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SUJEITO, MEMÓRIA E SILENCIAMENTOS EM O HOMEM NA ESTRADA DOS

RACIONAIS MC's

Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho – UFMA/Unioeste1

RESUMO: O Rap sempre foi um estilo musical muito presente nas periferias das grandes cidades;
pela música, os rapers narram a realidade das grandes cidades, apresentando as mazelas, o abandono
do Estado e os anseios de quem habita naquelas regiões. Através de um jogo de palavras, sentidos são
construídos, deslizados ao longo da história, as vozes das periferias, dos excluídos, e guetizados,
foram silenciadas e empurradas para um espaço sem possibilidades, literalmente na errância da
estrada. Esta pesquisa objetiva analisar como sujeito, memória e silenciamentos se entrelaçam e
produzem efeitos de sentido na letra da música O homem na estrada dos racionaisMC’s.
Metodologicamente, este trabalho se apoia no aporte teórico da Análise do discurso (AD) de linha
francesa, tendo como principais referências, Pêcheux (2009 [1975], 2007, 2011), Indursky (2011).
Como corpus da pesquisa, selecionei a música O homem na estrada, que foi analisada tendo como
principal viés a memória, o interdiscurso e o silenciamento. Como resultados preliminares, observou-
se que o sujeito é atravessado por um discurso capitalista, as memórias são, principalmente, coloniais,
que falam da realidade de abandono dos escravos e isso se reflete nas favelas, locais onde o Estado
não chega e onde os sujeitos não tem direitos.

PALAVRAS-CHAVE: Rap; Análise do discurso; Memória.

INTRODUÇÃO
As periferias e as as pessoas que as habitam tem sido alvo de uma cruzada que as
marginalizam, segregam e associam seus habitantes e tais locais à toda sorte de coisas
ruins. Essas pessoas e locais silenciados que são, buscam outras formas de resistir e por
simbolizar. O Rap, bem como outras manifestações artísticas, como o grafite e a escultura,
tem sido agentes das vozes destes sujeitos excluídos pelo Estado.
As músicas elaboradas e cantadas por rapers oriundos das “quebradas”, narram as
histórias vividas por aqueles sujeitos, de como suas trajetórias são apagadas e/ou
interrompidas.
A música o homem na estrada do Racionais MCs traz em seus versos enunciados
carregados de histórias, e sentidos que estão à deriva. Buscando analisar como sujeito,
memória e silenciamentos se entrelaçam e produzem efeitos de sentido na letra da música
O homem na estrada dos racionaisMC’s que propomos esta pesquisa. Para isso, buscamos
na Análise do discurso de linha francesa (doravante: AD), o embasamento teórico e
metodológico para as análises do corpus da pesquisa. Para isso, me apoiei nos postulados

1
Mestre em Educação, Doutorando em Letras – Cultura e Sociedade da Universidade do Oeste do Paraná-
1

Unioeste, Membro do GEAD - Grupo de Estudos em Análise de Discurso (Unioeste), professor do Curso de
Página

Linguagens e Códigos da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, nicomedes@gmail.com.


de Pêcheux (1999, 2009), Orlandi (2008, 2012, 2015) e Indusrky (2011), a fim de articular
sujeito, memória e silenciamentos.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: apresentação, pressupostos
teóricos e metodológicos da AD, análises e considerações finais. Buscaremos na primeira
seção do trabalho falar em linhas gerais do objeto de pesquisa, em seguida apresentar
suscintamente os mecanismos de análise que serão usados para o tratamento do corpus,
logo em seguida farei as análises articulando teoria do discurso e corpus de pesquisa, por
fim, as considerações finais.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA AD
A análise do discurso de linha pecheutiana, como dispositivo analítico, se sustenta
articulando três pilares, são eles: a linguística, o materialismo histórico e a teoria do
discurso, todas atravessadas por uma subjetividade de viés psicanalítico (FUCHS &
PÊCHEUX, 1975). Para que as análises sejam feitas, algumas questões são fundamentais e
devem constar em uma análise.
Iniciaremos este percurso pelas condições de produção, ou seja, quem disse, para
quem disse e o que disse? Toda análise em AD deve levar isto em consideração, por um
simples motivo, não se pode deixar de fora o momento em que determinado discurso foi
produzido e seu momento histórico. Sem que se remonte, minimamente, as condições de
produção, não se pode fazer uma análise bem feita, já que esse é um ponto fundamental na
AD, esse é um dos pontos principais que difere a AD da análise de conteúdo (AC). Diferente
da AC, a AD não trata o corpus discursivo como algo fechado em si mesmo, olhando para
ele como se as respostas estivessem na superfície do texto. Em uma análise por meio da
AD, para que o texto faça sentido, é preciso liga-lo ao seu momento histórico e perceber
como aqueles discursos produzem efeitos comparados a outros discursos já proferidos.
Além das condições de produção, trabalhei com a noção de interdiscurso e
consequentemente, a noção de memória discursiva apontados por Pêcheux e Indursky. Na
perspectiva que adotaremos aqui, o interdiscurso segundo Pêcheux é o:
todo completo com dominante” das formações discursivas, esclarecendo
que também ele é submetido à lei de desigualdade-contradição-
subordinação que como dissemos, caracteriza o completo das formações
discursivas (PÊCHEUX, 2009 [1975]).

O interdiscurso abarca todos os dizeres já ditos e esquecidos, dito de outra forma, o


que dizemos precisa já ter sentido para que faça, sentido. Sobre isso Orlandi (2015, p. 31)
explica que o “interdiscurso é todo conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos”, isso corrobora com o que disse acima, a autora explica melhor
esse trabalho do interdiscurso ao enunciar que “é preciso que o que foi dito por um sujeito
específico, em um momento específico, se apague na memória para que, passando para o
“anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras” (ORLANDI, 2015, p. 31-32).
Entendido o que é interdiscurso, buscamos em Pêcheux o entendimento do que vem ser
memória [discursiva]. Para o autor:
Memória discursiva seria aquilo que, face a um contexto que surge como
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acontecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos” (quer dizer, mais


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tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-
transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em
relação ao próprio legível (PÊCHEUX, 1999, p. 46)

Para entendermos melhor, a diferença entre interdiscurso e memória, trago as


reflexões de Indursky (2011), que apresenta “a memória discursiva é regionalizada,
circunscrita ao que pode ser dito em uma FD2 e, por essa razão, é esburacada, lacunar”, o
que a difere do interdiscurso, porque “o interdiscurso abarca a memória discursiva referente
ao complexo de todas as FD”. Desta forma, “a memória que o interdiscurso compreende é
uma memória ampla, totalizante e, por conseguinte, saturada. (INDURSKY, 2011, p. 87 –
88). Sendo assim, a memória é abarcada pelo interdiscurso, sendo regionalizada e filiada a
FDs, ela tem um alcance limitado, por ser afetada por certos vieses ideológicos, ela só dá
conta daquilo que o sujeito pode e deve dizer, por estar filiado a determinadas FDs e não
conseguindo acessar o que está fora da FD que o domina.
Por fim, abordaremos o esquecimento proposto por Orlandi (2012), a autora
categoriza o silêncio como sendo de dois tipos, 1) Silêncio fundador e 2) Política do silêncio
que se divide em constitutivo e local ou censura. Mas o que viria a ser o silêncio, na visão da
autora? Orlandi teoriza o Silenciamento como “um processo de contenção de sentidos e de
asfixia do sujeito porque é um modo de não permitir que o sujeito circule pelas diferentes
formações discursivas, pelo seu jogo (ORLANDI, 2008, p. 60) ”.
O entendimento sobre o silenciamento me permitirá perceber que sentidos foram
silenciados na letra da música o homem na estrada em e que efeitos são produzidos por
meio deste silenciamento. Não vamos nos estender nas teorizações, o que busquei foi
apresentar um panorama das teorias que embasarão as análises, dando-me condições
tratar o curpus de pesquisa articulando melhor o gesto analítico.
AS ANÁLISES
Remontando as condições de produção, temos um sujeito que narra nos versos da
música, uma realidade de um ex-presidiário, mostrando como é complexa a vida depois do
término da pena. A música aborda o abandono do Estado que afeta tanto a vida do sujeito
em questão como de seus familiares, a partir dessas condições de produção, pude perceber
memórias que são retomadas e enunciadas pelo sujeito e que produzem efeitos de sentido
que são observados no corpus discursivo. Selecionei algumas sequências discursivas para
organizar melhor as análises, por meio delas faremos este gesto analítico.
Inicio as análises demonstrando que o sujeito em questão é afetado por um discurso
capitalista. Isso é abordado por Payer (2005), que explica que o sujeito moderno, antes
afetado por um discurso religioso, passou com o tempo a ser atravessado por um discurso
capitalista, e isso é evidenciado nos dizeres dos sujeitos, como em expressões do tipo:
estude para ser alguém na vida, não reclame, trabalhe, etc. Tais expressões, por uma
regularidade, demostram que o sujeito deve estar sempre em busca de ganhos materiais e
consumo, mesmo que tal consumo não seja necessário.
As primeiras SDs mostram esse funcionamento discursivo como vemos a seguir:
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Entendemos por Formação discursiva (FD), como tudo aquilo que pode e deve ser dito em determinadas
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condições dadas, seguindo o entendimento de (PÊCHEUX, 2009 [1975]).


SD1: Um homem na estrada recomeça sua vida
Sua finalidade: a sua liberdade
Que foi perdida, subtraída
E quer provar a si mesmo que realmente mudou
Que se recuperou e quer viver em paz
Não olhar para trás, dizer ao crime: nunca mais!
Pois sua infância não foi um mar de rosas, não
Na FEBEM, lembranças dolorosas, então
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Muitos morreram sim, sonhando alto assim
Me digam quem é feliz, quem não se desespera
Vendo nascer seu filho no berço da miséria.

Ao enunciar que precisa recomeçar sua vida, e que não vai mais retornar ao crime, o
sujeito recupera dizeres que falam que um sujeito para se inserir no mundo capitalista e
social, precisa ser produtivo, trabalhar para produzir renda e consumir bens das mais
diversas formas. O fato de estar preso, o exclui e o torna improdutivo, isso o silencializa
socialmente.
A busca por acúmulo e consumo fica marcado pela repetição do enunciado “Sim,
ganhar dinheiro, ficar rico”, esse enunciado se repete no texto em outras partes, como
apresento nas SDs 2 e 3, como a seguir:
SD2: Uma semana depois chegou o crack
Gente rica por trás, diretoria
Aqui, periferia, miséria de sobra
Um salário por dia garante a mão-de-obra
A clientela tem grana e compra bem
Tudo em casa, costa quente de sócio
A playboyzada muito louca até os ossos
Vender droga por aqui, grande negócio.
Sim, ganhar dinheiro ficar rico, enfim
Quero um futuro melhor, não quero morrer assim,
num necrotério qualquer, um indigente sem nome e sem nada

SD3: Sim, ganhar dinheiro ficar rico, enfim


A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim
Minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada
Bang! Bang! Bang!

Na SD2, fica evidente que o discurso capitalista, na forma da exploração de todas as


demandas sociais, sejam elas lícitas ou ilícitas, no primeiro grifo, é evidente o discurso de
organização empresarial da linha de produção da venda de drogas, onde se tem a
exploração da uma classe fragilizada pela desigualdade social, os pobres, e a compra por
uma classe privilegiada. Nos grifos “Aqui, periferia, miséria de sobra/ Um salário por dia
garante a mão-de-obra” e “A clientela tem grana e compra bem” mostram bem esse
funcionamento da luta de classes, por meio da exploração de uma mão de obra barata e o
consumo constante de drogas, além disso, tem-se a classe dominante como movimentadora
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deste mercado, o que fica evidenciado pelo trecho “Tudo em casa, costa quente de sócio/ A
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playboyzada muito louca até os ossos”. Essa relação classe explorada/explorador, é
lucrativa, já que quem vende, ganha pouco, fica marginalizado e o atrela ao ilícito, o que não
acontece com quem fornece o entorpecente, que fica apagado da cena do crime,
produzindo um silenciamento diferente daquele que é explorado, já que não tem seu nome
atrelado ao crime, o que garante que consiga se inserir na cadeia produtiva, sem estigmas.

A SD3 recupera o mesmo discurso capitalista das anteriores, mas mostra também
que essa relação de exploração não garante, nem a reintegração do sujeito na cadeia
produtiva formal e nem a sua longevidade enquanto ser humano, já que estatisticamente
quem vive no tráfico, tem menos tempo de vida que as pessoas que não se associam a
essa prática ilícita. Como enunciado pelo sujeito, “Vender droga por aqui, grande
negócio”, os bairros periféricos se tornam espaços de produção de postos de trabalho
voláteis, pois, sujeitos envolvidos com o tráfico tem suas vidas encurtadas pelas disputas
por pontos de comercialização de drogas.
Essa volatibilidade dos recrutados para o trabalho associado ao tráfico é
demonstrada nos trechos da SD3 que seguem assim:

SD3: Sim, ganhar dinheiro ficar rico, enfim


A gente sonha a vida inteira e só acorda no fim
Minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada
Bang! Bang! Bang!

O discurso do consumo marca o sujeito que busca, aqui, pelo crime, alcançar o ideal
de sucesso no capitalismo, a riqueza e o topo da cadeia produtiva, nesta SD, há um resgate
de outro dizer, o de que o crime não compensa, e isso fica marcado quando o sujeito se dá
conta de que tudo que fez em favor da vida ilícita não valeu de nada e que o sonho de ficar
rico não aconteceu como almejou, morrendo em seguida, acabando com a sua vontade de
ascender, mesmo que por meios ilícitos. O fim é aqui mostrado pela onomatopeia de tiros, e
pela expressão que a antecede “Minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada”.
Trago agora, as SDs que seguem, o funcionamento da memória e que efeitos elas
produzem nas letras da música que estamos analisando. Nas SDs 4,5 e 6 trabalharemos
esses efeitos de sentido e que pré-construídos são retomados a partir do discurso
enunciado. As SDs são as seguintes:

SD4:A noite chega e o clima estranho no ar e ele sem desconfiar de nada,


vai dormir tranquilamente
mas na calada caguetaram seus antecedentes
como se fosse uma doença incurável
No seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem, 157 na lei
No seu lado não tem mais ninguém

A SD4, mostra como o sujeito que um dia envolvido com o ilícito, é privado de sua
liberdade, recebe a alcunha de ex-presidiário não consegue se descolar desta “marca”, que
o segue, impossibilitando-o de se reintegrar à sociedade. Tal marca, provoca um pré-
julgamento, que faz com que o sujeito seja sempre “culpado”, mesmo que não esteja na
cena do delito ou próximo dela, como vemos na SD 5, que diz:
SD5: A vizinhança está calada e insegura
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Premeditando o final que já conhecem bem


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Na madrugada da favela não existem leis
Talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez
Vão invadir o seu barraco, é a polícia!
Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia
Filhos da puta, comedores de carniça!
Já deram minha sentença e eu nem tava na "treta"

Como observamos, a marca que carrega o ex-presidiário, o associa a tudo de ruim


que possa acontecer, condenando-o sem que haja investigação ou julgamento justo. A
marca que observamos aqui nos remete a uma memória dos tempos bíblicos, como a de
levítico capítulo 13, versículos 44 a 46, que narra a forma como os leprosos eram tratados,
devendo ser “marcados” como doentes e anunciar que a sua presença, além de se trajarem
de forma que os caracterize como portadores daquela enfermidade. O trecho bíblico diz o
seguinte:
Levítico 13
44então o homem está leproso; e, portanto, impuro. O sacerdote deverá
declará-lo impuro, pois está enfermo de grave doença contagiosa sobre a
pele da cabeça. 45Uma pessoa que sofrer de lepra ou outra grave doença
contagiosa da pele deverá vestir roupas rasgadas, deixar os cabelos sem
pentear, cobrir o rosto da boca para baixo e anunciar gritando: “Impuro,
Impuro!” 46Enquanto durar sua enfermidade, ficará impuro e, estando
impuro, deverá morar à parte: sua habitação será fora do
acampamento.

Outra memória que pode ser recuperada se refere ao período colonial, em que se
vendiam escravos, além dessa venda, os mesmos eram tratados como animais, marcados
como bois, além de receberem a denominação de “peças”. Nos portos e mercados de
escravos, eram marcados e convertidos à fé cristã, para depois serem comercializados
como animais sem alma, antes da conversão. A conversão, os “desbestalizavam”,
garantindo-lhes a mínima humanidade para transitarem em meio aos seus “donos”. Isso fica
evidenciado na citação a seguir que explica como acontecia em África:

Na África havia diferença entre os termos cativo e escravo. Os cativos eram


aqueles africanos trazidos pelos pombeiros ou por outros intermediários até
o litoral africano, onde eram negociados com os traficantes encarregados de
sua venda no mercado dos países ou regiões compradoras de escravos. No
litoral os negros eram comprados e depois ferrados. Somente após
terem sido adquiridos, marcados e batizados eram considerados
escravos (PRADO apud MOURA, 2004, p. 95, grifos meus).

Estas formas de se marcar, recuperadas por meio dessas memórias apresentadas,


tanto a bíblica como a colonial, demostram como os efeitos de sentidos são produzidos a
partir de dizeres que são esquecidos e recuperados por meio da memória e do interdiscurso.
A seguir trago a última SD desta análise, a SD6:
SD5: A Justiça Criminal é implacável
Tiram sua liberdade, família e moral
Mesmo longe do sistema carcerário
Te chamarão para sempre de ex presidiário
6

Não confio na polícia, raça do caralho.


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Se eles me acham baleado na calçada


Chutam minha cara e cospem em mim é
Eu sangraria até a morte
Já era, um abraço!.
Por isso a minha segurança eu mesmo faço

A SD6, demonstra o funcionamento destas memórias, quando o sujeito enuncia que


“Mesmo longe do sistema carcerário/ Te chamarão para sempre de ex-presidiário, a
marca que lhe é atribuída não consegue permitir que o sujeito volte a condição de sujeito
jurídico, alienado ao Estado com todos os direitos e igual aos outros. A alcunha de ex-
presidiário, lhe impõe uma pena capital de nunca poder retornar à vida social como uma
pessoa normal, o que o torna uma pessoa silenciada, apagada aos olhos do Estado, como
vemos no enunciado “Se eles me acham baleado na calçada/ Chutam minha cara e cospem
em mim é/ Eu sangraria até a morte”, isso mostra como o ex-presidiário é desumanizado,
tratado como animal, sujeito à maus tratos como os descritos no trecho acima.
O abandono do Estado faz com que ele se torne uma “instituição própria”, alguém
que age por conta própria e faz sua própria segurança e age à margem das leis que o
ignoraram. No trecho, “Por isso a minha segurança eu mesmo faço”, o enunciado produz
um efeito de “desalienação” do sujeito do Estado, sentido esse produzido por conta do
sujeito dizer que sua segurança ele mesmo fará, já que saúde, segurança e educação, são
serviços garantidos pelo Estado ao sujeito que se aliena a ele.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objetivo analisar como sujeito, memória e


silenciamentos se entrelaçam e produzem efeitos de sentido na letra da música O homem
na estrada dos racionaisMC’s. No artigo mostramos que efeitos de sentido são produzidos a
partir do corpus de pesquisa.
As análises demonstraram como a memória discursiva recuperada na música
resgata discursos das épocas bíblica e colonial, além do silenciamento do sujeito, e seu
apagamento como sujeito jurídico, que é alienado ao Estado com direitos a educação,
saúde e segurança pública. O sujeito ao ingressar no crime, é marcado de forma que não
consegue mais se desvencilhar da “marca” que carrega com a alcunha de ex-presidiário.
O corpus de pesquisa é rico e proporciona outras análises mais aprofundadas, o que
pode revelar outros sentidos para além do viés que foi contemplado nesta análise, que
visava trabalhá-lo sob os aspectos da memória, da caracterização desse sujeito e do
silenciamento.

REFERÊNCIAS

INDURSKY, Freda. A memória na cena do discurso. In Memória e história na/da análise


do discurso. Campinas: Mercado de Letras, p. 67-89, 2011.
FUCHS, Catherine; PÊCHEUX, Michel. A propósito da análise automática do discurso:
atualização e perspectivas (1975). GADET, F.; HAK, T. Por uma análise automática do
discurso. 4ª edição. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.
MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. Edusp, 2004.
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Página
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas:
Pontes, 2000. _. A linguagem e seu funcionamento. 12ª ed. Campinas: Pontes, 2015.
______.A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes,
2012
______.As formas do silencio. Unicamp, Campinas, Brasil, 2007.
______.Terra à vista: discurso do confronto: velho e novo mundo. Cortez Editora, 2008.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. E. P.
Orlandi. 4. ed. Campinas, São Paulo: Ed. da UNICAMP, 2009 [1975].
PÊCHEUX, Michel. O papel da memória In: ACHARD, P. et al. Papel da memória.
Tradução de José Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999.

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