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Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-430-7.
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(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
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(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
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PARTE 1
PARTE 2
PARTE 3
PARTE 4
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PARTE 1
ARTICULAÇÕES ENTRE A PSICANÁLISE E O
DISCURSO: AS MARGENS DO INOMINÁVEL
Lauro Baldini
Lucília Maria Abrahão e Sousa
Dantielli Assumpção Garcia
Amanda Eloina Scherer
Fabio Ramos Barbosa Filho
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9 Derrida, 1995, p. 84. Pensamos aqui, por exemplo, nos modos em que presença do período
da ditadura civil-militar se dá a ver e se esconde, nos modos como são tornados (in)visíveis
os rastros (longínquos e ao mesmo tempo atuais) do genocídio dos povos originários e da
população negra, lgbtqia+ etc.
10 Seligmann-Silva, 2003, p. 61–62.
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11 Robin, 1973.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MELANCOLIZAR PARA GOVERNAR: O
COLAPSO FUNERÁRIO BRASILEIRO COMO
DISPOSITIVO NECROGOVERNAMENTAL
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Desrealizar os mortos
2 “A relação originária da lei com a vida não é a aplicação, mas o Abandono. A potência
insuperável do nómos, a sua originária ‘força de lei’, é que ele mantém a vida em seu bando
abandonando-a” (AGAMBEN, 2002, p. 36).
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sos que ou não estão previstos nas regulações ou a respeito dos quais
se presume que as normativas podem ser deixadas de lado sem qualquer
controle externo. Nessas situações, os agentes se sentem autorizados
a definir novos fluxos burocráticos, escolher como e quais papéis serão
preenchidos, omitir ou adulterar dados, negligenciar rotinas periciais
ou cemiteriais.
As pesquisas de Ferreira (2009), Medeiros (2012) e Hattori et al.
(2016) revelam que, a depender do corpo, importa menos o cumprimen-
to das burocracias do que as improvisações dos agentes e instituições
que participam das diversas etapas da “construção institucional do mor-
to” (MEDEIROS, 2012) e da morte. A atribuição de nomes genéricos a ca-
dáveres, o mau preenchimento ou a ausência de informações em do-
cumentos, a desorganização dos arquivos, a perda de dados, tudo isso
não apenas produz e atesta o anonimato de um corpo, mas, ao mesmo
tempo, afirma Hattori et al., induz ao desaparecimento administrativo
(HATTORI et al., 2016), isto é, a uma forma de desaparecimento decor-
rente das próprias rotinas burocráticas que envolvem o morto, as insti-
tuições que administram a morte e os seus funcionários:
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4 Vale ressaltar que, para Butler, essa nova normatividade também se manifesta no domínio do
desejo e da sexualidade: “Isso que parece estar tão claro no caso do luto já está funcionando
no caso do desejo. (…) Assim, quando falamos sobre ‘minha sexualidade’ ou ‘meu gênero’
tal como geralmente devemos fazê-lo, estamos referindo-nos, todavia, a algo complexo que
o uso parcialmente esconde. Como modo de relação, nem o gênero, nem a sexualidade, são
algo que possuímos, porém um modo de despossessão, um modo de ser para outro e por
causa do outro” (BUTLER, 2006, p.50).
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Referências
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ESCREVER, AINDA?
Paulo Miranda
Estava aqui, em algum lugar. Você viu onde foi que os deixei?
Sim, não estavam exatamente organizados, mas estavam juntos. Nossa
que recordação, há anos não anoto segredos nas vigas do alpendre.
Me deu saudade. Inventário êxtimo de palavras. Em qual canto será
que os coloquei? Sei que pareciam algo descartável. Banalidade, mesmo.
Seu filho até me perguntou se poderia jogá-los fora, que pareciam lixo.
Gerações. Ele guardou, estou segura, embora não se lembre da situação.
Este lagartinho de plástico, vivia levando susto com ele. Pensava ser um
jacaré quando a sombra projetava distorções. Efeitos de luz. Onde será
que estão, ein? Preciso deles para amanhã, há uma certa urgência nis-
so. Você sabe ao que me refiro. Sim, já conferi na escrivaninha ao lado
da muda de antúrio. Ali só estão os recibos e manuais de instrução. É,
na antiga estante de livros também não estão. Tampouco os encontro
na gaveta onde ficam guardados os laços bordados por mamãe. Poxa, fico
tão feliz que você esteja aqui comigo, me ajudando nesta busca. Chuva?
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2 FREUD (1930/2010).
3 LACAN (1964/2008).
4 SARAMAGO (1995).
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mo racionalista: lançar luz nos objetos do mundo para não ter que es-
cutá-los. Dissolução da alquimia entre imagem e som. E Freud ali, sen-
tado à meia-luz, pensando: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”?
Que amor é esse? Amparado no outro sem diferenciação? Sem implicar
em uma escolha? Em uma perda? Amor dado de partida, acachapante,
fusão sem fissura, adágio? Não, o amor é sob condições 一 condições
de identificação 一 e a fruição se dá pelo contraste. O amor talvez seja
um outro jeito de haver-se com o desamparo. Outro jeito em relação
às religiões judaico-cristãs e suas promessas de bem, de paz, de harmo-
nia. Sentimento oceânico. O amor supostamente irrestrito da religião-
-toda evidencia seus limites de intolerância e crueldade diante daqueles
que não aderem aos seus princípios.5 Foi em nome de um sentimen-
to oceânico que as caravelas portuguesas atracaram aqui? Guernica
do Egeu de Jovcho Savov.
Tem algo do laço que comporta uma agressividade inalienável.
Agressividade que não está fora, lá, embora pareça. Sob o nobre lustro
dos costumes, há uma tensão conflitiva constante. Uma lavoura arcaica
onde desejo e lei se enovelam em permanente desacordo6. O corpo epi-
léptico ante ao zumbido inconsciente. Uma colmeia às avessas em toda
carne que faz de si linguagem. Talvez a agressividade seja a resposta
mais imediata a um corpo que não pode voltar a despedaçar-se7. Imagos
arcaicas. Não é possível, o sentimento oceânico deveria comportar,
se fosse pra valer, nossas zonas abissais que, paradoxalmente, estão
na superfície, à flor-da-pele. A agressividade talvez seja o mais próprio
do humano, mais do que o amor. Unbewusste.
Parece que a civilização ocupa esse duplo, às vezes está aí para
por limites aos instintos agressivos, instigar os sujeitos a estabelecer
identificações e relações amorosas inibidas em sua meta, mas às ve-
zes também está aí para avalizar a guerra em nome de deus, da pátria,
da família, do bem, do cidadão de bem. Retornos do recalcado. Políticas
do ressentimento. Milhares de vidas interrompidas por uma doen-
5 FREUD (1921/2011).
6 NASSAR (1989).
7 LACAN (1948/1998).
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8 BUTLER (2015).
9 SAFATLE (s/d).
10 SRNICEK (2016).
11 FRANCK (2019).
12 VAN ZOONEN (2012).
13 BETTS (2007).
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20 LACLAU (2011).
21 HONNET (2007).
22 RANCIÈRE (2009).
23 RANCIÈRE (1996).
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24 FREUD (1930/2010).
25 ANDRÉ DE SOUZA (2013).
26 VORSATZ (2013).
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Escrever, para que os rascunhos de um futuro por vir sejam esses objetos
perdidos que nos colocam em causa por um outro laço social.
Referências
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Mote
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Como me situo
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O discurso é aquilo que faz função de laço social, nos diz Lacan.
Se os vetores indicam o movimento dos elementos pelos lugares fixos,
na fórmula do quinto discurso, os vetores indicativos do movimento
são eliminados e reforçam a ideia de não relação entre as razões.
Então me surge a seguinte pergunta: o discurso capitalista faz laço
social? Diz Lacan (2011, p. 88): “O que distingue o discurso do capitalis-
mo é isto: a Verwerfung, a rejeição para fora de todos os campos do sim-
bólico, com as consequências de que já falei – rejeição de quê? Da castra-
ção.” Se há uma rejeição (ou forclusão, significante normalmente usado
por Lacan para traduzir Verwerfung) em todos os campos do simbóli-
co, como pensar a função do laço social desarticulado desse simbólico?
Estaria esse discurso num lugar a mais em relação aos outros quatro e,
ao ser matemizado, mostra seu funcionamento como o avesso de um
recalcado? Ou seria um arremedo de discurso, vacilando entre uma po-
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1 Lacan, em seu texto “Estou falando com as paredes”, indica en passant que o discurso
capitalista não circula exclusivamente nos países reconhecidos por se organizarem sob tal
estrutura socioeconômica...
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por uma cadeia de significantes (S2) que não assegura uma significação,
que está sempre derrapando. Fundamos assim um sujeito que balança
(e/ou) entre um lado significante e um lado objeto, um lado que extrai
o gozo na construção de um saber (significante) e um lado que goza
do que o saber não alcança (objeto). Eis aqui apresentados os 4 elemen-
tos que constituem o discurso: S1, S2, a, $. É preciso que um significante
primeiro seja recalcado para fundar a cadeia significante que represen-
tará um sujeito constituído pela queda ou extração do objeto a.
A renúncia ao gozo, esse gozo a mais trazido pelo objeto a, não fica
desalojado ou vagando pelo mundo. Ele alimenta o supereu a pon-
to de Lacan chamá-lo de guloso: “a gulodice do supereu é estrutural”
(LACAN, 2003, p. 528). E para entender esse a mais, Lacan estabeleceu
a analogia com a mais valia de Marx, o excedente apropriado pelo dono
dos meios de produção ou, no caso do sujeito, pela instância do supereu.
A perversão maior que caracteriza o sistema capitalista.
Mas essa perversão está mesmo no fundamento da cultura uma vez
que ela se institui a partir de um assassinato original. Para fugir de uma
lei imperativa e sem freio de um gozar de todos, mata-se o Um para
torná-lo um pai introjetado que passa a regular o gozo. Assim “a subje-
tividade humana é um tipo de inversão perversa da natureza” (ZIZEK,
2016), que será regulada por um supereu, representante da lei, que não
existia na natureza.
Deslocando essa lógica para o discurso do mestre, esse discur-
so enquadra o circuito do supereu na medida em que há uma barreira
de contato entre o sujeito barrado (verdade recalcada do S1) e o objeto a
(produto de um saber). Dá para pensar que essa é uma relação que alicer-
ça a cultura ou a civilização. Outra forma de pensar é que essa barreira
é o que sustenta a ideia da completude estar ligada a um objeto perdido,
portanto impossível. Objeto perdido que molda a fantasia inconsciente
do sujeito, que se desloca buscando uma totalidade impossível.
Na inversão que Lacan faz do discurso do mestre ao capitalista,
a barreira da castração sai de cena e é ativada uma relação antes im-
pedida no discurso do mestre. Qual? A relação entre a e $. E o que isso
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A pobreza dessa fala não aponta só para uma suposta dificuldade cogni-
tiva no trato com o complexo chamado linguagem. Aponta também para
a posição de um sujeito não dialético que se aproxima da lógica de fun-
cionamento da horda primeva. Sua concretude tem o disfarce de uma
fra(n)queza que angaria seguidores identificados com esse suposto tra-
ço de humanidade. A questão é que pensar em franqueza como oposto
de mentira após a invenção do inconsciente fica complicado... Não há
‘não’ no inconsciente. Há ‘não’ no simbólico. Falar ou escrever signifi-
ca ajeitar essa impossibilidade de transferência e transcrição imediata
de um registro para o outro. “Não se pode falar de uma língua senão
em outra língua” (LACAN, 1979, p.20). De um ao outro, surge o enga-
no do significante. Engano rechaçado no placebo de língua pela crença
na existência de uma única franqueza, de uma única verdade. Uma lín-
gua que tenta nomear a totalidade do real.
O líder não mente porque suas palavras não têm avesso. Elas são.
E se a realidade mostrar outra coisa é porque a realidade está errada.
O real que se acomode à realidade. “O que o presidente diz é cem por
cento verdadeiro”, disse o chefe de gabinete de trump. E diz Klemperer:
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“É tanto militar roubando como nunca civil”2 foi um meme que cir-
culou nas redes sociais e que brinca com os significantes militar e civil
no contexto da CPI da Covid. Diante das suspeitas de desvio de dinheiro
para o gerenciamento da pandemia, muitos militares estão sendo inves-
tigados, gerando inclusive a reação do alto comando das forças armadas
através de um comunicado ameaçador. Essa partição militar x civil é re-
forçada pela posição dos militares se referindo como um grupo à par-
te, com direito, por exemplo, a leis exclusivas. O meme joga com essa
oposição, falando do lugar do civil que vê (se viu) aquilo que normal-
mente se esconde por trás dos muros proibidos aos não militares. Joga
ainda com os valores da honestidade, da anticorrupção, que são sentidos
divulgados pelos militares como um traço distintivo deles em relação
aos políticos e governantes do período democrático.
Terry Eagleton, em seu livro “Humor”, trabalha algumas teorias
do humor, entre elas a teoria do alívio. Esse alívio faz par com a pró-
pria definição de chiste dada por Freud: jogos chistosos que se utilizam
dos próprios recursos da linguagem, suscitando uma satisfação particu-
lar na vida psíquica do sujeito. O inconsciente brinca com as palavras
e na formação de uma palavra chistosa, engana a censura e libera um de-
sejo recalcado, promovendo uma sensação de prazer.
“E daí? Não sou escultor”, diz brasileiro sobre incêndio na estátua
de Borba Gato”, publicou o site de humor Sensacionalista. A fala original
(a de bolsonaro) que causa horror e provoca anestesia como defesa ga-
nha a possibilidade de ser repensada quando transformada numa piada,
num enunciado palatável que chega ao emissor remodelada, mas ainda
com força de verdade.
Do “E daí? Não sou coveiro” a ‘E daí? Não sou escultor” desvela-se
o absurdo contido na frase original; o tal brasileiro não tem nada a ver
com o símbolo do Borba Gato que ocupa um lugar paradigmático com os
5 mil mortos por covid à época do comentário esdrúxulo. Os mortos ci-
tados por bolsonaro são mesmo o equivalente a uma estátua de pedra,
vivos ou incendiados fazem pouca diferença. O coveiro cava a terra en-
2 Há outra versão desse chiste que mantém a mesma estrutura: “Dúvida do dia: é possível
generalizar a corrupção dos militares?”.
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Para finalizar
Referências
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_____. Estou falando com as paredes. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2011.
_____. O Seminário livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999.
_____. “Televisão”. In:___. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
_____. “Vers um signifiant nouveau”. In: Ornicar?, Paris: Edité par Lyse, nº
17/18, 1979.
VIENNOT, B. A língua de Trump. Belo Horizonte, Veneza: Ed. Âyiné, 2020.
ZIZEK, S. “Zizek critica o Real de Jacques-Alain Miller”, 2016, vídeo
disponível no YouTube.
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LUTORATURA
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Allouch chamou de morte seca o caráter de perda total que reveste a re-
cente figura da morte e do luto. Diante dela, só um ato pode encetar
a subjetivação de uma perda; só esse ato parece suplementar a disso-
lução dos antigos rituais e do grito coletivo contra a morte (ALLOUCH,
[1995] 2004, 2007).
Sobrevoando as experiências de exceção brasileiras, a colonização,
a escravidão, a ditadura e a era das chacinas formam a trágica e arcaica
genealogia de um processo que se amplia na contemporaneidade: o im-
pedimento de enterrar nossos mortos, a impossibilidade de transmitir
qualquer traço que marque a perda. A privação real ao mínimo luto atu-
aliza a catástrofe e os acontecimentos traumáticos na temporalidade
indefinida do presente, lançando-nos no abismo de um tempo vazio,
melancólico.
Se essas experiências históricas barram o trabalho de simboliza-
ção da perda, a escrita poética parece historicizar, em ato, a zona de in-
distinção entre luto e melancolia. Trata-se de um luto, contanto que se
releve seu traço inelaborável: um luto interminável, infinito, impossí-
vel... eterno redobrar do luto como suplemento do luto.
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CEMITÉRIO DE DESAPARECIDOS
Fala-se à boca miúda
nos corredores do Cisa,
Cenimar e Doi
que a Vanguarda Popular Celestial
(como eles denominam o local que os
guerrilheiros vão depois de mortos)
está sediada em algum ponto da Restinga de Marambaia.
É lá que os corpos dos militantes presos
são jogados à noite de helicóptero:
descrevem uma parábola no ar
abrem uma fenda branca na espuma
se aprofundam e adormecem
sem vingança possível.
(POLARI, 1978, p. 50)
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1 Esse livro de poesia foi lançado pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (RJ) em parceria com o
Teatro Ruth Escobar (SP), contando uma possível colaboração da Global Editora. Sua pu-
blicação foi fortemente impulsionada pelas greves de fome pela anistia que ocorriam na-
quela época em diversos presídios do Brasil. Ainda na prisão, o autor escreveu Camarim de
Prisioneiro. O livro foi lançado pela Global Editora logo após a sua libertação, em março de
1980. Já em liberdade, ele escreveu seu terceiro livro: Em busca do tesouro: uma ficção polí-
tica vivida. Essa autobiografia em prosa foi editada pela Codecri em 1982.
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Andar após as refeições
dá esperanças
olhar para os dizeres das paredes
me angustia:
“Celso” “Injustiça” “Desamor”.
Por coincidência esse cara eu conheci
caiu com uma Kombi
morreu aqui em dezembro de 70
durante o sequestro.
(POLARI, 1978, p. 14)
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Hoje à noite
os gritos foram mais altos
À minha esquerda está o Gaúcho
depois o cara que assobia
Ângela foi retirada ontem
à minha direita
Stuart já morreu
Ronaldo e Juca
estão mais no fim
e no fundo do corredor
o motorista da CTC
que eles quebraram a mão
chora.
De quem serão os gritos de hoje?
(POLARI, 1978, p. 13)
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3 “Do ponto de vista da realidade, o morto, longe de ter esse estatuto de um inexistente cuja
inexistência mesma seria adquirida até permitir basear-se nela para lá fundar decisivamen-
te seu luto, o morto é, como aliás, é nomeado, um desaparecido. É o que a realidade, se ou-
samos dizer, pode propor de melhor a seu respeito; de melhor e... de pior. Ora, um desapa-
recido, por definição, é algo que pode reaparecer, reaparecer em qualquer lugar, a qualquer
hora, na próxima esquina. Somos, assim, levados a conceber que não haveria precisamente
prova de realidade para o enlutado. Se há, para ele, uma realidade, longe de ser o lugar de
uma prova possível, no sentido em que uma prova se conclui, seria essa fatia da experiência
subjetiva onde, justamente, não é possível fazer a prova da morte daquele que perdemos. A
verdadeira prova de realidade, o que a torna assim tão assustadora [épouvante] e tão rica de
experiência [éprouvante] é quando percebemos que ela não permite nenhuma prova. O luto
põe o enlutado ao pé do muro desse estatuto da realidade.” (ALLOUCH, [1995] 2004, p. 72).
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4 Retiro essa expressão de “As cartas”: “Há certo encantamento nas cartas/ mesmo nos enve-
lopes vazios que me povoam/ com a sua letra morta e insubstituível” (POLARI, 1978, p. 21).
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$ ≅ – (1 + a)
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Referências
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EL ODIO INTRAZABLE EN EL CIBERESPACIO:
RESTOS DE UN HORROR PRETECNOLÓGICO
1 Juan Manuel López Muñoz pp. 1-9; Paola Capponi pp. 10-18.
2 El término hate speech fue introducido por juristas a principios de los 80 en el marco
de la Critical Race Theory, para referirse a formas de expresión escrita o hablada contra
individuos o grupos marginalizados por razones de raza, etnia, nacionalidad, religión,
género, orientación sexual, discapacidad, etc. Cfr. Bianchi 2021, 4-5.
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3 Fricker, Miranda, Epistemic Injustice. Power & the Ethics of Knowing, Oxford, Oxford
University Press, 2007.
4 El término olvido, según lo entendemos aquí, siguiendo a Fuchs & Pêcheux (1975:13), no se
refiere a lo contrario de un recuerdo, sino que designa lo que se da por no conocido, porque
escapa a la voluntad de saber (Foucault 2011) y al sensible compartido (Rancière 2000).
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de algunas lecturas que hemos realizado5. Los párrafos que siguen abun-
dan en la idea de restos de una responsabilidad compartida, de histo-
ria y circulación de unas palabras dañinas y sufridas, que nos hablan
y definen; palabras de odio en un lenguaje al que con euforia queremos
cargar o descargar de la responsabilidad de lo que pensamos y hacemos,
según convenga. La pregunta que guía nuestro trabajo y las lecturas rea-
lizadas para ello puede resumirse en los siguientes cuestionamientos:
¿Liberando el lenguaje en el ciberespacio de los restos de una “enferme-
dad” del lenguaje del mundo offline, “sanaremos” las plataformas so-
ciales y también la sociedad? ¿La complejidad de los discursos de odio
se deja reducir a una visión síncrona del lenguaje, en un corpus exclu-
sivamente digital? El carácter generalmente poco teórico de la mayoría
de los trabajos publicados sobre el odio en discurso nos obliga a concen-
trarnos aquí ahora en tratar de compensar esa carencia.
En su estudio sobre el poder de las palabras, Butler (2005) defiende
la idea de que las palabras no tienen poder en sí mismas a menos que es-
tén respaldadas por una autoridad o legitimidad que dé valor de conduc-
ta a algo que no es otra cosa sino un simple acto de repetición o de cita
en el marco de ciertos rituales o hábitos establecidos convencionalmen-
te, anteriormente al acto de habla, y que preceden y exceden al sujeto
particular que habla.
A esta misma idea parece que apunta Bianchi (2021: 114-115,
120) cuando habla de las palabras de odio y, en concreto, de los epí-
tetos denigratorios. Esta filósofa del lenguaje insiste en que el epíteto
denigratorio, en sí, igual que una formula performativa explícita, es una
señal, para quien nos escucha, que indica la fuerza ilocutoria de nues-
tro acto de subordinación6. Es decir, el epíteto denigratorio tiene algo
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7 “El odio es pálido, encogido, cobarde, pestífero, encierra vapores de cerveza que pueden
ser muy explosivos” comenta Ernst Bloch (Häsler 1973: 16) y Benjamin R. Epstein: “El odio
no suele darse a conocer en sus formas más virulentas porque, sencillamente, la gente se
avergüenza de manifestar odio descarado” (Häsler 1973: 25).
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tamos tal idea, entonces la lesión que producen los discursos de odio
sería instantánea, “como una bofetada” (Butler 2005 :25) que te hace
tomar (o recuperar) la consciencia de tu existencia. O, dicho con otras
palabras, si aceptamos la idea de que, para que alguien nos hable, pri-
mero debemos ser reconocidos (cfr. Charaudeau 2006: 340), el discurso
de odio parece funcionar como el único circuito posible de reconoci-
miento de ciertas personas o grupos de personas.
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13 Nótese que las primeras leyes para regular los discursos de odio habrían surgido en
regímenes despóticos a la caza de enemigos, para criminalizar a la oposición: «Le prime
leggi per tentare di contrastare l’hate speech non sarebbero figlie di democrazie in cerca di
tutele ma- secondo lo storico dei diritti umani e fondatore di «Justicia» Jacobo Mchangama
– di dispotismi a caccia di nemici. Paradossalmente, infatti, le prime sanzioni penali di
contrasto all’incitamento all’odio sarebbero nate per proteggere non le minoranze vittime
di odio, ma il gruppo maggioritario e dominante. Per zittire le opposizioni, insomma, e per
tentare di criminalizzare il dissenso» Faloppa 2020: 50.
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hace recaer sobre las espaldas de este el peso insufrible de una injusticia
histórica y de un poderoso aparato opresivo. Igual que ese niño, muchos
de nosotros, adultos, a menudo hablamos con límites epistémicos si-
milares, sin que nos preguntemos qué tipo violencia convencionalizada
invocamos cuando nos dirigimos con malas intenciones a los demás.
Dicho esto, se hace necesario volver a la pregunta lanzada
por Butler, que hemos mencionado más arriba ¿Existiría, entonces, al-
guna especie de grieta en ese sistema de constitución del poder de dañar
de las palabras que pudiera hacer menos “felices” (en sentido pragmá-
tico) a los discursos de odio de lo que se supone que son? Y, en fin, pre-
guntándonos lo mismo, pero de otra forma: ¿Qué es lo que da al dis-
curso de odio el poder de asignar al otro una posición subordinada? ¿Y
qué hace que el otro admita esa posición subordinada17? ¿Habría algún
tipo de fórmula -no punitivo-jurídica- para interrumpir esta estructu-
ra de dominación que se consolida en cada repetición de un discurso
de odio, sin tener que recurrir a esas estrategias de “depuración” lingüís-
tica que planteábamos como hipótesis de partida al inicio del presente
texto? La pregunta no es trivial, porque apunta precisamente a las con-
diciones institucionales que están en el origen del poder de los discursos
de odio para efectivamente dañar, y que llevan a juristas y lingüistas
forenses a considerar como conducta individual lo que tal vez no sea
más que un discurso citado, un horror circulante o lo que hemos conve-
nido en llamar restos de un horror pretecnológico.
Es el odio de un grupo hacia otro grupo lo que se cristaliza en cada
discurso de odio; es de esa forma tan poco sutil que “el uso de ciertas
palabras transforma a individuos insignificantes en una manada intimi-
dante” (Numberg 2018: 286 citado en Bianchi 2021: 153; la traducción
es nuestra).
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Así pues, dado que, en principio, todo discurso de odio es una cita,
no es “uso” sino mención del resto de un odio anterior, normalmente
no puede tener “efectos” sobre la realidad (offline u online) a menos
que haya un poder legitimador detrás. Teniendo en cuenta esto, las pla-
taformas en internet, al censar mediante listas a las potenciales vícti-
mas, las señalan y, al calificarlas como miembros de “grupos protegidos”,
obtienen el efecto contrario dando legitimidad en el ciberespacio a una
dinámica de subordinación del mundo offline y acreditando los discur-
sos de odio como usos efectivos y no como menciones.
Estamos de acuerdo con Butler en que no por todo lo anterior-
mente dicho debamos entender que el sujeto que produce un discurso
de odio quede enteramente eximido de responsabilidad, sino que esta
responsabilidad no concierne tanto al hecho de expresar el odio como
al hecho de invocar la condiciones que lo hacen posible, otorgándole
la fuerza de su historicidad y asegurando la continuidad de antagonis-
mos inaceptables e insostenibles
Siendo así, impedir por la fuerza de la ley que los discursos de odio
se produzcan puede contribuir contradictoriamente a garantizar su pos-
teridad, fijando ese “trauma que vive en el lenguaje y es vehiculado
por este”, según las palabras citadas en el fragmento aquí arriba. Lo más
conveniente sería, a nuestro entender, trabajar en la posibilidad de cam-
biar su contexto y sus propósitos. “No es posible purificar el lenguaje
de su residuo traumático; tampoco es posible trabajar sobre el trauma
si no es mediante un laborioso esfuerzo por orientar el curso de su repe-
tición” (Butler 2005: 66; la traducción al español es nuestra).
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18 La idea del lenguaje no solo como instrumento de opresión sino también como instrumento
de emancipación se debe, en el fondo, a dos grandes cambios de principios del siglo XX: se
deja de concebir el lenguaje come algo neutro, descriptivo y se descubren, por una lado,
la performatividad (Wittgenstein/Austin), es decir, el poder creador del lenguaje y, por
otro, con el feminismo, se hace hincapié en el contexto concreto en el que se produce la
comunicación entre sujetos (en este caso se hace referencia al género, pero piénsese no
solo en los Gender Studies, sino también en los Queer, Critical Race, Disability Studies).
(Bianchi 2021: 7).
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19 “Se requerirá un cierto tiempo antes de que la inteligencia artificial pueda gestionar por sí
misma las ambigüedades del discurso del odio [...] Es por eso que Facebook ha invertido en
la formación de miles de moderadores humanos en todo el mundo, listos para intervenir
ante los avisos de los propios usuarios, eliminando contenidos que no cumplan con sus
directrices” (Faloppa 2020: 113; la traducción es nuestra). Muchas son las preguntas que
se formula este investigador tras la citada afirmación: “Quanto la pubblicazione […] di
un profilo che contiene non messaggi d’odio, ma il rinvio a pagine contenenti messaggi
d’odio, comporterebbe da parte del provider una corresponsabilità nella loro diffusione?
Qual è la posizione giuridica della piattaforma, e quando le sue policy interne possono
sostituire il quadro normativo, o sopperire alle sue carenze? Quanto l’organizzazione
incriminata deve ritenersi responsabile per le condotte dei suoi membri? Se sul piano della
responsabilità penale atteggiamenti di odio sono da ascriversi solo a coloro che li adottano,
quanto questi atteggiamenti sono davvero scollegabili dall’ideologia e dall’azione
politica dell’associazione, alla cui diffusione contribuisce masscicciamente la presenza su
Facebook? (Faloppa 2020: 120).
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Bibliografía
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PARTE 2
LUTO-DENÚNCIA E A MATERIALIDADE
FOTOGRÁFICA1
Rogério Modesto
Introdução
1 Este texto traz um recorte amplamente revisto e modificado de uma questão trabalhada
em minha tese de doutorado, intitulado Você matou meu filho e outros gritos: um estudo
das formas da denúncia, defendia em 2018 no Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas.
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2019, p. 143). Ser a voz dos mortos, a presença deles entre nós, mobiliza
a dor, o luto, a tristeza, a desesperança e a quebra dos sonhos, mas tam-
bém, em alguma medida, a felicidade, o soerguimento, a luta. Tudo isso
em favor de uma militância que (re)significa o(s) afeto(s) colocando-o(s)
na tensão entre o social e o político.
Nas páginas que seguem, desse modo, faço uma análise que toma
o corpo daqueles que já se foram na relação com o corpo dos que aqui
fazem memória em vida, na vida de um luto-denúncia. Trabalho, as-
sim, o efeito de presença-ausência que se materializa em fotografias.
São fotografias que compõem os livros-testemunho-denúncia: Relatório
da Anistia Internacional do Brasil de 2015, intitulado Você matou meu fi-
lho: homicídios cometidos pela polícia militar na cidade do Rio de Janeiro,
e o livro de relatos Auto de resistência: relato de familiares de vítimas
da violência armada. Em ambos, o luto coletivo de mulheres negras e de
periferia dá a tônica da resistência.
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Mãe segura a foto de seu filho, João Ana Paula, mãe de Johnathan Oliveira
Carlos Martins. Lima.
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Considerações finais
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Referências
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NO RISCO DO TESTEMUNHO: ENTRE O
TRAUMA E A INCOMPLETUDE
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tentou exterminar não foi somente milhões de vidas humanas, mas [...]
a possibilidade de dar, de inscrever, de chamar e de lembrar nomes”.
Referências
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ENTRE GRITOS E SUSSURROS: UMA
INQUIETAÇÃO SOBRE OS MODOS DE
CONTROLE E DOMINAÇÃO
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bido, não dado a ler, a ver. Outros, são expostos, veiculados à exaustão,
gravados e colocados à mostra, fotografados, comentados, colocados
no “face”. Os sujeitos, vítimas, sim, vítimas, desses “atos de justiça”,
não têm nome na mídia, em sua maioria são colocados enquanto núme-
ros, índices, gráficos. Quanto aos segundos, prevalece um certo acordo
tácito – nada se cobra, tudo se aceita – já que esses abusos estão atraves-
sados e constituídos no e pelo funcionamento do Aparelho Repressivo
de Estado (e Aparelhos Ideológicos), e por isso, apontam para um efeito
de legitimidade, produzindo um evidência de que tudo está bem, e de
que a lei, pela força policial, funciona. Neste sentido, segundo Althusser
(1985), toda formação social produz e reproduz ao mesmo tempo as con-
dições de produção, e nesse processo de reprodução, o Estado como
aparelho repressivo tem sua existência e necessidade atrelada à prá-
tica jurídica (polícia, tribunais, prisões e exército) e à ideologia. Logo,
é pelo Estado que se dão as forças de execução e intervenção repressiva,
na junção com a burguesia e, aliados assim, contra o proletariado.
No entanto, se não há um aparelho puramente repressivo,
de acordo com Althusser (1985), o Estado conjuga em si, tanto o apa-
relho repressivo (público), quanto o ideológico (privado). Por essa lei-
tura, há no Estado um duplo funcionamento – age por leis e decretos
do Aparelho Repressivo, mas por intermédio da ideologia (dominante)
(cf. ALTHUSSER, 1985). A harmonia entre os Aparelhos Ideológicos e os
Repressivos se faz justamente pelo funcionamento da ideologia, através
da sujeição dos indivíduos a essa mesma ideologia, mas numa estreita
relação com os aparelhos de informação que, produz, por esse movimen-
to, a ilusão de ser democrática, ou numa “relação imaginária dos indiví-
duos com as suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1985, p.
77).
Condições reais e ilusão de existência. Por isso, no presente texto,
as vítimas são nomeadas – é pelo nome, sua subjetivação que as identifi-
ca não só a uma família, a um sobrenome, mas a um lugar, a uma história
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de vida que se cruza com muitas outras histórias. De outras vidas, talvez
dos mesmos espaços. É sobre elas que escrevemos antes1, e agora.
Por esse trajeto, consideramos as permanências/ repetições como
partes de um passado que não se esquece, mas que retorna e atravessa
o presente, na reprodução dos modos de dominação e exclusão dados
como “naturais”, e que legitimam ainda, a divisão social baseada na cor
da pele e na renda. Desse modo, a violência exercida contra esses sujei-
tos nos remete às medidas punitivas inscritas no Brasil colonial e que
apontam para um modo de controle e disciplina, ainda em funciona-
mento. A escravidão, como constitutiva da história nacional, amparada
numa lógica capitalista, ainda está em funcionamento e por isso, todo
modo de ajuste social é também um modo controle do outro. Esse outro,
é sob uma falsa tutela do Estado, repetido na e pela mídia como despos-
suído de seus direitos, de seus bens, de sua voz. Dito por outros, é posto
como um sempre sujeito predisposto ao crime, ao delito, logo, sempre
suspeito. Por isso, apagam-se determinadas vozes e outras são dadas
a ver, reproduzindo a naturalização das práticas violentas e banalizando
a vida.
Como despossuídos, compõem uma parte – negros, pobres. Para
esses, a justiça, em tese igualitária, legitima, na prática, as formas de ex-
clusão e dominação, reproduzindo um efeito de legalidade, justificado
na e pela mídia, reforçando e justificando as formas de controle, de exclu-
são. Como predisposto ao crime, o sujeito considerado “acusado”, “sus-
peito” ou “bandido”, compõe a parcela da sociedade que tem como lugar
de sua visibilidade, a marginalização. É por esse funcionamento que se
(re)produz a convocação e a incitação ao ódio e violência, contra esses
grupos sociais. Convocação, generalização. Repetição, permanências.
Diante disso, nos remetemos a um mal da sociedade brasileira,
ferida ainda aberta e latente–a naturalização das práticas de violência
como um sintoma. Esse sintoma ao qual nos referimos aponta para a or-
ganização e funcionamento de uma estrutura, que tem na lógica de con-
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2 Mais uma vez me refiro ao texto de tese, tendo em vista que nele, refletimos sobre o
funcionamento do “fazer justiça”, considerando que nesse, a justiça é exercida/aplicada
em paralelo às normas jurídicas, atestando para a legitimidade dos “tribunais de rua”, e
rompendo com a estrutura normativa da prática, de fato, jurídica.
3 Disponível em: http://observatorioseguranca.com.br/produtos/relatorios/. Acesso em
09/07/2021.
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ça), sobre os quais não havia nenhuma acusação. Se isso não justificasse
o uso da força letal, e se por essa força não fossem mortos, estariam
na condição de réus primários.
Se assim fossem considerados – réus (primários) – teriam, juridi-
camente um processo aberto, com direito à defesa, e acusação. Seria fei-
to o julgamento, e se “culpados”, teriam uma pena atribuída de acordo
com o delito, ou crime. Mas não foi assim. Ser sempre suspeito já é a con-
dição necessária e que viabiliza o uso de forças letais, desde a humilha-
ção, tortura, até a morte desses sujeitos. Despossuídos de sua dignida-
de, de sua humanidade. São esses sujeitos, objetos e instrumentos para
um poder, que condecoram as façanhas policiais, as grandes “ações”. É a
partir dessa desumanização que outros são eleitos, comemorados.
No dia 06/05/21, a “grande ação” policial fez 27 mortos civis e um
militar, um dos policiais da operação. Logo que se tornou pública, au-
toridades saíram em defesa daquilo que se justificaria como um “modo
de controle do aliciamento de menores para o tráfico, coordenada pelo
Comado Vermelho”. Outras apontaram para o cenário de horror, para
as falhas da ação e do governo, bem como para a necessidade de se pen-
sar sobre a crescente violência nas favelas e morros. O atual presidente,
como autoridade também manifestou deliberadamente seu apoio à ação,
saiu em defesa dos policiais, e como é sabido, reiterando sua posição
como forte apoiador da política pública militarizada quando se refere
a uma parcela da população.
No Twitter, afirmou que “ao tratar como vítimas traficantes
que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os iguala
ao cidadão comum, honesto, que respeita as leis e o próximo”. E conti-
nuou: “É uma grave ofensa ao povo que há muito é refém da criminali-
dade. Parabéns à Polícia Civil do Rio de Janeiro!”4. Já o vice-presidente,
Hamilton Mourão, no dia 07/05, afirmou: “Tudo bandido! Entra um po-
licial numa operação normal e leva um tiro na cabeça de cima de uma
laje. Lamentavelmente, essas quadrilhas do narcotráfico são verdadeiras
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Referências
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LUTO E LAMENTO: LEVANTAR A VOZ;
CANTAR AOS MORTOS
Marcos Barbai
Pedro de Souza
Um minuto de silêncio
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O lamento é um trabalha-dor
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1 https://www.youtube.com/watch?v=-oFFAqWKIh8
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de uma São Paulo sem amor. Não dá para descrever/ Numa linda frase/
De um postal tão doce/ Cuidado com doce/ São Paulo é um buquê.
Já as outras as duas últimas sequências de versos mostram e des-
crevem os lugares, os espaços, as pessoas e as coisas. São cenários de uma
cidade desamorosa. O ato vocal cantado como enunciação faz ver e ouvir
“bares (...) cheios de almas tão vazias; a ganância enquanto vibra e a
vaidade enquanto excita e ao que se demanda trazer de volta a vida e de-
pois morrer: “Devolva minha vida e morra”. Todo este efeito de presença
na letra e melodia vem por uma voz que, em tom ao mesmo tempo con-
templativo e lamentoso, descreve e constitui o estado urbano de amor
em falta.
A voz é a contrapartida do sujeito asfixiado nesta pandemia, não só
pelo precário da saúde coletiva, mas por toda sorte de precariedade. E é
pela voz que o precário apareça como acontecimento de grito e insur-
reição. É preciso escutar aqui a forma material do silêncio (cf. Orlandi,
1992) que vem justamente pelo estatuto de fazer respirar os sentidos
como corpos sem órgãos. O vozeado, no tom do lamento, soa no mes-
mo ritmo e atmosfera por onde passa prolongando o silêncio pelo qual
se faz ressoar. Aludimos à ambiência sombria que o desamparo fez pai-
rar na pandemia.
Nessas condições, o sussurro equivale ao sufocamento vocal,
A emissão do clamor vai do grito ao sussurro, como aquele de George
Floyd clamando, na sua hora final, que não podia respirar. Há no sus-
surro não mais o que se limita na relação com o grito, mas a passagem
ao grito nas difíceis condições de emissão.
Em outros termos, é o caso de fazer ver e ouvir o silenciamen-
to enquanto enuncia através da linguagem, o que a voz tem de sufoco.
No clipe de Criolo e Milton Nascimento, a captura de imagens participa
da prática discursiva do lamento que se faz exercer nele. Acontecendo
como modo de enunciação, no vídeo que promove a canção, a monta-
gem de arquivos de imagem encena o espaço acústico do apelo, a saber,
o grito para que o amor venha preencher o vazio de sua própria falta.
Dizemos da falta de governantes e dos governantes em falta, de que di-
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Referências
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PARTE 3
NÓS E ELES
Introdução
Figura 1
Fonte: Google imagens
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Nesse singelo tweet, havia muita coisa. Havia tudo aquilo que o
historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior1 chamou de engenho
anti-moderno, imaginário que marca a invenção do Nordeste no começo
do século XX, amparado, sobretudo, na figura da seca. Nesse sentido,
matar um nordestino afogado seria quase fazer um favor não a São Paulo,
mas ao próprio nordestino, dando-lhe a água que lhe falta. Havia a cons-
trução “Nordestisto”, articulação de “Nordeste” com “isto”, e que satura
lexicalmente a desumanização desse inimigo político.2 Havia também
a metonímia megalomaníaca que indistingue “Sp” e “Brasil” (já que a
eleição escolheu a presidenta e não o governador) e coloca, por sua vez,
uma fronteira interna entre os brasileiros e os outros, no próprio Brasil.
Nesse espaço borrado, “nordestino” e “Nordeste” dividiam não so-
mente os efeitos, mas os afetos do resultado eleitoral. É exemplar que da-
das as condições de produção do espetáculo midiático ao longo da divul-
gação dos resultados por região (e não por características étnicas, raciais,
etárias, religiosas ou quaisquer outras), as declarações discriminatórias
foram dirigidas exclusivamente aos nordestinos. No entanto, Dilma
foi vencedora em Minas Gerais (58,45%), Rio de Janeiro (60,48%) e no
Distrito Federal (52,81%) e, salvo engano, não houve ninguém pedindo
a morte de mineiros, cariocas e candangos. É justamente nesse lugar
que podemos ver que “Nordeste” não mobiliza simplesmente um espaço
geográfico, mas um significante inscrito na trama das relações ideológi-
cas que constitui o imaginário político brasileiro.
Quatro anos depois, as eleições de 2014 deram visibilidade a um
embate que se construiu não a partir da figura do adversário, mas do an-
típoda: uma alteridade inegociável desfilou às ruas para demarcar o es-
paço do intolerável, de uma diferença que não era apenas marcada pela
predileção, mas por uma espécie de ojeriza ideológica que supõe o outro
não como adversário, mas como inimigo. À época, palavras como “cor-
rupção”, “roubalheira”, “Cuba” e “Venezuela” dominavam, de um lado,
a tal ojeriza ideológica por uma posição que parecia afastar o Brasil de sua
1 Albuquerque Júnior, 1994.
2 Optamos por manter entre aspas e itálico apenas ocorrências do corpus. As formulações
entre aspas e sem itálico não ocorrem nos materiais analisados, mas foram por nós evocadas
no movimento da análise.
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vocação natural ou de sua essência perdida. “Eu odeio o PT mais que tudo
na minha vida”, dizia uma eleitora de Aécio Neves em uma manifestação
nas ruas de São Paulo. “São canalhas. Terroristas. Guerrilheiros”, dizia
outro.3 As relações de hostilidade (marcadas pelo nós contra eles) e hos-
pitalidade (marcadas pelas alianças ideológicas e pelas mais diversas
possibilidades de laço social) parecem, desde então, ganhar corpo e dar
ainda mais consistência à polarização, demarcando as posições em jogo
na formulação dos “nós”, “eu” e “eles” que comparecem nos dizeres.
Esses dois cenários, 2010 e 2014, nos ajudam a pensar a polari-
zação que desenha ou redesenha boa parte das políticas de hospitali-
dade e hostilidade no Brasil contemporâneo. Mas é preciso recuar para
não cairmos no efeito de reconhecimento que impõe a polarização como
um dado político. De nossa parte, gostaríamos de pensar de que maneira
essa polarização se impõe como um efeito específico das contradições
ideológicas no imaginário político nacional.
Definimos aqui a polarização como um efeito de saturação das con-
tradições numa relação binômica. Satura-se em um par opositivo a multi-
plicidade das contradições e das relações de força que dão feição ao po-
lítico numa conjuntura dada. A polarização é, portanto, uma das formas
pelas quais opera a ideologia, condensando os impasses e as contradi-
ções do funcionamento do modo de produção capitalista, a partir de um
efeito de evidência que sustenta o imaginário político-social como fissu-
rado e dividido em dois. Assim, é produzido um esquecimento a respeito
de outras determinações e contradições que constituem o arranjo das re-
lações sociais em uma formação social dada e a polarização funciona
no imaginário político como um efeito de reconhecimento dominante.
No funcionamento do discurso essa polarização se inscreve sobre-
tudo na relação entre o nós e eles. Mas essa relação binômica não é pura-
mente formal, porque as posições que sustentam, no discurso, nós e eles,
são sempre históricas. Ou seja, embora formalmente o pronome pessoal
3 Aqui nos referimos a um vídeo produzido pela Folha de São Paulo em 2014 durante a
realização de uma manifestação política na cidade de São Paulo. O vídeo, que será objeto de
uma investigação mais aprofundada em um estudo posterior, está disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=zb9_4yRJsvY
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da primeira pessoa do plural nós seja idêntico, ele não evoca os mesmos
processos de significação em condições de produção distintas. Tudo de-
pende, portanto, de uma análise das formulações em jogo.
Não tomaremos, portanto, nós e eles enquanto elementos que se
reportam a “pessoas” ou “agentes políticos”, mas a posições discursi-
vas possíveis de serem ocupadas por diferentes sujeitos em condições
de produção dadas. Embora a relação nós e eles seja constitutiva do ima-
ginário político, o que nos interessa são justamente os processos de sig-
nificação que se inscrevem na ilusão de evidência e homogeneidade
da autodefinição (nós) e da definição do outro que se situa fora do “seu”
campo político (eles). É essa compreensão que nos afasta tanto de uma
tomada de posição psicologista e empirista (que reporta o dizer a um fa-
lante que é fonte e origem dos processos de produção de sentido) quan-
to de uma tomada de posição pragmática (que mobiliza o conceito de
“contexto” ou “situação” para dar conta da exterioridade dos processos
de produção de sentido). Levando a sério fato de que o falante não é
senão um sujeito, pensamos que os processos de significação precisam
ser remetidos ao interdiscurso, ou seja, sustentamos que
200
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mental que partimos para uma montagem de arquivo que nos permitisse
escutar os processos de produção de sentido em suas condições mate-
riais de emergência e circulação.
O arquivo foi constituído, inicialmente, a partir da regularidade
de um item lexical, qual seja, a palavra “fascista”4, que muito circula
nas mídias sociais, na literatura acadêmica e nas publicações jornalís-
ticas. Para a análise, esperamos lançar mão, dentro das condições que o
corpus permite, do recurso da paráfrase5 entre as sequências discursivas
para dar visibilidade à constituição das redes de sentidos em torno de
“fascista” em postagens do Twitter do ano de 2020 produzidas por perfis
identificados com a atual direita conservadora brasileira. Porém, antes
de partirmos diretamente à questão, faremos uma breve reflexão em tor-
no da formação do outro-hostil6 como elemento constitutivo do imagi-
nário político nacional. Para tanto, voltaremos ao século XIX com o ob-
jetivo de interrogar de que maneira a relação entre nós e eles constitui
uma memória das relações de hostilidade que, de certa maneira, não ces-
sa de delinear os sentidos de brasileiro.
1. Os brasileiros e os outros
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ros” e “africanos libertos” que emerge na maior parte das lutas políticas
nos oitocentos em torno das transformações da sociedade escravista.
Os africanos libertos foram, sem sombra de dúvidas, o setor
da formação social brasileira mais perseguido ao longo do século XIX.7
Não eram nem cidadãos, nem estrangeiros e por isso estavam sujei-
tos às mais diversas arbitrariedades. Após 1830, com o sancionamen-
to do Código Criminal do Império, as arbitrariedades ganharam forma
e lastro jurídico. Mas a escalada do antiafricanismo no Brasil se intensi-
fica a partir de 1835 com a profusão da legislação antiafricana que pre-
via, inclusive, deportações de africanos suspeitos, ainda que sem provas,
de participação na revolta dos malês.8
Justamente em 1835 o presidente da Província da Bahia, em car-
ta ao ministro da justiça do Império, disse que “não sendo os africanos
libertos nascidos no Brasil, e possuindo uma linguagem, costumes e até
religião diferente dos brasileiros, e pelo último acontecimento, declaran-
do-se tão inimigos da nossa existência política, eles não podem jamais
ser considerados cidadãos brasileiros para gozar das garantias afiançadas
pela Constituição”9. Vamos dividir essa passagem em duas sequências
discursivas:
7 Reis, 2003.
8 Ver Brito (2010), Barbosa Filho (2018) e Reis (2003).
9 Carta mencionada por Brito (2010).
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Ora, quando se diz em SD1.1 que “os africanos libertos não são nas-
cidos no Brasil” não se diz apenas que “os africanos libertos são nascidos
em outro lugar”. Se diz, sobretudo, que “os africanos libertos não são
cidadãos brasileiros” e que “os africanos libertos não podem jamais
ser cidadãos brasileiros”, pelo menos desde a Constituição de 1824. Aqui
a questão da negação fica ainda mais marcada. Por efeito de negação,
os “cidadãos brasileiros” são aqueles que possuem uma só linguagem,
uma só religião, um só conjunto de costumes e, sobretudo, os brasileiros
são aqueles que não se opõem à existência política do Brasil e dos pró-
prios brasileiros. Define-se o “cidadão brasileiro” como negação do afri-
cano liberto.
No entanto, há não-nascidos no Brasil que podem aceder à cate-
goria de cidadão brasileiro. Vejamos o que diz a Constituição de 1824:
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TITULO 2º
Dos Cidadãos Brazileiros.
Art. 6. São Cidadãos Brazileiros
I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenu-
os, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez
que este não resida por serviço de sua Nação.
II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi
Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem es-
tabelecer domicilio no Imperio.
III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz es-
trangeiro em serviço do Imperio, embora elles não ve-
nham estabelecer domicilio no Brazil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões,
que sendo já residentes no Brazil na época, em que
se proclamou a Independencia nas Provincias, onde ha-
bitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela
continuação da sua residencia.
V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua
Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para
se obter Carta de naturalisação.
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2. O povo e os outros
10 Neste ponto é preciso fazer uma retificação que, a nosso ver, é fundamental. Em Barbosa
Filho (2018), classificamos a preposição “até” como um advérbio por seu caráter “inclusivo”.
Esse ato falho linguístico merece uma explicação, ou melhor, uma retratação. Ele foi possível
por causa da substituição em uma paráfrase de SD1. No discurso jurídico “até” funciona
como “e” ou “também”, ou seja, como conectivo, tal como ele funciona gramaticalmente.
A esse respeito, é suficiente indicar que na Constituição de 1824 a adesão a qualquer outra
religião não inviabiliza a obtenção de cidadania. No discurso político a coisa muda de
forma. No político, esse funcionamento parece apontar para outra substituição: “inclusive”,
ou seja, um advérbio que não apenas acrescenta, mas aponta para um efeito de agravo: é
justamente o “até” que marca, no discurso, tanto a diferença inegociável, quanto a não-
coincidência entre o político e o jurídico. Portanto, essa paráfrase não é linguística, mas
discursiva, porque evoca uma possibilidade de substituição que é da ordem do discurso
e não da língua. Agradecemos imensamente o colega, amigo e camarada Gabriel de Ávila
Othero pela cuidadosa observação.
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Figura 2
Fonte: Twitter
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Este tweet – postado por uma conta que hoje sequer existe – estava
se referindo a um ato em Curitiba (PR) na noite de 1º de junho de 2020.12
Durante o ato, alguns manifestantes rasgaram e queimaram uma ban-
deira do Brasil. Diversas personalidades políticas ligadas ao bolsonaris-
mo, como Bia Kicis, Carlos Jordy e Luiz Lima chegaram a se manifestar
na ocasião, também no Twitter. Vale mencionar que a conta se intitula
“Patriotas” e tem como avatar uma foto em preto e branco do presidente
da república Jair Messias Bolsonaro.
O que nos interessa, no entanto, são as relações de sentido em jogo
na textualização desse acontecimento. Já na Figura 1, logo acima,
o polo indicado como eles é nomeado como “esquerdistas”. Para além do
“Patriotas” que nomeia o perfil, não há nenhuma outra marca que agen-
cie o nós que sustenta o dizer, embora haja uma relação – marcada pelo
“como se” – que nos interessa em termos do funcionamento semântico
desse enunciado. Em outra ocasião13 apontamos que o “como se” fun-
cionava como uma forma de negar e afirmar ao mesmo tempo, evocando
a possibilidade de outras duas sentenças, ambas ausentes no tweet:
Diremos que SD5 e SD6 não estão formalmente escritas, mas estão
inscritas no tweet. A locução conjuntiva “como se” não expressa uma com-
paração simétrica do tipo x = y, mas instaura um efeito de paródia sus-
tentado no efeito de absurdo evocado por SD6. Evoca-se um saber la-
teral, que vem um lugar independente, exterior e anterior ao enunciado
efetivamente formulado que supõe tanto
quanto
12 https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/06/02/interna_nacional,1153004/ma-
nifestantes-queimam-bandeira-do-brasil-e-vandalizam-curitiba.shtml
13 Abrahão e Sousa; Barbosa Filho, 2019.
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Figura 3
Fonte: Twitter
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os valores
(SD18) Nunca foi tão importante defender
a libedade
dos brasileiros
os valores
(SD19) Nunca foi tão importante defender a libedade
dos patriotas
(SD20) Nunca foi tão importante defender dos
esquerdistas os valores patriotas
fascistas que se dizem anti fascistas a libedade
dos brasileiros
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cionamento semântico dos itens lexicais, mas a sua inscrição em uma for-
mação discursiva dada. Em outra posição ideológica a evidência da corre-
lação entre “queimar bandeira do Brasil” e “ser fascista” é praticamente
impossível porque nessa outra posição “ser fascista” implica outro con-
junto de relações de articulação no interdiscurso. Não se trata, portan-
to, de sentidos errados ou “impróprios”, mas de como essas posições,
sempre agenciadas por formações discursivas, traduzem os significantes
em jogo nas diferentes práticas discursivas.
Mas não é apenas por “queimar bandeiras” que o sentido de “fas-
cistas” é determinado na posição que parece se prefigurar no corpus
evocado na nossa ainda incipiente pesquisa. Tanto “Esquerdistas dizen-
do combater o ‘fascismo’ é como se o PCC dissesse que combate o tráfico”
(Figura 2) quanto “Fascistas que se dizem antifascistas queimam a bandei-
ra do Brasil agora à noite em Curitiba” (Figura 3) partem de uma estrutura
em que o sujeito é configurado na terceira pessoa do plural (eles) seguido
de alguma forma do verbo “dizer”. E é interessante que podemos inter-
cambiar os sujeitos das sequências discursivas que o efeito de sentido
aparentemente se mantém:
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Figura 4
Fonte: Twitter
ou
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Figura 5
Fonte: Twitter
Figura 6
Fonte: Twitter
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Conclusão
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Referências
15 https://pt.org.br/lula-a-polarizacao-no-brasil-e-entre-democracia-e-fascismo/
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RESTOS DE CENSURA E TORTURA:
CLOROQUINA OU A MORTE?
Questões introdutórias
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Cloroquina ou a morte?
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5 Em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/insumos-hospitalares-
registram-aumentos-acima-de-1000> Acesso em 22/07/2021.
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Referências Bibliográficas
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FAHRENHEIT BRASIL – PSICANÁLISE, ARTE
E UTOPIA1
1 Este texto foi construído a partir das anotações que fiz de minha conferência no Fórum do
Campo Lacaniano em São Paulo, nos seminários Diálogos com a Pólis, em maio de 2021.
Uma versão destas ideias foi publicado na Revista Porto Arte em julho de 2021 com o título
"Sonhar juntos para não naufragar". Este é uma versão ampliada e modificada deste artigo.
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de tudo, Maria Leusa não se cala e assim sua voz, sua força nos trazem
a esperança que precisamos para um trabalho árduo de reconstrução
nestas terras devastadas. Todos que trabalham para fazer algum regis-
tro destas histórias, ocupando assim a importante função de testemu-
nha, abrem algum caminho possível no enfrentamento de todas estas
violências.
Como na novela de Ray Bradbury, também reagimos a estes incên-
dios. Em 5 de maio de 2021, no dia internacional da língua portuguesa,
se reinaugurou em São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa, recons-
truído depois da destruição por um incêndio no final de 2015. A expo-
sição que reinaugura o museu tem o sugestivo título de “Língua Solta”
com curadoria de Moacir dos Anjos e Fabiana Moraes. Esta mostra reúne
dezenas de artistas brasileiros que utilizam a palavra como suporte para
seus trabalhos. Assim, se reatualiza a pergunta: o que quer e o que pode
esta língua? 2
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pode ser dita já que há uma única mensagem a ser escutada. Em outras
palavras, constatamos um empobrecimento radical da linguagem quan-
do estratégias como estas se instauram no espírito do tempo.
Há um ano atrás escrevi um pequeno texto que nomeei
“Copacabana, praia de memórias”3 onde comento sobre o gesto do ta-
xista Marcio Silva reagindo a um homem ensandecido derrubando cru-
zes de uma manifestação da Ong Rio da Paz em homenagem aos mor-
tos da Covid. Márcio que havia perdido seu filho Hugo de 25 anos dias
antes, enlutado ao ver a cena, põe os pés na areia e vai recolocando
uma a uma as cruzes no lugar. Este gesto que nos lembra tanto a revolta
de Antígona diante de Creonte teve repercussão internacional.
Reencontro Marcio um ano depois. Como o trabalho de taxista está
difícil ele tem feito delivery para um supermercado que fica em frente
ao Cemitério São João Batista em Botafogo, onde seu filho foi enterra-
do. Hugo, ainda tão jovem, deixou também um filho Arthur de 5 anos
de idade que anuncia o Brasil que está por vir. Que narrativas o pequeno
Arthur vai poder nos trazer destes tempos? Marcio perdeu um primo
pela covid que era enfermeiro em um hospital e sua irmã está internada
em estado grave também pelo vírus. São muitos lutos. Ele voltou a cena
pública reagindo às declarações de Bolsonaro, insistindo que é preci-
so respeito pelos enlutados e que cada vez que ouve estas falas a feri-
da se abre novamente. Se refere mais precisamente a uma cena em que
Bolsonaro ironiza uma morte por asfixia. Quando o presidente de um
país chega ao ponto de imitar jocosamente um paciente sem ar na UTI
com sons guturais, como aconteceu em março deste ano, nos deparamos
mais uma vez com o ar destes tempos abomináveis, intoleráveis. Faz esta
cena responsabilizando o próprio paciente pela contaminação por não
ter aderido ao “tratamento inicial” com os medicamentos já comprova-
damente rejeitados pela ciência
Marcio já se vacinou por fazer parte de uma comunidade quilom-
bola mas a vacina que efetivamente precisamos, a que nos proteja destas
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7 Fazem parte deste projeto. André Costa, Caroline Mortagua Denise Mamede, Edson Sousa,
Joana Horst, Luciano Bregalanti, Paulo Endo,
8 KAFKA, Franz. Sonhos, Editora Iluminuras, São Paulo, 2008.
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Sonho 19
“Eu sonhei com a morte encarnada. Ela deveria buscar
um ser de cada casa que visitava. Com tanto trabalho,
ela me deixou responsável por embalar e nutrir seu bebê.
Eu estava sentada de frente para aquele ser cujo gêne-
ro eu não pude descobrir. A Morte me entregou o bebê
que parecia ter poucos dias de vida. Junto dele um vi-
dro de uma sinergia de óleos. Com o líquido dourado,
eu deveria ungir a criança que estaria protegida da co-
lheita da sua progenitora. Eu, que nutria o bebê, achei
justo me proteger com o mesmo óleo, mas não comentei
com a Morte minhas intenções. Ela se levantou e deixou
minha casa pela porta. Por alguns segundos, enquanto
a morte fechava a porta, pude ver do lado de fora o caos
alaranjado de casas sobrepostas que lamuriavam a visita
que estava por vir...”
Sonho 210
“Eu estou em outra cidade dentro de um cemitério, está
de dia, existe várias covas abertas no chão, algumas delas
tem caixão com corpos, outras estão vazias, eu vou pas-
sando por todas elas, até chegar em um túmulo que eu
reconheço, o túmulo da minha família, ele também está
aberto, eu olho dentro dele está minha prima, apenas
com a cabeça pra fora e um pouco de terra em cima dela.
E do outro lado na beirada deste mesmo túmulo está mi-
nha vó (ambas pessoas realmente já faleceram), vestida
de preto, mas ela está bem serena e me olha, eu começo
a chorar, abraço ela mas não consigo finalizar o sonho,
pq em seguida já entra outro onde estou em uma multi-
dão de pessoas e isso vai me dando desespero...”
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Referências
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Figura 1
A localização
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Mais adiante o autor afirma que “no luto, o mundo se torna vazio,
empobrecido, sem atrativos (...) nada da perda é subtraída da consciên-
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cia, pois o enlutado sabe o que perdeu” (idem, p. 115). No campo da psi-
canálise, esse modo de compreender os efeitos de uma ruptura implica
considerar a escuta da especificidade de cada dor em seus modos de di-
zer sobre ela, o singular de cada luto. Fora desse âmbito, a arte oferece
singularmente manejos para dar uma volta e mais outra em torno da dor
na produção de arranjos para lidar com o buraco.
Segundo Freud (1915/2010), o luto é um trabalho que deve se ini-
ciar quando o aparelho psíquico se depara com uma perda. O luto, por-
tanto, é uma forma de sofrimento caracterizada por um rearranjo
de nossas relações com o mundo e com nós mesmos diante da subtração
de um objeto ao qual estivemos, em parte significativa de nossa existên-
cia, ligados. Ele diz respeito a um delicado processo de transformação
dos investimentos libidinais que davam um colorido particular a nos-
sas vidas. É uma travessia que implica aceitar o paradoxo de termos
que nos reinventar, mesmo que devamos também permanecer os mes-
mos. (VERZTMAN; ROMÃO-DIAS, 2020, p. 279)
Contornar o vazio, driblar o real, dar uma volta a mais em tor-
no da morte, atravessar o horror do inominável são modos de fazer tra-
balhar os efeitos do luto. Isso tem relação com o comovente trabalho
do artista plástico Fernando Piola (2013) que, ao longo dos últimos anos,
tem desenvolvido projetos de intervenção na cidade de São Paulo, crian-
do jardins em locais onde a violência a e a morte antes se fizeram corpo
e apagamento. Com foco preciso, o artista escolhe lugares que merecem
destaque pela sua história e, apoiado em uma pesquisa em dicionários,
jornais e obras de referência, produz um jardim para ressignificar aque-
le espaço específico, deslocando-o dos sentidos legitimados e naturali-
zados como únicos para o uso e o funcionamento do lugar, invertendo
a caracterização que se faz ali e produzindo um trabalho de cicatrização
da ferida expressa em outro tempo naquele local. Tomada pelo trabalho
de Piola em suas inúmeras intervenções urbanas, destaco aqui um em
especial, Operação Tutóia; a seleção de uma intervenção em particular,
qual seja, o plantio no jardim da Delegacia da Rua Tutóia e a documenta-
ção fotográfica do processo de crescimento das folhagens vermelhas é o
que melhor iconiza o trabalho do luto tal como Freud postulou.
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Tal urgência por dizer “o que existiu” tem relação com o traba-
lho do luto já que a elaboração é sempre um exercício de palavra após
a perda, marcado por não permitir que o esquecimento aniquile o objeto
amado. Dizer da/sobre a delegacia, retomar os fios discursivos a respei-
to do DOI-Codi, ouvir a voz dos sujeitos sobreviventes, escutar o que
foi silenciado nos documentos e instalações físicas do espaço, relembrar
o nome dos que ali estiveram e sumiram, documentar na oficialidade
do Estado o que foi criminoso na atuação dele e rememorar são algumas
formas de elaborar o luto, construindo um pacto coletivo de negação
da morte e de aposta no laço civilizatório. Está aí a
7 Disponível em https://acaopopular.net/jornal/tutoia-921-a-luta-para-transformar-o-doi-
codi-em-um-memorial-de-resistencia/ Acesso em 20 de setembro de 2020.
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dio, ecoando nas ruas e, no caso, no jardim como uma escultura vegetal
de sangue derramado.
No verbete 10, o artista apresenta o nome científico das espécies
escolhidas para sua obra, são folhagens com cores que passeiam pela pa-
lheta do vermelho, produzindo uma tagarelice de tons e sombras confor-
me a incidência da luz. Ao marcar as imagens com nomeações em latim,
o artista inscreve em seu trabalho o efeito cientifico de uma pesquisa,
posto que foi empreendido um esforço por localizar as plantas, seus no-
mes e as famílias vegetais a que pertenciam, ou seja, de estudo. Não se
trata de uma escolha qualquer, mas de um cálculo por inserir ali uma
folhagem pensada, cuidada e planejada para ocupar e significar aquele
espaço público.
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Referências
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PARTE 4
O MUSEU DO ISOLAMENTO: ALGUMAS
REFLEXÕES SOBRE O TEMPO PRESENTE
Verli Petri
Maria Cleci Venturini1
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2 “A covid-19 (termo em inglês que significa Corona Virus Disease 2019) é uma doença
infecciosa respiratória causada pelo coronavírus SARS-CoV-2. O quadro clínico pode
variar de infecções assintomáticas a infecções respiratórias graves”, conforme explicita o
Observatório de informações em saúde da UFSM. Disponível em: https://www.ufsm.br/
coronavirus/observatorio. Acesso em: 12 dez. 2020.
3 Disponível em: https://museudoisolamento.com. Acesso em: 13 jun. 2021.
4 Disponível em: https://museudoisolamento.com/o-que-somos/. Acesso em: 13 jun. 2021.
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vendo a pandemia, mas cada um a seu modo e sob dadas condições ma-
teriais de existência, estabelecendo relações singulares com a ideologia
dominante que nos interpela sem cessar. E complementando a defini-
ção, nos deparamos com o convite à partilha: “Para aqueles que pro-
duzem arte, o nosso Museu se propõe ajudá-los a encontrar um espaço
de visibilidade para que consigam expor seus trabalhos de uma forma
mais democrática. Dessa forma, os artistas podem alcançar novos apre-
ciadores, seguidores até oportunidades de trabalhos.”5
No convite para a escrita deste texto, sentimo-nos especialmen-
te interpeladas a “estabelecer uma rede simbólica para afirmar a vida
que desejamos em movimentos de reparação, em rastros de arte e soli-
dariedade, em testemunhos de resistência e em transmissão; mais ain-
da, é uma forma de fazer trabalhar, na trama singular de cada sujeito,
a invenção de um saber fazer com um real que é implacável”6. Tomamos
como um desafio, uma vez que estamos vivendo o tempo presente (a
pandemia) e tentando compreender o que se passa sem o necessário dis-
tanciamento temporal que nos possibilita avaliar as experiências vividas
e partilhadas. Nossa tomada de posição é a daquele sujeito que se de-
para com o real, e, diante do primeiro impacto, se empenha em simbo-
lizar. Trompamos com o real! E refletir sobre museus é propor uma via
possível. Por tudo isso, justifica-se a escolha do Museu do Isolamento,
acontecendo no tempo presente, visto que a arte tem um papel funda-
mental para que o sujeito continue se reinventando diante de condições
de produção tão adversas, como é o caso da pandemia. Talvez o Museu
do Isolamento tenha nos escolhido, nos interpelado pela sensibilidade
que engendra e nos convocado a torná-lo visível.
Compreendemos, em consonância com Orlandi (2020, p. 512),
que o museu deve ser tomado como prática social da maior importância,
já que nos encanta “observar os museus em seu papel reflexivo, crítico,
questionador”. Estamos diante de uma proposta diferenciada no sen-
tido de abrir espaço para a manifestação do sujeito no tempo presen-
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11 “Museu de Tudo” ([1975] 2009), de João Cabral de Melo Neto, é uma obra que apresenta
temáticas variadas, constituindo um efeito de saturação por abordar espaços, homenagear
artistas, pensadores e, também, adentrar em discussões teóricas, tais como a função do
tempo e da poesia, entre outras, constituindo efeitos de acúmulo e de um livro que deposita,
encaminhando para uma definição de museu.
12 Mais detalhes sobre narratividades museológicas podem ser conferidos no trabalho
desenvolvido por Maria Cleci Venturini, no Projeto de Produtividade em Pesquisa, apoiado
pela Fundação Araucária – PR (2019-2021).
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Referências
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EFEITOS DA LUTA E DO POLÍTICO NA ARTE:
O ESPETÁCULO SOM E LUZ EM SÃO MIGUEL
DAS MISSÕES/RIO GRANDE DO SUL1
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5 Para que o espetáculo se torne ainda mais atrativo e turístico ao público visitante, vozes
bastante conhecidas e globais fazem parte do cenário: a atriz Fernanda Montenegro dá
vida a Terra; Maria Fernanda empresta sua voz à Catedral; Sepé Tiarajú, por sua vez, é
representado verbalmente por Lima Duarte.
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Logo após, ela encerra sua fala com o dizer: “Mas já que vieram
aqui, devem ouvir nos ventos a verdade que encerrais: como foram
arrasados vossos filhos, nossos pais, os tranquilos Guaranis.” (Texto
do espetáculo Som e Luz, grifos nossos). Com isso, os estranhos que ali
estão situam-se diante do que veem, essa proposta de abordar a verdade
e a confrontá-la segue durante o espetáculo. Nessa passagem do texto,
a qual se trata da fala de abertura do espetáculo, destacamos o enuncia-
do “a mágoa universal de ter assistido a um massacre”, que faz referência
ao massacre sofrido pelos guaranis, na Guerra Guaranítica6.
Esse destaque foi feito pois, assim como todo o ambiente cons-
truído para o recebimento de turistas, o Som e Luz foi idealizado pelo
Governo (a figura do Estado). Ao colocar a Guerra Guaranítica como
um massacre, o roteiro traz aos estrangeiros esse viés dos acontecimen-
tos, colaborando para a “transformação” de Sepé Tiarajú em herói. Essa
perspectiva adotada, tomando como ponto de partida a visão indígena/
naturalista, pode ser percebida também no enunciado “matou com tiro
6 A Guerra Guaranítica teve como principal motivação o Tratado de Madri, assinado pelos
impérios Português e Espanhol, na capital espanhola, em 13 de janeiro de 1750. Esse
tratado trazia uma nova representação cartográfica, o Mapa das Cortes, estabelecendo
novos limites para suas colônias na América. Como forma de resistência, alguns padres
jesuítas tentaram produzir outros mapas como uma maneira de rejeitar o tratado, mas
estes não foram aceitos. Em suma, sua única opção de resistência foi a guerra, causando a
morte de milhares de guaranis, como também a perda dos territórios que foram entregues
a Portugal (GOLIN, 2014). Para uma ilustração mais poética da Guerra, trazemos o que
destaca Eduardo Galeano (2012, s.p.) em seu livro Os filhos dos dias, no mês de fevereiro,
dia 10: “Aconteceu ao norte do rio Uruguai. Sete missões dos sacerdotes jesuítas foram
dadas de presente pelo rei da Espanha ao seu sogro, o rei de Portugal. A oferenda incluía os
trinta mil índios guaranis que moravam lá. Os guaranis se negaram a obedecer, e os jesuítas,
acusados de cumplicidade com os índios, foram devolvidos para a Europa. No dia de hoje
de 1756, nas colinas de Caiboaté, foi derrotada a resistência indígena. Triunfou o exército
da Espanha e de Portugal, mais de quatro mil soldados acompanhados por cavalos, canhões
e numerosos ladrões de terra e caçadores de escravos. Saldo final, de acordo com dados
oficiais: Indígenas mortos, 1723. Espanhóis mortos, 3. Portugueses mortos, 1.”.
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7 Como todo discurso é político, ao longo deste artigo adotaremos o uso da terminologia
indígena, visto compreendermos que ao usarmos a terminologia índio adotamos um
discurso colonial.
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cantes da ilusão criada pelo Som e Luz e que ressoa nos discursos em cir-
culação. Esse recorte (R4), apresentado a seguir, inicia com o enunciado
“Esta terra já tem dono!”, que é utilizado atualmente em diversos discur-
sos que circulam na região das Missões e relaciona-se sempre a questões
como a garra e a luta permanente atribuída, através de discursos popula-
res, como característica do ser missioneiro8. Vejamos:
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Efeitos de encerramento…
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Referências
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O INOMINÁVEL DE UMA PANDEMIA: O
TRAUMA DO SÉCULO?
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Figura1: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 2: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 3: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
Figura 4: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 5: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 6: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 7: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 8: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
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Figura 9: Pandemia
Fonte: https://www.instagram.com/midianinja/
Mas isso é para um próximo escrito... Neste, nosso objetivo foi ana-
lisar como pela via do simbólico, por meio de projeções na cidade, os su-
jeitos deram início a um tratamento ao trauma/luto que está sendo vi-
vido diariamente pelas brasileiras e pelos brasileiros deste país, dizendo
como, em um governo genocida, (sobre)viver é a nossa desobediência,
nosso principal ato para lidar com o horror de uma política de morte
que está tão fortemente presente no Brasil e no (não) enfrentamento
da pandemia de COVID-19. As projeções metaforizam algo do horror,
do inominável, em tentativa de dar contorno à vida.
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Referências
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PEÇAS DE UM ARQUIVO NAS CONJECTURAS
DE UM ESTUDO EM SUSPENSO
Amanda E. Scherer
Prelúdio n. 1
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Prelúdio n. 2
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Conjectura 1. O Arquivar...
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Conjectura 2. O escrever...
Oui, ces notes que j’ai prises sont bien réelles : j’avais
vraiment un cahier, mais elles n’ont pas dépassé vin-
gt lignes. J’avais trop peur, il était extrêmement dan-
geureux d’écrire. Le fait même d’écrire était suspect ;
ce n’étaient donc pas des notes, mais la volonté de pren-
dre des notes, ayant sous la main un crayon et du pa-
pier, et désirant transmettre à ma mère, à ma soeur,
aux miens, l’expérience inhumaine que je vivais ; mais
il n’y a pas eu de notes, car je savais que je n’aurais pu les
conserver. C’était matériellement impossible. Où les
garder, dans quelle cachete ? Dans une poche ?... nous
n’avions rien, on changeait nos lits, nos paillasses sans
cesse, on changeait aussi nos vêtements, il n’y avait au-
cun moyen de rien garder sur soi. Je ne disposais que de
ma mémoire. (LEVI, 1995, p. 26).
Escrever não é um ato banal qualquer, por mais que possa parecer,
sobretudo, em nosso dia-a-dia no mundo da escrita. Ao escrevermos dei-
xamos nossas marcas, nossos deslizes, nossas desavenças com a nossa
história e com a escrita. Sabemos igualmente que, quando escrevemos,
muito do que somos vem à baila pelo simples gesto de segurar o lápis,
ou então, pela nossa maneira de se comportar perante à máquina de es-
crever (sim, ainda contamos com ela em momentos de preguiça intelec-
tual) ou até mesmo como nos “filiamos” ao computador. Do gesto de to-
mar o lápis ao jogo de dedos no teclado do computador, muito do que
não gostaríamos de ser nos toma de assalto e nos configura enquanto
prática de um aprendizado da escrita, pela (in) delicadeza do aprendiza-
do (e) terno da escritura. Impossível escrever sem nossa história, subje-
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sobre algo que foi também difícil testemunhar. Certo, as feridas aflo-
ram, a experiência do trauma vem à pele, arrancando as cascas, as lascas
do tempo, essa coisa não escrita que tento ler (DIDI-HUBERMAN, 2019, p.
10), mesmo acinzentada pela memória do dizer.
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NOTAS SOBRE OS AUTORES
Amanda E. Scherer
Professora Titular de Linguística do Departamento de Letras Clássicas e
Linguística da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora do
Laboratório Corpus (UFSM) e professora do Programa de Pós-Graduação em
Letras da UFSM. Possui doutorado em Linguística, Semiótica e Comunicação
pela Université de Franche-Comté e pós-doutorado pela Université de Rennes
2, França. Tem experiência na área de Linguística com ênfase em Análise de
Discurso e História das Ideias Linguísticas trabalhando com o tema: sujeito,
língua e memória. Atualmente, é Coordenadora Geral do Espaço Multidisciplinar
de Pesquisa e Extensão da UFSM–Silveira Martins.
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Lauro Baldini
Docente do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL) da UNICAMP. É membro fundador do Centro de Pesquisa PoEHMaS (Política,
Enunciação, História, Materialidades, Sexualidades), líder do Grupo de Pesquisa
PsiPoliS (Psicanálise, Política, Significante), e pesquisador do Grupo de Pesquisa
Mulheres em Discurso. É membro fundador e um dos coordenadores do Coletivo
Estação Psicanálise, que oferece atendimento psicanalítico gratuito na Estação
Cultura, em Campinas.
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Marcos Barbai
Possui mestrado (2004) e doutorado (2008) em Linguística, pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). É pesquisador do Laboratório de Estudos
Urbanos, do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da UNICAMP (desde
2010) e professor do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e
Cultural (IEL/Labjor). Realizou estágio de doutoramento e Pós-doutorado na
Universidade de Paris 3. Tem experiência em Linguística, com ênfase em Análise
de Discurso. É Psicanalista membro do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
Rogério Modesto
Professor do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa
Cruz (UESC), atuando como docente na graduação em Letras e no Programa de
Pós-graduação em Letras: Linguagens e Representações. Doutor e mestre em
Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É líder do grupo
de pesquisa DTeR–Discurso e Tensões Raciais (DLA/UESC/CNPq) e membro da
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Paola Capponi
Profesora titular de lengua española en la Universidad de Turín, ha trabajado en la
Universidad Pablo de Olavide de Sevilla y realizado estancias de investigación en
las universidades de Oxford, Lovaina y Ciudad de México (UNAM). Su investigación
se centra en lexicología, lingüística contrastiva y léxico de la astronomía (I nomi
di Orione. La lingua dell’astronomia tra scienza e tradizione, Venezia, Marsilio 2005;
La stella perduta. Le Pleiadi nella tradizione mitologica e popolare, Alessandria,
Dell’Orso 2010). Más recientemente sus intereses de han dirigido hacia el estudio
de los discursos intimidatorios. Parte de los resultados se ven plasmados en la
edición de un volumen monográfico (J.M. López Muñoz, P. Capponi, Os discursos
de intimidação de onde eles vêm e para onde vão?, «Fragmentum», 50//2017).
Pedro de Souza
Possui mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (1987) e doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de
Campinas (1993). Entre suas principais pesquisas e missões de estudo no exterior,
destaca o estudo, em nível de pós-doutorado, realizado e 2007, na École Normale
Supérieur, Lyon, sobre performance vocal nos ditos e escritos de Michel Foucault.
Dedica-se com maior intensidade aos projetos sobre voz e subjetivação na
palavra cantada, contribuindo para a construção de um arquivo sobre canção e
voz cantante no domínio da música popular brasileira, já contando com dezenas
de publicações sobre esses estudos. Segue sendo um dos principais estudiosos de
Michel Foucault no campo da Linguística e da Literatura. Atualmente é professor
Titular da Universidade Federal de Santa Catarina.
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Verli Petri
Professora associada da Universidade Federal de Santa Maria (DLV) e
é orientadora de trabalhos de iniciação científica, mestrado e doutorado (PPGL).
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Análise de Discurso e História
das Ideias Linguísticas. É a líder do Grupo de Estudos Palavra, Língua e Discurso–
PALLIND. É pesquisadora do Laboratório Corpus e do Centro de Documentação e
Memória, na UFSM. É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq–PQ2.
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A história de qualquer formação social é a história de horrores
perpetrados. Reivindicados pela memória, são condenados ou
celebrados, mas raramente se dissipam porque cumprem um expediente
fundamental na produção do imaginário social: fundam posições,
lugares de identificação, sustentam discursividades que organizam as
formas de vida e morte. Comparecem como objetos preponderantes
dos usos políticos do esquecimento e do memorável. É justamente por
isso que os arquivos, traços intervalares desses acontecimentos, não
são provas que representam o acontecido, mas objetos em disputa na
elaboração conflituosa do passado, presente e futuro.
Pensemos no Brasil, cujo horror nos toca mais de perto. Não seria
exagero dizer que este país foi erigido no horror da violência colonial,
do assassinato e da conversão dos povos originários; do tráfico
transatlântico de africanos, vidas transformadas em insumos do
modo de produção escravista; da ditadura civil-militar; da violência
de Estado contra negros, mulheres, transexuais, indígenas e demais
minorias. Elemento constitutivo da composição de uma formação
social, o horror ocupa, no entanto, as frestas de um imaginário nacional
marcado cinicamente pela sua negação: unidade, mistura harmônica
de raças, cordialidade.
A história de qualquer formação
perpetrados. Reivindicados pela
celebrados, mas raramente se dissip
fundamental na produção do im
Lauro Baldini - Docente do Departamen- lugares
Amanda de identifi
E. Scherer cação,Titular
- Professora sustentam
to de Linguística do Instituto de Estudos da formas de vida e morte. Compare
de Linguística do Departamento de Letras
Linguagem (IEL) da UNICAMP. É membro Clássicas
dos eusos
Linguística da Universidade
políticos Fe-
do esquecimento
fundador do Centro de Pesquisa PoEHMaS deral de Santa Maria (UFSM). Pesquisadora
isso que os arquivos, traços interv
(Política, Enunciação, História, Materia- do Laboratório Corpus (UFSM) e professora
lidades, Sexualidades), líder do Grupo de
são provas que representam o acon
do Programa de Pós-Graduação em Letras
Pesquisa PsiPoliS (Psicanálise, Política, elaboração conflituosa do passado,
da UFSM.
Significante), e pesquisador do Grupo de
Pensemos no Brasil, cujo horror n
Pesquisa Mulheres em Discurso. É membro
fundador e um dos coordenadores do Cole-
exagero dizer que este país foi erig
tivo Estação Psicanálise, que oferece aten- do assassinato e da conversão d
dimento psicanalítico gratuito na Estação transatlântico de africanos, vida
Cultura, em Campinas. modo de produção escravista; da
de Estado contra negros, mulhere
minorias.
Dantielli Elemento
Assumpção Garcia constitutivo
- Docente
da Graduação e da Pós-Graduação
social, o horror ocupa, no ementanto,
Le- a
tras na Universidade Estadual do Oeste do
marcado cinicamente pela sua neg
Paraná (UNIOESTE). Bolsista Produtivida-
de raças, cordialidade.
de Fundação Araucária/PR.