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Biopoder e Sexualidade
Ildenilson Meireles
meio das instituições). Por outro lado, “a sexualidade se insere e adquire efeito, por seus
indivíduo, mas a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população”.
primeiramente pelo discurso médico. Aqui ele cumpre dois movimentos importantes
efeito sobre o corpo indisciplinado, portanto individualizado, e que, por isso, esse corpo
é “imediatamente punido por todas as doenças individuais que o devasso sexual atrai
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sobre si”, considera também, por outro lado, que “uma sexualidade devassa, pervertida,
etc., tem efeitos no plano da população, uma vez que se supõe que aquele que foi
devasso sexualmente tem uma hereditariedade, uma descendência que, ela também, vai
sétima”. Esses dois efeitos provocados pela sexualidade indisciplinada podem ser
considerados, um, como efeito psicológico; outro, como efeito propriamente biopolítico.
No primeiro caso, a tentativa é atribuir uma espécie de castigo físico ou moral àquele
que não tem controle sobre a sexualidade porque não tem controle sobre o seu próprio
que pode acarretar a disseminação de doenças através de gerações, se torna, por isso,
este: “a sexualidade, a medida que está no foco de doenças individuais e uma vez que
está, por outro lado, no núcleo da degenerescência, representa exatamente esse ponto de
articulação porque o biopoder não exclui a disciplina (ainda somos vigiados e vigiamos
mas faz com que ela adquira um novo sentido do ponto de vista da massa, do controle
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da população. Todo esse investimento de poder sobre a sexualidade tem como pano de
fundo, segundo Foucault, “uma técnica política de intervenção, com efeitos de poder
II
A sociedade normalizadora
“normais” dos anormais, fazer viver os normais e deixar morrer os anormais. Ela, “a
regulamentação”. Aqui residem alguns paradoxos analisados por Foucault, mas que
de soberania que mata mas, igualmente, de um poder que é o de matar a própria vida”.
Este é o paradoxo gritante. Quanto mais o biopoder investe seus mecanismos e suas
dinâmica do biopoder e cada vez mais ela escapa ao recrudescimento biopolítico. Por
fim, Foucault oferece duas alternativas a partir das quais se pode pensar o paradoxo, a
encruzilhada do biopoder: por um lado, o poder, “ou ele é soberano, e utiliza a bomba
atômica, mas por isso não pode ser poder, biopoder, poder de assegurar a vida, como ele
economia do poder por correr o risco da auto-supressão; “ou, noutro limite, vocês tem o
excesso, ao contrário, não mais do direito soberano sobre o biopoder, mas o excesso do
biopoder sobre o direito soberano”. É justamente esse excesso de biopoder que nos
remete à proposição com a qual começamos a discussão: fazer viver e deixar morrer. O
biopoder não pode resistir ao excesso e ao paradoxo. Não se pode fazer viver
III
O racismo de estado
À pergunta feita por Foucault, “como esse poder que tem essencialmente o objetivo de
fazer viver pode deixar morrer?”, pode ser respondida à luz da noção de “racismo de
biopoder na medida em que considera que sua emergência trouxe à tona, para dentro
dos mecanismos de Estado, um modo peculiar de racismo. Assim, quase todo o modus
operandi dos Estados modernos passa, em última instância, pelo problema do racismo.
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Antes de prosseguir, precisamos nos acercar da definição dada por Foucault: “Com
vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve
morrer. (...) uma maneira de afastar, o interior da população, uns grupos em relação a
outros (...). (...) Essa é a primeira função do racismo: fragmentar, fazer cesuras no
interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder”. O segundo aspecto que
inicial que motiva nossa discussão aqui: “o racismo terá sua segunda função: terá como
papel permitir uma relação positiva, se vocês quiserem, do tipo: ‘quanto mais você
matar, mais você fará morrer’, ou ‘quanto mais você deixar morrer, mais, por isso
mesmo, você viverá”. O pano de fundo dessa discussão acerca do racismo de Estado é a
guerra, a relação guerreira entre os oponentes. Mas não nos enganemos! Essa relação
entre fazer viver e deixar morrer, esse acirramento da violência entre as raças não é uma
relação cujo dístico é a guerra e que “o racismo faz justamente funcionar, faz atuar essa
relação de tipo guerreiro de uma maneira que é inteiramente nova e que, precisamente, é
instaurada para eliminar um inimigo (um estado, uma população, uma cidade, um país,
uma raça considerada inferior ou impura), ou uma guerra atômica para dizimar um
nosso caso, uma guerra de raças que encontra na intolerância bairrista sua maior
justificativa razoável para o racismo de estado encontra eco no fato de que, segundo
ou da raça”. É esse reforçamento do biopoder pela ótica do racismo que parece sustentar
diretamente numa política de estado que lhe parece uma ameaça. Mas aqui novamente
não podemos nos enganar. O racismo é aquilo que assegura a função assasina do
transformação operada pelo biopoder quando toma o racismo como princípio das
relações de poder nas sociedades atuais. Uma relação, portanto, “não militar, guerreira
ou política”, essencialmente, “mas biológica”, por onde o poder de estado faz vazar suas
Não basta somente “travar a guerra contra os adversários, mas também expor os
próprios cidadãos à guerra, fazer que sejam mortos aos milhões”, incitando cada vez
mais a uma guerra interna que tende também, cada vez mais a suprimir a população,
isso, nos termos de Foucault, “na guerra, vai se tratar de duas coisas, daí por diante (no
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biopoder): destruir não simplesmente o adversário político, mas a raça adversa, essa
[espécie] de perigo biológico representado, para a raça que somos, pelos que estão à
nossa frente. (...) No entanto, mais ainda, a guerra – e isto é absolutamente novo – vai se
mostrar, no final do século XIX, como uma maneira não simplesmente de fortalecer a
própria raça eliminando a raça adversa, mas igualmente de regenerar a própria raça.
Quanto mais numerosos forem os que morrerem entre nós, mais pura será a raça a que
especificidade do racismo, o que faz sua especificidade, não está ligado a mentalidades,
que faz o biopoder funcionar. Por fim, e portanto, “o racismo é ligado ao funcionamento
raça para exercer seu poder soberano”. Um exemplo claro desse paradoxo constitutivo
biológicos era um dos objetivos imediatos do regime. Mas, ao mesmo tempo que se
matar”. Com isso, o estado nazista apresenta uma tripla condição: estado absolutamente
conseguiu prolongar seu paradoxo e dar uma sobrevida aos seus ideais. No geral, o tema
do biopoder “não só não foi criticado pelo socialismo, mas também, de fato, foi
mesma preocupação impera: a excessiva normalização que culmina num racismo “de
tipo evolucionista, o racismo biológico”, que se pode encontrar “a propósito dos doentes
aparece como segundo plano, como modo de permanecer “em luta” contra os
manutenção pela intimidação e pela violência, por vezes, que o obriga a trazer à tona os
maneira, para um pensamento socialista que apesar de tudo era muito ligado aos temas
sobre a vida”, apresenta já no título uma curiosa orientação teórica. Ao invés de falar
como se cada vez mais esses efeitos do biopoder fossem se justificando “naturalmente”
ou alcançando cada vez mais o “direito” de se repetirem. Essa noção do “direito” que
formulado nos teóricos clássicos, é uma fórmula bem atenuada desse poder (o poder
patriarcal sobre a vida e morte dos filhos). Entre soberano e súditos, já não se admite
que seja exercido em termos absolutos e de modo incondicional, mas apenas nos casos
soberano de castigar um súdito se justifica por ser uma réplica, uma resposta a um ato
isolado que pode, no entanto, comprometer o seu poder e desarticular o corpo social. É
nesse sentido ainda que “o direito de vida e morte já não é um privilégio absoluto: é
possível agora chegarmos a uma compreensão mais substancial dos enunciados os dois
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planos. No caso do poder soberano, o sentido da expressão “fazer morrer e deixar viver”
está no fato de que “o soberano só exerce, no caso, seu direito sobre a vida, exercendo
seu direito de matar ou contendo-o; só marca seu poder sobre a vida pela morte que tem
condições de exigir. O direito que é formulado com “de vida e morte” é, de fato, o
momento em que esse poder de matar escapa ao soberano e que, por isso, é colocado na
“fazer morrer”, “fazer viver”; ao invés de “deixar viver”, “deixar morrer”. Para
Foucault, “pode-se dizer que o velho direito de causar a morte ou deixar viver foi
recoberta pela administração dos corpos e pela gestão calculista da vida”. Tomando essa
da vida, entremos de fato no plano da sexualidade. Nos dois sentidos para os quais o
o qual é preciso, além de inscrevê-lo num campo de saber específico, aplicar uma certa
tecnologia política. Inserido nesses dois planos, o sexo “dá lugar a vigilâncias
visam todo o corpo social ou grupos tomados globalmente”. Um bom exemplo dessa
intervenção do biopoder sobre o sexo pode ser indicado como sendo, por exemplo, o
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coadunaram com o avanço das ciências e de que modo o “homem” passou a ocupar
favorece dos efeitos da Scientia Sexualis moderna. Diz Foucault: “foi na família
ou dos adolescentes; e nela foi medicalizada a sexualidade feminina; ela foi alertada em
psiquiatrização do sexo. Foi quem entrou, antes de todas, em eretismo sexual, dando-se
para repeti-los para si mesma, discursos inumeráveis”. Além das preocupações com a
força de trabalho, com a saúde e higiene, com o meio ambiente, com a organização
o seu próprio sexo era coisa importante, frágil tesouro, segredo de conhecimento
implicação diz respeito ao modo como o biopoder investe “toda uma série de táticas
reeducação dos hábitos etc.). O que se passa propriamente com a regulamentação tem
e histerização das mulheres são dois aspectos que tiveram na regulação seu ponto de
sustentação. A primeira “foi feita sob a forma de uma campanha pela saúde da raça”; a
segunda, “fez-se em nome da responsabilidade que elas teriam no que diz respeito à
importa notar aqui é que Foucault insiste na ideia de que “é o dispositivo da sexualidade
que, em suas diferentes estratégias, instaura essa ideia “do sexo””. A partir do
biopoder. Primeiro, diz Foucault, “a noção de ‘sexo’ permitiu agrupar, de acordo com
prazeres e permitiu fazer funcionar esta unidade fictícia como principio causal, sentido
onipresente, segredo a descobrir em toda parte: o sexo pôde, portanto, funcionar como
significante único e como significado universal”. Isto significa dizer que o XIX
conheceu e experimentou, pela primeira vez, “a armação de uma teoria geral do sexo” e
instinto e sentido, pôde marcar a linha de contato entre um saber sobre a sexualidade
em torno do sexo parece ser responsável pela “garantia de quase cientificidade” sobre a
entre o poder e a sexualidade, fazendo-a aparecer não na sua relação essencial e positiva
com o poder, porém como ancorada em uma instância específica e irredutível que o
poder tenta da melhor maneira sujeitar”. O jogo de inversões aqui tem um caráter
irônico na medida em que nos faz retomar um velho problema e transformá-lo num
subjetividade, com esse “elemento mais especulativo, mais ideal e igualmente mais
aquilo “que o poder organiza em suas captações dos corpos, de sua materialidade, de
suas forças, suas energias, suas sensações, seus prazeres” e eleva ao nível de uma
desejável”.