Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: O objetivo desse artigo é fazer uma análise dos conceitos de biopolítica e racismo
de Estado em Michel Foucault. A biopolítica nascida no século XVIII tem como função
primária a proteção sobre a vida da população, ou seja, a preservação do corpo-espécie que é
alvo desse novo poder. O racismo de Estado é um elemento fundamental para que o novo
poder emergido que visa à proteção da vida possa exercer a morte, um mecanismo que
permite tirar a vida de organismos que ofereçam alguma ameaça à população. Desta maneira
o racismo de Estado coloca o bem estar de uma população como justificativa para o genocídio
de outra que venha a apresentar risco biológico ao corpo-espécie, ou que ameace a pureza da
mesma.
1
Graduandos do curso de História pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
1. Introdução
O biopoder surge em meados do século XVII tendo como função não mais causar a
morte como era durante o poder da soberania, neste sentido, o biopoder carrega consigo o
desejo de preservar a vida e se subdivide “em duas formas principais, que não são antitéticas e
constituem, ao contrário, dois pólos de desenvolvimento interligados por todo um feixe
intermediário de relações” (FOUCAULT, 1999, p. 131). O biopoder não surgiu do nada é
fruto de inúmeras transformações ao longo do tempo, de um poder já existente até atingir o
ponto de se tornar o gestor da vida através do Estado.
O primeiro pólo a ser formado é o da disciplina, no qual os dispositivos do poder se
sustentavam nas práticas disciplinares e se exerciam no corpo individual, transformando-o em
um corpo-máquina obediente, ou seja, a disciplina “fez do corpo humano algo como uma
máquina otimizável, passando a integrá-lo aos demais sistemas de controle de caráter político
e econômico” (BRANCO, 2004, p. 15). O poder da disciplina é centrado na fabricação de
corpos dóceis e hábeis, através do “seu adestramento, ampliação de suas aptidões, na extorsão
de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em
sistemas de controle eficazes e econômicos” (FOUCAULT, 1999, p. 131).
Vale a ressalva que o adestramento dos corpos tinha um viés econômico, os corpos
dóceis e hábeis deveriam atender às demandas do mercado de trabalho que estava vinculado
ao surgimento de um sistema mercantilista carente de mão-de-obra e consumidores. O poder
disciplinar se utiliza de vários mecanismos para tentar normalizar o corpo, entre eles podemos
destacar: escolas, colégios, ateliês, entre outros. As disciplinas possuíam um conglomerado de
técnicas que buscavam inserir cada corpo em um lugar específico da sociedade, aperfeiçoado
para as atividades que viria a desenvolver.
O segundo pólo emergiu um pouco mais tarde no ocidente, a partir da segunda metade
do século XVIII, causando uma transformação profunda nos dispositivos de poder, a qual
constitui o “corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos
biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da
vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar” (FOUCAULT, 1999,
p. 131), esses novos mecanismos fazem parte da biopolítica que acabara de emergir no
cenário ocidental. A biopolítica por sua vez terá como efeito a realocação das políticas de
Estado, suas intervenções e regulações que passam a destinarem-se a todo o corpo-espécie,
não mais ao indivíduo. Em decorrência, o corpo-espécie passa a servir de matriz das
disciplinas e princípio das regulações. Desta forma “a disciplina do corpo é agora
acompanhado também da regulação da vida” (CANDIOTTO; D’ESPÍDULA, 2012, p. 29).
Segundo Michel Foucault (2005, p. 72) o discurso de luta das raças começou a
funcionar no século XVII, um instrumento de lutas para campos descentralizados que passa a
centralizar-se e torna-se justamente o discurso do poder. Esse discurso propaga “um combate
que deve ser travado não entre duas raças, mas a partir de uma raça considerada a verdadeira e
a única” (FOUCAULT, 2005, p. 72), ou seja, a raça titular, portadora da norma tem o direito
de exercer seu poder contra os anormais. O poder exercido pela raça detentora das normas
nada mais é que o poder soberano de fazer morrer ou deixar viver com uma nova roupagem
dentro da biopolítica. Essa guerra de raças para Foucault (2005, p. 73) dá origem ao racismo
de Estado a partir do início do século XX.
É no perigo, no risco biológico que possa ameaçar a existência da população portadora
da norma que se justifica a ocorrência do genocídio. Essa situação alarmante faz com que
dentro do corpo social a luta de raças sirva ao propósito de eliminação das ameaças,
segregação da própria população e finalmente da normalização da sociedade. Têm-se ainda,
que a “outra raça não é aquela que veio de outro lugar, nem é aquela que por algum tempo
triunfou e dominou, mas aquela que se infiltra no corpo social de forma contínua e
permanente” (FOUCAULT, 2005, p. 72).
Esse genocídio por parte do Estado expõe a função de morte como política pública,
entretanto se esse Estado está regido pela biopolítica que opera de maneira positiva sobre a
vida, a indagação que fica é a de como é possível a existência dessa função homicida se ela
contradiz o funcionamento da biopolítica?
Logo, vemos que é no velamento de suas armas que o racismo instaura a eliminação
das sub-raças, e também, “a raça, o racismo é a condição de aceitabilidade de tirar a vida
numa sociedade de normalização (FOUCAULT, 2005, p. 306), ou seja, é nessa construção de
um estado de aceitação que esse genocídio se concretiza.
Então há dois âmbitos de agência desse racismo de Estado: tanto como política externa
como política interna, ambas se baseando na ideia de guerra para se legitimar. Uma
característica que evidencia o racismo de Estado na política externa é a intensificação das
guerras:
Esse racismo de Estado se baseia na pureza das raças, pureza que engloba a parte
biológica, as normas e as regulações, permitindo que boa parte da população mundial viva sob
um regime de austeridade severa, enquanto, a sociedade ocidental portadora da norma possa
usufruir de seu direito a vida sem que outras sociedades manifestem-se contra a mesma. Nesse
contexto “os países pobres ou não-ocidentais, de acordo com o quadro desenhado pela análise
de Foucault, são vistos com (sic) perigosos para o mundo civilizado” (BRANCO, 2004, p.
136), sendo assim o mundo apresenta-se seguro para algumas populações, mas isso não é
privilégio de todas.
4. Considerações finais
Como foi exposta, essa ideia de um coletivo que representa todo o corpo social é um
pretexto para que o grupo dominante portador da norma, que representa o ocidente, e que se
auto conclama superior aos demais siga orientando a norma social, entendida como um ideal a
ser buscado e que se serve do discurso da manutenção e controle da vida como meio de se
legitimar. Assim, segue acontecendo genocídios, privações de direitos fundamentais,
encarceramentos e até mesmo condenações à morte em nome da salvação dessa raça branca e
dominante.
Referências Bibliográficas
BERNARDES, C. R. O. MORS TUA VITA MEA: Elementos para uma Reflexão sobre o
problema do Racismo de Estado a partir da crítica da razão governamental de Michel
Foucault. 2005. 128p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Filosofia – Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
FOUCAULT, M. Em Defesa da Sociedade. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MENDIETA, E. Hacer Vivir y Dejar Morrir: Foucault y la Genealogia del Racismo. Tabula
Rasa, n. 6, p. 138-152, janeiro-junho 2007.