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IlI'; d(,:, I(pistemologia das ciências da edu­


A escola e as práticas de
1I\l\(U, I<JX8,
gOlf/lI, ciência da educação? Porto: Porto
poder disciplinar.
Nei Antonio Nunes·
1"1;1.';humanas: notas sobre alguns impasses Selvino José Assmann....
3
1/1/ IINfJl0, 14 Reunião Anual, São Paulo,
Quanto àqueles para quem esforçar-se, começar e reco­
\', 1'. Paul K. Métodos em pesquisa social. meçar, experimentar, enganar-se, retomar tudo de cima
Fdllora Nacional, 1969.
a baixo e ainda encontrar meios de hesitar a cada passo,
I\CONDES, Danilo. Dicionário básico de
àqueles para quem, em suma, trabalhar mantendo-se em
" Zahar Editor, 1990.
reserva e inquietação equivale a demissão, pois bem, é
tIl.: Souza Minayo. O desajio do conheci­
evidente que não SomoS do meSmo planeta.
uiva em educação. São Paulo: HUCITEC,
Michel Foucault
'(,O, 1994.

Resumo: Com base nas análises que Michel Foucault em Vigiar e

I'Jlosojia da práxis. Rio de Janeiro: Paz


Punir sobre os exercícios de poder disciplinar, analisamos alguns aspec­

tos dos efeitos destas práticas disciplinares sobre os corpos e "almas"

Idld Foucault e educação: há algo de novo individuais, disseminadas pelo campo social e presentes em instituições

Nr:TO, Alfredo. Crítica pós-estruturalista como a escola.

n' Sulina, 1995. p, 9-56.


Palavras-chave: Disciplina - Poder - Escola.

Abstract: This arlicle analyses how some aspects of disciplinary practices

act on individual bodies and "souls"and the way they spread throughout

society, particulary on disciplinary institutions like schools. The article is

based on Michel Foucault Discipline and Punish.

Key words: Discipline - Power - School.

A escola e as disciplinas
Muito se tem refletido, ultimamente, sobre o "real" perfil da escola,
como também sobre o modelo de escola "ideal" frente aos anseios de
nossa sociedade, Diferentes teorias, as vezes não tão diferentes como
pretendem, discutidas em inúmeros congressos e seminários, reafirmam
a pertinência das análises sobre esta instituição e seus rumos: suas ne­

• Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul


H Professor do Programa de Pós-graduação em Educação e do Curso deDoutorado
em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

PERSPECTIVA. Florianópolis, v.18, n.33 p.135-153, jan./jun. 2000


136 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
cessidades, suas carências, seus objetivos, seus compromissos. As difi­ de uma determinada instituição. P(\I~~ 11
culdades do cotidiano da escola, na medida em que problematizam o atravessa, transcendendo-os, já que 11,li
papel da Educação no mundo de hoje e discutem a relação pedagógica, Essa disciplina é uma técnica, um disPI rll
são apresentadas, também, como um questionamento do modelo de so­ mento de poder; são métodos que p( ~il~1I1
ciedade em que vivemos. menores detalhes, que garantem a sub,
Como se sabe, as teorias pedagógicas costumam referir-se ao "po­ corpo, impondo a esse uma relaçãn lIe d.
der" quando discutem temas como as relações pedagógicas, a integração ciplinar não atua no exterior das rdaç()~'"
entre a escola e a comunidade, a determinação de um currículo, etc. Em para baixo, pois ele trabalha os corpo,.. di
geral, o poder é visto como algo que é exercido de forma vertical, de cima delinqüentes, loucos - manipulando-o~ .' l
para baixo: como exemplo, a polaridade dominador-dominado. Além disso, comportamentos. O pensador acn':S\:l;Jl(
ressaltasse a repressão como uma caracteristica defmidora das práticas dado sobre o qual se exerce e se IIhu
de poder. O poder repressivo seria sempre negativo, no sentido de suprimir suas características, sua identidade, /1
as liberdades e mau, sob o ponto de vista moral. Frente a esta concepção de uma relação que se exerce sohl'e /I
repressiva do poder tratar-se-ia de insurgir-se, no campo das práticas pe­ vimentos, desejos, forças"6.
dagógicas, contra a dominação exercida pelo poder. Ora, é precisamente Para Foucault, com a explosão dI
aqui que o recurso ás análises de Michel Foucault sobre o podcr é perti­ crescimento do aparelho de produção. L
nente. O pensador francês, ao discutir as práticas de poder a partir da "fabricar" um tipo de homem que sirvJ ~I
modernidade - sem negar seu caráter repressivo e violento -, sustenta que mento, a manutenção e o fortaleciml:lIlo
Ij os exercícios de poder tem como traço fundamental a "positividade'" . talista. Nesse momento acontece o qUI!
ção política do corpo", esta é realiz<'\<.h I:
Vale esclarecer que nessa reflexão, não se trata de "inventariar" o
complexo campo que envolve os diferentes modelos de escola - sua sua utilização. Por um lado, essa utili/j\
identidade, sua importância, seus desafios e suas dificuldades - o que, em termos econômicos; por outro, es[e ('I
além de grandiloqüente, tomaria esta discussão que estamos iniciando lho quando trabalhado, lapidado pelo :ji~1
superficial, e, porque não dizer, enfadonha. Nossa intenção é tecer al­ racterístico do poder disciplinar? .
guns comentários sobre o intrincado conjunto de práticas que chamamos Esses métodos que permite"ll
de disciplinares, e que parece atravessar a instituição escolar sendo ao ções do corpo, que realizam li
mesmo tempo atravessado por ela2 . ças e lhes impõem uma relaç
Embora não tenha realizado uma reflexão específica c minuciosa que podemos chamar de "dí<j<:1
sobre a escola, no livro Vigiar e Punir, Michel Foucault mostra como
historicamente, a partir dos séculos XVII e XVIII, as práticas de poder O poder disciplinar objetiva aumcn(ll r
vinculadas a formas de "conhecimento" - saberes - se estabeleceram as, fazendo com que elas sejam econOIlIl~'lI
como disciplina, espalhando-se por todo O corpo social, nas mais diferen­ do sua capacidade política, tomando-as In,
tes instituições 3 . Neste contexto a escola passa a ser um dos espaços tras palavras, através da disciplina, quu ('111
institucionais privilegiados para os exercícios de poder disciplinar corpo humano, o poder em exercício Jillll h
Esse tipo específico de poder que Foucault define como disciplina, mais dócil, mais submisso, que seja fi"jl'illll
f III ou poder disciplinar 4 , não pode, segundo ele, ser reduzido a um conjunto trabalho, mais produtivo, mais lucrativI I~' 111
I IIh de efeitos produzidos por ações provenientes do aparelho de Estado ou com menor capacidade de revolta: "cnl)\t1

I
In e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 137
\~ IIS
objetivos, seus compromissos. As dill de uma determinada instituição, pois funciona como uma rede que os
l'''l~)la,
na medida em que problematizam 11 atravessa, transcendendo-os, já que não se limita às suas fronteiras s .
tudo Ul; hoje e discutem a relação pedagógica Essa disciplina é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instru­
IIl\O um questionamento do modelo de Sq mento de poder; são métodos que possibilitam o controle do corpo nos
menores detalhes, que garantem a submissão constante das forças do
li [rIS pedagógicas costumam referir-se ao "po corpo, impondo a esse uma relação de docilidade-utilidade, O poder dis­
", \"()1I10as relações pedagógicas, a integraç<11I ciplinar não atua no exterior das relações, de fora para dentro ou de cima
I!lrk. ;'1 determinação de um currículo, etc. E/II para baixo, pois ele trabalha os corpos das pessoas - alunos, professores,
1.11).',0 que é exercido de forma vertical, de cinla delinqüentes, loucos - manipulando-os e controlando-os, produzindo seus
.t 1)( ,laridade dominador-dominado. Além disso comportamentos. O pensador acrescenta: "(..) o indivíduo não é o
111\\ lima característica defmidora das práticas dado sobre o qual se exerce e se abate o poder. O indivíduo. com
\ l s~ria sempre negativo, no sentido de suprimi. suas características, sua identidade, fixado a si mesmo, é o produto
ponto de vista moral. Frente a esta concepÇ<io de uma relação que se exerce sobre os corpos, multiplicidades, mo­
'W-la de insurgir-se, no campo das práticas pc­ vimentos, desejos. forças "6 .
. 1(,.:10 exercida pelo poder. Ora, é precisamentl' Para Foucault, com a explosão demográfica do século XVIII e o
l~les de Michel Foucault sobre o poder é perti· crescimento do aparelho de produção, expressa-se a necessidade de se
:10 discutir as práticas de poder a partir da "fabricar" um tipo de homem que sirva adequadamente para o funciona­
l:11 caráter repressivo e violento -, sustenta quI,; mento, a manutenção e o fortalecimento da sociedade industrial c capi­
"\1110 traço fundamental a "positividade'" . talista. Nesse momento acontece o que o pensador chama de "domina­
";S;1 reflexão, não se trata de "inventariar" o ção política do corpo", esta é realizada como resposta à necessidade de
Illvl,,; os diferentes modelos de escola - sua sua utilização. Por um lado, essa utilização é racional, intensa, máxima
1.1 scus desafios e suas dificuldades - o qu<.:. ~m termos econômicos; por outro, este corpo só se torna força de traba­
'filaria esta discussão que estamos iniciando lho quando trabalhado, lapidado pelo sistema político de dominação ca­
/l1/.l.:r, enfadonha. Nossa intenção é tecer al­ racterístico do poder disciplinar? .
11111l1l.:.ado conjunto de práticas que chamamos
Esses métodos que permitem o controle minucioso das opera­
I Tc' alravessar a instituição escolar sendo ao
ções do corpo, que realizam a sujeição constante de suas for­
11I1I\.:Ia2 .
ças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade. são o
nll/.:IUO uma reflexão específica e minuciosa
que podemos chamar de "disciplinas8 .
~i/ll' (' l>unir, Michel Foucault mostra como
'. '1\~('lIlos XVII e XVIII, as práticas de podcl O poder disciplinar objetiva aumentar a utilidade dos corpos das pesso­
Illl!ll.:l:.irllcnto" - saberes - se estabeleceram .IS, fazendo com que elas sejam economicamente mais lucrativas, diminuin­
, "l /)( Ir lodo O corpo social, nas mais difercn­ do sua capacidade política, tornando-as mais obedientes e passivas. Em ou­
lilr 'do a escola passa a ser um dos espaço~ I ras palavras, através da disciplina, que constitu i uma anatomia política do
li. 11; I (lS c'(crcícios de poder disciplinar.
I -orpo humano, o poder em exercício produz um tipo de indivíduo que seja

I,' 11(1( kr que Foucault define como disciplina,


mais dócil, mais submisso, que seja fisicamente mais bem preparado para o
)(Idv St'L',lllldo ele, ser reduzido a um conjunt()
trabalho, mais produtivo, mais lucrativo e menos crítico, menos questionador,
I ~ / 11':; PIUVCIl icntes do aparelho de Estado Oll
~üm menor capacidade de revolta: "corpo objeto e alvo do poder'" .
138 ·Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, a arte de repartir os corpos, de ('X/I', (fi
corpos "dóceis". A disciplina aumenta as forças do corpo (em mas de compor forças, para oh/c/' 11/1/
termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas for­ Foucault mostra, por exemplo, ~:ClIlI
ças (em termos políticos de obediência)10. está presente, inicialmente, nos deitos clt!
tarias na modernidade. Ao invés de 11111.1 I
sas, a invenção do fuzil possibilitou 1111111 \ I
As práticas disciplinares: dos corpos individuais ao
organização dos soldados, bem como a '11
conjunto social
nização, mobilidade e flexibilidade Ali"
Explica Foucault que o poder disciplinar apresenta em seu conjun­ a invenção do fuzil estabelece a imporLilll
to as seguintes características: gestos do soldado, dos tempos elelllcnl:t
A arte das distribuições - a disciplina é um tipo de organização dos fragmentos de espaços ocupados l; I
do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos por meio da inser­ No espaço escolar a composj~l{1 11
ção dos corpos em um espaço indiyjdualizado, classificatório, combinatório. forças, se utiliza de um amplo conjunto 1.11
Por exemplo, numa sala de aula, trata-se de fechar, enclausurar, esqua­ que marca, dentre outras coisas, o inkiu
drinhar, hierarquizar para arrumar, sendo esta técnica capaz de realizar distribuição dos alunos de acordo com (
funções diferentes dependendo do objetivo específico que dela se exija. dos alunos mais "fortes", classe daqudcs
Cabe salientar que entre as características do poder disciplinar essa é a aprendizagem, classe dos "repetentes". l.:
menos importante, pois as relações de poder disciplinar não precisam ne­
A escola torna-se um aparelll
cessariamente de um espaço fechado para que aconteçam
cada nível e cada momento, S"
A organização das gêneses - bem mais importante que a pri­
ser, são permanentemente utill
meira, essa característica mostra que a disciplina é um controle do tem­
no. (...) O treinamento de escol
po. Estabelecendo uma obediência do corpo ao tempo, objetiva extrair
maneira; poucas palavras, nenlll
deste o máximo de rapidez e eficácia nas atividades. Aqui, o que in­
silêncio total que só seria inlOll1
teressa não é simplesmente o resultado de uma ação. Por exemplo, se mas, gestos, simples olhar do 1111
falássemos de uma fábrica, uma empresa ou uma escola, o que interes­ aparelho de madeira que os Imln,
saria não seria unicamente o produto fmal, o resultado final, aquilo que era chamado por excelência ~ "
foi produzido ou aprendido; o mais importante seria todo o seu desenvol­ brevidade maquínal ao mesmo II
vimento, para, aí sim, se chegar ao melhor resultado final. Um controle moral da obediência. (. ..) O allm[
minucioso de todo o desenvolvimento das atividades, de todas as opera­ sinais e atender automaticamoll
ções que o corpo realiza, é feito através da elaboração temporal do ato,
da correlação de um gesto específico com o corpo que o produz e, por Foucault acrescenta que o SUCL:SS,'
último, por meio da articulação do corpo com o objeto a ser manipula­ ao uso de instrumentos simples: 11 "
dali. "O poder se articula diretamente sobre o tempo; realiza o con­ nonnalizadora e o exame.
trole dele e garante sua utilização "12. A vigilância hierárquica - a VIL\il
A composição das forças - compõe as forças produtivas, no tempo fonna contínua, ininterrupta, pernlé\JlVIII,
e no espaço, objetivando um resultado superior ao somatório das forças vê tudo e todos, possibilitando que n;ul:.
elementares que as compõem: "A disciplina não é mais simplesmente do poder, que nada possa esconder-sl dL:/
e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 139
t:1l <lssim corpos submissos e exercitados, a arte de repartir os corpos, de extrair e acumular o tempo deles,
A tlbciplina aumenta as forças do corpo (em mas de compor forças, para obter um aparelho eficiente "13.
(l') do utilidade) e diminui essas mesmas for­ Foucault mostra, por exemplo, como a "composição das forças"
llJlll'lcos de obediência)1D. está presente, inicialmente, nos efeitos da utilização do fuzil pelas infan­
tarias na modernidade. Ao invés de uma tropa lenta com ações impreci­
sas, a invenção do fuzil possibilitou uma verdadeira arte de distribuição e
hares: dos corpos individuais ao
organização dos soldados, bem como a necessidade de sua maior orga­
nização, mobilidade e flexibilidade. Aliada a necessidades econômicas,
l f' H)dcr disciplinar apresenta em seu conjun- a invenção do fuzil estabelece a importância da articulação dos mínimos
C:IS. gestos do soldado, dos tempos elementares de suas ações, bem como
('Oes - a disciplina é um tipo de organização dos fragmentos de espaços ocupados e percorridos por esses l4 .
. dl!\tribuição dos indivíduos por meio da inser­ No espaço escolar a composição minuciosamente calculada das
IIllHfividualizado, classificatório, combinatório. forças, se utiliza de um amplo conjunto de técnicas, que vai desde o sinal
llllla, trata-se de fechar, enclausurar, esqua­ que marca, dentre outras coisas, o início e o fim das atividades, até a
li lllmar, sendo esta técnica capaz de realizar distribuição dos alunos de acordo com certas "identificações": classe
Illln do objetivo específico que dela se exija. dos alunos mais "fortes", classe daqueles que apresentam dificuldade na
, (';Ifactcrísticas do poder disciplinar essa é a aprendizagem, classe dos "repetentes", etc. Foucault acrescenta:
ll,taçôes de poder disciplinar não precisam ne­
A escola torna-se um aparelho de aprender onde cada aluno,
o r~dlado para que aconteçam. cada nível e cada momento, se estão combinados como deve
~t-JI(~ses - bem mais importante que a pri­
ser, são permanentemente utilizados no processo geral de ensi­
\l\l~;1 ra que a disciplina é um controle do tem­
no. (...) O treinamento de escolares deve ser feito da mesma
t'lil~llcia do corpo ao tempo, objetiva extrair
maneira; poucas palavras, nenhuma explicação, no máximo um
\: eficácia nas atividades. Aqui, o que in­ silêncio total que só seria interrompido por sinais - sinos, pal­
, II J(;sultado de uma ação. Por exemplo, sc
mas, gestos, simples olhar do mestre, ou ainda aquele pequeno
IlIlIa empresa ou uma escola, o que interes­
aparelho de madeira que os Irmãos das Escolas Cristãs usavam;
I J>ll1Cluto final, o resultado final, aquilo quc
era chamado por excelência o "sinal" e devia significar em sua
ti 11Iais importante seria todo o seu desenvol­
brevidade maquinal ao mesmo tempo a técnica do comando e a
ler, ar ao melhor resultado final. Um controk moral da obediência. (. ..) O aluno deverá aprendera código dos
dvilllCllto das atividades, de todas as opera­ sinais e atender automaticamente a cada um deles 15 .
f.-I.to através da elaboração temporal do ato,
\"1111 'C.ífica com o corpo que o produz e, por Foucault acrescenta que o sucesso do poder disciplinar se deve
I,,~, 1(1 do corpo com o objeto a ser manipula­ ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção
I '/1I'l'/lImenle sobre o tempo: realiza o con· normalizadora e o exame.
1111/1. j IpI o "12. A vigilância hierárquica - a vigilância hierárquica acontece de
,n.. lompõe as forças produtivas, no tempo forma contínua, ininterrupta, permanente. É uma espécie de "olho" que
II 1\ ~,"lltado superior ao somatório das forças vê tudo e todos, possibilitando que nada escape ao poder, que nada fuja
1~'1I " .. I disclplzna não é mais simplesmente do poder, que nada possa esconder-se dele. Este dispositivo disciplinar,
A escola e as práticas d
140 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann
Por um lado, o círculo porJ() ('Xl
ao qual nenhum indivíduo escapa, pois todos os momentos são registrados autodisciplina, pela qual elfl::> li:.
por ele, tem no panopticon de Bentham sua figura arquitetura(l6. comportar-se "apropriadallH'1I11
O Panopticon: A Visibilidade Disciplinar Por outro lado, a privacidade p
Segundo o pensador francês o panopticon é expressão de um:l tradicional das carteiras, 11;' tI'
nova moda.lidade de poder que passa a ser exercida a partir da modernidade supervisão principalmente doi 11
nas sociedades ocidentais. Nessa prisão que tem a forma de um anel, (l medida que as estudantes hei!
torre como centro de vigilância se apresenta como espaço privilegiado também sob a supervisão til'
de um poder onisciente e onipresente: visibilidade total, coletiva, que pos­ prefere não se manifestar fiCA 111
sibilita ver todas as celas ao mesmo tempo, e simultaneamente observar carteiras estão voltadas para 11 lJI
individualmente cada cela, meticulosamente, podendo observar a todos a estudante que não pode UbUI
individualmente sem exceção. zada, que está entediada e í1~'11
Além de ser econômico - redução do número de vigilantes, como
também de material e de tempo - o panopticon, enquanto prática discipli­ Para Foucault, em Vigiar e PUI/ir
nar, tem como característica agir sobre o conjunto social procurando obter para explicitá-lo -, o panopticon é I1t;1i!> I
efeitos sobre os indivíduos. Não se limita a realizar uma vigilância exausti­ tenha sido colocado em prática por in.,;II!1
va sobre alunos, delinqüentes, doentes, mas, partindo dela, o~jetiva., tam­ XIX. Ele é a expressão, o exemplo til.; 1111
bém, produzir em todos estes um estado consciente e permanente de vi­ do a partir da modernidade nas sueicci.1
sibilidade, que assegure o fi.mcionamento automático do poder disclplinar l ? . disciplinar. Como elemento intrínseco ;'t:
ce um controle individual, na medida I;:lll
(...) o esquema panopticon é um intensificador para qualquer apa­ corpos e nas "almas" individualmenlL:. M
relho de poder. assegura sua economia (em material, em pessoal, sujeição social, isto porque ele se mlllt 'l d
em tempo). Assegura sua eficácia por seu caráter preventivo, seu institucionais, espalhando-se, postcriOJll
funcionamento contínuo e seus mecanismos automáticos 18 . corpo social, em espaços não instituciol);1)
exemplo, na perspectiva da vigilânci:\ di'
A escola: campo de visibilidade do poder disciplinar mos dizer que todos são vigiados por tllde
alistas, diretores. E mais, fora dos 1ll1l'11)
No artigo "Foucault e Educação: Fascinantes Desafios", ao discu­ 'famílias, a comunidade em geral e a ph
tir a questão do poder disciplinar no contexto da educação atual, Gore medida em que problematizam e s:!o LII
mostra como a vigilância na escola, exercida num primeiro momento por cola, também podem vigiar e ser vigiudl l
professores, supervisores, orientadores educacionais, diretores, etc., passa
a ser incorporada pelos próprios alunos: "(...) esta noção de poder Não se tem neste caso urn;~ III(
disciplinar ajuda a explicar a auto-regulação dos estudantes. que a alguém e que este alguém I
mantêm seus comportamentos mesmo quando a professora deixa a te sobre os outros; é uma I11r11111
do, tanto aqueles que exercoll
sala de aula" Quanto à atitude de dispor as carteiras da sala de aula
os quais o poder se exerce 1<,li
em círculo ou continuar nas tradicionais fileiras, a autora diz que não há
das sociedades que se instllulll
nenhum efeito garantido que justifique uma ou outra como prática peda­
substancialmente identificQcln t
gógica libertadora ou opressora. E acrescenta:
A escola e as práticas de poder disciplinar • 141
e Selvino José Assmann
Por um lado, o círculo pode exigir das estudantes uma maior
.':tl1:1 pois todos os momentos são registrados
autodisciplina, pela qual elas assumem a responsabilidade por
I dl: Ikntham sua figura arquitetural 16 .
comportar-se "apropriadamente" sem o 'olhar' da professora.
Idld. Il k Disciplinar
Por outro lado, a privacidade parcial permitida pela colocação
I r;11I~~Cs o panopticon é expressão de uma
tradicional das carteiras, na qual se está sob a vigilância ou
j~" ll~lssa a ser exercida a partir da modernidade
supervisão principalmente da professora, pode desaparecer à
N~'~:-;:\ prisão que tem a forma de um anel, a
medida que as estudantes ficam cada vez mais diretamente
Ilflei:, se apresenta como espaço privilegiado
também sob a supervisão de suas colegas. A estudante que
'pl I.::-;çllle: visibilidade total, coletiva, que pos­ prefere não se manifestar fica menos evidente quando todas as
r IhCSl11ü tempo, e simultaneamente observar
carteiras estão voltadas para frente da sala de aula, assim como
ILH.:liculosamente, podendo observar a todos a estudante que não pode usar sapatos novos, que fica rubori­
,!,fI
zada, que está entediada e assim por diante 19 .
'" • redução do número de vigilantes, como
'IH I - () panopticon, enquanto prática discipli­ Para Foucault, em Vigiar e Punir - onde ele dedica um capítulo
.tgir sobre o conjunto social procurando obter para explicitá-lo -, o panopticon é mais que um projeto arquitetural que
\J[H I se limita a realizar uma vigilância exausti­ tenha sido colocado em prática por instituições como a prisão no século
". doentes, mas, partindo dela, objetiva, tam­ XIX. Ele é a expressão, o exemplo de um poder que passa a ser exerci­
l!'j 11m estado consciente e permanente de vi­ do a partir da modernidade nas sociedades ocidentais, que é o poder
IC'{I 111:Ullcnto automático do poder disciplinar l7 . disciplinar. Como elemento intrínseco às disciplinas, o panopticon exer­
ce um controle individual, na medida em que interioriza a vigilância nos
I H Iplicon é um intensificador para qualquer apa­ corpos e nas "almas" individualmente. Mas também é um dispositivo de
l'OUIC! sua economia (em material, em pessoal, sujeição social, isto porque ele se multiplicou, inicialmente, nos espaços
11m sua eficácia por seu caráter preventivo, seu institucionais, espalhando-se, posteriormente, por toda a espessura do
llillllO e seus mecanismos automáticos 18 . corpo social, em espaços não institucionalizados. Tomando a escola como
exemplo, na perspectiva da vigilância disciplinar do panopticon, pode­
isibilídade do poder disciplinar mos dizer que todos são vigiados por todos: alunos, professores, especi­
alistas, diretores. E mais, fora dos muros do estabelecimento escolar as
I chH.:ação Fascinantes Desafios", ao discu­ famílias, a comunidade em geral e a própria gestão governamental, na
11l11ll:.Il no contexto da educação atual, Gore medida em que problematizam e são também problematizados pela es­
l~iL('Jb, exercida num primeiro momento por cola, também podem vigiar e ser vigiados 20 .
1~~III; I dores educacionais, diretores, etc., passa
'''I'IH;~; alunos: "(...)esta noção de poder Não se tem neste caso uma força que seria inteiramente dada
',11 II iI/I/o-regulação dos estudantes. que
a alguém e que este alguém exerceria isoladamente, totalmen­
11111\ 1111',I'mo quando a professora deixa a
te sobre os outros; é uma máquina que circunscreve todo mun­
ifl 11 Il'
de dispor as carteiras da sala de aula do, tanto aqueles que exercem o poder quanto aqueles sobre
1.ldl\,'/(Hl:US fileiras, a autora diz que não há
os quais o poder se exerce. Isto me parece ser a característica
JII.',llIiillllL': uma ou outra como prática peda­
das sociedades que se instauram no século XIX. O poder não é
'·1Il.1 I,' acrescenta:
substancialmente identificado com um individuo que o possui-

I...

I
142 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas' d
ria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se Através do poder da norma, o "Wlllll(1
uma maquinaria de que ninguém é titular21 • de coerção no ensino, regulamentando c. ,'11
os e tomando úteis as diferenças. Dcsla ~(\q
As práticas de normalização rio, um soldado ou um presidiário, n;'io s\.: \.l
preconizadas pela instituição na qual CSll \It"
A sanção nOI'maJizadora - é a sanção normalizadora que dá condi­ a responder por seu ato desviante, c <k,,,I;, I
ções à disciplina de punir a todos que se afastam da regra. Nesse sentido. estabelecido pelas normas da instituiç;jl I. I'
o castigo deve ser corretivo e o infrator - por exemplo, o mal aluno - devc deve aceitar, seguir e cumprir. As sançiX:s 1
ser corrigido, deve ser reconduzido para o "reto e bom caminho", pois não indivíduos "anormais", não sujeitados t: lI.lu 1
interessa para o poder o suplício daqueles sobre quem é exercido, mas sim com a vontade de se normalizarem, tifO Il'(.;1
colocá-los a seu serviço como indivíduos "normais", "dóceis" e "produti­ ção de "diferente" e as sensações dc l:lIl";I,
VOS"22. Sobre as técnicas de normalização Foucault acrescenta:
Compreende-se que o poder d.t 11
A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e contro­ tro de um sistema de igualdari
la todos os instantes das instituições disciplinares compara, homogeneidade que é a regr~,
diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma palavra, vo útil e resultado de uma medhl
ela normaliza. (.. .) Os dispositivos disciplinares produziram uma ças individuais26 .
"penalidade da norma", que é irredutível em seus princípios e
seu funcionamento à penalidade tradicional da lei 23 .
o exame - o exame faz uma jUJII,:
hierarquizada com as técnicas da sanç;10 li!
Com o dispositivo disciplinar, em vez de se punir utilizando exclusiva­ para que a vigilância qualifique, classifiqm'
mente a lei com sua força e seus excessos, utiliza-se fundamentalmente o
O exame combina as técnicas. d
poder da norma. O conjunto constituído pelas exigências e imposições ­
sanção, que nonnaliza. É um \.:0
"racionais" e "positivas" - que compõe a normalização, cria processos cons­
lância que permite qualificar, cl:l
tantes de sujeição, na medida em que "prescreve" e "padroniza" os hábitos,
bre os indivíduos uma visibilidll
as atitudes, os comportamentos, o "certo" e o "errado", punindo os possíveis
ferenciados e sancionados'i! .
desvios: na escola através de recompensas ou punições, os alunos ficam
submetidos ao controle das regras e dos padrões de normalização disciplinar. Na escola, segundo Foucault, () <':,",\
dos conhecimentos do mestre aos aftmn
Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora
também, extrair do aluno um saber qlli,: L'
toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, inter­
sentido, a prática pedagógica na csco'b. (.
rupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta
instituição de saber, pode estar, em mui,I:1.
de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos dis­
cas de normalização.
cursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes "incorretas",
gestos não confonnes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, inde­ A escola toma-se o loca I de clnlJol
cência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda mo modo como o processo dO
uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a ração epistemológica da medir.11I
privações ligeiras e a pequenas humilhações24 . marcou o início de uma peds!llk.."
Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 143
1111 dovido a seu nascimento; ele torna-se Através do poder da nonna, o "normal" se estabelece como princípio
'1111.\ ninguém é titular21 . de coerção no ensino, regulamentando e, conjuntamente, medindo os desvi­
os e tomando úteis as diferenças. Desta forma, se um estudante, um operá­
lizocão rio, um soldado ou um presidiário, não se comportasse seguindo as nonnas
preconizadas pela instituição na qual estivesse inserido, este seria chamado
I l~ a sanção norrnalizadora que dá condi­ a responder por seu ato desviante, e desta forma retomar ao caminho pré­
Ido~ qlll: se afastam da regra. Nesse sentido, estabelecido pelas normas da instituição, pelo conjunto de regras que ele
\I IIlfl'ator - por exemplo, o mal aluno - deve deve aceitar, seguir e cumprir. As sanções normalizadoras devem criar nos
l/rdo para o "reto e bom caminho", pois não indivíduos "anormais", não sujeitados e não resignados às regras,juntamente
11 i (bqucles sobre quem é exercido, mas sim com a vontade de se normalizarem, um reconhecimento entre a sua condi­
f IIl1livíduos "normais", "dóceis" e "produti­ ção de "diferente" e as sensações de culpa, de inferioridade e de erro25 .
lllllllalização Foucault acrescenta:
Compreende-se que o poderda norma funcione facilmente den­
1\111 que atravessa todos os pontos e contro­ tro de um sistema de igualdade formal, pois dentro de uma
, das instituições disciplinares compara, homogeneidade que é a regra, ele introduz, como um imperati­
.I, homogeneiza, exclui. Em uma palavra, vo útil e resultado de uma medida, toda a gradação das diferen­
'. (Ilspositivos disciplinares produziram uma ças individuais26 .
'1111", que é irredutível em seus principios e
ponalidade tradicional da lei 23 . o exame - o exame faz uma junção das técnicas da vigilância
hierarquizada com as técnicas da sanção normalizadora. Ele dá condições
I1l1ilr. vez de se punir utilizando exclusiva­
L:1I1 para que a vigilância qualifique, classifique e puna com a maior eficiência.
('lIS l:XCCSSOS, utiliza-se fundamentalmente o
O exame combina as técnicas da hierarquia, que vigia, e as da
l'lIl1srituído pelas exigências e imposições ­
sanção, que normaliza. É um controle normalizante, uma vigi­
11111 põc a normalização, cria processos cons­
lância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece so­
'111 qlll: "prescreve" e "padroniza" os hábitos,
bre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são di­
I) "certo" e o "errado", punindo os possíveis
ferenciados e sancionados27 .
/l:COl1lpensas ou punições, os alunos ficam
11'; 4 dlls padrões de nomlalização disciplinar Na escola, segundo Foucault, o exame deve garantir a passagem
dos conhecimentos do mestre aos alunos e sua "medição", podendo,
tld. 110 exército funciona como repressora
também, extrair do aluno um saber que é reservado ao mestre28 . Nesse
111(\11(113 do tempo (atrasos, ausências, inter­
sentido, a prática pedagógica na escola, enquanto exercícios de poder e
, d!l atividade (desatenção, negligência, falta
instituição de saber, pode estar, em muitas situações, vinculada às práti­
111.' ',l~r (grosseria, desobediência), dos dis­
cas de normalização.
IJi' l lIli:llcia), do corpo (atitudes "incorretas",
", ',lljeirêl), da sexualidade (imodéstia, inde­ A escola toma-se o local de elaboração da pedagogia. E do mes­
1!'lnflo (' utilizada, a título de punição, toda mo modo como o processo do exame hospitalar permitiu a libe­
'.o', slItis, que vão do castigo físico leve a ração epistemológica da medicina, a era da escola "examinatória"
li I'('qulmas humilhações 24 • marcou o início de uma pedagogia que funciona como ciência 29 •
144 ·Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as prátic
o exame é fundamental para a constituição do indivíduo como O poder é positivo e reloc 1111
efeito e objeto do poder-saber. Pois conforme o pensador, o indivíduo
Para o pensador francês, (;.'ill: li' I11
é, em grande parte, fabricado pelo poder disciplinar, por sua
"positividade", pelo poder produtor. Ao combinar a vigilância hierár­ presente no cotidiano da escola. l1:h I 111
mente repressivo, sob pena de ncghl:~ Ih I
quica e a sanção normalizadora, o exame realiza as grandes funções
seja, sua "positividade". Fouc.:1.ult I h-I. Ih
disciplinares de repartição e classificação dos indivíduos - alunos, do­
poder, onde este não deve ser defillldo 111
entes, loucos, prisioneiros ... - de extração máxima de suas forças e do
e repressão, onde o perfil do pü<.k.. 1I:l\l ~ ,
seu tempo, de acumulação genética contínua, de melhor composição
imposição da lei que reprimiria aqlll:ll ~ 11
das suas aptidões. "Portanto, a fabricação da individualidade ce­
motivo ou outro, atravessassem scu \ ,I
lular, orgânica, genética e combinatória "30.
Como vemos, os instrumentos que compõem as disciplinas cons­ Temos que deixar de descI ov
tituem-se em elementos produtores de sujeição. As pessoas subordi­ termos negativos: ele 'excluI" 'I
nadas às vigilâncias constantes, pressionadas pelos padrões de norma­ trai', 'mascara', 'esconde' Na,
lidade e submetidas a interrogatórios, a revistas e a observações, fa­ duz realidade, produz carn'lll'.
zem mais do que aceitar passivamente esta dominação: ao incorpora­ O indivíduo e o conheciml:llto
rem a vigilância e a normalização, exercem sobre si próprios a sujeI­ dessa produção 33 •
ção, tornam-se o "princípio de sujeição" para si mesmos: sujeitador e
sujeitado ao mesmo tempo. Uma das características fund.ull~·1l
positividade, é a capacidade de ser ptndl
Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe forças para a obrigação ou para a prnílu"
disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-Ias sobre os indivíduos, ele é exercido sob () :II
funcionar espontaneamente sobre si mesmo; inscreve em si a seu "bem-estar", criando nestes polari<!:Jd
relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente mal aluno, o cidadão e o delinqüentc, o liul
os dois papéis; torna-se o princípio de sua própria sujeiçã0 31 . insubordinado e bademeilO, etc- institllÍdu
práticas de poder-saber que se aprcSl~lIl.1l
Como vimos até aqui, a disciplina - anátomo-política do corpo
que funcionam como injunção para qUI" -:
humano - constitui-se num conjunto de técnicas de poder centradas no Ao invés de se punir o aluno "prq~l
corpo, mais especificamente nos corpos individualizados. Elas são des, "desobediente", investe-se sobr"
exercidas a partir de procedimentos que asseguravam a distribuição dos pedagogias, estratégias para mudá-l(Js, p
corpos individuais e sua organização. As disciplinas também criam cam­ para torná-lo mais produtivos e mClJ()~ I
pos de visibilidade para capturar todos os movimentos dos corpos indivi­ Com isto Foucault não quer dizer que :1"
duais. Essas técnicas buscam, através de exercícios e treinamentos, au­ tam: o que quer acentuar é que esta I1:W \
mentar a força fisica dos corpos individuais, tornando-os submissos ao do poder. Assim, o poder possui l.ml~l VII
mesmo tempo. São também técnicas de racionalização e de economia, uma eficácia produtiva, uma riqueza l'''ll
isto porque esta modalidade de poder deve exercer-se com poucas des­ O poder não tem "dono" nem tUl1pl
pesas e muita eficiência, mediante sistemas de vigilância, de hierarquias, prática concreta do poder não se Iimit:l ;1 11
de inspeções, de escriturações e de relatórios constantes J2 . lugar o executa, mas sim dos múltiplos 1'11
s e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 145
\lIal para a constituição do indivíduo como poder é positivo e relacional
IlH,:r, Pois conforme o pensador, o indivíduo
Ilcado pelo poder disciplinar, por sua Para o pensador francês, este poder espaUlado pelo corpo social e
produtor. Ao combinar a vigilância hierár- presente no cotidiano da escola, não pode ser definido como exclusiva-
adora, o exame realiza as grandes funções mente repressivo, sob pena de negligenciar sua característica principal, ou
• I~ classificação dos indivíduos - alunos, do-
seja, sua "positividade". Foucault defende uma concepção não-jurídica do
de extração máxima de suas forças e do poder, onde este não deve ser defmido fundamentalmente em termos de lei
1 gLlnética contínua, de melhor composição
e repressão, onde o perfil do poder não é traçado pela força proibitiva, pela
/1110, Cf fabricação da individualidade ce- imposição da lei que reprimiria aqueles que a desafiassem ou que, por um
(' (:ombinatória "30 , motivo ou outro, atravessassem seu caminho e ficassem à sua mercê.
Illl1entos que compõem as disciplinas cons- Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em
I cuJu tores de sujeição, As pessoas subordi-
termos negativos: ele 'exclui', 'reprime', 'recalca', 'censura', 'abs-
11 I lt.:s , pressionadas pelos padrões de norma-
trai', 'mascara', 'esconde'. Na verdade o poder produz; ele pro-
IIogatários, a revistas e a observações, fa- duz realidade, produz campos de objetos e rituais de verdade.
nssivamente esta dominação: ao incorpora- O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam
di/,ação, exercem sobre si própnos a sujei- dessa produção 33 •
I de sujeição" para si mesmos: sujeitador e

Uma das características fundamentais do poder para o autor é sua


positividade, é a capacidade de ser produtor, ao invés de concentrar suas
ltllido a um campo de visibilidade, e sabe forças para a obrigação ou para a proibição. Desta forma, o poder investe
, sua conta as limitações do poder; fá-Ias sobre os indivíduos. ele é exercido sob o argumento de "garantir suas vidas",
neamente sobre si mesmo; inscreve em si a seu "bem-estar", criando nestes polaridades - o normal e o louco, o bom e o
118 qual ele desempenha simultaneamente mal aluno, o cidadão e o delinqüente, o funcionário "padrão" e o empregado
I na-se o princípio de sua própria sujeiçã031 .
insubordinado e bademeiíO, etc- instituídas pelos "regimes de verdade"34 : as
práticas de poder-saber que se apresentam como verdades hegemônicas e
a disciplina - análomo-poiítica do corpo
que funcionam como injunção para que se formem estas polaridades.
lOll.lllnto de técnicas de poder centradas no
Ao invés de se punir o aluno "preguiçoso", "lento" para as ativida-
Il.' nos corpos individualizados, Elas são
des, "desobediente", investe-se sobre ele através de técnicas, táticas,
IIllCIltOS que asseguravam a distribuição dos
pedagogias, estratégias para mudá-los, para docilizá-Io, para produzi-lo,
tllização As disciplinas também criam cam-
para torná-lo mais produtivos e menos dispendiosos para a instituição.
IILlr todos os movimentos dos corpos indivi-
Com isto Foucault não quer dizer que as punições e violências não exis-
11. alravés de exercícios e treinamentos, au-
tam: o que quer acentuar é que esta não é a característica mais marcante
I P(l,'; individuais, tomando-os submissos ao
do poder. Assim, o poder possui uma violência racionalmente calculada,
lt:clli,cas de racionalização e de economia,
uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade.
•k: poder deve exercer-se com poucas des-
O poder não tem "dono" nem tampouco um lugar fixo, isto porque, a
1i:11l1~ sistemas de vigilância, de hierarquias,
prática. concreta do poder não se linlita a questão de quem o possui e de que
I. '; i,; de relatórios constantes 32 ,
lugar o executa, mas sim dos múltiplos pontos em que é exercido. Assinl o
146 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
poder não é wna "coisa", e tampouco tem wn lugar específico; ele pode ser Em última instância, as relações Je 11\1\1
exercido em qualquer instância da sociedade, disseminado por toda a estru- miríades de acontecimentos N~s".1
tura social e pelos mais diferentes indivíduos. Portanto, uma característica multiplicidade correlações de força t1 111
fundamental deste poder mutável e flexível é ser relacional. também as resistência ao poder JlUIlC'l1 11
O poder acontece enquanto prática relacional entre os indivíduos e A crítica empreendida por FOl/I",11
assim é exercido. Como exemplo, a relação entre pai e filho, professor e devem ser interpretadas como uma killll'
aluno, político e eleitor, namorados ... Cabe dizer que não necessariamente transformações ou as dificuldades '1 111' I
o pai é que deve exercer o poder sobre o filho, o professor sobre o aluno e de instituições como a escola. Prova ti
assim por diante, pois não existem titulares do poder. E mais, o caráter resistência a vigilância disciplinar Ou /1(1/
relacional do poder implica que as próprias lutas contra seu exercício não vés de táticas e estratégias de con(r:l ;tI.
possam ser feitas do e>..1:erior do poder, pois para Foucault não existe exterio- cas de subjetividade - que não devem S~'l
ridade ao poder, nada está fora ou é isento da relação de poder35 . des individuais - mostram que o podeI I
Quem sabe a análise crítica JI.: 111
âmbito da escola, a discussão coktiva '.
Vigiar e Punir: teoria do poder ou análise crítica das lho, como também a reflexão e o pOSll'l1
práticas disciplinares? vernamentais que envolvem a edUCaç:lll
Com estas análises sobre as práticas de poder disciplinar, o pensa- pIos das contra-ofensivas ao poder. vív
dor francês não tem a pretensão de criar uma "teoria do poder", como tensidade nos estabelecimentos de cnslI
também de levantar as bases para uma nova "teoria crítica da educa-
ção"36. Nessa perspectiva, Vigiar e Punir deve ser lido não como uma Notas
"teoria da sociedade" com aspirações universais e totalizadoras, mas
como um saber histórico e crítico sobre nossa experiência constituída, l. Embora a noção foucauldiaJl:l I
sobre aquilo que fez com que nos tornassemos o que somos hoje: práti- explicitada adiante, vale antecipai
cas de subjetividade ou de subjetivação a partir de múltiplas relações de entendido como moralmente bOI\!
poder e seus "regimes de verdade". sador é a capacidade produtiva 11
Enquanto um profundo questionamento sobre a função histórica de 2. Nossa discussão privilegiará a jJlv~'.11
um conjunto bastante amplo de práticas, na ordem do poder e do saber, der disciplinar presentes indistinlanl
este livro insurgi-se contra uma série de formas instituídas de domina- que não reconheçamos a existêlH"l.)
ção. Como uma espécie de sublevação contra os saberes e poderes especificidades que envolvem., rOl ~\~
"hegemônicos", Vigiar e Punir transforma-se numa espécie de instru- ca e da escola privada - muitas dlli
mento de luta. Isto porque desmascara certos "regimes verdade", apre- muitos casos, o poder disciplinar /,\\ I
sentando-os não como aquilo que se coloca em conformidade com o a subserviência de wn detenllinad.)
"real", mas como construção histórica, como acontecimentos "ativados" indistintamente, são atravessadns, '{i I
em campos como o político, o epistemológico e o ético.
3 . Foucault, 1990a, p. 8.
Se por um lado não se trata de enunciar a macro-teoria como expli-
cação totalizante, por outro, seria um equívoco de igualou maior propor- 4. É importante salientar que a di:;rll)
ção pensar que Foucault tenta explicar "tudo" a partir dos "micropoderes". cês, a única modalidade po:-;slvl.1 I

;I~II

Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 147


'1llItlW tem um lugar específico; ele pode ser Em última instância, as relações de poder-saber estão imbricadas com
d':l ~()cicdade, disseminado por toda a estru- miríades de acontecimentos. Nessa perspectiva, vale dizer, essa
\lu; indivíduos. Portanto, uma característica multiplicidade correlações de força que envolvem as práticas e poder e
vd I,,; Ilcxíve! é ser relaciona!. também as resistência ao poder nunca pode ser totalmente codificada.
1111) prittica relacional entre os indivíduos e A crítica empreendida por Foucault às práticas disciplinares não
lplo, a relação entre pai e filho, professor e devem ser interpretadas como uma leitura pessimista, "niilista" frente as
.lllos .. Cabe dizer que não necessariamente transformações ou as dificuldades que enfrentamos hoje, dentro e fora
,llll sl)brc o filho, o professor sobre o aluno e de instituições como a escola. Prova disso é sua afirmação de que a
.I~l~m titulares do poder. E mais, o caráter resistência a vigilância disciplinar do panopticon deve ser efetivada atra-
ti tiS próprias lutas contra seu exercício não vés de táticas e estratégias de contra-ataque3? . Muitas de nossas práti-
I jJcxk:r, pois para Foucault não existe exterio- cas de subjetividade - que não devem ser reduzidas a condição de atitu-
.\ ~lll é isento da relação de poder35 . des individuais - mostram que o poder nem sempre é vencedor.
Quem sabe a análise crítica de nossas práticas disciplinares no
do poder ou análise crítica das âmbito da escola, a discussão coletiva sobre nossas condições de traba-
lho, como também a reflexão e o posicionamento frente as políticas go-
vernamentais que envolvem a educação, possam ser alguns dos exem-
as práticas de poder disciplinar, o pensa- plos das contra-ofensivas ao poder, vivenciadas em maior ou menor in-
.,1\) <,k criar uma "teoria do poder", como tensidade nos estabelecimentos de ensino em nossos dias.
para uma nova "teoria crítica da educa-
:lflr e Punir deve ser lido não como uma
Notas
·,pil'ações universais e totalizadoras, mas
I~ll.;ü sobre nossa experiência constituída, 1. Embora a noção foucauldiana de positividade do poder seja
IIO~ lomassemos o que somos hoje: práti- explicitada adiante, vale antecipar que o "positivo" não deve ser
ill'[lvaçào a partir de múltiplas relações de entendido como moralmente bom, pois o que tenta mostrar o pen-
bde·'. sador é a capacidade produtiva do poder.
11I.::-:[ ionamento sobre a função histórica de
2. Nossa discussão privilegiará a investigação de algumas práticas de po-
Ic práticas, na ordem do poder e do saber,
der disciplinar presentes indistintamente nas escolas. Isto não quer dizer
\:1 série de fonuas instituídas de domina-
que não reconheçamos a existência de uma série de diferenciações e
'Ilhkvação contra os saberes e poderes
especificidades que envolvem, por exemplo, os modelos da escola públi-
ir I ransfonna-se numa espécie de instru-
ca e da escola privada - muitas diferenças lá e cá. Mesmo que, em
,'!lascara. certos "regimes verdade", apre-
muitos casos, o poder disciplinar fàvoreça a hegemonia de uma classe ou
<lI/C se coloca em conformidade com o
a subserviência de unl determinado grupo social, para Foucault, todos,
1',lú, IC<l, como acontecimentos "ativados"
indistintamente, são atravessados, são "cortados" por estas disciplinas.
qlJ:-;h;mo/ógico e o ético.
1.1 Ik cnullciar a macro-teoria como expli- 3 . Foucault, 1990a, p. 8.
1.1 lHll L:quívoco de igualou maior propor-
4. É importante salientar que a disciplina não é, para o pensador fran-
,,,1,1.:<1 r "(lIdo" a partir dos "micropoderes". cês, a única modalidade possível do poder. Como exemplo, em A
148 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as pr6tica
Vontade de Saber, publicado em 1976, um ano depois de Vigiar e
16. Foucault, estudando os prohkll111
Punir, Foucault discute as ações do bio-poder. Este, por sua vez, se
dos os grandes projetos de t~'l\l/','
constituía na junção de práticas disciplinares com dispositivos de
da primeira metade do século \I"
regulação populacional, com objetivo de gerir, concomitantemente, a
do modelo arquitetônico id,,~t11/.1
vida dos indivíduos - singularmente - e das populações. Cf.: Foucault,
foram os textos, os p roj-':lI \~,
pp. 127-149. Embora nossa análise esteja centrada na discussão
panopticon de Betltham n;l() ('Sll\
empreendida na "História da Violência nas Prisões", acrescentamos
asse. Vale acrescentar que. paiol
que em publicações posteriores - inúmeras entrevistas e os cursos do
Bentham faz parte de UJlla 1I1gUl
Colh~ge de France -, o filósofo acentua o caráter relacional do poder.
final do século XVIll. a (/1''1//11
Ou seja, como luta constante, como prátícas de correlação de forças,
ao se articular com os {)r(l/)/c'/I
como enfrentamento entre poder e resistência. Cf.: Foucault, In.:
urbanismo. Outrora, a arfe de
Rabinow & Oreyfus, 1995, p. 231-249.
necessidade de manifestu,. ti r
5. "O Estado não é o ponto de partida necessário, o foco abso- Ora, no final do século .XI'II1.
luto que estaria na origem de todo tipo de poder social e do ta-se de utilizar a organi;;(I\'111 I
qual também se deveria partir para explicar a constituição tivos econômico-politicos" h 111
dos saberes nas sociedades capitalistas. Foi muitas vezes fora
17. FOl.lcault, 1993, p. 177.
dele que se instituíram as relações de poder, essenciais para
situar a genealogia dos saberes modernos, que, com 18. Foucault,1993,p.182.
tecnologias próprias e relativamente autônomas. foram inves-
19. Gore, In: Silva, 1995, p 13- UJ.
tidas, anexadas, utilizadas, transformadas por formas mais
gerais de dominação concentradas no aparelho de Estado" 20. Não se trata de dizer que noSsa
Machado, In: Foucault, 1990a, p. XIV nos modelos arquitetônicos do:. I
cola seja igual a uma prisão. 1I1:!
6 . FOl.lcault, 1990a,p. 161-162.
em nossos dias, mostrasse COllln
7. Machado, In.: Foucault, I 990a, p. XVII. quietante, em relação as prâl iça'
aperfeiçoamento dos disposlll\'\
8. Foucault, 1993, p. 126.
câmeras de vídeo e os auto-ljl:lII
9. Foucault, 1993, p. 126-127. nas salas de aula - exemplil,
10. Foucault, 1993, p. 127. foucauldiana sobre esse dispnslt 1

11. Machado, In: Foucault, I990a, p. XVIII. 21. Foucault, 1990a, p. 219.

12. Foucault, 1993, p 145. 22. É importante que quando lH,:cC',"I.


va, mas calculada, no sent iJI \ ,k
13. Foucault, 1993, p. 147. Nessa perspectiva, ao disclll" .1 \
14. Foucault, 1993, p 146-47. análíse foucauldiana, Mllric\' ."
tham "é a de realizar IlIno .'. ,
15. Foucault, 1993, p 149-150.
prazeres, isto é, a distri!!I(/I""

IIIIII
e Selvino José Assmann
A escola e as práticas de poder disciplinar • 149
fhl.ldu 1976, um ano depois de Vigiar e
I.:Il1
ó1:' :IÇÕCS do bio-poder. Este, por sua vez, se 16. Foucault, estudando os problemas da penalidade, percebeu que to-
llj;lllcas disciplinares com dispositivos de dos os grandes projetos de reorganização das prisões - que datam
I t \ li 11 objetivo de gerir, concomitantemente, a da primeira metade do século XIX - sofriam uma grande influência
lflularmc:ntc - e das populações. Cf.: Foucault, do modelo arquitetônico idealizado por Jeremy Bentham. Poucos
IHISl;a análise esteja centrada na discussão foram os textos, os projetos referentes às prisões em que o
1,1 Ja Violência nas Prisões", acrescentamos panopticon de Bentham não estivesse, ou pelo menos não influenci-
i.rillrcs - inúmeras entrevistas e os cursos do asse. Vale acrescentar que, para o pensador francês, o projeto de
Jlns% acentua o caráter relacional do poder. Bentham faz parte de uma urgência histórica "Parece-me que, no
1:11I1(,;, como práticas de correlação de forças, final do século XVIIJ, a arquitetura começa a se especializar.
t(tl: poder e resistência. Cf.: Foucault, In.: ao se articular com os problemas da população, da saúde, do
II)~. r. 231-249. urbanismo. Outrora, a arte de construir respondia sobretudo à
necessidade de man~festar o poder. a divindade, a força. (..)
1111/0 de partida necessário, o foco abso-
Ora, no final do século XVIII, novos problemas aparecem: tra-
j /J~(lm de todo tipo de poder social e do
ta-se de utilizar a organização do espaço para alcançar obje-
!'Ia partir para explicar a constituição
tivos econômico-políticos n. Foucault, 1990a, p 211.
l,oI(les capitalistas. Foi muitas vezes fora
/1 11.1' relações de poder. essenciais para 17. Foucault, 1993, p. 177.
rios saberes modernos, que, com 18. Foucau1t, 1993, p. 182.
, /"I'/ativamente autônomas. foram inves-
1Ir/1I,\' , tran~formadas por formas mais
19. Gore, In: Silva, 1995, p. 13··16.
'1Illcentradas no aparelho de EI,tado ".
f
20. Não se trata de dizer que nossas escolas atuais sejam inspiradas
I (jC)()a, p. XIV nos modelos arquitetônicos dos grandes presídios, ou que uma es-
I-I<J••. cola seja igual a uma prisão, mas de evidenciar que o panopticon,
em nossos dias, mostrasse como uma metáfora perturbadora e in-
I')l)()a, p XVII.
quietante, em relação as práticas atuais de controle e vigilância. O
aperfeiçoamento dos dispositivos de segurança nas escolas - as
câmeras de vídeo e os auto-falantes nos corredores, nos banheiros,
nas salas de aula - exemplifica a atualidade da discussão
foucauldiana sobre esse dispositivo disciplinar.
'I/I)()a, p. XVIll. 21. Foucau1t, I990a, p. 2 I9.
22. É importante que quando necessária, a violência não seja excessi-
va, mas calculada, no sentido de possibilitar um efeito produtivo.
Nessa perspectiva, ao discutir a visibilidade do poder, com base na
análise foucauldiana, Muricy afirma que a preocupação de Ben-
ti tham "é a de realizar uma economia política das penas e dos
prazeres, isto é, a distribuição racional do medo e do sofri-
150 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
menta que não aniquile o corpo útil para a produção. Seu cam- portanto segundo o u.so ({//(' Sr' I
po de experimentação será, naturalmente, o sistema penitenci- írem da escola; exercer sof,l'l' ~ {I
ário ". A autora acrescenta: "Sem invocar qualquer humanismo, que se submetam todos (/0 11ft
Bentham é contra a pena de morte, imenso desperdício de for- obrigados todos juntos "ú .\/Iho/
ça produtiva, e contra as torturas que causem mutilações ção nos estudos e nos exer('/Clr II
irreversíveis, duplo prejuízo, do corpo útil e de dinheiro: afi- e de todas as partes da dis"lf,1i1
nal, será o Estado que arcará com o sustento dos corpos inca- çam", Foucault, 1993,p.16\
pacitados para o trabalho. Mas é a favor de uma máquina
26. Foucault, 1993, p. 164.
precisa de tortura, livre da imprecisão dispendiosa do carrasco;
e propõe a construção de uma máquina cilíndrica de material 27. Foucault, 1993, p. 164.
elástico, espécie de pau-de-arara industrializado" Cabe dizer 28. Para Foucault, na escola os l'~;1l
que, idéias como estas de Bentham expressam um lado estrategi- avaliações sobre os diversos 1.:\ llll
camente violento e moralmente questionável das práticas cos, nota (gratificação) peln P(\I!ll
institucionais de poder e de saber na modernidade. extra-classe, entre outros.
O indivíduo sujeitado ao panopticon é constantemente submetido 29. Foucault, 1993, p. 166.
a vigilância e é sempre objeto de informação e não um interlocutor
ativo, livre na relação comunicativa. O panopticon possibilita o 30 Foucault, 1993,p. 171.
controle das massas, controlando os indivíduos de forma que estes 31. Foucault, 1993,p. 179.
se sintam "uma coleção de individualidades solitárias e vigia-
32 Foucault, 1999, p. 288.
das pelo olhar ". Panopticon, poder onipresente e onisciente, prin-
cípio de sujeição. Muricy, In: Novaes, 1995, pp. 482-484. As análi- 33. Foucault, 1993, p. 172.
ses que Foucault faz sobre as dimensões desta tecnologia de poder,
34. Segundo Foucault, a "verdade" 1.:,<;111
lançam sobre alguns dos grandes ideais modernos, que tem como
que a produzem e apóiam, c J d~'ll
pressuposto a "aposta" no caráter fundamental da razão e autono-
reproduzem. A isto ele charna. UC "I"
mia humanas, não só a desconfiança em seus resultados práticos,
edade tem seu regime de verdade. ~\1l1
mas também na própria legitimidade absoluta destes valores. O "re-
os tipos de discurso que ela privikl',Hl
alismo" de Foucault coloca em xeque os "pilares" que sustentam o as instâncias que possibilitam a di... llll
otimismo na constituição do homem moderno e seus valores: "As
fulsos, as técnicas e procedimclll\>); '1111
'Luzes' que descobriram as liberdades inventaram também as verdade, o estatuto daqueles qUi,.: \1'1lI
disciplinas". Foucault, 1993,p 195. como verdadeiro. O autor cscl~l.f~l'"
23. Foucault, 1993, p. 163. dade não existe fora do puder O/I
um mito, de que seria necessúrlo "
24. Foucault, 1993, p. 159.
a recompensa dos espíritos lMl'," (
25. Em relação aos processos de normalização dos alunos o pensador légio daqueles que souberam \'l' /1
enfatiza: "Duplo efeito dessa penalidade hierarquizante.· dis- ela é produzida nele graças (/ 1/1//1
tribuir os alunos segundo suas aptidões e seu comportamento, tos regulamentados de pode r" h 111'
e Selvino José Assmann
A escola e as práticas de poder disciplinar • 151
11' c-'orpo útil para a produção. Seu cam-
li
portanto segundo o uso que se poderá fazer deles quando sa-
• ,I (,lá, naturalmente, o sistema penitenci-
írem da escola; exercer sobre eles uma pressão constante, para
'11(<1: "Sem invocar qualquer humanismo,
que se submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam
l'IItI de morte, imenso desperdício de for-
obrigados todos juntos "à subordinação, à docilidade, à aten-
1'0 ({.I' torturas que causem mutilações
ção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres
'1'//1/20, do corpo útil e de dinheiro: afi-
e de todas as partes da disciplina ". Para que, todos, se pare-
, ,,,,,:ará com o sustento dos corpos inca-
·I,({lho. Mas é a favor de uma máquina
çam ", Foucault, 1993, p. 163.
',' da imprecisão dispendiosa do carrasco; 26. Foucault, 1993,p. 164.
I ile uma máquina cilíndrica de material
27. Foucault, 1993, p. 164.
/11 de-arara industrializado ". Cabe dizer
d.,; Bcntham expressam um lado estrategi- 28. Para Foucault, na escola os exames acontecem constantemente:
IInra]mente questionável das práticas avaliações sobre os diversos conteúdos ministrados, exames físi-
I; dc saber na modernidade. cos, nota (gratificação) pela participação nas atividades em sala ou
extra-classe, entre outros.
!ianopticon é constantemente submetido
I,
ll>jcto de informação e não um interlocutor 29. Foucault, 1993, p. 166.
cU1l1unicativa. O panopticon possibilita o 30. Foucault, 1993, P 171.
111 rolando os indivíduos de forma que estes
() de individualidades solitárias e vigia- 31. Foucault, 1993, p. 179.
'!Icon, poder onipresente e onisciente, prin- 32. Foucault, 1999, p 288.
v. In Novaes, 1995, pp. 482-484. As análi-
33. Foucault, 1993,p 172.
n.; as dimensões desta tecnologia de poder,
I~~ grandes ideais modernos, que tem como 34. Segundo Foucau1t, a "verdade" está sempre ligada a sistemas de poder
ll() caráter fundamental da razão e autono- que a produzem c apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a
d<.,:sconfiança em seus resultados práticos, reproduzem. A isto ele chama de "regime de verdade". Assim, cada soci-
,('git imidade absoluta destes valores. O "re- edade tem seu regime de verdade, sua "politica geral" de verdade, ou seja,
iC:l em xeque os "pilares" que sustentam o os tipos de discurso que da privilegia como verdadeiros, os mecanismos e
, do homem moderno e seus valores: "As as instâncias que possibilitam a distinção dos enunciados verdadeiros dos
/11 1/.1' liberdades inventaram também as fàlsos, as técnicas e procedimentos que são valorizados pam a obtenção da
1)IU, p 195. verdade, o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro. O autor esclarece: "O importante, creio, é que a ver-
dade não existe fora do poder ou sem poder (não é - não obstante
um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as fUnções _.
'i(lc normalização dos alunos o pensador a recompensa dos espíritos livres, o .filho das longas solidões, o privi-
penalidade hierarquizante: dis-
I/,',I',I'({
légio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo;
/" S/IIIS aptidões e seu comportamento,
ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efei-
tos regulamentados de poder". Foucault, 1990a, p. 12.
152 ·Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
35. Machado, In: FoucaultT, 1990a, p. XIV _ _o Resumo dos cursos do ('()//j'.l~"
de Janeiro: Jorge Zahar, 1997
36. Como alerta Machado, as análises de Foucault sobre o poder fa-
_ _o Em defesa da sociedade. Sao 1',1
zem parte de investigações históricas criteriosamente delimitadas,
_ _o Nietzsche, Freud e Marx Ihl',,1
com objetos bem demarcados. Mesmo que muitas vezes suas afir-
: Princípio, 1987.
mações expressem uma ambição englobante - pelo seu caráter
_ _o El sujeto y el poder. México: 1<\
polêmico e até provocativo - serve de alerta não perdermos de
nO 3 jul/set, 1988.
vista que são análises particularizadas e que não devem simples-
. Herculine Barbin: o diário lli-
mente ser aplicadas indistintamente a novos objetos, fazendo-lhes
assumir um caráter metodológico que lhes conferiria universalidade. neiro : Presença, 1982.
Assim, quando o autor começa a trabalhar a questão do poder, foi HALL, Stuart. A identidade cultl/m/ ,
em resposta às questões levantadas pelas pesquisas realizadas so- Janeiro: OP&A, 1998.
bre a história da penalidade. Surge nesse momento, para ele, o pro- JARA, José. Foucault y la .ftlosojicl: 11.
blema de uma relação específica do poder sobre os indivíduos racas: Revista Venezolana de Filoso!
enclausurados, um poder que incidia sobre seus corpos e utilizava LEBRUN, Gerard. Passeios ao léu S;1l1
uma tecnologia própria de controle. Como vimos, essa tecnologia MACHADO, Roberto. Ciência e Si/h('/'
não era exclusiva da prisão, podendo ser encontrada em outras de Foucault. Rio de Janeiro: Gr:l:,I.
instituições e espaços sociais, como: hospitais, casernas, escolas, TOMAZ, T. da Silva (org.). () '\'''fl'
fábricas ... Cf. Machado, 1982, p. 194. foucaultianos. Petrópolis : Vozes. 111
NOVAES, Adauto (org.). O olhar. São P:\ld
37. Machado, In: Foucault, I990a, p. 226. RAJCHMAN, John. Foucault: a /ihen/q
ro : Jorge Zahar Editor, 1987
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nes e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 153
1Ir'! , I990a, p. XIV _ _o Resumo dos cursos do College de France (1970-1982). Rio
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1111;1 ambição englobante - pelo seu caráter : Princípio, 1987.
lI(':llivo - serve de alerta não perdermos de _ _o El sujeto y el poder. México: Revista Mexicana de Sociologia,
N p:lrticularizadas e que não devem simples- nO 3 jul/set, 1988.
IHlislintamente a novos objetos, fazendo-lhes _ _o Herculine Barbin. O diário de um hermafrodita. Rio de Ja-
·f()dológico que lhes conferiria universalidade. neiro : Presença, 1982.
li f,,;omeça a trabalhar a questão do poder, foi HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
'<:s levantadas pelas pesquisas realizadas so- Janeiro: DP&A, 1998.
Illdack. Surge nesse momento, para ele, o pro- JARA, José. Foucault y la filosofia: una seducción perversa? Ca-
(I cspecífica do poder sobre os indivíduos racas: Revista Venezolana de Filosofia, nO 23, 1987.
lI! I.: r que incidia sobre seus corpos e utilizava LEBRUN, Gerard. Passeios ao léu. São Paulo: Brasiliense, 1983.
1;1 de controle. Como vimos, essa tecnologia MACHADO, Roberto. Ciência e saber. a trajetória da arqueologia
prisão, podendo ser encontrada em outras de Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
sociais, como: hospitais, casernas, escolas, TOMAZ, T. da Silva (org.). O Sujeito da educação - estudos
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'I'/tl til! sexualidade 1: a vontade de saber.


'1X'\,
'I Rio de Janeiro: Graal, 1990a.
IlInu da violência nas prisões. Petrópo-

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