Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Primeiro registro- O poder do soberano. Direito de vida e de morte sobre o indivíduo. Marca
seu poder sobre a vida pela morte que tem condições de exigir. O direito formulado como
‘direito de vida e morte’ é o direito de causar morte ou de deixar viver. Relacionar esse tipo
de figura jurídica a um tipo histórico de sociedade em que o poder se exercia essencialmente
como instância de confisco, mecanismo de substração, direito de se apropriar de uma parte
das riquezas. O poder, era, antes de tudo, nesse tipo de sociedade, direito de apreensão das
coisas, do tempo, dos corpos, e finalmente, da vida; culminava com o privilégio de se
apoderar da vida para suprimí-la.
O direito de morte se desloca e se apoia em um poder que agora exige que se gerem vidas e se
ordenem essas vidas em função de seus reclamos. Assim, essa morte aparece como reverso do
desejo soberano, garantindo a vida do próprio corpo social. Orientemos nossos olhos para as
guerras que se travam a partir do séc. XIX em nome preservar a população: em nome da
população. O aparecimento do elemento população/ corpo social é fundamental para pensar
como o biopoder incide sobre os corpos nesse novo registro por meio de uma biopolítica:
garantindo a vida da população ou do corpo social. ‘Apresenta-se como um poder que se
exerce positivamente sobre a vida, que empreende sua gestão, sua majoração, sua
multiplicação, o exercício, sobre ela, de controles precisos e regulações de conjunto.
As guerras já não se travavam em nome de um soberano a ser defendido; mas em nome da
existência de todos; populações inteiras são levadas à destruição mútua em nome da
necessidade de viver; Foi como os gestores da vida e da sobrevivência dos corpos e da raça
que tantos regimes puderam travar tantas guerras, causando a morte de tanta gente.
O princípio desse mecanismo opera da seguinte forma: poder matar, para poder viver.
Sustentava então a tática dos combates, tornou-se princípio e estratégia entre Estados; mas a
existência em questão já não é mais aquela jurídica da soberania; é a biológica, da população.
O poder se situa e se exerce ao nível da vida, da espécie, da raça e dos fenômenos maciços de
população. A partir do momento em que o poder assumiu a função de gerir vidas, já não é o
surgimento de sentimentos humanitários, mas a razão de ser do poder e a lógica de seu
exercício que tornaram cada vez mais difícil a aplicação da pena de morte.
De que modo um poder viria a exercer suas mais altas prerrogativas e causar a morte se o seu
papel mais importante é o de garantir, sustentar, reforçar, multiplicar a vida e pô-la em
ordem? (sociedade normalizadora) A pena capital é o limite, a faceta repressiva e negativa
desse poder que produz, positivo. A contradição. Portanto, tecnologia ineficiente.
Só são mortos legitimamente aqueles que são considerados uma espécie de perigo biológico
para os outros. (Razão de ser do estado. Racismo de Estado).
Agora é sobre a vida e ao logo de todo o seu desenrolar que o poder estabelece seus pontos de
fixação; a morte é o limite, o momento que lhe escapa; ela se torna o ponto mais secreto da
existência, o mais privado. O poder político que assume o direito de gerir a vida.
O poder sobre a vida desenvolve-se a partir do séc XVII em duas formas principais: Primeiro
centrou-se no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na
extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua
integração em sistemas de controle eficazes e econômicos, tudo isso assegurado por
procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas- anátomo-política do corpo humano.
O capitalismo exigiu mais do que isso; foi-lhe necessário tanto o crescimento de seu esforço
quanto sua utilizabilidade e sua docilidade; foram-lhes necessários métodos de poder capazes
de majorar forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isso torna-las mais difíceis de sujeitar;
se o desenvolvimento dos grandes aparelhos de Estado, como instituições de poder, garantiu a
manutenção das relações de produção, os rudimentos de anátomo e de bio-política, inventados
no séc XVIII como técnicas de poder presentes em todos os níveis do corpo social e utilizadas
por instituições bem diversas, agiram no nível dos processos econômicos, do seu desenrolar,
das forças que estão em ação em tais processos e os sustentam; operaram, também, como
fatores de segregação e de hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de
uns como de outros, garantindo relações de dominação e efeitos de hegemonia.
A entrada da vida na história, ou seja, entrada desses fenômenos próprios da vida da espécie
humana na ordem do saber e do poder – no campo das técnicas políticas. Não que nesse
momento tenha se produzido o primeiro contato da vida com a história; desde sempre houve
essa pressão biológica no que é histórico. Nesse sentido, os processos da vida são levados em
conta por procedimentos de poder/ saber que tentam controla-los e modifica-los. O homem
ocidental aprende, pouco a pouco, o que é ser uma espécie viva em um mundo vivo. Ter um
corpo, condições de existência, probabilidade de vida, saúde individual e coletiva, forças que
se podem modificar e um espaço em que se podem repetí-las de modo ótimo. O biológico
reflete-se no político. A vida recai no campo do saber e de intervenção do poder.
Se pudermos chamar ‘bio-história’ as pressões por meio das quais os movimentos da vida e os
processos da história interferem entre si, deveríamos falar de ‘bio-política’ para designar o
que faz com que a vida e seus mecanismos entrem nos domínios e nos cálculos explícitos, e
faz do saber-poder um agente de transformação da vida humana. (...) o que se poderia chamar
de ‘limiar de modernidade biológica’ de uma sociedade se situa no momento em que a espécie
entre como algo em jogo em suas próprias estratégias políticas (FOUCAULT, 1987, p.134).
A razão por que a questão do homem foi colocada – em sua especificidade de ser vivo e em
relação a outros seres vivos – deve ser buscada no novo modo de relação entre a história e a
vida: nesta posição dupla da vida, que a situa fora da história como as suas imediações
biológicas e, ao mesmo tempo, dentro da historicidade humana, infiltrada por suas técnicas de
saber e de poder. Não é necessário insistir também, sobre a proliferação de tecnologias
políticas que, a partir de então, vão investir sobre o corpo, a saúde, as maneiras de se
alimentar e de morar, as condições de vida, todo o espaço de existência (FOUCAULT, 1987,
p.135).
A importância da norma à expensas do sistema jurídico. Para um poder que tem a função de
garantir a vida há necessidade de mecanismos contínuos, reguladores e corretivos. Não se
trata de colocar a morte em ação no campo da soberania, mas distribuir os vivos em um
domínio de valor e utilidade. Um poder dessa natureza tem que medir, qualificar, avaliar,
hierarquizar mais do que manifestar seu fausto mortífero. A lei funciona mais como norma e o
sistema jurídico integra um contínuo de aparelhos (médicos, administrativos, pedagógicos,
etc). Então, uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma tecnologia de poder
centrada na vida.
A vida como objeto político foi de alguma forma tomada ao pé da letra e voltada contra um
sistema que tentava controla-la. Foi a vida, muito mais do que o direito, que foi objeto de
lutas politicas. Pode-se então compreender o sexo como foco da disputa política.
Precisamente, por que se encontra na articulação entre os dois eixos em que se desenvolve a
tecnologia do poder sobre a vida: faz parte das disciplinas do corpo e pertence as regulações
do corpo social. Insere-se, simultaneamente, nos dois registros. O sexo é acesso, ao mesmo
tempo, à vida do corpo e à vida da espécie. Vemos a sexualidade se tornar foco de operações
políticas, intervenções econômicas (por meio de incitações ou freio às procriações)
As quatro grande linhas de ataque as quais a politica do sexo avançou nos últimos dois
séculos. (p.137/138)