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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas

e Ciências Sociais – Ano 14 Nº35 vol. 03 – 2018 ISSN 1809-3264

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DISCUTINDO QUESTÕES DE IDEOLOGIA E PODER NAS AULAS DE


LÍNGUA PORTUGUESA.

Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho60


Andrenna dos Santos Costa61
Edilene Rodrigues Afonso62

Resumo
O presente trabalho discorre sobre os conceitos de Poder e Ideologia e como eles se realizam na
escola, sobretudo nas aulas de Língua Portuguesa. Apresenta um panorama histórico do ensino do
Português no Brasil e faz análise de como os alunos são interpelados pelas Ideologias de Estado e
como se comportam quando são confrontados com esses temas conflitantes nas aulas.
Palavras-chave: Ideologia – Poder – Língua Portuguesa – Sala de aula

Abstract
The present work deals with the concepts of Power and Ideology and how they are realized in the
school, mainly in the classes of Portuguese Language. It presents a historical overview of the
teaching of Portuguese in Brazil and analyzes how students are questioned by State Ideologies and
how they behave when confronted with these conflicting themes in class.
Keywords: Ideology – Power – Portuguese – Classroom

Introdução

Neste artigo apresenta-se uma reflexão sobre ideologia e poder presentes nas aulas de
língua portuguesa e como a escola colabora com a manutenção e reprodução dessas ideologias, que
são, predominantemente, das classes mais abastadas. Trata de um fenômeno histórico e que sempre
se torna atual. O recorte, aqui abordado, traz como aporte teórico Louis Althusser (1974), Michel
Foucault (2004), Pierre Bourdieu (2003), os PCNs do Ensino Médio (2000), dentre outros, que
contribuem para o melhor entendimento desses temas, que são pouco discutidos na escola,
principalmente nas aulas de Língua Portuguesa.

Iniciando a discussão acerca do tema, Althusser (1974), afirma que na sociedade existem
instituições que ele chama de Aparelhos Ideológicos do Estado e aponta a escola como sendo a
principal delas. Ele diz que “seria a escola o aparelho ideológico que desempenha papel dominante
na sociedade, encarregando-se desde os primeiros anos a ritualizar as crianças” (ALTHUSSER,
1998 apud RIBEIRO, 2012, p. 84). Na visão do autor, o homem passa grande parte da sua vida na
escola, principalmente nas fases de formação de pensamento, desenvolvimento intelectual, em sua
descoberta de mundo, etc., e é nela, onde deveria receber emancipação de pensamento, libertação,
porém é onde ele é mais aprisionado. Crianças treinadas para reproduzir a cultura, as ideias da
classe dominante, para corroborar o poder do Estado capitalista, o que só acentua as desigualdades
sociais, justamente no lugar onde ela deveria ser combatida.

O objetivo deste trabalho é identificar como os alunos se portam diante desses temas
conflitantes e como essas discussões contribuem para a formação do aluno enquanto ser social. A

60 Doutorando em Letras pelo PPGL da Universidade do Oeste do Paraná - Unioeste, Mestre em Educação
pelo PPGE da UCB. Docente da Universidade Federal do Maranhão –UFMA Campus São Bernardo -
MA/Brasil. E-mail: nicomedes@gmail.com
61 Graduanda em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal do Maranhão.
62 Graduanda em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal do Maranhão.
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metodologia gira em torno de pesquisa bibliográfica e da realização de um projeto de intervenção,


onde foram feitas discussões a partir das visões dos teóricos neste trabalho abordados, sobre Poder
e Ideologia na Escola, especificamente nas aulas de Língua Portuguesa. Para analisar, na prática,
como esses temas são discutidos em sala de aula, foi aplicado um projeto de intervenção numa
escola pública, propondo a discussão de um tema conflitante: A Redução da Maioridade Penal. Na
aula foram disponibilizados dois textos com duas vertentes de pensamento sobre o assunto, onde,
após os textos serem lidos pelos alunos, foi realizado um debate, tomando como base para os
argumentos os textos lidos.

A primeira parte deste artigo apresenta um panorama do trabalho e traz as questões


metodológicas utilizadas na pesquisa, enquanto a segunda, discorre sobre o aporte utilizado para
fundamentar as ações feitas durante a elaboração do trabalho, bem como os conceitos dos temas
aqui abordados; a terceira seção traz análises e resultados da pesquisa, como discussões que tratam
criticamente tudo o que foi observado, as experiências com a aplicação do projeto e todas as
constatações obtidas, e por fim, as considerações finais, trazendo os pontos negativos e positivos de
tudo o que foi abordado.

Ideologia e poder na sala de aula

O termo ideologia, bastante citado na atualidade, surgiu pela primeira vez no livro Eléments
d’Ideologie (1801) de Destutt de Tracy, que buscava a elaboração da ciência da gênese das ideias. A
ideologia não se trata de um sistema filosófico ou de ideias políticas sobre a organização do mundo,
não se deve pensá-la como constituindo a produção arbitrária de ideias, através de uma classe
dominante, que tem o intuito de perpetuar sua dominação. Alguns importantes autores, dentre os
quais estão Michel Foucault (2004) e Pierre Bourdieu (2003), descartaram completamente o
conceito de ideologia, pois acreditavam que haveria uma análise social que, consequentemente,
transformaria os indivíduos em “alienados”, satisfazendo aos interesses de uma classe dominante.

Para Pierre Bourdieu, “ele [o sistema de ensino] mantém a ordem preexistente, isto é, a
separação entre os alunos dotados de qualidades iguais de capital cultural” (BOURDIEU, 2003, p.
37). Neste ponto ocorre a análise social que transformaria os indivíduos em “alienados”, e estes, na
visão de Bourdieu, são aqueles que estão em desvantagem por não serem dotados de capital cultural
semelhante àqueles que o herdaram de berço. Não é diferente da opinião de Foucault, que também
acreditava que após essa análise, os indivíduos seriam transformados em “fantoches”, pessoas
alienadas pela classe dominante.

As ideologias existem desde as primeiras civilizações, e conforme as aspirações de cada


época e lugar, elas são inculcadas na sociedade através de mecanismos de poder, que contribuem
tanto para diminuir as desigualdades quanto para aumentá-las. Elas agem através das diversas
instituições sociais, que se tornam Aparelhos Ideológicos do Estado. Nesse caso pode-se pensar na
Escola como aparelho ideológico que desempenha papel dominante na sociedade, e exerce seu
domínio sobre os indivíduos desde os primeiros anos. É o lugar onde a criança passa a maior parte
do tempo, por um período significativo, seguindo as normas e instruções da instituição,
obrigatoriamente e por um longo período. Em afirmação a esse pensamento, Althusser diz:

Desde a pré-primária, a Escola toma a seu cargo todas as crianças de todas as


classes sociais, e a partir da Pré-Primária, inculca-lhes durante anos, os anos em
que a criança está mais «vulnerável», entalada entre o aparelho de Estado
familiar e o aparelho de Estado Escola, «saberes práticos» (des «savoir faire»)
envolvidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história, as ciências, a
literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no estado puro (moral,
instrução cívica, filosofia). (ALTHUSSER, 1974, p. 64)
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Althusser enfatiza que o sistema escolar, com o seu papel educacional, inspira
confiabilidade a toda a sociedade e as famílias, que confiam a educação de seus filhos durante
longos anos. Durante esse período, implicitamente, as crianças são treinadas e orientadas para ter
como melhor cultura, melhor religião, melhor costume, o que faz parte da realidade de uma minoria
e que talvez esteja longe da sua realidade. Porém, essa Instituição é um dos principais aparelhos da
classe dominante, usada para acentuar e manter o seu poder sobre as massas. O termo poder é
originado do latim "potere" e significa o direito de deliberar, agir e mandar. Pode-se definir também
como "a capacidade ou possibilidade de agir ou de produzir efeitos" e "pode ser referida a
indivíduos ou a grupos humanos". (BOBBIO, 1999, apud BRÍGIDO, 2013). Foucault também
discorre sobre o conceito de poder afirmando que:

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de
alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e
se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão
sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo
inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros
termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles. (FOUCAULT,
2004 apud BRÍGIDO, 2003, p. 60).

Para Foucault o poder não é algo cedido aos governantes pelas pessoas, mas acontece
como uma relação de forças, estando presente em todas as classes, fazendo com que todos estejam
envolvidos por relações de poder e não podem ser independentes a elas, pois o poder não é algo
isolado, ele funciona em cadeia, passando pelos indivíduos. No ato da disciplina, vê-se mais
explicitamente, a manifestação das relações de poder entre os sujeitos. Normas impostas por
alguém ou um grupo, que devem ser indiscutivelmente obedecidas, sem questionamentos, e que
estão amparadas pela justiça, portanto não é tido como um poder repressor, autoritário, etc.

A Língua Portuguesa, desse modo, pode se tornar uma grande ferramenta para a
disseminação de ideologias, pois a língua é capaz de manipular, influenciar e dominar o indivíduo.
O PCN do Ensino Médio corrobora essa afirmação:

Haverá sempre o jogo da alteridade manifesto pela linguagem, o poder de


manipular o discurso autoritário do “eu mando, você faz”, os papéis assumidos
pelos interlocutores que evitam ouvir os subalternos, porque esses não detêm,
no turno do diálogo, o poder simbólico/econômico. As figuras mãe/pai/filho,
professor/aluno, patrão/empregado podem servir de exemplo. (BRASIL, 2000
p. 19)

Mais uma vez se confirma o poder da minoria, quando a classe dominante, naturalmente se
promove como a detentora da razão através de seu discurso, que é sempre o correto e aceitável, e
por possuírem esse respaldo, os alunos devem consentir e reproduzir o que está sendo imposto.
Diante dessa realidade, se têm alunos silenciados nas aulas de Língua Portuguesa, não se sentindo
pertencentes ao mundo da linguagem que está sendo apresentado, e considerando sua própria
língua e opiniões incapazes de se posicionar ou até mesmo resistir.

Discutindo temas, tecendo opiniões

No projeto de intervenção, aplicado na Escola Municipal Antonio Batista Vieira, na cidade


de Magalhães de Almeida – MA, com alunos do 9º ano, foi analisado o comportamento dos alunos
quando confrontados com um tema que envolvia ideologias divergentes. O tema discutido na sala
foi a redução da maioridade penal. A aula teve início com uma breve exposição dos conceitos de
Educação, poder e Ideologia, onde buscou-se instigar os alunos a pensarem nas manifestações das
relações de poder e ideologias que existem em seu cotidiano.
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Após esse primeiro momento, foi apresentado o tema a ser trabalhado na aula: “A redução
da maioridade penal”, sendo levantado um prognóstico para identificar os conhecimentos prévios
dos alunos a respeito do assunto e seus pontos de vista. Prontamente, toda a turma, concordava
com a sanção da nova lei. A maioria costumava assistir telejornais policiais, onde era feita apologia à
redução da maioridade penal, e também sofriam influências dos meios sociais que estavam inseridos
como, família, círculo de amigos e também na escola, onde a maioria dos professores é a favor da
emenda. Quando questionados se tinham conhecimento do sistema penal do Brasil, se conheciam o
ECA e as medidas que ele aplicava para os menores infratores, a resposta unânime foi que não.

O senso comum imperava na opinião dos alunos. Eles não tinham familiaridade com o
assunto, não criticavam suas próprias concepções, mas com veemência defendiam a ideia de que a
partir dos 16 anos o adolescente deveria ser submetido ao código penal. E discutiam um tema de
tamanha importância, acreditando estarem certos do que afirmavam, sem terem estudado ou
pesquisado sobre o assunto. Sobre essa postura, Freire (1996) enfatiza:

Mais séria ainda é a possibilidade que temos de docilmente aceitar que o que
vemos e ouvimos é o que na verdade é, e não a verdade distorcida. A capacidade
de penumbrar a realidade, de nos "miopizar", de nos ensurdecer que tem a
ideologia, faz, por exemplo, a muitos de nós, aceitar docilmente o discurso
cinicamente fatalista neoliberal que proclama ser o desemprego no mundo uma
desgraça do fim do século. (p. 79).

Freire destaca a facilidade com que as pessoas recebem o que ouvem e veem sem criticar,
sem duvidar ou contestar. Muitos, naturalmente, ao receber uma notícia em um jornal televisivo,
em um programa de televisão, apenas pelo reconhecimento que tem a fonte de informação, tomam
para si o que foi divulgado, sem avaliar sob outros olhares aquela ideia pronta. As mesmas ações
foram observadas durante o projeto de intervenção, nas primeiras discussões. Muitos alunos
levantaram a questão de que todos os menores infratores roubavam, traficavam, etc. por escolha
própria. Alegavam que o sistema ou a sociedade em nada colaboravam, mesmo que indiretamente,
para a entrada prematura dos jovens na criminalidade e que, com esforço próprio, todos sairiam da
margem da pobreza.

O discurso dos alunos estava claramente embebido da ideia da meritocracia, onde, por
mérito, por esforço próprio, mesmo que com condições desvantajosas em relação a jovens das
classes mais abastadas, todos os jovens das classes baixas (levando em conta que os adolescentes
das classes menos favorecidas são o maior percentual dos menores infratores), poderiam ser bem-
sucedidos economicamente e ascender socialmente, e consequentemente esquivar-se da
criminalidade.

Após a realização dos primeiros diálogos com a turma, a fim de levantar um prognóstico
sobre seus posicionamentos, foram apresentados a eles, dados que apontavam o estado caótico do
sistema carcerário brasileiro, bem como o contraste do índice de reincidência dos adultos que eram
presos e dos menores que eram internados nos centros de reabilitação para adolescentes infratores.
Vários fatores contrastantes foram discutidos, inclusive que, o que estava sendo apresentado a eles
também deveria ser avaliado e criticado pelos mesmos, e não, recebidos como verdade absoluta.

Depois das discussões iniciais, a sala foi dividida em dois grandes grupos, onde para cada
grupo foi entregue um texto com pontos de vista opostos a respeito do que estava sendo tratado.
Ao final do tempo estabelecido para que os alunos realizassem a leitura dos textos, foi realizado um
debate na sala. Alguns alunos vociferavam que os adolescentes deveriam ser presos e alguns poucos
permaneciam em silêncio. Ao serem instigados a levantar ideias a partir dos argumentos do texto,
poucos conseguiram manter essa coerência. Os alunos continuavam a debater a partir de seus
pontos de vistas iniciais, o que demonstra que os mesmos não praticavam essas discussões e tinham
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pouca criticidade ao se deparar com um texto. A discussão causou um certo tumulto na turma, pois
a maioria não aceitava o ponto de vista daqueles que não concordavam com a redução da
maioridade penal. Os PCNs do Ensino Médio (2000) afirmam que:

Não aceitar a diversidade de pontos de vista é um desvio comum em uma


relação pouco democrática. A língua serve de faca afiada nessas situações. A
comunicação acaba por sugerir, quando a pressão é grande, atitudes não
verbalizadas como a violência simbólica ou física. O enfretamento verbal ainda é
a melhor saída, se não quisermos gerenciar o caos. (BRASIL, 2000, p. 19)

O silenciamento da minoria dá a entender que é mais fácil calar diante de situações que
geram discussão do que expor suas reais ideias por medo da repressão da maioria dominante. Os
alunos que ficaram calados sem expor suas opiniões por não terem conhecimento a respeito do
assunto, apenas se conformavam com a voz da maioria, até que fossem instigados a defender seu
ponto de vista. A ideologia que defende a redução da maioridade penal, imposta pela maioria da
turma, fez com que alguns se retraíssem e silenciassem sua voz.

Ao final, foi solicitado que a turma escrevesse um texto, esclarecendo seu posicionamento
acerca do tema discutido. Uma aluna de 15 anos escreveu: “Na minha opinião, eles têm que ser
punidos. Porque um adolescente tem a capacidade de matar, [...] e não pode ser punido? Não sou a
favor da tortura, mas da punição”. A aluna em questão se baseava no princípio que se um
adolescente tem condições de praticar o que não é lícito, ele pode arcar com as consequências de
seus atos, sendo punido como qualquer criminoso.

Poucos alunos participaram da última proposta, a produção textual. Contudo, no texto de


uma aluna de 13 anos percebeu-se que houve uma mudança de posicionamento depois de alguns
debates. Ela afirmou que é a favor da permanência da maioridade penal aos 18 anos, pois “muitas
pessoas cometem crimes pela falta de uma Educação de qualidade”, afirmou a aluna. Defendeu que
a redução da maioridade penal não resolveria o problema de violência no país, mas que ao contrário
disso, o agravaria. Em outros textos, as opiniões permaneciam pouco críticas e demonstravam que
a maioria não havia apreendido o que havia sido discutido e que ainda defendiam suas opiniões
baseados nos argumentos do senso comum.

Considerações finais

Portanto, conclui-se que o processo de emancipação intelectual de um aluno, que está


acostumado e naturalmente adaptado a receber e entender toda a organização na escola, na
sociedade e as regras a sua volta como boas e inclusivas, requer disposição, esforço e astucia do
professor. Iniciativas iguais a estas devem ser tomadas nos próprios conteúdos programáticos das
aulas de Língua Portuguesa, proporcionando trocas de conhecimento e informações. Esse é
exatamente o ambiente que a sala de aula deveria ser. Desse modo, temas que discutam as
ideologias e relações de poder presentes na sociedade e principalmente na escola, devem ser levados
para as aulas de LP para o maior desempenho e desenvolvimento do raciocínio crítico dos alunos.

A escola recebe as crianças de todas as classes sociais desde o Maternal e, a


partir daí, com os novos e igualmente com os antigos métodos, ela lhes inculca,
durante anos e anos, no período em que a criança é mais ‘vulnerável’,
imprensada entre o aparelho de Estado Família e o aparelho de Estado
Escola, determinados “savoir-faire” revestidos pela ideologia dominante
(língua materna, cálculo, história natural, ciências, literatura), ou muito
simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral e cívica, filosofia)”.
(ALTHUSSER, 1999 apud CASSIN, p. 20).
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Sendo assim, a escola, um lugar em que as desigualdades deveriam ser banidas, se torna o
lugar em que elas mais são acentuadas, e de maneira arbitrária e invisível. O Estado, pela maneira
como organiza o ensino, reproduz a relação de burguesia e proletariado, onde a grande massa é
treinada para servir a minoria, sendo a base da pirâmide impedida de crescer economicamente e
ascender socialmente. Portanto, trabalhar na sala de aula temas que envolvam ideologias
hegemônicas, bem como as relações de poder que fazem parte do cotidiano e que devem ser
conhecidas para que se saiba como lidar ou até mesmo lutar contra algumas delas, é
demasiadamente relevante para a formação dos alunos.

A língua portuguesa, nesse caso, é uma ferramenta eficaz para que se alcance resultados
produtivos em uma discussão que envolva temas como esses. Um dos objetivos gerais para os
alunos do Ensino Fundamental, segundo o PCN da Língua Portuguesa é “conhecer e analisar
criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou
etnia”. (BRASIL, 1997, p. 33). Assim, nos diversos textos que são trabalhados nessas aulas, nas
variações linguísticas dos alunos, pode ser observado a complexidade e riqueza que a língua traz
consigo, promovendo debates sobre igualdade, diversidade cultural, etc.

Portanto, os textos literários ou não, a gama de recursos que essa disciplina dispõe, auxiliam
na emancipação de pensamento, no entendimento do aluno como agente transformador de si e do
meio em que está inserido. Afinal, como afirma Althusser (1918 apud RIBEIRO, 2012, p.83) as
ideologias não existem no campo das ideias, mas se materializam em nossos costumes, ações, etc.
Desse modo, é imprescindível que o conhecimento sobre esses fatos, seja produzido através da
discussão sistemática, mediada pelo professor nas aulas. Porém, é sabido que os desafios são
inúmeros, pois para que se consiga instigar o raciocínio crítico dos alunos, é necessário que o
professor busque estratégias diversificadas e inovadoras, que confrontem seus próprios paradigmas,
auto avaliando-se e criticando suas próprias ideias e maneiras de trabalhar em sala de aula.

As transformações que ocorreram ao longo dos anos no ensino da língua portuguesa, estão
embebidas por ideologias e por intenções, que bem articuladas, cauterizaram as mentes das pessoas
e as controlaram de acordo com os anseios de cada época, sem que isso fosse percebido. Só através
do pensamento analítico a respeito das ações tomadas pelo estado, pela escola, pelo próprio
professor e seus alunos é que se pode perceber o domínio ideológico pelo qual os alunos e
professores, bem como toda a sociedade, são submetidos, para assim, buscar alternativas que
modifiquem essa situação.

Referências
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Editorial Presença; São Paulo: Martins
Fontes, 1974.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs): Língua Portuguesa. Ensino Fundamental, terceiro e quarto
ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf> Acesso em:
10 Fev. 2017
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, p.1-23, 2000. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf> Acesso em: 09 Fev. 2018
BRÍGIDO, Edimar Inocêncio. Michel Foucault: Uma Análise do Poder. Rev. Direito Econ. Socioambiental,
Curitiba, v. 4, n. 1 p. 56-75, jan./jun. 2013.
BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 3. ed. Campinas: Papirus, 2003. (Publicado originalmente
em francês, 1994).
CASSIN, Marcos. LOUIS ALTHUSSER: Aparelhos Ideológicos de Estado e a Escola.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
LORENSET, Rossaly Beatriz Chioquetta. Unoesc & Ciência – ACHS, Joaçaba, v. 5, n. 2, p. 155-162, jun./dez. 2014
RIBEIRO, Sheila Santos Carvalho. A IDEOLOGIA DA ESCOLA PARA ALTHUSSER: Definições e
Contraposições. Revista Fasem Ciências. Vol. 2, n. 2, Jul/Dez. 2012.
TRACY, M. Destutt C. de. Elementos de ideologia. Trad. Nuno Melim. Troisième Ed.: Paris, 1804.
Enviado em 30/04/2018
Avaliado em 15/06/2018

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