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RACIONAIS MC's
RESUMO: O Rap sempre foi um estilo musical muito presente nas periferias das grandes cidades;
pela música, os rapers narram a realidade das grandes cidades, apresentando as mazelas, o abandono
do Estado e os anseios de quem habita naquelas regiões. Através de um jogo de palavras, sentidos são
construídos, deslizados ao longo da história, as vozes das periferias, dos excluídos, e guetizados,
foram silenciadas e empurradas para um espaço sem possibilidades, literalmente na errância da
estrada. Esta pesquisa objetiva analisar como sujeito, memória e silenciamentos se entrelaçam e
produzem efeitos de sentido na letra da música O homem na estrada dos racionaisMC’s.
Metodologicamente, este trabalho se apoia no aporte teórico da Análise do discurso (AD) de linha
francesa, tendo como principais referências, Pêcheux (2009 [1975], 2007, 2011), Indursky (2011).
Como corpus da pesquisa, selecionei a música O homem na estrada, que foi analisada tendo como
principal viés a memória, o interdiscurso e o silenciamento. Como resultados preliminares, observou-
se que o sujeito é atravessado por um discurso capitalista, as memórias são, principalmente, coloniais,
que falam da realidade de abandono dos escravos e isso se reflete nas favelas, locais onde o Estado
não chega e onde os sujeitos não tem direitos.
INTRODUÇÃO
As periferias e as as pessoas que as habitam tem sido alvo de uma cruzada que as
marginalizam, segregam e associam seus habitantes e tais locais à toda sorte de coisas
ruins. Essas pessoas e locais silenciados que são, buscam outras formas de resistir e por
simbolizar. O Rap, bem como outras manifestações artísticas, como o grafite e a escultura,
tem sido agentes das vozes destes sujeitos excluídos pelo Estado.
As músicas elaboradas e cantadas por rapers oriundos das “quebradas”, narram as
histórias vividas por aqueles sujeitos, de como suas trajetórias são apagadas e/ou
interrompidas.
A música o homem na estrada do Racionais MCs traz em seus versos enunciados
carregados de histórias, e sentidos que estão à deriva. Buscando analisar como sujeito,
memória e silenciamentos se entrelaçam e produzem efeitos de sentido na letra da música
O homem na estrada dos racionaisMC’s que propomos esta pesquisa. Para isso, buscamos
na Análise do discurso de linha francesa (doravante: AD), o embasamento teórico e
metodológico para as análises do corpus da pesquisa. Para isso, me apoiei nos postulados
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Mestre em Educação, Doutorando em Letras – Cultura e Sociedade da Universidade do Oeste do Paraná-
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Unioeste, Membro do GEAD - Grupo de Estudos em Análise de Discurso (Unioeste), professor do Curso de
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Entendemos por Formação discursiva (FD), como tudo aquilo que pode e deve ser dito em determinadas
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Ao enunciar que precisa recomeçar sua vida, e que não vai mais retornar ao crime, o
sujeito recupera dizeres que falam que um sujeito para se inserir no mundo capitalista e
social, precisa ser produtivo, trabalhar para produzir renda e consumir bens das mais
diversas formas. O fato de estar preso, o exclui e o torna improdutivo, isso o silencializa
socialmente.
A busca por acúmulo e consumo fica marcado pela repetição do enunciado “Sim,
ganhar dinheiro, ficar rico”, esse enunciado se repete no texto em outras partes, como
apresento nas SDs 2 e 3, como a seguir:
SD2: Uma semana depois chegou o crack
Gente rica por trás, diretoria
Aqui, periferia, miséria de sobra
Um salário por dia garante a mão-de-obra
A clientela tem grana e compra bem
Tudo em casa, costa quente de sócio
A playboyzada muito louca até os ossos
Vender droga por aqui, grande negócio.
Sim, ganhar dinheiro ficar rico, enfim
Quero um futuro melhor, não quero morrer assim,
num necrotério qualquer, um indigente sem nome e sem nada
deste mercado, o que fica evidenciado pelo trecho “Tudo em casa, costa quente de sócio/ A
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playboyzada muito louca até os ossos”. Essa relação classe explorada/explorador, é
lucrativa, já que quem vende, ganha pouco, fica marginalizado e o atrela ao ilícito, o que não
acontece com quem fornece o entorpecente, que fica apagado da cena do crime,
produzindo um silenciamento diferente daquele que é explorado, já que não tem seu nome
atrelado ao crime, o que garante que consiga se inserir na cadeia produtiva, sem estigmas.
A SD3 recupera o mesmo discurso capitalista das anteriores, mas mostra também
que essa relação de exploração não garante, nem a reintegração do sujeito na cadeia
produtiva formal e nem a sua longevidade enquanto ser humano, já que estatisticamente
quem vive no tráfico, tem menos tempo de vida que as pessoas que não se associam a
essa prática ilícita. Como enunciado pelo sujeito, “Vender droga por aqui, grande
negócio”, os bairros periféricos se tornam espaços de produção de postos de trabalho
voláteis, pois, sujeitos envolvidos com o tráfico tem suas vidas encurtadas pelas disputas
por pontos de comercialização de drogas.
Essa volatibilidade dos recrutados para o trabalho associado ao tráfico é
demonstrada nos trechos da SD3 que seguem assim:
O discurso do consumo marca o sujeito que busca, aqui, pelo crime, alcançar o ideal
de sucesso no capitalismo, a riqueza e o topo da cadeia produtiva, nesta SD, há um resgate
de outro dizer, o de que o crime não compensa, e isso fica marcado quando o sujeito se dá
conta de que tudo que fez em favor da vida ilícita não valeu de nada e que o sonho de ficar
rico não aconteceu como almejou, morrendo em seguida, acabando com a sua vontade de
ascender, mesmo que por meios ilícitos. O fim é aqui mostrado pela onomatopeia de tiros, e
pela expressão que a antecede “Minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada”.
Trago agora, as SDs que seguem, o funcionamento da memória e que efeitos elas
produzem nas letras da música que estamos analisando. Nas SDs 4,5 e 6 trabalharemos
esses efeitos de sentido e que pré-construídos são retomados a partir do discurso
enunciado. As SDs são as seguintes:
A SD4, mostra como o sujeito que um dia envolvido com o ilícito, é privado de sua
liberdade, recebe a alcunha de ex-presidiário não consegue se descolar desta “marca”, que
o segue, impossibilitando-o de se reintegrar à sociedade. Tal marca, provoca um pré-
julgamento, que faz com que o sujeito seja sempre “culpado”, mesmo que não esteja na
cena do delito ou próximo dela, como vemos na SD 5, que diz:
SD5: A vizinhança está calada e insegura
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Outra memória que pode ser recuperada se refere ao período colonial, em que se
vendiam escravos, além dessa venda, os mesmos eram tratados como animais, marcados
como bois, além de receberem a denominação de “peças”. Nos portos e mercados de
escravos, eram marcados e convertidos à fé cristã, para depois serem comercializados
como animais sem alma, antes da conversão. A conversão, os “desbestalizavam”,
garantindo-lhes a mínima humanidade para transitarem em meio aos seus “donos”. Isso fica
evidenciado na citação a seguir que explica como acontecia em África:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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