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Filosofia/Sociolgia

Focault e a microfísica do poder

Resumo

Nascido em 1926 e morto em 1984, Michel Foucault é, sem dúvida alguma, um dos mais importantes
filósofos contemporâneos. Sua extensa obra, que influencia áreas do conhecimento tão diversas, como a
história, o direito, a sociologia e a medicina social, tem como central a questão do poder. Todos os livros de
Foucault, por mais diferentes entre si, têm como objetivo central desvendar o que é o poder e as formas como
ele se exerce. Obviamente, antes do filósofo francês, vários outros filósofos como Maquiavel e Marx, por
exemplo, já haviam discutido esse tema. Entretanto, a abordagem foucaultiana foi totalmente inovadora – e por
várias razões. Em primeiro lugar, diferentes dos filósofos que o precederam, Foucault não acreditava que o
poder é apenas uma parte, uma área, um âmbito específico das relações humanas. Ao contrário, para ele, o
poder é a própria base das relações humanas, é a malha a partir da qual essas relações se efetivam. Por isso,
todas as relações humanas são relações de poder. Por outro lado, Foucault também não concordava com a
ideia, típica antes dele, de que haveriam formas de poder mais significativas do que as outras, como se a
violência e a dominação pudessem se reduzir a uma única forma ou modelo. Na verdade, para Foucault, como
o poder está presente em tudo o que o homem faz, o que há são variadas formas de exercício do poder,
múltiplas e irredutíveis entre si. Por fim, Foucault também não concordava com a tese de que, nas relações de
poder, há alguns sujeitos que detêm a força e a dominação, enquanto outros são meramente passivos,
oprimidos e violentados. Ao contrário, segundo o filósofo, o poder é sempre relacional, ou seja, ele é sempre
uma via de mão-dupla, de modo que, onde há poder, há resistência: onde se exerce o poder, se constituem
também contra-poderes.
. A visão geral que Foucault desenvolveu a respeito do poder, obviamente, moldou também as suas
pesquisas e o seu trabalho como intelectual. Ao pensarem o poder como algo localizado, uniforme e não-
relacional, os filósofos tradicionais, sempre que se dispuseram a analisar o exercício da dominação, acabaram
por privilegiar o estudo das grandes instituições sociais, daqueles que obviamente exercem poder, tais como o
Estado, as forças armadas, as organizações religiosas e o sistema econômico. Por sua vez, ao pensar o poder
como algo sempre presente, múltiplo e relacional, Foucault procurou mostrar, acima de tudo, como o poder se
encontra presente nos ambientes, circunstâncias e relações que menos imaginamos, tais como a escola, a
ciência, o hospital, a loucura, a sexualidade, etc. Desvendar como o poder exercido através das teorias
científicas ou dos discursos a respeito do sexo, por exemplo, foi o modo que Foucault encontrou para mostrar
que o poder se encontra presente em de fato todas as relações humanas, mesmo nas que possam nos causar
mais surpresa.
“Por outro lado, a tarefa mais urgente, imediata, antes de qualquer outra coisa, é considerar a atitude de
que estamos acostumados a pensar, pelo menos em nossa sociedade européia, que o poder está localizado
nas mãos do governo e é exercido por algumas instituições em particular, tais como os governos locais, a
polícia, o exército. Estas instituições transmitem as ordens, as aplicam e punem as pessoas que não obedecem.
Mas, penso eu, que o poder político também é exercido por um certo número de outras instituições que não
parecem ter nada em comum com o poder político, o qual parece ser independente, mas que na verdade não é.
Todos nós sabemos que as universidades e todo o sistema educacional, que aparentemente deveria distribuir
o saber, servem, na verdade, para manter o poder nas mãos de uma certa classe social e para excluir as demais
classes sociais deste instrumento de poder. A psiquiatria, por exemplo, que em aparência parece se destinar ao
bem da humanidade, também é uma maneira de impor o poder político a um determinado grupo social. A
Justiça também. Então me parece que a real tarefa política atual em uma sociedade como a nossa é criticar os
trabalhos das instituições que aparentam tanto ser neutras quanto independentes; é criticar e atacar

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estas instituições, de tal maneira que a violência política que sempre foi exercida e obscurecida por meio
destas instituições, surgisse, para que assim pudéssemos combatê-la”
(Fala de Foucault em um debate com Noam Chomsky)
. Em seu esforço por desvendar os mecanismos da dominação, Foucault elaborou uma teoria a respeita
da forma de exercício do poder que ele considerava dominante em nossa sociedade capitalista: o biopoder ou
biopolítica. Como o próprio nome indica, o biopoder está associado à vida, mas como assim? Foucault
considerava que a melhor forma de compreender o biopoder é compará-lo com o modo de exercício do poder
tipicamente vigente antes dele: o chamado poder de morte ou direito de soberania. De fato, nas sociedades
absolutistas e précapitalistas, o rei, como soberano, concentrava todo o poder política e tinha total domínio
sobre seus súditos. Esse enorme, porém, não se manifestava no dia-a-dia. O rei não tinha um controle cotidiano
da vida de seus súditos, normatizando o que deveriam fazer ou não. Ao contrário, a força do soberano não se
mostrava através da vida, mas sim da morte, seja quando ele condenava alguém à pena capital, matando tal
pessoa diretamente, seja quando ele enviava um súdito à guerra, expondo-o à possibilidade de morrer. Em
outras palavras, o direito de soberania, exercidos pelos reis, era um poder que controlava a vida encerrando-a,
que exercia sua dominação extinguindo as forças vitais do indivíduo. O que ocorre, porém, com a vitória
definitiva do capitalismo, ocasionada pela Revolução Industrial? Com a industrialização, o ritmo da
produtividade aumenta de maneira exponencial e não é mais possível que os trabalhadores mantenham o
mesmo ritmo de trabalho antigo. É preciso que os funcionários sejam mais rápidos, mais proativos, mais
eficientes, enfim, que eles acompanhem o ritmo das máquinas. Torna-se necessária, então, a constituição de
um novo tipo de poder, voltado não para diminuir ou violentar a vitalidade dos indivíduos, mas sim para
aumentá-la, desenvolvê-la, fortalecê-la. É necessário um biopoder: um poder que aumente a vitalidade dos
indivíduos para melhor controlá-los. Não à toa, dizia Foucault, o século XIX é o século da formação da biologia
como ciência, do malthusianismo, da preocupação com o controle de natalidade, do darwinismo social, da
condenação da homossexualidade como doença (e não apenas como pecado), dos ideólogos do racismo, etc.
Mais: para Foucault, o próprio nazismo, no século XX, é um fruto e uma radicalização do biopoder, afinal,
genocídios houve vários na história, mas o nazismo é o primeiro deles justificado em bases biológicas. A própria
preocupação com saúde, a anorexia e bullymia, a cultura fitness, a rejeição da velhice, características tão
comuns de nossa sociedade, seriam vistos como esferas de exercício do biopoder por Foucault. De fato, o
biopoder ou biopolítica, em todas as suas manifestações (umas julgadas comumente como boas e outras
como terríveis), parte sempre do mesmo princípio: trata-se de potencializar a vida humana, de fortalecer a saúde
do indivíduo, para que este se torne mais produtivo. Em outras palavras: para que ele se torne mais útil ao
sistema econômico vigente e ao organismo social como um todo. Diferente, portanto, do direito de soberania,
que se exercia pela violência física e pela extinção da vida do indivíduo, o biopoder se exerce de modo sutil: não
pelo enfraquecimento das forças vitais, mas pelo seu controle mais eficiente; não pela diminuição da saúde do
corpo, mas pelo seu adestramento. O modo como o biopoder se exerce é através, sobretudo, das normas, das
regras, dos regulamentos. Sua lógica é a da disciplinarização dos corpos.
. Segundo Foucault, o símbolo por excelência da sociedade disciplinar em que vivemos é um modelo de
prisão que foi proposto pelo filósofo Jeremy Bentham, justamente na época da Revolução Industrial: o
panóptico. Neste modelo prisional, através de uma simples mudança de arquitetura, os vigias não precisariam
mais transitar por entre os corredores para controlar os presos. Ao contrário, a torre de vigia seria posta no
centro de um círculo, em cujas extremidade estariam as celas. Assim, sem qualquer uso de violência explícita,
apenas pelo controle do olhar, o panóptico permitia um domínio e disciplinarização total da vida dos presos. Na
verdade, para Foucault, em virtude do biopoder, todos vivemos em um constante panóptico, inteiramente
controlados, não pela força física, mas pelo domínio sutil do olhar.

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Exercícios

1. Observe a seguinte notícia: “O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de
2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca
de 40% são presos provisórios, ou seja, ainda não possuem condenação judicial. Mais da metade dessa
população é de jovens de 18 a 29 anos e 64% são negros. [...] Os crimes relacionados ao tráfico de drogas
são os que mais levam as pessoas às prisões, com 28% da população carcerária total. Somados, roubos
e furtos chegam a 37%. [...] Quanto à escolaridade, 75% da população prisional brasileira não chegaram
ao Ensino Médio. Menos de 1% dos presos tem graduação”.
Fonte: AGÊNCIA BRASIL, 08/12-2017. Em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-
brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas

As informações apresentadas na notícia acima podem ser pensadas filosoficamente tomando-se por
base
I. Foucault e sua teoria dos dispositivos disciplinares do poder.
II. Marx e sua teoria do Estado como instrumento da classe dominante.
III. Maquiavel e sua teoria do poder do príncipe.
IV. Aristóteles e seu conceito de justiça distributiva.

Estão corretas somente as complementações contidas em


a) I e II.
b) II e III.
c) III e IV.
d) I e IV.

2. O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa
não unicamente o aumento das suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a
formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e
inversamente. Forma-se então uma política das coerções, que são um trabalho sobre o corpo, uma
manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987.

Na perspectiva de Michel Foucault, o processo mencionado resulta em


a) declínio cultural.
b) segregação racial.
c) redução da hierarquia.
d) totalitarismo dos governos.
e) modelagem dos indivíduos.

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3. Gilberto Cotrim (2006. p. 212), ao tratar da pós-modernidade, comenta as ideias de Michel Foucault, nas
quais “[...] as sociedades modernas apresentam uma nova organização do poder que se desenvolveu a
partir do século XVIII. Nessa nova organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas
suas formas de repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social [...] [e] o poder
fragmentou-se em micropoderes e tornou-se muito mais eficaz. Assim, em vez de se deter apenas no
macropoder concentrado no Estado, [os] micropoderes se espalham pelas mais diversas instituições da
vida social. Isto é, os poderes exercidos por uma rede imensa de pessoas, por exemplo: os pais, os
porteiros, os enfermeiros, os professores, as secretarias, os guardas, os fiscais etc.”
Fonte: COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006. (adaptado)

Pelo exposto por Gilberto Cotrim sobre as ideias de Foucault, a principal função dos micropoderes no
corpo social é interiorizar e fazer cumprir
a) o ideal de igualdade entre os homens.
b) o total direito político de acordo com as etnias.
c) as normas estabelecidas pela disciplina social.
d) a repressão exercida pelos menos instruídos.
e) o ideal de liberdade individual.

4. O Renascimento é um período que compreende o fim da Idade Média e o Início da Idade Moderna, entre
os séculos XIV e XVI, e tem alcance em diversos campos da sociedade, do saber e da arte. Por causa
disso é classificado por muitos estudiosos como um período de transição, não mais medieval, mas ainda
não moderno. Autores recentes como Michel Foucault, no entanto, ampliaram o valor do Renascimento
sustentando que ele constitui um sistema completo. Sobre o período é incorreto afirmar que:
a) Os humanistas resgataram o conceito romano de studia humanitatis. Entre suas preocupações
estava o ensino do latim, da retórica e da filosofia moral. Resgataram em seus textos o valor do
homem, o colocando no centro da cultura como valor maior, em contraposição a Deus, que o era
durante a Idade Média.
b) Maquiavel tem como uma de suas propostas teóricas a demarcação do objeto de estudo da política,
bem como a sua separação da ética, da moral e da religião. Maquiavel é considerado por isso como
o fundador da ciência política, ou da filosofia política moderna.
c) A propriedade privada, recém ressurgida na época, é vista como um empecilho à pratica da virtude
humana, por alguns humanistas. Para Tomas More, o homem deveria viver de acordo com a
natureza, dai seu esforço de defender uma nova civilização. Muitas vezes, a critica social de A Utopia
parece estar endereçada à Inglaterra, lugar onde More nasceu.
d) Uma das preocupações recorrentes dos que escrevem sobre Utopia é delinear a educação dos
jovens, e isso é um tema central da Cidade do Sol de Campanella, onde os jovens receberiam todo
tipo de instrução e até os muros da cidade seriam decorados com todo o saber conhecido. Essa
preocupação já estava presente na filosofia grega antiga, por exemplo, em Platão.
e) Os humanistas de um modo geral criticaram o movimento de reforma religiosa, tendo em vista que
eram em sua maioria católicos e percebiam que, se o projeto da reforma fosse levado a cabo, a
Igreja Católica perderia sua hegemonia cultural e religiosa, fortalecendo o paganismo clássico que
renascia.

5. Na sua obra Vigiar e punir, o filósofo francês Michel Foucault analisa as novas faces de exercício do poder
disciplinar e afirma:

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“Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas
também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de
dominação. (...) O momento histórico das disciplinas e o momento em que nasce uma arte do corpo
humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua
sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre
o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O
corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma
"anatomia política", que é também igualmente uma "mecânica do poder", está nascendo; ela define como
se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas
para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos "dóceis".
(Vigiar e Punir, p. 118).

Segundo essa passagem, seria correto afirmar que:


I. O texto mostra como, a partir dos séculos XVII e XVIII o corpo foi descoberto como objeto e alvo de
um novo poder e de novas formas de controle, pelas quais são superadas antigas formas de domínio
e instaurado um novo modelo com o fim de tornar os corpos mais dóceis.
II. O fim dessas práticas é tornar o corpo obediente e disciplinado através de um rigoroso exercício de
controle sobre gestos e comportamentos. É assim que o corpo vira um novo objeto de poder.
III. Segundo o autor, essa é a primeira vez na história que o corpo se tornara objeto de poder, já que
essas práticas eram comuns tanto nos regimes escravocratas quanto nos monásticos.
IV. Esses novos mecanismos de controle têm, segundo o autor, uma única motivação: o domínio do
corpo para exploração econômica.
a) Apenas as assertivas I e III são verdadeiras.
b) Apenas as assertivas I e II são verdadeiras.
c) Apenas a assertiva IV é verdadeira.
d) Todas as assertivas são verdadeiras.
e) Apenas a assertiva I é verdadeira.

6. O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é
também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama “disciplina”.
Fonte: Foucault, Vigiar e punir, p.161.

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Assinale as alternativas corretas.


I. Foucault quer afirmar que os indivíduos, nesse modelo de sociedade, são constituídos como efeitos
da atuação de estratégias de poder correlatas a técnicas de saber.
II. Para Foucault, o poder fundamentalmente reprime, recalca, censura, mascara, anulando os desejos
individuais.
III. A disciplina produz realidade, produz rituais de verdade, produz indivíduos úteis e dóceis.
IV. Para Foucault, é o indivíduo que possui o poder. É ele quem dá sentido ao mundo.
V. A disciplina, como estratégia privilegiada de fabricação do indivíduo e produção de verdades, existe
desde a época do cristianismo primitivo.
a) II, IV e V
b) I e III
c) II e III
d) I e II
e) III, IV e V

7. Michel Foucault, em Vigiar e Punir, apresenta duas imagens de disciplina: a disciplina-bloco e a disciplina-
mecanismo. Para mostrar como esses dois modelos se desenvolveram, o autor destaca dois casos: o
medieval da peste e o moderno do panóptico. Assinale, portanto, a alternativa incorreta:
a) A disciplina-bloco se estabeleceu com o esquema moderno do panóptico, uma vez que a disciplina
mecanismo, desenvolvida no período medieval para resolver o problema da peste, estava em
falência.
b) A disciplina-bloco se refere à instituição fechada, totalmente voltada para funções negativas,
proibitivas e impeditivas.
c) A disciplina-mecanismo é um dispositivo funcional que visa otimizar e tornar mais rápido o exercício
do poder, mediante o modelo panóptico.
d) É possível dizer que houve um processo de mudança da disciplina-bloco para a disciplina
mecanismo, passando pelas etapas de inversão funcional das disciplinas, ramificação dos
mecanismos e estatização dos mecanismos disciplinares.
e) A disciplina-mecanismo tem como estratégia a vigilância múltipla, inter-relacionada e contínua, pela
qual o indivíduo deve saber que é vigiado e, por consequência, o poder se exerce automaticamente.

8. O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico,
a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame.”
Fonte: Foucault, Vigiar e punir, p. 143.

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I. Vigiar, muito mais que aplicar um olhar constante sobre o indivíduo, significa dispô-lo numa
estrutura arquitetural e impessoal, na qual ele se sinta vigiado.
II. Punir é o único objetivo da disciplina.
III. Punir primeiramente tem a finalidade de uma ortopedia moral, de normalização, não somente de um
comportamento, mas do conjunto da existência humana, seja obstaculizando a virtualidade de um
comportamento perigoso mediante o uso de pequenas correções, seja incentivando condutas
desejáveis a partir de recompensas e vantagens.
IV. O exame atua numa ampla rede de instituições psiquiátricas, pedagógicas e médicas, classificando
as condutas em termos de normalidade e anormalidade.
V. Para Foucault, as ciências que tomaram o homem como objeto de saber, a partir do final do século
XVIII, não têm nada a ver com a vigilância, a normalização e o exame disciplinares.

Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):


a) II e V
b) II e IV
c) I e II
d) III, IV e V
e) I, III e IV

9. “O edifício é circular. Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferência. Você pode chamá-los,
se quiser, de celas. O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chamá-lo, se quiser, de
alojamento do inspetor. A moral reformada; a saúde preservada; a indústria revigorada; a instrução
difundida; os encargos públicos aliviados; a economia assentada, como deve ser, sobre uma rocha; o nó
górdio da Lei sobre os Pobres não cortado, mas desfeito — tudo por uma simples ideia de arquitetura!”
BENTHAM, J. O panóptico. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
Essa é a proposta de um sistema conhecido como panóptico, um modelo que mostra o poder da
disciplina nas sociedades contemporâneas, exercido preferencialmente por mecanismos
a) religiosos, que se constituem como um olho divino controlador que tudo vê.
b) ideológicos, que estabelecem limites pela alienação, impedindo a visão da dominação sofrida.
c) repressivos, que perpetuam as relações de dominação entre os homens por meio da tortura física.
d) sutis, que adestram os corpos no espaço-tempo por meio do olhar como instrumento de controle.
e) consensuais, que pactuam acordos com base na compreensão dos benefícios gerais de se ter as
próprias ações controladas.

10. “A lei não nasce da natureza, junto das fontes frequentadas pelos primeiros pastores; a lei nasce das
batalhas reais, das vitórias, dos massacres, das conquistas que têm sua data e seus heróis de horror: a
lei nasce das cidades incendiadas, das terras devastadas; ela nasce com os famosos inocentes que
agonizam no dia que está amanhecendo.”
(FOUCAULT, M. Aula de 14 de janeiro de 1976. In: Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.)

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O filósofo Michel Foucault (séc. XX) inova ao pensar a política e a lei em relação ao poder e à organização
social.
Com base na reflexão de Foucault, a finalidade das leis na organização das sociedades modernas é:
a) combater ações violentas na guerra entre as nações.
b) coagir e servir para refrear a agressividade humana.
c) organizar as relações de poder na sociedade e entre os Estados.
d) estabelecer princípios éticos que regulamentam as ações bélicas entre países inimigos.
e) criar limites entre a guerra e a paz praticadas entre os indivíduos de uma mesma nação.

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Gabarito

1. A
Na perspectiva disciplinar de Foucault, a prisão funciona como um dispositivo de controle do indivíduo na
medida que, em sua organização de exercer o poder, se apossa tanto da força física dos detentos – que
são obrigados a trabalhar – quanto do seu tempo – uma vez que este é regulado – e da sua moral – já que
visa reformar a moral do indivíduo considerado criminoso. O dispositivo disciplinar da prisão, ao se utilizar
desses elementos, exerce controle sobre os corpos dos indivíduos. Já na perspectiva marxista, pode-se
analisar as informações a partir das questões de classe: para Marx, a classe que detém os meios de
produção material detém também o poder de produção de ideias, por meio de seus produtos ideológicos.
Uma vez que, segundo Marx, o aparato jurídico também é um instrumento de perpetuação dos interesses
da classe dominante, a aplicação do direito penal serviria aos interesses da classe que detém o poder
sobre os processos de criminalização de indivíduos, de modo que a criminalidade seria uma realidade
social criada através da atribuição do status de criminoso a determinados indivíduos.

2. E
Para Foucault, as formas de poderes existentes na sociedade impõem modificações nos modos de agir
dos indivíduos, a partir da coação de seus corpos, transformando-os em corpos úteis e passíveis de
sujeição. Desse modo, incorporam-se características disciplinadoras nos corpos através do controle e do
adestramento que mede, corrigi e hierarquiza corpos em um processo que modela indivíduos.

3. C
Foucault entende o poder não como um objeto natural, mas uma prática social expressa por um conjunto
de relações. Temos que pensar o poder não como uma "coisa" que uns tem e outros não, como, por
exemplo, o pai e o filho, o rei e seus súditos, o presidente e seus governados, etc., mas como uma relação
que se exerce, que opera entre os pares: o filho que negocia com o pai, os súditos que reivindicam ao rei,
os governados que usam dispositivos legais para fiscalizar o presidente, etc. Deste ponto de vista, poder
não se restringe ao governo, mas espalha-se pela sociedade em um conjunto de práticas, a maioria delas
essencial à manutenção do Estado. O poder é uma espécie de rede formada por mecanismos e
dispositivos que se espraiam por todo cotidiano - uma rede da qual ninguém pode escapar. Ele molda
nossos comportamentos, atitudes e discursos. Compreender o Estado como portador do poder é um
equívoco, pois além de ser dispendioso, o poder externo não é capaz de dar conta dos corpos individuais,
este poder não permeia a vida e não é capaz de controlar os indivíduos. Os micro poderes atuam de forma
capilar e moldam por meio dos instrumentos do Estado as reações, domesticando os indivíduos,
hierarquizando-os, normatizando comportamentos em suas relações. Isto ocorre desde as relações mais
simples até as relações mais complexas, criando condições para estabelecer uma disciplina social ampla.

4. E
A Reforma Religiosa foi um movimento iniciado por Martinho Lutero quando este fixou suas 95 teses em
1517, portanto, não há nada em que atribuir a mesma um movimento iniciado por católicos quando na
verdade, a Reforma é o protesto sobre a Doutrina da Igreja Católica tendo apoio não só de muitos
humanistas como também de vários religiosos e governantes da época.

5. B
Michel Foucault foi um filósofo francês do século XX que muito contribuiu para o pensamento humanístico.
Seu livro Vigiar e Punir sobre o processo de transição das técnicas de vigilância e punição na modernidade

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traz uma visão original sobre a temática do poder. Neste sentido, podemos dizer que somente as
assertivas I e II são corretas. A assertiva III é, por si só, incoerente e a assertiva IV reduz o domínio do corpo
somente aos interesses econômicos. Tal redução não é feita por Foucault, que considera o corpo em um
ambiente político, que é mais complexo que o contexto econômico.

6. B
Michel Foucault, um dos grandes filósofos do século XX, trabalhou com a questão do poder para
compreender como se modificam e se constroem os critérios de produção de verdade. Dentre as
assertivas apresentadas acima, as assertivas [II], [IV] e [V] são falsas. Foucault não pensa o poder como
uma forma de mascarar a realidade, nem de anulação dos desejos individuais, mas como produtor de
verdade. Tal poder não é de posse de ninguém, funciona como uma série de dispositivos autônomos. Já a
afirmativa [V] é falsa, pois, segundo o autor, as técnicas disciplinares passaram a existir somente na
passagem do século XVII para o XVIII e, portanto, não vigoravam no período do cristianismo primitivo.

7. A
A disciplina-bloco é apresentada por Foucault mediante o caso da peste, enquanto que a disciplina-
mecanismo relaciona-se com o modelo panóptico. Ainda que o aluno não conheça a obra e a terminologia
de Foucault, ele poderá compreender que a alternativa [A] está incorreta, dado que esta contraria todas as
outras alternativas.

8. E
As assertivas [II] e [V] são falsas. O objetivo da disciplina vai muito além da questão da punição. É, na
realidade, uma forma de adestramento dos corpos, de distribuição dos indivíduos no espaço e que
aumenta a que multiplica as forças das massas. No caso da afirmação [V], ela contraria totalmente o
pensamento do filósofo: para ele, as ciências do corpo se constituem exatamente no mesmo campo
epistêmico deste poder disciplinar que individualiza os corpos através da vigilância, normalização e
exames disciplinares.

9. D
O panóptico – também citado por Foucault – vai ser uma forma sutil de controle dos comportamentos
humanos, onde, estando o homem ciente das normas sociais, além de obedece-la, ele vai controlar o
comportamento dos outros indivíduos.

10. E
De acordo com Michel Foucault, as relações humanas se dão através de relações de poder, em que o
ordenamento de forças é que estabelece uma organização das sociedades. É importante ressaltar que,
para Michel Foucault, o poder não é estático, ou seja, de cima para baixo. Não acredita em poder puro e
simples, mas em relações de poder que pode ser utilizado como forma de diálogo de indivíduos em uma
sociedade.

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