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Idld Foucault e educação: há algo de novo individuais, disseminadas pelo campo social e presentes em instituições
act on individual bodies and "souls"and the way they spread throughout
A escola e as disciplinas
Muito se tem refletido, ultimamente, sobre o "real" perfil da escola,
como também sobre o modelo de escola "ideal" frente aos anseios de
nossa sociedade, Diferentes teorias, as vezes não tão diferentes como
pretendem, discutidas em inúmeros congressos e seminários, reafirmam
a pertinência das análises sobre esta instituição e seus rumos: suas ne
I
In e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 137
\~ IIS
objetivos, seus compromissos. As dill de uma determinada instituição, pois funciona como uma rede que os
l'''l~)la,
na medida em que problematizam 11 atravessa, transcendendo-os, já que não se limita às suas fronteiras s .
tudo Ul; hoje e discutem a relação pedagógica Essa disciplina é uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instru
IIl\O um questionamento do modelo de Sq mento de poder; são métodos que possibilitam o controle do corpo nos
menores detalhes, que garantem a submissão constante das forças do
li [rIS pedagógicas costumam referir-se ao "po corpo, impondo a esse uma relação de docilidade-utilidade, O poder dis
", \"()1I10as relações pedagógicas, a integraç<11I ciplinar não atua no exterior das relações, de fora para dentro ou de cima
I!lrk. ;'1 determinação de um currículo, etc. E/II para baixo, pois ele trabalha os corpos das pessoas - alunos, professores,
1.11).',0 que é exercido de forma vertical, de cinla delinqüentes, loucos - manipulando-os e controlando-os, produzindo seus
.t 1)( ,laridade dominador-dominado. Além disso comportamentos. O pensador acrescenta: "(..) o indivíduo não é o
111\\ lima característica defmidora das práticas dado sobre o qual se exerce e se abate o poder. O indivíduo. com
\ l s~ria sempre negativo, no sentido de suprimi. suas características, sua identidade, fixado a si mesmo, é o produto
ponto de vista moral. Frente a esta concepÇ<io de uma relação que se exerce sobre os corpos, multiplicidades, mo
'W-la de insurgir-se, no campo das práticas pc vimentos, desejos. forças "6 .
. 1(,.:10 exercida pelo poder. Ora, é precisamentl' Para Foucault, com a explosão demográfica do século XVIII e o
l~les de Michel Foucault sobre o poder é perti· crescimento do aparelho de produção, expressa-se a necessidade de se
:10 discutir as práticas de poder a partir da "fabricar" um tipo de homem que sirva adequadamente para o funciona
l:11 caráter repressivo e violento -, sustenta quI,; mento, a manutenção e o fortalecimento da sociedade industrial c capi
"\1110 traço fundamental a "positividade'" . talista. Nesse momento acontece o que o pensador chama de "domina
";S;1 reflexão, não se trata de "inventariar" o ção política do corpo", esta é realizada como resposta à necessidade de
Illvl,,; os diferentes modelos de escola - sua sua utilização. Por um lado, essa utilização é racional, intensa, máxima
1.1 scus desafios e suas dificuldades - o qu<.:. ~m termos econômicos; por outro, este corpo só se torna força de traba
'filaria esta discussão que estamos iniciando lho quando trabalhado, lapidado pelo sistema político de dominação ca
/l1/.l.:r, enfadonha. Nossa intenção é tecer al racterístico do poder disciplinar? .
11111l1l.:.ado conjunto de práticas que chamamos
Esses métodos que permitem o controle minucioso das opera
I Tc' alravessar a instituição escolar sendo ao
ções do corpo, que realizam a sujeição constante de suas for
11I1I\.:Ia2 .
ças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade. são o
nll/.:IUO uma reflexão específica e minuciosa
que podemos chamar de "disciplinas8 .
~i/ll' (' l>unir, Michel Foucault mostra como
'. '1\~('lIlos XVII e XVIII, as práticas de podcl O poder disciplinar objetiva aumentar a utilidade dos corpos das pesso
Illl!ll.:l:.irllcnto" - saberes - se estabeleceram .IS, fazendo com que elas sejam economicamente mais lucrativas, diminuin
, "l /)( Ir lodo O corpo social, nas mais difercn do sua capacidade política, tornando-as mais obedientes e passivas. Em ou
lilr 'do a escola passa a ser um dos espaço~ I ras palavras, através da disciplina, que constitu i uma anatomia política do
li. 11; I (lS c'(crcícios de poder disciplinar.
I -orpo humano, o poder em exercício produz um tipo de indivíduo que seja
I...
I
142 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas' d
ria ou que o exerceria devido a seu nascimento; ele torna-se Através do poder da norma, o "Wlllll(1
uma maquinaria de que ninguém é titular21 • de coerção no ensino, regulamentando c. ,'11
os e tomando úteis as diferenças. Dcsla ~(\q
As práticas de normalização rio, um soldado ou um presidiário, n;'io s\.: \.l
preconizadas pela instituição na qual CSll \It"
A sanção nOI'maJizadora - é a sanção normalizadora que dá condi a responder por seu ato desviante, c <k,,,I;, I
ções à disciplina de punir a todos que se afastam da regra. Nesse sentido. estabelecido pelas normas da instituiç;jl I. I'
o castigo deve ser corretivo e o infrator - por exemplo, o mal aluno - devc deve aceitar, seguir e cumprir. As sançiX:s 1
ser corrigido, deve ser reconduzido para o "reto e bom caminho", pois não indivíduos "anormais", não sujeitados t: lI.lu 1
interessa para o poder o suplício daqueles sobre quem é exercido, mas sim com a vontade de se normalizarem, tifO Il'(.;1
colocá-los a seu serviço como indivíduos "normais", "dóceis" e "produti ção de "diferente" e as sensações dc l:lIl";I,
VOS"22. Sobre as técnicas de normalização Foucault acrescenta:
Compreende-se que o poder d.t 11
A penalidade perpétua que atravessa todos os pontos e contro tro de um sistema de igualdari
la todos os instantes das instituições disciplinares compara, homogeneidade que é a regr~,
diferencia, hierarquiza, homogeneiza, exclui. Em uma palavra, vo útil e resultado de uma medhl
ela normaliza. (.. .) Os dispositivos disciplinares produziram uma ças individuais26 .
"penalidade da norma", que é irredutível em seus princípios e
seu funcionamento à penalidade tradicional da lei 23 .
o exame - o exame faz uma jUJII,:
hierarquizada com as técnicas da sanç;10 li!
Com o dispositivo disciplinar, em vez de se punir utilizando exclusiva para que a vigilância qualifique, classifiqm'
mente a lei com sua força e seus excessos, utiliza-se fundamentalmente o
O exame combina as técnicas. d
poder da norma. O conjunto constituído pelas exigências e imposições
sanção, que nonnaliza. É um \.:0
"racionais" e "positivas" - que compõe a normalização, cria processos cons
lância que permite qualificar, cl:l
tantes de sujeição, na medida em que "prescreve" e "padroniza" os hábitos,
bre os indivíduos uma visibilidll
as atitudes, os comportamentos, o "certo" e o "errado", punindo os possíveis
ferenciados e sancionados'i! .
desvios: na escola através de recompensas ou punições, os alunos ficam
submetidos ao controle das regras e dos padrões de normalização disciplinar. Na escola, segundo Foucault, () <':,",\
dos conhecimentos do mestre aos aftmn
Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora
também, extrair do aluno um saber qlli,: L'
toda uma micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, inter
sentido, a prática pedagógica na csco'b. (.
rupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta
instituição de saber, pode estar, em mui,I:1.
de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos dis
cas de normalização.
cursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes "incorretas",
gestos não confonnes, sujeira), da sexualidade (imodéstia, inde A escola toma-se o loca I de clnlJol
cência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição, toda mo modo como o processo dO
uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a ração epistemológica da medir.11I
privações ligeiras e a pequenas humilhações24 . marcou o início de uma peds!llk.."
Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 143
1111 dovido a seu nascimento; ele torna-se Através do poder da nonna, o "normal" se estabelece como princípio
'1111.\ ninguém é titular21 . de coerção no ensino, regulamentando e, conjuntamente, medindo os desvi
os e tomando úteis as diferenças. Desta forma, se um estudante, um operá
lizocão rio, um soldado ou um presidiário, não se comportasse seguindo as nonnas
preconizadas pela instituição na qual estivesse inserido, este seria chamado
I l~ a sanção norrnalizadora que dá condi a responder por seu ato desviante, e desta forma retomar ao caminho pré
Ido~ qlll: se afastam da regra. Nesse sentido, estabelecido pelas normas da instituição, pelo conjunto de regras que ele
\I IIlfl'ator - por exemplo, o mal aluno - deve deve aceitar, seguir e cumprir. As sanções normalizadoras devem criar nos
l/rdo para o "reto e bom caminho", pois não indivíduos "anormais", não sujeitados e não resignados às regras,juntamente
11 i (bqucles sobre quem é exercido, mas sim com a vontade de se normalizarem, um reconhecimento entre a sua condi
f IIl1livíduos "normais", "dóceis" e "produti ção de "diferente" e as sensações de culpa, de inferioridade e de erro25 .
lllllllalização Foucault acrescenta:
Compreende-se que o poderda norma funcione facilmente den
1\111 que atravessa todos os pontos e contro tro de um sistema de igualdade formal, pois dentro de uma
, das instituições disciplinares compara, homogeneidade que é a regra, ele introduz, como um imperati
.I, homogeneiza, exclui. Em uma palavra, vo útil e resultado de uma medida, toda a gradação das diferen
'. (Ilspositivos disciplinares produziram uma ças individuais26 .
'1111", que é irredutível em seus principios e
ponalidade tradicional da lei 23 . o exame - o exame faz uma junção das técnicas da vigilância
hierarquizada com as técnicas da sanção normalizadora. Ele dá condições
I1l1ilr. vez de se punir utilizando exclusiva
L:1I1 para que a vigilância qualifique, classifique e puna com a maior eficiência.
('lIS l:XCCSSOS, utiliza-se fundamentalmente o
O exame combina as técnicas da hierarquia, que vigia, e as da
l'lIl1srituído pelas exigências e imposições
sanção, que normaliza. É um controle normalizante, uma vigi
11111 põc a normalização, cria processos cons
lância que permite qualificar, classificar e punir. Estabelece so
'111 qlll: "prescreve" e "padroniza" os hábitos,
bre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são di
I) "certo" e o "errado", punindo os possíveis
ferenciados e sancionados27 .
/l:COl1lpensas ou punições, os alunos ficam
11'; 4 dlls padrões de nomlalização disciplinar Na escola, segundo Foucault, o exame deve garantir a passagem
dos conhecimentos do mestre aos alunos e sua "medição", podendo,
tld. 110 exército funciona como repressora
também, extrair do aluno um saber que é reservado ao mestre28 . Nesse
111(\11(113 do tempo (atrasos, ausências, inter
sentido, a prática pedagógica na escola, enquanto exercícios de poder e
, d!l atividade (desatenção, negligência, falta
instituição de saber, pode estar, em muitas situações, vinculada às práti
111.' ',l~r (grosseria, desobediência), dos dis
cas de normalização.
IJi' l lIli:llcia), do corpo (atitudes "incorretas",
", ',lljeirêl), da sexualidade (imodéstia, inde A escola toma-se o local de elaboração da pedagogia. E do mes
1!'lnflo (' utilizada, a título de punição, toda mo modo como o processo do exame hospitalar permitiu a libe
'.o', slItis, que vão do castigo físico leve a ração epistemológica da medicina, a era da escola "examinatória"
li I'('qulmas humilhações 24 • marcou o início de uma pedagogia que funciona como ciência 29 •
144 ·Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as prátic
o exame é fundamental para a constituição do indivíduo como O poder é positivo e reloc 1111
efeito e objeto do poder-saber. Pois conforme o pensador, o indivíduo
Para o pensador francês, (;.'ill: li' I11
é, em grande parte, fabricado pelo poder disciplinar, por sua
"positividade", pelo poder produtor. Ao combinar a vigilância hierár presente no cotidiano da escola. l1:h I 111
mente repressivo, sob pena de ncghl:~ Ih I
quica e a sanção normalizadora, o exame realiza as grandes funções
seja, sua "positividade". Fouc.:1.ult I h-I. Ih
disciplinares de repartição e classificação dos indivíduos - alunos, do
poder, onde este não deve ser defillldo 111
entes, loucos, prisioneiros ... - de extração máxima de suas forças e do
e repressão, onde o perfil do pü<.k.. 1I:l\l ~ ,
seu tempo, de acumulação genética contínua, de melhor composição
imposição da lei que reprimiria aqlll:ll ~ 11
das suas aptidões. "Portanto, a fabricação da individualidade ce
motivo ou outro, atravessassem scu \ ,I
lular, orgânica, genética e combinatória "30.
Como vemos, os instrumentos que compõem as disciplinas cons Temos que deixar de descI ov
tituem-se em elementos produtores de sujeição. As pessoas subordi termos negativos: ele 'excluI" 'I
nadas às vigilâncias constantes, pressionadas pelos padrões de norma trai', 'mascara', 'esconde' Na,
lidade e submetidas a interrogatórios, a revistas e a observações, fa duz realidade, produz carn'lll'.
zem mais do que aceitar passivamente esta dominação: ao incorpora O indivíduo e o conheciml:llto
rem a vigilância e a normalização, exercem sobre si próprios a sujeI dessa produção 33 •
ção, tornam-se o "princípio de sujeição" para si mesmos: sujeitador e
sujeitado ao mesmo tempo. Uma das características fund.ull~·1l
positividade, é a capacidade de ser ptndl
Quem está submetido a um campo de visibilidade, e sabe forças para a obrigação ou para a prnílu"
disso, retoma por sua conta as limitações do poder; fá-Ias sobre os indivíduos, ele é exercido sob () :II
funcionar espontaneamente sobre si mesmo; inscreve em si a seu "bem-estar", criando nestes polari<!:Jd
relação de poder na qual ele desempenha simultaneamente mal aluno, o cidadão e o delinqüentc, o liul
os dois papéis; torna-se o princípio de sua própria sujeiçã0 31 . insubordinado e bademeilO, etc- institllÍdu
práticas de poder-saber que se aprcSl~lIl.1l
Como vimos até aqui, a disciplina - anátomo-política do corpo
que funcionam como injunção para qUI" -:
humano - constitui-se num conjunto de técnicas de poder centradas no Ao invés de se punir o aluno "prq~l
corpo, mais especificamente nos corpos individualizados. Elas são des, "desobediente", investe-se sobr"
exercidas a partir de procedimentos que asseguravam a distribuição dos pedagogias, estratégias para mudá-l(Js, p
corpos individuais e sua organização. As disciplinas também criam cam para torná-lo mais produtivos e mClJ()~ I
pos de visibilidade para capturar todos os movimentos dos corpos indivi Com isto Foucault não quer dizer que :1"
duais. Essas técnicas buscam, através de exercícios e treinamentos, au tam: o que quer acentuar é que esta I1:W \
mentar a força fisica dos corpos individuais, tornando-os submissos ao do poder. Assim, o poder possui l.ml~l VII
mesmo tempo. São também técnicas de racionalização e de economia, uma eficácia produtiva, uma riqueza l'''ll
isto porque esta modalidade de poder deve exercer-se com poucas des O poder não tem "dono" nem tUl1pl
pesas e muita eficiência, mediante sistemas de vigilância, de hierarquias, prática concreta do poder não se Iimit:l ;1 11
de inspeções, de escriturações e de relatórios constantes J2 . lugar o executa, mas sim dos múltiplos 1'11
s e Selvino José Assmann A escola e as práticas de poder disciplinar • 145
\lIal para a constituição do indivíduo como poder é positivo e relacional
IlH,:r, Pois conforme o pensador, o indivíduo
Ilcado pelo poder disciplinar, por sua Para o pensador francês, este poder espaUlado pelo corpo social e
produtor. Ao combinar a vigilância hierár- presente no cotidiano da escola, não pode ser definido como exclusiva-
adora, o exame realiza as grandes funções mente repressivo, sob pena de negligenciar sua característica principal, ou
• I~ classificação dos indivíduos - alunos, do-
seja, sua "positividade". Foucault defende uma concepção não-jurídica do
de extração máxima de suas forças e do poder, onde este não deve ser defmido fundamentalmente em termos de lei
1 gLlnética contínua, de melhor composição
e repressão, onde o perfil do poder não é traçado pela força proibitiva, pela
/1110, Cf fabricação da individualidade ce- imposição da lei que reprimiria aqueles que a desafiassem ou que, por um
(' (:ombinatória "30 , motivo ou outro, atravessassem seu caminho e ficassem à sua mercê.
Illl1entos que compõem as disciplinas cons- Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em
I cuJu tores de sujeição, As pessoas subordi-
termos negativos: ele 'exclui', 'reprime', 'recalca', 'censura', 'abs-
11 I lt.:s , pressionadas pelos padrões de norma-
trai', 'mascara', 'esconde'. Na verdade o poder produz; ele pro-
IIogatários, a revistas e a observações, fa- duz realidade, produz campos de objetos e rituais de verdade.
nssivamente esta dominação: ao incorpora- O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam
di/,ação, exercem sobre si própnos a sujei- dessa produção 33 •
I de sujeição" para si mesmos: sujeitador e
;I~II
11. Machado, In: Foucault, I990a, p. XVIII. 21. Foucault, 1990a, p. 219.
IIIIII
e Selvino José Assmann
A escola e as práticas de poder disciplinar • 149
fhl.ldu 1976, um ano depois de Vigiar e
I.:Il1
ó1:' :IÇÕCS do bio-poder. Este, por sua vez, se 16. Foucault, estudando os problemas da penalidade, percebeu que to-
llj;lllcas disciplinares com dispositivos de dos os grandes projetos de reorganização das prisões - que datam
I t \ li 11 objetivo de gerir, concomitantemente, a da primeira metade do século XIX - sofriam uma grande influência
lflularmc:ntc - e das populações. Cf.: Foucault, do modelo arquitetônico idealizado por Jeremy Bentham. Poucos
IHISl;a análise esteja centrada na discussão foram os textos, os projetos referentes às prisões em que o
1,1 Ja Violência nas Prisões", acrescentamos panopticon de Bentham não estivesse, ou pelo menos não influenci-
i.rillrcs - inúmeras entrevistas e os cursos do asse. Vale acrescentar que, para o pensador francês, o projeto de
Jlns% acentua o caráter relacional do poder. Bentham faz parte de uma urgência histórica "Parece-me que, no
1:11I1(,;, como práticas de correlação de forças, final do século XVIIJ, a arquitetura começa a se especializar.
t(tl: poder e resistência. Cf.: Foucault, In.: ao se articular com os problemas da população, da saúde, do
II)~. r. 231-249. urbanismo. Outrora, a arte de construir respondia sobretudo à
necessidade de man~festar o poder. a divindade, a força. (..)
1111/0 de partida necessário, o foco abso-
Ora, no final do século XVIII, novos problemas aparecem: tra-
j /J~(lm de todo tipo de poder social e do
ta-se de utilizar a organização do espaço para alcançar obje-
!'Ia partir para explicar a constituição
tivos econômico-políticos n. Foucault, 1990a, p 211.
l,oI(les capitalistas. Foi muitas vezes fora
/1 11.1' relações de poder. essenciais para 17. Foucault, 1993, p. 177.
rios saberes modernos, que, com 18. Foucau1t, 1993, p. 182.
, /"I'/ativamente autônomas. foram inves-
1Ir/1I,\' , tran~formadas por formas mais
19. Gore, In: Silva, 1995, p. 13··16.
'1Illcentradas no aparelho de EI,tado ".
f
20. Não se trata de dizer que nossas escolas atuais sejam inspiradas
I (jC)()a, p. XIV nos modelos arquitetônicos dos grandes presídios, ou que uma es-
I-I<J••. cola seja igual a uma prisão, mas de evidenciar que o panopticon,
em nossos dias, mostrasse como uma metáfora perturbadora e in-
I')l)()a, p XVII.
quietante, em relação as práticas atuais de controle e vigilância. O
aperfeiçoamento dos dispositivos de segurança nas escolas - as
câmeras de vídeo e os auto-falantes nos corredores, nos banheiros,
nas salas de aula - exemplifica a atualidade da discussão
foucauldiana sobre esse dispositivo disciplinar.
'I/I)()a, p. XVIll. 21. Foucau1t, I990a, p. 2 I9.
22. É importante que quando necessária, a violência não seja excessi-
va, mas calculada, no sentido de possibilitar um efeito produtivo.
Nessa perspectiva, ao discutir a visibilidade do poder, com base na
análise foucauldiana, Muricy afirma que a preocupação de Ben-
ti tham "é a de realizar uma economia política das penas e dos
prazeres, isto é, a distribuição racional do medo e do sofri-
150 -Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
menta que não aniquile o corpo útil para a produção. Seu cam- portanto segundo o u.so ({//(' Sr' I
po de experimentação será, naturalmente, o sistema penitenci- írem da escola; exercer sof,l'l' ~ {I
ário ". A autora acrescenta: "Sem invocar qualquer humanismo, que se submetam todos (/0 11ft
Bentham é contra a pena de morte, imenso desperdício de for- obrigados todos juntos "ú .\/Iho/
ça produtiva, e contra as torturas que causem mutilações ção nos estudos e nos exer('/Clr II
irreversíveis, duplo prejuízo, do corpo útil e de dinheiro: afi- e de todas as partes da dis"lf,1i1
nal, será o Estado que arcará com o sustento dos corpos inca- çam", Foucault, 1993,p.16\
pacitados para o trabalho. Mas é a favor de uma máquina
26. Foucault, 1993, p. 164.
precisa de tortura, livre da imprecisão dispendiosa do carrasco;
e propõe a construção de uma máquina cilíndrica de material 27. Foucault, 1993, p. 164.
elástico, espécie de pau-de-arara industrializado" Cabe dizer 28. Para Foucault, na escola os l'~;1l
que, idéias como estas de Bentham expressam um lado estrategi- avaliações sobre os diversos 1.:\ llll
camente violento e moralmente questionável das práticas cos, nota (gratificação) peln P(\I!ll
institucionais de poder e de saber na modernidade. extra-classe, entre outros.
O indivíduo sujeitado ao panopticon é constantemente submetido 29. Foucault, 1993, p. 166.
a vigilância e é sempre objeto de informação e não um interlocutor
ativo, livre na relação comunicativa. O panopticon possibilita o 30 Foucault, 1993,p. 171.
controle das massas, controlando os indivíduos de forma que estes 31. Foucault, 1993,p. 179.
se sintam "uma coleção de individualidades solitárias e vigia-
32 Foucault, 1999, p. 288.
das pelo olhar ". Panopticon, poder onipresente e onisciente, prin-
cípio de sujeição. Muricy, In: Novaes, 1995, pp. 482-484. As análi- 33. Foucault, 1993, p. 172.
ses que Foucault faz sobre as dimensões desta tecnologia de poder,
34. Segundo Foucault, a "verdade" 1.:,<;111
lançam sobre alguns dos grandes ideais modernos, que tem como
que a produzem e apóiam, c J d~'ll
pressuposto a "aposta" no caráter fundamental da razão e autono-
reproduzem. A isto ele charna. UC "I"
mia humanas, não só a desconfiança em seus resultados práticos,
edade tem seu regime de verdade. ~\1l1
mas também na própria legitimidade absoluta destes valores. O "re-
os tipos de discurso que ela privikl',Hl
alismo" de Foucault coloca em xeque os "pilares" que sustentam o as instâncias que possibilitam a di... llll
otimismo na constituição do homem moderno e seus valores: "As
fulsos, as técnicas e procedimclll\>); '1111
'Luzes' que descobriram as liberdades inventaram também as verdade, o estatuto daqueles qUi,.: \1'1lI
disciplinas". Foucault, 1993,p 195. como verdadeiro. O autor cscl~l.f~l'"
23. Foucault, 1993, p. 163. dade não existe fora do puder O/I
um mito, de que seria necessúrlo "
24. Foucault, 1993, p. 159.
a recompensa dos espíritos lMl'," (
25. Em relação aos processos de normalização dos alunos o pensador légio daqueles que souberam \'l' /1
enfatiza: "Duplo efeito dessa penalidade hierarquizante.· dis- ela é produzida nele graças (/ 1/1//1
tribuir os alunos segundo suas aptidões e seu comportamento, tos regulamentados de pode r" h 111'
e Selvino José Assmann
A escola e as práticas de poder disciplinar • 151
11' c-'orpo útil para a produção. Seu cam-
li
portanto segundo o uso que se poderá fazer deles quando sa-
• ,I (,lá, naturalmente, o sistema penitenci-
írem da escola; exercer sobre eles uma pressão constante, para
'11(<1: "Sem invocar qualquer humanismo,
que se submetam todos ao mesmo modelo, para que sejam
l'IItI de morte, imenso desperdício de for-
obrigados todos juntos "à subordinação, à docilidade, à aten-
1'0 ({.I' torturas que causem mutilações
ção nos estudos e nos exercícios, e à exata prática dos deveres
'1'//1/20, do corpo útil e de dinheiro: afi-
e de todas as partes da disciplina ". Para que, todos, se pare-
, ,,,,,:ará com o sustento dos corpos inca-
·I,({lho. Mas é a favor de uma máquina
çam ", Foucault, 1993, p. 163.
',' da imprecisão dispendiosa do carrasco; 26. Foucault, 1993,p. 164.
I ile uma máquina cilíndrica de material
27. Foucault, 1993, p. 164.
/11 de-arara industrializado ". Cabe dizer
d.,; Bcntham expressam um lado estrategi- 28. Para Foucault, na escola os exames acontecem constantemente:
IInra]mente questionável das práticas avaliações sobre os diversos conteúdos ministrados, exames físi-
I; dc saber na modernidade. cos, nota (gratificação) pela participação nas atividades em sala ou
extra-classe, entre outros.
!ianopticon é constantemente submetido
I,
ll>jcto de informação e não um interlocutor 29. Foucault, 1993, p. 166.
cU1l1unicativa. O panopticon possibilita o 30. Foucault, 1993, P 171.
111 rolando os indivíduos de forma que estes
() de individualidades solitárias e vigia- 31. Foucault, 1993, p. 179.
'!Icon, poder onipresente e onisciente, prin- 32. Foucault, 1999, p 288.
v. In Novaes, 1995, pp. 482-484. As análi-
33. Foucault, 1993,p 172.
n.; as dimensões desta tecnologia de poder,
I~~ grandes ideais modernos, que tem como 34. Segundo Foucau1t, a "verdade" está sempre ligada a sistemas de poder
ll() caráter fundamental da razão e autono- que a produzem c apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a
d<.,:sconfiança em seus resultados práticos, reproduzem. A isto ele chama de "regime de verdade". Assim, cada soci-
,('git imidade absoluta destes valores. O "re- edade tem seu regime de verdade, sua "politica geral" de verdade, ou seja,
iC:l em xeque os "pilares" que sustentam o os tipos de discurso que da privilegia como verdadeiros, os mecanismos e
, do homem moderno e seus valores: "As as instâncias que possibilitam a distinção dos enunciados verdadeiros dos
/11 1/.1' liberdades inventaram também as fàlsos, as técnicas e procedimentos que são valorizados pam a obtenção da
1)IU, p 195. verdade, o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona
como verdadeiro. O autor esclarece: "O importante, creio, é que a ver-
dade não existe fora do poder ou sem poder (não é - não obstante
um mito, de que seria necessário esclarecer a história e as fUnções _.
'i(lc normalização dos alunos o pensador a recompensa dos espíritos livres, o .filho das longas solidões, o privi-
penalidade hierarquizante: dis-
I/,',I',I'({
légio daqueles que souberam se libertar). A verdade é deste mundo;
/" S/IIIS aptidões e seu comportamento,
ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efei-
tos regulamentados de poder". Foucault, 1990a, p. 12.
152 ·Nei Antonio Nunes e Selvino José Assmann A escola e as práticas d
35. Machado, In: FoucaultT, 1990a, p. XIV _ _o Resumo dos cursos do ('()//j'.l~"
de Janeiro: Jorge Zahar, 1997
36. Como alerta Machado, as análises de Foucault sobre o poder fa-
_ _o Em defesa da sociedade. Sao 1',1
zem parte de investigações históricas criteriosamente delimitadas,
_ _o Nietzsche, Freud e Marx Ihl',,1
com objetos bem demarcados. Mesmo que muitas vezes suas afir-
: Princípio, 1987.
mações expressem uma ambição englobante - pelo seu caráter
_ _o El sujeto y el poder. México: 1<\
polêmico e até provocativo - serve de alerta não perdermos de
nO 3 jul/set, 1988.
vista que são análises particularizadas e que não devem simples-
. Herculine Barbin: o diário lli-
mente ser aplicadas indistintamente a novos objetos, fazendo-lhes
assumir um caráter metodológico que lhes conferiria universalidade. neiro : Presença, 1982.
Assim, quando o autor começa a trabalhar a questão do poder, foi HALL, Stuart. A identidade cultl/m/ ,
em resposta às questões levantadas pelas pesquisas realizadas so- Janeiro: OP&A, 1998.
bre a história da penalidade. Surge nesse momento, para ele, o pro- JARA, José. Foucault y la .ftlosojicl: 11.
blema de uma relação específica do poder sobre os indivíduos racas: Revista Venezolana de Filoso!
enclausurados, um poder que incidia sobre seus corpos e utilizava LEBRUN, Gerard. Passeios ao léu S;1l1
uma tecnologia própria de controle. Como vimos, essa tecnologia MACHADO, Roberto. Ciência e Si/h('/'
não era exclusiva da prisão, podendo ser encontrada em outras de Foucault. Rio de Janeiro: Gr:l:,I.
instituições e espaços sociais, como: hospitais, casernas, escolas, TOMAZ, T. da Silva (org.). () '\'''fl'
fábricas ... Cf. Machado, 1982, p. 194. foucaultianos. Petrópolis : Vozes. 111
NOVAES, Adauto (org.). O olhar. São P:\ld
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1111;1 ambição englobante - pelo seu caráter : Princípio, 1987.
lI(':llivo - serve de alerta não perdermos de _ _o El sujeto y el poder. México: Revista Mexicana de Sociologia,
N p:lrticularizadas e que não devem simples- nO 3 jul/set, 1988.
IHlislintamente a novos objetos, fazendo-lhes _ _o Herculine Barbin. O diário de um hermafrodita. Rio de Ja-
·f()dológico que lhes conferiria universalidade. neiro : Presença, 1982.
li f,,;omeça a trabalhar a questão do poder, foi HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
'<:s levantadas pelas pesquisas realizadas so- Janeiro: DP&A, 1998.
Illdack. Surge nesse momento, para ele, o pro- JARA, José. Foucault y la filosofia: una seducción perversa? Ca-
(I cspecífica do poder sobre os indivíduos racas: Revista Venezolana de Filosofia, nO 23, 1987.
lI! I.: r que incidia sobre seus corpos e utilizava LEBRUN, Gerard. Passeios ao léu. São Paulo: Brasiliense, 1983.
1;1 de controle. Como vimos, essa tecnologia MACHADO, Roberto. Ciência e saber. a trajetória da arqueologia
prisão, podendo ser encontrada em outras de Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
sociais, como: hospitais, casernas, escolas, TOMAZ, T. da Silva (org.). O Sujeito da educação - estudos
1(1 1982, p. 194. foucaultianos Petrópolis: Vozes, 1995.
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