respeito e do
cuidado com as pessoas e demais formas, tal como preconizado pela

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Carta da Terra e o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global.
Ao passo que a escola deve incluir a diversidade como um direito de
todas as pessoas (MATO GROSSO, 2010; BRASIL, 2013; HARDOIM
et al., 2013), também é relevante pensar neste ponto de vista sob o
prisma do papel da Defesa Civil, conforme um entrevistado.
[...] Não deveria ser uma opção, mas uma obrigação,
que todas as instituições tivessem um setor de estudo
focado nas PcD em geral... Hoje eu também penso
muito na deficiência auditiva porque eu convivo com
a minha filha que é deficiente auditiva... Como um
técnico da defesa civil vai comunicar com ela se não
souber LIBRAS? Como esse técnico vai explicar para
ela o que está acontecendo? O treinamento voltado
ao atendimento das PcD em geral já deveria estar
acontecendo em instituições como a Defesa Civil
(MURDOCK, 33 anos, cego).

A articulação entre a Defesa Civil e as escolas públicas está prevista


na Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, marco regulatório da
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), de tal modo
que a própria PNPDEC traz alterações ao art. 26, § 7, da Lei nº 9.394
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), inserindo que “os
currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios
da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos
conteúdos obrigatórios”.
Reconhecemos a importância da iniciativa, porém, concordamos
com Sullaiman e Jacobi (2013) ao destacarem que a perspectiva
predominantemente tecnocrática e comportamentalista presente nos
processos de prevenção de desastres da PNPDEC desenha uma abordagem
para a convivência com o risco, em vez de questionar as causas profundas
que levam aos riscos. É neste ponto que o papel da educação ambiental
crítica merece destaque, uma vez que rompe com a concepção educacional
conteudista e comportamentalista (acrítica), conforme preconiza a Lei
nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe sobre a Política Nacional
de Educação Ambiental, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Ambiental, aprovadas pelo Conselho Nacional de
Educação pela Resolução CNE/CP nº 02/2012.

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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.
(Paulo Freire)

Apesar dos inúmeros avanços no aparato legal a favor das PcDV,


nota-se que elas ainda encontram diversas barreiras na sociedade,
que comprometem a sua participação social em diversos espaços,
especialmente naqueles onde são tomadas decisões sobre assuntos/
temas relacionados diretamente à sua vida, além reforçar relações de
dependência de outras pessoas, bem como o estigma que rotula a PcDV
como “deficiente”, ou, incapaz.
A carência de programas e ações educativas no Brasil que tratem
do tema de mudanças climáticas e o risco de desastres acaba refletindo
nos currículos escolares, indicando que a vulnerabilidade educacional
em torno dessas questões é alta. E, face a não observância de propostas
inclusivas, é provável que a situação das PcDV esteja ainda mais
fragilizada. A ausência de dados e informações sobre PcD em órgãos como
a Defesa Civil e a falta de um plano de ação voltado ao seu atendimento
também indicam vulnerabilidade institucional. A abordagem educativa
relacionada à prevenção de desastres é reconhecidamente fundamental
e a educação ambiental assume um importante papel, desde que
supere perspectivas tecnocráticas e comportamentalistas e promova o
questionamento sobre o assunto. E vale frisar que, nos termos gerais da
proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental,
a educação ambiental envolve o entendimento de uma educação crítica,
assumindo papel transformador e emancipatório na sociedade (BRASIL,
2013). Concepção esta que coaduna ao alerta de Marchezini (2014)
sobre a importância de problematizar a naturalização dos “desastres
naturais”, rompendo com a compreensão de que os fenômenos naturais
são, em si, responsáveis pelos desastres.
Ainda que esses programas educativos sejam criados, é importante
questionar-se primeiramente como serão formulados e implementados.
As pessoas com deficiência são as que melhor compreendem suas próprias
barreiras, de modo que, no caso específico das PcDV, presumimos que
a sua inclusão possa apontar outra forma de “olhar” o mundo, certos

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de que “[...] é preciso dar outros sentidos às linguagens [...]” (SATO;
SATURI, 2007, p. 126). Nesta mesma direção, o lema “Nada sobre
nós sem nós”, surgido com o movimento das PcD na África do Sul,
comunica a ideia de que nenhuma política que diz respeito a elas deve
ser decidida sem a participação plena do grupo, por melhor que sejam as
intenções das pessoas sem deficiência (SASSAKI, 2007). Nessa direção,
percebemos atualmente, sinais de boas iniciativas que partem de alguns
órgãos da defesa civil.
Ações como as que têm sido tomadas pela Defesa Civil do
Estado do Rio de Janeiro, em parceria com o Instituto Nacional
de Educação de Surdos (INES) e a Associação de Comunicação
Educativa Roquette Pinto (Acerp), são exemplos que podem inspirar
a gestão pública de outros estados brasileiros e também motivar as
organizações que atendem PcD para cobrarem propostas inclusivas em
seus territórios. A iniciativa coordenada pela Escola de Defesa Civil
(Esdec) busca promover um espaço de apoio mútuo para promoção,
divulgação e o intercâmbio de conhecimentos e boas práticas para a
redução do risco de desastres (RIO DE JANEIRO, 2018).
Outro exemplo vem da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil
do Estado de São Paulo que, além da construção de um calendário de
oficinas regionais para a redução de riscos, também trabalha na criação
de um protocolo de localização e resgate de pessoas com deficiência em
territórios vulneráveis (SÃO PAULO, 2018).
Mais do que incentivar a cultura de prevenção de risco de
desastres entre PcDV, aproximando escola e órgãos como a Defesa
Civil Municipal, esperamos que as nossas inquietações, motivações e
reflexões apresentadas neste capítulo possam despertar as pessoas, com
ou sem deficiência, assim como instituições e gestores públicos, sobre
a necessária compreensão acerca dos processos que levam às situações
de vulnerabilidade e a consequente exposição das PcD aos riscos de
desastres. São posicionamentos que podem inaugurar um cenário
mais inclusivo para o grupo, seja na gestão e planejamento de risco de
desastres, como no campo acadêmico-científico, preocupado com as
mudanças ambientais globais. Todo um contexto que irá corroborar
ao fortalecimento da escola enquanto espaço-referência à inclusão,
protagonizando importantes experiências sobre prevenção e risco de
desastres no Brasil.

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Vulnerabilidade e Mudanças Climáticas:
Percepções sobre algumas comunidades
tradicionais no Brasil e Espanha1
Vulnerability and Climate Change: Perceptions about some
traditional communities in Brazil and Spain
Vulnerabilidad y cambio climático: percepciones sobre
algunas comunidades tradicionales en Brasil y España

Giseli Dalla-Nora2
Michèle Sato3
Araceli Serantes Pazos4

VULNERABILIDADE E MUDANÇAS CLIMÁTICAS


O processo de construção de uma pesquisa envolve muitas etapas
e muitos erros e acertos, mas sem a intenção de que as interpretações
aqui apresentadas sejam as únicas possibilidades de leitura da realidade.
Portanto, esse processo não está acabado, finalizado ou esgotado. A
pretensão é provocar, debater, fomentar outras perspectivas e outras
leituras de mundo. E por entender que a produção do conhecimento
é um processo contínuo e que demanda outros estudos e pesquisas,
bem como outras produções, também tecnológicas e comunicacionais.
Souza Santos esclarece:
A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não
despreza o conhecimento que a tecnologia produz, mas
entende que, tal como o conhecimento deve traduzir-se

1 Trabalho componente da Tese de Doutorado intitulada “A Água e a cartografia do Imaginário


nos climas de três Territórios geográficos” (UFMT/2018).
2 Professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail:
giseli.nora@gmail.com
3 Professora da Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: michelesato@gmail.com.
4 Profa. Dra. Universidade da Coruña – España. E-mail: boli@udc.es.

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em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico
deve se traduzir em sabedoria de vida. É esta que assi-
nala os marcos da prudência a nossa aventura científi-
ca. A prudência é a insegurança assumida e controlada
(SOUZA SANTOS, 2010, p. 91).

Nesse pontear, as observações evidenciam as injustiças climáticas


nos territórios de pesquisa, que são a comunidade de São Pedro de
Joselândia no Pantanal de Mato Grosso, a comunidade quilombola de
Mata Cavalo, no mesmo estado brasileiro, e as colônias de pescadores da
Galícia na Espanha. Para além de propostas de mitigação e adaptação,
outras pautas de resistência, lutas e utopias merecem destaque à escassa
literatura sobre justiça climática e educação ambiental. Não se deseja
aqui ser contra as políticas de adaptação ou mitigação. Entretanto,
elas não atendem aos grupos em situação de vulnerabilidades. Elas
expressam pouca ou nenhuma preocupação com esses sujeitos.
A noção de vulnerabilidade aqui entendida “está normalmente
associada à exposição aos riscos e designa a maior ou menor suscepti-
bilidade de pessoas, lugares, infraestruturas ou ecossistemas sofrerem
algum tipo particular de agravo” (ACSELRAD, 2006, p. 04).
Quando o assunto é água, a vulnerabilidade dos sujeitos
entrevistados aparece de forma diferenciada na água doce, na água
salgada e na escassez de água e, devido à percepção sobre o lugar, sobre
o território, a compreensão de presente e futuro pode transparecer a
ideia de que o acesso e a disponibilidade são abundantes.
Entender a questão do acesso à água potável de uma comunidade é
fundamental para compreender as fragilidades das atividades cotidianas
de uma determinada população, pois, se faltar água nos poços de São
Pedro de Joselândia, as atividades das roças ficarão comprometidas,
bem como as atividades desenvolvidas na comunidade Quilombola
de Mata Cavalo.
É justamente no quesito água que emergiu a noção mais próxima
sobre o impacto das mudanças climáticas sobre as comunidades
tradicionais, sobre as atividades humanas de um modo geral. A falta
de água na Galícia ainda não é um problema grave, mas as mudanças
na água no mar, sim. Já em Joselândia e Mata Cavalo a falta de água
para as atividades mais básicas de higiene pessoal e consumo é um
problema constante na vida das pessoas.

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A vulnerabilidade é um processo que pode ocasionar a exclusão
social. Estar vulnerável às injustiças climáticas significa que
determinadas comunidades serão esfaceladas pelas consequências das
mudanças climáticas e não terão como manter seus modos tradicionais
de vida.
[...] para eliminar a vulnerabilidade será necessário
que as causas das privações sofridas pelas pessoas
ou grupos sociais sejam ultrapassadas e que haja
mudança nas relações que os mesmos mantêm com
o espaço social mais amplo em que estão inseridos
(ACSELRAD, 2006, p. 06).

Para o Fórum de Mudanças climáticas e Justiça Social (2016),


os grupos com maior estado de vulnerabilidade no Brasil são: “os
quilombolas, os indígenas, os pantaneiros, os ribeirinhos”. E para o
Fórum, essas comunidades são vulneráveis às mudanças climáticas,
pois, seus modos de vida ligados à produção de subsistência dependem
do regime das chuvas para seus plantios e “não possuem condições
tecnológicas para enfrentar uma mudança climática tão dura e
vertiginosa, impactante na sociedade” como a que se anuncia.
Os efeitos podem ser sentidos e aparecem na fala dos sujeitos,
porque quando observamos os impactos previstos e os impactos
sentidos, confirmamos os efeitos nas vidas dessas pessoas.
Assim, esta pesquisa identificou que existem três aspectos
predominantes de vulnerabilidade nos grupos investigados,
formulados por meio desta pesquisa, que apresentamos neste texto,
entretanto é possível que existam outras.
O primeiro aspecto refere-se à vulnerabilidade científica e
pedagógica pela falta de conhecimento sobre os impactos das
mudanças climáticas em suas comunidades e os efeitos que advêm
destas. O segundo aspecto de vulnerabilidade pelas condições físicas
e ambientais, pois, retrata a vulnerabilidade pela escassez ou acesso à
água, aumento de temperaturas e mudanças no regime das chuvas.
E, por último, a vulnerabilidade pelas políticas públicas, porque as
mesmas geram exclusão e inacessibilidade.

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VULNERABILIDADE CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
O primeiro aspecto de vulnerabilidade que se identificou nos grupos
investigados foi a ausência de conhecimento dos entrevistados sobre as
mudanças climáticas e seus impactos. Muitos dos efeitos para alguns são
bons, uma vez que melhoraram as relações com o ambiente. Entretanto,
os efeitos desse aumento de temperatura não são conhecidos por todos.
Um dos entrevistados – aqui nomeados com espécies de fauna e flora
de seus respectivos locais de vivência – (Sereia) mostrou esse contraste:

Agora está melhor que antes. Porque agora


estamos em uma área aberta, tomando um
café, no Norte, imagina-te. Aqui era muito
mais frio. Com este tempo já havia, uff, ondas
Sereia de 4 a 5 metros. Tudo inverno. E agora olha
[Galícia] como está, tranquilo. E assim é durante o ano.
No máximo fica uma semana com as ondas de
4 a 5 metros ou quando vem mais o frio. Antes
perdíamos muitos mais dia de mar (pesca em
alto mar), agora não.
Outra característica é a percepção de que a natureza sempre irá
suprir as necessidades humanas, no caso, relacionadas à falta de peixe.

Agora, nesse momento, nessas espécies


migratórias que passam pelas nossas zonas não,
o que eu quero dizer é no mês, às vezes vem
Tubarão um pouco mais tarde ou adianta um pouco, é
[Galícia] mais cedo. E isso eu deduzo ser por causa da
mudança da temperatura da água e da mudança
climática. O que acontece é a mudança dos
peixes de lugar, não que falte peixe.
O conhecimento ingênuo (FREIRE, 1996) identificado nas falas
anteriores faz pensar em como a educação ambiental pode construir
pontes para o conhecimento crítico, como o princípio 15 do Tratado de
Educação Ambiental estabelece: “A Educação Ambiental deve integrar

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conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada
oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis”.
Nos estudos de “la Respuesta de la sociedad Española ante el
Cambio Climático” organizado por Cartea et al. (2013), a população
Espanhola encontra-se dividida em quatro grupos relacionados ao
entendimento das mudanças climáticas. A Espanha “desconectada”
que soma aproximadamente 11% da população entrevistada, que não
possuem qualquer conhecimento sobre o fenômeno ou estão totalmente
fora das discussões em torno dele. A Espanha “cautelosa” que representa
aproximadamente 23% que já ouviram falar em mudanças climáticas
e possuem noção do que seja o fenômeno e quais suas causas e
consequências. Já a Espanha “preocupada” simboliza aproximadamente
35% dos entrevistados que apontam que estão dando menos importância
do que deviam para as mudanças climáticas. A Espanha “Alarmada”
representa aproximadamente 30% dos entrevistados e já apontam que
as mudanças climáticas estão ocorrendo e a sua origem são as ações
humanas.
Todavia, com a crise econômica que atingiu a Europa em meados de
2010, muitos recursos destinados a essas campanhas de conhecimento e
intervenção foram reduzidos, perdendo força as ações (HERNANDEZ
et al., 2016).
Se a situação não é das melhores na Europa, no Brasil tão pouco a
situação é diferente. Entre os sujeitos de pesquisa das águas doces e da
escassez de água, quando inquiridos sobre os termos relacionados às
mudanças climáticas, quase todos responderam que já ouviram falar,
mas não sabiam responder do que se trata e outros nunca ouviram falar.

Cambará Eu nunca ouvi falar em mudanças


[Joselândia] climáticas. Nunca ouvi falar.

Nesse contexto, pensar em uma perspectiva de que informações


possam chegar até as pessoas e informá-las sobre o que está acontecendo
é de suma importância para a diminuição da vulnerabilidade frente aos
efeitos das mudanças climáticas.

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VULNERABILIDADES PELAS CONDIÇÕES FÍSICAS E AMBIENTAIS
A questão da vulnerabilidade com relação à água decorre do seu
acesso e escassez, situação identificada pela pesquisa. Segundo a
Avaliação Ecossistêmica do Milênio, “aproximadamente 1,1 bilhão de
pessoas ainda não têm acesso ao abastecimento de água adequado e
mais de 2,6 bilhões não têm acesso a boas condições de saneamento”
(SARUKHÁN, J.; WHYTE, A., 2013, p. 20). Nas águas doces do
Pantanal, há dificuldade de acesso à água, conforme apresentado
anteriormente, bem como é realidade a falta de água em Mata Cavalo.

Agora está secando já tudo. Não está segurando


mais água. Muita água dura só 3 meses e vai
embora. É uma água que passa de carreira
assim. Eu não sei porquê, se são as cabeceiras
Aroeira
que estão com pouca água, e também fizeram
[Joselândia]
muito desmatamento, muita estrada assim
com máquina, a água “vup”, antigamente a
água incomodava mais. Agora mete máquina
dentro tudo, a água não segura. Está cada vez
ficando pior.
Diminuiu muito. Do córrego também. Não
tem mais aquela água abundante que tinha né.
Ipê Roxo
Na época da seca, fica bem pouquinha água. Já
[Mata Cavalo]
secou aqui. Ficam aquelas pocinhas, não fica
mais correndo como antigamente.
Ao possuir acesso à água, muitas comunidades mudam sua relação
de produção e passam a produzir seus alimentos o ano todo. Todavia
essa realidade não se faz presente em Joselândia e Mata Cavalo. E mesmo
que existisse o acesso à água, por meio de irrigação, o uso coletivo
ficaria comprometido, afinal não são somente os seres humanos que
necessitam de água, os demais seres vivos também.
Além das questões de acesso, uma das características ligadas à
água é o seu armazenamento. Alguns artefatos são comuns em suas
casas: os filtros e as moringas de barro (Figura 1), responsáveis pelo
armazenamento da água de beber e cozinhar. Entretanto, algumas das

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caixas de água das comunidades ainda são feitas de amianto, cujo poder
cancerígeno foi apontado por alguns estudos (Figura 2).

Figura 1 – Filtro e cacimba de água em Figura 2 – Reservas de água em


Mata Cavalo Joselândia

Fonte: Dalla-Nora (2015). Fonte: Dalla-Nora (2015).

Os números relacionados à água são alarmantes. “A escassez de


água afeta de 1 a 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Desde 1960,
o aumento do uso de água versus o acesso à água aumentou 20%
por década” (SARUKHÁN; WHYTE, 2013, p. 20) e a tendência é
aumentar ainda mais a desigualdade e o acesso, haja vista as condições
de retrocesso que o país vive, como a retirada de direitos adquiridos,
bem como a diminuição de recursos investidos para combater a pobreza.
Uma conclusão surpreendente desta avaliação é que as pessoas
que não possuem estes padrões mínimos de bem-estar são geralmente
aquelas mais vulneráveis à deterioração dos sistemas naturais. Combater
a ameaça ao capital natural do planeta, por conseguinte, deve ser
encarada como uma parte da luta contra a pobreza. Em outras palavras,
políticas de desenvolvimento para a redução da pobreza que ignoram os
impactos de nosso comportamento atual sobre o meio ambiente estão
fadadas ao fracasso (SARUKHÁN; WHYTE, 2013).
A pesquisa aponta ainda que o combate à pobreza extrapola
não só as discussões sobre acesso a bens de consumo. O combate à
vulnerabilidade está ligado ao acesso à educação, pois, por meio dela, as
pessoas terão seus direitos de escolha preservados e fortalecidos para a
atuação nas questões coletivas.

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VULNERABILIDADE PELA AUSÊNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Ao discutir as vulnerabilidades oriundas da falta de conhecimento
sobre os impactos das mudanças climáticas e a própria vulnerabilidade
ligada ao acesso, distribuição e armazenamento da água, outro item se
faz presente neste debate: as políticas públicas.
Nos locais de pesquisa, a vulnerabilidade pela ausência de políticas
públicas ou por políticas públicas que beneficiam uma parcela seleta da
sociedade chama a atenção.
O papel do Estado é redistribuitivo, dessa forma toda e qualquer
política pública proposta deve consolidar a equalização da sociedade
considerando os aspectos sociais, ambientais, políticos, históricos,
econômicos e culturais. Indubitavelmente o panorama brasileiro é
de intensa dualidade nos conflitos das diferenças sociais, o que pede
atuações emergenciais na busca da superação do caos social vivido pela
população e, aqui em especial, pelo povo mato-grossense (PEDROTTI;
SATO, 2008, p. 16).
Assim, nas águas salgadas foi identificada a vulnerabilidade
pela ausência de políticas públicas ou por políticas públicas para o
favorecimento da pesca industrial na Espanha. Também que a pesca
artesanal já está sendo substituída pela pesca industrial e que toda uma
rede de relações econômicas e sociais ligadas à pesca artesanal tende a
desaparecer se vigorar o modelo proposto pela União Europeia.

Em cada país se repartem as suas regiões e aí


rebaixaram as cotas de pesca da Galícia porque
estão repartidas mal. Então muitas famílias
estão paradas, podem ficar sem trabalho,
são 1.200 pessoas diretamente atingidas e
Tubarão indiretamente 15 ou 20 mil. Porque não é
[Galícia] só nosso trabalho, mas tem gente que vive
disso, a partir do nosso peixe. Rendeiras,
fábrica de gelo, fábrica de congelados, um
montão de gente, caminhoneiros, mecânicos,
um montão de coisas que se não tivermos
trabalho também ficam sem.

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Assim, compreende-se que as políticas públicas não dialogam com
as comunidades e os conhecimentos tradicionais e muitas decisões sobre
a vida das pessoas são tomadas de forma arbitrária e cheia de intenções
obscuras que, em geral, beneficiam grupos econômicos.

Éramos uma potência mundial, ainda somos


uma potência mundial, mas a entrada da união
Sereia europeia limitou as atividades e o campo de
[Galícia] ação, antes tínhamos mais campo de ação. A
Galícia tinha que ter mais representação, mais
peso e hoje acaba não tendo.
Na água doce e na escassez de água, a maior parte dos entrevistados
revelou que nunca foi convidada para discutir questões ligadas a
eles, como políticas de regularização fundiária, políticas de pesca no
Pantanal, para a pequena produção camponesa, para as leis ambientais,
entre outros temas ligados aos seus cotidianos. Uma das perspectivas
que entendemos, por meio do Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis: “É fundamental que as comunidades planejem
e implementem suas próprias alternativas às políticas vigentes”,
fortalecendo sua coletividade e sua identidade.

PARA NÃO FINALIZAR


Compreender a vulnerabilidade das comunidades de São Pedro de
Joselândia, de Mata Cavalo e Galícia ajudou a vislumbrar de que forma
podemos estimular a educação ambiental a intervir e a colaborar, para
dar visibilidade e audiência às vulnerabilidades frente aos processos
formadores das mudanças climáticas, bem como intervir na elaboração
de políticas públicas que diminuam esta situação.
Dentre os impactos previstos e sentidos, foi identificado que os
entrevistados possuem pouco ou nenhum conhecimento sobre o que
são as mudanças climáticas e os impactos das mesmas sobre suas vidas
cotidianas. Além do contexto de pouco conhecimento, a participação
política dessas comunidades tem sido negligenciada pelo poder público,
o que acarreta a inacessibilidade de políticas públicas por parte desses
grupos. Entretanto, a situação mais grave é a própria questão do acesso
à água para a sobrevivência destes grupos.

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REFERÊNCIAS
ACSELRAD, H. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. In:
Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais,
Econômicas e Territoriais, 2., Rio de Janeiro, 2006. Comunicação [...]. Rio
de Janeiro, 2006.
CARTEA, P. Á. M.; BLANCO, M. A.; HERNÁNDEZ, F. H.; DA CUNHA,
L. I.; CASTIÑEIRAS, J. J. L. La respuesta de la sociedad española ante el
cambio climático. Fundación Mapfre; Aldine Editorial, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Paz e Terra. 1996.
HERNÁNDEZ, F. H.; CARTEA, P. Á. M.; DEL ÁLAMO, J. B. Un silencio
ensordecedor. El declive del cambio climático como tema comunicativo en
España 2008-2012. Redes.com: revista de estudios para el desarrollo social
de la Comunicación, 2016.
PEDROTTI, D.; SATO, M. Políticas públicas em educação ambiental:
velho vinho engarrafado por novos enólogos. Educação: tendências e
desafios de um Campo em Movimento. Brasília: UnB; ANPEd Centro-
Oeste, 2008.
SARUKHÁN, J.; WHYTE, A. (Eds.) Ecossistemas e o Bem-estar
Humano: Estrutura para uma avaliação. Washington: World Resources
Institute, 2013.
SOUSA SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez
Editora. 2010.

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Aprendizagens em tempos emergentes:
a crise climática, a água e a justiça climática na
vivência pedagógica de educação ambiental das
escolas públicas em Planaltina, Distrito Federal1
Irineu Tamaio2
Michèle Sato3

Os adultos sempre dizem: nós devemos dar


esperança aos jovens
Mas eu não quero a sua esperança.
Eu não quero que você tenha esperança.
Eu quero que você entre em pânico.
Quero que você sinta o medo que sinto
todos os dias.
E então eu quero que você aja.
Quero que você aja como se estivesse em
uma crise.
Quero que você aja como se a casa estivesse
pegando fogo.
Porque está!

(Greta Thunberg, Davos, 25/01/2019)

1 Este estudo resulta de um trabalho de investigação de pós-doutoramento realizado no


Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) com apoio do
Programa Nacional de Pós Doutorado (PNPD) da CAPES e da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).
2 Prof. Dr. do PPG em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua) e Gestão
Ambiental – Universidade de Brasília – UnB – e-mail: irineu.tamaio@gmail.com
3 Profa. Dra. do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso -UFMT – e-mail: michelesato@gmail.com

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“Eu não vou me salvar sozinho de nada! Eu não tenho
fuga. Nós estamos todos enrascados. E eu acho que
seria irresponsável ficar dizendo para as pessoas que
se nós economizarmos água, ou se só comermos
orgânicos e andarmos de bicicleta, nós vamos
diminuir a velocidade com que nós estamos comendo
o mundo.” (Ailton Krenak, 2020b, p. 31)

INTRODUÇÃO
Encontramo-nos, como sociedade, em uma encruzilha civilizacional
sinalizada por inúmeras crises simultâneas (climática, sanitária,
migratória, política, ambiental, social etc.), as quais se interagem entre
si, cuja causa principal é a decadência do modelo capitalista e de suas
estruturas sociais correspondentes. Esse modelo, por conta de sua
lógica intrínseca, exerce o dogma do progresso infinito, em um mundo
natural finito (ARTAXO, 2020; SATO et al., 2020; GAUDIANO e
MEIRA, 2020; LAYRARGUES, 2020a; MARQUES, 2020; TAMAIO,
GOMES e WILLMS, 2020). Nesse universo complexo de crises e
sintomas permanentes de incertezas, a emergência climática representa
o maior desafio socioambiental posto para os tempos atuais.
Os pesquisadores observam e alertam que, com o esgotamento dos
elementos biofísicos da natureza, a civilização, pelo menos da forma
como a conhecemos, pode entrar em colapso, porque o impulso
destrutivo está em movimento crescente, os limites estão sendo
rompidos (REID, 2019; RANDERS e GOLUKE, 2020; ZACARIAS,
2020; GODIN, 2020; SATO et al, 2020).
Essa compreensão da dramática ameaça do colapso socioambiental
também está presente em Luiz e Sato (2020, p. 384) ao alertarem que
“[...] a lógica vigente subverte a natureza em benefício próprio e esboça
um cenário insustentável ao funcionamento da vida no planeta”. Nessa
encruzilhada civilizatória, despontam-se vários dilemas, enquanto se
vislumbra um futuro com pouca luz e muitas sombras, a sociedade adere
ao mito do progresso, do crescimento insustentável, de experiências
fracassadas do passado e do vazio das formas políticas de representações
(BAUMAN, 2001; GUIMARÃES, GRANIER e KLEIN, 2020).
Preocupados com essa complexidade, em 1988, o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), em parceria com a

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Organização Meteorológica Mundial (OMM), criou o IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, mais conhecido pela
sigla IPCC, do termo em inglês). O objetivo dessa instituição é formar
grupos de trabalhos com cientistas, que atuem com a temática do
clima, e, de forma coletiva, elaborem compilações, sistematizações e
divulgação dos estudos científicos sobre a situação climática global. Essa
instituição, em seu último relatório especial (IPCC, 2018), alertou que,
se a temperatura média subir mais de 1,5° acima da média registrada
no período pré-industrial, pode-se instalar um processo irreversível de
mudança drástica do clima, com riscos de catástrofe sem precedentes na
história da humanidade (IPCC, 2018). Essas anunciações revelam que
a característica predatória do modelo de desenvolvimento hegemônico
acelera o potencial de ameaça da vida.
Nesse contexto desafiador, para lidar com essa realidade emergente,
o jornal britânico The Guardian, preocupado em apresentar conceitos
que anunciam com mais precisão a crise ambiental, passou a usar os
termos “emergência, crise ou colapso climático”, em contraposição à
“mudança climática”, por entender que o conceito “mudança climática”
soa como algo natural, passivo e gentil, quando o que a Ciência do
Clima está apontando é uma catástrofe para todas as forma de vida
no Planeta, proporcionada por ações humanas (CARRIGTON, 2019).
Essa mesma visão do fenômeno climático é incorporada a este artigo.
Esse cenário preocupante, disponibilizado pelos estudos científicos,
repercute no plano regional e local. O Distrito Federal (DF) não está
imune aos eventos extremos, grande parte deles podem ser relacionados
aos impactos da crise climática, como mostra um relatório científico
do Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Secretaria de
Meio Ambiente, elaborado em parceria com um grupo de técnicos,
gestores e cientistas de Universidades e demais instituições de pesquisa,
denominado “Mudanças Climáticas no DF e RIDE: Detecção e
projeções das Mudanças Climáticas para o Distrito Federal e Região
Integrada de Desenvolvimento do DF e entorno” (GDF, 2016). Esse
relatório alerta que eventos extremos resultantes da crise climática,
como a escassez hídrica, estarão cada vez mais presentes no cotidiano
da população do DF. Ainda, de acordo com as projeções desse mesmo
estudo, verificamos que a região de Planaltina, no DF, possui uma
probabilidade grande de sofrer os impactos de tais eventos extremos,

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sobretudo a baixa umidade relativa do ar, as queimadas, os períodos
longos de estiagem com períodos curtos de chuva e a queda na
capacidade de disponibilidade hídrica (GDF, 2016).
No ano de 2020, o DF teve recorde de área queimada do Cerrado.
Segundo Galvão (2020), o fogo destruiu 27 mil hectares de Cerrado, a
maior área devastada pelo fogo nos últimos oito anos. O DF também
registrou, em 2020, os dias mais quentes da sua história de 60 anos,
com um período de estiagem que se prolongou por 125 dias (GALVÃO,
2020). Esses extremos evidenciam que os alertas apresentados pelo
relatório científico (GDF, 2016) revelam que o DF, no período de
janeiro de 2017 a junho de 2018, enfrentou uma grave crise de escassez
hídrica que provocou o racionamento no abastecimento de água e
atingiu, principalmente, as populações em situação de vulnerabilidade
socioambiental, os moradores pobres economicamente, que vivem nas
periferias, como os que habitam a região de Planaltina.
O fato é que, segundo esse relatório (GDF, 2016, p. 2), já são visíveis
os impactos associados ao clima no DF, ao afirmar que
[...] o clima está, ao mesmo tempo, mudando e
intensificando seus eventos. Estamos sofrendo com
mais ondas de calor e extremos de chuva. Os verões
têm sido mais quentes e os invernos mais secos. Mas
não podemos mais estar à mercê destes riscos, e sofrer
com os impactos futuros das mudanças climáticas com
seus eventos extremos em face do despreparo [...] para
enfrentar essa nova realidade que se impõe a todos nós,
sobretudo aos mais pobres (GDF, 2016, p. 2).

Esses graves problemas socioambientais ocorridos no DF estão


relacionados com a crise climática (IPCC, 2007, GDF, 2016). Em
resposta aos problemas, o enfrentamento dessa crise exige o despertar
do senso de urgência a fim de estimular o engajamento e a participação
da sociedade, por meio de ações coletivas na esfera pública, e questionar
o modelo de desenvolvimento centrado nas emissões de gases de efeito
estufa (MARQUES, 2020). Frente a esse complexo desafio, é importante
compreendermos como, e de que forma, os educadores que atuam com
temática ambiental, com os conteúdos e suas práticas pedagógicas,
estão contribuindo para o aprendizado e o debate do colapso climático
no cotidiano das escolas públicas.

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Foi com esta compreensão que esta pesquisa com os educadores das
escolas públicas do entorno da Estação Ecológica de Águas Emendadas
(ESECAE), em Planaltina - DF, propôs-se, a partir da investigação
dessa temática, a buscar respostas para as seguintes indagações: (i) qual
a compreensão dos educadores sobre os temas crise climática, água
e justiça climática, e sua relação com a realidade socioambiental de
Planaltina? (ii) quais são as vivências e práticas pedagógicas adotadas
com os temas crise climática, água e justiça climática, e esses temas
se estão associados e/ou dialogam com a realidade socioambiental
da região da ESECAE? iii) Os educadores, que desenvolvem práticas
socioeducativas denominadas de EA, estão sensibilizados para a
gravidade do colapso climático?
Essas perguntas orientadoras também são partes de um projeto de
pesquisa e formação de educadores com o tema “Educação Ambiental
e Crise Climática”, conhecido como “Clima e Águas nas Escolas”,
da Universidade de Brasília (UnB) e que existe há três anos na região
de entorno da ESECAE, em Planaltina, no DF. Neste artigo, cuja
elaboração ocorreu durante a pesquisa de pós-doutorado do primeiro
autor, sob a supervisão da segunda autora, apresentaremos um recorte
analítico de parte desse processo de formação e de pesquisa ocorrido em
2019 nas escolas.
Aqui, para este estudo, analisaremos a relação que envolve a crise
climática, a justiça climática e a água a partir das práticas pedagógicas
de 63 educadores do ensino fundamental de sete escolas públicas em
uma região periférica do DF. Essa investigação se insere no componente
de formação em educação ambiental (EA) da “Rede Internacional de
Pesquisadores em Justiça Climática e Educação Ambiental (REAJA)”,
coordenada pelo Grupo Pesquisador em Educação Ambiental,
Comunicação e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso.
Cinco países fortalecem a REAJA: Brasil, Cuba, Espanha, Portugal
e México. Conta também com a presença de 16 Universidades, 4
organizações não governamentais e 4 entidades governamentais,
totalizando 24 entidades (SATO, 2016).
Este artigo está estruturado em quatro seções, além desta
introdução; na primeira seção, abordaremos a construção e o debate
conceitual da emergência climática, da justiça climática; na segunda,
apresentaremos os procedimentos metodológicos, a área de estudo e o

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perfil dos participantes; na terceira seção, faremos a interpretação dos
resultados relacionados ao conhecimento e às práticas dos educadores;
e, por último, na quarta seção, teceremos as considerações essenciais
e as recomendações de continuidade de pesquisa e de formação de
educadores sobre a relação entre a crise climática, água e justiça
climática.

A CRISE CLIMÁTICA SINALIZANDO O COLAPSO


O cenário é grave, com todas as manifestações de uma desmobilização
ampla da sociedade e as fragilidades dos Estados, com os indicadores
climáticos demonstrando que estamos nos aproximando perigosamente
do desastre. A natureza mostra sinais de que o atual modelo econômico,
de produção e consumo excessivos é perigoso e caminha para o colapso
(TAMAIO, 2013; SATO, 2020; MARQUES, 2020)
Cada vez mais assistimos a incontáveis chamados e advertências da
comunidade científica para evitarmos o colapso do sistema climático e,
consequentemente, da vida no Planeta (UNEP, 2020; IPCC, 2018). São
quase como ultimatos, pouco aceitos ou reconhecidos pelos tomadores
de decisão do sistema político, evidenciando que a crise do clima se
constitui uma representação em disputa na sociedade.
As consequências da emergência climática parecem evidentes. Para
Marques (2020), o colapso climático é um processo, já está ocorrendo, não
é algo para o futuro, não é um movimento linear. Segundo o autor (2020),
possui uma dinâmica própria marcada por momentos de acelerações e
desacelerações, cuja “[...] característica basilar do processo de colapso
dos sistemas interdependentes em que vivemos (sociedades, biosfera e
sistema climático) é o fato de não evoluir a uma velocidade constante”
(MARQUES, 2020, p. 3). Os estudos sobre o clima são caminhos de
incertezas. Não sabemos ao certo quão dramático serão os efeitos, e o que
pode acontecer com os seres vivos. Entre as ciências, talvez aquela mais
incerta seja a meteorologia. De uma certeza temos: será desastroso!
Esse ritmo não linear, inconstante, mas contínuo, de certa forma
está presente também nas compreensões de Randers e Goluke (2020)
ao revelarem que a crise climática já ultrapassou o “ponto sem retorno”.
De acordo com o estudo publicado na Revista Nature, Randers e
Goluke (2020) traçam cenários e simulações a partir de uma situação

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hipotética em que, se as emissões de gases mais relevantes de efeito
estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e o óxido nitroso
(NH4) - fossem paralisadas no ano de 2020, ainda necessitaria de um
tempo até o clima da Terra se reequilibrar. Os resultados demonstram
que o mundo continuaria a se aquecer por centenas de anos – como
se já tivéssemos ultrapassado o “ponto sem retorno” (RANDERS e
GOLUKE, 2020, p.1).
Esse processo de perturbação do sistema de suporte de vida na Terra
também é anunciado por meio de estudo científico recente, coordenado
por Bradshaw et al. (2021), os quais advertem que as condições
socioambientais no futuro serão mais graves do que o que vislumbra
ser. Na visão dos autores (BRADSHAW et al., 2021), a humanidade
caminha para a sexta extinção, e revelam que a amplitude das ameaças
à biosfera e a todas as suas formas de vida - incluindo a humana - é de
fato muito grande.
MARQUES (2020, p. 12), ao descrever as evidências que
fundamentam o colapso climático, mostra, a partir de dados da
Chiangmay University, que o aquecimento adota um ritmo consistente,
“entre 2015 e 2019, a temperatura média anual do planeta elevou-se
0,2°C, portanto, com o aquecimento de 0,43°C verificado no decênio
2008–2017, em relação ao período pré-industrial”. Para Marques (2020,
p.12), esse processo representa uma aceleração elevada e muito rápida,
e observa que “o ritmo do aquecimento médio global se multiplica por
2,5 no período 2008–2017, comparado com 1970–2014”.
De acordo com dados recentes divulgados pelo Copernicus Climate
Change Service (2021), o ano de 2020, globalmente, igualou-se ao
ano de 2016, sendo os dois mais quentes já registrados. O mesmo
comunicado revela que, para a Europa, o ano de 2020 foi o mais
quente já registrado, consolidando os últimos seis anos mais calorosos,
enquanto as concentrações de gases de efeito estufa (GEE) continuam
a aumentar.
Sendo assim, com esses dados da realidade e resultados científicos,
esta pesquisa concebe que a crise climática tem como principal causa
o modelo de desenvolvimento da sociedade capitalista centrada no
consumo energético dos combustíveis fósseis, que é a principal fonte de
emissões de GEE, portanto, ela tem uma razão antropogênica (IPCC,
2007; GIDDENS, 2010; UNFCCC, 2015; IPCC, 2018; ARTAXO,

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2020). Essa intensa ação humana centrada nas fortes economias
capitalistas gera desequilíbrios e tem um custo socioambiental.
Esse modelo com a sua enorme escala de intervenção social na
natureza, embora não homogênea, aumentou exponencialmente
desde 1850, com o avanço da tecnologia, tanto na agricultura, quanto
nas indústrias, provocando um crescimento econômico vertiginoso
e gerando impactos socioambientais capazes de alterar e ameaçar o
sistema da vida no Planeta, como a emissão progressiva de GEE, por
exemplo.
Esse período histórico, marcado pelo processo intenso e implacável
de exploração da natureza, Paul Crutzen (2006, p. 16) denominou de
“Antropoceno (Era do Humano)”, ou seja, uma nova era ecológica e
geológica com as pegadas humanas bem demarcadas pela degradação
socioambiental. Sato et al. (2020) menciona que esse processo, que
alterou fisicamente o Planeta, com concreto, aço e excesso de GEE,
não pode ser atribuído como responsabilidade de todos os humanos,
de uma forma genérica, mas do sistema capitalista, que, por essência,
privilegia alguns grupos sociais humanos em detrimento de outros.
O pensador e líder indígena Ailton Krenak (2020) caracteriza o
Antropoceno como

[...] 0 rastro que os humanos são capazes de imprimir


na Terra. É uma marca muito pesada, um rastro
muito pesado, que não somos capazes de apagar,
enquanto não mudarmos radicalmente toda a corrida
que fizemos até agora e que nos pôs neste pódio de
comedores de planeta (KRENAK, 2020, p. 9/10).

Portanto, desses pressupostos teóricos são referenciados em pesquisas


científicas e observações atentas, e assim compreendemos que os limites
da biosfera em que vivemos estão se esgotando, sinalizando o risco
emergente. As barreiras seguras do equilíbrio ecológico global estão se
rompendo (a indisponibilidade de água doce, a perda de biodiversidade
e de solo, a acidez dos oceanos, as pandemias zoonóticas, a extinção
de espécies, o aumento contínuo das emissões de GEE, o excesso de
resíduos sólidos, a expansão das áreas de deserto, as alterações nos ciclos
biogeoquímicos, o incremento de ciclones e furacões, as migrações
climáticas, o derretimento das geleiras, a extinção das populações

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tradicionais, as constantes queimadas de florestas, o processo acelerado
de extinção da diversidade biológica e cultural da vida, entre outros).
Uma pesquisa apresentada em dezembro de 2020 pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP, na sigla em inglês),
reconhece a existência do Antropoceno e faz um alerta – sem deixar
muito claro como isso será realizado – sobre a necessidade de repensar
o modelo de desenvolvimento hegemônico. Esse poder destrutivo
marcante da era do Antropoceno (CRUTZEN, 2006; KRENAK,
2020; UNDP, 2020) é fonte de preocupação da comunidade científica.
Desde 1990, o IPCC já emitiu cinco grandes relatórios de especialistas
na Ciência do Clima. O relatório especial de 2018 é o documento
científico mais recente sobre a crise climática. Esse relatório (IPCC,
2018) reitera, mais uma vez, a seriedade do fenômeno e o senso de
urgência, ao advertir claramente que os efeitos sobre o clima serão
catastróficos se ultrapassarmos o limite de temperatura média global de
1,5ºC conforme determinado pelo acordo de Paris (UNFCCC, 2015),
e lembra que falta pouco mais de uma década para evitar a possiblidade
de alcançarmos um ponto de não retorno.
O líder religioso Papa Francisco (2019), em um discurso se referindo
ao acordo de Paris, que fundamentou o relatório do IPCC (2018),
lembra-nos de que estamos diante de uma emergência climática, e,
por isso, é necessário pensar e adotar a curto e a longo prazo medidas
adequadas “[...] para evitar cometer uma grave injustiça com os pobres
e as gerações futuras” (PAPA FRANCISCO, 2019, p.1).
Sendo assim, frente a essa complexa adversidade, o Acordo de
Paris (UNFCCC, 2015) adverte que temos até 2030 para reduzir pela
metade a emissão de GEE, portanto, o tempo está diminuindo. O
acordo de Paris (UNFCCC, 2015) estabelece, de forma clara, que a
temperatura média global não pode ultrapassar 1,5º C acima dos níveis
pré-industriais, e que as emissões dos GEE devem ser reduzidas em
50% nos próximos 1o anos. Na compreensão do Papa Francisco (2019,
p. 1) “os efeitos sobre o clima serão catastróficos se ultrapassarmos o
limite de 1,5ºC estabelecido no Acordo de Paris”. Portanto, o risco do
colapso da vida avança rapidamente, exigindo dos seres humanos ações
emergenciais de enfretamento.
E como fazer essa mudança dentro de um sistema hegemônico
alicerçado na visão do progresso infinito e no combustível fóssil como

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matriz energética principal? Para viabilizarmos eventuais respostas a
essa questão, é fundamental repensar e mudar radicalmente o sistema
capitalista dominante, com seu modelo de desenvolvimento centrado
no consumo de combustíveis fósseis (LOWY, 2020; LAYRARGUES,
2020a; COSTA, 2020a).
Parece que essa desejada mudança - para alguns - não dá sinais de se
despontar no horizonte, ao contrário, a voracidade do sistema continua
mostrando todo o seu vigor energético, como expressa a Organização
Meteorológica Mundial (OMM, 2020), órgão vinculado à Organização
das Nações Unidas, por meio de um relatório anual sobre a evolução dos
três principais GEE, publicado em novembro de 2020. De acordo com
esse relatório (OMM, 2020), o crescimento vertiginoso das emissões
de CO2 baterá recordes também em 2020, com um crescimento
ligeiramente menor, mesmo com a paralisação da economia por conta
da pandemia da Covid-19. As emissões vêm subindo desde a época
pré-industrial no século XVIII, mas é a partir de 1950 que adota um
ritmo acelerado. Esse ritmo continua avançando de forma rápida, os
dados citados pela OMM (2020) mostram que a concentração de CO2
na atmosfera bateram recorde em 2019, cuja média anual foi de 410,5
partes por milhão (ppm), o que representa 48% a mais do que os níveis
pré-industriais, quando essa concentração de CO2 estava em torno de
278 ppm.
E as emissões não param, se considerarmos que esse mesmo relatório
da OMM (2020) mostra que, desde 1990, o efeito do aquecimento
sobre o clima, por causa dos GEE foi da ordem de 45%, só o CO2 foi
responsável por 80% desse aumento. Esses indicadores deixam evidente
que o processo de emissões de CO2 continua evoluindo e confirma que
as grandes corporações da indústria petrolífera, e o modelo capitalista de
produção insustentável e consumo exacerbado são os principais agentes
do sistema de emissões de CO2. Esse gás é o mais relevante dos GEE, e
representa aproximadamente 78% do total das emissões (IPCC, 2007).
E o mais grave é que as grandes corporações de combustíveis fósseis
(petróleo, carvão e gás natural) não possuem nenhum cronograma de
ação para a redução de emissões de GEE.
Nesse contexto, partimos da premissa de que a emissão dos GEE é
um processo cumulativo e desigual entre a população global e, mesmo
entre os grupos sociais dentro dos países, contudo, na soma da emissão

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geral, os países desenvolvidos emitem mais GEE. Essa disparidade global
do volume de emissões pode ser observada a partir de uma pesquisa
realizada pela organização não-governamental britânica Oxfam (2020)
em parceria com o Stockholm Environment Institute (SEI), e publicada
em formato de relatório. Esse documento (2020) mostra que o volume
de emissões de CO2, o principal gás de efeito estufa, é desproporcional,
injusto e desigual, ao citar que os 3,1 bilhões de pessoas que equivalem
a 50% da população mais pobre do mundo produzem somente 7% das
emissões de CO2. Já 63 milhões de pessoas que representam 1% dos
mais ricos do mundo são responsáveis por mais do que o dobro daquela
quantia, ou seja, 15% do total.
Ainda de acordo com esse mesmo relatório da Oxfam (2020, p.2),
entre os anos 1990 e 2015, aproximadamente 315 milhões de pessoas,
ou seja, os 5% mais ricos foram responsáveis pela emissão de CO2
correspondente a um terço das emissões globais (37%). E 630 milhões
de habitantes, que representam os 10% mais ricos, emitiram CO2 que
equivalem a 46% do crescimento total das emissões. O relatório da
Oxfam (2020) também aponta que a população 50% mais pobre não
teve aumento nas emissões, já 1% dos mais ricos teve um aumento
da ordem de três vezes maior nas emissões quando comparado com as
emissões feitas pela metade mais pobre da população.
Esses dados revelam a brutal desigualdade existente nas emissões, os
grupos sociais mais ricos são os grandes emissores de CO2, no entanto, os
grupos sociais mais pobres economicamente, que emitem bem menos,
são os mais prejudicados pelas consequências da crise climática como:
as secas prolongadas, o aumento concentrado de chuvas e enchentes,
as migrações, o aumento da fome, a precariedade das habitações, a
indisponibilidade de água doce, entre outros. É preciso enfatizar que
a revolução industrial que foi gerada pelo Capitaloceno e pariu outros
monstros, invadiu florestas e teve contato com seres que estavam
milenarmente em equilíbrio. A destruição destas matas liberou inúmeros
patógenos, dentre os quais o coronavírus que hoje assola a humanidade
arrastando consigo a maioria em situação de vulnerabilidade.
Quando nos referimos à emissão de GEE, o Brasil não destoa do
movimento global, que também vem aumentando. No ano de 2019, o
aumento das emissões brutas de GEE no Brasil foi da ordem de 9,6%
em relação a 2018, conforme mostra o relatório “Análise das Emissões

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de GEE e suas implicações para as metas de Clima no Brasil – 1970-
2019” do Sistema de estimativas de emissões de GEE (SEEG, 2020, p.
4). O SEEG (2020) ressalta que, desde 2010, ano de regulamentação
da Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (PNMC), data em que
foi instituída a primeira meta nacional de redução de emissões, o País
“[...] elevou em 28,2% a quantidade de GEE que despeja na atmosfera
todos os anos” (SEEG, 2020, p. 4). O relatório revela também que o
desmatamento, principalmente na Amazônia e no Cerrado, contribuiu
para esse aumento no ano de 2019 (SEEG, 2020, p. 5).
Os setores que mais emitiram GEE foram os de mudanças e uso do
solo (inclui o desmatamento) com 44% das emissões, e a agricultura
com 28%, sendo que os perfis desses dois setores estão muito associados,
representando 72% das emissões de GEE no ano de 2019 (SEEG,
2020, p. 5). Segundo a SEEG (2020), esse aumento está relacionado
ao desmatamento, já que os dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE) apontam que a taxa oficial de desmatamento na
Amazônia no ano de 2020 foi a maior desde 2008. A alta é de 9,5% em
relação a 2019.
Nesse mesmo ritmo de degradação socioambiental, encontra-se
também o Cerrado, com o interesse produtivista do agronegócio que
promove de forma intensa a conversão de florestas em terras para o
plantio de grãos, principalmente soja e milho, para garantir a exportação
sob a lógica do lucro e do crescimento econômico ilimitado, deixando
como rastro o desastre socioambiental. Para a Rede Brasileira de Justiça
Ambiental (RBJA), esse crescimento econômico ilimitado só se viabiliza
por conta da
[...] desigual distribuição de danos e violações entre
povos historicamente discriminados. A expansão
ilimitada do capital globalizado se faz à custa de
injustiças ambientais, mascaradas sob o discurso
desenvolvimentista do benefício de todos (RBJA,2014,
p.1).

Essas injustiças ambientais tomam proporções maiores no Cerrado


com a expansão do agronegócio. O modelo de agricultura moderna
promovido pelo agronegócio gera um impacto socioambiental imenso
nos sistemas naturais do Cerrado e na vida e cultura diversa dos povos

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tradicionais (quilombolas, sertanejos, indígenas, retirantes, camponeses,
vazanteiros, pescadores artesanais, fechos de pasto, geraizeiros, entre
outros), além de alterar a produção e distribuição da água (AGUIAR
e LOPES, 2020). O Cerrado é um ambiente natural dependente das
condições de sustentabilidade do bioma Amazônico, principalmente
em relação ao regime de chuvas (MARENGO, 2007). Desse modo, o
que ocorre no sistema natural amazônico reflete no bioma do Cerrado.
Tomando como referência a média dos dez anos anteriores à posse
do Pres. Jair Bolsonaro em janeiro de 2019, o desmatamento no Brasil
cresceu 70% em relação à década de 2009 a 2018, a média apurada
pelo INPE foi de 6.500 km2 por ano, entretanto, em 2019 a média
foi de 11.088 Km2 (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2020, p.1). Na
interpretação do Observatório do Clima (2020), com essa taxa o Brasil
não cumpriu a meta da PNMC, a lei nacional que determina a redução
da taxa em 2020, e com isso não conseguirá efetivar os compromissos
assumidos no Acordo de Paris (UNFCCC, 2015). Com esse aumento
do desmatamento, o Brasil deve ser o único grande emissor de GEE
a ter aumento em suas emissões no ano em que a economia global
praticamente paralisou por causa do vírus Sars-CoV-2, coronavírus
causador da Covid-19, que se tornou uma pandemia (OBSERVATÓRIO
DO CLIMA, 2020).
Essa pandemia revelou as fragilidades decorrentes de um sistema
planetário marcado por falácias de um modelo de desenvolvimento
insustentável, ganancioso e voraz que destrói a natureza (habitat de
inúmeros vírus que convivem em equilíbrio com os seus hospedeiros), e
responsável por gerar inaceitáveis condições de desigualdade econômica
e social (SATO et al., 2020; LAYRARGUES, 2020a; OXFAM, 2020).
Dessa forma, a pandemia e a emergência climática são crises compostas,
interligadas. Estudo recente, realizado por vários pesquisadores
(IPBES, 2020), considera que a emergência climática e os seus fatores
decorrentes e associados contribuem para o advento de novas pandemias
ameaçadoras da sobrevivência humana, gerando impactos desiguais
juntos aos grupos sociais, em que os mais pobres economicamente são
os mais afetados (IPBES, 2020; SATO et al., 2020; COSTA, 2020a).
Então, nesse cenário de incertezas, esta pesquisa reconhece os
pressupostos teóricos da gravidade da emergência climática e suas
implicações junto aos homens e mulheres em situação de vulnerabilidade

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socioambiental, um desses impactos é a questão da disponibilidade
hídrica, já que um dos setores que mais sofrerá as consequências
drásticas do colapso será a água doce.
A água é um bem natural e público, insubstituível, de dimensões
e usos múltiplos, vulnerável à ação antrópica, que cumpre uma função
social e está na essência material e espiritual da vida humana. Com
tanta importância assim, transformou-se em um bem social em disputa
e enfrentará mais escassez ainda, em função da crise climática, como
mostram os dados apresentados no relatório “Estado da Alimentação
e Agricultura 2020” da FAO (Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura). Esse relatório (FAO, 2020) declara que mais
de três bilhões de pessoas sofrem com a falta de água doce no Planeta. O
mesmo relatório alerta que, nos últimos 20 anos, a água doce disponível
diminuiu em 20%, e que as principais causas da escassez hídrica estão
associadas à crise climática (FAO, 2020; HARVEY, 2020). Dessa forma,
as consequências da crise climática violam também um direito humano
básico que é o direito de acesso à água doce, com maior impacto junto
às populações em situação de vulnerabilidade socioambiental, revelando
a injustiça climática (LEROY, 2009; MILANEZ e FONSECA, 2011;
DALLA-NORA e SATO, 2019; PAULA JÚNIOR e ZARDO, 2019).
A pesquisa do UNDP (2020), publicada em forma de relatório,
destaca que até o ano de 2100, os países mais pobres poderão enfrentar
até mais de 100 dias de clima extremo por ano devido à emergência
climática, repercutindo nas condições de disponibilidade de água doce.
Um outro estudo de Herrera-García et al. (2021), publicado na Revista
Science sobre o rebaixamento da superfície da terra provocado pelo
impacto da retirada de fluídos como o petróleo e a água subterrânea,
cujo fenômeno é definido como subsidência, afirma que esse fenômeno
de perda progressiva de elevação da terra irá acelerar com o aumento da
produção econômica nos próximos anos, à medida que irá aumentar a
demanda por água subterrânea, e terá cada vez menos recarga aquífera.
A pesquisa apresentada por Herrera-García et al. (2021) revela
também que a subsidência será intensificada por causa da crise
climática que provocará um efeito de esgotamento da água doce no
mundo todo, por meio do aumento da evapotranspiração, do aumento
da demanda, das inundações cada vez mais constantes e intensas, das
secas cada vez mais progressivas e das mudanças no ritmo e volume das

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precipitações. Ainda, de acordo com Herrera-García et al. (2021), essas
secas prolongadas irão contribuir para a diminuição da recarga aquífera,
- abastecimento da água subterrânea – e, consequentemente, acelerará
o seu esgotamento.
Em função desses diagnósticos e prognósticos, podemos interpretar
que a emergência climática potencializará graves consequências no
já conflituoso acesso humano à água doce, principalmente junto às
populações em situação de vulnerabilidade socioambiental. Esse grupo
social também sofre mais com as doenças.
A Ciência tem alertado que o processo de degradação da natureza,
potencializa a emergência de doenças graves, como as pandemias.
Um estudo publicado por um órgão ligado a ONU, a Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
(IPBES, 2020), elaborado por 22 cientistas que analisaram a relação entre
a expansão de doenças infecciosas transmitidas de animais para pessoas
(zoonoses) e a natureza, constatou que existem aproximadamente 1,7
milhão de vírus desconhecidos no mundo, que vivem no organismo de
mamíferos e pássaros. Portanto, de acordo com o estudo (IPBES, 2020),
para que não haja novas pandemias, é crucial reduzir as ações humanas
de destruição da natureza, pois isso contribuiria para reduzir o contato
entre seres humanos, animais selvagens e domésticos, precavendo assim,
a origem de novas doenças em humanos (IPBES, 2020).
Diante desse contexto preocupante, o estudo alerta que a proteção de
florestas e da fauna, além de contribuir para a desaceleração das emissões
de GEE, também pode precaver o risco de novas pandemias (IPBES,
2020). Não foi surpresa para os pesquisadores ambientais a emergência da
crise do coronavírus (Covid 19). Esses estudiosos da relação ser humano-
natureza emitiram alertas de que a exploração desmedida da natureza
estimula o surgimento de novos vírus e, consequentemente, novas
pandemias (SATO et al., 2020; IPBES, 2020, COSENZA et al., 2020)
Portanto, a pandemia não é uma crise sanitária pontual, mas
processual relacionada à crise climática. Ficou evidenciado que a
pandemia da Covid-19 provocou a mobilização da sociedade global,
mesmo que de forma isolada por meio dos países, com uma resposta
fracassada e descoordenada. No entanto, foi visível o senso de urgência
e movimentação. O que essa inesperada experiência de enfrentamento
da pandemia da Covid-19 diz sobre as perspectivas de lidarmos com um

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desafio esperado e muito mais grave, que também representa potencial
de ameaça à existência da vida: consequências da crise climática? É
possível evitar a catástrofe iminente?
Refletindo sobre esse cenário e pensando em caminhos de resistência
e enfrentamento da catástrofe iminente, Lowy (2020, p. 12) entende
que “não há solução para a crise ecológica no quadro do capitalismo”,
cujo sistema, na visão do estudioso, está inteiramente voltado ao
produtivismo, ao consumismo, à acumulação de capital e à maximização
do lucro. Lowy (2020, p. 12) alerta que o capitalismo com a “sua
lógica intrinsecamente perversa conduz inevitavelmente à ruptura dos
equilíbrios ecológicos e à destruição dos ecossistemas”. O autor (2020,
p. 12) considera que a solução para evitar a catástrofe está em refletir e
questionar a raiz do problema, o que ele chama de alternativas radicais,
ou seja, alternativas antissistêmicas, anticapitalistas.
Com essa mesma compreensão, Jickling (2013) sugere que a crise
climática é uma anomalia que cresce vertiginosamente e que pode gerar
rupturas na sua base de sustentação, invocando novos paradigmas.
Também nessa mesma linha de reflexão, Godin (2020, p.3) argumenta
que “a lógica capitalista não saberia fazer frente ao desafio do desastre
ecológico”. Na visão de Godin (2020), a razão do sucesso e da expansão
do capitalismo está alicerçado na lógica contínua do avanço, portanto,
não é um sistema de estagnação, mas de crescimento permanente.
E nessa era do Antropoceno (CRUTZEN, 2006), o imperativo da
progressão infinita é confrontada com o esgotamento da natureza.
Dessa forma, Godin (2020, p.3) conclui que o capitalismo está diante
de um problema ecológico grave e urgente, e alerta que não existe a
fábula do “capitalismo sóbrio”.
Frente a esse cenário complexo, como sensibilizar a sociedade para
o potencial de ameaça que representa a emergência climática? Diante
da tragédia anunciada, como deve se posicionar a EA nas suas práticas
pedagógicas no ambiente escolarizado? Como vivenciar coletivamente
esse desafio no cotidiano das ações socioeducativas do ensino
escolarizado? Como engajar e mobilizar a comunidade escolar para o
enfrentamento da crise climática e se posicionar criticamente frente a
injustiça climática? A EA não pode normalizar a catástrofe (JICKLING,
2013), então, como fazer? São questões problematizadoras amplas que
orientam esta pesquisa.

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Diante dessa necessidade de engajamento da sociedade para a
urgência do problema, os pesquisadores Goldberg, Gustafson e Linden
(2020), do Laboratório de Comunicação e Clima da Universidade de
Yale (EUA) destacam que, como a causa da crise climática é antrópica,
ela necessita de soluções sociais, e revelaram possíveis caminhos para
dialogar com os segmentos sociais mais resistentes ao fenômeno da
crise climática, em apoio às mobilizações de ações mais efetivas para a
redução das emissões de GEE.
Para os autores (GOLDBERG, GUSTAFSON e LINDEN, 2020),
um desses caminhos é evitar concentrar o debate apenas na questão
climática de forma cientificista, para eles isso não ajuda. Tem de ser
associada à discussão de outros temas correlatos, como a pobreza, a
desigualdade social e econômica etc.; sobretudo daqueles temas
próximos da realidade das pessoas, isso aumenta a possibilidade de
diálogo (GOLDBERG; GUSTAFSON e LINDEN, 2020). E concluem
afirmando que é fundamental debater e refletir sobre as injustiças
decorrentes das consequências da crise junto aos grupos sociais menos
favorecidos economicamente.
Meira-Cartea (2018, p.201), preocupado com a educação e com
a comunicação do fenômeno da crise climática para o cotidiano das
pessoas, também apresenta reflexão parecida, ao defender que é
necessário abordar o tema por meio de uma comunicação que ligue o
fenômeno à vida cotidiana, mas de forma positiva, construtiva e com
estímulos para a participação e geração de ideias novas, sem perder a
dimensão da complexidade (MEIRA-CARTEA, 2018).
Ao contrário de Meira-Cartea (2018, p.200), os pesquisadores
Goldberg, Gustafson e Linden (2020) não citam o conceito de justiça
climática, no entanto, a defesa e o reconhecimento de que o processo
de impacto do colapso climático atinge com mais intensidade as pessoas
que estão em situação de vulnerabilidade é reconhecido como justiça
climática (LEROY, 2009; MILANEZ e FONSECA, 2011; RAMMÊ,
2012; MEIRA-CARTEA, 2018; SOUZA e SATO, 2019; LUIZ e
SATO, 2020).
Apresentamos, na continuidade, os pressupostos teórico-
metodológicos do campo da justiça climática, da água e da EA,
abordando a crise climática que fundamentaram as nossas interpretações
nesta pesquisa.

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JUSTIÇA CLIMÁTICA: OS RISCOS E AS INCERTEZAS
NÃO SÃO IGUAIS PARA TODOS
“Diante de uma emergência climática, devemos tomar
as devidas medidas para evitar a perpetração de um
ato brutal de injustiça contra os pobres e as futuras
gerações” (Papa Francisco, 2019)

A compreensão de justiça climática deriva do conceito de justiça


ambiental, e esta nasce da luta dos movimentos sociais contra o
racismo ambiental, que teve a sua origem com as comunidades
negras dos Estados Unidos entre 1978 e 1982, mais precisamente no
condado de Warren, no Estado da Carolina do Norte. Lá, a população
negra notou que três quartos dos aterros de resíduos tóxicos eram
sempre instalados nos bairros habitados por negros, mesmo eles
representando apenas 25% da população daquela região (BULLARD,
2004; ACSELRAD, HERCULANO, PÁDUA, 2004). Portanto, é
um conceito que emerge no bojo das lutas por conquistas dos Direitos
Civis, no final da década de 1970, entre os negros dos Estados Unidos.
Essa desigualdade social em relação às consequências dos problemas
ambientais também se revela e está associada à crise climática. Isso pode
ser observado nos resultados do estudo de Chancel e Piketty (2015),
ao relatarem que os multimilionários do Planeta são responsáveis por
uma grande parte das emissões de GEE que geram o aquecimento. De
acordo com estimativas apontadas por Chancel e Piketty (2015, p.9),
“os 1% mais ricos dos Americanos, Luxemburgueses, Singapurenses
e Sauditas emitem mais de 200 toneladas de CO2 por pessoa por
ano”, enquanto os habitantes de Honduras, Moçambique, Ruanda e
Malawi emitem 2 mil vezes menos, ou seja, da ordem de 0,1 toneladas
de CO2e (tCO2e)4 por pessoa por ano. Com essa mesma perspectiva,
mas sem abordar as causas das diferenças, Otto et al. (2019, p. 82)
afirmam que os 0,54% mais ricos do mundo respondem por quase

4 É uma medida métrica utilizada para comparar as emissões de vários gases de efeito estufa
baseado no potencial de aquecimento global de cada um. O dióxido de carbono equivalente
é o resultado da multiplicação das toneladas emitidas de gases de efeito estufa pelo seu
potencial de aquecimento global. Por exemplo, o potencial de aquecimento global do gás
metano é 21 vezes maior do que o potencial do gás carbônico (CO2). Então, dizemos que o
CO2 equivalente do metano é igual a 21 (IPAM, 2015).

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4 bilhões de tCO2e por ano. Fossem eles um país, seriam o 4º maior
emissor do mundo, só atrás de China, EUA e da União Europeia (que
representa 27 países).
Ao contrário de uma certa leitura simplista, os impactos da crise cli-
mática, com seus riscos e incertezas, não são iguais para todos os grupos
sociais. A emergência climática expõe todo mundo ao risco, mas não
nos torna iguais. A intensidade do sofrimento varia de acordo com a cor
da pele, da classe social, do nível de escolaridade e do local de moradia.
No Brasil, o conceito de justiça climática nasce da constatação de que
as comunidades de agricultores familiares, pescadores, quilombolas, in-
dígenas, população sem-terra, sem-teto, ribeirinhos, negros e migrantes
das periferias dos centros urbanos, de um modo geral as populações
menos favorecidas economicamente, em razão de sua situação de vulne-
rabilidade social, estão historicamente mais suscetíveis de se tornarem
vítimas de impactos acirrados pela crise climática, mesmo sendo quem
menos contribui para a origem do problema (LEROY, 2009; RAMMÊ,
2012; RBJA, 2014; SOUZA e SATO, 2019).
Assim, os grupos sociais que menos emitem GEE - homens e mu-
lheres que vivem em países menos desenvolvidos e os pobres e migran-
tes dos países ditos desenvolvidos - são os que mais sofrerão os impactos
do colapso. Luiz e Sato (2020, p.377) identificam, nesse fenômeno de
desigualdade, resultante das consequências dos eventos extremos pro-
vocados pelo colapso, como “justiça climática”.
Enquanto o conceito de crise climática é compreendido como um
fenômeno amplo, que envolve direta e indiretamente toda a socieda-
de, a justiça climática está focalizada nos grupos sociais em situação de
vulnerabilidade, já que são os que mais sofrem os impactos das “[...]
catástrofes ambientais, seja pela ausência de políticas, de informações
socioambientais ou impossibilidade financeira de ter acesso aos meca-
nismos de proteção” (SOUZA e SATO, 2019, p. 62). O cenário é grave
e não é apenas a gestão ambiental de um problema para que a “casa
comum” (PAPA FRANCISCO, 2019) continue habitável, é urgente
debater e buscar soluções para a miséria, o sofrimento e o extermínio
de muitas formas de vida que estão no horizonte (REID, 2019; PAPA
FRANCISCO, 2019).
Sato (2016) expressa que o conceito de justiça climática
extrapola a discussão da crise climática, uma vez que recai sobre a

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raiz da desigualdade social resultante do modelo insustentável de
desenvolvimento capitalista. Para Sato (2016, p.1), essas consequências
atingirão de forma desproporcional e injusta os grupos sociais “[...]
economicamente desprivilegiados, os que vivem na periferia, aqueles
que estão à margem da história ou de maneira inviabilizada pela
sociedade competitiva”
Nessa mesma linha argumentativa, Waldron et al. (2016)
entendem a crise climática como uma injustiça global que requer
mobilização política, social e econômica. Nesse cenário de colapso,
Waldron et al. (2016) enfatizam a relevância de processos formativos
de educadores no campo da crise climática, com destaque para os
aspectos sociais e de justiça, e ponderam que os educadores têm de
ter a segurança para abordar as questões controversas politicamente
em sala de aula, promover espaços de diálogo com os educandos que
possibilitem pensar ações de cidadania e ação política. Ações políticas
com o objetivo de transpor a esfera individual, e adentrar à esfera
política, esse é um caminho para o enfrentamento coletivo da crise
climática, como lembra Layrargues (2020a).
A EA pode ajudar na construção desse caminho por justiça
climática, mas terá de ser repensada, reconstruída, adotando um
propósito político claro: a busca e reinvenção das relações sociedade-
natureza para impedir o colapso da vida. Mas será que a EA está
preparada para adotar essa postura política radical? A EA, ao abordar a
crise climática em sua prática pedagógica, já reconheceu a importância
da justiça climática? A EA está sensibilizada para a gravidade do
colapso climático?
Com essas interrogações e diante do risco evidente, o conceito de
justiça climática nas práticas pedagógicas de EA deve ser abordada por
uma dimensão ética, humana e social, e não no sentido da estrutura
de leis e definições jurídicas.
No âmbito coletivo da sociedade, a inserção do senso de urgência
com perfil de esfera pública se desponta em algumas iniciativas
interessantes, como, por exemplo, o movimento popular que vem
ocorrendo com grandes repercussões mundiais, o “Fridays for Future”
(sextas-feiras pelo futuro). Esse movimento teve início em agosto de
2018, liderado pela estudante ativista sueca Greta Thunberg, na época
com 16 anos, e tem mobilizado jovens no mundo inteiro, inclusive

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no Brasil, com protestos em ruas e praças públicas contra a inércia
política dos tomadores de decisão em relação ao enfrentamento da
crise climática.
Um outro movimento que vem se destacando com os adolescentes
dos Estados Unidos é o “Sunrise Movement” (nascer do Sol), um
coletivo nacional de justiça climática liderado por jovens, para
aprender sobre a organização de ações do Wide Awake – protestos
noturnos barulhentos – para forçar os legisladores acusados de ignorar
a emergência climática e a injustiça racial a ouvir suas demandas. Esse
coletivo se referencia em uma tática de desobediência civil concebida
pelos Wide Awakes – uma organização radical abolicionista juvenil
que enfrentou antiabolicionistas à noite batendo panelas fora de suas
casas na véspera da guerra de secessão – 1861/5 (LAKHANI, 2020).
Outro movimento ambientalista também atuante surgiu na
Inglaterra – com essa mesma dimensão – voltado para o debate coletivo
da crise climática, o “Extinction Rebellion” (Rebelião da Extinção),
promovendo manifestações e protestos em várias cidades britânicas e
europeias para despertar a sociedade para as consequências do colapso
climático. Segundo matéria publicada na agência pública de notícias
Deutsche Welle (2019), o movimento Extinction Rebellion pretende
“[...] por meio da desobediência civil pacífica, chamar à atenção
da população e governos para a ameaça do colapso climático e da
extinção em massa que pode ser provocada pelo aquecimento global”
(DEUSTSCHE WELLE, 2019).
No Brasil, temos o movimento com predominância de jovens
estudantes inspirados no “Friday for Future”, conhecido como “Greve
pelo Clima”. Esse movimento tem realizado manifestações públicas
contra a paralisação das ações governamentais em relação à contenção
do colapso, com algumas mensagens localizadas de que o que precisa
“mudar é o sistema, e não o clima”.
Assim, despontam-se movimentos e ações coletivas visíveis na
sociedade, ilustrando sinais de rompimento na apatia generalizada.
Enfim, diante da evidência do colapso climático e de movimentos que
emergem, temos de repensar com quais premissas vamos fazer EA.

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AS RESSONÂNCIAS DO RISCO EMERGENTE NA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL

“Qualquer resistência é útil, nós acreditamos que o


futuro permanece aberto” (Michael Lowy, 2020)

A crise climática é um fenômeno de causas antropogênicas (IPCC


2007; IPCC 2018), cujo alicerce é o sistema econômico capitalista
sustentado no consumo de combustíveis fósseis, desse modo é “[...]
impossível conceber políticas estruturais e programas para combatê-lo
sem mergulhar nos pilares que apoiam esse modelo econômico e seu
horizonte sociocultural correspondente” (GAUDIANO e MEIRA-
CARTEA, 2020, p. 392).
Acrescenta-se a isso o fato de que vivenciamos um período histórico
marcado por argumentos negacionistas falaciosos, disputando narrativas
e sentidos com a ciência em relação à emergência climática. A sociedade
se depara com uma crise grave, cujo processo degradador nos conduz
para um ponto de não retorno. Diante desse problema socioambiental,
a educação possui um papel imprescindível, principalmente o campo
da EA, que terá de se reinventar, repensar o cenário educacional,
com reflexões e propostas radicais e indisciplinadas frente ao modelo
econômico hegemônico responsável pelo colapso civilizatório
(GUIMARÃES e MEIRA-CARTEA, 2020; LAYRARGUES, 2020a
e 2020b). Certamente para a EA é hora de mudanças radicais e não
acomodações e negócios (GAUDIANO e MEIRA-CARTEA, 2020;
LUIZ e SATO, 2020)
A Ciência adverte sobre o risco vindouro, frente a isso, Guimarães
e Meira-Cartea (2020, p. 29) destacam que “a forma como a população
percebe, representa este momento e reage a ele é de extrema importância
para demarcar a atuação do educador ambiental”. A EA só poderá
contribuir para o enfrentamento de um problema tão grave, discutindo as
causas profundas desse problema. Para Gaudiano e Meira-Cartea (2020,
p. 390), as ações de EA voltadas para a questão da crise climática têm de
“[...] questionar radicalmente os fundamentos do sistema econômico e
seu substrato sociocultural concomitante que nos levou a este momento
crítico”. Os autores (2020) advertem que não existem soluções paliativas
e nem analgésicos ao pensarmos na emergência climática.

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Na compreensão de Gaudiano e Meira-Cartea (2020), a EA, ao
abordar o colapso climático, não se deve centrar no aspecto cognitivo,
ou seja, no conceito de alfabetização científica, mas deve investir na
dimensão emocional, sociopolítica e ética. Isso não significa que a
EA não possa abordar os aspectos técnico-científicos do fenômeno
climático, ele é necessário para os educadores, no entanto, como
cita Freire (2000), ao refletir sobre a formação técnico-científica dos
educandos na perspectiva da pedagogia crítica, ao chamar atenção
para a compreensão de que formação não tem nenhuma relação
com a estreiteza “ [...] cientificista e tecnicista que caracteriza o
mero treinamento do ‘pragmatismo’ neoliberal que reduz a prática
educativa ao treinamento técnico-cientifico dos educandos” (Freire,
2000, p.22).
De posse dessa leitura, a EA tem como desafios: aprofundar
a dimensão teórica do fenômeno; construir o necessário senso de
urgência e engajamento social; além de inserir e destacar o papel do ser
humano (atuando coletivamente na esfera pública), em contraposição
à abordagem estritamente científica e tecnológica (TAMAIO, 2013).
Também com essa mesma proposição, o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
(1992, p.5), documento elaborado pela sociedade civil em evento
paralelo da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), realizado no Rio de Janeiro em 1992,
também conhecida como Rio-92, é um dos referenciais teóricos de EA
dessa pesquisa. O Tratado (1992, p.5) tem como um dos seus princípios
que a construção “[...] de caminhos para as mudanças socioambientais
depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que
ameaçam o futuro do planeta”, e cita que a EA precisa investigar as
causas primárias dos problemas socioambientais como “[...] o aumento
da pobreza, da degradação humana e ambiental [...] que podem
ser identificadas no modelo de civilização dominante, baseado na
superprodução e no superconsumo” (TRATADO, 1992, p. 5).
Gaudiano e Meira-Cartea (2020, p.390) argumentam que o conceito
de desenvolvimento sustentável, tão apregoado pelo capitalismo, tem
sido apenas um “[...] placebo a fim de continuar com ‘negócios como de
costume’ pelo maior tempo possível, apesar do enorme custo ambiental
e condenar bilhões de seres humanos ao sofrimento”. Esse sofrimento

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dos grupos em situação de vulnerabilidade será agravado, constituindo
uma questão ética, de justiça climática.
Essa preocupação também é manifestada por Layrargues (2020a),
ao considerar que a EA tem de questionar as causas antropogênicas
do colapso climático de forma radical, problematizar com abordagem
crítica o mito do progresso infinito, a ideia de que o amanhã será sempre
melhor do que o hoje, e a crença inabalável na capacidade de que a “[...]
geoengenharia encontrará soluções, portanto, não precisa de radicais
transformações no sistema hegemônico”. (GAUDIANO e MEIRA-
CARTEA, 2020, p. 394). A EA, para ajudar a garantir a manutenção
da vida no Planeta, terá de fazer aquilo que cita Figueiró (2020, p. 17)
“romper com esta trajetória econômica ecocida”.
Com essa mesma preocupação sobre o papel da EA diante do
emergente colapso, Layrargues (2020b, p. 62) traz à ponderação o
compromisso social transformador da EA ao reforçar que ela não deve “se
restringir a mudanças comportamentais que visem a sustentabilidade;
tem que ir além, tem que promover mudanças políticas, que denunciam
e combatem a insustentabilidade”. Partimos desses pressupostos teóricos
e reconhecemos que a crise climática é promotora de desigualdade
e injustiça socioambiental. Nesse sentido, a EA não pode se furtar a
debater a justiça climática.
Concebemos a EA como um ato político (TRATADO, 1992)
com uma atribuição social, crítica, transformadora e emancipatória
voltada para a construção de outro modelo civilizatório, pautado na
sustentabilidade da vida (SATO 2003; TOZONI-REIS, 2012; SATO,
2020; COSENZA et al., 2020; GAUDIANO e MEIRA-CARTEA,
2020; SORRENTINO, 2020; GUIMARÃES e MEIRA-CARTEA,
2020; LAYRARGUES, 2020 a e 2020 b; SATO et al., 2020;).
Consideramos que as aprendizagens e os processos formativos, nessa
área, sobretudo para o ensino escolarizado, devem ser compreendidos
como um processo coletivo, emotivo, dialógico, prático e reflexivo. Esse
processo de ação política deve estar sintonizado com a beleza da vida,
com a busca por uma sociedade igualitária e justa, com a garantia e a
sustentabilidade de todas as formas de vida.
Partindo dessa concepção de EA, e pensando nos seus atributos e
desafios frente ao cenário de incertezas, e considerando a escola como
uma instituição política que não está isolada desse problema, esta

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pesquisa traz as seguintes indagações gerais: Quais são as possibilidades
e limites da EA na construção da justiça climática? Os educadores das
escolas podem reinventar a sua prática pedagógica de EA ao abordarem
a crise climática? O colapso está em movimento, como a EA pode fazer
para estar mais “dentro” dele? Como a EA pode provocar cunhas que
produzam fissuras nesse rígido edifício da inércia em relação ao colapso?
Como os educadores ambientais atuam com temas complexos como a
emergência climática nesse universo de negacionismo? Como fazer para
que os educadores reconheçam a relevância da crise climática, e estejam
convencidos do potencial de ameaça, do senso de urgência?
Entendemos que as respostas, se elas existem, são difíceis, e não nos
emergirá por completo do pântano de dúvidas que dispomos, contudo,
são indagações que nos ajudam a alimentar a busca por caminhos a serem
imaginados e traçados rumo a uma EA comprometida politicamente
com a gravidade que o momento exige de nós educadores. A
compreensão da gravidade do colapso climático parece estar provocando
um movimento, gerando ressonâncias no campo epistemológico da EA.
Muitos pesquisadores (SATO et al., 2020; LAYRARGUES, 2020a
e 2020b; GUIMARÃES e MEIRA-CARTEA, 2020; COSENZA,
2020; GAUDIANO e MEIRA-CARTEA, 2020; FIGUEIRÓ, 2020;
SORRENTINO, 2020), alguns deles refletindo sobre o futuro pós-
pandemia, possuem uma visão convergente, todos reconhecem que esse
é um instante crucial para a EA, e advertem que ela precisa se reinventar
e ressignificar a sua visão ética e política com o compromisso de formar
pessoas politicamente atuantes na esfera pública e engajadas na luta contra
a insustentabilidade resultante da degradação socioambiental capitalista.
Esse desejo de uma EA radical sintonizada com o senso de urgência
vem se tornando pauta de reflexões, não como um farol indestrutível,
mas como um campo de possibilidades a serem dialogadas e praticadas.
Algumas reflexões debatem conceitos e premissas, outras apontam que
a mudança pode ser também iniciada pela transformação do conteúdo
curricular no ensino escolar e nos livros didáticos. Enfim, o debate
está aberto na EA e já pode ser visualizado em alguns encontros e
publicações científicas.
Frente a esse desafio, imerso no contexto de incertezas e sonhos no
campo da EA e crise climática, Sato (2020) traz à reflexão a existência de
duas tendências pedagógicas: a pedagogia da resiliência e a pedagogia da

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resistência. A autora (2020) observa que as duas tendências empreendem
diálogos entre si, entretanto, em algumas ocasiões se aproximam, em
outras se afastam, dependendo da compreensão histórica do papel
político-pedagógico atribuído à EA frente ao colapso climático. Não
há um só caminho correto, mas obviamente nossas escolhas expressam
nossas opções políticas. Para Boehnert (2016) existem diversas vertentes
hoje no mundo do colapso climático: aqueles que acreditam em
tecnologias limpas e são otimistas tecnológicos (tecnólogos); os liberais
com a pauta no desenvolvimento sustentável, ou economia verde, ainda
considerando a natureza como recurso (neoliberais); os pesquisadores,
principalmente aqueles chamados de “hard” que lidam com os aspectos
físicos do planeta (cientistas) e inúmeros grupos de ecologistas e
ambientalistas, fragmentados por pequenas diferenças, entre os quais
aqueles que defendem a justiça climática (ecologistas) .

Figura 1: Mapa dos discursos políticos da crise climática.

Fonte: Boehnert, 2016.

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No mapa (Figura 1) que Boehnert (ibidem) expressa, com vistas a
comunicar os discursos políticos sobre o clima, duas grandes esferas se
confrontam radicalmente: os cientistas contra os negacionistas do clima.
Ainda que existam diferenças ontológicas entre cientistas e ecologistas,
talvez seja o momento de somar forças contra os negacionistas para que
a crise climática saia de sua invisibilidade. É neste contexto que as duas
pedagogias devem dialogar evidenciar que o ceticismo é científico, mas
o negacionismo é um movimento meramente político, que ao invés
de argumentos elaborados, a meta é distribuir fake-news para que os
lobbies do capitalismo continuem triunfando e destruindo o planeta.
A pedagogia da resiliência é definida por Sato (2020) como mais
pontual, atenta aos desastres, e, por isso, recorre com mais destaque
aos conceitos de mitigação, de adaptação e aos recursos tecnológicos
para o enfrentamento da emergência climática. Essa tendência, na visão
de Sato (2020), possui uma postura reativa ao desastre, traz a ideia de
adaptação e enxerga a EA como mais uma ferramenta para o “manejo
tecnológico”, constituindo-se em uma abordagem muito reconhecida
junto aos cientistas geofísicos do clima.
Já a outra tendência, a pedagogia da resistência, é concebida por
Sato (2020) como aquela que compreende a EA para a crise climática
como um processo político, é proativa ao sistema, está muito enraizada
nos movimentos de educadores socioambientais e ecologistas. Na
interpretação de Sato (2020), essa tendência se alimenta da ideia de
transformação do sistema produtor de mercadorias, atribuindo a
esse sistema Capitaloceno (MOORE, 2016) a responsabilidade pelas
emissões de GEE e pela criação e condução da tragédia socioambiental
anunciada.
Ainda sobre essas duas leituras pedagógicas, Sato (2020) nos lembra
de que elas diferem radicalmente do negacionismo. Ambas refutam as
falácias e os mal-entendidos acerca do colapso climático elaborados pelo
movimento negacionista, cuja intenção é gerar embates de narrativas e
interesses de disputa política. Os negacionistas refutam as evidências e
os métodos científicos para a explicação de uma dada realidade, usam
argumentos com ausência de coerência, praticam o “não discurso” como
fonte de desconstrução das evidências físicas da influência humana no
clima, e, com isso, mantêm acesa uma arena de rivalidade pelo poder
político (SATO, 2020; COSTA, 2020b).

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Além dessa contribuição conceitual de identificação de duas
abordagens para a EA e para a crise climática, outros estudiosos da
EA refletem sobre a prática curricular. Para Meira-Cartea (2018, p.
53/54), a situação emergencial para a construção de uma nova cultura
socioecológica requer uma ação com foco na práxis curricular. O autor
(2018, p. 53/54) defende duas ações curriculares complementares: a
primeira é a inserção dos temas crise climática e transição ecológica
nos conteúdos de formação inicial e permanente dos educadores; e a
segunda é a inserção da abordagem da crise climática pela perspectiva
da complexidade socioambiental nos livros didáticos e paradidáticos, já
que são os principais mediadores de conteúdos nas escolas.
Novos contextos, como a educação sobre o colapso climático, exigem
novos métodos de ensino, a construção coletiva de um novo currículo, um
currículo que possa cuidar da vida, contudo, isso não significa somente a
adição de mais um tema ao currículo, não basta apenas uma flexibilização
curricular (LAYRARGUES, 2020b; SATO, 2020).
Com esse mesmo propósito, Guimarães e Meira-Cartea (2020,
p.33) defendem a necessidade de pensar “um currículo educacional
de emergência climática [...] que coloque a crise climática entre as
prioridades em todos os níveis de ensino”. Todavia, Tozoni-Reis (2012)
reforça que tem de ir além do currículo, pois os educadores podem
ser tratados pela política educacional dos órgãos de ensino como
“mediadores instrumentais dos conteúdos expressos” (TOZONI-REIS,
2012, p. 286). A autora (2012) argumenta que é necessário também
focar nos processos formativos de educadores.
Também preocupados com um conteúdo que contribua para o enga-
jamento da educação e da sociedade no enfrentamento da crise climáti-
ca, Gaudiano e Meira-Cartea (2020, p. 394) alertam que é fundamental
esclarecer qual conteúdo e sua forma de aprendizado, e advertem que
para que o problema possa “[...] ser compreendido e assumido pela so-
ciedade não basta apenas informação científica do fenômeno.”
De acordo com Tozoni-Reis (2012), existem dois aspectos cruciais
ao tratar da EA no ambiente escolar. Segundo a autora (2012), não
temos conseguido trabalhar pedagogicamente o tema ambiental de
forma inovadora nos currículos escolares, e outro aspecto, é a ausência
do “[...] do caráter crítico dos temas ambientais que emergem das
contradições das sociedades sob o modo capitalista de produção.”

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(TOZONI-REIS, 2012, p. 286). Os processos de EA quando tratam
da emergência climática estão predominantemente centrados na
apresentação e incentivo ao uso de “técnicas pedagógicas inovadoras”
(geralmente focadas na conduta individual), com forte aspecto
conteudista, insuficientes para a formação na perspectiva crítica e
radical que a crise exige.
Reconhecemos a importância de processos de aprendizagem
permanente com os educadores, e enfatizamos que, diante da gravidade
e da complexidade da emergência climática, esses processos devem ser
pautados em uma dimensão que não privilegie apenas os conteúdos
científicos, a racionalidade técnica, a unidimensionalidade, a objetividade
centrada no campo individual, mas, sobretudo, o conhecimento deve
se pautar na prática socioambiental dos educadores, nas suas emoções e
subjetividades, na inserção e ação política coletiva (TRISTÃO, 2002).
Ancorados nos referenciais teóricos da justiça climática e
da educação ambiental, diante das questões gerais apresentadas
anteriormente, a pesquisa buscou compreender o contexto das práticas
socioeducativas de 63 educadores de sete escolas públicas situadas na
zona de amortecimento da Estação Ecológica de Águas Emendadas, em
Planaltina, com os seguintes objetivos específicos:
• Compreender como esses educadores da escola pública desenvolvem
ações pedagógicas sobre a emergência climática. Qual a concepção
que possuem da crise climática? Estão sensibilizados e assumem a
gravidade do colapso?
• Analisar se as compreensões e ações pedagógicas alusivas ao clima
abordam a relação com a população em situação de vulnerabilidade
que vivem no entorno da ESECAE. Qual a compreensão que
possuem do conceito de justiça climática? E como desenvolvem
ações educativas com esse tema?
• Identificar e interpretar a relação entre crise climática, água e justiça
climática a partir das práticas pedagógicas de EA. E como abordam
esses temas em sala de aula?

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A ESCOLA NÃO SERÁ A SOLUÇÃO! MAS QUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL FAZER
DIANTE DAS INJUSTIÇAS PROVOCADAS PELA CRISE CLIMÁTICA?

A escola é um espaço da vida, de socialização dos saberes, uma


instituição de trocas, vivências e elaboração de múltiplos conhecimentos,
que possibilitam aos seres humanos desenvolverem uma prática social
transformadora. A partir disso, a escola representa uma arena importante
na construção de outros projetos societários que busque superar esse
modelo emissor de GEE.
Para Gaudiano e Meira-Cartea (2020, p.398 ), ao recomendarem
ações que reflitam o senso de urgência, destacam um aspecto considerado
importante por eles: “[...] o tratamento que a crise climática recebe
como conteúdo educacional”. A urgência de abordar a crise climática
não pode se transformar em uma panaceia e nem a escola será a solução,
no entanto, é uma oportunidade para discutir o papel ético da EA sem
correr o risco de se restringir apenas a mudança de comportamento ou
em uma alfabetização climática como um subconjunto da alfabetização
científica (REID, 2019).
De acordo com uma pesquisa nacional com os educadores de ensino
de Ciências nos Estados Unidos sobre a forma como a crise climática é
ensinada nas escolas públicas daquele País, Plutzer et al. (2016, p. 23)
mostraram que “apenas 43 % dos professores de Ciências das escolas
públicas dos Estados Unidos tiveram na Universidade alguma formação
em mudanças climáticas”. Plutzer et al. (2016, p. 23) revelam também
que “apenas um em cada dez professores de Ciências tinham realizado
algum curso dedicado às mudanças climáticas.”
A partir dessa constatação, e de uma forma um tanto pessimista,
Plutzer et al. (2016, p. 34) chegaram à conclusão de que o “cenário
é particularmente complicado, e que nenhuma política ou programa
mudará fundamentalmente a forma como a crise climática é ensinada
nas salas de aula”. Esse cenário não parece restrito aos Estados
Unidos, Marchezini e Londe (2020, p. 4) mostraram, em pesquisa
realizada recentemente com educadores do ensino básico, que
“60,3% dos professores não tiveram aulas sobre mudanças climáticas
durante a graduação”. Os autores também mostraram que quase
30% dos professores associam a crise climática à camada de ozônio
(MARCHEZINI e LONDE, 2020, p. 6).

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Os resultados dessas investigações podem ser interpretados como
indicadores de alguns limites no processo de formação dos educadores,
quando se trata do tema emergência climática. Acentuando, assim,
que os processos formativos e aprendizagens sobre o colapso climático
precisam ser feitos de forma participativa, com estímulo à pesquisa
e ao ato de aprender de forma solidária. Processos formativos esses,
referenciados na compreensão ética e política de denunciar a ameaça
à vida e anunciar fortemente o estímulo à participação e à articulação
dos grupos sociais excluídos, reconhecendo as diferentes vozes a serem
incluídas nos embates por direitos e justiça climática (TAMAIO,
GOMES e WILLMS, 2020).
Esse desafio dos processos formativos representa uma destacada
preocupação do campo da EA, tanto que temos pesquisadores da EA
que colocam em dúvida, se, de fato, a educação ambiental – da forma
como se encontra hoje – está preparada para o desafio de enfrentar o
colapso climático com uma dimensão radical que a realidade impõe
(LAYRARGUES, 2020a; GAUDIANO e MEIRA-CARTEA, 2020)
Na compreensão de Gaudiano e Meira-Cartea, (2020), mesmo
diante de toda essa crise socioambiental, as mudanças no campo da
EA não se têm alterado nas últimas quatro décadas. Para os autores
(2020, p. 387), a EA convencional permanece apoiada em um mosaico
de temas e problemas socioambientais cujo caminho de solução
tem contribuído muito pouco, muitas vezes desenvolvendo ações
pedagógicas de mudança no foco individual sem debater o modelo
sociopolítico predatório da vida.
Dessa forma, os autores (2020) consideram que, no campo da
educação ambiental,
[...] mesmo em algumas visões mais críticas e
emancipatórias, 0 otimismo pedagógico é muitas
vezes transformado em voluntarismo, se não em pura
ingenuidade, vendo na educação a chave ou uma
das chaves para superar a crise socioeconômica por
seu suposto poder de modificar o comportamento
ou incorporar o princípio da sustentabilidade, mas
sem questionar os fundamentos da modernidade
ou a natureza predatória do capitalismo global
(GAUDIANO e MEIRA-CARTEA, 2020, p. 397).

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Dessa forma, é importante que os educadores das escolas construam
uma posição crítica e transformadora frente à emergência climática,
questionando o processo destrutivo resultante de um modelo de
desenvolvimento pautado na apropriação infinita da natureza e
centrado no consumo de combustíveis fósseis. Por isso, os processos de
formação permanente em EA são considerados por Monroe, Oxarart e
Plate (2013) como aqueles que estimulam o interesse dos educadores
em aprender sobre o conceito da crise climática, mas de uma forma que
promova engajamento e ações. Dessa forma, no âmbito da EA, torna-
se prioridade desenvolver ações educacionais que permitam visualizar
e perceber a relação de conexões que existem entre o cotidiano dos
indivíduos e suas comunidades com a crise climática (TAMAIO, 2013;
DALLA-NORA e SATO, 2015; MEIRA-CARTEA, 2018). Isso parece
evidenciar que a EA para o colapso climático necessita se pautar por
articulação dialógica entre saberes e urgências.
Partindo desses referenciais, e reconhecendo a importância de
a EA estar conectada com os desafios contemporâneos do colapso
climático, também no ensino escolarizado, apresentamos, em seguida,
os procedimentos teórico-metodológicos que foram adotados na busca
de respostas às indagações propostas, a área de estudo e o perfil dos
participantes.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


Esta pesquisa foi pensada a partir de indagações sobre a crise
climática e os problemas socioambientais decorrentes do processo de
ocupação humana na área de entorno da ESECAE, em uma região
de periferia do DF. Procedeu-se uma pesquisa de natureza quali-
quantitativa com abordagem de estudo de caso. De acordo com Triviños
(1987), o estudo de caso proporciona processos de reflexão sobre uma
determinada situação, evento ou cena, gerando uma análise crítica
que ajuda o pesquisador à proposição de ações transformadoras e/ou à
tomada de decisões, que, na nossa compreensão, devem ser construídas
coletivamente por todos os protagonistas da interpretação e vivência do
processo de aprendizagem investigativa. O autor (1987) entende que o
estudo de caso é uma categoria de análise pautada por uma unidade,
e essa unidade deve ser parte de um todo e ter destaque, ou seja, ser

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significativa e, por isso, deter elementos que permitam propor uma
ação ou fundamentar um determinado julgamento.
Para Triviños (1987), o estudo de caso se caracteriza por sua natureza,
pode ter como campo de investigação uma comunidade, ou a história
de vida de uma pessoa ou um processo histórico. É uma categoria de
pesquisa abrangente, pois a complexidade dos estudos investigativos
está definida pelo referencial teórico que orienta o pesquisador.
Triviños (1987) destaca que, no estudo de caso, a investigação de
determinada situação não pode ser isolada do seu contexto, e deve
ser praticada com o objetivo de favorecer uma análise do contexto e
dos processos envolvidos no fenômeno estudado. Esta pesquisa pode
ser também compreendida como de natureza exploratória, pois busca
estudar a característica de uma ação empreendida, um fenômeno, e visa
estabelecer as relações entre possibilidades quando proporciona uma
visão ampla sobre determinada situação. Segundo Gil (2008, p.27),
“[...] envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas
não padronizadas e estudos de caso.”
Apoiado nesses referenciais teórico-metodológicos, esta investigação
recorreu, inicialmente, ao levantamento de dados primários, em seguida,
à análise documental, e, por último, à interpretação dos conteúdos
descritos nos questionários aplicados e se apoiou nos pressupostos
teóricos da EA, da crise climática e da justiça climática. Adotamos uma
abordagem quantitativa no primeiro momento, o de levantamento e
análise de dados, e qualitativa nos momentos posteriores. Utilizamos
questionários semiestruturados para a obtenção de dados e informações.
A investigação foi realizada em três momentos, mas, para este artigo,
será apresentado um recorte do terceiro momento.

OS TRÊS MOMENTOS METODOLÓGICOS

O primeiro momento se deu durante o ano de 2018 e consistiu em


mapear as escolas. A partir de informações obtidas no site da Secretaria de
Estado da Educação do DF (SEEDF) e de posse de uma lista das escolas
de ensino fundamental de Planaltina com os seus endereços e perfis,
elaboramos um mapa inicial das escolas. Esse mapeamento apontou as
escolas públicas do ensino fundamental de Planaltina (rural e urbana)
que se encontram na zona de amortecimento da ESECAE. Usamos um

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mapa digital Google Earth e plotamos, a partir do endereço e localização,
as escolas no mapa. A partir disso, foi possível visualizarmos no mapa
as escolas que estavam dentro da zona de amortecimento afastadas até
cinco quilômetros da linha limítrofe da UC.
A partir desse mapeamento das escolas situadas dentro da zona de
amortecimento, levantamos na Coordenação Regional de Ensino e no site
da SEEDF, os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) dos anos de 2016 a
2019 para leitura e análise com o objetivo de coletarmos e sistematizarmos
os eventuais projetos e ações pedagógicas relacionadas à crise climática,
à água e à estação ecológica, e, posteriormente, selecionarmos quais
escolas fariam parte da pesquisa. As propostas, projetos e registros das
ações pedagógicas relacionadas aos temas clima e água foram extraídos
dos PPPs e nos possibilitaram um recorte inicial direcionado das escolas
que atuavam com os temas clima, água e estação ecológica. A partir disso,
mapeamos 28 escolas urbanas e 8 rurais no entorno da ESECAE.
O segundo momento compreendeu o que chamamos de “leitura e
intepretação com o olhar socioambiental” dos documentos oficiais das
escolas (PPPs e projetos de EA). Da equipe de dez educandos bolsistas
participantes do projeto “Clima e Água nas Escolas”, cada um fez a
leitura de pelo menos dez PPPs que eram apresentados para debate e
socialização de intepretações nas reuniões semanais do projeto (TAMAIO
et al., 2019). Assim, realizamos uma leitura individual e coletiva de cada
PPP e elaboramos uma síntese com as ações e projetos planejados no
campo socioambiental. Em seguida, a ferramenta de busca de palavras,
usando as palavras-chave: clima, água, estação ecológica, ESECAE,
aquecimento global, mudanças climáticas, educação ambiental, justiça
climática, meio ambiente e natureza, possibilitou uma lapidação das 36
escolas levantadas e subsequentemente uma investigação aprofundada
dos documentos com enfoque ambiental. Destas, selecionamos sete
escolas que possuíam em suas práticas pedagógicas experiências e
vivências que se aproximavam das temáticas ambientais: clima, água e
estação ecológica para compor o terceiro momento da pesquisa.
Por último, o terceiro momento significou a sistematização das
informações contidas nos PPPs sobre três categorias de interpretação:
clima, água e estação ecológica e como eram apresentadas nas práticas
pedagógicas das sete escolas. Essas três categorias já estavam previamente
fixadas, portanto, efetuamos agrupamentos de frases, nomes de projetos,

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temas, conteúdos que se assemelhavam ou possuíam relação explícita
com as categorias. Ao final do procedimento, agrupamos as escolas que
possuíam preponderância de ações com as temáticas, resultando na
seleção de sete escolas. Dispondo dessas informações prévias, procuramos
as escolas para dialogar com os educadores sobre os projetos e ações por
eles praticados e que constavam no PPP. O objetivo dessa ação inicial
na escola foi estabelecer laços subjetivos e promover espaços de trocas e
aprendizados com os educadores sobre o tema da emergência climática e
a sua relação com a água, e suas possibilidades didático pedagógicas.
Com essa intenção, elaboramos um cronograma de visita às sete
escolas públicas, com o objetivo de buscarmos mais informações, trocas,
aprendizados, criarmos vínculos subjetivos de vivências socioeducativas
e aplicarmos um questionário com a intenção de obter informações
conceituais e efetuar o passo seguinte, que representava a constituição
de coletivos de educadores interessados em estudos e reflexão sobre as
práticas socioeducativa relacionadas à “EA e crise climática”.
Essa etapa não ocorreu ainda em função de as escolas estarem
cumprindo os protocolos de distanciamento social determinado para
a contenção da expansão da pandemia da Covid-19. Foi no primeiro
encontro com os educadores, antes da apresentação do projeto e do
diálogo sobre as nossas interpretações dos conteúdos ambientais
presentes nos PPPs das escolas onde eles atuavam, que debatemos os
nossos interesses mútuos de aprendizado, e fizemos a entrega de um
questionário a todos os educadores da reunião, e que atuavam com
a questão ambiental na escola. Eles responderam livremente. Esse
questionário semiestruturado, composto por oito questões, cinco
abertas e três fechadas, buscou registrar e entender a compreensão deles
sobre crise climática, água, relação entre o clima, água e a ESECAE, e
sobre justiça climática, e como desenvolviam suas ações pedagógicas
com esses temas, e se visualizavam a interação entre essas categorias.
É o conteúdo que os educadores registraram nesse questionário que está
sendo problematizado e interpretado neste texto. Faremos interpretações,
não buscamos saber o que é verdadeiro ou falso, pois existe um sentido
histórico (suas vivências, suas formações, seus limites, suas paixões, seus
aprendizados, seus olhares, sua vida) nas falas concedidas. Por trás de cada
narrativa acolhida pela pesquisa, tem um rosto, uma história humana, e,
como todas as histórias humanas, transportam limites e potencialidades.

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AS ESCOLAS E OS INTERLOCUTORES DA PESQUISA

A pesquisa foi realizada no período de junho a novembro de 2019,


e envolveu 63 educadores; 56 participantes se identificaram como do
sexo feminino e sete do masculino, de sete escolas públicas do ensino
fundamental situadas na área de entorno da ESECAE: quatro rurais
(Escola Classe Monjolo; Escola Classe ETA 44; Escola Classe Bonsucesso
e o Centro Educacional Pipiripau) e três na área urbana (Escola Classe
Paraná; Centro de Educação Fundamental 01 de Planaltina e o Centro
Educacional Dona América Guimarães – CEDDAG), conforme mostra
a Figura 2.

Figura 2 - Localização das sete escolas selecionadas na


região do entorno da ESECAE.

Fonte: Elaborada pelo Projeto “Clima e Água nas Escolas” a partir do banco de dados
Geoportal e de imagens de satélite disponibilizadas pela Esri, 2019.

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De acordo com a regulamentação da LDB, de 1996, o ensino
fundamental compreende a fase do 1º ao 9º ano e atende educandos
dos seis aos 14 anos de idade. Por ser o período mais longo da educação
básica, é dividido em anos iniciais (1º ao 5º ano) e finais (6º ao 9 º ano),
dessa forma, a pesquisa fez interlocução com 29 educadores dos anos
iniciais e 34 dos anos finais. Esses educadores participantes atuaram
com temas ambientais em suas práticas pedagógicas ou estiveram
envolvidos em projetos pontuais ou contínuos denominados de EA,
no período de 2016 a 2019, de acordo com os PPPs das respectivas
escolas (TAMAIO et al., 2019), de todas as áreas de conhecimento,
no entanto, a predominância foi de educadores das Disciplinas de
Geografia e Ciências da Natureza de turmas do 6° ao 9° ano do ensino
fundamental, conforme Figura 3.

Figura 3 – Parte do grupo de educadores participantes


.

Fonte: Acervo do projeto “Clima e água nas escolas”, 2019.

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O PPP, também conhecido como Projeto Político Pedagógico,
é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(mais conhecida como LDB), consiste em um documento elaborado
coletivamente pelos membros da escola e visa apontar objetivos, registrar
as aspirações e traçar metas para um determinado período letivo. Assim,
é um documento que reflete a proposta educacional de uma escola.
A elaboração do questionário levou em consideração as ações de meio
ambiente apontadas nos PPPs, o ambiente onde os participantes atuavam
e como aquele ambiente, situado na vizinhança de uma importante área
de proteção natural do Cerrado, poderia causar estímulos e vivências e
provocar o interesse pelo estudo do colapso climático e das populações
em situação de vulnerabilidade socioambiental que vivem no entorno
da escola. Dessa forma, as questões elaboradas procuraram certa
sintonia com a realidade e o contexto socioambiental dos educadores
participantes, aos quais procuramos ouvir e registrar a experiência
vivenciada por eles, de forma espontânea e subjetiva. Os relatos e as
narrativas presentes nos 63 questionários foram sistematizados para
análise da seguinte forma: foram criadas quatro categorias (crise
climática; água; relação entre clima, água e estação ecológica; justiça
climática) de agrupamento de concepções, dos conteúdos descritos por
temas e as formas de aprendizados, a partir da ordem das indagações
apresentadas no questionário, primeiro, individualizando cada escola, e
em seguida, analisando os resultados de forma coletiva.

A ÁREA DO ESTUDO: DE MESTRE D´ARMAS À PLANALTINA E


AS VERTENTES QUE EMENDAM ÁGUAS

Antigo distrito de Mestre D´armas – homenagem a um armeiro que


vivia na região – Planaltina é “o núcleo urbano mais antigo do DF, a sua
origem remonta a 1811 com as incursões realizadas pelos bandeirantes pau-
listas”, na então Capitania de Goiás (CODEPLAN, 2020, p.9). Planaltina
presenciou a chegada do mito desenvolvimentista ao Planalto Central na
figura simbólica da construção de Brasília. Com a chegada da capital fede-
ral em 1960, Planaltina passou a ser coadjuvante do processo de ocupação,
pejorativamente chamada até pouco tempo atrás de “cidade satélite”.
Essa condição se revela nas estatísticas demográficas, a Pesquisa Distrital
por amostragem de domicílios (PDAD) registra que Planaltina possui

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177.402 habitantes, sendo 74% desses considerados da cor da pele parda e
preta, os 26% restantes são constituídos por brancas (CODEPLAN, 2020,
p.11,13). Também em Planaltina está localizada a Estação Ecológica de
Águas Emendadas (ESECAE), a maior Unidade de Conservação (UC) do
Distrito Federal, com 10.500 hectares de área, representando um mosaico
da biodiversidade do Cerrado. Recebe esse nome por causa de um raro
e importante fenômeno natural em que, de uma mesma vereda, vertem
águas para duas grandes bacias hidrográficas (Rio Maranhão, que deságua
no Rio Tocantins; e São Bartolomeu, que flui para a Bacia do Rio Paraná)
(GDF, 2004, GDF, 2008). A ESECAE, conforme Figura 4, possui várias
nascentes de rios que abastecem a cidade, e se configura em um reservatório
que abriga fauna e flora do Cerrado (GDF, 2004).
Também representa um grande sumidouro natural de CO2,
equilíbrio do microclima local, santuário da vida selvagem e área de
recarga e produção de água para Planaltina e região.

Figura 4 – Imagem da Lagoa Bonita, no interior da ESECAE.

Foto: Evando Ferreira Lopes, 2010.

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No entanto, a ESECAE está “ilhada” por extensas áreas de produção
de soja, por regiões urbanizadas com moradores em situação de
vulnerabilidade socioambiental, por assentamentos rurais, associações
de produtores e movimentos sociais. A ESECAE sofre o impacto
de estiagens prolongadas, queimadas, ciclos curtos de precipitação,
afetando a sua condição de guardiã da biodiversidade e de nascentes de
água (GDF, 2008). Apesar da sua função estratégica para a vida local,
ela enfrenta uma forte pressão antrópica em todo o seu entorno. A
Figura 5 apresenta o mapa de localização da ESECAE, destacando a sua
área de entorno (externo à linha vermelha de limite) toda antropizada.
Figura 5 – Imagem de satélite da ESECAE, mostrando a pressão antrópica no entorno

Fonte: Elaborado pelo Projeto “Água e Clima nas escolas” (2020),


a partir de imagem GDF (2008).

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Para delimitar o espaço geográfico de estudo, a pesquisa recorre
ao conceito conhecido como zona de amortecimento ou zona tampão
ou área de entorno, conforme determinado pelo Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC, 2000). Dessa forma, o
entorno é concebido como uma faixa de até cinco quilômetros da
área limite (linha vermelha na Figura 5), também conhecida como
poligonal da UC. As escolas públicas selecionadas para a pesquisa
estão situadas dentro dessa área territorial. Esse critério foi adotado,
porque entendemos que as escolas situadas na vizinhança da UC, com
todo o impacto antrópico existente, possuem evidências concretas de
problemas socioambientais, e, por isso, dispõe de dados e elementos
que estimulam os educadores a desenvolver temas ambientais em suas
práticas pedagógicas.
Esse processo de impacto antrópico na ESECAE é preocupante,
conforme o Relatório “Mudanças climáticas no DF e RIDE. Detecção
e projeções das Mudanças Climáticas para o Distrito Federal e Região
Integrada de Desenvolvimento do DF e entorno” (GDF, 2016), a
região do DF, nos próximos anos, será mais quente e seco; esse
Relatório destaca que, no período de 1996 a 2015, superou seis
recordes históricos de extremo calor; destaca também que, no mês
de janeiro de 2017, foram registradas temperaturas de quase 4ºC
superiores à média; registra que, em 2016, foram queimados 17 mil
hectares de Cerrado - maior índice até então registrado. Por último,
o Relatório GDF (2016) revela um outro indicador das anomalias
do clima no DF, ao mencionar que, na década de 1960, o DF tinha
em média dez noites por ano com temperaturas acima de 20ºC, nos
últimos 17 anos, essa média aumentou para cerca de 100 noites. Ainda,
segundo o mesmo Relatório GDF (2016), esses dados registrados são
indicadores de que esses eventos extremos são consequências da crise
climática refletidas no plano regional (GDF, 2016, p. 40 a 55).
Então, nesse cenário de desafios regionais que afetam as
comunidades e todas as formas de vida em Planaltina, compreender
como e de que forma os educadores abordam os temas crise climática,
água e justiça climática contribui para pensarmos processos de
formação e caminhos para o fortalecimento dessas ações de EA nas
práticas pedagógicas das escolas públicas (TAMAIO et al., 2019).

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OS PROCESSOS, AS INTERPRETAÇÕES E DISCUSSÃO
Esta seção visa apresentar e interpretar os conteúdos registrados
por meio de narrativas escritas pelos educadores, e, a partir disso,
empreender uma reflexão sobre a compreensão e práticas pedagógicas
de crise climática, água e justiça climática. Dessa forma, almejamos
pensar o papel da EA no ensino escolarizado frente à emergência
climática, e a conseguinte injustiça climática, a partir das narrativas
de 63 educadores que atuaram com o tema nos últimos quatro anos.
E, nesse contexto, pretendemos buscar respostas para os objetivos
específicos desta pesquisa, e explorá-las sob a ótica dos pressupostos
teóricos e metodológicos aqui anteriormente descritos. Importante
ressaltarmos que muitas das ações e vivências pedagógicas, apresentadas
nos questionários, estão presentes nos PPPs e projetos das referidas
escolas, e muitas delas são consideradas como do campo da EA.
Não será exposto o nome dos educadores em suas respectivas
narrativas. Aqui a interpretação das leituras e significações atribuídas
pelos educadores ocorrerão a partir dos depoimentos obtidos nos
questionários, cujos trechos serão inseridos de forma agrupada por
categoria nesse texto, com o uso das aspas e destacado em negrito.
Para organizarmos a lógica interpretativa do conhecimento e vivência,
disponibilizados pelos 63 educadores, a compreensões e as práticas
pedagógicas foram categorizadas em três blocos de investigação
e interpretação. O primeiro se constitui nas ações pedagógicas e
compreensões de crise climática; o segundo compreende os conteúdos
de crise climática e as suas práticas pedagógicas, e o terceiro aborda a
relação entre crise climática, água e estação ecológica e reflexões sobre o
conceito de justiça climática no ensino escolarizado

“CALOR DEMAIS, CHUVA DE MENOS” – A COMPREENSÃO E


SIGNIFICADO DE CRISE CLIMÁTICA PARA OS EDUCADORES

A gravidade da emergência climática exige iniciativas que


contribuam para o entendimento do colapso ambiental e a percepção
do risco, aquilo que Greta Thunberg chama de “sentir o medo da
crise”, e, a partir disso, possibilitar a formação do senso de urgência
que estimule o engajamento da sociedade por meio de ações coletivas.

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Essas ações de caráter coletivo e público podem contribuir para
promover a sensibilização, a reflexão e as imprescindíveis mudanças
radicais no sistema responsável pelas emissões dos GEE, visando garantir
o equilíbrio ecológico global, assegurando a vida. Nesse contexto
desafiador e complexo, impulsionado por um fenômeno de origem
antropogênica (IPCC 2007; IPCC 2018), a atuação dos educadores,
suas ações pedagógicas e a forma como esses conteúdos, vivências e
conhecimento estão sendo construídos, aprendidos e debatidos na
escola, são fundamentais. Ou seja, a forma como a crise climática é
tratada nos conteúdos educacionais, também, é importante, como
apregoam Gaudiano e Meira-Cartea (2020).
Entendemos que a escola não é a “salvação definitiva”, e nem
acreditamos que haja uma, no entanto, reconhecemos que a escola é
um espaço social importante para debater, aprender e ajudar a pensar
e buscar caminhos coletivos de enfrentamento do colapso climático.
A EA tem o compromisso ético e político de suscitar esse debate nas
escolas, buscando uma abordagem que não reduza a disseminação de
conhecimento e a alfabetização cientifica acerca do fenômeno, e seja
capaz de precavê-la para não propagar ações restritas à esfera individual,
ao fortalecimento da capacidade de resiliência e ao comportamental,
como lembram Reid (2019) e Sato (2020).
O conceito de crise climática é um campo marcado por
disputas, narrativas e concepções diferenciadas, mas predomina uma
compreensão centrada em referenciais científicos, às vezes catastróficos,
obtidos a partir da mídia e das redes sociais. Com o objetivo de
entendermos as compreensões sobre o conceito de crise climática,
perguntamos o que passa pela cabeça deles ao ouvirem a palavra “crise
climática”. Ao serem indagados se já tinham desenvolvido alguma
atividade pedagógica relacionada com o tema crise climática, um grupo
minoritário, representando 15% dos educadores, mencionou que não,
já a grande maioria (85% dos participantes) afirmou que sim. Se nós
nos referenciarmos nesses dados quantitativos, podemos acreditar
que a crise climática está presente nas práticas socioeducativas desses
educadores que participaram da pesquisa.
No entanto, é necessário indagarmos, mas de que forma desenvolvem
pedagogicamente esse tema? Com qual compreensão e conteúdo? A crise cli-
mática é apresentada e refletida com a dimensão da gravidade do problema?

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Parece que esses educadores reconhecem a relevância ao abordar o tema, mas
será que estão convencidos do potencial de ameaça, do senso de urgência
que o problema requer? As causas da crise como fruto de um modelo de
produção e consumo capitalista está presente em suas reflexões acerca da
emergência climática? Se observarmos pela perspectiva do conteúdo das
ações pedagógicas desenvolvidas e descritas no questionário, parece que não.
Assim, a pesquisa revela que a maioria dos educadores participantes
abordaram o tema em suas práticas pedagógicas, contudo, no
entendimento do conceito de crise climática, não apresentaram
informações sobre a complexidade desse tema, bem como a urgência
que a temática envolve não foi revelada. Embora na sua compreensão
de crise climática nenhum educador tenha abordado de forma direta a
questão da urgência, podemos interpretar que vários significados citados
possibilitam o emergir dessa questão, pois dez educadores relataram
que, ao ouvirem a palavra “crise climática”, associam imediatamente à
“sobrevivência”; à “catástrofe ambiental”, ao “medo e preocupação
com o futuro”; aos “desastres causados pelas fortes chuvas,
desabamentos e alagamentos”. Essa leitura conceitual imediata
de crise climática pode ser interpretada como uma preocupação que
pode facilitar a conexão e o despertar do senso de urgência, e está
relacionada à incerteza, ao risco emergente, à gravidade do problema,
contudo, representa uma minoria (16%) dos 63 educadores. Assim,
podemos interpretar que esses educadores manifestaram uma sensação
de perigo e preocupação em relação ao futuro, mas, e a maioria (84%)
dos participantes? Podemos entender que os educadores desconhecem
o risco emergente? Ou aceitam como algo comum? Remetendo à
Jickling (2013), podemos interpretar isso como um indicador de que a
catástrofe evidente foi normalizada? Ou, pensando no alerta de Meira-
Cartea (2018), será que esses educadores não associam a crise climática
ao cotidiano das pessoas, e, por isso, não visualizam a possibilidade de
um desastre da vida? Enfim, brotam mais dúvidas e indagações.
A maioria dos educadores participantes concebe a crise climática por
uma escala curta, geralmente a do dia, da semana ou a dos meses. Para es-
ses educadores, crise climática remete a observações e sensações do cotidia-
no, àquilo que é perceptível, sobretudo, a variação diária da temperatura,
o regime de pluviosidade, as estações do ano e a umidade relativa do ar.
Ao serem indagados sobre o significado da palavra crise climática, eles

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assim relataram: “calor demais, chuva de menos”; “tipos de clima das
regiões brasileiras”; “fortes chuvas”; “quente e frio”; “aumento da
temperatura”; “umidade, sol e chuva”; “calor”; “a pequena quantida-
de de chuva em comparação aos outros anos e o aumento da tempera-
tura”; “as estações não tão definidas”; “variação perceptível da chuva,
do calor, do frio e da umidade”; “amplitude térmica”, “aquecimento
global” e a “camada de ozônio”. Podemos interpretar que, nessas con-
cepções do conceito de crise climática, sobressai a dimensão prática, per-
ceptível e emotiva, e não emerge a dimensão reflexiva e dialógica sobre as
causas e consequências sociopolíticas do colapso climático.
Para Meira-Cartea (2018), essas compreensões podem ajudar na forma
pragmática de abordar o tema por meio de um processo que vincule o fe-
nômeno à vida cotidiana das pessoas, entretanto, tem de ir além, para não
resultar numa visão conteudista e instrumental da emergência climática.
Esta compreensão do conceito como a amplitude térmica e o perceptível
sensorial imediato, que aqui estamos agrupando e denominando de “ob-
servações e sensações do cotidiano”, sobressai na maioria das leituras de
crise climática descritas pelos educadores participantes.
Consideramos importante destacar que esse entendimento hegemôni-
co de crise climática possui sintonias com as constatações apresentadas no
Relatório Científico “Mudanças Climáticas no DF e RIDE” (GDF, 2016),
ao revelar que eventos extremos resultantes da crise climática, como a bai-
xa umidade relativa do ar, as queimadas, os períodos longos de estiagem
com períodos curtos de chuva, mais ondas de calor e extremos de chuva,
verões mais quentes e os invernos mais secos, seriam, na visão do Relatório
(GDF,2016), cada vez mais intensos no DF.
Assim, para a maioria dos educadores esses eventos são perceptíveis,
e, por isso, compõem o arcabouço teórico do significado de crise
climática deles, no entanto, esses eventos extremos, vivenciados e tão
expostos na mídia, são as consequências da emergência climática.
E onde estão as causas? Por onde anda os impactos socioambientais
resultantes dessas anomalias climáticas? Se tomarmos como referência
o conteúdo dos depoimentos dos educadores sobre o entendimento
que possuem da crise climática, não existe nenhum relato que possa ser
entendido claramente como relacionado com as raízes do problema, o
sistema societário capitalista consumidor, com o seu modelo voraz, com
a natureza e produtor ascendente de GEE.

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Não emergiu nenhuma fala que pudesse ser interpretada como
relacionada a essa reflexão. Os eventos são perceptíveis, as causas
estruturais não. Não fluiu essa concepção sociopolítica da crise
climática, talvez seja um limite do modelo de investigação adotado por
esta pesquisa.
De qualquer forma, a partir dos relatos descritos, entendemos que
esses educadores - que representam a maioria dos participantes - possuem
uma concepção geofísica do fenômeno, e, por isso, correm o risco de não
contribuir para uma reflexão crítica sobre a insustentabilidade resultante
da degradação socioambiental. As ações e as práticas socioeducativas
desses educadores possuem uma grande probabilidade de incorrer
naquilo que Reid (2019) e Gaudiano e Meira-Cartea (2020), de uma
forma crítica, chamam de “alfabetização científica” do aprendizado
da questão climática. Os autores não negam que se deve investir na
abordagem técnica e conceitual nos processos de aprendizagens sobre
a crise climática, mas defendem que só isso não basta, é preciso uma
abordagem pela dimensão sociopolítica, cujos impactos socioambientais
são desiguais e podem afetar todas as formas de vida.
Ainda na compreensão dos educadores sobre a crise climática,
emergiram algumas falas que podemos interpretar como associadas
às consequências sociais do Antropoceno, mas representam a visão de
uma minoria. Para eles, a crise climática significa: “perda de recursos
ambientais”; “mudanças causadas pela ação do homem”; “malefícios
à saúde humana”; “escassez de alimentos” e “migração da população
mundial”. Excetuando essas leituras com viés socioambiental, não
observamos nos depoimentos dos demais educadores nenhuma
manifestação de que a crise climática possa ser entendida também como
um problema social grave e que, em função disso, requer uma ação
coletiva urgente, como nos lembram Layrargues (2020a) e Marques
(2020), ao defenderem que o enfrentamento da emergência climática
passa necessariamente por um movimento social que desperte e mobilize
a sociedade para participar de ações coletivas urgentes que refutem o
modelo hegemônico alicerçado nas emissões de GEE.
Com esses pressupostos de Layrargues (2020a) e Marques (2020) e
diante do desafio tão complexo no mundo real da aprendizagem e da
formação contínua, entendemos que os educadores com as suas ações
pedagógicas de EA escolarizada, sobretudo, com as escolas públicas em

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uma área periférica como Planaltina, podem problematizar as suas leituras
de crise climática por meio de processos de formação e aprendizagens que
se pautem no reinventar, no se posicionar politicamente e pensar a partir
da perspectiva da pedagogia da resistência, proposta por Sato (2020).
O entendimento dos principais conceitos que o tema da crise
climática emprega regulamente é um aspecto importante, embora por
si só, sem a dimensão sociopolítica pode implicar uma visão conteudista
do fenômeno. Ou seja, compartilhamos do que discorrem Gaudiano e
Meira-Cartea (2020) ao enfatizarem que apenas o conteúdo científico
do fenômeno não garante as mudanças necessárias para o enfrentamento
do problema. No entanto, não desconsiderando essa observação dos
autores (2020), e refletindo sobre os conceitos e suas significações
manifestados nas narrativas dos 63 educadores, consideramos
importante citar que não foi apresentado em nenhum dos depoimentos
as palavras “combustíveis fósseis”, “GEE”, “efeito estufa”, por essa
razão, podemos interpretar que os educadores talvez desconheçam esses
termos pertinentes para a abordagem científica da emergência climática
ou não veem relação desses termos com a crise climática.
Ainda nesse prisma conceitual científico, outro aspecto que a
pesquisa observou foi a presença da palavra “aquecimento global”, citada
por 12 participantes, e “camada de ozônio” por três participantes, como
sinônimos de crise climática. A ligação entre crise climática e camada
de ozônio, realizada por educadores que trabalham pedagogicamente
com o tema da emergência climática também foi observada em uma
pesquisa desenvolvida por Marchezini e Londe (2020), em que um
dos resultados mostrou que quase 30% dos professores associam a crise
climática à camada de ozônio. No caso desta pesquisa, aqui foram três
educadores de um coletivo de 63 participantes, representando 5 %.
Outra expressão conceitual que surgiu nos relatos de 12 educadores
(19%), foi o “aquecimento global”.
Em um mundo carregado de teorias da conspiração e negacionismo,
consideramos importante usar os termos científicos mais apropriados
para a aprendizagem sobre o colapso. Crise climática e perda da camada
de ozônio são dois fenômenos separados. Já o aquecimento global remete
apenas à questão térmica, ou seja, à variação de temperatura, talvez, por
isso, muitos educadores participantes desta pesquisa traduzam como
crise climática. O problema é que o “aquecimento global”, citado pelos

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educadores, destaca de forma demasiada apenas uma das consequências
da emergência climática. Com isso, apregoa-se uma ideia de que o
Planeta aquece de forma igual, o que não é verdade. A temperatura
média global está aumentando, mas tem regiões do Planeta onde
acontece o contrário, a temperatura está diminuindo.
Essas observações sobre as formas e concepções de emergência
climática presentes nas falas dos educadores podem ser entendidas como
uma dissonância em relação aos significados reconhecidos pela Ciência
do Clima, mas também podem estar relacionadas aos processos de
formação e aprendizagem que vivenciaram esses educadores. A maioria
deles, ao serem indagados onde e como tiveram contato e aprendizado
com o tema da crise climática, respondeu que foi por meio das mídias
(televisão, jornais, documentários, revistas e internet), e uma minoria,
por meio de cursos específicos e na Universidade.
Notamos que os principais mediadores de conteúdo de crise
climática junto a esses educadores são a mídia e os livros didáticos,
trazendo, assim, a reflexão que propõem Guimarães, Granier e Klein
(2020) e Tamaio, Gomes e Willms (2020), de que a gravidade do
problema exige que os processos de aprendizagem e formação inicial de
educadores sejam pautados pela inserção da crise climática em todos os
níveis e sob a ótica da complexidade socioambiental.

5.2. O CONTEÚDO DA CRISE CLIMÁTICA NAS ESCOLAS:


SABERES E EMERGÊNCIAS

O engajamento da educação e da sociedade na busca de soluções


coletivas para o enfrentamento da emergência climática passa, também,
pelo conteúdo e pela forma de aprendizado com que esse tema está
sendo debatido e construído socialmente nas práticas pedagógicas
das escolas. Na visão de Gaudiano e Meira-Cartea (2020), as ações
educacionais, com os seus conteúdos e os procedimentos adotados no
aprendizado podem contribuir muito para o despertar e a mobilização
rumo ao enfrentamento do colapso.
Referenciados nessa perspectiva, e com o objetivo de investigarmos as
conexões entre o entendimento conceitual de crise climática dos educadores
e as suas práticas pedagógicas com o tema, indagamos aos educadores, por
meio de uma pergunta aberta, se eles já tinham abordado o tema em suas

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práticas educativas, e, se sim, de que forma e com quais conteúdos? Para
eles, os principais conteúdos são: “previsão do tempo”; “ciclo da água”;
“flora e fauna”; “nascentes”; “planeta Terra”; “poluição das águas”;
“regiões geográficas do Brasil”; “estações do ano”; “aquecimento
global”; “mudança física da água”; “sistema solar”; “ciclo de energia”;
“micro e macro clima”; “fluxo entre os ecossistemas”.
Essas expressões amplas que são desenvolvidas como eixo temático
dos conteúdos do aprendizado da emergência climática nas escolas,
conforme descritas pela maioria dos educadores participantes, podem
ser interpretadas como consequência da compreensão conceitual de
crise climática marcada por viés conteudista, científica, como algo
autônomo e distanciado de interações com as abordagens sociopolíticas.
Podemos interpretar - a partir dos depoimentos - a inexistência de
uma prática pedagógica que mencione o modelo de desenvolvimento
da sociedade capitalista, centrado nos combustíveis fósseis e padrões
de consumos exacerbados, como causa estrutural da crise climática.
Essa ausência de relação causa-consequências por um olhar complexo
pode ser interpretada pela concepção que esses educadores possuem
sobre o clima. Para eles, o clima é uma entidade que muda de acordo
com os extremos de temperatura ou precipitação, um conceito ligado
às condições de tempo metereológicas, como um determinismo
atmosférico, algo intocável, e não cabe a nós, seres humanos, fazermos
interferências, resta-nos adaptarmos a essas novas condições de excesso
de calor ou de frio, de muita ou pouca chuva, portanto, o clima está
isolado e dissociado das ações humanas, o que pode reforçar o olhar
dicotômico entre o ser humano e a natureza.
Essa forma de compreender a questão climática, ao ser assumida
como pressupostos de uma prática socioeducativa, pode gerar a noção
de que o clima é algo imune, distante das relações humanas, e cabe ao
ser humano buscar formas de se adaptar, de se moldar à nova situação
dada tacitamente, adotando assim uma certa relação com o que Sato
(2020) chama de abordagem de EA para a crise climática com viés da
pedagogia da resiliência.
Como já dito aqui, as interpretações das falas dos participantes
revelaram que a maioria dos educadores se apropria de elementos
perceptíveis geofísicos (chuva, sol, calor etc.) para explicar o significado
de crise climática, entretanto, nas suas práticas socioeducativas, não

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recorrem aos problemas socioambientais - também perceptíveis - no
cotidiano da região em que estão situadas as escolas (escassez hídrica,
moradias, transporte precário, falta de áreas verde para lazer, violência,
invasão de terras públicas, queimadas, perda da natureza etc.).
Assim, parece que temos mais uma questão a ser investigada: o
excesso ou a ausência das gotas da chuva ou dos raios do sol tocam
mais os educadores do que as injustiças visíveis resultantes dessa
anomalia climática? Então, nessa perspectiva, podemos notar que esses
educadores que assumiram que atuam com o tema nas suas práticas
socioeducativas não estão sensibilizados para a gravidade do colapso
climático. Esse limite estruturante e a não manifestação de uma postura
política e ética frente ao cenário de incerteza instaurado pelo colapso
climático podem estar associados aos processos históricos de formação
e aprendizagem desses educadores.
Outra interpretação que a investigação apontou, e que consideramos
relevante também, trata do conteúdo das práticas pedagógicas. Da
forma que foi anunciado, não atribui nenhum significado que pudesse
ser interpretado como uma ação de aprendizagem relacionada à questão
da injustiça climática, contudo, Planaltina sofre, frequentemente, com
eventos extremos climáticos.

SIGNIFICAÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE


ÁGUA E DE JUSTIÇA CLIMÁTICA

Os impactos socioambientais resultantes da crise climática já atingem


o DF, de acordo com o relatório científico “Mudanças Climáticas no
DF e RIDE: Detecção e projeções das Mudanças Climáticas para o
Distrito Federal e Região Integrada de Desenvolvimento do DF e
entorno” (GDF, 2016). Esse estudo (GDF, 2016) revela que os bairros
periféricos do DF enfrentarão de maneira mais intensa esses impactos,
como é o caso de Planaltina, uma cidade dormitório marginalizada
pela segregação territorial, desigualdade social vergonhosa, altos índices
de violência, com uma população dependente da água proveniente da
ESECAE para o abastecimento humano e com regiões ocupadas de
maneira desordenada tornando-as vulneráveis aos eventos extremos,
sobretudo a escassez hídrica que, nos anos de 2017 e 2018, afetou
a população com vários dias de falta de água. Ou seja, por conta da

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emergência climática, a região de Planaltina vivencia o que Leroy (2009),
Souza e Sato (2019) chamam de justiça climática, em que os riscos e
as incertezas dos impactos são distribuídos de forma desigual entre os
grupos sociais. Souza e Sato (2019) reforçam que as consequências da
crise climática afetarão de forma desigual e injusta os grupos sociais
menos favorecidos economicamente, os que vivem na periferia.
Diante dessa situação e entendendo que as vivências e aprendizados
nas escolas não podem suprimir esse cenário complexo, este estudo
buscou identificar e interpretar como esses educadores - que atuam nessa
região periférica, ao lado de uma estação ecológica, - compreendiam a
situação da água e o conceito de justiça climática. Para isso, formulamos
duas indagações abertas no questionário, uma que tratava de saber com
quais conteúdos eles debatiam a água em suas práticas pedagógicas, e
uma outra que solicitava o que a palavra justiça climática significava para
eles. Os resultados mostraram que os principais conteúdos abordados
pelos educadores foram, nas palavras deles, “ciclo hidrológico da água”;
“a constituição física do planeta Terra”; “abordando os conteúdos
dos livros didáticos”; “solo e temperatura”; “poluição das águas”;
“economizar água”, “estados físicos da água”, “uso consciente da
água” e “reaproveitamento”.
Neste estudo, a maioria dos educadores percebe e destaca a
importância de debater a questão da água em suas práticas, entretanto,
podemos observar, a partir dos conteúdos citados, que predomina uma
compreensão distante das questões sociais e conflituosas que a água
protagoniza, sobressai o olhar da ciência geofísica da água, e não a
relacionam com a estação ecológica (produtora de água) e a escassez
hídrica que a região sofre.
Percebemos nos relatos dos educadores uma ausência da relação en-
tre crise climática, os problemas locais de produção e distribuição de
água e a ESECAE. Essas compreensões se contrapõem ao que citam
Acselrad, Herculano e Pádua (2004), que as variações microclimáticas
de uma região são consideradas como externalidades ambientais e atin-
gem de forma mais direta os moradores das periferias urbanas, popula-
ções tradicionais extrativistas, pequenos agricultores familiares, grupos
indígenas e quilombolas. Marengo (2007) também considera que fato-
res como disponibilidade de água e secas prolongadas contribuem para
a origem das injustiças climáticas.

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No caso da ESECAE, atinge de forma mais direta os moradores da
periferia, as populações assentadas da reforma agrária e os agricultores
familiares, reforçando a capacidade que a ESECAE tem de ser
problematizada pelos educadores como uma área natural que tem um
papel no enfrentamento das consequências de eventos climáticos junto
a esses grupos sociais em situação de vulnerabilidade que vivem no seu
entorno. No entanto, essa dimensão socioambiental não emerge na
compreensão dos educadores.
Ao serem indagados sobre a compreensão de justiça climática, dez
educadores não responderam, quatro expressaram definições e quarenta
e nove (92% dos participantes que responderam a essa indagação)
disseram que nunca tinham tido contato com esse termo, portanto
desconheciam o seu significado. Sendo assim, chamou-nos a atenção
o fato de que o conceito de justiça climática praticamente inexiste
na reflexão e prática socieducativa desses educadores ao abordarem
questões relacionadas ao clima.
Para quatro participantes, justiça climática significa o seguinte: “se
houver queimadas, o autor pode ser penalizado”; “uma legislação
voltada para as questões que influem no clima”; “se refere ao que
fazemos contra a natureza se volta contra nós”; “tratados e comércio
de carbono”; “para criar legislação ou resolver questões jurídicas
sobre o clima” e “quando a questão ambiental se torna caótica, tem
a necessidade de uma intervenção da justiça”.
Essas ideias podem ser interpretadas como uma definição de justiça
climática associada às leis jurídicas e a supostos valores morais da natureza,
destoando assim do entendimento de justiça climática defendidas por
Leroy (2009) e por Sato (2016) como um campo de ações e táticas
de luta contra a raiz da desiguldade social produzida pela degradação
socioambiental resultante do modelo socioeconômico insustentável.
Percebemos, nesses depoimentos, que os educadores não inserem
em suas significações de justiça climática a relação com a crise climática,
com os problemas locais de produção e distribuição de água e a
ESECAE. Em suas falas, os educadores não apontam nem relacionam
os grupos sociais em situação de vulnerabilidade socioambiental (os
moradores da periferia, os assentados da reforma agrária, os agricultores
familiares e os latifundiários produtores de soja e milho) que vivem no
entorno da ESECAE.

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Para Leroy (2009), o entendimento de justiça climática é
extremamente importante para a mobilização dos atingidos e excluídos
pelo desastre da crise climática, e aqui, transpondo para o campo da
EA, é fundamental para ir além da concepção geofísica e tecnológica do
conceito de crise climática.
Essas compreensões de justiça climática não estão focalizadas
nos grupos sociais em situação de vulnerabilidade, como propõem
Souza e Sato (2019). A situação dos grupos sociais marginalizados
e invisibilizados da periferia, onde estão situadas as escolas, não
constituem parte desse significado de justiça climática. Não existem
nessas narrativas nenhuma expressão que possa ser interpretada como
um posicionamento crítico frente às evidentes injustiças resultantes da
crise climática, como ponderam Milanez e Fonseca (2011), ao afirmarem
que é necessário inserir, no debate sobre o clima, as demandas sociais
das comunidades impactadas – nesse caso, trata-se da comunidade do
entorno da ESECAE.
Consideramos que esse é um aspecto crucial para a construção de
um conhecimento crítico nas escolas sobre as desiguais consequências do
colapso climático, e, com isso, provocando movimentos e ações coletivas em
prol de um outro modelo societário. Assim, as interpretações apresentadas
nesta pesquisa mostram que a justiça climática não está reconhecida nas
ações pedagógicas de EA e na crise climática junto as escolas estudadas, por
isso, entendemos que, nessas escolas, os educadores enfrentarão desafios
para propor e debater a reinvenção das relações sociedade-natureza no
sentido de contribuir para frear o processo de colapso da vida. Além disso,
acrescem-se desafios especificos no campo epistemológico e político para
adotarem uma postura emergencial de rompimento radical com a postura
apática definida por Meira-Cartea (2018).
Essas interpretações resultantes da pesquisa nos permitem
compreender que os educadores podem até ter a dimensão do que
significa o clima, mas a descrevem a partir de uma lógica racional,
considerando apenas as descrições geofísicas do fenômeno, enfatizando
os aspectos técnico-científicos, não como uma emergência ou uma crise,
sem investigar de forma crítica o modelo capitalista consumidor atrelado
à poderosa fonte energética dos combustíveis fósseis, responsável pelas
emissões de GEE. Entretanto, isso não significa que os educadores não
possuam nenhum conhecimento teórico sobre a crise climática, mas

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demonstram a necessidade de mais aprofundamento do estudo do
papel da educação frente ao colapso climático e à justiça climática por
meio de processos de formação e aprendizagens com uma abordagem
complexa, dialogando e construindo conhecimento que não restrinja
ao campo da ciência geofísica e da tecnologia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O futuro não nos faz. Nós é que nos fazemos na luta


para fazê-lo” (Paulo Freire, 2000, p. 27)

A partir dos relatos dos educadores e das interpretações por nós


elaborada nesta pesquisa, foi possível observar o não reconhecimento,
pela maioria dos educadores participantes, do risco emergente do
colapso climático e dos aspectos sociais e políticos presentes na questão
climática, mostrando que o diálogo e a incorporação da EA e a crise
climática, nas atividades pedagógicas das escolas públicas, consistem
numa questão complexa e desafiadora.
Mesmo atuando em sete escolas que mais desenvolvem vivências
e ações pedagógicas e práticas denominadas de EA, como citados em
seus respectivos PPPs, vizinhas a uma estação ecológica produtora de
água e da vida, mesmo sob a questão constante da escassez hídrica
que tanto afeta a população em situação de vulnerabilidade da
região de entorno da ESECAE, os depoimentos mostraram que as
compreensões de crise climática estão alicerçadas em um olhar do
campo do conhecimento geofísico e dos sistemas ecológicos, e as
ações pedagógicas relacionadas ao clima e à questão da água estão
dissociadas da realidade socioambiental de Planaltina, excluindo
assim, os aspectos sociais, culturais e políticos do fenômeno climático.
A ESECAE, o clima e a água não foram mencionados de forma
interconectadas, como um sistema integrado, são compreendidos
como isolados para a maioria dos educadores participantes.
Observamos que, nos depoimentos dos educadores, não existe a
dimensão de urgência do caos climático, as ações se pautam no agora,
no imediato e não no processo de longa duração, por isso não foi
possível interpretar nitidamente o que é crise climática, é uma questão
de temporalidade, não existe crise no clima, por isso não existe o senso

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do perigo, do necessário agir, revelando que a perspectiva sociopolítica
do clima continua invisibilizada nas práticas pedagógicas dessas escolas
públicas. Este resultado coaduna com diversas pesquisas realizadas pelo
Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte
(GPEA), que envolveu diversos grupo sociais e suas percepções acerca
do clima: quilombolas, Pessoas com Deficiência (PcD), migrantes,
pescadores, camponeses, mariscadoras, redeiras (mulheres que tecem
redes de pescar), professores e estudantes da educação básica, mulheres
negras, representantes do movimento de Lésbica, Gays, Bissexuais e
transgêneros, entre outros.
Essa compreensão dos educadores é justificável historicamente, mas
oculta uma realidade trágica: as ações pedagógicas de EA relacionadas
à emergência climática não atendem ao senso de urgência, à gravidade
que o momento exige. Esse não atendimento mostra a preocupação
abordada por Sato (2020); Layrargues (2020b); Guimarães e Meira-
Cartea (2020) e Gaudiano e Meira-Cartea (2020), ao advertirem que a
emergência climática exige da EA um compromisso ético e político, o
reconhecimento do impulso destrutivo e do risco emergente.
As leituras e as compreensões dos educadores participantes podem
ser recriadas e transformadas a partir de processos de formação que
trabalhem de forma solidária esses limites, as suas conexões locais;
que respeitem as suas subjetividades, as suas práticas socioeducativas;
que reconheçam a sua história, as dimensões individuais e coletivas,
emergindo novos olhares, mensagens e emoções voltadas para ações
de reflexão e práticas locais de forma atrativa. Essas ações poderão
contribuir para o surgimento de novas significações do clima e suas
relações sociais presentes no cotidiano das pessoas e das comunidades,
e principalmente, poderão estimular a pensar no seu papel de agente
político e se posicionarem diante da emergência climática.
Diante de um futuro incerto e duvidoso, concordamos com o
argumento corrente na EA de que a crise climática é abstrata, acontece
em outra escala de tempo; é extremamente complexa, no entanto,
existem hoje muitos estudos, dados, vivências e informações que
permitem aos educadores compreenderem e tirarem as suas conclusões
de que o problema é grave e exige de nós educadores ambientais um
tratamento urgente. Considerando que a escassez de água potável é um
dos graves problemas do colapso climático, e que há inúmeras regiões

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já com falta de água, é emergencial considerar que mais informação e
formação são processos necessários na educação ambiental.
Sobre esse senso de urgência que não apareceu nos depoimentos
dos educadores, pensamos que, ao observarmos de forma cuidadosa a
degradação e os riscos provenientes do desequilíbrio ecológico global
de suporte à vida e às exigências essenciais para a sobrevivência humana
na Terra, como a disponibilidade de água doce, a questão das moradias
e dos alimentos, perceberemos o tamanho do risco existente. Nesse
desafio de compreensões e aprendizagens, concordamos com Waldron
et al. (2016), quando enfatizam a relevância de processos formativos de
educadores no campo da crise climática, com destaque para os aspectos
sociopolíticos.
E acrescentamos, como sugestão, que vivências e formação de
educadores, nesse campo, considerem o rompimento radical com o
modelo socioeconômico de pilhagem da natureza como tratamento
precoce para a catástrofe iminente, a EA tem de pensar nessa premissa
como ingrediente de reflexão e proposição de caminhos alternativos
sustentáveis para a relação ser humano-natureza. A EA não pode
normalizar a catástrofe, como lembra Jickling (2013).
Saímos desta pesquisa com mais dúvidas do que quando aqui
ingressamos, sabemos que não existem respostas simples e fáceis, mas
parece que aumentou ainda mais o volume de perguntas acerca da relação
EA e crise climática no ensino escolarizado. Por isso, sugerimos mais
investigações nesse campo educativo, com algumas destas indagações:
Qual(is) a(s) razão(ões) histórica(s) e subjetiva(s) da não identificação
do impulso destrutivo da emergência climática pelos educadores em
suas práticas socioeducativas? Ao problematizar a crise climática em
suas práticas socioeducativas, como a EA pode extrapolar, construir
e reconstruir novos olhares e interpretações do já pensado? O debate
sobre as consequências do emergente colapso pode ressignificar a forma
como os educadores debatem a EA na escola? Qual(is) postura(s) a EA
precisará adotar frente aos terríveis sintomas do nosso tempo? Diante
dos diagnósticos, as projeções e os cenários projetados pela Ciência
do Clima, o que os educadores ambientais podem fazer para buscar
possibilidades de mudanças radicais na sua ação educativa? Como
sentir o sofrimento das populações em situação de vulnerabilidades
socioambientais e aprender com elas?

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Os educadores ambientais deverão estudar, pesquisar e se posicionar
frente a esse dramático desafio como mediadora do conceito de colapso
climático nas práticas educativas ambientais no ensino escolarizado.
Uma EA que faça a denúncia do sofrimento das injustiças climáticas
provocadas aos grupos em situação de vulnerabilidade, e que anuncie
um novo projeto societário pautado no decrescimento e na igualdade
social visando garantir a democracia que reafirma a esfera pública.
Enfatizamos que esse estudo revelou que os educadores participantes
não conhecem o conceito de justiça climática, imprescindível para
pensar uma educação para a crise climática comprometida com a ação
política frente às injustiças resultantes dos eventos extremos. O colapso
climático não é identificado e percebido nas práticas educativas de EA.
Dessa forma, a pesquisa aponta o desafio imenso que a escola terá para
engajar e mobilizar a comunidade escolar para o enfrentamento da crise
climática e se posicionar criticamente frente à injustiça climática.
Entendemos que as interpretações resultantes desta pesquisa reforçam
o entendimento de que a justiça climática, como conteúdo de abordagem
no campo da EA para a crise climática, principalmente nas reflexões e
práticas educativas do ensino escolarizado, necessita urgentemente
ser inserida nos processos de aprendizagens, formação e vivências dos
educadores sob a dimensão da pedagogia da resistência para a crise
climática. Essa pedagogia, concebida por Sato (2020), é tratada como um
processo político, provocador e mediador de críticas e ideias de superação
do modelo socioeconômico capitalista, designando a esse sistema a
responsabilidade pelas emissões de GEE e pela tragédia socioambiental
em curso. Portanto, na visão dessa tendência pedagógica para o debate da
crise climática, o que necessita mudar é o sistema, e não o clima.

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TRISTÃO, Martha. A Educação ambiental e os contextos formativos na
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TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências
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Autores e Autoras
ALESSANDRA MORINI
Mestre e docente da Universidade do Estado de Mato Grosso.

ALEXANDRE FAGUNDES CESÁRIO


Mestre e Professor o Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT.

ANTONIO GARCÍA VINUESA


Doutorando do Grupo de Investigación en Pedagoxía Social e Educación
Ambiental; Universidade de Santiago de Compostela.

ARACELI SERANTES PAZOS


Mestre e Doutora em Educação, Professora da Universidade da Coruña, Espanha.

BÁRBARA YADIRA MELLADO PÉREZ


Socióloga e Doutora em Pedagogia. Professora da Universidade de Havana, Cuba.

CELSO SÁNCHEZ
Doutor em educação, professor da Unirio, Grupo de Pesquisa em Educação
Ambiental desde el Sur.

CRISNAIARA CÂNDIDO
Mestre em Educação e Professora da Educação Básica.

DANIEL RENAUD CAMARGO


Doutorando da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

DEBORA E. PEDROTTI
Doutora em Ciências, professora e pesquisadora da UFMT.

DÉBORAH LUIZA MOREIRA


Doutoranda em Educação, professora da educação básica.

DIONISIO GARCIA DE SOUZA


Mestre pelo IFMT, professor da Educação Básica.

GISELI DALLA-NORA
Doutora em educação, professora do departamento de Geografia da UFMT.

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GISELLY GOMES
Doutora em educação e professora da Educação Básica.

HEITOR QUEIROZ DE MEDEIROS


Doutor em Ciências e professor da Universidade Católica Dom Bosco.

IRINEU TAMAIO
Doutor em Desenvolvimento Sustentável e professor da Universidade de Brasília UnB.

IVO POLETTO
Filósofo, teólogo e cientista social. Assessor do Fórum Mudanças Climáticas e
Justiça Social (FMCJS).

JOSÉ LAÉRCIO BEZERRA DE MEDEIROS


Gestor Ambiental. Mestre em Ciências Naturais.

JAKELINE M. A. FACHIN
Doutoranda em Educação e Professora da educação Básica.

JOÃO IVO PUHL


Historiador. Professor da Universidade do Estado de Mato Grosso.

JÚLIO RESENDE
Doutor em Educação, é professor do Instituto Federal de Mato Grosso.

LINDALVA MARIA NOVAES GARSKE


Doutora em Educação e Professora da Universidade Federal de Rondonópolis, MT.

LUCIMARA AFONSO CASTILHO


Bióloga. Mestre em Educação.

MARCOS SORRENTINO
Doutor em Educação, professor sênior na USP e visitante na UFBA.

MARIA APARECIDA PIMENTEL TOLOZA RIBAS


Mestrado em Tecnologia Ambiental. Doutora em Educação.

MICHÈLE SATO
Professora e Pesquisadora do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental,
Comunicação e Arte, UFMT.

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MICHELLE JABER-SILVA
Mestre em Educação e Doutorado em Ciências.

NAYARA FERREIRA
Mestre em Ciências Ambientais e Professora da Universidade do
Estado do Mato Grosso.

PABLO ÁNGEL MEIRA CARTEA


Professor Doutor do Grupo de Investigación en Pedagoxía Social e Educación
Ambiental; Universidade de Santiago de Compostela.

PEDRO ROBERTO JACOBI


Doutor em Sociologia e Livre Docente em Educação - USP.

RAMIRO. G. V. CAMACHO
Doutor em Ciências e professor da Universidade de Estado de Mossoró, RN.

RACHEL TRAJBER
Doutora em Antropologia e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e
Alerta de Desastres Naturais, CEMADEN.

REGINA SILVA
Doutora em Ciências e professora da Universidade Federal de Rondonópolis, UFR.

ROBERTA FABLINE DA SILVA BARROS


Gestora ambiental pela Universidade de Brasília -UnB.

RONALDO E. FEITOZA SENRA


Doutor em Educação, é professor do Instituto Federal de Mato Grosso - IFMT.

SIMONE PORTUGAL
Mestre em Educação pela Universidade de Brasília.

SOLANGE KIMIE IKEDA CASTRILLON


Doutora em Ciências e Professora da Universidade do Estado de Mato Grosso.

THIAGO CURY LUIZ


Doutor em educação, professor do Departamento de Comunicação Social da UFMT.

VICTOR MARCHEZINI
Doutor em Sociologia e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta
de Desastres Naturais, CEMADEN.

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