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Sebenta de Teoria do Estado e Direito Constitucional

A. TEORIA GERAL DO ESTADO

CAPÍTULO I. Natureza, elementos e formas de Estado

1. Estado e poder político

1.1. A natureza jurídica do poder político

a)Sociedade e Direito

A teia de relações humanas confirma a asserção de ARISTÓTELES (A Política), «O


Homem é um animal social (político - polis)».
Pode afirmar-se que o Homem é, naturalmente, um ser gregário. A sociabilidade é inata
ao Homem, corresponde às suas tendências mais profundas. Por instinto ou necessidade,
para assegurar a sua subsistência e a realização dos seus fins (espirituais), os Homens
organizam-se em agrupamentos ou comunidades.
BAPTISTA MACHADO identifica um fundamento biológico para a sociabilidade
humana. Este autor concebe o Homem como ser ontogeneticamente inacabado (i. é,
incompleto do ponto de vista do seu desenvolvimento embrionário), que completa e
desenvolve em contacto com o ambiente (físico e simbólico ou cultural). Por isso, desde
os primeiros estádios da sua existência, o Homem (o substrato humano) é influenciado
pelo meio envolvente (físico e social).
É certo que as teses contratualistas, dominantes nos séculos XVII e XVIII, e de que são
representantes J.J. ROSSEAU (O Contrato Social), J. LOCKE (Tratado do Governo) e
T. HOBBES (Leviatã), afirmavam que o «estado social» havia sido precedido de um
«estado de natureza», em que o Homem viveria isolado dos seus semelhantes e livre de
toda a vinculação permanente. Para estas teses, a sociabilidade (i. é, a transição do
«estado de natureza» para o «estado social») é fruto de uma deliberação consciente, o
«contrato social».
No entanto, estas teses são repudiadas pelos estudos antropológicos, é possível
identificar comunidades humanas desde os primórdios da espécie. Na afirmação de
OLIVEIRA ASCENSÃO, «viver é necessariamente conviver: a realização dos fins
superiores do Homem passa pela colaboração com os outros».
Por outro lado, inerente à vida em sociedade é a ordem social, que se caracteriza pelo
ajustamento ou conformidade (normalmente espontânea) da conduta humana a modelos
ou padrões de comportamento (que designamos como normas ou regras sociais).
Significa isto que a sociabilidade postula a existência de regras de conduta social, entre
as quais se contam as normas jurídicas, destinadas a disciplinar os «egoísmos
individuais» (as espúrias tendências anti-sociais de cada ser humano) e, assim, assegurar
a convivência pacífica.
O Direito participa de forma decisiva da ordem social, é um segmento da ordem social,
da qual fazem também parte as normas morais, religiosas, de trato social, etc. (com as
quais o Direito não se confunde). Pode afirmar-se que a Ordem Jurídica (Direito) é a
aquela que condiciona, de modo mais forte e extenso, a vida social.
b) Direito e poder político

Segundo Fernando Loureiro Bastos1, a relação entre Direito e poder político é estreita
e complexa, dado que, por um lado, a organização do grupo humano que subjaz a uma
determinada comunidade é o resultado do exercício do poder político e, por outro lado,
nos grupos humanos que se pretendem organizados, existe a necessidade de normas ou
regras que possam ser utilizadas como padrões de conduta pelos indivíduos que os
compõem, sendo estas produzidas através dos mecanismos do Direito que são detidos e
exercidos pelo poder político.

c) O poder político como uma das formas de poder societário

Segundo Fernando Loureiro Bastos2, a noção de poder impõe que se faça a distinção
entre: poder do homem sobre a natureza e poder do homem sobre o homem. Deve ser
sublinhado que o poder do homem sobre o homem pressupõe a existência de uma
relação entre seres humanos, na medida em que se traduz na potencialidade da alguém
impor aos outros um determinado comportamento.

O poder político, para Marcelo Rebelo de Sousa3, é um “poder de injunção dotado de


coercibilidade material”, ou seja, “um poder de natureza vinculativa marcado pela
susceptibilidade de, quer do uso da força física, quer da supressão, não resistível, de
recursos vitais”.

A compreensão desta definição impõe que se faça referência à distinção entre


coercibilidade e coacção. Em conformidade com o autor citado, “coercibilidade material
quer dizer susceptibilidade do uso da força física ou da pressão material. Distingue-se
da coacção material que se define pela plena efectivação de uma ou de outra. Ou seja, o
conceito de coercibilidade revela-se numa ideia de potencialidade, ao passo que o
conceito de coacção se exprime em termos de actualização”.

O fundamento para a existência e para o exercício do poder político pode ser encontrado
na necessidade de encontrar mecanismos destinados à resolução dos conflitos de
interesses resultantes do acesso aos bens finitos.

1.2. O Estado e a organização do poder político

a) O Estado como uma espécie de sociedade politicamente organizada

1
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade de
Direito de Lisboa, 1999, p. 26.
2
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade de
Direito de Lisboa, 1999, p. 21 a 23.
3
REBELO DE SOUSA, Marcelo e GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª edição, Lisboa, 1998,
pp. 17 e 18.
Seguindo Cristina Queiroz4, o Estado apresenta-se como a forma normal de
organização das sociedades políticas. Trata-se de um instrumento ou artifício que serve
de suporte ao exercício do poder. Este é essencialmente exercido “em nome” do Estado.
Mas o conceito de Estado detém ainda outros sentidos. Designa, por exemplo, o “poder
central” por oposição ao “poder local”. E designa ainda os “governantes” por oposição
aos “governados”. Evoca-se deste modo, os “poderes públicos” no seu conjunto. Por
exemplo, quando se afirma que “o Estado é responsável pela manutenção da ordem”.
Neste sentido, o domínio do Estado opõe-se ao domínio da sociedade civil, composta
pelos particulares e sujeitos privados. É a tradicional oposição entre o domínio da
“sociedade” e o domínio do “governo”, relevada, entre outros, por HABERMAS e
OUTHWAITE.
Enfim, por “Estado” designa-se a “sociedade política organizada”. Por exemplo, quando
referimos o “Estado português”, o “Estado alemão” ou o “Estado francês”. É neste
último sentido que procederemos ao estudo do conceito de ‘Estado”. Com efeito, o
Estado apresenta-se como uma forma de “racionalização” e “generalização” do político
nas sociedades modernas e actuais.

O Estado moderno como forma de “organização” e “racionalização” da sociedade surge


essencialmente ligado à ideia de “centralização” do poder político e à ideia da
construção (ou invenção) do “território”. Pressupõe um processo de “diferenciação
funcional” relativamente aos ordenamentos que o precederam, designadamente os
reinos, os principados, as repúblicas ou as cidades livres, que surgem no período de
transição da Idade Média para a Idade Moderna. Esta “diferenciação funcional”, em si
um processo complexo, estrutural e dinâmico, irá desembocar no “Estado territorial”,
obra da monarquia absoluta, depois no “Estado nacional” do século XIX e, por fim, no
“Estado constitucional” dos nossos dia

O Estado apresenta-se como a “forma jurídica” da sociedade, um instrumento de


centralização, estabilização e racionalização das forças políticas. Um sistema altamente
estruturado, que se diferencia e especializa pelo exercício de determinadas funções,
entre estas o monopólio do uso da Força pública, actuando através da edificação de uma
sólida base burocrática. Neste sentido, o Estado designa um sistema de controle e de
ordem, que regula as relações ou conduta externa dos homens na sociedade.

b) Tipos fundamentais de Estado em sentido histórico

Jellinek distingue como tipos fundamentais de Estado o Estado oriental, Estado grego,
Estado romano, Estado medieval e o Estado moderno. Jorge Miranda5 acolhe esta
distinção, na senda de Jellinek, chamando-lhe antes tipos históricos de Estado. Vejamos
então as suas características segundo Jorge Miranda6.
4
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 23 a 24.
5
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 50 e
51.
6
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 49 a
100, segundo a selecção substancial já efectuada por LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política –
guia de estudo, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999, p. 119 a 130.
Estado oriental

O Estado oriental tem as seguintes características dominantes:

 teocracia, isto é, poder político reconduzido ao poder religioso;

 forma monárquica (que combinada com a teocracia, leva a que o monarca seja
adorado como um deus);

 ordem desigualitária, hierárquica e hierática da sociedade;

 reduzidas garantias jurídicas dos indivíduos;

 larga extensão territorial e aspiração a constituir um império universal.

Estado grego

O Estado grego (ou polis) tem as seguintes características dominantes:

 prevalência do factor pessoal (o Estado é a comunidade dos cidadãos, embora


não sejam estes os seus únicos habitantes – existem também os metecos e os
escravos);

 o fundamento da comunidade dos cidadãos encontra-se na comunidade religiosa,


unida no culto de antepassados (no entanto, a autoridade não tem natureza
divina);

 relativa pouca importância ao factor territorial, dada a pequena extensão do


território (o Estado tem caracter municipal ou cantonal, é a Cidade-Estado);

 inexistência ou deficiência de liberdade fora do Estado ou redução da liberdade


individual à participação no governo da Cidade, não sendo a pessoa um valor em
si, livre do poder político;

 diversidade de formas de governo, sucessivamente ou com variações de Cidade


para Cidade.

Estado romano

O Estado romano tem as seguintes características dominantes:

 o desenvolvimento da noção de poder político, como poder supremo e uno, cuja


plenitude pode ou deve ser reservada a uma única origem e a um único detentor;

 a consciência da separação entre o poder público (do Estado) e o poder privado


(do pater familias) e a distinção entre Direito público e Direito privado;

 os cidadãos romanos têm certos direitos básicos: ius suffragii (direito de voto em
assembleias populares); ius honorum (direito de aceder às magistraturas); ius
connubi (direito de contrair casamento legítimo); ius commercii (direito de
celebrar actos e negócios jurídicos) e o ius militiae (direito de servir na
legião/exército);
 a progressiva atribuição dos direitos aos estrangeiros e a formação do ius
gentium como conjunto de normas reguladoras das relações em que eles
intervêm;

 a expansão da cidadania num largo espaço territorial (culminando com Caracala,


em 212), contrastando com o carácter meramente territorial das monarquias
orientais e o carácter pessoal restrito das cidades-Estado gregas.

O pretenso Estado medieval

Durante a Idade Média, não é possível considerar a existência de Estado, pois a “ ordem
hierárquica da sociedade traduz-se numa hierarquia de titularidade e exercício do poder
político, numa cadeia de soberanos e vassalos, ligados por vínculos contratuais”.

Daí resulta:

 que em vez de um conceito de imperium surja o conceito de dominium, em


conexão com os princípios da família e da propriedade: investidura hereditária,
direito de primogenitura, inalienabilidade do domínio territorial;

 que além das grandes abadias monacais, as estruturas urbanas autónomas que
vão surgindo – comunas ou concelhos, corporações de mesteres, universidades,
etc. - cada qual com a sua função, formam-se e desenvolvem-se à margem de
qualquer estrutura administrativa centralizada;

 que os direitos não são atribuídos individualmente, mas sim enquanto membros
dos grupos em que se integram; são direitos em concreto e em particular, como
expressão da situação de cada pessoa; direitos que se apresentam como
privilégios, regalias, imunidades que uns têm e outros não, ou direitos
institucionais, em vez de direitos atribuídos genericamente a todas as pessoas.

Estado moderno

O Estado moderno ou europeu tem as seguintes características dominantes:

 é um Estado nacional: o Estado tende a corresponder a uma nação ou


comunidade histórica de cultura; o factor de unificação política deixa de ser a
religião, a raça, a ocupação bélica ou a vizinhança para passar a ser uma
afinidade de índole nova;

 a secularização ou laicidade: o temporal e o espiritual afirmam-se agora como


esferas distintas7 (a comunidade já não tem por base a religião, o poder político
não prossegue fins religiosos e os sacerdotes deixam de ser agentes do seu
exercício);

 soberania: poder supremo e aparentemente ilimitado que dá ao Estado a


capacidade para vencer as resistências internas à sua acção e para afirmar a sua
independência em relação aos outros Estados.

7
De notar, e em sentido diverso, o Estado Islâmico, em que os poderes temporal e espiritual se
fundem numa unidade.
O Estado moderno vai surgir com a crise do sistema político medieval a partir dos
séculos XIII – XIV. Embora se manifeste de forma distinta nas diversas partes da
Europa, podemos dizer que o processo da criação dos Estados europeus se encontra
concluído no momento da assinatura dos Tratados de Vestefália (1648), que puseram
termo à Guerra dos Trinta Anos. Na base do Estado moderno vai estar o conceito de
soberania, desenvolvido por Jean Bodin.

O processo de criação do Estado moderno vai implicar:

 a centralização do poder (acabar com o poder feudal e com os privilégios


atribuídos a determinados estratos sociais);

 a emancipação política em relação ao Papa e ao Imperador;

 imediatividade ou ligação directa entre o Estado e o indivíduo, ao contrário do


que sucedia no sistema feudal. Doravante, tanto o nobre como o plebeu são
igualmente sujeitos ao seu poder;

 um poder concentrado no Rei e centralizado, que origina o surgimento de uma


administração burocrática em sentido moderno (profissionalizada e
hierarquizada) que progressivamente substitui a administração feudal (entregue a
titulares por direito próprio).

Na evolução do Estado moderno, os autores fazem algumas distinções de Estado, a


saber: Estado estamental, Estado absoluto e Estado constitucional, representativo
e de Direito. Vejamos sucintamente as suas características.

Estado estamental

No Estado estamental há uma dualidade política rei-estamentos, sucessora do dualismo


rei-reino medieval. O rei e as ordens ou estamentos criam a comunidade política. O rei
tem não só a legitimidade como a efectividade do poder central; mas tem de contar com
os estamentos, corpos organizados ou ordens vindos da Idade Média.

Estado absoluto

No Estado absoluto dá-se a máxima concentração de poder no rei (sozinho ou com os


seus ministros), sendo que: a vontade do rei é lei e as regras jurídicas definidoras do
poder são exíguas, vagas, parcelares e quase todas não reduzidas a escrito.

É usual distinguir dois subperíodos na evolução do absolutismo. Num primeiro, que


se estende até princípios do século XVIII, a monarquia afirma-se de “direito divino”.
O Rei pretende-se escolhido por Deus, exerce uma autoridade que se reveste de
fundamento religioso. Numa fase subsequente, vai procurar-se a fundamentação do
poder ao racionalismo dentro do ambiente de iluminismo dominante. É o despotismo
esclarecido ou o Estado de polícia, tomando-se o Estado como uma associação para a
consecução do interesse público e devendo o príncipe, seu órgão ou primeiro
funcionário, ter plena liberdade nos meios para o alcançar.

Estado Constitucional, representativo ou de direito


O Estado será:

 Constitucional quando assente numa Constituição reguladora tanto de toda a


sua organização como da relação com os cidadãos e tendente à limitação do
poder;

 de Governo representativo quando há uma separação entre a titularidade e o


exercício de poder, sendo que a primeira está radicada no povo, na nação ou na
colectividade; e o segundo conferido a governantes eleitos ou considerados
representativos da colectividade (de toda a colectividade, e não de estratos ou
grupos como no Estado estamental);

 de Direito quando para garantia dos direitos dos cidadãos, se estabelece


juridicamente a divisão de poder e o respeito pela legalidade (formal e mais
tarde material).

Após o final da II guerra mundial a evolução do Estado tem de ser compreendida tendo
em consideração os seguintes aspectos:

 transformação do Estado num sentido democrático, intervencionista, social, em


contraposição com o laissez faire, laissez passer liberal;

 aparecimento e depois desaparecimento dos regimes autoritários e totalitários;

 emancipação dos povos coloniais;

 organização da comunidade internacional e a protecção internacional dos


direitos do homem.

Podemos então considerar duas fases do Estado Constitucional: o Estado de Direito


Liberal e o Estado Social de Direito. Distingamo-las de forma breve:

Estado de Direito Liberal

O Estado de Direito liberal está assente na ideia de liberdade e, em nome dela,


empenhado em limitar o poder político tanto internamente (pela sua divisão) como
externamente (pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade).

Para o optimismo liberal, o Estado, qual guarda-nocturno ao serviço da sociedade, teria


como única tarefa a garantia da paz social e da segurança dos bens e das vidas, de forma
a permitir o pleno desenvolvimento da sociedade civil de acordo com as suas próprias
leis naturais.

Estado Social de Direito

O Estado social de Direito reconduz-se a um esforço de aprofundamento e de


alargamento simultâneos da liberdade e da igualdade em sentido social, com a
integração política de todas as classes sociais.

Integra-se no modelo do Estado constitucional, representativo ou de Direito, pois vai


articular direitos, liberdades e garantias (direitos cuja função imediata é a protecção da
autonomia da pessoa com direitos sociais (direitos cuja função imediata é o refazer das
condições materiais e culturais em que vivem as pessoas); articular a igualdade jurídica
(à partida) com igualdade social (à chegada) e segurança jurídica com segurança social;
dando-se a passagem do governo representativo clássico à democracia representativa.

Jorge Miranda8 defende ainda que no final do milénio de 2000 se verifica:

1. O desaparecimento de quase todos os regimes autoritários e totalitários;

2. Surgimento de um novo modelo de Estado diverso do Estado europeu: o Estado do


fundamentalismo islâmico em que se unem lei religiosa e lei civil, poder espiritual e
poder temporal;

3. Observam-se no Estado social de Direito sintomas de crise: crise do Estado-


providência por causas administrativas, financeiras, comerciais (quebra da
competitividade devido globalização da economia);

4. Degradação da natureza e do ambiente; desigualdades económicas entre países


industrializados e países não industrializados; situações de exclusão social mesmo nos
países mais ricos; manipulação comunicacional (4º poder); cultura consumista de
massas; desaparecimento de certos valores éticos familiares e políticos.

c) Estado e Nação

Segundo Fernando Loureiro Bastos9, a compreensão do que seja o Estado


nacional soberano moderno implica que se tenha presente o conceito de Nação e as
relações que se podem estabelecer entre Nação e Estado. Sobre o conceito de Nação
várias são as teorias pelas quais se pode optar: as que apelam a um sentido histórico-
cultural ou as que apelam a um sentido jurídico; as correntes transpersonalistas e as
correntes personalistas; a tese da soberania nacional e a tese da soberania popular.

Por outro lado, no que respeita às relações entre Estado e Nação pode ser dos seguintes
tipos:

- Nação sem Estado;

- Nação repartida por vários Estado;

- Estado sem Nação;

- Estado correspondente a várias Nações;

- Estado e Nação coincidentes.

2.Elementos do Estado

A delimitação do conceito jurídico de Estado é feita através de três elementos:


8
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, tomo I, 6ª edição, Coimbra Editora, 1997, pp. 97 e
98.
9
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade de
Direito de Lisboa, 1999, pp. 117 e 118.
- O povo;

- O território;

- O poder político.

Até fins do século XVI, não existia Estado no sentido em que hoje é entendido pois não
existia um território fixo, um poder que se exercia sobre o território e não existia um
vínculo de nacionalidade. Só a partir do século XVI, surge o Estado moderno ou
Europeu, no sentido que hoje lhe damos. Ele surge na Europa com a idade moderna e
sob as ruínas do fundamentalismo. Teve por base o desenvolvimento da economia
mercantil e a libertação da sociedade civil do domínio temporal da Igreja e apoiou-se na
concentração do poder nas mãos do príncipe e no despertar da consciência nacional que
vai permitir encontrar um fundamento e um fim despersonalizado para o poder. Ao
contrário do que acontecia nas sociedades primitivas onde a autoridade política era em
regra o prolongamento da autoridade familiar e das sociedades feudais onde o poder era
fortemente personalizado, quem assegura o poder é uma instituição despersonalizada: o
Estado.

O Estado moderno é pois uma instituição social dotada de um poder racional separado
da pessoa dos governantes e sentido pelos governados.

O conjunto de governantes e de governados formam a população do Estado que vive


num determinado território, segundo regras de conduta, definidas pelos órgãos do poder
e salvaguardadas pelas autoridades públicas (povo, território, poder político).

2.1.O Povo

a) Cidadania ou Nacionalidade

Segundo Cristina Queiroz10, de um ponto de vista jurídico-constitucional, o povo


constitui o substrato, o elemento humano do Estado. O conceito de povo individualiza o
conjunto das pessoas que concretamente se encontram fixadas num determinado
território ou que se encontram ligadas ao Estado através de um particular vínculo
jurídico, designado de “cidadania” ou “nacionalidade”.

Neste sentido, é conveniente dissociar os conceitos de “povo” e “população”, já que


apenas no primeiro caso intercede o vínculo de nacionalidade ou cidadania. A
população, diferentemente, engloba não apenas os nacionais como ainda os estrangeiros
e os apátridas que habitam o território do Estado.

Seguindo Fernando Loureiro Bastos11, sendo o povo a comunidade dos cidadãos


importa determinar quais são as pessoas que devem ser qualificadas dessa forma, tendo
os Estados uma competência exclusiva na definição das regras de aquisição e perda da
cidadania/nacionalidade, em conformidade com o Direito Internacional.
10
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 25.

11
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, pp.133- 134.
Existem basicamente dois critérios quanto à atribuição da cidadania: o critério do ius
sanguinis, que tem na sua base os laços de sangue ou de filiação, e o critério do ius soli,
que tem na sua base o local de nascimento.

É usual distinguir entre aquisição originária da cidadania, que produz efeitos desde o
nascimento, e aquisição derivada da cidadania, que produz efeitos a partir de um
momento posterior.

A atribuição do vínculo jurídico-político de nacional a determinada pessoa humana


confere-lhe determinados direitos e deveres:

- de participar na vida política do Estado;

- de beneficiar da defesa dos seus direitos dentro do território do Estado;

- de beneficiar da defesa dos seus direitos fora do território do Estado;

- de participar na defesa do território;

- etc..

Deve ser tido em consideração que podem existir situações de cidadania dupla ou plural
e de apatrídia ou de apolídia. No primeiro caso, um indivíduo é considerado por mais de
um Estado como seu nacional. No segundo caso, um indivíduo não é considerado por
nenhum Estado como seu nacional.

É ainda possível distinguir cidadania de nacionalidade: a cidadania deve estar reservada


a pessoas singulares e a nacionalidade deve ser aplicada a pessoas colectivas (ou a
coisas – ex.: navio e aeronave).

b) Condição dos estrangeiros e apátridas na ordem constitucional


portuguesa

Segundo Fernando Loureiro Bastos12, os estrangeiros e os apátridas ou


apólidas gozam, em termos gerais, de um estatuto jurídico distinto do dos cidadãos do
Estado. Actualmente, a principal diferença será o não terem, em princípio, o gozo de
direitos políticos, na medida em que devem ter um tratamento compatível com a
dignidade da pessoa humana. Como exemplo diferenciador, podemos dar o facto da
capacidade eleitoral passiva nas eleições presidenciais se encontrar reservada aos
cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos.

2.2.O Território

Segundo Fernando Loureiro Bastos13, o território de um Estado é fundamental para


delimitar qual é o espaço em que o Estado pode exercer o seu poder soberano e, em
12
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, p. 134.
conformidade, qual é o âmbito espacial de aplicação das normas jurídicas que são
emitidas pelo poder político.

O território enquanto espaço jurídico próprio do Estado leva a:

- imposição da sua autoridade sobre certo território;

- a atribuição de personalidade jurídica internacional ao Estado depende da efectividade


desse poder;

- os órgãos do Estado encontram-se sempre sedeados no seu território;

- exclusão de poderes concorrentes de outros Estados sobre o seu território;

- os cidadãos só podem beneficiar da plenitude de protecção dos seus direitos pelo


respectivo Estado no território deste.

O poder do Estado sobre o seu território há-de ser indivisível, inalienável e exclusivo.

O território de um Estado abrange obrigatoriamente o domínio terrestre (solo e subsolo)


e o domínio aéreo e, no caso dos Estados que têm fronteira com mares ou oceanos, o
domínio marítimo.

A aquisição do território pode ser originária ou derivada (obtida por conquistas).

2.3.O Poder Político Soberano

Segundo Fernando Loureiro Bastos14, o terceiro dos elementos que caracteriza o


Estado é o exercício do poder político. Embora não se trate de uma característica
exclusiva do Estado, importa salientar que a forma mais comum e paradigmática de
poder político é a que tem lugar no âmbito dos Estados.

Nestes termos, o poder político que se exerce no Estado é:

- um poder constituinte, originário, que tem um fundamento próprio e não está


dependente de qualquer outro poder;

- um poder de auto-organização, que tem por objectivo permanente e continuado a


criação de condições para a manutenção da segurança, a administração da justiça e a
promoção do bem-estar da comunidade política;

- um poder de decisão que faz as opções consideradas e adequadas à organização da


vida da comunidade política, designadamente através da criação de normas jurídicas.

13
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, pp. 135 a 137.
14
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, pp. 137 e 140.
O poder político é exercido por um conjunto de órgãos do Estado que são poderes
constituídos e que devem actuar na estrita observância das competências previstas na
lei, estando por isso limitado pelo Direito.

O poder político soberano deve ser entendido como um poder político que é supremo e
independente e que, em conformidade, não está dependente de qualquer outro poder
político.

3.Estado Soberano e colectividades não estaduais

3.1. Conceito de soberania

Segundo Fernando Loureiro Bastos15, o poder político soberano deve ser entendido
como um poder político que é supremo e independente e que, em conformidade, não
está dependente de qualquer outro poder político. Daqui resulta a distinção com raiz no
Direito Internacional, entre Estados soberanos, semi-soberanos (ou com soberania
reduzida ou limitada) e não soberanos.

3.2.Estados não soberanos e Estados com soberania limitada

Podemos considerar estados não soberanos por não disporem de soberania externa os
Estados Federados e como estados semi-soberanos (ou com soberania limitada), que
têm ius imperium, mas delegam uma parte das suas competências externas os seguintes:
Estado exíguo ou microestado, Estado protegido, Estado vassalo, Estado confederado.

3.3. Estados e Comunidades políticas não estaduais

Além dos Estados, sociedades políticas organizadas, temos de levar em consideração os


vários modos de convivência social, ou seja, os vínculos sociais a que estamos sujeitos,
que podem assumir duas grandes classes, na classificação de Max Weber16, as
associações e as comunidades. Para este sociólogo, a comunidade seria resultante do
sentimento subjectivo (origem emotiva, afectiva ou tradicional) que os indivíduos têm
para constituir um todo, ao passo que a associação resultaria da vontade orientada por
motivos racionais que leva os indivíduos a juntarem-se para compensarem os seus
interesses ou para alcançarem um determinado fim.

4. Formas de Estado

4.1. O Estado e a sua organização territorial

O problema da organização territorial de um Estado não é matéria da exclusiva


competência de especialistas, mas antes uma matéria de interesse público geral. Basta
uma breve retrospectiva pela nossa história constitucional para demonstrar que a
organização do território é uma questão essencialmente política.
15
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade de
Direito de Lisboa, 1999, p. 140.
16
CAETANO, Marcelo, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6ª edição, Almedina, 2003, p.
3.
Na nossa constituição e em termos de organização territorial existem actualmente,
regiões autónomas (Açores e Madeira) e autarquias locais (municípios e freguesias
espalhadas pelo território nacional). Por outro lado, a constituição prevê ainda a
constituição legal de regiões administrativas, o que nunca foi efectivado, podendo
existir desta forma aqui uma inconstitucionalidade por omissão na opinião de Freitas
do Amaral17, que afirmou “a regionalização do continente” é um ponto que “falta
cumprir do programa constitucional de 1976”.

4.2. Estados Unitários e Estados Compostos

Seguindo Cristina Queiroz18, o Estado pode assumir duas formas: Estado Unitário e
Estado composto.

Num Estado unitário todos os cidadãos se encontram submetidos a um mesmo e único


poder.

Nos Estados compostos, o Estado decompõe-se em várias entidades, que se apresentam


sob a forma de Estados, despojados de certos dos seus atributos, mas entre os quais se
verificam laços de união. São Estados compostos as Uniões de Estados e os Estados
Federais (ex.: EUA).

As Uniões de Estados foram-se sucedendo ao longo da História, designadamente as


uniões pessoais e as uniões reais, nas quais os Estados eram colocados sob a autoridade
de um mesmo soberano, em virtude das leis de sucessão ao trono ou derivado da
assinatura e ratificação de um pacto ou convenção internacional.

Hoje essas formas de associações reduzem-se à Confederação e ao Estado Federal, este


último, muitas vezes, nascido a partir de uma confederação ou união de Estados.

A Confederação de Estados – é uma associação de Estados criados por um tratado


internacional do qual resulta a instituição de órgãos comuns para prosseguir certos fins,
geralmente internacionais. Exemplo: Cantões Suíços até 1848 e dos EUA entre 1781 e
1787.

O Estado federal é composto por um certo número de entidades cujo nome varia – os
Estados federados, cantões, Länder –, que têm a aparência de um Estado (constituição,
parlamento, governo, tribunais), mas que se encontram privados de soberania nas suas
relações com o exterior.

A federação tem na sua origem uma constituição federal, resultante do exercício de um


poder constituinte autónomo, "… que contém o fundamento de validade e de eficácia do
ordenamento jurídico federativo; e é ele que define a competência das
competências…”19.

Segundo Jorge Miranda20, o Estado Federal baseia-se na seguinte dualidade:


17
Posição defendida por Freitas do Amaral na sua última lição na Reitoria da Universidade Nova de
Lisboa.
18
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 31 a 35.
19
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. III, 3ª edição, Coimbra, 1994, p. 270.
20
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. III, 3ª edição, Coimbra, 1994, pp. 268 e 269.
- “numa estrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos locais (isto é, dos
Estados federados), de modo a cada cidadão fica simultaneamente sujeito a duas
Constituições, - a federal e a do Estado Federado a que pertence - e ser concidadão de
actos provenientes de dois aparelhos de órgãos legislativos, governativos,
administrativos e jurisdicionais”;

- “numa estrutura de participação, em que o poder político central surge como resultante
da agregação dos poderes políticos locais, independentemente do modo de formação”.

Das características da sobreposição e da participação decorrem, segundo Jorge


Miranda21, os seguintes princípios directivos:

1º - Dualidade de soberanias – a de cada um dos Estados federados e a do Estado


federal, tendo cada um deles a sua Constituição, bem como o correspondente sistema de
funções e órgãos;

2º - Participação dos Estados Federados na formação e na modificação da Constituição


Federal;

3º - Garantia (a nível da Constituição Federal) da existência e dos direitos dos Estados


Federados;

4 º - Intervenção institucionalizada dos Estados Federados na formação da vontade


política e legislativa federal;

5º - Igualdade jurídica dos Estados Federados;

6º - Limitação das atribuições federais.

Relativamente à repartição de matérias entre Estado Federal e os Estados Federados


deve-se distinguir entre:

- a repartição horizontal ou material existente no federalismo clássico (EUA e Suíça) em


que o “dualismo de soberania envolve um dualismo legislativo e executivo (O Estado
Federal faz e executa as suas leis, e o mesmo fazem os Estados Federados)”22;

- a repartição vertical existente no federalismo cooperativo (Alemanha) em que o


“Estado federal legisla ou define as bases gerais da legislação e os Estados federados
executam ou desenvolvem as bases gerais”23.

Em suma, haverá Estados federados quando um certo número de colectividades


territoriais, politicamente organizadas decidem unir-se e aceitam, mediante a adopção
de uma constituição comum, transferir para os órgãos da união os seus poderes
soberanos de ordem externa e reconhecem a estes órgãos competência para decidir
sobre alguns domínios da sua ordem interna.

21
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. III, 3ª edição, Coimbra, 1994, pp. 270 e 271.

22
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. III, 3ª edição, Coimbra, 1994, p. 274.

23
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. III, 3ª edição, Coimbra, 1994, p. 274.
4.3. Estados Unitários Simples e Estados Unitários Complexos

Segundo Fernando Loureiro Bastos24, no Estado Unitário deve ser feita a distinção
entre Estado unitário centralizado (Estado unitário simples) e Estado unitário regional
(Estado unitário complexo). No primeiro, existe apenas um poder político estadual,
enquanto no segundo existe um fenómeno de descentralização política (que se traduz na
atribuição a entidades intra-estaduais de poderes ou funções políticas, que são exercidas
paralelamente/ao lado daquelas exercidas pelos órgãos estaduais).

As experiências de regionalismo político são recentes e remontam à Constituição


espanhola de 1931 e à italiana de 1947. Assim, são exemplos de estados unitários
regionalizados a Espanha e a Itália.

4.4. A forma do Estado Português: um Estado Unitário com regionalização


periférica

Portugal é um Estado unitário pois todos os cidadãos se encontram submetidos a um


mesmo e único poder, no entanto é um Estado Unitário que têm duas regiões políticas
embora apenas perifericamente (os Açores e a Madeira), nesse sentido podemos
classificá-lo como um Estado Unitário com regionalização periférica.

CAPÍTULO II. A organização do poder político

1.Introdução sinóptica às Formas de Governo: Regimes Políticos e Sistemas de

Governo

Segundo Cristina Queiroz25, formas de governo correspondem ao conjunto das


instituições políticas na sua morfologia interna, compreendendo o conjunto das normas,
escritas ou não escritas, que disciplinam a actividade dos órgãos superiores do Estado e
as suas relações recíprocas, ou, mais genericamente, “o modo como em cada sociedade
política se estrutura e exerce o poder político”.

1.1.Os Regimes Políticos: noção e tipologia.

24
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, p. 142.

25
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 170.
Segundo Cristina Queiroz26, os regimes políticos apontam para o modo como, na
prática, se articula o sistema de rotações entre os órgãos superiores do Estado com vista
ao funcionamento dinâmico e global da arquitectura constitucional do conjunto,
tomando em consideração as concepções fundamentais das relações entre o indivíduo e
a sociedade política cuja ideologia o poder político tem por missão verter na ordem
jurídica.

Segundo Fernando Loureiro Bastos27, a contraposição clássica que era feita no âmbito
dos regimes políticos distinguia entre monarquia e república. Actualmente a distinção
entre estes regimes tem por base o modo como é designado o Chefe do Estado. Assim:

- a república é o regime político em que a designação do Chefe de Estado se faz por


formas diversas da herança;

- a monarquia é o regime político em que a designação do Chefe de Estado se faz por


herança.

Actualmente distingue-se também entre regime político ditatorial e regime político


democrático.

O regime é ditatorial quando o poder político é detido por uma pessoa ou por um
conjunto de pessoas que o exercem por direito próprio, sem que haja participação ou
representação da pluralidade dos governados.

Os regimes ditatoriais podem ser autoritários ou totalitários. A distinção entre os dois


conceitos deve ser feita com base na intensidade do controlo que o poder político exerce
em relação à sociedade civil. Se a extensão do controlo é tal que o Estado absorve a
sociedade civil, está-se em presença de um regime totalitário. Se, em contraponto, é
possível continuar com uma relativa margem de autonomia no âmbito da sociedade
civil, não obstante o controlo que é exercido pelo poder político, está-se em presença de
um regime autoritário.

O regime é democrático quando o poder político é exercido pela comunidade, através da


delegação do seu exercício a um conjunto de órgãos, com a participação efectiva ou a
representação da pluralidade dos governados.

1.2.Os Sistemas de Governo no Estado de Direito Democrático

26
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 170.
27
LOUREIRO BASTOS, Fernando, Ciência Política – guia de estudo, Associação Académica da Faculdade
de Direito de Lisboa, 1999, pp. 187 a 191.
Segundo Cristina Queiroz28, os sistemas de governo, identificados com a estrutura
político-constitucional tal como esta resulta do texto constitucional (:”constituição em
sentido instrumental”), recobrindo a organização, o funcionamento e a inter-relação dos
órgãos superiores do Estado, podem ser estudados quer numa perspectiva jurídica quer
numa perspectiva fáctica, “rectius” política.

Com efeito, os sistemas de governo definem-se pelo relacionamento dos diferentes


órgãos encarregados do exercício do poder, ou seja, reflectem a estrutura interna do
poder político: a existência ou não de pluralidade de órgãos de poder, as suas
competências, relações e interdependências.

Em regra, as Constituições situam a sede do exercício do poder num dos órgãos


supremos do Estado. É esse órgão que responde perante o eleitorado, pela política geral
da governação do país e é essa importância em relação aos outros órgãos de soberania
que permite identificar o sistema de governo.

Assim conforme os órgãos legalmente importantes do aparelho de Estado são: o


parlamento e o governo ou o chefe do Estado e a assembleia parlamentar, encontramo-
nos perante sistemas de governo parlamentares ou presidencialistas, podendo no entanto
existir também regimes mistos, como o semipresidencialista.

Para esta caracterização será necessário atendermos a três conceitos:

- separação de poderes;

- dependência, independência ou interdependência dos órgãos;

- responsabilidade política.

1.3. Tipos dominantes de sistemas de governo: sistemas presidencialistas,


parlamentares e semipresidencialistas

Como vimos, os sistemas de governo democráticos de divisão de poderes mais


importantes no decurso do século XX e seguidamente são: os parlamentaristas, os
presidencialistas e os semipresidencialistas.

Sistema de Governo Presidencialista (Exemplo: EUA)

Neste sistema, o governo engloba o chefe do Estado que é o chefe do executivo e a


quem compete definir a política geral do país.

Além do chefe do Estado, existem os secretários de estado que são meros colaboradores
do Presidente e exercem funções predominantemente administrativas.

Neste sistema puro, o governo é independente do parlamento, quer quanto à formação,


quer quanto à subsistência, pois nem o parlamento pode demitir o governo, nem este
pode dissolver o parlamento.

Assim:
28
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 170.
• o Chefe de Estado é eleito por sufrágio universal e directo;

• o Chefe de Estado é o Chefe do Governo, formando em total liberdade do Parlamento;

• o Chefe de Estado possui veto suspensivo das leis do Parlamento;

• o Chefe de Estado não possui poder de dissolução do Parlamento;

• o Parlamento não pode demitir o Chefe de Estado /Governo;

• Total independência entre executivo e legislativo;

• Não existe um Governo enquanto órgão colegial autónomo, o Executivo é um órgão


singular constituído exclusivamente pelo Presidente.

Este sistema funda-se no princípio da separação dos poderes; na eleição do chefe do


Estado por sufrágio universal; na atribuição ao presidente da república das funções do
chefe de Estado e chefe do executivo; na independência do governo perante o
parlamento e no facto do Presidente não poder dissolver o parlamento.

Nestes sistemas, as instituições estão concebidas de forma muito semelhante à ideia de


separação dos poderes tradicional. Por um lado, há órgãos que têm a incumbência de
traçar as linhas gerais da acção política mediante a função legislativa (o parlamento) e
outro encarregado de executar as leis (o presidente).

Ambos os órgãos têm carácter representativo sendo independentes quanto à origem e


quanto ao exercício dos poderes que a Constituição lhes confere. Essa independência,
que difere e contrasta com o que se passa nos sistemas parlamentares, torna esses dois
órgãos responsáveis perante o eleitorado, dispensando a existência de um terceiro órgão
que tenha por finalidade resolver os desentendimentos que possam aparecer entre eles.

O poder judicial, por seu lado, pertence a um supremo tribunal, cujos juízes são
designados pelo Presidente sobre proposta e com o consentimento da câmara alta do
parlamento (Senado). O Presidente da República eleito por sufrágio universal é
simultaneamente o chefe do Estado e chefe do governo, competindo-lhe nesta qualidade
assegurar o exercício da função executiva.

Legitimado que é por sufrágio universal, o Presidente da República não pode ser
destituído pelo Parlamento, excepto por acusação criminal. Por sua vez, também o
Parlamento eleito de igual modo por sufrágio universal é independente do Presidente.
Este não pode dissolvê-lo, nem pode fazer parte dele.

O princípio da separação dos podres e o princípio da independência são contudo


limitados por regras constitucionais e pela própria prática política que definem as
normas de relacionamento entre esses dois órgãos.

De facto, o Presidente da República tem a faculdade de vetar as leis aprovadas pelo


parlamento, forçando este a revê-las. Tem, também, a possibilidade de propor ao
Parlamento projectos de lei, quer de uma forma directa por meio de mensagens que lhe
dirige; quer de forma indirecta, através dos membros do parlamento que pertençam ao
seu partido político.
O Parlamento dispõe de meios que lhe permite influenciar a acção do Presidente da
República, como por exemplo recusando aprovar certas nomeações; aceitando ou
recusando o orçamento geral do Estado ou criando comissões de investigação acerca de
determinados assuntos.

Sistema de governo parlamentarista (Exemplos: Grã-Bretanha, Alemanha, Itália)

Neste sistema, o governo compreende, em regra, um chefe do executivo, que se pode


chamar primeiro-ministro, presidente do conselho, chanceler; também tem ministros
com funções e competências diversas e, ainda, tem secretários de Estado.

Neste sistema, o chefe de Estado não pertence ao governo nem detém qualquer
intervenção na política governamental. A política geral do governo é definida pelo
Conselho de Ministros sob orientação do chefe do executivo (primeiro-ministro).

No entanto, a formação do governo depende do parlamento e é perante este responsável,


a título individual ou colectivo.

Muitas vezes, os ministros fazem parte do parlamento, sendo simultaneamente


deputados. Neste sistema, em particular na Grã-Bretanha, alguns ministros têm funções
predominantemente políticas.

Assim:

• a função política é exercida pelo Governo e Parlamento;

• o Governo é um órgão colegial que resulta da composição e nomeação do Parlamento;

• o Governo depende da confiança e responde politicamente directamente ao


Parlamento;

• o Chefe do Governo é distinto do Chefe de Estado e usualmente é o líder da maioria


parlamentar;

• o Chefe de Estado está reduzido às suas funções de representação protocolar, com


reduzidas funções de exercício efectivo de poder político.

O parlamentarismo é um sistema político de governo que se caracteriza essencialmente


pelas seguintes regras jurídicas:

- Responsabilidade do governo perante o parlamento;

- Reconhecimento do parlamento como fonte de todos os poderes;

- Eleição do chefe do Estado por sufrágio universal;

- Direito de dissolução do parlamento pelo chefe de Estado;

- Acumulação de poderes e funções.

O poder executivo neste sistema está dividido por dois órgãos: o chefe do Estado que
não tem responsabilidade política e exerce apenas poderes formais, muitas vezes de
simples representação; e o governo que dirige a acção do poder executivo, assumindo a
direcção política sob a orientação do chefe do Estado.

O governo resulta das eleições directas e universais, pois a sua nomeação obedece aos
resultados das eleições parlamentares. Na medida em que o governo é investido pelo
chefe do Estado e com o apoio do parlamento, o governo só pode exercer as suas
funções, se tiver a confiança deste ou, dito de outra forma, se tiver o apoio da maioria
dos deputados.

O parlamento eleito directamente pelos cidadãos, dispõe de muitos meios para controlar
a acção do governo, além de ter a faculdade de elaborar leis, sem as quais o executivo
não poderia governar. O Parlamento pode exigir ao Governo as explicações que entenda
serem necessárias; podem criticar a acção governativa e apresentar moções de censura,
de confiança, etc..

Quando o Governo não dispuser da confiança do Parlamento, terá de se demitir ou ser


demitido. É esta responsabilidade política do governo perante o parlamento que
constitui a característica fundamental do sistema parlamentar. Este aspecto reduz o
papel do chefe do Estado a uma importância muito pequena.

A ligação estreita entre o governo e o parlamento pressupõe que estes dois órgãos
colaborem nas funções do Estado. O executivo colabora na função legislativa e o
Parlamento na função governativa, dando ao Governo meios para agir.

Uma outra característica do sistema parlamentar reside no facto de o chefe de Estado,


em alguns regimes republicanos, não ser eleito por sufrágio universal sendo escolhido
por um colégio restrito cuja composição varia de país para país.

Os sistemas mistos
Os dois sistemas de que falamos são sistemas puros.

No entanto, há sistemas de governo que não são mais do que uma mistura de
características do sistema presidencialista e parlamentar e que são designados por
sistemas mistos, como o caso do sistema semipresidencialista. Esses sistemas de
governo mistos podem assumir uma preponderância dos elementos presidencialista
(França), ou podem revestir uma predominância dos elementos parlamentares, ou até
podem assumir o equilíbrio dos dois sistemas, tudo dependendo das características
concretas do Estado em questão.

O sistema de governo semipresidencial

Neste sistema misto semipresidencial o esquema institucional é semelhante ao do


sistema parlamentar, pois também existe um chefe de Estado e um chefe do governo, e
o executivo só pode governar se tiver a confiança do parlamento. Contudo, o chefe do
Estado é eleito por sufrágio universal, não se limitando, no entanto, a ter uma função
meramente representativa ou protocolar, como no sistema de parlamentar pois, ao
contrário, é ele quem dirige o governo e toma as grandes decisões políticas, sem ser
responsável por elas perante o parlamento.

O chefe do Estado é o elemento fundamental do sistema, tendo amplos poderes. O


governo que é responsável perante o parlamento que tem meios para controlar a sua
acção através de desaprovação do programa ou da aprovação de moções de censura, só
pode exercer as suas funções com o apoio do chefe do Estado.

Uma das principais características deste sistema consiste, portanto, no facto de o


executivo depender do Presidente da República e do Parlamento. Uma vez que estes
dois órgãos são eleitos separadamente por sufrágio universal, poderá levar a que o
parlamento possa dispor de uma maioria contrária à maioria que apoia o Presidente,
tornando a governação complicada, pois neste caso o Presidente pode dissolver o
parlamento e convocar novas eleições, embora isso possa não solucionar o problema, se
os resultados eleitorais voltarem a confirmar a mesma maioria eleitoral do parlamento.

Neste sistema misto de presidencialismo e parlamentarismo, o governo integra o chefe


do Estado, integra o primeiro-ministro, os ministros e os secretários de Estado, podendo
haver subsecretários. O chefe do Estado preside normalmente às reuniões do conselho
de ministros e pode exercer certas actividades governativas de política externa. O chefe
do Estado nomeia e demite o primeiro-ministro e os ministros também são nomeados
por ele. Apesar de serem propostos pelo primeiro-ministro, os ministros são
responsáveis perante o presidente da república e perante o parlamento que tem
competências de censura às actividades do executivo e exercem também funções
políticas e administrativas, sendo estas exercidas em colaboração com os secretários de
Estado.

No caso português o chefe do Estado não integra o governo, embora tenha competência
para o demitir depois de ouvido o Conselho de Estado. Para um esquema de
funcionamento do sistema semipresidencial português ver o ponto seguinte.

2. A organização do poder político e sistema de governo na Constituição de 1976

Seguindo Cristina Queiroz29, a organização interna do poder político obedece a um


sábio e prudente princípio de separação e divisão de poderes.

A separação de poderes, cuja teorização remonta aos séculos XVII e XVIII, primeiro
com Locke, depois com Montesquieu, encontra-se como tal inscrita no artigo 16º da
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” francesa de 1789: “Toda a
sociedade na qual a separação de poderes não se encontre assegurada (…) não tem
Constituição”.

Como princípio institucional, a separação de poderes reporta-se à análise da organização


das funções do Estado. Essas funções – legislativa, executiva e judicial – devem ser
exercidas a título principal por um único órgão. Daqui decorre um princípio de
especialização dos órgãos numa função determinada. Aquele que edita a lei, não deve
aplicá-la. Aquele que julga, não pode votar a lei, etc. Daí os efeitos benéficos da “trias
politica” montesquieuana.

A teoria da separação de poderes repousa numa chave de repartição de funções entre


órgãos independentes que se apresentam de per si como uma forma de divisão ou
desmembramento do poder, outrora detido pelo monarca. O poder é repartido e
distribuído por vários órgãos. Esses poderes são especializados e independentes.

29
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 55 a 109.
Separados e distribuídos os poderes irão limitar-se reciprocamente através de um
sistema engenhoso de “freios” e “contrapesos” (checks and balances).

Como princípio de construção, racionalização e limitação do poder, a separação de


poderes apresenta-se como um postulado fundamental, um princípio geral de
organização dos poderes no Estado. Pressupõe, nestes termos, uma certa igualdade e
colaboração entre os diferentes órgãos e poderes do Estado.

O poder legislativo

Em teoria o poder legislativo cria as leis, regras de natureza geral e abstracta, dotadas de
relativa permanência, editadas pela assembleia representativa dos cidadãos no Estado.

O parlamento, o poder legislativo, detém a primazia sobre os outros poderes e funções


do Estado e dizemos primazia porque o poder legislativo não detém o monopólio da
criação das leis (cf. Delegações de competência ao Governo para editar leis; o poder
regulamentar do Governo e leis individuais e concretas que visam acudir a situações do
momento, também chamadas “leis medida”).

Com efeito, em toda a Europa assiste-se hoje a um redimensionamento do papel dos


parlamentos como centros de decisão política face a um reforço crescente do poder
executivo que se vem acentuando a partir da I Guerra Mundial. A perda de significado
da legislação parlamentar é um facto a ter em conta. Grande parte das leis é agora
aprovada pelo parlamento na base de propostas do executivo. Tudo isto se traduz em
formas de deslegificação que apontam para uma especialização dos parlamentos no
âmbito de uma legislação de princípios ou leis quadro.

Esta deparlamentarizaçao fáctica encontra-se, do ponto de vista político e


constitucional, em oposição ao papel central que é atribuído ao parlamento: único órgão
legitimado democraticamente a representar a sociedade no Estado no âmbito de uma
democracia de base parlamentar. No limite, a força dos parlamentos reside hoje na sua
capacidade em debater as “grandes linhas políticas”. É aí que as suas funções de
deliberação e de representação políticas se encontram no mais alto grau.

O poder executivo

O governo, o poder executivo, é o órgão encarregado da execução das leis. O governo é


um órgão político autónomo, o que significa que não se encontra vinculado a instruções
de um outro órgão, especialmente do parlamento. Além do mais, é o poder que mais
beneficiou da transformação das sociedades modernas. Hoje a maioria das constituições
dos Estados constitucionais europeus atribuem ao governo um conjunto de funções
alargadas e múltiplas.

A cessação de funções do governo pode ocorrer em virtude da verificação de um


conjunto de circunstâncias discriminadas na Constituição (ver artigo 195º da CRP).

A dissolução do parlamento, regra geral, em regimes de base parlamentar, compete ao


executivo.

Entre nós, o direito de dissolução não é atribuído pela Constituição ao Governo, mas ao
Presidente da República (cf. Artigo 133º, al. e) da CRP). Uma solução que se afasta da
regra geral aplicável em regimes de base parlamentar. Neste sentido, pode dizer-se, o
legislador constituinte português optou por um modelo semelhante ao francês, mais
próprio de regimes presidencialistas (ou semipresidencialistas) do que do sistema
parlamentar.

O Presidente da República deve, antes de proceder à dissolução do órgão parlamentar,


ouvir os partidos políticos nele representados e o Conselho de Estado (cf. Artigo 133º,
al e) da CRP). A audição do Conselho de Estado, embora obrigatória não tem efeitos
vinculativos, nos termos e por força do disposto no artigo 145º, al. a) da CRP.

Desta forma, o direito de dissolução é a arma mais poderosa do Presidente da


República, que, age de acordo com uma leitura e interpretação próprias da situação,
tendo por limite único a sua consciência, sem necessidade de autorização de outros
órgãos ou de referenda ministerial.

O poder judicial

O poder judicial é de entre os poderes do Estado o “menos perigoso” no cômputo do


funcionamento global do sistema. É um poder independente, inamovível, imparcial e
actuado através de uma magistratura profissional e responsável. É também um poder
passivo. O poder judicial compete aos tribunais.

Tendo em conta o exposto, o sistema de governo português é semipresidencialista pois:

- existe um Chefe de Estado detentor de poderes políticos importantes, para cujo


exercício efectivo, e não meramente nominal, possui a necessária legitimidade
democrática, ao ser eleito por sufrágio directo e universal. Entre esses poderes
destacam-se: o poder de dissolução do Parlamento, o poder de nomeação do Primeiro-
Ministro, a promulgação (ou recusa de promulgação) das leis, a nomeação de altos
funcionários e titulares de outros órgãos, a possibilidade de suscitar a fiscalização da
constitucionalidade das leis, o poder de destituir o Primeiro-Ministro e de desencadear o
processo de referendo nacional;

- existe dependência política que sujeita o Governo ao Parlamento e que, em última


análise, possibilita ao Parlamento a retirada da confiança política ao Governo,
provocando por isso a sua queda.

Em suma e de forma esquemática:

SISTEMA SEMI-PRESIDENCIALISTA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA


PORTUGUESA

Presidente da Assembleia da Governo Os Tribunais


República República

- eleito por sufrágio - eleita por sufrágio - Nomeado pelo - Legitimidade


universal universal PR, tendo em conta Constitucional
os resultados
- declara estado de - votar o programa eleitorais (para a
sítio e estado de do governo AR)
emergência
- votar moções de
censura e
confiança ao
governo

- Órgão singular - Órgão colegial - Órgão colegial - Órgãos


representativo do (conselho de singulares e/ou
povo ministros) colectivos.

- Chefe de Estado, - órgão legislativo - Órgão executivo - exercício em


Comandante Supremo por excelência por excelência exclusividade do
das Forças Armadas poder
- Reserva de leis e - Poderes jurisdicional
- Representação revisão legislativos
protocolar constitucional limitados (os não - independentes
reservados à AR) de todos os
- Poderes políticos: - iniciativa de lei e demais órgãos do
direito de veto ; de referendos - Condução da Estado.
requerer a fiscalização Política externa
da constitucionalidade
das normas jurídicas; - Direcção da
decidir a realização de Administração
referendos. Pública

- Elaboração e
execução do
Orçamento do
Estado

- Iniciativa de lei e
de referendo

- dissolver a AR - votar o programa - É responsável


do governo politicamente
- nomeia o Governo perante o PR e a
com base na - votar moções de AR
composição do censura e
Parlamento confiança ao
governo
- demite o Governo
B. DIREITO CONSTITUCIONAL

CAPÍTULO I. Poder constituinte e Constituição

1.Introdução ao Poder Constituinte

1.1.Natureza e características

O poder constituinte levanta essencialmente quatro questões:

1. O que é poder constituinte – ele revela-se sempre como uma questão de poder, de
força ou de autoridade política, que está em condições de, em determinada situação
concreta, criar, garantir ou eliminar uma constituição percebida como lei fundamental
da comunidade política;

2. Quem é o titular do poder constituinte – qual é a grandeza política capaz de mobilizar


a força ordenadora do povo no sentido de instituir uma lei fundamental (constituição): o
titular do poder constituinte só pode ser o povo, entendido no seu sentido global,
pluralista como conjunto de indivíduos, associações, igrejas, comunidades,
personalidades, instituições, sendo eles veiculadores de interesses, crenças, tradições,
valores, com carácter plural (com ideias diferentes), convergentes ou conflituantes.

3. Como proceder para elaborar e aprovar uma constituição – será por procedimento
legislativo-constituinte através de uma assembleia eleita de propósito para fazer essa
constituição ou por um processo referendário-plebiscitário em que o povo decide a
aprovação como lei fundamental de um texto que foi submetido à sua aprovação.

4. Saber qual o conteúdo e a legitimidade da constituição e quais os limites do poder


constituinte - ou seja, a questão de saber se existem ou não limites jurídicos e políticos
quando ao exercício do poder constituinte (existem certos princípios – dignidade da
pessoa, justiça, liberdade, igualdade, através dos quais se pode apurar da “bondade ou
maldade” de uma constituição).

O poder constituinte entende-se como estando vinculado à observação de certos


princípios de justiça e outros princípios de direito constitucional (exemplo: princípio da
independência, da observância dos direitos humanos, designadamente da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, pois nenhum sistema jurídico interno poderá
considerar-se hoje fora da comunidade internacional).

1.2.Poder Constituinte e Poder de Revisão Constitucional

Ao poder constituinte originário corresponde a competência de criar a constituição, de


engendrá-la.

O poder de revisão ou reforma da Constituição tem de ser diferenciado do poder


constituinte originário, na verdade trata-se do exercício do poder constituinte de forma
derivada, por vezes limitado pelas próprias constituições, que, em geral, determinam os
elementos material e temporalmente irrevisíveis, como, são exemplo as normas que se
contêm nos artigos 284º e seguintes da CRP.

Relativamente à revisão constitucional na nossa CRP e de forma esquemática:

1 – INTENCIONALIDADE – Artigos 285º e 287º n.º 1

Art. 285º n.º 1 - A iniciativa pertence aos deputados e não aos grupos parlamentares

nem ao PR..

Art. 285º n.º 2 - Implica a iniciativa de apresentação de um projecto de revisão que

defina expressamente as alterações à CRP pretendidas.

2 – COMPETÊNCIA

Art. 161º a) e 284º - Compete exclusivamente à Assembleia da República

3 – COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TEMPO

Art. 284º n.º 1 - As revisões “ordinárias” apenas podem acontecer 5 anos após a

publicação da última lei de revisão.

Art. 284º n.º 2 – A Assembleia da República pode assumir poderes extraordinários de

revisão, antes deste prazo, por maioria de 4/5 dos deputados em efectividade de funções.

4 – NORMALIDADE CONSTITUCIONAL
Art. 289º + 19º n.º 8 – as revisões apenas podem ocorrer em situações de normalidade

constitucional, e nunca estando declarado o Estado de Sítio ou Estado de emergência.

5 – FORMALISMO DA APROVAÇÃO

Art. 285º n.º 2 – apresentado um projecto, qualquer outro a ser apreciado na mesma

altura deve ser apresentado no prazo de 30 dias.

Art. 286 n.º 1 – é necessária uma maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de

funções.

Art. 286º n.º 2 – as alterações aprovadas serão reunidas numa única lei de revisão.

6 – PROMULGAÇÃO

Art. 286º n.º 3 – O Presidente da República não pode recusar a promulgação de uma lei

de revisão, ou seja, não pode exercer o direito de veto.

No entanto:

 cabe ao Presidente da República verificar do cumprimento dos formalismos


necessárias à aprovação de uma Lei Constitucional, caso verifique a falta de
algum desses requisitos deve devolver o projecto à Assembleia da República
para a superação desses vícios;
 não deverá igualmente promulgar a lei constitucional se ela provier de um órgão
constitucionalmente incompetente;
 Art. 134º g) – há quem defenda ainda a hipótese de requerer a fiscalização
preventiva da fiscalização por parte do Presidente da República.

LIMITES MATERIAIS AO PODER DE REVISÃO:

O artigo 288º da CRP define os pontos de rigidez formal da Constituição da República

Portuguesa:
 Quanto à aos princípios estruturantes do Estado Português - alíneas a) a c), e h) a

o);

 Quanto ao Sistema de Direitos e Deveres Fundamentais – alíneas d) e e);

 Quanto à organização económica do Estado – alíneas f) e g).

1.3. A revisão constitucional no âmbito das vicissitudes da Constituição

A Constituição enquanto diploma fundamental de expressão da vontade popular


materializada na criação e regulação do Estado pretende perdurar no tempo
acompanhando a vida desse Estado. Nessa medida, toda a Constituição sofrerá
inevitavelmente as vicissitudes da evolução das circunstâncias económicas, sociais,
culturais e políticas do próprio Estado e, se quiser perdurar, deverá modificar-se em
atenção a esta evolução.

Nomeadamente, a Constituição de um Estado Democrático que aceita a circunstância


dinâmica do princípio democrático, não pode deixar de ser permeável a este dinamismo,
pois a vida constitucional é igualmente um processo dinâmico. Assim, a vida do Estado
gera inevitavelmente factos e momentos históricos que se projectam na Constituição -
chamaremos a estes as vicissitudes constitucionais.

VICISSITUDES CONSTITUCIONAIS QUANTO AO MODO:

a) expressas: revisão (formal) ou ruptura constitucional;

b) tácitas: costume constitucional, interpretação evolutiva.

2.Estado de Direito e Constituição: Os fundamentos do Estado de direito e a


morfologia da Constituição no modelo de Estado social de direito

Seguindo Santos Justo30, o Estado de Direito tem na jurisdicidade a sua essência: ubi
civitas, ibi ius. o Direito fundamenta-o e define as suas competências.
Na sua história podemos destacar três etapas que traduzem a luta contra a
arbitrariedade e pela jurisdição da sua actividade:

1º a luta contra o arbítrio judicial. O liberalismo foi buscar à Idade Média argumentos
contra o arbítrio que os juízes gozavam na administração da justiça, para ajustarem a
pena às circunstâncias em que os delitos eram cometidos e à posição social dos
delinquentes (4). Os abusos dos juízes, que tratavam com brandura os poderosos e ricos
e severamente os pobres e desamparados, foram invocados no século XVIII na defesa

30
SANTOS JUSTO, A., Introdução ao estudo do Direito, 6ª edição, Coimbra Editora, 2012, pp. 93 a 95.
da estrita vinculação do juiz à lei: o juiz deve ser “uma máquina de julgar, um autómata
jurídico” (LEGAZ Y LACAMBRA);
2º a instauração duma justiça administrativa que controle os actos da Administração.
Traduz um protesto contra a prática administrativa do Estado absoluto e significa um
voto de confiança na justiça;
3º a institucionalização dum controlo jurisdicional das leis. Implica a consideração de
que o legislador deve respeitar um direito superior que a Constituição consagra: e
podendo o acto legislativo ser inconstitucional, impõe-se a sua apreciação por uma
instância jurídica que pode ser ou não especial.

Percorridas estas fases, ergue-se o Estado de Direito (material) como o Estado que
realiza a concepção personalista de justiça e se caracteriza por quatro notas
fundamentais (segundo LEGAZ Y LACAMBRA):

1. o ordenamento jurídico é um todo hierarquicamente estruturado e tem na lei a fonte


mais importante;
2. são afirmados e protegidos os direitos humanos fundamentais, entre os quais o de
participação activa na vida do Estado. Trata-se dos direitos subjectivos públicos,
cuja existência é essencial ao Estado de Direito: a sua omissão traduziria uma
restrição à liberdade e uma negação da pessoa humana;
3. a actuação administrativa pode ser objecto de impugnação graciosa e contenciosa, as
quais tutelam os direitos dos administrados. A primeira é dirigida à própria
Administração e pode consistir numa reclamação ou num recurso hierárquico; a
segunda é apresentada no tribunal competente;
4. a legislação é jurisdicionalmente controlada. Assim se garante a obediência à
Constituição que constitui a "lei das leis", ou seja, uma garantia jurídica dos direitos
subjectivos públicos.

Em relação ao Estado Social e segundo Paulo Ferreira da Cunha31 podemos


afirmar que entre os anos de 1945-1975 o ambiente geral era amigo do social e a
palavra de ordem dominante era protectiva. Então, os direitos sociais cresceram e
foram-se consolidando quer na teoria constitucional, quer na prática prestativa, em
muitos países.
A Constituição de 1976 implementou um Estado Social de Direito, tendo sido a
Constituição democrática consagradora de mais direitos sociais. No entanto, em
geral e mundialmente, a partir de 1975 verificaram-se reacções ou resistências ao
espírito social e protector, ganhando uma inusitada dimensão uma versão aguerrida
de liberalismo que recusa as raízes sociais e o seu legado social. Há quem fale até,
neste momento, em crise do Estado Social.

3.Classificações de Constituição

Podemos apelar a várias classificações de Constituição.

3.1.Constituição em sentido material, formal e instrumental

Seguindo uma classificação quanto à relação forma/conteúdo, é possível distinguir


entre Constituição material, formal e instrumental.
31
FERREIRA DA CUNHA, Paulo, Direito Constitucional Geral, Quid Juris, 2006, p. 257.
Segundo Paulo Ferreira da Cunha32, Constituição material é a parte substancial, o
cerne, de uma Constituição. Não precisa de estar plasmada em texto escrito (ou
codificado) para existir. Por isso, alguns classificam como constituições materiais as do
constitucionalismo tradicional, histórico, antigo, etc., em que não havia texto
codificado. Não se deve opor classificatoriamente constituição material e constituição
formal, o caso normal, hoje, será o de constituições formais que contêm constituições
materiais, ou, noutros termos, dão-lhes forma.

Constituição formal é a dimensão textual de uma Constituição, normalmente


codificada. Mas que pode ser também o conjunto de textos de uma constituição escrita
esparsa.

Constituição instrumental é o mero suporte material, físico, da constituição formal.

3.2.Constituição rígida e Constituição flexível

Quanto à estabilidade de uma Constituição, é possível distinguir entre constituições


rígidas e flexíveis.

Diz-se rígida a Constituição que, para ser revista, exige a observação de uma forma
particular distinta da forma seguida para a elaboração das leis ordinárias.

Diz-se flexível aquela em que são idênticos os processo legislativo e o processo de


revisão constitucional, aquela em que a forma é a mesma para a lei ordinária e para a lei
constitucional.

A rigidez constitucional é a norma nos Estados modernos e resulta da adopção do


conceito da constituição formal e instrumental.

VANTAGENS DE UMA CONSTITUIÇÃO RÍGIDA

- A superior legitimação democrática confere legitimidade à sua superior força


normativa;

- Impede que a Constituição possa ser alterada levianamente sob a pressão de quaisquer
acontecimentos circunstanciais;

- Garante assim a necessária estabilidade ao ordenamento jurídico e à confiança e


fiabilidade do mesmo.

VANTAGENS DE UMA CONSTITUIÇÃO FLEXÍVEL

- Permite a fácil actualização da constituição formal e instrumental em função natural


evolução da consciência global;

32
FERREIRA DA CUNHA, Paulo, Direito Constitucional Geral, Quid Juris, 2006, p. 52.
- Impede que a Constituição formal e instrumental seja ultrapassada pela realidade
constitucional, tornando-se obsoleta, e de certo modo ilegítima, e nesse sentido
potenciando a sua própria derrogação.

Em suma, os fins de Segurança e Justiça que o Estado Direito pretende alcançar exigem
estabilidade ao ordenamento jurídico e à confiança e fiabilidade do mesmo, o que só
pode ser garantido mediante a rigidez dos princípios estruturantes deste ordenamento;
mas, por outro lado, é imperioso a existência da possibilidade formal de revisão, ainda
que dentro de regras mais apertadas, no sentido de impedir que a Constituição seja
ultrapassada pela realidade constitucional. Com efeito, a par da rigidez, uma
flexibilidade controlada de revisão, é a melhor garantia da perpetuação da própria
Constituição.

3.3.Constituição utilitária e Constituição programática

Segundo Gomes Canotilho33, constituição utilitária ou compromissória é aquela que


resulta do produto do “pacto” entre forças políticas e sociais. Os compromissos
constitucionais na Constituição de 1976 possibilitaram um projecto constitucional que
tem servido para resolver razoavelmente os problemas suscitados pelo pluralismo
político, pela complexidade social e pela democracia conflitual. É este carácter
dinâmico que está também na base dos sucessivos compromissos obtidos em sede de
revisão.

Constituição programática é aquela que contém numerosas normas tarefa e normas


fim definidoras de programas de acção e de linhas de orientação dirigidas ao Estado. A
ideia de programa associava-se ao carácter dirigente da Constituição.

3.4.Constituição normativa, nominal e semântica

Quanto à relação forma/realidade constitucional, é possível distinguir entre constituição


normativa, nominal e semântica (seguindo a grelha de Karl Loewenstein).

Assim, e na síntese de Paulo Ferreira da Cunha34, na constituição normativa, a


constituição formal encontra-se de tal forma em sintonia com a constituição material
que a realidade constitucional coincide com aquelas.

Estaremos perante uma constituição nominal quando ocorra uma imperfeita ou


deficiente concretização da constituição na realidade constitucional, designadamente
pela sua incapacidade de controlar os poderes.

Constituição semântica existirá quando o texto constitucional servir apenas de


discurso legitimador, cortina de fumo de uma realidade despótica, por natureza contrária
à Ideia de Constituição.

33
GOMES CANOTILHO, J.J., Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5º edição, Almedina, p. 217 a
219.
34
FERREIRA DA CUNHA, Paulo, Direito Constitucional Geral, Quid Juris, 2006, p. 53.
4. Sinopse da história Constitucional Portuguesa

Embora o Estado anterior ao constitucionalismo também obedecesse à sua


“constituição” (vista aqui no sentido da existência de regras relativas ao poder político e
seu exercício), a História Constitucional Portuguesa conhece seis constituições escritas
já no âmbito do dito constitucionalismo moderno35.

O período do constitucionalismo monárquico em Portugal tem início com a aprovação


da Constituição de 1822 e perdura até à implantação da República a 5 de Outubro de
1910. Conhece três Constituições – a de 1822, 1826 e 1838 – sendo a Carta outorgada
de 1826 a que esteve mais tempo em vigor na sua terceira vigência. Posteriormente
seguir-se-ão as constituições republicanas de 1911, 193336 e a de 1976 (constituição
actualmente em vigor).

Com adiantamos e agora concretizaremos, logo nos primeiros anos da sua gestação o
constitucionalismo nacional trava relacionamento com três textos constitucionais,
entremeados por uma restauração absolutista e por alguns anos de luta civil.

4.1.A Constituição de 1822

A Constituição de 1822, fruto da revolução vintista, radical e em certo sentido


republicana, emerge em ruptura com o status quo ante: a monarquia tradicional.
Seguindo de perto, mas um pouco tardiamente, as pisadas da Revolução Francesa, os
homens de 1820 esforçaram-se por estabelecer uma constituição escrita, uma
constituição produto da intervenção criativa do homem.

Produto de forças políticas constituintes, o ideal vintista reivindica a imposição de um


texto constitucional escrito, uma carta de direitos civis e políticos dos cidadãos, e um
plano de governo baseado no mote “l´État c´est nous”.

São as Cortes Extraordinárias e Constituintes que irão elaborar a Constituição de 1822.


Uma Constituição que faz apelo aos ideais da Revolução Francesa e, em particular, à
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, reclamando-se, em
consequência, do princípio da soberania nacional, una, indivisível e inalienável, como
título de legitimidade, apresentando-se por isso como produto de um poder constituinte
unilateral, sem dependência de sanção real. O texto de 1822 é promulgado sem recurso
à força intermediária do monarca, em homenagem à tese de Sieyès, segundo o qual o
poder constituinte resultava de uma “delegação” especial e directa da Nação, limitada
unicamente pelo direito natural.

A Lei de 1822 expressa, no seu artigo 1º, os propósitos em razão dos quais fora
constituída: “A Constituição Política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a
liberdade, segurança e propriedade de todos os portugueses”.

No essencial, a organização do poder político obedece à “trias politica” montesquiana: o


poder legislativo, declarado poder supremo, é pertença das Cortes, com dependência de
sanção real, o poder executivo é exercitado pelo rei, com referenda dos seus secretários

35
Nesta sinopse seguiremos os ensinamentos de QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As
instituições do Estado Democrático e Constitucional, Coimbra Editora, 2009, pp. 207 a 236.
36
Há quem entenda não devermos apelidar a Constituição de 1933 de Republicana por força de se tratar
de uma Constituição autoritária, no entanto formalmente o regime político é republicano.
de Estado, e o poder judicial é entregue a juízes, esquema que se reproduziria, com
algumas alterações, em todas as nossas constituições liberais, à excepção da Carta
Constitucional de 1826 (a que esteve mais tempo em vigor).

A Constituição de 1822 institui como forma de governo a monarquia representativa: “O


Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia constitucional hereditária, com leis
fundamentais, que regulam o exercício dos três poderes políticos” (cf. Artigo 29º). A
Nação é representada em Cortes, devendo os deputados representar toda a Nação e não
somente a divisão que os elegeu (artigos 32º e 94º).

As Cortes são eleitas bienalmente, por sufrágio masculino, indirecto, secreto e quase
universal, em exclusão das mulheres, dos analfabetos, dos frades, criados de servir e
mais algumas classes, nos termos do disposto no artigo 33º. O parlamento é unicameral,
não existindo qualquer espaço para uma representação da nobreza qua tale.

4.2.A Carta Constitucional de 1826

Entre a ascensão e queda do ideal vintista, entre a sua corrente mais radical e a mais
moderada, interpõe-se uma concepção majestática do exercício do poder, encarnada no
Príncipe D. Pedro, uma outra legitimidade, monárquica, que se manifesta pela outorga à
Nação, por “beneplácito régio”, de uma nova Carta Constitucional. A Carta de 30 de
Abril de 1826 não arranca, como o texto de 1822, de um poder constituinte nacional,
centrado numa assembleia constituinte, nem mesmo, como no caso da Constituição de
1838, de um pacto entre o Rei e a Assembleia, mas da vontade do monarca, e sobretudo,
das necessidades do tempo.

De um ponto de vista orgânico e estrutural, a Carta descreve primeiro a organização do


poder político e só depois a carta dos direitos civis e políticos dos cidadãos (onde
podemos encontrar manifestações avant la lettre de um certo proteccionismo,
designadamente no que concerne à garantia dos Socorros Públicos e da instrução
primária gratuita a todos os cidadãos).

Do ponto de vista da organização do poder político, a grande inovação do texto de 1826


radica no estabelecimento de quatro poderes de governo em lugar da “trias politica”
tradicional: o poder legislativo é pertença das Cortes, com dependência de sanção real; o
poder executivo é atribuído ao rei, que o exerce através dos seus ministros; o poder
judicial, declarado independente, é confiado a juízes e jurados; o poder moderador, o
quarto poder, compete privativamente ao rei, “para que incessantemente vele sobre a
manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos”,
definido no próprio texto da Carta, liminarmente, como “a chave de toda a organização
política” (cf. Artigo 71º).

Deste modo, podemos dizer que esta Carta institucionaliza uma nova forma de governo,
a monarquia constitucional, pois em vez de atribuir ao rei uma função secundária de
titular do poder executivo, eleva-o a figura central da vida política do país.

O poder legislativo compete às Cortes, com dependência de sanção real. Estas


compõem-se de duas câmaras: a câmara dos deputados e a câmara dos pares. A câmara
dos pares não é eleita, sendo antes integrada por membros da aristocracia, vitalícios e
hereditários, sem número fixo, de nomeação régia.

A Carta de 1826 representa no marco das Constituições portuguesas o texto que mais
tempo esteve em vigor, modelando as nossas instituições políticas num momento de
crise preludiadora do nascimento do constitucionalismo.

Nos anos de 1828-1834 D. Miguel assume a chefia do Estado como monarca absoluto.
É a interrupção do regime constitucional. A 15 de Agosto de 1834, finda a guerra civil,
é reposta em vigor a Carta Constitucional (segunda vigência), que perdurará até à
revolução setembrista de 1836. Esta revolução derruba o governo, abole a Carta
Constitucional e declara em vigor a Constituição de 1822.

4.3.A Constituição de 1838

A 4 de Abril de 1838, “as forças da monarquia e da Nação”, representadas nas Cortes,


chegam a uma solução de compromisso, decretando uma nova constituição para a
monarquia: a Constituição de 1838.

Aceitada e jurada pela Rainha D. Maria II, mas decretada, à semelhança do texto de
1822, por Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes, o texto de 1838 resulta de um
compromisso entre as forças de 1822 e de 1826, de um pacto entre os princípios
monárquicos e da representação nacional. Será por isso, no dizer de Jorge Miranda, o
texto constitucional de maior equilíbrio e rigor técnico do período monárquico
português. É, ainda, um texto mais curto e sobretudo mais moderado.

Do ponto de vista da organização do poder político, a Constituição de 1838 regressa a


uma concepção tripartida “clássica” dos poderes do Estado. O poder legislativo é
pertença das Cortes com dependência de sanção real, o poder executivo é atribuído ao
rei, que o exercita através dos seus ministros e secretários de Estado, e o poder
judiciário é entregue a juízes e jurados.

A soberania reside essencialmente em a Nação, da qual emanam todos os poderes


políticos – legislativo, executivo e judicial – descritos como essencialmente
independentes, não podendo nenhum deles arrogar-se as atribuições dos outros,
circunstancia que explica, no dizer de Gomes Canotilho, não apenas o desaparecimento
do poder moderador, mas ainda a diminuição dos poderes do monarca na esfera
governativa.

As Cortes compõem-se de duas câmaras – a Câmara dos Deputados e a Câmara dos


Senadores (que passa a electiva e temporária, e não vitalícia e hereditária como
acontecia no sistema da Carta, ainda que de nomeação régia. A Constituição de 1838
suprimirá o sufrágio indirecto, substituindo-o pela eleição directa, ainda que restritiva.

De curta vigência, a Constituição de 1838 vigorará por 4 anos incompletos. A 10 de


Fevereiro de 1842, Costa Cabral, ministro de D. Maria II, põe termo à sua vigência,
restabelecendo a Carta Constitucional, que esteve em vigor, embora alterada por
sucessivos “Actos Adicionais”, como documento do compromisso liberal-conservador
até à implantação da República.
4.4.A Constituição de 1911

Portugal, em 5 de Outubro de 1910, intenta relançar de novo essa “ponte” com a Europa
e, mais uma vez, o paradigma político, o arquétipo escolhido, centrar-se-á nas
instituições políticas da França, republicanas, laicas e tumultuosas.

Em 10 de Junho de 1911, a “Assembleia Nacional Constituinte”, por unanimidade,


sanciona a Revolução de 5 de Outubro do ano anterior, e decreta e promulga, em nome
da Nação, a Constituição Política da I República.

O texto de 1911, fruto do poder constituinte unilateral da Nação, é aprovado por uma
“Assembleia Nacional Constituinte”, eleita por sufrágio secreto, facultativo e directo,
com base em círculos eleitorais.

A Constituição de 1911 é o mais curto texto constitucional da nossa história. Consagra


pela primeira vez uma “cláusula aberta” de direitos fundamentais, para além de um
conjunto de direitos e liberdades, inspirados na trilogia liberal – liberdade, propriedade e
segurança – constantes do artigo 3º. Entre esses direitos e liberdades fundamentais
avulta o princípio da “igualdade social”, resultante da negação dos privilégios de
nascimento, dos foros e nobreza e dos títulos nobiliárquicos, sendo, inclusive, abolidas
as ordens honoríficas. A Constituição de 1911 estabelece ainda, pela primeira vez entre
nós, o princípio da separação do Estado das Igrejas através da consagração do direito à
liberdade de consciência e de igualdade de todos os cultos.

No que concerne à organização interna do poder político, a Constituição, depois de


afirmar o princípio da “soberania nacional”, instaura um sistema parlamentar “monista”,
caracterizado pela “supremacia do parlamento”.

No artigo 6º aparece pela primeira vez a designação de “órgãos de soberania”, divididos


segundo a tradição trinitária: poderes legislativo, executivo e judicial.

O poder legislativo é atribuído ao Congresso da República, formado por duas câmaras: a


Câmara dos Deputados e o Senado, ambas eleitas por sufrágio directo.

O Presidente da República era declarado titular do poder executivo, no entanto não o


exercia directa e efectivamente, mas em conjunto com os seus ministros. O presidente
não detinha poderes de intervenção política, reflexo do programa do Partido
Republicano, que configurava o poder executivo como uma “delegação temporária” do
poder legislativo. Em consequência, a acção presidencial era reservada unicamente à
representação da República, nas relações gerais do Estado, tanto internas como externas.

O poder judicial era atribuído aos Tribunais, nos termos e por força do disposto nos
artigos 6º e 56º e seguintes da Constituição.

A nota mais saliente desta Constituição foi a instabilidade e inefectividade governativas,


próprias, segundo se pensa, de um parlamentarismo absoluto, um sistema de governo no
qual o parlamento – e não o governo – detinha a última palavra em caso de conflito
prático. No seu curto período de vigência (o golpe militar de 28 de Maio de 1926 porá
termo à sua vigência, embora, formalmente, esta só venha a ser abrogada com a entrada
em vigor do texto de 1933), a Constituição de 1911 assistirá impotente à passagem de 8
presidentes e à queda de 44 governos.

O texto constitucional de 1911 sofreu também alterações no seu período de vigência.


Uma das alterações dignas de nota é formalizada pelo Decreto de 30 de Março de 1918
e caracteriza-se pela instauração do sistema presidencialista com eleição do presidente
da República por sufrágio universal e directo, pertencendo-lhe ainda o exercício
efectivo do poder de governo através dos secretários de Estado por si nomeados e
livremente demitidos.

A República conheceu uma vida atribulada e agitada. Os pronunciamentos militares


foram muitos.

4.5. Constituição corporativa de 1933

De certa forma, o regime saído do golpe militar de 28 de Maio de 1926 identificar-se-ia,


para o bem e para o mal, com as ambições de um homem: Oliveira Salazar, Ministro das
Finanças do “governo militar”, depois Presidente do Conselho de Ministros no regime
de 1933.

Salazar faria aprovar por plebiscito nacional, em 19 de Março de 1933, uma “nova
Constituição” para uma “nova “ República, rompendo definitivamente os laços que
ainda o uniam a 1911. Na verdade, o voto foi declarado obrigatório, considerando-se
como tendo dado tacitamente o seu voto concordante os eleitores que não tivessem
comparecido e não tivessem provado impedimento legal. Numa palavra, a abstenção
contou como voto a favor.

Marcada politicamente à nascença pelo pensamento de um homem, o projecto de 1933,


segundo se crê, fora elaborado pelo próprio Salazar, com o auxílio de alguns
colaboradores e de um “Conselho Político Nacional”.

O regime é unitário e corporativo (artigo 5º). A constituição económica é formalizada


pela primeira vez entre nós, sendo expressamente qualificada de “economia nacional
corporativa”.

O direito e a liberdade de associação vêem-se postergados, sendo colocados sob a tutela


da autoridade do Estado, podendo unicamente desenvolver-se no quadro da organização
corporativa.

Na realidade, mais do que uma forma de Estado, mais do que um corporativismo de


Estado, o “Estado Novo” funda um Estado sem partidos, um Estado no qual a única
forma de pluralismo tolerado e admitido se estriba num sistema de corporações, morais,
económicas e sociais, aceites pelo regime.

A Constituição caracteriza-se pela instauração de um regime autoritário, isto é, “ não


constitucional”, oferecendo em sua substituição uma estrutura nova designada de
“Estado Novo”. A forma de governo é qualificada de “República Corporativa”, assente
nas corporações, elementos estruturais da Nação, isto é, a família, as freguesias, os
concelhos e as organizações corporativas. O Estado não é mais uma ordenação liberal e
democrática, mas uma estrutura não democrática e antiparlamentar, caracterizado pela
sua intervenção no domínio económico e social. O interesse colectivo prevalece sobre o
interesse individual. O indivíduo é absorvido no colectivo.

No que concerne à organização do poder político, a Constituição instaura um sistema de


“presidencialismo bicéfalo” ou “presidencialismo de primeiro-ministro”. Este não
resulta directamente do texto constitucional, mas da prática política. Formalmente, de
acordo com o texto constitucional, o regime é presidencialista. Mas quem governa
efectivamente é o presidente do Conselho de Ministros, único responsável pela direcção
e condução da política geral do país, que não respondia politicamente perante a
Assembleia Nacional, mas perante o Chefe de Estado.

Esta primazia do presidente do Conselho de Ministros resulta da prática política. Em


termos breves, o regime assentava num Estado sem partidos, mas constituiu uma
organização política e cívica – a União Nacional, depois designada Acção Nacional
Popular – de que o presidente do Conselho, Oliveira Salazar, assumiu a chefia. Era essa
associação, que nunca chegou a constituir-se como partido político, que designava os
dirigentes do Estado, incluindo os candidatos a titulares de funções políticas. Daqui
decorria que o candidato proposto às eleições presidenciais teria de corresponder a uma
escolha do chefe do governo, que presidia à União Nacional., devendo-lhe guardar
fidelidade.

Coerentemente, ao lado do órgão parlamentar, a Assembleia Nacional, estabeleceu-se


uma Câmara Corporativa de representação dos elementos estruturais da Nação: as
corporações, a família, as freguesias e os concelhos (cf. Estado corporativo).

A Constituição de 1933 no período da sua vigência foi de igual modo objecto de várias
alterações.

4.6.A Constituição democrática-representativa de 1976

4.6.1. A fase pré-constituinte da Constituição de 1976 e as suas revisões

O 25 de Abril de 1974 constitui uma ruptura revolucionária. No plano político e


institucional, pôs termo ao “Estado Novo”, reclamando-se de uma outra legitimidade,
simultaneamente revolucionária e democrática, expressa na eleição por sufrágio directo,
universal e secreto de uma Assembleia Constituinte, com o encargo único de redactar
uma Constituição para uma “nova” República. A 2 de Abril de 1976, dois anos volvidos
sobre a revolução, a Assembleia aprova e decreta a Constituição da República de 1976.

Constituição do compromisso entre o pluralismo político, ideológico e cultural de que a


sociedade se fizera portadora, a Constituição esforçar-se-á por estabelecer um executivo
estável, esconjurando os fantasmas da instabilidade e inefectividade governativas que
haviam caracterizado a I República.

No que concerne à organização interna do poder político, a Constituição mantém a


tradição do “trialismo parlamentar”. No que diz respeito ao exercício da função
legislativa, esta é atribuída, a título principal, à Assembleia da República. É certo que a
Constituição atribuiu ao parlamento o primado da competência legislativa, mas não
deixa de ser igualmente certo que se lhe atenua a partir daí o monopólio, forçando-o a
abrir mão deste de forma a partilhá-lo com o governo. A centralidade do espaço político
passa a ser ocupada pelo governo, órgão que encarna juridicamente a personificação do
Estado, enquanto intérprete privilegiado do interesse geral e órgão superior da
administração pública.

A primeira revisão constitucional ocorre em 1982, tendo sido bastante extensa e trazido
modificações à maior parte das disposições constitucionais, tendo-se centrado sobretudo
no sistema de órgãos políticos. Segundo Jorge Miranda37, globalmente, assinalaram a
revisão:

a) A redução das marcas ou expressões ideológico-conjunturais vindas de 1975 e,


em particular, a supressão das referências ao socialismo em todos os artigos;
b) O aperfeiçoamento dos direitos fundamentais e a clarificação da constituição
económica numa linha de economia pluralista;
c) A extinção do Conselho de Revolução e o termo das funções políticas das
Forças Armadas;
d) Em conexão com essa extinção, o repensar das relações entre o Presidente da
República, a Assembleia da República e o Governo, com reflexos no sistema
político, e a criação de um Tribunal Constitucional.

A segunda revisão constitucional ocorreu em 1989 e centrou-se na organização


económica. Os seus pontos fundamentais foram a supressão quase completa das
menções ideológico-proclamatórias que ainda restavam após 1982 e a introdução do
referendo político a nível nacional, embora em moldes prudentes.

A terceira revisão constitucional ocorrida em 1992 efectuou-se para permitir a


ratificação do Tratado de Maastricht (Tratado institutivo de uma União Europeia).

A quarta revisão constitucional realizou-se em 1997 e visava a reforma do sistema


político e a descarga semântica da Constituição. Destacou-se nesta revisão o
desenvolvimento dos poderes das regiões autónomas, o aumento dos poderes formais da
Assembleia da República e o reforço do Tribunal Constitucional.

A quinta revisão constitucional, efectivada em 2001, teve como finalidade permitir a


ratificação, por Portugal, da Convenção que cria o Tribunal Penal Internacional,
alterando as regras de extradição.

A sexta revisão constitucional, aprovada em 2004:

- aprofundou a autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e


da Madeira, designadamente aumentando os poderes das respectivas assembleias
legislativas e eliminando o cargo de “Ministro da República”, criando o de
“Representante da República”;

- alterou normas referentes às relações internacionais e ao Direito Internacional;

- aprofundou o princípio da limitação dos mandatos, designadamente dos titulares dos


cargos políticos executivos, bem como foi reforçado o princípio da não discriminação
nomeadamente em função da orientação social.

37
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. I, Coimbra Editora, 1997, p. 377.
A sétima revisão constitucional, aprovada em 2005, aditando um novo arrigo permitiu a
realização de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a construção e o
aprofundamento da União Europeia.

4.6.2. A ordenação sistemática do conteúdo da Constituição de 1976

O conteúdo da Constituição de 1976 encontra-se organizado da seguinte forma:

Parte I – Direitos e Deveres Fundamentais;

Parte II – Organização Económica;

Parte III – Organização do poder político;

Parte IV- Garantia e revisão da constituição.

4.6.3. A estrutura jurídico-normativa da Constituição

a) A problemática do valor jurídico do Preâmbulo

Segundo Jorge Miranda38, um preâmbulo ou proclamação mais ou menos


solene, mais ou menos significante anteposta ao articulado não é componente necessário
de qualquer Constituição; é tão somente um elemento natural de Constituições feitas em
momentos de ruptura histórica ou de grande transformação político-social.

Sobre o valor jurídico do preâmbulo a doutrina distribui-se por três posições 39: a
tese da irrelevância jurídica; a tese da eficácia idêntica à de quaisquer disposições
constitucionais; entre as duas, a tese da relevância jurídica específica ou indirecta, não
confundindo preâmbulo e preceituado constitucional. De acordo com a primeira tese, o
preâmbulo não se situa no domínio do Direito, situa-se no domínio da política ou da
história; de acordo com a segunda, ele acaba por ser também um conjunto de preceitos;
de acordo com a terceira, o preâmbulo participa das características jurídicas da
Constituição, mas sem se confundir com o articulado.

b) O valor jurídico e categorização dos princípios constitucionais

A Constituição é formada por regras e princípios de diferentes graus de caracterização.


Existem, em primeiro lugar, os princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das
ideias, directorias básicas de toda a ordem constitucional (são as traves mestres da
constituição).

São considerados princípios estruturantes:

1 – O princípio do Estado de Direito

2 – O princípio Democrático

3 – O princípio da Socialidade
38
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. II, Coimbra Editora, 2000, p. 236.

39
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. II, Coimbra Editora, 2000, p. 239.
4 – O princípio da Unidade do Estado

Estes princípios estruturantes ganham concretização ou densificação através de outros


princípios ou subprincípios. Exemplo: O princípio do Estado de direito é densificado ou
concretizado através de outros subprincípios: princípio da constitucionalidade; o
princípio da legalidade da administração.

Esses princípios constitucionais chamam-se gerais ou fundamentais e podem, por sua


vez, concretizar-se ou densificar-se ainda mais através de outros princípios
constitucionais especiais. Exemplo: O princípio da legalidade da administração é
concretizado pelo princípio da preeminência ou prevalência da lei e pelo princípio da
reserva de lei.

Os princípios estruturantes não são apenas densificados ou concretizados através de


princípios constitucionais gerais ou especiais, pois a sua concretização é feita, também,
por várias regras constitucionais.

c) A Natureza e a tipologia das normas constitucionais

Seguindo Cristina Queiroz40, a constituição é a ordem jurídica de máximo grau da


comunidade. Essa ordem compreende um sistema de regras e princípios jurídicos que
designamos por Direito Constitucional.

Todas as normas da Constituição são normas jurídicas vinculantes, embora nem todas
sejam do mesmo tipo e do mesmo grau.

A ordenação das normas constitucionais em diferentes tipos descansa nas diferentes


contribuições da chamada “teoria da constituição”.

Assim, a primeira grande classificação de normas constitucionais reporta-se à divisão


entre normas constitucionais jurídico-organizativas (relativas à organização do poder
político) e normas constitucionais jurídico-materiais (relativas aos direitos
fundamentais).

A segunda tipologia refere-se às normas de competência. Tratam-se de normas


constitucionais que reconhecem competências a determinados órgãos do estado ou que
delimitam esferas de competência entre esses mesmos órgãos. Estas normas não são
meramente formais, detendo assim um conteúdo material, designadamente na esfera da
legislação e do poder legislativo.

A terceira tipologia refere-se às normas de criação, ou seja, aquelas que criam novos
órgãos.

Um outro tipo de normas constitucionais reporta-se às normas de procedimento, cujos


princípios estruturantes se encontram positivados na Constituição.

As normas de revisão constituem um outro tipo de regras no universo constitucional,


apresentando-se como normas ou procedimentos de tipo especial, já que se reportam à
revisão ou reforma da lei constitucional ou à sua complementação.

40
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 15 e 16, 126 a 131.
As normas sobre direitos fundamentais garantem os direitos do cidadão no estado,
incluindo ainda a garantia de determinadas instituições jurídico-privadas ou de certas
decisões valorativas. São normas de conduta para a acção estadual e normas de
delimitação para a ordenação das relações entre o cidadão e o estado.

As normas de garantia asseguram, por sua vez, instituições jurídico-públicas ou


jurídico-privadas, como a autonomia local e a escola privada.

As normas sobre a estrutura do estado e sobre os fins do Estado contêm os princípios


fundamentais e as determinações dos fins do estado.

Os mandatos constitucionais impõem determinados comandos ou obrigações ao


legislador no sentido de levar a cabo determinadas actividades que podem incluir a
regulamentação de determinadas esferas materiais. Entre nós, Gomes Canotilho designa
esses preceitos de normas constitucionais impositivas.

CAPÍTULO II. Actividade constitucional do Estado

1. A Constituição como Estatuto do poder político

Segundo Cristina Queiroz41, o critério que diferencia a constituição do restante


ordenamento tem a ver com a natureza “política” do seu objecto. É o objecto, a matéria,
que identifica a natureza política do Direito Constitucional.

O Direito Constitucional como “direito político” significa que nele se encontram


regulados as competências, as formas e as instituições, bem como os procedimentos de
decisão dos órgãos políticos. Que nele estão contidos ou normados os princípios
estruturais básicos, as decisões de valor de natureza principiológica, que determinam e
fixam limites à actuação do poder público, tais como, entre outros, o “princípio
republicano”, o “princípio democrático”, o “princípio do Estado de Direito” ou o
“princípio do Estado social”.

O Estado Constitucional é o Estado com uma Constituição limitadora do poder através


do direito. Como refere Gomes Canotilho as ideias do governo de leis e não de homens,
de Estado submetido ao direito, de constituição como vinculação jurídica do poder
foram realizadas através dos institutos do rule of law, due process of law, rechtsstaat,
principe de la legalité, faltando, no entanto, a legitimação democrática do poder. Por
isso o elemento democrático foi introduzido não só para travar o poder, mas também
pela necessidade de legitimação do mesmo poder. Mas só o princípio da soberania
popular (todo o poder vem do povo) assegura e garante a igual participação na formação
democrática da vontade popular. É este princípio da soberania popular que permite a
compreensão da moderna fórmula de Estado de direito democrático.

O constitucionalismo moderno será uma técnica específica de limitação do poder com


fins garantísticos, sendo, claramente, uma teoria normativa de política. Este
41
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, p. 17.
constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da chamada Constituição
Moderna, entendida como a “ ordenação sistemática e racional da comunidade política
através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se
fixam os limites do poder político” (Gomes Canotilho).

A constituição neste sentido assenta em duas ideias básicas:

- Ordenar, legitimar e limitar o poder político;

- Reconhecer e garantir os direitos e liberdades dos indivíduos.

2.Os Fins e as Funções do Estado

2.1.Noção: as funções do Estado como actividades públicas destinadas a prosseguir


os seus fins

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, os fins do estado são os “objectivos prosseguidos


pelo poder político do Estado”42.

São normalmente três os grandes fins do Estado actual:

 a SEGURANÇA - interna e externa; individual e colectiva.


 a JUSTIÇA - que “visa a substituição, nas relações entre os homens, do arbítrio
por um conjunto de regras capaz de consensualmente estabelecer uma nova
ordem e, assim, satisfazer uma aspiração por todos sentida”43.
 o BEM-ESTAR - bem-estar não só físico, mas também económico, social,
cultural e mesmo ecológico. Não só na promoção destas condições, como na
garantia de acesso de todos aos serviços essenciais do Estado, e na obrigação de
prestar esses serviços em igualdade de circunstâncias a todos os cidadãos.
Podemos encontrar referências aos fins do Estado na nossa actual constituição nos
artigos 1º, 2º e 9º.

São funções do estado segundo Marcelo Rebelo de Sousa as «… actividades


desenvolvidas pelos órgãos do poder político do Estado, tendo em vista a realização dos
objectivos que se lhes encontram constitucionalmente cometidos»44 .

42
REBELO DE SOUSA, Marcelo, Ciência política. Conteúdos e métodos, Coimbra, 1989 , p. 81.
43
REBELO DE SOUSA, Marcelo e GALVÃO, Sofia, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª ed., Lisboa, 1998 ,
p.27.
44
REBELO DE SOUSA, Marcelo, Ciência política. Conteúdos e métodos, Coimbra, 1989 , p. 81.
Logo, as funções do estado servem para prosseguir os fins do mesmo.

2.2. As funções do Estado na Constituição Portuguesa

Como adiantamos, as funções do Estado são as actividades levadas a cabo pelos órgãos
do poder político, com vista á realização dos fins ou objectivos consagrados na
Constituição.

Cada órgão realiza um conjunto de actos independentes ou dependentes de actos de


outros órgãos, mas todos eles tendo em vista a prossecução de fins comuns.

Jorge Miranda45 propõe uma DISTINÇÃO entre funções fundamentais e funções


complementares, acessórias ou atípicas:

- FUNÇÕES FUNDAMENTAIS: Correspondem à divisão tripartida entre função


política (que incluí a função legislativa e a função governativa), função
administrativa e função jurisdicional;
- FUNÇÕES COMPLEMENTARES, ACESSÓRIAS E ATÍPICAS: Traduzem-se em
actos do Estado, de carácter residual, que não se reconduzem às funções
fundamentais ou clássicas. São exemplos: a actividade do Ministério Público em
processo penal e a actuação de órgãos independentes da Administração que
interferem no exercício da função administrativa sem dependeram da direcção ou
superintendência do Governo – ex.: Comissão Nacional de Eleições.

Assim, as funções fundamentais do Estado são a:

- Função política (legislativa e governativa);


- Função administrativa;
- Função Jurisdicional.
Caracterizemo-las com base em critérios materiais, formais e orgânicos46.

A FUNÇÃO POLÍTICA será:

- do ponto de vista material: a definição primária e global do interesse público;


interpretação dos fins do Estado e escolha dos meios adequados para atingir em cada
conjuntura esses fins; direcção do Estado;
45
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. V, Coimbra, 1997, pp. 22 a 42.
46
Seguimos aqui o resumo de Fernando Loureiro Bastos, Ciência Política – guia de estudo, Associação
Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1999, pp. 156 a 158.
- do ponto de vista formal: liberdade e discricionariedade, quer quanto ao conteúdo
(desde que respeitando as normas Constitucionais), quer quanto ao tempo e
circunstâncias de actuação (ausência de sanções jurídicas específicas);

- do ponto de vista orgânico: competência atribuída a órgãos e colégios em conexão


directa com a forma e sistema de governo, com pluralidade de órgãos, ausência de
hierarquia e apenas relações de responsabilidade jurídica.

A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA será:

- do ponto de vista material: a satisfação constante e quotidiana das necessidades


colectivas, prestação de bens e serviços;

- do ponto de vista formal: iniciativa no sentido das necessidades, e parcialidade na


prossecução do interesse público.

- do ponto de vista orgânico: dependência funcional e subordinação.

A FUNÇÃO JURISDICIONAL será:

- do ponto de vista material: a declaração do direito, decisão de questões jurídicas, seja


em concreto seja em abstracto;

- do ponto de vista formal: passividade (actua normalmente apenas perante a iniciativa


de outrem) e imparcialidade;

- do ponto de vista orgânico: independência de cada órgão (sem prejuízo do direito de


recurso), e, em princípio, atribuição a órgão específicos, os Tribunais, formados por
juízes.

a) Relações entre funções estaduais

As funções já identificadas não estão totalmente separadas, mas sim entram em relação.
Com efeito, a função política, nomeadamente a legislativa, serve para fazer as leis que
serão postas em prática pela função governativa e administrativa e cujo incumprimento
será julgado pela função jurisdicional.

b) O princípio da separação e da interdependência de poderes


Seguindo Cristina Queiroz47, a organização interna do poder político obedece a um
sábio e prudente princípio de separação e divisão de poderes.

A separação de poderes, cuja teorização remonta aos séculos XVII e XVIII, primeiro
com Locke, depois com Montesquieu, encontra-se como tal inscrita no artigo 16º da
“Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” francesa de 1789: “Toda a
sociedade na qual a separação de poderes não se encontre assegurada (…) não tem
Constituição”.

Como princípio institucional, a separação de poderes reporta-se à análise da organização


das funções do Estado. Essas funções – legislativa, executiva e judicial – devem ser
exercidas a título principal por um único órgão. Daqui decorre um princípio de
especialização dos órgãos numa função determinada. Aquele que edita a lei, não deve
aplicá-la. Aquele que julga, não pode votar a lei, etc. Daí os efeitos benéficos da “trias
politica” montesquieuana.

A teoria da separação de poderes repousa numa chave de repartição de funções entre


órgãos independentes que se apresentam de per si como uma forma de divisão ou
desmembramento do poder, outrora detido pelo monarca. O poder é repartido e
distribuído por vários órgãos. Esses poderes são especializados e independentes.

Separados e distribuídos os poderes irão limitar-se reciprocamente através de um


sistema engenhoso de “freios” e “contrapesos” (checks and balances).

Como princípio de construção, racionalização e limitação do poder, a separação de


poderes apresenta-se como um postulado fundamental, um princípio geral de
organização dos poderes no Estado. Pressupõe, nestes termos, uma certa igualdade e
colaboração entre os diferentes órgãos e poderes do Estado.

O princípio da separação de poderes implica uma:

- dimensão negativa: a separação como divisão, controlo e limite do poder;

- dimensão positiva: a separação como constitucionalização, ordenação e organização


do poder do estado tendente a decisões fundamentalmente eficazes e materialmente
justas.

Princípio da separação de poderes consiste em que cada órgão de Estado exerça uma
função de Estado. Ao Parlamento cabe a função legislativa; ao órgão executivo
(Governo) a função administrativa; ao órgão judiciário (tribunais) compete-lhe a
jurisdicional. Com esta separação limitar-se-ia de forma eficiente o poder. Apesar de se
manter ainda este princípio da divisão de poderes ele sofreu algumas alterações,
perdendo a sua rigidez inicial do ponto de vista orgânico, pois a função legislativa
deixou de ser monopólio do parlamento, por várias razões que podemos resumir nas
seguintes:

a) Razões de maior tecnicidade que a lei passou a exigir e que os deputados, muitas
vezes não tinham competência a nível técnico para legislar nessas matérias;

47
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 55 a 109.
b) A celeridade que a produção legislativa foi exigindo cada vez mais, apesar disso os
órgãos parlamentares mantiveram sempre e mantêm ainda o primado da competência
legislativa.

Os sinais desse primado na nossa Constituição são numerosos e vão desde a


competência legislativa genérica do parlamento à competência legislativa em matérias
de reserva, nuns casos absoluta, noutros relativa.

A separação e a independência dos tribunais, a quem é reservada a função jurisdicional


constitui um elemento importantíssimo do princípio da separação dos poderes. E esta
reserva é até um reduto essencial desse princípio num Estado de direito.

O princípio da separação dos poderes está consagrado no artigo 111.º da Constituição e


a sua exemplificação prática assenta no relacionamento entre os diversos órgãos de
soberania.

3.Os órgãos do Estado

3.1.Noção

O Estado enquanto pessoa colectiva actua através de órgãos. Órgão do Estado, segundo
Jorge Miranda, é “o centro autónomo institucionalizado de emanação de uma vontade
que lhe é atribuída”48.

Assim, órgãos do Estado são as entidades às quais a ordem jurídica reconhece o poder
de manifestar a vontade imputável ao Estado. Cada órgão diferencia-se dos demais pelo
conjunto de poderes jurídicos que recebe para prosseguir os seus fins e estrutura-se em
função desses poderes e insere-se na estrutura do Estado.

Com efeito, o estado manifesta-se na vida jurídica através dos seus órgãos e os titulares
dos seus órgãos quando actuam nos termos da lei produzem actos imputáveis aos órgãos
e que como tais passam a ser imputados ao Estado. Isto significa que a vontade do
indivíduo que actua como órgão do Estado é imputada ao Estado.

3.2.Elementos constitutivos

Segundo Jorge Miranda49, o conceito de órgão implica quatro elementos inseparáveis:

48
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. V, Coimbra, 1997, p. 45.

49
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. V, Coimbra, 1997, p. 53.
1 – A instituição (ou ofício), ou seja, na definição de HAURIOU, a ideia de obra ou de
empreendimento que se realiza e perdura no meio social;

2 – A competência – ou complexo de poderes funcionais cometidos ao órgão, parcela do


poder público que lhe cabe.

O órgão não pode actuar sem ser em conformidade com a competência que está prevista
na lei.

3 – O titular – a pessoa física ou conjunto de pessoas físicas que, em cada momento,


encarnam a instituição e formam a vontade que há-de corresponder ao órgão.

4 – O cargo ou mandato (quando se trata de órgão electivo) traduzida na função do


titular, papel institucionalizado que lhe é distribuído.

3.3. Tipologia sumária

Segundo Jorge Miranda50 podemos classificar os órgãos do Estado em conformidade


com classificações estruturais, funcionais e estruturais – funcionais.

Segundo classificações estruturais, relativas à instituição e aos titulares dos cargos,


os órgãos podem ser:

a) singulares / colegiais;

b) simples / complexos;

c) electivos / não electivos;

d) representativos / não representativos;

e) constitucionais / não constitucionais;

f) de existência obrigatória / de existência facultativa.

As classificações funcionais, relativas à competência, permitem contrapor órgãos:

a) deliberativos / consultivos;

b) a se / auxiliares;

50
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. V, Coimbra, 1997, pp. 65 a 68.
c) de competência originária / de competência derivada;

d) legislativos / governativos / administrativos /

jurisdicionais;

e) de decisão / de controlo / de fiscalização / de garantia.

Segundo classificações estruturais-funcionais (conjugando características das


estruturais e das funcionais), podemos contrapor entre:

a) externos / internos;

b) políticos / não políticos;

c) primários / vicários;

d) centrais / locais;

e) hierarquizados / não hierarquizados.

3.4.Os órgãos do Estado na Constituição Portuguesa

Em virtude da sua natureza primordial, referiremo-nos aqui apenas aos órgãos de


soberania.

A existência de diversos órgãos de soberania radica no princípio da separação de


poderes instituído com as Revoluções Liberais.

De acordo com o artigo 108º da CRP, o poder político pertence ao Povo, sendo exercido
nos termos da Constituição. Aqui está consagrado o princípio da soberania popular (ver
também a propósito artigo 2º e 3º, número 1). Os órgãos de soberania exercem o poder
político em nome do povo. Neste sentido temos uma democracia representativa e
participativa (cf. também artigo 2º in fine e artigo 3º, nºs 1 e 2).

De acordo com o artigo 110º, n 1 existem quatro órgãos de soberania em Portugal:

1. Presidente da República

2. Assembleia da República

3. Governo

4. Tribunais

Relativamente aos princípios estruturantes destes órgãos de soberania, há que levar em


consideração:
- o artigo 109º onde está previsto o princípio da igualdade no exercício de direitos
cívicos e políticos e não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos
(a propósito ver a recente Lei da Paridade) ;

-o artigo 110º, nº 2 onde vemos o princípio da Reserva da Constituição quanto à


formação, composição, competência e organização dos órgãos de soberania;

- o artigo 111º, n.º 1 que recorda o princípio da Separação de Poderes (sem esquecer a
actual interdependência entre os mesmos) e

- o artigo 111º, n.º 2, relativo ao princípio da tipicidade constitucional de competências.

Vejamos agora os diferentes órgãos de soberania em concreto.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA (PR)

O Presidente da República é o Chefe de Estado e de acordo com o artigo 120º


cumprem-lhe as funções de:

• representação protocolar

• garante da independência, da unidade, da integração e da democracia

• Comandante Supremo das Forças Armadas

A sua dimensão representativa interna e internacional aponta para uma integração


funcional, própria do chefe de Estado Republicano:

I. na busca de solidariedade institucional entre os vários órgãos de soberania;

II. no direito de contacto e consulta com os vários órgãos constitucionais e forças


políticas da sociedade (partidos, organizações, grupos sociais e cidadãos);

III. nos actos de indulto e comutação de penas e atribuição de ordens honoríficas - art.
134º, f) e i) ;

IV. na informação aos cidadãos - art. 134º e) ;

V. no exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas - art. 134º a).

Por outro lado e de acordo com o artigo 127º, nº 3, o Presidente da República é também
o garante da Constituição, podendo requerer a fiscalização da constitucionalidade das
normas.

O Presidente da República tem legitimidade democrática directa (artigo 121º):

• é eleito por sufrágio universal, directo, secreto

• por cidadãos portugueses eleitores recenseados em Portugal e no estrangeiro;


• logo é um órgão presidencial autónomo directamente legitimado, pelo que tem poderes
próprios, ao lado de poderes partilhados.

Poderes do Presidente da República

Como se adiantou, o Presidente da República dispõe de poderes próprios e poderes


partilhados.

Os poderes próprios ou institucionais por vezes estão condicionados à observância de


outras formalidades constitucionais, como a obtenção de pareceres prévios ou de
consulta a outros órgãos. Exemplos: artigo 115º n.º 1; artigo 133º e), f), g), n); 134º;
136º n.º 1;…

Os poderes partilhados revelam-se na Constituição essencialmente através do instituto


da Referenda. Este instituto visa a co-responsabilização de Presidente e Governo na
prática de certos actos, quer ao fazer depender certos actos do PR de proposta do
Governo – ex. artigo 133º j), l), m) e p); 140º e 197º 1, a) -, quer na submissão das
normas jurídicas emitidas pelo governo à promulgação Presidencial, e logo à sua
certificação, ex.: artigo 134º b).

De forma esquemática os poderes do Presidente da República são essencialmente os


seguintes:

PODERES DE DIRECÇÃO POLÍTICA

• art. 134º a) e 136º - direito de promulgação das leis

• art. 136º- direito de veto

PODERES DE CONTROLO

• Art. 134º g) e h) - requerer a fiscalização da constitucionalidade pelo Tribunal

Constitucional (TC) e veto por inconstitucionalidade - é um poder-dever no

âmbito da obrigação do PR de ser garante da constituição

• Art. 136º - direito de veto político - verdadeiro direito político independente

• Art. 115º n.º 10 - direito de recusa de referendo - verdadeiro direito político


independente

PODERES DE EXTERIORIZAÇÃO POLÍTICA

• Art. 133º d) - direito de mensagem

• artigo 133º f) e g) – o P.R. tem poderes para nomear e demitir o Governo

A ASSEMBLEIA DE REPÚBLICA (AR)


Seguindo Cristina Queiroz51, entre nós, o parlamento, a Assembleia da República,
constitui um órgão unicameral, autónomo e permanente, dotado de autonomia
regulamentar, organizativa e financeira. É composta por um mínimo de 180 e um
máximo de 230 deputados (cf. artigo 148º da Constituição da República Portuguesa). A
lei eleitoral fixou esse número em 230.

Do ponto de vista da sua actividade, a Assembleia funciona por legislaturas, que têm a
duração de 4 anos, ou seja, 4 sessões legislativas (cf. artigo 171º, nº 1 da CRP).

No período de sessão, o parlamento pode continuar os seus trabalhos no ponto em que


os interrompeu. No período de legislatura, diferentemente, caducam os projectos de lei,
propostas de lei do governo e os projectos e propostas de referendo não votados na
sessão legislativa em que tiverem sido apresentados (cf. artigo 167º, nº 5 da CRP). É a
própria Constituição que estabelece a descontinuidade entre os períodos eleitorais, posto
que com o fim do período eleitoral antigo se extingue a legitimidade do parlamento.

Do ponto de vista interno, os parlamentos organizam-se através de grupos


parlamentares, expressão da presença dos partidos políticos nas câmaras, quase sempre
referenciados na constituição (cf. artigo 180º da CRP).

Na generalidade das instituições parlamentares, os trabalhos decorrem em plenário ou


nas diferentes comissões especializadas. Estas podem ser permanentes ou não
permanentes.

Podemos constatar que a Assembleia da República é um:

1 - órgão representativo do povo

• art. 147º

• art. 152º, 2 - os deputados são representantes todo país e não do círculo pelo qual
foram eleitos.

2 - órgão de soberania autónomo

• art. 175º a, b - competência regimental na eleição do presidente e dos membros da


mesa

• art. 173º , 174º - direito de auto-reunião

• art. 176º - fixação da ordem do dia pelo presidente da Assembleia da República

• art. 181º - poderes administrativos especiais

• autonomia administrativa e financeira - a AR não está sujeita a quaisquer

ordens ou instruções de outros órgãos

3 - órgão permanente – (princípio democrático) - art. 179º

51
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 60 e 61.
4 - órgão colegial unicameral:

a) plenário é composto por deputados directamente eleitos - 148º

b) n.º mínimo de 180 e máximo de 230 deputados, eleitos por círculos eleitorais,
plurinominais ou uninominais, de forma a assegurar a representação proporcional
segundo o método de Hondt

c) são órgãos auxiliares do funcionamento da AR:

o Presidente da AR - art.175º

a mesa da AR - art. 175 b)

as comissões - art. 178º e 179º

os grupos parlamentarem - art. 180º, 176º, 3; 192, 3; 194, 1.

5 - órgão arbitral - deve assegurar uma estrutura harmonizante das várias tendências
representadas.

A Assembleia da República tem como funções as seguintes:

1 - Função electiva e de criação

• competências de eleição de titulares de determinados de órgãos constitucionais - Art.


163º h e I; e 39º, 3, b).

2 - Função Legislativa - A AR é o órgão legislativo por excelência:

- 164º - reserva absoluta de competência legislativa para certas matérias

- 165º - reserva relativa de competência legislativa para outras matérias

- E ainda competência concorrente com o Governo nas demais matérias – competência


residual concorrente – artigos 161º c) e 198º nº1 a)

A importância da função legislativa da Assembleia da República revela-se:

A. na inexistência de mecanismos de referendo nas matérias de competência exclusiva


absoluta da AR - art. 115º 4 d)

B. nas limitações à iniciativa popular - art. 167º, 1,2,3

C. na inexistência de poderes legislativos excepcionais ou constitucionais em situações


de crise,

D. na limitação à faculdade de delegação ou autorização legislativa Art. 165º, 2, 3,4,5

E. na existência de uma reserva de competência da AR 164º e 165º


3 - Função de Controlo - art. 162º

- art. 156º c, 162º a, 177º, 2 - perguntas e interpelações

- art. 178º 4, 5 – comissões

- art. 52º, 178º 3 – petições

- art. 194º, 195, 1, f - moções de censura

4 - Função de Fiscalização - art .162º

- art. 19º e 161º, l, m - estados de necessidade

-art. 162º d, e, - contas públicas e execução dos planos nacionais

- art. 163º, j - envolvimento militar no estrangeiro

5 - Função Autorizante - art. 161º, d, i, l, m,

6 - Função de Representação - na medida em que a AR representa "todos os cidadãos


portugueses" – o povo - é lhe atribuída competência para aprovação de tratados e
assuntos relacionados com as relações internacionais e a soberania do estado - art. 161º,
i, m.

7 - Função Europeia - Fala-se agora em funções da AR na construção e


acompanhamento da União Europeia - Art. 7º,nº 6 ; 161, al. n).

O GOVERNO

O governo, o poder executivo, é o órgão encarregado da execução das leis. O governo é


um órgão político autónomo, o que significa que não se encontra vinculado a instruções
de um outro órgão, especialmente do parlamento. Além do mais, é o poder que mais
beneficiou da transformação das sociedades modernas. Hoje a maioria das constituições
dos Estados constitucionais europeus atribuem ao governo um conjunto de funções
alargadas e múltiplas.

A cessação de funções do governo pode ocorrer em virtude da verificação de um


conjunto de circunstâncias discriminadas na Constituição (ver artigo 195º da CRP).

A dissolução do parlamento, regra geral, em regimes de base parlamentar, compete ao


executivo.

Entre nós, o direito de dissolução não é atribuído pela Constituição ao Governo, mas ao
Presidente da República (cf. Artigo 133º, al. e) da CRP).

O Governo é assim um:

1 – Órgão executivo
- artigo 200º n.º 1 a) – define as linhas gerais das política governamental e a sua
execução

- artigo 199º n.º d) – dirige a actividade da administração pública

2 – Órgão nomeado (sem legitimidade democrática directa)

- art. 187 n.º 1 – o Primeiro-ministro é nomeado pelo P.R. “tendo em conta os resultados
eleitorais” para a A.R.

- art. 187 n.º 2 – os Ministros e Secretários de Estado são nomeados pelo P.R. sob
proposta do Primeiro-ministro.

3 – Órgão constitucional autónomo

- tem competências políticas, legislativa e administrativas

- artigo 198º n.º 2 – tem competências de auto regulação

4 – Órgão colegial e solidário

- artigo 189º - decisão tomadas em conselho de ministros

5 – Órgão hierarquicamente estruturado

- artigo 191º - dependência e responsabilidade hierárquica

- artigo 201º - Competências específicas do Primeiro-ministro.

6 – Órgão duplamente responsável

- artigo 190º e 191º - responde politicamente perante P.R. e A.R.

- artigo 133º f) e g) – o P.R. tem poderes para nomear e demitir o Governo

- artigo 163º d), e e) – A A.R. tem poderes para apreciar o programa de governo e votar
moções de confiança e censura ao governo.

- artigo 169º - a AR tem poderes para “apreciar” os actos legislativos do Governo que
não sejam da competência exclusiva deste

O governo exerce as seguintes funções:

1 – Função Política (ou de Governo)

- artigo 200º n.º 1 a) – definir as linhas gerais das política governamental e a sua
execução

2 – Função administrativa

- artigo 199º - Competências administrativas

- artigo 199º n.º d) – dirige a actividade da administração pública


3 – Função Legislativa - Artigo 198º - amplas competências legislativas, originárias e
derivadas.

COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS DO GOVERNO

I - Competência legislativa originária concorrente – artigo 198º n.º 1 a) – em


concorrência com a A.R.: nas matérias não previstas nos (artigos 164º e 165º)

II – Competência legislativa originária exclusiva – artigo 198º n.º 2 – em matérias da


sua própria organização e funcionamento

III – Competência legislativa derivada

– artigo 198º n.º 1 b) – em matérias de competência relativa da A.R. mediante


autorização (artigo 165º)

– artigo 198º n.º 1 c) – em desenvolvimento de Bases Gerais definidas pela A.R.

OS TRIBUNAIS

São considerados pela Constituição como um dos órgãos de soberania e têm por função
administrar a justiça.

Os Juízes são independentes, imparciais, inamovíveis, irresponsáveis (ver artigos 215.º


a 218º da CRP).

Os Tribunais constituem um:

1 – Poder separado - artigo 202º n.º 1 - dois sentidos: o poder judicial pertence
exclusivamente aos Tribunais, os Tribunais apenas detêm o poder jurisdicional.

2 – Órgão independente

- artigo 203º - colectiva (Tribunais enquanto judicatura)

- artigo 203º - funcional – apenas estão sujeitos à Lei

- artigo 216º n.º 3, 4 e 5 – individual – incompatibilidades mínimas.

- artigo 165º - interna e externa – a sua organização é garantida pela reserva de Leis da
Assembleia da República

3 – Ausência de responsabilidade política - artigo 216º n.º 2 - a Independência e


imparcialidade dos Juízes é garantida também através do princípio da irresponsabilidade
– individual e colectiva.
4 – Órgão plural - artigo 209º - O poder jurisdicional está dividido por diversas
jurisdições:

- Direito Constitucional (Tribunal Constitucional);

- Direito Privado (Tribunais Judiciais - Civil, Criminal, Comercial, Família, Trabalho,


etc.);

- Direito Público (Tribunais Administrativos e Fiscais)

- Despesa Pública (Tribunal de Contas)

- Jurisdições facultativas (Marítimos, Arbitrais e Julgados de Paz)

- Militar (Tribunais Militares)

5 – Órgão “polarizado” - O poder jurisdicional está disperso por juízos individuais.

6 – Órgão sem legitimidade democrática directa - A legitimidade dos Tribunais resulta


da própria Constituição, enquanto “corpo” independente e imparcial essencial ao
funcionamento do Estado de Direito.

4. Actos legislativos e actos normativos

Seguindo Cristina Queiroz52, a constituição é a ordem jurídica de máximo grau da


comunidade. Essa ordem compreende um sistema de regras e princípios jurídicos que
designamos por Direito Constitucional.

Este é essencialmente direito escrito, direito positivo. O Direito Constitucional integra o


Direito do Estado. Constitui uma sua “disposição específica”.

Hans KELSEN identificou a constituição com a “norma fundamental”.

O Direito constitucional apresenta-se como um “quadro” para a acção política. É o


direito de máximo grau positivado no Estado. Daqui procede a chamada “teoria da
construção gradualista do sistema jurídico”. Esta impõe a construção de uma hierarquia
normativa basicamente a três níveis: constituição, lei e regulamento.

PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DOS ESQUEMAS RELACIONAIS DAS FONTES


DE DIREITO

Constituição e fontes de direito – a Constituição é o cume da pirâmide. Além de


identificar as fontes de direito, estabelece os critérios de validade e de eficácia de cada
uma dessas fontes e determina a competência das entidades que produzem normas
jurídicas.

Princípios estruturantes dos esquemas relacionados entre as fontes de direito são os


(três) seguintes:

1 - Princípio da hierarquia

52
QUEIROZ, Cristina, Direito Constitucional – As instituições do Estado Democrático e Constitucional,
Coimbra Editora, 2009, pp. 15 e 16.
2 - Princípio da competência

3 - Princípio básico sobre produção jurídica

1º - Princípio da Hierarquia

Princípio da hierarquia – a ideia básica deste princípio é que os actos normativos (leis,
decretos-leis, decretos legislativos regionais e regulamentos) são todos actos
normativos, mas não têm todos a mesma hierarquia, ou seja existe uma pirâmide
jurídica que a Constituição ordena de acordo com os seguintes princípios:

A hierarquização das fontes de direito é um poder cuja exclusividade constitucional


decorre do artigo 112º n.º 5 e concretiza-se nos seguintes princípios:

1) Princípio da preeminência ou superioridade dos actos legislativos (Leis, decretos-leis


e decretos legislativos regionais) relativamente aos actos normativos regulamentares -
art. 112º, 6 e 7;

2) Princípio da tendencial paridade ou igualdade entre Lei e Decreto-lei - 112º n.º 2 - o


que significa poderem as leis e os decretos-lei interpretar-se, suspender-se ou revogar-se
reciprocamente;

3) Princípio da prevalência dos princípios fundamentais das leis gerais da República


sobre os actos legislativos regionais - 112º n.º 4

4) Princípio da superioridade ou proeminência das normas de enquadramento e das leis


de bases sobre as normas complementares - 112º n.º 2

5) Princípio da aplicação preferente das normas comunitárias relativamente às normas


internas nacionais - 112º n.º 8 + Tratado da UE.

6) Princípio da inderrogabilidade de norma de grau superior por norma de grau inferior.

2º - Princípio da competência

Este princípio está associado ao facto de existir uma pluralidade no ordenamento


jurídico que não se reduz ao Estado, pois existe também o ordenamento regional, o local
e o institucional (institutos públicos, empresas públicas, etc.). É também este princípio
que justifica a regulação de certas matérias por determinados órgãos, formando desse
modo blocos de competências em certas matérias. Este princípio não afecta, nem
perturba o princípio da hierarquia.

Delimita a competência legislativa dos órgãos com funções legislativas a determinadas


matérias em função da qualidade (AR, Governo) ou em função do território (Regiões
autónomas e Autarquias Locais):

- Assembleia da República – artigos 161º, 164º e 165º


- Governo – artigo 198º

- Regiões Autónomas – artigos 226º a 228º

- Autarquias Locais – artigo 241º

3º- Princípio básico sobre a produção jurídica (artigo 112º, n. 5)

1 – Nenhuma fonte de direito pode atribuir a outra um valor do qual ela própria não
detém.

2 – Nenhuma fonte pode atribuir a outra um valor igual ao seu.

3 – Nenhuma fonte pode dispor do seu próprio valor jurídico, quer acrescentando, quer
diminuindo.

4 – Nenhuma fonte pode transpor para o Estado outros actos de real valor.

Nota: Nenhuma fonte de direito pode criar outras fontes com eficácia igual, ou superior
à dela própria, apenas pode criar fontes de eficácia inferior.

Com base neste princípio serão inconstitucionais:

1 – Os regulamentos interpretativos das leis, se eles se arrogarrem o direito de fazer a


interpretação autêntica da lei, mesmo quando esta expressamente o autorize, pois a
interpretação autêntica da lei só pode ser feita por acto legislativo de igual valor.

2 – Os regulamentos derrogatórios das leis, mesmo que a lei autorize a sua revogação
por fonte regulamentar.

OS ACTOS NORMATIVOS

1 - Leis Constitucionais

Leis constitucionais – a Constituição refere expressamente esta categoria (artigo 199, n.


1), alínea a)), prescrevendo a forma de lei constitucional para certos actos jurídicos
(artigos 284º a 289º). A reserva de lei constitucional pertence apenas ao poder
constituinte e ao poder de revisão.

2 - Leis Orgânicas

Não se trata de uma lei diferente das outras leis da assembleia da república, elas são leis
ordinárias ou comuns, ficando desse modo posta de lado a ideia de existir um escalão
entre a lei constitucional e as leis ordinárias. Apesar da sua natureza de lei ordinária, a
Constituição confere-lhe a natureza de leis reforçadas (artigos 112º, n. 3, 280º, n. 2,
alínea a) e 281º, alínea b).
As leis orgânicas estão vinculadas ao princípio da tipicidade, pois só a lei constitucional
pode atribuir forma especial, valor reforçado e reserva material a certos tipos de actos
legislativos.

Sempre que a Constituição reservar por lei orgânica a disciplina jurídica de uma certa
matéria, então o legislador orgânico é competente nessa matéria em termos exclusivos.
Assim serão inconstitucionais as leis orgânicas de autorização, leis orgânicas de bases e
leis orgânicas limitadas ao regime geral de certas matérias.

É obrigatório a observância do princípio da competência, o princípio da hierarquia e da


reserva de lei absoluta, assim a lei orgânica, pode incluir normas sobre matérias de lei
ordinária, mas não pode reenviar para um lei não orgânica, algumas regulações
normativas sobre matérias que a Constituição inclui no âmbito das leis orgânicas.

A maior parte das leis orgânicas são obrigatoriamente votadas na especialidade do


plenário da assembleia da república, elas não são só uma reserva do parlamento mas
também uma reserva do plenário (artigo 167º, n. 4).

Embora não sejam as únicas, as leis orgânicas exigem maioria qualificada de dois terços
dos deputados presentes e portanto um largo consenso parlamentar, para a superação do
veto político do Presidente da República (artigo 136º, n. 3).

3 - Leis de Bases

São leis que consagram as bases gerais de um regime jurídico, deixando a cargo do
executivo os desenvolvimentos desses princípios.

O tipo de leis de bases encontra-se na Constituição (artigo 112º, n. 1, alínea c) e 164º,


alínea d) e i)).

Com o princípio da reserva legislativa de bases gerais pretende-se assegurar a


intervenção legislativa primária da Assembleia da República, e permitir ao Governo,
mesmo sem autorização legislativa, legislar sobre essas matérias, depois de fixadas
essas bases gerais, através da lei do parlamento.

Sobre um ponto de vista material as leis de bases constituem directrizes e limites dos
decretos-leis.

Embora as leis e os decretos-leis sejam actos legislativos com igual dignidade


hierárquica, as leis na modalidade de leis de base adquirem uma primariedade material e
hierárquica, com a correspondente subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento
(artigos 112º, n. 2, 198º, n. 1, alínea c)).

4 - Leis de autorização legislativa

Leis de autorização legislativa – através destas leis a Assembleia da República habilita


ou autoriza o Governo a emanar actos normativos com força de lei, que também se
chamam de delegação ou de autorização. Trata-se de leis emitidas com base na expressa
autorização de delegação de competências constante do artigo 165º, em que a AR
autoriza o Governo ou as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas a legislar
matérias da sua competência relativa. - 198º b) + 227º, 1, b).
4.1. Regime das Leis de autorização legislativa

LIMITES MATERIAIS - art. 165º n.º 2 - definem o objecto, sentido e extensão da


autorização - art. 111º n.º 2 + 161º + 164º - não podem incidir sobre matérias da
competência exclusiva absoluta da Assembleia da República.

As leis de autorização definem o objecto da autorização (artigo 165,n. 2), o que


significa, que é necessário especificá-lo e não indicar apenas de forma vaga e imprecisa,
quais as matérias que irão ser objecto dos decretos-leis delegados.

Nos termos desse mesmo artigo (165, n. 2), a lei de autorização também tem de definir
o seu sentido, ou seja tem de estabelecer os princípios orientadores do governo para
emanar esses decretos-leis.

Uma outra espécie de limites materiais, é a de que a lei de autorização não pode incidir
sobre matérias necessariamente reguladas por lei formal, nesses casos estamos perante
matérias de especial sensibilidade política, cujo regulamento deve ser atribuído
exclusivamente e indelevelmente ao parlamento (artigo 161º e 164º).

Também não pode ser objecto de autorização a emanação de actos que a assembleia da
república pratica sob uma forma diversa de lei, tais como moções, censuras e
resoluções.

LIMITES TEMPORAIS: - art. 165.º n.º 2 - indicam o prazo de duração da autorização.

CESSAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO :

- 165º n.º 3 - quando é utilizada - princípio da irrepetibilidade dessa autorização (o


governo não pode utilizar essa autorização mais do que uma vez, e está-lhe também
vedado a revogação, alteração ou substituição do decreto-lei autorizado. Nota: Isto não
significa a proibição de utilização parcelar da autorização.)

- quando é revogada pela AR – de forma expressa mediante Lei revogando a


autorização, ou de forma tácita quando a AR aprova leis durante o período de
autorização regulando directamente as matérias objecto da autorização.

- artigo 165º n.º 4 – sempre que ocorra:

- a demissão do governo

- o termo da legislatura

-a dissolução da AR

Estamos aqui perante uma relação de confiança, entre o órgão parlamentar e o governo,
motivo pelo qual a autorização caduca, com a alteração de qualquer desses órgãos.

- Artigo 165, n. 5– As autorizações concedidas ao governo na lei do orçamento, só


caducam no termo do ano económico a que respeitam, quando incidam sobre matérias
fiscais.

5 - Leis Estatutárias
As leis estatutárias são as leis da assembleia da república que, aprovam os estatutos
políticos, administrativos das regiões autónomas (artigo 226), os estatutos ocupam uma
posição hierárquica privilegiada devendo considerar-se como leis reforçadas (artigos
226º, n. 2 e 280º, n. 2, alínea b)).

6 - Leis reforçadas

Leis reforçadas – algumas das categorias de leis cabem no conceito de leis reforçadas,
como é o caso das leis orgânicas, leis de autorização, leis de bases e leis estatutárias. O
artigo 112 nº 3 dispõe que “ Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que
carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da
Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras
devam ser respeitadas.”

7 – Leis de enquadramento

Leis de enquadramento ou leis-quadro: as leis de enquadramento não se confundem com


as leis de bases, pois com elas pretende-se estabelecer os parâmetros estruturantes de
um sector da vida económica, social e cultural: é o que acontece com a lei de
enquadramento do orçamento do Estado, com a lei-quadro da criação, modificação e
extinção das autarquias e com a lei-quadro das reprivatizações.

8 - Decreto-Lei

Decretos-Leis – a actividade legislativa do governo reconduz-se nos seguintes


princípios:

1 – Competência legislativa originária ou independente: fala-se desta competência no


caso de matérias não reservadas à assembleia da república, podendo o governo em
concorrência com esta (A.R.) emanar actos legislativos primários reguladores dessas
matérias, através de decretos-leis (artigo 198, n. 1, alínea a))

2 – Competência legislativa dependente ou derivada (decretos-leis autorizados e


decretos de desenvolvimento), (artigos 165º, n. 2, 3, 4, alínea b) e 198º, n. 1, alínea c))

3 – Competência exclusiva (reserva de decreto-lei artigo 198º, n. 2): o governo tem


competência legislativa exclusiva em relação às matérias que digam respeito à sua
organização e ao seu funcionamento. (artigos 161º, 164º, 165º)

Os actos legislativos do governo (decretos-leis) podem ser submetidos à apreciação da


assembleia da república (artigo 169º, n. 1) para efeito de cessação de vigência ou de
alteração, excepto os produzidos no âmbito da sua competência exclusiva.

9 - Decreto Legislativo Regional

Há também os decretos legislativos regionais que respeitam às Regiões autónomas. A


competência para a elaboração destes actos pertence à Assembleia Legislativa Regional
que detém:

- Poder legislativo primário (artigo 227, n. 1, alínea a))

- Poder legislativo de desenvolvimento (artigo 227, n.1, alínea c))


- Poder legislativo autorizado (artigo 227, n. 1, alínea b))

As leis regionais são sempre leis de competência especial, sob o ponto de vista espacial
e sob o ponto de vista material.

As leis regionais são sempre leis materialmente condicionadas:

a) Pelos princípios fundamentais das leis gerais da República (artigo 227, n. 1, alínea a))

b) Pelas leis de autorização da Assembleia da República.

c) Pelas leis de bases editadas pelos órgãos de soberania da República.

d) Pelas competências próprias dos órgãos de soberania.

LIMITES MATERIAIS DOS DECRETOS LEGISLATIVOS REGIONAIS:

1) só podem incidir ou versar sobre matérias de interesse específico da região - art. 112º
n.º 4 e 227º;

2) devem respeitar os princípios gerais da República - art. 112º n.º 4 e 227, 1 a)

3) devem respeitar as Leis de autorização da AR;

4) devem respeitar as leis de bases aprovadas pelos órgãos de soberania da república;

5) devem respeitar as competências próprias dos órgãos de soberania.

10 - Regulamentos

Os Regulamentos são normas emanadas pela administração no exercício da função


administrativa, e regra geral com carácter executivo, e/ou complementar da lei. É um
acto normativo, mas não é um acto com valor legislativo.

Os regulamentos não constituem uma manifestação da vontade da função legislativa,


antes se revelam como expressão normativa da função administrativa (artigo 199º,
alínea c) e g)).

Na relação entre as leis e os regulamentos, há que ter em conta nesta matéria os


seguintes princípios:

1 – Princípio da preferência ou proeminência, ou primazia da lei – o regulamento não


pode contrariar um acto legislativo, pois a lei tem absoluta prioridade sobre os
regulamentos, estando expressamente proibidos os regulamentos modificativos,
suspensivos, ou revogatórios das leis (artigo 112º, n. 5).

2 – Princípio da precedência da lei – encontra-se consagrado no artigo 112º, n. 7 que


estabelece a precedência da lei relativamente a toda a actividade regulamentar e também
o dever de citação da lei habilitante para todos os regulamentos.
3 – Princípio da complementaridade ou assiduidade dos regulamentos.

4 – Princípio do congelamento do grau hierárquico de uma norma legislativa nova,


substitutiva, modificativa ou revogatória de outra, tem que ter uma hierarquia normativa
pelo menos igual à da norma que ela pretende modificar ou revogar.

Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja


determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos
independentes (art.º 112º n.º 6).

11 - Decretos

O termo decreto pode assumir vários significados: actos solenes e definitivos de um


órgão representativo ou do poder executivo ou ainda actos do poder legislativo ainda
não definitivos.

Exemplos de decretos na Constituição da República Portuguesa:

- Decretos do Presidente da República (artigo 119º, n.1, alínea d))

- Decretos de dissolução da Assembleia da República (artigo 172º, n. 2)

- Decretos de nomeação dos membros do governo (artigo 183º, n. 3)

- Decretos do Governo (artigo 134º, alínea b)) - Aqui podemos distinguir entre decretos
regulamentares, que precisam de promulgação do Presidente da República e decretos
simples que apenas exigem a assinatura do Presidente da República.

12 - Actos Normativos Atípicos

a) regimentos das assembleias - 175º a) que estabelecem as normas necessárias à


organização e funcionamento da AR;

b) resoluções - 119,º n.º 1 e) - resoluções da AR, 162º c) e 169º, 4 ; e resoluções do


Conselho de Ministros, artigo 131º, nº1 (normalmente são uma forma desses órgãos
manifestarem as suas intenções e tomarem decisões, sem que seja necessário adoptar
um acto normativo);

c) normas constitucionais consuetudinárias - costume, convenções constitucionais,


praxes constitucionais

d) referendo - art. 115º.

5. A abertura europeia e internacional

Do ponto de vista dos Estados nacionais tem-se assistido nos últimos tempos a uma
“europeização” e “internacionalização” crescente dos ordenamentos jurídicos
internos. Tal resulta inequivocamente da qualidade de Estado-membro da União
Europeia que Portugal e outros estados europeus detêm e também como membros de
outras organizações de carácter internacional.
Direito da União Europeia na hierarquia das fontes de direito

A tese hoje dominante é a de que o ordenamento nacional e o ordenamento comunitário


são autónomos, o que não significa que não haja relações entre eles. A determinação
dessas relações resulta de atribuição de normas constitucionais com as normas
comunitárias, além dos tratados que instituíram a União Europeia (U.E.).

Muitas normas de direito comunitário e em especial os Regulamentos (da U.E.)


constituem direito directamente aplicável em todos os estados-membros, sem
necessidade de qualquer acto interno (lei ou decreto-lei) de transposição. Têm pois
validade e eficácia imediatas na ordem jurídica interna o que corresponde à tese da
primazia do direito comunitário.

As directivas comunitárias são actos normativos que vinculam os estados membros a


uma determinado resultado, devendo ser transpostos para o direito interno por lei ou
decreto-lei. Neste caso há um prazo para a transposição e a partir do fim desse prazo
pode ser invocada, pelo menos contra o Estado, a aplicabilidade directa dessa directiva
comunitária.

CAPÍTULO III. Direitos Fundamentais

1. Direitos Fundamentais e figuras afins

O direito constitucional dos direitos fundamentais é o primeiro núcleo temático


que, ao nível da especialidade, se impõe esclarecer, logo a seguir à apresentação geral
da CRP que se tornou possível através dos princípios constitucionais.
Quer isto dizer que é esta vertente do Direito Constitucional que tem a finalidade
de proteger a pessoa humana, ao mais alto nível e com todas as garantias que são
apanágio da força deste ramo jurídico.
No entanto, não podemos concluir que a pessoa humana seja apenas defendida
pelo Direito Constitucional dos Direitos Fundamentais, sendo legitimo salientar que este
propósito é levado a cabo por outros ramos do direito, nomeadamente, pelo Direito
Penal, quando pune com penas mais graves os crimes contra as pessoas e os seus mais
elevados valores, pelo Direito Civil, quando se encabeça pelos direitos de
personalidade, os quais se relacionam com a protecção da pessoa na actividade jurídico
privada, pelo Direito Internacional Público, tendo ultimamente desenvolvido o cada vez
mais sofisticado Direito Internacional dos Direitos do Homem ao abrigo dos sistemas de
protecção de direitos humanos que se têm multiplicado e aperfeiçoado, bem como pelo
Direito da União Europeia, que já se vai mostrando favorável à protecção dos direitos
fundamentais.
Pela sua importância, de todos estes, os direitos humanos ganham uma especial
relevância, porque directamente comunicam com o Direito Constitucional, sendo como
que um prolongamento seu.
No séc. XIX, os direitos fundamentais começaram por ser uma criação
específica do Direito Constitucional, em que os textos constitucionais passaram a
positivar posições de garantia do individuo em relação ao Estado.
A partir do momento em que as relações internacionais se intensificaram, e a
sociedade internacional passou a regular directamente múltiplos sectores da actividade
humana, aqueles direitos fundamentais foram replicados ao nível do Direito
Internacional, numa superior instância de defesa contra os abusos cometidos pelas
autoridades estaduais.
É assim que, com a Revolução Constitucionalista e Liberal foram concebidos os
direitos fundamentais, representando a atribuição às pessoas de posições subjectivas de
vantagem, numa relação directa com o Estado-Poder, dentro de uma percepção
totalmente inovadora para a época, com as seguintes características:

- direitos fundamentais de fundamento jusracionalista, já que o Estado deveria


apenas declarar, e não criar, tais direitos, apresentando-se estes como o produto da
natureza humana, descoberta pela “razão raciocinante”;

- direitos fundamentais de feição negativa, na medida em que correspondiam a


posições de distanciamento, de autonomia, de separação e de liberdade das pessoas
contra o poder político;

- direitos fundamentais de força constitucional, pois que os mesmos deveriam


ser consagrados ao nível dos textos constitucionais formais;

- direitos fundamentais de cunho individual, uma vez que cada individuo


representaria uma necessidade de protecção perante o poder público, de acordo com a
doutrina do liberalismo politico da época.

Assim, o conceito de direitos fundamentais, de acordo com esta perspectiva


específica, implicou que ao Direito Constitucional se entregasse a incumbência singular
de protecção da pessoa humana.
Desta forma, os direitos fundamentais são as posições jurídicas activas das
pessoas integradas no Estado-Sociedade, exercidas por contraposição ao Estado-Poder,
positivadas no texto constitucional, descortinando-se assim três elementos constitutivos:

- um elemento subjectiva: as pessoas integradas no Estado-Sociedade, os


titulares dos direitos que podem ser exercidos em contraponto ao Estado-Poder;

- um elemento objectiva: a cobertura de um conjunto de vantagens inerentes aos


objectos e aos conteúdos protegidos por cada direito fundamental;

- um elemento formal: a consagração dessas posições de vantagem ao nível de


constituição, o estalão supremo do ordenamento jurídico.

O primeiro elemento, prende-se com as pessoas jurídicas a quem os direitos


fundamentais dizem respeito, no contexto da titularidade dos mesmos, na certeza porém
que são posições subjectivas insusceptíveis de titularidade por parte de todo e qualquer
indiferenciado sujeito jurídico.
Na sua génese, os direitos fundamentais só se podem explicar num contexto
dicotómico entre o poder e a sociedade, devendo por isso somente ser titulados por
pessoas que se integram na sociedade e que em ralação ao poder se possam contrapor.
Desta forma á de excluir os direitos fundamentais que estejam na titularidade das
estruturas dotadas de poder público.
O elemento objectivo explicita a existência de vantagens, patrimoniais e não
patrimoniais, em favor do titular dos direitos fundamentais, inscrevendo-se um conjunto
das situações jurídicas activas porque portadoras de benefícios.
O elemento formal dá-nos conta da necessidade de os direitos fundamentais se
consagrarem ao nível máximo da ordem jurídica estadual positiva, que é o nível
jurídico-constitucional.
Os direitos fundamentais vêm a ocupar a posição cimeira da pirâmide da ordem
jurídica estadual, em obediência ao respectivo conteúdo no seio dos valores que o
Direito Constitucional transporta.
Estes podem igualmente ser perspectivados segundo diversas classificações:
a) Classificações subjectivas
b) Classificações materiais
c) Classificações formais
d) Classificações regimentais

a) Dizem respeito ao modo como os direitos fundamentais se relacionam com


os respectivos titulares variando em razão da sua contextura:
- os direitos fundamentais individuais e os direitos fundamentais
institucionais, consoante os direitos sejam titulados por pessoas físicas e por
pessoas colectivas (ex. de direitos individuais: direito à vida; direito à
integridade física, e ex. de direitos institucionais: direitos das associações
religiosas ou politicas), podendo ainda dar-se o caso de direitos fundamentais
simultaneamente individuais e institucionais (ex. direito de petição, na
modalidade não politica “para defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos”, o qual é titulado tanto por pessoas singulares quanto por
“quaisquer pessoas colectivas legalmente constituídas” – artº 4 nº 4 da Lei nº
43/90 de 10 de Agosto).
- os direitos fundamentais comuns e os direitos fundamentais
particulares, consoante os direitos sejam pertinentes a todas as pessoas ou
respeitem a certas categorias de sujeitos, em função de várias situações,
como a cidadania.

b) Implicam a consideração do seu objecto e do seu conteúdo, sendo de dividir


entre as seguintes modalidade:
- direitos fundamentais gerais e direitos fundamentais especiais,
consoante a possibilidade de os mesmos se mostrarem pertinentes em
qualquer circunstância da vida, sendo de certa sorte “direitos permanentes ou
constantes” de cada pessoa, ou no caso de serem pertinentes em situações
limitadas ou mesmo pontuais, direitos que nem sempre são automaticamente
inerentes à pessoa humana, variando conforme múltiplos critérios de idade,
condição corporal ou inserção social. (ex. de direitos fundamentais gerais:
liberdade de expressão, direito à protecção da saúde; ex. de direitos
fundamentais especiais: direitos dos cidadãos portadores de deficiência, na
pendência dessa situação de deficiência – artº 71 nº 1 da CRP, direitos depois
concretizados pela Lei de Bases da Reabilitação).
- direitos fundamentais pessoais, os direitos fundamentais políticos, os
direitos fundamentais laborais e os direitos fundamentais sociais,
consoante o âmbito de vida relevante, em nome de valores pessoais, de
trabalho, de participação política ou de inserção na sociedade.

c) Relacionam-se com traços que peculiarmente definem os direitos


fundamentais no tocante à sua estrutura formal, sendo de distinguir entre:
- os direitos, liberdade e garantias, conforme as posições subjectivas
tenham a estrutura de direito subjectivo, correspondam ao aproveitamento de
um espaço de autonomia ou surjam equacionadas num contexto de protecção
de outro direito fundamental principal, mostrando-se acessoriamente ligados
aos mesmos;
- o status negativus (liberdades negativas), o status activus (liberdades
positivas), o status positivus (direitos a prestações) e o status activae
processualis (direitos procedimentais), classificação celebrizada por Georg
Jellinek e que personifica a relação da pessoa com o Estado e com o tipo de
exigência que ao mesmo se impõe.

d) Procedem à separação das categorias de direitos fundamentais pela aplicação


de diversas regras do respectivo regime, sendo de distinguir dois grupos:
- direitos, liberdade e garantias, com um regime reforçado; e
- direitos económicos, sociais e culturais, com um regime enfraquecido.

Figuras afins

O esclarecimento teorético acerca dos direitos fundamentais completa-se com a


apresentação das respectivas figuras afins:
a) as garantias institucionais;
b) os interesses difusos;
c) as situações funcionais;
d) os deveres fundamentais;
e) os direitos dos povos;

As garantias institucionais representam o reconhecimento de instituições da


realidade social e económica que, pela sua importância, merecem uma protecção
constitucional, mas em que não se assinala qualquer dimensão subjectiva, antes uma
dimensão unicamente objectiva: são instituições que cumpre proteger, através da
imposição ao poder público de um dever de as defender, ainda que nalguns casos as
garantias institucionais se possam subjectivar por se mostrarem acessórias do
cumprimento de direitos fundamentais proprio sensu, podendo nesse caso comungar do
respectivo regime.
Os interesses difusos, são posições jurídicas que não adquirem um suficiente
grau de densificação subjectiva a ponto de por eles se permitir exigir o aproveitamento
específico do respectivo bem e unicamente facultam intervenções procedimentais e
processuais por parte do respectivo titular, clamando pela tutela pública no sentido da
prevenção e da reparação de danos (exs.: problemática ambiental, saúde pública e
defesa do património cultural).
As situações funcionais são posições subjectivas, activas e passivas, inerentes à
titularidade de um órgão público, de acordo com o cargo que é desempenhado, situações
funcionais que se adicionam aos direitos fundamentais, aquelas relacionadas com o
estatuto dos governantes e estes atinentes ao estatuto de todas as pessoas – e também
dos governantes – como governados.
Os deveres fundamentais corporizam imposições de desvantagem que gravam
os respectivos titulares, em nome da defesa de interesses gerais, do Estado ou da
sociedade, e que podem ser o contraponto do reconhecimento dos direitos fundamentais,
deveres fundamentais que mais se apresentam válidos na defesa nacional e no
pagamento de impostos.
Os direitos dos povos abrangem posições subjectivas activas, mas em que a sua
titularidade se mostra pertinente à protecção de uma comunidade de pessoas,
grupalmente considerada em função de um nexo de pertença – étnico, religioso,
linguístico ou qualquer outro – relevando mais do domínio do Direito Internacional
Público.

2. Regime comum dos Direitos Fundamentais

A primeira dimensão do regime geral dos direitos fundamentais respeita às


orientações existentes no tocante à respectiva atribuição, assentando os eixos da análise
em causa em dois princípios constitucionais, a saber:
- o princípio da universalidade;
- o princípio da igualdade.
O princípio da universalidade está consagrado no primeiro preceito inserido na
Parte I da CRP, dedicada aos direitos fundamentais, em que se diz o seguinte: “Todos
os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na
Constituição” – artº 12 nº 1 CRP – depois acrescentando-se que “As pessoas colectivas
gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza” – artº
12 nº 2 CRP.
A primeira faceta do princípio da universalidade diz respeito à questão de saber
se as pessoas colectivas também são titulares de direitos fundamentais, podendo aqui
distinguir-se pessoas colectivas públicas e privadas.
A orientação geral que se obtém é de que as pessoas colectivas são titulares de
direitos fundamentais, desde que estes em concreto se harmonizem com o sentido
existencial da pessoa colectiva em causa.
No que diz respeito à distinção entre pessoas colectivas públicas e privadas, a
orientação já é diferente, visto que a lógica primária fundamental dos direitos
fundamentais, não parece consentir que as pessoas colectivas públicas possam
beneficiar de tais direitos, uma vez que tais direitos visam defender a liberdade e a
autonomia da sociedade e não defender segmentos do poder (pessoas colectivas
públicas) contra outros segmentos de poder.
Outra faceta deste princípio, diz respeito à titularidade de direitos fundamentais
por parte de pessoas jurídicas que não tenham a cidadania portuguesa. A CRP adopta o
principio da equiparação segundo o qual os direitos fundamentais que se aplicam aos
cidadãos portugueses beneficiam os cidadãos estrangeiros e os apátridas – artº 15 nº 1
da CRP.
No entanto, esta é uma orientação que implica diversas limitações, que dizem
respeito, não aos direitos fundamentais, antes sim aos direitos subjectivos em geral.
A equiparação já não vigora, porém, não havendo qualquer extensão de direitos,
no caso de “…direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham
carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição
e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses”.
Porém, a equiparação volta a funcionar quando se refere aos cidadãos dos
Estados de língua portuguesa e com residência permanente em Portugal, desde que
havendo reciprocidade, em todos aqueles direitos com exclusão do “…acesso aos cargos
de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-ministro,
Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira
diplomática”. – artº 15 nº 3 CRP.
Existem ainda equiparações específicas, tendo por base a regra da reciprocidade,
nomeadamente em matéria de capacidade eleitoral activa e passiva, tanto no âmbito das
eleições autárquicas, para cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, como no âmbito
da eleição do Parlamento Europeu para os cidadãos dos Estados membros da União
Europeia, ditos cidadãos europeus – artº 15 nºs 4 e 5 CRP.
O princípio da igualdade está previsto no artº 13 nº 1 da CRP que prescreve
“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
Este princípio assenta em duas ideias fundamentais:
a) o tratamento idêntico, para tudo aquilo que é materialmente igual, proibindo-
se o tratamento discriminatório, quer positivo quer negativo, que se funda em
razões que não são objectivamente admissíveis; e
b) o tratamento diferenciador, para tudo aquilo que é materialmente desigual, o
que se justifica no facto de existir razões de substância que assim o
justifique.
Não podemos contudo esquecer que este princípio da igualdade acolhe ainda
uma outra perspectiva que lhe foi acrescentada por força do princípio da socialidade
(principio da igualdade social), o que implica que em alguns casos se adopte um
tratamento diferenciador, positivamente discriminatório, em benefício de determinados
grupos ou situações.

2.1 O exercício jurídico: regulação e limites

Outra dimensão do regime geral dos direitos fundamentais é a do seu exercício,


nomeadamente, a regulação do exercício e os limites do exercício.
No Direito Constitucional Português, a categoria dos Direitos Fundamentais está
amplamente consagrada no texto constitucional, que representa assim a sua fonte
primordial. No entanto, muitas vezes constata-se que não é suficiente uma única
intervenção desse texto normativo para que os esses direitos se tornem plenamente
operativos. Por vezes eles necessitam de intervenção normativa posterior, ou seja, de
regulação, podendo esta assumir uma de duas configurações possíveis:
- a regulamentação de direitos fundamentais: quando a intervenção normativa,
sendo útil no esclarecimento da sua estrutura e na disciplina do respectivo exercício, não
se assume necessária;
- a concretização de direitos fundamentais: quando a intervenção normativa,
sendo já indispensável para dar exequibilidade aos direitos, permite o respectivo
exercício, a delimitação dos mesmos, prevenindo um eventual conflito com outros
direitos.
De acordo com Jorge Bacelar Gouveia, a regulação dos direitos fundamentais
pode ser vista sob diversas perspectivas funcionais, que lhe conferem um amplo campo
de utilidade prática, nomeadamente, para esclarecer e aclarar o conteúdo e objecto dos
direitos fundamentais; para acomodar o respectivo exercício, tornando-o efectivo ou
mais fácil; para prevenir situações de abuso de exercício, estabelecendo os seus limites
internos; para evitar situações de colisão com outros direitos contíguos, traçando,
segundo o princípio da concordância prática, as fronteiras entre eles.
Em alguns casos, poucos, a regulação dos direitos fundamentais fica a cargo do
próprio texto constitucional, que os positiva e em simultâneo se encarrega de
estabelecer a respectiva regulação. É o que se verifica, nomeadamente, com o direito
consagrado no artigo 45º nº 1 da CRP. O texto constitucional, para além de positivar o
direito, consagra os respectivos contornos (mencionando que a reunião se entende como
sendo “pacifica e sem armas”), bem como explicita o livre exercício do mesmo (não
dependendo o mesmo de “autorização” das autoridades públicas).
No entanto, e de acordo com o mesmo autor, esta intervenção normativo-
constitucional no que toca aos direitos fundamentais, está longe de ser a regra, já que
essa é missão de que normalmente se desincumbe a lei infraconstitucional. Porém, e
uma vez que o sistema de actos legislativos não é monista, cumpre diferenciar entra as
intervenções legislativas que se operam no plano das leis reforçadas e as intervenções
normativas que se realizam no âmbito dos actos legislativos comuns.
Para os direitos fundamentais que sejam direitos, liberdades e garantias só é
admissível a lei formal proveniente de órgãos nacionais, assim como para os direitos
económicos, sociais e culturais.
Dentro do conjunto de actos legislativos, há alguns deles que, não deixando de
se considerar hierarquicamente pertencentes à lei ordinária, assumem uma especial
força subordinante de outros actos legislativos. É assim com as chamadas “leis de valor
reforçado”, cuja categoria abrange as leis orgânicas, as leis aprovadas por dois terços e
as leis cujo conteúdo se imponha a outras leis, conforme decorre do preceituado no
artigo 112º nº 3 da CRP.
A matéria de regulação dos direitos fundamentais, sem margem para dúvidas,
ocupa um lugar de destaque neste grupo de actos legislativos.
Quanto às leis orgânicas, refira-se o facto destas poderem respeitar aos direitos
fundamentais se incidirem nas seguintes questões: o direito de sufrágio, as eleições e os
referendos, o direito à cidadania portuguesa e a liberdade de associação e de partidos
políticos.
Quanto às leis que carecem de ser aprovadas por maioria de dois terços dos
Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em
efectividade de funções, sublinhe-se a atribuição do direito de sufrágio aos cidadãos
portugueses residentes no estrangeiro para a eleição do Presidente da República,
conforme prevê o artigo 121º nº 2 da CRP.
Nos demais casos não abrangidos pelas específicas intervenções que
constitucionalmente se prevêem na categoria de leis de valor reforçado, verifica-se a
adopção de um esquema dualista no que diz respeito ao tipo de intervenção legislativa
reguladora dos direitos fundamentais.
Assim, para os direitos, liberdades e garantias estabelece-se uma reserva relativa
de competência legislativa em favor da Assembleia da República, ou seja, possibilidade
de uma intervenção parlamentar, que pode, contudo, se delegável no Governo, mediante
autorização legislativa.
No que diz respeito aos direitos económicos, sociais e culturais, a regra consiste
na partilha da intervenção legislativa entre a Assembleia da República e o Governo, ou
seja, tanto aquela, através de lei, como este, por intermédio de decreto-lei, podem
legislar nessa categoria de direitos fundamentais.
Não obstante esta divisão, é a própria Constituição que entende reiterar a mesma
consequência da reserva relativa de competência legislativa parlamentar para alguns
direitos, liberdades e garantias, veja-se o estado e a capacidade das pessoas, a
expropriação por utilidade pública e as garantias dos administrados.
Conforme refere, e bem, José Carlos Vieira de Andrade, este é um esquema que
funciona em termos de cláusula de autorização geral para uma intervenção legislativa
reguladora dos direitos fundamentais.
Todavia, e de acordo com Jorge Bacelar Gouveia, é de equacionar regras só para
alguns direitos fundamentais que implicam da parte do texto constitucional um desvio
relativamente àquelas duas traves-mestras da organização do poder legislativo na
regulação dos direitos fundamentais:

- casos de reserva absoluta de competência legislativa da AR para direitos,


liberdades e garantias – exs.: liberdade de ensino; direito à liberdade física; estatuto dos
cargos públicos.
- casos de reserva relativa de competência legislativa da AR para direitos
económicos, sociais e culturais – exs.: bases do sistema da segurança social; bases do
serviço nacional de saúde; bases do sistema de protecção da natureza.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a consagração dos direitos fundamentais


na CRP não se reduz ao respectivo texto constitucional, antes acolhendo outras
possíveis fontes. Veja-se o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(DUDH), aprovada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 10 de Dezembro
de 1948.
Em matéria de limitações implícitas aos direitos fundamentais, é de equacionar a
função relevante que aquela carta internacional de direitos do homem possa
desempenhar no seio do sistema constitucional português de direitos fundamentais.
Aliás, uma questão que hoje se coloca à doutrina prende-se com o facto de saber se essa
DUDH pode ser invocada para se proceder, no plano interno, a uma limitação aos
direitos fundamentais.
Prescreve o artigo 29º nº 2 da referida carta o seguinte:
“No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades, ninguém está sujeito
senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade
democrática.”
Poderemos enquadrar as posições adoptadas em dois grupos, nomeadamente, o
dos que aceitam essa aplicação limitadora e o dos que a rejeitam:

- o dos que aceitam essa aplicação limitadora, nomeadamente, José Carlos Vieira
de Andrade e Jorge Miranda, apresentam como argumento o facto de na ausência de
uma cláusula geral de limitação dos direitos fundamentais inscrita na CRP, ser sempre
possível que tal preenchimento possa ser feito segundo os termos da DUDH, apelando-
se à respectiva função integradora;
- o dos que rejeitam essa aplicação, nomeadamente, J.J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, que não admitem que a invocação da DUDH possa ser feita com um espirito
limitador ou constringente do sistema de direitos fundamentais, unicamente se
enquadrando a mesma função integradora num sentido mais favorável ao cidadão e
contra o poder.

Do ponto de vista de Jorge Bacelar Gouveia, a resposta a dar-se a esta questão


jamais pode desenraizar-se dos termos por que a CRP realiza o chamamento da DUDH.
Compulsando a letra e o espirito do referido preceito, não parece que possa
haver dúvidas, na vertente integrativa, de que tal cláusula deva ser acolhida: não tendo a
esse respeito a CRP uma resposta, e a mesma sendo dada claramente na DUDH, é
inteiramente legitimo que a ela se recorra para a integração dessa lacuna do catálogo
constitucional de direitos fundamentais.
Os limites internos dos direitos fundamentais assumem razão de ser em nome
do reconhecimento de que a formulação das respectivas faculdades não podem em
abstracto legitimar o seu uso em qualquer circunstância ou preenchendo toda e qualquer
finalidade. O exercício dos direitos fundamentais, ainda que formalmente tais limites
não tenham sido formulados, indexa-se à limitação que deriva do respeito por valores
gerais do sistema constitucional, que circunstancialmente podem impedir certos
exercícios dos direitos fundamentais, tal como no Direito Civil do mesmo modo se
apresenta uma cláusula geral de exercício abusivo dos direitos fundamentais.
Se em teoria esta posição não pode ser criticável, pensando no sistema português
de direitos fundamentais, ela seria de difícil implantação, porquanto não existe qualquer
cláusula semelhante à que vigora no CC, podendo o resultado ser o da inadmissibilidade
de qualquer limitação geral ao exercício dos direitos.
Prossegue o mesmo autor, no sentido de que essa seria uma solução inaceitável,
porquanto o recurso à DUDH se afigura muito útil, aplicando um dos seus preceitos,
que fornece indicações sobre a admissibilidade de alguns limites, inscritos num texto
insuspeito na protecção efectiva dos direitos do homem – artigo 29º nº 2 da DUDH. Daí
que, na perspectiva do mesmo, se possa encontrar aqui um apoio seguro, por força da
ressecção da própria DUDH no Direito Constitucional Português, para aceitar a
existência de uma cláusula geral de limitação ao exercício dos direitos fundamentais.
Por outro lado, os limites externos dos direitos fundamentais prende-se com o
problema da colisão de direitos, verificando-se o caso de em simultâneo, dois ou mais
direitos serem insusceptíveis de aplicação total ou parcial em virtude da presença de
dois ou mais direitos titulados por sujeitos distintos.
Ao passo que o CC dispõe de um normativo que se destina a indicar um caminho
possível, fazendo uma distinção entre direitos da mesma espécie e direitos distintos,
adoptando uma solução em razão de um critério de hierarquia valorativa, na CRP não
encontramos um dispositivo semelhante. De certa forma, a distinção hierárquico-formal
adoptada pelo CC é inaplicável, uma vez que os direitos fundamentais são todos
equivalentes, não havendo a heterogeneidade formal e material ali prevista.
No entanto, também não se pode cair no extremo oposto de pensar que os
direitos fundamentais, apenas por o serem, se apresentam, todos, com a mesma
dignidade material, numa situação de colisão de direitos.
Assim, entende Jorge Bacelar Gouveia, que a cláusula geral do CC, pode ajudar
a resolver o problema no plano do Direito Constitucional, e que passa pelo seguinte
esquema, no caso de colisão de direitos fundamentais:

- a aplicação preferente do direito fundamental considerado valorativamente


superior em relação a outro direito fundamental. Este critério só é aplicável quando for
possível considerar um dos direitos valorativamente superior em relação a outros numa
situação conflitual. Por exemplo, em caso de colisão entra a honra e a privacidade, este
deve prevalecer contra o direito à informação.

- a aplicação concordante dos direitos fundamentais considerados


valorativamente equivalentes. Segundo este critério perante direitos fundamentais
valorativamente equivalentes, deveriam todos eles ser limitados, cedendo todos por
igual e impondo-se o mesmo critério limitativo. Por exemplo, em caso de colisão de
direitos de manifestação por uma mesma via pública, deve qualquer deles ser decepado
no que for suficiente para que todos se possam exercer.

Esta matéria da colisão de direitos fundamentais tem subjacente uma avaliação


valorativa que só pode ser dada pela ponderação de bens que os direitos fundamentais
são portadores.
Aliás, como muito bem alerta José Carlos Vieira de Andrade, “na metodologia
para resolução de conflitos entre direitos, tem de atender-se fundamentalmente a três
factores, ponderando, num juízo global, mas em função de cada um deles, todas as
circunstâncias relevantes no caso concreto”, depois referindo o “…âmbito e graduação
do conteúdo dos preceitos constitucionais em conflito (…), a natureza do caso (…) e a
condição e o comportamento das pessoas envolvidas (…)”.
É comum, no plano doutrinário, concluir-se que os direitos fundamentais
absolutos (os que nem em estado de excepção podem ser tolhidos), se situam num
patamar supremo da ordem jurídica, e por isso prevalecentes sobre quaisquer outros
direitos que com eles entrem em rota de colisão.
No entanto, esta não é uma teoria inteiramente convincente.
Desde logo, José Carlos Vieira de Andrade, assinala a impossibilidade da
fixação geral de um quadro hierarquizado e prévio de direitos fundamentais para fazer
face a situações de colisão, pois que a “… solução dos conflitos e colisões não pode ser
resolvida com recurso à ideia de uma ordem hierarquizada dos valores
constitucionais”. Mais refere que “A ordem constitucional dos direitos fundamentais é,
desde logo, uma ordem pluralista e aberta e, por isso, não hierárquica”.
Também neste sentido, J. J. Gomes Canotilho, para quem não é possível, em
abstracto, o estabelecimento de uma hierarquização, sendo antes necessário proceder a
uma apreciação concreta, segundo a teoria da ponderação dos bens.
De igual modo, Jorge Bacelar Gouveia, perfilha a mesma opinião, admitindo não
ser admissível uma solução de tipo rígido, uma vez que essa hierarquização acabaria por
ser pouco praticável, não solucionando todos os conflitos existentes, a começar pelos
que se verificam entre os direitos de uma mesma categoria hierarquizada. É assim, na
perspectiva do mesmo, irrealista pensar que se podem resolver os problemas de colisão
de direitos com base numa simples tábua fixa de direitos, formulada de uma forma
abstracta e antecipada, porque para além de deslocada da realidade, nem sequer seria
pertinente para os eventuais conflitos que derivassem da colisão entre as categorias dos
direitos mencionados.
Porém, a teoria da concordância prática também não permite resolver todos os
problemas. Se por um lado muitos conflitos se solucionam diminuindo o alcance dos
direitos conflituantes, por outro muitas situações há em que tal não é possível e a
concordância prática tem de ser complementada ou substituída por uma ideia de
prevalência, tal a gravidade da colisão na lesão dos direitos em questão.
Através da ponderação concreta de bens, os direitos fundamentais absolutos
estabelecem a pauta autónoma nessa análise, determinando a sua prevalência
comparativamente a outros bens ou direitos que com eles conflituem.

2.2 A tutela efectiva: jurisdicional e não jurisdicional

Um último aspecto do regime geral dos direitos fundamentais prende-se com os


mecanismos constitucionalmente concebidos para os defender contra as violações de
que sejam alvo.
Existem duas espécies de tutela dos direitos fundamentais:
- tutela não contenciosa; e
- tutela contenciosa.
A primeira abrange os mecanismos que determinam a possibilidade de defender
os direitos fundamentais se necessidade de recurso à via judicial. A sua defesa passa
muitas vezes pela sensibilização do poder público para o respectivo cumprimento,
activando instrumentos que interferem junto dos próprios titulares do poder que ofende
esses direitos. Há meios destinados a fazer ver à Administração Pública, responsável
muitas das vezes nas violações cometidas, a necessidade de rever os actos praticados,
restabelecendo-se assim a juridicidade no que respeita aos órgãos administrativos. É o
caso do Provedor de Justiça, que desempenha funções particularmente relevantes na
apresentação de pedidos de fiscalização da constitucionalidade. Este desenvolve uma
protecção informal dos direitos fundamentais, na medida em que lhe incumbe “…a
defesa e promoção dos direitos, liberdades e garantias e interesses legítimos dos
cidadãos, assegurando através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício
dos poderes públicos.”, conforme decorre do artigo 1º nº 1 do EPJ.
Por seu turno, a segunda, implica que a defesa dos direitos fundamentais seja
exercida através de órgãos de natureza jurisdicional.
O efeito prático dessa protecção culminará depois na desvalorização dos actos
jurídico-públicos que violem os direitos fundamentais, ou, na imposição de deveres de
indemnização de acordo com os mecanismos da responsabilidade civil, ou até mesmo,
da responsabilidade penal.

3. Regime específico dos direitos, liberdades e garantias

Prescreve o artigo 18º nº 1 1ª parte da CRP que “os preceitos constitucionais


respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis.”
De acordo com Jorge Miranda, consiste isto naquilo a que pode chamar-se
revolução coperniciana do Direito Público europeu das últimas décadas, ligada à
Constituição alemã de 1949 (artº 1 nº 3), e em Portugal, à Constituição de 1976.
Contrariamente ao que acontecia anteriormente, hoje as normas constitucionais
adstringem os comportamentos de todos os órgãos e agentes do poder e conformam as
suas relações com os cidadãos sem necessidade de mediatização legislativa.
Segundo Herbert Kruger, não são os direitos fundamentais que agora se movem
no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais.
As normas atinentes a direitos, liberdades e garantias são sempre normas
preceptivas. Porém há que distinguir consoante elas sejam exequíveis ou não por si
mesmas. Assim, se a norma constitucional for exequível por si mesma, o sentido
específico do artº 18 nº 1 da CRP, consistirá na possibilidade imediata de invocação dos
direitos por força da Constituição, ainda que haja falta ou insuficiência da lei. Pelo
contrário, se a norma não for exequível por si mesma, o sentido do artigo 18º nº 1 da
CRP será a adstrição do legislador a editar as medidas legislativas para dar
cumprimento à Constituição. Na falta dessas medidas ocorrerá inconstitucionalidade por
omissão com a consequente sujeição ao regime de controlo do artigo 283º da CRP.

- A vinculação das entidades públicas

Ao passo que a 1ª parte do artigo 18º estabelece a aplicabilidade directa dos


preceitos relativos aos direitos, liberdades e garantias, a 2ª parte do mesmo normativo
estabelece quais são os seus destinatários. Ou seja, estão vinculadas aos direitos,
liberdades e garantias, antes de mais, as entidades públicas, seja qual for a sua forma e
seja qual for a sua forma de actuação, e não apenas o Estado. São destinatários todos os
órgãos do poder e não apenas o poder legislativo do Estado.
De acordo com Jorge Miranda, a vinculação dos órgãos do poder pelas normas
constitucionais torna-se patente em dois planos:
a) em relação a cada norma constitucional e a cada lei ou outro ato do Estado
que com esse preceito venha a ser confrontado e que lhe deve ser conforme –
artº 3, nº 2 CRP;
b) em relação ao conjunto dos preceitos constitucionais e ao conjunto dos actos
jurídico-públicos, os quais devem tender a criar condições objectivas capazes
de permitir aos cidadãos usufruírem efectivamente dos seus direitos,
liberdades e garantias no âmbito do Estado de Direito democrático.
De qualquer das formas, em qualquer circunstância, qualquer ato do poder
público
deve tomá-las como fundamento e como referência e deverá tender a conferir-lhes a
máxima eficácia possível.
No mesmo sentido, João Caupers, que refere que os direitos fundamentais não
são somente um limite negativo às actuações dos entes públicos, sendo também um
elemento integrador de tais actuações.
Os órgãos da função pública estão vinculados, na prática de actos dessa função,
ao respeito dos direitos, liberdades e garantias. Neste mesmo sentido, para além de
Jorge Miranda, José Carlos Vieira de Andrade e J. J. Gomes Canotilho.
A vinculação do legislador pela Constituição é absoluta neste domínio, não
admitindo excepções, querendo isto dizer, por um lado, que a regulamentação
legislativa deve ser conforme com as correspondentes normas constitucionais e, por
outro lado, que estas mesmas normas, as que não exequíveis por si mesmas, deverão ser
concretizadas nos termos por elas próprias previstas. Ou seja, o legislador não é livre de
lhe emprestar qualquer conteúdo. A norma legislativa tem de possuir um sentido que
seja conforme com o sentido objectivo da norma constitucional.
A subordinação da Administração à Constituição é afirmada como princípio
geral no artigo 266 nº 2, tendo um afloramento importante no que aos direitos,
liberdades e garantias diz respeito, no artigo 272º nº 3 da CRP.
De salientar que quando se refere Administração, compreende-se no conceito
todas as suas modalidades, incluindo a Administração sob formas jurídico-privadas,
bem como qualquer pessoa colectiva de direito privado quando nas suas relações com
os particulares disponha de poderes públicos.
Em geral, prossegue o mesmo autor, a subordinação à Constituição significa o
dever de conformação da actividade administrativa pelas normas constitucionais. Quer
isto dizer que em caso de desrespeito dessas normas, é de admitir o exercício do poder
de substituição pelos órgãos hierarquicamente superiores e que são nulos os actos
administrativos ofensivos do conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias.
Esta mesma posição é sustentada por Diogo Freitas do Amaral.
A vinculação dos tribunais aos preceitos constitucionais sobre direitos,
liberdades e garantias traduz-se, positivamente, na interpretação, na integração e na
aplicação de modo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, dentro do sistema
jurídico, e negativamente, na não aplicação dos preceitos legais que os não respeitem
(artº 204 CRP), com os instrumentos e técnicas da apreciação da inconstitucionalidade
material mais exigentes.
Da mesma forma, J. J. Gomes Canotilho refere que os “direitos não são apenas
medidas de acção, conformadoras do processo, ou normas de controlo da validade das
normas jurídicas mas também normas de decisão para a aplicação e interpretação do
direito de lei.”

- A vinculação das entidades privadas


Para além da vinculação das entidades públicas, prescreve o já referido artigo
18º nº 1 da CRP, a vinculação das entidades privadas.
Os direitos fundamentais, através deste alargamento ao nível da sua eficácia,
deixaram de ser apenas vistos numa relação dualista, entre a pessoa e o poder público,
para se integrarem numa relação tripartida, na qual entram igualmente os restantes
membros da comunidade politica.
Conforme refere José João Abrantes, “além do Estado, existem na sociedade
outros poderes, inimigos, pelo menos potenciais, das liberdades. Se o problema se põe
a nível das próprias relações entre pessoas singulares, bastando pensar, por exemplo,
nas relações empregador-trabalhador, coloca-se de uma forma ainda mais aguda nas
relações entre o individuo e os agrupamentos privados, em que as forças são, por
definição, desiguais.”
Fala-se a este respeito na eficácia horizontal ou para terceiros dos direitos
fundamentais, vinculando mais ou menos intensamente, consoante as opções de casa
sistema constitucional, os cidadãos entre si e não apenas o poder público, contra os
quais, inicialmente, esses direitos nasceram, conferindo posições de defesa aos
cidadãos.
No entanto nem sempre a aplicação desta regra é viável, conforme refere o
mesmo autor, uma vez que há situações em que essa eficácia horizontal está logo
garantida ou, pelo contrário, nunca poderá fazer sentido.
No primeiro caso, quando é o próprio texto constitucional a consenti-lo dentro
da lógica de direitos fundamentais que operam nas relações jurídico-privadas (ex.: os
direitos que, sendo constitucionais, pertencem ao Direito da Personalidade, como os que
constam do artigo 26º nº 1 da CRP); no outro caso, quando os direitos, liberdades e
garantias não tenham a virtualidade de se aplicar nas relações jurídico-privadas, apenas
tendo por destinatário possível o poder público (ex.: em geral, os direitos inoponíveis
aos particulares por fazerem sentido apenas contra o poder público, como sucede com o
direito à cidadania, o direito à protecção jurisdicional efectiva ou a garantia dos habeas
corpus).
Conforme refere Bacelar Gouveia, a elaboração dogmática da eficácia horizontal
dos direitos, liberdades e garantias tem beneficiado de duas grandes teorias, a saber:

- a vinculação directa, associada à dimensão objectiva dos direitos fundamentais


como normas de valor, sem qualquer mediação legal, podendo os seus beneficiários
invoca-los, como se estivessem a invocá-los perante uma entidade pública; e
- a vinculação indirecta, que se torna operativa através do Direito Privado, por
intermédio dos seus conceitos gerais e indeterminados, bem como das suas cláusulas
gerais, donde sobressai a boa-fé, o abuso do direito, a ordem pública e os bons
costumes.

O amadurecimento da aplicação destas duas teorias veio aproximá-las chegando-


se à conclusão de que o problema redundaria numa questão de colisão de direitos: de
um lado, a liberdade contratual e outros direitos e princípios do Direito Privado e, do
outro lado, os direitos, liberdades e garantias que são especificamente avaliados à luz da
Ordem Constitucional.
Para José João Abrantes, “é desse modo que, em nosso entender, deve ser
encarado o problema da eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias: quer
sejam entendidos como directa quer como indirectamente aplicáveis, aqueles direitos
terão sempre que ser harmonizados com os princípios próprios do Direito Privado,
com a consequente necessidade de ser assegurada a concordância prática entre todos
os interesses em causa.”
Como defende José Carlos Vieira de Andrade, “… para além dos casos já
referenciados em que a Constituição expressamente concebe os direitos perante
privados, só deverá aceitar-se esta transposição directa dos direitos fundamentais,
enquanto direitos subjectivos, para as relações entre particulares quando se trate de
situações em que as pessoas colectivas disponham de poder especial de carácter
privado sobre (outros) indivíduos”, acrescentando ainda que “em tais casos, estamos
perante relações de poder – e não relações entre iguais – e justifica-se a protecção da
liberdade dos homens comuns que estejam em posição de vulnerabilidade. O poder em
causa mão terá de ser necessariamente um poder jurídico, se for um poder de facto
inequívoco e objectivamente determinável, como aquele que existe em relações
informais, por exemplo, numa situação de monopólio de facto, de cartelização ou de
oligopólio, pelo menos de bens essenciais.”
Da leitura da CRP decorre inequivocamente o sentido de adopção da teoria da
vinculação directa.

. Conceitos de limite, restrição e intervenção restritiva

Uma das áreas mais complexas do Direito Constitucional moderno é o das


restrições aos direitos fundamentais. É aqui que se registam as maiores divergências,
nomeadamente e desde logo, a nível terminológico. Assim, e na opinião de José de
Melo Alexandrino, existe um primeiro “triângulo conceptual”, que temos por
inafastável e que passa pelos conceitos de “limite”, “restrição” e “intervenção
legislativa”.
Por seu turno, não pode deixar de ser tomado como ponto de partida o que
dispõe os números 2 e 3 do artigo 18º da CRP:

“ 2. A lei só poderá restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos


expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir
carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e
o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”

Daqui decorrem três ideias:


1- os direitos, liberdades e garantias são diferentes uns dos outros: diferentes na
sua estrutura, no seu peso axiológico, na sua formulação jurídica, na sua
articulação com outras normas da Constituição e, por fim, nas respectivas
possibilidades de afectação;
2- não há direitos, liberdades e garantias ilimitados: os direitos são limitados
logo ao nível do sistema social, são limitados porque constituem partes de
um subsistema normativo, são limitados pela interactividade entre as
respectivas normas de garantia e são limitados porque não há a possibilidade
de realizar simultaneamente todos os direitos de todos os titulares;
3- um direito fundamental, seja ele qual for mas sempre diferencialmente, pode
sofrer múltiplas formas de compressão e múltiplas modalidades de afectação.
. Conceito e tipos de limite

Apesar de a Constituição nunca utilizar o termo limite, de facto, os direitos,


liberdades e garantias têm limites, podendo estes ser directos, quando excluem
imediatamente certas parcelas do direito, ou indirectos, quando são fundamento para
posteriores restrições.
Segundo o mesmo autor, as realidades susceptíveis de serem qualificadas como
limites dos direitos fundamentais podem assumir duas feições básicas:
a) ou correspondem a fronteiras que assinalam normativamente âmbitos não
incluídos no objecto ou no conteúdo do direito; ou
b) correspondem a normas constitucionais que constituem fundamento para
operações de delimitação do direito ou para posteriores restrições.
Estas duas modalidades de limites têm em comum a sua qualidade de normas e o
seu efeito de exclusão da protecção jusfundamental.
Assim, o autor define os limites dos direitos fundamentais como “normas que,
de forma duradoura, excluem directamente âmbitos ou efeitos de protecção ou que são
fundamento susceptível de afectar as possibilidades de realização de normas
jusfundamentais.” Assim, os limites são normas que excluem a protecção o afectam as
possibilidades de realização de um direito fundamental.
Quanto aos tipos, os limites podem ser regras ou princípios, podem ser normas
gerais ou individuais, podem ser normas constitucionais ou infraconstitucionais, podem
ser limites constitucionais directos (ex.: artº 37 nº 1 CRP) ou indirectos (ex.: artº 1
CRP), podem estar referidos a cláusulas explícitas ou a uma cláusula implícita.
À luz das principais indicações presentes na doutrina e das três notas que delas
sobressaem, nomeadamente a presença de uma actuação estatal, a sua vocação
normativa e o efeito de compressão sobre o conteúdo previamente delimitado de um
direito fundamental, podemos definir restrição como sendo as acções normativas que
afectam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de protecção de um direito
fundamental previamente delimitado.
As restrições, são assim uma das modalidades de intervenção do Estado-
legislador num direito fundamental.
Entre o conceito de restrição e o de limite é assim possível traçar as seguintes
linhas de demarcação: um limite é uma norma, uma restrição é uma acção; os limites
são autojustificados e estão imediatamente referidos à decisão de conjunto do legislador
constituinte, as restrições só colhem justificação por referência a esses limites; os
limites ora precedem a restrição, ora são colocados pela restrição; os limites são
grandezas ou unidades normativas, as restrições são intervenções que têm como
pressuposto outras normas de competência, processo e forma, sendo ainda enquadradas
por toda a restante série dos chamados “limites dos limites”.
No entanto, nem todas as intervenções do Estado sobre os direitos constituem
restrições: pode haver intervenções do legislador muito distintas das restrições, como
quando ele apenas condiciona ou regulamenta um direito carecido dessa cunhagem
legislativa ou quando desenvolve e facilita o exercício dos direitos.
No qua aos tipos de restrição diz respeito e tendo em consideração os dados da
CRP, deveremos falar em restrições expressamente autorizadas e em restrições
implicitamente autorizadas pela CRP.

. Conceito de intervenção restritiva


Na opinião do mesmo autor, traduzem-se numa “actuação agressiva sobre um
bem protegido de um direito fundamental feita através de um ato jurídico imediatamente
incidente sobre uma posição jurídica concreta (ex.: ordem de detenção; o ato de
expropriação, etc.).
Na intervenção restritiva, afecta-se por isso o conteúdo de uma posição
individual deixando intocada a norma e os efeitos gerais da norma de direito
fundamental.

. Situações de colisão de direitos no caso concreto

Configura-se uma situação de “colisão de direitos” quando, num caso concreto, a


protecção jurídica emergente do direito fundamental de alguém colida com a de um
direito fundamental de terceiro ou com a necessidade de proteger outros bens ou
interesses constitucionais.
Ao passo que na restrição se procura uma resolução prévia de conflitos através
de soluções legais que harmonizem os bens e interesses em presença, a resolução da
colisão de direitos no caso concreto não cabe ao legislador, mas sim aos titulares dos
direitos em presença, às entidades eventualmente chamadas a intervir e, em última
instância aos tribunais.
Por exemplo, a divulgação pelos meios de comunicação social, de informações
relativas à saúde de um membro do Governo constitui uma situação de conflito entre o
direito de informar e a garantia da reserva da intimidade da vida privada. Nesta situação
em concreto de colisão poderá entender-se justificada a divulgação se o problema de
saúde em questão afectar a capacidade de desempenho do ministro: o conflito é então
resolvido através da consideração do peso das circunstâncias específicas.
Caso não seja possível resolver a colisão com base no escalonamento abstracto
dos direitos e na ausência ou insuficiência das disposições legais harmonizadoras a
solução deverá ser encontrada segundo um princípio de harmonização e concordância
prática que possibilite uma equilibrada distribuição dos custos do conflito. Na maior
parte dos casos, porém, não se poderá escapar nem à metodologia da ponderação de
bens, nem à aplicação do critério de proporcionalidade, podendo no limite chegar-se à
conclusão de que um dos direitos (ou um dos interesses) tem de ceder totalmente
perante o outro.

. Requisitos das restrições – artº 18 nº 2

1. A exigência de lei formal


Um dos elementos tradicionalmente autonomizados no regime especifico dos
direitos, liberdades e garantias, é o designado “regime orgânico” nos termos do qual
apenas a lei parlamentar (ou o decreto-lei autorizado) pode intervir normativamente no
domínio desses direitos – artº 165 nº 1 b) CRP.
De acordo com J. J. Gomes Canotilho, trata-se na verdade de um postulado que
remonta ao Estado liberal segundo o qual só o Parlamento, enquanto órgão de
representação de toda a comunidade pode decidir sobre a liberdade, a segurança e a
propriedade dos cidadãos.
No entanto, esta exigência de lei formal é completada por uma exigência de cariz
material, ou seja, ainda que se trate de matéria carecida de uma revisão estabilizadora na
doutrina, tem-se entendido que, no domínio dos direitos, liberdades e garantias, vigora
um princípio de reserva material de lei, pretendendo com isso dizer-se que a disciplina
jurídica da matéria dos direitos, liberdades e garantias é atribuída em exclusiva à lei.
A reserva material de lei tem assim duas dimensões principais:
a) Dimensão negativa: significa que as matérias reservadas à lei não podem ser
reguladas por outras fontes diferentes da lei;
b) Dimensão positiva: significa que deve ser a lei a estabelecer efectivamente o
regime jurídico das matérias em questão.
Há no entanto que ter presente que nem todas as leis relativas a direitos,
liberdades e garantias são necessariamente leis restritivas: há leis restritivas,
nomeadamente as que afectam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de protecção
de um direito fundamental previamente delimitado, sejam elas expressamente
autorizadas ou implicitamente autorizadas, e leis não restritivas, designadamente, todas
as que não se traduzem em afectação do direito.

2. A exigência de autorização constitucional


De acordo com o nº 2 do artº 18 da CRP, a lei só pode restringir os direitos,
liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição – princípio da
autorização constitucional expressa.
Este princípio resume as preocupações de segurança que o legislador
constitucional teve no sentido de evitar a fraude à Constituição e de, por conseguinte,
impedir uma intervenção legal restritiva incontrolável.
As condições que daqui decorrem são duas: de um lado a necessidade de o
preceito constitucional prever essa intervenção restritiva; do outro lado a imposição de
que essa autorização, para restringir, seja feita a título expresso.
Conforme refere J. J. Gomes Canotilho, “esta autorização de restrição expressa
tem como objectivo obrigar o legislador a procurar sempre nas normas constitucionais
o fundamento concreto para o exercício da sua competência de restrição de direitos,
liberdades e garantias, e visa criar segurança jurídica nos cidadãos, que poderão
contar com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casos
expressamente considerados pelas normas constitucionais como sujeitos a reserva de
lei restritiva”.
O problema que tem sido posto na doutrina portuguesa é o de que do ponto de
vista prático, o respeito escrupuloso por aquele princípio bloquearia de um modo
excessivamente gravoso, a intervenção legislativa restritiva, não permitindo assim uma
conveniente composição dos contrários e legítimos interesses em jogo.
É por isso que aquele princípio tem sido objecto de “suavização interpretativa”,
reconhecendo-se a existência de autorizações implícitas de restrição legal para certos
direitos fundamentais: isso com base numa análise material de cada direito, liberdade e
garantia, sopesando os valores em presença, de uma parte, os da protecção efectiva do
direito e, da outra parte, os dos interesses na sua restrição.
De acordo com J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na prática, ao lado de
autorizações explicitas especificas para restringir certos tipos de direitos, liberdades e
garantias, tem-se admitido a existência de uma cláusula geral de restrição legal sobre
todo e qualquer direito, liberdade e garantia, fundada em considerações materiais,
ancorando-se a mesma na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, ao competir-lhe legislar sobre direitos, liberdades e garantias.

3. O Principio da proporcionalidade (ou da proibição do excesso)


Outro principio que dita as opções do legislador que restringe direitos,
liberdades e garantias tem que ver com a contenção do exercício desse poder ablativo
em função de determinados ditames de ordem racional, segundo as três vertentes que
são conhecidas ao princípio da proporcionalidade, tal como tem sido desenhado na
doutrina e jurisprudência:
- a adequação da restrição ao fim que se tem em vista;
- a indispensabilidade da restrição relativamente a esse fim em comparação com
outros instrumentos possíveis de actuação legislativa, de carácter menos agressivo;
- a racionalidade do teor da restrição imposta em função do balanço entre as
vantagens e os custos que derivam da respectiva utilização.

. Requisitos das restrições – artº 18 nº 3

1. A exigência de lei geral e abstracta


“As leis restritivas têm de revestir carácter geral e abstracto” – artº 18 nº 3
CRP.
Lei geral é aquela que se dirige a um número indeterminado ou indeterminável
de pessoas e lei abstracta é aquela que se destina a regular um número indeterminado ou
indeterminável de casos.
Esta exigência visa assegurar três coisas:
- proibir a utilização neste domínio de leis de natureza individual e concreta;
- assegurar que através da restrição não seja afectado o postulado de uma
liberdade igual;
- não dispensar a consideração de outros princípios, designadamente a
componente de justiça material inerente à dimensão positiva do princípio da igualdade.

2. A proibição de leis restritivas retroactivas


Esta proibição absoluta de retroactividade apresenta uma conexão
particularmente nítida não só com os princípios da protecção da confiança e do Estado
de Direito, mas também com a estrutura central do sistema, o princípio da igualdade:
uma lei que retroactivamente reduza os efeitos de protecção de um direito, liberdade e
garantia afecta desigualmente as pessoas, sem que haja remédio possível para esse
tratamento desigual.

3. A garantia do conteúdo essencial


Trata-se de uma preocupação de natureza material, que pretende evitar o
esvaziamento dos direitos restringidos, eventualmente tudo se permitindo em nome do
valor, direito ou interesse que “pseudo-fundamentasse” a restrição em questão.
O relevo da cláusula do conteúdo essencial projecta-se no momento prévio a
qualquer restrição (o da ponderação da decisão politica de restringir o direitos), na
sinalização dada ao legislador de que os direitos, liberdades e garantias valem como
trunfos contra si, e no momento posterior à restrição (o do controlo), em que o juiz
constitucional passa a estar também ele, compenetrado do valor subjacente à norma
constitucional, funcionando então a garantia do conteúdo essencial como critério
mínimo para que o órgão de controlo não perca de vista a importância desses preceitos.

. A suspensão dos direitos, liberdades e garantias

A Constituição não prevê nem admite a figura da suspensão individual dos


direitos, liberdades e garantias, prevendo isso sim a suspensão colectiva de alguns
direitos, liberdades e garantias nos casos de “situações de excepção”: declaração dos
estados de guerra, sitio ou emergência.
O regime de excepção e a correspondente suspensão encontra o seu fundamento
na Constituição e não fora dela. Da mesma forma não resultam admissíveis entre nós,
“cláusulas gerais” de restrições de direitos.
Diferentemente do que ocorre no estado de sítio ou no estado de emergência, a
suspensão individual não obedece aos princípios da generalidade e publicidade, antes se
efectiva de forma individual em relação a pessoas ou grupos de pessoas determinados.
A suspensão terá então de ser delimitada face à figura da restrição de direitos.
Assim, e na opinião de Cristina Queiroz, não se justifica o recurso ao artigo 29º
nº 5 da DUDH ou ao artigo 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem com o
objectivo de fundar a legitimidade de tais cláusulas. A finalidade do recurso à protecção
internacional dos direitos do homem tem o sentido de assegurar uma maior protecção e
respeito dos direitos constitucionais implicados e não, obviamente, o sentido de os
restringir. Além de que a referida solução infringiria o princípio da tipicidade das
restrições aos direitos, liberdades e garantias previstas no artº 18 nº 2 da CRP.
As situações de necessidade constitucional pressupõem a possibilidade de
restrições mais intensas dos direitos fundamentais do que aquelas que
constitucionalmente são admitidas em situações de normalidade. Essas situações
admitem a suspensão “colectiva” de direitos, rodeada de particulares cautelas e
garantias, tendentes a evitar o aproveitamento dessas situações de excepção com a
finalidade de se introduzirem medidas abusivas ou excessivas – artº 19 CRP.
Assim, o regime constitucional de suspensão dos direitos, liberdades e garantias
obedece aos seguintes trâmites:
- “proibição absoluta” de suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias e
de alguns princípios constitucionais (artº 19 nº 4 CRP e artº 2 da Lei 44/86);
- exigência de especificação dos direitos, liberdades e garantias afectados pela
declaração do estado de sítio ou do estado de emergência (artº 19 nº 3 CRP e artº 4 nº 1
d) da Lei 44/86);
- consequentemente, todos os direitos que não resultem enumerados na
declaração do estado de sítio ou do estado de emergência encontram-se “excluídos”, isto
é, fora das medidas restritivas de excepção;
- “proibição do excesso”, devendo observar-se os princípios da adequação,
necessidade e proporcionalidade relativamente às medidas restritivas adoptadas (artº 19
nºs 4,6,7 CRP e artº 3 da Lei 44/86);
- “limitação temporal”(artº 19 nº 5 CRP e artº 5 da Lei 44/86), posto que o
regime da suspensão dos direitos, liberdades e garantias não pode prolongar-se por mais
de quinze dias, embora se admita a sua renovação por períodos com igual limite (artº 19
nº 5 CRP e artº 5 da Lei 44/86);
- subsistência do acesso à “via judiciária” o que significa a proibição da
suspensão dos direitos de defesa dos cidadãos, desde logo do direito de acesso à via
judiciária (artº 19 nº 6 CRP e artº 23 da Lei 44/86);
- os meios de defesa tipificados do Estado de Direito devem prevalecer,
incluindo na sua plenitude, o “direito de acesso à justiça e aos tribunais” para defesa dos
direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer
providências inconstitucionais ou ilegais (artº 6 da Lei 44/86).

4. Regime específico dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais


Para Jorge Miranda há um regime comum aos Direitos Sociais embora tal não
decorra expressamente da Constituição. O que explica esta omissão? Na sua opinião,
explica-se, por exemplo, pelo facto de o legislador atribuir maior importância aos
Direitos, Liberdades e Garantias, por os Direitos Sociais serem mais recentes, e por
haver menor discussão doutrinária e jurisprudencial em torno dos mesmos. Contudo,
defende a importância de encontrar um regime comum aos Direitos Sociais para traduzir
a singularidade destes face aos Direitos, Liberdades e Garantias.
Na sua opinião são várias as características dos Direitos Sociais (DS): em
primeiro lugar resulta dos preceitos de onde estes decorrem que cabe ao Estado a tarefa
fundamental de efectivar os DS. Por outro lado a sua efectivação pressupõe a
participação dos interessados imediatos e da sociedade civil, na medida em que o
legislador terá incluído na CRP mecanismos que procuram proceder à efectivação da
democracia participativa entre nós. Mais, para a realização dos DS, os órgãos políticos e
legislativos devem ponderar como agir em função dos recursos disponíveis. No entanto,
“por regra, o conteúdo essencial de todos os direitos deverá ser sempre assegurado” e só
o que estiver para além dele está à disposição do legislador.
Aos DS cabe também formas de tutela adequada: para além da possibilidade de
haver inconstitucionalidade por acção, a Constituição inclui um método próprio para
avaliar se as normas programáticas são violadas pelo legislador ordinário: a figura da
inconstitucionalidade por omissão é a sua violação mais característica. Ao contrário do
que sucede com os Direitos, Liberdades e Garantias, onde a competência legislativa
compete principalmente à AR, no caso dos DS essa competência é, salvo algumas
excepções, concorrencial, logo partilhada entre o Governo e a AR, e por vezes pelas
Assembleias Legislativas Regionais.
Por fim, os Direitos Sociais constituem limites materiais de revisão
constitucional: aqueles DS que são enumerados na DUDH representam, por força do
artigo 16º nº 2 CRP limites implícitos ao legislador de revisão, nomeadamente os
direitos à saúde e educação.
Para Jorge Miranda quer isto dizer que nem o conteúdo essencial desses direitos,
nem o seu regime podem ser afectados por uma revisão constitucional.

. Direitos sociais enquanto direitos positivos dependentes da acção do legislador


ordinário

A doutrina tem trabalhado sobre esta característica dos Direitos Fundamentais


Sociais e à imagem do que diz Jorge Miranda, fala-se da tarefa do legislador na sua
concretização e na sua liberdade de conformação, liberdade essa que não é absoluta sob
pena de não haver vinculação, e que iria contra o espirito dos preceitos.
Assim, como são liberdades concretas, exige-se uma intervenção do legislador
que há-de determinar mais concretamente os preceitos constitucionais, pois que embora
não determinados são determináveis.
Ora, importa salientar que os Direitos Sociais exigem ao legislador que legisle,
uma vez que essa é a forma de concretizá-los.

. A reserva do possível na concretização dos Direitos Sociais e a sua realização


progressiva
Dada a limitação de recursos do Estado, é inevitável que este tenha de fazer
opções. Em cada momento o Estado precisará de ter em conta os recursos de que dispõe
quando os afecta à realização de certos preceitos constitucionais.
Na opinião de Vieira de Andrade, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua
vertente de direitos a prestações, a efectivação dos Direitos Sociais está limitada aos
recursos existentes, sendo em si mesmos, direitos sob reserva da possibilidade social.
Para além disso, estes direitos, não podem, em princípio, ser realizados de uma só vez,
por falta de recursos, uma vez que as necessidades estão em permanente mutação.
Assim, defendem que os Direitos Sociais são de realização progressiva, que tendem a
concretizar-se ao longo do tempo.
Ainda assim, e na opinião de Jorge Miranda, se no momento em que são
consagrados já há recursos para os efectivar, estes têm então aplicação directa.

. O conteúdo mínimo dos Direitos Sociais

Apesar do reconhecimento da inevitabilidade das limitações ou problemas de


concretização dos Direitos Sociais, grande parte da doutrina defende que isto não deverá
na prática significar uma carta-branca para o legislador.
O facto de os recursos serem por vezes escassos, isto não quer dizer que deixa de
haver uma vinculação aos Direitos Sociais. Donde a discussão da ideia de um conteúdo
mínimo ou essencial dos DS, segundo a qual existem elementos em cada direito que
devem ser concretizados em qualquer altura, e sem os quais este não estará a ser
respeitado. A ideia de um conteúdo mínimo também surge inúmeras vezes na doutrina
estrangeira sobre direitos económicos, sociais e culturais tanto a nível nacional como no
direito internacional dos direitos do homem.
Entre nós, autores como Jorge Miranda, Vieira de Andrade, Gomes Canotilho e
Vital Moreira, sustentam a existência do “mínimo”. No entanto, a doutrina não define o
que será esse conteúdo mínimo ou essencial de cada Direito Social, remetendo essa
tarefa para o aplicador da lei. Outros autores, como Reis Novais, criticam esta
interpretação por defenderem que não contribui para a efectivação dos Direitos Sociais.
Por outro lado, também é importante salientar o facto de a doutrina analisar esta
questão em ligação com o princípio da dignidade humana e com a questão do mínimo
existencial.

. A proibição do retrocesso social

A ideia essencial a reter é a de que, por se considerar que os Direitos Sociais se


devem realizar de forma progressiva, e independentemente da escassez de recursos, em
qualquer caso, o legislador estará impossibilitado de introduzir reformas que regridam
no progresso já alcançado na realização de um certo direito social.
De facto, para Gomes Canotilho e Vital Moreira “as normas constitucionais que
reconhecem direitos económicos, sociais e culturais de carácter positivo têm pelo menos
uma função de garantia dos graus de realização, atingida em cada momento, por esses
direitos”.
Paulo Otero, por seu turno, distingue entre os casos em que o retrocesso é
absoluto e em que uma redução de medidas já concretizadas é inconstitucional; e os
casos em que existe apenas uma proibição de arbitrariedade no processo de retrocesso:
pode haver retrocesso desde que este seja devidamente fundamentado. Em qualquer
caso, este juízo é passível de ser controlados jurisdicionalmente.

. Os direitos fundamentais sociais e o princípio da dignidade humana

Questão tida como importante pela doutrina é a da articulação entre os Direitos


Sociais e os vários princípios consagrados na Constituição e, em particular, o princípio
da dignidade humana. É no artigo 1º da CRP que surge este conceito ao afirmar-se que
“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na
vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
Princípios como os da dignidade humana, da proporcionalidade e da confiança
têm, de facto, sido apontados como ajuda à superação das várias dificuldades
específicas dos Direitos Sociais. A dignidade humana surge como critério interpretativo
e integrativo do sistema de direitos fundamentais: em caso de dúvida, deve optar-se pela
opção que mais e melhor respeite a dignidade do cidadão.
Ora, a doutrina tem notado como o próprio Tribunal Constitucional, quando
colocado perante normas que alegadamente violam normas constitucionais
consagradoras de Direitos Sociais, tem cada vez mais vindo a recorrer à aplicação deste
princípio, em vez de procurar definir mais concretamente o verdadeiro significado de
cada direito. Para alguns autores este desenvolvimento não é de saudar, Gomes
Canotilho, aliás refere-se a ele como um dos factores de “deslocação da socialidade”.
Esta jurisprudência faz com que estejamos a assistir a um “esvaziamento solidarístico”
que, a seu ver, “coloca entre parênteses os direitos sociais, como se não houvesse
direitos sociais autonomamente recortados, mas refracções sociais da dignidade da
pessoa humana aferida pelos standards mínimos da existência”.

CAPÍTULO IV. Cumprimento e garantia da Constituição

1. Inconstitucionalidade e regime actual de fiscalização no Direito Português

Noção de inconstitucionalidade

Segundo Maria Manuela Magalhães Silva e Dora Resende Alves, a


inconstitucionalidade é a desconformidade de uma norma ou de um ato praticado por
órgãos do poder politico com o texto da Constituição.
No sistema actual de fiscalização só a desconformidade de actos normativos,
actos produtores de normas jurídicas (ex.: Leis, Decretos-Lei, Decretos Legislativos
Regionais, etc.) com a Constituição, releva para este efeitos, e não de actos políticos ou
administrativos.
Não são susceptíveis de apreciação quanto à sua constitucionalidade os actos de
entidades privadas vinculadas ao cumprimento da Constituição (ex.: artigo 18º nº 1 CRP
– podem esses actos ser impugnados contenciosamente se violarem a lei civil ou penal),
mas apenas os actos ou omissões dos órgãos do poder politico.
A fiscalização da constitucionalidade pode fazer-se tanto quanto a actos
normativos anteriores como posteriores à Constituição em vigor – artº 290 CRP . A
fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos anteriores pode fazer-se quanto
ao aspecto material pela nova Constituição, e quanto aos aspectos formal e orgânico,
pela anterior Constituição.
. Tipos de inconstitucionalidade

a) Directa ou Indirecta
Directa quando uma norma infraconstitucional viola directamente a
Constituição ou os seus princípios – artº 277 CRP. Por exemplo, violação de
uma lei de autorização legislativa por um decreto-lei no uso dessa
autorização legislativa, o vício será de inconstitucionalidade directa por
violação dos limites impostos pela Constituição (artº 165 CRP).
Indirecta quando uma norma viola normas interpostas. Uma norma
infraconstitucional contraria a Constituição pelo fato de contrariar uma
norma a que a Constituição atribui um valor superior ao da primeira, vicio
que também podemos classificar como de ilegalidade. Por exemplo, a lei de
autorização pode exigir a obtenção de um parecer prévio da comissão
parlamentar competente para o assunto a disciplinar pelo decreto-lei, para a
sua publicação, caso não se obtenha esse parecer, haverá então
inconstitucionalidade indirecta.

b) Por acção ou por omissão


Por acção acontece quando a desconformidade resulta de uma actuação de
um órgão de poder.
A inconstitucionalidade por acção pode ainda ser material ou substancial,
formal ou orgânica. Assim, material ou substancial quando a
inconstitucionalidade resulta da contradição entre um ato normativo e o
conteúdo de uma norma ou princípios constitucionais.
Formal, quando o ato normativo adopta uma forma ou um processo
diferentes dos constitucionalmente prescritos para o efeito.
Orgânica, quando o ato normativo provém de um órgão constitucionalmente
incompetente para o efeito.
Por omissão, verifica-se pela ausência de actuação de um órgão legislativo
ou pela sua actuação insuficiente, verificando-se por exemplo, no caso de
não desenvolvimento das normas constitucionais não exequíveis por si
próprias.

c) Total ou parcial
Total quando a inconstitucionalidade abrange todo o ato normativo.
Parcial quando a inconstitucionalidade abrange parte do ato normativo,
algum ou alguns artigos. Pode contudo conduzir à inconstitucionalidade total
do diploma se se reconhecer que as restantes normas deixam de ter
significado, sentido ou justificação por si só.

d) Originária ou superveniente
Originária quando uma norma infraconstitucional contraria uma norma da
Constituição que lhe é precedente.
Superveniente quando uma norma ordinária, inicialmente constitucional,
passa a inconstitucional por entretanto entrar em vigor uma norma
constitucional que a contraria. Só releva se for material.

. Sistemas de fiscalização de inconstitucionalidade


Quanto ao número e natureza dos órgãos de fiscalização da constitucionalidade
podemos distinguir:
a) Sistemas difusos, em que a competência para a fiscalização é atribuída a
vários órgãos.
b) Sistemas concentrados, em que a competência para a fiscalização é
atribuída apenas a um órgão.

. Classificação da fiscalização
- Quanto ao modo de impugnação encontramos:
Na fiscalização por via principal, o único processo a ser dirimido é o da
fiscalização da constitucionalidade. É permitido aos cidadãos ou a certas
entidades a impugnação de um ato normativo inconstitucional,
independentemente da existência de qualquer litígio.
Na fiscalização por via incidental, há um processo que corre os seus termos em
tribunal e, sendo levantada a questão da inconstitucionalidade de uma norma, o
processo principal fica suspenso, até que essa questão se decida em processo
incidental.

A fiscalização em abstracto, que se faz independentemente de qualquer litígio a


decorrer em tribunal (preventiva ou sucessiva).
A fiscalização em concreto, que se faz relativamente a um processo que corre
em tribunal (sempre sucessiva).

- Quanto ao momento em que é feita:


A fiscalização preventiva é feita antes de a norma ser publicada em Diário da
Republica, quando a norma vai para promulgação pelo Presidente da República.
A fiscalização sucessiva é feita depois de a norma ser publicada no Diário da
República, independentemente de ter entrado ou não em vigor.

. Classificação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade


Temos efeitos gerais ou com força obrigatória geral, quando a norma declarada
inconstitucional deixa de produzir efeitos erga omnes, o ato é eliminado do
ordenamento jurídico, deixa de produzir efeitos para todos os casos e para todas
as pessoas.
Temos efeitos particulares quando a norma declarada inconstitucional não se
aplica ao caso em concreto que lhe é submetido, mas continua em vigor para
outros casos, até ser anulada, revogada ou suspensa pelos órgãos competentes.

Temos efeitos retroactivos, quando a declaração de inconstitucionalidade faz


com que a norma inconstitucional deixe de produzir efeitos retroactivos,
próprios da nulidade, ao mesmo que determina efeitos repristinatórios de
qualquer norma eventualmente revogada pelo ato normativo ora declarado
inconstitucional.
Temos efeitos prospectivos se a declaração de inconstitucionalidade faz com
que a norma inconstitucional deixe de produzir efeitos retroactivos, ou seja, a
partir do momento da sua declaração.

Inexistência, quando o ato normativo não produz quaisquer efeitos desde a


origem, mesmo que publicado, independentemente da sua declaração por
qualquer órgão.
Nulidade, se a norma declarada inconstitucional com efeitos de nulidade deixa
de produzir efeitos desde a data da sua entrada em vigor, por força da decisão de
não aplicação.
Anulabilidade, a norma declarada inconstitucional deixa de produzir efeitos a
partir do momento da declaração.

. Fiscalização da constitucionalidade na CRP

a) O sistema português é difuso ao nível da fiscalização concreta porque todos


os tribunais a podem levar a cabo (artº 204 CRP) e acontece oficiosamente
ou por impugnação das partes (artº 280 CRP).
O mesmo sistema é concentrado, ao nível da fiscalização abstracta
(preventiva ou sucessiva), porque só o tribunal Constitucional a pode
efectuar, como órgão judicial (artºs 209 nº 1, 278º e 281º CRP).
b) O sistema de fiscalização é efectuado por órgãos judiciais, embora seja
habitualmente atribuído um carácter politico, mais do que jurisdicional, à
decisão de controlo preventivo da constitucionalidade e à fiscalização
abstracta.
c) O sistema de fiscalização preventiva vem previsto nos artigos 278º e 279º da
CRP. É uma fiscalização abstracta feita unicamente pelo Tribunal
Constitucional a pedido do Presidente da República quanto a diplomas
regionais.
Tem por finalidade evitar violações grosseiras da Constituição, sem fazer
precludir o direito de posterior apreciação de outras normas do mesmo
diploma ou das mesmas com outros fundamentos.
Quando o texto de um diploma é remetido ao Presidente da República para
promulgação e este tem dúvidas sobre a sua constitucionalidade, pode
remetê-lo ao Tribunal Constitucional para que este aprecie a sua
constitucionalidade. Caso o Tribunal Constitucional não se pronuncie pela
inconstitucionalidade, o Presidente da República pode promulga-lo ou vetá-
lo politicamente. Se o Tribunal se pronuncia pela inconstitucionalidade o
Presidente da República é obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por
inconstitucionalidade).
Se o Governo ou a Assembleia da República ou Assembleias Regionais
corrigirem a norma inconstitucional, em princípio o Presidente da República
promulgará e assinará o diploma, embora possa voltar a requerer a
fiscalização preventiva.
No caso de o Governo não corrigir o diploma, o Presidente da República
converte o veto suspensivo em veto definitivo. No caso da Assembleia da
República ou da Assembleia Regional não expurgarem a
inconstitucionalidade a reaprovarem o diploma com a maioria prevista (artº
279 nº 2 CRP), o Presidente da República poderá promulgar ou vetar
definitivamente.
d) O sistema de fiscalização sucessiva vem previsto nos artigos 280º e 281º da
CRP e verifica-se quanto à inconstitucionalidade quer quanto à ilegalidade.
Pode ser uma fiscalização abstracta, classificada como por via principal
(artº 281 CRP). Quando uma norma é publicada no Diário da República
qualquer cidadão, fazendo uso do seu direito de petição (artº 52 CRP), pode
solicitar, em carta fundamentada, a qualquer das entidades com legitimidade
constitucional (artº 281 nº 2 CRP), que requeira ao Tribunal Constitucional a
inconstitucionalidade ou ilegalidade dessa norma. Se o Tribunal
Constitucional declarar a sua inconstitucionalidade ou ilegalidade fá-lo com
força obrigatória e geral, e temos a distinguir:
- se a inconstitucionalidade ou ilegalidade é originária, a norma assim
declarada deixa de produzir efeitos desde o momento em que entrou em
vigor (efeitos retroactivos); deixa de produzir efeitos para todos os casos
(efeitos gerais) e opera a repristinação das normas que a norma agora
declarada inconstitucional porventura haja revogado (artº 282 nº 1 CRP);
- se a inconstitucionalidade ou ilegalidade é superveniente, a norma
declarada inconstitucional ou ilegal só deixa de produzir efeitos desde o
momento em que entra em vigor esta declaração (artº 282 nº 1 CRP).

Ou pode ser uma fiscalização em concreto e é feita por via incidental (artº
280 CRP).
No decurso de um processo judicial pode suceder que o juiz:
- se recuse a aplicar uma norma, por a considerar inconstitucional ou ilegal;
- aplique uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha sido
suscitada por uma das partes (artº 280 nº 1 als. a) e b) CRP).
No primeiro caso, se o juiz se recusa a aplicar uma norma constante de
convenção internacional, lei, decreto-lei, decreto legislativo regional ou
decreto regulamentar, o Ministério Público é obrigado a recorrer e tem de o
fazer directamente para o Tribunal Constitucional (artº 280 nº 3 CRP).
Se a norma constar de diploma com qualquer outra forma o recurso nem é
obrigatório, nem directo para o Tribunal Constitucional. Ou seja, o
Ministério Público pode recorrer, mas não directamente, só o fará para o
Tribunal Constitucional depois de esgotados todos os recursos ordinários.
O Ministério Público é ainda obrigado a recorrer para o Tribunal
Constitucional das decisões que apliquem uma norma anteriormente julgada
inconstitucional ou ilegal por esse Tribunal (artº 280 nº 5 CRP).
No segundo caso, se o juiz aplica uma norma cuja inconstitucionalidade ou
ilegalidade tenha sido suscitada durante o processo, só poderá recorrer para o
Tribunal Constitucional a parte que tenha suscitado a questão e depois de ter
procedido à exaustão dos recursos ordinários.
O processo principal fica suspenso, quando é suscitada a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade, e o juiz do tribunal recorrido terá que
conformar a sua decisão com o acórdão que o tribunal de recurso,
normalmente o Tribunal Constitucional, proferir sobre a questão.
Se a norma for declarada inconstitucional ou ilegal, sê-lo-á com efeitos
particulares, ou seja, não será aplicada ao caso em concreto em julgamento,
mas continuará em vigor para os restantes casos, até ser anulada, revogada
ou suspensa.
Porém, se o Tribunal Constitucional tiver julgado a mesma norma
inconstitucional ou ilegal em três casos concretos, pode declarar a sua
inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral (artº 281 nº
3 CRP), passando assim da fiscalização sucessiva concreta para a
fiscalização sucessiva abstracta. É o único caso em que o Tribunal
Constitucional atua por iniciativa própria e não a requerimento.
e) A fiscalização da constitucionalidade por omissão vem prevista no artigo
283º da CRP. É também realizada pelo Tribunal Constitucional mas a
requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou dos
Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais. Se o Tribunal
Constitucional verificar a existência deste tipo de inconstitucionalidade
limita-se a dar conhecimento do fato ao órgão legislativo competente, limita-
se a recomendar, não podendo actuar pelo órgão competente.

2. Questões atuais de direito Constitucional


(Professora Doutora Irene Portela)

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