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É alertar, como
afirma Chimamanda Ngozi Adichie, sobre o perigo de uma his-
tória única. Para Adichie, as “histórias importam” e este livro tem
como objetivo contá-las a partir da experiência vivida de su-
jeitos escravizados, racializados, generificados e sexualizados.
Nesse sentido, as autoras/autores/autorxs de Decolonizando
saberes interseccionados na literatura e na educação desafiam
o eixo temporal, espacial e subjetivo do sistema-mundo mo-
derno/colonial e suas instituições, incluindo a universidade/
escola, apresentando obras como protesto contra uma tradição
colonial secular que silencia e violenta os sujeitos que não se
enquadram ao modelo “heterossexual/branco/patriarcal/cris-
tão/militar/capitalista/europeu, com as suas várias hierarquias
globais enredadas e coexistentes no espaço e no tempo.
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Carlos Henrique Lucas Prof. Dr. Leandro Colling
Universidade Federal do Oeste da Bahia – UFOB Universidade Federal da Bahia – UFBA
Prof. Dr. Djalma Thürler Profa. Dra. Luma Nogueira de Andrade
Universidade Federal da Bahia – UFBA Universidade da Integração Internacional da Lusofonia
Profa. Dra. Fran Demétrio
Afro-Brasileira – UNILAB
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
Prof. Dr. Helder Thiago Maia Prof. Dr Guilherme Silva de Almeida
USP - Universidade de São Paulo Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Prof. Dr. Hilan Bensusan Prof. Dr. Marcio Caetano
Universidade de Brasília - UNB Universidade Federal do Rio Grande – FURG
Profa. Dra. Jaqueline Gomes de Jesus Profa. Dra. Maria de Fatima Lima Santos
Instituto Federal Rio de Janeiro – IFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Profa. Dra. Joana Azevedo Lima
Dr. Pablo Pérez Navarro
Devry Brasil – Faculdade Ruy Barbosa
Universidade de Coimbra - CES/Portugal
Prof. Dr. João Manuel de Oliveira
e Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG/Brasil
CIS-IUL, Instituto Universitário de Lisboa
Prof. Dr. Sergio Luiz Baptista da Silva
Profa. Dra. Jussara Carneiro Costa
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB Faculdade de Educação
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
7 APRESENTAÇÃO
MARCO AURELIO BARSANELLI DE ALMEIDA
REGIANE CORRÊA DE OLIVEIRA RAMOS
91 FEMINISMOS PÓS-COLONIAIS
MARCO AURELIO BARSANELLI DE ALMEIDA
1
Doutor em Letras pela UNESP/São José do Rio Preto. E-mail: marcoaurelio_maba@hotmail.com.
2
Professora adjunta da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Doutora e
mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo (USP).
Especialização em Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade de São Paulo (2004). Rea-
lizou estágio de Pós-doutorado em Estudos Literários pela UNESP/IBILCE de São José do
Rio Preto, regiane.ramos@uems.br.
3
MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica, pensamento independente e liberdade decolonial.
Revista X, v. 16, n. 1, p. 24-53, 2021.
4
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
5
Tratando da tradução do termo em espanhol “decolonialidad” para o português, a aparente
não unanimidade deve ser abordada neste momento. Preferimos o uso de “decolonialidade” ao
invés de “descolonialidade” pelo fato de que o uso do prefixo “des-” indica uma negação, uma
separação, isto é, um binarismo inevitável. Já o prefixo “de”, apesar de ter um sentido voltado
para contradições, não nos remete a um sistema dual. Ou seja, enquanto no primeiro há uma
tentativa de desfazer e superar o colonial, no segundo há uma possibilidade de empoderamento
político da subalternidade na transcendência da colonialidade.
6
“From now and forever, never again let there be war as this day has seen!” (DAVIS; SOLO-
MON, 2016, n.p.).
7
“Maori thrive on wars & revenge & feudin’, but peace kills ‘em off”” (MITCHELL, 2004, p. 32).
8
“[...] European settlers were the next ‘superior’ people, who would take over from Māori”
(HOWE, n.p., 2016).
9
“Comenzar todo de nuevo significa tener el poder de nombrar por primera vez el mundo; de
trazar fronteras para establecer cuáles conocimientos son legítimos y cuáles son ilegítimos, de-
finiendo además cuáles comportamientos son normales y cuáles patológicos. Por ello, el punto
cero es el del comienzo epistemológico absoluto, pero también el del control económico y social
sobre el mundo. Ubicarse en el punto cero equivale a tener el poder de instituir, de representar,
de construir una visión sobre el mundo social y natural reconocida como legítima y avalada por
el Estado” (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 25).
10
“La decolonialidad es, entonces, la energía que no se deja manejar por la lógica de la coloniali-
dad, ni se cree los cuentos de hadas de la retórica de la modernidad” (MIGNOLO, 2007, p. 27).
11
Percebemos esse apagamento no início da narrativa, quando a protagonista Adam Ewing
cai em um buraco e encontra nas árvores resquícios das esculturas e desenhos da tribo Mo-
riori, chamados dendroglyph, em inglês, ou momori rakau, na língua nativa. Tais esculturas,
praticamente inexistentes, sobrevivem ao apagamento cultural justamente por estarem em
um local de difícil acesso, em um buraco repleto de árvores.
12
“Bad bad poison this moeeka fish, Missa Ewing, one bite, aye, you sleep, you never wake no
mo’” (MITCHELL, 2004, p. 31).
Apesar das ações de certo cunho extremista, Autua não demonstra querer
voltar a um período mais primitivo ou apagar as influências coloniais. De
13
“[…] reinforces the distinction by revaluating the weaker or subservient partner. And it has
often led to compelling but often demagogic assertions about a native past, history, or actuality
that seems to stand free not only of the colonizer but of worldly time itself” (SAID, 1997, p. 82).
14
“Autua escaped again & during his second spell of freedom he was granted secret asylum by Mr.
D’Arnoq for some months, at no little risk to the latter. During this sojourn Autua was baptized
& turned to the Lord” (MITCHELL, 2004, p. 31).
15
“‘Nights, ancestors visited. Days, I yarned tales of Maui to birds & birds yarned sea tales to I’”
(MITCHELL, 2004, p. 32).
16
“A server is woken at hour four-thirty by stimulin in the airflow, then yellow- up in our
dormroom. [...] At hour five we man our tellers around the Hub, ready for the elevator to bring
the new day’s first consumers. For the following nineteen hours we greet diners, input orders, tray
food, vend drinks, upstock condiments, wipe tables, and bin garbage” (MITCHELL, 2004, p. 185).
17
“What you describe is beyond the ... conceivable, Sonmi~451. Murdering fabricants to supply
dineries with food and Soap ... no. The charge is preposterous, no, it’s unconscionable, no it’s
blasphemy! [...] as a consumer of the corpocracy, I am impelled to say, what you saw must, must
have been a Union ... set created for your benefit. No such ... ‘slaughtership’ could possibly be
permitted to xist. The Beloved Chairman would never permit it! [...] If fabricants weren’t paid
for their labor in retirement communities, the whole pyramid would be ... the foulest perfidy”
(MITCHELL, 2004, p. 343-344).
18
“[…] que el capitalismo no es sólo un sistema económico [...] y tampoco es sólo un sistema
cultural [...], sino que es una red global de poder, integrada por procesos económicos, políticos
y culturales [...]” (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p. 17).
19
Nomenclatura utilizada por Mitchell para designar pessoas que nasceram da concepção
natural (tradução nossa de pureblood).
20
“The genomics industry demands huge quantities of liquefied biomatter [...] for Soap. What
cheaper way to supply this protein than by recycling fabricants who have reached the end of their
working lives?” (MITCHELL, 2004, p. 343).
21
“[...] la apertura y la libertad del pensamiento y de formas de vidas-otras (economías-otras,
teorías políticas-otras); la limpieza de la colonialidad del ser y del saber; el desprendimiento de la
retórica de la modernidad y de su imaginario imperial articulado en la retórica de la democracia.
El pensamiento decolonial tiene como razón de ser y objetivo la decolonialidad del poder [...]”
(MIGNOLO, 2007, p. 29-30).
22
“I, only I, wrote Declarations over three weeks at Ūlsukdo Ceo [...]. During its composition I
consulted a judge, a genomiscist, a syntaxist, and General An-Kor Apis, but the Ascended Cate-
chisms of Declarations, their logic and ethics, denounced at my trial as ‘the ugliest wickedness in
the annals of deviancy’, were the fruits of my mind, Archivist, fed by xperiences I have narrated
to you this morning” (MITCHELL, 2004, p. 346-347).
3. As hierarquias escravocratas
Retornando às hierarquias do sistema, enquanto Sonmi luta contra as
hierarquias escravocratas patriarcais, Autua enfrenta as de cunho racista.
Aníbal Quijano (2005) admite questões raciais no cerne das discussões de
poder e do capitalismo, percebendo que, com a diferenciação da população
entre europeus e não europeus, veio a classificação de dominantes/superiores
e dominados/inferiores, respectivamente. Dessa maneira, como os grupos
hegemônicos europeus consideram-se superiores, todos os grupos distintos
— aqui, a aparência biológica como raça, gênero, sexo, entre outros, são le-
23
“[...] en un primer periodo, principalmente el ‘color’ de la piel y del cabello y la forma y el
color de los ojos; más tarde, en los siglos XIX y XX, también otros rasgos como la forma de la
cara, el tamaño del cráneo, la forma y el tamaño de la nariz. [...] De ese modo, se adjudicó a los
dominadores/superiores europeos el atributo de ‘raza blanca’, y a todos los dominados/inferiores
‘no- europeos’, el atributo de ‘razas de color’” (QUIJANO, 2005, p. 120).
24
“So this d——d Blackamoor wants us to be grateful to him?” (MITCHELL, 2004, p. 33).
25
“James Coffee, a hog farmer, said the Maori had performed the White Man a service by exter-
minating another race of brutes to make space for us […]” (MITCHELL, 2004, p. 16).
26
“Thrice he asked of strangers, ‘Where doctor, friend?’ Thrice he was ignored (one answered,
‘No medicine for stinking Blacks!’) before an old fish seller grunted directions to a sick house”
(MITCHELL, 2004, p. 505).
“My ideas have been reproduced a billionfold. [...] As Seneca warned Nero: No matter how
27
many of us you kill, you will never kill your successor” (MITCHELL, 2004, p. 349).
28
Artigo originalmente publicado no dossiê “Linguagens em movimento: América Latina,
feminismos e dissidências”, da Revista Terceira Margem (v. 26, n. 48), em 2022.
29
Professora adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
30
Doutorando em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto
– SP – Brasil.
31
O uso do vocábulo “trans”, neste texto, aponta para uma posição conceitual (aparentemente
neutra) que entende as dinâmicas históricas, políticas e sociais sobre “travesti” e “transexual”.
Assim, como destaca Amara Moira (2021), a distinção entre esses termos deve ser “borrada”,
não podendo esquecer os elementos incorporados no debate de construção da diferença, as
questões de classe social, de raça e de vulnerabilidade, bem como o caráter higienista e estig-
matizado recaído sobre os corpos nomeados como “travestis”.
32
Optamos por usar Matriz Colonial de Poder (MCP) com iniciais maiúsculas devido ao fato
de se usar a abreviação (MCP) com iniciais maiúsculas. A sigla MCP, em inglês CMP (Colo-
nial Matrix of Power) é um termo cunhado por um dos teóricos da decolonialidade, Walter
Mignolo (2018). É também retomado por Catherine Walsh (2018).
Mais adiante o autor explica esse “privilégio” como uma situação de con-
forto, porém não pleno “por ser gay e enfrentar a homofobia”. Ainda assim,
Ludermir parece possuir um sentimento de “culpa” por não estarmos, nós,
leitores, lendo diretamente um texto escrito por essas vozes, tão massacradas
e inferiorizadas socialmente. Ao todo, somam-se onze histórias (umas bem
curtas, de até uma página, e outras mais longas), cada qual com sua peculia-
33
Para Quijano (2005), trata-se de um controle exercido desde o início da colonização da
América (a partir de 1492), baseado na distinção feita pelos colonizadores entre os conceitos
de superioridade (colonizador) e inferioridade (colonizado).
O trecho acima mostra que Anne sabe dos enfrentamentos com o pai e a
dificuldade que teria pela frente em ser ela mesma, no entanto, não consegue
entender o que haveria de errado em sua conduta, só sabia que “era grave”.
Percebe-se, na história de Anne, como os preconceitos são construídos dentro
do espaço familiar e, também, no espaço social, sempre sustentados pela MCP.
Em outro trecho, o pai revela bem claramente sua forma patriarcal de
agir. Primeiro, agride a ex-mulher, fisicamente, e depois a filha, verbalmente:
E sobre Maria Clara, do conto “Formas de voltar para casa”, o narrador relata:
34
“If violence is done against those who are unreal, then, from the perspective of violence, it fails
to injure or negate those lives since those lives are already negated. But they have a strange way of
remaining animated and so must be negated again (and again). They cannot be mourned because
they are always already lost or, rather, never “were,” and they must be killed, since they seem to
live on, stubbornly, in this state of deadness. Violence renews itself in the face of the apparent
inexhaustibility of its object.” (BUTLER, 2004, p. 33)
35
“It is the means by which a life becomes, or fails to become, a publicly grievable life, an icon for
national self-recognition, the means by which a life becomes noteworthy.” (BUTLER, 2004, p. 34)
Interessante notar, nos textos, que a não aceitação social pesa mais pelo
fato de as corporeidades trans estarem relacionadas a adereços femininos,
como o uso de batom, a maquiagem e as roupas, a princípio. Há ainda aquelas
que optam pelo uso de hormônios e de silicone, quando em idade para realizar
transformações. Isso tudo faz com que essas mulheres se tornem ainda mais
subalternizadas e estigmatizadas socialmente, pois elas são vistas, na pers-
pectiva patriarcal, como uma afronta à masculinidade viril. No entanto, nos
bastidores da hipocrisia são, na maioria, esses mesmos indivíduos patriarcais
que vão buscar sexo com elas.
O patriarcado é um sistema extremamente nocivo para a sociedade.
Desde tempos remotos, na Grécia e Roma antigas, século V a. C, homens
cis-heterossexuais já eram o foco dos privilégios. A superioridade física do
homem com relação à mulher e o fato de se valorizar o pênis — Deus Pría-
po — fez com que outras subjetividades fossem consideradas “menores”,
tanto fisicamente quanto intelectualmente (LERNER, 2020; NIGRO et al.,
2020). Mais adiante, na história, temos a ideia de superioridade/inferioridade
conectada ao conceito de raça, concebido, pela primeira vez, pelos coloni-
zadores da América por volta de 1492. Desde essa data, as discriminações,
inferiorizações e superioridade de um povo sobre outro tomaram proporções
catastróficas. Com a colonização, as pessoas passaram a ser classificadas, ro-
tuladas, estigmatizadas, sempre dentro do binarismo homem/mulher, para
36
“Most human beings today live in a patriarchal culture of one kind of another. A patriarchal
culture consists in a manner of living centered in appropriation, domination and submission,
mistrust and control, sexual and racial discrimination, and war. In a patriarchal culture human
coexistence may have many different forms, but it is essentially political. In it relations are viewed
mostly as instrumental for gaining superiority in a continuous power struggle, and are lived
mostly as such” (MATURANA, 2008, s.p.).
37
“[…] the redefining and re-signifying of life in conditions of dignity” (MIGNOLO; WALSH,
2018, p. 3).
38
O projeto de Ludermir se estende a outras plataformas de produção de subjetividade. Em
seu canal no YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCSHal0k1-i10GoIm1H090bw),
o autor apresenta uma série de entrevistas e leituras dos trechos do livro, compartilhadas
diretamente com as personagens das histórias narradas.
39
“negate, disavow, distort and deny knowledges, subjectivities, world senses, and life visions”
(MIGNOLO; WALSH, 2018, p. 4).
40
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
41
Professora adjunta no Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, campus Três Lagoas.
42
“The African was […] defined as an inferior human being. The representation of the African
as Other signified phenotypical and cultural characteristics as evidence of this inferiority and
the attributed condition of Africans therefore constituted a measure of European progress and
civilization.” (MILES, 1989, p. 75).
43
“[…] the heritage of slavery in African-American culture and its impact on the positioning of
people of colour within a framework of values dominated by the mainstream culture of whites
who tended to assume the slave was ‘a kind of tabula rasa upon which the white man could write
what he chose’ […]. The ‘master-culture’, like the master of the plantation who sought to rule the
lives of the slaves, tried to impose its norms and values on the minority group who were derided
because of their colour and because of an inherited European view of the African as barbaric,
heathen and inferior.” (CAMPBELL; KEAN, 1997, p. 75).
44
Trata-se do retrato da escrava Anastácia. Quanto às explicações acerca da referida imagem,
por serem bastante congruentes, reproduzimos aquelas fornecidas por Grada Kilomba em seu
livro: “Esta imagem penetrante vai de encontro à/ao espectadora/espectador transmitindo os
horrores da escravidão sofridos pelas gerações de africanas/os escravizadas/os. Sem história
oficial, alguns dizem que Anastácia era filha de uma família real Kimbundo, nascida em
Angola, sequestrada e levada para a Bahia e escravizada por uma família portuguesa. Após
o retorno dessa família para Portugal, ela teria sido vendida a um dono de uma plantação de
cana-de-açúcar. Outros alegam que ela teria sido uma princesa Nagô/Yorubá antes de ter sido
capturada por europeus traficantes de pessoas e trazida ao Brasil na condição de escravizada.
Enquanto outros ainda contam que a Bahia foi seu local de nascimento. Seu nome africano
é desconhecido. Anastácia foi o nome dado a ela durante a escravização. Segundo todos os
relatos, ela foi forçada a usar um colar de ferro muito pesado, além da máscara facial que a
impedia de falar. As razões dadas para esse castigo variam: alguns relatam seu ativismo polí-
tico no auxílio em fugas de ‘outras/os’ escravizadas/os; outros dizem que ela havia resistido às
investidas sexuais do ‘senhor’ branco. Outra versão ainda transfere a culpa para o ciúme de
O excerto acima tem como foco evidenciar o modo pelo qual a más-
cara configurava-se enquanto elemento de manutenção caro às prescrições
coloniais. Embora tivesse uma função dita oficial e, portanto, manifesta, tal
artefato, como constata Grada Kilomba, cumpria uma finalidade sub-reptícia
e, sem dúvida, mais tirânica: a implementação de um “senso de mudez e de
medo”. Dentro da perspectiva da ordem colonial, esse dispositivo é justamente
o elemento simbólico e brutal que sintetiza a totalidade da violência impin-
uma sinhá que temia a beleza de Anastácia. Dizem também que ela possuía poderes de cura
imensos e que chegou a realizar milagres. Anastácia era vista como santa entre escravizadas/
os africanas/os. Após um longo período de sofrimento, ela morre de tétano causado pelo
colar de ferro ao redor de seu pescoço. O retrato de Anastácia foi feito por um francês de 27
anos chamado Jacques Arago, que se juntou a uma ‘expedição científica’ pelo Brasil como
desenhista, entre dezembro de 1817 e janeiro de 1818. Há outros desenhos de máscaras co-
brindo o rosto inteiro de escravizadas/os, somente com dois furos para os olhos; estas eram
usadas para prevenir o ato de comer terra, uma prática entre escravizadas/os africanas/os
para cometer suicídio. Na segunda metade do século XX a figura de Anastácia começou a se
tornar símbolo da brutalidade da escravidão e seu contínuo legado do racismo. Ela se tornou
uma figura política e religiosa importante em torno do mundo africano e afrodiaspórico,
representando a resistência histórica desses povos. A primeira veneração de larga escala foi
em 1967, quando o curador do Museu do Negro do Rio de Janeiro erigiu uma exposição para
honrar o 80° aniversário da abolição da escravização no Brasil. Anastácia também é comu-
mente vista como uma santa dos Pretos Velhos, diretamente relacionada ao Orixá Oxalá ou
Obatalá – orixá da paz, da serenidade e da sabedoria – e é objeto de devoção no Candomblé
e na Umbanda” (KILOMBA, 2019, p. 35-36).
45
“Qu’est-ce donc que vous espériez, quand vous ôtiez le bâillon qui fermait ces bouches noires?
Qu’elles allaient entonner vos louanges ? Ces têtes que nos pères avaient courbées jusqu’à terre par
la force, pensiez-vous, quand elles se relèveraient, lire l’adoration dans leurs yeux ?” (SARTRE,
1948, p. ix).
46
“[…] the imposed ‘silence’ inherited from slavery and perpetuated in the written history and
social frameworks” (CAMPBELL; KEAN, 1997, p. 74).
47
“Moving from silence into speech is for the oppressed, the colonized, the exploited, and those
who stand and struggle side by side, a gesture of defiance that heals, that makes new life, and new
growth possible. It is that act of speech, of ‘talking back’ that is no mere gesture of empty words, that
is the expression of moving from object to subject, that is the liberated voice.” (HOOKS, 1989, p. 9).
48
“What does a consciousness of the experience of life under patriarchy and racial hierarchy
bring to jurisprudence?” (MATSUDA,1989, p. 8).
Em um caleidoscópio
de cromatismos
somos o que faz o arco-íris brilhar
irradiamos sabedoria
resistindo às tempestades da escravidão
e às águas gélidas do racismo
Não é segredo
como danço ritmos sincopados
despertadas pelo bater dos tambores
as vozes dos antepassados FALAM
espíritos se movendo profundamente
por séculos de espinhas dorsais
curvadas e dobradas, nunca partidas
pela linguagem dos tambores
as vozes dos antepassados, roubadas
e despojadas, jamais serão silenciadas novamente
sou herdeiro desses ritmos
eu os reivindico.
49
“Reclamations // First world people are a mystery / They are my-story / I reclaim it // In a
kaleidoscope / of complexions / we are what makes the rainbow glow / we sunshine wisdom /
weathering storms of slavery / & icy waters of racism // We are warmed by the heat of self love /
we sparkle beauty / born of a majestic people / I reclaim kinks & naps / MINE / thick lips & flat
noses / MINE / blues & soul / MINE // It’s no secret / how I dance to syncopated rhythms / moved
by the pounding of onyx colored on drums / the voices of the ancestors SPEAK / spirits moving
deep / through centuries of backbones / bowed & bent but never broke / through the language
of the drums / voices of ancestors who were stolen / & stripped will never be silent again / I am
heir to these rhythms / I reclaim them. // Through dark nights / without the light of a moon / we
continue to shine / riding and gliding on the wind / as the breath of mother nature sighs / In the
ruins of His-story / as we sift through desert sands / city dirt / or Georgia red clay / we continue
to find our missing pieces // We are first world people / not third world people / not second class
people / not minority people / but majority people / & we want it all back / our secrets / our
songs / and our dance / BACK / our recipes / our incantations / and herbal remedies / BACK /
the chipped nose of the sphinx / Rebuilt / the forgotten language of a people / Re-spoken // First
world people are my-story / to reclaim all we’ve ever been / all that we are / & will forever /
continue / to be.” (GRIMES, 1994, p. 36-38).
50
“[…] world where we are forced to cup our hands over our mouths or suffer under the lash of
imprisonment, unemployment, or even death.” (BEAM, 2008, p. 184).
51
“If I cannot vocalize a dream, which is the first step toward its realization, then I have no dream.
It remains a thought, a vision without form. I dare myself to dream that our blood is thicker than
difference.” (BEAM, 2008, p. 186-187).
52
“What legacy is to be found in our silence?” (BEAM, 2008, p. 184).
Religião
A poesia é a minha
sacrossanta escritura,
cruzada evangélica
que deflagro deste púlpito.
Só ela me salvará
da guela do abismo.
Já não digo como ponte
que me religue
a algum distante céu,
mas como pinguela mesmo,
elo entre alheios eus.
BEAM, J. (Ed.). In the Life: A Black Gay Anthology. 2. ed. Washington, DC: Redbone
Press, 2008.
BUTLER, J. O clamor de Antígona: parentesco entre a vida e a morte. Tradução de
André Cechinel. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.
CAMPBELL, N.; KEAN, A. American Cultural Studies: An Introduction to Ame-
rican Culture. New York: Routledge, 1997.
EVARISTO, C. Nossa fala estilhaça a máscara do silêncio. Carta Capital, 13 mai.
2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/conceicao-evaris-
to-201cnossa-fala-estilhaca-a-mascara-do-silencio201d/. Acesso em: 31 mai. 2020.
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador:
EDUFBA, 2008 [1952].
FAUSTINO, D. M. Prefácio. In: RESTIER, H; SOUZA, R. M. (Orgs.). Diálogos con-
temporâneos: sobre homens negros e masculinidades. São Paulo: Ciclo Contínuo
Editorial, 2019, p. 13-20.
GRIMES, T. Reclamations. Cambridge: Parfait de Cocoa, 1994.
HOOKS, B. Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black. Boston, MA: South
End Press, 1989.
KAUR, R. Outros jeitos de usar a boca. Tradução de Ana Guadalupe. 2. ed. São
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KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução
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LORDE, A. Irmã outsider: ensaio e conferências. Tradução de Stephanie Borges.
Belo Horizonte, Autêntica, 2019 [1984].
MATSUDA, M. J. When the First Quail Calls: Multiple Consciousness as Jurispru-
dential Method. Women’s Rights Law Reporter, v. 11, n. 1, p. 7-10, 1989.
MILES, R. Racism. London: Routledge, 1989.
MOTTA, V. Eis o homem. Vitória: Ed. da Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1987.
MOTTA, W. Bundo e outros poemas. Campinas: Editora UNICAMP, 1996.
RESTIER, H.; SOUZA, R. M. (Orgs.). Diálogos contemporâneos: sobre homens
negros e masculinidades. São Paulo: Ciclo Contínuo Editorial, 2019.
SANTOS, R. A. O protesto lírico em Waldo Motta. Estação Literária. v. 8 A, p.
54 - 64, 2011.
SARTRE, J. Orphée Noir. In: SENGHOR, L. S. (Org.). Anthologie de la nouvelle
poésie nègre et malgache de langue française. Paris: Quadrige / PUF: 1948. p. ix-xliv.
Introdução
Histórias são feitas para tornar as pessoas melhores, não são feitas para
serem geniais e inventadas para ficarem mantidas presas em torres de mar-
fim, inacessíveis a tantos. Muitos textos literários são produzidos para serem
lidos por todos. Neste artigo, temos a intenção de tratar de textos literários
para crianças e jovens, que trazem a descoberta e a validade de identidades,
hegemônicas ou não, e confirmam ou refutam o racismo estrutural ao qual
estamos expostos; aquele que, para Silvio de Almeida (2019), constitui as
relações no seu padrão de normalidade e está tão imbricado na nossa socie-
dade a ponto de levar os sujeitos, muitas vezes, a replicarem ações e atitudes
impensadas.
As palavras e os diálogos escolhidos para este trabalho perpetuam a
criança que há em nós, na poesia e nas reivindicações ideológicas contidas nas
histórias aparentemente inocentes. Reconectar as crianças e os adultos leitores
com as reflexões que fazemos na nossa sociedade nos ajuda a reinventar a
“realidade”, a impactar significados estáticos e endurecidos, a propor meios
de sentir o mundo, com suas nuances, tons, sons e percepções.
53
Artigo publicado na Revista Panorâmica online, dossiê n. 33 (2021).
54
Professora doutoranda na Secretaria Municipal de Educação de São José do Rio Preto.
55
Professora associada na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
Nesse sentido, temos em uma obra literária, voltada para crianças e jo-
vens, um diálogo com suas mais diferentes emoções, manifestação cultural
e social, de modo também a expressar valores, crenças, representações e
simbologias. Se ler o outro e sobre o outro tem importância fundamental na
formação leitora do indivíduo, o contato com textos literários, que apresentam
personagens em diferentes contextos, [...] permite uma visão ampliada do
mundo (DEBUS, 2017, p. 29).
As infâncias são fases muito importantes nas vidas das crianças. É o
momento de grandes construções, descobertas e aprendizagens. E dentro
dessas vivências e experiências, as crianças notam as diferenças raciais em
seu convívio, percebendo e constituindo a sua consciência racial.
Para Rita de Cássia Fazzi (2012, p. 84), “no mundo infantil, ser conside-
rado moreno ou preto/negro é significativamente importante e pode represen-
tar um tratamento social diferenciado”. Em seus estudos, a autora observa,
entre crianças, a estigmatização da categoria “preto/negro” e a valorização
da categoria “moreno”, esta última não se manifestando como prática nas
categorias de xingamentos.
Fazzi (2012) ainda relata em suas pesquisas com crianças que a expressão
“nega do cabelo duro” é usada como forma de inferiorização, como revelado
na fala de outra criança:
Finalizando...
Após a apresentação dos dois livros, pudemos constatar que às crianças
do século XXI só podem ser dadas oportunidades para construir as suas
identidades e também para desconstruir crenças hegemônicas ainda cris-
talizadas e presentes, herdadas do processo de colonização e escravatura, a
que foram submetidas.
A utilização de outras leituras na escola, com protagonistas cujas vozes
podemos ouvir, são bem-vindas. Há premência em aprendermos sobre as
ancestralidades africanas para reconstituir nosso imaginário restrito às an-
cestralidades europeias e ampliar o respeito às mulheres negras que circulam
com seus corpos na sociedade.
Introdução
Neste capítulo apresentaremos algumas concepções sobre os estudos
pós-coloniais e sobre teorias feministas a fim de propor reflexões acerca de
pontos de encontro entre ambos os horizontes de estudo, de maneira a com-
preender como seus entrelaçamentos podem ser observados na contempo-
raneidade. Iniciaremos nossas considerações a partir dos estudos sobre o
pós-colonialismo.
A evolução dos estudos pós-coloniais desde seus primeiros escritos na
década de 1970 acompanha a constante marcha de movimentos sociais, cujas
concepções compartilham elementos semelhantes. O surgimento de grandes
expoentes das teorias pós-coloniais, notavelmente na Índia, na África e nas
Américas, possibilitou não apenas a disseminação desses conceitos como
também a pluralidade de realidades percebidas dentro das ideias pós-colo-
niais, permitindo a incorporação de outras vivências ao horizonte teórico
pós-colonial.
Entre o final dos anos 1960 e início da década de 1970, o movimento fe-
minista também desponta nos Estados Unidos e se alastra por diversos lugares
do mundo. Comumente subdividido por “ondas”, o pensamento feminista
lança sementes em profusas realidades sociais e culturais, culminando em
56
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
57
Suprimir la “s” y nombrar “decolonial” no es promover un anglicismo. Por el contrario, es
marcar una distinción con el significado en castellano del “des”. No pretendemos simplemente
desarmar, deshacer o revertir lo colonial; es decir, pasar de un momento colonial a un no colonial,
como que fuera posible que sus patrones y huellas desistan de existir. La intención, más bien, es
señalar y provocar un posicionamiento –una postura y actitud continua– de transgredir, inter-
venir, in-surgir e incidir. Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual
podemos identificar, visibilizar y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones alternativas
(WALSH, 2009, p. 14-15).
58
That man over there says that women need to be helped into carriages, and lifted over ditches,
and to have the best place everywhere. Nobody ever helps me into carriages, or over mud-puddles,
or gives me any best place! And ain’t I a woman? Look at me! Look at my arm! I have ploughed
and planted, and gathered into barns, and no man could head me! And ain’t I a woman? I could
work as much and eat as much as a man - when I could get it - and bear the lash as well! And
ain’t I a woman? I have borne thirteen children, and seen most all sold off to slavery, and when
I cried out with my mother’s grief, none but Jesus heard me! And ain’t I a woman?
Then they talk about this thing in the head; what’s this they call it? [member of audience whispers,
“intellect”] That’s it, honey. What’s that got to do with women’s rights or negroes’ rights? If my
cup won’t hold but a pint, and yours holds a quart, wouldn’t you be mean not to let me have my
little half measure full?
Then that little man in black there, he says women can’t have as much rights as men, ‘cause Christ
wasn’t a woman! Where did your Christ come from? Where did your Christ come from? From
God and a woman! Man had nothing to do with Him.
If the first woman God ever made was strong enough to turn the world upside down all alone,
these women together ought to be able to turn it back, and get it right side up again! And now
they is asking to do it, the men better let them. (Disponível em: < https://sourcebooks.fordham.
edu/mod/sojtruth-woman.asp>. Acesso em: 19 de abril de 2022.)
59
One has only to look at American television twenty-four hours a day for an entire week to learn
the way in which black women are perceived in American society – the predominant image is
that of the “fallen” woman, the whore, the slut, the prostitute (HOOKS, 1990, p. 52).
manentes/cdhm/noticias/sistema-carcerario-brasileiro-negros-e-pobres-na-prisao>. Acesso
em: 21 abr. 2022.
61
Disponível em: <https://carceraria.org.br/mulher-encarcerada/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-
-prende-mulheres-62-delas-sao-negras>. Acesso em: 21 abr. 2022.
Considerações finais
O encerramento oficial dos domínios coloniais das grandes potências
industriais europeias não significou o fim das relações exploratórias, auto-
ritárias e opressoras nascidas da dominação imperialista. Da mesma forma,
o término do período escravagista não impediu que diversos modos de vio-
lência e dominação continuassem a fazer parte da existência quotidiana dos
grupos desviantes dos padrões hegemônicos.
O poder de antigos colonizadores sobre seus ex-colonizados é cons-
tantemente renovado em sociedades nas quais esse domínio é exercido por
meio de concepções machistas criadas pelo pensamento patriarcal, fazendo
com que insurreições contra essa espécie de opressão sexista sejam também
insurreições contra laços colonizadores.
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WALSH, C. Interculturalidad, estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra
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62
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil..
63
Professora associada na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil..
64
Professor Assistente da Concordia University. Departamento de Inglês. Montreal, QC, Canadá.
65
“To be sure, the regulatory power of “family” has extended beyond the care and provision of
children to include the stabilizing and normalizing – and even protection – of heteropatriarchal
sexuality and gender roles. Family has been understood as the site in which society entrusts a
large portion of the responsibility of teaching and maintaining these roles. In turn, family has been
understood in various contexts as the originator and perpetuator of highly valued social scripts
related to gender and sexuality. Family has acted as a stage on which sex differentiation, gender
role and behavior, and sexuality identity and practices are played out, refereed, and protected. In
thinking about the journey of “family” through the lens of gender and sexuality regulation, I am
reminded of instances of protecting femininity and ensuring male superiority/potency, securing
the purity of the body, and teaching about becoming husbands and wives.” (YOUNG, 2016, p. xv).
66
Segundo Johnson (2005) e De Morais (2020), quare são sujeitos LGBTQIA+ racializados,
comprometidos com a luta contra todas as formas de opressão – de raça/etnia, de sexo, de
gênero, de classe, de religião entre outras.
67
“To speak about a progressive, nonauthoritarian black family as one site of redemption (as I
often do in my work) is important. […] Rather than working from a seriously flawed patriarchal
model as the ‘ideal,’ we need to address the real black family which is diverse and acknowledge
the positive possibilities that exist for transformation in all black family structures. The reality is
this. Patriarchal families are not safe, constructive places for the development of identities and
kinship ties free of the crippling weight of domination.” (HOOKS, 1995, p. 72-73).
Gêmeos fraternos
Gêmeos fraternos
floresceram e desabrocharam
de beliches a quartos separados
segredos partilhados de
novos amores encontrados
e virgindade perdida
68
“Fraternal Twins // Popcorn kernel head boy / with rabbit teeth and slender fingers / CLICK/ /
Knock-kneed girl / with pigeon toes and hot sauce thumb / CLICK/ / those fraternal twins posed
/ hammed it up / for the lens of a hungry camera / said ‘CHEESE’ and smiled // When gazing
at the black and white snapshot / some say ‘Ooh ain’t they cute’ / but those twins felt so ugly /
ears bent with comments of / she so big / he so small / she so dark / he so light / she so rough / he
so delicate / she so loud / he so quiet / she should have been a boy / he should have been a girl /
twins / wounded by blunt-edged tongues / those switch-blade comparisons / cut bone deep / yet
the love / the closeness / and the telepathic connections / have never been severed // Fraternal
twins / blossomed and bloomed / from bunk beds to separate rooms / shared secrets of / new
found loves / and lost virginities // Older and wiser / they come together / occasionally / Gaze at
fading black and white snapshots / and reminisce / about two pitiful looking chocolate children
/ with those greasy foreheads / and secondhand clothes / relinquishing what they once thought /
was ugly / about each other / ‘Ooh ain’t we cute?’” (GRIMES, 1994, p. 20-21).
69
“[…] love, commitment, fortitude, and daily survival reaffirm to me the notion that relationships
and families are creative and formative things” (YOUNG, 2016, p. vii).
70
“Who Said It Was Simple // There are so many roots to the tree of anger/ that sometimes the
branches shatter / before they bear. // Sitting in Nedicks / the women rally before they march /
discussing the problematic girls / they hire to make them free. / An almost white counterman
passes / a waiting brother to serve them first / and the ladies neither notice nor reject / the slighter
pleasures of their slavery. / But I who am bound by my mirror / as well as my bed / see causes in
colour / as well as sex // and sit here wondering / which me will survive / all these liberations.
(LORDE, 1973, s.p.).
71
“afterlife of slavery” (HARTMAN, 2007, p. 6).
72
“It is not that Afro-diasporic and African populations don’t connect as friends and lovers and
fuck buddies […] but that these forms of encounters rarely take central stage as the grounds for
theorizing Afro-diasporic and African relationships. What happens when the erotic is at the heart
of how Afro-diasporic and African populations encounter each other? What happens when the
erotic is at the heart of how they imagine each other?” (MACHARIA, 2019, p. 66).
73
“[…] captures the aesthetic (as a term of artistic practice) and the libidinal (as a term of sex
practice), and so gestures to the creative ways the sexual can be used to imagine and create
worlds” (MACHARIA, 2019, p. 4).
74
“[…] strive, in the face of the here and now’s totalizing rendering of reality, to think and feel a
then and there” (MUÑOZ, 2009, p. 1).
75
“[…] refreshing way[s] to re-imagine South Africa and transcend the repetition of the horrors
repeated everyday in the newspapers” (MDA, 2018, 31).
76
“[…] the racialized context of queer South Africa, which his dominated by white queers”
(MACHARIA, 2016, p. 39).
77
“An old testament / A cage” where the speaker is “a shadow / A dream deferred” (PUTUMA, 2017, p. 25).
78
“The first man / you are taught to revere / is a white man,” and foregrounds that “The gospel /
is how whiteness breaks into our homes / and brings us to our knees” (PUTUMA, 2017, p. 25).
79
“Things done in the dark now coming to light / Two womxn humping in the back of a cab
ride from a club in Green Point to res / A mouth without cellotape” (PUTUMA, 2017, p. 26).
80
“bored/and hungover/and horny” (PUTUMA, 2017, p. 30).
81
“Is a march / Is a club” but it is also “a new kind of paranoia” (PUTUMA, 2017, p. 26).
A justaposição dos dois espaços não revela suas diferenças, mas, antes,
sua similaridade, pois o desejo do “eu” é excluído – e, às vezes, violentamente
expulso – de cada um deles. O real é marcado por uma ausência de espaço
disponível para o erótico do parentesco quare, pois, todo local é rigorosamente
policiado, e o corpo dissidente sexual negro é constrangido a zonas abjetas
de não pertencimento.
Apesar das restrições do real e das violências que anuncia, o poema abre
brechas para imaginar o contrário, apontando um mundo ainda por vir. En-
quanto a violência, no parágrafo acima, condena o corpo à absoluta abjeção,
descartando-o como lixo ou constrangendo-o ao mal, o poema consagra uma
salvação queer/quare na qual a vida lésbica suplanta a mitologia do Cristo
branco. “Meu pai, o imagino”, diz o “eu”, “pregando sobre um Deus cujas
mãos estavam atadas com roupas íntimas, e os tornozelos, com cadarços”
(PUTUMA, 2017, p. 30, tradução nossa)83:
O “eu” enfatiza esse sermão imaginado com a pergunta: “E por que não
há domingo de Páscoa para corpos queer / Quando as lésbicas são crucificadas
82
“In the North, my hands are raised in worship. / In the South, my hands are raised in protest // Ei-
ther way, I am always surrendering. // The North says my body belongs in hell. / The South says my
body belongs in a dump. // In both spaces my body is at the mercy of men.” (PUTUMA, 2017, p. 27).
83
“I imagine him, my father,” / “preaching about a God whose hands were tied with underwear
and her ankles with shoelaces” (PUTUMA, 2017, p. 30).
84
“He says: some will not remember the Cavalry of queer bodies / How this crucifixion is a gospel
that goes unpreached / Goes unnamed / Unrecorded (most times)” (PUTUMA, 2017, p. 30).
85
“And why is it that there is no Easter Sunday for queer bodies / When lesbians are crucified
like Christ?” (PUTUMA, 2017, p. 30).
86
“[…] the supernatural, the surreal, [and] the mythical … layer and disrupt the real and com-
ment on it” (VILJOEN, 2013, p. vi).
87
“[…] a deeper understanding of what happened to me” (DUIKER, 2001, p. 10).
88
“[…] a myth growing inside me, a story that was written long ago by someone else, perhaps a be-
nign god / remember[s] a time that stretches back further than memory” (DUIKER, 2001, p. 379).
89
“Who’s got all the power? Who decides who stays or leaves? / White people” (DUIKER, 2001, p. 346).
90
“Cape Town is very white, the influence of European traditions like coffee shops and Bistros. In
some places in Cape Town you don’t feel like you’re in Africa” (DUIKER, 2001, p. 420).
91
“I feel at home / I see Africa. I feel like I live in Africa when I walk out in the street and hear
dark-skinned beauties rapping in Lingala or Congo or a French patois I don’t understand” (DUI-
KER, 2001, p. 454).
92
“[...] meet[s] special men who come from different places. I don’t always sleep with them, but
intimacy of some sort is a part of our ritual” (DUIKER, 2001, p. 456).
Considerações
Enfocando o desmantelamento de modelos pré-concebidos não só de
família/parentesco mas também de raça/etnia, de gênero e de sexualidade,
investigamos, neste capítulo, como a experiência do parentesco, em suas
novas conformações, é abordada em textos literários. A leitura das compo-
sições literárias de Thomas Grimes, Audre Lorde, Cidinha da Silva, Koleka
Putuma e K. Sello Duiker, autores quare tanto do Norte quanto do Sul globais,
permitiu-nos demonstrar que, porque erigida sobre as bases do cis-heterofa-
locentrismo branco e elitista, a concepção tradicional de família/parentesco
inviabiliza o vislumbre de um futuro, ou futuros possíveis para as existências
quare. Nossas análises nos direcionaram à conclusão de que o parentesco,
pensado tanto como espaço profundo de socialização e politização e como
agrupamento circunstancial e provisório, extrapola os laços de sangue das
estruturas familiares e religiosas e direciona-se a alianças de afinidade ex-
periencial. Assim, passa, portanto, a englobar toda a comunidade da qual
fazemos parte, que respeitamos e que, ao mesmo tempo, respeita-nos tanto
em nossas semelhanças quanto em nossas diferenças. Se futuros quare pu-
derem, de fato, existir, isso significa que, de algum modo, o parentesco e o
desejo quare foram capazes de fissurar os legados coloniais do cristianismo
e os regimes heteroreprodutivos de relação.
93
“My horizons are broadening. When I am with these men I realize how fragile we are, how
complete our destruction will be. [...] But those who know their way around life will survive”
(DUIKER, 2001, p. 456).
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MDA, Z. Justify The Enemy: Becoming Human in South Africa. Pietermaritzburg:
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Introdução
O Brasil é um país marcado pelas desigualdades e preconceitos, onde a
valorização da cultura afro-brasileira e o enfrentamento das discriminações
e dos preconceitos passam, necessariamente, pelo trabalho no âmbito escolar.
Desconstruir estereótipos e valorizar aspectos de uma cultura, constitutiva
de nosso país, requer a discussão do tema e a formação docente para atuar
neste sentido.
94
Professora mestra em Matemática na Educação Básica (SEE-SP).
95
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP),
campus de São José do Rio Preto.
3. Considerações finais
Os jogos Oware e Borboleta possibilitaram o trabalho didático e a am-
pliação de conhecimentos e habilidades matemáticas, aproximando os alunos
da cultura, da história e do legado africano, principalmente de dois povos
GUERRA, D. AIÚ: A herança africana dos jogos de mancala no Brasil. Revista África
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VERGANI, T. Educação etnomatemática: o que é? Natal: Flecha do Tempo, 2007.
96
Professora adjunta da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
97
Mestre em Estudos Literários pela Universidad de Granada (UGR).
98
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil..
RR: Quem é Sukhdeep Singh? Por favor, conte-nos um pouco sobre você.
Sukhdeep Singh (SS): Sou um gay sikh de trinta e poucos anos, envolvi-
do em várias coisas. Cresci em Calcutá em uma família sikh e me formei em
Engenharia no IIT Dhanbad. Enquanto estava na faculdade, me assumi gay
e fundei a Gaylaxy Magazine, uma revista eletrônica LGBTQIA+. Depois de
me formar, comecei a trabalhar como engenheiro de software. Paralelamente,
sou editor dessa revista. Gaylaxy é mais um projeto de paixão e completou 10
anos. Atualmente moro em Nova Delhi, onde trabalho como Engenheiro de
Software Sênior. Recentemente, também terminei meu primeiro documen-
tário sobre queer sikhs, chamado Sab Rab De Bande (Somos todes criações
de Deus).
RR: Você poderia falar um pouco sobre a cultura Punjabi? Qual o sig-
nificado dela para os queer sikhs?
SS: Nunca tive problemas com minhas múltiplas identidades. São todas
partes de mim e acho maravilhoso carregar tantas identidades diferentes
dentro de mim. Na verdade, outras pessoas parecem estar confusas ou com
problemas em aceitar que uma pessoa pode ter tantas identidades diferentes
ao mesmo tempo. As pessoas gostam de rotular os outros com identidades
definidas. Como não podem fazer isso comigo, têm um problema.
RR: Como foi a recepção de Sab Rab De Bande (Somos todes criações
de Deus)?
SS: A recepção de Sab Rab De Bande tem sido extremamente boa desde
o início, quando a notícia sobre o projeto foi divulgada. Nossa campanha
de crowdfunding atingiu o objetivo em menos de duas semanas. Há muita
emoção e expectativa para o documentário. E as críticas iniciais da imprensa
também foram positivas. Sab Rab De Bande também está sendo selecionado
em muitos festivais de cinema.
RR: Como foi para você produzir esse documentário? O que foi mais difícil?
SS: O tema era extremamente significativo para mim e queria fazer esse
documentário há muito tempo. Porém, também foi muito desafiador. Este é o
meu primeiro documentário e não tinha experiência de contar as histórias de
pessoas diferentes em menos de 30 minutos. Além disso, não tinha nenhum
patrocinador ou algo do tipo, foi tudo autofinanciado no começo.
O maior desafio para mim foi encontrar pessoas queer sikh que estives-
sem dispostas a aparecer diante das câmeras e compartilhar suas experiências.
Quem primeiro se juntou ao projeto foi Amolak, que me contatou após ver
uma postagem minha no Facebook. Tivemos uma longa conversa e elx disse
que esse é um tema importante e que deveríamos levar nossas histórias ao
público. Entretanto, depois disso, foi uma longa busca. Algumas pessoas
que tinham de fato se assumido para a família ou para os círculos próximos
concordaram inicialmente, mas depois desistiram de participar. Busquei pes-
soas nas mídias sociais e entrava em contato com elas se achasse que tinham
uma história para contar. Eu até garantia que manteríamos suas identidades
ocultas, mas, mesmo assim, as pessoas tinham medo. Ao longo de dois ou três
anos, finalmente conheci pessoas que concordaram fazer parte do documen-
tário. Mesmo quando concordavam, muitas não se sentiam à vontade para
filmar em sua casa ou no local de trabalho porque, mesmo assumidos(as),
esse não era um assunto com o qual a família se sentisse confortável em lidar.
Além disso, o tempo era outro problema, porque eu estava trabalhando em
tempo integral e o cinegrafista e os integrantes do documentário também.
SS: Não tenho certeza se posso dizer que estou satisfeito, mas estou feliz
sim com o resultado final. Essa é a história que queria contar ao mundo.
Ademais, com todas as nossas restrições, tanto financeira quanto outras,
fiz o melhor que pude e estou feliz com o resultado. Há muitas maneiras de
ser queer sikh e queria retratar isso. Consegui representá-las por meio das
cinco histórias.
RR: Por que Ekampreet e Puneet não mostram seus rostos no documen-
tário? Estavam com medo de retaliação?
SS: Tanto Ekampreet quanto Puneet tinham receio de mostrar seus rostos
e eu tive de lhes prometer que suas identidades não seriam reveladas. Ekam-
preet não tinha se assumido gay para a família ou para qualquer outra pessoa
(exceto para alguns amigos íntimos). No caso da Puneet, ela estava muito
ansiosa sobre como as pessoas poderiam se comportar se soubessem sobre a
identidade lésbica. Não é fácil ser mulher na sociedade indiana e ser mulher
lésbica significa se expor ao dobro da opressão e marginalização. Ela estava
muito preocupada com o julgamento das pessoas e como isso poderia afetar
sua vida e seus relacionamentos. Na verdade, quando o documentário estava
pronto e estávamos prestes a participar de festivais de cinema, Puneet teve
uma espécie de crise de pânico e me ligou, pedindo para deletar sua filmagem
do documentário. Tive que acalmá-la e, em seguida, desfocar ainda mais seu
rosto nas cenas nas quais ela parecia estar preocupada. Esta é a primeira vez
em que os queer sikhs na Índia discutem abertamente vários aspectos da vida
e da religião. Não é fácil se expor assim. Além disso, ninguém entre nós sabia
como seria a reação da comunidade sikh.
SS: Pessoalmente, não encontrei uma pessoa queer sikh que desistiu da
identidade religiosa ou da religião por causa da sexualidade. Conheci alguns
homens sikh gays, alguns deles Amrithdaris (Amritdhari Sikhs são indivíduos
que passaram pela cerimônia de iniciação Amrit Sanskar), que não viam
suas identidades religiosas e queer em conflito, por causa da mensagem mais
abrangente de aceitação e igualdade da religião sikh.
SS: Acho que a solução para mudar atitudes é por meio do diálogo e da
discussão. Ao contrário de outras religiões, não houve um debate ou discussão
sobre o tema da homossexualidade dentro da comunidade sikh. Os líderes
religiosos sempre assumiram uma postura reacionária, sem tentar entender a
homossexualidade ou quais são as histórias de pessoas queer. Por exemplo, o
Akal Takht sempre que falava sobre o assunto era em reação a certos eventos,
como a legislação sobre casamentos entre pessoas do mesmo sexo no Canadá
e a decisão do artigo 377 na Índia .
É importante para a comunidade queer se engajar com esses líderes
e contar nossas histórias e educá-los sobre gênero e sexualidade também.
Quanto mais os queer sikhs se assumirem, mais seremos vistos como parte
da comunidade sikh. Espero que Sab Rab De Bande ajude a trazer essas ex-
periências vividas à tona e a iniciar uma conversa.
SS: Fora da Índia, em alguns países como Reino Unido, Canadá ou Es-
tados Unidos com uma diáspora sikh maior, sei que existem grupos de apoio
trazendo à tona essas discussões sobre religião e sexualidade. Também estão
ajudando seus membros a aceitar ambas as identidades. Estamos em um
momento muito importante, em que ou caminhamos para uma interpre-
tação mais receptiva e inclusiva sobre religião e sexualidade ou temos uma
interpretação muito rígida.
Introdução
Poderia o discurso literário de autoria negra apresentar-se como uma das
ferramentas para superar o racismo na sociedade brasileira contemporânea?
Caso sim, de que forma a palavra, signo expressivo da literatura, oferece
instrumentos para a superação deste mal social no Brasil?
Karenga (2009, p. 333) elucida-nos que só é possível “[...] compreender o
presente nos referindo ao passado e estudando-o de forma contínua, quando
qualquer um dos fenômenos complicados de nossa vida cotidiana nos deixa
perplexos”. Segundo o pesquisador, ao surgirem problemas religiosos, políti-
cos ou mesmo raciais, devemos, sempre, lembrar que, embora sua resolução
esteja no presente, sua causa e explicação se encontram no passado.
Para responder a essas questões, propomos a reflexão da obra Ponciá
Vicêncio de Conceição Evaristo, por oferecer conceitos e saberes significativos
para pensar não só o racismo, a cultura africana e a afro-brasileira no texto,
mas também a resistência da crítica, da historiografia literária e, portanto,
da educação como um todo, tendo em vista que o assunto, muitas vezes, é
demonizado em nossa sociedade.
99
Professor pós-doutor na Escola da Rede Federal do Espírito Santo.
100
“Kiusam de Oliveira: ‘No Brasil, Ensina-se a Ser Racista, Aprende-se a Ser Racista’”. Por Duan-
ne Ribeiro. Disponível em Revista Úrsula: https://revistaursula.com.br/filosofia/kiusam-de-o-
liveira-no-brasil-ensina-se-a-ser-racista-aprende-se-a-ser-racista/. Acesso em julho de 2022.
Considerações finais
Como a educação escolar pode se manter, ainda, distante da diversidade,
uma vez que essa se faz presente no cotidiano escolar por meio da presença
de professores e de professoras, e de alunos e de alunas dos mais diferentes
pertencimentos étnico-raciais, idades e culturas? (GOMES, 2007).
Do ponto de vista cultural, a diversidade deveria ser entendida como a
construção histórica, cultural e social das diferenças. Trata-se, sim, de desafio
enfrentado por todos nós que atuamos no campo da educação, sobretudo, o
escolar: da etapa básica ao Ensino Superior em que se insere a pós-graduação
das diversas áreas do conhecimento.
Como pontua Gomes (2007), é necessário ter clareza sobre a concepção
de educação que nos orienta, pois há uma relação estreita entre o olhar e o
trato pedagógico da diversidade e a concepção de educação que informa as
práticas educativas, o que torna a formação continuada de professores funda-
mental em épocas de retrocesso. Por mais que a diversidade seja um elemento
constitutivo do processo de humanização, há uma intenção nas culturas, de
um modo geral, de destacar como positivos e melhores os valores que lhe
são próprios, gerando certo estranhamento e, até mesmo, uma rejeição em
relação ao diferente, o que chamamos de etnocentrismo (GOMES, 2007).
Diante da realidade cultural da educação, da escola brasileira, bem como
do quadro de desigualdades raciais e sociais no Brasil, já não cabe mais aos
educadores e às educadoras aceitarem a diversidade étnico-cultural apenas
como um desafio. Nossa responsabilidade ética e social como cidadãs e ci-
dadãos exige mais de nós, como pontuam Gomes e Silva (2011). Exige-se de
todos nós uma postura e uma tomada real de posição diante dos sujeitos da
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“Kiusam de Oliveira: ‘No Brasil, Ensina-se a Ser Racista, Aprende-se a Ser Racista’”. Por Duan-
ne Ribeiro. Disponível em Revista Úrsula: https://revistaursula.com.br/filosofia/kiusam-de-o-
liveira-no-brasil-ensina-se-a-ser-racista-aprende-se-a-ser-racista/. Acesso em julho de 2022.
Introdução
Ao se falar sobre povos, sejam das florestas, estepes ou civilizações, é
praticamente impossível não se evocar o conceito de cultura. Partir-se-á
inicialmente das tentativas de se estabelecer sua definição. Mércio Pereira
Gomes afirma que:
102
Especialista na área de Antropologia (Estudos Amazônicos) pela Universidade de Brasília (UnB).
103
Su curiosidad lo llevó más tarde a hablar personalmente con varios tupinambá, a escuchar
sus comentarios y a transcribir, en su capítulo “Des cannibales” (2007, libro I, cap. XXI), su
perplejidad a propósito de sus extrañas costumbres y de las injusticias de la sociedad francesa
de su tiempo (Bataillon, 1959). (...) El carácter provocativo del texto de Montaigne, debido a su
“apología” del canibalismo, apuntaba sobre todo a criticar los vicios y los defectos de nuestras
sociedades, poniendo en contraste la violencia de los conquistadores y las prácticas alimenticias
de los tupinambá (Chinard, 1911; Lafaye, 2001; Lestringant, 2005) (TALADOIRE, 2018, p. 52).
Entretanto, cabe ressaltar que a figura do índio vai, mesmo sob tais in-
fluências, sofrer diversas modificações ao longo da história do Brasil, por meio
da literatura e das mudanças sociais que o país, em busca de uma identidade
intelectual e artística autênticas, sofrerá.
A literatura como fonte historiográfica, que se apresenta, como afirma
Terry Eagleton (1978), como um reflexo documental da história, mostra a
causa indígena, assim como a antiescravista, como parte fundante dos dis-
cursos intelectuais que impactaram as correntes teóricas do estudo do belo
e seus desdobramentos sociais e políticos ao longo do Brasil Império e da
República Velha, principalmente.
A primeira geração romântica, assim chamada indianista, vociferou, nas
vozes de José de Alencar e Gonçalves Dias, contra diversas formas de opressão
aos índios. A própria busca pela identidade pátria fomentou nos primórdios
do movimento indigenista um fôlego de autenticidade que reverberou na
sociedade letrada por meio de muitos escritores, historiadores e críticos,
como Capistrano de Abreu, que chegou a afirmar:
Em suma, o índio foi apresentado ora como ser quase humano, ora como
selvagem de bom coração, mas que desconhece os princípios da criação cristã,
ora como objeto de estudos da etnologia, com sua voz, embora ouvida em
alguns aspectos, raramente estando em primeiro plano, ecoando por outras
bocas e por outras escritas.
104
Entende-se por patrimônio cultural imaterial ou cultura imaterial as práticas, representa-
ções, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e
lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,
os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio
3. O Sopro da Vida
A literatura reverbera pela imaterialidade, oral e mitológica dos povos
haliêuticos, das matas e das serras, por suas (escre)vivências, residindo na
etnoprodução artística indígena a potente relação entre signos numa pers-
pectiva oral, literária, folclórica, plástica e etnográfica, mostrando a cone-
xão dialética, polissêmica e autopoiética entre a arte mitológica, totêmica
e antropomórfica das cosmogonias das florestas e a produção artística em
múltiplas vertentes.
O antropomorfismo é um elemento fantástico muito comum na literatura
indígena dos povos brasileiros. A figura do espírito que toma forma de um
animal ou que é encarnada nos saberes tradicionais por meio das gerações
compõe a forte relação binomial entre o antrópico, físico e presente, com o
totêmico, desencarnado, passado. Yeleazar Meletinski afirma que:
Para Cascudo (2001, p. 328), “as lendas são episódios heroicos ou senti-
mentais, com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitido e conser-
105
Entende-se como material, cultural e antropologicamente falando, a produção física de um
povo, de suas matérias primas próprias, o amálgama de técnicas e epistemes produtivas que lhes
dão forma. A arte plástica, a vestimenta, a indumentária, a instrumentalidade, a arquitetura,
a visualidade, a tintura e tantas enumeráveis formas de construções físicas que tomam forma
pelas culturas humanas constituem materialidade.
106
Doutor em Literatura Comparada pela Université de Montréal, Canadá. Professor da Fa-
culdade de Letras e Ciências Humanas da Université de Sherbrooke, Canadá.
107
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil..
108
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
109
A raça e a racialização no discurso nacionalista canadense têm sido teorizadas por uma
série de estudiosos trabalhando a partir de uma variedade de disciplinas. A obra The Vertical
Mosaic, de John Porter (1965), indica que os anglo-saxões brancos e protestantes ocupavam
um lugar de privilégio na hierarquia socioeconômica canadense, enquanto minorias visíveis
e nativos ocupavam seus degraus mais baixos. Veja também Ethnicity in Canada: Theoretical
Perspectives (1981), de Anderson e Frideres; Ethnicity and Ethnic Relations in Canada (1980),
de Bienvenue e Goldstein; e Race and Ethnic Relations in Canada (1999), de Li.
110
Foucault demonstrou como várias formas de subjetividade foram criadas por meio da
institucionalização do poder. Em prisões, hospitais e asilos, um novo tipo de sujeito foi criado
mediante a aplicação de minuciosos processos de vigilância, disciplina, arregimentação e exa-
me, produzindo corpos subjugados e dóceis. O gueto étnico, como forma institucionalizada de
discurso espacial, também produz subjetividades encarnadas (o outro oriental, o estrangeiro
residente) por meio de várias formas de vigilância e controle.
111
Chinaman é um termo ofensivo e, em alguns casos, arcaico. NdT.
Termo utilizado para se referir a pessoas de origem chinesa que falsificavam documentos
112
para simular legalidade ao entrar em outros países, passando-se por parentes de cidadãos dos
países de destino. NdT.
113
Se a ferrovia tem sido um mito fundacional da nação, cuja ligação do leste com o oeste
simboliza a industrialização canadense e o domínio sobre seu imenso território, seu significado
simbólico para os grupos excluídos é bem diferente. Para os nativos de The Ecstasy of Rita
Joe, de George Ryga, a ferrovia torna-se uma ameaça física que destrói o corpo “selvagem” do
indígena, enquanto que para os afro-canadenses que serviram como carregadores, as ferrovias
passaram a representar a precariedade econômica e a limitada mobilidade social.
114
Em Mapping Men and Empire: A Geography of Adventure (1997, p. 143), Richard Phillips
escreve que “unmap é desnaturalizar a geografia e, portanto, minar as visões de mundo que
sobre ela repousam”.
115
A Orla do Pacífico, como um paradigma espacial de construção de nação, alcança breve-
mente a consciência nacional com o influxo de uma próspera comunidade empresarial chinesa
quando a Inglaterra cessa o controle político sobre Hong Kong. Senão, a Orla do Pacífico é
mais comumente entendida e construída como uma rede por meio da qual os “indesejáveis”
refugiados ilegais dirigem-se para as costas da Colúmbia Britânica. Glenn Deer examina a
recepção de “ilegais” asiáticos e sugere que “os asiáticos, na América do Norte, seja recém-saído
do barco enferrujado de um snakehead (contrabandista de pessoas), ou um descendente de
quarta geração de pioneiros asiáticos canadenses, continuam a ser interpelados como uma
alteridade estereotipada e simplificada, por uma narrativa histórica que inclui atos de exclusão,
internação, privação de direitos e tributação discriminatória” (DEER, 1999, p. 6).
116
Máquina que processa peixe para ser enlatado. Inventada em 1903, por Edmund Augustine
Smith, foi nomeada como “Iron Chink” devido ao grande número de trabalhadores chineses
nas fábricas. Chink foi um termo racialmente depreciativo utilizado em referência aos traba-
lhadores chineses. NdT.
117
“No discurso racista”, escreve Sibley, “animais representados como transgressores e, por-
tanto, ameaçando conjuntos incorruptos de coisas e grupos sociais, como ratos que saem dos
esgotos e espalham doenças, foram, por sua vez, usados para ameaçar grupos minoritários
[...] animalizar ou desumanizar um grupo minoritário, desta forma, naturalmente, legitima
sua perseguição” (SIBLEY, 1995, p. 10).
118
Ser “interpelado” é ser “chamado” como sujeito por um aparelho ideológico. Ashcroft,
Griffiths e Tiffin ilustram o processo da seguinte forma: “Quando um policial te saúda com o
chamado ‘Ei você!’, no momento em que você se vira para reconhecer que é o objeto de sua
atenção, você foi interpelado de uma forma particular, como um tipo particular de sujeito.
Os aparelhos ideológicos de Estado interpelam os sujeitos desta forma” (ASHCROFT et al.,
2001, p. 221).
119
Michael Keith e Nigel Thrift (1995, p. 48) escrevem: “[...] codificado na estética e na ética
de encontrar o olhar de alguém/o eu, o regime escópico ainda persiste como um cenário de
ambiguidade, incerteza e conflito; transfixado pelo olhar interrogador, as pessoas são cons-
trangidas e desviam o olhar – para lugares diferentes”.
120
Professora do Departamento de Filologia Inglesa e Alemã na Universidad de Córdoba.
121
Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE). São José do Rio Preto – SP – Brasil.
122
Professora adjunta da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).