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VAI VOTAR NA DILMA, TIA?

Juliana Carla da Paz Alves


jcdapazalves@gmail.com
Universidade Federal de Alagoas
Laura Cristina Vieira Pizzi
lauravcpizzi@gmail.com
Universidade Federal de Alagoas

Democracia e cidadania: contextualizações e significados para a educação


contemporânea

Neste tópico são colocados os conceitos de democracia e cidadania mais


encontrados na escola e no currículo escolar difundido nas aulas, nos livros didáticos
utilizados pelas crianças, nas falas de professoras e estudantes.
Ao consultar qualquer dicionário da língua portuguesa na atualidade,
encontraremos o significado do termo democracia muito próxima do que lemos abaixo:

Democracia é sinônimo de soberania popular: ou seja, podemos defini-


la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que
possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação
do governo e, em consequência no controle da vida social
(COUTINHO, 2005, p1).

Os atores de um governo democrático são denominados cidadãos. Dessa maneira,


não se pode falar em um termo sem tratar do outro. A cidadania, que vem do latim, civitas
– que significa cidade – é, fundamentalmente, a condição da pessoa que, enquanto
membro de um Estado, possui direitos políticos, civis, sociais e humanos.
Os direitos políticos consistem no direito dos cidadãos à participação na vida
política da sociedade em que vive. Isso pode ser efetivado tanto votando e elegendo seus
representantes políticos, como se candidatando para representar seus eleitores, caso seja
filiado a um partido, sindicato, associação, agremiação, ou faça parte de alguma
instituição pública. Manifestações e reivindicações também são consideradas ações
políticas válidas aos cidadãos, desde que dentro das formas legais.
Os direitos sociais são, de acordo com a atual constituição:

Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição (EC no 26/2000 e EC no 64/2010).

Ou seja, a garantia de condições básicas e necessária para se usufruir da vida em


sociedade com dignidade em igualdade social.
Os direitos civis são, como aponta o Artigo 5° da Constituição, “o direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, p. 13), claro, dentro dos
limites da lei, pois a liberdade de um indivíduo deve respeitar a liberdade dos outros.
A Declaração Universal dos direitos humanos traz que “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e
devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (UNESCCO, p 12).
São, geralmente, resgatados quando os direitos civis, sociais e políticos são violados de
forma muito indignante, uma vez que trata de uma forma de entender os direitos humanos
que ultrapassa as questões fronteiriças de Estado.
De maneira sintética

Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser
súdito e ser soberano. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da
Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, que tem suas
primeiras matrizes marcantes nas cartas de Direito dos Estados Unidos
(1776) e da Revolução Francesa (1798). Sua proposta mais funda de
cidadania e a de que todos os homens são iguais ainda que perante a lei,
sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabe o
domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente
para promover a própria vida, o direito a educação, a saúde, a habitação,
ao lazer. E mais: direito de todos poder expressar-se livremente, militar
em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar
por seus valores. Enfim, direito de ter uma vida digna de ser homem
(COVRE, 2002, p.9).

É evidente, diante das conceituações acima, que existe uma correlação entre as
três formas de direitos – civis sociais e políticos – e os deveres, para que se exerça a
denominada cidadania plena. E que mesmo os deveres são fáceis de serem confundidos
com os direitos por estarem extremamente relacionados. Como, por exemplo, o direito a
vincular-se a organizações políticas para reivindicar o atendimento à cidadania e o dever
de reclamar os direitos cidadãos.
Todos esses direitos e a visão atual de cidadania são noções historicamente
construídas da vida humana. Se realizarmos uma incursão histórica será possível
identificar que apenas no início da idade moderna com o surgimento do sistema
capitalista e as novas formas de organização e exercício do poder é que são retomadas
formas mais parecidas com o modelo democrático grego, entretanto, de maneira
repaginada. Foucault, 2008 diz que com a noção de governo democrático com a burguesia
lutando por mais poder político é que se começa a vislumbrar um resgate das ideias
democráticas na Europa.
Isso se dá por volta dos séculos XVI e XVII, culminando nos séculos XVIII - XIX
momento no qual, segundo Foucault, surgem outras formas de organização social, outras
necessidades econômicas, outras interpretações científicas dos seres humanos sobre si
mesmos, gerando um movimento de poder e controle do corpo e da vida, nomeados
biopolítica1, pelo autor.
Tudo girando em torno da transformação das formas de difusão e exercício do
poder pelos e sobre os sujeitos. Se observarmos, diferentemente do poder soberano, ou o
exercido em governos monárquicos, numa democracia existe a possibilidade de
poliarquia.
No ocidente, inicialmente, isso se deu num processo de adequação aos novos
modos de produção que se constituíam no momento: sistema capitalista. Trazendo a
população para as cidades, tornando o processo de governo dos sujeitos um território
muito mais urbano. Criando a necessidade de corpos e mentes produtivos e dóceis e uma
menor interferência da igreja e da nobreza nas decisões do Estado, buscando se organizar
conforme leis, normas, regras que se apoiavam em mais de um polo de poder, incluindo
a classe burguesa.

A cidadania está relacionada ao surgimento da vida na cidade,


à capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de
cidadão. Na atuação de cada indivíduo, há uma esfera privada
(que diz respeito ao particular) e uma esfera pública (que diz

1
O termo “biopolítica” designa a maneira pela qual o poder se encaminha para a transformação, entre o
fim do século VXIII e início do século XIX, a fim de governar não só os indivíduos por meio de uma série
de procedimentos disciplinares, mas também o conjunto dos seres vivos que compõem a população: a
biopolítica – por meio dos biopoderes locais – se ocupará, portanto, da gestão da saúde, da higiene, da
alimentação, da sexualidade, da natalidade etc., na medida em que tais gestões se tornaram apostas políticas
(REVEL, 2011, p.24).
respeito a tudo que é comum a todos os cidadãos). (COUVRE,
2002, p. 16).

É a partir da ascensão da classe burguesa que muitas reflexões começam a ocorrer


no campo político, social e econômico. Alavancando uma necessidade de reorganização
da distribuição do poder. Um dos primeiros passos para essa mudança foi o surgimento
do discurso de valorização do trabalho. Era um discurso que vinha da nova razão política
que se instalava naquele período.
Esse é o modelo de sociedade civil idealizada na modernidade. A tão aclamada
cidadania que aborda o sujeito como contribuinte e participante, nascida das grandes
revoluções, desde o início na desigualdade entre classes e por isso luta pela situação de
igualdade entre os cidadãos. Essa cidadania que começa a ser idealizada lá pelo século
XVI, culmina nos séculos XVIII e XIX, que, por um lado, nasce e se desenvolve,
desdobrando-se entre leis, que por vezes não saem do papel, por outro desenvolvem
práticas de liberdade e resistências até ver a radicalização de suas formas no século XX.
Como afirma Candiotto (2010), por esse motivo é que o Estado sempre vê o
cidadão como o outro da condução

O outro da condução deverá sempre ser considerado um sujeito de


ações, o que implica a possibilidade de “contracondutas”; estas
constituem um dos domínios da governamentalidade que é a do governo
de si mesmo, do direito dos governados de limitar os excessos dos
diversos modelos de governança, de ordem doméstica, política,
pedagógica, espiritual, médica. (CANDIOTTO, 2010, p. 161)

Essa forma de governo que conta com o cuidado de si, publicizando o indivíduo
para si mesmo e para o outro a todo momento, que rege a cidadania, segundo direitos,
deveres e consumo, que segue uma lógica que aparenta quase sempre a superficialidade,
a efemeridade que produz relações de poder nas quais a racionalidade política pode estar
presente, inclusive nas ações menores, pontuais, locais e nas relações pessoais também.
Nesse trabalho isso é tão importante quando notar o assujeitamento das crianças
aos discursos que constituem o currículo escolar e suas formas de ainda, classificar,
rotular, excluir e coagir a cidadania nas crianças (ALVES, 2015). Por isso buscamos em
Foucault uma visão que, ao menos em nossas pesquisas e buscas literárias, encontra-se
explorada com menos intensidade, ao menos no contexto dos escritos sobre infância: as
práticas de liberdade no exercício da cidadania.
Não me refiro à revolução, à transformação total, da catarse social que modifique
todo o contexto radicalmente. Refiro-me aqui às ações locais, pontuais, efetivas que
acorrem e nas quais acredito, para colocar o sujeito diante de si e do outro, atravessando
sua subjetividade, promovendo uma visão mais poética da sociedade, da vida, da
cidadania e da vivência cidadã pelas crianças. Isso poderá evocar sujeitos menos
arraigados aos discursos hegemônicos que regulam, atualmente, de maneira muitas vezes
quadrada e disciplinadora o sistema educacional, transformando-o num espaço repelido
pelas crianças, pelos professores e pela família.
Esse trabalho se deu – durante a coleta de dados/intervenção – na intenção de fazer
da escola, do currículo, das relações pedagógicas com as crianças um lugar de debate
efetivo da experiência da cidadania pelas crianças, incluindo-as. Debatendo com elas uma
forma de tornar a cidadania uma luta ativa pela garantia, manutenção e ampliação de
direitos civis dentro da escola.
Escola moderna e o governo de si e do outro.
O modelo de escola que nos acompanha desde a modernidade é resultado e campo
de disseminação de uma nova forma de entender e governar as pessoas, os territórios e as
coisas. Modelo de governo que Foucault, em muitas análises sobre a sociedade moderna,
denominou biopolítca.
O que Foucault (2009b) denominou biopolítica é uma forma de regulação social
baseada nesse tripé de ações que são a população como objeto de saber e controle; o
desenvolvimento de uma racionalidade econômica sobre a população, seu território e a
melhor forma de administrá-los; e a criação de mecanismos básicos de regulação da
população como os dispositivos de segurança fundamentados na produção de um saber
sobre a população e na estatística.
Essa é uma forma de administração da população baseada nas formas do poder
pastoral que, no oriente, se desenvolveu segundo as seguintes características:
- É um poder ou tipo de racionalidade religiosa que age muito mais sobre as
pessoas que sobre território ou bens;
- O pastor torna-se responsável por guiar e corrigir a conduta do rebanho que
pastoreia, quando necessário;
- A possibilidade de salvação individual e coletiva dos sujeitos do rebanho
depende da ação do pastor. Ou seja, há no poder pastoral esse desígnio de zelar pelo
coletivo e, dentro dele, pela conduta individual de cada sujeito, agindo sobre ele de
maneira direta.
Dessa forma é possível visualizar a imagem do professor pastor, principalmente
no desenvolvimento das funções das professoras das séries iniciais – educação infantil e
primeiros anos do ensino fundamental – até os dias atuais.
Características como: cuidar da turma de maneira geral, mas não descuidar dos
indivíduos de maneira direta; cuidar de definir claramente o que é “bem” e “mal”, “certo”
e “errado” na conduta dos sujeitos e zelar para que andem pelo bem e correto; responder
pelo que acontece no seu espaço de domínio e ação que é sua sala/turma, administrando
seu território e os sujeitos dentro dele; estabelecer ou adequar os sujeitos numa dinâmica
de submissão ao mestre, seja pelo conhecimento, pela idade, ou pelo posto institucional
que ocupam, as relações de poder se constituem nessa dinâmica de sobreposição do
mestre sobre os estudantes; ter conhecimento da história de vida de seus estudantes,
conhecer muito bem cada um, dentro de suas habilidades e condições intelectuais,
psicológicas, emocionais, físicas através de diagnósticos realizado por todo um aparato
de profissionais cujo trabalho concorrem para isso.
Nas formas atuais de escolas essas regulações sobre os sujeitos ocorrem o tempo
inteiro. E são realizadas com o intuito de construir um saber sobre os sujeitos e estimular
seu desenvolvimento em todas as áreas citadas – intelecto, físico, emocional... – gerando
um crescimento através de técnicas do cuidado de si. Ou seja, é preciso fazer a criança
questionar-se todo momento sobre si mesma para esbarrar na possibilidade de mudança
ou melhora de si. Enfim, é nesse ínterim onde entra a ação do professor/pastor
estimulando no aluno o desenvolvimento de seu potencial de governo de si, sua
autonomia.
Essa forma de governo de si evoca o domínio das paixões, dos privilégios, das
atitudes egoístas, hedonistas, do seguimento das regras submetidas ao bem coletivo.
Busca sempre desenvolver o comportamento que será exemplo a ser seguido pelo
próximo. Aquele comportamento que legitima o sacrifício, a renúncia de si e do mundo
em pró de uma comunidade mais justa e feliz.
Esse comportamento, no entanto, é estimulado em diferentes níveis nos diferentes
sujeitos sociais variando de acordo com as questões culturais, de classe, de gênero, de
posição e poder social. Essa visão de docente e de escola moderna nasceu e sobrevive aos
dias atuais por estarem totalmente formuladas dentro e a partir do discurso nascido junto
com a visão de Estado Moderno e nas suas formas de regulação, administração e educação
das populações.
Varela (1996) organiza suas teorizações a respeito dessas formas de governo
nascentes na idade moderna e de como seus imperativos sobre a educação se deram e se
dão até hoje, denominando em três fases e três principais modos de governo dos sujeitos
através do desenvolvimento de diferentes Pedagogias presentes na escola para a formação
das crianças desde o nascimento da escola moderna: as pedagogias disciplinares, as
corretivas e as psicológicas.
Num resumo Acorsi (2010), sintetiza os nomes de estudiosos precursores em cada
um desses modelos pedagógicos que, volto a dizer, podem ser encontrados mesclados,
com maior ou menor intensidade nas práticas discursivas ou não dentro da escola,
atualmente.
(…) as pedagogias disciplinares, cujo cenário foi composto por
humanistas, filósofos, reformadores e moralistas dos séculos XVI e
XVII; as pedagogias corretivas, protagonizadas por Binet, Simon e
pelos representantes do Movimento das Escolas Novas como
Montessori e Decroly; e as pedagogias psicológicas, destacando-se em
especial os nomes de Freud e Piaget (ACORSI, 2010, p.17).

Em seu texto, Varela (1996) trata o tema, iniciando suas análises pelo século XVI,
analisando o nascimento do modelo pedagógico disciplinar. Esse modelo de educação
baseado nessa forma de exercício do poder, o disciplinar, inicia a contemplar uma forma
de o sujeito olhar para si mesmo e disciplinar seu corpo, comportamento e subjetividade.
É um modelo que previne, regula, e busca agir antes mesmo das infrações e erros
ocorrerem, mas que pune e vigia para que haja o alcance da meta de homogeneizar
comportamentos e produzir corpos e mentes dóceis e úteis (ALVES, 2015).
O modelo pedagógico disciplinar criou um parâmetro de normalização dos
sujeitos, e por isso, no início do século XX surgiram com muita força as pedagogias
corretivas, a fim de trabalhar, através do conhecimento de alguns profissionais da saúde,
com as anormalidades criadas pelo sistema pedagógico disciplinar, que pretendia
“limpar” as diferenças de comportamento e produzir uma população que se enquadrasse
cada vez mais num molde de produção e normalidade.
Com isso foi formada uma base para o início de um trabalho com os anormais
com o estabelecimento de um respaldo científico com a psicologia nascente, aderindo à
biogenética e medições mentais.
Nesse campo de estudo dos sujeitos, buscou-se um controle que não fosse tão
coercitivo e opressor. Que não visasse tão diretamente os corpos, mas que viesse do
interior. Essas reformulações se deram, na prática pedagógica, por meio de uma adaptação
dos tempos e espaços escolares às necessidades infantis, organizando diferentes situações
nas quais essas necessidades, não mais o conhecimento docente apenas, fosse o centro do
trabalho pedagógico. Ouvir as crianças sobre o que e como precisam e preferem estudar
para se desenvolver tornou-se regra nesse parâmetro pedagógico. Um modelo mais
democrático de ensino e de governo das crianças na escola começa a se delinear através
dessas premissas de esforçar-se para o entendimento do processo de desenvolvimento do
sujeito.
Grande divulgador e propagador dos estudos com essa visão sobre a infância,
sobre a docência e, sobretudo sobre os métodos de ensino, foi o movimento da Escola
Nova e todos os seus representantes.
Nesse contexto é que surgem, por meio do desdobramento da influência das
pedagogias corretivas, as pedagogias psicológicas/narcisistas. Varela (1996) nos
descreve a respeito observando como olhar para si, governar-se e aos outros se torna uma
tarefa muito importante, mas que se desenrola, agora, tanto na escola, quanto fora dela,
através de aparatos e de análises de experts da psicologia, da educação, da saúde de
maneira geral e da sociologia, dizendo ao indivíduo o que ele é, e no que pode se
transformar. Finalmente, estamos falando de mais uma nova forma de governo que se
apresenta par forjar subjetividades por meio de um alvo que é cada vez menos material
quanto o corpo, alvejando a alma dos sujeitos, cada vez com maior efetividade.
Segundo a autora, dentro das práticas discursivas ou não, as características
atribuídas às pedagogias narcisistas são, principalmente, as que seguem:
Psicanalistas e Piagetianos situam a criança no centro do processo
educativo e atribuem ao mestre a função de ajuda. O ensino, em
consequência, deve adequar-se cada vez mais aos interesses e
necessidade dos alunos, à sua suposta percepção específica do espaço e
do tempo. A adaptação continua sendo o objetivo principal da
educação. Não foi em vão que Piaget fez sua a frase de Binet segundo
a qual “a adaptação é a lei soberana da vida”, e para Freud o processo
de sublimação conduz ao homem civilizado. A atividade segue
ocupando o primeiro lugar nessas teorias da aprendizagem e, no caso
concreto de Piaget, os exercícios sensório-motores não apenas fazem
parte do desenvolvimento da motricidade com jogam um importante
papel no desempenho cognitivo. Nesse sentido situam-se em linha
direta em relação com os promotores das pedagogias corretivas
(VARELA, 1996).

As pedagogias psicológicas trabalham como estímulo à liberação da


espontaneidade e à construção de uma personalidade autônoma, original.
Estimula que haja uma emulação dos desejos e busca do ensino baseado na
motivação, que se dê através do que motiva a criança a aprender a aprender,
desenvolvendo cada vez mais sua personalidade e competência para estar e ser num
mundo que não é só feito de indivíduos, mas que é concretizado nas relações entre os
sujeitos que interagem entre seus diferentes. Aqui, novamente a adaptação é evocada, a
adversidade é evidenciada e a educação escolar coloca-se como ferramenta para a
formação dessas subjetividades polivalentes.
Dessa forma surge conforme já destacou Varela (1996), uma outra forma de si e
do outro baseada num biopoder que se dissipa em muitas áreas sociais, mas que na
educação escolar, se projeta colocando-se

Frente ao individualismo – resultado das tecnologias de poder


disciplinares – no qual o sujeito tinha que se fazer a si mesmo, ser
competitivo e ambicioso e alcançar o sucesso “graças as suas
capacidades e méritos próprios”, o narcisismo – resultado das
tecnologias de psicopoder – seria próprio de sujeitos voltados,
sobretudo, à conquista e ao cuidado de si próprios, à busca da riqueza e
da paz interiores. O mundo dos afetos e dos desejos, parece pois
predominar nesse tipo de subjetividade fechada, para qual o amor, a
amizade, a generosidade, o trabalho bem-feito, a confrontação dos
desejos com as realidades e as possibilidades de compreender e
transformar o mundo que nos rodeia parece distanciar-se cada vez mais,
pois, como temos tentado mostrar, a formação destas subjetividades
enclausuradas está em estreita relação não apenas com a aplicação de
específicas tecnologias de poder, mas também com a psicologização e
pedagogização dos saberes (VARELA, 1996, p.103).
Eu, enquanto observadora e pesquisadora ativa da educação da infância, vejo que
os três modelos pedagógicos estão ainda mesclados na escola pública de periferia.

As crianças e sua relação com os discursos que rodeiam as discussões políticas em


nosso país. “Quero ter voz. Criança tem que votar!

Discutir cidadania com crianças de sete anos, certamente gerou um mundo de


caminhos e debates e dados para a pesquisa em questão, mas como anunciamos no início
do texto, foi feito um recorte da pesquisa para a construção desse trabalho. Nesse recorte
focamos nos debates sobre representatividades infantil na política e como as crianças
vivenciam sua participação, assim como reverberam em suas falas os discursos midiáticos
sobre política recorrentes em telejornais, internet e em suas casas.
No tempo de estadia na escola, três situações nos chamaram muito a atenção no
que diz respeito aos dois temas colocados como foco do texto: a primeira foi a forma das
crianças interagirem com o evento que são as eleições no país, como participam, debatem,
defendem candidatos e argumentam; a segunda foi a maneira como encararam as eleições
para representante de turma realizada na turma; e a terceiro foi a vontade de voz manifesta
durante uma das rodas de conversa que ocorreram com a turma, enquanto debatíamos
sobre cidadania.
A primeira situação citada pode ser notada durante todo o processo de observação
da turma. Durante todo o período eleitoral houve esse interesse, essa participação e
escolhas de candidatos pelas crianças.
Elas chegavam a defender com fervor seus candidatos. O primeiro dia de
observação da turma era póstumo ao feriado de independência do Estado de Alagoas, por
isso foram poucas crianças à aula. Chegaram, inicialmente, três crianças, todas carregadas
de santinhos de candidatos, como se colecionassem figurinhas. Chegaram checando quem
tinha mais santinhos. Uma delas olha para pesquisadora e pergunta:
Lara: tia, a senhora vai votar em quem?
Pesquisadora: Na Dilma
Lara: Ela é chata, fez o Brasil perder (copa do mundo de 2014)
Pesquisadora: Ela estava jogando?
Lara: Mas estava torcendo
Pesquisadora: Mas torceu a favor. Queria que o Brasil ganhasse.
Lara: Meu pai disse que o Brasil perdeu por causa dela. Que ela não faz nada pra
ajudar a gente e até o jogo ela fez o Brasil perder.
Bia: Foi meu falou também.
Situações como a ilustrada acima renderam muita discussão entre as crianças, e
assim como nesse episódio, foi possível identificar os discursos midiáticos reverberando
nas falas das crianças, a respeito de briga política entre os candidatos, inclusive de
acusações dentro do horário político na TV aberta e durante os debates onde todos os
candidatos se encontram. Aliás, é exatamente isso que tem permeado o cenário da política
nacional: um discurso de ódio, de forte tensão entre partidos de direita e esquerda. De
acusação ao invés de apresentação de propostas de governo. E mesmo que as crianças não
tenham conhecimento aprofundado, ou argumentos elaborados para defender um ou outro
lado, elas sabem e estão no jogo de disputa, briga, tensão que estimula esse cenário. Elas
estão debatendo e se envolvendo com o evento, mesmo sem votar, elas têm suas escolhas
e uma vontade de participação maior.
Em outro momento, após o primeiro debate, conversando com o primeiro ano
sobre a conceituação de democracia lida no dicionário foi feita a seguinte questão:
Pesquisadora: vocês acham que o Brasil é um país democrático?
Kauê: Acho que sim.
Pesquisadora: Por quê?
Kauê: Por que tem voto.
Pesquisadora: E para que serve o voto?
Kauê: Para fazer as eleições. Eu votei. Eu participei das eleições.
Pesquisadora: Foi? Como?
Professora: É verdade. Você foi eleito representante de turma. E a Alana foi eleita vice.
Kauê: É, mas agora eu não sou mais não.
Pesquisadora: Por quê?
Adilson: Porque ele prometeu as coisas e não fez nada.
Kauê: É que a pessoa manda sentar e ninguém senta. Manda se comportar e ninguém se
comporta.
Professora: Hum… Ele é o primeiro.
Várias crianças: é verdade.
Pesquisadora: E o que foi que ele prometeu e não cumpriu?
Professora: Ele disse o quê?
Crianças: que ia ajudar a tia. Quando ela precisasse sair iria olhar a turma, quando fosse
para pegar coisas na secretaria, iria …
Pesquisadora: Ué, mas ele não fez?
Adilson: Não. Ele era o primeiro a bagunçar, aí a tia tirou ele.
Pesquisadora: Foi a tia?
Várias crianças: Foi todo mundo
Pesquisadora: Ela foi a líder do movimento?
Kauê: Foi.
Adilson: Agora é só a Alana que é representante.
Pesquisadora: Então você sofreu um impeachment!
Kauê: Quê?
Pesquisadora: Quando um presidente é retirado do cargo por quem o elegeu, o nome que
se dá é impeachment.
Kauê: Ah!
Pesquisadora: Porque nós temos que entender que numa democracia existem os
representantes políticos que foram eleitos para governar o país, mas quem manda, quem
tem o maior poder deve ser o povo, a população.
Esse exemplo, coincidentemente, vem a calhar para o momento em que na política
do nosso país, mesmo que os processos do impeachment tenham se dado de maneira
totalmente diferentes e mais complexas, tanto no que diz respeito à nossa história política,
quanto à situação vivida por Kauê em sua turma.
É um diálogo, ou exemplo de pensamento sobre democracia, que caberia também
nos debates sobre participação das crianças nas políticas, pois trata da escolha de
representantes políticos, entretanto, trata, sobretudo, do direito de conceder ou retirar
poderes dessa representação escolhida.
A pós a leitura, perguntei se alguém se reconhecia dentro de um Estado
democrático e, de modo geral, o que vi foi uma cara de interrogação, pois a visão de que
somos muito mais governados que governantes, era muito mais presente, ou seja, não se
sentiam em um país onde o povo exerça a soberania, de fato.
Na intenção de desmontar esse sentimento de impotência total, fiz um percurso de
observação da função de cada cargo político a ser ocupado pelos candidatos nas eleições
que ocorriam naquele momento (outubro de 2014). Esclarecendo que, primeiro, somos
nós que elegemos os políticos para que nos representem, segundo, pagamos seus salários
e devemos fiscalizar o que fazem, por isso, eles são servidores do público que é o conjunto
de cidadãos. Foi preciso o uso de muita explicação para que isso se tornasse uma crença
pelas crianças, não apenas nesse momento, nos que seguiram também.
Foi importante colocar como as leis devem ser seguidas por todos, inclusive pelos
que estão no lugar de poder. E que o lugar de maior poder dentro de um regime
democrático é o do povo, ou, ao menos onde se encontra o maior grupo em favor de uma
ideia ou opinião.
Outro ponto a ser conversado foi o poder e o uso dele pelo povo em outras
situações que não o de voto, como em protestos sem violência, união para mais poder,
fiscalização e conhecimento das leis a partir da compreensão dos direitos e deveres que
cabem aos cidadãos.
“Cidadão é o povo”; “cidadão são as pessoas”... Essa foi a fala predominante
quando li o conceito de cidadania e perguntei o que entenderam. Entretanto quando
questionei se sentiam-se cidadãos, surgiu a polêmica do voto. “Não somos não, porque a
gente não vota”. Conclusão de uma garota que arrastou muitas das crianças em sua
opinião.
Pesquisadora: Quem é cidadão?
Flávio: As pessoas.
Pesquisadora Todas as pessoas?
Geral: NÃÃÃÃOOOO
Pesquisadora: Que pessoas são cidadãs?
Flávio A senhora é cidadã
Pesquisadora: Por que?
Linda: Porque a senhora vota.
Pesquisadora: E vocês são cidadãos?
Linda: Não
Pesquisadora: Por quê?
Linda: … Porque a gente é criança
Pesquisadora: E por que criança não é cidadã?
Várias crianças: Porque a gente não vota
Pesquisadora: E vocês concordam com isso?
Geral: NÃÃÃOOO
Linda: É injusto! Criança devia votar também, né não?
Demonstrando uma interpretação muito típica em nossa sociedade do voto para
eleger seus representantes como marca maior do exercício da cidadania. A garota, se
recusava a entender-se cidadã por outras vias que não essa, afirmando que apenas os
adultos são cidadãos, como se só nesse momento houvesse uma efetivação do poder de
decisão das pessoas em relação a sua atuação política na sociedade.
Para fazê-la entender que existem muitas outras formas de exercer a cidadania
argumentei que os cidadãos infantis têm outras instâncias de atuação na vida política,
tanto por meio de voto, quanto por meio de fiscalização, reivindicação dos direitos que
lhe cabem e de cumprimento dos deveres que lhe são outorgados.
Respeitar as condições de produzir, expressar-se e participar das ações cidadãs
que os sujeitos possuem durante a infância é um debate que tem passado em branco nas
práticas discursivas e não discursivas dentro das escolas e na maior parte da produção
literária a respeito do tema na área de educação e do currículo. Por isso seguimos
requerendo um pouco mais dessa cidadania, a que pode ser efetivada fora do papel, por
docentes e estudantes das séries iniciais nas escolas.

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