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ESTUDOS DO
GÓTICO
Alexander Meireles da Silva | Fernando Monteiro de Barros
Júlio França | Luciana Colucci
(Orgs.)
ESTUDOS DO
GÓTICO
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ruy Garcia Marques
Vice-Reitora
Maria Georgina Muniz Washington
Dialogarts
Coordenadores
Darcilia Simões
Flavio García
Conselho Editorial
Conselho Consultivo
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Copyrigth© 2017 Alexander Meireles da Silva; Fernando Monteiro de Barros; Júlio França;
Luciana Colucci (Org.)
Capa
Pedro Puro Sasse
Diagramação
Equipe Labsem
Revisão
NuTraT – Núcleo de Tratamento Técnico de Texto
Supervisão de Nathan Sousa de Sena
Érica Goes
Elen Pereira de Lima
Karine Sant’anna de Andrade
Produção
UDT LABSEM – Unidade de Desenvolvimento Tecnológico Laboratório Multidisciplinar
de Semiótica
FICHA CATALOGRÁFICA
S586 SILVA, Alexander Meireles da; BARROS, Fernando Monteiro de; FRANÇA, Júlio;
B277 COLUCCI, Luciana (Org.) Estudos do Gótico.
F814
C726 Rio de Janeiro: Dialogarts, 2017.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8199-076-7
1. Estudos do Gótico. 2. Estudos Literários. 3. Estudos Comparados. 4. Crítica.
I. Alexander Meireles da Silva; Fernando Monteiro de Barros; Júlio França;
Luciana Colucci. II. SePEL.UERJ. III. UERJ. IV. Título.
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO 5
Alexander Meireles da Silva (UFG); Fernando Monteiro de Barros (UERJ); Júlio França (UERJ);
Luciana Colucci (UFTM)
AS CONFIGURAÇÕES GÓTICAS DO TEMA DA CASA MAL-ASSOMBRADA EM THE
HAUNTING OF HILL HOUSE, DE SHIRLEY JACKSON, E EM O ILUMINADO, DE STEPHEN
7
KING
Alessandro Yuri Alegrette (UNESP)
PERSPECTIVAS DO GÓTICO FEMININO EM “O CASO DE RUTH”, DE JÚLIA LOPES DE
ALMEIDA 13
Ana Paula Santos (UERJ)
DENTRO DA ÚLTIMA NOITE: A SIMBOLOGIA GÓTICA NA LITERATURA DE JOÃO
DO RIO 21
Bruno Oliveira Tardin (UFV)
NOS SUBTERRÂNEOS DO GÓTICO FEMININO MODERNO: UM OLHAR EM “O JARDIM
SELVAGEM”, DE LYGIA FAGUNDES TELLES 32
Camila Aparecida Virgílio Batista (UFG)
UM RETRATO DO SERTÃO GOIANO: DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE O GÓTICO E O
EXPRESSIONISMO EM UMA NARRATIVA DE BERNARDO ÉLIS 39
Fabianna Simão Bellizzi Carneiro (UERJ)
QUADROS DO GÓTICO NA POESIA BRASILEIRA
47
Fernando Monteiro de Barros (UERJ)
MACHADO DE ASSIS LEITOR DE POE: A RETOMADA IRÔNICA DA CONVENÇÃO
GÓTICA NO CONTO “UM ESQUELETO” 58
Greicy Pinto Bellin (UFPR)
A “PRAGA” DO SERTÃO: ASPECTOS DO GÓTICO EM COELHO NETO
Hélder Brinate Castro (UERJ)
65
“AS RUÍNAS DA GLÓRIA” E O GÓTICO SUBLIME DE FAGUNDES VARELA
75
João Pedro Bellas (UERJ)
MARCAS DO GÓTICO E DO FANTÁSTICO EM O TRONCO DO IPÊ, DE JOSÉ DE ALENCAR
81
Karla Menezes Lopes Niels (UFF)
QUATRO FACES DE UM SERIAL KILLER, EM AMERICAN PSYCHO
86
Luciano Cabral (UERJ)
SOMBRAS NO ROMANCE EXPERIMENTAL: O DECADENTISMO DE ALUÍSIO AZEVEDO
99
Marina Sena (UERJ)
COORDENADAS DO MEDO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DA FICÇÃO DE HORROR
Pedro Puro Sasse da Silva (UERJ)
110
O ZUMBI QUE HABITA A FRONTEIRA: ENTRE O GÓTICO E O SLIPSTREAM
121
Raul Dias Pimenta (UFG); Alexander Meireles da Silva (UFG)
UM VAMPIRO NA NOITE CARIOCA: A JORNADA DO PRAZER DE JOÃO DO RIO
Sabrina Mesquita de Rezende (UFG); Alexander Meireles da Silva (UFG)
127
ESTUDOS DO GÓTICO
APRESENTAÇÃO
Alexander Meireles da Silva (UFG)
Fernando Monteiro de Barros (UERJ)
Júlio França (UERJ)
Luciana Colucci (UFTM)
INTRODUÇÃO
No ensaio Um teto todo seu, a escritora Virginia Woolf, ao discorrer sobre questões
relativas à mulher e à relação desta com a ficção, salienta que ao final do século XVIII houve
uma mudança “de maior importância do que as Cruzadas ou a Guerra das Rosas: a mulher da
classe média começou a escrever” (WOOLF, 1990, p.82). Ao longo de seu texto, a autora
chama atenção para o fato de que tal produção ficcional refletia os valores femininos – estes,
consideravelmente distintos dos valores masculinos que até então dominavam o mercado
literário (WOOLF, 1990, p.91-92).
Embora o ensaio não cite diretamente nomes como Clara Reeve, Sophia Lee, Charlotte
Smith ou Ann Radcliffe, essas mulheres são exemplos de escritoras que, entre o final do século
XVIII e o início do século XIX, adquiriram popularidade com a publicação de suas obras. A
exemplo, títulos como The Old English Baron (1777), de Clara Reeve, e The Mysteries of
Udolpho (1794), de Ann Radcliffe, tiveram números de venda expressivos na época de seus
respectivos lançamentos, e fizeram a reputação dessas escritoras no meio literário. Ambas as
obras representam, sobretudo, uma importante parte da ficção gótica escrita no século XVIII.
E, junto a Horace Walpole, William Beckford e M. G. Lewis essas autoras ajudaram a consolidar
algumas das principais características da estética gótica enquanto forma literária.
A ficção escrita por essas mulheres apresentava, porém, diferenças significativas em
relação ao gótico até então escrito: The Old English Baron buscava assumidamente reduzir os
efeitos sobrenaturais que abundavam em The Castle of Otranto (1764) e, por este motivo, foi
considerado por Walpole “uma história gótica (….) reduzida à razão e à previsibilidade”
(Walpole, Apud BOTTING, 1996, p.55). 1 Caso semelhante ocorreu com Ann Radcliffe: em
“Notas sobre o romance”, famoso prefácio de Os crimes do amor, o Marquês de Sade julga a
obra da escritora inglesa como “estranhos arrebatamentos” de sua “brilhante imaginação”
(2002, p.44), e declara sua preferência pela obra de M. G. Lewis, ao qual julga tratar dos
horrores de forma mais cruel e mais intensa.
As diferenças existentes entre a obra dessas escritoras e as demais obras do Gótico
literário permitem compreender a ficção escrita por elas como um viés, comumente nomeado
Gótico feminino. A teórica Anne Williams, em seu livro Art of Darkness: a Poetics of Gothic
(1995), entende que as particularidades dessa tradição do gótico literário originam-se a partir
da mudança na perspectiva do discurso. Para ela, a “versão feminina” da ficção gótica se
assemelharia à imagem de uma “mulher louca” aprisionada no sótão que, uma vez livre de seu
confinamento, revela os maus tratos aos quais fora submetida. Essa imagem reflete a principal
temática do Gótico feminino, a saber, o medo gerado dentro do âmbito familiar através da
denúncia de segredos domésticos monstruosos (WILLIAMS, 1995, p.10).
No Brasil, parte da obra de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) apresenta consonâncias
com a estética gótica. Porém, é no conto “O Caso de Ruth”, publicado em Ânsia Eterna (1903),
que a escritora mais se aproxima do Gótico feminino, sobretudo porque nessa obra, ao
1
Os trechos pertencentes a obras publicadas originalmente em língua inglesa e sem tradução para a língua
portuguesa foram traduzidos pelo autor deste artigo.
ESTUDOS DO GÓTICO
retratar o cotidiano doméstico, a escritora se volta para o lado mais obscuro dos problemas de
âmbito privado. Assim, pretendemos, por meio da análise da respectiva obra, explorar as
características dessa tradição do gótico escrito e lido por mulheres.
E a todos que acudiram nesse instante pareceu que viam sorrir a morta em
um êxtase, como se fora aquilo que ela desejasse…. (ALMEIDA, 1903, p.20-
21)
No trecho, a voz desconhecida e misteriosa é o estopim para a cena de ciúme
protagonizada por Eduardo Jordão. Através da perspectiva deste último, parecemos ver a
reação dos personagens já mortos, o Barão e a própria Ruth, satisfeita pela ação do noivo em
livrá-la de compartilhar o jazigo com o padrasto. Afinal, o suicídio da personagem representa o
seu desejo de libertar-se definitivamente do domínio masculino, fato que só conseguiria
através da morte. Contudo, a presença fantasmagórica do Barão se interpõe entre o casal até
o momento final, levando Eduardo Jordão às últimas consequências. A aniquilação do corpo de
Ruth confere à personagem, finalmente, a dissociação do mundo patriarcal ao qual ela estava
presa, e a liberdade almejada por ela, principalmente, no que diz respeito ao próprio passado.
Se analisarmos as demais narrativas do Gótico feminino, podemos perceber que uma de
suas características mais marcantes é justamente a abordagem dos elementos sobrenaturais
como meio de produzir um efeito de suspense no enredo (PUNTER; BYRON, 2004, p.279).
Como consequência, essa tradição do Gótico tem maior incidência de elementos que lidam
com o aspecto psicológico do que com o aspecto repulsivo. Porém, tais elementos tendem a
ser exaustivamente explicados e racionalizados ao final dessas narrativas, de modo a conferir
verossimilhança às mesmas.
Em contrapartida, no Gótico masculino, quando há a presença de elementos
sobrenaturais, estes permanecem sem uma explicação plausível, caracterizando finais em
aberto, mais prazerosos para o leitor por conta de suas infinitas possibilidades de leitura.
Nesse sentido específico, o conto de Júlia Lopes de Almeida se identifica com a tradição do
Gótico masculino, pois a escritora não apresenta uma explicação racional para a cena do
velório, o que confere ao desfecho da história maior poder de impressionar seu leitor. Ao final
de “O caso de Ruth” não temos certeza da procedência da voz que se manifesta no velório,
nem da veracidade das impressões de Eduardo Jordão em seu momento de loucura. Sabemos,
apenas, que a significativa morte de Ruth e o incêndio em seu velório libertam a protagonista
do sofrimento de que fora vítima em vida e que não será repetido em morte.
CONCLUSÃO
Como pudemos observar pelo final do conto de Júlia Lopes de Almeida, a escrita
feminina não se mostra nem um pouco otimista em relação à condição que a mulher assume
em sociedade. Por tal motivo, a crítica de cunho feminista, que surge com mais força a partir
dos anos 1960, entende as obras que se inserem nesta tradição como um sinal de protesto às
situações vivenciadas pelas mulheres no âmbito doméstico e à subjugação feminina ao
domínio patriarcal. Portanto, os enredos dessa tradição do Gótico podem ser entendidos como
sendo uma maneira de retratar a busca pela preservação de dignidade e de virtude, e a
procura, muitas vezes, por uma completude sentimental e sexual, entre outros anseios e
medos próprios do público feminino.
Para Sandra Vasconcelos, a escrita feminina gradualmente criou uma consciência crítica
dentro dos limites permitidos pela sociedade:
Desafiando convenções predominantes, suas vozes se levantaram para
protestar contra a subordinação feminina, contra os horizontes estreitos e a
falta de oportunidades. Como escritoras profissionais, o que por si só já era
um desafio aos tradicionais papéis destinados à mulher, era natural que
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Júlia Lopes de (1903). “O Caso de Ruth”. In: Ânsia Eterna. Rio de Janeiro: Garnier. p.9-21.
BOTTING, Fred (1996). Gothic. London: Routledge.
GROOM, Nick (2012). Gothic: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press.
PEREIRA, Lúcia Miguel (1988). História da literatura brasileira: prosa de ficção (1870 a 1920). São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo.
PUNTER, David; BYRON, Glenn (2004). The Gothic. Oxford: Blackwell.
SADE, Marquês de (2002). Os crimes do amor e A arte de escrever ao gosto do público. Porto Alegre:
L&PM.
VASCONCELOS, Sandra Guardini (2007). “Romance e construções do feminino” In: A formação do
romance inglês; ensaios teóricos. São Paulo: FAPESP. p.124-142.
VERÍSSIMO, José (1905). “Um romance da vida fluminense”. In: Estudos de literatura brasileira. Rio de
Janeiro: Garnier. p.141-151.
______. (1936). Letras e literatos. Rio de Janeiro: José Olympio.
WILLIAMS, Anne (1995). Art of Darkness: a poetics of Gothic. Chicago: The University of Chicago Press.
WOOLF, Virginia (1990). Um teto todo seu. São Paulo: Círculo do Livro.